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BRICS MONITOR Desdobramentos do IX Encontro Minis- terial da OMC e as Agendas dos Países BRICS para Bali Dezembro, 2013 Country Desks

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BRICS MONITOR

Desdobramentos do IX Encontro Minis-

terial da OMC e as Agendas dos Países

BRICS para Bali

Dezembro, 2013

Country Desks

BRICS POLICY CENTER – COUNTRY DESKS

Desdobramentos do IX Encontro Ministerial da OMC e as Agendas dos Países BRICS para Bali

Autores: André Nogueira, Jessica de Oliveira e Paulo Cesar Ferreira

Coordenação: Carlo Patti

Colaboração: Equipe Country Desk1

Desdobramentos do IX Encontro Ministerial da OMC e as Agendas dos

Países BRICS para Bali

1. Introdução

A IX Reunião Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), realizada

em Bali, Indonésia, entre os dias 3 e 6 de dezembro de 2013, foi concluída com um novo

acordo voltado para o comércio mundial. Após dias de intensas negociações, o Pacote de

Bali (como vem sendo chamado) conseguiu finalmente avançar em pontos da Rodada de

Doha, iniciada em 2001. Como afirmado pelo diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo:

com o Pacote de Bali, firmou-se o compromisso com a Organização Mundial do

Comércio, bem como com a resolução da Rodada de Doha para o

Desenvolvimento (...). As decisões tomadas aqui foram os primeiros passos em

direção a um acordo sobre a Rodada de Doha 2

Tendo em vista o contexto dos preparativos e, posteriormente, do encontro

ministerial ocorrido no período mencionado, este Monitor tem como objetivo discorrer

sobre a agenda geral da OMC para Bali, com especial atenção às agendas individuais dos

países BRICS. Da mesma forma, serão discutidos alguns dos desdobramentos do chamado

Pacote de Bali.

1 Octavio Ribeiro, José Manuel Otero Barros, Luis Stubbe, Marie Lefebvre, Nathan Burchard e Vanessa

Grant. 2 Tradução livre do Inglês: ―With the Bali package you have reaffirmed not just your commitment to the

WTO — but also to the delivery of the Doha Development Agenda, (…) the decisions we have taken here are

an important stepping stone towards the completion of the Doha round‖. Fonte: WORLD TRADE

ORGANIZATION. Days 3, 4 and 5: Round-the-clock consultations produce ‗Bali Package‘. WTO, 5-7 dez.

2013. Disponível em: <http://www.wto.org/english/news_e/news13_e/mc9sum_07dec13_e.htm#dg> Acesso

em: 10 dez. 2013.

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Desdobramentos do IX Encontro Ministerial da OMC e as Agendas dos Países BRICS para Bali

2. Agenda e conclusões gerais da reunião de Bali: caminho para a

conclusão da Rodada Doha?

A IX conferência ministerial da OMC é entendida como parte do ciclo da chamada

Rodada Doha para o Desenvolvimento3. Esta última visa à reestruturação dos regimes da

OMC em diferentes setores, almejando uma reconfiguração da organização para que, desse

modo, a OMC se torne mais adequada ao atual panorama multilateral do comércio. Para

tanto, foram promovidos seis ciclos de negociação para tentar concluir o processo: Doha

(2001), Cancun (2003), Genebra (2004), Paris (2005), Hong Kong (2005), Potsdam (2007),

Genebra (2008) e Bali (2013). A rodada tinha o término previsto para 2005, contudo,

diante de contratempos relacionados a consenso e, portanto, ao cumprimento dos objetivos

estabelecidos, vem se estendendo até então. Observa-se, ainda, que a demora no processo

de decisão prejudicou a visão dos membros acerca da relevância da própria OMC ‒ uma

vez que não se observavam avanços na agenda para o desenvolvimento, bem como para o

multilateralismo, tendo em vista, em especial, os obstáculos que surgiram em decorrência

das discordâncias gerais sobre a temática da agricultura4.

No contexto do recente IX Encontro Ministerial, apesar de aprovado por consenso,

diversos países discordavam de partes do Pacote de Bali, no entanto, acabaram cedendo

determinadas posições em prol da retomada das discussões no âmbito da OMC – visto que

a organização vem tendo dificuldades em avançar as negociações da Rodada de Doha

desde 2008. Ademais, um acordo em Bali era tido como crucial para revigorar o

multilateralismo no âmbito global, que vinha sendo colocado em xeque por especialistas da

área caso não houvesse algum avanço nesse âmbito em Bali5. Dada a sua abrangência em

temas, o Pacote de Bali vem sendo visto como o primeiro grande acordo entre os membros

da OMC desde que a organização foi criada, em 1995, após a Rodada do Uruguai (1986-

1994)6.

3 MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR. Rodada Doha.

Disponível em: http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=5&menu=373 Acesso em: 23 dez.

2013. 4 OLIVEIRA, Ivan & THORSTENSEN, Vera. Os BRICS na OMC: Políticas Comerciais Comparadas de

Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. IPEA, Brasília, 2012, p. 399-402. 5 BBC. Reunião em Bali é decisiva sobre futuro da OMC e Rodada Doha. BBC Brasil, 3 dez. 2013.

Disponível em: < http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/12/131203_omc_bali_cm_dg.shtml>

Acesso em: 23 dez. 2013 6 WORLD TRADE ORGANIZATION. Days 3, 4 and 5: Round-the-clock consultations produce ‗Bali

Package‘. WTO, 5-7 dez. 2013. Disponível em:

<http://www.wto.org/english/news_e/news13_e/mc9sum_07dec13_e.htm#dg> Acesso em: 10 dez. 2013.

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Desdobramentos do IX Encontro Ministerial da OMC e as Agendas dos Países BRICS para Bali

O Pacote de Bali pode, então, ser definido como um acordo abrangente de

facilitação do comércio global através da redução de barreiras comerciais, contudo, menos

ambicioso do que o desenhado há 12 anos em Doha. O pacote inclui acordos nas diversas

áreas sancionadas pela OMC, a ver, facilitação no comércio, agricultura – incluindo

segurança alimentar – e temas gerais relacionados ao desenvolvimento.

Em relação ao tema de facilitação de comércio, o foco é simplificar procedimentos

aduaneiros (incluindo liberação, despacho e trânsito de mercadorias) através da redução de

custos, maximização de eficiência e velocidade, abrangendo praticamente todos os

produtos, desde matérias-primas a serviços financeiros e telecomunicações. No

concernente a assistência a países em desenvolvimento, avançou-se em prospectos de

medidas voltadas para a melhoria na infraestrutura, treinamento de funcionários

alfandegários, além de previsão de ajudas de custo na implementação de acordos. Calcula-

se um ganho total entre US$ 400 bilhões e US$ 1 trilhão decorrente dos acordos de Bali

para a facilitação de comércio, através da redução de custos entre 10 a 15% e do aumento

da arrecadação alfandegária, dos investimentos e do comércio em geral7.

No que se refere à temática da agricultura, reconheceu-se que os programas de

serviços gerais poderão contribuir de maneira abrangente para o desenvolvimento rural,

segurança alimentar e redução da pobreza, sobretudo nos países em desenvolvimento. No

que diz respeito à segurança alimentar, acordou-se uma resolução temporária (até que uma

definitiva seja alcançada) que permite aos países em desenvolvimento manterem uma

reserva pública para esse fim maior do que a permitida hoje pela OMC (em torno de 10%

do valor de produção), sob a justificativa de assegurar a segurança alimentar. Além disso,

as cotas tarifárias foram renegociadas, dado a preocupação em ter seu uso convertido como

mecanismo de barreira à importação. Acordou-se, então, a implementação de um

mecanismo de consulta e de informação entre os membros da OMC para fiscalizar as cotas

e informar quando elas não estão sendo utilizadas por completo. Ademais, outros três

acordos no âmbito da agricultura foram celebrados: o primeiro diz a respeito à estipulação

de certos programas de desenvolvimento e uso da terra como permitidos ou proibidos, de

acordo com as normas estabelecidas pela organização; o segundo se refere ao compromisso

dos países membros da OMC de manter os subsídios à exportação agrícola em nível baixo;

7 Idem, Ibid.

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Desdobramentos do IX Encontro Ministerial da OMC e as Agendas dos Países BRICS para Bali

enquanto o último garante maior acesso ao mercado de algodão para os países menos

desenvolvidos8.

Concernente à temática do desenvolvimento, o encontro representou um avanço em

quatro pontos. O primeiro diz respeito à redução de tarifas e ao acesso para os produtos de

países em desenvolvimento em mercados de países mais desenvolvidos. Houve a

simplificação das regras de priorização de produtos oriundos de países menos

desenvolvidos, com o intuito de facilitar o enquadramento de seus produtos nas

preferências para a entrada em outros mercados. Somado a tal acordo, como mencionado,

encontra-se também uma cláusula que estipula o acesso preferencial aos mercados de

países desenvolvidos para os produtos oriundos de países ditos desenvolvidos. Por fim, foi

criado um mecanismo de monitoramento e revisão do tratamento especial atribuído aos

países em desenvolvimento e seus respectivos produtos9.

Outros acordos pontuais também foram avançados em Bali. No que diz a respeito à

propriedade intelectual, acordou-se que casos de não violação – ou seja, aqueles que por

questões técnicas não se sabe se houve ou não violações das regras da OMC – não serão

levadas ao mecanismo de resolução de controvérsia da organização. De forma semelhante

ao da propriedade intelectual, concluiu-se um acordo a respeito do comércio eletrônico,

onde se estipulou a proibição de cobrança de tarifas de importação. A respeito das

pequenas economias, firmou-se o compromisso de buscar regras preferenciais claras para

tal grupo de países. Por fim, os países membros reafirmaram seu interesse na criação de

um mecanismo que ajude países em desenvolvimento a concluir suas trocas comerciais,

bem como a transposição de tecnologia dos países desenvolvidos aos em

desenvolvimento10

.

8 WORLD TRADE ORGANIZATION. Days 3, 4 and 5: Round-the-clock consultations produce ‗Bali

Package‘. Bali, 9Th

WTO Ministerial Conference, 5-7 dez. 2013. Disponível em:

<http://www.wto.org/english/news_e/news13_e/mc9sum_07dec13_e.htm#dg> Acesso em: 10 dez. 2013.

WORLD TRADE ORGANIZATION. Briefing note: Agriculture negotiations – the bid to ―harvest‖ some

―low hanging fruit‖. Bali, 9Th

WTO Ministerial Conference, 5-7 dez. 2013. Disponível em:

<http://www.wto.org/english/news_e/news13_e/agng_11oct13_e.htm#g33>. Acesso em: 10 dez. 2013.

WORLD TRADE ORGANIZATION. Farm talks chair outlines shape of what might be possible for Bali

meeting. WTO, 2013 News Items, 11 out. 2013. Disponível em: < http://www.wto.org/english/news_e/news13_e/agng_11oct13_e.htm#g33> Acesso em: 10 dez. 2013 9 WORLD TRADE ORGANIZATION. Days 3, 4 and 5: Round-the-clock consultations produce ‗Bali

Package‘. Bali, 9Th

WTO Ministerial Conference, 5-7 dez. 2013. Disponível em:

<http://www.wto.org/english/news_e/news13_e/mc9sum_07dec13_e.htm#dg> Acesso em: 10 dez. 2013.

WORLD TRADE ORGANIZATION. Briefing Note: Decisions for least-developed countries. Bali, 9th WTO

Ministerial Conference, 5-7 dez. 2013. Disponível em: <

http://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/mc9_e/brief_ldc_e.htm> Acesso em: 10 dez. 2013 10

Idem, Ibid.

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Enquanto as resoluções firmadas em Bali foram vistas por alguns como

promissoras e dentro do esperado, outros encararam o Pacote de Bali como limitado.

Segundo Simon Evenett, especialista em OMC da Universidade de St Gallen, Suíça, o

pacote avançado em Bali ―é um acordo bem-vindo, mas limitado‖. E que ―não foi

registrado nenhum avanço sério sobre os subsídios agrícolas à exportação, o comércio

eletrônico ou os subsídios sobre as exportações de algodão‖11

. Na mesma linha, Kevin

Gallagher, analista da Universidade de Boston, ponderou que ―em vez de honrar o

multilateralismo, as grandes potências vão se inclinar em direção aos acordos regionais

para defender as propostas difíceis que foram rejeitadas na OMC‖12

. O diretor-geral da

OMC, Roberto Azevêdo, por outro lado, declarou que: ―Bali é apenas um início. Agora

temos doze meses para estabelecer um mapa do caminho para concluir o programa de

Doha‖13

.

O acordo representa menos de 10% do ambicioso programa de reformas iniciado

em Doha, contudo, parte dos negociadores temeu pelo futuro da própria OMC e do

multilateralismo de forma geral caso Bali incorporasse um novo fracasso. Nesse sentido,

apesar das limitações, o Pacote de Bali pode ser entendido como um marco importante

para a conclusão da Rodada Doha, ao se configurar como o primeiro acordo negociado

pelos 159 países membros da OMC desde a criação da organização, em 199514

. O acordo

emergiu após Índia e Estados Unidos terem firmado compromissos em relação aos

subsídios de alimentos e após um grupo de países latino-americanos composto por Bolívia,

Venezuela, Nicarágua, e liderado por Cuba, ter desistido de manter a oposição ao

documento15

. No entanto, ainda que o referido pacote sirva como uma plataforma para o

surgimento de medidas de grande porte, o processo de aceitação e implementação

11

CARTA CAPITAL. OMC conclui acordo histórico em Bali. 07 dez. 2013. Disponível em: <

http://www.cartacapital.com.br/economia/omc-conclui-acordo-historico-em-bali-3066.html> Acesso em: 10

dez. 2013. 12

Idem, Ibid. 13 CARTA CAPITAL. OMC conclui acordo histórico em Bali. 07 dez. 2013. Disponível em: <

http://www.cartacapital.com.br/economia/omc-conclui-acordo-historico-em-bali-3066.html> Acesso em: 10

dez. 2013. 14

THE ECONOMIST. The World Trade Organization - Unaccustomed victory. 14 dez. 2013. Disponível

em: < http://www.economist.com/news/finance-and-economics/21591625-global-trade-talks-yield-deal-first-

time-almost-20-years-unaccustomed> Acesso em: 23 jan. 2014. 15

BLOOMBERG. WTO deal buys trade talks time to craft broader deal. Bloomberg News, 8 dez. 2013.

Disponível em: < http://www.bloomberg.com/news/2013-12-07/wto-deal-buys-trade-talks-time-to-craft-

elusive-broad-agreement.html> Acesso em: 23 jan. 2014.

BLOOMBERG. Latin America bloc stalls WTO Bali Trade Talks. Bloomberg News, 6 dez. 2013. Disponível

em: http://www.bloomberg.com/news/2013-12-06/latin-american-bloc-stalls-wto-bali-trade-talks.html>

Acesso em: 23 jan. 2014.

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multilateral será longo, podendo demorar anos. Nota-se, ainda, que a organização vem

enfrentando os desafios do crescimento do bilateralismo e do regionalismo, tendências que

podem atuar negativamente sobre a agenda multilateral no comércio internacional16

.

3. Os BRICS e o IX Encontro Ministerial da OMC

Em uma perspectiva geral, os países BRICS mantiveram uma agenda favorável à

abertura comercial, de forma a permitir que barreiras tarifárias não prejudiquem a atividade

comercial internacional ‒ que vem, desde 2001, sendo alavancado pela atuação dos

emergentes, o que ressaltaria ainda o papel do grupo BRICS. Assim, mantendo a posição

reafirmada na última cúpula dos BRICS, realizada nos dias 26 e 27 de março, em Durban,

Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul adotaram, de alguma forma, a retórica do

interesse em facilitar e tornar transparente o comércio internacional, superando as barreiras

protecionistas que têm impedido o crescimento do mercado global17

.

No entanto, os debates acerca das questões agrícolas ainda levantam embates nas

agendas dos BRICS. Enquanto Índia e África do Sul – com o apoio de outros países do

G3318

– buscaram defender seus programas de segurança alimentar, o Brasil, por seu turno,

tentou avançar a abertura dos subsídios agrícolas – o que entrava em claro conflito com os

interesses indianos. China e Rússia, por sua vez, vêm buscando a abertura do ambiente

comercial multilateral, de forma a favorecer suas exportações e importações, sem se

pronunciar diretamente sobre as mencionadas agendas específicas dos demais BRICS.

Logo, não foi observada uma coordenação explícita entre os países BRICS durante o

referido encontro ministerial da OMC. Diferente de um posicionamento comum, o que se

notou foram coincidências nas agendas desses países e a prevalência da busca por

interesses particulares às agendas individuais.

16

DESAI, Radhika. What exactly has the WTO ―finally delivered‖? The BRICS Post, 10 dez. 2013.

Disponível em: <http://thebricspost.com/what-exactly-has-the-wto-finally-delivered/#.UrCJd9JDuBI>.

Acesso em: 16 dez. 2013. 17

Idem, Ibid. 18

O G33, também conhecido como Friends of Special Products in Agriculture, é uma coalização de países

em desenvolvimento que se coloca em prol da flexibilização do grau de abertura de mercados no âmbito das

negociações da OMC. O G33 defende, assim, que os países em desenvolvimento devem poder optar por uma

abertura apenas parcial de seus mercados no setor agrícola. Apesar do nome, o G33 conta, atualmente, com

46 membros, incluindo China, Índia, Bolívia, Cuba, Indonésia, Moçambique, Turquia, Venezuela, dentre

outros. Fonte: WTO. Groups in the negotiations. Disponível em: <

http://www.wto.org/english/tratop_e/dda_e/negotiating_groups_e.htm> Acesso em: 23 jan. 2014.

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4. As agendas individuais dos países BRICS em Bali

Brasil

A participação do Brasil em Bali foi pautada pelo objetivo de promover as

negociações voltadas para a aprovação do que se configuraria como o primeiro acordo

comercial global em quase duas décadas de esforços. Às vésperas do encontro, o ministro

das relações exteriores, Luís Alberto Figueiredo, durante coletiva de imprensa, declarou:

―Não seria aceitável, para os países em desenvolvimento, que o resultado de Bali ocorra só

em uma área. Queremos sair de lá com um pacote‖ 19.

A partir desse discurso, a delegação brasileira buscou assentar sua posição em torno

da abertura e facilitação do comércio, de forma a permitir que o acordo final refletisse um

equilíbrio entre as demandas dos países emergentes e dos desenvolvidos. Assim, embora o

Brasil demonstrasse apreço pelas demandas da delegação indiana e sul-africana (pautado

na coordenação do grupo IBAS), principalmente pelo fator social do projeto de segurança

alimentar da Índia, a delegação brasileira foi reticente em relação ao pleito indiano. Isso se

deve ao fato de que este abriria um precedente problemático para países agroexportadores

‒ como o Brasil20

.

Já no escopo das negociações bilaterais, o Brasil garantiu à União Europeia (UE)

que a abertura comercial do Mercosul ao bloco europeu já é um consenso entre os quatro

países membros do bloco sul-americano. Receosos em relação à possibilidade de um

acordo em separado ─ e mais restritivo especificamente no caso da Argentina ─, os

representantes da UE afirmaram que tal cenário implicaria em um obstáculo para o avanço

efetivo das negociações para um acordo de livre comércio ―birregional‖21

. Dessa forma,

ainda que as negociações aparentem estar avançando, não existe um conjunto de demandas

e ofertas consolidado para ser debatido. O ministro de relações exteriores do Brasil, Luís

Alberto Figueiredo, encontrou-se com o Comissário de Comércio da UE, Karel De Gucht,

19

VALOR ECONÔMICO. OMC: Brasil só aprova pacote com todos os pontos das negociações. Valor

Econômico, 29 nov. 2013. Disponível em: <http://www.valor.com.br/brasil/3357834/omc-brasil-so-aprova-

pacote-com-todos-os-pontos-das-negociacoes>. Acesso em: 15 dez. 2013. 20

VALOR ECONÔMICO. Indústria brasileira pede à Índia flexibilidade na OMC. Valor Econômico, 05 dez.

2013. Disponível em: <http://www.valor.com.br/internacional/3363126/industria-brasileira-pede-india-

flexibilidade-na-omc#ixzz2nkUfpctF>. Acesso em: 15 dez. 2013. 21

VALOR ECONÔMICO. Mercosul garante à Europa sobre oferta conjunta de abertura comercial. Valor

Econômico, 06 dez. 2013. Disponível em: < http://www.valor.com.br/internacional/3364400/mercosul-

garante-europa-sobre-oferta-conjunta-de-abertura-comercial>. Acesso em: 17 dez. 2013.

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para discutir uma data para que ambos os blocos apresentem suas ofertas e possam chegar

a um acordo22

.

Rússia

O ministro da Economia e do Desenvolvimento da Rússia, Alexei Ulyukayev,

afirmou que as negociações em Bali refletem os interesses de longo prazo do país, tanto em

termos econômicos como culturais. Em uma declaração prévia ao encontro ministerial,

Ulyukayev afirmou que era urgente o sucesso de um acordo em Bali para a retomada do

multilateralismo. No entanto, o ministro ressaltou que um consenso entre os países é um

ponto de difícil conclusão, uma vez que uma série de questões sensíveis está em jogo, mas

que, mesmo com os obstáculos, é fundamental que a OMC – que agrupa 97% do comércio

global sob os seus regimes – atinja um acordo substancial23

.

Segundo estimativas, a recente adesão da Rússia à OMC gerou grandes perdas,

avaliadas em US$ 14 bilhões desde sua entrada na organização, em 2012. As principais

áreas atingidas teriam sido o comércio de metais, a agricultura e a indústria

automobilística. O ministro russo afirmou, por sua vez, que avanços em Bali,

principalmente referente à agricultura e à facilitação de comércio, são vitais para os

interesses russos ‒ resumindo, dessa forma, o principal pleito da Rússia durante o

encontro24

.

Índia

De maneira geral, o pacote decidido ao longo do IX encontro ministerial da OMC

em Bali é concernente com a demanda por parte da Índia acerca da questão da segurança

alimentar – considerando as recentes medidas domésticas em torno de um projeto voltado

para essa temática. Fruto de um posicionamento consistente da delegação indiana, a

permissividade para a continuidade dos subsídios agrícolas foi uma grande vitória para o

país, o qual adotou a retórica de que não abandonaria a segurança de sua população em

benefício do multilateralismo.

22

Idem, Ibid. 23

$1 trillion WTO deal ‗very close‘ – Russia‘s economic minister. RT, 02 dez. 2013. Disponível em:

<http://rt.com/business/wto-bali-ulyukayev-interview-577/>. Acesso em: 16 dez. 2013. 24

Idem, Ibid.

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O chamado Pacote de Bali representa uma série de negociações entre as demandas

dos países dependentes de benefícios agrícolas e dos agroexportadores, e permitirá que a

Índia mantenha seu pacote de subsídios nos próximos quatro anos, através da extensão da

dita Peace Clause25

‒ a qual confere uma determinada abertura para aplicação de regras

dentro dos países membros. A Índia incorpora o G33 – um grupo dentro da OMC que

advoga em prol de isenções agrícolas para os países em desenvolvimento – e sofreu muita

pressão para flexibilizar sua posição. A delegação se mostrou, porém, dura em seus

posicionamentos26

. Nas palavras do Ministro da Indústria e do Comércio da Índia, Anand

Sharma, durante discurso na OMC: ―Para Índia, segurança alimentar não é negociável. A

necessidade de estocagem pública de grãos para assegurar a segurança alimentar deve ser

respeitada‖27.

Após a conclusão do encontro da OMC em Bali, a FICCI (Federação das Câmaras

de Comércio e Indústria da Índia) se mostrou otimista em relação aos acordos firmados

durante o evento. O presidente da FICCI, Naina Lal Kidwai, declarou contentamento em

relação às expectativas da Índia acerca dos acordos para a facilitação do comércio dentro

da OMC. A redução de custos transacionais, o aumento da transparência e a reestruturação

alfandegária seriam as plataformas para permitir o aumento do comércio global e, segundo

Kidwai, esses acordos poderiam aumentar em um trilhão de dólares o PIB mundial, além

de gerar 21 milhões de novos empregos. No mais, nas palavras do presidente da FICCI,

muito ainda pode ser avançado dentro do escopo da Rodada Doha, reafirmando a

25

De acordo com o glossário de termos técnicos da Organização Mundial do Comércio, a chamada Peace

Clause é uma disposição no artigo 13 do Acordo sobre Agricultura estabelecendo que os subsídios agrícolas

praticados no âmbito do acordo não podem ser contestados em outros acordos da OMC, principalmente no

Acordo sobre Subsídios e no Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT, na sigla em Inglês). Oficialmente,

a Peace Clause expirou em 2003. Fonte: WORLD TRADE ORGANIZATION. Glossary Term – Peace

Clause. Disponível em: < http://www.wto.org/english/thewto_e/glossary_e/peace_clause_e.htm> Acesso em:

23 jan. 2014. 26

DNA INDIA. IBSA block underlines food security at WTO's Bali meet. DNA India, 04 dez.

2013.______Disponível em:

<http://www.dnaindia.com/money/report-ibsa-block-underlines-food-security-at-wto-s-bali-meet-1929241>.

Acesso em: 15 dez. 2013.

SURABHI, Tiwari. At Bali WTO meet, India stands alone in defence of domestic food subsidy. The Indian

Express, 04 dez. 2013. Disponível em: http://www.indianexpress.com/news/at-bali-wto-meet-india-stands-

alone-in-defence-of-domestic-food-subsidy/1202955/ 27 RAI, Rajesh. Food Security Non-Negotiable, Sharma Tells WTO. The New Indian Express, 04 dez. 2013.

Disponível em: < http://www.newindianexpress.com/nation/Food-Security-Non-Negotiable-Sharma-Tells-

WTO/2013/12/04/article1927747.ece>. Acesso em: 17 dez. 2013.

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Desdobramentos do IX Encontro Ministerial da OMC e as Agendas dos Países BRICS para Bali

importância da organização para o quadro multilateral de comércio, principalmente entre

os países em desenvolvimento28

.

China

A China, por seu turno, aclamou o acordo concluído durante a Conferência

Ministerial da OMC em Bali. Segundo autoridades, o acordo de Bali é um marco para os

regimes multilaterais de comércio e fortalece a importância da organização internacional,

além de manter vivas as negociações da Rodada Doha. Nas palavras de Xu Hongcai, atual

diretor do Departamento de Informações do Centro Internacional de Câmbios da China, a

retomada das negociações de Doha e os possíveis resultados concretos que virão em

decorrência de futuras negociações poderão promover um maior empoderamento dos

países emergentes no ambiente comercial global29

.

Nas palavras do ministro do comércio da China, Gao Hucheng, as palavras

fundamentais para a OMC seriam: mudança, compromisso e confiança. Em discurso, Gao

chamou atenção para a urgência de se promover uma mudança, adiantando os resultados

das rodadas anteriores e do esforço conjunto de todos os membros. No mais, o ministro

apresentou como os principais desafios atuais enfrentados pela organização o aumento de

acordos regionais e a ineficiência dos processos decisórios da OMC. Gao ainda discorreu

sobre o papel fundamental da China no sistema multilateral de comércio, e o objetivo geral

da facilitação do comércio internacional30

.

Por fim, no âmbito bilateral, foi discutido um acordo de cooperação com os maiores

exportadores de algodão do continente africano: Benin, Burquina Faso, Chad e Mali31

.

28

SURABHI, Tiwari. World Trade Organisation adopts Bali package, to move ahead on Doha round. The

Indian Express, 07 dez. 2013. Disponível em: < http://www.indianexpress.com/news/world-trade-

organization-overcomes-last-minute-hitch-to-reach-first-global-trade-deal/1204613/>. Acesso em: 15 dez.

2013. 29

YANG, Chen & QIAOYI, Li. China hails historic WTO global trade agreement. Global Times, 09 dez.

2013. Disponível em: <http://www.globaltimes.cn/content/830912.shtml#.UqXgBNJDuBI>. Acesso em: 15

dez. 2013. 30

Idem, Ibid. 31

China calls for confidence to solve impasse in WTO trade talks. Global Times, 04 dez. 2013. Disponível

em: < http://www.globaltimes.cn/content/829807.shtml#.UqmvvNJDuBJ>. Acesso em: 17 dez. 2013.

BRICS POLICY CENTER – COUNTRY DESKS

Desdobramentos do IX Encontro Ministerial da OMC e as Agendas dos Países BRICS para Bali

África do Sul

A África do Sul, por sua vez, defendeu – juntamente à Índia – a continuidade dos

subsídios agrícolas dentro do escopo da OMC. A África do Sul apoiou, assim, o pleito da

Índia pela continuidade de políticas agrícolas condizentes com programas de segurança

alimentar adequados à realidade interna dos países em desenvolvimento. O ministro do

comércio, Rob Davies, alegou que as necessidades das parcelas mais pobres da população

devem ser consideradas, sendo a continuidade de programas de segurança alimentar um

elemento fundamental para sustentar tal processo. Davies também clamou por resoluções

equilibradas e que permitam beneficiar as classes rurais menos favorecidas. Nas palavras

de Davies, durante discurso na OMC:

O programa público de estocagem de alimentos é importante para milhões de

pessoas com baixa renda nos países em desenvolvimento (...) esses programas

devem ter permissão para continuar. Eles são parte vital da segurança alimentar

(...). Não é apenas uma questão da Índia, há uma série de países africanos que

tem programas similares, então não é algo apenas da Índia32

.

Ao destacar a atuação política do IBAS (África do Sul, Brasil e Índia) para manter o

equilíbrio entre os interesses internacionais e nacionais – durante o processo de formulação

e votação das resoluções – o ministro afirmou, assim, que a demanda pela continuidade dos

subsídios não se restringe somente a um país, mas a um conjunto de países em

desenvolvimento33

.

5. Considerações finais

Embora o Pacote de Bali seja um marco para a OMC e para os regimes

multilaterais de comércio, o processo de adesão, adoção dessas resoluções e surgimento de

resultados concretos pode demorar anos. Por outro lado, ainda que o futuro do Pacote de

32

South Africa supports India's stand on food security at WTO. The Economic Times, 06 dez.

2013.Disponível em: <http://articles.economictimes.indiatimes.com/2013-12-06/news/44864501_1_food-

security-peace-clause-wto-agreement>. Acesso em: 15 dez. 2013. 33

South Africa supports India's stand on food security at WTO. The Economic Times, 06 dez.

2013.Disponível em: <http://articles.economictimes.indiatimes.com/2013-12-06/news/44864501_1_food-

security-peace-clause-wto-agreement>. Acesso em: 15 dez. 2013.

RAI, Rajesh. Food Security Non-Negotiable, Sharma Tells WTO. The New Indian Express, 04 dez. 2013.

Disponível em: < http://www.newindianexpress.com/nation/Food-Security-Non-Negotiable-Sharma-Tells-

WTO/2013/12/04/article1927747.ece>. Acesso em: 17 dez. 2013.

BRICS POLICY CENTER – COUNTRY DESKS

Desdobramentos do IX Encontro Ministerial da OMC e as Agendas dos Países BRICS para Bali

Bali e da própria OMC seja nebuloso, como destacado por alguns analistas, a aprovação de

um documento dessa magnitude serviu para revigorar as forças da organização, tanto entre

os países em desenvolvimento como para os desenvolvidos. Destaca-se, ainda, que muito

deverá ser discutido durante o próximo grande evento, em Genebra, quando, espera-se, a

questão dos subsídios agrícolas será discutida definitivamente. Dessa forma, a

continuidade dos subsídios agrícolas ou sua restrição pelo regime da OMC em um futuro

próximo – como já é notado na aplicação de subsídios dentro dos setores industriais –

ainda é pauta para os debates no próximo encontro sob a égide da organização.

No que tange aos BRICS, observou-se que, apesar de uma série de pontos

coincidirem nas agendas de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, houve certa

divisão de interesses nas questões agrícolas e em determinados setores técnicos34

. Não

houve uma coordenação de agendas explícita, conforme evidenciado nas falas dos

ministros do comércio dos respectivos países – havendo, no máximo, menções gerais a

outros países em determinados pleitos comuns. De um lado, China e Rússia buscam na

abertura comercial compensações pelos recentes e duros processos de adequação aos

regimes da OMC. Índia e África do Sul, por outro lado, se organizam para defender a

agenda dos países dependentes da importação de alimentos e da produção subsidiada,

fundamentando seus discursos no âmbito social e humanitário da questão da segurança

alimentar. O Brasil, por seu turno, busca conciliar, ainda que de forma reticente, a

coordenação com o grupo IBAS com os interesses pela abertura multilateral no setor

agrícola ─ o que, por outro lado, acaba prejudicando diretamente a articulação com Índia e

África do Sul.

Diante de tal quadro, conclui-se que afirmar uma atuação conjunta dos BRICS

dentro da OMC é ainda precipitado, tendo em vista as inconsistências dentre os

posicionamentos individuais. Por outro lado, quando observadas as diversas interseções

entre essas agendas, tem-se que tal coordenação – mesmo que limitada a algumas áreas ─

não é algo tão distante.

34

OLIVEIRA, Ivan & THORSTENSEN, Vera. Os BRICS na OMC: Políticas Comerciais Comparadas de

Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. IPEA, Brasília, 2012, p. 26.