canto orfeônico
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Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista - UNESP
Alessandra Coutinho Lisboa
VILLA-LOBOS E O CANTO ORFENICO: MSICA,
NACIONALISMO E IDEAL CIVILIZADOR
So Paulo
2005
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Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista - UNESP
Alessandra Coutinho Lisboa
VILLA-LOBOS E O CANTO ORFENICO: MSICA,
NACIONALISMO E IDEAL CIVILIZADOR
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Msica do Instituto de Artes da UNESP, na rea de concentrao musicologia/ etnomusicologia, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Msica. Orientadora: Prof Dr Dorota Kerr
So Paulo
2005
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AGRADECIMENTOS
Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Capes), cujo auxlio financeiro foi essencial para o prosseguimento dos meus estudos na cidade de So Paulo;
Prof Dr Dorota Kerr, pela dedicao, minuciosidade e admirvel competncia ao me acompanhar nesse trabalho, assim como pelo largo aprendizado que adquiri durante sua
orientao;
Prof Dr Maria de Lourdes Sekeff, por todo o carinho, incentivo e amizade desde os anos de graduao, pessoa por quem nutro grande admirao e cujo exemplo teve papel
decisivo em minha escolha profissional;
Prof Dr Jeane Spera, docente da Faculdade de Cincias e Letras da Unesp campus de Assis, pela hospitalidade ao me acolher naquela cidade e pelo valioso auxlio prestado
na realizao desta pesquisa;
A demais docentes do Instituto de Artes da Unesp - Prof Dr Marisa Fonterrada, Prof. Dr. Paulo Castagna e Prof. Dr. Alberto Ikeda pelo auxlio e pelas sugestes durante o
desenvolvimento do trabalho;
minha me, Marta, um dos meus maiores exemplos de vida, de quem me orgulho muito e a quem devo eterna gratido pelas minhas conquistas at aqui; ao meu irmo
Alexandre, pelo constante incentivo, carinho e pelas opinies sobre esta pesquisa;
Ao Rodrigo, pessoa essencial na minha vida que acompanhou cada passo dessa etapa superada, minha gratido por todo o afeto, incentivo, fora e pacincia, principalmente nos
momentos de dificuldade, cujo valor imensurvel jamais ser esquecido;
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Aos tios, primos, amigos e ex-professores que sempre acreditaram em meu potencial e me apoiaram nessa caminhada;
Aos funcionrios do Museu Villa-Lobos, situado na cidade do Rio de Janeiro, pela gentileza e ateno dispensada durante minhas pesquisas no referido local para a realizao desta
dissertao.
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Ns no somos os criadores de nossas idias, mas apenas seus porta-vozes; so elas que nos do forma.
E cada um de ns carrega a tocha que no fim do caminho outro levar.
Carl Gustav Jung (1875-1961)
Pensem que todas as maravilhas, objetos de seus estudos, so a obra de muitas geraes, uma obra
coletiva que exige de todos um esforo entusiasta e um labor difcil e impretervel. Tudo isto nas mos de
vocs, se torna uma herana. Vocs a recebem, respeitam-na, aumentam-na e, mais tarde, iro
transmiti-la fielmente sua descendncia. Deste modo somos mortais imortais, porque criamos juntos obras
que nos sobrevivem.
Albert Einstein (1879-1955)
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RESUMO
Nesta pesquisa investigou-se o projeto orfenico desenvolvido por Heitor Villa-Lobos
(1887-1959), implantado no ensino brasileiro em 1931 e que se tornou modelo nacional de
educao musical pblica durante trinta anos. Objetivou-se resgat-lo como parte integrante das
novas propostas polticas, educacionais e ideolgicas que surgiam ento no Brasil e demonstrar
que seguiu diretrizes pr-definidas e previamente estabelecidas no pas anteriormente s
atividades de Villa-Lobos. Nesse resgate foi encontrada a expressiva associao do canto
orfenico idia de civilizao das camadas populares. Objetivou-se tambm analisar algumas
canes patriticas da obra Canto Orfenico com base em conceitos-chave da abordagem terica
da Anlise de Discurso, para encontrar as principais formas de concordncia com a ideologia
nacionalista vigente, o que foi feito a partir do levantamento das formaes discursivas dos
escritos de Villa-Lobos e das canes selecionadas, que se mostraram fortemente ligadas a tais
contedos. Procurou-se tambm levantar a maneira pela qual o discurso musical se associou ao
discurso verbal na ampliao de sentido das canes, o que foi observado em diversas delas por
meio do mecanismo da polifonia.
Palavras-chave: canto orfenico, nacionalismo, educao musical.
rea de Conhecimento: Msica 8030300-5 (Capes)
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ABSTRACT
In this work we investigated the musical orpheonic project developed by Heitor Villa-
Lobos (1887-1959) that was implemented in Brazil in 1931 and became a national standard for
public musical education for a period of thirty years. This work aimed to study this project as part
of the new political, ideological, cultural and educational national proposals that took place at hat
moment, and to show that it followed patterns established in the country prior to the Villa-Lobos
activities. In this study it was found the expressive association between the orpheonic sing and
the idea of popular civilization. Our work also aimed at analyzing some patriotic didactic songs
from Canto Orfenico work based on some key-concepts from the theoretical approach of
discourse analysis, in order to find the main ways of agreement with the nationalist ideology.
This research was made by surveying the discursive formations from Villa-Lobos texts and from
selected songs, that turned out be tightly associated with nationalist contents. Finally, this work
also aimed at finding how the musical discourse associated to the verbal discourse with goal of
amplifying the discourses meaning, what was observed in many songs by the mechanism of
polyphony.
Keywords: orpheonic singing, nationalism, musical education
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Villa-Lobos organizando uma concentrao orfenica ................................................. 36
Figura 2: Villa-Lobos e Manuel Bandeira................................................................................... 100
Figura 3: Villa-Lobos com sua batuta dirigindo a massa coral em uma concentrao orfenica 122
Figura 4: Cano n 2 do 1 volume - "Vamos crianas" ............................................................ 127
Figura 5: Trecho da cano n 23 do 1 volume: "Um canto que saiu das senzalas" .................. 128
Figura 6: Cano n 19 do 2 volume: "Cantos de aire" ........................................................... 129
Figura 8: Compasso n 12 ao fim - cano n 35 do 1 volume: Duque de Caxias ................. 134
Figura 9: Cano n 9 do 1 volume: "Marcha escolar" .............................................................. 136
Figura 10: Primeiros seis compassos de "Soldadinhos".............................................................. 139
Figura 11: Compassos n 5 a n 8 de O tamborzinho............................................................... 140
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SUMRIO
INTRODUO ...........................................................................................................................11
1. CAPTULO 1: O projeto orfenico de Villa-Lobos: implantao e desenvolvimento....21
1.1. Concepes e objetivos de Villa-Lobos ligados prtica do canto orfenico.................26
1.2. Organizao da SEMA.....................................................................................................31
1.3. Universidade do Distrito Federal .....................................................................................41
1.4. O Conservatrio Nacional de Canto Orfenico (CNCO).................................................41
1.5. Organizao e programa de ensino do canto orfenico nas escolas pblicas ..................48
1.6. Material musical ...............................................................................................................52
2. CAPTULO 2: Histrico do canto orfenico ......................................................................56
2.1. Parte I: Definio, origens e caractersticas do canto orfenico ......................................57
2.1.1. O significado do termo civilizao........................................................................61
2.2. Parte II: As primeiras manifestaes do canto orfenico no Brasil .................................67
2.3. Parte III: O projeto orfenico de Villa-Lobos ..................................................................72
2.3.1. Contexto histrico .................................................................................................74
2.3.2. Nacionalismo e idia de nao ..............................................................................77
2.3.3. Mrio de Andrade, nacionalismo musical e o valor social do canto coletivo .......79
2.3.4. A Escola Nova.......................................................................................................83
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3. CAPTULO 3: A coletnea de canes Canto Orfenico ...................................................90
3.1. A obra: principais caractersticas .....................................................................................92
3.2. Anlise das canes........................................................................................................101
3.2.1. Abordagem terica ..............................................................................................101
3.2.2. Passos da anlise..................................................................................................107
3.2.3. Canes selecionadas ..........................................................................................120
CONSIDERAES FINAIS....................................................................................................142
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ....................................................................................155
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................................158
ANEXOS ....................................................................................................................................161
Anexo A - Cronologia .....................................................................................................161
Anexo B Decreto n 19.890, de 1931 (institui o ensino orfenico)..............................164
Anexo C Decreto-Lei n 4.993, de 1942 (institui o CNCO).........................................173
Anexo D Decreto-Lei n 9.494, de 1946 (Lei Orgnica do ensino orfenico).............175
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INTRODUO
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Com esta dissertao de mestrado propus-me investigar o projeto educacional conhecido
como canto orfenico, desenvolvido por Heitor Villa-Lobos (1887-1959) e adotado oficialmente
no ensino pblico brasileiro, em nvel federal, a partir do ano de 1931. A implantao desse
projeto, por meio do Decreto n 19.890, assinado pelo presidente Getlio Vargas em 18 de abril
daquele ano, tornou o canto orfenico disciplina obrigatria nos currculos escolares nacionais
por trs dcadas (1930, 1940 e 1950). Foi posteriormente substitudo pela disciplina educao
musical, por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educao n 4.024, de 1961.
O canto orfenico, modalidade de canto coletivo surgida na Europa, particularmente na
Frana, foi pensado para ser um alfabetizador musical de grandes massas populares, em
contrapartida ao ensino profissionalizante ministrado em conservatrios, escolas de msica
especializadas e tambm em instituies de ensino regular particular, como liceus e colgios
ligados a ordens religiosas. O canto orfenico serviria, assim, para alcanar grandes contingentes
da populao para que fosse levada a cabo a socializao do ensino musical pregada por Villa-
Lobos, o que foi possvel com sua insero no sistema pblico de educao.
Primeiramente, a prtica orfenica restringiu-se ao ento Distrito Federal (Rio de Janeiro),
centro das atividades educacionais de Villa-Lobos. Posteriormente, aps uma progressiva
evoluo da estrutura dos cursos de formao de professores especializados em canto orfenico,
elemento essencial para que esse ensino fosse realizado nas escolas pblicas, a prtica orfenica
expandiu-se para outros estados brasileiros. Sua abrangncia nacional culminou com a criao,
no ano de 1942, do Conservatrio Nacional de Canto Orfenico, instituio especializada na
formao de professores para atuao nas escolas pblicas, Conservatrio que se tornou o
estabelecimento padro e modelo a ser seguido por outras instituies com o mesmo objetivo que
comearam a surgir em vrias partes do pas.
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Villa-Lobos no foi pioneiro na prtica do canto orfenico no Brasil, ao contrrio do que
usualmente se difundiu na bibliografia musical brasileira1. As primeiras manifestaes do canto
orfenico podem ser observadas no sistema pblico de ensino do estado de So Paulo no incio
da Repblica, durante as dcadas de 1910 e 1920, sob responsabilidade dos educadores Carlos
Alberto Gomes Cardim, Joo Gomes Jnior e os irmos Lzaro e Fabiano Lozano, entre outros.
Esses educadores trabalharam com mtodos de ensino ento considerados renovados, com o
objetivo de criar uma instruo musical mais social e que contribussem para renovar o ensino
ministrado em conservatrios. Essa nova prtica foi o germe para o desenvolvimento do projeto
de Villa-Lobos.
O canto orfenico foi instaurado no Brasil no momento histrico importante, no perodo
que compreende a transio da Primeira Repblica ou Repblica Velha (1889 1930) para a
Segunda Repblica ou Repblica Nova (1930 1937). Esse perodo foi marcado pela ascenso de
Getlio Vargas presidncia e por uma poltica de maior centralizao do poder, em detrimento
da descentralizao administrativa caracterstica do regime federativo, que confiava autonomia s
ento provncias e que norteara a vida poltica e econmica do pas at ento.
Essa ruptura dos moldes administrativos tradicionais fez-se acompanhar de uma revoluo
cultural que guiou a idia de construo da Nao Brasileira, pautada por ideais de identidade,
unidade, coletividade e progresso. Esse conjunto de idias, que aos poucos tomou forma no pas a
partir da implantao do regime republicano, forneceu subsdios para o estabelecimento do novo
Estado Nacional e, ao mesmo tempo, acabou por se tornar a forma ideolgica que expressava o
contexto da poca. Essas idias, que a historiografia cunha de ideologia nacionalista,
manifestaram-se na poltica, economia e cultura nacionais, com fora e influncia.
1 Como ser melhor demonstrado no Captulo 2.
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Muitos foram os personagens que colaboraram, em diversos setores da sociedade, para a
formao da ento almejada identidade nacional brasileira, impulsionados pela ideologia
nacionalista e, ao mesmo tempo, reforando-a e consolidando-a. Nesse contexto, destacaram-se
figuras como a do Marechal Cndido Rondon (1865-1958), militar formado em Matemtica e
Cincias Fsicas e Naturais pela Escola Superior de Guerra do Brasil e tambm chefe do Distrito
Telegrfico de Mato Grosso, a partir de 1892, e a de Edgard Roquette Pinto (1884-1954), mdico,
bilogo e antroplogo que, alm de responsvel pelas primeiras emisses radiofnicas no Brasil,
dedicou-se ao estudo das tribos indgenas pr-histricas e contemporneas que habitavam o
territrio brasileiro em suas regies perifricas. Rondon comandou expedies que objetivaram
construir linhas telegrficas na regio norte do pas e, com Roquette Pinto, realizou intensas
pesquisas e coletas de dados sobre a variedade geogrfica da regio e sobre as comunidades
indgenas locais, com as quais pacificamente foram realizados os primeiros contatos. Dados
como organizao poltica, lingstica, religiosa, familiar e, principalmente, cultural foram
minuciosamente coletados. Centenas de cantos nativos foram registrados por Roquette Pinto que,
posteriormente, os entregou a Villa-Lobos, o que constituiu um passo muito importante no
conhecimento do folclore musical desses povos. A partir desse primeiro registro, Mrio de
Andrade e o prprio Villa-Lobos desenvolveram suas concepes sobre msica nacionalista.
Mais ainda, o trabalho conjunto realizado por Rondon e Roquette Pinto trouxe o sentido de
desbravamento e de conhecimento do territrio nacional e de seus habitantes, assim como a idia
de integrao entre as regies do pas no objetivo de estabelecimento de uma unidade nacional,
elementos essenciais na criao da identidade da Nao Brasileira.
Outro personagem importante, que emergiu da Literatura e tambm se engajou s causas
polticas nacionalistas, foi o escritor e jornalista Monteiro Lobato (1882-1948). Suas concepes
de Nao Brasileira prspera, baseada nos ideais de progresso, modernizao e desenvolvimento
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cientfico, conduziram-no a divulgar pela imprensa as idias de independncia econmica
brasileira e da importncia dos empreendimentos petrolferos para a nao, criando em 1931 a
Companhia Petrleos do Brasil. Essa campanha lanou frutos e incentivou, mais tarde (1950), a
campanha O petrleo nosso, que levou o Congresso Nacional a aprovar a legislao sobre o
petrleo, com monoplio da Petrobrs.
Finalmente, no se pode esquecer da importncia da figura de Mrio de Andrade (1893-
1945) e da Semana de Arte Moderna para a manifestao da ideologia nacionalista na msica e
nas artes em geral. Mrio de Andrade e os demais modernistas questionavam a falta de uma
identidade brasileira nas artes, que at ento teriam se baseado em modelos e padres europeus.
Buscaram ento renovar as manifestaes artsticas com tendncias vanguardsticas que, ao
mesmo tempo, expressassem uma identidade nacional. A Semana de Arte Moderna, realizada em
1922 em So Paulo, foi o marco do movimento modernista. Revolucionou as idias artsticas e
contribuiu para o desenvolvimento de uma corrente esttica que viria a atrair adeptos durante os
anos seguintes. Nessa concepo nacionalista, a msica erudita, ou de concerto, deveria ter como
fonte de inspirao o folclore, gnero que expressaria a mais pura identidade nacional.
Incentivou-se, assim, o estudo sistemtico do folclore musical brasileiro, estudos que serviram de
base para obras musicais e educacionais de algumas geraes de compositores que abraaram a
ideologia nacionalista.
Nesta dissertao menciona-se, muitas vezes, a expresso ideologia nacionalista. O
conceito de ideologia empregado neste trabalho apia-se nas idias do socilogo Karl Mannheim
(1968) e da filsofa Marilena Chau (2001). Este conceito encontra sua origem na concepo
marxista de sociedade dividida em classes sociais que tm vises de mundo e interesses
divergentes. Nesse uso, a ideologia no envolve simples sentido de teoria ou iderio, ou seja,
conjunto sistemtico de idias que definem e comandam a atividade prtica de pessoas, grupos
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e/ou entidades especficas. O conceito est intimamente vinculado a um conjunto de idias
ligadas concepo de mundo de um grupo em especfico o grupo dominante - que detm o
poder poltico e econmico em uma sociedade em um contexto histrico-social determinado.
Essas idias (ideologia) so difundidas sociedade como se fossem verdades coletivas, mas que
tm a funo de ocultar a diviso dessa mesma sociedade em grupos que defendem interesses e
vises de mundo divergentes, e que assim pretendem garantir a manuteno da ordem vigente e
posio desse grupo no meio social. Nas palavras de Marilena Chau (2001, p. 86), a ideologia
transforma as idias particulares da classe dominante em idias universais de todos e para todos
os membros da sociedade.
Dentro desse contexto histrico destacaram-se tambm outras idias, uma das quais
particularmente importante para este trabalho: as novas concepes educacionais representadas
pelo movimento da Escola Nova. Esse movimento irradiou-se da Europa e dos Estados Unidos,
por meio de pensadores e educadores como o socilogo francs Emile Durkheim (1858-1917) e,
sobretudo, do educador norte-americano John Dewey (1859-1953). As idias oriundas desse
movimento comearam a penetrar no Brasil a partir de fins do sculo XIX. Seu ponto culminante
foi a publicao, em 1932, do documento intitulado O Manifesto dos Pioneiros da Educao
Nova, que propunha a criao de um novo modelo de sistema educacional em mbito nacional.
Esse modelo projetava um ensino pautado nos ideais de obrigatoriedade, unidade, gratuidade,
laicidade e cientificidade para os diversos graus de escolaridade e, principalmente, advogava que
o ensino deveria ser responsabilidade e dever do Estado. Essas novas concepes educacionais,
somadas viso de mundo trazida pela ideologia nacionalista, compem parte do ambiente no
qual Villa-Lobos desenvolveu e implantou seu projeto de educao musical por meio do canto
orfenico.
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Desde o incio desta pesquisa, a temtica escolhida o projeto orfenico de Villa-Lobos -
interessou-me pela possibilidade latente de realizao de um estudo de cunho interdisciplinar, que
no levasse em conta apenas uma possvel anlise da estrutura interna daquele projeto, mas que
tambm considerasse sua contextualizao a partir de relaes com demais eventos e concepes
de mundo. A partir do estudo do contexto poltico, econmico, cultural e educacional do incio da
dcada de 1930 no Brasil, momento da implantao do projeto villalobiano, pode-se entender
aquele projeto no apenas como parte integrante das novas propostas e concepes educacionais
que surgiam ento no Brasil, mas tambm e, principalmente, do campo ideolgico marcado pelo
nacionalismo. Assim, cabem as questes: de que forma o projeto orfenico de Villa-Lobos
interagiu, tanto no seu iderio e sua prtica, com as concepes que marcaram o incio da
Repblica Nova no Brasil, principalmente no que diz respeito aos seus contedos ideolgicos
nacionalistas? De que forma essa interao transformou-o em um instrumento de difuso
ideolgica sociedade?
A partir desses questionamentos, os caminhos possveis para suas respostas mostraram-se
vrios; do mesmo modo, vrias tentativas tericas foram cogitadas para esta pesquisa.
Investigaes em torno de mtodos possveis foram realizadas, inclusive em reas diversas de
conhecimento. Nesse aspecto, destacou-se minha aproximao psicologia analtica de Carl
Gustav Jung (1875-1961), cujas obras e corpo terico interessaram-me durante a realizao do
mestrado ao enxergar possibilidades de utilizao de alguns de seus conceitos para explicar a
aproximao do projeto de Villa-Lobos ideologia nacionalista e o seu carter de instrumento de
difuso ideolgica. Contudo, por no haver no programa de ps-graduao do Instituto de Artes
da Unesp uma linha de pesquisa voltada rea da psicologia, a continuao da pesquisa sobre
esse modelo terico se tornou invivel. Embora tenha encontrado outros caminhos, ainda enxergo
a rica possibilidade da utilizao das concepes da psicologia analtica nessa temtica, o que
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poder ser realizado em trabalhos futuros que constituem fonte de grande interesse e desejo da
minha parte.
Enfim, aps investigaes e leituras diversas, decidi-me pela utilizao de alguns
conceitos-chave da abordagem terica da anlise de discurso, uma linha de estudos da lingstica
que considera a linguagem como produto da interao social ao vincul-la a fenmenos
extralingsticos, representados nas condies scio-histricas em que o discurso produzido.
Essa abordagem terica, baseada na anlise tanto de textos (discursos) verbais quanto no-
verbais, tornou possvel a vinculao e anlise do projeto orfenico em relao ao contexto que o
cercou.
Neste estudo, ao vincular o projeto orfenico de Villa-Lobos ao contexto que o cercou,
procurei dedicar ateno especial ideologia nacionalista. Como mencionado, embora tenham
sido muitos os personagens e manifestaes no Brasil que buscavam consolidar o nacionalismo,
no sero aqui abordados em profundidade, por ter este trabalho como foco central o
estabelecimento do canto orfenico e suas relaes com o contexto da poca, expressas na
produo de alguns de seus materiais pedaggicos exemplificados aqui na coleo Canto
Orfenico.
Dessa forma, os objetivos gerais da pesquisa visam a relacionar o canto orfenico de
Villa-Lobos com o contexto no qual foi implantado e, para isso, se dividem em dois, mas
especficos:
Entender o canto orfenico como parte integrante das novas propostas surgidas no Brasil nos campos poltico, cultural e educacional, visto assim como elemento da formao e
difuso da ideologia nacionalista que respaldou a formao do Estado Nacional Brasileiro e dos
novos ideais pedaggicos representados pelo movimento da Escola Nova. Para isso, procurei
traar um histrico do canto orfenico desde suas origens na Europa no sculo XIX,
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particularmente na Frana, e sua implantao no Brasil, desde as primeiras manifestaes
registradas no estado de So Paulo at o amplo alcance conseguido com o projeto de Villa-Lobos.
Com esse levantamento das origens dessa modalidade de ensino, assim como suas caractersticas
e o contexto em que surgiu, procurei compar-lo ao modelo francs para constatar possveis
similaridades em relao ao contexto histrico-poltico-ideolgico que permeou a implantao
orfenica no Brasil. A partir tambm do levantamento das primeiras atividades orfenicas no
estado de So Paulo, procurei tambm demonstrar que, ao contrrio da idia dominante
encontrada na bibliografia musical brasileira, Villa-Lobos no foi pioneiro no canto orfenico
brasileiro;
Realizar uma anlise de canes selecionadas da obra didtica Canto Orfenico, obra por mim escolhida dentre os materiais didticos elaborados por Villa-Lobos e sua equipe.
Nessa etapa foi utilizada a abordagem terica da anlise de discurso, que permitiu observar
planos de interao ou de diferenciao entre a ideologia nacionalista, o pensamento de Villa-
Lobos expresso em seus escritos a respeito do movimento orfenico e o texto das canes. Alm
da anlise textual, foi feita uma anlise musical no intuito de verificar elementos musicais
possivelmente associados a categorias de elementos verbais para a criao de uma unidade
discursiva verbal / musical.
Dessa forma, esta dissertao de mestrado est assim dividida: no Captulo 1 abordou-se a
implantao do projeto de Villa-Lobos e sua evoluo durante a dcada de 1930, destacando as
concepes e os objetivos do compositor sobre msica e canto orfenico. Para compreender as
fases de evoluo desse projeto, tratei do desenvolvimento dos cursos de formao de
professores, elemento essencial para a posterior implantao do ensino nas escolas. A prtica e o
ensino orfenicos nas escolas foram abordados destacando-se os programas de ensino e a grade
curricular das sries escolares. E, por ltimo, foi abordado o material musical utilizado, com
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destaque para a natureza das canes que posteriormente foram analisadas de acordo com os
objetivos desta pesquisa.
No Captulo 2 abordou-se o contexto que cercou a implantao do projeto, que
influenciou a implantao do canto orfenico nas escolas. Fiz, tambm, um histrico do canto
orfenico desde suas origens e como se deu sua implantao no Brasil desde as primeiras
manifestaes observadas no estado de So Paulo.
No Captulo 3 foi feita a anlise das canes selecionadas da obra Canto Orfenico com
base em determinados parmetros da anlise de discurso, para entendimento dos elementos
vinculadores da ideologia nacionalista.
Essa pesquisa justifica-se por ser uma proposta de investigao sobre um projeto que
marcou a histria da educao musical brasileira, por ter sido implantado no ensino pblico
regular em mbito nacional, e que foi levado a conhecimento mundial por meio de conferncias e
congressos internacionais dos quais participou Villa-Lobos, na Europa e Amrica do Sul.
Justifica-se, tambm, pela possibilidade de realizao de um estudo interdisciplinar que
possibilita a leitura do projeto orfenico em seu mais amplo contexto, permitindo, assim, alargar
o entendimento sobre os objetivos desse projeto. Alm disso, pode esclarecer, tambm, de que
forma as circunstncias histricas favoreceram o apoio poltico ao projeto, o que permitiu sua
expanso e, ao mesmo tempo, verificar de que forma os interesses polticos a ele foram
associados.
Ao compreender o canto orfenico a partir de suas relaes com o contexto em que foi
implantado, tornamo-nos aptos a entender o esprito daquele ensino que, de acordo com a ento
professora de canto orfenico Alba de Mello Bonilha baseava-se em: alto grau de civismo, a
msica como um meio e no um fim, auxiliar poderosa na tarefa educacional (BONILHA, s.d.,
p. 9).
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CAPTULO 1:
O projeto orfenico de Villa-Lobos: implantao e desenvolvimento
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O projeto de educao musical desenvolvido por Villa-Lobos passou a integrar
oficialmente as polticas de educao pblica, em nvel federal, a partir da insero do canto
orfenico como disciplina obrigatria nos currculos escolares, com o decreto federal n 19.890,
de 18 de abril de 1931. O referido decreto foi promulgado pelo recm-criado Ministrio da Sade
e Educao do Governo Provisrio (ps-revoluo de 1930) e, juntamente com outros cinco
decretos, fez parte de uma reforma do ensino pblico que ficou conhecida como Reforma
Francisco Campos. Os referidos decretos e seus respectivos contedos so os seguintes:
Decreto n 19.850, de 11/04/1931: criou o Conselho Nacional de Educao; Decreto n 19.851, de 11/04/1931: disps sobre a organizao do ensino superior
no Brasil e adotou o regime universitrio;
Decreto n 19.852, de 11/04/1931: disps sobre a organizao da Universidade do Rio de Janeiro;
Decreto n 19.890, de 18/04/1931: disps sobre a organizao do ensino secundrio;
Decreto n 20.158, de 30/06/1931: organizou o ensino comercial, regulamentou a profisso de contador e deu outras providncias;
Decreto n 21.241, de 14/04/1932: consolidou as disposies sobre a organizao do ensino secundrio.
O decreto que interessa a esta pesquisa (n 19.890), por introduzir a obrigatoriedade do
canto orfenico, versou sobre uma reorganizao do ensino secundrio que, at ento, fora
caracterizado da seguinte forma, segundo Romanelli (1980, p. 131):
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At essa poca, o ensino secundrio no tinha organizao digna desse nome pois no passava, na maior parte do territrio nacional, de cursos preparatrios, de carter, portanto, exclusivamente propedutico. Alm disso, todas as reformas que antecederam o movimento renovador, quando efetuadas pelo poder central, limitaram-se quase que exclusivamente ao Distrito Federal, que as apresentava como modelo aos Estados, sem, contudo, obrig-los a adot-las.
Isso se deve, sobretudo, descentralizao do ensino, caracterstica existente desde o Ato
Adicional de 1834, que garantia as iniciativas de instruo pblica aos estados. A partir da
Reforma Francisco Campos, com a criao do Conselho Nacional de Educao, iniciou-se a
tentativa de dar aos ensinos secundrio, comercial e superior uma estrutura orgnica imposta a
todo territrio nacional2.
O ensino secundrio assim estabelecido, de acordo com o decreto n 19.890, tinha seu
cumprimento obrigatrio definido no Colgio Pedro II3 e em estabelecimentos oficiais que
deveriam equiparar-se ao referido colgio por meio de inspeo federal.
Em relao ao assunto de interesse desta pesquisa, que a implantao do canto orfenico
como disciplina obrigatria nas escolas pblicas, consta no referido decreto (Anexo A) a citao
da obrigatoriedade da disciplina Msica (canto orfenico) nos trs primeiros anos do primeiro
ciclo ou curso fundamental4.
2 O ensino primrio ou elementar (que hoje corresponde ao perodo do 1 ao 4 ano do ensino fundamental) no foi includo nessa reforma, continuando sob iniciativas estaduais e municipais. 3 O Colgio Pedro II, criado em 1837 e situado na cidade do Rio de Janeiro, era considerado o estabelecimento secundrio padro que deveria nortear as iniciativas de ensino secundrio nos estados. Com a Reforma Francisco Campos, foi definida uma estrutura de ensino que deveria ser obrigatoriamente seguida por esse colgio e por outros estabelecimentos sob inspeo oficial. 4 A reforma estabelecia a diviso do ensino secundrio em um curso fundamental, com durao de 5 anos e que era obrigatrio para ingresso em qualquer escola superior, e um curso complementar, de carter preparatrio, com durao de 2 anos sendo obrigatrio para ingresso em alguns institutos de ensino superior especficos faculdades de Direito, Medicina, Farmcia, Odontologia, Engenharia e Arquitetura.
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Embora o decreto federal seja referido por Villa-Lobos como o documento que trouxe a
obrigatoriedade da disciplina nas escolas pblicas nacionais (VILLA-LOBOS, 1946, p. 507)5, a
atuao do compositor na educao pblica predominou no Rio de Janeiro (ento Distrito
Federal), nas escolas primrias, secundrias e profissionais da municipalidade, por meio de sua
atuao junto SEMA. Esse rgo pertencia Secretaria de Educao e Cultura da Prefeitura do
ento Distrito Federal e tinha a funo de fornecer as diretrizes para a organizao do ensino do
canto orfenico nas escolas, tais como formao de professores, grade curricular, material a ser
utilizado, entre outros. A SEMA foi criada em 1932 com o nome de Servio de Msica e Canto
Orfenico, passando em 1933 a ser denominada Superintendncia de Educao Musical e
Artstica e, a partir de 1936, Servio de Educao Musical e Artstica do Departamento de
Educao Complementar do Distrito Federal. Villa-Lobos assumiu o cargo de diretor desse
rgo, a convite do educador Ansio Teixeira, ento Secretrio de Educao do Distrito Federal,
no ano de 1931. Esse educador, partidrio de idias educacionais influenciadas pelo norte-
americano John Dewey (1859-1952), idias que vigiam no Brasil no contexto em questo e que
constituam o movimento da Escola Nova6, percebeu que os objetivos ali presentes no projeto
educacional de Villa-Lobos entravam em sintonia com certas idias da educao renovada,
projeto cuja implantao dentro de um modelo poltico pblico poderia servir de veculo
concretizao de vrias propostas do movimento educacional renovador.
Antes de chegar ao conhecimento de Ansio Teixeira, as idias de Villa-Lobos
relacionadas ao orfeonismo tiveram sua divulgao iniciada no estado de So Paulo, no ano de
5 No documento Villa-Lobos declara que, com o decreto federal, a obrigatoriedade do canto orfenico foi estabelecida nas escolas primrias, secundrias e profissionais, embora o decreto em questo, na realidade, refira-se incluso dessa disciplina apenas nas escolas secundrias. 6 Movimento que ser abordado em maiores detalhes no Captulo 2 desta pesquisa.
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1930, aps a chegada do compositor de uma temporada na Europa.7 Com a colaborao de
msicos intrpretes de suas obras, com os quais tambm partilhava suas idias a respeito da
msica brasileira - Guiomar Novaes, Souza Lima e Antonieta Rudge (pianistas), Maurice Raskin
(violinista), Nair Duarte (cantora) e Luclia Villa-Lobos, tambm pianista e sua esposa,
realizaram uma excurso por 54 cidades daquele estado (CONTIER, 1998, p. 17)8 a fazer
conferncias, palestras e concertos instrumentais e corais que tambm agregavam a populao
local, com o apoio do interventor Joo Alberto e das autoridades das cidades por onde passavam.
Merece destaque a amplitude dessa divulgao de ideais ao ser constatada a expressiva agregao
de pessoas envolvidas: no ano de 1931, em So Paulo, realizam um concerto vocal no campo da
Associao Atltica So Bento (segundo informao contida em: PAZ, 1999, p. 15) no qual
foram reunidas mais de 12.000 vozes, concerto a que Villa-Lobos chamou de exortao cvica
e que uniu estudantes, professores, operrios e militares. Essa amplitude de divulgao
certamente ligou-se extenso e eficincia da propaganda empregada, que se caracterizava j
como modelo de estmulo de massas peculiar em uma metrpole em formao: utilizaram-se da
propaganda atravs de prospectos lanados por avies e distribudos nas escolas, fbricas e
academias, alm da divulgao na imprensa.
Como citado por Villa-Lobos, o momento histrico de ento9 no Brasil era propcio
divulgao dos seus ideais junto ao papel da msica no Brasil:
7 Villa-Lobos (1970, p. 82) cita que a campanha em prol do canto orfenico foi praticada tambm em outros estados do pas (que no foram citados), alm do estado de So Paulo, local onde certamente suas atividades foram mais intensas nesse perodo de divulgao. Mariz (1983, p. 69), por sua vez destaca, alm do estado de So Paulo, os estados de Minas Gerais e Paran. 8 Embora Contier defina 54 cidades, sem, entretanto, mencion-las, Villa-Lobos faz meno em uma excurso por mais de 60 cidades do interior do Estado de So Paulo (1970, p. 82). 9 Que ser mais detalhado no Captulo 2 da dissertao.
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Precisamente naqule momento o Brasil acabava de passar por uma transformao radical; j se esboava uma nova era promissora de benficas reformas polticas e sociais. O movimento de 1930 traava novas diretrizes polticas e culturais, apontando ao Brasil rumos decisivos, de acrdo com o seu processo lgico de evoluo histrica. Cheios de f na fora poderosa da msica, sentimos que era chegado o momento de realizar uma alta e nobre misso educadora dentro da nossa Ptria [...] (VILLA-LOBOS, 1946, p. 502)
Essa srie de concertos e demonstraes realizados no estado de So Paulo, devido
repercusso alcanada, tambm foi repetida na ento capital federal - Rio de Janeiro, quando se
deu o convite de Ansio Teixeira a Villa-Lobos, em 1931, para assumir a direo da SEMA.
Nessas demonstraes, concertos e conferncias o foco era a msica brasileira, com
apresentao de obras de autores nacionais e repertrio de cunho cvico-patritico, de acordo com
as concepes e objetivos de Villa-Lobos na utilizao do canto orfenico como ferramenta de
educao cvico-artstica, que sero agora descritos.
1.1 Concepes e objetivos de Villa-Lobos ligados prtica do canto orfenico
Villa-Lobos via a msica como elemento e fator imprescindvel educao do carter da
juventude (1946, p. 498), por meio de um ensino popular (id, 1937b)10 a que todas as classes
sociais tivessem possibilidades de acesso, o que seria conseguido por meio da sua implantao
como disciplina regular na escola pblica. Trabalhar com o canto orfenico trazia, segundo o
compositor (id, s.d., p. 9-10), os seguintes aspectos:
10 O termo ensino popular empregado por Villa-Lobos refere-se ao ensino democratizado, com iguais oportunidades de acesso para toda a sociedade.
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Em primeiro lugar, rene todos os elementos essenciais verdadeira formao musical: - a iniciao segura do ritmo, a educao auditiva, a sensao perfeita dos acordes. E, mais tarde, o tirocnio da leitura, a compreenso e a familiaridade com as idias meldicas e com os textos expressos pelos autores diversos e, por ltimo, as sensaes de ordem propriamente esttica: - faculdade de emoo ante a beleza meldica ou ante a capacidade dinamognica do ritmo. Em segundo lugar, o canto coletivo, com o seu poder de socializao, predispe o indivduo a perder no momento necessrio a noo egosta da individualidade excessiva, integrando-o na comunidade, valorizando no seu esprito a idia da necessidade da renncia ante os imperativos da coletividade social, favorecendo, em suma, essa noo de solidariedade humana, que requer da criatura uma participao annima na construo das grandes nacionalidades [...] Entretanto, o seu mais importante aspecto educativo , evidentemente, o auxlio que o canto coletivo veio prestar formao moral e cvica da infncia brasileira.
Com esse relato percebemos que Villa-Lobos tambm entendia o canto orfenico como
elemento educacional propiciador da formao cvica dos educandos, objetivo do compositor ao
implant-lo nas escolas. Esse objetivo seria conseguido por meio do trabalho com um repertrio
musical cujo cerne baseava-se na pesquisa, arranjo, estudo e execuo de msica nacional e
folclrica. A msica folclrica, segundo Villa-Lobos, seria a que mais facilmente a criana
assimilaria, pois que se constituiria por melodias com as quais as crianas j se havia
familiarizado espontaneamente, isto , os brinquedos ritmados, as marchas, as cantigas de ninar
ou as canes de roda (ib, p.35). Ou seja, de acordo com seus pensamentos e a sua idealizao a
respeito da infncia brasileira, o trabalho com a msica folclrica partiria do universo imediato de
experincias dessa infncia, ponto em comum com as idias do movimento da Escola Nova.
Essas canes, aliadas a outras compostas ou arranjadas com novos textos11 que faziam
referncia aos caracteres raciais da populao brasileira e exaltao da ptria, constituiria o
repertrio que garantiria o estmulo ao nascimento do sentimento cvico entre a infncia e
juventude e a criao de uma conscincia musical brasileira (VILLA-LOBOS, 1946, p. 500),
11 O material musical utilizado ser mais detalhado ao fim desse captulo.
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outro objetivo essencial do compositor a ser conquistado com a implantao do canto orfenico
nas escolas pblicas. Embora Villa-Lobos no tenha entrado em maiores detalhes sobre uma
melhor definio desse termo, entendemo-lo no sentido de levar a msica nacional ao
conhecimento das novas geraes, pois que o ensino tradicional no inclua em seu programa de
ensino o repertrio nacional.
Pois perfeitamente intuitivo que a conscincia musical da criana no deve ser formada to somente pelo estudo dos mestres clssicos estrangeiros, mas simultaneamente pela compreenso racional e quase intuitiva das melodias e dos ritmos fornecidos pelo prprio folclore nacional. (id, s.d., p. 33)
O ensino tradicional no Brasil esteve predominantemente ligado Igreja Catlica desde a
poca colonial, quando a instruo pblica, alm da catequese, esteve sob as incumbncias da
Companhia de Jesus, representada nas escolas de ler e escrever, seminrios e colgios sob sua
tutela. Mesmo com a expulso dos jesutas, em 1759, esse modelo de ensino persistiu e manteve
as bases da f catlica arraigadas no Brasil, cuja influncia podia ser notada nos programas de
ensino pblico (com a presena de estudos religiosos). Na segunda metade do sculo XIX,
proliferou o surgimento de colgios e liceus particulares no Brasil, instituies ligadas a demais
congregaes religiosas catlicas dentro da orientao ultramontana12, instituies cujo ensino
era predominantemente direcionado elite. Destacam-se tambm os colgios fundados no Brasil
sob a orientao da Igreja Protestante, representada nas atividades de presbiterianos, metodistas e
batistas. Em todos esses estabelecimentos religiosos, especializados principalmente na educao
feminina nos internatos, havia o estudo de msica nos currculos escolares.
12 O ultramontanismo constituiu um movimento catlico reacionrio que visou recristianizar o mundo moderno e reconstru-lo em conformidade com os paradigmas da sociedade medieval, quando o monoplio da produo de conhecimento pertencia Igreja Catlica. Nesse movimento combatia-se o regime republicano, o liberalismo, o positivismo e o marxismo, vistos como elementos responsveis pela degradao humana.
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A crtica de Villa-Lobos a esse tipo de ensino, aliado aos programas de msica nos
conservatrios e escolas de msica em geral, refere-se ao fato de esses estabelecimentos
primarem pelo estudo do que acima Villa-Lobos chamou de os mestres clssicos estrangeiros,
constituindo assim, para o compositor, o cerne do problema educacional no Brasil que o levou
formulao do projeto orfenico, como se pode observar em suas declaraes (VILLA-LOBOS,
1946, p. 504):
Entretanto, o carter individual dsse aprendizado e o fato de ser feita a iniciao musical quase que exclusivamente ao contacto com os grandes mestres da msica universal impelem o esprito infantil, impregnando dessa espcie de humanismo musical, a adquirir tendncias, predilees e uma mentalidade que o afastaro, muitas vezes, de verdadeiro esprito nacional [...] Mas para que sse ensino seja proveitoso e venha completar, e no perturbar, a evoluo natural em que se deve processar a educao da criana, preciso que seja ministrado simultneamente com os conhecimentos da msica nacional. Encarado, pois, o problema da educao musical da infncia sob sse aspecto, o ensino e prtica do canto orfenico nas escolas impem-se como uma soluo lgica, no s formao de uma conscincia musical, mas tambm como um fator de civismo e disciplina social coletiva.
Esse modelo tradicional de ensino, juntamente aos programas desenvolvidos nos
conservatrios, era considerado, de acordo com as concepes de Villa-Lobos, como
excessivamente individualista e monoplio da elite, ou como tambm citado por ele, um adorno
raro, uma diverso mundana e luxuosa ou um passatempo das elites (ib, p. 500). Dessa forma,
esse sistema de ensino seria tambm incapaz de ser popularizado e difundido entre a massa, o que
ia contra as idias de Villa-Lobos da msica como portadora natural de uma funo socializadora
e inteiramente ligada vida social, tendo em vista sua origem e criao coletiva: Ora, se
remontarmos s origens dos fenmenos musicais, observamos que as primeiras manifestaes de
arte, no homem primitivo, foram sempre interessadas e diretamente ligadas a sua vida social (id,
s.d., p. 34). O estudo do repertrio folclrico presente no programa orfenico, inclusive, buscava
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reviver esse carter socializador da msica e integr-la na coletividade, pois a msica folclrica
significaria uma criao coletiva e expresso viva de um povo.
De acordo com o exposto, podemos concluir que a implantao do canto orfenico como
disciplina nas escolas pblicas, de acordo com as idias de Villa-Lobos, traria os seguintes
aspectos: solucionaria o problema da educao musical como monoplio de elite ao inclu-la num
modelo de ensino popular; faria com que a msica nacional tomasse conhecimento de si mesma
pela apreenso total do conjunto de fenmenos histricos sociais e psicolgicos, capazes de
determinar os seus caracteres tnicos, as suas tendncias naturais e o seu ambiente prprio
(VILLA-LOBOS,1946, p. 500); formaria, assim, uma conscincia musical brasileira entre a
infncia e juventude que reformaria aos poucos a mentalidade das geraes futuras (ib, p. 500); e
aproveitaria a msica como elemento educativo de formao moral e cvica. Na conquista de
todos esse objetivos, a msica ento encontraria seu papel dentro da ideologia nacionalista,
unindo e integrando a idia de povo e de raa brasileira s suas razes, por meio do canto
orfenico.
O canto orfenico uma das mais altas cristalizaes e o verdadeiro apangio da msica. Porque, com o seu enorme poder de coeso, criando um poderoso organismo coletivo, le integra o indivduo no patrimnio social da Ptria. (ib, p. 501)
Munido de todos esses objetivos expostos, Villa-Lobos, com o auxlio de foras
administrativas federais e municipais, iniciou a concretizao de seus planos junto s escolas
pblicas. Aps o decreto federal (n 19.890, de 18/04/1931) que instituiu o canto orfenico como
disciplina obrigatria nos currculos escolares, a criao da SEMA constituiu o primeiro passo
para sua concreta implantao nessas escolas, trabalho que se iniciou primeiramente junto
prefeitura do ento Distrito Federal, mas que depois se expandiu para demais regies do Brasil,
como poder ser constatado mais adiante nesta pesquisa.
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1.2 - Organizao da SEMA
A SEMA (Superintendncia de Educao Musical e Artstica), como anteriormente
mencionado, foi criada em 1932 como parte da Secretaria de Educao e Cultura do Distrito
Federal, com o objetivo de orientar as iniciativas da implantao do canto orfenico nas escolas
da municipalidade. De acordo com Villa-Lobos (1946, p. 382), esse rgo exercia suas atividades
sobre trs aspectos: disciplina, educao cvica e educao artstica, desenvolvendo programas
de ensino que atendessem a essas diretrizes, como pode ser observado na citao:
A minha participao no ensino de msica no Distrito Federal, tem sido e continua a ser: AO E REALIZAO, traando e executando um programa que visa a Educao Cvica e Artstica da coletividade, promovendo a elevao da mentalidade pblica em relao s nossas Artes e nossos Artistas. (id, 1937c, p. 373)
As atividades dessa superintendncia, ao se iniciarem em 1932, seguiram um plano geral
de orientao (ib, p. 373)13, em que merece destaque, nesse primeiro perodo de atividades, o
curso de formao de professores14, etapa fundamental para a implantao do canto orfenico nas
13 Nesse plano constavam os seguintes tpicos: Curso de Pedagogia da Msica e de Canto Orfenico; Conselho Tcnico Consultivo para a seleo das obras a serem adotadas (msica e textos); programas anuais da matria de ensino; escolas especializadas; orfees escolares; orfeo de professores; concertos escolares; organizao de repertrio, biblioteca musical e discoteca nas escolas; seleo e distribuio de hinos e canes; audies dos orfees nas escolas e em grandes conjuntos; clubes escolares de msica; salas ambientes para a formao de um centro musical com instalao de aparelhos fonogrficos eltricos; reunies gerais de professores; relatrios mensais do trabalho executado nas escolas. interessante notar que nesse plano geral Villa-Lobos no detalhou minuciosamente as atividades e misturou itens de infra-estrutura, como escolas especializadas, bibliotecas, discotecas e salas ambientes, por exemplo, com elementos que diziam respeito aos programas de ensino e organizao das atividades orfenicas nas escolas. Um detalhamento minucioso realizado por Villa-Lobos ser encontrado na definio dos programas de ensino musical das diversas sries escolares, como ser visto mais adiante. 14 Esse curso foi destinado aos professores das escolas primrias municipais, embora tenha sido tambm aberta inscrio para exame de obteno de certificados de especializao em msica e canto orfenico para professores das escolas particulares.
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escolas pblicas, pois seria por meio de professores especializados que a disciplina poderia ser
ministrada aos educandos.
O Curso de Pedagogia da Msica e de Canto Orfenico, ministrado por Villa-Lobos s
quintas-feiras, trabalhou os seguintes pontos (ib, p. 373-374):
a) Definio da palavra Orfeo; como interpretada atualmente. b) Teoria aplicada e transcendente15; c) Aplicao do ensino por meio de demonstraes prticas e rapidas; d) Unidade justa do tempo, como fator principal do compasso (compassos fracionrios); e) Ensino de msica nas Escolas como o melhor fator de educao civica, artstica e moral, e a finalidade que deve ter nas escolas primrias e secundrias; seus argumentos prticos; f) A verdadeira utilidade dos hinos e canes patriticas; g) Sugestes de professores e mestres de orfees estrangeiros e nacionais; h) Como se deve fazer o ensino da msica no Brasil, para ter um resultado prtico e imediato; i) Manossolfa16 desenvolvido com inovaes; exercicios de manossolfa e sua utilidade nas escolas; j) Classificao e seleo de vozes; k) Exercicios de respirao, para efeitos rtmicos e de timbre (com vogais, a boca fechada); l) Classificao da msica sub-arte, at a msica arte transcendente e elevado17; m) Disposio das massas corais, de acrdo com as msicas a serem executadas e local para as audies; n) Explicao prtica do diapaso; o) Exercicios de leitura de msica primeira vista; p) Declamao rtmica de hinos e canes;
15 Villa-Lobos definiu esses termos da seguinte maneira (Programa do ensino de msica, 1937c, p. 21): teoria musical aplicada aquela que s usada na prtica e a transcendente a que se afirma e que empregada cientificamente 16 Manossolfa uma tcnica de solfejo em que cada nota associada a um sinal feito com as mos, dividindo-se nas categorias falado (para fixar a associao das notas com os sinais especficos), entoado (em que j aplicada a entonao correta das notas ao associ-las aos sinais), simples (a uma voz) e desenvolvido (a duas ou mais vozes). 17 O compositor no entrou em maiores detalhes na definio de msica sub-arte e msica arte transcendente e elevado.
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A partir de agosto de 1933 foram criados os Cursos de Orientao e Aperfeioamento do
Ensino de Msica e Canto Orfenico18, constitudos de cursos-conferncias ministrados por
Villa-Lobos s quintas-feiras que tambm contaram com a presena de convidados, tais como
Lorenzo Fernandez (compositor), Andrade Muricy (crtico musical) e Frei Pedro Sinzig
(compositor de msica sacra e didtica). Eram subdivididos em quatro cursos:
1. Curso de Declamao Rtmica (Califasia19): destinado a dar o preparo necessrio
para a iniciao do ensino musical as escolas, ministrando aos alunos os princpios elementares
do canto e da disciplina (VILLA-LOBOS, 1946, p. 509). Esse curso era dirigido aos professores
das escolas primrias que, juntamente com as demais disciplinas da grade curricular,
ministrariam tambm as primeiras noes de msica s crianas. Esse curso trabalhava o seguinte
programa: (id, 1937a, p. 69-71): exortao; atitude dos orfeonistas; alguns conhecimentos da
teoria da msica; ritmo; compasso como diviso simtrica do tempo (ritmo); declamao
rtmica de frases pedaggicas; declamao rtmica dos hinos nacionais; declamao rtmica das
principais canes patriticas; califasia e califonia20 ; a msica como elemento indispensvel
vida, processos de divulgao de sua utilidade; prtica dos pontos mencionados.
2. Curso de Preparao ao Ensino do Canto Orfenico: possua a mesma finalidade
do primeiro curso e, juntamente com esse, funcionou de 1933 a 1936 e em 1939, segundo Villa-
Lobos (id, 1946, p. 509), cujo programa baseava-se em: exortao; atitude dos orfeonistas;
respirao; saudao orfenica; o ritmo como base da disciplina da vontade como principal
18 Em relao a esses cursos no so fornecidos maiores dados a respeito do contedo programtico de cada disciplina e seus respectivos objetivos. 19 Califasia: arte de falar com dico e elegncia 20 Califonia: arte de cantar (entoar) bem.
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elemento da educao coletiva das escolas, servindo de introduo ao ensino de canto orfenico;
o compasso como diviso simtrica do tempo (ritmo) confronto entre as fraes compasso e as
fraes ordinrias; rudimentos de teoria da msica; aplicao do diapaso e afinao orfenica;
ditado cantado e de ritmo (curto e fcil); manossolfa simples, falado e entoado entre cinco notas
da escala (de d a sol); dados simples da histria da msica; a msica como elemento
indispensvel vida processos de divulgao de sua necessidade; prtica dos pontos
mencionados.
3. Curso Especializado de Msica e Canto Orfenico: destinava-se formao de
professores especializados, ou seja, professores de canto orfenico propriamente dito, que
trabalhariam ministrando essa disciplina nas escolas. O curso era direcionado aos professores das
escolas primrias, tcnicas e secundrias e para membros do orfeo de professores, tendo por
objetivo estudar a evoluo dos fenmenos musicais, nos seus aspectos de ordem tcnica, social
e artstica, visando uma aplicao direta ao ensino do canto orfenico (VILLA-LOBOS, 1946, p.
509). O programa de estudos contava com as seguintes disciplinas: canto orfenico, regncia,
orientao prtica, anlise harmnica, teoria aplicada, solfejo e ditado, ritmo, tcnica vocal e
fisiologia da voz, histria da msica, esttica musical, etnografia e folclore;
4. Curso de Prtica do Canto Orfenico: objetivava organizar reunies entre os
professores especializados para o debate de idias e discusso de mtodos, programas e
observaes em geral.
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Uma vez definida uma estrutura de formao de professores capazes de ministrar as
primeiras noes de msica e o canto orfenico nas escolas pblicas, foi possvel SEMA
tambm, alm da implantao da disciplina nessas escolas21, organizar grupos musicais e realizar
atividades culturais junto comunidade em geral, externando as atividades orfenicas e seus
ideais para alm das escolas e atingindo a populao do ento Distrito Federal como um todo.
Grupos musicais criados para incentivar as atividades culturais externas podem ser
citados:
Orfeo de Professores: criado em 1932, foi integrado posteriormente aos Cursos de Orientao e Aperfeioamento do Ensino de Msica e Canto Orfenico (1933), com objetivo
de reunir professores do magistrio municipal, federal e particular para a prtica constante de
exerccios de leitura vocal primeira vista e realizar concertos e apresentaes regulares em
festividades pblicas e escolares;
Orquestra Villa-Lobos: organizada no ano de 1933, reproduzia a mesma finalidade do Orfeo de Professores, ao participar e promover concertos cvicos e educativos;
Orfees Escolares: consistiam em grupos criados em cada escola onde era ministrado o ensino de canto orfenico. Eram compostos por 70 alunos selecionados (que
apresentavam maiores aptides musicais), no mximo, aos quais cabia tambm a
responsabilidade de dirigir esses grupos e de se apresentar em ocasies determinadas.
Como atividades culturais realizadas na cidade do Rio de Janeiro, a SEMA organizou:
21 Mais adiante sero expostos os programas de ensino estabelecidos nas escolas pblicas.
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Concentraes Orfenicas: consistiam em demonstraes pblicas realizadas por parte de grandes massas corais, que reuniam alunos e professores de diversas escolas do Rio de
Janeiro, realizadas anualmente em datas cvicas. Essas apresentaes eram realizadas geralmente
em estdios de futebol e chegaram a reunir at 40.000 vozes, como aquela realizada nas
comemoraes ao Dia da Independncia em 1940, no estdio do Vasco da Gama (CAND, 1964,
p. 263);
Figura 1: Villa-Lobos organizando uma concentrao orfenica
Concertos da Juventude: consistiam numa srie de concertos educativos realizados regularmente nos quais eram executas msicas simples e accessveis mentalidade infantil,
precedidas de explicaes e comentrios (VILLA-LOBOS, 1946, p. 514). O repertrio
envolvido ia desde o clssico ao folclrico, solicitando-se s crianas que enviassem SEMA
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(por intermdio dos professores), por escrito, impresses que tiveram ao ouvir o repertrio
apresentado;
Concertos Culturais: concertos realizados em sries anuais nos quais eram apresentadas obras nacionais e estrangeiras para grande pblico, que inclua desde personalidades
da poltica at classes operrias, para as quais tambm foram especificamente dedicados muitos
desses concertos. Alguns eram realizados em associao com o Exrcito e com a Associao
Orquestral do Rio de Janeiro, podendo-se destacar a apresentao de obras como Missa Papae
Marcelli de Palestrina e a Missa Solemnis de Beethoven, em 1933, Oratrio Vidapura de Villa-
Lobos, em 1934 e a Missa em Si menor de Bach, em 1935;
Concertos Educativos na Zona Rural: com as atividades da SEMA caracterizando-se por sua atuao predominantemente urbana, direcionada s massas citadinas, Villa-Lobos
notou a necessidade de que a extenso dessas atividades deveria atingir tambm as comunidades
rurais, em cujas escolas havia a dificuldade da presena de professores especializados em canto
orfenico (baixa remunerao, falta de auxlio locomoo). Dessa forma foram organizadas pela
SEMA apresentaes orfenicas em vrias escolas dessas regies;
Audies da obra de J.S.Bach: para Villa-Lobos, a msica de Bach seria incontestavelmente a mais sagrada ddiva do mundo artstico e, por isso, sendo to imensa e
to profunda, torna-se perigosa a sua divulgao nos meios sociais que no estejam devidamente
iniciados para senti-la (VILLA-LOBOS,1946, p. 524). Foi dessa maneira que a SEMA
promoveu concertos com repertrio bachiano, direcionado principalmente s classes operrias ou,
como props Villa-Lobos (ib, p. 524), obras de J. S. Bach para auditrios incultos.
Reunies de Confraternizao: reunies de professores e alunos das escolas primrias, secundrias e tcnicas eram estimuladas com a finalidade de promover a
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confraternizao entre os mesmos. Nessas reunies eram executados programas orfenicos
determinados pela SEMA;
Bailados Artsticos: consistiam num programa em que participavam alunos selecionados das escolas pblicas alunos revelados pelo ensino de educao fsica e estudantes
de desenho que demonstrassem aptido para a cenografia, com a finalidade de criar bailados com
temtica essencialmente brasileira;
Apresentaes radiofnicas: foram organizadas vrias apresentaes de orfees escolares, dirigidos por alunos-regentes, em programas infantis de diversas estaes de rdio,
contribuindo consideravelmente para uma maior divulgao dos ideais orfenicos junto
populao;
Colnia de Frias: realizadas em parceria com a Escola de Educao Fsica do Exrcito e inauguradas em 1936, em que tambm constavam atividades orfenicas, objetivavam
atender crianas pobres;
Bandas Recreativas: procurando promover paralelamente prtica do canto orfenico um estudo instrumental, a SEMA coordenou a formao de bandas de msica em
algumas escolas secundrias, como Escola Pr-Vocacional Ferreira Viana, Escola Joo Alfredo e
Escola Visconde de Mau;
Sdade do Cordo: reconstruo, em 1940, da organizao do antigo cordo carnavalesco, gnero de agremiao recreativo-popular que predominou at fins do sculo XIX.
Em relao sua organizao administrativa, a estrutura da SEMA constava de um
gabinete central composto pelo superintendente (o prprio Villa-Lobos), um assistente tcnico,
um encarregado do ensino instrumental e por um orientador assistente. Suas atividades eram
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realizadas por cinco sees assim divididas (1937a, p. 4-6): a primeira delas constitua o centro
de organizao dos planos de ensino, englobando profissionais orientadores das diversas sries do
ensino primrio, secundrio e tcnico-secundrio. Estendia-se tambm a departamentos externos
como rdio difuso, aos Cursos de Continuao e Aperfeioamento da Diretoria de Educao
de Adultos e Difuso Cultural, aos teatros particulares e s sociedades artsticas; a segunda seo
ligava-se s atividades pedaggicas do orfeo de professores e ocupava-se do ensino na Escola
Jos Pedro Varela, instituio onde eram primeiramente realizadas experincias da aplicao do
ensino orfenico que posteriormente seriam postas em prticas em outras escolas. Essa seo
tambm se ligava ao ensino na Universidade do Distrito Federal (onde tambm havia um curso de
formao de professores); a terceira seo cuidava do ensino instrumental para formao de
banda e orquestra; a quarta seo, ligada diretamente ao gabinete central, responsabilizava-se
pela cpia e mimeografao de msicas; e a quinta seo cuidava da gravao e impresso
musicais.
Nos documentos escritos por Villa-Lobos so citados os seguintes funcionrios da
SEMA: Ceio de Barros Barreto, Silvio Salema Garo Ribeiro, Arminda Neves dAlmeida
(secretria)22, Mrio Braz da Cunha (gravador), Edmon Dutro (instrutor do ensino de
instrumentos de madeira), Alvibar Nelson de Vasconcellos (instrutor do ensino de instrumentos
de metal).
importante destacar aqui tambm a questo ligada receptividade desse ensino nas
escolas pblicas, por parte de alunos, professores e demais educadores. Villa-Lobos fez algumas
observaes em alguns de seus escritos, principalmente no texto Las actividades de la SEMA de
1932 a 1936 (1937c). Nesse texto, o compositor destacou que, embora houvesse existido
interesse de grande parte do corpo docente que se inscreveu nos primeiros cursos de formao de 22 Que mais tarde tornou-se a segunda esposa de Villa-Lobos.
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professores, alm do interesse dos alunos ao receberem com entusiasmo a nova proposta,
algumas pessoas parecem no ter tido receptividade idia: certos elementos derrotistas
surgiram, empregando todos os recursos possveis para estabelecer a confuso e o desanimo no
espirito dos que to patritica e abnegadamente se haviam proposto a pugnar pelo levantamento
do nivel artistico do nosso povo (ib, p. 369). Contudo, em nenhum momento so identificadas
de maneira especfica essas pessoas citadas, tambm cunhadas de mentalidades retrgradas,
vaidosos tardgrados e mediocres falidos (ib, p. 370). Villa-Lobos, em alguns momentos, fez a
observao de que, na maioria dos casos, essas pessoas descrentes das possibilidades do canto
orfenico eram musicos vencidos na carreira (ib, p. 370). No texto tambm h a aluso a
educadores, embora tambm no sejam identificados: [...] as nossas crianas que, alm das
muitas obrigaes escolares, lutam contra a m vontade de (salvo algumas excees) das nossas
autoridades de ensino que julgam nulidade o ensino de canto orfenico visando o mesmo, apenas
o valor recreativo (ib, p. 404).
interessante observar tambm que, segundo o compositor, o ensino orfenico atingiu
maiores resultados, assim como foi alvo de maior interesse, nas escolas femininas.
Alm dessa limitao imposta pela parcial falta de receptividade de alguns elementos da
sociedade, Villa-Lobos tambm destacou a dificuldade em se implantar o ensino orfenico em
todas as escolas da municipalidade, devido falta de professores especializados e tambm falta
de instalaes adequadas, pois em algumas no havia salas, quadros, ou carteiras para os alunos.
A tarefa de formao de professores de canto orfenico, elemento estritamente necessrio
para sua implantao nas escolas pblicas, primeiramente se restringiu incumbncia da SEMA,
primeiro rgo criado para a difuso da prtica orfenica. Contudo, aos poucos, a formao de
professores especializados e a coordenao das atividades orfenicas foram se expandindo
tambm para a tutela de outras instituies, como poder ser visto a seguir.
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1.3 Universidade do Distrito Federal
A Universidade do Distrito Federal (UDF), estabelecida no Rio de Janeiro em 1935 por
Ansio Teixeira e logo extinta em 1939, quando seus cursos foram incorporados Universidade
do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ), possua um Instituto de Artes
que ministrava, entre outros, o Curso para Formao de Professores Secundrios de Msica e
Canto Orfenico, segundo Villa-Lobos (1937b, p. 34), ministrado pelo prprio compositor. Esse
curso compunha-se das seguintes disciplinas: histria da msica, fisiologia do canto coral,
introduo ao estudo das artes, histria da civilizao, prtica de regncia e canto orfenico23.
Estava baseado no seguinte princpio: do indiferente para o consciente e do consciente para o
sub-consciente. Essa expresso, assim como outra encontrada na coletnea de canes intitulada
Canto Orfenico, que diz que O Ensino do Canto Orfenico parte deste princpio filosfico: do
conciente para o sub-conciente (VILLA-LOBOS, 1951, p. 6), trazem dados interessantes que
remetem a um sentido de interiorizao psicolgica contido no movimento orfenico tal como
foi desenvolvido, ou seja, um ideal de total assimilao de elementos e idias contidos nesse
movimento por parte da massa praticante, a ponto de se tornarem arraigados na personalidade de
cada indivduo por meio de uma presena inconsciente. Esse ideal de incutir determinados
padres de comportamento e pensamento poder ser melhor observado e discutido no captulo 2.
1.4 - O Conservatrio Nacional de Canto Orfenico (CNCO)
No ano de 1942, por meio do Decreto-Lei n 4.993, de 26 de novembro, foi estabelecido o
Conservatrio Nacional de Canto Orfenico, criado pelo Ministrio da Educao e Sade e 23 No so fornecidos maiores detalhes a respeito desse curso.
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subordinado ao Departamento Nacional de Educao. De acordo com o decreto, competia a essa
instituio recm-criada:
a) Formar candidatos ao magistrio do canto orfenico nos estabelecimentos de ensino primrio e de grau secundrio; b) Estudar e elaborar as diretrizes tcnicas gerais que devam presidir ao ensino do canto orfenico em todo o pas; c) Realizar pesquisas visando restaurao ou revivescncia das obras de msica patritica que hajam sido no passado expresses legtimas de arte brasileira e bem assim ao recolhimento das formas puras e expressivas de cantos populares do pas, no passado e no presente; 24 d) Promover, com a cooperao tcnica do Instituto Nacional de Cinema Educativo, a gravao em discos do canto orfenico do Hino Nacional, do Hino da Independncia, do Hino da Proclamao da Repblica, do Hino Bandeira Nacional e bem assim das msicas patriticas e populares que devam ser cantadas nos estabelecimentos de ensino do pas.
A implantao do CNCO representou a concretizao da expanso do movimento
orfenico para outras partes do pas, o que gradativamente j vinha acontecendo. Anteriormente,
os cursos de formao de professores oficialmente reconhecidos possuam sua jurisdio
restringida somente cidade do Rio de Janeiro (sob orientao da SEMA, pertencente ao
Departamento de Educao do Distrito Federal e, mais tarde, tambm sob a tutela da
Universidade do Distrito Federal). A SEMA, entretanto, passou a aceitar, posteriormente sua
implantao, a matrcula de professores residentes em outros estados do pas que, aps o trmino
de cursos de pequena durao, coordenavam atividades orfenicas em seus respectivos estados e
locais de trabalho. Com o tempo, pde-se notar a difuso do ensino e prtica do canto orfenico
para outros estados, tais como Par, Pernambuco, Paraba, Minas Gerais, Esprito Santo e
Sergipe.
24 O modelo de recolhimento de cantos folclricos pelas diversas regies do pas seria inspirado na Misso de Pesquisas Folclricas de 1938, idealizada por Mrio de Andrade.
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Mas foi a partir da implantao do CNCO que os cursos oficiais de formao de
professores de canto orfenico passaram ao controle do governo federal, que ento tomou a
incumbncia de coordenar e fiscalizar, em mbito nacional, todas essas iniciativas da mesma
natureza que j vinham surgindo em vrias outras partes do pas. Alm disso, essa instituio
tornou-se o estabelecimento padro a que outras instituies com o mesmo objetivo a formao
de professores de canto orfenico que ministrariam a disciplina nas escolas pblicas deveriam
ser equiparadas ou reconhecidas, por meio de inspeo federal. Dessa forma, tornou-se possvel o
surgimento de estabelecimentos oficiais semelhantes em outras regies do pas, sendo
consolidada assim a expanso do ensino e prtica orfenica no Brasil. Algumas dessas
instituies podem ser destacadas: Conservatrio Paulista de Canto Orfenico, localizado em
So Paulo, estabelecido em 1947 por meio de decreto federal e criado a partir do Instituto
Musical So Paulo (cujo diretor era o Maestro Joo Batista Julio) que, desde 1943, j possua o
Curso de Canto Orfenico, equiparado ao modelo do CNCO, no Rio de Janeiro; Conservatrio
de Canto Orfenico Maestro Julio, estabelecido em 1950 na cidade de Campinas SP, anexo
ao Conservatrio Carlos Gomes; Conservatrio Estadual de Canto Orfenico de So Paulo
(CECO), estabelecido em 1951 e criado a partir do Curso de Especializao de Professores de
Canto Orfenico que existia desde 1949 anexo ao Instituto Caetano de Campos, na capital
paulista; Conservatrio Bahiano de Canto Orfenico, estabelecido na cidade de Salvador, no ano
de 1950.
O CNCO, que passou a funcionar no 7 andar do Edifcio Piau, sito Av. Almirante
Barroso, n 72, Rio de Janeiro, e que mais tarde (1943) mudou-se para o Edifcio Benjamin
Constant, na Praia Vermelha, teve Villa-Lobos como diretor at o ano de sua morte (1959) e
contou com professores como Lorenzo Fernandez, Andrade Muricy, Brazilio Itiber, Jos Vieira
Brando, Iber Gomes Grosso, entre outros (MARIZ, 1983, p. 75).
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Os cursos do CNCO dividiam-se em trs categorias, como mencionado por Villa-Lobos
(1946, p. 559): Curso de Frias, com a durao de dois meses; Curso de Emergncia, com a
durao de um semestre; e o Curso de Especializao ou Seriado, com a durao de dois anos,
que era o curso que formava professores especializados no ensino de canto orfenico
propriamente dito. Havia tambm um curso de extenso para formao de msico-artfice.
Contudo, no decreto-lei n 9.494, de 22/07/1946, que promulga a Lei Orgnica do Ensino de
Canto Orfenico (que contm, entre outros, os programas e a grade curricular a ser ministrada no
CNCO), so citados tambm: o Curso de Preparao, destinado aos alunos que no possuam
curso completo na Escola Nacional de Msica ou estabelecimento equiparado ou reconhecido, a
preceder o Curso de Especializao ou Seriado; Cursos de Aperfeioamento, facultativos e com a
durao de um ano, que seguiriam o Curso de Especializao.
O principal curso Curso de Especializao contava com a grade curricular completa
(que envolvia todas as disciplinas ministradas no CNCO), da qual algumas dessas disciplinas
eram selecionadas para serem ministradas nos outros cursos paralelos e de menor durao. Esse
programa geral de ensino contava com cinco sees curriculares e suas respectivas disciplinas, de
acordo com Villa-Lobos (1946, p. 560 564) 25:
1. Didtica do Canto Orfenico: Compreende a seriao de cinco matrias,
abrangendo os indispensveis conhecimentos tcnicos, tericos e prticos, em favor da pedagogia
do Canto Orfenico. Desse modo, enquadra e concentra a apurao de toda a atividade curricular
do Conservatrio Nacional de Canto Orfenico (ib, p.560). As disciplinas constituintes eram as
seguintes: Didtica do Canto Orfenico: disciplina ministrada na segunda srie do Curso de
25 No texto escrito por Villa-Lobos Educao Musical, publicado no Boletim Latino-Americano de Msica (1946), o compositor tece maiores comentrios a respeito dos objetivos e do contedo programtico de cada disciplina ministrada nos cursos de formao de professores dessa instituio (p. 565 581).
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Especializao; Fisiologia da Voz: ministrada na primeira srie do Curso de Especializao e
tambm no Curso de Emergncia; Polifonia Coral: ministrada nas duas sries do Curso de
Especializao; Prosdia Musical: ministrada na segunda srie do Curso de Especializao, no
Curso de Preparao e no Curso de Emergncia; Organologia e Organografia: ministrada na
segunda srie do Curso de Especializao.
2. Prtica do Canto Orfenico: Formada de quatro matrias e uma atividade escolar,
orienta e coordena praticamente, (em aulas vivas entre os prprios professores alunos do
Conservatrio) todos os conhecimentos tericos da didtica do Canto Orfenico (ib, p. 561). As
disciplinas constituintes eram as seguintes: Prtica do Canto Orfenico: ministrada nas duas
sries do Curso de Especializao; Teoria do Canto Orfenico: ministrada na primeira srie do
Curso de Especializao e no Curso de Preparao; Coordenao Escolar: presente na segunda
srie do Curso de Especializao e no Curso de Preparao; Prtica de Regncia: ministrada nas
duas sries do Curso de Especializao.
3. Formao Musical: Prepara, desenvolve e aperfeioa a concincia de percepo,
apreciao e execuo dos principais fatores fsicos, fisiolgicos, psicolgicos e instrutivos
musicais (ib, p.561). Seo curricular constituda das disciplinas: Didtica do Ritmo e Didtica
do Som: ministradas na primeira srie do Curso de Especializao e no Curso de Preparao;
Didtica da Teoria Musical: ministrada na primeira srie do Curso de Especializao e no Curso
de Preparao; Tcnica Vocal: ministrada na segunda srie do Curso de Especializao e no
Curso de Emergncia.
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4. Esttica Musical (Musicologia): Composta de trs cadeiras, educa o senso crtico
do professor-aluno, principalmente no que se refere aos valores nacionais (1946, p. 561). Era
constituda pelas seguintes disciplinas: Histria da Educao Musical: ministrada nas duas sries
do Curso de Especializao; Apreciao Musical: ministrada nas duas sries do Curso de
Especializao e no Curso de Preparao; Etnografia Musical e Pesquisas Folclricas:
ministrada nas duas sries do Curso de Especializao e no Curso de Preparao26.
5. Cultura Pedaggica: Constituda de cinco matrias que completam a
imprescindvel cultura pedaggica do professor de Canto Orfenico (ib, p. 561). Disciplinas
constituintes: Biologia, Psicologia e Filosofia Educacionais: ministradas nas duas sries do
Curso de Especializao; Teraputica pela Msica: ministrada na primeira srie do Curso de
Especializao; Educao Esportiva: ministrada na primeira srie do Curso de Especializao.
Alm dos cursos de formao de professores, uma vez sentida a necessidade da formao
de auxiliares tcnicos na rea de servios de cpias, gravao e impresso de msica, devido ao
aumento da demanda decorrente da expanso dos horizontes da prtica orfenica, o CNCO
passou a oferecer um curso para a formao de profissionais especializados nesse ramo de
atividades, novidade que at ento no estava presente nos programas de outros rgos
competentes, como a SEMA. O Curso de Formao de Msico Artfice contava ento com as
seguintes disciplinas, de acordo com a Lei Orgnica do Ensino do Canto Orfenico: Prtica do
Ritmo, Prtica do Som, Teoria Musical, Cpia de Msica, Gravao Musical, Impresso Musical,
Teoria do Canto Orfenico e Educao Esportiva.
26 No decreto-lei n 9.494, de 22/07/1946, sobre a Lei Orgnica do Ensino de Canto Orfenico, mencionado que o Curso de Preparao, alm das disciplinas mencionadas, conta tambm em sua grade curricular com as seguintes matrias: Fisiologia da Voz, Organologia e Organografia, Tcnica Vocal e Educao Esportiva.
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Alm desses cursos curriculares, o CNCO tambm contava com atividades extra-
curriculares, tais como:
Centro de Coordenao: consistia em reunies semanais em que professores e alunos candidatos ao magistrio do canto orfenico debatiam sobre observaes e problemas
pedaggicos;
Sabatinas Musicais: audies semanais em que se apresentavam alunos do curso e artistas convidados;
Pesquisas Musicais: pesquisa de material folclrico e resgate de obras de autores brasileiros.
De acordo com o exposto, percebemos a clara evoluo da estrutura e dos programas
curriculares praticados nos cursos de formao de professores, evoluo que acompanha o
processo de expanso e da demanda das prticas orfenicas por todo o pas, passando o
movimento orfenico a ter sua prtica constatada em mbito nacional. Essa expanso, ao mesmo
tempo, foi permitida por essa prpria estrutura orgnica de formao de professores estabelecida
ao longo dos anos, que vai desde o primeiro curso de formao de professores da SEMA (Curso
de Pedagogia da Msica e de Canto Orfenico) at a complexa estrutura curricular do CNCO,
estabelecimento padro que inspirou o surgimento de demais instituies de formao de
professores por outros estados do pas.
Uma vez exposta como se deu a evoluo da estrutura de formao de professores
especializados em canto orfenico, elemento essencial para que a disciplina fosse implantada nas
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escolas pblicas, ser agora exposto como se deu a organizao e a programao curricular
paralela desse ensino nas referidas escolas.
1.5 Organizao e programa de ensino do canto orfenico nas escolas pblicas
Nas escolas primrias e secundrias, o que se pretende, sob o ponto de vista esttico, no a formao de um msico mas despertar nos educandos, as aptides naturais, desenvolv-las abrindo-lhes horizontes novos e apontando-lhes os institutos superiores da arte onde especializada a cultura. (VILLA-LOBOS, 1937b, p. 23)
Tendo como base a afirmao de Villa-Lobos acima, ser destacado o programa de ensino
elaborado para aplicao nas escolas pr-primrias, primrias, secundrias, normais e tcnico
profissionais, programa ao qual caberia a tarefa de atingir os objetivos do compositor junto ao
ensino do canto orfenico.
De acordo com Villa-Lobos (1946, p. 548) o ensino do canto orfenico nas escolas
possua as seguintes finalidades, alm de basear-se em alguns tpicos 27:
27 Os principais pontos (23 pontos) em que esse ensino se baseava eram os seguintes (Villa-Lobos, 1946, p. 509 513): 1 - O canto orfenico como meio de educao cvica; 2 - Califasia, califonia e caliritmia; 3 - Declarao rtmica; 4 - Exortao; 5 - Mtodos de classificao, seleo e colocao de vozes; 6 - Afinao orfenica; 7 - Efeitos orfenicos; 8 - Manossolfa desenvolvido; 9 - Canto Orfenico (aperfeioamento); 10 - Efeitos de timbres diversos no orfeo; 11 - Ditado cantado e rtmico; 12 - Pesquisas, arranjos e adaptao do ensino folclrico nas escolas, para a educao e formao do gosto artstico; 13 - Aplicao da Melodia das Montanhas (processo que facilita aos alunos criar melodias, despertando o gosto para as composies musicais); 14 - Diviso da classe em quatro grupos (para facilitar a disciplina orfenica e a distribuio das vozes); 15 - Ouvintes; 16 - Alunos-regentes, compositores e solistas; 17 - Sala ambiente; 18 - Prova de memria visual e auditiva; 19 - Prova de discernimento do gnero e estilo da msica; 20 - Prova de conhecimento dos instrumentos de banda e orquestra; 21 - Quadro sintico para o estudo geral da msica popular brasileira; 22 - Grfico planisfrico etnolgico da origem da msica no Brasil; 23 - Aplicao dos principais fatores para a formao da concincia musical e compreenso da utilidade do canto orfenico na formao cvico-social do aluno.
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a) estimular o hbito do perfeito convvio coletivo, aperfeioando o senso de apurao do bom gosto. b) desenvolver os fatores essenciais da sensibilidade musical, baseados no rtmo, no som e na palavra. c) proporcionar a educao do carater em relao vida social por intermdio da msica viva. d) incutir o sentimento cvico, de disciplina, o senso de solidariedade e de responsabilidade no ambiente escolar. e) musicalizar todos os escolares. f) despertar o amor pela msica e o interesse pelas realizaes artsticas. g) promover a confraternizao entre os escolares. h) manter a interpretao justa dos hinos oficiais entre os escolares [finalidade acrescentada para os objetivos do curso normal ib, p. 554]
Para as escolas pr-primrias, o programa adotado dividia-se em 5 sees (1946, p. 550),
que contemplavam desde a recreao rtmica coletiva com brinquedos e pequenos instrumentos,
passando pela apreciao de histrias folclricas brasileiras e de msicas selecionadas de discos e
rdio, at a aplicao de canes infantis para ensaios pedaggicos de declamao rtmica.
O programa de ensino elaborado para a escola primria, secundria e tcnico-profissional
consistia basicamente em seis grupos ou unidades didticas, cujo contedo se desenvolvia em
ordem crescente de dificuldade atravs das sries28:
1. Elementos Grficos: pauta, figuras rtmicas, notas, valores, claves, acidentes,
ligaduras, linhas suplementares, sinais de expresso, entre outros;
2. Elementos Rtmicos: declamao rtmica, ditados rtmicos, compassos simples e
compostos, quilteras, anacruze, sncope, contratempo, andamento, metrnomo, entre outros;
28 No texto Educao Musical (1946) Villa-Lobos expe detalhes a respeito de normas escolares, tais como diviso das turmas, critrios de avaliao, particularidades de ensino e contedo programtico de cada unidade didtica (p. 548-557). No texto Programa do ensino de msica (1937) exposto detalhadamente o contedo programtico de cada ano escolar.
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3. Elementos Meldicos: entoao de sons da escala, graus da escala, ditados
meldicos, escalas maiores e menores, solfejos a uma e mais vozes e primeira vista, frases,
ornamentos, prosdia, entre outros;
4. Elementos Harmnicos: intervalos, acordes de trs e quatro sons, arpejos,
tonalidades, tons vizinhos, srie harmnica, entre outros;
5. Prtica Orfenica: exerccios de respirao, afinao orfenica, efeitos
orfenicos, exerccios de vocalizao, manossolfa falado e entoado a uma e vrias vozes,
manossolfa cromtico, execuo de marchas e hinos a uma e vrias vozes, entre outros;
6. Histria e Apreciao Musical: lendas brasileiras, audio de discos, palestras
sobre msica e compositores nacionais, noes de histria da msica, organizao de orfees no
Brasil e exterior, msica indgena, portuguesa e espanhola, folclore nacional, gneros musicais,
evoluo da orquestra, entre outros.
Em algumas escolas tcnicas secundrias, como Escola Pr-Vocacional Ferreira Viana,
Escola Joo Alfredo e Visconde de Mau, foi institudo, juntamente ao ensino de canto orfenico,
o ensino de prtica instrumental, que visou formao de msicos profissionais para a atuao
em bandas sinfnicas municipais. Alm das bandas recreativas, essas escolas passaram a possuir
o Curso de Ensino Profissional Especializado de Banda de Msica. O programa desenvolvido
era dividido em seis anos, sendo os dois primeiros anos destinados apenas freqncia dos
candidatos nas bandas recreativas. Os demais anos contavam com os seguintes elementos
(VILLA-LOBOS, 1937c, p. 387):
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3 ano - Disciplina musical atitude respirao seleo e classificao de vozes vocao instr