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CAMINHOS DA PESQUISA QUALITATIVA NO CAMPO DA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS: PRESSUPOSTOS, ABORDAGENS E POSSIBILIDADES ORGANIZADORES Valderez Marina do Rosário Lima João Batista Siqueira Harres Marlúbia Corrêa de Paula

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CAMINHOS DAPESQUISA QUALITATIVANO CAMPO DAEDUCAÇÃOEM CIÊNCIAS:

PRESSUPOSTOS,ABORDAGENS EPOSSIBILIDADES

ORGANIZADORESValderez Marina do Rosário Lima

João Batista Siqueira HarresMarlúbia Corrêa de Paula

CAMINHOS DAPESQUISA QUALITATIVANO CAMPO DAEDUCAÇÃOEM CIÊNCIAS:

PRESSUPOSTOS,ABORDAGENS EPOSSIBILIDADES

ChancelerDom Jaime Spengler

ReitorEvilázio Teixeira

Vice-ReitorJaderson Costa da Costa

CONSELHO EDITORIAL

PresidenteCarla Denise Bonan

Editor-ChefeLuciano Aronne de Abreu

Antonio Carlos Hohlfeldt

Augusto Mussi Alvim

Cláudia Musa Fay

Gleny T. Duro Guimarães

Helder Gordim da Silveira

Lívia Haygert Pithan

Lucia Maria Martins Giraffa

Maria Eunice Moreira

Maria Martha Campos

Nythamar de Oliveira

Walter F. de Azevedo Jr.

porto alegre2018

ORGANIZADORESValderez Marina do Rosário Lima

João Batista Siqueira HarresMarlúbia Corrêa de Paula

CAMINHOS DAPESQUISA QUALITATIVANO CAMPO DAEDUCAÇÃOEM CIÊNCIAS:

PRESSUPOSTOS,ABORDAGENS EPOSSIBILIDADES

porto alegre2018

ORGANIZADORESValderez Marina do Rosário Lima

João Batista Siqueira HarresMarlúbia Corrêa de Paula

CAMINHOS DAPESQUISA QUALITATIVANO CAMPO DAEDUCAÇÃOEM CIÊNCIAS:

PRESSUPOSTOS,ABORDAGENS EPOSSIBILIDADES

© EDIPUCRS 2018

CAPA Thiara Speth

DIAGRAMAÇÃO Camila Borges

REVISÃO DE TEXTO Susana Azeredo Gonçalves

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Loiva Duarte Novak CRB 10/2079 Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).

C183 Caminhos da pesquisa qualitativa no campo da educação em ciências : pressupostos, abordagens e possibilidades / organizadores Valderez Marina do Rosário Lima, João Batista Siqueira Harres, Marlúbia Corrêa de Paula. – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2018. 215 p.

ISBN 978-85-397-1109-3

1. Pesquisa qualitativa. 2. Educação – Metodologia.3. Pesquisa – Metodologia. I. Lima, Valderez Marina do Rosário.II. Harres, João Batista Siqueira. III. Paula, Marlúbia Corrêa de.

CDD 23. ed. 001.42

EDIPUCRS – Editora Universitária da PUCRS

Av. Ipiranga, 6681 – Prédio 33Caixa Postal 1429 – CEP 90619-900 Porto Alegre – RS – BrasilFone/fax: (51) 3320 3711E-mail: [email protected]: www.pucrs.br/edipucrs

“A ideia de um método que contenha princípios firmes, imutáveis e

absolutamente obrigatórios para conduzir os negócios da ciência depara

com considerável dificuldade quando confrontada com os resultados da

pesquisa histórica. Descobrimos, então, que não há uma única regra,

ainda que plausível e solidamente fundada na epistemologia, que não

seja violada em algum momento” (FEYERABEND, 2007).

SUMÁRIO

9 APRESENTAÇÃO

11 PREFÁCIO

15 INTRODUÇÃO

19 DA NOITE AO DIA: TOMADA DE CONSCIÊNCIA DE PRESSUPOSTOS ASSUMIDOS DENTRO DAS PESQUISAS SOCIAIS

ROQUE MORAES

57 A PESQUISA ACADÊMICA COMO ELEMENTO DE FORMAÇÃO DO PROFESSOR-PESQUISADOR

EMERSON SILVA DE SOUSA

ISABEL CRISTINA M. DE LARA

JOÃO BATISTA S. HARRES

77 UM OLHAR SOBRE TIPOS DE PESQUISAS QUALITATIVAS: CONTRIBUIÇÕES PARA PESQUISADORES NO CAMPO DA EDUCAÇÃO

DEISE NIVIA REISDOEFER

ROSANA MARIA GESSINGER

93 INSTRUMENTOS DE COLETAS DE DADOS EM PESQUISAS: QUESTIONAMENTOS E REFLEXÕES

ALESSANDRO PINTO RIBEIRO

ROSANA MARIA GESSINGER

111 NARRATIVAS E PESQUISA EDUCACIONAL: ALGUNS QUESTIONAMENTOS

VALDEREZ MARINA DO ROSÁRIO LIMA

ROSANA MARIA GESSINGER

127 METANÁLISE COMO POSSIBILIDADE PARA A PESQUISA NA ÁREA DA EDUCAÇÃO

VALDEREZ MARINA DO ROSÁRIO LIMA

LUCIANA RICHTER

135 MOVIMENTOS DA ESCRITA: PESQUISA, ENUNCIAÇÃO E AUTORIA

JULIANA BATISTA PEREIRA DOS SANTOS

PRISCILA MONTEIRO CHAVES

ISABEL CRISTINA MACHADO DE LARA

153 A PESQUISA REALIZADA NA ACADEMIA: CONSIDERAÇÕES INICIAIS

JERONIMO BECKER FLORES

JOÃO BATISTA SIQUEIRA HARRES

159 PESQUISA BASEADA EM DESIGN COMO MÉTODO INVESTIGATIVO NO ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

THAÍSA JACINTHO MÜLLER

171 MICHEL FOUCAULT E A ANÁLISE DO DISCURSO

KETLIN KROETZ

SOLANGE CARVALHO DE SOUZA

JOSÉ LUÍS SCHIFINO FERRARO

183 CAQDAS COMO FERRAMENTA NA PESQUISA QUALITATIVA

MARLÚBIA CORRÊA DE PAULA

LORÍ VIALI

GLENY TEREZINHA DURO GUIMARÃES

209 SOBRE OS ORGANIZADORES E AUTORES

APRESENTAÇÃO

O conjunto de textos que compõe esta obra tem sua gênese em estudos

versando sobre a relação métodos qualitativos de pesquisa e produção

acadêmica, realizados por professores e doutorandos do Programa de

Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Questionamentos e reflexões

iniciais do grupo foram o substrato para debates, reflexões e aprendi-

zagens realizados durante o período 2016−2017. Neste tempo, além de

apropriação teórica, a análise e a apreciação crítica de materiais produ-

zidos foram realizadas de forma intensa e sistemática pelos envolvidos

no diálogo. Estabelecemos uma rede cuja comunicação ora se fazia de

modo virtual ora de modo presencial, para acompanhamento coletivo de

cada um dos textos produzidos.

Ao dar relevo à elaboração colaborativa, trabalhamos em coerência

com pelo menos dois pressupostos importantes aos pesquisadores do

Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática.

O primeiro, o educar pela pesquisa, assume a pesquisa como trabalho

conjunto de produção/reconstrução de conhecimento e deposita na

interação entre sujeitos, mais experientes e menos experientes, o norte

para o desenvolvimento do pensamento autônomo e da autoria de ideias

e argumentos renovados. O segundo, a qualidade da produção científica,

percebe a consistência interna da produção como um elemento essencial.

Essa consistência pode ser obtida, dentre outros cuidados acadêmicos,

por meio da revisão crítica efetuada por colegas. Nesta troca, que é um

movimento gradativo, as contribuições dos demais investigadores per-

CAMINHOS DA PESQUISA QUALITATIVA NO CAMPO DA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS10

mitem que o pesquisador responsável por um estudo promova sínteses

mais consistentes e mais claras ao longo do processo.

O material ora apresentado, além de expressar o amadurecimento

intelectual do grupo, explicita o conteúdo emergente das muitas sessões

de discussão sobre princípios e métodos da pesquisa qualitativa. Neste

sentido, entendemos que as temáticas apresentadas no conjunto de capí-

tulos contribuem para a formação de novos pesquisadores, ajudando-os

tanto na busca de melhores formas de abordar seus objetos de estudo

quanto na capacidade de promover, ao longo da investigação, os ajustes

necessários ao aprimoramento do desenho estabelecido preliminarmente.

Os organizadores

Valderez Marina do Rosário Lima

João Batista Siqueira Harres

Marlúbia Corrêa de Paula

PREFÁCIO

A escrita pode ser considerada a maior invenção humana de todos os

tempos, pois sem ela não seríamos capazes de chegar onde chegamos.

Muito provavelmente, a origem da escrita está associada a marcas esca-

vadas na argila molhada pelos Sumérios, há cerca de 3 mil anos a.C. De

lá para cá, a evolução dos sistemas de escrita é imensurável.

Não é difícil imaginar um mundo sem escrita. A título de exemplos,

seria um mundo sem livros, sem revistas, jornais, enciclopédias, cartas,

e-mails, receitas de bolos; não haveria tecnologias como lápis, canetas

esferográficas, computadores, telefones, internet, naves espaciais, longe-

vidade. Seria um mundo sem pesquisa, sem teses, dissertações e artigos.

Seria um mundo com raro conhecimento.

Entretanto, tudo o que se escreve – as palavras e as frases – não é

transparente: necessita ser compreendido. E há muitas possibilidades de

compreensão. Isso ocorre com outras manifestações humanas, como os

desenhos, as pinturas e as esculturas.

Aquele ou aquela que compreende se compreende, construindo possibili-

dades de si mesmo(a). Nesse sentido, compreender é tomar posição a favor de

algo. Pesquisar é, pois, construir compreensões e defendê-las, tomar posições.

Deste modo, esta obra, organizada pelos professores Valderez Marina

do Rosário Lima, João Batista Siqueira Harres e Marlúbia Corrêa de Paula,

apresentam posições e abordagens sobre a pesquisa qualitativa, nas

perspectivas metodológica e analítica, o que pode possibilitar reflexões

CAMINHOS DA PESQUISA QUALITATIVA NO CAMPO DA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS12

e escolhas pelos pesquisadores no campo da Educação em Ciências e

Matemática, incluindo-se mestrandos e doutorandos.

Destaca-se o texto inédito deixado pelo saudoso amigo Roque Moraes

sobre os pressupostos filosóficos e epistemológicos para a escolha do

modo de investigar. Esse texto é produto do seu próprio esforço em

compreender esse rico e complexo tema sobre a escolha de abordagens

e tipos de pesquisas, pois ele costumava dizer que, para compreender

algo, necessitava escrever. Foi o que sempre fez. Assim, foi muito positivo

encontrar esse texto dando início a este livro.

Os demais capítulos, oferecidos por professores e doutorandos do

Programa também contribuem para que pesquisadores respondam às

questões: Que modo de pesquisar é o mais adequado para as minhas indaga-

ções? Que modo de analisar as informações disponíveis é mais coerente com

o problema e com os pressupostos filosóficos e epistemológicos da pesquisa?

Como respostas a esses questionamentos, são possibilitadas discussões

e releituras sobre abordagens metodológicas como pesquisa etnográfica,

pesquisa narrativa, estudo de caso, história de vida, pesquisa participante.

Também são apresentados modos de produção de dados e informações,

por meio de textos bibliográficos, documentos, observação, entrevista,

questionários, formulários, imagens e vídeos. São tratados ainda nesta

obra modos de análise, com destaque para a análise de discurso (AD) e

para a Metanálise qualitativa. Análises realizadas por meio de ferramen-

tas tecnológicas e softwares específicos, cujo uso tende a se expandir no

campo da pesquisa educacional e das ciências sociais em geral, também

são tratadas em dois capítulos.

Observa-se nos textos o forte apelo à escrita como modo de apro-

priação e compreensão do objeto sob investigação. Isso porque a função

primeira de quem pesquisa é o seu próprio aprender. Se pesquisa para

VALDEREZ M. DO ROSÁRIO LIMA | JOÃO BATISTA S. HARRES | MARLÚBIA C. DE PAULA 13

aprender. E as palavras são sempre o que fica das ações, sensações e

experiências. Por isso, escrever é preciso1.

Por fim, a partir dos temas contidos nos capítulos, esta obra, além de

apresentar contribuições para quem pesquisa em Educação em Ciências

e Matemática, mostra parte do importante trabalho que é realizado no

Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da

PUCRS, no campo metodológico e analítico das investigações. Por tudo

isso, recomendo a leitura atenta deste livro.

Maurivan Güntzel Ramos

Agosto de 2017.

1 Referência à bela obra de Mário Osório Marques, Escrever é preciso: o princípio da pesquisa, Editora Unijuí.

INTRODUÇÃO

A pesquisa qualitativa na contemporaneidade ocupa lugar privilegiado

em estudos na área da educação devido a sua potência para responder

às necessidades dos processos educativos, alinhados com as demandas

da sociedade atual. Na área de ensino de ciências não é diferente. Os

estudos qualitativos destacam-se pela convicção dos pesquisadores de

que o avanço da produção está relacionado aos esforços empreendidos

para compreender, em profundidade, aspectos específicos da realidade

escolar. Deste modo, os pesquisadores ocupam-se, em linhas muito amplas,

de temas vinculados à formação de professores de ciências, à aprendiza-

gem dos estudantes em disciplinas desta natureza, a situações de ensino

organizadas pelos professores, ao mesmo tempo em que não perdem de

vista que essas temáticas são afetadas, e afetam, os contextos políticos,

econômicos, sociais e culturais em que são produzidas. Não é possível,

pois, pesquisar nesta área pretendendo estabelecer relações lineares de

causa e feito entre os acontecimentos investigados, posto que os objetos

de estudo são ações e interações entre seres humanos e, portanto, trazem

a marca da imprevisibilidade e da complexidade.

A fim de acolher distintas perspectivas que integram o fenômeno

estudado, delineamentos de pesquisas qualitativas caracterizam-se por

serem múltiplos e flexíveis. A assunção deste paradigma confere aos

pesquisadores a prerrogativa de organizar projetos escolhendo entre

diferentes tipos de pesquisa, de instrumentos de coleta de informações

e de métodos de análise. Tais escolhas, por vezes, tornam desafiadora

a tomada de decisão. O enfrentamento dos desafios e a superação das

CAMINHOS DA PESQUISA QUALITATIVA NO CAMPO DA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS16

dúvidas solicitam, prioritariamente, uma reconfiguração dos entendi-

mentos sobre pesquisa, reconstrução essa que pode ocorrer por meio de

participação, discussão e estudos sobre princípios e métodos do paradigma

qualitativo de investigação.

O ponto que distingue esta obra das demais publicações sobre pesquisa

qualitativa é exatamente o fato de as temáticas do livro terem se originado

em discussões e estudos de um grupo de pesquisadores com variados

níveis de experiência em suas trajetórias acadêmicas e profissionais. À

exceção do primeiro texto, do professor Roque Moraes, a organização

dos capítulos, discriminados a seguir, expressa novas compreensões

sobre pressupostos teóricos e múltiplas possibilidades metodológicas

reconstruídas do grupo.

O Capítulo 1 apresenta o texto do professor Roque Moraes, no qual o

autor desenvolve profunda reflexão sobre a influência que os pressupos-

tos dos pesquisadores exercem nas escolhas de abordagens e nos tipos

de pesquisa por eles assumidos. São destacadas as visões de mundo e

de realidade, além de posições filosóficas e epistemológicas, como in-

fluenciadoras das decisões tomadas pelo investigador no delineamento

de seus estudos.

O Capítulo 2 expõe a pesquisa acadêmica como elemento de forma-

ção do professor-pesquisador. Além da caracterização da formação, trata

sobre a qualidade da pesquisa acadêmica e a elaboração de dissertações

e teses durante a formação do professor-acadêmico.

O Capítulo 3 discute alguns tipos de pesquisa qualitativa, apontando

potenciais de cada uma delas para auxiliar a compreender temáticas do

campo específico da educação. Pesquisa etnográfica, estudo de caso,

história de vida, pesquisa participante e grupo focal são os tipos tratados.

Além de definições e peculiaridades, são também mencionados alguns

exemplos de temáticas possíveis de serem investigadas.

O Capítulo 4 aborda a eleição de instrumentos de coletas de dados

levando em conta tipos de pesquisa predominantes e discorrendo sobre

VALDEREZ M. DO ROSÁRIO LIMA | JOÃO BATISTA S. HARRES | MARLÚBIA C. DE PAULA 17

bibliografias, documentos, observação, entrevista, questionários e for-

mulários, fotos e vídeos como fonte de dados.

O Capítulo 5 caracteriza a pesquisa narrativa tendo por referência

cinco questionamentos que dão título às seções: o que é narrativa? Como

a narrativa se inscreve no contexto da pesquisa qualitativa? A pesquisa

narrativa tem potencial para produzir conhecimento na área de educação?

Como se utilizam as narrativas no campo da educação? Como se analisam

os textos narrativos?

O Capítulo 6 adota a metanálise como um tipo de pesquisa e discorre

sobre sua adequação a estudos em educação. A apresentação das etapas

necessárias ao encaminhamento da investigação é ilustrada por meio

dos movimentos definidos em um estudo realizado por uma das autoras.

O Capítulo 7 explora os movimentos da escrita a partir dos concei-

tos de pesquisa, enunciação e autoria. O texto apresenta importante

discussão sobre escrita de trabalhos acadêmicos, situando a elaboração

da tese como oportunidade para o sujeito assumir, além da autoria do

texto, a autoria de sua formação como pesquisador, como produtor de

novos conhecimentos.

O Capítulo 8 trata de aspectos a serem observados sobre o desen-

volvimento de pesquisas científicas. Aborda também diferentes tipos de

escrita acadêmica.

O Capítulo 9 focaliza a pesquisa baseada em design, propondo esta

organização como possibilidade investigativa no ensino de ciências em

matemática. São discutidos princípios essenciais deste tipo de estudo e

são apresentados alguns exemplos de utilização, com destaque para o uso

deste delineamento em pesquisas que envolvem ferramentas tecnológicas.

O Capítulo 10 analisa o discurso, aqui tratado como ferramenta

metodológica, e discorre inicialmente sobre as possibilidades de uso da

Análise de Discurso em pesquisas no âmbito da educação. Em continuidade,

aborda a Análise de Discurso (AD) na perspectiva de Foucault (1996) e,

utilizando as proposições de Veiga-Neto e Rech (2014), expõe algumas

orientações para a organização de estudos desta natureza.

CAMINHOS DA PESQUISA QUALITATIVA NO CAMPO DA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS18

O Capítulo 11 apresenta, não por acaso em último capítulo, um tema

que tem sido abordado, no Brasil, com perceptível timidez, uma vez que

são relativamente modestas as pesquisas por meio de editores de textos

dos computadores com os resultados obtidos com o auxílio de uso de

softwares. A partir de estudo empírico é analisado como o uso de softwares

pode, ou não, condicionar a realização da análise textual.

Os capítulos, do primeiro ao último, percorrem em seus temas

diferentes vieses da pesquisa qualitativa − suas necessidades, suas

características e seus percursos. Assim, cada leitor poderá encontrar no

livro esclarecimentos sobre algumas questões que com frequência surgem

no cotidiano dos pesquisadores, em seus itinerários de investigação.

DA NOITE AO DIA: TOMADA DE CONSCIÊNCIA DE PRESSUPOSTOS ASSUMIDOS DENTRO DAS PESQUISAS SOCIAIS

ROQUE MOR AES

No presente texto, pretende-se focalizar e discutir questões pertinentes

à escolha de abordagens e tipos de pesquisas. Argumenta-se no sentido

de que esta escolha não é dependente apenas da problemática focaliza-

da, mas se integra num conjunto de pressupostos e preconcepções do

pesquisador. Dentre esses, estão sua visão de mundo e de realidade, suas

posições filosóficas e epistemológicas, enfim os paradigmas em que o

pesquisador se insere. Procuramos também explicitar nossa convicção

de que é essencial esses pressupostos, que seguidamente estão apenas

implícitos nas decisões do pesquisador em relação a sua pesquisa, serem

explicitados para que os leitores tenham uma compreensão mais fidedigna

das investigações realizadas e de seus resultados.

O encaminhamento do texto dá-se a partir de questões filosóficas

amplas, concepções de realidade, modos de acesso ao conhecimento e

paradigmas. A partir disso move-se no sentido de discussões mais espe-

cíficas, envolvendo as abordagens e os tipos de pesquisas. É nessa última

parte que se concentra o texto.

ROQUE MORAES20

Visão de mundo e realidade

Os modos de fazer ciência dos pesquisadores e os resultados de suas

pesquisas refletem sua visão de mundo, suas concepções de realidade e

seus paradigmas. Quer se entenda isto num sentido de posse individual

de teorias e crenças, quer num sentido de imersão em um discurso co-

letivo e cultural, essas ideias prévias são decisivas na forma em que os

fenômenos são percebidos e interpretados.

Os paradigmas que orientam o olhar do pesquisador refletem-se nos

modos em que concebe a realidade. O mundo, os fenômenos naturais e

sociais podem ser interpretados de diferentes perspectivas, o que deno-

minamos diferentes concepções de realidade.

Dentre os modos de conceber a realidade, a partir de proposta de

Lincoln e Guba (1985) podemos destacar quatro diferentes entendi-

mentos: realidade objetiva, realidade percebida, realidade construída e

realidade criada.

A ideia de uma realidade objetiva é uma concepção ingênua, sem

reflexão filosófica, derivada do senso comum. As coisas são o que pare-

cem. O que vemos e percebemos é a realidade. A realidade é simples e

única. O mundo não é problematizado, mas aceito tal como parece se

manifestar. Pode-se afirmar que essa ideia de realidade é pré-crítica, não

tendo ainda o sujeito assumido seu papel de agente de conhecimento,

seu papel de sujeito epistêmico, não se compreendendo como sujeito

participante na construção de sua realidade. Essa concepção deriva de

um realismo ingênuo, segundo o qual o mundo que conhecemos existe

independentemente do nosso conhecimento dele. Para quem pensa assim,

pesquisas intensas permitem uma aproximação cada vez maior entre os

nossos conhecimentos e o que a realidade efetivamente é.

A concepção de realidade percebida compreende a realidade também

como objetiva, única e existente independentemente do homem, mas da

qual sempre se terá um conhecimento apenas e necessariamente parcial,

tendo em vista sua complexidade. Nessa concepção, nossa compreensão

DA NOITE AO DIA 21

da realidade vem de nossas percepções, e por isso nossa compreensão

e apreensão do mundo nunca é algo global. Requer esforço e pesquisa

para seja descoberto em seus detalhes, o que precisa ocorrer de forma

gradativa. Ainda que a realidade esteja aí e possa ser captada de forma

objetiva, ela pode ser percebida de diferentes ângulos e em diferentes

profundidades. A pesquisa científica, neste sentido, é uma forma de

descobrir novas perspectivas da realidade. Descobrir aqui significa tirar

o pano de cima, desocultar algo que já está dado pronto. Entretanto, por

mais que se pesquise a realidade, nunca se terá acesso integral a ela, só

àquilo que conseguimos perceber.

Já quem aceita que a realidade é construída argumenta que não tem

sentido falar de uma realidade independente do homem. Nesse sentido,

ainda que se admita a existência de algo concreto lá fora, a realidade é

uma construção humana, nunca acabada e permanentemente reconstru-

ída. Nessa posição ontológica, as diversas realidades construídas devem

aproximar-se das entidades tangíveis a que se referem, não no sentido de

atingir uma descrição única, mas no sentido da possibilidade de diferentes

interlocutores poderem interagir e se compreenderem mutuamente. Nessa

visão, realidade é o conjunto de nossas crenças e teorias, conscientes ou

implícitas, nossas e dos que conosco convivem. Realidade é discurso. A

realidade é construída na linguagem. A verdade em relação a ela é atingida

pelo consenso de uma comunidade ou pela aceitação daquilo que já está

estabelecido. Claramente, o pesquisador que assume essa perspectiva já

se constitui em participante do processo de construção do conhecimento

que tem. Assume-se como sujeito epistêmico.

Finalmente, conceber a realidade como criada é assumir uma visão

em que realidades não existem prontas como tais, mas são criadas na

interação dos observadores com os objetos que criam. “Realidade é me-

lhor entendida como uma função de onda estacionária que não se realiza

a não ser que algum observador a ative” (Lincoln e Guba, 1985, p.85).

Neste sentido, em cada momento, há sempre infinitas possibilidades de

a realidade se apresentar. A forma assumida em cada momento depende

ROQUE MORAES22

da relação do observador com os entes com que interage. O observador

cria realidades. É uma concepção de realidade derivada da teoria quântica

e da relatividade.

Nas pesquisas atuais, especialmente na área social, os pesquisadores

tendem a compreender a realidade como construção. Entretanto, gran-

de parte da pesquisa conduzida no denominado paradigma dominante

fundamenta-se na concepção de realidade percebida, sendo objetivo

da pesquisa a descrição e explicação de uma realidade já dada e pronta.

O que é importante salientar neste momento é que, mesmo o pes-

quisador não tendo consciência disto, sempre estará assumindo uma con-

cepção de realidade, e o modo como a concebe se reflete no seu trabalho.

A modernidade tentou separar ciência e filosofia. Hoje, cada vez mais os

cientistas voltam a se aprofundar na filosofia. Há uma aproximação cada

vez maior entre essas duas formas de conhecer.

Materialismo e idealismo

Se examinarmos com cuidado as concepções de realidade descritas

anteriormente, podemos perceber no implícito das descrições dois

movimentos filosóficos que acompanharam o homem ao longo de sua

história: o materialismo e o idealismo.

Estas visões têm se confrontado ao longo da história para tentar

construir e explicar nosso conhecimento do mundo. De acordo com

Hessen (1987), Sócrates e Platão podem ser considerados como iniciado-

res de uma tradição filosófica fundamentada na concepção do espírito;

já Aristóteles foi iniciador do movimento fundamentado na concepção

do universo. Essas duas concepções têm ressurgido num movimento

pendular, ora com ênfase em uma, ora em outra.

O materialismo assume a matéria como o ponto de partida. O início

de tudo está na materialidade. Todo conhecimento origina-se na matéria.

O homem, ao entrar em contato com o mundo material, pode conhecê-lo

e descrevê-lo. Nisto podem assumir papel central os sentidos ou a razão.

DA NOITE AO DIA 23

No primeiro caso, surge o empirismo; no segundo, o racionalismo. Ambos

pressupõem um mundo objetivo acessível ao conhecimento do homem e

existente independentemente do ser humano. As concepções de realidade

objetiva e percebida carregam esta perspectiva materialista e realista.

O idealismo assume o espírito como ponto de partida do conhecimento.

Numa valorização primordial da subjetividade, o idealismo põe em dúvida

a existência de um mundo material, ou não vê sentido em considerá-lo.

Para ele existem apenas idealizações das coisas. No mito da caverna,

Platão descreve como o ser humano está preso às sombras das coisas.

Não lhe é acessível a materialidade como tal e por isso seu conhecimento

é sempre idealizado. No idealismo, a realidade são as construções que o

espírito ou a consciência humana elabora. Mesmo que não coincidentes,

a concepção de uma realidade construída carrega subjacente uma pers-

pectiva derivada do idealismo.

Alguns movimentos filosóficos pretendem assumir uma posição

intermediária entre materialismo e idealismo. Um desses é a fenomenolo-

gia. Numa perspectiva fenomenológica, assume-se que só temos acesso

aos fenômenos, ou seja, àquilo que se manifesta. Não conhecemos nem

podemos conhecer diretamente o que eventualmente existe, ainda que

admitamos sua existência. Somente temos acesso às manifestações dos

entes materiais e sociais. Somente temos acesso aos fenômenos e, a partir

deles, construímos o que conhecemos sobre eles.

Ao envolver-se em suas pesquisas, o investigador de algum modo se

posiciona em relação ao materialismo e ao idealismo. Mesmo que de forma

implícita, a partir de pressupostos presentes em suas opções metodoló-

gicas e paradigmáticas, em toda pesquisa fazem-se opções. Para que os

resultados de uma pesquisa possam assumir seu significado máximo, é

importante que o pesquisador tenha clareza sobre os pressupostos que

assume em suas pesquisas. Também, num sentido ético, é importante

que todos os envolvidos em uma pesquisa conheçam os pressupostos

das pesquisas em que são sujeitos.

ROQUE MORAES24

Argumenta-se, neste texto, que é importante o pesquisador social ter

clareza e explicitar as posições filosóficas que assume em suas pesquisas,

sejam elas materialistas ou idealistas.

Os paradigmas

Os diferentes modos de conceber a realidade, a forma de entender as

possibilidades de generalização, os modos de compreender a inserção dos

valores do pesquisador na sua pesquisa e a forma de aceitar a relação entre

pesquisador e objeto da pesquisa podem ser utilizados para definir o que

denominados paradigmas. Os paradigmas, de algum modo, refletem as

visões de mundo. Baseando-se nesses indicadores, Lincoln e Guba (1985)

apresentam três paradigmas diferentes que se manifestaram ao longo da

história: pré-positivista, positivista e pós-positivista.

A demarcação histórica desses paradigmas, assim como a de qualquer

paradigma, é problemática. Isso se dá, em primeiro lugar, porque eles co-

existem de algum modo, mesmo no presente. Além disso, um paradigma

não é algo tão simples a ponto de um único fato histórico poder definir

seu início ou seu término − vai se estabelecendo gradativamente e, do

mesmo modo, vai sendo substituído.

Assim, mesmo que o termo positivismo surja com Compte, o para-

digma positivista já começa a manifestar-se com Galileu, Bacon, Newton,

mas com aportes mais decisivos de Locke, Hume, J. S. Mill e Mach, além

de outros. Da mesma forma, o paradigma pós-positivista é um conjunto

de concepções que emergem num contexto ainda dominado pelo po-

sitivismo, mas procurando superá-lo. Destaca-se nisso Husserl, com a

Fenomenologia, no início do século XX.

Quais seriam então algumas das características dos três paradigmas

apontados anteriormente? Como poderiam ser descritos? Ainda que

pretendendo nos basear nos quatro indicadores paradigmáticos pro-

postos por Lincoln e Guba (1985), vamos incluir um outro elemento: a

DA NOITE AO DIA 25

consideração do sujeito humano em cada um deles na sua relação com a

verdade e com o conhecimento.

Neste sentido, o pré-positivismo pode ser caracterizado como uma visão

de mundo, um conjunto de concepções em que o homem ainda não se assumiu

como ser de conhecimento. A verdade vem de fora, de um ser superior. Vem

de Deus ou dos deuses, ou de sábios e filósofos marcantes, como o próprio

Aristóteles. É absoluta. O único papel dos sujeitos humanos é interpretar essa

verdade. Nesse paradigma, o entendimento de realidade é ingênuo. Não

tem sentido falar dos valores do pesquisador, já que valores são divinos, são

dados. A relação pesquisador e objeto do conhecimento é alienada, já que o

conhecimento sempre é dado pronto por uma força superior. Pode apenas

ser descrito, comentado e refletido. Finalmente, no pré-positivismo não faz

sentido falar em generalização, já que todo conhecimento já é dado pronto,

válido, generalizado. Vale sempre e para qualquer instância.

Gradativamente ao longo da história, especialmente a partir do

Renascimento, o homem assume-se como ser de conhecimento, e a ci-

ência se encaminha para o positivismo. O sujeito começa a participar do

processo de construção de conhecimento, mesmo que isto ainda possa

ser de forma alienada, ou seja, assumindo uma posição de neutralidade

ou objetividade no processo.

Segundo Martinez (1994, p. 14):

A ideia central da filosofia positivista sustenta que fora de nós

existe uma realidade totalmente dada, acabada e plenamente

externa e objetiva, e que nosso aparato cognitivo é como um

espelho que reflete dentro de si, ou como uma máquina foto-

gráfica que copia pequenas imagens desta realidade exterior.

O paradigma positivista caracteriza-se por uma concepção de re-

alidade objetiva. Tem seus fundamentos na generalização estatística a

partir de hipóteses causais fundadas no determinismo, numa interação

ROQUE MORAES26

pesquisador-pesquisado neutra e objetiva e numa pesquisa isenta de

valores. Esses fundamentos têm sido cada vez mais questionados.

Finalmente, o paradigma pós-positivista encaminha a pesquisa cien-

tífica no sentido de superar os pressupostos positivistas. A concepção

de realidade passa a ser essencialmente a construída. A relação pesqui-

sador-pesquisado é de implicação mútua, ou seja, é superada a relação

alienada. Supera-se a generalização estatística, e os valores passam a

serem considerados como constituintes intrínsecos de todo o processo

de pesquisa, sobrepujando-se assim a ideia de neutralidade.

Nessa construção de uma nova visão paradigmática transforma-se no-

vamente o lugar do sujeito no processo, ainda que isso se dê de forma gra-

dual. De centro do processo, o sujeito passa a ser parte de um todo maior, o

contexto das relações com outros seres num mundo complexo. É o sujeito no

contexto, o sujeito ecologicamente localizado. Essas novas relações manifes-

tam-se especialmente pelos movimentos ecológicos, pelo pós-estruturalismo

e pós-modernismo. No modernismo, o sujeito, de modo especial o homem,

masculino, é o centro da atenção. A modernidade constitui-se especialmente

em torno do andropocentrismo. No pós-modernismo, já não o é. Necessita

ser considerado juntamente com outros seres, numa relação biossimbiótica.

As ideias sobre paradigmas foram propostas inicialmente por Kuhn

(1978), em seu famoso livro A Estrutura das Revoluções Científicas. O

conceito de paradigma tem sofrido, a partir disso, diversas interpretações.

Muitas e diferentes categorizações de paradigmas têm sido propostas,

além da que apresentamos a partir de Lincoln e Guba (1985). Mais recen-

temente, o sociólogo e filósofo português Boaventura de Souza Santos

tem produzido e publicado a partir de uma outra forma de conceber pa-

radigmas na ciência. Esse autor apresenta dois paradigmas, o paradigma

dominante e o paradigma emergente, que abordaremos a seguir.

Fazendo sua reflexão a partir da modernidade, o autor caracteriza

o paradigma dominante como aquele que dá origem à ciência moderna.

Suas principais características, a partir de Boaventura Santos (2000), são:

a objetividade e neutralidade do processo de produção do conhecimento

DA NOITE AO DIA 27

científico; a matemática como instrumento privilegiado de análise, como

lógica de investigação e como modelo de representação da estrutura da

matéria, derivando-se daí a ênfase na quantificação; a redução da com-

plexidade pela fragmentação da realidade, focalizando separadamente

relações de variáveis a serem posteriormente generalizadas em forma de

leis; a ênfase na causalidade formal, sempre no sentido de possibilitar a

previsão e o controle; o modelo mecanicista das ciências naturais como

ideal para todas as ciências; e finalmente o caráter antropocêntrico, sexis-

ta e de valorização do homem ocidental europeu, com desvalorização

de outras perspectivas. Esse paradigma leva a valorizar cada vez mais a

ciência como conhecimento válido por excelência em prejuízo dos outros.

O mesmo autor, ao caracterizar o paradigma emergente, o descreve a

partir de um conjunto de movimentos que se associam com a superação da

modernidade. Caracterizando o novo paradigma como um conhecimento

prudente para uma vida decente (Boaventura Santos, 1996, p. 37), o autor

defende que esse não deve ser apenas um paradigma científico, mas também

um paradigma social. Argumentando que a modernidade enfatizou demasia-

damente o domínio da regulação, com prejuízo do domínio da emancipação,

o autor entende que o paradigma emergente deve promover um equilíbrio

dinâmico que penda para a emancipação, investindo preferencialmente na

participação e solidariedade, possibilitando a superação da colonização

típica do paradigma dominante. A superação do conhecimento-regulação,

com sua valorização da ordem, implica reafirmar o caos como forma de

saber, e não de ignorância (SANTOS, 2000, p.79).

O autor enfatiza ainda o caráter autobiográfico do conhecimento-

-emancipação (SANTOS, 2000, p.84), com superação da neutralidade e

objetividade e a imersão do pesquisador naquilo que estuda. Isso levará

à compreensão de que todo conhecimento científico-natural é científi-

co-social (p.89) e à superação da dicotomia ciências naturais/ciências

sociais sob a égide das ciências sociais (SANTOS, 2000, p.92).

A emergência do novo paradigma implica ainda revalorização da re-

tórica, enquanto arte de persuasão pela argumentação (SANTOS, 2000,

ROQUE MORAES28

p.96). Passando a conceber o conhecimento não como verdade lógica e

formal, mas como conhecimento prudente e argumentado, o autor defende

uma retórica dialógica, encaminhando para a superação de polarizações

sexistas, classistas e étnicas, no sentido de uma multiculturalidade e de

assumir-se uma relação biossimbiótica com outros seres do meio.

Tendo em perspectiva uma primeira ruptura epistemológica, propos-

ta por Bachelard, caracterizando o movimento do senso comum para a

ciência, o paradigma emergente representa uma segunda ruptura epis-

temológica, direcionando para uma qualificação do senso comum, tendo

sempre como referência a emancipação dos sujeitos. Todo conhecimento

científico visa constituir-se em senso comum (1996, p.55).

Em síntese, o paradigma emergente significa um movimento de

superação da agenda de modernidade. Caracteriza o movimento pós-mo-

derno com uma nova agenda, descrito pelo autor como movimento de um

conhecimento prudente para uma vida decente (SANTOS, 1996, p. 37).

Portanto, em uma pesquisa, explicitar o paradigma em que o pes-

quisador se insere é elemento essencial para a compreensão do trabalho

em andamento. Ajuda ao leitor localizar a posição do investigador em

relação a todo um conjunto de pressupostos em termos de concepção

de ciência, de realidade, de homem e de verdade. Por isso, novamente

enfatiza-se a importância de sua explicitação dentro do processo da

pesquisa, e especialmente no relatório.

Abordagens de pesquisa

Ao examinar as pesquisas, especialmente na área das ciências sociais,

podemos encontrar trabalhos que se inserem numa diversidade de

filosofias, concepções de realidade e paradigmas. A seguir, apresentam-

-se, em forma do que denominamos abordagens de pesquisa, algumas

categorias ou modos amplos de organizar as pesquisas, cada uma delas

tendo características próprias e assumindo conjuntos específicos, ainda

que eventualmente superpostos, de atributos e opções paradigmáticas

DA NOITE AO DIA 29

e metodológicas. O conjunto de abordagens não pretende esgotar as

possibilidades de pesquisa na área. Pretende apenas possibilitar uma

visão abrangente de possibilidades, de modo a servir de orientação na

seleção de opções de encaminhamento, quando do planejamento e

concretização de pesquisas.

A sequência apresentada vai, de algum modo, de pesquisas que se

enquadram no paradigma dominante, de cunho positivista, até pesqui-

sas que se encaminham para o paradigma emergente, sempre segundo

categorização de Boaventura Santos (1996, 2000). Num extremo, estão

as abordagens empírico-indutivas e racionalista-dedutivas. No outro,

estão as abordagens narrativo-históricas e discursivo-interpretativas.

Intermediariamente, apresentam-se algumas abordagens de pesquisa que,

mesmo não superando inteiramente o paradigma dominante, evidenciam

diferentes movimentos no sentido de uma nova visão paradigmática. Estão

neste grupo as abordagens fenomenológico-compreensivas, etnográfi-

co-culturais e naturalístico-construtivas e crítico-dialéticas.

Abordagem empírico-indutiva

A abordagem empírico-indutiva concebe que o conhecimento origina-se

numa realidade material. O conhecimento vem de fora para dentro. Os

objetos materiais produzem sensações que são captadas pelos nossos

sentidos e, a partir disso, são convertidos em conhecimento. Os sujeitos

são receptores passivos e devem assim permanecer. Precisam saber

aprender a observar os fenômenos de forma objetiva, sem interferir neles.

Esta abordagem tem no denominado método científico clássico sua

forma de atuação: das observações derivam-se hipóteses, que são então

colocadas a teste para confirmação. Daí surgem generalizações que, su-

ficientemente confirmadas, constituem as leis da natureza.

A abordagem empírica-indutiva vai da parte para o todo. Fragmenta

a realidade focalizando nela conjuntos limitados de elementos, proprieda-

des, ou seja, de variáveis. O estudo cumulativo de diferentes relações de

ROQUE MORAES30

variáveis possibilita então, num processo aditivo, chegar ao todo. Neste

sentido, concebe-se que o todo é a soma das partes. Carrega uma visão

cartesiana de que quanto mais se divide o problema melhor se consegue

solucioná-lo, de que quanto mais se fragmenta a realidade melhor se

consegue explicá-la.

A abordagem empírico-indutiva procura chegar às verdades por meio

da indução. Vai do particular ao geral. Observa instâncias particulares dos

fenômenos e, a partir delas, infere relações gerais. A generalização indutiva

é o produto de uma grande quantidade de observações de determinadas

relações. De uma relação de variáveis que se repetem reiteradamente

surge uma generalização indutiva, e generalizações que se mantêm por

muito tempo constituem as leis científicas.

Para que o processo indutivo possa ter validade, é importante que o

pesquisador seja objetivo. Precisa ser neutro no sentido de não interferir

com suas subjetividades nas manifestações da natureza. Daí a impor-

tância de educar os sentidos para não distorcer os dados da realidade.

O pesquisador precisa saber captar estes dados sem distorcê-los. As

observações necessitam ser objetivas, e a pesquisa precisa ser isenta de

valores do pesquisador.

Naturalmente, na abordagem empírico-indutivista, o pesquisador

concebe a realidade como dada e pronta. Essa abordagem funda-se numa

concepção objetiva e ingênua de realidade, no máximo de realidade

percebida. Nas pesquisas, esta realidade manifesta-se tal como é. O que

vemos e percebemos é uma manifestação de como a realidade é. Isto,

entretanto, requer que exercitemos nossa observação de modo a não

nos deixarmos influenciar pelos nossos ídolos, conforme já recomenda-

va Francis Bacon, um dos fundadores do empirismo. Nossos ídolos são,

essencialmente, nossos conhecimentos prévios, nossas preconcepções

sobre os fenômenos que investigamos.

O método na abordagem empirista-indutivista é constituído essen-

cialmente de observação, hipóteses e comprovação. As verdades atingi-

das se solidificam na medida em que se comprovam de forma reiterada.

DA NOITE AO DIA 31

Neste sentido, a neutralidade e a quantificação constituem elementos

essenciais do método.

Qual é o papel da linguagem nesta abordagem? É essencialmente um

modo de comunicação dos resultados. Serve apenas como instrumento

para expressar os resultados atingidos. Nisso inclui-se um exercício

permanente de neutralidade. É importante que os resultados não sejam

distorcidos pela linguagem, o que exige seguidamente, definições ope-

racionais de termos capazes de garantir a neutralidade da linguagem.

Dentre os movimentos científicos e filosóficos associados a esta

abordagem estão o empirismo, o indutivismo e o positivismo. O empi-

rismo valoriza o dado concreto, a manifestação da realidade material.

O indutivismo enfatiza um conhecimento que se dá pelo acúmulo de

informações particulares. A partir de dados coletados de forma neutra

e objetiva inferem-se leis gerais que estariam subjacentes aos dados

observados. Já o positivismo integra empirismo e indutivismo. Positivo

é aquilo que se manifesta diretamente, não importando o que está por

trás do que se manifesta.

Mesmo que esta abordagem de pesquisa possa hoje soar um tanto

estranha em relação a algumas de suas posições, especialmente nas ciências

sociais, não só ela constituiu, ao longo da história, movimentos significa-

tivos e marcantes, como a concepção de pesquisa que traz subjacente

ainda é intensamente presente em diferentes contextos. Livros-texto

para o ensino das ciências têm possivelmente nela majoritariamente seus

pressupostos. A formação de professores também em grande parte ainda

é marcada pelo empirismo. Historicamente não poderiam deixar de ser

apontados alguns expoentes importantes: Francis Bacon, um monge inglês

que, no século XVI, no Novum Organum, divulgou e defendeu as ideias

empiristas; Augusto Compte, que, no século XVIII, cria o positivismo; e

um grupo de filósofos e cientistas do século XX, o denominado círculo de

Viena, especialmente Schlick e Carnap, mostrando que esta abordagem

também teve defensores em tempos bem próximos.

ROQUE MORAES32

Abordagem racionalista-dedutiva

Enquanto o empirismo concebe a origem do conhecimento fora do sujeito e

funda nos sentidos e na indução a sua produção, o racionalismo entende que o

conhecimento tem sua origem no interior do ser humano. O conhecimento ori-

gina-se dentro do sujeito e é essencialmente dependente da razão. Suspeitando

dos sentidos, o racionalista enfatiza a dedução racional como forma de chegar

ao conhecimento. Tendo claros os limites da indução, o racionalismo escolhe a

dedução como forma de chegar a verdades absolutas e certas, pois somente

a lógica dedutiva possibilita chegar a verdades inquestionáveis.

Ainda que, em sua origem, em Descartes, a verdade absoluta se funda-

mente em Deus, gradativamente as deduções propostas pelo racionalismo

se fundam em teorias previamente construídas. A verdade é produzida por

processos racionais e dedutivos, e novas hipóteses vêm de teorias por dedu-

ção lógica. Nas suas versões mais atuais, o racionalismo assume as teorias

como precedendo qualquer observação sensorial, sendo elas a origem de

novas hipóteses e das explicações científicas. O avanço de teorias não se

dá pela observação de fatos, mas pelo exercício racional teórico.

Ainda que o racionalismo surja numa concepção objetiva de realidade,

ao longo de sua história assume gradativamente uma concepção de rea-

lidade que pode ser percebida a partir de diferentes perspectivas. Neste

sentido, a realidade racionalista, mesmo que seja entendida como já dada,

realista, é compreendida em uma grande diversidade e complexidade,

exigindo uma investigação permanente para sua explicação mais completa.

Há um mundo material e um mundo das ideias. As teorias necessitam ser

testadas e validadas frente a uma realidade concreta. Nessa confrontação,

na visão de Popper (1975), dá-se a falsificação das teorias que não se

sustentam. Nesse processo, as teorias jamais são comprovadas, sendo

aceitas aquelas que resistem à falsificação. Assim, a verdade, ainda que

sempre provisória, surge da confrontação de hipóteses teóricas com os

dados da realidade concreta e objetiva.

DA NOITE AO DIA 33

Mesmo aceitando a impossibilidade de uma neutralidade teórica, o

racionalismo defende a procura de uma objetividade e do controle dos

valores dentro da pesquisa. O pesquisador deve exercitar uma neutrali-

dade ideológica em suas pesquisas, procurando uma objetividade em sua

relação com os objetos que investiga. Nessa procura de neutralidade, os

participantes de pesquisas, mesmo os humanos, são tratados como objetos.

O método racionalista por excelência é o experimental. Em sua

essência, consiste na testagem de hipóteses produzidas racionalmente

a partir de teorias. Em Popper (1975), o método toma a denominação

hipotético-dedutivo. Deduzida uma hipótese a partir de uma teoria, ela

necessita ser testada empiricamente por confrontação com a realidade.

Nisso enfatizam-se o controle rigoroso de variáveis, a quantificação, a

seleção criteriosa de amostras a partir de populações pertinentes e a

generalização estatística com inferências da amostra para a população.

Na abordagem racionalista-dedutiva, especialmente em sua versão

falsificacionista mais proeminente, substitui-se a ideia de comprovação

pela de falsificação. Submetem-se as hipóteses a testes tentando demons-

trar sua falsidade, pois os resultados dos testes nunca comprovarão sua

validade. Eles procuram provar apenas sua falsidade, nunca sua verdade.

Neste sentido, o que se sustenta, o que não é provado falso, é sempre

uma verdade provisória, mantida até que seja suplantada por outra ver-

dade com maior resistência a ser falsificada. Teorias neste sentido são

construtos que resistem à falsificação.

Também na abordagem racionalista-dedutiva a linguagem é apenas

entendida como um modo de comunicação, seja do processo da pesqui-

sa, seja de seus resultados. Não deve interferir no processo, e exige um

controle cuidadoso no sentido de sua neutralidade. Constitui apenas

instrumento de comunicação. Nessa procura de neutralidade, insiste-se

em que os resultados e relatórios de pesquisa sejam escritos em terceira

pessoa, de forma impessoal. Não se admite que a subjetividade se imiscue

na expressão dos resultados, muito menos os valores do pesquisador.

ROQUE MORAES34

Dentre os movimentos científicos e filosóficos que se relacionam com

esta abordagem podemos apontar o racionalismo cartesiano de Descartes

no século XVI, com reflexos na ciência até nossos dias. Assim como outros

racionalistas, Descartes foi matemático, além de filósofo. Da mesma forma

o foi Newton, que fundamentou seu trabalho numa visão racional derivada

da matemática, o cálculo infinitesimal. Outro expoente mais próximo é Karl

Popper, no século XX, com seu racionalismo crítico. Fundamentadas num

materialismo realista e crítico, as ideias de Popper estão subjacentes a grande

parte das iniciativas de pesquisa atuais, especialmente nas ciências físicas. Para

diferentes autores, constituem uma nova versão do positivismo, o neopositi-

vismo, o qual carrega a maioria dos pressupostos que sustentam o positivismo:

neutralidade axiológica, concepção de realidade, fragmentação da realidade

em relações causais e possibilidade de generalização independentemente de

contexto. Todos esses pressupostos têm sido intensamente questionados

por novos paradigmas que procuram superar o positivismo e suas variantes.

Dentre os expoentes − tanto cientistas como filósofos − que podem

ser associados ao racionalismo-dedutivista estão, além de Descartes e

Popper, já referidos, Newton, Einstein, Lakatos, entre outros. Cada um

deles apresenta características específicas, não sendo necessariamente

representantes “puros” dessa abordagem.

Conforme já salientado, essa abordagem é mais característica das

ciências físicas, genericamente denominadas as ciências duras. Ainda

que ao longo do século passado diferentes disciplinas sociais tenham

tentado enquadrar-se nesta abordagem, as dificuldades que isso sem-

pre representou deram origem à valorização de outros pressupostos,

originando as bases de um novo paradigma, denominado emergente por

Boaventura Santos. Para sua emergência o movimento fenomenológico

foi, sem dúvida, decisivo. É nessa abordagem que entraremos a seguir.

DA NOITE AO DIA 35

Abordagem fenomenológico-compreensiva

Contrastando com as duas abordagens anteriores, voltadas para explicar

o mundo por meio da investigação de relações causais, a abordagem

fenomenológica visa à compreensão da realidade. No sentido da fenome-

nologia, a verdade manifesta-se em forma de essências dos fenômenos,

essências essas que precisam ser atingidas por intuição. Essa intuição

não representa um processo racional e ordenado, tal como a indução e a

dedução. Ocorre em forma de inspirações repentinas, “insights” intuitivos

que revelam os aspectos essenciais dos fenômenos, não em suas partes,

mas no todo. Enquadra-se, nesse sentido, num processo auto-organizado.

A fenomenologia, pretendendo localizar-se entre o materialismo e o

idealismo, admite a existência de um mundo material “lá fora”. Entretanto,

entende que os entes concretos não nos são acessíveis. Somente temos

acesso aos fenômenos, àquilo que se manifesta aos sujeitos. Por esta razão,

a realidade da fenomenologia é sempre uma realidade construída, um

conjunto de representações que nós fazemos a partir de nossa interação

com os fenômenos. Nossa construção é sempre transcendente, resultante

de nossas intuições. O transcendental não nos é acessível.

A fenomenologia, em seu exercício de construção de compreensão,

exercita uma atitude fenomenológica, uma abertura e atenção aos fe-

nômenos tal como se apresentam à nossa consciência. O fenomenólogo

pratica constantemente um direcionamento reflexivo para os fenômenos

que investiga, procurando colocar entre parêntesis seus conhecimentos e

teorias prévios. Nisso pretende um retorno às coisas mesmas, um retorno

ao mundo da vida em toda sua riqueza e subjetividade.

Ao focalizar um retorno ao mundo da vida, ao mundo da experiência

original, a fenomenologia pretende examinar a realidade de uma pers-

pectiva interior, superando nisto a pretensa neutralidade do positivismo

e das abordagens indutivista e racionalista. Nessa perspectiva, conforme

coloca Merleau Ponty, nada é mais objetivo do que aquilo que nos é mais

subjetivo. Assim, a fenomenologia, ao enfatizar o sujeito, ao examinar os

ROQUE MORAES36

fenômenos a partir da perspectiva interior dos sujeitos, admite, desde

logo, que é impossível a separação de valores e pesquisa. Toda pesquisa

fenomenológica é sempre impregnada de valores.

O método fenomenológico, não sendo um caminho racionalizado, é

carregado de incertezas e riscos. A intuição em que se fundamenta não

pode ser garantida racionalmente, tal como ocorre em uma generalização

indutiva. Entretanto, podemos favorecê-la por meio de uma impregnação

intensa nos fenômenos que investigamos. Quanto mais nos envolvemos

com um fenômeno, quanto mais nos impregnamos nele, quanto mais nos

saturamos dele, maiores são as possibilidades de termos intuições sobre

suas essências. Mas esta impregnação não é do tipo teórico, mas do tipo

vivencial, já que as essências se encontram na existência.

O método fenomenológico atinge essências sempre de forma gra-

dual e incompleta. O fenômeno nunca se esgota. Por isso, precisamos

nos mover em círculos, procurando a cada volta um aprofundamento

maior no fenômeno. É o círculo hermenêutico. A cada retorno podemos

descrever, interpretar e compreender com maior profundidade os fenô-

menos que investigamos.

A abordagem fenomenológica e compreensiva direciona-se prefe-

rencialmente para aspectos qualitativos do fenômeno. Pretende sempre

focalizá-lo em sua totalidade, sem fragmentá-lo. Não escolhe fragmentos,

ou seja, relações entre variáveis, para estudar. Por isso, também não uti-

liza análises estatísticas, especialmente as do tipo inferencial. Em outras

palavras, não tem pretensões de generalizar. As essências do fenômeno

sempre se referem ao todo e dispensam generalizações. Nisso está in-

cluída a superação de amostragens estatísticas, utilizando, ao invés disso,

amostras intencionais e direcionadas, escolhendo preferencialmente

aqueles sujeitos que demonstrem mais condições para nos possibilitar

um envolvimento intenso com os fenômenos investigados. Não impor-

tam amostras aleatórias, mas grupos de sujeitos com vivências intensas

nos fenômenos, sujeitos que também têm condições de manifestar suas

experiências vivenciais com competência.

DA NOITE AO DIA 37

Como coloca Heidegger (2000), a linguagem é a alma do ser. Assim,

a fenomenologia valoriza de forma intensa a linguagem como modo de

expressão dos fenômenos. Desse modo, nessa abordagem, a linguagem

tem um significado muito especial. Não serve apenas para comunicar

novas compreensões uma vez atingidas. Serve, muito mais, como modo

de acesso aos fenômenos e às suas essências. Por essa razão, a abordagem

fenomenológica tem, nas interações linguísticas, tais como entrevistas

em profundidade, suas formas preferenciais de coletar informações. É por

meio da linguagem que se dá a impregnação nos fenômenos.

A fenomenologia como movimento filosófico próprio surge no início

do século XX. Seu fundador foi Husserl, um filósofo matemático. Com seu

retorno ao mundo vivido, com seu foco nas coisas mesmas, ele pretendeu

dar um novo fundamento à ciência. Nesse foco original, destaca-se também

o trabalho de Merleau-Ponty. A valorização do homem como centro do

processo do conhecer logo se associa com o existencialismo, especialmente

com Heidegger. Tanto a fenomenologia quanto o existencialismo têm

fundamento dialético, no sentido de conceberem a realidade como em

permanente movimento e histórica, ainda que não no sentido marxista.

Nesta linha, a fenomenologia teve uma influência decisiva a partir de Sartre,

que a integrou ao existencialismo e à dialética. Finalmente, essa corrente

filosófica também se aproxima de uma perspectiva hermenêutica, ênfase

trabalhada especialmente por Gadamer (1984) na obra Verdad y Método.

Abordagem etnográfico-cultural

A etnografia carrega um significado etimológico de descrição do estilo

de vida de um grupo de pessoas acostumadas a viver juntas (MARTINEZ,

1994, p. 29). A abordagem etnográfico-cultural, tendo uma raiz fenome-

nológica, organiza-se a partir do estruturalismo e dos estudos antropoló-

gicos. Pretende chegar ao conhecimento e a verdades científicas a partir

do estudo das culturas e das linguagens culturais. Sua verdade emerge

da interação social. Nesse processo de construção de conhecimentos,

ROQUE MORAES38

utiliza-se tanto a indução quanto a dedução e especialmente a intuição.

Os estudos etnográficos são em sua essência pesquisas que têm como

base a linguagem e os costumes de grupos culturais.

A abordagem etnográfico-cultural fundamenta-se em uma concepção

de realidade construída. As próprias culturas são modos de compreender

realidades construídas socialmente dentro de certos grupos. Nesse senti-

do, esse tipo de pesquisa pretende compreender e descrever diferentes

realidades, tal como elaboradas socialmente dentro de certos grupos

− realidades construídas histórica e intersubjetivamente. Em tudo isto a

linguagem desempenha um papel primordial.

Pretendendo uma compreensão e descrição de culturas, a abordagem

etnográfico-cultural necessita trabalhar procurando sempre colocar-se

na perspectiva do outro. Nisso assume uma base fenomenológica de

valorização do sujeito e de sua subjetividade. Tendo em vista esses

elementos, os estudos etnográficos exigem uma aproximação muito es-

treita com as culturas que pretendem compreender, o que é conseguido

especialmente a partir de dois métodos: a observação e a entrevista. A

observação etnográfica é essencialmente participante, e a entrevista é

sempre aprofundada, com retorno reiterado aos mesmos interlocutores

para um gradativo impregnar-se na cultura em foco.

Pelo que acaba de ser posto, a abordagem etnográfico-cultural su-

pera a pretensão positivista da neutralidade. Focalizando a perspectiva

dos sujeitos e informantes, esta abordagem valoriza de modo especial

a subjetividade e intersubjetividade. Nisso estão presentes os valores

culturais e sociais o tempo todo. Ainda que em determinados momentos

de uma pesquisa etnográfica se exija o afastamento do pesquisador do

contexto de sua pesquisa, em nenhum momento isso implica pretensão

de neutralidade. Mesmo assim, é importante enfatizar que, nesse tipo de

estudo, na expressão de seus resultados, o pesquisador sempre pretende

falar sobre uma determinada cultura, distinguindo-se neste sentido de

pesquisas de caráter mais participativo, em que o pesquisador se mani-

DA NOITE AO DIA 39

festa mais diretamente como componente efetivamente participante do

grupo com que produz sua pesquisa.

Os estudos etnográficos inserem-se na proposta de compreender.

Não têm, por isso, pretensões explicativas, nem intenções de focalizar

relações causais lineares. Ao invés disso, procuram compreender as

tramas de inter-relações entre diferentes temas, domínios e conceitos

(SPRADLEY, 1980) que constituem a cultura investigada. Seu objetivo é

essencialmente qualitativo, focalizando sempre a perspectiva do todo,

ainda que com consciência de que os significados atingidos serão sempre

parciais, podendo constantemente ser construídos novos sentidos. Cada

compreensão e descrição atingida representa um patamar estrutural

atingido pelo pesquisador, sempre com possibilidade de ser superado.

Os estudos etnográficos têm, na linguagem, uma forma preferencial

de acesso às culturas que se propõem a investigar. A fala dos sujeitos e

informantes culturais constitui elemento central da abordagem, ainda que

complementada com observações intensas e aprofundadas no sentido

de compreender e delimitar de modo mais completo as compreensões

construídas. Neste sentido, tendo na fenomenologia seu fundamento,

nesses tipos de pesquisa a linguagem representa muito mais do que a

possibilidade de expressar os resultados das pesquisas. É elemento cons-

tituinte da compreensão que vai sendo construída ao longo do processo.

Conforme já apontado, pesquisas dentro da abordagem etnográfi-

co-cultural têm na fenomenologia, na antropologia e no estruturalismo

seus referenciais filosóficos. Entre alguns dos expoentes que merecem ser

citados, além das referências a fenomenólogos já anteriormente feitas,

está especialmente Levy Strauss, um dos fundadores do estruturalismo.

Além dele, também merece ser referido o trabalho de Spradley, o qual

sistematizou formas de pesquisa nessa abordagem.

ROQUE MORAES40

Abordagem naturalístico-construtiva

A abordagem naturalístico-construtiva pretende chegar à compreensão

dos fenômenos e das problemáticas que investiga examinando-os no

próprio contexto em que ocorrem. Fundamentada numa epistemologia in-

terativa construtiva, pretende chegar ao conhecimento por aproximações

gradativas baseadas na indução analítica. Um envolvimento intenso nos

fenômenos ajuda a reunir informações sobre os objetos de pesquisa. Essas

informações, submetidas a um processo de análise indutivo, possibilitam

a gradativa explicitação de categorias e de uma estrutura compreensiva

dos fenômenos, resultando daí sua descrição, interpretação e teorização.

A abordagem naturalístico-construtiva assume uma realidade cons-

truída pelos sujeitos. Partindo da impossibilidade de acesso e chegando

ao concreto, procura trabalhar com mundos humanos, representados

por construções linguísticas e discursivas. Por isso, focaliza de maneira

especial os modos de percepção dos sujeitos que envolve, trabalhando

especialmente com seus conhecimentos tácitos. Nisto também se incluem

os conhecimentos, as crenças e os valores do próprio pesquisador.

A valorização dos conhecimentos tácitos e implícitos dos sujeitos,

assim como a opção por focalizar os fenômenos no próprio contexto em

que ocorrem, carrega consigo o pressuposto da imersão da pesquisa nos

valores dos participantes. Nesta perspectiva, a neutralidade é impossível.

Todas as falas já estão impregnadas de teorias e ideologias, mesmo que não

haja consciência disto por parte de todos os envolvidos. Esta superação da

neutralidade no sentido positivista aparece especialmente pela admissão

do pesquisador como principal instrumento de coleta de informações.

A abordagem naturalístico-construtiva, por sua valorização dos

conhecimentos tácitos dos envolvidos, sejam eles os participantes ou

o próprio pesquisador, enfatiza a impossibilidade de um olhar teórico

objetivo e neutro. Ao contrário, pode-se compreender este tipo de pes-

quisa como visando à explicitação de teorias implícitas que os sujeitos

construíram anteriormente de modo inconsciente, aplicando-se isto

DA NOITE AO DIA 41

tanto aos envolvidos na pesquisa quanto ao pesquisador. As teorias, de

algum modo, são reconstruídas a partir de manifestações linguísticas dos

participantes. Das informações coletadas são produzidas, pelo esforço

analítico do pesquisador, categorias emergentes. Essas, por sua vez, são

estruturadas em forma de teorias emergentes, expressões formalizadas

e abstratas de concepções teóricas tácitas já construídas implicitamente

pelos sujeitos da pesquisa.

Dentre os elementos-chave desta abordagem estão o exame de ocor-

rências naturais dos fenômenos, com valorização dos contextos em que

ocorrem; a utilização do próprio pesquisador como principal instrumento

de pesquisa, valorizando-se especialmente seu conhecimento tácito no

sentido de aproximação gradativa aos fenômenos; o uso de metodologias

qualitativas e de modo especial a indução analítica, método pelo qual uma

comparação constante entre as informações coletadas possibilita a emer-

gência gradativa de categorias e teorias. As pesquisas nesta abordagem

constituem essencialmente estudos de caso, não tendo pretensões de

generalização estatística, mas visando principalmente à compreensão

dos fenômenos investigados.

Desse modo, o método característico dessa abordagem envolve

uma impregnação aprofundada nos fenômenos para a obtenção de suas

descrições e interpretações. Das informações reunidas especialmente

por meio de entrevistas aprofundadas são construídas categorias e hi-

póteses de trabalho que, de modo reiterativo, são aperfeiçoadas e com-

plementadas até atingir-se a clareza desejada nas construções teóricas

assim produzidas. O planejamento é emergente, com uma definição de

amostra por processos de saturação. Finalmente, os resultados atingidos

são negociados com os envolvidos, estabelecendo-se dessa forma uma

validação das teorias emergentes dentro do próprio ambiente natural

em que se dá a construção. Emerge daí um novo tipo de extensão dos

resultados a outros contextos − a generalização naturalística.

Nas caracterizações feitas até esse momento, fica evidente o papel

e o sentido da linguagem nessa abordagem. Ela não representa apenas

ROQUE MORAES42

uma forma de expressar os resultados, mas é fundamental na constitui-

ção das compreensões construídas ao longo do processo. A linguagem

e o discurso são formas preferenciais de acesso aos fenômenos e às pro-

blemáticas focalizados. A análise de informações linguísticas constitui a

forma de chegar à compreensão dos fenômenos, construindo-se a partir

das informações coletadas as categorias e teorias utilizadas na descrição

e interpretação dos objetos de pesquisa.

A abordagem naturalístico-construtiva, que também poderíamos

denominar genericamente abordagem qualitativa-construtiva, tem raízes

evidentes na fenomenologia, representadas pelo respeito aos sujeitos e

seus modos de compreender os fenômenos. Outro movimento filosófi-

co-epistemológico evidentemente presente é o construtivismo. Proposta

originariamente por Lincoln e Guba (1985), esta abordagem mostra uma

aproximação muito grande com inúmeras pesquisas que têm sido con-

duzidas dentro da educação e ciências sociais sob o enfoque qualitativo.

Abordagem histórico-narrativa

A abordagem de pesquisa que denominamos histórico-narrativa constitui

um modo de pesquisa que pretende chegar a novos conhecimentos por

meio da narrativa, descrição e interpretação de histórias vivenciadas

pelos sujeitos participantes, incluindo sempre o próprio pesquisador. É

uma abordagem essencialmente qualitativa que, além de pretender su-

perar o reducionismo do paradigma dominante, se opõe ao formalismo

excessivo de diferentes abordagens qualitativas. Nesse sentido, as inter-

pretações e teorizações mais aprofundadas são solicitadas aos próprios

leitores, sempre no sentido de uma maior diversidade de possibilidades

de compreensão dos fenômenos. Entre os leitores, se incluem todos os

participantes da pesquisa.

A abordagem histórico-narrativa concebe a realidade como cons-

truída pelos sujeitos. Esta construção dá-se preferencialmente a partir

da sucessão de pequenas histórias, em que são valorizados os aspectos

DA NOITE AO DIA 43

subjetivos da vivência humana. No seu exercício de superação da “grande

narrativa”, a narrativa do paradigma dominante, segundo terminologia de

Clandinin e Connelly (2000), enfatiza-se uma perspectiva multicultural,

em que a história é escrita a partir de um encadeamento de pequenas

narrativas, sempre com ênfase nas perspectivas dos sujeitos envolvidos.

A abordagem histórico-narrativa parte da consideração dos sujeitos

com seus valores e teorias. Representando um resgate histórico, bio-

gráfico e autobiográfico, este tipo de pesquisa está sempre imerso em

valores, exigindo inclusive do próprio leitor este tipo de envolvimento.

Pesquisas desta natureza solicitam uma parceria empática dos participan-

tes, procurando o pesquisador entrar no pensamento ou na percepção

dos envolvidos, concretizando isto a partir da narrativa de suas histórias

vivenciadas, com valores, ideologias e contexto. Segundo Clandinin e

Connelly (2000), trata-se de uma objetividade de profundidade, supe-

rando pretensas objetividades e neutralidades do paradigma tradicional,

a grande narrativa. A superação deste paradigma, com pretensão de

uma visão única e uniforme, conduz a uma multiplicidade de narrativas

dependentes das culturas, dos valores e de outros aspectos que indivi-

dualizam ou particularizam as histórias de diferentes grupos. Nisso, essa

abordagem insere-se decisivamente na pós-modernidade.

Tendo em vista sua ênfase em construir novas compreensões dos

fenômenos a partir da perspectiva do outro, essa abordagem de pesquisa

não assume previamente um referencial teórico. As histórias vivenciadas

são interpretadas a partir de sua descrição, e não a partir de teorias pre-

viamente assumidas. Isso não significa que o pesquisador não necessite

explicitar com clareza suas pré-concepções teóricas e ideológicas, mas

que ele deve procurar também mostrar como essas pré-concepções

poderão influir nas suas próprias interpretações.

Ao recusar enquadrar as experiências dos participantes em quadros

referenciais adotados a priori, a pesquisa histórico-narrativa pretende

superar o formalismo característico de muitas pesquisas. A recusa de in-

terpretar as vivências e histórias dos envolvidos a partir de teorias formais

ROQUE MORAES44

adotadas antes do exame das histórias também se reflete nos modos de

interpretação. Em geral, neste tipo de pesquisa não se adianta interpre-

tações e teorizações aos leitores, mas deixa-se ao leitor a interpretação

e teorização, ainda que o pesquisador também possa exercer este papel

de leitor. Neste sentido, a pesquisa procura valorizar a multiculturalida-

de e respeitar os diferentes modos de compreensão dos leitores e dos

participantes de uma pesquisa.

Um dos elementos-chave da abordagem histórico-narrativa são

as histórias de vida como forma de resgatar dados para a análise. Este

tipo de pesquisa constitui uma forma de caracterizar os fenômenos da

experiência humana vivida, incluindo os sentimentos que envolvem os

seres humanos em suas trajetórias de experiências vivenciadas. Nisso

valoriza-se uma atitude fenomenológica de respeito às subjetividades

dos envolvidos e do próprio pesquisador.

Além do foco nas vivências e histórias de vida dos sujeitos envolvidos,

essa abordagem caracteriza-se por adotar a narrativa como modo de

investigação e expressão dos resultados. Neste sentido, explora como

elementos centrais a continuidade, interação, temporalidade, ação e

contexto (CLANDININ e CONNELLY, 2000).

A abordagem histórico-narrativa é essencialmente qualitativa, pro-

curando qualificar a experiência vivida dos sujeitos participantes. Pode

valorizar a descrição, compreensão e interpretação, procurando sempre

ampliar a consciência em relação aos fenômenos que investiga, tanto do

pesquisador como dos sujeitos envolvidos.

Metodologicamente, essa abordagem concentra-se na reunião, or-

ganização e apresentação de histórias vivenciadas pelos sujeitos partici-

pantes em relação a um fenômeno foco. O direcionamento da pesquisa é

estabelecido dentro do processo, não pressupondo questões de natureza

teórico-formal como ponto de partida. Neste sentido, a evolução da

pesquisa exige uma intensa impregnação nas histórias e no contexto em

que se concretizam, tentando organizá-las para uma narrativa clara e

coerente. Nisso, o processo se volta tanto ao passado quanto ao presente,

DA NOITE AO DIA 45

além de fazer prospecções ao futuro. Além desses movimentos para trás

e para frente, o pesquisador também procura movimentar-se para fora

e para dentro do fenômeno, segundo sugestões de Clandinin e Connelly

(2000), significando o para fora uma ampliação horizontal no fenômeno

e o para dentro um aprofundamento no sentido vertical.

A impregnação nos fenômenos investigados exige e possibilita uma

grande diversidade de formas de acesso às histórias dos sujeitos participan-

tes. Nisso incluem-se entrevistas não estruturadas, informações obtidas

por meio de observação participante ou não, diários, documentos, fotos,

materiais escritos como normas e regulamentos, relatos a partir de cartas,

históricos de vida, notas de campo, entre outros. Na coleta desses tipos

de informações, o foco são sempre histórias que os sujeitos participantes

vivenciaram em relação aos fenômenos sob investigação. De algum modo

no processo de coleta de material são produzidas narrativas que depois

são integradas na produção do texto narrativo da pesquisa.

A organização desses relatos históricos se dá de diversas formas:

apresentações orais, representações dramáticas, além, evidentemente,

do relato narrativo escrito. Em todas elas, o autor da narração não arrasta

até o território de sua mente o leitor, mas sai ao seu encontro. Enfatiza-

se sempre a importância de deixar ao próprio leitor a abertura para suas

próprias interpretações, não lhe sendo imposta uma visão unilateral

referente ao fenômeno.

Na abordagem histórico-narrativa, está evidente a valorização da

linguagem como constituinte das compreensões a serem atingidas na

pesquisa. A pesquisa narrativa produz uma história a partir de um discurso

explícito ou implícito dos participantes. Autor e leitor se envolvem em

processos linguísticos de narração, interpretação e compreensão dos

fenômenos estudados. Desse modo, entendemos que a linguagem se

faz presente ao longo de todo o processo de pesquisa nesta abordagem.

É constituinte das histórias e da compreensão construída, além de ser

elemento fundamental na comunicação dos resultados.

ROQUE MORAES46

A pesquisa narrativa encontra-se associada a muitas áreas do conhe-

cimento, como teoria literária, história, antropologia, etnografia, artes,

filosofia, psicologia e linguística. De todas elas extrai seus pressupostos

e encaminhamentos metodológicos.

A abordagem histórico-narrativa constitui uma abordagem relativa-

mente recente de pesquisa qualitativa. Aproxima-se decisivamente dos

movimentos pós-modernos e pós-estruturalistas por sua valorização da

multiculturalidade, com foco em questões de gênero, raça e valorização

da diversidade cultural.

Abordagem crítico-dialética

A abordagem de pesquisa crítico-dialética pode ser descrita como voltada

para a produção de novos conhecimentos por meio da lógica dialética.

Essencialmente fundamentada na crítica, parte sempre do questiona-

mento de um conhecimento existente no sentido de sua superação. Daí

surgem antíteses, novas formas de conceber o mesmo conhecimento que,

uma vez validadas, constituirão as novas teses. Por essa sua natureza, o

conhecimento resultante dessa abordagem será mais caracterizado por

sua veracidade do que por sua verdade absoluta, pelo certo ao invés do

verdadeiro (SANTOS, 2000). Em suas versões pós-modernas, concen-

tra-se cada vez mais no discurso, não só como modo de constituição do

conhecimento como do próprio sujeito cognoscente. O conhecimento

neste sentido é dado pelo discurso e o sujeito tem papel muito reduzido

em sua constituição, ainda que possa envolver-se na sua reconstrução.

Tendo em vista seu fundamento dialético, essa abordagem de pesquisa

concebe a realidade como em constante movimento, em um contínuo vir

a ser. Tal como o próprio discurso, a realidade constitui uma construção

coletiva, expressando o resultado do movimento contraditório das forças

que nele intervém. Nessa abordagem, portanto, assume-se uma realidade

construída pelos sujeitos, ainda que não individualmente. Estando imer-

sos nesse movimento desde que nascem, os indivíduos, seguidamente

DA NOITE AO DIA 47

não tem consciência das forças e pressões que comandam e direcionam

suas ações. Exige-se nesse sentido uma conscientização possibilitando

uma transformação das realidades dadas para formas mais avançadas

e socialmente aceitáveis. Por isso essa abordagem sempre é crítica em

relação à realidade e tem como meta sua transformação.

Tomar consciência é superar a alienação dos sujeitos. Isso implica su-

perar a representação objetiva de realidade que seguidamente é inculcada

nos sujeitos pelo discurso. É tomar consciência das forças ideológicas

que estão por trás de qualquer discurso, implicando valores e verdades

que, de modo geral, não são questionados. Assumir essa abordagem de

pesquisa, portanto, é superar a neutralidade, aproximando pesquisador

e pesquisados, residindo nisso sua qualidade política. Esta imbricação

de valores no processo da pesquisa, fundada na opção dialética crítica,

também implica o respeito a diversificados pontos de vista de diferentes

sujeitos envolvidos. Isso tem sido valorizado especialmente em alguns

tipos de pesquisa, como a pesquisa participante e a pesquisa-ação.

Ainda é importante destacar que, no sentido da superação de uma

suposta neutralidade teórica e no sentido de possibilitar detectar ideologias

que podem afetar os modos de percepção dos sujeitos, na pesquisa de

cunho dialético-crítico defende-se a necessidade de assumir teorias ex-

ternas para exame dos fenômenos e do discurso, teorias essas geralmente

de cunho crítico acentuado. Daí as pesquisas originais nessa abordagem

terem se baseado quase que exclusivamente no marxismo.

Ainda que essa abordagem possa apresentar-se em diversificadas

modalidades, todas têm subjacente o método dialético. Na quase tota-

lidade dos estudos e na pós-modernidade em número cada vez maior,

estão organizadas em torno da análise do discurso. Entende-se que o

planejamento precisa ser emergente e participativo, superando a alienação

dos participantes, os quais seguidamente são organizados em grupos de

pesquisa cooperativos. Todos os passos da pesquisa, inclusive a análise

de informações coletadas, são conduzidos a partir de decisões tomadas

coletivamente. A ênfase é crítica e interpretativa, visando à superação

ROQUE MORAES48

da alienação e manipulação dos sujeitos, no sentido de uma tomada de

consciência e participação política cada vez mais profunda.

A abordagem crítico-dialética, tendo na análise do discurso seu

método preferencial de pesquisa, assume que não é possível examinar a

realidade de forma neutra. Assume, nesse sentido, sempre uma teoria forte,

segundo expressão de Navarro e Diaz (1994), como base de sua crítica.

Sempre terá uma teoria de partida, a partir da qual exercerá sua crítica.

Esta teoria forte foi, em sua origem, especialmente na chamada escola

francesa de análise de discurso, o marxismo. Entretanto, hoje, pesquisas

nessa abordagem têm sido conduzidas com base em diferentes autores,

como Habermas, Foucault, entre outros. Em pesquisas que efetivamente

se enquadram nesta abordagem, essa teoria precisa ser assumida não

apenas pelo pesquisador principal, mas por todos os envolvidos, todos

considerados copesquisadores.

Ainda que isto não tenha sido claro desde sua origem, as pesquisas

que se enquadram nessa abordagem têm cada vez mais se concentrado no

discurso, entendido como constituidor da realidade e dos sujeitos. Assim,

esse tipo de pesquisa, mais do que na linguagem se concentra no discurso.

A meta das pesquisas crítico-dialéticas é questionar e interpretar o discurso

hegemônico no sentido de sua superação para formas mais socialmente

válidas. Os resultados são expressos em forma de novos discursos e novas

práticas, também eles passíveis de novos questionamentos.

Esta abordagem de pesquisa, evidentemente, tem na dialética e no

marxismo suas fontes teóricas de inspiração. Com a emergência dos

problemas do socialismo, reorienta-se no sentido de assumir os principais

pressupostos pós-modernistas, talvez procurando assumir numa nova

forma as questões de autonomia e autodeterminação para as quais o

modernismo não conseguiu propor soluções adequadas. Nisso essa

abordagem tem se voltado cada vez mais para questões de gênero, de

raça, entre outras, que tratam de outros tipos de discriminação. Talvez

seja nesse sentido a abordagem que mais consegue inserir-se até o mo-

mento no que Boaventura Santos denomina paradigma emergente. Em

DA NOITE AO DIA 49

suas formas mais atualizadas, talvez melhor pudéssemos denominar esta

abordagem discursivo-interpretativa.

Abordagem discursivo-interpretativa

A abordagem que denominamos discursivo-interpretativa reúne um con-

junto de tipos de pesquisas que têm como característica se concentrar

na análise de discurso como modus operandi. Dentro dessa abordagem,

pressupõe-se que o conhecimento e a verdade estão dados no discurso,

nas diferentes formações discursivas. Tudo está dito no discurso, e a

função da pesquisa é descrever e interpretar as verdades explícitas ou

implícitas nas formações discursivas. Para alguns, nada está oculto; tudo

já está dito. Para outros, é importante explicitar o que está escondido e

implícito, especialmente ideologias e formas de dominação.

Nessa abordagem de pesquisa, pressupõe-se que a realidade é o

discurso. A realidade, neste sentido, é uma construção coletiva, mas não

necessariamente participativa de todos os sujeitos que se inserem numa

determinada formação discursiva. Todo discurso já tem uma história an-

terior, influenciada por forças e influências das mais diferentes naturezas,

e o papel da pesquisa é compreender e descrever como se constituíram

os discursos e as verdades que carregam. Com essa compreensão cada

vez mais elaborada pretende-se questionar constantemente as formações

discursivas no sentido de sua reconstrução.

O discurso sempre carrega valores e ideologias. É produto de um

movimento dialético contraditório de forças de poder. Por isso, esse tipo

de pesquisa pressupõe sempre que não é possível ser neutro no processo

do pesquisar. Os valores estão sempre imbricados nas pesquisas. É papel

da pesquisa mostrar esses determinantes e descrevê-los.

Conforme já salientado, nessa abordagem compreende-se que a

verdade é dada no discurso. A verdade aqui não é entendida no sentido

absoluto, mas como estando em permanente transformação dialética.

Neste sentido, a partir de ideias de Perelman e Olbrechts-Tyteca, em vez

ROQUE MORAES50

da verdade se poderia enfatizar o certo, em vez do verdadeiro o verossímil.

Num certo sentido, as verdades precisam ser validadas constantemente

em comunidades de comunicação e argumentação não exclusivamente da

ciência. Nisto a retórica, especialmente uma retórica dialética, segundo

expressão de Boaventura Santos (2000), passa a ser revalorizada como

elemento central da ciência. A verdade é sempre relativa e requer uma

argumentação rigorosa e fundamentada para sua sustentação.

Nessa abordagem, o método por excelência é a análise do discurso.

Partindo-se de instâncias do discurso, ele é desconstruído no sentido de

aprofundar sua compreensão, atingindo tanto extensão como profundi-

dade. A arqueologia e a genealogia são algumas das formas de conduzir

o processo. O processo em sua essência se concentra em examinar frag-

mentos de discurso no sentido de mostrar o que expressa e a origem do

que está expresso. Desse questionamento permanente do discurso, em

última instância, espera-se poder inferir nas formações discursivas no

sentido de sua transformação.

Nessa abordagem, discurso é teoria. Falando em discurso, não é preciso

mais falar em teoria (SILVA, 2002). O que é preciso destacar é que essa

superação do conceito de teoria significa superar uma teoria externa ao

discurso e aos sujeitos constituintes. Não tem sentido falar de uma teoria

objetiva, fora do discurso. Seja do tipo científico, seja do senso comum,

todo discurso já está carregado de conjuntos de interpretações. E são

essas interpretações que os sujeitos utilizam em sua leitura de mundo.

Entretanto, dentro dessa abordagem é importante destacar que as análi-

ses propostas sempre vêm fundamentadas em alguma teoria forte, tal como

também já afirmado para a abordagem crítico-dialética. As análises podem

dar-se com base em Foucault, em Habermas, em Guatarry ou outros, mas

sempre haverá uma teoria subjacente à análise e que lhe dará direcionamento,

ainda que isto possa significar mais um sentido analítico e metodológico do

que interpretativo, como acontece na teoria crítico-dialética.

A linguagem e o discurso naturalmente ocupam uma posição central nesta

abordagem. São a origem e o final de todo o processo. Toda a pesquisa se

DA NOITE AO DIA 51

organiza em torno do discurso e de suas formas de manifestação e culmina

com uma descrição desse discurso no sentido de expressar os modos de sua

produção e os sentidos que expressa. Essa abordagem parece ter emergido

e se reforçado a partir dos problemas do socialismo, constituindo uma reo-

rientação da abordagem crítico-dialética no sentido de assumir os principais

pressupostos pós-modernos, talvez procurando assumir, numa nova forma,

as questões de autonomia e autodeterminação para as quais o modernismo

não conseguiu propor soluções adequadas, até mesmo dentro do marxismo.

Nisso essa abordagem tem se voltado cada vez mais para questões de gênero,

de raça, entre outras, que tratam de outros tipos de discriminação. Talvez

seja nesse sentido a abordagem que mais consegue inserir-se até o momento

no que Boaventura Santos denomina o paradigma emergente.

Tipos de pesquisa

As pesquisas sociais podem ser classificadas a partir de diferentes critérios.

As diferentes denominações que podem ser encontradas na prática de

pesquisadores e em publicações de pesquisa podem estar organizadas

em diferentes critérios de categorização. Não é aqui pretensão abordar a

questão em toda sua abrangência. Ao contrário, pretendemos apresentar

um grupo parcial de denominações frequentemente referidas em textos,

organizando-as a partir de um critério: aceitação da impossibilidade da

neutralidade, ou seja, intensidade em que os participantes da pesquisa

são assumidos como sujeitos do processo. O Quadro 1 pretende mostrar

esta classificação. À esquerda do quadro encontram-se as pesquisas mais

alienadas e à direita aquelas em que se supera a alienação. As localizações

dos diferentes tipos de pesquisas são sempre relativas, dependendo sua

localização específica de características efetivas das pesquisas no mo-

mento de sua concretização.

Num dos extremos, localizam-se aquelas pesquisas em que os

participantes são envolvidos de uma forma não alienada, constituindo

efetivamente sujeitos das pesquisas. Estão próximo deste extremo, de-

ROQUE MORAES52

pendendo ainda da forma como são organizadas, a pesquisa participante,

a pesquisa-ação e a pesquisa cooperativa. No outro extremo, estão

aquelas pesquisas em que os participantes são apenas considerados

fontes de informação, não tendo interferência no encaminhamento

da pesquisa e na construção dos seus resultados. Os participantes são

alienados em relação aos propósitos e modos de conduzir as pesquisas.

São essencialmente objetos. Neste extremo, localiza-se a pesquisa ex-

perimental e outras pesquisas de laboratório. Também enquadram-se

próximo a este extremo as pesquisas quase-experimentais, incapazes de

atender integralmente os critérios de neutralidade e objetividade, não por

opção do pesquisador, mas pela natureza dos fenômenos investigados.

Quadro 1. Relação tipos de pesquisa e alienação dos sujeitos

Dentre esses extremos, próximo ao último grupo referido estão os

estudos correlacionais e relacionais. Também se aproximam deste grupo

as pesquisas longitudinais e transversais, os levantamentos em geral

e, de algum modo, todos os estudos que pretendem estudar relações

entre variáveis, mas não atingindo relações estritas de causalidade

características de pesquisas experimentais verdadeiras.

Por sua vez, também num quarto intermediário, mais próximo da

pesquisa participante e da pesquisa-ação, podemos referir os estudos

DA NOITE AO DIA 53

de caso, as pesquisas narrativas, as pesquisas avaliativas e outras pes-

quisas de campo que não pretendam estudar relações entre variáveis,

tais como pesquisas fenomenológicas e etnográficas.

Finalmente, ainda pode ser apontado um último grupo de pesquisas,

não enquadrado neste contínuo de intensidade de os participantes se

assumirem sujeitos da pesquisa. Constituem este grupo as pesquisas

bibliográficas, teóricas e históricas. Essas pesquisas trabalham com

dados não primários, não envolvendo portanto participantes humanos

diretamente nos processos de reunir informações e dados.

Essa categorização de tipos de pesquisa padece naturalmente

de limitações de qualquer classificação. Muitos tipos de pesquisa não

têm uma caracterização simples e uniforme, mas, dependendo dos

pressupostos assumidos, pode enquadrar-se em diferentes categorias.

É o que poderia, por exemplo, ser apontado para os estudos de caso,

que tanto podem se aproximar das pesquisas experimentais como da

pesquisa-ação. O mesmo alerta poderia caber a outros tipos de estudos.

Considerações finais

O presente texto pretendeu apresentar e discutir alguns elementos a

serem considerados na seleção de abordagens de pesquisa. Teve como

argumento central a necessidade de encaminhar estas definições com

clareza dos pressupostos que implicam. Daí a metáfora da noite ao dia,

sugerindo vencer decisões obscuras capazes de enganar tanto o pes-

quisador quanto os envolvidos na pesquisa e os leitores, uma questão

tanto cognitiva como ética.

O texto iniciou explorando diferentes concepções de realidade

que podem estar subjacentes às abordagens selecionadas. Em seguida,

aproximou essas concepções de movimentos filosóficos e de paradig-

mas, focalizando nesse sentido principalmente o paradigma dominante

e o paradigma emergente. A partir disto, apresentou um conjunto de

abordagens de pesquisa, procurando mostrá-las à luz dos pressupostos

ROQUE MORAES54

que subentendem. Concluindo, o texto apresentou um conjunto de

tipos de pesquisa, abrangendo denominações que seguidamente se

encontram na literatura.

A metáfora da penumbra da noite à luz do dia pretende enfatizar

que a escolha de uma abordagem e de um tipo particular de pesquisa,

ainda que derivada da problemática investigada, também denuncia o

pesquisador em relação aos seus pressupostos filosóficos e epistemo-

lógicos. Não é admissível fazer opções sem fundamento. É importante

construir uma coerência e consistência entre a proposta de pesquisa

como um todo e as abordagens selecionadas, coerência e consistência

essas adequadamente argumentadas e compreendidas pelo pesquisa-

dor. Isso não ocorre necessariamente a priori, mas geralmente é uma

construção que ocorre ao longo do processo da pesquisa.

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DA NOITE AO DIA 55

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SILVA. T. T. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

A PESQUISA ACADÊMICA COMO ELEMENTO DE FORMAÇÃO DO PROFESSOR-PESQUISADOR

EMERSON SILVA DE SOUSA

ISABEL CRISTINA M. DE LAR A

JOÃO BATISTA S. HARRES

Refletir sobre implicações da ação de pesquisar na formação do professor é um

exercício adequado para o capítulo de um livro que trata sobre metodologia

de pesquisa, especialmente quando o foco são as diferentes metodologias de

pesquisa qualitativa. Essas dimensões são próximas, na medida em que en-

tendemos a pesquisa como elemento da formação do professor-pesquisador1.

Os envolvidos no processo de formação do professor-pesquisador, do

formador ao que será formado, estão em constante movimento a fim de

alinhar a formação e a realização de pesquisa. Esse movimento assume em si,

neste contexto, um duplo desafio. O primeiro é perceber os elementos que

caracterizam o professor-pesquisador como profissional atuante tanto no

ensino como na pesquisa. O segundo refere-se à percepção daquilo que torna

a pesquisa desenvolvida por esse profissional uma pesquisa de qualidade.

1 Neste ensaio, vamos considerar o termo professor-pesquisador como sendo o professor que atua na Educação Básica e Superior que busca promover o conhecimento com os estudantes e, ao mesmo tempo, realiza pesquisa no contexto profissional docente, com a finalidade de avançar na qualidade educativa nesse nível de ensino. É aquele que se propõe a estudar e a aprender a fazer pesquisa. É “[...] professor e pesquisador simultaneamente, pois a pesquisa lhe permitirá pensar e agir de forma especial, diferenciada e fundamentada diante de sua profissão” (RAUSCH, 2012, p.714).

EMERSON SILVA DE SOUSA | ISABEL CRISTINA M. DE LARA | JOÃO BATISTA S. HARRES58

Considerando o tempo presente, precisamos reconhecer que vivemos

na chamada “sociedade do conhecimento” (D’AMBROSIO, 2012, p.74),

em que as informações se propagam com velocidade cada vez maior. É

necessário, portanto, que o professor tenha uma formação que o auxilie

na busca, organização, geração e difusão do conhecimento.

A busca por respostas advindas de dúvidas e questionamentos que emer-

gem do espírito curioso do ser humano e do senso de sobrevivência serve de

impulsão para a pesquisa. Dessa forma, “[...] para sobreviver e facilitar sua exis-

tência, o ser humano confrontou-se permanentemente com a necessidade de

dispor do saber, inclusive de construí-lo por si só” (LAVILLE; DIONNE, 1999, p.17).

Essa necessidade de querer dispor do saber encaminha o ser humano na

busca pelo conhecimento. Assim, Tartuce (2006, p.5) entende o conhecimento

“[...] como sendo a manifestação da consciência de conhecer [...]”, por meio das

experiências progressivas vividas, pois, de acordo com suas necessidades e po-

tenciais, o homem busca o conhecimento a fim de resolver e/ou responder as

suas indagações. Essa perspectiva remete o conhecimento ao status de objeto

primário da pesquisa, tornando-se essencial para a própria existência humana.

A busca do conhecimento leva o ser humano a ter experiências que permitem

uma ação interativa com o objeto de seu conhecimento (GERHARDT; SILVEIRA,

2009). Portanto, na formação do professor-pesquisador, a busca e produção do

conhecimento deve ter lugar de destaque em todo o processo, transcendendo

para o próprio exercício profissional no ambiente escolar, em sala de aula.

No que se refere à pesquisa acadêmica, os questionamentos que surgem

podem resultar em contribuições oriundas de investigações que, além de sa-

tisfazerem a busca de conhecimento, podem paralelamente produzir reflexos

na formação do professor-pesquisador. É nesse sentido que buscamos verificar

como a pesquisa acadêmica contribui para a formação do professor-pesquisador.

De acordo com Pedro Demo, é possível tratar a pesquisa como um mé-

todo para a educação sob dois enfoques: do estudante e do professor (DEMO,

2015). Este ensaio analisa os aspectos da pesquisa voltados ao professor.

Diante disso, a fim de tratar do específico que envolve um professor ad-

jetivado por meio do termo pesquisador, indaga-se quais seriam os objetivos

A PESQUISA ACADÊMICA COMO ELEMENTO DE FORMAÇÃO 59

implícitos ao ato de pesquisar. Segundo Marques (2006, p. 94), “[...] pesquisar

é ir à procura de algo diferente, guiado pelo desejo de encontrar o novo, o

inusitado, o sequer por nós suspeitado, o original porque descoberta nossa”.

Para D’Ambrosio (2012), a “pesquisa” está relacionada à investigação,

à busca, à procura. Sua perspectiva situa a pesquisa como sendo o elo

entre teoria e prática, destacando que a ideia central é sempre “[...] a de

mergulhar na busca de explicações, dos porquês e dos comos, com foco em

uma prática. Claro, o professor está permanentemente num processo de

busca de aquisição de novos conhecimentos e de entender e conhecer os

alunos” (D’AMBROSIO, 2012, p. 86). Essa atitude deve ser a atitude regular

daquele professor que pretende inserir a pesquisa no foco de suas atividades

cotidianas, no contexto escolar. Dessa forma, o professor desenvolve um

hábito constante de pesquisa, um “espírito” de pesquisador, o que aponta

naturalmente, num momento posterior, para uma possível consolidação

de atitudes que pode ser traduzida na figura do professor-pesquisador.

Pesquisar, de acordo com Demo (2000, p. 129), significa desenvolver

“[...] diálogo crítico e criativo com a realidade, culminando na elaboração

própria e na capacidade de intervenção. Em tese, pesquisa é a atitude do

‘apreender a apreender’, e, como tal, faz parte de todo processo educativo

e emancipatório [...]”, consagrando como elemento fundamental nesse

processo o “questionamento reconstrutivo”.

Conforme Minayo (2001, p. 52), o “[...] questionamento é que nos

permite ultrapassar a simples descoberta para produzir conhecimentos”,

por meio da criatividade. Assim, quando Demo (2015, p. 12) destaca

o “[...] questionamento reconstrutivo, com qualidade formal e política,

como traço distintivo da pesquisa”, percebe-se a importância do binômio

questionamento-reconstrutivo para a formação do professor-pesquisador.

De acordo com Demo:

Por “questionamento”, compreende-se a referência à for-

mação do sujeito competente, no sentido de ser capaz de,

tomando consciência crítica, formular e executar projeto

EMERSON SILVA DE SOUSA | ISABEL CRISTINA M. DE LARA | JOÃO BATISTA S. HARRES60

próprio de vida no contexto histórico. [...] Inclui a superação

da condição de massa de manobra, ou de objetos de projetos

alheios. [...] é precisamente a passagem de objeto para sujeito,

o que significa formação de competência [...] (2015, p.13).

Nesse sentido, quando olhamos para o contexto educacional, em

que o professor-pesquisador tem influência direta na formação dos “seus

estudantes”, o questionamento, entendido nessa perspectiva, passa a ser

a base natural na sua própria formação, pois dessa forma terá melhores

condições de exercer com propriedade o papel de ser professor. Além disso,

os estudantes terão referência de autonomia, protagonismo e interpretação,

próprios do contexto social, político e econômico em que estão inseridos.

A “reconstrução”, o outro elemento do binômio, configura-se como

elemento instrumental, baseado numa consciência crítica, para desenvolver

a competência do “[...] conhecimento inovador e sempre renovado. [...] o

que significa dizer que inclui interpretação própria, formulação pessoal, ela-

boração trabalhada, saber pensar, aprender a aprender” (DEMO, 2015, p.13).

A reconstrução trata-se de um dos aspectos fundamentais na formação

do professor-pesquisador, pois, além de questionar e questionar-se, ele

precisa pôr em prática suas ideias, suas leituras e suas interpretações. A

reconstrução possibilita que novos olhares sejam possibilitados no processo

de pesquisa, oferecendo uma nova interação entre professor e estudantes.

Numa perspectiva de formação do professor-pesquisador, Demo

(2015) aponta algumas ações que podem exemplificar a reconstrução do

conhecimento como desafios da pesquisa no âmbito educacional, quais

sejam: “1. (Re)construir projeto pedagógico próprio; 2. (Re)construir

textos científicos próprios; 3. (Re)fazer material didático próprio; 4.

Inovar a prática didática; 5. Recuperar constantemente a competência”

(p. 47). Tais ações proporcionam ao professor-pesquisador desenvolver

pesquisa como princípio educativo em sala de aula, além de incentivarem

o questionamento reconstrutivo na formação educacional do próprio

estudante e na realidade em que está inserido.

A PESQUISA ACADÊMICA COMO ELEMENTO DE FORMAÇÃO 61

Consideramos que o potencial da pesquisa acadêmica como elemento

de formação do professor, em especial do professor-pesquisador, parte do

viés constituído pela qualidade formal e política, e que o pensamento recons-

trutivo possibilita as situações internas e no entorno, da própria pesquisa.

Se a formação faz dos acadêmicos professores, a pesquisa acadêmi-

ca com olhar voltado à qualidade formal e política poderá constituir os

professores em professores-pesquisadores. Buscar encontrar modos para

constituição do professor que está imerso na rotina de expor os conteúdos

aos estudantes com tais qualidades poderá torná-lo pesquisador.

Para uso da qualidade formal e política como elemento de pesquisa

e de formação para professores-pesquisadores é necessário ter nítidos

os interesses que movimentam as pesquisas acadêmicas. Com que fim

são produzidas? Não reconhecer os interesses que movem as pesquisas

acadêmicas é esperar encontrar resultados ao acaso.

Minayo (2001, p. 52) destaca que “[...] definindo bem o nosso campo

de interesse, nos é possível partir para um rico diálogo com a realidade”.

Portanto, a pesquisa, numa perspectiva mais filosófica, pode ser considerada

como “[...] uma atitude e uma prática teórica de constante busca que define

um processo intrinsecamente inacabado e permanente. É uma atividade

de aproximação sucessiva da realidade que nunca se esgota, fazendo uma

combinação particular entre teoria e dados” (MINAYO, 1993, p.23).

Conforme as concepções de pesquisa citadas, é perceptível o enfo-

que dado à interação do pesquisador com sua realidade no processo de

pesquisa. Assim, “[...] talvez não devêssemos falar de realidade, e sim de

realidades, no plural. O mundo se apresenta com uma nova face cada vez

que mudamos a nossa perspectiva sobre ele. Conforme a nossa intenção

ele se revela de um jeito” (DUARTE JÚNIOR, 2002, p. 11). Desse modo,

“[...] a questão da realidade (e da verdade) passa pela compreensão das

diferentes maneiras de o homem se relacionar com o mundo” (p. 15).

Quando falamos de conhecimento, estamos lidando, em certa medida,

com o termo ciência (Scientia em latim), palavra que deriva do verbo Scire,

que significa aprender, conhecer. Num sentido mais específico, segundo

EMERSON SILVA DE SOUSA | ISABEL CRISTINA M. DE LARA | JOÃO BATISTA S. HARRES62

Trujillo Ferrari (1974, p. 8), “[...] ciência é todo um conjunto de atitudes

e de atividades racionais, dirigida ao sistemático conhecimento com ob-

jetivo limitado, capaz de ser submetido à verificação”. Estamos falando

do conhecimento científico que tem preeminência no meio acadêmico

(como um saber metodicamente elaborado) e em muitos grupos sociais.

Em relação aos fatos sociais, pode-se inquirir que existem diversos

modos de configurar a aquisição do saber que desses fatos emergem. É

necessário considerar o conhecimento do senso comum, em que predo-

minam os saberes espontâneos por meio das experiências, observações

pessoais e da intuição, sendo a tradição o princípio de transmissão desse

tipo de saber. Os saberes científicos são adquiridos por meio de pesquisa

científica (LAVILLE; DIONNE, 1999).

Neste ensaio, vamos considerar algumas questões referentes à pes-

quisa científica no contexto da academia, a qual denominaremos pesquisa

acadêmica. Assim, pretendemos tratar de algumas questões relacionadas

a essa modalidade de pesquisa, tais como: os pressupostos da pesquisa

acadêmica; a qualidade da pesquisa acadêmica considerando os saberes

essenciais; e o papel das dissertações e teses como pesquisas acadêmicas

realizadas durante a formação do professor-pesquisador.

Pressupostos da pesquisa acadêmica

Nessa seção, consideram-se algumas questões sobre a modalidade de

pesquisa realizada no âmbito da academia, isto é, na universidade, facul-

dade ou outra Instituição de Ensino Superior (IES). Essa forma de pesquisa

é conduzida por investigadores que podem ser docentes, estudantes

universitários e pesquisadores independentes, entre outros.

Em universidades, a pesquisa acadêmica é um dos três pilares de suas

atividades, em conjunto com o ensino e a extensão. Nessa perspectiva,

acentua-se a importância de sua contribuição em edificar o conhecimento

universal dentro da academia.

A PESQUISA ACADÊMICA COMO ELEMENTO DE FORMAÇÃO 63

Assim, a pesquisa é percebida como parte fundamental na formação do

professor-pesquisador, oportunizando um aprofundamento em questões

específicas que levem à produção de conhecimento, seja redescobrindo ou

dando novos significados aos conhecimentos já adquiridos. Desse modo:

No que concerne à produção do conhecimento, sua impor-

tância aponta para a qualidade científica, que facilmente pode

ser mostrada nos grandes clássicos: todos se preocuparam

com a questão da cientificidade. No que concerne à forma-

ção, saber construir conhecimento como qualidade formal

e política redunda em aprimoramento visível da autonomia,

um dos horizontes mais importantes do conhecimento da

história humana (DEMO, 2002, p. 349).

Além disso, o professor-pesquisador é incentivado a desenvolver

investigações que oportunizem a percepção da relação entre teoria e

prática no contexto do processo da pesquisa.

Segundo D’Ambrosio (2012, p.73), persiste, entre teoria e prática,

“[...] uma relação dialética que leva o indivíduo a partir para a prática equi-

pado com uma teoria e a praticar de acordo com essa teoria até atingir

os resultados desejados. [...] partir para a prática é como um mergulho

no desconhecido”. Desse modo, a teoria habita num contexto ideal, em

que tudo se encaixa de maneira harmônica, enquanto a prática revela

situações não percebidas no ambiente teórico.

Sendo assim, essa relação interativa entre teoria e prática permite que

o professor-pesquisador desenvolva-se cada vez mais em sua formação

permanente, aperfeiçoando-se como elemento importante no processo

educativo, não mais como fonte e transmissor do conhecimento, mas

como gerenciador e facilitador do processo de aprendizagem. Segundo

D Ambrosio (2012), é esse novo papel do professor que permitirá um

melhor desempenho de sua função e, consequentemente, facilitará a

EMERSON SILVA DE SOUSA | ISABEL CRISTINA M. DE LARA | JOÃO BATISTA S. HARRES64

interação com os estudantes nos processos de produção e avaliação

crítica de novos conhecimentos.

De acordo com Perrenoud (1999, p.16), a formação de professores

na universidade, e estendendo esta ideia à formação de professor-pes-

quisador, precisa considerar os seguintes desafios:

(1) Ampliar a concepção de pesquisa e de formação para a

pesquisa, em especial, nas ciências humanas. A distância entre

essa formação e o desenvolvimento de uma atitude reflexiva

depende dessa ampliação. (2) Criar, nos cursos universitários,

dispositivos que visem, especificamente, a desenvolver a

prática reflexiva, independentemente da pesquisa. Esses

dispositivos poderiam também contribuir para formar os

pesquisadores, mas, de início, seriam postos a serviço de um

profissional engajado em uma ação complexa. Mas isso não

basta porque a prática reflexiva só será incorporada “caso

esteja no centro do plano de formação e se estiver integrada

a todas as competências profissionais visadas, tornando-se

o motor da articulação teoria-prática”.

Nota-se, portanto, que uma boa formação do professor-pesquisador

no âmbito da universidade está estreitamente relacionada a dois enten-

dimentos quanto à pesquisa acadêmica, os quais se encontram dispostos

de modo complementar em modo interno e externo. O entendimento

interno está relacionado à própria concepção do que é pesquisa e do

que é formar para a pesquisa. Já o entendimento externo refere-se à

execução dos processos de formação por meio dos cursos. A ampliação

de ambos os entendimentos deve visar ao desenvolvimento de práticas

reflexivas do professor-pesquisador. E, mais do que isso, a presença da

pesquisa acadêmica deve possibilitar que a formação em si seja potencial

para conduzir à formação de um professor-pesquisador.

A PESQUISA ACADÊMICA COMO ELEMENTO DE FORMAÇÃO 65

Outra questão a ser observada refere-se à qualidade da pesquisa aca-

dêmica, uma vez que ela é percebida aqui como um elemento de formação

do professor-pesquisador. Sobre essa circunstância tratamos a seguir.

A qualidade da pesquisa acadêmica: saberes essenciais

Quando se fala de qualidade da pesquisa acadêmica, isso nos remete a

uma compreensão dos aspectos científicos ou da cientificidade da pes-

quisa. Faz-se necessário compreender os aspectos ou as características

do conhecimento produzido por meio dessa pesquisa, os quais levam a

considerar esse conhecimento como de qualidade.

Para isso, os propósitos primordiais da pesquisa são a geração e dissemi-

nação do conhecimento, como destaca Yokomizo (2008). O autor apresenta

uma discussão sobre os desvios de conduta na pesquisa acadêmica a fim de

estabelecer normas e diretrizes para que ela seja considerada de qualidade.

Conforme Coury (2012, p.5):

Desvio de conduta acadêmica: é a intenção de levar outras

pessoas a pensarem que algo é verdadeiro quando não é. Assim

sendo, envolve não apenas um ato ou uma omissão, mas tam-

bém uma intenção deliberada do pesquisador, autor, editor ou

editora. Refere-se usualmente à fabricação, falsificação, plágio

ou a outras práticas que se desviam seriamente daquelas que

são aceitas pela comunidade científica como íntegras para a

proposição, condução e relato de pesquisa. (grifos do autor).

De acordo com Yokomizo (2008), os desvios que desqualificam a pes-

quisa acadêmica são impulsionados primeiramente pela imposição, advinda

do próprio meio acadêmico e dos órgãos de fomento à pesquisa, no que diz

respeito à quantidade das publicações e à velocidade com que se deve publicar.

A quantidade vem sobrepujando a qualidade das pesquisas, e por conta

disso os direitos de propriedade têm sido feridos. Procedimentos antiéticos,

EMERSON SILVA DE SOUSA | ISABEL CRISTINA M. DE LARA | JOÃO BATISTA S. HARRES66

como má conduta e fraudes, ganham espaço cada vez mais abrangente nas

pesquisas realizadas, inclusive, no contexto acadêmico.

Fabricação e falsificação de dados, plágio e autoplágio, falta de con-

trole do direito de autoria, conflitos de interesses e fragilidade das sanções

punitivas em desvios de conduta são alguns dos problemas éticos mais

comuns nas pesquisas (COURY, 2012).

Yokomizo (2008) aponta cinco fatores que impulsionam a prática de

desvio de conduta no meio acadêmico concernente à produção científica.

São eles: as instituições, que são ambientes legais-regulatórios e contextos

em que as proteções legais são fracas; a racionalidade limitada, que é a

dificuldade de os agentes processarem e compararem conteúdos devido à

grande quantidade de informação; o oportunismo, que é a motivação errada,

o interesse próprio; os indicadores de desempenho, que são as exigências e

o incentivo à produção, à quantidade; o contexto, que se refere à proteção

fraca da propriedade intelectual devido à globalização com o uso da internet.

Diante desses elementos, apresentamos a seguir um esquema sobre estas

questões, as quais atuam diretamente sobre a pesquisa acadêmica.

Muitas informações disponíveis na internet

Racionalidadelimitada

Oportunismo

Indicadores dedesempenho

Contexto

PESQUISAACADÊMICA

Figura 1. Fatores que influenciam o desvio de conduta da pesquisa acadêmica.Fonte: Adaptado pelos autores (2017).

A PESQUISA ACADÊMICA COMO ELEMENTO DE FORMAÇÃO 67

Yokomizo (2008) enfatiza, porém, que a ética deve permear todo o

processo de pesquisa, pois, segundo o autor, os aspectos éticos subjacentes à

pesquisa visam preservar “qualquer atividade ou ocupação que tem como fim

o ‘social’.” (p.8). Em síntese: “É de considerar que os indivíduos são dotados

de racionalidade, pensamento e inteligência e estes podem ser usados ‘para

o bem ou para o mal’. Assim, a ética deve também preservar esses aspectos”

(YOKOMIZO, 2008, p.9). Para o professor-pesquisador, não deve ser diferente.

Ademais, para o professor-pesquisador, a pesquisa acadêmica só

funciona como elemento de qualidade formal e político se esse elenco de

elementos for atendido em todas as suas nuances. Portanto, não é uma

opção ver a pesquisa como um modo ético de ação dentro das instituições

e dos processos de formação, mas, sim, uma condição necessária.

Nesse sentido, acreditamos que uma forma de qualificar a pesquisa

é por desenvolvê-la de forma adequada com relação aos procedimentos

metodológicos. Manter a pesquisa dentro da condução metodológica

torna possível perceber as suas incoerências, quando existirem. E, quando

ocorrerem incoerências, que a pesquisa seja reestruturada e não se criem

subterfúgios para a sua execução. Para constituir uma pesquisa confiável,

alguns autores elegem saberes essenciais que devem estar presentes no

modo de ação de cada pesquisador.

De acordo com Quivy e Campenhoudt (2008), o entendimento de três

eixos contidos numa pesquisa auxilia no controle da qualidade do estudo

efetuado. Esses eixos constituem-se de: ruptura com ideias preconcebidas,

para que não haja indução preconceituosa no processo da pesquisa; constru-

ção de fundamentos teóricos, para que seja possível construir argumentos a

serem testados; e constatação, para que a pesquisa seja submetida à prova

e possa ser verificada por informações da realidade concreta.

De acordo com os autores, há uma relação de dependência entre esses

eixos metodológicos da pesquisa científica. Eles ocorrem ao longo de uma

sucessão de procedimentos que podem ser agrupados em sete etapas: a

questão inicial (1); a exploração (2); a problemática (3); a construção de um

modelo de análise (4); a coleta de dados (5); a análise das informações (6);

EMERSON SILVA DE SOUSA | ISABEL CRISTINA M. DE LARA | JOÃO BATISTA S. HARRES68

e as conclusões (7). O primeiro eixo, a ruptura, está presente principalmente

nas etapas de 1 a 3; o segundo eixo, a construção, está presente nas etapas

3 e 4; e o terceiro eixo, a constatação, aparece fortemente nas etapas de 5 a

7. Para uma melhor exposição do que foi tratado até aqui, preparamos um

esquema estruturado com os elementos aos quais devemos dar atenção

durante a elaboração de uma pesquisa qualitativa que contribua para a

formação de um professor-pesquisador. Esses elementos foram agrupados

com base nas ideias de Quivy e Campenhoudt (2008).

RUPTURA - Eixo 1Questão inicial - E1

Exploração - E2

Problemática - E3

CONSTRUÇÃO - Eixo 3Coleta de dados - E5

Análise das informações - E6

Conclusões - E7

CONSTRUÇÃO - Eixo 2Problemática - E3

Construção de um modelo de análise - E4

Figura 2. Esquema de validação de uma pesquisa qualitativa.Fonte: Adaptado pelos Autores (2017).

Nesse contexto, percebe-se que a qualidade da pesquisa passa pelo

entendimento e desenvolvimento correto dessas etapas em que estão

inseridos os eixos direcionadores para uma pesquisa consistente, de modo

que se possa considerá-la de qualidade, científica.

Com base em Quivy e Campenhoudt (2008), Gerhardt e Silveira

(2009, p.46) comentam:

A PESQUISA ACADÊMICA COMO ELEMENTO DE FORMAÇÃO 69

[...] a ruptura não é realizada unicamente no início da pes-

quisa, ela é realizada também na construção da pesquisa. E

a construção não pode acontecer sem a ruptura necessária,

nem a constatação, pois a qualidade desta está intimamente

ligada à qualidade da construção da pesquisa.

Outro aspecto a ser considerado na qualidade da pesquisa, conforme

já destacado anteriormente, está relacionado à formação do professor-

-pesquisador. No processo da pesquisa, o professor-pesquisador necessita

desenvolver atitudes reflexivas tanto do processo como de si mesmo,

de modo que o questionamento das situações e o autoquestionamento

sejam parte de sua formação.

Demo (2002, p. 349) enfatiza que “[...] para construir conhecimento

com qualidade, é crucial preocupar-se com a sua cientificidade, no sentido

da capacidade de questionar, mas principalmente de se autoquestionar”,

ou seja, o conhecimento científico deve estar aberto para ser discutível.

Além disso, a qualidade da pesquisa acadêmica está intimamente

ligada ao aspecto da originalidade. Não é possível considerar uma pesquisa

como “boa” quando ela não leva em conta outras pesquisas já feitas que

tratam do mesmo objeto estudado. Antes de desenvolver uma pesquisa

acadêmica, é necessário fazer um levantamento detalhado dos trabalhos

já realizados sobre aquele objeto ou tema em questão, proporcionando

a presença do novo/inédito/original no trabalho a ser realizado. É o que

Morosini e Fernandes (2014) chamam de “estado do conhecimento”.

Segundo as autoras, estado do conhecimento é “[...] identificação,

registro, categorização que levem à reflexão e síntese sobre a produção

científica de uma determinada área, em um determinado espaço de tempo,

congregando periódicos, teses, dissertações e livros sobre uma temática

específica” (MOROSINI; FERNANDES, 2014, p. 155).

Morosini e Fernandes (2014) destacam, ainda, o desenvolvimento de

fases metodológicas em relação ao estado do conhecimento quando se

EMERSON SILVA DE SOUSA | ISABEL CRISTINA M. DE LARA | JOÃO BATISTA S. HARRES70

pretende desenvolver uma pesquisa acadêmica em nível de mestrado

ou doutorado. Essas fases são assim descritas:

Análise de textos sobre produção científica, seus princípios,

políticas e condicionantes, na perspectiva nacional e inter-

nacional; Identificação da temática da tese ou da dissertação,

com clarificação da pergunta de partida, e das palavras-chave

ligadas ao tema; Leitura e discussão sobre produção científica

no plano teórico e no empírico (teses, dissertações, livros,

congressos); Identificação de fontes e constituição do corpus

de análise (MOROSINI; FERNANDES, 2014, p. 156).

Após a construção do corpus de análise, a partir de livros, teses e

dissertações, artigos, entre outros, as autoras destacam

[...] a importância de se realizar: leitura flutuante do mesmo para

identificação dos textos, e assim poder construir a bibliografia

sistematizada; construção de possíveis categorias a partir da aná-

lise de conteúdo (BARDIN, 1979) ou da análise textual discursiva

(MORAES; GALLIAZZI, 2006); entrevista com pesquisador ou

professor da área ou orientador para a busca do entendimento

do encontrado, e a redação de texto, seguindo as normas de

um artigo (MOROSINI; FERNANDES, 2014, p. 157).

Com esse tipo de atividade, Morosini e Fernandes (2014), por meio

de suas próprias experiências em orientações de mestrados e doutorados,

expressam suas percepções da aprendizagem dos estudantes no desenvol-

vimento da capacidade de escrita com produções significativas, autonomia

intelectual e sentimento de pertencer a um grupo de pesquisa/estudo.

De acordo com as ideias anteriormente comentadas, anotamos,

portanto, como um requisito importante na qualidade da pesquisa acadê-

mica, o entendimento de como se configura o estado do conhecimento

do objeto ou tema a ser estudado durante todo o processo da pesquisa.

A PESQUISA ACADÊMICA COMO ELEMENTO DE FORMAÇÃO 71

Com base nisso, consideraremos, na próxima seção, aspectos relacionados

ao papel das dissertações e teses dentro do contexto acadêmico.

O papel das dissertações e teses como pesquisas acadêmicas realizadas durante a formação do professor-pesquisador

Numa pesquisa acadêmica, um trabalho científico é um texto escrito que tem

como finalidade principal apresentar à comunidade acadêmica os resultados

da pesquisa realizada. Mas, mais do que isso, esse é um momento, muitas

vezes único, em que o professor, então em etapa stricto sensu, torna-se,

por um período, um professor-pesquisador. E, muito sem saber como se

dá uma pesquisa, sem compreender os meandros metodológicos de um

estudo qualitativo, sem compreender os eixos estruturantes de Quivy e

Campenhoudt (2008), passam a organizar então as suas ideias iniciais.

Começar uma pesquisa e fazer escolhas sobre métodos de pesquisa

qualitativa não é o que podemos tratar como uma tarefa simples. Portanto,

apontamos que, nos cursos de pós-graduação em nível de mestrado e

doutorado, o objetivo principal deve ser não só aprimorar, mas oferecer

pressupostos iniciais à formação científica e cultural do estudante visando

à produção de conhecimentos. Nesses níveis, mestrado e doutorado, os re-

latórios de pesquisa são chamados de dissertação e tese, respectivamente.

De acordo com Silva e Menezes (2005), a diferença entre tese e dis-

sertação não se resume simplesmente à extensão desses relatórios, mas

principalmente ao nível de abordagem. Essencialmente, a dissertação de

mestrado proporciona ao professor-pesquisador sua inserção no mundo

da ciência, em que ele toma conhecimento das formas de concebê-la e

começa a vivenciar os processos da pesquisa. Espera-se, nesse momento,

um aprofundamento de estudo sobre determinado objeto ou tema.

Por outro lado, na tese de doutorado, as exigências da pesquisa

realizada são mais aprofundadas, e o professor-pesquisador já deve ter

vivências concernentes à pesquisa. Espera-se, portanto, contribuições

EMERSON SILVA DE SOUSA | ISABEL CRISTINA M. DE LARA | JOÃO BATISTA S. HARRES72

originais − o Capítulo 7 deste livro trata sobre a produção da tese como

um trabalho autoral.

Nesse sentido, Prodanov e Freitas (2013, p. 168) destacam que as

produções científicas produzidas em mestrados e doutorados “[...] carac-

terizam-se pelo domínio do assunto, pela capacidade de sistematização

e de pesquisa e pelo poder criador, além de serem mais sofisticados e

exigentes, tanto pela elaboração e redação quanto pelo aparato técnico”.

Etimologicamente, de acordo com o dicionário eletrônico Houaiss

(2009), a palavra “dissertação” vem do latim disertatio ou dissertatione e

indica um tratado, um discurso ou uma exposição de algum assunto (da

área científica, artística, doutrinário, etc.) de modo sistemático, abran-

gente e profundo, podendo ser exposto de forma oral ou por escrito. Já a

palavra “tese”, do grego θέσις (tésis), indica uma conclusão mantida por

raciocínio, posição ou proposição que se apresenta ou que se expõe em

público para ser defendida em caso de impugnação. Segundo Prodanov

e Freitas (2013, p.172), a tese:

É originária da Idade Média (século XIII), com o surgimento

das primeiras universidades europeias, época em que os

que aspiravam a ocupar um cargo de docência em alguma

faculdade de Filosofia ou Teologia deviam apresentar uma

tese, uma nova ideia, doutrina ou teoria a ser defendida

perante uma banca examinadora.

Desse modo, tese e dissertação configuram-se como produções

científicas que tratam de temas específicos e delimitados e que se ser-

vem “[...] de um raciocínio rigoroso, de acordo com as diretrizes lógicas

do conhecimento humano, em que há lugar tanto para a argumentação

puramente dedutiva, como para o raciocínio indutivo baseado na ob-

servação e na experimentação” (SEVERINO, 2007, p. 222).

Portanto, Silva e Menezes (2005, p. 98), citando Salvador (1978), sinteti-

zam: “[...] a contribuição que se espera da dissertação é a sistematização dos

A PESQUISA ACADÊMICA COMO ELEMENTO DE FORMAÇÃO 73

conhecimentos; a contribuição que se deseja da tese é uma nova descoberta

ou uma nova consideração de um tema velho: uma real contribuição para o

progresso da ciência”. Ambos os trabalhos oferecem uma complementação

em termos de aprofundamento no que se refere as suas abordagens teóricas.

Considerações finais

A pesquisa, como um dos pilares das atividades desenvolvidas na uni-

versidade, tem como propósito principal a produção de conhecimento.

Sua relevância na formação do professor-pesquisador, portanto, deve

ser considerada por proporcionar um aprofundamento em questões

específicas que levem à produção de conhecimento.

Percebemos que, nesse direcionamento, a formação do professor-

-pesquisador é fortemente conduzida para o desenvolvimento de práticas

reflexivas tanto do processo da pesquisa como de si mesmo. O questiona-

mento reconstrutivo passa a ser elemento fundamental de reflexões para

as modificações nas atitudes de professor, levando-o a ser pesquisador.

Consequência disso, a qualidade de sua formação está relacionada com

a própria qualidade da pesquisa que está desenvolvendo.

Ainda no que se refere à qualidade da pesquisa, foram enumeradas

três questões que podem ser consideradas e aprofundadas no sentido

de contribuir para a discussão sobre o que se entende por pesquisa de

qualidade. Nesse viés, é necessário: a transparência no desenvolvimento

adequado dos procedimentos metodológicos da pesquisa; a considera-

ção do questionamento das/sobre as coisas e o autoquestionamento do

professor-pesquisador como parte importante da pesquisa; e a busca de

algum aspecto de originalidade no produto final da pesquisa.

Assim, ao construir o caminho que deverá ser percorrido pela pes-

quisa, o professor, tornando-se pesquisador, perceberá que é no início do

traçado de suas ideias presentes em suas propostas de pesquisa que deve

ocorrer a ruptura de suas próprias ideias. É esse rompimento com o que já

está estabelecido que oferece à pesquisa o critério de originalidade. Para

EMERSON SILVA DE SOUSA | ISABEL CRISTINA M. DE LARA | JOÃO BATISTA S. HARRES74

saber situar-se e manter a originalidade de sua pesquisa faz-se necessário

então usar levantamentos de estado de conhecimento.

Pode-se sinalizar o início das atitudes de um professor como pes-

quisador quando, em sua pesquisa, os elementos que garantem a sua

qualidade são compreendidos e visíveis em sua exposição. A tarefa

individual de cada pesquisador, dentro de um estudo “quali”, envolve

saberes substanciais sobre os elementos da própria pesquisa acadêmica,

os quais possam garantir a sua cientificidade. Ressaltamos, ainda, que,

mais do que garantir boas publicações, é necessário entender a pesquisa

como elemento de formação do professor-pesquisador, utilizando-a

como contribuição na constituição de bons pesquisadores.

Ao fazer parte de uma obra que trata de metodologias de pesquisa

qualitativa, esse capítulo procura mostrar o caminho a ser percorrido

na formação de um professor-pesquisador por meio da pesquisa.

REFERÊNCIAS

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UM OLHAR SOBRE TIPOS DE PESQUISAS QUALITATIVAS: CONTRIBUIÇÕES PARA PESQUISADORES

NO CAMPO DA EDUCAÇÃO

DEISE NIVIA REISDOEFER

ROSANA MARIA GESSINGER

Partindo da ideia de que a educação define-se como pressuposto de formação

da competência humana e de que a educação escolar faz-se e refaz-se na e

pela pesquisa (DEMO, 1996), e baseado nas ideias de Freire (1996), que coloca

a pesquisa como uma das exigências da profissão docente, apresentam-se,

nesse ensaio, os principais tipos de pesquisa qualitativa que contribuem no

âmbito da educação e das ciências sociais e que permitem a construção de

novos conhecimentos, fruto da curiosidade e da inquietação do pesquisador.

Essa curiosidade inerente ao pesquisador suscita a elaboração de

questionamentos. Isso faz pressupor que a construção de uma pesquisa,

em seu delineamento já de escrita, parte da definição do problema, dos

objetivos e dos procedimentos para a coleta e análise de dados. No Capítulo

1 desta obra, Moraes aponta que a definição, anterior ao momento da

escrita, inclui o conjunto de pressupostos e preconcepções do pesquisador,

que precisa ter perspectiva teórica clara, incluindo sua visão de mundo

e de realidade, suas posições filosóficas e epistemológicas. Dessa forma,

entende-se que será possível estabelecer todo o delineamento da pesquisa.

Neste ensaio, considera-se que não é possível rotular restritamente

as pesquisas de caráter qualitativo ou criar uma hierarquia entre elas.

DEISE NIVIA REISDOEFER | ROSANA MARIA GESSINGER78

Assim, a pretensão aqui é expor aspectos e alguns dos principais autores

que tratam de cada tipo de pesquisa qualitativa e que apresentam como

características comuns entre elas: o ambiente natural como fonte de

dados e o pesquisador como principal instrumento; os dados coletados

são predominantemente descritivos; e a preocupação com o processo da

pesquisa é sempre maior do que o resultado final (LÜDKE; ANDRÉ, 1986).

Em um primeiro momento, apresenta-se a pesquisa etnográfica,

também definida por Lüdke e André (1986) como antropológica, pois

deriva de técnicas etnográficas utilizadas por antropólogos. De forma

geral, nesse tipo de pesquisa o pesquisador desenvolve sua investigação

por meio de três etapas distintas: exploração, decisão e descoberta.

Em seguida, é descrito o estudo de caso, que, segundo Bogdan e

Biklen (1994), é um tipo de pesquisa que prioriza a observação participan-

te como principal método de coleta de dados, visando a um tratamento

histórico do ambiente. Os autores consideram que quanto menor for o

grupo de sujeitos, maior a probabilidade de que o comportamento deles

seja alterado pela presença do pesquisador.

Também serão elencadas as características da história de vida, con-

siderada como estudo de caso (BOGDAN; BIKLEN, 1994). Queiroz (1988,

p.20) explica a história de vida como “o relato de um narrador sobre sua

existência através do tempo, tentando reconstituir os acontecimentos

que vivenciou e transmitir a experiência que adquiriu”. Assim, por meio

de narrativa linear e individual dos acontecimentos que o narrador con-

sidera significativos, delineiam-se as relações com os demais membros

de seu grupo, de sua profissão, de seu grupo social, da sociedade a qual

pertence. É função do pesquisador desvendar e generalizar as narrativas.

A seguir, discute-se a pesquisa participante, que na perspectiva de

Borda (1981) é voltada, antes de tudo, para as necessidades básicas do

indivíduo, ou seja, uma pesquisa capaz de:

UM OLHAR SOBRE TIPOS DE PESQUISAS QUALITATIVAS 79

[…] responder essencialmente às necessidades de populações

que compreendem operários, camponeses, agricultores

e índios – as classes mais carentes nas estruturas sociais

contemporâneas – levando em conta as suas aspirações e

potencialidades de conhecer e agir […] que procura incentivar

o desenvolvimento autônomo a partir das bases e uma relativa

independência do exterior (BORDA, 1981, p. 43).

Entende-se, então, que a pesquisa participante possibilita discutir

a importância do processo de investigação, tendo por perspectiva a

intervenção na realidade.

Por fim, discute-se o grupo focal, que, de acordo com Barbour (2009),

é um tipo de pesquisa qualitativa que se baseia em “gerar e analisar a

interação entre participantes, em vez de perguntar a mesma questão

para cada integrante do grupo por vez” (p.20). A autora ainda define que

“qualquer discussão de grupo pode ser chamada de grupo focal, contanto

que o pesquisador esteja ativamente atento e encorajando às interações

do grupo” (KITZIGER; BARBOUR apud BARBOUR, 1999, p.21).

A pretensão deste ensaio é apresentar os tipos de pesquisa apontados

nos parágrafos anteriores, suas principais características, diferenças e

contextos a que se aplicam, a fim de contribuir para que o leitor possa

compreendê-los e situar-se enquanto pesquisador na busca por responder

aos seus questionamentos. Outros detalhes sobre os tipos de pesquisas

também foram citados no Capítulo 1 desse livro.

Principais tipos de pesquisa qualitativa

Pesquisa etnográfica

Os pressupostos que fundamentam a pesquisa etnográfica baseiam-se nas

hipóteses de que o comportamento humano é influenciado pelo contexto

em que se situa e de que o pesquisador “deve exercer um papel subjetivo

de participante e o papel objetivo de observador, colocando-se numa

DEISE NIVIA REISDOEFER | ROSANA MARIA GESSINGER80

posição ímpar para compreender e explicar o comportamento humano”

(WILSON, 1977 apud LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 15) Para Minayo (1992), a pesquisa etnográfica contém traços da fenome-

nologia e tem como objetivo ter experiência direta com os atores sociais e

compreender o mundo pelo seu olhar. A autora afirma que os paradigmas

do pesquisador e suas vivências e interações com os atores sociais devem

proporcionar a construção do conhecimento por meio da pesquisa em

todos os seus momentos, desde a escolha do objeto até as análises finais.

Também definida por Lüdke e André (1986) como antropológica, a

pesquisa etnográfica envolve um conjunto de procedimentos metodo-

lógicos e interpretativos a partir dos quais o pesquisador desenvolve sua

investigação passando por três etapas: exploração, decisão e descoberta.

Na primeira etapa − período de exploração−, em que o método é

normalmente a observação participante, o pesquisador deve, preferen-

cialmente, residir no local ou comunidade onde desenvolve sua pesquisa.

E, ao realizar pesquisas em ambiente escolar, é preciso pensar o ensino e

a aprendizagem dentro de um contexto cultural (LÜDKE; ANDRÉ, 1986).

Na segunda etapa – decisão −, o pesquisador busca dados selecio-

nados como os mais importantes para interpretar o fenômeno estudado,

podendo ser eles a forma de interação verbal entre os participantes, os

comportamentos não verbais, os padrões de ação e os registros de ar-

quivos e documentos (Ibidem).

Na terceira etapa – descoberta −, a pesquisa consiste em explicar

o contexto com o objetivo de encontrar os princípios relacionados ao

fenômeno estudado por meio da elaboração de teorias, a partir das quais

tal fenômeno pode ser interpretado e compreendido (Ibidem).

As autoras também apresentam critérios, anteriormente definidos por

Firestone e Dawson (1981), para a utilização da etnografia em pesquisas cujo

foco é o ambiente escolar. São eles: o problema é descoberto e redescoberto

em campo, ou seja, as hipóteses não são definidas a priori ou de forma rígida,

mas no envolvimento com a situação; o pesquisador precisa realizar a maior

parte do trabalho em campo pessoalmente; o trabalho em campo deve durar

UM OLHAR SOBRE TIPOS DE PESQUISAS QUALITATIVAS 81

pelo menos 1 ano escolar; o pesquisador deve ter contato com outros povos

e culturas; a abordagem etnográfica deve combinar vários métodos de coleta,

incluindo observação e entrevista; e o relatório etnográfico deve apresentar

uma grande quantidade de dados primários que demonstram a maneira de

ver o mundo e as próprias ações dos participantes.

Nesse sentido, fica claro o papel do pesquisador na condição de

observador da realidade e o pressuposto de que suas tarefas exigirão

riqueza teórica capaz de permitir reduzir o fenômeno em seus aspectos

mais relevantes e ainda abordar a realidade por meio do método mais

adequado para então compreendê-la e interpretá-la.

Estudo de caso

Vários são os autores que tratam sobre as origens e aplicabilidades do

estudo de caso como tipo de pesquisa. Porém, neste estudo, o foco estará

naqueles autores que consideram o seu efetivo potencial para a educa-

ção, como é o caso de Lüdke e André (1986), Yin (2001), Stake (2007) e

Bogdan e Biklen (1994).

Lüdke e André (1986) tratam do estudo de caso e do seu potencial

em educação, definindo-o como o estudo de um caso, seja ele simples

e específico ou complexo e abstrato. O interesse de pesquisa então é

direcionado ao que o caso tem de singular, de próprio, constituindo-se

uma unidade dentro de um amplo sistema.

As autoras destacam as características de cunho naturalístico do

estudo de caso. São elas: visa uma descoberta, pois o conhecimento

não é algo acabado, mas uma construção que se faz e se refaz de forma

constante; enfatiza a interpretação de um contexto, ou seja, é preciso

levar em conta o contexto em que se situa o objeto da pesquisa; busca

retratar a realidade de forma completa e profunda, de forma a mostrar

as múltiplas dimensões presentes em um problema ou situação, focali-

zando-o como um todo; usa variedade de fontes de informação, com o

objetivo de cruzar informações a fim de confirmar ou negar hipóteses e

DEISE NIVIA REISDOEFER | ROSANA MARIA GESSINGER82

descobrir novos dados; revela experiência vicária e permite generalizações

naturalísticas, de modo a possibilitar ao leitor o que o caso representa e

se ele pode ser aplicado à sua situação; procura representar os diferentes

e conflitantes pontos de vista presentes numa situação social a partir do

pressuposto de que o contexto pode ser visto sob diferentes perspectivas,

não havendo a mais verdadeira; e utiliza uma linguagem e uma forma

mais acessível do que outras formas de pesquisa (LÜDKE; ANDRÉ, 1986).

Dessa forma, as autoras elencam as fases de um estudo de caso da

seguinte forma: o momento exploratório, que preconiza não partir de uma

visão predeterminada da realidade, busca especificar pontos e questões

críticas e estabelece contatos para entrada em campo, localizando infor-

mantes e fontes de dados; o momento de delimitação do estudo, em que

se faz a coleta de informações e definem-se os instrumentos e técnicas

para tal a partir das características do objeto estudado; o momento da

análise sistemática e elaboração do relatório, apresentações ou murais que

demonstrem as reações ao que foi observado até então; e, por fim, o mo-

mento da prática do estudo de caso, em que deve ser definido se o estudo

é típico ou atípico e apresentada a questão da generalização dos resultados.

Da mesma forma, Yin (2001) explica que o estudo de caso representa

uma investigação abrangente de fenômenos contemporâneos dentro de seu

contexto de vida real, com enfoque empírico, e que inclui estudos de caso

único ou múltiplo e utiliza abordagens tanto qualitativas quanto quantitativas.

Para o autor:

[…] como esforço de pesquisa, o estudo de caso contribui,

de forma inigualável, para a compreensão que temos dos

fenômenos individuais, organizacionais, sociais e políticos […].

Em todas essas situações, a clara necessidade pelos estudos

de caso surge do desejo de se compreender fenômenos so-

ciais complexos. Em resumo, o estudo de caso permite uma

investigação para se preservar as características holísticas e

significativas dos eventos da vida real − tais como ciclos de

UM OLHAR SOBRE TIPOS DE PESQUISAS QUALITATIVAS 83

vida individuais, processos organizacionais e administrativos,

mudanças ocorridas em regiões urbanas, relações interna-

cionais e a maturação de alguns setores (YIN, 2001, p. 21).

No entendimento de Stake:

Um caso pode ser uma criança. Pode ser um grupo de alunos,

ou um determinado movimento de profissionais que estudam

alguma situação da infância. Um caso é um entre muitos.

Em qualquer caso dado, nos concentramos neste único.

Podemos passar um dia ou um ano no caso, mas enquanto

estamos concentrados nele estamos realizando estudos de

caso (STAKE, 2007, p.13, tradução nossa).

Para o autor, o estudo de caso pode ser de dois tipos: intrínseco ou ins-

trumental. Um estudo é intrínseco quando o caso vem dado e o pesquisador

é quase obrigado a tomá-lo como estudo. Esse tipo de estudo de caso pode

ser exemplificado como quando se deseja avaliar um programa, ou quando

um professor quer estudar um aluno com dificuldades de aprendizado. Um

estudo é instrumental quando surge um problema paradoxal, uma necessidade

de compreensão geral como, por exemplo, quando um grupo de professores

tem um certo tempo para reelaborar um projeto de curso ou então para

escolher uma professora e estudar o seu trabalho docente durante certo

período. Neste caso, talvez seja necessário estudar vários professores ao

mesmo tempo, chamando o estudo de estudo coletivo de casos.

Para Bogdan e Biklen (1994), o estudo de caso pode ser explicado

como um tipo de pesquisa que prioriza a observação participante como

principal técnica de coleta de dados, visando a um tratamento histórico

do ambiente. Os autores consideram que quanto menor for o grupo de

sujeitos, maior a probabilidade de o seu comportamento ser alterado pela

presença do pesquisador.

DEISE NIVIA REISDOEFER | ROSANA MARIA GESSINGER84

Nesse sentido, definir com clareza o papel do pesquisador em pesqui-

sas de estudo de caso pode ser um pouco complexo, e não há como dar

orientações específicas sobre os modos de proceder (TRIVIÑOS, 1987).

O pesquisador coloca-se como alguém que deseja conhecer os aspectos

das vidas de pessoas cujos valores podem ser muito diversos dos seus,

e, ao adentrar no contexto dos pesquisados, pode gerar curiosidade ou

mesmo suspeita. Cada situação será única e terá suas próprias caracte-

rísticas. Assim, o pesquisador deverá avaliar todas as circunstâncias e,

a partir de suas concepções e crenças, escolher os melhores caminhos.

História de vida

Também entendida como um método ou técnica de coleta de dados em

uma abordagem qualitativa, a história de vida é um tipo de pesquisa que

vem ocupando lugar de destaque em pesquisas que envolvem grupos so-

ciais ou profissionais. Ocorre por meio da visão retrospectiva de sua história,

tornando possível conhecer e aprofundar-se no passado e nas experiências

vividas por esses grupos.

Queiroz (1988, p. 20) explica a história de vida como “o relato de um

narrador sobre a sua existência através do tempo tentando reconstruir

os acontecimentos que vivenciou e transmitir a experiência que adquiriu”.

Dessa forma, o sujeito é percebido como meio de compreender os pro-

cessos coletivos do grupo e sua existência através do tempo em que viveu

e socializou, agindo coletivamente. A autora considera a história de vida

como método de pesquisa que inclui depoimentos, entrevistas, biografias,

autobiografias, no qual o pesquisador escolhe o tema, formula questões e

organiza o roteiro. Já sobre a narrativa, quem decide é o sujeito enquanto

narrador da própria história, ou seja, não são estabelecidas questões fecha-

das ou direcionadas, mas prioriza-se a narrativa linear e livre do pesquisado.

Para Minayo (1992) é possível estabelecer duas formas de compreender

a história de vida: uma completa, a história de vida desde o nascimento,

que apresenta todo o conjunto de experiência; e a outra parcial, a história

UM OLHAR SOBRE TIPOS DE PESQUISAS QUALITATIVAS 85

de vida tópica, que traz um recorte de um determinado período ou setor

da experiência acumulada.

Para Bogdan e Biklen (1994), a história de vida é também considerada

um estudo de caso, em que a situação permite ao pesquisador realizar

entrevistas exaustivas com uma pessoa ou grupo de pessoas. Os auto-

res afirmam que, antes de realizar a escolha pelo sujeito da pesquisa, é

importante questionar: “Trata-se de uma pessoa estruturada e com uma

boa memória? Terá a pessoa tido os tipos de experiências e participado

nas organizações e acontecimentos que você deseja investigar? Terá ele

ou ela disponibilidade de tempo?” (Ibidem p. 93). Também mencionam

que é necessário definir se a pesquisa tratará de abarcar a vida inteira do

sujeito, desde o nascimento até o momento da pesquisa, ou se será um

recorte de um período específico, como a época dos estudos primários

ou o período de um namoro e seus aspectos particulares, por exemplo.

Os autores explicam que, na elaboração de um estudo de história

de vida, a conversa tende a girar em torno de assuntos neutros quando

o pesquisador e o sujeito não se conhecem. Mas, depois de passado um

tempo, há maior profundidade na narrativa, tornando o conteúdo mais

revelador. Assim, as entrevistas podem durar muitas horas e render vá-

rias páginas escritas, permitindo ao pesquisador desvendar e generalizar

as narrativas a fim de responder a seus questionamentos sobre aquele

grupo, aquela realidade.

Dessa forma, entende-se que tanto pesquisador quanto sujeito

estarão produzindo conhecimento, sendo a história de vida uma estra-

tégia importante para análise e interpretação de certos grupos sociais

ou profissionais em seu contexto histórico.

Pesquisa participante

Os temas que se apresentam como objetos de estudo em uma pesquisa

participante variam de acordo com o contexto social e político do qual

faz parte o sujeito que, enquanto objeto de pesquisa, é sempre analisado,

DEISE NIVIA REISDOEFER | ROSANA MARIA GESSINGER86

estudado, pesquisado e quantificado de acordo com o opressor e detentor

do poder, ou seja, a pesquisa é realizada sobre eles e nunca com eles, de

forma que os problemas analisados nunca são os problemas vividos ou

sentidos pelos sujeitos pesquisados (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 1981). Para

Oliveira e Oliveira (1981), essa é uma visão ultrapassada, em especial na

área da educação, em que o contexto vivido e percebido pelo grupo deve

ser o ponto de partida da pesquisa enquanto processo educativo.

Sendo a educação oposta à ideia de transmissão de conhecimento,

a pesquisa deve ser percebida como “um ato dinâmico e permanente de

conhecimento centrado na descoberta, análise e transformação da reali-

dade pelos que a vivem” (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 1981, p. 19). Dessa forma,

os autores concordam com Freire (2005), segundo o qual toda pesquisa se

faz ação pedagógica e toda autêntica educação se faz educação do pensar.

Nessa perspectiva, o pesquisador que pretende deixar-se educar

pela experiência e pelas situações vividas e ainda contribuir para, além

de resultados, melhorar significativamente um grupo ou uma situação,

deve colocar-se como sujeito participante da pesquisa. Em outras pala-

vras, na perspectiva da pesquisa qualitativa, é necessário superar a ideia

de neutralidade e objetividade, permitindo ao pesquisador assumir uma

vontade e uma intencionalidade, ambas políticas.

Borda (1981) define pesquisa participante como uma pesquisa de ação

que é voltada às necessidades básicas do indivíduo e seu desenvolvimento

autônomo, em especial àquele que faz parte de grupos dominados e excluídos,

os mais carentes das estruturas sociais. Nesse sentido, o autor apresenta seis

princípios metodológicos da pesquisa participante: autenticidade e compro-

misso; antidogmatismo; restituição sistemática; feedback para os intelectuais

orgânicos; ritmo e equilíbrio de ação-reflexão; e ciência modesta e técnicas

dialogais (BORDA, 1981). Esses princípios são explicados na sequência.

Sobre ter autenticidade e compromisso, é necessário que os intelec-

tuais ocupem espaços nas lutas populares, demonstrando compromisso e

preocupação com suas causas, mas sem disfarçarem-se como camponeses

ou operários, erro que já havia sido cometido nos anos de 1970.

UM OLHAR SOBRE TIPOS DE PESQUISAS QUALITATIVAS 87

Porém, aplicar às pesquisas ideias ou princípios ideológicos prees-

tabelecidos ou baseados em cópias de autores de países dominantes

sem levar em conta o meio cultural pode ser visto como um desperdício,

pois esse dogmatismo mostra-se inútil à pesquisa participante. Assim,

o pesquisador assume que a cultura de um povo marginalizado é, de

fato, realista e dinâmica, sendo possível equilibrar o peso dos valores

considerados alienantes por meio de uma restituição que é enriquecida

de conhecimentos desse povo. Essa restituição, ou retorno de cultura,

deve ser sistemático, organizado e livre de arrogância intelectual do

pesquisador. Assim o conhecimento do contexto passa a ser enriquecido,

dando voz própria aos movimentos populares.

Nessa sistemática, é importante que o pesquisador dê feedback des-

se enriquecimento intelectual das bases para os intelectuais engajados.

“Essa discussão entre todos os colaboradores é enriquecida pela prática

no campo, pelo contato com os grupos de base e seus problemas concre-

tos e pelas opiniões e conceitos dos núcleos de liderança, camponeses e

operários” (BORDA, 1981, p. 54).

Pode-se dizer então que a tradição popular que permeia seu conhe-

cimento tanto empírico quanto prático começa a ocupar papel impor-

tante no desenvolvimento da ciência como processo humano, ou seja, os

camponeses e operários podem ser considerados intelectuais orgânicos

neste processo dialético.

Novamente surge a importância do pesquisador como responsável por

articular o senso comum com o conhecimento científico. Para isso, é preciso

uma sincronia permanente entre reflexão e ação e ação e reflexão, reconhe-

cendo a construção do conhecimento como um movimento espiral contínuo.

Borda (Ibidem) afirma, ainda, que nessa construção de conhecimento é

preciso que o pesquisador tenha modéstia no manuseio do aparelho cientí-

fico, adotando a humildade de quem realmente quer aprender e descobrir e

ainda incorporar pessoas das bases sociais como sujeitos ativos nos esforços

da pesquisa. Porém, o pesquisador não deve ser ingênuo em acreditar que

contribuirá para tornar os sujeitos críticos e cientes de sua realidade de forma

DEISE NIVIA REISDOEFER | ROSANA MARIA GESSINGER88

curta e rápida, pois na perspectiva da pesquisa participante o pesquisador

precisa ter clara a ideia de que “consciência e conhecimento se constroem,

se estruturam e se enriquecem em cima de um processo de reflexão e ação

empreendido pelos protagonistas de uma prática social vinculada aos seus

interesses concretos e imediatos” (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 1981, p. 33).

Assim, o pesquisador pode contribuir para que o sujeito pertencente

às classes dominadas e excluídas relacione seus conhecimentos com ci-

ência, objetivando proteger seus interesses, na busca pela emancipação,

de forma a contribuir para o desenvolvimento da sociedade.

Grupo focal

Assim como a história de vida, o grupo focal é visto como uma técnica

de pesquisa que visa coletar dados por meio de interações em grupos

específicos e discussão de um assunto proposto pelo pesquisador, que

ocupa uma posição de observador e participante.

De acordo com Barbour (2009), grupo focal é apresentado como um

método de pesquisa qualitativa, cuja característica principal consiste em

qualquer discussão que seja realizada em grupo, no qual o pesquisador

tem o papel de motivar e estimular as interações, evitando repetir ques-

tionamentos a cada sujeito do grupo.

Segundo a autora, para que o pesquisador conduza um grupo focal

se faz necessária a elaboração de um roteiro com antecedência, definindo

quais serão os componentes do grupo, selecionando alguns materiais que

promovam a interação e certificando-se de que haja essa interação entre

os sujeitos participantes e não somente dos sujeitos com o pesquisador.

Barbour (2009) também destaca uma limitação do uso de grupos

focais: não devem ser utilizados para obter narrativas dos sujeitos ou

então avaliar atitudes. Por outro lado, defende que este método deve

ser utilizado para avaliar questionários e verificar a sua necessidade, para

avaliar e encorajar sujeitos pouco acessíveis ou resistentes a pesquisas e

entrevistas e ainda para abordar questões do estilo “por que não?”.

UM OLHAR SOBRE TIPOS DE PESQUISAS QUALITATIVAS 89

A autora defende que a utilização de grupos focais possibilita que o

pesquisador descreva e explique fenômenos sempre apoiado em plane-

jamento adequado à pesquisa e aos procedimentos de coletas dos dados,

em especial por amostragem. Afirma que os grupos focais podem ser

utilizados como única forma de pesquisa, ou então combinados a outras

formas, numa abordagem mista.

Ainda há de se ter o cuidado para aspectos que podem interferir nas

discussões entre os sujeitos do grupo, tais como o local escolhido, que

deve ser de fácil acesso e livre de materiais que possam interferir nas

discussões, e ainda a personalidade do pesquisador.

Barbour (Ibidem) enfatiza que não é fácil desenvolver pesquisa tendo

como método grupos focais, porém, como em toda atividade humana, a

repetição e a prática tornam o pesquisador melhor na arte de responder

a seus questionamentos.

Segundo Yin apud Fontenelle (2008), os grupos focais são utilizados

para a definição de problemas de maneira precisa. Podem também gerar

caminhos alternativos de ação e ajudar no planejamento da abordagem

de problemas. Por meio dos grupos focais pode-se obter importantes

informações para elaborar questionários. Os grupos também oferecem

condições para gerar hipóteses que poderão ser testadas ou interpretadas

de forma quantitativa.

Para o autor, existem vantagens e desvantagens ao realizar pesquisas

por meio de grupos focais. Dentre as vantagens destacam-se: o sinergismo,

que é a vantagem de várias pessoas trabalharem sobre um assunto ao

mesmo tempo; o efeito bola de neve, pois há reação em cadeia a partir

dos comentários dos participantes; o estímulo, na medida em que os

sentimentos dos participantes aumentam no grupo; a segurança, pois os

sentimentos dos participantes tornam-se semelhantes, e eles sentem-se

mais à vontade para expressá-los; a espontaneidade, pois não são exigidas

respostas fechadas; a especialização exigida do pesquisador, tendo em

vista o envolvimento de vários participantes simultaneamente; o escrutínio

científico, na medida em que os participantes podem observar a sessão e

DEISE NIVIA REISDOEFER | ROSANA MARIA GESSINGER90

gravá-la para análise futura; em relação à estrutura, o grupo proporciona

flexibilidade e profundidade de tratamento de tópicos; e a velocidade na

coleta e análise dos dados, pois vários indivíduos são entrevistados ao

mesmo tempo (YIN apud Fontenelle, 2008).

Já as desvantagens apontadas dizem respeito: ao uso incorreto dos

dados, na medida em que os resultados mostrem-se conclusivos e não

exploratórios; à tendência de que os grupos sejam suscetíveis ao pes-

quisador; à possibilidade maior de julgamento incorreto de resultados

em comparação com outras formas de coleta de dados; à dificuldade de

moderar os grupos, sendo que a qualidade dos resultados depende das

habilidades do moderador; à dificuldade de realizar as análises a partir de

respostas não estruturadas; e ainda à possibilidade de gerar uma apre-

sentação enganosa, visto que os grupos focais não são representativos

da população geral (YIN, apud Fontenelle, 2008).

Portanto, mediar grupos focais exige muito do pesquisador. Para a

realização das entrevistas é preciso experiência, atenção com os detalhes

e preocupação de que os resultados possam ser imprevistos, ou seja, os

resultados advindos de uma pesquisa com grupo focal não devem ser a

única fonte ou base para a tomada de decisões por parte do pesquisador.

Conclusões

Construir novos saberes por meio da pesquisa nas diversas áreas do co-

nhecimento, em especial na educação, sugere a importância de conhecer

as diversidades e os contextos em que se insere cada tipo de pesquisa,

especialmente as de cunho qualitativo. A pretensão deste ensaio foi

elencar algumas dessas pesquisas qualitativas, de modo a dar subsídios

ao leitor para situar-se, enquanto pesquisador, na busca pela forma de

pesquisar com a qual mais se identifique.

Percebeu-se que não há hierarquia entre as formas de fazer pesquisa.

O que determinará a escolha pela melhor abordagem será a natureza do

UM OLHAR SOBRE TIPOS DE PESQUISAS QUALITATIVAS 91

tema estudado, os questionamentos, as inquietações e curiosidades, além

das concepções e posições filosóficas e epistemológicas de cada pesquisador.

Porém, definir o papel do pesquisador em cada tipo de pesquisa tor-

nou-se tarefa difícil neste estudo, mostrando que não há como prescrever

uma orientação clara ou um roteiro com formas de agir. Certo é afirmar

que tanto o pesquisador quanto o sujeito participam de um processo de

construção contínua e que, nos momentos da pesquisa, é praticamente

impossível isenção completa.

Dessa forma, qualquer pesquisa e cada situação exigirão muito do

pesquisador, pois ele se assume como alguém que deseja compreender,

analisar e discutir aspectos de um fenômeno de um objeto de um contexto,

de um sujeito ou de um grupo deles. E, durante toda a trajetória da pesqui-

sa, que será impregnada por suas concepções, crenças e conhecimentos

teóricos, escolherá as abordagens, os métodos de coleta e análise que

melhor se adaptem às suas aspirações.

Outros estudos sobre tipos de pesquisa podem trazer resultados

variados, influenciados por quem buscar estudá-los e entendê-los. Todo

o universo a ser estudado, em especial o da educação, está repleto de

significados, características e ideias que convergem ou divergem. Esta é

uma área que está em constante construção e reconstrução, composta e

mediada por pessoas que buscam por permanente aprendizado, envolvidas

neste complexo processo que é social, dinâmico e histórico.

Por isso, pode-se concluir que, ao final do processo de pesquisa,

seja qual for, o pesquisador estará diferente, sua visão de mundo, seus

sentimentos e atitudes, ações e comportamentos estarão mudados por

meio da pesquisa. Assim, entende-se que a relação entre o pesquisador

e sua pesquisa ocorre de forma construtiva e dinâmica. Os resultados

mais significativos talvez não sejam os relacionados à pesquisa e às suas

contribuições para o meio acadêmico, mas remetam ao crescimento

intelectual do pesquisador.

DEISE NIVIA REISDOEFER | ROSANA MARIA GESSINGER92

REFERÊNCIAS

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INSTRUMENTOS DE COLETAS DE DADOS EM PESQUISAS: QUESTIONAMENTOS E REFLEXÕES

ALESSANDRO PINTO RIBEIRO

ROSANA MARIA GESSINGER

A construção de conhecimentos científicos é resultado de pesquisas

realizadas em todas as áreas das ciências, sejam elas exatas ou humanas.

Trata-se de uma construção que parte de um conhecimento anterior, que

poderá ser ampliado ou refutado.

No desejo de conhecer um objeto, o sujeito, pode construir saberes de

forma empírica, por meio das suas experiências e sem compreender as causas

do fenômeno, ou pode construí-los por meio de um sistema que explique

as causas do fenômeno, reorganizando conceitos e validando definições

cientificamente. Essa é uma das funções da pesquisa, a qual, segundo Laville

e Dione (1999), tem por objetivo principal produzir saberes que permitirão

conhecer e compreender as causas, os fenômenos e o cotidiano.

De acordo com Carvalho (1997), o saber pode ser empírico, científico,

filosófico e teológico. O saber científico é construído pela investigação

de fenômenos observados e experimentados, fazendo uso do método

científico e objetivando verificar a sua veracidade ou falsidade. Ele é ob-

jetivo, positivista e racional. Na construção do conhecimento científico,

observa-se o fenômeno e identificam-se e estudam-se suas causas e as

leis que o regem, o que denominamos, de acordo com a filosofia, princípio

da causalidade e princípio da identidade. O saber empírico é fundamen-

ALESSANDRO PINTO RIBEIRO | ROSANA MARIA GESSINGER94

tado na experiência e na observação da vida diária e refere-se ao que

se percebe no dia a dia. O saber filosófico, por sua vez, está baseado na

experiência, de onde emergirão hipóteses que não poderão ser observa-

das ou verificadas. Há, nesse tipo de saber, um questionamento racional

na busca da diferenciação do certo ou errado baseado na própria razão,

ou seja, o saber filosófico é construído por meio do emprego do método

racional, baseado nos princípios básicos da razão, que são a identidade, a

causalidade, o terceiro excluído e a não contradição. Por último, o saber

teológico é constituído de doutrinas estabelecidas por proposições sagra-

das, que são dogmáticas, ou seja, são proposições consideradas acríticas

e infalíveis. Ele é de origem divina e exige uma postura de fé irracional

diante dos fenômenos e fatos revelados.

Podemos perceber que o conhecimento é o norte para a evolução

intelectual e moral da humanidade, construído tanto espontaneamente,

na inter-relação com outros seres, quanto intencionalmente, quando pro-

duzido de modo científico. No decorrer da sua construção, há a produção

de hipóteses, modelos, teorias que são construídos por meio da análise

de dados coletados sobre determinado assunto, situação ou fenômeno.

Segundo Yin (2010), os conhecimentos tácitos e teóricos sobre

pesquisa e métodos de coleta de dados do pesquisador são de grande

importância, porque ele precisa escolher os instrumentos mais adequa-

dos à sua pesquisa. Também é importante que ele seja conhecedor de

métodos de análise, selecionando aquele que é mais adequado para a

interpretação e compreensão do fenômeno estudado.

Uma das dúvidas do pesquisador ao realizar a coleta de dados refere-

-se a quais instrumentos são adequados e o quanto eles estão alinhados

ao problema de pesquisa, aos objetivos e às hipóteses, a fim de auxiliar

na compreensão do fenômeno observado. Entretanto, assim como não

podemos escolher uma estrada sem antes saber para qual destino que-

remos ir, não é possível estabelecer o(s) instrumento(s) antes de termos

claramente definido o problema de pesquisa e os objetivos.

INSTRUMENTOS DE COLETAS DE DADOS EM PESQUISAS 95

Dessa forma, a escolha do instrumento de pesquisa só se dará após o

pesquisador ter definido o seu tema de pesquisa, delimitado o problema,

traçado os objetivos gerais e específicos a serem alcançados durante a

investigação e escolhido o referencial teórico.

Algumas dúvidas recorrentes com relação à coleta de dados são:

todas as pesquisas necessitam de coleta de dados? Como formular boas

perguntas? Qual a diferença entre trabalhar com perguntas abertas e

fechadas em um questionário? Os instrumentos e as estratégias de aná-

lise dos dados devem ser escolhidos com base no tipo de pesquisa a ser

realizada? Como escolher os tipos de dados a serem coletados? Como

ter certeza da confiabilidade das respostas em questionários? São mais

confiáveis os questionários ou a observação prática? Alguns autores

consideram que devemos finalizar a entrevista semiestruturada com uma

questão confrontativa. Como ela deve ser elaborada?

Essas são algumas das perguntas que desassossegam o pesquisador.

A finalidade desse trabalho é responder provisoriamente a este conjunto

de questionamentos e contribuir para a construção de maior clareza sobre

os instrumentos de coleta de dados.

Diferentes tipos de instrumentos de coleta de dados

Um dos muitos desafios ao realizar uma pesquisa acadêmica é a busca

pela confiabilidade, rigor e segurança nos procedimentos metodológicos,

principalmente nas pesquisas qualitativas, nas quais a subjetividade do

sujeito se faz presente durante o processo, interferindo na escolha do

tema, dos entrevistados e do roteiro de perguntas (GOLDEMBERG, 2003;

LÜDKE, ANDRÉ, 1996).

A escolha do instrumento de coleta de dados está diretamente ligada

às questões originadas do problema de pesquisa, as quais determinam quais

instrumentos serão adequados para a coleta de dados. De acordo com

Bogdan e Biklen (1994), em pesquisas qualitativas, os dados são descritivos

e emergem de documentos pessoais, fotografias, vídeos documentários,

ALESSANDRO PINTO RIBEIRO | ROSANA MARIA GESSINGER96

notas de campo, discurso dos sujeitos, documentos oficiais, entre outros.

Os instrumentos de coleta são a observação, a observação participante,

o estudo de documentos diversos, a entrevista semiestruturada e a não

estruturada. No que se refere a estudos quantitativos, os autores afirmam

que os dados são numéricos e emergem de codificação quantificável, vari-

áveis operacionalizadas, contagens, medidas e estatística. Os métodos de

coleta são experimentos, inquéritos, observação estruturada, entrevista

estruturada, conjunto de dados, questionários e formulários.

Na impossibilidade de abarcar todos os instrumentos, optamos por

discorrer sobre bibliografias e documentos; observação; entrevista;

questionários e formulários; fotos e vídeos.

As bibliografias e os documentos como fonte de dados

Os documentos e a bibliografia são fontes de coleta de dados usadas

tanto nas pesquisas qualitativas quanto nas quantitativas. De acordo com

Lüdke e André (1996), os documentos são um importante instrumento

de coleta de dados qualitativos, podendo ser utilizados em combinação

com outros. As autoras consideram que documentos são todo tipo de

“material escrito que possa ser usado como fonte de informação sobre o

comportamento humano” (LÜDKE; ANDRÉ, 1996, p. 38). Afirmam, ainda,

que, ao utilizar documentos como fonte, procura-se obter dados que

respondam a questionamentos ou hipóteses de interesse do pesquisador.

Esses documentos são produzidos e inseridos em determinado contexto,

fornecendo informações para o estudo. Desse modo, os documentos são

fontes valiosas para a validação das inferências feitas pelo pesquisador.

Segundo Beltrão e Nogueira (2011), há diversas formas de produção

de dados nos documentos e bibliografias, e essa produção é crescente

e armazenada, registrada e espargida de formas diferenciadas. O arma-

zenamento e a divulgação de dados podem ocorrer por meio de artigos

científicos, livros, vídeos, fotos, banco de dados, etc. Os documentos e bi-

bliografias poderão estar disponíveis em sites, e-books, jornais e bibliotecas.

INSTRUMENTOS DE COLETAS DE DADOS EM PESQUISAS 97

  Os documentos e a bibliografia,  segundo Beltrão e Nogueira

(2011), ao permitirem uma vasta possibilidade de fontes, promovem

um aprofundamento sobre os objetos de estudo e contribuem para a

realização de inferências e conclusões em uma pesquisa. Conforme os

autores, mesmo sendo os documentos e livros importantes instrumentos

de coleta, é frequente o seu uso com outros instrumentos de pesquisa,

tais como entrevistas semiestruturadas e/ou questionários.

Para maior confiabilidade nos estudos, Beltrão e Nogueira (2011)

aconselham a utilização da análise documental em triangulação com

outros instrumentos de coleta. Uma boa seleção dos documentos está

diretamente relacionada com a questão de pesquisa e as hipóteses, e

por isso elas devem ser claras, concisas e coerentes. Coletar dados em

documentos sem a clareza do que queremos responder compromete

a realização da pesquisa. Outra questão que também pode acrescer

qualidade à pesquisa quanto à coleta dos dados e posterior análise é a

saturação teórica.

Existem, segundo Lüdke e André (1996), alguns objetos de estudo

para os quais a opção pelos documentos e bibliografias é mais adequada.

São eles: quando se busca validar ou corrigir dados coletados por outras

técnicas; quando queremos entender o fenômeno a partir da ótica dos

indivíduos; e quando o pesquisador não quer interagir, modificando o

contexto e alterando o comportamento dos participantes. A escolha

dos documentos deverá ser baseada em critérios e seguir a intenção

do pesquisador. As restrições para o uso dos documentos são: quando

os documentos não representam a população estudada no fenômeno,

mas somente parte da população, ou seja, representam uma amostra;

e quando os documentos são pouco objetivos, podendo então haver

questionamento quanto à sua validade.

Segundo Lüdke e André (1986), as bibliografias, não somente na área

da educação, mas nas diferentes áreas sociais e nas áreas de exatas, são

importantes instrumentos para a coleta de dados. São materiais elaborados

por outros sujeitos ou pesquisadores e constituem-se fundamentalmente

ALESSANDRO PINTO RIBEIRO | ROSANA MARIA GESSINGER98

de livros e artigos científicos. De acordo com Lüdke e André (1986, p. 39),

elas “são uma fonte poderosa de onde se podem retirar evidências que

fundamentam afirmações e declarações do pesquisador”.

Esse tipo de instrumento permite fazer um mapeamento teórico do

conhecimento elaborado pela comunidade científica sobre o tema que

está ou estará sendo pesquisado, bem como avaliar o que tem sido tra-

balhado e divulgado sobre o assunto. De certo modo, praticamente todas

as pesquisas acadêmicas utilizam a bibliografia para a construção de sua

fundamentação teórica. Mas, em alguns casos, há pesquisas cuja formu-

lação do problema encaminha para uma coleta de dados exclusivamente

fundamentada em outras investigações já divulgadas na comunidade

acadêmica. Neste tipo de estudo, destacam-se os do tipo metanálise.

Por fim, as bibliografias e documentos podem ser pareados com

outros instrumentos de coletas. Segundo Lüdke e André (1986), tais ins-

trumentos não devem ser ignorados, não importando que outros tenham

sido escolhidos pelo pesquisador.

A observação como fonte de dados

A observação é utilizada com grande frequência para poder compreender

e conhecer acontecimentos, fenômenos, pessoas e comportamentos

pessoais ou em grupos. No ato de observar, o pesquisador utiliza os cinco

sentidos para a construção de um conhecimento conciso e importante

(QUEIROZ, 2007).

Cada observador decide o que quer observar, e essa decisão está

baseada no problema de pesquisa, nos objetivos, sejam eles gerais ou

específicos, e em suas experiências, ou seja, na sua história de vida e

cultura. Dessa forma, as concepções pessoais do observador interferem

e o direcionam para dar atenção a determinados aspectos do contexto

em detrimento de outros.

De acordo com Lüdke e André (1996), o arcabouço teórico do obser-

vador e uma observação detalhada favorecerão a veracidade e validade de

INSTRUMENTOS DE COLETAS DE DADOS EM PESQUISAS 99

uma pesquisa. Para que isso aconteça, faz-se necessário que a observação

seja sistematizada, isto é, planejada rigorosamente pelo observador. De

acordo com Yin (2010), esse cuidado na observação pode revelar nuan-

ces difíceis de serem enxergadas se tratarmos a observação como algo

normal da vida real.

Entre as vantagens de usar a observação estão: permite contato mais

próximo com as perspectivas dos sujeitos; pode ser usada quando não há

uma base teórica sólida que oriente as coletas de dados; e permite coletar

dados em situações em que não há a possibilidade de outras formas de

comunicação. Assim, segundo Lüdke e André (1996), a observação é um

dos métodos mais adequados para a investigação em pesquisas qualita-

tivas. No entanto, o pesquisador deve definir sobre a intensidade de sua

participação durante a realização da observação, o seu papel e os seus

objetivos junto aos sujeitos.

No que se refere à participação do pesquisador no processo de ob-

servação, Lüdke e André (1996) afirmam que o pesquisador pode atuar de

várias formas distintas, podendo ser um participante total, um observador,

um observador participante e um observador total. Como participante

total o pesquisador não se identifica nem identifica seus propósitos de

pesquisa; como observador revela parcialmente o que pretende; como

observador participante identifica-se e identifica totalmente seus pro-

pósitos; e como observador total não interfere com o grupo, não tem

relação interpessoal com os sujeitos, ou faz suas observações sem ser visto.

Segundo Lakatos e Marconi (2009), a observação participante é

utilizada para coleta de dados em pesquisa de campo. Nesse tipo de es-

tudo, o pesquisador busca estar ao lado do participante, compartilhando

suas experiências. Nessa modalidade, o observador vivencia, na medida

do possível, as atividades, os interesses, os afetos e as ocasiões de uma

comunidade ou de um grupo de participantes. Pode ser realizada de duas

formas: natural ou artificial. Na forma natural, o pesquisador pertence

à comunidade ou grupo em que fará a pesquisa; na forma artificial, o

ALESSANDRO PINTO RIBEIRO | ROSANA MARIA GESSINGER100

pesquisador integra-se ao grupo para que possa obter os dados a serem

coletados.

A observação participante normalmente é utilizada em combinação

com a análise documental, entrevistas e observações diretas, o que de-

manda um grande comprometimento do pesquisador com o fenômeno

estudado. Conforme Lakatos e Markoni (2009), a observação é uma técnica

de coleta de dados em que o pesquisador faz uso dos seus sentidos para

fazer uma interpretação de certo ponto de vista da realidade; ele vê, ouve

e examina fenômenos ou fatos que deseja compreender.

Segundo os autores, as vantagens desse tipo de observação são:

permite uma investigação direta de diversos fenômenos; exige menos

do participante, comparando com outras técnicas; permite a coleta de

dados sobre atitudes comportamentais; e permite evidenciar dados que

não emergem de questionários e entrevistas estruturadas ou semiestru-

turadas. Entre as desvantagens: a espontaneidade do participante pode

não ser prevista; imprevistos podem interferir na coleta de dados feita

pelo observador; o observador pode manipular impressões; o tempo de

duração é variável; e o pesquisador pode não acessar aspectos da vida

particular, cotidiana dos participantes.

De acordo com Lüdke e André (1996), das observações realizadas

emerge um quadro teórico construído pelo pesquisador, e essa construção

inicia com uma parte descritiva − as anotações de campo − e outra reflexiva

− suas interpretações pessoais. A parte descritiva envolve a reconstrução

dos diálogos, a descrição dos sujeitos, dos locais, das atividades e dos

comportamentos do observado. A parte reflexiva consiste nas observa-

ções subjetivas do pesquisador durante a coleta de dados, envolvendo

suas expectativas, ideias, sentimentos, concepções, dúvidas, surpresas

e decepções. Existem diversas formas de registrar as observações. Elas

podem ser escritas, gravadas em áudio e vídeo ou registradas por meio de

fotografias. Uma recomendação importante é que as observações devem

ser registradas o quanto antes para manter a sua qualidade.

INSTRUMENTOS DE COLETAS DE DADOS EM PESQUISAS 101

A entrevista como fonte de dados

A entrevista é um dos principais instrumentos de coletas em uma pesquisa

qualitativa. Tem uma função relevante tanto nas atividades científicas

quanto nas atividades humanas. Lüdke e André (1996) classificam as

entrevistas em: estruturada, semiestruturada ou não estruturada.

Nas entrevistas estruturadas, o entrevistador segue um roteiro. As

mesmas perguntas são feitas para todos os respondentes e sempre na

mesma ordem, com a presença do pesquisador para qualquer eventual

dúvida. Esse tipo de recurso normalmente é utilizado em pesquisas quan-

titativas, visto que os dados coletados normalmente são regulares e vão

receber um tratamento estatístico para as suas interpretações.

As entrevistas semiestruturadas estão situadas entre a entrevista

estruturada e a não estruturada. Elas seguem um roteiro, uma determi-

nada lógica, mas permitem adaptações pelo pesquisador. Segundo Lüdke

e André (1996), as entrevistas exigem alguns cuidados importantes, tais

como: respeito ao respondente no que se refere aos horários marcados

e ao local da entrevista; respeito pelas experiências de vida e culturais

do entrevistado; paciência e disposição para escutar atenciosamente o

respondente, estimulando o seu discurso sobre o tema da entrevista;

elaboração de um roteiro com os principais tópicos da entrevista, obe-

decendo a uma sequência lógica, discorrendo do simples ao complexo;

e boa comunicação por parte do pesquisador.

Segundo Triviños (1987), a entrevista semiestruturada apresenta

questionamentos básicos que são embasados em hipóteses e teorias

relacionadas ao problema de pesquisa. A partir das respostas dos en-

trevistados, podem emergir novas hipóteses. Portanto, esse tipo de

entrevista favorece a descrição dos fenômenos sociais, sua explicação,

permitindo a compreensão na sua totalidade. Além disso, para Manzini

(1991), a entrevista semiestruturada versa sobre um tema de pesquisa

sobre o qual o pesquisador elabora um roteiro com um conjunto de

perguntas principais que podem ser modificadas e complementadas por

ALESSANDRO PINTO RIBEIRO | ROSANA MARIA GESSINGER102

outras questões inerentes ao diálogo durante a realização da entrevista.

Logo, esse tipo de entrevista possibilita que possam emergir informações

de forma mais natural, respostas mais pessoais e não condicionadas a

alternativas padronizadas.

A entrevista não estruturada, segundo May (2004), apresenta como

características a flexibilidade e a busca do significado alicerçada na

concepção do respondente. O entrevistado responde às perguntas de

acordo com suas experiências e seus conhecimentos tácitos. Entretanto,

o pesquisador tem liberdade para conduzir a entrevista na direção que

julgar mais adequada, visto que não obedece a uma estrutura formal. O

participante consegue detalhar uma resposta, porque as questões são

abertas e podem ser respondidas em uma conversa informal. Além dis-

so, o participante sente maior liberdade de exprimir seus sentimentos e

emoções, pois geralmente é incentivado a falar sem se sentir forçado a

responder. Consequentemente, cria-se mútua influência entre o entre-

vistado e o entrevistador, pois não há uma sequência rígida de perguntas

elaboradas, levando o respondente a discorrer sobre os temas que o

pesquisador quer obter com a entrevista.

Em síntese, independentemente da modalidade escolhida pelo inves-

tigador, a vantagem da entrevista como fonte de dados é poder realizar a

coleta de dados com praticamente qualquer tipo de informante e sobre

diversos temas.

Questionários e formulários como fonte de dados

Esses instrumentos de coleta são construídos por questões fechadas e

padronizadas que objetivam respostas categorizadas, ou seja, as perguntas

são todas idênticas, aplicadas a todos os investigados na mesma ordem

ou formulação, e objetivam minimizar a inter-relação entre pesquisador

e pesquisados. Portanto, a padronização é uma característica marcante

desses dois instrumentos de coleta.

INSTRUMENTOS DE COLETAS DE DADOS EM PESQUISAS 103

Segundo Lakatos e Marconi (2009), os questionários são instrumen-

tos de coleta formados por uma série ordenada de questionamentos que

devem ser respondidos por escrito ou eletronicamente e, de modo geral,

sem a presença do pesquisador. Na maioria das vezes, o pesquisador envia

o questionário por e-mail ou o entrega pessoalmente. O respondente,

mais tarde, devolve o questionário ao pesquisador da mesma forma. Os

autores afirmam que “em média, os questionários expedidos pelo pesqui-

sador alcançam 25% de devolução” (LAKATOS e MARCONI, 2009, p. 203).

Como toda técnica de coleta de dados, tanto os questionários quan-

to os formulários possuem uma série de vantagens e desvantagens. As

vantagens dos questionários são: por meio deles pode-se obter economia

de tempo e um grande número de dados; podem ser aplicados em um

grande grupo de pessoas simultaneamente; têm custo relativamente

baixo e é necessário um pequeno número de pessoas para sua aplicação;

e podem ser aplicados em uma grande área geográfica. As vantagens dos

formulários são: a obtenção de dados mais complexos e úteis; a padroni-

zação de símbolos utilizados; são flexíveis e adaptam-se às necessidades

da situação; podem ter itens reformulados e ajustados à compreensão do

participante; e podem ser aplicados em qualquer classe social, com ou

sem escolaridade, pois são preenchidos pelo próprio pesquisador.

Como desvantagens no uso dos questionários, segundo Lakatos e

Marconi (2009), podemos citar: percentual pequeno de retorno; res-

postas em branco; o participante deve ser alfabetizado; nem sempre é

o participante que responde ao questionário (invalidando as questões);

uma questão pode influenciar na resposta de outra; e impossibilidade de

esclarecer dúvidas do participante em uma questão não compreendida.

Entre as desvantagens no uso dos formulários estão: a presença do pes-

quisador pode inibir o participante e influenciar as suas respostas; risco de

distorções das respostas por parte do próprio pesquisador; não preservar

o anonimato, o que pode gerar respostar inseguras; e, por fim, indivíduos

com informações relevantes podem estar em locais geográficos distantes,

tornando onerosa sua aplicação.

ALESSANDRO PINTO RIBEIRO | ROSANA MARIA GESSINGER104

Os questionários e os formulários são instrumentos padronizados que

têm por objetivo perceber a ausência ou presença de uma caracteriza-

ção do indivíduo, que é única do sujeito e está apresentada também na

amostra ou em grande parte da população. Essas características, quando

presentes, são tratadas estatisticamente. Portanto, os questionários

e formulários são importantes instrumentos de coletas de dados nas

abordagens do tipo quantitativas, mas também podem ser utilizados

nas pesquisas qualitativas.

De acordo com Minayo (2005), a confiabilidade dos questionários e

formulários reside na quantidade de respostas idênticas em diferentes

intervalos de tempo e espaço, independentemente do pesquisador que

aplica o questionário ou formulário. O pesquisador deve ser conhecedor

do assunto que vai abordar no questionário, para poder organizá-lo em

temas, e deve elaborar cuidadosamente as questões, atentando para o

grau de importância, o que vai favorecer a obtenção de informações rele-

vantes e válidas. Os temas devem estar em alinhamento com os objetivos

gerais e específicos, e as questões devem ser codificadas para facilitar

sua tabulação. Por fim, para que os participantes saibam o que se deseja

com a aplicação do questionário ou formulário, deve conter instruções

definidas, claras e notas explicativas.

Quando os questionários são aplicados a um grande número de entre-

vistados, podem ser enviados pela internet. Caso isso ocorra, é necessário

o envio de uma carta de apresentação, versando sobre a finalidade do

estudo, sobre como o questionário deverá ser preenchido, sobre se o

pesquisado deve identificar-se ou não e sobre como se dará a devolução

do material. De acordo com Minayo (2005), é recomendável que, antes

da aplicação definitiva do questionário, faça-se uma pesquisa piloto ou

um pré-teste para verificar se há alguma dificuldade no que se refere ao

conteúdo das questões e para saber o tempo médio gasto na aplicação

do questionário. Aconselha-se que o tempo médio não ultrapasse 30

minutos, que o vocabulário utilizado seja adequado e que as variáveis a

serem coletadas sejam quantificáveis.

INSTRUMENTOS DE COLETAS DE DADOS EM PESQUISAS 105

Ainda de acordo com o autor, todo questionário e/ou formulário deve

conter dados que caracterizem os respondentes, como sexo, profissão,

estado civil, data da aplicação, autorização para a aplicação e demais

dados que sejam do interesse da pesquisa ou do pesquisador, como grau

de escolaridade, idade, faixa salarial, religião, etc. Normalmente, esses

dados são apresentados na primeira página do questionário, denominada

folha de rosto. De acordo com Minayo (2005), devemos dar valor à folha

de rosto, pois a primeira impressão causada ao respondente influencia a

decisão de cooperar e, consequentemente, de responder às perguntas.

Com relação à validação e consistência de um questionário ou formulá-

rio, Minayo (2005) comenta que devemos verificar, por meio da aplicação

do pré-teste, se as respostas coletadas realmente são as informações

que desejamos. Antes de sua aplicação definitiva, o questionário deve ser

testado em uma pequena população escolhida pelo pesquisador. Após a

tabulação, ele fará a análise dos dados evidenciando, caso houver, possíveis

falhas existentes. Essas falhas podem ser incoerência ou complexidade

das questões, ambiguidade ou linguagem inteligível, perguntas supérfluas

e questões que não obedecem à determinada ordem e numeração. Se as

falhas forem observadas, deverão ser corrigidas com a reformulação do

questionário e/ou formulário.

Devemos evitar perguntas que possam proporcionar respostas am-

bíguas e prestar atenção na manipulação das perguntas, de modo que

direcionem as respostas para expressar o que o pesquisador gostaria

que fosse respondido. O autor ainda aconselha que, em caso de dúvidas,

o pesquisador consulte especialistas na área disciplinar ou temática que

será abordada pela investigação, a fim de garantir a consistência interna,

teórica e a clareza do questionário e/ou formulário.

Fotos e vídeos

Um pesquisador pode utilizar as imagens como instrumentos de coleta de

dados, ou seja, pode fazer uso de uma abordagem visual para o estudo de

ALESSANDRO PINTO RIBEIRO | ROSANA MARIA GESSINGER106

determinado fenômeno, podendo coletar tanto as estáticas (fotografias)

quanto as em movimento (vídeos ou filmagens). Conforme Caulfield (1996),

também é possível fazer a captação da subjetividade dos participantes

por meio de imagens, e há também a possibilidade de o pesquisador

fazer uma escolha do que incluir ou excluir no processo de sua captação.

De acordo com Caulfield (1996), as principais vantagens do uso da

fotografia ou do vídeo estão na possibilidade de a produção das imagens

ser realizada tanto pelo pesquisador quanto pelo participante durante

o estudo do fenômeno, na capacidade desses instrumentos de pesquisa

captarem informações com baixo investimento financeiro, e na facilidade

de catalogação das informações durante a realização da pesquisa.

Segundo Bodgan e Biklen (1994), as fotografias e vídeos são mais uti-

lizados em abordagens qualitativas. O ambiente e o próprio respondente

podem ser registrados para uma análise e estudo futuro. Além disso, as

fotos ou filmagens podem ser feitas sem que o pesquisador seja um téc-

nico no instrumento, bastando que ele saiba o quer fotografar ou filmar e

que ele saiba os detalhes que quer registrar e reproduzir verbalmente. Os

autores afirmam que os comportamentos dos respondentes são difíceis de

serem descritos durante as observações e entrevistas, mas emergem de

forma especial nas fotografias e vídeos. No entanto, a simples presença

de uma câmera influencia no comportamento deles, e essas influências

não podem ser anuladas.

Ao usar a fotografia ou o vídeo nas observações e entrevistas, a

influência pode ser compensada, explorada ou minimizada. Para realizar

a compensação, o pesquisador pode observar se a mudança do compor-

tamento do grupo foi afetada pela presença da máquina fotográfica ou

da filmadora e levar isso em conta nas suas observações e no relato da

pesquisa. Os registros audiovisuais podem ser utilizados pelo pesquisador

como instrumentos para promover a relação interpessoal entre os sujeitos

investigados, por meio, por exemplo, de uma dinâmica de grupo. Os au-

tores afirmam que as fotografias e vídeos descrevem o comportamento

dos sujeitos e como eles interagem em determinado contexto.

INSTRUMENTOS DE COLETAS DE DADOS EM PESQUISAS 107

Os efeitos da filmagem e da fotografia, conforme Bogdan e Biklen

(1994), poderão ser minimizados por familiaridade e distração. Ao se fazer

presente em todas as investigações, as câmeras passam a ser objetos

comuns, tornando-se familiares aos sujeitos e deixando de ser um estí-

mulo no ambiente. Além disso, podem ser utilizados concomitantemente

entrevistas e/ou questionários para fazer a atenção dada pelo sujeito às

câmeras ser redirecionada para eles. Os autores afirmam, ainda, que o

pesquisador deve planejar o momento do uso da fotografia e do vídeo

durante as visitas ao local da observação, para que a distração e a fami-

liaridade não sejam perdidas e toda a coleta de dados precise ser refeita.

De acordo com os autores, a fotografia e vídeo geralmente envolvem

grupos de indivíduos inseridos em determinados contextos, não sendo

muito aproveitável essa forma de coleta de dados para um único sujeito,

ou sujeitos muito atarefados, que estão em diversos locais e atividades

sociais. Segundo Collier (1973), o uso da câmera pode estender as possi-

bilidades de uma análise mais crítica do fenômeno, pois faz o registro da

realidade material presente naquele contexto.

A fotografia e o vídeo permitem ao pesquisador captar momentos que

são impossíveis de serem recriados física e verbalmente. Podem colaborar

e muito para determinados tipos de estudos como, por exemplo, o estudo

do comportamento diário de idosos em uma lar geriátrico. Embora haja

estudos e pesquisas baseados apenas nesse recurso, a grande maioria

os associa a outras formas de coleta de dados, como a observação e a

entrevista, alternando, durante a pesquisa, momentos de observação,

entrevista e captação de imagens, fixas ou dinâmicas.

Considerações finais

A escolha do instrumento para coletar dados é uma decisão pessoal do

pesquisador e está diretamente ligada ao problema de pesquisa, aos seus

objetivos, ao arcabouço teórico e à sua subjetividade. Portanto, não há

um melhor instrumento de coleta de dados. Todos têm suas vantagens

ALESSANDRO PINTO RIBEIRO | ROSANA MARIA GESSINGER108

e desvantagens e são apenas meios utilizados para atingir um objetivo,

que é auxiliar na compreensão de um fenômeno.

É importante fazer uma reflexão antes da escolha do instrumento

a ser utilizado: pensar na pesquisa, no que se deseja com ela, além de

refletir sobre o tipo de informação almejada. Questione: os dados são

quantificáveis? Necessitam de análise estatística ou interpretativa? Uma

entrevista ou um questionário seria o suficiente? Se for utilizar entrevistas,

qual o número de sujeitos necessário? Em que tempo e espaço situam-

se esses sujeitos? Quais as dimensões da amostra? Ao responder a esses

questionamentos, o pesquisador poderá identificar o(s) instrumento(s)

a ser(em) utilizado(s).

Por fim, é essencial que o pesquisador perceba que muitos são os

caminhos possíveis de serem trilhados ao desenvolver uma pesquisa.

Cabe a ele realizar as opções de forma consciente e coerente com os

objetivos que almeja atingir.

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INSTRUMENTOS DE COLETAS DE DADOS EM PESQUISAS 109

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NARRATIVAS E PESQUISA EDUCACIONAL: ALGUNS QUESTIONAMENTOS

VALDEREZ MARINA DO ROSÁRIO LIMA

ROSANA MARIA GESSINGER

“A narrativa começa com a própria história da humanidade e nunca existiu, em ne-nhum lugar e em tempo nenhum, um povo sem narrativa [...] a narrativa é interna-

cional, trans-histórica, transcultural: ela está simplesmente ali, como a própria vida.”

Barthes (1993, p. 251), em sua reflexão, evidencia que contar histórias acom-

panha o desenvolvimento do ser humano. Narramos fatos, experiências, sen-

timentos. Narramos sobre outras pessoas e também narramos nós mesmos.

Da mesma forma, os textos científicos, de modo mais polido e com linguajar

próprio desse gênero de discurso, também se constituem em narrativas, pois

narram descobertas, compreensões, interpretações, recomendações sobre

determinado fenômeno. Pode-se afirmar, pois, que narrar é dimensão funda-

mental de comunicação humana e maneira de atribuir significados ao mundo.

Tratando-se de investigações de abordagem qualitativa, a narrativa

está sempre presente, independentemente do instrumento utilizado pelo

pesquisador para coletar dados durante o período em que se encontra no

campo de pesquisa. Especialistas de diferentes áreas do conhecimento

se interessam por narrativas dada sua capacidade de fornecer visões

abrangentes e contextualizadas de fenômenos sociais.

VALDEREZ MARINA DO ROSÁRIO LIMA | ROSANA MARIA GESSINGER112

Particularizando para a área da educação, o cotidiano da escola, a

rotina do encontro de professor e seus alunos é caracterizada pelo desen-

rolar de ações que predispõem a narração de acontecimentos. Não por

acaso, docentes em suas reflexões sobre a prática pedagógica impregnam

o discurso com histórias vividas junto com os estudantes a fim de ilustrar

e exemplificar dimensões da prática docente.

Sem pretender esgotar o assunto, este texto busca esclarecer pontos

fundamentais para a realização de investigações que se valem de nar-

rativas. Alguns deles tratam de dar respostas a questões operacionais;

outros refletem os fundamentos sobre os quais se assenta a investigação

narrativa; outros, ainda, exploram conceitos caros à pesquisa de aborda-

gem qualitativa ou fazem parte do conjunto de ideias que caracterizam

o tema principal, as narrativas.

O que é narrativa?

Para discorrer sobre narrativa optou-se por utilizar especificamente as

ideias de Bruner (2001, 2014) sobre o tema. A abundância de estudos e

reflexões desenvolvidos em diferentes áreas do conhecimento, como

linguística, literatura, antropologia, psicologia, filosofia, dentre outros,

encaminhou a decisão de eleger o autor por tratar-se de um teórico que é

referência em estudos sobre o tema. Suas ideias inspiraram estudiosos como

Wertsch (1998), Jovchelovitch, Bauer (2007), Flick (2009), dentre outros,

sendo citado ainda por Connely e Clandinin (2000) e McEwan e Egan (1998).

Além disso, o texto em pauta é para ser compartilhado com profes-

sores e pesquisadores da área de educação, particularmente da educação

em ciências, tornando adequada e oportuna a escolha de Bruner, posto

que suas reflexões contemplam problematizações sobre conhecimento

científico, métodos da ciência, pensamento racional e suas relações com

a aprendizagem escolar. O autor aponta a interpretação narrativa como

uma das formas de colocar o estudante em contato com os aconteci-

mentos do mundo natural.

NARRATIVAS E PESQUISA EDUCACIONAL: ALGUNS QUESTIONAMENTOS 113

Bruner (2001), ultrapassando o entendimento de narrativa como

relato de acontecimentos desenvolvidos em um espaço característico

durante certo tempo, apresenta a narrativa “[...] como modo de pen-

samento, como estrutura para a organização de nossos conhecimentos

[...]” (2001, p.17) e destaca nove características essenciais e definidoras

das narrativas. São elas:

(1) Estrutura de tempo: em narrativas, a estrutura de tempo é regida

pela importância e pelo desenrolar dos eventos, e não pela sequência

cronológica. A facilidade para transitar entre passado, presente e futuro

garante a temporalidade e situa os limites das ações humanas conside-

radas relevantes.

(2) Particularidade genérica: as narrativas encontram-se mergulhadas

num discurso sociocultural; por mais singulares que sejam os aconteci-

mentos narrados há neles elementos universais da cultura de referência.

Tal presença confere à narrativa a tensão entre a particularidade e o geral,

pois, ao mesmo tempo em que cada experiência é única, encontra-se

transversalizada por componentes culturais.

(3) Ações têm motivos: em narrativas, o conteúdo não é aleatório,

tampouco obedece a lógica linear de causa e efeito. O narrador apresenta

sempre acontecimentos que, em sua perspectiva, merecem ser contados.

Ao longo da narração, são inseridos elementos para exemplificar, ilustrar,

reforçar argumentos sobre a história e então, novamente, aparecem o

caráter intencional e a subjetividade do orador, posto que a história é im-

pregnada de valores, concepções e desejos do sujeito que narra a história.

(4) Composição hermenêutica: as narrativas estão alinhadas com in-

terpretação, tanto na perspectiva de quem narra quanto na do interlocutor.

No relato dos acontecimentos, ela está implícita na forma como o narrador

organiza o discurso/texto, com a intenção de mostrar os acontecimentos

em sequência consistente e plausível, sempre carregada pela visão de mundo

que ele possui. Na perspectiva do leitor, os sentidos extraídos da narrativa

são influenciados por seus referenciais de mundo, o que o leva a questionar

os acontecimentos relatados e a encontrar outros significados na história

VALDEREZ MARINA DO ROSÁRIO LIMA | ROSANA MARIA GESSINGER114

contada. A interpretação narrativa é entendida como exercício de busca

da compreensão profunda dos acontecimentos relatados.

(5) Canonicidade implícita: a narrativa é estruturada em torno de

acontecimentos reais, em acordo com convenções e normas, embora

a história contada verse sobre rupturas, sobre algo inesperado, sobre

transgressões às convenções estabelecidas. A garantia de longevidade

da história encontra-se diretamente associada à canonicidade implícita.

Entretanto, a força da narrativa localiza-se na habilidade do orador de

gerar estranhamento diante de fatos corriqueiros, o que ele faz por meio

das escolhas linguísticas que realiza.

(6) Ambiguidade de referência: para o autor, o realismo narrativo é

alicerçado em convenções literárias. Assim, as referências da narrativa

constituem-se no cruzamento de elementos reais e de outros criados

pelo narrador. Por isso, estará sempre aberta a questionamentos. Diz

Bruner (2001, p.134) que “[...]a narrativa cria ou constitui sua referência,

a realidade para qual aponta, de forma que se torna ambígua[...]”.

(7) A centralidade do problema: as narrativas têm como núcleo um

problema, tendo em vista que uma história para valer a pena ser contada

deve, antes de tudo, romper com o previsível. Bruner (2014), destaca que a

história contada, ao evidenciar um problema, propicia a reflexão sobre ele,

não se constituindo em função principal, mas no encontro de solução para ele.

(8) Negociabilidade inerente: as narrativas estão abertas à diversidade

de interpretações. A negociação de sentidos não se pauta pela irrefuta-

bilidade dos argumentos, tampouco pela exigência de comprovação dos

acontecimentos, mas é mediada por elementos pertencentes ao ambiente

cultural no qual se inserem orador e interlocutor.

(9) Extensibilidade histórica da narrativa: narrativas não podem ser

consideradas histórias únicas, circunscritas a um conjunto de episódios,

com argumentos e personagens originais. Seus elementos fazem parte

de outras histórias e se repetirão em outras tantas. Para o autor, a possi-

bilidade de existência dessa categoria situa-se na concepção de “pontos

NARRATIVAS E PESQUISA EDUCACIONAL: ALGUNS QUESTIONAMENTOS 115

decisivos de mudança” os quais, segundo ele, são argumentos que abrem

uma nova perspectiva num cenário já conhecido.

Por fim, destaca-se um pensamento de Stake (2011, p. 189) que incorpora

ao conjunto de conceitos apresentados uma outra perspectiva, ao afirmar

que “[...]narrativa é a ilustração verbal de uma resposta a uma questão de

pesquisa[...]”. Essa reflexão leva ao encaminhamento da próxima questão,

referente à presença da narrativa no contexto da pesquisa qualitativa.

Como a narrativa se inscreve no contexto da pesquisa qualitativa?

Inicialmente, sinaliza-se a existência de diversas correntes teóricas e de

múltiplos métodos para a realização de estudos qualitativos, o que torna

desafiadora a definição precisa do termo. Conforme Olabuénaga (2007,

p. 47), “[...] é mais fácil descrever pesquisas qualitativas do que defini-las

[...]”, impressão compartilhada por Estevan (2010, p.125), ao afirmar que

“[...] o termo pesquisa qualitativa constitui, na atualidade, um conceito

amplo que faz referência a diversas perspectivas epistemológicas e

teóricas, incluindo numerosos métodos e estratégias de pesquisa [...]”.

Em função dessa complexidade, os autores costumam apresentar a

abordagem qualitativa de produção de conhecimentos realçando aspectos

gerais comuns a esses estudos, a despeito das especificidades inerentes a

cada um deles. Predominante no campo das ciências sociais, a investigação

qualitativa caracteriza-se por ocorrer em ambientes naturais, focalizando

eventos cotidianos, relativos a situações sociais, isto, é, acontecimentos que

envolvem a interação entre sujeitos e a realização de atividades humanas

(FLICK, 2009; STAKE, 2011; OLABUÉNAGA, 2007; DENZIN e LINCOLN, 2006).

Outro aspecto importante, na caracterização de pesquisas com abor-

dagem qualitativa, é a presença de interpretação no quadro geral de análise

realizado. Por um lado, isso é necessário porque, nesses estudos, seres

humanos são centrais aos eventos relatados, e eles expressam, a todo o

momento, os sentidos que atribuem às ações desenvolvidas nos contextos

VALDEREZ MARINA DO ROSÁRIO LIMA | ROSANA MARIA GESSINGER116

dos quais fazem parte. De outro lado, porque o pesquisador, para aprofun-

dar a compreensão sobre o fenômeno investigado, realiza um permanente

movimento hermenêutico, não só ao relacionar os significados manifes-

tados pelas pessoas com os elementos do contexto cultural, mas também

pelas escolhas realizadas, desde o delineamento preliminar do estudo até

a construção dos textos nos quais empreende diálogos entre constructos

teóricos e informações decorrentes do campo empírico (ESTEBAN, 2010).

O último traço mencionado, a interpretação, é fundamental para jus-

tificar as narrativas em pesquisas de natureza qualitativas, pois nelas está

sempre presente a interpretação. Os sujeitos, ao narrarem algo que sucedeu,

impregnam os atos verbais com suas representações, seus comportamentos,

seus princípios e valores. Por isso, a ação de contar histórias possibilita ao

investigador estudar o contexto dentro do qual se passa a narrativa relatada,

seja ele social e/ou educativo (GUDMUNDSDOTTIR, 1998).

Apresentadas as razões pelas quais narrativas são importantes para

a pesquisa qualitativa, discorre-se a seguir sobre sua capacidade de gerar

conhecimento na área da educação.

A pesquisa narrativa tem potencial para produzir conhecimento na área de educação?

A utilização das histórias de vida no campo da pesquisa é recente. No

campo da pesquisa educacional, vêm se tornando referência pesquisas

sobre a história de vida do professor, estabelecendo um movimento de

ascensão na literatura e na própria valorização do professor como cons-

trutor de suas histórias profissionais e de sua formação. André (2010)

ressalta que, a partir das décadas de 1980 e 1990 no Brasil, as pesquisas

de cunho qualitativo são ampliadas, envolvendo diferentes procedimentos

e técnicas. Essas transformações na pesquisa em educação evidenciam

uma visão que passa a estar centrada no sujeito como um produtor de

conteúdos e não só como consumidor ou expectador das pesquisas em

educação. Portanto, é cada vez mais crescente a utilização de autobio-

NARRATIVAS E PESQUISA EDUCACIONAL: ALGUNS QUESTIONAMENTOS 117

grafias, histórias de vida, biografias educativas e dos diários de formação

como instrumento de pesquisa em educação.

Para Elbaz apud Gudmundsdottir, as narrativas têm muita aplicabilidade

nas pesquisas em educação, já que “[...] o relato é matéria de ensino, cenário

em que vivemos como docentes e investigadores e dentro do qual o trabalho

dos professores produz sentido” (1998, p.55, tradução nossa). Igualmente,

Connelly e Clandinin (2000) acreditam ser a investigação narrativa uma das

formas mais potentes para pensar as experiências em educação, tendo em

vista a estreita relação existente entre narrar e produzir sentidos.

Ainda segundo os autores, com o estudo das narrativas é possível

compreender como os seres humanos experimentam o mundo. Defendem

também a tese de que a educação se constrói através de narrativas pela

construção e reconstrução das histórias pessoais e sociais. Nesse pro-

cesso, tanto alunos quanto professores são ao mesmo tempo, atores e

narradores dessa construção.

Trabalhar com narrativas na pesquisa e no ensino é partir para a des-

construção e construção das próprias experiências, tanto do professor ou

do pesquisador quanto dos sujeitos da pesquisa e do ensino. Como afirma

Cunha (1997, p. 01), a investigação narrativa “exige que a relação dialógica

se instale criando uma cumplicidade de dupla descoberta. Ao mesmo tempo

que se descobre no outro, os fenômenos revelam-se em nós”. Assim, as

narrativas possibilitam o entrelaçamento das vidas do narrador e do pes-

quisador, que, ao compartilharem relatos, podem tanto reinterpretá-los

quanto recriá-los de acordo com suas próprias formas de pensar, sentir e agir.

Cunha (1997) destaca também a importância da pesquisa narrativa em

educação sobre o “ser professor”, entre outros aspectos, por seu caráter

social e sua natureza explicativa, e faz isso ao trazer o sujeito para o centro

das investigações, tornando públicas as suas vozes. Ao narrar tanto as

experiências formadoras quanto as aprendizagens experienciais, o pro-

fessor, sujeito das pesquisas, externa sua subjetividade e o conhecimento

que tem de si. Lançando o olhar com mais atenção para seu passado e

história, o professor tem a possibilidade de refazer o seu próprio percurso.

VALDEREZ MARINA DO ROSÁRIO LIMA | ROSANA MARIA GESSINGER118

Tal exercício leva-o a desconstruir uma imagem, muitas vezes moldada e

interpretada pela memória histórica oficial na qual

[...] a experiência dos professores era subestimada porque seu

papel enquanto sujeitos históricos era minimizado – na medida

que eram vistos como reprodutores ou replicadores de conheci-

mentos, ações e práticas cuja produção efetiva se dava em outra

cena e através de outros agentes (BUENO et al.,2006, p. 308).

Nesse momento, faz-se mister refletir sobre uma especificidade do uso

de narrativas em pesquisas, a diferenciação entre contar histórias e produzir

conhecimento. Embora contar histórias seja um modo de os seres humanos

descreverem experiências vividas e darem sentido a elas, o que caracteriza a

narrativa com finalidade de produção de conhecimentos é sua capacidade de

contribuir para a visibilidade de tais experiências e, também, de sistematizar

conhecimentos e processos formativos que fazem parte da esfera de vida

estudada. Neste sentido, Connelly e Clandinin (2000) optam por chamar de

história ou relato os acontecimentos estudados, reservando ao processo de

investigação o termo narrativa. Connelly e Clandinin (1995, p. 12) sugerem

chamar o fenômeno estudado de história e a pesquisa de narrativa porque:

[...] as pessoas por natureza protagonizam vidas cheias de

histórias e contam histórias dessas vidas, enquanto os pes-

quisadores narrativos descrevem tais vidas, coletam e contam

histórias sobre elas e escrevem narrativas da experiência.

Assim, pode-se considerar que as escritas narrativas são recursos

propícios para a recuperação de memórias e histórias protagonizadas

no campo educacional, possibilitando ao pesquisador a compreensão

da experiência vivida e a elaboração, a partir daí, de categorias teóricas

sobre as temáticas estudadas. Na continuidade, discutem-se formas de

utilização de narrativas em pesquisa no campo da educação.

NARRATIVAS E PESQUISA EDUCACIONAL: ALGUNS QUESTIONAMENTOS 119

Como se utilizam narrativas em estudos no campo da educação?

A intensidade da narrativa em investigações no campo da educação é

variada. Algumas se valem de narrativas na coleta de dados, outras, na

escrita do texto final, e em outras se percebe a presença da narrativa

tranversalizando o estudo.

Em linhas gerais, afirma-se que a elaboração e o desenvolvimento de

pesquisas narrativas cumprem os quesitos metodológicos comuns aos estu-

dos qualitativos. Entretanto, chama-se atenção para três aspectos essenciais,

ressaltados por Connelly e Clandinin (2000): negociação entre pesquisador

e participantes como ponto de partida para a construção da pesquisa; orga-

nização de textos de campo; e construção de textos de pesquisa.

Sobre o primeiro aspecto, os autores alertam para a importância da

negociação, que deve ocorrer não apenas por razões éticas, mas porque a

coleta de dados é uma ação colaborativa entre sujeito de pesquisa e inves-

tigador, encontrando-se, portanto no extremo oposto de uma relação na

qual o sujeito é visto apenas como um objeto no estudo efetuado. É preciso,

pois, que haja conexão entre investigador e narrador, e que o segundo se

sinta em condições de igualdade com o pesquisador pelo reconhecimento

de que ambos atuam e desejam melhor compreender um único contexto, o

educacional. O sucesso nesse processo inicial leva, em geral, à elaboração de

um estudo consistente e de qualidade. Os autores chamam atenção, ainda,

para a importância da escuta ao narrador durante o processo de coleta de

dados, por ser ele o protagonista. A história que relata é significativa para

ele e é necessário tempo e espaço para que ele a exponha, reflita sobre ela,

reelabore sentidos sobre os episódios relatados. Outro aspecto levantado

por Connelly e Clandinin (2000) diz respeito ao papel do investigador de

modo a imprimir ao encontro o caráter de colaboração. Comentam eles

que, ao longo de suas pesquisas, descobriram não ser produtivo apenas

fomentar o relato, escutá-lo e gravá-lo, porque ao também contarem suas

histórias oportunizam a criação de um círculo virtuoso no qual as narrativas

são complementadas e enriquecidas, conforme explicitam a seguir: “[...]ao

VALDEREZ MARINA DO ROSÁRIO LIMA | ROSANA MARIA GESSINGER120

contar nossos relatos, os relatos dos participantes emergiam junto com os

nossos para contar novos relatos e a esses relatos colocamos o nome de

relatos colaborativos” (CONNELLY e CLANDININ, 1995, p.51).

Sobre o segundo aspecto, Connelly e Clandinin (2000, p. 165) definem

texto de campo como textos intermediários construídos e amealhados

durante o período em que o pesquisador se encontra em campo, e des-

tacam haver diferentes modos de coletar os dados. Para eles, são textos

de campo: fotografias, notícias de jornal, histórias dos professores, escri-

tos autobiográficos, notas de campo, cartas, conversações, entrevistas

transcritas, entre outros. Os autores destacam as notas de campo como

o mais importante instrumento de registro por encontrarem-se, fre-

quentemente, repletas de especificidades colhidas no momento em que

os acontecimentos se encontravam em curso, apresentando, portanto,

descrições ricas em detalhes e também conteúdos interpretativos em

maior ou menor intensidade. Assinalam que textos de campo são uma

espécie de baliza para o investigador se movimentar entre envolvimento

e distanciamento com relação aos acontecimentos do campo, momento

em que ele não apenas está registrando a experiência dos outros, mas está

também vivendo a mesma experiência. Mais tarde, longe das emoções

do campo, a leitura dos textos possibilita o resgate dos acontecimentos e

o trânsito do investigador entre os eventos pessoais e os eventos sociais,

construindo, então, a interpretação da experiência vivenciada.

Embora contendo, em maior ou menor grau, análises e interpretações,

os textos de campo são textos intermediários cuja finalidade é auxiliar o

pesquisador a pensar narrativamente. É necessário, portanto, um processo

de transição, objetivando a passagem dos textos de campo para os textos

definitivos, denominados por Connelly e Clandinin, textos de pesquisa.

O momento da transição é considerado delicado pelos autores. Eles

propõem alguns cuidados para garantir o compromisso com a verossimilhan-

ça dos textos. Alertam, por exemplo, para a permanente tensão existente

entre detalhe e generalização. É preciso, dizem eles, encontrar uma forma

de representar os acontecimentos de modo a não confiná-los em categorias

NARRATIVAS E PESQUISA EDUCACIONAL: ALGUNS QUESTIONAMENTOS 121

formais, válidas para qualquer contexto, evitando, ao mesmo tempo, a par-

ticularização excessiva, que leve a uma visão reducionista da história vivida.

Um outro aspecto importante diz respeito à necessidade de evitar produzir

relatos de caráter determinista. Isto ocorre quando o pesquisador examina

os acontecimentos numa sequência temporal e acaba por sucumbir à ilusão

de causalidade, atribuindo aos eventos uma forte ligação de causa/efeito.

Além de ressaltarem a essencialidade de o investigador ter em conta

que as explicações na narrativa devem guiar-se pelo sentido da totali-

dade, os autores sugerem que, na transição dos textos de campo para

os textos de pesquisa, o pesquisador busque responder com clareza a

algumas questões que, segundo Connelly e Clandinin (2000), estruturam

a investigação narrativa. São elas:

Para quem estou escrevendo? Quem são os protagonistas desse

estudo? Por que estou escrevendo? O que pretendo comunicar

com esse estudo? Quais contextos, pessoais, práticos e teóricos,

dão significado aos resultados que estou apresentando? Que

formas poderiam tomar o texto final de pesquisa? (CONNELLY

e CLANDININ, 2000, p.21) [tradução nossa].

Responder a essas perguntas, segundo eles, garante a estruturação dos

textos de pesquisa de modo a atender aos critérios de adequação e plausi-

bilidade − o leitor precisa “enxergar” os acontecimentos que estão sendo

descritos, noções fundamentais em se tratando de narrativas empíricas.

Por fim, os autores expressam a crença de que o investigador neces-

sita encontrar uma forma inovadora de apresentar seu estudo, e sugerem

que, dependendo das aptidões e do gosto pessoal, o pesquisador esco-

lha biografias, contos, dramas, debates, poesias, ficções, entre outros.

Independentemente do estilo do investigador, há elementos importantes

a considerar no desenho da pesquisa narrativa.

VALDEREZ MARINA DO ROSÁRIO LIMA | ROSANA MARIA GESSINGER122

Como se analisam textos narrativos?

Pesquisas de abordagem qualitativa não apontam um único caminho a ser

seguido em seus delineamentos. Ao contrário, estudos nessa perspectiva

são atravessados por conceitos advindos de vários campos, o que lhes con-

fere grande complexidade e possibilidades múltiplas de traçados. Denzin

e Lincoln (2006), ao tratarem do tópico análise de materiais empíricos em

investigações qualitativas, mencionam não existir “uma única verdade in-

terpretativa”, e complementam referindo que as comunidades de pesquisa

possuem métodos e critérios próprios para efetuar a interpretação de dados.

Nessa medida, assume-se aqui a Análise Textual Discursiva – ATD

(MORAES; GALIAZZI, 2011) como um possível método de análise de

dados qualitativos em geral oriundos de observações livres, entrevistas

semiestruturadas ou narrativas que resultam, ao final, em textos a serem

examinados pelo pesquisador.

Para Moraes e Galiazzi (2011), este método de análise pode ser con-

ceituado como um processo auto-organizado em que

[...] novos entendimentos emergem a partir de uma sequência

recursiva de três componentes: a desconstrução dos textos do

corpus, a unitarização; o estabelecimento de relações entre os

elementos unitários, a categorização; o captar do novo emergen-

te em que a nova compreensão é comunicada e validada. (p.12)

A desconstrução do material, a unitarização, dá início ao processo de

análise. Nessa fase, as informações dos textos são individualmente isoladas,

constituindo as unidades de significado, cada uma delas expressando uma

ideia completa, um aspecto relevante do fenômeno investigado. Ressalta-

se que nem todas as ideias necessitam ser mobilizadas nessa ocasião. A

decisão sobre quais delas selecionar é regida pela capacidade que elas

possuem de contribuir para a compreensão do fenômeno investigado.

Pode-se dizer que quanto maior a relação entre as unidades de significado

e os objetivos do estudo, tanto maior será a validade interna do metatexto

NARRATIVAS E PESQUISA EDUCACIONAL: ALGUNS QUESTIONAMENTOS 123

a ser produzido ao final da investigação. A condição de sucesso dessa

etapa situa-se na leitura rigorosa e aprofundada dos dados coletados a

fim de conseguir, com esse envolvimento prolongado, fortalecer a rela-

ção instituída entre a parte (cada ideia) e o todo (contexto do estudo).

Com as unidades fundamentais à disposição, inicia-se a segunda fase

do processo analítico, qual seja o esforço de reunião de ideias, convergen-

tes ou divergentes, que, de algum modo, esclareçam parte da questão

inicialmente formulada. Conforme Moraes e Galiazzi (2011), esse é um

dos momentos mais favoráveis para emergência de novas compreensões

sobre o acontecimento que está sendo estudado. Segundo os autores,

essa fase caracteriza-se pela presença da intuição, aqui entendida como

possibilidade de captar a essência do objeto, cuja presença contribui para

a auto-organização da rede de ideias sobre o tema em questão.

Durante o processo, são geradas muitas categorias, denominadas iniciais.

Essas são restritas, particularizam perspectivas da situação investigada.

Na sequência, o pesquisador reúne as categorias iniciais em outras mais

amplas. São as chamadas categorias finais. Em número menor, cada uma

delas representa uma dimensão importante para que o objeto de estudo

seja compreendido em profundidade. As categorias finais organizam-se

em torno de um argumento central que exprime as ideias principais que

constituem cada uma delas. As ideias da categoria, juntamente com o

argumento central, são apresentadas e discutidas em produções escritas

denominadas metatextos. Neles, por meio da descrição e da interpretação

dos acontecimentos, são comunicados os resultados, sempre provisórios, do

estudo empreendido. Ao mesmo tempo, pode-se dizer que os metatextos

superam a desordem inicial provocada pela fragmentação das ideias e inau-

guram o estabelecimento de uma nova ordem. A elaboração de metatextos

está descrita no Capítulo 6, que trata de metanálise.

A Análise Textual Discursiva, método de análise descrito, parte de um

conjunto de peças que dão origem a um mosaico capaz de representar

novas perspectivas da situação estudada, em sua complexidade.

VALDEREZ MARINA DO ROSÁRIO LIMA | ROSANA MARIA GESSINGER124

E para finalizar?

A escola e a sala de aula são ambientes repletos de histórias − multifaceta-

das, complexas, criativas, engraçadas − e, na base de todas elas, existem

conteúdos relacionados a grandes temas da educação. Por meio das

narrativas, portanto, é possível acessar e compreender especificidades

do ensino, da aprendizagem, das interações pessoais, da vida profissional,

do currículo e de tantos outros temas que ocupam a agenda de estudos

de investigadores na área de educação.

João, personagem da crônica Facultativo, de Carlos Drummond de

Andrade, diz que “o verdadeiro sentido das palavras não está no dicio-

nário; está na vida, no uso que delas fazemos”. Os sentidos presentes

nas histórias vividas e contadas são as fortalezas da pesquisa narrativa.

REFERÊNCIAS

ANDRÉ, M. Formação de professores: a constituição de um campo de estudos. In: Educação. Porto Alegre, v. 33, 2010.

ANDRADE, C. D. Poesia e prosa II. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1979.

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METANÁLISE COMO POSSIBILIDADE PARA A PESQUISA NA ÁREA DA EDUCAÇÃO

VALDEREZ MARINA DO ROSÁRIO LIMA

LUCIANA RICHTER

Em decorrência da produção acelerada de conhecimento em todas as

áreas, gerando resultados com elevado grau de complexidade, são cada

vez mais frequentes os estudos realizados com a finalidade de ampliar a

compreensão sobre uma temática específica a partir do maior número

possível de pesquisas relevantes sobre um tema. Se, por um lado, na lite-

ratura encontram-se diversas formas para denominação desses estudos,

gerando uma variedade de perspectivas, por outro lado, há convergência

de entendimento quando se trata de distinguir tais estudos, nitidamente

investigativos, de revisão bibliográfica ou de fundamentação teórica. Esse

último, item presente em qualquer pesquisa, tem por finalidade explorar

a literatura existente com o intuito de auxiliar a conhecer melhor o tema

ou delimitar o campo da pesquisa.

De-La-Torre-Ugarte-Guanilo, Takahashi e Bertolozzi, (2011), em um

ensaio bastante completo, chamam de revisão sistemática o grupo de

investigações que utiliza como dados empíricos estudos já efetuados por

outros pesquisadores, e incluem a metanálise, foco teórico-metodológico

deste capítulo, como uma subdivisão do espectro maior.

Gene Glass, pesquisador em educação e psicologia na década de

1970, cunhou o termo metanálise e o definiu como a análise de outras

VALDEREZ MARINA DO ROSÁRIO LIMA | LUCIANA RICHTER128

análises disponíveis em trabalhos de pesquisa já realizados. Ao afirmar

que esta não é “uma grande teoria da investigação, mas simplesmente

uma forma de falar da análise estatística de análises estatísticas” (GLASS,

1976, p.3), o autor permite entender que, em seu primórdio, pesquisas

utilizando metanálise foram de abordagem quantitativa, valendo-se de

análise realizada à luz de métodos estatísticos clássicos.

Na atualidade, a pesquisa do tipo metanálise é realizada em diver-

sas áreas do conhecimento e encontra-se associada a investigações de

abordagens qualitativas (SANDELOWKY; DOCHERTY; EMDEN, 1997;

ZIMMER, 2006) e quantitativas (GLASS, 1976; GREENHALGHG, 1997).

De uso frequente na área da saúde e em outras nas quais a análise esta-

tística é a melhor opção para obter respostas a problemas específicos,

essa natureza de pesquisa tem sido utilizada, em menor intensidade, por

pesquisadores na área das ciências humanas.

Stern e Harris (1985) foram pioneiros no uso da expressão metanálise

qualitativa para se referir à fusão de um conjunto de estudos qualitativos,

contexto no qual a metanálise assume os contornos da abordagem quali-

tativa. Estudos nesta perspectiva valem-se de dados descritivos, optam

por desenhos não estandardizados para construção do projeto e avançam

para um enfoque interpretativo, durante todo o percurso.

Metanálise como um tipo de pesquisa qualitativa

Diante de tal variabilidade de entendimentos, assume-se aqui a metanálise

qualitativa como um tipo de pesquisa, pois, para sua realização, há um

delineamento claro tanto para sua organização quanto para sua conse-

cução. E essa é a perspectiva de aproximação com os demais tipos de

pesquisa mencionados na literatura. Em referência aos tipos de pesquisa,

nos Capítulos 1 e 3 deste livro, o tema é tratado e outras perspectivas

argumentativas são apresentadas.

A pesquisa do tipo metanálise qualitativa, ao olhar para o material

integrado em um conjunto maior e com um novo objetivo traçado, pro-

METANÁLISE COMO POSSIBILIDADE PARA A PESQUISA NA ÁREA DA EDUCAÇÃO 129

picia uma visão aprimorada de determinado fenômeno e amplia a clareza

e consistência dos resultados obtidos isoladamente em cada investigação.

Além disso, favorece as condições para que o investigador qualitativo

chegue a generalizações naturalísticas (LINCOLN; GUBA, 1985).

A relevância de tal modalidade de investigação situa-se em sua ca-

pacidade de contribuir para a qualificação do conhecimento produzido.

Para Pinto (2013), a integração de estudos proporcionada pela metaná-

lise qualitativa ultrapassa a soma das partes, pois possibilita uma nova

interpretação dos resultados.

É, pois, um tipo de pesquisa importante também para a área da

educação (CARDOSO, 2007; CARDOSO; ALARCÃO; CELORICO, 2010;

PINTO, 2013) na medida em que permite investigar um evento educacional

específico e aprofundar o entendimento sobre ele. Redesenha soluções

de intervenção capazes de qualificar processos pedagógicos a partir da

revisão e interpretação de um conjunto expressivo de estudos individuais,

reunidos de forma coerente e circunstanciada. Ao particularizar as

pesquisas do tipo metanálise qualitativa para o âmbito da educação, além

de observados os pressupostos da abordagem qualitativa de investigação,

faz-se necessário: (a) a formulação clara da questão a ser respondida; (b)

a escolha de fontes e circunscrição do período de abrangência da revisão;

(c) o estabelecimento de critérios para seleção dos materiais, levando

em consideração os propósitos do estudo; (d) a avaliação dos estudos

encontrados, decidindo sobre a pertinência de cada um; (e) a estrutu-

ração do corpus; (f) a análise e interpretação dos dados coletados; (g) a

organização do quadro geral de resultados, demonstrando a expansão dos

resultados individuais para responder à questão inicialmente formulada.

Salienta-se a atenção que deve ser dispensada ao item (f), que inicia pela

escolha de um método de análise. Por tratar-se de investigação qualitativa,

propõe-se, para esse fim, a Análise Textual Discursiva, cujos princípios

e operacionalização encontram-se descritos nos Capítulos 5 deste livro.

VALDEREZ MARINA DO ROSÁRIO LIMA | LUCIANA RICHTER130

Metanálise qualitativa no campo da educação: balizadores

A fim de ilustrar o uso de metanálise qualitativa no campo da educação

exemplificam-se os balizadores essenciais, descritos anteriormente, com

elementos extraídos de uma pesquisa conduzida por uma das autoras.

O estudo, ainda não finalizado, trata das interfaces entre neurociência e

educação e pretende reunir dados e ampliar o conjunto de informações

que contribuem para a organização de situações de ensino que poten-

cializem a aprendizagem.

(a) Formulação clara da questão a ser respondida. Tal formulação é

um elemento que distingue a metanálise de referenciais teóricos, presentes

na contextualização de qualquer pesquisa científica, pois os referenciais

teóricos não partem de perguntas, mas são organizados de forma a

apresentar aspectos importantes para justificar a realização da pesquisa.

A investigação que serve de exemplo tem como questão de pesquisa:

“Que contribuições as pesquisas que relacionam neurociência e edu-

cação podem trazer para a prática docente a fim de contribuir com a

aprendizagem dos estudantes”?

(b) A escolha de fontes e circunscrição do período de abrangência

da revisão. Esta informação, de modo geral, encontra-se no capítulo de

metodologia do relatório final da pesquisa. No estudo efetuado, as fontes

escolhidas foram:

“artigos, dissertações e teses elaborados no período de 2003 a 2015 e

presentes em três bases eletrônicas de dados: os artigos procederam do

Portal de Periódicos Capes e as teses e dissertações do Banco de Teses

Capes e do Banco Digital Brasileiro de Teses e Dissertações. No período,

foram produzidos 19.978 materiais. Os trabalhos encontrados, com rele-

vância para pesquisa, abordam diversos aspectos na relação neurociência

e educação, mas principalmente tratam de aspectos pertinentes para a

aprendizagem, da relação desses aspectos com a prática docente, bem

como da neurociência em relação à formação docente”.

METANÁLISE COMO POSSIBILIDADE PARA A PESQUISA NA ÁREA DA EDUCAÇÃO 131

(c) O estabelecimento de critérios para seleção dos materiais, levando

em consideração os propósitos do estudo. Os critérios para inclusão dos

trabalhos foram os seguintes:

(i) ser artigo, dissertação ou tese e possuir uma estrutura de organi-

zação nos padrões de pesquisas científicas; (ii) apresentar relação entre

neurociência e educação; e (iii) possuir potencial para contribuir com a

questão de pesquisa.

Alguns materiais foram excluídos pelos seguintes critérios: (i) ausência

de relação com a questão de pesquisa da tese; (ii) abordagem tratando

de animais de laboratório e falta de relação com humanos; (iii) referência

apenas à educação ou à neurociência de maneira isolada; (iv) foco de

pesquisa em que a neurociência aparece apenas como termo em alguma

parte, como nome de laboratório, setor ou referência de obra bibliográfica;

e (v) essência da pesquisa sobre transtornos de aprendizagem”.

(d) A avaliação dos estudos encontrados, decidindo sobre a perti-

nência de cada um.

“A leitura dos resumos, complementada pela leitura do capítulo de

metodologia, quando necessário, permitiu selecionar 107 trabalhos”.

(e) A estruturação do corpus.

“O corpus é composto pelos resultados descritos nos 107 trabalhos

incluídos no estudo. O material, após ser devidamente codificado, foi

reunido em quadros-resumo individuais”.

(f) A análise e interpretação dos dados coletados. A metanálise,

entendida como um tipo de pesquisa, não prescinde da exigência de o

pesquisador escolher um método de análise para promover a interpretação

dos novos dados gerados da reunião de resultados já existentes. Neste

sentido, temos defendido o uso de Análise Textual Discursiva como um

método possível e adequado para ser utilizado nestes estudos.

Na pesquisa que serve de exemplo, este foi o método de análise

escolhido. “Optou-se pela construção de categorias emergentes com o

intuito de obter novas compreensões a partir da imersão nas unidades de

sentido advindas dos principais resultados das pesquisas selecionadas”.

VALDEREZ MARINA DO ROSÁRIO LIMA | LUCIANA RICHTER132

(g) A organização do quadro geral de resultados, demonstrando a

expansão dos resultados individuais para responder à questão inicial-

mente formulada.

A pesquisa utilizada para ilustração dos pressupostos da metanálise

qualitativa ainda não se encontra concluída, mas a organização geral dos

resultados do novo estudo encontra-se estruturado, em versão preliminar.

“Os resultados serão apresentados: (1) por meio da sistematização

em novos quadros que exibam as principais ideias extraídas das pesquisas

analisadas; (2) pela descrição do sistema de categorias emergentes. A

interpretação dessas categorias permitirá responder ao problema formu-

lado e demarcará os avanços conseguidos em relação ao objeto de estudo,

isto é, às pesquisas individuais inicialmente selecionadas”.

Ao final, retoma-se a ideia de que investigações do tipo metanálise

qualitativa são fundamentais quando o pesquisador precisa compreender

questões do âmbito educativo que, embora já tenham sido investigadas,

ainda não encontram, nos estudos isolados, respostas satisfatórias para

elas. Entretanto, a soma de tais estudos, por meio da síntese e da produção

de novos resultados, permitirá uma compreensão mais ampla e/ou mais

profunda da dimensão em questão.

REFERÊNCIAS

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MOVIMENTOS DA ESCRITA: PESQUISA, ENUNCIAÇÃO E AUTORIA

JULIANA BATISTA PEREIR A DOS SANTOS

PRISCILA MONTEIRO CHAVES

ISABEL CRISTINA MACHADO DE LAR A

Como todo escritor, tenho a tentação de usar termos suculentos: conheço adjetivos esplendorosos, carnudos substantivos e verbos tão esguios que atravessam agudos o ar em vias de ação, já que palavra é ação, concordais? Mas eu não vou enfeitar a

palavra, pois se eu tocar no pão da moça se tornará em ouro - e a jovem (ela tem dezenove anos) não poderia mordê-lo, morrendo de fome. Tenho então que falar

simples para captar a sua delicada e vaga existência (LISPECTOR, 1998).

Ao ato de aprender como princípio investigativo e ao ato de escrever

como uso de verbos que são em si ações remete parte do que, neste texto,

será problematizado em discussão com diferentes áreas. A referência a

Clarice Lispector aponta para um papel bastante característico das ciên-

cias sociais de um modo geral: romper com os dogmas que permeiam a

compreensão dos problemas sociais e promover a constituição de uma

hermenêutica da autointerpretação social.

Segundo Follari (2011), um dos engodos das ciências consiste no fato

de que, embora assumamos a existência e o valor de uma linguagem que

parte do cotidiano, ainda não somos plenamente capazes de romper com

seus estigmas em meio acadêmico. Romper com seus estigmas implicaria

JULIANA B. P. DOS SANTOS | PRISCILA M. CHAVES | ISABEL CRISTINA M. DE LARA136

desfazer “uma confusão em torno da natureza e funções da ciência social”

(2011, p.45), que, erroneamente, vem dando primazia a um hipotético

“distanciamento técnico, em detrimento de sua capacidade para responder

a problemas que a sociedade se coloca e fazê-lo dentro dos horizontes de

compreensão que a própria sociedade tem de fato estabelecido em um

determinado momento histórico” (FOLLARI, 2011, p.45).

Introduzindo ainda a crítica à referida confusão, percebe-se que é

corrente um tipo de consciência de inferioridade dos atuantes das ciências

sociais, que por sua vez “atacam o objetivismo próprio dos cientistas da

natureza, sem deixar de sustentar uma encoberta admiração pela maior pre-

cisão que atribuem frequentemente a estes últimos” (FOLLARI, 2011, p. 46).

O que o professor argentino Roberto Agustin Follari sustenta é que o quadro

por ele recém-desenhado responde a uma carência de informação a respeito

das condições histórico-sociais acerca de como se constitui a também chamada

ciência físico-natural, no que compete “ao seu decisivo peso na assunção das

modalidades de explicação que nela se dão, tanto como ao desconhecimento

de que no interior das mesmas ciências físicos-naturais não existem a certeza

nem propriamente a verdade científica” (FOLLARI, 2011, p.46).

Essas questões perpassam não somente uma concepção de ciência que

se adota no âmbito das pesquisas em educação, mas remetem-nos a uma

reflexão sobre os movimentos da escrita de pesquisa e de como a susten-

tação de determinados ditames enfraquece algumas históricas conquistas

e significativos avanços que a área atingiu ao longo dos tempos. Nesse

sentido, todo trabalho no âmbito da pesquisa ocorre também no âmbito

da linguagem. Isso remete ao fato de que, quando esse se diz interativo,

além de considerar os conhecimentos prévios de cada sujeito, que carrega

consigo particularidades das formas de interação social em cada esfera da

comunicação humana, traz consigo os princípios da enunciação e não ignora

o fato de haver um tu previamente estabelecido para quem se escreve.

A academia, bem como a instituição escolar, constitui um espaço de

convívio discursivo, um domínio, um nicho da atividade humana e da vida, no

qual acontece a interação entre aqueles que ali convivem. Nesse sentido, essas

MOVIMENTOS DA ESCRITA: PESQUISA, ENUNCIAÇÃO E AUTORIA 137

instituições carecem lembrar que é o trânsito em diversos ambientes e conjun-

turas de interação humana que apresenta ao indivíduo o ingresso a diversos

experimentos de leitura e produção da escrita em sociedade (BAKHTIN, 2011).

A cultura universitária vem exigindo cada vez mais da experiência leitora

uma relação mais estreita com os gêneros acadêmicos que circulam entre

as comunidades cientificas (KUHN, 1992). Tais exigências têm aumentado

as consultas aos manuais e aos cursos de fáceis exposições acerca de como

se constitui resenhas, resumos, ensaios, relatórios, trabalhos de conclusão,

dissertações e teses. Contudo, essa busca mais incomoda do que acalenta

aqueles que se preocupam com a formação dos acadêmicos enquanto

autores de suas produções e criadores de conhecimentos novos.

Diferentemente dos textos literários, sabe-se que os textos acadê-

micos requerem a compreensão do que está sendo explanado de modo

objetivo, sem que haja ambiguidades. Por isso, visam à monossemia em

detrimento da polissemia, ainda que o estilo individual de escrita traga

consigo características sócio-históricas que fazem parte da constituição

do sujeito e que se apresentam por meio de palavras, cercadas por ide-

ologias, em seus textos. Todavia, na busca por uma estrutura comum e

por essa referida objetividade, o que se constata nos trabalhos com os

diferentes gêneros que circulam na esfera acadêmica é o esfacelamento

das características autorais dos graduandos e pós-graduandos, que

transcendem meras questões de estilo (GUEDES, 2009).

Tomando essas questões como cenário da discussão, o ponto de

partida para a elaboração deste ensaio são os questionamentos feitos por

alunos ingressantes no curso de pós-graduação em Educação em Ciências

e Matemática da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

(PUCRS). Dentre as interrogações suscitadas, por ora metodológicas, o

presente texto objetiva abordar questões que relacionam aspectos polí-

ticos à escrita do trabalho acadêmico, tendo como horizonte o momento

autoral da elaboração de uma tese. Esse conceito significa, segundo o

dicionário Aurélio (2008), uma proposição exposta com a finalidade de

discuti-la ou defendê-la.

JULIANA B. P. DOS SANTOS | PRISCILA M. CHAVES | ISABEL CRISTINA M. DE LARA138

A tese como uma produção autoral: da originalidade à relevância

No contexto acadêmico, uma tese consiste no trabalho apresentado ao final

do curso de doutorado “original de investigação, com o qual o candidato deve

demonstrar ser um estudioso capaz de fazer progredir a disciplina a que se

dedica” (ECO, 2007. p. 28). Nessa mesma vereda, de acordo com Severino

(2007), a tese apresenta uma pesquisa original dentro do tema abordado,

de modo que contribua para o campo no qual está inserida. Desse modo, os

critérios de originalidade e relevância são fundamentais para uma pesquisa

desse nível acadêmico.

Assume-se aqui a utilização da primeira pessoa do plural pela imersão

na perspectiva de que, assim como a ciência e a pesquisa não são neutras,

a linguagem também é reveladora. Ela revela posições, pontos de vista, in-

tenções (FARACO; TEZZA, 1992), de modo que, desde o início, a escrita de

pesquisa passa a ser compreendida como assunção de um posicionamento

político e ideológico a partir do qual se diz que perpassa o âmbito do como se

diz. Como destaca Koch, “comentar é falar comprometidamente” (2000, p.

38), é posicionar-se perante o que escreve e, desse modo, compartilhar com o

leitor suas percepções, entendimentos, concepção de mundo e de educação.

Os apontamentos de Magda Soares provocam reflexões acerca do

leitor-alvo da escrita de pesquisa. Questiona a autora se o pesquisador-autor

da escrita de pesquisa escreve essencialmente “por imperativo ou requisito

acadêmico e profissional, se escreve para responder às expectativas com

relação a seu desempenho como estudioso e como pesquisador, [...] para

dar a público o conhecimento que produziu” (2011, p.82). Soares sugere

que o leitor-modelo, usando expressão cunhada por Umberto Eco, são

aqueles que partilham da mesma comunidade científica, isto é, aqueles

“que pertencem a seu mundo acadêmico e profissional, os que também

estão produzindo conhecimento em sua área” (SOARES, 2011, p.82).

Esse contexto, apresentado por Soares (2011), agrava-se quando esta-

mos tratando de pesquisas que trazem a área da educação como campo a

MOVIMENTOS DA ESCRITA: PESQUISA, ENUNCIAÇÃO E AUTORIA 139

ser discutido, pois consiste em uma “área que investiga fenômenos, fatos,

problemas que ocorrem em práticas sociais e têm consequências significa-

tivas para e sobre seres humanos” (p.83). A autora, dedicada às questões

que permeiam a temática da leitura e da produção textual, lembra que o

pesquisador do campo educacional “tem como temas questões socialmente

importantes, problemas que não são apenas para serem pesquisados, es-

tudados, mas também para serem resolvidos, permitindo intervenção na

realidade, modificação e transformação da realidade” (2011, p.83).

É necessário que a escrita do trabalho acadêmico leve isso em consi-

deração, pois é por meio dela que a pesquisa é divulgada e se difundem os

resultados e contribuições obtidos. Como argumenta Marques (1997, p.

93), «não se faz ciência sem escrever: essa a forma de se comunicar com

a comunidade científica». Entretanto, apenas compartilhar os resultados

não é suficiente. É preciso dividir com o leitor detalhes que embasam a

pesquisa, bem como os fundamentos políticos, filosóficos e sociais que

sustentaram o modo como a pesquisa foi conduzida. Com isso, criam-se

condições que possibilitam ao leitor fazer suas próprias inferências, bem

como apreciar o valor de suas conclusões (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 238).

Escrever não é uma tarefa fácil, pois exige tempo, dedicação e discipli-

na. Laville e Dionne (1999) destacam que mesmo pesquisadores experientes

enfrentam certa dificuldade ao escrever suas pesquisas, satisfazendo-se

em escrever de quatro a cinco páginas por dia. Bogdan e Biklen (1999)

compartilham da mesma visão e complementam destacando: “Lembre-

se que nunca se está verdadeiramente ‘pronto’ para começar; quando

escrevemos temos de tomar uma decisão consciente de começar e de

nos disciplinarmos para continuarmos” (BOGDAN; BIKLEN, 1999, p. 246).

Autores mais correntemente utilizados para orientações em pesquisas

acadêmicas destacam a relevância de um relatório de pesquisa ser trans-

parente e apresentar o problema de pesquisa, os caminhos escolhidos para

lhe responder e, por fim, as conclusões alcançadas. Como ressaltam Laville

e Dionne (1999), em geral, é a partir da escrita do trabalho acadêmico

JULIANA B. P. DOS SANTOS | PRISCILA M. CHAVES | ISABEL CRISTINA M. DE LARA140

que a pesquisa realizada é avaliada, reforçando assim a importância de

uma escrita nítida e objetiva.

De acordo com esses mesmos autores, para que a escrita de pesquisa

alcance seu objetivo de comunicar, é preciso que a linguagem utilizada seja

eficaz e fluida e que as estruturas sejam propícias àquilo que se quer comuni-

car1. Diante disso, a gramática e o dicionário tornam-se recursos essenciais ao

escritor para certificar-se do emprego correto da linguagem e para o encontro

de sinônimos, objetivando uma escrita coesa em sentido macro e micro2.

Lima (1985) lembra que uma das principais consequências da padroni-

zação é que ela facilita o consumo. É possível, mais facilmente, apropriar-

-se de maior quantidade de subsídios e elementos avulsos sabendo com

exatidão onde encontrá-los. “Desenvolvem-se técnicas de leitura onde

se leem apenas trechos selecionados do texto de antemão conhecidos

como significativos: prefácio ou introdução, conclusão, algum capítulo

central, primeira e última sentença dos parágrafos” (LIMA, 1985, p.35).

Isso acarreta uma previsibilidade dos efeitos da comunicação acadêmica

que muito pouco altera as concepções de mundo que se carrega. Isso porque

1 Ao mencionarmos estrutura, estamos remetendo à concepção de gênero proposta por Marcuschi, que consiste em “textos materializados que encontramos na nossa vida diária e que apresentam características sociocomunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. É impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum gênero, assim como é impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum texto” (2005, pp.22-23). A concepção de gênero é deveras importante na esfera acadêmica, e seu trabalho vem tomando espaço não somente nas ciências sociais como nos demais campos do conhecimento. Entretanto, evidencia-se que, diferentemente de compreender a ascensão do conceito de gênero como diferentes formas de ação social, o mesmo foi tomado como técnica a ser seguida. Por vezes, insistir em fazer ver tais distinções significa “não saber explicar a matéria” (GUEDES, 2009), haja vista um louvor que se adquire na esfera acadêmica pela sua típica escrita. Para uma breve constatação disso, basta olhar os anais dos eventos científicos ou algumas edições de periódicos em que muito pouco se tem avançado nos problemas que circundam o contexto educacional e as produções aumentam exponencialmente. O impasse não condiz com a forma em si mesma. Entretanto, quando se trabalha a partir da primazia da forma, impede-se o aluno de ter acesso às especificidades que fazem da escrita uma forma única de contato com a elaboração de referenciais para significar o mundo. Esse processo forja novas exigências que não podem ser explicadas senão em função do mundo admitido pela instituição (GUEDES, 2009).2 Outros autores como Bogdan e Biklen (1999) e Marques (1997) também apontam a importância do uso de dicionário no momento da escrita. Marques (1997, p. 59) reafirma sua opinião ao expor que “escrever é exercer a imaginação criativa como num artesanato em que são ferramentas indispensáveis o dicionário e a gramática”.

MOVIMENTOS DA ESCRITA: PESQUISA, ENUNCIAÇÃO E AUTORIA 141

seguir os referidos cânones de modo pouco crítico faz que reneguemos nossa

formação de leitores que buscam ressignificar a existência e pensar o conhe-

cimento mais como processo em nome do consumo do conhecimento como

produto. Nesse sentido, é bem verdade que o trabalho com as estruturas no

âmbito da pós-graduação facilita a escrita e o pensar com clareza. Entretanto,

as ideias próprias não podem ser deixadas de lado em detrimento do consumo.

Os movimentos da escrita e a enunciação que compõe o estilo

Outro fator decisivo e que corrobora a escrita eficaz de um trabalho aca-

dêmico é o estilo adotado. Laville e Dionne (1999) afirmam que, ainda que

exista rigor na escrita de pesquisa, isso não exclui a “arte de bem escrever”.

Como sugestão para esse percurso, os autores afirmam que a escrita deve

ser construída com frases curtas, sem o abuso de adjetivos e advérbios, com

partes e subpartes bem relacionadas e justificadas. Além disso, esses autores

destacam a importância de que, a todo o momento, o escritor exponha ao

leitor o encaminhamento intelectual da pesquisa. Esse encaminhamento

intelectual consiste em uma reflexão sobre o percurso que se realizou durante

a investigação, de forma simplificada, mas suficiente para cativar o leitor

a percorrê-lo por meio da leitura. Ainda em relação ao estilo de escrever,

Marques (1997, p. 45) ressalta que só a prática e o hábito possibilitarão ao autor

encontrar seu estilo para assumi-lo, fazendo-se reconhecer aos seus leitores.

Para esse autor, o estilo da escrita é fundamental, pois se aproxima

de um trabalho artesanal cujo

[...] resultado mais significativo do paciente trabalho arte-

sanal do escrever é a lenta configuração do estilo de quem

escreve, revelação da personalidade dele, muito mais que o

conteúdo da obra escrita. Sem estilo não passa alguém de

datilógrafo suarento a enegrecer quilos e quilos de papel com

mensagens sem forma (MARQUES, 1997, p. 48).

JULIANA B. P. DOS SANTOS | PRISCILA M. CHAVES | ISABEL CRISTINA M. DE LARA142

Para além do aspecto estilístico, a escolha dos caminhos que esse

trabalho artesanal adota manifesta a criticidade no modo de compreender

e realizar a leitura de texto e contexto. Pensando no aspecto político dos

processos de leitura e escrita e cotejando-o à compreensão da conjuntura

necessária às ciências sociais, Paulo Freire manifesta que

[...] a forma crítica de compreender e de realizar a leitura da

palavra e a leitura do mundo está, de um lado, na não negação

da linguagem simples, “desarmada”, ingênua, na sua não desva-

lorização por constituir-se de conceitos criados na cotidianidade,

no mundo da experiência sensorial; de outro, na recusa ao que se

chama de “linguagem difícil”, impossível, porque desenvolven-

do-se em torno de conceitos abstratos. Pelo contrário, a forma

crítica de compreender e de realizar a leitura do texto e a do

contexto não exclui nenhuma das duas formas de linguagem

ou de sintaxe. Reconhece, todavia, que o escritor que usa a

linguagem científica, acadêmica, ao dever procurar tornar-se

acessível, menos fechado, mais claro, menos difícil, mais simples,

não pode ser simplista (FREIRE, 2001, p. 264)3.

Esse mundo da experiência sensorial, do qual fala Freire, está estreitamen-

te imbricado às questões da enunciação. Alguns autores contribuem para a

discussão de questões próprias da língua portuguesa, em especial quanto à

discursivização das categorias enunciativas e sua adequação aos trabalhos

acadêmicos. Laville e Dionne (1999, p. 243) apontam que o uso da primeira

pessoa do plural é comum nos relatórios de pesquisa, independentemente

da pesquisa ter sido realizada por apenas uma pessoa. Isso ocorre porque,

ao empregar o ‘nós’ há um sentido de modéstia, com a função simbólica de

3 Extrato de uma das cartas de Paulo Freire aos professores, intitulada Ensinar, aprender: leitura do mundo, leitura da palavra contida em sua famosa obra Professora sim, Tia não. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142001000200013, acesso em 02 de janeiro de 2017.

MOVIMENTOS DA ESCRITA: PESQUISA, ENUNCIAÇÃO E AUTORIA 143

ressaltar que o pesquisador está imerso em uma comunidade científica e que

sua pesquisa tanto contribui quanto deriva dessa comunidade.

Esses autores enfatizam que, para alcançar esse mesmo objetivo na

língua inglesa, utiliza-se a neutralização do sujeito pelo uso do pronome

it, que no Brasil está difundido entre os pesquisadores a partir do uso do

impessoal ou, ainda, da terceira pessoa do singular, com o uso da partícula

se como índice de indeterminação do sujeito. Os autores Bogdan e Biklen

(1999) sugerem que, ao escrever o trabalho acadêmico de conclusão, o

ideal é que o autor utilize a voz ativa, expondo de forma clara e direta o

que pretende, e que, consequentemente, evite escrever na voz passiva.

As questões da linguagem e do estilo adotados para a escrita de um

trabalho acadêmico são pertinentes, porém, como destaca Oliveira (2014),

não são as mais relevantes. Para o autor, o acadêmico deve destinar sua

atenção a evitar escritas ambíguas e relatos inequívocos, marcando sua

escrita não pelo estilo adotado, mas pela univocidade da comunicação.

Mecanismos de instauração de pessoas do enunciado

Ao tratar dos mecanismos de instauração de pessoas no enunciado,

Greimas e Courtés (1979) chamam de debreagem actancial a projeção

de pessoa no enunciado. Corroborando as ideias dos autores, José Luiz

Fiorin aponta como debreagem enunciativa os casos em que aparecem

no enunciado o eu/tu. Quando o eu/tu não aparecem, tem-se a operação

discursiva por meio de uma debreagem enunciva. O que mais interessa para

essa discussão são os efeitos de sentido que uma e outra provocam na

escrita. “A debreagem enunciativa e a enunciva criam, em princípio, dois

grandes efeitos de sentido: de subjetividade e de objetividade” (FIORIN,

2016, p.178). Com isso, o autor manifesta que o assentamento de simu-

lacros eu-aqui-agora, “ego-hic-nunc enunciativos, com suas apreciações

dos fatos, constrói um efeito de subjetividade” (2016, p. 179).

Na contramão disso, o discurso científico vale-se da eliminação dessas

marcas enunciativas do texto, visando à produção de efeitos de sentido de

JULIANA B. P. DOS SANTOS | PRISCILA M. CHAVES | ISABEL CRISTINA M. DE LARA144

objetividade a fim de parecer constantemente cada vez mais precisa e impar-

cial naquilo que argumenta. “Como o ideal de ciência que se constitui a partir

do positivismo é a objetividade, o discurso científico tem como uma de suas

regras constitutivas a eliminação de marcas enunciativas” (FIORIN, 2016, p. 179).

O autor especifica o movimento discursivo da seguinte maneira: “A

embreagem é ‘o efeito de retorno à enunciação’, produzido pela neutrali-

zação das categorias de pessoa e/ou espaço e/ou tempo, pela denegação,

assim, da instância do enunciado” (FIORIN, 2016, p.179). A embreagem

que diz respeito à neutralização na categoria de pessoa é apontada pelo

linguista como actancial. Esses diferentes mecanismos apresentados

produzem efeitos de sentido no discurso. Portanto, tem-se, desde já, que

isso transcende uma questão de escolha da forma unicamente por vias da

técnica, como é tratado em grande parte dos manuais. “Com a debreagem

parece que a linguagem imita [...] as pessoas do mundo”, o que faz não ser

possível tratar essas escolhas com indiferença por quem produz a escrita de

pesquisa. “Com a embreagem, quando se apresenta uma primeira pessoa

como segunda, uma terceira como primeira [...] mostra-se que pessoas [...]

são criações da linguagem e não decalque da realidade” (FIORIN, 2016, p.181).

Dessa forma, é necessário desconstituir o fetiche que se criou em volta

de uma pretensa transparência e imparcialidade na produção de textos no

âmbito das ciências sociais. Quando Coutinho4 sustenta que o que se filma é

o encontro e não a realidade, entende-se que nenhuma escrita de pesquisa

traz consigo a necessidade de ser direcionada a um tu prévia e limitadamente

estabelecido, visto que o mais importante não é a delimitação refinada da

teoria, menos ainda do interlocutor, e sim como essa criação pode agir no

espaço acadêmico, e fora dele, em prol de um projeto educacional eman-

4 Referencia-se aqui a seguinte citação do cineasta Eduardo Coutinho a propósito de seus documentários, feita por Amorim: “O que se filma é o encontro e não a realidade: o encontro de uma equipe de cinema com o outro” (COUTINHO apud AMORIM, 2001, p.23), na qual a autora faz correspondência ao jogo realidade/construção, em que o outro é posto como enigma. Assim sendo, como entendê-lo? Como entender suas ações? Assim como o ponto de vista de um cineasta, o de um pesquisador é a todo o momento transformado pelo outro de sua narrativa (AMORIM, 2001).

MOVIMENTOS DA ESCRITA: PESQUISA, ENUNCIAÇÃO E AUTORIA 145

cipatório. Assim sendo, aos advogados do pensamento único o pensamento

múltiplo retribui apoiado em sua pluralidade (FOLLARI, 2011).

Tanto no que propõe Amorim quanto naquilo que propunha Follari

e Fiorin, o que está em jogo é uma relação de alteridade estabelecida

entre os que se destinam a trabalhar no âmbito da pesquisa e os demais

envolvidos e interessados nesse processo. Está se tratando de preceitos

dialógicos enquanto categoria básica que pressupõe a interação verbal.

Para Bakhtin, essa é a questão do grande tempo: “o diálogo sem fim, onde

não há a primeira nem a última palavra” (BAKHTIN, 2011, p.407). Não há

limites reais ou virtuais para o contexto dialógico da escrita de pesquisa,

que forma o sujeito-pesquisador − abalando a concepção mais clássica

tanto de sujeito uno cartesiano quanto de neutralidade na ciência.

O pesquisador não é nem o princípio nem o fim de seu dizer, de modo que

toda e qualquer enunciação prevê um Outro que só existe porque é reconhecido

pelo Eu. Ao mesmo tempo que é abandono é reconhecimento, que faz já não

mais se saber o quanto do outro existe e sobrevive naquilo que se diz. A relação

Eu-Outro é o preceito constitutivo do pesquisador, pensante, orador, e por isso

sujeito político e autor. É necessário que se compreendam as relações dialógicas

imbricadas nessa empreitada, uma vez que ela implica a responsabilidade de

adotar o diferente e o múltiplo que despontam e se instituem por meio das

relações com o outro, que se perfazem por meio da linguagem.

Nesse sentido, Fiorin lembra que não existem textos objetivos, uma

vez que são realizações da ação humana, portanto “são sempre fruto da

subjetividade e da visão de mundo de um enunciador. O que há são tex-

tos que produzem um efeito de objetividade” (2016, p.179). Desse modo,

é necessário compreender que, quando o autor da escrita de pesquisa

faz uma escolha, essa escolha é muito mais política que formal. Ao criar

sentidos como aproximação, atenuação, objetividade, distanciamento,

subjetividade, isso traz consigo uma concepção de pesquisa, de educação

e de ciência que permeia a sua pesquisa, a sua ação humana.

Para referenciar um exemplo metodológico muito em voga, Bogdan e

Biklen (1999) chamam atenção em relação à escrita característica de pes-

JULIANA B. P. DOS SANTOS | PRISCILA M. CHAVES | ISABEL CRISTINA M. DE LARA146

quisas etnográficas, em que o emprego da primeira pessoa do singular é

bastante comum. Segundo esses autores, a mesma história pode ser contada

de diversas maneiras, ou seja, é apenas um tipo de construção do texto.

O fato de ser escrito na primeira pessoa não exclui todo o arcabouço

teórico utilizado e a rigorosidade dos métodos escolhidos. Nas palavras dos

autores, a escrita etnográfica pode ser vista como “uma oportunidade de

alargar as escolhas sobre como escrever” (BOGDAN; BIKLEN, 1999, p 260).

No caso de pesquisas com viés fenomenológico, em que os problemas

são elaborados em conjunto com os sujeitos e a partir do contexto observado,

aproximam o pesquisador da conjuntura que é estudada. Essa aproximação

posiciona o pesquisador como alguém que comenta, ou seja, assume a

atribuição de sentido e significado aos resultados alcançados (KOCH, 2000).

Por isso, mais do que ser comum a escrita da pesquisa se realizar a

partir do emprego da primeira pessoa, é a produção de um efeito que

manifesta o comprometimento e o rechaço de uma verdade previamente

estabelecida. Desse modo, o pesquisador declara a posição de autor da

escrita e, paralelamente, manifesta ao leitor seu entendimento de que a

pesquisa não é neutra.

Como destaca Triviños (1987), as pesquisas de viés positivista, que

evidenciam o emprego de estatísticas por meio de problemas preestabe-

lecidos pelo pesquisador, cujo objetivo é evidenciar relações significativas,

afastam o pesquisador do contexto em que o estudo foi realizado. Esse

afastamento, por sua vez, posiciona o pesquisador como um narrador, de

acordo com Koch (2000). Ou seja, a escrita da pesquisa transparece essa

posição e, por isso, frequentemente é feita com o uso da terceira pessoa

do singular. Com essa forma de relatar o estudo realizado, o pesquisador

busca produzir um efeito de imparcialidade, impessoalidade, neutralidade.

Oliveira (2014, p.08) destaca que “não existe neutralidade, por isso não

se justifica o apagamento da autoridade” e que o uso da primeira pessoa do

singular em textos acadêmicos, atualmente, tem um caráter de tabu, cuja

hipótese de usá-la nem se questiona. Nesse sentido, afirma que a esse uso

“se associou uma conotação negativa, pejorativa, capaz de desmerecer o

MOVIMENTOS DA ESCRITA: PESQUISA, ENUNCIAÇÃO E AUTORIA 147

valor de um trabalho, sugerir sentimentos de soberba, arrogância ou falta

de modéstia” (OLIVEIRA, 2014, p. 05).

De acordo com o que defende Follari (2011), a partir dos impasses

inerentes à linguagem apresentados, é possível compreender que a “menor

formalização linguística e lógica de parte das ciências sociais em relação

às físico-naturais de alguma maneira está encravada na necessidade de

que as primeiras sirvam às necessidades de autocompreensão social” (p.

47). Isso implica uma não dissociação radical da “linguagem primeira em

que tal autocompreensão se realiza. As disciplinas sociais resultam assim

− em termos gerais − menos incompreensíveis” (FOLLARI, 2011, p. 47) e

mais próximas ao mundo imediato dos sujeitos do que as físico-naturais.

É necessário ponderar aqui que não se pretende que as ciências so-

ciais tornem-se cada vez mais próximas, em sua exposição, da linguagem

cotidiana para que somente assim cumpram melhor sua função. «Não

falta quem sustente esse tipo de posição, sobretudo se não se trata de

cientistas: os que por isso demandam «de fora», para ciência, uma espécie

de doxa que seja imediatamente compreensível para quase todo o leitor

leigo” (FOLLARI, 2011, p. 48). Há um esforço tenso dos conceitos que

ultrapassa o uso da linguagem do cotidiano, mas isso não advém de um

conjunto de regras a serem seguidas. É uma necessidade que os próprios

temas das ciências sociais colocam.

De nenhuma maneira poderia se entender a função social das

ciências, em relação à autocompreensão e à autoconsciência

coletiva, caso se assuma como um chamado à perda de qualquer

distância entre compreensão imediata e construção científica.

(FOLLARI, 2011, p.48)

Diante das reflexões apresentadas, encaminham-se conclusões, sem-

pre provisórias, sobre o movimento de escrita aqui enunciado.

JULIANA B. P. DOS SANTOS | PRISCILA M. CHAVES | ISABEL CRISTINA M. DE LARA148

Conclusões

Somente quando registramos para dar nossos escritos à leitura em con-

textos significativos de comunicação efetiva é que conseguimos ponderar

a coerência – e a propriedade daquilo que estamos dizendo – para nossos

leitores, entre as ideias com que tomamos nossa realidade e a realidade

que é organizada no texto. Isso ocorre, segundo Guedes (2009), quando

se escreve para produzir sentido, para gerar conhecimento a respeito

de nós mesmos e de nossa realidade social. Quando se faz isso, é possí-

vel perceber de dentro de nós os inimigos que aqueles que buscam ser

autores dos próprios conhecimentos e da própria cultura vêm tentando

enfrentar para a construção de uma percepção descolonizada de nossa

realidade social e cultural e, consequentemente, de nosso modo de fazer

ciência. Só a prática dessa escrita vai nos preparar para a leitura peculiar

que precisamos fazer no âmbito acadêmico.

Ao longo do texto, procuramos argumentar e discutir pequenas ques-

tões que estão diretamente relacionadas à escrita de pesquisa acadêmica.

Como destacamos, as escolhas empregadas em um texto não são inocentes

e arbitrárias, uma vez que a escrita é reveladora. Esse fato tem sido ainda

pouco discutido no âmbito da pós-graduação e pelos manuais de escrita

acadêmica. Contudo, há décadas, é consequência de uma perspectiva de

pesquisa baseada em uma ideia de neutralidade, ideia desbancada pelos

estudos relacionados às áreas da educação e ciências sociais.

É necessário desconstituir algumas regras cristalizadas, não com a

intenção de não se valer das formas eleitas pela convenção, mas sim de

mostrar que o texto não ganha em atualidade e força teórica pelo mero

uso de expressões como construtivismo, poder, diversidade, multicultu-

ralismo, por exemplo. Esses termos, caros àqueles que estudam currículo,

cultura e formação, ao serem jogados aqui e ali, não passam de clichês que

circulam na academia. Além disso, um autor não integra uma comunidade

científica por valer-se de uma ou outra estrutura.

MOVIMENTOS DA ESCRITA: PESQUISA, ENUNCIAÇÃO E AUTORIA 149

O objetivo não é tornar os termos nem as estruturas proibidas, uma

vez que elas fazem parte de uma compreensão social que foi sendo

constituída por falantes de uma mesma língua. O objetivo é fazer que

os autores dissipem um pouco a nuvem obscurecedora dos conceitos e

das estruturas que se acham na obrigação de citar e usar, advindos da

comunidade acadêmica, ou que percam o medo dos ditos termos proibidos,

aprendendo que produção de gênero é produção de sentido dada pelo

próprio autor dentro daquela forma linguística e de ação social naquela

comunidade acadêmica. Em contraposição aos critérios impróprios, quase

sempre importados de um outro espaço cultural, há que se valorizar tex-

tos acadêmicos capazes de provocar uma discussão acerca do conteúdo

apresentado à consideração dos leitores, ou seja, textos que funcionem

socialmente (GUEDES, 2009).

Cabe, ainda, a tarefa de apresentar e problematizar o fato de que uma

concepção equivocada de escrita acarreta produções textuais estilisti-

camente pobres, recheadas de formas e lugares-comuns e de hipócritas

elegâncias, e com indicadores que evidenciam essa propriedade dos muitos

recursos que a língua oferece para a elaboração de textos acadêmicos

fluentes, provocativos, criativos e, consequentemente, interessantes de ler.

Para tanto, é também necessário denunciar a falsificação das condições de

produção da língua escrita promovida pela escola, as quais se estendem

até a universidade. Trata-se de provocar a análise das expectativas insti-

tucionais materializadas nos textos produzidos por esses que escrevem e

nos valores com que os avaliam e de, a partir disso, discutir uma teoria da

linguagem pautada pelo uso dos gêneros, que descreva mais fielmente a

atividade dos falantes e sua adequação para fundamentar uma atividade

de produção de textos capaz de resgatar a discursividade própria dos

usos privados da fala e da escrita na esfera acadêmica (GUEDES, 2009).

Por certo, este ensaio deixa portas abertas para que outras reflexões

sejam feitas, ou ainda, para que a mesma seja aprofundada. Em momento

algum, pretendemos esgotar essa discussão. Além disso, é verdade que

os manuais sugerem que as considerações finais sejam feitas a partir das

JULIANA B. P. DOS SANTOS | PRISCILA M. CHAVES | ISABEL CRISTINA M. DE LARA150

palavras dos próprios autores. Mas aqui optou-se pela forma ensaística de

apresentar as reflexões. Do mesmo modo, transgride-se na finalização do

texto, pondo um ponto final – e provisório – com as palavras de Marques

(1997): “[...] escrever como provocação ao pensar, como o suave deslizar

da reflexão, como a busca do aprender, princípio da investigação” (p. 26).

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A PESQUISA REALIZADA NA ACADEMIA: CONSIDERAÇÕES INICIAIS

JERONIMO BECKER FLORES

JOÃO BATISTA SIQUEIR A HARRES

Consideramos muito tênue a fronteira entre científico e não científico.

Possivelmente, ambos os termos são incompletos, imprecisos e revelam

resquícios dos paradigmas nos quais se assenta a ciência moderna. Fazer

tal distinção em um contexto de sociedade do conhecimento parece não

fazer muito sentido.

Na falta de nomenclatura mais adequada, utilizamos a expressão

pesquisa acadêmica para investigações realizadas numa conjuntura for-

mal que exige cuidados para caracterização de trabalhos desta natureza.

Dentre esses cuidados se destacam a existência do método, o rigor e a

adequação da linguagem, da ortografia e dos procedimentos. Ainda, a

pesquisa acadêmica pode ser divulgada à comunidade científica de diferen-

tes formas. É sobre essas dimensões que se discorre no presente capítulo.

O desenvolvimento do trabalho científico necessita de cuidado e mé-

todo. Moraes (2013) aponta que a validade de uma pesquisa é construída

por cuidados em seus procedimentos a fim de atender ao critério de rigor.

“Os cuidados com o rigor precisam acompanhar a pesquisa em todos os

seus passos” (MORAES, 2013, p.46). A referência do autor faz alusão

aos procedimentos sistemáticos e metódicos a serem considerados. Ser

rigoroso significa ser fiel aos procedimentos metodológicos, ter clareza

JERONIMO BECKER FLORES | JOÃO BATISTA SIQUEIRA HARRES154

sobre as decisões tomadas e esclarecer isso ao leitor quando da fase de

comunicação de resultados. Entretanto, não é sinônimo de ser inflexível.

As etapas podem ser redimensionadas durante o processo, não perdendo,

desse modo, sua valia.

A produção científica apresenta três etapas simultâneas e relacioná-

veis: o pensar, o sentir e o fazer (MOREIRA; OSTERMANN, 1993). O pensar

refere-se aos conceitos utilizados, à teoria, a referência a trabalhos ante-

riores que servem como norteadores da proposta. Segundo os autores, o

sentir envolve sofrimentos, angústias, sentimentos que são próprios do

pesquisador no decorrer da pesquisa. Já o fazer está vinculado aos aspec-

tos metodológicos e procedimentais. O fazer envolve procedimentos que

permeiam toda a investigação e que estão presentes, nas definições da

teoria considerada, no método, nos critérios de escolha dos sujeitos e na

totalidade das decisões a serem tomadas. No mesmo compasso em que

esses elementos devem ter uma coerência epistemológica entre si, eles

também revelam as crenças e a identidade do pesquisador (STECANELA,

2013). Desse modo, parece-nos difícil separar as etapas, pois, mesmo que

sejam organizadas separadamente, elas parecem ocorrer em concomitância.

Por outro lado, o que não podemos deixar de considerar é o fato de

que as pesquisas acadêmicas apresentam limitações de distintas ordens:

temporais, financeiras, logísticas, etc. Isso leva o pesquisador a efetuar algu-

mas restrições para que seja possível a efetivação da investigação. Uma das

decisões necessária refere-se à constituição do corpus de pesquisa. Como

fazer um recorte no corpus sem que sejam perdidas informações relevantes

e, ao mesmo tempo, sem que ele assuma um contorno de amostra? Um dos

procedimentos que contempla esses aspectos e que é bastante utilizado

em pesquisas qualitativas é o critério de saturação teórica.

Reconhecimento da saturação teórica

Dizemos que a saturação teórica é alcançada quando o incremento

de novos dados não produz alterações nos resultados já alcançados, o

A PESQUISA REALIZADA NA ACADEMIA: CONSIDERAÇÕES INICIAIS 155

que implica a exigência de um processo simultâneo de coleta e análise

(MORAES; GALIAZZI, 2007). Em coerência com o critério da saturação,

o pesquisador decide cessar a coleta de dados quando entender que não

há fatos novos. Tal decisão está necessariamente vinculada à sua base

teórica (FONTANELLA; JÚNIOR, 2012). Neste sentido, Fontanella e Júnior

(2012) consideram que a saturação teórica pode ser atingida a partir de

quatro dimensões principais: prática, metodológica, cognitiva e ontológica.

A dimensão prática ocorre quando a falta de verbas, de tempo ou a

própria abrangência da pesquisa inviabilizam o seu avanço. A dimensão

metodológica faz referência às restrições impostas pelos objetivos e pelo

problema de pesquisa, as quais podem direcionar o olhar para uma fração

muito pequena do fenômeno, perdendo-se, assim, a dimensão do todo. A

dimensão cognitiva está vinculada à esfera cognitiva do pesquisador que,

em função de suas limitações mentais, pode não compreender e acabar

excluindo elementos passíveis de contribuírem com a sua proposta. Já a

dimensão ontológica refere-se ao horizonte teórico do investigador. Neste

caso, um alicerce teórico insuficiente pode levar ao não reconhecimento

de elementos, não por eles não existirem, mas por eles não serem iden-

tificados (FONTANELLA; JÚNIOR, 2012).

Utilizar o critério de saturação teórica, além de denotar a flexibilidade

exigida em investigações qualitativas, é, ainda, um critério que imprime

qualidade ao estudo realizado. Esse processo pressupõe envolvimento do

pesquisador e clareza sobre as compreensões já alcançadas em relação

ao fenômeno que ele está investigando no momento.

Após o desenvolvimento da pesquisa, as descrições e interpretações

oriundas do processo de análise, isto é, as compreensões do pesquisador

sobre o objeto de estudo, são compartilhadas com os demais membros

da comunidade acadêmica. É a fase de comunicação. Nela, os textos

produzidos chegam à comunidade para serem apreciados e discutidos,

podendo fomentar ideias e perspectivas inovadoras. Moraes e Galiazzi

(2007) consideram que a comunicação ocorre em vários momentos do

processo de pesquisa, e não apenas ao final dela. A análise constituída pela

JERONIMO BECKER FLORES | JOÃO BATISTA SIQUEIRA HARRES156

descrição e pela interpretação encaminha a um movimento de teorização

acerca do fenômeno investigado. Descrever consiste em trazer à tona as

peculiaridades do contexto, como qualidades, propriedades e características.

Já a interpretação relaciona-se na construção de elos entre os resultados

alcançados e a teoria considerada (MORAES; GALIAZZI, 2007). Ainda na

forma preliminar, o texto pode ser levado aos pares para divulgação e

apreciação, podendo, inclusive, as percepções dos leitores provocar um

redimensionamento em algumas perspectivas estabelecidas anteriormente.

Formas de comunicação escrita

O processo de comunicação envolve escrita, o que nem sempre é algo

simples para o pesquisador iniciante. Distintas dúvidas em relação ao for-

mato do texto e dos pressupostos da pesquisa podem surgir. As diferentes

formas de comunicação escrita exigem organização, formatos e níveis

de linguagem distintos (BUOGO; CHIAPINOTTO; CARBONARA, 2006).

Entre essas diferentes formas de comunicação escrita podem-se citar

o ensaio, o artigo científico, a resenha, o resumo, a dissertação e a tese.

Britto (2001) considera que, em um texto do tipo ensaio, podemos trazer

as abordagens iniciais ou preliminares de um estudo, discutir outros trabalhos

que foram publicados e também destacar as considerações referentes a uma

pesquisa. Para esse autor existem dois tipos de ensaios: 1) o ensaio informa-

tivo, em que o autor argumenta em favor ou contra um determinado tema;

e 2) o ensaio avaliativo, em que o autor compara experiências já conhecidas,

visando convencer o leitor de um ponto de vista distinto.

O artigo científico tem a função de divulgar resultados de pesquisas,

sendo construído com a presença de elementos essenciais da investigação

científica. Assim, a escolha do tema é bem justificada, o problema e os

objetivos são apresentados claramente, as decisões sobre o delineamento

do estudo encontram-se sobejamente explicitadas e a análise está am-

parada em argumentos consistentes.

A PESQUISA REALIZADA NA ACADEMIA: CONSIDERAÇÕES INICIAIS 157

A resenha é um texto informativo que tem por objetivo resumir uma

obra. É semelhante a um resumo, porém pode tornar-se diferente no caso

de o resenhista se posicionar de maneira crítica em relação ao tema ou

em relação às decisões referentes aos métodos (BUOGO; CHIAPINOTTO;

CARBONARA, 2006).

A dissertação é um relatório final em que a contribuição esperada

consiste na sistematização de conhecimentos (SALVADOR, 1978). E a tese,

que também é um relatório final de pesquisa, pressupõe a presença de

elementos de originalidade, permitindo, assim, que sua divulgação con-

tribua para o avanço na área de conhecimento em questão (SILVA, 2005).

Por fim, no que diz respeito à pesquisa desenvolvida em espaços acadêmicos,

é necessário não perder de vista que o pesquisador vive sempre o desafio entre

produzir conhecimento e transitar pelas formalidades do campo científico.

Considerações finais

Considerando a afirmação feita no início do capítulo, de que a fronteira entre

científico e não científico é muito tênue, assumindo que, possivelmente, esses

termos não dão conta das discussões contemporâneas sobre pesquisa, justi-

fica-se a presença de tantas questões que revelam dúvidas em acadêmicos

no que se refere aos procedimentos iniciais para a produção de trabalhos

que possam ter rigor científico e, assim, se configurar como investigações

de qualidade. Apresentou-se, ainda, a saturação teórica como um elemento

de qualificação dos estudos. Enfim, foi com interesse na qualidade que este

capítulo tratou de alguns tópicos e dimensões que podem auxiliar pesquisa-

dores em todas as fases de suas trajetórias acadêmicas e profissionais.

REFERÊNCIAS

BRITTO, V. Artigos e ensaios científicos. RDE - Revista De Desenvolvimento Econômico. Ano III, n.o 4, Salvador, BA, 2001.

JERONIMO BECKER FLORES | JOÃO BATISTA SIQUEIRA HARRES158

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STECANELLA, N. A escolha do método e a identidade do pesquisador. In: STECANELA, Nilda. Diálogos com a Educação: a escolha do método e a iden-tidade do pesquisador. Caxias do Sul: Educs, 2013.

PESQUISA BASEADA EM DESIGN COMO MÉTODO INVESTIGATIVO NO ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

THAÍSA JACINTHO MÜLLER

A Pesquisa Baseada em Design (PBD) vem sendo estudada e utilizada des-

de que Ann Brown, em 1992, apresentou suas tentativas de desenvolver

investigações com características que fugiam do paradigma dominante,

levando em conta o ambiente no qual se desenvolvem as pesquisas e as

atividades nas quais os participantes se envolvem.

Segundo Bell e Sandoval (2004), a pesquisa baseada em design,

também chamada de pesquisa baseada em desenvolvimento ou pesquisa

baseada em projeto, surgiu como uma alternativa ao problema constante-

mente existente nas pesquisas da psicologia educacional: a crítica de que

não produzia um conhecimento aplicável na prática, mas que, ao mesmo

tempo, deveria ser um conhecimento científico. Sendo assim, a PBD tem

um caráter bastante experimental sem desvincular-se da teoria. Assim, a

teoria e a prática são fortemente aliadas, podendo-se dizer que uma se

alimenta da outra. Difere da pesquisa dita tradicional ao assumir que o

contexto não pode ser dissociado dos processos de ensino e aprendizagem,

portanto não é possível uma análise de um fenômeno de forma isolada

e sem interferências. A PBD, assim, possui características em comum

com a pesquisa-ação (colaboração entre pesquisadores e participantes,

apoio em práticas locais) e com a metodologia de avaliação formativa

(realização em cenários naturais, iteração).

THAÍSA JACINTHO MÜLLER160

Nesse contexto é que Wang e Hannafin (2005, p.6) afirmam que a teoria

é, ao mesmo tempo, o fundamento e o resultado da PBD. Esses autores defi-

nem a PBD “como uma metodologia sistemática, mas flexível, que objetiva

aperfeiçoar as práticas educacionais, através de análise iterativa, projeto,

desenvolvimento e implementação, com base na colaboração entre pesqui-

sadores e profissionais, no cenário do mundo real”. Desta forma, a intenção

não é testar se a teoria funciona ou não (VAN DEN AKKER, 1999), uma vez

que design e teoria são mutuamente desenvolvidos no processo de pesquisa.

Barab e Squire (2004) consideram que a PBD não é tanto uma aborda-

gem, mas uma série de abordagens que têm como objetivo produzir novas

teorias, artefatos e práticas que possam ser empregados para melhorar

o ensino e a aprendizagem. Sendo assim, uma de suas características é o

foco em problemas educacionais, para os quais são realizadas experiências

ou intervenções, que por sua vez podem incluir o uso de Tecnologias de

Informação e Comunicação (TIC), seja no desenvolvimento do experimento

em si, seja como apoio no entendimento e na solução do problema de forma

mais ampla. Para Ramos (2010), o uso de TIC na PBD é fundamental, uma vez

que as tecnologias facilitam a coerência na união da teoria com a prática e

permitem construir um material que seja compatível tanto com as intenções

pedagógicas e teorias de aprendizagem quanto com as práticas dos contextos

de aprendizagem. Esta construção de materiais é feita com base “tanto nos

pressupostos da teoria norteadora quanto nas expectativas dos sujeitos sobre

a integração das TIC com a prática, o que se concretiza nas características

das ferramentas, recursos, materiais e estrutura de aprendizagem” (p. 38), e

envolve uma equipe de profissionais, tais como professores, pesquisadores e

programadores, promovendo integração, uma das características do método.

Segundo Wang e Hannafin (2005), a PBD é fundamentada, pragmática,

interativa, iterativa e flexível, integrativa e contextualizada. Considerando

como fundamental a utilização de tecnologias, uma possibilidade a pensar

é, por exemplo, criar ou pesquisar a eficiência de um determinado objeto de

PESQUISA BASEADA EM DESIGN COMO MÉTODO INVESTIGATIVO NO ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

161

aprendizagem1 que vai ser usado por alunos. Para isso é necessário, efetiva-

mente, fundamentar a criação desse objeto em teorias que levem em conta

o conteúdo em si e as dificuldades dos alunos em se apossar de tal conteúdo,

mas de modo que o objeto também realimente a teoria com novos dados.

Neste sentido, a pesquisa é pragmática, ou seja, busca resolver problemas

práticos da aprendizagem de um determinado conteúdo. Já a interatividade

manifesta-se na necessidade de trabalhar em conjunto com os professores

desses alunos − com pessoas que eventualmente os auxiliem − e com outros

pesquisadores que desenvolvem recursos semelhantes.

A iteração é evidenciada na necessidade de as intervenções do pesquisador,

ao introduzir o objeto em questão, serem realimentadas continuamente com

testes e refinadas por meio de novos projetos, o que permite desenvolver a

pesquisa com flexibilidade maior do que em outras abordagens metodológicas.

A pesquisa é também integrativa porque os pesquisadores necessitam

integrar uma variedade de métodos e abordagens, tanto quantitativos quan-

to qualitativos, dependendo das necessidades da pesquisa. E, finalmente, a

pesquisa é contextualizada porque os resultados são “conectados tanto com

o processo de design por meio do qual os resultados são gerados como com

o ambiente no qual a pesquisa é conduzida” (WANG; HANNAFIN, 2005, p. 11).

Ainda de acordo com Bell e Sandoval (2004), perguntas comuns

como “O que determina o sucesso de uma intervenção específica em

uma situação particular?” ou “Como se pode generalizar um resultado

positivo a partir de uma observação de um caso particular?” podem ser

respondidas pelos princípios da PBD. Esse tipo de pesquisa pode produzir

diferentes tipos de conhecimento, incluindo melhor compreensão teóri-

ca dos fenômenos de aprendizagem por meio de uma intervenção e de

práticas de design generalizáveis.

1 De acordo com o IEEE (2000), um objeto de aprendizagem é definido como qualquer entidade que possa ser utilizada, reutilizada ou referenciada durante o aprendizado apoiado por com-putador. Pode conter recursos variados, desde os mais simples, como um texto ou um vídeo, até alguns mais sofisticados, como um hipertexto, um curso ou até mesmo uma animação com áudio e recursos mais complexos.

THAÍSA JACINTHO MÜLLER162

Quanto às características da PBD, destaca-se novamente a colabora-

ção interativa entre os pesquisadores e os profissionais e a necessidade de

integrar uma variedade de métodos e abordagens dos paradigmas tanto da

pesquisa quantitativa quanto da qualitativa, dependendo das necessidades

da pesquisa. Porém, é importante ressaltar que é característica da PBD a

possibilidade de alteração dos métodos ao longo do percurso de pesquisa,

uma vez que novas necessidades podem emergir do próprio contexto.

Conforme Ramos (2010), o desenvolvimento da PBD no Brasil ainda

é bastante lento, sendo mais comum no cenário internacional. Além disso,

todas as experiências nacionais listadas por esta autora fazem parte do

chamado tipo I, aquele que “envolve situações específicas em que o processo

de desenvolvimento do produto educacional, em um contexto particular, é

descrito, analisado e o produto final avaliado”, ainda que se possa discutir os

resultados obtidos em contextos similares (p. 26). Corroborando com esta

constatação, Ramos, Giannella e Struchiner afirmam, também em 2010:

Ao realizarmos um levantamento na produção brasileira,

na base Scielo e nas revistas científicas indicadas no site

da Associação Brasileira de Pesquisa em Ensino de Ciências

(ABRAPEC), não encontramos nenhum artigo do campo

de ensino de ciências que assumisse, no desenvolvimento

de sua investigação, a pesquisa baseada em design como

metodologia de pesquisa. (p. 78)

Internacionalmente, podem-se encontrar trabalhos relacionados à

PBD a partir das denominações design experiments, developmental research,

design research e design-based research. Com relação ao uso em pesquisas

voltadas ao Ensino de Ciências e Matemática, conforme citado acima, as

poucas pesquisas encontradas no Brasil foram realizadas recentemente,

a partir de 2010. Já no âmbito internacional, encontramos alguns autores

que vêm se destacando, como os já mencionados Barab e Squire (2004)

ou Edelson (1999, 2002), seja com contribuições sobre a metodologia em

PESQUISA BASEADA EM DESIGN COMO MÉTODO INVESTIGATIVO NO ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

163

si, seja na aplicação ao Ensino de Ciências. Sendo assim, a próxima seção

será dedicada a apresentar brevemente algumas pesquisas com PBD

relacionadas ao Ensino de Ciências e Matemática no Brasil, divulgadas a

partir do ano de 2010.

Aplicações no ensino de ciências e matemática

A primeira pesquisa a ser descrita é a realizada por Müller (2015), em sua

tese de doutorado. Para a autora, é possível relacionar diretamente a pro-

posta da pesquisa por ela proposta e realizada com os pressupostos da PBD.

Inicialmente, partiu-se de teorias de aprendizagem e de desenvolvimento

cognitivo (AUSUBEL e TALL) e de pressupostos da análise de erros colocada

em prática na análise de algumas questões selecionadas em instrumentos

avaliativos diversificados. A partir dos resultados obtidos nessas análises,

a autora volta à teoria, desta vez buscando entender como as dificuldades

em Cálculo Diferencial, disciplina na qual a pesquisa foi realizada, podem

ser limitadores para os alunos ingressantes em cursos da área de ciências

exatas. Nesta etapa, são trabalhadas as ideias de Tall e Vinner sobre imagem

do conceito e definição do conceito, bem como a teoria dos Três Mundos

da Matemática. Indo novamente para a prática, foram encontrados dados

sobre dificuldades em Álgebra, que levaram à busca de autores que dis-

cutem o ensino desse ramo da Matemática. Também foram estudados os

pressupostos da construção de objetos de aprendizagem, quando surgiu

um novo viés de investigação: os estilos de aprendizagem dos alunos. A

autora aplicou, então, novo instrumento com seus alunos de Cálculo a fim

de obter dados sobre os estilos dominantes do público-alvo.

Na segunda fase dessa pesquisa, foi utilizado o ambiente virtual de

aprendizagem Moodle, no qual foi criado um questionário para detecção

das dificuldades dos alunos em Matemática Básica. Após esta etapa, os

alunos foram contatados, de acordo com os erros cometidos, e convidados

a trabalhar com objetos de aprendizagem.

THAÍSA JACINTHO MÜLLER164

Na sequência, foram propostos, também no ambiente Moodle, fóruns

de discussão, os quais foram iniciados com questões relacionadas aos temas

trabalhados nos objetos de aprendizagem. A partir das manifestações dos

alunos nesses fóruns, foi necessário uma volta à teoria para entender como

alguns conceitos haviam sido (ou não) construídos por esses estudantes.

Em seguida, foi feito um novo questionário, semelhante ao primeiro,

e foi feita uma comparação dos resultados obtidos pelos alunos antes e

depois de todo o trabalho realizado, tendo sido usados testes estatísticos

para uma análise quantitativa, evidenciando a variedade de métodos usados.

Finalmente, foi realizada uma entrevista aberta com uma das professoras

responsáveis pelo laboratório de aprendizagem da instituição em questão,

cuja transcrição foi submetida à análise de conteúdo (BARDIN, 1979).

Uma segunda pesquisa é a de Carvalho (2016). Carvalho publicou

um trabalho que utilizou a PBD como abordagem metodológica para

utilização de um jogo em sala de aula, visando desenvolver os conceitos

do campo das estruturas aditivas. Conforme o objetivo já sugere, a au-

tora utilizou Teoria dos Campos Conceituais como base teórica para o

seu trabalho. Com relação à metodologia utilizada, foram pensadas nas

quatro fases da PBD: planejamento e pré-análise do jogo; validação do

artefato pedagógico subsidiado por uma teoria; análise da utilização do

jogo por professores de turmas do Ciclo de Alfabetização; verificação

das fases anteriores utilizando princípios de design com modificações e

novas utilizações em sala de aula.

O jogo em questão era do tipo RPG (Report Program Generator, uma

linguagem de programação criada pela IBM), chamava-se “Aventura de

um livro mágico” e era voltado para alunos do Ciclo de Alfabetização,

mais especificamente dos 2º e 3º anos. Na prática, foram efetuadas as

três primeiras fases da PBD: a primeira consistiu de uma pré-análise, a

segunda buscou validar o jogo por professores que ensinam nos anos finais

do Ciclo de Alfabetização, e a terceira focou na análise da utilização do

jogo por professores de turmas dos 2º e 3º anos do Ciclo de Alfabetização.

PESQUISA BASEADA EM DESIGN COMO MÉTODO INVESTIGATIVO NO ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

165

Segundo a autora, um ponto de destaque foi o uso da Teoria dos

Campos Conceituais, pois “o uso dessa teoria propiciou uma compreensão

das estratégias utilizadas pelos estudantes e reflexões sobre o uso do

jogo como uma situação de resolução de problemas de estruturas aditi-

vas” (p. 13). Porém, ela destaca também que a terceira fase, a de análise

da utilização do jogo por professores, não foi findada devido a situações

que não foram consideradas durante o planejamento da pesquisa. Sobre

este fato, ela argumenta:

Por outro lado, a emergência dessas variáveis não esperadas

contribuiu para desmistificar o fato de que as fases da Pesquisa

Baseada em Design são obrigatórias e que necessariamente

todas elas tenham que ocorrer para que existam resultados

ou indícios de princípios de design. Considerando os princí-

pios de design, o artefato está sendo revisto, assim como os

procedimentos metodológicos para a utilização do jogo em

sala de aula. (p. 13)

A autora conclui também que não é possível conceber as quatro fases

da PBD como uma proposta puramente técnica que precisa ser aplicada

para qualquer situação a fim de deixar um pouco menos rígidas as etapas

metodológicas.

No ano de 2015, Bittencourt e Struchiner apresentaram um estudo que,

segundo as autoras, “teve como objetivo analisar a articulação da temática da

doação de sangue e o ensino de Biologia na perspectiva Ciência, Tecnologia

e Sociedade (CTS)” (p. 1). A pesquisa envolveu o desenvolvimento de um

material educativo mediado pelo uso de TIC, por meio de um Ambiente

Virtual de Aprendizagem (AVA). A aplicação da proposta foi feita na disci-

plina de Biologia no 3º ano do Ensino Médio de uma escola pública federal.

No artigo publicado em 2015, as autoras explicitam claramente

como se deu cada uma das fases da PBD transcorridas durante o estudo,

distribuídas em quatro momentos, a saber:

THAÍSA JACINTHO MÜLLER166

ANÁLISE DO PROBLEMA EDUCATIVO (1): foram realizadas

entrevistas com os professores de Biologia da escola, visando

entender como estes tratavam, com seus alunos, de questões

sociais e de saúde, como a doação de sangue. A partir dos

resultados obtidos na entrevista, foi delineada a teoria a ser

utilizada como suporte à pesquisa. DESENVOLVIMENTO

DO ARTEFATO PEDAGÓGICO (2): nesta etapa foi criado o

AVA “Doação de sangue e o Ensino de Biologia”. Além disto,

foi feito também o planejamento conjunto das estratégias

de implementação deste material na disciplina de Biologia.

INTERVENÇÃO E AVALIAÇÃO (3): nesta etapa ocorreu a

utilização do AVA nas aulas de Biologia, bem como a avaliação

do processo, realizada a partir de observação participante.

ANÁLISE RETROSPECTIVA PARA PRODUZIR PRINCÍPIOS DE

DESIGN (4): neste momento, foi feita uma análise de todo o

material colhido durante as fases anteriores, para avaliação

do processo e possível adaptação para experiências futuras.

Finalizando, Bittencourt e Struchiner (2015) salientam que:

O estudo envolveu o primeiro ciclo de uma PBD, desenvol-

vida por e para a pesquisa educacional, e que enseja, em

sua essência, a integração de pesquisa, de planejamento/

desenvolvimento de experiências/ambientes educativos

inovadores e de prática educativa. (p. 15)

Segundo as autoras, a experiência foi positiva em muitos sentidos,

pois, além de consolidar o método de pesquisa, conscientizou o grupo

envolvido para a doação de sangue e deixou todos os participantes mais

familiarizados com as tecnologias.

Uma proposta também voltada ao trabalho com saúde na escola foi

apresentada por Struchiner e Giannella (2016). O projeto “Com-Viver, Com-

Ciência e Cidadania” foi desenvolvido em uma escola municipal de Ensino

Fundamental no Rio de Janeiro e envolveu professores e alunos do 9º ano.

PESQUISA BASEADA EM DESIGN COMO MÉTODO INVESTIGATIVO NO ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

167

O objetivo deste trabalho, de forma geral, era a integração da temática da

saúde no currículo escolar, de maneira transversal e com o uso de tecnologias.

Como etapas da PBD, que foi a metodologia utilizada, as autoras citam:

DEFINIÇÃO DO PROBLEMA EDUCATIVO (1): foram realizados

encontros preliminares com os professores onde foram feitas

reflexões e discussões sobre sua visão de Saúde e a possibili-

dade de integração desta temática em suas disciplinas. Nestes

encontros, as pesquisadoras perceberam que os professores

consideravam o tema Saúde pertinente apenas às aulas de

Ciências ou Educação Física. Assim sendo, foi proposto a

eles uma reflexão sobre como incluir a Saúde em suas aulas,

usando o apoio das Tecnologias. DESENVOLVIMENTO DO

PROJETO (2): nesta etapa, as pesquisadoras sugeriram um

referencial teórico aos professores, a fim de apoiá-los na

reflexão solicitada e na busca de alternativas para o proble-

ma. Depois disso, foi definida a estrutura do projeto a ser

aplicado com os alunos, bem como planejadas suas atividades.

IMPLEMENTAÇÃO DA INTERVENÇÃO (3): etapa em que as

atividades planejadas foram implementadas e observou-se

as reações dos envolvidos, bem como os produtos gerados

nas atividades. DOCUMENTANDO E REFLETINDO PARA

PRODUZIR PRINCÍPIOS DE DESIGN(4): neste último mo-

mento, as pesquisadoras relatam que o projeto foi muito bem

avaliado e que já estavam com um novo projeto para o ano

seguinte, o qual já seria implementado com as modificações

que pareceram necessárias ao longo do processo.

As autoras frisam que a experiência foi muito positiva e que é uma

prova de que é possível aplicar a PBD em projetos educacionais.

THAÍSA JACINTHO MÜLLER168

Considerações finais

Este capítulo procurou trazer a Pesquisa Baseada em Design (PBD) como

uma proposta metodológica que pode ser utilizada nas mais diversas

áreas do conhecimento e que pode trazer bons resultados se aplicada

especificamente a pesquisas na área de educação. Foram apresentados

os pressupostos básicos do método, bem como alguns exemplos de uti-

lização encontrados na literatura vigente.

A partir do exposto, percebe-se que a PBD ainda é pouco utilizada

e que todos os exemplos encontrados fazem uso das tecnologias. Esse

é um ponto importante que faz a PBD ser bastante atual, uma vez que

está em consonância com o mundo digital para o qual se caminha cada

vez mais. Por tudo que foi exposto, resumidamente podemos entender

as etapas da PBD conforme o esquema a seguir:

Análise do problema educativo (estudos teóricos)

Desenvolvimento do artefato pedagógico

Intervenção

Desenvolvimento de princípios de design

Uso

de TIC

Figura 1. Etapas da Pesquisa Baseada em Design (PBD).

Por fim, ressalta-se novamente que a PBD é muito ampla, uma vez que

possibilita o envolvimento de muitos métodos de pesquisa (tanto quan-

titativos como qualitativos), conforme mostrado nos exemplos citados.

PESQUISA BASEADA EM DESIGN COMO MÉTODO INVESTIGATIVO NO ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

169

REFERÊNCIAS

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STRUCHINER, M.; GIANNELLA, T.R. Com-viver, Com-ciência e Cidadania: uma pesquisa baseada em design integrando a temática da saúde e o uso de

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MICHEL FOUCAULT E A ANÁLISE DO DISCURSO

KETLIN KROETZ

SOLANGE CARVALHO DE SOUZA

JOSÉ LUÍS SCHIFINO FERR ARO

Nas últimas décadas, a análise do discurso no campo educacional teve

um avanço significativo, o que fez os pesquisadores do Brasil e do mun-

do inteiro buscarem, nos aportes teóricos e metodológicos de Michel

Foucault, outras maneiras de analisar os discursos sobre educação. Os

estudos sobre a análise do discurso no Rio Grande do Sul, por exemplo,

destacam-se nos trabalhos de Fischer (2001, 2004) e Veiga-Neto (2004).

Esses autores apontam as contribuições teóricas das obras do filósofo e

destacam suas aplicações no campo da educação. Trata-se de analisar a

fecundidade da produção foucaultiana para pensar a educação de outro

modo, considerando o saber como algo que não é produzido “para con-

solar”, pois carrega consigo um quê de decepção e inquietação que, ao

mesmo tempo, “secciona e fere” (FOUCAULT, 2000). Assim, superar esse

pensamento de viés consolador em relação ao saber se constituiria como

a importante − e talvez necessária − forma de desconstruí-lo.

A partir de suas conversas com Gilles Deleuze, Foucault desenvolve o

que vem a ser o compromisso de uma teoria a partir de uma metáfora: a da

“caixa de ferramentas”. Para o autor, uma teoria seria tal qual uma caixa de

ferramentas, que serviria e funcionaria não “para si mesma”, pois, ao fazermos

uma teoria, haveria sempre “outras a serem feitas” (FOUCAULT, 1979, p. 71).

KETLIN KROETZ | SOLANGE CARVALHO DE SOUZA | JOSÉ LUÍS SCHIFINO FERRARO172

Neste momento, percebe-se que Foucault se opõe ao tradicional modo de

analisar os discursos, pois sua postura em relação a eles nos permite inventar

outras possibilidades de pensamento e espaços de problematização. Assim

como Ewald (1993) argumenta, ao realizar um estudo foucaultiano devemos

lançar mão das ferramentas do filósofo que nos são úteis, tomando cuidado,

como aponta Veiga-Neto (2006, p. 83), para utilizá-lo “aqui, ali e em muitos

lugares; mas não necessariamente sempre”. Desse modo, as ferramentas

são “[...] como óculos dirigidos para fora e se não lhe servem, consigam

outros, encontrem vocês mesmos seu instrumento, que é forçosamente um

instrumento de combate” (FOUCAULT, 1979, p. 71).

É importante ressaltar que este capítulo se ocupará de abordar o

discurso em Foucault, dado que existem outras vertentes teóricas re-

lacionadas às análises discursivas e/ou textuais. Pretende-se mostrar a

fecundidade do pensamento foucaultiano, juntamente com a possibilidade

de pensar por meio de ‘diferentes janelas’, trazendo para o campo da

educação não só um outro modo de estudar, mas também uma forma de

cada um inventar a si mesmo de forma singular (FISCHER, 2004). Assim,

as linhas que seguem têm como objetivo desvelar algumas posturas

que poderão ajudar na organização e nas tomadas de decisão do leitor/

pesquisador frente ao seu objeto de investigação.

Breve apresentação da análise do discurso

A Análise do Discurso (AD) teve sua origem nos anos 1950 e 1960, no

auge do estruturalismo. Na perspectiva de Ferreira (2003; 2010), a emer-

gência da AD se deu quando os defensores do estruturalismo pregavam

“[...] a ruptura com a fenomenologia, o psicologismo ou a hermenêutica”

(FERREIRA, 2010, p.18), sendo o sujeito um elemento que incomodava a

análise do objeto científico. Para Ferreira (2003, pp. 39-40), “[...] esse era

o panorama existente na França até 1967, época em que o estruturalismo

viveu seu apogeu, ainda que já desse mostras de certas fissuras internas”.

MICHEL FOUCAULT E A ANÁLISE DO DISCURSO 173

Devido aos movimentos que se deram no campo das ciências humanas,

contudo, observou-se a subversão do paradigma estruturalista. Nesse

cenário transformador, que visa combater o formalismo, principalmente

o linguístico, nasce a AD, que vai retomar os conceitos de historicidade,

língua e sujeito, que foram deixados de lado pelas correntes legitimadas

na época (FERREIRA, 2003).

O quadro teórico-epistemológico da AD torna-se complexo, pois a

cada análise realizada são problematizados determinados conceitos e

redefinidos seus limites, o que não impede que a AD se torne um campo

particular no que diz respeito à forma de conhecimento sobre a linguagem

e se diferencie de outras áreas por seu método e práxis (FERREIRA, 2003).

Embora não exista apenas uma linha na AD, todas apresentam algo em

comum, a rejeição da ideia de que a linguagem é um meio imparcial de

reflexão e descrição do mundo e a consideração do discurso na constru-

ção e interpretação da vida social. Em virtude das mudanças teóricas e

políticas surgidas nas décadas de 1980 e 1990, o desenvolvimento da AD

aproxima-se de diversos pensadores, sendo um deles Michel Foucault.

Elementos de suas obras como Vigiar e Punir (2014), Microfísica do Poder

(1979), A arqueologia do saber (2013) e A Ordem do Discurso (1996) in-

fluenciaram diretamente os estudos relacionados à AD.

O discurso em Foucault

Ao apresentar uma breve noção de discurso como ferramenta metodoló-

gica a partir de Michel Foucault, bem como sua contribuição no sentido

de compreender as formas pelas quais os poderes ligam-se a determi-

nados discursos, é preciso remeter à sua aula inaugural pronunciada em

02 de dezembro de 1970, no Collège de France, intitulada A Ordem do

Discurso. Nessa ocasião, foram explicitadas as condições de possibilidade,

apropriação e utilização de regras de uma prática social expressa por um

conjunto de relações produzidas pelo poder. Não um poder definitivo,

em que uns o possuem e outros não, mas uma relação que se exerce e

KETLIN KROETZ | SOLANGE CARVALHO DE SOUZA | JOSÉ LUÍS SCHIFINO FERRARO174

que opera entre os pares por meio de uma negociação, reivindicação e

dispositivos legais de fiscalização (FOUCAULT, 1996).

Foucault alerta para o perigo de uma proliferação discursiva indefini-

da, uma vez que a produção de todo o discurso, em toda sociedade “[...]

é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída

por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus

poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, equivar sua

pesada e terrível materialidade” (FOUCAULT, 1996, pp. 8-9).

Desse modo, não se pode falar sobre tudo em qualquer lugar, em qualquer

hora, com qualquer pessoa. Todo discurso constitui “[...] um modo de ação,

uma forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente

sobre os outros” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 91). Ademais, segundo Foucault (1996),

por mais que o discurso, em um primeiro momento, aparente ser pouca coisa,

rapidamente é revelada sua ligação tanto com o poder quanto com o desejo.

A respeito disso, Foucault (1996) vai nos mostrar, tal como a psicanálise, que

o discurso não se trata apenas daquilo que o desejo manifesta, mas é também

aquela coisa que é objeto do desejo: “[...] o discurso não é simplesmente aquilo

que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que

se luta, o poder do qual nos queremos apoderar” (FOUCAULT, 1996, p. 10).

Assim como todo discurso advém de um enunciado composto por

determinada formação discursiva, ele também apresenta uma posição ‘ide-

ológica’ ou, melhor dizendo, interessada, pois, dado que os sujeitos possuem

interesses específicos, além de estarem posicionados ideologicamente são

capazes de agir de maneira criativa, isto é, fazer as conexões entre diferen-

tes ideologias e práticas a que são expostos, bem como reorganizar tanto

as práticas quanto as estruturas que os posicionam (FAIRCLOUGH, 2001).

Se tomarmos o primeiro dos três domínios foucaultianos apresentados

por Veiga-Neto, o ser-saber, o filósofo buscou traçar uma arqueologia, isto

é, “[...] definir relações que estão na própria superfície dos discursos; [...]

tornar visível o que só é invisível por estar muito na superfície das coisas”

(FOUCAULT, 2000, p. 146). O projeto arqueológico de Foucault buscou des-

MICHEL FOUCAULT E A ANÁLISE DO DISCURSO 175

naturalizar discursos dados como se estivessem ‘desde sempre aí’, discursos

esses que, de tão imbricados em certa episteme, foram se naturalizando.

Todos os discursos são produzidos no interior de determinada episteme,

compreendida por Castro (2009) como uma estrutura do pensamento na

qual os indivíduos, de determinada época, não podem escapar. Trata-se

de um conjunto de relações que se tornam possíveis em determinada

época, tanto a partir de limitações impostas pelo discurso, quanto a partir

de certo jogo de coerção.

Quando Foucault, em Arqueologia do Saber, define o discurso, destaca

que se refere a “[...] práticas que formam sistematicamente os objetos de

que falam” (FOUCAULT, 2013, p. 60). Os discursos são feitos de signos, mas

utilizam mais do que os signos para designar as coisas, e é isso que os torna

irredutíveis à língua e ao ato da fala: é esse mais que é necessário que apareça.

Mais do que feitos de signos, Foucault (2013) sugere que se encontre o que

está escondido no discurso, mas que seja mantida sua coerência, fazendo-o

surgir na complexidade que lhe é característica. Não é objetivo, portanto,

buscar o que está oculto. Os discursos precisam ser lidos pelo que são, não

como não ditos que esconderiam certa essência ou determinado sentido

(VEIGA-NETO, 2004). Os discursos passam a constituir o ponto focal das

práticas investigativas, e nesse sentido sugere-se que sejam vistos em sua

materialidade, como implicados na constituição de práticas e de sujeitos

(BUJES, 2007). Nossas opções teóricas acabam não apenas por conduzir as

escolhas em termos de corpus empírico da investigação, mas também por

nos induzir a trilhar certas sendas de investigação, e não outras.

Dentre as definições foucaultianas de discurso, Foucault (2013, p. 143)

aponta que o discurso trata-se de “um conjunto de enunciados, na medida

em que se apoiem na mesma formação discursiva”. Por formação discursiva

compreende-se um complexo jogo de relações que funcionam como princípios

que ditam a que a prática discursiva deve se relacionar para que se refira a

determinado objeto, para que se valha de tal conceito; para que empregue

certa enunciação e para que engendre estratégias adequadas. A formação

KETLIN KROETZ | SOLANGE CARVALHO DE SOUZA | JOSÉ LUÍS SCHIFINO FERRARO176

discursiva define o que Foucault (2013) chama de sistema de formação, e

torna peculiar um conjunto de enunciados que obedecem a regularidades.

Sempre presentes em um campo discursivo, as formações discursivas

são relacionadas a determinado campo de saber. Ao falarmos em discurso

pedagógico, publicitário, médico, feminista, entre tantos outros, estamos

determinando que cada um deles é composto por um conjunto de enuncia-

dos ancorados em certa formação discursiva (FISCHER, 2001), seja esta da

medicina, da economia ou da pedagogia. Todos esses discursos podem ser

concebidos como um conjunto de enunciados por estarem apoiados em

regras que engendram sua formação e definem a regularidade dos objetos.

Assim, podemos esboçar relações entre as formações discursivas e

seus enunciados no interior da constituição do campo discursivo, como

pode ser visto na Figura 1.

COMPOSTOS POR UMA COMPLEXIDADE DE

TOMAM COMO REFERÊNCIA O CAMPO

FORMAÇÕES DISCURSIVAS

PRÁTICAS

DISCURSIVOS

NORMATIVO

ENUNCIADOSSOCIAL

ÉTICA NA RELAÇÃO SUJEITO/OBJETO

CONSTITUEM

INSERIDOS EM UMA DIMENSÃO

ORIENTAM

AO REGULAREM

DETERMINAM UMA

REFLETIDA NA DIMENSÃO

TEM CARÁTER

Figura 1. Relações entre as formações discursivas e seus enunciados no interior do campo discursivo.Fonte: Os autores.

MICHEL FOUCAULT E A ANÁLISE DO DISCURSO 177

Assim, a AD na perspectiva foucaultiana diz respeito aos modos como,

no interior dos discursos, um objeto é produzido a partir das práticas

relacionadas aos seus modos/possibilidades de enunciação. São essas

formas de enunciá-lo − e as práticas que delas derivam − que devem

balizar o pesquisador, conduzindo-o a uma compreensão de perspectiva

arqueológica e genealógica. Cabe lembrar que, se o objeto da análise for

o próprio sujeito, o movimento deve ser o mesmo: descobrir como ele se

constitui no interior dos discursos a partir da maneira como é enunciado

por distintas formações discursivas.

Tomando como referência o que Foucault (2014) fala sobre a prisão,

ao citar que as monografias da época se centravam mais em estudos de

um objeto particular do que na tentativa de fazer vir novamente à tona

os pontos em que um tipo de discurso se produziu e se formou, o filósofo

questiona: o que seria hoje um estudo sobre uma prisão ou sobre um

hospital psiquiátrico? Resumidamente, sua resposta é: fazer uma história

monográfica, com descrição de dados, relatos sobre a história da insti-

tuição, a cronologia dos diretores, a rotina dos envolvidos, enfim, fazer

emergir o arquivo do hospital, fazendo-o aparecer a partir das tentativas

de reconstituição e imbricação do discurso no processo, na história. Com

isso, fica mais claro que as categorias de análise de uma possível AD em

Foucault emergem de condições de possibilidade do discurso que – ob-

viamente − levam em conta o discursivo, mas também o não discursivo,

na medida em que uma prática não é propriamente “o” discurso, mas

carrega consigo – desde sua gênese − uma orientação discursiva.

Sugestões

Fundamentados em Veiga-Neto e Rech (2014), apontaremos a seguir

algumas das inúmeras sugestões/dicas desses autores para auxiliar o

leitor a pensar de outro modo.

Menos é mais: a ideia expressa pelos autores diz respeito a uma

utilização ‘não exagerada’ dos aportes do filósofo. Ao apontar que não

KETLIN KROETZ | SOLANGE CARVALHO DE SOUZA | JOSÉ LUÍS SCHIFINO FERRARO178

existem heróis, autores ideais, e que nesse sentido devem ser evitados

os ‘fã-clubes’, Veiga-Neto e Rech (2014) sugerem que prestemos mais

atenção tanto nos detalhes e na potência quanto nos limites do pensa-

mento do filósofo − menos militância e mais ativismo, nesse sentido, não

necessários. Assim, a ideia é se apropriar do pensamento de Foucault de

maneira equilibrada, sem excessos (como se quisesse fazer que todo o

estudo ‘ecoasse’ em torno de seus escritos).

Utilize Foucault de modo interessado: devem ser utilizadas as ferra-

mentas que podem ser úteis em nosso estudo. Foucault pode ser utilizado,

mas não necessariamente sempre, dado que, se nos fundamentarmos

apenas nos aportes teóricos e metodológicos de Foucault, podemos limi-

tar nossos estudos. Sugere-se, desse modo, ir além do seu pensamento,

mantendo ao filósofo, como sugere Veiga-Neto (2006), uma ‘fidelidade

infiel’ que consiste em uma espécie de ambivalência, pois, ao praticar a

liberdade, na medida em que o deixamos para trás, continuamos sempre

presos a Foucault: “É sendo fiel ao seu pedido que o abandono sem que

venha jamais a abandoná-lo” (VEIGA-NETO, 2006, p. 11). Dado que todos

os livros de Foucault são como pequenas caixas de ferramentas, que temos

dois tipos de ferramentas (metodológicas e conceituais) e que precisamos

das duas para exercitar nossa análise, não devemos escolhê-las a priori.

Sugere-se utilizar apenas as ferramentas que necessitamos em nossa

pesquisa, evitando os excessos e focando apenas naquilo que nos convém.

Desconfie das metanarrativas: não se trata de argumentar contra

as metanarrativas modernas, mas de desnaturalizá-las e mostrar seu ca-

ráter contingente. Não devemos buscar a origem das coisas, mas realizar

uma crítica, nos questionando sobre as condições que possibilitaram a

existência de determinadas narrativas e não outras. Em suma, trata-se

de tornar “difíceis os gestos fáceis demais” (FOUCAULT, 2006, p. 180),

praticando a hipercrítica, e não iniciar nossos estudos tomando como

pressuposto algo já dado e autodemonstrado.

Pense de outros modos: desconstrua, estranhe, o filósofo jamais

tomou a escrita como um intuito e como um fim (DELEUZE, 2005). Isso

possibilita utilizar o pensamento foucaultiano sem precisar ‘jogar tudo fora’,

MICHEL FOUCAULT E A ANÁLISE DO DISCURSO 179

mas realizar um exercício crítico sobre o nosso próprio pensamento, dado

que “há sempre pensamento, mesmo nos hábitos mudos” (FOUCAULT,

2006, p. 180). O segredo é saber fazer escolhas e saber que, apesar de

nossas escolhas, não existe um parâmetro que nos permita julgar o valor

de verdade de um discurso, pois a verdade é conduzida por relações de

poder que instituem critérios de legitimidade que estabelecem o que

pode ser concebido como falso ou verdadeiro (FOUCAULT, 1979). O que

podemos ter, ainda que isso nos mantenha em uma sensação de segurança

temporária, são hipóteses provisórias e parciais (COSTA, 2007).

Na dúvida, prefira o silêncio: antes de dizer algo, deve-se pensar muito

bem no que será dito, pois do que não se sabe falar, como sugere Wittgenstein

(1987), deve-se ficar em silêncio. De certo modo, tais afirmações corroboram

os escritos do filósofo em A Ordem do Discurso, em que o autor menciona

não se poder falar tudo em qualquer momento (FOUCAULT, 1996). Ao utilizar

determinado termo foucaultiano, conheça-o, defina-o e tenha certeza de

que ele se trata da ferramenta adequada a ser utilizada em seus escritos. O

segredo é saber fazer escolhas.

Faça uma leitura monumental: sugere-se que os materiais de pesquisa

sejam lidos como monumentos, isto é, que seja realizada uma análise mo-

numental sobre eles. No que consiste tal análise? Os textos, enunciados e

práticas podem ser lidos em sua exterioridade, isto é, sem adentrar na lógica

interna que prescreve a ordem do enunciado (VEIGA-NETO, 2004), o que

não exclui a análise documental. Partindo desse pressuposto, tem-se que os

documentos não devem ser analisados como se mostrassem determinada

verdade, mas como uma “[...] massa de elementos que devem ser isolados,

agrupados, tornados pertinentes, inter-relacionados, organizados em conjun-

tos” (FOUCAULT, 2013, p. 8) para que se transformem, assim, em monumentos.

Sempre haverá outros autores: existem outros autores. Não se iluda,

pois com as teorizações foucaultianas você não encontrará ‘receitas’,

tampouco soluções. A quem estiver interessado em prescrever verdades,

faz-se necessário utilizar outros autores, e sempre existirão autores mais

confortantes (VEIGA-NETO; RECH, 2014).

KETLIN KROETZ | SOLANGE CARVALHO DE SOUZA | JOSÉ LUÍS SCHIFINO FERRARO180

Considerações

A escolha pelo referencial foucaultiano deve-se ao permanente convite

e estímulo que o autor faz para olhar o que ocorre em torno de nós, a

observação dos detalhes da vida cotidiana, a comunicação, os gestos e

comportamentos que vêm nos moldando conforme a herança histórica

e cultural. Por outro lado, é preciso destacar a visibilidade permitida pelo

modo com que Foucault devota seu olhar à história a partir da análise

das emergências discursivas. Foucault nos permite a construção de uma

história do presente, lançando seu olhar crítico que acaba por conduzir-

-nos a uma constante (re)problematização dos dispositivos no interior

das recorrentes e cotidianas relações de saber-poder.

Seu trabalho atravessa um conjunto diverso de áreas do conhe-

cimento, como psicologia, história, geografia, psiquiatria, medicina,

direito, economia, ciência política e educação. No entanto, sugere-se

que não se procure uma verdade absoluta em seus escritos, tampouco

binarismos e pensamentos que julgam o que pode ser considerado bom

ou ruim (VEIGA-NETO; RECH, 2014). Ao realizar um exercício de crítica

e problematização sobre determinados discursos, criamos condições de

possibilidade para pensar de outro modo.

Apesar de reconhecermos a riqueza das ideias de Michel Foucault,

percebemos o quanto é delicado entrarmos em um campo de estudo utili-

zando suas ferramentas metodológicas, tanto pelo cuidado que devemos

ter ao afirmar certas ‘verdades’ quanto pela atração, ousadia e aventura

de ver o sujeito como ele é, com suas limitações, subjugações e injunções

visíveis a partir de suas “n” possibilidades de agenciamentos (DELEUZE;

GUATTARI, 2010). Enfim, reconhecer esse Homo dócilis imbricado de

mudanças e que atravessa o tempo buscando ser civilizado e obedecer

ao relógio da vida. Complementando, “Jamais esqueça”: “Foucault não

é nem nunca será “pau para toda obra”” (VEIGA-NETO; RECH, 2014, p.

79, grifos dos autores).

MICHEL FOUCAULT E A ANÁLISE DO DISCURSO 181

REFERÊNCIAS

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WITTGENSTEIN, L. Tratado lógico-filosófico e Investigações Filosóficas. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1987.

CAQDAS COMO FERRAMENTA NA PESQUISA QUALITATIVA

MARLÚBIA CORRÊA DE PAULA

LORÍ VIALI

GLENY TEREZINHA DURO GUIMAR ÃES

Este capítulo tem por objetivo descrever quais softwares foram utilizados

para o tratamento das informações, em análises textuais, de pesquisas

qualitativas, no período entre 2004-2015. Com esse fim, passa-se a

minuciar quais trabalhos (dissertações e teses) têm predominado e

qual tipo de análise textual prevaleceu no período escolhido para a

coleta de dados.

O material de que se compõe este capítulo tem sua origem no artigo

apresentado no CIAIQ11.O texto utilizado naquele artigo foi resultado

de ampliação de trabalho apresentado no 5º CIAIQ e publicado em suas

Atas, sob o título “Pesquisa qualitativa como área para um crescente

uso de CAQDAS na análise textual” (Paula, Viali e Guimarães, 2016).

1 1 5º CIAIQ (Congresso Ibero-americano em Investigação Qualitativa) realizado no Porto – Portugal, Universidade Lusófona do Porto (ULP), de 12 a 14 de julho de 2016. Após a apresentação dos trabalhos, alguns artigos foram selecionados para publicação em revistas, motivo pelo qual o artigo de título “O Uso de Caqdas na Pesquisa Qualitativa: Perfil da Última Década” encontra-se na integra disponível, na revista Internet Latent Corpus Journal, disponível em <http://revistas.ua.pt/index.php/ilcj/article/view/4534>. A RCLI tem por temática em suas publicações o desenvolvimento de metodologias de investigação que tratem de dados com potencial latente, já disponíveis na internet, bem como o estabelecimento de aplicações e relações com os problemas clássicos de cada área de investigação, que se possa lançar luz em novas implicações e encaminhamentos, conforme seus fundamentos teó-ricos. Disponível em: <http://revistas.ua.pt/index.php/ilcj/about/editorialPolicies#sectionPolicies>.

MARLÚBIA CORRÊA DE PAULA | LORÍ VIALI | GLENY TEREZINHA DURO GUIMARÃES184

Constata-se que, em termos de métodos de pesquisa qualitativa,

faz-se necessário analisar não só os caminhos norteados pelas escolhas

dos pesquisadores ao realizarem as suas investigações, mas, além disso, os

recursos que utilizam durante as análises textuais realizadas. Diante disso,

convém examinarmos a questão do uso de software sob dois aspectos.

Num primeiro aspecto, o número de pesquisas que utilizam software

em análises textuais aqui no Brasil ainda é pequeno em relação ao total

de pesquisas que utilizam software para outros fins. Esse dado ficou

evidente ao relacionarem-se os dados resultantes das buscas realizadas,

conforme será tratado nos próximos tópicos. Só é possível colaborar

para que este número apresente um melhor crescimento pesquisando

sobre as potencialidades desse uso.

Num segundo aspecto, é visível que o uso de software num processo

de análise textual ainda é motivo de indagação quanto à sua validade por

parte de pesquisadores. Isso se constitui não só em espaço de pesquisa,

mas também em necessidade de fazê-la. No entanto, não só o uso de

software requer uma ampliação de estudos. Conforme se pode observar

neste livro, alguns tipos de pesquisa qualitativa ainda são pouco utilizadas

devido às modestas presenças em trabalhos publicados. Um exemplo

disso é discutido no Capítulo 9, em que a autora discorre sobre o uso de

Design e enuncia ser esse modo de realizar pesquisa qualitativa pouco

utilizado no itinerário brasileiro de pesquisas.

No entanto, constatou-se que aspectos sobre como e quando

utilizar um software numa análise textual são questões que vêm sendo

apresentadas em artigos e, da mesma forma, em dissertações e teses.

De forma tímida, os eventos que tratam de pesquisa qualitativa têm se

mostrado território de exposições dessas ocorrências. O CIAIQ tem sido

um espaço inclusive de discussões que tem contado com a presença de

autores de relevância na pesquisa qualitativa. Nesse evento, também

tem ocorrido a demonstração do uso de softwares, o que, ao longo

dos anos, deverá produzir efeitos ainda maiores sobre as escolhas dos

pesquisadores.

CAQDAS COMO FERRAMENTA NA PESQUISA QUALITATIVA 185

Ao utilizar a sigla CAQDAS (Computer Assisted Qualitative Data Analysis

Software), adota-se a compreensão do que é expresso por Kelle (1997, p.3),

pois: “[...] um CAQDAS representa “uma série de programas de computador

orientados para o auxílio na análise de dados qualitativos”

Visto que esse livro reúne artigos sobre métodos de pesquisa quali-

tativa, a presença de um levantamento sobre o uso de CAQDAS torna-se

essencial, uma vez que os próprios recursos utilizados neste cunho de

pesquisa, em função das tecnologias, têm sido indiscutivelmente variados.

Ao perceber que a própria análise textual não só pode como tem recorrido

a esses usos, então que se passe a observá-los e a compreender como

e quando esses softwares podem implementar os processos de análise.

No que se refere às análises, pode-se considerar que existem “dife-

rentes abordagens à análise de dados na pesquisa qualitativa, algumas

delas mais gerais e outras mais específicas para determinados tipos de

dados pois, todas elas têm em comum o fato de serem baseadas em aná-

lise textual” (FLICK, 2009, p. 13). Para Flick, qualquer tipo de material na

pesquisa qualitativa (entrevistas, questionários, entre outros) deve ser

preparado para ser analisado como texto. Há neste livro, no Capítulo 3,

uma abordagem referente aos diferentes tipos de pesquisa qualitativa. E

no que se refere aos instrumentos de coletas de dados, o Capítulo 4 expõe,

em todo seu teor, argumentações sobre as observações, as bibliografias

e os documentos, as entrevistas, os questionários e formulários, as fotos

e os vídeos. Esses elementos oferecem ao leitor uma complementação

ao texto que por ora se expõe resumidamente aqui.

Com relação ao período escolhido para esta análise, constatou-se

que, em anos anteriores, mais especificamente na década de 1980, os

softwares para uso em análises qualitativas estavam em fase de estudos

nos Estados Unidos e na Inglaterra, conforme apontam Teixeira & Becker

(2001). Aqui no Brasil, nos anos 1990 ainda não eram comuns as pesquisas

qualitativas com análises textuais realizadas com uso de softwares. Isso

se justifica uma vez que, nessa época, os softwares não eram próprios para análises textuais, pois não estavam adaptados para esse fim.

MARLÚBIA CORRÊA DE PAULA | LORÍ VIALI | GLENY TEREZINHA DURO GUIMARÃES186

Naquele contexto, para poder utilizar um software, o pesquisador pre-

cisaria ter outros conhecimentos, pois era necessário adaptar (ou dobrar,

na linguagem do autor) um programa para os seus próprios fins, evitando

que ficasse preso às suas premissas e quadros (WHEITZMAN, 1999).

Percebe-se, no entanto, que o cenário mudou. A fase em que um

software precisava ser acomodado para os fins da pesquisa qualitativa já

foi ultrapassada. No decorrer deste capítulo, serão apresentados softwares

correlatos às análises, evidenciando, assim, que já há uma predominância

desses usos em algumas Instituições de Ensino Superior (IES).

Pode-se afirmar que se vive uma outra época, na qual cada software

oferece (des)vantagens ao alcance do pesquisador para cada tipo de

pesquisa realizada, e em que os manuais explicitando seus usos, com

sugestões e encaminhamentos, encontram-se disponíveis na rede mundial.

Quanto aos aspectos metodológicos, para a realização deste capítulo

mantém-se a compreensão de Minayo (2013, p. 14). Desse modo, “[...]

metodologia é o caminho percorrido pelo pensamento e a prática exercida

na abordagem da realidade”. Assim, adotou-se como caminho percorrido

uma busca ao portal BDTD/IBCT (Biblioteca Digital Brasileira de Teses

e Dissertações, constituinte do Instituto Brasileiro de Informação em

Ciências e Tecnologias), selecionando os trabalhos por palavras-chave

(pesquisa qualitativa; software; educação).

Como resultado, foram encontrados 200 trabalhos (43 teses e 157

dissertações). Desse total, após a leitura dos resumos e, em alguns casos,

da parte metodológica dessas pesquisas, foram selecionados 31 trabalhos,

pois os demais apresentavam softwares para outros fins. A busca por meio

das palavras-chave já mencionadas resultou em trabalhos de outras áreas.

Optou-se por não descartá-los, uma vez que em todos estava presente o

uso de um CAQDAS (Computer Assisted Qualitative Data Analysis Software)

auxiliando um modo de análise textual. Outro aspecto considerado nor-

teador para manter a apresentação dos resultados, neste artigo, além da

área de educação, foi a necessidade de se poder realizar um comparativo.

CAQDAS COMO FERRAMENTA NA PESQUISA QUALITATIVA 187

Desse modo, percebeu-se que há uma predominância de CAQDAS

em outras áreas. Esse artigo está organizado da seguinte forma: em seu

primeiro tópico, são mencionados autores que tratam dos medos e das

esperanças do uso de computadores e softwares na pesquisa qualitativa;

no segundo tópico, apresenta-se o uso de softwares em análises textuais,

buscando reflexões sobre seus aspectos condicionantes ou determinan-

tes; no terceiro tópico, apresenta-se o mapeamento realizado sobre o

uso de CADQAS no período de 2004-2015, mencionando, também, a

análise textual realizada pelo pesquisador que utiliza este recurso. Para

apresentação do levantamento que resultou em 31 trabalhos, atribuiu-se

o código T (de T-1 a T-31). Por fim, são feitas as considerações finais.

A origem de computadores na pesquisa qualitativa

Para tratar das origens do uso de computadores na pesquisa qualitativa,

recorre-se ao uso das publicações de Drass (1980) e de Seidel & Clark (1984).

Esses autores fundamentaram os estudos sobre os modos pelos quais os

computadores poderiam ser utilizados, naquela época, nas pesquisas qua-

litativas. No entanto, é essencial considerar que, no entorno dos anos 1980,

os computadores ainda estavam em fase de ampliação de suas possibilida-

des. Pode-se dizer que eram protótipos do que hoje são e podem realizar.

No que se refere ao uso de CAQDAS na pesquisa qualitativa, ainda

persistem ideias advindas da década de 1990, quando alguns pesquisadores

acreditavam que os softwares, por meio de seus desenvolvedores, possu-

íam suposições, modelos conceituais e, às vezes, até ideologias teóricas e

metodológicas, com implicações importantes para o impacto que o uso

de um programa teria nas análises, conforme aponta Wheitzman (1999).

Isso também era assumido por Kelle (1997) e Barry (1998), pois, para esses

autores, o uso de software envolvia a presença de medos e esperanças.

Em relação aos medos, Lee & Fielding (1998) destacavam a eventual dis-

tância entre o pesquisador e os seus dados. Parecia haver uma crença de que, se

os dados eram automaticamente manipulados, fazendo-se uso das facilidades

MARLÚBIA CORRÊA DE PAULA | LORÍ VIALI | GLENY TEREZINHA DURO GUIMARÃES188

oferecidas pelas janelas de um software, o pesquisador distanciava-se das rela-

ções que se estabeleciam. E qual pesquisador não tem este temor? No entanto,

hoje isso precisa ser ponderadamente analisado, pois se sabe que não há, no

CAQDAS, por melhor que tenha sido estruturado para uma análise textual,

possibilidades de realizar relações sem a escolha consciente do pesquisador.

As escolhas de quem pesquisa encaminham as decisões advindas

de objetivos norteados pelo problema de pesquisa. Esses elementos são

estruturados em projetos ou planos de estudo, que são construídos em

fase anterior à seleção de um CAQDAS. Claro, é preciso conhecer bem

o recurso tecnológico escolhido que atenda à pesquisa a ser realizada.

O que há, com certeza, como resultado do uso deste tipo de recurso, é

maior agilidade e profundidade oferecidas ao apresentar os resultados

dessas escolhas. E é essa agilidade que gera esperanças de obter melhores

resultados provenientes da coleta de dados realizada para a pesquisa.

Ainda em relação ao uso de computadores, mais especificamente às

escolhas de como fazer determinada tarefa, Valente (1997, p. 19) afirma que:

[...] a análise dessa questão nos permite entender que o uso

inteligente do computador não é um atributo inerente ao

mesmo mas está vinculado à maneira como nós concebemos

a tarefa na qual ele será utilizado. [...] um software só pode

ser tido como bom ou ruim dependendo do contexto e do

modo como ele será utilizado. (p. 19).

O autor, nesse fragmento de texto, referia-se ao uso educacional dos

computadores, o que se estende às questões de uso na pesquisa qualitativa.

Consoante a isso, em relação ao uso em estudos qualitativos, Puebla (2003)

sinaliza que existem três tipos de posições adotadas por pesquisadores quanto

ao uso de softwares nos estudos qualitativos.

No primeiro grupo, estariam aqueles pesquisadores que preferem práticas

artesanais de trabalho, excluindo o uso do computador. No segundo grupo,

encontram-se aqueles que utilizam o computador fazendo uso de planilhas e

CAQDAS COMO FERRAMENTA NA PESQUISA QUALITATIVA 189

processadores de texto, que normalmente são utilizadas para outros objetivos.

E, no terceiro grupo, estão aqueles pesquisadores que utilizam programas

desenvolvidos para a pesquisa qualitativa.

Diante do exposto, o grupo de pesquisadores simpatizantes de estudos

qualitativos implementados pela presença de CAQDAS ainda é modesto,

conforme os resultados que serão apresentados no decorrer deste capítulo.

Convém ressaltar que escrever sobre este tema envolve bem mais do

que apenas responder às indagações sobre o uso de um CADQAS durante os

procedimentos que envolvem as análises textuais da pesquisa qualitativa, pois

o próprio cunho de pesquisa, por ser qualitativo, já carrega em si seus próprios

pontos fracos. E esses pontos são compreendidos por Stake (2011, p.39), pois:

[...] os estudos qualitativos têm seus defensores e seus oposi-

tores. Eu sou um grande e profundo defensor. No entanto, há

muito tempo observo a decepção de alguns patrocinadores e

colegas. Os pontos fracos são basicamente o que os opositores

dizem ser. A pesquisa qualitativa é subjetiva. É pessoal. Suas

contribuições para tornar a ciência melhor e mais disciplinada

são lentas e tendenciosas. Novas perguntas surgem com mais

frequência do que novas respostas. [...] os fenômenos que são

estudados pelos pesquisadores qualitativos são geralmente

longos, causuais e envolventes.

Logo, o uso de CADQAS durante a análise textual de um estudo

qualitativo ainda é um desafio a ser superado, tanto em qualidade como

em quantidade. Não se poderia esperar algo diferente ao unir um modo

de verificação que apresenta um paradigma de pesquisa subjetivo a um

recurso tecnológico. E esse não é um recurso qualquer. Os CAQDAS

ainda são, para grande número de pesquisadores, elementos estranhos

aos processos de análises textuais, pois, como refere Puebla (2003), há

os detentores de práticas artesanais.

No entanto, não se pode supervalorizar o uso de um software.

Preservados os devidos limites do uso de CAQDAS, pode-se considerar,

MARLÚBIA CORRÊA DE PAULA | LORÍ VIALI | GLENY TEREZINHA DURO GUIMARÃES190

como afirma Lévy (2011, p. 26), que “uma técnica não é boa, nem má

(isto depende dos contextos, dos usos e dos pontos de vista), tampouco

neutra”. Por isso, esforços em reunir dados para publicações sobre pes-

quisas que vencem novos desafios, em seus modos de análises textuais,

não devem ser minimizados.

Softwares em ATD: condicionar ou determinar

O uso de softwares em pesquisas de cunho qualitativo ainda é, de certo

modo, novidade em alguns de seus aspectos. O pouco conhecimento sobre

as (des)vantagens de um CAQDAS ainda oferece espaços para estudos.

Isso se confirma por meio de mapeamentos, em que emergem trabalhos

predominantemente quantitativos quando se busca a presença de softwares.

Percebe-se que ainda há uma necessidade de estudos para um maior

e melhor uso de softwares voltados ao uso qualitativo, traz a pesquisa a

presença dos CAQDAS. Se as tecnologias variam em seus formatos para

os mais diversos usos cotidianos, é natural que a pesquisa social também

seja cada vez mais um espaço para esses usos.

Um melhor uso de CAQDAS é impulsionado também pelos vários

modos de utilização dos instrumentos de coleta. Esses usos têm sido

ampliados em função da ubiquidade das tecnologias atuais.

Atualmente, as tecnologias têm contribuído com a potencialização

das conexões, ampliando as formas de comunicação e as mediações de

um-um para todos-todos, conforme aponta Lévy (1998). É natural que

isso ofereça reflexos também no modo como são coletados os dados. Um

exemplo são as possibilidades atuais dos modos de obtenção de respostas

de um simples questionário.

Se, em épocas anteriores, os questionários precisavam ser impressos,

atualmente podem variar em formatos virtuais sem chegar a passar por

uma impressora em nenhuma de suas fases de ocorrência na pesquisa

qualitativa. E as respostas desses questionários podem passar por aná-

CAQDAS COMO FERRAMENTA NA PESQUISA QUALITATIVA 191

lises textuais sem sequer ocupar uma única folha de papel. Toda essa

performance ainda é razoavelmente nova.

Todas essas questões podem, dentro dos procedimentos que en-

volvem as pesquisas qualitativas, torná-las ainda mais dinâmicas. Nesse

processo, o tempo utilizado para gerar materiais impressos para análises

pode muito bem ser ampliado na contabilização de seu uso, como o

tempo utilizado em leituras que tornam as idas e vindas ao texto, com

maiores possibilidades de imersões e aprofundamentos, tão requeridos

aos processos de análises textuais.

Todo CAQDAS tem vantagens ou até mesmo desvantagens a ofere-

cer em seu uso. Talvez a vantagem esteja ligada não tanto ao potencial

do software, mas sim a uma escolha equivocada. Quanto ao uso de cada

software e suas possibilidades, há diversos artigos, especialmente do ano

2000 para cá, que delineiam os CAQDAS e apontam suas características,

quase que os individualizando para cada tipo de pesquisa.

Visto que os CAQDAS não são o objeto de estudo deste artigo, eles

não são especificados aqui, exceto quando tiverem sido objeto de estudo

de uma tese ou dissertação, momento em que é feita a devida chamada

de atenção para esse trabalho. Tendo sido esclarecidas as vantagens e

desvantagens dos softwares, por meio de publicações que apresentam

os CAQDAS, não há por que ter receio deste caminho. E, não é o caso de

uso incorreto, para trazer dissabores ao pesquisador. Cabe ao pesquisador

analisar bem todos os recursos selecionados para uso durante a pesquisa.

Ao CAQDAS cabe apenas o papel de recurso.

Talvez, (re)conhecer um software adequado possa ser um dos entra-

ves para maior junção entre estudos qualitativos e CAQDAS. O uso de

softwares, conforme Gibbs (2009, p.136):

[...] transformou a análise de dados qualitativos de muitas

formas. Em primeiro lugar, a introdução de equipamentos

de gravação mecânica mudou não somente a forma como os

dados qualitativos são coletados, mas também possibilitou

MARLÚBIA CORRÊA DE PAULA | LORÍ VIALI | GLENY TEREZINHA DURO GUIMARÃES192

novas formas de analisá-los. A facilidade de obter o que parece

um registro completo de entrevistas, conversas e outros do

gênero possibilitou um exame muito mais minucioso do que

estava sendo dito e como estava sendo expressado. A análise

de narrativa e conversação e discurso seria extremamente

difícil, se não impossível, sem a gravação de voz. Entretanto,

desde meados da década de 1980, a tecnologia que teve mais

impacto na pesquisa qualitativa foi o computador pessoal,

inicialmente no desenvolvimento de análise de dados quali-

tativos por programas de computador (software de análise

de dados qualitativos SADQ) e, mais recentemente, na intro-

dução de tecnologias digitais, como câmeras e áudio e vídeo.

No entanto, de acordo com o atual estágio de uso das tecnolo-

gias, especialmente das TDIC (Tecnologias Digitais de Informação e

Comunicação), não se pode mais optar por uma visão conservadora dos

fatos que nega à pesquisa qualitativa uma atualização em seus modos de

realização. Para Lévy (2008):

O acúmulo da cegueira é atingido quando as antigas técnicas

são declaradas culturais e impregnadas de valores, enquanto

que as novas são denunciadas como bárbaras e contrárias à vida.

Alguém que condena a informática não pensaria nunca em criticar

a impressão e menos ainda a escrita. Isto porque a impressão e a

escrita (que são técnicas!) a constituem em demasia para que ele

pense em apontá-las como estrangeiras. Não percebe que sua

maneira de pensar, de comunicar-se com seus semelhantes, [...],

são condicionadas por processos materiais. (p. 15).

Em relação aos condicionantes, Lévy (2011) questiona: a tecnologia

é determinante ou condicionante? Semelhante pergunta poderia ser rea-

lizada para os pesquisadores em relação ao uso de softwares na pesquisa

qualitativa. Ainda, diante desta questão, o autor propõe outras indagações:

CAQDAS COMO FERRAMENTA NA PESQUISA QUALITATIVA 193

As técnicas determinam a sociedade ou a cultura? [...] Uma

técnica é produzida dentro de uma cultura, e uma sociedade

encontra-se condicionada por suas técnicas. E digo, condi-

cionada, não determinada. Essa diferença é fundamental.

[...] Dizer que a técnica condiciona significa dizer que abre

algumas possibilidades, que algumas opções culturais ou

sociais não poderiam ser pensadas a sério sem sua presença.

Mas muitas possibilidades serão abertas, e nem todas serão

aproveitadas. As mesmas técnicas podem integrar-se a con-

juntos culturais bastante diferentes (LÉVY, 2011, pp. 25-26).

Pensando nos fundamentos e tradições em relação à pesquisa qualitativa na

educação, Esteban (2010) esclarece que “a pesquisa educacional está integrada

no conjunto das Ciências da Educação que, por sua vez, se inserem nas Ciências

Humanas e Sociais. A relação entre ambas se deve ao fato de compartilharem

o mesmo objeto de estudo, o ser humano” (p. 11). É a modificação da ação

humana que pode trazer ao uso da pesquisa qualitativa o uso de CAQDAS.

Aproveitando esse enfoque sobre a questão humana na pesquisa, isso

pode ser considerado sob um ponto de vista complementar, pois, para Stake

(2011), “a pesquisa não é uma máquina que processa fatos. A máquina mais

importante em qualquer pesquisa é o pesquisador. Ou uma equipe de seres

humanos. [...] os seres humanos são os pesquisadores. Os seres humanos

são os sujeitos do estudo. Os seres humanos são os intérpretes [...]” (p. 46).

A percepção descrita por Stake (2011) refere-se a uma atenção ao

pesquisador para que o uso de um CAQDAS torne-se confiável e ocorra

com maior frequência. Dessa forma, percebe-se que o pesquisador precisa

identificar no CAQDAS os aspectos que confiram ao seu estudo melhores

resultados, para, então, poder fazer um bom uso − desde que esses resul-

tados apresentem maior agilidade, aliada a uma maior profundidade nas

suas conclusões por meio das condições oferecidas por essas tecnologias.

O software, seja qual for, não é um determinante da pesquisa, mas pode

oferecer oportunidades de melhores resultados.

MARLÚBIA CORRÊA DE PAULA | LORÍ VIALI | GLENY TEREZINHA DURO GUIMARÃES194

Considerando a aquisição de confiança no uso de um CAQDAS, pas-

sa-se, no próximo tópico, à apresentação de softwares identificados em

análises textuais de estudos qualitativos, bem como do tipo de análise

realizada. Dessa forma, tem-se uma ideia do que tem predominado em

relação ao uso de softwares.

O uso de CAQDAS: mapeamento

Para registrar a busca realizada no portal BDTD/IBCT, fez-se uso de

um mapa teórico. O mapeamento na pesquisa educacional, conforme

Biembengut (2008):

[...] pode ser abordado sob dois enfoques. O primeiro enfoque

consiste em mapear, ou seja, organizar os dados ou entes de

forma harmônica de maneira a oferecer um quadro completo

deles, uma representação, um mapa onde conste o que for

significativo e relevante. O segundo enfoque, mais completo,

além da organização dos dados ou entes da pesquisa, consiste

em compreendê-los em sua estrutura e seus traços. (p.74).

Dessa forma, os trabalhos encontrados foram identificados (instituição,

curso, ano, tipo de software e de análise), classificados segundo os tipos

de softwares e análises textuais, e organizados, para então proceder à

análise e passar à descrição por meio da elaboração do texto que compõe

os próximos tópicos deste artigo.

Apresenta-se na Tabela 1 o resultado da seleção de trabalhos publi-

cados no portal BDTD/IBCT. Todos os 31 trabalhos selecionados (todos

listados na seção “Referências” ao final deste texto) foram numerados

de T-1 a T-31 para uma melhor apresentação.

CAQDAS COMO FERRAMENTA NA PESQUISA QUALITATIVA 195

Tabela 1. CAQDAS: teses e dissertações no período de 2004 a 2015

CURSO/INSTITUIÇÃO/ANO (M/D) SOFTWAREANÁLISE TEXTUAL

T-1. Ciências da Saúde – FIOCRUZ 2015 (D) NVivo AC

T-2. Informática – UFPB 2011 (M) Atlas.ti AD

T-3. Educação Física – UFSC 2015 (M) Atlas .ti AC – Narrativas

T-4. Educ. para a Ciência – UNESP 2013 (D) Hemera

T-5. Informática – UFAM 2011 (M) Atlas.ti Grounded Theory

T-6. Informática na Educação – UFRGS 2011 (D)Minera Forum

Análise de Fóruns de Discussão

T-7. Psicologia – UCB 2004 (M) Alceste + SPSS

AC (Quali/Quanti)

T-8. Ciências da Computação – UFPE 2008(D)

NVivo Grounded Theory

T-9. Nutrição – UFSC 2012(M) Alceste Análise Lexical

T-10. Saúde da Criança e do Adolescente – UFPE 2013 (M)

Análise Lexical

T-11. Educação Física – UFSC 2013 (M) NVivo Análise Lexical

T-12. Educação – PUCPR 2007 (M) Sphinx AC (Quali/Quanti)

T-13. Educação – UFRGS 2014 (M) NVivo AC

MARLÚBIA CORRÊA DE PAULA | LORÍ VIALI | GLENY TEREZINHA DURO GUIMARÃES196

CURSO/INSTITUIÇÃO/ANO (M/D) SOFTWAREANÁLISE TEXTUAL

T-14. Ciências da Motricidade – UNESP 2012 (D) QDA Miner

TFD*

T-15. Enfermagem – UFSCAR 2013 (M) Alceste AC

T-16. Educação – UNB 2013(M) AC

T- 17. Enfermagem – UFSC 2013(M) NVivo AC

T- 18. Educação – UFRGS 2004 (M) NVivo AC

T- 19. Desenv. Soc. e Coop.Internac. – UNB 2013 (M)

Atlas.ti AC

T-20. Educação Matemática e Tecnologias – UFPE 2012(M)

Atlas.ti AC

T-21. Administração – UFBA 2015 (M) Excel AC

T-22. Educação Matemática e Tecnologias – UFPE 2013 (M)

EVOC AC

T-23. Educação Matemática e Tecnologias – UFPE 2012 (M)

Sphinx AC

T-24. Educação Matemática e tecnologias – UFBA2014 (M)

Excel AC

T- 25. Educação – UFPE 2012 (M) EVOC AC

T-26. Des. Humano: Form., Pol. e Práticas Sociais – UNITAU 2012 (M)

Alceste AC

T-27. Educação Física – UNB 2013 (M) NVivo AC

T-28. Educação – UNB 2013 (M) OneNote AC

CAQDAS COMO FERRAMENTA NA PESQUISA QUALITATIVA 197

CURSO/INSTITUIÇÃO/ANO (M/D) SOFTWAREANÁLISE TEXTUAL

T-29. Psicologia Social – UFPB 2015 (M) EVOC AC

T-30. Enfermagem – UFPB 2012 (M) Alceste AD

T-31. Gestão e Políticas Ambientais – UFPE 2015 (M)

Sysqualis/Syslogic

Nota: *Teoria Fundamentada nos Dados – Mestrado (M) – Doutorado (D).

Observa-se que, dos 200 trabalhos de pós-graduação stricto sensu

encontrados, apenas 16% configuravam-se como estudos qualitativos com

uso de softwares para suas análises textuais. O número encontrado, numa

primeira análise, parece ser ainda modesto. No entanto, há publicações

sobre o uso de CAQDAS datadas de anos anteriores, que comprovam ser

o percentual registrado, neste momento, um sinal positivo desta prática.

Isso é destacado, por exemplo, em Lages (2011):

[...] no Brasil, ainda é pequeno o número de pesquisas qualita-

tivas que utilizam algum CAQDAS. Mas este cenário começa a

mudar, especialmente pela popularização do uso de recursos

computacionais e Internet no ambiente acadêmico. Uma

visita à biblioteca digital brasileira de teses e dissertações

(BDTD), em novembro de 2010, evidenciou que menos de

três por cento das pesquisas qualitativas em educação ali

registradas utilizaram algum tipo de CAQDAS, sendo que

a maioria aconteceu a partir do ano de 2006, evidenciando

que o uso deste tipo de software ainda é um fato recente

em comparação com países da Europa. (p. 43).

MARLÚBIA CORRÊA DE PAULA | LORÍ VIALI | GLENY TEREZINHA DURO GUIMARÃES198

Diante destas afirmações, ratifica-se a escolha do período para a

seleção destes trabalhos − em torno da última década (2004-2015) −,

dispensando os poucos que se localizam em torno dos anos 1980.

Faz-se a seguir uma análise com melhor detalhamento dos trabalhos

apresentados na Tabela 1 quanto à presença de universidades no portal

BDTD/IBCT (2004-2015) e à área de maior concentração de estudos

qualitativos com uso de software em análises textuais.

Resultados encontrados: presença de CAQDAS em IES

A seguir são apresentados alguns dos resultados encontrados.

Quanto à presença das universidades: ao serem analisados todos

os trabalhos selecionados (31), tem-se que, no período de 2004 a 2015,

a UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) está representada na

BDTD com cinco trabalhos, seguida pela UFSC (Universidade Federal

de Santa Catarina) com quatro, os quais ratificam o uso de CAQDAS.

Convém salientar que o T-2 apresenta, em seu próprio corpo textual

dissertativo, a defesa da temática, que trata de explicar o potencial dos

CAQDAS dentro da análise qualitativa. Aqui se faz um destaque a uma

dissertação, pois o T-2 foi o único trabalho encontrado que apresenta

uma descrição das vantagens e desvantagens do uso de um CAQDAS.

Este trabalho serve de apresentação para estes softwares a um pesqui-

sador que pretenda tornar-se praticante de uma análise textual com o

auxílio desses recursos.

Quanto às áreas de maior concentração em que as pesquisas foram

realizadas: o panorama quanto a esse aspecto é apresentado conside-

rando aquelas áreas em que houve maior ocorrência. A Educação lidera

com a presença de 11 trabalhos (T-3, T-4, T-11, T-12, T-13, T-16, T-18, T-20,

T-22, T-23 e T-25). A seguir tem-se a Saúde com seis trabalhos (T-1,

T-10, T-14, T-15, T-17 e T-31) e, após, a Informática com três trabalhos

(T-2, T-5 e T-6).

CAQDAS COMO FERRAMENTA NA PESQUISA QUALITATIVA 199

Quanto ao tipo de análise textual realizada: é visível a predominân-

cia de AC (Análise de Conteúdo) sobre as demais opções de análises,

com sua ocorrência registrada em 20 trabalhos (T-1, T-3, T-7, T-10, T-11,

T-12, T-13, T-17, T-18, T-19, T-20, T-21, T-22, T-23, T-24, T-25, T-26, T-27,

T-28 e T-29).

Quanto ao tipo de CAQDAS: com relação ao uso de CAQDAS, tem-se

que o Atlas.ti2 foi encontrado em sete trabalhos (T-2, T-3, T-12, T-19,

T-20, T-23 e T-31). A seguir, foram encontradas ocorrências de NVivo3.

Esse software auxilia na análise de dados obtidos por meio de Análise de

Discurso (AD) em sete trabalhos (T-1, T-11, T-13, T-16, T-17, T-18 e T-27).

Em seguida, foi utilizado o Alceste em cinco trabalhos (T-7, T-9, T-15,

T-26 e T-30). Após, o EVOC4, com três ocorrências (T-22, T-25 e T-29).

O Microsoft Office Excel foi utilizado em análise qualitativa textual em

duas ocorrências (T-21 e T-24), assim como o Sphinx5 (T-12 e T-23).

O Sphinx permite a utilização em pesquisas qualitativas, pois fornece

relatórios emitidos a partir das respostas de questionários. Por fim,

aparecem com uma ocorrência o QDA Miner (um pacote de software de

análise qualitativa de dados utilizado para codificar, anotar, recuperar e

analisar pequenas e grandes coleções de documentos e imagens, e que

pode ser utilizado para analisar transcrições de entrevistas ou grupos

focais, documentos legais, artigos de periódicos, discursos, até livros

inteiros, bem como desenhos, fotografias, pinturas e outros tipos de

2 Este software é uma ferramenta versátil e poderosa para a análise de dados em larga escala, trabalhando com os mais diversos formatos de mídia e extensões de arquivo. 3 Software utilizado em análises qualitativas que permite ao usuário organizar, classificar, ordenar, examinar relações e combinar análises, ligando e moldando, e analisar dados não estruturados.4 O conjunto de programas que permite a análise das evocações e que é muito utilizado na área de psicologia.5 O nome desse software deriva do ícone utilizado em sua denominação, pois trata-se de uma esfinge.

MARLÚBIA CORRÊA DE PAULA | LORÍ VIALI | GLENY TEREZINHA DURO GUIMARÃES200

documentos visuais) (T-14), o Hemera6 (T-4), o Minera Fórum7 (T-6),

o OneNote8 (T-28), e o Sysqualis e Syslogic9 (T-31).

Com base nos dados apresentados, é oportuno que se façam algumas

considerações sobre cada um dos três softwares que predominaram nes-

ses resultados. Os softwares Atlas.ti e NVivo apresentam características

semelhantes, tais como: podem importar e mostrar textos no formato rich

text (.rtf), criar lista de códigos, acessar textos que tenham sido codifica-

dos e analisar o texto codificado no contexto dos documentos originais.

Flick (2009) detalha esses softwares e apresenta momentos de di-

ferenciação entre eles. No que se refere ao Alceste (Analyse Lexicale par

Contexte d’un Ensemble de Segments de TExte), pode-se afirmar que este

CAQDAS investiga a distribuição de vocabulários em um texto escrito

e em transcrições de texto oral, conforme apontam Azevedo, Costa e

Miranda (2013).

Em relação a um melhor detalhamento do uso de um CAQDAS, en-

volvendo as descrições de softwares, há autores que têm se dedicado a

estudos apresentando-se de modo a contribuir com as escolhas dos pes-

quisadores. Quando a pesquisa demanda a análise de muitos dados, esta

questão que envolve o uso de um CAQDAS pode agilizar procedimentos

manuais que envolvem momentos iniciais de análises.

A junção de uma análise extensa a um pesquisador que muitas vezes des-

conhece outros modos que perpassem o uso dos editores de texto, comuns

aos computadores, pode ser a ocasião ideal para consulta a Flick (2009), pois,

em sua obra, intitulada Introdução à Pesquisa Qualitativa, faz uma abordagem

com relação ao uso de softwares, assinalando os potenciais de alguns deles.

6 É um software utilizado para analisar periódicos e desenvolvido pelo CIDEHUS-UE no âmbito do seu programa de investigação.7 Software utilizado para análise de dados obtidos em fóruns de discussões on-line.8 Esse software que é um membro da família do Office que você já conhece. Cria anotações com pontos retirados do e-mail do Outlook ou insere uma tabela do Excel. Realiza mais tarefas com todos os seus aplicativos favoritos do Office trabalhando em conjunto. 9 São computadores embutidos e computadores de painel de toque em si utilizados em áreas como usinagens e engenharia automotiva.

CAQDAS COMO FERRAMENTA NA PESQUISA QUALITATIVA 201

Considerações finais

Este estudo teve por objetivo verificar quais teses e dissertações, no período

de 2004 a 2015, apresentaram, em suas pesquisas qualitativas, durante a

realização de suas análises textuais, a presença e o uso de um CAQDAS.

O levantamento realizado no BDTD/IBCT utilizando palavras-chave

resultou em 31 trabalhos (28 dissertações e 3 teses). O número ainda é

modesto no contexto da educação, considerando que o estudo buscou

trabalhos publicados no entorno da última década. Há autores que justi-

ficam este modesto resultado obtido nesta busca por meio da presença

de medos e receios dos pesquisadores quanto ao uso um CAQDAS, não só

em análises textuais, mas no todo da pesquisa que não seja quantitativa.

Colaborando com este sentimento, Lévy (2008) considera que há uma

cegueira quando uma técnica não é aceita em determinada época, e dá-se

extrema valorização a outras técnicas que a antecederam.

Muitas vezes, para esse autor, o que há é um desconhecimento do

quanto as decisões são realizadas sem reconhecer que determinada prática

também, há anos atrás, envolveu uma nova tecnologia. Para exemplificar,

ele menciona a questão da presença dos livros, que advêm do processo

de impressão. Hoje soaria absurdo condenar a Imprensa de Gutenberg.

No entanto, naquela época, a impressão de um livro teve de enfrentar

muitos obstáculos, os quais hoje nem sequer são nominados, diante de

tantas utilidades ao se poder desfrutar do uso de um ou de vários livros.

Tais questões não se discutem mais.

Em relação tanto ao uso de TDIC (Tecnologias Digitais de Informação

e Comunicação), especialmente de programas preparados para uso em

análises textuais, quanto ao de CAQDAS, não é diferente. Trata-se de uma

fase de aprendizagem para os pesquisadores. E como tal, não poderia ser

diferente: é por natureza desafiadora.

Faz-se, ainda, necessário ratificar que o uso de um software não retira

do pesquisador seus espaços de aproximações e distanciamentos que a

pesquisa como um todo, não só a qualitativa, requer.

MARLÚBIA CORRÊA DE PAULA | LORÍ VIALI | GLENY TEREZINHA DURO GUIMARÃES202

Quanto às Instituições de Ensino Superior (IES), responsáveis por al-

guns dos trabalhos selecionados para este texto, convém destacar duas

universidades nacionais: a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e a

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A área predominante foi a

Educação, com 11 trabalhos. O tipo de análise encontrada em maior número

foi a AC (Análise de Conteúdo), presente em 20 dos 31 trabalhos selecionados.

Quanto ao tipo de software CAQDAS, verificou-se que o Atlas.ti esteve

presente em oito trabalhos, sendo seguido do NVivo, utilizado em sete tra-

balhos. Em seguida surgiu o Alceste, que foi empregado em cinco trabalhos.

Comprovou-se, com esse recorte realizado dentre as publicações do

BDTD/IBCT, que há uma diversidade de softwares que possibilitam ao

pesquisador selecionar qual o CAQDAS mais adequado à sua pesquisa.

Além desses três principais, outros softwares (Hemera, Minera Forum,

Evoc, Sphinx e OneNote) foram identificados.

Destacam-se as potencialidades do Atlas.ti e do NVivo (utilizados

em análises quantitativas e qualitativas), pois ambos apresentam uma

capacidade de trabalhar com diversos formatos de mídia e extensões de

arquivo, podendo agregar arquivos PDF (Formato Portátil de Documentos),

imagens de diversas extensões, áudios e vídeos, além de documentos em

Word e outros aplicativos.

O NVivo, que surgiu nesta seleção de trabalhos em segundo lugar,

é um software também conhecido no uso de: análise de discurso, teoria

fundamentada, análise de conversação, etnografia, revisões de literatura,

fenomenologia e métodos mistos. Entre as suas possibilidades de uso,

este software permite ao usuário organizar, classificar, ordenar, examinar

relações e combinar análises. Tanto o Atlas.ti como o NVivo encontram-se

disponíveis em diversos idiomas.

O Alceste (Análise Lexical de Co-ocorrências em Enunciados Simples

de um Texto) é um software não tão conhecido no ambiente de pesquisa

qualitativa, e isso configurou uma surpresa na constituição dos resultados

desta busca. No entanto, o Alceste é um software qualitativo utilizado

para análise de dados textuais.

CAQDAS COMO FERRAMENTA NA PESQUISA QUALITATIVA 203

Talvez uma dificuldade que exista na escolha do software para o

uso durante o processo de análise textual seja o desconhecimento das

compatibilidades entre as teorias que fundamentam os trabalhos e as

possibilidades oferecidas pelos softwares em suas múltiplas funções. Por

isso, ainda há um importante papel a ser desenvolvido pelas publicações

que tratam deste tema, podendo estabelecer, assim, novos modos de fazer

pesquisa qualitativa no país. Nesse aspecto, salienta-se a necessidade de

que, ao utilizar determinado software, os pesquisadores indiquem em seus

trabalhos os porquês de suas escolhas e comprovem, ao final de cada

pesquisa, a (in)eficácia de cada CAQDAS escolhido. Afinal, numa boa

pesquisa, todo o resultado deve ser analisado, apresentado e discutido.

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SOBRE OS ORGANIZADORES E AUTORES

Alessandro Pinto Ribeiro − [email protected]

Doutorando em Educação em Ciências e Matemática pela linha de pes-quisa Currículo e Formação de Professores, PUCRS, (2016−2020). Mestre

em Educação em Ciências e Matemática − PUCRS (2015). Especialista em

Gestão do Ensino Superior – Centro Universitário Internacional (2011).

Graduado em Matemática − Licenciatura Plena − CESUCA. Tem experiên-

cia docente em Educação Fundamental e Ensino Médio, preparação para

concursos públicos e vestibulares e graduação. Entre as áreas de maior

envolvimento estão: currículo e formação de professores. É pesquisador e

professor do Instituto de Pesquisa Inedi e diretor do Grupo IPV Educacional.

Deise Nivia Reisdoefer − [email protected]

Doutoranda em Educação em Ciências e Matemática pela PUCRS, Mestre

em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (2006);

Especialista em Ensino de Matemática pela Universidade Tecnológica

Federal do Paraná (2000); e Licenciada em Matemática pela Universidade

Tecnológica Federal do Paraná (1999). Atualmente é professora do Instituto

Federal Catarinense − Campus Concórdia, no qual ministra disciplinas no

curso de Matemática − Licenciatura e no curso técnico em Informática

integrado ao Ensino Médio.

Emerson Souza − [email protected]

Doutorando em Educação em Ciências e Matemática pela PUCRS. Mestre

em Matemática pela UFPA (Universidade Federal do Pará), onde realizou

a graduação também em Matemática. É professor efetivo da Universidade

Federal do Oeste do Pará – UFOPA.

CAMINHOS DA PESQUISA QUALITATIVA NO CAMPO DA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS210

Gleny Terezinha Duro Guimarães − [email protected]

Doutora em Serviço Social pela PUCSP e pós-doutorado pela Universidade

Católica Portuguesa de Lisboa. Atualmente é professora titular no curso de

Serviço Social da PUCRS, da Escola de Humanidades. É coordenadora do Grupo

de Estudos e Pesquisas sobre Cotidiano, Trabalho e Território (GPsT) desde 1996. 

Isabel Cristina Machado de Lara − [email protected]

Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul

(2007), e Mestre em Educação pela mesma instituição. Atualmente é

professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação

em Ciências e Matemática e da Faculdade de Matemática da Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul. É coordenadora do PIBID.

Atua principalmente nos seguintes temas: tendências atuais no ensino

da matemática, uso de jogos, etnomatemática, resolução de problemas,

avaliação no ensino da matemática e na formação de professores.

Jeronimo Becker − [email protected]

Doutorando em Educação em Ciências e Matemática (PUCRS), Mestre em Educação pela Universidade de Caxias do Sul (2013) e licenciado em

Matemática pela mesma instituição (2007). Atualmente é professor do

Centro Universitário UNIFTEC. Tem experiência na área de Educação

Matemática, atuando principalmente nos seguintes temas: ensino de

matemática, matemática para engenharia e educação científica.

João Batista Siqueira Harres − joã[email protected]

Graduado em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1985),

Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande

do Sul (1990) e Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica

do Rio Grande do Sul (1999), com estágio pós-doutoral na Universidade

de Sevilha (2007). Atualmente é professor adjunto da Faculdade de Física

da PUCRS, onde atua como pesquisador permanente no Programa de

Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática. Como docente,

atua principalmente no Ensino de Física e na formação inicial e continu-

ada de professores de Ciências e Matemática. Suas pesquisas concen-

VALDEREZ M. DO ROSÁRIO LIMA | JOÃO BATISTA S. HARRES | MARLÚBIA C. DE PAULA 211

tram-se no ensino, na aprendizagem de Ciências e no desenvolvimento

profissional de professores e suas inter-relações com a epistemologia,

a história da Ciência, a cultura, a inovação e a educação científica. Na

diretoria de graduação da Pró-Reitoria Acadêmica da PUCRS, exerce

a função de coordenador de ensino, setor responsável pela condução

dos processos de inovação pedagógica e desenvolvimento docente.

José Luís Schifino Ferraro − [email protected]

Licenciado em Ciências Biológicas (2004), Mestre em Biologia Celular e

Molecular (2007) e Doutor em Educação (2011) pela Pontifícia Universidade

Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). É professor da Faculdade de

Biociências (FaBio/PUCRS) e dos Programas de Pós-Graduação em

Educação (PPGEDU − Escola de Humanidades/PUCRS) e em Educação

em Ciências e Matemática (PPGEDUCEM − Faculdade de Física − FaFis/

PUCRS). É pesquisador líder do Grupo de Pesquisa em Educação: Currículo,

Cultura e Contemporaneidade, vinculado ao Centro de Educação Básica

(CEB) da PUCRS e ao Núcleo de Educação, Cultura, Ambiente e Sociedade

(NEAS) da Escola de Humanidades da mesma instituição. Publicou traba-

lhos cujas temáticas circunscrevem-se nas áreas de currículo e produção

de subjetividades, currículo e cultura na contemporaneidade, ensino de

ciências e educação em espaços não formais. Atualmente é coordenador

educacional do Museu de Ciências e Tecnologia da PUCRS (MCT−PUCRS).

Juliana Batista Pereira dos Santos − [email protected]

Professora da rede estadual de educação do Rio Grande do Sul, com atuação no Ensino Médio. Licenciada em Matemática pela Universidade

Federal de Pelotas (2010), Especialista em Educação Matemática (2012) e

Mestre em Educação em Ciências (2014), ambos pela Universidade Federal

de Santa Maria. Doutoranda em Educação em Ciências e Matemática

pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Integrante

do Grupo de Estudos e Pesquisas em Etnomatemática (GEPE−PUCRS).

Ketlin Kroetz − [email protected]

Licenciada em Matemática pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos

(2012). Foi bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à

CAMINHOS DA PESQUISA QUALITATIVA NO CAMPO DA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS212

Docência − PIBID no subprojeto de Leitura e Escrita em Matemática.

Doutoranda e mestre (2015) em Educação em Ciências e Matemática no

Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática

da PUCRS na linha de pesquisa: Aprendizagem, Ensino e Formação

de Professores em Ciências e Matemática. Tem interesse na área da

Educação, Educação Matemática e Filosofia Contemporânea. Possui

trabalhos publicados nas temáticas cultura alemã, etnomatemática e

jogos de linguagem, e atualmente ocupa-se de estudos que envolvem

a governamentalidade, os processos de subjetivação e o currículo.

Lorí Viali – [email protected] e [email protected]

Graduado em Matemática pela Universidade Federal do Rio Grande do

Sul (UFRGS), com Licenciatura Plena, em 1977, e Bacharelado em 1979.

Mestre em Engenharia de Produção (Pesquisa Operacional), em 1991, e

Doutor em Engenharia de Produção (Inteligência Artificial), em 1999, pela

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Fez doutorado sanduíche

no Departamento de Engenharia Industrial da University of South Florida

(USF), em Tampa, Flórida, em 1993/94. Atualmente é professor associado do

Departamento de Estatística da UFRGS e professor titular do Departamento

de Estatística da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

(PUCRS). É professor permanente do Programa de Pós-Graduação em

Educação em Ciências e Matemática (PPGEDUCEM) da PUCRS.

Luciana Richter – [email protected]

Doutoranda em Educação em Ciências e Matemática pela PUCRS, Mestre

em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria e Licenciada

em Ciências Biológicas pela mesma universidade. Professora adjunta

da Universidade Federal de Santa Maria. Tem experiência na área de

Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: imagens, cur-

rículo, aprendizagem e neurociências.

Marlúbia Corrêa de Paula – [email protected]

Doutoranda em Educação em Ciências e Matemática pela linha de pes-

quisa Tecnologias na Educação, PUCRS, atualmente em doutoramento na

Universidade de Trás-os-Montes Alto Douro (UTAD), realizado em Portugal

VALDEREZ M. DO ROSÁRIO LIMA | JOÃO BATISTA S. HARRES | MARLÚBIA C. DE PAULA 213

(2017). Mestre em Educação em Ciências e Matemática – PUCRS (2014).

Especialista em Matemática Aplicada – UPF (2010); Gestão e Tutoria em

EAD – SENAC/RS (2009) e, em Supervisão e Administração Escolar – FACEL

– Curitiba/PR (2008). Graduada em Matemática – Licenciatura Plena – FURG

(2004). Tem experiência docente em: formação de professores da Educação

Básica com uso de TDIC em salas de aula; Educação Básica e Ensino Superior

na área de Matemática; Pós-Graduação voltada à formação continuada de

professores e, em estudos e usos de softwares em análises textuais para a

pesquisa qualitativa.

Priscila Monteiro Chaves – [email protected]

Graduada em Licenciatura em Letras Português/Francês pela

Universidade Federal de Pelotas (2010). Doutora em Educação pela

mesma Universidade (2017). Professora vinculada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade do Oeste de Santa Catarina.

Rosana Maria Gessinger – [email protected]

Graduada em Licenciatura em Matemática pela Universidade Federal

do Rio Grande do Sul e Mestre e Doutora em Educação pela Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Atualmente é professora

adjunta da Escola de Humanidades e do Programa de Pós-Graduação

em Educação em Ciências e Matemática (PPGEDUCEM) da Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Tem experiência na área

de Matemática, com ênfase em Educação Matemática, atuando prin-

cipalmente nos seguintes temas: educação matemática, formação de

professores, ensino e aprendizagem de matemática. 

Roque Moraes – (In memoriam)

Graduado em Química pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul

(1967), Mestre em Education And Communication pela The Ohio State University (1975) e Doutor em Educação pela Universidade Federal

do Rio Grande do Sul (1991). Foi professor aposentado pela Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul e professor visitante da

Fundação Universidade do Rio Grande.

CAMINHOS DA PESQUISA QUALITATIVA NO CAMPO DA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS214

Solange Carvalho de Souza – [email protected]

Doutoranda em Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Licenciada em Pedagogia

pela FAFIMC, atualmente PUCRS (1995), Mestre em Educação pela

Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (2003) e Especialista

em Sociologia na área da Sociedade, Violência e Juventude em Risco pela

Universidade Federal de Santa Maria (2011). Servidora pública estadual no

atendimento ao adolescente em cumprimento de medida socioeducativa

na Fundação de Atendimento Socioeducativo – RS/FASE. Em 2013, foi

uma das três finalistas do Prêmio RBS de Educação na categoria Projeto

Comunitário em Mediação de Leitura no Rio Grande do Sul. Militante

na área dos Direitos Humanos, atua nos temas: ciência e educação,

leitura e escrita, juventude em risco e educação para adolescentes em

cumprimento de medidas socioeducativas.

Thaísa Jacintho Müller – [email protected]

Licenciada em Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio

Grande do Sul (2007), Mestre em Matemática pela Universidade Federal

do Rio Grande do Sul (2010) e Doutora em Informática na Educação pela

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2015). Atualmente é profes-

sora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS),

atuando na Faculdade de Matemática e como professora permanente do

Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática.

Valderez Marina do Rosário Lima – [email protected]

Graduada em Licenciatura em Ciências − Primeiro Grau pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1977), graduada em

Licenciatura em Ciências − Habilitação em Biologia pela Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1980), Mestre em Educação

pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1998) e

Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio

VALDEREZ M. DO ROSÁRIO LIMA | JOÃO BATISTA S. HARRES | MARLÚBIA C. DE PAULA 215

Grande do Sul (2003). Atualmente é professora adjunta da Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul, com atividades docentes

na Faculdade de Educação e na Faculdade de Biociências. É professora

permanente dos Programas de Pós-Graduação em Educação (Faculdade

de Educação) e em Educação em Ciências e Matemática (Faculdade de

Física). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação

em Ciências, desenvolvendo pesquisas nos seguintes temas: educar

pela pesquisa, ciências, feiras e clubes de ciências, educação e avaliação,

formação continuada de professores.

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