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Pesquisa em Debate, edição especial, 2009 ISSN 1808-978X
CAPOEIRA EM SÃO MATEUS: IDENTIDADE E CULTURA.
Fábio Luiz Loureiro
Mestre em Educação, Administração e Comunicação pela Universidade São Marcos
Alzira Lobo de Arruda Campos
Livre-docente em História pela Unesp e professora da Universidade São Marcos
CAPOEIRA EM SÃO MATEUS: IDENTIDADE E CULTURA.
Fábio Luiz Loureiro, Alzira Lobo de Arruda Campos
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ISSN 1808-978X
Resumo
A capoeira, como dado cultural de São Mateus, é uma luta que representa, em parte
marcante, uma manifestação da sociedade local, no contexto cultural do negro. A
identidade está presente no desenvolvimento sócio-histórico da cidade, estabelecendo
referências dentro do processo de formação do fenômeno identitário, expressando
igualdades, uniformidades, semelhanças e dessemelhanças da população. A capoeira esteve
presente em vários momentos na história do povo mateense até os dias atuais. Entretanto,
percebe-se que as ações afirmativas de apoio à capoeira, via políticas públicas, ainda são
um desafio a ser alcançado pelos capoeiras e a ser reconhecido pela política local.
Palavras-chave: capoeira; identidade cultural; cultura; São Mateus; afrodescendentes.
Abstract
Capoeira, as a cultural given of São Mateus, is a fight that is in part a manifestation of local
society in the cultural context of black men. The identity is present in socio-historical city,
establishing references within the process of identity formation of the phenomenon,
expressing equality, uniformity, similarities and dissimilarities of the population. Capoeira
was present in many moments in history of the people mateense until today. However, we
realize that affirmative action in support of the capoeira through public policies, are still a
challenge to be achieved by the capoeiras and to be recognized by local politics.
Keywords: capoeira; cultural identity, culture, São Mateus; African descendants
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Conhecida como região que representa parte ponderável da cultura afro-brasileira
no Espírito Santo, São Mateus tem presente em sua regionalidade vários remanescentes
culturais dos africanos, com suas marcas historicamente situadas nas atitudes corporais das
manifestações, ritmos, instrumentos e hábitos alimentares africanos. Indicadores
identitários do negro perpetuam-se no meio social e tornam-se perceptíveis no cotidiano da
sociedade mateense. Não obstante, esse fenômeno não se encontra presente, como deveria,
nas políticas públicas de incentivo cultural aos afrodescendentes, de acordo com a opinião
majoritária dos são-mateenses, que reivindicam posições concretas de reconhecimento dos
grupos de capoeira, em suas manifestações.
No contexto de uma sociedade de classes como a brasileira, em que o grau de
benefícios socioeconômicos de cada pessoa tem relações com as heranças étnicas e com a
cor mais clara ou mais escura da pele, este artigo tenciona esclarecer o fenômeno de
afirmação cultural com fundamentos africanos, e seu grau de pertencimento à comunidade
mateense por meio do vínculo com as tradições negras. Dentro do cenário histórico-cultural
brasileiro pretende-se identificar como num meio pesadamente negro está presente a
resistência à tradição africana, e o grau de vulnerabilidade que apresenta no meio branco,
pondo em destaque os grupos de capoeira e os capoeiras de São Mateus em relação às
políticas públicas para a cultura estabelecidas pelo município, nas interfaces culturais
existentes no tronco étnico negro.
Pelas suas tradições culturais, sua alimentação, seu modo de vida, os são-mateenses,
como são conhecidos os habitantes do município de São Mateus, deliberadamente
valorizaram traços que em geral foram desprezados ou negligenciados pela cultura
hegemônica brasileira, debruçada sobre raízes européias. O forte aparato cultural do branco
imposto na forma de ser, com seus costumes e hábitos, e seu domínio econômico no
período escravocrata distanciaram o negro dos seus mais profundos ritos, hoje
remanescentes que escaparam do descaso cultural, com suas mazelas que ainda vigoram.
A capoeira, como dado cultural de São Mateus, representa em parte, mas de modo
decisivo, uma manifestação da sociedade de São Mateus no seu contexto social, visto que
une a dança à luta, unindo-a à música e à cultura da festa popular no Brasil, misturando o
jogo aos movimentos corporais harmoniosos de ataque e defesa, a musicalidade à
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instrumentalização, o ritual no comportamento dos capoeiras no se que pode chamar de
roda de capoeira.
Na região em questão, situada no vale do rio Cricaré, ocorrem manifestações de
identidade cultural provenientes dos negros africanos, sobretudo a capoeira, que é um
fenômeno sociocultural de origem afro-brasileira presente em São Mateus nas mais
variadas formas de expressão, como luta no passado, e na atualidade em forma de
manifestação cultural-educativa nas escolas, guetos, comunidades e remanescentes de
quilombos.
Do ponto de vista do conhecimento, os estudos de capoeira relacionados à região
estão emergindo vagarosamente diante da profundidade histórica da capoeira na
participação da formação sociocultural de São Mateus. A demanda por questões da
condição atual, a capoeira na comunidade de São Mateus em escolas, projetos sociais,
centros comunitários, praças e locais livres e abertos, traz à tona a construção e reflexão
sobre sua existência contemporânea do ponto de vista identitário.
Várias são as situações para que os remanescentes negros se manifestem de forma
resistente, nos dias de hoje, no contexto sociocultural mateense. A geografia local
proporcionada pelo rio Cricaré, denominação dada pelos indígenas no passado de Kiri-
Kerê, que significa ―o dorminhoco‖. No período escravocrata os portugueses o rebatizaram
de São Mateus, e estabeleceu-se uma porta de entrada dos negros africanos escravizados e
transportados para o Brasil num mercado em que seus corpos foram o produto primordial,
para o lucro do senhor-de-engenho na exploração das riquezas existentes. Destaca-se, para
esta situação geográfica, o fato histórico de tráfico negreiro ter tido sua última incidência
no vale do Cricaré.
Fenômeno da cultura brasileira, a capoeira tem aspectos estruturais específicos
oriundos das relações estabelecidas na formação social do Brasil, ligados à etnia negra, seu
ritmo, costumes e tradições representadas pelos grupos de capoeira, mestres e professores.
Outrora, perseguida e repreendida das mais variadas formas, a capoeira misturou-se à
história do negro no Brasil, sua luta e resistência. A presença marcante da capoeira na
ocupação do espaço na luta contra a escravidão, na formação social e histórica da nação
brasileira, reúne pontos identitários e respeito à cor da pele e às mais profundas
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manifestações e ritos socioculturais da etnia negra. Entretanto, a história da capoeira foi
marcada pelo distanciamento dos registros de fatos que marcaram a presença de negros
revoltados e seus feitos, na empreitada contra as investidas para a continuidade do domínio
dos senhores. De alguma forma, a capoeira perpetuou-se como foco de manifestação da
cultura negra, embora os negros fossem renegados no seu fazer e saberes culturais.
A identidade capixaba vem sendo discutida, estudada e refletida por várias áreas.
Limitada aos aspectos folclóricos de sua representação, é ainda um tema forjado e
distanciador de suas raízes histórico-sociais.
Num controvertido debate, a identidade capixaba emergiu com características
peculiares da região de negros, índios, brancos, caboclos e mulatos com seus ritmos,
instrumentos, danças e cantos, e com sua a culinária e seus monumentos históricos.
Capoeira aqui, em situação-problema, a remete questões singulares de sua presença como
fenômeno da cultura negra na comunidade capixaba, especificamente na região de São
Mateus. A relação identitária local que consolidou sua presença foi concebida na história
do povo mateense, sua luta e resistência diante da situação econômica branca no período
escravocrata.
A cultura em São Mateus está no cotidiano da população, no agrupamento de
padrões de comportamento, crenças, conhecimentos, costumes que distinguem o grupo
social negro na presença arquitetônica, alimentar e manifestações culturais percebidas
como negras em seus aspectos compostas de heranças de luta, ritos, danças, alegria,
religião. Ainda há a cultura da festa presente em seus hábitos, herdada dos antepassados
africanos e das relações estabelecidas com os ibéricos nos processos histórico e social da
formação local.
Há aspectos da cultura negra mateense em Os últimos Zumbis e em Brincantes e
Quilombolas a saga dos negros no vale do Cricaré, na história oral com remanescentes de
quilombos e nos registros e participação da cultura negra no seio da sociedade de São
Mateus. Na cultura tem-se sempre algo a descobrir, e Fernando Azevedo esboça
particularidades no equilíbrio entre o pensamento sobre as características dos traços
culturais e o seu aprimoramento, entrelaçados de certo equilíbrio no desenvolvimento da
formação intelectual e moral da sociedade brasileira.
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As passagens ancoram, marcam e fundamentam a presença da cultura negra em São
Mateus. Neste cenário de significativa representação cultural, a capoeira apresenta-se no
que se refere à sua existência identitária na sociedade mateense, num embate controvertido
de determinantes políticos, sociais e culturais.
Nestes estudos introdutórios da história da capoeira, e temporalmente da capoeira na
metade do século XIX, sua presença e formas de manifestação intituladas como capoeira
escrava, é notória a necessidade de aprofundamentos históricos da sua presença na
formação da sociedade brasileira, mas não é o foco principal do presente estudo.
Controvertida na sua origem e na participação histórica da formação do Brasil, a capoeira
traz em seu contexto questões da tradição e comportamento social não só na matriz afro,
mas suas relações de poder e/ou de sobrevivência num meio, luso e indígena, concernente a
cada matriz e a aspectos antropológicos e sociológicos no cotidiano da vida social e em sua
forma de sobrevivência.
Importante esclarecer que a opção pela categoria da identidade, em voga nos
estudos relacionados à cultura, está em destaque, bem como a identidade em seus recortes
multidisciplinares e interdisciplinares que abrangem várias áreas de pesquisa, como
educação, mídia, gênero, tecnologia e saúde. De forma especifica, capoeira e identidade
são destacadas quando se relaciona o esporte à identidade cultural. Contrapontos surgem na
relação da capoeira sob o aspecto de fenômeno esportivo, numa sociedade que prega o
esporte isolado dos fundamentos históricos e reflexivos. Acredita-se que seu vínculo com
normas técnicas e desportivas a distancie e desvincule do processo sociopolítico do seu
surgimento, remetendo-a a redução mecânica do movimento humano, sobrepondo de forma
contrastante a sua manifestação identitária.
Relacionar a capoeira a estudos sobre identidade, suas relações de ocupação de
espaço na sociedade, num projeto legitimador e de resistência, estabelece condições de
interpretação da sua presença representativa ou distante da memória negra.
A cultura negra em terras brasileiras criou, de forma polida, caracterizadas
etnicamente no primeiro momento histórico e detalhada do ponto de vista do fazer
identitário, suas manifestações culturais. Fernando Azevedo amplia o leque da discussão
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sobre cultura, fundamentando sua análise no conjunto de características pertinentes à
formação do povo:
[...] é necessário proceder à análise das grandes influências que puderam agir sobre
a produção dos fatos de cultura, como sejam o meio físico e étnico (o país e a raça),
o meio econômico, social e político, o meio urbano (tipos e vida das cidades) e a
mentalidade particular do povo, determinada esta, por sua vez, por todos esses
elementos que condicionam a sua formação. 1
O sentido da exploração, na vertente étnica, é pesadamente marcado pela
escravidão. O processo abolicionista conduziu à marginalização dos negros, mais do que a
sua libertação:
Depois da primeira lei abolicionista – a Lei do Ventre Livre, que libera o filho da
negra escrava, nas áreas de maior concentração da escravaria, os fazendeiros mandavam
abandonar, nas estradas e nas vilas próximas, as crias de suas negras que, já não sendo
coisas suas, não se sentiam mais na obrigação de alimentar2.
A formação brasileira presenciou a mistura étnica distante do poder econômico dos
lusitanos, com participação de forma reduzida neste setor pelos negros e índios, o que se
determinou chamar de miscigenação. O caldeirão étnico ameríndio, africano e branco
formou o que se designa por povo brasileiro. O fato, porém, é que uma representação
coletiva dessa identificação tem de existir fora dos indivíduos, para que eles com ela se
identifiquem e a assumam tão plausivelmente, que os demais os aceitem numa mesma
qualidade co-participativa3.
Fernando Azevedo estabelece que cultura é a produção, a conservação e progresso
de valores intelectuais, das idéias, da ciência e das artes, de tudo enfim que constitui um
1AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira: introdução ao estudo da cultura no Brasil. São Paulo:
Melhoramentos, 1964, volume: XIII, p. 39. 2 Op. cit., p. 213.
3 Idem, p. 119.
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esforço para o domínio da vida material e para a libertação do espírito. Estes valores
materiais e espirituais, criados pela sociedade brasileira em seu processo da práxis social e
histórica, caracterizam uma etapa de avanço da presença das manifestações e acervos
culturais para formação da identidade cultural no País. 4
A identidade está presente nas mais variadas formas de existência, seja como modo
estético e significado do pensamento, condição particular ou geral da formação étnica, seja
como representações da imagem, memória ou símbolo na vida social da sociedade
brasileira capitalista. Sua construção é vista por Manuel Castells5 como a fonte de
significadoe experiências de um povo. 6
Stuart Hall vê como identidades culturais aqueles aspectos das identidades que
surgem de ―pertencimentos‖ a culturas étnicas, raciais, linguísticas, religiosas, e acima de
tudo, nacionais, formadas por meio de pertencimento a uma cultura de um determinado
país. Assim, a identidade é realmente algo formado ao longo do tempo, através de
processos inconscientes, e não é algo inato, existente na consciência no momento do
nascimento7.
No referencial de construção identitária pelos atores sociais, Castells propõe propõe
a discussão da origem das identidades com referencial sociopolítico e reflexões na direção
da ocupação do espaço social dos segmentos excluídos, localizando-os na sociedade atual
na luta pelo reconhecimento, para além das ordens estabelecidas nas políticas culturais:
identidade de resistência. 8
Para Damatta, a palavra cultura exprime precisamente um estilo, um modo e um
jeito, de fazer as coisas9.
Um trecho sobre identidade cultural no trabalho de Alain Herscovici Economia da
Cultura e da Comunicação – prefaciado por Dominique Leroy, acentua que identidade
cultural é uma construção ideológica que se traduz objetivamente por uma hierarquia das
4 AZEVEDO, op. cit., p. 38. 5CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade. São Paulo: Paz e Terra, p.22. 6 CUCHE,Denys. A noção de cultura nas ciências sóciais.Florianópolis:EDUSC,2002, pp. 23 e 177. 7 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005, pp. 8, 22 e 38. 8 Atores sociais se constituem em indivíduos participantes / atuantes na edificação identitária nas identidades
de resistência e de projetos. 9 DAMATTA, Roberto. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: ROCCO, 1984, p. 17.
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práticas culturais, portanto, por um sistema de referenciais10
. Neste escopo, as
manifestações culturais do negro apresentam-se como pertencendo à cultura brasileira de
forma profunda, na medida em que expressam sua história descrita na luta pela
sobrevivência, marcada por um sistema escravocrata, que primava pela extinção do corpo
negro pela sua exploração no trabalho escravo e eliminação dos seus hábitos culturais.
A afirmação da negritude, porém, contrapõe-se às questões da branquidade presente
no poder exercido na formação colonial brasileira. Nos dias atuais, a questão da
branquidade sob o ponto de vista da multiculturalidade aponta para uma igualdade racial e
étnica, mas contemplada por ideologias existentes na forma de poder, explicitando uma
desigualdade cruel e profunda quanto ao negro. 11
Em estudos sobre branquidade e identidade, Steyn
[...] se refere à branquidade como um constructo ideológico extremamente bem-
sucedido do projeto modernista de colonização [...] um constructo do poder: os
brancos, com grupos privilegiados, tomam sua identidade como norma e o padrão
pelos quais os outros grupos são medidos12
.
Na educação, o trabalho desse pensamento, invade as ações pedagógicas e os
conteúdos ensinados, afastando-se da formação identitária real, em detrimento de narrativas
que modificam o modo de pensar e ver a identidade local; nega o contraponto ideológico à
branquidade.
As fronteiras para a assunção cultural da negritude estão presentes no meio cultural
mateense. Percebe-se que sua população resiste à dinâmica histórica e social local, a
conquista do espaço político que a gerou, a seus valores e expressões, ao reconhecimento
da situação étnica para maior visibilidade dos traços identitários. Sendo assim,
10 HERSCOVICI, Alain. Economia da Cultura e da Comunicação. Vitória: FCAA, 1995, p. 76.
11 WARE, Vron (org.) Branquidade: identidade branca e multiculturalismo, Rio de janeiro: Garmond, 2004,
p.119. 12 Idem, p. 28.
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10 Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
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cotidianamente se constitui uma visão de manifestar a identidade negra como barreira para
avanços sociais particulares na sociedade que se vê como branca.
A assunção de ser negro ou com características proximais dos afrodescendentes
pode acarretar a perda da prerrogativa de ser branco, e de suas vantagens na sociedade que
tem o poder identitário branco. A branquidade, neste aspecto, tem caráter ideológico nas
sociedades que tiveram sua colonização branca, onde tragaram com avidez da alma sua
tradição, língua, costumes e crenças.
Características determinantes da essência do negro estão no cotidiano brasileiro.
Sons, ritmos, cores, instrumentos, alimentos e as artes herdadas do continente negro, a
África de espaços de culturas variadas, mas nunca foi tão homogênea sua realidade
sociocultural como sua presença no Brasil.
A identidade cultural brasileira prossegue em voga por ser atraente em sua
amplitude de significados e valores. Trata-se sempre da questão de saber quem o indivíduo
é como é de saber por que ele é. Sobretudo quando se dá conta de que o homem se
distingue dos animais por ter a capacidade de se identificar, justificar e singulariza: de saber
quem ele é. Pois será necessário descobrir como se constrói a própria identidade13
.
Contraditória, híbrida, parte de um todo, retalho de diferentes tipos culturais, a
identidade cultural no Brasil tem nos aspectos de africanidade o estreitamento do estudo
que trata o negro e sua participação na formação da cultura, a noção de pertencimento que
liga os negros à cultura brasileira, não na forma de domínio ou propriedade, mas na
tradição criada no seio das contradições que moveram seu despertar para a preservação das
manifestações corporais, bem como na criação ou reinvenção de formas específicas de
práticas culturais.
Identidade, sociedade e cultura em São Mateus
Localizado geograficamente ao norte do Espírito Santo, São Mateus está próximo
do Estado da Bahia, na microrregião norte do Estado. Historicamente, seu valor foi herdado
pela facilidade do tráfico negreiro no rio Cricaré e sua proximidade com as cidades de
13 Idem, p.15.
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Porto Seguro e Salvador. Como o comércio de escravos foi fator econômico rentável para
época, São Mateus tornou-se destaque nos cenários brasileiro e capixaba em
desenvolvimento, embora esquecido na história como um dos principais pontos de entrada
dos negros vindos da África para sua distribuição no Brasil Central – Minas Gerais, Rio de
Janeiro e Nordeste brasileiro.
O africano entrou no Espírito Santo desde meados do século XVI. Sua presença na
Capitania do Espírito Santo foi tão forte que era identificada como a que mais fazia
contrabando de escravos, fenômeno explicável pela localização central privilegiada da
província em relação aos outros pólos de exploração no Brasil. Sua bacia hidrográfica,
composta por rios calmos e pequenas bacias, tornavam o Cricaré viável à navegação e à
exploração local, facilitando a entrada de novos escravos, mesmo após a proibição ao
tráfico, ocorrida em 1850.
Maciel de Aguiar, em Brincantes e Quilombolas, destaca que:
O último navio negreiro vindo da África ao Brasil – a escuna norte-americana Mary
Smith -, foi detido na barra do Cricaré, em 20 de janeiro de 1856, com cerca de
trezentos e cinqüenta negros destinados ao mercado local, seis anos após a proibição
da importação legal de escravos, com os traficantes sendo presos.14
Atualmente, São Mateus é uma cidade com 101.051 habitantes,15
com
predominância de afrodescendentes. No passado serviu de anteposto de comércio
escravista. Nesta cidade a coletividade construiu visões de mundo e normas de
comportamentos ligados ao conteúdo demográfico de uma população que é negra e se vê
como negra.
O folclore local é o representante, na atualidade, das tradições africanas. Poucas são
as manifestações, pois muitas foram extintas. As manifestações que se perpetuaram são: o
Jongo, os Reis-de-Boi e a capoeira.
14
AGUIAR, Maciel de. Brincantes e Quilombolas, p. 17. 15 Fonte: IBGE/2005.
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Presente nas mais variadas formas na comunidade mateense, a capoeira é praticada
em comunidades, escolas, clubes, projetos sociais e em grupos específicos de capoeira. Esta
existência na sociedade de São Mateus diz, a princípio, que a capoeira esteve presente nas
lutas travadas no processo de revolta dos negros escravos, tendo em Teodorinho Trinca-
Ferro um dos seus mais antigos mestres da capoeira angola e das lutas engendradas.
No foco identitário cultural, São Mateus se apresenta com muitos valores providos
de vários significados constituídos ao longo das necessidades de sobrevivência dos negros,
consideradas na sua forma anterior. Contudo, as identidades culturais estão num contexto
pós-moderno que incita para o distanciamento da noção de pertencimento.
A capoeira na atualidade é reconhecida pelos Ministérios dos Esportes e da Cultura.
O referencial dado pelo Ministério dos Esportes é pelo seu reconhecimento como esporte
de criação nacional e de identidade cultural. Neste, as ações estão vinculadas ao incentivo
da prática da capoeira em projetos esportivo-sociais. No Ministério da Cultura, estão
ligadas à Secretaria de Identidade e Diversidade Cultural, sendo estabelecidas políticas
públicas para cultura e a diversidade, com desafios no entendimento de diversidade e
identidade e o estabelecimento de diálogo com os diversos grupos que compõem este
campo cultural brasileiro de identidade e diversidade.
Formados em meados do século passado, os grupos de capoeira têm hoje a maior
representatividade no ―mundo da capoeiragem,‖16
como instituições, com objetivo diversos,
esses grupos têm na sociedade uma postura de domínio de espaço através da forma
equivocada de competição desigual na sociedade capitalista e, outros na perspectiva
socioeducacional. Alguns projetos vêm sendo implementados com a proposta avançada de
participação coletiva, um conjunto que progrede para a educação na participação de projeto
histórico- coletivo para a capoeira. Caracterizados, em grande parte, pelo aspecto
desportivo e performance dos movimentos reduzidos à apreciação do belo conjunto
16 Lugar geográfico de propriedade específica ou geral (guetos, comunidade, academias, escolas,
universidades, grupos, cidades, Estados e Países) onde a prática da capoeira é exercida em sua plena
manifestação das tradições históricas, culturais e sociais.
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muscular aparente, os grupos de capoeira distanciam-se cada vez mais do fazer cultural que
a gerou. 17
Marca registrada dos grupos de capoeira são as figuras de seus mestres. Dignos de
obediência cega em alguns casos ou grupos, os alunos são submissos a mandos no seu
caminho para formação de professor de capoeira. Reflexo do fenômeno da divisão de
classes antagônicas, a educação foi tocada, como na história das sociedades de classes,
como o livre e o escravo, o patrício e o plebeu, o mestre e o aprendiz, em síntese, os
opressores e os oprimidos. A capoeira segue a supremacia imposta pelo capital no domínio
da situação presente.
Historicamente, a participação nos movimentos que estabelecem relações entre
capoeira e cultura estão ainda numa forma serena, quebrada, por vezes, por grupos
participantes na organização de seminários e grupos de estudos, encontros de capoeira e
encontros acadêmico-culturais. Ao imbricar com atividades vinculadas à produção do
conhecimento e às políticas públicas, em específico para a capoeira, as perspectivas mudam
na medida em que grupos de diferentes áreas que comungam pesquisas sobre capoeira
socializam suas produções para reflexões acerca dos rumos da capoeira na atualidade.
A capoeira na atualidade toma forma complexa na perspectiva cultural identitária.
Sua presença não se esgota na robustez o desempenho, mas sim na reflexão radical da sua
presença enquanto fenômeno que, outrora perseguido, hoje resiste às intolerâncias
institucionais que abarcam um grupo social: o grupo dos capoeiras.
A propagação da capoeira no Brasil teve vários momentos marcantes de
disseminação. Primeiro com os mestres Bimba e Pastinha na divulgação de suas formas de
prática da capoeira, respectivamente capoeira regional e capoeira angola. Seus seguidores
espalharam-se pelo Brasil em busca de novos adeptos para suas vertentes. Entretanto, esta
difusão foi limitada do ponto de vista midiático, com o suporte necessário para a época.
No início da década de 1980 os meios de comunicação começaram a relatar nos
meios de comunicação (jornal, televisão e rádio) os eventos e feitos de capoeira em vários
17 Ver sobre o ―Triplo C‖ – Confraria Catarinense de Capoeira. Grupos de Capoeira de Santa Catarina que se
uniram para dar novas diretrizes à capoeira no Estado.
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Estados e nações. Porém, sua grande difusão deu-se na década de 1990, quando a capoeira
ocupou espaços televisivos em novelas e programas culturais, educativos e esportivos.
A inserção da capoeira no meio escolar e universitário teve sua contribuição para o
crescimento da capoeira na perspectiva educacional. A produção de livros ligados à história
da capoeira, fundamentos pedagógicos e técnicos da capoeira são marcos que se
eternizaram como clássicos da literatura18
. A realização de eventos socioeducativos
materializou os vínculos entres grupos e seus mestres na propagação da capoeira em
Estados brasileiros.
Eventos de grande porte com aulas, cursos, vendas de materiais da capoeira e
palestras estão em voga até os dias atuais, cada vez mais especializados e criativos, e
utilizando o marketing para a projeção da capoeira, de grupos e mestres. Contudo, esta
difusão distanciou a capoeira das teias culturais de sua formação histórica, vale dizer, cada
espaço cultural gera seu próprio sistema de referenciais. Sob formas diferentes, com de
estéticas diferentes, cada espaço vai gerar uma hierarquia das práticas19
.
Em meio à propagação em território brasileiro, a capoeira parte para novas terras, ou
por motivo cultural e artístico ou como terra prometida na valorização da capoeira. Convém
destacar que o desafio foi grande nos primeiros momentos, quando sua forma e essência
cultural tomaram rumos diversos do seu significado, mas prático, no seu jogo e ritual.
No Brasil, no campo da difusão da capoeira, há contribuições que surgiram a partir
de investidas dos grupos de capoeira nas esferas governamentais e de grupos específicos de
estudos sobre capoeira em universidades. A crise na capoeira, entretanto, impõe
responsabilidades para além da difusão, ou seja, mostra o grande embate político como
caminho nas conquistas para formação, conhecimento e incentivo, possibilitando o
atendimento a todos os praticantes de capoeira. A ocupação de espaço indica a
possibilidade de participação, estabelecendo políticas com transparência das ações na área
da capoeira em todas as esferas de governo, federal, estaduais e municipais, com ativa
participação dos atores sociais.
18 Waldeloir Rego, com seu clássico Capoeira angola: um ensaio socioetnográfico, produzido em 1968, foi
um desses marcos históricos da capoeira na literatura. 19 HERSCOVICI, op. cit., p.76.
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A capoeira em São Mateus
A capoeira no Espírito Santo esteve presente nas revoltas dos negros africanos, nas
lutas pelas suas conquistas, como dança nas tradições do cotidiano festivo e em celebrações
religiosas. Na atualidade, aparece como elemento educativo em escolas, projetos sociais,
clubes e comunidades.
Os estudos sobre o elo do negro e a capoeira estão limitados às pesquisas ligadas
aos objetos de estudos vinculados à época da escravidão, geralmente aos aspectos
econômicos e a seu modo de produção no desenvolvimento do Espírito Santo. Entre os
vários pontos presentes relacionados ao negro e a capoeira nos estudos, estão a insatisfação
do corpo negro ante o modo de vida escravista e a exploração cada vez maior das terras
capixabas.20
.
A capoeira no Espírito Santo se encontra em grande parte como uma descoberta em
curso. Pouco se sabe sobre a capoeira no Espírito Santo, em particular no sul do Estado.
Embora a capoeira esteja ausente dos registros sobre as revoltas acontecidas em
Itapemirim, Serra e São Mateus, entre outras localidades, é necessário considerar a
participação de negros nos movimentos de rebelião ocorridos na região do vale do Cricaré,
e destacar as marcas que possibilitaram identificar seu pertencimento identitário ao
município de São Mateus.
No sul do Estado, no município de Cachoeiro de Itapemirim, a presença de
remanescentes de quilombos na localidade contém marcas identitárias ligadas aos rituais do
comportamento social na roda de capoeira, em músicas, movimentos corporais,
indumentária e na cultura da alegria herdada dos negros africanos. A capoeira, na sua forma
evoluída, presente a partir de 1960, provém de capoeiras locais que se praticaram em
Vitória e retornaram para suas localidades de origem, formando grupos e professores
vinculados a grupos de capoeira do Rio de janeiro.
20 MACIEL, Cleber. Negros no Espírito Santo. Vitória: Departamento Estadual de Cultura, Secretaria de
Produção e Difusão Cultural/UFES, 1994, p.11.
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ISSN 1808-978X
Mestre Odilon Dias Vieira relata que em1972 a capoeira já estava presente no sul do
Espírito Santo, de forma mais significativa no litoral, nas rodas de capoeira durante as
férias e em pequenos eventos.
Neste tempo eu já tinha vindo aqui em Vitória, já tinha jogado capoeira em
Cachoeiro do Itapemerim, Marataízes, zonas de Praia, Guarapari. Encontrava
capoeiristas de outros locais, eles tinham vindo a Vitória, como o mestre Macaco,
que conhecia capoeiristas aqui; eu os encontrei em Marataízes e eles diziam que
conheciam muito capoeirista em Vitória e eu não conhecia.21
Desse modo a capoeira no sul do Espírito Santo foi firmada a partir de 1970, com
trabalhos locais, com a participação de mestres e professores do Espírito Santo, Rio de
Janeiro e Minas Gerais. Hoje, a capoeira no sul do Estado não está presente nos
remanescentes dos quilombolas, como elemento da prática corporal, como o maculelê. No
sul, está representada pelos grupos de capoeira em escolas, comunidade, academias,
projetos sociais, centro universitário e faculdades em seus vários municípios.
Na região de Vitória, capital do Estado do Espírito Santo, há registros da história da
capoeira a partir do final dos anos 60 do século passado. Após a repressão exercida durante
anos, por meio do Código Penal, que incluía a capoeira como refugo da escravidão no
Brasil, seus praticantes se espalharam pelas capitais brasileiras, difundindo a arte-luta das
mais variadas formas, em rodas, aulas, espetáculos, grupos de danças, entre outras. Vitória
recebeu vários professores e mestres de capoeira que contribuíram para a difusão da arte-
luta.
OLIVEIRA e VIEIRA relatam que em 1968 a capoeira teve seu início com a
presença de Nerci Cardoso, capixaba do Morro do Moscoso, aprendeu capoeira com Paulo
Bandeira, de Bonsucesso, no Rio de Janeiro. 22
Mestre Odilon destaca os pioneiros da capoeira no Espírito Santo:
21 Entrevista concedida por mestre Odilon Dias Vieira – Vitória / ES. Arquivo de Fábio Luiz Loureiro. 22 OLIVEIRA, Luizinho Teles de. A história da capoeira no Espírito Santo. Grupo de Capoeira Beribazu.
Brasília, 1991 (Documentário).
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Os pioneiros da capoeira no ES eu não posso dar nomes a eles porque eu vou estar
sendo injusto de qualquer forma com um ou outro, mas a pessoa que praticou a
capoeira aqui dentro na forma de instrutor foi o Íris, ele veio antes de mim, antes de
Caio, antes de Diabo Louro, veio antes de muita gente aqui, ele estava aqui jogando
capoeira antes de eu saber o que era, isso quando eu o conhecia e nós
conversávamos sobre o assunto. O único nome dele era Coelho, eu não sabia se era
apelido, se era o nome real, mas ele jogou capoeira lá, subindo a Rua F, lá no topo
daquela ladeira onde tinha uma escola, ou tem uma escola de samba, um
sambódromo ou qualquer barulho lá em cima. Lá, ele ensinou capoeira lá, pode
falar em 1973, 74, de qualquer forma, alguém pode ter vindo antes dele, exatamente
por isso eu não posso dar nomes a ninguém 23
.
Desde o início de sua presença mais efetiva em Vitória, a capoeira foi marcada por
desafios entre os capoeiras. Entre estas formas figuram a capoeira, a violência, ou até
mesmo a ocupação de espaços no período inicial de difusão.
No interior do Estado a capoeira foi praticada e repassada ainda na forma cultural
oral, pelo contato cotidiano e com número reduzido de praticantes. Em terreiros, como em
Vila Verde, no interior do Estado, nas proximidades do município de Colatina, ou em
fundos de quintal, os capoeiras faziam perpetuar as tradições e costumes da capoeiragem. O
foco identitário africano se disseminava através da capoeira, pelo Estado. Hoje, no interior,
a capoeira é praticada com a mesma intensidade de participação da sociedade e com as
mesmas características da capoeira de outras regiões do Estado.
23 Idem.
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18 Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
ISSN 1808-978X
Figura 1. Da esquerda para a direita: mestre Carlos Henrique no berimbau, mestre Odilon
na pernada e mestre Íris na esquiva. Arquivo de Fábio Luiz Loureiro, 1970.
A presença da capoeira em Vitória teve relações com outras manifestações. como
maculelê, dança afro, entre outras. Nas aproximações com tais atividades culturais destaca-
se o trabalho feito com a dança do Maê, que relata fatos históricos da vida da mulher negra
no porto de São Mateus, suas relações com o jeito capoeira de ser, com movimentos
variados do corpo em vários planos, chamados de cangapé. Este ritual do Maê em Vitória
possibilita perceber quanto a presença da capoeira, como marca no processo histórico de
São Mateus, se apresenta como elemento identitário. Essa difusão é reforçada pelo fato de o
Maê ocorrer num antigo ambiente de prostituição feminina, situado no porto de São
Mateus:
Acontece que uma prostituta do porto de São Mateus conhecia capoeiristas, ela não
falava capoeiristas... Cangapé sabia dar cangapé... [...] Cangapé é uma forma de
CAPOEIRA EM SÃO MATEUS: IDENTIDADE E CULTURA.
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19 Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
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fazer aú suicida, que é o nome que colocava numa das formas de projetar o corpo
sobre o próprio eixo, então colocaram esse nome24
.
No norte do Estado a capoeira aparece de forma marcante na história dos mateenses,
e registrada nos feitos e conquistas dos negros escravos do vale do Cricaré. Podem-se
lembrar os feitos e aventuras, embates e rebeldias dos negros contra o berço tradicional
escravocrata de Constância de Angola, Clara Maria do Rosário dos Pretos, Negro Rugério,
Preto Bongo, Viriato Canção-de-Fogo, Zacimba Gaba, Teodorinho Trinca-Ferro e Benedito
Meia-Légua.
Maciel de Aguiar, em meados da década de 1960, teve seu primeiro contato com
esses guerreiros que atormentavam a vida dos senhores em busca de liberdade e seus
direitos.
Eu tinha mais ao menos uns 13 anos, isso foi em 1965, quando eu encontrei esses
mestres todos, alguns com mais de 100 anos e que não jogavam há muitos anos,
pois havia uma repressão muito grande aos cabuleiros25
e a capoeira que até em
verdade não chamava de capoeira, chamava de luta26
.
No início, a capoeira praticada em São Mateus possuía características diferentes da
capoeira atual. Em sua bateria de instrumentos, não havia a presença do berimbau. Suas
características possibilitavam identificar a presença de movimentos corporais semelhantes
aos movimentos das danças africanas baseadas nos movimentos dos animais. Nesses
contatos ficava evidente que a capoeira tinha raízes africanas, e até mesmo criava a imagem
de uma luta de origem genuinamente vinda do continente africano, com seus sons, ritmos,
24 Entrevista concedida por mestre Odilon Dias Vieira – Vitória / ES. Arquivo de Fábio Luiz Loureiro. 25 Cabuleiros são os praticantes da cabula manifestação africana de desafio corporal e de forte presença
religiosa, que proporciona fechar o corpo de seus praticantes em sinal de defesa dos males diversos e maus
tratos advindos da sociedade escravocrata. 26 Entrevista concedida pelo pesquisador Maciel de Aguiar Porto, de São Mateus, tem16 novembro de 2006.
Arquivo de Fábio Luiz Loureiro.
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movimentos baseados nos contatos com animais, o molejo na mudança da trajetória
corporal na luta e nos desafios. 27
.
O capoeira que marcou a história local pelos seus feitos, lutas e desafios foi mestre
Teodorinho Trinca-Ferro, natural de São Mateus, filho de angolanos. A participação de
Teodorinho Trinca-Ferro na história da capoeira de São Mateus marca a permanência de
sua identidade na sociedade além da capoeira, pois sua vida foi marcada na escravidão e na
pós- escravidão. Assim, Teodorinho Trinca-Ferro fez a capoeira se perpetuar durante os
abusos de poder sobre o corpo escravo. 28
Conhecido como o último grande mestre da capoeira angola Teodorinho Trinca-
Ferro aprendeu capoeira de Angola com os escravos Zé Pequeno, Boca-Preta, Mão de
Onça, Calango, Dez Pedaços, Hilário Braúna, Jacaré, João Quebra-Coco, Negro Saci,
Manoel Mata-Onça, Corre Diabo e Clementino Coice de Mula, os quais considerava como
mestres.
Após a morte de Teodorinho Trinca-Ferro, a capoeira em São Mateus ficou um
tempo distante do fazer cotidiano da sociedade. Suas aulas e rodas, manifestações mais
presentes para a perpetuação na sociedade atual, ficaram reduzidas ou quase não percebidas
no dia-a-dia. Sua retomada, a partir de 1980, com Jenilson Corrêa de Araújo (mestre
Biratinha) teve uma grande contribuição no aprimoramento e ampliação dos conhecimentos
da capoeira por mestre Militão (do município de Linhares) no antigo mercado municipal, na
Cidade Baixa (o porto). Mestre Biratinha fundou, então, o Grupo de Capoeira Kricaré.
Em 1993, mestre Lauredir de Oliveira (mestre Piau) fundou seu grupo de capoeira,
o Capoeira Dendê, no reduto do porto de São Mateus, no salão Teodorinho Trinca-Ferro,
com os elementos identitários da capoeira. Seus fundamentos rítmicos, cânticos, rituais e
habilidades corporais estão presentes em suas rodas, aulas e apresentações de vadiagem da
capoeira.
27 Idem. 28 Idem.
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Figura 2. Mestre Fábio Luiz Loureiro (à esquerda) e mestre Piau (à direita). Arquivo de
Fábio Luiz Loureiro – 16 de novembro de 2006.
O grupo de capoeira Acarbo, presente em São Mateus há mais de 15 anos, tem
como representante Cândido das Neves Filho (contramestre Fuêpa), que abandonou a
capoeira em março de 2007, tornando-se adepto de uma das igrejas evangélicas do
município. 29
.
Outro trabalho desenvolvido em São Mateus que se pode destacar pela proposta
educacional, fundamentado na pedagogia, é o projeto ―O P-da-Capoeira‖ coordenado por
mestre Sidrônio dos Santos. Preocupado com a integridade física de seus alunos, mestre
Sidrônio desenvolveu seu trabalho com base em princípios que possibilitassem a prática da
capoeira sem acidentes e desencontros no jogo. 30
.
Um dos últimos grupos a chegar ao município de São Mateus foi o Grupo de
Capoeira Beribazu. Inicialmente o grupo havia passado por São Mateus em eventos dos
grupos locais denominados de batismo e graduação na capoeira, cursos para acadêmicos e
29 Depoimento concedido a Fábio Luiz Loureiro pelo contramestre Fuêpa. Arquivo de Fábio Luiz Loureiro. 30 Entrevista concedida por mestre Sidrônio – São Mateus – 21 de julho de 2006. Arquivo de Fábio Luiz
Loureiro.
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professores de capoeira no pólo universitário e encontros culturais. Nos últimos oito anos, o
grupo de capoeira Beribazu esteve presente em escolas, no pólo universitário da
Universidade Federal do Espírito Santo e no projeto social Araçá. Com a orientação do
professor Anderson de Freitas Silva (monitor Mike Tyson), o grupo trabalha voltado para
os aspectos da formação social da criança, com fundamentos pedagógicos e treinamento de
base.
Estão presentes nos bairros e guetos de São Mateus alguns grupos de capoeira com
um número reduzido de alunos. Percebe-se um distanciamento entre os grupos maiores e
menores, e entre os vários motivos do afastamento estão os desencontros causados nas
rodas, o que se pode chamar de conflitos corporais, ou melhor, acidentes no jogo da
capoeira causando pequenas lesões. Entretanto, esses grupos fazem perpetuar pequenos
focos identitários da prática da capoeira em locais onde a política pública para a capoeira
está distante.
Na atualidade, os capoeiras de São Mateus, representados por seus grupos,
apresentam fortes marcas de resistência aos rumos contrários das políticas públicas para a
cultura e para a capoeira. Suas ações isoladas fragilizam a ocupação de espaço político e as
possibilidades de caminhar de forma justa e propositiva.
Identidade e representações identitárias em grupos de capoeira de São Mateus.
A capoeira, em seu processo histórico, sempre esteve organizada de alguma forma:
em pequenos grupos nas senzalas, nas matas, nos quilombos, em maltas, grupos de fundo
de quintal e, na atualidade, nos grupos de capoeiras. Embora em cada momento da história
a capoeira tivesse objetivos diferenciados, o desejo por melhores condições sempre nela
esteve presente.
A formação dos grupos de capoeira vincula-se a dois fenômenos. No primeiro,
novos grupos vinculam-se à tradição herdada pela transmissão cultural, que passava os
conhecimentos de mestre para discípulo. Tal formato permitia a formação de um novo
grupo, mas dentro da mesma família, ligado ao mestre que o formara. Assim, algumas
tradições, rituais, comportamentos e formas de se jogar capoeira perpetuavam-se em sua
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23 Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
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base. Uma segunda modalidade ocorre pela separação entre mestre e discípulo, na
dissidência por conflitos de pensamentos, ações e aspectos educacionais, trazendo à tona a
fragilização do que se acredita ser hoje a célula da capoeira. Esse conjunto chamado de
grupo fragilizado toma configurações diversas. É interessante lembrar que as novas
configurações de grupo podem trazer elementos fortes da cultura afro-brasileira, aspectos
educacionais na nova proposta, ou o contrário:
É preciso notar que essas resoluções não são muito claras. Os conceitos utilizados –
como cultura, identidade cultural e grupos – não foram definidos. Assim sendo, a
importância das resoluções não está em seu conteúdo, mas em seu desenvolvimento geral.
A partir desse momento, a cultura é concebida como um processo amplo, com uma ligação
clara com as coletividades, que devem, portanto, ter a liberdade de ser diferentes e decidir
quais elementos de sua identidade cultural desejam preservar. 31
Nas fissuras entre as várias formações é que as condições e brechas são encontradas
para avaliar os percalços da capoeira na atualidade, as desavenças, distanciamento entre os
grupos e a mobilização política para a luta coletiva na busca de condições. Apesar disso,
existem grupos de capoeira com estruturas e intenções que primam pela sua identidade, que
se formam com vínculo da história com seu mestre, suas tradições de movimentos
corporais, que de fato são grupos ricos por reforçar a capoeira. No entanto Maciel de
Aguiar considera que os grupos de capoeira têm se distanciado da sua característica de luta:
A capoeira foi reintroduzida como espetáculo pelo Militão, que foi o cara que veio
pra cá, num sei se consciente ou inconscientemente, veio num lugar onde a capoeira tinha
sido banida, por que a capoeira, ou melhor, a luta e cabula eram manifestações proibidas
pela polícia, aqui não se praticavam, nos anos 15 até os anos 80 não podia praticar tanto a
cabula quanto a luta, aqueles que tinham conhecimentos, tanto da cabula32
.
A questão que aqui se apresenta — a redução da capoeira somente como espetáculo
— configura-se em um fato cultural, como a dança. Entretanto, a capoeira passou por
31 SERRA, Monica Allende (org.). Diversidade cultural e desenvolvimento urbano. São Paulo: Iluminuras,
2005, p.135. 32 Entrevista concedida por Maciel de Aguiar,16 de novembro de 2006. Porto de São Mateus. Arquivo
particular de Fábio Luiz Loureiro.
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24 Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
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momentos históricos que a remetem à verdadeira ocupação social e ao reconhecimento do
negro da sociedade escravocrata.
Trata-se de demonstrar que a formação dos grupos na atualidade assume uma
configuração aleatória, desvinculada do projeto histórico que a gerou. Tal distanciamento a
priori possibilita uma redução no fenômeno técnico da capoeira marcial, espetáculo, ou até
mesmo ―pedagogizante‖. Esse fato cria uma classificação dos grupos de capoeira a partir de
sua formação, estigmatizando sua imagem e limitando seu campo de atuação política, social
e cultural.
Como frutos da base de sua formação, os grupos de capoeira ocupam os espaços
alicerçados na construção de objetivos educacionais, históricos, culturais, sociais e técnico-
desportivos. Sem o reducionismo ao fenômeno cultural, mas numa aproximação entre a
identidade cultural e a capoeira, há um grande conflito entre os depoentes, quando
interrogados sobre os objetivos do órgão público responsável pela cultura em São Mateus.
Em geral, dizem desconhecer a proposta a respeito, deixando claro que a capoeira
representada pelos grupos e a capoeira pensada pelos grupos em relação ao setor público da
cultura estão desvinculadas das diretrizes políticas e ações de apoio à capoeira. A
participação política dos grupos não corresponde, de certa forma, à participação necessária
à tomada coletiva de decisões de reconhecimento do seu papel na sociedade.
No percurso da pesquisa ficou claro que a representação através da organização
política dos grupos de capoeira está fragilizada no sentido de conhecer os caminhos de
direito que a capoeira, como fenômeno cultural, tem ao acesso democrático. Isso ficou
perceptível no I Seminário Cultural de Capoeira do Espírito Santo, organizado pela
Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo. No encontro, que contou com
representantes dos grandes e pequenos grupos do Estado, os capoeiras deixaram claro que
têm abertura para a discussão sobre a temática da capoeira e para traçar os caminhos das
políticas públicas com visitas ao desenvolvimento da capoeira, mas observaram que é
preciso tomar cuidado com o processo de institucionalização da cultura:
Desde que se institucionalizou a cultura no Brasil, criando-se secretarias e
departamentos, federais, estaduais e municipais, usurparam do povo o direito do fazer
cultural. Curiosamente, essa atitude típica de regimes autoritários prevalece nas
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25 Pesquisa em Debate, edição especial, 2009
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democracias de hoje, inclusive no Brasil. Na aparência estão sempre em metamorfose,
siglas são criadas, leis são promulgadas e não há discurso em que o povo não apareça em
primeiro lugar. Simples estratégia de maquiagem para que continue o mesmo. 33
Dessa maneira, a política desagregadora de valores éticos e culturais, estabelecida
na formação dos grupos de capoeira, não representa a formação das políticas públicas para
a capoeira, voltadas para novos caminhos de apoio aos grupos, na medida em que prevalece
o interesse de professores e mestres de trabalhar para sobreviver por meio de aulas e
batismo, de aumentar o próprio grupo, de participar de grandes eventos. Mal sucedidos,
eles apresentam a capoeira quase com uma prática reduzida ao aspecto mecânico de sua
existência na atualidade.
De um modo geral, outro ponto que se destaca na formação dos grupos de capoeira,
para além dos objetivos estabelecidos que os distanciam da formação histórica, é o fato de
os mestres de capoeira não estarem atentos ao tempo cultural necessário para a formação de
mestres. A realidade da redução temporal estabelecida para essa formação causa conflitos
entre os grupos de capoeira, com desafios que passam a ser percebidos nas rodas de
capoeira e na participação reduzida nos movimentos de ocupação de espaço das políticas
culturais. Essas atitudes ocasionam promessas e uma ilusão de que em pouco tempo esses
novos mestres irão chegar à formação de um grande grupo em vários municípios, Estados e
nações, haja vista a identidade visual utilizada em seu marketing, que tem Brasil ou o
planeta Terra como meta de ocupação de espaço mercadológico.
Ao indicar claramente essa lacuna na formação, nos objetivos e nas representações
dos grupos e seus mestres, constata-se que o aparecimento de uma fatia de mestres e
professores de capoeira fortalece o movimento político dessa cultura. Sua grande maioria é
de mestres e professores envolvidos com a história, cultura e o fazer apropriado do seu
mestre e suas tradições. Vários acontecimentos possibilitaram para que este movimento se
concretizasse, dentre eles, estão os avanços em várias áreas culturais, onde a capoeira fica à
margem desse desenvolvimento.
33 GALVÊAS, Kleber, 1947. Identidade Capixaba: ensaios e crônicas. Barra do Jucu, ES, 2005, p.90.
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Políticas de incentivo à cultura e políticas públicas para a capoeira em São Mateus
A capoeira faz parte de um conjunto de ações políticas que não proporciona
prioritariamente apoio cultural para sua afirmação. Embora com a presença histórica de
seus personagens, mestres e grupos, tão marcantes no município, evidencia-se que para
incentivar a capoeira não há uma política pública. Essa afirmação é deixada clara pelos
depoimentos dos entrevistados, quando interrogados sobre a existência de política pública
para a capoeira em São Mateus. Embora exista uma política nacional de incentivo à cultura.
As leis federais para a cultura criaram tantos complicadores que só as grandes
empresas, com advogados e contadores, tiram o melhor proveito delas. Meu filho, estudante
de história, compra em uma multinacional, livros que chegam às suas mãos, mais baratos
do que similares locais, graças ao apoio cultural conquistados em Brasília pelo distribuidor.
Um bom lobby também funciona e pode nos proporcionar inutilidades caras como o filme
―O Guarani‖. 34
Esse caminho apontado no país traz à tona o debate sobre a acessibilidade ao
conhecimento específico da elaboração de projetos de leis, entre outros:
Os direitos culturais têm recebido menos atenção e, portanto, foram menos
desenvolvidos que os direitos civis, políticos, econômicos e sociais. Uma das razões para
este subdesenvolvimento é a imprecisão do próprio termo cultura, que pode se referir a
uma multiplicidade de coisas, desde produtos culturais como a arte e a literatura até o
processo cultural ou a cultura como uma forma de ser. 35
Escolher a capoeira como objeto de pesquisa foi um desafio para quebrar os
preconceitos de sua presença no mundo da pesquisa científica. A capoeira tem avançado
muito nesse campo, mas ainda suas fontes e bibliografia revelam-se escassas para
fundamentar a pesquisa científica. Muitos dados têm ainda sua fonte viva em mestres e
pessoas que com eles viveram ao longo do tempo da sua história com a capoeira. Assim, a
capoeira também ocorre em São Mateus. Mestres e professores, pesquisadores e seus dados
34 GALVÊAS, Kleber, 1947. Identidade Capixaba: ensaios e crônicas. Barra do Jucu, ES, 2005, p. 90. 35 SERRA, Monica Allende (org.). Diversidade cultural e desenvolvimento urbano. São Paulo: Iluminuras,
2005, p. 124.
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e fontes estão num campo rico de acontecimentos e fatos que marcaram a vida do negro e
da capoeira, ou melhor, ao negro-capoeira em São Mateus. E vive-se neste caminho, na
iminência de perder estes dados no tempo, pois, as políticas públicas para a cultura,
especialmente para a capoeira, insistem em deixar em segundo plano o apoio e suporte no
registro dos fatos que marcaram a identidade do povo mateense com a capoeira.
Fontes
Depoimento concedido a Fábio Luiz Loureiro pelo contramestre Fuêpa. Arquivo de Fábio
Luiz Loureiro.
Entrevista concedida pelo pesquisador Maciel de Aguiar Porto, de São Mateus, tem16
novembro de 2006. Arquivo de Fábio Luiz Loureiro.
Entrevista concedida por Maciel de Aguiar,16 de novembro de 2006. Porto de São Mateus.
Arquivo particular de Fábio Luiz Loureiro.
Entrevista concedida por mestre Odilon Dias Vieira – Vitória / ES. Arquivo de Fábio Luiz
Loureiro.
Entrevista concedida por mestre Odilon Dias Vieira – Vitória / ES. Arquivo de Fábio Luiz
Loureiro.
Entrevista concedida por mestre Sidrônio – São Mateus – 21 de julho de 2006. Arquivo de
Fábio Luiz Loureiro.
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