caracterizaÇÃo de um concentrado sulfetado de … · concentrado (ex: carvão mineral). tal...
TRANSCRIPT
Departamento de Engenharia de Materiais
CARACTERIZAÇÃO DE UM CONCENTRADO SULFETADO DE
COBRE COM UM TEOR DE FLÚOR POTENCIALMENTE ELEVADO
Aluno: Laila Bruna Vieira Chaves
Orientador: Eduardo de Albuquerque Brocchi
Co-orientador: Rodrigo Fernandes Magalhães de Souza
Introdução
O presente estudo de iniciação científica está inserido no contexto de uma parceria
entre a PUC-Rio e o ITV (Vale) para avaliação do comportamento do flúor em concentrados
sulfetados de cobre quando submetidos aos processos tradicionais de sua metalurgia extrativa.
Tal projeto tem sua origem no fato de existir uma limitação operacional ao uso de
concentrados de Cu com teor de F elevado devido aos problemas causados por corrosão de
materiais refratários e catalisadores da fábrica de H2SO4 assim como penalizações econômicas
que podem ser impostas ao se alimentar fornos com materiais com mais do que 500 ppm deste
elemento.
Para lidar com esta demanda, algumas plantas de produção de ácido sulfúrico possuem
um sistema próprio dedicado à remoção do flúor na seção em que os gases provenientes da
ustulação e fusão mática são lavados. Esses gases são levados para torres que contém anéis de
sílica que proporcionam a reação com o HF, formando HSiF6 e SiF4. Esses compostos se
solubilizam em água oriunda de um fluxo em contra-corrente que passa pela torre de lavagem.
Todavia, os problemas associados à corrosão de materiais cerâmicos permanecem sendo
relevantes até esta etapa de lavagem do fluxo gasoso motivando, assim, estudos com o intuito
de contornar ou mitigar estes efeitos deletérios, como por exemplo: tratamento de gases antes
da planta de ácido sulfúrico assim como processamento mineral e químico antes da ustulação
em Forno Flash[1]
.
Nesse sentido, o projeto tem como objetivo avaliar uma alternativa de processamento
químico que contorne a geração de ácido fluorídrico no ambiente de operação das etapas de
ustulação gás-sólido e fusão mática típicas de um processo de Flash Smelting. Como parte da
iniciativa do estudo, torna-se fundamental conhecer de forma abrangente as características dos
materiais utilizados a fim de que se possam conhecer as espécies presentes no material cujo
comportamento nos processos de extração se quer avaliar.
Assim sendo, o trabalho de iniciação científica tem por objetivo geral caracterizar por
meio de diferentes técnicas um concentrado sulfetado de cobre com teores de flúor
potencialmente elevados, procurando identificar de forma particular as espécies portadoras do
metal de interesse assim como as do elemento com potenciais efeitos deletérios ao processo.
Breve revisão teórica do contexto da metalurgia extrativa do cobre[2,3]
Concentrados sulfetados são uma importante matéria-prima nos processos de extração
metálica de cobre. A rota industrial mais consagrada prevê uma ustulação parcial com o
objetivo de se produzir uma solução de sulfetos fundidos chamada de mate, a subsequente
etapa de conversão e produção do Cu metálico assim como as etapas de refino à quente e
eletrolítico. Dentro desse contexto tecnológico, vários concentrados podem ser utilizados,
inclusive àqueles com variações mais expressivas nos teores de cobre, ferro e enxofre.
Departamento de Engenharia de Materiais
Todavia, é válido comentar que essa flexibilidade não é válida no que tange a presença de
flúor nos fornos de ustulação, particularmente àqueles de “Flash Smelting”.
Materiais utilizados e metodologia de trabalho
O material recebido é proveniente da reserva mineral da mina do Salobo no Pará e foi
submetido, neste local, aos procedimentos de processamento mineral e consequente
concentração. Esta reserva mineral, por sua vez, possui ocorrências de minerais portadores de
flúor que, mesmo após processamento mineral e flotação, reportam-se aos concentrados. A
expectativa de teor deste elemento é variável entre uma faixa de 1800 a 4000 ppm[4]
.
Dentro desse contexto, o presente estudo prevê a utilização das seguintes técnicas de
caracterização: análise granulométrica, microscopia eletrônica de varredura, difração de raios-
x e análise química elementar específica para determinação do flúor, visto que este elemento
dificilmente pode ser quantificado por técnicas analíticas convencionais.
Resultados e discussão
Análise granulométrica (granulômetro à laser)
a) Metodologia e equipamento utilizado
Por se tratar de um material com aspecto associado a uma granulometria muito fina,
realizou-se o procedimento de análise granulométrica por meio de difração de laser em uma
dispersão do concentrado em uma emulsão de água e sabão (granulômetro à laser). O
equipamento utilizado CILAS 1064 (Figura 1), encontra-se disponível no laboratório de
processos químicos do DEMa. Este, por sua vez, é constituído por duas fontes de laser
permanentemente posicionadas em ângulos de 0° e 45° são projetadas sobre as partículas e,
respectivamente, detectadas e interpretadas por software possibilitando medidas de tamanho
entre 0,04 e 500 μm[5]
.
Figura 1. Equipamento CILAS 1064 empregado na análise granulométrica
Departamento de Engenharia de Materiais
Figura 2. Desenho esquemático do funcionamento de granulômetro à laser[5]
b) Informações obtidas
A análise granulométrica permitiu um maior entendimento acerca da distribuição dos
tamanhos de partículas de uma determinada amostra, conforme apresentado na Figura 3.
Figura 3. Análise granulométrica do concentrado recebido
O concentrado sulfetado de cobre com um teor de flúor potencialmente elevado
proveniente da mina do Salobo possui diâmetro médio de 7,02 µm. Os diâmetros médios
calculados para 10% e 90% são respectivamente 1,45 e 12,20 µm. O diâmetro a 50% é da
ordem de 7,29 µm. Esta distribuição apresenta um cenário onde o material recebido é, de fato,
de granulometria diminuta e, portanto, não apresenta uma necessidade de se levar a efeito
procedimentos de cominuição a fim de facilitar o processamento químico por meio de reações
do tipo gás-sólido.
Análise morfológica e composicional (microscopia eletrônica)
a) Metodologia e equipamento utilizado
O estudo morfológico e de determinação da composição química elementar foi
realizado, de forma preliminar, por meio de, respectivamente, microscopia eletrônica de
varredura e espectroscopia de raios-x por dispersão em energia (MEV/EDS). Essas
Departamento de Engenharia de Materiais
apreciações foram conduzidas em um equipamento de bancada (TM-3000 da Hitachi),
disponível para utilização no laboratório de processos químicos do DEMa (Figura 4).
Figura 4. MEV/EDS de bancada (TM3000) utilizado no estudo
Um equipamento desta natureza está associado com a utilização de um feixe de
elétrons de pequeno diâmetro para explorar a superfície da amostra, ponto a ponto, por linhas
sucessivas e transmitir o sinal do detector a uma tela catódica cuja varredura está
perfeitamente sincronizada com aquela do feixe incidente. Por um sistema de bobinas de
deflexão, o feixe pode ser guiado de modo a varrer a superfície da amostra segundo uma
malha retangular. O sinal de imagem resulta da interação do feixe incidente com a superfície
da amostra. O sinal recolhido pelo detector é utilizado para modular o brilho do monitor,
permitindo a observação. A maioria dos instrumentos usa como fonte de elétrons um
filamento de tungstênio (W) aquecido, operando numa faixa de tensões de aceleração de 1 a
50 kV[6]
. A Figura 5 apresenta de forma esquemática o funcionamento de um equipamento de
microscopia eletrônica de varredura ao passo que a Figura 6 ilustra quais os componentes
básicos de um MEV. A técnica de apreciação da composição química elementar por EDS, por
sua vez, está associada com a interação de elétrons do feixe com a eletrosfera dos átomos da
amostra, proporcionando assim a liberação de raios-x característicos. Estes também são
interpretados por um detector específico para então, calcularem-se os percentuais dos
elementos, atômicos ou em massa, segundo faixas de energias típicas de cada um.
Figura 5. Desenho esquemático entre diferentes técnicas de microscopia
[6]
Departamento de Engenharia de Materiais
Figura 6. Desenho esquemático dos componentes básicos do MEV
[6]
b) Informações obtidas
As Figuras 7 e 8 apresentam o aspecto morfológico do concentrado de cobre recebido
enquanto as Tabelas I e II expõem os resultados percentuais, em peso, obtidos por meio da
análise via EDS. É válido comentar que as análises realizadas foram levadas a efeito após a
devida compactação da amostra em pastilhas afim de melhorar a estatística do método de
EDS, minimizando efeitos externos (ex: porta amostra e fita condutora).
Figura 7. Aspecto morfológico de uma região da amostra e região de análise por EDS
Departamento de Engenharia de Materiais
Tabela I. Resultados da análise por meio de EDS do Spectrum 1 (Figura 7)
Elemento % (em peso)
C 24,085
O 20,007
Mg 0,369
Al 1,054
Si 4,404
S 7,099
K 0,354
Ca 0,295
Fe 12,928
Cu 29,406
Figura 8. Aspecto morfológico de uma região da amostra e região de análise por EDS
Departamento de Engenharia de Materiais
Tabela II. Resultados da análise por meio de EDS do Spectrum 1 (Figura 8)
Elemento % (em peso)
C 20,989
O 20,926
Mg 0,293
Al 1,516
Si 4,525
S 7,372
K 0,420
Ca 0,221
Fe 13,585
Cu 30,153
Verificou-se que o concentrado apresenta uma grande variedade de espécies mineralógicas
presentes através da observação de distintas regiões com tons de cinza diferentes, do mais
claro ao mais escuro. Por se tratar de um equipamento cuja detecção é feita por elétrons retro-
espalhados, pode-se dizer que esta variação está diretamente associada com variações
composicionais da amostra. Do ponto de vista morfológico, a amostra parece ser bastante
heterogênea sem uma forma geométrica predominante e com partículas de tamanho variado.
No que diz respeito a análise por EDS, notou-se que o concentrado é essencialmente
constituído por C, O, S, Fe e Cu, sendo este último elemento aquele majoritário. Conforme
expectativa oriunda da literatura, o concentrado está de acordo, em termos de teor de cobre,
com as recomendações para processamento deste tipo de material em fornos do tipo Flash (ex:
Teor [Cu] > 30%)[2]
. Ocorrências minoritárias de Mg, Al, Si, K e Ca também foram
detectadas. É válido comentar que essas análises são em caráter qualitativo, visto que alguns
elementos como, por exemplo, o hidrogênio, não podem ser detectados neste equipamento.
Além disso, existe uma expectativa de variação neste valor, particularmente, no que diz
respeito aos elementos muito leves (ex: C e O). Uma informação interessante está relacionada
com o, aparentemente, elevado teor de carbono detectado nas análises. Tal ocorrência, por sua
vez, pode estar relacionada a presença de partículas de material de origem carbonácea no
concentrado (ex: carvão mineral). Tal expectativa de identificação de regiões constituídas
majoritariamente por carbono foi confirmada, como pode ser observado nas Figuras 9 e 10 e
Tabelas III e IV. É válido comentar que nesta análise não foi possível detectar presenças de
flúor em nenhuma das regiões observadas.
Departamento de Engenharia de Materiais
Figura 9. Aspecto morfológico de uma região da amostra e região de análise pontual por EDS
Tabela III. Resultados da análise por meio de EDS do Spectrum 6 (Figura 9)
Elemento % (em peso)
C 86,880
O 3,686
Al 0,123
Si 1,074
Sr 1,478
Fe 4,217
Cu 2,542
Figura 10. Aspecto morfológico de uma região da amostra e região de análise pontual por EDS
Departamento de Engenharia de Materiais
Tabela IV. Resultados da análise por meio de EDS do Spectrum 7 (Figura 10)
Elemento % (em peso)
C 90,411
O 3,777
Si 0,393
S 1,625
Fe 1,541
Cu 2,254
Análise mineralógica (difração de raios-x)
a) Metodologia e equipamento utilizado
A análise mineralógica da amostra de concentrado possibilitou o entendimento das
espécies presentes, particularmente naquelas portadoras do metal de interesse da indústria,
cobre, e da ganga mineral, incluindo ocorrências contendo flúor. Essas apreciações foram
conduzidas em um equipamento da Bruker (D8 Discover), disponível para utilização no
laboratório de difração de raios-x do DEMa.
Figura 11. Difratômetro de raios-X (D8 Discover) onde foi feita a análise
A difração de raios-x corresponde a uma das principais técnicas de caracterização,
permitindo a identificação das espécies, e suas respectivas estruturas cristalinas, presentes em
uma determinada amostra de material. Considerando-se dois ou mais planos de uma estrutura
cristalina, as condições para que ocorra a difração de raios-x vão depender da diferença de
caminho percorrida e o comprimento de onda da radiação incidente. Esta condição é expressa
pela Lei de Bragg (Figura 12). A intensidade difratada, dentre outros fatores, é dependente do
Departamento de Engenharia de Materiais
número de elétrons no átomo; adicionalmente, os átomos são distribuídos no espaço, de tal
forma que os vários planos de uma estrutura cristalina possuem diferentes densidades de
átomos ou elétrons, fazendo com que as intensidades difratadas sejam, por consequência,
distintas para os diversos planos cristalinos[7]
.
Figura 12. Difração de raios X e a equação de Bragg
[7]
b) Informações obtidas
A Figura 13 apresenta o espectro de difração de raios-x obtido e ajustado pelo método
de Rietveld por meio do software específico de modelagem (DIFFRAC SUITE TOPAS).
Figura 13. Espectro de difração e análise pelo método de Rietveld
Em uma primeira análise, é possível constatar que o espectro é bastante complexo
apresentando diversos picos de difração na de 10 a 60º. Todavia, foi possível realizar um
ajuste com boa qualidade, onde apenas alguns poucos picos permaneceram não apreciados na
análise. Nesse sentido, a avaliação do concentrado por meio da difração de raios-x indica que
as espécies sulfetadas portadoras de cobre mais significativas são: Bornita (Cu5FeS4) com
Departamento de Engenharia de Materiais
23,05%, Digenita (Cu7.2S4) com 31,07% e 2,31% devido a uma variação na estrutura cristalina
assim como Calcopirita (CuFeS2) com 1,67%. A análise também verificou a presença de
silicatos e óxidos assim como de algumas espécies portadoras de flúor como, por exemplo,
Fluorita (CaF2), com cerca de 2,08%, e um tipo de Biotita (K(Mg,Fe)3(AlSi3O10)(F,OH)2), da
ordem de 2,49%. Também foi possível detectar a presença de silicatos diversos da mesma
forma que carbono em sua forma elementar, sendo este último da ordem de 12,71%.
Análise química elementar
Identificou-se a cromatografia de íons como uma possível técnica de análise química
elementar dedicada à determinação de íons fluoretos[8]
. Todavia, não foi possível realizar esta
análise, pois é necessário identificar um método de abertura da amostra de concentrado por
meio não ácido, visto que a disponibilização de íons H+ pode levar à formação de ácido
fluorídrico e subsequente perda de flúor por volatilização, mascarando os resultados da
análise. O estudo segue em andamento nesse sentido, onde estão sendo considerados métodos
de digestão em meio alcalino.
Considerações finais
Apesar de se encontrar em uma fase inicial, o estudo permitiu o entendimento de
algumas características básicas do concentrado sulfetado de cobre oriundo da Mina do Salobo,
tais como: granulometria típica, análise elementar básica e composição mineralógica.
No que diz respeito à granulometria, observou-se que o material é extremamente fino
com um tamanho médio de partícula da ordem de 7 μm. Constatou-se por meio de
microscopia eletrônica um teor de cobre da ordem de 30% assim como uma presença
marcante de C, O, Fe e S. A apreciação da espécies presentes por meio de difração de raios-x,
permitiu a identificação das espécies portadoras de cobre (Bornita, Digenita e Calcopita)
assim como de compostos portadores de flúor, tais como: fluorita e biotita. A análise e ajuste
pelo método de Rietveld identificou um percentual superior a 2% em ambas as espécies. Tal
informação sugere que o referido concentrado é, de fato, caracterizado por um elevado teor de
flúor na sua composição química. O estudo segue em andamento e está prevista no escopo do
projeto junto ao ITV (Vale) a utilização de técnicas específicas para a determinação do teor
deste elemento (ex: cromatografia de íons) no concentrado a fim de que se possa ter uma
conhecimento mais amplo das características do material
Agradecimentos
Os autores agradecem ao CNPq e a PUC-Rio assim como ao ITV (Vale) pela
oportunidade de estudo. Também agradecem ao Professor Roberto de Avillez pela
disponibilização de uso do difratômetro de raios-x assim como ao Professor Rogério Navarro
pelo apoio na interpretação do espectro de difração.
Departamento de Engenharia de Materiais
Referências bibliográficas
[1] Vianna Jr, A.; Andrade, P.M.; Duarte Neto, J.; Pereira, G.S.P.; Torres, V.M.; New process
to remove fluorine from copper concentrates. Mining Engineering. p. 61-64, 1998.
[2] Davenport, W.G.; King, M.; Schlesinger, M.; Biswas, A.K.; Extractive Metallurgy of
Copper. Quarta Edição. Oxford, Reino Unido. 2002. p. 432
[3] Souza, R. M. Ustulação seletiva de um concentrado sulfetado com baixo teor de cobre,
2012. Tese (mestrado em engenharia de materiais) – Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro. 2012.
[4] Silver Wheaton Corp. Technical report on the mineral reserves and mineral resources of
the Salobo copper-gold mine, Carajás, Pará, Brasil. (19 de março de 2013).
[5] Disponível online para observação no seguinte endereço eletrônico: <http://www.es-
france.com/pdf/1064_us_doctech.pdf> Último acesso em 30/07/2014
[6] Dedavid, B. A., Gomes, C. I., Machado, G. Microscopia eletrônica de varredura –
Aplicações e preparação de amostras. Editora EDIPUCRS, 2007.
[7] Disponível online para observação no seguinte endereço eletrônico:
<http://www.angelfire.com/crazy3/qfl2308/1_multipart_xF8FF_2_DIFRACAO.pdf> Último
acesso em 16/07/2014
[8] Disponível online para observação no seguinte endereço eletrônico:
<http://www.mep.net.au/wpmep/wp-content/uploads/2013/08/ML50_AW_IC_AU6-0483-
052013-public.pdf > Último acesso em 30/07/2014