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FABIO CIACCIA RODRIGUES CALDAS
CAMPANHA PRESIDENCIAL DE ARTHUR DA
COSTA E SILVA: A festa da “democracia” autoritária
Universidade Metodista de São Paulo
Programa de pós-graduação em comunicação social São Bernardo do Campo, 2010
FABIO CIACCIA RODRIGUES CALDAS
CAMPANHA PRESIDENCIAL DE ARTHUR DA
COSTA E SILVA: A festa da “democracia” autoritária
Dissertação apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, da UMESP – Universidade Metodista de São Paulo, para obtenção do grau de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Adolpho Carlos Françoso Queiroz
Universidade Metodista de São Paulo Programa de pós-graduação em comunicação social
São Bernardo do Campo, 2010
FOLHA DE APROVAÇÃO
A dissertação de mestrado sob o título “Campanha Presidencial de Arthur da Costa e Silva: a
festa da ‘democracia’ autoritária”, elaborada por Fabio Ciaccia Rodrigues Caldas, foi
apresentada e aprovada em 23 de maio de 2010, perante banca examinadora composta por
Prof. Dr. Adolpho Carlos Françoso Queiroz (Presidente/UMESP), Profa. Dra. Cicília Maria
Krohling Peruzzo (Titular/UMESP) e Profa. Dra. Suzy Lagazzi (Titular/UNICAMP).
___________________________________________________
Prof. Dr, Adolpho Carlos Françoso Queiroz
Orientador e Presidente da Banca Examinadora
___________________________________________________
Prof. Dr. Sebastião Carlos de Morais Squirra
Coordenador do Programa de Pós-Graduação
Programa: Mestrado em Comunicação Social
Área de concentração: Processos Comunicacionais
Linha de Pesquisa: Comunicação Massiva
DEDICATÓRIA Dedico este trabalho à Rejane, minha companheira de caminhada e
incentivadora nos melhores e nos piores momentos. Tenho certeza de que sem
você este projeto não teria nascido e muito mais de que não chegaria ao final.
No nosso relicário estes dois anos terão um lugar especial.
É, o vento sopra pra cá, mas é o mesmo vento que vai soprar pra lá.
(Arthur da Costa e Silva)
AGRADECIMENTOS
Agradecimentos, normalmente, são protocolares, fazem do papel político de acariciar
egos e deixar o autor bem posicionado com várias pessoas.
Na tentativa de fugir a esta tradição, começarei agradecendo à história do Brasil, que
proporciona aos que se dedicam à análise do marketing eleitoral e político momentos da mais
pura diversão, como tentar explicar uma campanha eleitoral em pleno regime ditatorial.
Gostaria de agradecer também às pessoas que nenhuma relação tiveram com o
desenvolvimento deste projeto, mas mesmo assim serviram como bons ouvintes. Muitas das
idéias e conclusões surgiram destas conversas.
Também são objeto dos meus agradecimentos aqueles que nunca perguntaram o que
eu estava estudando, mas sempre tiveram uma palavra de incentivo e a torcida pelo bom
resultado final.
Meus agradecimentos aos que colaboraram com o desenvolvimento de um pensamento
científico em quem antes via na comunicação apenas uma ferramenta do mercado.
À minha esposa tento agradecer todos os dias seu companheirismo e paciência. Este
trabalho como um todo é o pleno reconhecimento de sua importância para mim.
À minha família, mesmo a distância e sem saber até hoje o que exatamente é
marketing e principalmente político, fica não o meu agradecimento, mas o reconhecimento da
importância de todos na minha formação.
Ao meu orientador agradeço a colaboração e bom direcionamento deste trabalho. O
resultado final tem muito da sua participação.
E finalmente, agradeço a Arthur da Costa e Silva por, indiretamente, ter possibilitado
que eu conhecesse lugares e pessoas tão especiais durante a execução desta dissertação.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Distribuição de matérias analisadas nos jornais O Estado de São Paulo e Jornal do
Brasil
Tabela 2: Distribuição das formas de tratamento no jornal O Estado de São Paulo
Tabela 3: Distribuição das formas de tratamento no Jornal do Brasil
Sumário INTRODUÇÃO ................................................................................................................................11
CAPÍTULO 1 – AS BASES DO MARKETING POLÍTICO.......................................................17
1.1- A democracia no período militar ..................................................................................17
1.2 – Comunicação comercial e comunicação política ..............................................................20
1.3 – Princípios de marketing político ......................................................................................22
1.4 – A conquista da opinião pública ........................................................................................26
1.5 – As Leis de Domenach .......................................................................................................30
CAPÍTULO II ‐ OS CAMINHOS DE BRASÍLIA......................................................................................42
1.1– Costa e Silva: o pequeno Napoleão ...................................................................................42
1.2 – Vitórias e derrotas em cinco movimentos militares .........................................................44
1.3 – De 1932 a 1964: a formação do general............................................................................48
1.4 – A construção da figura do líder ..........................................................................................53
1.5 – A queda do General...........................................................................................................67
CAPÍTULO – III – AS ORIGENS DA CANDIDATURA COSTA E SILVA....................................................73
1.1 – Os militares se unem e as lideranças se dividem................................................................73
1.2 – A Sorbonne e a Linha Dura ................................................................................................77
1.3 – A preparação da candidatura ............................................................................................81
CAPÍTULO IV – COSTA E SILVA COLOCA A CAMPANHA NA RUA......................................................95
1.1 – Castello Branco: a verdadeira oposição .............................................................................95
1.2 – As pedras no caminho do Planalto...................................................................................105
1.3 – A convenção da ARENA e a campanha na rua ..................................................................115
CAPÍTULO V – ANÁLISE DE CONTEÚDO – O ESTADO DE SÃO PAULO E JORNAL DO BRASIL............141
1.1 – Objetivos e metodologia .................................................................................................141
1.2 – Jornal O Estado de São Paulo...........................................................................................144
1.3 – Jornal do Brasil ................................................................................................................158
CONCLUSÃO ................................................................................................................................170
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................................................174
Autor: Fabio Ciaccia Rodrigues Caldas
Título: Campanha presidencial de Arthur da Costa e Silva: a festa da “democracia” autoritária Orientado: Prof. Dr. Adolpho Carlos Françoso Queiroz
RESUMO
Em 1966 o Brasil chegava ao término do primeiro governo do regime militar. Disputavam o
poder dois grupos das Forças Armadas, a Sorbonne e a Linha Dura. Esta indicou o nome do
Ministro da Guerra Arthur da Costa e Silva como candidato à sucessão do Presidente Castello
Branco. Costa e Silva fez campanha, percorrendo o Brasil para conhecer os problemas
nacionais e apresentar suas propostas. O inusitado está no fato de a eleição ser indireta e
apenas os membros do Congresso Nacional ter direito a voto, estando a população à margem
da escolha do novo mandatário do país. O objetivo do trabalho é traçar o perfil do Marechal
Arthur da Costa e Silva levantando fatos históricos que o tornaram, em 1966, um candidato
viável à Presidência da República do Brasil e compreender a estratégia de marketing eleitoral
utilizada. O trabalho utilizou como metodologia a pesquisa bibliográfica, entrevistas semi-
estruturadas com personagens que viveram a época e análise de conteúdo dos jornais O
Estado de São Paulo e Jornal do Brasil, para indicar suas posições na cobertura das eleições
presidenciais de 1966.
Palavras-chave: eleição presidencial, Costa e Silva, Brasil
RESUMEN
En 1966 Brasil llegaba al término del primer gobierno del régimen militar. Disputaban el
poder dos grupos de las Fuerzas Armadas, la Sorbonne y la Linha Dura. Esta indicó el nombre
del Ministro de la Guerra Arthur da Costa e Silva como candidato a la sucesión del Presidente
Castello Blanco. Costa e Silva hizo campaña, recorriendo Brasil para conocer los problemas
nacionales y presentar sus propuestas. El inusitado está en el hecho de la elección ser indirecta
y sólo los miembros del Congreso Nacional tener derecho a voto, estando la población al
margen de la elección del nuevo mandatario del país. El objetivo del trabajo es trazar el perfil
del Mariscal Arthur de la Costa y Silva levantando hechos históricos que lo hicieron, en 1966,
un candidato viable a la Presidencia de la República de Brasil y comprender la estrategia de
marketing electoral utilizada. El trabajo utilizó como metodologia la investigación
bibliográfica, entrevistas semi-estruturadas con personajes que vivieron la época y análisis de
contenido de los periódicos O Estado de São Paulo y Jornal de Brasil, para indicar sus
posiciones en la cobertura de las elecciones presidenciales de 1966
Palabras–clave: elección presidencial, Costa y Silva, Brasil
ABSTRACT In 1966 the first Military Government was ending in Brazil. Two groups were sharing the
political power: The Army Forces, called “Sorbonne” and “Linha Dura”. This wanted the
Ministry of War, Arthur da Costa e Silva, as a successor of the former President Castello
Branco. Costa e Silva made his political campaign running around Brazil to know about the
national problems and to show his proposal. The unusual think is the fact that the election was
indirect and just the members of National Congress were entitled to vote, so the population
was a part of the process. The objective of this research is to profile the Marshal Arthur da
Costa e Silva though history facts that made him, in 1966, a candidate for Presidency of the
Republic and to understand the marketing strategy used. The methodology to be used was
literature, semi-structure interviews with people that were living at the time, and content
analyses of the newspapers: O Estado de São Paulo and Jornal do Brasil. The objective was to
show their positions during the campaign of the Presidential Election in 1966.
Words–key: presidential election, Costa e Silva, Brazil
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Introdução
No dia 3 de outubro de 1966 chegava ao fim o período eleitoral que levou Arthur da
Costa e Silva1 ao cargo de Presidente da República do Brasil. A passagem de poder é normal
no sistema democrático. O Presidente eleito recebe das mãos do antecessor a faixa
presidencial e assume, por período determinado, as obrigações da chefia do executivo
nacional. Também é normal no regime democrático que os aspirantes ao cargo utilizem o
período anterior à eleição para percorrer o país divulgando suas idéias e angariando apoio de
diferentes grupos, como líderes políticos, econômicos e também militares. Estes apoios são
fundamentais para que o candidato consiga penetração popular e, consequentemente, bom
resultado nas urnas.
Tudo isso funciona perfeitamente em regimes democráticos, porém o ano de 1966
apresentava outra conjuntura política. O país vinha de um movimento militar que em 1964
tomara para si o poder, suspendendo posteriormente a participação popular na escolha do
futuro Presidente. Esta ficava agora, oficialmente, entregue aos membros do Congresso
Nacional, ou seja, deputados e senadores eleitos pelo povo. Seguindo o pensamento dos
detentores do poder esta forma de eleição mantinha a participação popular, como veremos
durante este trabalho.
A verdade é que a escolha do chefe do executivo estava nas mãos dos próprios
militares. Ninguém poderia ser ungido pelos políticos sem a benção das forças armadas. O
detalhe estava em saber quem seria este escolhido.
Castello Branco2, o Presidente que seria sucedido, afirmava preferir que um civil
assumisse o cargo. Não teve força para fazer valer sua vontade e aceitou a candidatura de seu
Ministro da Guerra, o então general Costa e Silva.
Porém não foi simples a confirmação desta candidatura e abordaremos durante o
trabalho as diversas posições adotadas por Castello e a atitude de Costa e Silva para contornar
os problemas que surgiram.
1 Durante o período de campanha Costa e Silva ostentou duas patentes na hierarquia militar, a de General-de-Exército e a de Marechal, sendo esta recebida quando passou à reserva, termo usado quando o militar deixa o serviço ativo. Como esta dissertação não se prendeu à cronologia dos fatos, ficaria confusa para o leitor a alternância da forma de tratamento do candidato. Assim, ficou estabelecido o uso de General Costa e Silva, forma de tratamento mais usual na literatura do tema, quando, por exemplo, se referem aos “generais-presidentes”. Entretanto não foi feita nenhuma alteração na forma de tratamento das citações, com fins de preservar a originalidade das mesmas. 2 Existe também certa confusão com o nome do Presidente Castello Branco. Alguns autores grafam seu nome com um “L”, outros com dois. Seguindo o registro do site da Presidência da República foi decidido como padrão o uso de Castello Branco, não sendo, entretanto, alteradas as citações que aparecem de forma diferente.
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A oposição, centralizada na figura do Movimento Democrático Brasileiro (MDB),
partido criado por imposição presidencial da união dos diversos partidos de oposição
existentes, não teve papel muito influente no processo eleitoral. Flertou com Costa e Silva
para ser seu candidato. Tentou lançar outra candidatura militar e por fim, percebendo que
nada mudaria o rumo da história posicionou-se oficialmente contra a eleição do militar, mas
apenas visando algum lucro eleitoral na renovação do Congresso, marcada para um mês após
a eleição presidencial. Na verdade, como mostraremos adiante, não fez grande esforço para
derrubar a candidatura Costa e Silva, sinalizando até mesmo com um futuro apoio, desde que
alguns pontos fossem aceitos pelo candidato.
Costa e Silva tinha grande poder de influência junto à tropa, porém carecia de
penetração no meio popular e político. Buscou durante o período de campanha tornar-se
conhecido a angariar o apoio necessário para conduzir seu futuro governo com estabilidade.
Usou como principal instrumento de campanha os discurso em eventos organizados
por correligionários nos estados. Era interessante para os políticos locais sua presença devido
à eleição legislativa que se aproximava.
Conduziu o candidato sua campanha até a eleição, que transcorreu sem maiores
problemas, sendo este confirmado por deputados e senadores para assumir o mais alto cargo
do executivo nacional.
O final já conhecido da história é cercado por ações de propaganda e até mesmo de
contrapropaganda, que surgia na oposição e dentro do próprio governo.
A equipe de campanha foi estruturada, eventos para discutir a organização de um
plano de governo foram realizados, materiais para a imprensa foram desenvolvidos, o
candidato viajou pelo país, mantendo contato com a população e muitas reuniões com
lideranças políticas foram agendadas.
Por outro lado, circulavam piadas que destacavam o baixo nível intelectual do
candidato que seria pouco afeito aos livros.
Um perfeito cenário eleitoral, digno das mais sofisticadas campanhas que contam com
especialistas na assessoria de comunicação e política. Oficialmente, Costa e Silva não contou
com um trabalho profissional de marketing eleitoral, mas sua equipe soube usar o
conhecimento já existente para auxiliar na construção da imagem do candidato. Como
veremos pela análise do conteúdo publicado nos jornais, Costa e Silva quando eleito era visto
como representante da esperança de normalização da situação política nacional, inclusive pela
oposição. Pode-se afirmar, com certeza, que o uso das ferramentas de marketing eleitoral
auxiliou na construção desta imagem.
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Costa e Silva atingiu seu objetivo final, mas precisou de nove meses para tornar sua
candidatura um fato consumado, apoiado de tal forma que nem mesmo as ações do Presidente
da República poderiam atrapalhar seus planos.
Toda esta estrutura de campanha para uma eleição indireta e comandada pelo poder
castrense nos leva ao problema de pesquisa deste projeto. Por que o militar dedicou tempo a
uma campanha eleitoral e a manter um contato direto com a população se este não teria
nenhuma interferência no processo de escolha do futuro Presidente da República?
A hipótese levantada era que por meio de sua estratégia de campanha, o então
candidato Arthur da Costa e Silva buscava garantir a legitimidade de seu mandato e o apoio
da população ao regime militar, assim como tranqüilizar os militares, indicando que a
“revolução” continuaria.
Este trabalho teve por objetivo traçar o perfil do Marechal Arthur da Costa e Silva,
levantando os fatos históricos que o tornaram, em 1966, um candidato viável à Presidência da
República do Brasil e compreender a estratégia de marketing eleitoral utilizada.
Como objetivos específicos a pesquisa buscou identificar os principais aspectos da
formação militar do candidato, analisar suas ações entre a chegada dos militares ao poder e o
lançamento da candidatura, assim como suas conseqüências, regatar as ferramentas e
estratégias de campanha usadas por Costa e Silva e analisar as posições da mídia no processo
eleitoral, observando as tendências e repercussões dos atos de campanha.
Para atingir tais objetivos a pesquisa fez uso de diferentes ferramentas metodológicas.
A primeira delas foi a “pesquisa bibliográfica”, que forneceu durante todo o projeto subsídios
conceituais e dados históricos. Segundo Ida Regina Stumpf (2005, p. 52) a pesquisa
bibliográfica,
Num sentido restrito, é um conjunto de procedimentos que visa identificar informações bibliográficas, selecionar documentos pertinentes ao tema estudado e proceder à respectiva anotação ou fichamento das referências e dos dados dos documentos para que sejam posteriormente utilizados na redação de um projeto acadêmico.
Esta ferramenta foi utilizada na análise de livros e documentos, como os discursos que
o candidato fez durante a sua campanha, que fazem parte do seu arquivo pessoal, entregue
pela família aos cuidados do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea
do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas, obtidos por meio de solicitação à entidade.
A utilidade desta análise está baseada no que diz Sonia Virgínia Moreira (2005,
p.274), quando defende que “muitas vezes a consulta aos acervos pode estimular aspectos ou
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ângulos de abordagem não previstos na fase de elaboração do projeto de pesquisa”, ampliando
sensivelmente os horizontes do projeto.
A internet foi meio importante de pesquisa de dados secundários e também
aproximação com personagens que fizeram parte da história do candidato. Por meio dela foi
realizada a pesquisa junto ao CPDOC, assim como os primeiros contatos com o filho de Costa
e Silva, Sr. Alcio Barbosa da Costa e Silva que colaborou com o fornecimento de materiais e
uma entrevista ao autor. Também por meio da internet foi feito o contato com o Coronel
Hernani Teixeira, que tendo sido ajudante-de-ordem de Costa e Silva quando este era
Ministro da Guerra relatou experiências e impressões sobre a figura do candidato, auxiliando
na composição de seu perfil. Para Eloi Juniti Yamaoka (2005, p. 147) “é fundamental
conhecer como essa ‘megabiblioteca’ está estruturada e quais os recursos disponíveis [...] e
principalmente saber elaborar um bom plano de buscas. No caso dos contatos feitos e citados
acima, dificilmente teriam ocorrido sem o uso desta importante ferramenta.
Duas entrevistas foram realizadas durante a execução da pesquisa, seguindo o modelo
semi-estruturado. Um roteiro foi previamente preparado para orientar o trabalho, existindo,
porém a liberdade de introduzir novas perguntas de acordo com as informações que os
entrevistados forneciam.
A primeira com o Sr. Alcio Barbosa da Costa e Silva, filho do Presidente Arthur da
Costa e Silva, atualmente com 83 anos de idade, que forneceu importantes informações sobre
o perfil do candidato e suas relações com a estrutura militar e familiar. A segunda foi
concedida pelo jornalista Carlos Chagas, autor de duas obras constantes das referências
bibliográficas deste estudo. Atuando atualmente na carreira jornalística, durante parte do
governo Costa e Silva atuou como Secretário de Imprensa da Presidência da República. Esta
entrevista foi importante para cruzar informações obtidas principalmente por meio da
pesquisa bibliográfica, além de fornecer importantes dados sobre o período da campanha.
Algumas das ferramentas de campanha utilizadas pelo candidato foram confirmadas pelo
jornalista, que cobriu o período como repórter do jornal O Globo.
Por fim, foi feita uma análise qualitativa de parte do conteúdo de dois dos principais
jornais da época com a finalidade de indicar as posições da mídia na cobertura do período
eleitoral em 1966.
Os jornais escolhidos foram o carioca Jornal do Brasil, e o paulista O Estado de São
Paulo, devido a fatores como o tempo de fundação e a relevância na cobertura política no
período. Foram levantadas todas as matérias que citavam o candidato Costa e Silva, no
período de 1º de janeiro – lançamento da candidatura – a 4 de outubro de 1966 – um dia após
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a eleição, sendo determinados dois sub-períodos de análise, usando como marco de divisão a
convenção nacional da ARENA, o partido de Costa e Silva, realizada a 26 de maio de 1966.
Duas seções dos jornais foram utilizadas na análise. Em O Estado de São Paulo a coluna não
assinada Notas e Informações e um espaço, na mesma página, destinado a reportagens
políticas, também não assinadas. No Jornal do Brasil foi selecionada a coluna do articulista
político Carlos Castelo Branco, conceituado analista da política brasileira à época e a coluna
Coisas da Política, esta não assinada.
A análise foi dividida em dez pontos, aprofundados no capítulo 5 deste trabalho e sua
análise foi primordialmente qualitativa, sendo que apenas um foi analisado sob um olhar
quantitativo. Apesar de não podermos considerar os números estatisticamente relevantes e
suficientes para extrapolar os resultados para o restante das edições, esta estratégia foi
utilizada como mecanismo de comparação entre as duas publicações quando falamos das
formas de tratamento destinadas ao candidato por ambas. Segundo Richardson (1989, p. 38)
Uma modalidade de transformar dados qualitativos em elementos quantificáveis, bastante empregada por pesquisadores, consiste em utilizar como parâmetros o emprego de critérios, categorias, escalas de atitudes ou ainda, identificar com que intensidade, ou grau, um conceito, uma atitude, uma opinião se manifesta.
As fontes de pesquisa utilizadas neste estudo foram a Biblioteca Nacional, no Rio de
Janeiro, o Arquivo Público do Estado de São Paulo, o Centro de Documentação de História
Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro e a
Biblioteca da Universidade Metodista de São Paulo.
Esta dissertação foi organizada em cinco capítulos. O primeiro estuda os conceitos de
marketing político e eleitoral encontrados no período de campanha do General Costa e Silva.
Foram utilizadas como base as teorias de Jean-Marie Domenach, com conceitos como
contrapropaganda e as leis que indicam o caminho para o sucesso na política como a do
“inimigo único” e a da “simplificação”. Outros autores também foram utilizados como
Gaudêncio Torquato e Ronald Kuntz.
O segundo capítulo traça o perfil do candidato, apontando os principais fatos de sua
formação pessoal e militar. Os traços que o candidato carregaria durante a campanha já
apareciam em sua infância em Taquari como, por exemplo, o poder de liderança. A principal
fonte de informações para a composição deste capítulo foi o jornalista Nelson Dimas Filho,
autor da única biografia do general publicada. Este livro é utilizado em outras obras de
referência deste estudo como, por exemplo, “A ditadura envergonhada”, do jornalista Elio
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Gaspari. Para fazer o contraponto foram utilizadas declarações de outros militares,
participantes de correntes divergentes do general.
O terceiro capítulo aborda a chegada dos militares ao poder, por meio do Movimento
de 1964. Descreve as ações da cúpula militar, a escolha de Castello Branco para Presidente da
República e as ações de Costa e Silva até o final de 1965, quando seu nome foi citado pela
primeira vez, abertamente, como candidato à sucessão presidencial. Os caminhos da
candidatura refletem muito os fatos ocorridos entre 1964 e janeiro de 1966, o que ressalta a
relevância de entender este período.
O quarto capítulo fala especificamente sobre a campanha do General. Tem início com
a confirmação de sua disposição a concorrer ao cargo de Presidente e caminha até outubro de
1966, mês da eleição. São relatadas as dificuldades para conseguir o apoio de Castello e as
ações de campanha do candidato, assim como destacados partes de seus discursos nos
diferentes estados que percorreu.
O quinto e último capítulo aborda a cobertura da campanha por parte da mídia, com o
estudo específico de alguns conteúdos dos jornais O Estado de São Paulo e Jornal do Brasil.
Ficam claras as diferenças entre os veículos, optando um pela neutralidade, que pode ser vista
por alguns como apoio ao General, e outro pelo apoio ao General.
Este trabalho faz parte do resgate das campanhas eleitorais para a Presidência da
República, desenvolvido pela Universidade Metodista de São Paulo e coordenado pelo
professor Doutor Adolpho Carlos Françoso Queiroz e a escolha do General Costa e Silva foi
motivada pela singularidade de sua trajetória para chegar à Presidência da República. De
singular a existência de uma campanha eleitoral em um momento que o eleitor não tinha voz.
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Capítulo 1 – AS BASES DO MARKETING POLÍTICO 1.1- A democracia no período militar
O Brasil enfrentou em sua história grandes períodos de exceção. Durante quinze anos
Getúlio Vargas governou soberanamente e menos de vinte anos depois é iniciado o período de
controle do governo central pelos militares.
Até o final do governo Figueiredo o termo ditadura não era admitido pelo poder
castrense. O país vivia apenas uma forma alternativa de democracia. O General Costa e Silva,
durante sua campanha eleitoral, defendia a legitimidade da eleição indireta, ou seja, a escolha
do futuro governante pelo voto do Congresso Nacional e não pela participação direta do povo:
Se o povo não participasse desse processo de escolha, indiretamente, é certo, mas nem por isso de maneira menos efetiva, por intermédio dos seus legítimos representantes no Parlamento Nacional, então haveria de seguir-se, como conseqüência lógica e irrefutável, que esses representantes haveriam sido automaticamente destituídos das suas justas funções e o povo haveria deixado de ter representantes no Congresso (COSTA E SILVA, 1967, p. 75).
O princípio da democracia está na participação do povo no momento da escolha de
seus representantes e principalmente na liberdade para exercer qualquer opção entre as várias
que se apresentem. A linha de pensamento de Costa e Silva segue uma linha lógica, uma vez
que os deputados e senadores realmente eram eleitos pelo voto popular. Entretanto, uma das
características do governo militar era a constante vigilância sobre a oposição e políticos em
geral. Os que apresentavam opiniões divergentes do governo eram classificados como
subversivos e passíveis de suspensão dos direitos políticos. Em um cenário desses, podemos
questionar a liberdade dos representantes do povo para escolher o futuro presidente.
Mas o questionamento não deve ficar apenas nas atitudes dos detentores do poder. A
oposição não conseguiu firmar uma posição coesa nos anos de controle dos militares.
Em 1964 vários personagens apoiaram o movimento visando à possibilidade de
chegada ao poder nas eleições que se aproximavam. Um grande exemplo disso é Carlos
Lacerda, que inicialmente apoiou a chegada do Marechal Castello Branco ao poder e com o
tempo iniciou um processo de afastamento do governo chegando ao ponto de se unir a
Juscelino Kubistchek e João Goulart para a formação da Frente Única, uma tentativa de
organização de oposição ao governo. Este afastamento teve início quando Lacerda percebeu
que os militares não viam com bons olhos sua chegada ao poder.
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O próprio MDB – Movimento Democrático Brasileiro – partido de oposição, dentro
do sistema de bipartidarismo imposto pelos militares, não manteve uma postura única durante
o período. Alguns quadros eram favoráveis a manter uma postura constantemente crítica ao
governo, enquanto outros buscavam um convívio mais ameno. No dia 4 de outubro de 1966,
um dia após a eleição de Costa e Silva, o Jornal do Brasil anunciava que o MDB expulsara o
deputado Anísio Rocha por ter votado em Costa e Silva (MDB..., 1966b, p.4). Entretanto, em
alguns momentos o próprio partido admitiu ter Costa e Silva como seu candidato, caso este se
comprometesse com o processo democrático. Mesmo ainda estando no início do ano, a
sucessão já estava em andamento, porém as posições não eram claras. A oposição mostrava-se
aberta a receber o então Ministro da Guerra do governo Castello Branco como seu candidato.
O Ministro não estava muito preocupado com posição política. Queria sim chegar ao poder,
fosse por qual partido fosse. Porém, o importante nesta eleição não era partido político, ou
posição ideológica, mas sim o apoio dos militares, e isso o próprio Costa e Silva sabia que
teria com maior facilidade se fosse candidato com o apoio de Castello Branco.
Observando a postura dos militares durante todo o período que se mantiveram no
poder percebemos sua grande preocupação em transmitir uma imagem de legitimidade. O
Congresso Nacional foi, durante todo o período de poder castrense, colocado de licença várias
vezes, porém em momento algum foi dissolvido. Assim, o general que ocupasse a cadeira de
Presidente podia falar que no Brasil as instituições funcionavam. O executivo, o legislativo e
o judiciário existiam. O país nunca ficou sem uma constituição em vigor e até mesmo um
partido de oposição era aceito.
Obviamente toda esta imagem de liberdade e democracia pode ser questionada. O
Congresso existia, mas deveria seguir as orientações do executivo. Este, por sua vez, tomou
para si o papel de poder legislador, tendo o direito de editar os atos institucionais e os atos
complementares. O judiciário, que deveria ter o papel de poder moderador e garantidor das
liberdades individuais, pouco espaço tinha para agir, uma vez que as leis que poderia basear
seus julgamentos eram preparadas pelo executivo, seguindo sua conveniência.
A imprensa também teve sua parcela de contribuição, tanto na chegada dos militares
ao poder, quanto em sua saída. Chama a atenção a defesa feita por alguns jornais como, por
exemplo, o Estado de São Paulo em editorial, das conquistas do Movimento de 1964 e da
legitimidade da tomada do poder pelos militares. Chegou a admitir ser favorável ao
fechamento do Congresso, como vemos neste trecho:
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Desde que as forças revolucionárias se tornaram vitoriosas não cessou esta folha de clamar por uma limpeza geral nos quadros da política e de apontar mesmo como da mais imperiosa necessidade o fechamento puro e simples tanto do Congresso Nacional como dos Legislativos estaduais. Não pensou assim o Marechal Castello Branco, contrariando, de resto, o sentir quase unânime da nação. Substituíndo-se a vontade revolucionária, imaginou s. exa. poder servir-se dos legislativos federais e estaduais para com eles restabelecer a ordem legal (PUNIÇÂO..., 1966, p. 3).
A leitura atenta deste trecho do editorial aponta a posição do jornal. O mesmo critica o
Presidente Castello Branco por não ter fechado o Congresso e as Assembléias Legislativas.
Ou seja, o jornal não via o poder dos militares como usurpador, mas sim como um caminho
necessário para restabelecer a ordem legal.
Obviamente não podemos acusar toda a imprensa de ter apoiado a chegada dos
militares ao poder, assim como qualquer generalização neste caso seria repreensível.
Entretanto, é significativo pensar que um dos mais antigos jornais do país criticou a postura
do Presidente por ter sido menos duro do que acreditavam ser necessário e principalmente,
indicam como sendo uma vontade “quase unânime da nação”. Esta parte da imprensa que
apoiou o 31 de março já se posicionava fortemente contrária ao governo João Goulart.
Posteriormente, veremos que a posição da imprensa durante o processo sucessório do
presidente Castello Branco era muito mais de crítica ao governo que saía do que ao que
chegava, o que deixa claro que o esperado, pelo menos por parte da imprensa, era um governo
mais duro do que foi o do primeiro presidente militar.
Observar algumas características da democracia durante o período em que os militares
estiveram no poder é importante para entendermos como o marketing político e eleitoral se
encaixa neste sistema de governo. O regime de exceção – ou seja, período em que as
liberdades individuais foram suspensas – vivido pelo Brasil entre 1964 e 1985 teve algumas
características que o difere de outros países. Aqui as instituições – apesar dos pesares – foram
mantidas e existiu uma rotatividade do poder. Entre 1964 e 1985 foram cinco generais a
comandar o país, além da junta militar que tomou o poder após a morte do Presidente Costa e
Silva. O Brasil não teve uma ditadura personalista. E se existiu alternância, algum tipo de
processo de escolha ocorreu, logo permitindo o estudo desse período sob o olhar do marketing
eleitoral. Obviamente ressalvas terão de ser feitas, uma vez que o eleitorado era reduzido e
controlado, mas é importante analisarmos como mesmo em momentos em que o povo é
alijado das decisões políticas os pretendentes ao poder precisam utilizar técnicas de marketing
político eleitoral para atingir seus objetivos.
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1.2 – Comunicação comercial e comunicação política
A discussão sobre as diferenças entre o marketing comercial e o político é constante.
Obviamente não podemos tratar as duas frentes como a mesma coisa, mas existe certa
similaridade. A grande singularidade está na natureza do que é apresentado ao público.
Guillermo Raffo, profissional de marketing político, coloca a sua opinião na apresentação que
faz do livro “A Vertigem das Urnas”, do publicitário francês Jacques Séguéla:
Nunca fiz publicidade para sabonete e não conheço, porém, intuo, as dificuldades de se vender um produto que, na essência, será sempre muito parecido com o da concorrência. Mas de uma coisa tenho certeza: ‘vender’ um político é completamente diferente do que vender um sabonete. Mesmo quem não gosta muito de tomar banho reconhece que deve fazê-lo, nem que seja para não perder o emprego por falta de higiene. Quem detesta políticos nem sempre reconhece que precisa deles, geralmente culpando-os por ter perdido o emprego (SÉGUÉLA, 2007, p. 10).
O marketing político é uma variação do comercial, com suas devidas adaptações.
Raffo continua, apresentando as contribuições que o marketing trouxe ao jogo político:
Se algo trouxe o marketing à política, isso foi vida. Trouxe música, imagens, palavras, emoções, argumentos, convicções, desejos, amor, criatividade, imaginação, humor; trouxe a voz do próprio eleitor, trouxe trabalho e, mais que tudo, talento (SÉGUÉLA, 2007, p. 18).
Aceitando as diferenças, mas acreditando que ambos surgem da mesma base, podemos
tomar algumas teorias do marketing comercial e aplicá-las ao eleitoral. Uma delas é o modelo
de hierarquia de efeitos, apresentado por Philip Kotler em seu livro “Administração de
Marketing” (KOTLER, 2000, p. 575).
Segundo o autor a comunicação passa por seis momentos. O primeiro é o da
conscientização, quando o consumidor passará a saber da existência do produto. No mundo
político o eleitor precisa em primeiro lugar saber que o postulante é candidato. Costa e Silva
usou a imprensa como importante ferramenta para divulgar ao país sua intenção de
candidatura, como veremos posteriormente.
Consciente da existência do candidato a comunicação entra em sua segunda função
que é a de gerar conhecimento. O consumidor precisa de mais detalhes sobre o produto como
suas funções e diferenciais. Em 1966, o General precisava mostrar para os grupos de apoio
21
seus planos, suas intenções e seus objetivos. Apenas com isso Costa e Silva transformou sua
candidatura em algo não apenas viável, mas sem volta. O Presidente Castello Branco não
poderia ter outra atitude que não a de apoiá-lo, sob o risco de perder o apoio que tinha dentro
da estrutura militar.
O terceiro passo da comunicação é conquistar a simpatia. Aqui tratamos do
posicionamento do produto frente ao consumidor. Se ela for negativa a comunicação tentará
minimizar seus efeitos para depois transformá-la em positiva. Na política isto também ocorre,
uma vez que o eleitor relaciona o candidato com seu passado e grupos de apoio. A
comunicação deve buscar limitar os efeitos negativos que os apoios ou erros cometidos
anteriormente possam trazer à candidatura. Costa e Silva carregava consigo o fato de ser o
candidato do governo. Para os que consideravam o Presidente Castello Branco um ditador ou
mau administrador, esta proximidade entre governante e candidato influenciava a imagem do
último de forma negativa. Assim, o discurso de Costa e Silva precisava ser de independência,
porém sem criticar o governo, sob o risco de perder o apoio dos que gostavam do Presidente.
O quarto ponto é a preferência. Por mais simpatia que levante junto ao público, o
produto pode não contar com sua preferência, uma vez que na comparação com os
concorrentes outros pontos lhe sejam desfavoráveis. Na comunicação política o candidato
buscará a preferência ressaltando seus pontos fortes, suas qualidades, as virtudes de seu
passado. O General Costa e Silva tinha um discurso forte junto aos militares, pois durante
toda a sua carreira foi bem sucedido, não tendo marcas negativas em seu currículo. Sua tarefa
era mostrar à população que tinha as qualidades necessárias para ser Presidente. Direcionou
para isso seu discurso, tratando de pontos que eram vitais para a população como a reabertura
do sistema político e o desenvolvimento econômico.
Como quinto objetivo da comunicação está a conquista da convicção. Um consumidor
hesitante pode não consumar a compra. Se existirem ainda dúvidas sobre os reais benefícios
daquele produto, pode deixar a compra de lado ou optar por um concorrente. Nada diferente
do que acontece na política. Se o candidato não conseguir acabar com todas as dúvidas em
relação ao seu nome pode não ser o escolhido no momento do voto. Para a candidatura de
Costa e Silva este era o perigo que corria na reunião do Colégio Eleitoral. Apesar de
candidato único a vitória poderia não vir caso não obtivesse a maioria dos votos no
Congresso, sendo necessárias outras votações, o que prejudicaria sua imagem política. Por
isso o candidato dedicou grande parto do seu tempo de campanha à tratativa com os meios
políticos para prevenir qualquer vacilo no momento da votação.
22
Por fim a comunicação tem como meta levar o consumidor até a compra. Assim como
no mercado existem materiais comunicando o produto da gôndola ao caixa, buscando evitar
que o consumidor desista antes de efetivar a compra, em política isto também acontece. Até
mesmo no dia da eleição os candidatos buscam novos votos, além de confirmar aqueles que
estão bem trabalhados. O candidato Costa e Silva terminou suas viagens exatamente em
Brasília, onde ocorreria a votação. Sua presença na cidade fez com que a imprensa
continuasse falando de seu nome, além de manter a possibilidade do candidato se encontrar
com algum deputado ou senador que ainda estivesse em dúvida, garantindo assim seu
sucesso.
Concretizada a compra, o objetivo da comunicação foi atingido. Obtido o voto, a
comunicação eleitoral também funcionou e seus frutos podem ser colhidos ainda em outras
eleições ou durante o período de governo.
1.3 – Princípios de marketing político Quando falamos em marketing eleitoral a primeira imagem sugerida é a dos grandes
comícios, discursos inflamados em programas de rádio ou televisão e muitas outras cenas do
cotidiano eleitoral que o brasileiro voltou a se habituar a partir da década de 1990. Entretanto
tratamos neste trabalho de um período em que a televisão ainda não havia tomado a proporção
que hoje tem na vida do brasileiro e, principalmente, as campanhas para escolha do Presidente
da República se desenrolavam sem a participação do povo. O governante máximo do país era
escolhido em pequenas reuniões dentro dos quartéis.
Mas não seria esta escolha um tipo de eleição? Os candidatos eram apresentados,
observados seus pontos fortes e fracos e por fim escolhido aquele que melhor conviesse aos
objetivos daqueles eleitores. Aceitando isso como uma eleição – com todas as características
pouco democráticas que possam ser levantadas – é preciso também reconhecer que alguma
forma de campanha era necessária para influenciar no processo de escolha.
Mesmo levando em consideração as peculiaridades do processo sucessório de 1966, a
eleição do Presidente Costa e Silva contou com ações eleitorais. A campanha aconteceu, o
candidato falou aos diferentes públicos que considerava essenciais para o seu sucesso, seja ele
eleitoral ou durante os anos de governo. E aqui nos deparamos com o primeiro ponto que deve
ser observado. Uma campanha eleitoral não se destina apenas a garantir votação ao candidato,
mas sim a conseguir sua aproximação com o público, preparando o terreno para que o
governo seja exercido com certa tranqüilidade.
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Costa e Silva não era um ator do mundo político. Comportou-se sempre como um
militar, fazendo intervenções na política, mas nunca no âmbito partidário. Era conhecido
dentro da tropa, por causa de sua liderança e participação em diversas revoltas castrenses.
Entretanto poucos conheciam seus planos para o futuro do Brasil. Neste ponto começa a
ganhar corpo a importância do marketing político e eleitoral. Francisco Gaudêncio Torquato
do Rego explica um dos principais pontos de importância da comunicação política:
[...] Marketing político, entendido como o esforço planejado para se cultivar a atenção, o interesse e a preferência de um mercado de eleitores, é o caminho indicado e seguro para o sucesso de quem deseja entrar na política (REGO, 1985, p.14).
Como dito anteriormente, Costa e Silva não era um homem da política partidária. Não
era conhecido do público e sem as ações de marketing eleitoral dificilmente conseguiria sua
eleição. O caminho foi seguido corretamente e confirmando assim o que o autor descreve.
Torquato também fala sobre o esforço planejado das ações de marketing. O uso das
ferramentas de comunicação política sem planejamento está fadado ao insucesso. Pouco valor
tem para a candidatura o uso de rádio, televisão, mídias impressas se estas não conversam
entre si. O tema central da campanha precisa ser respeitado. A produção destes materiais deve
observar se o público correto está sendo atingido. A distribuição do material – no Brasil este
ponto deve ser levado em conta nos materiais impressos, uma vez que rádio e televisão têm
seu uso regulado por legislação, não podendo o candidato comprar espaço publicitário como
acontece no mercado comercial – deve pensar o local exato onde se encontra o eleitor alvo
daquela candidatura.
No ano de 1966 a equipe eleitoral de Costa e Silva não precisava se preocupar com
tantos fatores, mas com alguns deles sim. Se o uso do rádio e televisão era muito restrito, as
viagens feitas pelo candidato precisavam ser corretamente pensadas para não colocá-lo em
situações difíceis e desnecessárias, além de evitar riscos, em um momento que a luta entre
direita e esquerda começava a caminhar para a violência. Os discursos feitos por Costa e Silva
também precisavam ser preparados para responder aos anseios do público que iria ouvi-lo e
vários outros pontos precisavam ser planejados. A linha central dessa preparação é a
plataforma de governo, uma vez que por meio dela serão definidos os rumos que a campanha
deve tomar, como explica Kuntz (2004, p. 61):
Plataforma é o conjunto de idéias, críticas, propostas e posições assumidas por um candidato durante uma campanha eleitoral. [...] Seu conteúdo é um
24
dos fatores que irão determinar o grau de memorização do público em relação ao candidato, o que faz com que a escolha dos temas que a comporão assuma importância decisiva para o sucesso e eficiência de uma campanha.
Ou seja, é pela plataforma que o candidato apresenta aos eleitores o que ele pensa da
realidade vivida pelas pessoas e o que acredita ser necessário fazer. Esta será a base para o
desenvolvimento do plano de governo, onde detalhará como pretende fazer o que foi
delimitado anteriormente. Na sequência, o autor apresenta três pontos de importância para a
construção de uma plataforma (KUNTZ, 2004, p.61).
O primeiro é a contribuição para a construção da imagem do candidato. Os eleitores
tomam, a partir da plataforma, contato com o pensamento do candidato. Um candidato de
esquerda tende a centrar sua plataforma em temas ligados ao desenvolvimento social. Já um
de direita defenderá posições relacionadas ao crescimento econômico. A plataforma
posicionará o candidato na mente do eleitor. Aqui podemos mais uma vez recorrer a uma
teoria do marketing comercial para explicar a importância deste ponto. Para Kotler (2003, p.
321) “posicionamento é o ato de desenvolver a oferta e a imagem da empresa para ocupar um
lugar destacado na mente do cliente alvo”. O resultado de uma boa estratégia de
posicionamento é a formação de uma imagem clara do candidato na mente do eleitor. Getúlio
Vargas trabalhou sua imagem para ser reconhecido como um político preocupado com a
classe trabalhadora e com os pobres, ganhando inclusive o apelido de “pai dos pobres”.
Juscelino optou pela figura do empreendedor, executando sempre grandes obras com o
objetivo de gerar o crescimento da economia. Assim, quando Kuntz afirma que a plataforma
de campanha ajudará a criar a imagem do candidato na mente do eleitor, está se referindo ao
conceito de posicionamento usado pelo mercado na administração mercadológica de produtos.
O segundo ponto de importância defendido pelo autor é a função de caracterizar e
diferenciar a campanha das demais. Se Costa e Silva não precisava da diferenciação frente a
outras campanhas, uma vez que era candidato único, tinha como objetivo demarcar posição,
sendo reconhecido como diferente do Presidente Castello Branco. Como veremos adiante, a
plataforma de campanha contribuiu neste objetivo do candidato.
O terceiro e último aspecto da importância de uma boa plataforma eleitoral é o
compromisso assumido pelo candidato com o eleitor, uma vez que nela serão estabelecidos os
pontos centrais de um futuro governo.
Para Kuntz (2004, p. 62) existem três temas centrais que podem compor a plataforma
de governo. Inicialmente temos os temas fundamentais ou racionais, que estão ligados a área
administrativa ou legislativa. Normalmente são assuntos amplos e imensuráveis durante a
gestão do então candidato, como segurança, saúde ou educação. Estão normalmente ligados à
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vida política do candidato, sendo temas defendidos por ele em outras campanhas. Devem
compor a base da plataforma.
Em seguida aparecem os temas oportunos ou emocionais. Podem ser considerados
assuntos que surgem inesperadamente, como uma inundação causada pelas chuvas, ou a
epidemia de uma doença. Entram e saem da campanha sem alterar a sua estrutura, já
delimitada pelos temas racionais. O candidato deve tomar cuidado ao usá-los, uma vez que o
eleitor pode tomá-lo por oportunista e sua imagem ficar desgastada.
Por fim surgem os temas segregacionistas. Estes são os mais complexos na campanha,
pois exigirão a tomada de posição do candidato, que fatalmente desagradará uma parcela do
eleitorado. Aborto, pena de morte ou questões ligadas à religião são assuntos que podem ser
classificados como segregacionistas. O candidato deve pesar as vantagens e os riscos antes de
colocá-los na campanha. São importantes quando a base eleitoral é bem definida e
posicionada quanto ao assunto. Um candidato ligado ao movimento evangélico poderá
posicionar-se contra o aborto e conseguir bons frutos em sua base eleitoral. Mas os benefícios
desta estratégia são mais claras nas eleições proporcionais, uma vez que um deputado ou
vereador consegue ser eleito com o apoio de alguns grupos. Nas eleições majoritárias, onde o
candidato a cargos executivos precisa da votação da maioria, defender temas que causem
desgaste com determinados grupos pode ser fatal para seus objetivos.
A plataforma de governo é apenas um item que deve compor o “esforço planejado”
das ações de marketing, que Gaudêncio Torquato para assim alcançar a atenção e preferência
do eleitorado. Em uma eleição normal, ou seja, não controlada pelo estado ou grupos
específicos, existe pouca possibilidade de controle sobre o que o eleitor fará no momento do
voto. Mesmo quando falamos do voto de cabresto, a forma atual das eleições, por meio do
voto secreto, dificulta muito que qualquer um saiba o seu voto. Desta forma, voltando a falar
de uma eleição livre, a conquista do voto se dá por meio da exposição de idéias. A partir do
momento em que o eleitor sente-se atraído pelos argumentos do candidato, estará mais aberto
a optar pela sua candidatura.
Alguns cuidados devem ser tomados no encaminhamento de uma campanha política.
Um deles é relacionado à formação das alianças. Na busca de apoios o candidato deve cuidar
para não confrontar aliados. Por vezes, dentro de um mesmo partido, facções concorrem pelo
poder e isso pode deteriorar o clima da campanha.
Esta foi uma realidade enfrentada por Costa e Silva na sua campanha. A ARENA,
Aliança Renovadora Nacional, era um partido formado artificialmente, por decisão do
governo, que acabara com os partidos após a chegada ao poder em 1964 e determinara o
26
bipartidarismo. A única divisão possível era entre os que apoiavam ou os que faziam oposição
ao governo. Coube ao MDB fazer a oposição, sofrendo também com as grandes diferenças
ideológicas de seus participantes.
Gaudêncio Torquato aponta a ação correta do candidato quando este tipo de divisão
acontece:
Atender a uma programação variada, aprumar a conversa de acordo com as ocasiões, não tomar partido em brigas de facções que apóiam, ou, pelo menos, não se envolver diretamente em querelas, faz parte da flexibilidade do candidato. A programação gastronômica também precisa ser flexível (REGO, 1985, p. 33).
Dois estados sofriam particularmente com a briga interna entre os integrantes da
ARENA, o Rio Grande do Norte e Alagoas. Exatamente por esse motivo foram os únicos
estados que não contaram com a visita do então candidato à Presidência na campanha de
1966, como relata o General Jayme Portela em seu livro (MELLO, 1979, p. 355).
1.4 – A conquista da opinião pública Para obter o sucesso em uma candidatura, a conquista da opinião pública é
fundamental. Se Costa e Silva não precisava dos votos da população, contar com o apoio das
pessoas evitaria futuros problemas, como o fortalecimento das organizações de esquerda que
lutavam pela volta da democracia plena.
A opinião pública é classificada da seguinte forma por Kuntz (2004, p. 119):
Representada pela média das opiniões correntes e expectativas de uma sociedade, seu processo de formação é complexo, composto pela somatória de todas as tendências sociais correntes intelectuais, costumes, moda, moral tecnologia, etc., de todos os segmentos sócio-econômicos e culturais de cada comunidade.
Trabalhar para que a média das opiniões seja favorável pode garantir certa
tranqüilidade ao governante. O discurso eleitoral deve ser trabalhado de forma a mostrar à
população que o futuro governante buscará um caminho que agrade, no caso de vitória
eleitoral.
Durante o regime militar a opinião pública não tinha força para derrubar um governo.
A repressão armada e o controle dos meios de comunicação por parte dos militares limitavam
27
o poder da população, porém contar com o apoio da população significava diminuir a força
dos movimentos de esquerda, que como não conseguiam expressar sua discordância pelos
meios normais, principalmente a imprensa e as tribunas dos legislativos, usavam as ações
terroristas como o atentado ao candidato Costa e Silva no Aeroporto de Guararapes, em
Pernambuco.
O Presidente Castello Branco, buscando uma mudança na realidade econômica do país
tomou ações impopulares, o que com o passar do seu mandato fez com que perdesse o apoio
da classe média e dos próprios militares. Costa e Silva, pelo contrário, buscou durante todo o
tempo construir uma forte base de apoio dentro da tropa. Trabalhava para manter o regime,
mas chamava para si a influência sobre a tropa. Suas ações eram calculadas. De nada
adiantaria ter apoio popular se eram os militares que decidiam o futuro do país. O candidato
buscava por seus discursos e ações influenciar a formação da opinião pública. Kuntz (2004,
p.119) destaca a importância desse passo:
Influir na formação da opinião pública é, no fundo, a grande meta de todo candidato. Abstrata, intangível, apenas detectável e em constante mutação, a opinião pública é o grande monstro sagrado que a todos atemoriza ou impõe respeito, ao mesmo tempo em que é por todos perseguida, no afã de se conseguir penetrá-la e conquistá-la.
A partir do momento que o candidato consegue ditar o rumo da opinião pública terá
maior facilidade para transmitir sua mensagem, principalmente quando temas mais complexos
precisam ser abordados. Os caminhos dessa influência passam pelo controle do conteúdo das
mensagens passadas ao público, em seus diferentes meios. Falamos aqui dos jornais, das
expressões artísticas e qualquer outro meio de informação ou transmissão de idéias. Kuntz
afirma que existem dois componentes de formação da opinião pública que merecem destaque:
os aspectos históricos da sociedade e os meios de informação a que o público tem acesso.
Sobre o segundo Kuntz (2004, p. 121) fala:
O segundo, mais dinâmico e acessível, são os fatores provenientes dos meios de informação contemporânea e suas fontes, que influem direta e constantemente no posicionamento ou tendências atuais ou evolutivas da opinião pública. Entre os principais estão a ciência, a propaganda, a imprensa, as artes (cinema, teatro, música, etc.) a literatura e a política, todos eles determinantes, em maior ou menos grau, da constituição dos valores aceitos, da moral vigente e da moda.
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Os governos totalitários têm especial controle sobre os meios de informação. Durante
o regime militar brasileiro os jornais eram censurados, as expressões artísticas precisavam de
autorização prévia para ser exibidas e o jogo político, como conhecido em períodos de
democracia plena, inexistia.
Costa e Silva preparou o caminho para sua chegada ao poder por meio da força que
tinha junto à tropa. Metade do trabalho era feito pelo próprio governo, por meio da censura. A
outra metade o candidato tomava para si, controlando a tropa com força. Qualquer
movimentação existente nos quartéis era controlada pelo candidato, que fazia discursos
inflamados lembrando a existência de lideranças nas forças armadas e trazendo para si a
responsabilidade de continuar com as mudanças que vinham sendo feitas.
A habilidade de Costa e Silva em seus discursos é exemplo do que Kuntz cita como
forma de influenciar o público. Dois pontos são destacados: o uso de palavras-chave que
inflamam a opinião pública e a observância de pontos de interesse do público:
Compreender os mecanismos centrais por intermédio dos quais a mobilização das massas pode ser conquistada e manipulada é simples, bastando que se observem as características comuns a todos os seres humanos, a partir das quais podem ser estabelecidas ‘palavras chave’ que acionam o processo de estímulo à mobilização. [...] Aquele que consegue representar com maior persuasão o papel de herói vingador geralmente acaba se tornando líder do movimento, pois existe uma forte tendência de se transferir apoio àquele que assume as posições que cada um gostaria de assumir, não fosse o sentimento de impotência que o domina. (KUNTZ, 2004, p. 127).
O candidato manipulava as duas características citadas por Kuntz. Em plena guerra
fria, Costa e Silva se colocava como a pessoa certa para afastar o perigo comunista do país e
manter as reformas que os militares vinham executando. A classe média brasileira apoiou o
movimento de 1964 por medo do avanço da esquerda. O discurso do então Presidente João
Goulart, com suas propostas de reformas de base era considerado um risco pela elite do país.
Os militares chegaram com a promessa de que manteriam a força do capitalismo, o que
agradava os detentores do capital. Não à toa em seus discursos Costa e Silva classificava os
opositores como terroristas. As ações violentas da direita eram tidas apenas como uma
resposta, uma defesa aos ataques da esquerda armada. Assim, a principal palavra de ordem
usada era a luta contra o comunismo.
Este discurso buscava atingir a população em geral, mas também as tropas. Os
militares sentiam orgulho da tomada de poder e a possibilidade da volta aos quartéis era vista
como uma ameaça por muitos. Costa e Silva usava o poder que tinha como Ministro da
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Guerra para garantir que os líderes militares não retrocederiam, mantendo o novo quadro
político do país. O candidato tomava o papel de “herói vingador” citado por Kuntz. A tropa
via nele o líder ideal para garantir a vitória dos militares sobre a esquerda armada. Em todo o
período do governo Castello Branco, Costa e Silva apareceu como o estabilizador da situação
militar do Presidente. Não se furtava a críticas veladas, mas garantia seu total apoio ao então
chefe do executivo nacional.
Este processo de discurso para dois públicos diferentes que o candidato Costa e Silva
teve que conviver durante toda a sua campanha – sempre buscando o apoio dos militares e da
população – mostraria sua importância em outra eleição brasileira, a que conduziu Tancredo
Neves ao poder.
Em 1985 dois candidatos disputavam o que seria a última eleição presidencial com
voto indireto no Brasil. Tancredo Neves, era o candidato da oposição e Paulo Maluf e
representante do governo. Após intensa disputa de bastidores, o colégio eleitoral escolheu
Tancredo como o novo Presidente. Kuntz (2004, p. 131) aponta como um grande erro do
candidato derrotado a pouca preocupação com sua imagem junto à opinião pública:
Certo de que a sucessão presidencial se faria pelo processo indireto, via Colégio Eleitoral e, portanto, sem a participação popular, Maluf se descuidou e sua imagem perante a opinião pública, desprezando ações adversárias e deixando ataques sem resposta, ou concentrando suas ações na conquista de outro tipo de eleitor: os políticos e delegados, certo de que, assumida a presidência da República, não lhe faltariam tempo nem condições de refazer sua imagem.
É importante atentar que em uma disputa eleitoral por voto indireto a população não
tem direito a voto, mas participa intensamente como elemento de pressão, seja por meio da
mídia, que muitas vezes não consegue exercer seu papel por causa da censura, ou pelas
manifestações populares organizadas por grupos políticos ligados aos diferentes candidatos. O
colégio eleitoral, independente de sua formação, dificilmente despreza a opinião pública. As
decisões são tomadas levando em consideração toda a complexidade do jogo político. Eleger
um candidato sem apelo popular pode trazer dificuldades futuras. Em 1985 Paulo Maluf
representava a corrente que vinha sendo rejeitada pela população, que havia dado seu recado
um ano antes, nas manifestações a favor das eleições diretas.
Diferente da atitude de Maluf, Costa e Silva sabia da necessidade de conquistar o
apoio popular e o buscou por meio de uma campanha eleitoral. A comparação entre as
30
eleições de 1966 e 1985 exemplifica que, mesmo em uma eleição indireta, o correto uso das
ferramentas de marketing eleitoral pode interferir no resultado final.
Gaudêncio Torquato aponta o risco da comunicação política quando existem dois
públicos diferentes:
[...] é apropriada para o político planejar sua campanha com mensagens aos diversos segmentos de eleitores. Com isso ele visa a atingir impacto em grupamentos diferenciados. Há, nesse caso, certo perigo de “canibalização” de mensagens com determinados programas eclipsando outros, principalmente se os segmentos eleitorais estão próximos (REGO, 1985, p.15).
A campanha de 1966 foi marcada pela necessidade do candidato conversar com civis e
militares. O grande problema é que os objetivos dos diferentes públicos não eram os mesmos.
Para os militares Costa e Silva precisava garantir que as vitórias do movimento de 1964
seriam mantidas. Para os civis, que muitas vezes não concordavam que as mudanças haviam
sido vitórias, o candidato precisava apontar um caminho de desenvolvimento e abertura
política. O risco da canibalização, indicada por Torquato era presente e Costa e Silva
conviveu com isso durante o período eleitoral e continuaria convivendo em seu período de
governo, uma vez que dificilmente conseguiria contentar dois públicos com objetivos tão
diferentes.
1.5 – As Leis de Domenach
No livro “A propaganda política”, Jean-Marie Domenach apresenta as bases do
pensamento do marketing político. É importante destacar que o autor não trata apenas de
ações eleitorais, mas sim formas de controle da opinião pública e estratégias políticas para a
chegada e manutenção do poder.
O primeiro conceito que defende é a necessidade de concentrar os esforços da
campanha em apenas um inimigo, deixando assim de gastar forças em várias frentes.
Os militares tinham um alvo certeiro: os comunistas. As ações tomadas a partir do
Movimento de 1964 são baseadas na luta para evitar que a esquerda chegasse ao poder,
transformando o país em uma nova União Soviética ou China. Em discurso feito na
convenção da Arena, partido pelo qual disputou as eleições, Costa e Silva defendeu o governo
do Presidente Castello Branco citando como uma de suas vitórias a “dissolução do dispositivo
comunista que, nos ameaçando, ameaçava todo o continente” (COSTA E SILVA, 1967, p. 171).
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O dispositivo comunista aparece em inúmeros discursos feitos pelo candidato,
personificando o inimigo único. Para os militares todos os objetivos do Movimento de 1964
tinham como ponto central afastar da estrutura de poder as pessoas ligadas à esquerda, que
colocavam em risco seu projeto de poder.
Domenach (1955, p. 58) continua sua defesa apontando que “a forma simplificadora
mais elementar e rendosa é evidentemente a de concentrar sobre uma única pessoa as
esperanças do campo a que pertencemos ou o ódio pelo campo adverso”. Como exemplo de
que os militares seguiram este aspecto da teoria do autor está o discurso de Costa e Silva feito
às classes produtoras de Porto Alegre em julho de 1966. Neste, o candidato é duro no ataque
ao antigo regime, acusando o governo deposto de aproveitador e corrupto:
O que a Revolução teve, tem e terá em mira inflexivelmente é o combate à corrupção e à subversão. Não era possível que o país continuasse entregue a um bando de aproveitadores que, em vez de a ele servirem, serviam-se dele como de causa própria e, apesar de sua tenaz, irremediável reincidência, continuavam impunes e cada vez mais prestigiosos e prósperos. Não era possível, de outra parte, permitir a proliferação de focos subversivos, que tinham em mira a desagregação da forma constitucional do governo e, pior do que tudo, a sua substituição por um regime comunista (COSTA E SILVA, 1967, p. 173).
Domenach defende que “a boa propaganda não visa mais de um objetivo de cada vez.
Trata-se de concentrar o tiro em um só alvo durante dado período” (Domenach, 1955, p. 56).
Para o autor a campanha não deve estar ligada a apenas um mote. Pelo contrário. Afirma
apenas a necessidade de não dividir esforços, atacando vários pontos ao mesmo tempo. Em
1966 o Brasil enfrentava sérias dificuldades econômicas e o governo de Castello Branco
enfrentava baixos índices de popularidade, como afirma Ronaldo Costa Couto (2003, p. 75),
quando analisa a postura do Presidente Castello Branco, que trabalhava para aumentar a
discussão a respeito do nome do futuro governante, adiando a decisão:
[...] Ainda que a eleição fosse, de fato, um problema castrense – quem os militares indicassem seria eleito -, o comportamento do presidente pode ter sido influenciado pela impopularidade política do seu governo, decorrente, como visto, dos desgastes oriundos da política econômica recessiva e da própria ação revolucionária.
Assim, o discurso central da campanha tinha que ser pela defesa do país contra o
comunismo, ponto de apoio do Movimento de 1964 e pela recuperação econômica, caminho
seguido pelo candidato em seus discursos.
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Ainda na convenção da Arena, realizada em maio de 1966, no Rio de Janeiro, o
candidato afirma que Castello recebeu do governo deposto uma herança catastrófica e mesmo
assim conseguiu uma “retomada da marca do desenvolvimento econômico em bases mais
conformes à realidade, mais estáveis e mais duradouras” (COSTA E SILVA, 1967, p. 172).
Outro ponto defendido por Domenach (1955, p.61) que podemos verificar na
campanha presidencial de Costa e Silva é a lei de amplificação e desfiguração. Segundo o
autor,
A amplificação exagerada das notícias é um processo jornalístico empregado corretamente pela imprensa de todos os partidos, que coloca em evidência todas as informações favoráveis aos seus objetivos: a frase casual de um político, a passagem de um avião ou de um navio desconhecidos, transformam-se em provas ameaçadoras. A hábil utilização de citações destacadas do contexto constitui também processo freqüente.
Os atos de violência adotados pela esquerda como forma de combater o regime em
vigência foram aproveitados pelo governo como armas para a manutenção do poder. Após o
atentado em Guararapes, a notícia foi amplamente veiculada e em seus discursos o candidato
acusava a esquerda e reforçava a necessidade de luta contra o terrorismo.
O atentado que tinha como objetivo atingir o futuro Presidente foi na verdade uma
senha para que o governo acentuasse o discurso da necessidade de perseguição aos
comunistas, taxados como pessoas que seguiam o interesse estrangeiro e apenas colaboravam
para aumentar o sentimento de insegurança da população. A discussão deixava o terreno
ideológico para ganhar as páginas policiais.
Ronaldo Costa Couto (2003, p. 79) relata o conteúdo de uma entrevista com o General
Leônidas Pires Gonçalves, ex-ministro do Exército no período de 1985 a 1990 em que a
importância deste atentado é levantada:
Nós fizemos uma revolução, não botamos ninguém no paredão, não matamos ninguém. O máximo que fizemos foi cassar, com dois “esses”. Quem é que começou com a violência? Guararapes, uma bomba colocada por eles! Mataram um almirante, que era irmão do sogro de um general meu. Quem começa não sabe onde vai acabar. Isto é como se fosse uma avalanche. Nós tínhamos plena convicção de que estávamos fazendo o melhor para o Brasil.
Não cabe aqui a análise do que foi dito pelo General, mas sim a certeza de que com o
atentado os militares sentiram-se no direito de revidar e ainda por cima passavam a ter uma
justificativa para o uso da força. A partir de então as forças armadas eram as vítimas de um
33
processo terrorista que não queria as mudanças que vinham sendo implantadas no sentido de
evitar a ameaça comunista no Brasil.
Se eticamente esta posição pode ser discutida pelos diferentes lados envolvidos,
politicamente foi um movimento inteligente. A lei da amplificação é aplicada exatamente
quando algo acontece e que vantagens políticas podem ser tiradas. Costa e Silva era
reconhecido como um candidato com força e respeito entre os militares. Carregava uma
imagem de força que Castello não conseguia ter. Grande parte da tropa acreditava que o
combate aos dissidentes havia sido deixado de lado pelo atual Presidente e que apenas alguém
com as características de Costa e Silva poderia colocar o país no seu rumo certo. Quando este
é vítima de um atentado, sendo a esquerda acusada de sua autoria, os militares passaram a ter
mais um motivo para acreditar que aquela era a melhor escolha para acabar de vez com os
dissidentes. O uso dos jornais e dos discursos do candidato foram apenas as ferramentas para
ampliar as vantagens políticas do ato pouco eficaz da esquerda.
Curiosamente, passados mais de trinta anos do atentado um integrante de movimento
esquerdista admitiu que a ação de Guararapes foi realmente realizada por pessoas ligadas ao
grupo. A organização era a Ação Popular e quem falou a respeito foi o sociólogo Herbert de
Souza:
O atentado foi obra de dois militantes que resolveram. Soubemos logo depois. Ficamos em pânico: morreu um almirante, morreu um jornalista. Se eles descobrem e vêm em cima, destroem a Ação Popular em dias. (MORAIS NETO, 1997, p. 240)
Costa e Silva ainda explorou o atentado em discurso proferido em agosto de 1966 na
cidade de Goiânia;
Perturbar o processo revolucionário – eis o que tinha em mira o atentado do Recife – que foi, sem dúvida, um primeiro tempo de ação, a que outros se seguiriam ou – sabe Deus! – se seguirão. Perturbar o processo revolucionário equivaleria, em última análise, a perturbar a imensa obra de restauração nacional iniciada pelo insigne homem de Estado que é o Marechal Castello Branco e a regredir ao caos político, administrativo, econômico e financeiro (COSTA E SILVA, 1967, p. 19).
Costa e Silva destaca o estado de medo que a oposição tentava instalar no país por
meio de atentados daquele tipo. Faz um aviso - quase soando como uma ameaça – de que as
ações violentas por parte da esquerda tinham tudo para continuar. Esta afirmação reforça a
idéia de que era necessário um governo forte para controlar esta situação de perigo iminente.
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E como dito anteriormente Costa e Silva se apresentava como o líder que conduziria o país à
paz e prosperidade. Outro ponto a destacar é o elogio ao avanço conseguido pelo atual
Presidente que recebera um país com enormes problemas e não podia voltar ao estado anterior
ao Movimento de 1964. O país devia continuar seu caminho de ajustes e desenvolvimento e
os militares estavam ali para garantir isso.
Fica assim claro o uso da lei da ampliação. O atentado de Guararapes é apenas um
exemplo de como os líderes militares buscaram fazer uma leitura dos acontecimentos que
beneficiassem suas intenções e como detinham pleno controle da mídia tinham seu caminho
facilitado.
A terceira lei de Domenach (1955, p. 63) que encontramos na campanha de Costa e
Silva é a Lei da Orquestração. Consiste da repetição exaustiva dos principais temas da
campanha, como explica o autor: “A orquestração de dado tema consiste na sua repetição por
todos os órgãos de propaganda, nas formas adaptadas aos diversos públicos e tão variadas
quanto possível”. No entanto o autor destaca que o político deve cuidar para que a campanha
não fique monótona, uma vez que poucos temas serão abordados com grande freqüência.
A diversidade de meios existente hoje colabora para que uma campanha consiga esta
disseminação da mensagem de diferentes formas. O conteúdo é o mesmo, mas a forma como
o tema é abordado no rádio, na televisão e cada vez mais na internet é absolutamente
diferente. No entanto, tratamos aqui de uma eleição ocorrida em 1966, período no qual a
televisão ainda não tinha grande penetração popular, os jornais eram destinados à elite
intelectual, uma vez que a gama de analfabetos no país era muito alta, sobrando assim o rádio
e os discursos do candidato nos eventos promovidos pela campanha. Assim, a forma do
discurso pouco mudava, sendo apenas dada diferente ênfase de acordo com o público a ser
atingido.
Observando os discursos feitos por Costa e Silva, assim como as matérias publicadas
pela imprensa os temas centrais da campanha eram a luta contra o comunismo, que muitas
vezes aparecia como a garantia da segurança nacional, o combate à corrupção instalada no
serviço público pela corrente política derrotada em 1964 e a retomada do crescimento
econômico. Domenach (1955, p. 65) continua em sua obra a abordar a forma correta de
utilizar a orquestração:
Uma grande campanha de propaganda tem êxito quando se amplifica em ecos indefinidos, quando consegue suscitar um pouco por toda a parte a retomada do mesmo tema e que se estabelece entre seus promotores e os seus transmissores verdadeiro fenômeno de ressonância, cujo ritmo pode ser
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seguido e ampliado. É evidente, aliás, que, para se obter tal ressonância, o objetivo da campanha deve corresponder a um desejo mais ou menos consciente no espírito das grandes massas.
O autor passa aqui dois pilares de uma boa campanha de comunicação eleitoral: a
necessidade de fazer com que o tema central da campanha seja constantemente debatido pela
sociedade, mas principalmente selecionar tal tema das questões que mais afligem os eleitores.
O tema deve sair da população e não ser imposto pelo candidato.
Por fim, Domenach (1955, p. 69) coloca que “a condição essencial para uma boa
orquestração, em todos os casos, é a cuidadosa adaptação do tom e da argumentação aos
diversos públicos”.
Costa e Silva tinha esta habilidade. Seu discurso podia ter o mesmo tema, mas quando
tratava com a tropa usava um tom, transformando-se no general; quando falava com o povo
ajustava os detalhes para tornar-se próximo, era o futuro Presidente.
Em junho de 1965, na formatura do curso da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais,
no Rio de Janeiro, Costa e Silva dá um exemplo do tipo de discurso que usava com a tropa.
Nele, o então Ministro da Guerra indica aos jovens oficiais a importância do respeito à
hierarquia na instituição militar:
Olhando, encarando essas fisionomias jovens, em formatura, formando como que um bloco homogêneo e jovem, eu me reporto aos nossos tempos de capitães e de jovens e penso comigo mesmo que também naquela época nós tínhamos as faces levantadas, olhando para os chefes, procurando os chefes, prestigiando os chefes, confiando nos chefes. Hoje, mais do que nunca é preciso que essa juventude, esse cerne, esse miolo do exército tenha também as suas faces, os seus pensamentos, as suas aspirações voltadas para os chefes, neles confiando, prestigiando-os com essa confiança. Porque ontem, como hoje, capitão, coronéis e generais, todos nós saberemos cumprir com o nosso dever, custe o que custar (Costa e Silva, 1965a).
O recado era claro. Ninguém no exército deveria discutir as ordens dos superiores.
Quando este discurso foi proferido, a candidatura de Costa e Silva ainda não era oficial. Mas,
na posição de Ministro da Guerra, cabia a ele controlar o exército. A mesma instabilidade na
tropa que desgastava a figura do Presidente Castello Branco, poderia tornar-se um problema
em seu futuro governo. Como já destacado, Costa e Silva era um homem de tropa e sabia
exatamente como se dirigir aos soldados ganhando assim sua confiança e apoio político e
militar.
Em um discurso proferido em sua cidade natal, Taquari, no Rio Grande do Sul, o então
candidato à Presidência fala sobre a volta da democracia:
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Almejo, portanto, sem prejuízo dos interesses supremos da Revolução de março de 1964, que salvou o Brasil do pior que poderia acontecer-lhe, almejo, dizia, encaminhar o processo da redemocratização completa do país, de sorte que ao povo sejam restituídos tão rapidamente quanto possível os seus direitos primordiais, dele retirados em hora dificultosa, que exigia tal providência como medida de salvação nacional, a fim de evitar-se a desordem ardentemente desejada por aqueles que armavam e continuam armando, por todos os meios, a impossível restauração de um ignominioso estado de coisas. Contai, pois, comigo e anotai o compromisso que assumo, aqui e agora, de promover a redemocratização completa do nosso sistema político e de resguardar decididamente as conquistas da Revolução (COSTA E SILVA, 1967, p. 164).
Observando os detalhes deste discurso podemos reparar que o candidato falava com
seus dois públicos. Quando garantia que o Movimento de 1964 não regrediria estava
mandando um recado aos militares que não aceitavam a volta aos quartéis, uma vez que na
visão deles ainda existia o perigo comunista pairando na sociedade brasileira, fato este
ressaltado por Costa e Silva quando cita a existência de algumas pessoas com interesse de
tentar a retomada da situação pré-março de 1964.
Por outro lado fala ao povo, garantindo que entregará, ao final de seu governo, o país
novamente ao processo democrático. Apesar do apoio dado aos militares, principalmente pela
classe média, os brasileiros sentiam que a exclusão ao direito de escolha do novo Presidente
não era a melhor opção. O medo frente ao discurso comunista do Presidente João Goulart
levou parte do país a apoiar a derrubada do governo, como vemos na Marcha da Família com
Deus pela Liberdade1, no dia 2 de abril de 1964, que contou com a participação de mais de
um milhão de pessoas, tendo sido organizada pela Campanha da Mulher pela Democracia,
conforme relata Sérgio Lamarão em artigo publicado pelo site do Centro de Pesquisa e
Documentação Histórica Contemporânea do Brasil – CPDOC – da Fundação Getúlio Vargas
(LAMARÃO, s.d, on-line), mas não queriam que as decisões políticas ficassem apenas para
os militares.
Com esta estratégia, de discursos duros para os militares, mostrando a força do líder e
de agrados às esperanças da população, o candidato demarcava sua posição e garantia o apoio
das duas frentes que poderiam causar problemas às suas intenções políticas.
1 A marcha da Família com Deus pela Liberdade foi um dos muitos eventos organizados por parte da sociedade que não aceitava o governo de João Goulart como forma de protesto contra as ações tidas como comunistas do então Presidente. Contavam com o apoio de políticos importantes como o então Presidente do Senado Federal Auro de Moura Andrade e do governador da Guanabara, Carlos Lacerda. Estes eventos continuaram mesmo após a queda de Goulart e passaram a ser conhecidos como as Marchas da Vitória.
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A quarta lei de Domenach (1955, p. 73) que podemos verificar na campanha de Costa
e Silva é a da “unanimidade e de contágio”. Segundo o autor,
A maioria dos homens tende, antes de tudo a “harmonizar-se” com seus semelhantes; raramente ousarão perturbar a concordância reinante em torno deles, ao emitir idéia contrária à idéia geral. Decorre desse fato que inúmeras opiniões não passam, na realidade, de uma soma de conformismos, e se mantém apenas por ter o indivíduo a impressão de que a sua opinião é esposada unanimemente por todos no seu meio. Em conseqüência, será tarefa da propaganda reforçar essa unanimidade e mesmo criá-la artificialmente.
No regime militar a imprensa não seguiu um rumo único em suas ações e opiniões.
Não são raros os exemplos de meios de comunicação que apoiaram o regime e outros que
foram frontalmente contrários. Existem também os casos de veículos que passaram de um
lado para o outro ao sabor dos acontecimentos. Um bom exemplo disso é o jornal Correio da
Manhã, que defendera a posse de Jango, quando da renúncia do então Presidente Jânio
Quadros, e lançou em 31 de março de 1964 um editorial com o título “Basta”, onde atacava as
posições do governo, (GASPARI, 2002, p.64). Entretanto, com o passar do tempo a posição
do jornal foi se afastando dos ideais militares e este sofreu forte perseguição do governo.
Obviamente não podemos afirmar que a posição da mídia foi responsável pelos
acontecimentos de março de 1964, porém sua participação foi importante, uma vez que
afirmou o sentimento contrário ao crescimento do comunismo. Este efeito é mais forte na
classe média, já que os mais pobres tinham pouco acesso aos jornais, principalmente por
conta do analfabetismo. Os militares aproveitaram o vento a favor do período anterior à
tomada do poder contando com o apoio de parte da mídia. Posteriormente, quando ocorreu o
afastamento dos veículos de comunicação que discordavam das atitudes do novo regime
usaram a censura como arma para controlar o conteúdo veiculado. Ora, a formação da opinião
pública ficava toda ao lado das intenções dos militares, uma vez que a população ficou sem
acesso às informações contrárias ao regime. O controle da mídia é essencial para a
manutenção de um regime autoritário, caso contrário as ações que ocorriam nos porões da
ditadura seriam divulgadas abertamente e dividiriam a opinião pública. Isto passou a ocorrer
apenas no final do processo, quando o grupo militar chefiado pelo então Presidente Ernesto
Geisel decidiu ser o momento de iniciar o processo de abertura do regime.
O processo democrático prevê a existência de diferentes opiniões. Direita e esquerda,
situação e oposição devem debater e usar a mídia e outras ferramentas de comunicação como
forma de conseguir adeptos às suas idéias. Um regime de exceção trabalha de forma oposta. O
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papel da mídia era importante para criar a instabilidade do governo de João Goulart, mas
precisava ser controlada para evitar que o mesmo processo ocorresse quando os militares
tomassem o poder. O trabalho desse segundo momento segue o que Domenach (1955, p. 73)
afirma na continuação de seu livro:
Criar a impressão de unanimidade e dela servir-se como de um veículo de entusiasmo e de terror, tal é o mecanismo básico das propagandas totalitárias, conforme tivemos a oportunidade de vislumbrar a propósito do manejamento dos símbolos e da lei do inimigo único.
O autor complementa, na sequência a importância que a aparência da unanimidade
pode ter em uma disputa política:
A unanimidade é ao mesmo tempo uma demonstração de força. Um dos alvos essenciais da propaganda é manifestar a onipresença dos adeptos e a superioridade deles sobre o adversário. Os símbolos, as insígnias, as bandeiras, os uniformes, os cantos, constituem um clima de força indispensável á propaganda. Trata-se de mostrar que “estamos” lá e que “somos mais fortes” (DOMENACH, 1955, p. 82).
Neste processo de consolidação da imagem de força, os militares contaram com a
população, como vimos na Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Reunir em uma ação
popular mais de um milhão de pessoas é um evento complicadíssimo até nos dias de hoje,
mesmo com o apoio significativo das novas mídias existentes. A impressão passada por ações
como esta era a de que o governo João Goulart estava pronto para ser derrubado e
influenciava os indecisos a tomar o partido dos militares.
Esta imagem de unanimidade recebeu a colaboração de parte da imprensa, que se
mostrava frontalmente contrária às posições do governo, como vimos anteriormente no
exemplo do jornal O Estado de São Paulo que defendia o fechamento do Congresso. A
participação da imprensa é fundamental para criar a impressão de que a maior parte da
sociedade apóia uma posição. Nas disputas políticas vemos isto acontecer a todo o momento.
Não é à toa que os políticos lutam para conseguir concessões de rádio e televisão e montar
grandes estruturas jornalísticas. A família Collor, em Alagoas, a família Magalhães na Bahia e
outras, principalmente no nordeste detém grande força midiática para apoiar seus objetivos
políticos. A população, com acesso restrito à informação é assim mais facilmente
influenciada.
O controle dos meios de comunicação é legítimo, sob o olhar do marketing eleitoral.
Se uma candidatura conta com uma estrutura midiática forte, apresentará sua superioridade
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frente aos concorrentes. Caso não a tenha, corre o risco de outros terem. Cabe aos poderes de
direito – legislativo e judiciário – controlarem os abusos que são cometidos, o que seria
salutar para o processo democrático e para o próprio marketing eleitoral.
A busca pela impressão de unanimidade fez parte das estratégias nazistas para controle
do povo alemão usando, por exemplo, os grandes desfiles militares para demonstrar como o
exército apoiava o governo de Hitler.
Vistas as leis que Domenach aponta como essenciais para a boa execução do
marketing político temos ainda outro ponto que o autor cita como importante de ser
controlado pelos atores da política: a contrapropaganda.
Por ela entendemos como a ação de combater as teses apresentadas pelos adversários,
conseguindo assim sua desqualificação junto ao público (DOMENACH, 1955, p. 83). O autor
apresenta sete regras para sua boa utilização.
A primeira é observar e destacar quais pontos a propaganda adversária está utilizando.
A isto se segue a classificação por ordem de importância dos temas abordados pelo
adversário. Dessa forma a comunicação pode ser combatida mais facilmente.
A segunda é concentrar os ataques aos pontos fracos da candidatura adversária.
“Contra uma coalizão de adversários, o esforço incide naturalmente no mais débil, no mais
hesitante e é nele que se concentra a propaganda” (DOMENACH, 1955, p. 83). Além do elo
mais fraco, a contrapropaganda deve também centrar força nas teses mais fracas defendidas
pelo adversário. No caso do regime militar brasileiro, a imagem de democracia era este ponto
fraco e a oposição constantemente o acusou de destruir a liberdade democrática.
A terceira regra tem relação com a força do adversário. O autor adverte para jamais
atacar diretamente a comunicação adversária quando esta for poderosa. Quando a
comunicação é bem recebida pelo público, o ataque frontal não desgastará o adversário, mas
sim criará uma imagem de perseguição, o que não é bom para quem ataca. Por este motivo a
regra anterior ganha força, ou seja, atacar apenas o que for fraco e nunca o que é forte.
A quarta é atacar e desconsiderar o adversário. Este ataque deve ser bem planejado,
usando principalmente declarações passadas como arma. Segundo Domenach (1955, p. 85),
Se no passado de um partido ou de um político forem encontradas declarações ou atitudes que contradizem declarações ou atitudes presentes, o efeito, sem dúvida, é ainda maior: não somente o homem ou o partido serão desacreditados (ninguém é mais desprezado do que os ventoinhas ou os vira casacas) mas também colocados na necessidade de se explicarem e de se justificarem.
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Aqui podemos encontrar armas tanto para os militares quanto para a oposição. Os
militares acusavam a esquerda de tentar destruir a democracia brasileira, baseados no
crescimento da influência comunista no governo João Goulart, acusando os dirigentes dos
partidos de esquerda de entregarem o controle do país ao partido comunista Russo, como
podemos ver em discurso de Costa e Silva durante sua campanha:
Não é prudente, não é possível esquecer que, seja qual seja a sua nacionalidade, os comunistas não reconhecem e não têm senão uma pátria: a Rússia Soviética ou a China Vermelha. Vale a pena lembrar que há anos, o chefe do P.C.B., num debate no Palácio Tiradentes, instado a definir sua posição em caso de guerra entre o Brasil e a Rússia, declarou que ficaria ao lado da Rússia (COSTA E SILVA, 1967, p. 39).
Exemplo mais claro, impossível de uso do próprio discurso de um adversário contra
ele mesmo. Obviamente esta declaração do líder do Partido Comunista Brasileiro pode ter
sido tirada de contexto para produzir maior efeito por Costa e Silva, mas o importante é que,
ouvida dessa forma, coloca seu autor em má situação.
O quinto ponto apresentado pelo autor é colocar a propaganda do adversário em
contradição com os fatos. O discurso militar, principalmente durante o governo Castello
Branco prometia a reabertura do sistema político. Entretanto os atos institucionais decretados
por ele, as cassações de mandatos e a decretação das eleições indiretas deram à oposição
material suficiente para contradizer o discurso e os fatos do governo. Este é um dos motivos
para o desgaste do Presidente Castello, o que facilitou o caminho de Costa e Silva para chegar
ao poder. O mais interessante é que a própria oposição, por meio dos ataques a Castello
facilitaram a chegada do segundo general ao poder.
A sexta regra apresentada por Domenach é a ridicularização do adversário, imitando
seu estilo e argumentos, ou inventando anedotas que o envolvam.
Costa e Silva foi vítima deste tipo de ataque durante sua campanha, como relata o
General Jayme Portella de Mello (1979, p. 356) em seu livro:
Houve, logo que deixou o ministério, um surto de “piadas” pré-fabricadas, partidas de elementos descontentes com a sua candidatura, umas tentando ridicularizá-lo e outras procurando dar-lhe uma falsa imagem de militar caudilho e, até mesmo, ditatorial.
O uso das piadas é uma forma rápida de disseminar uma idéia junto à população.
Domenach (1955, p. 86) aponta esse poder dessa técnica:
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Sem dúvida nenhuma, é a arma dos fracos, mas a rapidez com que se disseminam as pilhérias que jogam no ridículo os poderosos, a espécie de condescendência que elas encontram, por vezes, entre os próprios adeptos – fazem do escárnio um agente corrosivo cujos efeitos não são de desprezar. Em todos os tempos os cançonetistas têm tomado o partido da oposição.
A sétima e última regra da contrapropaganda é fazer predominar o clima de força. Um
dos pontos mais fortes de ataque é tentar empregar um determinado termo para denominar o
adversário. No Brasil, a oposição se referia aos militares como ditadores. Em contrapartida,
para o governo a oposição era formada por comunistas ou subversivos. Como podemos
perceber todos os termos carregavam forte teor pejorativo. O candidato que consegue fixar
esta imagem negativa no oposicionista terá grande vantagem.
Por fim, é importante ressaltarmos que a propaganda política seja favorável, ou
contrária, deve sempre ficar atenta à opinião pública. Domenach cita o papel importante que
teve Goebbels, ministro da propaganda nazista da Alemanha, no poder do país. Os demais
ministros do governo o consultavam sobre certas decisões que podiam causar problemas à
imagem do governo. Este se posicionava contra quando percebia que os custos políticos
seriam altos demais (DOMENACH, 1955, p 89). O domínio dos meios de comunicação
confere ao poder central vantagem no controle do povo. Porém, o autor alerta que a repetição
em excesso pode ser um problema para a propaganda política, uma vez que o público pode se
cansar de sempre ouvir a mesma coisa.
Observando os caminhos apontados pelos diversos autores, podemos perceber
que o marketing político ou eleitoral guarda semelhanças e diferenças frente a seu ponto de
origem, o comercial. Os caminhos que devem ser seguidos por um candidato dependem do
tipo de eleição e de eleitorado que estão em questão. Costa e Silva tinha como seu real
eleitorado os militares, que garantiram sua chegada ao poder. Entretanto como veremos no
decorrer do trabalho sua campanha manteve sempre um foco na população, buscando assim o
posicionamento adequado para conseguir chegar ao poder e manter-se nele pelos cinco anos
de seu manto.
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Capítulo II - Os Caminhos de Brasília 1.1– Costa e Silva: o pequeno Napoleão
Arthur da Costa e Silva nasceu em 3 de outubro de 1899 e era o quarto de uma série de
onze filhos que tiveram Aleixo e Almerinda. O pai, comerciante na pequena Taquari, cidade
do interior do Rio Grande do Sul, tinha como meta preparar o futuro dos filhos para que
conseguissem vencer na vida por seus próprios méritos. Teve sucesso nesta empreitada, tendo
filhos em diferentes carreiras, como a militar, engenharia, medicina e magistério.
Para que esse caminho fosse trilhado, Aleixo preocupava-se com a base educacional
que recebiam. Os primeiros passos de Arthur nas letras foi no Colégio Elementar de Dona
Ana da Silva Jó, que era reconhecido na região por sua eficiência.
Mas Arthur não vivia apenas de sucesso nos estudos. Era uma criança muito ativa e
logo demonstrou sua habilidade para a carreira militar. Inaugurado há pouco tempo, o Tiro de
Guerra de Taquari influenciava a imaginação das crianças da cidade e povoava as
brincadeiras, como narra Nelson Dimas Filho em seu livro “Costa e Silva: o homem e o líder”
(1966, p. 13). O autor continua afirmando que dois exércitos foram organizados na cidade,
sendo o pequeno Costa e Silva o comandante de um deles. Sua influência sobre os demais
garotos era clara e inquestionável. Arthur era implacável com seus inimigos. Em uma de suas
aventuras causou grande prejuízo ao dono de um armazém de sua cidade após invadir o
estabelecimento montado em um cavalo, perseguindo outro garoto. A travessura de garoto
teve suas conseqüências:
Pai Aleixo precisava, isto sim, sabia que precisava repreender o filho que praticara uma travessura, invadindo a casa de negócios do amigo, montado num petiço, atrás de outro garoto, entrando pela porta da frente e saindo pela dos fundos. No rastro uma esteira de prejuízos. Sacos furados, louça quebrada, e dos laçaços com que o improvisado guerreiro pretendia castigar o inimigo sobraram, inclusive, alguns para os empregados. Porém, mal conseguia reprimir o riso diante daquele pequeno Napoleão, a quem não faltava sequer o chapéu de dois bicos, embora de jornal velho, espetado na cabeça, a contar, muito entusiasmado, sua façanha (Dimas Filho, 1966, p.13).
O que era apenas uma traquinagem ganhava ares de grande guerra, na voz do pequeno
general.
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Ouvindo a história, seu Aleixo percebia que o único caminho viável era a escola
militar para que Arthur seguisse a carreira das armas e não a vida de comerciante prevista
inicialmente. A reprimenda ficou por conta da mãe, que no dia seguinte castigou o filho.
Uma figura importante na formação de Arthur foi sua irmã Alzira, conhecida como
Ziloca. Após a morte do noivo, pouco antes do casamento, decidira dedicar-se à família e teve
papel fundamental na educação dos irmãos mais novos.
Em 1912, Costa e Silva foi para o Colégio Militar de Porto Alegre, tendo um início
conturbado e de resultados pouco expressivos, como narra Nelson Dimas Filho (1966, p. 18):
A admissão ao Colégio não fora difícil. Os estudos na Escola da Professora Ana da Silva Jó tinham sido mais que suficientes. A nostalgia dos banhos de rio, dos galopes nas coxilhas a fora, a recordação da casa paterna, impregnada de calor humano, onde os invernos passavam mais rápidos, afastavam-no dos livros e das distinções conferidas aos alunos mais brilhantes.
Em sua primeira volta para casa, nas férias, foi repreendido pela irmã mais velha,
Ziloca, por não ter conseguido as mesmas comissões de outros alunos. Um dos companheiros
de turma, que anteriormente era apenas um soldado no exército do “pequeno Napoleão”,
conseguira as divisas de sargento-aluno, enquanto ele continuava como um soldado raso.
A decepção da irmã impulsionou Costa e Silva a conseguir melhores resultados,
chegando ao final do curso secundário como comandante da tropa, por ter conseguido as
melhores notas. Tinha com isso o direito de ter um ordenança para conduzir a clarineta que
tocava na banda do Colégio.
A turma do Colégio Militar de Porto Alegre foi um celeiro de futuros líderes militares,
entre eles os irmão Kruel e um cearense que dividiria, ou disputaria o poder com Arthur:
Humberto de Alencar Castello Branco.
Seguiu seus estudos na Escola Militar do Rio de Janeiro, onde ingressou em 1918, e
mais uma vez conseguiu bons resultados. Em 1921 foi declarado aspirante a oficial da arma
de infantaria, sendo designado para o 1º Regimento de Infantaria, na Vila Militar do Rio de
Janeiro. Alguns meses depois conseguiu uma promoção para segundo tenente.
A formação revolucionária de Costa e Silva teve como um dos mentores o General
Severo Barbosa, seu professor. O vínculo entre os dois aumentou gradativamente e o aluno
passou a freqüentar a casa do mestre aos domingos, e “sob a copa do arvoredo passariam
também os ventos quentes que soprariam a forja revolucionária de 22” (DIMAS FILHO,
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1966, p. 22). Também reparou pela primeira vez em uma pequena menina de apenas dez anos
que tinha como responsabilidade manter aquecida a água do chimarrão. Era Iolanda, que anos
depois assumiria o nome Costa e Silva, e chegaria à condição de primeira dama em 1967.
Mas esse romance enfrentou momentos difíceis, como a prisão de Arthur, por causa da
Revolução de 1922. Foi na prisão que pediu em casamento a mão de Iolanda, para espanto do
pai da moça: “Você é muito arrojado: pedir uma moça em casamento enquanto ainda é preso
político, sem saber o que lhe vai acontecer?” (DIMAS FILHO, 1966, p. 23). O casamento
sairia pouco depois, tendo grande influência na carreira de Arthur.
Professor e aluno viam no exército mais que uma instituição responsável pela
segurança do país e manutenção das instituições, “[...] concordavam em que o Exército não
podia nem devia continuar servindo como guarda pretoriana dos políticos profissionais”
(DIMAS FILHO, 1966, p. 22).
1.2 – Vitórias e derrotas em cinco movimentos militares
Costa e Silva participou durante seus cinqüenta e sete anos de vida militar de cinco
movimentos para tomada do poder por parte das forças armadas. Ou seja, se considerarmos
como média aproximada, um movimento a cada dez anos. Mas na realidade sua grande
movimentação foi ainda na juventude, nos anos de 1922, 1924, 1930 e 1932, ficando a última
para 1964.
O Brasil buscava nos anos 1920 e 1930 o amadurecimento da República e ainda
aprendia a conviver com a democracia. Analisando a história mais a fundo, foram necessários
dois períodos de exceção – a Era Vargas e o Regime Militar de 1964 - que totalizaram mais
de trinta anos, para que as instituições ganhassem certa estabilidade. Porém, o quadro da
primeira metade do século XX era outro. Os militares não acreditavam nos políticos, vendo
estes como usurpadores do poder e entendiam ser sua obrigação intervir na vida política da
nação.
Revoltada, a mocidade militar assistia ao sacrifício dos princípios republicanos. Sentia-se ofendida em seus brios. As armas que a Nação lhe entregara, para defender a soberania e as instituições nacionais, eram desviadas para outra finalidade: a de sustentar a situação dominante (DIMAS FILHO, 1966, p. 24).
45
Este é o enredo que leva o país ao movimento de 1922. Os militares se levantaram
contra a eleição para a presidência de Arthur Bernardes e ações do então presidente Epitácio
Pessoa, como a prisão do Marechal Hermes da Fonseca.
A participação de Costa e Silva no movimento de 1922 terminou antes mesmo de
começar. O então tenente Arthur era o responsável, com um grupo de sete companheiros, pela
tomada da Vila Militar. Entretanto a informação vazou e todos foram presos e enviados para o
navio-presídio Alfenas, onde Costa e Silva passou seis meses. Este foi o primeiro de uma
série de movimentos dos anos 1920, que ficaram conhecidas como as Revoltas Tenentistas.
Passado o tempo de prisão, Arthur foi enviado para Santa Maria, no Rio Grande do
Sul, já como primeiro tenente, onde serviu no 7º Regimento de Infantaria. Um mês depois foi
chamado ao Rio de Janeiro para responder por sua participação no levante da Vila Militar.
Durante o inquérito ficou afastado de suas funções no exército e dividia um quarto de pensão
com o também tenente Juarez Távora, que posteriormente teria grande relevância no cenário
político brasileiro. Os amigos passaram por momentos difíceis, uma vez que o pagamento do
soldo de ambos havia sido suspenso. Costa e Silva recusava-se a pedir ajuda à família, pois
julgava que o pai já fizera o suficiente por ele e agora tinha que cuidar dos irmãos mais novos.
Por intermédio do amigo Edmundo de Macedo Soares conseguiu uma posição como
colaborador no jornal O Imparcial, onde recebia cinqüenta mil réis por cada artigo publicado,
além de manter uma coluna no jornal de sua cidade, O Taquariense. Entretanto, não assinava
em seu nome, mas sim com o pseudônimo de Raul D’Alva.
Outra fonte de renda eram as aulas particulares de matemática que dava aos alunos da
Escola Militar. Desta forma conseguia o suficiente para seu sustento e assim ficou até a
Justiça Militar retirar as acusações e poder retomar suas atividades na tropa.
Mas o período de tranqüilidade não duraria muito e logo Costa e Silva voltaria a
envolver-se em uma revolta.
Em julho de 1924 tinha início sua participação na segunda tentativa de tomada de
poder. Liderados pelo General Isidoro Dias Lopes o grupo tenentista de São Paulo iniciou
uma rebelião, contando com o apoio de tenentes do Rio Grande do Sul, entre eles Arthur. Na
companhia do Tenente Osvaldo Cordeiro de Farias tentou dissuadir a tropa do 8º Regimento
de Infantaria a seguir para São Paulo na luta legalista. Narra a ação Nelson Dimas Filho
(1966, p. 29):
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Estava anunciada a passagem, por Santa Maria, de um comboio ferroviário, conduzindo o 8º Regimento de Infantaria, de Cruz Alta, para reforçar os contingentes legalistas, no cerco aos revolucionários da cidade de São Paulo. Os Tenentes Costa e Silva e Cordeiro de Farias tentam um golpe-de-mão, confiados apenas na própria audácia. Na gare, quando o comboio se preparava para seguir destino, improvisaram um comício de protesto. Arthur subiu para uma janela e concitou os soldados à rebelião. O coronel-comandante do regimento apressou a partida. Os dois tenentes foram dominados, desarmados e presos.
Mais uma vez Costa e Silva foi afastado de suas atividades militares, mas não deixou
de manter contato com Cordeiro de Farias. Em suas conversas o plano principal era a
incorporação na tropa liderada por Luís Carlos Prestes, no que ficou conhecido como a
Coluna Prestes. Entretanto uma apendicite impediu que Arthur seguisse adiante com seus
planos, tendo inclusive que sofrer uma cirurgia em abril de 1925.
Em setembro do mesmo ano, Arthur se casa com Iolanda em Juiz de Fora, Minas
Gerais. Em julho de 1926 nasce o único filho do casal, Alcio Barbosa da Costa e Silva.
Os anos seguintes foram de aparente tranqüilidade, com Costa e Silva servindo em
diferentes setores do exército, até que em 1929 serviu na 1ª Circunscrição de Recrutamento,
no Rio de Janeiro, onde ficou até abril de 1930 quando iniciou o curso da Escola de
Aperfeiçoamento de Oficiais – EsAO – tendo concluído em 1º de outubro do mesmo ano,
como melhor aluno da turma. Como prêmio ganhou o direito de concluir seus estudos na
França, mas não pode aproveitar a oportunidade, pois mais uma vez envolveu-se em uma
revolta militar.
Dois dias após a sua formatura teve inicio o movimento deflagrado pela Aliança
Liberal do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba. O objetivo era o mesmo das revoltas
anteriores, derrubar o governo constituído, representado no caso por Washington Luís.
Na noite do dia 2 de outubro, Costa e Silva entrou em contato com o 3º Regimento de
Infantaria, sediado na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro e foi informado que a maioria da
oficialidade estava integrada ao movimento. No dia 24 de outubro a tropa do regimento tomou
o Palácio da Guanabara, sede do Governo Federal, e fez o Presidente Washington Luís
prisioneiro. Coroando sua primeira vitória em um movimento militar, Costa e Silva seguiu à
frente da tropa carregando a Bandeira Nacional.
Mas esta participação não foi tranqüila como a história faz parecer. Na noite do dia 2
de outubro, quando ficou sabendo do movimento, Arthur demorou mais do que o normal para
chegar à sua casa, onde a esposa, Iolanda, preparava uma recepção para o dia seguinte, onde a
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família e amigos comemorariam o aniversário de 28 anos do tenente. Quando chegou avisou à
esposa que precisariam sair da Vila Militar, pois uma revolta estava à iminência de começar e
precisavam de um lugar seguro para ela. Foram para Niterói, casa do General Severo Barbosa,
pai de Iolanda.
Com a esposa em segurança, Costa e Silva viu-se, em companhia de Napoleão de
Alencastro Guimarães, com um problema inesperado: as barcas que faziam a travessia Niterói
- Rio de Janeiro não estavam funcionando.
Nelson Dimas Filho (1966, p. 33) narra o que se seguiu:
Quando as velas se enfunaram ao vento da Guanabara, o dono do barco se viu diante de dois canos de revólver, apontados na sua direção. - Nós não vamos para Jurujuba, mas sim para a Praia Vermelha! O sanguíneo rosto germânico tornou-se lívido. - Santo Deus! É uma loucura! O barco não agüenta. - Se não agüentar com você não agüentará com nós dois. Tenha fé. Tudo vai sair bem. Houve momentos em que tudo parecia indicar que a causa revolucionária não contaria com a participação dos dois voluntários audaciosos. Conseguiram chegar, enfim, à Praia Vermelha.
Descontado o tom romântico da aventura narrada pelo autor, fica o ímpeto
revolucionário do tenente de 28 anos, que já havia deixado de participar da Coluna Prestes por
causa de uma doença, agora não perderia a oportunidade por nada.
Vitorioso, Costa e Silva foi convidado por Osvaldo Aranha para assumir, como
interventor, o governo do estado do Maranhão, convite não aceito.
Mas não foi apenas esta a proposta que o Tenente ouviu vinda de políticos e aqui
temos uma primeira explicação da baixa confiança que o militar depositava nestes após o
movimento de 1964.
Nelson Dimas Filho narra que um importante político chegou a propor a Costa e Silva
que em troca de apoio para que assumisse o governo de seu estado, ofereceria ao militar a
chefia de polícia, o que na verdade seria carta branca para governar em seu lugar. Segundo
Dimas (1966, p. 37), esse primeiro contato com a política profissional causou náuseas no
militar e motivou a seguinte resposta: “Mas o senhor não está vendo que não devo aceitar sua
proposta? Se eu posso ser ca