caos e ordem no núcleo do átomo
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Pesquisa FAPESP - Ed. 64TRANSCRIPT
28 Pesquisadores brasileiros
descobrem que o núcleo do átomo,
diferentemente do que se pensava,
é uma estrutura extremamente turbulenta,
cujas partículas se movem e interagem
sem cessar
EDITORIAL • •• •• •• •• • •• • •• •• • •• • •• • •• 5
MEMÓRIA •• ••• • •••••••••••• • •• • •• •• • 6
OPINIÃO •• • •••••••••••••••••••• • •••• 9
POLITICA CIENTIFICA ETECNOLÓGICA .................... 1 O
ESTRAT~GIAS ..... . ..... . .. . ....... . ... 1 O
CNPQ: 50 ANOS DE CltNCIA ..... .. . . ... 14
UM PASSO À FRENTE . . ........ . ........ 20
TRABALHO RECONHECIDO . ...... . ..... 22
REDE DE INVESTIGAÇÃO . .. . .. . .. . . . ... 23
PESQUISA EM CRESCIMENTO ... . ....... 24
O NOVO RECIFE ANTIGO . .. . .. . ........ 25
CI~NCIA ••••••••• • •• • •••••••••••••• 26
LABORATÓRIO ..... .. .... . .. . .... . .... 26
AS DANÇAS DO NÚCLEO ATÓMICO . .... 28
NÓS E OS MACACOS ....... . ........... 36
PARCERIA CONTRA CÃNCER .. .. . . .• . .... 39
A ESStNCIA DA ARNICA ................ 42
MOSQUITOS: O PERIGO AVANÇA . .. . . . .. 46
SUPERCOMPUTADOR À TEMPERATURA AMBIENTE . ....•..•..... 51
TECNOLOGIA •••••• • •••• • •••••••••• 54
LINHA DE PRODUÇÃO . ........ . .... . .. 54
FAÇAM SUAS APOSTAS ................. 56
SAUDÁVEL CAMU-CAMU .. . . .. •. .• .... . 64
MUDANÇA DE STATUS ................. 66
HUMANIDADES •••••••••••••••••• • • 68
O INDEPENDENTE QUE DEU CERTO . . ... 68
MEU MUNDO AQUI E AGORA ........... 71
A ARTE AO ALCANCE DAS MÃOS ....... 74
LIVROS •••••••• • •••••••• • •••••• • •• • 76
LANÇAMENTOS ••••• • ••• • •••••••••• 77
ARTE FINAL ••••••••••••••••••• • •••• 78
Capa: Hélio de Almeida, sobre foto
da Science Photo Library/ Stock Photos
39 Empresários norte-americanos e canadenses criam empresa para produzir e comercializar um invento brasileiro, as partículas LDE, lipoproteínas artificiais que servem de veículo para medicamentos usados contra o câncer
46 Especialista alerta sobre a provável volta da febre amarela urbana e da malária à região sudeste brasileira
56 Ao reunir empresa de base tecnológica e investidores de capital de risco, o 39 Venture Forum abriu novos caminhos para o desenvolvimento de produtos inovadores
68 Tese analisa a obra do cineasta norte-americano Quentin Tarantino e o mostra como um diretor com foco no paradoxo
PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2001 • 3
Mulheres na ciência
Venho inicialmente parabenizar a FAPESP pela sua ótima revista. Sinto-me feliz em poder parabenizar alguém ou, no caso, uma instituição, uma vez que nos nossos meios científicos e acadêmicos projetas de alta qualidade, como o da revista em questão, são muitas vezes colocados em segundo plano. No entanto, no sentido de colaborar na melhora da revista, vai aqui uma pequena sugestão: gostaria de chamar a atenção de um detalhe que ficou mais evidente nesta última edição de Março de 2001. Nesse nú-mero (Pesquisa FAPESP 62), onde se tem um belo texto, na seção Opinião, intitulado "Mulheres na ciência", escrito por Mayana Zatz, mais uma vez vejo um cartoon representando cientistas contendo apenas figuras masculinas (páginas 18 e 19). Minha sugestão é que mulheres (e também negros, orientais, indígenas etc) apareçam na composição dessas ilustrações de cientistas.
EVERSON ALVES MIRANDA
Faculdade de Engenharia Química -Unicamp
Campinas, SP
Parabéns
Gostaria de parabenizar a FAPESP pelos sucessos obtidos e reforçar a importância do desenvolvimento da ciência e da tecnologia no nosso país. Solicito a continuação do acesso à revista Pesquisa FAPESP, pois nela posso me atualizar e enriquecer meus conhecimentos.
EDIVÂNIA MARINHO DE NEGREIROS
Manaus,AM
4 • MAIODE2001 • PESQUISA FAPESP
CARTAS
Suplemento
Parabenizo a excelente edição do Suplemento Especial "Infra-Estrutura 1 - Revitalizando bibliotecas, museus e arquivos': Porém, na matéria das páginas 23 e 24, intitulada "Uma instituição que se tornou modelo': sobre o Herbário da Unicamp, o próprio título e um trecho importante do texto me causaram estranheza e constrangimen-to. Ao afirmar que a estrutura "moderna e bem equipada serviu de modelo para a reforma de outros herbários, inclusive o do respeitado Jardim Botânico do Rio de Janeiro", comete-se profunda injustiça, uma vez que o próprio Herbário da Unicamp instalou a parte fundamental de sua "moderna estrutura" utilizando o projeto pioneiramente desenvolvido e instalado no Herbário do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências (IB) da USP, alguns meses antes, dentro do mesmo Programa de Infra-Estrutura da FAPESP. O desenho desse tipo de sistema de arquivos compactados, adaptado para abrigar um acervo especial como as amostras de plantas secas de um herbário, foi concebido após muitos estudos ela-· borados conjuntamente pelos técnicos da empresa fornecedora (Telos S.A. Equipamentos e Sistemas), pelo Prof. Dr. Renato de Mello-Silva e por mim próprio. Também me lembro bem da manhã em que recebi a visita da Srta. Solange Pessoa, técnica do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, especificamente para examinar nossos arquivos, então recentemente instalados, e decidir pela aquisição de análogos para sua instituição.
PROF. DR. }OSlO RUBENS PIRANI
Curador do Herbário do Depto. de Botânica- IB-USP
São Paulo, SP
A fotografia que aparece na página 20 do Suplemento do número
63, Infra-Estrutura 1, na reportagem sobre o Museu de Zoologia da USP, não mostra armários deslizantes, ao contrário do que diz a legenda. São, na realidade, armários antigos, adequados para animais pequenos, como insetos. Os armários deslizantes são de metal e correm sobre trilhos.
MIGUEL TREFAUT RODRIGUES
Museu de Zoologia da USP São Paulo, SP
Correções
Na reportagem "Imagem feita de tinta e sangue" (edição 63 ), a pesquisadora Francisca Eleodora Santos Severino, que estuda a história da sociedade brasileira por meio das fotos de jornais, faz referência a uma foto, com a seguinte frase: "Nela, pode-se ver um assaltante morto a tiros pelas costas, pelos seguranças de João Paulo Diniz, durante uma tentativa de assalto". A frase não se refere à foto publicada na página 67 daquela edição.
A reportagem sobre o cerrado paulista (edição 63, pág. 38) contém duas incorreções: a planta identificada como Mandevilla velutina é na realidade a Mandevilla ilustris (acima) e a cidade não é Campos Limpos Paulista, mas Campos Novos Paulista.
PESQUISA FAPESP ~UMA PUBLICAÇÃO MENSAL
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SECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONOMICO
GOVERNO DO ESTADO DE SAO PAULO
EDITORIAL
Das estrelas à terra firme
Há temas científicos que são particularmente fascinantes, excitantes mesmo, para os lei
gos, pela extraordinária abertura que proporciona à imaginação ou à livre especulação. Pela própria aventura de pensamento que abarcam, parecem propor a cada um que, por alguns minutos, faça-se um pouco cientista, um pouco filósofo e um pouco artista, tudo ao mesmo tempo, para assim exercer pessoalmente urna das mais lúdicas e prazerosas potencialidades humanas: explorar sua capacidade imaginativa e de pensamento até o limite.
É um desses temas que a reportagem de capa desta edição de Pesquisa FAPESP traz à cena ao relatar as mais recentes contribuições de um grupo de físicos da Universidade de São Paulo- em colaboração com especialistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Instituto Tecnológico da Aeronáutica- para a compreensão do funcionamento das partículas elementares da matéria. Partindo dos resultados experimentais de pesquisadores alemães, com o quais mais adiante estabeleceriam uma fecunda cooperação, eles construíram uma teoria capaz de abranger os vários tipos de movimentos do núcleo atômico, que se apresentam na dependência da carga de energia a que são submetidos. Que o núcleo se move, contrariamente ao que estabelecera o modelo do átomo, de 1920, se sabia há pelo menos cinco décadas. Mas um modelo que dá conta tanto das oscilações coletivas das partículas nucleares quanto dos movimentos caóticos que se instalam a seguir é façanha novíssima. E, como se poderá constatar a partir da página 28, tratase de feito teórico que acena até mesmo com uma melhor compreensão sobre a evolução das estrelas. Daí seu fascínio radical- afinal, a cada explosão solar ou de qualquer estrela for-
mam-se os átomos de que somos feitos e, dessa forma, nossa origem mais remota é que aparece implicada na evolução do conhecimento a respeito do núcleo dos átomos.
Das estrelas pode-se saltar para o terreno mais firme da inovação tecnológica. A cobertura do 3~ Venture Forum, realizado em São Paulo nos dias 18 e 19 de abril, serviu de pretexto a uma extensa reportagem que, a partir da página 56, mostra como projetas de inovação tecnológica, desenvolvidos por pequenas empresas brasileiras e muito bem-sucedidos nas etapas de pesquisa, já começam a atrair o capital de risco, nacional ou internacional. Capital, diga-se, indispensável na atual conjuntura econômica para que os novos produtos que tais projetas geraram entrem no circuito normal do mercado, criem lucros e empregos. É exatamente por compreender essa necessidade e, ao mesmo tempo, pela convicção de que a pesquisa para inovação tecnológica, elaborada de forma preponderante no ambiente da empresa, é crucial para o desenvolvimento socioeconômico do país, que a FAPESP, como outras agências de fomento, tem procurado aproximar os empreendedores que apoia, via programas como o PIPE, de investidores de risco.
Esta edição de Pesquisa FAPESP traz também o segundo de uma série de suplementos especiais que mostram resultados do Programa de Recuperação e Modernização da InfraEstrutura de Pesquisa do Estado de São Paulo, chamado simplesmente de Infra. O esforço empreendido desde 1995 pela Fundação para ajudar São Paulo a dispor de instalações de pesquisa adequadas a um grande centro de produção científica e tecnológica foi gigantesco - mas seus resultados são brilhantes e têm impacto sobre a qualidade da pesquisa que aqui se faz.
PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2001 • 5
Livre da gravidade o cosmonauta
soviético Yuri Gagarin disse a mítica frase "A Terra é azul", ele sabia que estava fazendo história. Ao orbitar o planeta por 108 minutos, entre 181 e 327 quilômetros de altura, a 28.968 km/h, em 12 de abril de 1961, Gagarin libertou o homem da barreira gravitacional e mostrou que era possível vencer obstáculos também no espaço. É verdade que a primazia do vôo pioneiro quase foi perdida para o colega Gherman Stepanovich Titov. Pela versão oficial, Gagarin foi escolhido por estar mais bem preparado do que Titov. Mas também já se disse que a preferência se deu pelo fato de Gagarin vir do proletariado. Nascido em Gzhatsk, uma vila a 160 quilômetros de Moscou, na Rússia, seu pai era um carpinteiro de uma das numerosas fazendas coletivas que vigoravam na época. O fato de o cosmonauta ter conseguido estudar, alcançado a patente de major na Força Aérea e, depois, se tornar um dos principais pilotos do programa espacial soviético por seus próprios méritos era considerado uma prova do acerto do modelo socialista. Embora igualmente competente, Titov tinha origem na intelligentsia russa -vinha de uma família de professores. De qualquer forma, ele teve seu momento
6 • MAIODE2001 • PESQUISA FAPESP
Subida aos céus O foguete Vostok K partiu com a cápsula Vostok 1, com Gagarin (à
dir.), de Baikonur, na As ia Centra l
Inspiração Picasso usou Gagarin como tema em estudo Antes da fama
Em 1960, com a mulher Valent ina e a f ilha Helena
de glória - em agosto de 1961, foi o primeiro homem a permanecer mais de 24 horas no espaço. O pioneirismo de Gagarin, então com 27 anos, transformou-o numa celebridade reverenciada em todo o mundo. Percorreu 28 países, inclusive o Brasil, foi aplaudido por milhões de pessoas e chamado de "Colombo do espaço': Morreu em 1968, aos 34 anos, quando fazia um vôo de treinamento em um MIG-15. Em suas andanças, Gagarin carregava consigo o triunfo da ex-União Soviética (URSS), que esteve sempre alguns passos à frente
dos Estados Unidos (EUA) na área espacial até o meio da década de 1960. Já no início do século 20, o russo Constantin Tsiolkowsky (ídolo de Gagarin) arquitetou as bases da astronáutica moderna. Depois da 2a Guerra Mundial, os soviéticos env1aram para o espaço o Sputnik 1 (o primeiro satélite artificial, em 1957), a cadela Laika (1958) e o primeiro homem (1961). Os norte-americanos começaram a recuperar o terreno perdido em 1965,
Sucesso Com a cosmonauta Valentina Tereshkova, em 1963 (acima), e com Jânio Quadros, em 1961 (à esq.)
Contra-ataque
Festa no Kremlin Leonid Brezhnev
(atrás, à esq.), Nikita Khruchev (atrás, à
dir.). Titov (frente, à esq.) e Gagarin
Alan Shepard, dos EUA, voou um mês depois do soviético
Consagração Depois do vôo pioneiro, o piloto foi recebido por uma multidão em Londres
quando uma missão ficou por oito dias no espaço. Na época, a questão ideológica entre EUA e URSS ofuscou os importantes avanços tecnológicos que se tornaram possíveis graças ao imenso investimento feito nessa área. A exploração espacial foi o maior estímulo para a miniaturização dos equipamentos e para o desenvolvimento da informática e dos computadores pessoais.
Bolsas de pós-doutoramento da FAPESP. O sistema brasileiro de pesquisa se expande.
A FAPESP está revolucionando sua política de pós-doutoramento, ampliando o prazo de duração das bolsas e possibilitando estágios no exterior dentro de uma concepção que torne o intercâmbio com centros de pesquisa de outros países produtivo para a ciência brasileira. Os bolsistas devem vincular-se aos mais importantes programas de pesquisa financiados pela Fundação. São centenas de projetes, em todas as áreas do conhecimento, que permitem uma sólida formação aos jovens doutores integrados a grupos de excelência. Para mais informações, acesse www.fapesp.br ou ligue (11) 3838 4000.
Projetos Temáticos (150 projetos de pesquisa) Grandes equipes formadas por pesquisadores de diferentes instituições em busca de resultados científicos, tecnológicos e socioeconômicos de grande impacto.
Programa Genoma (60 laboratórios) Projetas com o objetivo de pesquisar genomas, identificar e analisar genes com impacto sobre o conhecimento genômico, a saúde humana e a produção agropecuária.
~ ..-....:::; GOVERNO DO ESTADO DE
SÃO PAULO
Secretaria da
Ciência, Tecnologia
e Desenvolvimen to
Econômico
Programa CEPID (10 centros de pesquisa) Centros para desenvolver pesquisas inovadoras na fronteira do conhecimento, transferir seus resultados para os setores público e privado e contribuir para a criação de novas tecnologias e empresas.
Programas Jovens Pesquisadores (270 projetos) Programa que fomenta a formação de novos grupos de pesquisa em centros emergentes do Estado de São Paulo.
Programa Blota (25 projetas) Projetas que visam ao levantamento e novos conhecimentos sobre a biodiversidade do Estado de São Paulo e outras regiões do país.
Rua Pio XI , 1500 - Alto da Lapa 05468-901 - São Paulo - SP
Tel.: (11) 3838 4000 - www.fapesp.br
OPINIÃO
GILBERTO DE NUCCI
Patentes, universidade e setor produtivo lnteração entre pesquisadores e indústria ainda é incipiente no Brasil
Podemos conceituar a propriedade intelectual como sendo uma parcela do conhecimento científico que, de maneira independente
do todo, apresenta características que permitem a exploração comercial. Em outras palavras, apesar de todo experimento/pesquisa gerar conhecimento científico, nem todo fato científico novo se constitui em propriedade intelectual. Por outro lado, nem toda propriedade intelectual é de fato comercializada. Patente é o nome que se dá ao mecanismo pelo qual a pro-priedade intelectual é identificada e eventualmente comercializada.
mentos, o que inviabilizou o desenvolvimento da capacidade de explorar propriedade intelectual no setor farmacêutico nacional. Mas, com a lei de patentes, as indústrias nacionais e multinacionais passaram a se preocupar com o conhecimento científico e a universidade começou a discutir a questão da exploração comercial desse conhecimento. Essa interação ainda é incipiente e pouco ágil.
O assunto ganhou especial interesse em razão dos debates sobre medicamentos para tratamento de Aids e sua exploração comercial. Pessoas estão
As patentes resultam, portanto, do conhecimento científico, e a universidade e os institutos de pesquisa são os grandes geradores desse saber. Entretanto, até há pouco tempo, só algumas universidades requeriam patentes. A patente implica interesse comercial e, por tradição, a comunidade acadêmica tende a direcionar a pesquisa para o que julga essencial, a criação do conhecimento científico. O setor
"os problemas de saúde dos
morrendo em países pouco desenvolvidos por falta de remédios contra a doença, caros e inacessíveis. O Brasil, alegando que os preços eram incompatíveis com a nossa realidade econômica, quebrou a patente e passou a fabricar os medicamentos sem pagar dividendos comerciais para os detentores do direito original de exploração desses fármacos.
países pouco desenvolvidos são caracterizados por falta de infra-estrutura e não por patentes de remédios,
Os problemas de saúde dos países pouco desenvolvidos são, em
·grande parte, caracterizados por falta de infra-estrutura básica e não por patentes de remédios. Ao argumentar que são medicamentos es-
produtivo, pelo contrário, apresen-ta como ponto fundamental a ex-ploração comercial.
Nos países desenvolvidos, o setor produtivo também contribui para a geração do conhecimento científico. E, geralmente, é bem mais versátil e ágil na obtenção de patentes, não somente por ter nelas seu objetivo principal, mas também pela possibilidade de concentrar esforços em um tema específico. Entretanto, esse setor tem uma capacidade restrita de gerar conhecimento científico e procura estabelecer relações com a universidade para o desenvolvimento conjunto da propriedade intelectual. É um tipo de intercâmbio saudável porque agiliza a aplicação do conhecimento e aumenta a captação de recursos para a universidade.
Nos países em desenvolvimento essa interação é ainda pouco compreendida. O Brasil, por exemplo, até 1996 não reconhecia patentes de medica-
senciais, o governo brasileiro entra em uma área nebulosa, pois todos os fármacos são essenciais para quem precisa. O risco contido nessa postura é que as multinacionais reduzam o investimento na área, em razão de complicações políticas e comerciais, retardando a cura da Aids. A estratégia de explorar comercialmente uma parcela do conhecimento científico, sem levar em conta aquele gerado pela sociedade por meio da universidade, é um tanto controvertida, ainda que eficiente.
GILBERTO D E N ucCI é professor de Farmacologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e da Unicamp
e coordena a Unidade Analítica Cartesius, que realiza
estudos de bioequivalência e biodisponibilidade.
PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2001 • 9
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
Número de médicos explodirá em seis anos O Brasil ultrapassou a marca dos 100 cursos de Medicina e tem, hoje, 9.278 vagas. "Se não for criado mais nenhum curso daqui para a frente, o que é improvável, teremos por volta de 50 mil novos médicos e estudantes de Medicina em seis anos", estima Antônio Celso Nunes Nassif, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e ex-presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), já descontando os desistentes. Por dois meses, Nassif checou todas as universidades e faculdades do país até chegar ao número de 101 cursos. As escolas particulares são responsáveis por 44 deles ( 43,6% do total), as federais por 37, as estaduais por 14 e as municipais por seis. E não é só:
• Hidrogênio ganha centro de estudos
Em meio à mais séria crise no setor energético brasileiro nos últimos tempos, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) ganhou o Centro Nacional de Referência em Energia de Hidrogênio (Ceneh).A função doCeneh é agrupar e difundir informações sobre as aplicações energéticas nessa área e co-patrocinar pesquisas, de acordo com o secretário executivo adjunto, Newton Pimenta Neves Júnior. Hoje, a maior expectativa é usar o hidrogênio como combustível de automóveis por ser mais limpo do que os tradi-
1 O • MAIO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
já existem 26 pedidos de abertura de novos cursos. "Estamos com um médico para cada grupo de 526 habitantes, enquanto a Organização Mundial de Saúde
recomenda um por mil", diz Nassif. A maioria está nas grandes cidades. Enquando isso, há entre 300 e 400 municípios no Brasil sem nenhum médico. •
Inflação de escolas médicas Outros 26 cursos aguardam aprovação para funcionar
24 2.200
N° total de cursos 101 11 2.000
1.800
1.600
1.400
1.200
N° total de vagas 9.278
cionais. O Laboratório de Hidrogênio da Unicamp já tem um carro com motor elétrico que é híbrido hidrogênio e eletricidade e poderá operar com célula a combustível. O uso do hidrogênio não se li-
Fonte: Antonio Celso Nunes Nassif- UFPR
mita ao transporte, mas também na geração de energia elétrica em sistemas estacionários e como insumo químico em diferentes áreas indústriais, como a metalúrgica e farmacêutica, por exemplo.
Ennio Peres no carro híbrido do laboratório: alternativa à vista
O secretário executivo do Ceneh, Ennio Peres, diz que, apesar das enormes possibilidades desse gás, a situação atual da falta de energia do país não será resolvida com ele. "Em momentos emergenciais precisamos contar com sistemas consolidados", afirma. "As novidades devem ser introduzidas depois de muito aprendizado_" Fazem parte do centro o Ministério de Ciência e Tecnologia, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente de São Paulo, a Universidade de São Paulo, a Companhia Energética de Minas Gerais e a organização não-governamental Vitae Ci
"vilis, além da Unicamp. •
• Medidas para economizar energia
A FAPESP tomou algumas providências para economizar energia elétrica. As principais medidas, entre outras que poderão vir a ser adotadas, são as seguintes: um dos dois elevadores que servem o prédio da Fundação permanecerá desligado fora do horário de pico e, posteriormente, será instalado um sistema inteligente para chamar apenas o carro que estiver no andar mais próximo; o ar-condicionado será ligado mais tarde, às 10 horas, e desligado mais cedo, às 17 horas; as lâmpadas incandescentes que restam no prédio serão substituídas pelas fluorescentes compactas; as lâmpadas fluorescentes de 40W serão trocadas gradualmente pelas de 32W e as de 20W pelas de 16W; por fim, todas as lâmpadas externas serão substituídas pelas de vapor metálico, muito mais econômicas. •
• Como lidar com as patentes
Patentear primeiro e publicar depois deveria ser a lógica vigente entre os pesquisadores brasileiros, de acordo com Roberto Castelo, diretor-geral da Organização Mundial de Propriedade Industrial (Ompi). Se o Brasil tem tecnologia, trabalho científico, bons cientistas e inovação tecnológica por que o aparente desinteresse pela conquista de mercado? Pensando em fortalecer os pedidos de patentes, o Ministério da Ciência e Tecnologia vai incentivar a criação de pólos de propriedade intelectual por meio dos Fundos Setoriais. A maior preocupação é com o baixo número de patentes internacionais depositado pelo Brasil. O ministério e a Ompi firmaram uma parceria no começo de maio para promover uma série de atividades para aumentar a proteção intelectual resultante das pesquisas realizadas nas universidades e institutos brasileiros. Os pólos devem seguir o modelo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), responsável por 25% das patentes internacionais brasileiras no ano passado. A Embrapa tem toda uma estrutura com advogados, pesquisadores e especialistas no assunto para registrar e acompanhar os processos de patenteamento.
• IME leva bronze em copa de computação
•
Duas equipes de estudantes brasileiros conseguiram um feito inédito no ACM International Collegiate Programming Contest, uma espécie de copa do mundo de computação. Desde 1997 o Brasil participa da competição, dispu-
tada por alunos das melhores universidades do mundo. A equipe do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME/USP) ganhou a medalha de bronze. O time da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) também obteve boa colocação: 29'? lugar entre os 64 finalistas. Cada equipe trabalhou em um microcomputador para resolver em cinco horas os problemas de computação formulados. As medalhas são dadas de acordo com o número de problemas resolvidos. Assim, os vencedores resolveram seis problemas - e todas as equipes que consegmram o mesmo resultado ganharam ouro. Os que re-
A equipe do IME mostra a placa de campeão sul-americano
solveram cinco questões ganharam prata e os que solucionaram quatro receberam bronze. No desempate, a equipe do IME ficou em 14'?
Sementes: normas para uso de material genético
Patrimônio mais protegido A Medida Provisória n'? 2.126-11, que estabelece as normas para acesso ao patrimônio genético, foi reeditada no final de abril com modificações importantes. As instituições estrangeiras só poderão trabalhar com espécies nativas sob a coordenação e responsabilidade de outra instituição de pesquisa nacional. O objetivo é fazer com que brasileiros e estrangeiros trabalhem
juntos e desenvolvam a pesquisa em território nacional. Também foi criado o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, que vai coordenar e controlar esse trabalho e estabelecer critérios para as autorizações do acesso e remessa de material ao exterior. Patrimônio genético é definido pela MP como informação contida em espécimes vegetal, microbiano ou animal. •
lugar. "É a melhor classificação de uma equipe latinoamericana até hoje", disse Carlos Eduardo Ferreira, professor do IME. Os ganhadores são os seguintes: Tiago Tagliari Martinez, Ricardo Bueno Cordeiro, Pedro Eira Velha e Aritanan Garcia Gruber. •
• Inovação tecnológica terá evento mundial
O Rio de Janeiro vai receber, de 23 a 26 de outubro, cerca de 700 conferencistas de mais de 40 países para a Conferência Mundial de Incubadoras de Empresas. Organizado pela Incubadora de Empresas do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), o evento reunirá empreendedores, pesquisadores e profissionais de diversas áreas para debater o desenvolvimento da tecnologia e ver exemplos de como romper a barreira entre a teoria e a prática para investir em projetos também fora da universidade. O Brasil é um dos países com maior número de incubadoras (140), número ainda distante dos Estados Unidos, com cerca de 600. •
PESQUISA FAPESP · MAIO DE 2001 1 1
Pesquisadores querem biblioteca mundial on line gratuita Pesquisadores de 158 países decidiram reivindicar das revistas mantidas por sociedades científicas que o conteúdo esteja disponível on line, gratuitamente, seis meses a contar da data de sua publicação. Antes, durante esses seis meses, elas continuariam a ser vendidas normalmente. Por enquanto, o movimento está restrito às revistas que trazem material sobre ciências da vida, como medicina e biologia, por exemplo. Os pesquisadores querem a criação de uma vasta biblioteca virtual mundial que conteria toda a informação publicada antes. O projeto, defendem os cientistas, daria a oportunidade sem igual de colocar à disposição de qualquer pessoa, nos mais remotos can-
• O safári fotográfico de Dennis Tito no espaço
No final, tudo acabou bem. O milionário norte-americano Dennis Tito, de 60 anos, foi e voltou do espaço são e salvo. E o que é mais importante: sem colocar em risco a sua vida e a dos cosmonautas russos Talgat Musabayev e Yuri Baturin, que passaram oito dias com o empresário na Estação Espacial Internacional (ISS). Mas Tito foi obrigado a seguir à risca as ordens da Nasa, a agência espacial americana, crítica feroz da empreitada: não mexer em nada. Antes de viajar, ele assinou um documento se comprometendo a pagar por qualquer dano que viesse a ocorrer na ISS e isentando a Nasa da responsabilidade por
12 · MAIO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
tos do mundo, o conhecimento adquirido em centros mais privilegiados. A partir de setembro deste ano, esse grande grupo de cientistas da área biomédica (mais de 20 mil) se compromete a enviar artigos para publicação apenas para as revistas que concordarem com a idéia. As demais seriam boicotadas. No si te da revista Science há uma discussão sobre o tema (www.sciencemag.org/feature/ data/hottopics/ plsdebate.shtml),
o abaixo-as- "'~~~ sinado e o ~
nome de quem já assinou - no formulário eletrônico há uma opção para quem apóia o projeto, mas não quer que o nome apareça. Hele-
problemas de saúde que pudessem acontecer. Tito passou a maior parte do tempo como se estivesse num safári fotográfico. Tirou fotos da Terra, da ISS, dos tripulantes e de tudo o que parecesse novidade. "Provei que um ho-
na Nader, pesquisadora do Departamento de Bioquímica da Universidade Federal de São Paulo, é uma das brasileiras signatárias da carta aberta. "O custo das assinaturas é alto e nem todos conseguem acesso às informações", diz. Ela conta que hoje é possível perceber o impacto das informações
Revistas científicas: pela
gratuidade on fine
mem comum pode ir ao espaço, desde que treinado", disse. Dono de uma fortuna deUS$ 200 milhões, Tito pagou US$ 20 milhões pelo passeio sideral. O valor equivale a 15% do orçamento anual da agência espacial russa. •
Tito entre Baturin (esq.) e Musabayev na ISS:"Estou no paraíso"
científicas disponíveis on line, por exemplo, nas aulas de graduação de Medicina. "Basta citar determinada pesquisa que os alunos a acham rapidamente na Internet ou em bibliotecas eletrônicas", diz. As revistas e sociedades, por outro lado, resistem em abrir mão dos direitos autorais.
• Espanha cria plano para jovens cientistas
A Espanha está adotando uma nova carreira para jovens pesquisadores. A iniciativa visa a aumentar a competição e eliminar um certo compadrio em voga na academia espanhola, que acaba por atrasar o desenvolvimento da ciência no país, de acordo com a revista Nature (26 de abril). O programa Ramón y Cajal oferecerá cinco anos de contrato para 2 mil bolsistas de pós-doutorado nos próximos dois anos. Outro objetivo claro é aumentar o intercâmbio entre os diversos centros científicos: os candidatos à bolsa devem ter passado 18 meses trabalhando em projetas em outra universidade ou instituto. •
Brookhaven National Laboratory: modelo continua de pé
• Trégua entre os físicos
O Modelo Padrão- um conjunto de conceitos que procura explicar como os quarks, neutrinos, múons, glúons e outras partículas do átomo interagem entre si -saiu aparentemente sem arranhões dos ataques dos físicos que, de alguns meses para cá, propunham uma revisão urgente e profunda da teoria. A polêmica fortaleceu-se em fevereiro com os resultados dos experimentos com múons, realizados no Brookhaven National Laboratory, em Nova York, Estados Unidos, que não batiam com as previsões. De acordo com a revista Nature ( 15 de março), os teóricos agora rejeitam a possibilidade de mudanças estruturais do modelo que se mantém em pé, ainda que com eventuais ajustes, há cerca de 40 anos. E o que fazer com os estudos experimentais que pareciam contradizer as idéias em vigor? Simples: dados adicionais, mais apurados, indicam que tudo o que se está descobrindo pode se encaixar nas fórmulas já existentes- numa escala milhões de vezes menor que a das partículas atômicas mais conhecidas, como os prótons e nêutrons, os componentes
do núcleo, este, sim, sujeito a comportamentos um pouco mais esclarecidos (veja reportagem na página 28). •
• Cursos do MIT pela Internet serão grátis
O prestigiado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), um dos principais centros de pesquisa do mundo, anunciou que pretende colocar quase todos seus 2 mil cursos disponíveis na Internet gratuitamente nos próximos dez anos. O caminho escolhido é o inverso do que vem fazendo outros centros de ensino superior, que procuram criar cursos a distância pagos para ter uma fonte de renda a mais. Para tornar o projeto viável, o MIT deverá criar sites de todos os cursos no qual deverão constar anotações das aulas, lista de problemas, sumários, exames, simulações e vídeos - tudo a um custo de cerca de US$ 100 milhões. O presidente do instituto, Charles M. Vest, não teme que os alunos deixem de pagar os US$ 26 mil anuais para fazer o curso presencial quando poderão ter aulas e obter todo o material on line sem pagar. "A disponibilização do nosso ensino na web vai servir para atrair ainda mais estudantes para o MIT." •
Ciência na web Envie sua sugestão de site científico para
www.becominghuman.org/
Um extraordinário site sobre a história da evolução a partir do documentário do paleantropólogo Donald Johanson.
lqes.iqm.unicamp.br/
Informações científicas, serviços de assessoria e projetas do Laboratório de Química do Estado Sólido da Unicamp.
Weloome
Sense-Making Methodology Site
l>r. Riad Orrvln. Fldii!IR dm!O. lftt!I.CW
a~s.::.=-.. ::::~=:.-=...=;:.==~----..... ........ _......,_ ..... ... -. .,...- .. , ............. ..,.... .... -.... =-~~:=-.:z:~.:t.=.=.~::::..,., .. =~=:..r::.":.·=:.::=..-or.::-~~':.::::=~ ___,_..,...._ .... ,...._ .. ,....., .. ...tlof .. _
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communication.sbs.ohio-state.edu/sense-making/
Metodologia com ênfase em comunicação. Evita polarizações como aquelas entre atividades humanas e ciências exatas.
PESQUISA FAPESP · MAIO DE 2001 • 13
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
2 r-~~----------~
5
COMEMORAÇÃO
CNPq:SO anos e A •
deC1enc1a esmo com um bom exercício de ficção seria difícil imaginar, atualmente, o quadro da produção científica e tecnológica no Brasil sem a ação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
A agência de fomento, que em abril comemorou 50 anos, foi responsável pela sistematização do apoio à pesquisa científica e tecnológica no país, que permitiu ao Brasil se incluir no seleto grupo das 18 nações que detêm mais de 1 o/o da produção científica mundial, por volume de publicações. E, se a história do CNPq é feita de altos e baixos no que diz respeito ao repasse de verbas para pesquisa, também é marcada pelo diálogo constante com a comunidade científica e pela formação de um sólido sistema de avaliação pelos pares, elementos básicos para a
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manutenção da autonomia e da independência política da pesquisa.
"A criação do CNPq é um marco fundamental na história da ciência no Brasil", diz José Galizia Tundisi, presidente do Instituto Internacional de Ecologia, que presidiu o CNPq de 1995 a 1998. "Foi um movimento estratégico de grande envergadura." O Brasil estava afinado com o que acontecia no mundo: sua constituição ocorreu apenas um ano após a estruturação da National Science Foundation (NSF), organismo que, nos Estados Unidos, exerce um papel muito semelhante ao seu. Na Europa, é contemporânea da consolidação prática de três orga-nismos de financiamento à ciência no Centre National de la Recherche Scientifique ( CNRF) e das primeiras dis-cussões em torno da criação de um ministério da ciên-cia na Grã-Bretanha.
A fundação do CNPq representou um grande incentivo às ciências básicas, na época muito pouco evoluídas, diz Roberto Santos, professor titular aposentado da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que presidiu o órgão no biênio 1985-1986, depois de governar a Bahia, entre 197 4 e 1978. Lindolpho de Carva-lho Dias, que esteve à frente da entidade entre 1993 a 1995, aponta sua relevância para a instituição da pesquisa em período integral no país. "O CNPq induziu o nascimento do sistema de pós-graduação no Brasil", complementa Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente da FAPESP.
Apoio sistemático - A comemoração do 50~ aniversário reuniu, em 17 de abril, o presidente Fernando Henrique Cardoso, ministros, parlamentares e pesquisadores de todo o país no Teatro Nacional, em Brasília. Eles tinham o que festejar, mas para alcançar o sucesso de hoje foi percorrida uma longa estrada.
Em meados do século passado, a ciência e a tecnologia no país ressentiam-se da falta de qualquer tipo de apoio sistemático antes da fundação do CNPq. "Salvo por alguns investimentos federais e estaduais em áreas como a saúde pública e o saneamento básico, por algumas bolsas concedidas pela Fundação Rockfeller e iniciativas de uma ou outra empresa privada, simplesmente não havia recursos para a ciência e tecnologia", comenta o historiador Shozo Motoyama, diretor do Centro de História da Ciência da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ele, os poucos institutos de pesquisa então
Selo comemorativo do cinqüentenário do CNPq.
existentes freqüentemente se viam obrigados a se orientar pelo utilitarismo e pelo imediatismo. A falta de incentivo comprometia o desenvolvimento das pesquisas, principalmente em São Paulo, que já contava com uma universidade do porte da USP, desde 1934, aliás, uma das primeiras iniciativas com visão de longo prazo para a C&T no Brasil. Exemplo disso é que, na década de 40, o Instituto Butantan quase foi transformado em fábrica de soros e vacinas pelo governo estadual, conta Motoyama. "É possível que o número de pesquisadores no Brasil não passasse de uma centena em 1951", diz Motoyama. "Hoje, gira em torno de 70 mil."
A criação de uma agência de fomento era uma aspiração que os cientistas reunidos na Associação Brasileira de Ciência (ABC) nutriam desde 1919. Nessa época, por falta de recursos, eles ficaram de fora da primeira reunião do International Research Council (Conselho Internacional de Pesquisa). O CNPq nasceu com o nome de Conselho Nacional de Pesquisa, em 15 de janeiro de 1951, em grande parte recompensando os esforços do almirante Álvaro Alberto da Motta e Silva, que em 1946 encaminhou proposta formal ao presidente Eurico Gaspar Dutra. A criação de um organismo
nacional de fomento ocorreu pouco tempo depois das primeiras iniciativas para a criação da FAPESP, prevista na Constituição Estadual Paulista de 1947, finalmente levada a cabo em 1962. Transcorridos alguns meses da fundação do CNPq, se-
~ ria criada a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), também uma agência bem-sucedida.
Bombas e sonares - Tanto no Brasil como no exterior, a intensificação da participação governamental no apoio à C&T se explica pe-
la importância estratégica que a ciência ganhou no contexto da II Guerra Mundial, que teve sua expressão mais dramática com a explosão das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki. Nos EUA, lembra Donald E. Stokes em Pasteur's Quadrant (Brookings Institution Press, 1997), a comunidade científica, que até então preferira não estreitar laços com o governo para proteger sua autonomia, engajou-se fortemente em programas patrocinados pelas autoridades governamentais. "No Brasil, também houve mobilização dos cientistas no esforço de guerra. Um exemplo disso foi a fabricação, por engenharia reversa, de
PESQUISA FAPESP · MAIO DE 2001 • 15
Em 1952, o Instituto de Pesquisas da Amazônia
(lnpa) incorpora o Museu paraense Emmo Goeldi
um sonar para a detecção de submarinos alemães", conta Motoyama. "Nesse cenário, argumentos em favor da fundação de um conselho científico com base na segurança nacional encontraram menos oposição política", explica o historiador.
"O CNPq surgiu da articulação de várias correntes que, se não eram convergentes, certamente também não eram conflitantes", analisa Evando Mirra, presidente do CNPq, destacando a excepcional formação científica dos militares que, com Álvaro Alberto, trabalharam para a constituição do órgão. Muitos desses homens figuravam, ao lado de cientistas de destaque como os físicos César Lattes e Joaquim da Costa Ribeiro, na lista de associados da ABC. A trajetória intelectual de Álvaro Alberto é realmente exemplar. Formado em engenharia pela antiga Escola Politécnica, o almirante revelou interesse pela investigação científica desde muito cedo e, em 1921, ingressou na associação. Integrou a comitiva que recepcionou Albert Einstein, quando o físico alemão esteve no Brasil, em 1925, e cinco anos depois publicaria um artigo sobre a teoria da relatividade na Revista da
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Academia Brasileira de Ciência. Em 1935, traria ao país Enrico Fermi, que conduziu as primeiras experiências de desintegração do átomo.
erminação de Álvaro berto de estruturar no aís um conselho nacional de pesquisa fortaleceu-se nas discussões
da comissão de Energia Atômica da ONU, onde o almirante represent'Ou o Brasil. Diante da Comissão, ele defendeu a tese, não aceita, das compensações específicas, propondo que os países detentores de matériasprimas atômicas, como o tório brasileiro, tivessem direito de acesso à tecnologia nuclear para fins pacíficos. "Na época, eram grandes as expectativas de que a energia nuclear substituísse o carvão e o petróleo", lembra Motoyama. Foi também nesse foro que Álvaro Alberto se opôs ao Plano Baruch, que, apresentado pelos EUA, manteria sob o controle daquele país os recursos minerais radioativos do bloco ocidental.
Outro fator que contribuiu para a formação do CNPq, observa Evando Mirra, foi um sensível aumento de interesse do público pela
ciência e seu desenvolvimento no país. Num momento em que a energia nuclear representava a quintessência da modernidade, a participação de César Lattes na descoberta do méson pi, que valeu ao britânico Cecil Powell o Prêmio Nobel de Física em 1950, também recebeu ampla cobertura da imprensa. "O evento ganhou, na época, quase tanto destaque quanto o Projeto Genoma tem hoje em dia", compara o presidente do CNPq. Ele também chama a atenção para o fato de que, em um país eminentemente agrário, com apenas um terço da população concentrada nas cidades, a comissão que redigiu o anteprojeto do CNPq já contava com representantes do setor empresarial.
Na gestão de Álvaro Alberto, que se estendeu até 1955, o CNPq, além dos investimentos na formação de recursos humanos, por meio da concessão de bolsas e auxílios, foram criados os primeiros institutos ligados ao órgão. Em 1956, a estruturação da Comissão Nacional de Energia Nuclear fez com que o CNPq deixasse de coordenar as atividades diretamente ligadas à pesquisa nuclear e perdesse uma boa parte de seu orçamento. A •
Leque de apoio vai das pesquisas sobre astronomia aos experimentos do
Laboratório Nacional de Luz Síncrotron
escassez de recursos resultou numa diáspora de cientistas, em busca de melhores condições de trabalho e de remuneração no exterior. Essa situação começou a se reverter em 1967, quando o governo militar promoveu a chamada Operação Retorno, com o objetivo de atrair pesquisadores de volta ao Brasil- mas, já em dezembro do ano seguinte, com o Al-5, o regime, contraditoriamente, provocava a demissão e a aposentadoria compulsória de muitos pesquisadores.
Em 1974, novas mudanças. O CNPq deixou de ser uma autarquia para se transformar em fundação, o que garantiu maior agilidade em suas decisões, e desvinculou-se da Presidência da República para subordinarse à Secretaria do Planejamento. "A mudança, que implicou a transferência física do CNPq para Brasília, também propiciou a estruturação de um sistema de avaliação': conta Mirra.
No final da ditadura, as verbas para C&T voltariam a escassear, recuperando-se sensivelmente depois do restabelecimento do regime democrático no país. Data de 1985, aliás, a constituição do Ministério de Ciência e Tecnologia, que, comandado por Renato Ascher, incorpora imediata-
mente o CNPq. "Na época, o CNPq estabeleceu prioridade para áreas como a genética, que já era forte no Brasil, novos materiais e microeletrônica", lembra Roberto Santos.
No período imediatamente posterior, sob a presidência de Crodowaldo Pavan (1986-1990), o órgão inves
tiu pesado na formação de pesquisadores, aumentando o valor dos auxílios. Nesse período, também criou o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron - o único do gênero na América Latina -, apostou na divulgação científica e implantou, em São Paulo, a Estação Ciência, que anos depois passaria a ser administrada pela USP.
No governo de Fernando Collor, conturbado econômica e politicamente, as verbas voltaram a escassear. "Em uma reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, realizada logo depois de eu assumir a presidência do CNPq, declarei em tom de brincadeira que ia pedir concordata", conta Lindolpho de Carvalho Dias. De fato, a entidade e a comunidade científica tiveram que
negociar a reavaliação e a reestruturação de alguns programas e, conseqüentemente, o pagamento parcial de auxílios em atraso.
Poder de influência - No período de 1995 a 1998, sob a presidência de José Galizia Tundisi, o CNPq implantou projetas importantes como a Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá, que integra as áreas de ambiente, ciências sociais e o manejo dos recursos naturais, e o Soar (com participação da FAPESP), com influência decisiva sobre a inserção do Brasil na pesquisa astronômica internacional. Outro marco da época é o lançamento da Sociedade para a Promoção e Excelência do Software Brasileiro, com o objetivo de apoiar a inovação e o desenvolvimento científico e tecnológico do software nacional e incentivar sua consolidação como produto de exportação.
Atualmente, o CNPq tem mantido a concessão de bolsas em níveis relativamente altos. No ano passado, distribuiu 43 mil bolsas. Em toda a sua história, foram concedidas um total de 653 mil bolsas. O órgão prevê um volume maior para
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Apoio a institutos de pesquisas O CNPq investiu na estrutu
ração da pesquisa por meio da criação de quatro organismos especializados. Em 1952, surgiram o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), o Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que incorporou o Museu paraense Emílio Goeldi. Em 1954, foi implantado o Instituto de Bibliografia e Documentação (IBBD), que mais tarde se transformaria no Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia. Em 1957, o CNPq fundou o Instituto de Pesquisas Rodoviárias, que em 1972 passaria a responder ao Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER).
Outubro de 1999: lançamento do
satélite CBERS-1
Embrião do Instituto Nacional de Pesqui-sas Espaciais (Inpe), o Grupo da Comissão Nacional de Atividades Espaciais ( Gocnae) surgiu em 1961. Depois da criação do Inpe, foram implantados, até meados da década de 70, projetos como o Mesa, para recepção e interpretação de imagens de satélites meteorológicos; o Sere para levantamento de recursos terrestres a partir de técnicas de sensoriamento remoto por satélites e aeronaves; e o Saci, para aplicação de um satélite de comunicações geoestacionário com vista a ampliar o sistema educacional do país.
Nos anos 80, o Inpe desenvolve a Missão Espacial Completa Brasileira (MECB), que apresenta resultados na década de 90
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com a colocação em órbita de dois satélites brasileiros - o SCD-1, em 1993, e o SCD-2, em 1998. Também foi lançado o satélite CBERS-1 em 1999, em cooperação com a China.
Ao longo de sua trajetória, o CNPq também investiu na instalação de institutos de pesquisa como o Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), em 1980, e o Museu
de Astronomia e Ciência Afins (Mast), em 1985. Também colocou sob sua esfera importantes organismos de pesquisa como o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, fundado em 1949, e o Observatório Nacional, em atividade desde 1827.
O Inpa foi criado em 1952. Nasceu em resposta a uma proposta da Unesco com vista à estruturação de um instituto internacional da hiléia amazônica, que encontrou resistências de caráter nacionalista no Brasil. O instituto mantém convênios para a cooperação bilateral com vários países e coordena projetos importantes, como o Programa de Preservação das Florestas Tropicais.
2002, resultado de um aporte de recursos significativamente mais elevado, promovido pelas contribuições de novos fundos setoriais. Evando Mirra admite que a expansão da concessão de bolsas já há algum tempo impacta de modo negativo o orçamento das atividades de fomento, mas há quem atribua ao CNPq uma capacidade de fomentar a pesquisa que extrapola a questão meramente orçamentária. "O CNPq é uma grife e, como tal, pode gerar e incentivar projetos até sem recursos", opina Tundisi. Cro
dowaldo Pavan concorda: "O poder de influência do CNPq é enorme". Na opinião de Mirra, em um quadro de relações mais complexo como o que se delineou de 10, 15 anos para cá, a função fomentadora também pode ser exercida por meio de convênios e parcerias.
Um exemplo dos resultados desse tipo de atuação compartilhada foi a criação de um núcleo de de-
senvolvimento científico e tecnológico na região da Usina Hidrelétrica de Xingó, no Rio São Francisco. O Projeto Xingó é resultado da articulação de esforços entre o CNPq, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), o Serviço Brasileiro de Apoio à Pequena e Média Empresa (Sebrae) e o Programa Comunidade Solidária. O projeto envolve cinco universidades estaduais e federais nos Estados que formam a região, onde são registrados graves problemas de desertificação e salinização do solo, além de centros como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) -que teve origem no CNPq - e a Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa) - que foi incubada pelo órgão. "O Projeto Xingó aproveita a pequena estrutu-
ra urbana montada para a construção da usina e também impacta positivamente as condições de vida da população local, promovendo o desenvolvimento sustentável."
Políticas integradas - Outra estratégia que vem sendo implementada pelo CNPq é a de aproximação das fundações de amparo à pesquisa estaduais. "Políticas integradas estaduais e regionais devem ajudar as administrações atual e futuras", diz Tundisi. Brito Cruz, da FAPESP, revela que a Fundação já está discutindo com o CNPq a
vo promover a modernização dos negócios agrícolas. "Outro projeto especialmente relevante é o Softex, para a exportação de software desenvolvido no Brasil", comenta Mirra. Para o diagnóstico de necessidades de desenvolvimento localizadas, diz ele, um dos instrumentos é o Programa de Tecnologias Apropriadas, com os governos estaduais, outra estratégia importante com implementação atualmente em curso.
Se a pequena empresa por vezes precisa de recursos governamentais
excelente oportunidade para o direcionamento das verbas tradicionalmente destinadas ao CNPq à pesquisa básica.
Embora os fundos tendam a atender objetivos de caráter utilitário e, assim, concentrar-se mais no desenvolvimento tecnológico, o presidente do CNPq acredita que os novos projetas que serão financiados com esses recursos podem envolver a aquisição de conhecimentos fundamentais. "Há toda uma gama de problemas matemáti-
ampliação de suas parcerias, entre as quais se destacam, por sua envergadura, o Projeto Genoma Brasileiro e o Projeto Soar. Na visão de Denis Rosenfield, professor titular do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), vice-presidente do CNPq em 1999, associações desse tipo promovem a disseminação do conhecimento em termos regionais. "Esse modelo de parceria, que parte de projetas já estruturados nos Estados, possibilita a transferência dos avanços acumulados em centros alta-
Santos: prioridade para genética e microeletrônica
Pavan: aposta na divulgação científica
Mirra: tantos fundos quanto for possível
mente capacitados", avalia. O CNPq também vem estreitan
do relações com a iniciativa privada, na maior parte dos casos, em associação com a Financiadora de Estudos e Projetas (Finep). "O incentivo ao desenvolvimento de novas tecnologias nas pequenas e médias empresas, que no mais das vezes as assimilam mais rapidamente, é fundamental", observa Roberto Santos.
Ao longo de sua história, o CNPq sempre esteve atrás de projetas estratégicos para o desenvolvimento da ciência e tecnologia no país, como, por exemplo, a produção de insulina, no âmbito da Biobrás, além de diversos programas na área de biotecnologia que tinham como objeti-
para desenvolver tecnologias, grandes corporações começam, agora, a contribuir com a ciência e tecnologia por meio dos fundos setoriais. Evando Mirra afirma que as verbas geradas pelo Fundo do Petróleo já entraram no orçamento no ano passado. Por lei, 20% dos recursos dos fundos serão destinados ao CNPq, para financiar, entre outros pontos, a gestão de pessoal. Lindolpho de Carvalho Dias saúda a iniciativa. "A participação do setor privado no apoio à pesquisa, que chega a quase 70% nos Estados Unidos e a 50% na Alemanha, é de apenas 10% no Brasil", diz ele.
O presidente da FAPESP vê na criação dos fundos setoriais uma
cos ligados, por exemplo, à dinâmica de fluidos como o petróleo", comenta Brito Cruz. Ele se mostra particularmente entusiasmado com a recente regulamentação do Fundo de Infra-Estrutura, que aplicará R$ 150 milhões na recuperação e ampliação de laboratórios e equipamentos de centros de pesquisa e com a perspectiva da regulamentação dos fundos de telecomunicações e informática. A implantação do fundo está prevista para o segundo semestre. "A idéia é criar tantos fundos quanto for possível", diz Evando Mirra. "No contexto da sociedade da informação, agências com o papel do CNPq são cada vez mais essenciais", reflete. •
PESQUISA FAPESP · MAIODE2001 19
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
INAUGURAÇÃO
Um passo à frente Unesp cria o primeiro banco para estocar e distribuir genes de bactérias e cana-de-açúcar
Cidade do nordeste paulista cercada de canaviais, Jaboti
cabal guarda segredos valiosos numa sala climatizada do campus da Universidade Estadual Paulista (Unesp ), em gavetas de grandes freezers, a 86 graus Celsius negativos. Invisíveis a olho nu, esses segredos ficam em cilindros amarelados com menos de 2 milímetros de diâmetro, guardados em caixinhas de acrílico.
outra, porque antes da instalação do centro os dados estavam na memória dos computadores, mas os clones contendo os genes estavam dispersos em vários laboratórios", diz o professor Jesus Aparecido Ferro, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp, um dos coordenadores do centro.
"Essas bactérias", prossegue o pesquisador, "contendo esses genes de outro organismo, multiplicam-se em grande quantidade, cada bactéria filha carregando também o gene exógeno. Assim, não só servem de hospedeiras, mas também para aumentar o número de cópias dos genes, de modo que eles possam ser distribuídos sem perda do clone original".
Clonagem e estocagem são feitas numa área de 300 metros quadrados, com três salas. Na primeira, fica o principal equipamento: um robô que custou US$ 252 mil e faz a ma-
O material interessa a cientistas do mundo todo e atrai a curiosidade dos usineiros da vizinhança. São clones dos genes seqüenciados da cana -de-açúcar ( Saccharum officinarum) e de quatro bactérias causadoras de pragas agrícolas (fitopatogênicas) : Leifsonia xyli, que provoca o raquitismo da cana; Xylella fastidiosa, responsável pelo amarelinho dos laranjais ou clorose variegada dos citrus; Xanthomonas citri, causadora do cancro cítrico; e Xanthomonas campestris, que ataca algumas verduras. Esse é o acervo do Brazilian Clone Collection Center (BCCCenter), centro de estocagem ali inaugurado em abril último com investimento de US$ 600 mil.
Placas guardadas em grandes refrigeradores: o trabalho pesado fica a cargo do robô
Bactérias hospedeiras - Criado nos moldes do American Type Culture Collection (ATCC) e do Image Consortium, dos Estados Unidos, o BCCCenter confirma a posição brasileira na elite da biotecnologia. "Corríamos o risco de ver todo o trabalho realizado nos últimos quatro anos se perder de uma hora para
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Com capacidade para 1.612.800 clones, o BCCCenter já guarda em oito freezers um total de 65 mil genes, dos quais 40 mil da cana-deaçúcar. É o maior banco de genes da cana no mundo.
Para obter todos esses genes únicos, foi necessário produzir 300 mil clones da cana e outros 200 mil das bactérias fitopatogênicas. "Os genes seqüenciados da planta ou das bactérias", relata Ferro, "são clonados em um segmento de DNA (ácido desoxirribonucléico, portador do código genético) circular chamado de vetor, que é então introduzido em linhagens da bactéria Escherichia coli."
nipulação do material. Ele trabalha por meio de um braço mecânico de pouco mais de 1 metro, instalado numa caixa de vidro de 2 metros quadrados. Dotado de câmara de vídeo, o robô seleciona digitalmente as colônias que contêm os genes: coleta o material e consegue dispor 27 mil genes em duplicata numa membrana de náilon quadrada- 22,5 por 22,5 centímetros -, o chamado chip de DNA. A vantagem do robô é a capacidade de escolher e pinçar 30 colônias de bactérias por minuto, com as agulhas situadas na ponta do braço. Assim, elimina o risco de erro humano e acelera o processo em mais de 100 vezes.
A partir do trabalho do robô, as amostras são organizadas em microplacas, cada uma comportando 384 genes, guardadas nos freezers para que as bactérias conservem seu material genético."Apenas num lugar como este temos o acompanhamento da evolução da multiplicação dessas bactérias e de cada processo da fase de clonagem", comenta o professor Paulo Arruda, da Universidade Estadual de
Campinas (Unicarnp ), coordenador do projeto de seqüenciamento da cana.
Além de estocar, o centro comercializará genes para institutos de pesquisa e empresas. "Para ter acesso aos clones", explica Ferro, "deve-se assinar um Termo de Transferência de Material Biológico, com o compromisso de utilizar o gene ou os genes apenas com a finalidade de pesquisa, e de não repassá-los para outro pesquisador. Para o setor privado,
O PROJETO
Laboratório de Estocagem e Distribuição de Clones do Projeto do Genoma da Cana-de-Açúcar
MODALIDADE
Subprojeto do Genoma Cana
COORDENADOR
JESUS APARECIDO FERRO- Unesp de Jaboticabal
INVESTIMENTO
R$ 435.411,47 e US$ 467.553,59
haverá uma negociação à parte, com a participação de um comitê designado pela FAPESP." A solicitação pode ser feita via Internet e o pagamento por cartão de crédito.
O preço varia. As empresas privadas devem pagar de US$ 30 a US$ 100 por clone- o banco norte-americano cobra de US$ 32 a US$ 1SO. Os 60 laboratórios da rede brasileira Onsa (Organização para Seqüencia-
Ferro e o robô: BCC visto como embrião
de pólo industrial comparável ao ITA
menta e Análise de Nucleotídeos), criada pela FAPESP, vinham tendo acesso gratuito aos materiais solicitados. "Pelo menos SOO clones da cana e outros SOO de bactérias já foram distribuídos para integrantes da rede Onsa, que geraram esses clones", informa Ferro. "A partir de agora, esses grupos deverão cobrir o custo de mantenção e distribuição dos clones solicitados, que deverá ser de US$ S por clone. Para outros grupos o custo deverá ser maior, mas ainda abaixo do que será estabelecido para o setor privado."
Auto-suficiente - Como a propriedade intelectual é da FAPESP, a receita fica no próprio centro, que deve tornar-se auto-suficiente em três anos,
com orçamento anual em torno de R$ 200 mil. Além dos clones, serão vendidos os chips de DNA, membranas de alta densidade com todos ou quase todos os genes de um organismo: no caso, cana-de-açúcar ou bactéria fitopatogênica. Ferro revela que uma multinacional já demonstrou interesse nos genes da cana e negocia a compra deles com a FAPESP. Pesquisadores da Austrália estão interessados em adquirir membranas de alta densidade contendo os genes da cana. Nos Estados Unidos, o chip de DNA custa cerca de US$ 2 mil e a expectativa é que esse preço também caia no Brasil.
Interesse industrial- O centro guarda ainda uma cópia de operon - trecho do genoma que controla a expressão de um conjunto de genes em bac
térias: é de uma bactéria Xylella que produz uma goma semelhante à xantana, espessante de alimentos e remédios e lubrificante de broca para exploração de petróleo. A pedido da equipe do Genoma Xylella, o centro enviou um clone desse operon a uma empresa norte-americana que é grande produtora da goma xan-tana. A empresa testa o ope
ron com a bactéria Xanthomonas campestri, a mais usada para produzir essa goma, enquanto a equipe brasileira recebeu as linhagens das bactérias e deve fazer os mesmos experimentos, para avaliar se as propriedades do operon e da goma resultante são de interesse industrial.
"Quanto mais indústrias quiserem testar, melhor para nós", diz Arruda. A parceria é viável porque o grupo paulista já patenteou o operon nos Estados Unidos. "Se sair negócio, estamos garantidos." Segundo ele, os testes devem terminar até o final do ano e, se positivos, podem fazer a cooperação evoluir para um acordo comercial.
Falta satisfazer a curiosidade do usineiro vizinho. O BCCCenter é a
PESQUISA FAPESP · MAIODE2001 • 21
segunda parte de um projeto que começou com o seqüenciamento da cana-de-açúcar e da bactéria do amarelinho, praga que causa prejuízos anuais de R$ 110 milhões à citricultura paulista. Desde 1997, os projetas de seqüenciamento da cana e de bactérias de interesse agrícola consumiram cerca de R$ 40 milhões, que a FAPESP financiou em parceria com instituições privadas, como o Centro de Tecnologia da Copersucar (CTC) e o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus).
Genomas e aviões - O interesse dos parceiros por genomas é o mesmo: busca de melhorias para aumentar a produtividade agrícola com novas variedades de plantas, bem como reduzir custos do combate a pragas e doenças. "A partir da identificação do DNA da planta, podemos saber exatamente quais genes estão envolvidos na síntese da sacarose da cana, quais são responsáveis pelo crescimento, quais conferem resistência a pragas e à seca, entre outros tantos", diz Ferro. "Por isso mesmo, temos de ter cuidado e saber exatamente nas mãos de quem esses genes estão indo parar." Com os dados em mãos, institutos de pesquisa ou empresas poderão desenvolver variedades, para que afinal o usineiro vizinho possa beneficiar-se.
''Assim como a instalação do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) em São José dos Campos foi fundamental para a criação da Embraer, hoje uma das maiores fabricantes de aviões do mundo, o centro é testemunha da competência que deverá propiciar as condições para um maior vigor da indústria da biotecnologia agrícola': disse José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP, na inauguração do BCCCenter. Os investimentos prosseguem: em 2001 o projeto Genoma receberá mais R$ 30 milhões. Entre as novas pesquisas, está o seqüenciamento da bactéria Schistossoma mansoni, que causa a esquistossomose, e estuda-se o seqüenciamento do eucalipto. •
22 • MAIO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
IMPRENSA
Trabalho reconhecido Joma/The NewYorkTimes destaca a qualidade
começaram a investir': Rohter cita como exemplo a clonagem da bezerra Vitória, em março deste ano, um trabalho importante da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), e os programas aeronáuticos que levaram à formação da Embraer, a quarta maior produtora de aviões no mundo. (Veja a reportagem completa em português em http://watson.fapesp. br!imprensa/24brasil. htm).
da pesquisa feita no Brasil
Os pesquisadores brasileiros tiveram uma satisfação rara no
dia 1 o de maio. O caderno de Ciência de The New York Times, o jornal de maior prestígio e influência em todo o mundo, tinha estampada em sua capa um artigo do correspondente Larry Rohter louvando a
Além de The New York Times, uma outra publicação internacional se interessou pela ciência brasileira. A
ciência feita no Brasil. Na reportagem, o jorna-lista afirma que a FA-PESP criou um modelo de pesquisa para os países em desenvolvimento e o Brasil tem, pelo menos em genômica, um eficiente sistema de apoio à investigação científica voltado para as necessidades do país.
"Os brasileiros estão fazendo ciência da melhor qualidade, comparável aos melhores trabalhos dos maiores centros de seqüenciamento nos Estados Unidos e na Europa", disse ao jornal Claire Fraser, presidente do Instituto de Pesquisa
Science Times
Brazil Bounding Forward As Genomics Powerhouse
By LARRY ROHTER
SÃO PAULO, Brazil - lt has no laboratories or research teams of its own, only a modest administrative staff working out of a nondescript bullding in a residential neighborhood he{t!. But through canny management and careful choices, tbe Research Support Foundation o! the State o! São Paulo is rapldly becoming a powerhouse in genomlcs and a model for scientific investigation in the thlrd world.
Last July, a BraziUan consortium organized and financed by the foundation became the first anywhere to decode the genome of a plant pathogen, Xylella fastidiosa, an insectbome bacterium that infests oranges. A few months later, the foundation, known as Fapesp, announced that the consortium had completed
the genetic sequence of a second pest that plagues thls country's thriving fruit export tndustry, Xanthomonas citri, ar citrus canker.
"From the moment we began, our objective has always been the sarne: to work on the frontiers of science while addressing lssues of social ana economic relevance," Dr. José Fer· nando Pérez, the foundation's ~tentifíc director, said in an interview here. "The genome project has served that purpose and created an image of leadership for us.''
Indeed, Fapesp's twin successes have not only established its intematlonal reputation but also led to lmportant collaborations, including one wlth a gnoup that is sequenclng human cancer genes, financed in part by the Ludwig Institute in Switzerland. ln another unusual tumabout, the United States Departmeitt
Continued on Page 2
Genômica em Rockville (TIGR), nos EUA. Rohter lembra que a revista Nature já havia chamado as realizações na área de genômica como "uma conquista não só científica como política".
Agricultura[ Research (edição de abril), revista de divulgação científica do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, trouxe artigo com o título Criando uma Rede Global para a Ciência Agrícola. A publicação salienta o acordo entre a FAPESP e o Agricultura! Research Service para os brasileiros seqüenciarem uma cepa da bactéria Xylella fastidiosa que ataca as videiras da Califórnia. •
O Times afirma que o sucesso da FAPESP "é apenas um dos vários sinais de avanço da pesquisa brasileira, na qual tanto o Ministério da Ciência e Tecnologia como o setor privado
POLÍTICll. CIENTÍf'ICll. E TECNOLÓGICll.
O HIV-1: principal causador da AIOS Hantavírus: transmitido por roedores
INVESTIMENTO
Rede de investigação Laboratórios selecionados receberão US$ 8 milhões para seqüenciar quatro vírus
ARede de Diversidade Genética de Vírus (VGDN, sigla em in
glês para Virai Genetic Diversity Network) está formada. Sua configuração inicial vai contar com 18 laboratórios, dez situados na região metropolitana de São Paulo e oito em cidades do interior (veja quadro abaixo). Esses labora-tórios foram seleciona-
dos coordenadores da VGDN. Os laboratórios vão se incumbir da tarefa de seqüenciar o DNA de amostras de quatro vírus presentes no Estado: HIV-1, principal causador da Aids; HCV, agente transmissor da hepatite C; Hantavírus, responsável por uma misteriosa e rara síndrome pulmonar; e o vírus respiratório sincicial, VRS, que provoca infecções no trato respiratório, principalmente em crianças. O investimento na formação e funcionamento da rede é de US$ 8 milhões, distribuídos ao longo de três anos.
OS LABORATÓRIOS DA VGDN
Política de prevenção- Qual a importância desse trabalho? Sem o mapeamento do código genético de uma quantidade significativa dos vírus que circulam- e infectam- a população de um determinado lugar, é impossível estabelecer as variedades dominantes dos agentes patológicos nesse local. Conhecer as cepas mais comuns dos vírus presentes no Estado permitirá a formulação de uma melhor política epidemiológica de prevenção e tratamento das doenças, além de gerar importante conhecimento para a pesquisa científica. Ao capacitar laboratórios de várias cidades de São Paulo a lidar com vírus, a VGDN persegue ainda o objetivo de dotar o Estado de um conjunto de laboratórios que, no futuro, poderão ser utilizados de forma permanente e corriqueira pela Secretaria de Estado da Saúde.
Três níveis- De acordo com o grau de competência e condições de segurança no manuseio de vírus demonstrados no momento de sua inscrição, os 18 laboratórios escolhidos foram divididos em três níveis. No L1, o mais básico, foram selecionadas 12 instituições, que inicialmente estão aptas a trabalhar apenas com os vírus HIV-1 e HCV. No L2, foram agrupados cinco laboratórios, que
estão em condições de lidar com esse dois agentes
dos entre as 35 propostas apresentadas à FAPESP, financiadora do projeto, que abriu em dezembro passado edital convocando instituições interessadas em participar da iniciativa. "Conseguimos atrair para a rede centros de pesquisa das principais regiões do Estado. Talvez a única região importante que ficou de fora foi Santos", diz Eduardo Massad, da Faculdade de Medicina da USP, um
NIVELL1
Alberto José da Silva Duarte
Osvaldo Augusto Brazil Esteves Sant' Anna Instituto Butantan
patológicos mais o VRS. Apenas um centro alcançou o estágio mais avança-Faculdade de Medicina da USP
David Jamal Hadad Secretaria de Estado da Saúde
tdimo Garcia de Lima Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto
Fábio Caldas de Mesquita Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo
Fernando Lopes Gonçales Junior Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp
Fia ir José Carrilho Faculdade de Medicina da USP
José Fernando Garcia Medicina Veterinária da Unesp/Araçatuba
José Luiz Caldas Wolff Universidade de Mogi das Cruzes
Leonardo José Richtzenhain Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP
Maria Ines de Moura Campos Pardini Faculdade de Medicina da Unesp/Botucatu
SangWon Han Unifesp
NIVEL L2
Cláudio Sérgio Pannuti Faculdade de Medicina da USP
Eurico de Arruda Neto Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP
João Manuel Grisi Candeias Instituto de Biociências da Unesp/Botucatu
Mirthes Ueda Instituto Adolfo Lutz
Paula Rahai/Eioiza Helena Tajara da Silva Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Unesp/São José do Rio Preto
NIVEL L3
Benedito Antônio Lopes da Fonseca/ Luiz Tadeu Moraes Figueiredo Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP
do do projeto, o L3, estando, portanto, capacitado a fazer análises laborato-riais com os quatro vírus. "Como já prevíamos, a rede começa com uma configuração heterogê-nea. Nossa meta é ir, aos poucos, aprimorando o desempenho das unidades que estão na base da VGDN. Em 2002, queremos que todos os labora-tórios estejam no nível L2", diz Eduardo Massad. •
PESQUISA FAPESP · MAIO DE 2001 23
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
INFRA-ESTRUTURA
Pesquisa em crescimento Governo federal cria redes regionais para mapear bactérias e fungos
O governo federal vai investir R$ 26 milhões na instalação de
Redes Regionais do Projeto Genoma Brasileiro. Anunciado em 25 de abril, o programa reúne sete projetas de seqüenciamento de códigos genéticos de microrganismos causadores de doenças, como o mal de Chagas, e de bactérias e fungos, responsáveis por pragas como a vassoura-de-bruxa, que afeta a produção de cacau, na Bahia.
Os projetas serão desenvolvidos por 240 pesquisadores das regiões Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste, integrando laboratórios de biologia molecular de universidades e institutos de pesquisas. Metade dos recursos para o programa será bancado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia e o investimento restante será dividido entre os governos estaduais, universidades e a iniciativa privada. "O programa está dentro da perspectiva de ação do Ministério de Ciência e Tecnologia, de expandir o conhecimento e, na área de biotecnologia, foi escolhida a genômica", diz Ana Lúcia Assad, coordenadora-geral de Biotecnologia da Secretaria de Políticas e Programas do MCT. Os convênios firmados entre o ministério e cada um dos sete grupos de pesquisa terão duração de quatro anos.
O programa tem objetivos semelhantes aos do Projeto Genoma Funcional, coordenado pela FA-
24 · MAIO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
PESP, cuja meta é identificar genes responsáveis pela transmissão de doenças que têm forte impacto na área de saúde e no setor agrícola para, a partir daí, desenvolver novos medicamentos, indicar mecanismos de prevenção e oferecer alternativas para aumentar a produtividade na agricultura.
Com as Redes Regionais, o governo federal, na verdade, amplia o Programa Genoma Brasileiro, lan-
çado em dezembro do ano passado, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), baseado no trabalho articulado de 25 laboratórios de biologia molecular de todo o país para o seqüenciamento da bactéria Chromobacterium violaceum, encontrada principalmente no Rio Negro, na região Amazônica.
Projetos- Quatro grupos de trabalho desenvolverão projetas na área de sáude. A Rede Genoma do Estado de Minas Gerais fará o mapeamento genético do Schistosoma mansoni, parasita responsável por infecção como a esquistossomose, doença que atinge 200 milhões de pessoas em todo o mundo. As pesquisas serão coordenadas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).
O Programa Genoma do Nordeste (ProGeNe) ficará responsável pelo
seqüenciamento de Leishmania chagasi, uma das três espécies responsáveis pela leishmaniose visceral, que afeta países de clima quente e temperado. O projeto será coordenado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
O Projeto em Rede do CentroOeste, coordenado pela Universidade de Brasília (UnB), fará o estudo funcional e diferencial do Paracoccidioides brasiliensis, fungo causador da micose endêmica, conhecida como paracoccidioidomicose, comum na América Latina.
No Paraná, as pesquisas serão desenvolvidas por meio de um consórcio coordenado pelo Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP),
N Fundação Oswaldo Cruz ii'
~ (Fiocruz) e Universi-~ dade de Mogi das Cru-
zes, de São Paulo. O objetivo é desenvolver a genômica funcional do Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas, por meio da seleção de novos genes e análise de novos alvos
quimioterápicos. Três grupos de trabalho desen
volverão pesquisas voltadas para o setor agrícola. A Rede Genômica do Estado da Bahia vai seqüenciar o genoma do fungo Crinipellis perniciosa, causador da doença vassoura-debruxa. O projeto será coordenado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
O Programa de Implantação da Rede Genoma do Estado do Rio de Janeiro, coordenado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fará o mapeamento do genoma da bactéria Gluconacetobacter diazotrophicus, fixadora de nitrogênio.
O Programa Genoma do Estado do Paraná realizará o estudo do genoma estrutural e funcional da Herbaspirillum seropediae, bactéria fixadora de nitrogênio endofítica. O projeto será coordenado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) . •
POLÍTICA CIENTÍf'ICA E TECNOLÓGICA
Empresas de al ta tecnologia se instalam em área de patrimônio histórico
INFORMÁTICA
O novo Recife Antigo Pernambuco começa a investir R$ 33 milhões na construção do Porto Digital
Oprojeto do Porto Digital começa a sair do papel e mudar
o cenário do Recife Antigo, à beira do rio Capibaribe, bairro que deu origem à cidade, há 464 anos. Armazéns antigos e sobrados coloniais da zona portuária, no passado prostíbulos, estão sendo ocupados por empresas de informática e telecomunicações. Cerca de 250 delas deverão instalarse no bairro até 2005, movimentando R$ 400 milhões.
O projeto, lançado no ano passado, receberá do Estado de Pernambuco investimentos da ordem de R$ 33 milhões, obtidos com a privatização da Companhia Energética de Pernambuco (Celpe), a antiga estatal de energia elétrica. Desse total, R$ 23 milhões estão sendo aplicados na reurbanização do bairro. Outros R$ 1 O milhões financiarão empresas. O go-
vemo já depositou R$ 5 milhões no Fundo de Capital de Risco, que começará a operar em agosto e que deverá ter outros R$ 5 milhões de parceiros privados, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Financiadora de Estudos e Projetas (Finep ). Mais R$ 10 milhões alimentarão o Fundo de Capital Humano, destinado a formar recursos humanos e importar pesos pesados da informática para os quadros das empresas. "Não somos um pólo tecnológico comum, mas uma plataforma de negócios': explica Cláudio Marinho, secretário de Ciência e Tecnologia de Pernambuco, idealizador do projeto.
O setor de informática faturou R$ 300 milhões no ano passado, em Pernambuco, crescendo 8%. Somandose o setor de telecomunicações, o mercado total gira em torno de R$ 1,3 bilhão. Isso representa mais de 60% do PIB agropecuário, atividade econômica mais tradicional da região. O fôlego vem das universidades, criadoras de talentos. Oito delas for-
mam cerca de mil alunos em computação, todos os anos. Uma das mais conceituadas do País, o Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) tem 50 doutores e 300 alunos cursando pós-graduação. Até bem pouco tempo atrás, o destino dessa mão-de-obra eram empresas do Centro-Sul e até do exterior, como a sede da Microsoft nos Estados Unidos, freqüente recrutadora de profissionais pernambucanos. Criado há cinco anos, o Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife ( Cesar) inverteu o êxodo, ao identificar parceiros comerciais e desenvolver tecnologias capazes de configurar bons e lucrativos negócios.
Já maduro, atualmente com mais nove projetas prestes a chegar ao mercado, o Cesar é um dos propulsores do Porto Digital. Toda a sua estrutura administrativa e operacional está sendo transferida para um sobrado do século 19, no Recife Antigo. O atual prédio da Capitania dos Portos, da Marinha, será ocupado pelos laboratórios de pesquisa e pós-graduação do Centro de Informática da UFPE. O Softex, incubadora de 34 pequenas empresas de software voltadas para exportação, será transferido para as instalações de uma antiga indústria gráfica, ao custo de R$ 6 milhões. Os armazéns do Porto do Recife estão sendo adaptados para receber o Centro de Negócios e Tecnologia da Informação, uma espécie de shopping center digital com mais de 30 empresas.
A idéia é criar um espaço de convivência entre patrimônio histórico e tecnologia moderna. Cerca de R$ 19 milhões foram investidos, nos últimos anos, na revitalização do bairro e na urbanização da favela do Rato, que cresceu nas ruínas portuárias.
Em cinco anos, o número de pessoas que trabalham no bairro deverá aumentar de 11 mil para 16 mil, atraindo restaurantes, hotéis e outros serviços de apoio. Até o próximo ano, 100 empresas tecnológicas já deverão estar funcionando no Recife Antigo. •
PESQUISA FAPESP · MAIODE2001 • 25
CIÊNCIA
Perigo no posto de gasolina Sabia-se que a natureza do trabalho dos funcionários de postos de gasolina os expõe a todo momento a produtos tóxicos. Agora, um estudo recente mostrou que essa exposição é agravada pelo comportamento dos próprios frentistas. Trabalho de um grupo de biólogas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no Rio Grande do Sul, realizado com 30 fun- Frentista no trabalho: sem proteção
portamento dos funcionários acaba por expô-los ainda mais às substâncias nocivas", afirma. •
• Novo diagnóstico para câncer de boca
Os médicos costumam alertar para as manchas brancas que aparecem no interior da boca - podem ser um sinal de câncer. Mas, precisamente, quando? Um grupo de pesquisadores da Universidade
de Oslo - a maior e mais antiga instituição de ensino superior da Noruega, criada em 1811- descobriu como diagnosticar o câncer de boca, que afeta cerca de 300 mil pessoas no mundo, por meio da simples contagem do número de cromossomas das células dessas manchas, chamadas leucoplaquia e antes extraídas, por precaução. Se há 46 cromossomas, como na maioria das células humanas, é improvável o surgimento de câncer. Se há o dobro - ou o total não pode ser dividido por 23, o número de cromossos herdados de cada pai -, o câncer é mais provável. Para chegar a essas conclusões, publicadas no New England Journal of Medicine, Jon Sudbo, de Oslo, acompanhou durante quase nove anos 150 pacientes com manchas brancas cujas células mostravam formação e organização anormais, uma forte indicação de desenvolvimento de câncer. No outro grupo, de 103 pacientes com 46 cro-
mossamos nas células das manchas brancas, apenas três desenvolveram câncer, que surgiu também em todos os 20 pacientes com 92 cromossomos. Ainda não é a prova dos nove: três em cada cinco pacientes com câncer na boca têm 46 cromossomas. Outros testes genéticos em andamento indicam que o câncer pode surgir também pela perda de um gene das células das manchinhas - e quanto maior a perda, maior o risco de surgirem problemas. •
• Australianos criam o menor cromossoma
Uma equipe do Murdoch Children's Research Institute, na Austrália, criou cromossomos artificiais com cerca de um centésimo do tamanho médio de um cromossoma humano. É o menor e mais estável já produzido até agora, segundo a revista da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos (www.pnas.org). Uma das aplicações possíveis é usá-lo para transportar genes para dentro de células. •
cionários de postos de abastecimento de gasolina, diesel e álcool da cidade, indicou que todos eles têm anomalias no núcleo das células, provocadas por substâncias como benzeno (presente nos combustíveis) e pela absorção de gases produzidos pela combustão dos motores. Cibelem Iribarrem Benites, Lilian Amado e Rita Vianna analisaram células de três grupos de frentistas: homens de 20 a 30 anos, de 31 a 45 anos e mulheres de 20 a 30 anos. "Em todos houve aumento da freqüência de micronúcleos (teste indicador de genotoxicidade, isto é, perda de material genético da célula) em comparação com outras pessoas que não trabalhavam expostas a esses agentes", diz Cibelem. A genotoxicidade é responsável por diversas doenças, câncer entre elas. A situação dos frentistas é agravada pelo fato de eles normalmente não usarem máscaras nem luvas de proteção por não possuírem o equipamento ou por considerá-lo incômodo. "O com-
Uma visão brasileira da Lua
26 • MAIODE2001 • PESQUISA FAPESP
Pela primeira vez, é publicado um mapa "correto" da Lua no Brasil. "O que achamos que seja o norte da Lua, na parte de cima dela, é, na verdade, o sul do satélite", explica o autor de Mapa da Lua, a Irmã da Terra (Editora Janajacy, Rio), o astrônomo do Observatório Nacional e escritor de literatura infanta -juvenil Marcomede Mapa lunar: olhar do sul
Rangel. "São vtsoes diferentes, isto é, para nós, a Lua aparece de cabeça para baixo." Isso ocorre porque tudo o que se faz em astronomia refere-se, na maior parte das vezes, ao Hemisfério Norte. O mapa é também o primeiro a mostrar a cratera Santos Dumont, nome dado em 1976 pela UniãoAstronômica Internacional. •
Pastagens avançam e degradam o Rio
Um boi aqui, outro ali. Hoje, as pastagens cobrem quase a metade do Estado do Rio de Janeiro. Incluindo a área agrícola, cidades e capoeiras - vegetação secundária, que cresce em pastos abandonados ou florestas devastadas -, o espaço modificado pela ação humana atinge 73,6% do território fluminense, de acordo com o Índice de Qualidade de Vida (IQM) - Verde, do Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro (Cide). "O Rio tornou-se um mar de pastagens': comenta Waldir Rugiero Peres, diretor técnico do Cide. Outro problema é que a produtividade do campo é muito baixa, aquém das necessidades da população do Estado. O cenário é ainda mais desanimador nos 13 municí-
• Cidade no Peru tem 4.600 anos
Na América como no Egito, havia um povo desenvolvido que construía metrópoles com casas grandiosas e estruturas semelhantes às pirâmides. Os restos da cidade de Caral, descobertos em 1905 a apenas 200 quilômetros de Lima, capital do Peru, começaram a ser estudados para valer há alguns anos. Pesquisadores da Northern Illinois University, do Field Museum, de Chicago, ambos dos Estados Unidos, e da Universidade San Marcos, em Lima, usaram a técnica de carbono 14 para determinar a idade das fibras de junco, planta da qual eram feitas as bolsas utilizadas pelos trabalhadores
Noroeste do Rio: baixa produtividade e abandono
pios da região Noroeste, na divisa entre Minas Gerais e Espírito Santo. Ali, as pastagens cobrem cerca de 90% da terra. As matas naturais foram removidas ainda no século 19 para se plantar café, que deu lugar ao gado. "A Noroeste é hoje a região mais seca do Rio': diz Peres. Para combater o desmatamento e as pastagens improdutivas, o IQM-Verde aponta 21 mil
para carregar material de construção. O junco se renova anualmente e pode ser datado de forma precisa, de acordo com os especialistas. Caral existiu há 4.600 anos e teve seu auge em 2627 a.C. muito antes das grandes civilizações da América, como a
possibilidades de corredores ecológicos, trechos de mata ligando os remanescentes de vegetação natural. Se implantados integralmente, custariam R$ 260 milhões. Mas apenas dois quintos seriam de fato indispensáveis. "Bastaria não queimar, não desmatar e evitar fazer pastos para recuperar avegetação nativa, por se tratar de uma região úmida:~
maia (século 4), a inca (século 13) e a asteca (século 15). A cidade tinha uma praça central, com seis cónstruções ao redor. "Acredito que Caral só perdia em grandiosidade para cidades do antigo Egito", disse o pesquisador Jonathan Hassa, do Field Museum. •
Ruínas de Cara I: as estruturas indicam planejamento cQmplexo
• As mil utilidades desconhecidas do açaí
O açaí (Euterpe oleracea) vem se revelando uma planta cheia de qualidades. Além de seus efeitos antioxidantes e antimicrobiano, essa palmeira típica de solos alagados e várzeas do Pará, Amazonas, Maranhão e Amapá mata o caramujo Biomphalaria grablata, o hospedeiro intermediário da esquistossomose. A conclusão faz parte de um estudo de Gracilene Barros
Açaí: cheio de qualidades
dos Santos, mestranda em Ciências Farmacêuticas na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Sua pesquisa também comprovou que sucos e preparados industrializados à base de polpa congelada perdem a similaridade química existente no fruto fresco. Outro estudo, coordenado pela botânica da Universidade de Brasília Maria Elisa Ribeiro Calbo, indicou que o açaí, mesmo adaptado a alagados, possui mecanismos que lhe permitem sobreviver sob um estresse hídrico moderado- até 61 dias sem nenhuma irrigação. A recuperação também é rápida: um dia depois da volta de água os processos químicos s e remtciam e, após 14 dias, retomam os valores normais. •
PESQUISA FAPESP • MAIODE2001 • 27
CAPA
elaborados a partir do núcleo atômico para o movimento sincronizado de átomos e moléculas. Nesse campo mais amplo, centram a atenção em dois objetos de enorme interesse científico e tecnológico: as moléculas chamadas buckyballs (estruturas geodésicas perfeitas formadas por 60 átomos de carbono) e os condensados de Base-Einstein (gases atômicos resfriados até perto do zero absoluto).
nde façanha da equipe até o momento foi aduzir uma teoria que abrange tanto o balé mples das partículas nucleares durante sua excitação coletiva como a movimentação caótica que se instala a seguir. A capacidade
de lidar com o caos é a principal diferença entre a nova abordagem e o velho modelo explicativo (ver quadro), que só funcionou bem enquanto a energia que produz os movimentos coordenados de prótons e nêutrons limitou-se a seu valor mínimo, que corresponde a 1 quantum. Conceito criado no início do século 20 para descrever os movimentos oscilatórias, em micro e macroescala, o quantum é uma medida de energia que depende da freqüência da oscilação do movimento.
Há pesquisas no patamar energético de 1 quantum desde os anos 50, quando os físicos do projeto ainda estavam nos bancos escolares. Até que, no início da década de 90, uma equipe do acelerador de partículas da Gesellschaft für Schwerionenforschung, ou Sociedade de Pesquisa de Íons Pesados (GSI), de Darmstadt, Alemanha, conseguiu gerar excitações coletivas com 2 quanta de energia. Foi aí que a antiga teoria capotou.
Para produzir a excitação coletiva num acelerador de partículas, é preciso acelerar feixes de núcleos e depois fazê-los colidir. O poderoso campo eletromagnético gerado pela aproximação dos núcleos atua então sobre os componentes nucleares. "Os fótons (partículas portado-
A teoria, desde os
• ant1gos
A noção de átomo remonta às mais antigas escolas filosóficas indianas: o sistema Vaisesíka- nome derivado do sânscrito visesas, "individualidade atômica" - postulou sua existência há não menos que 2.800 anos e, muito provavelmen
Há pelo menos três milênios o homem vai avançando na tentativa de desvendar o microcosmo da matéria
te, herdou esse concei- Origem: da Índia a Demócrito
A noção grega de átomo, como fração mínima e indivisível da matéria, passou por radical transformação em 1897, com a descoberta experimental do elétron pelo físico inglês Joseph John Thomson (1856-1940). Com base nesse achado e no fato de os átomos serem eletricamente
30 · MAIO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
to de um passado ainda mais remoto. Nós o recebemos de Leucipo e seu discípulo Demócrito, filósofos gregos do século 5 a.C.
neutros, Thomson supôs que contivessem um segundo ingrediente, para contrabalançar a carga dos elétrons.
•
no estado fundamental.
•
Daí nasceu seu modelo do átomo como um pudim de passas: uma carga positiva, distribuída uniformemente, formaria a massa do pudim, enquanto os elétrons, salpicados aqui e ali, seriam as passas. Um modelo saboroso, mas que não
. .
resistiu à observação. Thomson: elétron descoberto
alfa (que hoje sabemos formadas por dois prótons e dois nêutrons) acabavam de ser descobertas e Rutherford resolveu usar esses minúsculos projéteis, liberados em processos radioativos, para investigar a intimidade do átomo. Bombardeando uma finíssima folha de ouro com
Bombardeio - Ela foi realizada pelo neozelandês Ernest Rutherford (1871-1937) em 1910. As partículas
um feixe de partículas alfa, verificou que a maioria dos corpúsculos atravessava a folha praticamente sem se
. . .
desviar, ao passo que uns poucos eram violentamente rebatidos.
Concluiu que os átomos da folha se estruturavam como diminutos sistemas planetários. A maior parte de seu espaço interior era vazia, atravessada sem problemas pelas partículas alfa. A carga positiva se concentrava num núcleo central, responsável pelo rebatimento de parte dos corpúsculos. Separados da carga positiva pelo vazio, os elétrons giravam ao redor do núcleo, como planetas em torno de uma estrela.
Compatível com os dados experimentais e fácil de ser representado
PESQUISA FAPESP · MAIO DE 2001 • 31
CAPA
ras do campo eletromagnético) se acoplam aos pró tons (partículas de carga elétrica positiva), deslocando-os coletivamente para o mesmo lado. E os nêutrons compensam esse deslocamento movendo-se para o lado oposto, de modo a conservar uma importante grandeza física, o momento ou quantidade de movimento", diz Hussein. Prótons para cá, nêutrons para lá, os corpúsculos executam seu balé sincronizado.
s experimentadores da GSI alcançaram o platô de 2 quanta, a etapa seguinte do movimento coordenado, imprimindo a núcleos muito pesados - chumbo, estanho, xenônio, ouro, urânio - uma aceleração
extremamente elevada: 900 milhões de elétron-volts (MeV) por partícula (essa é a unidade de energia empregada em Física Nuclear: a massa do próton ou do nêutron é de aproximadamente 1.000 Me V).
Realizado num aparato chamado Land (Large Angle Neutron Detector), que fica no final do acelerador de partículas do GSI, o experimento ocorreu exatamente como era previsto, do ponto de vista qualitativo. Quando se tomaram as medidas quantitativas, porém, verificou-se que as contas não batiam com as estimativas teóricas baseadas no velho modelo atômico. Toledo Piza explica por quê: "Decorre do fato de esse tipo de excitação ser um fenômeno extremamente fugaz. As partículas nucleares vibram apenas duas ou três vezes em conjunto. Depois, a energia se dissipa, produzindo movimentos caóticos. E o pecado da antiga teoria era não saber lidar com esse ingrediente ruidoso':
Quando o aporte energético ficava na marca de 1 quantum, isso não tinha maiores conseqüências, porque os analistas fechavam o foco nas duas ou três vibrações coletivas e o que vinha depois já não fazia parte da questão: era como um resíduo descartável. Quando a equipe
da GSI conquistou o patamar dos 2 quanta, tornou-se impossível escamotear a complexidade do problema.
Ruídos no caminho - Esse era o estado da arte quando a equipe brasileira entrou em cena. Estudando a fundo, os físicos perceberam que os sistemas de partículas nucleares não respondiam aos saltos de energia tão simplesmente como supunha o modelo anterior. "Prótons e nêutrons", revela Hussein, "não evoluíam do estado fundamental que caracteriza os núcleos encontrados na natureza para o estado excitado de 1 quantum e, daí, ordenadamente, para o estado de 2 quanta. Havia ruídos no meio do caminho. E o efeito desses ruídos precisava ser computado. Porque o segundo quantum de energia excitava partículas já dotadas do movimento caótico produzido pela dissipação do primeiro".
Em outras palavras, aquilo que nos velhos experimentos de 1 quantum podia ser tratado como resíduo descartável agora fazia diferença. Com recursos matemáticos sofisticados, os pesquisadores brasileiros trataram de construir uma teoria completa, capaz de acomodar tanto as oscilações coletivas como os movimentos caóticos.
A tarefa foi bem-sucedida, a ponto de agora os pesquisadores alemães da GSI colaborarem ativamente com o time da USP, ao mesmo tempo em que se preparam para um vôo experimental mais alto: o estudo de excitações ao nível de 3 quanta. "Não é uma tarefa fácil", antecipa Thomas Aumann, um dos pesquisadores da GSI que trabalha em colaboração com os físicos da USP. Quanto maior o patamar de energia, mais rápido e ruidoso se torna o processo, o que exige dos experimentadores grande perícia e uma aparelhagem muito especial.
"O modelo da USP pode prever o estado de 3 quanta, e pessoalmente eu acredito que uma vibração de três fônons deveria m.esmo existir", comenta Aumann. O fônon equivale ao quantum, a unidade de energia da física
graficamente, o modelo de Rutherford tinha ainda a virtude de trazer aos espíritos a reconfortante idéia de que um mesmo padrão de organização se reproduzia nas estruturas do universo, do microcosmo ao macrocosmo. Apresentava, porém, um importante defeito.
Segundo a física clássica, cargas em movimento emitem radiação eletromagnética e, ao fazê-lo, perdem energia. Ou seja, os elétrons em trânsito deveriam ter sua velocidade continuamente diminuída e, por isso, descrever órbitas cada vez menores. Numa fração de segundo, eles se cho-
cariam contra os núcleos, não sobraria nenhum átomo no universo, nem estaríamos aqui para contar a história. Mentes conservadoras descartariam o modelo, em nome das boas leis da física. Não foi o que fez o jovem físico dinamarquês Niels Bohr (1885-1962),
Rutherford: modelo criado
Salto quântico - Num lance de gênio, Bohr incorporou ao modelo planetário de Rutherford o conceito quântico de energia, formulado no início do século por Max Planck (1858-1947). Por esse conceito, a energia não é um flu ido contínuo, como pensara a física clássifluxo descontínuo de
32 • MAIO DE 2(101 • PESQUISA FAPESP
que, em 1912, juntou-se à equipe de Rutherford na Universidade de Cambridge.
ca, mas un1 "grãos'~ quantidades mínimas não [racionáveis chamadas quanta (plural
quântica. "Como físico experimental, porém, prefiro observar essa situação e comparar com a teoria da USP."
Na faixa dos 2 quanta, todos os elementos pesquisados se enquadraram perfeitamente na teoria da equipe da USP, exceto o xenônio, que- sabe-se lá por quê- parece resistir a qualquer norma teórica. "Acreditamos que isso se deva mais a alguma peculiaridade ainda desconhecida do núcleo do elemento do que a eventuais deficiências do novo modelo", pondera Porto Pato.
Novo projeto - O grupo está na verdade confiante na universalidade da nova teoria e, concluído o primeiro projeto temático, iniciou o segundo, visando estender os mesmos conceitos para outras coletividades de corpúsculos- os buckyballs e os condensados de BaseEinstein.
Segundo o físico indiano Jagadis Chandra Bose (1858-1937) e o alemão naturalizado norte-americano Albert Einstein (1879-1955), em temperaturas próximas do zero absoluto, os átomos que compõem determinado tipo de gás se condensam e passam todos a ocupar o estado quântico de menor energia, mais estável, no qual permanecem praticamente parados. Esses condensados foram obtidos recentemente por um grupo de físicos franceses, alemães e italianos, que noticiaram o fato na revista Science de 20 de abril.
Os pesquisadores da USP estudam a possibilidade de criar condensados híbridos, nos quais pares de átomos se convertem em moléculas e vice-versa. "Nesse caso, poderia haver uma oscilação coletiva, de átomos contra moléculas, análoga à que ocorre entre os componentes do núcleo", diz Toledo Piza. "O interessante", acrescenta, "é que esses sistemas pode~ ser muito grandes- com SOO mil átomos
latino de quantum). O próprio Planck não levava essa idéia muito a sério e só a utilizara como artifício matemático. Mas Bohr agarrou-se a ela e, depois de meses de cálculos, produziu o primeiro modelo quântico do átomo. Nele,
~ bitas estacionárias pa< ra outra. Esse "salto
quântico" é um dos aspectos mais revolucionários do novo modelo: sem passar pelo "espaço intermediário", o elétron simplesmente desaparece de sua órbita original para aparecer instan-
chamados isótopos. A existência deles sugeria que, além de partículas negativas ( elétrons) e positivas (prótons), os átomos deviam conter um terceiro tipo de corpúsculo, neutro, porém maciço. Rutherford chamou essa partícula de nêutron, mas sua existência só foi demonstrada experimentalmente pelo inglês James Chadwick (1891-1974), em 1932. Com massa relativamente próxima à do próton, o nêutron compõe com ele o núcleo atômico.
há órbitas precisas nas Planck: cria teoria quântica taneamente na outra. quais o elétron se move sem emitir radiação. A troca de energia com o meio só ocorre quando o elétron "salta" de uma dessas ór-
Em 1913, Thom-son descobriu que um elemento químico podia ter átomos com a mesma carga elétrica e massas diferentes,
lnteração forte - Sabemos hoje que o núcleo é 1 O mil a 100 mil vezes me-
PESQUISA FAPESP · MAIO DE 2001 • 33
CAPA
e alcançando o tamanho de 1 mícron, por exemplo- e, ainda assim, exibir comportamento quântico': Ou seja, comportamento de partículas subatômicas.
A descrição desse fenômeno é ainda mais complexa que a das oscilações nucleares, porque, enquanto no núcleo o número de prótons e nêutrons permanece constante, nos condensados híbridos há uma variação permanente da quantidade de átomos
Porto Pato (esq.), Piza e Hussein: capacidade de lida r com o caos
!e a um forte empurrão na física experimental desenvolvida no país. Para entender o que são esses núcleos, vale considerar o caso do lítio. Os núcleos do lítio encontrado na natureza são constituídos por três prótons e quatro nêutrons. Por isso, esse elemento é conhecido como lítio 7, o número de suas partículas nucleares. Mas, pela fragmentação do oxigênio, é possível fabricar um lítio 11, com quatro nêutrons a mais.
e moléculas, já que uns se convertem nos outros. "Estamos interessados também em estabelecer um
vínculo com os físicos experimentais da USP em São Carlos, coordenados pelo professor Vanderlei Bagnato, que vêm procurando produzir condensados de átomos de dois elementos diferentes - rubídio e sódio", diz Hussein.
As perspectivas de aplicação tecnológica dessas investigações são muito promissoras. O estudo de átomos frios
Núcleo estranho - O novo núcleo tem características estranhas. A começar pelo tamanho: apesar de formado por apenas 11 partículas, ele é enorme, quase tão grande quanto o do chumbo, composto por 82 prótons e 126 nêutrons. "Isso se deve a um efeito quântico que faz com que, dos quatro nêutrons adicionais, apenas dois fiquem confinados no pequeno espaço ocupado pelas sete partícu-
já levou, por exemplo, a um aperfeiçoamento enorme nas medições do tempo. Graças a ele, a precisão com que se determina o tempo hoje é de 1 para 100 quatrilhões (o número 1 seguido de 17 zeros), o que equivale a cometer um erro de 5 segundos na idade do universo.
A preocupação em municiar o trabalho experimental é constante. A segunda parte da pesquisa, dedicada aos núcleos exóticos, já equiva-
O PROJETO
Física Nuclear Teórica
MODALIDADE
Projeto temático
COORDENADOR
MAHIR SALEH HUSSEIN- Instituto de Física da USP
INVESTIMENTO
R$ 26.730,00
~ ocorre, porém. Eles ~ dispõem, na verdade, 1! de espaço suficiente ~ ~ para desenvolver ve-~ locidades da ordem
de 30 mil quilômetros por segund
nor do que o átomo. Dependendo do número de partículas que contém, seu diâmetro médio oscila entre o quatrilhonésimo e o centésimo trilhonésimo de metro (l0-15 a 10-14 m). Ovolume decorrente é tão exíguo que nos pode levar à falsa idéia de Bohr: quantum incorporado
um décimo da velocidade da luz. E, como acontece com o próprio átomo, distribuem-se num a estrutura em camadas que é que prótons e nêu-
trons estariam simplesmente espremidos em seu interior, incapazes do menor movimento. Não é o que
34 • MAIODE2001 • PESQUISA FAPESP
regida por princípios quânticos. Seu confinamento numa região tão pequena se deve à chamada interação
las do núcleo básico. Os outros dois passam a se movei em volta desse caroço de nove partículas, num halo relativamente distante do centro", explica Porto Pato. Daí o inchaço do núcleo.
Mas o tamanho não é tudo. Igualmente extravagante é a dança coletiva dessas partículas quando o núcleo sofre a ação de um campo eletromagnético. No caso, dois modos de vibração que se combinam: os três prótons deslocam-se contra os seis nêutrons
fo rte, que impede que o núcleo se estilhace por efeito da repulsão eletrom agnética entre os prótons. A intensidade dessa força é 100 a 1.000 vezes superior à da interação eletromagnética. Mas seu alcance é extremamente limitado: não mais do que um quatrilhonésimo de metro (10·15 m), enquanto a força eletromagnética se propaga indefinidamente.
Essa interação forte, que em seu reduzido âmbito de atuação é a força mais poderosa da natureza- tem outra estranha peculiaridade: passa de atrativa a repulsiva quando as partículas se aproximam demais entre si.
no caroço; e o caroço como um todo desloca-se contra os dois nêutrons do halo. A primeira oscilação é rápida, típica de um corpo relativamente rígido, e a segunda, lenta, como convém a um sistema maciO.
duas partículas alfa ( constituídas por dois prótons e dois nêutrons)", explica Hussein. "No decaimento do boro 8, ocorre supostamente a liberação de um neutrino - partícula elementar da mesma categoria (léptons) do elétron -de energia alta. Conhecendo melhor esse núcleo, talvez possamos explicar por que o número de neutrinos detectado na Terra é aproximadamente a metade do previsto pelo modelo padrão da evolução solar."
Por mais intrincados que pareçam, esses movimentos compostos são, na verdade,
mais simples que as oscilações coletivas produzidas no laboratório da GSI. Porque a vibração suave do caroço contra o halo tem muito pouca energia. "São estados de um quantum apenas. De modo que, neles, os movimentos caóticos provocados pela dissipação da energia tor
Equipamento Land, junto ao acelerador de partículas da GSI: excitações coletivas com 2 quanta de energia nos anos 90
As aplicações da nova teoria são amplas, mas isso ainda não é tudo. O projeto já pôs o Brasil em sintonia com o padrão internacional em física nuclear e atraiu para a USP quatro pós-doutorandos: o inglês
nam-se irrelevantes", comenta Toledo Piza. Como caso particular, as oscilações dos núcleos exóticos puderam ser perfeitamente descritas pela nova teoria, sem que fosse necessário lançar mão de todo o aparato matemático que o modelo contém.
Esse é um estudo especialmente relevante no domínio da dinâmica estelar. Um dos objetos de interesse, no caso, é o boro 8, que tem dois nêutrons a menos do que o boro normal. "No Sol, esse núcleo exótico decai, produzindo o berílio 8, que, por sua vez, se desintegra em
providas de estrutura interna, prótons e nêutrons assemelham-se mais a ínfimos, porém turbulentos oceanos. Em cada um deles, três quarks se movem em altíssima velocidade numa nuvem form por
Adam Sargeant, o japonês Manabu Ueda, o russo Oleg Vorov e o chinês naturalizado brasileiro Chi-Yong Lin. Outro desdobramento foi o congresso internacional Collective Excitation of Bose and Fermi Systems, coordenado pelos membros da equipe e patrocinado pela FAPESP, em 1998, que teve a participação do físico William Phillips, ganhador do Prêmio Nobel de 1997. Com esses antecedentes, é compreensível a expectativa em torno dos próximos passos do grupo, que agora lança o olhar sobre as coletividades éle átomos e moléculas. •
'3 quarks e antiquarks ~ ~ se materializem e ~
~ ~ ~
desmaterializem in-cessantemente, sobrevivendo só por frações de segundo.
Isso permite que mantenha o núcleo coeso e, ao mesmo tempo, evita que prótons e nêutrons se esmaguem uns contra os outros. Os físicos acreditam, aliás, que ela seja responsável pela própria existência dos próto nêutrons, já que mantém aprisionados em seu interior os corpúsculos ainda menores que os constituem: os quarks, cuja existência foi postulada na década de 1960 pelo norte-americano Murray GellMann (1929-).
glúons, as partículas Chadwick: comprova nêutron
Esse fluxo ininterrupto já foi comparado a uma tempestade no interior de uma gota - imagem que expressa bem o dinamismo
Segundo o modelo padrão vigente na física de partículas, longe de serem minúsculas esferas des-
portadoras da interação forte.
Dentro dessa nuvem, flutuações de energia fazem com que pares de
dos mundos atômico e subatômi-co, onde não há lugar para o re-pouso e a permanência.
PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2001 • 35
CIÊNCIA
ENTREVISTA
SVANTE PAABO
Nós e os macacos Diretor do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionário pesquisa
o que nos torna diferentes do chimpanzé
Um dos diretores do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária, em Leipzig, Alemanha, Svante
Paabo está entre os mais importantes e influentes cientistas da pesquisa genômica. De vocação multidisciplinar, durante a graduação esse sueco de 45 anos e maneiras tímidas também estudou história da ciência, egiptologia e russo, antes de tornar-se uma referência na área de biologia e genética evolucionária. Alguns de seus trabalhos recentes, que comparam fragmentos do DNA humano ao de outras espécies, produziram grande impacto. Em 1997, estudos de uma equipe sob seu comando comprovaram, de forma definitiva, que o ser
humano não descende do homem de Neanderthal, espécie de hominídeo extinta há cerca de 30 mil anos.
Quando esteve no final de março no Brasil, para participar da Brazilian International Genome Conference, Paabo falou sobre pesquisas desenvolvidas no Instituto Max Planck que compararam o DNA humano ao do chimpanzé (Pan troglodytes), a espécie animal cujo material genético mais se assemelha ao do Homo sapiens. Mesmo sem ter em mãos a seqüência completa do genoma desse primata - projeto ainda envolto em incertezas e sem data e financiamento para ficar pronto -, os cientistas estimam que a ordem dos nucleotídeos (bases) presentes nos DNAs do homem e do chimpanzé é idêntica em cerca
de 99% dos casos. Em termos constitutivos, portanto, ape~
O chimpanzé: espécie animal mais próxima
geneticamente do homem
nas 1% do código genético humano parece ser distinto do genoma desse macaco. Para Paabo, no entanto, o que nos torna humanos - e não chimpanzés - não é apenas essa pequena fração de DNA não compartilhada com os primatas mais próximos de nós. Mas sobretudo a forma única, peculiar ao Homo sapiens, de usar os genes comuns às duas espécies.
Num experimento conduzido no Instituto Max Planck, o pesquisador analisou o padrão de expressão de 20 mil genes - dois terços de nosso total- no sangue e em tecidos do cérebro e do fígado do homem e do chimpanzé. Diferenças significativas na maneira de utilizar esses genes foram encontradas somente nos tecidos cerebrais. Por isso, o biólogo evolucionário acredita que esse órgão seja o depositário dos segredos que nos fazem humanos. Para desenvolver essa teoria e, eventualmente, comprová-la, Paabo gostaria que o seqüenciamento do genoma do chimpanzé fosse levado adiante o mais rápido possível. "A lentidão da comunidade científica em apoiar a idéia de um projeto genoma do chimpanzé talvez se explique por um desconforto subconsciente nosso diante do que pode surgir dessas comparações", diz o pesquisador sueco, em entrevista exclusiva ao jornalista Marcos Pivetta.
• Do ponto de vista genético, não é possível dizer o que nos torna humanos e não chimpanzés? -Ainda não. Precisamos seqüen-
ciar o genoma do chimpanzé, que terá de ser estudado a partir de uma perspectiva funcional, para sabermos quantos de seus genes são utilizados e como são. O ideal seria realizar esse tipo de análise durante o processo de desenvolvimento de um chimpanzé, o que talvez não seja possível. Gostaria de estudar a expressão de genes durante o desenvolvimento do cérebro de um desses animais. É possível que, no final dessas pesquisas a que me referi, nunca tenhamos um entendimento completo de todo o processo que nos torna humanos, mas poderemos ter alguma idéia dos fundamentos desse processo. Poderemos ter uma noção dos primeiros passos, dos pré-requisitos genéticos que nos fazem diferentes de todas as outras espécies. Não se pode esquecer, no entanto, que a condição humana, além de depender da carga genética, também está ligada a fatores culturais e de socialização. Há muitas coisas que nos tornam humanos: a morfologia, como somos do ponto de vista da aparência, a língua e outras habilidades cognitivas que não estão muito bem definidas. Ficarei contente se durante a minha vida uma ou duas dessas coisas forem desvendadas. A primatologia, no entanto, nos mostra que muitas das supostas diferenças absolutas entre o homem e o chimpanzé são, na verdade, distinções de gradação.
• Como assim? -Vou dar alguns exemplos. Há alguns anos, um estudo científico mostrou que grupos vizinhos de chimpanzés, vivendo num mesmo lugar, se alimentavam de formas diferentes. Eram todos chimpanzés, comendo a mesma comida (ramos de árvore), mas de maneira distinta. Claramente o que aconteceu nesse local foi o seguinte: algum chimpanzé inventou uma forma diferente, mais eficiente, de comer, que foi adotada pelos outros membros do
'' As diferenças entre o homem e os grandes macacos
podem revelar os fundamentos genéticos de nossa rápida
evolução cultural e expansão
geográfica ''
grupo e, depois, passada de geração em geração. Algo semelhante acontece com os humanos. Num lugar do planeta, 100% usam pauzinhos para comer. Em outro, 100% das pessoas comem com garfo e faca. São casos distintos de evolução cultural. É lógico que a evolução humana é mais complexa (do que a dos chimpanzés).
• Em que sentido? - Ela muda mais rapidamente. Mas isso mostra que ela não é uma diferença absoluta entre as duas espécies. O mesmo acontece com a linguagem. Chimpanzés podem aprender muito. Podem pronunciar uma palavra, até juntar duas palavras. Mas, ainda que muito treinados, eles não vão dominar a nossa linguagem sofisticada. Isso, no entanto, não quer dizer que a língua seja uma diferença absoluta entre o homem e o chimpanzé. É nova-· mente mais um tipo de diferença de gradação. Esse tipo de coisa você aprende quando começa a estudar a fundo os chimpanzés.
Paabo: cérebro pode esconder as distinções entre as duas espécies
• Hoje, diante de dois fragmentos de DNAs, um de um ser humano e outro de um chimpanzé, é possível dizer a origem de cada uma dessas seqüências? -Não é possível. Elas são muito semelhantes. Sem muita informação sobre as variações desse pedaço de DNA, não é possível dizer se é um homem ou um chimpanzé. Esses dois fragmentos poderiam ser de uma espécie apenas.
• O número de genes dos chimpanzés deve ser semelhante ao dos humanos? -Certamente, o número de genes nos chimpanzés deve ser muito próximo do encontrado nos humanos. Pode haver alguns genes duplicados ou perdidos. Mas, até agora, todos os 5 mil cDNAs (cópia complementar do DNA original) de chimpanzés seqüenciados encontraram seu correspondente nos cDNAs de humanos.
• Em termos evolutivos, faz alguma diferença o ser humano ter 30 mil ou 60 mil genes? - Acho que não. Quando se divulgou a seqüência do genoma humano, foi dito que os 30 mil genes eram um sinal da complexidade de como usamos esses genes. Mas, se
tivéssemos 60 mil genes, isso não quer dizer que não
seríamos complexos.
• Há algum prazo para terminar o genoma do chimpanzé? - Não. Não se sabe ao certo nem quem
PESQUISA FAPESP · MAIO DE 2001 • 37
fará todo o trabalho. A menos que surja alguém com dinheiro, esse projeto, que deve custar cerca de US$ 60 milhões, demorará anos para ser terminado. Há, no momento, uma iniciativa em curso no Japão sobre o genoma do chimpanzé. Em breve, deverá haver dinheiro, vindo do Japão e da Alemanha, para seqüenciar os cromossomas 22 e 23 do chimpanzé, que correspondem aos de número 21 e 22 no homem.
• Por que o senhor diz que o seqüenciamento do genoma do chimpanzé caminha devagar devido a um receio das comparações e conclusões que podem surgir disso? - Para quem é um cristão fervoroso, quem acredita que a criação descrita palavra por palavra na Bíblia é verdadeira, ver que os chimpanzés são tão próximos de nós é uma conclusão perturbadora. Nos Estados Unidos, isso pode ser um tema importante. As diferenças entre o homem e os grandes macacos podem revelar os fundamentos genéticos de nossa rápida evolução cultural e expansão geográfica, que começou entre 150 mil e 50 mil anos atrás e levou à nossa atual dominação autoritária da Terra. A percepção de que um ou alguns acidentes genéticos tornaram a história humana possível vai nos propiciar um novo conjunto de indagações filosóficas sobre as quats teremos de pensar.
• O estudo comparativo dos genomas do homem e de outras espécies levará então a uma revisão da história de nossa espécie? - Provavelmente, não teremos de reescrevê-la, mas teremos uma espécie de história adicional, um tipo de história genômica. Vamos poder dizer como nosso genoma está distribuído no mundo, como somos diferentes de nossos parentes mais próximos no planeta. Vamos ter uma história adicional, diferente das
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fontes escritas e do material arqueológico e paleontológico. É importante ressaltar que a história genética não é a história da humanidade, mas apenas um aspecto dela.
• Qual será a maior contribuição dos estudos genômicos para essa nova forma de história? -Num certo sentido, eles nos darão uma forma mais objetiva de olhar nossa história genética. Podem produzir bons insights sobre como pensamos nossa espécie. Um exemplo desse tipo de insight é o resultado de trabalhos como o de
'' A lentidão em apoiar um projeto genoma do
chimpanzé talvez se explique por um desconforto
subconsciente nosso diante
do que pode surgir ''
Sérgio Danilo Pena (pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais). Ele mostrou que, apesar de muitos brasileiros se dizerem brancos, seu genoma pode ser majoritariamente de origem africana.
• As pessoas ainda se surpreendem com as origens africanas da humanidade? - No fundo, a informação proveniente do estudo de genomas e da ciência em geral não vai acabar com o racismo ou o preconceito. O melhor que a informação pode fazer é não estimular esse tipo de sentimento e mostrar como são as coisas. Acho que é saudável ver que somos todos muito parecidos, que somos uma mistura, que há pouca variação. Isso contribuirá para mostrar que somos todos muito semelhantes, mas não vai fazer acabar o preconceito. A luta contra o preconceito tem mais a ver com políticas públicas, com a forma como
você educa as pessoas nas escolas, com o jeito como a imprensa trata desse assunto.
• Entre os seres humanos, o conceito de raça faz sentido? - Ele não faz sentido do ponto de vista científico. Sempre soubemos que a noção de raça nunca fez sentido. Encontramos as mesmas seqüências de DNA em todo lugar do mundo. Se você está na Europa e caminha para o leste, onde é que as pessoas deixam de ser européias e começam a ser asiáticas? Isso é totalmente arbitrário. Isso é uma questão social. De certa forma, faz sentido trabalhar com o conceito de populações, apesar de a definição de população negra, por exemplo, também não ser muito clara.
• O senhor não se pergunta, de vez em quando, se toda essa ênfase dada às pesquisas genômicas não é um pouco exagerada? - Claro que há algum exagero, como em tudo. Mas acho que esse ramo de pesquisa representa algo de muito fundamental, pois permite conhecermos a estrutura de cada genoma, o local dos genes nos cromossomas. É algo fundamental.
• Mas o senhor não acha que alguns pesquisadores se esquecem um pouco da influência das outras ciências no estudo do homem? - Acho que, com o aumento no número de genomas seqüenciados, haverá um retorno à bio!ogia básica. Quero dizer que, quando falamos de transcriptoma, de proteoma (o conjunto de proteínas de um organismo), estamos dando passos atrás até a fisiologia. Num certo sentido, quando falamos de proteoma estamos falando muito de fisiologia. Só que hoje as pessoas não usam esse termo. Entender como as proteínas trabalham, como influenciam as células e os organismos, isso é fisiologia. A genômica vai permear toda a biologia. •
CIÊNCIA
MEDICINA
Parceria contra câncer Projeto liga lncor à indústria para produzir ''cavalo de Tróia" no combate à doença
Empresários norte-americanos e canadenses criaram uma com
panhia farmacêutica para produzir e comercializar um invento brasileiro: as partículas LDE (de low density emulsion, ou emulsão de baixa densidade), lipoproteínas artificiais que servirão de veículo para medicamentos usados no combate ao câncer e reduzirão a toxicidade dessas drogas. A criação é do médico Raul Maranhão, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), diretor do Laboratório de Lípides do Instituto do Coração (ln cor) da USP e agora membro do conselho da empresa, a iCell Therapeutics Corp.
O Incor e seu órgão financiador, a Fundação Zerbini, firmaram um acordo com a iCell pelo qual cedem a patente e, em troca, têm participação acionária e representação na diretoria da iCell, que busca recursos para se estabelecer. José Antônio Ramires, diretor do Incor, esclarece que a patente não foi vendida. "Depositamos a patente como nossa parte do capital e estabelecemos um contrato ao fim do qual, caso a empresa não comercialize o produto, podemos .. retomar sua posse." O e
~ acordo, que resultará na :: instalação do Centro de 8
Desenvolvimento Tecnológico da iCell dentro do Incor, viabiliza a produção e a comercialização mundial das LDE.
Quando começou a desenvolver as LDE, de comportamento semelhante ao mau colesterol ou LDL (de low density lipoprotein, lipoproteína de baixa densidade), o objetivo era só criar exames preventivos da aterosclerose- deposição de material gorduroso nas artérias.
Os estudos começaram nos anos 80, com alvo no metabolismo do quilomícron (Qm), outra lipoproteína ligada à aterosclerose. Ao contrário das frações de colesterol LDL e HDL (high density lipoprotein, lipoproteína de alta densidade), a metabolização do Qm não se mede no sangue: sua concentração varia com a quantidade e a qualidade da gordura consumida, mais a velocidade de sua absorção pelo intestino. Conclusão: para estudá-la seria preciso acompanhar sua trajetória pelo organismo.
Afinidade com receptores - Então, Maranhão desenvolveu um quilomícron artificial. Injetado com um marcador radioativo, seu acompanhamento permitiu entender me-
lhor a obstrução das artérias e mostrou que os portadores de doença coronariana têm maior dificuldade de metabolizar e retirar da circulação as partículas lipoprotéicas ingeridas na alimentação.
Maranhão diz que já houve tentativas de estudos semelhantes com LDL, mas pouco avançaram: "Não é permitido injetar hemoderivado de uma pessoa em outra para fins de pesquisa, devido ao risco de trans~ missão de doenças como Aids e hepatite. E a injeção de LDL do próprio paciente, após coleta e preparação do material, exige grande disponibilidade dos voluntários, o que torna a pesquisa complexa e inviável". Assim, a partícula artificial poderia ser uma ferramenta para identificar indivíduos com metabolismo mais lento e estimular a prevenção.
As primeiras experiências com LDE, em ratos, trariam um dado novo que mudaria drasticamente o rumo da pesquisa: a partícula artificial era capaz de ligar-se a receptores das células, e até com mais afinidade do que as partículas naturais.
Maranhão explica que a estrutura da LDE é bem semelhante à da LDL natural: um núcleo concentrado de colesterol e éster de colesterol, e uma superfície formada por uma só camada de fosfolipídios. Não tem, contudo, apoproteínas, elo entre a partícula lipídica e os receptores celulares - em especial a ApoB-100,
que cobre a LDL natural. Surpreendentemente, ela não faz falta.
É que, já ao entrar na circulação, a LDE começa a atrair e
incorporar apoproteínas, especialmente a ApoE
Anticorpo anti-receptor da LDL (halo marrom) indica a alta concentração de receptores nas células tumorais: quanto mais receptores houver
nas células, maior a entrada das part ícu las de LDE
carregadas com medicamentos (microscopia óptica, 400 vezes)
PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2001 • 39
que, então, se liga ao receptor. "E, como a ligação é feita de forma cooperativa, no caso da
Mesmo efeito com toxicidade menor
A dose letal de paclitaxel (taxol) associado à LDE
é quase dez vezes maior que a da preparação comercial (dose em miligramas por kg do peso corporal)
Medicamento
LDE-paclitaxel
Paclitaxel comercial 25,0
LDso
324,0
31,8
Superior a 336,0
34.4
ApoB apenas uma molécula liga a partícula ao receptor, enquanto na LDE entre duas e quatro moléculas de ApoE fazem a ligação." • LD10, L0 50 e LDw· dose capaz de produzir 10,50 e 90% de mortes nos grupos de camundongos
antes da cirurgia de extração do tumor. Depois, comparamos o tecido ovariano normal com o tecido neoplásico para medir o nível de radiação." Enquanto o tumor benigno de ovário captou a mesma quantidade de partículas radioativas que o tecido normal, o tecido neoplásico tinha dez vezes mais partículas que as células sadias. Em carcinoma de mama, a LDE concentrou-se quatro vezes mms.
Fonte: Raul Maranhão - lncor/USP Estava descoberta a outra vocação da LDE, que faria o especialista em lipídios e fisiologia enveredar pelo campo da oncologia. Ele já sabia que as células de tumores têm até 100 vezes mais receptores de LDL que as células normais, de modo que essa lipoproteína é removida muito mais rapidamente da circulação sanguínea. É por isso que a maioria dos pacientes de câncer tem uma diminuição
Teste de toxicidade: perspectiva de revisão dos atuais tratamentos
Já que a emulsão lipídica se unia seletivamente a células cancerígenas, supunha-se que as sadias ficassem protegidas dos quimioterápicos da emulsão. Foram feitos testes em
significativa nos níveis de colesterol do sangue. Para Maranhão, isso ocorre provavelmente porque a proliferação acelerada da célula neoplásica (cancerosa) requer maiores quantidades de colesterol e de outros lipídios, necessários à sua multiplicação e à sua sobrevivência.
Cavalo de Tróia - A partir da descoberta de que a LDE se unia tão facilmente a receptores celulares, o pesquisador investiu na hipótese de que ela servisse de veículo para transportar quimioterápicos e atingir seletivamente as células neoplásicas, como um "cavalo de Tróia". "Esse sempre foi o ideal de todo terapeuta: um mecanismo que selecionasse as células doentes, preservando as sadias."
Não faltam tentativas. Uma das técnicas mais estudadas é a dos lipossomas, que tendem a concentrar-se em células mais vascularizadas- típicas dos tumores. Preparações com lipossomas já transportam agentes an-
40 • MAIO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
tifúngicos no tratamento de complicações infecciosas, sobretudo da Aids. Mas, em relação aos tumores, para Maranhão, o lipossoma ainda é um "balão pré-dirigível':
Ele já testou a LDE em pacientes. Seu estudo publicado em 1994 na revista Cancer Research envolveu 14 pessoas com carcinoma de mama e 22 com tumor de ovário (13 malignos e 9 benignos). "Injetamos a emulsão com marcação radioativa
O PROJETO
Lipoproteínas Artificiais na Investigação das Dis/ipidemias e no Tratamento do Câncer
MODALIDADE
Projeto temático
COORDENADOR
RAUL CAVALCANTE MARANHÃO- Instituto do Coração (lncor) da USP
INVESTIMENTO
US$ 364,678 e R$ 150.627,00
ratos, com o quimioteraptco BCNU (carmustina) . Depois, avaliaram-se 42 pacientes no Hospital das Clínicas e 20 no Hospital Sírio-Libanês, com ajuda do oncologista Antônio Carlos Buzaid. Os voluntários tinham tumores de mama, rim, cólon, ossos e próstata.
Dose triplicada - Verificou-se que, com a LDE, os pacientes toleraram doses de BCNU três vezes superiores. "A dose máxima que se utiliza normalmente", diz Maranhão, "é de 150 a 200 miligramas por metro quadrado (mg/m2) de superfície corpórea, com os efeitos colaterais conhecidos - náuseas, queda de cabelo e outros mais drásticos como depressão da medula óssea, que leva a transtornos da coagulação e do sistema imunológico. Verificamos que até 400 mg/m2 a toxicidade é mínima - ou seja, não foram verificados efeitos colaterais significativos. Aumentamos a dose para até 600 mg/m2 e, ainda assim, houve boa tolerância". Contudo, ele acha cedo
Dez anos de luta pela patente Raul Maranhão
não deixou a paciência esgotar-se enquanto percorria os meandros da burocracia para obter a patente de sua invenção, sem a qual não poderia avançar. "Foi uma viacrúcis que começou Maranhão: visão ampla em 1991, quando do processo científico
em 1992, demorou quatro anos para sair, após um longo vaivém de documentos. A seu ver, "apesar de competentes e com boa formação na área biomédica': os funcionários do escritório de patentes em Nova York não tinham muito conhecimento da área em questão. A maior dificuldade foi provar que fizemos as primei-
ras consultas ao INPI" (Instituto Nacional da Propriedade Industrial). Na época, o INPI pouco podia fazer: ainda não havia uma lei brasileira sobre patentes que regulamentasse a produção de medicamentos, que só seria aprovada em maio de 1996.
Nos Estados Unidos, também não foi fácil. A patente, solicitada
para determinar se a eficácia da droga se altera ou não quando conduzida pela LDE, já que, por exemplo, a maioria dos pacientes estudados passara por outros tratamentos: "É difícil avaliar e documentar as respostas a um tratamento".
A próxima etapa inclui a incorporação de dois quimioterápicos à LDE: paclitaxel (taxo!) e etoposide. Os testes preliminares são promissores: "Por enquanto, as duas drogas foram testadas em ratos. O taxol apresentou-se dez vezes menos tóxico. E com o etoposide a toxicidade foi 16 vezes menor" (ver tabela).
O projeto temático que Maranhão desenvolve até 2003 terá dois grupos: um de transplante cardíaco, outro de lúpus eritematoso sistêmico- doença auto-imune que desregula o sistema de defesa. Já se constatou que transplantados e pacientes de lúpus mostram grande tendência a desenvolver precocemente a aterosclerose. A obstrução das artérias
o invento não era nada parecido com algo já patenteado: "Emulsão pode ser uma infinidade de produtos, até creme para ruga".
Com a patente no bolso, Maranhão contatou algumas empresas nacionais. As conversas não avançaram. "A indústria nacional ainda precisa de incentivos para criar uma tradição no desenvolvimento
coronárias costuma surgir depois do primeiro ano do transplante e é a maior causa de morte dos transplantados - o que parece ligado às reações imunológicas pós-cirurgia. Nos pacientes de lúpus, o risco de obstrução coronária é 50 ve:ces maior que o da população geral.
Resultados instigantes- Num projeto encerrado em 1995, Maranhão constatou grave distúrbio metabólico de quilomícron nos pacientes com lúpus eritematoso sistêmico e transplante cardíaco- resultados que relatou no ano passado nas revistas Arthritis and Rheumatism e Transplantation. No atual projeto, pretende ver se há alterações de remoção da LDL, tanto nos pacientes de lúpus (em colaboração com Eloísa Bonfá) como nos de transplante.
Alguns resultados instigantes surgem de outros testes. Com a colaboração de Carmen Cristiano, de sua equipe, e Carlos Eduardo Negrão, do
de produtos farmacêuticos': diz.
A parceria com a iCell resolveu o problema, mas Maranhão ImCla outras batalhas. Uma delas são os estudos clínicos que ainda terão de ser feitos, desta vez fora do Brasil, para a LDE ser aceita no
LDE: registro complicado
exterior. Terá também de rever as técnicas de produção. Hoje, no Incor, a quantidade de LDE suficiente para um paciente absorve três a quatro dias de trabalho. "Em mutirão, podemos atender até dez pacientes numa semana': diz Renato Barboza, técnico do laboratório. É suficiente para a pesquisa, mas não para a produção industrial.
Instituto de Educação Física da USP, Maranhão compara atletas e sedentários com níveis de LDL normais e equivalentes: "Os atletas tiram LDE da circulação duas vezes mais rápido. Verificou-se também que a velocidade de remoção da partícula é proporcional à chamada vo2 máximo - o índice de consumo de oxigênio que avalia a capacidade pulmonar':
Ele espera que, no futuro, qualquer pessoa se possa beneficiar de um exame preventivo com a LDE, para detectar precocemente distúrbios metabólicos que não aparecem num simples exame de sangue. "Hoje, o exame de colesterol é como uma foto. Ele diz quantos miligramas de colesterol há em 100 mililitros de sangue num momento específico. No entanto, o colesterol total é reflexo do que entra na circulação, fabricado pelo fígado, e do que sai, entrando na célula pelos receptores. E é esse processo inteiro que podemos visualizar com a LDE, como num filme." •
PESQUISA FAPESP · MAIODE2001 • 41
CIÊNCIA
Costuma-se usar chás ou infusões da arnica brasileira (Lych
nophora ericoides) contra coceira, picada de mosquito, cortes, dores e inflamações. E funciona. Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto decidiram saber por quê - e conseguiram. Encontraram três substâncias- dois antiinflamatórios e um analgésico - com atividade farmacológica comprovada em animais de laboratório ou in vitro, diretamente em proteínas. Descobriram também o que cada parte da planta produz: raiz e folhas, mais intensamente, produzem substâncias antiinflamatórias, enquanto os analgésicos estão apenas na raiz. O caule, pelo que já se viu, não produz substâncias de interesse farmacológico.
42 · MAIO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
A equipe de Norberto Peporine · Lopes, que coordena esse trabalho, não quer apenas isolar os principias ativos de novos medicamentos. O objetivo é mais amplo: encontrar as melhores condições para o cultivo da planta e a produção de fitoterápicos com qualidade e custos baixos, com a menor quantidade possível de constituintes que possam ter efeitos colaterais. É um percurso que inclui uma revisão nas indicações de uso da arnica, que deve ser apenas tópico (externo). "Não recomendamos a ingestão em hipótese alguma", alerta Lopes. "Algumas substâncias podem ser tóxicas para o fígado." Segundo ele, ninguém sabe ao certo quais são e o que podem fazer as substâncias dos prepa-
rados comerciais feitos com a arnica e vendidos como panacéias contra picadas de mosquito, batidas ou luxações.
Entre as mais de 50 substâncias já encontradas nos diferentes extratos, duas - um antiinflamatório derivado do ácido quínico, do tecido interno das folhas, e a lignana cubebina, com potente atividade analgésica, das raízes- exibiram resultados satisfatórios em testes com camundongos Swiss. O segundo foi descrito num artigo da edição de novembro-dezembro de 2000 da revista Phytochemistry. Outros antiinflamatórios, chamados goiasensolido e centraterina, chegaram a um estágio mais avançado: foram testados diretamente sobre as proteínas associa-
das ao processo inflamatório, também com bons resultados.
Lopes considera o goiasensolido e a centraterina- armazenados principalmente na estrutura da folha chamada tricoma glandular, uma espécie de pêlo modificado- os mais potentes furanoeliandolidos (classe à qual pertencem essas substâncias) inibidores do chamado fator NF-kB, o mensageiro celular responsável pelo início da inflamação. Ao impedir que esse fator se ligue ao DNA (ácido desoxirribonucléico), o NF-kB evita a formação das proteínas iniciadoras da inflamação.
Arnica brasileira (Lychnofora ericoides): arbusto encontrado em serras de
solo seco e rochoso é nativo do país
Mas o goiasensolido e a centraterina podem causar reações alérgicas na pele, uma conseqüência indesejada também da arnica européia (Arnica montana). Por isso, procura-se aperfeiçoar os métodos de extração e purificação. "Já sabemos como separar essas substâncias ou, pelo menos, como reduzir a concentração dessas lactonas", diz Lopes. "Depois, queremos repassar esses processos para pequenas indústrias, que, aí sim, saberão produzir com qualidade e saber o que estão vendendo."
Os pesquisadores começaram a trabalhar em 1998. Em campos rupestres como as chapadas de Pareeis
(MT), dos Veadeiros (GO) e Diamantina (BA) e nas serras do Cipó e da Canastra (MG), fizeram coletas e conversaram com erveiros, raizeiros e curandeiros. Objetivo: informar-se sobre a planta e o preparo dos medicamentos.
Em campo, verificaram que os erveiros vendem tanto as partes aéreas - folhas, flores e ramos - como as raízes, todas indicadas como antiinflamatórios e analgésicos, enquanto os preparados comerciais se valem unicamente das folhas. Perguntando-se por quê, a equipe da USP decidiu estudar as atividades
terapêuticas de cada parte da planta. Encontraram nas folhas apenas substâncias com atividade antiinflamatória e nas raízes principalmente a atividade analgésica, embora também tenham secundariamente propriedades antiinflamatórias.
Imigrantes italianos - Lopes conta que há produtos comerciais da arnica brasileira feitos por empresas de fundo de quintal, sem registro no Ministério da Saúde nem comprovação dos constituintes químicos, embora uma série de relatos confirme seu efeito terapêutico. Já os medicamentos homeopáticos são elaborados com a arnica européia, uma espécie bem estudada e de efeitos comprovados.
A arnica brasileira, exclusiva do país e chamada também de arnica da serra, falsa-arnica ou candeia, começou a ser usada no século 18 por imigrantes italianos, em substituição à variedade européia, aqui inexistente. Pela semelhança do cheiro do óleo essencial, testaram a espécie Lychnophora ericoides, da mesma família, a Asteraceae: o efeito antiinflamatório era o mesmo.
Em conseqüência, popularizouse o uso desse arbusto de até dois metros de altura, encontrado em regiões de campos rupestres ou cerrados de altitude, com solo rochoso e pouca umidade. A extração indiscriminada e a destruição de seus ambientes naturais puseram a arnica na condição de planta vulnerável, segundo a Sociedade Brasileira de Botânica. Mais uma razão para que Lopes decidisse estudá-la.
Cultura de tecidos - Ciente de que a arnica desperta interesse comercial, que pode acelerar sua extração e aumentar os riscos de extinção, a equipe da USP começou a testar a cultura de tecidos da planta, com micropropagação in vitro e técnicas de germinação das sementes. O resultado mais importante, obtido em colaboração de Suzelei França e Ana Maria Soares Pereira, da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp ), foi a obtenção do tecido callus - numa cultura celular desorganizada - que produz o goiasensolido. Pode-se assim obter pelo menos uma das substâncias por processos biotecnológicos, sem extrair da planta.
O estudo da germinação da arnica indicou algo mais determinante do que o solo: a planta só cresce em interação simbiótica com microrganismos de solo, os chamados fungos micorrízicos arbusculares, como demonstrou o engenheiro agrônomo Marcos Eduardo Paron durante seu doutoramento.
Paron, agora professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) em Araras, isolou 21 espécies (dos gêneros Glomus, Scutellospo-
PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2001 • 43
ra, Entrophospora, Gigaspora e Acaulospora) que favorecem o crescimento da arnica. "O cultivo comercial da arnica pode depender de estratégias como a inoculação desses fungos': diz ele. Parece relativamente simples fazer a planta crescer em ambientes nãoserranos: basta cultivar o fungo em plantas-armadilhas (no caso, o sorgo) em vasos com areia estéril e misturar no solo usado para as mudas.
As conclusões têm implicações práticas: "Concluímos que se pode produzir a arnica em qualquer lugar, não apenas em serra, como se pensava, desde que se tenha no solo o tipo de população de fungos de que o arbusto necessita para fazer a simbiose", conclui Lopes. Restava saber o período em que a planta contém
O PROJETO
Monitoramento da Biossíntese de Lactonas Sesquiterpênicas nas Partes Aéreas em Cultura de Células de Lychnophora ericoides e Avaliação das Atividades Antiinflamatória e Analgésica
MODALIDADE
Linha regular de auxílio à pesquisa
COORDENADOR
NORBERTO PEPORINE LOPES -
Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP em Ribeirão Preto
INVESTIMENTO
R$ 50.000,00
44 · MAIO DE2001 • PESQUISA FAPESP
ma1s substâncias com atividades analgésicas e antiinflamatórias. Os erveiros dizem que a arnica só está boa pouco antes e pouco depois da floração, quando a folha solta um óleo pegajoso. Será mesmo? Lopes estudou durante um ano uma planta adulta na Serra da Canastra. No final, dito e feito: a produção do antiinflamatório goiasensolido é maior, de fato, na época citada pelos erveiros.
Lopes era ainda garoto quando começou a gostar dos estudos de campo com plantas. Aos 12 anos, acompanhava o pai, José Norberto Callegari Lo-
inflamatórios e analgésicos. O plano vai além da arnica. A seu ver, desse trabalho podem resultar técnicas de controle da qualidade e produção de medicamentos fitoterápicos de modo geral, não só da arnica.
Patentes - Enquanto isso, prossegue o estudo farmacotécnico, em colaboração com Newton Lindolfo Pereira e Osvaldo de Freitas, também da USP de Ribeirão Preto, que permitirá a produção do fitoterápico caso os testes toxicológicos não revelem efeitos indesejáveis. Também se cuida de uma questão estratégica: o patenteamento dos resultados das pesquisas, vital para se manter em um mercado em crescimento no mundo todo - nos Estados Unidos, os fitoterápicos movimentam cerca de U$ 4 bilhões por ano.
r--'=-------------.~ Atento à realidade, ~ Lopes já patenteou, junto ~
Lopes: arnica cresce em
qualquer solo, com fungos
como o G/omus
pes, que era professor de qmmiCa orgânica na USP de Ribeirão Preto. · Depois de cursar a Faculdade de Ciências Farmacêuticas, fez o mestrado na USP de São Paulo sob a orientação de Massayoshi Yoshida no grupo de Otto Gottlieb, um dos papas dessa área. Tcheco naturalizado brasileiro, Gottlieb desenvolveu aqui a pesquisa com os lignóides, grupo de compostos químicos ao qual pertencem as substâncias analgésicas estudadas em Ribeirão Preto.
Desde março, Lopes está fazendo o pós-doutoramento na Universidade de Cambridge, Inglaterra. Vai trabalhar com cromatografia líquida acoplada a espectrometria de massas, uma técnica que, quando voltar, no início do próximo ano, pretende aplicar no estudo da biossíntese dos anti-
g com Yoshida, Massuo 0'1:
ê Kato e Sérgio Albuquer-~ que, o processo de pro~ ~ dução de duas neoligna-< nas, extraídas da virola
(Viro la surinnamesis), que são 50 vezes mais ativas que a violeta de genciana, um produto comercial utilizado na
profilaxia da doença de Chagas. Lopes dá grande importância à
patente: lembra que certas plantas nativas brasileiras- como a espinheira-santa (Maytenus ilicifolia), indicada no tratamento de úlcera - foram transformadas em medicamentos patenteados por estrangeiros, estimulados até por trabalhos publicados por brasileiros: "Se não regulamentarmos nossa condição de pesquisa, teremos que pagar royalties a outros países para poder vender um material que é nosso de origem': Ele considera fundamental o patenteamento do fitoterápico nativo também por ser um medicamento eficaz e barato, que beneficiará principalmente pessoas que normalmente não compram os medicamentos alopatas devido aos preços altos. •
EDITAL PARA APRESENTAÇÃO DE PROJETOS DE PESQUISA
cfff Inovação Tecnológica
PEQUENAS EMPRESAS A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo- FAPESP, por meio do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas -PIPE, financia projetas de pesquisa destinados à inovação tecnológica de produtos, processos ou serviços com potencial de retorno econômico ou social. As propostas podem ser inscritas até 31 de março, 31 de julho e 30 de novembro. Desde 1998, o PIPE apóia mais de 140 projetas. As condições para apresentação de propostas são as seguintes: Empresa- Qualifica-se para apresentar proposta empresa sediada no Estado de São Paulo, com até 100 empregados. A empresa poderá ser constituída após a aprovação do projeto. Neste caso, a FAPESP somente fará a contratação do projeto após a constituição formal da empresa. Pesquisador - O pesquisador responsável pela elaboração e desenvolvimento do projeto deverá evidenciar experiência e competência na respectiva área de conhecimento, não sendo exigida nenhuma titulação de pós-graduação. Deverá também dedicar um mínimo de 20 horas semanais à execução do projeto. Se o pesquisador não pertencer ao quadro de funcionários da empresa, poderá ser solicitada uma bolsa da FAPESP para dedicar-se ao projeto. Solicitação de apoio: As propostas devem ser encaminhadas à FAPESP, pelo pesquisador com o endosso da empresa, em formulário específico acompanhado da documentação descrita na página www.fapesp.br/ pipe.htm. Peça central para avaliação da proposta é o Projeto de Pesquisa, que deve descrever claramente a inovação pretendida, seu potencial comercial e a metodologia a ser utilizada. Os projetas devem ser organizados abrangendo três fases.
Fase 1: com duração de seis meses e financiamento de até R$ 75 mil, destina-se à pesquisa de viabilidade técnica da inovação proposta. Fase 11: com duração máxima de dois anos e financiamento de até R$ 300 mil, destina-se ao desenvolvimento propriamente dito do projeto de pesquisa. Nesta fase, somente serão financiados os projetas considerados bem sucedidos na Fase I e que apresentem um bem estruturado Plano de Negócios para a comercialização da inovação resultante. Para a elaboração desse plano, as empresas poderão contar com a orientação do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - SEBRAE-SP. Fase III: destina-se ao desenvolvimento de produtos com base nos resultados obtidos na fase anterior. Nessa fase, os custos caberão exclusivamente à empresa, podendo a FAPESP apoiá-la na busca de financiamento de outras fontes. Para esse fim, a FAPESP firmou convênios com o SEBRAE e com a Financiadora de Estudos e Projetas - FINEP e tem buscado estabelecer cantatas com empresas de capital de risco que possam efetivamente apoiar a produção de inovações para o mercado.
Próximo prazo para apresentação de propostas: 31 de julho de 2001 . Seleção dos projetas: A análise das propostas segue a sistemática de avaliação pelos pares, sendo cada proposta encaminhada a assessores ad hoc, especialistas na área em que se enquadra o projeto de pesquisa. Nenhum setor da atividade econômica é priorizado. • Informações detalhadas, formulários e a lista dos projetas já financiados pelo PIPE, podem ser obtidos na página www.fapesp.br/pipe.htm ou à rua Pio XI, 1500, Alto da Lapa, São Paulo- SP. • Informações adicionais podem ser solicitadas por correio eletrônico no endereço [email protected]
SECRETARIA DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
CIÊNCIA
EPIDEMIOLOGIA
Mosquitos: o perigo avança Especialista prevê que a febre amarela urbana e a malária voltarão a atacar o Sudeste
SUZEL TUNES
Em 1989, o epidemiologista Oswaldo Paulo Forattini, da Fa
culdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), já dizia que a população deveria ser vacinada contra a febre amarela, como rotina. Foi considerado alarmista, até por colegas. O tempo provou que a preocupação era fundada: a febre amarela voltou a ser problema de saúde pública no Brasil todo.
Hoje, Forattini faz dois no-vos alertas sobre a provável vol-ta de doenças tropicais, especificamente à região Sudeste: a febre amarela urbana, que as-solou o país no começo do sé-culo 20 até ser considerada erradicada em 1942, e a malária, que também foi endêmica até a primeira metade do século 20. O aviso é dado com voz calma por esse professor de 77 anos, coordenador do Núcleo de Pesquisa Taxonômica e Sistemática em Entomologia Médica da Faculdade de Saúde Pública da USP (Nuptem). Longe de alarmar, preocupa-se em fazer prevenção.
Há dez anos ele estuda a adaptação de insetos potencialmente vetares (transmissores) de doenças às condições ambientais criadas pela interferência humana- fenômeno chamado sinantropia ou domiciliação. Um deles é o mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue que assola o país e da febre amarela urbana, considerada oficialmente erradicada.
46 • MAIODE2001 • PESQUISA FAPESP
Navio negreiro - Os mosquitos que chamamos de pernilongas, muriçocas ou carapanãs são da família dos culicídios ( Culicidae), na maioria hematófagos - chupam sangue. Antes da fase adulta, vivem como larvas num meio aquático, junto ao qual a fêmea põe os ovos. Entre os culicídeos estão os transmissores da febre amarela, da dengue e da malária.
Forattini revela que o Aedes aegypti chegou ao Brasil na fase colonial. Seus ovos viajaram em tonéis nos navios negreiros. Podendo resis-
Aedes aegypti, adaptado ao ambiente humano: dengue e febre amarela urbana
tir meses antes de eclodir na água, esses ovos ficavam grudados nas laterais internas de recipientes vazios, até que estes fossem novamente enchidos, o que possibilitava a eclosão.
Até a década de 1950, o culicídio do gênero Aedes- que ataca nas primeiras horas da manhã e à tardezinha e suga o sangue logo depois de pousar - encontrou ambiente fértil para proliferar. Por sua importância
como vetar da febre amarela, sofreu acirrado combate nas primeiras décadas do século 20 por exércitos de agentes sanitários comandados pelos sanitaristas Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, e Emílio Ribas, em São Paulo (ver quadro), até ser considerado oficialmente erradicado em 1957.
Anos depois, contudo, ele seria observado no Pará e em Salvador, e reapareceria dramaticamente em 1986 no Rio de Janeiro, agora como transmissor da dengue - que a partir daí tornou-se endêmica no país, com surtos anuais: só no Estado de São Paulo foram registrados 45 mil casos nos últimos cinco anos.
Agora os especialistas se perguntam: qual o risco de uma cidade
atingida pela dengue ser novamente alvo da febre amarela urbana? Um pesquisador da equipe de Forattini faz estimativas: Eduardo Massad, professor de Informática Médica e Métodos Quantitativos em Medicina e vice-diretor da Fa-
culdade de Medicina da USP, constrói gráficos de risco poten
cial que incluem população de mosquitos, taxa de picadas e vire
mia - período do risco de uma pessoa infectada poder transmitir a doença. No caso da dengue, por exemplo, como o vírus fica por mais tempo na corrente sanguínea (cerca de uma semana), o período de viremia é maior que o da febre amarela (cerca de dois dias).
Massad e equipe fizeram um estudo comparativo de cidades paulistas, que foi aceito para publicação na revista Transactions of the Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene. Diz ele: "Para estimar o risco de uma epidemia de febre amarela urbana numa área infestada pela dengue, calculamos um índice de intensidade
Intervenções ambientais intensas no campo favorecem o aumento de insetos transmissores adaptáveis à proximidade humana
de transmissão da doença, limiar acima do qual qualquer indivíduo infectado por febre amarela silvestre pode detonar uma epidemia de febre amarela urbana". Isto é, tornar-se transmissor ao ser picado por mosquitos urbanos não infectados, o que produz uma reação em cadeia. Significativamente, dois casos autóctones de febre amarela foram registrados na região de Araraquara, que apresentava altos índices de dengue.
Homem favorece - O risco de retorno dos vetores dessas doenças é explicado pela ação humana no ambiente. "Na década de 50, havia poucos recipientes nos quais as larvas do inseto podiam se desenvolver", lembra Forattini. "Não tínhamos recipientes de plástico e os carros eram privilégio dos ricos. Hoje temos uma enorme quantidade de pneus e de garrafas ou potes de plástico jogados a céu aberto."
Além desse material descartado, ele detectou um tipo de criadouro
ainda difícil de eliminar: as belas bromélias nas residências do Rio de Janeiro, uma das cidades mais atingidas pela dengue, e cujas folhas e flores funcionam como um cálice para a água: "As bromélias são recipientes regados todos os dias e dos quais o proprietário não quer se descartar". Recentemente, autoridades estimaram que 90% dos focos cariocas de Aedes estão nas residências e ao menos 70% em vasos de plantas.
Alterações ambientais na zona rural também favorecem insetos que, ao adaptar-se ao ambiente antrópico -resultante da atuação humana -, podem se tornar transmissores. Foi o que os pesquisadores constataram noVale do Ribeira em projeto temático desenvolvido de 1991 a 1995: ''As novas técnicas de irrigação artificial com finalidade agrícola fizeram aumentar os casos de Anopheles albitarsis, mosquito veto r da malária': diz Forattini. Esse inseto veio somar-se aos Anopheles cruzii e Anopheles bellator, já presentes no ambiente e reconhecidos como ve-
tores endêmicos de malária na região. Por ora, a malária no Vale do
Ribeira é hipoendêmica - há poucos casos adquiridos ali e são formas brandas, transmitidas por insetos que tiveram contato com o protozoário do gênero Plasmodium, causador da doença. Contudo, a presença de mais um vetor importante associada às atuais facilidades de transporte podem trazer a malária rapidamente do Norte para o Sudeste do país.
"A irrigação artificial também gerou um aumento na população de Culex nigripalpus, mosquito transmissor de um tipo de encefalite ornitológica, e de Aedes scapularis, mosquito que tem grande tendência a se domiciliar': diz o pesquisador. "Para mim, foi o grande transmissor da encefalite rocio no Vale do Ribeira há cerca de 20 anos, embora não tenhamos encontrado insetos contaminados na ocasião." A época em que a encefalite rocio fez vítimas fatais, lembra, coincidiu com as obras da Rodovia dos Imigrantes: "Grandes quantidades de areia da Bai-
PESQUISA FAPESP · MAIO DE 2001 • 47
... e no Estado de São Paulo em 2000
Distribuição do Aedes aegypti nas Américas em 1970, quando terminava um programa de erradicação, e em 1997 ... MINAS
GERAIS
PARANÁ
1997 Fonte: Sucen
• Áreas infestadas
xada Santista eram retiradas para a construção de seus viadutos, formando buracos que, preenchidos pela água da chuva, favoreceram a proliferação do Ae. scapularis. Não por acaso, os primeiros casos surgiram na Baixada Santista, para depois atingirem a região do Vale do Ribeira".
Ilha Comprida - Num segundo projeto, Forattini aprofunda o estudo de culicídeos em áreas modificadas pela ação humana. Pesquisou localidades do litoral norte e os vales do Paraíba
e do Ribeira - especialmente Ilha Comprida, que se separou de Iguape em 1992 e está sujeita a rápidas e profundas alterações.
No litoral sul, a 220 quilômetros da capital, esse município tem 296 quilômetros quadrados, dos quais 70% são Área de Proteção Ambiental. A ilha sofre o impacto do turismo: a população de 6 mil habitantes chega a aumentar dez vezes na temporada. "O resultado você pode ver na quantidade de lixo
Um trio pronto para atacar Doenças tropicais antes conside
radas erradicadas das regiões mais povoadas do país e confinadas sobretudo a áreas de floresta, a febre amarela, a dengue e a malária têm algumas características básicas.
Dengue - É causada por um arbovírus também do gênero Flavivirus, transmitido pelo Aedes aegypti, originário da África e que vive junto a domicílios humanos. Dos quatro tipos de vírus, no Brasil são mais comuns o 1 -responsável pela forma mais branda da doença - e o 2, causador da febre hemorrágica, que pode levar à morte. Já foram encontradas, porém, pessoas infectadas pelo 3. Os relatos mais antigos no país são de
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uma epidemia em 1846 - em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador -, mas a primeira documentada foi Oswaldo Cruz
a de 1981 em Ro-raima. Em 1986, uma forte epidemia irrompeu no Rio de Janeiro com cerca de 1 milhão de casos. Hoje a doença se espalha por centros urbanos de quase todo o país.
Malária - Conhecida popularmente como maleita, caracteriza-se por febre intermitente, calafrios, suor, dores, vômito, icterícia e falta de apetite. Causada por protozoários do gênero Plasmodium, cujas formas
jogada nas praias", resume Forattini. Essa flutuação populacional facilita a entrada de agentes infecciosos, que se aproveitam dos vetares biológicos já ali instalados, e isso aumenta o risco do surgimento das doenças. Assim, mais do que comprovar o aumento de insetos- no primeiro projeto temático-, a equipe queria avaliar a competência dos vetares, sua capacidade de sobrevivência e de reprodução.
Armadilhas- De 1996 a 2000, a equipe cuidou de coleta, identificação e
Emílio Ribas
mais comuns são a vivax, mais benigna, e a falciparum, mais grave, é transmitida por mosquitos Anopheles. No Brasil, cinco são vetares de malária: Anopheles darlingi, An. aquasalis, An.albitarsis, An. cruzii e An.bellator. A área endêmica é a Amazônia. É uma doença conhecida desde a Antiguidade, quando, por ser típica de ambientes úmidos e quentes, acreditava-se que era causada por emanações e miasmas prove-
estudo da capacidade vetara de várias espécies, sobretudo Aedes aegypti, Ae. albopictus, Ae. scapularis, Anopheles albitarsis, An. bellator, An. cruzii e Culex quinquefasciatus. Para coletar os insetos vivos, os pesquisadores usaram várias armadilhas: Shannon, uma tenda de pano branco onde os insetos pousam e são capturados manualmente; CDC, armadilha com gelo seco que, ao liberar gás carbônico, imita a respiração humana e atrai os insetos para um aspirador; e isca humana, termo consagrado do qual Forattini não gosta. Isca sugere risco de contaminação, que não há, pois o
nientes dos pantânos. Só nas últimas décadas do século 19 se descobriu que é transmitida por mosquitos, até então só malvistos pelos transtornos das picadas.
Febre amarela - Doença infecciosa aguda, pode ser quase assintomática ou evoluir para formas graves, com febre, icterícia progressiva, hemorragia e morte. É causada pelo vírus amarílico- arbovírus do grupo B, gênero Flavivirus. Há dois tipos: silvestre e urbana. Na silvestre, os vetares são fêmeas de culicídeos do gênero Haemagogus, que se infectam ao sugar macacos portadores. É a que hoje atinge o Brasil, sobretudo os Estados da Amazônia, Goiás e Distrito Federal. Já a forma urbana surge quando uma pessoa infectada pela
pneus, recipientes plásticos
..,~,A..-~ e, cada vez mais, bromélias
coletor trabalha vestido e captura o inseto com um aspirador manual, antes mesmo que ele pouse.
Só entre maio de 1995 e novem-
silvestre é picada por fêmeas do he- l matófago Aedes aegypti, - o que faz a infecção espalhar-se rapidamente.
Hoje considerada erradicada, no início do século 20 a forma urbana fez muitas vítimas: entre 1900 e 1902, morreram 1.627 pessoas só no Rio de Janeiro. Em 1903, o presidente Rodrigues Alves convocou o sanitarista Oswaldo Cruz para liderar uma intensa campanha contra o mosquito, -que, feita sem conscientização, gerou distúrbios e repressão. Contudo, a campanha foi eficiente e, desde 1942, o Brasil só registra febre amarela silvestre: segundo o Centro de Vigilância Epidemiológica, 446 casos e 241 mortes de 1980 a 1999. A principal medida de controle é a vacinação de moradores e pessoas que se deslocam para áreas endêmicas.
-
bro de 1996, a equipe coletou em Ilha Comprida e Cananéia 66.769 insetos, dos quais 40.362 formas imaturas e 26.407 adultos, com predominância de Aedes albopictus, Ae. scapularis e Culex quinquefasciatus. O passo seguinte foi iniciar a comparação dessas populações, uma ferramenta para a vigilância epidemiológica.
Perigo asiático - Chamou a atenção no Aedes albopictus - que chegou da Ásia há cerca de 20 anos e é chamado "tigre asiático" - o alto índice de sinantropia, a facilidade de adaptar-se ao ambiente humano. Forattini o identificou pela primeira vez no Rio de Janeiro e constatou que se expande para oeste, empurrando o Ae. aegypti. "A larva contenta-se com menos alimento e prolifera mais."
A espécie asiática ainda não foi responsabilizada por nenhum caso de dengue no Brasil. Mas ainda se estuda se também pode ser vetar de febre amarela. Isso pode sugerir que sua eventual vitória na competição com o Aedes aegypti, transmissor das duas doenças, possa ser positiva. O pesquisador prefere não acreditar nisso: "Eu não confiaria numa espécie hematófaga. Além do mais, na Ásia, o Aedes albopictus é vetar da dengue e, nos Estados Unidos, transmite um tipo de encefalite humana. Aqui, aparece em grande quantidade na área urbana. Será que já existem albopictus entre os Aedes que transmitem dengue no Brasil?", pergunta. Assim, acha mais prudente pensar no risco de a espécie asiática tornar-se um vetar ainda mais resistente e perigoso à saúde humana que o Aedes aegypti.
Potencial infector- Eliminar essa dúvida é um dos objetivos do atual projeto, que ele coordena até 2004. O foco, agora, é o potencial sinantrópico (adaptação ao ambiente humano) dos culicídeos e sua capacidade de transmitir infecções. Uma pesquisadora da equipe, Zoraida Fernandez, do Instituto Nacional de Higiene Rafael Rangel, de Caracas, está na Universidade do Texas fazendo ensaios de
PESQUISA FAPESP · MAIO DE 2001 • 49
capacidade de transmissão de viroses com populações de Aedes albopictus. Primeiro, são testes com o vírus da encefalite eqüina venezuelana, isolado numa epidemia de 1995 naquele país. Depois, usará o vírus da dengue subtipo 1 C, isolado recentemente em São Paulo. "Tal objetivo, combinado com a estimativa de longevidade, permitirá avaliar, para as nossas populações, a competência vetara dessa espécie", assegura Forattini.
E o terceiro projeto temático continua, nos vales do Ribeira, do Paraíba e litoral norte. Ilha Comprida foi escolhida como ecossistema natural. No Vale Forattini: armas são vacina e educação do Paraíba, Taubaté exemplifica o meio urbano industrializado. Ilhabela, no litoral norte, entra como pólo turístico. E, no centro do Estado, Araraquara representa o ecossistema rural altamente modificado pela agropecuária.
Para estudar as formas imaturas, sobretudo de Aedes aegypti e albopictus, a equipe examina criadouros naturais e artificiais. Recipientes de três tamanhos - até 1 litro, até 10 litros e de mais de 10 litros- são examinados a cada 15 dias. Para prevenir a produção de adultos, coletam-se larvas e pupas, ainda no estágio aquático.
Fórmula- "Com esse experimento, poderemos determinar uma possível preferência por volume de recipiente artificial': explica Forattini. "Nosso objetivo é identificar e avaliar a produtividade dos criadouros, estimar a competitividade entre as populações, o relacionamento no meio antrópico e, finalmente, propor o que se poderia designar como índice de sinantropia" (adaptabilidade ao ambiente humano). Para chegar a esse número, ele adaptou uma fórmula criada na década de 60 pelo entomologista finlandês Pekka Nuorteva para estudos ecológicos sobre mosquitos: S = 2a + b - 2c/2. A fórmula baseia-se nos porcentuais de exemplares coletados em ambiente domiciliar
50 • MAIO DE2001 • PESQUISA FAPESP
(a), ambiente antrópico parcialmente alterado (b) e florestas residuais (c).
O pesquisador considera ainda escassos os estudos que focalizem o processo de domiciliação, pois a saúde pública nunca dispôs de muitos recursos para isso. Acredita, no entanto, que aí está a solução do problema das doenças infecciosas na população humana. Avalia que as tentativas de controle biológico, com o uso de predadores naturais como a libélula, ainda não deram os resultados esperados. E experimentos de engenharia genéti-. ca para produzir populações de insetos estéreis são incipientes. Restaria, por-
OS PROJETOS
Culicidae do Agro-Ecossistema Irrigado e seu Significado Epidemiológico (1997-7995), Culicidae em Area de Transformação Antrópica e seu Significado Epidemiológico (1996-2000) e Estudos sobre Domiciliação do Mosquito Culicidae (2000-2004)
MODALIDADE
Projetas temáticos
COORDENADOR
ÜSWALDO PAULO FORATTINI- Faculdade de Saúde Pública da USP
INVESTIMENTOS
US$ 175.300,00, R$ 179.485,00 e US$ 8.412,00
tanto, aprender a conviver com os insetos, o que pressupõe um conhecimento consistente sobre suas características.
Quanto aos vírus, seria preciso domesticá-los: "Conseguiu-se controlar a poliomielite porque as populações são inoculadas com o vírus atenuado. O estudo do genoma pode resultar numa domesticação do vírus da dengue e do parasito da malária':
Além da vacinação, ele aposta na melhor distribuição de renda e na educação para minimizar esses e outros impactos da transformação do ambiente pelo homem. Acha que uma das grandes dificuldades no combate à dengue é conscientizar a população para evitar depósitos de água parada - problema que viria mais da ignorância que da displicência. Para confirmar, cita um episódio ocorrido há quase 100 anos. "Durante a construção do Canal do Panamá, as freiras que cuidavam de doentes acamados costumavam colocar copos com água aos pés das camas, para evitar que seus pacientes fossem mordidos por formigas. Protegidos das formigas pela piedade das freiras, muitos acabaram morrendo de febre amarela."
Formado em 1949 pela Medicina da USP, Forattini aposentou-se em 1994, mas vai diariamente à Faculdade de Saúde Pública da USP para dar aulas, orientar teses, organizar a coleção de referência da faculdade -35 mil exemplares de insetos, alguns com seu nome, como Lutzomyia forattinii e Anopheles forattinii, bem como o protozoário Leishmania forattinii. Pelo primeiro volume de Culicidologia Médica, editado pela Edusp em 1996, recebeu o Prêmio Jabuti de Ciências Naturais, da Câmara Brasileira do Livro. O segundo volume está no prelo: enquanto o primeiro enfocava a morfologia dos insetos, este é mais voltado para a epidemiologia. Ao comparar o momento atual com o dos três primeiros volumes de Entomologia Médica, que publicou de 1962 a 1965, ele lamenta: "Na época, a dengue só existia na Venezuela e a febre amarela era assunto resolvido". •
CIÊNCIA
MATERIAIS
Supercondutor à temperatura ambiente Um grafite pirofítica parece comportar-se como supercondutor até a 2rc
MARCOS PJVETTA
Em maio de 1999, Yakov Kopelevich e Sérgio Moehlecke, do
Instituto de Física Glleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), faziam medições magnéticas em nanotubos de carbono e grafite quando algo inesperado aconteceu. Uma amostra de grafite extremamente puro que era usado como controle no experimento -chamado de grafite pirolítico altamente orientado e conhecido pela sigla em inglês HOPG - começou a comportar-se de forma surpreendente. Dentro de um intervalo de temperatura muito amplo, entre 2 e 300 graus Kelvin (K) - ou desde -271 até 27 graus Celsius (0 C) -, ele se comportava como um supercondutor, tendo essa propriedade localizada em pequenas regiões tipo "grãos" ou "ilhas".
Sabe-se que um material se torna supercondutor quando, abaixo de uma determinada temperatura crítica (T c), consegue transmitir corrente elétrica com zero de resistência (perda da energia produzida, em forma de calor). Cada material tem uma T c diferente. Até o momento, um composto de óxido de cobre, o HgBa2Ca2Cu30 8+X, tem sido considerado o supercondutor com T c mais elevada: gélidos -1 09°C ( 164 K) . O grafite pirolítico estudado na Unicamp vai extremamente além disso. Ele abrange uma ampla faixa de temperaturas ambientes comuns que vai culminar em 27°C.
Embora composto só de átomos de carbono, como o grafite comum, o HOPG tem características físicas totalmente diferentes do material que recheia os lápis. Sintetizado industrialmente em condições de temperatura de 3.ooooc e pressões elevadas, é um policristal extremamente puro, composto de camadas paralelas de átomos de carbono. É usado como substrato ou na calibragem de alguns tipos de microscópio, como o de tunelamento e o de força atômica. Uma
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refeitos confirmam as propriedades
. pequena amostra - com milímetros de espessura e menos de um centímetro quadrado de área - pode custar até US$ 1.000, de acordo com as especificações.
Os indícios de supercondutividade no HOPG, cujas amostras usadas no experimento inicial haviam sido trazidas da Rússia por um colega de Kopelevich, intrigaram e instigaram o pesquisador da Unicamp, que imediatamente deixou de lado os estudos com nanotubos para concentrar-se nas análises do grafite. Afinal, não havia (e ainda não há) nenhum material que comprovadamente mantenha as propriedades de supercondutor em condições minimamente próximas da temperatura ambiente, o que seria algo revolucionário. "Ti-
vemos sorte nessa descoberta", diz Kopelevich, que há oito anos trocou a carreira de pesquisador na Rússia pela vida acadêmica no Brasil. Uma segunda propriedade detectada no grafite HOPG foi o ferromagnetismo, fenômeno pelo qual materiais se transformam em ímãs quando expostos a um campo magnético.
Confirmação e cautela - Surpreso com o resultado do experimento, Kopelevich tratou de refazê-lo para confirmar as medições. "Conseguimos reproduzir a experiência", afirma ele, que iniciou os estudos com grafite no projeto sobre nanotubos e continuou num projeto temático sobre supercondutores iniciado em 1994 sob a coordenação de Sérgio Moehlecke -e, a partir de 1998, de José Antonio Sanjurjo, falecido no início deste ano. Hoje, além de participar do temático, Kopelevich mantém seu projeto individual sobre um novo método para medir a resistência não-local em supercondutores (fora da região em que a corrente é aplicada).
Para avaliar esse trabalho com rigor, qualquer físico dessa área perguntaria se o HOPG apresentou o chamado efeito Meissner, uma das evidências mais fortes de que a supercondutibilidade é real. Nota-se o efeito Meissner quando, aplicado um campo magnético sobre o material, forma-se uma corrente em sua camada externa e seu interior expulsa um fluxo magnético de sentido contrário. É esse efeito que faz um ímã, com um campo magnético permanente, levitar quando colocado sobre um supercondutor. O HOPG apresentou o efeito Meissner, tal qual um supercondutor à base de bismuto com T c de -18 3 °C, uma tem per atura crítica considerada alta pelos físicos (ver gráficos).
PESQUISA FAPESP · MAIO DE 2001 • 51
Avanços e promessas em 90 anos A busca por supercondutores
que funcionem a temperaturas cada vez mais altas continua a ser um grande objetivo. É enorme o potencial de uso de um hipotético material capaz de transmitir corrente elétrica com resistência zero em condições ambientais próximas daquelas em que o homem vive. Os atuais fios e cabos elétricos, por exemplo, poderiam ser substituídos por similares revestidos desse supercondutor à temperatura ambiente, com economia e maior eficiência na transmissão de energia.
Contudo, desde que foram descobertos, há 90 anos, os supercondutores têm aplicações restritas, por causa, justamente, das temperaturas baixas que exigem. Os encontrados de 15 anos para cá acumulam mais promessas que realizações: ainda não resultaram em aplicações por-
que é difícil fazer fios com eles. Para servirem a algum uso prático, os disponíveis no mercado têm de ser resfriados a temperaturas baixíssimas, em processos muito caros. É o caso, por exemplo, dos ímãs usados em aparelhos de ressonância magnética, feitos com ligas metálicas supercondutoras. Para que funcionem como foram concebidos, esses ímãs têm de ser resfriados abaixo do T c da liga, por meio de imersão em hélio líquido a -269°C. Não é à toa, portanto, que se vêem com freqüência caminhões entregando hélio líquido em hospitais que usam esses aparelhos.
Depois de mais de uma década em aparente banho-maria, sem produzir nenhuma descoberta de grande impacto, neste ano a pesquisa na área voltou a esquentar em todo o mundo. Em janeiro, cientistas japo-
Mesmo convencido de que em seu trabalho não há erro, de medição ou provocado por impurezas nas amostras de grafite, o físico optou por discrição e prudência. Em parceria com
OS PROJETOS
Estudo de Materiais Supercondutores
MODALIDADE
Projeto temático
COORDENADOR
Jos~ ANTONIO 5ANJURJO - Instituto de Física da Unicamp
pesquisadores da Unicamp, da Universidade de Leipzig, Alemanha, e do A. F. Ioffe PhysicoTechnical Institute de São Petersburgo, Rússia, Kopelevich redigiu artigos científicos e os enviou para publicações especializadas, relatando os resultados.
neses da Universidade Aoyama Gakuin revelaram que um conhecido composto intermetálico de magnésio e boro, o MgB2, é um supercondutor barato e eficiente quando resfriado a -234 °C.
Em março, uma equipe dos Laboratórios Bell, nos Estados Unidos, mostrou ao mundo o primeiro composto plástico, o polímero politiofeno, que se comporta como supercondutor - desde que integrado a uma espécie de transistor e submetido a -270°C. Apesar de as temperaturas necessárias para transformar esses compostos em supercondutores serem extremamente baixas, as duas descobertas foram, por motivos diferentes, muito festejadas - e seriam muito mais se funcionassem à temperatura ambiente.
O MgB2 é o composto metálico estável com T c mais alta, o que o torna candidato potencial a gerar novas ligas supercondutoras com
INVESTIMENTO
R$ 61 .890,00
De dois anos para cá, os trabalhos foram publica
Kopelevich: convencido de que não há erros no que fez
Estudo do Estado dos Vórtices em Supercondutores de Alta Temperatura através de Medidas Não-Locais
MODALIDADE
Auxílio a projeto de pesquisa
COORDENADOR
YAKOV KOPELEVICH- Instituto de Física da Unicamp
INVESTIMENTO
R$ 18.989,00 e US$ 54.1 33,40
52 • MAIO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
dos em três revistas: ]ournal of Low Temperature Physics, Physics of The Solid State e Solid State Communications. Neles, deixa claro que em suas experiências o grafite pirolítico pareceu comportar-se como um supercondutor, mas evita afirmar categoricamente que seja, sem dúvida, um supercondutor à temperatura ambiente. "É preciso ser cuidadoso", pondera Kopelevich.
Para embasar sua aposta nas propriedades supercondutivas do HOPG, o físico tem investido em várias frentes. Além de refazer o experimento nas mesmas lâminas de grafite pirolítico trazidas da Rússia, mediu a supercondutividade em placas fabricadas pela empresa norte-americana Union Carbide - indício de que o fenômeno detectado não parece decorrer de uma amostra com impurezas.
temperatura crítica mais elevada. Kopelevich comenta: "Devido ao fato de o MgB2 ser um material isoeletrônico ao grafite, essa descoberta também motivou uma séria reconsideração das propriedades físicas do grafite. Por exemplo, G. Baskaran, um físico teórico famoso, recentemente argumentou que existem fortes correlações supercondutoras no grafite. Nossos resultados fornecem a evidência experimental de que isto realmente ocorre. Ainda sobre o MgB2, o grupo liderado pelo físico Oscar de Lima, que também faz parte do
O politiofeno é importante por inaugurar a família dos plásticos supercondutores, algo inusitado, já que em condições normais os polímeros não são bons condutores de eletricidade.
Se essas duas notícias foram festejadas pela comunidade científica e provocam um novo surto na pesquisa de supercondutores, uma terceira, ainda que aparentemente promissora, é vista com ressalvas. Liderado pelo cientista Danijel Djurek, um time de pesquisadores de três instituições croatas - Universidade de Zagreb, Instituto Ruder
Boskovic e a companhia local Avac -diz ter ido além do que seus colegas japoneses e norte-americanos obtiveram. Eles garantem ter evidências de que um composto de prata, chumbo, carbono e oxigênio se transforma em supercondutor à temperatura ambiente. Sua T c é, segundo os croatas, de quase inacreditáveis 70°C. Se comprovada, essa T c permitiria ao material transmitir corrente elétrica sem resistência em qualquer ambiente natural do planeta- até nas areias escaldantes de um deserto. Como ninguém conseguiu ainda refazer a experi
projeto temático, fez uma contribuição inédita, determinando que as propriedades supercondutoras do MgB2 dependem da direção em que um campo magnético externo é aplicado".
A assinatura de um supercondutor ência de Djurek e os croatas já se enga-
Agora, ele tenta encontrar evidências de supercondutividade em monocristais de grafite. "Se conseguirmos isso, vai ficar claro que a supercondutividade é mesmo do material grafite': comenta o pesquisador da Unicamp.
O grafite pirolítico apresentou o efeito Meissner, uma característica específica dos supercondutores, à temperatura ambiente (27° C), bem acima da
verificada para o material à base de bismuto (T c= -183° C)
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naram uma vez nesse assunto, a possível descoberta ainda não obteve aceitação.
jamos". Na pior das hipóteses, foi aberta uma nova linha de pesqmsa.
O físico Carlos Rettori, seu colega na Unicamp, que também participa do projeto, lembra que os trabalhos com grafite pirolítico estão na verdade sen-do retomados. "Há Por enquanto, ainda
não obteve esse tipo de registro. Flagrou apenas ferromagnetismo nos monocristais.
Obs.: as setas indicam o sentido do campo magnético aplicado sobre o material, que parte do zero, atinge o pico e retorna ao valor inicial. Fonte: Yakov Kopelevich- /FII Unkamp
15 anos, tínhamos realizado algumas
Caminho longo - Kopelevich acredita que o HOPG pode ser um tipo de supercondutor com potencial para transmitir correntes fracas, pelo menos. E, ao contrário da maioria dos supercondutores, aparentemente não perde a capacidade de transmitir corrente com resistência zero mesmo quando apresenta ferromagnetismo,
uma propriedade que precisa ser mais bem analisada.
Tudo o que ele não quer é provocar em relação às suas pesquisas com o grafite pirolítico o mesmo tipo de ceticismo despertado pelas experiências de um grupo de cientistas croatas (ver quadro). Sabe que o caminho pode ser longo e tortuoso e que, no fim, "o HOPG pode não ser um supercondutor tão promissor como dese-
medições com esse mesmo material", lembra Rettori. ''Agora Kopelevich está ressuscitando esse tema e nós também voltamos a estudar o material. Nossos estudos recentes demonstram sem ambigüidades a presença de ferromagnetismo itinerante no grafite e também a possibilidade da supercondutividade a alta temperatura:' Kopelevich está convencido de que existe supercondutividade à temperatura ambiente. •
PESQUISA FAPESP · MAIODE2001 53
TECNOLOGIA
Anti-hipertensivo na casca de uva sui sensores para medir a umidade do solo e a temperatura ambiente, informações que são processadas por microprocessadores para acionar ou não, de forma automática, o sistema de irrigação", explica o professor Francisco Erivan de Abreu Melo. "Existem sensores também para controlar a pressão da água e indicar a hora certa de limpar os filtros." Erivan é professor do Departamento de Física da UFC e tem como sócio na empresa um ex-aluno de doutorado, Antônio Themoteo Varela, atual professor do Centro Federal de Educação e Tecnologia do Ceará. Além do Siagrícola, eles possuem mais dois pedidos de patente. São automatizadores com infravermelho para válvulas hidras de vasos sanitários e de torneiras. •
O processo de extração de um suco com propriedades anti-hipertensivas da casca da uva Vitis labrusca foi patenteado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Essa uva, também chamada de Isabel, possui frutos pequenos, de coloração negra, usados na preparação de sucos e de vinhos, vendidos normalmente em garrafões. São os chamados vinhos de colono. As Extrato da casca de uva baixou a pressão arterial em ratos benesses anti-hipertensivas dessa uva estão em um estudo pré-clínico do médico Roberto de Moura, professor de farmacologia do Instituto de Biologia da Uerj. Ele seguiu a pista de vários trabalhos científicos que apontam doses moderadas de vinho como benéficas à saúde do sistema cardiovascular. Ao tentar descobrir onde estavam os princípios ativos que combatem os
• Bioinseticida com protetor solar
O controle biológico da lagarta da soja (Anticarsia gemmatalis), uma das principais pragas dessa cultura, recebeu uma inovação importante nos laboratórios da Embrapa Meio Ambiente, com sede em Jaguariúna (SP). Um vírus (Baculovirus anticarsia) encontrado na natureza e mortal para a lagarta recebeu uma película protetora que funciona como um protetor solar. Assim, ele pode ser pulverizado nas plantações junto com água sem ser molestado pelos raios ultravioleta do
54 · MAIO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
males do coração, Moura testou extratos da polpa e da casca em ratos hipertensos. "Com a polpa não aconteceu nada, mas com a casca a pressão baixou", explica. O pesquisador não sabe ainda qual das substâncias existentes na casca -ou a associação entre elas -provoca o efeito anti-hipertensivo. Para tentar encontrar essa resposta seriam ne-
sol. Sem essa proteção, o vírus fica inativo em poucas horas. "Recobrimos o vírus com um material particulado que torna o bioinseticida mais eficaz", diz a pesquisadora Claudia Medugno, que desenvolveu o trabalho junto com Marina Lessa. A Embrapa fez o depósito internacional da patente do novo processo por meio do Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes. Esse acordo permite a escolha dos países com mercado potencial para se depositar a patente e também favorece o pagamento dos registres com taxas menores e com maior prazo. •
cessários grande investimento e muitos anos de pesquisa. Para contornar esse problema, ele acredita que o composto extraído da casca da uva possa ser colocado no mercado como produto fitoterápico em forma de cápsulas. Ele já foi procurado por indústrias farmacêuticas que querem fazer um convênio para a utilização da patente. •
• Controlador para sistema de irrigação
Otimizar o consumo de água e energia elétrica em equipamentos de irrigação. Essa é a função do Sistema de Irriga
• Cuidados com a temperatura da fruta
Uma pesquisa realizada no Recife na área de Nutrição mostrou que a comodidade excessiva pode voltar-se contra o consumidor moderno. Frutas descascadas prontas para serem consumidas são expostas a uma temperatura inadequada nas prateleiras dos supermercados. A profes
ção Automatizado (Siagrícola) desenvolvido pela Etetech, de Fortaleza (CE), empresa incubada no Parque de Desenvolvimento Tecnológico (Padetec) da Universidade Federal do Ceará (UFC). "O aparelho pos-
Siagrícola: medição da umidade do solo
sora Karla Suzanne Damasceno, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), decidiu avaliar o melão espanhol, de grande produção em Pernambuco. "Comprei o melão como consumidora e fiz
análises microbiológica, físico-química e sensoriais", diz Karla, que defendeu tese sobre o assunto na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A conclusão das análises mostrou que à temperatura que fica exposta no supermercado, a 15°C, a fruta perde frescor, cor, sabor e murcha em 24 horas. O ideal é a exposição a 4°C. Nessa temperatura, o melão pode durar até cinco dias. "Estudos feitos no exterior, onde a prática de expor a fruta pronta para consumo ocorre há 30 anos, chegaram à mesma conclusão", conta Karla. Apesar de ter algumas características mudadas, não foram detectados microrganismos nocivos à saúde humana no alimento. Como estudou apenas um tipo de fruta, Karla não pode afirmar com precisão que todos os outros alimentos frescos devam ter a mesma temperatura. "De qualquer forma, a temperatura média correta não deve fugir dos 4° C ou 5° C, em vez dos 15°C habituais, como ocorre, pelo menos, nos supermercados pesquisados em Pernambuco", diz. •
Pig geométrico: verifica irregularidades no interior dos dutos
• lnspeção de dutos: da PUC para o mercado
Em menos de quatro anos de vida, a empresa Pipeway conquistou, com tecnologia nacional, uma importante participação na área de inspeção de oleodutos e de gasodutos. Ficou incubada de 1997 a 1999 na Incubadora de Empresas da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e hoje possui contratos de serviços na Argentina e na Bolívia. Foi escolhida a empresa do ano, em 2000, pela Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos de Tec-
nologias Avançadas (Anprotec). O rascunho da Pipeway começou a ser feito alguns anos antes no Centro de Estudos de Telecomunicações da PUC, onde dois dos três sócios da empresa, os engenheiros José Augusto Pereira da Silva e Jean Pierre Weid, trabalharam como pesquisadores. Eles adquiriram experiência no trabalho conjunto entre a universidade e o Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes). O terceiro sócio é o também engenheiro Nelson Fernandes Pires, um ex-representante de empresas do setor. O principal equipamento desenvolvido pela Pi-
África do Sul usa sangue de boi em humanos Os riscos da utilização de sangue humano e seus derivados na África do Sul -onde 20o/o dos adultos estão infectados pela Aids, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) - contribuiu para a liberação de um derivado de sangue bovino no tratamento de pacientes de anemia aguda e em cirurgias, informou a revista Nature (19 de abril). Derivado da hemoglobina, o Hemopure seria especialmente útil em áreas rurais
carentes de suprimentos confiáveis de sangue humano. Foi desenvolvido pela
Sangue humano: riscos
empresa Biopure, de Massachusetts, Estados Unidos, a partir do sangue de gado norte-americano destinado ao abate, sobre o qual são exigidos registras de condições, origem, regime alimentar e histórico veterinário. Segundo a empresa, que ainda este ano pretende obter licença para a distribuição do produto nos EUA, o sangue é submetido a um processo de purificação que elimina possíveis agentes infecciosos. •
~ peway é o Pig Geométrico, " uma ferramenta que percorre
o interior das tubulações, com um sensor na ponta, captando dados como amassamentos e corrosões. Um dos clientes da empresa é a Petrobras que detém, junto com a PUC-RJ, royalties sobre o invento. •
• Quebra do código da indústria do som
Um ambicioso plano de proteger os CDs contra a pirataria com um código digital -comparado a uma marca d'água- foi submetido ateste. Para assegurar a inviolabilidade do sistema desenvolvido por um consórcio de companhias da indústria musical, agrupado na Secure Digital Music Initiative Foundation (SDMI) - que implicaria a adoção de um novo formato e novos tocaCDs -, as grandes multinacionais fonográficas lançaram um desafio público. Não se poderiam fazer cópias dos CDs no novo formato, pois o som ficaria inaudível. Contudo, em apenas um mês de trabalho, um grupo norteamericano do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Princeton, liderado pelo professor Edward Felten, quebrou o código de segurança por meio de um programa que apagava a chamada marca d'água. Antes de apresentar a colegas o trabalho vencedor do desafio, num congresso em fins de abril último, Felton foi advertido pela SDMI para não divulgá-lo publicamente, sob pena de processo penal. Entretanto, uma cópia não autorizada do trabalho foi publicada anonimamente on
line, enterrando um esforço de anos e milhões de dólares, segundo a revista eletrônica no (www.no.com.br). •
PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2001 55
TECNOLOGIA
INVESTIMENTO
56 • MAIO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
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Ao reunir empresas de base tecnológica e investidores de capital de risco, o 3Q Venture Forum abriu novos caminhos para o desenvolvimento de produtos inovadores
]OÃO PAULO NUCCI E MARCOS DE ÜLIVEIRA
novações tecnológicas propostas por pequenas empresas brasileiras receberam um forte estímulo na terceira edição do Venture Forum, uma iniciativa da Financiadora de Estudos e Projetas (Finep)
com a colaboração da FAPESP, da Associação Brasileira de Capital de Risco (ABCR) e da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca). Durante o Forum realizado no Hotel Maksoud Plaza, em São Paulo, nos dias 18 e 19 de abril, de um lado estavam executivos de 45 instituições financiadoras de capital de risco, nacionais e estrangeiras, dispostas a investir em empreendimentos que resultem em alto retomo financeiro. Do outro lado, 16 pequenos empresários apresentaram seus produtos e sistemas inovadores que demandam apoio para ir ao mercado.
Essas 16 empresas foram escolhidas por consultores da Finep dentre um total de 300 inscritas para o evento. Seis dessas empresas já recebem financiamento da FAPESP, dentro do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), para desenvolver pesquisa dentro de suas instalações.
Aliás, em paralelo ao fórum, a Fundação apresentou a } a Exposição ''A FAPESP e a Inovação Tecnológica", mostra em pequenos estandes de outras 54 empresas participantes do PIPE e 21 projetas do Programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE), que reúne empresas e instituições acadêmicas.
Nova perspectiva - Os dois eventos reforçaram a necessidade de aproximar cada vez mais a pesquisa dos meios produtivos. No Brasil o elo entre a geração de conhecimento e a
sua transformação em riqueza "ainda é frágil': avaliou o professor Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente da FAPESP, na sessão inaugural do Venture Forum. Para ele, é fundamental, neste momento de desenvolvimento do país, a aproximação daqueles que desenvolvem tecnologia -nas empresas e nas instituições acadêmicas- com investidores dispostos a apostar na concretização de produtos e sistemas com valor tecnológico agregado.
"Existe hoje uma oportunidade inadiável para superar a defasagem tecnológica e colocar a ciência e a tecnologia no epicentro da atividade econômica do país", disse o ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Mota Sardenberg, presente no segundo dia do evento. Outro convidado, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp ), Horácio Lafer Piva, usou um exemplo para reforçar a necessidade de investimentos no fortalecimento do desenvolvimento tecnológico. "Em minhas viagens pelo Brasil, eu encontro gente com ótimas idéias e com dificuldades de encontrar investidores': afirmou.
Do lado do capital, a expectativa é grande. "O número de investidores inscritos superou nossas expectativas", disse Jorge Ávila, diretor da Finep. A platéia que ouviu a exposição dos 16 representantes das empresas dispõe de cerca de US$ 3,8 bilhões para serem investidos em boas e ren-
1 táveis idéias. Segundo a ABCR, no ano passado, foram desembolsados,
\no país, US$ 750 milhões em investimentos para empresas nascentes ou emergentes. Cifras desse porte fazem ·brilhar os olhos dos empreendedores das 16 empresas selecionadas.
Cenário diferente- Para aproximar os empreendedores dos investidores, encontros do tipo Venture Forum são essenciais. Eles são o pontapé inicial para a concretização de novos negócios. Essas experiências acontecem nos Estados Unidos há alguns anos. Paul Myers, diretor da The Capital Network, uma companhia norte-americana que realiza eventos semelhantes ao Venture Forum nos Estados Unidos, dá uma idéia do potencial desse tipo de encontro. "Das 230 empresas que já participaram de fóruns realizados por nós nos EUA desde 1996, 77 obtiveram financiamento a partir dos encontros, perfazendo um total deUS$ 270 milhões investidos", contabiliza Myers.
Peter Jones, do Darby Technology11 &..v• \P-. Group, disse que, no ano 2000, US$ 100 uJ~ bilhões foram alocados em projetas ~ de empresas nos Estados Unidos - lJ"A.
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um recorde histórico. ''A Internet im- jj pulsionou esse movimento': disse. Pa-ra este ano, o cenário é bem diferen-te. O total investido deverá cair para US$ 40 bilhões por conta da decepção dos investidores com os parcos retor-nos oferecidos pelos negócios ligados à Internet. Fato que não é necessariamente ruim, segundo ele. ''Agora, o capital de risco se volta para outros setores da tecnologia e busca oportunidades com mais critério e atenção."
Altruísmo e ambições- Durante o Venture Forum, os investidores tiveram a oportunidade de confirmar esse novo cenário também para o Brasil e foram muito claros em dar seu recado
aos empreendedores. "O capital de ~\
~ risco é ávido por altos retornos", dis-se Luiz Spínola, da UBS Capital Amei "Não investimos por altruísmo,
\e sim para ganhar dinheiro na saída." Saída é o momento de deixar o
empreendimento, tirando daí os lu-cros que devem ser maiores do que aqueles proporcionados pelo mercado financeiro. O risco é a possibilidade de o empreendimento não dar certo, situação natural que cerca os negócios inovadores com os quais ainda se tem pouca experiência.
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A intenção dos investidores não é manter o controle ou ficar com a empresa para sempre. A essência da atividade manda o investidor se desfazer do negócio quando achar que ele atingiu um estágio de maturação suficiente para trazer um bom retorno.
Busca na universidade - "Investimos principalmente em empresas de infra-estrutura ligadas à Internet, mas agora estamos visitando universidades e incubadoras", disse José Car]QS. La Motta, um dos sócios da E-Plat
ndo com quatro sóci arttci a ao nibanco. e revela
que está em negociação com um grupo de pesquisadores gaúchos. "Por enquanto não posso falar quem é e nem o quê", despista. "Nosso objetivo é entrar em empresas nascentes com uma participação entre 25% e 30%." ~iretor da Com
panhia Riograndense de Participaçõe:m apresentou o que todos dizem ser ndamental para o desenvolvimento do capital de risco no Brasil: histórias de sucesso. A CRP foi uma das financiadoras do provedor de Internet NutecNet, em meados da década de 90. Hoje, após passar um período chamado Zaz, o negócio faz parte do megaportal internacional Terra, da espanhola Telefônica. A empresa, depois de implementar dois fundos de investimento em empresas emergentes de base tecnológica, o RSTec, para o Rio Grande do Sul, e o SCTec, para Santa Catarina, prepara o SPTec. "Estamos montado uma filial em São Paulo", avisa Meurer.
Tanto os investidores quanto os empreendedores saíram satisfeitos da troca de experiências promovida pelo 3° Venture Forum. "Estar em cantata com idéias inovadoras é sempre produtivo", disse Cláudio Vidal, executivo do Santander Private Eguity.
..--"J>reciSãrriÕs multiplicar oportunidades como essa", propôs o professor Brito Cruz. Duas novas rodadas do Venture Forum já estão marcadas: a primeira, para agosto, em Belo Horizonte, e a outra, em outubro, no Rio de Janeiro.
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Mostra de boas idéias As novidades e as pretensões das empresas
N ervosismo e tremedeira. Essas foram duas das sensações mais comentadas ao final do dia de
apresentação das empresas para os investidores no Venture Forum. Mesmo com dois meses de preparação, os sócios das 16 empresas emergentes de base tecnológica ficaram nervosos antes e durante a apresentação. A maioria, mais acostumada com bancadas de laboratório, tinha consciência de que sua tarefa era seduzir, em 12 minutos a platéia onde estavam pessoas com cacife suficiente para concretizar seus sonhos em forma de produtos ou sistemas, resultantes, muitas vezes, de anos de estudo e de trabalho. Até porque, os empreendedores sabem que não podem contar com os empréstimos bancários atrelados a juros altos que inviabilizam seus empreendimentos.
Todos se saíram bem na apresentação. O recado foi conciso e direto sobre os itens que os investidores precisavam saber sobre a empresa. Uma apresentação que levou em· conta os produtos, a perspectiva e o tamanho do mercado a ser atingido. Na pauta da exposição também constou o montante de capital necessário e as possibilidades que o investidor terá em auferir lucro no futuro, por meio da venda na participação acionária ou mesmo pela venda da empresa ou parte dela para uma outra empresa do setor, normalmente de maior porte. Uma situação que aparentemente é complicada mas, é bom lembrar, até um dos homens mais ricos do mundo, Bill Gates, pre-
cisou de um investidor de risco no início de seu império, a Microsoft.
Nenhum dos empreendedores reclamou do pouco tempo, ao contrário, muitos gastaram menos que os 12 minutos preestabelecidos. Todos se saíram bem na apresentação. "Só o fato de ter participado e de ter sido treinado para isso já foi positivo", disse Jaime Francisco Leyton Ritter, bio'qufmtco e fun<Wfui da~ empresa que abriu a série de exposições. Ela faz parte do grupo de seis empresas que recebem financiamento da FAPESP dentro do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE).j>roqualit, Uni-~ma, Tecnolab, Qualibrás e Cloro
vale são as outras cinco.
Oportunidade de ouro- São empresas que receberam incentivo para realizar pesquisa de inovação tecnológica e desenvolvimento de produtos e sistemas dentro das empresas. Uma política adotada pela FAPESP desde 1995, quando do lançamento do
Ritter: hormônio de crescimento
produzido no Brasil
PITE, que possui 52 projetos aprovados, e continuou com o PIPE, em 1997. Hoje, o PIPE engloba 147 projetos que estão na primeira fase, quando são elaborados os estudos sobre a viabilidade técnica, e 61 na fase dois, para desenvolvimento da pesquisa e produção de um protótipo. Na fase três, que é propriamente a de produção e comercialização, a FAPESP não participa.
"A função da FAPESP não é financiar a produção, mas sim financiar a pesquisa dentro das empresas e conquistar novos ambientes que propiciem o desenvolvimento tecnológico. Embora não seja a nossa função, também estamos preocupados em ajudar na continuidade dessas empresas, aproximando-as dos investidores e proporcionando meios para que elas se profissionalizem mais e cresçam': explicou o professor José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP, durante sua apresentação no Venture Forum, quando aproveitou para anunciar novas metas para o PIPE. "Queremos financiar cerca de 100 empresas por ano e ampliar o espaço para profissionais que saem da universidade em busca de emprego, integrando-os como coordenadores de projetos."
Empresa exemplar- O sonho comum a todas as empresas que estavam no evento no Maksoud Plaza se solidifica no exemplo da Nano Endoluminal, uma companhia catarinense que desenvolve e fabrica produtos médicos como próteses auto-expandíveis e cateteres para cirurgias de aneurismas abdominais.
A Nano participou do 1 o Venture Forum realizado no ano passado no Rio de Janeiro. Ela recebeu o aporte financeiro de R$ 1 milhão da Companhia Riograndense de Participações (CRP), um dos mais tradicio-
e amplificador de freqüências
emitidas por satélite para
TVs por assinatura
nais ·investidores de risco do país. O dinheiro vai servir para reforçar a atuação da empresa na área de pesquisa endovascular.
Além da Nano, outras três empresas, entre as 26 que participaram das duas edições anteriores do Venture Forum (no Rio de Janeiro e em Porto Alegre), já estão com contratos ser melhantes quase prontos, segundo Luciane Gorgulho, superintendente da área de desenvolvimento institucional em capital de risco da Finep. "E outras 12 estão em estágios avançados de negociação."
Os empresários participantes do 3° Venture Forum estão negociando com os investidores. Vale aqui mostrar um pouco dos produtos e da história das empresas, além da necessidade de investimento que elas apresentaram no evento.
ENOSY - A empresa surgiu há dois anos para pesquisar a técnica de DNA recombinante utilizada em vários ramos da biologia molecular. O primeiro fruto da utilização dessa técnica pela empresa já está maduro: trata-se do hGH, o hormônio de
crescimento humano que em forma de medicamento ainda não é produzido no Brasil. "Esse é o nosso diferencial. Conseguimos fazer o mesmo produto a um preço mais acessível", diz Jaime Francisco Leyton Ritter, sócio da empresa. Nos Estados Unidos, o hGH movimenta
US$ 280 milhões por ano. Após a apresentação, Ritter recebeu seis investidores, dois muito interessados. Agora, vem a fase do namoro. "Vamos conversar e ver qual a melhor proposta." Já com um acordo de produção do
hormônio firmado com o laboratório Braskap, de capital nacional, a Genosys espera levantar R$ 4,2 milhões para viabilizar o lançamento comercial do medicamento e desenvolver novas pesquisas em biotecnologia. Em dez anos, Leyton Ritter espera faturar R$ 3 7 milhões.
em ao osé dos Campos, a empresa faturou R$ 5,5 milhões no ano passado ao fornecer equipamentos e prestar serviços para a indústria da televisão a cabo. Mas, para se firmar e se tornar grande, ela precisa de R$ 9,5 milhões para ampliar a produção e desenvolver novos produtos em uma linha que conta com 150 itens diferentes. No ano que vem, a Proqualit espera faturar quase R$ 1 O milhões, segundo o diretor Sergio Pretti.1:!9 PIPE, a empresa tem um projeto para desenvolvimento de um amplificador de freqüências emitidas por satélite que funciona acoplado a antenas parabólicas de televisão por assinatura. A fabricação desse equipamento no país vai evitar a importação do produto. Durante o evento, Pretti e
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o outro sócio, Alexandre -..Trindade, rece eram seis representantes de fundos de capital de risco.
NISOMA - A empresa e 1stemas específicos para apoio a decisões na agroindústria (Sadia e Perdigão são alguns de seus clientes). Com 17 anos de vida, a empresa pretende levantar R$ 2 milhões dos investidores para finalizar projetos. O plano de negócios prevê um faturamen-
Silva: aparelho analisa estruturas metálicas internas ao concreto
dois outros produtos em fase âe desenvo v1mento . ...._ O Cover Meter, uma versão antiga do IRIScan, que não gera imagens, e o LPSD-1, aparelho que faz análise de vibrações mecânicas. Para chegar ao mercado, a empresa precisa de R$ 1,5 milhão. A perspectiva de Silva é faturar R$ 23 milhões em 2006. Horas após sua exposição no Venture Forum, ele já comemorava o assédio dos
to de R$ 30 milhões em cinco anos. A empresa tem como sócio o professor Miguel Taube Netto, do Instituto de
- Matemabca da Omvefslaade Estadual de Campinas (Unicamp ), e possui, no PIPE, um projeto de software para controle de abatedouros de frango (Pesquisa FAPESP no 63) .
empresa está incubada no entro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec), no prédio do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) na Cidade Universidade, em São Paulo. Segundo o só-
cio Isaac Newton Lima da Silva, o trÚnfo principa d norab r um visualizador de estruturas metálicas
potenciais investidores. "Recebi a visita de cinco investidores e um ficou muito interessado."
internas ao concreto. O produto, ba- • FOTORAMA - A empresa carioca de-tizado de IRISCan, elimina um ritual senvolveu tecnologia para a realiza-básico ~anute~o de estruturas ção de fotografias digitais em 360 desse tipo: a raspagem do concreto graus - inédita no Brasil, usadas, para a verificação do estado de conser- principalmente, em sites para visuali-vação do metal. "Será uma revolução zar um local turístico ou um quarto nos procedimentos do setor", afirma de hotel em detalhes. Os sócios Ber-o inventor Silva, que desenvolveu o nardo Estefan e Eduardo Bezerra es-IRISCan como base na sua tese de peram levantar R$ 1,6 milhão para doutorado na Universidade de Man- ganhar mercado. Os dois são alunos chester, na Inglaterra, em setembro dos cursos de economia e de infor-de 1999. A empresa conta com mais mática, respectivamente, da gradua-----
Energia elétrica para o futuro vidos pelo químico em Cajobi. Essas peças fazem a transformação química do hidrogênio em eletricidade. O primeiro equipamento finalizado por Ferreira gera 1 quilowatt (kW), suficiente para cinco lâmpadas de 100 watts. O objetivo dele é no próximo ano colocar no mercado equipamentos de 100 kW, próprios para pequenas indústrias. O combustível utilizado inicialmente é o gás natural. "Com adaptações podemos utilizar também o etanol", afirma Ferreira.
Com quase quatro anos de existência, o PIPE tornou-se um espaço amplo de realizações. Uma das experiências mais gratificantes é a do químico Antônio César Ferreira, que participou da exposição de projetos realizada junto com o Venture Forum. Depois de passar nove anos trabalhando nos Estados Unidos, onde também fez pós-doutorado, Ferreira voltou ao Brasil graças ao PIPE. "Enviei minha proposta de projeto, em 1997, ainda dos Estados Unidos", lembra Ferreira.
Ele montou a empr~s'a nitech ) em sua cidade natal, Cajobi, proxima a São José do Rio Preto, com o objetivo de desenvolver componentes para células de combustível, um equi-
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pamento que gera energia elétrica a partir do hidrogênio, matéria-prima que pode ser retirada do gás natural (metano), da gasolina, do etanol (álcool usado nos carros brasileiros) e até da água.
As células de combustível são equipamentos silenciosos que não poluem e têm a água como resíduo. São a grande promessa para a geração de energia elétrica e para os motores de veículos. Algumas montadoras como Daimler-Chrysler, Honda e BMW já apresentaram automóveis impulsionados por células a hidragênio, ainda híbridas com a gasolina.
O coração do projeto de Ferreira está nos separadores bipolares de polímero condutor iônico desenvol-
Mesmo com tecnologia nacional em desenvolvimento, o Ministério do Desenvolvimento, de Indústria e Comércio Exterior (MDIC) está prestes a assinar um convênio com uma empresa alemã para desenvolver no país células de combustível
ção da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) .
QUALI~- Instalada em Campin s,a-e~ atua na área de serviços e soluções em telecomunicações e metrologia. O engenhei.ro Gilberto Possa e sua equipe prestam serviços no ~uipamentos e na calibra
ção de aparelhos industriais. Eles também desenvolvem, dentro do PIPE, um equipamento que auxilia na produção e no reparo de placas eletrônicas de centrais telefônicas digitais. A empresa possui clientes de grande porte como Lucent, Motorola e Tess. Possa pretende, inicialmente, levantar R$ 4,8 milhões. "Em 11 anos, trabalhamos com recursos próprios e limitados. Chegou a hora de crescer", diz.
• KUNZEL- Especializada em equipamentos odontológicos, a empresa apresentou seus projetos no setor de implantes dentários, cujo potencial no Brasil é enorme, segundo o diretor Aguinaldo Campos Júnior. ''Apenas 0,2% da população brasileira adulta possui
que funcionem com etanol. Na Alemanha, as células de combustível são alimentadas com metanol, álcool retirado de cereais e de madeira. O ministro Alcides Tápias, do MDIC, diz que sabe das várias iniciativas em desenvolvimento no Brasil para produção de células de combustível e falou sobre o acordo com os alemães. "Vamos desenvolver uma nova tecnologia com pesquisadores brasileiros utilizando o etanol': assegurou Tápias.
Apontadas como o gerador energético do futuro, as células de combustível ainda produzem uma energia considerada premium. Segundo Ferreira, o preço do kW gerado por uma célula é deUS$ 1,5 mil. O valor
implantes, enquanto nos EUA esse número está entre 4% e 8%", afirma. A empresa pretende produzir insumos com um preço menor que os importados. Para isso, precisa de R$ 1,5 milhão dos investidores.
• TORNATTI - A empresa produz softwares para sincronização de bancos de dados e para automação dos processos de qualidade ISO 9000 e ISO 14000. A Tornatti está associada ao núcleo de Campinas da Sociedade para a Promoção da Excelência de Software Brasileiro (Softex) e já possui a sua formação acionária, investimento da VentureLabs, uma empresa de participações em empreendimentos nascentes com base tecnológica.
• ENTER-PLUS - Empresa catarinense fundada em 1992 desenvolve tecnologia para mapas digitalizados que po-
de um kW de uma termelétrica (gás natural, diesel ou carvão) é de US$ 600. "Mas a célula é três vezes mais eficiente em termos energéticos", afirma. Por isso, a célula de combustível provoca uma grande corrida tecnológica em todo o mundo. "Existem mais de 200 protótipos de células de combustível para geração de energia elétrica."
O desafio de Ferreira agora é ampliar sua empresa e colocar o produ-
dem ser acoplados a banco de dados. O Plano de Negócio apresentado prevê a necessidade de R$ 1,5 milhão para a empresa ampliar a atuação comercial. A Enter-Plus tem como clientes empresas como Telemar, NET e Fumas.
• Electrocell- Incubada no Cietec de São Paulo, na Cidade Universitária, a empresa necessita, inicialmente, de US$ 2 milhões para concluir suas pesquisas na produção de células de combustível. O primeiro protótipo que produz 50 quilowatts (kW) de energia elétrica- próprio para prédios ou pequenas indústrias - está em fase de finalização. Esse equipamento utiliza gás natural (metano) ou hidrogênio para produzir energia elétrica. Estudiosos acreditam que o hidrogênio é o combustível do futuro (veja quadro abaixo) . O engenheiro Gilberto Janólio, sócio na Electrocell,
mostrou também aos investidores a necessidade de mais US$ 30 milhões, até 2004, para a criação de uma planta de produção de seus geradores. A Electrocell foi formada pelos sócios de duas ou-
Na exposição de projetas do PIPE, os professores Brito e Perez ouvem Ferreira falar sobre célula de combustível
to no mercado. Para isso, estuda propostas de investidores de capital de risco, que ele recebeu antes do Venture Forum realizado em São Paulo. Enquanto decide os rumos da Unitech, Ferreira faz questão de dizer que só conseguiu desenvolver o seu projeto no Brasil porque obteve o financiamento da FAPESP. "Faço até um apelo para que outras entidades também financiem outras pequenas empresas:'
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tras empresas instaladas na incubadora. Janólio com a empresa DCSystem, e o também engenheiro Gerhard Ett, da AnodArc. As duas empresas têm projetas dentro do PIPE. O primeiro desenvolve baterias especiais de lítio e de titânio para suprir os equipamentos de telecomunicações na falta de energia elétrica em uma estação telefônica, por exemplo. Ett elabora em seu laboratório uma técnica de tratamento de superfície de alumínio superior ao processo convencional utilizado nas indústrias que fazem esse tipo de serviço. Agora, os dois também jogam seus esforços na Electrocell.
direciona e-mails recebidos por um banco, por exemplo, para a pessoa ou setor específico que vai tratar do assunto contido na mensagem. Seus sócios esperam levantar R$ 3 milhões dos investidores. A empresa tem a participação da empresa de capital de risco E-Platform.
• Lema - A empresa instalada em Contagem (MG) apresentou aos investidores uma inovação prática e útil: uma embalagem de medicamento veterinário com serin-
Janólio: célula para gerar 50 kW de energia elét rica
empresa de São J ~.r.~.J.Y<.-.:::;-dmpos é a primeira da América Latina a atuar no ramo de diamantes-CVD, material que começa a ser usado na ponta de brocas odontológicas, em aparelhos de precisão e de cortes industriais. A empresa já fábrica brocas com durabilidade 50 vezes superior que as convencionais de metal (Pesquisa FAPESP n° 52) . A Clorovale é um exemplo da transferência do mundo acadêmico para o mundo comercial.
ga, pronto para ser aplicado. Gilberto Lima, sócio da empresa, disse que o produto elimina horas e horas de serviço para quem lida com grandes rebanhos.
• Direct Talk - Atua no desenvolvimento de programas para relacionamento dos sites com os consumidores. Com sede em São Paulo, a empresa desenvolveu um sistema que
Três de seus cinco sócios ainda trabalham no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), um dos pólos de estudo de diamante artificial no Brasil. Em três anos, a empresa espera faturar R$ 10 milhões. Para
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li As 16 empresas participantes do 3~ Venture Forum !
EMPRESA RAMO DE ATUAÇÃO SEDE PRINCIPAL(IS) PRODUTO(S) NECESSIDADE DE INVESTIMENTO
Genosys Biotecnologia São Paulo (SP) Hormônio de cresCimento R$ 4,2 milhões
Proqualit Infra-estrutura/ S.J. Campos (SP) Equipamentos de recepção R$ 9,5 milhões Telecomunicações de TV por assinatura
Unisoma Software Campinas (SP) Sistemas específicos para R$ 2 milhões a aaroindústria
Tecnolab Instrumentação São Paulo (SP) IRISCan, visualizador R$1,5 milhão Industrial de estruturas metálicas
Oualibrás Enaenharia elétrica Camoinas ISP\ Instrumentos de metroloaia RS 4 8 milhões
Clorovale Ena. de materiais S.J. Campos (SPl Diamante industrial R$ 2 milhões
Fotorama Fotografia digital Rio de Janeiro (RJ) Fotografia em 360° R$ 1,6 milhão
Kunzel Egui[>. odontológicos Bauru (SP) lm[>lantes dentários R$ 1,5 milhão
Tornatti Software Valinhos (SP) Software para sincronização R$ 3 milhões de bancos de dados
Enter-Pius Software Florianó[>olis (SC) Ma[>as digitais R$ 1,5 milhão
Electrocell Energia São Paulo (SP) Geradores à base de US$ 32 milhões células a combustível I
Lema Prod. Veterinários Contagem (MG) Medicamentos veterinários R$ 2,25 milhões
DirectTalk Software São Paulo (SP) Software de relacionamento R$ 3 milhões
Tecno[>ar Eng. de segurança Belo Horizonte (MG) Sistema antifurto Qara carros R$ 640 mil I
Sourcetech Saúde Pindamonhangaba (SP) lnsumos Qara medicamentos R$ 2,5 milhões
Kiir Saúde São Paulo (SP) Esterilizador de ar R$ 1,8 milhão I
IL Contam com apoio do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) ~ Fonte: Empresas
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isso, pretende obter R$ 2 milhões dos investidores. Para o professor Evaldo José Corat, participar do fórum foi extremamente importante. "Nós, como pesquisadores, tínhamos uma noção amadora desse processo. Não fazíamos idéia de como financiar ou procurar investidores para a empresa", analisa. A Clorovale, que teve sua exposição apresentada pelo professor Vladimir Jesus Trava-Airoldi, recebeu a visita de três investidores.
• Tecnopar- A empresa de Belo Horizonte (MG) desenvolve um sistema antifurtos chamado U-lock para automóveis em que o próprio proprietário desliga o motor do veículo a distância com uma ligação telefônica em caso de roubo ou furto. Para a expansão de suas atividades a empresa necessita de R$ 640 mil.
tantes das 16 empresas foram para seus estandes e receberam os investidores. Foi o primeiro contato. A partir daí, eles mergulharam em negociações na busca de um entendimento sempre difícil, que pode durar meses. Requer intuição e desenvolvimento de um espírito empreendedor por parte daqueles que estão à frente da empresa, além de boas doses de conhecimento financeiro, de marketing e de administração. Requisitos que, se não dominados pelos dirigentes das empresas, deverão ser supridos com a assessoria da Finep e do Serviço
res do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), desenvolve aplicações de laser industrial e faz, por exemplo, gravações no painel do rádio de um carro da Ford americana.
"Queremos crescer e para isso precisamos de um investimento de R$ 1 milhão", disse Spero Penha Morato, sócio da empresa. ece emos mm as visitas durante a exposição, mas não conseguimos atrair investidores. O melhor para nós foram os contatos com outros empresários que mostraram interesse nos nossos se · om laser!'
e já finano PIPE,
se prepara para vôos maiores. Comandada pelo físico
• Sourcetech - Desenvolver e produzir medicamentos naturais e insumos para a indústria farmacêutica com base na flora brasileira. Esse é o objetivo dessa empresa localizada em Findamo-
Trava-Airoldi: broca odontológica com ponta de diamante
ídio Kazuo Takayama, a empresa produz estações e trabalho espectrofotométricas, um analisador químico totalmente automático e robotizado, capaz de quantificar, por exemplo, a presença de cloretos, ferro e sílica na água, ou detectar sulfeto, fosfato e amônia em efluentes domésticos ou industriais (Pesquisa FAPESP n° 53).
"Estamos nos preparan-nhangaba. Ela está registra-da na Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos.
• Kiir- Instalada no Cietec de São Paulo, a empresa desenvolveu um aparelho esterilizador de ar chamado Superar. A invenção é de Gilberto Janólio, da Electrocell, e de alguns pesquisadores do Ipen. Eles desenvolveram e patentearam o aparelho junto com o empresário Amílcar Cruzeiro, que comanda a Kiir. A empresa necessita de R$ 1,8 milhão para implementar a linha de produção do aparelho. O Superar é portátil e funciona elevando a temperatura do ar captado para dentro do aparelho e resfriando em seguida, matando assim grande parte dos microrganismos presentes no ambiente.
Momento de decisão- Depois de finalizadas as apresentações, os represen-
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
Esses apoios técnicos e gerenciais obtidos e absorvidos pelos empresários durante a preparação para o Venture Forum e, após o evento, se transformam num conhecimento que, se não servir para seduzir um parceiro financeiro neste momento, certamente vai ser útil ao longo da vida dessas empresas de base tecnológica.
Preparo e competência - Na exposição promovida pela FAPESP no Maksoud Plaza, junto com o Venture Forum, várias empresas, além das 16 escolhidas para a apresentação, também mostraram sua competência e os pr ssos nquistados. É o caso ,~ .. ~-~, ·n ubada no Cietec de
- . Paulo (Pes isa FAPESP no 50). A empresa, ormada por pesquisado-
do para uma feira internacional de instrumentação espectrofotométrica que vai acontecer em 2004", contou Lídio. "Já estamos de olho nas chances do mercado mundial." Embora com grande potencial de crescimento, Lídio descarta o capital de risco. "Nós nos preparamos há 12 anos para chegar a esse ponto, produzindo outros produtos e investindo na empresa sem cair nos juros bancários."
Encontro lucrativo- Várias experiências marcaram o Venture Forum e a exposição dos projetos do PIPE e do PITE. Os dois eventos mostraram que é possível gerar desenvolvimento com a aproximação de três setores que até há bem pouco tempo não se cruzavam: pesquisa acadêmica, empresas com produtos inovadores e investidores capitalistas. Um encontros em que todos ganham. •
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TECNOLOGIA
ALIMENTOS
Saudável camu-camu Suco da fruta com alto teor de vitamina C é obtido em pó e microencapsulado
Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Uni
camp) obtiveram do fruto amazônico camu-camu um suco desidratado e microencapsulado de sabor refrescante, com teor de vitamina C equivalente ao da acerola - 40 vezes superior ao da laranja. A vitamina C atua na prevenção de infecções gerais - aumenta a resistência natural do organismo - e é reconhecida no combate aos radicais livres causadores de envelhecimento e como auxiliar no fortalecimento do sistema imunológico. Além da vitamina C, esse fruto vermelho arroxeado contém outros antioxidantes, como as antocianinas, e teor elevado de potássio, o que sugere sua indicação para hipertensos porque proporciona um melhor balanceamento de sais no organismo, principalmente do cloreto de sódio (o sal de cozinha) .
O objetivo do projeto, coordenado pela professora Hilary Castle de Menezes, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, foi melhorar as condições de extração do suco1 obter um processo de microencapsulação do pó resultante da desidratação do suco e avaliar sua estabilidade durante um prazo de validade de 120 dias. "A microencapsulação", explica Hilary, "consiste em recobrir partículas sólidas com uma fina camada de um material encapsulante, como a maltodextrina e a goma arábica. Assim,
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Frutos da Myrciaria dubia: potencia l de uso pela indúst ria de sucos e de cosmét icos
o núcleo envolto fica estável e protegido contra a deterioração, em condições de ser comercializado".
Substância natural - A pesquisa tem a participação da engenheira química Cristina Maria Araújo Dib Taxi, que veio de Belém (PA), onde se graduou na Universidade Federal do Pará (UFPA), para fazer doutorado na Unicamp e é orientanda de Hilary. Cristina conta que, em 1960, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) atestara a existência de 5% de vitamina C por peso no
camu-camu - conhecido também como caçari, araçá-azedo e araçá d'água. "Em função desse alto teor-5.000 miligramas por 100 gramas -o fruto passou a ser usado como antioxidante (conservante) pela indústria de cosméticos, que nos últimos cinco anos também incluiu seu suco em alguns produtos, atendendo à preferência do público por componentes naturais."
Cristina revela ainda que, nos Estados Unidos, o camu-camu já foi lançado em cápsulas, como fonte de vitamina C. Os frutos congelados
A vitamina que vem das várzeas
Nativo da Amazônia peruana e brasileira, o camu-camu (Myrciaria dubia) pertence à família das mirtáceas, a mesma da jaboticabeira. Cresce em áreas de várzeas, lagos e rios com os galhos e as raízes submersas, e seu desenvolvimento é favorecido pelo clima úmido e quente. As sa- · fras de várzea ocorrem de dezembro a março e sofrem a influência das cheias que impedem a colheita.
Há duas variedades: uma arbustiva, outra arbórea. A arbórea produz mais frutos e com mais vitamina C: até 5.000 miligramas (mg) por 100 gramas de fruta. A acerola, a mais conhecida fruta com essa vitamina, atinge o máximo de 4.600 mgllOOg. A arbustiva tem ramos mais baixos e menos frutos, com menos vitamina. Ambas são resistentes a pragas e doenças e
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são importados do Brasil e vendidos em forma de suco desidratado e embutido em cápsulas iguais às utilizadas em diversos tipos de fármacos alopáticos ou fitoterápicos. "Não existe nenhuma preocupação com a cor, sabor e solubilidade, pois trata-se de um remédio natural e não um alimento", diz Hilary.
"O fruto não é consumido in natura devido ao sabor extremamente ácido, de modo que grandes quantidades apodrecem e se perdem no ambiente natural", revela Cristina, que recorre a pessoas de suas relações no Pará para receber o camu-camu na Unicamp. O estudo tecnológico leva em conta a necessidade de diminuir a acidez no suco em pó para torná-lo mais palatável com a possibilidade de incluí-lo em outros alimentos como um ennquecedor de vitamina C.
Primeiros passos - ·Como não havia estudo tecnológico sobre o assunto, o primeiro passo foi testar três tipos de extratores de suco. Além de garantir melhor sabor, a permanência das sementes intactas deveria permitir seu uso no replantio. O melhor processo testado foi o extrator de escovas que, com movimentos mais suaves de pressão contra os
adaptáveis à variação de temperatura e índice pluviométrico.
Há regiões - interior do Pará, Vale do Ribeira, em São Paulo, e certas áreas do Paraná - onde o camu-camu é cultivado fora das várzeas, mas os frutos têm menos vitamina C (cerca de metade do encontrado na planta nativa). Embora o sabor extremamente ácido não agrade ao paladar humano, o camu-camu in natura, é usado como isca na pesca do tambacu, peixe dos rios da amazônia.
o encapsulamento das partículas
do suco desidratado
frutos, obteve mais rendimento de suco - pouco acima de 50% -, menos quebra de sementes e sabor final aprimorado.
Obtido o suco, a questão seguinte era: qual a melhor forma de apresentá-lo ao mercado consumidor, de forma a garantir o seu teor de vitamina C? Não bastava desidratar, pois partículas do pó em cantata com o ar perdem vitamina C- que é facilmente degradada - e sofrem al~ teração da cor original pelo processo natural de oxidação.
A opção foi fazer a microencapsulação do suco por meio de um equipamento chamado atomizador, normalmente usado por indústrias de
O PROJETO
Suco de Camu-Camu Microencapsu/ado Obtido através da Desidratação por Atomização
MODALIDADE
Linha regular de auxílio à pesquisa
COORDENADORA
Hilary Castle de MenezesFaculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp
INVESTIMENTO
R$ 21.803,85 e US$ 20.963,21 ----------------== o---'
laticínios e sucos. Para isso, o suco em pó foi levado ao aparelho misturado ao material encapsulante. Foram testadas a maltodextrina e a goma arábica - e escolhida esta última por proporcionar melhor resultado final, com menos alterações e com maior prazo de validade. Após a obtenção do pó, os pesquisadores avaliaram
o produto durante 120 dias quando armazenado a temperaturas de 25°C e 35°C. Também foi testado o pó do suco sem encapsulante. Nesse caso, o pó escureceu e perdeu estabilidade.
A etapa final foi a pesquisa da embalagem mais adequada à conservação do produto. Foram analisadas várias, do tipo sachê laminado flexível, como as usadas para refrescos em pó. Os sachês escolhidos tinham camadas compostas, de fora para dentro, por PET (poli tereftalato de etileno), papel, alumínio e novamente PET. Esse tipo de embalagem impede a entrada de luz, oxigênio e umidade e mostrou-se eficiente na conservação do produto que permaneceu estável, sem bolores, levedu-
- ras, coliformes ou componentes patogênicos. Atingiram-se, portanto, os objetivos do projeto, que também teve a participação do professor Carlos Grosso, do Departamento de Planejamento Alimentar em Nutrição da FEA, responsável pelo controle de qualidade dos materiais e equipamentos empregados e orientação no uso dos encapsulantes.
Para Hilary, a possibilidade de aproveitamento industrial do camucamu tem significado econômico para a região amazônica. É possível criar empregos para a colheita dos frutos nativos, o cultivo planejado e o processamento do suco do camucamu microencapsulado. •
PESQUISA FAPESP • MAIODE2001 • 65
TECNOLOGIA
MINÉRIO
Mudança de status Brasil passa a produzir manganês de alta pureza para indústria eletrônica
Ocarbonato de manganês de alta pureza, uma das maté
rias-primas mais requisitadas pela indústria de componentes eletroeletrônicos, passa a ser produzido no Brasil. A Fermavi, empresa situada em Suzano, na Grande São Paulo, desenvolveu tecnologia própria para o processamento do manganês e experimenta os primeiros resultados comerciais do produto. Pequenas
· quantidades já são fornecidas para a Thornton, de Vinhedo, na região de Campinas, empresa fabricante de ce-
râmicas magnéticas (ferrite de manganês-zinco). Essas cerâmicas são utilizadas na produção de indutores, transformadores e filtros de aparelhos eletrônicos, como computadores e TV s, além de equipamentos de telecomunicações e de iluminação.
A Fermavi é hoje a única empresa que produz carbonato de manganês no país, um material relativamente novo na indústria. Ele é produzido a partir da dissolução do manganês em solução de amônia (carbamato de amônia), que passa, depois, por um processo de purificação e precipitação (solidificação) como carbonato de manganês de alta pureza.
A empresa é uma tradicional fornecedora de insumos minerais para o setor químico e de fertilizantes e desenvolveu o carbonato com um projeto financiado pelo Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP.
Domínio do processo - A conclusão da planta industrial, prevista para p
final de 2002, vai permitir que a Fermavi altere o status do Brasil de simples fornecedor do minério bruto, para produtor e exportador do carbonato de manganês de elevada pureza. "Trata-se de um projeto de domínio de tecnologia que trará retorno garantido e permitirá a transferência desse conhecimento para outras empresas do setor, além da abertura de novos empregos", analisa o engenheiro Sílvio Benedicto Alvarinho, que coordena o projeto na Fermavi. Nos anos 70, na função de pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), ele rea-
Manganês natural: as jazidas brasileiras têm qualidade e quantidade suficiente para a produção de carbonato no país visando à exportação
66 • MAIO DE 2001 • PESQUISA FAPESP
lizou os primeiros ensaios em laboratório para a obtenção de um produto de alta pureza originário do manganês.
Alvarinho seguiu uma linha de pesquisa que se baseia num processo desenvolvido nos anos 50, nos Estados Unidos, para tratar minérios usados em siderurgia. Depois, o processo foi complementado, naquele país, por uma etapa de purificação que resultou no carbonato de alta pureza. A idéia do projeto atual teve início durante a realização de uma pesquisa sobre o mercado de novos materiais, realizada por Alvarinho, em 1995.
Reservas de peso- Falar em carbonato de manganês de elevada pureza ainda é novidade no meio empresarial brasileiro, mas, no exterior, trata-se de um produto caro e muito disputado no mercado de componentes eletrônicos. Os principais produtores são Bélgica, Estados Unidos e Japão. O manganês bruto chega a esses países a US$ 90 a tonelada e o produto final (o carbonato de manganês de alta pureza) é vendido às indústrias eletroeletrônicas por US$ 1,5 mil a tonelada.
Um dos principais efeitos desse projeto é a valorização do minério brasileiro, classificado como de alta qualidade, extraído em grandes quantidades, principalmente das jazidas de Carajás, no Pará, pela Companhia Vale do Rio Doce, Urucum, em Mato Grosso, e em algumas regiões da Bahia e de Goiás, ainda pouco exploradas.
"Calculamos que a nova planta industrial, se concebida para uma produção de 4 mil toneladas por ano (t/ano), permitirá um faturamento anual deUS$ 6 milhões", prevê Alvarinho. Foi ele quem fez o convite de parceria à Fermavi, em 1997, quando a proposta de produção de carbonato foi apresentada à FAPESP. A Fundação liberou R$ 208 mil, ao longo dos últimos três anos, o que possibilitou a montagem da usina piloto de produção do carbonato e duas unidades laboratoriais.
de resíduos para o meio ambiente. Embora com esses cuidados, a empresa vai ter que procurar outro local para se instalar. A área atual é zona de manancial e não aceita mais ampliações industriais.
Alvarinho: carbonato é matéria-prima para o bióxido de manganês usado em pilhas
Momento ideal - Alvarinho explica que a continuidade dos ensaios laboratoriais e o seu aprimoramento permitiram a consolidação dos parâmetros operacionais da empresa e a definição de um fluxograma a ser utilizado, numa etapa posterior, em projeto de unidade industrial ou semi-industrial. Com a ampliação, a empresa almeja atingir uma escala de produção de 5 mil toneladas de carbonato de manganês e 1 O mil toneladas de bióxido de manganêsgama por ano.
Nos primeiros meses do estudo em laboratório, a empresa limitava-se a produzir bateladas de 50 gramas de carbonato de manganês de alta pureza. Depois, passou a obter 1 quilo e hoje produz cerca de 100 quilos por hora na unidade piloto. "É ainda uma produção experimental, mas que permitiu o levantamento dos parâmetros dos processos necessários para o projeto da unidade industrial."
O mercado mundial de carbonato de manganês de alta pureza representa cerca de 25 mil t/ano. Para entrar nesse mercado, a Fermavi tem a meta de produzir cerca de 5 mil t/ano, ou 20% do mercado mundial. "O trabalho até agora desenvolvido nos dá segurança para dizer que podemos chegar a esse nível de produção': acrescenta o engenheiro Oscar de Nucci, que trabalha junto com Silvio Alvarinho.
O PROJETO
Produção de Carbonato de Manganês de Alta Pureza
MODALIDADE
Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE)
COORDENADOR
SILVIO BENEDICTO ALVARINHO - Fermavi
INVESTIMENTO
R$ 208.365,00
Outro produto - A produção do carbonato abre também um outro caminho. Ele é importante para a produção de bióxido de manganês químico ou bióxido de manganês-gama, matéria-prima usada na composição de pilhas e baterias. Trata-se de um produto considerado extremamente sofisticado sobretudo em razão da complexa tecnologia a ser empregada para obtê-lo, que já está sendo desenvolvida pela equipe de Alvarinho. "Esse tema é objeto de outro projeto nosso dentro do PIPE que será finalizado em um ano."
As dimensões do mercado mufl.dial para o bióxido são bem mais amplas- cerca de 200 mil t/ano- contra as 25 mil toneladas do carbonato especial. Otimista com os resultados até agora alcançados, Alvarinho adianta que a Fermavi também terá condições de deter uma parte expressiva do mercado de bióxido. "O Brasil produz o minério em quantidade, de boa qualidade, e a nossa equipe já domina parte da tecnologia necessária ao desenvolvimento desse produto."
Para os dois projetas foram estabelecidas linhas de processamento que incorporam conceitos rígidos de proteção ambiental, sem o descarte
Segundo Alvarinho, o momento é ideal para desenvolver projetas dessa natureza porque há uma evidente solicitação do mercado para o carbonato de manganês de alta pureza e também para o bióxido de manganês. Um momento que será aproveitado. •
Carbonato de manganês de alta pureza: é usado na produção de cerâmicas que servem de
matéria-prima para componentes eletroeletrônicos
PESQUISA FAPESP • MAIO DE2001 • 67
HUMANIDADES
CINEMA
Mauro Sarubbo: "Tarantino é um diretor que apresenta a celebração da cultura de massas nas metrópoles globalizadas"
O independente que deu certo Tese mostra Tarantino como um cineasta singular que se baseia na pluralidade
As lentes do cineasta norte-americano Quentin Tarantino têm
o foco no paradoxo. Ao mesmo tempo em que flertam com ícones da indústria cultural fazem pouco de suas regras e caminham para uma nova direção. Por esse olhar subversivo -que combina referências do passado com o presente - , seu cinema é considerado a perfeita tradução da sétima arte pós-moderna. "Ele é o melhor cineasta dos anos 90 dos Estados Unidos porque sacode as
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fórmulas das narrativas, que se tornaram hegemônicas na década anterior", diz o pesquisador Mauro Alejandro Baptista y Vedia Sarubbo.
Com bolsa da FAPESP, Sarubbo desenvolveu a tese Quentin Tarantino: História, Comentários e Cultura Pop, defendida na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Seu trabalho discute as razões pelas quais o diretor de Pulp Fiction é um cineasta singular, embora beba na fonte da pluralidade contemporânea. "Trata-se de um diretor com uma sensibilidade pós-moderna, que apresenta uma celebração da cultura de massa nas metrópoles globalizadas", afirma.
O que chama a atenção para o trabalho de Tarantino é o fato de ele
ter conseguido ser um cineasta independente, mas que deu certo. Depois de conquistar a crítica com seu violento filme Cães de Aluguel (1991), atingiu em cheio o coração de Hollywood, com Pulp Fiction - Tempo de Violência (1994). O filme inverteu a narrativa linear, obteve enorme sucesso de público, alcançou a marca de US$ 100 milhões em bilheteria e recebeu várias indicações ao Oscar. Mas, como mais um paradoxo, a entrada no grande circuito não significou a perda da conquistada ternura da crítica. Com o mesmo filme, o diretor ganhou a Palma de Ouro, prêmio máximo do prestigiado Festival de Cinema de Cannes.
Três anos mais tarde, o diretor empolgou pouco o público com fac-
kie Brown, seu último longa-metragem. A fria recepção, entretanto, não arranhou a aura de um cineasta instigante e fiel ao seu estilo. "Ele é um cineasta que se situa em um 'entrelugar' da indústria com seu cinema de ruptura. Tarantino está na fronteira", justifica o autor.
Para desvendar a identidade de Tarantino na fábrica de sonhos, Mauro Sarubbo recorreu a duas correntes: a teoria do gênero e a política de autor. "Essa perspectiva me parece
Cena de Pulp Fiction, com Travolta e Uma Thurman, e cartaz do filme: repleto
de referências da cultura pop
adequada para analisar um diretor que faz cinema de gênero com um ponto de vista autoconsciente de autor", avalia. A partir desses paradigmas, o pesquisador analisou a forma, o estilo, a dramaturgia e o discurso cultural e ideológico da cinematografia do diretor.
Cânones - Segundo os pensadores da política dos autores - movimento que surgiu nas páginas da revista francesa Cahiers du Cinéma, pelas mãos de Jean-Luc Godard e François Truffaut -, é necessário rejeitar todo tipo de cânones cinematográficos, bem como de preconceitos contra os filmes de gênero. Para eles, somente a
análise de cada película diz se ela tem valor artístico ou não. Essa perspectiva propõe a abolição absoluta da oposição cristalizada no pensamento ocidental do século 20 entre cultura erudita e popular. "Isso implica pensar a cultura como algo dinâmico, com uma permanente interação entre suas diversas manifestações", analisa.
O ponto de partida da pesquisa, portanto, foi considerar a originalidade como um dado não desprovido de história. "Tarantino se apropriou de
elementos do cinema clássico, moderno e até do pós-moderno e os transformou em algo novo", defende o autor. "Há sempre uma discussão se o artista inventa ou se reinventa. Nesse caso, trata-se do novo a partir do velho. Tarantino faz com o cinema policial paródia semelhante que o diretor italiano Sergio Leone fez com o western 30 anos atrás."
Ao considerar esse espaço da indústria cultural, Sarubbo se preocu-
pou em distinguir os filmes de Quentin Tarantino das fitas "de receita". Segundo ele, o cinema tarantiniano rejeita e se opõe às produções do cinema convencional contemporâneo, cuja principal característica é a narrativa linear e codificada em mitos e efeitos especiais. "É o cinema de fórmula que vem dominando Hollywood desde os anos 80, cujos representantes típicos são George Lucas e Steven Spielberg", explica ele. Na visão do pesquisador, os cinemas de fórmula seguem a cartilha de Syd Field, um importante roteirista americano e autor de manuais de cinema, que prega a explicação didática da história nos primeiros 20 minutos da exibição da fita.
De fato, Tarantino está a anos-luz de ET e Guerra nas Estrelas. Seus filmes têm como marca registrada justamente a quebra da ordem cronológica. "O grande desafio de Pulp Fiction - Tempo de Violência foi o personagem de John Travolta mor-
rer no meio da fita ~ ~ e voltar v1vo à ~ narrativa", indica ~ Mauro Sarubbo. o o "Mas não se trata '3 ~ de algo sobrena-~ tural. É apenas <E um artifício artís~ tico." Para ele, esse " recurso ena uma ~ " sensação de estrag
nhamento no es-~ ~ pectador e indica - uma intervenção
do narrador. A cena inicial,
em fackie Brown, também é afastada da noção de temporalidade. Essa estratégia, segundo Sarubbo, provoca ainda um efeito de deslocamento com relação à ficção. "Nesse contexto, o filme se propõe como um jogo ficcional. Tarantino nunca põe uma história como espelho da realidade", sustenta. O mesmo ocorre em seu primeiro filme, Cães de Aluguel, no qual os jlashbacks não dependem de um determinado personagem. "Isso é uma característica
PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2001 • 69
do cinema moderno, que propõe a manipulação temporal sem ser justificada pela subjetividade do personagem", diz o pesquisador.
Nesse caso, sua principal referência é a primeira fase do cineasta Jean-Luc Godard, na década de 60. Na avaliação do autor, essa não é apenas uma citação cultural. Para ele, há uma apropriação de elementos da narrativa, como o próprio salto no tempo, sem utilizar a típica voice over jlashback clássico. No cinema clássico, o jlashback é uma estratégia empregada para desen
Foto e cartaz de Cães de Aluguel: ele manipula o
volver a subjetividade tempo sem que d isso atenda a os personagens: re-trocede-se no tempo exigências da
subjetividade do para que o espectador acompanhe a lembrança de alguém. "Esse é o caso de Titanic, que usa a estrutura de jlashback, com a voz introdutória de uma figura dramática. Em Tarantino, os saltos no tempo acontecem por pura vontade do narrador", explica.
Diálogo - Sarubbo diz que os filmes de fórmula atuais reduzem até mesmo os paradigmas clássicos do cinema (de 1915 até o fim da década de 1950). Desse gênero, porém, Tarantino bebe na fonte: incorpora suas convenções, o prazer de contar histórias e o domínio do diálogo. "Mas, ao mesmo tempo, ele o transcende ao integrar o cinema moderno dos anos 50 e 60 e o cinema pós-moderno, constituído de paródia", afirma. Outra citação, portanto, são as muitas digressões a Sergio Leone e Godard. Assim como nos filmes desses diretores, os diálogos não fazem avançar a narrativa. "O princípio
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central dos longas-metragens de Tarantino é o acaso. Muitas vezes, ele quebra a causalidade narrativa, que é também um traço do cinema dás. sico", explica.
Uma terceira via da qual Tarantino se diferencia, embora se aproxime, é a do cinema pós-moderno conservador. Essas produções citam e evocam o cinema do passado sem marcar uma distinção. Os melhores
O PROJETO
Quentin Tarantino: História, Comentdrios e Cultura Pop
MODALIDADE Bolsa de doutorado
ORIENTADOR ANTONIO LUIZ (AGNIN - Escola de Comunicações e Artes da USP
PESQUISADOR MAURO ALEJANDRO BAPTISTA Y VEDIA SARUBBO- ECNUSP
exemplos são Corpos Ardentes e Silverado, ambos de Lawrence Kasdan, e Vestida para Matar, de Brian De Palma, que fazem um pastiche ao recombinar outros filmes, mas se recusam a tratar do presente. "A diferença entre o pastiche e o cinema de Tarantino é que, apesar de ambos usarem as mesmas referências de traços e estilos, o cineasta tem uma intenção consciente de dar conta do presente", afirma o pesquisador. "Mesmo em Pulp Fiction, que é repleto de referências da cultura pop, ele transporta essas citações para o tempo presente da indústria cultural."
Dentro desse amplo universo, a definição do gênero cinematográfi
co no qual os filmes de Tarantino se inserem é de difícil delimitação. De acordo com o pesquisador, a exploração da violência em seus filmes passa pela apropriação antropofágica dos expiai- tation movies, gênero de filmes dos anos 70, feitos fora da indústria cinematográfica. Suas princi
pais características são a presença constante de cenas de sexo e de violência muito além do que a indústria permitia. "O propósito claro era atrair mais platéia para as salas. Eram filmes feitos fora do circuito para um público de bairros mais pobres, ou ma1s JOvens."
Tarantino extrai dos exploitation movies o interesse pelo excesso de violência, de sexo e de drogas. "Tanto os filmes exploitation como os de Tarantino têm cenas de violência, sexo e drogas nas quais a narrativa também se suspende", compara. Em ]ackie Brown, porém, há uma clara homenagem ao gênero ao ter a atriz Pam Grier, estrela desses filmes, como a protagonista.
Para Mauro, a atração é uma agressão sensorial ao espectador, retirando-o de sua acomodação. "Tarantino é um antídoto para a inércia do cinema de fórmula': conclui. •
HUMANIDADES
EDUCAÇÃO
)
/
Meu mundo aqui e agora Projeto integra universidade e ensino fundamental para a produção de atlas municipais
H á alguns anos, as palavras de ordem "pensar globalmente,
agir localmente" têm orientado atividades de profissionais e pessoas preocupadas em preservar o meio ambiente. Uma experiência desenvolvida no Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), no Departamento de Educação da unidade de Rio Claro, demonstrou que um maior conhecimento da localidade pode ser extremamente útil para a formação de cidadãos aptos a melhorar a qualidade de suas vidas.
Encabeçado pela professora Rosângela Doin de Almeida o projeto Integrando Universidade e Escola Atra-
vés da Pesquisa em Ensino foi desenvolvido entre os meses de março de 1997 e maio de 1999 no âmbito do Programa de Apoio ao Ensino Público. Reuniu uma equipe de dez profes-· sores das áreas de História, Geografia e Ciências, do ensino fundamental das cidades de Limeira, Rio Claro e Ipeúna, no interior de São Paulo.
O objetivo dos pesquisadores, todos integrantes do Grupo de Desenvolvimento de Materiais Didáticos (GDMD) daquele instituto, era produzir atlas municipais das três cidades envolvidas, localizadas na região de Campinas, a segunda cidade mais industrializada e populosa do Estado. Para tanto, os pesquisadores lançaram mão de um extenso levantamento bibliográfico e de documentos, cartas e mapas contendo informações geográficas, topográficas, sociais e humanas das regiões. Promoveram também atividades educacionais específicas, em suas escolas, com o ob-
jetivo de verificar se o material levantado era adequado aos usuários, crianças entre 9 e 13 anos, ou seja, entre a 3a e a 6a séries- mais de SOO alunos participaram do projeto.
Produtos - "Os professores desenvolveram tanto produtos quanto metodologias", afirma a professora Rosângela. Ao lado deles, trabalharam dois bolsistas em aperfeiçoamento técnico em informática e cartografia e ainda três bolsistas de iniciação científica. A FAPESP, além das bolsas concedidas, contribuiu para a aquisição de três computadores, uma impressora, um scanner, material fotográfico e de consumo (para os equipamentos, o projeto recebeu, ao todo, R$ 10.700,00).
O trabalho resultou em três volumes cartográficos que contêm os seguintes temas: localização do município no país e no mundo; divisão político-administrativa; rede viária;
PESQUISA FAPESP · MAIODE2001 • 71
bairros e setores da área urbana; bairros e núcleos rurais; sítios arqueológicos; ocupação e povoamento; a cidade de outros tempos; a expansão urbana; bacias hidrográficas, gestão de recursos hídricos e saneamento básico. "Por meio desses atlas, procuramos encaminhar os alunos para o estudo de seu ambiente mais próximo, contribuindo para a conscientização dos jovens sobre a importância da preservação dos recursos naturais e da recuperação da memória e da origem histórica locais", explica Rosângela.
Alunos da Escola Heloisa Lemenhe Ma rasca: prazer de descobrir suas raízes ao estudar geografia
A realização do projeto, contudo, enfrentou dificuldades. "As maiores se deram, primeiro, com a produção dos mapas que serviriam de base para os atlas", afirma a pesquisadora. "Dispúnhamos de mapas topográficos (escala 1:50000) publicados pelo IBGE em 1968-69. Como os mapas dos atlas deveriam ter escala 1:200000, todos eles foram elaborados a partir dessas cartas do IBGE, que estavam muito desatualizadas."
Os pesquisadores tiveram de fazer diversos reconhecimentos de campo para atualizar as cartas. "Por exemplo, alguns núcleos rurais de Rio Claro não existiam mais, ou tinham outro nome. O limite entre Rio Claro e Ipeúna, que no mapa do IBGE tinha um traçado, no mapa da prefeitura tinha outro", conta a educadora. "Além desses entraves técnicos, que ~ostram como no Brasil o mapeamento do território ainda é precário, tivemos dificuldades em função das condições de trabalho dos professores da rede pública", acrescenta.
Apesar de receberem bolsa, o que poderia possibilitar uma redução de sua carga horária, isso não foi possível para os efetivos, que eram obrigados a assumir uma carga mínima
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de 30 horas semanais. "Havia necessidade de um horário coletivo semanal, porém isso só funcionou adequadamente no segundo semestre do projeto", lamenta.
Investigação histórica - Segundo Rosângela, houve uma transformação no modo de lidar com o conhecimento por parte dos professores que participaram do projeto. "Eles tiveram de buscar dados e informações em fontes originais", explica. O processo teve início com uma enquete realizada com professores da rede escolar para determinar que temas seriam os mais necessários ao aprendizado das turmas dentro daquela faixa etária. Mas o resultado foi um rol de assuntos desarticulados, de forma que os próprios pes-
O PROJETO
Integrando Universidade e Escola Através da Pesquisa em Ensino
MODALIDADE
Programa de Apoio ao Ensino Público
COORDENADORA
ROSÂNGELA DOIN DE ALMEIDA- Instituto de Ciências da Unesp/Rio Claro
INVESTIMENTO
R$ 46.700,00
quisadores resolveram definir o que era mais importante.
"Por exemplo, os temas de história deveriam responder à questão da formação do território local", explica a orientadora. Isso implicava perguntar: de que maneira o processo de ocupação do território paulista, no contexto da colonização do Brasil, explica a ocupação da região onde hoje estão os municípios em estudo? O que existia na região antes de surgir a vila? Que interesses moviam os primeiros habitantes que se fixaram no local?
"A história da formação da pequena cidade de Ipeúna era praticamente desconhecida. A professora bolsista responsável por recuperá-la realizou uma pesquisa exaustiva, usando métodos da história oral e a análise de documentos originais obtidos em arquivos públicos e particulares." Segundo Rosângela, a bolsista conseguiu estabelecer uma periodicidade na formação do território local.
Isso explicaria as relações atuais entre Ipeúna e Rio Claro e entre Ipeúna e Piracicaba, por meio das atividades econômicas que em diferentes momentos surgiram na pequena cidade. Essas atividades eram sempre secundárias e subsidiárias
Rosângela de Almeida e a coleção de atlas: vontade de
reunir teoria e prática
dessas duas localidades maiores. "O que esclarece os motivos do parco crescimento do município, encravado em uma região muito próspera do Estado de São Paulo", comenta.
Os professores de Geografia definiram o espaço urbano como principal objeto de representação nos atlas. ''A área urbana dividida em setores, que aglutinam bairros, passou a ser a principal meta da produção", diz Rosângela. Nos setores foram representac'h;s os serviços, as escolas e as unidades de saúde. Essas mesmas informações aparecem em um mapa da área urbana dividida em setores, o que possibilita ver a distribuição desses serviços na cidade. "Pela primeira vez, os alunos desses municípios puderam localizar a rua onde moram, a escola onde estudam e os serviços que existem (ou não) em seus bairros': festeja a educadora.
Rosângela ressalta que, em conformidade com a Geografia, a área de Ciências desenvolveu a temática do meio ambiente urbano, incluindo saneamento básico (água, esgoto,
lixo), enchentes e canalização de córregos e áreas verdes. "Essa temática foi priorizada em relação a outras áreas das Ciências em razão de vários motivos", explica Rosângela. "Em primeiro lugar, por causa da grave condição atual dos recursos hídricos da região. Participantes do Consórcio das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí nos procuraram, solicitando o preparo de material escolar para ser usado em campanhas de conscientização sobre a qualidade da água", narra.
Maturidade- Para Rosângela, o aproveitamento, por parte das crianças, dos atlas produzidos pela equipe, depende de uma experiência anterior. "Ainda é preciso avançar muito no ensino do lugar, quanto às con-
cepções e modos de ensinar, para evitar que se passe para o aluno uma visão linear e até ufanista da história", considera a orientadora. Para ela, o aluno precisa, primeiro, situar o lugar, a cidade no mapa. "Isso exige que, antes de usar um atlas local, ele saiba o que é um mapa e tenha domínio de referenciais de localização. Essa aquisição não é simples, é um trabalho a ser realizado nas primeiras séries, com atividades de iniciação cartográfica", diz.
Na opinião da coordenadora, uma pesquisa como essa é de extrema importância para a formação dos professores da rede pública. "Um dos objetivos era levar o professor a elaborar conhecimento por meio da
produção de um material didático. Os professores começaram a perceber as diversas dimensões envolvidas nesse processo: discutir o currículo e sua função no processo educativo, estabelecer um recorte de conteúdos a partir de sua relevância para entender o lugar, etc. Perceberam ainda que é necessário ter rigor quanto às fontes de informação", afirma Rosângela. "E, o que parece ser a
principal aquisição, lidar com o conhecimento de forma crítica."
Os benefícios da pesquisa estão resumidos nas palavras de Hélia Maria de Fátima Gimenez Machado, de Rio Claro, uma das professoras envolvidas, citada por Rosângela: "Quando comecei a relatar minhas experiências, pude perceber claramente o quanto essa prática de sala de aula é a pesquisa mais importante que realizamos no nosso cotidiano. Uma aula nunca é exatamente igual à outra porque cada aula e cada situação exigem adaptações e desenvolvimentos específicos. Nesses momentos, mesmo que não tenhamos consciência disso, estamos produzindo nosso próprio saber, unindo a teoria à prática e refletindo sobre ambas". •
PESQUISA FAPESP · MAIO DE 2001 • 73
HUMANIDADES
MUSEUS
A arte ao alcance das mãos Ação do MAC permite que deficientes visuais possam ter acesso ao acervo com explicações
Um deficiente visual passeando pelos corredores de um mu
seu pode parecer uma cena estranha. Mas, ao menos no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC/USP), isso é, agora, um fato bastante comum.
Criado há cerca de dez anos, o projeto Museu e Público Especial faz exposições que permitem a fruição da arte por portadores das mais diversas deficiências, físicas e mentais. A iniciativa recebeu uma bolsa de auxílio à pesquisa da FAPESP, em 1997. A diretora da divisão de educação do MAC no período de 1994 a 1998, Dilma de Melo Silva, conta que, quando se lida com o público especial, a palavra-chave é "multissensorial". "O pnmetro passo para se realizar uma dessas exposições é escolher, dentro do acervo do museu, temas que possam ser interessantes de se destacar", explica Dilma.
ser adaptadas. Como as regras do museu não permitem contato manual com pinturas e esculturas originais, são feitas réplicas em materiais resistentes a meses e meses de toques. ''A única forma de portadores de deficiências visuais congênitas ou adquiridas, por exemplo, perceberem o museu é tocando", explica a educadora Arnanda Fonseca Tojal, que coordena as exposições e os programas educativos do projeto.
Revelações - Chamadas O Toque Revelador, as exposições são planejadas para ficar cerca de dois anos em exi-
bição. Além das réplicas, a equipe -composta de artistas plásticos, designers, restauradores, conservadores do museu, educadores e professores - se concentra em elaborar o material didático de apoio, como catálogos em braile e kits de orientação. "A maior preocupação é que seja uma visita interativa, na qual tudo pode ser tocado", afirma Arnanda.
Para isso, são explorados, além das artes plásticas, recursos como a dramatização, poesia, jogos, música e até mesmo a prática em ateliês. Na exposição A Poética das Formas, por exemplo, atualmente no MAC, fo
ram feitas réplicas de seis esculturas com características abstratas, de celebrados artistas plásticos como Hidekazu Hirano, Karl Hartung, Laci Freund, Nicolas Vlavianos, Rubem Valentin e Walter Linck.
"Quando começamos, precisávamos ficar correndo atrás das escolas e instituições, que não acreditavam que museu fosse lugar para portadores de deficiências" conta Amanda. "Além disso, os professores temiam que seus alunos pudessem dar trabalho", continua. Dez anos depois, há uma grande procura e algumas escolas agendam suas visitas com um ano de antecedência.
Com o tema escolhido, é necessário pensar como as obras podem Deficiente visual toca escultura: uma maneira diferente de"ver"
Longe de se dar por satisfeita, entretanto, a equipe do MAC continuou a encarar desafios. Um deles foi adaptar
74 • MAIODE2001 • PESQUISA FAPESP
pinturas para os deficientes, como na exposição Retratos e Auto-Retratos, que trabalhou com quadros do acervo. "A idéia é fazer a criança pensar na sua própria identidade", conta Dilma. Amanda lembra que, no início, trabalhava somente com esculturas, pois não acreditava que obras bidimensionais pudessem produzir bons resultados com deficientes. Mas foi justamente um cego que lançou a idéia, após ter lido, em braile, sobre o modernismo brasileiro e se interessado principalmente pelo trabalho de
"perda da aura das obras" - pois muitas reproduções não continham todos os detalhes das telas originais -, o resultado foi considerado positivo pela equipe. "Os deficientes começaram a aprender a 'ver' a obra de arte da sua forma, principalmente pelas mãos, no caso dos cegos", festeja Amanda. "Mas as reproduções, com relevos e sulcos, são essenciais, porque a maioria das telas de nosso acervo é composta por pinturas a óleo e mesmo que o toque fosse permitido, não seriam
Arte e artesanato - Após dez anos de exposições no MAC, Amanda, que defendeu em 1999 sua tese de mestrado O Museu de Arte e o Público Especial, tem experiência de sobra no assunto. Em um curso que ministra para professores, a educadora ressalta a diferença entre ensinar arte e artesanato. "Existem dois caminhos para a prática artística", ensina. ''As instituições geralmente usam o artesanato, mas isso não é ensino da arte." A experiência artística, segundo ela, é relacionada ao conhecimento da
o Toque Revelador : a poet arte, criatividade e individualidade.
As exposições têm custos considerados altos pelo museu - cerca de R$ 40 mil cada uma. Talvez por isso ainda sejam iniciativas quase exclusivas do MAC. "Há algum tempo, os museus afirmavam não ter condições de pagar esse tipo de projeto", conta Amanda. "Mas já começam a ver a importância de serem abertos para todos, até como forma de divulgar seu trabalho." Ela ressalta iniciativas do Museu de Arte Moderna de São Paulo
Deficiente visual e Dilma com escultura: obras com relevos e sulcos são essenciais para experiência (Masp) e do Sesc de
Anita Malfatti. "Ele me perguntou se havia um jeito de uma pessoa que não enxerga conseguir perceber o trabalho da pintora': conta Amanda.
Apesar das críticas, vindas de alguns artistas que reclamavam da
O PROJETO
Museu e a Pessoa Deficiente
Linha regular de auxílio à pesquisa
DILMA DE MELO SILVA - Museu de Arte Contemporânea da USP
INVESTIMENTO
R$ 38.050,00
perceptíveis apenas se passando a mão", explica.
A educadora ressalta a importância de compreender as características de cada deficiência, para montar uma exposição que atenda a todos. Ela conta que, muitas vezes, existem pessoas com diferentes graus de deficiência em um mesmo grupo. "Por mais que a gente converse antes com o professor, para conhecer a turma, às vezes algumas pessoas têm dificuldade de interagir, o que torna cada visita única", afirma. Por isso, as visitas nunca duram menos de duas horas e são sempre feitas com grupos pequenos, compostos de, no máximo, 20 pessoas.
São Luís do Maranhão. Além disso, a educadora foi consultora do trabalho voltado ao público especial da Mostra do Redescobrimento, que recebeu cerca de 5 mil deficientes.
A partir de junho, a equipe de Amanda estará começando a preparar a próxima empreitada dentro do museu: um percurso no MAC, utilizando o acervo disponível. O público especial será acompanhado por um "carrinho multissensorial", em que estará o material de apoio relacionado às obras selecionadas. As visitas ocorrem às terças-feiras e podem ser agendadas pelos telefones (Oxx11) 3818-3327 e (Oxx11) 3818-3559. •
PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2001 7S
LIVROS
JOSÉ EDUARDO DE ASSIS L EFEVRE
A antropologia da metrópole moderna Livro analisa São Paulo a partir do estudo do lazer
O olhar atento ao que é familiar permite descobrir as
pectos que no dia-a-dia nos escapam. Esse é um dos pontos de partida para os ensaios reunidos por José Guilherme Magnani e Lilian Torres, que aplicam a metodologia antropológica ao estudo de São Paulo.
A antropologia teve origem no estudo das sociedades primitivas. Como esclarece Magnani, o seu campo se ampliou, pesquisando as sociedades "desenvolvidas" para captar as nuances de comportamento dos grupos sociais. Partindo da análise das populações indígenas e caboclas e da aculturação das populações migrantes, as pesquisas antropológicas de São Paulo passaram a se dedicar à cultura dos grupos que compõem a sua população. Os pesquisadores do Núcleo de Antropologia Urbana escolheram o estudo do lazer como indicador significativo da cultura da metrópole.
Sete ensaios abordam diferentes aspectos da cidade grande. Lilian Torres investiga a freqüência aos bares, restaurantes, cinemas, livrarias do Bexiga e da Paulista com Consolação, o perfil e as motivações dos freqüentadores, a identificação com um padrão de comportamento, as relações entre as características dos espaços e seus usuários.
Vagner Silva analisa a cultura religiosa de origem africana no contexto da metrópole e as adaptações de suas representações para manter os significados essenciais. As diferentes divindades, simbologias e espaços mágicos sofrem adaptações, com a substituição de elementos naturais por elementos doambiente urbano, que passam a ter dimensão religiosa. Luiz Henrique Toledo enfoca a transformação de significados do espaço urbano para as torcidas de futebol. O espaço da cidade se transforma em territórios "nossos" e "inimigos': e essa delimitação há muito deixou de ser imaterial para ser bem concreta, principalmente para a segurança.
76 • MAIODE2001 • PESQUISA FAPESP
Na metrópole: textos de antropologia urbana
José Gui lherme C. Magnani & Lil ian de Lucca Torres (orgs.)
Editora Edusp/ FAPESP 320 páginas R$ 30,00
Heloísa de Almeida estuda o comportamento e motivações dos freqüentadores de cinema na cidade de São Paulo, em particular das Mostras Internacionais. Marinês Calil aborda o mundo dos dancing clubs que existiram em São Paulo nos anos 80. O envolvimen-to pessoal da autora com o contexto a leva a supervalorizar a sua importância, o
que é esperável de uma visão de dentro de um mundo para fora.
Rosani Rigamonte aborda a adaptação dos migrantes nordestinos à metrópole e às novas formas de viver, mantendo os vínculos com a cultura e as pessoas que ficaram em suas localidades de origem. Enquanto possível, eles mantêm formas pessoais de contato, deixando-as quando a quantidade de pessoas envolvidas ultrapassa o limite do que pode ser controlado de maneira singela, sendo substituídas por organizações empresariais.
Rita Amaral aborda a organização das festas de candomblé. A realização de festividades fortalece as ligações internas dos grupos religiosos, sendo necessárias adaptações às condições materiais de vida na capital. Maria Lúcia Montes conclui relacionando o espaço urbano à experiência de vida de seus habitantes, dividida entre a escala do convívio próximo, do pedaço, e a escala mais ampla do convívio social metropolitano, em que os papéis e as atividades diferenciadas definem grupos, e em que os trajetos dos moradores são os elementos de ligação e confronto.
Na Metrópole interessa para os que procuram entender a cidade paulistana, sua cultura, seu espaço, para orientar a ação sobre ela e planejar soluções para seus problemas.
}OSÉ EDUARDO DE A SSIS LEFEVRE é arquiteto e professor de História da Arquitetura da Universidade de São Paulo
LANÇAMENTOS
Eva e os Padres Companhia das Letras Georges Duby 168 páginas I R$ 22,00
Um texto saboroso escrito pelo celebrado historiador francês, morto em 1996, completando a trilogia Damas do Século 12. Dessa vez, Duby disseca como se dava a relação entre a Igreja e as mulheres, com descobertas surpreendentes.
Segundo ele, eram notavelmente os padres os repousáveis pela criação da literatura do amor cortês, que celebrava o pecaminoso vínculo extraconjugal e o trio composto por senhor, dama e cavaleiro. Longe, no entanto, de progressistas, os clérigos queriam apenas converter o "fogo" carnal das devotas em neutra paixão literária.
O Atlântico Negro Editora 34 Paul Gilroy 432 páginas I R$ 34,00
O professor de Yale apresenta uma teoria instigante sobre a construção da identidade negra, que seria fruto de um intercâmbio transatlântico entre Europa, África e o Novo Mundo. Gilroy, a partir do exemplo de escritores negros criadores de
idéias originais, alerta para o perigo de se tentar apreender uma noção de raça a partir de exemplos tirados do passado ou de um africentrismo atávico, afirmando que a "negritude" deve ser um projeto moderno.
Anna.teresa Pabrts Fragmentos Urbanos Studio Nobel Annateresa Fabris 212 páginas I R$ 29,00
A historiadora e crítica de arte da ECA-USP faz um painel dos dilemas com que as cidades modernas devem se confrontar para encontrar caminhos melhores para seus habitantes.
A tese divide-se em dois eixos. O primeiro discute a modernização do Rio e de São Paulo a partir de uma visão futurista do espaço urbano. Annateresa estabelece um contraponto entre realidade e utopia na configuração contemporânea das metrópoles. Em um segundo momento, a pesquisadora discute as presenças urbanas paradigmáticas e de que forma, cada vez mais, há uma aproximação de aspectos escultóricos e arquitetônicos e de que maneira ambos podem conviver em harmonia.
REVISTAS
Revista USP 2001 - número48
A revista traz como dossiê deste número um assunto em voga: os novos rumos da comunicação. Um dos focos da discussão centra-se no chamado apartheid tecnológico do acesso à informação. Ou seja, em meio a tantos progressos da Internet, quem está fora desse jogo
simplesmente "não conta': Há artigos de Fábio Konder Compara to, Adilson Citelli, Elizabeth Saad Corrêa, Eugênio Bucci e, entre outros, Maria Aparecida Baccega. E mais: Borges e Dante, por Leopoldo Bernucci, e No Coração da América, de Joaquim Alves de Aguiar.
Serviço Social e Sociedade 2001- número65
Também preocupada em refletir os novos tempos, a revista traz uma série de artigos que discutem o delicado tema da exclusão social e a ética na dialética do indivíduo e da sociedade. O artigo de Eduardo Mourão analisa as complexidades
do conceito de "empowerment", enquanto Vera Maria Ribeiro Nogueira fala sobre as assimetrias e tendências da seguridade social brasileira. Ainda neste número: A Ética na Profissão como Estética da Existência, de Maria Glauciria Mota Brasil; La Participaión Ciudadana: una Ausencia, de Carlos Arteaga Basurto, Leticia Cano Soriano e Maria Casillas.
REV ISTA' I NSTITUTO
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Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo Volume43
A revista, que conta com o apoio da FAPESP, completa 42 anos e traz nesta edição: Dermatophytoses in Children, de N.C. Fernandes, T. Akiti e M.G.C. Barreiros; Contribution to the laboratory diagnosis
ofhuman cryptosporidiosis, de I. Martinez e Belda Neto; Pancreatic involvement in co-infection visceralleishmaniasis and HIV: histological and ultrastructural aspects, de E.Z. Chehter, M.A. Longo, A.A. Laudanna e M.I.S. Duarte; Endemic Pemphigus foliaceus: a series from Northeastern region of the State of São Paulo, de M.P. Chio~si e A.M.F. Roselino, entre outros artigos.
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HÉLIO DE ALMEIDA
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ESPECIAL
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INFRA-ESTRUTURA 2
Um salto com rede Quilómetros de cabos ligam pesquisadores paulistas entre si e à ciência mundial
Desde 1995, o Programa de Infra-Estrutura da FAPESP já liberou cerca de R$ SOO milhões para dar suporte material à pesquisa em São Paulo. Desse total, aproximadamente R$ 65 milhões destinaram-se à im
plantação de redes de informática nas universidades e institutos de pesquisa do Estado de São Paulo. Redes que interligaram, entre si e com o mundo, laboratórios, institutos e faculdades, campus universitários, como uma malha subterrânea de fios, fibras e cabos se estendendo pelo território paulista, agilizando o processamento e a troca de informações e beneficiando diretamente professores, pesquisadores, estudantes e funcionários das universidades e institutos.
O professor Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente da FAPESP e diretor do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), costuma utilizar a analogia com a invenção da imprensa por Johannes Guttenberg, na Alemanha, em 1450, para estabelecer o lugar da informática no mundo contemporâneo. "A modificação que as novas tecnologias de informação produzem tem paralelo com aquilo
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que aconteceu a partir da invenção da imprensa. As tecnologias de informação produzem aumento de eficiência e produtividade. Elas são vitais para aumentar a comunicação. E mais comunicação é essencial para a produção científica."
Foi com esse entendimento, e percebendo a existência de gargalos importantes na área de tecnologia de informação das instituições de pesquisa paulista, que a FAPESP estabeleceu, já na segunda fase do Programa de Infra-Estrutura, o módulo redes locais de informática, para investir diretamente na criação de redes de alta eficiência dentro das universidades e institutos. No total, foram beneficiados 650 projetos (ver tabelas), implantados muitos quilômetros de cabos, instalados milhares de pontos para ligações de terminais de computadores. Este suplemento, o segundo de uma série sobre o Programa de Infra-Estrutura publicado pela revista Pesquisa FAPESP, vai contar um pouco da história das transformações provocadas nas instituições de pesquisa por essa malha invisível: as redes de informática. As reportagens são de Maria Aparecida Medeiros e a edição de Mário Leite Fernandes.
Tráfego de informação
O impacto da implantação das redes de informática na produção científica paulista pode ser intuído de forma clara. Entretanto, não é um impacto concretamente mensurável. Pelo menos não em todas as áreas. "Conceitualmente, o mundo inteiro reconhece que a maior capacidade de transmitir e receber dados aumenta a capacidade de produzir ciência", afirma Carlos Henrique de Brito Cruz. Segundo ele, medições de impacto, entretanto, só seriam possíveis em áreas do conhecimento nas quais o computador é um instrumento para simulações e cálculos, ou, ainda, em projetas que envolvem grandes redes de pesquisadores, como os dos programas Genoma e Biota. "Nos outros projetas, menores mas não menos importantes para a FAPESP, ainda não se tem noção do peso do acesso ao fluxo internacional de dados nos seus resultados, mas deve ser muito grande."
O pró-reitor de pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), Hernan Chaimovich, ressalta a importância das redes na integração da universidade ao mundo globalizado. "Se eu pudesse resumir numa frase a responsabilidade da FAPESP nas mudanças tecnológicas na área de informática experimentadas nos últimos anos pela uni-
A DEMANDA POR RECURSOS (Situação em 31.03.01)
PROJETOS INFRA 2 INFRA 3 INFRA 4 TOTAL
Recebidos 716 278 315 1.309
Denegados 468 89 99 576
247 189 214 650
Cancelados 2 3
(Situação em 31.03.01)
FASES DO PROGRAMA PROJETOS APROVADOS
N' VALOR
lnfra 2 247 26.626.962,61
lnfra 3 189 15.271.502 ,67
lnfra 4 214 22.985.057,79
Total 650 64.883 .523,07
2
versidade, eu diria o seguinte: a USP, com seus recursos próprios orçamentários, não teria sido capaz de acompanhar essas mudanças. Os investimentos da FAPESP permitiram que a universidade se adequasse às mudanças tecnológicas globais': declara. Não é pouca coisa. Só em um de seus institutos, o Instituto de Química, a USP tem mais de 900 computadores. A nova estrutura chega também ao interior. Em São José do Rio Preto, a Universidade Estadual Paulista (Unesp) tem um supercomputador semelhante ao Deep Blue, a máquina que enfrentou o campeão mundial de xadrez Garry Kasparov, comprado num programa que envolve, além do apoio da FAPESP, parcerias com a empresa IBM.
O início do Programa de Infra-Estrutura da FAPESP, em meados da década de 90, coincidiu com a expansão da Internet, que ajudou a transformar o computador, além de instrumento de comunicação, também em instrumento de informação. Foi mais do que substituir o correio comum e o telex pelo correio eletrônico. "Foi um fenômeno que mudou totalmente a postura do pesquisador perante a informação': comenta Chaimovich. "Agora, a informação é em tempo real. Isso vai desde a comunicação entre pessoas até a busca de informações numa fonte global, que é a rede", acrescenta.Brito Cruz aponta um fenômeno. "O contato eletrônico permite o acesso às revistas científicas no mesmo dia em que elas saem. Antes, era necessário esperar de dois a três meses para receber a revista."
O ponto de partida A implantação das redes locais, ou redes corpo
rativas, unindo entre si laboratórios e faculdades das universidades públicas paulistas e dos institutos de pesquisa teve início a partir de 1996. Mas essas redes locais estão todas conectadas à ANSP - Academic Network at São Paulo, rede criada e gerenciada pela FAPESP, que liga as redes de computadores acadêmicas e dos institutos e centros de pesquisa de São Paulo entre si e com o Brasil e o Exterior. É a ANSP a via de conexão à Internet de todas as instituições vinculadas ao Sistema de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo.
A Rede ANSP começou a ser desenhada em 1987 e foi inaugurada em agosto de 1988. A ANSP foi a primeira rede brasileira a integrar-se à Internet, em 1991. Com essa conexão, ela estabeleceu um acesso internacional não só para os centros de pesquisa paulista como, também, para instituições conectadas à Rede Nacional de Pesquisa, criada em 1989 pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ( CNPq) para interligar as redes acadêmicas estaduais.
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Distância percorrida - É uma longa distância desde o aparecimento dos primeiros computadores nas universidades, ainda na década de 80. Canhestros, lentos e pesados em comparação com as máquinas de hoje, esses primeiros computadores eram usados principalmente nas áreas de Física e de Matemática, nas quais sua capacidade para fazer cálculos complicados os transformou em valiosas ferramentas. No início da década de 90, sua utilidade também em outros campos ficou patente e eles se espalharam para outras áreas. A quantidade, no entanto, ainda era pequena. O mesmo Instituto de Química que tem hoje centenas de micras tinha praticamente apenas um por andar. A utilização também era restrita. Para alguns, o computador era apenas um instrumento de produção de textos, um substituto da máquina de escrever.
"Uma transição mais dramática aconteceu quando,
aos pesquisadores paulistas e que permite o acesso on line a textos integrais de publicações científicas de grandes editoras internacionais, e do Programa Biblioteca Eletrônica (ProBE), que disponibiliza cerca de mil publicações científicas internacionais. É a inserção do pesquisador em uma rede mundial de conhecimento.
Mudando a ciência - A instalação e a expansão das redes também deram lugar aos grandes projetas de cunho cooperativo, envolvendo pesquisadores de vários locais e de várias disciplinas, como os programas Genoma-FAPESP e Biota. "O Programa Genoma é todo baseado na rede virtual': comenta Imre Simon, professor do Departamento de Ciências de Computação do Instituto de Matemática e Estatística da USP e presidente da comissão central de informática da universidade de 1994 a 1998. "Sem essa rede, não haveria a menor chance de se
fazer esse seqüenciamento cooperativo': afirma.
além de ferramenta de texto ou de cálculo, o computador foi entendido como ferramenta de informação", diz Chaimovich. "Houve uma evolução fantástica na rede", declara o pró-reitor da USP. "A quantidade de informação disponível mudou, a maneira como se acessa essa informação também mudou': prossegue. "A USP, graças em parte aos investimentos da FAPESP, focalmente em infra-estrutura de informática e generalizadamente em pesquisa, se adequou a essa mudança tecnológica': acrescenta.
INVESTIMENTO POR INSTITUIÇÃO
Para Simon, "o mundo caminha para uma realidade em que todas as ciências dependem, de maneira fundamental, de técnicas da computação':
Para Chaimovich, porém, isso foi apenas uma parte do quadro. "A outra parte, também de responsabilidade da FAPESP, foi colocar em operação alguns tipos distintos de procura bibliográfica por intermédio da rede, permitindo uma mudança na forma como se procura uma informação científica", assinala. É o caso, por exemplo, do Web of Science, uma base de dados do Institute for Scientific Information, disponibilizado
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INSTITUIÇÃO N• PROJETOS CONTRATADOS
USP 222
UNICAMP 137
UNESP 127
OUTRAS INST. ESTADO 56
INST. FEDERAIS 84 5.378.374,99
INST. PARTICULARES 2 2.485.696,59
INST. MUNICIPAIS 2
650 64.883.523,07
INVESTIMENTO POR AREA DE ATIVIDADE
ÁREA N• PROJETOS CONTRATADOS VALOR (R$)
Agrárias 60
Arquitetura 3 -- -------~--------
5
Biologia 59
Economia 8
Engenharia 130
Física 55
Geociências 20
Humanas e Sociais 64
Interdisciplinar 24 8.876.963,95 -----------------Matemática 51 7.953.561,53
Química 27 2.213.242,95
Saúde 144
650
A computação, ele diz, transformou-se em insumo essencial de qualquer ciência e está mudando a ciência de maneira global. "Estão sendo produzidas quantidades enormes de dados. Mastigar, digerir e transformar esses dados em informação, em conhecimento, só é possível por meio de computadores."
As grandes redes para programas específicos, como o Genoma-FAPESP e o Biota, além das que envolvem, simultaneamente, cientistas de vários países, recebem muita atenção da mídia e, às vezes, ofuscam outros aspectos da questão. Mas o efeito da instalação das redes pode ser percebido em todas as áreas de pesquisa, como a Medicina, e atinge até o próprio ensino, abrindo novas perspectivas para a educação à distância.
3
administrador Sidney Pio de Campos ainda lembra dos velhos tempos. "Não conseguíamos atender todos
os usuários com problemas de conexão", diz o responsável pela rede de informática do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O sistema do instituto de Campinas não era apenas lento. Era precário e pouco confiável.
A antiga estrutura de rede, por exemplo, não tinha um painel de controle no qual era possível localizar onde estava a origem de um problema. "Era necessário percorrer todo o instituto, prédio por prédio, até achar o ponto com problemas e corrigi-los': afirma. Na maioria das vezes o problema era um cabo solto.
A solução começou a surgir em 1995, quando o instituto recebeu as primeiras verbas da FAPESP para modernizar sua rede de informática. Toda a estrutura foi substituída por um sistema mais moderno, com base em fibras ópticas. Hoje, um backbone de fibra óptica liga os 14 prédios do Instituto de Física da Unicamp. O sistema tem mais de 700 pontos de rede, mas isso não assusta os responsáveis. A capacidade total é para mais de 1.200 pontos.
Tornou-se possível um enorme aumento na velocidade da transmissão de dados. Quando a Internet apareceu, na década de 80, a velocidade máxima de transmissão era de 56 quilobits por segundo. No início da década de 90, já tinha saltado para 45 megabits por segundo. Hoje, as boas redes permitem velocidades de entre 100 e 155 megabits por segundo. A linha
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Cada um recebe um pedaço do problema
Computação paralela substitui supercomputador
que liga a FAPESP à USP já trabalha com uma velocidade de 1 gigabits por segundo. E, segundo os técnicos, não está longe o dia em que as redes locais chegarão a essa mesma velocidade.
Publicações científicas - Para o diretor do instituto e presidente da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, ainda é cedo para avaliar o real impacto de redes como essa nas pesquisas científicas. "Os resultados só vão aparecer daqui a dez anos, quando for examinada a evolução no índice de publicações científicas e de teses publicadas': afirma. "Hoje, ainda não é possível notar essa evolução. Mas podemos afirmar com certeza que facilitar o fluxo de informações sempre aumenta a velocidade e a qualidade da produção de conhecimento:'
Pinheiro de Lima: infra-estrutura essencial
Marco Aurélio Pinheiro de Lima, do Departamento de Física Quântica, apóia. "Hoje em dia, o sistema computacional de um instituto determina sua capacidade criativa", declara. "Se a infra-estrutura é ruim, já se sabe que as pesquisas não vão muito longe. Os problemas são muito sofisticados e demandam uma computação de alto desempenho."
A rede tornou as conexões mais estáveis e o transporte de dados mais rápido, com velocidade de até 100 megabits por segundo. Os problemas da Física, hoje, por exemplo, envolvem cálculos complexos e a transferência de uma grande massa de dados. Com uma boa conexão, um pesquisador pode usar vários computadores ao mesmo tempo. O efeito é o mesmo do uso de um supercomputador.
z Esse recurso, conhecido ~ como computação parale-
la, é muito usado pelos físi-" ~ cos da Unicamp. Um único
problema é dividido em diversas partes e então cada parte vai para uma CPU. Quando os cálculos estão concluídos, os dados voltam a ser reunidos numa única máquina, que controla toda a operação até que se chegue ao resultado final.
A computação paralela, tornada possível por uma rede de alta qualidade, tem muitas vantagens. Em primeiro lugar, poupa ao instituto pesados investimentos em máquinas mais sofisticadas. Em segundo, pode ser usada a partir de qualquer ponto da rede.
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"Aqui, é comum um pesquisador pedir licença para usar máquinas de outros usuários, quando eles têm capacidade ociosa", diz o professor Pinheiro de Lima. "Quando um pesquisador recebe uma máquina, ela é automaticamente ligada à rede. Se o pesquisador não a usa integralmente, está apto a dividi -la com quem precisa. Por isso, nossos equipamentos são usados em 95% do tempo, inclusive nos fins de semana:'
Pesquisa internacional - A rede trouxe outras mudanças para o dia-a-dia do instituto. O correio eletrônico passou a ser, de longe, o método de comunicação mais usado, tanto nos cantatas internos como nos externos. "Se você precisa de uma resposta rápida, é mais garantido mandar uma mensagem pela rede do que usar o telefone", comenta o presidente da comissão de informática do instituto e professor do Departamento de Raios Cósmicos do IFGW, José Augusto Chinellato.
Para o professor Chinellato, a rede tornou possível, também, a participação numa importante pesquisa internacional, o pro
ao universo. Trata-se de um projeto que envolve tanta tecnologia e tanto dinheiro que tornou necessária uma cooperação internacional. Só a contribuição do Brasil deve chegar a US$ 3,5 milhões, parte desse montante investido pela FAPESP.
''A participação em projetas como o Auger seria completamente inviável sem um meio rápido de transmissão de dados", comenta o professor Chinellato. ''A entrada do IFGW só foi possível porque o instituto es-
percomputador Cray do centro do Cenapad, no Rio Grande do Sul.
O uso do equipamento à distância, porém, dificultava o trabalho. ''A situação era crítica, pois muitas pessoas usavam o supercomputador", ele lembra. Com a capacidade de processamento paralelo da rede, Gaivão passou a fazer seus cálculos no próprio instituto. "Isso facilitou bastante nossa pesquisa", declara.
Os casos do Instituto de Física de Campinas não são isolados. As pes-
jeto Auger. Nesse projeto, com o apoio da FAPESP, pesquisado
Instalação do projeto Auger, na Argentina: cientistas de mais de 20 países
res da Unicamp participam com cientistas de mais de 20 países da operação e análise dos dados recolhidos pelo observatório de raios cósmicos Pierre Auger, construído na região semidesértica de Pampa Amarilla, no sul da província de Mendoza, na Argentina.
Sem uma rede como a existente na Unicamp, ligada à rede ANSP e à Internet, esses cientistas nem poderiam sonhar em participar do projeto. Seu objetivo é detectar, examinar e interpretar raras partículas de alta energia que penetram na atmosfera, vindas do espaço. A esperança dos cientistas é obter mais informações sobre o big-bang, a grande explosão que, segundo uma das teorias mais aceitas da Física, teria dado origem
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tá tecnologicamente à altura do projeto." Chinellato conta que se mantém em cantata constante com pesquisadores dos Estados Unidos, Rússia, China, Argentina, Grécia e outros países, discutindo e trocando informações. Os dados recolhidos pelo observatório são enviados diariamente para um banco situado na Itália.
Ele não foi o único beneficiado. Parte do trabalho do pesquisador Douglas Gaivão, da área de Biofísica do instituto, é discriminar moléculas potencialmente cancerígenas e propor drogas mais eficientes para seu controle. A pesquisa exige cálculos só possíveis com computadores de alto desempenho. Antigamente, Galvão recorria com freqüência ao su-
quisas, hoje, tendem a ser cada vez mais multidisciplinares e cooperativas. Em muitas áreas, ter acesso ou não às novas tecnologias pode significar para um grupo ter ou não capacidade de produzir ciência.
"Hoje há uma nítida separação entre os países que têm acesso à tecnologia da informação e os que não têm", comenta o professor Brito Cruz. "Por isso, o grande mérito dos programas de infra-estrutura da FAPESP foi o de colocar as universidades paulistas do lado dos que têm acesso à essa tecnologia." Mas ele mesmo adverte: "Não podemos achar que está tudo pronto. A evolução dessa tecnologia é muito rápida".
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De um extremo a outro do Estado
Rede da Unesp liga 25 unidades de ensino
Existe no Brasil ilecl\ 1j ~ 4.7 a.a 9:e: uma parceria com a IBM,
representa bem uma das características mais marcantes da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Ela está espalhada por todo o Estado. Das 25 unidades de ensino da Unesp, espalhadas por 14 cidades, a mais próxima da capital, onde está instalada a reitoria, fica em São José dos Campos, a 97 km de distância. Para chegar à mais distante,
fdbio 8 a 3.8 9.1 a:91 fabio 1 a 9.5 9.1 9:9€
um supercomputador IBM SP-2, muito semelhante ao
Deep Blue, a máquina
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maravilhosa que disputou - e venceu - uma série de partidas contra o campeão mundial de xadrez Garry Kasparov. Ele está situado em São José do Rio Preto, no norte do Estado de São Paulo, 460 km ao norte da capital do
Cansian: correio eletrônico substitui viagens Estado. É usado principal- em Ilha Solteira, na fron
teira com Mato Grosso mente por pesquisadores de outras cidades. Professores de Jaboticabal usam o SP-2 para trabalhos ligados ao Programa Genoma. Pesquisadores de Ilha Solteira fazem nele
cálculos ligados a projetos de instalação e desenvolvimento de fábricas.
O SP-2, comprado em 1995 com um financiamento da FAPESP e
Uma fábrica sem operários
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No Núcleo de Manufatura Avançada (Numa) da Escola de Engenharia da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos, a rede de informática está sendo usada para algo mais do que as trocas de mensagens e consultas a bibliotecas a distância. Num projeto do qual participa também a Unesp de São José do Rio Preto, pesquisadores estão comunicando-se com máquinas. No futuro, a técnica poderá ser empregada em fábricas sem operários, nas quais máquinas e robôs seriam comandados a distância, por meio da Internet.
O palco da experiência é a Fábrica Integrada Modelo (FIM), na qual, por meio de um computador conectado à rede e um software pro-
jetado por técnicos do Numa, o funcionamento das máquinas do setor de usinagem de uma fábrica é acompanhado pela Internet. O software mostra, com recursos de animação, se a máquina está funcionando ou se está trabalhando em sua plena capacidade ou subutilizada.
"Trata-se de um recurso importante", explica o engenheiro João Fernando Gomes de Oliveira, professor da Escola de Engenharia e um dos responsáveis pelo projeto. "Muitas vezes, o supervisor da fábrica só vai saber que uma máquina está trabalhando abaixo da capacidade quando percebe que a encomenda feita por um cliente está com uma semana de atraso", acrescenta.
do Sul, percorrem-se 670 km. Para ir de uma faculdade a outra, é necessário, muitas vezes, cobrir enormes distâncias.
O software também dá informações sobre o funcionamento da máquina que podem evitar uma parada de produção. Ele é programado para disparar um alarme sempre que houver perigo. "Se a temperatura subir muito, por exemplo, o supervisor tomará logo conhecimento do problema e poderá tomar uma providência antes que o equipamento se quebre", diz Oliveira.
Os pesquisadores de São Carlos trabalham para o futuro. Na prática, os especialistas concordam, ainda não é possível controlar uma máquina pela Internet, pois a rede não permite a realização de operações em tempo real. Um padrão de transmissão de 100 a 150 megabits por segundo, bom para operações
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O mesmo acontece com a rede, montada com a ajuda do Programa de Infra-Estrutura da FAPESP, que hoje liga todas essas instalações. ''A rede aproximou os pesquisadores, não só dentro da Unesp, mas também com os de fora da instituição", diz o chefe da assessoria de informática da universidade, Adriano Mauro Cansian. Ele mesmo é um exemplo disso. Morando em São José do Rio Preto, onde pesquisa e dá aulas na Faculdade de Informática, e passando vários dias por semana em São Paulo, onde fica a sede da assessoria, precisava subir num automóvel e rodar 300
SP-2: parente do Deep 8/ue em Rio Preto
de dados do Programa Genoma fica numa instalação da Unesp, o Laboratório de Biologia Molecular da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal. A instalação da rede trouxe enormes vantagens na área administrativa, com a eliminação de despesas em correio, telefonemas urbanos e muitas, muitas viagens. Mas quem mais ganhou foram os pesquisadores. "Boa parte das pesquisas bibliográficas é feita· pela rede, sem que o pesquisador precise sair de sua sala", diz Cansian. "Antes, era preciso esperar de 30 a 60 dias para receber uma cópia de um artigo publicado numa
ou 400 km quando precisava conversar, por exemplo, com um pesquisador em Bauru ou Rio Claro. O correio comum era muito lento.
normais, é insuficiente para operações mais sofisticadas.
Numa rede interna, em condições ideais, o intervalo entre apertar o botão do mouse e a execução de uma tarefa programada vai de dois a três segundos. Numa rede como a Internet, com seus gargalos de transmissão, ele pode ser dez vezes maior. "Com a atual capacidade de transmissão das redes, operar uma máquina industrial distância ainda é inviável", informa Oliveira.
Ele prossegue: "Esses equipamentos geralmente exigem grande precisão de movimentos, o que ainda não se consegue numa rede. Para
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"Na melhor das hipóteses, por Sedex, os dados chegavam em três ou quatro dias", lembra.
Eliminação de despesas - Hoje, um sistema confiável de correio eletrônico permite que as informações sejam transferidas rapidamente. Tanto que o
de estocagem
revista internacional." Para chegar a isso, porém, foram
necessários muito trabalho e muitas despesas. O primeiro passo foi a montagem das redes internas, as chamadas LANs (Local Area Networks). Cada unidade ganhou a sua. Ao todo, foram usados 100 km de fibras ópticas e 600 km de cabos de cobre. Para instalar essas linhas, foi preciso cavar, quebrar paredes, instalar dutos, cimentar e dar o acaba-
tecnológico': comenta. "Ninguém usinagem é controlada pela Internet
controlar o braço de um robô, por exemplo, a posição vista no monitor do computador está atrasada 20 segundos com relação à posição real".
• pode prever quando isso vai acontecer, de que tamanho será o próximo salto e quais serão suas conseqüências, mas que ele virá, virá."
É um problema muito mais complexo do que acionar equipamentos como lâmpadas elétricas e cafeteiras a distância, como se vê nas chamadas casas do futuro. "Se uma peça for usinada com apenas alguns décimos de milímetro a mais, não se encaixará bem e todo o lote será perdido", diz o professor.
Para ele, a fábrica governada a distância pode transformar-se em realidade a qualquer momento. "Depende apenas de mais um salto
O Numa é composto por vários grupos que desenvolvem soluções técnicas para otimizar processos produtivos, reduzir impactos ambientais e promover a cooperação entre empresas. Usa a rede das universidades em São Carlos com diversos objetivos, inclusive a integração entre seus participantes. Sediado na Escola de Engenharia da USP, o núcleo reúne também pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos, Unicamp, Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) e Universidade de Aachen, na Alemanha.
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menta final. Mas todas as conexões foram feitas com uma tecnologia confiável e capaz de aceitar altas velocidades de transmissão.
A etapa seguinte foi a de unir todas essas redes, num grande sistema chamado unespNET. Foi a formação de uma WAN ( Wide Area Network). As linhas de longa distância são contratadas às concessionárias de telecomunicações, mas, para estabelecer as ligações com essas linhas, foram usados mais de 600 concentradores de rede (hubs) e 30 rateadores. São equipamentos caros. Um único rateador pode custar entre US$ 70 mil e US$ 200 mil. "Dificilmente a Unesp poderia montar uma rede desse porte sem o auxílio financeiro da FAPESP", reconhece Cansian. A Fundação chegou a investir na compra de links de rádio, necessários em algumas unidades mais distantes. Foram investidos cerca de US$ 12 milhões em infra-estrutura de cabeamento e equipamentos de rede. A participação da FAPESP, por meio dos programas Infra I e Infra II, superou os US$ 5 milhões.
Cursos a distância - Os números são gigantescos. Mais de 10 mil terminais estão ligados hoje à rede, entre eles o supercomputador SP-2, 9 mil
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computadores do tipo PC, 600 estações de trabalho com arquitetura RISC e vários computadores particulares, de propriedade de professores, funcionários e alunos. Há mais. De acordo com o pró-reitor de pós-graduação e pesquisa da Unesp, Marcos Macari, a universidade pretende ampliar sua infra-estrutura para teleconferências, de maneira a promover aulas e cursos a distância. No momento, os custos são muito elevados, pois a transmissão é feita via satélite. No futuro, porém, com a evolução da rede, o sistema se tornará mais econômico e mais viável.
Já existe infra-estrutura para essas transmissões em Bauru, Batucatu, Guaratinguetá, Ilha Solteira e São José do Rio Preto. O sistema exige a instalação de salas de aula especiais para as fllmagens e transmissão de imagens. Mas tem várias vantagens. Um só professor pode dar uma aula para várias cidades simultaneamente. Por exemplo, uma aula do curso de Veterinária pode ser dada em Jaboticabal e atingir não somente alunos dessa cidade, mas também outros em Botucatu e Araçatuba.
Os alunos, reunidos em auditórios com telões, nos quais aparece a figura do professor e o quadro-ne-
gro, têm a possibilidade de fazer perguntas ao vivo. O sistema é especialmente interessante para a Unesp, que enfrenta o problema da falta de professores em várias disciplinas e em várias cidades.
"O problema afeta principalmente regiões mais distantes, onde as cidades não têm boa infra-estrutura para moradia", diz Macari. Em Ilha Solteira, por exemplo, houve muitas dificuldades para preencher o quadro de professores. "Apesar de a faculdade de Engenharia Elétrica estar situada às portas de uma usina hidrelétrica, o que é uma grande vantagem para alunos e professores, a cidade não atraía profissionais qualificados", afirma.
Impressão lenta - Para os dirigentes da Unesp, a universidade poderia ter maior participação em pesquisas avançadas se conseguisse maior velocidade na transmissão de dados. O problema não é da universidade, mas do serviço público de telefonia, ainda deficiente em vários locais. Um exemplo é dado também em Ilha Solteira, onde, de acordo com Macari, um pesquisador pode levar duas horas para imprimir um artigo de revista, algo que em São Paulo levaria apenas alguns minutos. A culpa cabe ao sistema de transmissão de dados, que ainda depende da ligação por microondas alugada à concessionária de comunicações.
Outros pontos de congestionamento, de acordo com o pró-reitor, são Jaboticabal, devido ao grande volume de dados ligado ao Programa Genoma, e Botucatu, que tem o maior contingente de alunos e professores da Unesp, com dois campi e quatro unidades universitárias. "Os troncos de fibra óptica, necessários para dar maior velocidade à transmissão, ainda estão restritos aos grandes centros urbanos, onde a rentabilidade é maior", diz Macari. A solução, assim, depende do próprio desenvolvimento das concessionárias.
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Um pedaço do Universo distante pode ser observado e estudado numa sala da Cidade Universitária, em São
Paulo. No Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), professores e estudantes de Astroquímica simulam as condições da atmosfera de uma estrela, para pesquisar estruturas moleculares que só existem em temperaturas excepcionalmente altas. Realizar uma experiência desse tipo no mundo real seria impossível. Hoje, os pesquisadores usam o mundo virtual dos computadores para fazer o que até há pouco era impossível. E mais. Mantêmse em contato constante com seus colegas de outras partes do Brasil e do mundo para trocar informações e poupar tempo e trabalho.
"A maioria dos grupos de pesquisa do IQ tem vínculos com pesquisadores do exterior e depende de uma troca contínua de informações", comenta o diretor do instituto, Paulo Sérgio Santos. Eles têm à sua disposição um bom número de computadores - são cerca de 900, em todo o instituto. Mas isso de pouco valeria se eles não estivessem conectados ao mundo por uma rede confiável e de alta velocidade. "Boa parte dos problemas envolvidos na pesquisa moderna em Química e Bioquímica é altamente interdisciplinar. Eles requerem especialistas de diversas áreas. Muitas vezes, uma especialidade só é encontrada fora da instituição e, o que não é raro, em outro país'; acrescenta Santos.
O Instituto de Química é apenas uma parte do que se passa em toda a universidade. Afinal, os investimentos da FAPESP na USP, em redes de
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Contato permanente com o resto do mundo
Investimento permitiu o avanço da cooperação internacional
Chaimovich : mais transparência
informática, totalizaram R$ 27 milhões, do total de R$ 65 milhões investidos nesse módulo. "Houve uma mudança de cultura", afirma o próreitor de pesquisa da universidade, Hernan Chaimovich. "Hoje, o pesquisador está inserido numa rede mundial de conhecimento." Além disso, o professor ficou mais transparente. "Tudo o que ele fez e está fazendo passa a constar da rede", destaca.
Nitroglicerina - Com uma boa rede, trabalha-se melhor e com mais segurança. Os outros corpos celestes não são o único exemplo do que pode ser simulado nos computadores do Instituto de Química. Hoje, por exemplo,
~ simula-se até a nitrogliceri-0~ _ na nos aparelhos do insti-~ tuto. O trabalho nos labo:E
ratórios tornou-se mais racional. Grande parte do trabalho preparatório pode ser feita virtualmente, reduzindo-se o tempo e aumentando-se a eficiência das aulas práticas.
Outras economias são trazidas pelas reuniões pela rede. As despesas e o tempo gasto relacionados com viagens foram reduzidos drasticamente. "Muitas vezes, reúnem-se três, quatro, cinco, seis pessoas ou mesmo vários grupos para conversar pela rede", conta o professor Santos. Diversos pesquisadores do IQ participam de pesquisas que reúnem várias instituições, como o projeto Genoma Câncer. "Isso seria totalmente inviável se não ti-
véssemos uma rede com muita agilidade na transmissão de dados", acrescenta o professor.
Para o diretor do IQ, ter uma rede com essas condições é um requisito básico, hoje, para qualquer tipo de pesquisa. "É o cartão de visitas de um instituto", considera. "Ela abre possibilidades concretas de interação, que tornam o organismo realmente competitivo, especialmente nas áreas de fronteira da pesquisa, onde não existem todos os especialistas necessários no espaço de um só laboratório." Santos afirma que isso já se reflete, inclusive, no mercado de trabalho. "Hoje em dia, é muito difícil contratar um bom especialista se não houver
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Santos: cacife para conferências
uma infra-estrutura de trabalho adequada a pesquisas de alto nível."
Os pesquisadores do IQ acreditam em novos desenvolvimentos esperados para o futuro próximo, como a Internet 2, que permitirá velocidades ainda mais altas nas ligações com o exterior, que trarão novos progressos. "Temos de admitir que ainda somos muito periféricos e não só do ponto de vista geográfico", afirma Santos. "Não são todos, hoje, os que têm cacife para participar de conferências e simpósios científicos." A possibilidade de participar de um sistema de teleconferências, em tempo real, pode melhorar a situação. "Vamos estar mais perto de onde as coisas muito importantes estão acontecendo", declara.
Supercomputador - A rede tornou possível, também, o uso cada vez mais freqüente do acesso remoto a equipamentos não disponíveis a todos os laboratórios. É o caso, por Pxt>mplo, dos supercomputadores, máquinas capazes de realizar cálculos enormes e complexos. O IQ é responsável por mais de 50% dos acessos feitos ao Centro Nacional de Processamento de Alto Desempenho (Cenapad) de São Paulo,
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esperando ansiosamente, durante dois ou três meses, para ler o material."
Araújo: previsões sempre ultrapassadas
Troca interminável - A implantação das novas tecnologias não foi feita sem algumas dificuldades. Um exemplo foi a compra do rateador, equipamento usado para controlar o fluxo de dados. O instituto adquiriu nos Estados Unidos um roteador de última geração. Não havia nada semelhan-
de acordo com o último relatório do centro. Esse é um dos cinco laboratórios de supercomputação criados pelo Ministério de Ciência e Tecnologia para apoiar atividades de pesquisa e desenvolvimento.
O acesso ao supercomputador é feito via rede. "Isso comprova que hoje seria impraticável fazer pesquisa sem uma rede de alta velocidade", afirma Pedro Soares de Araújo, membro da comissão de informática do instituto. Araújo dá muito valor, também, ao acesso a publicações pela rede. "Quando era um pesquisador iniciante, na década de 60, constituía uma obrigação religiosa ir à biblioteca duas vezes por semana, para ler o Current Contents, a publicação cien-tífica mais importante da época", ele lembra. "Recebíamos primeiro os títulos dos artigos. Depois, ficávamos
RIBEIRÃO PRETO
SÃO CARLOS
BAURU PIRASSUNUNGA
PIRACICABA
te no Brasil. Nem técnicos para configurá-lo. "Fomos obrigados a recorrer ao fornecedor", lembra Araújo. "Foi uma interminável troca de e-mails. Mas conseguimos configurar o equipamento."
Um roteador bem ajustado é algo básico para o bom funcionamento de uma rede como a do instituto. Esse equipamento segmenta o tráfego, para que ele flua mais rapidamente. Numa comparação com o trânsito numa avenida, mantém os veículos que vão virar à esquerda na faixa da esquerda e os que vão para a direita na faixa da direita. Sem ele, os congestionamentos seriam enormes e complicados. Assim, o rateador mantém o tráfego administrativo separado do acadêmico. Há ainda uma via especial para as pesquisas dos alunos.
O uso, hoje, atinge apenas 15% da capacidade do rateador. Mas pro
vavelmente essa proporção não vai manterse por muito tempo. "O tráfego cresce de semana para semana': declara Araújo. Ele afirma que o instituto faz previsões para seis meses. Mas nunca se registrou um semestre sem que as projeções fossem ultrapassadas. "Passamos do nada a uma das maiores redes do Estado de São Paulo sem que a maioria percebesse", afirma.
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uando, no fim do ano passado e começo deste ano, o falecido governador Mário Covas esteve internado no
Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), não eram os médicos vistos entrando e saindo da área onde ele se encontrava os únicos que participavam do seu tratamento. Complexo e envolvendo diversas especialidades médicas, o caso do governador mobilizou médicos até do Sloan-Kettering Cancer Center, de Nova York, nos Estados Unidos. Usando um sistema de videoconferência, médicos do InCor, do SloanKettering e membros da família do paciente discutiram longamente o caso e seus possíveis tratamentos.
Ouvir uma segunda opinião não é novidade e nem significava insegurança por parte dos médicos que cuidavam do governador em São Paulo. Trata-se de prática corriqueira, especialmente nos casos mais graves. A novidade, no caso, é que todas as consultas foram feitas sem que o governador precisasse viajar para Nova York ou mesmo sair do seu leito em São Paulo. Conferências como essa são parte da chamada telemedicina, um conjunto de recursos com base na tecnologia da informação que está alterando práticas e usos em vários setores da medicina e que ganha espaço com o crescimento e aperfeiçoamento das redes de informática. Também não são um privilégio de políticos importantes. Desde que alguém arque com os custos, sistemas iguais ao usado por Covas estão à dispo sição de qualquer pessoa no InCor.
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Informática abre novos recursos para medicina
Médicos controlam pacientes pela Internet
O~ de seu cadastramento ao - último exame. ~
" ~ Centro de referência - Os
Tachinardi: melhor difusão do conhecimento
números são impressionantes. Só no ano de 1999, o InCor atendeu mais de 230 mil pacientes e realizou mais de 1,5 milhão de exames, de análises clínicas a diagnósticos por imagem. Isso exige uma enorme capacidade de rede, que dificilmente seria obtida se o instituto não contasse com a ajuda da FAPESP. Há outros fatores em jogo. Como centro de referência em cardiologia no Brasil, o InCor tem como missão difundir o conhecimento gerado internamente e buscar informa-
Não é à toa que o sistema esteja disponível no Instituto do Coração. O organismo é um dos hospitais pioneiros do Brasil na implantação de redes de informática. A primeira rede do InCor data de 1980. "Mas o grande salto foi dado em novembro do ano passado, quando um aumento na capacidade da rede, concretizado com o auxílio da FAPESP, permitiu a criação do sistema de videoconferências", afirma o diretor da Unidade de Sistemas do Serviço de Informática do InCor, Umberto Tachinardi. Não é a única novidade que está aparecendo no instituto. O sistema prontuário on line, em fase de instalação, permitirá a qualquer pessoa com acesso a um computador da rede do instituto verificar todos os dados colhidos sobre um paciente,
ções em outras instituições da área. Isso sempre foi feito, por meio de aulas, cursos, seminários, workshops e mesmo gravações de cirurgias em vídeo. "Com a conexão por videoconferência, isso agora pode ser feito a distância, o que vai favorecer principalmente os profissionais que atuam fora dos grandes centros", diz Tachinardi.
Há mais. Nas unidades de tratamento intensivo, os monitores que acompanham as funções vitais dos pacientes, como freqüência cardíaca e pressão arterial, foram ligados à rede. O médico responsável pode, agora, verificar, por exemplo, se uma medicação para corrigir uma arritmia teve o resultado desejado de qualquer computador do hospital. Em princípio, a rotina mudou pouco. Os médicos continuam a visitar
li
os pacientes de três a quatro vezes por dia. "A diferença é que hoje posso acompanhar melhor a evolução do quadro de cada paciente", diz o cardiologista clínico Carlos Vicente Serrano.
Os benefícios do sistema para um hospital como o InCor, onde muitas vezes a preservação de uma vida depende de ações muito rápidas, são enormes. Serrano cita um exemplo que já se tornou parte de sua rotina. Um paciente em estado grave sofre uma que-da de pressão, que pode ser fatal em seu estado. O médico administra o medicamento e meia hora depois- o tempo necessá-rio para o remédio fazer efeito -consulta o monitor do paciente e verifica seu estado.
Se a pressão voltou ao normal, ele continuará a acompanhar o caso, pelo computador. Se não, enviará uma mensagem pelo computador à enfermaria, indicando as providências a serem tomadas. Um sinal de alerta aciona a enfermaria quando a mensagem chega. ''A ação se torna muito mais rápida e eficiente e ainda otimiza o tempo do médico': comenta Serrano.
Menos traumas - O processo ainda está no começo, mas os pesquisadores do InCor também já estão dando outros passos numa nova tecnologia: o uso da rede para fazer operações a distância. O método usa um robô controlado por um cirurgião e já está sendo empregado na Europa. É considerado mais eficiente e causa menos traumas ao paciente, em alguns casos, do que uma cirurgia normal. O InCor resolveu assestar baterias num projeto relativamente modesto. Ao contrário dos robôs fabricados por. alguns laboratórios do exterior, o projeto de São Paulo não terá três ou quatro braços, para segurar e movimentar os instrumentos cirúrgicos.
Ele terá apenas um braço, para fazer o trabalho do assistente cirúrgico que maneja o sistema óptico, a
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câmera usada nas intervenções. Nesse tipo de cirurgia, os cortes são muito pequenos, suficientes apenas para a introdução de instrumentos no corpo do paciente. O cirurgião trabalha com base nas imagens captadas pela óptica, transmitidas para uma tela de computador. Uma das maiores vantagens do sistema é per-
Pesquisadores paulistas já
constroem robô para ser usado
em cirurgias feitas pela rede
mitir a recuperação mais rápida do paciente. "Numa cirurgia cardiovascular, como uma ponte de safena ou mamária, o paciente pode ir para casa no dia seguinte, enquanto no método tradicional ele teria de ficar internado entre uma semana e dez dias", diz o cirurgião Fábio Biscegli Jatene, do InCor.
O projeto do robô está sendo desenvolvido pela divisão de Bioengenharia do InCor, em parceria com.a Escola Politécnica da USP, com financiamento da FAPESP. Idágene Cestari, diretora de pesquisa em Bioengenharia do InCor, afirma que o sistema poderá ser usado em qualquer cirurgia, não apenas em cardíacas. Jatene, que já experimentou a técnica num hospital de Dallas, nos Estados Unidos, defende a aproximação escolhida. ''Acho que neste momento vale mais a pena investir num projeto modesto do que gastar montanhas de dinheiro para importar um robô mais aperfeiçoado", declara.
Mais de 36 mil páginas - Na Escola Paulista de Medicina da Unifesp, a ênfase é no ensino a distância. Desde que a rede começou a ser implanta-
da, em 1992, professores e especialistas em informática trabalham juntos na elaboração de cursos sobre diversas disciplinas. O resultado é um dos websites mais completos sobre a área de saúde da Internet. O site da Unifesp tem nada menos do que 36 mil páginas, que vão desde informações sobre projetos e departamentos a
cursos completos e material de apoio didático com mais de 450 aulas em vídeo. O site recebe entre 8 mil e 9 mil acessos por dia, dos quais 3 mil de fora da rede.
Nem todos os cursos a distância estão ligados diretamente às aulas. Um dos cursos de maior repercussão é o da simulação de desastres, organizado em conjunto com o Hospital das Clínicas. O objetivo é treinar profissionais da área da saúde para agir em situações de catástrofe.
Ele tem 3.800 inscritos, entre médicos, enfermeiros e profissionais dos corpos de bombeiros de diversas cidades, que recebem aulas de especialistas pela Internet. Como parte do curso, os alunos recebem vídeos que podem assistir em suas casas, a qualquer hora.
O chefe do Departamento de Informática em Saúde da Unifesp, Daniel Sigulem, nota que para a escola isso também significa economia. "Desenvolvemos um sistema que acabou por dispensar o uso do laboratório no curso de Histopatologia", comenta. ''As lâminas passaram a ser visualizadas no computador, no lugar dos microscópios, com o mesmo efeito para os alunos': ele diz. De qualquer maneira, nem tudo correu como os organizadores esperavam. No princípio, eles achavam que, com os novos métodos, um professor podia cuidar de até SOO alunos. Errado. O limite é de entre 20 e 30. Surgiu uma interação muito maior entre professor e aluno. Numa aula convencional, de 50 minutos, o estudante tem normalmente apenas os dez minutos finais para fazer perguntas. Agora, o contato com o professor, por correio eletrônico, nunca cessa.
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N ~b~~~~ç~n~~ ~ tituto de Tec- ~
:E nologia de Massachu
setts (MIT), uma das mais prestigiadas instituições de ensino e pesquisa dos Estados Unidos, anunciou que estava iniciando um programa, com investimentos deUS$ 100 milhões, para colocar, no prazo de dez anos, todo o conteúdo de seus 2 mil cursos na Internet. Ou seja, qualquer pes-soa terá acesso gratuita-mente, de qualquer lugar do mundo, ao que é ensina-do nos prédios do institu-to, na área metropolitana de Boston. Os interessados não poderão usar o sistema para conseguir diplomas. Mas um aluno do MIT precisa pagar, em média, US$ 26 mil por ano para seguir um desses mesmos cursos.
Não é uma enorme novidade. Outras instituições de ensino já oferecem programas semelhantes, embora não de maneira tão ampla e sem o prestígio internacional que acompanha o nome do MIT. No Brasil, o Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) tem o projeto Cidade do Conhecimento, cujo objetivo é formar uma rede na qual pessoas do ensino médio, da universidade e do mundo profissional poderão produzir conhecimento publicamente e de maneira coletiva.
"As redes estão passando por um crescimento exponencial e sendo
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O ensino aprende a usar as novas tecnologias
Educação à distância ganha perspectivas mais amplas
Barravieira e um dos CDs de seus
cursos: recursos multimídia tornam
mais fácil o aprendizado
usadas de maneira cada vez mais sofisticada", comenta Imre Simon, professor do Departamento de Ciências da Computação do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (USP) e presidente da comissão central de informática da USP entre 1994 e 1998. "Mas existem áreas em que seu uso está apenas engatinhando. É o caso da educação. Existe aí o problema da disponibilização da informação, ou seja, quem vai pagar para colocar a informação na rede. Trata-se de uma questão complexa."
Outro jeito - Se há uma área onde há poucos problemas com relação ao ensino via redes, essa é a dos alunos. ''A informática já faz parte da vida
desta geração", diz o diretor do Instituto de Química da USP, Paulo Sérgio Santos. Ele já ouviu diversas vezes: "Professor, não faça assim não, pois não vai dar certo, faça desse outro jeito': Hoje, o IQ se prepara para substituir as aulas iniciais de laboratório por simulações em computador.
As simulações não & substituirão as aulas ~ práticas no labora~ tório. Mas os profes-
sores esperam que os alunos entrem muito mais bem preparados quando chegar a hora de realizar as experiências reais.
Há experiências sendo realizadas em vários locais. No Instituto de Física da
USP em São Carlos, vários professores estão usando em suas aulas técnicas de teleconferências e de tele-ducação. O primeiro teste foi a realização de um curso conjunto, de seis meses, para estudantes de Física e de Computação, envolvendo professores das duas áreas. "O curso deixou alunos e professores convencidos de que o sistema é viável e vantajoso quando se trata de promover a integração de instituições distantes", afirma o professor Antônio Carlos Ruggiero, responsável pela instalação da rede da USP em São Carlos.
A prática do curso também ensinou muita coisa aos professores. Por exemplo, durante a aula, uma câmera deve ser mantida focalizando ex-
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clusivamente a lousa. "Se a câmera focalizar o professor e a lousa ao mesmo tempo, a imagem numa televisão de 29 polegadas não vai permitir que o aluno leia o que vai sendo escrito", conta Ruggiero. Assim, o problema é resolvido mantendo-se um zoam na lousa, enquanto o professor aparece num canto da tela, para que os alunos possam acompanhar sua expressão.
O~ tano, ele leva cerca de _ 40 minutos para expli-3 car como a toxina age
,...,.1-."-l ~ no corpo humano, des-
Defesa de tese - Outro teste feito em São Carlos acompanhou a defesa de uma tese de
Alunos e computadores: quantidade de informações cada vez maior
de a porta de entrada, geralmente um ferimento no pé, até sua instalação. "Tenho de explicar como o bacilo se divide, se multiplica, produz a toxina e atinge o sistema nervoso", declara. "Com um sistema de animação, é possível mostrar isso em 40 segundos e, além do mais, o aluno pode repetir a animação do CD-ROM quantas vezes quiser, até gravar a seqüência na memória."
mestrado. Por motivos legais, os três membros da banca tiveram de estar presentes fisicamente no local. Mas um suplente e uma pequena audiência acompanharam todo o trabalho a distância. Não é impossível que a idéia evolua. Ligados pela rede, professores não precisariam mais viajar para participar de bancas fora de suas cidades. Ruggiero não acha difícil que a legislação seja mudada para permitir isso. "As vantagens são muitas", declara.
As experiências se avolumam. Na Unesp de Botucatu, a Faculdade de Medicina pretende iniciar, ainda este ano, cursos em que a presença do aluno na sala de aula será dispensável. A idéia surgiu no Centro de Estudos de Venenos de Animais Peçonhentas (Cevap), um organismo com larga experiência em editoração eletrônica. Desde 1995, o centro edita uma revista eletrônica sobre animais venenosos, disponível em CD-ROM e no seu site, www.cevap.org.br.
Inicialmente, serão oferecidos três cursos, Ofidismo, Tétano e Vacinas. O aluno receberá um kit com um vídeo, um CD-ROM e um livro, material que já está pronto para ser distribuído. O aluno seguirá o curso onde quiser. Professores ficarão de
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plantão em certos horários, para esclarecer dúvidas pela rede interna ou pela Internet e também poderão ser consultados por e-mail. O CD-ROM, por sua vez, terá links para sites na Internet nos quais, de acordo com os professores, os estudantes poderão obter informações confiáveis.
Experiência anterior - Benedito Barravieira, pró-reitor de extensão da Unesp e professor do Departamento de Doenças Tropicais e Diagnósti<?o por Imagem da Faculdade de Medicina de Botucatu, diz que o trabalho é apenas uma extensão de uma experiência que vem dando certo. Há vários anos, ele distribui kits semelhantes a seus alunos e não faz questão de presença obrigatória em todas as suas aulas.
"O aluno vem para a faculdade preparado para discutir o assunto em classe, tirar dúvidas e fazer as provas", conta. Ele vê muitas vantagens no sistema: além do aluno poder distribuir seus horários de estudo como for melhor, ainda conta com os recursos multimídia do material, como ilustrações e animações, capazes de facilitar o aprendizado.
O professor dá um exemplo. Numa aula convencional sobre o té-
Barravieira afirma que o uso das redes não traz vantagens só para o aluno. Também ajuda o professor, que passa a controlar melhor seu tempo. "Em vez de passar horas repetindo as mesmas aulas, aproveito melhor o tempo, discutindo o assunto em profundidade com os alunos ou pesquisando novidades, o que é muito mais interessante e proveitoso", opina. "Isso pode ser o início de uma revolução no ensino da Medicina", prossegue. "Em breve, o sistema também poderá ser aplicado nos cursos de graduação."
O professor deixa claro, de qualquer maneira, que o sistema deve ser usado apenas em aulas teóricas. "Ninguém está pensando em formar um médico a distância", ressalva. "Nenhum aluno vai ser capaz de operar se não tiver aulas práticas de cirurgia, mas nada impede que ele estude as técnicas cirúrgicas em sua própria casa:'
Barravieira prossegue: "Não se trata apenas de comodidade. A Medicina está evoluindo e a quantidade de informações cresceu muito nos últimos anos. Mesmo assim, os cursos de Medicina têm a mesma duração da década de 50, ou seja, seis anos. Se não encontrarmos meios mais rápidos de transmitir informações, vamos perder conteúdo."
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Em busca da confiabi I idade
Redes ganham segurança com novos equipamentos
uando foram instaladas as pnme1ras redes nas universidades e
institutos de São Paulo, o processo era simples. Passava-se um cabo telefônico por locais próximos de onde ficavam os interessados. Para cada ponto da rede, cortava-se o cabo e estabelecia-se uma saída para o computador. Todos os computadores ficavam ligados entre si, como num varal. Se um deles tivesse um problema, como um curto-circuito na eletricidade, toda a rede caía. Isso não causava grandes surpresas. As quedas na rede eram freqüentes e, quando aconteciam, perdiam-se os trabalhos que estivessem sendo realizados. Não que os prejuízos fossem exagerados. As redes eram muito pequenas.
Fibras ópticas: muito mais velocidade Num dos pioneiros, o Insti-tuto de Matemática e Esta-tística da Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, todos os computadores da rede, instalada em 1991, estavam numa única sala.
A situação mudou muito. Hoje, todos os mais de 500 prédios da USP, por exemplo, estão ligados por uma rede confiável, segura e, sobretudo, rápida. No lugar dos antigos cabos coaxiais, usam-se cabos muito mais seguros, que empregam uma tecnologia conhecida como pares trançados, ou UTP. Em alguns casos, os cabos foram substituídas por fibras ópticas, ainda mais estáveis.
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Cada computador é ligado diretamente a uma central. Se tiver um problema, isso não vai interromper o restante da rede. As centrais, por sua vez, são ligadas a um equipamento do qual saem os cabos que fa-zem as conexões externas.
Comunicações digitais - O professor Fernando Paixão, do Instituto de Física da Unicamp e membro da coordenação de informática da FAPESP, compara a situação, quando o programa foi lançado, à de uma cidade onde chega, pela primeira vez, a
energia elétrica. "Os postes levam a eletricidade até a porta das casas, mas, para usá-la, é preciso que cada casa faça a sua instalação, puxando fios e instalando tomadas'~ diz. Foi mais ou menos o que aconteceu nas universidades. Cada instituição montou sua rede, aproveitando a chegada das comunicações. Na época, de acordo com Paixão, já se previa que as comunicações digitais substituiriam, rapidamente, telefones e aparelhos de telex. Daí, uma recomendação unânime da comissão de informática para que a FAPESP desse prioridade para a instalação das redes nos projetas de infra-estrutura, iniciados em 1995.
Milton Kashiwakura, assessor da rede Academic Network in São Paulo (ANSP), da FAPESP que participou da instalação da rede da USP, lembra que o trabalho exigiu muito esforço de acom
panhamento. "Cada empresa contratada tinha seus próprios padrões e foi preciso estabelecer normas rígidas, a serem seguidas por todos", afirma. No fim do contrato, cada empresa só recebia o dinheiro depois de uma rigorosa inspeção. Por exemplo, no caso de uma conexão por fibra óptica, o cabo não pode ser muito esticado. Se isso acontecer, ele nunca funcionará direito. "Pode-se usar o melhor material do mundo, mas, se a instalação não for bem feita, tudo tem que ser jogado no lixo", afirma Kashiwakura. Há outros cui-
IS
dados. Os cabos UTP, por exemplo, têm que ser colocados distantes da rede elétrica. A rede cria campos magnéticos e os cabos, feitos de cobre, sofrem com essa proximidade.
Mesmo assim, os cabos de cobre ainda são muito usados, especialmente em redes no interior de edifícios, onde correm por dutos metálicos instalados ao longo das paredes. Isso se deve, sobretudo, a questões de economia. Os ca-bos mais modernos, das catego-rias Se e 6, suportam perfeitamente o tráfego atual. Metro por metro, os preços dos cabos UTP e de fibra óptica se equivalem. A diferença está nas tomadas que ligam os computadores à rede, muito mais caras no caso das fibras ópticas, devido aos matenats espeCiats necessários para esse tipo de comunicação, e nas placas de rede instaladas dentro dos próprios computadores. Numa conexão por fibra, a placa custa cerca de quatro vezes mais.
Trabalhos internos - De qualquer maneira, a diferença começa a valer a pena em certos casos. Uma é a distância. É ponto pacífico entre os técnicos que, a partir de uma distância de 100 metros, os cabos UTP deixam de ser vantajosos, devido à necessidade de mais equipamentos para a transmissão. Assim, a tendência é que sejam usados mais em trabalhos internos, deixando os externos para as fibras. As conexões por fibra também são mais interessantes quando precisam passar por ambientes com muitas interferências, como as causadas pelo funcionamento de motores. Usadas externamente, as fibras têm ainda outra vantagem. Como funcionam à base de luz, se um raio cair na rede, a descarga não progredirá até chegar a queimar computadores e outros equipamentos, como pode acontecer com os cabos de cobre.
Ainda há outra questão. As fibras permitem velocidades muito mais altas. Isso se torna cada vez mais im-
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portante na rede. Para os técnicos, os cabos das categorias Se e 6, o atual padrão do mercado, suportarão as necessidades previstas para os próximos anos. Mas redes montadas com cabos de categoria 3, como as primeiras nos Estados Unidos, já exigem substituições. O custo é alto, mas não assustador. "Se os preços dos au-
Fibras ópticas são mais
vantajosas quando a
distância supera os 1 00 metros
tomóveis baixassem tanto como os dos produtos de informática, hoje poderíamos comprar um carro por R$ 1 ", brinca Paixão.
A necessidade de maior capacidade se explica. Para se realizar uma intervenção cirúrgica a distância, por exemplo, as redes normais são inadequadas. Não permitem um trabalho em tempo absolutamente real, que pode ser essencial em operações mais complicadas. Paixão destaca que, paralelamente à formação das redes locais, a FAPESP investiu muito no desenvolvimento da rede ANSP, que liga as universidades e institutos entre si e também ao resto do Brasil e ao exterior. A rede ANSP 2, já em instalação, será ainda mais rápida e poderá eliminar alguns pontos de congestionamento ainda existentes.
Investimentos isolados - A evolução faz parte da informática. Por isso, é natural que as redes evoluam. Hoje, as redes internas das universidades suportam, sem problemas, até 100 megabits por segundo, um bom padrão, de acordo com os técnicos, para as necessidades atuais. "Mas, se o tráfego se tornar mais intenso, os fios não vão suportar", declara Pai-
xão. ''A situação seria como se usar um fio comum para ligar um chuveiro elétrico à rede de energia". Paixão, no entanto, vê nisso uma situação bem menos crítica do que a existente antes dos primeiros investimentos dos programas de infra-estrutura. "Ela poderá ser resolvida com investimentos isolados, com re-
cursos de financiamentos das próprias pesquisas, por meio de reservas técnicas."
Uma mudança mais completa, porém, pode vir do projeto Tecnologia da Informação e Desenvolvimento da Internet Avançada (Tidia), aprovado recentemente pelo conselho da FAPESP. "Este é o próximo passo da Internet", afirma Antônio Carlos Ruggiero, responsável pela instalação da rede da USP em São Carlos e assessor da equipe que
estuda o projeto. O objetivo do programa é estimular o desenvolvimento de tecnologia avançada na área da Internet. "Hoje, não há mais preocupações com a Internet 1 ': diz Ruggiero. "Ela já está bem consolidada. Mas as aplicações para a Internet 2 ainda não estão disponíveis. Falta tecnologia, falta conhecimento, falta desenvolvimento na área da pesquisa. É isso que o programa pretende estimular", acrescenta.
A iniciativa segue uma tendência mundial na área da computação e deverá contar com a participação de pesquisadores de todo o mundo. "Trata-se de algo inteiramente novo, menos comprometido com o tráfego de produção do que a Internet 1 ", diz Ruggiero. Com o novo sistema, os pesquisadores poderão fazer várias experiências que hoje interromperiam ou prejudicariam o fluxo de dados que corre por suas redes. São pesquisas nas quais, por exemplo, é preciso interromper a rede para instalar ou trocar equipamentos. Desses testes poderão surgir novidades tão impressionantes como as que começaram a mudar, há pouco mais de cinco anos, as possibilidades abertas para os pesquisadores de São Paulo.
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