cap 32 - insuficiência renal aguda

12
Rotinas Clinicas em Urgência e Emergência no HRMS Organizadores: Fernando Goldoni e Márcio Estevão Midon CAPÍTULO 32 INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA Lívia Maria de Souza Fernando Goldoni INTRODUÇÃO Insuficiência Renal Aguda (IRA) é definida como a redução aguda da função renal em horas ou dias. Refere-se principalmente à diminuição do ritmo de filtração glomerular e/ou do volume urinário, porém ocorrem também distúrbios no controle do equilíbrio hidroeletrolítico e acidobásico. Um grupo multidisciplinar internacional (AKIN) propõe a seguinte classificação baseada na dosagem sérica da creatinina e no volume urinário (Tabela 32.1): Estágios Creatinina Sérica Diurese Estágio 1 Aumento de 0,3 mg/dl ou aumento de 150-200% do valor basal (1,5 a 2 vezes) < 0,5 ml/Kg/h por 6 horas Estágio 2 Aumento > 200-300% do valor basal (> 2-3 vezes) < 0,5 ml/Kg/h por > 12 horas Estágio 3 Aumento > 300% do valor basal ( > 3 vezes ou Cr sérica 4,0 mg/dl com aumento agudo de pelo menos 0,5 mg/dl) < 0,3 ml/Kg/h por 24 horas ou anúria por 12 horas Somente um dos critérios (Cr ou diurese) pode ser utilizado para inclusão no estágio. Pacientes que necessitem de diálise são considerados estágio 3, independente do estágio em que se encontravam no início da terapia dialítica. Tabela 32.1: Definição e classificação da IRA CLASSIFICAÇÃO CLÍNICA DA IRA 1. IRA PRÉ-RENAL – Este quadro ocorre devido à redução do fluxo plasmático renal e do ritmo de filtração glomerular. Principais causas: hipotensão arterial, hipovolemia (hemorragias, diarréias, queimaduras). Observações complementares no diagnóstico de IRA pré-renal: a) Oligúria não é obrigatória. b) Idosos podem ter a recuperação após 36h da correção do evento - aguardar 48h. c) Necrose Tubular Aguda (NTA) por sepse, mioglobinúria e por contraste podem ser não oligúricas e, nos casos de oligúria, podem apresentar Fração de Excreção de Sódio (FeNa) < 1% e/ou Fração de Excreção da Ureia (FeU) < 35% d) Diuréticos podem aumentar a FENa na IRA pré-renal - usar FEU < 35%. 2. IRA RENAL (Intrínseca ou estrutural) – A principal causa é a necrose tubular aguda (NTA isquêmica e/ou tóxica). Outras causas: nefrites tubulointersticiais (drogas, infecções), pielonefrites, glomerulonefrites e necrose cortical (hemorragias ginecológicas, peçonhas). Situações especiais comuns: a) NTA Séptica, associada a duas ou mais das seguintes condições de SIRS: Aumento ou diminuição da temperatura, FC > 90bpm, FR > 20 ipm, PaCO2 <32 mmHg, leucocitose ou leucopenia, aumento de bastões ou metamielócitos, foco infeccioso documentado ou hemocultura positiva.

Upload: ricardo-correa

Post on 28-Dec-2015

37 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Cap 32 - Insuficiência Renal Aguda

Rotinas Clinicas em Urgência e Emergência no HRMS Organizadores: Fernando Goldoni e Márcio Estevão Midon

CAPÍTULO 32 INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA Lívia Maria de Souza Fernando Goldoni INTRODUÇÃO Insuficiência Renal Aguda (IRA) é definida como a redução aguda da função renal em horas ou dias. Refere-se principalmente à diminuição do ritmo de filtração glomerular e/ou do volume urinário, porém ocorrem também distúrbios no controle do equilíbrio hidroeletrolítico e acidobásico. Um grupo multidisciplinar internacional (AKIN) propõe a seguinte classificação baseada na dosagem sérica da creatinina e no volume urinário (Tabela 32.1):

Estágios Creatinina Sérica Diurese

Estágio 1 Aumento de 0,3 mg/dl ou aumento de 150-200% do valor basal (1,5 a 2 vezes)

< 0,5 ml/Kg/h por 6 horas

Estágio 2 Aumento > 200-300% do valor basal (> 2-3 vezes) < 0,5 ml/Kg/h por > 12 horas

Estágio 3 Aumento > 300% do valor basal ( > 3 vezes ou Cr sérica ≥ 4,0 mg/dl com aumento agudo de pelo menos 0,5 mg/dl)

< 0,3 ml/Kg/h por 24 horas ou anúria por 12 horas

Somente um dos critérios (Cr ou diurese) pode ser utilizado para inclusão no estágio. Pacientes que necessitem de diálise são considerados estágio 3, independente do estágio em que se encontravam no início da terapia dialítica. Tabela 32.1: Definição e classificação da IRA CLASSIFICAÇÃO CLÍNICA DA IRA 1. IRA PRÉ-RENAL – Este quadro ocorre devido à redução do fluxo plasmático renal

e do ritmo de filtração glomerular. Principais causas: hipotensão arterial, hipovolemia (hemorragias, diarréias, queimaduras).

Observações complementares no diagnóstico de IRA pré-renal: a) Oligúria não é obrigatória. b) Idosos podem ter a recuperação após 36h da correção do evento - aguardar 48h. c) Necrose Tubular Aguda (NTA) por sepse, mioglobinúria e por contraste podem

ser não oligúricas e, nos casos de oligúria, podem apresentar Fração de Excreção de Sódio (FeNa) < 1% e/ou Fração de Excreção da Ureia (FeU) < 35%

d) Diuréticos podem aumentar a FENa na IRA pré-renal - usar FEU < 35%. 2. IRA RENAL (Intrínseca ou estrutural) – A principal causa é a necrose tubular aguda

(NTA isquêmica e/ou tóxica). Outras causas: nefrites tubulointersticiais (drogas, infecções), pielonefrites, glomerulonefrites e necrose cortical (hemorragias ginecológicas, peçonhas).

Situações especiais comuns: a) NTA Séptica, associada a duas ou mais das seguintes condições de SIRS:

Aumento ou diminuição da temperatura, FC > 90bpm, FR > 20 ipm, PaCO2 <32 mmHg, leucocitose ou leucopenia, aumento de bastões ou metamielócitos, foco infeccioso documentado ou hemocultura positiva.

Page 2: Cap 32 - Insuficiência Renal Aguda

Rotinas Clinicas em Urgência e Emergência no HRMS Organizadores: Fernando Goldoni e Márcio Estevão Midon

b) NTA Nefrotóxica: uso de nefrotoxina em tempo suficiente, níveis séricos nefrotóxicos precedendo a IRA, ausência de outras causas possíveis, reversão após a suspensão da nefrotoxina, recidiva após reintrodução da droga, geralmente não oligúrica.

c) IRA por glomerulopatias: exame de urina com proteinúria ou proteinúria de 24 h

> 1 g / dia, hematúria com dismorfismo eritrocitário positivo ou cilindros hemáticos no sedimento urinário, biópsia renal positiva.

d) IRA por nefrite intersticial aguda (NIA): manifestações periféricas de hipersensibilidade, febre e rash cutâneo ou eosinofilia, uso de droga associada à NIA (por ex. penicilinas, cefalosporinas quinolonas, alopurinol, cimetidina, etc), forte suspeita clínica, patologias frequentemente associadas (leptospirose, legionella, sarcoidose), biópsia renal positiva.

e) IRA Vascular: dor lombar, hematúria macroscópica, ICC, estados de hipercoagulação, vasculites, síndrome nefrótica, evento cirúrgico precipitante, cintilografia compatível, tomografia ou angiorressonância magnética, arteriografia compatível.

f) Embolização por colesterol: ocorre principalmente em homens, > 55 anos, tabagista e com história de alterações vasculares e/ou hipertensão arterial, evento precipitante até 30 dias, manipulação de grandes vasos, cateterismo arterial, trauma, anticoagulação, petéquias, livedo reticulares ou lesão cutânea arroxeada dos dedos dos pés, eosinofilia ou eosinofilúria, hipocomplementemia, diagnóstico por biópsia de pele ( diferencial com vasculite: nesta há ANCA positivo)

g) IRA Hepatorrenal: ausência de outras causas de IRA, perda de função renal –

creatinina > 1,5 mg/dL ou clearance de creatinina < 60 ml/ min, ausência de melhora após expansão plasmática, ausência de melhora após suspensão dos diuréticos, proteinúria < 500 mg/ dia, ausência de obstrução urinária, ausência de IRA parenquimatosa.

h) IRA por Contraste: geralmente não oligúrica e reversível, ocorre 24 a 48 h após

procedimento- recuperação de 7 a 10 dias, raramente necessita de diálise. Fatores de risco : D.M., insuficiência renal prévia, desidratação, > 75 anos, uso simultâneo de outras drogas nefrotóxicas, grandes volumes de contraste, IC, cirrose, via de administração, contraste de alta osmolaridade. Evitar gadolíneo em pacientes com clearance de creatinina < 30 ml/min.

i) IRA por peçonha: Botrópico- IRA por mio e hemoglobinúria, coagulação

glomerular e nefrotoxicidade direta do veneno. Crotálico- Neurotoxicidade, incoagulabilidade, IRA por miotoxicidade sistêmica- rabdomiólise generalizada e mioblobinúria, NTA ou NIA.

Page 3: Cap 32 - Insuficiência Renal Aguda

Rotinas Clinicas em Urgência e Emergência no HRMS Organizadores: Fernando Goldoni e Márcio Estevão Midon

3. IRA PÓS-RENAL (OBSTRUTIVA) – Secundárias à obstrução intra ou extra-renal por cálculos, traumas, coágulos, tumores e fibrose retroperitoneal.

a) Obstrução urinária b) Dilatação pielocaliceal ao exame ultrassonográfico c) Diâmetro anteroposterior (AP) da pelve renal maior que 30 mm ou d) Diâmetro AP da pelve maior que diâmetro AP do rim e) Evidência clínica de iatrogenia intraoperatória f) Anúria total

CLASSIFICAÇÃO DA IRA QUANTO À DIURESE

• Anúrica total: 0-20 ml/dia • Anúrica: 20 a 100 ml/dia • Oligúrica: 101 a 400 ml/dia • Não oligúrica: 401 a 1200 ml/dia • Poliúrica: 1201 a 4000 ml/dia • Hiperpoliúrica: > 4000 ml/dia

QUADRO CLÍNICO Os sinais e sintomas da IRA dependem da causa e do grau de comprometimento da função renal, sendo frequentemente inespecíficos e mascarados pela doença de base. Dependendo da gravidade, da etiologia, da rapidez da sua instalação e do estado catabólico individual, os doentes podem apresentar-se mais ou menos sintomáticos (Tabela 32.2).

Sistema / Órgão Achados

Cardiovascular

Edema pulmonar Arritmias Hipertensão Pericardite Derrame pericárdico Dor torácica (TEP, infarto, pericárdio) ICC Tamponamento cardíaco

Neurológico / Psiquiátrico

Asterixis (flapping) Irritabilidade Neuromuscular Confusão Delirium Sonolência Convulsão Coma Tetania Alterações intelectuais e da memória

Gastrointestinal

Náusea matinal Vômitos Dor epigástrica Doença ulcerosa péptica

Page 4: Cap 32 - Insuficiência Renal Aguda

Rotinas Clinicas em Urgência e Emergência no HRMS Organizadores: Fernando Goldoni e Márcio Estevão Midon

Hemorragia digestiva Pancreatite Desnutrição

Hematológico Petéquias, púrpuras, distúrbios plaquetários Anemia

Imunológico Depressão imunológica Tendência a infecções

Metabólico

Hiponatremia Hipercalemia Acidose metabólica Hipocalcemia (hipercalcemia sugere mieloma) Hiperfosfatemia Hipermagnesemia Hiperuricemia

Nutricional Catabolismo aumentado Perda de massa muscular

Cutâneo Prurido Tabela 32.2: Manifestações clínicas na IRA A história clínica é de fundamental importância na avaliação inicial do paciente com IRA, visando estabelecer a causa subjacente (diminuição do volume extracelular, drogas, contrastes radiológicos, sepse), os fatores de risco (idade, disfunção renal prévia, co-morbidades) e a gravidade da IRA. Pontos importantes da história clínica: − Indícios de doença prévia sistêmica crônica (diabetes, lúpus, hipertensão arterial) ou

que possam tê-lo tornado mais suscetível a qualquer evento agudo. − Investigar todas as medicações de uso crônico ou usadas recentemente

(antiinflamatórios não hormonais, inibidores da angiotensina, diuréticos, antibióticos).

− História de traumatismo recente, procedimentos cirúrgicos. − Antecedentes de uropatia obstrutiva (homens idosos); litíase renal, tumores

ginecológicos. − Avaliar risco para intoxicação acidental ou intencional por metais pesados ou

solventes orgânicos. − Obter informações a respeito de depleção hídrica (diurese excessiva, débito de sonda

nasogástrica, drenos, diarreia, hipertermia), redução da ingestão via oral. − Doentes submetidos à cirurgia recente: verificar qual foi o anestésico utilizado,

quais as intercorrências clínicas que se seguiram, como infecções, hipotensão, balanço hídrico negativo.

− Doente realizou algum procedimento radiológico com uso de contraste ou com manipulação endovascular que antecedeu ao desenvolvimento da IRA.

− Procurar definir se é um quadro realmente agudo, ou se já havia sintomas de doença renal prévia.

− Questionar os sintomas por órgãos e aparelhos: presença ou ausência de sintomas pulmonares, cardiovasculares, gastrintestinais, neurológicos, etc.

Page 5: Cap 32 - Insuficiência Renal Aguda

Rotinas Clinicas em Urgência e Emergência no HRMS Organizadores: Fernando Goldoni e Márcio Estevão Midon

DIAGNÓSTICO LABORATORIAL As alterações laboratoriais esperadas na IRA são: − Elevação de escórias nitrogenadas (ureia, creatinina, ácido úrico) − Acidose metabólica − Hiponatremia ou hipernatremia − Hiperpotassemia − Hipocalcemia ou hipercalcemia − Hiperfosfatemia − Anemia normocítica e normocrômica Deve-se utilizar o clearance estimado de creatinina para o estabelecimento do nível real da função renal. Podem ser utilizadas duas fórmulas para a estimativa do Ritmo de Filtração Glomerular (RFG):

- Cockcroft & Gault

Clearence de Cr (ml/min) = (140-idade) x Peso / (72 x Cr) Sexo feminino = clearance x 0,85 Idade: anos; peso: kg; Cr plasmática: mg/dL - MDRD simplificada (Levey)

Clearance de Cr (ml/min) = 186 x Cr-1,154 x idade-0,203

Sexo feminino = clearance x 0,742 Negros = clearance x 1,21

− Urina: Avaliação de osmolalidade, sódio, creatinina, ureia e sedimento urinário. − Exames de Imagem:

• Ultrassonografia com doppler (tamanho, forma, ecogenicidade, simetria, número de rins, obstrução/estenose vascular e uropatia obstrutiva).

• Exames contrastados devem ser evitados, inclusive os exames de ressonância magnética nuclear devido ao risco de Fibrose Nefrogênica Sistêmica.

− Biópsia renal: Indicada apenas em casos selecionados. Estes incluem a causa desconhecida para o quadro, evolução atípica e/ou prolongada, suspeita de nefrite intersticial, necrose cortical, doença ateroembólica, glomerulonefrites agudas ou rapidamente progressivas e vasculites.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DE IRA PRÉ-RENAL E RENAL (N TA) Inicialmente, deve-se tentar diferenciar uma IRA pré-renal de uma IRA renal (Tabela 32.3). Após, deve-se tentar buscar uma causa específica (Tabela 32.4).

Page 6: Cap 32 - Insuficiência Renal Aguda

Rotinas Clinicas em Urgência e Emergência no HRMS Organizadores: Fernando Goldoni e Márcio Estevão Midon

Índice IRA Pré-renal NTA

Osmolaridade urinária > 500 mOsm < 350 mOsm

Osmolaridade urinária/ plasmática > 1,3 < 1,1 Creatinina urinária / plasmática > 40 < 20 Sódio urinário < 20 mEq/l > 40 mEq/l Excreção fracional de sódio (%) < 1 > 3 Excreção fracional de ureia (%) < 35 >35 Tabela 32.3: Diagnóstico diferencial na IRA Dentre os índices tradicionais, a FeNa apresenta o melhor desempenho, mas é falseada por diversas situações prevalentes em pacientes com IRA, incluindo a ausência de oligúria, presença de disfunção hepática, uso de diuréticos de alça, manitol, contraste radiológico ou excreção de elevada carga osmolar por aporte dietético. Nesses casos, a FeU pode ser utilizada para o diagnóstico diferencial da IRA pré-renal versus parenquimatosa em pacientes com doença crítica.

• FeU= [(ureia urinária / ureia plasmática) / (creatinina urinária / creatinina plasmática)] x 100 (%)

• FeNa= [(sódio urinário / sódio plasmático) / (creatinina urinária / creatinina plasmática)] x 100 (%)

Em pacientes oligúricos, com FeNa ou FeU elevadas, a ressuscitação volêmica forçada não tem a capacidade de melhorar a função renal e pode resultar em edema pulmonar, hipóxia, necessidade de ventilação mecânica e síndrome de desconforto respiratório.

Diagnóstico Estrutura Laboratório Proteinúria Sedimento Hipertensão Clínica

Necrose Tubular Aguda

Túbulos - 1-2 + Cilindros

Granulosos Incomum

Sepse/ Hipovolemia Hipotensão Nefrotoxina

Nefrite Intersticial Aguda

Túbulos/ Interstício

Eosinofilia 1-2 + ou >

Piúria/ Cilindros

leucocitários Eosinófilos

Incomum Febre/ Rash

cutâneo

Glomerulonefrite Aguda

Capilares glomerulares

Sorologia (FAN, C3,

C4, Anticorpo anti-MBG)

2-4 + Hematúria/ Cilindros Hemáticos

Comum

Síndrome Nefrótica Doença

Sistêmica

Vasculites

Capilares glomerulares/

Pequenas Artérias

ANCA 1-4 + Normal/

Hematúria Incomum na fase inicial

Doença Sistêmica

Microvascular (SHU e Ateroembolia)

Pequenas Artérias

Hemólise/ Eosinofilia

1-3 + Normal/

Hematúria Comum

Pele / Fundo Olho

Macrovascular (embólia, trombose)

Grandes Artérias

Dislipidemia, Trombofilia

0-2 + Normal/

Hematúria Comum

Fibrilação atrial / Embolia Periférica

Tabela 32.4: Diagnóstico etiológico da IRA

Page 7: Cap 32 - Insuficiência Renal Aguda

Rotinas Clinicas em Urgência e Emergência no HRMS Organizadores: Fernando Goldoni e Márcio Estevão Midon

Por fim, deve-se ter em mente que nenhum dos índices oferece discriminação perfeita. Estes testes devem ser considerados como ferramentas auxiliares que não substituem as informações complementares fornecidas pela história do paciente, exame físico e exame do sedimento urinário. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DE IRA E INSUFICIÊNCIA RENA L CRÔNICA (IRC)

Perda de função renal lenta e progressiva, presença de sinais e sintomas de uremia avançada (anemia, coloração amarelo-palha, sintomas neurológicos e digestivos) são sugestivos de IRC. Cilindros largos no sedimento urinário também sugerem IRC. Antecedentes de HA, diabetes, nefropatias, doença vascular podem auxiliar, mas também são causas predisponentes para IRA agudizada (que se desenvolve em pacientes com algum comprometimento prévio da função renal). Em caso de dúvida persistente, a ultrassonografia pode mostrar rins contraídos ou hipercogênicos na IRC e rins de aspecto normal ou aumentado na IRA. A exceção é a nefropatia diabética que pode evoluir para IRC com preservação do aspecto renal sonográfico próximo da normalidade. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DE NTA A NTA, isquêmica ou nefrotóxica, constitui-se na principal causa de IRA. Em adultos, o diagnóstico diferencial deve incluir as nefrites tubulointersticiais (NIA) e as glomerulonefrites (GN). Em crianças, incluiu-se também a síndrome hemolítico-urêmica (SHU) e GN. Além do quadro clínico, a interpretação correta do exame de urina pode auxiliar no diagnóstico. Quando identificados em tempo hábil, a maioria dos pacientes com quadros atípicos de insuficiência renal aguda apresenta doenças passíveis de tratamento clínico ou cirúrgico. PREVENÇÃO DA IRA

Existem situações clínicas em que é previsível a possibilidade de lesão renal, tais como uso de drogas nefrotóxicas, cirurgias de grande porte, quadros infecciosos sistêmicos graves e liberação de pigmentos (mioglobina, hemoglobina, bilirrubina). Nessas situações, é possível prevenir ou ao menos amenizar a gravidade da insuficiência renal.

1. Estabeleça o nível basal de função renal por dosagem de creatinina sérica ou depuração de creatinina. Lembre-se de que a dosagem de creatinina é um marcador pouco sensível de função renal, isto é, pacientes com creatinina sérica menor do que 1,5 mg/dl podem estar com reduções significativas da filtração glomerular. Pacientes com creatinina elevada apresentam maior possibilidade de desenvolver lesão renal após procedimentos de risco ou uso de drogas nefrotóxicas. Deve-se utilizar o clearance estimado de creatinina para o estabelecimento da função renal.

2. Otimize as condições clínicas do paciente. A medida mais importante é assegurar que o volume intravascular esteja convenientemente expandido. Mantenha pressão arterial média acima de 80 mmHg (ou mais, se o paciente for hipertenso), hematócrito acima de 30% e oxigenação tecidual adequada.

3. Em doentes sob terapia intensiva e mantidos com drogas vasoativas, é particularmente difícil estimar a adequação do volume intravascular. Nesses

Page 8: Cap 32 - Insuficiência Renal Aguda

Rotinas Clinicas em Urgência e Emergência no HRMS Organizadores: Fernando Goldoni e Márcio Estevão Midon

casos, pode ser preciso utilizar medidas complementares para avaliação da volemia. Estas incluem a pressão venosa central, a saturação venosa de oxigênio, ecocardiografia e testes dinâmicos de volemia como a variação da pressão de pulso (deltaPP) após infusão rápida ou elevação passiva dos membros inferiores.

4. Evite o uso de drogas nefrotóxicas em pacientes com função renal já comprometida. Corrija as doses das drogas de acordo com a função renal, mantenha o paciente adequadamente hidratado e monitorize a função renal. Evite associação de drogas nefrotóxicas.

5. Diuréticos: oligúrica para não oligúrica, reduz o trabalho tubular, mas não previne a lesão nem modifica a morbimortalidade,

6. Em caso de mioglobinúria e hemoglobinúria, o uso de solução salina expansora, bicarbonato de sódio e manitol reduzem a prevalência e a gravidade da lesão renal.

7. L-arginina previne nefrotoxicidade pela cisplatina, 8. Lise tumoral : IRA por deposição intratubular de Ac. Úrico > 20 mg/dL,

hidratação durante e após a QT, alopurinol 600 mg/24h antes do tratamento e 300 mg/dia no período de risco, alcalinização urinária e manter pH urinário > 7.0, correção dos distúrbios hidroeletrolíticos associados,

9. Nefrotoxicidade do contraste: evitar os de alta osmolaridade (iônicos), usar menor volume, N-acetilcisteína (NAC) 600 a 1200 mg VO de 12/12 h por 3 dias ou 1200 mg EV 12/12 h pré e pós exame ( proteção renal e extrarrenal ), hidratação com SF 0,9% - 1ml Kg /h 12 h pré e pós-exame. Para pacientes com necessidade de restrição de volume : SG 5% ou AD 850 ml + Bic. Sódio 8,4% -150 ml, fazer 3 ml / Kg da solução 1 h antes do procedimento e 1 ml/ Kg / h nas próximas 6 h após o exame, suspender o diurético pelo menos um dia antes do procedimento.

10. Dopamina: não previne, não diminui mortalidade. Sem recomendação. TRATAMENTO CLÍNICO Assim que reconhecida a existência de IRA, ao mesmo tempo em que se iniciam as medidas terapêuticas, deve-se tentar descobrir sua causa e tentar revertê-la. Sempre se deve pensar primeiro em afastar IRA pré-renal e pós-renal, já que medidas relativamente simples podem melhorar em muito o prognóstico de seu doente. Muitas vezes esse alerta consegue evitar que uma IRA pré-renal evolua pata NTA isquêmica ou que se esqueça de sondar um paciente com “bexigoma”. Recomendações: 1. Assegurar-se de que o volume intravascular esteja expandido. Manter pressão

arterial média acima de 80 mmHg, hematócrito acima de 30% e oxigenação tecidual adequada.

2. Evitar hiperhidratação, que poderá causar edema, hipertensão, insuficiência cardíaca e hiponatremia. IRA é um processo hipercatabólico, e um paciente que não estiver perdendo ao redor de 300 g de peso corporal por dia quase certamente está em balanço positivo de água. Importante lembrar-se de que o melhor parâmetro para diagnosticar precocemente hiperhidratação é o peso diário.

3. Prevenir hipercalemia diminuindo a ingestão de potássio e evitar drogas que interfiram com a excreção deste. Tratar agressivamente hipercalemias graves ou

Page 9: Cap 32 - Insuficiência Renal Aguda

Rotinas Clinicas em Urgência e Emergência no HRMS Organizadores: Fernando Goldoni e Márcio Estevão Midon

sintomáticas através de infusão endovenosa de cálcio, soluções polarizantes (glicose e insulina), uso de agonistas ß2, correção da acidose, resinas de troca iônica e hemodiálise (Tabela 32.5).

4. Gluconato de cálcio a 10% é indicado quando houver qualquer alteração eletrocardiográfica compatível com hipercalemia, independente do nível sérico do potássio. − Dilui-se 10 a 20 ml do gluconato de cálcio em 100 ml de NaCl 0,9% ou SG 5%

e infunde-se em dois a cinco minutos – lentamente. − Repetir o ECG após a infusão. − Se persistirem as alterações no eletrocardiograma, pode-se repetir o gluconato de

cálcio. − Deve ser a primeira medida em pacientes com alterações eletrocardiográficas.

5. Tomar precauções extremas contra processos infecciosos. Evitar antibioticoterapia desnecessária, quebras da barreira cutâneo-mucosa (sondas, cateteres, etc) e pesquisar cuidadosamente a presença de focos infecciosos. A maior causa de mortalidade em pacientes com IRA é septicemia.

6. Nutrir o paciente. Tentar obter o balanço nitrogenado menos negativo possível através da administração de uma relação calórico/proteica adequada. Evitar restrições alimentares severas. Se a sobrecarga de volume for um problema não contornável clinicamente, iniciar diálise precocemente ou intensificá-la.

7. Ateroembolismo: não tem tratamento específico, mas deve-se, sempre que possível, suspender os anticoagulantes. O uso de estatinas parece estar associado à melhor recuperação da função renal. Alguns pontos importantes devem ser lembrados: • Não há benefícios na utilização de diuréticos na IRA. • Diálise precoce e frequente deve ser utilizada para manter ureia abaixo de 180 mg/dl

e creatinina inferior a 8 mg/dl. • Pacientes com significativa destruição tecidual (rabdomiólise, traumatismo,

queimadura, septicemia, pós-operatório de cirurgias extensas) têm elevada produção de ureia e usualmente necessitam de hemodiálise quando se apresentam com IRA.

• Os procedimentos de hemofiltração e hemodiafiltração são utilizados frequentemente para a reposição de função renal e clareamento de substâncias tóxicas em pacientes criticamente enfermos.

• HIPERPOTASSEMIA:

Leve 5 a 6 mEq/L

Moderada 6,1 a 7 mEq/L

Grave > 7 mEq/L

Diurético: Furosemida 1 mg/kg IV até de 4/4 horas

Possível Possível Possível

Resina: Sorcal 30 g diluído em 100 ml de manitol a 10 ou 20% ou água (8/8 a 4/4 horas); e/ou enema de retençaõ (com SG 5% + Sorcal 15 g); pode-se dobrar a dose, se necessário.

Sim Sim Sim

Inalação com β2: Fenoterol ou salbutamol – 10 gotas até de 4/4

Em geral, não há necessidade.

Sim Sim

Page 10: Cap 32 - Insuficiência Renal Aguda

Rotinas Clinicas em Urgência e Emergência no HRMS Organizadores: Fernando Goldoni e Márcio Estevão Midon

horas. Polarizante: Insulina regular 10 unidades IV + 50 g de glicose (SG 10% 250 ml) até de 4/4 horas, ou 01 Unidade de insulina /3 g de glicose. Após isso, avaliar glicemia , devido ao risco de hipoglicemia.

Em geral, não há necessidade, mas pode ser

prescrita.

Sim Sim

Bicarbonato de sódio: 1 mEq/kg de peso IV lento até 4/4 horas

Em geral não é indicado.2

Em geral não é indicado.2

Em geral não é indicado.2

Diálise (hemodiálise é mais eficaz)

Em geral não é indicada.

Pode ser indicada.

Pode ser indicada.

1 Cuidado com elevações muito rápidas no potássio sérico; isso pode ser mais importante que um valor absoluto e

isolado do potássio. 2

O bicarbonato é pouco útil na insuficiência renal por causa do risco de sobrecarga de volume; pode ser mais útil na rabdomiólise. Tabela 32.5: Tratamento da hipercalemia1 TRATAMENTO DIALÍTICO Indicações de diálise na IRA Existem situações em que o tratamento dialítico (hemodiálise, diálise peritoneal e hemofiltração) é emergencial por haver um risco iminente para a vida do paciente. Entretanto a melhor conduta é prevenir a necessidade de diálise de urgência pela prática da indicação precoce de diálise antes do surgimento do quadro de uremia franca e/ou de complicações clínicas, metabólicas e eletrolíticas. As principais indicações dialíticas são: − Hiperpotassemia: acima de 5,5 mEq/L com alterações ao ECG ou maior que 6,5

mEq/L − Hipervolemia: edema periférico, derrames pleural e pericárdico, ascite, hipertensão

arterial e ICC − Uremia: sistema nervoso central (sonolência, tremores, coma e convulsões), sistema

cardiovascular (pericardite e tamponamento pericárdico), pulmões (congestão pulmonar e pleurite), aparelho digestivo (náuseas, vômitos e hemorragias digestivas)

− Acidose metabólica grave − Outras: hipo ou hipernatremia, hipo ou hipercalcemia, hiperuricemia,

hipermagnesemia, hemorragias devidas a distúrbios plaquetários, ICC refratária, hipotermia e intoxicação exógena

Objetivos da diálise na IRA Os objetivos da diálise na IRA são apresentados na tabela 32.6.

Propiciar suporte à função dos outros órgãos e sistemas

Suporte ao organismo Propiciar oportunidade para a recuperação da doença crítica

Page 11: Cap 32 - Insuficiência Renal Aguda

Rotinas Clinicas em Urgência e Emergência no HRMS Organizadores: Fernando Goldoni e Márcio Estevão Midon

Ofertar depuração mínima por procedimento Objetivar otimização da bioquímica plasmática Não promover síndrome de desequilíbrio

Suporte metabólico

Permitir aporte calórico-proteico Evitar hipervolemia e hiper-hidratação. Evitar hipovolemia e instabilidade hemodinâmica Manter ou estabilizar os parâmetros hemodinâmicos Suporte hídrico/volêmico Controlar o balanço hídrico de acordo com as necessidades de aporte Manipulação de citocinas e mediadores Interferência em fenômenos

patogênicos Imunomodulação Tabela 32.6: Objetivos da diálise na IRA COMPLICAÇÕES Os doentes com IRA podem apresentar várias complicações, relacionadas à própria IRA ou à sua terapêutica (diálise), e incluem: − Infecção − Relacionadas à hipervolemia − Distúrbios metabólicos − Sangramentos − Cardiovasculares Na fase de recuperação, os doentes podem apresentar poliúria (que pode implicar desidratação com consequente retardo na recuperação da IRA) e distúrbios eletrolíticos (hipocalemia, hipernatremia, hipomagnesemia).

Page 12: Cap 32 - Insuficiência Renal Aguda

Rotinas Clinicas em Urgência e Emergência no HRMS Organizadores: Fernando Goldoni e Márcio Estevão Midon

Figura 32.1: Algoritmo para avaliação inicial na IRA REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Insuficiência Renal Aguda. In: RIELLA, M.C. Princípios de Nefrologia e Distúrbios

Hidroeletrolíticos. Capítulo 21, pg. 388-401, Ed. Guanabara-Koogan, Rio de Janeiro, 1996.

2. Sociedade Brasileira de Nefrologia. Diretriz da AMB Insuficiência Renal Aguda. Disponível em http://www.sbn.org.br/diretrizes.asp acesso em 10 de fevereiro de 2010.

3. Pronto Socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Barueri, SP. Manole 2007.

4. Artigo sobre IRA: Abdulkader R, Martins AF. – Medicina NET- www.medicinanet.com.br

AUMENTO DA URE IA E CREATININA

História clínica detalhada Exame físico cuidadoso

Exames séricos e urinários iniciais

PRÉ-RENAL DOENÇA RENAL INTRÍNSECA PRÉ-RENAL

Melhora com volume Urinálise Exames séricos Outros exames

Corrigir a obstrução rapidamente

Doença de grandes vasos

Doença de pequenos vasos

Necrose tubular aguda

Doença aguda tubulointersticial

- Trombose artéria renal - Ateroembolismo - Trombose de veia renal

- Glomerulonefrite - SHU/PTT - HAS maligna

- Isquêmica - Toxinas endógenas - Toxinas exógenas

- Nefrite intersticial - Pielonefrite bilateral