bueno, beatriz picolloto siqueira. dilatação dos confins caminhos, vilas e cidades na formação...

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251 Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. v.17. n.2. p. 251-294. jul.- dez. 2009. 1. Docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. E-mail: <beatrizbueno@terra. com.br>. 2. Sobre o conceito de terri- tório, consultar Beatriz P. S. Bueno (2003, p. 482-487). Dilatação dos confins: caminhos, vilas e cidades na formação da Capitania de São Paulo (1532-1822) Beatriz Piccolotto Siqueira Bueno 1 RESUMO: Este ensaio analisa a formação da rede urbana das capitanias de São Vicente e Santo Amaro, depois unidas na Capitania de São Paulo. Discute o processo de apropriação do sertão, a pulsação e dilatação dos confins ao sabor dos deslocamentos humanos e de interesses políticos. Interpreta o papel de capelas, freguesias, vilas e cidades no controle e produção de territórios metropolitanos em solos ultramarinos. PALAVRAS-CHAVE: História da Urbanização. Capitania de São Vicente. Capitania de Santo Amaro. Capitania de São Paulo. Séculos XVI-XVIII. Rede urbana. ABSTRACT: This essay analyzes the development of urban networks in the Captaincies of São Vicente and Santo Amaro, later merged into the Captaincy of São Paulo. It discusses the process of appropriation of the sertão (backcountry), the commotion and expansion beyond the confines to the tune of population movements and political interests. The paper also interprets the role of chapels, parishes, villages and towns in initiatives to create and control metropolitan areas on overseas soil. KEYWORDS: History of urbanization. Captaincy of São Vicente. Captaincy of Santo Amaro. Captaincy of São Paulo. 16th-18th centuries. Urban networks.. Sobre o conceito de território e suas vinculações com a rede urbana Território e espaço não são noções equivalentes 2 . O território, com contornos e limites precisos é uma categoria histórica, construída socialmente. Para além das fronteiras naturais, a fronteira política é sempre uma linha abstrata e convencionada por alguns. Às zonas interiorizadas dava-se o nome de “sertão”

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BUENO, Beatriz Picolloto Siqueira. Dilatação Dos Confins Caminhos, Vilas e Cidades Na Formação Da Capitania de São Paulo - Comentado

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  • 251Anais do Museu Paulista. So Paulo. N. Sr. v.17. n.2. p. 251-294. jul.- dez. 2009.

    1. Docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo. E-mail: .

    2. Sobre o conceito de terri-trio, consultar Beatriz P. S. Bueno (2003, p. 482-487).

    Dilatao dos confins: caminhos, vilas e cidades na formao da Capitania de So Paulo (1532-1822)

    Beatriz Piccolotto Siqueira Bueno1

    RESUMO: Este ensaio analisa a formao da rede urbana das capitanias de So Vicente e Santo Amaro, depois unidas na Capitania de So Paulo. Discute o processo de apropriao do serto, a pulsao e dilatao dos confins ao sabor dos deslocamentos humanos e de interesses polticos. Interpreta o papel de capelas, freguesias, vilas e cidades no controle e produo de territrios metropolitanos em solos ultramarinos.PALAVRAS-CHAVE: Histria da Urbanizao. Capitania de So Vicente. Capitania de Santo Amaro. Capitania de So Paulo. Sculos XVI-XVIII. Rede urbana.

    ABSTRACT: This essay analyzes the development of urban networks in the Captaincies of So Vicente and Santo Amaro, later merged into the Captaincy of So Paulo. It discusses the process of appropriation of the serto (backcountry), the commotion and expansion beyond the confines to the tune of population movements and political interests. The paper also interprets the role of chapels, parishes, villages and towns in initiatives to create and control metropolitan areas on overseas soil.KEYWORDS: History of urbanization. Captaincy of So Vicente. Captaincy of Santo Amaro. Captaincy of So Paulo. 16th-18th centuries. Urban networks..

    Sobre o conceito de territrio e suas vinculaes com a rede urbana

    Territrio e espao no so noes equivalentes2. O territrio, com contornos e limites precisos uma categoria histrica, construda socialmente. Para alm das fronteiras naturais, a fronteira poltica sempre uma linha abstrata e convencionada por alguns. s zonas interiorizadas dava-se o nome de serto

    TiagoRealce

  • 252 Anais do Museu Paulista. v. 17. n.2. jul.-dez. 2009.

    3. Cf. R. Bluteau ( v. 4, 1712, p. 219).

    4. Conquistas as terras, Provncias, Reynos conquis-tados. Cf. Idem (v. 2, 1712, p. 471).

    5. Domnios bens que se possuem & de que se pode usar, & dispor como pro-prios; possessiones parte de um Imperio. Imprio re-gio muyto ampla, dominada de hum Principe... Cf. Idem (v. 4, 1712)

    6. Territoire: rare jusquau XVIIe s.; rpandu au XVIIIe s., dit le Littr [] Le mot est donc dinvention rcente, si lon veut bien prendre lchelle du temps histori-que. Pourtant les juristes ont fait du territoire une catgo-rie quasi universelle: le terri-t o i r e , l i t - o n e n c o r e aujourdhui dans bien des manuels de droit consituion-nel, est un lment constitu-tif de lEtat. Le territoire est ainsi devenu lexpression juridique dune donne faus-sement naturelle. Les juristes ont russi a confondre terri-toire et espace, et a naturali-ser par ce procd lEtat bourgeois. Pourtant, le terri-toire na rien de spontan. Si on se penche sur sa dcou-verte par l Etat absolutiste et sur sa production para ladministration dalors, on doit bien considrer son ca-ractre relatif et contingent. Le territoire nest pas cette donne peu prs indiscuta-ble parce que gographique que la doctrine juridique a installe la base de son analyse de l Etat. Il est un des premiers appareils dEtat que ladministration a su en-gendrer et reproduire, avant que la Rvolution bourgeoise nen tire le maximum de pro-fit. Lanalyse prsente ici nest rien dautre quune dcouverte des modes de production de ce territoire f au s sement i nnocen t ; lhistoire dune invention que nous avons fini par pren-dre pour notre environne-ment naturel et spontan. Cf. P. Allis (1980).

    regio apartada do mar, & por todas as partes metida entre terras cabendo ao humana dilatar-lhe os confins3 fronteiras ou extremidades de uma terra contgua com outra. Na documentao oficial, no por acaso, os termos conquista4 e domnio5 aparecem como sinnimos de colonia e sempre vinculados ao humana. Imprios, reinos, conquistas, provncias, capitanias, comarcas, bispados eram divises territoriais convencionadas e historicamente desenhadas de acordo com a natureza das relaes sociais em jogo. O estabelecimento oficial das fronteiras jurdicas resultava de atos deliberados e acordados politicamente.

    Conceito de inveno recente, difundido a partir do sculo XVIII, o territrio6 tornou-se um elemento constitutivo dos Estados Dinsticos em processo de formao. Embora tendamos a naturaliz-lo, trata-se de uma categoria nada espontnea. Neologismo assimilado em Portugal, territrio aparece no dicionrio etimolgico de Raphael Bluteau, em 1712, como o espao de terra, nos contornos, & jurisdio de hu cidade7. Ora, as cidades8 nas Ordenaes do Reino de Portugal eram as capitais cabea, princpio, & fonte, donde outras cousas se encerram , ou seja, os prolongamentos do aparelho estatal, braos da Coroa, no reino ou nas distantes conquistas ultramarinas. Estar nos contornos e sob a jurisdio de uma cidade significava ser parte de um reino ou imprio. No por acaso, apenas a Coroa tinha a prerrogativa de fundar cidades em seus territrios. No Brasil-Colnia, as instncias de poder organizavam-se hierarquicamente em instituies irradiadas a partir das cidades reais. Seguindo padres portugueses, as instncias administrativa, jurdica e eclesistica sobrepunham seus territrios no espao. As vilas tinham papel hierarquicamente inferior s cidades, mas superior s capelas e freguesias. Todas, igualmente, eram tentculos metropolitanos na distante Conquista, cumprindo papis distintos na lgica da rede urbana.

    A rede eclesistica9 precedia a rede civil e, em termos jurdicos, ficava submetida a ela. Atravs da Igreja, de suas instncias de base, umbilicalmente ligadas s do prprio Estado, a institucionalizao de povoados dispersos dava-se, inicialmente, pela oficializao de sua ermida. A elevao de uma comunidade ao estatuto de capela curada significava a ascenso de uma regio inspita a ncleo reconhecido pela Igreja e tambm a garantia de visita de um proco (cura). Tanto o acesso assistncia religiosa como o reconhecimento de fato e de direito perante a Igreja e o Estado motivavam a solicitao junto ao bispado. A subsequente elevao condio de freguesia garantia o acesso ao batismo, ao casamento, ao amparo dos enfermos, aos sacramentos, aos registros de nascimento, de matrimnio, de bito, com todas suas implicaes jurdicas e sociais. Para alm do acesso ao rito litrgico, a elevao de uma capela a freguesia implicava em usufruto da formalidade civil10. Na freguesia, a antiga ermida merecia nomenclatura de matriz, ganhando a construo de uma sacristia anexa. Para l se dirigia a populao das capelas curadas vizinhas, para registro de nascimentos, matrimnios e bitos. No entanto, em caso de auxlio jurdico, ambas capela ou freguesia , recorriam vila de cujo termo11 eram parte.

    TiagoRealce

    TiagoRealce

    TiagoNotaterritrio ligado a jurisdio, palavra inventada, nada espontnea

    TiagoNotahierarquia do evoluo das comunidades: capela curada, freguesia - tinha os ritos litrgicos. A ermida vira matriz

  • 253Annals of Museu Paulista. v. 17. n.2. July - Dec. 2009.

    7. Cf. R. Bluteau (v. 8, 1712, p. 128).

    8. Idem, v. 2, p. 125.

    9. M. Marx, 1991, p. 17-30.

    10. Idem, p. 18-19.

    11. Territrio municipal.

    12. Cf. M. Marx (1991, p. 52).

    13. Ver J. M. Monteiro (1994); M. C. Scatamacchia (1990; 2005); M. C. Scata-macchia e D. P. Ucha (1993); R. Gianessel la (2008).

    A elevao ao estatuto de vila significava acesso a uma outra categoria institucional e autonomia poltica e administrativa:

    Crescendo sua expresso populacional, econmica e edificada, ter aumentado sua aspira-o a outra categoria institucional, a outro tipo de reconhecimento por parte da sociedade organizada, em meio diviso territorial estabelecida pelos poderes constitudos, enfim, por parte do Estado. A sua aspirao seguinte seria constituir no mais um embrio oficial, a clula menor eclesistica e administrativa, porm algo mais, que no se referia apenas ao tamanho ou ascenso gradual hierrquica: seria alcanar a autonomia poltica e adminis-trativa, seria passar a constituir sede de um municpio, passar a zelar por si mesma, aglome-rao, e por um territrio prprio correspondente que lhe seria designado, seu termo. A auto-nomia municipal colocaria o povoado, quem sabe a antiga freguesia ou parquia, como unidade autnoma dentro do Estado, fosse o reino como uma de suas colnias, fosse esta como o pas j independente. O povoado se tornaria a sede de uma rea territorial bem definida, entre outras mais antigas ou a serem criadas, termos municipais na ocasio defini-dos ou redefinidos. Ganhava ento, para todos os efeitos, um lugar ao sol12.

    A solicitao de elevao ao estatuto de capela e freguesia era feita pela populao junto ao bispado, que, por ocasio das Visitaes do bispo s capitanias, tambm podia elevar, a seu bel-prazer, esse ou aquele a tais categorias. J a condio de vila era concedida pelo capito-donatrio ou por Ordem Rgia. Em solo urbano, a elevao categoria de vila implicava na concomitante edificao de uma casa de cmara e cadeia e de um pelourinho fronteiro a ela. Smbolos da autonomia municipal e sede da administrao, os vereadores e juzes cumpriam, na cmara, funes legislativas, executivas e judicirias. Ao Conselho Municipal cabia zelar pelo patrimnio pblico (a incluso o rossio), bem como conceder os terrenos urbanos (datas) e rurais (sesmarias) a particulares. Lugares da vida segura e conversvel (como mencionadas na documentao oficial quinhentista), embora diminutas em tamanho e populao, as vilas foram polos culturais, polticos e comerciais em solo colonial.

    Os diversos contornos assumidos pelo atual estado de So Paulo oscilaram ao sabor de interesses oficiais e extraoficiais, materializando-se numa intricada rede urbana, viria e fluvial, viabilizada graas sbia simbiose com os indgenas. Malgrado os avanos da historiografia recente13, ainda temos pouco a dizer, do ponto de vista da histria da urbanizao, acerca dessa simbitica relao entre indgenas e portugueses na produo do territrio do Brasil meridional. Tampouco dispomos de levantamentos sobre a rede eclesistica de capelas, freguesias e de aldeias indgenas e jesuticas em solo paulista, o que muito elucidaria esse lento processo de apropriao do serto.

    A cartografia representa a simbiose entre indgenas e lusitanos, sobretudo nos topnimos referentes natureza e rede urbana. Abundam nomes indgenas mesclados a nomes lusitanos, propiciando a visualizao de algo que ainda carece de sistematizao e interpretao pela historiografia. Neste artigo, nfase especial ser dada s vilas e cidades, em detrimento da rede de capelas, freguesias, aldeamentos indgenas e jesuticos pr-existentes. Subjaz aqui o convite

    TiagoRealce

    TiagoRealce

    TiagoNotasmbolos da elevao a categoria de vila

    TiagoNotadatas so o contraponto urbano das sesmarias

  • 254 Anais do Museu Paulista. v. 17. n.2. jul.-dez. 2009.

    14. Nessa nova linha de in-vestigao, encontramos apenas a dissertao de mes-trado de R. Gianessella (2008).

    15. Segundo o Mapa Corographico da Capitania de So Paulo, datado de 1791, do engenheiro militar Ant-nio Rodrigues Montezinhos, os limites da Capitania de So Paulo eram: com Minas Gerais, a serra da Mantiquei-ra e o rio Sapuca; com Gois, o rio Grande, o rio Pardo e o rio Claro; com o Rio Grande de So Pedro, o rio Pelotas e o rio Uruguai; com Mato Grosso, o rio Pa-ran; com o mar, a oriente, a Capitania do Rio de Janeiro (na parte setentrional) e a Capitania de Santa Catarina (na meridional).

    16. Cf. M. A de Casal (1976, p. 97).

    17. Ver A. de Azevedo (1956); e N. G. Reis Filho (2001, p. 85-88).

    18. s vilas soma-se um con-junto expressivo de capelas e freguesias, entre as quais, no sculo XVIII, despontam So Luis e Santo Antonio de Paraitinga (1773), Piracicaba, Wotucatu, So Jos da Mari-nha de Ararapira, N. S. da Conceio da Lage (entre Iguape e Canania) e Santo Antonio da Lapa do Registro de Curitiba (Lapa-PR).

    19. Consultar: MUNICPIOS e distritos do estado de So Paulo (1995); QUADRO do desmembramento territorial-administrativo dos munic-pios paulistas (1995).

    para estudos futuros e a expectativa de que a cartografia apresentada fornea pistas para novas linhas de investigao sobre a histria da urbanizao14.

    A seriao dos mapas permite constatar que, em fins do sculo XVIII, os contornos da Capitania de So Paulo mostravam-se muito distintos dos originais e dos atuais15. O Pe. Manuel Aires de Casal assim a descreveu em 1817:

    Confina ao norte com a [Capitania] de Minas Gerais, de que separada pela Serra da Mantiqueira, e com a de Gois de que dividida pelo Rio Grande; ao sul com a de So Pedro, da qual separada pelo Rio Pelotas; ao ocidente com o Rio Paran, que a divide das provncias de Gois e Mato Grosso; a oriente tem o mar oceano, e as provncias do Rio de Janeiro na parte setentrional, e a de Santa Catarina na meridional16.

    A Capitania de So Paulo formou-se a partir da unio das antigas capitanias de So Vicente e Santo Amaro, concedidas respectivamente aos irmos Martim Afonso e Pero Lopes de Souza, em reconhecimento aos bons servios prestados Coroa em 1532, quando vieram ao Brasil. Os limites geogrficos da Capitania de S. Vicente estendiam-se desde a barra do rio So Francisco do Sul ilha de Santo Amaro (atual Guaruj); os da Capitania de Santo Amaro, desde a ilha de mesmo nome at a enseada de Ubatuba (Figuras 1-3). Obviamente, essas 150 lguas (inicialmente) concedidas ao longo da costa sul da Amrica portuguesa foram alargadas em todos os sentidos durante os trs primeiros sculos, decorrendo de um processo de interiorizao e expanso territorial de seus habitantes. Incorporadas, em 1709, por compra, aos bens da Coroa, durante o reinado de D. Joo V, foram denominadas Capitania de So Paulo e Minas de Ouro, tendo por sede administrativa a vila de mesmo nome, elevada em 1711 categoria de Cidade.

    Em fins do sculo XVIII, a Capitania englobava o atual estado do Paran, parte de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, apresentando um conjunto de cerca de 34 ncleos17 elevados categoria de vila18, e uma cidade19, a saber:

    1532 So Vicente;

    1545 Vila Porto de Santos;

    1560 So Paulo dos Campos de Piratininga (elevada categoria de Cidade em 1711);

    1561 Nossa Senhora da Conceio de Itanham;

    1577 Nossa Senhora das Neves de Iguape;

    1600 So Joo Batista de Cananeia;

    1611 Santana de Mojimirim (Mogi das Cruzes);

    1625 Santana de Parnaba;

    1636 So Sebastio;

    TiagoRealce

    TiagoNotaos limites da capitania de SP

    TiagoRealce

    TiagoNotaA capitania de So Paulo com a juno das capitanias de So Vicente e Santo Amaro

    TiagoRealce

  • 255Annals of Museu Paulista. v. 17. n.2. July - Dec. 2009.

    20. Ver pranchas anexas ao Quadro do desmembramen-to territorial-administrativo dos municpios paulistas (1995).

    1637 Exaltao da Santa Cruz do Salvador de Ubatuba;

    1645 So Francisco das Chagas de Taubat;

    1653 Nossa Senhora da Conceio do Rio Paraba (Jacare);

    1649 Nossa Senhora do Rosrio de Paranagu;

    1655 Nossa Senhora do Desterro do Campo Alegre de Jundia;

    1651 Santo Antnio de Guaratinguet;

    1657 Nossa Senhora de Candelria do Outu Guau (Itu);

    1661 Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba;

    1693 Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba;

    1705 Nossa Senhora do Bom Sucesso de Pindamonhangaba;

    1767 So Jos do Paraba (So Jos dos Campos);

    1769 Itapeva da Faxina (Itapeva);

    1769 So Joo Batista do Atibaia;

    1769 So Jos do Mogy-Mirim;

    1770 Sabana;

    1771 Nossa Senhora dos Prazeres de Itapetininga

    1771 Santo Antnio das Minas do Apiai (Apia);

    1771 Vila Nova de So Luis de Guaratuba (Guaratuba);

    1774 Nossa Senhora dos Prazeres de Lages (Lajes-SC);

    1785 Cunha (antiga Freguesia do Faco);

    1788 Nossa Senhora da Piedade de Lorena;

    1797 So Carlos (antiga freguesia de N. S. da Conceio das Campinas do Mato Grosso de Jundia) (Campinas);

    1797 Porto Feliz (antiga freguesia de Araritaguaba);

    1797 Nova Bragana (Bragana Paulista);

    1797 Antonina;

    1798 Castro (antiga freguesia de S. Ana do Iap PR)

    Os ncleos foram formados a partir de quatro vilas So Vicente, So Paulo, Mogi das Cruzes e Taubat , conforme o Quadro do Desmembramento Territorial-Administrativo dos Municpios Paulistas20:

  • 256 Anais do Museu Paulista. v. 17. n.2. jul.-dez. 2009.

    Figura 1 Joo Teixeira Albernaz I, Descripo de todo o Maritimo da Terra de S. Crus chamado vulgarmente o Brazil. [c.1640]. Coleo Brasiliana/Fundao Estudar. Acervo da Pinacoteca do Estado, So Paulo. Fonte: Descripo...(2003).

  • 257Annals of Museu Paulista. v. 17. n.2. July - Dec. 2009.

    Figura 2 Joo Teixeira Albernaz I, Descripo de todo o Maritimo da Terra de S. Crus chamado vulgarmente o Brazil. [c.1640]. Coleo Brasiliana/Fundao Estudar. Acervo da Pinacoteca do Estado, So Paulo. Fonte: Descripo...(2003).

  • 258 Anais do Museu Paulista. v. 17. n.2. jul.-dez. 2009.

    Figura 3 Joo Teixeira Albernaz I, Descripo de todo o Maritimo da Terra de S. Crus chamado vulgarmente o Brazil. [c.1640]. Coleo Brasiliana/Fundao Estudar. Acervo da Pinacoteca do Estado, So Paulo. Fonte: Descripo...(2003).

  • 259Annals of Museu Paulista. v. 17. n.2. July - Dec. 2009.

    Ncleome Sculo XVI Sculo XVII Sculo XVIII

    So Vicente (1532) Santos (1545) So Sebastio (1636)

    Itanham (1561)

    So Paulo (1560) Santana de Parnaba (1625)

    Itu (1654) Porto Feliz (1797)

    Piracicaba (1774-1776)

    Mogiguau (1769)

    Jundia (1665) Campinas (1797)

    Mogimirim (1769)

    Atibaia (1769)

    Bragana (1797)

    Sorocaba (1661) Apia (1771)

    Itapeva (1769)

    Itapetininga (1771)

    Mogi das Cruzes (1611) Jacare (1653)

    Taubat (1645) Guaratinguet(1651) Cunha (1785)

    Lorena (1778)

    Pindamonhangaba(1705)

    So Lus do Paraitinga (1773)

    A maioria passou por estgios anteriores, como capela e freguesia, antes de ser elevado categoria de vila. Tal lgica de desmembramento municipal esteve vigente em todo o Brasil, implicando na perda de territrio (i. e. do termo) por parte da celula mater, certamente envolvendo conflitos de interesses nesses momentos.

    Os primrdios da urbanizao nas capitanias de So Vicente e Santo Amaro (1534-1711)

    Em princpios do sculo XVI, Portugal senhor de um vasto imprio colonial, concentrado sobretudo no Oriente. Com os olhos voltados s lucrativas

  • 260 Anais do Museu Paulista. v. 17. n.2. jul.-dez. 2009.

    21. Ver A. de Azevedo (1956 p. 11).

    22. A vila de So Vicente, como de hbito ora em dian-te, foi fundada em stio abun-dante de vveres, frtil e es-tratgico boca de serto por meio de peabirus -, j previamente ocupado por portugueses (degredados, nufragos, desertores ou aventureiros), espanhis, ndios aliados dos portugue-ses e mamelucos envolvidos no apresamento de indge-nas. Ver: A. Zequini (2004, p. 36) e R. Gianessella (2008).

    23. Ver N. G. Reis Filho (2001).

    24. Idem, ibidem.

    rotas comerciais da frica e sia, fascinado por produtos ali encontrados, exticos aos olhos do mercado europeu, Portugal mostrava-se desinteressado pelo territrio descoberto nas Amricas em 1500, uma vez que ele parecia oferecer pouco aos famigerados intentos da poltica mercantilista em vigor.

    Nas trs primeiras dcadas do sculo XVI, a Coroa portuguesa empenhou-se em mandar ao novo mundo apenas umas poucas expedies de reconhecimento da costa, estabelecendo algumas feitorias que no passaram de meros pontos de escala, sinais de posse, bases de policiamento da costa, entrepostos de coleta de pau-brasil nico produto a encontrado que interessava ao mercado europeu. Essas feitorias de carter militar tiveram funo econmica insignificante, muitas delas no chegando a enraizar-se no local em que foram fundadas. Segundo Aroldo de Azevedo21, no passaram de 12, desaparecendo posteriormente. Restaram Cabo Frio e Igarau.

    A visitao de estrangeiros costa, sobretudo franceses em busca de pau-brasil, foi estimulada pelo desinteresse portugus. Assim, em 1532, D. Joo III decidiu colonizar a Amrica portuguesa, nica forma de manter a posse das terras descobertas. Enviou o fidalgo Martim Afonso de Souza que, em conformidade com as instrues trazidas, subiu ao planalto e percorreu a costa sul at o Prata, distribuiu terras e fundou a vila de So Vicente22 [1532], que constitui o marco inicial de um novo perodo.

    Decidindo-se pelo sistema (j experimentado em Cabo Verde) de capitanias hereditrias, a partir de 1534 a Coroa dividiu com fidalgos portugueses o nus23 do projeto de colonizao. Aos donatrios coube a funo de fundar vilas, conceder terras, defender a costa, dinamizar e povoar o territrio da sua capitania, portanto, a de viabilizar a colonizao.

    A realidade no se concretizou da maneira esperada. As adversidades impediram o desenvolvimento das propostas iniciais. O plantio da cana-de-acar (produto tambm experimentado em Cabo Verde e So Tom, ento escolhido com vistas ao mercado externo) s se efetivou em algumas capitanias So Vicente e Pernambuco. O fracasso gerou a necessidade de constituio de um governo metropolitano na Colnia, o Governo Geral (1548/1549), que teve como sede a Cidade de Salvador da Bahia de Todos os Santos (1549), criada em territrio reincorporado pela Coroa. Com o primeiro governador-geral, vieram os jesutas, que em muito auxiliaram no processo de adaptao s adversidades da colnia. A poltica urbanizadora, decorrente da poltica de colonizao, at meados do sculo XVII consistiu apenas na fundao de cidades reais pela Coroa, com funo de controle regional, e no incentivo da formao de vilas por iniciativa e s custas dos donatrios. A Coroa procurou utilizar ao mximo os recursos dos particulares24.

    Rigoroso frio dominava o planalto da Capitania de So Vicente, frio esse que, aliado s dificuldades de acesso ao litoral, ali inicialmente inviabilizaram o plantio da cana-de-acar, limitando-o a fazendas na costa. Embora desde o incio se produzisse algum acar e aguardente na Capitania de So Vicente, essas atividades atendiam apenas s necessidades locais, devido s dificuldades

  • 261Annals of Museu Paulista. v. 17. n.2. July - Dec. 2009.

    25. Cf. F. V. Luna e H. S. Klein (2005, p. 26).

    26. Cf. N. G. Reis Filho (2004, p. 28): a Vila de So Paulo com casario modesto, de taipa de mo ou pilo, trreo e coberto de palha, e populao girando em torno de 2.000 pessoas na fase ini-cial.

    27. Cf. F. Vidal Luna e H. S. Klein (2005, p. 31; 33). Entre as trilhas abertas na mata, destacam-se os peabirus, sis-tema de caminhos indgenas que interligava vrias locali-dades da costa brasileira - co-mo o porto dos Patos, Cana-nia e So Vicente ao atual Paraguai.

    28. Cf. N. G. Reis Filho (2004, p. 31; 34).

    de transporte, e s adquiriram importncia na segunda metade do sculo XVIII 25. Nos inventrios das capitanias de So Vicente e Santo Amaro revelada extrema austeridade. Como as cartas do atlas de Albernaz o demonstram, no sculo XVI e princpios do XVII, a rea efetivamente povoada limitava-se costa, salvo a Vila de So Paulo de Piratininga, uma exceo, situada no planalto por ao dos jesutas. Embora elevados categoria de vila, os cinco ncleos quinhentistas So Vicente, Santos, Itanham, Iguape e So Paulo eram bastante diminutos; meros povoados de casas de pau-a-pique26, cobertas de sap, maneira indgena, um pelourinho, uma igrejinha, geralmente cercados por paliadas (apenas por ordem do governador-geral D. Francisco de Souza, substitudas por muros de taipa de pilo). Nesses ncleos primitivos, marcante a presena dos jesutas, que procuravam auxiliar no tratamento com o gentio.

    Para chegar ao planalto, havia apenas o chamado Caminho de Paranapiacaba, antiga trilha dos indgenas. Posteriormente, em 1553, fez-se o Caminho do Padre Jos, que saa na altura de Cubato. Nesses primeiros tempos, a rede urbana era frgil, e a simbiose com os indgenas, uma estratgia de sobrevivncia. Durante os primeiros sculos, os ndios compunham a maior parte da populao local, e toda a expanso se fez atravs de suas velhas trilhas27. Essa singular combinao de ndios, mestios e brancos conferiu feio particular aos vicentinos.

    Os anos da dominao espanhola, por ocasio da unio das coroas ibricas (1580-1640), marcaram a consolidao da vitria contra os franceses, sobretudo na costa norte do Brasil e no Rio de Janeiro. Tal avano era parte de uma deliberada poltica dos felipes, traada e executada em obedincia a planos concretos. Alm de livrar da posse dos franceses grande parte do norte, nordeste e sudeste, a poltica felipina promoveu a elaborao sistemtica de relatrios sobre o territrio colonial as Relaciones Geographicas de Indias e estimulou a interiorizao de sertanistas em busca de metais preciosos, articulada abertura de caminhos, ao povoamento e conquista do serto em torno Vila de So Paulo.

    Nas antigas capitanias de So Vicente e Santo Amaro, desde 1624 chamadas de capitanias de Itanham e So Vicente, cinco ncleos trs situados no litoral e dois no planalto foram elevados categoria de vila: So Joo Batista de Cananeia, So Sebastio, Exaltao da Santa Cruz do Salvador de Ubatuba, Santana de Mojimirim (atual Mogi das Cruzes) e Santana de Parnaba.

    Os novos ncleos do planalto deveram-se aos estmulos de buscar metais, encabeados por D. Francisco de Souza 7o Governador Geral do Brasil que, em 1599, em funo das notcias sobre minerao de ouro e ferro no Jaragu, transferiu residncia de Salvador para So Paulo, a falecendo em 161128.

    No entanto, havia uma razo especfica nesse programa de estmulo interiorizao e povoamento de novas reas, concomitante busca de metais. Nesse perodo, o acar passou a dominar, em importncia, o mercado mundial, assim permanecendo durante um sculo. Na segunda metade do sculo XVI, o

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    29. Ver S. Sideri (1978); A. A. Bourdon (1973); A. F. Ferrei-ra (1977); C. A. Hanson (1986); e J. B. de. Macedo (1982, p. 11-32).

    30. Ver S. B. de Holanda (1994; 1966).

    imprio espanhol atingiu seu apogeu terrestre e martimo, sendo interessante, inclusive para Portugal, a unio das coroas em 1580. A mudana da base econmica das especiarias para o acar condicionou um aumento do nmero de engenhos no Brasil no ltimo quartel do sculo XVI. Em contrapartida, o monoplio portugus na Rota do Cabo encontrava-se, desde 1595, abatido pelos holandeses e ingleses, que reduziram a menos de 1/3 o comrcio dos portugueses no Oriente. Os carregamentos de especiarias diminuram, portanto, em 1/3. Em funo da concorrncia inglesa e holandesa, cada vez mais aguda, Portugal simpatizou com a unio das duas coroas as grandes envolvidas nesse comrcio progressivamente ameaado pela concorrncia de outras potncias ultramarinas. Em 1612, os franceses instalaram-se definitivamente no Maranho. Em 1624 (aps o fim da trgua com as Provncias Unidas dos Pases Baixos), a Companhia das ndias Ocidentais, criada em 1621, fez sua primeira investida na Bahia, sendo os holandeses expulsos no ano seguinte. Nova tentativa ocorreu em 1627. Em 1628, Piet Heyn tomou, perto de Cuba, toda uma frota espanhola de carregamento de prata; em 1630, ocorreram os primeiros ataques a Recife e Olinda; em 1634, Paraba; em 1635, a Capitania de Pernambuco foi totalmente conquistada. Se no bastasse a tomada da regio mais importante de produo de acar, os holandeses ainda atacaram, em 1637, So Jorge da Mina e, em 1638, Angola. Isso sem contar o apresamento de 1623 a 1638 de 547 navios carregados de acar. Resultado: perda do ouro africano e dos tratos do golfo da Guin; forte diminuio da rea aucareira e tabaqueira; toda a agricultura e comrcio do acar gravemente atingidos; Angola ameaada e a fonte de escravos comprometida; alm de insegurana na navegao atravs dos oceanos29.

    Esta conjuntura internacional condicionou a poltica felipina de estmulo s entradas e bandeiras dos sertanistas, em busca de ouro e de indgenas escravos (que a frica negra agora recusava). A necessidade de conviver no planalto gerou nos vicentinos desembarao no serto. A familiaridade com o gentio, o aprendizado dos segredos do serto e dos mecanismos de sobrevivncia, condicionaram um tipo humano, meio portugus e meio ndio, o mameluco, imortalizado na obra de Srgio Buarque de Holanda30. Era estratgico acion-los neste momento, para dilatar a presena metropolitana em solos do ultramar.

    Esse estmulo a interiorizarem-se no serto, em busca de metais preciosos e escravos, gerou interminveis conflitos com a Companhia de Jesus, que dominava, na poca, vastos territrios subtrados da jurisdio metropolitana, administrando-os economicamente de maneira autnoma, conforme seus prprios interesses. Tendo como fundamento assegurar a liberdade do ndio, os jesutas subtraam abundante mo-de-obra, contrariando brutalmente os interesses metropolitanos de ento. Na dcada de 1620, agudizou-se o antagonismo. Em 1624, os paulistas destruram algumas aldeias e redues jesuticas. De 1630 a 1635, fizeram novas incurses ao Paraguai. Sedes de colgios dos padres jesutas no Rio de Janeiro, Santos e So Paulo vivenciaram violentos motins, que culminaram com a expulso dos padres de So Paulo e Santos. Regressaram

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    31. Ver S. Sideri (1978); A. A. Bourdon (1973); A. F. Ferrei-ra (1977); C. A. Hanson (1986); e J. B. de. Macedo (1982, p. 11-32).

    32. Sobre a minerao nas Capitanias de So Vicente e Santo Amaro nos sculos XVI e XVII, Nestor Goulart desen-volveu estudo recente, ainda indito, que revela a explo-rao de ouro no morro do Jaragu, nos arredores de So Paulo (Guarulhos, Suzano, Osasco, Itapecerica da Serra e Franco da Rocha), em San-tana de Parnaba, Araarigua-ma, no vale dos rios Sorocaba e Paranapanema, em Apia, no planalto curitibano, no vale do Ribeira e na baa de Paranagu.

    33. Cf. J. Monteiro (1994, p. 76-81).

    34. Em relatrio elaborado para o IPHAN (2008-2009), Nestor Goulart Reis Filho lo-calizou as reas de minerao paulistas, analisando a conco-mitante questo da escraviza-o dos ndgenas e demons-trando que o grosso sempre se destinou ao mercado local. Texto indito, gentilmente cedido pelo autor.

    a So Paulo em 1640 e 1653; no entanto, em 1658, os paulistas voltaram a atacar as misses do Paraguai. A sociedade civil paulista, ansiosa por viabilizar a colonizao mesmo s custas da escravizao dos indgenas, ps-se em luta contra o Estado teocrtico aqui estabelecido. Como deixariam de entrar em conflito, em tempos de crise, se j no sculo XVI tantas vezes os interesses e orientaes dos missionrios chocavam-se com aqueles dos leigos, colonos e mercadores. A crise de todo o imprio hispano-portugus agravou tenses e desencadeou enfrentamentos.

    Em 1640, os portugueses clamavam pela Restaurao do Trono. As grandes fortunas de Portugal viram suas expectativas frustadas quanto aos benefcios da unio das coroas ibricas. Castela no logrou policiar os mares, e no se concretizou o desejo de associao na explorao das maravilhosas minas de prata da colnia espanhola. Os portugueses impossibilitados de fornecer mo-de-obra africana em funo da insegurana martima e da presena dos holandeses em seus principais entrepostos colaboraram no declnio da produo da prata, dada a escassez de mo-de-obra. Consequentemente, em 1640, Castela impediu a presena de estrangeiros em suas atividades coloniais. Tal atitude marcava o fim de qualquer esperana de parceria rentvel. Afinal, o domnio espanhol foi uma iluso e, sobretudo, um mau negcio. O fim dos interesses marcou o fim da unio31.

    No entanto, no que tange s capitanias dos herdeiros de Martim Afonso e Pero Lopes de Souza representou progresso. A minerao de ouro32 estimulou a caa aos silvcolas, para o abastecimento de mo-de-obra nas minas, gerando um perodo extremamente dinmico na regio sudeste da colnia, at ento margem da economia de exportao. O resultado foi o surgimento de uma srie de novos arraiais, alguns deles merecendo foros de vila. No litoral, as vilas de Cananeia, Iguape e Paranagu, amparadas pelos jesutas (e isoladas do que se podia chamar de eixo principal de trnsito da capitania: So Paulo-Santos-So Vicente), comearam a polarizar importante territrio voltado minerao de ouro. O litgio entre os herdeiros dos antigos donatrios das duas capitanias gerou a perda de Santos, So Vicente e So Paulo para os herdeiros de Pero Lopes. A antiga Capitania de So Vicente, passou a ser chamada de Capitania de Itanham, em funo da transferncia da sede de seu governo para a Vila de Nossa Senhora da Conceio de Itanham. As descobertas e exploraes dessas minas de ouro de lavagem na regio do vale do Ribeira e baa de Paranagu dinamizaram a economia local. A explorao do ouro foi feita com mo-de-obra indgena,amplamente escravizada para tanto, convertendo-se em excelente negcio, para os paulistas, aprision-los para abastecer as zonas de minerao. John Monteiro33 admite a existncia do trfico de ndios inclusive para outras capitanias, mas refuta a sua importncia. O grosso da mo-de-obra escravizada direcionava-se s minas locais34. Mesmo assim, quanto dimenso, por exemplo, a vila de Iguape era to humilde e to pequena, que, em 1679, o capito-mor Luiz Lopes de Carvalho, ouvidor de Itanham (em edital, em nome do conde donatrio), determinou que, em vista das poucas

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    35. Ver Revista do IHGSP (1915).

    36. Ver F. M. Santos (1937).

    moradas que haviam na vila, fosse cada um obrigado, dentro de um ano, a fazer a sua casa, tendo cem mil ris de bens para cima, sob pena de dez cruzados de multa35.

    Em funo da nsia de escravizao dos indgenas, ao longo de todo o sculo XVII a luta contra os jesutas tornou-se constante, deixando estes de servir para o auxlio dos indgenas e em seu controle. Agora, o novo perodo de caa ao silvcola os convertera em grandes inimigos das lucrativas empreitadas. Mas, sem dvida, os inacianos tiveram papel decisivo na ocupao, desenvolvimento e definio do territrio paulista. No planalto, deram incio povoao de Piratininga; salvaguardaram a existncia de povoaes ao longo da costa, como Cananeia, Itanham, Paranagu, So Vicente e Santos; foram importantes responsveis pela sustentao dessa frgil rede urbana dos primeiros tempos da Capitania. Navegaram rios, avizinharam-se do Paraguai, abriram rotas e possibilidades de expanso. Em 1553, o padre Manoel da Nbrega navegou o rio Anhembi (Tiet), chegando prximo ao Paraguai. O trajeto pelos rios Tiet, Paran, at o Prata (Assuno) e vice-versa era habitual. Durante o governo de Mem de S, em funo das contnuas lutas contra os indgenas confederados, diversas vezes se passava por essas regies. Os paulistas desciam, os espanhis subiam o curso do rio Tiet e o comrcio incipiente j se dilatava, tendo por base as trocas de produtos nativos ou cultivados. O apresamento do silvcola foi, sem dvida, o maior incentivo s viagens sinuosas dos intrpidos sertanistas, mas no o nico aspecto determinante da expanso e interiorizao. Muitos procuraram, desde o incio, fazer roas mais afastadas, onde houvesse mais facilidade de encontrar terras melhores e ainda virgens, mantendo o velho costume indgena da agricultura itinerante. A interiorizao foi lenta, mais progressiva. Os primeiros colonizadores, sobretudo os vindos com Martim Afonso, obtiveram sesmarias e, nelas, aos poucos criaram agrupamentos, e os agrupamentos geraram a necessidade de auxlio espiritual (necessrio para aqueles homens estabelecidos em universo to inspito). Assim foram fundadas as primeiras povoaes no planalto alm da vila de So Paulo de Piratininga.

    Primeiro, Santana de Mojimirim (atual Mogi das Cruzes), nas cabeceiras do rio Tiet, fruto de povoamente estimulado por D. Francisco de Souza por ocasio da abertura de caminho ligando Boigy (antigo nome do local) a So Paulo, em 1601, que deu origem sesmaria solicitada pelo fidalgo portugus Brs Cubas. Exercendo o cargo de capito-mor, lugar-tenente de Martim Afonso (o donatrio da Capitania de So Vicente), Brs Cubas pde dar origem no s a Santos36 (1545), mas tambm a esse agrupamento no planalto, elevado, em 1611, categoria de vila. Os mogianos organizaram entradas e bandeiras ou, procura de ouro e cata de ndios, acompanharam-nas.

    Tambm fruto da era martim-afonsiana, aps se estabelecer em So Vicente e So Paulo (onde exerceu cargos administrativos), Manuel Fernandes Ramos, natural de Moura, recebeu sesmaria de oito lguas ao longo do rio Tiet, nas proximidades da vila de So Paulo de Piratininga, onde seus herdeiros iniciaram fazenda em 1580. Ali, seus filhos e esposa distriburam terras aos

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    37. Ver P. F. da S. Camargo (1971).

    38. Ver A. de. Almeida (1969).

    39. Ver M. Mazzuia (1976).

    parentes e amigos. Assim, foram aparecendo moradores em torno da capela, ento construda s margens do rio, no trecho em que se tornava encachoeirado. A cultura de produtos de subsistncia e de cana-de-acar (que teria vindo de So Vicente) supria as necessidades bsicas e a descoberta de ouro nas imediaes estimulou a permanncia desse pequeno ncleo humano. Produtos da lavoura eram permutados com outros; casas iam surgindo aqui e acol, cobertas de folhas. Nascia assim Santana de Parnaba37. O fundador, padroeiro e instituidor da capela Andr Fernandes (filho de Manuel Fernandes), por ordem rgia, fez inmeras entradas oficiais no serto quer na luta contra os jesutas, participando da destruio das Misses do Guair (1629-1630), quer procura de ndios e metais preciosos. Essa sesmaria compreendia toda a regio de Parnaba, Itu, Sorocaba e So Roque. Cada um dos filhos de Manuel Fernandes recebeu em herana uma frao dessas terras, estabelecendo ali ao redor novas povoaes que, ao longo do sculo, obtiveram da Coroa Portuguesa os foros de vila: em 1657, Nossa Senhora da Candelria do Outu; e, em 1661, Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba38.

    A ocupao do serto seguiu novos rumos. Deixando So Paulo, via Carapicuba, penetrava-se em terras de Parnaba, onde, desde 1580, Suzana Dias e Andr Fernandes haviam aberto a mata serrada. Noutra direo, contornando o morro do Jaragu, no serto do rio Jundia, foi fundado um povoado, fruto da ao dos parnaibanos. Elevado a vila em 165539, as origens de Jundia so bastante obscuras, mas sabe-se que at ento a civilizao paulista terminava no morro do Jaragu, onde, em fins do sculo XVI, Affonso Sardinha descobriu e extraiu ouro. Foi Jundia, portanto, a primeira povoao alm-Jaragu, dando ensejo a uma srie de outras nessa direo.

    Outra frente de urbanizao, fruto da ao dos mogianos, ocorreu s margens do rio Paraba, onde, no sculo XVII, fundaram Taubat, Jacare e Guaratinguet. Sabe-se que, desde o perodo quinhentista, o Vale do rio Paraba foi no s um eixo de passagem mas um objetivo. O apresamento de ndios teve enorme importncia na incorporao desse serto Capitania de Santo Amaro. Foram concedidas sesmarias nas margens do Paraba, povoando-se o vale com o auxlio do rio e de um caminho a ele paralelo. Seguindo trilhas indgenas anteriores, a expanso deu-se em todas as direes. Outras trilhas indgenas pr-existentes foram aproveitadas e melhoradas pelos intrpidos mogianos e taubateanos. Em algumas das sesmarias concedidas, esses caminhos primitivos condicionaram o surgimento de povoaes. O Caminho dos Guains que subia de Parati, passando pela freguesia do Faco (Cunha), atingindo Guaratinguet viabilizou o surgimento desses dois ncleos no planalto e dinamizou o porto de Parati (elevado a vila em 1660), pertencente Capitania do Rio de Janeiro. Outras trilhas interligadas a rotas fluviais ligavam o planalto ao litoral, de Taubat a Ubatuba e de Jacare a So Sebastio.

    Ao contrrio do que pensaram os portugueses, a Restaurao do Trono no deu fim crise em que estavam mergulhados. Portugal, embora tenha retomado (das mos da Companhia das ndias Ocidentais) possesses na frica

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    40. Ver S. Sideri (1978); A. A. Bourdon (1973); A. F. Ferrei-ra (1977); C. A. Hanson (1986); e J. B. de. Macedo (1982, p. 11-32).

    41. Idem, ibidem.

    42. Ver G. Martins (1973).

    43. Cf. F. Vidal Luna e H. S. Klein (2005, p. 25-53); e C. D. Fonseca (2003).

    e no Brasil, deparou-se com a triste realidade da perda progressiva de monoplios importantes. A Rota do Cabo deixara de ser o eixo do imprio portugus, e a economia do acar estava em franco declnio. O Brasil mantinha-se como o maior produtor, mas, dada a concorrncia dos holandeses nas Antilhas, no mais monopolizava o mercado. Feito um balano, poucas iniciativas foram tomadas pela Coroa para socorrer a economia do acar. Ao invs disso, concentrou seus esforos em extrair tudo quanto podia de uma indstria estagnada40.

    Durante o reinado de D. Pedro II (1668-1706), foram estabelecidos cinco programas de estmulo ao desenvolvimento da colnia. Na ocasio, com vistas a aumentar os rendimentos da Coroa, foram desencadeadas aes diretas e enrgicas no sentido de buscar outras atividades que pudessem dinamizar a economia colonial: 1. novo programa de incentivo caa ao ouro; 2. criao da Colnia do Sacramento, visando a atrair o comrcio da prata peruana; 3. encorajamento ao cultivo de sementeiras transportadas do Extremo Oriente para as capitanias do norte do Brasil, tentando desenvolver o cultivo de especiarias na Amrica Portuguesa; 4. instituio da Junta do Tabaco, no esforo de explorar um melhor produto que pudesse ajudar a preencher a lacuna deixada pela economia do acar, em franco declnio; 5. tentativa de recuperar o contrato do monoplio de fornecimento de escravos africanos. Desses programas, dois atingiram diretamente as capitanias paulistas: a nova fase de estmulo caa ao ouro e a fundao, no esturio do rio da Prata, da pequena povoao da Colnia do Sacramento (1680)41.

    H dcadas vinha se processando a procura da riqueza mineral no Brasil, ocorrendo descobertas de metais e pedras preciosas nas imediaes de So Paulo, de Santana de Parnaba, do vale do Ribeira e da baa de Paranagu, mantendo vivo o sonho da existncia de mais riquezas nas longnquas terras do interior. A partir de 1668, a nova poltica metropolitana de estmulo dinamizou a procura. Afonso Furtado de Castro do Rio de Mendona (governador-geral empossado) e outros oficiais foram encarregados de encorajar a descoberta de novas minas. A administrao de Mendona marcou uma poca de grande atividade na busca de ouro, prata e esmeraldas. Os colonos foram incessantemente estimulados descoberta de riqueza mineral. Ofertas de ttulos de nobreza e outras formas de recompensa atuaram como incentivo para os sertanistas que, finalmente, puseram a descoberto os grandes tesouros das minas de Cataguazes em 1693/1695.

    Taubat42, elevada condio de vila desde 1645, foi um dos polos de irradiao, bem como So Paulo e So Vicente e, posteriormente, Itu e Sorocaba. Coube aos taubateanos as primeiras descobertas das minas de Cataguases43. Expedies atravessaram a serra da Mantiqueira pelas gargantas do Sapuca ou do Emba. Do vale do Paraba partiram centenas de entradas e bandeiras, dirigindo-se s minas. Os ncleos ali estabelecidos, j elevados condio de vila no perodo que se seguiu Restaurao, desenvolveram-se e se integraram ao novo frenesi de busca de ouro e metais preciosos. De Guaratinguet, partiram expedies s minas, bem como da nascente povoao de Pindamonhangaba. O

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    44. Ver G. Martins (1973).chamado Caminho Velho para as minas de Cataguases, apresentava o seguinte roteiro: de Taubat ia-se at a freguesia de Piedade (atual Lorena) e dali cruzava-se a Mantiqueira em direo ao serto das minas. No havia um caminho direto entre as minas e o Rio de Janeiro, o que obrigava o trajeto inverso: Minas / Piedade (Lorena) / Taubat / Faco (Cunha) / Parati / Rio de Janeiro. O detalhe da Carta 9a. dos padres matemticos revela a trilha percorrida entre Piedade e o porto de Guarauna (Parati), pontuada por inmeras capelas (Figura 4).

    A Casa dos Quintos (1695) foi destinada a Taubat44, ponto obrigatrio de passagem, e, a seguir, a Casa de Fundio (1697). O objetivo era combater a sonegao, legalizando o metal e cobrando a conhecida quinta

    Figura 4 O detalhe da carta dos padres matemticos revela a rede urbana, viria e fluvial do planalto paulista (especialmente do vale do Paraba) e suas articulaes com o litoral, bem como destaca a incomunicabilidade das bacias do rio Tiet e do Paraba do Sul. Diogo Soares e Domingos Capassi. Da costa do Brazil desde a Barra de Santos at da Marambaya. Carta IX. [c. 1737]. 18,8cm x 31,7cm. Arquivo Histrico Ultramarino, Lisboa.

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    45. Gneros de primeira ne-cessidade provinham do Vale do Paraba; aguardente, es-cravos e artigos de luxo, do Rio de Janeiro, via Parati; ga-do bovino, da Bahia; gado bovino, equino e muar, do sul, via Sorocaba. Observa-se a formao de um intenso mercado interno de trocas intercapitanias na Colnia. Ver M. Zemella (1951); M. Ellis (1961); e F. Vidal Luna e H. S. Klein (2005, p. 25-53).

    parte destinada Coroa. Durante os fins do sculo XVII, Taubat funcionou como o ponto oficial de manipulao e encaminhamento do metal ao reino. Tudo quanto se dirigisse s Minas passava por Taubat, inclusive os prprios baianos que, nos primrdios da minerao, tendo passe livre no territrio aurfero, voltavam para sua terra entrando pelo rio So Francisco atravs de Taubat. O mesmo acontecia com os gneros alimentcios45, roupas, animais e escravos, destinados ao longnquo serto das Gerais. Foram os taubateanos os verdadeiros abastecedores das minas, e a rota do vale do Paraba a mais importante em fins do sculo XVII e nas trs primeiras dcadas do sculo XVIII. Embora severamente vigiado, sonegava-se o ouro; e tornou-se ineficiente o procedimento utilizado na Casa de Fundio taubateana, que cunhava as barretas a martelo, viabilizando a fabricao de cunhos falsos. Portugal determinou, em 1702, que Taubat fosse aparelhada com uma mquina de cunhar. Mas as dificuldades do trajeto (via Parati), dado as pssimas condies do Caminho do Faco, impossibilitaram o transporte do engenho cunhador para Taubat. A permanncia da mquina em Parati levou o capito-mor a transferir a Casa dos Quintos e a de Fundio para o litoral. Na primeira dcada do sculo XVIII, os conflitos nos territrios aurferos entre paulistas, reinis e baianos so indcios do fim do monoplio dos primeiros na regio descoberta. A pequena sociedade urbana do vale do Paraba, que durante dcadas fervilhara com o comrcio, iniciou seu perodo de declnio.

    A Capitania de So Paulo e Minas de Ouro (1711-1765)

    Em 1709, em funo das descobertas aurferas, a Coroa reincorporou, por compra, os territrios j bastante dilatados das antigas capitanias de So Vicente e Santo Amaro, para controlar efetivamente a nova regio que, cada vez mais, crescia em importncia aos olhos metropolitanos. Para sede da Capitania de So Paulo foi escolhida a vila de So Paulo dos Campos de Piratininga, elevada condio de cidade em 1711. A criao dessa Capitania de So Paulo e Minas de Ouro marcou no s o incio de um perodo de absoluta centralizao administrativa de Portugal em relao ao Brasil mas, principalmente, o menosprezo por aqueles que muito tinham contribudo para a dilatao da Conquista: os donatrios e demais colonos.

    No final do sculo XVII, encontramos a ento Capitania de So Paulo e Minas de Ouro com limites completamente diversos das primitivas Capitanias de So Vicente e Santo Amaro, que lhe deram origem. A sua prpria denominao refletia a mudana. Com uma rede urbana bastante ampliada e um territrio em grande parte explorado, interiorizado, podemos dizer que, de periferia, a capitania passou a grande polo transformador dos destinos econmicos da colnia. Encerrou esse segundo sculo com um conjunto de 14 novas vilas que, sem dvida, constituem uma representao espacial da mudana dos interesses

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    metropolitanos em relao regio. Cada novo caminho oficial, cada nova vila e cada nova alterao de traado urbano consistia na oficializao dos passos dos diversos atores envolvidos no processo de colonizao. A busca de novas fontes de riqueza condicionou essa interiorizao, e cada passo foi oficializado ao sabor dos interesses metropolitanos, merecendo o estatuto de vila. As novas vilas, portanto, no nasceram aleatoriamente (Figura 5).

    Figura 5 Reconstituio, baseada em mapas por satlite, dos limites das Capitanias de So Vicente e de Santo Amaro, com a rede urbana, viria e fluvial formada entre 1534 e 1711. Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), So Jos dos Campos.

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    46. Ver P. T. de A. P. Leme (2004, p. 142).

    47. O Caminho Novo, con-cludo em 1725, ligava o Rio de Janeiro direto com as Mi-nas Gerais, envolvendo o seguinte percurso: Rio de Janeiro-Petrpolis-Itaipava-Secretrio-Paraba do Sul-Pa-raibuna-Simo Pereira-Matias Barbosa-Caets-Juiz de Fora-Ewbank da Cmara-Santos Dumont-Antonio Carlos-Bar-bacena-Ressaquinha-Caran-da-Cristiano Otoni-Conse-l h e i r o L a f a i e t e - O u r o Branco-Mariana-Catas Altas-Santa Brbara-Baro dos Co-cais-Cocais-Bom Jesus do Amparo-Ipoema-Senhora do Carmo-Itamb do Mato Den-tro-Morro do Pilar-Conceio do Mato Dentro-Itapanhoa-canga-Serro Frio-So Gonalo do Rio das Pedras-Diamanti-na. Cf. A. G. COSTA (2005).O Caminho Velho, vigente desde 1702, seguia o seguin-te percurso: So Paulo-Fre-guesia de Nossa Senhora da Penha-Mogi das Cruzes-Jaca-re-Taubat-Pindamonhanga-ba-Guaratinguet-Freguesia de Piedade (Lorena) ou Cru-zeiro-So Sebastio do Rio Verde-Baependi-Fazenda Traituba-Carrancas-Caquen-de-So Joo del Rey-Lagoa Dourada-So Brs do Suai-Engenheiro Corra-Ouro Preto-Mariana-Catas Altas-Bom Jesus do Amparo-Itamb do Mato Dentro-Morro do Pilar-Crregos-Serro Frio-So Joo dos Rios das Pedras-Diamantina. Cf. A. J. Antonil (1966).O Caminho Velho ligava o Rio de Janeiro a Minas Ge-rais. Conectando-se em Lore-na, seguia a seguinte rota: Rio de Janeiro-Parati-Serra da Bocaina-Cunha-Guaratingue-t-Lorena-Minas.

    48. Ver I. Blaj (2000).

    Aps a Guerra dos Emboadas, os paulistas foram progressivamente expulsos das minas de Cataguases e, por isso, deslocaram-se para mais longe, descobrindo minas em Mato Grosso (c.1719) e em Gois (c. 1725).

    Na lgica da colonizao, a mudana do foco de interesse e a nfase do controle metropolitano em determinada regio condicionava a redefinio do papel das demais regies. medida que os segredos revelados nos novos sertes foram merecendo controle por parte da Coroa, houve progressiva decadncia em certas reas.

    No fim do sculo XVII, Santos estava em situao de pronunciada penria, com todos os gneros custando uma exorbitncia, e o nvel de vida extremamente difcil para os desfavorecidos de fortuna. A isso, somou-se a grande epidemia de bexigas (varola), calamidade que assolou a vila de 1665 em diante. Essa pestilncia matou 1/3 da populao e gerou medidas proibitivas de comunicao, a ponto de ser fechado o Caminho do Mar, interrompendo oficialmente a ligao de Santos a So Paulo: por aver trs meses que estava o caminho do mar fechado he com guardas por ordem desta Camara, a requerimento do povo, por causa de averen bexigas na Vila de Santos46.

    Ao contrrio de Santos nessa poca mergulhada em epidemias cclicas , So Paulo progredia a olhos vistos. Foi do planalto que partiram as expedies de interiorizao; foi no interior que se multiplicaram os povoados e concentraram-se todas as atividades de abastecimento dos territrios aurferos, fatos esses coroados, em 1683, com a transferncia, para So Paulo, da sede da capitania, em confirmao ao foral de 1681, golpe mortal para os santistas (dada a pobreza da vizinha So Vicente, desempenhara Santos, efetivamente e, durante muitos anos, as funes de capital da Capitania de S. Vicente). Todos os produtos importados vindos do Rio de Janeiro passavam pelo porto de Parati, e no, pelo porto de Santos. J os muares, bois e cavalos provenientes do sul e os gneros de primeira necessidade obrigatoriamente passavam pelo vale do Paraba, dinamizando a rede urbana no planalto e no litoral norte. (Figuras 6)

    No entanto, aps 1725, com a abertura do Caminho Novo47, ligando as Minas Gerais diretamente ao Rio de Janeiro, entraram em franco declnio e estagnao as vilas do vale do Paraba. Perdeu-se muito com o deslocamento, para outras paragens, de um trajeto obrigatrio intensamente percorrido por quase meio sculo sobretudo se pensarmos que, ao longo do Vale do Paraba, havia importante rede organizada de comrcio. O deslocamento da rota levou igualmente estagnao dos portos situados no litoral norte da Capitania de So Paulo. Desde 1720, Parati deixou de sediar a Casa de Fundio. Aos poucos, toda a populao deslocou-se em direo s novas riquezas, permanecendo o litoral praticamente abandonado e isolado do comrcio com as minas do ouro. A partir de ento, todo o escoamento do metal se fez diretamente via Rio de Janeiro.

    Mesmo assim a Capitania de So Paulo se manteve viva, funcionando como entroncamento48 de trocas de longa distncia com o sul e o centro-oeste.

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    No podemos esquecer da enorme expanso, conquistando os sertes em direo ao sul, ao Mato Grosso, e a Gois , obra dos paulistas.

    A presena dos portugueses no rio da Prata data de 1680, ao ser fundada a Colnia do Sacramento, com intuito de reforar a autoridade portuguesa na regio e atrair o comrcio da prata peruana. Embora o maior estmulo para tal fundao tenha sido abrir caminho para o escoamento da prata da Amrica espanhola via Amrica portuguesa, a realidade e o desenrolar dos fatos demonstraram que o grande lucro e a maior recompensa deste empreendimento foi a pecuria que ali se desenvolveu, sob influncia dos castelhanos e jesutas. Alm disso, inmeras incurses dirigiram-se aos sertes, partindo de Paranagu, culminando por revelar a existncia de metais preciosos nos campos de Curitiba. Na regio, desenvolveu-se um povoado, elevado condio de vila em 1693. Sabe-se que o Caminho de Curitiba, em direo a So Paulo, datava de antes

    Figura 6 Rede urbana, viria e fluvial do Vale do Paraba. Detalhe de: Antonio Rodrigues Montezinhos [engenheiro militar]. Mapa Corographico da Capitania de S. Paulo. 1791-1792. Mapoteca do Itamaraty, Rio de Janeiro.

  • 272 Anais do Museu Paulista. v. 17. n.2. jul.-dez. 2009.

    49. Em 1728, o governador da Capitania de So Paulo, Caldeira Pimentel, determi-nou ao militar Francisco de Souza Faria o estabelecimen-to de uma picada a partir do Viamo, subindo a Serra Ge-ral e chegando aos campos da chamada Vacaria dos Pi-nhais. Dali, at Curitiba, in-corporava-se ao trecho j existente de Curitiba a Soro-caba. Em 1732, esse caminho foi retificado, desviando-se um pouco mais para oeste, denominado de Caminho do Sul, com quase 1.500 quilmetros. Cf. V. A. da Sil-va (2004, p. 84).

    50. Cf. R. M. Delson (1997, p. 29).

    51. Ver R. Delson (1987).

    52. No local do antigo Arraial de Santana, fundado em 1726-1727.

    da criao da vila, sendo ele progressivamente ladeado por sesmarias. A partir dos primeiros anos do sculo XVIII, como simples extenso de velhas trilhas indgenas, esta rota se converteu na via de acesso aos campos do sul e trajeto de passagem das tropas de bois, muares e cavalos destinadas a Minas Gerais, Gois e Mato Grosso, merecendo o nome de Caminho do Viamo, por articular as vilas de Viamo e Sorocaba49.

    As descobertas aurferas ocorridas nos mais diversos sentidos geraram a necessidade de centralizao e controle progressivos. No por acaso, a Coroa adquiriu, como j dito, as terras das mos dos antigos donatrios e, em 1709, fundou a Capitania de So Paulo e Minas de Ouro, com sede estabelecida na Vila de So Paulo, elevada em 1711 categoria de Cidade, fato que evidencia concretamente a mudana de atitude e o interesse que a regio despertava na Coroa. As atenes se concentravam ali; era preciso transferir toda a administrao metropolitana para a regio. A nova capital passara a ser ponto-chave de um territrio superior a trs e meio milhes de quilmetros quadrados, quase metade do Brasil. Em 1711, a Coroa tambm iniciou franca poltica de urbanizao na regio das minas de Cataguazes, aspirando a assegurar o controle da rea mais valiosa da Amrica portuguesa, agrupando indivduos em povoados consolidados, reduzindo assim as possibilidades de contrabando. Sob o discurso ideolgico de que a ereo de vilas era o melhor meio de civilizar e desenvolver os rudes povoados, o programa do governo, num curto perodo de sete anos, condicionou a criao de oito novas vilas no territrio das Minas Gerais: Sabar, N. S. do Carmo (Mariana) e Vila Rica, em 1711; So Joo del Rey, em 1712; Vila do Prncipe (Serro Frio) e Vila Nova da Rainha do Caet, em 1714; Vila Nova do Infante (Pitangui), em 1715; e So Jos del Rey (Tiradentes), em 171850. Em resposta a quatro estmulos distribuio de terras; descoberta do ouro; necessidade de lei e ordem no serto; e ameaa dos futuros interesses espanhis , a Coroa cobriu o serto com essa rede de vilas, fazendo de algumas delas cabeas de Comarca. Os arraiais mineradores que tiveram origem espontnea no decorrer da primeira dcada foram assim, progressivamente, elevados ao estatuto de vila, alojando os oficiais administrativos provenientes do reino.

    Ao longo das quatro primeiras dcadas do sculo XVIII, esse imenso territrio, cuja administrao e jurisdio cabia a So Paulo, foi duplamente ampliado com a descoberta de novas jazidas de ouro nas regies de Mato Grosso (c. 1719) e Gois (c. 1725), onde modestos arraiais de minerao foram logo igualmente elevados condio de vila: Vila do Senhor Bom Jesus de Cuiab51 (1726) e, dez anos mais tarde, Vila Boa de Gois52 (1736). Da cidade de So Paulo, uma rede fluvial e viria espraiava-se em direo ao oeste e ao sul, ultrapassando e muito a Linha de Tordesilhas.

    A partir de 1720, a dificuldade para controlar to vasto territrio levou a Coroa, a desligar da Capitania de So Paulo (paulatinamente, mutilando-a) as minas e suas reparties. Foram desmembradas de So Paulo, as regies de Minas Gerais (1720), Rio Grande de So Pedro e Santa Catarina (1738), Gois (1744) e Mato Grosso (1748).

  • 273Annals of Museu Paulista. v. 17. n.2. July - Dec. 2009.

    53. Ver R. Delson (1987).O primeiro golpe ocorreu na regio das minas de Cataguazes, com a transferncia para Vila Rica (Ouro Preto) da Casa dos Quintos e de Fundio, outrora sediadas em Parati. O desmembramento efetivou-se em 1720, com a criao oficial da Capitania das Minas Gerais. A partir de ento, nota-se a perda contnua de autonomia poltica, passando a cidade de So Paulo a ter a presena constante de delegados rgios, sendo Rodrigo Csar de Menezes o primeiro deles. Embora a sede do governo se localizasse a, as atenes foram desviadas para outros pontos. Desde ento, os governadores empenharam-se em promover o progresso da minerao em Mato Grosso e Gois. Quando observamos o nmero de vilas criadas no perodo, fica clara a desateno em relao ao territrio paulista. Embora a expanso tivesse elevado em muito o nmero de novos povoados, no havia nenhuma preocupao, por parte da Coroa, de efetivamente control-los. Assim, nessa primeira metade do sculo XVIII, deparamos-nos com uma nica situao de elevao de um ncleo categoria de vila e somente porque a concesso, em 1705, dos foros de vila a Pindamonhangaba foi fruto de uma atitude clandestina de seus fundadores. Sentindo o povoado j em condies de autogerir-se, eles envolveram um desembargador, que estava de passagem, para, na calada da noite, estabelecer juzes e oficiais para a cmara e levantar o pelourinho. A atitude provocou a revolta e protestos de Taubat, a qual era subordinada a Freguesia de So Jos de Pindamonhangaba. Alegavam que, sem qualquer Ordem Rgia ou proviso do donatrio da ainda Capitania de Itanham, o ato era ilegal. O fato que, em 1705, a rainha D. Catarina (que substituiu D. Pedro II, gravemente enfermo) acatou o ocorrido, dirigindo Carta Rgia, ao Ouvidor de So Paulo, ordenando que novamente se criasse a vila de Pindamonhangaba, aps repreender severamente os autores do ato arbitrrio. Pindamonhangaba manteve-se como a nica vila criada na primeira metade do sculo XVIII.

    Ao contrrio da situao supracitada, foi ao sabor de planos e projetos previamente estabelecidos que todo o territrio da colnia visado pela Coroa foi estruturado. Nas mos dela, a poltica de urbanizao tornou-se centralizada em territrios que simbolizavam lucratividade e interesse geopoltico53, gerando tenses e conflitos com a populao local.

    Embora esses programas de criao de vilas no dissessem respeito ao territrio paulista propriamente dito, engendrou nele muitas melhorias e incrementos, em funo da necessidade de aperfeioar-se continuamente o sistema de comunicao com as novas regies a ele anexadas. A rede urbana e de caminhos no s se ampliou ao longo do sculo, como sofreu inmeras melhorias.

    A partir da cidade de So Paulo, uma rede de caminhos irradiava-se em todas as direes (Figura 7).

    A descoberta das Gerais coincidiu com o aumento do trnsito no Caminho de Curitiba. Desde os primeiros anos do sculo, passavam por ele boiadas e tropas de muares, ento adquiridas em Curitiba. Era comum tambm o trnsito de cavalos, produto que, em vista de sua raridade, era extremamente valorizado

  • 274 Anais do Museu Paulista. v. 17. n.2. jul.-dez. 2009.

    54. O Caminho do Viamo partia de Viamo, passando por Lages, Lapa, Castro, Ita-peva, Itapetininga, Sorocaba, freguesia de So Roque e So Paulo.

    nos territrios aurferos. Mas as principais estrelas desse comrcio que comeava a se estruturar eram os muares, criados extensivamente nas regies dos atuais Uruguai e Argentina, de onde eram exportados para o Peru. Eram produtos especialmente valorizados, pois mais afeitos ao transporte de cargas do que os cavalos. O chamado Caminho do Viamo54 (Figura 8) ligava o Rio Grande a So Paulo, passando por Sorocaba, ltimo ponto de invernada antes da penetrao em mata profunda. A intensificao do trnsito condicionou o calamento de parte do trajeto e o estabelecimento de registros, onde arrematadores cobravam impostos tanto sobre animais como sobre indivduos. A descoberta das minas de ouro do Paranapanema e de Apia gerou a intensificao do fluxo no trajeto. Ao longo do

    Figura 7 Jos Joaquim Freire [atrib.]. Rede urbana, viria e fluvial que irradiava a partir da Cidade de So Paulo. Detalhe de [Carta Geral do Brasil]. [1797]. Escala [ca. 1:2.600.000]. Um mapa em 16 folhas coladas. ms., color. 199cm x 202cm. Direco dos Servios de Engenharia, Lisboa.

  • 275Annals of Museu Paulista. v. 17. n.2. July - Dec. 2009.

    Figura 8 Jos Joaquim Freire [atrib.]. O Caminho do Viamo. Detalhe de [Carta Geral do Brasil]. [1797]. Escala [ca. 1:2.600.000]. Um mapa em 16 folhas coladas. ms., color. 199cm x 202cm. Direco dos Servios de Enge-nharia, Lisboa.

  • 276 Anais do Museu Paulista. v. 17. n.2. jul.-dez. 2009.

    55. O varadouro de Camapu envolvia um percurso terres-tre de 14 quilmetros. Cf. V. da Silva (2004, p. 80).

    56. Cf. Documentos Interes-santes (v. 20, 1896, p. 298).

    57. Para a Vila Boa de Gois, o caminho partia de So Pau-lo, contornando o Jaragu, passando por Jundia, Cam-pinas, Mogimrim, pelo pouso de Franca e pelos arraiais de Bonfim, Meia Ponte (atual Pirenpolis) e Crrego do Jaragu.

    58. Ver D. M. R. Boaventura (2007).

    caminho do Paranapanema at Curitiba, foram distribudas vrias sesmarias e estabelecidos arraiais que logo se converteram em freguesias (Apia e Paranapanema, em funo das minas; Itapetininga, em local despovoado, para estabelecimento de registro, ento construdo junto do rio de mesmo nome).

    A cartografia do perodo tambm demonstra a ampliao da rede em direo a Mato Grosso e Gois. O trajeto para as minas do Mato Grosso era feito pelos rios Tiet e Paran, ao passo que, para Gois, era basicamente por terra.

    A rota para Cuiab envolvia trecho de trs dias por terra, margeando o rio Tiet, de So Paulo at a freguesia de Araritaguaba (atual Porto Feliz), passando pelas freguesias de So Roque e Araariguama, e por Itu. Do porto de Araritaguaba, s margens do rio Tiet, prximo a Sorocaba e Itu, partiam as principais provises dirigidas ao centro-oeste. Desde o sculo XVII, tal paragem j era utilizada como porto, sobretudo para as rotas do Paraguai. Mas foram as mones expedies por via fluvial para abastecimento das minas de ouro que intensificaram e dinamizaram o antigo ponto de partida. Ideal na mono de outono-inverno, correspondente ao perodo de seca (abril-maio junho-agosto), percorria-se o Tiet em canoas, at o Paran, de onde se partia em direo ao rio Pardo, e, deste, aos rios Coxim, Taquari, Paraguai, Porrudos e Cuiab. Com trechos de varao55 em que as canoas eram carregadas pelos indgenas , o trajeto era sofrido. Um total de 531 lguas, ou 3.504 quilmetros, de Porto Feliz a Cuiab, tornavam o percurso uma faanha, como podemos constatar no relato de Caetano dos Santos sobre a viagem do governador Rodrigo Cezar de Menezes, em 1728, dois anos aps a elevao do Arraial do Senhor Bom Jesus do Cuiab condio de vila:

    Chegou a estas Minas com viagem de quatro meses, desfigurado, com perdas concideraveis ainda de sua perciza matolotagem, por ser o serto longevo, spero, dezabudo, e quasi in-trasavel (sic), experimentando os contratempos delle, expondo-se aos contnuos riscos de vida, assim por rezo das feras, e gentios como dos rios, e muitas cachoeiras, e passou as carestias da terra, comprando tudo plos preos comuns, a q. voluntrio lho queria vender56.

    O comrcio interregional era intenso e encabeado, sobretudo, por sorocabanos e ituanos, que assim detinham os maiores lucros pelo abastecimento das longnquas minas de Cuiab e Gois. Dadas as dificuldades da rota das mones e o tempo longo da viagem, preferia-se o caminho por terra de So Paulo a Vila Boa e, dali, a Cuiab, passando pelo tringulo mineiro, antiga comarca de Paracatu (Figura 9)

    O caminho de So Paulo a Gois57 era todo por terra, passando por Jundia, por Mogi do Campo, pelas aldeias do rio das Pedras, de Pissaro, do rio das Velhas e do Lanhozo, por Santa Cruz e Meia Ponte (atual Pirenpolis), at chegar em Vila Boa (atual Gois Velho)58. De pousos de sertanistas derivaram importantes ncleos, como Mogi Mirim, Mogi Guau, Campinas, Franca e Casa Branca (Figura 10). O caminho velho passava pela regio do Tringulo Mineiro, antiga Farinha Podre (atual Uberlndia), com todos os pousos e passagens

  • 277Annals of Museu Paulista. v. 17. n.2. July - Dec. 2009.

    minuciosamente delineados no mapa de Francisco Tosi Colombina (Figuras 11 e 12). imprescindvel lembrar que as rotas terrestres eram percorridas em redes ou em mulas, por caminhos no calados, debaixo de sol e chuva. Boa parte da interiorizao se fez com tais meios de transporte ou simples ps descalos.

    Podemos dizer, portanto, que na primeira metade do sculo XVIII, os paulistas contriburam muito para a estruturao e viabilizao dos intentos da Coroa, que continuamente os estimulou a descobrir as famosas minas e a

    Figura 9 Jos Joaquim Freire [atrib.]. A Rota das Mones para Cuiab. Detalhe de [Carta Geral do Brasil]. [1797]. Escala [ca. 1:2.600.000]. Um mapa em 16 folhas coladas. ms., color. 199cm x 202cm. Direco dos Servios de Engenharia, Lisboa.

  • 278 Anais do Museu Paulista. v. 17. n.2. jul.-dez. 2009.

    59. Ver R. M. de Arajo (2000).

    60. Ver I. Blaj (2002); e J. M. Monteiro (1994).

    interiorizar-se. Mas, estando to longe, a Coroa no podia continuar controlando o que tanto a interessava. Em 1748, decidiu pela criao da capitania de Mato Grosso59, ltima a ser desmembrada da Capitania de So Paulo, condicionando sua concomitante extino. A partir de ento, esta ltima deixou de ter governo autnomo, ficando como simples comarca, subordinada Capitania do Rio de Janeiro. Escapando aos olhos fixos de Portugal, desenvolveu-se ao sabor das circunstncias60 (Figuras 13 e 14).

    Figura 10 Jos Joaquim Freire [atrib.]. O Caminho Velho para Gois. Detalhe de [Carta Geral do Brasil]. [1797]. Escala [ca. 1:2.600.000]. Um mapa em 16 folhas coladas. ms., color. 199cm x 202cm. Direco dos Servios de Engenharia, Lisboa.

  • 279Annals of Museu Paulista. v. 17. n.2. July - Dec. 2009.

    Figura 11 Francisco Tosi Co-lombina. O Caminho Velho para Gois. Detalhe de: Mappa da Capitania de S. Paulo e seu ser-to, em que se vem os descober-tos, que lhe fora tomados das Minas Geraes, como tambem o Caminho de Goyazes, com to-dos os seus pouzos, e passa-gens, deleniado por Francisco Tosi Colombina. Sc. XVIII. Fun-dao Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

  • 280 Anais do Museu Paulista. v. 17. n.2. jul.-dez. 2009.

    Figura 12 Legenda do Mappa da Capitania de S. Paulo e seu serto..., de Francisco Tosi Colombina.

  • 281Annals of Museu Paulista. v. 17. n.2. July - Dec. 2009.

    Figura 13 Os exerccios de reconstituio, baseados em mapas por satlite, da rede urbana, viria e fluvial da Capitania de So Paulo e Minas do Ouro, entre 1711 e 1765, feitos em parceria com o INPE, revelam a imensa rea alm Linha de Tordesi-lhas ocupada em solos espanhis, cabendo ao Tratado de Madri, assinado em 1750, acordar a posse efetiva. Instituto de Pes-quisas Espaciais (INPE), So Jos dos Campos.

  • 282 Anais do Museu Paulista. v. 17. n.2. jul.-dez. 2009.

    Figura 14 Georeferenciamen-to, baseado em mapa por sat-lite da rede urbana, viria e fluvial da Capitania de So Paulo e Minas do Ouro, entre 1711 e 1765, alm Linha de Tordesilhas. Instituto de Pesqui-sas Espaciais (INPE), So Jos dos Campos.

  • 283Annals of Museu Paulista. v. 17. n.2. July - Dec. 2009.

    61. Ver H. L . Be lot to (2007).

    Da restaurao da Capitania de So Paulo Independncia do Brasil (1765-1822)

    As grandes desculpas para a restaurao da Capitania de So Paulo, em 1765, dezessete anos aps a sua extino (1748), foram razes ligadas ao fisco bem como soluo de questes geopolticas. As condies de So Paulo e do Brasil na segunda metade do sculo XVIII inviabilizavam uma administrao distncia e alienada de suas necessidades.

    No sul, as hostilidades espanholas condicionaram a concentrao das atenes de Lisboa nessa regio. Aos olhos da Metrpole, em meados do sculo XVIII, as capitanias centrais e sulinas representavam grandes desafios. Entre eles, destacava-se a necessidade de organizar uma ao blica no rio da Prata, contra as ofensivas espanholas. Os pontos nevrlgicos eram a Colnia do Sacramento e as proximidades da lagoa dos Patos. Era necessrio manter soberania e controle sobre a vasta extenso de terras que os sertanistas paulistas haviam dilatado alm Linha de Tordesilhas. A questo dos limites manteve-se em pauta desde o incio do sculo XVIII61.

    As autoridades hispano-americanas vinham procurando impedir essa irradiao luso-brasileira que fora se processando ao longo dos ltimos dois sculos. O esforo maior concentrou-se nas mos dos jesutas a seu servio. Esses, ao estabelecer redues, foram paulatinamente criando uma linha de fronteira perfeitamente organizada, inclusive militarizada. Os jesutas utilizavam-se de contingentes indgenas preparados nas misses. Em contrapartida, o esforo ou a inteno portuguesa visava manuteno de toda a rea geograficamente acrescentada. A expanso no podia ser sacrificada com algum recuo que importasse em perdas substanciais de territrios descobertos que, agora, constituam um campo de explorao econmica definida e necessria aos mercados coloniais e metropolitanos portugueses. Nesse particular, desde o reinado de D. Pedro II, houve um propsito oficial portugus ao se negociar o ajuste entre Portugal e Espanha no controle do Prata, reconhecendo a Espanha, momentaneamente, o direito portugus de ali manter posio. A colonizao dos territrios sulinos impediu o avano espanhol e deu cobertura interiorizao dos sertanistas. Os portugueses, paulatinamente, ocuparam a regio do Rio Grande de So Pedro, onde j se fazia, desde a primeira metade do sculo XVIII, um intenso comrcio de gado bovino, equino e muar; e onde paulistas realizavam contnuas incurses. No entanto, em 1735, partindo de Buenos Aires contra a Colnia de Sacramento, um ataque espanhol fez renascer o conflito. Somente as negociaes e o estabelecimento do Tratado de Madri, em 1750, puseram momentaneamente fim ao novo perodo de crise de limites. Baseado no principio do uti possidetis, solucionou-se parcialmente o litgio. O Brasil realizado geograficamente pelos sertanistas paulistas, pelos sertanistas do norte e pelos religiosos a servio do Estado era, agora, legitimamente reconhecido pela Espanha. Assim, foi acordado que os luso-brasileiros permaneceriam nos trechos

  • 284 Anais do Museu Paulista. v. 17. n.2. jul.-dez. 2009.

    62. Idem.

    63. Idem.

    64. Ver F. J. C. Falcon (1982).

    65. Cf. N. G. dos Reis Filho (1995, p. 44-56).

    do territrio onde j haviam se estabelecido, valendo o mesmo para os hispano-americanos. No incio do governo de D. Jos I e do futuro marqus do Pombal, seu primeiro ministro, iniciaram-se os trabalhos de demarcao. Os jesutas do sul colocaram obstculos para a trgua, o que levou, em 1761, anulao do Tratado (Tratado de El Pardo). Em consequncia disso, Pombal decidiu promover um povoamento mais intensivo em certos trechos da fronteira. Foi elaborada assim toda uma poltica de urbanizao, com caractersticas especficas em cada regio do territrio brasileiro. No que tange Capitania de So Paulo, ento programaticamente restaurada, coube a D. Lus Antonio Botelho Mouro, Morgado de Mateus, govern-la (1765-1775)62.

    Em 1763, a sede do Governo Geral foi transferida para a Cidade de So Sebastio do Rio de Janeiro, tendo, em seguida, ocorrido a restaurao da Capitania de So Paulo (1765). A regio sul da colnia tornara-se importante centro econmico e estratgico-militar. A restituio da autonomia a So Paulo no obedeceu apenas a uma necessidade geral, geopoltica e administrativa (a defesa do sul e do oeste, dada a impossibilidade do Rio de Janeiro de responder por tudo), mas tambm atendia a uma necessidade local e econmica. Alm de pr fim aos atritos sulinos, a metrpole, mais uma vez, buscava novas fontes econmicas, em vista do escasseamento da produo aurfera a partir de meados do sculo XVIII. Passava-se revalorizao das reas com potencial agrcola, independentemente do ouro. So Paulo, a no ser nas pequenas manchas da lavoura de subsistncia, era campo virgem e aberto a um possvel renascimento da agricultura. Na segunda metade do sculo XVIII, a economia portuguesa apresentava um quadro bastante difcil. A sua feio, na primeira metade da centria, era de estabilidade, mas a situao agravou-se, principalmente a partir de 1772, com a crise do ouro brasileiro. Segundo Helosa Belotto63, frente de um imprio grande demais para sustentar-se, com o territrio metropolitano culturalmente viciado pelo jesuitismo, carente demogrfica e economicamente, Pombal tentou resolver a crise com um reforo do fisco, com reformas de toda a ordem e com o aumento do poder central. A luta, em Portugal, seria pela indstria, contra a mentalidade impregnada do jesuitismo, contra o domnio ingls no comrcio externo, contra o abandono da terra; na colnia, contra o desleixo no fisco, contra o contrabando e pelo incentivo agricultura. Os elementos fundamentais do projeto pombalino64 concentraram-se no fortalecimento do poder central. Uma dos meios para alcan-lo foi o afastamento dos nobres que ocupavam posies destacadas, aliando-se burguesia mercantil favorecida pelos monoplios e pelas Companhias de Comrcio. Outra medida tomada foi a expulso dos jesutas (1759) e a consequente secularizao das misses. Para recuperao econmica do Estado, Pombal decidiu pela revitalizao da agricultura, criao de companhias de comrcio e estmulo indstria. No Brasil, as medidas centralizadoras concretizaram-se na extino das capitanias donatrias, no reforo das fronteiras e na mudana da capital para o Rio de Janeiro65, e pelo estmulo agricultura poltica empreendida por governadores ilustrados, enviados estrategicamente para cada uma das capitanias.

  • 285Annals of Museu Paulista. v. 17. n.2. July - Dec. 2009.

    66. Ver Oficio do Morgado de Mateus ao Conde de Oei-ras. So Paulo, 23 de dezem-bro de 1766. In: Documentos interessantes (v. 23, p.4).

    67. Idem, ibidem.

    68. Idem, ibidem.

    69. Ver I. Blaj (2002); J. M. Monteiro (1994).

    Um corpo fundamental de instrues de Pombal, constitudo por duas Cartas Instrutivas, ambas datadas de 26 de janeiro de 1765 e dirigidas respectivamente ao Morgado de Mateus e ao Vice-Rei conde da Cunha66, nortearam os rumos da ento restaurada Capitania de So Paulo. A meta do novo governador da capitania, o Morgado de Mateus, concentrava-se na defesa do territrio, no combate aos espanhis, no preparo militar necessrio para tanto e na expulso dos jesutas (efetuada em 1759) que, no entender da Coroa e de Pombal, estavam implicados nas usurpaes territoriais e na manipulao dos ndios. Quanto preparao blica, chamava novamente luta o brio dos habitantes de So Paulo. Criou-se assim ambiente propcio para a arregimentao de tropas de milcias ou tropas de ordenanas, que os graduasse nos vrios postos, de modo que estes se fao apiticiveis a vaidade dos moradores principaes daquella Capitania67.

    Alm dos paulistas, o governo central pensava no aproveitamento dos ndios, eles devio constituir a principal fora e a principal riqueza para nos defendermos nas mesmas Fronteiras68.

    Quando extinta, a Capitania de So Paulo sobrevivera69 graas a seu inter-relacionamento com as regies vizinhas, assegurado pelas mones e pelo tropeirismo, nas respectivas rotas do Cuiab e do Viamo. No que tange agricultura, embora restrita e acanhada, ela ocupava metade da populao, dedicada sobretudo lavoura de subsistncia. A agricultura era realizada maneira indgena, no sistema de stios volantes, e visava, quando no prpria subsistncia, ao abastecimento dos ncleos urbanos e dos tropeiros. Embora incipientes, essas vrias formas de comrcio tinham propiciado a infraestrutura econmica que possibilitou a obra do Morgado de Mateus. A poltica do governador visava justamente a dinamizar essa infraestrutura. No planalto e no litoral, foi estimulado o plantio da cana-de-accar, que prosperou na regio de Itu, Campinas e Piracicaba e no litoral norte, especialmente em Ilha Bela.

    Na base da poltica de urbanizao empreendida pelo Morgado de Mateus, estiveram a necessidade de criar tropas de milcias, associada de dinamizar toda uma engrenagem que se estabelecera espontaneamente. Era preciso dinamizar o mercado interno, que esboava um enorme potencial. Era preciso agrupar a populao dispersa. A poltica de Pombal enquadrava a capitania na engrenagem do todo, mas, pela primeira vez, esboava uma preocupao com o desenvolvimento do seu prprio territrio. Os governadores anteriores extino da capitania pouco permaneciam em territrio paulista e, mesmo estando a, tinham os olhos voltados para as regies do ouro. A Capitania era agora, pela primeira vez, objeto de um programa que a beneficiava. Nesse sentido, estes dez anos foram importantssimos para a histria de So Paulo, convertendo-se em ponto fundamental de manuteno de uma parte essencial do territrio brasileiro o sul e o oeste.

    Como vimos, entre 1705 e 1767, nenhuma vila foi fundada em territrio paulista. Em seus primeiros tempos, os reinados de D. Joo V e o de D. Jos I estiveram voltados exclusivamente para as zonas de minerao. No houve

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    70. Ver Avisos e Cartas Regias. Arquivo do Estado de So Paulo: lata 62, n. 420, Livro 169.

    71. Idem, p. 145.

    72. Ver Carta do Morgado de Mateus Camara de Iguape. So Paulo, 12 de Janeiro de 1767. In: Documentos Inte-ressantes (v. 67, p. 76).

    73. Ver Bando para que ne-nhuma pessoa possa dezertar dos citios em que viverem. Santos, 25 de Fevereiro de 1766. In: Documentos Inte-ressantes (v. 65, p. 48-49).

    necessidade de expandir a rede urbana do sculo XVII; ou sequer interesse nisso. Sem dvida, tal aspecto o que chamamos de prova concreta do descaso da poltica metropolitana em relao Capitania. O prprio Morgado de Mateus o constataria. Ao enviar a descrio do Estado Poltico da Capitania, aps um ano e meio de governo, assim comentou a respeito das antigas vilas:

    As Vilas e Povoaes Civis que tem esta Capitania quaze todas as fundaro os primeiros povoadores; aquellas de que pude alcanar a sua fundao quaze todas foro feitas no tempo dos donatrios, e antes do descobrimento das Minas; a ltima que se fundou foi Pin-damonhangaba, a qual foi feita Villa por ordem de Sua Magestade de dez de julho de mil setecentos e cinco; tudo consta dos papis antigos do Archivo desta Camara; desde esse tempo para c no houve mais fundao alguma; porm algumas Villas so Povoaes muito pequenas; os mesmos moradores que nellas se conservo so os que tem citio mais perto, porque os que tem longe s acodem Villa pelas festas do anno, ou em solenidades mayores, fora destes cazos vo seguindo o mato virgem70.

    Dentro dos propsitos a que viera, o Morgado de Mateus compreendia que uma urbanizao mais densa facilitaria os planos propostos para a restaurao, seja do ponto de vista militar, econmico, poltico ou social. Foram constantes as determinaes rgias contra a disperso e vinham, sobretudo, ao encontro das finalidades de recrutamento e urbanizao. Desde os primrdios da descoberta do ouro, a perseguio aos vadios tornou-se uma constante. Era necessrio um maior controle da populao e de suas atividades, mas, agora, os interesses vinculavam-se s necessidades de recrutamento em face de um eventual conflito com os espanhis no sul:

    Aos vadios e facinorozos que vivem como feras, separados da sociedade civil e do comer-cio Humano, era ordenado que abandonassem os stios volantes e escolhessem lugares accomodados para viverem juntos em Povoaes Civis que pelo menos tenho cincoenta fogos para cima71.No poderiam desenvolver-se os interesses de Sua Magestade sem se multiplicarem os Colo-nos, de que h falta grande, e para que os poucos que h possa fazer bom uzo e melhor utilidade, h precizo congregalos o mais que se puder, em Povoaes Civis, fundando-se de novo, e acrescentando aquela que j temos, porque sem isso nem pode haver commercio nem riqueza permanente72. Para evitar a disperso, que em muito prejudicava o recrutamento, ordenou-se que ningum deixasse o local de moradia, sem licena superior73.

    Os ndios tambm foram alvos dessa poltica. Deviam ser congregados em aldeias, fossem elas do Padroado Real (Pinheiros, Barueri, So Miguel, Nossa Senhora da Escada, So Joo dos Guarulhos) ou antigos ncleos jesutas (So Jos, Nossa Senhora da Ajuda, Mboy, Carapicuba e Itapecerica).

    As primeiras providncias foram tomadas em 1766:

    Desejando dar providencia sobre a falta que ha de Povoaes civis nesta Capitania, tenho

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    74. Ver Cartas ao Conde de Oeiras sobre povoaes da Capitania. In: Documentos Interessantes (v. 23, p. 40).

    75. Ver Documentos Interes-santes (v. 23, p. 398; 418).

    76. Ver W. F. da Silveira (1950).

    77. Ver Documentos Interes-santes (v. 34, p.150-202).

    disposto mandar formar seis em diferentes partes que me pareceram as mais prprias, e as mais teis pela sua cituao, comodidade, e fertilidade do Paiz, e so as seguintes: Huma na Barra que faz o Rio Pirassicaba entrando no Tiet, dez legoas mais adiante de Araytagua-ba, ltima povoao em que se embarca para Cuiab, para que os que fazem esta viagem tinho escalla mais abayxo em que posso refazer-se [] Outra no Wotucatu, sobre o Rio Paranapanema para tentar-se poder restaurar as muitas fazendas que se despovoaro na-quelle Rio depois que abandonamos a navegaco delle para Cuiab, pertendo [sic] junta-mente as vargens da Vaccaria de Guaycuru de que hoje se querem fazer senhores os caste-lhanos []; Outra na paragem chamada a Faxina sobre o caminho que vay de So Paulo para Curitiba adiante de Sorocaba que h a ultima villa, quarenta legoas para ver se acres-cento para aquella parte mais as povoaes por no haver em toda a distancia daquella Villa at Curitiba []em que s tinha alguns moradores [] Outra nos Campos de Lagens/em legoas depois de Curitiba no caminho que vay para Viamo, para ver se junto os mui-tos moradores dispersos que ha de parte de cima da serra da Costa do Mar, fazendo-se fortes sobre as margens do Rio Pelotas para fortificar aquella paragem contra invazes que ahy podem fazer os ndios das misses castelhanas, cortando-nos com muita facilidade o passo e comunicao que possamos ter por terra com os habitantes de Viamo [] Outra na costa do mar na enseada de Guaratuba abayxo de Paranagu para o Sul ds legoas por ser bom Porto de mar muito farto de peixe, e excelentes terras [] Outra no Rio Sabana entre Iguape e Cananeia por ser bom porto do mar, muito farto de peixe, e boas terras, e desejar que todos os Portos desta Costa se povoem [] De todos estes lugares mandarei a V. Ex. a carta chorografica logo que a puder concluir e ajustar para ir com a exactido, a qual eu mesmo ey de fazer, e pintar por no ter quem saiba74.

    Em 1767, a aldeia de So Jos do Paraba (atual So Jos dos Campos) foi elevada categoria de vila: Portanto Sua Mage foi servido ordenarme nas Instrues [] e em outras ordens que fui recebendo, que era muito conveniente ao seu Real servio que nesta Capitania se erigissem Villas nas Aldeias dos ndios, e que todos os vadios e dispersos, ou que vivem em citios volantes se congregassem em Povoaes Civis75.

    Em 1769, foi a vez de So Joo de Atibaya76 e Mogimirim:

    Foi servido ordenarme [] que nesta Capitania se erigissem Villas aquellas povoaes que fossem mais prprias para o ditto efeito, e porque huma das mais que se distinguem em os requizitos necessrios para receberem a honra do nome de Villa h a Povoao de So Joo de Atibaya [] Por ter capacidade e suficincia para se augmentar em mayor povoa-o pelo tempo adiante do que a Freguesia de Mogi-guau, cuja situao era muito hmida e com pouco extraco para se povoar, sendo esta de Mogimirim hum plano seco em se podio estabelecer cazas e terem mayor durao [] Por ficar este lugar de Mogimirim quatro dias de jornada de caminho rigorozo, de passagens de rio distante daquella Villa de Jundiahy77.

    Segundo Helosa Belotto, nos primeiros anos de governo do Morgado de Mateus, nas tentativas de estabelecer povoaes, o objetivo era preponderantemente estratgico. Lages, Faxina e Itapetininga estavam dentro da meta de colonizao do roteiro do sul, visando a preservar e a dinamizar uma

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    78. Ver M. Neme (1943).

    79. Ver Documentos Interes-santes (v. 4,, p. 104).

    80. Ver Documentos Interes-santes (v. 23, p. 415).

    81. Ver H. L . Be lot to (2007).

    das mais importantes rotas do sculo XVIII, assegurando a rea de domnio daquelas paragens. Era preciso fixar o povoamento ao longo do Caminho do Viamo e controlar o poder dos mandatrios locais. Nesse mesmo objetivo se enquadravam Sabana e Guaratuba, visando a garantir a defesa do litoral sul, zona vulnervel s aproximaes espanholas. Serra acima, Piracicaba78 foi destinada a beneficiar o comrcio com os monoeiros que se dirigiam ao Mato Grosso; mas, alm disso, associava-se ao empreendimento que o Morgado desenvolvia na regio do rio Iguatemi ponto estratgico da defesa contra os espanhis no territrio hoje conhecido como Mato Grosso do Sul. D. Lus Antonio visava a estabelecer uma boa povoao e conseguir a abertura do caminho para o Iva79. Tratava-se de um projeto absurdo, do qual, alis, desistiria pouco depois.

    Muitas das localidades prosperaram, chegando a ser elevadas categoria de vila. Muitas permaneceram como capelas ou simples freguesias, tendo sua situao sido definida em poca posterior ao governo do Morgado de Mateus.

    Embora parea fcil, inmeras correspondncias oficiais do Morgado de Mateus expressam queixas relativas dificuldade de se fundar povoaes na Capitania de So Paulo:

    No h couza to til, e necessria, como Povoaes, principalmente nesta Capitania que h muita falta. No ha couza ao mesmo tempo to difficil. No fallo nas difficuldade de mover os novos habitadores, que huns no querem, outros pedem o que no ha, outros cho-ro, outros se escondem, que tudo isso vence, falIo nas muitas vontades que precizo conci-liar para uma couza to justa, e necessria, e com as quaes no podem as minhas foras, nem me h possvel obriga-las80.

    possvel estabelecer, grosso modo, os seguintes rumos de expanso da rede urbana paulista no ltimo quartel do sculo XVIII. Segundo Belotto81, na direo sul (correspondendo defesa e colonizao do Caminho de Viamo e do litoral), ainda que em sua forma incipiente, o Morgado de Mateus promoveu