capÍtulo 1 - mÚsica e comunicaÇÃo

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CAPÍTULO 1 – COMUNICAÇÃO E MÚSICA Este primeiro capítulo procura demonstrar as amarras que nos permitem pensar a música como uma linguagem comunicacional, através do relacionamento entre as duas teorias. Em um momento inicial, o primeiro e o segundo qaurto do capítulo, são apresentadas as principais noções teóricas, tanto da comunicação quanto da música, para estabelecermos nosso modo de observar esses dois fenômenos. Depois, em um segundo momento, a terceira parte do capítulo é destinada a evidenciar algumas concepções acerca da percepção sonora e musical. E por último fazemos as amarras dos pontos de intersecção entre as teorias, fazendo um paralelo entre suas noções e buscando o lugar onde a música se faça comunicacional e a comunicação possa ser musicada. 1.1. A Comunicação Para falar proveitosamente de comunicação é preciso estabelecer que tipo de fenômeno este termo está designando (PERUZZOLO, 2006, p. 17), isso porque comunicação vai muito além de um termo lingüístico é uma categoria conceitual pela qual podemos trabalhar certos fenômenos (aí vem a questão crucial!) gerais ou especiais, precisos ou difusos, pertinentes ao universo ou aos seres vivos ou a parte deles ou a um tipo de ação, com muitos significados ou mesmo com expressão nenhuma (PERUZZOLO, 2006, p. 18). É por isso que, ao iniciarmos uma discussão onde a comunicação vai figurar como um dos atores principais, nós temos a necessidade de especificar qual a base teórica que estamos utilizando para observar o processo comunicacional.

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Page 1: CAPÍTULO 1 - MÚSICA E COMUNICAÇÃO

CAPÍTULO 1 – COMUNICAÇÃO E MÚSICA

Este primeiro capítulo procura demonstrar as amarras que nos permitem pensar

a música como uma linguagem comunicacional, através do relacionamento entre as

duas teorias. Em um momento inicial, o primeiro e o segundo qaurto do capítulo, são

apresentadas as principais noções teóricas, tanto da comunicação quanto da

música, para estabelecermos nosso modo de observar esses dois fenômenos.

Depois, em um segundo momento, a terceira parte do capítulo é destinada a

evidenciar algumas concepções acerca da percepção sonora e musical. E por último

fazemos as amarras dos pontos de intersecção entre as teorias, fazendo um

paralelo entre suas noções e buscando o lugar onde a música se faça

comunicacional e a comunicação possa ser musicada.

1.1. A Comunicação

Para falar proveitosamente de comunicação é preciso estabelecer que tipo de

fenômeno este termo está designando (PERUZZOLO, 2006, p. 17), isso porque

comunicação vai muito além de um termo lingüístico

é uma categoria conceitual pela qual podemos trabalhar certos fenômenos (aí vem a questão crucial!) gerais ou especiais, precisos ou difusos, pertinentes ao universo ou aos seres vivos ou a parte deles ou a um tipo de ação, com muitos significados ou mesmo com expressão nenhuma (PERUZZOLO, 2006, p. 18).

É por isso que, ao iniciarmos uma discussão onde a comunicação vai figurar como

um dos atores principais, nós temos a necessidade de especificar qual a base

teórica que estamos utilizando para observar o processo comunicacional.

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Inicio dizendo que assumo a opção, neste trabalho, de utilizar um conceito

comunicacional que estabeleça seus limites mínimos, as condições primordiais para

definir comunicação. Isso porque, acredito que esta observação mínima facilite a

compreensão de critérios práticos que demonstrem a partir de qual momento

estamos falando em um processo comunicacional ou em que momento estamos

diante de outro tipo de relação.

Na medida em que esta pesquisa associa conceitos nascidos relativamente

distantes, e por isso, não necessariamente concebidos para dialogar, como a teoria

comunicacional e a teoria musical, essa marcação mais concisa facilita a relação

mais precisa entre eles.

1.1.1. Conceito de Comunicação

Podemos pensar a comunicação como “primordialmente uma relação”

(PERUZZOLO, 2004, p. 21), um ato que precisa acontecer no tempo e no espaço,

uma ação. Essa ação de relação também precisa acontecer entre dois sujeitos: um

que procura alguém, o emissor, e outro que é procurado, o receptor. O sujeito

emissor provoca o ato comunicacional quando produz e envia uma mensagem

destinada a um sujeito receptor. Já este outro, pratica o ato comunicacional quando

se assume na posição de receber e ler1 esta mensagem produzida pelo emissor

(PERUZZOLO, 2006 b) 2.

Acho importante ressaltar que o termo “sujeito” aqui é entendido

principalmente no seu sentido gramatical: sujeito, aquele que pratica a ação

(PERUZZOLO, 2006 b). Então, quando nos referimos à comunicação como uma

relação entre dois sujeitos, estamos enfatizando a atividade dos dois personagens

comunicacionais: o emissor e o receptor. Isso revela que, primeiro, o personagem

comunicacional receptor não é passivo, ele também é sujeito, pratica uma ação

ativamente, aceita-se na posição de receptor; segundo, sem a existência dos dois

sujeitos (um que pratica a ação de emissão e o outro que pratica a ação de

recepção) não vai existir processo comunicacional.

1 O termo “ler” empregado aqui como ação de decodificar “textos” que não só verbais - também pictóricos, visuais, sonoros, gestuais - concebidos em outras formas de linguagem. 2 PERUZZOLO, Adair Caetano: 2006. Anotações da disciplina de Semiótica, ministradas no 1° semestre de 2006, Curso de Comunicação Social, UFSM.

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Ainda temos dentro do conceito mínimo de comunicação a mensagem. Ela é

o meio material por onde os dois sujeitos entram em relação, é na sua produção e

no seu envio que o emissor faz seus investimentos comunicacionais (PERUZZOLO,

2004, p. 21). Quando decide iniciar uma relação de comunicação com outro sujeito o

emissor vai primeiro relacionar-se com a mensagem que se torna então

um conjunto de elementos representantes do emissor, seja porque ele os organizou de uma forma intencional, seja porque ele os escolheu assim como são, para que cheguem e despertem o interesse e significados no receptor (PERUZZOLO, 2004, p. 23) .

Para isso, o emissor faz algumas suposições a respeito do receptor e organiza a

mensagem de acordo com elas, montando suas estratégias (PERUZZOLO, 2004, p.

23).

É também na recepção e decodificação da mensagem que o receptor faz

seus investimentos e que colhe significados e sentidos. Mas, além disso, olhando

para a mensagem, o receptor pode fazer certas conjeturas a respeito do emissor –

observando os modos e as estratégias que este empregou na sua produção – e a

respeito das suposições que o emissor fez dele, receptor. (PERUZZOLO, 2004, p.

23).

Uma outra característica fundamental à mensagem é a necessidade que esta

tem de ser produzida dentro de códigos comuns aos dois sujeitos (PERUZZOLO,

2004, p. 20), afim de que o segundo possa compreender a mensagem codificada

pelo primeiro. É necessário que o emissor e o receptor compartilhem um mesmo

código para que um possa fazer circular no outro, através dos sinais da mensagem,

os mesmos sentidos.

Uma relação conceitual importante para este momento é a existente entre

código e linguagem. Na verdade, as linguagens assumem o papel de código dentro

da comunicação, já que regulamentam a construção das mensagens através de

sinais e significados comuns ao emissor e ao receptor, deslanchando assim um

processo comunicacional. Portanto quando nos referimos aos processos de

comunicação, podemos tomar linguagem como sinônimo de código.

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1.1.2. Modelo Comunicacional

Dentro desta concepção estrutura-se o modelo comunicacional composto de

uma Fonte (F), um Destino (D) e a Mensagem (M), que está entre um e outro,

fazendo a relação:

F —— M —— D

Figura 1. Modelo comunicacional

Podemos ver no modelo comunicacional, de um lado, a fonte, sujeito que

procura o outro concebendo a mensagem, fazendo suposições a cerca de seu

destinatário, escolhe e organiza os elementos e estratégias que a tornarão inteligível

e atrativa. Do outro lado do modelo encontramos o interlocutor, o sujeito procurado,

que acolhe a mensagem e a decodifica, além de poder deduzir, atrevés dela,

informações sobre o emissor e sobre a idéia que o emissor tem do destinatário de

sua mensagem.

Entre os comunicantes está a mensagem. Ela é o meio material com o qual

os dois sujeitos se relacionam, e que, atrevés de si, os coloca em relação. O

processo comunicacional efetua-se ao nível das subjetividades dos sujeitos. O

intuito ultimo do emissor é fazer despertar na mente do receptor um determinado

encadeamento de idéias que ele (emissor) tem em sua mente. Como as duas

mentes não podem relacionar-se diretamente, os sujeitos são obrigados a sugerir

essas idéias através de conjuntos de sinais no mundo material (PERUZZOLO, 2006

b). A mensagem, portanto, é o conjunto de sinais, que quando construída dentro de

um código comum aos dois sujeitos, permite ao emissor despertar no receptor a

cadeia de idéias que tem “presa” em sua subjetividade.

Apesar de ser rápido, este panorama do processo de comunicação permite-

nos compreender sua estrutura primordial e seu modo de ocorrência, base para logo

adiante inserir a música neste contexto como um dos tantos meios da comunicação

efetivar-se.

Page 5: CAPÍTULO 1 - MÚSICA E COMUNICAÇÃO

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1.2. A Música

Segundo Exupério de La Compôte (1977, p. 230) “não existe linguagem mais

antiga e mais espontânea do que a música”, apesar de que “como arte entre as

artes, foi uma das que mais tarde se caracterizou”. A música se desenvolveu

juntamente com o homem (LA COMPÔTE, 1977, p. 230) e evoluiu, de maneira

técnica e como forma de expressão, gradativamente, sempre acompanhando as

formas do homem perceber o universo e a si mesmo. Foi assim desde a Pré-

história, como foi assim durante a Antiguidade, durante a Idade Média, o

Renascimento, o Barroco, o Classicismo, o Romantismo, até a Modernidade e a

Contemporaneidade.

Em todo esse processo a música desenvolveu uma complexa teoria, tanto do

ponto de vista de regras de composição e notação, como em sua compreensão

como fenômeno social e cultural. E na verdade, desenvolveu-se através de mais de

uma fórmula, visto que é comum sua diferenciação em várias características. Um

exemplo muito comum dessas diferenças é a distinção entre a quantidade existente

de notas musicais: ocidentalmente concebemos a música formada por doze notas

que se sucedem progressivamente e recomeçam de oitava em oitava. “A este

problema os hindus dão resposta que não são as nossas, as quais não são as dos

chineses nem dos polinésios, e assim por diante” (BARRAUD, 1975, p. 15). É

importante que se diga então que este trabalho também se atém ao panorama

ocidental de compreensão musical.

Acho importante dizer que estas exposições que veremos adiante implicam

em um panorama inicial dos fatores relevantes para a discussão posterior dos

aspectos musicais, de modo algum encerrando a sua descrição e compreensão.

Com isso quero dizer também que existe uma complexidade cumulativa no

aprofundamento destes conceitos e das práticas musicais que eles resultam,

permitindo aos músicos debruçarem-se por muito tempo sobre o seu estudo e sobre

o seu exercício. Por isso, irei pincelar apenas os quadros necessários para a

argumentação que utilizarei no decorrer do trabalho.

Page 6: CAPÍTULO 1 - MÚSICA E COMUNICAÇÃO

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1.2.1. Conceitos de música, som, nota e frase

De que modo podemos caracterizar o conjunto complexo e diverso que é a

música, para podermos teorizá-la e associá-la, posteriormente, à comunicação?

“Música é a linguagem dos sons, isto é, a arte de expressar e transmitir os

sentimentos da alma por meio de sons dispostos em séries e combinações de

acordo com determinadas regras” (LA COMPÔTE, 1977, p. 16). Nesta definição da

música de La Compôte podemos destacar dois conceitos que vão nos elucidar

algumas noções que precisam surgir em nossa mente quando falamos em música:

os sons e as regras. Começaremos pelos sons que são a matéria fundamental da

música.

Por volta do século XVIII a definição de som causava debates acalorados

entre os pensadores, nos salões europeus (STEVENS & WARSHOFSKY, 1974, p.

9). Para os físicos, que naquela época estavam interessados em medir todo o

mundo a sua volta, o som consistia

em certos fenômenos físicos que podem produzir-se quer esteja alguém perto para ouvi-los, quer não. O som é um movimento organizado de moléculas que tem origem em um corpo que vibra em algum meio – água, ar, pedra, etc. (STEVENS & WARSHOFSKY, 1974, p. 9).

Já para os filósofos, “que estavam pondo em dúvida toda a natureza, à procura de

um mundo ‘real’”, o som era “uma sensação, conhecida apenas pela mente do

ouvinte – uma experiência sensorial que podemos relacionar com nossas vidas

materiais e emotivas” (STEVENS & WARSHOFSKY, 1974, p. 9).

Hoje já é consenso que o debate dos pensadores do século XVIII é na

verdade um par causa e efeito, a vibração física de um corpo material e uma

sensação fisiológica em um cérebro animal (STEVENS & WARSHOFSKY, 1974, p.

9 e 10). E que esse par tem de ser observado nos estudos que trabalham a audição,

inclusive nos estudos da música.

Podemos também entender através de uma simplificação, útil para este

momento, como prefere Imogen Holst em seu livro ABC da Música: “som é tudo que

ouvimos” (HOLST, 1998, p. 3). Com o advento da gravação dos sons e sua

manipulação, principalmente as facilidades da edição digital, é possível utilizarmos

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praticamente qualquer som na composição de peças musicais. É possível retirar um

determinado som (até mesmo um ruído) de seu contexto original e posicioná-lo em

um novo conjunto sonoro transformando-o em um elemento musical.

Mas de modo geral, os sons produzidos por instrumentos musicais são

vibrações regulares que geram uma altura3 definida, enquanto que sons como

ruídos são irregulares e de altura indefinida (HOLST, 1998, p. 4). O número de

vibrações regulares por segundo deste som é chamado de freqüência, ou como

preferem os físicos Hertz (Hz).

Para trabalhar com os sons a música desenvolveu a categoria de nota

musical que seguem algumas conceituações e formas de notação que veremos

agora.

Um som vibrando a determinada freqüência, com um nível claro e sustentado,

por exemplo, 440 Hz (440 vibrações por segundo), é uma nota musical (HOLST,

1998, p. 4), no caso, uma nota que se convencionou chamar de Lá. Quando essa

vibração é mais intensa, por exemplo 494 Hz, estamos falando de uma nota mais

aguda á primeira, ainda no nosso caso, uma nota acima da que estávamos (depois

do Lá) vem o Si. Todas as notas da escala dos sons musicais são definidas por sua

freqüência.

Quando a freqüência de uma determinada nota é o dobro de outra, estamos

diante da mesma nota, mas “uma oitava acima” (STEVENS & WARSHOFSKY,

1974, p. 81), quer dizer, podemos achar uma mesma nota vibrando a várias

freqüências: o nosso Lá 440 Hz, também é Lá, só que mais agudo, vibrando à 880

Hz (o dobro de 440), ou então é Lá, mais grave, vibrando à 220 Hz (a metade de

440) . Desse modo, se tomarmos as freqüências de qualquer nota como base e

dobrarmos seu valor sucessivamente, estaremos encontrando a mesma nota cada

vez mais aguda até o limite de 20.000 Hz, a maior vibração que o ouvido humano

detecta como som. Se formos dividindo seu valor pela metade, também a

encontraremos cada vez mais grave, até o limite de 16 Hz, menor vibração

detectada pelo nosso ouvido (STEVENS & WARSHOFSKY, 1974, p. 81).

3 O conceito de altura, em música, não se refere à noção de “em cima ou em baixo” nem “forte ou fraco” (este chamado dinâmica), mas sim a noção de “som agudo ou grave”.

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As notas musicais são representadas graficamente por pontos colocados

sobre ou entre cinco linhas e quatro espaços, chamadas de pauta. Também podem

ser adicionadas linhas e espaços complementares, caso seja necessário.

Figura 2. A Pauta

Os pontos representam a altura das notas, mais agudas quanto mais acima da

pauta estiverem, mais graves quanto mais abaixo estiverem.

Figura 3. Notas na Pauta.

As notas também têm em sua forma a representação de sua duração temporal, que

vai de uma nota de 8 tempos até uma nota de 1/164 de tempo:

Figura 4. Nome, símbolos e valores das notas.

Na pauta cada nota têm um lugar pré-estabelecido que é indicado por um

sinal chamado clave. Existem três claves diferentes, a mais comum e conhecida é a

clave de sol que é colocada na segunda linha da pauta (contando de baixo para

cima) e indica que nesta linha fica a nota Sol:

4 Existe também notação para notas de 1/32 de tempo, mas elas quase não são usadas, nem facilmente encontradas.

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Sol

Figura 5. A clave de Sol e a nota que ela indica.

Assim, a partir da nota que é referenciada pela clave, nos espaços e sobre as linhas

são adicionadas as outras notas sequencialmente, acima e abaixo da primeira:

Dó Ré Mi Fá Sol Lá Si Dó

↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓

Figura 6. A colocação das outras notas a partir da clave de Sol.

Tanto abaixo como acima dos dois Dó que aparecem em nosso exemplo, as notas

reiniciam a escala. Do Dó mais grave para baixo continuam o Si, Lá, Sol, Fá, Mi, Ré,

Dó, e assim sucessivamente. No Dó superior também continuam Ré, Mi, Fá, Sol,

Lá, Si, Dó, sucessivamente.

A nota é a célula fundadora da música, tanto que a maioria das composições

produzidas ocidentalmente baseia-se na manipulação do conjunto de sete notas

(Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá e Si), mais cinco notas extras que são usadas quando

necessário (HOLST, 1998, p. 5) e que são alterações (# e ) das outras sete.

Essa forma de organização, chamada afinação temperada, foi introduzida

durante a vida de J. S. Bach e organiza-se de forma que os doze intervalos das

escalas (as 7 notas básicas mais as 5 extras) tenham entre si iguais distâncias de

semitons (ISAACS & MARTINS, 1985, p. 381). De modo geral o intervalo existente

entre as oitavas (um Dó e o próximo Dó, por exemplo) é um fenômeno percebido

universalmente. Mas a forma de subdivisão interna entre as notas que se repetem é

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uma prática que tem diferentes soluções em diferentes culturas. Para a tradição

ocidental a divisão é feita por sete notas como já vimos de modo que a repetição da

primeira torna se a oitava nota, por isso que chamamos esse intervalo de oitava. Em

outras culturas essa subdivisão é feita de maneira diferente.

As sete notas ocidentais têm entre elas intervalos naturais irregulares. Estes

intervalos são classificados como tons (quando são inteiros) e semitons (metade de

um tom) (HOLST, 1998, p. 7). Os intervalos são os seguintes:

1 tom 1 tom ½ tom 1 tom 1 tom 1 tom ½ tom

┬ ┬ ┬ ┬ ┬ ┬ ┬

Dó - Ré - Mi - Fá - Sol - Lá - Si - Dó

Figura 7. Os intervalos naturais

Essa idéia da representação dos sons musicais e dos seus tempos de

duração é a base da notação musical. Obviamente ela se torna muito mais

complexa com a introdução das noções de ritmo e andamento e com o acréscimo de

outros conceitos e sinais que auxiliam o desenvolvimento das infinitas possibilidades

de se fazer música.

Com a noção de nota, podemos passar para um outro conceito importante

dentro da música, a noção de frase. As frases são encadeamentos de notas muito

simples e curtas (HOLST, 1998, p. 15), de tamanho indefinido, que se sucedendo

vão criar a melodia musical. A melodia, por sua vez,

“é uma sucessão ascendente ou descendente de sons musicais cuja força vital lhe provém não apenas de uma regular combinação de valores, mas muito especialmente da acentuação que o ritmo lhe determina” (BORBA & GARCIA, 1958, p. 207).

Assim como as frases, na literatura, são formadas pelas palavras e vão criar os

textos, as frases musicais também são pequenos agrupamentos de notas que

formarão a música.

Em muitas músicas, é na repetição e na transformações das frases que se

desenvolvem as linhas melódicas. Compondo uma frase, com determinado desenho

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melódico, e a repetindo e transformando que muitos compositores criam suas

músicas.

Como um exemplo bem claro e fácil das frases musicais e de sua repetição e

transformação durante uma música, vamos pegar uma peça bem conhecida,

“Parabéns a você”:

Figura 8. “Parabéns a você” dividido por suas frases.

A música foi dividida de modo que cada linha contenha uma frase musical. Se

notarmos os valores de tempo das notas, percebemos que as quatro frases

obedecem a um padrão. Primeiro duas notas colcheias (meio tempo, e que aqui

estão com suas hastes ligadas), seguidas de três semínimas (um tempo) e por fim,

na primeira frase, uma mínima (dois tempos) que se transforma nas três outras

frases em duas semínimas.

As frases também têm um padrão melódico que é inicialmente apresentado e

depois transforma-se na medida em que as frases vão se sucedendo. A primeira

frase começa com dois Sol, depois vem Lá – Sol – Dó e Si. A segunda frase inicia

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igual à primeira, Sol – Sol – Lá – Sol, só desta vez sucedidos por Ré – Dó – Do. A

terceira frase só apresenta, igual à frase inicial, os dois Sol de início e a quarta e

última frase já não contém nenhuma semelhança melódica com a primeira, apenas

apresenta o mesmo padrão rítmico.

Obviamente existem músicas feitas com frases que não se repetem, ou

músicas feitas com frases que não se transformam, mas todas estas possibilidades

é que conferem a infinidade de opções de criação da música, permitindo que surjam

as mais variadas formas de expressão musical, que se encontra presente em

qualquer civilização, por mais primitiva que seja (BARRAUD, 1975, p. 12).

1.2.2. Tônica e Escalas

Sempre que falamos de uma melodia, existe uma nota que é a mais

importante, chamada nota tônica (HOLST, 1998, p. 19). Esta nota exerce um poder

de atração nas outras notas, que nosso ouvido identifica facilmente, parece que a

melodia “pertence” à nota tônica (HOLST, 1998, p. 19). Ela é sempre identificável,

como o sujeito de uma oração. Quando falamos que é

a escolha das palavras e a ordem que seguem que dão ao sujeito sua importância e ao período seu sentido (...), a escolhas das notas e a ordem que seguem fazem com que a tônicas seja reconhecível e dão a melodia seu sentido musical (HOLST, 1998, p. 19).

É a partir da tônica que vamos estabelecer futuramente grande parte das relações

significativas melódicas musicais, ela é o ponto de apoio para observarmos toda a

música.

Toda nota pode vir a ser uma tônicas. É comum que exista uma tônica por

música5 e nem todas as notas associam-se a todas as tônicas. Na verdade cada

tônica têm um conjunto de notas que se relacionam com ela, as notas das escalas.

Escalas são séries de sons que formam uma oitava (HOLST, 1998, p. 6).

Estas séries de sons são estabelecidas por graus de tons e semitons que variam de

posição conforme a nota tônica que inicia a escala.

5 Também existem músicas sem tônica (músicas atonal), ou com várias tônicas (música politonal).

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Na verdade, cada nota tônica tem várias escalas que são empregadas para

escolher as nota das músicas. A escala mais básica é a chamada escala maior, que

tem o seguinte modelo (HOLST, 1998, p. 21):

1 tom 1 tom ½ tom 1 tom 1 tom 1 tom ½ tom

┬ ┬ ┬ ┬ ┬ ┬ ┬

1° grau – 2°grau – 3° grau – 4° grau – 5° grau – 6° grau – 7°grau – 8°grau

Figura 9. Modelo da escala Maior

A escala usada normalmente como exemplo é a escala que tem como tônica

a nota Dó, isso porque iniciando de Dó não é preciso usar nenhuma nota alterada,

somente as sete principais, para completar a escala. Colocando as notas a partir de

Dó, nosso modelo fica assim:

1 tom 1 tom ½ tom 1 tom 1 tom 1 tom ½ tom

┬ ┬ ┬ ┬ ┬ ┬ ┬

1° grau – 2°grau – 3° grau – 4° grau – 5° grau – 6° grau – 7°grau – 8°grau

Dó - Ré - Mi - Fá - Sol - Lá - Si - Dó

Figura 10. O modelo e a escala de Dó Maior.

Podemos notar que as ocorrências de semitons, quando a tônica é Dó, coincidem

com os graus que a escala maior exige.

Iniciando a escala por outra tônica, é necessário utilizar as notas extras, que

nada mais são do que as notas básicas acrescida de um semitom, simbolizado pelo

sustenido (#) ou diminuídas de um semitom, simbolizado pelo bemol ( ). Se

utilizarmos o modelo da escala maior, e como tônica a nota Sol, a escala fica assim:

1 tom 1 tom ½ tom 1 tom 1 tom 1 tom ½ tom

┬ ┬ ┬ ┬ ┬ ┬ ┬

1° grau – 2°grau – 3° grau – 4° grau – 5° grau – 6° grau – 7°grau – 8°grau

Sol - Lá - Si - Dó - Ré - Mi - Fá # - Sol

Figura 11. O Modelo e a escala de Sol Maior.

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Isso porque entre Mi e Fá existe naturalmente um semitom. Para transformá-lo em

um tom é preciso acrescentar um sustenido. Já entre o Fá # e o Sol existe o

semitom que a escala exige. Desse modo, todas as notas podem figurar como

tônicas da escala, alterando-se os tons e semitons quando os graus normais não

coincidirem com as exigências da escala. Colocando as duas escalas na pauta elas

figuram assim:

Figura 12. Escala de Dó Maior.

Figura 13. Escala de Sol Maior.

Além do modelo de escala maior, temos outro modelo que é muito importante,

o modelo de escala menor. Este se diferencia do modelo maior porque os semitons

estão entre o segundo e o terceiro graus, e entre o quinto e o sexto. O modelo

portanto fica o seguinte:

1 tom ½ tom 1 tom 1 tom ½ tom 1 tom 1 tom

┬ ┬ ┬ ┬ ┬ ┬ ┬

1° grau – 2°grau – 3° grau – 4° grau – 5° grau – 6° grau – 7°grau – 8°grau

Figura 14. Modelo da escala Menor.

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Na escala menor, a tônica que não precisa de inclusão das notas extra é a

nota Lá. Assim, como ocorre com o Dó na escala maior, iniciando o modelo pelo Lá

todos os intervalos naturais coincidem com as exigências da escala.

1 tom ½ tom 1 tom 1 tom ½ tom 1 tom 1 tom

┬ ┬ ┬ ┬ ┬ ┬ ┬

1° grau – 2°grau – 3° grau – 4° grau – 5° grau – 6° grau – 7°grau – 8°grau

Lá - Si - Dó - Ré - Mi - Fá - Sol - Lá

Figura 15. O modelo e a escala de Lá Menor.

Se utilizarmos a escala menor com a tônica Dó, que no modelo de escala maior não

precisava de notas extras, agora precisaremos de três alterações para completar

adequadamente os intervalos dos graus exigidos:

1 tom ½ tom 1 tom 1 tom ½ tom 1 tom 1 tom

┬ ┬ ┬ ┬ ┬ ┬ ┬

1° grau – 2°grau – 3° grau – 4° grau – 5° grau – 6° grau – 7°grau – 8°grau

Dó - Ré - Mi - Fá - Sol - Lá - Si - Dó

Figura 16. O modelo e a escala de Dó Menor.

Como entre Ré e Mi naturalmente existe um tom, é necessário baixar um

semitom de Mi, colocando um bemol, para que o grau exigido na escala seja

estabelecido. Entre Mi e Fá, que naturalmente tem um semitom de diferença, a

introdução do bemol também corrigiu a diferença do intervalo natural para o intervalo

exigido que é de um tom. Nesta escala ainda são acrescidos bemóis em Lá e Si

para que se possam completar os intervalos necessários.

Existem ainda outros modelos de escalas que não vamos apresentar aqui,

mas que diferenciam-se pela posição dos tons e semitons em relação a nota tônica.

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Estas posições imprimem em cada escala um caráter particular (HOLST, 1998, p.

22), uma sonoridade peculiar que pode ser reconhecida por nossos ouvidos.

1.2.3. Consonância e Dissonância

Quando ouvimos duas notas sendo tocadas juntas podemos reconhecê-las

claramente, mesmo que o som pareça fundir-se, elas não perdem sua identidade

própria (HOLST, 1998, p. 71). Os sons combinados são chamados de intervalos e,

assim como os graus da escala, são indicados por sua relação com outra nota. Nas

escalas os graus eram nomeados pela relação com a tônica, neste caso a relação é

com a nota mais grave. Portanto teremos duas notas que soam tons vizinhos, como

Dó e Ré, têm um intervalo de segunda.

Quando uma determinada nota é a terceira na escala partindo de qualquer

outra nota referencial, este intervalo é de terça, por exemplo Dó e Mi, ou Fá e Lá.

Assim também acontece com os intervalos de quarta, quinta, sexta, sétima e oitava.

Acontece que os intervalos não são idênticos entre todas as notas. Entre Fá e

Sol o intervalo é de uma segunda, e existe um tom inteiro entre eles, por isso

chamamos esse intervalo de segunda maior, para diferenciar de segunda menor que

ocorre quando duas notas tem um intervalo de segunda entre semitons, como

acontece entre Mi e Fá por exemplo.

Essa mesma lógica serva para diferenciar a terça maior (dois tons) e a terça

menor (um tom e meio), sexta maior (quatro tons e meio) e a sexta menor (quatro

tons) e também a sétima maior (cinco tons e meio) e a sétima menor (diferença de

cinco tons). As notas que têm um intervalo de quartas e quintas recebem uma

denominação um pouco diferente. Os intervalos de quartas têm naturalmente dois

tons e meio a única exceção é o intervalo entre Fá e Si que naturalmente tem um

intervalo de três tons e é chamado de quarta aumentada por causa do acréscimo de

um semitom. Já os intervalos de quinta têm três tons e meio entre as notas e são

chamados de quintas justas, também por causa de uma exceção. É que a quinta Si

– Fá tem um intervalo de três tons e por isso é chamada de quinta diminuta, por

causa da perda de um semitom (HOLST, 1998, p. 73).

Quando nós ouvimos os intervalos sendo tocados nosso ouvido reconhece

alguns deles de forma mais amena enquanto que outros carregam uma tensão em

Page 17: CAPÍTULO 1 - MÚSICA E COMUNICAÇÃO

29

sua audição. O intervalo de uma oitava, por exemplo, é um intervalo que soa de uma

forma muito agradável, serena, ao que chamamos de intervalo consonante. Por

outro lado o intervalo de uma sétima maior soa de forma tensiva, ao que chamamos

dissonante (HOLST, 1998, p. 77).

Essa sensação é provocada pelas ondas sonoras produzidas por cada nota

que se cruzam e recruzam no ar e estabelecem uma “espécie de batida leve”

(HOLST, 1998, p. 77) nos pontos onde se encontram, cujo som nos parece

ligeiramente inquietante. Esse desconforto gera uma tensão que atinge o nível

máximo nos intervalos de segunda menor e sétima maior. Em contraponto, existem

intervalos que causam relaxamento por não apresentarem níveis de desconforto,

como os intervalos em oitavas e principalmente os uníssonos (a execução de duas

notas iguais) com suas ondas coincidentes, que geram um som absolutamente

repousante.

Com a noção de consonância e dissonância podemos classificar os intervalos

em três grupos. O primeiro é o grupo das consonâncias perfeitas, que compreende

os intervalos em uníssono, em oitava, quintas justas e quartas justas. O segundo

grupo é o das consonâncias imperfeitas, que compreende as terças maiores, as

terças menores, as sextas maiores e as sextas menores. Por último o intervalo das

dissonâncias, onde estão as segundas maiores e menores, as sétimas maiores e

menores e os intervalos diminutos e aumentados (HOLST, 1998, p. 78).

Os intervalos consonantes são repousantes e satisfatórios, já os dissonantes

são tensos e parecem querer movimentar-se para outro lugar onde não causem

esse tipo de desconforto (HOLST, 1998, p. 78). Nestes jogos de sensações que se

baseia a música, ela “requer tanto dissonâncias quanto consonâncias, pois é a

alternância entre tenção e relaxamento que a mantém viva” (HOLST, 1998, p. 78).

A noção de que intervalos são consonantes e dissonantes não é uma

constante na história da música. Existiram diferenças significativas na noção de

consonância e dissonância que tinham os músicos da idade média, em relação aos

músicos do renascimento, em relação aos músicos do Barroco, do Classicismo, do

Romantismo, da Modernidade e da Contemporaneidade. Tanto que em todos estes

períodos as noções de percepção da afinação também estavam sujeitas as

concepções de consonância e dissonância. Como exemplo, podemos tomar as

harmonias da Bossa Nova brasileira, que utiliza intervalos com muita dissonância.

Page 18: CAPÍTULO 1 - MÚSICA E COMUNICAÇÃO

30

Se fossem analisados por músicos da idade média ou do barroco, por exemplo,

seriam considerados desafinados. O que eu quero deixar claro aqui é o caráter

transformador e até mesmo cultural dos conceitos de dissonâncias e consonâncias.

Podemos encontrar estas mesmas diferenciações, que aqui enfatizamos entre os

períodos do desenvolvimento da música ocidental, entre diferentes culturas musicais

ao redor do planeta (SADIE, 1995, p. 669).

1.2.4. Ritmo e Andamento

Além de suas relações de altura, os sons musicais também possuem um

caráter temporal muito acentuado, inclusive, como já vimos, com valores muito bem

sinalizados. Mas para que a música faça-se temporalmente ela precisa de uma

referencia para esses valores. É neste sentido que entra a noção de ritmo: a ele

precisam estar associadas idéias de passagem do tempo, medida e ordem

(KIEFER, 1973, p. 25). Ele pode ser medido em regularidade de pulsações, “há nele

uma tensão e um relaxamento físico. Qualquer ação contínua como andar, escalar,

correr, nadar ou remar, fica mais fácil quando adquire este ritmo de tensão e

distensão” (HOLST, 1998, p. 27).

Toda música têm um ritmo, que pode fluir livremente sem subdivisões, como

na música gregoriana onde não existem as separações dos compassos, somente

uma sucessão constante de notas; ou pode fluir em uma pulsação repetida com

regularidade, como a maioria da musica ocidental da atualidade (HOLST, 1998, p.

27). O certo é que a música tem um ritmo próprio que pode nos conduzir tão logo

deixemos de resistir a ela (HOLST, 1998, p. 28).

Em um primeiro estágio de manutenção do tempo da música, o ritmo é

medido em um padrão de notas longas e curtas, onde as curtas são o dobro das

longas. Os desenhos rítmicos formados a partir deste simples padrão inicial nos

ajudam a compreender os princípios da notação do ritmo musical.

A pauta é separada por barras verticais, chamadas barras de compasso

(HOLST, 1998, p. 29), que sinalizam determinado número de tempos entre elas. Por

exemplo, uma música em ritmo de marcha como a conhecida melodia do

cancioneiro infantil “Marcha Soldado”, que constitui-se apenas de semínimas e

colcheias, possui dois tempos em cada compasso. Desse modo entre cada barra de

Page 19: CAPÍTULO 1 - MÚSICA E COMUNICAÇÃO

31

compasso só podem figurar ao todo dois tempos musicais, sejam eles divididos em

duas notas semínimas (relembrando, um tempo cada uma), uma semínima e duas

colcheias, ou até quatro colcheias.

Figura 17. “Marcha Soldado”.

O que nos demonstra que esta música deve ser executada com esta

contagem e esta divisão é a fração que vem logo após a clave de sol e que é

chamada fórmula de compasso (HOLST, 1998, p. 31). O número inferior da fórmula

representa a unidade de tempo (HOLST, 1998, p. 31), qual a figura de tempo que é

base para a contagem: neste caso é a semínima. Usa-se o número 4 para

representar a semínima porque o valor da unidade de tempo é estipulado com

referência na nota breve, uma breve vale 4 semínimas este é o número que a indica.

O número superior da fórmula de compasso indica a quantidade de unidades de

tempo em cada compasso (HOLST, 1998, p. 32). Ainda em nosso caso, como são

duas semínimas por compasso, o número superior da fórmula é dois. Assim temos a

fórmula de compasso com a fração 2/4, que representa um ritmo popularmente

chamado de marcha.

Existe uma infinidade de fórmulas de compasso. Entre as mais utilizadas,

alem da 2/4 da marcha, estão a 4/4, quatro semínimas por compasso, que é a

fórmula do rock e do samba, por exemplo; a 3/4, três semínimas por compasso, a

fórmula da valsa; e a 6/8, seis colcheias por compasso, que é a fórmula da balada.

Para que o músico tenha noção de que velocidade executar a música, ainda

existem indicações de seu andamento que são escritas no início da peça, como

rápido e lento (HOLST, 1998, p. 29). Se o autor de determinada música quiser ser

Page 20: CAPÍTULO 1 - MÚSICA E COMUNICAÇÃO

32

mais especifico e indicar quantas notas ele quer por minuto, utiliza o sinal = 100,

que neste caso representa, cem semínimas por minuto. Essa contagem é

normalmente feita por um aparelho chamado metrônomo (HOLST, 1998, p. 30), ou

então, se não existe um metrônomo à mão, é possível também ser feita com um

relógio, se o andamento puder ser convertido em divisores e múltiplos de 60, como

30, 120, 240 batidas por minuto.

Em música erudita é comum que tenhamos indicações do andamento com

referências a intervalos de andamento escritos em Italiano. Músicas com andamento

entre 40 e 60 pulsações por minuto, são referidas com as expressões Lento, Adágio

ou Largo; de 60 a 72 pulsações por minuto, Larghetto; de 72 a 84 pulsações,

Andante; de 84 a 120 pulsações, Andantino ou Allegretto; de 120 a 150 pulsações,

Allegro; de 150 a 180 pulsações, Presto; e de 180 a 208 pulsações por minuto,

Prestíssimo (PAULI, 1997, p. 71). Essas expressões em língua italiana são herança

do período anterior a existência e disseminação do metrônomo. Sem ele a

velocidade de execução musical era referida através de analogia ao modo de

caminhar (Lento, Largo, Presto = rápido, Prestíssimo = rapidíssimo), ou então ao

próprio caráter expressivo da música (Allegretto, Allegro).

1.2.5. Harmonia

Os acordes são intervalos verticais combinados e no mínimo com três notas

(HOLST, 1998, p. 102) e cada grau de uma escala tem seu próprio acorde. Esses

acordes dos graus das escalas são chamados de tríades, porque são constituídos

de três notas: a nota principal – que pode ser uma nota qualquer da escala – com a

sua terça e sua quinta sobreposta a ela (HOLST, 1998, p. 107).

As músicas são compostas em sucessões de acordes, e assim como a nota

tônica, também existe o acorde tônico. Ele exerce uma influência muito parecida

com a da nota tônica em relação a sua importância perante a música como um todo.

Parece que os acordes que se seguem buscam um repouso alcançado ao encontrar

o acorde tônico. Desse modo, os acordes de uma escala sofrem uma influência

muito semelhante às notas, no que diz respeito às consonâncias e dissonâncias que

apresentam.

Page 21: CAPÍTULO 1 - MÚSICA E COMUNICAÇÃO

33

1.3. Percepção Sonora

Os fenômenos perceptivos estão diretamente relacionados com a capacidade

do organismo humano de assimilar sinais e dessa forma fica claro que nossa

fisiologia estabelece os principais limites de nossa capacidade de percepção

(RODRíGUEZ, 2006, p. 23). Assim podemos encontrar nesses limiares os primeiros

recortes de nossa forma de perceber o som e consequentemente a música.

1.3.1. Fundamentos da Percepção Sonora

Quando nosso ouvido está exposto a um estímulo sonoro o sistema

perceptivo humano desencadeia um processo interpretativo que analisa

primeiramente a intensidade, o tom e a duração desse som. Todos esses

parâmetros possuem limiares bem definidos que veremos agora.

Quanto à intensidade, sabemos que o limiar mínimo da audição humana é de

0 decibel (dB) a 1.000 Hz (RODRíGUEZ, 2006, p. 137). Acontece que a sensação

de intensidade é variável em função da freqüência, sendo que um som a 2.500 Hz

pode ser ouvido a -16 dB, enquanto que um som com freqüências de 50 hz precisa

de 50 dB para que seja escutado. Por outro lado, o limiar máximo da audição, que é

chamado limiar da dor, está situado em torno dos 130 dB (RODRíGUEZ, p. 2006,

137). Existe também o limiar diferencial, que é o salto mínimo que o som precisa

executar para que se tenha uma sensação de mudança de intensidade. Este limiar

gira em torno do 3dB (RODRíGUEZ, p. 2006, 137), isso quer dizer que um som

precisa soar com mais força ou menos força cerca de 3dB para que se perceba

auditivamente essa mudança.

A sensação tonal também é afetada por estes limiares que nossa fisiologia

impõe. Sabe-se que o ouvido humano começa identificar um som se ele estiver

vibrando a no mínimo 16 Hz (RODRíGUEZ, 2006, p. 145). E que a freqüência

máxima que identificados como som é a de 20.000 Hz (RODRíGUEZ, 2006, p. 145).

O limiar diferencial para o tom também está intimamente ligado à freqüência de

vibração. Para sons a 500 Hz podemos perceber alteração no tom com um aumento

de mais 1Hz, portanto de 500 Hz para 501 Hz. Já para um som a 8.000 Hz a

diferença será percebida somente com um salto para 8.100 Hz (RODRíGUEZ, 2006,

Page 22: CAPÍTULO 1 - MÚSICA E COMUNICAÇÃO

34

p. 145). Podemos perceber claramente que no fenômeno perceptivo da tonalidade,

enquanto a freqüência de um som aumenta exponencialmente a sensibilidade a

mudança de tom vai variar de forma linear (RODRíGUEZ, 2006, p. 145).

Quando nos voltamos à percepção temporal do som temos que a duração

mínima para que um fenômeno sonoro seja audível é de 5 milésimos de segundo

(ms) (RODRíGUEZ, 2006, p. 147). Já em uma situação inversa, se introduzirmos

um fragmento de silêncio no meio de um som constante deixamos de percebê-lo

quando for inferior a 3 ms. Mas é curioso notar a sensação de presença do som é

independente das sensações de intensidade e tom. Tanto que é necessário que um

som dure ao menos 150 ms para que possamos perceber sua intensidade real,

antes disso, a partir dos 5 ms a intensidade começa a ser ouvida de um modo e vai

aumentando em relação ao tempo até torna-se estacionária por volta dos 150ms

(RODRíGUEZ, 2006, p. 148). Com relação ao tom, um som precisa de 0,1 segundo

para gerar uma sensação tonal, antes disso ele é percebido como um “clic”

(RODRíGUEZ, 2006, p. 148). Quanto ao limiar máximo de duração temporal de um

som não é possível estabelecer um parâmetro rígido, mas é certo afirmar que se um

som permanece estacionário, sem variação ao longo do tempo, em um determinado

momento o receptor deixa de prestar atenção. E a atenção volta quando surgem

variações em alguma dimensão do som (RODRíGUEZ, 2006, p. 149).

Existe um quarto parâmetro sonoro que nos permite distinguir dois sons

mesmo que tenham a mesma intensidade, o mesmo tom e a mesma duração e que

possibilita-nos ainda reconhecer sua fonte, ou o instrumento musical que o produz.

Este parâmetro é o timbre. Por sua natureza complexa e sua importância no

desenvolvimento deste trabalho vamos dar uma atenção especial a ele.

Em “A dimensão sonora da linguagem audiovisual”, Ángel Rodríguez trás a

seguinte definição para o timbre:

o timbre é uma sensação auditiva complexa (independente das de duração,

tom e intensidade e simultânea a elas) que nos permite perceber a estrutura

acústica interna dos sons compostos (2006, p. 101).

Page 23: CAPÍTULO 1 - MÚSICA E COMUNICAÇÃO

35

Observando o conceito de Rodríguez, podemos ressaltar que, em primeiro lugar, o

timbre é uma sensação psicológica, apesar de fazer referência às estruturas

acústicas do som que são fisicamente mensuráveis. Em segundo lugar, que existe

uma classificação sonora que distingue som simples e composto, apesar de não

encontrarmos sons simples gerados naturalmente, e que a teorização desta

categoria é fundamental para os estudos sonoros.

Os sons simples, também chamados de sons puros, são formados a partir de

movimentos harmônicos simples que têm freqüência, amplitude e fase constante

(ROEDERER, 2002, p. 44). Estes sons simples só são produzidos a partir de

geração eletrônica e têm uma representação gráfica semelhante a da Figura 18 e da

Figura 196, respectivamente, uma som com freqüência de 430 Hz e a outra, uma

onda com freqüência de 860 Hz.

Figura 18. Onda Simples de 430 Hz, Figura 19. Onda Simples de 860 Hz, em em um recorte de 0,01 s. um recorte temporal de 0,01 s.

Já os sons compostos, que são os sons produzidos naturalmente, são “uma

superposição de sons puros misturados em uma certa proporção” (ROEDERER,

2002, p. 44). Essa superposição faz com que a onda sonora dos sons compostos

torne-se diferenciada da onda dos sons simples. Os sons compostos têm

representações gráficas muito variadas e a Figura 20 é a representação gráfica da

onda sonora constituída a partir da superposição das ondas das Figuras 18 e 19.

6 No gráfico temos verticalmente os valores de amplitude e horizontalmente os valores de tempo.

Page 24: CAPÍTULO 1 - MÚSICA E COMUNICAÇÃO

36

Figura 20. Onda Composta, em um recorte temporal de 0,01s.

Mas voltando ao timbre, ele é constituído de três dimensões diferentes que

irão lhe conferir suas características: a harmonicidade, a impressão espectral e a

definição auditiva (RODRíGUEZ, 2006, p. 102). Cada um desses parâmetros é

percebido por nossa audição de uma forma independente e simultânea.

A harmonicidade é uma sensação auditiva que se refere aos “diferentes graus

de limpeza e agradabilidade que percebemos ao escutar um som composto”

(RODRíGUEZ, 2006, p. 103). Essa sensação é produzida a partir da relação que

existe entre freqüências harmônicas e inarmônicas no espectro de cada som. Para

compreender estes conceitos vamos nos voltar novamente para uma análise física

do som.

Até aqui sempre que falamos na freqüência de um som nos referimos a um

valor único e exato. Mas na verdade os sons contêm em sua composição uma gama

de freqüências bem maior que a freqüência que vínhamos indicando até aqui, a

chamada freqüência fundamental, responsável pela sensação tonal sonora. As

outras freqüências que compõem o som são classificadas em duas categorias:

harmônicos e inarmônicos. Os harmônicos são freqüências organizadas em

múltiplos da freqüência fundamental e vão sucedendo-se no espectro sonoro – o

conjunto de freqüências que compõem o som (RODRíGUEZ, 2006, p. 103) Assim se

um som está vibrando com uma freqüência fundamental de 80 Hz, seus harmônicos

estarão situados em torno de 160, 240, 320, 400, 480, 560, 640, 720, 800, 880, 960,

1040, ... Hz. Já os inarmônicos são freqüências que não têm relação de

multiplicidade com a fundamental e não possuem uma forma de organização.

Voltando à harmonicidade, quanto mais harmônicos um som possuir maior

será a sensação de limpeza e agradabilidade desse som, mais harmonicidade esse

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37

som terá. Para exemplificar vamos comparara a análise espectral de dois sons: o

som de um violino (Figura 21) e o som de um trovão7 (Figura 22). Nos gráficos

abaixo os picos representam os parciais harmônicos e inarmônicos que compõe um

instante desses timbres específicos.

Comparando as duas figuras, podemos perceber claramente a organização

das freqüências do violino, a partir de sua fundamental, a freqüência mais grave, e a

representação gráfica do som do trovão, muito mais desorganizada, sem freqüência

fundamental nem harmônicos. Podemos perceber pela análise dos espectros e

também se recorrermos a nossa memória auditiva que o som do violino

normalmente é muito mais limpo e agradável, portanto, tem muito mais

harmonicidade, que o som do trovão.

Figura 21. Análise espectral do som de um violino, em um instante de tempo.

7 Nos gráficos temos horizontalmente os valores de freqüência e verticalmente os valores de amplitude.

Page 26: CAPÍTULO 1 - MÚSICA E COMUNICAÇÃO

38

Figura 22. Análise espectral do som de um trovão, em um instante de tempo.

É interessante também notar que as características espectrais de um som

não são rigorosamente fixas. Apesar de um som conservar suas características,

fundamentais como sua harmonicidade, essas características sofrem micro

variações já que um som não é um fenômeno estático, mas um evento que se

desenvolve no tempo.

Vamos analisar agora a segunda dimensão do timbre, a impressão espectral.

Quando uma onda sonora é emitida esse som incide nas paredes e nos demais

obstáculos físicos do ambiente de modo que se modifica ao somar-se com seus

próprios reflexos (RODRíGUEZ, 2006, p. 104). Nesse processo algumas freqüências

ficam reforçadas e outras perdem força ou são anuladas. Se observarmos

novamente a análise espectral do som de um violino, Figura 21, e traçarmos uma

linha imaginária entre os picos dos harmônicos que a constituem, o desenho que

teremos é a chamada envolvente espectral (RODRíGUEZ, 2006, p. 104). Quando

um som sofre influência de sua reflexão, reforçando ou atenuando freqüências, a

envolvente espectral sofre variações no seu formato, de modo que é possível fazer

uma análise comparativa.

A impressão espectral é a sensação que um ouvinte tem ao escutar um som

de idêntica composição de freqüências, mas de envolvente espectral diferente,

Page 27: CAPÍTULO 1 - MÚSICA E COMUNICAÇÃO

39

sendo que através dessa sensação ele consegue distinguir a diferença de

ressonância de um mesmo som quando eles soam em ambientes diferentes

(RODRÍGUEZ, 2006, p. 104). Assim é possível relacionar diretamente a impressão

espectral com a sensação espacial da música.

Como última dimensão do timbre, temos a definição auditiva. Rodriguez defini

a definição auditiva como “a sensação de máximo grau de precisão, exatidão ou

detalhamento sonoro que o ouvinte percebe ao escutar atentamente um som” (2006,

p. 111). A sensação da definição auditiva tem relação com a gama de freqüências

que compõem um som, de modo que quanto maior a gama de freqüências de que

um som é composto, maior é a sensação de detalhe e de precisão sonora que

produz (RODRÍGUEZ, 2006, p. 112). Por exemplo, sabemos que a capacidade

perceptiva do ouvido humano estende-se de 16 Hz a 20.000 Hz, portanto dentro

desta gama de freqüência estão os sons que escutamos cotidianamente. Quando

falamos ao telefone estamos recebendo sons que se situam em uma gama de 300

Hz a 3.000 Hz, pois é essa faixa de freqüências que o telefone é capaz de transmitir,

fazendo com que a definição auditiva do telefone seja bastante pobre (RODRIGUEZ,

2006, p. 113).

A razão pela qual o efeito de definição auditiva acontece é simples, quanto

mais o ouvido dispões de elementos acústicos capazes de transmitir informação

sonora, mas é a sensação de definição auditiva. Por outro lado, quanto menor o

número de elementos, menor é a precisão ao escutá-los, portanto, menor é o efeito

de definição auditiva (RODRIGUEZ, 2006, p. 112).

Nós vimos então, que a percepção humana do som se dá por quatro

aspectos: a intensidade, o tom, o tempo e o timbre. Este ultimo, dotado de uma

complexidade maior, possibilita que o ouvinte reconheça e diferencie dois sons

mesmo que eles tenham a mesma intensidade, o mesmo tom e a mesma duração

entre si. Vimos ainda que o timbre é dotado de três características simultâneas e

independentes: a harmonicidade regula a sensação de limpeza e agradabilidade, a

impressão espectral que basicamente vai regular no som sua dimensão espacial, e

por último a definição auditiva que organiza a sensação de precisão, exatidão e

detalhamento sonoro.

Page 28: CAPÍTULO 1 - MÚSICA E COMUNICAÇÃO

40

1.3.2. Os Princípios da Inércia Sonora

Os sons que nos envolvem cotidianamente “são fenômenos sonoros que

ocorrem num âmbito inercial e, consequentemente, correspondem sistematicamente

à primeira lei de Newton, ou a lei da inércia.” (RODRIGUEZ, 2006, p. 195). Isso quer

dizer que eles conservam seu estado de movimento e de repouso, a menos que lhe

sejam aplicadas forças exteriores. “Essa lógica inercial determina todo fenômeno

acústico que nos rodeia e configura também nossa experiência perceptiva em

relação a eles” (RODRIGUEZ, 2006, p. 195). Nascem daí seis princípios que

demonstram a forma como percebemos o som segundo a inércia sonora.

Princípio da coerência espectral: “A relação de multiplicidade existente entre

as freqüências que compões um sinal sonoro, proveniente de uma mesma fonte,

tende a não ser afetada por nenhuma das variações que este sinal sofre”

(RODRIGUEZ, 2006, p. 196). Esse princípio diz respeito às situações em que

chegam aos nossos ouvidos uma mistura sonora de muitos componentes acústicos

ao mesmo tempo. Nossa percepção consegue distinguir as diferentes fontes

sonoras através da relação de multiplicidade que existe entre as freqüências

sonoras de cada sinal, separando estas freqüências em blocos vindos de diferentes

fontes. “Nosso ouvido aprendeu (...) a reconhecer como uma forma sonora única

todo um ‘feixe’ de freqüências que seguem um mesmo padrão relacional de

harmonicidade” (RODRIGUEZ, 2006, p. 195).

Princípio da estabilidade espectral: “A composição espectral de um sinal

contínuo que emana de uma mesma fonte sonora não tende a se transformar

repentinamente” (RODRIGUEZ, 2006, p. 196). Esse princípio é exemplificado nas

situações em que conseguimos perceber, por exemplo, que estamos dentro de um

ambiente de dimensões diferentes somente pela mudança de reverberação que o

som de nossa voz sofre. Esse princípio também está intimamente ligado ao conceito

de impressão espectral, já que é através dela que podemos reconhecer mudanças

espaciais do ambiente de propagação do som.

Princípio da estabilidade tonal: “A freqüência de um som contínuo que emana

de uma mesma fonte não tende a mudar repentinamente” (RODRIGUEZ, 2006, p.

196) Esse princípio é o que diz respeito à sensação do fim de um som e início de

outro quando, por exemplo, um instrumento toca várias notas diferentes, mesmo que

Page 29: CAPÍTULO 1 - MÚSICA E COMUNICAÇÃO

41

ele não pare de produzir som nem por um instante. Graças ao princípio da

estabilidade tonal percebemos cada nota como um fato sonoro diferente.

Princípio da regularidade: “As séries ou fluxos de eventos sonoros que

emanam de uma mesma fonte sonora não tendem a se transformar repentinamente”

(RODRIGUEZ, 2006, p. 196). Esse princípio nos diz que as qualidades acústicas de

uma mesma fonte sonora se mantêm estáveis apesar de surgirem interrupções

breves da emissão do som.

Princípio da sincronia: “Quando diferentes componentes acústicos que se

superpõem no tempo provêm da mesma fonte sonora, tendem a começar e a parar

no mesmo tempo” (RODRIGUEZ, 2006, p. 196).

Princípio da assincronia: “Quando diferentes componentes acústicos que se

superpõem no tempo provêm de fontes sonoras diversas, tendem a não começar e

a não parar no mesmo momento” (RODRIGUEZ, 2006, p. 196). Os princípios da

sincronia e da assincronia decorrem um do outro e também atuam na distinção das

diferentes fontes sonoras, assim como o princípio da coerência espectral. Os

princípios da sincronia e da assincronia são extremamente úteis também para

distinguir sons que não têm harmonicidade, consequentemente, não tem relação de

multiplicidade entre as freqüências e, portanto, escapariam do princípio da coerência

espectral.

Todos estes princípios demonstram como nossa percepção está organizada

para responder a determinados estímulos de forma específica, organizando o

material sonoro que nos chega aos ouvidos e processando informações que

automaticamente tomamos consciência. É certo que este sistema auditivo humano

desenvolveu-se para garantir a percepção das formas sonoras essenciais à

sobrevivência, diferenciando-as de outras formas menos importantes (RODRIGUEZ,

2006, p. 204).

1.3.3. Taxonomia das Formas Sonoras

Ángel Rodríguez propõem uma taxonomia para o som que procura

estabelecer os parâmetros básicos de análise de um evento sonoro. Essa

Page 30: CAPÍTULO 1 - MÚSICA E COMUNICAÇÃO

42

taxonomização divide-se inicialmente em dois parâmetros que posteriormente se

subdividirão: o contorno e a textura do som.

“Denomina-se contorno todas as evoluções da intensidade e do tom que se

produzem ao longo de um evento sonoro concreto” (RODRIGUEZ, 2006, p. 215).

Desse modo fazem parte da subdivisão do contorno sonoro as categorias de:

ataque, corpo, queda e duração.

O ataque é a fase inicial do evento sonoro. “Sua característica fundamental é

que a energia do som parte do valor 0 dB e adquire um valor “X” dB em um tempo

determinado” (RODRIGUEZ, 2006, p. 215). O ataque também é subdividido em

quatro categorias. O ataque forte, quando o som varia de 0 dB apara X dB em

aproximadamente 0,01 segundos (RODRIGUEZ, 2006, p. 218). Esse ataque produz

uma sensação auditiva semelhante a uma explosão, ou um golpe a algo duro. Um

exemplo deste som é o produzido pelos pratos da bateria. O ataque suave é

produzido quando o som varia de 0 dB para X dB em mais que 0,05 s

(RODRIGUEZ, 2006, p. 218). A sensação auditiva é de um começo brusco mas sem

explosão. O terceiro ataque é o ataque lento, que ocorre quando o som vai de 0 dB

para X dB ao longo de todo 1 segundo (RODRIGUEZ, 2006, p. 218). Esse ataque

permite escutar a elevação progressiva do som, o que não ocorre com os outros

ataques. O quarto e último é o ataque múltiplo. Quando a elevação do som de 0 dB

para X dB se der em um segundo ou mais e for possível perceber variações de tom

e intensidade, está configurado um ataque múltiplo. A sensação é de uma subida

sonora vibrante (RODRIGUEZ, 2006, p. 218).

A segunda categoria do contorno sonoro é o corpo. Ele “é a etapa central do

som. Situa-se entre o instante que o ataque termina e o instante que a energia

sonora volta a se desestabilizar para iniciar a queda” (RODRIGUEZ, 2006, p. 215). É

importante constatar que nem todo o evento sonoro possui corpo. Sons como os

produzidos pelos pratos da bateria só têm ataque e queda porque a energia sonora

passa do movimento de ascensão para o de queda, sem uma sustentação

intermediária. O corpo ocorre quando o som tem uma fase estacionária, onde a

energia estabiliza-se. Podemos dividir o corpo, novamente, em duas partes: a

intensidade e o tom (RODRIGUEZ, 2006, p. 219).

Page 31: CAPÍTULO 1 - MÚSICA E COMUNICAÇÃO

43

A intensidade de um corpo pode ser estável, variável ou oscilante. Quando a

intensidade for estável ela será considerada alta se estiver em torno dos 100 dB,

média alta se estiver em torno dos 70 dB, média baixa se estiver em torno dos 40 dB

e fraca se estiver em torno dos 20 dB. Quando a intensidade estiver variando ela

pode ser considerada ascendente quando aumentar progressivamente e

descendente quando diminuir progressivamente. E por fim, a intensidade pode ser

oscilante com pulsações rápidas (mais de 80 variações por minuto), médias (de 70 a

80 pulsações por minuto) e lentas (menos de 70 pulsações por minuto)

(RODRIGUEZ, 2006, p. 121 a 124).

Por sua vez, o tom do corpo sonoro também está sujeito a uma classificação

entre estável variável e oscilante. Quando estável, o tom pode ser classificado como

agudo quando estiver acima dos 500 Hz, médio alto quando estiver em torno dos

240 Hz, médio baixo quando estiver em torno dos 120 Hz e grave quando estiver em

torno ou abaixo dos 70 Hz. Quando o tom for variável ele pode ser classificado como

ascendente quando sua freqüência aumenta progressivamente, descendente

quando sua freqüência diminui progressivamente e melódico quando suas

freqüências sofrem alterações ascendente-descendente ou descendente-

ascendente, sem nenhuma alteração brusca. E também podemos classificar o tom

do corpo sonoro como oscilante quando ele sofrer mais que 80 pulsações por

minuto (oscilação rápida), de 70 a 80 pulsações por minuto (oscilação média) e

menos que 70 pulsações por minuto (oscilação lenta) (RODRIGUEZ, 2006, p. 224 a

227).

A queda, terceira categoria do contorno sonoro,

é a fase final de todo evento sonoro. Sua característica essencial é que a energia do som parte de um valor X dB e se extingue progressivamente até chegar a um valor 0 dB em um tempo determinado (RODRIGUEZ, 2006, p. 216).

A queda subdivide-se em quatro classificações: forte, suave, lenta e múltipla.

A queda forte é aquela em que o som vai de X dB para 0dB em até 0,01 segundos.

Essa queda produz uma sensação antinatural como a interrupção feita por um corte

em uma saída de áudio (RODRIGUEZ, 2006, p. 227). A queda pode ser considerada

Page 32: CAPÍTULO 1 - MÚSICA E COMUNICAÇÃO

44

suave quando ocorre em um tempo maior que 0,05 s. É um final muito rápido, mas

sem nenhuma oclusão e nenhum tipo de alongamento ou ressonância

(RODRIGUEZ, 2006, p. 228). A queda ainda pode ser lenta, quando a intensidade

vai de X dB para 0 dB ao longo de 1 segundo. Ela produz uma sensação de

ressonância, como o final de uma nota e piano ou de violão (RODRIGUEZ, 2006, p.

228). E por último, a queda pode ser múltipla quando ocorre durante 1 segundo e ao

longo dessa descida ocorrem variações de tom e intensidade. Esse tipo de queda é

característico de sons de sino e gongos.

Na taxonomisação de Rodríguez não encontramos nenhuma classificação

específica para duração, ultima categoria do contorno sonoro, visto que a

temporalidade é uma questão extremamente aberta do ponto de vista da percepção.

Mas se observarmos as outras classificações notamos que a questão temporal

permeia muito dos outros conceitos definindo seus parâmetros de categorização. O

autor deixa bem clara a importância da descrição temporal para a análise sonora.

É evidente, por exemplo, que a sensação provocada em nosso ouvido pela repetição de um evento sonoro que tenha exatamente as mesmas características acústicas é completamente diferente se o evento dura 0,5 segundos ou 6 segundos (RODRIGUEZ, 2006, p. 228 e 229).

O segundo grande parâmetro da taxonomia das formas sonoras é a textura.

“Denominaremos textura todas as evoluções do timbre que se produzem ao longo

de um evento sonoro concreto” (RODRIGUEZ, 2006, p. 215). Podemos notar que o

autor emprega textura como sinônimo de timbre, utilizando para a sua

subclassificação os mesmos três parâmetros daquele: definição, impressão

espectral e harmonicidade.

Como já vimos, o conceito de definição espectral diz respeito ao

detalhamento sonoro que o ouvinte percebe ao escutar um som. Conceituamos uma

definição sonora como baixa quando ela estiver entre uma gama de 300 Hz a 3.000

Hz. Essa gama produz uma sensação de qualidade auditiva muito pobre como os

sons que escutamos através do telefone (RODRIGUEZ, 2006, p. 231). A definição é

considerada média quando vai de uma gama de por exemplo 160 Hz a 6.300 Hz.

Esse tipo de precisão auditiva é característico do rádio de ondas médias e longas

Page 33: CAPÍTULO 1 - MÚSICA E COMUNICAÇÃO

45

(RODRIGUEZ, 2006, p. 231). E por último, a definição de alta qualidade é

caracterizada por uma extensão de gama tão grande quanto a capacidade de

percepção do ouvido humano, de 20 Hz até 20.000 Hz. Essa gama de freqüências

produz uma sensação de grande minúcia e exatidão, característica dos sons

naturais e dos equipamentos sonoros de alta definição (RODRIGUEZ, 2006, p. 232).

Relembrando o conceito de impressão espectral, ele diz respeito à forma de

ressonância de um som, que está intimamente ligada ao ambiente em que esse som

é propagado ou ao corpo do objeto que o propaga. A impressão espectral é

classificada como escura, mate e brilhante. A impressão espectral escura é formada

quando a intensidade da zona de freqüências baixas for proporcionalmente superior

a intensidade das demais freqüências. A sua sensação é a de uma voz em corredor

muito amplo com um teto muito alto abobadado (RODRIGUEZ, 2006, p. 233). A

impressão espectral mate é causada por uma intensidade das freqüências médias

superior a intensidade das demais freqüências. É a sensação de uma voz emitida

em um estúdio de paredes acarpetadas, por exemplo (RODRIGUEZ, 2006, p. 233).

E por fim, a impressão espectral pode ser brilhante quando as freqüências altas

possuírem uma intensidade proporcionalmente maior que as demais gamas de

freqüência. A sensação sonora que se produz e semelhante a de uma voz

pronunciada em uma sala vazia de paredes lisas e duras (RODRIGUEZ, 2006, p.

233).

E por último, para encerrar as características da textura sonora e a taxonomia

do som, temos o conceito de harmonicidade. Como já vimos ele se refere à limpeza

e agradabilidade que temos ao escutar um som, e pode ser classificado da seguinte

forma: harmonicidade suja, quando a organização harmônica estiver abaixo dos

1.700 Hz (sensação de ruído, como o som de um moedor de café) (RODRIGUEZ,

2006, p. 234); harmonicidade áspera, quando a organização harmônica estiver

abaixo dos 3.300 Hz (sensação de um som produzido pro uma corneta de

brinquedo) (RODRIGUEZ, 2006, p. 234); e harmonicidade transparente, quando a

organização harmônica estiver acima dos 3.300 Hz (som de um diapasão)

(RODRIGUEZ, 2006, p. 234).

Na Figura 23 nos temos um esquema que facilita a compreensão das

divisões e subdivisões da taxonomia sonora de Ángel Rodríguez, que pretende-se

Page 34: CAPÍTULO 1 - MÚSICA E COMUNICAÇÃO

46

útil para a descrição de qualquer som (RODRIGUEZ, 2006, p. 235) e portanto,

também útil para a descrição dos sons musicais.

1.3.4. Expressão Musical

Quando se fala na capacidade de expressão da música parece mais certo

afirmar que ela não possui nenhuma capacidade direta de ser psicologicamente

expressiva, principalmente se comparada ás artes das palavras, dos desenhos e

dos gestos (ANDRADE, 1962, p. 40). Isso porque, “a gente registra os sentimentos

por meio de palavras (...) as artes das palavras são pois as psicológicas por

excelência” (ANDRADE, 1962, p. 40). E como esses mesmos sentimentos também

podem refletir-se nos gestos ou determinarem atos, as artes do espaço, pela

imagem e pela coreografia, também expressam a psicologia com certa verdade

(ANDRADE, 1962, p. 40).

Pois a música não pode fazer isso. Não possui nem o valor intelectual direto

da palavra nem o valor objetivo direto do gesto. Os valores dela são

diretamente dinamogênicos e só. Valores que criam dentro do corpo estados

sinestésicos novos (ANDRADE, 1962, p.40)

Nas palavras de Mário de Andrade está uma das questões mais

características da música, seu processo expressivo particular. Ela não é capaz de

desencadear uma valorização objetiva direta, mas cria em seus ouvintes sensações,

através da excitação sonora, que então são apreendidas como valores, os quais

Andrade classifica como dinamogênicos, de dinamongênese: a geração de força ou

energia, especialmente a que ocorre em músculos e nervos em resposta à

estimulação” (DUNCAN, 1995, p. 310). Portanto a música é capaz de criar energias,

sensações internas em seus ouvintes, ou como disse Andrade: “estados

sinestésicos novos” (ANDRADE, 1962, p. 40).

Page 35: CAPÍTULO 1 - MÚSICA E COMUNICAÇÃO

47

Figura 23. Taxonomia das formas sonoras.

Contorno Ataque forte suave lento oscilante

Corpo Intensidade Estável alta média alta média baixa fraca

Variável ascendente descendente

Oscilante pulsação rápida pulsação média pulsação lenta

Tom Estável agudo médio agudo médio grave grave

Variável ascendente descendente formas melódicas

Oscilante pulsação rápida pulsação média pulsação lenta

Queda forte suave lenta oscilante

Duração Textura Definição alta

média baixa

Impressão espectral escura mate brilhante

Harmonicidade suja áspera transparente

Page 36: CAPÍTULO 1 - MÚSICA E COMUNICAÇÃO

48

Estes estados sinestésicos, que são provocados por um elemento exterior (a

música) e que são recebidos por uma determinação da vontade (a partir do

momento em que queremos escutar a música), são observados com interesse pela

nossa consciência que “tira deles uma porção de conclusões intelectuais que as

palavras batizam” (ANDRADE, 1962, p. 40). Por isso é possível chamar uma música

de bela ou feia, porque certos estados sinestésicos nos agradam ou desagradam,

ou então podemos caracterizar uma música como molenga, violenta, cômoda,

porque “certas dinamogenias fisiológicas amolecem o organismo, regularizam o

movimento dele ou o impulsionam” (ANDRADE, 1962, p. 41). Ou ainda, muitos

processos dinamogênicos nos levam para estados psicológicos parecidos com

outros que já vivemos, e isso nos permite chamar um trecho musical de triste,

gracioso, elegante, apaixonado... (ANDRADE, 1962, p. 41), “já com muito de

metáfora e bastante convenção” (ANDRADE, 1962, p. 41).

O processo expressivo musical, portanto, é sugestivamente muito forte,

inclusive porque, deste modo como se desencadeia, permite que qualquer ouvinte

penetre em suas formas de compreensão, mesmo que elas sejam pessoais e

particulares. A partir deste ponto, então, reconhecemos a capacidade universal da

música significar.

1.4. Unindo Conceitos

Vamos empreitar agora o exercício de relacionar os conceitos de

comunicação de que falamos no início deste capítulo e os conceitos musicais que

acabamos de ver. Esta última parte do capítulo é na verdade o ponto de

convergência de todo o texto até aqui, de modo que todas as alusões à

comunicação e à música feitas nas primeiras partes destinam-se a embasar e

possibilitar este momento.

Vamos encontrar o lugar teórico da música dentro do processo de

comunicação, reconhecendo o papel musical nas relações de emissão e recepção

de mensagens, onde possamos entendê-la como potencial portadora de

Page 37: CAPÍTULO 1 - MÚSICA E COMUNICAÇÃO

49

significação. Para isso é empreendido um diálogo entre o modelo comunicacional

emissor – mensagem – receptor; o conceito de linguagem; e a Teoria Musical, sua

notação e seus princípios, a fim da encontrar um olhar sobre o fato musical de

maneira que a música se faça comunicacional e a comunicação possa ser

musicada.

1.4.1. O Caráter Comunicacional da Música

Stevens e Warshofsky (1974, p. 9) iniciam um de seus livros intitulado “Som e

Audição” com um capítulo chamado “Ondas no Oceano do Ar” onde nos trazem a

idéia de que vivemos imersos em um mar de gases (oxigênio, dióxido de carbono,

hidrogênio, metano,...) dentro do qual conseguimos respirar e consequentemente

viver. Para que ficássemos biologicamente mais bem adaptados a esse ambiente,

nosso organismo desenvolveu mecanismos capazes de captar estímulos que nesse

meio circulam. Foi assim que surgiram o tato, o paladar, a visão, o olfato e o sentido

que é base deste trabalho, a audição.

Além de ser um sentido muito sensível – um homem pode ouvir um som

ainda que ele lhe chegue com um quatrilhonesimo de watt8 – a audição ainda é o

caminho por onde os primeiros passos do desenvolvimento intelectual têm entrada,

ainda antes do próprio nascimento, através dos primeiros sons da vida como as

cantigas de ninar e os sons intra-uterinos, e também depois dele, com choro de

fome do próprio bebê, os sons com sentidos a serem imitados e a língua. A audição

é ainda nosso sentido mais ativo, já que o centro responsável pela percepção dos

sons em nosso organismo trabalha em vigília durante toda nossa vida recebendo

uma constante de estímulos do mundo exterior (STEVENS & WARSHOFSKY, 1974,

p. 9). Esses sons recebidos são examinados e classificados, sendo arquivados, ou

determinando uma ação referente. A buzina de um carro, por exemplo, soa como

uma reclamação. Uma sirene, um apito estridente, ou o toque do telefone; cada som

carrega até o ouvinte uma mensagem precisa (STEVENS & WARSHOFSKY, 1974,

p. 9).

8 Se cem quatrilhões desse som fossem fundidos e transformados em eletricidade haveria energia para acender uma lâmpada com energia suficiente para se ler (STEVENS, et al. 1974: 9).

Page 38: CAPÍTULO 1 - MÚSICA E COMUNICAÇÃO

50

Mas como, no processo comunicacional, a música se faria presente, para

poder carregar significados compreensíveis, não só aos músicos, detentores das

teorias e técnicas de sua produção, mas a um ouvinte geral, mesmo que não

conheça a teoria e a notação musical? Talvez possamos resolver esta questão se

tentarmos entender a música dentro da categoria de linguagem. Caminhando neste

sentido, vamos buscar um conceito de linguagem, para entender depois quais as

condições para que a música possa figurar dentro desta classificação, e depois

procurá-la dentro do próprio processo comunicacional, observando sua capacidade

de transportar significados.

Peruzzolo em seu livro “Elementos de Semiótica da Comunicação” conceitua

linguagem como “todo o conjunto de sinais que tem regras de valores e de

composição e que servem para deslanchar um processo de comunicação” (2004, p.

100). Portanto, para existir linguagem, segundo a definição de Peruzzolo, é preciso

que se tenham quatro características diferentes: a) é preciso que exista um conjunto

de sinais; b) que este conjunto de sinais tenha um conjunto de regras de valores; c)

que tenha também um conjunto de regras de composição; d) e que deslanche um

processo de comunicação. A partir dessa definição, podemos entender que, se

conseguirmos relacionar a música com os quatro requisitos de existência da

linguagem, também poderemos entendê-la como uma das categorias desse

conjunto conceitual.

A primeira característica para considerar a música como pertencente à

categoria de linguagem é que ela seja composta por um conjunto de sinais. Esses

sinais serão as formas materiais que, quando reconhecidos, desencadearão os

processos de significação (PERUZZOLO, 2004, p. 55), e consequentemente, as

relações de comunicação entre os dois sujeitos, o emissor e o receptor.

Recordando o que dizíamos nos primeiros parágrafos destinados aos

conceitos musicais, neste capítulo: a matéria fundamental à música é o som. E o

som como “um conjunto de causa, vibração física de um corpo material, e seu efeito,

uma sensação fisiológica em um cérebro animal (...), uma experiência sensorial que

podemos relacionar com nossa vida material e emotiva” (STEVENS &

WARSHOFSKY, 1974, p. 9 e 10) é então entendido como um sinal captado por

nossos órgãos sensoriais auditivos, por isso, mais especificamente, o som é

Page 39: CAPÍTULO 1 - MÚSICA E COMUNICAÇÃO

51

entendido como um estímulo auditivo. Falávamos também que habitualmente nem

todos os sinais auditivos são utilizados na música, de modo geral, apenas os que

têm freqüências regulares e que geram certa altura definida, classificados como

sons musicais (HOLST, 1998, p. 4).

A música, portanto, tem como elemento fundamental o conjunto de sinais

sonoros musicais, correspondendo assim ao primeiro requisito para figurar dentro da

categoria linguagem. É então o conjunto de sinais sonoros musicais o meio material

que excitará o aparelho auditivo do ouvinte e lhe provocará processos

dinamogênicos, que desencadeiam dentro do corpo estados sinestésicos novos

(ANDRADE, 1962, p. 40), o princípio do processo de percepção.

Continuando nossa busca, como segunda exigência para podermos

compreender a música dentro do conceito de linguagem, é preciso reconhecer nela

um conjunto de regras de composição (sintaxe). Esse conjunto de regras de

composição é o fator que garante a capacidade significativa ás representações dos

comunicantes (PERUZZOLO, 2004, p. 101) porque define padrões de organização,

diferenciando um determinado sistema de possibilidades conhecido pelos sujeitos

de uma sucessão aleatória de sinais.

Nós já vimos também, na seção destinada aos conceitos da música, ela tem

uma série de normas que regem sua composição (FIUSA, 1953, p. 5) principiando

com a noção de nota, que definimos como um som vibrando a determinada

freqüência, com um nível claro e sustentado (HOLST, 1998, p. 4). Passamos

também pelos fundamentais conceitos da notação musical (as figuras que

representam as notas e sua disposição na pauta), pela escala natural dos sons e

suas sete notas com seus respectivos intervalos, pela noção de frases musicais,

nota tônica e escalas, pela organização temporal da música que se dá através das

noções de ritmo e andamento, e também pela noção de harmonia e relações tonais.

Baseando-se nos conceitos de nota, melodia, harmonia, acorde e os outros

que vimos acima desenvolveram-se as regras para os processos de composição

musical em diferentes, complexos e simultâneos paradigmas de organização. E

assim, como a linguagem verbal funda-se no conceito de palavra e ganha

complexidade à medida que se normatiza através da gramática da língua

portuguesa, a música também, com sua célula fundadora no conceito de nota,

Page 40: CAPÍTULO 1 - MÚSICA E COMUNICAÇÃO

52

ganha complexidade à medida que se normatiza através dos estilos e escolas

musicais.

Observamos, então, que a música tem conjuntos de regras de composição,

reunidas e referidas de forma geral como a teoria musical e que correspondem ao

segundo requisito de nossa conceituação de linguagem. Assim, com a Teoria

Musical, estabelecem-se os mecanismos homogêneos de estruturação dos sinais

sonoros musicais, com os quais se torna possível a caracterização e diferenciação

do sistema musical, em relação a outros sistemas lingüísticos também sonoros.

Como terceira exigência teórica para caracterizá-la como linguagem, temos a

necessidade de encontrar na música um conjunto de regras de valores. Dito de

outra forma, é necessário que o conjunto de sinais tenha, para suas formas de

organização especifica, um conjunto de significados compartilhados entre os

diferentes sujeitos da comunicação. É preciso localizar uma semântica musical.

Vimos acima que a primeira forma de organização da música está ligada com

sua natureza sonora e os princípios perceptivos que decorrem desta condição.

Vimos também que estes princípios coordenam formas de compreendermos os

eventos sonoros que estão a nossa volta de forma muito especial. Por outro lado,

comentamos também que a própria expressão musical organiza-se ao nível das

reações fisiológicas que os processos dinamogênicos desencadeiam nos ouvintes e

que depois passam pela conscientização. Podemos perceber, portanto, que os

valores musicais, em um primeiro plano, estão ligados a nossa fisiologia e, deste

modo, a formas homogêneas de perceber e interpretar nosso ambiente imediato

(RODRÍGUEZ, 2006, 23).

Em um segundo plano, não podemos deixar de lado as próprias construções

sociais ao redor da música, desde as próprias metáforas e convenções que Mário de

Andrade refere em relação aos processos dinamogênicos, passando pelas

significações musicais atribuídas às relações internas das formas musicais – muito

difundidas entre os estudiosos técnicos da música – até os fatores externos ao fato

musical que também lhe conferem muito de significação.

Em suma, vemos então que a semântica musical tem um caráter fisiológico

muito intenso que é moldado pela relação que desenvolvemos com a música, seja

de forma individual ou coletiva.

Page 41: CAPÍTULO 1 - MÚSICA E COMUNICAÇÃO

53

A quarta e última característica de definição de linguagem que iremos

procurar na música é a capacidade de deslanchar um processo de comunicação.

Vamos nos basear naquele modelo comunicacional que apresentamos nos

primeiros parágrafos deste capítulo, e procurar dentro dele o papel comunicacional

da música.

Se tomarmos a música como uma categoria de linguagem, e lembrarmos que

linguagem e código são sinônimos quando nos referimos ao processo de

comunicação, logicamente chegamos à conclusão de que a música figura como

código no processo comunicacional.

A música, então, pode ser considerada como um modo de organização que o

emissor utiliza para fazer chegar ao receptor determinadas mensagens, onde se

estabelecem parâmetros semelhantes de codificação e decodificação, possibilitando

aos dois sujeitos comunicacionais partilharem dos mesmos significados. Com esses

padrões homogêneos também se estabelece a caracterização da linguagem musical

e, portanto, sua diferenciação das demais linguagens, o que possibilita ao receptor

reconhecer as estratégias de leitura que ele precisará empregar.

Com isso, atendemos as quatro exigências que o conceito de linguagem nos

impôs para que pudéssemos considerar a música como uma de suas categorias: ela

é composta pelo conjunto de sinais sonoros, tem como seu conjunto de regras de

composição a Teoria Musical, tem como conjunto de regras de valores as formas de

organização perceptiva e os processos dinamogênicos musicais, que desencadeiam

sentidos de fruição e que deslancham o processo comunicacional por assumir o

papel de código da mensagem que relaciona os comunicantes.

Encontramos também o papel comunicacional da música estabelecendo uma

forma de conexão entre os dois campos, prerrogativa fundamental para a teorização

e análise futura dos eventos musicais. De modo algum estas explanações esgotam

as possibilidades de aproximação dos dois campos, muito pelo contrário, elas

levantam mais questões e abrem trilhas para dentro desse pouco explorado campo

que é a intersecção da comunicação com a música.