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REUMATO CAPITAL 1

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EXCELÊNCIA E TECNOLOGIA

imag

em ilu

stra

tiva

70 cm

Maior aberturamais conforto e tranquilidade

Suporta pacientes de até 250 kg

Música durante a realização do exame

Profundidadereduzida

Na Clínica Perfecta, a tecnologia avançada se une a um atendimento diferenciado e humanizado,

desde a recepção ao corpo clínico.

- TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA MULTISLICE COM SIGNIFICATIVA REDUÇÃO DE RADIAÇÃO- MAMOGRAFIA DIGITAL DE ALTA RESOLUÇÃO- DENSITOMETRIA ÓSSEA E DE CORPO INTEIRO

- RESSONÂNCIA MAGNÉTICA- ECOGRAFIA GERAL- DOPPLER- PUNÇÃO (PAAF)

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Em breve, novos exames:

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capaMETAMORFOSETécnicA AquARElAARTiSTAiSADORA JOcHiMS

Queridos leitores,

Nesta 12a edição e última deste ano, trazemos assuntos relevantes e práticos. Com enorme prazer a revista está sendo lançada na segunda edição do ATUAR, evento que já é sucesso e entrou no calendário nacional da especialidade. Na seção Ponto de Vista, Dr Eduardo Paiva comenta sobre um tema polêmico e muito atual: uso de cannabis na dor. Em “A vez e a voz do especialista”, revisamos as neoplasias nas doenças reumáticas, sob a visão dos oncologistas. Uveíte é o tema da vez em “Reumato na Prática”, com uma abordagem objetiva e muito atualizada feita pelo brilhante Dr Cezar Kozak. Já na seção Sarau Reumatológico, os médicos brasileiros incógnitos são lembrados e homenageados.E pra finalizar, nefrite lúpica refratária é abordada de forma prática e lúdica, num trocadilho muito apropriado e ilustrado com as belas telas da Dra Isadora Jochims.2019 foi um ano de muito crescimento e solidificação pra Revista Capital Reumato e a Sociedade de Reumatologia de Brasília! Que venha 2020 com novos sonhos e realizações.

Abraço.

PAlAVRA DA EDiTORA

EXCELÊNCIA E TECNOLOGIA

imag

em ilu

stra

tiva

70 cm

Maior aberturamais conforto e tranquilidade

Suporta pacientes de até 250 kg

Música durante a realização do exame

Profundidadereduzida

Na Clínica Perfecta, a tecnologia avançada se une a um atendimento diferenciado e humanizado,

desde a recepção ao corpo clínico.

- TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA MULTISLICE COM SIGNIFICATIVA REDUÇÃO DE RADIAÇÃO- MAMOGRAFIA DIGITAL DE ALTA RESOLUÇÃO- DENSITOMETRIA ÓSSEA E DE CORPO INTEIRO

- RESSONÂNCIA MAGNÉTICA- ECOGRAFIA GERAL- DOPPLER- PUNÇÃO (PAAF)

Dr. P

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Em breve, novos exames:

Diretoria 2019-2020Presidente Isadora Jochims

Vice-presidente Cezar Kozak1ª Secretária Anna Beatriz Assad Maia2ª Secretária Nubia Borges Goulart1ª Tesoureira Ana Cristina Vanderley Oliveira2ª Tesoureira Jamille Nascimento Carneiro

cOMiSSãO ciEnTíFicALicia Maria Henrique da MotaLuciana MunizAna Paula Monteiro GomidesCarlos Eduardo de Carvalho LinsWilton Silva dos Santos

cOMiSSãO DE EVEnTO E DiVulgAçãOGabriela PorfirioTania Maria OliveiraJulinaide Nunes MatosSandra Andrade Silva

cOMiSSãO REuMATO E cOMuniDADEMaíra Rocha MachadoCarolina Rocha SilvaViviane Cristina Uliana PeterleRegina Alice Fontes Von KirchenheimAlida Santos

cOnSElHO FiScAl E cOnSulTiVO:Cleandro AlbuquerqueMario Soares Ferreira

ínDicE

DiRETORiA

Baixe todas as edições da Revista Capital Reumato no site:www.reumatodf.com.br Envie seu texto para ser publicado na revista: [email protected]

Contato SRB: [email protected](61) 3245-1671 | (61) 99668 0935

EXPEDiEnTE:Reumatologistas revisoras: Dra. Ana Paula gomides, Dra. isadora Jochims e Dra. licia Maria Mota

Editoração e Design Gráfico:cS DESignContato: Cristiane (61) 98131 [email protected]

luciAnA MunizEDiTORA DA REViSTA cAPiTAl reumato 2019-2020

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Palavra daEditora

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Aconteceu

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A vez e a voz do especialista

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Ponto de Vista

Sarau Reumatológico

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Reumato na Prática

Rheuma news

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ACONTECEU

congresso Brasileiro de Reumatologia 2019 Com grande felicidade lançamos a 11a edição da Revista Capital Reumato no 36o Congresso Brasileiro de Reumatologia, realizado em setembro, em Fortaleza. Com alegria entregamos 2500 exemplares para os congressistas. Agradecemos o apoio da comissão organizadora do congresso e à Sociedade. Um grande orgulho para a Sociedade de Reumatologia de Brasília. Parabéns para à Sociedade Cearense de Reumatologia pelo excelente congresso.

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ACONTECEU

Reunião científicaFoi realizada, no dia 10 de agosto, mais uma Reunião Científica promovida pela Sociedade de Reumatologia de Brasília. Contamos com excelentes palestras: Alimentação e atividade física no paciente com doença autoimune ministrada pela Dra Carla Dionello (RJ), e Manifestações extrarticulares nas Espondiloartrites com o Dr Gustavo Resende (MG).Agradecemos a presença de todos e o apoio da Janssen para realização do evento.

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Disfunções do sistema imune estão umbilicalmente ligadas ao câncer posto que o surgimento de um tumor clinicamente detectável implica na falha do controle imune; esta é uma das condições necessárias para o desenvolvimento de qualquer tipo de neoplasia maligna. Partindo deste ponto, conseguimos compreender facilmente que qualquer patologia imunológica pode estar implicada com desenvolvimento ou, menos provavelmente, supressão de doenças neoplásicas. No caso específico das doenças reumatológicas autoimunes podemos estabelecer relação ao surgimento de neoplasias, sólidas ou hematológicas, tanto impulsionadas pelo estado inflamatório crônico, indutor de dano e regeneração celular que a doença se associa, quanto ao tratamento imunossupressor, redutor da intensidade do controle imune sobre células tumorais. No estado de ativação contínua, o ambiente pró-inflamatório, com citocinas e radicais livres, tem o potencial de modificar mecanismos fisiológicos favorecendo a carcinogênese. Tal mecanismo pode ser exemplificado pela sinalização hipersinalização por TNF-alfa, comum em afecções auto-imunes, que gera produção de citocinas, como IL-6 e VEGF, que aumentam a angiogênese e a capacidade de metastatização de tumores. Outra circunstância bem estudada é a relação entre a hipersecreção de IL-1beta, que, em modelos animais, gera tumores como carcinoma hepatocelular e fibrossarcoma.1

DOEnçAS AuTOiMunES cOMO inDuTORAS DE câncER

A associação entre a existência de doenças autoimunes e o desenvolvimento de neoplasias é suspeitada há muito e hoje estabelecida na literatura. Há 10 anos, uma extensa coorte de 23.000 pacientes portadores de artrite reumatoide encontrou taxa de incidência

gustavo Matosgustavo dos Santos Fernandes Oncologistas do HospitalSírio-Libanês em Brasília

Neoplasias nas doenças reumatiças autoimunes

A VEZ E A VOZ DO ESPECIALISTA

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padronizada (SIR) significativamente elevada para o desenvolvimento de vários tipos de tumores, notadamente câncer de pulmão (SIR=1,36), câncer de rim (SIR=2,12), câncer de tireoide (SIR=1,41), melanoma (SIR=1,47) e neoplasias hematológicas (SIR=2,74)2 . Outro estudo, analisando bancos de dados de mais de 30.000 pacientes portadores de lúpus eritematoso sistêmico (LES) seguidos por cerca de 5 anos mostrou SIR de 1,14 para qualquer tipo de câncer, sendo 1,66 para câncer de pulmão, 2,15 para câncer de rim, 3,26 para linfomas B difusos de grandes células, dentre outros.3 Nessa mesma população, os pacientes portadores de LES apresentaram redução da taxa de incidência padronizada em neoplasias como câncer de colo de útero, câncer de mama, câncer de próstata e melanoma. Há também evidências que sugerem que há auto-anticorpos que podem impedir o reparo de DNA. O anticorpo anti-3E10 é um deles, isolado em um modelo murino, que se liga a substratos de DNA com caudas livres de fita simples no ambiente extracelular, e cruza a membrana plasmática por um transportador de nucleosídeos e depois é capaz de se translocar para o núcleo, onde é capaz de inibir a vias de reparo por excisão de base e o reparo direcionado por homologia de quebras de dupla fita. Outros anticorpos encontrados com essa capacidade de adentrar o núcleo incluem anticorpos contra a poli-ADP-ribose polimerase e contra o complexo DNA ligase IV-XRCC4.4

Por sua vez, a esclerose sistêmica esteve associada, em uma coorte menor, de 218 pacientes, a incidência padronizada maior de cânceres de esôfago, de colo uterino e de pele.5 Uma coorte do banco de dados da Johns Hopkins Scleroderma Center identificou, nos pacientes com esclerose sistêmica, alguns fatores de risco para câncer, como a presença de anticorpos contra a subunidade III da RNA polimerase, mas não outros anticorpos como anti Scl-70, e esses tumores nesses pacientes possuíam mutações no gene do peptídeo A da polimerase III (POLR3A), o que sugere um mecanismo carcinogênico na patogênese da esclerodermia.6,7

TRATAMEnTO iMunOSSuPRESSOR cOMO cAuSADOR DE câncER

A imunossupressão associada aos tratamentos de doenças autoimunes reumáticas propicia o surgimento de neoplasias ao afrouxar o reconhecimento de antígenos tumorais, permitindo uma etapa da carcinogênese conhecida como evasão do sistema imune, além disso, o mecanismo de ação de vários imunossupressores passa por citoxicidade a células do sistema imune.8 Já é bem conhecida a elevação de risco para câncer com a ciclofosfamida, que aumenta em cerca de 3 vezes, especialmente câncer de pele não-melanoma e câncer de bexiga.9 Outros imunossupressores, como o micofenolato, os inibidores de mTOR e os inibidores de calcineurina, também geram risco aumentado de neoplasias cutâneas, fenômeno também observado em pacientes imunossuprimidos para transplante.10 Consequentemente, drogas imunossupressoras vêm sendo relacionadas com aumento da incidência de câncer, inclusive com descrições DE recidivas de doenças após anos do tratamento oncológico em pacientes tratados com inibidores de TNF-alfa.11 Uma metanálise que incluiu dados de 3.493 pacientes portadores de artrite reumatoide tratados

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REFERênciAS BiBliOgRáFicAS

1. Sansone P and Bromberg J. Environment, inflammation and cancer. Curr Opin Genet Dev 2011; 21:80-85.2. Chen YJ, Chang YT, Wang CB, Yu CY. The risk of cancer in patients with rheumatoid arthritis: a nationwide cohort study in Taiwan. Arthritis Rheum 2010; 352-358.3. Parikh-Patel A, White RH, Allen M, Cress R. Cancer risk in a cohort of patients with systemic lupus erythematosus (SLE) in California. Cancer Causes Control 2008; 19:887-894.4. Choi MY, Flood K, Bernatsky S. A review on SLE and malignancy. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2017; 31(3):373-396.5. Szekanecz E, Szekanecz Z, Kiss E, Keszthelyi P, Szücs G. Secondary malignancies in systemic sclerosis. Hung Rheumatol 2009;50:4-9.6. Shah AA, Hummers LK, Casciola-Rosen L, Visvanathan K, Rosen A, Wigley FM. Examination of autoantibody status and clinical features associated with cancer risk and cancer-associated scleroderma. Arthritis & rheumatism 2015;67:1053-61.7. Shah AA, Rosen A, Hummers L, Wigley F, Casciola-Rosen L. Close temporal relationship between onset of cancer and scleroderma in patients with RNA polymerase I/III antibodies. Arthitis & rheumatism 2010; 62:2787-95.8. Hanahan D, Weinberg RA. Hallmarks of cancer: the next generation. Cell 2011; 144(5):646-74.9. van den Brand JAJG, van Dijk PR, Hofstra JM, Wetzels JFM. Cancer risk after cyclophosphamide treatment in idiopathic membranous nephropathy. Clin J Am Soc Nephrol 2014; 9(6):1066-1073.10. Euvrard S, Kanitakis J, Claudy A. Skin Cancers after organ transplantation. N Eng J Med 2003; 348(17):1681-91.11. Werberich GM, Strava T, Vizioli C, Fernandes GS. Human Papillomavirus-induced cancer: late relapse in a patient treated with tumor necrosis factor-alpha inhibitor. J Global Oncol 2017; 3(3):275-277.12. Bongartz T, Sutton AJ, Sweeting MJ, et al: Anti-TNF antibody therapy in rheumatoid arthritis and the risk of serious infections and malignancies: Systematic review and meta-analysis of rare harmful effects in randomized controlled trials. JAMA 2006; 295:2275-2285.13. Lopez-Olivo MA, Siddhanamatha HR, Shea B, Tugwell P, Wells GA, Suarez-Almazor ME. Methotrexate for treating rheumatoid arthritis. The Cochrane database of systematic reviews. 2014:CD000957.14. Scott FI, Mamtani R, Brensinger CM, Haynes K, Chiesa-Fuxench ZC, Zhang J, Chen L, Xie F, Yun H, Osterman MT, Beukelman T, Margolis DJ, Curtis JR, Lewis KD. Risk of nonmelanoma skin cancer associated with the use of immunosupressant and biologic agents in patients with a story of autoimmune disease and nonmelanoma skin cancer. JAMA Dermatology 2016; 152:164-72.

com infliximabe ou adalimumabe e de 1.512 pacientes que receberam placebo mostrou risco 0,8% maior de neoplasias malignas nos pacientes que receberam os inibidores de TNF (OR=3,3; IC95% 1,2-9,1), com riscos diretamente proporcionais à dose.12 Quanto a outros DMARDs, uma revisão sistemática da Cochrane não conseguiu mostrar aumento de risco do surgimento de neoplasias em pacientes em uso de metotrexato, por ter pequeno número de pacientes e seguimento curto dos casos.13 Outra avaliação, dessa vez de banco de dados no Medicare mostrou, entretanto, elevação do risco de câncer de pele não melanoma em 60%.14

cOncluSãO

Com os avanços do tratamento de doenças reumáticas e o aumento de sobrevida desses pacientes, a incidência de neoplasias tem um potencial de aumento importante. Dessa forma, é essencial manter vigilância nessa população e realizar esforços conjuntos para estabelecimento de protocolos para investigação e diagnóstico precoce nessa população de pacientes vulneráveis.

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Cannabis mediçinal

ponto de vista

EDuARDO S. PAiVAProfessor Adjunto Disciplina de Reumatologia da UFPRDiretor Científico da Sociedade Brasileira de Reumatologia

Numa recente viagem, encontrei em um shopping center uma paciente que não via há muito tempo, mas da qual lembrei-me imediatamente: fibromialgia resistente a vários tratamentos, má aderência ao exercício físico. Ela me contou que estava ótima, que estava caminhando regularmente, mas o que realmente havia feito a diferença era a cannabis in natura que ela começara a usar já há algum tempo. Na despedida, ainda me disse que estava entrando com uma ação para tentar plantar cannabis em casa. Sempre fui um cético em relação a tratamentos alternativos, embora sendo um especialista em fibromialgia (doença em que muitos destes tratamentos são utilizados). Com relação a cannabis em particular, sempre me pareceu estranho fumar uma planta para obter os efeitos terapêuticos desejados. Sempre comparei isso a mascar a casca do salgueiro para obter ácido salicílico! Além disso, tinha a ideia de que os estudos da cannabis, especialmente em dor, ainda apresentavam resultados não muito bons. Ao ver a minha paciente tão bem, fui novamente atrás da literatura para saber como estava a situação da cannabis medicinal no Brasil e no mundo, especialmente no tratamento da dor. a cannabis é usada há muito tempo (milhares de anos, na verdade) como droga “recreativa”, e hoje está legalizada em vários países como tratamento médico, a chamada cannabis medicinal (CM), termo que usarei daqui em diante. O caminho da CM foi diferente de outras medicações, iniciando por movimentos de pacientes que estavam experimentando a planta para suas doenças, com uma grande repercussão da mídia tradicional e mídias sociais e finalmente aprovação como medicação em vários países. Muitas vezes, houve a dificuldade de se separar os grupos que defendiam a liberação da cannabis como CM e aqueles que defendiam a liberação para uso “recreativo”. De qualquer maneira, é importante salientar que não houve para a CM um caminho com estudos fase 3, randomizados, duplo cegos, com grande número de pacientes em diferentes indicações, como acontece com outros fármacos. A aprovação da CM sempre seguiu um caminho de pressão social. Pode-se argumentar, com razão, sobre as dificuldades e/ou menor vontade das indústrias farmacêuticas de grande porte de trabalhar com a CM, por motivos regulatórios e legais mais rígidos. O sistema endocanabinoide, com seus receptores CB1 e CB2 descritos na década de 80 e seus ligantes descobertos mais tarde, está fortemente associado com os sistemas nervosos central e periférico, mas é presente em todo o corpo, incluindo pele, ossos, articulações e o sistema hematopoiético. Ele parece ser responsável por contrabalançar o sistema de estresse agudo (lutar ou fugir), restaurando o sono, o apetite, e modulando dor e inflamação. Interessante notar que os ligantes endógenos do sistema, como anandamida e o 2-AG (2-araquidonil-sn-glicerol) são derivados do ácido araquidônico e

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obter os principais produtos para aplicação clínica, o delta-9-tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD), mas contém cerca de 400 outros componentes. A Federação Europeia de Dor sugere que o termo cannabis medicinal seja usado quando a planta in natura é utilizada como medicação e “medicações derivadas da cannabis” quando tratar-se de derivados registrados, com concentrações de THC e CBD conhecidas (sintéticos ou não)2. Além dos países que liberam o CM in natura, compostos aprovados em agências reguladoras, como medicações incluem o nabiximol, uma mistura 1:1 de THC e CBD, aprovada em apresentação spray para náuseas e vômitos pós-quimioterapia. O dronabinol é um análogo sintético do THC aprovado nos EUA, Canadá, Alemanha, Austrália e Nova Zelândia para anorexia relacionada ao HIV e náuseas e vômitos pós-quimioterapia. A nabilona é um canabinoide sintético, também análogo do THC, aprovado nos EUA para náuseas e vômitos pós-quimioterapia, mas usado em outros países, como o Canadá, para dor crônica. Somam-se a estes compostos inúmeras apresentações como

pílulas, óleos, biscoitos e pastas, com conteúdo variável de THC e canabidiol. As apresentações com alto teor de canabidiol são utilizadas para epilepsias em crianças e foram os compostos que primeiramente tiveram sua importação aprovada pela ANVISA, principalmente pelo apelo público. A cannabis in natura também pode ter sua concentração relativa de THC e CBD modificadas através de manipulação genética. Algumas metanálises avaliaram o impacto da CM em diversas condições dolorosas. Um deste artigos3, em 2015, abrangeu efeitos benéficos e malefícios dos

liberados em resposta quando há injúria tecidual ou outro gatilho pré-sináptico. Quando estes compostos se ligam ao seus receptores, há redução dos sinais de dor e inflamação1. A ciência básica (estudos pré-clínicos) realmente aponta de maneira consistente que agonistas canabinoides possuem ação anti-inflamatória e analgésica, inclusive com efeitos modificadores de doença em modelos animais de artrite reumatoide. Um alerta proveniente dos estudos pré-clínicos é a ação do sistema endocanabinoide na maturação do sistema nervoso central, com estudos demonstrando que a administração de canabinoides em animais jovens alteraram a formação de sinapses, com implicações nos animais adultos1. Antes de passarmos à análise dos estudos clínicos, é importante a melhor definição dos termos utilizados. Canabinoides são compostos que agem no sistema endocanabinoide, e podem ser psicoativos ou não, além de poderem ser extraídos de plantas ou serem sintéticos. O extrato macerado das folhas e flores da Cannabis sativa ou da Cannabis indica é utilizado para

canabinoides em diversas condições, selecionando 79 artigos, com somente quatro, com baixo risco de viés. As condições dolorosas e as apresentações de CM foram diferentes entre os estudos, e no geral, houve um efeito modesto na redução de dor em 30% do basal, com odds ratio de 1,41 (IC: 0,99-2,00). Uma outra revisão sistemática4, um pouco mais recente, também avaliou o efeito da CM em vários tipos de dor. Setenta e cinco artigos foram selecionados, mas considerados pequenos e com falhas metodológicas. A conclusão foi de uma evidência limitada de benefícios

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na dor neuropática, especialmente quando usadas as preparações com concentrações pré-definidas de THC e CBD (usualmente na proporção 1:1). Não houve evidência de benefício em outros tipos de dores, como dor associada à esclerose múltipla, câncer e condições dolorosas mistas. Houve uma tentativa de uma análise dos riscos do uso crônico da cannabis, que apontou para um risco aumentado de acidentes automobilísticos, sintomas de psicose e distúrbios cognitivos de curta duração. Um estudo de 4 braços de “n-de-1” estudou THC, CBD, a combinação de CBD/THC e placebo, em 24 pacientes com dor crônica de diversas causas5. Cada paciente recebeu por uma semana cada tratamento, de maneira cega. A maioria dos pacientes achou a combinação de THC e CBD e o TCH isolado mais eficazes e controlar a dor, e menor resposta ao CBD isolado. Um estudo australiano6 acompanhou por quatro anos uma coorte de 1.250 pacientes com dor não-maligna em uso de opioides, para verificar o uso de cannabis ao longo do tempo, que foi de 24,3%. Pacientes que usaram cannabis apresentaram maior gravidade e impacto da dor, baixo enfrentamento e maior gravidade de transtornos de ansiedade generalizada. A maioria dos estudos e metanálises apontam a dor neuropática como o tipo de dor com maior benefício potencial. Uma revisão Cochrane de 20187 avaliou a utilidade da CM na dor neuropática, com o critério do número necessário para tratar (NNT) para uma redução de dor de 30% e de 50%. Os 16 estudos incluídos analisaram 1.750 pacientes e o nível de qualidade foi de baixa a moderada. A CM utilizada foi o nabiximol com 10 estudos, a nabilona em 2 estudos, dois com cannabis in natura inalada e dois com dronabinol. O NNT, para uma melhora adicional de 30% e 50% foi de 11 e 20, respectivamente. Houve uma taxa alta de abandono por efeitos colaterais e o número necessário para causar dano foi de 25. Não houve evidência de efeitos colaterais graves em relação ao placebo. O autores concluíram que a maioria dos estudos apresentou um número baixo de pacientes e que o benefício da CM pode ser superado pelos seus efeitos colaterais. O grupo de dor neuropática da IASP (Associação Internacional para Estudos da Dor) considera a CM como terceira linha de tratamento para a dor neuropática, após uma metanálise de 2015, salientando porém, um fraco nível de evidência8. Em relação a outros tipos de dor, pequenos estudos foram feitos em dor lombar crônica (com nabilona), cefaleia por abuso de analgésicos (nabilona), dor na artrite reumatoide (nabiximol), todos com resultados negativos2.

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uso de opioides e benzodiazepínicos e melhor estado de saúde geral. Porém, este estudo foi feito online somente com pacientes já usando CM, sem comparação com uma população de dor crônica. E qual é a situação atual no Brasil? Desde 2015, a ANVISA permite a importação de canabidiol e outras formas de CM, com prescrição médica, para uso pessoal, através de processo específico. Várias empresas e sites oferecem serviços de orientação e até cadastram médicos que estão prescrevendo estes compostos. Em 2017, a primeira medicação à base de CM foi aprovada para comercialização no Brasil, o nabiximol, com indicação em bula somente para espasmos musculares refratários decorrentes da esclerose múltipla. Em 2019, foram realizadas duas consultas públicas pela ANVISA, uma para o registro e monitorização de produtos de CM e outra para a permissão de cultivo de cannabis por parte de empresas farmacêuticas única e exclusivamente para fins medicinais e científicos. Existem vários casos de autorização judicial para o plantio de cannabis por associações e pacientes. Como ficou minha opinião após esta breve revisão? Parece-me que a CM será cada vez mais disponível no Brasil, como está acontecendo em vários países. Infelizmente, estaremos em uma posição desconfortável, em que teremos que informar aos pacientes da baixa evidência científica do uso da CM, e às vezes, negar tratamento, quando ao mesmo tempo, agências reguladoras liberariam o seu uso. Uma posição elegante da Sociedade Canadense de Reumatologia14,

A segurança do uso de CM a longo prazo foi avaliada11 em 216 pacientes com dor crônica que foram orientados a usar um preparado com 12,5% de THC de uma maneira sistemática, e comparados com um grupo de 216 pacientes de dor crônica não maligna, não usuários de cannabis. O estudo não era cego, e não foi possível comparar a ação da CM nestes pacientes; não houve diferença entre eventos adversos graves entre os grupos, mas sim um aumento do risco de efeitos adversos não graves. Importante notar que neste estudo, a maioria dos pacientes do grupo com medicação ativa já era usuário de cannabis. Em pacientes com dor crônica, o foco do tratamento é a melhora da qualidade de vida e da funcionabilidade. Somente a melhora de uma escala da dor em 30 ou 50%, que é o alvo selecionado das metanálises, não reflete o que se quer para pacientes com dor crônica. Chama atenção um estudo de 201612 em que 1.000 pacientes consecutivos em uma clínica de Reumatologia do Canadá, com diversos diagnósticos, foram avaliados quanto ao uso de CM ou uso recreativo. Trinta e oito pacientes usavam cannabis, mais da metade para osteoartrite. Os usuários tendiam a ser mais jovens, mais comumente desempregados. com uma saúde global pior do que os não usuários, utilizavam mais opioides e 40% eram usuários recreativos previamente. Interessante salientar que a avaliação global do médico da gravidade da doença do paciente era semelhante de usuários versus não usuários. Um estudo mais recente13 aponta para resultados diferentes, com diminuição do

E a fibromialgia? Em uma revisão Cochrane de 20169, apenas dois estudos foram incluídos, com risco moderado de viés e de baixa qualidade. Ambos os estudos foram com nabilona comparada com amitriptilina ou placebo. Houve discreta melhora do sono, mas sem impacto na dor ou qualidade de vida. Após esta metanálise, um estudo randomizado em pacientes com fibromialgia foi publicado, comparando 4 tipos de variedades de cannabis in natura com teores diferentes de THC e CBD (altos níveis de THC, níveis equilibrados de THC/CBD, altos níveis de CBD e uma variedade placebo sem THC ou CBD). Vinte pacientes, de maneira randomizada, fizeram uma única vaporização de cada variedade e tiveram vários parâmetros dosados nas três horas seguintes, como limiares de dor por pressão e elétricos, escores de dor espontânea, e o nível de “barato” pela medicação. Um maior número de participantes relatou uma melhora na dor induzida por pressão com a variedade de níveis equilibrados de CBD/THC (90% versus 50%, p=0,01). O nível de resposta apresentou correlação positiva com a intensidade do “barato”. Não houve diferença nas notas de dor espontâneas. Houve diferença quanto às variedades contendo THC em relação ao placebo nos limiares dor por pressão. A maioria dos pacientes não gostou da sensação de “barato” após a inalação.

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REFERênciAS BiBliOgRáFicAS

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Nota: texto reflete a opinião pessoal do autor e não representa a opinião oficial da Sociedade Brasileira de Reumatologia.

onde a CM é liberada, aponta que o Reumatologista deve manter uma postura de procurar sempre o benefício para seus pacientes, mantendo uma posição sem julgamentos, respeitosa e empática em relação aos pacientes com dor crônica. E ao mesmo tempo assegurar a segurança dos pacientes e da sociedade. Isto é relevante, pois há evidências que a CM aumenta o risco de acidentes de trânsito e no trabalho. A Federação Europeia para Dor2 orienta que quando utilizada a CM, a qualidade de evidência é maior para produtos orais e submucosos, seguidos de extratos por via oral e por fim, a cannabis inalada (não fumada). Deve-se evitar prescrever CM com conteúdo de THC maior do que 12,5%. Não mais que uma inalação quatro

vezes ao dia deve ser utilizada, e uma triagem para o abuso de substâncias ilícitas e álcool e para a presença de ansiedade e depressão deve ser realizada, assim como um “contrato de tratamento” formal. Minha opinião é que o Reumatologista deve apoiar pesquisas melhor realizadas com os componentes da CM, e que o acesso a laboratórios de grande porte à matéria prima deve ser aprovado, para obtenção de componentes isolados ou em combinação. Estes, então, seriam utilizados em ensaios clínicos fase 1, 2 e 3 como qualquer componente farmacêutico. Muito me preocupa o plantio de cannabis em domicílio, pelo fato da extração dos componentes não ser feita de maneira correta e um maior uso através de cigarros, o que não é recomendado.

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MuiTO AléM DA JunTA O reumatologista precisa ser um grande clínico. As doenças reumáticas podem acometer qualquer parte do corpo humano e, com os olhos, não é diferente. Olho seco, doenças inflamatórias, vasculopatias e neuropatias relacionados às enfermidades reumáticas podem afetar os olhos e órbitas, resultando em várias síndromes oculares, com as quais o reumatologista precisa estar familiarizado.

nOMEnclATuRA E clASSiFicAçãO DAS uVEíTES A úvea é a camada média e pigmentada do olho, constituída pela íris, corpo ciliar e coroide. Processos inflamatórios podem acometer essas estruturas e constituir diferentes síndromes, que, de acordo com o International Uveitis Study Group (IUSG, 1987)1 e o Standardization of Uveitis Nomenclature Working Group (SUN, 2005)², devem ser classificadas, primariamente, de acordo com o sítio anatômico. A uveíte é chamada de anterior quando há células inflamatórias na câmara anterior. Havendo sinais de inflamação no humor vítreo, a uveíte é intermediária. E a uveíte é posterior quando a inflamação é identificada na coroide ou retina. Quando todos esses sítios estão acometidos, trata-se de uma panuveíte. A uveíte anterior inclui as irites, iridociclites e a ciclite anterior. A uveíte intermediária engloba a pars planitis, a ciclite posterior e a hialite. E a uveíte posterior abarca a coroidite, coriorretinite e retinite. A classificação anatômica é essencial e serve de base para direcionar a investigação diagnóstica. Outras informações também são muito importantes, como o início (súbito ou insidioso), a duração (limitada ou persistente, maior que três meses), o curso (agudo, recorrente ou crônico) e a bilateralidade. Esses dados, também padronizados pelo grupo SUN, assim como os descritores de grau de atividade e inflamação, são fundamentais para o raciocínio diagnóstico.²

cezar Kozak SimaanProfessor de reumatologia da Universidade de Brasília

UVEITES: E EU COM ISSO?

Reumato na pratiça

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Detalhe do mural de Omik no Espaço Cultural Renato Russo.

Brasília, 2018.

Quadro 1. Principais causas de uveítes, classificadas por categoria etiológica.

Infecções

Causas não-infecciosas

Síndrome mascarada

Vírus: herpes simples, varicela, citomegalovírus.Bactérias: sífilis, tuberculose, doença de Lyme.Protozoários: toxoplasmose.

Doenças sistêmicas: espondiloartrites, sarcoidose, artrite idiopática juvenil, lúpus eritematoso sistêmico, doença de Behçet, doenças autoinflamatórias, esclerose múltipla, nefrite tubulointersticial com uveíte, síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada.

Sìndromes oculares: pars planitis, retinocoroidopatia do tipo birdshot, coroidopatia multifocal com panuveíte. Reações medicamentosas: bisfosfonatos, anti-TNFs, inibidores de checkpoint, antimicrobianos.

Idiopática (ou uveíte primária ou indiferenciada).

Maligna: linfoma B intraocular e de SNC, leucemia, melanoma, retinoblastoma e metástases.

Não maligna: trauma e descolamento de retina.

cATEgORiA PRinciPAiS cAuSAS

DiAgnóSTicO DiFEREnciAl E inVESTigAçãO cOMPlEMEnTAR As uveítes englobam uma ampla gama de etiologias e, de acordo com o IUSG (2008)3, elas são agrupadas em causas infecciosas, não-infecciosas e a síndrome mascarada. Essa última compreende doenças malignas e não malignas que podem ser diagnosticadas indevidamente como uveítes, por manifestarem-se com achados clínicos semelhantes. O quadro 1 apresenta os principais diagnósticos etiológicos nessas três categorias, sendo que o diagnóstico provavelmente mais comum é de uveíte idiopática.4

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lembrado o diagnóstico de psoríase e a nefrite intersticial com uveíte, que é mais comum em mulheres jovens, com quadros agudos febris, com mialgia, artralgia e elevação de β2-microglobulina urinária.4

Na uveíte anterior crônica, os diagnósticos mais importantes são a artrite idiopática juvenil (AIJ), a sarcoidose, a crioglobulinemia mista e a vasculite urticariforme hipocomplementêmica. Em relação à AIJ, a UAC está presente em aproximadamente 15% dos pacientes e pode ter curso insidioso, ser minimamente sintomática e evoluir com complicações graves. Por isso, o ACR (2019)6

recomenda a avaliação rotineira trimestral pelo oftalmologista em casos de alto risco, definidos como um dos seguintes: oligoartrite, poliartrite com FR negativo, psoríase, FAN positivo, menores que 7 anos no início e duração de doença menor que quatro anos. A uveíte pode ocorrer na Behçet (DB) em aproximadamente 50% dos casos7 e, em geral, é crônica, com atividade persistente e exacerbações, podendo ter qualquer localização. A apresentação mais sugestiva para o diagnóstico de DB é a panuveíte com vasculite retiniana4, que responde por 29 a 41% das uveítes nesses pacientes8.

TRATAMEnTO

O tratamento das uveítes não-infecciosas deve ser dirigido pela gravidade e localização, mais do que pela etiologia específica4. A UAA, em geral, tem curso benigno e reponde bem à terapia tópica, com corticóides e midriáticos. Assim, essa uveíte raramente determina terapia sistêmica ou justifica a introdução de medicamentos modificadores do curso da doença em SpA4. Entretanto, há evidências de que anti-TNFs e, com menor comprovação, metotrexato e sulfassalazina, reduzem o número de surtos de UAA, o que é importante em uma parcela dos pacientes. A maior eficácia é com infliximabe e adalimumabe, sendo moderada com golimumabe e certolizumabe e baixa com etanercepte, que pode também estar associado a casos de UAA paradoxal9. Em uveítes não-infecciosas graves é indicada terapia sistêmica não-esteroidal, com imunossupressores sintéticos ou anti-TNFs.

A heterogeneidade clínica e a ampla etiologia das uveítes tornam o diagnóstico diferencial um desafio. Inicialmente, é fundamental identificar uma eventual síndrome mascarada, assim como distinguir uma causa infecciosa de uma síndrome não infecciosa. Nesse processo, o oftalmologista tem papel essencial. O exame ocular detalhado, incluindo aspectos de oftalmoscopia indireta e o exame com lâmpada de fenda, pode indicar a categoria na qual o paciente se encontra.4 As doenças infecciosas, na maioria das vezes, determinam alterações características ao exame ocular, direcionando o diagnóstico do oftalmologista. Cabe destacar, entretanto, que duas enfermidades de grande impacto em saúde pública no Brasil, a tuberculose e a sífilis, podem ter apresentações oculares atípicas e devem ser investigadas ao menor grau de suspeita.4 O terceiro grupo de uveítes, que é o mais frequente4, envolve doenças não-infecciosas e, muitas vezes, o reumatologista é chamado para opinar no diagnóstico diferencial ou para prescrever a terapia sistêmica. Nesse processo, a colaboração entre os dois profissionais é fundamental, sendo essencial a troca adequada de informações. O oftalmologista deve descrever adequadamente a enfermidade ocular e excluir infecções ou síndrome mascarada, assim como o reumatologista precisa estar familiarizado com o tema. A associação entre alguns tipos de uveíte e doenças reumáticas é bem conhecida e a abordagem diagnóstica deve ser dirigida para o tipo de uveíte do paciente. Há quatro síndromes clínicas de interesse especial para o reumatologista, que são a uveíte anterior aguda unilateral, a bilateral, a uveíte anterior crônica e a uveíte crônica com exacerbações. A uveíte anterior aguda (UAA) é o tipo de uveíte mais comum no ocidente e, em aproximadamente metade dos casos, uma espondiloartrite (SpA) é identificada. Nas formas recorrentes de UAA, a associação com SpA é maior, chegando a quase 70%5. Portanto, a anamnese musculoesquelética, os antecedentes familiares e, quando indicado, a pesquisa de HLA B27 e a ressonância de sacroilíacas são importantes nesses pacientes. Em indivíduos com SpA e UAA, o acometimento é unilateral na maioria dos casos. Quando a UAA é bilateral, além de espondiloartrites, deve ser

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REFERênciAS BiBliOgRáFicAS

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Conforme a iniciativa FOCUS (2017)10, a uveíte é definida como grave quando o curso é crônico e persistente, ou nas doenças agudas que ameaçam a visão, quando há acometimento posterior e macular, ou na falha à corticoterapia. Em relação à escolha do fármaco nas formas graves, a American Uveitis Society (2014)11 recomenda o uso de adalimumabe ou infliximabe como primeira linha de tratamento para a doença de Behçet e segunda linha na uveíte grave de outras causas e na AIJ, quando houver falha ou contraindicação para imunossupressores sintéticos. Entre os anti-TNFs, o adalimumabe e infliximabe têm o melhor nível de evidência, sendo

que ambos apresentam, provavelmente, eficácia semelhante12. O EULAR (2018)13 tem uma recomendação distinta para a doença de Behçet. Para a uveíte posterior, é sugerido o tratamento com azatioprina, ciclosporina, infliximabe ou adalimumabe. Em pacientes com uveíte anterior isolada, o tratamento pode ser tópico com monitoramento cuidadoso e, em pacientes de maior risco, como em homens jovens ou quando hipópio está presente, a azatioprina pode ser considerada, na presunção de um efeito protetor, embora não comprovado.

uVEíTES: E Eu cOM iSSO?

As uveítes são responsáveis por grande morbidade visual e demonstram a importância da colaboração entre o oftalmologista e o reumatologista.

A visão global do indivíduo está na essência da reumatologia e é instrumento fundamental para o cuidado de qualidade.

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isadora Jochims Presidente da Sociedade de Reumatologia de Brasília 2019/2020Mestre em Ciências Médicas - UnB Reumatologista do HUB - UnBArtista Plástica

O envolvimento renal no lúpus eritematoso sistêmico (LES) ocorre clinicamente em cerca de 60% dos pacientes e pode determinar alterações tubulares, intersticiais, vasculares e glomerulares. Apresenta graus distintos de gravidade, com períodos de atividade e remissão, que determinam a escolha dos agentes terapêuticos a serem empregados¹. Menos de 30 a 40% dos pacientes com nefrite lúpica (NL) atingem resposta aos 6 meses². Infelizmente o tratamento da NL refratária ainda é um grande desafio com um risco maior para pior desfecho.

DEFiniçãO DE REFRATARiEDADE Não existe consenso na definição de refratariedade na NL, porém o conceito remete à resposta inadequada ou a não resposta ao tratamento de indução de remissão. A diversidade de definições dificulta a homogeneização e comparação de resultados dos estudos.

Nefrite Lupiça Refrataria

RHEUMA NEWS

Além da dificuldade na definição de refratariedade, outro problema no seguimento da NL refratária é discriminar atividade de doença de cronicidade. As apresentações mais crônicas possuem o potencial de remissão menor e a resposta completa ao tratamento instituído pode demorar até 2 anos4.

BiOMARcADORES Os biomarcadores são utilizados para guiar a escolha e a duração da terapia, identificar aqueles pacientes com risco de desenvolver a doença e diferenciar doença ativa e crônica. Atualmente contamos com os biomarcadores clássicos: hematúria, proteinúria, creatinina e biópsia renal. Dentre os biomarcadores mais utilizados o que possui melhor valor para desfecho é a proteinúria. Ao final de um ano, proteinúria menor que 0,8g/dia prediz um melhor desfecho5.

Falha na resposta parcial em 6 meses

“based on the treating physician’sclinical impression

AcR, 20123

Falha na melhora em 3-4 meses Ou falha na resposta

parcial em 6 meses Ou falha na resposta completa com 2 anos

EulAR, 20124

Falha na resposta completa ou

resposta parcial com 12 meses

SBR, 20151

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A biópsia é melhor indicada quando a classe inicial for não proliferativa.

BióPSiA REnAl nO PAciEnTE REFRATáRiO A biópsia renal permite o reconhecimento de marcadores diagnósticos e prognósticos que podem influenciar a escolha terapêutica. O consenso do EULAR/ERA-EDTA indica realização de biópsia na falha da resposta parcial em 1 ano e/ou piora da taxa de filtração glomerular, na recidiva para demonstrar mudança ou progressão de classe histológica, índice de cronicidade e atividade, detectar outras patologias e avaliar prognóstico4. A piora da cronicidade na biópsia é fator de risco independente para doença renal crônica terminal6. Evidências atuais demonstram que transformações histológicas são comuns em lesões não proliferativas. A maioria dos pacientes com classe II, 77,5%, progridem para uma classe de pior prognóstico, classe proliferativa (III, IV, ou combinação de III/IV + V) e menos frequente para classe V. Já nos pacientes com classe proliferativa geralmente a biópsia não impacta em decisões terapêuticas, pois não há mudança de classe em 73% dos pacientes.6 A biópsia é melhor indicada quando a classe inicial for não proliferativa. 6,7,8

Proteinúria ao final de um ano <0,8g/dia – melhor biomarcador para desfecho a longo prazo.

Ilustração: Dra Isadora Jochims

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Ilustração: Dra Isadora Jochims

Apesar da biópsia renal ter valor para determinar classe histológica e prognóstico, o índice de atividade histológica não possui boa correlação com achados clínicos 7,10. Após 6 a 8 meses de terapia imunossupressora, 30–50% de respondedores completos ainda apresentam evidência histológica de doença ativa, 40–60% dos pacientes sem evidência histológica de atividade de doença apresentam proteinúria elevada 10,11. Devido às limitações da biópsia renal e dos exames laboratoriais em identificar atividade na NL faz-se necessário outros biomarcadores. Vários estudos estão em andamento para identificar biomarcadores histológicos moleculares, genéticos, séricos e urinários que sejam reprodutíveis e de baixo custo. Espera-se que futuramente esteja disponível um painel de biomarcadores no auxílio da prática clínica 9.

DiAgnóSTicOS DiFEREnciAiS Os diagnósticos diferenciais devem sempre ser aventados frente a refratariedade, como a utilização de medicações nefrotóxicas, infecções por hepatite B, C, HIV, sífilis, comorbidades HAS e DM, trombose de veias e artérias renais e nefrite tubulointersticial. Apesar de lesões medidas por imunocomplexos serem a causa mais comum da nefrite no LES, outros mecanismos que requerem abordagem terapêutica distinta e que não podem ser identificadas apenas por achados clínicos podem ser identificados através da biópsia como: microangiopatia trombótica, podocitopatia lúpica, lesões vasculares induzidas por síndrome do anticorpo antifosfolípides e nefrite tubulointersticial.

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MEDicAMEnTOS nEFROTóXicOS

TROMBOSE DE VEiAS Ou ARTéRiAS REnAiS

PODOciTOPATiA lÚPicA SAF

nEFRiTE TuBulOinTERSTiciAl

MicROAngiOPATiA TROMBóTicA

HAS, DM, inFEcçÕES

Causa de lesão renal nos pacientes com LES - Ilustração: Dra Isadora Jochims

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A mudança para outro agente de indução de primeira linha é a abordagem inicial recomendada pelas diretrizes EULAR/ERA-EDTA, American College of Rheumatology e Sociedade Brasileira de Reumatologia, para pacientes com NL refratária 3,4,1. Em geral, pacientes resistentes a ciclofosfamida são tratados com micofenolato e pacientes resistentes a micofenolato com ciclofosfamida podendo ser acompanhado de novo pulso de 3 dias de glicocorticoide intravenoso. O rituximabe mostrou resultados encorajadores no tratamento da NL refratária, especialmente na NL classe III e IV e, em menor grau, nas classes mistas e membranosa 2,14,17. No entanto, o estudo de fase II/III EXPLORER que excluiu pacientes

FATORES clínicOS RElAciOnADOS A PiOR

PROgnóSTicO ²:

BiOMARcADORES ASSOciADOS A PiOR PROgnóSTicO nO MOMEnTO

DO DiAgnóSTicO ²:

DiAgnóSTicO TARDiO lABORATORiAiS

RETARDO DO iníciO DO TRATAMEnTO EFicAz

HiPOcOMPlEMEnTEMiA

PRESEnçA DE OuTROS FATORES DE RiScO PARA DOEnçA REnAl

TROMBOciTOPEniA

iníciO nA ADOlEScênciA

ElEVAçãO DA cREATininA

nOVOS EPiSóDiOS DEREATiVAçãO REnAl nOS PRiMEiROS

18 MESES DA DOEnçA

PROTEinÚRiA MAciçA

Má ADERênciA TERAPêuTicA

BióPSiA REnAl

SEXO MASculinO

PRESEnçA MAciçA DE cREScEnTES

MuDAnçA HiSTOlógicAinTERcORRênciAS quE

iMPOSSiBiliTEM O cuMPRiMEnTO DO PROTOcOlO DE inDuçãO DE REMiSSãO

SOBREPOSiçãO DE lESÕES SEcunDáRiAS A SínDROME DO AnTicORPO AnTiFOSFOlíPiDE

TRATAMEnTOcom NL em alta atividade não encontrou benefício com o Rituximabe, e o único estudo randomizado, controlado, duplo-cego, LUNAR, que comparou o RTX com o placebo, quando adicionado ao tratamento padrão com prednisolona e micofenolato, falhou em atingir os defechos primários 15,16. Apesar dos resultados negativos dos estudos controlados com o rituximabe ele é recomendado como terapia alternativa em pacientes com doença refratária¹. Os inibidores da calcineurina têm sido testados principalmente no Japão e na China. Os resultados publicados até agora destacaram uma boa eficácia do tacrolimus, especialmente nas classes IV e V de difícil tratamento. Dados positivos com pacientes

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naives estão se acumulando porém é necessário estudos em outras etnias². A terapia multialvo, associação do micofenolato com tacrolimus, também possui evidência em população asiática. Em um estudo prospectivo randomizado a terapia multialvo foi superior a ciclofosfamida na indução de remissão aos 6 meses 18.Apesar dos avanços no tratamento com biológicos em outras doenças reumáticas, no LES vários trabalhos falharam em atingir desfechos primários. Há várias razões para a falha dos estudos controlados, randomizados e duplo-cegos. Os critérios de inclusão são restritivos e rigorosos o que torna o recrutamento lento, oneroso e com limitação de extrapolação dos resultados. O tempo curto de seguimento interfere nos resultados visto que a resposta completa na NL pode demorar até 2 anos para ser atingida. A tentativa de aumentar a amostra com estudos multicêntricos esbarra nas diferenças étnicas e regionais que interferem na resposta terapêutica e por conseguinte nos resultados. Há dificuldade nas medidas de desfechos pois os escores validados atualmente foram criados para medir atividade de doença e não para medir

FAlHA nA RESPOSTA cOMPlETA Ou PARciAl

EM 6 A 12 MESES

ciclofosfamida Micofenolato

terapia multialvo:mmf 1g +

tacrolimus 4 mg Rituximabe

cOnSiDERAR BióPSiA REnAl

resposta terapêutica; novos escores estão sendo criados e validados. A gravidade da doença leva a uma alta taxa de retirada, 15 a 30%, por eventos adversos e piora clínica, além da necessidade de manter a medicação de background, dificultando a avaliação da resposta terapêutica relacionada a medicação estudada. Na nefrite existem diferenças de mecanismos de injúria com classes diferentes em fases distintas da doença dificultando a homogeneização da amostra 12. Há uma tendência de mudança nos desenhos dos estudos na NL, com melhor definição de atividade de doença e de atividade no órgão alvo, desfechos primários com foco na retirada e redução dos efeitos tóxicos das medicações de “background” e na utilização de medicações sinérgicas12. Um exemplo foi o estudo de fase II CALIBRATE trial que foi desenhado para comprovar o sinergismo entre o rituximabe e o belimumabe em reduzir a produção de autoanticorpos e redução da produção da NET 13. Novos alvos terapêuticos estão sendo estudados e espera-se que futuramente outras opções terapêuticas estejam disponíveis para o tratamento dessa doença tão desafiadora.

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REFERênciAS BiBliOgRáFicAS

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Tabela adaptada - Medina-Rosas J, et al. Expert Opinion on Biological Therapy, 2016.

DROgA AlVO FunciOnAl aLVo imuNoLÓGiCo ( eSPeCÍFiCo)

Belimumab Sinalizador Intracelular Célula B (CD20)

Epratuzumab Mediador Solúvel Célula B/citocinas (Bly5)

Ocrelizumab Sinalizador Intracelular Célula B (CD20)

Atackept Sinalizador Intracelular Célula B (CD20)

Tabalumab Mediador Solúvel Citocinas/Célula B (Bly5 e APRIL)

Blissibimod Mediador Solúvel Citocinas/Célula B (Bly5)

Abatacept Mediador Solúvel Citocinas/Célula B (Bly5)

Edratide Sinalizador Intracelular Célula B/Célula T/APC (CS80/86)

Lupuzor Sinalizador Intracelular Célula B/Célula T (APC)

Tocilizumab Sinalizador Intracelular APC/Célula T (HSPAB/HSC70)

Sirukumab Sinalizador Intracelular Célula B/Célula T/Citocinas (recep IL6)

Sifalirnumab Mediador Solúvel Célula B/Célula T/Citocinas (IFNoz)

Rontalizumab Mediador Solúvel Célula B/Célula T/Citocinas (IFNoz)

Anifrokumab Sinalizador Intracelular APC/Célula B/Célula T/Citocinas

Asakinra Sinalizador Intracelular Célula B/Célula T (receptor IL1)

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Dr. leopoldo luizdos Santos netoMedicina InternaUniversidade de Brasília (UnB)

E-mail:[email protected]

A evolução da história da ciência médica nacional, através dos tempos e até os dias atuais, é um grande desafio da historiografia. Muitos médicos e pesquisadores tornaram-se ícones nacionais e fazem parte do panteão dos heróis da ciência médica brasileira. A Folha de São Paulo1 pediu a seus seguidores, nas redes sociais, que indicassem qual cientista do Brasil eles conheciam ou lembravam. Dos 5 primeiros da lista haviam 3 médicos: Miguel Nicolelis (neurocientista de 58 anos); Oswaldo Cruz (1872-1917); e Carlos Chagas (1879-1934). Muitos desses personagens ficaram na lembrança e são lembrados como nome de praças, ruas, prédios1. Portanto, relembrar os fatos e os protagonistas pioneiros podem nos ajudar a entendermos os nossos desafios modernos.

cOlôniA

Durante os séculos XVI e XVII, poucos médicos europeus vieram se fixar no Brasil. Apesar do Colégio da Bahia possuir reputação pela produção e comercio de produtos de botica nenhum padre ou irmão da Ordem do Jesuítas foi indicado para a função de médico no Brasil2. Por outro lado, nesse mesmo período foram indicados 4 médicos para região de Goa na Índia2. Estima-se que cerca de 158 médicos brasileiros foram formados em escolas médicas europeias durante os séculos XVII e XVIII3 4. A primeira Escola Médica no Brasil só ocorreu em 1808, com a chegada de D. João VI. A criação dos primeiros cursos médicos permitiu a expansão e modernização do conhecimento médico no Brasil. No final do século XVIII talvez tenha sido a primeira publicação reumatológica por um médico brasileiro. José Pinto de Azeredo (1763-1807), natural do Rio de Janeiro, escreveu sobre a gota, intitulada “Dissertatio medica inauguralis de Podagra”, para a conclusão do seu curso médico em 1788 na Universidade de Leiden-Holanda4 5. Atualmente, a sua tese de doutoramento seria o equivalente a um trabalho de conclusão de curso (TCC). Após a sua formatura Azeredo clinicou no Rio de Janeiro e, posteriormente, foi indicado médico ou físico-mor no Reino de Angola3 5. Pinto e cols 5 identificaram 10 manuscritos e 5 publicações de Azeredo relacionadas a qualidade do ar do Rio de Janeiro. Essas produções tornaram Azeredo um dos pioneiros na avaliação de questões ambientais em bases cientificas no Brasil.

SARAU REUMATOLOGICO

Mediços brasileiros famosos e inçognitos

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A historiadora Ana Carolina Viotti 4 sintetizou a medicina praticada na época do Brasil colonial: “Se intentássemos determinar, em linhas gerais, quais foram os ingredientes que, combinados, proporcionaram a criação de uma terapêutica própria para a colônia lusa nas Américas, chegaríamos a uma medicina cujos profissionais procuraram de toda forma se distanciar e se diferenciar do empirismo, que deu outro sentido a diversas medidas – adequando-as à prática acadêmica –, que valorizou a experiência para elencar seus melhores exemplares, que agregou conhecimentos das mais diversas perspectivas sobre a arte de curar – de Hipócrates a Semedo, de Galeno a Boerhaave – e que, em última instância, conjugou o que da terra ao olhar do especializado formado no Velho Mundo para obrar suas curas de forma satisfatória. Uma forma particular e individualizada de se pensar as doenças, os doentes e as possibilidades de curá-los.4 ”

iMPéRiO

René Laennec foi inventor do estetoscópio em 1816 no Hospital Necker de Paris. As possibilidades diagnósticas introduzidas com o advento do estetoscópio fizeram do seu inventor um dos fundadores da medicina moderna6.

A chegada do primeiro estetoscópio no Brasil ainda é motivo de polêmica. O médico/historiador Nascimento e Silva7 (1866-1951) sugere que o primeiro estetoscópio foi trazido da França por Joao Fernandes Tavares (Rio de Janeiro em 1795-1874), futuro Visconde de Ponte Ferreira. “Este aparelho desde 1896 se acha no museu Nacional de Medicina, e o seu uso que dele fazia o Dr. Tavares mereceu-lhe do povo o cognome de Doutor Canudo” 7.Tavares foi médico e amigo de D. Pedro I realizando a necropsia e assinando o seu atestado de óbito em 28/09/1834 8. A hipótese é que tenha falecido de complicações da tuberculose. Ao retornar ao Brasil Tavares foi fundador do primeiro curso de medicina Legal na faculdade de Medicina do RJ, um dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o primeiro presidente do Imperial Instituto Médico Fluminense (Niterói) em 1867 7. O entusiasmo pelo uso do estetoscópio fez de Joaquim Vicente Torres Homem (1803-1858) um pioneiro na divulgação da semiotécnica do tórax. Nascido na cidade de Campos, na então província do Rio de Janeiro, no final do século XVIII. Doutorou-se em medicina em 5 de novembro de 1829 na Faculdade de Medicina de Paris. O seu TCC foi intitulado “A utilidade da ausculta e percussão no diagnóstico de algumas doenças do tórax”.

Pedro Nava (1903-1984) 27.

pedro Nava 9, Reumatologista/memorialista, caracterizou o TCC de Joaquim Vicente Torres Homem: “Pelo motivo escolhido para versar no seu trabalho de doutoramento, percebe-se que Joaquim Vicente Torres Homem devia ser entusiasta dos processos de Corvisart e de Laennec, de que, pela época de sua volta para o Rio e pela posição proeminente que passa logo a ocupar como professor e clínico, ele terá sido um dos divulgadores do nosso meio”. De volta a sua terra natal, ele se radicou na cidade do Rio de Janeiro. Posteriormente tornou-se docente e diretor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, atual UFRJ. Exerceu, por muito tempo, a medicina na cidade do Rio de Janeiro. O seu filho João Vicente Torres Homem- Barão de Torres Homem, foi considerado o maior expoente da medicina brasileira no século XIX 3 10.

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João Vicente Torres Homem (1837-1894) formou-se em 1858 na UFRJ, foi docente na mesma instituição e médico no Hospital da Santa Casa da Misericórdia. Segundo Ferreira11 “A mais importante atividade exercida por Torres Homem no campo médico antes de assumir a cátedra na Faculdade de Medicina, foi, sem dúvida, a de membro do conselho redator da Gazeta Médica Rio de Janeiro, periódico que circulou na Corte de 1862 a 1864. O Prof. Hilton Seda (94 anos)12, Reumatologista/escritor, refere que pelo conjunto da obra e pelo interesse de Torres Homem em reumatologia, ele recebeu o título de Patrono da Sociedade Brasileira de Reumatologia. Outro aspecto inovador de Torres-Homem foi o seu incentivo da atividade de correlação anatomoclínica12, associando metodicamente o diagnóstico feito por meio da leitura dos sintomas ao exame anatomopatológico realizado em minuciosas necropsias11.

João Vicente Torres Homem (1837 -1887) 24

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Segundo o jornalista Vinicius Freire14 “O Brasil teve um prêmio Nobel. Ou, pelo menos, houve um Nobel que nasceu no país, fez seus estudos primários aqui e que abriu mão da nacionalidade brasileira por causa de um problema com o serviço militar obrigatório.” Medawar nasceu em 28 de fevereiro de 1915, em Petrópolis. Aos 14 anos mudou-se para Inglaterra e formou-se em zoologia em Oxford15. Recebeu o prêmio Nobel em 1960 por pesquisar o mecanismo imunológico de rejeição de órgãos transplantados. A sua grande contribuição para a ciência foi em demonstrar que a capacidade do sistema imune em discriminar o “próprio” do “não próprio”, dependendo de uma exposição as moléculas “próprias”, no processo de aprendizado da sua ontogenia. Por essas descobertas ele é referido como o “pai do transplante” e recentemente a Wikipédia incorporou a sua dupla nacionalidade13. Em 1961 ele recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela UFRJ e foi conhecer a recém inaugurada Brasília15. A Academia de Medicina do Estado do Rio de Janeiro criou a medalha Peter Medawar como uma forma de homenagear o ilustre pesquisador nos meios científicos e acadêmicos fluminenses16.

REPÚBlicA

PRêMiOS nOBEiS DE FiSiOlOgiA E MEDicinA:

Entre 1901 e 2018 foram premiados 904 indivíduos e 24 instituições/organizações internacionais para o prestigioso prêmio Nobel13. As primeiras premiações ocorreram em 1901. Desde então 216 pesquisadores já foram laureados com a categoria de Medicina/fisiologia, sendo que 17 deles possuíam dupla nacionalidade13. Alguns dos nossos vizinhos fronteiriços já foram contemplados com essa premiação: Argentina: Bernardo Alberto Houssay (1887 - 1971)- fisiologia da neuro-hipófise, em 1947; Cesar Milstein (1927- 2002) - descobridor do princípio de produção dos anticorpos monoclonais, em 1984. Venezuela: Baruj Benacerraf (1920 – 2011)- pela descoberta dos genes do MHC (genes de histocompatibilidade), em 1980.

Carlos Ribeiro Justiniano Chagas(1878-1934) 25.

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CarLoS ribeiro JuStiNiaNo ChaGaS (1878-1934):

Carlos Chagas foi o descobridor da tripanossomíase sul-americana ou doença de Chagas. Foi indicado duas vezes ao renomado prêmio Nobel de Medicina, em 1913 e em 1921, mas não foi contemplado. Muitas especulações já foram aventadas sobre esse desfecho, possivelmente relacionado as informações incompletas recebidas pelo Comitê de Oslo sobre a relevância da descoberta realizadas por Chagas 17 18. Contudo, Chagas recebeu diversos prêmios e homenagens de instituições Norte-americanas e europeias. Atualmente, a doença de Chagas tornou-se uma doença negligenciada globalizada, com um significativo impacto na saúde pública19. Além de Chagas outros médicos/pesquisadores também foram indicados a essa premiação internacional. Pitella avaliou todas as indicações para Nobéis até o ano de 1966, identificando Antônio Cardoso Fontes (1879-1943, pelo estudo da tuberculose), Adolfo Lutz (1855-1940, pelo estudo da febre amarela, malária e Hanseníase); e Manoel Dias de Abreu (1891-1962, pela invenção da abreugrafia utilizada na prevenção da tuberculose pulmonar)20. Pittella concluiu que “É sintomático que, dos quatro, três tenham sido afiliados ao Instituto Oswaldo Cruz nas primeiras décadas do século XX, o que pode ser correlacionado à institucionalização da medicina tropical no período, bem como às estratégias bem-sucedidas de internacionalização perseguidas por Oswaldo Cruz desde a criação da instituição, em 1900 “20.

O HOMEM MAiS VElOz DO MunDO é uM BRASilEiRO:

O homem mais rápido do mundo é um soteropolitano. John Paul Stapp (1910-1999) nasceu e morou por 13 anos na Bahia, filho de pais estado-unidenses missionários batistas. Formou-se em medicina pela Universidade de Minnesota em 194321. Em 12 de dezembro de1954, aos 44 anos, ele alcançou a impressionante velocidade de 1014 km/hora, em 5 segundos, num veículo sobre trilhos com

turbinas, no deserto do Novo México - USA. Após alcançar essa incrível velocidade desacelerou e parou em apenas 1,4 segundos, equivalente a 46,2 G! ( 46,2 vezes a força da gravidade!) 21 22 . Foi considerado o homem mais rápido da terra. As imagens de alguns auto-experimentos sugerem que os protocolos de pesquisa eram de alto risco de efeitos colaterais, como hemorragia retiniana, concussão cerebral, hérnia abdominal, muitos hematomas e equimoses, diversas fraturas de costelas e do cóccix21. Ele assumia a responsabilidade pela execução de todos os protocolos de pesquisa. Apesar dos riscos das pesquisas que participou ele faleceu aos 89 anos, em 13 de dezembro de 1999, na cidade de

Alamagordo-USA.Os protocolos de pesquisa realizados por John Paul contribuíram para o desenvolvimento da fisiologia aeroespacial e da segurança em voos aéreos comerciais e civis. Seus estudos permitira o desenvolvimento de dispositivos de seguranças para os carros (Airbag, conhecido como bolsa de ar e o cinto de segurança de 3 pontos21. Foi presidente da American Institute of Aeronautics and Astronautics e escrever mais de 50 artigos técnico- científicos. Pelo seu conjunto da obra foi homenageado pela NASA: Hall da fama, Museu Internacional do Espaço no Novo México – USA e o Parque Aeroespacial chama-se John P Stapp23.

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REFERênciAS BiBliOgRáFicAS

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cOncluSãO:

A história da ciência médica brasileira tem sido feita com uma argamassa de profissionais dedicados, alguns famosos e muitos incógnitos. “Os fatos são passageiros; as datas incertas; os homens mortais, só as ideias são permanentes e eternas as categorias porque elas se exprimem”, são palavras sábias do grande Mestre Pedro Nava9.

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