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1outubro2008 para

PoetasCiênCia revista

Ildeu de Castro Moreira Coordenador Acadêmico Ciência para Poetas

Professor do Instituto de Física - UFRJ

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Ciência para Poetas

O discurso poético da ciência. A beleza, a simetria, a estética nas teorias e aparatos científicos. O tempo e o espaço, a matéria e a energia, o determinismo e o acaso, as formas e fenômenos da natureza. A história da produção dos conhecimentos científicos; seus usos e seus abusos, seus acertos e suas falhas, suas contro-vérsias e seus riscos. A ciência no cotidiano e no ima-ginário. As interfaces entre ciência, arte, literatura, música e cultura.

Todos estes temas têm sido fonte de inspiração para a série Ciência para Poetas, criada e desenvol-vida na Casa da Ciência da UFRJ desde alguns anos. De lá para cá, cientistas de vários matizes e origens têm compartilhado o palco com historiadores, filóso-fos, poetas e artistas. A audiência, sempre atenta e va-riada, constitui um elemento instigador que enriquece e amplifica o debate.

E o projeto deu liga. A liga da ciência com a arte. Ambas se nutrindo do húmus da curiosidade, ambas frutos da criatividade e do experimentar, ambas condi- cionadas pela história e pelo contexto. Ambas imersas na cultura, mas imaginando e agindo sobre o mundo com olhares, objetivos e práticas diversas. Suas dife-renças como condições para a geração do novo e a afirmação humanística. Os fazeres, artístico e científico, como duas faces complementares da ação e do pen-samento humanos.

Que a este primeiro exemplo impresso de mescla criativa – que investiga as formas dos materiais e suas transformações no tempo e que trata das belezas da Terra – se sigam outros igualmente primorosos.

Sei que a arte é irmã da ciênciaambas filhas de um deus fugaz

Gilberto Gil, Quanta (1995)

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2 outubro2008para

PoetasCiênCia revista

A revista Ciência para Poetas é uma publicação anual da Casa da Ciência Centro Cultural de Ciência e Tecnologia da UFRJ R. Lauro Müller, 3 - Rio de Janeiro/RJ CEP 22290.160 tel: (21) 2542-7474 www.casadaciencia.ufrj.br

Distribuição gratuita

Direção ExecutivaFatima BritoCoordenação EditorialAdriana Vicente Simone MartinsDireção de ArtePaula WienskoskiProjeto gráfico e DiagramaçãoIvan FariaPaula WienskoskiCapaPaula WienskoskiRedaçãoAna Paula TrindadeMaria do Socorro MouraSimone MartinsCopidesque e RevisãoLuciane CorreiaSimone MartinsVivian AndreozziColaboradoresAndré Bordalo - Antonio Carlos S. Fernandes - Ismar de Souza Carvalho Kátia Mansur - Renato Ferreira - Viviane MagalhãesAgradecimentosErnesto von Sperling (CPRM)Apoio

Esta é uma publicação sem fins lucrativos, com imagens cedidas pelos criadores ou sob licença Commons e contratos similares ou de domínio público, com os devidos créditos, conforme informação dos autores dos textos.

Foto: Dirk J. Wiersma, fotógrafo holandês nascido na In- donésia, em 1939. Formou-se e atuou como geólogo por muitos anos. Publicou livros de fotografia e seu tra-balho pode ser visto em www.pantofos.com

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O Abraço

Na superfície de leitos sedimentares, em Harleville, na França, encontram-se instigantes peças de areia branca, esculpidas pela natureza através de transformações no processo de sedimentação. São conhecidas por geólogos como gogottes ou poupées (bonecas), sugerindo a sen-sualidade de suas formas naturais. Altura: 35cm

número 1- Geologiaoutubro 2008ISSN 1983-9588

CiênCia para poetas - CiClos de palestras

Coordenação AcadêmicaIldeu de Castro MoreiraCoordenação ExecutivaAdriana VicenteBolsistasCintiene Sandes - Joyce Santos - Lorena Alleyne - Marcia Pereira

Geologia para poetas - CiClos i e ii

Coordenação AcadêmicaMaria Dolores WanderleyOs ciclos Geologia para Poetas foram realizados em parceria com o Departamento.de Geologia/IGEO/UFRJ

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3outubro2008 para

PoetasCiênCia revista

EditorialCaro leitor,

Ao longo de dez anos de trabalho, a série de palestras Ciência para Poetas abordou os maisvariados temas e envolveu professores e pes-quisadores da UFRJ e de outras instituições, contemplando um público diversificado em suas apresentações.

Um encontro entre arte, ciência e cultura, em que o grande desafio sempre foi falar sobre ciência de diferentes maneiras, despertando o prazer em conhecer e compartilhar idéias, imagens, cores e sons. Desse encontro, nasceu a vontade de expan-dir fronteiras e trilhar novos caminhos para divulgar uma experiência tão rica em elementos que pro-vocam e instigam a curiosidade.

A Revista Ciência para Poetas é fruto dessa vontade de ampliar o alcance do debate sobre ciência e suas múltiplas interfaces, em um formato a ser lido e apreciado por todos que se interessem ou atuem nas diversas áreas do conhecimento científico. Nosso desejo é, assim como a ciência o faz, experimentar.

Geologia é o primeiro número da série edito-rial e reúne artigos dos palestrantes, poesias, saber popular, quadrinhos, entrevista, educação, arte e ciência em um só lugar.

Um trabalho árduo que reflete formas de ver e popularizar a ciência: tem as cores de muitas palhe-tas e o som de várias vozes, que, juntas, não mostram respostas únicas, mas infinitas possibilidades de leitura. Esta publicação é a realização de um sonho plantado há muito tempo e fruto de várias mãos.

O resultado, agora, passa às suas mãos. Afinal, descobrir a ciência que há em todas as coisas é sempre mais divertido quando se está em boa companhia...

Boa leitura!

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4 outubro2008para

PoetasCiênCia revista

The Wave - Arizona, E.U.A.

A geologia é uma ciência que estuda o planeta Terra nas suas várias dimensões, desde os cristais que compõem as rochas até os rios, lagos, mares e florestas. A Terra é um planeta dinâmico onde as rochas e as paisagens estão sendo continuamente criadas e recriadas, os continentes ora se reunindo ora se afastando, em uma espécie de dança ao longo do tempo.

Fenômenos como tempestades, inundações, vulcões, glaciações, terre-motos, maremotos e até pingos de chuva ficam registrados nas rochas e oferecem aos geólogos um contato íntimo com a história da natureza e de sua decifração. Os seres vivos e sua evolução ao longo do tempo também ficam registrados, nas rochas, sob a forma de fósseis.

A dimensão do tempo (4.6 bilhões de anos desde a formação da Terra), muitas vezes insuspeitada pelas pessoas, está presente no cotidiano desses estudiosos.

A Terra constitui também o único planeta do sistema solar onde a vida se desenvolveu e evoluiu de maneira extraordinária, resultando no aparecimento do Homem, este ser com uma tremenda capacidade de refletir, questionar, investigar, compreender e interferir na sua dinâmica e, quem sabe, no futuro, interferir na dinâmica do Universo.

O acaso, irmão dos processos vitais e de outros processos naturais, muitas vezes produz o que se poderia chamar beleza. É quando o homem se pega admirando algo produzido pela natureza ou pelos seus próprios raciocínios e habilidades.

Único ser artístico do planeta, o Homo sapiens transforma sua vivência em perguntas, dores, encantamento, em ciência, em arte.

Através das palestras e leituras de poemas do ciclo Geologia para Poetas, estudiosos, poetas, pessoas em geral compartilharam conhecimento. Razão e sentidos andaram juntos, instigando, provocando. Dele saímos mais ricos, certamente.

Maria Dolores WanderleyCoordenadora Acadêmica

ciclos de palestras Geologia para Poetas I e II

GeoloGiarazão e beleza

Foto: Claudia Wedell

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5outubro2008 para

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Como era o atlântiCo Sul há 100 milhõeS de anoS?

o SignifiCado de fóSSil na obra inCidente em antares, de ÉriCo VeríSSimo

PequenoS artefatoS do temPo

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a genealogia do Petróleo

a PoeSia do himalaia braSileiro naS roChaS de armação doS búzioS

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7outubro2008 para

PoetasCiênCia revista

Não é possível segurá-lo ou vê-lo, porém sempre existiu. Podemos claramente perceber sua presença através de nossas ações cotidianas ou daquilo que ocorre ao nosso redor. Basta relembrar o que realizamos no dia de hoje e ali ele estará, com sua onipresença, determinando nossas ações e seus reflexos.

Podemos conviver com ele por anos, décadas e, por vezes, até um século. Mas não muito além disso, pois o tempo é implacável com a existência de tudo o que é vivo.

Nosso tempo, o tempo humano ou antropológico, é infinitamente menor do que o tempo da existência de nosso planeta e dos cenários geológicos ao nosso redor. Uma dimensão de existência das coisas, vivas ou não, mensurável em milhões ou mesmo bilhões de anos, representando o tempo profundo, ou tempo geológico. Uma verdadeira expressão e quantificação da existência, na qual o ditado popular “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura” pode se concretizar infinitas vezes.

No tempo geológico, nosso planeta passou por transformações em sua atmosfera, hidrosfera, litosfera e biosfera, conduzindo à existência de mundos únicos e sem possibilidade de repetição.

Nessas várias situações de mundos únicos e irreproduzíveis é que a vida surgiu, se transformou e passou a ser um agente de modificação avassaladora do próprio planeta.

Assim, a história da existência confunde-se com a história do tempo, o qual não é necessariamente o tempo humano, mas o tempo profundo, por vezes de percepção incompreensível para nossa visão fugaz da vida, mas que certamente é intangível em seu início e sem perspectivas de um fim.

Ismar de Souza CarvalhoDepto. de Geologia

Instituto de Geociências - UFRJ

A HISTÓRIA DA EXISTÊNCIAEXISTÊNCIA

Sphenodiscus lenticularis - amonita

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8 outubro2008para

PoetasCiênCia revista

As rochas, que muitas vezes vemos expostas na paisagem, assim como os restos de organismos nelas preservados, são testemunhos do tempo. Mas o que é um testemunho? É um depoimento da natureza, uma demonstração, uma prova da existência de eventos geológicos a que geralmente não temos acesso direto.

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9outubro2008 para

PoetasCiênCia revista

nental podem originar rochas conhecidas como arenitos e folhelhos. Organismos presentes no ambiente sedi-mentar podem ser incorporados ao registro e se tornarem fósseis.

Nas rochas sedimentares, está quase todo o regis-tro da vida no planeta, o qual se presta melhor para datar o tempo em que viviam tais organismos. Isso se dá porque, na interação com o ambiente, muitos não resistiram às mudanças ocorridas ao longo do tempo e se extinguiram, marcando as camadas e tornando-se um sinal que não se repetirá em tempos posteriores. Esse é o princípio da irreversibilidade da evolução orgânica.

Os outros dois modos de formação de rochas resultam diretamente da solidificação do magma flui- do e extremamente quente no interior da Terra. Esse magma

pode atravessar vertical-mente rochas pré-exis-tentes, que chegam à su- perfície, como as ro- chas vulcânicas; ou po- dem não chegar à su- perfície, transformando- se em contato com o calor e as altas pres- sões, como as rochas plutônicas e metamór-ficas, respectivamen- te. Nestas não são co-mumente encontrados fósseis.

Sendo a Terra mui- to inquieta, com ter-

remotos, vulcões, movimentos de placas tectônicas e variações do nível do mar, pode haver criação e destruição de relevo, formando paisagens em constante mudança pela ação das intempéries. Portanto, o registro das rochas e dos seres nelas incorporados também é descontínuo e complexo.

De um ou de outro modo, as rochas se acumularam. Isso ocorreu ao longo da passagem do tempo. Há rochas que ainda permanecem e há tempo que passou e jamais poderá ser recuperado (ver Della Fávera, Fundamentos de estratigrafia moderna, 2001). Rocha é, portanto, tempo.

Eventos geológicos acontecem des- de a solidificação da crosta terrestre, 4.6 bilhões de anos atrás, até hoje Um exem- plo de fácil percepção é o vulcanismo, evento no qual o magma quente, vindo do interior da Terra, chega bruscamen- te à superfície, deixando rochas vulcânicas como registro. Crostas oceânicas vêm se formando dessa maneira há 200 milhões de anos.

O registro do tempo é concreto. Para escalar o morro do Pão de Açúcar, finca-mos cabos em rochas com mais de 540 milhões de anos, período em que duas pla- cas tectônicas colidiram e se dobraram, formando cadeias de mon-tanhas, desgastadas com o decorrer do tempo.

Observando eventos atuais, como acumulação de lama, areia e cascalho, ao longo de rios e lagos, os geólogos verificam, a cada cheia, a acumulação de se- dimentos, os quais, na cheia seguinte, podem ser soter- rados. Dessa maneira con- cluem que, em uma se-qüência sedimentar, as ro- chas mais antigas estão na base e, independentemente da irregularidade do relevo, as rochas sedimentares se acumulam em estratos horizontalmente dispostos.

Dos três modos de formação das ro- chas que compõem a crosta terrestre – sedimentar, ígneo e metamórfico –, o de rochas sedimentares se dá pela acumulação, união e endurecimento de fragmentos resultantes da desagregação de rochas pré-existentes na superfície terrestre. Por exemplo, sedimentos flu- viais acumulados na plataforma conti-

Montanha formada por dobramento de camadas rochosas em choque de placas tectônicas, há mais de 500 milhões de anos.

Rochas sedimentares que formam o Grand Canyon (EUA) registram as três Eras Geológicas: Paleozóica, Mesozóica e Cenozóica.

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10 outubro2008para

PoetasCiênCia revista

Os nanofósseis calcários:pequenos artefatos do tempo

Um dos grupos orgânicos muito úteis para datação são os nanofósseis calcários, pois sofreram várias extinções ao longo do tempo, servindo como guias na sucessão estratigráfica e do tempo. São chamados fósseis-guias.

Os nanofósseis calcários são organismos unicelulares cujo esqueleto externo é cons- tituído de diminutas plaquinhas (cocolitos) com tamanho variando de 0,25 a 50m, de composição carbonática. Incluem os Cocolitoforídeos e vivem principalmente nos mares, desde o período Triássico até os dias de hoje. Como fazem fotossíntese, ocupam a parte iluminada da coluna d’água, ou seja, da superfície do mar até, aproxi-

Maria Dolores WanderleyDepto. de Geologia

Instituto de Geociências - UFRJ

madamente, 200m de profundidade. Incluem outras plaquinhas de origem desconhecida, recuperadas das rochas pelo mesmo processo. Quando o organismo morre, as plaquinhas se desagregam e chegam até o fundo.

No Brasil, a acumulação dessas plaquinhas se dá desde a formação do oceano Atlântico Sul, quando adquiriu condições de mar aberto e houve uma proliferação desses organismos, até os dias atuais. Ao perfurar-se um poço em busca de petróleo, na margem continental brasileira, esses “pequenos artefatos do tempo” são muito importantes na ordenação dos eventos geológicos, auxiliando no encontro de rochas geradoras e reservatório.

Formas-guias do Terciário

Umbilicosphaera hulburtiana.Esqueleto completo da célula do nanofóssil.

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11outubro2008 para

PoetasCiênCia revista

O QUE É QUE VOCÊ TEM NESSA CABEÇA?!?

PAISAGENS NEURONAIS janeiro de 2009 l Casa da Ciência da UFRJ

Obra Social “La Caixa” l Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CSIC)Organización Internacional para la Investigación del Cerebro (IBRO) l Instituto Cervantes

Ministério de Cultura da Espanha

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12 outubro2008para

PoetasCiênCia revista

Entre aproximadamente 115 e 100 milhões de anos atrás (Ma), em um momento da história da Terra pertencente ao Cretáceo, as condições dos mares propiciaram uma intensa acumulação de evaporitos (rochas formadas por sais minerais) e carbonatos em bacias localizadas nas faixas tropicais e subtropicais. Foi também durante esse período que ocorreu a fragmentação do Gondwana, o grande continente que agregava a América do Sul à África, levando à criação de um mar restrito, precursor do oceano Atlântico Sul.

A história do Atlântico Sul Central – limitado por barreiras soerguidas no assoalho marinho, perpendiculares ao continente onde hoje se encontram as cidades de Florianópolis e de Maceió – pode ser relacionada a esse período. As rochas depositadas naquela época contêm fósseis e outras evidências geológicas que possibilitam a reconstrução paleogeográfica do Atlântico Sul e das áreas continentais vizinhas. Tais evidências reforçam a tese de que a massa d’água que deu origem ao Atlântico Sul Central associava-se, predominantemente, ao mar de Tethys, o antigo mar que cobria amplas áreas, onde hoje se encontram a Europa, a parte ocidental da Ásia, o Oriente Médio, o norte da África e a América Central.

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Atlântico Sul

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13outubro2008 para

PoetasCiênCia revista

Ricardo Latgé Milward de AzevedoGeólogo - Petrobras

Para essa reconstrução do passado, vários autores interpretam o padrão ocea-nográfico, ecológico e evolutivo do atual Mar Vermelho como similar ao do Atlântico Sul primitivo. O Mar Vermelho ocupa uma megafratura continental (1.932km de com-primento, com largura média de 280km) decorrente do processo de separação da África e do Oriente Médio, além de possuir o registro de fossas com mais de 2.900m de profundidade, ligadas à formação de crosta oceânica.

No entanto, a abertura que o liga ao golfo de Aden, na extremidade sul, é mar- cada por uma exuberante barreira subma-rina que eleva rapidamente o fundo do mar a menos de 140m de profundidade. Essa influência da geografia física e o clima seco das regiões continentais vizinhas es-tabelecem condições diferenciadas entre as massas d’água superficiais e de fundo.

Naturalmente, para estabelecer a relação entre os modelos hidrográficos do Mar Vermelho e Atlântico Sul Central deve-se partir da demonstração da condição de mar restrito com balanço hídrico negativo (evaporação > precipitação) deste último. Outros elementos importantes nessa interpretação são: a reconstrução climática do período Albiano, com a localização do Atlântico Sul Central no cinturão quente e seco do hemisfério sul, e as evidências fossilíferas de condições marinhas quentes e salinidade elevadas, desse período, existentes nas bacias de Campos e Santos.

Com base nesses argumentos, pode-se estabelecer um padrão para o Atlântico Sul no tempo Albiano. Era um mar segmentado, com a porção central alimentada pelo Atlântico Norte e águas superficiais deslocando-se para o sul e retornando ao norte, varrendo o fundo marinho. Situação oposta ocorria na porção marinha ao sul de Florianópolis.

Reconstruções desse tipo, não raro controversas, são importantes na construção de modelos para a busca de petróleo e fazem da geologia um prazeroso modo de trabalhar.

Entre aproximadamente 110 e 100 milhões de anosReconstituição paleogeográfica para o Albiano. Em verde claro, as áreas continentais; em azul claro, os mares rasos; em azul escuro, os oceanos ou mares mais profundos; em verde escuro, as montanhas em torno do Atlântico Sul Central.

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14 outubro2008para

PoetasCiênCia revista

A indústria responsável pela busca e produção de petróleo e gás movimenta bilhões de dólares em todo o mundo e emprega milhões de pessoas nas diver-sas fases dessa atividade. No Brasil, a prin-cipal empresa do setor é a Petrobras.

Como ocorre o petróleo? Onde é encontrado?

Ao contrário do que muita gente pensa, o petróleo não ocorre na forma de grandes lagos ou rios escondidos a grandes profundidades. Na verdade, é encontrado nas bacias sedimentares, entre os poros de rochas-reservatório, onde chega após milhões de anos, devido a vários processos relacionados à formação e evolução dessas bacias.

O petróleo é gerado em outro tipo de rocha (geradora), a partir dos restos de microorganismos marinhos depositados quando a bacia era um grande lago ou mar.

O petróleo é nosso companheiro do dia-a-dia. Está presente em todas as atividades e em quase todas as coisas que nos cercam. Quando se fala em petróleo, imediatamente vêm à mente imagens de uma torre por onde jorra o “ouro negro”, de grandes refinarias que produzem o combustível e, conseqüentemente, dos efeitos ambientais de sua queima (poluição, efeito estufa etc.).

Embora essas imagens não estejam completamente erradas, estão bastante incompletas. Encontramos deri-vados de petróleo em nossas roupas, nos instrumentos que utilizamos no trabalho ou na escola, na produção ou conservação de muitos dos alimentos que consumimos e nas mais diversas situações que compõem o que chamamos de vida moderna. Talvez o uso menos nobre para um bem tão precioso seja exatamente queimá-lo como combustível, por isso as pesquisas têm avançado para substituí-lo nesse fim.

O petróleo é essencial ao bem-estar da sociedade, sem o qual um país moderno não consegue se desen-volver. Na verdade, nenhum país pode abrir mão do petróleo: os que não o possuem em seu território precisam comprá-lo daqueles que o têm em excesso.

ONDE ESTÁ O ÓLEO?

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15outubro2008 para

PoetasCiênCia revista

À medida que o tempo passa, as bacias vão recebendo sedimentos dos rios e aca-bam sendo completamente preenchidas por eles. O peso das rochas que se formam sobre os restos de microorganismos (que podem ter quilômetros de espessura) vai proporcionar a pressão e a temperatura necessárias para que o petróleo seja ge- rado. Dependendo da temperatura e da pressão a que a rocha geradora é sub-metida e do tipo de matéria orgânica que foi depositada, ela pode gerar óleo, gás ou ambos.

O petróleo é extraído das rochas-reservatório, que são porosas e perme-áveis, ou seja, seus poros estão conectados e permitem que o óleo flua pelas rochas e ao longo do poço perfurado para pro-duzi-lo. As rochas geradoras, por sua vez, possuem poros, onde o óleo gerado se acumula, mas que estão isolados uns dos outros, tornando-as impermeáveis. En-tretanto, se a bacia sedimentar, acima da rocha geradora, for completamente for-mada por rochas-reservatório (porosas e permeáveis), todo o óleo ou gás gerado

fluiria através dela até alcançar a superfície. Por isso, acima da rocha-reservatório deve haver uma camada de rocha selante que não deixe o óleo “vazar”.

Esse conjunto de rochas geradora, reservatório e selante, bem como o processo de migração do petróleo são partes do Sistema Petrolífero.

Elementos do Sistema Petrolífero - as setas vermelha e verde representam a migração do gás e do óleo, respectivamente.

Rochas sedimentares de bacias brasileiras (geradora e reservatório).

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16 outubro2008para

PoetasCiênCia revista

O que é necessário para encontrar e produzir petróleo?

A resposta é muita tecnologia. E o primeiro passo no conjunto de tecnologias com as quais procuramos e pro-duzimos petróleo chama-se sísmica. É através da aná- lise dos dados sísmicos que os profissionais da área (geó-logos e geofísicos) decidem que áreas têm maiores chan-ces de conter hidrocarbonetos e onde devem ser perfu-rados os poços em busca de petróleo ou gás. Hoje em dia, pode-se dizer que nenhum poço de petróleo é perfurado sem que algum estudo de sísmica tenha sido feito.

Mas o que é a sísmica? Para entendê-la, é necessário conhecer mais sobre uma ciência chamada geologia.

Geologia é a ciência que estuda a Terra e as rochas e minerais que a compõem. O geólogo é o profissional que tenta, através desses estudos, recompor a história de formação do planeta e das transformações pelas quais passou desde a sua criação. Alguns geólogos atuam no campo da geologia aplicada, em busca de bens minerais que o homem necessita no seu dia-a-dia. Aqui, por exemplo, estamos falando da geologia aplicada à exploração de petróleo e gás.

A sísmica é um método geofísico, ou seja, uma forma de estudo da geologia que utiliza princípios da física. Nela são empregados os mesmos princípios uti-lizados no estudo de abalos sísmicos ou terremotos. Pode ser comparada a uma espécie de radiografia ou ultra-sonografia da Terra.

Em uma ultra-sonografia, o médico utiliza um aparelho que emite ondas so- noras que “viajam” pelo corpo do pacien-te, refletem nos seus órgãos e retornam ao aparelho para serem registradas, exi-bidas na tela do computador etc.

Na sísmica ocorre algo semelhante. Um determinado aparelho, chamado fon- te, emite uma energia (que não é sonora, mas elástica) que viaja pelo interior da Terra, refletindo-se nas rochas e retornan-do à superfície para ser captada por ou-tro tipo de aparelho, chamado receptor.As operações realizadas no mar e em terra são um pouco diferentes, mas a idéia geral é a mesma, como pode ser visto na figura abaixo. Em terra, os tra- balhos são feitos com o apoio de cami-nhões e veículos pesados; no mar, os equi- pamentos são puxados por navios cons-truídos especialmente para esse fim. Em terra, a energia é gerada com um tipo de explosivo industrial; no mar, utiliza-se uma série de canhões de ar comprimido. Há dois tipos de receptores para cada ambiente: o geofone e o hidrofone.

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Esquema do método sísmico de prospecção aplicado em terra e no mar.

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17outubro2008 para

PoetasCiênCia revista

Na volta à superfície, a energia é gravada em um aparelho (sismógrafo) e passará por diversos tratamentos em computadores de alta capacidade (pro-cesso denominado processamento sísmi-co). É como se, em sua “viagem” pelo in- terior da Terra, a energia recolhesse in-formações sobre as rochas, para depois serem fornecidas ao geofísico. O produto desse processamento – denominado dado sísmico, linha sísmica ou, ainda, volume sísmico – será utilizado pelos geólogos e geofísicos na realização de seus estudos.

Como, a partir dos dados sísmicos, o pesquisador sabe onde pode haver pe-tróleo ou gás?

O processo de estudo dos dados sísmicos em busca do óleo é chamado de interpretação, pois o que o pesquisador faz nada mais é do que interpretar as informações ali contidas.

Através dessa análise, é possível, para o profissional experiente, identificar as regiões de uma determinada bacia sedimentar em que o petróleo pode ter sido gerado (rochas geradoras), as ro- chas nas quais ele pode ser produzido (rochas-reservatório) e como ele saiu de onde foi gerado e passou para sua localização final (movimento de migração). Geralmente não é possível dizer com absoluta certeza se há petróleo ou não, mas o objetivo é acertar na maioria das vezes. Para realizar esse tipo de trabalho, é indispensável muito treino, experiên- cia e tecnologia, pois é necessário mani-pular e compreender a relação entre uma quantidade muito grande de dados.

Há muitos anos, quando o método começou a ser empregado na indústria pe-trolífera, era feito manualmente, através do estudo de informações e registro de resultados em folhas de papel. Um trabalho

lento, que podia levar anos, antes que se tivesse confi- ança suficiente para a perfuração de um novo poço. A partir dos anos 80, com a evolução mundial da informá-tica e o aparecimento de computadores com grande capacidade de processamento e armazenamento de informações, esse trabalho foi imensamente facilitado. O profissional passou a contar com um importante aliado para acelerar a execução dos trabalhos preliminares e poder dedicar mais tempo à interpretação dos dados em si. Mais tarde, em meados dos anos 90, com a crescen-te melhora nas máquinas disponíveis no mercado, os profissionais da área passaram a dispor de recursos de realidade virtual que aceleram ainda mais os trabalhos e lançam uma nova luz à utilização dos dados sísmicos.

Entretanto, desde os primeiros trabalhos “em papel” até as modernas máquinas que possibilitam a interpre-tação volumétrica e impressionam com o arsenal de tecnologia, uma coisa não mudou: a necessidade de gente criativa e bem treinada, capaz de extrair dos dados as pistas que levam ao “tesouro”, à descoberta do “ouro negro”, e à produção desse bem que nos acompanha no dia-a-dia, seja nas grandes cidades ou nos locais mais isolados do planeta: O PETRÓLEO!

Alvaro Henrique Arouca de CastroGeofísico de Exploração de Petróleo - Petrobras

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Plataforma de exploração de petróleo.

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18 outubro2008para

PoetasCiênCia revista

a genealogia do PeTRÓleo

João Graciano Mendonça FilhoDepto. de Geologia

Instituto de Geociências - UFRJ

O petróleo é uma substância viscosa, mais leve que a água, composta principalmente de hidrocarbo-netos (carbono e hidrogênio) e quantidades bem meno-res de oxigênio, nitrogênio e enxofre, podendo existir no estado gasoso ou líquido em seu reservatório natural. A palavra petróleo se originou do latim petra (rocha) e oleum (óleo). As principais formas do petróleo são: gás natural (não condensa em temperatura e pressão normais), condensado (gasoso em subsuperfície; con-densado em superfície) e óleo bruto (parte líquida).

A origem do petróleo é, para muitos pesquisadores, um dos mistérios mais bem guardados pela natureza. Após séculos de especulações, pesquisas e experi-mentações, foram idealizadas muitas hipóteses e teo-rias para explicar sua gênese. As teorias que pretendem explicar a origem do petróleo podem ser divididas em duas classes: inorgânicas (sem intervenção de organismos vivos de qualquer espécie) e orgânicas (papel fundamental de organismos vivos). Atualmente, tanto geólogos como geoquímicos, em sua grande maioria, atribuem uma origem orgânica para o petróleo, mas não contestam a existência de hidrocarbone-tos formados por processos inorgânicos na Terra e no espaço exterior.

A natureza complexa do petróleo é resultado de mais de 1.200 combinações de hidrocarbonetos, formados pelo processo de decomposição de matéria orgânica, de origem marinha ou continental, durante centenas de milhões de anos da história geológica da Terra. Os principais contribuintes reconhecidos como matéria orgânica formadora de petróleo são restos de bactérias, microalgas marinhas e de água doce, zooplâncton e vegetais superiores.

As condições para formação de pe-tróleo são: a presença de quantidade e qualidade adequadas de matéria orgâ-nica para o processo de geração e a sub- missão dessa matéria orgânica a tem-peraturas suficientemente elevadas para conversão em hidrocarbonetos gasosos e líquidos (petróleo). A partir do au-mento da temperatura no ambiente geológico, os estágios de transformação da matéria orgânica em petróleo são denominados de diagênese, catagênese e metagênese, e as rochas são classifica- das como imaturas, maturas e superma-turas, uma vez que esse processo é chamado de maturação térmica. A quan-tidade, a qualidade e a maturidade térmi-ca da matéria orgânica contida nas rochas geradoras determinarão a quantidade e a qualidade do petróleo a ser gerado.

Devido ao caráter fluido, o petróleo pode migrar da rocha sedimentar no qual foi gerado e acumular-se em arranjos geométricos em outras rochas (reserva-tório e selante) que permitem a sua acu-mulação significativa. Esse conjunto de características define o que os geocien-tistas denominam de Sistema Petrolífero.

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19outubro2008 para

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20 outubro2008para

PoetasCiênCia revista

na obra INCIDENTE EM ANTARES, de Érico Veríssimo

Érico Veríssimo, em Incidente em Antares,inicia o texto referenciando fósseis pleistocê- nicos compostos de megatérios e gliptodon- tes encontrados na localidade de Antares. Trata-se de estratégia para conferir credibili-dade e realidade (verossimilhança) à cons-trução da narrativa ficcional – um procedimen-to lingüístico denominado “ancoragem”. Em outra passagem, um dos personagens refere-se a outros e suas idéias como “dinossauros”. Assim, o referente fóssil articula duas funções: denotativamente constrói o sentido temporal e espacial da narrativa e conotativamente evoca estereótipo de pensamento “conservador”, da oligarquia rural, refratário à modernização co-mo impositivo histórico-social.

A dualidade conservador/progressista, fio condutor da ficção, é utilizada em diferente contexto político-social-econômico. A duali- dade gera tensão na trama discursiva e denun-cia traços de classes sociais, tipos psicológicos e ideologias de personagens que simbolizam os valores socioculturais (“óculos sociais” ou “estereótipos”). No roteiro, o clímax da tensão social se dá na praça principal da cidade de Antares, onde, feito tribunal, esses valores são questionados pelos mortos que voltam para julgar os vivos.

A obra, publicada em 1971, é considerada uma crítica à condução político-social do país pela ditadura militar, no período 1964 a 1985.

O SIGNIFICADO DE

FÓSSIL

I

AFIRMAM OS ENTENDIDOS que os ossos fósseis recentemente en-contrados numa escavação feita em terras do município de Antares, na fronteira do Brasil com a Argentina, pertenciam a um gliptodonte, ani-mal antediluviano, que, segundo as reconstituições gráficas da Paleon-tologia, era uma espécie de tatu gi-gante dotado duma carapaça intei- riça e fixa, mais ou menos do tama-nho dum Volkswagen, afora o for-midável rabo à feição de tacape riçado de espigões pontiagudos. Calcula-se que durante o Pleistoceno, isto é, há cerca de um milhão de anos, não só gliptodontes como também megaté- rios habitavam essa região diabá-sica da América do Sul, onde – só Deus sabe ao certo quando – veio a formar-se o rio hoje conhecido pelo nome de Uruguai. Ignora-se, todavia, em que época da Era Cenozóica sur- giram naquela zona do Brasil meri-dional os primeiros espécimes do Homo sapiens. (...)

Capítulo I.

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21outubro2008 para

PoetasCiênCia revista

É marcante no texto a repetição do adágio de Augusto Comte, de que “os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mortos”. Parafraseando, pode-se dizer que, “na progressão do conhecimento, cada vez mais os fósseis falam pela vida”, de acordo com “Paleontologia celebrando a vida” – lema do XX Congresso Brasileiro de Paleontologia. O aparente paradoxo que suscita a re- lação “fóssil-vida” encontra respaldo na conceituação semiótica de fóssil, que, como signo, torna permeável o limite entre a literatura e a paleontologia, dada a rique-za semântica do vocabulário. Os fósseis transcendem da realidade objetiva para o mundo da significação (se-miose), no processo de construção do conhecimento, que é o instrumento de nossa intervenção no mundo real.

Andrea Wallau Souto-Ribeiro eSeirin Shimabukuro

Geólogos - Petrobras/Cenpes/PDEXP-BPA

Na atualidade, a degradação ambiental ameaçando a sobrevivência da própria espécie leva a ciência a questionar o modelo desse constructo. Pode-se interpretar Incidente em Antares como um exemplo de integração da arte e ciência propiciada pela multiplicidade de significado (polissemia) da palavra fóssil. Na perspectiva paleontológica, como em Antares, os fósseis, incluindo os combustíveis fósseis, “voltam” para nos fazer repensar o futuro. Antares é um simulacro construído no imaginário, direta ou in-diretamente, com dados e conceitos da paleontologia e da história.

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22 outubro2008para

PoetasCiênCia revista

nas rochas de Armação de Búzios

POESIA DO

HIMALAIABrasileiro

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O sol do entardecer ilumina as rochas escuras da Ponta da Sapata, enquanto o marulhar de Manguinhos toca uma sinfonia marítima. O calor já está mais suportável e a noite se aproxima nesse balneário charmoso e exuberante do litoral fluminense. Mais um dia na história das rochas de Armação dos Búzios, que guardam relatos de pelo menos 520 milhões de anos atrás. Não são segredos de Estado, ou mistérios indecifráveis que prenunciam o juízo final. São relatos estampados nas suas cores, minerais, estruturas e formas. Todavia poucos têm o conhecimento e a paciência para ouvir e traduzir essa trajetória. Um caminho que se mistura com a evolução do planeta e do sistema solar, com a construção dos conti-nentes sul-americano e africano, com a manifestação da vida na Terra.

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23outubro2008 para

PoetasCiênCia revista

Os geólogos são profissionais que estudam as rochas e suas histórias, através de uma metodologia científica que envolve ciências fundamentais, co-mo matemática, química e física. Aplicam com eficiência esse conhecimento na extração de matéria-prima para a cultura e para a geração de energia. Por outro lado, o geólogo tem uma faceta pouco desenvolvida e quase ignorada por to- dos e mais ainda por ele mesmo. Seu convívio hermético com a sólida, incon-testável, mas vulnerável natureza o torna singelo, apesar da sua robustez. Após muitos anos de trabalhos de campo, este ser torna-se leitor, ouvinte e cúmplice das confissões permanentes e dos testemunhos emocionados das pedras (refe-rência admitida apenas para os muito íntimos).

Quando o geólogo divulga esses relatos, a cortina cai e os segredos soam como poesia. Sim, os poetas são aqueles geólogos que captam as rimas, os encantos e a sinfonia das rochas. Devemos ouvir a história científica e bastante poética do nosso território, onde somos recentes visitantes, frutos de uma longínqua e bela evolução, que nos exige responsabilidade com o hoje e o amanhã da Terra.

As rochas buzianas revelam histórias para lá de poéticas. São agregados minerais que foram submetidos a pressões e temperaturas extremas nas profundezas da crosta terrestre, e que sobreviveram para relatar parte dessa trajetória. Sua origem remete-nos a um dos lugares mais sagrados do planeta, o Himalaia.

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À esquerda e acima: diques de diabásio (130Ma), cortando rochas metamórficas (520Ma) da Sucessão Búzios (Ilha dos Papagaios), relacionados ao início da abertura do oceano Atlântico. Na foto à esquerda, as dobras indicam a plasticidade das rochas na antiga colisão continental em altas temperaturas.

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24 outubro2008para

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No coração do Tibet, estão as mais elevadas mon-tanhas continentais do mundo – que perfazem uma muralha de neve e rocha –, formadas pelo choque entre as placas litosféricas da Índia e da Ásia, iniciado há 55 milhões de anos. Desde então, a cordilheira do Himalaia ascende ininterruptamente diante dessa rota colisional que inclui volumes de crosta assombrosos. Há 500 anos, filósofos e religiosos explicavam a presença de fósseis marinhos nos topos de 8.000 metros, como resultantes de inundações catastróficas; hipóteses, obviamente, muito improváveis. A evolução científica deu-nos res-postas mais lógicas para a cordilheira.

Por volta de 80 milhões de anos atrás, a Índia, ane- xada à costa leste africana, se desprende do antigo con-tinente Gondwana, e segue inexorável para o norte, co-mo uma ilha continental. Esse deslocamento é produto do consumo de uma crosta oceânica, sob o antigo mar de Tethys, que começou a afundar por baixo da Ásia. O choque entre uma placa oceânica e uma placa continental (Ásia) sempre gera o mergulho da primeira sob a segunda,

devido a sua maior densidade. Depois de 20 milhões de anos, o fundo oceânico do Tethys desaparece e a grande ilha indiana começa a colidir com a Ásia.

O choque entre placas continentais gera um afundamento apenas parcial, pois o pouco contraste de densidade acaba por vencer e promover uma ascensão e duplicação da crosta continental, cons-truindo as maiores montanhas, em um processo chamado orogenia (oros = mon-tanhas, genia = formação). A orogenia do Himalaia é a melhor compreendida pelos geólogos, afinal está ocorrendo nesse exato momento. Esse fenômeno explica por que camadas de rochas depositadas no fundo de um mar, a mais de 4km de profundidade, estão hoje no topo de mon- tanhas como o Everest.

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Cordilheira do Himalaia, Tibet.

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25outubro2008 para

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Afinal, o que as rochas de Búzios têm a ver com o Himalaia? Muito além do que podemos ima- ginar. Há 520 milhões de anos, no período geológico Cambriano, a região de Búzios fazia parte de uma gigantesca cadeia de mon- tanhas, tão alta quanto o Hima- laia que existe hoje na Ásia. A semelhança entre as rochas hima- laianas atuais e as antigas rochas buzianas sustenta esta teoria. Am-bas são constituídas por minerais que cresceram sob pressões e temperaturas muito elevadas, con- dições extremas que são atingidas quando massas continentais coli- dem entre si. O Himalaia brasileiro ancestral também foi gerado por colisão entre blocos continentais. Naquela época, as terras da Amé- rica do Sul, África, Austrália, Índia e Antártica se uniram, gerando um grande continente denomina-do Gondwana.

As rochas mais abundantes em Bú- zios são os gnaisses, rochas metamórficas formadas em condições de altas pressões e temperaturas. Seus minerais metamórficos foram analisados quimicamente e forne-ceram idades entre 520 e 500 milhões de anos, intervalo de tempo relativo à consolidação do Gondwana. A cianita é um exemplo de mineral de média a alta pressão. É um aluminossilicato de cor azul-ciano que aparece na forma de pris- mas tabulares de até 5cm de comprimen-to. Observam-se, também, nos gnaisses de Búzios, o mineral granada, na cor ver- melha e rosa-púrpura, arredondado, po-dendo atingir até 10cm de diâmetro. Atra- vés da composição química desses mine-rais, pode-se também estimar a origem da rocha.

Os gnaisses de Búzios são de origem sedimentar. Foram depósitos de argila e areia sedimentados, no fundo de um oceano muito antigo, há 610 milhões de anos. Ao mesmo tempo, nessa bacia oceânica, ocorria uma intensa atividade vulcânica submarina que gerou rochas vulcânicas intercaladas a esses sedimentos. Esse é chamado de oceano Búzios-Palmital, um análo-go do mar de Tethys, pré-Himalaia asiático. Com o início do processo de convergência das placas, a crosta do oceano Búzios-Palmital começa a afundar por baixo do continente. Com o fim do oceano, os blocos continentais colidem e as rochas sedimentadas e cristalizadas no fundo do mar são carreadas a profundidades cada vez maiores, a pressões e temperaturas elevadas. Seus mine- rais vulcânicos e sedimentares sofrem o processo de metamorfismo e transformam-se nos minerais que cons-tituem os gnaisses de Búzios.

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Bloco em pirâmide esculpido pelo mar e outros agentes intempéricos no costão da Ilha dos Papagaios.

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26 outubro2008para

PoetasCiênCia revista

Em paralelo às modificações de temperatura e pressão, as forças co-lossais da colisão geram deformação nessas rochas, registrada através de estruturas, como dobras, falhas e uma forte orientação preferencial dos minerais. De acordo com a orien- tação dessas estruturas, os geólogos podem inferir a direção e até mesmo o sentido do movimento dos blocos ancestrais, compondo o quadro pa- leogeográfico da época. Esse episó- dio de colisão continental foi denomi-nado Orogenia Búzios e constitui um dos eventos colisionais mais jovens do escudo brasileiro.

Somente há 130 milhões de anos, no período Cretáceo, quando os dinossauros dominavam a Terra, o Gondwana começou a se fragmentar, dando origem ao oceano Atlântico e separando novamente o Brasil da África. A Armação dos Búzios sofreu grandes transformações ao deixar de ser uma região intracontinental para ser uma zona costeira. As evidências do início dessa separação podem ser observadas nas faixas de rochas vulcânicas muito bem expostas na Ponta do Marisco, em Geribá.

Esses diques de basalto cortam as rochas mais antigas, sendo for-mados a partir do magma (rocha fundida) que subia pelas fraturas do continente fragmentado. As fraturas que promovem deslizamento en- tre os blocos rochosos são chama-das falhas tectônicas. A falha do Pai Vitório, que aflora na ponta de mes-mo nome e na Ilha Feia, foi ativa há algumas dezenas de milhões de anos. Seu movimento relativo trou-xe as rochas buzianas para cima do nível do mar. Ou seja, a Armação dos Búzios existe, hoje, graças a esse deslocamento da falha.

Com a quebra do continente, nasce o oceano Atlântico e as bacias costeiras brasileiras, entre elas, a Bacia de Campos. Nessa bacia, que começa na região de Arraial do Cabo e continua para o norte de Campos, milhares de organismos marinhos se acumularam junto com areia e argila e, com o soterramento, geraram petróleo.

Mesmo com a separação continental, os desdobramentos do Himalaia brasileiro podem ser traçados na rota transatlântica. Atualmente, na costa sudoeste da África, foi identificada uma seqüência de rochas com as mesmas características das buzianas (constituição, idade e estruturas). Da mesma forma, na costa leste

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27outubro2008 para

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Renata da Silva Schmitt Depto. de Geologia Regional e Geotectônica

Faculdade de Geologia - UERJ

do Uruguai e no sul da África, a história geológica se repete e as idades semelhantes mostram que existe muito mais por debaixo do oceano Atlântico. As margens continentais sul-americanas e africanas são recobertas por sedimentos que escondem uma grande parte do que um dia foi o Himalaia brasileiro. Especula-se que a própria fratura principal que abriu o Atlântico se deu na antiga cicatriz que fundiu os blocos continentais e formou o Gondwana. Assim, pequenos “icebergs” rochosos foram preservados nas regiões costeiras, revelando uma história geo-lógica cambriana parcial.

Hoje, a Armação dos Búzios é uma região costeira cuja maior altitude não ultrapassa 200 metros acima do nível do mar. Nesse substrato rochoso, o Homem construiu sua morada, mal sabendo que essas rochas presenciaram episódios como colisões continentais, o nascimento do oceano Atlântico ou, até mesmo, a explosão da vida nos mares mais remotos da Terra.

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Acima: rochas do Neoproterozóico (1.000 a 545Ma) na região do rio Ugab (Namíbia, África), contemporâneas à evolução geológica das rochas do sudeste brasileiro. A grande dobra foi gerada na colisão das massas con-tinentais que formaram o Gondwana.

À direita, em cima: blocos arredondados de rochas vul- cânicas na Costa do Esqueleto (Namíbia), do Grupo Ethendeka, correlato às rochas da margem sudeste do Brasil, que registram a abertura do oceano Atlântico.

À direita, embaixo: falha do Pai Vitório (Ilha Feia, Búzios), ativa durante o período Terciário.

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28 outubro2008para

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29outubro2008 para

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Não nos sentimos menos felizes (...) ao sermos acordados (...) pelo tiro de canhão que assinala a abertura do porto, fiel indicador da aurora que ia clarear aos nossos olhos, pela pri- meira vez, a entrada da magnífica baía do Rio de Janeiro, citada por inúmeros viajantes como uma das maravilhas do mundo (...) Examinando atentamente esse quadro precioso, cujos detalhes e colorido, absolutamente novos para nós, se fazia mais sedutores à medida que o sol os tornava mais inteligí- veis, descobrimos, finalmente, o pano- rama encantador desse lugar delicioso (...) Mais longe, nas partes altas, quedas-d´água escorrendo pela rocha nua for-mavam igualmente pontos brancos, po-rém cintilantes como estrelas (...).

De forma semelhante, Caetano Velo-so assim descreve a aurora na Baía de Guanabara, em sua música O estrangeiro, que também trata do impacto da pai-sagem carioca sobre o visitante:

Um Pão de Açúcar com umas ares- tas insuspeitadas / À áspera luz laranja contra a quase não luz quase não púr-pura / Do branco das areias e das espu- mas / Que era tudo quanto havia então de aurora.

O que existe em comum entre Debret e Caetano Veloso? A resposta a essa estranha pergunta leva a uma rocha que é o fio condutor de fatores geológicos, históricos e culturais que reúnem a paisagem, a cidade e o povo do Rio de Janeiro em uma história única. Trata-se do gnaisse facoidal, rocha com 570 milhões de anos, formada a cerca de 20km de profundidade, durante uma colisão entre paleocontinentes. O material da crosta terrestre se fundiu e, com a continuidade da amalgamação dessas massas continentais em colisão, as rochas foram metamorfisadas e dobradas. O gnaisse facoidal é fruto desse processo de fusão, cristalização e deformação1. Posteriormente, o supercontinente forma-do se fragmentou, abrindo o oceano Atlântico, processo que ficou registrado na forma de diques de diabásio e estruturas, como fraturas e falhas.

Com a erosão e o soerguimento da crosta, essas rochas chegaram à superfície e sofreram processos in-tempéricos. Por sua maior resistência do que os demais tipos rochosos, o gnaisse facoidal se sobressai na vista da Baía de Guanabara, dando forma ao Pão de Açúcar e ao Corcovado, por exemplo. A paisagem resultante, cartão postal do país, proporcionou, em conjunto com seu povo solidário e alegre, o nome de Cidade Maravilhosa.

A paisagem do Rio de Janeiro é admirada e descrita por inúmeros visitantes e moradores desde a fundação da cidade. Jean Baptiste Debret, em seu livro Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, relata com emoção a chegada, em 26 de março de 1816, da denominada Missão Francesa ao porto do Rio de Janeiro2:

O gnaisse facoidal modelando o relevo da cidade do Rio de Janeiro

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30 outubro2008para

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O mar, as montanhas e a floresta en- cantaram os artistas e naturalistas que passaram pela Baía de Guanabara. As co- res tornaram-se um problema para mui-tos pintores, em cujas palhetas não havia as tonalidades quentes dos trópicos. O comerciante inglês John Luccock, em 18083, assim expressou seu encantamen-to e frustração em tentar descrever a pai-sagem: “É em vão que se tenta descrever, não pode a pena imitar o lápis, o lápis a natureza, tem cenários tais como este”. Um dos pintores que conseguiu captar com detalhes os matizes do sol carioca foi Nicolas-Antoine Taunay4, que também veio ao Brasil na Missão Francesa.

A vinda da família real, em 1808, pro-porcionou um aumento na investigação científica por naturalistas, que, além do ofí- cio acadêmico, traziam o interesse comercial da Europa por suas possíveis descobertas.

Muitos registraram o profundo impacto que a paisagem exercia so-bre eles, como pode ser lido no diário de Charles Darwin ou nos relatos de Auguste de Saint-Hilaire. Tantos fo-ram os visitantes, que surgiu a profis-são de escravo de naturalista entre os negros alforriados, que, pelo domínio das técnicas do preparo dos objetos da coleção, conhecimento dos cami- nhos e habilidade em caçar e cozi- nhar animais e vegetais da floresta, tornaram-se essenciais para as comi-tivas. Um incrível poder de adaptação já se delineava entre nosso povo.

Com os naturalistas vieram ar- tistas que tinham a função de pro- ver os relatos científicos com ima- gens. Somente no século XIX mui- tos deles retrataram a exuberância da paisagem, como: Johann Moritz

O sol na Baía de Guanabara, em pintura de Nicolas-Antoine Taunay.

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31outubro2008 para

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Rugendas, Thomas Ender, Eduard Hildebrandt, Charles Landseer, Jean Baptiste Debret, Hercules Florence, Nicolas-Antoine Taunay, William John Burchell, George Rapper, entre outros5.

A cidade cresceu e a técnica da cantaria foi ampla-mente utilizada. Mestres nessa arte, os portugueses con- tribuíram sobremaneira para a implantação de um pa-drão de construção com base na escultura em pedra no Rio de Janeiro. Toda a antiga área central da cidade mos-tra, nas residências, o uso do gnaisse facoidal nos meios-fios, portais e janelas. Também nos prédios históricos, museus, igrejas e palácios, essa rocha está presente. Certamente, a ausência de jazidas de mármores nas pro-ximidades ampliou seu uso. Acontece que os gnaisses são, em geral, muito duros para escultura de ornamen- tos, prestando-se mais ao revestimento de paredes e pisos. No entanto, em vários monumentos históricos cariocas pode-se observar o gnaisse facoidal em ela-boradas e delicadas figuras esculpidas.

A chave para o entendimento do amplo uso do gnaisse facoidal na cantaria foi apresentada por Debret, que, por meio da gravura de uma pedreira no Morro da Glória, transmite a importância, uso, técnicas e aspectos

econômicos da mineração do gnaisse fa-coidal. Ele lista as localidades ao pé do Corcovado, no Catete e no centro da ci- dade, onde o “gnaisse porfirítico, de veios de quartzo, feldspato e de mica”6 era ex-plorado. Cita, ainda, outro granito, mais duro e, por isso, mais empregado em grandes construções.

Segundo Debret, o gnaisse facoidal era utilizado nas casas importantes. Quan-to às propriedades físicas, informa que se liga mal ao cimento de cal, geralmente usado, exigindo grande espessura nas pa- redes, e que o material extraído na pe-dreira da Glória é o mais branco, macio e facilmente explorável e, ainda, menos ca-ro. Seu uso preponderante era nas áreas do edifício que deviam ser esculpidas, nas balaustradas, nos vasos etc. Documentou que a exploração se dava por mão-de- obra escrava e descreveu o uso de explo-sivos para fraturamento do maciço.

Essas antigas pedreiras foram res- ponsáveis pela matéria-prima utilizada em monumentos relacionados à história do Brasil ou que hoje se configuram como Patrimônio Histórico, por sua beleza, es- tilo ou característica que os tornam singu- lares. Esse é o caso do Palácio do Catete, do prédio do Arquivo Nacional e do Museu de Ciências da Terra (onde delicadas es-culturas na forma de folhas mostram a versatilidade dessa rocha para ornamento artístico).

Outras construções não menos im-portantes a utilizaram na fachada, como o Museu de Belas Artes (projeto de Grand-Jean de Montigny, da Missão Francesa), o Museu Histórico Nacional, a UFRJ na Praia Vermelha, partes do Museu Nacio-nal, o Centro Cultural Banco do Brasil, o prédio da Procuradoria Geral do Estado, as fortalezas que protegem a entrada da Baía de Guanabara e igrejas como Santa Luzia, no Centro (com curiosa assimetria

Pedreira de gnaisse facoidal para cantaria no Morro da Glória, Rio de Janeiro. Gravura de Jean Baptiste Debret.

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PoetasCiênCia revista

Alguns prédios tombados como patrimônio histórico e cultural construídos com o gnaisse facoidal.

Igreja da Candelária

Santa Casa de Misericórdia

UFRJ

Igreja Santo Cristo dos Milagres

Museu de Ciências da Terra

Fotos: Kátia MansurFotos Museu de Ciências de Terra e UFRJ: Vitor Nascimento e Paulo Guimarães

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33outubro2008 para

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no uso do revestimento em diferentes tipos de rocha), e Santo Cristo (dos Mila-gres), bem como a lateral da Igreja da Candelária, onde uma belíssima escultura no gnaisse facoidal pode ser admirada. Os muros da Igreja de Nossa Senhora da Glória e do Arquivo Nacional também mostram a versatilidade desse material ro- choso. Dentre os prédios modernos, tom- bados como patrimônio cultural, destaca- se o Palácio Capanema, onde o gnaisse facoidal foi utilizado na fachada, contras-tando com os azulejos de Portinari e as linhas arrojadas de Oscar Niemeyer.

Se a arquitetura e as artes plásticas apresentam traços marcantes deixados pelo uso da rocha, o que não dizer da música, onde são muitos os casos de influência da paisagem carioca? O samba, por exemplo, é um gênero que muito se ocupa da cidade, relato que é do cotidiano brasileiro e nascido da cultura africana. Muitas escolas de samba já cantaram a cidade, teatralizada nos desfiles de car-naval. Como, por exemplo, o enredo da Beija-Flor de Nilópolis sobre o Rio de Ja- neiro, em 1985, quando Joãosinho Trinta, encantado com a idade do gnaisse facoi-dal descrita em um texto geológico so-bre o Pão de Açúcar, entendeu que era válido colocar Adão e Eva no paraíso tro- pical do Rio de Janeiro como tema para o desfile.

Em 2007, a mesma Beija-Flor ganhou a disputa do carnaval, com o tema rela-cionado à Pequena África. Nesse caso, a citação ao gnaisse facoidal se faz de forma indireta, pela celebração da Pedra do Sal como berço do samba.

No século XIX, a região central da ci- dade era conhecida como Pequena Áfri- ca, porque ali viviam os negros que vi-nham de todo o país, principalmente da Bahia, devido, segundo Santos7, à deca-dência da agricultura e da mineração e

ao retorno da Guerra do Paraguai. No bairro da Saú- de, encontra-se a Pedra do Sal, afloramento de gnaisse facoidal, que àquela época ficava à beira do mar, antes que os aterros modificassem a geografia natural da cidade. Ela foi tombada como Patrimônio Estadual, em 1984. No belo parecer que consubstanciou o tomba- mento, Joel Rufino dos Santos informa que dali os ne- gros “saudavam os navios que chegavam da Bahia com familiares e amigos. A Pedra do Sal era, para mi- grantes, o que é hoje o Cristo Redentor para os recém-chegados ao Rio: o primeiro abraço e o primeiro sen-timento da cidade”. No século XVII e XVIII, era local de chegada de navios negreiros.

A pedra tem esse nome porque era local de desem-barque e comercialização de sal e onde os escravos/estivadores garimpavam-no para comercializar e conse-guir algum dinheiro. Em sua rocha, escravos esculpiram uma escadaria que dá acesso ao Morro da Conceição. Desde essa época, a Pedra do Sal era local de encontro, oferendas, festas, rodas de capoeira e batuques. Ali se encontravam as célebres tias baianas, como Tia Ciata, Bi-biana, Marcelina, Rita Bahiana. Pretas forras e quituteiras, em cujas casas se ouvia e fazia música. Foi onde o batu-que e o jongo se transformaram em partido alto.

Moura8 corrobora a origem do samba na Pequena África e sua consolidação nos morros, para onde os po- bres foram expulsos para a realização das reformas urbanísticas no início do século XX. Também relata a ligação profunda entre os negros cariocas e baianos, alimentada pelas migrações, viagens, troca de informa-ções, ajuda profissional e econômica, mantida até ho- je pela obrigatoriedade da Ala das Baianas nas escolas

Pedra do Sal - escada esculpida no gnaisse.

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PoetasCiênCia revista

Kátia Leite MansurDepartamento de Recursos Minerais - DRM-RJ

de samba. Sambistas e chorões, como João da Baiana (introdutor do pandeiro no samba), Donga (autor do primeiro samba gravado) e Pixinguinha, também se reu-niam na Pedra do Sal, onde, toda segunda-feira, ainda ocorrem rodas de samba. Outro morador ilustre da região foi Machado de Assis.

É muito clara e documentada a participação do negro e do português na história da cidade. No entanto, pouco se fala da contribuição dos índios, que, segundo Lebigre9, além de um natural desejo de fuga ante a ameaça de cativeiro, rejeitaram os portugueses e foram viver fora dos limites da cidade, no período de sua fundação. Para eles, o Rio de Janeiro era “casa de branco” ou, em tupi, kari’oka, proveniente de kara’ïwa: homem branco + oka: casa, conforme consta do Dicionário Houaiss, para explicar uma das possíveis origens do termo carioca.

Por tudo isso, acredita-se ser possível estabelecer uma relação direta entre a cidade, suas rochas e o olhar/pensamento/ação do homem. Na citação abaixo, os autores Mário Chagas e Viktor Chagas sintetizam essa relação de forma inspiradora10:

As pedras também são baús, ou arcas que guardam memórias. A memória do mundo, de algum modo, está presente nas pedras. Não estamos falando aqui da memória da natureza, mas da memória cultural do mundo; não estamos considerando as pedras como entes naturais, mas como entes do universo cultural. Na relação com as pedras não encontramos apenas pinturas, escrituras, esculturas e templos, encontramos também faíscas do imaginário e da memória social. Pensemos no Pão de Açúcar, no Corcovado, na Pedra da Gávea, na Pedra Branca, no Morro da Urca (...), por exemplo. Todas essas são pedras que nos acompanham e que alcançaram, ao longo do tempo, um lugar proeminente na geografia de nossas memórias, nas nossas paisagens subjetivas. Sem elas, nós não seríamos os mesmos. Elas também nos formam, informam e conformam, e até nos confortam com suas presenças culturais. Nesse sentido, podemos falar numa educação pela pedra. As pedras, essas companheiras de viagem, podem ser boas educadoras.

Editado especialmente para esta revista, o artigo será pu- blicado na íntegra, em: Mansur, K. L.; Carvalho, I. S.; Delphim, C. F. M.; Barroso, E. V. “O gnaisse facoidal: a mais carioca das rochas”. In: Anuário do Instituto de Geociências da UFRJ. 2008 (no prelo).

-- RefeRências --1 Valeriano, C. M. “A odisséia do Pão de Açúcar – as rochas contam sua história...” Projeto Caminhos Geológicos. DRM-RJ. 2006. [http://www.drm.rj.gov.br]2 Debret, J. B. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil (1834-1839). v 1. SP: Círculo do Livro. p. 150-151.3 O Globo, Especial, 01/03/2008.4 Berthol, R. O incômodo Sol de Taunay. Lilia Moritz Schwarcz desconstrói em livro idéia de que existiu uma “missão artística francesa”. O Globo, RJ, 18 mar. 2008. Se-gundo Caderno, p. 1. 5 Delphim, C. F. M. “O Patrimônio Natural no Brasil”. Rela-tório Interno. Inédito. RJ: IPHAN. 2005.6 Debret, op. cit. p. 328.7 Santos, J. R. Parecer anexado ao processo de tombamento estadual da Pedra do Sal, ocorrido em 20/11/1984. Processo administrativo INEPAC.8 Moura, R. Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro. RJ: Editora Funarte. Coleção Biblioteca Carioca. 1983.9 Lebigre, A. M. S. O papel do estrangeiro na formação e transformação da área central e pericentral do Rio de Janeiro. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Universidad de Barcelona. 2001. [http://www.ub.es/geocrit/sn-94-61.htm]10 Chagas, M.; Chagas, V. Memória rupestre ou do caminho no meio da pedra. Revista Museu. 2004. [http://www.revistamuseu.com.br/artigos]

O Rio de Janeiro é uma mescla per-feita entre a paisagem e seus moradores. O patrimônio geológico e o cultural são partes indissociáveis de uma indissociá-vel unidade. A mesma rocha que confere à cidade uma singular visão natural tam-bém proporciona a matéria-prima do pa- trimônio cultural e está presente nos fatos históricos que moldaram o carioca como ele é. Nesse contexto, fica a con- vicção de que o gnaisse facoidal é a mais carioca das rochas.

Baía da Guanabara vista do Forte de Imbuí, Niterói.

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35outubro2008 para

PoetasCiênCia revista

“O dia passou deliciosamente. Delícia, no entanto, é um termo fraco

para exprimir os sentimentos de um naturalista que, pela primeira vez, se

viu perambulando por uma floresta brasileira” ~ Charles Darwin

Em comemoração aos 150 anos da Teoria da Evolução das Espécies, a expedição Caminhos de Darwin vai percorrer os locais por onde o

cientista passou em sua visita ao Rio de Janeiro, em 1832.

26 a 29 de novembro de 2008

Rio de Janeiro, Maricá, Saquarema, Araruama, São Pedro da Aldeia, Cabo Frio, Barra de São João,

Macaé, Conceição de Macabu, Rio Bonito, Itaboraí, Niterói

Informações: www.casadaciencia.ufrj.br/caminhosdedarwin

[email protected]

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36 outubro2008para

PoetasCiênCia revista

SEM PRESSAAdele Weber

Viaje o seu olhar, do passado ao agora,sem pressa,

deslize-o sobre o vivo e o morto,o velho e o moço,

múmias, rochas, a terra desolada,sucatas, as inspirativas folhas de acanto,

tal um pintor cubistaanalise todas as faces da coisa.

Se estiver convicto que viu tudoainda assim não desvie os olhos.

Deste momento em diantevocê realmente começará a ver.

DESCOBERTAAlexei Bueno

Quando, sobre o lago,Os raios pararemE os ventos calaremSeu zunido aziago

Quando as nuvens foremPara longe, e a luaQue, dupla, flutuaPara que as rãs orem

Se apagar, e os astrosMinguarem, e os peixesNão mais forem feixesDe argentados lastros

Sem sons, sem reflexos,Sem margens, sem brilhos,Sem lago, nem cíliosDe olhares perplexos,

Nele enfim, no leitoLivre do ébrio pacto,O diamante intactoBrilhará perfeito

OeasiPs

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37outubro2008 para

PoetasCiênCia revista

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luaFÁBULA

(REAL) DOS LAGOS DO MÉXICOCarlito Azevedo

Veja esteslagos de montanha

irão secar

(como da fruta o azedo do carvão o êxodo dacor como fibrilas cristais vítreosxistosidades como tudo oque a vista vê)

mas deles

mas da larva dispensandobrânquias enadadeiras

despertará adultaagora já a

salamandra

ex-larvaaxolotl tigrinum que nenhum solhá de secar

DA TERRA PARA O FOGOIracema Macedo

Terra úmida é o que soue tua voz me fecundaabre fendas em mimpor onde os meninos vão nascer

Sou essa planície deitadasob o vento fortevale que invadesSou domínio teutua carnecera sob teu poder

Sou o que queres que eu sejaEnxame, cardumes, avesNoite, noite, noiteque a tua luz esmaga sem vencer

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38 outubro2008para

PoetasCiênCia revista

TERRAHelena Ortiz

quando penso em ser pássaro não tenho vôosde águia ou falcãoquando penso em flanar em longínquas praiasa que só o vento visitanão sou flamingo ou gaivotamacho ou fêmea não cogitonem o tempo me incitalagoas charcos manguezaiso interminável maras garçasum bando pacíficoum bando de iguais

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outra harmoniaPaula Padilha

jamais pisei tão firme no exíguofio de prata estendidosobre a natureza

uma harmonia paralelaorganiza o ritmo do passoem busca do atalho fresco

primeira vibração entremurmúrio e desejo

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39outubro2008 para

PoetasCiênCia revista

OUTRA VEZ ÍNDICOJacinto Fabio Corrêa

Dele quase nada se ouve.Por aqui só olhos e ouvidos ao Atlântico,com o Pacífico sonham.Mas são do Índico os meus sonhos vermelhoságuas de rubi e sangue a correrem em meus córregos.Velho mar das índiasé áfrica, ásia, austrália, antártida, australmonte líquido de sais, correntes, recifes, atóisdeltas para civilizações marítimas.Pátria deslocada onde nau alguma navega: chega.Por que frequentemente a mim?Onde em mim dará?Em qual cais que desconheço?Ventos e sinos outra vez anunciama sua presença no verso que nela mergulhaà cata de tesouros baratos.Mas o que dele quero são as algas azuis, verdes ao sol,ainda mais azulinas quando sobre minha pele.Descanso sobre as areias de qualquer portoque o reconheça grandesenhor dos atlas, exemplo das geografias.Será que nele antes nasci em espumas de ouro?Índico. Nome que é seta, mato, homeme no entanto mar.Não mar, oceano.Queria possuí-lo, consolo que fosse,em aquários à estante de casa.Quais peixes? Quantos maremotos?Em que afundamentos?Mas não há como capturá-lonem mesmo nas fotografias que pensam dele tirar.O Índico transborda dos porta-retratosnas cabeceiras, alcovas, lares, povoadose só pára ao rio mais próximo: lá se reconhecee pode outra vez até a mim chegarpara eu nele daqui verdadeiramente outra vez me perder.

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40 outubro2008para

PoetasCiênCia revista

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H. sapiensMaria Dolores Wanderley

De todas as tentativas da natureza – de suas combinações –somos o extremo acidente

nossas palavras emancipam-sesomam-se ao universodançam sobre átomosauscultam o mundo

Magma, aorta, Tabacariatsunamis, sondar, viverAppis melifera, simetria cálamos, beirais, amores

Sim, os astros são grandes,os movimentos orbitaislentos e magníficos– mas nos é dado viver o dia –

nos irmanarmos com as coisas brevesbuscarmos motivos, disfarcespara a fome de pão e amorque nunca sacia

GAZELPaulo Henriques Britto

Também a verdade nos cansa,não liberta nem salva: cansa.

É o cansaço dos que cansaramda obrigação da esperança.

Em casos assim, a razão –essa almanjarra de faiança

numa beira de aparadorà mercê de mão de criança –

precisa ser bem resguardadalá onde a vista não alcança.

E coloque-se em seu lugarcoisa mais dura, de sustança,

capaz de melhor resistirà vida e sua intemperança.

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41outubro2008 para

PoetasCiênCia revista

1.

Eu seital qual a primeira paisagem de John Cagebalançando aquelas primeiras árvoresda Baía das Tartarugas pela manhã.

Uma escala do ir e vir da água nas pedras na areia e na grama.

Fui longesó para colidirna parede de rochatão calmamentefrancesacomo a primeira paisagem de John Cage

naufragandono silêncio

2.

Nouméa é tão estranhaquequeque a brisa vem ao contrárionum peristaltismo de muito cimento onde estariam as árvores de Bourail?

Me visto tão mal Por aqui.

“150km a nordeste ou noroeste?”

pergunte aos Canacasvieram do marsabem do destino finaldas correntezas

“sabem da suíte para o piano de brinquedo?”

3.

Vimver o verde mais verde

Essas árvores. TortuesTalvez pinheiros, não. Talvez algas gigantes

Ballet des pinsBallet des pins

a estrada de terra arfando no silêncio do sonho

3:33 e não é mais verãoé a paisagema estaçãoarfando no silêncio do sonho

CALEDÔNIA CAGEMariano Marovatto

John Cage and I visited the islandsBefore returning home

Toru Takemitsu

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42 outubro2008para

PoetasCiênCia revista

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[FURNITURE]Renato Rezende

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43outubro2008 para

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44 outubro2008para

PoetasCiênCia revista

Adele WeberPublicou os livros de poesia Aço e osso, Cordas de amarrar o tempo, Tipos de ruas e alguns recados e Fragmentos de Eliot e participou da antologia Caixa de prismas.

Flora FurtadoParticipou da coletânea de poesias Caixa de prismas (Coleção Letra Itinerante), com os livros Navegação dos sentidos e a morosa caligrafia. Participa do grupo de Poesia Letra Itinerante.

Iracema MacedoAutora dos livros de poesia Lance de dardos e Invenção de Eurídice, publicou sua tese de doutorado em filosofia Nietzche, Wagner e a época trágica dos gregos, defendida na Unicamp. Atuou como professora e pesquisadora do Depto. de Filosofia da UFMG e é professora visitante do Depto. de Filosofia da UERJ.

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Do grupo, um homemme perguntavasobre a melhor formade começar um banhosem reparar no profundo da questão

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45outubro2008 para

PoetasCiênCia revista

Alexei BuenoPoeta, tradutor e editor, publicou diversos livros de poesia, como Lucernário, A via estreita e Poesia reunida. Traduziu Gérard de Nerval, Poe e Mallarmé, entre outros, e organizou antologias poéticas e obras completas de autores como Augusto dos Anjos, Mário de Sá-Carneiro, Cruz e Sousa, Olavo Bilac, Gonçalves Dias e Vinicius de Moraes.

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Helena OrtizAutora dos livros de poesia Pedaço de mim, Azul e sem sapatos, Em par e Sol sobre o dilúvio. Editora do jornal de literatura Panorama da Palavra (www.panoramadapalavra.com.br) e fundadora da Editora da Palavra.

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Mariano MarovattoMestre em Letras, autor do livro de poemas O primeiro vôo e editor, com Augusto de Guimaraens Cavalcanti e Domingos Guimaraens, do coletivo de poesia Os sete novos (www.ossetenovos.org).

Paulo Henriques BrittoProfessor do Depto. de Letras da PUC-Rio, publicou os livros de poesia Liturgia da matéria, Mínima lírica, Trovar claro, Macau, Tarde e o livro de contos, Paraísos artificiais. Traduziu, além de obras de ficção, a poesia de Byron, Wallace Stevens, Elizabeth Bishop e Allen Ginsberg. Em 2007, foi lançada, nos EUA, sua antologia poética The clean shirt of it: poems of Paulo Henriques Britto.

Renato RezendeAutor dos livros de poesia Aura, Asa, Passeio e Ímpar e das obras Memórias e curiosidades do bairro de Laranjeiras e Parques do Rio de Janeiro: um olhar poético. Tradutor de livros, artigos (filosofia, história, arte contemporânea) e poesias (línguas inglesa e espanhola), também é colaborador do Prosa & Verso (O Globo).

AUTORES

Suzana VargasProfessora de literatura, poeta, autora de literatura infantil e ensaísta, com vários títulos publicados e poemas traduzidos na Itália, Espanha, Portugal, Alemanha, Argentina e Estados Unidos. Idealizadora e coordenadora do Projeto Rodas de Leitura e do espaço Estação das Letras, também atua na curadoria e produção cultural de projetos nacionais e internacionais.

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46 outubro2008para

PoetasCiênCia revista

PAISAGENS QUE SE FORMAMEm época de pouca chuva, aparecem bancos de areia branca no fundo do rio Negro (AM). Na ponta dessa ilha no meio, onde a correnteza está mais fraca, vai se acumulando um depósito de areia, que, com o passar do tempo, pode se fixar e se tornar “solo” para a vegetação.

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47outubro2008 para

PoetasCiênCia revista

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48 outubro2008para

PoetasCiênCia revista

O impacto da geologia e da geografia em nossas vidas passa despercebido. Raramente paramos para pensar por que existem determinadas coisas e aceitamos o mundo natural ao nosso redor como algo fixo, imutável – à exceção de erupções vulcânicas, tsunamis ou alterações provocadas pelo homem, como a construção de imensas represas. Porém, lentamente, tudo está em constante transformação. As montanhas crescem pela ação das placas tectônicas ou diminuem pela erosão. O vento, o sol, a chuva, o calor e o frio alteram as paisagens, mesmo que de forma imperceptível aos nossos olhos.

Ao sobrevoar os estados e a maior parte dos rios brasileiros com o Projeto Brasil das Águas, percebe-se como um rio, no decorrer dos anos, pode mudar de lugar e criar novas paisagens e trajetórias.

Um rio é um “ser” bastante simples, que nasce (do solo ou criado pelo derretimento de geleiras ou pelas chuvas) e cresce com o acréscimo das águas de outros riachos e rios. Vai se tornando adolescente, vira um rio maduro e, finalmente, encontra sua “morte” ao alcançar a foz, no mar ou em outro rio de maior porte. Sua água sempre desce, procurando terras mais baixas. O caminho pode ser muito íngreme e cheio de pedras ou com um desnível tão pequeno que o rio torna-se lento e forma milhares de meandros, tal como os rios amazônicos em terras brasileiras.

A bacia amazônica é uma imensa planície cortada por milhares de rios. Alguns brotam nos Andes, outros vêm do Centro-Oeste ou Norte do país. Ao começar a longa travessia da planície até a calha do rio Amazonas, esses rios “menores” formam caminhos extremamente sinuosos, cheios de curvas, longas ou curtas, amplas ou bem fechadas.

Os rios formam paisagens, deixando rastros e contando histórias. Às vezes, rochas ou montanhas ditam o caminho. Em épocas de chuva forte, a força da água pode desviar drasticamente o curso de um rio e, cansada de fazer longas curvas, com

Margi MossProjeto Brasil das Águaswww.brasildasaguas.com.br

um empurrão forja uma passagem mais direta, destruindo a velha margem e arrastando a vege-tação que encontra pela frente. Passado algum tempo, a curva ora abandonada vai se isolando.

O rio deposita sedimentos e vegetação na boca da curva, fechando completamente o acesso, na forma de um lindo lago curvado. Aos poucos, algas e plantas aquáticas tomam conta do lago, formando um tapete verde. Na água parada, cada vez mais rasa com os depósitos da vegetação em decomposição em seu fundo, começam a brotar árvores adaptadas à umidade.

No decorrer de muitos anos, o lago desa-parece, mas do alto percebemos o velho curso do rio pela altura diferente das árvores que crescem no que era o seu fundo e das que vivem nas margens mais altas.

O eterno ciclo de águas altas e baixas demonstra que as margens do rio Negro podem mudar de lugar. No arquipélago das Anavilhanas (AM), os caminhos estão em constante mutação, com algumas ilhas sendo levadas pelas águas e outras se formando aos poucos.

Em 2003 e 2004, no Projeto Brasil das Águas, Margi e seu marido Gerard Moss coletaram, para análise, 1.100 amostras de água de todas as bacias do Brasil, com o patrocínio do Programa Petrobras Ambiental. Fotos: Margi Moss

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49outubro2008 para

PoetasCiênCia revista

Podemos imaginar que, dentro de uma represa, não haja mais correnteza. A foto da represa Tucuruí (PA) desmente essa idéia, pois é possível ver como a ação da correnteza, em direção à barragem, fica erodindo o solo das ilhas que são o que sobrou dos morros inundados.

A ilha de areia no imenso lago formado na foz do rio Tapajós (PA), que se encontra com o Amazonas, demonstra como a vegetação começa a colonizar as areias brancas.

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50 outubro2008para

PoetasCiênCia revista

Um lago em curva deixado pelo rio Madeira (RO), no decorrer de anos, é preenchido com vegetação – inicialmente um capim flutuante e, eventualmente, vegetação fixa, quando o lago fica mais raso com o sedimento depositado.

A curva fechada do rio da Costa (AM) mostra como vai ser fácil, um dia desses, a força da água em época de chuva abrir um caminho na parte mais estreita, deixando um lago quase circular com uma ilha no meio!

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51outubro2008 para

PoetasCiênCia revista

A bacia amazônica é uma imensa planície. Os rios sempre correm para onde é mais baixo, eventualmente chegando ao nível do mar. Mas, na planície, onde há pouco declive, como nesta imagem do rio Curuçá (AM), formam imensas curvas à procura de qualquer pequeno desnível.

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52 outubro2008para

PoetasCiênCia revista

Diz a lenda... Uma viagem ao início do conhecimento, quando se originaram diversas formas de vida... Misteriosas formações geológicas, montanhas, cachoeiras e vulcões...

Macunaíma derrubou o Wazaká, a grande Árvore do Mundo, produtora de todos os frutos. De seu tronco jorrou a água que formou os rios e libertou os peixes, originando a diversidade de plantas e animais da região amazônica. Petrificado, o tron-co da árvore mágica, após a grande inundação, transformou-se no monte Roraima. As misteriosas esculturas nas rochas revelam seres e objetos trans-formados em pedra por Macunaíma.(lenda das etnias indígenas do norte do Brasil)

Do fundo da mata virgem, o mito ultrapassou fronteiras e inspirou a obra de Mario de Andrade sobre as aventuras de seu “herói sem nenhum caráter”, um clássico da literatura brasileira.

O legendário monte, cercado de brumas e mistérios, também serviu de inspiração para o livro O mundo perdido, de Conan Doyle.

Monte Roraima - ponto de fronteira tríplice entre Brasil, Venezuela e Guiana. Com 2.734m de altitude, forma um imenso platô entre as savanas e a floresta amazônica. As esculturas moldadas em rochas pela erosão e as escarpas com mais de 500m de altura são formadas por arenitos e conglomerados, com cerca de 2 bilhões de anos, constituindo um dos antigos registros de ambientes de sedimentação preservados da Terra.

Às margens do rio Iguaçu, vivia a tribo da bela Naipi, que seria consagrada ao deus serpente M’Boi. Mas a jovem e o guerreiro Tarobá se apaixonaram e fugiram em uma canoa. Furioso, M’Boi penetrou nas entranhas da terra e contorceu-se até produzir uma fenda, de onde surgiu uma gigantesca catarata. O casal foi tragado pelas águas e, como castigo, Naipi foi transformada em rocha e Tarobá, em uma árvore situada à beira do abismo. Embora pudessem se olhar, jamais poderiam se tocar novamente. Dizem que M’Boi está lá até hoje, vigiando os dois índios apaixonados...

(lenda da tribo Caingangue)

Cataratas do Iguaçu - localizadas na fronteira do Brasil com a Argentina, são formadas pelas quedas do rio Iguaçu (água grande, em tupi). As elevadas escarpas de basalto (até 90m de altura) de onde são lançadas originam-se do maior derrame de lavas vulcânicas sobre a Terra (145 a 120 milhões de anos). Após as cataratas, o rio forma um cânion de 23km, escavado pela erosão das falhas e fraturas nas rochas.

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53outubro2008 para

PoetasCiênCia revistaPara seguir viagem:

Reis, N. J. “Monte Roraima, RR – Sentinela de Macunaíma”. In: Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. DNPM/CPRM. 2002.Guedes, H. Naipi e Tarobá: a lenda das Cataratas do Iguaçu. HGF. Coleção Lendas Paranaenses. 1996.Winchester, S. Krakatoa – o dia em que o mundo explodiu. Objetiva. 2004.

Pele, a deusa do fogo, fugiu para as ilhas havaianas, após brigar com sua irmã, a deusa do mar. Pele sempre gostou de viver em poços profundos e cheios de fogo, mas toda vez que desembarcava e construía a sua morada, a irmã atacava. Em sua fuga, percorreu a região em direção ao sudeste, pulando de ilha em ilha, enquanto os poços explodiam e morriam atrás dela. Hoje, vive na cratera do Halemaumau, em Kilauea, onde continua a nadar nas ondas incandescentes, deixando fios de cabelo incrustados nas lavas.

(lenda havaiana)

Kilauea, Parque Nacional dos Vulcões do Havaí - localizado na Grande Ilha Havaí, é o vulcão mais novo e ativo do arquipélago do oceano Pacífico. Quando suas correntes de lava atingem o mar e se solidificam, revelam surpreendentes formações geológicas e uma paisagem em permanente construção.

Assim como na lenda, o mar ataca os vulcões, erodindo as rochas e, nessa cadeia de ilhas, as mais velhas encontram-se ao norte, com vulcões extintos de até 80 milhões de anos, e as mais novas, em plena atividade, na região sudeste.

A história da deusa Pele, como muitas lendas, surgiu da percepção dos fenômenos naturais por antigos habitantes e contribuiu para a pesquisa científica. O geofísico canadense J. T. Wilson relacionou-a a seus estudos e verificou de que maneira o processo de crescimento e extinção vulcânica, ao longo de milhões de anos, criou esse grande arquipélago.

As ilhas são formadas por vulcões, que lentamente cresceram do fundo do mar, através de erupções nos “pontos quentes” – fontes de material vulcânico (magma) sob a superfície. Esses pontos são estáticos, mas as grandes placas tectônicas que formam a crosta terrestre estão em movimento constante. A placa do Pacífico move-se para o norte, mas os “pontos quentes” mantêm-se no mesmo lugar e seu magma atinge a superfície, criando novas ilhas e vulcões, continuamente, sempre em direção sudeste.

Por isso, os vulcões desse trecho continuam ativos, como o Kilauea, a morada atual da deusa.

A Morada da Deusa do Fogo

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54 outubro2008para

PoetasCiênCia revista

Nos rastros da imaginação... Fósseis e vestígios de antigos animais são familiares ao homem desde a pré-história. Uma relação recheada de crendices e superstições que revelam informações inestimáveis sobre a história dos povos que os utilizavam como ornamentos, amuletos, remédios e, até mesmo, como prova da existência de gigantes e dragões.

Do alto mar, antigos pescadores avistaram marcas de pega-das nas rochas do cabo Espichel (Portugal) e acreditaram que tinham sido deixadas pela “mula gigante” que levara Nossa Senhora e o Menino Jesus ao alto da colina. Os rastros foram produzidos por dinossauros que se deslocavam na região, no período Jurássico Superior. A lenda deu origem ao santuário de Santa Maria da Pedra da Mua (ou Mula), com imagens em murais de azulejos, construídos no século XIII.

As pegadas da mula

de Nossa Senhora

A beleza da forma alada dos fósseis dos braquiópodes espiriferídeos fascinava os antigos chineses.

As “andorinhas de pedra”, que voavam perdidas durante as tempestades, possuíam grande valor medi- cinal, sendo recolhidas como tributo imperial. Eram utilizadas em tratamentos dentários e de males rela-cionados à falta de cálcio, devido à composição de car-bonatos dessas conchas.

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55outubro2008 para

PoetasCiênCia revistaPara seguir viagem:

Fernandes, A. C. S.; Carvalho, I. S. “Rastros da imaginação: icnofósseis e folclore”.In: Carvalho, I. S.; Fernandes, A. C. S. (eds). Icnologia. Série Textos da Sociedade Brasileira de Geologia. 2007.Fernandes, A. C. S. “Fósseis – mitos e folclore”. In: Anuário do Instituto de Geociências da UFRJ. 2005.

Para os antigos gregos, os fósseis de conchas em forma de espiral pareciam chifres de carneiro, animal sagrado associado ao deus Júpiter Amon. Por isso, eram conhecidos como Cornu Ammonis (cornos de Amon). Posteriormente, a espécie foi denominada pela ciência como amonita.

Na China, eram chamados de “chifres de pedra” e, na Inglaterra, “serpentes de pedra”. Diversas cul-turas também acreditavam que os amonitas seriam serpentes petrificadas, um excelente remédio ou amuleto contra picadas de cobra!

Chifres e serpentes de pedra

Uma antiga receita chinesa:

Primeiro, pulverize ossos e dentes de dragão, embalando-os em uma bolsa de seda; em seguida, coloque a bolsa no abdômen de uma andorinha morta, ali permanecendo por uma noite. Pela manhã, misture com outros ingredientes pastosos e aplique ao corpo como pomada.

Se os dragões eram considerados protetores dos imperadores, a aplicação desse “remédio” pode ajudar na cura. Quem sabe não dá certo?

Os chineses acreditavam que fósseis de vertebrados pertenciam a dragões. Encontrados em camadas de argila do Pleistoceno, ossos e dentes eram coletados para fins medicinais.

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56 outubro2008para

PoetasCiênCia revista

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Vou fingir que você não me conhece. Meu nome é Grimm, Ben Grimm. Se preferir, pode me chamar de O Coisa. Essa aparência ro-chosa e incrível força, eu consegui com um pouco de malhação e muitos raios cósmi-cos, que afetaram meu corpo, mas não mi-nha inteligência, charme e popularidade. Sei que o Tocha vai tentar fazer graça sobre isso, mas aquele cabeça -de -fósforo sabe tão bem quanto eu que tenho o maior número de fãs do Quarteto Fantástico.

Nos quatro cantos do planeta... Terremotos, vulcões, tempestades, lavas, gêiseres, minerais radioativos e rochas. As forças da terra alimentam os poderes de vilões e super-heróis, que travam a eterna luta entre o bem e o mal. Enquanto isso, no laboratório do Senhor Fantástico, um atento personagem observa esse delicado equilíbrio...

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57outubro2008 para

PoetasCiênCia revista

A montanha falante aí do lado acha que pode abalar as estruturas geológicas da Terra como eu. Mas o cara dura não passa de um lacaio de Galactus, o devo-rador de planetas. Terrax agüenta o máximo de calor e frio porque seu cor-po é coberto por uma camada de pedra super-resistente. Quando a energia cós- mica aumentou suas habilidades de co-mandar as rochas, achou que podia controlar o papai-rocha aqui. Mas esse pedregulho não me mete medo e eu tô louco pra fazer alguém em pedaços. tá na hora do pau!

Nenhum vilão é páreo para mim, mas minha resistência cai por terra com heroínas bonitas. A bela Vindicator se- ria capaz de derreter meu coração de pedra apenas com o brilho dos olhos e nem precisaria de seus ja-tos de lava para isso. A força da Guardiã do Governo Canadense vai além das belas curvas: sua armadura concentra uma poderosa energia tectônica, capaz de liberar magmas e explosões de gêiseres. Desmorono só de pensar que podemos formar um supercasal geológico.

Outro que tem que se cuidar é o almofadinha do Super-Homem. Aquele escoteiro de capa vermelha se deixa abater pelo sorriso da Lois Lane e por umas pedrinhas verdes, a kryptonita. Esses fragmentos capazes de matá-lo vieram da explosão de seu planeta natal, Krypton. Aqui na Terra, numa mina da Sérvia, cientistas descobriram a jadarita, um mineral com a fórmula química muito semelhante à da kryptonita. Talvez os dias do Homem de Aço por aqui estejam conta-dos. Eu vou acabar fazendo o trabalho de super-herói sozinho...

Livremente inspirado nos personagens do Universo Marvel (www.marvel.com)

Pra se divertir: A divulgação científica nos quadrinhos, Gian Danton. Virtualbooks, 1997.

http://virtualbooks.terra.com.br/livros_online/gian/01.htm A ciência dos super-heróis, Lois Gresh e Robert Weinberg. Ediouro, 2005.

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58 outubro2008para

PoetasCiênCia revista

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ESRevista Ciência para Poetas – Qual é a diferença entre o trabalho do geólogo e do paleontólogo?Ismar – O geólogo é o profissional que tem uma formação mais ampla da evolução da história da Terra, analisa rochas, minerais e suas aplicações no cotidiano da sociedade. A paleontologia é uma área de conhecimento específica das geociências, uma especialização em nível de mestrado ou doutorado, que trata da diversidade biológica da Terra ao longo do tempo geológico.

RCP – Por que você escolheu a profissão de geólogo?Ismar – Porque sempre me intrigou o mundo que me cercava, mas em seus aspectos físicos. Vivia me perguntando sobre a formação das montanhas, dos rios, o porquê de os mares serem salgados... E essa curiosidade me levou a escolher a geologia como profissão. Mas algumas questões sempre me empolgaram, como a evolução e a transformação da vida. Então, o curso que eu tinha que fazer era o de Geologia, que lida com a idéia do tempo e sua magnitude.

RCP – Há algum fato marcante na sua trajetória de vida que tenha despertado essa curiosidade?Ismar – Eu me lembro que, quando estava no ensino fundamental, em uma aula de geografia, o professor falava sobre os mares e perguntei por que eram salgados. Ele riu muito – aquilo serviu de chacota para a turma – e voltei a questionar: “Mas de onde vem o sal? Qual é a origem do sal?”. E ele dizia: “O sal é sal, salgado como o sal de cozinha”. Ou seja, nem ele sabia exatamente a origem, que só fui descobrir anos mais tarde. Na verdade, o sal existente nos mares é proveniente da decomposição dos minerais que se encontram nos continentes. Nem sempre tiveram a mesma salinidade que têm hoje. Mesmo os mares atuais têm condições de salinidade distintas, alguns são mais salgados, outros menos, e as características geológicas e climáticas é que dão essa peculiaridade às águas dos diversos oceanos e mares.

RCP – Que atividades você desenvolve com seus alunos?Ismar – Desenvolvo atividades de natureza teórica e prática, no labo-ratório e no campo, que se complementam e possibilitam uma for- mação integral. Além disso, realizo atividades que exploram aspectos mais lúdicos da ciência e relacionam dados científicos com a arte. Estimulo os alunos a criar textos, poemas, músicas, desenhos, pintura, fotografia ou qualquer atividade artística a partir do conteúdo apresentado nas aulas.

RCP – Como o trabalho de campo é desenvolvido com as turmas? Qual a sua importância? Ismar – Acredito que a atividade de campo, geralmente muito onerosa para a nossa instituição, deve contemplar não só a formação técnica, mas também uma percepção diferente para os alunos que moram na cidade grande.

Doutor em Geologia, tendo concentrado seus estudos de pós-graduação em Paleontologia, o professor Ismar de Souza Carvalho nos recebeu em sua sala do Instituto de Geociências, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em um ambiente repleto de livros, alunos que entram e saem, pedaços de rochas e imagens do planeta Terra, Ismar nos falou sobre o que considera mais apaixonante na profissão que escolheu e qual a sua maior aventura profissional em 23 anos de atuação.

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A AVENTURA DA DESCOBERTA

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É importante que percebam que existe um país muito distinto da-quele em que a gente vive no Sudeste, especificamente na ci- dade do Rio de Janeiro. Como as atividades que tenho desen- volvido são geralmente no Nor- deste, existe o contato com as- pectos culturais, além da geo-logia e paleontologia da região. O objetivo de nossa universi- dade é a formação de cidadãos conscientes do mundo em que vivem.

RCP – Como é a integração dasdisciplinas nesse trabalho?Ismar – Geralmente envolve professores das áreas de quí-mica, engenharia, biologia e profissionais ligados às artes plásticas, que podem traduzir vi- sualmente o que imaginamos como a reconstituição de anti-gos paleoambientes e formas de vida que existiram na Terra. RCP – Como é o envolvimento dos alunos? Como eles voltam de uma atividade de campo?Ismar – Acredito que voltam me-lhores do que foram. Eles per-cebem que há outros modos de

O grande “barato” é mostrar aos alunos que os fósseis, ro- chas e minerais têm uma histó-ria para contar, e nós, como geólogos e paleontólogos, so- mos os intermediários, aque-les que podem dar voz a ma- teriais inertes há milhões de anos. Essa aventura e essa des-coberta de ser o interlocutor en- tre o que está inanimado há tanto tempo e o que pode ser trazido novamente à vida é uma experiência inigualável!

RCP – O que você considera mais apaixonante na profissão de geólogo? Ismar – Talvez seja a percep-ção do tempo. A vida humana tem um sentido e um signi-ficado muito pequenos quan-do comparados a todo o tem- po da existência das coisas, de diversos organismos e às trans- formações do planeta A cada

Para entender o surgimentoDa nossa geração

Vou agora nesses versosExplicar a evolução

Foram vários cientistasQue tentaram explicar

De maneiras contraditóriasO que fez a vida se originar

Na tabela do tempoPodemos conhecerOs acontecimentos

Que vida, a Terra fez aparecerNo Pré-Cambriano

Tudo se iniciouNo período Arqueano

Foi que a vida começouNo Proterozóico,

Havia os unicelularesQue eram invertebrados, algas e fungos

E viviam pelos maresO Paleozóico foi a Era mais dividida

Do Cambriano ao PermianoVárias foram

As formas de vida

No Cambriano, o aquecimento aconteceuSurgiram trilobitas e braquiópodes

E no final deste períodoO vertebrado apareceu

O aquecimento continuouE foi no Ordoviciano

Que o peixeSe originouNo Siluriano

Vegetais terrestres foram diversificadosTambém havia eriptérios, artrópodes

E até gnastomosadosNo Devoniano o clima esfriou

Surgiram as bacias de água doceE os insetos alados

Mas a maioria dos agnatos acabouNo Carbonífero, a gminosperma se desenvolveu

Apareceram anfíbiosE nova linhagem de peixes

Enquanto outra desapareceuO clima frio do Permiano

Foi se esquentandoE os répteis, aos mamíferos

Foram se assemelhando

A TABELA DA EVOLUÇÃO

O Mesozóico foi divididoEm três períodos distintos

Triássico, Jurássico e CretáceoQuando os dinossauros foram extintos

No Triássico,O continente era um só quintal

Denominado PangeaAté iniciar a deriva continental

O Jurássico foi o período dos dinossaurosTinha mamíferos e aves

Mas os mais bonitos mesmoEram os pterossauros

O Cretáceo foi marcadoPelo domínio das angiospermas

Que eram plantas com floresQue enfeitavam todas as terras

O Cenozóico marca o final da tabelaCom a grande fauna entrando em extinção

E a espécie humana Homo sapiensDando origem à primeira civilização.

cordel de Barbara Mattar (graduanda em Geologia, IGEO/UFRJ)

se vestir, de falar, de se alimen- tar, ou seja, que existe um mun- do diferente daquele que os cir- cunda e isso faz com que cresçam muito como pessoas. Sinto que passam a ter uma percepção di-ferente da profissão de geólogo e um compromisso social mais efetivo.

RCP – Qual foi a sua maior aventura profissional?Ismar – Foram muitas aven-turas... Mas há uma que se repe- te em todas as atividades de campo, que é a aventura da des- coberta, da perplexidade fren- te ao novo. Para mim, a maior aventura de todas talvez seja quando levo os alunos ao campo e eles se vêem diante de outra realidade e da possibilidade de encontrar seus primeiros fósseis, os primeiros objetos de análise científica. A alegria e a perple-xidade estampadas na cara de cada um, ao quebrar uma rocha e descobrir o que ainda não tinha sido descoberto, ou o fato de serem capazes de interpretar os objetos que se desvendam diante de seus olhos é a grande aventura.

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fóssil Mina Pedra Branca (CE).

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momento em que obtemos novos fósseis, analisamos novas rochas e estudamos a geologia de outras regiões, descobrimos coisas inéditas e diferentes, que fazem com que o geólogo tenha uma vida plena de descobertas diárias.

RCP – Que perspectivas existem, no Brasil, para o aluno que está se formando em Geologia?Ismar – A perspectiva profissional é enor-me, são muitos os campos de atuação. Os alunos podem trabalhar em áreas relacio- nadas à prospecção de bens e recursos minerais, de caráter energético ou não. Há também atividades da geologia de en- genharia, como contenção de encostas, construção de túneis, barragens, ou na área

de prospecção de carvão e pe- tróleo. Um universo muito gran- de de atuação, de interface com outras profissões, tanto em empresas privadas e públicas quanto em universidades. Tam- bém existem atividades rela-cionadas à conservação do patrimônio natural, tais como a preservação do patrimônio paleontológico e dos recursos ambientais.

RCP – A demanda em torno desse profissional cresce à me-dida que os governantes e a sociedade tomam consciência de sua responsabilidade social e ambiental?Ismar – Não há dúvida. Parti-cularmente no momento em que vivemos, com a declaração, pela UNESCO, do triênio de 2007 a 2009 como o Ano Inter- nacional do Planeta Terra. A percepção do Homem em rela-ção à sua posição no planeta faz com que o profissional de geociências tenha uma rele-vância cada vez maior, como

agente capaz de contribuir para a preservação do planeta.

RCP – Como está o projeto da criação do Museu da Geologia da UFRJ?Ismar – A proposta é que seja um espaço da geodiversidade, com aspectos mais amplos da geologia, que se relacionem com suas aplicações no cotidiano. É uma proposta bastante arroja- da, já que não existe nenhum museu no país com abordagem semelhante. Esperamos que se- ja um amplo espaço de edu-cação e integração das geo- ciências com a sociedade, uma interface entre a produção aca- dêmica e a divulgação do conhe-cimento em benefício de todos.

RCP – Quando o museu será inau-gurado e como será a relação com a comunidade universitária?Ismar – Nossa expectativa é, a partir de dezembro de 2008, ter uma exposição temporária, mesmo sem o projeto museo- gráfico definitivo. A primeira

exposição será sobre os 50 anos do Departamento de Geologia, com parte do acervo de minerais, rochas e objetos históricos, além das pesquisas desenvolvidas, pro- piciando a integração e comple-mentação das informações com outras áreas e instituições.

RCP – Como se darão as ações doMuseu junto à comunidade exter-na à UFRJ? Ismar – Para estimular o estudo das ciências geológicas, alunos das redes de Ensino Fundamental e Médio poderão observar e exami- nar as coleções, através de ativi- dades e visitas guiadas, bem como serão oferecidos cursos de atuali- zação para professores. Além do acervo, uma coleção-tampão, de exemplares para reposição, estu- dos e permuta, poderá ser soli- citada por professores, pesquisa-dores e estudantes. A intenção é sensibilizar o público para a com- preensão dos eventos geológicos, sua magnitude e relações com o cotidiano. l

Desfolhando a história da Terra. Graduando em Geologia/UFRJ, em Santana do Cariri, Bacia do Araripe.

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livros

quer mais?

filmes

A jangada de pedra. José Saramago. Cia. das Letras, 1991.

Chapada Diamantina - águas no sertão. W. Teixeira e R. Linsker (coord.). Terra Virgem, 2005.

Cordel e ciência: a ciência em versos populares. I. C. Moreira, L. Massarani e C. Almeida (orgs.). Vieira & Lent / Museu da Vida, 2005.

Fósseis, Rochas? Minerais? Casa da Ciência/UFRJ, Depto. de Geologia/UFRJ, Instituto Ciência Hoje, 2007.

Magic of minerals and rock. D. J. Wiersma. Springer, 2004.

Na trilha da humanidade. A. Ortiz. Record, 2006.O mapa que mudou o mundo – William Smith e o nascimento da geologia moderna. S. Winchester. Record, 2004.

O poço do Visconde. Monteiro Lobato. Brasiliense, 1993.

Paleontologia. I. S. Carvalho (ed.). Interciência, 2004.

Viagem ao centro da Terra. Júlio Verne. Melhoramentos, 2005.

Revista Ciência Hoje na Escola. Céu e Terra / Evolução / Geologia. Instituto Ciência Hoje, 2001.

ficção

A era do gelo (2002)Baby: o segredo da lenda perdida (1985)Dinossauro (2000)Em busca do vale encantado (1988)O dia depois de amanhã (2004)O mundo perdido (1925)Parque dos dinossauros (1993)Quando os dinossauros dominavam a Terra (1970)Quarteto Fantástico (2005)

Vídeos exposição caminhos do passado, mudanças no futuRo - www.casadaciencia.ufrj.brCaminhos de uma expediçãoFósseis do Brasil – museusNo quintal do seu CrisogônioO caminho do BaurusuchusProfessor Tadeu – uma descobertaTrabalhadores da Mina Pedra Branca – descobrindo fósseis

VeR ciência - www.verciencia.com.brCaminhando com os dinossauros (BBC)Desertos (BBC)Na trilha do homem das cavernas (BBC) Pinturas rupestres (RW Vídeo, BR)Profundezas oceânicas (BBC)

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63outubro2008 para

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quer mais?

museus

Museu de Geociências da USP www2.igc.usp.br/museu/home.phpMuseu de Paleontologia da URCAwww.museu.urca.brMuseu de Paleontologia de Monte Alto www.montealto.sp.gov.br/index.phpMuseu de Paleontologia Vingt-Un Rosado www.esam.br/paleontologiaMuseu de História Natural www.museuhistorianatural.comMuseu dos Dinossauros http://acd.ufrj.br/geologia/sbp/ceprice.htmMuseu Nacional www.museunacional.ufrj.br

Centro de Tecnologia Mineral www.cetem.gov.brDepartamento de Geologia - UFRJ www.geologia.ufrj.brDepartamento de Recursos Minerais RJ www.drm.rj.gov.brDepartamento Nacional de Produção Mineral www.dnpm.gov.brEspaço Conhecer Petrobras www2.petrobras.com.br/espacoconhecerGeologia – USP www.igc.usp.br/geologiaInst. Virtual de Paleontologia do Rio de Janeiro www.ivprj.comO Planeta Terra - Geociências na EscolaSalto para o Futuro - TVEwww.tvebrasil.com.br/salto/boletins2007Serviço Geológico do Brasil www.cprm.gov.brSítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil www.unb.br/ig/sigep/sitios.htm44º Congresso Brasileiro de Geologia www.44cbg.com.br

sites

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64 outubro2008para

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Há vegetais que, entre tantas potencialidades, são capazes de produzir resina – uma substância viscosa que serve de proteção contra o ataque de organismos nocivos, como insetos perfuradores, e de microorga-nismos. Quando expelida, age na cicatrização de danos no tronco e nos galhos das plantas.

Em contato com ar, essa resina endurece. Se for submetida a processos de transporte (quando caem nas águas dos mares) e à sedimentação (mi-lhões de anos soterrada entre as rochas), sofre modificações químicas e se trans-forma em um material duro, porém frágil, com cores que variam do castanho ao amarelo. Nessas con- dições, a resina passa a ser cha- mada de âmbar, que, para geó- logos e paleontólogos, é con- siderada uma verdadeira “cáp-sula de memória”.

A análise da composição química do âmbar permite de- terminar, por exemplo, que grupo vegetal produziu a resina de origem. No Brasil, já foi en-contrado âmbar nas bacias do Amazonas, Araripe (CE), Parnaíba (PI) e Recôncavo (BA) – todos produzidos por pinheiros da família Araucariaceae (como a araucária ou o pinheiro-do-para-ná), no período Cretáceo.

Além disso, é de grande importância a preservação de diversos organismos, que foram aprisionados e envol- vidos, ao se aproximarem da resina. Encapsulados e preservados no interior do âmbar, pequenos animais – como aranhas, escorpiões, mosquitos, abelhas, cupins, besouros, sapos e lagartos, entre outros – ajudam a re- montar parte da fauna da época. Esse processo de con-servação natural tem características químicas específicas que mantêm as espécies intactas por milhões de anos.

Bianca Encarnação e Cathia AbreuJornalistas

Ciência Hoje e Ciência Hoje das Crianças

Uma resina de memórias

Ao longo da história da humanidade, mate-riais apreciados por sua beleza e características foram valorizados e usados como relíquias, objetos rituais e do cotidiano. Desse amplo universo de possibilidades, o âmbar, essa gema de origem vegetal – leve, transparente ou opaca, amarela ou até dourada como o Sol, limpa ou com curiosas

inclusões, de fácil manuseio e transformação – encantou o homem, que a usou como

adorno na forma de contas, pastilhas e figuras esculpidas.

Há registros de pendentes e colares feitos de âmbar há mais de 14 mil anos, mas, passa-dos longos séculos, continua sendo usado como matéria- prima singular na confec-ção de jóias. No Brasil, é um material conhecido e apre- ciado por poucos, mas, na Europa e Ásia, é reconhe-cido e bastante valorizado

na tradição da produção de belos adornos.

São desenvolvidas peças simples às mais sofisticadas, on-

de a gema pode ser o único mate-rial ou estar acompanhada de metais

nobres, como a prata e o ouro, ou de menor valor de mercado, como o cobre.

Não há limites para a criação de peças origi-nais com o âmbar, que podem ser clássicas (colares de contas irregulares ou esféricas) lisas, esculpidas ou facetadas; ou na forma de cabochões de anéis, brincos, broches, colares e pulseiras; ou em peças pouco convencionais, como colares-estojos para aparelhos Mp3, que combinam a gema com metais, silicones e plásticos.

Objetos que seduzem não apenas pela beleza, estilo e impacto visual, mas pelo fascínio que o âmbar desperta – sua origem e formação milenar e como parte da história natural do planeta.

Irina AragãoMestre em Design

Profissional do setor joalheiro

Uma jóia

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