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RealizaçãoObservatório das Migrações InternacionaisCoordenação do OBMigraLeonardo CavalcantiTania TonhatiConselho EditorialLeonardo CavalcantiTânia TonhatiSandro Martins de Almeida Santos

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Realização

Observatório das Migrações Internacionais

Coordenação do OBMigra

Leonardo Cavalcanti

Tania Tonhati

Conselho Editorial

Leonardo Cavalcanti

Tânia Tonhati

Sandro Martins de Almeida Santos

Capa

Luiz Aragão

Sumário

As migrações internacionais no Brasil: construindo ferramentas para análise -

Observatório das Migrações Internacionais no Brasil....................................................

Apresentação: Políticas migratórias no Brasil, abrindo espaço para a polifonia...............9

1- Migração laboral no Brasil: problemáticas e perspectivas..........................................15

Introdução................................................................................................................ .......15

Retornados............................................................................................................... .......16

Imigrantes estrangeiros: destaque para portugueses e espanhóis....................................19

A imigração haitiana........................................................................................................22

Considerações finais........................................................................................................30

Referências bibliográficas................................................................................................35

2 - Migração Laboral no Brasil: desafios para Construção de Políticas .........................38

Introdução.........................................................................................................................38

Fase I: A Criação..............................................................................................................38

Fase II: A Implementação do CNIg – Os Governos Collor e Itamar Franco...................43

O Governo Itamar Franco.................................................................................................45

Fase III: A Expansão e Reorganização Interna do CNIg..................................................51

Fase IV: Rediscussão do Papel do CNIg (Momento Atual). ...........................................55

Contexto Econômico.........................................................................................................55

O CNIg..............................................................................................................................56

Considerações Finais: Novas Perspectivas e Desafios para o Século XXI. .....................59

Referências Bibliográficas.................................................................................................61

3 - As migrações e o direito dos trabalhadores..................................................................62

Introdução...........................................................................................................................62

O papel do CNIg................................................................................................................66

O Fórum Social pelos Direitos Humanos e Integração dos Migrantes no Brasil...............67

Os Haitianos.......................................................................................................................68

Conclusão...........................................................................................................................69

4 – Direitos, integração e mobilidades/ Desafios no mercado de trabalho........................71

Referências Bibliográficas.................................................................................................79

5 – Menos nacionalismo e mais direitos humanos: o papel do MPT diante do trabalho do

estrangeiro em situação irregular ......................................................................................80

Introdução...........................................................................................................................80

Nacionalismo. É bom para o país?.....................................................................................81

Distinções por motivo de nacionalidade : o critério da responsabilidade..........................84

Igualdade como ponto de chegada: um passo na direção dos direitos humanos................87

Coordenadas para uma atuação coerente em matéria de imigração ..................................89

O papel do MPT como promotor da ordem jurídica trabalhista e dos direitos humanos dos

imigrantes ..........................................................................................................................92

Conclusão...........................................................................................................................95

Referências Bibliográficas.................................................................................................97

ANEXO I...........................................................................................................................98

Carta da Oficina Migrações e o mundo de trabalho .........................................................98

6 – Entrevista ...................................................................................................................104

Paulo Sérgio de Almeida..................................................................................................104

7 – Anexo.........................................................................................................................118

As Migrações Internacionais no Brasil sob uma perspectiva jurídica: análise da legislação

brasileira sobre estrangeiros entre os séculos XIX e XXI...............................................119

Legislação Migratória Brasileira – Quadro Cronológico.................................................211

As migrações internacionais no Brasil: construindo ferramentas para

análise - Observatório das Migrações Internacionais no Brasil

Leonardo Cavalcanti1

Tania Tonhati2

A necessidade

Nas últimas décadas os países sul-americanos, em geral, e o Brasil em

particular, têm vivenciado diferentes cenários migratórios internacionais, que vão

desde a chegada de novos fluxos imigratórios, passando pela consolidação da

emigração e, mais recentemente, pelo retorno de emigrantes. Nesse contexto, a

necessidade de um órgão destinado a pesquisa sobre o fenômeno migratório no Brasil

justifica-se pela amplitude e complexidade de tal tema. Não obstante, a concepção do

Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) no Brasil fez-se urgente

não somente pela importância do fenômeno migratório no Brasil, mas também pela

necessidade de maior interação, organização e análise dos dados existentes, para que a

partir deles, novas pesquisas e políticas públicas possam ser orientadas e

desenvolvidas. Ademais, torna o Brasil de um importante espaço de Observação, da

mesma forma que outros países com tradição de recepção de fluxos migratórios que

contam com estruturas parecidas, como é o caso da Espanha (OPI – Observatório

Permanente de la Inmigración); Inglaterra (Migration Observatory); Portugal

(Observatório da Imigração); México (Observatorio de Migración Internacional),

entre outros países.

Constata-se, atualmente, grande dispersão de dados, sobretudo quantitativos,

coletados e armazenados pelos diversos órgãos oficiais que, por falta de uma maior

coordenação, de comunicação e interação com unidades acadêmicas, não estão sendo

sistematizados de forma adequada e global. São dados, muitos em estado bruto e

1 Coordenador Geral do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) e Professor adjunto da

Universidade de Brasília (UnB), Centro de Pesquisa de Pós-Graduação sobre as Américas (CEPPAC). 2 Coordenadora Executiva do Observatório das Migrações e doutoranda da Universidade de Londres –

Goldsmiths College.

pouco articulados entre si, essenciais para a compreensão do fenômeno migratório,

inclusive para verificar a amplitude desse. A parceria com o Conselho Nacional de

Imigração (CNIg), através do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), possibilita o

acesso a esses dados, abrindo portas para a sua sistematização, para a elaboração de

indicadores e parcerias que auxiliem na análise das migrações.

O Observatório também contribui para o campo científico, tanto em nível

empírico, como teórico, pois se trata de uma iniciativa pioneira, que serve para reunir,

através de uma rede acadêmica, diversos pesquisadores brasileiros e estrangeiros

interessados na análise do fenômeno migratório brasileiro. A constituição de um

diálogo acadêmico amplo é essencial para o incentivo e promoção de pesquisas

quantitativas e qualitativas sobre os mais diversos temas relativos às migrações

internacionais no Brasil. Assim, espera-se que essas pesquisas possam contribuir com

dados relativos ao fluxo migratório, ao perfil sócio demográfico dos migrantes, à

inserção dos mesmos na sociedade de acolhimento, especialmente no mercado de

trabalho; e que também possam ampliar a compreensão sobre a cotidianidade desses

migrantes, incluindo análises que abordem as relações de classes sociais, gênero e de

geração, assim como as relações étnico/raciais em que estão envolvidos os migrantes.

Identificou-se, ainda, a inexistência de um canal de comunicação que

congregasse as informações disponíveis sobre os fluxos migratórios. Desse modo, a

criação do portal eletrônico (site) do Observatório contribui para a difusão de

informações (dados sobre os fluxos migratórios e, também, produção científica na

área) aos cidadãos e àqueles que trabalham diretamente com a migração. Portanto, a

criação do portal do Observatório das Migrações Internacionais no Brasil é uma

necessidade para a disseminação de informações e conhecimento sobre a temática.

O Observatório colabora, também, para o desenvolvimento científico-

tecnológico na área, articulando a criação de indicadores sobre o fluxo migratório a

partir da analise estatística de bases de dados governamentais. Desse modo, procura

viabilizar construções de plataformas que eventualmente os atores que trabalham na

área temática possam ter acesso aumentando a transparência dos dados. O

Observatório, portanto, providencia levantamento dos dados necessários para

montagem de fluxos de informações, disponibilizando-os por meio de mecanismos

que são desenvolvidos pelos pesquisadores.

Deve ser destacada, ainda, a importância de análises com enfoque em

situações específicas, como podem ser os estudos sobre os fluxos migratórios nos

espaços de fronteiras e a pesquisa com refugiados. Ressalta-se que já há muitos

estudos sendo realizados por diferentes unidades acadêmicas e entidades associativas,

não obstante, ainda é necessária uma maior sistematização e divulgação de seus

resultados. O Observatório busca ser um importante canal para essa divulgação.

A necessidade de criar o Observatório das Migrações Internacionais no Brasil

também se deu pelo potencial de proporcionar desenvolvimento e inovação social da

gestão do fenômeno migratório brasileiro. De acordo com Comeau (2004), o reforço

das orientações neo-liberais que privilegiam o investimento público ligado ao

aumento da competitividade em detrimento da esfera social, engendra novas

necessidades e problemas de natureza coletiva. Nesse contexto a produção do

conhecimento científico voltado para processos de desenvolvimento e inovações

sociais se faz ainda mais necessário, especialmente no âmbito das ciências sociais.

Nesse sentido, André e Abreu (2006) ratificam a necessidade de pensar a

inovação social separada das lógicas do mercado competitivo que inova em

tecnologia visando unicamente o lucro. Pelo contrário, esses autores atribuem o

significado da inovação social, tanto a um processo que se desenvolve fora das

lógicas do mercado e que visa prioritariamente à inclusão social; assim como a

produtos que podem ser materializados em iniciativas sociais ligadas, por exemplo,

aos cuidados de saúde, à ação social, à habitação, à imigração, à integração no

mercado de trabalho, entre outras.

De acordo com Martinelli et al., (2003), a inovação social nas suas duas

dimensões, como produto e processo, deveria cumprir ao menos três características

básicas: a) satisfação de necessidades humanas não atendidas por via do mercado; b)

promoção da inclusão social e aumento do acesso aos direitos sociais; c) facilitação

do empoderamento de grupos sociais e capacitação de agentes, potencial ou

efetivamente, em processos de exclusão e marginalização social.

Apoiados nas ideias de Lovye Leubolt (2005), os autores André e Abreu

(2006) consideram quatro tipos de relação entre sociedade civil e inovação social:

• A inovação social deriva do capital social da sociedade civil (Putnam),

entendida como esfera autorregulada autônoma do Estado (Teoria liberal);

• Inspirados na polis, os cidadãos encontram-se no espaço público para discutir

e encontrar soluções para os problemas coletivos (Arendt). A sociedade civil não é

autônoma do Estado, ela constrói o Estado. A cidadania é a ideia central desta

perspectiva (Tradição republicana);

• A sociedade civil autônoma (elites esclarecidas) influencia as políticas por

via da ação comunicativa (Habermas), ou seja, através da “construção” de uma

opinião pública;

• A sociedade civil protagoniza uma estratégia de resistência para derrubar as

forças hegemônicas (Teoria crítica na tradição Gramsciana).

Em suma, o Observatório busca contribuir de forma contínua para a análise da

migração contemporânea no Brasil, por meio do estudo das migrações internacionais

nas suas principais vertentes: imigração, emigração e migração de retorno. Assim

sendo, esse surge em um momento oportuno, onde as migrações no país estão

passando por processos de maior dinamismo nas suas três versões. E, portanto, o

Observatório vem contribuir e tem um importante impacto, tanto de caráter científico-

acadêmico, como de inovação social.

Da necessidade a criação

O Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) foi pensado e

repensado. Sendo sua concepção discutida e rediscutida pelo CNIg, especialmente

pelo Presidente do Conselho, Sr. Paulo Sérgio de Almeida, pelos técnicos da

Coordenação Geral de Imigração do MTE, pelos professores e alunos do Centro de

Pesquisa Pós-Graduação sobre as Américas (CEPPAC, sobretudo pelos Professores

Leonardo Cavalcanti e Rebecca Igreja). O amadurecimento da ideia e a constante

vontade de todos os envolvidos nessa iniciativa culminou na sua criação em dezembro

de 2013. O Observatório teve amplo apoio das autoridades das duas instituições

promotoras: Universidade de Brasília e Ministério do Trabalho e Emprego. Durante

os seus primeiros meses de execução foi realizado o processo de seleção dos

pesquisadores que compõem atualmente o Observatório. Pesquisadores esses de

diversas áreas de expertise entre elas antropologia, direito, estatística, demografia,

pedagogia, relações internacionais e sociologia. Sendo os pesquisadores pós-doutores,

doutores, doutorandos, mestres, mestrandos e graduandos. Desse modo, o

Observatório teve seu lançamento oficial, no Seminário “Migração Laboral no

Brasil: desafios para construção de políticas” realizado no Senado Federal, em 14

de Maio de 2014, com a presença do Ministro do Trabalho e Emprego, Manuel Dias,

da Vice-Reitora da UnB Dra Sonia Bao e autoridades governamentais, sindicais e

acadêmicas. Nesse evento foi lançado o website do Observatório -

http://portal.mte.gov.br/obmigra/home.htm. Foi também apresentado mapeamentos

para a identificação dos órgãos públicos, organizações não governamentais e grupos

de pesquisas e pesquisadores que trabalham com a temática migratória. Esses

mapeamentos contribuíram para lançar um primeiro olhar sobre como e por quem a

migração internacional brasileira está sendo tratada no Brasil e no exterior. Esses

foram os primeiros passos na consolidação, concretização e divulgação do

Observatório, como um meio de interlocução entre diversos grupos sociais.

Metas

A principal meta do Observatório é desenvolver continuamente o

conhecimento sobre as migrações internacionais no Brasil, mediante pesquisas

quantitativas (analises estatísticas) e qualitativas com estudos teóricos e empíricos, e

apontar estratégias para a inovação social de políticas públicas que dinamizem as

migrações internacionais no Brasil. Para realizar essa tarefa propõe-se analisar

progressivamente três cenários que afetam o Brasil: I- A imigração internacional no

Brasil na atualidade; II- A emigração brasileira para outros países nas últimas

décadas; III- Os projetos migratórios de retorno dos emigrantes brasileiros pós-crise

econômica mundial, a partir do ano 2008. Para tal, definimos como sendo nossos

objetivos específicos:

1. Criação de banco de dados: Compilar e disponibilizar dados estatísticos;

2. Relatório anual sobre mercado de trabalho: Analisar a inserção dos

imigrantes no mercado de trabalho brasileiro;

3. Pesquisas: Formentar o desenvolvimento, divulgação, edição e distribuição

de pesquisas, estudos e publicações;

4. Seminários: Promover seminários, palestras e debates, e

5. Cooperação internacional: Realizar atividades de cooperação com outras

instituições congêneres nacionais e internacionais que permita um maior

conhecimento das migrações no Brasil, Mercosul e no mundo

O desenvolvimento

O Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) ao longo desse

primeiro ano veio se consolidando como uma iniciativa contínua que objetiva a

colaboração conjunta entre o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), através do

Conselho Nacional de Imigração (CNIg) e a Universidade de Brasília (UnB) através

da coordenação científica do Centro de Pesquisa Pós-Graduação sobre as Américas

(CEPPAC), unidade acadêmica da UnB, vinculada ao Instituto de Ciências Sociais

(ICS). O conhecimento que vem sendo produzido pelo Observatório está contribuindo

para avançar a compreensão teórico-metodológica do fenômeno migratório brasileiro;

auxiliando na sistematização de dados estatísticos sobre a migração e, ainda,

subsidiando elementos para inovação social de políticas públicas mais eficaz e

eficiente, especialmente dos órgãos governamentais que lidam diretamente com as

migrações internacionais no Brasil.

Até o presente momento já foi possível realizar um amplo mapeamento

identificando os principais órgãos públicos, organizações não governamentais e

grupos de pesquisas e pesquisadores (brasileiros e no exterior) que trabalham com a

temática migratória. Informações que já estão disponíveis no website do

Observatório. Já obtivemos, também, acesso aos bancos de dados da Rais (Relação

Anual de Informações Sociais) e do CGI/CNIg (Coordenação Geral de Imigração e

Conselho Nacional de Imigração). Dados esses que estão sendo cuidadosamente

tratados estatisticamente, tabulados e analisados. Fato pioneiro no campo das

migrações no Brasil. Ainda, foi possível ter acesso aos dados do IBGE, o qual

possibilitou o acesso às bases de dados demográficos dos fluxos migratórios dos

Censos de 2000 e 2010.

No âmbito da pesquisa qualitativa e teórica, o Observatório está construindo o

primeiro Dicionário sobre migração em língua portuguesa. Com mais de 70 verbetes,

que estão sendo escritos por pesquisadores de diversos países com expertise na

temática reconhecida internacionalmente. Esse dicionário será uma importante fonte

de consulta para a academia brasileira e gestores envolvido nos estudos migratórios.

Nesse ano de 2014, o Observatório vem proporcionando, ainda, aos estudantes de

pós-graduação e de graduação, gestores públicos e a todos interessados nessa temática

a possibilidade de participarem de debates sobre os mais diversos temas das

migrações. Essa atividade é realizada através dos Diálogos do Observatório, um

espaço de debate onde renomados acadêmicos proferem palestras.

Dentre esses vários produtos, o Observatório criou nesse ano de 2014, os

Cadernos OBMigra. Essa publicação tem o intuito de ser um veículo de divulgação

continuada e periódica. O objetivo é promover um espaço multi e interdisciplinar

capaz de reunir estudos e debates sobre o fenômeno migratório internacional nas suas

principais vertentes: emigração, imigração e retorno. Desse modo, o Observatório

convida a comunidade acadêmica, a sociedade civil e órgãos governamentais

dedicados da migração internacional a apresentar o resultado de seus trabalhos e

manifestar seus pontos de vista por meio dessa publicação que recebe artigos,

surveys, entrevistas, outros textos de pesquisas finalizadas ou em progresso e, ainda,

busca abrir espaço para formas criativas de discutir a temática.

Desse modo, o Observatório tem o prazer de oferecer ao público o primeiro

número dos Cadernos OBMigra organizado inicialmente a partir das contribuições

dos palestrantes e debatedores do Seminário Migrações Laborais no Brasil:

desafios para construção de políticas.

Boa Leitura!

Referências Bibliográficas

ANDRÉ, ISABEL; ABREU; ALEXANDRE. DIMENSÕES E ESPAÇOS DA

INOVAÇÃO SOCIAL. Finisterra, XLI, 81, 2006, pp. 121-141

COMEAU Y (2004) Les contributions des sociologies de l‟innovation à

l‟étude du changement social. Innovations Sociales et Transformations des Conditions

ede Vie. Actes du Colloque - 16 Avril 2004, Cahiers du CRISES, Collection Études

Théoriques, ET0418: 29-44

MARTINELLI F, MOULAERT F, SWYNGEDOUW E, AILENEI O (2003)

Social innovation, governance and comunity building. Singocom - scientific periodic

progress report month 18.

Políticas migratórias no Brasil, abrindo espaço para a polifonia

Sandro M. Almeida Santos3

No dia 14 de maio de 2014, nas dependências do Senado Federal em Brasília,

estiveram reunidos gestores públicos, lideranças patronais e sindicais, acadêmicos e

políticos, todos envolvidos com a pujante questão das migrações laborais

internacionais no Brasil. Aquela quarta-feira foi dedicada à discussão dos desafios

impostos pelo crescimento da imigração no país. Pode-se destacar como questão que

dominou os debates, além do crescimento da imigração em si, a necessidade de

adaptação da legislação e das instituições nacionais para acolher os diversos

imigrantes que aqui chegam, integrando-os ao mercado de trabalho local e o respeito

aos direitos humanos.

O Seminário “Migração Laboral no Brasil: desafios para construção de

políticas” foi dividido em dois turnos, manhã e tarde. Na parte da manhã, a mesa de

abertura contou com a presença do senhor Ministro do Trabalho e Emprego, Manoel

Dias, da vice-reitora da Universidade de Brasília (UnB) Dra Sônia Baum, e, ainda

Francisco Etelvino Biondo da Interlegis, Antonio Lisboa da Central Unica dos

Trabalhadores (CUT) e Alexandre Furlan presidente da Confederação Nacional da

Industria (CNI). O evento marcou o lançamento do Observatório das Migrações

Internacionais no Brasil (OBMigra), fruto de um termo de cooperação entre o

Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) – por meio do Conselho Nacional de

Imigrações (CNIg) – e a Universidade de Brasília (UnB). Sob a coordenação

científica do professor Leonardo Cavalcanti (CEPPAC-UnB) e executiva da

pesquisadora Tânia Tonhati, o OBMigra tem como objetivo aprofundar o

conhecimento sobre as migrações internacionais nas suas principais vertentes:

imigração, emigração e migração de retorno.

Ainda pela manhã foi realizada Mesa Redonda sobre o tema “Globalização,

Migração e Cidadania: recomendações para políticas sociais”. Esta mesa pode ser

caracterizada pelo perfil científico dos palestrantes. A professora Rosana Baeneguer

(UNICAMP) e o professor Duval Fernandes (PUC Minas), reconhecidos por suas

3 Pesquisador do Observatório das Migrações Internacionais e doutor em Antropologia pela

Universidade de Brasília (UnB)

pesquisas sobre fluxos migratórios históricos e também contemporâneos, fizeram uma

ampla introdução ao tema das migrações internacionais, apresentando conceitos

fundamentais, as principais correntes teóricas que animam o campo, as principais

tendências de políticas públicas e levantando questionamentos acerca dos desafios

colocados para o Brasil em sua atual condição de país receptor de imigrantes

estrangeiros e brasileiros retornados. A mesa foi moderada pela professora Ana Maria

Nogales (UnB), que ressaltou os desafios impostos para as políticas públicas a partir

da complexidade apresentada pelos palestrantes. O debatedor foi o senhor Jorge

Peraza da Organização Internacional para as Migrações (OIM), que salientou a

questão da cidadania do sujeito migrante e a necessidade de se promover o acesso a

direitos nos locais receptores; para ele, a política migratória não deveria ficar limitada

ao Governo Federal, mas também envolver os governos estaduais e municipais.

O turno da tarde foi aberto pela Mesa Redonda “Direitos, Integração e

Mobilidades: desafios no mercado de trabalho”. Esta mesa reuniu participantes do

CNIg e teve como debatedor o senhor Stanley Gacek, da Organização Internacional

do Trabalho (OIT). A representante da Confederação Nacional da Indústria (CNI),

Cristina Aires Correa Lima, abriu os debates levantando a preocupação com o

reconhecimento de diplomas e documentos para facilitar a integração dos imigrantes

ao mercado de trabalho nacional bem como a necessidade de uma nova legislação que

não trate os imigrantes como assunto de segurança nacional; ela criticou o Projeto de

Lei nº 5655/2009 e defendeu o CNIg como instância reguladora das questões

migratórias. A representante da Confederação Nacional do Comércio (CNC), a

senhora Marjolaine Canto também apresentou as dificuldades de acesso a documentos

enfrentada pelos imigrantes no Brasil e defendeu a continuidade e expansão do CNIg

enquanto um espaço de diálogo multilateral, que envolve agentes governamentais,

representantes patronais e representantes sindicais. Em seguida, o senhor Valdir de

Barros, representante da Central Geral dos Trabalhadores (CGT), apresentou o ponto

de vista dos empregados, concordou sobre as qualidades do CNIg, ressaltou a

preeminência da questão trabalhista nas questões migratórias e defendeu o fim das

fronteiras que impedem as pessoas de trabalhar. Por fim, o senhor Stanley Gacek da

OIT (Organização Internacional do Trabalho) fez uma explanação geral sobre o atual

estágio das normas internacionais de proteção ao trabalhador migrante, parabenizou o

Brasil em sua atual política baseada em direitos e normas da OIT e ressaltou que o

principal objetivo do Brasil deveria ser regularizar o controle de entradas e saídas,

combatendo o tráfico de pessoas, com o compromisso brasileiro em incorporar o

“trabalho decente” como diretriz de política pública.

A última Mesa Redonda do Seminário tratou das “Perspectivas, tendências e

propostas para políticas migratórias”. Paulo Sérgio de Almeida, Presidente do CNIg,

defendeu a importância do Conselho não somente como órgão consultivo e aberto a

diferentes setores da sociedade, mas como órgão deliberativo no qual o Estado sede

parte da sua soberania legislativa para implementar regulamentos debatidos com

representantes da sociedade civil. Cristiane Sbalqueiro Lopes, representante do

Ministério Público do Trabalho (MPT), salientou a importância do MP na fiscalização

das relações de trabalho, fazendo críticas severas ao mercado de trabalho nacional

pela desigualdade, baixo acesso aos direitos sociais e xenofobia contra o imigrante.

Na sequência, João Guilherme Granja, Diretor do Departamento de Estrangeiros do

Ministério da Justiça (DEST/MJ), argumentou a favor da descentralização da política

migratória brasileira, defendendo a necessidade de uma maior participação do MJ

como gestor dessas políticas; ele ressaltou a importância da primeira Conferência

Nacional sobre Migrações e Refúgio (COMIGRAR) como elemento de

descentralização e fortalecimento da política migratória nacional. A antropóloga

Márcia Sprandel, assessora do Senado Federal, fechou a sessão debatendo sobre a

necessidade de se ampliar os direitos dos imigrantes no Brasil e problematizou sobre a

questão das fronteiras, condenando a atual política baseada em diretrizes militares de

segurança.

Os debates ao longo do dia afirmaram a primazia da questão trabalhista no

contexto das migrações internacionais e a necessidade de fortalecimento da política

tripartite (governo, empregadores e empregados) para lidar com os desafios atuais. As

inquietações dos palestrantes apontaram para as dificuldades de acesso a direitos, a

falta de coordenação da política migratória nacional, a precarização do trabalho

imigrante e a falta de informações e dados, que poderiam ajudar os entes da federação

a planejar suas respectivas políticas. Sobre este último item, os presentes reiteraram a

importância da criação de um instituto de pesquisa com as características do

OBMigra, dedicado a coletar, analisar e organizar os dados provenientes das

diferentes fontes governamentais, divulgando-os para a comunidade acadêmica e para

os gestores e formuladores de políticas públicas.

Como uma das primeiras iniciativas do recém-criado Observatório, nasceu a

proposta dos “Cadernos OBMigra”. Contamos nesta primeira publicação com as

contribuições dos palestrantes Duval Fernandes (PUC-Minas), Marjolaine Canto

(CNC), Valdir Barros (CGT), Stanley Gacek (OIT) e Cristiane Lopes (MPT),

seguidas de uma entrevista exclusiva, com Paulo Sérgio de Almeida, Presidente do

CNIg. O conteúdo e o estilo dos textos são variados, refletindo os diferentes pontos de

vista a partir dos quais um acadêmico, uma representante de organização sindical de

empresários, um representante de organização sindical de trabalhadores, um diretor de

Organização Internacional, uma membro do Ministério Público, um gestor público

expressam e constroem conhecimento sobre o mesmo assunto. Nosso intuito com esta

publicação é revelar parte da polifonia que constitui o fenômeno das políticas

migratórias que não pode ser aprofundado senão a partir de um diálogo multilateral

envolvendo pesquisadores, gestores públicos, lideranças políticas, empresariais e de

trabalhadores.

O demógrafo Duval Fernandes, em coautoria com Juliana Carvalho Ribeiro,

oferece uma visão sistêmica a respeito da nova posição do Brasil em meio aos fluxos

migratórios contemporâneos e alerta para a necessidade de maior atenção à política

migratória nacional. O capítulo, elaborado a partir de sua palestra no Seminário,

analisa as condições de inserção na sociedade e no mercado de trabalho para (a)

brasileiros retornados, (b) imigrantes portugueses e espanhóis e (c) imigrantes

haitianos, identificando contrastes e similaridades entre os diferentes casos. O texto

traz um alerta geral em relação às dificuldades dos imigrantes no tocante à cultura,

documentos, relações de trabalho, acesso a moradia e atendimentos de suas demandas

sociais.

A advogada Marjolaine Canto, representante da CNC no CNIg, escreve em

seu capítulo uma história do Conselho Nacional de Imigração, desde sua criação

formal nos anos 1980, passando por sua implementação no início dos anos 1990,

expansão e reorganização interna na virada para os anos 2000, chegando até o

momento atual e a rediscussão do papel do Conselho. O texto coloca em diálogo as

mudanças políticas e econômicas das últimas décadas com as mudanças na

composição e atuação do CNIg. Atualmente, o incremento de população imigrante,

sobretudo haitiana por razões humanitárias, tem exigido das autoridades brasileiras

algum posicionamento a respeito da presença dessas pessoas. A autora se apresenta

otimista com a revitalização do tema, mas, apresentando o panorama dos projetos de

lei e propostas de políticas para migrações, demonstra que não existe um consenso

entre as instâncias governamentais envolvidas com a realidade dos migrantes.

O sindicalista Valdir Vicente de Barros, representante da CGT no CNIg,

apresenta o ponto de vista dos trabalhadores. Ele começa por resgatar a memória das

muitas migrações de trabalhadores para o Brasil, incluindo africanos escravizados e

também as migrações internas que contribuíram para o crescimento econômico dos

locais receptores. O texto denuncia relações de trabalho análogas à escravidão sendo

vivenciadas por imigrantes atualmente, apresenta as discussões atuais a respeito dos

direitos trabalhistas no âmbito do Mercosul, faz um balanço crítico da atual legislação

migratória brasileira e discute sobre direitos humanos e integração dos migrantes no

Brasil a partir do caso dos Haitianos. Valdir reclama, sobretudo, pelos direitos de ir e

vir e de poder trabalhar.

O Diretor-Adjunto do Escritório da OIT no Brasil, Stanley Gacek, contribuiu

com a transcrição de sua palestra proferida durante o Seminário. Ele faz, ao longo do

texto, uma explanação sobre o estado atual da legislação trabalhista internacional no

âmbito da OIT. Falando desde o ponto de vista de uma Organização Internacional,

Gacek nos apresenta um panorama da política internacional em sua faceta preocupada

com a condição dos trabalhadores pelo mundo. O palestrante defende a ideia de

“trabalho decente” como mecanismo de promoção da cidadania em contextos de

imigração. Ele argumenta que, a despeito das causas da mobilidade, o imigrante

sempre se depara com a questão do emprego e do trabalho decente onde quer que vá.

A Procuradora do Trabalho Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes contribui com

esta publicação discutindo aspectos jurídicos, políticos e filosóficos a respeito da

questão migratória. O capítulo intitulado “Menos nacionalismo e mais direitos

humanos: o papel do MPT diante do trabalho do estrangeiro em situação irregular”

nos faz pensar se o ideal de Nacionalismo é bom para o país, questiona as distinções

por motivo de nacionalidade e as responsabilidades do Estado, defende a igualdade

entre as nacionalidades como fator de promoção dos direitos humanos, oferece

coordenadas para a atuação juridicamente mais acertada em matéria de imigração e

discute o papel do MPT como promotor da ordem jurídica trabalhista e dos direitos

humanos dos imigrantes. Uma questão central debatida por Cristiane Lopes é a

regularização do trabalhador imigrante, sujeito a todo tipo de maus tratos em função

de sua situação irregular. A autora coloca em xeque o pensamento nacionalista e

critica a distinção de acesso a direitos entre os cidadãos nacionais e aqueles não

nacionais.

Inaugurando a seção de Entrevista do “Cadernos OBMigra”, temos uma

conversa com Paulo Sérgio de Almeida, Presidente do CNIg e uma das pessoas

responsáveis pela criação do OBMigra. Paulo Sérgio é gestor público interessado em

melhorar as condições de produção e análise de dados sobre as migrações envolvendo

o Brasil e também os brasileiros no exterior. Ele argumenta que é preciso ampliar a

qualidade dos dados disponibilizados atualmente. O entrevistado aponta para a

necessidade da criação de políticas de acolhimento e estruturas de recepção ao

imigrante, imperativos para lidar com o novo contexto de entrada de cidadãos de

outras nacionalidades a procura de trabalho e melhores condições de vida no Brasil.

Entre outros assuntos, ele avalia a atual legislação para os imigrantes e as recentes

movimentações em torno de uma nova lei, fala sobre os limites e possibilidades de

atuação do CNIg e defende a ampliação e fortalecimento do Conselho como fórum de

discussões e órgão normativo sobre a questão migratória. Para finalizar essa primeira

edição dos Cadernos encontrasse anexo o documento “As Migrações Internacionais

no Brasil sob uma perspectiva jurídica: análise da legislação brasileira sobre

estrangeiros entre os séculos XIX e XXI” o qual se trata de um relatório de pesquisa

elaborado pela pesquisadora Carolina Claro. Esse discerta sobre o panorama histórico

da legislação migratória brasileira.

A equipe do OBMigra expressa aqui sua alegria em oferecer à comunidade de

interessados nos fenômenos migratórios (pesquisadores, gestores públicos, lideranças

sindicais, etc.) uma coletânea de textos que contempla uma pequena amostra da

diversidade de vozes que constitui a realidade do debate sobre políticas migratórias no

presente. Outras publicações para enriquecer as discussões ora iniciadas seguirão.

Almejamos que os “Cadernos OBMigra” sejam legitimados como um meio de

reflexão e aprofundamento do conhecimento sobre o tema. Estamos abertos a

contribuições. Por fim, agradecemos imensamente a colaboração dos palestrantes do

Seminário “Migração Laboral no Brasil: desafios para construção de políticas”.

Migração laboral no Brasil: problemáticas e perspectivas4

Duval Fernandes5

Juliana Carvalho Ribeiro6

Introdução

Diversos autores têm indicado que o Brasil se encontra em um novo patamar

da migração internacional (BAENINGER, 2013; PATARRA, 1996; PATARRA e

FERNANDES, 2011) no qual os processos migratórios não se dão em um único

sentido e com temporalidade restrita. Na verdade a partir do final da primeira década

do século XXI, o país se viu inserido no sistema de migração internacional como país

de origem, destino e trânsito, onde a emigração, a imigração e o retorno acontecem de

forma simultânea.

Esta realidade, ainda não captada por todos os segmentos sociais, indica novos

caminhos para as políticas públicas, principalmente as afeitas à governança

migratória, que passam a ter novo paradigma e não podem ser desenhadas para

atender a somente um dos movimentos, mas devem ser propostas considerando o

cidadão independente da sua situação como imigrante, emigrante ou retornado. As

políticas devem ter como ponto de partida a construção de mecanismos que

contribuam para o processo de integração do cidadão migrante à sociedade brasileira.

No entanto, a ausência de políticas que considerem situações ligadas à

migração internacional levam os imigrantes estrangeiros e retornados a encontrarem

dificuldades semelhantes na chegada ao Brasil no tocante ao trabalho, moradia e

atendimentos de suas demandas na área social. No caso dos imigrantes, ainda há de se

considerar os problemas relacionados ao processo de regularização do seu status

migratório, sempre difícil por conta da arcaica legislação vigente.

4 Texto produzido a partir de apresentação feita no Seminário do Observatório das Migrações realizado

em Brasília (Brasil), em 14 de maio de 2014. 5 Professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais (PUC-Minas). 6 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Geografia da Pontifícia Universidade Católica de

Minas Gerais (PUC-Minas), bolsista da Capes.

O que se pretende nesse texto é tratar, mesmo que de forma embrionária, de

três situações migratórias que estão na agenda social e política da atualidade.

Primeiramente, a migração de retorno que, mesmo antes da crise econômica iniciada

em 2008, já era perceptível, por conta das diversas ações empreendidas pelos

governos dos países do Hemisfério Norte com vistas a restringir a entrada e

permanência de estrangeiros em situação irregular, e, com o a crise, toma contornos

mais amplos. A segunda situação seria, o aumento do número de estrangeiros que

optam por viver no Brasil, que será tratada sob duas óticas, as experiências de

espanhóis e portugueses que migram após o ano 2005 e, com maior intensidade,

depois do início da crise de 2008 e, por fim, a situação dos haitianos que chegam ao

país no início de 2010 e hoje se constituem em importante grupo de imigrantes.

Retornados

A situação do retorno se resume ao migrante que deixou o país e decide voltar,

por uma infinidade de razões, como a não adaptação ao país que o recebeu,

dificuldades financeiras ou mesmo questões legais, dentre outras inúmeras

possibilidades. Este novo imigrante que volta ao ponto de partida, pode até ocupar o

mesmo espaço físico que cabia a ele antes dele deixar o país, mas nada garante que

ele alcance, pelo menos no curto prazo, a estrutura social anterior (SAYAD, 2000).

Estima-se, o número de brasileiros vivendo no exterior tenha reduzido em

mais de 35%. Em relação aos brasileiros que viviam no Japão, aproximadamente 45%

fizeram a opção pelo retorno, alguns com apoio do governo japonês. No caso da

Europa, mesmo que os números não sejam precisos, o maior impacto foi sentido nos

países da península Ibérica ― Espanha e Portugal ― onde, nos últimos anos, os

pedidos de auxilio ao repatriamento apresentados a instituições internacionais de

apoio aos migrantes7, mais que dobraram. O quadro a seguir (ver tabela 1) mostra,

com base nas informações do Itamaraty, a evolução recente do número de brasileiros

residentes no exterior, nos principais destinos, evidenciando a mencionada redução.

7 Entre 2007 e 2012, o Programa de Retorno Voluntário, administrado pelo escritório da Organização

Internacional para as Migrações (OIM), em Portugal, apoiou o retorno de 2.915 imigrantes, sendo

2.383 brasileiros. O Programa conta com apoio do governo português.

Tabela 1 – Estimativas do número de brasileiros residentes no exterior, nos

países selecionados – 2011 a 2012

País 2011 2012

Variação %

2011/2012

Total

3.122.

813

2.547.

079 -18,4

USA

1.388.

000

1.066.

559 -13,9

Japão

230.55

2

210.03

2 -8,7

Paragua

i

200.00

0

201.52

7 0,5

Espanha

158.76

1

128.00

0 -18,9

Portugal

136.22

0

140.00

0 2,9

Fonte: Itamaraty

Se o impacto desse retorno na região de origem (antigo destino, ou seja, país

que recebeu o imigrante brasileiro) não é muito relevante ― salvo em comunidades

muito específicas ―, por outro lado, na nova região de destino (que recebe o

retornado), o retorno tem contribuído para transferir a essas localidades a crise

observada nos países centrais. Há de se considerar também que o processo de retorno

tende a reduzir as remessas e com isso impactar na economia local via a

desarticulação de cadeias produtivas que atendiam aos investimentos dos emigrantes

na sua terra natal, como a construção civil.

A dificuldade de readaptação ao espaço e de reintegração à sociedade são os

grandes entraves ao retornado, que acaba se traduzindo em um peso econômico para o

seu país. Quanto mais longo o período de permanência no exterior, maiores são as

dificuldades para conclusão desta última etapa com sucesso. No local que vivia antes

da sua emigração, por mais isolado que ele possa ser, a vida continuou e as mudanças

que ele irá encontrar quando do seu retorno, fazem desse local ― antes conhecido e

sempre presente no imaginário do retornado ―, quase outro país no qual o processo

de adaptação será, muitas vezes, mais penoso do que o vivenciado no exterior.

Apesar de todos os benefícios que a experiência no exterior garante ao

retornado, ele tem grande dificuldade de se readaptar. Acredita-se que o tempo

passado fora de seu país, em contato com outra cultura, outros hábitos, outros

costumes, garante ao retornado uma rica vivência, a partir da qual são desenvolvidas

novas habilidades. Além disso, os bens adquiridos no exterior e o estilo de vida

experimentado naquele país podem ser considerados capitais financeiro e humano a

ser realizado no seu país, quando do retorno. Porém, esta bagagem adquirida no

exterior, muitas vezes, acaba se traduzindo em entraves para a sua readaptação e, até

mesmo, pode estimular uma nova migração, quando este capital humano não se

realiza ou não é “investido” na nova região de destino.

O exemplo mais claro dessa dificuldade está no reconhecimento de

certificados e diplomas adquiridos no exterior, fato que atinge também os imigrantes

no Brasil. A não existência de protocolos para avaliação dos cursos e a insistência de

tratar cada processo individual como um caso autônomo, retarda ou impede que o

retornado possa efetivamente utilizar seu capital humano adquirido no exterior.

Outra importante perspectiva que envolve retornados e implica em crise para a

localidade que o recebe quando do seu retorno é a influência que eles exercem sobre

as pessoas que vivem neste local. A simples presença física na cidade de origem

daquele que em momento passado teria partido, pode contribuir para estipular novas

migrações ou mesmo servir como fator relevante na mudança de planos.

Assim, os retornados ocupam posições estruturais fundamentais para a

organização e a sustentação dos sistemas de migração. As redes pessoais contribuem

para o recrutamento, para o agenciamento e para o suporte aos novos migrantes.

Justifica esta realidade o fato das experiências serem apresentadas e filtradas com a

intenção de mostrar sucessos, mesmo em situações que foram adversas.

Para a maioria dos organismos internacionais, o retornado é visto como um

potencial empreendedor e motivador do desenvolvimento local. Os recursos

acumulados no exterior e a vivencia em outro país são considerados instrumentos para

novos investimentos na terra natal. Porém, a realidade, muitas vezes, é diversa à

apresentada. O pouco ou nenhum conhecimento sobre o gerenciamento de

empreendimentos, aliado a perfis pessoais que só vivenciaram funções subalternas no

mercado de trabalho, contribuem para o elevado nível de fracasso e de frustrações.

Tal situação indica que para um retornado sem muita perspectiva e pouco

conhecimento da realidade que o aguarda na sua chegada o empreendedorismo não é

uma opção (OIM, 2013). Contribuindo ou não para o seu país, no seu retorno, o

sujeito não pode contar com políticas públicas eficazes. Este retorno, inclusive, gera

como desafio o desenvolvimento de políticas sociais, já que inexistem políticas

explícitas e eficientes para atender aos migrantes retornados. O que se encontra são

ações pontuais e voltadas para determinados seguimentos, o que não atende este

universo crescente.

A invisibilidade do retornado, porém, dificulta o equacionamento de políticas

públicas. Não há informações para o retornado que viabilizem sua mais rápida

adaptação, bem como o Estado não tem acesso a informações concretas e substanciais

sobre o retornado. A falta de informações do Estado para o retornado e sobre o

retornado fazem as políticas públicas inexistentes ou inexequíveis, tornando a

situação desses sujeitos ainda mais vulnerável.

Imigrantes estrangeiros: destaque para portugueses e espanhóis

Em relação à chegada de estrangeiros no Brasil, devem-se considerar não só os

problemas dos países de origem afetados pela crise econômica, mas também a

situação da economia brasileira em época recente. Ao se considerar o período dos

últimos 20 anos, a economia brasileira passou por profundas transformações, no qual

o combate à inflação, prioridade maior da segunda metade do século XX, cede lugar

às políticas voltadas para o crescimento econômico e para a inclusão social.

Em meados dos anos 1990, a implantação do Plano Real8 abriu espaço para o

crescimento econômico sustentado do Brasil. A este período seguiu-se o de um

Governo com tendência neoliberal9 que aplicou um vasto plano de privatização de

empresas públicas, principalmente na área de telecomunicações, que passaram a ser

geridas por capital estrangeiro. Nesse período, as taxas de crescimento da economia

não foram elevadas e, durante certo tempo, até nulas. No entanto, essas ações foram

decisivas para a entrada do país no mercado globalizado.

8 Plano de estabilização econômica implantado em 1994, que obteve sucesso no combate à inflação,

situação que se tornava endêmica no Brasil. 9 Governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, cujos mandatos foram de 1995 a 1998 e de 1999

a 2002.

Ao se iniciar o século XXI, foi eleito um presidente10

que propunha um

programa de governo calcado na inclusão social, com abertura ao diálogo com a

sociedade e que deu especial atenção à questão migratória. Quando acontece a crise

mundial em 2008, o país estava em plena efervescência econômica, via investimentos

privados e governamentais na área da construção civil pesada11

e da prospecção de

petróleo12

. Ao mesmo tempo, a política de transferência de renda e inserção laboral de

uma parcela da população que se encontrava marginalizada, contribuiu para a criação

de considerável mercado interno que ampliou o poder de compra da população. Essa

situação permitiu que o impacto da crise econômica mundial, iniciada em 2008, fosse

pouco sentido e que, nos anos seguintes, as taxas de crescimento do PIB levassem o

país a ocupar um lugar de destaque no cenário da economia mundial.

É nesse contexto que deve ser entendida a imigração que tem como destino o

Brasil e principalmente a atração pela mão de obra qualificada, que conduz ao país

um contingente expressivo de estrangeiros.

Os registros da Coordenação Nacional de Migração do Ministério do Trabalho

e Emprego permitem avaliar alguns aspectos da migração laboral mais recente. A

partir de 2009, o número de estrangeiros que solicitam autorização de trabalho ao

governo brasileiro tem aumentado, em média, 25% ao ano, passando de 42914, em

2009, para 70524 em 2011, chegando a 73022 em 2012 e reduzindo para 65693 em

2013. A participação das mulheres é ainda muito acanhada, apesar do ligeiro aumento

de 8,8% do total de autorizações de trabalho concedidas em 2009, para 10,3% em

2012.

Nem toda migração, no entanto, é registrada pelos órgãos de governo e a

situação de irregularidade acontece com certa frequência. O procedimento é sempre o

mesmo: chega-se com visto de turista, com prazo de 90 dias, e parte-se para a busca

de trabalho.

Vim para o Brasil em finais de 2005, estou aqui de 7 para 8

anos. Entrei como turista, posteriormente eu fiquei 3 meses, nesses

3 meses consegui trabalho. Obviamente não era um trabalho

10

Luís Inácio Lula da Silva, cujos mandatos foram de 2003 a 2007 e de 2008 a 2011. 11

A construção de obras para atender a Copa do Mundo de 2014, as Olimpíadas de 2016 e a expansão

da produção de energia elétrica. 12

Nos investimentos para a prospecção de petróleo, destaca-se a exploração dos campos do pré-sal.

regularizado, findos estes 3 meses eu pedi uma prorrogação para os

6 meses, permitido. (Imigrante português/RJ).( ICMPD-2013)

Outra forma de garantir a permanência no país, sem cair na irregularidade

migratória é pleitear um visto de estudante e, uma vez estando em solo brasileiros

inicia a busca por um posto de trabalho.

Mesmo que encontre trabalho o imigrante não pode exercer a atividade de

forma regular por duas razões, a primeira pelo fato de não ter a autorização de

trabalho e, mesmo que a tenha, deverá ter o seu diploma validado no Brasil. Tal

situação atinge tanto aos estrangeiros como os brasileiros retornados que tem de

passar pelo processo de homologação de diplomas obtidos no exterior. Esse processo

é demorado e, dependendo da profissão, tem elevado custo. Tal situação contribui

para a vulnerabilidade laboral dos imigrantes.

Tive uns 7 empregos, houve certos trabalhos que eu entrava

e fazia parcerias com as pessoas para fazer trabalhos específicos.

E findos esses trabalhos normalmente seriam escritórios pequenos

que tem trabalhos temporários, eu ficava sem trabalho. Mais a

maioria do tempo trabalhava com empresas grandes. Nas empresas

grandes também possuía trabalho informal. Na arquitetura, a

maioria dos trabalhos são informais. Isso é uma característica da

profissão, em Portugal isso é uma coisa corriqueira também

(Imigrante português/RJ).(ICMPD – 2013)

A não regularização tem fortes reflexos na vida e no cotidiano dos imigrantes,

pois impede o acesso à conta bancária, uma vez que não é possível conseguir o CPF, e

dificulta o acesso à moradia onde o imigrante irá depender de algum amigo ou parente

para afiançar o aluguel de um imóvel.

Apesar da legislação brasileira permitir a regularização de um imigrante que

esteja no país, as possibilidades de se obter sucesso não são muito grandes. Mesmo

que consiga o seu intento o estrangeiro deverá deixar o país para retirar o visto em

uma representação consular brasileira no exterior.

A principal dificuldade é conseguir um dos quatro requisitos

para o visto: ter um filho brasileiro, casar com brasileiro(a),

conseguir um trabalho ou fazer um investimento. Estes são os

caminhos na legislação brasileira. Se não conseguir as primeiras

três, terei que pensar no quarto requisito, fazer investimento.

(Imigrante espanhol/SP).(ICMPD – 2013)

Os relatos levantados pela pesquisa do ICMPD (2013) contribuem para traçar

o perfil desse novo imigrante internacional. Geralmente são jovens que estavam em

situação de desemprego ou subemprego no país de origem. Na maioria dos casos tem

grau de ensino superior, mas pouca possibilidade de regularizar a sua situação laboral.

Assim, utilizam de subterfúgios como o visto de turista ou mesmo de estudante para

permanecer no país de forma regular. Apesar das dificuldades causadas pela situação

de transitoriedade, como o acesso a bancos ou mesmo a outros serviços, a maioria

avalia que a opção de emigrar para o Brasil foi acertada e, alguns, relatam que são

foco de discriminação positiva por serem estrangeiros que observam tanto em relação

ao pagamento recebido como no reconhecimento da atividade que exercem.

A imigração haitiana

Ao mesmo tempo em que acontece a imigração internacional em direção aos

grandes centros urbanos do país, em busca de postos de trabalho com melhor

remuneração, outro processo tem inicio nas fronteiras do Brasil com os países da

América do Sul. Nesse grupo de imigrantes estão sul-americanos que

tradicionalmente optam por residir no país e, em período mais recente, fazem o trajeto

respaldados nos acordos de livre transito no âmbito do MERCOSUL. No entanto, a

partir de 2010, a presença de nacionais de país outros que os da América do Sul se faz

notar, como senegaleses, bengalis e outras nacionalidades, principalmente haitianos,

cujo fluxo iniciado após o terremoto de 2010 tomou contornos de um processo

migratório com características que indicam a sua continuidade por um longo período.

Considerando a história migratória do Haiti, a incorporação do Brasil no

roteiro migratório não é uma surpresa muito grande, mas chama a atenção por se

tratar de um novo destino que não era incluído nas escolhas anteriores dos imigrantes.

Pode-se dizer que após o terremoto estavam presentes no país com maior vigor os

fatores de expulsão que contribuem a criação e ampliação de uma diáspora

(JACKSON, 2011).

Para a escolha dos destinos havia de se considerar a legislação migratória dos

países desenvolvidos que, após setembro de 2001, impõem severas restrições à

imigração de uma maneira geral e, em especial, à migração irregular. As razões para a

incorporação do Brasil na rota do processo migratório dos haitianos, não são muito

claras, alguns autores (FERNANDES, 2010; SILVA, 2013) indicam que a presença

das tropas brasileiras no Haiti poderia ter contribuído para disseminar a ideia do

Brasil como país de oportunidades, principalmente no momento em que grandes obras

estavam em execução e a taxa de desemprego em descenso.

Independente da razão inicial, o fato é que após o terremoto teve inicio o fluxo

migratório de haitianos para o Brasil. Os trajetos são diversos (PATARRA,

FERNANDES, 2011; SILVA, 2013) e vão se alterando no tempo conforme as

facilidades ou dificuldades oferecidas no caminho. Importante notar que dos países da

América do Sul, somente quatro13

, em 2010, não exigiam visto para a entrada de

haitianos no seu território no caso de viagem de turismo. A partir de 2012, sob forte

pressão do governo brasileiro, o Peru passou a exigir visto dos haitianos e no Equador

houve, em 2013, uma tentativa de restringir a entrada dos haitianos, mas a medida não

foi implementada. Mesmo com estas facilidades, nenhum destes países tornou-se um

importante ponto de destino final da imigração haitiana, como foi o caso do Brasil.

Tal fato pode indicar que esta migração não é gestada unicamente pelas facilidades de

entrada no país, como preconizam os que criticam as medidas tomadas pelo governo

brasileiro, mas é determinada também pela intenção de chegar e de se estabelecer na

região de destino.

Durante o ano de 2010 pequenos grupos de haitianos, que não somavam duas

centenas de imigrantes, chegaram à fronteira brasileira com o Peru. Ao final de 2011

havia indicações da presença de mais de 4.000 haitianos no Brasil (COSTA, 2012;

SILVA, 2013), número este que não cessou de aumentar, sendo que ao final de 2013

estimava-se que o montante já teria ultrapassado a casa dos 20.000 imigrantes, com

indicações de que o número total poderia chegar a 50.000 ao final de 2014.

Tal fluxo fez com que a percepção da presença dos haitianos fosse vista com

certa desconfiança por parcela da sociedade, neste grupo se inclui alguns órgãos da

13

Argentina, Chile, Equador e Peru.

impressa nacional que comparam à chegada dos imigrantes a uma invasão14

. Por outro

lado, este movimento migratório teve também efeito positivo de levar o governo e a

sociedade civil a iniciar um processo de discussão da legislação migratória,

introduzindo nos debates a visão do respeito aos direitos humanos dos imigrantes. Ao

mesmo tempo, foi possível avançar no estabelecimento de laços de solidariedade

entre diversos setores da sociedade no acolhimento e atendimento aos haitianos.

No âmbito dos governos federal, estadual e municipal, nas cidades mais

afetadas pela chegada destes imigrantes, as respostas institucionais foram diversas.

Enquanto o governo do estado do Acre se engajava em apoiar a montagem da

estrutura de atendimento aos haitianos que chegavam à cidade de Brasiléia, o governo

do estado do Amazonas, especificamente no caso das cidades de Tabatinga e Manaus,

a princípio ignorou o problema e posteriormente deu pequenas contribuições para

manter as ações da sociedade civil (SILVA, 2013). Estas diferenças nas respostas dos

governos estaduais refletem um pouco a percepção das autoridades sobre o problema

e seus compromissos com os direitos humanos dos imigrantes.

No plano federal, as respostas foram mais efetivas, mas mesmo assim, pouco

ordenadas, com medidas tomadas para solucionar situações pontuais extremas que

não contribuíam em um planejamento, mesmo de curto prazo, para atender às

demandas surgidas com o volume crescente de imigrantes haitianos.

Após o trajeto até a fronteira brasileira, os haitianos ainda têm de enfrentar um

longo processo para a regularização da sua situação migratória. O ponto de partida é a

solicitação de refugio apresentada à autoridade migratória nas cidades fronteiriças. A

abertura deste processo leva a emissão de um protocolo que permite ao imigrante a

obtenção de carteira de trabalho e de CPF provisórios, enquanto a solicitação de

refugio é analisada pelo CONARE15

. Tais documentos são essenciais para o ingresso

do imigrante no mercado formal de trabalho e o envio de remessas. Por tal solicitação

de refúgio não se enquadrar nos requisitos definidos em lei e convenções

internacionais, ela é recusada. Ante esta situação que levaria à permanência irregular

dos haitianos no Brasil, o CONARE repassa ao Conselho Nacional de Imigração os

processos que analisa a situação de cada requerente. Em 2011, com base na Resolução

14

Jornal O Globo do dia 17/01/14 País “Tião Viana, do PT, critica governo federal após invasão de

haitianos”. Jornal O Globo 11/01/12 Capa “Brasil fecha fronteira para conter „invasão‟ de haitianos” 15

CONARE – Comitê Nacional para os Refugiados

Normativa nº 2716

, o CNIg cria procedimentos para autorizar a permanência de

haitianos no Brasil. No entanto, este processo não teve o resultado esperado e frente a

chegada de contingentes cada vez mais expressivos de haitianos na fronteira da

Região Norte foi necessário criar medidas que permitissem a migração de forma

regular, sem a necessidade de se fazer esse trajeto. Assim em janeiro de 2012, o CNIg

edita a Resolução Normativa – RN nº 97, que permite a concessão de visto

humanitário permanente, pelo prazo de cinco anos, aos imigrantes haitianos. Este

visto seria expedido pelo Consulado Brasileiro na cidade de Porto Príncipe, no Haiti,

sendo, no entanto, o número de vistos restrito a 1.200 por ano. Não incluído neste

total os vistos para reunificação familiar. Está Resolução tinha prazo de vigência de

dois anos.

Ao se avaliar a aplicação desta RN (FERNANDES ET ALLIS, 2013), observa-

se que apesar da louvável tentativa de solucionar um problema que tomava

proporções de calamidade pública, quer nas cidades fronteiriças quer nas que atuavam

como polo de atração desta migração, como a cidade de Manaus, o efeito esperado

não foi alcançado. Não houve redução da chegada de imigrantes haitianos ao Brasil

via a fronteira norte e o número de vistos emitidos pelo Consulado, 100 por mês, não

conseguia atender à crescente demanda. Em novembro de 2012, todos os

agendamentos para a concessão de vistos em 2013 estavam completos e o Consulado

abriu uma lista de espera. Assim, ao final de 2012, voltava-se a repetir na fronteira a

situação observada antes da promulgação da RN nº 97, com a superlotação do abrigo

construído para acolher os imigrantes na cidade de Brasiléia e, em Porto Príncipe,

formavam-se gigantescas filas na porta do Consulado Brasileiro composta por pessoas

que esperavam obter o visto de entrada no Brasil.

Tentando contornar a situação no Consulado, o Governo, por meio da RN nº

102, em abril de 2013, retira a limitação do número de vistos aos haitianos que não

mais ficariam restritos a 1.200, permitindo também a sua concessão em Consulados

Brasileiros em outros países, além do Haiti. A última alteração a RN nº 97 acontece

em outubro de 2013, quanto a o seu prazo de vigência, que encerraria em janeiro de

2014, foi prorrogado por mais um ano.

16

Resolução Normativa nº 27, de 25 de novembro de 1998, que disciplina a avaliação de situações

especiais e casos omissos pelo Conselho Nacional de Imigração. Essa Resolução considera como

“situações especiais” aquelas que, embora não estejam expressamente definidas nas Resoluções do

Conselho Nacional de Imigração, possuam elementos que permitam considerá-las satisfatórias para a

obtenção do visto ou permanência; e como “casos omissos” as hipóteses não previstas em Resoluções

do Conselho Nacional de Imigração

Ao se analisar os resultados das medidas tomadas pelo governo federal fica

claro que elas não conseguiram alcançar os objetivos propostos, inicialmente, quando

da analise da questão pelo CNIg, no momento da aprovação da RN nº 97.

“[...] o controle da atuação dos coiotes na fronteira norte

brasileira; a abertura de um canal para a concessão de vistos de

forma mais simples; a regularização da situação migratória dos

cerca de quatro mil haitianos que já se encontram em território

brasileiro; e o envio de auxílio material para alojamento,

alimentação e cuidados de saúde para esses imigrantes nos estados

do Acre e do Amazonas” (CNIg, 2012).

Pelo contrário as medidas tiveram o efeito de estimulo à migração. A atuação

dos coiotes tem se ampliado com o estabelecimento de rede de tráfico de imigrantes

por todo o trajeto que inclui a passagem pelo Equador e Peru. Tal fato contribui para

que o número de imigrantes chegados às cidades fronteiriças venha se ampliando não

só em volume, mas também pela incorporação de novas rotas via Venezuela, Bolívia

e Argentina. Uma vez mais, no inicio de 2014, a situação na cidade de Brasiléia

mostrou-se caótica com a presença de mais de 1.200 haitianos aguardando o

atendimento para a regularização da sua situação migratória ou uma oportunidade de

trabalho, via a contratação por alguma empresa que chegue à cidade em busca de

trabalhadores.

Considerando informações disponíveis nos registros administrativos dos

Ministérios do Trabalho e das Relações Exteriores é possível traçar, mesmo de forma

preliminar, o perfil desses imigrantes. No entanto, por serem dados de órgãos públicos

e levantados junto a registros administrativos, mais voltados para atender à

procedimentos internos de cada setor, o que aqui é apresentado deve ser considerado

com cautela.

Segundo os registros do Conselho Nacional de Imigração – CNIg do

Ministério do Trabalho, as mulheres representam, aproximadamente 20% do total dos

imigrantes haitianos que receberam permissão de residência no Brasil. Mas a

participação das mulheres vem aumentando, principalmente pelo aumento dos vistos

para reunião familiar. Em relação à idade, mais de 30% destes imigrantes estão

concentrados na faixa etária de 25 a 29 anos, seguida daqueles no grupo etário 30 a 34

anos, que representam, aproximadamente, 25% da população em estudo, conforme

demonstra a figura 1 a seguir.

Figura 1 - Pirâmide Etária dos haitianos demandantes de visto nas

representações consulares do Brasil - 2013

Fonte: MRE. Dados coletados até 29/08/13

Os registros do Ministério das Relações Exteriores indicam que,

aproximadamente, 80% dos imigrantes haitianos que solicitaram visto nas

representações consulares brasileiras se declararam solteiros. Em relação à ocupação

que tinham no Haiti, mais de 50 % dos homens indicou estar exercendo alguma

atividade no setor da construção civil. No caso das mulheres a área de serviços é que

mais absorvia mão de obra, seguida pelo comércio.

Em relação ao local de residência dos imigrantes haitianos no Brasil, os dados

da Polícia Federal indicam 267 municípios. No entanto, 18 deles receberam mais de

75% desses imigrantes, como indica a figura 2 a seguir. Os maiores destaques são por

conta de São Paulo com 24% do total e Manaus com 13%.

Figura 2 - Proporção de imigrantes haitianos por cidade de residência Brasil

Janeiro de 2010 a Março de 2014

Fonte: SINCRE - Sistema Nacional de Cadastramento e Registro de

Estrangeiros/DPF

Considerando informações disponibilizadas pela OIM (2014) observa-se que

em relação à instrução não há uma diferença muito grande entre homens e mulheres

em termos do grau de instrução nos níveis mais elevados. 42,1% dos homens

indicaram um grau de ensino no mínimo secundário completo, enquanto, 43,2% das

mulheres indicaram a mesma situação.

No entanto, ao se somar os que declaram ter segundo grau completo e

incompleto, 50,8% das mulheres estariam nessa situação contra 41,8% dos homens.

Como observado em outros países (GÓIS, 2009) a migração dos haitianos para

o Brasil seguiu o padrão onde aqueles com maior qualificação predominavam no

primeiro grupo que chegou em 2010 e 2011. As informações disponibilizadas pela

OIM (2014) indicam que nos anos seguintes, houve o crescimento da participação

daqueles que, apesar de um menor nível de instrução, estavam, antes de emigrar, em

ocupações técnicas, em sua maioria na área da construção civil. No entanto, em

momento recente, observou-se a ampliação do número de pessoas com mais baixo

nível de instrução dentre aqueles que chegam ao país. A pouca instrução, as

dificuldades com o aprendizado da língua portuguesa e a impossibilidade de

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30%

outros

Pato Branco

Chapecó

Balneário Camboriu

Sorocaba

Cuiabá

Navegantes

Itajaí

Bento Gonçalves

Pinhais

Esmeraldas

Contagem

Macapá

Cascavel

Caxias do Sul

Curitiba

Porto Velho

Manaus

São Paulo

conseguir a equivalência de diplomas, tem contribuído para que parcela importante do

contingente de imigrantes haitianos se engaje em ocupações que exigem pouca

qualificação, como na construção civil, em atividades auxiliares ou em linhas de

montagem industrial. Em se tratando das mulheres, a situação é mais delicada, pois ao

lado das dificuldades com o idioma, soma-se a pouca oferta de postos de trabalho para

as mesmas. As ofertas de emprego são, em sua maioria, no setor de serviços

domésticos, onde há necessidade de maior interação patrão e empregado, dificultada

pela barreira linguística (OIM, 2014).

Por outro lado, a avaliação dos empresários sobre o trabalho dos haitianos tem

mostrado aspectos contraditórios, enquanto a maioria tem um discurso positivo – “os

trabalhadores haitianos faltam pouco ao trabalho, não se envolvem em situações de

conflito com colegas e superiores hierárquicos” – outro conjunto de empresários

indica que eles não se adaptam ao ritmo de trabalho exigido – “os haitianos são mais

„moles‟ para realizar tarefas e apresentam um ritmo muito diferente dos brasileiros”

(OIM, 2014).

Ainda segundo o levantamento da OIM (2014), os postos de trabalho

ocupados pelos haitianos são, na maioria dos casos, de baixa remuneração, com

salários que variam entre um a um e meio salário mínimo. Ao considerar os gastos

para se manter no Brasil, a maioria dos imigrantes, não consegue poupar o suficiente

para enviar remessas às famílias e pagar as dívidas contraídas com os coiotes para

fazer a viagem. Tal situação leva alguns a dividir moradias insalubres e a reduzir os

gastos ao mínimo necessário para sobreviver, fazendo a estadia no país de destino ser

pior do que a situação vivenciada no Haiti.

Em uma ampla visão desse processo observa-se que, apesar de todas as

medidas tomadas pelo governo, algumas louváveis como a RN nº 97, a questão da

migração dos haitianos para o Brasil ainda é um problema que necessita de uma ação

coordenada e não de ações pontuais. Não se pode colocar ênfase em uma só direção,

como a regularização do status migratório, mas tem de se pensar em políticas que

possam permitir a integração dos haitianos na sociedade brasileira, como assim,

fizeram vários outros imigrantes que aqui chegaram no passado.

Trata-se, sem a menor sombra de dúvida, de um processo longo e que deverá

contar com a participação da sociedade civil e do governo, que agora tem pela frente a

responsabilidade de dar respostas às demandas da comunidade dos haitianos e levar o

país a se tornar um exemplo no respeito aos direitos humanos dos imigrantes.

Considerações finais

Se, de meados do século XIX até o início da 2ª Guerra mundial, o Brasil

poderia ser rotulado como país de imigração, e como país de emigração nas décadas

de 1980 e 1990, na atualidade, nenhum destes rótulos se aplicaria. Na realidade, o

país está hoje inserido no sistema da migração internacional, sendo, ao mesmo tempo,

ponto de origem, de destino e de trânsito de migrantes.

Neste cenário, a chegada de migrantes ao Brasil não pode ser analisada como

algo corriqueiro, sem qualquer problema para os sujeitos envolvidos, bem como para

as nações envolvidas ― a de origem dos migrantes e a de destino dos mesmos.

A grande dificuldade encontrada pelos imigrantes no Brasil é a sua inserção na

sociedade brasileira. Hábitos diversos e, principalmente, o idioma, são, em alguns

casos, barreiras intransponíveis. O que se percebe é que a convivência entre os

imigrantes de mesma origem acaba sendo, na maior parte das vezes, circunscrita ao

próprio grupo onde estão inseridos. São, em regra, majoritariamente deslocados do

convívio com a população brasileira.

Com isso, os imigrantes mostram dificuldades de se apropriarem do espaço e

de reproduzi-lo a seu favor. A apropriação do espaço potencializa o movimento de

interligação entre a história individual do sujeito e a história coletiva. Diógenes (2003,

p. 189) defende que no “[...] corpo [...] se coloca a possibilidade de transbordamento,

de desfiguração das fronteiras entre o individual e o social”, o que grifa a distância

entre os imigrantes e a sociedade brasileira.

Ao mesmo tempo em que se grifa a dificuldade de apropriação do espaço,

compreende-se a não concepção das cidades brasileiras enquanto lugar17

para os

imigrantes, se os lugares são “[...] uma porção do espaço em que os homens se

reconhecem. Reconhecem a sua história, o seu ambiente, o seu universo de relações,

experiências, lembranças, desejos, conflitos, vivências.” (MELO, 2006, p. 65).

O convívio socioespacial, que ajudaria na construção de uma identidade entre

esses sujeitos e a sociedade brasileira, é ainda dificultado pela limitação financeira

dos imigrantes. Com a indústria do lazer consolidada, tornam-se cada vez mais

17

Concebe-se aqui o termo lugar enquanto categoria socioespacial, muito empregada pela geografia

para remeter a um local com o qual se estabelece laços afetivos, sentimentos de pertencimento, vínculo,

identidade.

dispendiosos os momentos de lazer. “Concomitante, observa-se também a redução

dos espaços de sociabilidade aos espaços de consumo. O que acaba por condicionar a

acessibilidade à cultura e ao lazer ao poder econômico, forjando nichos de reunião

entre iguais.” (SENRA, 2009, p. 6). Muitas vezes, a renda dos imigrantes é, em sua

maior parte, destinada aos seus familiares que ficaram no país de origem. Dessa

forma, eles se veem impossibilitados de investir em práticas sociais, sendo privados

de lazer.

A dificuldade da inserção e do convívio dos sujeitos estrangeiros com a

sociedade brasileira pode se refletir, ainda, nas condições de trabalho desses

imigrantes. A condição migratória, muitas vezes, acarreta um problemático vínculo

com a atividade de trabalho. Há limitações para a comunicação entre eles e os colegas

de trabalho brasileiros, bem como entre eles e os gestores da empresa que os emprega.

Diferenças culturais também podem se impor enquanto entraves, uma vez que podem

interferir na rotina, no cotidiano desses sujeitos e, dessa forma, pode vir a

comprometer a dinâmica da empresa. Esse vínculo laboral torna-se ainda mais

precário quando se toma por base imigrantes com baixa escolaridade. Por esses

motivos, eles podem vir a desenvolver estresse pela dificuldade de adaptação.

A própria condição de vida desses sujeitos, enquanto imigrantes, estrangeiros,

sujeitos de outra cultura, que falam e entendem outra língua, mais uma vez podem

interferir no seu cotidiano, pois os submete, salvo raras exceções, a piores alternativas

no mercado de trabalho, inferiorizando-os.

Por outro lado, como, muitas vezes, imigrantes desqualificados se concentram

onde o índice educacional também não é alto entre os brasileiros da região, eles

tornam-se mais competentes para desempenhar certas funções quando comparados a

esses brasileiros. Esse fato acaba acarretando dificuldades para os nativos e

estranhamento entre os brasileiros e os imigrantes. A economia local, inclusive, pode

sentir reflexos dessa situação, o que não é interessante para o país que recebe esses

sujeitos.

Todo o exposto se mostrou como uma preocupação do Sr. Odilon dos Santos

Braga, Conselheiro do CNIg representando a Central dos Trabalhadores e

Trabalhadoras do Brasil (CTB), quando defendeu que “o debate não deve perder de

vista a necessidade de que sejam preservados os interesses do trabalhador brasileiro e

o impacto dessa necessidade nas medidas que porventura venham a ser adotadas.”

(Ata da Reunião Extraordinária do CNIg 12/01/2012, p. 3). Assim, ele expõe a

importância do Estado se ater às duas partes, favorecendo a inserção do imigrante,

sem trazer qualquer dano social e profissional aos brasileiros.

Este novo paradigma migratório brasileiro não foi totalmente assimilado pela

sociedade e seus representantes. Imposto esse cenário, as intervenções do Governo

brasileiro nesse processo migratório tornam-se ainda mais urgentes e imprescindíveis,

considerando o constante e grande fluxo de imigrantes que entram dia após dia no

país. Esse movimento migratório configura uma situação delicada para o Governo ―

e para a sociedade brasileira ―, consistindo em desafios para a sua governança, em

termos da migração internacional em direção ao país, que, se bem gerido, pode se

traduzir em amplos benefícios para o país receptor.

Porém, propostas de reformulação de instrumentos jurídicos que tratam da

migração ― como a Lei nº 6815, também conhecida como Estatuto do Estrangeiro,

um dos últimos resquícios do período ditatorial ― não encontram respaldo entre a

classe política. O Projeto de Lei nº 565518

, apresentado em 2009, serve de exemplo,

pois em quase cinco anos de tramitação no Congresso Nacional ainda não conseguiu

vencer as fases iniciais do processo para a sua aprovação..

Na área do Executivo, por sua vez, a questão migratória é tratada de forma

excepcional. Medidas são tomadas para atender demandas emergenciais, sem a devida

avaliação dos desdobramentos das ações. Uma proposta de política migratória

preparada pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg) e encaminhada, em 2010, à

Casa Civil da Presidência da República, ainda não mereceu qualquer atenção.

O conjunto de medidas tomadas pelo Governo, em lugar de permitir traçar

uma política migratória que respeite os direitos humanos dos imigrantes, tem levado a

situações de criação de privilégios para algumas nacionalidades, como os haitianos,

enquanto os nacionais de outros países devem seguir procedimentos morosos, como

os relacionados à obtenção de documentação para sua inserção no mercado de

trabalho.

Neste escopo, perde o Brasil, já que, ao mesmo tempo em que é possível

listarmos uma série de limitações das migrações para o país de destino desses sujeitos,

uma infindável lista de vantagens acompanha a chegada dos mesmos. Uma primeira

18

O PL 5655/2009 “dispõe sobre o ingresso, permanência e saída de estrangeiros no território nacional,

o instituto da naturalização, as medidas compulsórias, transforma o Conselho Nacional de Imigração

em Conselho Nacional de Migração, define infrações e dá outras providências.”. Informação extraída

do sítio da Câmara dos Deputados, cujo acesso foi feito em 11 de agosto de 2014:

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=443102.

vantagem garantida, entre as diversas que se descortinam nesses fluxos, são de cunho

econômico, mais propriamente vantagens ao capital. A possibilidade de suprir lacunas

no mercado de trabalho brasileiro, nos postos de difícil incorporação da mão de obra

local.

Ainda tomando os aspectos positivos, o discurso para justificar a atratividade

se volta para o público como prática de uma função social. Ao empregar imigrantes ,

o Brasil, via as empresas privadas, pode se projetar, perante o mundo, enquanto

sensível às dificuldades desses países de origem . A solidariedade é, sem dúvida,

concebida de forma extremamente positiva pelas grandes nações, o que pode se

traduzir em ganhos para o Brasil.

Porém, para isso, há demandas que devem ser atendidas pelo governo

brasileiro. Uma delas seria maior eficiência para conclusão do processo de

regularização, ajudando os imigrantes estrangeiros a conseguirem os documentos

mais rapidamente. Outra intervenção que poderia ter o Estado seria no que tange o

mercado de trabalho. Os imigrantes estrangeiros precisam de ajuda para conquistar

uma vaga profissional, para encontrar uma moradia digna e para reduzir os custos das

remessas que empreendem.

Uma alternativa para consolidar tais propostas é a manutenção de diálogos

regulares entre os governos dos países envolvidos, buscando as soluções para os

problemas e visando benefícios para suas populações. Desta forma, o fluxo migratório

se vê cada vez mais distante de lacunas e limitações traumáticas.

Com a vinda desses sujeitos, o Brasil se torna o palco para o desenho de uma

nova história. Os migrantes, que muitas vezes se deslocam, deixando seus países por

questões socioeconômicas, configuram, com a iniciativa da migração, um cenário de

busca de um ideário, de vida nova, com perspectivas de melhoria da qualidade de vida

de cada um deles, bem como de seus familiares.

Nessa dinâmica, a cada dia, são construídas novas ideias, novos percursos,

novas perspectivas. “O processo social está sempre deixando heranças que acabam

constituindo uma condição para as novas etapas.” (SANTOS, 2002, p. 140). A partir

da decisão de deixarem seu país rumo ao Brasil, desenham novas etapas das suas

vidas, e, muitas vezes, conseguem, mesmo que de forma limitada, trilhar caminhos

que os garantem maior retorno financeiro que tinham no seu país.

O país de destino, ao mesmo tempo, também garante ganhos com a chegada

dos migrantes, uma vez que esses sujeitos geram riquezas nos locais que os acolhem:

eles trabalham, estudam, consomem e não representam peso financeiro para o Estado,

Independentemente dos benefícios que o país pode alcançar com a chegada dos

imigrantes, o século XXI expõe como desafio a necessidade de sensibilizar as

populações acerca do respeito às diferenças, da convivência entre os povos e da

aceitação do pluralismo cultural, tendo em vista o intenso e constante fluxo migratório

internacional da contemporaneidade. O mundo globalizado potencializa a necessidade

de trocas ― culturais, principalmente ― entre os diferentes povos, uma vez que

amplia o contato entre as pessoas de nações distintas. Nesse interim, valores como o

respeito e a fraternidade são urgentes no mundo hoje.

38

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42

Migração Laboral no Brasil: desafios para Construção de Políticas

Marjolaine Canto19

Introdução

O atual Conselho Nacional de Imigrações (CNIg) cumpre uma importante

função na autorização de entrada dos estrangeiros que desejam permanecer no Brasil.

O CNIg, em sua história, passou por diversos momentos. Em linhas gerais, o

Conselho atravessou quatro grandes fases, que serão discutidas a seguir:

- Fase I: A Criação. O Conselho foi criado no Governo Figueiredo (1980) pela

Lei n° 6.815, de 19 de agosto de 1980. 20

- Fase II: A Implementação do CNIg. Após uma pequena alteração no

Governo Collor, o CNIg passa a atuar de forma mais permanente no Governo Itamar

com a introdução da Lei 8.490 de (19/11/1992). Menos de um ano depois, o Governo

Itamar promulga o Decreto n. 840 (22/06/93) que dispunha sobre a organização e

funcionamento do CNIg.

- Fase III: A Expansão do CNIg. O Governo FHC propôs uma expansão da

composição do Conselho e delegou competência ao Ministro de Estado do Trabalho e

Emprego, para designar os membros do Conselho Nacional de Imigração (Decreto nº

3.574, 23/08/ 2000).

- Fase IV: Rediscussão do Papel do CNIg (Momento Atual). Novos Rumos da

Questão Imigratória no Governo Lula e Governo Dilma. Novas propostas surgem

para discussão no Congresso.

Fase I: A Criação

O Conselho (CNIg) foi criado no Governo Figueiredo (1980) durante o final

do ciclo militar de manutenção de uma política restritiva aos investimentos e às

19

Conselheira do CNIg. Representante da Confederação Nacional do Comércio, Bens, Serviços e

Turismo (CNC) 20 Houve uma pequena alteração pela Lei nº 6.964, de 09/12/81, mas que não modificou a essência de

atuação e funcionamento do Conselho.

43

importações. O modelo econômico em vigência ainda era de industrialização via

substituição de importações (ISI), que perdurou até o início do governo Sarney.

Como observou Mendes (2001), a estrutura básica do capitalismo brasileiro

assentava-se desde os anos 30 no seguinte tripé: a) a empresa estatal, em que por

muitos anos experimentamos o monopólio das estatais, as quais alimentavam o

chamado “estado-empresário”; b) a empresa nacional familiar (do qual o grupo

Votorantim era exemplo); e c) as empresas estrangeiras, que atuavam em setores

autorizados, podendo mesmo vir a dominar alguns segmentos, como o

automobilístico e o farmacêutico. Mendes (2001) ainda nos lembra que:

(...) O nível de importação era pequeno por duas razões

básicas: a) as alíquotas (leia-se impostos) de importação eram

muito elevadas, sendo que muito produtos eram taxados em mais de

100%, o que inviabilizava as importações; e b) muitos produtos não

podiam sequer ser importados, ou seja, não se tratava de taxar, mas

sim de proibir terminantemente a importação, sob a alegação de

que deveríamos proteger a indústria nacional, por ser esta ainda

“infante” (...). (Mendes, 2001: 2; grifo nosso)

Nesse contexto, a atração de cérebros e de executivos estrangeiros era muito

limitada. De qualquer forma, tanto a Lei n° 6.815, de 19 de agosto de 1980, quanto

a Lei nº 6.964, de 09/12/81, ambas editadas no Governo Figueiredo, previam a

importação de cérebros, mas de maneira limitada. Nesse sentido, a criação do CNIg

foi um grande passo, previsto no art. 128 da Lei 6.815 (19/08/1980), reproduzido

abaixo „in verbis‟:

Art. 128. Fica criado o Conselho Nacional de Imigração,

vinculado ao Ministério do Trabalho, a quem caberá, além das

atribuições constantes desta Lei, orientar, coordenar e fiscalizar as

atividades de imigração.

Além a criação do Conselho, a Lei 6.815 (19/08/1980) estipulava que

poderiam vir trabalhar no Brasil aqueles que contribuíssem para o progresso

tecnológico nacional, como fica claro nos artigos 13 a 16 da referida lei (6.815),

reproduzidos abaixo:

44

(...)Art. 13. O visto temporário poderá ser concedido ao

estrangeiro que pretenda vir ao Brasil:

I - em viagem cultural ou em missão de estudos;

II - em viagem de negócios;

III - na condição de artista ou desportista;

IV - na condição de estudante;

V - na condição de cientista, professor, técnico ou

profissional de outra categoria, sob o regime de contrato ou a

serviço do Governo brasileiro; e

VI - na condição de correspondente de jornal, revista, rádio,

televisão ou agência noticiosa estrangeira. (...).

Ou seja, já havia uma abertura para a vinda de cientistas e professores

estrangeiros, mas com o enfoque de atender as empresas estatais, uma vez que estes

profissionais vinham a serviço do governo brasileiro, como evidenciaram o art. 13 e o

art. 15. Esse enfoque tinha duas razões: primeiro, fortalecer as empresas estatais, e o

segundo assegurar que os cientistas e professores universitários e pesquisadores

estrangeiros que se candidatassem a vir ao Brasil estariam dentro do controle e da

tutela governamental.

Esse enfoque relativo ao progresso tecnológico seria alterado pela Lei nº

6.964, de 09/12/81, que alterou o Art. 16 21

. A preocupação se alarga da questão

técnica e tecnológica para atingir todos os aspectos do desenvolvimento (quando se

fala de „Política Nacional de Desenvolvimento‟, em todos os seus aspectos) e atinge

as questões centrais nas discussões contemporâneas sobre desenvolvimento, que são:

- A mão-de-obra especializada;

- O aumento da produtividade;

- Assimilação de tecnologia; e

- A captação de recursos para setores específicos.

Infelizmente, a Lei nº 6.964, de 09/12/81, não definia o que era mão-

de-obra especializada, nem como se obteria o esperado aumento de produtividade,

21 O art. 16 passa a ter a seguinte redação “Art. 16. Parágrafo único. A imigração objetivará,

primordialmente, propiciar mão-de-obra especializada aos vários setores da economia nacional,

visando à Política Nacional de Desenvolvimento em todos os aspectos e, em especial, ao aumento da

produtividade, à assimilação de tecnologia e à captação de recursos para setores específicos”.

45

nem de que forma se daria a assimilação de tecnologia e a captação de recursos para

setores específicos dentro de um modelo restritivo de substituição de importações 22

.

No entanto, a Lei nº 6.964 (09/12/81) reforça a estrutura do Conselho ao insistir no

vínculo do CNIg de forma orgânica ao Ministério do Trabalho, conforme fica

evidente no art. 129 da Lei nº 6.964 (09/12/81). Com efeito, o art. 129 afirma que („in

verbis‟):

Art. 129. Fica criado o Conselho Nacional de Imigração,

vinculado ao Ministério do Trabalho, ao qual caberá, além das

demais atribuições constantes desta Lei, orientar e coordenar as

atividades de imigração.

§ 1º O Conselho Nacional de Imigração será integrado por

um representante do Ministério do Trabalho, que o presidirá, um do

Ministério da Justiça, um do Ministério das Relações Exteriores,

um do Ministério da Agricultura, um do Ministério da Saúde, um do

Ministério da Indústria e do Comércio e um do Conselho Nacional

de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, todos nomeados pelo

Presidente da República, por indicação dos respectivos Ministros

de Estado.

§ 2º A Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional

manterá um observador junto ao Conselho Nacional de Imigração.

Ou seja, por um lado fica clara a preocupação com a Segurança Nacional por

meio da citação da presença da Secretária-Geral do Conselho de Segurança Nacional

(art. 129 §2), já presente na Lei 6.815 (19/08/1980). No entanto, por outro lado, a Lei

nº 6.964 (09/12/81) ampliou a participação de outros membros do governo ao incluir

22

A questão do controle da entrada de estrangeiros permaneceu na Lei nº 6.964 (09/12/81)

especialmente no seu artigo 13, inciso VII, o qual afirmava que: Art. 13. O visto temporário poderá ser

concedido ao estrangeiro que pretenda vir ao Brasil: VII - na condição de ministro de confissão

religiosa ou membro de instituto de vida consagrada e de congregação ou ordem religiosa. No entanto,

os artigos 24 e 30 limitavam o direito de ir e vir dessas pessoas ao estabelecer que:

- Art. 24. Nenhum estrangeiro procedente do exterior poderá afastar-se do local de entrada e

inspeção, sem que o seu documento de viagem e o cartão de entrada e saída hajam sido visados pelo

órgão competente do Ministério da Justiça).

- Art. 30. O estrangeiro admitido na condição de permanente, de temporário (incisos I, e de IV

a VII do art. 13) ou de asilado é obrigado a registrar-se no Ministério da Justiça, dentro dos trinta dias

seguintes à entrada ou à concessão do asilo, e a identificar-se pelo sistema datiloscópico, observadas as

disposições regulamentares." Lei nº 6.964 (09/12/81).

46

um membro do Ministério da Indústria e do Comércio e um membro do Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Essa ampliação fica evidente

no quadro abaixo.

Tabela X - Alterações na Estrutura do CNIg no Governo Figueiredo

Lei 6815 (19/08/1980)

Lei 6964 (09/12/1981)

Art. 128. Fica criado o Conselho Nacional

de Imigração, vinculado ao Ministério do Trabalho,

a quem caberá, além das atribuições constantes

desta Lei, orientar, coordenar e fiscalizar as

atividades de imigração.

Art. 129. Fica criado o

Conselho Nacional de Imigração,

vinculado ao Ministério do Trabalho,

ao qual caberá, além das demais

atribuições constantes desta Lei,

orientar e coordenar as atividades de

imigração.

Membros Totais (5) Membros Totais (7)

Ministério do Trabalho, que o presidirá:

um membro do Ministério da Justiça;

um membro do Ministério das Relações

Exteriores;

um membro do Ministério da Agricultura; e

um membro do Ministério da Saúde.

Ministério do Trabalho, que o

presidirá:

um membro do Ministério da

Justiça;

um membro do Ministério das

Relações Exteriores;

um membro do Ministério da

Agricultura;

um membro do Ministério da

Saúde;

um membro do Ministério da

Indústria e do Comércio; e

um membro do Conselho

Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico.

Observador: A Secretaria Geral do Conselho

de Segurança Nacional manterá um observador

junto ao Conselho Nacional de Imigração.

Observador: A Secretaria Geral

do Conselho de Segurança Nacional

manterá um observador junto ao

Conselho Nacional de Imigração.

47

Assim, tanto na Lei 6.815 quanto na Lei 6.964, já estava prevista a vinculação

do CNIg ao Ministério do Trabalho e o conceito que a política migratória estaria

associada ao desenvolvimento econômico, e que cabe àquele Ministério orientar e

coordenar as atividades de imigração (art. 128), em ambas as leis. Pela Lei 6.964 a

política migratória é um instrumento do desenvolvimento, mas subordinado à questão

laboral. Na perspectiva dos militares, a participação da sociedade civil não era

relevante. Na oportunidade que teve de expandir o número de membros do CNIg, o

governo Figueiredo incluiu apenas o Ministério do Desenvolvimento e o CNPQ, mas

não a Sociedade Civil.

Fase II: A Implementação do CNIg – Os Governos Collor e Itamar

Franco.

O Governo Collor ao tomar posse recebeu como herança do Presidente Sarney

quatro planos econômicos mal-sucedidos (Cruzado I e II, Bresser e Verão), uma

inflação que atingiu 1.973% em 1989 e uma dívida externa equivalente a 28% do PIB.

A resposta do Presidente Collor foi um Plano radical de combate à inflação23

e uma

abertura econômica unilateral, que reduziu as tarifas alfandegárias de mais de 100%

em alguns produtos para em média de 32% em 1990. Além do bloqueio das contas

correntes e das poupanças, parte substancial do Plano Collor era baseado na abertura

comercial. Alguns autores consideram o Governo Collor como o que promoveu a

maior abertura comercial no Brasil desde o governo Vargas. Esta é a opinião, por

exemplo, de Gennari (2001):

“(...) Nesse sentido [de redução tarifária], no Governo

Collor, teve início o mais radical processo de abertura comercial já

registrado desde pelo menos a chamada mudança do eixo dinâmico,

nos anos trinta, brilhantemente descrito por Celso Furtado em sua

obra Formação Econômica do Brasil (...)”.

Essa opinião é compartilhada por Azevedo & Portugal (1998):

23 O Plano Collor (I) previa, entre outras medidas: i) Volta do Cruzeiro como moeda, com retirada de 3

zeros; ii) Congelamento de preços e salários; iii) Bloqueio de contas correntes e poupanças no prazo de

18 meses; iv) Reorganização da máquina pública, com demissão de funcionários e diminuição de

órgãos públicos.

48

“(...) Sob o novo governo [Collor], foram tomadas várias

medidas no sentido de ampliar o grau de inserção da economia

brasileira na economia mundial, através de uma mudança profunda

na política de importações. Neste sentido, foram revogadas uma

série de barreiras não-tarifárias (...).

Como procurou se observar acima, as mudanças, porém, não se limitaram à

abertura comercial. Elas impactaram igualmente a política industrial e o

desenvolvimento tecnológico do Brasil. Com efeito, como afirmou Romero (2011):

“(...) Com o governo Collor implantou-se uma nova política

industrial visando materializar uma mudança radical em relação às

políticas anteriores. A competitividade, antes que o

crescimento, era o principal objetivo estratégico a ser atingido em

conformidade com os enfoques prevalecentes nos países

industrializados ou de recente industrialização. (...) Isso tudo

dentro da filosofia de que a tecnologia passa a ter o mercado como

referência e a empresa como o agente fundamental para a

estratégia de capacitação tecnológica (...)”(grifo nosso).

Essas mudanças estruturais se refletiriam igualmente no CNIg.

De fato, o Decreto 662 de 29/11/92, promulgado pelo Governo Collor,

mantinha, em essência, a composição original do Conselho. Collor substituiu, porém,

o Ministério da Indústria e Comércio pelo Ministério da Economia, Fazenda e

Planejamento. O CNPq, por sua vez, foi substituído pela Secretaria de Ciência e

Tecnologia, recém criada.

Essa mudança evidenciava a importância que o Pres. Collor dava ao Conselho

de Imigração como parte da estratégia de abertura econômica ao incluir o poderoso

Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento (dirigido inicialmente por Zélia

Cardoso de Mello) entre os membros do Conselho (no lugar do Ministério da

Indústria e Comércio), e a Secretaria de Ciência e Tecnologia no lugar do CNPq.

49

O Governo Itamar Franco

O Presidente Itamar Franco preocupou-se em dar maior operacionalidade ao

CNIg, ao mesmo tempo em que fortalecia o aspecto Colegiado do seu governo.

Com efeito, três aspectos influenciaram o governo Itamar e contribuíram para

explicar o funcionamento do seu Governo, e até mesmo o fortalecimento do CNIg:

- O Contexto Econômico: A abertura comercial promovida pelo Presidente

Collor (já mencionada);

- A instabilidade política existente naquele momento no Brasil (1992-1994);

- A busca de consenso político e de órgãos colegiados para dirimir conflitos.

A Abertura comercial promovida pelo Presidente Fernando Collor

Conforme já mencionado na seção anterior, o contexto que antecede o

Governo Itamar é um ambiente de forte abertura econômica, ou seja, uma mudança

profunda das políticas que prevaleceram no regime militar, que deu preferência ao

modelo de Industrialização via Substituição de Importações (ISI). Como se sabe, o

modelo ISI se caracterizava justamente pelo reduzido coeficiente de importações.

Naturalmente, no governo Collor, em função da abertura econômica, houve uma

elevação considerável de importações, as quais, por sua vez, implicavam em uma

série de ajustes ao funcionamento da economia brasileira e ao governo federal como

gestor desse novo modelo. Os Investimentos Diretos Estrangeiros (IDEs) tenderam a

crescer no período Collor. Com os novos IDEs, as empresas recém instaladas no

Brasil trouxeram executivos de seus países de origem, o que implicou na aprovação

pelo CNIg da entrada desses executivos. Como se pode verificar, a abertura comercial

gerou outras consequências que ultrapassaram o mundo econômico (como a

concessão de vistos) e supunham que o governo federal estivesse preparado para elas.

No caso do Vice-Presidente Itamar Franco, ele foi um pouco surpreendido

com as responsabilidades que o aguardavam ao assumir a Presidência da República.

Com efeito, com a saída de Collor, devido ao processo de impeachment, muitos se

perguntaram como o Pres. Itamar reagiria às ideias e reformas implantadas pelo ex-

50

Presidente Collor, uma vez que Itamar sempre se apresentava como refratário da

abertura econômica e do livre comércio.24

Para surpresa de muitos, Itamar, já no cargo de Presidente, não apenas

manteve os compromissos assumidos por Collor na área de redução de tarifas de

importação, como os acelerou, como lembra Azevedo e Portugal (1998):

No que tange à tarifas, foi implementado um cronograma de

redução das alíquotas de importação, que previa a

queda gradual da tarifa média, modal e de seu desvio padrão, entre

janeiro de 1991 e dezembro de 1994. (...) Entretanto, o cronograma

foi antecipado em 1992, 1993 e 1994 [no Governo Itamar], em

razão da utilização da abertura comercial como peça-chave no

controle da inflação, tanto no período que antecedeu o Plano Real,

como naquele que se seguiu à sua implementação. A tarifa média

foi reduzida gradualmente de 33,2%, que vigorava em 1990 para

25,3% no primeiro ano, 20,8% no segundo, 16,5% no terceiro e

14% em 1994 (...).

Como se pôde ver acima, o Presidente Itamar reduziu ainda mais as tarifas

brasileiras de importação, aumentando, consequentemente, a inserção do Brasil na

economia mundial. Esse fato gerou uma demanda ainda maior por mão-de-obra

qualificada, que muitas vezes não existia no Brasil. Essa nova demanda se refletiria

no CNIg, como veremos a seguir, o qual teria de ser cada vez mais ágil para tratar

dessas questões. Ao contrário do Gov. Figueiredo, o qual privilegiava as empresas

estatais, a partir de 1992 o Governo Itamar procurou criar um novo locus para as

empresas estrangeiras recém-chegadas, que buscavam autorizações no Poder

Executivo para agilizar a vinda de seus executivos, a fim de assumir os postos recém-

criados no Brasil.

A instabilidade política existente no Brasil (1992-1994).

24 Cabe lembrar que Itamar Franco pertencia à antiga ala esquerda do PMDB, os denominados

‟autênticos,‟ que combateram fortemente o regime militar.

51

Como se sabe, o impeachment de Collor gerou grande instabilidade política no

Brasil. Como nota, Philippe Faucher (1998):

“(...) O trauma institucional causado pelas denúncias de

corrupção que levaram ao impeachment do presidente Collor (...)

teve também o efeito de aumentar a audiência para os defensores

das reformas. Mas, no caso brasileiro, é preciso olhar além do

anedótico e das forças circunstanciais para compreender os fatores

que contribuíram para a restauração da governabilidade. (...).”

Qual o segredo para a recuperação da governabilidade por Itamar Franco face

à ingovernabilidade do Governo Collor? A busca de uma coalizão estável. Como bem

observou o jornalista e analista político Luciano Suassuna:

“(...) Contra o veneno da fragmentação política e da falta de

apoio, ele [Itamar] ofereceu um governo de coalizão. Depois da

desilusão nacional causada por um presidente que bloqueou

poupanças e caiu sob graves acusações de corrupção, a classe

política estava tão desgastada que a ela só restou aceitar a união

proposta. (...).”

Essa foi a marca do Governo Itamar: a busca pela união e pelo consenso. Essa

característica ele levaria para todo o seu governo, inclusive os Conselhos por eles

criados ou já existentes, que ele deu novo formato de Conselhos Colegiados, mais

participativos. Com efeito, a Lei 8.490, de 19/11/92, previa órgãos de assessoramento

colegiado ao Presidente Itamar. Nessa lei, o Pres. Itamar estabeleceu como órgãos de

assessoramento imediato ao Presidente da República25

:

1. o Conselho de Governo;

2. a Consultoria-Geral da República;

3. o Alto Comando das Forças Armadas;

25 Lei 8.490 de 19/11/92.

52

4. o Estado-Maior das Forças Armadas.26

E junto à Presidência da República foram estabelecidos igualmente órgãos

de consulta do Presidente da República, tais como:

1. o Conselho da República;

2. o Conselho de Defesa Nacional.27

Fica evidente a busca de soluções colegiadas pelo Pres. Itamar, não apenas na

sua assessoria direta, como em todos os Ministérios. Foi igualmente o caso do

Ministério do Trabalho com o CNIg. De fato, a mesma lei (Lei 8490, de 19/11/92)

previu no Art. 19, que:

“(...) São órgãos específicos dos ministérios civis (...):

VII - no Ministério do Trabalho (...)

b) o Conselho Nacional de Imigração (...).”

A referida Lei 8.490, de 19/11/92, estabeleceu, em seu art. 16, os assuntos que

constituíam área de competência de cada ministério civil. No caso do Ministério do

Trabalho (em seu inciso VIII) seria inter alia tratar da política de imigração (item d).

Ora, a Lei 8.490 estabeleceu ainda que o órgão vinculado ao Ministério do Trabalho,

que teria a atribuição para formular a política de imigração e coordenar e orientar as

atividades de imigração, seria o CNIg. Assim, ficou confirmado o CNIg como órgão

assessor encarregado de formular a política imigratória.

iii. A busca de consenso político e de órgãos colegiados para dirimir os

conflitos.

O Decreto nº 840, de 22/06/93, que dispunha sobre a organização e o

funcionamento do Conselho Nacional de Imigração, foi ao encontro da orientação de

Itamar Franco de fortalecer os órgãos colegiados. O Decreto nº 840 destaca que o

26 Art. 1 (§ 1°). 27 Art. 1 (§ 2°).

53

Conselho Nacional de Imigração é um órgão de deliberação coletiva (art. 1º). As

atribuições do CNIg ficam claras no Decreto n° 840, e incluiriam28

:

I - formular a política de imigração;

II - coordenar e orientar as atividades de imigração;

III - efetuar o levantamento periódico das necessidades de mão-de-obra

estrangeira qualificada, para admissão em caráter permanente ou temporário;

IV - definir as regiões de que trata o art. 18 da Lei n° 6.815, de 19 de

agosto de 1980, e elaborar os respectivos planos de imigração;

V - promover ou fornecer estudos de problemas relativos à imigração;

VI - estabelecer normas de seleção de imigrantes, visando proporcionar

mão-de-obra especializada aos vários setores da economia nacional e captar

recursos para setores específicos;

VII - dirimir as dúvidas e solucionar os casos omissos, no que diz respeito

a imigrantes;

VIII - opinar sobre alteração da legislação relativa à imigração, quando

proposta por qualquer órgão do Poder Executivo;

IX - elaborar seu regimento interno, que será submetido à aprovação do

Ministro do Trabalho.

Note-se que foi dada liberdade para o CNIg elaborar seu próprio regimento

interno, o qual deveria ser submetido à aprovação apenas do Ministério do Trabalho e

não dos demais Ministérios membros do CNIg. Outra novidade introduzida pelo Pres.

Itamar por intermédio do Decreto nº 840 foi a expansão dos seus membros. Além dos

membros previstos no Decreto nº 662 de 29/11/92, Itamar substitui o representante do

Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, introduzido por Collor, pelo

representante do Ministério do Desenvolvimento, tal como ocorria no governo

Figueiredo (Lei n° 6.815, de 19/08/1980 e Lei nº 6.964, de 09/12/81). Além disso, o

Pres. Itamar devolveu, por intermédio do Decreto nº 840, o assento do Ministério da

Ciência e Tecnologia.29

Mas, a grande novidade foi realmente a entrada da sociedade

civil no Conselho Nacional de Imigração (CNIg). De fato, o artigo 2º. do Decreto

28 De certa forma, o Decreto nº 840 reforça as atribuições já previstas nos termos da Lei n° 8.490, de

19/11/ 1992. 29 Então ocupado pelo CNPq.

54

nº840 destinou espaço para quatro representantes dos trabalhadores (inciso VII),

quatro representantes dos empregadores (inciso VIII)30

, um representante da

comunidade científica e tecnológica (inciso IX).31

Assim, Itamar democratizou o CNIg e criou um Conselho triparte. Ou seja, o

Pres. Itamar criou um locus onde se encontravam os representantes do governo, dos

empresários e dos trabalhadores, tornando o CNIg um órgão deliberativo e

participativo, como era o próprio Governo Itamar.

A nova composição do CNIg no Governo Itamar ficou da seguinte forma:

Membros Totais no Governo Collor (7) Membros Totais no Governo

Itamar (16)

Ministério do Trabalho (na Presidência): um

membro do Ministério da Justiça;

um membro do Ministério das Relações

Exteriores;

um membro do Ministério da Agricultura;

um membro do Ministério da Saúde;

um membro do Ministério da Indústria e do

Comércio; e

um membro do Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Ministério do Trabalho e, além

deste, terá mais os seguintes

membros:I - um representante do

Ministério da Justiça;

II - um representante do

Ministério das Relações Exteriores;

III - um representante do

Ministério da Agricultura, do

Abastecimento e da Reforma Agrária;

IV - um representante do

Ministério da Ciência e Tecnologia;

V - um representante do

Ministério da Indústria, do Comércio e

do Turismo;

VI - um representante do

Ministério da Saúde;

VII - quatro representantes dos

trabalhadores;

VIII - quatro representantes dos

empregadores;

IX - um representante da

comunidade científica e tecnológica.

30 Que viriam a ser a CNC, a CNI, a CNA e a CNT. 31 Que viria a ser um(a) representante da SBPC.

55

O Presidente Itamar revogou o Decreto n° 662, de 29 de setembro de 1992 (do

governo Collor), e deu uma feição nova ao Conselho. Os membros do Conselho e os

seus respectivos suplentes seriam designados pelo Presidente da República, mediante

proposta do Ministro do Trabalho e indicação:

a) dos respectivos Ministros de Estado, no caso dos incisos I a VI deite artigo;

b) das Centrais Sindicais, e das Confederações Nacionais da Indústria, do

Comércio, do Transporte e da Agricultura;

c) da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, no caso do inciso IX.

Por último, não menos importante, ao final do governo Itamar tem-se a

Portaria nº. 1.442, de 3 de dezembro de 1993, a qual estabelece o Regimento Interno

do CNIg. Ela tratava desde a composição e o funcionamento do Conselho, as suas

competências, as atribuições dos membros do Conselho e sua organização

administrativa. 32

Portanto, do exposto, pode-se concluir que a expansão do CNIg durante o

governo Itamar refletiu:

- Preocupação com a transparência, característica do Governo Itamar;

- Busca de consenso por meio de discussão pública;

- Descentralização e divisão de responsabilidades.

Ainda que o resultado das reuniões do Conselho de Imigração nessa nova fase

tenham ficado abaixo do esperado, houve um ganho de legitimidade. Nessa nova fase,

o Conselho se ateve por muito tempo em atender as demandas processuais

acumuladas no Ministério do Trabalho, que estavam aguardando pareceres. Apesar

dessa falta de maturidade institucional, o Conselho de Imigração durante o governo

Itamar manteve o novo formato tripartite e ganhou em participação social. Com

efeito, as decisões tomadas no âmbito do CNIg passaram a ser mais discutidas com os

atores envolvidos e houve uma democratização nas intervenções.

Fase III: A Expansão e Reorganização Interna do CNIg.

32

Não se tratará desta resolução aqui por ela ter estado em vigor por um curto período. Ela seria

substituída em 1996 pela Portaria nº. 634, de 21 de junho de 1996.

56

Durante o governo Fernando Henrique (1994-2002) houve uma consolidação

do Plano Real e uma estabilização da economia brasileira. As linhas gerais da

abertura econômica iniciada no final do Governo Sarney, e expandida pelos

Presidente Collor e Itamar, foi mantida. A busca de concessão de visto de trabalho

para empresários que desejavam permanecer no Brasil com visto de trabalho foi a

tônica do CNIg no Governo Cardoso.

Além disso, no intuito de expandir ainda mais a participação social no

Conselho de imigração, o governo Fernando Henrique aumentou o número de

representantes da sociedade civil (trabalhadores e empregadores) no CNIg.

Com efeito, o Decreto nº 3.574, de 23 de agosto de 2000, deu nova redação ao

art. 2º do Decreto nº 840, de 22 de junho de 1993, do governo Itamar, que tratava da

organização e composição do Conselho Nacional de Imigração, especialmente no que

tange ao seu número de membros.

Dessa forma, o número total de membros do Conselho passa de 16 no

Governo Itamar para 18 no Governo Fernando Henrique. Os acréscimos foram: mais

1 (um) representante para a bancada dos trabalhadores (a ser indicado pelas Centrais

Sindicais) e 1 (um) representante adicional para a bancada dos empregadores,

indicado pela Confederação Nacional de Instituições Financeiras (não incluída no

Decreto nº 840, de 22 de junho de 1993, do Governo Itamar).33

33 O assento da comunidade científica passou a ser indicada pela SBPC, independentemente da

nomeação do representante do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). A representação do MCT

foi retomada no Governo Itamar. Renato Archer e membros da comunidade científica se mobilizaram e

encaminharam a proposta de criação do Ministério da Ciência e Tecnologia ao primeiro governo civil

que sucedeu o regime militar. O grupo teve a reivindicação acatada pelo presidente eleito Tancredo

Neves e mantida pelo Presidente José Sarney, que criou o Ministério. Renato Archer foi nomeado

como ministro, em 1985. A gestão de Archer foi sucedida, em curtos períodos, por

quatro administrações conduzidas por ministros da área antes de ocorrer a fusão do Ministério da

Ciência e Tecnologia com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, em janeiro de

1989. Em março do mesmo ano, uma medida provisória dividiu as duas pastas e o que era ministério

passou a ser a Secretaria Especial da Ciência e Tecnologia, órgão central do Governo Federal para

assuntos da área. Ainda em 1989, o Ministério da Ciência e Tecnologia foi recriado por outra medida

provisória e, em 1990, o presidente Fernando Collor o extinguiu mais uma vez e implantou a Secretaria

da Ciência e Tecnologia, ligada à Presidência da República. Em 1992, o presidente Itamar Franco

editou nova Medida Provisória que voltou a criar o ministério, que permanece como pasta da área até

hoje. Baseado em http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/78973/Historico.html. Acessado em 01/07/2014.

57

Membros Totais no Governo Itamar

(16)

Membros Totais no Governo Cardoso

(18)

Ministério do Trabalho e, além deste,

terá mais os seguintes membros:

I- um representante do Ministério da

Justiça;

II - um representante do Ministério

das Relações Exteriores;

III - um representante do Ministério

da Agricultura, do Abastecimento e da

Reforma Agrária;

IV - um representante do Ministério

da Ciência e Tecnologia;

V - um representante do Ministério

da Indústria, do Comércio e do Turismo;

VI - um representante do Ministério

da Saúde;

VII - quatro representantes dos

trabalhadores;

VIII - quatro representantes dos

empregadores;

IX - um representante da

comunidade científica e tecnológica.

Ministério do Trabalho e, além deste,

terá mais os seguintes membros:

I - um representante do Ministério da

Justiça;

II -um representante do Ministério das

Relações Exteriores;

III - um representante do Ministério da

Agricultura, do Abastecimento e da Reforma

Agrária;

IV - um representante do Ministério da

Ciência e Tecnologia;

V - um representante do Ministério da

Indústria, do Comércio e do Turismo;

VI - um representante do Ministério da

Saúde;

VII - cinco representantes dos

trabalhadores;

VIII - cinco representantes dos

empregadores;

IX - um representante da comunidade

científica e tecnológica.

Outra novidade do Decreto nº 3.574, de 23/08/2000, foi delegar competência

ao Ministro de Estado do Trabalho e Emprego para designar os membros do Conselho

Nacional de Imigração (art. 2º).

Uma importante característica do período Fernando Henrique (1995-2002) foi

a busca de regularização e normatização das atividades do CNIg. Nesse aspecto, foi

fundamental a aprovação do Regimento do órgão, ocorrida por meio da Portaria nº

634, de 21 de junho de 1996, na gestão do Ministro Paulo Paiva.34

A partir do governo Cardoso, o CNIg passou a atuar por meio de Resoluções

Normativas, Resoluções Administrativas e Resoluções Recomendadas.

A primeira Resolução Administrativa no Governo Cardoso foi a Resolução

Administrativa nº 01, de 29/07/1996. Esta Resolução trata de prazos para pedidos de

recursos, o qual foi estipulado em 40 (quarenta) dias consecutivos, incluídos sábados

34 Paulo Paiva foi ministro do Trabalho no governo Fernando Henrique Cardoso, de 1 de

janeiro de 1995 a 31 de março de 1998. A Portaria nº 634, a qual continha apenas três artigos, aprovava

o Regimento Interno do Conselho Nacional de Imigração e revogava a Portaria nº 1.442, de 3 de

dezembro de 1993.

58

e domingos. A Resolução Administrativa nº 02, de 28/09/99, por sua vez, tratava dos

critérios para a concessão de visto temporário ou permanente, ou permanência

definitiva ao companheiro ou companheira. Ela representou quebra de paradigmas no

CNIg por um temor que qualquer legislação que amparasse a união estável pudesse

estimular a imigração irregular.35

Entre as Resoluções Recomendadas cabe destacar a de nº 02 de 05/12/2000.

Ela tinha um caráter humanitário e era voltada para estrangeiros que desejavam tratar

de sua saúde no Brasil, independente de já estarem no país ou não.

As Resoluções Normativas podem ser divididas em 3 Grupos: as econômicas,

voltadas para facilitação de negócios, as científicas e as sociais.

Entre as Resoluções Normativas de cunho econômico, pode-se destacar a

Resolução Normativa nº 18, de 18/08/98. Essa Resolução disciplinava a concessão

de visto permanente a estrangeiro que pretenda vir ao País na condição de

investidor, administrador ou diretor de empresa localizada em Zona de

Processamento de Exportação - ZPE. Segundo essa Resolução, os requerimentos para

Autorização de Trabalho para investidor estrangeiro em empresa localizada em Zona

de Processamento de Exportação - ZPE, bem como para os respectivos

administradores ou diretores, serão apresentados obrigatoriamente perante o Conselho

Nacional das Zonas de Processamento de Exportação - CZPE, que os encaminhará ao

Ministério do Trabalho devidamente instruídos e com parecer quanto à conveniência

do deferimento do pedido. Após essa fase, o pedido é encaminhado ao Ministério do

Trabalho, com a documentação exigida. Caso seja concedida a Autorização de

Trabalho, o Ministério das Relações Exteriores fica apto para expedir o visto

permanente para investidor estrangeiro, administrador ou diretor.

Das Resoluções Normativas com cunho científico, cabe destacar a Resolução

nº 01 de 29/04/1997, que previa a concessão de visto temporário, ou permanente, a

professor, técnico ou pesquisador de alto nível e cientista estrangeiro, que pretendesse

exercer atividades de ensino, ou de pesquisa científica e tecnológica. Dessa forma, o

CNIg revelou, mais uma vez, sua preocupação com o progresso tecnológico.

Na área social, uma Resolução de suma importância foi a Resolução

Normativa de nº 6 (21/08/97) na qual o Conselho Nacional de Imigração autorizava o

Ministério da Justiça a conceder a permanência definitiva a estrangeiro detentor da

35

Ela seria alterada pela Resolução Administrativa nº 05 de 03/12/2003. Esta será vista posteriormente.

59

condição de refugiado ou asilado, que comprovadamente preencher os requisitos

legais com a finalidade oferecer concessão de permanência definitiva a asilados ou

refugiados e suas famílias.36

Esse foi um ponto que caracterizou a atuação do CNIg nos anos noventa: a

reunião familiar de modo que estrangeiros que tivessem familiares em primeiro grau

no Brasil pudessem receber um visto de permanência.

Um outro exemplo desse ponto foi a Resolução Normativa nº 36, de

28/09/1999, que previa concessão de visto a título de reunião familiar. Nessa

resolução, o CNIg autorizava o Ministério das Relações Exteriores a conceder visto

temporário ou permanente a título de reunião familiar, aos dependentes legais de

cidadão brasileiro ou de estrangeiro residente temporário ou permanente no país,

maior de 21 anos. 37

Fase IV: Rediscussão do Papel do CNIg (Momento Atual).

Contexto Econômico

Os governos Lula e Dilma mantiveram, em linhas gerais, a abertura econômica

promovida nos anos noventa, muito embora tenham sugerido uma política industrial

mais proativa em alguns segmentos em que o Brasil fosse mais competitivo. Não

houve uma alteração quanto à política de facilitação e abertura para vistos para

empresários estrangeiros que quisessem vir trabalhar no Brasil.

36

Os requisitos eram: a) residir no Brasil há no mínimo quatro anos na condição de refugiado ou

asilado (posteriormente alterada pela Resolução Normativa n° 91, de 10/11/2010); b) ser profissional

qualificado e contratado por instituição instalada no país, ouvido o Ministério do Trabalho; c) ser

profissional de capacitação reconhecida por órgão da área pertinente; d) estar estabelecido com negócio

resultante de investimento de capital próprio, que satisfaça os objetivos de Resolução Normativa do

Conselho Nacional de Imigração relativos à concessão de visto a investidor estrangeiro. Em qualquer

situação, deveria ser ouvido o Ministério do Trabalho (MTE). 37

Essas solicitações de visto poderiam ser apresentadas diretamente às Missões diplomáticas ou

Repartições consulares de carreira no exterior desde que houvesse jurisdição sobre o local de residência

do pretendente. Isso foi possível em função da Resolução Normativa de n° 09 de 10/11/1997 que

disciplinava o tipo de vistos a ser concedido no exterior ao estrangeiro que pretendesse entrar no

território nacional (temporário, trânsito etc.) e em quais situações poderia ser estendido a seus

dependentes legais. A referida Resolução autorizava o Ministério de Relações Exteriores inclusive, a

critério da Secretaria de Estado das Relações Exteriores, os vistos referidos poderão ser concedidos

excepcionalmente no Brasil (Art. 2º ).

60

O CNIg

Quanto ao CNIg, este entendeu que deveria democratizar ainda mais os

Grupos de Trabalho para ouvir os diversos segmentos sociais.38

Nesses Grupos de

Trabalho, se discutia com cada segmento suas necessidades e desafios frente à

abertura comercial. Como se sabe, os investimentos estrangeiros e a chegada de

empresas transnacionais geravam uma demanda por mão-de-obra altamente

qualificada, por vezes não existente no Brasil. O papel do CNIg nos governos Lula e

Dilma foi o de um „normatizador‟, buscando soluções em vista da falta de previsão

legal para atrair essa mão–de-obra.39

A tônica das discussões do CNIg durante os

governo Lula e Dilma foi a concessão de autorizações de trabalho, que prevaleceram

sobre todas as demais decisões entre os anos de 2003 e 2014, conforme pode ser visto

na tabela a seguir: Resoluções Normativas: 2003-2014

38

Cabe lembrar que os Grupos de Trabalho foram criados em 1998. 39

Uma vez que a Lei de imigração nº 6.815/19/08/1980 (o Estatuto do Estrangeiro) não foi criado

voltado para uma economia aberta, conforme já foi visto.

61

Tema Quantidade (%)

Autorização de Trabalho para

Estrangeiros

21 48,8

Pesquisa e /ou Cooperação

Científica

3 7,0

Investimentos Estrangeiros 2 4,7

Reunião Familiar e União

Estável

2 4,7

Turismo 2 4,7

Jornalismo e Imprensa 1 2,3

Cumprimento de Penas por

Estrangeiros

1 2,3

Haiti 1 2,3

Tráfico de Pessoas 1 2,3

Humanitária 1 2,3

Alteração de Resoluções já

Aprovadas

8 18,6

Total 43 100,0

Com efeito, as Autorizações de Trabalho para estrangeiro representaram quase

a metade (48,8%) das Resoluções Normativas aprovadas entre 2003 e 2014. Se

adicionarmos as autorizações para investidores estrangeiros, elas ultrapassaram mais

de 55% das Resoluções Normativas do Conselho no período citado.

Além das questões relacionadas a autorizações de trabalho, emergiram

questões na área social. De fato, um dos reflexos dessa democratização foi a entrada

para discussão de temas considerados como tabus, com a união homoafetiva. Essa

união foi tratada pela Resolução Administrativa nº 05, já mencionada anteriormente,

de 03/12/2003.40

40

Dispõe sobre as solicitações de visto temporário ou permanente, ou permanência definitiva, para

companheiro ou companheira, sem distinção de sexo. Ela ainda revogou a Resolução Administrativa nº

02, de 28/09/1999. Posteriormente, a Resolução nº05 foi revogada pela Resolução Normativa nº 77, de

29/01/2008.

62

Outro tema que absorveu a atenção dos Conselheiros foi a Questão dos

Haitianos. Com efeito, a questão dos emigrantes haitianos alcançou repercussão

internacional.41

Os haitianos vieram para o Brasil em face do terremoto ocorrido no

país. Eles chegavam ao Brasil provenientes da República Dominicana, do Panamá,

Equador, Peru ou Bolívia. Em geral, entraram pela fronteira norte do Brasil, a mais

difícil de se controlar, solicitando refúgio ao governo brasileiro. O órgão chamado

para decidir inicialmente foi o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE). Este

órgão, no entanto, defendeu o ponto de vista que a questão dos haitianos não era de

refúgio e solicitou ao CNIg que se manifestasse, por entender que o Conselho poderia

decidir em função da Resolução Normativa nº 27, que disciplina a avaliação de

situações especiais e casos omissos pelo Conselho Nacional de Imigração.42

Para lidar com essa situação, o governo brasileiro solicitou então, uma ação do

Conselho Nacional de Imigração – CNIg, que editou a Resolução Normativa nº 97, de

12/01/2012. Segundo essa Resolução, ao nacional do Haiti seria concedido o visto

permanente previsto no art. 16 da Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, por razões

humanitárias, condicionado ao prazo de 5 (cinco) anos.43

O CNIg considera razões

humanitárias as resultantes do agravamento das condições de vida da população

haitiana em decorrência do terremoto ocorrido naquele país em 12 de janeiro de 2010.

Além disso, o governo brasileiro buscava legalizar o fluxo de haitianos para que eles

não recorressem aos coiotes e pudessem retirar seus vistos (até 1.200 por ano) no

próprio Haiti, em Porto-Príncipe. Ou seja, o terremoto orientou uma ação pontual do

governo brasileiro que acabaria por ter continuidade ao longo do tempo. Em função

da grande demanda por vistos, o governo brasileiro teve de impor limites à entrega de

vistos a haitianos.44

A vinda de haitianos para o Brasil pode ser considerada uma das maiores

ondas imigratórias ao país desde a Segunda Guerra Mundial. Com efeito, as medidas

adotadas na Resolução apresentam quatro grandes finalidades: concessão de visto

regular aos imigrantes haitianos; regularização da situação dos imigrantes haitianos

que já estão no Brasil; uso de maior rigor contra os coiotes e as máfias internacionais

de tráfico de pessoas, com o argumento de que não se permitirá fluxo migratório sem

41

Foge do objetivo deste artigo fazer uma análise histórica ou aprofundada da Questão Haitiana.

Apenas busca destacar a reação do CNIg a ela. 42

Resolução Normativa nº 27 de 25/11/1998 / CNIg - Conselho Nacional de Imigração. 43

Nos termos do art. 18 da Lei 6.815 de 19/08/1980. 44

Segundo o Itamaraty, foi a primeira vez nos últimos 20 anos que o governo brasileiro teve de impor

limites à entrega de vistos a estrangeiros.

63

controle; e a cooperação com os Estados do Acre e do Amazonas com a ajuda

humanística.

Considerações Finais: Novas Perspectivas e Desafios para o Século XXI

A questão migratória evoluiu profundamente no Brasil nas últimas três

décadas. A Lei 6.815/1980 tratava a questão migratória como uma questão de

Segurança Nacional e se tornou inadequada e defasada para as necessidades do século

XXI.

O Governo Itamar teve um grande mérito em propor mudanças nessa lei e

tornar o CNIg um órgão mais operativo e proativo. O CNIg exerceu um papel da

maior importância tanto na área econômica quanto na área social e científica ao

aprovar Resoluções que normatizariam a entrada de empresários, mão-de-obra

qualificada e pesquisadores que muito tem contribuído para o progresso tecnológico

do país.

No início do século XXI, surgiram discussões no Congresso acerca de uma

nova legislação para tratar das questões imigratórias.

Assim, por exemplo, existe o Projeto de Lei do Senador Aloysio Nunes

Ferreira, o qual propôs uma nova Lei de Migração para regular a entrada e estada de

estrangeiros no Brasil. A ênfase da nova Lei de Migração seria o tratamento

humanitário, em substituição ao Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980), herança do

governo militar que foca na segurança nacional. A Comissão de Constituição, Justiça

e Cidadania (CCJ) aprovou no dia 04/06/2014 o Projeto de Lei do Senado (PLS)

288/2013, com 65 artigos e sete títulos, que estabelece direitos e deveres relacionados

a vários aspectos da imigração e emigração, como a concessão de vistos, a

repatriação, a deportação, a expulsão e a naturalização. A proposta do senador

Aloysio Nunes (PSDB-SP) define como um princípio da política externa a proteção

da dignidade do emigrante brasileiro no exterior e institui mecanismos para o combate

ao tráfico internacional de pessoas.

O Ministério da Justiça, por sua vez, deve enviar ao Congresso Nacional um

projeto de lei para modernizar as regras relativas às migrações para o Brasil. O

Ministério da Justiça constituiu um grupo de notáveis, o qual elaborou uma proposta

64

de nova legislação.45

O objetivo da nova proposta do Ministério da Justiça é suprir

lacunas identificadas na legislação atual, como uma definição clara dos direitos dos

imigrantes no país. Com efeito, a proposta confere aos imigrantes direitos

semelhantes aos dos brasileiros, equiparando-os a cidadãos brasileiros em vários

aspectos. A proposta prevê ainda a criação de uma Autoridade Nacional Migratória

subordinada ao Ministério da Justiça. O Ministério da Justiça entende que o novo

órgão poderia contribuir para reduzir a burocracia na obtenção e substituição de

vistos.

Cabe lembrar que já existe em tramitação no Congresso Nacional o PL

5.565/2009, de autoria do Poder Executivo, que dispõe sobre o ingresso, permanência

e saída de estrangeiros no território nacional, o instituto da naturalização, as medidas

compulsórias e transforma o Conselho Nacional de Imigração em Conselho Nacional

de Migração.

A SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos), por sua vez, também tem

procurado influenciar a política migratória por meio de propostas próprias. Ela

trabalha em três frentes com a finalidade de atrair talentos estrangeiros para o

mercado nacional46

:

- Diagnóstico da questão migratória;

- Pesquisas de opinião com as empresas e a população; e

- Proposição de mudanças na política migratória.

A SAE também defende a criação de um novo órgão (p. ex.: uma Agência ou

uma Autarquia) que seria responsável pela gestão das questões migratórias.

Essas discussões refletem ao mesmo tempo a importância do tema e a falta de

consenso e necessidade de um maior aprofundamento acerca de qual deveria ser a

política imigratória ideal para o Brasil.

45

A comissão era composta por André de Carvalho Ramos, Aurélio Veiga Rios, Clèmerson Merlin

Clève, Deisy de Freitas Lima Ventura, João Guilherme Lima Granja Xavier da Silva, José Luis Bolzan

de Morais, Paulo Abrão, Pedro de Abreu Dallari, Rossana Rocha Reis, Tarciso Dal Maso Jardim e

Vanessa Oliveira Berner. 46 Fonte: http://www.sae.gov.br/site/?p=16827#ixzz36iuViiGl. Acessado em 01/07/2014.

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Acertou?. In Dados, vol. 41, no. 1. Rio de Janeiro, 1998.

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Econômica no Brasil nos anos 90. In Pesquisa & Debate, volume 13, n. 1(21), p. 30-45,

2001.

MENDES, Judas Tadeu Grassi. In Revista FAE BUSINESS, n.1, nov. 2001.

ROMERO, Carlos Cortez. Lei de Inovação Tecnológica: críticas e

contribuições. Disponível em http://www.senac.br/BTS/282/boltec282d.htm. Acessado em

30/06/2014.

SUASSUNA, Luciano. Itamar Franco, o presidente que garantiu a democracia.

Disponível em http://lucianosuassuna.ig.com.br/2011/07/02/itamar-franco-o-presidente-que-

garantiu-a-democracia/

As migrações e o direito dos trabalhadores

Valdir Vicente de Barros47

Introdução

A discussão sobre as migrações no Brasil vem ganhando relevância e destaque

na mídia e na sociedade civil, com a recente onda migratória dos Haitianos para o

Brasil. Mas este fenômeno, relacionado com um desastre natural ocorrido no Haiti, nem

de longe reflete o longo processo migratório histórico do Brasil; este é dotado de uma

diversidade cultural, social e linguística que torna nosso processo migratório um

fenômeno único.

Podemos olhar para as migrações no Brasil a partir de alguns momentos da

história:

Primeiro, os nordestinos que, fugindo da fome migraram para o sudeste do

Brasil, notadamente para o Rio de Janeiro e São Paulo. Este movimento migratório

interno trouxe para a região, em especial para São Paulo, desenvolvimento e riqueza. É

inegável a contribuição dos nordestinos para o desenvolvimento do Brasil.

Além deste primeiro movimento de nordestinos para o sudeste, posteriormente,

quando da construção da nova capital, muitos nordestinos migraram para o centro-oeste

para construir Brasília, se tornando os primeiros candangos, fundamentais para o

sucesso do plano de construção da capital federal. Dentro do plano de expansão do

Brasil para o Centro-oeste, os migrantes nordestinos desempenharam um papel

fundamental, povoando e desenvolvendo as cidades do altiplano brasileiro. A

miscigenação com os cariocas que mudavam para Brasília para trabalhar na nova

Capital Federal dotou Brasília de uma riqueza inestimável, e ainda hoje se percebe em

diversas cidades-satélites as raízes nordestinas consolidadas e perenes, fundidas com

diversas outras culturas, mas sem perder seus elementos centrais de tradição nordestina.

Uma segunda onda migratória se deu com a vinda de estrangeiros para o Brasil,

ainda no período escravocrata. Estes migrantes são os que imprimiram um

multiculturalismo em tudo que fizeram. Artes, culinária, música, dança, organização dos

bairros, riqueza linguística; muito do que temos hoje como traços da cultura brasileira,

47

Conselheiro do CNIg. Representante da Central Geral dos Trabalhadores (CGT).

em especial nos grandes centros urbanos, devemos a estes migrantes que vieram

construir, junto com os brasileiros, esta nação grande e rica em diversidade cultural.

Cidades inteiras no Brasil devem aos migrantes sua existência e sua cultura. No sul do

país, onde se deu uma grande colonização de italianos e alemães, há cidades onde essas

línguas são aprendidas desde pequeno, e onde a cultura desses países é passada de pai

para filho, provendo de uma riqueza inestimável este país multicultural e diversificado.

Um terceiro fenômeno migratório que se deu e se dá no Brasil ainda é o dos

brasileiros que migraram para outros países nas últimas décadas, mas que devido a

dificuldades econômicas e até barreiras sociais e xenofóbicas nos países de destino,

decidiram fazer o caminho inverso e voltar à sua terra. São os retornados, que estão

vindo em número cada vez maior, em parte devido à crise mundial eclodida em 2008.

Um fenômeno mais recente, que vem ganhando mais força na medida em que o

Brasil é visto por muitos como a terra das oportunidades, é a vinda de estrangeiros sul-

americanos para o Brasil. Este tipo de migração foi potencializado após a entrada em

vigor do Acordo de Residência do MERCOSUL (2009) e da anistia concedida a

migrantes que residiam irregularmente no Brasil (2009). Estes dois instrumentos

permitiram não somente aos que já se encontravam no país regularizar sua situação

migratória, como também promoveram um aumento considerável no número de pessoas

que vieram ao Brasil buscar emprego, além das famílias daqueles que conseguiram sua

regularização.

Este movimento migratório possui duas características que devem ser levadas

em conta: a primeira se refere à dificuldade dos agentes públicos em implementar de

forma eficiente o Acordo de Residência; muitos migrantes ainda se encontram em

situação irregular pela falta de informação acerca do acordo, e pela morosidade do

sistema de concessão de vistos, especialmente na cidade de São Paulo, onde há uma

maior concentração de migrantes sul-americanos.

Muitos destes migrantes se encontram hoje submetidos a um regime de trabalho

análogo ao escravo, em uma das várias oficinas têxteis clandestinas que produzem

roupa para o mercado fashion brasileiro. Marcas famosas e multinacionais utilizam-se

da fragilidade da condição destes migrantes, e através da subcontratação de empresas,

promovem uma verdadeira precarização no setor. Trabalhadores em situação irregular

no país, com documentos confiscados pelos empregadores, com salários muito abaixo

do valor de mercado, submetidos a condições de trabalho e moradia precários. Essa é a

realidade de muitos migrantes que vivem e trabalham hoje em São Paulo. Geralmente

são aliciados nos seus países de origem por outros migrantes, muitos de origem asiática

e outros nacionais dos mesmos países de onde vem os trabalhadores. A eles é prometido

um trabalho estável, com bom salário (ou pelo menos melhor do que onde estão), com

situação trabalhista regularizada. Mas quando chegam, acabam por aceitar as condições

que lhes são impostas, pois sequer tem dinheiro suficiente para pagar uma passagem de

volta, e às vezes ficam sem documento.

Ainda que a legislação que trata dos migrantes nos países do MERCOSUL esteja

em um processo de humanização, no Brasil há muito que se fazer ainda para que os

migrantes que aqui chegam possam viver em igualdade de condições com os nacionais.

Experiências bem sucedidas podem ser utilizadas como exemplo.

Na Argentina, a criação de um órgão civil para cuidar da questão migratória, no

espírito da chamada Pátria Grande, inspirado nos ideais de Simón Bolivar, pode ser um

caminho para que o Brasil avance nesta questão e trate aos migrantes não mais pautado

pelo paradigma da segurança nacional, mas sim pela ótica dos direitos humanos e do

respeito ao direito de ir e vir, que se defende nos órgãos sociolaborais do MERCOSUL

pela Coordenadoria de Centrais Sindicais do Cone Sul.

A Coordenadoria, como órgão de articulação das Centrais Sindicais da região,

tem atuado na defesa da livre circulação dos trabalhadores e de suas famílias no

MERCOSUL e países associados, e teve um papel fundamental no processo de

negociação dos acordos de residência e seguridade social do MERCOSUL.

Os âmbitos de discussão dos temas de trabalho e Livre Circulação no

MERCOSUL hoje são:

- Subgrupo de Trabalho 10: “Relações Laborais, Emprego e Seguridade Social”,

de caráter intergovernamental, cujo trabalho é coordenado pelas autoridades laborais e

que conta com a participação dos representantes das organizações de trabalhadores e

empregadores. O SGT-10 debate a política de emprego no MERCOSUL, e divide-se em

três comissões temáticas (1 - Relações Trabalhistas; 2 - Emprego, Migrações,

Qualificação e Formação Profissional; 3 - Saúde, Segurança no Trabalho, Inspeção do

Trabalho e Seguridade Social). Na comissão de Emprego, Migrações, Qualificação e

Formação Profissional, se discutem os marcos fundamentais para facilitar a livre

circulação de trabalhadores no MERCOSUL. Do Trabalho do SGT-10 surgiu o Plano

Regional para Facilitação da Livre Circulação no MERCOSUL, que está em fase de

finalização, e que prevê a harmonização das políticas de emprego e migrações, para

criar as condições necessárias para a livre circulação.

O Grupo de Alto Nível para a Estratégia MERCOSUL de Crescimento do

Emprego, constituído a partir da referência estabelecida pela Declaração de Ministros

do Trabalho do MERCOSUL, produzida no âmbito da Conferência Regional de

Emprego do MERCOSUL, celebrada em Buenos Aires em abril de 2004, com o

objetivo de gerar diretrizes regionais para a construção de uma estratégia comum para a

promoção e a geração de emprego de qualidade - que reúne representantes dos

ministérios responsáveis pelas políticas laborais, econômicas, produtivas e educativas, e

com a participação dos representantes dos empregadores e trabalhadores.

A Comissão Sociolaboral do MERCOSUL – CSL é um órgão tripartite auxiliar

do Grupo Mercado Comum (GMC), com caráter promocional e não sancionador. A

CSL debate hoje a reformulação da Declaração Sociolaboral do MERCOSUL – DSL,

instrumento que busca estabelecer princípios norteadores das políticas de trabalho dos

países signatários. Sendo considerada a primeira carta social do MERCOSUL, a DSL

tem caráter não sancionador e não vinculante, o que a transforma em uma simples carta

de princípios, mas que ainda assim pode ser um importante instrumento para a defesa

dos trabalhadores na região.

A Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul – CCSCS defende a

transformação da Declaração em um Protocolo Sociolaboral do MERCOSUL, com

vinculação imediata e de caráter sancionador. Entre as propostas da CCSCS está a

vinculação ao respeito à DSL para empresas que acedam a recursos do MERCOSUL

para executar os projetos do Fundo de Convergência Estrutural do MERCOSUL ou para

participar de licitações de obras públicas no bloco. Esta posição tem encontrado grande

resistência do meio empresarial, e a questão foi levada a outros Foros internacionais,

como a Conferência Internacional do Trabalho, que, por pressão dos trabalhadores,

discutiu neste ano, na comissão sobre a transição da economia informal para a economia

formal, na sua 103ª edição, a questão das cadeias globais de produção e o acesso a

recursos públicos vinculados ao respeito aos princípios do trabalho decente.

Hoje, um trabalhador dos países membros do MERCOSUL, além dos

associados, pode trabalhar e residir em qualquer país que tenha ratificado o acordo de

residência, bastando para isso a vontade de fazê-lo.

No Brasil, o mesmo não se aplica a pessoas de outros países, como os europeus,

que para obter o visto para trabalhar no Brasil devem se submeter aos critérios

estabelecidos pelas Resoluções Normativas do CNIg. Dentre estes critérios estão o

vínculo familiar, seja por casamento ou por filiação, contratos de trabalho para

profissionais especializados, para suprir as carências de profissionais existentes no país,

ou então o investimento estrangeiro no valor mínimo de R$150.000,00 (cento e

cinquenta mil Reais), assim como a contratação de mão-de-obra nacional em empresas

cujos donos ou sócios sejam estrangeiros.

O papel do CNIg

Esta regulamentação se dá no Conselho Nacional de Imigração – CNIg. O

Conselho é composto por representantes governamentais, de empregadores e

trabalhadores, além de ter como observadores organizações da sociedade civil. O

Conselho é responsável por definir os procedimentos de concessão de visto de trabalho,

analisar as solicitações de visto encaminhadas pelo Ministério do Trabalho, além de

decidir sobre casos omissos, onde a legislação brasileira ainda não tenha uma

regulamentação clara.

O CNIg foi instituído em 19 de agosto de 1980, pela Lei nº 6.815, e é hoje

presidido pelo Ministério do Trabalho. O CNIg discutiu e propôs mudanças na atual lei

de migrações. O tema está atualmente sendo debatido no Congresso Nacional.

Ainda pautada pelo paradigma da segurança nacional, a Lei apresenta uma série

de restrições aos migrantes, incompatíveis com a promoção de uma área de livre

circulação que o MERCOSUL vem construindo. Entre outros pontos, a Lei 6.815, de 19

de agosto de 1980, proíbe ao migrante ser proprietário de empresa de radiodifusão ou

até de possuir um rádio difusor em casa. Proíbe também ao migrante o porte de arma ou

trabalhar em empresa de segurança. Além destas restrições de segurança, a atual Lei

conflita com a própria Constituição Federal ao atacar o artigo 1º, que estabelece a

igualdade de direitos e deveres entre todos os seres humanos. Ao cercear o direito a

votar e a ser votado, a Lei estabelece duas classes de cidadãos: os cidadãos plenos de

direitos e os cidadãos de direitos limitados, os migrantes. Esta proibição coloca o

migrante como mero expectador do processo democrático brasileiro, sendo obrigado a

aceitar as decisões que os nacionais tomam nas urnas.

O problema é que o migrante possui todas as obrigações dos nacionais, inclusive

as que são consequentes das decisões dos legisladores eleitos sem sua participação,

como impostos e demais taxas devidas por todos, mas não tem a possibilidade de

decidir quem o representará, nem pode se candidatar a nenhum pleito. Assim, deve

acatar, para bem ou para mal, tudo que lhe é imposto como resultado do processo

democrático.

O Fórum Social pelos Direitos Humanos e Integração dos Migrantes no

Brasil

As Centrais Sindicais filiadas à Confederação Sindical das Américas - CSA,

assim como as entidades de direitos humanos e defesa dos migrantes e as comunidades

de migrantes, com o propósito de contribuir para a melhoria das condições de vida e

trabalho dos migrantes no Brasil, criaram, em 2010, o Fórum Social pelos Direitos

Humanos e Integração dos Migrantes no Brasil. O Fórum, proposto pelas Centrais

Sindicais junto à CSA, teve a adesão de mais de 25 entidades ligadas à luta pelos

direitos migrantes, e hoje é uma importante ferramenta de luta, estando presente nos

principais foros de discussão da matéria, especialmente em São Paulo.

Dentre as principais reivindicações do Fórum estão a campanha “Aqui vivo, aqui

voto”, que defende a importância de que os migrantes sejam cidadãos plenos de direitos,

com direito a votar e ser votado. Esta campanha obteve seu primeiro grande resultado

na I COMIGRAR, a primeira conferência nacional de imigrações, que elegeu

conselheiros migrantes para as subprefeituras da cidade de São Paulo. Além de eleger

conselheiros, a I COMIGRAR se caracterizou como um passo importante na

valorização do migrante como ser humano, enfatizando a necessidade de que os poderes

públicos voltem seus olhos para essa comunidade e pense em políticas específicas para

estes.

Ainda há um longo caminho a ser percorrido, pois como diz um ditado latino

americano, “entre el dicho y el hecho hay un trecho” (entre o dito e o feito há um

trecho). Mas a perspectiva é de que com o trabalho integrado das entidades que

compõem o Fórum Social pelos Direitos Humanos e Integração dos Migrantes no Brasil

(FSDHIMB), aliado ao trabalho ostensivo e comprometido do CNIg na regulamentação

da vinda de migrantes com o propósito de trabalhar no Brasil, a política migratória se

aproximará cada vez mais da ideia sul-americana da Pátria Grande, e o país se

beneficiará, como historicamente se beneficiou, da valiosa contribuição dos migrantes

no desenvolvimento do Brasil.

Os Haitianos

A recente vinda de migrantes haitianos, impulsionada por um desastre climático

ocorrido naquele país é um fenômeno de destaque na história das migrações no Brasil,

ainda requer das autoridades e dos órgãos de tratamento das migrações (Ministério do

Trabalho e Emprego, Ministério da Justiça, Ministério de Relações Exteriores e CNIg),

uma atenção especial e um acompanhamento em tempo real do deslocamento dos

haitianos no Brasil.

Em 2009, um terremoto devastou o Haiti, em especial sua capital, Porto

Príncipe, e iniciou uma diáspora haitiana pelos países vizinhos. O fechamento das

fronteiras ao norte, pelos Estados Unidos, e a fragilidade das economias dos países

centro-americanos fez com que o Brasil se tornasse o principal destino dos Haitianos

que fugiam da crise que se abateu sobre aquele país.

Uma grande quantidade de migrantes haitianos, algumas centenas, entraram pela

fronteira norte do país a partir de 2010, principalmente pelas cidades de Tabatinga, no

Amazonas e Brasiléia e Assis Brasil, no Acre.

Estima-se que até 2013, entre quinze e vinte mil haitianos tenham vindo para o

Brasil, entre os que entraram pelas fronteiras terrestres e os que solicitaram visto em

Porto Príncipe, provocando um inchaço populacional e um caos social sem precedentes

para as cidades onde se instalaram no norte do país. E a cada dia mais haitianos

entravam pelas fronteiras, muitos deles pela ação dos chamados coiotes, que assim

como os coiotes que atuam na fronteira dos Estados Unidos com o México, cobravam

valores exorbitantes para passar os haitianos pela fronteira. Muitos haitianos juntavam

as economias de uma vida inteira para poder pagar aos coiotes para entrarem no Brasil.

O Estado do Acre declarou situação de emergência, e o CNIg criou um Grupo de

Trabalho para discutir mecanismos de solução para o problema que se havia instaurado

na região. Uma força tarefa foi enviada à fronteira norte do país, com a missão de

subsidiar o CNIg na tomada de decisão. Enquanto isso, centenas de pedidos de refúgio

eram protocolados no Conselho Nacional para os Refugiados – CONARE.

O CONARE decide pela concessão de refúgio em casos específicos, e o caso dos

haitianos não se encaixa no estabelecido pela Convenção de Genebra, que regula o

instituto do refúgio.

Portanto, o CONARE, ao negar o refúgio, passou a encaminhar os processos ao

CNIg, que passou a decidir pela concessão do visto por questões humanitárias.

Entretanto, era necessário organizar a vinda dos haitianos, e ao mesmo tempo combater

a ação dos coiotes.

Com esse propósito, o CNIg estabeleceu, através de Resolução Normativa,

regras para a concessão de visto para os haitianos, assim como limitou a concessão de

vistos em 1200 por ano, baseado nas estatísticas levantadas da vinda de haitianos até

então. Além da limitação de concessão de vistos, que visava organizar o processo,

também se estabeleceu que os migrantes devessem solicitar o visto em Porto Príncipe, e

seguir o rito legal naquela capital para obtenção do visto.

Mais tarde derrubou-se a limitação de 1200 vistos por mês, assim como a

necessidade de requerer o visto em Porto Príncipe. A avaliação era a de que muitos

migrantes já não estavam mais no Haiti, e a exigência de início do processo em Porto

Príncipe impedia a regularização de muitos migrantes que, ou já estavam no Brasil, ou

estavam em países vizinhos em trânsito para o Brasil, especialmente na República

Dominicana.

Além das medidas legais para solução do problema, outras medidas de natureza

social foram tomadas. Empresas foram às cidades onde os haitianos se concentravam

oferecer trabalho em diversas regiões do país, ajudando assim a distribuí-los

geograficamente e diminuir o inchaço que causava a presença deles nessas cidades.

Ainda assim, mais recentemente, no primeiro semestre de 2014, muitos haitianos que

estavam nas cidades do norte do Brasil foram deslocados para diversas cidades do

Brasil sem contratos de trabalho, sem moradia e sem dinheiro para retornar. São Paulo

foi o principal destino desses migrantes, que foram acolhidos nas igrejas e nas

associações de auxílio. Muitos passaram a viver no centro de São Paulo, no bairro do

Glicério, em condições precárias, muitas vezes nas ruas, buscando trabalho onde se

pudesse achar, fazendo bicos para sobreviver. A prefeitura de São Paulo então montou

mutirões de auxílio aos migrantes, para ajudar a conseguir documentos e a buscar

trabalho legal e formal.

Conclusão

É clara a necessidade de ampliar a discussão sobre os trabalhadores migrantes,

seja no âmbito nacional, seja no âmbito regional, para dar voz e vez aos migrantes, aqui

ou em qualquer outro país. Longe de ser um problema isolado, as migrações são hoje,

como sempre foram, uma realidade à qual as legislações nacionais devem se adaptar.

É um contrassenso um país que, em sua construção, contou com o auxílio e

dedicação de migrantes hoje negar-lhes os direitos mais fundamentais, como o de ir e

vir e o de decidir o futuro do país em um processo de eleições. Há migrantes que estão

no país há décadas, e nunca puderam sequer decidir por representantes locais, quanto

mais participar na eleição de governadores ou Presidente da República. Este é um ponto

crucial para empoderar os nossos irmãos migrantes e contribuir assim para o

desenvolvimento deste país tão rico em sua diversidade cultural, com uma contribuição

fundamental dos migrantes.

Vivemos em um mundo onde as grandes corporações multinacionais

ditam o ritmo das economias em muitos países, e para equilibrar a balança é importante

que os trabalhadores do mundo possam estar em condições iguais de discutir estratégias

de defesa dos seus direitos.

Direitos, integração e mobilidades: Desafios no mercado de trabalho

Stanley Gacek48

Boa tarde a todos e todas. Antes de prosseguir com meus comentários, gostaria

de cumprimentar os palestrantes ilustres da mesa, Christina Aires Correia Lima da CNI,

Marjolaine Tavares do Canto da CNC, e meu colega de longa data devido à minha

história anterior com o movimento sindical americano e internacional, Valdir Vicente da

UGT. Também gostaria de cumprimentar os Ministros de Estado, Autoridades,

Pesquisadores, Representantes da Sociedade Civil e dos Órgãos Governamentais,

Líderes Sindicais e Representantes dos Empregadores.

Também quero parabenizar a iniciativa dos coordenadores deste seminário pelo

lançamento oficial do Observatório das Migrações Internacionais, especialmente por

meio do Ministério do Trabalho e Emprego e do Conselho Nacional de Imigração

(CNIg). Quero reconhecer os esforços e as contribuições especiais do Dr. Paulo Sérgio

de Almeida, Secretário da Inspeção do Trabalho e Presidente do CNIg, e também do

Professor Leonardo Cavalcanti da UnB.

Realmente é uma honra para nosso Escritório da OIT em Brasília estar presente

neste seminário e participar no painel intitulado “Direitos, integração e mobilidades:

Desafios no mercado de trabalho”. O tema deste seminário é de importância central para

a OIT e para sua missão. Ele vai nortear um debate transversal e crucial na próxima

Conferência Internacional do Trabalho em Genebra, na 103ª sessão, que começa no

final deste mês49

. Haverá uma discussão sobre o Relatório Especial do Diretor Geral

Guy Ryder, intitulado “Migração Justa – a Criação de uma Agenda da OIT” (OIT,

2014). Aliás, vou me referir bastante ao conteúdo desse documento do Diretor Geral nos

meus comentários de hoje como debatedor.

Haverá uma comissão especial na Conferência para discutir o futuro das normas

da OIT sobre a eliminação do trabalho forçado e trabalho escravo, e, especialmente em

relação à Convenção 29, ratificada pelo Brasil em 1957, para que haja uma nova

48

Advogado trabalhista norte-americano, Diretor-Adjunto do Escritório da OIT no Brasil desde 2011,

membro da Ordem de Advogados do Distrito de Columbia (Washington, D.C.) desde 1979, juris doutor

em Direito pela Harvard Law School, Cambridge, Massachusetts, EUA, e professor visitante, Harvard

University, Departamento de Sociologia, em 2008. 49

A 103ª sessão da CIT já foi realizada entre o dia 28 de maio e o dia 12 de junho de 2014. Este discurso

foi proferido no seminário sobre migração laboral no Brasil, duas semanas antes do começo da 103ª CIT.

recomendação e um novo protocolo para enfrentar com mais precisão e detalhe os

desafios do aliciamento ao tráfico de pessoas, da exploração do seu trabalho, e a

decorrente privação de sua liberdade e o abuso de direitos humanos básicos.50

Também gostaria de relatar muito brevemente o que o sistema de controle de

normas da OIT, e especificamente o Comitê de Peritos, tem concluído e recomendado

no caso do Brasil e a Convenção 97 da OIT sobre trabalhadores migrantes. Mesmo que

haja uma variedade de motivos para a mobilidade de pessoas, - fugas dos locais de

conflito armado, de repressão política, e de desastres naturais, sem nenhuma dúvida, a

privação e as dificuldades econômicas no país de origem (remetente), e a demanda pelo

trabalho no país destinatário, constituem uma explicação fundamental da seguinte

realidade: há 232 milhões de migrantes no mundo fora do seu país de origem (OIT,

2014: 3).

Embora algumas situações migratórias ultrapassem o tema do trabalho no

sentido estrito e entrem na esfera da ajuda humanitária, como no caso dos haitianos no

Brasil, sempre aparecem afinal os desafios de trabalho decente. (O trabalho decente,

conceito formalizado pela OIT em 1999, sintetiza a sua missão histórica de promover

oportunidades para que homens e mulheres possam ter um trabalho produtivo e de

qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humana.

Também ele é o ponto de convergência dos quatro objetivos estratégicos da OIT:

- o respeito aos direitos no trabalho (em especial aqueles definidos como

fundamentais pela Declaração Relativa aos Direitos e Princípios Fundamentais de

1998: liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva;

eliminação de todas as formas de trabalho forçado; abolição efetiva do trabalho infantil;

eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação);

- a promoção do emprego produtivo e de qualidade;

- a extensão da proteção social; e o fortalecimento do diálogo social. (OIT, 2011)

Obviamente a Resolução Normativa nº 106, publicada pelo CNIg no ano

passado para providenciar um visto especial aos migrantes haitianos51

, foi elaborada

para enfrentar esses desafios eventuais de trabalho decente, inclusive por meio de todos

os auxílios oferecidos pelos ministérios e pelas autoridades federais e estaduais,

inclusive pontos de atendimento, abrigo, formação, e a intermediação.

50

A Recomendação 203 sobre os Meios Suplementares à Supressão do Trabalho Forçado e o Protocolo

relativo à Convenção 29 foram adotados na 103º Sessão da CIT. 51

Resolução Normativa No. 106 do 24 de outubro de 2013. Ver:

portal.mte.gov.br/trab_estrang/resolucoes-normativas.htm

Para resumir, seja o que for o motivo principal da mobilidade, a realidade final

sempre envolverá a questão de emprego e trabalho decente.

Também quero destacar os seguintes comentários do Diretor Geral no Relatório

Especial dele:

“A OIT pretende trazer à discussão (sobre migrações)

uma abordagem de direitos do trabalho (chamada uma “rights-based

approach”, em inglês) baseada nos valores universais de tratamento

igual e uma eliminação total de discriminação. Trabalhadores e

trabalhadoras migrantes devem receber remuneração igual pelo

trabalho de valor equivalente. Também eles devem ter a oportunidade

de exercer seus direitos fundamentais, inclusive os direitos sindicais.

Não é apenas uma questão básica de direitos humanos, mas também

será a melhor maneira de assegurar que a migração não for

explorada para solapar os termos e condições existentes de

trabalho”. (OIT, 2014: 7)

Há outros pontos e observações da OIT a ser consideradas no debate também.

Em primeiro lugar, migrações e imigrações justas são alicerces básicos do sistema

normativo da OIT desde o inicio da organização. Por exemplo, o Preambulo da

Constituição da OIT de 1919 faz uma referência explícita “à defesa dos interesses dos

trabalhadores empregados no estrangeiro”52

. E a Declaração da Filadélfia de 1944 (da

OIT) fala de “garantias adequadas”, inclusive na área de formação profissional, para

trabalhadores migrantes53

.

A menos que se explicite o contrário, todos os instrumentos normativos da OIT

cobrem os trabalhadores migrantes, independentemente de sua situação regular ou

irregular.

Aliás, são 82 convenções da OIT em vigor que foram ratificadas pelo Brasil.

As convenções da OIT são tratados internacionais que definem padrões mínimos

a serem observados por todos os países que as ratificam. A ratificação de uma

convenção da OIT por qualquer de seus Estados-Membros é um ato soberano e implica

52

Ver a Constituição da OIT, www.oitbrasil.org.br/documentos 53

Ver a Declaração da Filadélfia da OIT, www.oitbrasil.org.br/documentos

sua incorporação ao sistema jurídico, legislativo, executivo e administrativo do país em

questão, tendo, portanto, um caráter vinculante (OIT, 2012: 4; Gunther, 2011: 49-53).

Há três convenções da OIT (97, 143 e 181) que tratam especificamente as

condições dos migrantes. Convenção 97, adotada em 1949, estipula as condições e

direitos gerais para os trabalhadores/as migrantes; Convenção 143, adotada em 1975,

trata a questão das imigrações efetuadas em condições abusivas; Convenção 181,

adotada em 1997, é relativa às agências privadas de emprego, e garante no Artigo 7º que

“as agências de emprego privadas não devem impor aos trabalhadores (inclusive aos

trabalhadores migrantes), diretamente ou indiretamente, o pagamento de honorários ou

outros encargos”54

e o Artigo 4º, garante os direitos de liberdade sindical e de

negociação coletiva para os trabalhadores recrutados e contratados, inclusive os

migrantes. 55

A Convenção 97 foi a única dessas três normas ratificada pelo Brasil, e isso foi

em 1965. O Artigo 1º da norma obriga ao Estado Membro que ratificou a Convenção a

providenciar:

“a- informações sobre a política e a legislação nacional

referente à emigração e imigração;

b- informações sobre disposições especiais relativas ao

movimento de trabalhadores migrantes e às suas condições de

trabalho e de vida;

c- informações sobre os acordos gerais e os entendimentos

especiais nestas matérias, celebrados pelo Membro em apreço.” 56

Artigo 2º obriga que o Estado Membro mantenha “um serviço gratuito

adequado incumbido de prestar auxílio aos trabalhadores migrantes e, especialmente, de

proporcionar-lhes informações exatas ou assegurar que funcione um serviço dessa

natureza.”57

E o Artigo 3º obriga as medidas cabíveis nacionais contra a propaganda

falsa e enganadora utilizada no aliciamento e no recrutamento dos trabalhadores

migrantes.58

Artigo 6º diz que

54

Convenção 181 da OIT, http://www.oitbrasil.org.br 55

Id. 56

Convenção 97 da OIT, http://www.oitbrasil.org.br 57

Id. 58

Id.

“se obriga a aplicar aos imigrantes que se encontrem

legalmente em seu território, sem discriminação de nacionalidade,

religião ou sexo, um tratamento que não seja inferior ao aplicado a

seus próprios nacionais com relação aos seguintes assuntos:

a) sempre que estes pontes estejam regulamentados pela

legislação ou dependem de autoridades administrativas: I) a

remuneração, compreendidos os abonos familiares quando estes

fizerem parte da mesma, a duração de trabalho, as horas

extraordinárias, férias remuneradas, restrições do trabalho a

domicílio, idade de admissão no emprego, aprendizagem e formação

profissional, trabalho das mulheres e dos menores; II) a filiação a

organizações sindicais e o gozo das vantagens das convenções

coletivas; III) a habitação;

b) a seguridade social (isto é, as disposições legais relativas

aos acidentes de trabalho, enfermidades profissionais, maternidade,

doença, velhice e morte, desemprego, e encargos de família, assim

como a qualquer outro risco que, de acordo com a legislação

nacional esteja coberto por um regime de seguridade social), sob

reserva: I) de acordos adequados visando à manutenção dos direitos

adquiridos e dos direitos em curso de aquisição; II) de disposições

especiais estabelecidas pela legislação nacional do país de imigração

sobre auxílios ou frações de auxílio pagos exclusivamente pelos

fundos públicos e sobre subsídios pagos às pessoas que não reúnam

as condições de contribuição exigidas para a percepção de um

benefício normal;

c) os impostos, taxas e contribuições, concernentes ao

trabalho, percebidas em relação à pessoa empregada;

d) as ações judiciais relativas às questões mencionadas na

presente convenção.”59

O Anexo 1º da Convenção 97 fala sobre as medidas necessárias para

regulamentar e fiscalizar as agências privadas de recrutamento para o emprego – ou

59

Id.

seja, nos casos de trabalhadores migrantes “que não tenham sido recrutados em virtude

de acordo sobre migrações coletivas celebrados sob controle governamental.”60

Em relação à Convenção 97, o Comitê de Peritos enviou um requerimento direto

ao governo brasileiro em 2013, pedindo o seguinte:

“a) mais informações sobre os avanços relativos ao PL No.

5655 de 2009 que estabelece um novo regime migratório e fortalece o

mandato do CNIg;

b) mais informações sobre os avanços em relação à questão

migratória nos acordos MERCOSUL sobre Inspeção de Trabalho e

Seguridade Social;

c) mais informações sobre as medidas concretas adotadas e

destinadas à proteção dos brasileiros que migram ao exterior, e

especialmente para prevenir o abuso, a exploração e a violência

contra as trabalhadoras migrantes do Brasil;

d) mais informações sobre as medidas adotadas para garantir

que os trabalhadores migrantes não sejam as vítimas de propaganda

enganadora;

e) mais informações sobre as medidas que garantem a

igualdade de tratamento para os trabalhadores migrantes no Brasil,

especialmente em relação à Copa, sobre a evolução da reforma da

Lei No. 6815 de 1980 quanto ao estrangeiro, e sobre as medidas

adotadas quanto à proteção das trabalhadoras e dos trabalhadores

domésticos migrantes, e, por fim,

f) informações sobre a aprovação do decreto presidencial para

regulamentar a aplicação do Anexo 1º da Convenção sobre as

agências privadas e os trabalhadores migrantes”.61

Gostaria de destacar algumas políticas e medidas que poderiam ser tomadas no

futuro, conforme recomendadas pelo Diretor-Geral da OIT em seu Relatório Especial

sobre as migrações:

60

Id. 61

Direct Request (CEACR) – adopted 2013, published 103rd

ILC Session (2014), Migration for

Employment Convention (Revised), 1949 (No. 97) – Brazil (Ratification: 1965). Disponível em

http://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=1000:13100:0::NO:13100:P13100_COMMENT_ID:3113071

A promoção do trabalho decente nos países de origem,

inclusive através das contribuições dos migrantes no exterior, que

significam um grande potencial para o desenvolvimento sustentável e

o combate à pobreza e à privação econômica. Em 2013, o valor total

das remessas dos migrantes para os países de origem foi $404

bilhões de dólares- ou seja, três vezes mais o valor da assistência

oficial ao desenvolvimento sustentável no exterior!

Regulamentação e garantias de migração justa nos regimes de

integração regional. Acordos e tratados regionais e bilaterais sobre a

portabilidade de direitos de seguridade social (os chamados acordos

de “totalização”) fazem parte deste sistema de regulamentação.

Promoção de acordos bilaterais para garantir migração justa

entre os Estados membros da OIT – e inclusive entre os constituintes

– por exemplo, as centrais sindicais. As centrais sindicais dos países

destinatários, inclusive na América do Norte e na Europa, têm

proporcionado informações sobre os direitos trabalhistas e sindicais

(nos países destinatários) para os trabalhadores e trabalhadoras

imigrantes, e através das centrais dos países remetentes.

A incorporação de processos de recrutamento justo – inclusive

nas agências privadas de emprego.

Erradicação das situações e das formas inaceitáveis de

trabalho para os migrantes.

Abordagem de políticas baseadas nos direitos e nas normas da

OIT – o “rights based approach”.(OIT, 2014: 21-23)

Nós da OIT gostaríamos de parabenizar o Brasil pela abordagem de políticas

baseadas nos direitos para os migrantes. A nosso ver, o principal objetivo da Política

Nacional do Brasil sobre Migrações é proporcionar que os movimentos migratórios

ocorram de forma regular e documentada, buscando a proteção dos direitos humanos e

das normas da OIT e combatendo, dessa forma, a prática do tráfico de pessoas,

exploração laboral e sexual entre os migrantes. Neste sentido a OIT continua sendo uma

parceira fiel e constante com o governo brasileiro, e com as organizações de

empregadores e trabalhadores brasileiros, para apoiar na construção das ações de

proteção aos migrantes.

Sendo estrangeiro com o privilégio de muita experiência na área internacional,

posso testemunhar que o Brasil é impar entre todos os 185 Estados Membros da OIT em

termos do seu compromisso nacional, estadual, regional e municipal de incorporar o

Trabalho Decente como uma política fundamental. E a iniciativa deste seminário é outro

comprovante desse compromisso exemplar.

Quero concluir com as palavras de um presidente do meu país – Franklin Delano

Roosevelt. Em 1938, ele estava falando no congresso da organização chamada, “As

Filhas da Revolução Americana”. Naquela época, essa associação de mulheres estava

defendendo “os valores anglo saxões” em contraste, e, às vezes, contra as outras

nacionalidades e etnias nos Estados Unidos. Com muita coragem, Roosevelt fez o

seguinte comentário sábio no discurso dele: “todos nós, inclusive as senhoras, somos os

descendentes de imigrantes do exterior e de revolucionários.”

Referências Bibliográficas

GUNTHER, Luiz Eduardo. A OIT e o Direito do Trabalho no Brasil. Curitiba:

Juruá Editora, 2011.

OIT – Organização Internacional do Trabalho. A OIT no Brasil – Trabalho

Decente Para uma Vida Digna. Brasília: OIT/Escritório no Brasil, 2012. Disponível em

www.oitbrasil.org.br

OIT – Organização Internacional do Trabalho. O que é Trabalho Decente.

OIT/Escritório no Brasil, Brasília: 2011. Disponível em

http://www.oitbrasil.org.br/content/o-que-e-trabalho-decente

OIT – Organização Internacional do Trabalho. Report of the Director-General:

Fair Migration/Setting an ILO Agenda. International Labor Conference, 103rd

Session,

Report 1 (B), Genebra, 2014.

Menos nacionalismo e mais direitos humanos: o papel do MPT diante

do trabalho do estrangeiro em situação irregular

Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes62

Introdução

Saiu estampada na primeira página da Folha de São Paulo de 23/01/2011:

“Países ricos fazem oferta de mão-de-obra para o Brasil”. A reportagem, em tom

claramente sensacionalista, chegava a afirmar que “a fila de espera para entrar no país,

sobretudo no setor de construção, inclui americanos, espanhóis, italianos, portugueses e

ingleses”, além dos vizinhos chilenos e argentinos, e que há um interesse “brutal” em

vir para cá.

Abstraindo o exagero evidente da noticia, o fato é que ela marca um ponto de

virada, causado tanto pela carência de formação de mão de obra qualificada no Brasil

quanto pela conjuntura de crise econômica nos países que antes recebiam trabalhadores

brasileiros imigrantes (provavelmente não por casualidade, as nacionalidades citadas na

manchete de primeira página citam especificamente os países que mais atraíam

brasileiros nos últimos anos).

Esse exagero também revela um traço bem brasileiro: um certo ufanismo

nacionalista. Duplo perigo. Esconde o colapso na educação e instiga juízos infundados

de pretensa superioridade do brasileiro agora também em face aos cidadãos de países de

“primeiro mundo”63

.

Estarão as instituições brasileiras preparadas para lidarem com um novo boom

de imigração para o Brasil? A se julgar pelos atuais procedimentos adotados em face

dos estrangeiros encontrados trabalhando em situação irregular no país, como os

bolivianos em São Paulo e os mercosulinos em geral, a pergunta dá o que pensar.

62

Procuradora do Trabalho. Mestre e doutora pela Universidad Pablo de Olavide de Sevilla.

Coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Migrações da Coordenadoria de Erradicação do Trabalho

Escravo - CONAETE, do Ministério Público do Trabalho. 63

Historicamente, autores importantes já descreveram um traço característico do comportamento do

brasileiro: uma atitude de subserviência e supervalorização dos estrangeiros, especialmente aqueles

provenientes dos Estados Unidos e Europa. A notícia, portanto, incita uma reviravolta nesse

comportamento, equiparando “civilizados” a “latinoamericanos”. Porque com respeito aos cidadãos da

América Latina, esse juízo de superioridade brasileira já é bastante evidente, principalmente se os

latinoamericanos aqui presentes pertencerem a classes sociais desfavorecidas.

Temos uma legislação seletiva para a imigração, que, no que diz com a mão de

obra qualificada, é permissiva, apesar de burocrática. No entanto, a aplicação da

legislação, principalmente diante dos casos de imigração espontânea (no sentido de não

ter sido oportunizada por nenhuma empresa), é dificultada pela presença de alguns

preconceitos e ideias distorcidas bem arraigadas na cultura brasileira (superioridade em

face aos latino-americanos e temor a que o estrangeiro roube nossos empregos). Se

somarmos a isso o maniqueísmo de alguns agentes públicos (“é preciso defender os

empregos brasileiros do ataque dos estrangeiros”), teremos os ingredientes necessários

para ferir muitos direitos humanos, sem com isso garantir nenhum benefício ao Brasil

ou aos cidadãos brasileiros.

Esse artigo pretende oferecer uma perspectiva teórica para o enfrentamento dos

problemas que a imigração para o Brasil poderá acarretar, bem como, a partir dessa

perspectiva, oferecer uma proposta concreta de atuação para o membro do Ministério

Público de Trabalho que for chamado a atuar em situações de exploração do trabalho

estrangeiro.

Nacionalismo. É bom para o país?

Há pessoas que relacionam o patriotismo com o nacionalismo, e por isso,

concluem que se tratam de ideologias valorosas e benéficas. Realmente, patriotismo e

nacionalismo possuem aspectos comuns, relacionados com o amor a uma comunidade,

mas o patriotismo desconsidera a questão da homogeneidade cultural, enquanto que o

nacionalismo a evidencia. Pode parecer que a noção de patriotismo seja mais

democrática, mais pluralista. Mas, sem entrar na discussão sobre qual dessas ideologias

seria “melhor” (afinal, o patriotismo também pode ser manipulado como quando, por

exemplo, existem conflitos internos separatistas dentro de um mesmo país), sustentamos

que qualquer coalizão de pessoas com o objetivo de criar as condições que permitam

dominar/expulsar outras pessoas tidas por não pertencentes ao grupo é ruim.

O fato é que movimentos que pretendem a afirmação do grupo têm natureza

excludente, muito embora possam ser originados como resposta a agressões ilegítimas.

O desafio é não estancar o diálogo cultural quando predomina o movimento de

autoafirmação, pois, em sua base está frequentemente, disfarçado ou não, o sentimento

de superioridade. Quando é assim, o sentimento de pertencimento superdimensiona as

diferenças para fazer delas o fator de incompatibilidade entre as pessoas. A divisão entre

grupos, a desigualação e a hierarquização propiciadas por essas ideologias levam ao

embrutecimento cultural e podem, em casos extremos, legitimar comportamentos

violentos, cuja expressão máxima é o genocídio.

A esta altura, já está claro nosso posicionamento sobre nacionalismo e direito.

No entanto, com as mais nobres intenções, há quem defenda, ainda, o nacionalismo

como estratégia de resistência às imposições de um cosmopolitismo que esconde os

interesses das corporações transnacionais, apátridas por interesse próprio sem

instituições nem práticas. RUBIO CASTRO defende essa espécie de nacionalismo

cívico, respeitoso das diferenças, e baseado na relevância política da nacionalidade,

entendida como alíquota individual de pertencimento ao poder constituinte (RUBIO

CASTRO e MOYA ESCUDERO, 2003).

A proposta é arriscada. O interesse de autopreservação é facilmente manipulado

para justificar as medidas deliberada ou disfarçadamente xenófobas no âmbito das

políticas de imigração dos países ricos64

. Para solucionar esse impasse deve-se enfrentar

uma grande falácia: a de que o elemento nacional está sob ameaça das culturas bárbaras

dos povos imigrantes. Será possível repensar os nacionalismos, para que deixem de ser

utilizados ideologicamente como instrumento de manipulação popular?

É preciso levar em conta a fragilidade de base dos movimentos nacionalistas:

fundamentam-se no conceito tradicional de nação, calcado em abstrações que

“imaginam” uma “homogeneidade” populacional que é tomada por certa, muito embora

tal homogeneidade não exista no mundo real. Essas abstrações invisibilizam ou mesmo

reprimem as diferenças existentes na sociedade em prol da figura (abstrata) de um

“cidadão ideal”, imaginado com as características da classe detentora do poder. Por isso,

o nacionalismo costuma ir muito além da “união de um povo contra os inimigos”

(apesar de servir para isso em tempos de guerra). O nacionalismo constitui-se em

fundamento ideológico a justificar a repressão de parte desse povo em prol de uma

uniformidade que certamente beneficiará apenas a parte dominante da sociedade (e

assim funcionará ininterruptamente; em tempos de guerra e de paz).65

64

Isso é o que BENHABIB afirma ser a tentativa de assegurar a pureza da nação no tempo através do

controle policial das fronteiras (BENHABIB, 2005: 24). 65

Historicamente, as sociedades europeias consideram-se como “conjuntos já povoados e constituídos”,

diferentemente dos Estados Unidos, Canadá e Austrália, que construíram seu “ideal nacional”, bem como

seu orgulho nacional baseado na característica de “países de imigração”, conforme informa

MARTINELLO (2003: 37). Na prática, no entanto, apesar dessas diferenças, sempre imperou um modelo

de “cidadão ideal” e, no caso dos países de imigração, é evidente que a imigração admitida é uma

imigração pretérita, que se bem contribuiu para formar um povo, atualmente é desnecessária, pois o povo

Exemplos históricos induzem a reprovar os nacionalismos convertidos em

instrumentos de tomada de poder. Por isso cabe aqui a referência a FRANTZ FANON

(1963), que vai ao cerne da questão do nacionalismo para advertir, com clarividência,

que o nacionalismo, como projeto, não é nada mais que a ausência de projeto. E, mais

além, que o nacionalismo radicalizado converte-se em racismo. O sentimento nacional

deve ser respeitado, mas em nome de um projeto de libertação que olhe para o futuro.

Não basta desejar a autonomia, a superação das dificuldades, dias melhores. É

necessário planejar esses dias melhores, discutir como se alcançará o objetivo, que não

é a simples independência, mas a construção de uma sociedade mais justa. Com efeito:

el nacionalismo nos es una doctrina política, no es un

programa, Si se quiere evitar realmente al país ese retroceso, esas

interrupciones, esas fallas, hay que pasar rápidamente de la

conciencia nacional a la conciencia política y social. […] El

nacionalismo, si no se hace explícito, si no se enriquece y se

profundiza, si no se transforma rápidamente en consciencia política y

social, en humanismo, conduce a un callejón sin salida (FANON,

1963: 185-6).

HABERMAS (2002) também advertiu que “no mundo, tal qual o conhecemos, é

o acaso histórico, normalmente o simples resultado de conflitos armados, guerras e

guerras civis, quem decide a quem caberá, em cada caso, o exercício do poder e definirá

as fronteiras controvertidas de um Estado” (HABERMAS, 2002: 166), e que o

nacionalismo é alimento para esse tipo de conflito. Por isso, afirma que “enquanto todos

os habitantes gozarem dos mesmos direitos e ninguém for discriminado, não existe

nenhum motivo normativamente convincente para a separação da comunidade

existente” (ibid: 169).66

Para HERRERA FLORES (2005: 258), o nacionalismo é um produto ideológico

que impede os seres humanos de “reagir simbolicamente frente ao mundo” (expressar

sua maneira de ser, sua diferença); e não serve para nada mais que manter as estruturas

já está constituído – basta pensar na questão dos “hispânicos” nos EUA. Não há fatos que demonstrem

que atualmente se possa afirmar que a mentalidade dos Estados Unidos e Canadá seja mais aberta. 66

A afirmação do autor é realizada no contexto de análise dos movimentos separatistas, para os quais o

autor só vê justificativa no caso em que o Estado nega seus direitos a uma parte da população,

concentrada num território. Nada obstante, entendemos que o raciocínio pode ser estendido para o

fenômeno nacionalista em geral, sem prejuízo e sem contradição com o pensamento do autor citado.

do poder à custa da propulsão da vaidade, do orgulho, da intolerância e da violência. Por

não levar ao diálogo, mas ao embrutecimento, deve ser rechaçado.

Assim, concluímos que o nacionalismo, por si mesmo, não será fator de impulso

da solidariedade social, pois a solidariedade dos nacionalistas é restrita ao grupo

nacional, que pode não representar todos os habitantes do país. Como o nacionalismo é

excludente, ainda que a solução óbvia (eliminar do país os não-nacionais) pudesse ser

implementada, algumas novas diferenças surgiriam entre as pessoas, e essas diferenças

passariam a ser relevantes, incômodas, “insuperáveis”. Sempre funciona desta maneira

quando a lógica que permeia a relação entre pessoas é a lógica da dominação. Assim, o

grande desafio das sociedades atuais permanece o mesmo: fazer valer os ideais de

liberdade e igualdade, sem preferência de um sobre o outro ou, em outras palavras,

buscar uma cidadania democrática mais forte e, por esse caminho, recuperar a

solidariedade perdida entre os “indivíduos” que integram hoje tão apaticamente as

atomizadas nações.

Distinções por motivo de nacionalidade: o critério da responsabilidade

O nacionalismo não pode estar na base de qualquer raciocínio jurídico. Isso é

mais evidente, ainda, quando se trata de distinguir, de compatibilizar o princípio da

igualdade com as diferenças de nacionalidade. Nada obstante, o fato é que a igualdade

entre nacionais e estrangeiros é mitigada, pelo menos no que diz com dois direitos

fundamentais: de ir e vir, e de trabalhar.

Onde residirá o discrimen relevante para promover distinção entre brasileiros e

estrangeiros? Vejamos a opinião de alguns autores e o estado da questão no direito

internacional.

Para DE LUCAS, o que induz ao tratamento diferenciado entre estrangeiros e

nacionais é a representação do estrangeiro como pessoa presente de maneira temporária,

somente durante o período em que é necessário para o mercado de trabalho.

por eso, vale para el inmigrante el viejo principio de

discriminación pretendidamente justificada de extranjero respecto al

nacional: sus derechos, empezando por los básicos, no pueden ser los

mismos que los del nacional. Las otras vías de reconocimiento del

inmigrante como sujeto son subordinadas a ésta, y, en particular eso

es así por lo que se refiere al reagrupamiento familiar. (DE LUCAS et

ali, 2001: 51)

Essa ideia se reflete nas normas internacionais sobre a matéria. Nem o Tratado

Constitutivo da Comunidade Europeia, nem o Tratado da União Europeia estabelecem

taxativamente o princípio da não discriminação por motivo de nacionalidade.

As Convenções Internacionais de Direitos Humanos pouco avançam com

relação a este tema. A efetiva proibição de discriminação no acesso ao emprego e

durante o contrato de trabalho, com alguma força vinculante, somente se encontra nas

Convenções 97 e 143 da OIT, esta última ratificada por pouquíssimos países.

Por isso MARÍN Y GALLEGO afirmar que, “que el derecho al trabajo no sea

considerado un derecho humano imprescindible para la garantía humana sólo se explica

por razones de política económica, o si quiere, de geopolítica” (MARÍN e GALLEGO

MOYA, 2005: 24).

BALLESTER PASTOR (2006), após examinar outros dispositivos de Direito

Comunitário (Diretivas 2000/78 e 2000/43), conclui que os países europeus não

renunciaram a sua prerrogativa de estabelecer os critérios e procedimentos específicos

para acesso de nacionais de terceiros países, provavelmente porque pretendem manter

as políticas internacionais de preferência a nacionais de certos países, razão pela qual

conclui que:

Al final, la política antidiscriminatoria por razón de

nacionalidad queda reducida a multitud de documentos sin fuerza

vinculante en los que se reafirma la postura contraria a los actos

xenófobos de los países de la Unión. Algunos de dichos actos son los

siguientes: la Acción Común 96/443 JAI relativa a la acción contra el

racismo y la xenofobia, el Consejo Europeo de Tampere de 1999, el

Acuerdo de 1999 entre la Comunidad Europea y el Consejo de

Europa con el fin de establecer una estrecha cooperación entre el

Observatorio Europeo del Racismo y la Xenofobia y el Consejo de

Europa; y Decisión Marco del Consejo relativa a la lucha contra la

trata de seres humanos. (BALLESTER PASTOR, 2006: 6-7)

Assim, a questão se desdobra em duas. Primeiro, a validade jurídica de uma

política migratória que não aceite a incorporação de estrangeiros é justificada pela

soberania estatal e, segundo, a possibilidade das políticas de admissão de estrangeiros

serem seletivas, admitindo inclusive a eleição de nacionalidades preferenciais, é

justificada por essa mesma soberania, somada a um critério de “autoproteção”.

O fato é que os Estados costumam alegar ser a soberania o motivo das restrições

ao estabelecimento de estrangeiros, justamente para evitar expor as razões políticas e

econômicas que as determinam. Em outras palavras, a soberania, por si só, não seria

fundamento suficiente, pois indica apenas o poder e não a efetiva decisão. Abstendo-se

de indicar a decisão (originada do poder), os Estados pretendem abster-se de

questionamentos quanto a eventuais abusos, evadindo-se de eventual controle por parte

da comunidade internacional e dos padrões básicos de direitos humanos.

Além disso, setores político-ideológicos europeus, passada a calmaria pós 2ª

guerra, começaram a defender um direito da coletividade proteger suas instituições, sua

cultura e seu patrimônio da influência ou usufruto alheio67

. Esse critério de

autoproteção expõe a inconfessável xenofobia daqueles que lhe apregoam. Ora, sem

diminuir a importância do direito-dever de preservação da cultura, é preciso ter muita

cautela para definir a forma como esse direito deve ser exercido; seja porque nenhuma

cultura é estanque, seja porque a preservação de um direito não pode lesar a outros de

igual ou maior importância, seja porque nem mesmo a soberania é uma prerrogativa

ilimitada. A comunidade internacional demanda reciprocidade e respeito aos direitos

humanos.

Assim, entendemos que os fundamentos da soberania e da autopreservação não

podem ser utilizados para justificar a distinção entre nacionais e estrangeiros candidatos

a imigração. Ou melhor, entendemos que é preciso ressignificar o que se entende por

“soberania”, para fundamentar essa decisão. A soberania não pode estar associada ao

absolutismo. Deve ser associada à responsabilidade de gerir um país.

Explicamos: admitimos que todos os governos de países têm um interesse

legítimo de bem gerir seu próprio sistema econômico e seu mercado de trabalho, em

razão do compromisso assumido com o povo. E é certo que esses dois pilares da

sociedade podem ser afetados na hipótese de ocorrer imigração massiva e desordenada.

67

A Afirmação pode dar a entender que esse “direito de autoproteção seja coisa nova”. Mas esse tipo de

ideologia não é nem novo, nem exclusivamente europeu. O Brasil já lançou mão desse tipo de orientação

ao definir a política migratória mais conveniente após a proclamação da república, com o objetivo de

branqueamento da raça. Assim, o imigrante branco valia mais que o imigrante japonês, que valia mais

que o negro (LOPES, 2009).

Esse é, pois, o fundamento que defendemos para a admissão da validade de uma

política de migrações. Responsabilidade, estabilidade das instituições e não

simplesmente “soberania ou autoproteção”. Essa perspectiva admite até mesmo certas

restrições de acesso ao trabalho para os estrangeiros, sem afronta o princípio da

igualdade, por considerá-los, em tese, ausentes.

No entanto, por essa perspectiva, a partir do momento em que ocorre a

incorporação do estrangeiro ao mercado de trabalho, ainda que na economia informal,

não haverá como negar-se o reconhecimento da igualdade de direitos para com o

nacional, pois essa premissa de que o estrangeiro é uma pessoa ausente (e que portanto

as situações não são comparáveis), se desvanece diante da imigração como fato (e não

mera hipótese).

Por isso, só se pode concluir que os direitos humanos garantidos pela

Constituição de 1988 valem inclusive para estrangeiros não residentes ou residentes

ilegais. Só cabe a ressalva quanto ao motivo ensejador da situação concreta que afasta o

residente irregular da regularidade administrativa. A admissibilidade da restrição a

direitos decorre de que o exercício das liberdades não é independente de eventual

atendimento a requisitos legais. Assim, por exemplo, o fato do imigrante estar

trabalhando informalmente pode privá-lo do direito ao emprego específico caso não seja

promovida a sua regularização (e isso para os estrangeiros comuns, pois os

mercosulinos têm um status privilegiado, que lhe garantem o direito a qualquer trabalho

lícito), mas não pode privá-lo dos direitos decorrentes do trabalho que tenha sido

exercido, inclusive de sua tutela jurisdicional, devidamente previstos dentre os direitos e

garantias fundamentais no seio da Constituição Federal.

Assim, devem ser definitivamente afastadas interpretações simplistas do caput

do art. 5º, que neguem direitos a estrangeiros considerados “não-residentes” pela

situação de irregularidade migratória68

. E toda alteração legislativa que pretenda

instituir disparidade de tratamento, terá de ser justificada com base em fundamento que

respeite os direitos humanos, os valores de reciprocidade da comunidade internacional,

a proibição do retrocesso histórico, a razoabilidade, a proporcionalidade e o direito ao

pertencimento de todo cidadão do mundo.

68

Com efeito, apesar do paradoxo, pode ser possível que o estrangeiro viva e trabalhe no país, mas não

seja considerado residente. Porque o conceito de “residente” tem sido historicamente atrelado à

“residência legal”, o que implica a pessoa ser legalmente admitida no país. Para ser legalmente admitida

em um país, é necessária a concessão do visto, em função da atividade que o estrangeiro pretenda realizar

no país.

Igualdade como ponto de chegada: um passo na direção dos direitos

humanos

A oposição entre nacionais e estrangeiros revela sempre uma desigualação, que

se costuma justificar justamente pela nacionalidade como critério diferenciador.

Os instrumentos internacionais que versam sobre os direitos dos imigrantes

procuram assegurar “igualdade de tratamento” aos estrangeiros, mas o que se vê na

prática (principalmente no processo de interpretação de leis) é que se parte sempre de

uma distinção sobre a nacionalidade para depois averiguar se, apesar dessa diferença, os

imigrantes merecem usufruir os mesmos Direitos que os nacionais. Entendemos que

essa lógica de raciocínio deveria funcionar ao contrário. A nacionalidade estrangeira de

um determinado imigrante não deveria ser, a priori, tomada como uma situação que o

exclui da sociedade em que vive, dependendo as igualações de previsão legal. A

isonomia deveria ser pressuposta, razão pela qual a eventual desigualação, por

excepcional, deveria estar prevista em lei.

A aparente simplicidade deste raciocínio não diminui seu valor para os

excluídos. Senão vejamos o exemplo da discriminação de gênero. O princípio da

igualdade, em sua fórmula abstrata (“todos são iguais perante a lei”), apesar de nunca

haver distinguido especificamente os gêneros; nem ter excluído expressamente as

mulheres, foi utilizado por séculos de forma excludente. O mesmo se diga em relação à

escravidão, que conviveu pacificamente com o princípio abstrato da igualdade, sem que

os filósofos, sejam gregos, medievais ou iluministas, proclamassem qualquer

incompatibilidade.

Em termos de abstração, foi dos filósofos contratualistas de quem o mundo

ocidental herdou a atual concepção do princípio da igualdade. As teorias do contrato

social preconizavam que os homens livres se reuniriam para firmar um contrato que

legitimaria um governo comum. Independentemente das posições sociais que cada

indivíduo ocupasse, seria respeitada sua condição de ser humano para integrar o

contrato social. Assim, suas necessidades específicas não teriam importância, mas sim

sua liberdade de pactuar (ou de aderir) ao contrato proposto. Nesse sentido, a igualdade

era concebida como um ponto de partida.

HERRERA FLORES convida a repensar o princípio de igualdade como um

lugar de chegada, e não ponto de partida. Não se trata de simples jogo de palavras. A

compreensão do princípio da igualdade como um ideal a ser atingido (os ideais são

importantes, desde que não substituam a realidade), autoriza a implementar ações que se

destinem a promover a igualação social. Em certa medida, o argumento que aqui

desenvolvemos assemelha-se ao já assentado princípio de “igualdade de oportunidades”,

que constitui um desdobramento do princípio da igualdade fruto do liberalismo político.

Mas com ele não se confunde porque vai além.

A concepção de igualdade como ideal a ser atingido impõe o repensar das

estruturas sociais, com vistas a eliminar as hierarquias (e correspondentes

subordinações) que impedem, concretamente, que grupos de pessoas tenham as mesmas

condições de acesso aos bens e direitos (mulheres, negros, imigrantes, etc.). Ou seja,

trata-se de combater as desigualdades estruturais da sociedade, objetivo realmente

grandioso por exigir a transformação social (e não simples adaptação pontual a uma

situação individual). Aí reside a diferença em relação ao princípio liberal da igualdade

de oportunidades que, a propósito, revela-se insuficiente por carregar a mesma lógica

competitiva que produz, por sua vez, desigualdades sociais.

Afinal, estamos com BENHABIB, que reconhece a existência de um direito ao

pertencimento a um imigrante que se radicou em uma nação que não é a própria. “O

direito do residente temporário a ser membro é um direito humano que pode justificar-se

sob os princípios de uma moral universalista” (BENHABIB, 2005: 39-40).

Os interesses da sociedade não se confundem com a simples produção de

riqueza. Deve haver dignidade para todos.

Coordenadas para uma atuação coerente em matéria de imigração

Em decorrência do princípio da responsabilidade, qualquer política de imigração

só pode ser concretizada mediante participação ativa do Estado e da sociedade, de

maneira a compor todos os interesses envolvidos. Se a imigração fosse simplesmente

deixada “nas mãos do mercado”, ocorreria uma substituição do trabalhador nacional por

trabalhadores estrangeiros, submetidos a “regulamentos” estrangeiros. Converter

qualquer parte do território nacional em “terra sem lei” é sinônimo de falência do

Estado, ou de seu poder de influir na realidade para melhorá-la. Assim, o tratamento dos

assuntos de extranjería demandará, sempre, uma dupla perspectiva. Por um lado, devem

ser garantidos os direitos humanos de todos trabalhadores, inclusive os estrangeiros. Por

outro lado, em benefício da sociedade brasileira (integrada pelos brasileiros e

estrangeiros que aqui decidiram viver), deve-se atuar de maneira a corrigir abusos por

parte daqueles que se apropriam do trabalho humano. Em outras palavras, a Fiscalização

do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho exercerão papel fundamental na

garantia de que, mesmo em caso de repatriação, sejam respeitados os direitos dos

trabalhadores eventualmente em situação irregular.69

O estabelecimento de políticas migratórias não é tarefa fácil. O controle dos

fluxos de pessoas pelas Administrações Públicas está sujeito a mais percalços do que

acertos. A realidade impõe que se revejam expectativas que se têm com respeito aos

efeitos das políticas de imigração. Em vez de limitar a entrada de “indesejáveis”, o foco

deve ser o combate à informalidade laboral. É nesse passo que a utilização abusiva de

mão de obra estrangeira deve ser, sim, controlada, de maneira a garantir que o mercado

de trabalho brasileiro seja, efetivamente, brasileiro: sujeito às regras de proteção laboral

e seguridade social locais, aproveitando majoritariamente a mão-de-obra local. Mas,

claro, o controle deve enfocar as empresas que exploram trabalhadores estrangeiros,

pois são elas que deverão demonstrar sua adequação à legislação laboral brasileira,

considerando todos os seus colaboradores.

Tampouco convém atribuir às empresas o grau de responsabilidade da diretiva

européia sobre as sanções aplicáveis aos empresários de residentes ilegais nacionais de

terceiros países (que impõe não só que 10% dos estabelecimentos sejam fiscalizados,

anualmente, para verificar a presença de estrangeiros, como também impõe sanções

pesadíssimas aos empregadores). Os empregadores devem sim ser responsabilizados,

mas as sanções não podem ser superiores àquelas aplicáveis para as situações em que o

vínculo de emprego está dissimulado e a vítima é um nacional, sob pena de configurar

tratamento discriminatório para com os imigrantes, ainda que por via reflexa. O grau de

penalização do empregador (aqui sustentamos a preponderância da penalização

civil/econômica, sem excluir as sanções criminais, eventualmente aplicáveis) deverá ser

proporcional ao grau de intencionalidade de sua conduta, ao número de trabalhadores

atingidos e à natureza dos direitos fundamentais lesados. Vale lembrar que no Brasil são

admissíveis três esferas de penalização: administrativa (multas aplicadas pela

fiscalização do trabalho), civil (decisões judicias em reclamações trabalhistas

69

No Brasil, o caso dos trabalhadores estrangeiros em navios de pesca ou prospecção de petróleo é

paradigmático. O governo (Ministério do Trabalho) e o Ministério Público do Trabalho tiveram de atuar

para evitar que prevalecessem os interesses de reduzir o custo da mão-de-obra, de sua formação, e os

gastos com a promoção de um meio ambiente de trabalho saudável; todos eles favorecidos pela utilização

exclusiva de trabalhadores estrangeiros a bordo das embarcações.

individuais e/ou ações civis públicas propostas pelo Ministério Público do Trabalho) e

penal.

No mais, e agora enfocando a condição dos imigrantes individualmente

considerados (e que, no caso brasileiro, diz sobremaneira respeito aos brasileiros que

emigraram para o exterior), comungamos do que já é consenso (teórico), entre os vários

membros da Comunidade Ibero-americana de Nações, manifestado no Compromisso de

Montevidéu sobre Migrações e Desenvolvimento, aprovado na XVI Cúpula Ibero-

americana, realizada em novembro de 200670

. A título de conclusão do presente tópico,

destacamos alguns dos consensos do aludido compromisso, que reputamos adequados

para orientar a perspectiva de atuação em matéria de migrações, seja por parte do

governo, seja por aqueles legitimados à defesa da ordem jurídica (especialmente o

Ministério Público). São eles:

A - Necessidade de abordar o tema a partir de uma perspectiva que considere

tanto suas causas (falta de desenvolvimento, o desrespeito aos direitos humanos, a

pobreza, os desastre naturais, a instabilidade política, a busca de melhores condições de

vida, a iniquidade na distribuição da riqueza e a falta de oportunidades para o

desenvolvimento humano) como seus efeitos e que, fundada no respeito aos direitos

humanos e na realização do desenvolvimento, favoreça a busca de mecanismos para seu

tratamento integral. O objetivo deve ser gerar condições sócio-econômicas inclusivas

que permitam superar as condições de pobreza em que vivem setores importantes da

população; transformando a migração em uma decisão e não uma necessidade.

Nesse passo, o investimento na integração regional, no mínimo no âmbito do

Mercosul, é uma medida positiva, pois em tese, implicaria desenvolvimento para toda a

região, diminuindo desequilíbrios e a consequente necessidade de imigrar. Está claro

que a integração regional não depende só do Brasil, mas colaborar proativamente para

que ela ocorra é o que se espera do país.

B - Fortalecer o multilateralismo (repudiar toda ação unilateral ou coercitiva de

efeito internacional que atente contra o clima de diálogo e contra as normas de respeito

mútuo em matéria migratória), sem prejuízo da jurisdição dos Estados.

70

O Compromisso de Montevidéu está disponível in

http://www.mte.gov.br/trab_estrang/compromisso_montevideu.pdf

Nesse passo, a ratificação e efetiva aplicação das normas internacionais sobre

migrações e tráfico de pessoas (veja-se a Convenção nº 147 da OIT e a Convenção da

ONU – trabalhadores migrantes) é uma medida importante.

C - Favorecer a imigração legal, pois a entrada e permanência de trabalhadores

estrangeiros de acordo com as vias estabelecidas nas respectivas legislações constitui a

melhor garantia para o respeito dos direitos humanos e laborais dos migrantes e para sua

plena integração social, e contribui dessa forma para aumentar o caráter globalmente

positivo da migração. A migração não-documentada e a existência de mercados de

trabalho informais geram condições favoráveis à exploração dos migrantes. O tráfico de

migrantes deve ser combatido.

Nesse passo, várias ações são esperadas do governo, da polícia e especialmente

do Ministério Público do Trabalho, em razão de seu papel de defensor da ordem jurídica

e articulador social, como veremos a seguir.

O papel do MPT como promotor da ordem jurídica trabalhista e dos

direitos humanos dos imigrantes

As autoridades públicas com autoridade em matéria de imigração e trabalho, na

maioria dos casos em que se encontrou estrangeiros trabalhando irregularmente a

serviço de empresas interessadas em rebaixar o custo da mão-de-obra, têm adotado a

providência de tramitar a deportação imediata (ou após o pagamento das verbas

rescisórias) dos estrangeiros flagrados “em situação irregular”. Nesse tipo de casos, a

Polícia Federal tem assumido a liderança da atuação governamental, mas essa liderança

se revela limitada pela sua própria função de controlar fluxos de pessoas. Para a Polícia

Federal, a consequência lógica da irregularidade administrativa é a deportação; logo,

verificada a hipótese, deve-se aplicar a sanção: a deportação. No entanto, esta forma de

agir acaba apenando injustamente o imigrante.

Os casos de exploração de trabalhadores estrangeiros, principalmente quando

excedem a esfera dos direitos individuais, devem ser tratados em conjunto por

autoridades do Ministério do Trabalho, Ministério das Relações Exteriores, Polícia

Federal e Ministério Público do Trabalho (e Ministérios Públicos Federal e Estadual,

quando couber71

). Somente assim, exercendo todas as atribuições estatais envolvidas

nessa espécie de conflito, será possível dar ao tema a abrangência e complexidade que

nele identificamos.

Não existe, por ora, norma jurídica que preveja ou determine esta forma

específica de atuação concertada entre autoridades em matéria de imigração nos casos

concretos referidos acima. A solução de casos pontuais (e coletivos), se ultrapassado o

aspecto da polícia de fronteiras, está sujeita à atuação do Ministério Público do Trabalho

perante o poder judiciário, se e quando provocado; bem como à intervenção

discricionária do Chefe de Estado: o Presidente da República, se e quando provocado

por autoridades diplomáticas. Por isso, defendemos a criação de um mecanismo para

articulação imediata entre os órgãos públicos envolvidos, podendo o Conselho Nacional

de Imigração, realizar tal mister, até porque possui atribuição de coordenar e orientar as

atividades de imigração (art. 1º do Dec. 840/93).

A propósito da articulação governamental para fazer frente aos problemas da

imigração, sustentamos a preponderância da motivação social e, especificamente

trabalhista, da oferta e demanda de mão-de-obra estrangeira. A imigração é uma questão

de mercado de trabalho, e assim deve ser tutelada pelos poderes executivo, legislativo,

judiciário, e pelo Ministério Público. Vale lembrar que o Brasil é um dos poucos países

que possuem uma Justiça Específica para solucionar os conflitos do trabalho: a Justiça

do Trabalho. E também é um dos poucos países que possui um Ministério Público

Especial para atuar nesta seara: o Ministério Público do Trabalho. À instituição do

Ministério Público Brasileiro também foram conferidos amplos poderes investigatórios,

bem como a atribuição de defender os direitos e interesses de natureza coletiva. As

questões de política de imigração, na seara trabalhista, transcendem a esfera dos direitos

individuais: representam conflitos coletivos por excelência.

Ademais, nos casos concretos de exploração de mão-de-obra imigrante, cuja

situação fática exceda a esfera dos direitos meramente individuais, o MPT é figura

essencial para garantir a efetiva responsabilização daqueles que exploram mão-de-obra

estrangeira. Essas pessoas não são, naturalmente, os próprios imigrantes, razão pela qual

os problemas não se resolvem com a simples deportação de estrangeiros. O Ministério

Público tem a missão de defender os interesses sociais, ainda que esses interesses

71

Por exemplo, nas hipóteses de crimes contra a organização do trabalho, ou quando for necessário

garantir direitos relacionados com prestações devidas pela Administração Pública nas esferas Estadual ou

Federal.

contradigam, em momentos específicos, os interesses das autoridades governamentais

no exercício do poder. Esse independência do governo, somada à disponibilização de

um instrumento jurídico de responsabilização pelos danos causados aos interesses

sociais (a ação civil pública), faz o Ministério Público do Trabalho interlocutor social

privilegiado, que sempre que puder atuar, exercerá não só as atribuições judiciais, mas

também a necessária atuação promocional de maneira a catalisar o comprometimento do

sistema jurídico com a ordem social.

Vale lembrar que o Brasil é um país que, por determinação constitucional, deve

ser sensível aos Direitos Humanos. Além disso, no que diz com as relações

internacionais, segundo o parágrafo único do artigo 4˚: “A República Federativa do

Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América

Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”.

Nesse passo, vale lembrar que os tratados de livre circulação e residência entre

os integrantes do Mercosul expandido (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, mais Chile

e Bolívia) já estão em vigor. De fundamental importância é o Decreto 6975/2009, que

publicou o Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Parte do Mercosul,

Bolívia e Chile! Por esse acordo, os cidadãos do Mercosul expandido podem viver no

país que desejarem (dentre os integrantes do Acordo), podendo tramitar os expedientes

burocráticos diretamente no país de destino, provando apenas a inexistência de

antecedentes penais. Pelo acordo, os cidadãos tem direito garantido à livre circulação e

ao livre estabelecimento (exercício de qualquer atividade econômica).

Assim, no que diz com o caso do Mercosul, deve-se concluir que o Brasil, no

exercício da sua soberania (ou responsabilidade pela gestão das pessoas, como

preferimos), optou por eliminar suas fronteiras no que diz com a livre movimentação e

residência de estrangeiros provenientes do Mercosul em seu território. Conseqüência

disso é que o direito do trabalho também passará a ser reconhecido para os cidadãos do

Mercosul, eliminando quaisquer possibilidades de distinções.

Infelizmente, essa nova realidade é desconhecida por boa parte dos imigrantes

irregulares que aqui se encontram. Ademais, o aparato burocrático do Estado não está

preparado para implementar verdadeiramente a normativa (apesar do acordo, o

imigrante é instado a deixar o país sob pena de deportação, como uma garantia de que

promova os procedimentos necessários à regularização, que ainda não são possíveis

dentro do país, ou demoram mais que o prazo concedido para tanto).

Esse quadro instiga o MPT a atuar proativamente como promotor de direitos

humanos. Uma iniciativa eficaz é a realização de convênios em âmbito nacional,

regional e local, de maneira a concertar as atuações dos órgãos legitimados em matéria

de migrações. Por meio dessa articulação, poder-se-á perseguir várias metas: a) fazer

prevalecer os direitos humanos sobre as normas punitivas do estatuto do estrangeiro; b)

manter a política de migrações no prumo da ordem jurídica laboral e c) fazer acontecer

os acordos que preveem a livre circulação e estabelecimento no âmbito do Mercosul

(expandido para Chile e Bolívia), que já estão em vigor, mas são desconhecidos pelos

cidadãos e, o que é pior, por muitas autoridades com atribuição em matéria de

migrações.

Por fim, pelo tipo de funções constitucionalmente atribuídas ao Ministério

Público do Trabalho, seria conveniente reivindicar representação no Conselho Nacional

de Migrações. E essa representação, para ser mais eficaz, deveria ser na condição de

membro efetivo, com direito a voto (o que depende de alteração legislativa).

Conclusão

A imigração é uma questão de mercado de trabalho, e assim deve ser tutelada

pelos poderes executivo, legislativo, judiciário, e pelo Ministério Público.

A ideologia nacionalista não pode influir na gestão da imigração. As restrições

ao estabelecimento de estrangeiros no país devem ser compreendidas numa perspectiva

de preservação da ordem jurídica e do mercado de trabalho brasileiros. Assim, devem

ser coibidas as tentativas de exaurir a jurisdição local, não para preservar o elemento

nacional, mas para garantir que o Brasil não seja “terra sem lei”, sujeita à livre

exploração por empreendedores que, se puderem, importariam até a mão de obra

necessária a seus empreendimentos, caso isso custasse mais barato.

As restrições à imigração são válidas sob a perspectiva da preservação do

mercado de trabalho, logo, valem sob uma perspectiva de responsabilidade do governo

para com o povo. Porém, uma vez que o imigrante cruza a fronteira e aqui se estabelece,

ainda que sem realizar os procedimentos legais, a irregularidade administrativa não

pode operar efeitos que neguem aos imigrantes os direitos fundamentais, sob pena de

ferir os princípios da igualdade e não-discriminação. A perspectiva da regularização

deve valer mais do que a deportação, mormente em se sabendo que, pelo menos no

âmbito do Mercosul expandido, a liberdade de circulação e estabelecimento é direito

adquirido (O Acordo de Residência vige na forma do Decreto 6975/2009).

O MPT deve assumir o papel pró-ativo na realização dessa forma de entender a

imigração. Assim, apesar de todas as dificuldades que possam aparecer nos casos

concretos, o Procurador do Trabalho deve ter bem claro seus objetivos: a) buscar uma

forma de regularizar a situação encontrada, do ponto de vista administrativo e

trabalhista; b) na impossibilidade de regularização administrativa, solucionar a questão

trabalhista em primeiro lugar, adotando-se as medidas necessárias, ainda que judiciais,

para a satisfação dos créditos dos trabalhadores; c) efetivar medidas sancionatórias

apenas após a solução dos itens antecedentes (isso depende de articulação com a Polícia

Federal), e direcioná-la para a parte responsável pela exploração da mão-de-obra

imigrante.

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Granada, 2003. pp. 105-153.

ANEXO I

Carta da Oficina Migrações e o mundo de trabalho

A experiência acumulada pelo exercício das atribuições conferidas pela

Constituição Federal ao Ministério Público do Trabalho faz desta Instituição uma

interlocutora capacitada para dialogar quando o assunto é reformulação da política

migratória e a elaboração de um novo marco legislativo, uma nova lei de migrações.

Na visão do Grupo Permanente do Ministério Público do Trabalho para

avaliação das estratégias de atuação a respeito do trabalho dos migrantes, apoiado pelos

trabalhos realizados na Oficina "Trabalho e Migrações", realizada em Brasília, 28 a 30

de abril de 2014, pode-se sintetizar o posicionamento consensual, em três pontos

fundamentais, seguidos de tópicos para uma lei de migrações. São esses pontos que

constituem a presente Carta da Oficina.

Cidadania mundial como horizonte

Para adequar a legislação a um sistema jurídico que privilegie a prevalência dos

Direitos Humanos, revela-se a necessidade de incorporar, já nas normas gerais sobre a

imigração, princípios que favoreçam o horizonte de uma cidadania mundial. Para isso, a

legislação deve estar articulada com a consolidação dos blocos regionais, notadamente o

Mercosul, mas sem descurar outras possibilidades de agregação como a UNASUL

(União de Nações Sulamericanas) ou o PALOP (Países Africanos de Língua Oficial

Portuguesa).

É aqui se pode afirmar que essa é a mais abrangente expressão do interesse

nacional, qual seja, que o acolhimento de estrangeiros seja realizado também numa

perspectiva de reciprocidade, como fundamento adicional ao princípio da prevalência

dos Direitos Humanos, para que os horizontes dos brasileiros sejam também alargados.

Assim, os esforços devem ser direcionados à consolidação da livre circulação no âmbito

do Mercosul, com a implementação de mecanismos regionais que auxiliem a efetiva

integração (incluindo agências ou órgãos de ligação que facilitem a tramitação de

documentos).

O fomento à cidadania mundial inclui também: a) aparelhamento das

repartições consulares brasileiras no exterior, para que passem a desempenhar mais do

que funções meramente notariais, constituindo a verdadeira casa dos brasileiros; b)

diminuir custos dos processos de legalização de documentos; c) investir em campanhas

educativas sobre a diversidade cultural e contra a discriminação e xenofobia; d)

reconhecer a contribuição dos brasileiros que vivem no exterior, como apta a produzir

frutos econômicos e culturais para o país.

Política de migrações como gestão de fluxos

O favorecimento à consolidação dos blocos regionais constitui a base da política

de migrações, porque disciplina os fluxos de pessoas, com base na reciprocidade. Mas

para além das fronteiras regionais, no entender do GT- Trabalho e Migrações, não é

possível que uma política migratória pretenda estancar o fenômeno migratório.

O que está ao alcance de um projeto de política de migrações é gerir a imigração

de maneira a que ela resulte em integração sociocultural e laboral, em benefício da

diversidade e reforçando o sistema solidariedade social brasileiro. Isso implica investir

na seguridade social compartilhada entre países que compartilham população migrante,

especialmente no âmbito do Mercosul. Também integra a gestão política das migrações

a instituição de mecanismos legais que permitam o resgate da população imigrante da

informalidade, como a concessão de residência por arraigo, a valoração do fato

consumado e dos vínculos pessoais no país de acolhida (reunião familiar estendida).

Sob o ponto de vista do acesso à Justiça, e privilegiando o princípio do contrato

realidade é bom que seja previsto expressamente que eventual irregularidade

administrativa da situação migratória não pode impedir a produção de efeitos dos

contratos de trabalho de fato estabelecidos. (art. 25.3 da Convenção da ONU para

proteção dos trabalhadores migratórios e suas famílias).

Salvaguarda do mercado de trabalho pela prevalência princípios de direito

laboral

A incorporação do Princípio da Prevalência dos Direitos Humanos também

significa que o Brasil não pode abdicar de fazer valer suas leis e de preservar seu

ordenamento jurídico, pois os direitos sociais são também direitos humanos. A

atribuição para gerir o mercado de trabalho interno, com vistas a manter a higidez da

seguridade social, não pode ser afastada sob argumentos liberalizantes da livre

circulação de mão de obra.

É preciso assegurar a eficácia de princípios de fundamentação eminentemente

trabalhista, que complementarão, do ponto de vista coletivo, a perspectiva centrada nos

direitos individuais dos trabalhadores migrantes.

Assim, e para prevenir conflitos de aplicação de leis, deve ficar expressamente

garantida a aplicação da lei brasileira, especialmente as normas de proteção mínima

laborais aos contratos transnacionais executados no país (princípio com especial

aplicabilidade nos setores de trabalho embarcado). Na mesma esteira, deve ficar

ressalvada a aplicação do direito do trabalho às relações jurídicas de fato envolvendo

indocumentados e preservar o trabalho enquanto valor eminentemente global, proibindo

iniciativas que visem uma desterritorialização precarizante das relações de trabalho.

As regras mínimas de proteção não são apenas destinadas à tutela das relações

jurídicas privadas, mas também constituem normas de ordem pública, incidentes

independentemente da vontade das partes, porque são necessárias à preservação do

tecido social.

Nessa perspectiva, sobreleva-se a necessidade de tutela efetiva das relações de

trabalho a bordo de embarcações, setor que mais demanda a contratação de estrangeiros

no Brasil (a ponto de constituir maioria com ampla folga). Apesar de laborarem em

território brasileiro (águas costeiras) e frequentemente para empresas brasileiras (setor

de petróleo e off shore), os trabalhadores embarcados (tanto os marítimos típicos,

responsáveis por trabalhos técnicos, quando o pessoal de serviços de limpeza e

hotelaria) vem sofrendo abusos em razão da indefinição quanto à legislação aplicável e

autoridade competente, já que os navios ativados na costa brasileira ostentam bandeiras

estrangeiras.

O caminho para relações de trabalho mais dignas passa necessariamente pela

ratificação da Convenção do Trabalho Marítimo (CTM/2006, da OIT), e pela afirmação

legal da aplicabilidade das normas mínimas de proteção laboral a todos os embarcados,

independentemente de nacionalidade.

Claro está o imigrante não pode ser responsabilizado pela concorrência desleal,

pelo dumping social. Mas é necessário impedir que a imigração venha a ser utilizada

com essa finalidade, e é preciso que fique claro que a substituição de mão de obra

nacional pela estrangeira com objetivo de precarizar as relações de trabalho nacionais

constitui dumping social, ensejando a responsabilização da empresa e o ressarcimento à

coletividade dos danos materiais e imateriais decorrentes da conduta antijurídica.

Somente desta maneira, poderá ser superada a perspectiva de reserva de mercado

contida no capítulo da CLT que dispõe sobre nacionalização do trabalho (art. 352 e

seguintes) sem cair num liberalismo desagregador das relações de trabalho.

Tópicos para uma nova Lei de Migrações:

a) Nacionalidade: Emenda à Constituição para garantir a dupla nacionalidade

adquirida (atualmente o Brasil só admite a dupla nacionalidade por nascimento).

b) Participação política: não cercear a participação de estrangeiros em

associações e sindicatos.

c) Igualdade de gênero: 1. reconhecer o direito à reunião familiar (direito

subjetivo); 2. excluir o cônjuge/companheiro do rol de dependentes do trabalhador

chamado, reconhecendo a corresponsabilidade familiar e em consequência 3. permitir o

trabalho do cônjuge/companheiro, filhos maiores de 18 anos no caso dos trabalhadores

convidados com visto temporário. 4. garantir a possibilidade de permanência de cônjuge

de residente temporário em caso de divórcio.

d) Prevalência das normas mínimas de direito do trabalho, incluindo convenções

internacionais de direito do trabalho e direitos humanos, nos contratos de trabalho que

impliquem relações bi ou transnacionais.

e) Garantia de tutela das relações de trabalho a bordo de embarcações, pelas

autoridades brasileiras e em favor de todo trabalhador independente de nacionalidade,

sempre que o serviço seja executado no todo ou em parte no território nacional (nele

compreendido o espaço de navios em operação nas águas nacionais, independentemente

da bandeira ostentada pela embarcação).

f) Prevalência dos princípios laborais básicos na regulação das relações de

trabalho, inclusive nos contratos tidos como administrativamente irregulares.

g) Fortalecimento dos mecanismos de integração regional, incluindo trâmites de

permanência e seguridade social compartilhada.

h) Burocracia: rever a sistemática de concessão de vistos de maneira a

estabelecer um processo previsível e com garantias ao imigrante, dentre elas: 1. abolição

de referências de consulta ao Diário Oficial da União, 2. adoção de procedimentos pela

internet; 3. fomento aos acordos internacionais para facilitação de certidões criminais e

educacionais; 3. treinar profissionais que atuarão em agências de imigração,

preferencialmente ligadas ao Mercosul. 4. Estabelecer taxas semelhantes às praticadas

para os nacionais para a confecção de documentos e tramitação dos processos.

i) Regularização migratória: instituir mecanismos legais que permitam o resgate

da população imigrante da informalidade, como a concessão de residência por arraigo, a

valoração do fato consumado e dos vínculos pessoais no país de acolhida (reunião

familiar estendida).

j) Reconhecimento de títulos: rever a sistemática atual, retirando a exclusividade

das universidades e priorizando acordos regionais com estipulação de conteúdos

mínimos, envolvendo também os Ministérios da Educação e organizações

representativas de trabalhadores e empregadores dos países acordantes.

l) repressão do dumping social: positivar que a substituição de mão de obra

nacional pela estrangeira com objetivo de precarizar as relações de trabalho nacionais

constitui dumping social, ensejando a responsabilização da empresa e o ressarcimento à

coletividade dos danos materiais e imateriais decorrentes da conduta antijurídica.

m) ratificação das seguintes convenções internacionais: Convenção da ONU

para proteção dos trabalhadores migrantes e suas famílias, Convenção 143 da OIT e

CTM/2006 (Trabalho Marítimo), da OIT.

n) atender às especificidades das regiões de fronteira, concebidas como espaços

de encontro por excelência, redefinindo a abrangência das áreas fronteiriças do limite

municipal para as zonas definidas como área de fronteira e ampliando as possibilidades

de interação dos cidadãos.

Em Brasília, 30 de abril de 2014.

GT - Trabalho e Migrações - CONAETE – MPT

Contexto Migratório Atual

Paulo Sérgio de Almeida

Paulo Sérgio de Almeida é o atual Presidente do Conselho Nacional de

Imigração (CNIg), órgão de caráter consultivo e normativo que acolhe processos

relativos aos trabalhadores estrangeiros no Brasil. Ao longo da entrevista, ele faz um

mapa sobre a situação trabalhista dos imigrantes no país, argumenta sobre a necessidade

de melhoria das estruturas de recepção, avalia as condições atuais de aprimoramento da

legislação e dos serviços públicos oferecidos àquelas pessoas que chegam ao Brasil para

viver e trabalhar, e reflete sobre as limitações encontradas atualmente na tentativa de

coordenação entre as diferentes instâncias governamentais quem lidam com a questão

migratória.

O CNIg tem em sua formação nove ministérios, cinco centrais sindicais, cinco

confederações de empregadores e um representante da sociedade civil. Há um pleito de

longa data para o alargamento dessa composição, onde a ideia é que outros órgãos,

sejam do governo, sejam da sociedade civil possam se fazer presente. Além disso, há

projeto de lei propondo a ampliação do CNIg e fornecendo base legal para atuar na

emigração de brasileiros ao exterior.

A entrevista foi realizada em 2014, no Gabinete do entrevistado nas

dependências do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), pelo pesquisador Atila

Rabelo Tavares da Câmara, Universidade de Brasília (UnB), colaborador do

Observatório das Migrações Internacionais.

AT: “Dr. Paulo Sérgio a ideia dessa entrevista é contribuir para pesquisa

sobre a articulação entre as instituições governamentais na resposta aos fluxos

migratórios para o Brasil nos últimos dez anos. A primeira pergunta, então seria,

de que forma o senhor caracteriza no seu entendimento esses fluxos migratórios

para o Brasil e quais as principais demandas inerentes a esses fluxos, na sua

visão?”

Nesses últimos dez anos houve uma mudança crucial nos fluxos migratórios

para o Brasil. Em 2003- 2004 o país vivia um cenário onde o maior fluxo era o de

emigração. Os brasileiros migravam para o exterior em busca de melhores

oportunidades de vida e de trabalho, enquanto que havia um pequeno fluxo de

imigrantes para o Brasil. Tanto assim que, em 2007, o Itamaraty estimou em mais de

três milhões o número de brasileiros que viviam no exterior, enquanto que, naquela

época, a Polícia Federal indicava menos de 900 mil estrangeiros vivendo no Brasil. São

números que, embora precisem ser relativizados, já que não são muito precisos, eram os

que o CNIg aceitava trabalhar naquela ocasião. Os fluxos de imigração basicamente

eram regionais, principalmente dos países que nos fazem fronteira, e havia

pouquíssimos fluxos trans-oceânicos e de outras regiões.

A partir dos anos 2008-2009, com a crise financeira internacional e também com

o processo de exposição do sucesso das políticas de desenvolvimento econômico-

sociais do país no cenário internacional, gerando maior visibilidade (surgimento dos

BRICS, reconhecimento das políticas que garantiram crescimento mais rápido e com

modelo fundado na geração de empregos), houve não somente a redução da emigração,

mas também o início do fluxo de retorno desses brasileiros. Também neste período

ocorre um aumento significativo no processo de imigração, tanto em termos de

quantidade de imigrantes, como na diversidade de nacionalidades. Passamos a receber

pessoas de outras regiões do mundo, que não tinham a tradição de vir ao Brasil. Embora

não se possa dizer que o Brasil viva um grande movimento migratório, o número de

imigrantes no Brasil passou a crescer de forma acelerada.

Todavia, o Brasil segue sendo um país com poucos imigrantes, já que,

atualmente, são estimados em menos de 2 milhões, comparado com uma população de

cerca de 200 milhões de habitantes (menos de 1% do total da população). Mesmo

havendo dificuldades em aferir a precisão desses dados, eles apontam um país uma

baixa taxa de imigração. Ainda assim, esse cenário de crescimento dos fluxos de

imigração traz desafios enormes para o país.

Ate 2004/2005, o CNIg trabalhava com uma imigração pequena, uma imigração

seletiva, até porque havia baixa demanda de migração espontânea ao Brasil. A

imigração era composta por trabalhadores que chegavam aqui com emprego, em razão

da demanda de empresas, com sua "vida já resolvida". Então, mais recentemente

passamos a receber uma migração espontânea, em maiores quantidades, mas sem as

estruturas de recepção apropriadas.

AT: “Pois é Paulo, exatamente essa questão, o que seriam essas estruturas

de recepção, na sua visão?”

Na medida em que o país adote uma política de acolhimento aos novos fluxos

migratórios, essa política necessariamente tem que criar uma estrutura de recepção, no

sentido de haver locais onde os migrantes possam obter informações sobre direitos de

cidadania, como qualquer outra pessoa que resida em nosso país, e ter acesso aos

direitos que a lei assegura. Os órgãos que proporcionam esses serviços devem estar

preparados para lidar com a demanda dos imigrantes.

Creio que as políticas deveriam proporcionar que esses imigrantes sejam

reconhecidos como cidadãos e tratados da forma mais próxima possível ao tratamento

assegurado a todos os brasileiros. Começando com a emissão de documentos. Os

imigrantes deveria utilizar os mesmos locais onde os brasileiros tiram os seus

documentos, em especial o documento de identidade. Creio que já é hora de fazermos

uma avaliação se deveríamos ou não manter a estrutura que existe hoje para

atendimento aos migrantes. Essa política deveria abarcar todos os documentos, como a

emissão da carteira de trabalho, o acesso ao Sistema Nacional de Emprego, além de

todos os direitos que compõem a cidadania, especialmente educação e saúde.

AT: “Você acredita que seja uma questão da estrutura local, como também

da preparação das pessoas que lidam com os imigrantes? A questão do idioma, a

questão do conhecimento da legislação. Como é que fica também a questão da

atualização da legislação? Porque as vezes a mudança é repentina e a preparação

das pessoas não acompanha. Essa também são questões importantes?”

Essa mudança de cenário há muito tempo já demandava uma mudança

legislativa. O Brasil está atrasadíssimo na mudança de seu marco normativo. Neste

contexto, o Conselho Nacional de Imigração foi demandado para solucionar problemas

que originalmente não estariam na sua esfera de atuação. Por exemplo, toda a parte de

critérios para reunião familiar, a concessao de residência por união estável e para

estrangeiros que estejam cumprindo pena no Brasil, para que possam ter acesso a

documentos quando em liberdade condicional ou em progressão de regime. Questões

que não deveriam estar sobre a responsabilidade do CNIg, mas que, por falta de outras

instâncias, o CNIg passou a ser demandado e teve que dar respostas. Mas,

fundalmentalmente, o CNIg é um orgão que está focado no tema de imigração para o

trabalho, que é sua expertise e sua principal de atuação.

AT: “Essa ideia mudaria também a missão do CNIg ou se aplica ao viés da

questão do trabalho, como seria isso exatamente?”

Nós entendemos que a maior parcela das migrações, há estudos da OIT

(Organização Internacional do Trabalho) que demonstram isso, é composta por

trabalhadores migrantes. A OIT, que tem uma vasta experiência na questão trabalhista,

tem duas convenções internacionais voltadas às migracoes laborais, além de um Marco

Multilateral, que consagra as melhores práticas, aprovado em 2005. A Constituição da

OIT lhe confere mandato que abrange políticas para migrantes que estejam trabalhando

fora do seu país de origem. Recentemente, a OIT tem lançado novos estudos sobre

trabalhadores migrantes, estando na vanguarda da questão das migrações internacionais.

Um desses estudos aponta que os trabalhadores migrantes e suas famílias representam

mais de 90% da mobilidade internacional de pessoas. Outro estudo importante da OIT

aponta que o foco das políticas migratórias dos países deveria ser o tema dos direitos

dos migrantes. É claro que há outras questões de importância como os refugiados, o

deslocamento de populações por catástrofes ambientais e por conflitos. Mas a questão

de maior realce são as migrações para trabalho.

O CNIg, dentro desse cenário restritivo que a legislação brasileira estabelece

(Lei n. 6.815/80 - elaborada durante os governos militares), procurou alargar as

possibilidades migratórias, estabelecendo novos canais para a vinda de imigrantes ao

Brasil. O conselho vem quebrar esse paradigma de que o trabalhador estrangeiro vem

aqui para tirar trabalho dos brasileiros. Essa discussao evoluiu muito no CNIg e

aprovamos, por consenso, novas Resoluções que garantiram mais possibilidades de

vinda de trabalhadores migrantes o Brasil.

AT: “Até por essa questão vou me adiantar, a política nacional de migração

que talvez, que ainda está em gestação com essa releitura ou com essa proposta de

atualização. Ela acaba sendo capaz de suprir isso com a formalização ou o senhor

acredita que não haverá tempo hábil para esperar que seja desenhada uma política

nacional de migração, temos que fazer na prática? Há como esperar uma nova lei

do estrangeiro?

Isso ficou claro no caso da migração dos haitianos. Estabelecemos uma

possibilidade de migração formal ao Brasil, por meio da criação de um visto especial

humanitário. As pessoas entram no país e pedem refúgio, mas na verdade o que elas

querem são documentos para trabalhar, por isso temos atuado em parceria com o

CONARE, e com isso conseguimos regularizar a situação migratória desses migrantes.

Entretanto, como mencionado, as políticas não são explicitadas de maneira

formal. Essas políticas indicam foco na proteção de direitos, no respeito aos direitos

fundamentais dos migrantes, mas não há uma política claramente estabelecida. O CNIg

propôs uma política explícita em 2009, a “Política Nacional de Imigração e Proteção ao

Trabalhador Migrante”, mas que até hoje não obteve consenso para aprovação no

âmbito do Governo. Percebemos que há setores do Governo que têm dificuldades em

tornar explícita uma política com esse viés.

O Brasil é um país continental, tem fronteiras extensas e é muito difícil impedir

a mobilidade nas fronteiras terrestres. As pessoas chegam e estão conseguindo se inserir

e trabalhar, pois há demanda por esses trabalhadores migrantes e é preciso reconhecer

que não estávamos preparados para esse fluxo.

Por outro lado, também estamos muito atrasados na formulação de políticas para

a recepção, o acolhimento e a integração de migrantes. Este é um segundo nível de

políticas, diferente das políticas de admissão, no qual há outros atores de Governo e da

Sociedade Civil. Há ainda uma questão federativa, porque estamos falando de serviços

prestados por estados e municípios.

AT: “Paulo Sérgio, essa também seria uma das missões do CNIg, organizar

esses pontos desarticulados?”

Essas questões não eram debatidas. Em 2008 ocorreu uma mudança profunda,

uma inversão de sinal do fluxo migratório, mudando bastante o cenário. Pela primeira

vez depois de muitos anos recebemos mais imigrantes do que tivemos a saída de

emigrantes e tivemos ainda retorno dos brasileiros que viviam no exterior. Isso começa

com os haitianos, mas se expande para outras nacionalidades. A partir daí houve o

aprofundando o debate interno, e as posições foram evoluindo dentro do próprio

Governo e na Sociedade.

Então, as políticas específicas não estavam desenhadas e as decisões acabaram

por ser tomadas de uma forma desarticulada, com muitas iniciativas pontuais, em menor

escala. Por isso, é fundamental que tanto a política como a lei mudem para que haja

mecanismos de recepção, acolhida e integração estabelecidos. Hoje há muitas iniciativas

pontuais, que vão acomodando essas novas realidades, mas o país ainda carece de uma

política, de um plano e de uma nova legislação para as migrações.

O papel do CNIg nunca foi de organizar a questão da integração, não está entre

as nossas competências. Além disso, o CNIg nunca havia sido demandado para

trabalhar este nível de políticas. No contexto migratório que nós tínhamos até 2008-

2009, essas questões não eram tratadas no CNIg. Assim como também não eram no

CONARE.

Porém a partir de um determinado momento, essas questões surgiram e o CNIg

se viu numa situação em que não tinha nem capacidade, nem articulação para elaborar

essas políticas.

O Ministério da Justiça tem desempenhado um importante papel na condução

desse processo de articulação dos vários orgãos do Governo nas políticas de

acolhimento, seja o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, a

Secretaria de Direitos Humanos da Presidência e outros.

Então, as políticas de acolhimento tem que ser debatidas, sem que se queira

forçar situações de difícil implementação. Por exemplo, havia uma ideia de que os

haitianos deveriam ficar no Acre, ter um grande abrigo no Acre e só sair do Acre se

tivessem empregos já oferecidos em outros estados. Isso não funcionou, porque os

migrantes não vão ficar forçados, além de provocar um estresse enorme para o Estado

do Acre. Essa medida gerou uma situação que não se sustentou na realidade. Gerou toda

a crise que envolveu Acre e São Paulo. São Paulo é o estado onde estão os empregos

para esses migrantes, além dos três estados da região sul. Então é natural que as pessoas

saíssem do Acre e se dirigissem a São Paulo e aos estados da região Sul. Então era um

processo que no nosso modo de ver era inevitável. Foi ruim porque ocorreu de forma

espontânea e desorganizada.

AT: “É quase como se sobressaltasse a necessidade de um pacto federativo

em torno do tema das migrações, eu não sei se isso já entrou na agenda ou se ainda

pode entrar na medida que for ganhando mais importância.”

É preciso avaliar a necessidade de um pacto federativo em torno do tema das

migrações. A lei da migração ainda é uma lei de crtitérios de admissão, de direitos, mas

ela não abarca a atuação de estados e municípios. O CNIg recentemente celebrou um

Termo de Cooperação com a OIT, para nos ajudar a melhorar nossas políticas

migratórias. E nosso objetivo é implantar algo que na verdade já existe nas convenções

da OIT, os centros de orientação para migrantes. Não seria um centro de ofertas de

serviços, seria um centro exclusivamente de informações e encaminhamentos. A

experiência que nós temos de Foz do Iguaçu, onde já temos um centro que funciona

desde 2008 é muito positiva. O migrante tem ali um referencial, ele sai orientado, sai

encaminhado seja para a Assistência Social, se for o caso, seja para obter documentos,

ou para uma unidade de referencia no sistema nacional de emprego. A nossa unidade

em Foz do Iguaçu, a “Casa do Migrante”, é uma parceria com o município, e é a nossa

referência para esse projeto com a OIT, de forma que seja sustentável.

AT: “Uma próxima pergunta é, esse entendimento que é tão perceptível em

relação aos conselheiros do CNIg, começando com o senhor a perceber isso

também, esse entendimento a respeito das migrações com esse viés, está baseado

em algum tipo de princípio ou diretriz, é ... claro não é aquela questão de

segurança nacional, não é questão de soberania, mas que princípios e diretrizes

norteiam esse entendimento das migrações sob essa perspectiva?”

Para nós do CNIg, a migração deveria ser reconhecida como um direito, porque

ninguém é obrigado, não se pode exigir de ninguém que morra ou que pereça ou que

passe privações onde viva, sem que possa tentar a sorte em outro país ou região. Isso

não é exígivel de ninguém. As pessoas têm direito a buscar uma vida melhor, isso é um

direito universal.

É claro que as sociedades também têm direito de buscar um tipo de organização

que lhes permita se desenvolver enquanto sociedade. Não queremos dizer com isso que

qualquer pessoa possa entrar em qualquer país do mundo a qualquer tempo, mas

considerar as migrações como um direito significa, por exemplo, não criminalizar o

migrante. Ele não é um criminoso, porque está lutando pelo direito humano, que é

fundamental, que é sobreviver. Então essa é a primeira questão que nos parece crucial.

Isso está claro para todo mundo: Ninguém migra por querer violar a ordem jurídica de

um país. As pessoas vivem em busca de oportunidades.

A segunda questão é que se nós avaliarmos a história das migrações no Brasil,

ela é positiva, ou seja, os imigrantes que aqui vieram, ajudaram a construir o país que

vivemos, de uma forma que eles contribuíram, foram agentes nesse processo do

desenvolvimento. Então, as migrações de maneira geral constituem um fenômeno

positivo, para os países e para as pessoas. Sobretudo no Brasil, até pela história do país,

proporcionaram esse valor de um país miscigenado, um país multicultural, com

diversidade, o que nos parece muito positivo.

A terceira questão é que, na medida em que as migrações ocorrem, e muitas

vezes elas ocorrem sem que o país possa impedir, na medida em que os migrantes

conseguem estabelecer vínculos com o país, com a sociedade de recepção, eles têm que

ter a chance, a oportunidade, de ter um documento para viver dignamente nesse país.

Essa pessoa que está aqui, está trabalhando e achamos que a questão do trabalho é muito

importante, essa pessoa está contribuindo, está integrada, constitui família, esse

migrante tem uma integração com o país, então isso deveria ser considerado para que

essa pessoa possa obter uma residência, um documento que lhe permita residir no país.

A última questão que colocamos é que ao país também é lícito estimular as

migrações, aquelas migrações que lhes são mais interessantes. Não estamos dizendo que

não possibilitaremos documentos aos migrantes que não tem qualificação educacional

ou profissional. Se estão aqui, se estão trabalhando, estão vivendo normalmente, deve-

se proporcionar sua documentação. Outra política é ir ao exterior e chamar pessoas para

aqui residir. Cremos que esse tipo de política coloca o Brasil na competição por

talentos, pelas pessoas que tem algum diferencial e que possa trazer esse diferencial.

Assim, vemos o CNIg inserido nesse cenário, ou seja, migrações como direito, visão

positiva das migrações, possibilidade de qualquer migrante que aqui estabeleça vínculos

poder obter documentos e política ativa de busca de pessoas que tenham um diferencial

e que possam contribuir para o desenvolvimento mais rápido do país.

AT: Dr. Paulo Sérgio até acelerando para não tomar muito seu tempo,

estamos nos aproximando do final. Esse posicionamento, o senhor, os conselheiros

do CNIg como um todo, está baseado em algum tipo de tradição, costume ou teoria

que, não sei, se caracterizou os últimos anos do próprio Ministério do Trabalho e

Emprego, o senhor consegue identificar isso? Ou, é uma visão muito pessoal das

pessoas que estão dentro dessa estrutura hoje?”

O Ministério do Trabalho e Emprego e o CNIg evoluíram muito ao longo do

tempo. É interessante essa evolução do CNIg, porque ele foi criado pela lei como um

órgão de controle. Depois, passou por uma transformação, na qual a sociedade civil

obteve protagonismo, principalmente as entidades ligadas ao mundo do trabalho. Aos

poucos, as políticas, os pensamentos, a forma de ver as migrações no país, mudaram

muito.

Uma questão que ajudou muito nessa mudança de pensamento foi todo o

processo que o país viveu com seus emigrantes no exterior. A questão do sofrimento

que os brasileiros passaram no exterior, a forma discriminatória, intolerante que eles

foram tratados no exterior, isso repercutiu muito na visão das pessoas sobre os

migrantes, sobre as migrações. E acabou por afastar argumentos que não encontram

respaldo na realidade, de que o migrante é alguém que vai poder fazer algum mal ou vai

competir deslealmente com os nacionais. Isso foi evoluindo ao longo do tempo. Em

2007 realizamos um evento com a OIT que nos ajudou a traçar as diretrizes da política

migratória brasileira. Naquela época, a OIT propunha que a migração deveria ser tratada

desde uma perspectiva dos direitos dos migrantes, mas naquele momento ainda existia a

visão do controle muito duro, muito rígido por parte de vários atores governamentais.

Mas as coisas foram mudando com a sequência de estudos, de eventos, de

acontecimentos. O relatório da final da CPMI da emigração ilegal foi um marco. A

primeira grande discussão que culminou no projeto de lei 5.655 foi um marco.

O CNIg em várias oportunidades fez contato com as comunidades brasileiras no

exterior, presenciou o sofrimento dos brasileiros que vivem indocumentados,

discriminados no exterior. Isso refletiu na forma como o imigrante passou a ser visto

aqui no Brasil.

Houve ainda uma grande evolução na forma de pensar das centrais sindicais em

relação ao migrante, com mais aprofundamento e o melhor entendimento do fenômeno

migratório. O migrante passa a ser visto como um trabalhador que, se não for

devidamente protegido, poderá ser mais facilmente explorado por maus empregadores,

que vêem oportunidade de uma mão de obra barata, contratado no mercado de trabalho

informal e sem acesso aos mecanismos de proteção que existem no país.

Então, essas questões foram evoluindo muito ao longo do tempo, até chegar na

atual configuração, que embora ainda haja divergências, claramente se tem conseguido

avançar de forma bastante consensual nas questões.

AT: “Com certeza, vou avançar para as últimas perguntas, a primeira das

três últimas seria: como que o senhor avalia hoje na esfera do governo federal essa

articulação e a coordenação entre os órgãos e as instâncias governamentais para

atender as demandas das migrações?”

O Brasil, apesar de tudo, apesar de todos os problemas que existem na questão

migratória, conseguiu desenvolver um modelo, que é um modelo que, embora nossa

legislação seja atrasada e nós tenhamos vários problemas em razão disso, permite algo

presente em pouquíssimos países, que é o governo compartilhar com a sociedade civil a

responsabilidade na construção de regras migratórias. O CNIg não é um colegiado

meramente consultivo. A Lei vigente possibilitou a este conselho o poder de deliberar e

criar novas possibilidades migratórias, por meio da aprovação de resoluções. Hoje, a

maior parte do CNIg é, inclusive, composta por representações da sociedade civil. Dos

20 membros, nós temos onze da sociedade civil e nove do governo. Apesar disso há

uma metodologia de trabalho que consegue harmonizar esses interesses, consegue

aprovar normas que atendam aos interesses de todas as partes que estão envolvidas.

É preciso compreender que cada orgão do governo tem um papel na questão das

migrações. As migrações não têm “um dono”, um órgão que seja 100% encarregado.

Todo país que adotou essa postura acabou privilegiando determinada visão, na maioria

das vezes voltada para a segurança pública.

A maciça maioria dos migrantes quer a integração no mercado de trabalho. Essa

é a sua razão de migrar. Por isso, cremos que os Ministérios Trabalho devam ter um

papel central nesta questão. Este papel deve, claro, ser exercido dentro de sua

competência, sua atribuição principal. No caso do Ministério do Trabalho, nossa visão é

de que aqui é o orgão das migrações laborais, não mais do que isso. E aqui nós nos

sentimos bem à vontade em estabelecer as políticas focadas nas migrações laborais.

Outras políticas não tem que estar aqui. Não é necessário que o CNIg seja o órgão que

decide tudo em todos os aspectos em relação às migrações. Agora, nessa visão deve

haver uma estrutura de coordenação intensa, senão ocorrem sobreposições, que geram

conflitos, que não é o mais adequado.

Cremos que a experiência do CNIg é de muita coordenação entre os orgãos que

desempenham funções na questão migratória. Por exemplo, no final de 2013

articulamos junto ao CONARE a regularização definitiva de 4.500 imigrantes que

estavam com pedidos pendentes naquele órgão. O CONARE entendia que não eram

refugiados, mas nós entendíamos que eram trabalhadores migrantes que não deveriam

sair do país, então isso foi encaminhado de forma coordenada para uma regularização

migratória.

O caso dos haitianos, nós entendemos que era uma questão humanitária. Por

outro lado, são migrantes que vieram ao Brasil em busca de trabalho. Então se buscou

soluções conjuntas entre o MTE/CNIg, o Ministério das Relações Exteriores e o

Ministério da Justiça. Então, não nos parece que haja um processo de descoordenação

entre os Ministérios. Claro que há espaço melhorar a coordenação, dentro dos limites

das competências de cada orgão. O Ministério do Trabalho não tem nenhuma vocação,

não tem nenhuma diretriz em assumir coisas que vão além do tema do trabalho.

Portanto, cremos que há um desafio em construir um sistema que melhore a

coordenação entre os Ministérios e que aprimore a forma democrática que o Brasil

desenvolveu para regular as migrações.

AT: “Nessa questão, além da melhorar a definição das competências de

cada órgão o senhor consegue ver outras lacunas nessa articulação hoje que

poderiam ser supridas?

Existe a lacuna das políticas de integração. Neste aspecto, cremos que está

claríssimo que o Brasil não tem uma política. Primeiro há uma lacuna legal. Falta uma

Lei para regular esta questão e estabelecer competências, seja da União, sejam dos

estados e municípios. Depois, falta uma política específica. A política orienta a ação dos

orgãos, para que os operadores entendam as diretrizes do seu trabalho, por exemplo, o

órgão que é responsável pela emissão de documentos de identidade deve ter a exata

noção de como tratar e atender aos migrantes, dentro de uma política claramente

estabelecida de proteção de direitos. Então, a ausência da Lei e de uma política são

lacunas importantes. Nós criamos diretrizes que permitem mais migração ao Brasil,

então deve haver uma política específica para a recepção e a acolhida dessas pessoas,

que articule ações de diferentes órgãos a nível federal, mas também seja articulada com

estados e municípios. Essa política deveria responder a questões que hoje levam muitos

migrantes recém-chegados a depender da assistência social ou mesmo da caridade ou da

ação de instituições ligadas às igrejas, que, aliás, no Brasil fazem um belíssimo trabalho

na questão migratória. Defendemos, entretanto, que o Estado tenha uma maior presença.

AT: “Minha última pergunta - se o senhor poderia oferecer sugestões

específicas que possam aprimorar esse mecanismo e quais as tendências para os

próximos anos para a política nacional de migração no Brasil?”

Aprimoramento de mecanismos nós já estamos tratando. O Ministério da Justiça

tem feito um bom trabalho, articulando outros orgãos. Nós estamos desenvolvendo uma

série de oficinas de trabalho buscando articular melhor o processo de acolhida, entre

assistência social, qualificação profissional, por meio da oferta de cursos específicos via

PRONATEC, emissão de documentos e acesso ao emprego, com a ideia de criar

protocolos de atendimento, onde cada orgão entenda com clareza seu papel, ainda que

não haja um marco normativo estabelecido. Em outubro de 2014, realizamos a primeira

oficina de trabalho em São Paulo, envolvendo estado e município, e nos próximos

meses faremos outras, principalmente nos estados da região sul.

Prever o futuro em termos de fluxos migratórios é muito difícil. Não prevíamos

que em 2008-2009 haveria uma mudança tão grande. Nossa percepção é de que os

fluxos migratórios são muito dinâmicos. Qualquer mudança de cenário, do país ou da

região ou mesmo no plano global, tem impacto nas migrações. Então é difícil dizer o

que vai acontecer. Agora, mantidas as atuais circunstâncias, principalmente às que

permitem que o Brasil continue com baixo desemprego, continue gerando postos de

trabalho e garantindo melhores condições de vida a sua população, é provável que

venhamos a passar por uma situação que nos países desenvolvidos já tem ocorrido há

vários anos, que é a existência de postos de trabalho que os trabalhadores brasileiros já

não desejam mais ocupar. Essa situação está acontecendo em alguns setores econômicos

e em algumas regiões brasileiras. Quem está assumindo esses postos de trabalho são os

imigrantes, são os haitianos, são os senegaleses, são eles que estão chegando. Então,

mantida essa circunstância, é provável que as migrações no Brasil tendem a aumentar

nos próximos anos. O Brasil está se transformando em polo de atração de imigrantes,

pois há países que, infelizmente, continuam sendo polos de “expulsão” de pessoas, por

razões variadas, principalmente econômicas, ligadas à pobreza. Essa maior atração de

pessoas tem sua intensidade multiplicada pelo fenômeno da formação das redes, pois

essa é uma característica das migrações. Os migrantes que chegam vão formando redes

de contato entre pessoas, que vão formando comunidades, onde cada migrante se

comunica com 10, 20 outros potenciais migrantes e essas pessoas vêem a oportunidade

e decidem migrar e isso vai se expandindo. Há um efeito multiplicador ao longo do

tempo (tanto para aumentar as migrações, quanto para diminui-la). Além do efeito da

reunião familiar, ou seja, do migrante que depois de certo tempo traz a família. Se

formos checar os dados, por exemplo, dos haitianos em 2010 quando começou a

migração depois do terremoto, quase multiplicou por dez, ano a ano, o número de

haitianos que aqui chegam. No final de 2014 perto de 50 mil haitianos já estavam no

Brasil. Ao lado dos haitianos há uma nova corrente migratória oriunda de países

africanos, que certamente vai passar pelo mesmo processo. Há limites, porque são

migrações que dependem, como falamos não só do cenário econômico, mas também do

cenário das políticas regionais, já que são migrantes que chegam passando por outros

países sul-americanos. Há ainda a questão do custo das migrações, havendo limites, já

que é processo migratório caro, envolvendo passagem aérea e outros recursos para a

viagem. Então há limites que podem impactar no número final no futuro, mas cremos

que no curto prazo a tendência é de aumentar as migrações ao Brasil.

AT: “Muito obrigado pela entrevista”

Anexo

As Migrações Internacionais no Brasil sob uma perspectiva jurídica: análise da legislação

brasileira sobre estrangeiros entre os séculos XIX e XXI

Legislação Migratória Brasileira – Quadro Cronológico

(Disponível separadamente no sumário da Revista “Cadernos do Observatório das

Migrações Internacionais”)