burocracia e polÍtica: o perfil dos funcionÁrios … · no estado ou no governo que são...

22
III Semana de Ciência Política Universidade Federal de São Carlos 27 a 29 de abril de 2015 BUROCRACIA E POLÍTICA: O PERFIL DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS ELEITOS PARA O SENADO BRASILEIRO NA PRIMEIRA REPÚBLICA Ana Paula Lopes Ferreira 1 RESUMO: O objetivo deste trabalho é fazer um resgate histórico das elites políticas focando num grupo profissional específico: os funcionários públicos, mostrando o perfil destes parlamentares. Para classificar esses parlamentares como “funcionários públicos” tomamos por base a passagem por cargos públicos durante as suas carreiras profissionais. Testamos a seguinte hipótese: a porta de entrada na carreira política dos senadores com origem profissional no funcionalismo público é o senado, em decorrência do seu status profissional na Primeira República, possibilitando queimar etapas na carreira. Os resultados apontam que os senadores apresentam uma carreira profissional longa e tendem a iniciar suas carreiras políticas deputados provinciais e gerais, resultado que vai contra a hipótese testada. Palavras-chave: senadores; funcionalismo público; Primeira República; perfil social. INTRODUÇÃO A proposta deste trabalho é mostrar as trajetórias e as carreiras públicas burocrática e eletiva dos senadores eleitos durante a Primeira República brasileira (1891-1930), que exerceram algum cargo público durante a suas carreiras profissionais. Objetivando estudar detalhadamente o perfil destes parlamentares, problematizamos a questão da carreira deles, tendo como hipótese que a porta de entrada na carreira política dos senadores com origem profissional no funcionalismo público é o senado, em decorrência do seu status profissional na Primeira República, possibilitando queimar etapas na carreira. Para testar tal hipótese é utilizada a prosopografia - meio de 1 Doutoranda em Ciência Política na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Orientada pelo Prof. Dr. Odaci Coradini. E-mail: [email protected]

Upload: doandung

Post on 09-Nov-2018

220 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: BUROCRACIA E POLÍTICA: O PERFIL DOS FUNCIONÁRIOS … · no Estado ou no governo que são especificamente políticas, tais como secretários municipais e estaduais, chefes de gabinetes

III Semana de Ciência Política

Universidade Federal de São Carlos

27 a 29 de abril de 2015

BUROCRACIA E POLÍTICA: O PERFIL DOS

FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS ELEITOS PARA O SENADO

BRASILEIRO NA PRIMEIRA REPÚBLICA

Ana Paula Lopes Ferreira1

RESUMO: O objetivo deste trabalho é fazer um resgate histórico das elites políticas

focando num grupo profissional específico: os funcionários públicos, mostrando o perfil

destes parlamentares. Para classificar esses parlamentares como “funcionários públicos”

tomamos por base a passagem por cargos públicos durante as suas carreiras

profissionais. Testamos a seguinte hipótese: a porta de entrada na carreira política dos

senadores com origem profissional no funcionalismo público é o senado, em

decorrência do seu status profissional na Primeira República, possibilitando queimar

etapas na carreira. Os resultados apontam que os senadores apresentam uma carreira

profissional longa e tendem a iniciar suas carreiras políticas deputados provinciais e

gerais, resultado que vai contra a hipótese testada.

Palavras-chave: senadores; funcionalismo público; Primeira República; perfil social.

INTRODUÇÃO

A proposta deste trabalho é mostrar as trajetórias e as carreiras públicas –

burocrática e eletiva – dos senadores eleitos durante a Primeira República brasileira

(1891-1930), que exerceram algum cargo público durante a suas carreiras profissionais.

Objetivando estudar detalhadamente o perfil destes parlamentares, problematizamos a

questão da carreira deles, tendo como hipótese que a porta de entrada na carreira

política dos senadores com origem profissional no funcionalismo público é o senado,

em decorrência do seu status profissional na Primeira República, possibilitando queimar

etapas na carreira. Para testar tal hipótese é utilizada a prosopografia - meio de

1 Doutoranda em Ciência Política na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Orientada

pelo Prof. Dr. Odaci Coradini. E-mail: [email protected]

Page 2: BUROCRACIA E POLÍTICA: O PERFIL DOS FUNCIONÁRIOS … · no Estado ou no governo que são especificamente políticas, tais como secretários municipais e estaduais, chefes de gabinetes

III Semana de Ciência Política

Universidade Federal de São Carlos

27 a 29 de abril de 2015

investigar as características comuns de um grupo de atores, como questões sobre

família, origens sociais, posição econômica, educação, ocupação profissional entre

outros (STONE, 2011).

Por mais que não haja uma relação causal direta entre ocupação profissional e

carreira política, é possível afirmar que a posição na hierarquia social, ocupação

profissional e funções exercidas na esfera privada ou pública estão vinculadas com o

sucesso ou o fracasso nas carreiras políticas (GAXIE, 1980). Logo, conhecer as

atividades com as quais os legisladores se ocuparam antes de entrar na política deve, em

princípio, ajudar a entender as variações nas condições de êxito na disputa por uma

cadeira parlamentar. Deste modo optamos por estudar os funcionários públicos. A

escolha desta categoria profissional se dá pela sua importância em relação à sua

participação no âmbito político, sabe-se que a burocracia de Estado é, no Brasil, uma

importante fonte para o recrutamento político, sendo a presença de políticos oriundos da

administração pública um fenômeno histórico recorrente desde o período imperial

(SOARES, 2008).

Durante a Primeira República brasileira, essa categoria profissional representou

25,9% dos parlamentares. Para chegar a este percentual primeiramente foi necessário

definir o que entendemos como funcionários públicos, chegamos a seguinte definição:

pode ser considerado funcionário público o indivíduo que mantêm ou manteve vínculos

trabalhistas com entidades governamentais, exercendo cargo, emprego ou função

pública civil ou militar, com vencimentos salariais provenientes do Estado. Não sendo

considerado como cargos típicos do funcionalismo público brasileiro aquelas posições

no Estado ou no governo que são especificamente políticas, tais como secretários

municipais e estaduais, chefes de gabinetes políticos e chefes da Casa Civil da

Presidência da República.

A partir desta definição, foram utilizados critérios para a classificação da

ocupação dos parlamentares em questão. Deste modo, no presente trabalho, são

considerados “funcionários públicos” aqueles sujeitos que exerceram algum tipo de

atividade profissional no setor público, podendo ser caracterizada como carreira

profissional. A adoção deste critério se deu pelo fato de que no período em questão era

Page 3: BUROCRACIA E POLÍTICA: O PERFIL DOS FUNCIONÁRIOS … · no Estado ou no governo que são especificamente políticas, tais como secretários municipais e estaduais, chefes de gabinetes

III Semana de Ciência Política

Universidade Federal de São Carlos

27 a 29 de abril de 2015

comum o exercício de várias ocupações simultaneamente no período, por esse motivo

não é possível adotar o critério da última atividade profissional, o mesmo empregado

por Rodrigues (2002), o qual identifica a última atividade profissional ou ocupação que

candidatos/eleitos exerciam antes do début, ou seja, a estreia na carreira política. O

critério adotado neste trabalho, da passagem por cargos públicos, apesar de não ser

considerado o mais seguro, consiste no mais objetivo do ponto de vista metodológico,

pois aponta a carreira no serviço público e o exercício de fato da atividade profissional –

o que não ocorre, por exemplo, quando se distribuem os parlamentares com base em

autodefinições, pois geralmente eles declaram a sua profissão com base no diploma

universitário que possuem, mesmo nunca tendo exercido o ofício. Embora o uso do

indicador “passagem por cargos públicos” possa não corresponder à ocupação

predominante na vida do parlamentar, ou à sua atividade econômica principal, esse

critério pode ser um melhor preditor das atitudes dos legisladores do que quando se

considera seu currículo acadêmico.

Para atingir os objetivos propostos acima, o presente trabalho está dividido em

três partes. Na primeira sessão, expomos a discussão da literatura sobre o problema da

origem profissional das elites políticas. Na segunda parte, apresentamos a dinâmica

política e a burocracia da Primeira República. Na sessão seguinte apresentamos o perfil

sócio-profissional dos parlamentares, separados em duas subseções: uma com o perfil

social e a outra com a trajetória profissional. Por fim, na conclusão, sumariamos

algumas perspectivas que podem ser utilizadas para interpretação o significado dos

nossos achados empíricos.

1. PROFISSÕES DE ORIGEM: HABILIDADES SOCIAIS E RECURSOS

ECONÔMICOS

Há profissões mais propícias que outras para a entrada na carreira política? É

possível estabelecer uma relação entre as habilidades ensinadas pelas ocupações

Page 4: BUROCRACIA E POLÍTICA: O PERFIL DOS FUNCIONÁRIOS … · no Estado ou no governo que são especificamente políticas, tais como secretários municipais e estaduais, chefes de gabinetes

III Semana de Ciência Política

Universidade Federal de São Carlos

27 a 29 de abril de 2015

exercidas antes da carreira política e a atuação do político nos parlamentos depois de

eleito? A fim de responder a esta e outras questões, a presente sessão extrai da literatura

sobre a origem profissional das elites políticas elementos para uma avaliar o significado

da presença de uma dada categoria ocupacional na política institucional.

1.1. AS PROFISSÕES DA PROFISSÃO POLÍTICA

Nas relações entre posição e inserção social de origem, a entrada e o

desenvolvimento na carreira política estão condicionados pela disponibilidade de

recursos financeiros e tempo, da mesma forma pelo nível de afinidade entre as

atividades profissionais de origem e a atuação parlamentar. Nesse sentido a ocupação

profissional é responsável por oferecer oportunidades para o destaque individual. Sob

esse aspecto, a origem profissional é uma variável explicativa relevante para a

compreensão do sucesso eleitoral de determinados indivíduos. Essa perspectiva enfatiza

o uso de variáveis que podem revelar prestígio, conexões e habilidades importantes para

o exercício do mandato parlamentar (NORRIS & LOVENDUSKI 1997).

A definição de Norris & Levenduski (1997) sintetiza a ideia geral da literatura

sobre o papel da variável ocupação na profissão política. Porém, a especulação em torno

da importância da ocupação prévia na carreira política vem sendo discutida há tempos,

tendo entre seus precursores Max Weber.

Em seu trabalho a “Política como vocação”, resultado de uma palestra proferida

em 1919, Weber (1982), demonstra como as ocupações podem ser utilizadas como

recurso para o ingresso na carreira política, e o modo que a política como profissão

demanda a necessidade de conhecimento específico, logo algumas experiências

profissionais trazem esse conhecimento e qualificam o individuo para o exercício da

profissão política. Tomando como objeto a classe política e considerando variáveis que

contribuem para o ingresso e o sucesso na carreira política, como: disponibilidade de

recursos financeiros; tempo para se dedicar aos assuntos públicos - que está

Page 5: BUROCRACIA E POLÍTICA: O PERFIL DOS FUNCIONÁRIOS … · no Estado ou no governo que são especificamente políticas, tais como secretários municipais e estaduais, chefes de gabinetes

III Semana de Ciência Política

Universidade Federal de São Carlos

27 a 29 de abril de 2015

diretamente relacionado com a variável - e o nível de afinidade entre as atividades

profissionais de origem e os requisitos demandados para a atuação na política. O autor

também aponta algumas ocupações, que, segundo ele, seriam mais propícias para o

ingresso na carreira política como aquelas ligadas ao direito e o jornalismo. O

conhecimento especializado e a experiência advinda do exercício regular de

determinadas profissões são centrais e economizam um grande tempo de treinamento na

função. Porém é necessário contextualizar o trabalho do autor, uma vez que no período

que ele desenvolveu essa ideia, que podemos denominar de as “profissões da profissão

política”, eram poucas as pessoas aptas a exercer qualquer tipo de atividade que

demandasse um diploma ou status social, e as profissões de “prestígio” eram limitadas a

poucas ocupações, logo essas eram as que conseguiam chegar à carreira política.

Mais do que isso, o estudo de perfil da classe política deve levar em conta as

transformações políticas e socias que ocorrem em determinadas sociedades em longo

períodos de tempo. Apenas levantando as características de indivíduos num momento

específico não demonstra se eles de fato apresentam mudanças de perfil, assim como a

população em geral que ao longo do tempo apresentam níveis de educação mais

elevados ou concentração predominante em áreas urbanas do que a geração anterior.

Por exemplo, a maior parte dos estudos sobre elites aborda somente uma

legislatura específica ou resultados de uma eleição a fim de comparar o perfil de eleitos

e não-eleitos, nos quais geralmente os dados mostram a concentração de parlamentares

com um determinado partido ou nível de escolaridade. Isso não quer dizer que esse

perfil é uma constante, que está reproduzindo os resultados de eleições anteriores. É

preciso investigar se a longo prazo ocorre ou não mudanças no perfil dos políticos

eleitos. Ou seja, não quer dizer que a classe política apresenta característica próprias, é

preciso saber se essas características se mantêm constantes ao longo do tempo.

Dogan (1967) faz esse tipo de análise em seu trabalho “Les filières de la

carrière politique en France”, no qual realiza um estudo sobre a composição social da

elite política francesa abrangente o recorte temporal que vai de 1870 à 1950, trazendo a

discussão entre a estrutura sócio-ocupacional do eleitorado e a composição social da

elite política, levando em consideração as mudanças geracionais do eleitorado e da elite.

Page 6: BUROCRACIA E POLÍTICA: O PERFIL DOS FUNCIONÁRIOS … · no Estado ou no governo que são especificamente políticas, tais como secretários municipais e estaduais, chefes de gabinetes

III Semana de Ciência Política

Universidade Federal de São Carlos

27 a 29 de abril de 2015

Segundo o autor, as mudanças de uma geração para outra no recrutamento da elite

política são evidentes se levarmos em consideração não a profissão do ministro, ou

senador, mas a origem social, isto é, ocupação, posição, riqueza, relacionamentos da

família na sociedade. Assim como o filho de um comerciante, indústria ou nobre, o

advogado poderá ser classificado tanto como pertencente a classe média baixa, classe

média alta ou nobreza (DOGAN, 1967). Essa perspectiva de mudança geracional traz

uma análise mais profunda e precisa, pois reflete a mudança social pela qual o Estado

francês passou ao longo do período analisado, observando a ascensão de determinadas

camadas sociais à classe política e como algumas profissões tendem a continuar entre as

recrutadas pelos partidos políticos, como ocorre com os conselheiros municipais e

outros profissionais da administração pública com cargos elevados presentes no

Parlamento tanto no fim do século XIX quanto na metade do século XX. O autor

também aponta que a importância de alguns setores profissionais na elite política está

relacionada com as tendências políticas do momento.

Em trabalho posterior, Dogan (1999), assim como Weber (1982), também expõe

que há profissões que se predispõem a uma carreira pública, geralmente são profissões

que oferecem oportunidades por proximidade entre a formação escolar e a experiência

exigida para desempenhar a função de representação. Exemplo disso são os

parlamentares recrutados na área jurídica. O autor sublinha que esse meio é um rico

“viveiro de políticos” em decorrência da aproximação entre: a formação, a experiência

desses profissionais e o mundo político-institucional. Outra categoria que apresenta

crescimento gradual no parlamento francês são os funcionários públicos, somente no

intervalo 1946-1993, o percentual de funcionários na Assembleia Nacional francesa

mais que dobrou, passando de 14% para 38%, esse caso acompanha a tendência geral

dos países europeus no mesmo período.

Outro achado importante do trabalho de Dogan (1999), e que nos remete ao

sistema política brasileiro durante a Primeira República, é a conciliação de profissões. O

autor mostra que na França, junto com a profissão de origem, principalmente profissões

como advocacia e o serviço público, o indivíduo concilia alguma atividade política.

Somente após a entrada no parlamento e com garantia de estabilidade na vida política é

Page 7: BUROCRACIA E POLÍTICA: O PERFIL DOS FUNCIONÁRIOS … · no Estado ou no governo que são especificamente políticas, tais como secretários municipais e estaduais, chefes de gabinetes

III Semana de Ciência Política

Universidade Federal de São Carlos

27 a 29 de abril de 2015

que esses indivíduos abandonam a profissão original, assim, o período de exercício das

duas profissões concomitantemente, tem a ver com o prestígio desta última. Quanto

maior o tempo de carreira, menor o índice de acúmulo entre as duas profissões, o que

levaria à profissionalização desses políticos.

A questão principal sobre a importância da ocupação profissional nos estudos

apresentados até o momento remete a importância que algumas profissões tem no

desenvolvimento de habilidades essenciais para a atividade política, como a habilidade

de expressão, convencimento, sedução, argumentação e uso da oratória que costumam

ser comuns em diversos parlamentos no mundo (RODRIGUES, 2002). Além de ser

importante, que a ocupação ofereça tempo livre e/ou flexibilidade no horário de

trabalho, sem grandes prejuízos para a renda pessoal, como ocorre com professores

(SANTANA, 2008).

Visto o problema por outro ângulo, pode-se dizer que a identidade dos políticos

em termos de suas experiências profissionais prévias pode indicar (e às vezes

determinar) as condições socioeconômicas que influenciam a decisão de concorrer a um

cargo eletivo. Quanto mais bem posicionados na sociedade (em termos de renda e

reputação), mais chances efetivas de ser bem-sucedido na disputa política. Por analogia,

isso pode valer para os burocratas: quanto mais alta a função no Estado, mais fácil ou

rápida a trajetória e mais longe se pode ir na carreira parlamentar.

Por um lado, saber quais e como a profissão de origem pode ajudar o aspirante à

política a adentrar a arena política, não pode ser realizado sem levar em consideração o

papel social que o exercício da atividade política traz para o indivíduo. Bourdieu (1989),

na tentativa de explicar porque alguns conseguem tornar-se parte das elites a partir de

variáveis socioeconômicas, como a ocupação, mostra que a relação entre ocupação e

carreira política seria quase de interdependência. Sendo a atividade profissional um

meio de o indivíduo conseguir ser reconhecido como alguém preparado para assumir o

cargo político, além da ocupação profissional ser usada como um meio para o destaque

individual na arena política. Isso porque algumas profissões permitem disponibilidade

ou flexibilidade de tempo, além da experiência adquirida no exercício de determinadas

funções. Em contrapartida, a carreira política é um meio de evitar a depreciação de um

Page 8: BUROCRACIA E POLÍTICA: O PERFIL DOS FUNCIONÁRIOS … · no Estado ou no governo que são especificamente políticas, tais como secretários municipais e estaduais, chefes de gabinetes

III Semana de Ciência Política

Universidade Federal de São Carlos

27 a 29 de abril de 2015

patrimônio de reputação e reconhecimento, elementos úteis para a manutenção da

carreira política, principalmente em momentos de reeleição ou progressão da carreira

(BOURDIEU, 1989).

Com a discussão da bibliografia sobre o papel da origem profissional das elites

políticas, procuramos demonstrar a importância da relação entre origem profissional e

carreira política. Com resultados próximos, a maior parcela procura explicar essa

relação com base em questões socioeconômicas como prestígio da profissão,

disponibilidade de recursos econômicos e de tempo para se dedicar à política, com

especial ênfase no conhecimento que a ocupação de origem propicia e nas relações

sociais. A partir do entendimento da importância da origem ocupacional para o ingresso

e manutenção da carreira política, procuramos entender qual a importância desta

profissão na Primeira República e o que significava ser funcionário público neste

período, deste modo passamos à segunda parte deste trabalho: a dinâmica política da

Primeira República.

2. DINÂMICA POLÍTICA E BUROCRACIA NA PRIMEIRA

REPÚBLICA

A dinâmica política mudou com a transição do Império para a Primeira

República, principalmente em relação ao modo de recrutamento dos senadores. No

Brasil imperial não havia eleições regulares para o cargo de senador, que então era

vitalício, sendo estes parlamentares nomeados pelo imperador a partir de uma lista

elaborada previamente pelas províncias. O imperador recompensava ou cooptava

aliados políticos regionais com um canal de acesso ao topo da estrutura política.

Segundo Cerqueira Leite, “Era preciso que o futuro senador já tivesse ultrapassado

importantes degraus na arte da política, tivesse uma aprendizagem prática e escola só

poderia ser, então, a ocupação de alguns cargos como Deputado, Presidente de

Província, Ministro, Diplomata e Conselheiro de Estado” (CERQUEIRA LEITE 1978,

Page 9: BUROCRACIA E POLÍTICA: O PERFIL DOS FUNCIONÁRIOS … · no Estado ou no governo que são especificamente políticas, tais como secretários municipais e estaduais, chefes de gabinetes

III Semana de Ciência Política

Universidade Federal de São Carlos

27 a 29 de abril de 2015

p.44). Essa passagem do texto de Cerqueira Leite (1978) remete à linha tênue que

separa a carreira política da burocrática no Brasil imperial, e que por sua vez continua,

ainda que com algumas modificações, na Primeira República.

Transformações significativas também teve a burocracia, principalmente com a

transformação das antigas províncias em estados federativos, levando a mudança

político-institucional, além de corroborar a autonomia administrativa que as províncias

detinham (CARVALHO, 2011). A Constituição de 1891 previa a autonomia federativa

dos níveis da federação e da divisão dos poderes (união, estado e município). Segundo

Love (1970), o resultado dessa descentralização não foi somente a concessão de mais

autoridade para os governos estaduais e município, mas também a mudança da origem

da maior parcela de receitas fiscais para eles. Embora a União ainda recebeu mais da

metade das receitas arrecadadas por todos os níveis de governo, o regime republicano

fez o controle dos governos estaduais e municipais uma proposta lucrativa, dada a forma

patrimonial em que o governo foi exibido. Desse modo, era necessário um corpo

burocrático que desse conta desta nova realidade.

Outra característica desta época, é que o poder político estava concentrado nos

chefes políticos regionais, os chamados coronéis, além de ter como figura proeminente

em cada estado o governador. Isso se deu em decorrência da implantação do

federalismo pela República e do surgimento do governo do estado como ator político,

sendo necessário para as oligarquias locais e seus representantes – coronéis – se

associarem ao representante desse novo ator político, ou seja, o governador

(CARVALHO, 1997). A relação entre governo estadual e coronel passa a ser

necessária, as oligarquias estaduais garantem a manutenção do poder do coronel no

município, cedendo-lhe o controle de cargos públicos, acesso a verbas e poder político

de mando nos municípios aos senhores locais. Em contra partida o coronel apoia o

governo e garante os votos necessários para que esse se perpetue no poder (MARENCO

DOS SANTOS, 2013). Nesse aspecto Faoro (1959) ressalta que as despesas eleitorais

era uma conta paga pelo coronel, e que esse por sua vez não chegava a acumular capital

com o dinheiro público, em decorrência da escassez de recursos municipais, eles apenas

Page 10: BUROCRACIA E POLÍTICA: O PERFIL DOS FUNCIONÁRIOS … · no Estado ou no governo que são especificamente políticas, tais como secretários municipais e estaduais, chefes de gabinetes

III Semana de Ciência Política

Universidade Federal de São Carlos

27 a 29 de abril de 2015

garantiam a autonomia em relação a definição de cargos públicos, assim mantendo seu

poder.

Dentro deste contexto social e político surgiram diversos sistemas

administrativos estaduais, que se diferenciavam entre si em decorrência do montante de

recursos financeiros disponíveis, ou seja, os estados com economia mais forte podiam

contratar mais gente e expandir suas atividades (CARVALHO, 2011). Porém, é

necessário ressaltar que neste período a maioria da população ainda vivia no meio rural,

deste modo o emprego público permaneceu reduzido. Segundo Carvalho (2011), o

“perfil reduzido” do serviço público foi herança do Império “adentrou o período

republicano e conformou uma administração de caráter regulador e aristocrática, dotada

de limitadas fontes de financiamento” (CARVALHO, 2011, p. 42). Graham (1968), por

sua vez aponta que o serviço público, ainda que reduzido, era usado à serviço dos

interesses dos coronéis – que detinham o poder de nomeação e apadrinhamento dos

servidores -, sendo um meio da manutenção da ordem pública e de obter benefícios

políticos.

De um modo geral, o funcionalismo público na Primeira República era usado

para fins de favoritismo político, através das nomeações e apadrinhamento, sendo o

mesmo restrito somente para alguns indivíduos da elite, com alto nível de escolarização,

principalmente para o período, que ocupavam cargos elevados na administração estatal.

Assim, a mudança de regime político possibilitou uma nova configuração, ainda que

limitada, ao serviço público, sendo que o exercício da atividade burocrática ainda

proporcionava à elite altas remunerações e prestigio do exercício do cargo, que remetem

ainda ao Império e a burocracia portuguesa.

Page 11: BUROCRACIA E POLÍTICA: O PERFIL DOS FUNCIONÁRIOS … · no Estado ou no governo que são especificamente políticas, tais como secretários municipais e estaduais, chefes de gabinetes

III Semana de Ciência Política

Universidade Federal de São Carlos

27 a 29 de abril de 2015

3. O SÓCIO-PROFISSIONAL PERFIL DOS “SENADORES-

FUNCIONÁRIOS”

Sabe-se que a burocracia de Estado é, no Brasil, uma importante fonte para o

recrutamento político, sendo a presença de políticos oriundos da administração pública

um fenômeno histórico recorrente desde o período imperial (SOARES, 2008). Ao

longo do século XX a burocracia pública esteve presente de modo importante no

Senado brasileiro. Se somarmos várias categorias do Estado – militares, juízes e

promotores, empregados do setor público, servidores de alto escalão e professores –,

apesar das grandes distâncias sociais entre elas, veremos que os “senadores-

funcionários” somavam nada menos de 38,6% da Casa da década de 1940. O ponto

mais baixo da sua participação no Senado foi na conturbada década de 1930, 14,7%,

mas nos anos 2000 chegaram a ocupar 1/3 das cadeiras (A. CODATO, COSTA, &

MASSIMO, 2014).

Ao trazer a análise da participação de funcionários públicos na Primeira

República, a tarefa torna-se mais árdua, principalmente porque as fontes de dados são

escassas, bem como ausentes são as descrições e narrativas históricas com excepcional

aprofundamento. Para conseguir apresentar o perfil destes parlamentares, foi necessário

um trabalho prévio de coleta de dados, usando como fontes de coletas as fichas

biográficas produzidas pela Secretaria de Tecnologia da Informação do Senado Federal

– Prodasen. Cada um dos indivíduos que passaram pelo Senado possuem uma ficha

biográfica, que traz informações pessoais e profissionais, seja na espera privada ou

pública. Porém somente estas fichas não foram suficientes para alimentar o banco de

dados, uma vez que não é raro faltar alguma informação importante nelas, deste modo

foi necessário recorrer a uma segunda fonte de informações, o Dicionário Histórico

Biográfico Brasileiro, elaborado pelo CPDOC da Fundação Getúlio Vargas.

A partir das fontes de dados citadas e da construção de uma planilha

prosopográfica é possível mostrar detalhadamente o perfil dos senadores com origem

profissional no funcionalismo público eleitos durante a Primeira República brasileira,

Page 12: BUROCRACIA E POLÍTICA: O PERFIL DOS FUNCIONÁRIOS … · no Estado ou no governo que são especificamente políticas, tais como secretários municipais e estaduais, chefes de gabinetes

III Semana de Ciência Política

Universidade Federal de São Carlos

27 a 29 de abril de 2015

tendo como primeiro passo a verificação do percentual de senadores que tiveram

passagem por algum tipo de cargo público durante a Primeira República, para

posteriormente analisar o seu perfil.

O levantamento dos senadores eleitos na Primeira República se deu a partir de

fichas biográficas fornecidas pelo Prodasen, a partir delas foram levantados o perfil de

359 parlamentares, sendo que destes 93 senadores passaram pela carreira burocrática

antes do ingresso no senado, conforme mostra a tabela 1.

Tabela 1 - Número absoluto e percentual de senadores e "senadores-funcionários" eleitos durante a

Primeira República brasileira para o Senado

Frequência Percentual

Válido

Não Funcionário 266 74,1%

Funcionário Público 93 25,9%

Total 359 100,0%

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do PRODASEN e do DHBB

N= 93 (indivíduos)

Conforme a Tabela 1, nota-se que a participação desse grupo profissional era

expressiva durante a Primeira República, com 25,9%. Desse percentual pode-se tirar

duas conclusões; a primeira é que isso é resultado do contexto social da época, que

permitia a poucos alcançarem seu lugar na classe política, sendo também que as

profissões de prestigio que possibilitariam essa inserção nas elites políticas também

eram escassas. A segunda conclusão é da relação estreita na história política brasileira

entre política e burocracia, herança do Império, quando a burocracia imperial constituía-

se em “várias”, com aspectos patrimoniais, nomeações e promoções na base do

apadrinhamento, separadas por estratificação salarial, hierárquica e social. Com divisões

internas, a burocracia no período imperial era uma rica fonte de recrutamento para

carreira política, as profissões ligadas a essa burocracia somavam 60% do total

(CARVALHO, 2008, p. 91, Quadro 11).

Page 13: BUROCRACIA E POLÍTICA: O PERFIL DOS FUNCIONÁRIOS … · no Estado ou no governo que são especificamente políticas, tais como secretários municipais e estaduais, chefes de gabinetes

III Semana de Ciência Política

Universidade Federal de São Carlos

27 a 29 de abril de 2015

Após a primeira exposição mais geral da participação dos funcionários públicos

no senado, será explorado, nessa sessão, o perfil sócio-profissional desse grupo

profissional, levando em consideração atributos que contribuem para sua formação e

inserção profissional, como vínculos associativos, educação superior, escalão do cargo

ocupado no serviço público e cargo eletivo de entrada na carreira política – o début. Ao

contrário do que é esperado, não trabalhamos com vínculos partidários em decorrência

da escassez de informações sobre esta variável. Como se trata de um trabalho

exploratório o objetivo das subseções seguintes é mostrar o perfil dos parlamentares,

apresentando suas principais características.

3.1. PERFIL SÓCIO-PROFISSIONAL

Nesta seção serão expostos dados referentes ao perfil dessa categoria no Senado

Federal, levando em conta vínculo associativos e formação acadêmica. Na seção

seguinte trataremos apenas dos atributos políticos

3.1.1. VÍNCULOS ASSOCIATIVOS

Os vínculos associativos são usados como recurso para a inserção na carreira

política, uma vez que a passagem por associações e sindicatos, pode ser entendida como

um meio de compensar a falta de atributos pessoais como notoriedade e diploma

(OFFERLÉ, 1989, p.167). Coradini (2012), aponta que recursos sociais são conversíveis

em trunfos eleitorais e a ocupação prévia de cargos públicos constitui um dos principais

condicionantes para boa parte dos candidatos. Sendo que há uma relação entre a origem

profissional e a entrada na carreira política, assim como uma relação entre as

predisposições e habilidades nas atividades profissionais de origem e aquelas da

Page 14: BUROCRACIA E POLÍTICA: O PERFIL DOS FUNCIONÁRIOS … · no Estado ou no governo que são especificamente políticas, tais como secretários municipais e estaduais, chefes de gabinetes

III Semana de Ciência Política

Universidade Federal de São Carlos

27 a 29 de abril de 2015

política. A ideia é de que a ocupação de cargos públicos pode favorecer o resultado

eleitoral, assim como a passagem por associações e sindicatos.

Estudando os vínculos associativos dos senadores da Primeira República, os

“senadores-funcionários” apresentam um percentual elevado de participação em

associações, sendo que 34,4% deles apresentam algum vínculo associativo, enquanto

que entre os demais senadores, 30,1% estão ligados a algum tipo de associação. Na

tabela abaixo é possível ver detalhadamente os tipos de associativismo aos quais os

senadores com origem profissional no serviço público estavam vinculados.

Tabela 2 – Número absoluto e percentual da participação dos senadores com origem profissional no

funcionalismo público eleitos na Primeira República em diferentes tipos de associações

Frequência Porcentual Porcentagem

acumulativa

Válido

Sem vínculo associativo 61 65,6% 65,6

Academia de letras 1 1,1% 66,7

Associações profissionais 8 8,6% 75,3

Associações abolicionistas 6 6,5% 81,7

Instituto Histórico Geográfico

Brasileiro 7 7,5% 89,2

Outras 7 7,5% 96,8

Associações Republicanas 3 3,2% 100,0

Total 93 100,0%

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do PRODASEN e do DHBB

N= 93 (indivíduos)

Dos dados apresentados na tabela 2, é necessário destacar, ainda que o

percentual seja baixo, os associados a entidades e associações profissionais tem a maior

representatividade (8,6%), que pode ser um indicador de uma relação entre dois

recursos políticos: associativismo e atividade profissional. Seguindo a colocação de

Coradini (2007), de que a existência de associativismo ou relação entre políticos não

depende apenas das lógicas do engajamento e militância associativa, mas de sua

Page 15: BUROCRACIA E POLÍTICA: O PERFIL DOS FUNCIONÁRIOS … · no Estado ou no governo que são especificamente políticas, tais como secretários municipais e estaduais, chefes de gabinetes

III Semana de Ciência Política

Universidade Federal de São Carlos

27 a 29 de abril de 2015

inserção e inter-relação com outros recursos e esferas de atuação. Esses dados também

indicam a atuação política dos parlamentares desde o Império, conforme indicam a

participação em associações republicanas e abolicionistas fundadas ainda no período

imperial.

3.1.2. FORMAÇÃO SUPERIOR

Segundo Kurzman & Healey (2004), os "intelectuais independentes são

encontrados no curso da história em todos os campos", fornecendo liderança

hegemônica e infraestrutura organizacional para os movimentos de transição política do

início do século XX, o ensino superior foi elemento unificador das elites brasileiras no

declínio do Império e na mudança para a República. De acordo com Carvalho, a elite

era “uma ilha de letrados num mar de analfabetos” (2008, p.59). Quase toda a elite

possuía algum tipo de graduação, principalmente em Direito, e, em menor proporção,

em Engenharia e Medicina, e isto a unificava ideologicamente. A educação superior,

durante o Império, era obtida em Portugal, e, após a Independência, em quatro capitais

brasileiras, o que promovia uma concentração geográfica que facilitava o contato

pessoal entre os estudantes, unificando-os ideologicamente dentro do controle do

governo brasileiro e português (CARVALHO, 2008). Na Primeira República este

cenário não difere, a elite continua apresentam elevados níveis de educação formal e

com formação restrita à poucas áreas da educação, conforme demonstra a tabela 3.

Page 16: BUROCRACIA E POLÍTICA: O PERFIL DOS FUNCIONÁRIOS … · no Estado ou no governo que são especificamente políticas, tais como secretários municipais e estaduais, chefes de gabinetes

III Semana de Ciência Política

Universidade Federal de São Carlos

27 a 29 de abril de 2015

Tabela 3 – Número absoluto e percentual de senadores com origem profissional no funcionalismo

público eleitos na Primeira República com ensino superior e por área de formação

Frequência Porcentual

Válido

Direito 45 48,4%

Engenharia 14 15,1%

Medicina 15 16,1%

Formação Militar 7 7,5%

Ciências Físicas e

Matemática 1 1,1%

Sem formação superior 10 10,8%

Sem informação 1 1,1%

Total 93 100,0%

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do PRODASEN e do DHBB

N= 93 (indivíduos)

Os bacharéis em Direito representam quase metade do universo estudado com

48,4%, isso porque, no Brasil, desde o Império alguns cursos de nível superior são

responsáveis por fornecer profissionais para o serviço público, nesse período as

faculdades de Direito de São Paulo e de Olinda funcionaram como centros de formação

de quadros para a magistratura, a vida política e a burocracia civil. Com isso, a vida

pública tornou-se campo de atividade reservada eminentemente ao bacharel

(CARVALHO, 2011). Esses percentuais elevados da participação de parlamentares com

formação em direito ocorre entre outras coisas, em decorrência da familiaridade com a

lei e a administração pública, o uso da palavra, falada e escrita, prática da negociação,

flexibilidade de tempo, facilidade para voltar a profissão em caso de perderem a eleição,

além do prestigio social (WEBER, 1982).

Outro dado importante a ser destacado é o percentual dos sem formação superior

(10,8%), demonstrando o elevado nível de educação formal da época, sendo que este

valor não difere dos outros senadores sem ensino superior no período que é de 9,8%.

Segundo Matthews (1985), os parlamentares costumam exercer profissões de maior

prestígio social do que a maioria da população. Em grande parte, isso é explicado pelo

Page 17: BUROCRACIA E POLÍTICA: O PERFIL DOS FUNCIONÁRIOS … · no Estado ou no governo que são especificamente políticas, tais como secretários municipais e estaduais, chefes de gabinetes

III Semana de Ciência Política

Universidade Federal de São Carlos

27 a 29 de abril de 2015

fato de que eles contam com nível educacional mais elevado do que a média da

população, principalmente, no caso brasileiro, se comparado a população em geral.

3.2. O PERFIL PROFISSIONAL ENTRE A BUROCRACIA E A

POLÍTICA

Os senadores com origem profissional no funcionalismo público apresentam

uma média de 8,3 cargos – entre burocráticos e eletivos – entre o seu início na carreira

burocrática e política até o début no senado, esses dados caracterizam uma carreira

longa, porém não há como saber o tempo de carreira em anos, uma vez que, em

decorrência da escassez de informações sobre data de entrada e saída dos diversos

cargos exercidos pelos “senadores-funcionários”, isto não foi possível, uma vez que

46,2% dos casos não há essas informações. Deste modo esta sessão vai se ater ao

escalão do serviço público ao qual estes parlamentares pertenceram, assim como o

modo de entrada na carreira política, ou seja, o début.

3.2.1. OS ESCALÕES DO SERVIÇO PÚBLICO

Para entender melhor o perfil dos “senadores-funcionários”, consideramos

necessário separá-los por escalões do serviço público ao qual pertenciam – baixo, médio

e alto. Desse modo optou-se por classificá-los a partir do critério de posição hierárquica

e poder de decisão que o cargo detem. Assim, os indivíduos que ocupam tais postos

controlam tipos e volumes de recursos políticos e burocráticos que demais indivíduos

não controlam.

A partir destes critérios, os diferentes tipos de carreiras foram divididos

conforme os escalões do funcionalismo público, da seguinte forma: baixo escalão -

Page 18: BUROCRACIA E POLÍTICA: O PERFIL DOS FUNCIONÁRIOS … · no Estado ou no governo que são especificamente políticas, tais como secretários municipais e estaduais, chefes de gabinetes

III Semana de Ciência Política

Universidade Federal de São Carlos

27 a 29 de abril de 2015

ajudante de ordens na casa militar, militares de baixa patente (como sargentos) e

secretários de instituições públicas, entre outros. Essas ocupações foram classificadas

como baixo escalão uma vez que estão na posição mais baixa da hierarquia, estando

submetidos a ordens superiores, além de possuir baixo poder de decisão. No médio

escalão foram incluídas ocupações que estão em cargos intermediários de hierarquia nos

locais de trabalho, nesta categoria encontram-se os profissionais liberais, como médicos,

advogados e engenheiros, fiscais de impostos, inspetores, policiais, professores

universitários, militares de patente intermediária (como capitães). Por fim, no alto

escalão estão incorporados os delegados de polícia, diretores e superintendentes estatais,

profissões do judiciário (como promotores públicos, juízes e procuradores), militares de

alta patente (como coronel, tenente-coronel, general de brigada, brigadeiros), entre

outros. Essas ocupações estão no topo da hierarquia, possuem elevado grau de decisão.

Deste modo, num contexto geral os 93 parlamentares oriundos do baixo, médio e

alto funcionalismo público estão distribuídos da seguinte forma:

Tabela 4 - Número absoluto e percentual de senadores com origem profissional no baixo, médio e

alto funcionalismo público eleitos na Primeira República

N %

Baixo 4 4,3

Médio 17 18,3

Alto 72 77,4

Total 93 100,0

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do PRODASEN e do DHBB

N= 93 (indivíduos)

Como era esperado, o alto escalão, em decorrência do seu status e demais

recursos, como influência e recursos financeiros, que são capitais importantes para o

ingresso na carreira política, apresenta predomínio entre os eleitos (77,4%). Enquanto

que o médio funcionalismo público tem uma representação modesta (18,3%) e o baixo

escalão tem a porcentagem mais baixa (4,3%). Esses dados demonstram que o aparato

burocrático da época estava concentrado em cargos de prestigio e alta remuneração,

Page 19: BUROCRACIA E POLÍTICA: O PERFIL DOS FUNCIONÁRIOS … · no Estado ou no governo que são especificamente políticas, tais como secretários municipais e estaduais, chefes de gabinetes

III Semana de Ciência Política

Universidade Federal de São Carlos

27 a 29 de abril de 2015

uma vez que não havia quase espaço para o cargos de baixo escalão, logo o acesso a

estes cargos eram restritos a poucos, sendo ocupados principalmente por integrantes de

famílias de prestígio social, mas que com o fim do Império precisaram se adaptar à nova

realidade social brasileira.

3.2.2. O DÉBUT

O cargo político de estreia está relacionado diretamente com a posse de

requisitos individuais que indicam o reconhecimento necessário à continuidade da

carreira política até um possível ingresso na Câmara Federal (MARENCO DOS

SANTOS, 2000).

Em seu trabalho sobre a Câmara Federal, Marenco dos Santos (2000) afirma que

o tempo de carreira política entre o début e a conquista de uma cadeira na Câmara

Federal é um reflexo da estabilidade existente no interior da classe política, o autor parte

da ideia que o fato dos indivíduos somente alcançarem uma vaga no legislativo federal

após uma longa trajetória política prévia revela uma estrutura de oportunidades que

favorece a continuidade na representação parlamentar, enquanto que, se a chegada à

Câmara Federal ocorre com frequência entre aqueles indivíduos com escassa

experiência política, isto sugere uma precária estabilidade, frágeis hierarquias internas e

uma situação de acentuada incerteza que ronda os portadores de um mandato

parlamentar.

No caso dos senadores com origem profissional no funcionalismo público eleitos

na Primeira República, a porta de entrada na carreira política também é, em sua maioria

os legislativos estaduais e a Câmara Federal, conforme demonstra a tabela 5.

Page 20: BUROCRACIA E POLÍTICA: O PERFIL DOS FUNCIONÁRIOS … · no Estado ou no governo que são especificamente políticas, tais como secretários municipais e estaduais, chefes de gabinetes

III Semana de Ciência Política

Universidade Federal de São Carlos

27 a 29 de abril de 2015

Tabela 5 - Primeiro cargo eletivo dos senadores com origem profissional no serviço público eleitos

na Primeira República (número absoluto e percentual)

Cargo N %

Vereador 11 11,8

Prefeito 8 8,6

Deputado provincial 28 30,1

Deputado geral 24 25,8

Governador 7 7,5

Senador 15 16,1

Total 93 100

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do PRODASEN e do DHBB

N= 93 (indivíduos)

Se considerarmos somente o universo dos senadores com origem no

funcionalismo público, eles fazem parte do grupo com escassa experiência política,

sendo que 55,9% deles iniciaram suas carreiras políticas diretamente no legislativo

estadual e federal (deputados provinciais com 30,1% e deputados gerais com 25,8%).

Porém é significativo o percentual daqueles que iniciaram a carreira diretamente no

Senado, com um total de 16,1%. Esses dados demonstram que a ocupação de cargo

público, é sim, um meio de queimar etapas na carreira, possibilitando o ingresso na

carreira política diretamente pelo legislativo, não havendo a necessidade de trilhar uma

carreia longa e gradual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo do presente trabalho foi mostrar o perfil dos senadores com origem

profissional no funcionalismo público eleitos na Primeira República brasileira, a partir

da exploração de informações como vínculos associativos, área de formação superior,

escalão do serviço público ao qual pertencia e modo de ingresso na carreira política,

procuramos traçar um perfil dessa categoria profissional pouco explorada na literatura

nacional concernente ao estudo de elites.

Page 21: BUROCRACIA E POLÍTICA: O PERFIL DOS FUNCIONÁRIOS … · no Estado ou no governo que são especificamente políticas, tais como secretários municipais e estaduais, chefes de gabinetes

III Semana de Ciência Política

Universidade Federal de São Carlos

27 a 29 de abril de 2015

Em geral os “senadores-funcionários” são político com experientes, com

passagem em média por 8 cargos ao longo da carreira, entre cargos burocráticos e

eletivos, que exerceram, em sua grande maioria, cargos de alto escalão no

funcionalismo público, que entram na carreira política preferencialmente pelo

legislativo estadual (deputados provincial) e legislativo federal (deputado geral), ao

contrário do que esperávamos, assim refutando a hipótese de que a passagem por cargos

públicos pode ser um meio de queimar etapas na carreira política e possibilitar a entrada

diretamente pelo Senado em decorrência do status da profissão de origem.

Também é valido destacar o elevado percentual de “senadores-funcionários”

com algum vínculo associativo (34,4%), sendo esse valor superior ao percentual dos

demais parlamentares do Senado. Assim como a forte presença de bacharéis em Direito

entre estes parlamentares, indo de encontro com dados explorado em outros trabalhos

sobre elites parlamentares.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, A. A. de, Beloch, I., Lattman-Weltman, F., & Niemeyer, S. T. de (Eds.). 2001.

Dicionário histórico-biográfico brasileiro. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e

Documentação de História Contemporânea do Brasil/Fundação Getúlio Vargas.

BOURDIEU, P. 1989. O Poder Simbólico. Lisboa, Bertrand, cap. VII: A Representação

Política. Elementos para uma teoria do campo político.

CARVALHO, J. M. de. 2008. A construção da ordem: a elite política imperial; Teatro

de sombras: a política imperial (2a. ed., p. 435 p.). Rio de Janeiro: Editora UFRJ;

Relume-Dumará.

CERQUEIRA LEITE, B.W. de. 1978. O senado nos anos finais do Império (1870-

1889), Brasília:Senado Federal.

CODATO, A., COSTA, L. D., & MASSIMO, L. 2014. Coding Professions in Research

with Political Elites: a Methodological and a Typological Discussion. In 23rd IPSA

World Congress of Political Science (p. 23). Montréal, Canada: International Political

Science Association - IPSA.

CORADINI, O. L. 2012. Cargos e funções públicas e candidaturas eleitorais. Sociedade

E Estado, 27(3), 689–708.

__________________. 2007. Engajamento associativo-sindical e recrutamento de elites

políticos: tendências recentes no Brasil. Revista de Sociologia e Política, n.28, p. 181-

203, jul. 2007.

Page 22: BUROCRACIA E POLÍTICA: O PERFIL DOS FUNCIONÁRIOS … · no Estado ou no governo que são especificamente políticas, tais como secretários municipais e estaduais, chefes de gabinetes

III Semana de Ciência Política

Universidade Federal de São Carlos

27 a 29 de abril de 2015

DOGAN, M. 1999. Les professions propices à la carrière politique. Osmoses, filières et

viviers. In M. Offerlé (Ed.), La profession politique: XIXe-XXe siècles (pp. 171–199).

Paris: Belin.

___________. 1967. Les filières de la carrière politique en France. Revue française de

sociologie. 1967, 8-4. pp. 468-492

EDINGER, L. J., & SEARING, D. D. 1967. Social Background in Elite Analysis: A

Methodological Inquiry. The American Political Science Review, 61(2), 428–445.

FAORO, R. 1959. Os donos do poder. Formação do patronato político brasileiro. 5 ed..

Porto Alegre. Editora Globo. Vol. 2.

GAXIE, D. 1980. Les logiques du recrutement politique. Revue Française de Science

Politique, 30(1), 5–45. doi:10.3406/rfsp.1980.393877.

GRAHAM, S. L. 1968. Civil service reform in Brazil: principles versus practice.

Austin: University of Texas Press.

KURZMAN, C.; LEAHEY, E. 2004. Intellectuals and Democratization, 1905 – 1912

and 1989 – 1996. American Journal of Sociology, vol. 109, n.04, p.937-986, Jan.

LOVE, J. L. 1970. Political Participation in Brazil, 1881-1969. Luso-Brazilian Review,

Vol. 7, No. 2, pp. 3-24

MARENCO DOS SANTOS, A. 2013. Topografia do Brasil profundo: votos, cargos e

alinhamentos nos municípios brasileiros. Opinião Pública, v. 19, n. 1, p. 1–20, jun.

__________________________. 2000. Não se fazem mais oligarquias como

antigamente: recrutamento parlamentar, experiência política e vínculos partidários entre

deputados brasileiros (1946-1998). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em

Ciência Política. Porto Alegre, UFRGS.

MATTHEWS, D. 1984. Legislative Recruitment and Legislative Careers. Legislative

Studies Quarterly, Iowa, v. 9, n. 4, p. 547-585, Nov.

NORRIS, P., & LOVENDUSKI, J. 1997. United Kingdom. In P. Norris (Ed.), Passages

to Power: Legislative Recruitment in Advanced Democracies (pp. 158–186).

Cambridge: Cambridge University Press.

OFFERLÉ, M., 1999. La profession politique; XIXe-XXe sièces. Paris: Éditions Berlin,

p.37-38.

RODRIGUES, L. M. 2002. Partidos, ideologia e composição social: um estudo das

bancadas partidárias na Câmara dos Deputados. São Paulo: Edusp.

SANTANA, L. 2008. Perfil, trajetórias e ambição política dos legisladores na

construção de suas carreiras: Argentina, Brasil, Chile e Uruguai. Teoria e Sociedade nº

16.2 – julho-dezembro de 2008 p. 130-155.

SOARES, N. C. R. 2008. A presença e o comportamento de políticos oriundos da

burocracia do setor público na Câmara dos Deputados nas 51a e 52a legislaturas.

Universidade do Legislativo Brasileiro; Universidade Federal de Mato Grosso do Sul,

Brasília - DF.

STONE, L., 2011. Prosopografia. Rev. Sociol. Polit., Jun 2011, vol.19, no.39, p.115-

137.

WEBER, M., 1982. A política como vocação. In H. H. Gerth & C. W. Mills, eds.

Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: Guanabara, pp. 97–153.