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139 Sociedade & Natureza, Uberlândia, 19 (2): 139-151, dez. 2007 Caracterização dos elementos físicos da Bacia do Córrego Santo Antônio (Rio Claro – SP) Débora Aparecida Machi, Cenira Maria Lupinacci da Cunha CARACTERIZAÇÃO DOS ELEMENTOS FÍSICOS DA BACIA DO CÓRREGO SANTO ANTÔNIO (RIO CLARO/SP) Characterization of the physical elements from the Córrego Santo Antônio Basin (Rio Claro/SP) Débora Aparecida Machi Geógrafa formada na Universidade Estadual Paulista – Rio Claro [email protected] Cenira Maria Lupinacci da Cunha Professora Doutora do Departamento de Planejamento Territorial e Geoprocessamento – Universidade Estadual Paulista, IGCE [email protected] Artigo recebido para publicação em 02/10/2006 e aceito para publicação em 09/05/2007 RESUMO: O objetivo desta pesquisa foi caracterizar os elementos físicos da bacia do córrego Santo Antônio, buscando compreender a influência que a área de entorno dessa bacia exerce sobre a Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade (FEENA). Para isto, foram elaboradas as cartas geomorfológica e de uso do solo, além da compilação de dados geológicos, pedológicos e climáticos. Essa influência foi avaliada em termos da dinâmica de remobilização de materiais provenientes das nascentes, que não pertencem a FEENA, e que se constituem, portanto, em área de uso agrícola. A análise das características físicas indicou que essa área é susceptível a ação dos processos morfogenéticos e que estes foram intensificados e acelerados pelo uso do solo ao redor das nascentes. Verifica-se, assim, a necessidade de se reavaliar esse uso e de se fiscalizar o cumprimento da própria legislação ambiental, no que se refere ao uso e ocupação do território, em fundos de vale. Palavras-chave: sistemas, relevo, bacia hidrográfica ABSTRACT: The objective of this research was to characterize the physical elements from the Córrego Santo Antônio basin, aiming to understand the influence of its surrounding areas towards the Edmundo Navarro de Andrade State Forest (ENASF). For this, we produced geomorphological and land use maps and compiled geological, soil and climatic data. Such influence was evaluated in terms of the dynamics of the transportation of the materials from the stream sources, outside of ENASF and over agricultural areas. The physical characteristic analyzes indicated that this area is sensitive to the morphogenetic processes and that they were intensified and accelerated by the land use surrounding the stream sources. Therefore, it is necessary to re- evaluate the land occupation and to fiscalize the accomplishment of the environmental laws related to the land use in valleys. Keywords: systems, relief, hydrographic basin

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Sociedade & Natureza, Uberlândia, 19 (2): 139-151, dez. 2007

Caracterização dos elementos físicos da Bacia do Córrego Santo Antônio (Rio Claro – SP)Débora Aparecida Machi, Cenira Maria Lupinacci da Cunha

CARACTERIZAÇÃO DOS ELEMENTOS FÍSICOS DA BACIA DOCÓRREGO SANTO ANTÔNIO (RIO CLARO/SP)

Characterization of the physical elements from theCórrego Santo Antônio Basin (Rio Claro/SP)

Débora Aparecida MachiGeógrafa formada na Universidade Estadual Paulista – Rio Claro

[email protected] Maria Lupinacci da Cunha

Professora Doutora do Departamento de Planejamento Territorial eGeoprocessamento – Universidade Estadual Paulista, IGCE

[email protected]

Artigo recebido para publicação em 02/10/2006 e aceito para publicação em 09/05/2007

RESUMO: O objetivo desta pesquisa foi caracterizar os elementos físicos da bacia do córrego SantoAntônio, buscando compreender a influência que a área de entorno dessa bacia exerce sobrea Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade (FEENA). Para isto, foram elaboradas ascartas geomorfológica e de uso do solo, além da compilação de dados geológicos, pedológicose climáticos. Essa influência foi avaliada em termos da dinâmica de remobilização de materiaisprovenientes das nascentes, que não pertencem a FEENA, e que se constituem, portanto, emárea de uso agrícola. A análise das características físicas indicou que essa área é susceptívela ação dos processos morfogenéticos e que estes foram intensificados e acelerados pelo usodo solo ao redor das nascentes. Verifica-se, assim, a necessidade de se reavaliar esse uso e dese fiscalizar o cumprimento da própria legislação ambiental, no que se refere ao uso e ocupaçãodo território, em fundos de vale.

Palavras-chave: sistemas, relevo, bacia hidrográfica

ABSTRACT: The objective of this research was to characterize the physical elements from the Córrego SantoAntônio basin, aiming to understand the influence of its surrounding areas towards theEdmundo Navarro de Andrade State Forest (ENASF). For this, we produced geomorphologicaland land use maps and compiled geological, soil and climatic data. Such influence wasevaluated in terms of the dynamics of the transportation of the materials from the stream sources,outside of ENASF and over agricultural areas. The physical characteristic analyzes indicatedthat this area is sensitive to the morphogenetic processes and that they were intensified andaccelerated by the land use surrounding the stream sources. Therefore, it is necessary to re-evaluate the land occupation and to fiscalize the accomplishment of the environmental lawsrelated to the land use in valleys.

Keywords: systems, relief, hydrographic basin

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INTRODUÇÃO

A Cartografia constitui-se em um instru-mento de representação, correlação e análise im-prescindível para o planejamento e gestão territorial.Neste contexto, a representação cartográfica do re-levo tem papel relevante, visto que é sobre as feiçõesgeomorfológicas que se localizam e se desenvolvemas atividades humanas (Cunha, 2001).

Se as formas de relevo constituem o subs-trato físico das instalações humanas, estas tambémsofrem modificações causadas por tais instalações erespondem a tais alterações, muitas vezes, de formaagressiva (Cunha, 2001).

Casseti (1994 apud Cunha, 2001, p.1), aoreferir-se a este problema, afirma que

(...) mesmo a ação indireta do homem, ao eli-minar a interface — representada pela cober-tura vegetal — altera de forma substancial asrelações entre as forças de ação (processosmorfodinâmicos) e de reação da formação su-perficial ou mesmo do substrato, implicandoem desequilíbrios morfológicos, e muitas ve-zes tendo conseqüências geoambientais (movi-mentos de massa, boçorocamento, assorea-mento...) que chegam a ser catastróficas.

A representação cartográfica do relevo podefornecer informações que auxiliam na ocupação ou,em caso de ocupação já efetiva, pode identificar áreaspotencialmente problemáticas no futuro.

Neste contexto, verifica-se a importância dese analisar tais feições a partir de unidades espaciaisque contemplem as especificidades morfogenéticasdo relevo. A concepção da bacia hidrográfica como“área de drenagem de um curso d’água ou de umlago” (Brasil, 1983, p.20), engloba princípios queatendem tal demanda. Esta unidade de terreno é umsistema aberto que recebe energia e massa na formade água proveniente das precipitações atmosféricase de sedimentos das vertentes, e perdem massa eenergia através da água e sedimentos que são deslo-

cados em direção aos cursos fluviais, lagos ouoceanos. Assim, a análise de relevo através da baciahidrográfica se torna relevante por esta ser um sis-tema, no qual, se compreendido seu funcionamento,permite a previsão da evolução do modelado da áreae saber o melhor modo do homem utilizá-la.

Segundo Cunha (1997), há um consenso, en-tre os pesquisadores que se dedicam à questão am-biental, de que a bacia hidrográfica constitui-se emuma unidade fundamental para o planejamento da pai-sagem. Sabe-se, entretanto, que o uso das terras édefinido pelo homem e muitas vezes ultrapassam oslimites da bacia, como é o caso da área deste estudo.

A área deste estudo inclui parte da FlorestaEstadual Edmundo Navarro de Andrade (FEENA),uma unidade de conservação de uso sustentável que,conforme a Lei nº 9.985 de julho de 2000, tem oobjetivo básico de compatibilizar a conservação danatureza com o uso sustentável de parcela dos seusrecursos naturais.

As nascentes dos cursos d’águas que cortamessa unidade de conservação, como é o caso da baciado córrego Santo Antônio, localizam-se fora desta, poristo é necessário saber a influência que estes corposexercem sobre a unidade, para que a partir das infor-mações da dinâmica desta bacia hidrográfica possahaver um uso sustentável de seus recursos naturais.

Com o presente trabalho, pretende-se carac-terizar os elementos físicos da bacia do córrego SantoAntônio, objetivando entender a real influência daárea de entorno sobre a Floresta Estadual EdmundoNavarro de Andrade. Esta influência será avaliadaem termos da dinâmica de remobilização de materialproveniente das nascentes que não pertencem aFEENA e que estão sobre áreas de uso agrícolaintensivo.

ÁREA DE ESTUDO

A bacia do córrego Santo Antônio situa-se aleste da área urbana de Rio Claro, entre 22o22’04" e22o 26’01" de latitude sul e 470 27’42" e 47o35’0l”

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de longitude oeste, posicionando-se na região centro- leste do Estado de São Paulo (Figura 1).

Figura 1. Esboço esquemático da localização da área de estudo.Fonte: Cunha (1997, p.95).

Figura 2. Esboço geológico da bacia do córrego Santo Antônio.Fonte: Cunha (1997).

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Com relação às características geológicas dabacia do Córrego Santo Antônio (Figura 2), estasestão vinculadas às Formações Corumbataí, SerraGeral, Pirambóia e Rio Claro (São Paulo, 1988 apudCunha, 1997).

A Formação Corumbataí, datada do Permi-ano, ocorre no setor de vale do Córrego Santo An-tônio, onde se encontra recoberta por LatossolosRoxo. Também se faz presente em uma faixa con-tínua que abrange a média bacia, onde sua decom-posição dá origem a Podzólicos Vermelho Amarelo,

Unidade Serrinha, atualmente denominados deArgissolo Vermelho Amarelo (Figura 3).

A Formação Pirambóia, datada do Triássico,ocorre nos setores NE, E e SE, estando posicionadaentre a Formação Corumbataí e uma faixa estreitada Formação Serra Geral, no extremo leste da áreade estudo. Tal formação encontra-se recoberta porvariadas coberturas pedológicas, as quais vinculam-se tanto a Latossolos Roxo, como a Podzólicos Ver-melho Amarelo das unidades Serrinha, Santa Cruz eOlaria.

Figura 3. Esboço dos tipos de solo da bacia do córrego Santo Antônio.Fonte: Adaptado de Cunha (1997).

A Formação Serra Geral se faz representarpor diabásios, resultantes dos derrames ocorridos noJurássico-Cretáceo, localizados no interflúvio doscórregos Ibitinga e Santo Antônio, entre este e o limitesul da bacia, assim como em uma faixa estreita noextremo leste da área enfocada. Segundo IPT (1981),vários fatos, como a uniformidade e extensão dos

derrames e a preservação da morfologia local dedunas, comprovam que tal formação originou-se do“extravasamento rápido de lava muito fluída” e que,durante este evento, houve a manutenção dascondições desérticas.

Sobre tal formação, desenvolvem-se Latos-

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solos Roxo, originários da decomposição do diabásio,o que, segundo Oliveira e Prado (1984), atribuem-lhes características próprias, como altos teores deóxido de ferro e titânio. Os autores citados esclarecemque estes ocorrem, geralmente, em áreas onde oscursos fluviais esculpiram as rochas cretáceas e pós-cretáceas, aflorando os basaltos e diabásios. Convém

destacar que, no caso da bacia do córrego SantoAntônio, a área recoberta pelo Latossolo Roxo ultra-passa os limites do diabásio, recobrindo tambémoutras litologias. O mesmo ocorre no caso das demaisformações, fato que pode ser explicado pela incom-patibilidade de escalas das fontes relativas aos dadospedológicos e geológicos aqui apresentados.

Figura 4. Carta geomorfológica da bacia do córrego Santo Antônio.

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O Latossolo Roxo, unidade Ribeirão Preto,de acordo com Oliveira e Prado (1984, p. 29), carac-teriza-se como um solo eutrófico, horizonte A mo-derado e textura muito argilosa ou argilosa. Estesautores afirmam ainda que, devido às suas ótimascaracterísticas físicas e químicas, verifica-se umintenso uso agrícola o que, em muitas áreas, tornadifícil a descrição da camada superficial já que a es-trutura original foi destruída por tal atividade.

A unidade Barão Geraldo diferencia-se daRibeirão Preto devido ao seu caráter distrófico, oque implica em menor saturação por bases. Por estemotivo, a diferenciação só é possível através de aná-lises laboratoriais, implicando, no processo carto-gráfico, em dificuldades na individualização destasunidades, fato que levou, segundo os autores citados,ao mapeamento destes como associação. Convémlembrar que, no caso de associações, o primeiro soloindicado, neste caso o Ribeirão Preto, ocupa 60%da área, enquanto que o segundo, unidade BarãoGeraldo, 40% da área mapeada.

Tais características do substrato rochoso edos solos dão origem a formas de vertentes variadas(Figura 4). Contudo, constata-se que aquelas verten-tes vinculadas à ocorrência da Formação Serra Gerale, conseqüentemente, dos Latossolos Roxo, apre-sentam, com maior freqüência, formas retilíneas,caracterizadas por grande continuidade espacial. Taisformas também ocorrem sobre outras litologias,porém, nestes casos, são mais fragmentadas e commenor extensão.

As vertentes côncavas apresentam maiorconcentração no setor leste da bacia que correspondeao setor de nascentes do córrego Ibitinga, tributárioda margem direita do córrego Santo Antônio. Estasvertentes, geralmente, caracterizam-se por concen-trarem água, dando origem, na maioria das vezes, acanais fluviais de primeira ordem. Já as formas con-vexas vão ocorrer em diversos setores da bacia, nãoapresentando grande continuidade espacial, visto quese encontram entrecortadas pelas outras formas jádescritas.

ABORDAGEM METODOLÓGICA

A abordagem metodológica para o estudo daárea baseou-se nos princípios que regem a TeoriaGeral dos Sistemas aplicados à ciência geográfica.Os sistemas funcionam executando processos e vi-sam a obtenção de determinadas respostas, comoafirmaram Thornes e Brunsden (1977, apud Chris-tofoletti, 1979, p.1), que conceberam o sistema comoum “conjunto de objetos e atributos e das suas re-lações que se encontram organizados para executaruma função particular”. Já para Cowan (1963, apudHoward, 1973, p. 4), um sistema “é composto deelementos (objetos), seu estado instantâneo e inter-relações, estando sujeito a modificações através dotempo”. Portanto, nota-se que, em um sistema, existeuma relação entre objetos e seus atributos paraexecutar uma função particular, que o modificaráatravés do tempo.

Ao estudar a Geomorfologia, verifica-se queé impossível compreender o relevo sem consideraros fluxos de matéria e energia. As formas de relevosão frutos da interação da estrutura geológica, doclima atual e passado e, atualmente, da atividadeantrópica, cujas relações interferem nas carac-terísticas pedológicas e na cobertura vegetal. A visãoda Teoria Geral de Sistemas possibilita estabelecer eanalisar tais inter-relações, tanto como compreenderos vínculos de dependência entre esses fatores.

Os sistemas podem ser classificados confor-me critérios variados. Para a análise geomorfológi-ca, os mais importantes são o critério funcional e oda composição integrativa. Este estudo encontrarespaldo metodológico no critério funcional, pois abacia hidrográfica é uma unidade passível de serentendida como um sistema aberto. Este tipo de sis-tema mantém relações com os demais sistemas douniverso no qual funcionam através de constantestrocas de energia e matéria (Christofoletti, 1991).Considerando-se os critérios de complexidade dacomposição integrativa, Chorley e Kennedy (1971,apud Christofoletti, 1979) propuseram uma classi-ficação estrutural e distinguiram 11 sistemas: mor-fológicos, em seqüência, processo-resposta, contro-

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lados, automantenedores, plantas, animais, ecossis-temas, homem, sistemas sociais e ecossistemashumanos.

Na classificação estrutural, este estudo possuirespaldo metodológico dos sistemas processo-resposta. No sistema processo-resposta, pode-se“identificar as relações entre processo e as formasque dele resultam, caracterizando a globalização dosistema” (Christofoletti, 1993, p.6-7). Estes aspectosforam avaliados na correlação dos dados geomor-fológicos, geológicos, climáticos e pedológicos e nacarta geomorfológica, visto que, ao analisar a formado relevo na fotografia aérea, inferem-se o processoocorrente na área.

A seguir, são apresentadas os principaisaspectos teóricos e metodológicos relacionados coma elaboração de três cartas temáticas desse estudo.

Carta Geomorfológica

As cartas geomorfológicas “constituem emdocumentos de alta complexidade, devido à grandequantidade de informações registradas, as quaisabarcam desde a estrutura geológica, cronologia,morfografia, até características morfométricas daárea” (Cunha, 2001). Procura-se, assim, em um úni-co documento cartográfico, registrar característicasde relevo relacionadas ao sistema morfológico eprocesso-resposta. Para Verstappen e Zuidam (1975),o objetivo de um levantamento geomorfológico éobter uma imagem concisa e sistemática do relevo edos fenômenos que estão ligados a este.

Neste trabalho, a carta geomorfológica teve,como orientação, a proposta do “InternationalInstitute for Aerial Survey and Earth Sciencies” (ITC,Holanda) (Verstappen e Zuidam, 1975). Esta propos-ta de levantamento geomorfológico é uma técnicaanalítica que compreende os aspectos morfométricos,morfográficos, morfogenéticos, morfocronológicos,litológicos e morfológicos.

Segundo Verstappen e Zuidam (1975), omapa geomorfológico pode ser de três tipos: mapas

preliminares, elaborados antes do trabalho de campo,com base somente na interpretação de fotografiasaéreas; mapas com fins gerais, resultados de inves-tigações geomorfológicas puras; e mapas com finsespecíficos, produtos de investigações geomorfo-lógicas aplicadas. Podem ser de morfoconservaçãoou hidromorfológicos.

Para este trabalho, foi confeccionado ummapa para fins gerais, com ênfase nos dados mor-fográficos considerados essenciais para atender osobjetivos dessa pesquisa.

Para a confecção da carta geomorfológicaforam realizadas as seguintes etapas:

1. Foto-interpretação: foram utilizados paresestereoscópicos de fotografias aéreas na escala1:25.000, datadas de 21 de junho de 1995. Para omapeamento das feições geomorfológicas, utilizou-se a simbologia de Verstappen e Zuidam (1975), naqual os símbolos são coloridos de acordo com a suaorigem. Assim, as formas de origem denudativo forammapeadas com símbolos de cor marrom, as de origemfluvial de azul escuro e as morfométricas de cor preta.Neste artigo, este mapeamento é apresentado em tonsde cinza. Também foram utilizados os símbolos dostipos de vertentes (retilínea, côncava e convexa) eterraços de cultivo das cartas de morfoconservaçãoe, das cartas hidromorfológicas, o símbolo que repre-senta as represas. A área de estudo apresenta algu-mas feições não abordadas por Verstappen e Zui-dam (1975), por isto também foram utilizadas sim-bologias de Tricart (1965) referentes ao caimento ecolo topográfico. Estes procedimentos possibilitaramuma análise mais detalhada do relevo.

2. Trabalhos de campo e edição da carta:após a fotointerpretação e a montagem de uma cartapreliminar, foram realizados trabalhos de campo parareambular os dados mapeados. A carta foi editadaatravés do programa Corew Draw 11.

Carta de Uso do Solo

A carta de uso do solo foi elaborada através

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da interpretação de pares estereoscópicos defotografias áreas de escala 1: 25.000, datadas de 21de junho de 1995. Para a realização da referidafotointerpretação, analisou-se os elementos detonalidade, textura, forma da parcela, dimensão daárea cultivada e arranjo espacial, como recomendamCeron e Diniz (1966). Através deste documentocartográfico, verificou-se que, na área de estudo,ocorrem as seguintes categorias de uso do solo: mata,pastagem, cana-de-açúcar, cultura anual, área urbanae reflorestamento.

Dados geológicos, pedológicos e climáticos

Esses dados foram compilados do trabalhorealizado por Cunha (1997) na mesma área deestudo.

ELEMENTOS FÍSICOS:APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO

Convém ressaltar a presença de uma nítidadiferença nas formas geomorfológicas registradas nossetores que têm a presença da Formação Serra Geral

daquelas cujas litologias vinculam-se à FormaçãoCorumbataí. Neste contexto, nas áreas onde seencontram presentes o diabásio, verifica-se umamenor quantidade de rupturas topográficas. Já nosetor leste, área das nascentes dos córregos Ibitingae Santo Antônio, que tem como substrato rochoso aFormação Corumbataí, apresenta uma maiordissecação do relevo, expressa pelas inúmeras rup-turas topográficas, canais pluviais e sulcos erosivos,identificados também através da reambulação emcampo. A presença de leques aluviais comprova aremobilização de material existente neste setor,demonstrando a fragilidade deste aos processoserosivos. No setor NE, pode-se constatar a presençade colos topográficos que sugerem o avanço dos pro-cessos denudacionais e que podem, no futuro, geraro rompimento destes topos internos.

A fragilidade demonstrada pela área, prin-cipalmente no setor abrangido pela Formação Co-rumbataí, inspira cuidados em relação à conservaçãodo solo. Tal preocupação torna-se ainda maior quan-do se constata a intensa dinâmica pluvial dominantena área (Figuras 5 e 6).

Figura 5. Média pluviométrica mensal do período de 1961 a 1995.Fonte: Cunha (1997).

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A média pluviométrica anual calculada combase nos dados para o período de 1961 a 1995 é de1.536 mm; desse total anual, verifica-se uma maiorconcentração de chuvas entre os meses de setembroe março, correspondendo ao período mais quentedo ano (Cunha, 1997).

Esta dinâmica pluvial exige um uso da terracoerente com tais características físicas registradas.Contudo, observa-se uma intensa utilização da agro-pecuária na área (Figura 7) e que, mesmo com me-didas preservacionistas (terraceamentos), não con-seguem conter os processos de dissecação do relevo(Figura 8). Estas formas de contenção erosiva com-prometem também as formas das vertentes, tor-nando difícil a avaliação da dinâmica do escoamen-to pluvial nesta área.

Cunha (1997), em seu estudo sobre a baciahidrográfica do córrego Santo Antônio, analisou ocenário do uso do solo no ano de 1972. Verificou-sea existência de um grande setor cujo uso do solo é oreflorestamento da FEENA; neste setor, localiza-sea maior parte dos Latossolos Roxos existentes nabacia. Trata-se de uma área cujo uso do solo se man-teve o mesmo nos períodos analisados, sendo assim,

Figura 6. Total anual de chuvas, no período de 1961 a 1995, do posto pluviométrico do Horto Florestal“Navarro de Andrade”.Fonte: Cunha (1997).

a atuação dos processos morfogenéticos é mini-mizada pelo seu uso. Porém, encontram-se evidênciasda intensificação dos processos de remobilização demateriais no setor leste, através da presença de lequese planícies aluviais. Além disso, no interflúvio entreo Córrego Santo Antônio e Ibitinga, constatou-se,segundo o Instituto Florestal (2005), a presença defalhamentos e de grande complexidade litológica.Dessa forma, a manutenção da vegetação é essencialpara a contenção dos processos morfogenéticos.

Em 1972, segundo Cunha (1997), verificava-se que a cana-de-açúcar distribuía-se na forma deuma faixa quase contínua, localizada na média bacia,sendo interrompida localmente por pequenas áreasde pastagem, citrus, mata ou reflorestamento. Nosetor leste desta faixa, onde se encontram as prin-cipais nascentes do córrego Ibitinga, o uso do soloencontrava-se relacionado principalmente a pasta-gens, ocorrendo pequenas áreas de reflorestamento,cultura anual e mata. A mata ciliar encontrava-se pre-servada em poucos pontos, sendo tomadas pelaspastagens.

Através da comparação entre os dados deCunha (1997) e aqueles apresentados na Figura 7,

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pode-se verificar a expansão da plantação canavieirasobre as pastagens. Hoje, constata-se que asplantações de cana continuam a se expandir, nãoapenas sobre as pastagens, mas inclusive sobre amata ciliar. A mata ciliar encontra-se preservadaapenas em algumas nascentes (Figura 9), estas sãoimportantes para impedir que o material remobilizadodas vertentes alcancem os cursos d’água.

Figura 7. Carta de uso do solo da bacia do córrego Santo Antônio.

Em situações em que tal mata encontra-sedestruída, constata-se que o material remobilizadodas vertentes atinge o leito dos rios, modificam aforma do vale, gerando processos de retomadaerosiva, como foi observado em campo, no córregoIbitinga. Esta drenagem, atualmente, buscaaprofundar seu leito, entalhando os sedimentosdepositados em fases anteriores, constituindo indício

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da retomada erosiva deste canal fluvial. No campo,constatou-se ainda a intervenção humana nasnascentes soterradas para construção de vias detransporte (Figura 10).

Esta utilização da área, aliada à fragilidadeda formação litológica do setor ESE, inspira cuidadosem relação à conservação do solo. Tal preocupaçãose torna ainda maior quando se constata a intensadinâmica fluvial da área. Como se visualiza na Figura

Figura 8. Terraceamento agrícola (setas), próximo ao curso do córregoIbitinga (Machi, 2005).

Figura 9. Mata ciliar preservada de uma das nascentes do córregoIbitinga (Machi, 2005).

11, a maior parte das nascentes vinculadas ao córregoIbitinga tem sua origem sobre um degrau topográficosustentado pela Formação Serra Geral, e, na se-qüência de seu curso, atingem a Formação Piram-bóia, constituída por material arenítico, de grandefragilidade erosiva. Estas características geológicaspotencializam a velocidade do escoamento da águae implicam em contatos litológicos que indicam sus-cetibilidade a ação dos processos morfogenéticos,caracterizados por esta discordância erosiva.

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Sociedade & Natureza, Uberlândia, 19 (2): 139-151, dez. 2007

Caracterização dos elementos físicos da Bacia do Córrego Santo Antônio (Rio Claro – SP)Débora Aparecida Machi, Cenira Maria Lupinacci da Cunha

Enfim, as características físicas e o uso dosolo sugerem a necessidade de maior precaução nouso da área para evitar problemas referentes àdinamização de tais processos, os quais trazemconsigo problemas de assoreamento dos cursosfluviais e reservatórios, assim como a perda defertilidade das terras. O assoreamento já pode serverificado, por exemplo, no açude do córrego Ibi-tinga.

Figura 11. Degrau tipográfico, derrame basáltico, recortado por nascentes (Machi, 2005).

Figura 10. Soterramento de nascente (seta) do córrego Ibitinga(Machi,2005).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através da caracterização dos elementosfísicos, pôde-se constatar que a área analisadaapresenta diversos contatos litológicos e uma di-nâmica pluvial intensa, que quando aliada ao uso dosolo, pode acelerar os processos morfogenéticos,como é o caso do setor leste da bacia do córregoSanto Antônio.

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Caracterização dos elementos físicos da Bacia do Córrego Santo Antônio (Rio Claro – SP)Débora Aparecida Machi, Cenira Maria Lupinacci da Cunha

A carta geomorfológica ressaltou a dinâmicaerosiva instalada na área de estudo, ao demonstrar adinamização da atuação dos processos morfoge-néticos, principalmente no setor leste. A presença derupturas topográficas por toda a área de estudo indicauma possível fragilidade erosiva. A presença de lequese planícies aluviais comprova a ocorrência de granderemobilização de sedimentos em direção à FEENA.

Na carta de uso de solo, observou-se umaintensificação das atividades agrícolas, principalmentecom a expansão da lavoura da cana de açúcar, e,concomitantemente, a retração das áreas ocupadaspela mata ciliar na maior parte das nascentes. A fra-gilidade litológica aliada a este uso de solo vem ace-lerando os processos morfogenéticos da área.

Assim, verifica-se a necessidade de reavaliareste uso e de fiscalizar o cumprimento da próprialegislação ambiental no que se refere ao uso e ocu-pação do território em fundos de vale. Este proce-dimento é essencial para o equilíbrio da bacia hidro-gráfica que corta a FEENA e, conseqüentemente,para a estabilidade do relevo da área.

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