caos e ordem no núcleo do átomo

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Pesquisa FAPESP - Ed. 64

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Page 1: Caos e ordem no núcleo do átomo
Page 2: Caos e ordem no núcleo do átomo
Page 3: Caos e ordem no núcleo do átomo

28 Pesquisadores brasileiros

descobrem que o núcleo do átomo,

diferentemente do que se pensava,

é uma estrutura extremamente turbulenta,

cujas partículas se movem e interagem

sem cessar

EDITORIAL • •• •• •• •• • •• • •• •• • •• • •• • •• 5

MEMÓRIA •• ••• • •••••••••••• • •• • •• •• • 6

OPINIÃO •• • •••••••••••••••••••• • •••• 9

POLITICA CIENTIFICA ETECNOLÓGICA .................... 1 O

ESTRAT~GIAS ..... . ..... . .. . ....... . ... 1 O

CNPQ: 50 ANOS DE CltNCIA ..... .. . . ... 14

UM PASSO À FRENTE . . ........ . ........ 20

TRABALHO RECONHECIDO . ...... . ..... 22

REDE DE INVESTIGAÇÃO . .. . .. . .. . . . ... 23

PESQUISA EM CRESCIMENTO ... . ....... 24

O NOVO RECIFE ANTIGO . .. . .. . ........ 25

CI~NCIA ••••••••• • •• • •••••••••••••• 26

LABORATÓRIO ..... .. .... . .. . .... . .... 26

AS DANÇAS DO NÚCLEO ATÓMICO . .... 28

NÓS E OS MACACOS ....... . ........... 36

PARCERIA CONTRA CÃNCER .. .. . . .• . .... 39

A ESStNCIA DA ARNICA ................ 42

MOSQUITOS: O PERIGO AVANÇA . .. . . . .. 46

SUPERCOMPUTADOR À TEMPERATURA AMBIENTE . ....•..•..... 51

TECNOLOGIA •••••• • •••• • •••••••••• 54

LINHA DE PRODUÇÃO . ........ . .... . .. 54

FAÇAM SUAS APOSTAS ................. 56

SAUDÁVEL CAMU-CAMU .. . . .. •. .• .... . 64

MUDANÇA DE STATUS ................. 66

HUMANIDADES •••••••••••••••••• • • 68

O INDEPENDENTE QUE DEU CERTO . . ... 68

MEU MUNDO AQUI E AGORA ........... 71

A ARTE AO ALCANCE DAS MÃOS ....... 74

LIVROS •••••••• • •••••••• • •••••• • •• • 76

LANÇAMENTOS ••••• • ••• • •••••••••• 77

ARTE FINAL ••••••••••••••••••• • •••• 78

Capa: Hélio de Almeida, sobre foto

da Science Photo Library/ Stock Photos

39 Empresários norte-americanos e canadenses criam empresa para produzir e comercializar um invento brasileiro, as partículas LDE, lipoproteínas artificiais que servem de veículo para medicamentos usados contra o câncer

46 Especialista alerta sobre a provável volta da febre amarela urbana e da malária à região sudeste brasileira

56 Ao reunir empresa de base tecnológica e investidores de capital de risco, o 39 Venture Forum abriu novos caminhos para o desenvolvimento de produtos inovadores

68 Tese analisa a obra do cineasta norte-americano Quentin Tarantino e o mostra como um diretor com foco no paradoxo

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2001 • 3

Page 4: Caos e ordem no núcleo do átomo

Mulheres na ciência

Venho inicialmente parabenizar a FAPESP pela sua ótima revista. Sinto-me feliz em poder parabenizar alguém ou, no caso, uma insti­tuição, uma vez que nos nossos meios científicos e acadêmicos projetas de alta qualidade, como o da revista em ques­tão, são muitas vezes colocados em segun­do plano. No entan­to, no sentido de co­laborar na melhora da revista, vai aqui uma pequena suges­tão: gostaria de cha­mar a atenção de um detalhe que ficou mais evidente nesta última edição de Março de 2001. Nesse nú-mero (Pesquisa FA­PESP 62), onde se tem um belo texto, na seção Opinião, intitulado "Mulheres na ciência", es­crito por Mayana Zatz, mais uma vez vejo um cartoon representando cientistas contendo apenas figuras masculinas (páginas 18 e 19). Mi­nha sugestão é que mulheres (e também negros, orientais, indígenas etc) apareçam na composição des­sas ilustrações de cientistas.

EVERSON ALVES MIRANDA

Faculdade de Engenharia Química -Unicamp

Campinas, SP

Parabéns

Gostaria de parabenizar a FA­PESP pelos sucessos obtidos e re­forçar a importância do desenvolvi­mento da ciência e da tecnologia no nosso país. Solicito a continuação do acesso à revista Pesquisa FAPESP, pois nela posso me atualizar e enri­quecer meus conhecimentos.

EDIVÂNIA MARINHO DE NEGREIROS

Manaus,AM

4 • MAIODE2001 • PESQUISA FAPESP

CARTAS

Suplemento

Parabenizo a excelente edição do Suplemento Especial "Infra-Es­trutura 1 - Revitalizando bibliote­cas, museus e arquivos': Porém, na matéria das páginas 23 e 24, intitu­lada "Uma instituição que se tor­nou modelo': sobre o Herbário da Unicamp, o próprio título e um tre­cho importante do texto me causa­ram estranheza e constrangimen-to. Ao afirmar que a estrutura "moderna e bem equipada serviu de modelo para a reforma de outros herbários, inclusive o do respeitado Jardim Botânico do Rio de Janeiro", comete-se profunda injustiça, uma vez que o próprio Herbário da Uni­camp instalou a parte fundamental de sua "moderna estrutura" utili­zando o projeto pioneiramente de­senvolvido e instalado no Herbário do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências (IB) da USP, alguns meses antes, dentro do mesmo Programa de Infra-Estrutu­ra da FAPESP. O desenho desse tipo de sistema de arquivos compacta­dos, adaptado para abrigar um acervo especial como as amostras de plantas secas de um herbário, foi concebido após muitos estudos ela-· borados conjuntamente pelos téc­nicos da empresa fornecedora (Te­los S.A. Equipamentos e Sistemas), pelo Prof. Dr. Renato de Mello-Silva e por mim próprio. Também me lembro bem da manhã em que re­cebi a visita da Srta. Solange Pessoa, técnica do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, especificamente para exa­minar nossos arquivos, então recen­temente instalados, e decidir pela aquisição de análogos para sua ins­tituição.

PROF. DR. }OSlO RUBENS PIRANI

Curador do Herbário do Depto. de Botânica- IB-USP

São Paulo, SP

A fotografia que aparece na pá­gina 20 do Suplemento do número

63, Infra-Estrutura 1, na reportagem sobre o Museu de Zoologia da USP, não mostra armários deslizantes, ao contrário do que diz a legenda. São, na realidade, armários antigos, ade­quados para animais pequenos, co­mo insetos. Os armários deslizantes são de metal e correm sobre trilhos.

MIGUEL TREFAUT RODRIGUES

Museu de Zoologia da USP São Paulo, SP

Correções

Na reportagem "Imagem feita de tinta e sangue" (edição 63 ), a pesquisadora Francisca Eleodora Santos Severino, que estuda a histó­ria da sociedade brasileira por meio das fotos de jornais, faz referência a uma foto, com a seguinte frase: "Nela, pode-se ver um assaltante morto a tiros pelas costas, pelos se­guranças de João Paulo Diniz, du­rante uma tentativa de assalto". A frase não se refere à foto publicada na página 67 daquela edição.

A reportagem sobre o cerrado paulista (edição 63, pág. 38) contém duas incorreções: a planta identifi­cada como Mandevilla velutina é na realidade a Mandevilla ilustris (aci­ma) e a cidade não é Campos Lim­pos Paulista, mas Campos Novos Paulista.

Page 5: Caos e ordem no núcleo do átomo

PESQUISA FAPESP ~UMA PUBLICAÇÃO MENSAL

DA FUNDAÇÃO DE AMPARO Ã PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROF. DR. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ PRESIDENTE

PROF. DR. PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE-PRESIDENlt

CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU ALAIN FLORENT STEMPFER

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO

FLÃVIO FAVA DE MORAES JOS~ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA MAURICIO PRATES DE CAMPOS FILHO

MOHAMED KHEDER ZEYN NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR

PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO RICARDO RENZO BRENTANI

VAHAN AGOPYAN

CONSELHO T~CNICO-ADMINISTRATIVO PROF. DR FRANCISCO ROMEU LANDI

DIRETOR PRESIDENTE

PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO

PROF. DR.JOS~ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTIFICO

EQUIPE RESPONSÁVEL

CONSELHO EDITORIAL PROF. DR. FRANCISCO ROMEU LANDI

PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER PROF. DR. JOS~ FERNANDO PEREZ

EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA EDITORES ADJUNTOS

MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS NELDSON MARCOLIN

EDITOR DE ARTE H~LIO DE ALMEIDA

EDITORES CARLOS FIORAVANTI /CitNCIA) CLAUDIA IZIQUE (POLfnCA C&n

MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) MARIO LEITE FERNANDES (ENCARTES)

EDITOR-ASSISTENTE ADILSON AUGUSTO

REPóRTER ESPECIAL MARCOS PIVffiA

ARTE JOS~ ROBERTO MEDDA IDIAGP~MAÇÃO)

TÂNIA MARIA DOS ' A',Tfl' (DIAGRAMAÇÃO E PROD' ( A GRÁFICA)

COL ABCPAIY''ES CARLOS TAVARES ILANA REHAVIA

KELLY LIMA JOÃO PAULO NUCCI JOS~ TADEU ARANTES

OTIO FILGUEIRAS RENATA SARAIVA

ROBINSON BORGES S~RGIO ADEODATO

SILVIA MENDES SUZEL TUNES

TÂNIA MARQUES

FOTOLITOS GRAPHBOX-CARAN

IMPRESSÃO PADILLA INDÚSTRIAS GRÁFICAS S.A.

TIRAGEM: 24.000 EXEMPLARES

FAPESP RUA PIO XI, N' 1 SOO, CEP OS468-901

ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP TEL. (0 - 1 1) 3838-4000 - FAX: (0 - 1 1) 3838-41 1 7

ESTE INFORMATIVO ESTA DISPON/VEL NA HOME-PAGE DA FAPESP:

http://www.fapesp.br e-mail: [email protected]

Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP ! PROIBIOA A REPROOUÇÁO TOTAL OU PARCIAL OE TEXTOS E FOTOS SEM PR!VIA AUTORIZAÇÃO

SECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONOMICO

GOVERNO DO ESTADO DE SAO PAULO

EDITORIAL

Das estrelas à terra firme

Há temas científicos que são particularmente fascinantes, excitantes mesmo, para os lei­

gos, pela extraordinária abertura que proporciona à imaginação ou à livre especulação. Pela própria aventura de pensamento que abarcam, parecem propor a cada um que, por alguns mi­nutos, faça-se um pouco cientista, um pouco filósofo e um pouco artista, tu­do ao mesmo tempo, para assim exer­cer pessoalmente urna das mais lúdicas e prazerosas potencialidades huma­nas: explorar sua capacidade imagi­nativa e de pensamento até o limite.

É um desses temas que a reporta­gem de capa desta edição de Pesquisa FAPESP traz à cena ao relatar as mais recentes contribuições de um grupo de físicos da Universidade de São Paulo- em colaboração com especia­listas da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Instituto Tecnológico da Aeronáutica- para a compreen­são do funcionamento das partículas elementares da matéria. Partindo dos resultados experimentais de pesqui­sadores alemães, com o quais mais adiante estabeleceriam uma fecunda cooperação, eles construíram uma teoria capaz de abranger os vários ti­pos de movimentos do núcleo atô­mico, que se apresentam na depen­dência da carga de energia a que são submetidos. Que o núcleo se move, contrariamente ao que estabelecera o modelo do átomo, de 1920, se sabia há pelo menos cinco décadas. Mas um modelo que dá conta tanto das oscilações coletivas das partículas nucleares quanto dos movimentos caóticos que se instalam a seguir é fa­çanha novíssima. E, como se poderá constatar a partir da página 28, trata­se de feito teórico que acena até mes­mo com uma melhor compreensão sobre a evolução das estrelas. Daí seu fascínio radical- afinal, a cada explo­são solar ou de qualquer estrela for-

mam-se os átomos de que somos fei­tos e, dessa forma, nossa origem mais remota é que aparece implicada na evolução do conhecimento a respeito do núcleo dos átomos.

Das estrelas pode-se saltar para o terreno mais firme da inovação tec­nológica. A cobertura do 3~ Venture Forum, realizado em São Paulo nos dias 18 e 19 de abril, serviu de pretex­to a uma extensa reportagem que, a partir da página 56, mostra como projetas de inovação tecnológica, de­senvolvidos por pequenas empresas brasileiras e muito bem-sucedidos nas etapas de pesquisa, já começam a atrair o capital de risco, nacional ou internacional. Capital, diga-se, indis­pensável na atual conjuntura econô­mica para que os novos produtos que tais projetas geraram entrem no cir­cuito normal do mercado, criem lu­cros e empregos. É exatamente por compreender essa necessidade e, ao mesmo tempo, pela convicção de que a pesquisa para inovação tecnológica, elaborada de forma preponderante no ambiente da empresa, é crucial pa­ra o desenvolvimento socioeconômi­co do país, que a FAPESP, como ou­tras agências de fomento, tem procurado aproximar os empreende­dores que apoia, via programas como o PIPE, de investidores de risco.

Esta edição de Pesquisa FAPESP traz também o segundo de uma série de suplementos especiais que mos­tram resultados do Programa de Re­cuperação e Modernização da Infra­Estrutura de Pesquisa do Estado de São Paulo, chamado simplesmente de Infra. O esforço empreendido desde 1995 pela Fundação para ajudar São Paulo a dispor de instalações de pes­quisa adequadas a um grande centro de produção científica e tecnológica foi gigantesco - mas seus resultados são brilhantes e têm impacto sobre a qualidade da pesquisa que aqui se faz.

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2001 • 5

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Livre da gravidade o cosmonauta

soviético Yuri Gagarin disse a mítica frase "A Terra é azul", ele sabia que estava fazendo história. Ao orbitar o planeta por 108 minutos, entre 181 e 327 quilômetros de altura, a 28.968 km/h, em 12 de abril de 1961, Gagarin libertou o homem da barreira gravitacional e mostrou que era possível vencer obstáculos também no espaço. É verdade que a primazia do vôo pioneiro quase foi perdida para o colega Gherman Stepanovich Titov. Pela versão oficial, Gagarin foi escolhido por estar mais bem preparado do que Titov. Mas também já se disse que a preferência se deu pelo fato de Gagarin vir do proletariado. Nascido em Gzhatsk, uma vila a 160 quilômetros de Moscou, na Rússia, seu pai era um carpinteiro de uma das numerosas fazendas coletivas que vigoravam na época. O fato de o cosmonauta ter conseguido estudar, alcançado a patente de major na Força Aérea e, depois, se tornar um dos principais pilotos do programa espacial soviético por seus próprios méritos era considerado uma prova do acerto do modelo socialista. Embora igualmente competente, Titov tinha origem na intelligentsia russa -vinha de uma família de professores. De qualquer forma, ele teve seu momento

6 • MAIODE2001 • PESQUISA FAPESP

Subida aos céus O foguete Vostok K partiu com a cápsula Vostok 1, com Gagarin (à

dir.), de Baikonur, na As ia Centra l

Inspiração Picasso usou Gagarin como tema em estudo Antes da fama

Em 1960, com a mulher Valent ina e a f ilha Helena

de glória - em agosto de 1961, foi o primeiro homem a permanecer mais de 24 horas no espaço. O pioneirismo de Gagarin, então com 27 anos, transformou-o numa celebridade reverenciada em todo o mundo. Percorreu 28 países, inclusive o Brasil, foi aplaudido por milhões de pessoas e chamado de "Colombo do espaço': Morreu em 1968, aos 34 anos, quando fazia um vôo de treinamento em um MIG-15. Em suas andanças, Gagarin carregava consigo o triunfo da ex-União Soviética (URSS), que esteve sempre alguns passos à frente

Page 7: Caos e ordem no núcleo do átomo

dos Estados Unidos (EUA) na área espacial até o meio da década de 1960. Já no início do século 20, o russo Constantin Tsiolkowsky (ídolo de Gagarin) arquitetou as bases da astronáutica moderna. Depois da 2a Guerra Mundial, os soviéticos env1aram para o espaço o Sputnik 1 (o primeiro satélite artificial, em 1957), a cadela Laika (1958) e o primeiro homem (1961). Os norte-americanos começaram a recuperar o terreno perdido em 1965,

Sucesso Com a cosmonauta Valentina Tereshkova, em 1963 (acima), e com Jânio Quadros, em 1961 (à esq.)

Contra-ataque

Festa no Kremlin Leonid Brezhnev

(atrás, à esq.), Nikita Khruchev (atrás, à

dir.). Titov (frente, à esq.) e Gagarin

Alan Shepard, dos EUA, voou um mês depois do soviético

Consagração Depois do vôo pioneiro, o piloto foi recebido por uma multidão em Londres

quando uma missão ficou por oito dias no espaço. Na época, a questão ideológica entre EUA e URSS ofuscou os importantes avanços tecnológicos que se tornaram possíveis graças ao imenso investimento feito nessa área. A exploração espacial foi o maior estímulo para a miniaturização dos equipamentos e para o desenvolvimento da informática e dos computadores pessoais.

Page 8: Caos e ordem no núcleo do átomo

Bolsas de pós-doutoramento da FAPESP. O sistema brasileiro de pesquisa se expande.

A FAPESP está revolucionando sua política de pós-doutoramento, ampliando o prazo de duração das bolsas e possibilitando estágios no exterior dentro de uma concepção que torne o intercâmbio com centros de pesquisa de outros países produtivo para a ciência brasileira. Os bolsistas devem vincular-se aos mais importantes programas de pesquisa financiados pela Fundação. São centenas de projetes, em todas as áreas do conhecimento, que permitem uma sólida formação aos jovens doutores integrados a grupos de excelência. Para mais informações, acesse www.fapesp.br ou ligue (11) 3838 4000.

Projetos Temáticos (150 projetos de pesquisa) Grandes equipes formadas por pesquisadores de diferentes instituições em busca de resultados científicos, tecnológicos e socioeconômicos de grande impacto.

Programa Genoma (60 laboratórios) Projetas com o objetivo de pesquisar genomas, identificar e analisar genes com impacto sobre o conhecimento genômico, a saúde humana e a produção agropecuária.

~ ..-....:::; GOVERNO DO ESTADO DE

SÃO PAULO

Secretaria da

Ciência, Tecnologia

e Desenvolvimen to

Econômico

Programa CEPID (10 centros de pesquisa) Centros para desenvolver pesquisas inovadoras na fronteira do conhecimento, transferir seus resultados para os setores público e privado e contribuir para a criação de novas tecnologias e empresas.

Programas Jovens Pesquisadores (270 projetos) Programa que fomenta a formação de novos grupos de pesquisa em centros emergentes do Estado de São Paulo.

Programa Blota (25 projetas) Projetas que visam ao levantamento e novos conhecimentos sobre a biodiversidade do Estado de São Paulo e outras regiões do país.

Rua Pio XI , 1500 - Alto da Lapa 05468-901 - São Paulo - SP

Tel.: (11) 3838 4000 - www.fapesp.br

Page 9: Caos e ordem no núcleo do átomo

OPINIÃO

GILBERTO DE NUCCI

Patentes, universidade e setor produtivo lnteração entre pesquisadores e indústria ainda é incipiente no Brasil

Podemos conceituar a propriedade intelec­tual como sendo uma parcela do conhecimen­to científico que, de maneira independente

do todo, apresenta características que permitem a exploração comercial. Em outras palavras, apesar de todo experimento/pesquisa gerar conhecimen­to científico, nem todo fato científico novo se cons­titui em propriedade intelectual. Por outro lado, nem toda propriedade intelectual é de fato comer­cializada. Patente é o nome que se dá ao mecanismo pelo qual a pro-priedade intelectual é identificada e eventualmente comercializada.

mentos, o que inviabilizou o desenvolvimento da capacidade de explorar propriedade intelectual no setor farmacêutico nacional. Mas, com a lei de patentes, as indústrias nacionais e multinacionais passaram a se preocupar com o conhecimento cien­tífico e a universidade começou a discutir a ques­tão da exploração comercial desse conhecimento. Essa interação ainda é incipiente e pouco ágil.

O assunto ganhou especial interesse em razão dos debates sobre medicamentos para tratamento de Aids e sua ex­ploração comercial. Pessoas estão

As patentes resultam, portanto, do conhecimento científico, e a universidade e os institutos de pes­quisa são os grandes geradores des­se saber. Entretanto, até há pouco tempo, só algumas universidades requeriam patentes. A patente im­plica interesse comercial e, por tra­dição, a comunidade acadêmica tende a direcionar a pesquisa para o que julga essencial, a criação do conhecimento científico. O setor

"os problemas de saúde dos

morrendo em países pouco desen­volvidos por falta de remédios con­tra a doença, caros e inacessíveis. O Brasil, alegando que os preços eram incompatíveis com a nossa realida­de econômica, quebrou a patente e passou a fabricar os medicamentos sem pagar dividendos comerciais para os detentores do direito origi­nal de exploração desses fármacos.

países pouco desenvolvidos são caracterizados por falta de infra-estrutura e não por patentes de remédios,

Os problemas de saúde dos paí­ses pouco desenvolvidos são, em

·grande parte, caracterizados por falta de infra-estrutura básica e não por patentes de remédios. Ao argu­mentar que são medicamentos es-

produtivo, pelo contrário, apresen-ta como ponto fundamental a ex-ploração comercial.

Nos países desenvolvidos, o setor produtivo também contribui para a geração do conhecimen­to científico. E, geralmente, é bem mais versátil e ágil na obtenção de patentes, não somente por ter nelas seu objetivo principal, mas também pela possibilidade de concentrar esforços em um tema específico. Entretanto, esse setor tem uma capaci­dade restrita de gerar conhecimento científico e procura estabelecer relações com a universidade para o desenvolvimento conjunto da propriedade intelectual. É um tipo de intercâmbio saudável porque agiliza a aplicação do conhecimento e au­menta a captação de recursos para a universidade.

Nos países em desenvolvimento essa interação é ainda pouco compreendida. O Brasil, por exem­plo, até 1996 não reconhecia patentes de medica-

senciais, o governo brasileiro entra em uma área nebulosa, pois todos os fármacos são essenciais para quem precisa. O risco contido nessa postura é que as multinacionais reduzam o investimento na área, em razão de complicações políticas e co­merciais, retardando a cura da Aids. A estratégia de explorar comercialmente uma parcela do co­nhecimento científico, sem levar em conta aquele gerado pela sociedade por meio da universidade, é um tanto controvertida, ainda que eficiente.

GILBERTO D E N ucCI é professor de Farmacologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e da Unicamp

e coordena a Unidade Analítica Cartesius, que realiza

estudos de bioequivalência e biodisponibilidade.

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2001 • 9

Page 10: Caos e ordem no núcleo do átomo

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Número de médicos explodirá em seis anos O Brasil ultrapassou a marca dos 100 cursos de Medicina e tem, hoje, 9.278 vagas. "Se não for criado mais nenhum curso daqui para a frente, o que é improvável, teremos por volta de 50 mil novos mé­dicos e estudantes de Me­dicina em seis anos", esti­ma Antônio Celso Nunes Nassif, da Universidade Fe­deral do Paraná (UFPR) e ex-presidente da Associa­ção Médica Brasileira (AMB), já descontando os desistentes. Por dois meses, Nassif checou todas as uni­versidades e faculdades do país até chegar ao número de 101 cursos. As escolas particulares são responsá­veis por 44 deles ( 43,6% do total), as federais por 37, as estaduais por 14 e as muni­cipais por seis. E não é só:

• Hidrogênio ganha centro de estudos

Em meio à mais séria crise no setor energético brasileiro nos últimos tempos, a Uni­versidade Estadual de Cam­pinas (Unicamp) ganhou o Centro Nacional de Referên­cia em Energia de Hidrogê­nio (Ceneh).A função doCe­neh é agrupar e difundir informações sobre as aplica­ções energéticas nessa área e co-patrocinar pesquisas, de acordo com o secretário exe­cutivo adjunto, Newton Pi­menta Neves Júnior. Hoje, a maior expectativa é usar o hidrogênio como combustí­vel de automóveis por ser mais limpo do que os tradi-

1 O • MAIO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

já existem 26 pedidos de abertura de novos cursos. "Estamos com um médico para cada grupo de 526 ha­bitantes, enquanto a Orga­nização Mundial de Saúde

recomenda um por mil", diz Nassif. A maioria está nas grandes cidades. En­quando isso, há entre 300 e 400 municípios no Brasil sem nenhum médico. •

Inflação de escolas médicas Outros 26 cursos aguardam aprovação para funcionar

24 2.200

N° total de cursos 101 11 2.000

1.800

1.600

1.400

1.200

N° total de vagas 9.278

cionais. O Laboratório de Hi­drogênio da Unicamp já tem um carro com motor elétrico que é híbrido hidrogênio e eletricidade e poderá operar com célula a combustível. O uso do hidrogênio não se li-

Fonte: Antonio Celso Nunes Nassif- UFPR

mita ao transporte, mas tam­bém na geração de energia elétrica em sistemas estacio­nários e como insumo quí­mico em diferentes áreas in­dústriais, como a metalúrgica e farmacêutica, por exemplo.

Ennio Peres no carro híbrido do laboratório: alternativa à vista

O secretário executivo do Ce­neh, Ennio Peres, diz que, apesar das enormes possibili­dades desse gás, a situação atual da falta de energia do país não será resolvida com ele. "Em momentos emergen­ciais precisamos contar com sistemas consolidados", afir­ma. "As novidades devem ser introduzidas depois de muito aprendizado_" Fazem parte do centro o Ministério de Ciência e Tecnologia, a Secre­taria de Estado de Meio Am­biente de São Paulo, a Uni­versidade de São Paulo, a Companhia Energética de Minas Gerais e a organização não-governamental Vitae Ci­

"vilis, além da Unicamp. •

• Medidas para economizar energia

A FAPESP tomou algumas providências para economi­zar energia elétrica. As prin­cipais medidas, entre outras que poderão vir a ser adota­das, são as seguintes: um dos dois elevadores que servem o prédio da Fundação perma­necerá desligado fora do ho­rário de pico e, posterior­mente, será instalado um sistema inteligente para cha­mar apenas o carro que esti­ver no andar mais próximo; o ar-condicionado será ligado mais tarde, às 10 horas, e des­ligado mais cedo, às 17 horas; as lâmpadas incandescentes que restam no prédio serão substituídas pelas fluorescen­tes compactas; as lâmpadas fluorescentes de 40W serão trocadas gradualmente pelas de 32W e as de 20W pelas de 16W; por fim, todas as lâm­padas externas serão substi­tuídas pelas de vapor metáli­co, muito mais econômicas. •

Page 11: Caos e ordem no núcleo do átomo

• Como lidar com as patentes

Patentear primeiro e publicar depois deveria ser a lógica vi­gente entre os pesquisadores brasileiros, de acordo com Roberto Castelo, diretor-ge­ral da Organização Mundial de Propriedade Industrial (Ompi). Se o Brasil tem tec­nologia, trabalho científico, bons cientistas e inovação tecnológica por que o apa­rente desinteresse pela con­quista de mercado? Pensando em fortalecer os pedidos de patentes, o Ministério da Ciência e Tecnologia vai in­centivar a criação de pólos de propriedade intelectual por meio dos Fundos Setoriais. A maior preocupação é com o baixo número de patentes in­ternacionais depositado pelo Brasil. O ministério e a Ompi firmaram uma parceria no começo de maio para pro­mover uma série de ativida­des para aumentar a proteção intelectual resultante das pes­quisas realizadas nas univer­sidades e institutos brasilei­ros. Os pólos devem seguir o modelo da Empresa Brasilei­ra de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), responsável por 25% das patentes internacio­nais brasileiras no ano passa­do. A Embrapa tem toda uma estrutura com advogados, pesquisadores e especialistas no assunto para registrar e acompanhar os processos de patenteamento.

• IME leva bronze em copa de computação

Duas equipes de estudantes brasileiros conseguiram um feito inédito no ACM Inter­national Collegiate Program­ming Contest, uma espécie de copa do mundo de computa­ção. Desde 1997 o Brasil par­ticipa da competição, dispu-

tada por alunos das melhores universidades do mundo. A equipe do Instituto de Mate­mática e Estatística da Uni­versidade de São Paulo (IME/USP) ganhou a meda­lha de bronze. O time da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) tam­bém obteve boa colocação: 29'? lugar entre os 64 finalis­tas. Cada equipe trabalhou em um microcomputador para resolver em cinco horas os problemas de computação formulados. As medalhas são dadas de acordo com o nú­mero de problemas resolvi­dos. Assim, os vencedores re­solveram seis problemas - e todas as equipes que conse­gmram o mesmo resultado ganharam ouro. Os que re-

A equipe do IME mostra a placa de campeão sul-americano

solveram cinco questões ga­nharam prata e os que solu­cionaram quatro receberam bronze. No desempate, a equipe do IME ficou em 14'?

Sementes: normas para uso de material genético

Patrimônio mais protegido A Medida Provisória n'? 2.126-11, que estabelece as normas para acesso ao patrimônio genético, foi reeditada no final de abril com modificações impor­tantes. As instituições es­trangeiras só poderão tra­balhar com espécies na­tivas sob a coordenação e responsabilidade de outra instituição de pesquisa nacional. O objetivo é fa­zer com que brasileiros e estrangeiros trabalhem

juntos e desenvolvam a pesquisa em território na­cional. Também foi cria­do o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, que vai coordenar e con­trolar esse trabalho e esta­belecer critérios para as autorizações do acesso e remessa de material ao exterior. Patrimônio ge­nético é definido pela MP como informação contida em espécimes vegetal, mi­crobiano ou animal. •

lugar. "É a melhor classifica­ção de uma equipe latino­americana até hoje", disse Carlos Eduardo Ferreira, pro­fessor do IME. Os ganhado­res são os seguintes: Tiago Ta­gliari Martinez, Ricardo Bue­no Cordeiro, Pedro Eira Velha e Aritanan Garcia Gruber. •

• Inovação tecnológica terá evento mundial

O Rio de Janeiro vai receber, de 23 a 26 de outubro, cerca de 700 conferencistas de mais de 40 países para a Conferên­cia Mundial de Incubadoras de Empresas. Organizado pela Incubadora de Empresas do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), o evento reunirá empreende­dores, pesquisadores e profis­sionais de diversas áreas para debater o desenvolvimento da tecnologia e ver exemplos de como romper a barreira entre a teoria e a prática para investir em projetos também fora da universidade. O Brasil é um dos países com maior número de incubadoras (140), número ainda distante dos Estados Unidos, com cer­ca de 600. •

PESQUISA FAPESP · MAIO DE 2001 1 1

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Pesquisadores querem biblioteca mundial on line gratuita Pesquisadores de 158 países decidiram reivindicar das revistas mantidas por socie­dades científicas que o con­teúdo esteja disponível on line, gratuitamente, seis me­ses a contar da data de sua publicação. Antes, durante esses seis meses, elas conti­nuariam a ser vendidas nor­malmente. Por enquanto, o movimento está restrito às revistas que trazem material sobre ciências da vida, como medicina e biologia, por exemplo. Os pesquisadores querem a criação de uma vasta biblioteca virtual mundial que conteria toda a informação publicada antes. O projeto, defendem os cientistas, daria a oportuni­dade sem igual de colocar à disposição de qualquer pes­soa, nos mais remotos can-

• O safári fotográfico de Dennis Tito no espaço

No final, tudo acabou bem. O milionário norte-americano Dennis Tito, de 60 anos, foi e voltou do espaço são e salvo. E o que é mais importante: sem colocar em risco a sua vida e a dos cosmonautas russos Talgat Musabayev e Yuri Baturin, que passaram oito dias com o empresário na Estação Espacial Interna­cional (ISS). Mas Tito foi obrigado a seguir à risca as ordens da Nasa, a agência es­pacial americana, crítica feroz da empreitada: não mexer em nada. Antes de viajar, ele as­sinou um documento se comprometendo a pagar por qualquer dano que viesse a ocorrer na ISS e isentando a Nasa da responsabilidade por

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tos do mundo, o conheci­mento adquirido em centros mais privilegiados. A partir de setembro deste ano, esse grande grupo de cientistas da área biomédica (mais de 20 mil) se compromete a en­viar artigos para publicação apenas para as revistas que concordarem com a idéia. As demais seriam boicotadas. No si te da revista Science há uma discussão sobre o tema (www.sciencemag.org/fea­ture/ data/hottopics/ plsdebate.shtml),

o abaixo-as- "'~~~ sinado e o ~

nome de quem já assinou - no formulário eletrô­nico há uma opção para quem apóia o projeto, mas não quer que o nome apareça. Hele-

problemas de saúde que pu­dessem acontecer. Tito pas­sou a maior parte do tempo como se estivesse num safári fotográfico. Tirou fotos da Terra, da ISS, dos tripulantes e de tudo o que parecesse no­vidade. "Provei que um ho-

na Nader, pesquisadora do Departamento de Bioquí­mica da Universidade Fede­ral de São Paulo, é uma das brasileiras signatárias da carta aberta. "O custo das assinaturas é alto e nem to­dos conseguem acesso às in­formações", diz. Ela conta que hoje é possível perceber o impacto das informações

Revistas científicas: pela

gratuidade on fine

mem comum pode ir ao es­paço, desde que treinado", disse. Dono de uma fortuna deUS$ 200 milhões, Tito pa­gou US$ 20 milhões pelo pas­seio sideral. O valor equivale a 15% do orçamento anual da agência espacial russa. •

Tito entre Baturin (esq.) e Musabayev na ISS:"Estou no paraíso"

científicas disponíveis on line, por exemplo, nas aulas de graduação de Medicina. "Basta citar determinada pesquisa que os alunos a acham rapidamente na In­ternet ou em bibliotecas eletrônicas", diz. As revistas e sociedades, por outro lado, resistem em abrir mão dos direitos autorais.

• Espanha cria plano para jovens cientistas

A Espanha está adotando uma nova carreira para jo­vens pesquisadores. A inicia­tiva visa a aumentar a com­petição e eliminar um certo compadrio em voga na aca­demia espanhola, que acaba por atrasar o desenvolvimen­to da ciência no país, de acor­do com a revista Nature (26 de abril). O programa Ra­món y Cajal oferecerá cinco anos de contrato para 2 mil bolsistas de pós-doutorado nos próximos dois anos. Ou­tro objetivo claro é aumentar o intercâmbio entre os diver­sos centros científicos: os candidatos à bolsa devem ter passado 18 meses trabalhan­do em projetas em outra uni­versidade ou instituto. •

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Brookhaven National Laboratory: modelo continua de pé

• Trégua entre os físicos

O Modelo Padrão- um con­junto de conceitos que pro­cura explicar como os quarks, neutrinos, múons, glúons e outras partículas do átomo interagem entre si -saiu aparentemente sem ar­ranhões dos ataques dos físi­cos que, de alguns meses para cá, propunham uma re­visão urgente e profunda da teoria. A polêmica fortale­ceu-se em fevereiro com os resultados dos experimentos com múons, realizados no Brookhaven National Labo­ratory, em Nova York, Esta­dos Unidos, que não batiam com as previsões. De acordo com a revista Nature ( 15 de março), os teóricos agora re­jeitam a possibilidade de mudanças estruturais do modelo que se mantém em pé, ainda que com eventuais ajustes, há cerca de 40 anos. E o que fazer com os estudos experimentais que pareciam contradizer as idéias em vi­gor? Simples: dados adicio­nais, mais apurados, indi­cam que tudo o que se está descobrindo pode se encai­xar nas fórmulas já existen­tes- numa escala milhões de vezes menor que a das partí­culas atômicas mais conhe­cidas, como os prótons e nêutrons, os componentes

do núcleo, este, sim, sujeito a comportamentos um pouco mais esclarecidos (veja re­portagem na página 28). •

• Cursos do MIT pela Internet serão grátis

O prestigiado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), um dos principais centros de pesquisa do mun­do, anunciou que pretende colocar quase todos seus 2 mil cursos disponíveis na In­ternet gratuitamente nos próximos dez anos. O cami­nho escolhido é o inverso do que vem fazendo outros cen­tros de ensino superior, que procuram criar cursos a dis­tância pagos para ter uma fonte de renda a mais. Para tornar o projeto viável, o MIT deverá criar sites de to­dos os cursos no qual deve­rão constar anotações das au­las, lista de problemas, sumá­rios, exames, simulações e ví­deos - tudo a um custo de cerca de US$ 100 milhões. O presidente do instituto, Char­les M. Vest, não teme que os alunos deixem de pagar os US$ 26 mil anuais para fazer o curso presencial quando poderão ter aulas e obter todo o material on line sem pagar. "A disponibilização do nosso ensino na web vai ser­vir para atrair ainda mais es­tudantes para o MIT." •

Ciência na web Envie sua sugestão de site científico para

[email protected]

www.becominghuman.org/

Um extraordinário site sobre a história da evolução a partir do documentário do paleantropólogo Donald Johanson.

lqes.iqm.unicamp.br/

Informações científicas, serviços de assessoria e projetas do Laboratório de Química do Estado Sólido da Unicamp.

Weloome

Sense-Making Methodology Site

l>r. Riad Orrvln. Fldii!IR dm!O. lftt!I.CW

a~s.::.=-.. ::::~=:.-=...=;:.==~----..... ........ _......,_ ..... ... -. .,...- .. , ............. ..,.... .... -.... =-~~:=-.:z:~.:t.=.=.~::::..,., .. =~=:..r::.":.·=:.::=..-or.::-~~':.::::=~ ___,_..,...._ .... ,...._ .. ,....., .. ...tlof .. _

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communication.sbs.ohio-state.edu/sense-making/

Metodologia com ênfase em comunicação. Evita polarizações como aquelas entre atividades humanas e ciências exatas.

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

2 r-~~----------~

5

COMEMORAÇÃO

CNPq:SO anos e A •

deC1enc1a esmo com um bom exercício de ficção seria difícil imaginar, atualmente, o quadro da produção científica e tecnológica no Brasil sem a ação do Conselho Nacional de Desen­volvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

A agência de fomento, que em abril comemorou 50 anos, foi responsável pela sistematização do apoio à pesquisa científica e tecnológica no país, que permitiu ao Brasil se incluir no se­leto grupo das 18 nações que detêm mais de 1 o/o da produção científica mundial, por volume de publicações. E, se a história do CNPq é feita de altos e baixos no que diz respeito ao repasse de verbas para pesquisa, também é marcada pelo diálogo cons­tante com a comunidade científica e pela formação de um só­lido sistema de avaliação pelos pares, elementos básicos para a

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manutenção da autonomia e da in­dependência política da pesquisa.

"A criação do CNPq é um marco fundamental na história da ciência no Brasil", diz José Galizia Tundisi, presidente do Instituto Internacio­nal de Ecologia, que presidiu o CNPq de 1995 a 1998. "Foi um mo­vimento estratégico de grande en­vergadura." O Brasil estava afinado com o que acontecia no mundo: sua constituição ocorreu apenas um ano após a estruturação da National Sci­ence Foundation (NSF), organismo que, nos Estados Unidos, exerce um papel muito semelhante ao seu. Na Europa, é contemporânea da conso­lidação prática de três orga-nismos de financiamento à ciência no Centre National de la Recherche Scientifique ( CNRF) e das primeiras dis-cussões em torno da criação de um ministério da ciên-cia na Grã-Bretanha.

A fundação do CNPq representou um grande in­centivo às ciências básicas, na época muito pouco evo­luídas, diz Roberto Santos, professor titular aposenta­do da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que pre­sidiu o órgão no biênio 1985-1986, depois de go­vernar a Bahia, entre 197 4 e 1978. Lindolpho de Carva-lho Dias, que esteve à frente da enti­dade entre 1993 a 1995, aponta sua relevância para a instituição da pes­quisa em período integral no país. "O CNPq induziu o nascimento do sistema de pós-graduação no Brasil", complementa Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente da FAPESP.

Apoio sistemático - A comemoração do 50~ aniversário reuniu, em 17 de abril, o presidente Fernando Hen­rique Cardoso, ministros, parla­mentares e pesquisadores de todo o país no Teatro Nacional, em Bra­sília. Eles tinham o que festejar, mas para alcançar o sucesso de hoje foi percorrida uma longa estrada.

Em meados do século passado, a ciência e a tecnologia no país ressen­tiam-se da falta de qualquer tipo de apoio sistemático antes da fundação do CNPq. "Salvo por alguns investi­mentos federais e estaduais em áreas como a saúde pública e o saneamen­to básico, por algumas bolsas conce­didas pela Fundação Rockfeller e iniciativas de uma ou outra empresa privada, simplesmente não havia re­cursos para a ciência e tecnologia", comenta o historiador Shozo Moto­yama, diretor do Centro de História da Ciência da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ele, os pou­cos institutos de pesquisa então

Selo comemorativo do cinqüentenário do CNPq.

existentes freqüentemente se viam obrigados a se orientar pelo utilita­rismo e pelo imediatismo. A falta de incentivo comprometia o desenvolvi­mento das pesquisas, principalmen­te em São Paulo, que já contava com uma universidade do porte da USP, desde 1934, aliás, uma das primeiras iniciativas com visão de longo prazo para a C&T no Brasil. Exemplo dis­so é que, na década de 40, o Institu­to Butantan quase foi transformado em fábrica de soros e vacinas pelo governo estadual, conta Motoyama. "É possível que o número de pesqui­sadores no Brasil não passasse de uma centena em 1951", diz Motoya­ma. "Hoje, gira em torno de 70 mil."

A criação de uma agência de fo­mento era uma aspiração que os cientistas reunidos na Associação Brasileira de Ciência (ABC) nutriam desde 1919. Nessa época, por falta de recursos, eles ficaram de fora da primeira reunião do International Research Council (Conselho Inter­nacional de Pesquisa). O CNPq nasceu com o nome de Conselho Na­cional de Pesquisa, em 15 de janeiro de 1951, em grande parte recom­pensando os esforços do almirante Álvaro Alberto da Motta e Silva, que em 1946 encaminhou proposta for­mal ao presidente Eurico Gaspar Dutra. A criação de um organismo

nacional de fomento ocor­reu pouco tempo depois das primeiras iniciativas para a criação da FAPESP, prevista na Constituição Estadual Paulista de 1947, finalmen­te levada a cabo em 1962. Transcorridos alguns meses da fundação do CNPq, se-

~ ria criada a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pes­soal de Nível Superior (Ca­pes), também uma agência bem-sucedida.

Bombas e sonares - Tanto no Brasil como no exterior, a intensificação da partici­pação governamental no apoio à C&T se explica pe-

la importância estratégica que a ciên­cia ganhou no contexto da II Guer­ra Mundial, que teve sua expressão mais dramática com a explosão das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki. Nos EUA, lembra Do­nald E. Stokes em Pasteur's Qua­drant (Brookings Institution Press, 1997), a comunidade científica, que até então preferira não estreitar la­ços com o governo para proteger sua autonomia, engajou-se forte­mente em programas patrocinados pelas autoridades governamentais. "No Brasil, também houve mobili­zação dos cientistas no esforço de guerra. Um exemplo disso foi a fa­bricação, por engenharia reversa, de

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Em 1952, o Instituto de Pesquisas da Amazônia

(lnpa) incorpora o Museu paraense Emmo Goeldi

um sonar para a detecção de sub­marinos alemães", conta Motoya­ma. "Nesse cenário, argumentos em favor da fundação de um conselho científico com base na segurança na­cional encontraram menos oposição política", explica o historiador.

"O CNPq surgiu da articulação de várias correntes que, se não eram convergentes, certamente também não eram conflitantes", analisa Evando Mirra, presidente do CNPq, destacando a excepcional formação científica dos militares que, com Álvaro Alberto, trabalharam para a constituição do órgão. Muitos des­ses homens figuravam, ao lado de cientistas de destaque como os físi­cos César Lattes e Joaquim da Costa Ribeiro, na lista de associados da ABC. A trajetória intelectual de Ál­varo Alberto é realmente exemplar. Formado em engenharia pela antiga Escola Politécnica, o almirante reve­lou interesse pela investigação cien­tífica desde muito cedo e, em 1921, ingressou na associação. Integrou a comitiva que recepcionou Albert Einstein, quando o físico alemão es­teve no Brasil, em 1925, e cinco anos depois publicaria um artigo sobre a teoria da relatividade na Revista da

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Academia Brasileira de Ciência. Em 1935, traria ao país Enrico Fermi, que conduziu as primeiras experiên­cias de desintegração do átomo.

erminação de Álvaro berto de estruturar no aís um conselho nacio­nal de pesquisa fortale­ceu-se nas discussões

da comissão de Energia Atômica da ONU, onde o almirante represent'Ou o Brasil. Diante da Comissão, ele de­fendeu a tese, não aceita, das com­pensações específicas, propondo que os países detentores de matérias­primas atômicas, como o tório bra­sileiro, tivessem direito de acesso à tecnologia nuclear para fins pacífi­cos. "Na época, eram grandes as ex­pectativas de que a energia nuclear substituísse o carvão e o petróleo", lembra Motoyama. Foi também nes­se foro que Álvaro Alberto se opôs ao Plano Baruch, que, apresentado pelos EUA, manteria sob o controle daquele país os recursos minerais radioativos do bloco ocidental.

Outro fator que contribuiu para a formação do CNPq, observa Evando Mirra, foi um sensível au­mento de interesse do público pela

ciência e seu desenvolvimento no país. Num momento em que a ener­gia nuclear representava a quintes­sência da modernidade, a partici­pação de César Lattes na descoberta do méson pi, que valeu ao britâni­co Cecil Powell o Prêmio Nobel de Física em 1950, também recebeu ampla cobertura da imprensa. "O evento ganhou, na época, quase tanto destaque quanto o Projeto Genoma tem hoje em dia", compara o presidente do CNPq. Ele também chama a atenção para o fato de que, em um país eminentemente agrá­rio, com apenas um terço da popu­lação concentrada nas cidades, a co­missão que redigiu o anteprojeto do CNPq já contava com representan­tes do setor empresarial.

Na gestão de Álvaro Alberto, que se estendeu até 1955, o CNPq, além dos investimentos na formação de recursos humanos, por meio da con­cessão de bolsas e auxílios, foram cri­ados os primeiros institutos ligados ao órgão. Em 1956, a estruturação da Comissão Nacional de Energia Nu­clear fez com que o CNPq deixasse de coordenar as atividades diretamente ligadas à pesquisa nuclear e perdesse uma boa parte de seu orçamento. A •

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Leque de apoio vai das pesquisas sobre astronomia aos experimentos do

Laboratório Nacional de Luz Síncrotron

escassez de recursos resultou numa diáspora de cientistas, em busca de melhores condições de trabalho e de remuneração no exterior. Essa situa­ção começou a se reverter em 1967, quando o governo militar promoveu a chamada Operação Retorno, com o objetivo de atrair pesquisadores de volta ao Brasil- mas, já em dezembro do ano seguinte, com o Al-5, o regi­me, contraditoriamente, provocava a demissão e a aposentadoria compul­sória de muitos pesquisadores.

Em 1974, novas mudanças. O CNPq deixou de ser uma autarquia para se transformar em fundação, o que garantiu maior agilidade em suas decisões, e desvinculou-se da Presi­dência da República para subordinar­se à Secretaria do Planejamento. "A mudança, que implicou a transferên­cia física do CNPq para Brasília, tam­bém propiciou a estruturação de um sistema de avaliação': conta Mirra.

No final da ditadura, as verbas pa­ra C&T voltariam a escassear, recu­perando-se sensivelmente depois do restabelecimento do regime demo­crático no país. Data de 1985, aliás, a constituição do Ministério de Ciência e Tecnologia, que, comandado por Renato Ascher, incorpora imediata-

mente o CNPq. "Na época, o CNPq estabeleceu prioridade para áreas como a genética, que já era forte no Brasil, novos materiais e microele­trônica", lembra Roberto Santos.

No período imediata­mente posterior, sob a presidência de Cro­dowaldo Pavan (1986-1990), o órgão inves­

tiu pesado na formação de pes­quisadores, aumentando o valor dos auxílios. Nesse período, tam­bém criou o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron - o único do gê­nero na América Latina -, apostou na divulgação científica e implan­tou, em São Paulo, a Estação Ciên­cia, que anos depois passaria a ser administrada pela USP.

No governo de Fernando Collor, conturbado econômica e politica­mente, as verbas voltaram a escas­sear. "Em uma reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciên­cia, realizada logo depois de eu assu­mir a presidência do CNPq, declarei em tom de brincadeira que ia pedir concordata", conta Lindolpho de Carvalho Dias. De fato, a entidade e a comunidade científica tiveram que

negociar a reavaliação e a reestrutu­ração de alguns programas e, conse­qüentemente, o pagamento parcial de auxílios em atraso.

Poder de influência - No período de 1995 a 1998, sob a presidência de José Galizia Tundisi, o CNPq im­plantou projetas importantes como a Reserva de Desenvolvimento Sus­tentável de Mamirauá, que integra as áreas de ambiente, ciências sociais e o manejo dos recursos naturais, e o Soar (com participação da FAPE­SP), com influência decisiva sobre a inserção do Brasil na pesquisa astro­nômica internacional. Outro marco da época é o lançamento da Socie­dade para a Promoção e Excelência do Software Brasileiro, com o objeti­vo de apoiar a inovação e o desen­volvimento científico e tecnológico do software nacional e incentivar sua consolidação como produto de ex­portação.

Atualmente, o CNPq tem man­tido a concessão de bolsas em níveis relativamente altos. No ano passa­do, distribuiu 43 mil bolsas. Em toda a sua história, foram concedi­das um total de 653 mil bolsas. O órgão prevê um volume maior para

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Apoio a institutos de pesquisas O CNPq investiu na estrutu­

ração da pesquisa por meio da criação de quatro organismos especializados. Em 1952, surgi­ram o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), o Insti­tuto de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que incorporou o Museu paraense Emílio Goeldi. Em 1954, foi implantado o Instituto de Bibliografia e Documentação (IBBD), que mais tarde se trans­formaria no Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia. Em 1957, o CNPq fun­dou o Instituto de Pes­quisas Rodoviárias, que em 1972 passaria a res­ponder ao Departamen­to Nacional de Estradas de Rodagem (DNER).

Outubro de 1999: lançamento do

satélite CBERS-1

Embrião do Institu­to Nacional de Pesqui-sas Espaciais (Inpe), o Grupo da Comissão Nacional de Ati­vidades Espaciais ( Gocnae) surgiu em 1961. Depois da cri­ação do Inpe, foram implanta­dos, até meados da década de 70, projetos como o Mesa, para recepção e interpretação de imagens de satélites meteoroló­gicos; o Sere para levantamento de recursos terrestres a partir de técnicas de sensoriamento re­moto por satélites e aeronaves; e o Saci, para aplicação de um sa­télite de comunicações geoesta­cionário com vista a ampliar o sistema educacional do país.

Nos anos 80, o Inpe desen­volve a Missão Espacial Comple­ta Brasileira (MECB), que apre­senta resultados na década de 90

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com a colocação em órbita de dois satélites brasileiros - o SCD-1, em 1993, e o SCD-2, em 1998. Também foi lançado o satélite CBERS-1 em 1999, em cooperação com a China.

Ao longo de sua trajetória, o CNPq também investiu na ins­talação de institutos de pesqui­sa como o Laboratório Nacio­nal de Computação Científica (LNCC), em 1980, e o Museu

de Astronomia e Ciência Afins (Mast), em 1985. Também colo­cou sob sua esfera importantes organismos de pesquisa como o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, fundado em 1949, e o Observatório Nacional, em ati­vidade desde 1827.

O Inpa foi criado em 1952. Nasceu em resposta a uma pro­posta da Unesco com vista à es­truturação de um instituto in­ternacional da hiléia amazônica, que encontrou resistências de caráter nacionalista no Brasil. O instituto mantém convênios para a cooperação bilateral com vários países e coordena proje­tos importantes, como o Pro­grama de Preservação das Flo­restas Tropicais.

2002, resultado de um aporte de re­cursos significativamente mais ele­vado, promovido pelas contribui­ções de novos fundos setoriais. Evando Mirra admite que a expan­são da concessão de bolsas já há al­gum tempo impacta de modo ne­gativo o orçamento das atividades de fomento, mas há quem atribua ao CNPq uma capacidade de fo­mentar a pesquisa que extrapola a questão meramente orçamentária. "O CNPq é uma grife e, como tal, pode gerar e incentivar projetos até sem recursos", opina Tundisi. Cro­

dowaldo Pavan con­corda: "O poder de influência do CNPq é enorme". Na opi­nião de Mirra, em um quadro de relações mais complexo como o que se delineou de 10, 15 anos para cá, a função fomentadora também pode ser exer­cida por meio de con­vênios e parcerias.

Um exemplo dos resultados desse tipo de atuação compar­tilhada foi a criação de um núcleo de de-

senvolvimento científico e tecnoló­gico na região da Usina Hidrelétri­ca de Xingó, no Rio São Francisco. O Projeto Xingó é resultado da ar­ticulação de esforços entre o CNPq, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), o Serviço Brasi­leiro de Apoio à Pequena e Média Empresa (Sebrae) e o Programa Comunidade Solidária. O projeto envolve cinco universidades esta­duais e federais nos Estados que formam a região, onde são registra­dos graves problemas de desertifi­cação e salinização do solo, além de centros como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) -que teve origem no CNPq - e a Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa) - que foi incubada pelo órgão. "O Projeto Xingó aproveita a pequena estrutu-

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ra urbana montada para a constru­ção da usina e também impacta po­sitivamente as condições de vida da população local, promovendo o de­senvolvimento sustentável."

Políticas integradas - Outra estraté­gia que vem sendo implementada pelo CNPq é a de aproximação das fundações de amparo à pesquisa es­taduais. "Políticas integradas esta­duais e regionais devem ajudar as administrações atual e futuras", diz Tundisi. Brito Cruz, da FAPESP, re­vela que a Fundação já está discutindo com o CNPq a

vo promover a modernização dos negócios agrícolas. "Outro projeto especialmente relevante é o Softex, para a exportação de software desen­volvido no Brasil", comenta Mirra. Para o diagnóstico de necessidades de desenvolvimento localizadas, diz ele, um dos instrumentos é o Progra­ma de Tecnologias Apropriadas, com os governos estaduais, outra estraté­gia importante com implementação atualmente em curso.

Se a pequena empresa por vezes precisa de recursos governamentais

excelente oportunidade para o di­recionamento das verbas tradicio­nalmente destinadas ao CNPq à pesquisa básica.

Embora os fundos tendam a atender objetivos de caráter utilitá­rio e, assim, concentrar-se mais no desenvolvimento tecnológico, o presidente do CNPq acredita que os novos projetas que serão finan­ciados com esses recursos podem envolver a aquisição de conheci­mentos fundamentais. "Há toda uma gama de problemas matemáti-

ampliação de suas parcerias, entre as quais se destacam, por sua envergadura, o Pro­jeto Genoma Brasileiro e o Projeto Soar. Na visão de De­nis Rosenfield, professor ti­tular do Departamento de Filosofia da Universidade Fe­deral do Rio Grande do Sul (UFRGS), vice-presidente do CNPq em 1999, associações desse tipo promovem a dis­seminação do conhecimento em termos regionais. "Esse modelo de parceria, que par­te de projetas já estrutura­dos nos Estados, possibilita a transferência dos avanços acumulados em centros alta-

Santos: prioridade para genética e microeletrônica

Pavan: aposta na divulgação científica

Mirra: tantos fundos quanto for possível

mente capacitados", avalia. O CNPq também vem estreitan­

do relações com a iniciativa priva­da, na maior parte dos casos, em as­sociação com a Financiadora de Estudos e Projetas (Finep). "O in­centivo ao desenvolvimento de no­vas tecnologias nas pequenas e mé­dias empresas, que no mais das vezes as assimilam mais rapida­mente, é fundamental", observa Ro­berto Santos.

Ao longo de sua história, o CNPq sempre esteve atrás de projetas estra­tégicos para o desenvolvimento da ciência e tecnologia no país, como, por exemplo, a produção de insuli­na, no âmbito da Biobrás, além de diversos programas na área de bio­tecnologia que tinham como objeti-

para desenvolver tecnologias, gran­des corporações começam, agora, a contribuir com a ciência e tecnolo­gia por meio dos fundos setoriais. Evando Mirra afirma que as verbas geradas pelo Fundo do Petróleo já entraram no orçamento no ano pas­sado. Por lei, 20% dos recursos dos fundos serão destinados ao CNPq, para financiar, entre outros pontos, a gestão de pessoal. Lindolpho de Carvalho Dias saúda a iniciativa. "A participação do setor privado no apoio à pesquisa, que chega a quase 70% nos Estados Unidos e a 50% na Alemanha, é de apenas 10% no Bra­sil", diz ele.

O presidente da FAPESP vê na criação dos fundos setoriais uma

cos ligados, por exemplo, à dinâmi­ca de fluidos como o petróleo", co­menta Brito Cruz. Ele se mostra particularmente entusiasmado com a recente regulamentação do Fundo de Infra-Estrutura, que aplicará R$ 150 milhões na recuperação e am­pliação de laboratórios e equipa­mentos de centros de pesquisa e com a perspectiva da regulamenta­ção dos fundos de telecomunica­ções e informática. A implantação do fundo está prevista para o se­gundo semestre. "A idéia é criar tantos fundos quanto for possível", diz Evando Mirra. "No contexto da sociedade da informação, agências com o papel do CNPq são cada vez mais essenciais", reflete. •

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

INAUGURAÇÃO

Um passo à frente Unesp cria o primeiro banco para estocar e distribuir genes de bactérias e cana-de-açúcar

Cidade do nordeste paulista cercada de canaviais, Jaboti­

cabal guarda segredos valiosos numa sala climatizada do campus da Universidade Estadual Paulista (Unesp ), em gavetas de grandes freezers, a 86 graus Celsius negativos. Invisíveis a olho nu, esses segredos ficam em cilindros amarelados com menos de 2 milímetros de diâmetro, guardados em caixinhas de acrílico.

outra, porque antes da instalação do centro os dados estavam na memó­ria dos computadores, mas os clones contendo os genes estavam disper­sos em vários laboratórios", diz o professor Jesus Aparecido Ferro, da Faculdade de Ciências Agrárias e Ve­terinárias da Unesp, um dos coorde­nadores do centro.

"Essas bactérias", prossegue o pesquisador, "contendo esses genes de outro organismo, multiplicam-se em grande quantidade, cada bac­téria filha carregando também o gene exógeno. Assim, não só servem de hospedeiras, mas também para aumentar o número de cópias dos genes, de modo que eles possam ser distribuídos sem perda do clone original".

Clonagem e estocagem são feitas numa área de 300 metros quadra­dos, com três salas. Na primeira, fica o principal equipamento: um robô que custou US$ 252 mil e faz a ma-

O material interessa a cientistas do mundo todo e atrai a curiosida­de dos usineiros da vizinhança. São clones dos genes seqüenciados da cana -de-açúcar ( Saccharum offici­narum) e de quatro bactérias cau­sadoras de pragas agrícolas (fito­patogênicas) : Leifsonia xyli, que provoca o raquitismo da cana; Xylella fastidiosa, responsável pelo amarelinho dos laranjais ou cloro­se variegada dos citrus; Xanthomo­nas citri, causadora do cancro cítri­co; e Xanthomonas campestris, que ataca algumas verduras. Esse é o acervo do Brazilian Clone Collecti­on Center (BCCCenter), centro de estocagem ali inaugurado em abril último com investimento de US$ 600 mil.

Placas guardadas em grandes refrigeradores: o trabalho pesado fica a cargo do robô

Bactérias hospedeiras - Criado nos moldes do American Type Culture Collection (ATCC) e do Image Con­sortium, dos Estados Unidos, o BCCCenter confirma a posição bra­sileira na elite da biotecnologia. "Corríamos o risco de ver todo o trabalho realizado nos últimos qua­tro anos se perder de uma hora para

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Com capacidade para 1.612.800 clones, o BCCCenter já guarda em oito freezers um total de 65 mil ge­nes, dos quais 40 mil da cana-de­açúcar. É o maior banco de genes da cana no mundo.

Para obter todos esses genes úni­cos, foi necessário produzir 300 mil clones da cana e outros 200 mil das bactérias fitopatogênicas. "Os genes seqüenciados da planta ou das bac­térias", relata Ferro, "são clonados em um segmento de DNA (ácido desoxirribonucléico, portador do código genético) circular chamado de vetor, que é então introduzido em linhagens da bactéria Escheri­chia coli."

nipulação do material. Ele trabalha por meio de um braço mecânico de pouco mais de 1 metro, instalado numa caixa de vidro de 2 metros quadrados. Dotado de câmara de ví­deo, o robô seleciona digitalmente as colônias que contêm os genes: co­leta o material e consegue dispor 27 mil genes em duplicata numa mem­brana de náilon quadrada- 22,5 por 22,5 centímetros -, o chamado chip de DNA. A vantagem do robô é a ca­pacidade de escolher e pinçar 30 co­lônias de bactérias por minuto, com as agulhas situadas na ponta do bra­ço. Assim, elimina o risco de erro humano e acelera o processo em mais de 100 vezes.

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A partir do trabalho do robô, as amostras são organizadas em micro­placas, cada uma comportando 384 ge­nes, guardadas nos freezers para que as bactérias conservem seu material ge­nético."Apenas num lugar como este temos o acompanhamento da evolu­ção da multiplicação dessas bactérias e de cada processo da fase de clona­gem", comenta o professor Paulo Ar­ruda, da Universidade Estadual de

Campinas (Unicarnp ), coordenador do projeto de seqüenciamento da cana.

Além de estocar, o centro comer­cializará genes para institutos de pes­quisa e empresas. "Para ter acesso aos clones", explica Ferro, "deve-se assi­nar um Termo de Transferência de Material Biológico, com o compro­misso de utilizar o gene ou os genes apenas com a finalidade de pesqui­sa, e de não repassá-los para outro pesquisador. Para o setor privado,

O PROJETO

Laboratório de Estocagem e Distribuição de Clones do Projeto do Genoma da Cana-de-Açúcar

MODALIDADE

Subprojeto do Genoma Cana

COORDENADOR

JESUS APARECIDO FERRO- Unesp de Jaboticabal

INVESTIMENTO

R$ 435.411,47 e US$ 467.553,59

haverá uma negociação à parte, com a participação de um comitê desig­nado pela FAPESP." A solicitação pode ser feita via Internet e o paga­mento por cartão de crédito.

O preço varia. As empresas pri­vadas devem pagar de US$ 30 a US$ 100 por clone- o banco norte-ame­ricano cobra de US$ 32 a US$ 1SO. Os 60 laboratórios da rede brasileira Onsa (Organização para Seqüencia-

Ferro e o robô: BCC visto como embrião

de pólo industrial comparável ao ITA

menta e Análise de Nucleotídeos), criada pela FAPESP, vinham tendo acesso gratuito aos materiais solici­tados. "Pelo menos SOO clones da cana e outros SOO de bactérias já fo­ram distribuídos para integrantes da rede Onsa, que geraram esses clones", informa Ferro. "A partir de agora, esses grupos deverão cobrir o custo de mantenção e distribuição dos clones solicitados, que deverá ser de US$ S por clone. Para outros grupos o custo deverá ser maior, mas ainda abaixo do que será estabe­lecido para o setor privado."

Auto-suficiente - Como a proprieda­de intelectual é da FAPESP, a receita fica no próprio centro, que deve tor­nar-se auto-suficiente em três anos,

com orçamento anual em torno de R$ 200 mil. Além dos clones, serão vendidos os chips de DNA, membra­nas de alta densidade com todos ou quase todos os genes de um organis­mo: no caso, cana-de-açúcar ou bactéria fitopatogênica. Ferro revela que uma multinacional já demons­trou interesse nos genes da cana e negocia a compra deles com a FAPESP. Pesquisadores da Austrália estão interessados em adquirir membranas de alta densidade con­tendo os genes da cana. Nos Estados Unidos, o chip de DNA custa cerca de US$ 2 mil e a expectativa é que esse preço também caia no Brasil.

Interesse industrial- O centro guarda ainda uma cópia de operon - trecho do genoma que controla a expressão de um conjunto de genes em bac­

térias: é de uma bactéria Xylella que produz uma go­ma semelhante à xantana, espessante de alimentos e remédios e lubrificante de broca para exploração de petróleo. A pedido da equi­pe do Genoma Xylella, o centro enviou um clone des­se operon a uma empresa norte-americana que é gran­de produtora da goma xan-tana. A empresa testa o ope­

ron com a bactéria Xanthomonas campestri, a mais usada para produ­zir essa goma, enquanto a equipe brasileira recebeu as linhagens das bactérias e deve fazer os mesmos ex­perimentos, para avaliar se as pro­priedades do operon e da goma re­sultante são de interesse industrial.

"Quanto mais indústrias quise­rem testar, melhor para nós", diz Ar­ruda. A parceria é viável porque o grupo paulista já patenteou o ope­ron nos Estados Unidos. "Se sair ne­gócio, estamos garantidos." Segundo ele, os testes devem terminar até o final do ano e, se positivos, podem fazer a cooperação evoluir para um acordo comercial.

Falta satisfazer a curiosidade do usineiro vizinho. O BCCCenter é a

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segunda parte de um projeto que co­meçou com o seqüenciamento da cana-de-açúcar e da bactéria do amarelinho, praga que causa prejuí­zos anuais de R$ 110 milhões à citri­cultura paulista. Desde 1997, os pro­jetas de seqüenciamento da cana e de bactérias de interesse agrícola consumiram cerca de R$ 40 milhões, que a FAPESP financiou em parceria com instituições privadas, como o Centro de Tecnologia da Copersucar (CTC) e o Fundo de Defesa da Citri­cultura (Fundecitrus).

Genomas e aviões - O interesse dos parceiros por genomas é o mesmo: busca de melhorias para aumentar a produtividade agrícola com novas variedades de plantas, bem como re­duzir custos do combate a pragas e doenças. "A partir da identificação do DNA da planta, podemos saber exatamente quais genes estão en­volvidos na síntese da sacarose da cana, quais são responsáveis pelo crescimento, quais conferem resis­tência a pragas e à seca, entre outros tantos", diz Ferro. "Por isso mesmo, temos de ter cuidado e saber exata­mente nas mãos de quem esses ge­nes estão indo parar." Com os dados em mãos, institutos de pesquisa ou empresas poderão desenvolver varie­dades, para que afinal o usineiro vi­zinho possa beneficiar-se.

''Assim como a instalação do Ins­tituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) em São José dos Campos foi fundamental para a criação da Em­braer, hoje uma das maiores fabrican­tes de aviões do mundo, o centro é testemunha da competência que de­verá propiciar as condições para um maior vigor da indústria da biotec­nologia agrícola': disse José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP, na inauguração do BCCCenter. Os in­vestimentos prosseguem: em 2001 o projeto Genoma receberá mais R$ 30 milhões. Entre as novas pesquisas, está o seqüenciamento da bactéria Schistossoma mansoni, que causa a esquistossomose, e estuda-se o se­qüenciamento do eucalipto. •

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

IMPRENSA

Trabalho reconhecido Joma/The NewYorkTimes destaca a qualidade

começaram a investir': Rohter cita como exemplo a clonagem da bezer­ra Vitória, em março deste ano, um trabalho importante da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), e os programas aeronáu­ticos que levaram à formação da Em­braer, a quarta maior produtora de aviões no mundo. (Veja a reportagem completa em português em http://wat­son.fapesp. br!imprensa/24brasil. htm).

da pesquisa feita no Brasil

Os pesquisadores brasileiros ti­veram uma satisfação rara no

dia 1 o de maio. O caderno de Ciência de The New York Times, o jornal de maior prestígio e influência em todo o mundo, tinha estampada em sua capa um artigo do correspondente Larry Rohter louvando a

Além de The New York Times, uma outra publicação internacional se interessou pela ciência brasileira. A

ciência feita no Brasil. Na reportagem, o jorna-lista afirma que a FA-PESP criou um modelo de pesquisa para os países em desenvolvi­mento e o Brasil tem, pelo menos em genômi­ca, um eficiente sistema de apoio à investigação científica voltado para as necessidades do país.

"Os brasileiros estão fazendo ciência da me­lhor qualidade, compará­vel aos melhores traba­lhos dos maiores centros de seqüenciamento nos Estados Unidos e na Eu­ropa", disse ao jornal Claire Fraser, presidente do Instituto de Pesquisa

Science Times

Brazil Bounding Forward As Genomics Powerhouse

By LARRY ROHTER

SÃO PAULO, Brazil - lt has no laboratories or research teams of its own, only a modest administrative staff working out of a nondescript bullding in a residential neighbor­hood he{t!. But through canny man­agement and careful choices, tbe Re­search Support Foundation o! the State o! São Paulo is rapldly becom­ing a powerhouse in genomlcs and a model for scientific investigation in the thlrd world.

Last July, a BraziUan consortium organized and financed by the foun­dation became the first anywhere to decode the genome of a plant patho­gen, Xylella fastidiosa, an insect­bome bacterium that infests or­anges. A few months later, the foun­dation, known as Fapesp, announced that the consortium had completed

the genetic sequence of a second pest that plagues thls country's thriving fruit export tndustry, Xanthomonas citri, ar citrus canker.

"From the moment we began, our objective has always been the sarne: to work on the frontiers of science while addressing lssues of social ana economic relevance," Dr. José Fer· nando Pérez, the foundation's ~ten­tifíc director, said in an interview here. "The genome project has served that purpose and created an image of leadership for us.''

Indeed, Fapesp's twin successes have not only established its intema­tlonal reputation but also led to lm­portant collaborations, including one wlth a gnoup that is sequenclng human cancer genes, financed in part by the Ludwig Institute in Switz­erland. ln another unusual tum­about, the United States Departmeitt

Continued on Page 2

Genômica em Rockville (TIGR), nos EUA. Rohter lembra que a revista Nature já havia chamado as reali­zações na área de genômica como "uma conquista não só científica co­mo política".

Agricultura[ Research (edição de abril), revista de divulgação científica do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, trouxe artigo com o título Criando uma Rede Global para a Ciência Agrícola. A publicação sa­lienta o acordo entre a FAPESP e o Agricultura! Research Service para os brasileiros seqüenciarem uma cepa da bactéria Xylella fastidiosa que ata­ca as videiras da Califórnia. •

O Times afirma que o sucesso da FAPESP "é apenas um dos vários si­nais de avanço da pesquisa brasileira, na qual tanto o Ministério da Ciência e Tecnologia como o setor privado

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POLÍTICll. CIENTÍf'ICll. E TECNOLÓGICll.

O HIV-1: principal causador da AIOS Hantavírus: transmitido por roedores

INVESTIMENTO

Rede de investigação Laboratórios selecionados receberão US$ 8 milhões para seqüenciar quatro vírus

ARede de Diversidade Genética de Vírus (VGDN, sigla em in­

glês para Virai Genetic Diversity Net­work) está formada. Sua configura­ção inicial vai contar com 18 laboratórios, dez situados na região metropolitana de São Paulo e oito em cidades do interior (veja quadro abaixo). Esses labora-tórios foram seleciona-

dos coordenadores da VGDN. Os la­boratórios vão se incumbir da tarefa de seqüenciar o DNA de amostras de quatro vírus presentes no Estado: HIV-1, principal causador da Aids; HCV, agente transmissor da hepati­te C; Hantavírus, responsável por uma misteriosa e rara síndrome pul­monar; e o vírus respiratório sinci­cial, VRS, que provoca infecções no trato respiratório, principalmente em crianças. O investimento na for­mação e funcionamento da rede é de US$ 8 milhões, distribuídos ao longo de três anos.

OS LABORATÓRIOS DA VGDN

Política de prevenção- Qual a impor­tância desse trabalho? Sem o mapea­mento do código genético de uma quantidade significativa dos vírus que circulam- e infectam- a popu­lação de um determinado lugar, é impossível estabelecer as variedades dominantes dos agentes patológicos nesse local. Conhecer as cepas mais comuns dos vírus presentes no Esta­do permitirá a formulação de uma melhor política epidemiológica de prevenção e tratamento das doenças, além de gerar importante conheci­mento para a pesquisa científica. Ao capacitar laboratórios de várias cida­des de São Paulo a lidar com vírus, a VGDN persegue ainda o objetivo de dotar o Estado de um conjunto de la­boratórios que, no futuro, poderão ser utilizados de forma permanente e corriqueira pela Secretaria de Estado da Saúde.

Três níveis- De acordo com o grau de competência e condições de segu­rança no manuseio de vírus de­monstrados no momento de sua ins­crição, os 18 laboratórios escolhidos foram divididos em três níveis. No L1, o mais básico, foram seleciona­das 12 instituições, que inicialmente estão aptas a trabalhar apenas com os vírus HIV-1 e HCV. No L2, foram agrupados cinco laboratórios, que

estão em condições de li­dar com esse dois agentes

dos entre as 35 propos­tas apresentadas à FAPESP, financiadora do projeto, que abriu em dezembro passado edital convocando ins­tituições interessadas em participar da ini­ciativa. "Conseguimos atrair para a rede cen­tros de pesquisa das principais regiões do Estado. Talvez a única região importante que ficou de fora foi San­tos", diz Eduardo Mas­sad, da Faculdade de Medicina da USP, um

NIVELL1

Alberto José da Silva Duarte

Osvaldo Augusto Brazil Esteves Sant' Anna Instituto Butantan

patológicos mais o VRS. Apenas um centro alcan­çou o estágio mais avança-Faculdade de Medicina da USP

David Jamal Hadad Secretaria de Estado da Saúde

tdimo Garcia de Lima Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto

Fábio Caldas de Mesquita Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo

Fernando Lopes Gonçales Junior Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp

Fia ir José Carrilho Faculdade de Medicina da USP

José Fernando Garcia Medicina Veterinária da Unesp/Araçatuba

José Luiz Caldas Wolff Universidade de Mogi das Cruzes

Leonardo José Richtzenhain Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP

Maria Ines de Moura Campos Pardini Faculdade de Medicina da Unesp/Botucatu

SangWon Han Unifesp

NIVEL L2

Cláudio Sérgio Pannuti Faculdade de Medicina da USP

Eurico de Arruda Neto Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP

João Manuel Grisi Candeias Instituto de Biociências da Unesp/Botucatu

Mirthes Ueda Instituto Adolfo Lutz

Paula Rahai/Eioiza Helena Tajara da Silva Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Unesp/São José do Rio Preto

NIVEL L3

Benedito Antônio Lopes da Fonseca/ Luiz Tadeu Moraes Figueiredo Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP

do do projeto, o L3, estan­do, portanto, capacitado a fazer análises laborato-riais com os quatro vírus. "Como já prevíamos, a rede começa com uma configuração heterogê-nea. Nossa meta é ir, aos poucos, aprimorando o desempenho das unida­des que estão na base da VGDN. Em 2002, quere­mos que todos os labora-tórios estejam no nível L2", diz Eduardo Massad. •

PESQUISA FAPESP · MAIO DE 2001 23

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

INFRA-ESTRUTURA

Pesquisa em crescimento Governo federal cria redes regionais para mapear bactérias e fungos

O governo federal vai investir R$ 26 milhões na instalação de

Redes Regionais do Projeto Genoma Brasileiro. Anunciado em 25 de abril, o programa reúne sete projetas de se­qüenciamento de códi­gos genéticos de micror­ganismos causadores de doenças, como o mal de Chagas, e de bactérias e fungos, responsáveis por pragas como a vas­soura-de-bruxa, que afeta a produção de ca­cau, na Bahia.

Os projetas serão desenvolvidos por 240 pesquisadores das regiões Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste, integrando laboratóri­os de biologia molecular de universi­dades e institutos de pesquisas. Me­tade dos recursos para o programa será bancado pelo Ministério de Ci­ência e Tecnologia e o investimento restante será dividido entre os gover­nos estaduais, universidades e a ini­ciativa privada. "O programa está dentro da perspectiva de ação do Ministério de Ciência e Tecnologia, de expandir o conhecimento e, na área de biotecnologia, foi escolhida a genômica", diz Ana Lúcia Assad, co­ordenadora-geral de Biotecnologia da Secretaria de Políticas e Progra­mas do MCT. Os convênios firma­dos entre o ministério e cada um dos sete grupos de pesquisa terão dura­ção de quatro anos.

O programa tem objetivos seme­lhantes aos do Projeto Genoma Funcional, coordenado pela FA-

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PESP, cuja meta é identificar genes responsáveis pela transmissão de doenças que têm forte impacto na área de saúde e no setor agrícola para, a partir daí, desenvolver novos medicamentos, indicar mecanismos de prevenção e oferecer alternativas para aumentar a produtividade na agricultura.

Com as Redes Regionais, o go­verno federal, na verdade, amplia o Programa Genoma Brasileiro, lan-

çado em dezembro do ano passado, pelo Conselho Nacional de Desen­volvimento Científico e Tecnológico (CNPq), baseado no trabalho arti­culado de 25 laboratórios de biolo­gia molecular de todo o país para o seqüenciamento da bactéria Chro­mobacterium violaceum, encontrada principalmente no Rio Negro, na re­gião Amazônica.

Projetos- Quatro grupos de trabalho desenvolverão projetas na área de sáude. A Rede Genoma do Estado de Minas Gerais fará o mapeamento ge­nético do Schistosoma mansoni, pa­rasita responsável por infecção como a esquistossomose, doença que atin­ge 200 milhões de pessoas em todo o mundo. As pesquisas serão coorde­nadas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).

O Programa Genoma do Nordes­te (ProGeNe) ficará responsável pelo

seqüenciamento de Leishmania cha­gasi, uma das três espécies responsá­veis pela leishmaniose visceral, que afeta países de clima quente e tempe­rado. O projeto será coordenado pela Universidade Federal de Per­nambuco (UFPE).

O Projeto em Rede do Centro­Oeste, coordenado pela Universida­de de Brasília (UnB), fará o estudo funcional e diferencial do Paracocci­dioides brasiliensis, fungo causador da micose endêmica, conhecida co­mo paracoccidioidomicose, comum na América Latina.

No Paraná, as pesquisas serão de­senvolvidas por meio de um consór­cio coordenado pelo Instituto de Bio­logia Molecular do Paraná (IBMP),

N Fundação Oswaldo Cruz ii'

~ (Fiocruz) e Universi-~ dade de Mogi das Cru-

zes, de São Paulo. O objetivo é desenvolver a genômica funcional do Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas, por meio da seleção de novos genes e análise de novos alvos

quimioterápicos. Três grupos de trabalho desen­

volverão pesquisas voltadas para o setor agrícola. A Rede Genômica do Estado da Bahia vai seqüenciar o ge­noma do fungo Crinipellis pernicio­sa, causador da doença vassoura-de­bruxa. O projeto será coordenado pela Universidade Estadual de Cam­pinas (Unicamp).

O Programa de Implantação da Rede Genoma do Estado do Rio de Janeiro, coordenado pela Universi­dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fará o mapeamento do ge­noma da bactéria Gluconacetobac­ter diazotrophicus, fixadora de ni­trogênio.

O Programa Genoma do Estado do Paraná realizará o estudo do ge­noma estrutural e funcional da Her­baspirillum seropediae, bactéria fi­xadora de nitrogênio endofítica. O projeto será coordenado pela Univer­sidade Federal do Paraná (UFPR) . •

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POLÍTICA CIENTÍf'ICA E TECNOLÓGICA

Empresas de al ta tecnologia se instalam em área de patrimônio histórico

INFORMÁTICA

O novo Recife Antigo Pernambuco começa a investir R$ 33 milhões na construção do Porto Digital

Oprojeto do Porto Digital co­meça a sair do papel e mudar

o cenário do Recife Antigo, à beira do rio Capibaribe, bairro que deu ori­gem à cidade, há 464 anos. Armazéns antigos e sobrados coloniais da zona portuária, no passado prostíbulos, estão sendo ocupados por empresas de informática e telecomunicações. Cerca de 250 delas deverão instalar­se no bairro até 2005, movimentan­do R$ 400 milhões.

O projeto, lançado no ano passa­do, receberá do Estado de Pernambu­co investimentos da ordem de R$ 33 milhões, obtidos com a privatização da Companhia Energética de Per­nambuco (Celpe), a antiga estatal de energia elétrica. Desse total, R$ 23 mi­lhões estão sendo aplicados na reur­banização do bairro. Outros R$ 1 O milhões financiarão empresas. O go-

vemo já depositou R$ 5 milhões no Fundo de Capital de Risco, que come­çará a operar em agosto e que deverá ter outros R$ 5 milhões de parceiros privados, como o Banco Interameri­cano de Desenvolvimento (BID) e Financiadora de Estudos e Projetas (Finep ). Mais R$ 10 milhões alimen­tarão o Fundo de Capital Humano, destinado a formar recursos huma­nos e importar pesos pesados da informática para os quadros das em­presas. "Não somos um pólo tecno­lógico comum, mas uma plataforma de negócios': explica Cláudio Mari­nho, secretário de Ciência e Tecnolo­gia de Pernambuco, idealizador do projeto.

O setor de informática faturou R$ 300 milhões no ano passado, em Per­nambuco, crescendo 8%. Somando­se o setor de telecomunicações, o mercado total gira em torno de R$ 1,3 bilhão. Isso representa mais de 60% do PIB agropecuário, atividade econômica mais tradicional da re­gião. O fôlego vem das universidades, criadoras de talentos. Oito delas for-

mam cerca de mil alunos em compu­tação, todos os anos. Uma das mais conceituadas do País, o Centro de In­formática da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) tem 50 douto­res e 300 alunos cursando pós-gra­duação. Até bem pouco tempo atrás, o destino dessa mão-de-obra eram empresas do Centro-Sul e até do ex­terior, como a sede da Microsoft nos Estados Unidos, freqüente recruta­dora de profissionais pernambuca­nos. Criado há cinco anos, o Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife ( Cesar) inverteu o êxodo, ao identificar parceiros comerciais e de­senvolver tecnologias capazes de con­figurar bons e lucrativos negócios.

Já maduro, atualmente com mais nove projetas prestes a chegar ao mercado, o Cesar é um dos propulso­res do Porto Digital. Toda a sua es­trutura administrativa e operacional está sendo transferida para um so­brado do século 19, no Recife Antigo. O atual prédio da Capitania dos Por­tos, da Marinha, será ocupado pelos laboratórios de pesquisa e pós-gra­duação do Centro de Informática da UFPE. O Softex, incubadora de 34 pequenas empresas de software vol­tadas para exportação, será transfe­rido para as instalações de uma an­tiga indústria gráfica, ao custo de R$ 6 milhões. Os armazéns do Porto do Recife estão sendo adaptados para receber o Centro de Negócios e Tecnologia da Informação, uma es­pécie de shopping center digital com mais de 30 empresas.

A idéia é criar um espaço de con­vivência entre patrimônio histórico e tecnologia moderna. Cerca de R$ 19 milhões foram investidos, nos últi­mos anos, na revitalização do bairro e na urbanização da favela do Rato, que cresceu nas ruínas portuárias.

Em cinco anos, o número de pes­soas que trabalham no bairro deve­rá aumentar de 11 mil para 16 mil, atraindo restaurantes, hotéis e ou­tros serviços de apoio. Até o próxi­mo ano, 100 empresas tecnológicas já deverão estar funcionando no Re­cife Antigo. •

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CIÊNCIA

Perigo no posto de gasolina Sabia-se que a natureza do trabalho dos funcio­nários de postos de ga­solina os expõe a todo momento a produtos tóxicos. Agora, um es­tudo recente mostrou que essa exposição é agravada pelo compor­tamento dos próprios frentistas. Trabalho de um grupo de biólogas da Universidade Fede­ral de Pelotas (UFPel), no Rio Grande do Sul, realizado com 30 fun- Frentista no trabalho: sem proteção

portamento dos funcionários acaba por expô-los ainda mais às substâncias nocivas", afirma. •

• Novo diagnóstico para câncer de boca

Os médicos costumam aler­tar para as manchas brancas que aparecem no interior da boca - podem ser um sinal de câncer. Mas, precisamente, quando? Um grupo de pes­quisadores da Universidade

de Oslo - a maior e mais an­tiga instituição de ensino su­perior da Noruega, criada em 1811- descobriu como diag­nosticar o câncer de boca, que afeta cerca de 300 mil pessoas no mundo, por meio da simples contagem do nú­mero de cromossomas das células dessas manchas, cha­madas leucoplaquia e antes extraídas, por precaução. Se há 46 cromossomas, como na maioria das células humanas, é improvável o surgimento de câncer. Se há o dobro - ou o total não pode ser dividido por 23, o número de cromos­sos herdados de cada pai -, o câncer é mais provável. Para chegar a essas conclusões, publicadas no New England Journal of Medicine, Jon Sudbo, de Oslo, acompanhou durante quase nove anos 150 pacientes com manchas brancas cujas células mostra­vam formação e organização anormais, uma forte indi­cação de desenvolvimento de câncer. No outro grupo, de 103 pacientes com 46 cro-

mossamos nas células das manchas brancas, apenas três desenvolveram câncer, que surgiu também em todos os 20 pacientes com 92 cromos­somos. Ainda não é a prova dos nove: três em cada cinco pacientes com câncer na boca têm 46 cromossomas. Outros testes genéticos em anda­mento indicam que o câncer pode surgir também pela perda de um gene das células das manchinhas - e quanto maior a perda, maior o risco de surgirem problemas. •

• Australianos criam o menor cromossoma

Uma equipe do Murdoch Children's Research Institute, na Austrália, criou cromos­somos artificiais com cerca de um centésimo do tama­nho médio de um cromosso­ma humano. É o menor e mais estável já produzido até agora, segundo a revista da Academia Nacional de Ciên­cias dos Estados Unidos (www.pnas.org). Uma das a­plicações possíveis é usá-lo para transportar genes para dentro de células. •

cionários de postos de abastecimento de gasolina, diesel e álcool da cidade, indi­cou que todos eles têm ano­malias no núcleo das células, provocadas por substâncias como benzeno (presente nos combustíveis) e pela absor­ção de gases produzidos pela combustão dos motores. Ci­belem Iribarrem Benites, Li­lian Amado e Rita Vianna analisaram células de três grupos de frentistas: homens de 20 a 30 anos, de 31 a 45 anos e mulheres de 20 a 30 anos. "Em todos houve au­mento da freqüência de mi­cronúcleos (teste indicador de genotoxicidade, isto é, per­da de material genético da cé­lula) em comparação com outras pessoas que não traba­lhavam expostas a esses agen­tes", diz Cibelem. A genotoxi­cidade é responsável por diversas doenças, câncer en­tre elas. A situação dos fren­tistas é agravada pelo fato de eles normalmente não usa­rem máscaras nem luvas de proteção por não possuírem o equipamento ou por consi­derá-lo incômodo. "O com-

Uma visão brasileira da Lua

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Pela primeira vez, é publi­cado um mapa "correto" da Lua no Brasil. "O que achamos que seja o norte da Lua, na parte de cima dela, é, na verdade, o sul do satélite", explica o autor de Mapa da Lua, a Irmã da Terra (Editora Janajacy, Rio), o astrônomo do Observatório Nacional e escritor de literatura in­fanta -juvenil Marcomede Mapa lunar: olhar do sul

Rangel. "São vtsoes dife­rentes, isto é, para nós, a Lua aparece de cabeça para baixo." Isso ocorre porque tudo o que se faz em astronomia refere-se, na maior parte das vezes, ao Hemisfério Norte. O mapa é também o primei­ro a mostrar a cratera San­tos Dumont, nome dado em 1976 pela UniãoAstro­nômica Internacional. •

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Pastagens avançam e degradam o Rio

Um boi aqui, outro ali. Hoje, as pastagens cobrem quase a metade do Estado do Rio de Janeiro. Incluin­do a área agrícola, cidades e capoeiras - vegetação se­cundária, que cresce em pastos abandonados ou florestas devastadas -, o espaço modificado pela ação humana atinge 73,6% do território flumi­nense, de acordo com o Índice de Qualidade de Vida (IQM) - Verde, do Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro (Cide). "O Rio tornou-se um mar de pastagens': co­menta Waldir Rugiero Pe­res, diretor técnico do Cide. Outro problema é que a produtividade do campo é muito baixa, aquém das necessidades da população do Estado. O cenário é ainda mais de­sanimador nos 13 municí-

• Cidade no Peru tem 4.600 anos

Na América como no Egito, havia um povo desenvolvido que construía metrópoles com casas grandiosas e estru­turas semelhantes às pirâmi­des. Os restos da cidade de Caral, descobertos em 1905 a apenas 200 quilômetros de Lima, capital do Peru, come­çaram a ser estudados para valer há alguns anos. Pesqui­sadores da Northern Illinois University, do Field Museum, de Chicago, ambos dos Esta­dos Unidos, e da Universida­de San Marcos, em Lima, usaram a técnica de carbono 14 para determinar a idade das fibras de junco, planta da qual eram feitas as bolsas uti­lizadas pelos trabalhadores

Noroeste do Rio: baixa produtividade e abandono

pios da região Noroeste, na divisa entre Minas Ge­rais e Espírito Santo. Ali, as pastagens cobrem cerca de 90% da terra. As matas na­turais foram removidas ainda no século 19 para se plantar café, que deu lugar ao gado. "A Noroeste é hoje a região mais seca do Rio': diz Peres. Para com­bater o desmatamento e as pastagens improdutivas, o IQM-Verde aponta 21 mil

para carregar material de construção. O junco se reno­va anualmente e pode ser da­tado de forma precisa, de acordo com os especialistas. Caral existiu há 4.600 anos e teve seu auge em 2627 a.C. muito antes das grandes civi­lizações da América, como a

possibilidades de corredo­res ecológicos, trechos de mata ligando os remanes­centes de vegetação natu­ral. Se implantados inte­gralmente, custariam R$ 260 milhões. Mas apenas dois quintos seriam de fato indispensáveis. "Bas­taria não queimar, não desmatar e evitar fazer pastos para recuperar ave­getação nativa, por se tra­tar de uma região úmida:~

maia (século 4), a inca (sécu­lo 13) e a asteca (século 15). A cidade tinha uma praça cen­tral, com seis cónstruções ao redor. "Acredito que Caral só perdia em grandiosidade pa­ra cidades do antigo Egito", disse o pesquisador Jonathan Hassa, do Field Museum. •

Ruínas de Cara I: as estruturas indicam planejamento cQmplexo

• As mil utilidades desconhecidas do açaí

O açaí (Euterpe oleracea) vem se revelando uma planta cheia de qualidades. Além de seus efeitos antioxidantes e antimicrobiano, essa palmei­ra típica de solos alagados e várzeas do Pará, Amazonas, Maranhão e Amapá mata o caramujo Biomphalaria gra­blata, o hospedeiro interme­diário da esquistossomose. A conclusão faz parte de um estudo de Gracilene Barros

Açaí: cheio de qualidades

dos Santos, mestranda em Ciências Farmacêuticas na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Sua pesqui­sa também comprovou que sucos e preparados industria­lizados à base de polpa con­gelada perdem a similaridade química existente no fruto fresco. Outro estudo, coorde­nado pela botânica da Uni­versidade de Brasília Maria Elisa Ribeiro Calbo, indicou que o açaí, mesmo adaptado a alagados, possui mecanismos que lhe permitem sobreviver sob um estresse hídrico mo­derado- até 61 dias sem nen­huma irrigação. A recupera­ção também é rápida: um dia depois da volta de água os processos químicos s e remt­ciam e, após 14 dias, reto­mam os valores normais. •

PESQUISA FAPESP • MAIODE2001 • 27

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CAPA

elaborados a partir do núcleo atômico para o movimen­to sincronizado de átomos e moléculas. Nesse campo mais amplo, centram a atenção em dois objetos de enor­me interesse científico e tecnológico: as moléculas cha­madas buckyballs (estruturas geodésicas perfeitas forma­das por 60 átomos de carbono) e os condensados de Base-Einstein (gases atômicos resfriados até perto do zero absoluto).

nde façanha da equipe até o momento foi aduzir uma teoria que abrange tanto o balé mples das partículas nucleares durante sua excitação coletiva como a movimentação caótica que se instala a seguir. A capacidade

de lidar com o caos é a principal diferença entre a nova abordagem e o velho modelo explicativo (ver quadro), que só funcionou bem enquanto a energia que produz os movimentos coordenados de prótons e nêutrons limi­tou-se a seu valor mínimo, que corresponde a 1 quan­tum. Conceito criado no início do século 20 para descre­ver os movimentos oscilatórias, em micro e macroescala, o quantum é uma medida de energia que depende da fre­qüência da oscilação do movimento.

Há pesquisas no patamar energético de 1 quantum desde os anos 50, quando os físicos do projeto ainda es­tavam nos bancos escolares. Até que, no início da década de 90, uma equipe do acelerador de partículas da Gesells­chaft für Schwerionenforschung, ou Sociedade de Pes­quisa de Íons Pesados (GSI), de Darmstadt, Alemanha, conseguiu gerar excitações coletivas com 2 quanta de energia. Foi aí que a antiga teoria capotou.

Para produzir a excitação coletiva num acelerador de partículas, é preciso acelerar feixes de núcleos e depois fazê-los colidir. O poderoso campo eletromagnético ge­rado pela aproximação dos núcleos atua então sobre os componentes nucleares. "Os fótons (partículas portado-

A teoria, desde os

• ant1gos

A noção de átomo remonta às mais anti­gas escolas filosóficas indianas: o sistema Vai­sesíka- nome deriva­do do sânscrito vise­sas, "individualidade atômica" - postulou sua existência há não menos que 2.800 anos e, muito provavelmen­

Há pelo menos três milênios o homem vai avançando na tentativa de desvendar o microcosmo da matéria

te, herdou esse concei- Origem: da Índia a Demócrito

A noção grega de átomo, como fração mínima e indivisível da matéria, passou por radical transformação em 1897, com a desco­berta experimental do elétron pelo físico in­glês Joseph John Thom­son (1856-1940). Com base nesse achado e no fato de os átomos serem eletricamente

30 · MAIO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

to de um passado ain­da mais remoto. Nós o recebemos de Leucipo e seu discípulo Demócrito, filósofos gregos do século 5 a.C.

neutros, Thomson supôs que conti­vessem um segundo ingrediente, para contrabalançar a carga dos elétrons.

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no estado fundamental.

Daí nasceu seu mode­lo do átomo como um pudim de passas: uma carga positiva, distri­buída uniformemen­te, formaria a massa do pudim, enquanto os elétrons, salpicados aqui e ali, seriam as passas. Um modelo sa­boroso, mas que não

. .

resistiu à observação. Thomson: elétron descoberto

alfa (que hoje sabe­mos formadas por dois prótons e dois nêu­trons) acabavam de ser descobertas e Ruther­ford resolveu usar esses minúsculos projéteis, liberados em proces­sos radioativos, para investigar a intimida­de do átomo. Bombar­deando uma finíssi­ma folha de ouro com

Bombardeio - Ela foi realizada pelo neozelandês Ernest Rutherford (1871-1937) em 1910. As partículas

um feixe de partículas alfa, verificou que a maioria dos corpúsculos atra­vessava a folha praticamente sem se

. . .

desviar, ao passo que uns poucos eram violentamente rebatidos.

Concluiu que os átomos da folha se estruturavam como diminutos sis­temas planetários. A maior parte de seu espaço interior era vazia, atraves­sada sem problemas pelas partículas alfa. A carga positiva se concentrava num núcleo central, responsável pelo rebatimento de parte dos corpúscu­los. Separados da carga positiva pelo vazio, os elétrons giravam ao redor do núcleo, como planetas em torno de uma estrela.

Compatível com os dados experi­mentais e fácil de ser representado

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CAPA

ras do campo eletromagnético) se acoplam aos pró tons (partículas de carga elétrica positiva), deslocando-os co­letivamente para o mesmo lado. E os nêutrons compen­sam esse deslocamento movendo-se para o lado oposto, de modo a conservar uma importante grandeza física, o momento ou quantidade de movimento", diz Hussein. Prótons para cá, nêutrons para lá, os corpúsculos execu­tam seu balé sincronizado.

s experimentadores da GSI alcançaram o platô de 2 quanta, a etapa seguinte do mo­vimento coordenado, imprimindo a nú­cleos muito pesados - chumbo, estanho, xenônio, ouro, urânio - uma aceleração

extremamente elevada: 900 milhões de elétron-volts (MeV) por partícula (essa é a unidade de energia empre­gada em Física Nuclear: a massa do próton ou do nêutron é de aproximadamente 1.000 Me V).

Realizado num aparato chamado Land (Large Angle Neutron Detector), que fica no final do acelerador de par­tículas do GSI, o experimento ocorreu exatamente como era previsto, do ponto de vista qualitativo. Quando se to­maram as medidas quantitativas, porém, verificou-se que as contas não batiam com as estimativas teóricas basea­das no velho modelo atômico. Toledo Piza explica por quê: "Decorre do fato de esse tipo de excitação ser um fe­nômeno extremamente fugaz. As partículas nucleares vi­bram apenas duas ou três vezes em conjunto. Depois, a energia se dissipa, produzindo movimentos caóticos. E o pecado da antiga teoria era não saber lidar com esse in­grediente ruidoso':

Quando o aporte energético ficava na marca de 1 quantum, isso não tinha maiores conseqüências, porque os analistas fechavam o foco nas duas ou três vibrações coletivas e o que vinha depois já não fazia parte da ques­tão: era como um resíduo descartável. Quando a equipe

da GSI conquistou o patamar dos 2 quanta, tornou-se impossível escamotear a complexidade do problema.

Ruídos no caminho - Esse era o estado da arte quando a equipe brasileira entrou em cena. Estudando a fundo, os físicos perceberam que os sistemas de partículas nucleares não respondiam aos saltos de energia tão simplesmente como supunha o modelo anterior. "Prótons e nêutrons", revela Hussein, "não evoluíam do estado fundamental que caracteriza os núcleos encontrados na natureza para o estado excitado de 1 quantum e, daí, ordenadamente, para o estado de 2 quanta. Havia ruídos no meio do ca­minho. E o efeito desses ruídos precisava ser computado. Porque o segundo quantum de energia excitava partícu­las já dotadas do movimento caótico produzido pela dis­sipação do primeiro".

Em outras palavras, aquilo que nos velhos experimen­tos de 1 quantum podia ser tratado como resíduo descar­tável agora fazia diferença. Com recursos matemáticos sofisticados, os pesquisadores brasileiros trataram de cons­truir uma teoria completa, capaz de acomodar tanto as oscilações coletivas como os movimentos caóticos.

A tarefa foi bem-sucedida, a ponto de agora os pes­quisadores alemães da GSI colaborarem ativamente com o time da USP, ao mesmo tempo em que se preparam para um vôo experimental mais alto: o estudo de excita­ções ao nível de 3 quanta. "Não é uma tarefa fácil", ante­cipa Thomas Aumann, um dos pesquisadores da GSI que trabalha em colaboração com os físicos da USP. Quanto maior o patamar de energia, mais rápido e ruidoso se tor­na o processo, o que exige dos experimentadores grande perícia e uma aparelhagem muito especial.

"O modelo da USP pode prever o estado de 3 quanta, e pessoalmente eu acredito que uma vibração de três fô­nons deveria m.esmo existir", comenta Aumann. O fônon equivale ao quantum, a unidade de energia da física

graficamente, o modelo de Ruther­ford tinha ainda a virtude de trazer aos espíritos a reconfortante idéia de que um mesmo padrão de organiza­ção se reproduzia nas estruturas do universo, do microcosmo ao macro­cosmo. Apresentava, porém, um im­portante defeito.

Segundo a física clássica, cargas em movimento emitem radiação ele­tromagnética e, ao fazê-lo, perdem energia. Ou seja, os elétrons em trân­sito deveriam ter sua velocidade con­tinuamente diminuída e, por isso, descrever órbitas cada vez menores. Numa fração de segundo, eles se cho-

cariam contra os nú­cleos, não sobraria nenhum átomo no universo, nem estarí­amos aqui para con­tar a história. Mentes conservadoras des­cartariam o modelo, em nome das boas leis da física. Não foi o que fez o jovem físi­co dinamarquês Niels Bohr (1885-1962),

Rutherford: modelo criado

Salto quântico - Num lance de gênio, Bohr incorporou ao mode­lo planetário de Ru­therford o conceito quântico de energia, formulado no início do século por Max Planck (1858-1947). Por esse conceito, a energia não é um flu i­do contínuo, como pensara a física clássi­fluxo descontínuo de

32 • MAIO DE 2(101 • PESQUISA FAPESP

que, em 1912, juntou-se à equipe de Rutherford na Universidade de Cambridge.

ca, mas un1 "grãos'~ quantidades mínimas não [racionáveis chamadas quanta (plural

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quântica. "Como físico experimental, porém, prefiro ob­servar essa situação e comparar com a teoria da USP."

Na faixa dos 2 quanta, todos os elementos pesquisa­dos se enquadraram perfeitamente na teoria da equipe da USP, exceto o xenônio, que- sabe-se lá por quê- parece resistir a qualquer norma teórica. "Acreditamos que isso se deva mais a alguma peculiaridade ainda desconhecida do núcleo do elemento do que a eventuais deficiências do novo modelo", pondera Porto Pato.

Novo projeto - O grupo está na verdade confiante na universalidade da nova teoria e, concluído o primeiro projeto temático, iniciou o segundo, visando estender os mesmos conceitos para outras coletividades de corpúsculos- os buckyballs e os condensados de Base­Einstein.

Segundo o físico indiano Jagadis Chandra Bose (1858-1937) e o alemão naturalizado norte-americano Albert Einstein (1879-1955), em temperaturas próximas do zero absoluto, os átomos que compõem determinado tipo de gás se condensam e passam todos a ocupar o estado quântico de menor energia, mais estável, no qual permanecem prati­camente parados. Esses condensados foram obtidos recen­temente por um grupo de físicos franceses, alemães e italia­nos, que noticiaram o fato na revista Science de 20 de abril.

Os pesquisadores da USP estudam a possibilidade de criar condensados híbridos, nos quais pares de átomos se convertem em moléculas e vice-versa. "Nesse caso, poderia haver uma oscilação coletiva, de átomos contra moléculas, análoga à que ocorre entre os componentes do núcleo", diz Toledo Piza. "O interessante", acrescenta, "é que esses sistemas pode~ ser muito grandes- com SOO mil átomos

latino de quantum). O próprio Planck não levava essa idéia mui­to a sério e só a utiliza­ra como artifício ma­temático. Mas Bohr agarrou-se a ela e, de­pois de meses de cál­culos, produziu o pri­meiro modelo quân­tico do átomo. Nele,

~ bitas estacionárias pa­< ra outra. Esse "salto

quântico" é um dos aspectos mais revolu­cionários do novo mo­delo: sem passar pelo "espaço intermediá­rio", o elétron sim­plesmente desaparece de sua órbita original para aparecer instan-

chamados isótopos. A existência de­les sugeria que, além de partículas negativas ( elétrons) e positivas (prótons), os átomos deviam conter um terceiro tipo de corpúsculo, neu­tro, porém maciço. Rutherford cha­mou essa partícula de nêutron, mas sua existência só foi demonstrada ex­perimentalmente pelo inglês James Chadwick (1891-1974), em 1932. Com massa relativamente próxima à do próton, o nêutron compõe com ele o núcleo atômico.

há órbitas precisas nas Planck: cria teoria quântica taneamente na outra. quais o elétron se mo­ve sem emitir radiação. A troca de energia com o meio só ocorre quan­do o elétron "salta" de uma dessas ór-

Em 1913, Thom-son descobriu que um elemento quí­mico podia ter átomos com a mesma carga elétrica e massas diferentes,

lnteração forte - Sabemos hoje que o núcleo é 1 O mil a 100 mil vezes me-

PESQUISA FAPESP · MAIO DE 2001 • 33

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CAPA

e alcançando o tamanho de 1 mícron, por exemplo- e, ainda assim, exibir com­portamento quântico': Ou seja, comportamento de partículas subatômicas.

A descrição desse fe­nômeno é ainda mais complexa que a das oscila­ções nucleares, porque, en­quanto no núcleo o núme­ro de prótons e nêutrons permanece constante, nos condensados híbridos há uma variação permanente da quantidade de átomos

Porto Pato (esq.), Piza e Hussein: capacidade de lida r com o caos

!e a um forte empurrão na física experimental desenvol­vida no país. Para entender o que são esses núcleos, vale considerar o caso do lítio. Os núcleos do lítio encon­trado na natureza são cons­tituídos por três prótons e quatro nêutrons. Por isso, esse elemento é conhecido como lítio 7, o número de suas partículas nucleares. Mas, pela fragmentação do oxigênio, é possível fabri­car um lítio 11, com qua­tro nêutrons a mais.

e moléculas, já que uns se convertem nos outros. "Estamos interessados também em estabelecer um

vínculo com os físicos experimentais da USP em São Car­los, coordenados pelo professor Vanderlei Bagnato, que vêm procurando produzir condensados de átomos de dois elementos diferentes - rubídio e sódio", diz Hussein.

As perspectivas de aplicação tecnológica dessas inves­tigações são muito promissoras. O estudo de átomos frios

Núcleo estranho - O novo núcleo tem características es­tranhas. A começar pelo tamanho: apesar de formado por apenas 11 partículas, ele é enorme, quase tão grande quanto o do chumbo, composto por 82 prótons e 126 nêutrons. "Isso se deve a um efeito quântico que faz com que, dos quatro nêutrons adicionais, apenas dois fiquem confinados no pequeno espaço ocupado pelas sete partícu-

já levou, por exemplo, a um aperfei­çoamento enorme nas medições do tempo. Graças a ele, a precisão com que se determina o tempo hoje é de 1 para 100 quatrilhões (o número 1 seguido de 17 zeros), o que equiva­le a cometer um erro de 5 segundos na idade do universo.

A preocupação em municiar o trabalho experimental é constante. A segunda parte da pesquisa, dedi­cada aos núcleos exóticos, já equiva-

O PROJETO

Física Nuclear Teórica

MODALIDADE

Projeto temático

COORDENADOR

MAHIR SALEH HUSSEIN- Instituto de Física da USP

INVESTIMENTO

R$ 26.730,00

~ ocorre, porém. Eles ~ dispõem, na verdade, 1! de espaço suficiente ~ ~ para desenvolver ve-~ locidades da ordem

de 30 mil quilôme­tros por segund

nor do que o átomo. Dependendo do nú­mero de partículas que contém, seu diâ­metro médio oscila entre o quatrilhoné­simo e o centésimo trilhonésimo de metro (l0-15 a 10-14 m). Ovo­lume decorrente é tão exíguo que nos pode levar à falsa idéia de Bohr: quantum incorporado

um décimo da veloci­dade da luz. E, como acontece com o pró­prio átomo, distribu­em-se num a estrutu­ra em camadas que é que prótons e nêu-

trons estariam simplesmente espre­midos em seu interior, incapazes do menor movimento. Não é o que

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regida por princípios quânticos. Seu confinamento numa região tão pe­quena se deve à chamada interação

las do núcleo básico. Os outros dois passam a se movei em volta desse caro­ço de nove partículas, num halo relati­vamente distante do centro", explica Porto Pato. Daí o inchaço do núcleo.

Mas o tamanho não é tudo. Igual­mente extravagante é a dança coletiva dessas partículas quando o núcleo so­fre a ação de um campo eletromagné­tico. No caso, dois modos de vibração que se combinam: os três prótons deslocam-se contra os seis nêutrons

fo rte, que impede que o núcleo se es­tilhace por efeito da repulsão eletro­m agnética entre os prótons. A inten­sidade dessa força é 100 a 1.000 vezes superior à da interação eletromag­nética. Mas seu alcance é extrema­mente limitado: não mais do que um quatrilhonésimo de metro (10·15 m), enquanto a força eletromagnética se propaga indefinidamente.

Essa interação forte, que em seu reduzido âmbito de atuação é a força mais poderosa da natureza- tem ou­tra estranha peculiaridade: passa de atrativa a repulsiva quando as partí­culas se aproximam demais entre si.

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no caroço; e o caroço co­mo um todo desloca-se contra os dois nêutrons do halo. A primeira osci­lação é rápida, típica de um corpo relativamente rígido, e a segunda, lenta, como convém a um siste­ma maciO.

duas partículas alfa ( cons­tituídas por dois prótons e dois nêutrons)", explica Hussein. "No decaimento do boro 8, ocorre suposta­mente a liberação de um neutrino - partícula ele­mentar da mesma catego­ria (léptons) do elétron -de energia alta. Conhe­cendo melhor esse núcleo, talvez possamos explicar por que o número de neu­trinos detectado na Terra é aproximadamente a me­tade do previsto pelo mo­delo padrão da evolução solar."

Por mais intrinca­dos que pareçam, esses movimen­tos compostos são, na verdade,

mais simples que as oscila­ções coletivas produzidas no laboratório da GSI. Porque a vibração suave do caroço contra o halo tem muito pouca energia. "São estados de um quan­tum apenas. De modo que, neles, os movimentos caó­ticos provocados pela dis­sipação da energia tor­

Equipamento Land, junto ao acelerador de partículas da GSI: excitações coletivas com 2 quanta de energia nos anos 90

As aplicações da nova teoria são amplas, mas isso ainda não é tudo. O proje­to já pôs o Brasil em sinto­nia com o padrão interna­cional em física nuclear e atraiu para a USP quatro pós-doutorandos: o inglês

nam-se irrelevantes", comenta Toledo Piza. Como caso particular, as oscilações dos núcleos exóticos puderam ser perfeitamente descritas pela nova teoria, sem que fosse necessário lançar mão de todo o aparato matemático que o modelo contém.

Esse é um estudo especialmente relevante no domí­nio da dinâmica estelar. Um dos objetos de interesse, no caso, é o boro 8, que tem dois nêutrons a menos do que o boro normal. "No Sol, esse núcleo exótico decai, pro­duzindo o berílio 8, que, por sua vez, se desintegra em

providas de estru­tura interna, pró­tons e nêutrons as­semelham-se mais a ínfimos, porém tur­bulentos oceanos. Em cada um deles, três quarks se mo­vem em altíssima velocidade numa nuvem form por

Adam Sargeant, o japonês Manabu Ueda, o russo Oleg Vorov e o chinês naturalizado brasileiro Chi-Yong Lin. Outro desdobramento foi o congresso internacional Col­lective Excitation of Bose and Fermi Systems, coordenado pelos membros da equipe e patrocinado pela FAPESP, em 1998, que teve a participação do físico William Phillips, ganhador do Prêmio Nobel de 1997. Com esses antece­dentes, é compreensível a expectativa em torno dos pró­ximos passos do grupo, que agora lança o olhar sobre as coletividades éle átomos e moléculas. •

'3 quarks e antiquarks ~ ~ se materializem e ~

~ ~ ~

desmaterializem in-cessantemente, so­brevivendo só por frações de segundo.

Isso permite que mantenha o nú­cleo coeso e, ao mesmo tempo, evi­ta que prótons e nêutrons se esma­guem uns contra os outros. Os físicos acreditam, aliás, que ela seja responsável pela própria existência dos próto nêutrons, já que man­tém aprisionados em seu interior os corpúsculos ainda menores que os constituem: os quarks, cuja existên­cia foi postulada na década de 1960 pelo norte-americano Murray Gell­Mann (1929-).

glúons, as partículas Chadwick: comprova nêutron

Esse fluxo inin­terrupto já foi com­parado a uma tem­pestade no interior de uma gota - ima­gem que expressa bem o dinamismo

Segundo o modelo padrão vi­gente na física de partículas, longe de serem minúsculas esferas des-

portadoras da inte­ração forte.

Dentro dessa nuvem, flutuações de energia fazem com que pares de

dos mundos atômico e subatômi-co, onde não há lugar para o re-pouso e a permanência.

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CIÊNCIA

ENTREVISTA

SVANTE PAABO

Nós e os macacos Diretor do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionário pesquisa

o que nos torna diferentes do chimpanzé

Um dos diretores do Instituto Max Planck de Antropologia Evo­lucionária, em Leip­zig, Alemanha, Svante

Paabo está entre os mais importan­tes e influentes cientistas da pesquisa genômica. De vocação multidiscipli­nar, durante a graduação esse sueco de 45 anos e maneiras tímidas tam­bém estudou história da ciência, egip­tologia e russo, antes de tornar-se uma referência na área de biologia e genética evolucionária. Alguns de seus trabalhos recentes, que comparam fragmentos do DNA humano ao de outras espécies, produziram grande impacto. Em 1997, estudos de uma equipe sob seu comando comprova­ram, de forma definitiva, que o ser

humano não descende do homem de Neanderthal, espécie de hominí­deo extinta há cerca de 30 mil anos.

Quando esteve no final de mar­ço no Brasil, para participar da Bra­zilian International Genome Confe­rence, Paabo falou sobre pesquisas desenvolvidas no Instituto Max Planck que compararam o DNA humano ao do chimpanzé (Pan tro­glodytes), a espécie animal cujo ma­terial genético mais se assemelha ao do Homo sapiens. Mesmo sem ter em mãos a seqüência completa do genoma desse primata - projeto ainda envolto em incertezas e sem data e financiamento para ficar pronto -, os cientistas estimam que a ordem dos nucleotídeos (bases) presentes nos DNAs do homem e do chimpanzé é idêntica em cerca

de 99% dos casos. Em termos constitutivos, portanto, ape~

O chimpanzé: espécie animal mais próxima

geneticamente do homem

nas 1% do código genético humano parece ser distinto do genoma desse macaco. Para Paabo, no entanto, o que nos torna humanos - e não chimpanzés - não é apenas essa pe­quena fração de DNA não compar­tilhada com os primatas mais pró­ximos de nós. Mas sobretudo a forma única, peculiar ao Homo sa­piens, de usar os genes comuns às duas espécies.

Num experimento conduzido no Instituto Max Planck, o pesqui­sador analisou o padrão de expres­são de 20 mil genes - dois terços de nosso total- no sangue e em tecidos do cérebro e do fígado do homem e do chimpanzé. Diferenças significa­tivas na maneira de utilizar esses ge­nes foram encontradas somente nos tecidos cerebrais. Por isso, o biólogo evolucionário acredita que esse ór­gão seja o depositário dos segredos que nos fazem humanos. Para de­senvolver essa teoria e, eventual­mente, comprová-la, Paabo gostaria que o seqüenciamento do genoma do chimpanzé fosse levado adiante o mais rápido possível. "A lentidão da comunidade científica em apoiar a idéia de um projeto genoma do chimpanzé talvez se explique por um desconforto subconsciente nos­so diante do que pode surgir dessas comparações", diz o pesquisador su­eco, em entrevista exclusiva ao jor­nalista Marcos Pivetta.

• Do ponto de vista genético, não é possível dizer o que nos torna huma­nos e não chimpanzés? -Ainda não. Precisamos seqüen-

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ciar o genoma do chimpanzé, que terá de ser estudado a partir de uma perspectiva funcional, para saber­mos quantos de seus genes são uti­lizados e como são. O ideal seria re­alizar esse tipo de análise durante o processo de desenvolvimento de um chimpanzé, o que talvez não seja possível. Gostaria de estudar a expressão de genes durante o de­senvolvimento do cérebro de um desses animais. É possível que, no final dessas pesquisas a que me re­feri, nunca tenhamos um entendi­mento completo de todo o proces­so que nos torna humanos, mas poderemos ter alguma idéia dos fundamentos desse processo. Pode­remos ter uma noção dos primeiros passos, dos pré-requisitos genéticos que nos fazem diferentes de todas as outras espécies. Não se pode es­quecer, no entanto, que a condição humana, além de depender da car­ga genética, também está ligada a fatores culturais e de socialização. Há muitas coisas que nos tornam humanos: a morfologia, como so­mos do ponto de vista da aparên­cia, a língua e outras habilidades cognitivas que não estão muito bem definidas. Ficarei contente se durante a minha vida uma ou duas dessas coisas forem desvendadas. A primatologia, no entanto, nos mos­tra que muitas das supostas dife­renças absolutas entre o homem e o chimpanzé são, na verdade, distin­ções de gradação.

• Como assim? -Vou dar alguns exemplos. Há al­guns anos, um estudo científico mostrou que grupos vizinhos de chimpanzés, vivendo num mesmo lugar, se alimentavam de formas di­ferentes. Eram todos chimpanzés, comendo a mesma comida (ramos de árvore), mas de maneira distinta. Claramente o que aconteceu nesse local foi o seguinte: algum chimpan­zé inventou uma forma diferente, mais eficiente, de comer, que foi adotada pelos outros membros do

'' As diferenças entre o homem e os grandes macacos

podem revelar os fundamentos genéticos de nossa rápida

evolução cultural e expansão

geográfica ''

grupo e, depois, passada de geração em geração. Algo semelhante acon­tece com os humanos. Num lugar do planeta, 100% usam pauzinhos para comer. Em outro, 100% das pessoas comem com garfo e faca. São casos distintos de evolução cul­tural. É lógico que a evolução huma­na é mais complexa (do que a dos chimpanzés).

• Em que sentido? - Ela muda mais rapidamente. Mas isso mostra que ela não é uma di­ferença absoluta entre as duas es­pécies. O mesmo acontece com a linguagem. Chimpanzés podem aprender muito. Podem pronunciar uma palavra, até juntar duas pala­vras. Mas, ainda que muito treina­dos, eles não vão dominar a nossa linguagem sofisticada. Isso, no en­tanto, não quer dizer que a língua seja uma diferença absoluta entre o homem e o chimpanzé. É nova-· mente mais um tipo de dife­rença de gradação. Esse tipo de coisa você aprende quan­do começa a estudar a fun­do os chimpanzés.

Paabo: cérebro pode esconder as distinções entre as duas espécies

• Hoje, diante de dois fragmentos de DNAs, um de um ser humano e ou­tro de um chimpanzé, é possível di­zer a origem de cada uma dessas se­qüências? -Não é possível. Elas são muito se­melhantes. Sem muita informação sobre as variações desse pedaço de DNA, não é possível dizer se é um homem ou um chimpanzé. Esses dois fragmentos poderiam ser de uma espécie apenas.

• O número de genes dos chimpanzés deve ser semelhante ao dos humanos? -Certamente, o número de genes nos chimpanzés deve ser muito próximo do encontrado nos huma­nos. Pode haver alguns genes dupli­cados ou perdidos. Mas, até agora, todos os 5 mil cDNAs (cópia com­plementar do DNA original) de chimpanzés seqüenciados encon­traram seu correspondente nos cDNAs de humanos.

• Em termos evolutivos, faz alguma diferença o ser humano ter 30 mil ou 60 mil genes? - Acho que não. Quando se di­vulgou a seqüência do genoma hu­mano, foi dito que os 30 mil genes eram um sinal da complexidade de como usamos esses genes. Mas, se

tivéssemos 60 mil genes, isso não quer dizer que não

seríamos complexos.

• Há algum prazo pa­ra terminar o geno­ma do chimpanzé? - Não. Não se sabe ao certo nem quem

PESQUISA FAPESP · MAIO DE 2001 • 37

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fará todo o trabalho. A menos que surja alguém com dinheiro, esse projeto, que deve custar cerca de US$ 60 milhões, demorará anos para ser terminado. Há, no mo­mento, uma iniciativa em curso no Japão sobre o genoma do chimpan­zé. Em breve, deverá haver dinhei­ro, vindo do Japão e da Alemanha, para seqüenciar os cromossomas 22 e 23 do chimpanzé, que corres­pondem aos de número 21 e 22 no homem.

• Por que o senhor diz que o seqüenci­amento do genoma do chimpanzé ca­minha devagar devido a um receio das comparações e conclusões que po­dem surgir disso? - Para quem é um cristão fervo­roso, quem acredita que a criação descrita palavra por palavra na Bí­blia é verdadeira, ver que os chim­panzés são tão próximos de nós é uma conclusão perturbadora. Nos Estados Unidos, isso pode ser um tema importante. As diferenças en­tre o homem e os grandes macacos podem revelar os fundamentos ge­néticos de nossa rápida evolução cultural e expansão geográfica, que começou entre 150 mil e 50 mil anos atrás e levou à nossa atual do­minação autoritária da Terra. A percepção de que um ou alguns acidentes genéticos tornaram a his­tória humana possível vai nos pro­piciar um novo conjunto de inda­gações filosóficas sobre as quats teremos de pensar.

• O estudo comparativo dos genomas do homem e de outras espécies levará então a uma revisão da história de nossa espécie? - Provavelmente, não teremos de reescrevê-la, mas teremos uma es­pécie de história adicional, um tipo de história genômica. Vamos poder dizer como nosso genoma está dis­tribuído no mundo, como somos diferentes de nossos parentes mais próximos no planeta. Vamos ter uma história adicional, diferente das

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fontes escritas e do material arqueo­lógico e paleontológico. É impor­tante ressaltar que a história genéti­ca não é a história da humanidade, mas apenas um aspecto dela.

• Qual será a maior contribuição dos estudos genômicos para essa nova for­ma de história? -Num certo sentido, eles nos da­rão uma forma mais objetiva de olhar nossa história genética. Po­dem produzir bons insights sobre como pensamos nossa espécie. Um exemplo desse tipo de insight é o resultado de trabalhos como o de

'' A lentidão em apoiar um projeto genoma do

chimpanzé talvez se explique por um desconforto

subconsciente nosso diante

do que pode surgir ''

Sérgio Danilo Pena (pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais). Ele mostrou que, apesar de muitos brasileiros se dizerem bran­cos, seu genoma pode ser majorita­riamente de origem africana.

• As pessoas ainda se surpreendem com as origens africanas da huma­nidade? - No fundo, a informação prove­niente do estudo de genomas e da ciência em geral não vai acabar com o racismo ou o preconceito. O melhor que a informação pode fa­zer é não estimular esse tipo de sen­timento e mostrar como são as coi­sas. Acho que é saudável ver que somos todos muito parecidos, que somos uma mistura, que há pouca variação. Isso contribuirá para mostrar que somos todos muito se­melhantes, mas não vai fazer acabar o preconceito. A luta contra o pre­conceito tem mais a ver com políti­cas públicas, com a forma como

você educa as pessoas nas escolas, com o jeito como a imprensa trata desse assunto.

• Entre os seres humanos, o conceito de raça faz sentido? - Ele não faz sentido do ponto de vista científico. Sempre soubemos que a noção de raça nunca fez senti­do. Encontramos as mesmas se­qüências de DNA em todo lugar do mundo. Se você está na Europa e ca­minha para o leste, onde é que as pessoas deixam de ser européias e começam a ser asiáticas? Isso é total­mente arbitrário. Isso é uma questão social. De certa forma, faz sentido trabalhar com o conceito de popula­ções, apesar de a definição de popu­lação negra, por exemplo, também não ser muito clara.

• O senhor não se pergunta, de vez em quando, se toda essa ênfase dada às pesquisas genômicas não é um pouco exagerada? - Claro que há algum exagero, como em tudo. Mas acho que esse ramo de pesquisa representa algo de muito fundamental, pois permite conhecermos a estrutura de cada ge­noma, o local dos genes nos cro­mossomas. É algo fundamental.

• Mas o senhor não acha que alguns pesquisadores se esquecem um pouco da influência das outras ciências no estudo do homem? - Acho que, com o aumento no número de genomas seqüenciados, haverá um retorno à bio!ogia bási­ca. Quero dizer que, quando fala­mos de transcriptoma, de proteoma (o conjunto de proteínas de um or­ganismo), estamos dando passos atrás até a fisiologia. Num certo sentido, quando falamos de proteo­ma estamos falando muito de fisio­logia. Só que hoje as pessoas não usam esse termo. Entender como as proteínas trabalham, como influen­ciam as células e os organismos, isso é fisiologia. A genômica vai per­mear toda a biologia. •

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CIÊNCIA

MEDICINA

Parceria contra câncer Projeto liga lncor à indústria para produzir ''cavalo de Tróia" no combate à doença

Empresários norte-americanos e canadenses criaram uma com­

panhia farmacêutica para produzir e comercializar um invento brasileiro: as partículas LDE (de low density emulsion, ou emulsão de baixa densi­dade), lipoproteínas artificiais que servirão de veículo para medicamen­tos usados no combate ao câncer e reduzirão a toxicidade dessas drogas. A criação é do médico Raul Mara­nhão, professor da Faculdade de Ci­ências Farmacêuticas da Universida­de de São Paulo (USP), diretor do Laboratório de Lípides do Instituto do Coração (ln cor) da USP e agora membro do conselho da empresa, a iCell Therapeutics Corp.

O Incor e seu órgão financiador, a Fundação Zerbini, firmaram um acordo com a iCell pelo qual cedem a patente e, em troca, têm participação acionária e representação na diretoria da iCell, que busca recursos para se estabelecer. José Antônio Ramires, diretor do Incor, esclarece que a patente não foi vendida. "De­positamos a patente como nossa parte do capital e es­tabelecemos um contrato ao fim do qual, caso a empresa não comerciali­ze o produto, podemos .. retomar sua posse." O e

~ acordo, que resultará na :: instalação do Centro de 8

Desenvolvimento Tec­nológico da iCell dentro do Incor, viabiliza a pro­dução e a comercialização mundial das LDE.

Quando começou a desenvolver as LDE, de comportamento semelhan­te ao mau colesterol ou LDL (de low density lipoprotein, lipoproteína de baixa densidade), o objetivo era só criar exames preventivos da ateros­clerose- deposição de material gor­duroso nas artérias.

Os estudos começaram nos anos 80, com alvo no metabolismo do quilomícron (Qm), outra lipopro­teína ligada à aterosclerose. Ao con­trário das frações de colesterol LDL e HDL (high density lipoprotein, li­poproteína de alta densidade), a metabolização do Qm não se mede no sangue: sua concentração varia com a quantidade e a qualidade da gordura consumida, mais a veloci­dade de sua absorção pelo intesti­no. Conclusão: para estudá-la seria preciso acompanhar sua trajetória pelo organismo.

Afinidade com receptores - Então, Maranhão desenvolveu um quilo­mícron artificial. Injetado com um marcador radioativo, seu acompa­nhamento permitiu entender me-

lhor a obstrução das artérias e mos­trou que os portadores de doença coronariana têm maior dificuldade de metabolizar e retirar da circula­ção as partículas lipoprotéicas inge­ridas na alimentação.

Maranhão diz que já houve ten­tativas de estudos semelhantes com LDL, mas pouco avançaram: "Não é permitido injetar hemoderivado de uma pessoa em outra para fins de pesquisa, devido ao risco de trans~ missão de doenças como Aids e he­patite. E a injeção de LDL do próprio paciente, após coleta e preparação do material, exige grande disponibilida­de dos voluntários, o que torna a pesquisa complexa e inviável". As­sim, a partícula artificial poderia ser uma ferramenta para identificar in­divíduos com metabolismo mais lento e estimular a prevenção.

As primeiras experiências com LDE, em ratos, trariam um dado novo que mudaria drasticamente o rumo da pesquisa: a partícula artifi­cial era capaz de ligar-se a receptores das células, e até com mais afinidade do que as partículas naturais.

Maranhão explica que a estrutu­ra da LDE é bem semelhante à da LDL natural: um núcleo concentra­do de colesterol e éster de colesterol, e uma superfície formada por uma só camada de fosfolipídios. Não tem, contudo, apoproteínas, elo entre a partícula lipídica e os receptores ce­lulares - em especial a ApoB-100,

que cobre a LDL natural. Surpre­endentemente, ela não faz falta.

É que, já ao entrar na circula­ção, a LDE começa a atrair e

incorporar apoproteínas, especialmente a ApoE

Anticorpo anti-receptor da LDL (halo marrom) indica a alta concentração de receptores nas células tumorais: quanto mais receptores houver

nas células, maior a entrada das part ícu las de LDE

carregadas com medicamentos (microscopia óptica, 400 vezes)

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2001 • 39

Page 40: Caos e ordem no núcleo do átomo

que, então, se liga ao receptor. "E, como a li­gação é feita de forma cooperativa, no caso da

Mesmo efeito com toxicidade menor

A dose letal de paclitaxel (taxol) associado à LDE

é quase dez vezes maior que a da preparação comercial (dose em miligramas por kg do peso corporal)

Medicamento

LDE-paclitaxel

Paclitaxel comercial 25,0

LDso

324,0

31,8

Superior a 336,0

34.4

ApoB apenas uma mo­lécula liga a partícula ao receptor, enquanto na LDE entre duas e quatro moléculas de ApoE fazem a ligação." • LD10, L0 50 e LDw· dose capaz de produzir 10,50 e 90% de mortes nos grupos de camundongos

antes da cirurgia de ex­tração do tumor. De­pois, comparamos o tecido ovariano nor­mal com o tecido neo­plásico para medir o nível de radiação." En­quanto o tumor benig­no de ovário captou a mesma quantidade de partículas radioativas que o tecido normal, o tecido neoplásico ti­nha dez vezes mais partículas que as célu­las sadias. Em carcino­ma de mama, a LDE concentrou-se quatro vezes mms.

Fonte: Raul Maranhão - lncor/USP Estava descoberta a outra vocação da LDE, que faria o especialista em lipídios e fisiologia enveredar pelo campo da oncologia. Ele já sa­bia que as células de tumores têm até 100 vezes mais receptores de LDL que as células normais, de modo que essa lipoproteína é re­movida muito mais ra­pidamente da circula­ção sanguínea. É por isso que a maioria dos pacientes de câncer tem uma diminuição

Teste de toxicidade: perspectiva de revisão dos atuais tratamentos

Já que a emulsão li­pídica se unia seletiva­mente a células cancerí­genas, supunha-se que as sadias ficassem pro­tegidas dos quimiote­rápicos da emulsão. Foram feitos testes em

significativa nos níveis de colesterol do sangue. Para Maranhão, isso ocorre provavelmente porque a pro­liferação acelerada da célula neoplá­sica (cancerosa) requer maiores quantidades de colesterol e de ou­tros lipídios, necessários à sua mul­tiplicação e à sua sobrevivência.

Cavalo de Tróia - A partir da desco­berta de que a LDE se unia tão facil­mente a receptores celulares, o pes­quisador investiu na hipótese de que ela servisse de veículo para transportar quimioterápicos e atin­gir seletivamente as células neoplá­sicas, como um "cavalo de Tróia". "Esse sempre foi o ideal de todo te­rapeuta: um mecanismo que seleci­onasse as células doentes, preser­vando as sadias."

Não faltam tentativas. Uma das técnicas mais estudadas é a dos lipos­somas, que tendem a concentrar-se em células mais vascularizadas- típi­cas dos tumores. Preparações com li­possomas já transportam agentes an-

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tifúngicos no tratamento de compli­cações infecciosas, sobretudo da Aids. Mas, em relação aos tumores, para Maranhão, o lipossoma ainda é um "balão pré-dirigível':

Ele já testou a LDE em pacientes. Seu estudo publicado em 1994 na revista Cancer Research envolveu 14 pessoas com carcinoma de mama e 22 com tumor de ovário (13 malig­nos e 9 benignos). "Injetamos a emulsão com marcação radioativa

O PROJETO

Lipoproteínas Artificiais na Investigação das Dis/ipidemias e no Tratamento do Câncer

MODALIDADE

Projeto temático

COORDENADOR

RAUL CAVALCANTE MARANHÃO- Instituto do Coração (lncor) da USP

INVESTIMENTO

US$ 364,678 e R$ 150.627,00

ratos, com o quimiote­raptco BCNU (carmustina) . De­pois, avaliaram-se 42 pacientes no Hospital das Clínicas e 20 no Hos­pital Sírio-Libanês, com ajuda do oncologista Antônio Carlos Buzaid. Os voluntários tinham tumores de mama, rim, cólon, ossos e próstata.

Dose triplicada - Verificou-se que, com a LDE, os pacientes toleraram doses de BCNU três vezes superio­res. "A dose máxima que se utiliza normalmente", diz Maranhão, "é de 150 a 200 miligramas por metro quadrado (mg/m2) de superfície cor­pórea, com os efeitos colaterais co­nhecidos - náuseas, queda de cabelo e outros mais drásticos como de­pressão da medula óssea, que leva a transtornos da coagulação e do siste­ma imunológico. Verificamos que até 400 mg/m2 a toxicidade é míni­ma - ou seja, não foram verificados efeitos colaterais significativos. Au­mentamos a dose para até 600 mg/m2 e, ainda assim, houve boa to­lerância". Contudo, ele acha cedo

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Dez anos de luta pela patente Raul Maranhão

não deixou a pa­ciência esgotar-se enquanto percorria os meandros da bu­rocracia para obter a patente de sua in­venção, sem a qual não poderia avan­çar. "Foi uma via­crúcis que começou Maranhão: visão ampla em 1991, quando do processo científico

em 1992, demorou qua­tro anos para sair, após um longo vaivém de do­cumentos. A seu ver, "apesar de competentes e com boa formação na área biomédica': os fun­cionários do escritório de patentes em Nova York não tinham muito conhecimento da área em questão. A maior di­ficuldade foi provar que fizemos as primei-

ras consultas ao INPI" (Instituto Nacional da Propriedade Indus­trial). Na época, o INPI pouco po­dia fazer: ainda não havia uma lei brasileira sobre patentes que regu­lamentasse a produção de medica­mentos, que só seria aprovada em maio de 1996.

Nos Estados Unidos, também não foi fácil. A patente, solicitada

para determinar se a eficácia da dro­ga se altera ou não quando conduzi­da pela LDE, já que, por exemplo, a maioria dos pacientes estudados passara por outros tratamentos: "É difícil avaliar e documentar as res­postas a um tratamento".

A próxima etapa inclui a incor­poração de dois quimioterápicos à LDE: paclitaxel (taxo!) e etoposide. Os testes preliminares são promis­sores: "Por enquanto, as duas dro­gas foram testadas em ratos. O taxol apresentou-se dez vezes menos tó­xico. E com o etoposide a toxicida­de foi 16 vezes menor" (ver tabela).

O projeto temático que Mara­nhão desenvolve até 2003 terá dois grupos: um de transplante cardíaco, outro de lúpus eritematoso sistêmi­co- doença auto-imune que desre­gula o sistema de defesa. Já se cons­tatou que transplantados e pacientes de lúpus mostram grande tendência a desenvolver precocemente a ate­rosclerose. A obstrução das artérias

o invento não era nada parecido com algo já patenteado: "Emulsão pode ser uma infinidade de produ­tos, até creme para ruga".

Com a patente no bolso, Mara­nhão contatou algumas empresas nacionais. As conversas não avan­çaram. "A indústria nacional ainda precisa de incentivos para criar uma tradição no desenvolvimento

coronárias costuma surgir depois do primeiro ano do transplante e é a maior causa de morte dos trans­plantados - o que parece ligado às reações imunológicas pós-cirurgia. Nos pacientes de lúpus, o risco de obstrução coronária é 50 ve:ces maior que o da população geral.

Resultados instigantes- Num projeto encerrado em 1995, Maranhão cons­tatou grave distúrbio metabólico de quilomícron nos pacientes com lú­pus eritematoso sistêmico e trans­plante cardíaco- resultados que rela­tou no ano passado nas revistas Arthritis and Rheumatism e Trans­plantation. No atual projeto, preten­de ver se há alterações de remoção da LDL, tanto nos pacientes de lúpus (em colaboração com Eloísa Bonfá) como nos de transplante.

Alguns resultados instigantes sur­gem de outros testes. Com a colabo­ração de Carmen Cristiano, de sua equipe, e Carlos Eduardo Negrão, do

de produtos far­macêuticos': diz.

A parceria com a iCell resolveu o problema, mas Maranhão ImCla outras batalhas. Uma delas são os estudos clínicos que ainda terão de ser feitos, desta vez fora do Brasil, para a LDE ser aceita no

LDE: registro complicado

exterior. Terá também de rever as técnicas de produção. Hoje, no Incor, a quantidade de LDE sufici­ente para um paciente absorve três a quatro dias de trabalho. "Em mu­tirão, podemos atender até dez pa­cientes numa semana': diz Renato Barboza, técnico do laboratório. É suficiente para a pesquisa, mas não para a produção industrial.

Instituto de Educação Física da USP, Maranhão compara atletas e seden­tários com níveis de LDL normais e equivalentes: "Os atletas tiram LDE da circulação duas vezes mais rápido. Verificou-se também que a velocida­de de remoção da partícula é propor­cional à chamada vo2 máximo - o índice de consumo de oxigênio que avalia a capacidade pulmonar':

Ele espera que, no futuro, qual­quer pessoa se possa beneficiar de um exame preventivo com a LDE, para detectar precocemente distúr­bios metabólicos que não aparecem num simples exame de sangue. "Hoje, o exame de colesterol é como uma foto. Ele diz quantos miligramas de colesterol há em 100 mililitros de sangue num momento específico. No entanto, o colesterol total é reflexo do que entra na circulação, fabricado pelo fígado, e do que sai, entrando na célula pelos receptores. E é esse pro­cesso inteiro que podemos visualizar com a LDE, como num filme." •

PESQUISA FAPESP · MAIODE2001 • 41

Page 42: Caos e ordem no núcleo do átomo

CIÊNCIA

Costuma-se usar chás ou infu­sões da arnica brasileira (Lych­

nophora ericoides) contra coceira, picada de mosquito, cortes, dores e in­flamações. E funciona. Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto decidiram saber por quê - e conseguiram. Encontra­ram três substâncias- dois antiinfla­matórios e um analgésico - com ati­vidade farmacológica comprovada em animais de laboratório ou in vitro, diretamente em proteínas. Descobri­ram também o que cada parte da planta produz: raiz e folhas, mais in­tensamente, produzem substâncias antiinflamatórias, enquanto os anal­gésicos estão apenas na raiz. O caule, pelo que já se viu, não produz subs­tâncias de interesse farmacológico.

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A equipe de Norberto Peporine · Lopes, que coordena esse trabalho, não quer apenas isolar os principias ativos de novos medicamentos. O objetivo é mais amplo: encontrar as melhores condições para o cultivo da planta e a produção de fitoterá­picos com qualidade e custos bai­xos, com a menor quantidade possí­vel de constituintes que possam ter efeitos colaterais. É um percurso que inclui uma revisão nas indica­ções de uso da arnica, que deve ser apenas tópico (externo). "Não reco­mendamos a ingestão em hipótese alguma", alerta Lopes. "Algumas substâncias podem ser tóxicas para o fígado." Segundo ele, ninguém sabe ao certo quais são e o que po­dem fazer as substâncias dos prepa-

rados comerciais feitos com a arni­ca e vendidos como panacéias con­tra picadas de mosquito, batidas ou luxações.

Entre as mais de 50 substâncias já encontradas nos diferentes extra­tos, duas - um antiinflamatório de­rivado do ácido quínico, do tecido interno das folhas, e a lignana cube­bina, com potente atividade analgé­sica, das raízes- exibiram resultados satisfatórios em testes com camun­dongos Swiss. O segundo foi descri­to num artigo da edição de novem­bro-dezembro de 2000 da revista Phytochemistry. Outros antiinflama­tórios, chamados goiasensolido e centraterina, chegaram a um estágio mais avançado: foram testados dire­tamente sobre as proteínas associa-

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das ao processo inflamatório, tam­bém com bons resultados.

Lopes considera o goiasensolido e a centraterina- armazenados princi­palmente na estrutura da folha cha­mada tricoma glandular, uma espécie de pêlo modificado- os mais poten­tes furanoeliandolidos (classe à qual pertencem essas substâncias) inibi­dores do chamado fator NF-kB, o mensageiro celular responsável pelo início da inflamação. Ao impedir que esse fator se ligue ao DNA (ácido de­soxirribonucléico), o NF-kB evita a formação das proteínas iniciadoras da inflamação.

Arnica brasileira (Lychnofora ericoides): arbusto encontrado em serras de

solo seco e rochoso é nativo do país

Mas o goiasensolido e a centrate­rina podem causar reações alérgicas na pele, uma conseqüência indeseja­da também da arnica européia (Ar­nica montana). Por isso, procura-se aperfeiçoar os métodos de extração e purificação. "Já sabemos como se­parar essas substâncias ou, pelo me­nos, como reduzir a concentração dessas lactonas", diz Lopes. "Depois, queremos repassar esses processos para pequenas indústrias, que, aí sim, saberão produzir com qualida­de e saber o que estão vendendo."

Os pesquisadores começaram a trabalhar em 1998. Em campos ru­pestres como as chapadas de Pareeis

(MT), dos Veadeiros (GO) e Dia­mantina (BA) e nas serras do Cipó e da Canastra (MG), fizeram coletas e conversaram com erveiros, raizeiros e curandeiros. Objetivo: informar-se sobre a planta e o preparo dos medi­camentos.

Em campo, verificaram que os erveiros vendem tanto as partes aé­reas - folhas, flores e ramos - como as raízes, todas indicadas como anti­inflamatórios e analgésicos, enquan­to os preparados comerciais se valem unicamente das folhas. Perguntando-se por quê, a equipe da USP decidiu estudar as atividades

terapêuticas de cada parte da planta. Encontraram nas folhas apenas substâncias com atividade antiinfla­matória e nas raízes principalmente a atividade analgésica, embora tam­bém tenham secundariamente pro­priedades antiinflamatórias.

Imigrantes italianos - Lopes conta que há produtos comerciais da arni­ca brasileira feitos por empresas de fundo de quintal, sem registro no Ministério da Saúde nem compro­vação dos constituintes químicos, embora uma série de relatos confir­me seu efeito terapêutico. Já os me­dicamentos homeopáticos são ela­borados com a arnica européia, uma espécie bem estudada e de efeitos comprovados.

A arnica brasileira, exclusiva do país e chamada também de arnica da serra, falsa-arnica ou candeia, come­çou a ser usada no século 18 por imi­grantes italianos, em substituição à variedade européia, aqui inexistente. Pela semelhança do cheiro do óleo essencial, testaram a espécie Lychno­phora ericoides, da mesma família, a Asteraceae: o efeito antiinflamatório era o mesmo.

Em conseqüência, popularizou­se o uso desse arbusto de até dois metros de altura, encontrado em re­giões de campos rupestres ou cerra­dos de altitude, com solo rochoso e pouca umidade. A extração indiscri­minada e a destruição de seus ambi­entes naturais puseram a arnica na condição de planta vulnerável, se­gundo a Sociedade Brasileira de Bo­tânica. Mais uma razão para que Lo­pes decidisse estudá-la.

Cultura de tecidos - Ciente de que a arnica desperta interesse comercial, que pode acelerar sua extração e au­mentar os riscos de extinção, a equi­pe da USP começou a testar a cultu­ra de tecidos da planta, com micropropagação in vitro e técnicas de germinação das sementes. O re­sultado mais importante, obtido em colaboração de Suzelei França e Ana Maria Soares Pereira, da Universida­de de Ribeirão Preto (Unaerp ), foi a obtenção do tecido callus - numa cultura celular desorganizada - que produz o goiasensolido. Pode-se assim obter pelo menos uma das substâncias por processos biotecno­lógicos, sem extrair da planta.

O estudo da germinação da arni­ca indicou algo mais determinante do que o solo: a planta só cresce em interação simbiótica com microrga­nismos de solo, os chamados fungos micorrízicos arbusculares, como de­monstrou o engenheiro agrônomo Marcos Eduardo Paron durante seu doutoramento.

Paron, agora professor da Uni­versidade Federal de São Carlos (UFSCar) em Araras, isolou 21 espé­cies (dos gêneros Glomus, Scutellospo-

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2001 • 43

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ra, Entrophospora, Gigaspora e Acau­lospora) que favorecem o crescimen­to da arnica. "O cultivo comercial da arnica pode depender de estratégias como a inoculação desses fungos': diz ele. Parece relativamente simples fazer a planta crescer em ambientes não­serranos: basta cultivar o fungo em plantas-armadilhas (no caso, o sorgo) em vasos com areia estéril e misturar no solo usado para as mudas.

As conclusões têm implicações práticas: "Concluímos que se pode produzir a arnica em qualquer lugar, não apenas em serra, como se pensa­va, desde que se tenha no solo o tipo de população de fungos de que o ar­busto necessita para fazer a simbio­se", conclui Lopes. Restava saber o período em que a planta contém

O PROJETO

Monitoramento da Biossíntese de Lactonas Sesquiterpênicas nas Partes Aéreas em Cultura de Células de Lychnophora ericoides e Avaliação das Atividades Antiinflamatória e Analgésica

MODALIDADE

Linha regular de auxílio à pesquisa

COORDENADOR

NORBERTO PEPORINE LOPES -

Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP em Ribeirão Preto

INVESTIMENTO

R$ 50.000,00

44 · MAIO DE2001 • PESQUISA FAPESP

ma1s substâncias com atividades analgésicas e antiinflamatórias. Os erveiros dizem que a arnica só está boa pouco antes e pouco depois da floração, quando a folha solta um óleo pegajoso. Será mesmo? Lopes estudou durante um ano uma planta adulta na Serra da Canastra. No final, dito e feito: a produção do antiinfla­matório goiasensolido é maior, de fato, na época citada pelos erveiros.

Lopes era ainda garoto quando come­çou a gostar dos estudos de campo com plantas. Aos 12 anos, acompa­nhava o pai, José Norberto Callegari Lo-

inflamatórios e analgésicos. O plano vai além da arnica. A seu ver, desse tra­balho podem resultar técnicas de con­trole da qualidade e produção de me­dicamentos fitoterápicos de modo geral, não só da arnica.

Patentes - Enquanto isso, prossegue o estudo farmacotécnico, em cola­boração com Newton Lindolfo Pe­reira e Osvaldo de Freitas, também da USP de Ribeirão Preto, que per­mitirá a produção do fitoterápico caso os testes toxicológicos não re­velem efeitos indesejáveis. Também se cuida de uma questão estratégica: o patenteamento dos resultados das pesquisas, vital para se manter em um mercado em crescimento no mundo todo - nos Estados Unidos, os fitoterápicos movimentam cerca de U$ 4 bilhões por ano.

r--'=-------------.~ Atento à realidade, ~ Lopes já patenteou, junto ~

Lopes: arnica cresce em

qualquer solo, com fungos

como o G/omus

pes, que era professor de qmmiCa orgânica na USP de Ribeirão Preto. · Depois de cursar a Faculdade de Ci­ências Farmacêuticas, fez o mestra­do na USP de São Paulo sob a orien­tação de Massayoshi Yoshida no grupo de Otto Gottlieb, um dos papas dessa área. Tcheco naturaliza­do brasileiro, Gottlieb desenvolveu aqui a pesquisa com os lignóides, grupo de compostos químicos ao qual pertencem as substâncias anal­gésicas estudadas em Ribeirão Preto.

Desde março, Lopes está fazendo o pós-doutoramento na Universidade de Cambridge, Inglaterra. Vai traba­lhar com cromatografia líquida aco­plada a espectrometria de massas, uma técnica que, quando voltar, no início do próximo ano, pretende apli­car no estudo da biossíntese dos anti-

g com Yoshida, Massuo 0'1:

ê Kato e Sérgio Albuquer-~ que, o processo de pro­~ ~ dução de duas neoligna-< nas, extraídas da virola

(Viro la surinnamesis), que são 50 vezes mais ati­vas que a violeta de gen­ciana, um produto co­mercial utilizado na

profilaxia da doença de Chagas. Lopes dá grande importância à

patente: lembra que certas plantas nativas brasileiras- como a espinhei­ra-santa (Maytenus ilicifolia), indica­da no tratamento de úlcera - foram transformadas em medicamentos patenteados por estrangeiros, esti­mulados até por trabalhos publica­dos por brasileiros: "Se não regula­mentarmos nossa condição de pesquisa, teremos que pagar royalties a outros países para poder vender um material que é nosso de origem': Ele considera fundamental o paten­teamento do fitoterápico nativo tam­bém por ser um medicamento eficaz e barato, que beneficiará principal­mente pessoas que normalmente não compram os medicamentos alopatas devido aos preços altos. •

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EDITAL PARA APRESENTAÇÃO DE PROJETOS DE PESQUISA

cfff Inovação Tecnológica

PEQUENAS EMPRESAS A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo- FAPESP, por meio do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas -PIPE, financia projetas de pesquisa destinados à inovação tecnológica de produtos, processos ou serviços com potencial de retorno econômico ou social. As propostas podem ser inscritas até 31 de março, 31 de julho e 30 de novembro. Desde 1998, o PIPE apóia mais de 140 projetas. As condições para apresentação de propostas são as seguintes: Empresa- Qualifica-se para apresentar proposta empresa sediada no Estado de São Paulo, com até 100 empre­gados. A empresa poderá ser constituída após a aprovação do projeto. Neste caso, a FAPESP somente fará a con­tratação do projeto após a constituição formal da empresa. Pesquisador - O pesquisador responsável pela elaboração e desenvolvimento do projeto deverá evidenciar experiên­cia e competência na respectiva área de conhecimento, não sendo exigida nenhuma titulação de pós-graduação. De­verá também dedicar um mínimo de 20 horas semanais à execução do projeto. Se o pesquisador não pertencer ao quadro de funcionários da empresa, poderá ser solicitada uma bolsa da FAPESP para dedicar-se ao projeto. Solicitação de apoio: As propostas devem ser encaminhadas à FAPESP, pelo pesquisador com o endosso da empresa, em formulário específico acompanhado da documentação descrita na página www.fapesp.br/ pipe.htm. Peça central para avaliação da proposta é o Projeto de Pesquisa, que deve descrever claramente a inovação pre­tendida, seu potencial comercial e a metodologia a ser utilizada. Os projetas devem ser organizados abrangendo três fases.

Fase 1: com duração de seis meses e financiamento de até R$ 75 mil, destina-se à pesquisa de viabilidade téc­nica da inovação proposta. Fase 11: com duração máxima de dois anos e financiamento de até R$ 300 mil, destina-se ao desenvolvimento propriamente dito do projeto de pesquisa. Nesta fase, somente serão financiados os projetas considerados bem sucedidos na Fase I e que apresentem um bem estruturado Plano de Negócios para a comercialização da ino­vação resultante. Para a elaboração desse plano, as empresas poderão contar com a orientação do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - SEBRAE-SP. Fase III: destina-se ao desenvolvimento de produtos com base nos resultados obtidos na fase anterior. Nessa fase, os custos caberão exclusivamente à empresa, podendo a FAPESP apoiá-la na busca de financiamento de outras fontes. Para esse fim, a FAPESP firmou convênios com o SEBRAE e com a Financiadora de Estudos e Projetas - FINEP e tem buscado estabelecer cantatas com empresas de capital de risco que possam efetiva­mente apoiar a produção de inovações para o mercado.

Próximo prazo para apresentação de propostas: 31 de julho de 2001 . Seleção dos projetas: A análise das propostas segue a sistemática de avaliação pelos pares, sendo cada propos­ta encaminhada a assessores ad hoc, especialistas na área em que se enquadra o projeto de pesquisa. Nenhum setor da atividade econômica é priorizado. • Informações detalhadas, formulários e a lista dos projetas já financiados pelo PIPE, podem ser obtidos na página www.fapesp.br/pipe.htm ou à rua Pio XI, 1500, Alto da Lapa, São Paulo- SP. • Informações adicionais podem ser solicitadas por correio eletrônico no endereço [email protected]

SECRETARIA DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

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CIÊNCIA

EPIDEMIOLOGIA

Mosquitos: o perigo avança Especialista prevê que a febre amarela urbana e a malária voltarão a atacar o Sudeste

SUZEL TUNES

Em 1989, o epidemiologista Os­waldo Paulo Forattini, da Fa­

culdade de Saúde Pública da Univer­sidade de São Paulo (USP), já dizia que a população deveria ser vacinada contra a febre amarela, como rotina. Foi considerado alarmista, até por colegas. O tempo provou que a preo­cupação era fundada: a febre amare­la voltou a ser problema de saúde pública no Brasil todo.

Hoje, Forattini faz dois no-vos alertas sobre a provável vol-ta de doenças tropicais, especi­ficamente à região Sudeste: a febre amarela urbana, que as-solou o país no começo do sé-culo 20 até ser considerada er­radicada em 1942, e a malária, que também foi endêmica até a primeira metade do século 20. O aviso é dado com voz calma por esse professor de 77 anos, coordenador do Núcleo de Pesquisa Taxonômica e Sistemática em Entomologia Médica da Faculdade de Saúde Pública da USP (Nuptem). Longe de alarmar, preocupa-se em fazer prevenção.

Há dez anos ele estuda a adapta­ção de insetos potencialmente veta­res (transmissores) de doenças às condições ambientais criadas pela in­terferência humana- fenômeno cha­mado sinantropia ou domiciliação. Um deles é o mosquito Aedes aegyp­ti, transmissor da dengue que assola o país e da febre amarela urbana, considerada oficialmente erradicada.

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Navio negreiro - Os mosquitos que chamamos de pernilongas, muriço­cas ou carapanãs são da família dos culicídios ( Culicidae), na maioria he­matófagos - chupam sangue. Antes da fase adulta, vivem como larvas num meio aquático, junto ao qual a fêmea põe os ovos. Entre os culicí­deos estão os transmissores da febre amarela, da dengue e da malária.

Forattini revela que o Aedes aegypti chegou ao Brasil na fase colo­nial. Seus ovos viajaram em tonéis nos navios negreiros. Podendo resis-

Aedes aegypti, adaptado ao ambiente humano: dengue e febre amarela urbana

tir meses antes de eclodir na água, es­ses ovos ficavam grudados nas late­rais internas de recipientes vazios, até que estes fossem novamente enchi­dos, o que possibilitava a eclosão.

Até a década de 1950, o culicídio do gênero Aedes- que ataca nas pri­meiras horas da manhã e à tardezi­nha e suga o sangue logo depois de pousar - encontrou ambiente fértil para proliferar. Por sua importância

como vetar da febre amarela, sofreu acirrado combate nas primeiras dé­cadas do século 20 por exércitos de agentes sanitários comandados pelos sanitaristas Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, e Emílio Ribas, em São Pau­lo (ver quadro), até ser considerado oficialmente erradicado em 1957.

Anos depois, contudo, ele seria ob­servado no Pará e em Salvador, e rea­pareceria dramaticamente em 1986 no Rio de Janeiro, agora como trans­missor da dengue - que a partir daí tornou-se endêmica no país, com surtos anuais: só no Estado de São Paulo foram registrados 45 mil casos nos últimos cinco anos.

Agora os especialistas se pergun­tam: qual o risco de uma cidade

atingida pela dengue ser nova­mente alvo da febre amarela urbana? Um pesquisador da equipe de Forattini faz estima­tivas: Eduardo Massad, pro­fessor de Informática Médica e Métodos Quantitativos em Medicina e vice-diretor da Fa-

culdade de Medicina da USP, constrói gráficos de risco poten­

cial que incluem população de mosquitos, taxa de picadas e vire­

mia - período do risco de uma pes­soa infectada poder transmitir a doença. No caso da dengue, por exemplo, como o vírus fica por mais tempo na cor­rente sanguínea (cerca de uma semana), o período de viremia é maior que o da febre amarela (cerca de dois dias).

Massad e equipe fizeram um es­tudo comparativo de cidades paulis­tas, que foi aceito para publicação na revista Transactions of the Royal Soci­ety of Tropical Medicine and Hygiene. Diz ele: "Para estimar o risco de uma epidemia de febre amarela urbana numa área infestada pela dengue, calculamos um índice de intensidade

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Intervenções ambientais intensas no campo favorecem o aumento de insetos transmissores adaptáveis à proximidade humana

de transmissão da doença, limiar aci­ma do qual qualquer indivíduo in­fectado por febre amarela silvestre pode detonar uma epidemia de febre amarela urbana". Isto é, tornar-se transmissor ao ser picado por mos­quitos urbanos não infectados, o que produz uma reação em cadeia. Signi­ficativamente, dois casos autóctones de febre amarela foram registrados na região de Araraquara, que apre­sentava altos índices de dengue.

Homem favorece - O risco de retorno dos vetores dessas doenças é explica­do pela ação humana no ambiente. "Na década de 50, havia poucos re­cipientes nos quais as larvas do inse­to podiam se desenvolver", lembra Forattini. "Não tínhamos recipien­tes de plástico e os carros eram pri­vilégio dos ricos. Hoje temos uma enorme quantidade de pneus e de garrafas ou potes de plástico jogados a céu aberto."

Além desse material descartado, ele detectou um tipo de criadouro

ainda difícil de eliminar: as belas bro­mélias nas residências do Rio de Ja­neiro, uma das cidades mais atingi­das pela dengue, e cujas folhas e flores funcionam como um cálice para a água: "As bromélias são recipi­entes regados todos os dias e dos quais o proprietário não quer se des­cartar". Recentemente, autoridades estimaram que 90% dos focos cario­cas de Aedes estão nas residências e ao menos 70% em vasos de plantas.

Alterações ambientais na zona ru­ral também favorecem insetos que, ao adaptar-se ao ambiente antrópico -resultante da atuação humana -, po­dem se tornar transmissores. Foi o que os pesquisadores constataram noVa­le do Ribeira em projeto temático de­senvolvido de 1991 a 1995: ''As novas técnicas de irrigação artificial com fi­nalidade agrícola fizeram aumentar os casos de Anopheles albitarsis, mosqui­to veto r da malária': diz Forattini. Esse inseto veio somar-se aos Anopheles cruzii e Anopheles bellator, já presentes no ambiente e reconhecidos como ve-

tores endêmicos de malária na região. Por ora, a malária no Vale do

Ribeira é hipoendêmica - há poucos casos adquiridos ali e são formas brandas, transmitidas por insetos que tiveram contato com o protozoá­rio do gênero Plasmodium, causador da doença. Contudo, a presença de mais um vetor importante associada às atuais facilidades de transporte podem trazer a malária rapidamen­te do Norte para o Sudeste do país.

"A irrigação artificial também ge­rou um aumento na população de Cu­lex nigripalpus, mosquito transmissor de um tipo de encefalite ornitológica, e de Aedes scapularis, mosquito que tem grande tendência a se domiciliar': diz o pesquisador. "Para mim, foi o gran­de transmissor da encefalite rocio no Vale do Ribeira há cerca de 20 anos, embora não tenhamos encontrado in­setos contaminados na ocasião." A época em que a encefalite rocio fez ví­timas fatais, lembra, coincidiu com as obras da Rodovia dos Imigrantes: "Grandes quantidades de areia da Bai-

PESQUISA FAPESP · MAIO DE 2001 • 47

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... e no Estado de São Paulo em 2000

Distribuição do Aedes aegypti nas Américas em 1970, quando terminava um programa de erradicação, e em 1997 ... MINAS

GERAIS

PARANÁ

1997 Fonte: Sucen

• Áreas infestadas

xada Santista eram retiradas para a construção de seus viadutos, formando buracos que, preenchidos pela água da chuva, favoreceram a proliferação do Ae. scapularis. Não por acaso, os primei­ros casos surgiram na Baixada San­tista, para depois atingirem a região do Vale do Ribeira".

Ilha Comprida - Num segundo proje­to, Forattini aprofunda o estudo de cu­licídeos em áreas modificadas pela ação humana. Pesquisou localidades do litoral norte e os vales do Paraíba

e do Ribeira - especialmente Ilha Comprida, que se separou de Iguape em 1992 e está sujeita a rápidas e pro­fundas alterações.

No litoral sul, a 220 quilômetros da capital, esse município tem 296 qui­lômetros quadrados, dos quais 70% são Área de Proteção Ambiental. A ilha sofre o impacto do turismo: a população de 6 mil habitantes chega a aumentar dez vezes na temporada. "O re­sultado você pode ver na quantidade de lixo

Um trio pronto para atacar Doenças tropicais antes conside­

radas erradicadas das regiões mais povoadas do país e confinadas so­bretudo a áreas de floresta, a febre amarela, a dengue e a malária têm algumas características básicas.

Dengue - É causada por um arbovírus também do gênero Flavivirus, trans­mitido pelo Aedes aegypti, originário da África e que vive junto a domicí­lios humanos. Dos quatro tipos de vírus, no Brasil são mais comuns o 1 -responsável pela forma mais bran­da da doença - e o 2, causador da febre hemorrágica, que pode levar à morte. Já foram encontradas, porém, pessoas infectadas pelo 3. Os relatos mais antigos no país são de

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uma epidemia em 1846 - em São Paulo, Rio de Ja­neiro e Salvador -, mas a primeira documentada foi Oswaldo Cruz

a de 1981 em Ro-raima. Em 1986, uma forte epidemia irrompeu no Rio de Janeiro com cer­ca de 1 milhão de casos. Hoje a do­ença se espalha por centros urbanos de quase todo o país.

Malária - Conhecida popularmente como maleita, caracteriza-se por fe­bre intermitente, calafrios, suor, dores, vômito, icterícia e falta de apetite. Causada por protozoários do gênero Plasmodium, cujas formas

jogada nas praias", resume Forattini. Essa flutuação populacional facilita a entrada de agentes infecciosos, que se aproveitam dos vetares biológicos já ali instalados, e isso aumenta o risco do surgimento das doenças. Assim, mais do que comprovar o aumento de in­setos- no primeiro projeto temático-, a equipe queria avaliar a competência dos vetares, sua capacidade de sobre­vivência e de reprodução.

Armadilhas- De 1996 a 2000, a equi­pe cuidou de coleta, identificação e

Emílio Ribas

mais comuns são a vivax, mais be­nigna, e a falciparum, mais grave, é transmitida por mosquitos Anophe­les. No Brasil, cinco são vetares de malária: Anopheles darlingi, An. aquasalis, An.albitarsis, An. cruzii e An.bellator. A área endêmica é a Amazônia. É uma doença conhecida desde a Antiguidade, quando, por ser típica de ambientes úmidos e quentes, acreditava-se que era causa­da por emanações e miasmas prove-

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estudo da capacidade vetara de várias espécies, sobretudo Aedes aegypti, Ae. albopictus, Ae. scapularis, Anopheles albitarsis, An. bellator, An. cruzii e Culex quinquefasciatus. Para coletar os insetos vivos, os pesquisadores usaram várias armadilhas: Shannon, uma tenda de pano branco onde os insetos pousam e são capturados ma­nualmente; CDC, armadilha com gelo seco que, ao liberar gás carbôni­co, imita a respiração humana e atrai os insetos para um aspirador; e isca humana, termo consagrado do qual Forattini não gosta. Isca sugere risco de contaminação, que não há, pois o

nientes dos pantânos. Só nas últi­mas décadas do século 19 se desco­briu que é transmitida por mosqui­tos, até então só malvistos pelos transtornos das picadas.

Febre amarela - Doença infecciosa aguda, pode ser quase assintomática ou evoluir para formas graves, com febre, icterícia progressiva, hemor­ragia e morte. É causada pelo vírus amarílico- arbovírus do grupo B, gênero Flavivirus. Há dois tipos: sil­vestre e urbana. Na silvestre, os ve­tares são fêmeas de culicídeos do gê­nero Haemagogus, que se infectam ao sugar macacos portadores. É a que hoje atinge o Brasil, sobretudo os Es­tados da Amazônia, Goiás e Distrito Federal. Já a forma urbana surge quando uma pessoa infectada pela

pneus, recipientes plásticos

..,~,A..-~ e, cada vez mais, bromélias

coletor trabalha vestido e captura o inseto com um aspirador manual, antes mesmo que ele pouse.

Só entre maio de 1995 e novem-

silvestre é picada por fêmeas do he- l matófago Aedes aegypti, - o que faz a infecção espalhar-se rapidamente.

Hoje considerada erradicada, no início do século 20 a forma urbana fez muitas vítimas: entre 1900 e 1902, morreram 1.627 pessoas só no Rio de Janeiro. Em 1903, o presidente Ro­drigues Alves convocou o sanitarista Oswaldo Cruz para liderar uma in­tensa campanha contra o mosquito, -que, feita sem conscientização, ge­rou distúrbios e repressão. Contu­do, a campanha foi eficiente e, des­de 1942, o Brasil só registra febre amarela silvestre: segundo o Centro de Vigilância Epidemiológica, 446 casos e 241 mortes de 1980 a 1999. A principal medida de controle é a va­cinação de moradores e pessoas que se deslocam para áreas endêmicas.

-

bro de 1996, a equipe coletou em Ilha Comprida e Cananéia 66.769 insetos, dos quais 40.362 formas imaturas e 26.407 adultos, com predominância de Aedes albopictus, Ae. scapularis e Culex quinquefasciatus. O passo se­guinte foi iniciar a comparação des­sas populações, uma ferramenta para a vigilância epidemiológica.

Perigo asiático - Chamou a atenção no Aedes albopictus - que chegou da Ásia há cerca de 20 anos e é chamado "tigre asiático" - o alto índice de si­nantropia, a facilidade de adaptar-se ao ambiente humano. Forattini o identificou pela primeira vez no Rio de Janeiro e constatou que se expan­de para oeste, empurrando o Ae. aegypti. "A larva contenta-se com menos alimento e prolifera mais."

A espécie asiática ainda não foi responsabilizada por nenhum caso de dengue no Brasil. Mas ainda se estuda se também pode ser vetar de febre amarela. Isso pode sugerir que sua eventual vitória na competição com o Aedes aegypti, transmissor das duas doenças, possa ser positiva. O pesqui­sador prefere não acreditar nisso: "Eu não confiaria numa espécie hemató­faga. Além do mais, na Ásia, o Aedes albopictus é vetar da dengue e, nos Estados Unidos, transmite um tipo de encefalite humana. Aqui, aparece em grande quantidade na área urba­na. Será que já existem albopictus en­tre os Aedes que transmitem dengue no Brasil?", pergunta. Assim, acha mais prudente pensar no risco de a espécie asiática tornar-se um vetar ainda mais resistente e perigoso à saúde humana que o Aedes aegypti.

Potencial infector- Eliminar essa dú­vida é um dos objetivos do atual pro­jeto, que ele coordena até 2004. O foco, agora, é o potencial sinantrópi­co (adaptação ao ambiente humano) dos culicídeos e sua capacidade de transmitir infecções. Uma pesquisa­dora da equipe, Zoraida Fernandez, do Instituto Nacional de Higiene Ra­fael Rangel, de Caracas, está na Uni­versidade do Texas fazendo ensaios de

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capacidade de transmissão de viroses com populações de Ae­des albopictus. Primeiro, são testes com o vírus da encefalite eqüina venezuelana, isolado numa epidemia de 1995 naque­le país. Depois, usará o vírus da dengue subtipo 1 C, isolado re­centemente em São Paulo. "Tal objetivo, combinado com a es­timativa de longevidade, per­mitirá avaliar, para as nossas populações, a competência vetara dessa espécie", assegura Forattini.

E o terceiro projeto temático continua, nos vales do Ribeira, do Paraíba e litoral norte. Ilha Comprida foi escolhida como ecossistema natural. No Vale Forattini: armas são vacina e educação do Paraíba, Taubaté exemplifi­ca o meio urbano industrializado. Ilhabela, no litoral norte, entra como pólo turístico. E, no centro do Estado, Araraquara representa o ecossistema rural altamente modificado pela agropecuária.

Para estudar as formas imaturas, sobretudo de Aedes aegypti e albopic­tus, a equipe examina criadouros na­turais e artificiais. Recipientes de três tamanhos - até 1 litro, até 10 litros e de mais de 10 litros- são examinados a cada 15 dias. Para prevenir a produ­ção de adultos, coletam-se larvas e pupas, ainda no estágio aquático.

Fórmula- "Com esse experimento, po­deremos determinar uma possível pre­ferência por volume de recipiente arti­ficial': explica Forattini. "Nosso objetivo é identificar e avaliar a produtividade dos criadouros, estimar a competitivi­dade entre as populações, o relaciona­mento no meio antrópico e, finalmen­te, propor o que se poderia designar como índice de sinantropia" (adapta­bilidade ao ambiente humano). Para chegar a esse número, ele adaptou uma fórmula criada na década de 60 pelo entomologista finlandês Pekka Nuor­teva para estudos ecológicos sobre mos­quitos: S = 2a + b - 2c/2. A fórmula baseia-se nos porcentuais de exempla­res coletados em ambiente domiciliar

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(a), ambiente antrópico parcialmente alterado (b) e florestas residuais (c).

O pesquisador considera ainda es­cassos os estudos que focalizem o pro­cesso de domiciliação, pois a saúde pública nunca dispôs de muitos re­cursos para isso. Acredita, no entan­to, que aí está a solução do problema das doenças infecciosas na população humana. Avalia que as tentativas de controle biológico, com o uso de pre­dadores naturais como a libélula, ain­da não deram os resultados esperados. E experimentos de engenharia genéti-. ca para produzir populações de insetos estéreis são incipientes. Restaria, por-

OS PROJETOS

Culicidae do Agro-Ecossistema Irrigado e seu Significado Epidemiológico (1997-7995), Culicidae em Area de Transformação Antrópica e seu Significado Epidemiológico (1996-2000) e Estudos sobre Domiciliação do Mosquito Culicidae (2000-2004)

MODALIDADE

Projetas temáticos

COORDENADOR

ÜSWALDO PAULO FORATTINI- Faculdade de Saúde Pública da USP

INVESTIMENTOS

US$ 175.300,00, R$ 179.485,00 e US$ 8.412,00

tanto, aprender a conviver com os inse­tos, o que pressupõe um conhecimen­to consistente sobre suas características.

Quanto aos vírus, seria preciso domesticá-los: "Conseguiu-se con­trolar a poliomielite porque as popu­lações são inoculadas com o vírus atenuado. O estudo do genoma pode resultar numa domesticação do vírus da dengue e do parasito da malária':

Além da vacinação, ele aposta na melhor distribuição de renda e na educação para minimizar esses e ou­tros impactos da transformação do am­biente pelo homem. Acha que uma das grandes dificuldades no combate à dengue é conscientizar a população para evitar depósitos de água parada - problema que viria mais da igno­rância que da displicência. Para con­firmar, cita um episódio ocorrido há quase 100 anos. "Durante a constru­ção do Canal do Panamá, as freiras que cuidavam de doentes acamados costumavam colocar copos com água aos pés das camas, para evitar que seus pacientes fossem mordidos por formigas. Protegidos das formigas pela piedade das freiras, muitos aca­baram morrendo de febre amarela."

Formado em 1949 pela Medicina da USP, Forattini aposentou-se em 1994, mas vai diariamente à Facul­dade de Saúde Pública da USP para dar aulas, orientar teses, organizar a coleção de referência da faculdade -35 mil exemplares de insetos, alguns com seu nome, como Lutzomyia fo­rattinii e Anopheles forattinii, bem como o protozoário Leishmania fo­rattinii. Pelo primeiro volume de Culicidologia Médica, editado pela Edusp em 1996, recebeu o Prêmio Jabuti de Ciências Naturais, da Câ­mara Brasileira do Livro. O segundo volume está no prelo: enquanto o primeiro enfocava a morfologia dos insetos, este é mais voltado para a epidemiologia. Ao comparar o mo­mento atual com o dos três primei­ros volumes de Entomologia Médica, que publicou de 1962 a 1965, ele la­menta: "Na época, a dengue só exis­tia na Venezuela e a febre amarela era assunto resolvido". •

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CIÊNCIA

MATERIAIS

Supercondutor à temperatura ambiente Um grafite pirofítica parece comportar-se como supercondutor até a 2rc

MARCOS PJVETTA

Em maio de 1999, Yakov Kope­levich e Sérgio Moehlecke, do

Instituto de Física Glleb Wataghin da Universidade Estadual de Campi­nas (Unicamp ), faziam medições magnéticas em nanotubos de carbo­no e grafite quando algo inesperado aconteceu. Uma amostra de grafite extremamente puro que era usado como controle no experimento -chamado de grafite pirolítico alta­mente orientado e conhecido pela sigla em inglês HOPG - começou a comportar-se de forma surpreen­dente. Dentro de um intervalo de temperatura muito amplo, entre 2 e 300 graus Kelvin (K) - ou desde -271 até 27 graus Celsius (0 C) -, ele se comportava como um supercon­dutor, tendo essa propriedade loca­lizada em pequenas regiões tipo "grãos" ou "ilhas".

Sabe-se que um material se torna supercondutor quando, abaixo de uma determinada temperatura críti­ca (T c), consegue transmitir corren­te elétrica com zero de resistência (perda da energia produzida, em forma de calor). Cada material tem uma T c diferente. Até o momento, um composto de óxido de cobre, o HgBa2Ca2Cu30 8+X, tem sido consi­derado o supercondutor com T c mais elevada: gélidos -1 09°C ( 164 K) . O grafite pirolítico estudado na Unicamp vai extremamente além disso. Ele abrange uma ampla faixa de temperaturas ambientes comuns que vai culminar em 27°C.

Embora composto só de átomos de carbono, como o grafite comum, o HOPG tem características físicas totalmente diferentes do material que recheia os lápis. Sintetizado in­dustrialmente em condições de tem­peratura de 3.ooooc e pressões eleva­das, é um policristal extremamente puro, composto de camadas paralelas de átomos de carbono. É usado como substrato ou na calibragem de alguns tipos de microscópio, como o de tu­nelamento e o de força atômica. Uma

" u o

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refeitos confirmam as propriedades

. pequena amostra - com milímetros de espessura e menos de um centí­metro quadrado de área - pode cus­tar até US$ 1.000, de acordo com as especificações.

Os indícios de supercondutivida­de no HOPG, cujas amostras usadas no experimento inicial haviam sido trazidas da Rússia por um colega de Kopelevich, intrigaram e instigaram o pesquisador da Unicamp, que ime­diatamente deixou de lado os estudos com nanotubos para concentrar-se nas análises do grafite. Afinal, não havia (e ainda não há) nenhum ma­terial que comprovadamente mante­nha as propriedades de supercondu­tor em condições minimamente próximas da temperatura ambiente, o que seria algo revolucionário. "Ti-

vemos sorte nessa descoberta", diz Kopelevich, que há oito anos trocou a carreira de pesquisador na Rússia pela vida acadêmica no Brasil. Uma segunda propriedade detectada no grafite HOPG foi o ferromagnetis­mo, fenômeno pelo qual materiais se transformam em ímãs quando ex­postos a um campo magnético.

Confirmação e cautela - Surpreso com o resultado do experimento, Kopele­vich tratou de refazê-lo para confir­mar as medições. "Conseguimos re­produzir a experiência", afirma ele, que iniciou os estudos com grafite no projeto sobre nanotubos e continuou num projeto temático sobre super­condutores iniciado em 1994 sob a coordenação de Sérgio Moehlecke -e, a partir de 1998, de José Antonio Sanjurjo, falecido no início deste ano. Hoje, além de participar do temático, Kopelevich mantém seu projeto indi­vidual sobre um novo método para medir a resistência não-local em su­percondutores (fora da região em que a corrente é aplicada).

Para avaliar esse trabalho com ri­gor, qualquer físico dessa área per­guntaria se o HOPG apresentou o chamado efeito Meissner, uma das evidências mais fortes de que a su­percondutibilidade é real. Nota-se o efeito Meissner quando, aplicado um campo magnético sobre o material, forma-se uma corrente em sua cama­da externa e seu interior expulsa um fluxo magnético de sentido contrá­rio. É esse efeito que faz um ímã, com um campo magnético permanente, levitar quando colocado sobre um supercondutor. O HOPG apresentou o efeito Meissner, tal qual um super­condutor à base de bismuto com T c de -18 3 °C, uma tem per atura crítica considerada alta pelos físicos (ver gráficos).

PESQUISA FAPESP · MAIO DE 2001 • 51

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Avanços e promessas em 90 anos A busca por supercondutores

que funcionem a temperaturas cada vez mais altas continua a ser um grande objetivo. É enorme o poten­cial de uso de um hipotético mate­rial capaz de transmitir corrente elétrica com resistência zero em condições ambientais próximas da­quelas em que o homem vive. Os atuais fios e cabos elétricos, por exemplo, poderiam ser substituídos por similares revestidos desse super­condutor à temperatura ambiente, com economia e maior eficiência na transmissão de energia.

Contudo, desde que foram des­cobertos, há 90 anos, os supercon­dutores têm aplicações restritas, por causa, justamente, das temperaturas baixas que exigem. Os encontrados de 15 anos para cá acumulam mais promessas que realizações: ainda não resultaram em aplicações por-

que é difícil fazer fios com eles. Para servirem a algum uso prático, os disponíveis no mercado têm de ser resfriados a temperaturas baixíssi­mas, em processos muito caros. É o caso, por exemplo, dos ímãs usados em aparelhos de ressonância mag­nética, feitos com ligas metálicas su­percondutoras. Para que funcionem como foram concebidos, esses ímãs têm de ser resfriados abaixo do T c da liga, por meio de imersão em hé­lio líquido a -269°C. Não é à toa, portanto, que se vêem com freqüên­cia caminhões entregando hélio lí­quido em hospitais que usam esses aparelhos.

Depois de mais de uma década em aparente banho-maria, sem pro­duzir nenhuma descoberta de gran­de impacto, neste ano a pesquisa na área voltou a esquentar em todo o mundo. Em janeiro, cientistas japo-

Mesmo convencido de que em seu trabalho não há erro, de medição ou provocado por impurezas nas amos­tras de grafite, o físico optou por dis­crição e prudência. Em parceria com

OS PROJETOS

Estudo de Materiais Supercondutores

MODALIDADE

Projeto temático

COORDENADOR

Jos~ ANTONIO 5ANJURJO - Instituto de Física da Unicamp

pesquisadores da Unicamp, da Uni­versidade de Leip­zig, Alemanha, e do A. F. Ioffe Physico­Technical Institute de São Petersburgo, Rússia, Kopelevich redigiu artigos cien­tíficos e os enviou para publicações especializadas, rela­tando os resultados.

neses da Universidade Aoyama Ga­kuin revelaram que um conhecido composto intermetálico de magné­sio e boro, o MgB2, é um supercon­dutor barato e eficiente quando res­friado a -234 °C.

Em março, uma equipe dos La­boratórios Bell, nos Estados Unidos, mostrou ao mundo o primeiro com­posto plástico, o polímero politiofe­no, que se comporta como super­condutor - desde que integrado a uma espécie de transistor e submeti­do a -270°C. Apesar de as tempera­turas necessárias para transformar esses compostos em superconduto­res serem extremamente baixas, as duas descobertas foram, por moti­vos diferentes, muito festejadas - e seriam muito mais se funcionassem à temperatura ambiente.

O MgB2 é o composto metálico estável com T c mais alta, o que o torna candidato potencial a gerar novas ligas supercondutoras com

INVESTIMENTO

R$ 61 .890,00

De dois anos para cá, os trabal­hos foram publica­

Kopelevich: convencido de que não há erros no que fez

Estudo do Estado dos Vórtices em Supercondutores de Alta Temperatura através de Medidas Não-Locais

MODALIDADE

Auxílio a projeto de pesquisa

COORDENADOR

YAKOV KOPELEVICH- Instituto de Física da Unicamp

INVESTIMENTO

R$ 18.989,00 e US$ 54.1 33,40

52 • MAIO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

dos em três revistas: ]ournal of Low Temperature Physics, Physics of The Solid State e Solid State Communica­tions. Neles, deixa claro que em suas experiências o grafite pirolítico pare­ceu comportar-se como um super­condutor, mas evita afirmar catego­ricamente que seja, sem dúvida, um supercondutor à temperatura am­biente. "É preciso ser cuidadoso", pondera Kopelevich.

Para embasar sua aposta nas pro­priedades supercondutivas do HOPG, o físico tem investido em várias fren­tes. Além de refazer o experimento nas mesmas lâminas de grafite pirolí­tico trazidas da Rússia, mediu a su­percondutividade em placas fabrica­das pela empresa norte-americana Union Carbide - indício de que o fe­nômeno detectado não parece decor­rer de uma amostra com impurezas.

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temperatura crítica mais elevada. Kopelevich comenta: "Devido ao fato de o MgB2 ser um material iso­eletrônico ao grafite, essa descober­ta também motivou uma séria re­consideração das propriedades físicas do grafite. Por exemplo, G. Baskaran, um físico teórico famoso, recentemente argumentou que existem fortes correlações super­condutoras no grafite. Nossos resul­tados fornecem a evidência expe­rimental de que isto realmente ocorre. Ainda sobre o MgB2, o gru­po liderado pelo físico Oscar de Lima, que também faz parte do

O politiofeno é importante por inaugurar a família dos plásticos su­percondutores, algo inusitado, já que em condições normais os polí­meros não são bons condutores de eletricidade.

Se essas duas notícias foram fes­tejadas pela comunidade científica e provocam um novo surto na pes­quisa de supercondutores, uma ter­ceira, ainda que aparentemente promissora, é vista com ressalvas. Liderado pelo cientista Danijel Dju­rek, um time de pesquisadores de três instituições croatas - Universi­dade de Zagreb, Instituto Ruder

Boskovic e a companhia local Avac -diz ter ido além do que seus cole­gas japoneses e norte-americanos obtiveram. Eles garantem ter evi­dências de que um composto de prata, chumbo, carbono e oxigênio se transforma em supercondutor à temperatura ambiente. Sua T c é, se­gundo os croatas, de quase inacre­ditáveis 70°C. Se comprovada, essa T c permitiria ao material transmi­tir corrente elétrica sem resistên­cia em qualquer ambiente natural do planeta- até nas areias escaldan­tes de um deserto. Como ninguém conseguiu ainda refazer a experi­

projeto temático, fez uma contribuição iné­dita, determinando que as propriedades supercondutoras do MgB2 dependem da direção em que um campo magnético ex­terno é aplicado".

A assinatura de um supercondutor ência de Dju­rek e os croa­tas já se enga-

Agora, ele tenta encontrar evidên­cias de supercondu­tividade em mono­cristais de grafite. "Se conseguirmos isso, vai ficar claro que a superconduti­vidade é mesmo do material grafite': co­menta o pesquisa­dor da Unicamp.

O grafite pirolítico apresentou o efeito Meissner, uma característica específica dos supercondutores, à temperatura ambiente (27° C), bem acima da

verificada para o material à base de bismuto (T c= -183° C)

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naram uma vez nesse as­sunto, a possí­vel descoberta ainda não ob­teve aceitação.

jamos". Na pior das hipóteses, foi aberta uma nova linha de pesqmsa.

O físico Carlos Rettori, seu colega na Unicamp, que também participa do projeto, lembra que os trabalhos com grafite pirolítico es­tão na verdade sen-do retomados. "Há Por enquanto, ainda

não obteve esse tipo de registro. Flagrou apenas ferromagne­tismo nos monocristais.

Obs.: as setas indicam o sentido do campo magnético aplicado sobre o material, que parte do zero, atinge o pico e retorna ao valor inicial. Fonte: Yakov Kopelevich- /FII Unkamp

15 anos, tínhamos realizado algumas

Caminho longo - Kopelevich acredita que o HOPG pode ser um tipo de su­percondutor com potencial para transmitir correntes fracas, pelo me­nos. E, ao contrário da maioria dos supercondutores, aparentemente não perde a capacidade de transmitir cor­rente com resistência zero mesmo quando apresenta ferromagnetismo,

uma propriedade que precisa ser mais bem analisada.

Tudo o que ele não quer é provo­car em relação às suas pesquisas com o grafite pirolítico o mesmo tipo de ceticismo despertado pelas experiên­cias de um grupo de cientistas croa­tas (ver quadro). Sabe que o caminho pode ser longo e tortuoso e que, no fim, "o HOPG pode não ser um super­condutor tão promissor como dese-

medições com esse mesmo material", lembra Rettori. ''Agora Kopelevich está ressuscitando esse tema e nós também voltamos a estudar o material. Nossos estudos re­centes demonstram sem ambigüida­des a presença de ferromagnetismo itinerante no grafite e também a pos­sibilidade da supercondutividade a alta temperatura:' Kopelevich está con­vencido de que existe superconduti­vidade à temperatura ambiente. •

PESQUISA FAPESP · MAIODE2001 53

Page 54: Caos e ordem no núcleo do átomo

TECNOLOGIA

Anti-hipertensivo na casca de uva sui sensores para medir a umidade do solo e a tempe­ratura ambiente, informa­ções que são processadas por microprocessadores pa­ra acionar ou não, de forma automática, o sistema de irri­gação", explica o professor Francisco Erivan de Abreu Melo. "Existem sensores tam­bém para controlar a pressão da água e indicar a hora certa de limpar os filtros." Erivan é professor do Departamento de Física da UFC e tem como sócio na empresa um ex-alu­no de doutorado, Antônio Themoteo Varela, atual pro­fessor do Centro Federal de Educação e Tecnologia do Ceará. Além do Siagrícola, eles possuem mais dois pedi­dos de patente. São automati­zadores com infravermelho para válvulas hidras de vasos sanitários e de torneiras. •

O processo de extração de um suco com propriedades anti-hipertensivas da casca da uva Vitis labrusca foi pa­tenteado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Essa uva, também chamada de Isabel, possui frutos pequenos, de colora­ção negra, usados na pre­paração de sucos e de vi­nhos, vendidos normalmen­te em garrafões. São os cha­mados vinhos de colono. As Extrato da casca de uva baixou a pressão arterial em ratos benesses anti-hipertensivas dessa uva estão em um estu­do pré-clínico do médico Roberto de Moura, profes­sor de farmacologia do Ins­tituto de Biologia da Uerj. Ele seguiu a pista de vários trabalhos científicos que apontam doses moderadas de vinho como benéficas à saúde do sistema cardiovas­cular. Ao tentar descobrir onde estavam os princípios ativos que combatem os

• Bioinseticida com protetor solar

O controle biológico da la­garta da soja (Anticarsia gem­matalis), uma das principais pragas dessa cultura, recebeu uma inovação importante nos laboratórios da Embrapa Meio Ambiente, com sede em Jaguariúna (SP). Um vírus (Baculovirus anticarsia) en­contrado na natureza e mor­tal para a lagarta recebeu uma película protetora que funciona como um protetor solar. Assim, ele pode ser pul­verizado nas plantações junto com água sem ser molestado pelos raios ultravioleta do

54 · MAIO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

males do coração, Moura testou extratos da polpa e da casca em ratos hiperten­sos. "Com a polpa não aconteceu nada, mas com a casca a pressão baixou", ex­plica. O pesquisador não sabe ainda qual das subs­tâncias existentes na casca -ou a associação entre elas -provoca o efeito anti-hiper­tensivo. Para tentar encon­trar essa resposta seriam ne-

sol. Sem essa proteção, o ví­rus fica inativo em poucas horas. "Recobrimos o vírus com um material particulado que torna o bioinseticida mais eficaz", diz a pesquisa­dora Claudia Medugno, que desenvolveu o trabalho junto com Marina Lessa. A Embra­pa fez o depósito internacio­nal da patente do novo pro­cesso por meio do Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes. Esse acordo permite a escolha dos países com mercado potencial para se depositar a patente e também favorece o pagamento dos re­gistres com taxas menores e com maior prazo. •

cessários grande investi­mento e muitos anos de pesquisa. Para contornar esse problema, ele acredita que o composto extraído da casca da uva possa ser colo­cado no mercado como produto fitoterápico em forma de cápsulas. Ele já foi procurado por indústrias farmacêuticas que querem fazer um convênio para a utilização da patente. •

• Controlador para sistema de irrigação

Otimizar o consumo de água e energia elétrica em equipa­mentos de irrigação. Essa é a função do Sistema de Irriga­

• Cuidados com a temperatura da fruta

Uma pesquisa realizada no Recife na área de Nutrição mostrou que a comodidade excessiva pode voltar-se con­tra o consumidor moderno. Frutas descascadas prontas para serem consumidas são expostas a uma temperatura inadequada nas prateleiras dos supermercados. A profes­

ção Automatiza­do (Siagrícola) de­senvolvido pela Etetech, de For­taleza (CE), em­presa incubada no Parque de Desenvolvimen­to Tecnológico (Padetec) da Uni­versidade Federal do Ceará (UFC). "O aparelho pos-

Siagrícola: medição da umidade do solo

sora Karla Suzan­ne Damasceno, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), decidiu avaliar o melão espanhol, de grande produção em Pernambuco. "Comprei o me­lão como consu­midora e fiz

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análises microbiológica, físi­co-química e sensoriais", diz Karla, que defendeu tese sobre o assunto na Universi­dade Federal de Pernambuco (UFPE). A conclusão das análises mostrou que à tem­peratura que fica exposta no supermercado, a 15°C, a fruta perde frescor, cor, sabor e murcha em 24 horas. O ideal é a exposição a 4°C. Nessa temperatura, o melão pode durar até cinco dias. "Estudos feitos no exterior, onde a prá­tica de expor a fruta pronta para consumo ocorre há 30 anos, chegaram à mesma conclusão", conta Karla. Ape­sar de ter algumas caracterís­ticas mudadas, não foram de­tectados microrganismos nocivos à saúde humana no alimento. Como estudou apenas um tipo de fruta, Kar­la não pode afirmar com pre­cisão que todos os outros ali­mentos frescos devam ter a mesma temperatura. "De qualquer forma, a tempera­tura média correta não deve fugir dos 4° C ou 5° C, em vez dos 15°C habituais, como ocorre, pelo menos, nos su­permercados pesquisados em Pernambuco", diz. •

Pig geométrico: verifica irregularidades no interior dos dutos

• lnspeção de dutos: da PUC para o mercado

Em menos de quatro anos de vida, a empresa Pipeway con­quistou, com tecnologia na­cional, uma importante par­ticipação na área de inspeção de oleodutos e de gasodutos. Ficou incubada de 1997 a 1999 na Incubadora de Em­presas da Pontifícia Universi­dade Católica do Rio de Ja­neiro (PUC-RJ) e hoje possui contratos de serviços na Ar­gentina e na Bolívia. Foi esco­lhida a empresa do ano, em 2000, pela Associação Nacio­nal de Entidades Promotoras de Empreendimentos de Tec-

nologias Avançadas (Anpro­tec). O rascunho da Pipeway começou a ser feito alguns anos antes no Centro de Estu­dos de Telecomunicações da PUC, onde dois dos três só­cios da empresa, os engenhei­ros José Augusto Pereira da Silva e Jean Pierre Weid, tra­balharam como pesquisado­res. Eles adquiriram experi­ência no trabalho conjunto entre a universidade e o Cen­tro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes). O terceiro sócio é o também engenheiro Nelson Fernandes Pires, um ex-re­presentante de empresas do setor. O principal equipa­mento desenvolvido pela Pi-

África do Sul usa sangue de boi em humanos Os riscos da utilização de sangue humano e seus deri­vados na África do Sul -onde 20o/o dos adultos estão infectados pela Aids, segun­do a Organização Mundial de Saúde (OMS) - contri­buiu para a liberação de um derivado de sangue bovino no tratamento de pacientes de anemia aguda e em ci­rurgias, informou a revista Nature (19 de abril). Deri­vado da hemoglobina, o Hemopure seria especial­mente útil em áreas rurais

carentes de suprimentos confiáveis de sangue huma­no. Foi desenvolvido pela

Sangue humano: riscos

empresa Biopure, de Massa­chusetts, Estados Unidos, a partir do sangue de gado norte-americano destinado ao abate, sobre o qual são exigidos registras de con­dições, origem, regime ali­mentar e histórico veteriná­rio. Segundo a empresa, que ainda este ano pretende ob­ter licença para a dis­tribuição do produto nos EUA, o sangue é submetido a um processo de purifica­ção que elimina possíveis agentes infecciosos. •

~ peway é o Pig Geométrico, " uma ferramenta que percorre

o interior das tubulações, com um sensor na ponta, captando dados como amassamentos e corrosões. Um dos clientes da empresa é a Petrobras que detém, junto com a PUC-RJ, royalties sobre o invento. •

• Quebra do código da indústria do som

Um ambicioso plano de pro­teger os CDs contra a pirata­ria com um código digital -comparado a uma marca d'água- foi submetido ates­te. Para assegurar a inviola­bilidade do sistema desenvol­vido por um consórcio de companhias da indústria musical, agrupado na Secu­re Digital Music Initiative Foundation (SDMI) - que implicaria a adoção de um novo formato e novos toca­CDs -, as grandes multina­cionais fonográficas lança­ram um desafio público. Não se poderiam fazer cópias dos CDs no novo formato, pois o som ficaria inaudível. Contu­do, em apenas um mês de trabalho, um grupo norte­americano do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Prince­ton, liderado pelo professor Edward Felten, quebrou o có­digo de segurança por meio de um programa que apagava a chamada marca d'água. An­tes de apresentar a colegas o trabalho vencedor do desafio, num congresso em fins de abril último, Felton foi adver­tido pela SDMI para não di­vulgá-lo publicamente, sob pena de processo penal. En­tretanto, uma cópia não au­torizada do trabalho foi pu­blicada anonimamente on

line, enterrando um esforço de anos e milhões de dólares, segundo a revista eletrônica no (www.no.com.br). •

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2001 55

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TECNOLOGIA

INVESTIMENTO

56 • MAIO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

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Ao reunir empresas de base tecnológica e investidores de capital de risco, o 3Q Venture Forum abriu novos caminhos para o desenvolvimento de produtos inovadores

]OÃO PAULO NUCCI E MARCOS DE ÜLIVEIRA

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novações tecnológicas pro­postas por pequenas empre­sas brasileiras receberam um forte estímulo na terceira edi­ção do Venture Forum, uma iniciativa da Financiadora de Estudos e Projetas (Finep)

com a colaboração da FAPESP, da As­sociação Brasileira de Capital de Ris­co (ABCR) e da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca). Durante o Forum realizado no Hotel Maksoud Plaza, em São Paulo, nos dias 18 e 19 de abril, de um lado estavam executivos de 45 instituições financia­doras de capital de risco, nacionais e estrangeiras, dispostas a investir em em­preendimentos que resultem em alto retomo financeiro. Do outro lado, 16 pe­quenos empresários apresentaram seus produtos e sistemas inovadores que demandam apoio para ir ao mercado.

Essas 16 empresas foram escolhi­das por consultores da Finep dentre um total de 300 inscritas para o even­to. Seis dessas empresas já recebem financiamento da FAPESP, dentro do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), para desenvolver pesquisa dentro de suas instalações.

Aliás, em paralelo ao fórum, a Fundação apresentou a } a Exposição ''A FAPESP e a Inovação Tecnológi­ca", mostra em pequenos estandes de outras 54 empresas participantes do PIPE e 21 projetas do Programa Par­ceria para Inovação Tecnológica (PITE), que reúne empresas e insti­tuições acadêmicas.

Nova perspectiva - Os dois eventos reforçaram a necessidade de aproxi­mar cada vez mais a pesquisa dos meios produtivos. No Brasil o elo en­tre a geração de conhecimento e a

sua transformação em riqueza "ainda é frágil': avaliou o professor Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente da FAPESP, na sessão inaugural do Venture Forum. Para ele, é funda­mental, neste momento de desenvol­vimento do país, a aproximação da­queles que desenvolvem tecnologia -nas empresas e nas instituições aca­dêmicas- com investidores dispostos a apostar na concretização de produ­tos e sistemas com valor tecnológico agregado.

"Existe hoje uma oportunidade inadiável para superar a defasagem tecnológica e colocar a ciência e a tecnologia no epicentro da atividade econômica do país", disse o ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Mota Sardenberg, presente no segun­do dia do evento. Outro convidado, o presidente da Federação das Indús­trias do Estado de São Paulo (Fiesp ), Horácio Lafer Piva, usou um exem­plo para reforçar a necessidade de in­vestimentos no fortalecimento do de­senvolvimento tecnológico. "Em minhas viagens pelo Brasil, eu en­contro gente com ótimas idéias e com dificuldades de encontrar inves­tidores': afirmou.

Do lado do capital, a expectativa é grande. "O número de investidores inscritos superou nossas expectati­vas", disse Jorge Ávila, diretor da Fi­nep. A platéia que ouviu a exposição dos 16 representantes das empresas dispõe de cerca de US$ 3,8 bilhões para serem investidos em boas e ren-

1 táveis idéias. Segundo a ABCR, no ano passado, foram desembolsados,

\no país, US$ 750 milhões em investi­mentos para empresas nascentes ou emergentes. Cifras desse porte fazem ·brilhar os olhos dos empreendedores das 16 empresas selecionadas.

Cenário diferente- Para aproximar os empreendedores dos investidores, encontros do tipo Venture Forum são essenciais. Eles são o pontapé ini­cial para a concretização de novos negócios. Essas experiências aconte­cem nos Estados Unidos há alguns anos. Paul Myers, diretor da The Ca­pital Network, uma companhia nor­te-americana que realiza eventos se­melhantes ao Venture Forum nos Estados Unidos, dá uma idéia do po­tencial desse tipo de encontro. "Das 230 empresas que já participaram de fóruns realizados por nós nos EUA desde 1996, 77 obtiveram financia­mento a partir dos encontros, perfa­zendo um total deUS$ 270 milhões investidos", contabiliza Myers.

Peter Jones, do Darby Technology11 &..v• \P-. Group, disse que, no ano 2000, US$ 100 uJ~ bilhões foram alocados em projetas ~ de empresas nos Estados Unidos - lJ"A.

01

um recorde histórico. ''A Internet im- jj pulsionou esse movimento': disse. Pa-ra este ano, o cenário é bem diferen-te. O total investido deverá cair para US$ 40 bilhões por conta da decepção dos investidores com os parcos retor-nos oferecidos pelos negócios ligados à Internet. Fato que não é necessaria­mente ruim, segundo ele. ''Agora, o capital de risco se volta para outros setores da tecnologia e busca oportu­nidades com mais critério e atenção."

Altruísmo e ambições- Durante o Ven­ture Forum, os investidores tiveram a oportunidade de confirmar esse no­vo cenário também para o Brasil e fo­ram muito claros em dar seu recado

aos empreendedores. "O capital de ~\

~ risco é ávido por altos retornos", dis-se Luiz Spínola, da UBS Capital Ame­i "Não investimos por altruísmo,

\e sim para ganhar dinheiro na saída." Saída é o momento de deixar o

empreendimento, tirando daí os lu-cros que devem ser maiores do que aqueles proporcionados pelo merca­do financeiro. O risco é a possibili­dade de o empreendimento não dar certo, situação natural que cerca os negócios inovadores com os quais ainda se tem pouca experiência.

PESQUISA FAPESP · MAIO DE 2001 • 57

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A intenção dos investidores não é manter o controle ou ficar com a em­presa para sempre. A essência da ati­vidade manda o investidor se desfa­zer do negócio quando achar que ele atingiu um estágio de maturação su­ficiente para trazer um bom retorno.

Busca na universidade - "Investimos principalmente em empresas de in­fra-estrutura ligadas à Internet, mas agora estamos visitando universida­des e incubadoras", disse José Car]QS. La Motta, um dos sócios da E-Plat­

ndo com quatro sóci arttci a ao nibanco. e revela

que está em negociação com um gru­po de pesquisadores gaúchos. "Por enquanto não posso falar quem é e nem o quê", despista. "Nosso objetivo é entrar em empresas nascentes com uma participação entre 25% e 30%." ~iretor da Com­

panhia Riograndense de Participa­çõe:m apresentou o que todos dizem ser ndamental para o desen­volvimento do capital de risco no Brasil: histórias de sucesso. A CRP foi uma das financiadoras do provedor de Internet NutecNet, em meados da década de 90. Hoje, após passar um período chamado Zaz, o negócio faz parte do megaportal internacional Terra, da espanhola Telefônica. A em­presa, depois de implementar dois fundos de investimento em empresas emergentes de base tecnológica, o RSTec, para o Rio Grande do Sul, e o SCTec, para Santa Catarina, prepara o SPTec. "Estamos montado uma fi­lial em São Paulo", avisa Meurer.

Tanto os investidores quanto os empreendedores saíram satisfeitos da troca de experiências promovida pelo 3° Venture Forum. "Estar em can­tata com idéias inovadoras é sempre produtivo", disse Cláudio Vidal, exe­cutivo do Santander Private Eguity.

..--"J>reciSãrriÕs multiplicar oportunida­des como essa", propôs o professor Brito Cruz. Duas novas rodadas do Venture Forum já estão marcadas: a primeira, para agosto, em Belo Hori­zonte, e a outra, em outubro, no Rio de Janeiro.

58 • MAIODE2001 • PESQUISA FAPESP

Mostra de boas idéias As novidades e as pretensões das empresas

N ervosismo e tremedeira. Essas foram duas das sensações mais comenta­das ao final do dia de

apresentação das empresas para os investidores no Venture Forum. Mes­mo com dois meses de preparação, os sócios das 16 empresas emergentes de base tecnológica ficaram nervosos antes e durante a apresentação. A maioria, mais acostumada com ban­cadas de laboratório, tinha consciên­cia de que sua tarefa era seduzir, em 12 minutos a platéia onde estavam pessoas com cacife suficiente para concretizar seus sonhos em forma de produtos ou sistemas, resultantes, muitas vezes, de anos de estudo e de trabalho. Até porque, os empreende­dores sabem que não podem contar com os empréstimos bancários atre­lados a juros altos que inviabilizam seus empreendimentos.

Todos se saíram bem na apresen­tação. O recado foi conciso e direto sobre os itens que os investidores precisavam saber sobre a empresa. Uma apresentação que levou em· conta os produtos, a perspectiva e o tamanho do mercado a ser atingido. Na pauta da exposição também constou o montante de capital neces­sário e as possibilidades que o inves­tidor terá em auferir lu­cro no futuro, por meio da venda na participa­ção acionária ou mes­mo pela venda da em­presa ou parte dela para uma outra empre­sa do setor, normal­mente de maior porte. Uma situação que apa­rentemente é compli­cada mas, é bom lem­brar, até um dos homens mais ricos do mundo, Bill Gates, pre-

cisou de um investidor de risco no início de seu império, a Microsoft.

Nenhum dos empreendedores re­clamou do pouco tempo, ao contrá­rio, muitos gastaram menos que os 12 minutos preestabelecidos. Todos se saíram bem na apresentação. "Só o fato de ter participado e de ter sido treinado para isso já foi positivo", dis­se Jaime Francisco Leyton Ritter, bio­'qufmtco e fun<Wfui da~ empresa que abriu a série de exposi­ções. Ela faz parte do grupo de seis empresas que recebem financiamen­to da FAPESP dentro do Programa de Inovação Tecnológica em Peque­nas Empresas (PIPE).j>roqualit, Uni-~ma, Tecnolab, Qualibrás e Cloro­

vale são as outras cinco.

Oportunidade de ouro- São empresas que receberam incentivo para reali­zar pesquisa de inovação tecnológica e desenvolvimento de produtos e sis­temas dentro das empresas. Uma política adotada pela FAPESP desde 1995, quando do lançamento do

Ritter: hormônio de crescimento

produzido no Brasil

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PITE, que possui 52 projetos aprovados, e continuou com o PIPE, em 1997. Hoje, o PIPE engloba 147 projetos que estão na primeira fase, quando são elabo­rados os estudos sobre a viabilidade técnica, e 61 na fase dois, para de­senvolvimento da pes­quisa e produção de um protótipo. Na fase três, que é propriamen­te a de produção e co­mercialização, a FA­PESP não participa.

"A função da FAPESP não é fi­nanciar a produção, mas sim finan­ciar a pesquisa dentro das empresas e conquistar novos ambientes que pro­piciem o desenvolvimento tecnológi­co. Embora não seja a nossa função, também estamos preocupados em ajudar na continuidade dessas em­presas, aproximando-as dos investi­dores e proporcionando meios para que elas se profissionalizem mais e cresçam': explicou o professor José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP, durante sua apresentação no Venture Forum, quando aprovei­tou para anunciar novas metas para o PIPE. "Queremos financiar cerca de 100 empresas por ano e ampliar o espaço para profissionais que saem da universidade em busca de empre­go, integrando-os como coordena­dores de projetos."

Empresa exemplar- O sonho comum a todas as empresas que estavam no evento no Maksoud Plaza se solidifi­ca no exemplo da Nano Endolumi­nal, uma companhia catarinense que desenvolve e fabrica produtos médi­cos como próteses auto-expandíveis e cateteres para cirurgias de aneuris­mas abdominais.

A Nano participou do 1 o Venture Forum realizado no ano passado no Rio de Janeiro. Ela recebeu o aporte financeiro de R$ 1 milhão da Com­panhia Riograndense de Participa­ções (CRP), um dos mais tradicio-

e amplificador de freqüências

emitidas por satélite para

TVs por assinatura

nais ·investidores de risco do país. O dinheiro vai servir para reforçar a atuação da empresa na área de pes­quisa endovascular.

Além da Nano, outras três empre­sas, entre as 26 que participaram das duas edições anteriores do Venture Forum (no Rio de Janeiro e em Por­to Alegre), já estão com contratos ser melhantes quase prontos, segundo Luciane Gorgulho, superintendente da área de desenvolvimento institu­cional em capital de risco da Finep. "E outras 12 estão em estágios avan­çados de negociação."

Os empresários participantes do 3° Venture Forum estão negociando com os investidores. Vale aqui mos­trar um pouco dos produtos e da história das empresas, além da ne­cessidade de investimento que elas apresentaram no evento.

ENOSY - A empresa surgiu há dois anos para pesquisar a técnica de DNA recombinante utilizada em vá­rios ramos da biologia molecular. O primeiro fruto da utilização dessa técnica pela empresa já está maduro: trata-se do hGH, o hormônio de

crescimento humano que em forma de medi­camento ainda não é produzido no Brasil. "Esse é o nosso diferen­cial. Conseguimos fazer o mesmo produto a um preço mais acessível", diz Jaime Francisco Ley­ton Ritter, sócio da em­presa. Nos Estados Uni­dos, o hGH movimenta

US$ 280 milhões por ano. Após a apresentação, Rit­ter recebeu seis investidores, dois muito interessa­dos. Agora, vem a fase do namoro. "Vamos conversar e ver qual a me­lhor proposta." Já com um acordo de produção do

hormônio firmado com o laborató­rio Braskap, de capital nacional, a Genosys espera levantar R$ 4,2 mi­lhões para viabilizar o lançamento comercial do medicamento e desen­volver novas pesquisas em biotecno­logia. Em dez anos, Leyton Ritter es­pera faturar R$ 3 7 milhões.

em ao osé dos Campos, a empresa faturou R$ 5,5 milhões no ano passa­do ao fornecer equipamentos e pres­tar serviços para a indústria da televi­são a cabo. Mas, para se firmar e se tornar grande, ela precisa de R$ 9,5 milhões para ampliar a produção e desenvolver novos produtos em uma linha que conta com 150 itens dife­rentes. No ano que vem, a Proqualit espera faturar quase R$ 1 O milhões, segundo o diretor Sergio Pretti.1:!9 PIPE, a empresa tem um projeto para desenvolvimento de um amplifica­dor de freqüências emitidas por saté­lite que funciona acoplado a antenas parabólicas de televisão por assina­tura. A fabricação desse equipamen­to no país vai evitar a importação do produto. Durante o evento, Pretti e

PESQUISA FAPESP · MAIODE2001 • 59

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o outro sócio, Alexandre -..Trindade, rece eram seis representantes de fundos de capital de risco.

NISOMA - A empresa e 1stemas específi­cos para apoio a decisões na agroindústria (Sadia e Perdigão são alguns de seus clientes). Com 17 anos de vida, a empresa pretende levantar R$ 2 milhões dos investidores para finalizar projetos. O plano de negó­cios prevê um faturamen-

Silva: aparelho analisa estruturas metálicas internas ao concreto

dois outros produtos em fase âe desenvo v1mento . ...._ O Cover Meter, uma ver­são antiga do IRIScan, que não gera imagens, e o LPSD-1, aparelho que faz análise de vibrações mecâ­nicas. Para chegar ao mer­cado, a empresa precisa de R$ 1,5 milhão. A perspec­tiva de Silva é faturar R$ 23 milhões em 2006. Ho­ras após sua exposição no Venture Forum, ele já co­memorava o assédio dos

to de R$ 30 milhões em cinco anos. A empresa tem como sócio o professor Miguel Taube Netto, do Instituto de

- Matemabca da Omvefslaade Estadual de Campinas (Unicamp ), e possui, no PIPE, um projeto de software para controle de abatedouros de frango (Pesquisa FAPESP no 63) .

empresa está incuba­da no entro Incubador de Empre­sas Tecnológicas (Cietec), no prédio do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) na Cidade Univer­sidade, em São Paulo. Segundo o só-

cio Isaac Newton Lima da Silva, o trÚnfo principa d norab r um visualizador de estruturas metálicas

potenciais investidores. "Recebi a visita de cinco investidores e um ficou muito interessado."

internas ao concreto. O produto, ba- • FOTORAMA - A empresa carioca de-tizado de IRISCan, elimina um ritual senvolveu tecnologia para a realiza-básico ~anute~o de estruturas ção de fotografias digitais em 360 desse tipo: a raspagem do concreto graus - inédita no Brasil, usadas, para a verificação do estado de conser- principalmente, em sites para visuali-vação do metal. "Será uma revolução zar um local turístico ou um quarto nos procedimentos do setor", afirma de hotel em detalhes. Os sócios Ber-o inventor Silva, que desenvolveu o nardo Estefan e Eduardo Bezerra es-IRISCan como base na sua tese de peram levantar R$ 1,6 milhão para doutorado na Universidade de Man- ganhar mercado. Os dois são alunos chester, na Inglaterra, em setembro dos cursos de economia e de infor-de 1999. A empresa conta com mais mática, respectivamente, da gradua-----

Energia elétrica para o futuro vidos pelo químico em Cajobi. Es­sas peças fazem a transformação química do hidrogênio em eletrici­dade. O primeiro equipamento fi­nalizado por Ferreira gera 1 quilo­watt (kW), suficiente para cinco lâmpadas de 100 watts. O objetivo dele é no próximo ano colocar no mercado equipamentos de 100 kW, próprios para pequenas indústrias. O combustível utilizado inicial­mente é o gás natural. "Com adap­tações podemos utilizar também o etanol", afirma Ferreira.

Com quase quatro anos de exis­tência, o PIPE tornou-se um espaço amplo de realizações. Uma das ex­periências mais gratificantes é a do químico Antônio César Ferreira, que participou da exposição de pro­jetos realizada junto com o Venture Forum. Depois de passar nove anos trabalhando nos Estados Unidos, onde também fez pós-doutorado, Ferreira voltou ao Brasil graças ao PIPE. "Enviei minha proposta de projeto, em 1997, ainda dos Estados Unidos", lembra Ferreira.

Ele montou a empr~s'a nitech ) em sua cidade natal, Cajobi, proxima a São José do Rio Preto, com o obje­tivo de desenvolver componentes pa­ra células de combustível, um equi-

60 • MAIO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

pamento que gera energia elétrica a partir do hidrogênio, matéria-prima que pode ser retirada do gás natural (metano), da gasolina, do etanol (ál­cool usado nos carros brasileiros) e até da água.

As células de combustível são equipamentos silenciosos que não poluem e têm a água como resíduo. São a grande promessa para a geração de energia elétrica e para os motores de veículos. Algumas montadoras como Daimler-Chrysler, Honda e BMW já apresentaram automóveis impulsionados por células a hidra­gênio, ainda híbridas com a gasolina.

O coração do projeto de Ferreira está nos separadores bipolares de polímero condutor iônico desenvol-

Mesmo com tecnologia nacional em desenvolvimento, o Ministério do Desenvolvimento, de Indústria e Comércio Exterior (MDIC) está prestes a assinar um convênio com uma empresa alemã para desenvol­ver no país células de combustível

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ção da Pontifícia Universidade Cató­lica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) .

QUALI~- Instalada em Campi­n s,a-e~ atua na área de servi­ços e soluções em telecomunicações e metrologia. O engenhei.ro Gilberto Possa e sua equipe prestam serviços no ~uipamentos e na calibra­

ção de aparelhos industriais. Eles tam­bém desenvolvem, dentro do PIPE, um equipamento que auxilia na pro­dução e no reparo de placas eletrôni­cas de centrais telefônicas digitais. A empresa possui clientes de grande porte como Lucent, Motorola e Tess. Possa pretende, inicialmente, levantar R$ 4,8 milhões. "Em 11 anos, traba­lhamos com recursos próprios e limi­tados. Chegou a hora de crescer", diz.

• KUNZEL- Especializada em equipa­mentos odontológicos, a empresa apresentou seus projetos no setor de implantes dentários, cujo potencial no Brasil é enorme, se­gundo o diretor Aguinal­do Campos Júnior. ''Ape­nas 0,2% da população brasileira adulta possui

que funcionem com etanol. Na Alemanha, as células de combustível são alimenta­das com metanol, álcool re­tirado de cereais e de ma­deira. O ministro Alcides Tápias, do MDIC, diz que sabe das várias iniciativas em desenvolvimento no Brasil para produção de células de combustível e falou sobre o acordo com os alemães. "Vamos desenvol­ver uma nova tecnologia com pes­quisadores brasileiros utilizando o etanol': assegurou Tápias.

Apontadas como o gerador ener­gético do futuro, as células de com­bustível ainda produzem uma ener­gia considerada premium. Segundo Ferreira, o preço do kW gerado por uma célula é deUS$ 1,5 mil. O valor

implantes, enquanto nos EUA esse número está entre 4% e 8%", afirma. A empresa pretende produzir insu­mos com um preço menor que os importados. Para isso, precisa de R$ 1,5 milhão dos investidores.

• TORNATTI - A empresa produz soft­wares para sincronização de bancos de dados e para automação dos pro­cessos de qualidade ISO 9000 e ISO 14000. A Tornatti está associada ao núcleo de Campinas da Sociedade para a Promoção da Excelência de Software Brasileiro (Softex) e já pos­sui a sua formação acionária, investi­mento da VentureLabs, uma empresa de participações em empreendimen­tos nascentes com base tecnológica.

• ENTER-PLUS - Empresa catarinense fundada em 1992 desenvolve tecnolo­gia para mapas digitalizados que po-

de um kW de uma termelétrica (gás natural, diesel ou carvão) é de US$ 600. "Mas a célula é três vezes mais eficiente em termos energéticos", afirma. Por isso, a célula de combus­tível provoca uma grande corrida tecnológica em todo o mundo. "Existem mais de 200 protótipos de células de combustível para geração de energia elétrica."

O desafio de Ferreira agora é am­pliar sua empresa e colocar o produ-

dem ser acoplados a banco de dados. O Plano de Negócio apresentado pre­vê a necessidade de R$ 1,5 milhão para a empresa ampliar a atuação comer­cial. A Enter-Plus tem como clientes empresas como Telemar, NET e Fumas.

• Electrocell- Incubada no Cietec de São Paulo, na Cidade Universitária, a empresa necessita, inicialmente, de US$ 2 milhões para concluir suas pesquisas na produção de células de combustível. O primeiro protótipo que produz 50 quilowatts (kW) de energia elétrica- próprio para prédi­os ou pequenas indústrias - está em fase de finalização. Esse equipamento utiliza gás natural (metano) ou hi­drogênio para produzir energia elé­trica. Estudiosos acreditam que o hi­drogênio é o combustível do futuro (veja quadro abaixo) . O engenheiro Gilberto Janólio, sócio na Electrocell,

mostrou também aos in­vestidores a necessidade de mais US$ 30 milhões, até 2004, para a criação de uma planta de produ­ção de seus geradores. A Electrocell foi formada pelos sócios de duas ou-

Na exposição de projetas do PIPE, os professores Brito e Perez ouvem Ferreira falar sobre célula de combustível

to no mercado. Para isso, estuda propostas de investidores de capital de risco, que ele recebeu antes do Venture Forum realizado em São Paulo. Enquanto decide os rumos da Unitech, Ferreira faz questão de dizer que só conseguiu desenvolver o seu projeto no Brasil porque obte­ve o financiamento da FAPESP. "Faço até um apelo para que outras entidades também financiem outras pequenas empresas:'

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tras empresas instaladas na incu­badora. Janólio com a empresa DCSystem, e o também enge­nheiro Gerhard Ett, da Anod­Arc. As duas empresas têm proje­tas dentro do PIPE. O primeiro desenvolve baterias especiais de lítio e de titânio para suprir os equipamentos de telecomunica­ções na falta de energia elétrica em uma estação telefônica, por exemplo. Ett elabora em seu la­boratório uma técnica de trata­mento de superfície de alumínio superior ao processo convencio­nal utilizado nas indústrias que fazem esse tipo de serviço. Agora, os dois também jogam seus es­forços na Electrocell.

direciona e-mails recebidos por um banco, por exemplo, para a pessoa ou setor específico que vai tratar do assunto contido na mensagem. Seus sócios esperam levantar R$ 3 milhões dos inves­tidores. A empresa tem a partici­pação da empresa de capital de risco E-Platform.

• Lema - A empresa instalada em Contagem (MG) apresentou aos investidores uma inovação práti­ca e útil: uma embalagem de me­dicamento veterinário com serin-

Janólio: célula para gerar 50 kW de energia elét rica

empresa de São J ~.r.~.J.Y<.-.:::;-dmpos é a primeira da América Latina a atuar no ramo de diamantes-CVD, material que começa a ser usado na ponta de brocas odontológicas, em apare­lhos de precisão e de cortes in­dustriais. A empresa já fábrica brocas com durabilidade 50 vezes superior que as convencionais de metal (Pesquisa FAPESP n° 52) . A Clorovale é um exemplo da transferência do mundo acadê­mico para o mundo comercial.

ga, pronto para ser aplicado. Gilberto Lima, sócio da empresa, disse que o produto elimina horas e horas de ser­viço para quem lida com grandes re­banhos.

• Direct Talk - Atua no desenvolvi­mento de programas para relacio­namento dos sites com os consumi­dores. Com sede em São Paulo, a empresa desenvolveu um sistema que

Três de seus cinco sócios ainda trabalham no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), um dos pólos de estudo de diamante artifi­cial no Brasil. Em três anos, a empre­sa espera faturar R$ 10 milhões. Para

·- - --- ----

li As 16 empresas participantes do 3~ Venture Forum !

EMPRESA RAMO DE ATUAÇÃO SEDE PRINCIPAL(IS) PRODUTO(S) NECESSIDADE DE INVESTIMENTO

Genosys Biotecnologia São Paulo (SP) Hormônio de cresCimento R$ 4,2 milhões

Proqualit Infra-estrutura/ S.J. Campos (SP) Equipamentos de recepção R$ 9,5 milhões Telecomunicações de TV por assinatura

Unisoma Software Campinas (SP) Sistemas específicos para R$ 2 milhões a aaroindústria

Tecnolab Instrumentação São Paulo (SP) IRISCan, visualizador R$1,5 milhão Industrial de estruturas metálicas

Oualibrás Enaenharia elétrica Camoinas ISP\ Instrumentos de metroloaia RS 4 8 milhões

Clorovale Ena. de materiais S.J. Campos (SPl Diamante industrial R$ 2 milhões

Fotorama Fotografia digital Rio de Janeiro (RJ) Fotografia em 360° R$ 1,6 milhão

Kunzel Egui[>. odontológicos Bauru (SP) lm[>lantes dentários R$ 1,5 milhão

Tornatti Software Valinhos (SP) Software para sincronização R$ 3 milhões de bancos de dados

Enter-Pius Software Florianó[>olis (SC) Ma[>as digitais R$ 1,5 milhão

Electrocell Energia São Paulo (SP) Geradores à base de US$ 32 milhões células a combustível I

Lema Prod. Veterinários Contagem (MG) Medicamentos veterinários R$ 2,25 milhões

DirectTalk Software São Paulo (SP) Software de relacionamento R$ 3 milhões

Tecno[>ar Eng. de segurança Belo Horizonte (MG) Sistema antifurto Qara carros R$ 640 mil I

Sourcetech Saúde Pindamonhangaba (SP) lnsumos Qara medicamentos R$ 2,5 milhões

Kiir Saúde São Paulo (SP) Esterilizador de ar R$ 1,8 milhão I

IL Contam com apoio do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) ~ Fonte: Empresas

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isso, pretende obter R$ 2 milhões dos investidores. Para o professor Evaldo José Corat, participar do fórum foi extremamente importante. "Nós, como pesquisadores, tínhamos uma noção amadora desse processo. Não fazíamos idéia de como financiar ou procurar investidores para a empre­sa", analisa. A Clorovale, que teve sua exposição apresentada pelo professor Vladimir Jesus Trava-Airoldi, rece­beu a visita de três investidores.

• Tecnopar- A empresa de Belo Hori­zonte (MG) desenvolve um sistema antifurtos chamado U-lock para automóveis em que o próprio proprietário desli­ga o motor do veículo a dis­tância com uma ligação te­lefônica em caso de roubo ou furto. Para a expansão de suas atividades a empre­sa necessita de R$ 640 mil.

tantes das 16 empresas foram para seus estandes e receberam os investi­dores. Foi o primeiro contato. A par­tir daí, eles mergulharam em negocia­ções na busca de um entendimento sempre difícil, que pode durar meses. Requer intuição e desenvolvimento de um espírito empreendedor por parte daqueles que estão à frente da empresa, além de boas doses de co­nhecimento financeiro, de marketing e de administração. Requisitos que, se não dominados pelos dirigentes das empresas, deverão ser supridos com a assessoria da Finep e do Serviço

res do Instituto de Pesquisas Energé­ticas e Nucleares (Ipen), desenvolve aplicações de laser industrial e faz, por exemplo, gravações no painel do rá­dio de um carro da Ford americana.

"Queremos crescer e para isso pre­cisamos de um investimento de R$ 1 milhão", disse Spero Penha Morato, sócio da empresa. ece emos mm as visitas durante a exposição, mas não conseguimos atrair investidores. O me­lhor para nós foram os contatos com outros empresários que mostraram in­teresse nos nossos se · om laser!'

e já fina­no PIPE,

se prepara para vôos maio­res. Comandada pelo físico

• Sourcetech - Desenvolver e produzir medicamentos naturais e insumos para a indústria farmacêutica com base na flora brasileira. Esse é o objetivo dessa empresa localizada em Findamo-

Trava-Airoldi: broca odontológica com ponta de diamante

ídio Kazuo Takayama, a empresa produz estações e trabalho espectrofotomé­tricas, um analisador quí­mico totalmente automáti­co e robotizado, capaz de quantificar, por exemplo, a presença de cloretos, ferro e sílica na água, ou detectar sulfeto, fosfato e amônia em efluentes domésticos ou industriais (Pesquisa FA­PESP n° 53).

"Estamos nos preparan-nhangaba. Ela está registra-da na Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos.

• Kiir- Instalada no Cietec de São Pau­lo, a empresa desenvolveu um apare­lho esterilizador de ar chamado Supe­rar. A invenção é de Gilberto Janólio, da Electrocell, e de alguns pesquisado­res do Ipen. Eles desenvolveram e paten­tearam o aparelho junto com o empre­sário Amílcar Cruzeiro, que comanda a Kiir. A empresa necessita de R$ 1,8 milhão para implementar a linha de produção do aparelho. O Superar é portátil e funciona elevando a tem­peratura do ar captado para dentro do aparelho e resfriando em seguida, matando assim grande parte dos mi­crorganismos presentes no ambiente.

Momento de decisão- Depois de fina­lizadas as apresentações, os represen-

Brasileiro de Apoio às Micro e Pe­quenas Empresas (Sebrae).

Esses apoios técnicos e gerenciais obtidos e absorvidos pelos empresá­rios durante a preparação para o Ven­ture Forum e, após o evento, se trans­formam num conhecimento que, se não servir para seduzir um parceiro financeiro neste momento, certa­mente vai ser útil ao longo da vida dessas empresas de base tecnológica.

Preparo e competência - Na exposi­ção promovida pela FAPESP no Maksoud Plaza, junto com o Venture Forum, várias empresas, além das 16 escolhidas para a apresentação, tam­bém mostraram sua competência e os pr ssos nquistados. É o caso ,~ .. ~-~, ·n ubada no Cietec de

- . Paulo (Pes isa FAPESP no 50). A empresa, ormada por pesquisado-

do para uma feira interna­cional de instrumentação espectrofoto­métrica que vai acontecer em 2004", contou Lídio. "Já estamos de olho nas chances do mercado mundial." Em­bora com grande potencial de cresci­mento, Lídio descarta o capital de ris­co. "Nós nos preparamos há 12 anos para chegar a esse ponto, produzindo outros produtos e investindo na em­presa sem cair nos juros bancários."

Encontro lucrativo- Várias experiên­cias marcaram o Venture Forum e a exposição dos projetos do PIPE e do PITE. Os dois eventos mostraram que é possível gerar desenvolvimento com a aproximação de três setores que até há bem pouco tempo não se cruzavam: pesquisa acadêmica, em­presas com produtos inovadores e investidores capitalistas. Um encon­tros em que todos ganham. •

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TECNOLOGIA

ALIMENTOS

Saudável camu-camu Suco da fruta com alto teor de vitamina C é obtido em pó e microencapsulado

Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Uni­

camp) obtiveram do fruto amazôni­co camu-camu um suco desidratado e microencapsulado de sabor refres­cante, com teor de vitamina C equi­valente ao da acerola - 40 vezes su­perior ao da laranja. A vitamina C atua na prevenção de infecções ge­rais - aumenta a resistência natural do organismo - e é reconhecida no combate aos radicais livres causado­res de envelhecimento e como auxi­liar no fortalecimento do sistema imunológico. Além da vitamina C, esse fruto vermelho arroxeado con­tém outros antioxidantes, como as antocianinas, e teor elevado de potás­sio, o que sugere sua indicação para hipertensos porque proporciona um melhor balanceamento de sais no organismo, principalmente do clore­to de sódio (o sal de cozinha) .

O objetivo do projeto, coordena­do pela professora Hilary Castle de Menezes, da Faculdade de Engenha­ria de Alimentos (FEA) da Uni­camp, foi melhorar as condições de extração do suco1 obter um processo de microencapsulação do pó resul­tante da desidratação do suco e ava­liar sua estabilidade durante um prazo de validade de 120 dias. "A microencapsulação", explica Hilary, "consiste em recobrir partículas só­lidas com uma fina camada de um material encapsulante, como a mal­todextrina e a goma arábica. Assim,

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Frutos da Myrciaria dubia: potencia l de uso pela indúst ria de sucos e de cosmét icos

o núcleo envolto fica estável e prote­gido contra a deterioração, em con­dições de ser comercializado".

Substância natural - A pesquisa tem a participação da engenheira química Cristina Maria Araújo Dib Taxi, que veio de Belém (PA), onde se gra­duou na Universidade Federal do Pará (UFPA), para fazer doutorado na Unicamp e é orientanda de Hi­lary. Cristina conta que, em 1960, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) atestara a existên­cia de 5% de vitamina C por peso no

camu-camu - conhecido também como caçari, araçá-azedo e araçá d'água. "Em função desse alto teor-5.000 miligramas por 100 gramas -o fruto passou a ser usado como an­tioxidante (conservante) pela indús­tria de cosméticos, que nos últimos cinco anos também incluiu seu suco em alguns produtos, atendendo à preferência do público por compo­nentes naturais."

Cristina revela ainda que, nos Es­tados Unidos, o camu-camu já foi lançado em cápsulas, como fonte de vitamina C. Os frutos congelados

A vitamina que vem das várzeas

Nativo da Amazônia peruana e brasileira, o camu-camu (Myrciaria dubia) pertence à família das mirtá­ceas, a mesma da jaboticabeira. Cres­ce em áreas de várzeas, lagos e rios com os galhos e as raízes submersas, e seu desenvolvimento é favorecido pelo clima úmido e quente. As sa- · fras de várzea ocorrem de dezembro a março e sofrem a influência das cheias que impedem a colheita.

Há duas variedades: uma arbus­tiva, outra arbórea. A arbórea pro­duz mais frutos e com mais vita­mina C: até 5.000 miligramas (mg) por 100 gramas de fruta. A acero­la, a mais conhecida fruta com essa vitamina, atinge o máximo de 4.600 mgllOOg. A arbustiva tem ra­mos mais baixos e menos frutos, com menos vitamina. Ambas são resistentes a pragas e doenças e

-

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são importados do Brasil e vendidos em forma de suco desidratado e embutido em cápsulas iguais às utilizadas em diversos tipos de fárma­cos alopáticos ou fitoterá­picos. "Não existe nenhu­ma preocupação com a cor, sabor e solubilidade, pois trata-se de um remédio na­tural e não um alimento", diz Hilary.

"O fruto não é consu­mido in natura devido ao sabor extremamente áci­do, de modo que grandes quantidades apodrecem e se per­dem no ambiente natural", revela Cristina, que recorre a pessoas de suas relações no Pará para receber o camu-camu na Unicamp. O estudo tecnológico leva em conta a necessi­dade de diminuir a acidez no suco em pó para torná-lo mais palatável com a possibilidade de incluí-lo em outros alimentos como um enn­quecedor de vitamina C.

Primeiros passos - ·Como não havia estudo tecnológico sobre o assunto, o primeiro passo foi testar três tipos de extratores de suco. Além de ga­rantir melhor sabor, a permanência das sementes intactas deveria per­mitir seu uso no replantio. O me­lhor processo testado foi o extrator de escovas que, com movimentos mais suaves de pressão contra os

adaptáveis à variação de tempera­tura e índice pluviométrico.

Há regiões - interior do Pará, Vale do Ribeira, em São Paulo, e certas áreas do Paraná - onde o camu-camu é cultivado fora das várzeas, mas os frutos têm menos vitamina C (cerca de metade do encontrado na planta nativa). Em­bora o sabor extremamente ácido não agrade ao paladar humano, o camu-camu in natura, é usado como isca na pesca do tambacu, peixe dos rios da amazônia.

o encapsulamento das partículas

do suco desidratado

frutos, obteve mais rendimento de suco - pouco acima de 50% -, me­nos quebra de sementes e sabor fi­nal aprimorado.

Obtido o suco, a questão seguin­te era: qual a melhor forma de apre­sentá-lo ao mercado consumidor, de forma a garantir o seu teor de vita­mina C? Não bastava desidratar, pois partículas do pó em cantata com o ar perdem vitamina C- que é facilmente degradada - e sofrem al~ teração da cor original pelo proces­so natural de oxidação.

A opção foi fazer a microencapsu­lação do suco por meio de um equi­pamento chamado atomizador, nor­malmente usado por indústrias de

O PROJETO

Suco de Camu-Camu Microencapsu/ado Obtido através da Desidratação por Atomização

MODALIDADE

Linha regular de auxílio à pesquisa

COORDENADORA

Hilary Castle de Menezes­Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp

INVESTIMENTO

R$ 21.803,85 e US$ 20.963,21 ----------------== o---'

laticínios e sucos. Para isso, o suco em pó foi levado ao aparelho misturado ao ma­terial encapsulante. Foram testadas a maltodextrina e a goma arábica - e escolhida esta última por proporcio­nar melhor resultado final, com menos alterações e com maior prazo de valida­de. Após a obtenção do pó, os pesquisadores avaliaram

o produto duran­te 120 dias quan­do armazenado a temperaturas de 25°C e 35°C. Tam­bém foi testado o pó do suco sem en­capsulante. Nesse caso, o pó escure­ceu e perdeu esta­bilidade.

A etapa final foi a pesquisa da embalagem mais adequada à conser­vação do produto. Foram analisadas várias, do tipo sachê laminado flexí­vel, como as usadas para refrescos em pó. Os sachês escolhidos tinham camadas compostas, de fora para dentro, por PET (poli tereftalato de etileno), papel, alumínio e nova­mente PET. Esse tipo de embalagem impede a entrada de luz, oxigênio e umidade e mostrou-se eficiente na conservação do produto que perma­neceu estável, sem bolores, levedu-

- ras, coliformes ou componentes pa­togênicos. Atingiram-se, portanto, os objetivos do projeto, que também teve a participação do professor Car­los Grosso, do Departamento de Pla­nejamento Alimentar em Nutrição da FEA, responsável pelo controle de qualidade dos materiais e equipa­mentos empregados e orientação no uso dos encapsulantes.

Para Hilary, a possibilidade de aproveitamento industrial do camu­camu tem significado econômico para a região amazônica. É possível criar empregos para a colheita dos frutos nativos, o cultivo planejado e o processamento do suco do camu­camu microencapsulado. •

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TECNOLOGIA

MINÉRIO

Mudança de status Brasil passa a produzir manganês de alta pureza para indústria eletrônica

Ocarbonato de manganês de alta pureza, uma das maté­

rias-primas mais requisitadas pela indústria de componentes eletroele­trônicos, passa a ser produzido no Brasil. A Fermavi, empresa situada em Suzano, na Grande São Paulo, de­senvolveu tecnologia própria para o processamento do manganês e ex­perimenta os primeiros resultados comerciais do produto. Pequenas

· quantidades já são fornecidas para a Thornton, de Vinhedo, na região de Campinas, empresa fabricante de ce-

râmicas magnéticas (ferrite de man­ganês-zinco). Essas cerâmicas são utilizadas na produção de indutores, transformadores e filtros de apare­lhos eletrônicos, como computado­res e TV s, além de equipamentos de telecomunicações e de iluminação.

A Fermavi é hoje a única empre­sa que produz carbonato de manga­nês no país, um material relativa­mente novo na indústria. Ele é produzido a partir da dissolução do manganês em solução de amônia (carbamato de amônia), que passa, depois, por um processo de purifi­cação e precipitação (solidificação) como carbonato de manganês de alta pureza.

A empresa é uma tradicional for­necedora de insumos minerais para o setor químico e de fertilizantes e de­senvolveu o carbonato com um pro­jeto financiado pelo Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP.

Domínio do processo - A conclusão da planta industrial, prevista para p

final de 2002, vai permitir que a Fer­mavi altere o status do Brasil de sim­ples fornecedor do minério bruto, para produtor e exportador do car­bonato de manganês de elevada pu­reza. "Trata-se de um projeto de do­mínio de tecnologia que trará retorno garantido e permitirá a transferência desse conhecimento para outras empresas do setor, além da abertura de novos empregos", analisa o engenheiro Sílvio Benedic­to Alvarinho, que coordena o proje­to na Fermavi. Nos anos 70, na fun­ção de pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), ele rea-

Manganês natural: as jazidas brasileiras têm qualidade e quantidade suficiente para a produção de carbonato no país visando à exportação

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lizou os primeiros ensaios em labo­ratório para a obtenção de um pro­duto de alta pureza originário do manganês.

Alvarinho seguiu uma linha de pesquisa que se baseia num processo desenvolvido nos anos 50, nos Esta­dos Unidos, para tratar minérios usa­dos em siderurgia. Depois, o processo foi complementado, naquele país, por uma etapa de purificação que resul­tou no carbonato de alta pureza. A idéia do projeto atual teve início du­rante a realização de uma pesquisa sobre o mercado de novos materiais, realizada por Alvarinho, em 1995.

Reservas de peso- Falar em carbona­to de manganês de elevada pureza ainda é novidade no meio empresa­rial brasileiro, mas, no exterior, tra­ta-se de um produto caro e muito disputado no mercado de compo­nentes eletrônicos. Os principais produtores são Bélgica, Estados Unidos e Japão. O manganês bruto chega a esses países a US$ 90 a tone­lada e o produto final (o carbonato de manganês de alta pureza) é ven­dido às indústrias eletroeletrônicas por US$ 1,5 mil a tonelada.

Um dos principais efeitos desse projeto é a valorização do minério brasileiro, classificado como de alta qualidade, extraído em grandes quantidades, principalmente das ja­zidas de Carajás, no Pará, pela Com­panhia Vale do Rio Doce, Urucum, em Mato Grosso, e em algumas re­giões da Bahia e de Goiás, ainda pouco exploradas.

"Calculamos que a nova planta industrial, se concebida para uma produção de 4 mil toneladas por ano (t/ano), permitirá um faturamento anual deUS$ 6 milhões", prevê Alva­rinho. Foi ele quem fez o convite de parceria à Fermavi, em 1997, quando a proposta de produção de carbona­to foi apresentada à FAPESP. A Fun­dação liberou R$ 208 mil, ao longo dos últimos três anos, o que possibi­litou a montagem da usina piloto de produção do carbonato e duas uni­dades laboratoriais.

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de resíduos para o meio ambiente. Embora com esses cuidados, a em­presa vai ter que procurar outro local para se instalar. A área atual é zona de manancial e não aceita mais amplia­ções industriais.

Alvarinho: carbonato é matéria-prima para o bióxido de manganês usado em pilhas

Momento ideal - Alvarinho explica que a continuidade dos ensaios labo­ratoriais e o seu aprimoramento per­mitiram a consolidação dos parâme­tros operacionais da empresa e a definição de um fluxograma a ser utilizado, numa etapa posterior, em projeto de unidade industrial ou semi-industrial. Com a ampliação, a empresa almeja atingir uma escala de produção de 5 mil toneladas de carbonato de manganês e 1 O mil to­neladas de bióxido de manganês­gama por ano.

Nos primeiros meses do estudo em laboratório, a empresa limitava-se a produzir bateladas de 50 gramas de carbonato de manganês de alta pureza. Depois, passou a obter 1 quilo e hoje produz cerca de 100 quilos por hora na unidade piloto. "É ainda uma pro­dução experimental, mas que permi­tiu o levantamento dos parâmetros dos processos necessários para o pro­jeto da unidade industrial."

O mercado mundial de carbonato de manganês de alta pureza repre­senta cerca de 25 mil t/ano. Para en­trar nesse mercado, a Fermavi tem a meta de produzir cerca de 5 mil t/ano, ou 20% do mercado mundial. "O trabalho até agora desenvolvido nos dá segurança para dizer que po­demos chegar a esse nível de produ­ção': acrescenta o engenheiro Oscar de Nucci, que trabalha junto com Sil­vio Alvarinho.

O PROJETO

Produção de Carbonato de Manganês de Alta Pureza

MODALIDADE

Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE)

COORDENADOR

SILVIO BENEDICTO ALVARINHO - Fermavi

INVESTIMENTO

R$ 208.365,00

Outro produto - A produção do car­bonato abre também um outro cami­nho. Ele é importante para a produ­ção de bióxido de manganês químico ou bióxido de manganês-gama, ma­téria-prima usada na composição de pilhas e baterias. Trata-se de um pro­duto considerado extremamente sofis­ticado sobretudo em razão da comple­xa tecnologia a ser empregada para obtê-lo, que já está sendo desenvolvi­da pela equipe de Alvarinho. "Esse tema é objeto de outro projeto nosso dentro do PIPE que será finalizado em um ano."

As dimensões do mercado mufl.­dial para o bióxido são bem mais am­plas- cerca de 200 mil t/ano- contra as 25 mil toneladas do carbonato es­pecial. Otimista com os resultados até agora alcançados, Alvarinho adianta que a Fermavi também terá condições de deter uma parte expressiva do mercado de bióxido. "O Brasil pro­duz o minério em quantidade, de boa qualidade, e a nossa equipe já domi­na parte da tecnologia necessária ao desenvolvimento desse produto."

Para os dois projetas foram esta­belecidas linhas de processamento que incorporam conceitos rígidos de proteção ambiental, sem o descarte

Segundo Alvarinho, o momento é ideal para desenvolver projetas dessa natureza porque há uma evidente so­licitação do mercado para o carbonato de manganês de alta pureza e tam­bém para o bióxido de manganês. Um momento que será aproveitado. •

Carbonato de manganês de alta pureza: é usado na produção de cerâmicas que servem de

matéria-prima para componentes eletroeletrônicos

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HUMANIDADES

CINEMA

Mauro Sarubbo: "Tarantino é um diretor que apresenta a celebração da cultura de massas nas metrópoles globalizadas"

O independente que deu certo Tese mostra Tarantino como um cineasta singular que se baseia na pluralidade

As lentes do cineasta norte-ame­ricano Quentin Tarantino têm

o foco no paradoxo. Ao mesmo tem­po em que flertam com ícones da in­dústria cultural fazem pouco de suas regras e caminham para uma nova direção. Por esse olhar subversivo -que combina referências do passado com o presente - , seu cinema é con­siderado a perfeita tradução da séti­ma arte pós-moderna. "Ele é o me­lhor cineasta dos anos 90 dos Estados Unidos porque sacode as

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fórmulas das narrativas, que se tor­naram hegemônicas na década ante­rior", diz o pesquisador Mauro Alejandro Baptista y Vedia Sarubbo.

Com bolsa da FAPESP, Sarubbo desenvolveu a tese Quentin Taranti­no: História, Comentários e Cultura Pop, defendida na Escola de Comuni­cações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Seu trabalho discute as razões pelas quais o diretor de Pulp Fiction é um cineasta singu­lar, embora beba na fonte da plurali­dade contemporânea. "Trata-se de um diretor com uma sensibilidade pós-moderna, que apresenta uma ce­lebração da cultura de massa nas me­trópoles globalizadas", afirma.

O que chama a atenção para o trabalho de Tarantino é o fato de ele

ter conseguido ser um cineasta inde­pendente, mas que deu certo. Depois de conquistar a crítica com seu vio­lento filme Cães de Aluguel (1991), atingiu em cheio o coração de Holly­wood, com Pulp Fiction - Tempo de Violência (1994). O filme inverteu a narrativa linear, obteve enorme su­cesso de público, alcançou a marca de US$ 100 milhões em bilheteria e recebeu várias indicações ao Oscar. Mas, como mais um paradoxo, a en­trada no grande circuito não signifi­cou a perda da conquistada ternura da crítica. Com o mesmo filme, o di­retor ganhou a Palma de Ouro, prê­mio máximo do prestigiado Festival de Cinema de Cannes.

Três anos mais tarde, o diretor empolgou pouco o público com fac-

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kie Brown, seu último longa-metra­gem. A fria recepção, entretanto, não arranhou a aura de um cineasta ins­tigante e fiel ao seu estilo. "Ele é um cineasta que se situa em um 'entrelu­gar' da indústria com seu cinema de ruptura. Tarantino está na fronteira", justifica o autor.

Para desvendar a identidade de Tarantino na fábrica de sonhos, Mauro Sarubbo recorreu a duas cor­rentes: a teoria do gênero e a política de autor. "Essa perspectiva me parece

Cena de Pulp Fiction, com Travolta e Uma Thurman, e cartaz do filme: repleto

de referências da cultura pop

adequada para analisar um diretor que faz cinema de gênero com um ponto de vista autoconsciente de au­tor", avalia. A partir desses paradig­mas, o pesquisador analisou a forma, o estilo, a dramaturgia e o discurso cultural e ideológico da cinemato­grafia do diretor.

Cânones - Segundo os pensadores da política dos autores - movimento que surgiu nas páginas da revista francesa Cahiers du Cinéma, pelas mãos de Jean-Luc Godard e François Truffaut -, é necessário rejeitar todo tipo de cânones cinematográficos, bem como de preconceitos contra os filmes de gênero. Para eles, somente a

análise de cada película diz se ela tem valor artístico ou não. Essa perspecti­va propõe a abolição absoluta da oposição cristalizada no pensamento ocidental do século 20 entre cultura erudita e popular. "Isso implica pen­sar a cultura como algo dinâmico, com uma permanente interação entre suas diversas manifestações", analisa.

O ponto de partida da pesquisa, portanto, foi considerar a originalida­de como um dado não desprovido de história. "Tarantino se apropriou de

elementos do cinema clássico, mo­derno e até do pós-moderno e os transformou em algo novo", defende o autor. "Há sempre uma discussão se o artista inventa ou se reinventa. Nes­se caso, trata-se do novo a partir do velho. Tarantino faz com o cinema policial paródia semelhante que o diretor italiano Sergio Leone fez com o western 30 anos atrás."

Ao considerar esse espaço da in­dústria cultural, Sarubbo se preocu-

pou em distinguir os filmes de Quen­tin Tarantino das fitas "de receita". Se­gundo ele, o cinema tarantiniano re­jeita e se opõe às produções do cinema convencional contemporâ­neo, cuja principal característica é a narrativa linear e codificada em mi­tos e efeitos especiais. "É o cinema de fórmula que vem dominando Holly­wood desde os anos 80, cujos repre­sentantes típicos são George Lucas e Steven Spielberg", explica ele. Na vi­são do pesquisador, os cinemas de fórmula seguem a cartilha de Syd Field, um importante roteirista ame­ricano e autor de manuais de cinema, que prega a explicação didática da história nos primeiros 20 minutos da exibição da fita.

De fato, Tarantino está a anos-luz de ET e Guerra nas Estrelas. Seus fil­mes têm como marca registrada jus­tamente a quebra da ordem crono­lógica. "O grande desafio de Pulp Fiction - Tempo de Violência foi o personagem de John Travolta mor-

rer no meio da fita ~ ~ e voltar v1vo à ~ narrativa", indica ~ Mauro Sarubbo. o o "Mas não se trata '3 ~ de algo sobrena-~ tural. É apenas <E um artifício artís­~ tico." Para ele, esse " recurso ena uma ~ " sensação de estra­g

nhamento no es-~ ~ pectador e indica - uma intervenção

do narrador. A cena inicial,

em fackie Brown, também é afastada da noção de tem­poralidade. Essa estratégia, segundo Sarubbo, provoca ainda um efeito de deslocamento com relação à ficção. "Nesse contexto, o filme se propõe como um jogo ficcional. Tarantino nunca põe uma história como espe­lho da realidade", sustenta. O mesmo ocorre em seu primeiro filme, Cães de Aluguel, no qual os jlashbacks não dependem de um determinado per­sonagem. "Isso é uma característica

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Page 70: Caos e ordem no núcleo do átomo

do cinema moderno, que propõe a mani­pulação temporal sem ser justificada pela subjetividade do per­sonagem", diz o pes­quisador.

Nesse caso, sua principal referência é a primeira fase do ci­neasta Jean-Luc Go­dard, na década de 60. Na avaliação do autor, essa não é apenas uma citação cultural. Para ele, há uma apropria­ção de elementos da narrativa, como o próprio salto no tem­po, sem utilizar a típi­ca voice over jlashback clássico. No cinema clássico, o jlashback é uma estratégia em­pregada para desen­

Foto e cartaz de Cães de Aluguel: ele manipula o

volver a subjetividade tempo sem que d isso atenda a os personagens: re-trocede-se no tempo exigências da

subjetividade do para que o espectador acompanhe a lem­brança de alguém. "Esse é o caso de Titanic, que usa a estrutura de jlashback, com a voz in­trodutória de uma figura dramática. Em Tarantino, os saltos no tempo acontecem por pura vontade do nar­rador", explica.

Diálogo - Sarubbo diz que os filmes de fórmula atuais reduzem até mes­mo os paradigmas clássicos do cine­ma (de 1915 até o fim da década de 1950). Desse gênero, porém, Taran­tino bebe na fonte: incorpora suas convenções, o prazer de contar his­tórias e o domínio do diálogo. "Mas, ao mesmo tempo, ele o transcende ao integrar o cinema moderno dos anos 50 e 60 e o cinema pós-moder­no, constituído de paródia", afirma. Outra citação, portanto, são as mui­tas digressões a Sergio Leone e Go­dard. Assim como nos filmes desses diretores, os diálogos não fazem avançar a narrativa. "O princípio

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central dos longas-metragens de Ta­rantino é o acaso. Muitas vezes, ele quebra a causalidade narrativa, que é também um traço do cinema dás. sico", explica.

Uma terceira via da qual Taranti­no se diferencia, embora se aproxi­me, é a do cinema pós-moderno conservador. Essas produções citam e evocam o cinema do passado sem marcar uma distinção. Os melhores

O PROJETO

Quentin Tarantino: História, Comentdrios e Cultura Pop

MODALIDADE Bolsa de doutorado

ORIENTADOR ANTONIO LUIZ (AGNIN - Escola de Comunicações e Artes da USP

PESQUISADOR MAURO ALEJANDRO BAPTISTA Y VEDIA SARUBBO- ECNUSP

exemplos são Corpos Ardentes e Silve­rado, ambos de Lawrence Kasdan, e Vestida para Matar, de Brian De Pal­ma, que fazem um pastiche ao re­combinar outros filmes, mas se recu­sam a tratar do presente. "A diferença entre o pastiche e o cinema de Taran­tino é que, apesar de ambos usarem as mesmas referências de traços e es­tilos, o cineasta tem uma intenção consciente de dar conta do presente", afirma o pesquisador. "Mesmo em Pulp Fiction, que é repleto de referên­cias da cultura pop, ele transporta es­sas citações para o tempo presente da indústria cultural."

Dentro desse amplo universo, a definição do gênero cinematográfi­

co no qual os filmes de Tarantino se inserem é de difícil delimitação. De acordo com o pes­quisador, a exploração da violência em seus filmes passa pela apro­priação antropofágica dos expiai- tation mo­vies, gênero de filmes dos anos 70, feitos fora da indústria cinemato­gráfica. Suas princi­

pais características são a presença constante de cenas de sexo e de vio­lência muito além do que a indústria permitia. "O propósito claro era atrair mais platéia para as salas. Eram filmes feitos fora do circuito para um público de bairros mais pobres, ou ma1s JOvens."

Tarantino extrai dos exploitation movies o interesse pelo excesso de violência, de sexo e de drogas. "Tanto os filmes exploitation como os de Ta­rantino têm cenas de violência, sexo e drogas nas quais a narrativa também se suspende", compara. Em ]ackie Brown, porém, há uma clara home­nagem ao gênero ao ter a atriz Pam Grier, estrela desses filmes, como a protagonista.

Para Mauro, a atração é uma agressão sensorial ao espectador, reti­rando-o de sua acomodação. "Taran­tino é um antídoto para a inércia do cinema de fórmula': conclui. •

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HUMANIDADES

EDUCAÇÃO

)

/

Meu mundo aqui e agora Projeto integra universidade e ensino fundamental para a produção de atlas municipais

H á alguns anos, as palavras de ordem "pensar globalmente,

agir localmente" têm orientado ati­vidades de profissionais e pessoas preocupadas em preservar o meio ambiente. Uma experiência desen­volvida no Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), no Departamento de Edu­cação da unidade de Rio Claro, de­monstrou que um maior conheci­mento da localidade pode ser extremamente útil para a formação de cidadãos aptos a melhorar a qua­lidade de suas vidas.

Encabeçado pela professora Ro­sângela Doin de Almeida o projeto Integrando Universidade e Escola Atra-

vés da Pesquisa em Ensino foi desen­volvido entre os meses de março de 1997 e maio de 1999 no âmbito do Programa de Apoio ao Ensino Públi­co. Reuniu uma equipe de dez profes-· sores das áreas de História, Geografia e Ciências, do ensino fundamental das cidades de Limeira, Rio Claro e Ipeúna, no interior de São Paulo.

O objetivo dos pesquisadores, to­dos integrantes do Grupo de Desen­volvimento de Materiais Didáticos (GDMD) daquele instituto, era pro­duzir atlas municipais das três cida­des envolvidas, localizadas na região de Campinas, a segunda cidade mais industrializada e populosa do Esta­do. Para tanto, os pesquisadores lan­çaram mão de um extenso levanta­mento bibliográfico e de documentos, cartas e mapas contendo informa­ções geográficas, topográficas, sociais e humanas das regiões. Promoveram também atividades educacionais es­pecíficas, em suas escolas, com o ob-

jetivo de verificar se o material levan­tado era adequado aos usuários, crianças entre 9 e 13 anos, ou seja, en­tre a 3a e a 6a séries- mais de SOO alu­nos participaram do projeto.

Produtos - "Os professores desenvol­veram tanto produtos quanto me­todologias", afirma a professora Ro­sângela. Ao lado deles, trabalharam dois bolsistas em aperfeiçoamento técnico em informática e cartografia e ainda três bolsistas de iniciação científica. A FAPESP, além das bol­sas concedidas, contribuiu para a aquisição de três computadores, uma impressora, um scanner, mate­rial fotográfico e de consumo (para os equipamentos, o projeto recebeu, ao todo, R$ 10.700,00).

O trabalho resultou em três vo­lumes cartográficos que contêm os seguintes temas: localização do mu­nicípio no país e no mundo; divisão político-administrativa; rede viária;

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bairros e setores da área urbana; bairros e núcleos rurais; sítios arqueológi­cos; ocupação e povoa­mento; a cidade de outros tempos; a expansão urba­na; bacias hidrográficas, gestão de recursos hídri­cos e saneamento básico. "Por meio desses atlas, procuramos encaminhar os alunos para o estudo de seu ambiente mais próxi­mo, contribuindo para a conscientização dos jovens sobre a importância da preservação dos recursos naturais e da recuperação da memória e da origem histórica locais", explica Rosângela.

Alunos da Escola Heloisa Lemenhe Ma rasca: prazer de descobrir suas raízes ao estudar geografia

A realização do projeto, contu­do, enfrentou dificuldades. "As maiores se deram, primeiro, com a produção dos mapas que serviriam de base para os atlas", afirma a pesquisadora. "Dispúnhamos de mapas topográficos (escala 1:50000) publicados pelo IBGE em 1968-69. Como os mapas dos atlas deveriam ter escala 1:200000, todos eles foram elaborados a partir des­sas cartas do IBGE, que estavam muito desatualizadas."

Os pesquisadores tiveram de fa­zer diversos reconhecimentos de campo para atualizar as cartas. "Por exemplo, alguns núcleos rurais de Rio Claro não existiam mais, ou ti­nham outro nome. O limite entre Rio Claro e Ipeúna, que no mapa do IBGE tinha um traçado, no mapa da prefeitura tinha outro", conta a edu­cadora. "Além desses entraves técni­cos, que ~ostram como no Brasil o mapeamento do território ainda é precário, tivemos dificuldades em função das condições de trabalho dos professores da rede pública", acrescenta.

Apesar de receberem bolsa, o que poderia possibilitar uma redução de sua carga horária, isso não foi possí­vel para os efetivos, que eram obri­gados a assumir uma carga mínima

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de 30 horas semanais. "Havia neces­sidade de um horário coletivo sema­nal, porém isso só funcionou ade­quadamente no segundo semestre do projeto", lamenta.

Investigação histórica - Segundo Ro­sângela, houve uma transformação no modo de lidar com o conheci­mento por parte dos professores que participaram do projeto. "Eles tive­ram de buscar dados e informações em fontes originais", explica. O pro­cesso teve início com uma enquete realizada com professores da rede escolar para determinar que temas seriam os mais necessários ao aprendizado das turmas dentro da­quela faixa etária. Mas o resultado foi um rol de assuntos desarticula­dos, de forma que os próprios pes-

O PROJETO

Integrando Universidade e Escola Através da Pesquisa em Ensino

MODALIDADE

Programa de Apoio ao Ensino Público

COORDENADORA

ROSÂNGELA DOIN DE ALMEIDA- Instituto de Ciências da Unesp/Rio Claro

INVESTIMENTO

R$ 46.700,00

quisadores resolveram definir o que era mais importante.

"Por exemplo, os temas de histó­ria deveriam responder à questão da formação do território local", expli­ca a orientadora. Isso implicava per­guntar: de que maneira o processo de ocupação do território paulista, no contexto da colonização do Bra­sil, explica a ocupação da região onde hoje estão os municípios em estudo? O que existia na região antes de surgir a vila? Que interesses mo­viam os primeiros habitantes que se fixaram no local?

"A história da formação da pe­quena cidade de Ipeúna era pratica­mente desconhecida. A professora bolsista responsável por recuperá-la realizou uma pesquisa exaustiva, usando métodos da história oral e a análise de documentos originais ob­tidos em arquivos públicos e parti­culares." Segundo Rosângela, a bol­sista conseguiu estabelecer uma periodicidade na formação do terri­tório local.

Isso explicaria as relações atuais entre Ipeúna e Rio Claro e entre Ipeúna e Piracicaba, por meio das atividades econômicas que em dife­rentes momentos surgiram na pe­quena cidade. Essas atividades eram sempre secundárias e subsidiárias

Page 73: Caos e ordem no núcleo do átomo

Rosângela de Almeida e a coleção de atlas: vontade de

reunir teoria e prática

dessas duas localidades maiores. "O que esclarece os motivos do parco cres­cimento do município, en­cravado em uma região muito próspera do Estado de São Paulo", comenta.

Os professores de Geo­grafia definiram o espaço urbano como principal ob­jeto de representação nos atlas. ''A área urbana dividida em setores, que aglutinam bairros, passou a ser a principal meta da produção", diz Ro­sângela. Nos setores foram represen­tac'h;s os serviços, as escolas e as uni­dades de saúde. Essas mesmas informações aparecem em um mapa da área urbana dividida em setores, o que possibilita ver a distribuição desses serviços na cidade. "Pela pri­meira vez, os alunos desses municí­pios puderam localizar a rua onde moram, a escola onde estudam e os serviços que existem (ou não) em seus bairros': festeja a educadora.

Rosângela ressalta que, em con­formidade com a Geografia, a área de Ciências desenvolveu a temática do meio ambiente urbano, incluindo saneamento básico (água, esgoto,

lixo), enchentes e canalização de cór­regos e áreas verdes. "Essa temática foi priorizada em relação a outras áreas das Ciências em razão de vá­rios motivos", explica Rosângela. "Em primeiro lugar, por causa da grave condição atual dos recursos hí­dricos da região. Participantes do Consórcio das Bacias dos Rios Pira­cicaba, Capivari e Jundiaí nos procu­raram, solicitando o preparo de ma­terial escolar para ser usado em campanhas de conscientização sobre a qualidade da água", narra.

Maturidade- Para Rosângela, o apro­veitamento, por parte das crianças, dos atlas produzidos pela equipe, depende de uma experiência ante­rior. "Ainda é preciso avançar muito no ensino do lugar, quanto às con-

cepções e modos de ensinar, para evitar que se passe para o aluno uma visão linear e até ufanista da histó­ria", considera a orientadora. Para ela, o aluno precisa, primeiro, situar o lugar, a cidade no mapa. "Isso exi­ge que, antes de usar um atlas local, ele saiba o que é um mapa e tenha domínio de referenciais de localiza­ção. Essa aquisição não é simples, é um trabalho a ser realizado nas pri­meiras séries, com atividades de ini­ciação cartográfica", diz.

Na opinião da coordenadora, uma pesquisa como essa é de extre­ma importância para a formação dos professores da rede pública. "Um dos objetivos era levar o professor a ela­borar conhecimento por meio da

produção de um material didático. Os professores começaram a perceber as diversas dimensões envol­vidas nesse processo: dis­cutir o currículo e sua fun­ção no processo educativo, estabelecer um recorte de conteúdos a partir de sua relevância para entender o lugar, etc. Perceberam ain­da que é necessário ter ri­gor quanto às fontes de in­formação", afirma Rosân­gela. "E, o que parece ser a

principal aquisição, lidar com o co­nhecimento de forma crítica."

Os benefícios da pesquisa estão resumidos nas palavras de Hélia Maria de Fátima Gimenez Macha­do, de Rio Claro, uma das professo­ras envolvidas, citada por Rosângela: "Quando comecei a relatar minhas experiências, pude perceber clara­mente o quanto essa prática de sala de aula é a pesquisa mais importan­te que realizamos no nosso cotidia­no. Uma aula nunca é exatamente igual à outra porque cada aula e cada situação exigem adaptações e desenvolvimentos específicos. Nes­ses momentos, mesmo que não te­nhamos consciência disso, estamos produzindo nosso próprio saber, unindo a teoria à prática e refletindo sobre ambas". •

PESQUISA FAPESP · MAIO DE 2001 • 73

Page 74: Caos e ordem no núcleo do átomo

HUMANIDADES

MUSEUS

A arte ao alcance das mãos Ação do MAC permite que deficientes visuais possam ter acesso ao acervo com explicações

Um deficiente visual passeando pelos corredores de um mu­

seu pode parecer uma cena estra­nha. Mas, ao menos no Museu de Arte Contemporânea da Universi­dade de São Paulo (MAC/USP), isso é, agora, um fato bas­tante comum.

Criado há cerca de dez anos, o projeto Mu­seu e Público Especial faz exposições que per­mitem a fruição da arte por portadores das mais diversas deficiências, fí­sicas e mentais. A inicia­tiva recebeu uma bolsa de auxílio à pesquisa da FAPESP, em 1997. A di­retora da divisão de educação do MAC no período de 1994 a 1998, Dilma de Melo Silva, conta que, quando se lida com o público es­pecial, a palavra-chave é "multissensorial". "O pnmetro passo para se realizar uma dessas ex­posições é escolher, den­tro do acervo do museu, temas que possam ser interessantes de se des­tacar", explica Dilma.

ser adaptadas. Como as regras do museu não permitem contato ma­nual com pinturas e esculturas ori­ginais, são feitas réplicas em mate­riais resistentes a meses e meses de toques. ''A única forma de portado­res de deficiências visuais congênitas ou adquiridas, por exemplo, perce­berem o museu é tocando", explica a educadora Arnanda Fonseca Tojal, que coordena as exposições e os programas educativos do projeto.

Revelações - Chamadas O Toque Re­velador, as exposições são planejadas para ficar cerca de dois anos em exi-

bição. Além das réplicas, a equipe -composta de artistas plásticos, desig­ners, restauradores, conservadores do museu, educadores e professores - se concentra em elaborar o mate­rial didático de apoio, como catálo­gos em braile e kits de orientação. "A maior preocupação é que seja uma visita interativa, na qual tudo pode ser tocado", afirma Arnanda.

Para isso, são explorados, além das artes plásticas, recursos como a dramatização, poesia, jogos, música e até mesmo a prática em ateliês. Na exposição A Poética das Formas, por exemplo, atualmente no MAC, fo­

ram feitas réplicas de seis esculturas com ca­racterísticas abstratas, de celebrados artistas plásticos como Hideka­zu Hirano, Karl Har­tung, Laci Freund, Ni­colas Vlavianos, Rubem Valentin e Walter Linck.

"Quando começa­mos, precisávamos ficar correndo atrás das esco­las e instituições, que não acreditavam que museu fosse lugar para portadores de deficiên­cias" conta Amanda. "Além disso, os profes­sores temiam que seus alunos pudessem dar trabalho", continua. Dez anos depois, há uma grande procura e algu­mas escolas agendam suas visitas com um ano de antecedência.

Com o tema escolhi­do, é necessário pensar como as obras podem Deficiente visual toca escultura: uma maneira diferente de"ver"

Longe de se dar por satisfeita, entretanto, a equipe do MAC conti­nuou a encarar desafios. Um deles foi adaptar

74 • MAIODE2001 • PESQUISA FAPESP

Page 75: Caos e ordem no núcleo do átomo

pinturas para os deficientes, como na exposição Retratos e Auto-Retratos, que trabalhou com quadros do acer­vo. "A idéia é fazer a criança pensar na sua própria identidade", conta Dilma. Amanda lembra que, no iní­cio, trabalhava somente com escultu­ras, pois não acreditava que obras bi­dimensionais pudessem produzir bons resultados com deficientes. Mas foi justamente um cego que lançou a idéia, após ter lido, em braile, sobre o modernismo brasileiro e se interessa­do principalmente pelo trabalho de

"perda da aura das obras" - pois muitas reproduções não continham todos os detalhes das telas originais -, o resultado foi considerado posi­tivo pela equipe. "Os deficientes co­meçaram a aprender a 'ver' a obra de arte da sua forma, principalmen­te pelas mãos, no caso dos cegos", festeja Amanda. "Mas as reprodu­ções, com relevos e sulcos, são es­senciais, porque a maioria das telas de nosso acervo é composta por pinturas a óleo e mesmo que o to­que fosse permitido, não seriam

Arte e artesanato - Após dez anos de exposições no MAC, Amanda, que defendeu em 1999 sua tese de mes­trado O Museu de Arte e o Público Es­pecial, tem experiência de sobra no assunto. Em um curso que ministra para professores, a educadora ressalta a diferença entre ensinar arte e arte­sanato. "Existem dois caminhos para a prática artística", ensina. ''As insti­tuições geralmente usam o artesana­to, mas isso não é ensino da arte." A experiência artística, segundo ela, é relacionada ao conhecimento da

o Toque Revelador : a poet arte, criatividade e indi­vidualidade.

As exposições têm custos considerados al­tos pelo museu - cerca de R$ 40 mil cada uma. Talvez por isso ainda se­jam iniciativas quase ex­clusivas do MAC. "Há algum tempo, os mu­seus afirmavam não ter condições de pagar esse tipo de projeto", conta Amanda. "Mas já come­çam a ver a importância de serem abertos para todos, até como forma de divulgar seu traba­lho." Ela ressalta inicia­tivas do Museu de Arte Moderna de São Paulo

Deficiente visual e Dilma com escultura: obras com relevos e sulcos são essenciais para experiência (Masp) e do Sesc de

Anita Malfatti. "Ele me perguntou se havia um jeito de uma pessoa que não enxerga conseguir perceber o trabalho da pintora': conta Amanda.

Apesar das críticas, vindas de al­guns artistas que reclamavam da

O PROJETO

Museu e a Pessoa Deficiente

Linha regular de auxílio à pesquisa

DILMA DE MELO SILVA - Museu de Arte Contemporânea da USP

INVESTIMENTO

R$ 38.050,00

perceptíveis apenas se passando a mão", explica.

A educadora ressalta a importân­cia de compreender as característi­cas de cada deficiência, para montar uma exposição que atenda a todos. Ela conta que, muitas vezes, existem pessoas com diferentes graus de de­ficiência em um mesmo grupo. "Por mais que a gente converse antes com o professor, para conhecer a turma, às vezes algumas pessoas têm difi­culdade de interagir, o que torna cada visita única", afirma. Por isso, as visitas nunca duram menos de duas horas e são sempre feitas com grupos pequenos, compostos de, no máximo, 20 pessoas.

São Luís do Maranhão. Além disso, a educadora foi consul­tora do trabalho voltado ao público especial da Mostra do Redescobri­mento, que recebeu cerca de 5 mil deficientes.

A partir de junho, a equipe de Amanda estará começando a prepa­rar a próxima empreitada dentro do museu: um percurso no MAC, utili­zando o acervo disponível. O públi­co especial será acompanhado por um "carrinho multissensorial", em que estará o material de apoio rela­cionado às obras selecionadas. As visitas ocorrem às terças-feiras e podem ser agendadas pelos telefo­nes (Oxx11) 3818-3327 e (Oxx11) 3818-3559. •

PESQUISA FAPESP • MAIO DE 2001 7S

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LIVROS

JOSÉ EDUARDO DE ASSIS L EFEVRE

A antropologia da metrópole moderna Livro analisa São Paulo a partir do estudo do lazer

O olhar atento ao que é familiar per­mite descobrir as­

pectos que no dia-a-dia nos escapam. Esse é um dos pontos de partida para os ensaios reunidos por José Guilherme Magnani e Li­lian Torres, que aplicam a metodologia antropológica ao estudo de São Paulo.

A antropologia teve ori­gem no estudo das socie­dades primitivas. Como esclarece Magnani, o seu campo se ampliou, pesquisando as sociedades "desenvolvidas" para captar as nuances de com­portamento dos grupos sociais. Partindo da aná­lise das populações indígenas e caboclas e da acul­turação das populações migrantes, as pesquisas antropológicas de São Paulo passaram a se dedi­car à cultura dos grupos que compõem a sua po­pulação. Os pesquisadores do Núcleo de Antropo­logia Urbana escolheram o estudo do lazer como indicador significativo da cultura da metrópole.

Sete ensaios abordam diferentes aspectos da cidade grande. Lilian Torres investiga a freqüência aos bares, restaurantes, cinemas, livrarias do Bexi­ga e da Paulista com Consolação, o perfil e as mo­tivações dos freqüentadores, a identificação com um padrão de comportamento, as relações entre as características dos espaços e seus usuários.

Vagner Silva analisa a cultura religiosa de origem africana no contexto da metrópole e as adaptações de suas representações para manter os significados essenciais. As diferentes divindades, simbologias e espaços mágicos sofrem adaptações, com a substi­tuição de elementos naturais por elementos doam­biente urbano, que passam a ter dimensão religio­sa. Luiz Henrique Toledo enfoca a transformação de significados do espaço urbano para as torcidas de futebol. O espaço da cidade se transforma em territórios "nossos" e "inimigos': e essa delimitação há muito deixou de ser imaterial para ser bem con­creta, principalmente para a segurança.

76 • MAIODE2001 • PESQUISA FAPESP

Na metrópole: textos de antropologia urbana

José Gui lherme C. Magnani & Lil ian de Lucca Torres (orgs.)

Editora Edusp/ FAPESP 320 páginas R$ 30,00

Heloísa de Almeida es­tuda o comportamento e motivações dos freqüenta­dores de cinema na cidade de São Paulo, em particular das Mostras Internacionais. Marinês Calil aborda o mundo dos dancing clubs que existiram em São Paulo nos anos 80. O envolvimen-to pessoal da autora com o contexto a leva a supervalo­rizar a sua importância, o

que é esperável de uma visão de dentro de um mundo para fora.

Rosani Rigamonte aborda a adaptação dos mi­grantes nordestinos à metrópole e às novas for­mas de viver, mantendo os vínculos com a cultu­ra e as pessoas que ficaram em suas localidades de origem. Enquanto possível, eles mantêm formas pessoais de contato, deixando-as quando a quan­tidade de pessoas envolvidas ultrapassa o limite do que pode ser controlado de maneira singela, sendo substituídas por organizações empresariais.

Rita Amaral aborda a organização das festas de candomblé. A realização de festividades fortalece as ligações internas dos grupos religiosos, sendo necessárias adaptações às condições materiais de vida na capital. Maria Lúcia Montes conclui rela­cionando o espaço urbano à experiência de vida de seus habitantes, dividida entre a escala do con­vívio próximo, do pedaço, e a escala mais ampla do convívio social metropolitano, em que os pa­péis e as atividades diferenciadas definem grupos, e em que os trajetos dos moradores são os ele­mentos de ligação e confronto.

Na Metrópole interessa para os que procuram entender a cidade paulistana, sua cultura, seu es­paço, para orientar a ação sobre ela e planejar so­luções para seus problemas.

}OSÉ EDUARDO DE A SSIS LEFEVRE é arquiteto e professor de História da Arquitetura da Universidade de São Paulo

Page 77: Caos e ordem no núcleo do átomo

LANÇAMENTOS

Eva e os Padres Companhia das Letras Georges Duby 168 páginas I R$ 22,00

Um texto saboroso escrito pelo celebrado historiador francês, morto em 1996, completando a trilogia Damas do Século 12. Dessa vez, Duby disseca como se dava a relação entre a Igreja e as mulheres, com descobertas surpreendentes.

Segundo ele, eram notavelmente os padres os repousáveis pela criação da literatura do amor cortês, que celebrava o pecaminoso vínculo extraconjugal e o trio composto por senhor, dama e cavaleiro. Longe, no entanto, de progressistas, os clérigos queriam apenas converter o "fogo" carnal das devotas em neutra paixão literária.

O Atlântico Negro Editora 34 Paul Gilroy 432 páginas I R$ 34,00

O professor de Yale apresenta uma teoria instigante sobre a construção da identidade negra, que seria fruto de um intercâmbio transatlântico entre Europa, África e o Novo Mundo. Gilroy, a partir do exemplo de escritores negros criadores de

idéias originais, alerta para o perigo de se tentar apreender uma noção de raça a partir de exemplos tirados do passado ou de um africentrismo atávico, afirmando que a "negritude" deve ser um projeto moderno.

Anna.teresa Pabrts Fragmentos Urbanos Studio Nobel Annateresa Fabris 212 páginas I R$ 29,00

A historiadora e crítica de arte da ECA-USP faz um painel dos dilemas com que as cidades modernas devem se confrontar para encontrar caminhos melhores para seus habitantes.

A tese divide-se em dois eixos. O primeiro discute a modernização do Rio e de São Paulo a partir de uma visão futurista do espaço urbano. Annateresa estabelece um contraponto entre realidade e utopia na configu­ração contemporânea das metrópoles. Em um segundo momento, a pesquisadora discute as presenças urbanas paradigmáticas e de que forma, cada vez mais, há uma aproximação de aspectos escultóricos e arquitetônicos e de que maneira ambos podem conviver em harmonia.

REVISTAS

Revista USP 2001 - número48

A revista traz como dossiê deste número um assunto em voga: os novos rumos da comunicação. Um dos focos da discussão centra-se no chamado apartheid tecnológico do acesso à informação. Ou seja, em meio a tantos progressos da Internet, quem está fora desse jogo

simplesmente "não conta': Há artigos de Fábio Konder Compara to, Adilson Citelli, Elizabeth Saad Corrêa, Eugênio Bucci e, entre outros, Maria Aparecida Baccega. E mais: Borges e Dante, por Leopoldo Bernucci, e No Coração da América, de Joaquim Alves de Aguiar.

Serviço Social e Sociedade 2001- número65

Também preocupada em refletir os novos tempos, a revista traz uma série de artigos que discutem o delicado tema da exclusão social e a ética na dialética do indivíduo e da sociedade. O artigo de Eduardo Mourão analisa as complexidades

do conceito de "empowerment", enquanto Vera Maria Ribeiro Nogueira fala sobre as assimetrias e tendências da seguridade social brasileira. Ainda neste número: A Ética na Profissão como Estética da Existência, de Maria Glauciria Mota Brasil; La Participaión Ciudadana: una Ausencia, de Carlos Arteaga Basurto, Leticia Cano Soriano e Maria Casillas.

REV ISTA' I NSTITUTO

i\IEDIC I NA

TROP I CAL

SÃO !' 1\ Ui. O ....................... _,"' ................. ..

Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo Volume43

A revista, que conta com o apoio da FAPESP, completa 42 anos e traz nesta edição: Dermatophytoses in Children, de N.C. Fernandes, T. Akiti e M.G.C. Barreiros; Contribution to the laboratory diagnosis

ofhuman cryptosporidiosis, de I. Martinez e Belda Neto; Pancreatic involvement in co-infection visceralleishmaniasis and HIV: histological and ultrastructural aspects, de E.Z. Chehter, M.A. Longo, A.A. Laudanna e M.I.S. Duarte; Endemic Pemphigus foliaceus: a series from Northeastern region of the State of São Paulo, de M.P. Chio~si e A.M.F. Roselino, entre outros artigos.

PESQUISA FAPESP · MAIO DE 2001 • 77

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H] .FINA

HÉLIO DE ALMEIDA

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ESPECIAL

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INFRA-ESTRUTURA 2

Um salto com rede Quilómetros de cabos ligam pesquisadores paulistas entre si e à ciência mundial

Desde 1995, o Programa de Infra-Estrutura da FAPESP já liberou cerca de R$ SOO mi­lhões para dar suporte material à pesquisa em São Paulo. Desse total, aproximada­mente R$ 65 milhões destinaram-se à im­

plantação de redes de informática nas universidades e institutos de pesquisa do Estado de São Paulo. Redes que interligaram, entre si e com o mundo, laboratórios, ins­titutos e faculdades, campus universitários, como uma malha subterrânea de fios, fibras e cabos se estendendo pelo território paulista, agilizando o processamento e a troca de informações e beneficiando diretamente pro­fessores, pesquisadores, estudantes e funcionários das universidades e institutos.

O professor Carlos Henrique de Brito Cruz, presi­dente da FAPESP e diretor do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Universidade Estadual de Campinas (Uni­camp ), costuma utilizar a analogia com a invenção da imprensa por Johannes Guttenberg, na Alemanha, em 1450, para estabelecer o lugar da informática no mundo contemporâneo. "A modificação que as novas tecnolo­gias de informação produzem tem paralelo com aquilo

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que aconteceu a partir da invenção da imprensa. As tec­nologias de informação produzem aumento de eficiên­cia e produtividade. Elas são vitais para aumentar a co­municação. E mais comunicação é essencial para a produção científica."

Foi com esse entendimento, e percebendo a existên­cia de gargalos importantes na área de tecnologia de in­formação das instituições de pesquisa paulista, que a FAPESP estabeleceu, já na segunda fase do Programa de Infra-Estrutura, o módulo redes locais de informática, para investir diretamente na criação de redes de alta efi­ciência dentro das universidades e institutos. No total, foram beneficiados 650 projetos (ver tabelas), implanta­dos muitos quilômetros de cabos, instalados milhares de pontos para ligações de terminais de computadores. Este suplemento, o segundo de uma série sobre o Pro­grama de Infra-Estrutura publicado pela revista Pes­quisa FAPESP, vai contar um pouco da história das transformações provocadas nas instituições de pesqui­sa por essa malha invisível: as redes de informática. As reportagens são de Maria Aparecida Medeiros e a edi­ção de Mário Leite Fernandes.

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Tráfego de informação

O impacto da implantação das redes de informática na produção científica paulista pode ser intuído de for­ma clara. Entretanto, não é um impacto concretamente mensurável. Pelo menos não em todas as áreas. "Concei­tualmente, o mundo inteiro reconhece que a maior ca­pacidade de transmitir e receber dados aumenta a capa­cidade de produzir ciência", afirma Carlos Henrique de Brito Cruz. Segundo ele, medições de impacto, entretan­to, só seriam possíveis em áreas do conhecimento nas quais o computador é um instrumento para simulações e cálculos, ou, ainda, em projetas que envolvem gran­des redes de pesquisadores, como os dos programas Ge­noma e Biota. "Nos outros projetas, menores mas não menos importantes para a FAPESP, ainda não se tem noção do peso do acesso ao fluxo internacional de dados nos seus resultados, mas deve ser muito grande."

O pró-reitor de pesquisa da Universidade de São Pau­lo (USP), Hernan Chaimovich, ressalta a importância das redes na integração da universidade ao mundo globali­zado. "Se eu pudesse resumir numa frase a responsabili­dade da FAPESP nas mudanças tecnológicas na área de informática experimentadas nos últimos anos pela uni-

A DEMANDA POR RECURSOS (Situação em 31.03.01)

PROJETOS INFRA 2 INFRA 3 INFRA 4 TOTAL

Recebidos 716 278 315 1.309

Denegados 468 89 99 576

247 189 214 650

Cancelados 2 3

(Situação em 31.03.01)

FASES DO PROGRAMA PROJETOS APROVADOS

N' VALOR

lnfra 2 247 26.626.962,61

lnfra 3 189 15.271.502 ,67

lnfra 4 214 22.985.057,79

Total 650 64.883 .523,07

2

versidade, eu diria o seguinte: a USP, com seus recursos próprios orçamentários, não teria sido capaz de acom­panhar essas mudanças. Os investimentos da FAPESP permitiram que a universidade se adequasse às mudan­ças tecnológicas globais': declara. Não é pouca coisa. Só em um de seus institutos, o Instituto de Química, a USP tem mais de 900 computadores. A nova estrutura chega tam­bém ao interior. Em São José do Rio Preto, a Universida­de Estadual Paulista (Unesp) tem um supercomputador semelhante ao Deep Blue, a máquina que enfrentou o campeão mundial de xadrez Garry Kasparov, comprado num programa que envolve, além do apoio da FAPESP, parcerias com a empresa IBM.

O início do Programa de Infra-Estrutura da FAPESP, em meados da década de 90, coincidiu com a expansão da Internet, que ajudou a transformar o computador, além de instrumento de comunicação, também em ins­trumento de informação. Foi mais do que substituir o correio comum e o telex pelo correio eletrônico. "Foi um fenômeno que mudou totalmente a postura do pes­quisador perante a informação': comenta Chaimovich. "Agora, a informação é em tempo real. Isso vai desde a comunicação entre pessoas até a busca de informações numa fonte global, que é a rede", acrescenta.Brito Cruz aponta um fenômeno. "O contato eletrônico permite o acesso às revistas científicas no mesmo dia em que elas saem. Antes, era necessário esperar de dois a três meses para receber a revista."

O ponto de partida A implantação das redes locais, ou redes corpo­

rativas, unindo entre si laboratórios e faculdades das universidades públicas paulistas e dos institutos de pesquisa teve início a partir de 1996. Mas essas redes locais estão todas conectadas à ANSP - Aca­demic Network at São Paulo, rede criada e geren­ciada pela FAPESP, que liga as redes de computa­dores acadêmicas e dos institutos e centros de pesquisa de São Paulo entre si e com o Brasil e o Ex­terior. É a ANSP a via de conexão à Internet de to­das as instituições vinculadas ao Sistema de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo.

A Rede ANSP começou a ser desenhada em 1987 e foi inaugurada em agosto de 1988. A ANSP foi a primeira rede brasileira a integrar-se à Inter­net, em 1991. Com essa conexão, ela estabeleceu um acesso internacional não só para os centros de pesquisa paulista como, também, para instituições conectadas à Rede Nacional de Pesquisa, criada em 1989 pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ( CNPq) para interligar as redes acadêmicas estaduais.

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Distância percorrida - É uma longa distância desde o aparecimento dos primeiros computadores nas univer­sidades, ainda na década de 80. Canhestros, lentos e pe­sados em comparação com as máquinas de hoje, esses primeiros computadores eram usados principalmente nas áreas de Física e de Matemática, nas quais sua capa­cidade para fazer cálculos complicados os transformou em valiosas ferramentas. No início da década de 90, sua utilidade também em outros campos ficou patente e eles se espalharam para outras áreas. A quantidade, no entanto, ainda era pequena. O mesmo Instituto de Quí­mica que tem hoje centenas de micras tinha pratica­mente apenas um por andar. A utilização também era restrita. Para alguns, o computador era apenas um ins­trumento de produção de textos, um substituto da má­quina de escrever.

"Uma transição mais dramática aconteceu quando,

aos pesquisadores paulistas e que permite o acesso on line a textos integrais de publicações científicas de grandes editoras internacionais, e do Programa Biblioteca Eletrô­nica (ProBE), que disponibiliza cerca de mil publicações científicas internacionais. É a inserção do pesquisador em uma rede mundial de conhecimento.

Mudando a ciência - A instalação e a expansão das redes também deram lugar aos grandes projetas de cunho co­operativo, envolvendo pesquisadores de vários locais e de várias disciplinas, como os programas Genoma-FA­PESP e Biota. "O Programa Genoma é todo baseado na rede virtual': comenta Imre Simon, professor do Depar­tamento de Ciências de Computação do Instituto de Matemática e Estatística da USP e presidente da comis­são central de informática da universidade de 1994 a 1998. "Sem essa rede, não haveria a menor chance de se

fazer esse seqüenciamen­to cooperativo': afirma.

além de ferramenta de texto ou de cálculo, o computador foi entendi­do como ferramenta de informação", diz Chai­movich. "Houve uma evolução fantástica na rede", declara o pró-reitor da USP. "A quantidade de informação disponível mudou, a maneira como se acessa essa informação também mudou': prosse­gue. "A USP, graças em parte aos investimentos da FAPESP, focalmente em infra-estrutura de in­formática e generalizada­mente em pesquisa, se ade­quou a essa mudança tecnológica': acrescenta.

INVESTIMENTO POR INSTITUIÇÃO

Para Simon, "o mun­do caminha para uma re­alidade em que todas as ciências dependem, de maneira fundamental, de técnicas da computação':

Para Chaimovich, po­rém, isso foi apenas uma parte do quadro. "A outra parte, também de respon­sabilidade da FAPESP, foi colocar em operação al­guns tipos distintos de procura bibliográfica por intermédio da rede, per­mitindo uma mudança na forma como se procura uma informação científi­ca", assinala. É o caso, por exemplo, do Web of Scien­ce, uma base de dados do Institute for Scientific In­formation, disponibilizado

PESQUISA FAPESP

INSTITUIÇÃO N• PROJETOS CONTRATADOS

USP 222

UNICAMP 137

UNESP 127

OUTRAS INST. ESTADO 56

INST. FEDERAIS 84 5.378.374,99

INST. PARTICULARES 2 2.485.696,59

INST. MUNICIPAIS 2

650 64.883.523,07

INVESTIMENTO POR AREA DE ATIVIDADE

ÁREA N• PROJETOS CONTRATADOS VALOR (R$)

Agrárias 60

Arquitetura 3 -- -------~--------

5

Biologia 59

Economia 8

Engenharia 130

Física 55

Geociências 20

Humanas e Sociais 64

Interdisciplinar 24 8.876.963,95 -----------------Matemática 51 7.953.561,53

Química 27 2.213.242,95

Saúde 144

650

A computação, ele diz, transformou-se em insu­mo essencial de qualquer ciência e está mudando a ciência de maneira glo­bal. "Estão sendo produ­zidas quantidades enor­mes de dados. Mastigar, digerir e transformar es­ses dados em informação, em conhecimento, só é possível por meio de computadores."

As grandes redes para programas específicos, co­mo o Genoma-FAPESP e o Biota, além das que en­volvem, simultaneamente, cientistas de vários países, recebem muita atenção da mídia e, às vezes, ofus­cam outros aspectos da questão. Mas o efeito da instalação das redes pode ser percebido em todas as áreas de pesquisa, como a Medicina, e atinge até o próprio ensino, abrindo novas perspectivas para a educação à distância.

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administrador Sidney Pio de Campos ainda lembra dos velhos tempos. "Não conse­guíamos atender todos

os usuários com problemas de cone­xão", diz o responsável pela rede de informática do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW), da Univer­sidade Estadual de Campinas (Uni­camp). O sistema do instituto de Campinas não era apenas lento. Era precário e pouco confiável.

A antiga estrutura de rede, por exemplo, não tinha um painel de controle no qual era possível locali­zar onde estava a origem de um pro­blema. "Era necessário percorrer todo o instituto, prédio por prédio, até achar o ponto com problemas e corrigi-los': afirma. Na maioria das vezes o problema era um cabo solto.

A solução começou a surgir em 1995, quando o instituto recebeu as primeiras verbas da FAPESP para mo­dernizar sua rede de informática. To­da a estrutura foi substituída por um sistema mais moderno, com base em fibras ópticas. Hoje, um backbone de fibra óptica liga os 14 prédios do Instituto de Física da Unicamp. O sistema tem mais de 700 pontos de rede, mas isso não assusta os respon­sáveis. A capacidade total é para mais de 1.200 pontos.

Tornou-se possível um enorme aumento na velocidade da transmissão de dados. Quando a Internet apare­ceu, na década de 80, a velocidade má­xima de transmissão era de 56 quilo­bits por segundo. No início da década de 90, já tinha saltado para 45 mega­bits por segundo. Hoje, as boas redes permitem velocidades de entre 100 e 155 megabits por segundo. A linha

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Cada um recebe um pedaço do problema

Computação paralela substitui supercomputador

que liga a FAPESP à USP já trabalha com uma velocidade de 1 gigabits por segundo. E, segundo os técnicos, não está longe o dia em que as redes locais chegarão a essa mesma velocidade.

Publicações científicas - Para o dire­tor do instituto e presidente da FA­PESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, ainda é cedo para avaliar o real im­pacto de redes como essa nas pes­quisas científicas. "Os resultados só vão aparecer daqui a dez anos, quan­do for examinada a evolução no ín­dice de publicações científicas e de teses publicadas': afirma. "Hoje, ain­da não é possível notar essa evolução. Mas podemos afirmar com certeza que facilitar o fluxo de informações sem­pre aumenta a velocidade e a qualida­de da produção de conhecimento:'

Pinheiro de Lima: infra-estrutura essencial

Marco Aurélio Pinheiro de Lima, do Departamento de Física Quânti­ca, apóia. "Hoje em dia, o sistema computacional de um instituto de­termina sua capacidade criativa", declara. "Se a infra-estrutura é ruim, já se sabe que as pesquisas não vão muito longe. Os problemas são mui­to sofisticados e demandam uma com­putação de alto desempenho."

A rede tornou as conexões mais estáveis e o transporte de dados mais rápido, com velocidade de até 100 me­gabits por segundo. Os problemas da Física, hoje, por exemplo, envolvem cálculos complexos e a transferência de uma grande massa de dados. Com uma boa conexão, um pesquisador pode usar vários computadores ao mesmo tempo. O efeito é o mesmo do uso de um supercomputador.

z Esse recurso, conhecido ~ como computação parale-

la, é muito usado pelos físi-" ~ cos da Unicamp. Um único

problema é dividido em diversas partes e então cada parte vai para uma CPU. Quando os cálculos estão concluídos, os dados voltam a ser reunidos numa única máquina, que controla toda a operação até que se chegue ao resul­tado final.

A computação paralela, tornada possível por uma rede de alta qualidade, tem muitas vantagens. Em pri­meiro lugar, poupa ao ins­tituto pesados investimen­tos em máquinas mais sofisticadas. Em segundo, pode ser usada a partir de qualquer ponto da rede.

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"Aqui, é comum um pesquisador pe­dir licença para usar máquinas de outros usuários, quando eles têm ca­pacidade ociosa", diz o professor Pi­nheiro de Lima. "Quando um pes­quisador recebe uma máquina, ela é automaticamente ligada à rede. Se o pesquisador não a usa integralmen­te, está apto a dividi -la com quem precisa. Por isso, nossos equipamen­tos são usados em 95% do tempo, inclusive nos fins de semana:'

Pesquisa internacional - A rede trouxe outras mudanças para o dia-a-dia do instituto. O correio eletrônico passou a ser, de lon­ge, o método de comunicação mais usado, tanto nos cantatas internos como nos externos. "Se você precisa de uma resposta rá­pida, é mais garantido mandar uma mensagem pela rede do que usar o telefone", comenta o presidente da comissão de in­formática do instituto e profes­sor do Departamento de Raios Cósmicos do IFGW, José Au­gusto Chinellato.

Para o professor Chinellato, a rede tornou possível, também, a participação numa importan­te pesquisa internacional, o pro­

ao universo. Trata-se de um projeto que envolve tanta tecnologia e tanto dinheiro que tornou necessária uma cooperação internacional. Só a con­tribuição do Brasil deve chegar a US$ 3,5 milhões, parte desse mon­tante investido pela FAPESP.

''A participação em projetas como o Auger seria completamente inviá­vel sem um meio rápido de trans­missão de dados", comenta o profes­sor Chinellato. ''A entrada do IFGW só foi possível porque o instituto es-

percomputador Cray do centro do Cenapad, no Rio Grande do Sul.

O uso do equipamento à distân­cia, porém, dificultava o trabalho. ''A situação era crítica, pois muitas pes­soas usavam o supercomputador", ele lembra. Com a capacidade de processamento paralelo da rede, Gaivão passou a fazer seus cálculos no próprio instituto. "Isso facilitou bastante nossa pesquisa", declara.

Os casos do Instituto de Física de Campinas não são isolados. As pes-

jeto Auger. Nesse projeto, com o apoio da FAPESP, pesquisado­

Instalação do projeto Auger, na Argentina: cientistas de mais de 20 países

res da Unicamp participam com cientistas de mais de 20 países da operação e análise dos dados re­colhidos pelo observatório de raios cósmicos Pierre Auger, construído na região semidesértica de Pampa Amarilla, no sul da província de Mendoza, na Argentina.

Sem uma rede como a existente na Unicamp, ligada à rede ANSP e à Internet, esses cientistas nem pode­riam sonhar em participar do proje­to. Seu objetivo é detectar, examinar e interpretar raras partículas de alta energia que penetram na atmosfera, vindas do espaço. A esperança dos cientistas é obter mais informações sobre o big-bang, a grande explosão que, segundo uma das teorias mais aceitas da Física, teria dado origem

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tá tecnologicamente à altura do proje­to." Chinellato conta que se mantém em cantata constante com pesquisa­dores dos Estados Unidos, Rússia, China, Argentina, Grécia e outros países, discutindo e trocando infor­mações. Os dados recolhidos pelo observatório são enviados diariamen­te para um banco situado na Itália.

Ele não foi o único beneficiado. Parte do trabalho do pesquisador Douglas Gaivão, da área de Biofísica do instituto, é discriminar moléculas potencialmente cancerígenas e pro­por drogas mais eficientes para seu controle. A pesquisa exige cálculos só possíveis com computadores de alto desempenho. Antigamente, Gal­vão recorria com freqüência ao su-

quisas, hoje, tendem a ser cada vez mais multidisciplinares e cooperati­vas. Em muitas áreas, ter acesso ou não às novas tecnologias pode signi­ficar para um grupo ter ou não ca­pacidade de produzir ciência.

"Hoje há uma nítida separação entre os países que têm acesso à tecnologia da informação e os que não têm", comenta o professor Bri­to Cruz. "Por isso, o grande mérito dos programas de infra-estrutura da FAPESP foi o de colocar as uni­versidades paulistas do lado dos que têm acesso à essa tecnologia." Mas ele mesmo adverte: "Não po­demos achar que está tudo pronto. A evolução dessa tecnologia é mui­to rápida".

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De um extremo a outro do Estado

Rede da Unesp liga 25 unidades de ensino

Existe no Brasil ilecl\ 1j ~ 4.7 a.a 9:e: uma parceria com a IBM,

representa bem uma das características mais mar­cantes da Universidade Es­tadual Paulista (Unesp). Ela está espalhada por todo o Estado. Das 25 unidades de ensino da Unesp, espalhadas por 14 cidades, a mais próxima da capital, onde está ins­talada a reitoria, fica em São José dos Campos, a 97 km de distância. Para chegar à mais distante,

fdbio 8 a 3.8 9.1 a:91 fabio 1 a 9.5 9.1 9:9€

um supercom­putador IBM SP-2, muito se­melhante ao

Deep Blue, a máquina

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maravilhosa que dispu­tou - e venceu - uma sé­rie de partidas contra o campeão mundial de xa­drez Garry Kasparov. Ele está situado em São José do Rio Preto, no norte do Estado de São Paulo, 460 km ao norte da capital do

Cansian: correio eletrônico substitui viagens Estado. É usado principal- em Ilha Solteira, na fron­

teira com Mato Grosso mente por pesquisadores de outras cidades. Professores de Ja­boticabal usam o SP-2 para trabalhos ligados ao Programa Genoma. Pesqui­sadores de Ilha Solteira fazem nele

cálculos ligados a projetos de insta­lação e desenvolvimento de fábricas.

O SP-2, comprado em 1995 com um financiamento da FAPESP e

Uma fábrica sem operários

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No Núcleo de Manufatura Avan­çada (Numa) da Escola de Enge­nharia da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos, a rede de infor­mática está sendo usada para algo mais do que as trocas de mensa­gens e consultas a bibliotecas a dis­tância. Num projeto do qual parti­cipa também a Unesp de São José do Rio Preto, pesquisadores estão comu­nicando-se com máquinas. No futu­ro, a técnica poderá ser empregada em fábricas sem operários, nas quais má­quinas e robôs seriam comandados a distância, por meio da Internet.

O palco da experiência é a Fá­brica Integrada Modelo (FIM), na qual, por meio de um computador conectado à rede e um software pro-

jetado por técnicos do Numa, o funcionamento das máquinas do setor de usinagem de uma fábrica é acompanhado pela Internet. O soft­ware mostra, com recursos de ani­mação, se a máquina está funcionan­do ou se está trabalhando em sua plena capacidade ou subutilizada.

"Trata-se de um recurso impor­tante", explica o engenheiro João Fernando Gomes de Oliveira, pro­fessor da Escola de Engenharia e um dos responsáveis pelo projeto. "Muitas vezes, o supervisor da fá­brica só vai saber que uma máquina está trabalhando abaixo da capacida­de quando percebe que a encomen­da feita por um cliente está com uma semana de atraso", acrescenta.

do Sul, percorrem-se 670 km. Para ir de uma faculdade a outra, é necessá­rio, muitas vezes, cobrir enormes distâncias.

O software também dá infor­mações sobre o funcionamento da máquina que podem evitar uma parada de produção. Ele é progra­mado para disparar um alarme sempre que houver perigo. "Se a temperatura subir muito, por exemplo, o supervisor tomará lo­go conhecimento do problema e poderá tomar uma providência antes que o equipamento se que­bre", diz Oliveira.

Os pesquisadores de São Carlos trabalham para o futuro. Na práti­ca, os especialistas concordam, ain­da não é possível controlar uma máquina pela Internet, pois a rede não permite a realização de opera­ções em tempo real. Um padrão de transmissão de 100 a 150 megabits por segundo, bom para operações

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O mesmo acontece com a rede, montada com a ajuda do Programa de Infra-Estrutura da FAPESP, que hoje liga todas es­sas instalações. ''A rede aproxi­mou os pesquisadores, não só dentro da Unesp, mas também com os de fora da instituição", diz o chefe da assessoria de in­formática da universidade, Adriano Mauro Cansian. Ele mesmo é um exemplo disso. Morando em São José do Rio Preto, onde pesquisa e dá aulas na Faculdade de Informática, e passando vários dias por sema­na em São Paulo, onde fica a sede da assessoria, precisava su­bir num automóvel e rodar 300

SP-2: parente do Deep 8/ue em Rio Preto

de dados do Programa Genoma fica numa instalação da Unesp, o Laboratório de Biologia Mole­cular da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jabo­ticabal. A instalação da rede trouxe enormes vantagens na área administrativa, com a eli­minação de despesas em cor­reio, telefonemas urbanos e mui­tas, muitas viagens. Mas quem mais ganhou foram os pesquisa­dores. "Boa parte das pesquisas bibliográficas é feita· pela rede, sem que o pesquisador precise sair de sua sala", diz Cansian. "Antes, era preciso esperar de 30 a 60 dias para receber uma cópia de um artigo publicado numa

ou 400 km quando precisava con­versar, por exemplo, com um pes­quisador em Bauru ou Rio Claro. O correio comum era muito lento.

normais, é insuficiente para opera­ções mais sofisticadas.

Numa rede interna, em condições ideais, o intervalo entre apertar o botão do mouse e a execução de uma tarefa programada vai de dois a três segundos. Numa rede como a Internet, com seus gargalos de transmissão, ele pode ser dez vezes maior. "Com a atual capacidade de transmissão das redes, operar uma máquina industrial distância ainda é inviável", informa Oliveira.

Ele prossegue: "Esses equipamen­tos geralmente exigem grande pre­cisão de movimentos, o que ainda não se consegue numa rede. Para

PESQUISA FAPESP

"Na melhor das hipóteses, por Se­dex, os dados chegavam em três ou quatro dias", lembra.

Eliminação de despesas - Hoje, um sistema confiável de correio eletrônico permite que as informações sejam transferidas rapida­mente. Tanto que o

de estocagem

revista internacional." Para chegar a isso, porém, foram

necessários muito trabalho e muitas despesas. O primeiro passo foi a montagem das redes internas, as chamadas LANs (Local Area Net­works). Cada unidade ganhou a sua. Ao todo, foram usados 100 km de fi­bras ópticas e 600 km de cabos de cobre. Para instalar essas linhas, foi preciso cavar, quebrar paredes, ins­talar dutos, cimentar e dar o acaba-

tecnológico': comenta. "Ninguém usinagem é controlada pela Internet

controlar o braço de um robô, por exemplo, a posição vista no monitor do computador está atrasada 20 se­gundos com relação à posição real".

• pode prever quando isso vai acon­tecer, de que tamanho será o próxi­mo salto e quais serão suas conse­qüências, mas que ele virá, virá."

É um problema muito mais complexo do que acionar equipa­mentos como lâmpadas elétricas e cafeteiras a distância, como se vê nas chamadas casas do futuro. "Se uma peça for usinada com apenas alguns décimos de milímetro a mais, não se encaixará bem e todo o lote será perdido", diz o professor.

Para ele, a fábrica governada a distância pode transformar-se em realidade a qualquer momento. "Depende apenas de mais um salto

O Numa é composto por vári­os grupos que desenvolvem solu­ções técnicas para otimizar proces­sos produtivos, reduzir impactos ambientais e promover a coopera­ção entre empresas. Usa a rede das universidades em São Carlos com diversos objetivos, inclusive a inte­gração entre seus participantes. Se­diado na Escola de Engenharia da USP, o núcleo reúne também pes­quisadores da Universidade Fe­deral de São Carlos, Unicamp, Universidade Metodista de Piraci­caba (Unimep) e Universidade de Aachen, na Alemanha.

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menta final. Mas todas as conexões foram feitas com uma tecnologia confiável e capaz de aceitar altas ve­locidades de transmissão.

A etapa seguinte foi a de unir to­das essas redes, num grande sistema chamado unespNET. Foi a forma­ção de uma WAN ( Wide Area Net­work). As linhas de longa distância são contratadas às concessionárias de telecomunicações, mas, para es­tabelecer as ligações com essas li­nhas, foram usados mais de 600 concentradores de rede (hubs) e 30 rateadores. São equipamentos ca­ros. Um único rateador pode custar entre US$ 70 mil e US$ 200 mil. "Dificilmente a Unesp poderia montar uma rede desse porte sem o auxílio financeiro da FAPESP", re­conhece Cansian. A Fundação che­gou a investir na compra de links de rádio, necessários em algumas uni­dades mais distantes. Foram inves­tidos cerca de US$ 12 milhões em infra-estrutura de cabeamento e equipamentos de rede. A participa­ção da FAPESP, por meio dos pro­gramas Infra I e Infra II, superou os US$ 5 milhões.

Cursos a distância - Os números são gigantescos. Mais de 10 mil termi­nais estão ligados hoje à rede, entre eles o supercomputador SP-2, 9 mil

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computadores do tipo PC, 600 esta­ções de trabalho com arquitetura RISC e vários computadores parti­culares, de propriedade de profes­sores, funcionários e alunos. Há mais. De acordo com o pró-reitor de pós-graduação e pesquisa da Unesp, Marcos Macari, a universi­dade pretende ampliar sua infra-es­trutura para teleconferências, de maneira a promover aulas e cursos a distância. No momento, os custos são muito elevados, pois a trans­missão é feita via satélite. No futu­ro, porém, com a evolução da rede, o sistema se tornará mais econômi­co e mais viável.

Já existe infra-estrutura para es­sas transmissões em Bauru, Batuca­tu, Guaratinguetá, Ilha Solteira e São José do Rio Preto. O sistema exige a instalação de salas de aula especiais para as fllmagens e trans­missão de imagens. Mas tem várias vantagens. Um só professor pode dar uma aula para várias cidades si­multaneamente. Por exemplo, uma aula do curso de Veterinária pode ser dada em Jaboticabal e atingir não somente alunos dessa cidade, mas também outros em Botucatu e Araçatuba.

Os alunos, reunidos em auditó­rios com telões, nos quais aparece a figura do professor e o quadro-ne-

gro, têm a possibilidade de fazer perguntas ao vivo. O sistema é espe­cialmente interessante para a Unesp, que enfrenta o problema da falta de professores em várias disci­plinas e em várias cidades.

"O problema afeta principal­mente regiões mais distantes, onde as cidades não têm boa infra-estru­tura para moradia", diz Macari. Em Ilha Solteira, por exemplo, houve muitas dificuldades para preencher o quadro de professores. "Apesar de a faculdade de Engenharia Elétrica estar situada às portas de uma usina hidrelétrica, o que é uma grande vantagem para alunos e professo­res, a cidade não atraía profissionais qualificados", afirma.

Impressão lenta - Para os dirigentes da Unesp, a universidade poderia ter maior participação em pesqui­sas avançadas se conseguisse maior velocidade na transmissão de da­dos. O problema não é da universi­dade, mas do serviço público de te­lefonia, ainda deficiente em vários locais. Um exemplo é dado também em Ilha Solteira, onde, de acordo com Macari, um pesquisador pode levar duas horas para imprimir um artigo de revista, algo que em São Paulo levaria apenas alguns minu­tos. A culpa cabe ao sistema de transmissão de dados, que ainda depende da ligação por microon­das alugada à concessionária de co­municações.

Outros pontos de congestiona­mento, de acordo com o pró-reitor, são Jaboticabal, devido ao grande volume de dados ligado ao Pro­grama Genoma, e Botucatu, que tem o maior contingente de alunos e professores da Unesp, com dois campi e quatro unidades universi­tárias. "Os troncos de fibra óptica, necessários para dar maior veloci­dade à transmissão, ainda estão res­tritos aos grandes centros urbanos, onde a rentabilidade é maior", diz Macari. A solução, assim, depende do próprio desenvolvimento das concessionárias.

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Um pedaço do Univer­so distante pode ser observado e estudado numa sala da Cidade Universitária, em São

Paulo. No Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), professores e estudantes de Astro­química simulam as condições da atmosfera de uma estrela, para pes­quisar estruturas moleculares que só existem em temperaturas excepcio­nalmente altas. Realizar uma expe­riência desse tipo no mundo real se­ria impossível. Hoje, os pesquisadores usam o mundo virtual dos compu­tadores para fazer o que até há pou­co era impossível. E mais. Mantêm­se em contato constante com seus colegas de outras partes do Brasil e do mundo para trocar informações e poupar tempo e trabalho.

"A maioria dos grupos de pesqui­sa do IQ tem vínculos com pesquisa­dores do exterior e depende de uma troca contínua de informações", co­menta o diretor do instituto, Paulo Sérgio Santos. Eles têm à sua dispo­sição um bom número de computa­dores - são cerca de 900, em todo o instituto. Mas isso de pouco valeria se eles não estivessem conectados ao mundo por uma rede confiável e de alta velocidade. "Boa parte dos pro­blemas envolvidos na pesquisa mo­derna em Química e Bioquímica é al­tamente interdisciplinar. Eles requerem especialistas de diversas áreas. Muitas vezes, uma especialidade só é encon­trada fora da instituição e, o que não é raro, em outro país'; acrescenta Santos.

O Instituto de Química é apenas uma parte do que se passa em toda a universidade. Afinal, os investimen­tos da FAPESP na USP, em redes de

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Contato permanente com o resto do mundo

Investimento permitiu o avanço da cooperação internacional

Chaimovich : mais transparência

informática, totalizaram R$ 27 mi­lhões, do total de R$ 65 milhões in­vestidos nesse módulo. "Houve uma mudança de cultura", afirma o pró­reitor de pesquisa da universidade, Hernan Chaimovich. "Hoje, o pesqui­sador está inserido numa rede mun­dial de conhecimento." Além disso, o professor ficou mais transparente. "Tudo o que ele fez e está fazendo passa a constar da rede", destaca.

Nitroglicerina - Com uma boa rede, trabalha-se melhor e com mais segu­rança. Os outros corpos celestes não são o único exemplo do que pode ser simulado nos computadores do Ins­tituto de Química. Hoje, por exemplo,

~ simula-se até a nitrogliceri-0~ _ na nos aparelhos do insti-~ tuto. O trabalho nos labo­:E

ratórios tornou-se mais racional. Grande parte do trabalho preparatório pode ser feita virtualmente, re­duzindo-se o tempo e au­mentando-se a eficiência das aulas práticas.

Outras economias são trazidas pelas reuniões pe­la rede. As despesas e o tem­po gasto relacionados com viagens foram reduzidos drasticamente. "Muitas ve­zes, reúnem-se três, quatro, cinco, seis pessoas ou mes­mo vários grupos para con­versar pela rede", conta o professor Santos. Diversos pesquisadores do IQ parti­cipam de pesquisas que reúnem várias instituições, como o projeto Genoma Câncer. "Isso seria total­mente inviável se não ti-

véssemos uma rede com muita agili­dade na transmissão de dados", acrescenta o professor.

Para o diretor do IQ, ter uma rede com essas condições é um requisito básico, hoje, para qualquer tipo de pes­quisa. "É o cartão de visitas de um instituto", considera. "Ela abre possi­bilidades concretas de interação, que tornam o organismo realmente com­petitivo, especialmente nas áreas de fronteira da pesquisa, onde não exis­tem todos os especialistas necessários no espaço de um só laboratório." San­tos afirma que isso já se reflete, in­clusive, no mercado de trabalho. "Ho­je em dia, é muito difícil contratar um bom especialista se não houver

9

Page 92: Caos e ordem no núcleo do átomo

Santos: cacife para conferências

uma infra-estrutura de trabalho ade­quada a pesquisas de alto nível."

Os pesquisadores do IQ acredi­tam em novos desenvolvimentos es­perados para o futuro próximo, como a Internet 2, que permitirá velocida­des ainda mais altas nas ligações com o exterior, que trarão novos progres­sos. "Temos de admitir que ainda so­mos muito periféricos e não só do ponto de vista geográfico", afirma Santos. "Não são todos, hoje, os que têm cacife para participar de confe­rências e simpósios científicos." A possibilidade de participar de um sistema de teleconferências, em tempo real, pode melhorar a situa­ção. "Vamos estar mais perto de onde as coisas muito importantes estão acontecendo", declara.

Supercomputador - A rede tornou possível, também, o uso cada vez mais fre­qüente do acesso re­moto a equipamentos não disponíveis a to­dos os laboratórios. É o caso, por Pxt>mplo, dos supercomputadores, máquinas capazes de realizar cálculos enor­mes e complexos. O IQ é responsável por mais de 50% dos acessos fei­tos ao Centro Nacional de Processamento de Al­to Desempenho (Ce­napad) de São Paulo,

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esperando ansiosamente, durante dois ou três me­ses, para ler o material."

Araújo: previsões sempre ultrapassadas

Troca interminável - A im­plantação das novas tecno­logias não foi feita sem al­gumas dificuldades. Um exemplo foi a compra do rateador, equipamento usa­do para controlar o fluxo de dados. O instituto adquiriu nos Estados Unidos um roteador de última geração. Não havia nada semelhan-

de acordo com o último relatório do centro. Esse é um dos cinco labora­tórios de supercomputação criados pelo Ministério de Ciência e Tecno­logia para apoiar atividades de pes­quisa e desenvolvimento.

O acesso ao supercomputador é feito via rede. "Isso comprova que ho­je seria impraticável fazer pesquisa sem uma rede de alta velocidade", afirma Pedro Soares de Araújo, mem­bro da comissão de informática do ins­tituto. Araújo dá muito valor, tam­bém, ao acesso a publicações pela rede. "Quando era um pesquisador iniciante, na década de 60, constituía uma obrigação religiosa ir à bibliote­ca duas vezes por semana, para ler o Current Contents, a publicação cien-­tífica mais importante da época", ele lembra. "Recebíamos primeiro os tí­tulos dos artigos. Depois, ficávamos

RIBEIRÃO PRETO

SÃO CARLOS

BAURU PIRASSUNUNGA

PIRACICABA

te no Brasil. Nem técnicos para configurá-lo. "Fomos obrigados a recorrer ao fornecedor", lembra Araújo. "Foi uma interminável troca de e-mails. Mas conseguimos confi­gurar o equipamento."

Um roteador bem ajustado é algo básico para o bom funcionamento de uma rede como a do instituto. Esse equipamento segmenta o tráfego, para que ele flua mais rapidamente. Numa comparação com o trânsito numa avenida, mantém os veículos que vão virar à esquerda na faixa da esquerda e os que vão para a direita na faixa da direita. Sem ele, os congestio­namentos seriam enormes e compli­cados. Assim, o rateador mantém o tráfego administrativo separado do acadêmico. Há ainda uma via espe­cial para as pesquisas dos alunos.

O uso, hoje, atinge apenas 15% da capacidade do rateador. Mas pro­

vavelmente essa pro­porção não vai manter­se por muito tempo. "O tráfego cresce de se­mana para semana': de­clara Araújo. Ele afir­ma que o instituto faz previsões para seis me­ses. Mas nunca se re­gistrou um semestre sem que as projeções fossem ultrapassadas. "Passamos do nada a uma das maiores redes do Estado de São Pau­lo sem que a maioria percebesse", afirma.

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uando, no fim do ano passado e começo des­te ano, o falecido go­vernador Mário Covas esteve internado no

Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), não eram os médicos vistos entrando e saindo da área onde ele se encontrava os únicos que participavam do seu tratamento. Complexo e envolvendo diversas es­pecialidades médicas, o caso do go­vernador mobilizou médicos até do Sloan-Kettering Cancer Center, de Nova York, nos Estados Unidos. Usando um sistema de videoconfe­rência, médicos do InCor, do Sloan­Kettering e membros da família do paciente discutiram longamente o caso e seus possíveis tratamentos.

Ouvir uma segunda opinião não é novidade e nem significava insegu­rança por parte dos médicos que cui­davam do governador em São Paulo. Trata-se de prática corriqueira, espe­cialmente nos casos mais graves. A novidade, no caso, é que todas as consultas foram feitas sem que o go­vernador precisasse viajar para Nova York ou mesmo sair do seu leito em São Paulo. Conferências como essa são parte da chamada telemedicina, um conjunto de recursos com base na tecnologia da informação que está alterando práticas e usos em vários setores da medicina e que ganha es­paço com o crescimento e aperfei­çoamento das redes de informática. Também não são um privilégio de po­líticos importantes. Desde que alguém arque com os custos, sistemas iguais ao usado por Covas estão à dispo si­ção de qualquer pessoa no InCor.

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Informática abre novos recursos para medicina

Médicos controlam pacientes pela Internet

O~ de seu cadastramento ao - último exame. ~

" ~ Centro de referência - Os

Tachinardi: melhor difusão do conhecimento

números são impressio­nantes. Só no ano de 1999, o InCor atendeu mais de 230 mil pacientes e reali­zou mais de 1,5 milhão de exames, de análises clínicas a diagnósticos por ima­gem. Isso exige uma enor­me capacidade de rede, que dificilmente seria obti­da se o instituto não con­tasse com a ajuda da FA­PESP. Há outros fatores em jogo. Como centro de refe­rência em cardiologia no Brasil, o InCor tem como missão difundir o conheci­mento gerado interna­mente e buscar informa-

Não é à toa que o sistema esteja disponível no Instituto do Coração. O organismo é um dos hospitais pi­oneiros do Brasil na implantação de redes de informática. A primeira rede do InCor data de 1980. "Mas o grande salto foi dado em novembro do ano passado, quando um aumen­to na capacidade da rede, concretiza­do com o auxílio da FAPESP, permitiu a criação do sistema de videoconfe­rências", afirma o diretor da Unidade de Sistemas do Serviço de Informá­tica do InCor, Umberto Tachinardi. Não é a única novidade que está aparecendo no instituto. O sistema prontuário on line, em fase de insta­lação, permitirá a qualquer pessoa com acesso a um computador da rede do instituto verificar todos os dados colhidos sobre um paciente,

ções em outras instituições da área. Isso sempre foi feito, por meio de aulas, cursos, seminários, workshops e mesmo gravações de ci­rurgias em vídeo. "Com a conexão por videoconferência, isso agora pode ser feito a distância, o que vai favorecer principalmente os profis­sionais que atuam fora dos grandes centros", diz Tachinardi.

Há mais. Nas unidades de trata­mento intensivo, os monitores que acompanham as funções vitais dos pacientes, como freqüência cardíaca e pressão arterial, foram ligados à rede. O médico responsável pode, agora, verificar, por exemplo, se uma medicação para corrigir uma arrit­mia teve o resultado desejado de qualquer computador do hospital. Em princípio, a rotina mudou pou­co. Os médicos continuam a visitar

li

Page 94: Caos e ordem no núcleo do átomo

os pacientes de três a quatro vezes por dia. "A diferença é que hoje posso acompanhar melhor a evolu­ção do quadro de cada paciente", diz o cardiologista clínico Carlos Vicente Serrano.

Os benefícios do sistema para um hospital como o InCor, onde muitas vezes a preservação de uma vida depende de ações muito rá­pidas, são enormes. Serrano cita um exemplo que já se tornou parte de sua rotina. Um paciente em estado grave sofre uma que-da de pressão, que pode ser fatal em seu estado. O médico admi­nistra o medicamento e meia hora depois- o tempo necessá-rio para o remédio fazer efeito -consulta o monitor do paciente e verifica seu estado.

Se a pressão voltou ao nor­mal, ele continuará a acompa­nhar o caso, pelo computador. Se não, enviará uma mensagem pelo computador à enfermaria, indican­do as providências a serem tomadas. Um sinal de alerta aciona a enferma­ria quando a mensagem chega. ''A ação se torna muito mais rápida e eficiente e ainda otimiza o tempo do médico': comenta Serrano.

Menos traumas - O processo ainda está no começo, mas os pesquisado­res do InCor também já estão dando outros passos numa nova tecnolo­gia: o uso da rede para fazer opera­ções a distância. O método usa um robô controlado por um cirurgião e já está sendo empregado na Europa. É considerado mais eficiente e causa menos traumas ao paciente, em al­guns casos, do que uma cirurgia normal. O InCor resolveu assestar baterias num projeto relativamente modesto. Ao contrário dos robôs fa­bricados por. alguns laboratórios do exterior, o projeto de São Paulo não terá três ou quatro braços, para se­gurar e movimentar os instrumen­tos cirúrgicos.

Ele terá apenas um braço, para fazer o trabalho do assistente cirúr­gico que maneja o sistema óptico, a

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câmera usada nas intervenções. Nes­se tipo de cirurgia, os cortes são mu­ito pequenos, suficientes apenas para a introdução de instrumentos no corpo do paciente. O cirurgião trabalha com base nas imagens cap­tadas pela óptica, transmitidas para uma tela de computador. Uma das maiores vantagens do sistema é per-

Pesquisadores paulistas já

constroem robô para ser usado

em cirurgias feitas pela rede

mitir a recuperação mais rápida do paciente. "Numa cirurgia cardiovas­cular, como uma ponte de safena ou mamária, o paciente pode ir para casa no dia seguinte, enquanto no método tradicional ele teria de ficar internado entre uma semana e dez dias", diz o cirurgião Fábio Biscegli Jatene, do InCor.

O projeto do robô está sendo de­senvolvido pela divisão de Bioenge­nharia do InCor, em parceria com.a Escola Politécnica da USP, com fi­nanciamento da FAPESP. Idágene Cestari, diretora de pesquisa em Bi­oengenharia do InCor, afirma que o sistema poderá ser usado em qual­quer cirurgia, não apenas em car­díacas. Jatene, que já experimentou a técnica num hospital de Dallas, nos Estados Unidos, defende a apro­ximação escolhida. ''Acho que neste momento vale mais a pena investir num projeto modesto do que gastar montanhas de dinheiro para im­portar um robô mais aperfeiçoado", declara.

Mais de 36 mil páginas - Na Escola Paulista de Medicina da Unifesp, a ênfase é no ensino a distância. Desde que a rede começou a ser implanta-

da, em 1992, professores e especialis­tas em informática trabalham juntos na elaboração de cursos sobre diver­sas disciplinas. O resultado é um dos websites mais completos sobre a área de saúde da Internet. O site da Uni­fesp tem nada menos do que 36 mil páginas, que vão desde informações sobre projetos e departamentos a

cursos completos e material de apoio didático com mais de 450 aulas em vídeo. O site recebe en­tre 8 mil e 9 mil acessos por dia, dos quais 3 mil de fora da rede.

Nem todos os cursos a dis­tância estão ligados diretamente às aulas. Um dos cursos de maior repercussão é o da simulação de desastres, organizado em con­junto com o Hospital das Clí­nicas. O objetivo é treinar pro­fissionais da área da saúde para agir em situações de catástrofe.

Ele tem 3.800 inscritos, entre médi­cos, enfermeiros e profissionais dos corpos de bombeiros de diversas ci­dades, que recebem aulas de espe­cialistas pela Internet. Como parte do curso, os alunos recebem vídeos que podem assistir em suas casas, a qualquer hora.

O chefe do Departamento de In­formática em Saúde da Unifesp, Da­niel Sigulem, nota que para a escola isso também significa economia. "Desenvolvemos um sistema que acabou por dispensar o uso do labo­ratório no curso de Histopatologia", comenta. ''As lâminas passaram a ser visualizadas no computador, no lu­gar dos microscópios, com o mesmo efeito para os alunos': ele diz. De qualquer maneira, nem tudo correu como os organizadores esperavam. No princípio, eles achavam que, com os novos métodos, um professor po­dia cuidar de até SOO alunos. Errado. O limite é de entre 20 e 30. Surgiu uma interação muito maior entre professor e aluno. Numa aula con­vencional, de 50 minutos, o estudan­te tem normalmente apenas os dez minutos finais para fazer perguntas. Agora, o contato com o professor, por correio eletrônico, nunca cessa.

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N ~b~~~~ç~n~~ ~ tituto de Tec- ~

:E nologia de Massachu­

setts (MIT), uma das mais prestigiadas instituições de ensino e pesquisa dos Es­tados Unidos, anunciou que estava iniciando um pro­grama, com investimentos deUS$ 100 milhões, para colocar, no prazo de dez anos, todo o conteúdo de seus 2 mil cursos na Inter­net. Ou seja, qualquer pes-soa terá acesso gratuita-mente, de qualquer lugar do mundo, ao que é ensina-do nos prédios do institu-to, na área metropolitana de Boston. Os interessados não poderão usar o sistema para conseguir diplomas. Mas um aluno do MIT precisa pagar, em média, US$ 26 mil por ano para seguir um desses mes­mos cursos.

Não é uma enorme novidade. Outras instituições de ensino já ofe­recem programas semelhantes, em­bora não de maneira tão ampla e sem o prestígio internacional que acompanha o nome do MIT. No Brasil, o Instituto de Estudos Avan­çados da Universidade de São Paulo (USP) tem o projeto Cidade do Co­nhecimento, cujo objetivo é formar uma rede na qual pessoas do ensino médio, da universidade e do mundo profissional poderão produzir co­nhecimento publicamente e de ma­neira coletiva.

"As redes estão passando por um crescimento exponencial e sendo

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O ensino aprende a usar as novas tecnologias

Educação à distância ganha perspectivas mais amplas

Barravieira e um dos CDs de seus

cursos: recursos multimídia tornam

mais fácil o aprendizado

usadas de maneira cada vez mais so­fisticada", comenta Imre Simon, pro­fessor do Departamento de Ciências da Computação do Instituto de Ma­temática e Estatística da Universida­de de São Paulo (USP) e presidente da comissão central de informática da USP entre 1994 e 1998. "Mas exis­tem áreas em que seu uso está ape­nas engatinhando. É o caso da edu­cação. Existe aí o problema da disponibilização da informação, ou seja, quem vai pagar para colocar a informação na rede. Trata-se de uma questão complexa."

Outro jeito - Se há uma área onde há poucos problemas com relação ao ensino via redes, essa é a dos alunos. ''A informática já faz parte da vida

desta geração", diz o dire­tor do Instituto de Quími­ca da USP, Paulo Sérgio Santos. Ele já ouviu diver­sas vezes: "Professor, não fa­ça assim não, pois não vai dar certo, faça desse outro jeito': Hoje, o IQ se prepa­ra para substituir as aulas iniciais de laboratório por simulações em computador.

As simulações não & substituirão as aulas ~ práticas no labora­~ tório. Mas os profes-

sores esperam que os alunos entrem mui­to mais bem prepa­rados quando che­gar a hora de realizar as experiências reais.

Há experiências sendo realizadas em vários locais. No Instituto de Física da

USP em São Carlos, vários professo­res estão usando em suas aulas téc­nicas de teleconferências e de te­le-ducação. O primeiro teste foi a realização de um curso conjunto, de seis meses, para estudantes de Física e de Computação, envolvendo pro­fessores das duas áreas. "O curso dei­xou alunos e professores convenci­dos de que o sistema é viável e vantajoso quando se trata de pro­mover a integração de instituições distantes", afirma o professor Antô­nio Carlos Ruggiero, responsável pela instalação da rede da USP em São Carlos.

A prática do curso também ensi­nou muita coisa aos professores. Por exemplo, durante a aula, uma câme­ra deve ser mantida focalizando ex-

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Page 96: Caos e ordem no núcleo do átomo

clusivamente a lousa. "Se a câmera focalizar o professor e a lousa ao mesmo tempo, a ima­gem numa televisão de 29 polegadas não vai permitir que o aluno leia o que vai sendo es­crito", conta Ruggiero. Assim, o problema é re­solvido mantendo-se um zoam na lousa, en­quanto o professor aparece num canto da tela, para que os alu­nos possam acompa­nhar sua expressão.

O~ tano, ele leva cerca de _ 40 minutos para expli-3 car como a toxina age

,...,.1-."-l ~ no corpo humano, des-

Defesa de tese - Outro teste feito em São Car­los acompanhou a de­fesa de uma tese de

Alunos e computadores: quantidade de informações cada vez maior

de a porta de entrada, geralmente um ferimen­to no pé, até sua insta­lação. "Tenho de expli­car como o bacilo se divide, se multiplica, produz a toxina e atin­ge o sistema nervoso", declara. "Com um siste­ma de animação, é pos­sível mostrar isso em 40 segundos e, além do mais, o aluno pode re­petir a animação do CD-ROM quantas ve­zes quiser, até gravar a seqüência na memória."

mestrado. Por motivos legais, os três membros da banca tiveram de estar presentes fisicamente no local. Mas um suplente e uma pequena audiên­cia acompanharam todo o trabalho a distância. Não é impossível que a idéia evolua. Ligados pela rede, pro­fessores não precisariam mais viajar para participar de bancas fora de suas cidades. Ruggiero não acha difí­cil que a legislação seja mudada para permitir isso. "As vantagens são mui­tas", declara.

As experiências se avolumam. Na Unesp de Botucatu, a Faculdade de Medicina pretende iniciar, ainda este ano, cursos em que a presença do alu­no na sala de aula será dispensável. A idéia surgiu no Centro de Estudos de Venenos de Animais Peçonhentas (Cevap), um organismo com larga experiência em editoração eletrôni­ca. Desde 1995, o centro edita uma revista eletrônica sobre animais ve­nenosos, disponível em CD-ROM e no seu site, www.cevap.org.br.

Inicialmente, serão oferecidos três cursos, Ofidismo, Tétano e Vaci­nas. O aluno receberá um kit com um vídeo, um CD-ROM e um livro, material que já está pronto para ser distribuído. O aluno seguirá o curso onde quiser. Professores ficarão de

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plantão em certos horários, para es­clarecer dúvidas pela rede interna ou pela Internet e também poderão ser consultados por e-mail. O CD-ROM, por sua vez, terá links para sites na Internet nos quais, de acordo com os professores, os estudantes poderão obter informações confiáveis.

Experiência anterior - Benedito Bar­ravieira, pró-reitor de extensão da Unesp e professor do Departamento de Doenças Tropicais e Diagnósti<?o por Imagem da Faculdade de Medi­cina de Botucatu, diz que o trabalho é apenas uma extensão de uma ex­periência que vem dando certo. Há vários anos, ele distribui kits seme­lhantes a seus alunos e não faz ques­tão de presença obrigatória em todas as suas aulas.

"O aluno vem para a faculdade preparado para discutir o assunto em classe, tirar dúvidas e fazer as provas", conta. Ele vê muitas vanta­gens no sistema: além do aluno po­der distribuir seus horários de estu­do como for melhor, ainda conta com os recursos multimídia do ma­terial, como ilustrações e animações, capazes de facilitar o aprendizado.

O professor dá um exemplo. Numa aula convencional sobre o té-

Barravieira afirma que o uso das redes não traz vanta­gens só para o aluno. Também ajuda o professor, que passa a controlar melhor seu tempo. "Em vez de pas­sar horas repetindo as mesmas aulas, aproveito melhor o tempo, discutin­do o assunto em profundidade com os alunos ou pesquisando novida­des, o que é muito mais interessante e proveitoso", opina. "Isso pode ser o início de uma revolução no ensino da Medicina", prossegue. "Em breve, o sistema também poderá ser aplica­do nos cursos de graduação."

O professor deixa claro, de qual­quer maneira, que o sistema deve ser usado apenas em aulas teóricas. "Nin­guém está pensando em formar um médico a distância", ressalva. "Ne­nhum aluno vai ser capaz de operar se não tiver aulas práticas de cirurgia, mas nada impede que ele estude as téc­nicas cirúrgicas em sua própria casa:'

Barravieira prossegue: "Não se trata apenas de comodidade. A Me­dicina está evoluindo e a quantidade de informações cresceu muito nos últimos anos. Mesmo assim, os cur­sos de Medicina têm a mesma dura­ção da década de 50, ou seja, seis anos. Se não encontrarmos meios mais rápidos de transmitir informa­ções, vamos perder conteúdo."

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Em busca da confiabi I idade

Redes ganham segurança com novos equipamentos

uando foram instaladas as pnme1ras re­des nas uni­versidades e

institutos de São Paulo, o processo era simples. Passa­va-se um cabo telefônico por locais próximos de onde ficavam os interessados. Para cada ponto da rede, cortava-se o cabo e estabe­lecia-se uma saída para o computador. Todos os com­putadores ficavam ligados entre si, como num varal. Se um deles tivesse um proble­ma, como um curto-circui­to na eletricidade, toda a rede caía. Isso não causava grandes surpresas. As que­das na rede eram freqüentes e, quando aconteciam, per­diam-se os trabalhos que estivessem sendo realizados. Não que os prejuízos fos­sem exagerados. As redes eram muito pequenas.

Fibras ópticas: muito mais velocidade Num dos pioneiros, o Insti-tuto de Matemática e Esta-tística da Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, todos os com­putadores da rede, instalada em 1991, estavam numa única sala.

A situação mudou muito. Hoje, todos os mais de 500 prédios da USP, por exemplo, estão ligados por uma rede confiável, segura e, sobre­tudo, rápida. No lugar dos antigos cabos coaxiais, usam-se cabos muito mais seguros, que empregam uma tecnologia conhecida como pares trançados, ou UTP. Em alguns casos, os cabos foram substituídas por fi­bras ópticas, ainda mais estáveis.

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Cada computador é ligado direta­mente a uma central. Se tiver um problema, isso não vai interromper o restante da rede. As centrais, por sua vez, são ligadas a um equipa­mento do qual saem os cabos que fa-zem as conexões externas.

Comunicações digitais - O professor Fernando Paixão, do Instituto de Fí­sica da Unicamp e membro da coor­denação de informática da FAPESP, compara a situação, quando o pro­grama foi lançado, à de uma cidade onde chega, pela primeira vez, a

energia elétrica. "Os postes levam a eletricidade até a porta das casas, mas, para usá-la, é preciso que cada casa faça a sua instalação, puxando fios e instalando tomadas'~ diz. Foi mais ou menos o que aconteceu nas universidades. Cada insti­tuição montou sua rede, aproveitando a chegada das comunicações. Na época, de acordo com Paixão, já se previa que as comunicações digitais substituiriam, rapida­mente, telefones e aparelhos de telex. Daí, uma recomen­dação unânime da comis­são de informática para que a FAPESP desse prioridade para a instalação das redes nos projetas de infra-estru­tura, iniciados em 1995.

Milton Kashiwakura, as­sessor da rede Academic Net­work in São Paulo (ANSP), da FAPESP que participou da instalação da rede da USP, lembra que o trabalho exi­giu muito esforço de acom­

panhamento. "Cada empresa con­tratada tinha seus próprios padrões e foi preciso estabelecer normas rígi­das, a serem seguidas por todos", afirma. No fim do contrato, cada empresa só recebia o dinheiro de­pois de uma rigorosa inspeção. Por exemplo, no caso de uma conexão por fibra óptica, o cabo não pode ser muito esticado. Se isso acontecer, ele nunca funcionará direito. "Pode-se usar o melhor material do mundo, mas, se a instalação não for bem fei­ta, tudo tem que ser jogado no lixo", afirma Kashiwakura. Há outros cui-

IS

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dados. Os cabos UTP, por exemplo, têm que ser colocados distantes da rede elétrica. A rede cria campos magnéticos e os cabos, feitos de co­bre, sofrem com essa proximidade.

Mesmo assim, os cabos de cobre ainda são muito usados, especial­mente em redes no interior de edifí­cios, onde correm por dutos metáli­cos instalados ao longo das paredes. Isso se deve, sobretudo, a questões de economia. Os ca-bos mais modernos, das catego-rias Se e 6, suportam perfeita­mente o tráfego atual. Metro por metro, os preços dos cabos UTP e de fibra óptica se equivalem. A diferença está nas tomadas que ligam os computadores à rede, muito mais caras no caso das fi­bras ópticas, devido aos mate­nats espeCiats necessários para esse tipo de comunicação, e nas placas de rede instaladas dentro dos próprios computadores. Numa co­nexão por fibra, a placa custa cerca de quatro vezes mais.

Trabalhos internos - De qualquer ma­neira, a diferença começa a valer a pena em certos casos. Uma é a dis­tância. É ponto pacífico entre os téc­nicos que, a partir de uma distância de 100 metros, os cabos UTP deixam de ser vantajosos, devido à necessi­dade de mais equipamentos para a transmissão. Assim, a tendência é que sejam usados mais em trabalhos internos, deixando os externos para as fibras. As conexões por fibra tam­bém são mais interessantes quando precisam passar por ambientes com muitas interferências, como as cau­sadas pelo funcionamento de mo­tores. Usadas externamente, as fi­bras têm ainda outra vantagem. Como funcionam à base de luz, se um raio cair na rede, a descarga não progredirá até chegar a queimar computadores e outros equipamen­tos, como pode acontecer com os cabos de cobre.

Ainda há outra questão. As fibras permitem velocidades muito mais altas. Isso se torna cada vez mais im-

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portante na rede. Para os técnicos, os cabos das categorias Se e 6, o atual pa­drão do mercado, suportarão as ne­cessidades previstas para os próximos anos. Mas redes montadas com ca­bos de categoria 3, como as primei­ras nos Estados Unidos, já exigem substituições. O custo é alto, mas não assustador. "Se os preços dos au-

Fibras ópticas são mais

vantajosas quando a

distância supera os 1 00 metros

tomóveis baixassem tanto como os dos produtos de informática, hoje poderíamos comprar um carro por R$ 1 ", brinca Paixão.

A necessidade de maior capacida­de se explica. Para se realizar uma in­tervenção cirúrgica a distância, por exemplo, as redes normais são inade­quadas. Não permitem um trabalho em tempo absolutamente real, que pode ser essencial em operações mais complicadas. Paixão destaca que, pa­ralelamente à formação das redes lo­cais, a FAPESP investiu muito no de­senvolvimento da rede ANSP, que liga as universidades e institutos en­tre si e também ao resto do Brasil e ao exterior. A rede ANSP 2, já em instalação, será ainda mais rápida e poderá eliminar alguns pontos de congestionamento ainda existentes.

Investimentos isolados - A evolução faz parte da informática. Por isso, é natural que as redes evoluam. Hoje, as redes internas das universidades suportam, sem problemas, até 100 megabits por segundo, um bom pa­drão, de acordo com os técnicos, para as necessidades atuais. "Mas, se o tráfego se tornar mais intenso, os fios não vão suportar", declara Pai-

xão. ''A situação seria como se usar um fio comum para ligar um chu­veiro elétrico à rede de energia". Pai­xão, no entanto, vê nisso uma situa­ção bem menos crítica do que a existente antes dos primeiros investi­mentos dos programas de infra-es­trutura. "Ela poderá ser resolvida com investimentos isolados, com re-

cursos de financiamentos das próprias pesquisas, por meio de reservas técnicas."

Uma mudança mais comple­ta, porém, pode vir do projeto Tecnologia da Informação e De­senvolvimento da Internet Avan­çada (Tidia), aprovado recente­mente pelo conselho da FAPESP. "Este é o próximo passo da In­ternet", afirma Antônio Carlos Ruggiero, responsável pela insta­lação da rede da USP em São Carlos e assessor da equipe que

estuda o projeto. O objetivo do pro­grama é estimular o desenvolvimen­to de tecnologia avançada na área da Internet. "Hoje, não há mais preocu­pações com a Internet 1 ': diz Rug­giero. "Ela já está bem consolidada. Mas as aplicações para a Internet 2 ainda não estão disponíveis. Falta tec­nologia, falta conhecimento, falta de­senvolvimento na área da pesquisa. É isso que o programa pretende esti­mular", acrescenta.

A iniciativa segue uma tendência mundial na área da computação e deverá contar com a participação de pesquisadores de todo o mundo. "Trata-se de algo inteiramente novo, menos comprometido com o tráfe­go de produção do que a Internet 1 ", diz Ruggiero. Com o novo sistema, os pesquisadores poderão fazer várias experiências que hoje interrompe­riam ou prejudicariam o fluxo de dados que corre por suas redes. São pesquisas nas quais, por exemplo, é preciso interromper a rede para ins­talar ou trocar equipamentos. Desses testes poderão surgir novidades tão impressionantes como as que come­çaram a mudar, há pouco mais de cinco anos, as possibilidades abertas para os pesquisadores de São Paulo.

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