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A Oxfam Internacional, a Central Única dos Trabalhadores-CUT, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura- Contag e o Observatório Social se uniram no esforço de mostrar o lado social da crise no Brasil, coordenando uma reportagem que buscou dar voz àqueles que são menos escutados – homens e mulheres que estão sofrendo cotidianamente. A reportagem mostra uma visão geral da crise, a forma como se desenvolve o trabalho humano na cadeia produtiva e os caminhos do café. A segunda parte está voltada para a apresentação das propostas destes parceiros, tanto nacionais quanto globais. A terceira parte incorpora o posicionamento das transnacionais.

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Page 1: Café do Brazil: o sabor amargo da crise
Page 2: Café do Brazil: o sabor amargo da crise

CAFÉ DO BRA ILZ

O SABOR AMARGO DA CRISE

EDITORAMaria José H. Coelho (Mtb 930 Pr)

REPORTAGEM

TEXTO FINAL

REPORTAGEM FOTOGRÁFICA

PROJETO GRÁFICO & DIAGRAMAÇÃO

Dauro Veras (SC 00471-JP)Débora F. Lerrer (RS 7399/33 -JP)

Dauro Veras (SC 00471-JP)

REVISÃOCristiane MateusSandra Werle (SC 00515-JP)

Sérgio Vignes (SC 00249 RF)

FOTOGRAFIAS

Rosane Lima (pg 5) Giel van den Hoven (pg 5 e 51)

Coordenação de Comunicação do OS

UM TRABALHO REALIZADO POR

www.observatoriosoc ial.org.br

Banco de Imagens do OS

SETEMBRO DE 2002Florianópololis - SCBrasil4.000 exemplaresGráfica Agnus

BRASIL

O Observatório é uma organização que estuda o comportamento de empresas multinacionais em relação aos direitos fundamentais dos trabalhadores. Esses direitos estão assegurados, principalmente, nas convenções da Organização Internacional do Trabalho que tratam da liberdade sindical, negociação coletiva, trabalho infantil, trabalho forçado, discriminação de gênero e raça, meio ambiente e saúde e segurança ocupacional.

(OIT)

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APRE

SENT

AÇÃOEm abril de 2002, a Oxfam Internacional lançou

globalmente a campanha Comércio com Justiça, quetrata das relações entre o comércio e a pobreza. Comoparte desta iniciativa, está sendo lançada a campanha“O que tem no seu café?”. Ela busca revelar o que estápor trás da crise mundial do produto e quem são osmais negativamente afetados pela desregulamentaçãodas commodities.A Oxfam Internacional se associou no Brasil à CentralÚnica dos Trabalhadores (CUT) e à ConfederaçãoNacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag),que também já vinham se dedicando ao assunto, paraatuarem conjuntamente no enfrentamento dessarealidade. As três instituições chamaram oObservatório Social a se unir no esforço de mostrar olado social da crise no Brasil, coordenando umareportagem que buscou dar voz àqueles que são menosescutados – homens e mulheres que estão sofrendocotidianamente.Este documento se divide em três partes. A reportagemmostra uma visão geral da crise, a forma como sedesenvolve o trabalho humano na cadeia produtiva eos caminhos do café. A segunda parte está voltada paraa apresentação das propostas destes parceiros, tantonacionais quanto globais. A terceira parte incorpora oposicionamento das transnacionais – atores que cadavez mais limitam as escolhas e a independência daspessoas.Espera-se que essa contribuição seja um instrumentode mobilização tanto da sociedade quanto do Estado naefetiva implementação de políticas públicas querevertam as conseqüências nefastas de um comércioinjusto, no qual os principais prejudicados são ossetores historicamente excluídos.Setembro de 2002

ContagCUTOxfam Internacional

CAFÉ DO BRA ILZ

O SABOR AMARGO DA CRISE

Page 4: Café do Brazil: o sabor amargo da crise

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ÍndicePARTE 1 REPORTAGEMIntrodução _______________________________________ 4Visão geral da crise _________________________________ 7Trabalho na cadeia produtiva ___________________________ 23Caminhos do café __________________________________ 31

PARTE 2 PROPOSTAS PARA A CRISE DO CAFÉPropostas dos agricultores familiares e assalariados rurais _______ 44Um plano de resgate para o café ________________________ 46

PARTE 3O que dizem as corporações ___________________________ 51

AgradecimentosEsta reportagem foi realizada por Dauro Veras, Débora F. Lerrer e o fotógrafo Sérgio Vignes. Os autoresagradecem o precioso apoio da equipe da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Con-tag), da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e da Oxfam, bem como de lideranças sindicais, especia-listas, cafeicultores, representantes de entidades do setor, funcionários públicos e trabalhadores assalaria-dos. Agradecimento particular a Astrid van Unen, Céline Charveriat, Cézar Barbieri, Constantino Casas-buenas, Gerônimo Brumatti, Kátia Maia, Laura Tuyama, Osvaldo Teófilo e Sophia Tickel.

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5Cândido Portinari, pintor (1903-1962)

““Impressionavam-meos pés dos

trabalhadores dasfazendas de café.

Pés que podem contaruma história

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FAté chegar ao consumidor final, o café

deixa de ser commodity (produto primário)para se transformar em um artigosofisticado, que combina sabores de váriasregiões do mundo. De cada cem xícarasvendidas nos países desenvolvidos, menosde duas correspondem à remuneração doscafeicultores. No início dos anos 90,segundo a Organização Internacional doCafé (OIC), as vendas mundiais de café novarejo eram de US$ 30 bilhões por ano e ospaíses produtores ficavam com um terço(de US$ 10 a 12 bilhões). Em 2001, dos US$70 bilhões movimentados com café, apenasUS$ 5,5 bilhões chegaram aos paísesprodutores. Em uma década o negócio maisque duplicou, mas o rendimento de quem

Fim de tarde em Amsterdã, Holanda. Mario vander Luijtgaarden toma um café expresso ao sair de seulocal de trabalho. Ele paga 1,70 euro1 pela xícara e aconsome em alguns minutos. A 9 mil quilômetros dedistância, Maria da Penha Gonçalves trabalha duropodando uma lavoura de café em GovernadorLindenberg, Espírito Santo, Brasil. Ao final de umajornada de até 12 horas, ela ganha uma diária de R$5,00 - mesmo valor do café expresso e metade do queganha seu marido, também trabalhador rural. Entre asmãos feridas de Maria e a xícara fumegante de Mario, ocafé percorre um caminho que enriquece poucos emantém muitos na pobreza.

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produz caiu pela metade e a participaçãonos ganhos ficou quatro vezes menor2 .

A crise teve origem nos processos deajuste da cafeicultura mundial a partir daruptura do Acordo Internacional do Café em1989. Até então o comércio do café eraadministrado - havia um equilíbrio entreoferta e demanda. A partir daí, passou a serregido pelo mercado. Ao mesmo tempo, asempresas torrefadoras transnacionaisassumiram o papel de protagonistas nestecenário, concentrando os lucros adquiridosatravés da transformação dos grãos verdesem café torrado e moído ou em caféinstantâneo. As quatro principaistorrefadoras do mundo – Nestlé, KraftFoods, Procter & Gamble e Sara Lee -passaram a definir o funcionamento domercado de varejo, através de marcasamplamente conhecidas. Junto com aquinta maior torrefadora, a Tchibo, quecomercializa o produto na Alemanha, elascompram quase a metade da oferta mundialde café em grão3. No Brasil, a Sara Leedomina um quarto do mercado interno detorrefação4 e a Nestlé lidera o mercadointerno de café solúvel5.

O quadro é agravado pelo excesso deprodução. Nos últimos três anos o preço docafé caiu quase 50%, atingindo o nível maisbaixo em três décadas e empobrecendo 25milhões de produtores em todo o mundo. Acrise traz prejuízos a mais de 3 milhões debrasileiros no campo. Se incluída toda acadeia produtiva do café, os reflexospodem atingir mais de 8 milhões de homense mulheres6. Os agricultores que cultivamoutras commodities também são

prejudicados por um modelo de comérciobaseado em regras desiguais. Barreirastarifárias e impostos criados pelosgovernos dos países desenvolvidosdificultam o acesso aos seus mercados dasexportações originárias de paísesperiféricos. Levantamento da Câmara deComércio Exterior do Brasil (Camex), porexemplo, aponta que o agronegóciobrasileiro perde US$ 7,8 bilhões por anocom o protecionismo. Só no café essasperdas chegam a US$ 1,8 bilhão7 .

No caso do Brasil, outro agravante é aconcentração de renda, uma das piores domundo segundo o Programa das NaçõesUnidas para o Desenvolvimento (PNUD). Emuma lista de 116 nações, o Brasil só perdepara os países africanos de Serra Leoa,República Centro-Africana e Suazilândia8 . Amá distribuição de recursos no campoamplia as desigualdades sociais. Embora osagricultores familiares representem 85% dototal de estabelecimentos rurais, ocupemum terço da área total e sejam responsáveispor 38% da produção agropecuárianacional, recebem apenas 25% dofinanciamento destinado à agricultura9 .

Nesta reportagem você encontraráalguns aspectos relevantes sobre a crise docafé e histórias de vida que são exemplosda situação desastrosa no setor. O objetivoprincipal é dar voz aos diversos atoressociais envolvidos na problemática do café,de forma a contribuir para o debate e abusca de ações concretas. Também sepretende despertar na mídia e nospesquisadores o interesse em aprofundartemas que, por motivo de tempo e espaço,são abordados aqui de maneira genérica.Nos bastidores da crise social do café hámuitas outras histórias a serem contadas.

Cafeicultores ganham menos de 2% do preço final da xícara

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Os consumidores europeus pagam caro pelo caféG

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1 A taxa utilizada para a conversão entre euro e real é a cotação média do dia 20/08/2002, em que 1 euro = 3 reais.2 The global coffee crisis - a threat to sustainable development. Londres, 25/08/2002. Estudo do diretor executivo da OIC (Organização

Internacional do Café), Néstor Osório, apresentado na Cúpula Mundial de Desenvolvimento Sustentável em Johanesburgo - agosto de 2002.http://www.ico.org/ed/crisis.pdf.

3 Informações constantes do relatório de Oxfam Internacional Pobreza em sua xícara: o que há por trás da crise do café, setembro de 2002.4 RIAS (Rabo International Advisory Services). Raising the income of coffee growers. Estudo publicado em julho de 2002 por solicitação do

Departamento de Desenvolvimento Econômico Sustentável do Ministério de Relações Exteriores da Holanda. http://www.minbuza.nl/english/.5 ABICS (Associação Brasileira das Indústrias de Café Solúvel).6 FAEMG (Federação da Agricultura do Estado de Minas Gerais), estimativa 2002, conforme documento Agronegócio do Café.7 Folha de S.Paulo, 19 de agosto de 2002, página B-1.8 PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) - Relatório de Desenvolvimento Humano 2002 - http://www.undp.org.br/; Folha

de S. Paulo, 24/07/2002, página A-10.9 Novo retrato da agricultura familiar - o Brasil redescoberto. Incra/FAO 2000. http://www.incra.gov.br/sade/doc/AgriFam.htm.

Referências

Quando o texto se refere genericamente a trabalhador, produtor rural, agricultor, cafeicultor, exportador etc., os termos se aplicam aosgêneros masculino e feminino.

A conversão de moedas utiliza a cotação média do dia 20/08/2002 (US$ 1,00 = R$ 3,10; 1 euro = R$ 3,00).

Notas

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Visão geralDA CRISE

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a) Os números sobre a cafeicultura noBrasil ainda são precários quanto aopapel da pequena produção/agriculturafamiliar e, principalmente, quanto aostrabalhadores assalariados fixos esazonais. Muitas propriedades de cafécontam com a presença de outrasfamílias (meeiros/parceiros), que nemsempre são incluídas nas estimativas.É importante fazer essa ressalva paraos dados que serão utilizados ao longodesta reportagem.

b) Ministério da Agricultura/Conab(Companhia Nacional deAbastecimento) - estimativa 06/2002.

c) FAEMG (Federação da Agricultura doEstado de Minas Gerais) - estimativa2002.

d) Estima-se que no período da colheitasão empregados cerca de 3 milhões detrabalhadores sazonais.

e) Filiadas à OCB (Organização dasCooperativas Brasileiras) - 2001. Nemtodas as cooperativas são vinculadas àentidade.

f) ABIC (Associação Brasileira dasIndústrias de Café) - 2001.

g) FAEMG - estimativa 2001.

h) Estima-se que cerca de dois terçosdessas propriedades sejam de pequenoporte.

i) ABICS (Associação Brasileira dasIndústrias de Café Solúvel) - 2002.

j) CECAFÉ (Consellho dos Exportadoresde Café Verde do Brasil) - Estimativa2002.

Uma supersafrade problemas

Uma supersafrade problemas

CAFEICULTURA BRASILEIRA EM NÚMEROSa

Parque cafeeiro e área - Em formação: 1bilhão de pés, 314 mil ha*ocupadab - Em produção: 4,9 bilhões de pés,

2,3 milhões de hectares

Distribuição geográficac 11 estados e 1.850 municípios

Postos de trabalho geradosc 8,4 milhões (direta e indiretamente)d

Principais estados produtoresb Minas Gerais (50,8%), Espírito Santo(20,1%), São Paulo (12,4%) e Bahia (4,4%)

Cooperativas em atividadee 49 (28% do mercado de café)

Safra atual estimadaa 44,7 milhões de sacas(ano-safra julho 2002 / junho 2003) - Arábica: 35 milhões

- Robusta: 9,7milhões

Safra passada (2001/2002)a 27,6 milhões de sacas

Produtividade médiaa 19 sacas por hectare

Consumo internof 13,6 milhões de sacas

Consumo per capitaf 4,8 Kg/habitante/ano

Propriedades produtorasg 300.000h

Torrefadoresf 1.336

Marcasg 3.000

Indústrias de solúveli 9

Exportadoresc 220

Exportaçõesj 24,3 milhões de sacas (21,8 milhões decafé verde, 2,5 milhões de solúvel e 25.809sacas de torrado): 54,5% da safra

* Um hectare equivale a 10 mil metros quadrados.

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Comerciantes descapitalizados quebram por fal-ta de clientes. Cafeicultores abandonam as lavouras -que se tornam focos de pragas -, demitem os emprega-dos e vendem bens para pagar empréstimos bancários.Parceiros3 e arrendatários desistem do campo e en-grossam o número de migrantes nas periferias das ci-dades. A bomba-relógio parece estar armada para oinício de 2003, quando a safra tiver terminado de es-coar. Nessa altura, o novo governo do Brasil pode sedefrontar com uma situação muito grave na cafeicul-tura. A perspectiva é de uma entressafra sem dinheiro,seguida de uma safra pequena - os cafezais alternamprodução alta em um ano e baixa no seguinte - e novaentressafra descapitalizada.

O que significa a crise atual do café? Quais sãosuas dimensões sociais? Para buscar essas repostas,durante dois meses nossa equipe entrevistou diversaspessoas envolvidas com o assunto: assalariados rurais,agricultores familiares, parceiros, comerciantes legaise clandestinos, médios e grandes fazendeiros, exporta-dores, industriais, sindicalistas, economistas, médicos,autoridades governamentais e outros. Foram percorri-das as regiões cafeeiras do Sul de Minas Gerais e Es-pírito Santo, os dois principais estados produtores, eobservadas as dificuldades dos cafeicultores.

Trabalho degradante, contaminação por agro-tóxicos, má alimentação e desemprego são realidadescada vez mais presentes no cotidiano rural. Há tam-bém manifestações de esperança e de criatividade.Mesmo sem apoio em crédito e tecnologia, pequenosprodutores investem na diversificação de culturas

O Brasil vai colher no ano-safra 2002/2003a maior quantidade de café de suahistória: 44,7 milhões de sacas de 60quilos, segundo as estimativas oficiais1.Líder na produção e exportação doproduto agrícola, o país obteve tambémuma grande evolução de produtividade:19 sacas por hectare, contra 14 sacas/haem 2001 e 13,6 em 2000. A supersafravirou manchete, mas um dado vital ficouofuscado pelos números: os produtoresnão têm o que comemorar. Os preçosestão hoje no patamar mais baixo dosúltimos 30 anos. De 1997 para cá o cafébrasileiro perdeu metade de seu valor.Com isso, caiu também a renda no campoe já se percebem diversos sinais de alertanas regiões cafeeiras. A crise atingetambém os demais países produtores2.

Trabalhadores em lavoura de café no Espírito Santo

Maria da Penha Gonçalves, trabalhadora rural.

““Eu durmopensando napanela vazia.O café só nosdeu desgosto.

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como alternativa de renda e para garantir a segurança alimen-tar. A cafeicultura orgânica tem se mostrado um nicho de mer-cado viável para alguns, apesar dos obstáculos que limitam oacesso a esse mercado. Tanto entre os assalariados como entreos agricultores familiares, empresários e profissionais ligadosao café, há pessoas interessadas em encontrar saídas para acrise. Essa reação é ainda um tanto desarticulada, mas avança.

Por que a produção cresceuuO café está valendo pouco por uma combinação de ofer-

ta abundante com estagnação do consumo mundial e altos es-toques dos importadores. Esses três fatores não encorajam umarecuperação de preços a curto prazo, segundo avaliação da

Ronaldo Chisté, agricultor familiar.

““Há cinco anos, com umasaca de café eu

comprava um boi.Hoje preciso de cinco

sacas.

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Organização Internacional do Café (OIC). Enquanto a produ-ção mundial tem crescido a uma média anual de 3,6%, a de-manda aumenta apenas 1,5%. Em 2001/02 (outubro a setem-bro) a produção é estimada em 113 milhões de sacas e o consu-mo, em 106. Os estoques mundiais são superiores a 40 milhõesde sacas - suficientes para manter o mercado internacionalabastecido por vários meses, o que reduz o poder de barganhados produtores4.

As geadas ocorridas em julho de 1994 em Minas Geraisfizeram a produção brasileira cair, elevando os preços mundi-ais. Houve então uma corrida para plantar café no Brasil, Vie-tnã, Indonésia, México e outros países. Como os pés atingem opico da produção a partir do quinto ano, o excesso está ocor-rendo agora. Em poucos anos o Vietnã tornou-se o segundomaior produtor de café. Estimativa da OIC para a safra 2002/2003 aponta um recorde de produção mundial, com o Brasilrespondendo por cerca de 37% e Colômbia e Vietnã por 9%cada um. Os três países juntos terão mais da metade da produ-ção global. A febre da monocultura mostrou-se um erro, poismuitas propriedades familiares deixaram de lado a produçãode alimentos e se endividaram para ampliar lavouras.

Em 1994 uma saca de café arábica na região de AltaMogiana (SP) chegou a valer de US$ 150 a 200. Atualmenteoscila em torno de US$ 35 a 40. A diária do trabalhador assa-lariado na região, que na ocasião chegou a US$ 18, hoje nãoatinge os US$ 65. Em outros lugares essa diária é ainda menor.Em agosto de 2002 um assalariado rural no Espírito Santo es-tava recebendo cerca de US$ 3 por dia e uma mulher assalari-ada, a metade disso. Um pequeno proprietário que cultiva caférobusta (conillon) com a família no estado compara: há cincoanos uma saca era suficiente para comprar um boi de sete arro-bas (105 kg). Hoje o agricultor precisa de cinco sacas paracomprar a mesma quantidade de carne6.

De cada 100 xícaras de café vendidas nospaíses desenvolvidos,

menos de duascorrespondem à

remuneração doscafeicultores.

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Controle da oferta em debate

O tema do gerenciamento da oferta é polê-mico. Não é fácil abandonar o café, produto quepossui algumas peculiaridades: é cultura perene,cujos investimentos de plantio não são recompen-sados no curto prazo; tem safra bienal - isto é, oscafezais alternam uma safra boa com uma inferi-or - sujeita a problemas climáticos. A maioria dosprodutores é altamente dependente da cafeicultu-ra, por motivos culturais e econômicos. Além dis-so o café pode ser armazenado durante alguns anossem perder a qualidade. Ele funciona como ver-dadeira moeda entre os produtores e é objeto denegócios futuros - comercialização antes da co-lheita.

Propostas de retenção de café provocam dis-cussões acaloradas no setor, envolvendo argumen-tos técnicos, interesses econômicos e posições ide-ológicas. Desde 1989, após o colapso do AcordoInternacional do Café, a OIC perdeu o poder deregulação da oferta por meio de cotas e faixasacordadas de preços, deixando o tema para o li-vre mercado. Muitas críticas foram feitas a essesistema de cotas. Mas a realidade é que, de lá paracá, os preços não pararam de cair, exceto em 1995e 1997 por causa das geadas que prejudicaram assafras brasileiras. É premente a necessidade deuma intervenção para que o comércio da commo-dity não seja dominado por oligopólios.

Em 2000 a Associação dos Países Produto-res de Café (APPC) decidiu promover um pro-grama de retenção de 20% da produção, mas oplano não deu certo e foi severamente criticadopor muitos produtores e exportadores brasileiros7.O fracasso é atribuído, entre outras causas, à faltade compromisso dos produtores asiáticos com asmetas estabelecidas.

Adriene Barbosa de Faria, prefeita de Três Pontas epresidente da Associação

dos Municípios de Minas Gerais.

“O empobrecimento égeral e os serviços

sociais das prefeiturasestão sobrecarregados.

Excesso de café

Produção mundial 2001/2002 • 113 milhões de sacas• Crescimento médio de 3,6% ao ano

Consumo mundial 2001/2002 • 106 milhões de sacas• Crescimento médio de 1,5% ao ano

Estoques mundiais • 40 milhões de sacasFonte: OIC - estimativa de outubro de 2001 a setembro de 2002

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Não se pode dizer que todas as abordagenspossíveis estejam destinadas ao insucesso. A pró-pria OIC defende uma proposta, regida por me-canismos de mercado, que busca reduzir a quan-tidade do café comercializada. O plano se baseiano estímulo à qualidade. Qualquer iniciativa quevise a um melhor equilíbrio entre oferta e deman-da, no entanto, só vai funcionar se tiver a parti-cipação dos países produtores, dos países consu-midores e das torrefadoras.

A força dos oligopólios

Nesse contexto de excesso de oferta, as cor-porações que dominam o mercado mundial de tor-refação e distribuição vêm obtendo grandes be-nefícios. Elas atuam em larga escala e formamoligopólios, segundo alguns estudos8. O fenôme-no da concentração acentuou as fragilidades dosprodutores menos articulados, principalmente dospequenos. “Primeiro ocorreu uma concentraçãodos comerciantes; depois começou a existir umaconcentração dos torrefadores e, em seguida, dosdistribuidores” , explica o professor RenatoFlôres Júnior, da Escola de Pós-Graduação em

Economia da Fundação Getúlio Vargas. Ele afir-ma que o processo se deu em ondas sucessivas.

“Hoje em dia existe um oligopólio de co-merciantes e um outro, muito pequeno, de torre-fadores, dos quais uma parte também pertenceao oligopólio dos produtores/distribuidores. Ehá também uma novidade, que é a entrada dasgrandes cadeias de supermercados com marcaspróprias”, diz o economista9. Por outro lado, oscafeicultores familiares não dispõem de informa-ções suficientes sobre mercado, tecnologia, capi-tal, logística de transporte e armazenamento, nemcapacidade de investir na criação e divulgaçãode suas marcas. Em conseqüência, têm custosmaiores para atingir o mercado externo e nãoconseguem concorrer com as corporações.

“É um perverso critério de especializa-ção”, assinalou o então ministro da fazenda daColômbia, Juan Manuel Santos, em pronuncia-mento no Conselho Geral da OIC no dia 21 demaio deste ano: “Os países produtores do Sul seespecializam em altos níveis de miséria e emassumir os riscos; os países desenvolvidos seespecializam em comercializar com plena cober-tura. Isto é, não só os mercados não funcionam,como a relação custo-benefício terminou inver-tida: quanto menor o risco, maior o lucro”.

Depois da colheita, o café passa por um processo de secagem e beneficiamento

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Comerciante classifica café que será vendido aos exportadores

Perfil da cadeiado café no Brasil

Maior produtor mundial de café, o Brasil se dis-tingue dos demais por ser também um grande consu-midor - o segundo maior do mundo, atrás apenas dosEstados Unidos. Em 2001 os brasileiros consumiram13,6 milhões de sacas de 60 kg, uma média de 4,8 kgpor pessoa (em grãos)10. O café é símbolo de hospita-lidade e estimulante diário em milhões de residências elocais de trabalho. Seu cultivo está profundamente vin-culado à história e à cultura do país. Existe entre osagricultores e a planta uma relação afetiva que é mui-tas vezes decisiva quando enfrentam o dilema de optarou não pela conversão da lavoura.

Outra peculiaridade é o peso relativamente pe-queno do café na economia brasileira: menos de 3%das receitas de exportação11. Isso reduz a vulnerabili-dade à variação dos preços, em comparação com paí-ses como Burundi (79% das exportações), Etiópia(54%), Uganda (43%) e Honduras (24%)12. Mas háuma semelhança fundamental entre o Brasil e os de-mais produtores: a relevância social do café como ge-rador de emprego e renda. A cadeia produtiva movi-menta em torno de US$ 1,6 bilhão por ano (4,5% doPIB agropecuário) e é responsável por cerca de 8 mi-lhões de postos de trabalho diretos e indiretos13.

Onze estados e 1.850 municípios brasileiros cul-tivam café. Minas Gerais é o principal estado produ-tor, seguido de Espírito Santo, São Paulo, Bahia e Pa-raná. O número de propriedades rurais cafeeiras é es-timado entre 221 mil14 e 300 mil15. Ainda que sem umaindicação oficial definitiva, calcula-se que mais de doisterços dessas propriedades estejam produzindo atra-vés da agricultura familiar. Apesar da intensificação eexpansão das áreas plantadas em grandes lavourasmecanizadas, a produção de café continua a ter impor-tância social relevante.

Perfil da cadeiado café no Brasil

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Agricultura familiarA agricultura familiar é a principal geradora

de postos de trabalho no meio rural. Mesmo dispon-do de menos de um terço da terra, emprega 77% daforça de trabalho ocupada - cerca de 13,8 milhõesde pessoas. É o que demonstra um estudo realizadoem 2000 pelo Instituto Nacional de Colonização eReforma Agrária (Incra) em parceria com a Orga-nização das Nações Unidas para Alimentação eAgricultura (FAO)16. O segmento corresponde a 85%dos estabelecimentos rurais do Brasil e responde por38% da produção agropecuária nacional. Entretan-to, recebe só um quarto do financiamento destinadoà agricultura no país.

Conforme a pesquisa do Incra e da FAO, aagricultura familiar produz 25% do café brasileiro.Esse índice varia segundo a região do país. No Sulchega a 43%; no Centro-Oeste 63%; no Norte 94%;no Nordeste 23% e no Sudeste, maior região produ-tora, 23%. Essas pequenas unidades de produçãosão cultivadas não só pelos donos, como tambémpor parceiros, arrendatários e assalariados rurais.Quando há espaço, é comum que filhos casados con-tinuem trabalhando na mesma terra. O estudo apon-ta que as propriedades rurais de perfil familiar, sedevidamente apoiadas com crédito e tecnologia, têmmuitas vantagens em relação às grandes fazendas:são mais produtivas, economicamente viáveis e pre-servam melhor o meio ambiente.

Mas os agricultores familiares que têm no cafésua principal fonte de renda vêm perdendo espaçopor falta de apoio. Enfrentam enormes obstáculos,como falta de produção em escala; dificuldade deacesso ao mercado; ação dos intermediários e au-sência de uma política agrícola que facilite acesso anovas tecnologias, assistência técnica, financiamentopara infra-estrutura e custeio de safra. Pelas carac-terísticas de sua forma de produção e com apoio téc-nico, a agricultura familiar poderia estar gerandocafé de melhor qualidade, um dos desafios que es-tão colocados para o café nacional.

O perfil da produção brasileira tem se altera-do nos últimos anos, com tendência para a concen-tração17. Na lógica do mercado, cafeicultores pou-co competitivos estão deixando o setor por falta decondições de se manter. Ao mesmo tempo, grandesprodutores têm feito altos investimentos em meca-nização e irrigação, especialmente em novas fron-teiras agrícolas nos estados da Bahia e Minas Ge-rais. A mecanização tem tirado postos de trabalhono campo e provocado efeitos negativos na rendados agricultores familiares.

Assalariados ruraisExistem hoje no Brasil cerca de 5 milhões de ho-

mens e mulheres vendendo a sua mão-de-obra na agricul-tura, segundo a Confederação Nacional dos Trabalhado-res na Agricultura (Contag). A maioria exerce as ativida-des sem proteção de convenções ou acordos coletivos detrabalho. Muitos trabalhadores moram nas periferias dascidades e se deslocam quando surge serviço. Enfrentamproblemas graves, como remuneração baixa, discrimina-ção da mulher, analfabetismo, envenenamento por agro-tóxicos e diversas situações degradantes. O café é a se-gunda atividade rural que mais emprega à margem dalegislação, só perdendo para a pecuária, afirma o diretorde assalariados da Contag, Guilherme Pedro Neto: “Me-nos de 10% dos trabalhadores do café têm carteira assi-nada”.

Os assalariados rurais do Brasil podem ser classi-ficados em três grupos, segundo a forma de contratação:1,5 milhão estão contratados por tempo indeterminado -não necessariamente com carteira de trabalho. É o caso,por exemplo, dos que lidam com gado. Outros 1,5 milhãoatuam de quatro a oito meses por ano nas colheitas decana, algodão e frutas. Esses safristas são cobertos poracordo ou convenção coletiva de trabalho. O terceiro emais sacrificado grupo é formado por 2 milhões de indi-víduos que trabalham sem qualquer garantia, em emprei-tadas de curta duração - 10 a 20 dias - nas lavouras defeijão, tomate, caju e café, entre outras. Nômades, che-gam a percorrer três a quatro estados por ano, seguindo ociclo das culturas em uma via-crúcis de incerteza e sofri-mento. Recebem transporte, alojamento e alimentação dapior qualidade.

É desse contingente que saem os trabalhadores ali-ciados para o regime de escravidão, uma prática cruelque persiste em pleno século 21. O trabalho escravo secaracteriza quando o empregador usa ameaças ou violên-cia para manter os empregados em sua propriedade. Elessão obrigados a comprar comida e roupas na própria fa-zenda por preços altos. Como jamais conseguem pagarsuas dívidas, são impedidos de deixar as propriedades esubmetidos a jornadas exaustivas. O Ministério do Tra-balho tem atuado junto com o Ministério Público em fis-calizações para flagrar os infratores, mas a punição doscriminosos pela Justiça raramente acontece.

Embora a escravidão não seja uma prática disse-minada na cafeicultura brasileira, o número de casos de-nunciados ultimamente traz preocupação. O diretor deassalariados da Contag informa que em 2001 a cafeicul-tura ficou entre as cinco atividades agrícolas onde foramnotificados mais casos de trabalho escravo. No estado doEspírito Santo, segundo maior produtor de café do país, afiscalização constatou o delito em cinco propriedades.

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Metade dos empregos gerados pelo café noBrasil se encontram em Minas Gerais, que lidera aprodução nacional. O café movimenta anualmenteUS$ 800 milhões no estado - 18% do PIB agropecu-

Onde o café

ário mineiro - e gera 4,6 milhões de postos de tra-balho diretos e indiretos18. Quase todo o cultivo noestado é da variedade arábica, de qualidade superi-or e bem aceito nos mercados consumidores. A mai-or parte da produção mineira de café se concentrano Sul do estado a uma altitude média de 950 me-tros, em topografia irregular. O Cerrado Mineiro éuma região de cultivo recente, com fazendas queinvestem na produção mecanizada em larga escala.

A cafeicultura foi inserida no Sul de Minasna metade do século 19 em grandes propriedades,que deram origem a diversos municípios. Algumasdas principais cidades produtoras de café são TrêsPontas, Guaxupé, São Sebastião do Paraíso, Vargi-nha, São Tomás de Aquino, Itamogi, Alpinópolis eSanta Rita do Sapucaí. A região viu suas planta-ções crescerem vertiginosamente a partir de 1976,financiadas pelo governo brasileiro depois da que-bra histórica da safra do Paraná com a geada de1975.

CAFEICULTURA DE MINAS GERAIS EM NÚMEROS

Área cultivada 1 milhão de hectares- 99,8% arábica- 0,2% robusta

Propriedades rurais com café 150 mil (30% das propriedades mineiras)

População do estado 17,9 milhões

Empregos diretos e indiretos 4,6 milhões

Principais regiões produtoras - Sul de Minas (52,9%)- Alto Paranaíba e Triângulo [Cerrado] (18,7%)- Zona da Mata e Jequitinhonha (28,4%)

Municípios cafeeiros 697

Participação no PIB agropecuário do estado 18,18% (US$ 800 milhões)Fonte: FAEMG 2002

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brasileiro é cultivado

Mas o Sul de Minas também não é livre des-sa intempérie. A forte geada de 1994 reduziu a pro-dução no ano seguinte, contribuindo para um au-mento transitório de preços. Houve euforia e expan-são de lavouras, mas poucos anos depois, a crisevoltou a bater às portas dos 697 municípios minei-ros que cultivam café. Há informações sobre dimi-nuição de área plantada. Estima-se que 20% das la-vouras de Minas Gerais estão abandonadas e 30%recebem apenas os tratos mínimos - limpeza ou usolimitado de herbicida, sem adubação correta19.

Segundo maior produtor brasileiro de café,com um quinto do total, o Espírito Santo tem maisde 500 mil hectares cultivados. De cada dez propri-edades rurais capixabas, sete se dedicam à cafeicul-tura. A atividade é a maior empregadora do estado:gera 362 mil postos de trabalho no campo e 150 milindiretos. Uma característica marcante no modo deprodução é o cultivo de café por agricultores famili-ares que possuem menos de 10 hectares de terra.

Em metade das propriedades a lavoura é trabalhadano sistema de parceria, em que o meeiro cultiva aterra de um proprietário e eles dividem os rendimen-tos. As mulheres têm participação importante, re-presentando um terço da mão-de-obra empregada20 .

O café foi responsável pelo desenvolvimentode diversas cidades capixabas, como Linhares, SãoMateus, Nova Venécia, São Gabriel da Palha, VilaValério, Águia Branca, Colatina e São Domingosdo Norte. De início a variedade arábica era a maisplantada, mas cedeu espaço ao café robusta, maisresistente a climas quentes e secos, que hoje repre-senta 60% da produção do estado. É comum o usode irrigação pelos produtores, mas poucos empre-gam máquinas, por causa da topografia acidentada,do baixo poder aquisitivo e da área pequena das ter-ras. O estado está suscetível à ocorrência de doen-ças e pragas, como cochonilha da roseta, cochoni-lha da raiz, ferrugem e broca21. Somente 5% daspropriedades recebem adubação completa22.

CAFEICULTURA DO ESPÍRITO SANTO EM NÚMEROS

Área cultivada 526.810 ha 40,4% de arábica 59,6% de robusta

Tamanho médio das lavouras 9,37 hectares

Propriedades rurais com café 56.169 (68,2% das propriedades capixabas)

População do estado 3,1 milhões

Empregos diretos e indiretos 500 mil

Pessoas envolvidas na produção Total: 362.340 (65,8% homens e 34,2% mulheres)(gênero e forma de trabalho) Fixa - familiar: 86.050

Fixa - contratada: 48.170Temporária - colheita: 159.890Temporária - fora da colheita: 38.230

Perfil da mão-de-obra Arábica: 52.687 famílias 44% proprietários 51% parceiros 5% empregados

Robusta: 78.031 famílias 47% proprietários 47%parceiros 6%empregados

Fonte: CETCAF 2002

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São Paulo, estado cujos cafezais financiaram aindustrialização brasileira, hoje tem somente 12,4% daprodução nacional. Suas plantações se concentram naregião Mogiana, no Norte. Os principais municípiosprodutores são Franca, Cristais Paulista, Jeriquara,Pedregulho, Rifaina, Itirapuã, Patrocínio Paulista, SãoJosé da Bela Vista, Altinópolis, Batatais e Restinga.Todas essas cidades se desenvolveram a partir da cul-tura de café, introduzida há dois séculos. Mogiana pro-duz café arábica, cultivado a uma altitude entre 900 e1.000 metros. São Paulo tem grande importância parao agronegócio do café, por sua infra-estrutura portuá-ria para escoamento da produção nacional e por pos-suir o maior parque industrial de café do país23.

A Bahia tem 4,4% da produção nacional. É umaárea não tradicional de cultivo de café. Três regiões doestado concentram as lavouras: o Planalto, com pre-dominância de arábica; o Litoral, com robusta, e oOeste (Cerrado), onde um número expressivo de em-presas tem cultivado arábica em lavouras mecaniza-das e irrigadas. Outra área não tradicional é Rondô-nia, o maior produtor da Amazônia. O antigo territó-rio do Guaporé, de colonização recente, foi transfor-mado em estado somente em 1981. Sua área cultivadacom café é de 160 mil hectares e a produção de 1,4milhão de sacas, das quais 90% de robusta24.

O Paraná já foi grande produtor. Nos anos 60chegou a ter 1,8 milhão de hectares, mas hoje tem só156 mil e a produção é de apenas 4,3% do total brasi-leiro. Introduzido na década de 1930, o café fez surgi-rem grandes cidades como Londrina e Maringá. Mas oestado é sujeito a geadas. Para evitar o risco climático,os cafeicultores migraram para outras regiões e a ati-vidade perdeu importância em relação a outras, comoa citricultura e os grãos. Mesmo assim, o café aindaestá presente em 210 municípios e gera 3,2% da rendaagrícola paranaense. Cerca de 76 mil pessoas têm em-pregos diretos com a cultura. Outro setor relevante é aindústria. Duas das maiores exportadoras de café so-lúvel do país, Cacique e Iguaçu, estão instaladas noestado25.

Comércio atacadista,torrefação e varejo

Existem hoje cerca de 220 empresas exportado-ras de café no Brasil. Segundo estudo da empresa deconsultoria holandesa Rabo International AdvisoryServices (RIAS)26, boa parte dessas empresas têm pe-queno e médio porte, são de origem familiar, bem co-nhecidas no mercado externo e fazem poucos investi-mentos em logística. Os comerciantes de café costu-mam terceirizar transporte e armazenagem. Como es-tão focados na oferta - da mesma forma que os produ-tores -, encontram obstáculos para atuar em escala.Por isso têm margens de lucro pequenas e ficam maisvulneráveis. Existe uma tendência de aumento na con-

centração, mas o processo ainda é incipiente.Por outro lado, os segmentos de torrefação e

varejo estão mais focados no consumo. Adicionamvalor ao café via blendings27 , marcas e distribuição.Suas margens de lucro são bem maiores que as dosprodutores. O estudo aponta que atualmente quatroempresas internacionais atuam na torrefação no Bra-sil - Sara Lee (EUA), Melitta (Alemanha), Strauss-Elite (Israel) e Segafredo (Itália). Juntas elas contro-lam 38% do mercado. Das mais de 1.30028 torrefado-ras existentes no Brasil, só Sara Lee e Melitta têm pre-sença em praticamente todo o território nacional.

As pequenas e médias torrefadoras ainda desem-penham um papel importante em nível local, mas es-tão perdendo espaço para as grandes. Nos últimos trêsanos a Sara Lee adquiriu diversas empresas locais. Ascinco marcas que ela controla hoje (Café do Ponto,Pilão, Caboclo, União e Seleto) têm 25% do mercadodoméstico29. O grupo Strauss-Elite, oitavo maior fa-bricante de café torrado e moído no mundo, chegou aoBrasil em 2000 ao comprar a torrefadora mineira TrêsCorações. Mas a marca teve prejuízos em São Paulo eno Rio de Janeiro. Agora a estratégia da empresa éfocar no mercado de Minas Gerais e buscar a vice-liderança nacional30.

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No varejo o café representa uma pequena fra-ção das vendas, mas é um produto importante paraaumentar o movimento de consumidores. Por isso asgrandes redes de supermercados trabalham com mar-gens pequenas e pressionam os fornecedores a reduzirsuas margens. Cinco grandes varejistas têm 42% domercado, segundo os consultores da RIAS. Eles res-salvam que a concentração no Brasil ainda é menosintensa que na Europa, onde os três maiores varejistascontrolam mais da metade do mercado e as cinco mai-ores torrefadoras detêm 60%.

Observa-se uma tendência de ampliação do ni-cho de cafés especiais, ou gourmets. Nos últimos doisanos esse mercado cresceu 20%31. Governo e empre-sários têm discutido como adicionar valor localmente,mas as grandes torrefadoras não se mostram entusias-madas. “Faria sentido produzir [café torrado] local-mente para exportação, mas isso tem de ser uma visãopara o futuro”, disse o presidente da divisão brasileirade café da Sara Lee, Maurílio Lobo Filho, em entre-vista ao Financial Times32. Enquanto isso, o Brasilcontinua exportando seus melhores cafés em forma deproduto primário e consumindo os inferiores. No ano-safra 2001/2002 as exportações de café torrado foramde apenas 25.809 sacas33.

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É impossível compreender a História do Bra-sil sem associá-la ao café. Quando, a partir do sé-culo 19, essa cultura superou em importância a dacana-de-açúcar e do algodão, passou a influenciaras vidas de milhões de pessoas. A história da cafei-cultura envolve mudanças ecológicas, demográficas,sociais, econômicas e políticas. Está relacionada àderrubada de grandes extensões de floresta nativa.Ao trabalho escravo dos africanos. A sangrentosconflitos de terra, que vitimaram índios e posseiros.Às migrações de europeus e japoneses. O “ouro ver-de” expandiu fronteiras agrícolas, construiu fortu-nas e ergueu cidades. Gerou muitos empregos naszonas rurais. Mas também serviu de moeda em ne-gociatas do poder, levou produtores à falência e tra-balhadores à miséria.

A chegada da planta ao Brasil é controversa.Algumas sementes podem ter vindo da Índia no fi-nal dos anos 1600. Uma possível segunda introdu-ção ocorreu em 1727, quando um oficial da armadabrasileira, Francisco de Mello Palheta, contraban-deou sementes da Guiana Francesa e as plantou noMaranhão. Consta que as primeiras mudas foramlevadas por um juiz para o Rio de Janeiro em mea-dos do século 18. Em 1790, uma tonelada de café jáera produzida para o mercado local. Durante o sé-culo e meio seguinte, o grão tornou-se o principalproduto básico do Brasil.

A ferro e fogoO professor Warren Dean (1932-1994), do De-

partamento de História da Universidade de NovaYork, escreveu um livro essencial para a compreen-são do papel do café na transformação da paisagemnatural brasileira. Em A ferro e fogo38 , ele descrevecomo a prática de queimadas da floresta para plan-tar cafezais foi a principal causa da devastação daMata Atlântica no século 19, embora não tenha sidoa única. O pesquisador também relata o violentoprocesso de grilagem de terras apoiado pela elite nopoder, cujos efeitos danosos se refletem até o pre-sente nas desigualdades da estrutura agrária brasi-leira.

Depois do fim da escravidão, entre 1888 e1914, mais de um milhão de imigrantes europeus ejaponeses vieram ao Brasil para substituir a mão-de-obra africana nos cafezais. Muitos enfrentaramsituações de trabalho degradante. O fluxo migrató-rio do exterior diminuiu nos anos 30, mas a força detrabalho nos cafezais continuou sendo abastecida pormigrantes pobres de outras regiões. Enquanto a po-pulação do Brasil triplicou entre 1900 e 1950, a deSão Paulo quadruplicou e a do Paraná cresceu qua-se seis vezes e meia. Essas migrações internas sãoaté hoje uma característica do trabalho assalariadona cafeicultura.

Café solúvelNove indústrias fabricam café solúvel no

Brasil. As cinco maiores exportadoras são Ca-cique, Nestlé, Real, Iguaçu e Cocam. Juntas elasdetêm mais de 80% das exportações brasilei-ras, que em 2002 são estimadas em um volumeequivalente a 2,5 milhões de sacas de café ver-de34 (2,6 unidades de café verde geram umaunidade de solúvel). Das restantes, a Macsol éuma joint-venture35 entre o grupo Iguaçu e aCoca-Cola e as demais têm pouca expressão.Em torno de 80% do mercado interno é domi-nado pela Nestlé, estimam os empresários doramo. A corporação comercializa no Brasil umvolume de café solúvel avaliado pelo setor en-tre 500 mil e 800 mil sacas de café verde porano, mas a empresa não divulga esses núme-ros. Há perspectiva de expansão do mercadointerno, pois muitas torrefadoras, para fortale-cer a imagem, estão terceirizando a produçãode café solúvel36.

Maior empresa de alimentos do mundo,com faturamento de US$ 50,4 bilhões em 2001,a Nestlé investe em média US$ 150 milhões porano no mercado brasileiro, o sétimo maior emsua atuação global. No ano passado a corpora-ção de origem suíça faturou US$ 2,5 bilhõesno Brasil, um crescimento de 5% em relação aoano anterior, e obteve um lucro de US$ 79,6milhões. Escolhida “a empresa do ano” pelarevista Exame, a Nestlé tem uma meta de fatu-rar R$ 10 bilhões (US$ 3,1 bilhões) em 2006.Em junho deste ano a empresa lançou a pedrafundamental da nova fábrica de café solúvel aser construída em Araras, no interior de SãoPaulo. A unidade receberá o investimento deR$ 95 milhões e se tornará a maior produtorade Nescafé do mundo. De suas linhas sairão 22mil toneladas de café para a Rússia e a Ucrâ-nia. No mercado interno o Nescafé tem comoconcorrentes mais de 70 marcas de café solú-vel, que se concentram no público de baixo po-der aquisitivo37.

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No processo de expansão das lavouras sobrea floresta, o roubo de terras era prática corrente.Pistoleiros contratados fizeram muitos mortos entreos índígenas e populações tradicionais. O historia-dor chama a atenção para a cumplicidade dos pode-res Legislativo e Judiciário, que conferiam títulosde terras aos grileiros: “O Estado brasileiro pros-seguia assim, na região da Mata Atlântica, suaabominável tradição de abdicar da responsabili-dade e recompensar a vilania”. Muitos grileirossubdividiram terras em pequenos lotes para venda àprestação. Isso foi característico do Norte do Espí-rito Santo, no extremo Oeste de São Paulo e do Nortee Oeste do Paraná.

Café-com-leite e crise dos anos 30Entre o final do século 19 e as primeiras

décadas do século 20, o café foi um importanteinstrumento de poder no Brasil. Na época a par-ticipação do país nas exportações mundiais doproduto superava os 80%. A chamada políticado café-com-leite foi uma aliança ocorrida de1889 a 1930 entre as oligarquias de São Paulo eMinas Gerais ligadas ao setor agro-exportador39.Esse pacto permitiu aos cafeicultores paulistas,que eram o setor mais dinâmico da economia bra-sileira, controlar a política monetária e cambialdo país. O apoio a São Paulo no Congresso ga-

rantia a nomeação dos membros da elite mineirapara cargos na área federal e verbas para obraspúblicas.Os paulistas e mineiros se alternavamna ocupação de funções-chave na administração.Nos municípios o poder político era exercido pe-los “coronéis”, que impunham sua vontade à po-pulação iletrada por meio do clientelismo.

O pacto do café-com-leite foi derrubadopela Revolução de 1930, que instituiu o voto se-creto, a legislação trabalhista e priorizou a in-dustrialização. Um grande baque para o setoragro-exportador foi a Depressão dos anos 30, quederrubou a demanda pelo produto. Milhares desacas de café foram queimadas na tentativa desegurar os preços. Para enfrentar a crise, o pre-sidente Getúlio Vargas comprou estoques, cobrouuma taxa por pé de café, proibiu novas lavourase reteve 20% do café exportado.

Segundo o historiador José Augusto Ribei-ro40, a retenção foi o primeiro passo para racio-nalizar o comércio exportador, até então domina-do pelos bancos estrangeiros. A exportação pas-sou a ser gerenciada pelo governo federal. Var-gas fez também uma reforma tributária que trans-feriu para a União o imposto sobre a exportaçãodo café antes cobrado pelos estados. O controlegovernamental sobre o comércio de café prosse-guiu até 1989, quando o mercado internacionalfoi desregulamentado.

Um poucode HistóriaUm poucode História

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Referências

1 Ministério da Agricultura /Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), junho de 2002. O ano-safra é contado de julho a junho. http://www.conab.gov.br/politica_agricola/SafraCafe/safraCafe.pdf.

2 Para ter maiores informações sobre a crise global do café consultar a publicação de Oxfam Internacional - Pobreza em sua xícara: o que há por trás da crisedo café.

3 No sistema de parceria o agricultor cultiva terras de um proprietário rural e divide com este os rendimentos da lavoura. O parceiro também costuma serchamado de meeiro, por ser freqüente a divisão dos ganhos meio a meio.

4 Organização Internacional do Café (OIC), agosto de 2002. http://www.ico.org/ed/crisis.pdf.

5 Depoimento de João Abrão Filho, presidente do Sindicato Rural de Altinópolis (SP), em julho de 2002.

6 Depoimento do cafeicultor Ronaldo Chisté. São Domingos do Norte (ES), julho de 2002.

7 AGÊNCIA ESTADO. Setor cafeeiro bombardeia plano de retenção. Fabíola Salvador. 22 de abril de 2001. http://www.estadao.com.br/agestado/noticias/2001/abr/22/74.htm.

8 FLÔRES JR., Renato G., CALFAT, Germán. Government Actions to Support Coffee Producers - An investigation of possible measures from the EuropeanUnion Side. Fundação Getúlio Vargas / University of Antwerp, Bélgica. Abril de 2002. http://www.fgv.br/epge/home/PisDownload/974.pdf.

9 Jornal do Café, ABIC, nº 129, maio de 2002.

10 Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC), 2001.

11 OIC, 2001.

12 Banco Mundial, 2000. Burundi, dados de 1999.

13 Federação da Agricultura do Estado de Minas Gerais (FAEMG), estimativa 2002.

14 Ministério da Agricultura, estimativa 1998.

15 FAEMG, estimativa 2002.

16 Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) / Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), 2000. Novo Retratoda Agricultura Familiar - o Brasil redescoberto. Dados baseados no Censo Agropecuário do IBGE 1995/1996.

17 Rabo International Advisory Services (RIAS). Raising the income of coffee growers. Estudo publicado em julho de 2002 por solicitação do Departamento deDesenvolvimento Econômico Sustentável do Ministério de Relações Exteriores da Holanda. http://www.minbuza.nl/english/; e depoimentos de produtores.

18 FAEMG, 2002.

19 Centro de Desenvolvimento Tecnológico do Café (CETCAF), fevereiro de 2002.

20 Idem.

21 GOMES, Wander Ramos. Espírito Santo é grande produtor de robusta. In Coffeebreak - http://www.coffeebreak.com.br.

22 Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (INCAPER).

23 Cofeebreak - Website informativo, órgão oficial de divulgação do Conselho Nacional do Café. http://www.cofeebreak.com.br.

24 Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), dados de 2000. http://www.embrapa.br.

25 Idem.

26 RIAS, 2002.

27 Combinação de diferentes tipos de café.

28 ABIC, estimativa 2001. A RIAS estima esse número em 1.700.

29 Financial Times, reportagem de Thierry Ogier republicada pela Folha de S. Paulo em 04/06/2002, página B-14.

30 Valor Econômico, 28/05/2002.

31 Gazeta Mercantil, 05/07/2002.

32 Financial Times, reportagem de Thierry Ogier republicada pela Folha de S. Paulo em 04/06/2002, página B-14.

33 Conselho dos Exportadores de Café Verde do Brasil (CECAFÉ), 2001/2002.

34 CECAFÉ, julho de 2002.

35 Joint venture: associação de empresas, não definitiva, para explorar determinado negócio, sem que nenhuma delas perca sua personalidade jurídica(definição retirada do “Novo Aurélio – O Dicionário da Língua Portuguesa”).

36 Entrevista com o diretor executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Café Solúvel (ABICS), em agosto de 2002.

37 EXAME, revista semanal. A empresa do ano [Nestlé] aposta no Brasil. Reportagem de capa por Cláudia Vassallo. São Paulo : Ed. Abril. Nº 14, 10 de julho de2002, edição 770.

38 DEAN, Warren. A Ferro e Fogo – a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo, Companhia das Letras, 1996.

39 PEDRO, Fábio Costa. A política do café com leite. http://www.hystoria.hpg.ig.com.br/coron.html.

40 RIBEIRO, José Augusto. A Era Vargas - volume 1. Editora Casa Jorge, Rio de Janeiro, 2001.

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TRABALHOna cadeiaprodutiva

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AA partir do início dos anos 90, a vida dos trabalhado-res assalariados rurais do café ficou mais precária. É o queaponta um estudo realizado pelo professor Francisco Alves,doutor em Engenharia de Produção da Universidade Federalde São Carlos (SP)1. As condições chegam a ser mais durasque na cana-de-açúcar. Alves observa que a desregulamenta-ção do mercado e a queda nos preços provocaram uma pro-funda concentração na cadeia do café.

Nesse novo modelo de produção, os elos mais fortesda cadeia transmitem para os mais fracos - assalariados eagricultores familiares - o ônus da redução dos custos. Asconseqüências são redução de rendimentos, exclusão social,desemprego e êxodo rural. A crise é agravada pela mecaniza-ção da lavoura, que leva ao aumento na oferta de mão-de-obra e pressiona os assalariados a aceitar trabalho em condi-ções piores. Cafeicultores da região do Triângulo Mineiroestimam que a colheita mecanizada reduz em quase um terçoos custos da saca de café. Uma grande máquina substitui de150 a 500 homens/dia.

A mecanização tem sido mais adotada nas novas áre-as de produção - Cerrado Mineiro e Baiano -, por produtoresmais capitalizados. Como as máquinas são caras, uma alter-nativa que os produtores utilizam para reduzir o custo damão-de-obra é a precarização do trabalho. O pesquisadorressalva que não se trata de fenômeno recente: “No Brasilisso remonta à escravidão e no meio rural tem a marca dolatifúndio”, diz. “Mesmo com a redução do poder econômi-co do setor agrário exportador a partir dos anos 30, asformas de dominação da força de trabalho no campo per-maneceram intactas”.

“Coopergatos”Um personagem freqüentemente associado à precari-

zação do trabalho na lavoura do café é o empreiteiro de mão-de-obra, conhecido pelo apelido de gato. Como a colheitatem tempo reduzido e há grande rotatividade de pessoal, ostrabalhadores costumam passar de uma propriedade a outra,por meio de contratos verbais firmados com esses empreitei-ros. É freqüente o descumprimento da legislação referente àsrelações de trabalho. Muitos cafeicultores afirmam não tercondições de suportar o peso dos encargos sociais. “Se euassinar a carteira [de trabalho] dos meus empregados, ocusto de produção fica inviável; aí eu termino perdendo aterra e me transformando em assalariado”, diz um deles.

É generalizada a queixa sobre a ausência de uma po-lítica agrícola e tributária que dê tratamento diferenciado àpropriedade familiar. A Confederação Nacional dos Traba-lhadores na Agricultura (Contag) está negociando com go-verno e empresários a adoção de norma regulamentadorarural. Outra negociação com o Ministério do Trabalho é paraestabelecer a meta de que no mínimo 10% de todas as fiscali-

zações sejam realizadas na zona rural até o final de 2003. Aentidade também apóia um projeto de lei em tramitação noCongresso Nacional para estabelecer um contrato de safra decurta duração2.

Uma forma mais elaborada de atuação dos “gatos” épor meio de cooperativas de mão-de-obra - também chama-das de “gatoperativas” ou “coopergatos”. Francisco Alvesrelata que elas foram criadas pelas indústrias de suco concen-trado para lhes dar controle do fluxo logístico da laranja semque precisem fazer a colheita e o transporte. As “cooperga-tos” passaram a operar também na cafeicultura, principal-mente em São Paulo, no sul de Minas Gerais e no norte doParaná. Os cafeicultores aderem a elas porque assim dispõemde uma alternativa legal - e mais barata - de contratação, semo risco de responderem a ações trabalhistas.

Para os trabalhadores, essas cooperativas de mão-de-obra significaram a perda de direitos conquistados nadécada de 80, avalia o pesquisador. Uma alternativa àcontratação de pessoal sem os serviços das falsas coope-rativas tem sido os condomínios de produtores de laranja.Eles contratam em conjunto os trabalhadores que vão sernecessários a todos. Cada produtor paga ao condomíniopelo uso que fizer da mão-de-obra. Além de ter acessoaos direitos fundamentais, os trabalhadores podem per-manecer mais tempo empregados, realizando tarefas naspropriedades durante a entressafra.

Saúde e segurançaMuitos assalariados “morrem antes da hora” devi-

do às péssimas condições de vida. A constatação é dopesquisador da Fundação Jorge Duprat Figueiredo deSegurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro-MG),Antônio Ídolo Dias. Em recente seminário nacional3, eleinformou que está em debate uma norma regulamentado-ra do Ministério do Trabalho, abordando a questão dasaúde e segurança para os trabalhadores rurais. Váriasmedidas práticas poderiam ser tomadas para melhorar avida dos trabalhadores do café.

Um exemplo seria o desenvolvimento de uma luvaespecífica para a colheita, lembrou Dias. Os modelos exis-tentes hoje carecem de funcionalidade e conforto, pois ousão muito rígidos e atrapalham o manuseio dos grãos, ousão pouco resistentes e se rasgam com facilidade. “É fá-cil constatar que o desenvolvimento de máquinas segueuma lógica distinta do desenvolvimento de equipamen-tos de proteção para os trabalhadores”, disse.

A diretora da executiva nacional da Central Úni-ca dos Trabalhadores (CUT) e responsável pelo InstitutoNacional de Saúde no Trabalho (INST), Rita Evaristo,reconhece que em muitos processos de negociação coleti-va a ênfase recai sobre a urgência dos temas econômicos.

Concentração e precarizaçãoConcentração e precarização

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É fim de tarde na vila de Novo Brasil,município de São Domingos do Norte, EspíritoSanto. Maria da Penha Gonçalves, 21 anos,caminha pela pracinha, carregando nas costasum saco de cocos. Ela vem acompanhada domarido Lafaiete Teixeira de Jesus, 32. Seuscorpos estão esgotados depois de um longo diana roça de café. Eles são trabalhadores diaristasem lavouras alheias, pequenas propriedadesrurais da região. Atenciosos, param paraconversar, mas preferem ficar de pé. Sesentarem, podem desabar. Os dois têm cansaçoacumulado: batalham na roça desde os 12 anosde idade.

“Ganho cinco reais por dia na roça”,conta Penha. Menos de dois dólares. É a metadeda quantia paga aos homens. Juntos eles têmuma renda mensal de R$ 300 (inferior a cemdólares). Mal dá para sustentar os filhosBrasiléia e João Marcos, de sete e quatro anos.As crianças freqüentam uma escola pública,mas o casal não teve a mesma sorte: Lafaietenunca estudou, Penha só até a terceira série doensino básico.

Eles são um retrato vivo da dificuldadeenfrentada por milhares de agricultores noBrasil. Antes eram pobres. Com a queda dospreços do café, estão na fronteira da miséria.

“Já fomos meeiros por três anos, mastivemos que sair da propriedade”, contaLafaiete. No tempo em que o café tinha bompreço, eles conseguiram fazer um pequeno pé-de-meia. Trocaram 20 sacas por um barraco demadeira de quatro cômodos no alto do morro.Foi bom negócio. Hoje, com a mesmaquantidade de café, não comprariam um

Lafaiete e Penha no Novo Brasilquartinho. Recentemente passaram a usarfogão a lenha, porque não conseguem maiscomprar gás de cozinha. Trazem madeira docampo quando retornam do trabalho.

O dia típico da família é um malabarismopermanente para sobreviver até a manhãseguinte. Acordam às 4h45 e pegam ocaminhão para as propriedades onde háserviço. Lá ficam até o fim da tarde. Na marmitalevam arroz, feijão e macarrão. Carne, sómesmo quando cortam do orçamento o ovo, oleite ou a farmácia. Lafaiete lembra que uma vezmachucou a perna e ficou 60 dias parado. Nãorecebeu nada. “Se a gente adoecer e precisarde remédio, morre”, diz Penha. “O patrão sógosta do sujeito enquanto tá trabalhando.”

No fim de semana, a única diversão daagricultora é freqüentar a Igreja Assembléia deDeus, onde ainda consegue algum apoiocomunitário. Ele fica perambulando pelas ruas,senta nos bancos da pracinha e conversa comos amigos. Alternativas de futuro? Lafaiete seexaspera: “Mas não acha serviço, não acha,não acha! Ninguém quer dar emprego pra quemnão tem estudo. Tem que continuartrabalhando na roça, não vai mudar não...”.Penha emenda: “Eu durmo pensando na panelavazia. O café não foi nada pra nós, só deudesgosto.” Mas ela ainda tem sonhos: “Se eupudesse mudar, queria trabalhar de empregadadoméstica. Queria me vestir bem, acordar felizno domingo.”

Eles se despedem e seguem em direção àsubida do morro. Precisam descansar umpouco, pois o dia começa cedo nos cafezais deNovo Brasil. E o caminhão não espera.

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Maurílio e Creuza Debarbivivem do cultivo de café em umapropriedade familiar no município deSão Domingos do Norte, EspíritoSanto. Ele tem 52 anos, ela quase amesma idade. Quem os encontra pelaprimeira vez, simpáticos ehospitaleiros, não imagina que sãovítimas de envenenamento crônicopor pesticidas. Condenados a sofrerseqüelas dolorosas e a carregar parasempre os produtos tóxicos em seuscorpos, eles enfrentam a situaçãocom dignidade. Sua história serve de

Um caso deenvenenamento crônico

alerta a todos os que utilizam produtosquímicos na lavoura.

Maurílio começou a usar venenono pasto e no café em 1975. Sem roupasde proteção, luvas nem máscara. Àsvezes sentia palpitações, ia descansar nasombra de uma árvore e melhorava. Eleprosseguia com as aplicações no cafezal- no começo 20 bombas de venenolíquido por dia, depois diminuiu para dez.Às vezes suava frio e sentia febre denoite, tomava um remédio antitérmico eno dia seguinte levantava aparentementemelhor. Não fazia idéia de que seu corpojá estava afetado de forma irreversível.

“Em 99 eu batia Randape (Round-up, marca de herbicida) no café quando derepente senti uma fraqueza nas pernas, caíe não levantei mais - conta Maurílio. Fiqueiroxo, vomitei, o suor catingava de veneno.Me levaram para o hospital em SãoDomingos, tomei 18 frascos de soro efiquei três dias internado. O médico medisse que tive sorte, não morri porque eraforte. O veneno foi pro sangue e não sai

mais não.”

Câncer de peleNos últimos três anos ele foi

operado seis vezes de câncer de pele naorelha, boca e testa. Não consegueengolir certos alimentos. Ficouhipersensível aos pesticidas - secaminhar por uma plantação onde tenhasido usado veneno ou mesmo aduboquímico, começa a sentir sede e dor nasarticulações. Certo dia atravessava aplantação de eucalipto dos vizinhos edesmaiou. Foi forçado a banir o uso de

agrotóxicos de sua propriedade, sob penade ter uma recaída fatal.

A situação de Dona Creuzatambém é triste. Ela não trabalhavadiretamente na aplicação, mas duranteduas décadas entregou as refeições domarido na roça e lavou suas roupascontaminadas. Em 1981, adoeceu epassou seis meses sem poder andar.Recuperou-se, mas em 2000 precisouextirpar o rim direito por causa de umtumor maligno. É impossível afirmarcategoricamente que seu mal foiprovocado pelos agrotóxicos, mas osindícios são fortes.

O agricultor reconhece que foiimprudente por não ter lido asadvertências nos rótulos dos produtos,mas também atribui parcela de culpa aosfabricantes: “Essas empresas deviamdar curso, vender só com receita”, diz.E dá um recado a todos os que trabalhamcom agrotóxicos na agricultura: “Meuconselho é parar. Não vale a pena, quemusa está correndo risco de vida”.

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Assim, asquestões de saúde ficam para depois: “Oproblema é que, em muitos casos, o acerto dessas ques-tões acaba não saindo do papel e o Brasil continua ba-tendo recordes quando o assunto são os acidentes de tra-balho”.

Rita informa que a CUT está organizando um cur-so específico de saúde e segurança para os trabalhadoresrurais: “Pretendemos propor intervenções por parte domovimento sindical de modo a atuar na prevenção deacidentes de trabalho, na melhoria das condições de vidanos alojamentos, na qualidade dos transportes e na dis-cussão sobre o uso dos agrotóxicos, dentre outros”4.

Agrotóxicos são campeõesem mortes por intoxicação no Brasil

Distúrbios de sono, impotência sexual, palidez, al-terações nos rins e fígado, perda de concentração e de me-mória, depressão. Quando estes sintomas são sentidos poragricultores, é preciso acender uma luz de alerta: pode serenvenenamento por pesticida. No Brasil as estatísticas aindasão embrionárias, mas suficientes para indicar que umatragédia silenciosa está ocorrendo. Dados coletados peloSistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas(Sinitox)5 em 31 centros de controle de 17 estados indicamque em 2000 os pesticidas de uso agrícola envenenaram5.127 pessoas. Eles são os campeões de morte por intoxi-cação no Brasil. Das 377 mortes computadas, 141 foramprovocadas por agrotóxicos.

O total de casos não-notificados é muito maior.Quase todas as ocorrências que chegam ao conhecimentodos médicos são de intoxicação aguda, mas poucas sãode envenenamento crônico - por uso continuado duran-te anos. A doutora em toxicologia Sony de Freitas Itho,que coordena o Toxcen (Centro de Atendimento Toxi-cológico) em Vitória (ES), estima que menos de 10%dos casos são comunicados. No Espírito Santo, segun-do maior produtor brasileiro de café e grande produtorde hortaliças, houve 475 notificações de intoxicação porpesticidas agrícolas em 2001. Esta é a segunda maiorcausa de intoxicação no estado, só perdendo para osmedicamentos. Das 23 mortes registradas no ano pas-sado, 21 foram causadas por pesticidas6. Segundo oIBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística),o uso de agrotóxicos no Brasil aumentou 22% de 1997a 20007.

O uso indiscriminado de pesticidas na cafeicul-tura afeta principalmente os assalariados que fazem apli-cações nas lavouras. A maioria não utiliza equipamen-tos de proteção individual (EPI), que raramente são for-necidos pelos patrões. Um problema adicional ocorreem função da solidariedade entre os agricultores: é fre-qüente que uma pessoa compre o agrotóxico e o fracio-ne para distribuir entre os vizinhos. Por isso, há diver-sas ocorrências de crianças que bebem o veneno acon-dicionado em frascos irregulares, como garrafas plásti-cas de refrigerante. A destinação inadequada das embala-gens vazias também contribui para poluir cursos de água.

Por que o problema fica ocultoSony aponta diversos motivos para a não-notifica-

ção. Para começar, não é obrigatória. O acesso do traba-lhador rural ao serviço médico e aos exames laboratoriaisé complicado: “Se for assalariado, não pode sair senãoperde o dia”. Nos casos crônicos, fica difícil fazer umdiagnóstico preciso, principalmente quando o agricultorusou vários produtos que têm efeitos distintos. Muitostrabalhadores são displicentes e só procuram o médicoquando se sentem incapacitados. A falência do serviço detoxicovigilância também agrava o problema. Poucos pro-fissionais de saúde dominam o assunto, já que a toxicolo-gia não é disciplina obrigatória nos cursos de Medicina.Ela também cita a falta de reciclagem dos médicos, odesconhecimento da existência de centros de toxicologiae a falta de preenchimento correto das fichas: “Muitasvezes o trabalhador nem sabe o nome do produto queusou”.

Algumas recomendações apresentadas pelatoxicologista para enfrentar o problema:

· Realização de uma campanha permanente de esclare-cimento sobre os riscos do uso e abuso de agrotóxi-cos.

· Busca de alternativas como herbicidas orgânicos e con-trole biológico de pragas.

· Conscientização dos vendedores para que esclareçamos agricultores sobre o uso correto.

· Colocação em prática do que diz a legislação sobre oassunto.

· Cadastramento de todos os aplicadores de pesticidasagrícolas com carteiras de identificação e realização deexames periódicos.

· Inclusão da Toxicologia como disciplina obrigatória nocurrículo dos cursos de Medicina.

· Reciclagem dos profissionais de saúde que atuam naszonas rurais.

· Melhoria no serviço de toxicovigilância.· Facilitação de acesso dos agricultores a exames labora-

toriais.

ConscientizaçãoÀs vezes as evidências do envenenamento são

tão claras que todos em volta percebem. “Há doisanos o agricultor Geraldo Batista morreu de co-lapso”, relata o vice-presidente do Sindicato dosTrabalhadores Rurais de Colatina, Cézar Barbieri.“Ninguém agüentava ficar no velório por causa docheiro de veneno”. Outra história chocante ocorreurecentemente, perto de sua propriedade: uma meni-na tomou água de coco de um coqueiro onde tinhasido aplicado veneno e ficou dois dias internada nohospital. O Sindicato promove uma série de inicia-tivas para minimizar o problema, entre elas a divul-gação da agricultura orgânica, campanhas de cons-cientização dos agricultores e a exigência de fiscali-zação mais rígida na venda de agrotóxicos.

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Vida de gatoSão cinco horas em São Gabriel da

Palha, Espírito Santo. Ainda está escuroquando João (nome fictício), 30 anos,termina o café da manhã. Ele coloca o facãona cinta, pega meia dúzia de enxadas efoices e se despede da mãe. Quatrotrabalhadores já o aguardam sentados nacalçada. Carregam marmitas com o almoçodo dia: arroz, feijão, farinha, um pedaço decarne ou de lingüiça. Levam tambémgarrafas de água potável e, alguns, a própriaferramenta. Vinte minutos depois chega umcaminhãozinho dirigido por um proprietáriorural. Todos embarcam na carroceriadescoberta. O veículo recolhe quinzehomens. Já é dia claro, mas o frio aindacastiga os trabalhadores.

Lotação completa, o caminhão leva acarga humana pela rodovia. Passa semproblemas pelo posto da Polícia Rodoviária,pega uma estrada vicinal e prossegue atéuma porteira. Todos caminham em direção auma lavoura de café e coco. Às 7h começa otrabalho pesado. Às 10h há um intervalo deuma hora para almoço e à tarde, de 30minutos para o café. A labuta prossegue atéanoitecer, quando, exaustos e suados,entram no caminhão para fazer o percursoinverso. Cada trabalhador ganha uma diáriade R$ 11 - cerca de US$ 3,50 - que será pagaem dinheiro no final da semana. Sem recibo,sem contrato, sem repouso semanalremunerado. Sem férias, 13º salário oucomprovante de tempo de serviço paraaposentadoria. Quem falta ao trabalho poralgum motivo perde o dia. Quem adoece ficaabandonado à própria sorte. Se cai chuva enão se pode trabalhar, não há pagamento.

João ganha R$ 25 (US$ 8) por dia para

A indústria de processamento de café - que incluitransporte, torrefação, moagem, higienização e em-balagem - empregava formalmente 19.706 trabalha-dores em 2001, segundo levantamento do Departamen-to de Estudos Sócio-Econômicos e Políticos da CUT.8

Verifica-se um deslocamento da atividade dos esta-dos de São Paulo e Rio de Janeiro para o estado deMinas Gerais e a região Nordeste do país - Bahia,Pernambuco, Paraíba e Ceará. Houve queda de re-muneração em âmbito nacional. Em 1994, pouco maisde 60% dos trabalhadores ganhavam menos de qua-tro salários mínimos. Essa fatia subiu para 74% em2001.

A participação das mulheres aumentou. Enquanto em1994 elas somavam 26%, em 2001 representavam 35% daforça de trabalho no setor. Parte considerável das empresastem baixa competitividade, usa equipamentos obsoletos etem pouca ou nenhuma preocupação com qualidade. Nessesegmento a situação dos trabalhadores é precária. Muitosdeles provêm de zonas rurais e freqüentemente são semi-alfabetizados. “O processo de industrialização não depen-de muito da escolaridade”, conta o diretor da Confedera-ção Nacional dos Trabalhadores na Alimentação (Contac),Osvaldo Teófilo. “Por conta disso a demanda por traba-lho é grande e os salários são extremamente baixos, che-gando quase à metade do que é pago na indústria de cafésolúvel.”

Teófilo chama a atenção para algumas diferen-ças entre os trabalhadores de torrefação e os que atu-am na indústria de café solúvel. “Na torrefação asituação é tolerável e não há muitos problemas rela-cionados ao ambiente de trabalho, como calor, ruí-do e luminosidade precária. Mas as condições nasindústrias de solúvel são bem mais precárias: há umnúmero elevado de acidentes e doenças profissionaisprovocadas por quedas, queimaduras, lesões porprodutos químicos, lesões por esforços repetitivos e pro-blemas de audição devido ao alto índice de ruído”.

Trabalhadoresna indústriaAssalariados rurais se deslocam de caminhão para a lavoura

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atuar como gato - intermediário de mão-de-obra informal para as propriedades rurais. Éa mesma atividade que tinha seu falecidopai. Seus direitos trabalhistas são tãoignorados quanto os dos peões quearregimenta. “A gente não tem segurançanenhuma”, queixa-se. “Eu trabalho de diapara comer de noite.” Na época da colheitaele chega a comandar 50 homens. Orendimento aumenta um pouco, pois háadicional de R$ 3 para os diaristas por sacocolhido e comissão de R$ 0,20 para ele. Maso sacrifício também cresce. Come-se àspressas para aumentar a produtividade.Muitos dispensam o almoço e enfrentamjornadas contínuas de até 14 horas.

As mãos são calejadas, às vezes comcortes e feridas. Quase ninguém usa luvasde couro na colheita. Trabalhadores epatrões não gostam porque ela tira o tato, oque pode levar à extração inadvertida dasfolhas do cafeeiro. A luva de lycra é macia,mas só dura uma semana. Acidentes compicada de cobra ou escorpião são raros,principalmente nas lavouras que utilizampesticidas. Às vezes João. leva dois ou trêshomens para aplicar os produtos. “Eles sãomuito imprudentes, não se preocupam comproteção nem usam máscara”, conta.

O gato reconhece que sua atividade éilegal, mas justifica: “Não tenho condiçõesde assinar a carteira de ninguém e oempregador também não pode, senãoquebra. É uma semana numa fazenda eoutra noutra, como assinar?” A situação étolerada pelas autoridades. “Só uma vez afiscalização parou o caminhão”, conta.“Tivemos que ir até o sindicato e assinarum termo de compromisso de fecharcontrato de um mês”. Ele acha que osassalariados rurais deveriam se organizarmelhor, criar um sindicato próprio. Mas écético quanto a mudanças: “Se existirsindicato vai ter tabela de preço, osdiaristas vão exigir os direitos deles e ospatrões vão achar ruim”, reflete. “Aqui é alei do mais forte...”

Renda empata com custosUma pesquisa realizada em junho de 2001 pela Associ-

ação de Programas em Tecnologias Alternativas (APTA) com15 cafeicultores de São Domingos do Norte, município capi-xaba de 7.500 habitantes, constatou que os custos de produ-ção do café robusta empatam com a renda gerada pelo produ-to. Ou seja, os pequenos produtores estão praticamente traba-lhando de graça. Só conseguem se manter porque cortaramdespesas e substituíram parte da mão-de-obra contratada pelafamiliar. Segundo o estudo, a média de despesas para produ-ção de uma saca de café robusta foi, na época, de R$ 48,70,enquanto o preço estava em torno de R$ 50 - um terço do valordo ano anterior.

A situação tem trazido efeitos danosos a São Domin-gos do Norte, onde dois terços da população vivem da terra. Aagricultura familiar representa 80% das propriedades rurais eo café é a principal atividade geradora de emprego e renda.“Durante gerações a especialização no cultivo do café e asegurança da comercialização manteve os agricultores ali-cerçados no produto”, comenta o técnico em agropecuáriaDirceu Godinho Antunes, um dos coordenadores da APTA.“A dependência do dinheiro certo do café foi tanta que elesdeixaram de cultivar produtos para sua própria alimenta-ção.” Ele atribui parte da responsabilidade ao governo, quenão tem promovido políticas agrícolas eficazes de pesquisa eextensão rural para incentivar outras formas de geração derenda.

A ONG atua em projetos alternativos de agriculturasustentável com 500 famílias da zona rural do Espírito Santoe 250 famílias de índios tupiniquim no litoral do estado. Nes-ses projetos, incentiva a redução dos custos pela substituiçãode insumos sintéticos por produtos naturais disponíveis na pro-priedade. “Damos bases conceituais para o manejo sustentá-vel do solo”, diz o técnico. “A idéia é garantir a produçãopara consumo doméstico, que ofereça segurança alimentar -e também para um mercado diferenciado, o dos alimentossaudáveis às pessoas e ao meio ambiente”.

Trabalho informal marca a atividade no campo

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1 ALVES, Francisco. Trabalho e Trabalhadores no Complexo Agroindustrial do Café. Março de 2002.

2 Depoimento de Guilherme Pedro Neto, diretor de assalariados da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).

3 Seminário Nacional Saúde, Segurança e Condições de Trabalho na Cadeia do Café, realizado de 8 a 10 de abril de 2002 em Belo Horizonte (MG) pelaCentral Única dos Trabalhadores (CUT), Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e Confederação Nacional dos Trabalhadores naAlimentação (Contac).

4 Idem.

5 Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox) - http://www.fiocruz.br/sinitox.

6 Entrevista com coordenadora do Toxcen - Vitória (ES).

7 Folha de S.Paulo, 20/06/2002, página A-19.

8 Desep-CUT. Panorama do emprego formal na indústria de processamento de café. Outubro de 2001.

Referências

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Caminhos do

CAFÉ

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O desencantodos migrantes

Todos os anos, há quase duas décadas, o padreAntônio Garcia Peres acompanha o cotidiano dos tra-balhadores que migram temporariamente do estado doParaná para as colheitas de café da região Sudeste.Entre os meses de abril e outubro eles saem de municí-pios como Bela Vista do Paraíso, Centenário do Sul eUraí em direção aos estados de São Paulo e MinasGerais, na esperança de conseguir alguma renda. Oano de 2002 está sendo possivelmente o pior de todos.A notícia da supersafra fez a migração aumentar, jo-gando os trabalhadores em situações precaríssimas.

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“Eles partem com família e tudo para a co-lheita, mas chegam lá e se depararam com salárioinferior, por isso precisam trabalhar mais e ganhammenos”, relata. O religioso recorda que há cinco anoso migrante retornava ao Sul do país com dinheiro sufi-ciente para reformar a casa, comprar roupas novas, àsvezes até eletrodomésticos. “Mas nesta safra a rendamal vai dar para garantir a comida.” Um dos moti-vos para a queda no salário é a mecanização das la-vouras no Noroeste de São Paulo, que antecipa o finalda colheita de outubro para agosto. Uma colheitadeiracom capacidade para 800 a 1.000 pés de café por diadesemprega cem trabalhadores.

A situação é mais grave porque a renda da co-lheita é uma poupança utilizada ao longo de toda aentressafra. Isto é, quando essas famílias não ganhamo suficiente na safra, não terão outras fontes de rendi-mento até o ano seguinte. Isso afeta a economia desuas cidades de origem, prejudicando também as pes-soas que não lidam com café. Comerciantes, profissi-onais liberais, assalariados urbanos - toda a comuni-dade fica fragilizada. Padre Garcia conta que as con-dições de vida dos migrantes são duras: “Antigamenteeram muito comuns os casos de trabalho escravo,sobretudo em Minas Gerais, mas hoje o problema émais a qualidade do trabalho e do alojamento. Hálugares em que não há sequer água para tomar ba-nho e cozinhar”.

A fome e o paliativoAltinópolis, município de 15.500 habitantes na

região de Alta Mogiana, em São Paulo, é um ponto dereferência para os trabalhadores migrantes. Durante asafra, cerca de 2.500 assalariados rurais se deslocamdo norte de Minas Gerais e de outras regiões para bus-car serviço na colheita local. Mas a crise dos preçosestá provocando uma situação de tensão social que podese tornar explosiva. Nem mesmo uma colheita estima-da em 350 mil sacas consegue evitar a fome. Comomedida emergencial, a Prefeitura, em parceria com oSindicato dos Trabalhadores Rurais e o Sindicato Ru-ral (patronal), está distribuindo gratuitamente 1.500refeições diárias aos agricultores. O Programa BóiaQuente funciona em cinco pontos da cidade. Inclui tam-bém um pão com manteiga e uma xícara de café pelamanhã.

A medida não ataca as raízes do problema, masdiante da situação de desespero de quem não tem o quecomer, foi a alternativa encontrada para evitar o pior.“Se o café vai mal, todo o comércio e a populaçãovão mal”, resume o presidente do Sindicato Rural esecretário da Agricultura, João Abrão Filho. Ele contaque o comércio da cidade está praticamente parado.“Como a situação está muito difícil, muitas pessoasque não trabalhavam - mulheres, filhos - agora estãoprecisando ir para a lavoura”. Segundo o secretário,o produtor local está completamente descapitalizado,

pois o preço do café não cobre o custo de produção.Abrão assegura que vários outros municípios cafeei-ros da região também estão em situação crítica.

Êxodo ruralColatina, município capixaba de 113 mil habi-

tantes, é outro exemplo de como a decadência da ca-feicultura pode afetar as condições de vida dos agri-cultores familiares. Na zona rural, formada na maiorparte por propriedades com 10 a 40 hectares, é fre-qüente encontrar lavouras de café abandonadas. Dian-te da dificuldade de sobrevivência, muitos agricultorestentam a sorte em novas fronteiras agrícolas ou bus-cam subempregos na área urbana, contribuindo para odesordenamento territorial. Os bolsões de pobreza semultiplicaram nos morros da cidade, agravando a si-tuação já precária de infra-estrutura e saneamento.Quase todo o esgoto domiciliar, hospitalar e industrialé lançado nos rios sem tratamento. O uso inadequadode agrotóxicos tem causado problemas de saúde ocu-pacional e contaminação de cursos d’água.

“A urbanização foi violenta e impactante”, dizo prefeito Guerino Balestrassi. “Queremos inverteresse processo e precisamos criar condições para queos pequenos agricultores tenham capacidade geren-cial”. Ele aposta no incentivo à diversificação e natecnologia. Um dos obstáculos referidos pelo prefeitoé o medo que os proprietários têm de empregar traba-lhadores assalariados, por causa da rigidez das leis tra-balhistas: “Para quebrar isso, estamos desenvolven-do uma estrutura de condomínio que vai oferecer téc-nicas de gerenciamento”. Ele explica que a idéia éincentivar os agricultores a compartilhar os custos doserviço de contadores, advogados e técnicos agrícolas.Entre as alternativas de geração de renda o prefeitocita a fruticultura.

Movimento dos Sem-TerraPerto dali, em Nova Venécia, município cafe-

eiro de 43 mil habitantes, 50 famílias do Movimen-to dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) cul-tivam café desde 1988 no assentamento Pip-Nuck.De início, quase toda a renda do assentamento pro-vinha dos cafezais. O impacto da queda dos preçosforçou a diversificação. Hoje os 480 mil pés de caférepresentam 80% da renda total e a tendência é queessa participação se reduza mais. “O pessoal pas-sou a plantar pimenta do reino, banana, mandio-ca, coco, tomate e a criar gado”, informa um doslíderes locais do movimento, José Rocha. Mas osagricultores que conseguiram terras para plantarainda são poucos em comparação com os que aindaprecisam ser assentados.

No final de julho, a reportagem encontrou 120agricultores do MST acampados em barracas de lonapreta na capital do estado, Vitória. Seu objetivo era

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pressionar o governo a apressar as desapropriaçõespara reforma agrária no Norte do estado. Marcos Fran-cisco da Cunha, 32 anos, líder do grupo, é mais umatingido pela derrocada do café. Ele e a família atua-vam como meeiros - em regime de parceria - numapropriedade familiar em Nova Venécia, mas este ano acrise os pegou. Precisaram vender a casa para pagarum empréstimo bancário. O agricultor, a mulher e umfilho pequeno não tinham para onde ir e se mudarampara o acampamento dos sem-terra. “Acho um absur-do o preço de um cafezinho”, comenta. “Quem estáganhando com isso? Só sei que tiraram de mim.”

Claudionor Gomes da Silva, 43 anos, casado ecom quatro filhos, é outro cafeicultor na miséria. Tra-balhou como meeiro em uma propriedade de Colatinapor mais de cinco anos, até que, com a queda dos pre-ços, ficou sem alternativas. “Tiraram o pão da bocados meus filhos”, desabafa. Forçados a deixar o cam-po, eles hoje sobrevivem em empregos mal remunera-dos na cidade de Linhares. Claudionor preferiu colo-car suas expectativas de futuro na luta coletiva pelareforma agrária. “A gente é como uma irmandade”,diz, referindo-se aos outros acampados. “Um ajuda ooutro e vamos seguindo em frente”.

Trabalhadores humilhadosA fome e a humilhação fazem parte do cotidia-

no dos migrantes. É o caso de um grupo de 50 homensoriundos do norte de Minas Gerais que foram colhercafé no sul do estado em maio deste ano. Ao chegaremna fazenda que os contratou, tiveram a primeira sur-presa desagradável: o pagamento era bem menor que ocombinado. À noite precisaram dividir entre si duascasas de três quartos, onde dormiam no chão e convi-viam com esgoto a céu aberto. Depois de uma jornadaque começava às 6 horas da manhã e terminava às 6da tarde, alguns tinham que esperar até as 11h da noitepara tomar banho, pois eram 50 pessoas para apenasdois banheiros.

Dos homens que chegaram à fazenda, dez desis-tiram nos primeiros dias ao se deparar com as péssi-mas condições de trabalho e, sobretudo, com a comidahorrível: feijão com pedra e sem tempero, arroz duro epés de galinha. Os demais continuaram, mas ficaramrevoltados no dia do pagamento, quando viram que aalimentação era descontada do salário em valores aci-ma dos acertados. Ao reclamarem para o gerente dafazenda, ficaram sabendo que, se quisessem ir embo-ra, teriam que pagar R$ 50 relativos ao que na legisla-ção trabalhista brasileira é chamado de aviso prévio.A maior parte do grupo ficou com medo e pagou. “Agente passava aflição, não conseguia dormir”, lem-bra um deles, José Hamilton da Rocha.

Diante da perspectiva de voltar sem dinheiro paracasa, eles resolveram denunciar a situação ao Sindica-to dos Trabalhadores Rurais. Só então descobriram

que muitos de seus direitos estavam sendo desrespei-tados. Por lei, os trabalhadores rurais que se deslocamde uma região para outra devem passar por um examede admissão e receber cópia do contrato de trabalhono município de origem. Tanto o sindicato de origemcomo o de destino têm de estar cientes desse contrato.O alojamento precisa oferecer condições apropriadas- camas, banho, água potável e esgoto. Além disso, ofazendeiro deve oferecer meio de transporte até a la-voura. “Disseram que ia ter ônibus para a roça, masa gente estava caminhando três quilômetros a pé”,recorda outro assalariado, Rosalino Batista Oliveira.

Fiscalização precária, Justiça lentaA advogada do Sindicato dos Empregados Ru-

rais do Sul de Minas, Tanilda das Graças Araújo, re-conhece que só 10% dos trabalhadores encontrados emsituação análoga ao trabalho escravo conseguem al-guma indenização: “Na maioria dos casos a gente se-quer fica sabendo”. Ela explica que o empregador pre-fere o safrista que vem de fora porque corre menosriscos de ser flagrado pela fiscalização. Além de rece-ber menos, esse trabalhador é mais vulnerável, poisnão conhece ninguém na região: “Quando acontecealguma coisa, em geral eles fogem por não saber aquem recorrer. Mesmo sabendo que a situação estáerrada, desistem de entrar na Justiça, já que qual-quer ação trabalhista demora muito. A maioria sedesespera e vai embora sem nenhum tostão no bol-so”.

Um dos coordenadores do Sindicato, Paulo Se-bastião, não atribui a precarização das condições detrabalho somente ao preço baixo do café. “O que maisdesvaloriza o trabalho é a mecanização”, diz. “O agri-cultor não precisa mais capinar nem roçar, só joga oveneno, que faz tudo e mais alguma coisa.” Ele recor-da que há 15 anos ganhava-se até três salários míni-mos1 por mês na época da colheita e não faltava traba-lho no resto do ano. “O fazendeiro segurava você coma família, prevendo o ano que vem.” Hoje os assalari-ados ganham três vezes menos. Como o empregadornão assume praticamente nenhum compromisso comos trabalhadores, todo mundo fica pulando de fazendaem fazenda.

A fiscalização é precária. O sub-delegado doMinistério do Trabalho, Paulo Andrade Azevedo, re-conhece que a delegacia é carente de pessoal e materi-al. Há só uma caminhonete, um médico, dois enge-nheiros e sete fiscais para atender 46 municípios sobsua jurisdição. Além do meio rural, a equipe é respon-sável pela fiscalização de todos os setores produtivosda região. Quando os fiscais encontram situação irre-gular, notificam o empregador, fazem um relatório eaplicam multa. O sub-delegado alega que, como osfazendeiros empregam muita gente, é difícil regulari-zar a situação de todos ao mesmo tempo. O Ministério

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dá um prazo de cinco dias para os empregadores regis-trarem a carteira do trabalhador e mais cinco dias, de-pois do fim da safra, para o acerto de contas.

Para o sindicalista Sebastião, é justamente essemecanismo que tem dado mais espaço para irregulari-dades. “A carteira de trabalho fica retida durante asafra”, explica. “Se o fiscal não aparecer, o fazendei-ro devolve sem registro. E se aparecer, ainda tem dezdias para assinar e deixar tudo em dia.” Sebastiãoconta que antes, quando a fiscalização era feita na basedo flagrante, o proprietário não tinha como evitar pu-nição. Ele critica também o fato de o Ministério doTrabalho não reconhecer essas situações como traba-lho escravo. “Os trabalhadores passam fome, dormemno chão, ficam presos em uma região sem poder irembora e isso é normal. É só ‘trabalho degradan-te’ ”, ironiza. “Ministério do Trabalho é como feijão,só funciona sob pressão.”

Empobrecimento em Minas GeraisEm Minas Gerais, onde quase 700 dos 853 mu-

nicípios cultivam café, as histórias de prejuízos e difi-culdades são freqüentes nas conversas, até mesmo en-tre os grandes produtores. “Mexo com café há muitosanos e nunca vi crise tão difícil e duradoura”, consta-

ta o presidente da Comissão do Café da ConfederaçãoNacional da Agricultura e Pecuária (CNA), João Ro-berto Puliti. Exemplo de cafeicultor de grande porte,Puliti já produziu 16 mil sacas, mas foi abandonandoo cultivo: “Hoje se eu colher 700 já está muito bom”.A prefeita de Três Pontas e presidente da AssociaçãoMineira de Municípios, Adriene Barbosa de Faria, aler-ta para a crise social: “O empobrecimento é geral eos serviços sociais das prefeituras estão sobrecar-regados”.

Edésio Pereira do Amaral, dono de 102 hec-tares, lembra com saudades de 1994. Naquele anohouve geada, o real tinha paridade com o dólar e eleconseguiu vender seu café por até R$ 270. Otimis-ta, aventurou-se a comprar mais terras, o que o dei-xou endividado com o banco até hoje. Amaral em-prega sete trabalhadores fixos e 50 temporários paraa colheita, que este ano deve chegar a 2.300 sacas.Depois de ter sido alvo de pressão dos sindicalistasda região, ele hoje mantém uma relação cordial comseus antigos adversários. Paga em média R$ 12 pordia a seus safristas e se orgulha de cumprir todas asregras trabalhistas. O fazendeiro se queixa da con-corrência desleal de outro produtor, que lhe tomoutrabalhadores trazidos da Bahia oferecendo paga-mento um pouco maior, mas sem registrar os em-pregados.

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Volcafé duplicacapacidade

Em meio à maior crise de preço docafé dos últimos anos, algumas companhiasaproveitam para investir. É o caso da Copag,pertencente ao grupo suíço Volcafé, um dosmaiores compradores de café do mundo,presente em 25 países. A sede da Copag emVarginha (MG) estava em obras em julho.Seu sócio e gerente geral, João PedroAlvarenga, informa que irá duplicar acapacidade de armazenamento para um totalde 150 mil sacas. As instalações da empresaprocessam, classificam e armazenam grãosque irão prioritariamente para países como aAlemanha e o Japão, e também para algumastorrefadoras brasileiras.

O empresário explica que estásentindo os reflexos da crise, pois o custo dearmazenagem ficou maior em relação aopreço da matéria-prima, mas trabalha comum panorama a longo prazo. Sua expectativaé que em 2003 o nível da oferta voltará aonormal, pois a plantação naturalmenteproduzirá menos. Ele acha que o governodeveria financiar a colheita para o produtorter condições de arcar com as despesas e nãoter pressa para vender. Na avaliação deAlvarenga, os grandes ganhadores com aqueda do preço foram o varejo e astorrefadoras do exterior. “Aqui não interessapara ninguém o preço baixo, pois atorrefação e a armazenagem têm um custofixo e o faturamento diminui. Meu lucro éem cima das sacas vendidas e se o preçofica baixo eu ganho menos”.

Com 2.300 sócios, 85% de pequeno porte, aCooabriel (Cooperativa Agrária dos Cafeicultores deSão Gabriel da Palha-ES) comercializa 300 mil sacaspor ano - a maior parte da variedade robusta - e tementre seus clientes corporações como Sara Lee e Me-litta. Em 39 anos de existência, nunca a empresa en-frentou tamanha dificuldade quanto agora. De um to-tal de 250 empregados, mais de cem foram demitidosno ano passado. “Tivemos que mandar embora gentecompetente porque não tínhamos condições de pagaros encargos”, lamenta o presidente Antônio Joaquimde Souza Neto. Foi preciso fazer um corte de 62,5%nos custos para garantir a sobrevivência.

Antônio defende a adoção urgente de uma polí-tica agrícola que ofereça crédito acessível ao produtor.Ele comenta que, até hoje, o negócio do café no Brasiltem vivido com recursos próprios extraídos do setor -o Fundo de Desenvolvimento da Economia Cafeeira(Funcafé), mas esses recursos não chegam quando osprodutores mais precisam. É o caso do custeio da sa-fra. O dinheiro só chega cerca de 60 dias depois doinício da colheita, quando devia estar nas mãos dosprodutores 60 dias antes. Investir em produtividade equalidade são as alternativas mais viáveis para os pe-quenos produtores enfrentarem a crise, na opinião dele:“Juntos nós seremos fortes”.

As cooperativas

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Concorrência deslealAs cooperativas de cafeicultores sofrem não

apenas com queda do preço, como também pela con-corrência desleal. Várias empresas de café no Brasiltrabalham usando firmas laranjas - intermediários queassumem negócios para ocultar a identidade do verda-deiro protagonista da transação. Assim elas vendemcom notas frias e usam outros artifícios contábeis parasonegar tributos. Em janeiro de 1999, o então prefeitode São Gabriel da Palha, Paulo Lessa, denunciou aexistência de uma “máfia do café” no Espírito Santo2.Segundo ele, as firmas fantasmas atuavam de formaclandestina, provocando uma enorme evasão fiscal.Lessa e sua família sofreram ameaças de morte porcausa das denúncias. Na época a Secretaria da Fazen-da do Estado desencadeou a Operação Café para coi-bir as ilegalidades e suspendeu as atividades de 38 em-presas compradoras.

Um negociante de café que prefere ter a identi-dade preservada assegura que as fraudes continuamem vários estados. A criatividade dos sonegadores cons-trói diversas brechas para burlar a lei. O comerciantecita entre os esquemas utilizados o exemplo da expor-tação fria de café: a empresa dá baixa no café paraexportação, envia contêineres vazios para o exterior evende o produto no mercado interno, sem nota fiscal.Outra fraude freqüente é transportar café entre doisestados com a nota fiscal de outro produto agrícola,

para pagar menos imposto. A proliferação do comér-cio ilegal prejudica a competitividade das empresaslegalizadas, pois estas ficam com custos maiores.

Cooxupé faz investimentosA Cooxupé (Cooperativa Regional dos Cafei-

cultores de Guaxupé, em Minas Gerais), com 8.600sócios, 1.100 funcionários e atuação em 56 municí-pios, é a maior cooperativa de café do mundo e umadas dez maiores exportadoras brasileiras do produ-to. Embora seus dirigentes afirmem que também sen-tem os efeitos da crise, a empresa vai investir esteano cerca de R$ 5 milhões (US$ 1,6 milhão) na com-pra de equipamentos e aluguel de armazéns parareceber a produção da supersafra. A capacidade dearmazenamento passará de 2,8 para 3,3 milhões desacas.

O superintendente de produção, José GeraldoRodrigues de Oliveira, diz que a cooperativa nãotem outra escolha senão ampliar a estrutura parareceber o café. Mas ele considera esse investimentopraticamente sem risco, pois há expectativa de umasafra menor no ano que vem. O diretor superinten-dente da Cooxupé, Joaquim Libânio Ferreira Leite,também é otimista quanto às perspectivas de recu-peração: “Em 2002 o preço já chegou ao nível maisbaixo, porque no ano passado o mercado incorpo-rou a expectativa de uma grande safra no Brasil”.

e a crise

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Camarão e frutas

Os irmãos Daniel e Isaac Cozzertêm uma propriedade de 23,9 hectaresjunto com mais dois irmãos em SãoDomingos do Norte, Espírito Santo.Reféns de empréstimo para custear asafra de café, foram obrigados avender um carro para pagar o banco.A crise os motivou a buscaralternativas. Hoje o café, que jáocupou quase toda a lavoura deles,corresponde a só 40% da áreaplantada e responde por 65% da rendada propriedade. A família não pensaem abandonar o cultivo, mas vaireduzi-lo. A meta é, no prazo de trêsanos, diminuir a participação do cafépara apenas 40% da renda.

“Passamos a investir mais nafruticultura, principalmente goiaba,coco, limão e laranja”, conta Daniel.“Também começamos a criar porcos,peixe e camarão”. Os irmãos fazemparte da associação de produtores decamarão de São Domingos do Norte, oque lhes garante a comercialização doproduto. A família tem um casorecente de êxodo rural. O irmão deles,Ângelo Francisco, era agricultor, masabandonou a terra e foi para Colatinatrabalhar como caminhoneiro. Com aqueda dos preços do café, os Cozzercortaram o uso do fertilizante e agorasó usam adubo orgânico. Há dez anosnão aplicam agrotóxicos na lavoura ejá começam a pensar na certificaçãoda propriedade como produtoraorgânica.

Eles têm outros projetos paraagregar valor ao que produzem.Pensam em comprar uma torrefadorapequena, de cerca de R$ 20 mil (emtorno de US$ 6,5 mil), e também emvender frutas em polpa congelada.“Hoje a gente perde até 50% dagoiaba por causa de defeitos nacasca”, conta Isaac. “A polpa podeser vendida na entressafra da cultura,quando tem um preço melhor”. Aidéia é encaminhar esses projetos emparceria com outros agricultores, parareduzir os custos. “A melhor formapara sair dessa crise é aorganização”, resume Isaac. “Se opequeno produtor estiver sozinho,fica fora do mercado”.

Produtor quer maiorintervenção no mercado

O diretor superintendente do Conselho Nacional do Café(CNC, entidade de produtores) e presidente da Cooperativa dosCafeicultores da Região de Garça-SP (Garcafé), Manoel Vi-cente Bertone, defende uma atuação vigorosa do Estado na re-gulação da atividade. Para ele, o governo deveria taxar as ex-portações e intervir no mercado comprando café, de modo aimpactar os preços e a receita cambial. Com os recursos arre-cadados na tributação, poderia cobrir os custos gerados pelacrise e exercer melhor sua responsabilidade social. Ele ressal-va que esta é sua opinião pessoal, e não necessariamente a dasentidades que representa. Crítico do liberalismo econômico, eleconsidera essa política responsável por boa parte da misériaexistente na cafeicultura.

“Governo e setores privados têm o dever de assumirriscos de gestão e de não se acomodar diante da transferên-cia de renda entre setores e países, sempre dos mais pobrespara os mais ricos”, assinala. “O café é fortemente tributadonos países consumidores, que sabem se utilizar de seu domí-nio econômico para gerar riquezas”. Ele lembra que os paísesem desenvolvimento se serviam dessa mesma tese quando, emépocas de acordos internacionais de commodities, tributavamas exportações do café em parceria com os países desenvolvi-dos. A prática foi descontinuada com a intensificação da glo-balização. “Acho que o mundo já está acordando para a per-versidade desse modelo”.

DesempregoBertone está convicto de que a alegada competitividade

brasileira às custas da mão-de-obra barata e dos preços baixosnão compensa os custos sociais internos: “O enorme diferenci-al entre o preço de nosso café e o dos nossos concorrentesindica que estamos abrindo mão de receitas cambiais absolu-tamente importantes para nosso país”. Ele alerta para o riscode desemprego em massa na cafeicultura brasileira dentro depoucos meses, com efeitos danosos não só nas áreas rurais,como também para quem vive nas cidades.

“A retração econômica implica queda da arrecadaçãofiscal, êxodo rural e aumento de violência” , constata. “É oEstado pagando junto com os produtores o preço de uma agres-sividade comercial que deveria estar sendo mais bem dosada,em benefício da sociedade brasileira”. Para ele, não faz senti-do que uma atividade de tamanha dimensão econômica não sejautilizada como instrumento de justiça social. “O Brasil tempapel importante nessa discussão, dada sua liderança na eco-nomia cafeeira”, acredita. No campo da organização da soci-edade civil, o cooperativismo é apontado pelo cafeicultor comoum potente instrumento para redistribuir renda.

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Jorge (nome fictício) cultiva café em uma pro-priedade de 240 hectares e também atua como inter-mediário no Espírito Santo. Ele entrou no comércio háum ano, para compensar a redução de sua renda comoprodutor. Com a ajuda de dois carregadores e um mo-torista, administra uma empresa informal instalada emum velho galpão de madeira no norte do estado. Res-ponsável por um comércio “formiga”, ele negocia emtorno de 3 mil sacas por mês, com uma margem delucro de R$ 3 (cerca de US$ 1) por saca. Não vendedireto para os exportadores, pois lhe falta estruturapara beneficiar o café e atender as normas da Vigilân-cia Sanitária. Seus compradores são intermediáriosmaiores.

“Ou você fica sem trabalhar ou comercializana clandestinidade, como estou fazendo”, afirma. Ocomerciante conta que é preciso ter cacife se quiserentrar no jogo grande. Para abrir uma firma de comér-cio de café legalizada, calcula que precisaria ter umcapital de no mínimo R$ 200 mil (em torno de US$ 65mil) para investir em instalações, máquinas eletrôni-cas de beneficiamento e na contratação de pessoal trei-nado para operá-las. Como a concorrência é grandeentre os intermediários, ele alega que ficaria sem pre-ço competitivo se pagasse os tributos. Jorge arrisca aestimativa de que 90% dos comerciantes de café nãosão oficialmente registrados.

Os intermediáriosValdir Laureti, comerciante com firma legaliza-

da em São Gabriel da Palha (ES), representa mais umelo na corrente de intermediários do café. Ele afirmamovimentar 30 mil sacas por mês - dez vezes mais queseu concorrente informal - e obter uma margem brutade R$ 5 (US$ 1,60) por saca. Diz que, depois de pa-gas todas as despesas, sobra pouco - porém não sequeixa do movimento: “O giro nunca foi tão alto comoeste ano. Vendi bem, mas se o preço fosse mais altodava para ganhar mais”. Cerca de dois terços do caféque compra são repassados a uma torrefadora e o res-tante vai para exportadores de Vitória.

Sua empresa emprega 25 trabalhadores, maspretende demitir oito no prazo de dois meses parareduzir despesas. Laureti faz uma comparação paramostrar o efeito prático da queda do preço do caféna sua vida profissional: “Em 1986 cheguei a com-prar um caminhão pequeno com 80 sacas, mas hojepreciso de 700”. Ele diz que não tem condições deentrar na torrefação, porque esse é um negócio queexige muito capital. O comerciante acha que o caféorgânico pode ser um bom negócio, mas que é pre-ciso movimentar pelo menos 10 mil sacas certifica-das por mês para compensar os custos e sua firmanão possui estrutura para isso. Laureti estima quenove em cada dez cafeicultores que conhece estãoendividados.

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Nichos de mercadoOs cafés especiais, orgânicos e certificados com o

selo de “comércio justo” têm sido apontados como alter-nativas promissoras para a agricultura familiar. De umaprodução de 100 mil sacas de café orgânico prevista paraeste ano, o Brasil deve exportar 70 mil - um crescimentode 191% em relação a 2001, segundo a Associação dosProdutores de Café Orgânico do Brasil. O preço é 50%superior ao do convencional e a demanda cresce 20% aoano3. Mas é importante não enxergar nesses nichos demercado uma saída milagrosa para a crise. Eles não estãoacessíveis a todos os agricultores pobres, pois demandamtécnicas que levam tempo para adotar. E o problema dacafeicultura é emergencial.

Para colocar café orgânico no mercado, os produ-tores precisam conseguir a certificação. Trata-se de ummecanismo de mercado que oferece a um consumidor di-ferenciado a chance de escolher um produto ou processoprodutivo diferenciado, explica Laura Prada, do Institutode Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflo-ra): “A mensagem é a seguinte: ‘Dê preferência ao meuproduto porque eu, cafeicultor, tenho responsabilidadeem relação aos trabalhadores, à comunidade do entor-no e ao meio ambiente’. O produtor que quiser acessareste mercado diferenciado vai ter que cumprir critériosque a sociedade definiu como justos ou aceitáveis.”

Um exemplo bem-sucedidoUm exemplo de como a cafeicultura orgânica está

sendo trabalhada vem do município de Nova Venécia (ES).Desde 1995, Maria Helena Mantovanelli e seu maridoAlcione Puttin desenvolvem a agricultura sustentável emsua propriedade de 25 hectares. Plantam banana, caju,coco, manga, maracujá e café sem o uso de adubo quími-co ou pesticida. Com uma lavoura de 40 mil pés, o casalproduziu este ano 300 sacas orgânicas. No processo decertificação eles abandonaram as técnicas convencionaise submeteram o solo e a água a auditorias. Precisaramcomprovar a preservação de matas ciliares e a legalidadeda situação dos empregados. Em torno de R$ 2.100 (US$680) foram gastos nos trâmites. Atualmente eles forne-cem para duas empresas brasileiras.

No início os custos de produção do café orgânicosão mais altos, mas em três a quatro anos se igualam aosdo café convencional. Depois de oito anos a tendência écaírem mais, graças à economia com insumos. A brocado café, por exemplo, é combatida via controle biológico,a vespa-de-uganda. Maria Helena enfatiza a função so-cial de seu sítio: “Temos o compromisso de conscien-

Comércio abaladoRua principal de São Domingos do

Norte, município de 7.500 habitantes noNorte do Espírito Santo. São 11h da manhãde um dia útil. Sentado em uma cadeira nacalçada, Domingos Ballastrini, 74 anos, matao tempo afiando um pedaço de madeira comum canivete. Há meio século ele éproprietário da loja de ferragens Ballastrini eCia Ltda. Seu estabelecimento está vazio declientes. Também começam a escassear asmercadorias, pois ele não tem condições derepor o estoque. “Hoje ainda não entrousequer um centavo em caixa”, conta.“Ontem só vendi dez reais” (US$ 3,10).

Nem sempre foi assim. Já houveépoca de grande movimento, em que ele eos dois filhos tinham funcionários ajudandono balcão. Vendiam de tudo:eletrodomésticos, tecidos, material deconstrução, ferramentas. O dinheiro girava.Hoje a loja é uma caricatura melancólica dosanos de fartura. Ballastrini foi forçado aalugar parte do espaço do comércio parauma igreja evangélica. Ele tem quase R$ 40mil (US$ 13 mil) em créditos a receber dosclientes de caderninho - todos gentehonesta, mas sem condições de pagar.“Passo o dia cheirando poeira”, diz. “Agente se alimenta de esperança, mas estouna iminência de fechar.”

Em buscade alternativasEm buscade alternativas

“ “

Domingos Ballastrini, comerciante.

A gente sealimenta deesperança.

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tizar os outros agricultores a produzir sem veneno”,diz. “Quando eles tiverem a maturidade de entenderas vantagens, só vão ganhar com isso.” A biodiversi-dade já ganhou. Sua propriedade é cheia de pássaros,coelhos selvagens, capivaras, papagaios e até maca-cos, animais raros na região. O trabalho conta com oapoio da Prefeitura de Nova Venécia, do Instituto Ca-pixaba de Pesquisa e Extensão Rural (Incaper), daPastoral da Saúde e da Agência Regional de Comerci-alização (Arco).

Algumas ações do Governo

Ministério da AgriculturaO Ministério da Agricultura, Pecuária e Abas-

tecimento lançou no início de agosto contratos deopção de venda de café de produtores e cooperati-vas de produção. Até outubro serão ofertadas 6 mi-lhões de sacas - 78,2% de arábica, porque esse é opercentual dessa variedade na safra brasileira. Re-cursos de R$ 765 milhões foram destinados paraessas operações. O ministro da Agricultura, Mar-cus Vinicius Pratini de Moraes, também anunciou ainclusão do produto na política de garantia de pre-ços mínimos e a liberação de R$ 320 milhões (US$103 milhões) para o programa de apoio às exporta-ções. Entre R$ 400 e 500 milhões (US$ 130 a 163milhões) adicionais foram destinados pelo governoao custeio da safra 2002/20034.

“Esse programa de apoio à cafeicultura foi de-senvolvido para preservar o parque nacional e sus-tentar os preços no momento em que a cotação inter-nacional do café é afetada pelo excesso de oferta”,afirmou Pratini de Moraes. Segundo o governo, o Ban-co do Brasil vai financiar 80% do valor da saca para

estocagem, o suficiente para um volume de quatro mi-lhões de sacas. “Estamos fortalecendo a capacidadefinanceira dos produtores para exportação, pois elesestão tendo dificuldades para renovar as linhas decrédito de adiantamentos de contratos de câmbio”,disse o ministro.

Fundo Verde e AmareloO governo federal pretende desenvolver um pro-

jeto de parceria com os cafeicultores para agregaçãode valor e promoção do café brasileiro no exterior.Segundo o ministro do Desenvolvimento, Indústria eComércio Exterior, Sérgio Amaral, os exportadorespoderão contar com uma nova linha de crédito, o Fun-do Verde e Amarelo. “Para exportação do café o obje-tivo será produzir, processar, torrar, embalar e colocarno supermercado”, afirmou. Amaral estima que osganhos dos produtores poderão passar para até 40%do valor final que é vendido a varejo nos supermerca-dos da Europa e Estados Unidos5.

O Fundo Verde e Amarelo é do Ministério daCiência e Tecnologia e tem um orçamento de R$ 80milhões (US$ 26 milhões) para este ano, com partedos recursos destinados aos setores de café e couro.Essa parceria entre governo e empresários prevê tam-bém a busca de novos mercados por meio da negocia-ção de melhores tarifas. Amaral disse que o BancoNacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BN-DES) vai financiar empresas brasileiras que queiramse estabelecer em outros países para vender seus pro-dutos. Um dos mercados em prospecção é a China6.Estimativa da Associação Brasileira das Indústrias deCafé Solúvel (ABICS) aponta que o consumo diáriode duas xícaras de café por 10% da população chinesaaumentaria as exportações brasileiras em 12 milhõesde sacas7.

Os testemunhos apresentados aqui, muito antes depretender dar conta da complexidade do tema do café,visam chamar a atenção para um dos aspectos cruciaisdesta crise: seu lado social. Queremos ultrapassar a discus-são econômica, as leis de mercado e mostrar que estamostratando de pessoas com nome e endereço. Seres humanosque estão sofrendo agora e não podem esperar.

Não foi nossa pretensão aprofundar o tema nemesgotar as visões e opiniões. É preciso contextualizar oslimites deste trabalho, realizado em menos de três meses.Pouco tempo em comparação ao tamanho do desafio.Porém, consideramos que esta pode ser uma contribuiçãopara despertar o interesse da sociedade brasileira e mes-mo de outros países para a problemática do café no Bra-sil, um dos gigantes do mundo nesse produto.

Para onde levam esses caminhos...Muitos dos testemunhos e das informações le-

vantadas indicam caminhos, possibilidades, desafios.As ações do governo federal, por exemplo, buscam tra-tar da crise. Porém, estão ainda distantes daqueles quesofrem os maiores impactos. No próximo capítulo,apresentamos as propostas dos agricultores familiarese assalariados rurais.

Esta reportagem buscou contribuir para a campa-nha global e nacional lançadas em 18 de setembro de 2002,uma iniciativa que reúne organizações de distintos paí-ses. Duas partes da publicação fazem essa conexão: umasobre o que estão dizendo as grandes torrefadoras trans-nacionais; e outra com as propostas da campanha inter-nacional, incluídas no chamado “Plano de Resgate para oCafé”.

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1 O salário mínimo no Brasil atualmente é de R$ 200 (US$ 65).

2 A Gazeta, 22, 23 e 24/01/99 e 08/07/99, Vitória (ES).

3 Gazeta Mercantil, 09/08/2002.

4 Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. http://extranet.agricultura.gov.br/.

5 Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Discurso do ministro Sérgio Amaral. http://www.mdic.gov.br/imprensa/radio/20020522Cafe.mp3.

6 Gazeta Mercantil, 22/05/2002.

7 Folha de S. Paulo, 23/05/2002.

Referências

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PROPOSTASpara a crise do café

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Propostas dos agricultoresfamiliares e assalariados rurais*

A agricultura familiar e os assalariadosrurais formam o elo mais vulnerável dacadeia produtiva do café. É onde o impactosocial e econômico da crise atual pode serpercebido de forma mais dramática.Enquanto as transnacionais do caféaumentam seus lucros com o produto, osagricultores familiares abandonam suaslavouras e os trabalhadores rurais ligadosao setor vêm perdendo seu emprego e tendoas suas condições de trabalho precarizadas.

Portanto, são necessárias medidasurgentes que viabilizem a cultura do cafécomo um produto de sustentação efortalecimento da agricultura familiar noBrasil, bem como de condições de trabalhodignas para os assalariados e assalariadasrurais.

* Estas propostas foram aprovadas durante Encontro Nacional realizado em Vitória (ES) nos dias 20 e 21 de agosto de 2002, organizadopela Contag, CUT e Oxfam. O encontro contou com o apoio da Action Aid Brasil, Federação dos Trabalhadores na

Agricultura, do Estado do Espírito Santo (Fetaes) e Secretaria Estadual da Agricultura(ES).

BRASIL

Propostas dos agricultoresfamiliares e assalariados rurais*

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TORREFADORAS DE CAFÉCompromisso com um diálogo propositivo com a representação dos agricultores familiares.

Compromissos claros com respeito à garantia dos direitos dos trabalhadores envolvidos na produção do café, incluindo o financia-mento de mecanismos efetivos de monitoramento.

Investimento de recursos em programas de melhoramento da qualidade do café produzido pela agricultura familiar.

GOVERNOAgricultura FamiliarParticipação de representantes dos agricultores familiares e trabalhadores no Conselho Deliberativo da Política do Café (CDPC).

Participação de representantes dos agricultores familiares e trabalhadores nas reuniões internacionais da Organização Internacionaldo Café (OIC) e outras instâncias internacionais relevantes.

Implementação de políticas específicas para o café dentro do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pro-naf), incluindo recursos do Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé) que fortaleçam a extensão e a assistência técnicavoltadas para a qualidade do café e a diversificação da produção; além de capacitação em estocagem, marketing e transformação docafé para exportação direta.

Negociação das dívidas existentes junto ao Pronaf.

Política de garantia de preços mínimos para o café da agricultura familiar.

Ações para o fortalecimento da participação da agricultura familiar no mercado de Comércio Justo do café.

Acesso a terra, através da reforma agrária e da expansão do crédito fundiário, para que os meeiros, arrendatários e filhos de pequenosproprietários possam melhorar suas condições de vida na produção do café.

Realização de pesquisa sobre o perfil da produção de café no Brasil, que identifique a participação e condições dos agricultoresfamiliares e assalariados rurais, feita em conjunto com as suas representações.

Criação de um selo de qualidade e origem da produção de café da agricultura familiar, com a participação do governo.

Política de marketing internacional que melhore a imagem do café do Brasil.

Estabelecimento de um mecanismo para monitoramento da competição efetiva entre torrefadores e outros atores da cadeia.

Transparência sobre os preços para produtores e consumidores em cada região e disseminação dessas informações aos pequenosprodutores.

Campanha de esclarecimento ao consumidor brasileiro sobre a qualidade do café.

Assalariados ruraisCriação de uma legislação específica para que o contrato de safra seja feito de forma coletiva, através dos Sindicatos dos Trabalha-dores Rurais (STRs), garantindo os direitos trabalhistas e previdenciários.

Aumento da fiscalização no meio rural realizada pelas Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs), garantindo a aplicação das leis enormas que protegem os direitos dos trabalhadores.

Suspensão do crédito público aos empregadores que desrespeitarem as legislações trabalhista e previdenciária.

Criação de um programa de capacitação dos trabalhadores quanto ao uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), manuseiode produtos químicos e técnicas que diminuam os riscos de acidentes no campo.

As propostas de políticas domésticas apresentadas devem ser complementadaspor uma negociação do governo junto aos países produtores, buscando encontrarmecanismos que gerenciem a produção e os preços.

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É necessário um Plano de Resgatepara o Café que realinhe a oferta com a

demanda e apóie o desenvolvimentorural, de modo que os cafeicultores

possam ter uma renda decente. O planoprecisa reunir os principais atores

envolvidos na produção e no comérciodo café para que a crise seja superada e

se possa criar um mercado maisestável.

O Plano de Resgate representa o piloto de umaIniciativa de Gestão de Commodities, de prazo maislongo, destinada a melhorar os preços destes produtose a disponibilizar outros meios de vida para os produ-tores. Os resultados desse plano seriam os seguintes,entre outros:

1. Estabelecimento de mecanismos, por parte dosprodutores e dos governos de países consumido-res, para corrigir o desequilíbrio entre oferta edemanda, visando garantir preços razoáveis paraos produtores. Os produtores devem estar ade-quadamente representados nesses esquemas.

2. Cooperação entre governos de países consumido-res no sentido de impedir que entre no mercado

um volume maior de commodities do que podeser vendido.

3. Apoio aos países produtores para que estes extrai-am uma parcela maior do valor de seus produtosde commodity.

4. Amplos financiamentos de doadores para reduzir aenorme dependência que os pequenos produtorestêm de commodities agrícolas.

5. Fim dos duplos padrões adotados pela União Eu-ropéia e pelos Estados Unidos no comércio deprodutos agrícolas, que restringem as opções dospaíses em desenvolvimento.

6. Pagamento, pelas empresas, de um preço decentepor produtos primários (acima dos custos de pro-dução).

Dentro de um ano, e sob os auspícios da OIC, o Plano de Resgate deve resultar em:

1. Compromisso das empresas torrefadoras de pagar um preço decente aos produtores.

2. Compromisso das empresas torrefadoras de só comercializar cafés que satisfaçam aos padrões doEsquema de Melhoria da Qualidade da OIC.

3. Destruição de pelo menos cinco milhões de sacas como medida imediata, a ser financiada porgovernos de países ricos e por empresas torrefadoras.

4. Criação de um Fundo de Diversificação destinado a ajudar produtores com baixa produtividade abuscar outros meios de vida.

5. Compromisso, por parte das empresas torrefadoras, de comprar volumes crescentes de caféscomercializados de acordo com as condições propostas pelo movimento do Comércio Justo ediretamente dos produtores. Dentro de um ano, esse volume deve corresponder a 2%, comaumentos incrementais subseqüentes.

PROPOSTA INTERNACIONAL

Um plano de Um plano de

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O Plano de Resgate para o Café só poderá serbem-sucedido se todos os atores deste mercado se en-volverem ativamente na sua execução. As recomenda-ções apresentadas a seguir incluem elementos do quecada grupo pode fazer para que o plano funcione.

Empresas de caféEmpresas torrefadoras– Kraft, Nestlé, Procter & Gamble e Sara Lee

1. Comprometam-se a pagar um preço decente aosprodutores.

2. Invistam um volume significativo de recursos nasuperação da crise do café (incluindo umacontribuição financeira para pacotes de ajudahumanitária contra a crise).

3. Rotulem produtos a base de café de acordo com asua qualidade.

4. Comprometam-se a comprar volumes crescentesde cafés comercializados de acordo com ascondições propostas pelo movimento do ComércioJusto e diretamente dos produtores. Dentro de umano, o volume deve corresponder a 2% de suascompras de café, com importantes aumentosincrementais subseqüentes a serem determinadosanualmente pelo movimento do Comércio Justo.

5. Desenvolvam atividades de lobby junto aogoverno dos Estados Unidos para que este volte aser membro da OIC.

6. Assumam compromissos claros e verificáveis derespeitar os direitos de trabalhadores migrantes esazonais e as convenções da OIT.

Varejistas(supermercados e cafés)

1. Exijam dos fornecedores que o café vendido poreles garanta um preço decente aos produtores.

2. Promovam marcas e produtos à base de cafévinculados ao movimento do Comércio Justo.

3. Insistam para que produtos a base de café sejamrotulados de acordo com a sua qualidade.

4. A Starbucks deve divulgar publicamente suasverificações em relação à viabilidade comercial desuas diretrizes para a seleção de fontes para acompra de café.

Governos e instituiçõesOrganização Internacional do Café

1. Organizem, com a ONU (Organização das NaçõesUnidas) e com a participação do Banco Mundial,uma conferência de alto nível sobre a crise do café,presidida por Kofi Annan, até fevereiro/março de2003, especificando que a participação deve estarvinculada à disposição e capacidade de assumircompromissos concretos.

2. Trabalhem com países produtores, organizaçõesenvolvidas no movimento do Comércio Justo eempresas torrefadoras para definir uma rendadecente para os produtores.

3. Implementem o esquema de qualidade, apósavaliar seu impacto para pequenos produtoresrurais.

*Este plano faz parte da campanha globalO que tem no seu café, da Oxfam Internacional.

resgate para o café* resgate para o café*

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Banco Mundial

1. Identifique o apoio que o Banco pode oferecer apaíses produtores na administração do impacto decurto prazo de baixas no preço do café, tecendo,também, considerações sobre o desenvolvimentorural no exercício do Documento de Estratégiaspara a Redução da Pobreza (PRSP). O BancoMundial e o FMI devem desenvolver umaestratégia integrada de longo prazo para atacar oproblema das commodities.

2. Continue a avaliar o processo do programa HIPCà luz da queda esperada nas receitas de exportação,em decorrência da baixa nos preços dos produtosprimários, e tome as medidas necessárias para quequalquer país que sofra os efeitos de uma quedaimportante nos preços de produtos primários entreo Ponto de Decisão e Conclusão da HIPC recebaautomaticamente uma assistência adicional emrelação à dívida no Ponto de Conclusão paracumprir a meta de 150% de dívida-exportações.

3. Contribua para a realização de uma conferênciainternacional de peso sobre o café, organizadapelas Nações Unidas (UNCTAD) e pela OIC atéfevereiro/março de 2003.

Conferência das Nações Unidassobre Comércio e Desenvolvimento(UNCTAD)

1. Desenvolva uma estratégia de longo prazo para oproblema dos produtos primários.

2. Organize uma conferência internacional de pesosobre o café com a OIC até fevereiro/março de2003.

Governos de países produtores

1. Cooperem entre si para impedir que entre nomercado um volume de commodities maior do quepossa ser vendido.

2. Coloquem a diversificação no centro dasestratégias de redução da pobreza.

3. Disponibilizem mecanismos de apoio a produtoresque precisam sair do mercado do café, incluindoassistência a mulheres deixadas em propriedadesrurais da família.

4. Adotem medidas para satisfazer as necessidadesimediatas de produtores rurais em termos deserviços de extensão, entre os quais:

· informações técnicas e de comercialização,· esquemas de crédito e serviços de gestão dedívidas.

Os serviços de extensão devem considerar,particularmente, as necessidades das mulheresprodutoras.

5. Estabeleçam sanções contra práticas comerciaisanticompetitivas que prejudiquem pequenosprodutores rurais.

6. Avaliem o impacto do Esquema de Qualidade daOIC para pequenos cafeicultores, principalmentepara mulheres produtoras.

7. Protejam os direitos de trabalhadores sazonais efixos, visando garantir a aprovação e aimplementação de leis trabalhistas compatíveis comconvenções essenciais da OIT. Os direitos dasmulheres trabalhadoras exigem atenção especial.

8. Promovam associações de pequenos produtores eempresas visando a fortalecê-los nos mercadosnacionais de café.

Investidores

1. Estimulem as empresas torrefadoras aadotar esquemas de gerenciamento decadeias de abastecimento e políticas depreços que garantam preços acima doscustos de produção e protejam os direitostrabalhistas dos trabalhadores em cafezais,visando garantir a sustentabilidade domercado do café no longo prazo.

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Consumidores

1. Comprem mais cafés comercializados no âmbitodo movimento do Comércio Justo.

2. Peçam aos varejistas que estoquem mais produtoscomercializados no âmbito do movimento doComércio Justo.

3. Exijam que as empresas adotem políticas depreços que garantam uma renda decente aosprodutores.

4. Exijam uma melhor rotulação sobre a origem docafé comercializado pelas torrefadoras/varejistas.

5. Peçam aos gerentes de fundos de pensão quelevantem as questões indicadas abaixo.

Governos de países ricosconsumidores

1. Ofereçam apoio político e financeiro para eliminaro problema da superoferta por meio de medidas,tais como:

· apoio e ajuda financeira ao esquema dequalidade da OIC, incluindo o monitoramentoda qualidade do café que entra em seusmercados oriundo de cada país produtor,disponibilizando rapidamente informaçõesresultantes desse monitoramento;· eliminação das tarifas ainda em vigor;· destruição de estoques de café de qualidadeinferior.

2. Apóiem a OIC como o foro no qual produtores econsumidores podem atacar a crise do café.

3. Aumentem o financiamento destinado aodesenvolvimento rural e aos meios de vida rurais naODA (Assistência Externa ao Desenvolvimento).

4. Ofereçam incentivos para que as torrefadorastransfiram tecnologia e desenvolvam umaproporção maior do processamento de valoragregado nos países em desenvolvimento.

2. Digam às empresas de café nas quaisinvestem que a promoção de melhoriasna qualidade de vida de produtoresrurais pobres será um critério-chave naavaliação da gestão do risco de suareputação à luz dos preços que adotame de sua gestão da cadeia deabastecimento.

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O que dizem asCORPORAÇÕES

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Declarações sobreResponsabilidadeSocial Corporativa

Opiniões sobrea crise

Opiniões sobre ocontrole dasuperoferta nomercado do café,incluindo o esquemade qualidade da OIC

Medidas tomadaspara atacar a crise

Preços e ágiospagos pelo café 11

KRAFTA empresa Kraft Foods compartilha com seus consumidores, clientes ea indústria do café como um todo a preocupação com asustentabilidade de longo prazo de cafés de boa qualidade. Issosignifica que apoiamos... Um padrão de vida decente e cada vezmelhor para os produtores de café e suas famílias1.

O mercado encontrará sua própria solução à medida que países eprodutores forem sendo empurrados para fora dele naturalmente.Nosso papel está do lado da demanda – o papel da Kraft consiste emaumentar o consumo3.Como produtores originais de mercadorias não processadas que sãovitais para nossos produtos de qualidade, os cafeicultores precisam terum nível geral de retorno financeiro aceitável para continuarem a serparticipantes viáveis do setor do café no longo prazo4.

Nossa função na indústria do café é oferecer produtos à base de café apreços razoáveis, que satisfaçam as expectativas de nossosconsumidores tanto em termos de qualidade como de valores. Oesquema de qualidade proposto pela OIC constitui uma maneira de semudar o atual ambiente desfavorável de preços. Portanto, estamosavaliando esse programa cuidadosamente para compreender suasimplicações para nossos complexos negócios globais e sua possívelcontribuição para uma abordagem construtiva à atual situação domercado6.Não vai dar certo. Nunca deu certo porque se trata de um esquemavoluntário e seu objetivo não é claro. Nos opomos fundamentalmente aqualquer esquema que implique intervenções nos preços7.

A Kraft gastou US$ 500 mil num esquema de melhoria da qualidadeno Peru. A empresa afirma que seus esforços, empreendidosconjuntamente com uma cooperativa local, a Cocla, para introduzirmelhores padrões de qualidade, melhoraram o preço que o Perurecebe por seu café. A Kraft também apóia mecanismos de melhoriada qualidade implementados no Vietnã, principalmente na área deprodução de café da variedade arábica de Tan Lam, juntamente comas empresas Douwe Egberts, GTZ e Tan Lam6.

A Kraft paga um ágio pela qualidade de uma grande proporção docafé verde que a empresa compra. Em sua grande maioria, o nossocafé é comprado de empresas exportadoras nos países de origem.Portanto, não podemos avaliar diretamente a magnitude dosbenefícios que produtores específicos usufruem. No entanto,acreditamos, de um modo geral, que os produtores de café aos quaispagamos um ágio pela qualidade recebem preços mais altos do quereceberiam na ausência desses pagamentos diferenciados12.

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1 Kraft Foods ’Sustainability -an important issue in thebrand orientated foodindustry’, texto apresentadoà Oxfam em 23 de abril de2002

2 Peter Brabeck-Lemathe,diretor-presidente daNestlé, 30 de novembro de1999 “The Search forTrust”.

3 Entrevista com a Oxfam, 23de abril de 2002

4 Carta ao Senador Sam Farr,7 de março de 2002

5 Low coffee prices Causesand Potential Solutions –Apresentação ao CSREuropa, 12 de julho de2002

6 Carta à Oxfam, 26 de junhode 2002

7 Entrevista com a Oxfam, 23de abril de 2002

8, 9, 10,12 Carta à Oxfam, 26de junho de 2002

11 Nenhuma empresa sedispôs a revelar os preçosmédios pagos pelo café

NESTLÉDaqui a alguns anos, nos perguntarão não apenas se maximizamoso valor de curto prazo da empresa para nossos acionistas, mastambém nos farão outras perguntas mais difíceis. Entre as quais,certamente, a seguinte: “O que vocês fizeram para ajudar acombater a fome nos países em desenvolvimento2?”

A Nestlé está preocupada com a situação dos produtores de café,que atualmente recebem preços historicamente baixos por suassafras. Essa situação gera pobreza e sofrimento crescentes paraeles e suas famílias. A Nestlé é contra esses preços baixos, pois elesnão são ruins apenas para os produtores, mas também para osnegócios da empresa. Embora reduzam o custo de matérias primasno curto prazo, preços baixos inevitavelmente geram preços altos,pois são essas oscilações muito acentuadas que têm um impactonegativo sobre os nossos negócios5.

A Nestlé apóia plenamente o Esquema de Melhoria de Qualidadeda OIC e sua aplicação, já que ele diz respeito à exportação de caféverde de países produtores8. A Nestlé considera a OIC como amelhor plataforma para o estabelecimento de um mecanismo deestabilização de preços, uma vez que o sucesso de uma iniciativadesse tipo exige um compromisso por parte de governos de paísesprodutores e importadores. A menos que criemos um sistemacompletamente novo, a OIC continua sendo o único foro viável.A Nestlé apóia qualquer esforço coordenado que envolva governos,o setor do café como um todo, agências intragovernamentais eONGs para eliminar o ciclo de prosperidade e colapso e ajudar osprodutores de café individualmente9.

A Nestlé tem diversos projetos em andamento para ajudar amelhorar a situação do pequeno produtor. O México é um exemplodessa iniciativa10.

Cerca de 13% do nosso café são comprados diretamente e com umágio pela qualidade. O mecanismo usado para garantir que oprodutor rural seja beneficiado com um ágio varia de país a país,mas temos controles para garantir a efetiva disponibilização dessebenefício em todos os casos.2

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Declarações sobreResponsabilidadeSocial Corporativa

Opiniões sobrea crise

Opiniões sobre ocontrole dasuperoferta nomercado do café,incluindo o esquemade qualidade da OIC

Medidas tomadaspara atacar a crise

Preços e ágiospagos pelo café 11

PROCTER & GAMBLEPROCTER & GAMBLEPROCTER & GAMBLEPROCTER & GAMBLEPROCTER & GAMBLEA P&G tem sempre desenvolvido seus negócios com integridade ecom base no princípio da empresa de “fazer a coisa certa”. Hámuito tempo temos sido líderes na gestão de recursos humanos ena compensação e concessão de benefícios a nossos funcionários -garantimos segurança no local de trabalho, mecanismos demanejo ambiental em nossas operações, práticas comerciais éticase envolvimento nas comunidades onde mantemos operações1.

Nenhum participante do mercado do café pode negar a crise2.Reconhecemos os problemas sociais que muitas famíliasprodutoras de café estão enfrentando em decorrência da situaçãoatual de superprodução global e preços baixos. A P&G estáempenhada em ajudar nas questões sociais e econômicassubjacentes que contribuem para essa situação e queremostrabalhar com organizações respeitáveis que possam nos ajudar adesenvolver soluções sistêmicas de longo prazo3.

Apoiamos os esforços da Associação Nacional do Café paraidentificar mecanismos que visem garantir uma oferta adequada esustentável de café nas faixas de qualidade exigidas pelosconsumidores, levando em consideração, também, necessidadessociais e ecológicas. Apoiamos, também, esforços como osconcursos Cup of Excellence (xícara de excelência), quepromovem os melhores cafés produzidos nos países que sediamesses concursos5.A P&G apóia a postura da Associação Nacional do Café emrelação à crise do café. A P&G não pretende apoiar o Esquemada OIC porque ele não se afina com as propostas da AssociaçãoNacional do Café.

Como empresa, temos apoiado países produtores de café em trêsníveis: Local - Contribuições de diversos escritórios da P&G emtodo o mundo, no Brasil, no México e na Venezuela, para aconstrução de escolas. De Unidade Comercial - US$ 1,5 milhão emfinanciamentos concedidos a uma organização sem fins lucrativos,a Technoserve, para ajudar pequenos produtores de café.Corporativo - A P&G paga contribuições a organizações como aThe Nature Conservancy e a esforços para aliviar os efeitos dedesastres naturais7.

A P&G compra um alto percentual de seu café diretamente deexportadores que têm escritórios em países produtores. Osfuncionários do nosso Departamento de Café Verde passam muitotempo nesses países trabalhando com os exportadores; essesexportadores ajudam a traduzir nossas necessidades locais emtermos de qualidade na cadeia local de abastecimento.

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1 Declaração da P&GsobreResponsabilidadeSocial Corporativa,julho de 2002www.pg.com/about_pg/corporate/sustainability/faq

2 Entrevista com aOxfam, 11 de junho de2002

3 Documento sobreProdução Sustentávelde Café apresentado àOxfam em 11 de junhode 2002

4 Entrevista com aOxfam, 10 de junho de2002

5 ibid6 ibid7 Site da Folgers, página

da Proctor andGamble.

8 e 9 Carta à Oxfam, 19de junho de 2002

SARA LEESARA LEESARA LEESARA LEESARA LEEO objetivo da Sara Lee é usar seu poder de compra parainfluenciar as pessoas e empresas das quais ela compra produtose contrata serviços no sentido de que elas: abracem elevadospadrões de comportamento ético, observem todas as leis eregulações aplicáveis e tratem seus funcionários de maneirajusta, com dignidade e respeito, de modo a promover seu bem-estar, melhorar sua qualidade de vida e estimulá-los para quesejam cidadãos socialmente responsáveis nos países ecomunidades nos quais desenvolvem suas atividades.

A Sara Lee e a indústria do café como um todo não consideramessas flutuações (de preço) a partir da perspectiva de promoveros interesses dos produtores locais, da indústria ou doconsumidor4.

A Sara Lee não se sente à vontade com a idéia de se lançaresquemas de apoio aos preços do café. O mercado precisarestabelecer o equilíbrio entre a oferta e a demanda.Acreditamos que a melhor solução seria … melhorar a qualidadedo café no nível local. Compensar os produtores de café peloônus de uma renda mais baixa pagando preços artificialmentegarantidos constitui um incentivo para a superprodução e geraposições discriminatórias indesejadas no mercado do café verde.Por essa razão, a Sara Lee não promoverá ou iniciará qualqueresquema de comercialização de café no nível proposto pelomovimento do Comércio Justo6.

O apoio dado pela Sara Lee inclui “a execução de projetos empaíses produtores (Vietnã, Uganda, Brasil) para ajudarprodutores de café e suas famílias a melhorar suas condições devida, desenvolvendo e implementando métodos de produção queprovoquem o menor impacto possível sobre o meio ambiente emelhorem a qualidade do café cultivado, garantindo preços maisaltos no mercado para o produto”8.

Na compra de café verde, a Sara Lee manterá sua Política paraPequenos Produtores (adotada desde 1989), no âmbito da qualela se compromete a comprar pelo menos 10% de todo o seu cafédiretamente de pequenos produtores e associações de pequenosprodutores, desde que eles garantam a qualidade exigida epreços acordados9.

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