Ícaro francesconi gatti · 2013. 6. 5. · obra convencionalmente denominada crestomatia e...

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1 Ícaro Francesconi Gatti A CRESTOMATIA DE PROCLO: Tradução integral, notas e estudo da composição do códice 239 da Biblioteca de Fócio VERSÃO REVISADA Dissertação para obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Orientador: Prof. Dr. Marcos Martinho dos Santos São Paulo 2012

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1

Iacutecaro Francesconi Gatti

A CRESTOMATIA DE PROCLO

Traduccedilatildeo integral notas e estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio

VERSAtildeO REVISADA

Dissertaccedilatildeo para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre

pelo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Letras

Claacutessicas da Faculdade de Filosofia Letras e

Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo

Paulo

Orientador Prof Dr Marcos Martinho dos

Santos

Satildeo Paulo

2012

2

A meus pais que sempre me deram tudo quando foi possiacutevel

A minha irmatilde agrave sua capacidade e agrave sua trajetoacuteria exemplares

A Maria Beatriz Bouissou Macecircdo que com seu coraccedilatildeo encerra sua primeira dissertaccedilatildeo

de mestrado

3

AGRADECIMENTOS

Agrave CAPES pelo auxiacutelio concedido que me permitiu grande foco no uacuteltimo ano de

pesquisa

A meu grande orientador Prof Dr Marcos Martinho dos Santos que eacute uma inspiraccedilatildeo

desde a primeira aula do curso de Introduccedilatildeo aos Estudos Claacutessicos que ministrou no ano de

2003 a que assisti tatildeo logo ingressei na Universidade de Satildeo Paulo Que o decoro deste

gecircnero ldquoagradecimentos de dissertaccedilatildeo de mestradordquo me perdoe mas minha admiraccedilatildeo por

ele como acadecircmico talvez soacute se compare a minha admiraccedilatildeo pelo Led Zeppelin como banda

Ao Prof Dr Jacyntho Lins Brandatildeo que aceitou o convite para compor a banca e me

levou a reflexotildees teoacutericas imprescindiacuteveis e salutares contribuindo com sua vastiacutessima

experiecircncia no estudo de tatildeo fascinante objeto a Poeacutetica Antiga

Ao Prof Dr Joatildeo Acircngelo Oliva Neto por aceitar o mesmo convite e pelos proveitosos

conselhos que ateacute agora me deu natildeo soacute no exame de qualificaccedilatildeo e no exame de conclusatildeo

como tambeacutem desde que fui seu aluno pela primeira vez ainda na graduaccedilatildeo e em sucessivas

ocasiotildees Agradeccedilo-lhe por todas as questotildees de ordem tradutoloacutegica tambeacutem salutares que

me impocircs desde o princiacutepio de sua participaccedilatildeo neste processo Sem elas minha traduccedilatildeo

ainda estaria muito aqueacutem do esperado E como se natildeo bastasse tudo isso por ser o professor

mais engraccedilado com que tive aula na minha vida

Ao Prof Dr Alexandre Pinheiro Hasegawa que aleacutem dos importantes apontamentos

feitos no exame de qualificaccedilatildeo ajudou a refletir sobre os desdobramentos dados agrave pesquisa

Para noacutes neoacuteteroi ele eacute um clacissista modelar

A outros cariacutessimos professores que sempre foram capazes de muito me ensinar com

uma simples conversa durante o cafeacute Ao inesqueciacutevel mestre o professor Joatildeo Adolfo

Hansen agrave professora Paula da Cunha Correa ao professor Daniel Rossi Nunes Lopes ao

professor Maacuterio Eduardo Viaro

A meus pais pelo amor gritante e pelo amor taacutecito A minha irmatilde e agrave chatice de sua

companhia de que sinto falta a cada dia mais e mais Aos treze catildees da minha casa cujas

macias barrigas pude usar como travesseiro quando estava cansado Ao gato Fecircnix que possui

muito mais de sete ou nove vidas por seu fofo sobrepeso

A Maria Beatriz Bouissou Macecircdo por tudo que haacute de sincero

4

A Ticiano Curvelo Estrela Lacerda e a Artur Costrino irmatildeos cujas tatildeo notaacuteveis

qualidades sempre me incentivam como estudioso Agrave brilhante e mais cara amiga Tarsila

Donaacute e a Gabriel Lohner Groacutef e ao imprescindiacutevel auxiacutelio prestado por ambos na Casa de

Socorro aos Mestrandos Desesperados com a Corda no Pescoccedilo A Rafael Frate o

ldquoplenibroacutederrdquo

Agrave indissociaacutevel Amanda Lenharo di Santis e agrave afaacutevel companhia do gato Pimenta

A Diego Ydalgo Mateus Macedo Pires Samuel Gadia Rafael Pompiacutelio Gustavo

Motta e Fernando Baratella ternos amigos da terna idade de viacutedeo-game RPG HQ futebol e

(jaacute natildeo mais tatildeo terna) The Doors Como esquecer o primeiro Camotildees o primeiro Boccage o

primeiro Aacutelvares de Azevedo Gonccedilalves Dias Bandeira Drummond lidos nessa eacutepoca

A Rafael Brunhara Marcus Baccega Alexandre Almeida Marcussi e a outros

estimados amigos e colegas que jamais faria natildeo fossem as Letras e a FFLCH

5

RESUMO

A presente dissertaccedilatildeo visa agrave traduccedilatildeo anotada dos textos que nos datildeo a conhecer a

obra convencionalmente denominada Crestomatia e atribuiacuteda a Proclo junto de um estudo

que caracterize o quanto possiacutevel essa obra que permanece tatildeo obscura quanto relevante para

os Estudos Claacutessicos Traduziram-se tanto os fragmentos referentes ao Ciclo Eacutepico provaacuteveis

excertos diretos da obra como o resumo que dela restou na Biblioteca de Foacutecio coacutedice 239

A anotaccedilatildeo se ateacutem ao coacutedice 239 a fim de tornar conhecido o que fosse o variado conteuacutedo

geral da obra O coacutedice tambeacutem eacute o foco do estudo que pretende em trecircs capiacutetulos 1o)

discutir os problemas em torno do texto ie a atribuiccedilatildeo o tiacutetulo a constituiccedilatildeo da obra sua

histoacuteria etc 2o) tendo estabelecido algumas hipoacuteteses sobre essa constituiccedilatildeo diversa

explicitaacute-la comentando a primeira seccedilatildeo do texto e a confluecircncia de saberes diversos sobre as

Letras da Antiguidade fossem a Retoacuterica a Gramaacutetica a Poeacutetica considerando seus limites

3o) considerando a seccedilatildeo posterior do texto sobre a classificaccedilatildeo geneacuterica da poesia antiga

relacionaacute-lo com outros que versem sobre a classificaccedilatildeo dos gecircneros poeacuteticos em especial o

De Poematibus de Diomedes

PALAVRAS-CHAVE poeacutetica gramaacutetica retoacuterica poesia antiga gecircneros literaacuterios

6

ABSTRACT

The scope of the current dissertation is to present a commented translation in

Portuguese of the group of texts that gives us knowledge of the work conventionaly called

Chrestomathy ascribed to Proclus We present as well a study that characterizes as much as

possible this work that remains as obscure as relevant to the Classical Studies The fragments

that refer to the Epic Cycle which are probably direct excerpts of the original work were

translated as well as the summary which was preseved in Photiusrsquo Library the 239 codex

The commentary is about the 239 codex with the purpose of give knowledge of the

miscellaneous general content of the work The codex is also the focus of the study where in

three chapters 1) it will be discussed the questions around the text ie the ascription the

title the constitution of the work its history 2) having been established some hypothesis

about this diverse constitution it will be exposed on commenting the first section of the text

and the confluency as well as the limits of multiple knowledges of Literature in Antiquity

comprehending Rhetorics Grammar and Poetics 3) considering the later section of the text

concerning to the generic classification of ancient poetry we will relate the text with others

that deal with the classification of poetic genres especially Diomedesrsquo De Poematibus

KEYWORDS poetics grammar rhetoric ancient poetry literary genres

7

IacuteNDICE

Apresentaccedilatildeo9

Parte I ndash Estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio

Capiacutetulo 1 ndash CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO10

11 VESTIacuteGIOS DA OBRA10

12 AUTORIA E ATRIBUUICcedilAtildeO12

13 O NOME E A OBRA18

131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio18

132 A intitulaccedilatildeo do coacutedice 23925

133 O termo ldquocrestomatiardquo32

134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra38

Capiacutetulo 2 ndash A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA

ELOCUCcedilAtildeO POESIA E RETOacuteRICA50

21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO50

22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO52

221 O molde copioso55

222 O molde tecircnue57

223 O molde meacutedio59

224 O molde florido61

225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo62

Capiacutetulo 3 ndash A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA67

31 SEUS GEcircNEROS67

32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS

DE DIOMEDES74

33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO81

331 Epos83

3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria83

3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico86

332 Elegia90

333 Iambo94

334 Meacutelica96

Parte II ndash Traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo

1 COacuteDICE 23998

11 TEXTO98

12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO109

2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO

8

CICLO EacutePICO128

21 VIDA DE HOMERO128

22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO132

221 Ciacuteprias132

222 Etioacutepida137

223 Pequenas Iliacuteada139

224 Saque de Iacutelio141

225 Retornos143

226 Telegonia145

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS148

9

Apresentaccedilatildeo

Esta dissertaccedilatildeo de mestrado se debruccedila sobre o texto tradicionalmente denominado

Crestomatia e apenas atribuiacutedo a um Proclo cuja identidade permanece em litiacutegio Sem que

isso tenha sido um impedimento para muitos antes de mim proponho aqui considerada a

imensidatildeo de toacutepicos apenas aludidos ou sugeridos por tal objeto textual (alguns carentes de

investigaccedilatildeo)

a) uma traduccedilatildeo integral do que o tempo nos legou da obra um resumo preservado

por Foacutecio de Constantinopla seacutec IX dC e os excertos aceites pelos estudiosos como seus

uacutenicos fragmentos ldquooriginaisrdquo

b) um estudo introduzindo a traduccedilatildeo que se focou em questotildees de composiccedilatildeo da

obra (da sua atribuiccedilatildeo agrave sua abrangecircncia) partes organizaccedilatildeo teorias que continha ou

propunha intenccedilatildeo e finalidade Em funccedilatildeo desse enfoque questotildees agraves quais a Crestomatia

de Proclo muitas vezes serve de ponto de partida como por exemplo a aplicaccedilatildeo das

categorias antigas de interpretaccedilatildeo poeacutetica agrave poesia liacuterica da Greacutecia Antiga os testemunhos

que conteacutem dessa interpretaccedilatildeo de base heleniacutestica etc foram em parte contemplados e em

parte deixados de lado em funccedilatildeo de um objetivo primeiro refletir sobre o que seria essa obra

e sua relaccedilatildeo com textos que lidam com assuntos semelhantes

Desta maneira portanto se organiza o texto

PARTE I ndash Um estudo em trecircs capiacutetulos o 1o abordando as questotildees baacutesicas sobre o

objeto escrito (tiacutetulo autoria) e como eacute transmitido a noacutes o 2o abordando o que aqui se

delimita como sua primeira seccedilatildeo em que se definia seu objeto e uma abordagem para ele a

fim de se conseguir uma caracterizaccedilatildeo da obra o 3o propondo a partir dos elementos

estudados uma comparaccedilatildeo com outro texto semelhante a fim de discutir os criteacuterios de

anaacutelise da poesia que na Crestomatia seratildeo empregados ateacute o fim do texto com o objetivo de

classificar a antiga poesia liacuterica ou meacutelica (sendo as especificidades dessa apresentadas ao

longo das nostas agrave traduccedilatildeo agrave medida do necessaacuterio)

PARTE II ndash A traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio que resume

a Crestomatia e a traduccedilatildeo dos resumos do chamado ciclo eacutepico que chega ateacute noacutes atraveacutes de

manuscritos de Homero

10

PARTE I

Estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio

1 CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO

11VESTIacuteGIOS DA OBRA

Qualquer um cujo interesse seja desperto por isso que geralmente se denomina a

Crestomatia de Proclo tatildeo logo busque se aproximar do objeto deparar-se-aacute com fragmentos

que unidos ao fim nos forneceratildeo somente o espectro de uma obra que parece ter sido uma

importante e abrangente compilaccedilatildeo sobre as letras antigas algo semelhante ao que hoje

chamariacuteamos um manual de literatura

Haacute dois grupos de textos que juntos compotildeem o quanto se pode acessar do que a

julgar pelo que nos diz Foacutecio no coacutedice 239 de sua Biblioteca teria sido uma obra composta

de quatro livros1 e que sem duacutevida a despeito das discussotildees acerca do primeiro paraacutegrafo do

coacutedice (concernente ao nome) teria em seu tiacutetulo o termo ldquocrestomatiardquo

A comeccedilar pela Biblioteca como se sabe consiste em resumos epiacutetomes cuja

confecccedilatildeo2 para aleacutem do interesse do irmatildeo de Foacutecio3 serviria em uacuteltima instacircncia agraves duas

funccedilotildees mais baacutesicas que se podem supor dar a conhecer os textos resumidos a quem natildeo

poderia acessaacute-los integralmente e fornecer diferentes saberes numa mesma fonte ie reunir

informaccedilatildeo diversa preservando para um leitor que natildeo tivesse acesso a essa informaccedilatildeo agrave

medida do possiacutevel o mais relevante dos originais

Um conjunto de textos consiste portanto nos diferentes manuscritos que seguramente

contecircm a Biblioteca de Foacutecio E eacute entre diferentes obras reunidas para a Biblioteca portanto

que se resume no coacutedice 239 (de um modo a ser discutido) a obra em questatildeo

convencionalmente designada Crestomatia Trata-se pois de tradiccedilatildeo indireta

1 Severyns A Recherches sur la Chrestomathie de Proclos Le Codex 239 de Photius Eacutetude Paleacuteographique et

Critique (t I) Texte Traduction Commentaire (t II) La Vita Homeri et les Sommaires du Cycle Eacutetude

Paleacuteographique et Critique (t III) Texte et Traduction (t IV) Paris Belles Lettres 1977 Tomo II paacuteg 31 2 Severyns op cit tome I paacuteg 1 ndash 6 3 Foacutecio Biblioteca paacuteg 1

11

O outro conjunto de textos eacute bem mais visado pelos estudos claacutessicos em geral dado o

que conteacutem Consiste nos 14 manuscritos da Iliacuteada dos quais todos como uma introduccedilatildeo

trazem uma Vida de Homero4 Deles 10 tambeacutem trazem um texto designado

um apenas Venetus A (o mais velho) traz na sequecircncia

e Aquela Vida

como se vecirc pelo nome eacute uma breve biografia de Homero mas satildeo estes que foram por muito

tempo objeto dos estudiosos pois consistem em resumos aparentemente completos embora

bem pontuais dos poemas ciacuteclicos ou pelo menos de alguns deles ie os poemas que narram

os demais episoacutedios do ldquochamado ciclo eacutepicordquo (para usar os proacuteprios termos do epiacutetome do

coacutedice 239) o qual numa definiccedilatildeo mais teacutecnica seria a somatoacuteria de todas as narraccedilotildees

eacutepicas ou mais rigorosamente todos os (eacutepe)6 circunscritos a um conjunto de episoacutedios

que vai desde a origem do universo ateacute a morte de Odisseu A despeito do que se possa

conjeturar mais pormenorizadamente sobre o que de fato pleiteavam tais poemas o proacuteprio

texto do epiacutetome fociano no seu paraacutegrafo 19 eacute um de nossos principais testemunhos de

como tais poemas eram entendidos por diferentes autores que versaram sobre poeacutetica

integrando um todo ldquo

rdquo7 ndash ldquoFecha-se o ciclo eacutepico agrave medida que eacute completo pela contribuiccedilatildeo

de diferentes poetasrdquo

Antes desse paraacutegrafo na seccedilatildeo do epiacutetome dedicada ao epos (sect13 a 23) apoacutes a

invenccedilatildeo do metro sua mateacuteria (sect13) como o nome se fixa (sect14) e o elenco de seus melhores

poetas (sect15) o paraacutegrafo 16 nos informa que ldquoele [o provaacutevel autor Proclo] discorre na

medida do possiacutevel sobre a origem a paacutetria e algumas histoacuterias particulares a respeito de tais

poetasrdquo e o paraacutegrafo 17 por sua vez diz que [ele] ldquoentatildeo inicia as consideraccedilotildees sobre o

chamado ciclo eacutepicordquo e assinala seu iniacutecio no intercurso entre Ceacuteu e Terra O verbo

(dialambaacuteno) que inicia o paraacutegrafo tem o sentido forte de ldquojulgar avaliar

tomar como objeto de consideraccedilatildeordquo O verbo que inicia o paraacutegrafo seguinte (sect18)

possui o sentido metafoacuterico de abrir caminho em um texto em uma mateacuteria

em um objeto ie ldquoexaminaacute-lordquo Diz-se que ldquoele [autor] segue examinando diversas coisas

concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticasrdquo Os paraacutegrafos 20 a 23 satildeo dedicados a peculiaridades

referentes ao ciclo que no entendimento do resumidor merecem destaque a razatildeo pela qual

4 Designaccedilatildeo latina do texto que no grego vem designado como ou como Venetus A

ou Homero eacutepoca vida caracteriacutestica tiacutetulo de poemas 5 Que traduzi na ordem por ldquo(sobre) a(s) Ciacuteprias Etioacutepida Pequena Iliacuteada Saque de Iacutelio Retornos Telegoniardquo 6 Entendendo-se aqui no sentido amplo do texto uma composiccedilatildeo hexameacutetrica narrativa A discussatildeo

pormenorizada vem a seguir 7 Severyns 1977 pg 36 Grifo do autor

12

os poemas do ciclo foram preservados o nome e a paacutetria dos poetas que se ocuparam dele e

especificidades sobre a atribuiccedilatildeo e o nome das Ciacuteprias

Considerando-se que ao longo de seu texto o epiacutetome se caracteriza ou por de um

lado apenas notificar aquilo que o suposto autor diz de mais relevante sem entrar nos

detalhes de seu conteuacutedo ou de outro por pontuar informaccedilotildees bem especiacuteficas com o intuito

de daacute-las a conhecer (provavelmente como uma novidade) a seu leitor tanto os dois verbos

referidos que descrevem aquilo que ocorre no texto resumido como as vicissitudes de 20 a

23 que ressaltam especificidades julgadas pelo resumidor como relevantes a um leitor que

recorreria ao epiacutetome satildeo muito favoraacuteveis a que natildeo se ponha em duacutevida a atribuiccedilatildeo dos 14

manuscritos a Proclo ou pelo menos ao mesmo autor resumido no coacutedice 239 Ao que tudo

indica portanto os sete textos que compotildeem o Venetus A8 a julgar pela congruecircncia no que

possui em comum com os demais (que ou trazem a Vida de Homero ou essa mais o resumo

das Ciacuteprias) seriam sete excertos integrais da Crestomatia provavelmente ndash a julgar pelo

resumo ndash referentes agrave seccedilatildeo em que discutindo o epos o autor nos daria suas consideraccedilotildees

sobre quem foi Homero bem como resumos factuais acontecimento a acontecimento dos

demais poemas que compunham o chamado ciclo eacutepico

Eis a nossa obra de um lado um resumo e de outro sete outros breves textos que

pelas indicaccedilotildees nos manuscritos de Homero e pela congruecircncia de assunto brevemente

demonstrada seriam os uacutenicos excertos integrais que chegaram a noacutes De fato ambos

parecem corresponder a uma obra cujo conteuacutedo resumido ainda circulava no acircmbito das

letras bizantinas pelo menos desde algum periacuteodo um pouco anterior ao seacuteculo IX (pois pode

ser que Foacutecio teve acesso a ela integralmente) ateacute aproximadamente o seacuteculo XV seacuteculo a

que remontam os manuscritos mais recentes9 Todas as ediccedilotildees impressas portanto atribuem-

na a Proclo

12 AUTORIA E ATRIBUICcedilAtildeO

8 Nesse manuscrito o resumo das Ciacuteprias encontra-se mutilado mas pode ser reconstituiacutedo pelo manuscrito F

Neapolitanus que de acordo com Severynns derivaria de um manuscrito em comum Cf Severyns tomo III

245 ndash 52 9 A propoacutesito dos uacuteltimos manuscritos Severynns (III 317 ndash 324) identifica o Ottobonianus G e H como

derivados de um arqueacutetipo entre os quais haacute um corretor que identifica como Joatildeo Tzetzes principalmente

por especificar na denominaccedilatildeo dos resumos a atribuiccedilatildeo a ldquoProclo platocircnico Diaacutedocordquo Mesmo que se recuse a

hipoacutetese essa correccedilatildeo e a proacutepria atribuiccedilatildeo revelam natildeo soacute uma atividade filoloacutegica que se debruccedilava sobre o

texto mas a preocupaccedilatildeo em atribuir-lhe a origem precisa

13

Uma vez que todos os manuscritos da Vida e dos Resumos atribuem o texto

indubitavelmente a Proclo e apenas um preocupa-se em explicitar de que Proclo se trata

restaria saber se de fato o suposto autor do texto eacute esse explicitado pelo corretor o Proclo

de quem mais se tecircm notiacutecias e obras o chamado diaacutedokhos ou ldquosucessorrdquo assim

designado por ser o renomado disciacutepulo e sucessor de Siriano na nova escola platocircnica de

Atenas onde estudou tambeacutem com Plutarco (de Atenas) apoacutes ser disciacutepulo de Olimpiodoro o

Velho em Alexandria provavelmente onde ainda jovem obteve sua primeira formaccedilatildeo com

o gramaacutetico Oacuterion de Tebas (Egito)10 de quem adiquiriu sua formaccedilatildeo nas letras ndash se para o

estudo da filosofia sua filiaccedilatildeo aos referidos filoacutesofos eacute fundamental para o estudo da obra

aqui abordada sua filiaccedilatildeo a esse gramaacutetico egiacutepicio seja talvez determinante como logo se

discutiraacute Foi no seacuteculo V dC um dos principais nomes do que denominamos

neoplatonismo e hoje eacute conhecido principalmente por seus comentaacuterios a Platatildeo Nosso

principal testemunho aqui a respeito desse Proclo eacute o Suda Diz-nos dele o Liacutecio (pois era

originaacuterio da Liacutecia) que para aleacutem de seus trabalhos filosoacuteficos escreveu muitas obras de

filosofia e gramaacutetica e aiacute nesse mesmo passo ldquoum comentaacuterio agrave obra de Homero um

comentaacuterio aos Trabalhos e Dias de Hesiacuteodo e trecircs livros sobre crestomatiardquo que se

entendermos como o tiacutetulo levaraacute agrave grafia ldquoSobre Crestomatiardquo Talvez fosse essa a obra que

nos permitiria identificar Proclo o Sucessor ou o Liacutecio como o autor do texto que

conhecemos pelo epiacutetome fociano Eacute necessaacuterio ressaltar que neste caso como natildeo eacute possiacutevel

fazer mais do que conjeturar o que se faraacute aqui eacute julgar a verossimilhanccedila das hipoacuteteses

Primeiro se deve julgar se eacute possiacutevel identificar essa obra de que o Suda fala agrave obra

resumida na Biblioteca Eacute de se crer que sim pelos seguintes motivos dos quais o primeiro eacute

cronoloacutegico a Biblioteca em que se encontra o epiacutetome foi composta seguramente no seacuteculo

IX no profiacutecuo contexto da atividade copista bizantina (a julgar pelo que se diz na sua

dedicatoacuteria preparada durante a viagem agrave corte dos Abaacutessidas em Bagdaacute e enviada ao irmatildeo

de Foacutecio que natildeo pudera ir e ficara em Constantinopla) o mesmo contexto do qual floresce o

Suda aproximadamente um seacuteculo depois Temos portanto coerecircncia temporal e regional

entre o epiacutetome da Biblioteca de Foacutecio e o leacutexico Em segundo lugar o Suda nos descreve um

neoplatocircnico que (falando de acordo com nossos termos) teria se dedicado natildeo soacute agrave filosofia

embora principalmente mas tambeacutem agrave ldquocriacutetica literaacuteriardquo ou filoloacutegica aqui designada

simplesmente por ldquogramaacuteticardquo (questatildeo terminoloacutegica que logo seraacute abordada) Que isso fosse

10 Ateacute pelo nome da conhecida constelaccedilatildeo julgou-se esse nome consagrado demais para ser vertido segundo o

criteacuterio aqui adotado para outros semelhantes (Oriatildeo) Vale mencionar que foi autor de um Leacutexico que foi

aproveitado por outros duas valiosas obras semelhantes a saber o Etymologicum Gudianum e o Etymologicum

Magnum

14

verdade pelo menos os exemplos parecem confirmaacute-lo uma vez que as obras arroladas

pertencem ou a esta ou agravequela aacuterea do saber antigo duas no entanto configuram um caso

particular por confirmarem que essa distinccedilatildeo de abordagem realmente ocorria Eacute possiacutevel

vislumbrar certo agrupamento temaacutetico parece que estas trecircs primeiras obras elencadas

referem-se agrave atividade filoloacutegica enquanto as que vecircm depois agrave atividade filosoacutefica

[] ἔγραψε πάνυ πολλά φιλόσοφά τε καὶ γραμματικά ὑπόμνημα εἰς

ὅλον τὸν Ὅμηρον ὑπόμνημα εἰς τὰ Ἡσιόδου Ἔργα καὶ Ἡμέρας Περὶ

χρηστομαθείας βιβλία γacute Περὶ ἀγωγῆς βacute Εἰς τὴν πολιτείαν

Πλάτωνος βιβλία δacute Εἰς τὴν Ὀρφέως Θεολογίαν Συμφωνίαν

Ὀρφέως Πυθαγόρου Πλάτωνος περὶ τὰ Λόγια βιβλία ιacute Περὶ τῶν

παρ Ὁμήρῳ θεῶν Ἐπιχειρήματα κατὰ Χριστιανῶν ιηacute

[] Escreveu diversas obras tanto de filosofia como de gramaacutetica Um

comentaacuterio a todo Homero comentaacuterio aos Trabalhos e Dias de

Hesiacuteodo Acerca de Crestomatia em 3 livros Acerca de Educaccedilatildeo em

2 Sobre a Repuacuteblica de Platatildeo em 4 livros Sobre a Teologia de

Orfeu Consonacircncia de Orfeu Pitaacutegoras Platatildeo acerca dos Oraacuteculos

em 10 livros Sobre os Deuses em Homero 18 Contraprovas aos

Cristatildeos

(Suda 2473 4 ndash 10 traduccedilatildeo e grifos do autor)

De todas essas a recorrecircncia de Homero entre umas e outras parece confirmar mesmo

que neste verbete as obras estatildeo elencadas pela aacuterea a que pertenciam e mais ainda que uma

delas se designa ldquogramaacuteticardquo O suposto argumento de ambas parece tambeacutem confirmar esta

hipoacutetese laacute entre aquelas um comentaacuterio a todo Homero sem uma especificaccedilatildeo do que eacute

abordado o que nos faz pensar em um comentaacuterio a seu texto de forma geral aqui entre as

obras filosoacuteficas um assunto concernente agrave filosofia e ao platonismo a interpretaccedilatildeo da

figuraccedilatildeo dos deuses na obra do poeta

Isso natildeo prova que de fato a obra eacute do Proclo neoplatocircnico mas pelo menos confirma

que sendo posterior o Suda na situaccedilatildeo meramente hipoteacutetica de natildeo possuir nenhuma

referecircncia natildeo vecirc incongruecircncia alguma em atribuir a ele uma Crestomatia que poderia ser

sobre gramaacutetica O Suda pode inclusive ter se fiado agrave mesma tradiccedilatildeo que para Foacutecio jaacute

atribuiacutea a obra ao Proclo platocircnico ou entatildeo como natildeo haacute nenhuma especificaccedilatildeo da parte de

Foacutecio sobre quem seria esse Proclo ter assumido como perfeitamente aceitaacutevel e plausiacutevel na

hipoacutetese extrema de ter como uacutenica fonte a mesma tradiccedilatildeo de Foacutecio ou mais extrema ainda

o proacuteprio epiacutetome que essa ldquocrestomatiardquo versando sobre gramaacutetica fosse de Proclo sem ver

erro nisso ie em atribuir ao filoacutesofo platocircnico uma obra tratando das letras O que de fato

15

parece-nos bem razoaacutevel nesta perspectiva eacute que primeiro natildeo haveria nada de estranho em

atribuir certa crestomatia ao Proclo platocircnico e segundo que essa versava sobre gramaacutetica a

julgar pela aparente divisatildeo em grupos de que o Suda nos fala Mas ainda sobre o primeiro

aspecto natildeo haacute por que duvidar de que o Suda se paute numa tradiccedilatildeo consolidada e

verossiacutemil de atribuiccedilatildeo desse texto a Proclo No seu verbete eacutelegos o Etymologicum

Magnum traz ldquoltἜλεγοςgt Ἐκ τοῦ περὶ Χρηστομαθίας Πρόκλουrdquo ou seja alude a uma obra

de Proclo exatamente da mesma maneira que o verbete do Suda referindo-a como

Crestomatia junto da preposiccedilatildeo ldquoperiacuterdquo nomeando pelo substantivo portanto o conteuacutedo

geral que identificava esse texto no periacuteodo A alusatildeo feita pelo leacutexico portanto

considerando-se que ele eacute apenas um pouco posterior ao Suda sugere que este provavelmente

se insere em um ramo da atividade filoloacutegica bizantina que no mais tardar depois de Foacutecio

identifica sim a Crestomatia em textos de ensejo semelhante como sendo do Proclo Liacutecio ou

Diaacutedoco a congruecircncia formal entre as duas passagens contendo ainda que soacute a mesma

preposiccedilatildeo aleacutem do nome contribui para essa associaccedilatildeo principalmente porque como se

disse os dois textos satildeo praticamente contemporacircneos e pertencem ao mesmo ciacuterculo

filoloacutegico

Natildeo agrave toa o Etymologicum Magnum para explicar o que eacute ldquoeacutelegosrdquo citaraacute o texto que

diz ser de Proclo mas o faraacute praticamente como se encontra no coacutedice da Biblioteca salvo

pela ordem

[]Ὁ μέντοι ἐπικὸς κύκλος ἄρχεται μὲν ἐκ τῆς μυθολογουμένης

Οὐρανοῦ καὶ Γῆς μίξεως ἀφ ἧς Ἑκατοντάχειρες γίνονται

Καὶ ἑξῆς

Διαπορεύεται δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι μυθολογούμενα

καὶ εἴ που τι καὶ πρὸς ἱστορίαν ἐξαληθίζεται Περατοῦται δὲ ἐξ

διαφόρων ποιητῶν συμπληρούμενος μέχρι Ὀδυσσέως ὧν καὶ

ὀνόματα καὶ πατρίδας φησὶν ὁ αὐτός Σπουδάζεσθαι δὲ τὰ ἐπικοῦ

κύκλου τὰ ποιήματα οὐχ οὕτω διὰ τὴν ἀρετὴν ὡς διὰ τὴν ἀκολουθίαν

τῶν ἐν αὐτῷ πραγμάτων Τὴν δὲ ἐλεγείαν συγκεῖσθαι μὲν ἐξ ἡρῴου

καὶ πενταμέτρου στίχου ἁρμόζειν δὲ τοῖς κατοιχομένοις καὶ

εὐλογεῖσθαι μὲν ὑπ αὐτοῦ τούτους οἱ μέντοι μεταγενέστεροι ἐπὶ

διαφόροις ὑποθέσεσιν αὐτῷ ἀπεχρήσαντο Τὸ δὲ ἔπος πρῶτον μὲν

ἐφεῦρε Φιμονόη ἡ Ἀπόλλωνος προφῆτις ἑξαμέτροις χρησμοῖς

[χρησαμένη] Οἷς ἐπεὶ τὰ πράγματα εἵπετο ἔπος τὸ ἐκ μέτρων

ἐκαλεῖτο ἢ διὰ τὴν κατασκευὴν καὶ τὴν ἄγαι ὑπεροχὴν τὴν ἐν τοῖς

ἑξαμέτροις θεωρουμένην τὸ κοινὸν ὄνομα παντὸς λόγου τὸ

16

ἑξάμετρον ἰδιώσατο καθάπερ Ὅμηρον τὸν ποιητὴν καὶ Δημοσθένην

τὸν ῥήτορα ἐπεὶ καὶ τὰ τρίμετρα ἔπη προσηγόρευσαν

(Etymologicum Magnum 32740 ndash 3283)

ldquo lsquoO ciclo eacutepico se inicia do intercurso mitoloacutegico entre Ceacuteu e Terra a

partir do qual geram centiacutemanosrsquo

E em senguida

Passa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre

os deuses dos gregos e diz o que inclusive pode ateacute certo ponto ser

verdade em referecircncia agrave histoacuteria Fecha-se sendo completo por

diferentes poetas ateacute de Odisseu Desses ele fala o nome e a paacutetria

Tambeacutem [fala] que os poemas do ciclo eacutepico tecircm recebido atenccedilatildeo

natildeo tanto por sua virtude quanto pela sequecircncia das accedilotildees nele

contidas Que agrave elegia se compotildee de um verso heroacuteico e um

pentacircmetro acomoda-se aos que jaacute partiram e esses eram elogiados

por ele Os poacutesteros usaram-no amplamente para diferentes

argumentos Quem primeiro descobriu o epos foi Femocircnoe a

profetiza de Apolo profetizando oraacuteculos em hexacircmetros A eles

seguiram-se os feitos e ldquoeposrdquo era chamada qualquer composiccedilatildeo no

metro ou pela elaboraccedilatildeo e pela ampla superioridade observada nos

hexacircmetros o hexacircmetro apropriou-se do nome comum de ldquopalavrardquo

[epos] bem como Homero tornou sua a alcunha ldquoo poetardquo e

Demoacutestenes ldquoo oradorrdquo uma vez que alguns tambeacutem denominavam

ldquoeacuteperdquo [falares plura de ldquoeposrdquo] as composiccedilotildees em triacutemetrosrsquordquo

(Traduccedilatildeo e acreacutescimos do autor)

Salvo pela ordem deveras estranha ndash afinal aquilo que o verbete pretende definir

ocorre no excerto muito curto referente agrave definiccedilatildeo de elegia e ainda em meio a inuacutemeros

trechos referentes agrave poesia eacutepica ndash pode-se observar que primeiro o Etymologicum julgou

prudente para definir eacutelegos simplesmente citar uma obra que julgava autorizada para definir

tal palavra apresentando sua seccedilatildeo sobre a elegia e seu antigo uso em contexto fuacutenebre e a

atribuiu a Proclo segundo natildeo soacute essa seccedilatildeo mas os demais trechos trazem as mesmas

palavras do coacutedice de Foacutecio salvas algumas supressotildees e diferenccedilas de escolha Ao que tudo

indica para citar a obra que explicava como se achava devido o significado autorizado da

palavra em questatildeo o autor recorreu ao que sabia sobre ela Comparando esse excerto com o

epiacutetome de Foacutecio pode-se conjecturar que ou o compilador recorreu na confecccedilatildeo do

verbete a um manuscrito outro que continha assim essas informaccedilotildees ou copiou trechos

resumida e aleatoriamente ou ndash ainda uma terceira e mais plausiacutevel opccedilatildeo ndash cita de cabeccedila as

referidas partes da obra que conhece como Crestomatia e adota trecircs procedimentos que

parecem observaacuteveis surprime palavras e topicaliza mais o texto emprega sinocircnimos mas

manteacutem os termos e nomes fundamentais cita as outras passagens do contexto em que a

17

desejada se encontrava Estariam as informaccedilotildees citadas sobre a elegia no meio da seccedilatildeo

sobre epos porque uma vez abordada o vasto leque temaacutetico da eacutepica tratava-se do metro

havendo aiacute uma diferenciaccedilatildeo jaacute que elegia e epos considerados metricamente tecircm em

comum o hexacircmetro que eacute isolado ao fim do excerto Seria essa configuraccedilatildeo pensada pelo

compilador e arranjada para a confecccedilatildeo do verbete em questatildeo Ainda que natildeo haja resposta

a somatoacuteria de textos aponta para o fato de que para esse mesmo ramo de lexicoacutegrafos da

Biblioteca do Suda e do Etymologicum Magnum a Crestomatia em questatildeo fora

confeccionada por Proclo Diaacutedoco ou Liacutecio

Ainda dessa perspectiva parece que o uacutenico outro Proclo dentre aqueles de que temos

notiacutecias ao qual parece verossiacutemil atribuir a Crestomatia seria um que natildeo eacute mencionado

entre os constantes no Suda Eutiacutequio Proclo professor de Marco Aureacutelio gramaacutetico do

seacuteculo II dC Eacute igualmente verossiacutemil tambeacutem pela dataccedilatildeo que seja esse o autor A

associaccedilatildeo do texto agrave tradiccedilatildeo filoloacutegica alexandrina eacute reconhecidamente assumida por

diferentes autores que se debruccedilaram sobre o epiacutetome fociano11 seja por seu amplo conteuacutedo

mitoloacutegico e etioloacutegico presente nas etimologias explicativas dos gecircneros seja pelo proacuteprio

conceito de gramaacutetica em que parece se pautar12 Como se sabe a erudiccedilatildeo alexandrina tem

vasta influecircncia na educaccedilatildeo romana desde a eacutepoca dita claacutessica Natildeo seria de se espantar

pois que tal crestomatia fosse um escrito desse provaacutevel professor de Marco Aureacutelio

ensinando sobre letras em geral e os muitos gecircneros poeacuteticos dos gregos ainda mais se

julgarmos que o texto teria um fim didaacutetico

Haacute que se avaliar entatildeo qual dessas duas hipoacuteteses parece mais verossiacutemil e se natildeo

haacute indiacutecios suficientes para confirmar a primeira parece haver menos para desacreditaacute-la

salvo se julgue radical e absurdamente que como filoacutesofo platocircnico o Proclo do seacutec V natildeo se

ateria agrave poesia e agrave atividade filoloacutegica de que a Crestomatia eacute um testemunho Contudo a natildeo

ser que o Suda esteja profundamente equivocado vemos que como comentador alguma

parcela da atividade do diaacutedochos lidava sem contradiccedilatildeo alguma com isso que designamos

criacutetica filoloacutegica ou literaacuteria

Nesse sentido a filiaccedilatildeo de Proclo a Oacuterion como um de seus professores seria um

argumento determinante primeiro porque o longo cataacutelogo de espeacutecies liacutericas do epiacutetome

11 Sejam os dois principais editores e comentadores do texto ie Severyns e Ferrante sejam quantos percebem a

indissociaacutevel apropriaccedilatildeo da categorizaccedilatildeo aventada pelo gramaacutetico alexandrino Diacutedimo de Calcentero 12 Conceito no qual o gramaacutetico jaacute natildeo era apenas aquele que ensinava as letras mas sim o especialista em tudo

quanto agraves tangenciava inclusive os instrumentos e doutrinas de retoacuterica e poeacutetica com os quais os antigos faziam

o que hoje diriacuteamos ldquocriacutetica literaacuteriardquo Tal discussatildeo ainda ocuparaacute boa parte de nosso trabalho (134 paacuteg 38)

18

traz em mais de uma passagem similaridades com o Leacutexico do gramaacutetico13 segundo porque

como se sabe tal obra seraacute aproveitada pela profiacutecua atividade lexicograacutefica bizantina dos

seacuteculos posteriores e natildeo eacute nada infundado supor que o proacuteprio Proclo apoia-se nas liccedilotildees do

professor (e esse provavelmente toma por base a obra de Diacutedimo) A julgar pelas

similaridades tal transmissatildeo natildeo eacute absurda e nesse caso o Proclo de quem falamos soacute pode

ser o diaacutedoco

A dificuldade de identificaccedilatildeo resta pois inevitavelmente atrelada ao que seria o

nome dessa obra que se identifica com o resumo de Foacutecio tatildeo somente por uma palavra

levando-nos ao problema mesmo de definir seu conteuacutedo pois se nos fosse perfeitamente

possiacutevel circunscrevecirc-lo obtendo um vislumbre mais amplo dos assuntos do texto seria

possiacutevel caracterizaacute-lo melhor e daiacute compreendendo em que consistiria essa crestomatia

reconsiderar a atribuiccedilatildeo

Inevitavelmente nessa linha de raciociacutenio haacute que se considerar tambeacutem qual

ldquogramaacuteticardquo eacute essa de que falam os testemunhos mais especificamente que noccedilatildeo de

gramaacutetica eacute essa

13 O NOME E A OBRA

131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio

O problema mais imediato referente agrave leitura do texto resumido estaacute logo em sua

primeira linha a ordem das palavras e o arranjo sintaacutetico criam dificuldades para determinar o

quecirc exatamente foi primeiro lido e depois resumido por Foacutecio

Praticamente todos os epiacutetomes de sua Biblioteca se iniciam pela forma

(anegnoacutesthe) que eacute formular nessa obra e se refere mais amplamente natildeo soacute ao que foi lido

mas ao fato de que se realizou mais uma das sessotildees (ou seacuterie de sessotildees) de leituras do

ciacuterculo de letrados em torno do entatildeo embaixador Foacutecio na qual seu irmatildeo Taraacutesio natildeo podia

estar presente por ter ficado em Constantinopla Como se sabe pela dedicatoacuteria mesma da

Biblioteca (Bekker 1824 ndash 25) essa eacute a motivaccedilatildeo primeira para a escrita da extensa obra

13 Cf Traduccedilatildeo n 54 paacuteg 116 e n 56 57 e 58 paacuteg 117

19

tomar nota dos textos que foram tratados e de diferentes coisas relativas a eles Eacute pela referida

forma verbal aliaacutes que se pode identificar quando acaba um resumo e inicia-se outro

A Biblioteca de Foacutecio portanto consiste de diferentes ndash antes de dizermos resumos ndash

notas ou anotaccedilotildees referenciais do que era objeto das sessotildees de leituras Assim eacute que certas

palavras como eacute o caso de eklogaiacute (ldquocoletacircnea extratos excertosrdquo) que figura na introduccedilatildeo

do resumo do coacutedice 239 na liccedilatildeo aqui adotada de Severyns ldquoἈνεγνώσθη ἐκ τοῦ

ἐπιγραφομένου βιβλίου Πρόκλου χρηστομαθείας γραμματικῆς ἐκλογαίrdquo geram dificuldades

de interpretaccedilatildeo por natildeo permitirem estabelecer com exatidatildeo a que etapa se referem de todo

esse processo que resulta na confecccedilatildeo da Biblioteca se por vezes o termo parece

claramente se referir a um livro que foi tido em matildeos e era ele mesmo uma coletacircnea

excertos coligidos por outras parece que o mesmo termo se refere a uma coletacircnea de textos

ou de grupos de textos mais longos feita pelo proacuteprio grupo senatildeo por Foacutecio ele mesmo

Exemplo bem evidente do primeiro caso eacute o epiacutetome de Estobeu cuja obra eacute

conhecidamente uma coletacircnea assim mesmo nomeada ao longo dos seacuteculos

ldquo[1]14 Ἀνεγνώσθη ltἸωάννου Στοβαίουgt ἐκλογῶν ἀποφθεγμάτων ὑποθηκῶν βιβλία

τέσσαρα ἐν τεύχεσι δυσίrdquo

ldquoLeram-se dos excertos ditos notaacuteveis e conselhos de Joanes Estobeu quatro livros em

dois volumesrdquo

(Foacutecio op cit 167 112a 14 ndash 16 traduccedilatildeo e grifo do autor)

A maior literalidade visada nesta traduccedilatildeo busca nos introduzir a uma das formas

padrotildees de se apresentar os resumos das leituras ao longo da Biblioteca Neste caso a

traduccedilatildeo ao peacute da letra ndash por assim dizer ndash da forma verbal que encabeccedila os epiacutetomes (ldquoleram-

serdquo) eacute simples e imediatamente aceitaacutevel porque ao fim de tudo haacute um nominativo neutro

plural (bibliacutea) que clara e gramaticalmente concorda com a forma verbal de que eacute sujeito O

que se leu aqui foram os ldquoquatro livros em dois tomosrdquo que vecircm definidos pelos genitivos de

conteuacutedo que os precedem que vecircm por sua vez precedidos pelo genitivo de posse ou

origem designando quem apontariacuteamos como autor Aqui portanto a sintaxe natildeo exige para

que se natildeo trunque o portuguecircs um arranjo outro para a forma verbal como o que se adotou

logo agrave primeira linha da traduccedilatildeo do coacutedice 239 (v Traduccedilatildeo paacuteg 109 e nota 1 agrave mesma) A

proacutepria obra de Estobeu eacute conhecida por ser um exemplo de eklogeacute eklogaiacute que se fazia na

14 Numeram-se aqui as introduccedilotildees dos coacutedices citados a fim de se poder citaacute-los como exemplos de construccedilotildees

gramaticais

20

antiguidade ie excertos coligidos de diferentes autores visando agrave reuniatildeo de um saber ou

no caso de Estobeu saberes

No geral a forma verbal concorda com alguma palavra singular geralmente

designando que tipo de obra se leu o gecircnero do escrito uma ldquohistoacuteriardquo ie uma obra

historiograacutefica (as quais sobejam na Biblioteca) uma epiacutestola um discurso etc Exemplos

ldquo[2] Ἀνεγνώσθη ltΒασιλείου Κίλικοςgt ἐκκλησιαςτικὴ ἱστορίαrdquo

ldquoLeu-se histoacuteria eclesiaacutestica de Basiacutelio Ciliacuteciordquo

(Idem 42 9a 21)

ldquo[3] Ἀνεγνώσθη τοῦ ἁγίου ltΜαξίμουgt λόγος ἀσκητικός εἰς πεῦσιν ἐσχηματισμένος

καὶ ἀπόκρισινrdquo

ldquoLeu-se de Santo Maacuteximo um discurso asceacutetico15 esquematizado em pergunta e

respostardquo

(Idem 193 157b 33 ndash 34)

[4] Ἀνεγνώσθη τοῦ αὐτοῦ ἁγίου ἀνδρὸς πρὸς Γεώργιον ἔπαρχον ἐπιστολήrdquo

ldquoLeu-se do mesmo santo homem uma carta ao prefeito Geoacutergiordquo

(Idem 194 158a 13 ndash 14)

Agraves vezes se nomeia a obra por sua finalidade ou destinaccedilatildeo (e geralmente aiacute se tem

preposiccedilatildeo)

ldquo[5] Ἀνεγνώσθη ltΓρηγορίου Νύσσηςgt ὁμοίως ὑπὲρ Βασιλείου κατὰ Εὐνομίουrdquo

ldquoLeu-se de Gregoacuterio de Nisa igualmente por Basiacutelio contra Eunocircmiordquo

(Idem 6 3b 17 ndash 18)

Em outras palavras um texto apologeacutetico em favor das opiniotildees de Basiacutelio contra Eunocircmio

Contudo por vezes lecirc-se

ldquo[6] Ἀνεγνώσθη ltΘεοπόμπουgt λόγοι ἱστορικοί

rdquo

(Idem 176 120a 6 ndash 7)

15 Asceacutetico de treino preparatoacuterio

21

O nominativo natildeo concorda gramaticalmente com a forma verbal embora como em

todas as linhas introdutoacuterias de um novo resumo apoacutes o verbo haja sempre o genitivo (ora

com preposiccedilatildeo) que nomeia a origem do que se lecirc geralmente a pessoa a quem se atribui o

objeto da leitura Natildeo se diraacute aqui autor porque nosso problema eacute justamente esse Da

traduccedilatildeo literal ndash ldquoleram-se16 de Teopompo discursos [ou arrazoados] histoacutericos De seus

discursos histoacutericos 53 satildeo os preservadosrdquo ndash chama-nos a atenccedilatildeo aqui o segundo periacuteodo

O que se pode inferir (bem como de outras muitas passagens semelhantes) eacute que as sessotildees do

ciacuterculo de Foacutecio em algum momento dedicaram-se agrave leitura do provaacutevel historiador do

seacuteculo IV AC de quem a julgar pelo conteuacutedo do coacutedice (uma avaliaccedilatildeo geral sobre sua

cronologia temas e escritos vida e estilo do autor) 53 peccedilas estiveram em matildeos de Foacutecio e

seus circunstantes e foram objeto de suas leituras Essa passagem nos aproxima daquilo que

provavelmente era o material da Biblioteca como eacute de se esperar o que o grupo tinha em

matildeos eram manuscritos diversos em diversos rolos (tomos) Essa imagem aproximada torna-

se mais viacutevida nas passagens em que haacute uma preocupaccedilatildeo maior em se notificarem as fontes

do que se lecirc como por exemplo nos coacutedices de 172 a 174 dedicados agraves leituras de obras de

Joatildeo Crisoacutestomo

ldquo[7] Ἀνεγνώσθη τοῦ ltΧρυσοστόμουgt ὁμιλίαι εἰς τὴν γένεσιν ξʹ καὶ μία ἐν τεύχεσι

τρισίν ὧν τὸ μὲν πρῶτον ὁμιλίας περιεῖχεν κʹ τὸ δεύτερον δὲ δεκα έξ τὸ τρίτον κεʹrdquo

ldquoLeram-se de Crisoacutestomo 61 homilias agrave Criaccedilatildeo em trecircs rolos [ou volumes tomos]

dos quais o primeiro compreendia 20 o segundo dezesseis o terceiro 25rdquo

(Idem 172 118b 15 ndash 18)

Em se tratando natildeo apenas de um anuacutencio do que se lecirc mas de uma descriccedilatildeo do

objeto a interpretaccedilatildeo mais plausiacutevel para a falta de concordacircncia entre o nominativo e a

forma verbal no grego eacute a de que se trata do ldquotiacutetulordquo natildeo da obra entendida como noacutes

modernos concebemos nossa relaccedilatildeo com os produtos do mercado editorial todos

(teoricamente) individualizados por uma designaccedilatildeo particular (e ldquoparticularizanterdquo) mas

funcionalmente como aquilo que o copista inscreve no topo do manuscrito para nomeaacute-lo e

permitir a identificaccedilatildeo descritiva do objeto um cabeccedilalho Da mesma forma deveriacuteamos

considerar quando dizemos ldquoobrardquo que tambeacutem natildeo se trata de tal como concebemos hoje

16 Marcar-se-atildeo assim as traduccedilotildees de anegnoacutesthe justamente porque se discutiraacute sua adequaccedilatildeo a como se leem

e interpretam suas ocorrecircncias nas diferentes passagens

22

mas do texto o manuscrito que o copista tem em matildeos e esse eacute como o grego os nomeia

ldquologosrdquo um discurso

Assim se observa no texto grego da biblioteca aquilo que na tipografia moderna

indicariacuteamos de diferentes maneiras maiuacutesculas itaacutelico aspas etc o que jaacute implica mesmo

que inconscientemente uma forma outra de conceber o objeto Retomando nosso uacuteltimo

exemplo deveriacuteamos pensar que mesmo pertencentes ao domiacutenio comum dos disciacutepulos de

Foacutecio futuro patriarca da igreja do oriente e mesmo sendo renomados nesse contexto da

religiatildeo ortodoxa abertos os rolos estava-se diante de ldquo61 homilias de Crisoacutestomordquo e natildeo drsquo

ldquoAs Sessenta e Uma [ou quantas sejam] Homilias de Joatildeo Crisoacutestomordquo

Nossa dificuldade entatildeo retomando a palavra que observamos tambeacutem no epiacutetome de

Estobeu torna-se precisar o significado de eklogaiacute nesses diferentes contextos Observemos

por exemplo o que ocorre no coacutedice 273 em que a construccedilatildeo logo apoacutes o verbo assemelha-

se agravequela da introduccedilatildeo da Crestomatia

(8) ldquoἈνεγνώσθη ἐκ τῶν τοῦ μακαρίου ltΘεοδωρήτουgt λόγων οὓς εἰς τὸν ἐν ἁγίοις

Ἰωάννην τὸν Χρυσόστομον συνετάξατο ὧν ἡμεῖς πέντε τέως εἴδομεν ἐξ ὧν καί τινας

ἐκλογὰς τὰς ὑποτεταγμένας παρεγραψάμεθαrdquo

(Idem 273 507b 15 ndash 18)

Partindo para uma traduccedilatildeo literal o quanto possiacutevel ldquoLeu-se [fez-se leitura] a partir

dos discursos [ou arrazoados] do abenccediloado Teodoreto (que compilou sobre a santidade de

Joatildeo Crisoacutestomo) dos quais estudamos cinco ateacute entatildeo e a partir dos quais copiamos alguns

excertos abaixo arroladosrdquo ndash considere-se que paregrapsaacutemetha ldquocopiamosrdquo indica o

proacuteprio ato de ldquoescrever ao ladordquo copiando em outro manuscrito trechos selecionados a

partir do manuscrito que primeiramente se leu Chama a atenccedilatildeo o fato de que a primeira

oraccedilatildeo natildeo precisa de um nominativo Essa construccedilatildeo da forma passiva mais a preposiccedilatildeo ek

eacute diferentemente entendida e explicada pelos editores do coacutedice 239 todos editores ateacute

Severyns mesmo natildeo adotando-a propotildeem que o ideal seria a correccedilatildeo para o plural (Cf

Severyns op cit I 173) Esse rejeita imediatamente a hipoacutetese pois que natildeo consta em

nenhum manuscrito De fato natildeo se trata do coacutedice 239 julgado por si apenas mas como um

coacutedice da Biblioteca Explica a forma poreacutem tatildeo somente como um uso da linguagem de

Foacutecio advindo da repeticcedilatildeo17 Ferrante (1957 paacuteg 1) adota a liccedilatildeo de Severyns explica qual

17 ldquoSupposeacute mecircme que fucirct le sujet grammatical le pluriel du verbe ne serait pas encore de rigueur dans

la langue de Photius Car aacute force drsquoecirctre reacutepeacuteteacute devient chez lui une espegravece de mot invariable et

mecircme degraves les premiegraveres pages de la Bibliothegraveque on trouve des expressions comme cellescirdquo Entatildeo Severyns

23

a leitura gramatical que se deve fazer da frase e diz da forma verbal que ldquotem valor

impessoalrdquo o que eacute uma parte do proposto aqui ldquoformularrdquo18 Nenhum autor faz menccedilatildeo

discutindo esta construccedilatildeo agraves ocorrecircncias da terceira pessoa do plural na introduccedilatildeo de alguns

coacutedices ocorrecircncias essas que parecem muito bem justificadas A terceira pessoa do plural

aparece nos coacutedices 192B 216 260 261 e 269 por razatildeo que jaacute se deduz na passagem da

primeira para a segunda parte de 192 O coacutedice 192A refere-se ao livro de Santo Maacuteximo a

Taraacutessio contendo 164 resoluccedilotildees de questionamentos Observemos o que descreve o coacutedice

192B

ldquo[9] Ἔτι ἀνεγνώσθησαν αὐτοῦ καὶ ἐπιστολαὶ περὶ διαφόρων ὑποθέσεων ψυχωφελῶν

τε καὶ ἀναγκαίων τοῖς ὀρθοῦν τε τὰ ἤθη καὶ τὸν νοῦν ἐγρηγορότα συντηρεῖν πρὸς τὴν

εὐσέβειαν ἐσπουδακόσι τὸν ἀριθμὸν ζʹ καὶ κʹrdquo

ldquoAinda dele tambeacutem se leram epiacutestolas acerca de diferentes argumentos espirituais

necessaacuterios aos que estatildeo empenhados tanto em corrigir os costumes como preservar a mente

desperta agrave piedade 27 quanto ao nuacutemerordquo

(192b 157a 11 ndash 14)

Em princiacutepio poder-se-ia pensar que a forma verbal estaacute no plural para concordar com

o nominativo plural epistolaiacute mas consoante ao observado isso seria uma exceccedilatildeo em uma

obra de 280 coacutedices a todas as ocorrecircncias anteriores do tipo dos exemplos 6 e 7 acima

citados em que essa concordacircncia natildeo ocorre Diversos elementos aqui podem nos ajudar a

formular uma hipoacutetese para a variaccedilatildeo da forma hipoacutetese que parece se confirmar nos demais

coacutedices que trazem o plural e oferecem menos indiacutecios agrave conjectura

Observem-se as formas eacuteti e kaiacute da primeira oraccedilatildeo Referem-se ao coacutedice anterior

192A dedicado a resumir uma obra que parece bem extensa Nesta divisatildeo B do mesmo

coacutedice informa-se que se continuou lendo o mesmo autor mas natildeo uma obra completa ie

natildeo apenas uma uacutenica obra dele Fez-se uma seleccedilatildeo do que seria objeto da leitura

especificado apenas no fim pelo acusativo de relaccedilatildeo tograven arithmograven zacute kaigrave kacute Pode-se imaginar

que Foacutecio provavelmente quem determinava o que se leria ou natildeo aquilo que estaria

circunscrito a esta ou agravequela seccedilatildeo (ie na hipoacutetese de diferentes matildeos escrevendo ou

revezando-se em escrever as anotaccedilotildees que comporiam a Biblioteca) ou pelo menos quem

exercia a funccedilatildeo de organizar as sessotildees julgou prudente complementar este coacutedice dedicado

a Satildeo Maacuteximo com 27 epiacutestolas que natildeo eram elas mesmas se todas copiadas num mesmo

arrola coacutedices cuja construccedilatildeo eacute condizente com as dos exemplos 6 e 7 aqui ie verbo + genitivo + nom plural

(Severyns op cit I p 173) 18 Cf nota 1 agrave Traduccedilatildeo paacuteg 109

24

manuscrito ou coacutedice um conjunto intitulado pela palavra (no nominativo pois se trataria do

tiacutetulo) epistolaiacute Como se observa pela descriccedilatildeo mesma as epiacutestolas se unem pelo conteuacutedo

e aqui sim satildeo reunidas em um mesmo coacutedice ou parte de um (192B) que se soma agrave

primeira metade de 192 e o complementa O que se faz aqui no sentido menos teacutecnico da

palavra principalmente porque ela natildeo aparece natildeo deixa de ser uma eklogeacute no sentido de

uma reuniatildeo uma seleccedilatildeo como testemunhada no exemplo 8 acima referente ao coacutedice 273

Neste caso de fato a forma verbal deve concordar no plural com ldquoepiacutestolasrdquo porque sim natildeo

constitui um ldquotiacutetulordquo como anteriormente entendido nos casos acima estudados natildeo eacute a

palavra ou parte do conjunto de palavras que nomeia o manuscrito ou manuscritos objetos das

sessotildees de leitura mas sim o substantivo comum e forccedila a concordacircncia da forma que surge

em cinco dos 280 coacutedices

Isso nos leva a uma hipoacutetese para explicar as diferenccedilas de emprego o singular vai

com os ldquotiacutetulosrdquo por assim dizer enquanto o plural distingue documentos textos separados

agora reunidos em uma mesma ediccedilatildeo ie especifica partes diacutespares ou conjuntos delas que

estatildeo sendo lidos e que pelo menos no material de que os letrados junto a Foacutecio dispunham

provavelmente natildeo se encontravam reunidos sob um mesmo tiacutetulo ou mais propriamente

intitulaccedilatildeo para consoar com o que se defende aqui Isso se exemplifica pelas outras quatro

ocorrecircncias do plural nos coacutedices 216 260 261 e 269 A forma plural serve tanto para indicar

que diferentes textos estatildeo resumidos num mesmo coacutedice como no caso de 192B19 como

para indicar que os proacuteximos coacutedices na sequecircncia satildeo uma seleccedilatildeo de diferentes textos que

estatildeo agora sendo agrupados concomitantemente agraves sessotildees e agrave confecccedilatildeo da Biblioteca

Em resumo a forma ldquo rdquo referir-se-ia a uma ldquocoletacircneardquo de leituras ie

agrave leitura de ldquofontesrdquo filoloacutegicas ou de objetos filoloacutegicos diferentes concorda portanto com

diferentes nomeaccedilotildees de manuscritos

Eacute impressionante como essas formas gramaticais acabam por testemunhar na verdade

numerosa atividade filoloacutegica Assim eacute que o iniacutecio do coacutedice 216 notifica-nos a leitura

(anegnoacutesthesan) de dois grupos de textos (a forma plural concordando com o sujeito

composto portanto) ldquo4 livros que compreendem A Ciecircncia Meacutedica [provavelmente a

intitulaccedilatildeo] estabelecida por Oribaacutesio e ainda outros 7 [sc de Ciecircncia Meacutedica] do mesmo

homem e publicada sobre [em relaccedilatildeo a]o mesmo modelordquo Aqui a forma plural que

encabeccedila o coacutedice 216 pontua justamente essa secccedilatildeo pois que ateacute a o coacutedice 220 tratar-se-aacute

desses livros Leia-se o grego

19 Possibilidade de que 260 e 261 tambeacutem satildeo exemplos

25

ldquo[10] Ἀνεγνώσθησαν βιβλία δʹ ἃ τὴν πραγματείαν ἰατρικὴν ltὈρειβασίῳgt

συντεταγμένην περιεῖχε καὶ ἔτι ἕτερα ζʹ ἀνδρός τε τοῦ αὐτοῦ καὶ εἰς παραπλήσιον

ἐξενηνεγμένην τύπονrdquo

Observe-se que o particiacutepio perfeito meacutedio-passivo feminino exenenegmeacutenen soacute pode

concordar com tegraven pragmateiacutean iatrikeacuten o que nos leva a subentender que ldquoos 7 livros do

mesmo homemrdquo tecircm a mesma intitulaccedilatildeo dos quatro anteriores o que inclusive explica o

conteuacutedo da participial Observe-se principalmente como o verbo inicial que introduz o coacutedice

vai para o plural para concordar com dois nuacutecleos do sujeito bibliacutea dacute e eacuteti heacutetera z que

correspondem aos dois conjuntos de textos que neste momento da confecccedilatildeo da Biblioteca

foram objeto do ciacuterculo de leituras

Dos referidos coacutedices sem duacutevida os que melhor comprovam isso satildeo o 269 e os

seguintes pois introduzindo a leitura de ldquo21 discursos de diferentes homens santosrdquo pela

forma plural o resumo de cada um deles a comeccedilar pelo mesmo coacutedice e posteriormente nos

demais ateacute o fim da Biblioteca seraacute introduzido pela respectiva forma singular20

132 A intitulaccedilatildeo do Coacutedice 239

Mediante o exposto eacute mais provaacutevel que em formulaccedilotildees como esta do coacutedice 161

(103a)

ldquo[11] Ἀνεγνώσθη ἐκλογαὶ διάφοροι ἐν βίβλοις ιβʹ ltΣωπάτρουgt σοφιστοῦ

Συνείλεκται δὲ αὐτῷ τὸ βιβλίον ἐκ πολλῶν καὶ διαφόρων ἱστοριῶν καὶ γραμμάτωνrdquo

ldquoLeram-se diferentes excertos em 12 livros de Soacutepater o sofista Seu livro foi

coligido a partir de muitas e diferentes investigaccedilotildees e textosrdquo

semelhante agrave do epiacutetome 239 pela ocorrecircncia da palavra eklogai esta seja parte da intitulaccedilatildeo

do manuscrito que eacute objeto de leitura e resumo igualmente21 A julgar pelo que se diz na

20 Cf Biblioteca 479b 36 em diante 21 Portanto a traduccedilatildeo segundo os criteacuterios editorias e diagramaacuteticos de hoje se consideramos que pelo menos

eklogaiacute faz parte da traduccedilatildeo seria ldquoLeu-se diferentes Excertosrdquo

26

sequecircncia o proacutepria copista reconhece que se lecirc sob a designaccedilatildeo de eklogaiacute neste caso de

Soacutepater obra de coletacircnea ou excertos

Mas este ainda natildeo eacute o caso de nosso epiacutetome haacute mais um agravante o coacutedice 239 se

assemelha a um conjunto de epiacutetomes que vecircm introduzidos pela preposiccedilatildeo ek mais genitivo

apoacutes a forma verbal Como por exemplo no coacutedice 254

ldquo[12] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῆς μαρτυρικῆς Τιμοθέου τοῦ ἀποστόλου συγγραφῆς22rdquo

ldquoLeu-se [realizou-se leitura] a partir do relato testemunhal do apoacutestolo Timoacuteteordquo

(468b 2)

Nestes casos parece que a introduccedilatildeo feita pelo resumidor estaacute antes mais focada em

reconhecer o tipo de obra a ser lido do que referir diretamente agrave intitulaccedilatildeo da mesma

podendo sim o termo que vem no genitivo apoacutes a preposiccedilatildeo ser essa intitulaccedilatildeo Caso

obscuro eacute o do epiacutetome 240 logo apoacutes a Crestomatia

ldquo[13] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῶν ltἸωάννου τοῦ Φιλοπόνουgt εἰς τὴν ἑξαήμερον

rdquo

(240 322b 2)

Eacute difiacutecil ater-se agrave literalidade para traduzir tal passagem ldquoLeu-se a partir lsquodas coisasrsquo

sobre os seis dias de Joatildeo Filoacutepono querdquo23 Contudo a mesma explicita bem nosso

problema a saber o de uma leitura que eacute parcial Dois elementos chamam a atenccedilatildeo

Primeiramente a construccedilatildeo da forma verbal acrescida do termo preposicionado

parece referir de forma mais viacutevida (se pensarmos na semacircntica do grego) agrave proacutepria situaccedilatildeo

de leitura de que os volumes da Biblioteca se originam A forma parece possuir aqui um

aspecto mais forte ndash observado por Severyns e mantido tanto em Ferrante como nesta

traduccedilatildeo ndash de pontuar o caraacuteter resumido de que se leraacute algo a partir do que foi mais uma

sessatildeo ou sessotildees de leitura Falando por paraacutefrase eacute como se aquela forma de apresentaccedilatildeo

observada nos epiacutetomes anteriores (1 ndash 10) fosse um equivalente da nossa enumeraccedilatildeo

lacocircnica que recorre aos dois pontos ndash ldquoleu-se Homilias ao Gecircnese de Crisoacutestomo etcrdquo

22 Lembrando-se de que a suggrafeacute eacute especificamente o relato escrito o relato anotado 23 Mais uma vez a noccedilatildeo que na traduccedilatildeo do coacutedice 239 traduziu-se de modo perifraacutestico por ldquorealizou-se

leiturardquo natildeo foi adotada definitivamente pelos fins explicativos deste capiacutetulo para o cabeccedilalho dos demais

epiacutetomes semelhantes ao da Crestomatia mas ou apenas mencionada nos casos em que seria possiacutevel mantecirc-la

sem afetar a literalidade do que vem em seguida ou utilizada quando uacutenica maneira de manter legiacutevel essa

mesma traduccedilatildeo (infra exemplo 15) Cf Traduccedilatildeo nota 1 paacuteg 109

27

enquanto esta forma seria mais descritiva e analiacutetica ldquoleu-se realizou-se leitura deu-se

leitura a partir de lsquoxrsquo (ek + gen) etcrdquo

Em segundo lugar a presenccedila do artigo neutro plural se laacute naquela outra foacutermula por

assim dizer a brevidade e a introduccedilatildeo dos nominativos permitia identificar o que

chamaacutevamos intitulaccedilatildeo no caso desta formulaccedilatildeo mais descritiva ela nem sempre parece

clara Se focircssemos tentar inferi-lo o ldquotiacutetulordquo da obra nos nossos termos seria ldquoTagrave eis tegraven

exaeacutemeronrdquo ou ldquoEis tegraven exaeacutemeronrdquo Traduzindo (certamente) sem nenhum fim esteacutetico ldquoAs

Coisas sobre Os Seis Diasrdquo ou ldquoSobre Os Seis Diasrdquo A rigor o que se lecirc em grego tanto em

12 como em 13 parece mais uma descriccedilatildeo sendo que neste o texto parece dizer que se

realizou uma seccedilatildeo de leitura a partir daquilo que Joatildeo diz dos seis dias da Criaccedilatildeo ie o que

ele compocircs escreveu a respeito De fato sabemos que em se tratando do comentador de

Aristoacuteteles cristatildeo ortodoxo e (curiosamente) opositor de Proclo no campo teoloacutegico o

tratado deveria designar-se ie ser intitulado a partir da preposiccedilatildeo Dessarte esse resumo

estaria disposto da seguinte maneira (mais uma vez sem preocupaccedilatildeo esteacutetica nesta traduccedilatildeo

literal) ldquoLeu-se a partir [das coisas do que diz do conteuacutedo do assunto] de Joatildeo Filoacutepono

Sobre Os Seis Dias querdquo E segue-se um texto muito parecido na sua estrutura de reportar

enunciados ie de discurso indireto ao do epiacutetome 239

Parece portanto que o emprego de ek mais genitivo na introduccedilatildeo dos epiacutetomes tem

uma semacircntica intencionalmente partitiva ou ablativa no sentido de que particiona marca a

partir de que se daacute a leitura que apenas hipoteticamente pode natildeo ter sido integral Natildeo agrave toa

junto da palavra eklogeacuteeklogai em diferentes introduccedilotildees serviraacute para pontuar justamente

que o conteuacutedo apresentado natildeo eacute integral

Assim tambeacutem o coacutedice 234 parece muito em sua estrutura com o epiacutetome 239

ldquo[14] Ἀνεγνώσθη τοῦ ἁγίου ltΜεθοδίουgt ἐπισκόπου καὶ μάρτυρος ἐκ τοῦ Περὶ

ἀναστάσεως λόγου οὗ ἡ ἐκλογὴ τὰ ὑποκείμενα λέγει

rdquo

ldquoLeu-se [realizou-se leitura] do Santo Metoacutedio epiacutescopo e maacutertir a partir do discurso

acerca da Ressurreiccedilatildeo cuja seleta diz o que se segue

Querdquo

(293a 2 ndash 5)

E assim teriacuteamos mais um texto semelhante ao epitome da Crestomatia ainda mais

considerando os enunciados reportados que se seguem ie a forte evidencia do discurso

28

indireto marcado pelas conjunccedilotildees Mais uma vez as estruturas gramaticais apontam para o

fato de que o texto que se segue eacute ele mesmo uma eklogeacute

Tantos indiacutecios inevitavelmente nos levariam a achar que eklogaiacute no tiacutetulo de nosso

coacutedice referir-se-ia como neste caso ao resumo feito para a proacutepria Biblioteca

Contudo observa-se que ao todo as introduccedilotildees que recorrem agrave forma com

preposiccedilatildeo ek subdividem-se em dois tipos ou aquelas que trazem como se viu essa

descriccedilatildeo da fonte que se lecirc como no tipo 12 de onde eacute possiacutevel inferir um tiacutetulo24 ou outro

subtipo (a que 239 pertence) que traz aleacutem do genitivo uma especificaccedilatildeo da intitulaccedilatildeo ou

pelo pronome relativo mais a forma verbal passiva epigraacutephetai ou entatildeo pelo particiacutepio da

mesma no genitivo Por exemplo

ldquo[15] Ἀνεγνώσθη ἐκ τοῦ ἐπιγραφομένου λόγου laquoΒίος ἢ ἄθλησις τοῦ ὁσίου πατρὸς

ἡμῶν Παύλου τοῦ Κωνσταντινουπόλεως ἐπισκόπου τοῦ ὁμολογητοῦraquo ἐφrsquo ὁμοίᾳ

συστελλόμενος ἐκδόσειrdquo

ldquoRealizou-se leitura a partir do discurso que se intitula Vida e Julgamento do nosso

Sagrado Epiacutescopo e Homolegeta Paulo de Constantinopla resumido a semelhante ediccedilatildeordquo

(257 407a 22 ndash 25)

Em todas essas ocorrecircncias em que se tem o particiacutepio tem-se tambeacutem um nominativo que

designa o tiacutetulo25

Contrapondo isso a todas as demais formas de introduccedilatildeo brevemente consideradas

nesta discussatildeo sobre como se intitularia a obra parece verossiacutemil que fosse porque ela

mesma era em princiacutepio uma coletacircnea de excertos como a de Estobeu (o que eacute plenamente

verossiacutemil) fosse porque chega assim agrave Biblioteca o que se tinha em matildeos para ler e anotar jaacute

levava a inscriccedilatildeo eklogai ie jaacute era uma composiccedilatildeo de excertos uma seleta

Em outras palavras propotildee-se aqui considerar o plausiacutevel parece que todos os

indiacutecios textuais apontam para o fato de que o proacuteprio objeto escrito trazia a palavra eklogaiacute

uma vez que eacute possiacutevel identificar segundo as distinccedilotildees aqui traccediladas quando a palavra estaacute

sendo empregada para designar que um arrazoado um logos maior estaacute sendo posto

nominalmente na forma de ldquoseletardquo Isso pode perfeitamente significar que a palavra fizesse

parte da intitulaccedilatildeo corrente do texto em questatildeo se ele circulava mas natildeo implica

obrigatoriamente como pretende Severyns que ele sempre fora assim e que a palavra fora

posta no ldquotiacutetulordquo pelo proacuteprio Proclo A julgar pelos indiacutecios apresentados que parecem

24 Cf por exemplo coacutedices 242 (Bekker 335a) 253 (idem 467b) 25 Cf tambeacutem coacutedice 256 (idem 469b) 279 (idem 529b)

29

minimamente passiacuteveis aqui de alguma confirmaccedilatildeo nossa hipoacutetese eacute pelo menos tatildeo

verossiacutemil quanto a do referido editor segundo a qual o texto em matildeos dos letrados da

Biblioteca trazia o termo eklogai porque fora assim nomeado (uma ldquocompilaccedilatildeo de excertosrdquo)

pelo proacuteprio ldquoautorrdquo Tatildeo possiacutevel quanto isso eacute a probabilidade de que mesmo que houvesse

a Crestomatia em sua forma original e os eruditos junto a Foacutecio natildeo a tivessem agrave sua

disposiccedilatildeo o que circulou durante as sessotildees de leitura se tratasse de uma seleta uma

compilaccedilatildeo

Diante dessas duas possibilidades ainda a serem consideradas parece que uma sutil

certeza se confirma entre ambas Eacute de supor que pela terminologia apresentada ao longo do

epiacutetome e sua congruecircncia com diversos outros textos de doutrina mesmo que se trate de

excertos copiados e natildeo da obra na iacutentegra eles o satildeo como uma coletacircnea mesmo de

diferentes trechos copiados e coligidos como na obra de Estobeu em que pese aqui o plural

ekologaiacute Pelo que se observa da obra de Estobeu e dos demais textos que chegam a noacutes como

coletacircneas eklogeacuteeklogai podemos afirmar com algum acerto que o texto que temos eacute pelo

menos uma coletacircnea como a referida uma reuniatildeo talvez natildeo de citaccedilotildees diretas mas das

passagens relevantes ou dos ldquodizeresrdquo de uma obra se lembrarmos que ela eacute um logos que eacute

pensada como um ou como uma seacuterie deles Diante de tal texto a funccedilatildeo do editor ou

resumidor da biblioteca poderia ser simplificada seu resumo consistiria em transcrever e

readequar os excertos Nada impede que neste processo algo tenha se perdido por ser

deixado de lado (da proacutepria coletacircnea)26 mas observa-se que o material preservado consiste

justamente em breves topicalizaccedilotildees de termos teacutecnicos que por si mesmos e tudo que

podem referir compotildeem uma espeacutecie de glossaacuterio resumidor de muito quanto se circunscreve

aos ldquosaberes proveitososrdquo das letras ora como objeto da gramaacutetica ora como objeto da

retoacuterica ora como objeto da poeacutetica Talvez essa seja uma explicaccedilatildeo plausiacutevel para o fato de

que introduzindo o coacutedice 239 pela referida forma aqui comentada diferentemente de outras

semelhantes mas natildeo idecircnticas como a do exemplo 15 natildeo haja menccedilatildeo por parte do

resumidor ao ato de abreviar ie agrave confecccedilatildeo do proacuteprio epiacutetome como uma coletacircnea

porque o texto mesmo jaacute era uma reuniatildeo de passagens que ele passa a arrolar topicalizando

ie o objeto escrito que os eruditos da Biblioteca tinham em matildeos jaacute era um breviaacuterio

26 Eacute possiacutevel obter um sutil vislumbre do tipo de coisa que os resumidores podem ter deixado de lado observando

a inclusatildeo do ciclo eacutepico Considerando-se o epiacutetome e os resumos eacute possiacutevel fazer algumas conjecturas sobre o

tipo e a quantidade de coisa que natildeo foi anotada no coacutedice debate-se ainda se a Crestomatia continha integral ou

parcialmente aleacutem do ciclo troiano episoacutedios cosmogocircnicos e ou ateacute referentes ao ciclo tebano Cf Estudo

3312

30

Eacute por mais esses elementos que contrariamente aacute hipoacutetese de Severyns ndash muito

refinada e plausiacutevel mas natildeo consoante agrave avaliaccedilatildeo dos diferentes indiacutecios arrolados nesta

introduccedilatildeo ndash defende-se aqui a hipoacutetese de que muito provavelmente mesmo que os eruditos

da Biblioteca pudessem consultar agrave Crestomatia original (se eacute que podemos falar nesses

termos) por tecirc-la consigo ou por poder acessaacute-la em outro lugar o que se compila para a

Biblioteca eacute uma seleccedilatildeo daiacute um breviaacuterio (para acentuar a ideia de um segundo momento

em que inevitavelmente a obra foi abreviada) nos moldes de Estobeu quanto agrave sua forma mas

sobre a obra de um uacutenico autor enquanto aquele reuacutene liccedilotildees de diferentes autores Sabemos

que pelo que se entende do termo crestomatia e pelo proacuteprio conteuacutedo do epiacutetome o coacutedice

239 natildeo deixa de ser tambeacutem uma reuniatildeo de diferentes liccedilotildees eacute contudo pelo trabalho

acadecircmico que podemos identificar separadamente o quanto possiacutevel a origem delas em

diferentes textos de doutrina dos saberes antigos (natildeo ignorando o termo ldquogramaacuteticardquo que

parece ser o denominador comum) essa pluralidade circunscreve-se portanto ao termo

ldquocrestomatiardquo ie um uacutenico texto resultante do esforccedilo de compor um ou mais discursos

sucessivos (loacutegoi) tangenciando os diversos temas das diferentes aacutereas pelo eixo comum das

ldquoletrasrdquo (grammatikeacute) Dele fez-se um breviaacuterio uma seleta condensando os toacutepicos cuja

compilaccedilatildeo foi usada no coacutedice 239

A enorme perda de conteuacutedo que haveria se julgaacutessemos ser o coacutedice 239 portanto o

resumo de algo jaacute resumido eacute um dos vaacuterios argumentos de Severyns para defender que a

julgar pela totalidade que se pode vislumbrar no coacutedice natildeo seria esse o caso porque ndash

seguindo esse raciociacutenio ndash muito mais estaria perdido e nos faltaria esse vislumbre Essa perda

eacute questionaacutevel considerados os argumentos acima primeiro a noccedilatildeo de totalidade o

vislumbre de tantos temas diversos tratados em uma mesma obra eacute resultado provaacutevel do que

se tinha por uma crestomatia obra abrangente e natildeo por eklogeacuteeklogaiacute segundo dessa obra

selecionam-se os trechos que contenham resumidamente as liccedilotildees sobre as letras e outros

assuntos que tangenciem esse saber Se observarmos o jaacute citado excerto (paacuteg 16) do

Etymologicum Magnum no verbete ldquoeacutelegosrdquo podemos considerar que talvez natildeo se pautando

diretamente no texto original da Crestomatia o compilador natildeo viu nenhum problema em

fornecer como ldquoProclordquo passagens que satildeo ainda mais reduzidas do que as do coacutedice em

questatildeo mas que contecircm pelo menos as mesmas coisas que ele ou seja toma-as seguramente

como conteuacutedo de Proclo e natildeo de Foacutecio Natildeo haacute por que pois imaginar que os

compiladores da Biblioteca tivessem procedido de maneira diferente em torno do que tinham

ou poderiam acessar da obra Natildeo haacute duacutevida evidentemente que muita coisa que eacute apenas

aludida foi simplesmente suprimida como se vecirc pelo ciclo eacutepico e isso impossibilita

31

justamente o argumento de Severyns segundo o qual natildeo ter acesso agrave obra na iacutentegra geraria

no resumo incongruecircncias ou falta de totalidade

Isso seria condizente finalmente com o uacuteltimo item desse resumo do coacutedice 239 da

Biblioteca de Foacutecio ldquoAqui estatildeo os dois primeiros arrazoados da Crestomatia de Letras de

Proclordquo (grifos do autor) O nuacutemero de arrazoados resumidos ou loacutegoi apresentados pelo

resumidor ao fim do coacutedice natildeo equivale ao nuacutemero que no iniacutecio fora dado como o

nuacutemero das partes dessa Crestomatia laacute quatro arrazoados aqui dois Natildeo eacute em vatildeo

portanto que o resumidor preocupa-se bem como nos demais casos de resumos mas agora ao

fim em dar notiacutecias a respeito da disparidade entre o objeto que estaacute agora sendo

confeccionado e o objeto primeiro compilado (como nos casos conforme visto acima em que

se explicita a elaboraccedilatildeo de uma seleta para a Biblioteca) Parece julgar necessaacuterio ao que

tudo indica informar uma disparidade Esse item natildeo poderia senatildeo ser uma nota filoloacutegica

Primeiro o nuacutemero confirma que natildeo se compila a obra por completo mas o que equivaleria

a sua primeira metade seus dois primeiros livros ou arrazoados Mais chama a atenccedilatildeo

todavia a ausecircncia da palavra eklogaiacute aqui Seja porque o objeto escrito uma eklogeacuteeklogaiacute

indicava-o seja porque os letrados ainda estavam em posse dessa informaccedilatildeo a ausecircncia da

palavra busca esclarecer o quanto da obra em questatildeo se leu e agora se disponibiliza a quem

eventualmente acessar a Biblioteca ie o equivalente aos dois primeiros livros ou arrazoados

de outro objeto designado apenas por Proacuteclou Grammatikecircs Khrestomaacutetheia ou Crestomatia

de Letras de Proclo O objetivo dessa passagem que encerra o resumo natildeo eacute senatildeo esclarecer

a equivalecircncia entre o que se resumiu para a Biblioteca a partir de eklogocircn ou seja

ldquoexcertosrdquo equivalentes ao que seria o conteuacutedo da primeira metade da obra original Se natildeo

o fosse por que estaria o resumidor cioso de informar tatildeo especificamente nuacutemeros diacutespares

de partes aleacutem de natildeo empregar a palavra ldquoexcertosrdquo na segunda especificaccedilatildeo

Se o objeto resumido Os Excertos da Crestomatia de Letras de Proclo era uma seleta

apenas dos dois primeiro livros da Crestomatia de modo que por conter a especificaccedilatildeo ou

por saberem-no os eruditos eacute resumido do comeccedilo ao fim com uma especificaccedilatildeo da

equivalecircncia de partes ou se essa equivalecircncia eacute informada justamente porque Os Excertos

tambeacutem compreendiam os outros dois livros mas os eruditos natildeo os incluiacuteram na Biblioteca

isso natildeo eacute possiacutevel saber Em todas as hipoacuteteses poreacutem eacute mais verossiacutemil principalmente

pelo indiacutecio final do texto que os eruditos da Biblioteca compilaram eklogaiacute excertos ou uma

seleta

Resta para talvez ampliar o vislumbre dessa obra inquirir pelo termo grego

khrestomaacutetheia que como se sabe estaacute lexicalizado em nossos bons dicionaacuterios

32

133 O termo ldquocrestomatiardquo

Uma vez que a palavra ldquocrestomatiardquo eacute tradicionalmente entendida como sinocircnimo

direto de ldquocoleccedilatildeo coletacircneardquo o que nos eacute sugerido pelos dicionaacuterios em geral27

inevitavelmente se pensaraacute estar diante de uma dupla coletacircnea o que a princiacutepio consoa

com o exposto leem-se no coacutedice 239 da Biblioteca ldquoexcertos de uma coletacircnea sobre as

Letrasrdquo da antiguidade Embora defendido que seja esse o caso essa simples traduccedilatildeo natildeo nos

permitiria vislumbrar o fato de que o termo crestomatia natildeo se refere tanto agraves dimensotildees ou agraves

proporccedilotildees da obra quanto agraves suas qualidades ou aos traccedilos que a definem como sendo de

certo tipo

Severyns defende em seu estudo que o entendimento de ldquocrestomatiardquo como florileacutegio

natildeo eacute proacuteprio dos antigos28 que tomam o termo como qualificativo ou definidor de uma obra

sem que isso implique um gecircnero de resumo O significado abreviativo derivaria da

interpretaccedilatildeo renascentista do tiacutetulo feita por ocasiatildeo das primeiras publicaccedilotildees impressas da

Biblioteca a partir da metade do seacutec XVI e teria se prolongado como os proacuteprios dicionaacuterios

modernos (Liddel amp Scott Bailly) datildeo a entender ldquoCrestomatiardquo portanto seria tatildeo somente

o que nomeia e define essa obra que pretende fornecer ensinamentos uacuteteis (no sentido praacutetico)

de certo saber (aqui o das Letras) Severyns poreacutem buscando ver totalidade na obra traduz o

nome interpretando-o segundo a hipoacutetese ndash que defende muito coerentemente ndash de que mesmo

a palavra ldquoeklogaiacuterdquo faria parte do tiacutetulo original da obra Justamente por essa leitura junto de

ldquoeklogaiacuterdquo adiciona ldquoabreacutegeacuterdquo ao que em sua traduccedilatildeo seria o tiacutetulo da obra sugerindo que o

significado do termo em questatildeo seria o de acentuar seu caraacuteter de ldquomanualrdquo de liccedilotildees

agregador de diversos ensinamentos supondo claro que se fosse versar detalhadamente

sobre os toacutepicos seria muito maior

Se julgarmos contudo que Severyns estaacute correto quanto agrave interpretaccedilatildeo precisa do

significado da palavra que aqui serve para qualificar certo tipo de texto mesmo sem designaacute-

lo sob uma difundida nomenclatura geneacuterica de uso rigoroso apesar do emprego de eklogaiacute

conforme estudado no item acima entatildeo podemos entender que o simples emprego do termo

ldquocrestomatiardquo como intitulaccedilatildeo bastaria para qualificar a obra por sua finalidade e utilidade

27 Cf Traduccedilatildeo nota 2 Conforme anotado a palavra estaacute lexicalizada nas liacutenguas romacircnicas 28 Severyns op cit tome II 65 ndash 69

33

reunir saberes proveitosos que no caso do texto atribuiacutedo a Proclo contemplam diferentes

autores ou textos Inevitavelmente as duas palavras parecem implicar certa redundacircncia mas

como decorrecircncia do fato de que a noccedilatildeo de khrestomaacutetheia secundariamente implica a noccedilatildeo

de seleccedilatildeo mas natildeo o contraacuterio A palavra eklogeacute referir-se-ia agrave noccedilatildeo geral de ldquoseletardquo

enquanto khrestomaacutetheia a um criteacuterio que nortearia o caraacuteter dessa seleccedilatildeo No caso da

seleccedilatildeo de passagens diversas e ilustrativas do saber de diferentes autores isso implicaria em

uma obra como a de Estobeu que seleciona as passagens de sua Coletacircnea pelo ensinamento

que contecircm O fato de haver certa redundacircncia entre as duas coisas seria mais um argumento a

favor da hipoacutetese de que os eruditos em torno de Foacutecio natildeo leram a obra na iacutentegra A

ocorrecircncia de ambas portanto deve implicar nesse caso que pelo menos nessa passagem

designam coisas diferentes Nesse sentido a obra de Proclo se diria ldquocrestomatiardquo porque o

criteacuterio que a norteia eacute relacionar ensinamentos proveitosos de uma aacuterea em especiacutefico o que

aponta para a caracteriacutestica preponderante do texto a saber conter liccedilotildees que

tradicionalmente satildeo desenvolvidas em textos especiacuteficos de diferentes doutrinas antigas aqui

agremiadas pelo tiacutetulo grammatikeacute gramaacutetica Isso se aventa pelas duas outras ocorrecircncias da

palavra na proacutepria Biblioteca ambas posteriores ao coacutedice 239 A primeira delas que parece

referir-se bem a essa qualidade instrutiva por si soacute consiste no emprego do substantivo no seu

sentido proacuteprio e natildeo teacutecnico para explicar o que se apresenta das Vidas Paralelas a obra de

Plutarco compilada no coacutedice 245

ldquo[16] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῶν ltΠλουτάρχουgt παραλλήλων διάφοροι λόγοι ὧν ἡ ἔκδοσις

κατὰ σύνοψιν ἐκλέγεται διάφορον χρηστομαθίανrdquo

(245 393b 9)

O resumidor seguindo o espiacuterito jaacute comentado de para certos casos caracterizar o que

se leraacute em relaccedilatildeo agrave fonte de que se compila (o espiacuterito de nos dar alguma nota editorial do

que se estaacute produzindo) informa-nos que neste coacutedice ldquofez-se a leitura de diferentes

discursos das Vidas Paralelas de Plutarco dos quais a ediccedilatildeo em sinopse seleciona o saber

distintordquo Poder-se-ia seguindo a sugestatildeo de Severyns29 arriscar a traduccedilatildeo por ldquodistinta

erudiccedilatildeordquo uma vez que como laacute demonstrado o substantivo primitivo chrestomateacutes

( ) empregava-se para designar aquele que buscava o saber proveitoso uacutetil o

ldquoeruditordquo Assim a palavra ocorre na introduccedilatildeo ao epiacutetome da obra de Plutarco para

assinalar que natildeo se encontraraacute ali a obra mas que o resumo fruto da leitura ateacutem-se a

29 Severyns op cit II pg 66

34

fornecer os trechos que conteacutem aos olhos de nosso resumidor ensinamentos valiosos ie

aqueles que serviratildeo para ensinar (no caso do gecircnero historiograacutefico atraveacutes de exempla)

A segunda ocorrecircncia (quarta no total) eacute justamente para introduzir outra obra

nomeada ldquoCrestomatiardquo e compilada na Biblioteca a saber a Crestomatia de Helaacutedio

ldquo[17] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῆς ltἙλλαδίου Βησαντινόουgt ἐπιγ-

ραφομένης πραγματείας χρηστομαθειῶν αʹ βʹ γʹ δʹrdquo

(279 529b 26)

Como se nota natildeo haacute a palavra eklogaiacute nesse caso e a introduccedilatildeo do epiacutetome segue o

mesmo padratildeo dos epiacutetomes anteriormente comentados trazendo um particiacutepio introduzindo a

intitulaccedilatildeo do objeto escrito ldquoTratado de Crestomatia 1 2 3 4rdquo A obra de Helaacutedio como

resumida na Biblioteca parece dedicar suas primeiras seccedilotildees a catalogar informaccedilotildees uacuteteis

sobre palavras ou sobre diversos elementos leacutexicos da pronunciaccedilatildeo correta de certos

vocaacutebulos ateacute usos linguiacutesticos ie quando se empregava preferencialmente esta agravequela

forma ou quando soacute se podia aplicar uma etc Tais saberes uacuteteis tambeacutem seratildeo a respeito das

causas e origens de certos nomes e se trataraacute entatildeo de nomes de lugares ou por que certo

grupo usa tal signo para certa coisa por que tal monumento ou local recebeu seu nome etc e

nesse sentido como ocorre tambeacutem no caso da Crestomatia de Proclo natildeo se distingue

claramente quando o objeto eacute a palavra ou a coisa a discussatildeo linguiacutestica se torna etioloacutegica

Por vezes natildeo haacute essa discussatildeo mas o resumidor anota uma informaccedilatildeo relevante a

passagem de 533b 29 ndash 34 por exemplo eacute dedicada a ordenar o estabelecimento e os locais

das competiccedilotildees atleacuteticas dos gregos30 Do meio em diante pelo menos a julgar pelo epiacutetome

as informaccedilotildees compiladas entatildeo passam agrave origem e histoacuterias diversas de fato definindo o

texto sobre um texto como uma crestomatia sobre coisas diversas

Mais interessante a tiacutetulo de comparaccedilatildeo eacute o fato de que o resumo traz o nome de

autores de que Helaacutedio haure sua ldquoerudiccedilatildeordquo ou ldquosaberes proveitososrdquo Dioniacutesio por exemplo

eacute citado como fonte a partir da qual se arrolam usos proacuteprios dos aticistas31 tais fontes satildeo

dadas nominalmente no epiacutetome muito provavelmente porque o proacuteprio Helaacutedio as

informava uma vez que ocorrem sob a forma de discurso reportado ou indireto ldquoDioniacutesio diz

que os aticistasrdquo e natildeo ldquodiz querdquo como ocorre no coacutedice de Proclo ou seja o coacutedice

informa-nos que na Crestomatia de Helaacutedio ldquoeacute dito que Dioniacutesio diz querdquo e tem-se uma

liccedilatildeo uacutetil como por exemplo ldquoos aticistas natildeo dizem oneacutesamen mas sim

30 Foacutecio Biblioteca 279 533b 29 ndash 34 31 idem 279 529b 29 ndash 34

35

epriaacutemen rdquo e dizem as demais formas do verbo em questatildeo conforme o esperado

morfologicamente32 Eacute pois de se supor que Helaacutedio no suposto texto original dissesse

ldquoDioniacutesio diz querdquo ou seja referia autores fonte das informaccedilotildees uacuteteis que colige Mais agrave

frente sua fonte seraacute ningueacutem menos que o gramaacutetico Diacutedimo

Mais uma diferenccedila se entrevecirc aqui no caso do texto de Helaacutedio o manuscrito agrave

disposiccedilatildeo dos eruditos muito provavelmente por conter ainda a obra por completo trazia seu

autor referindo-se a fontes se natildeo as citando No caso da Crestomatia de Proclo isso natildeo

ocorre As liccedilotildees embora as identifiquemos como pertencentes a diferentes doutrinas satildeo

apenas arroladas uma apoacutes a outra Quando haacute mais de uma hipoacutetese ou possibilidade

principalmente no caso das etimologias geralmente haacute uma menccedilatildeo a ldquooutrosrdquo ou a uma

possibilidade divergente Isso leva a pensar que se a Crestomatia de Proclo tinha as mesmas

dimensotildees que a de Helaacutedio quatro livros trazia ela tantos autores citados na atribuiccedilatildeo de

suas liccedilotildees e diferentes versotildees de etimologias que o resumidor resolveu apenas referir-se a

eles pelo termo ldquooutrosrdquo33 Para aleacutem dos casos em que as diferentes possibilidades

etimoloacutegicas e etioloacutegicas natildeo podem e nem poderiam ser identificadas quanto a sua origem

especiacutefica por natildeo a possuiacuterem (caso de explicaccedilotildees para a origem do epos da elegia do

iambo) eacute de se supor que ou a coletacircnea da obra de Proclo o que se lia natildeo trazia essas

informaccedilotildees por ser uma seleta no sentido discutido de um resumo ou uma primeira

abreviaccedilatildeo ou o autor ele mesmo natildeo as dava por ser um organizador de doutrina ie por

estar focado em organizar saberes doutrinais de modo a instruir Essa segunda hipoacutetese natildeo eacute

de se descartar porque e mais uma vez uma natildeo nega a outra Provavelmente ambas satildeo

verdadeiras pois natildeo eacute de se imaginar que em uma obra com a extensatildeo de quatro livros

como a de Helaacutedio versando sobre diferentes toacutepicos das letras em geral em nenhuma

passagem ocorresse a menccedilatildeo a este ou agravequele autor e o que pensa ou diz sobre determinado

assunto Igualmente eacute de se supor pela mateacuteria do texto que diferentes opiniotildees fossem

apenas referidas a ldquooutrosrdquo como se observa em textos semelhantes como forma padratildeo de

dizer uma vez que satildeo os saberes tradicionalmente consolidados sobre aquele assunto ie as

32 Em outras palavras como diriacuteamos hoje ensina que os autores aacuteticos ldquoclaacutessicosrdquo fazem a 1ordf pessoa do

singular do aoristo do verbo supletivamente ou recorrendo agrave formaccedilatildeo de outro verbo 33 Cf por exemplo 319b 3 ndash 5 sobre as diferentes possibilidades de acentuar a palavra que nomeia o poema

Ciacuteprias do ciclo eacutepico natildeo se identifica ningueacutem aleacutem do autor que proponha e siga essa hipoacutetese bem como

nenhuma autoridade eacute citada em prol da acentuaccedilatildeo vigente ou entatildeo 321a 6 em que haacute uma referecircncia aos que

julgam ser o escoacutelio nomeado por antiacutestrofe Para alguns casos poreacutem natildeo haacute menccedilatildeo e o termo ldquooutrosrdquo se

emprega porque as etimologias jaacute eram assim consolidadas como possibilidades igualmente vaacutelidas para a

mesma coisa ie eram etimologias igualmente aceitas e disseminadas mais ainda autorizadas Eacute o caso claro

das etimologiasetiologias do iambo Cf infra cap 3 seccedilotildees 331 a 333 paacutegs 83 a 95 as explicaccedilotildees satildeo as

mesmas adotadas por exemplo na Gramaacutetica de Diomedes As etimologias para o termo epos tambeacutem jaacute eram

todas consolidadas

36

possiacuteveis explicaccedilotildees que ao longo dos seacuteculos mas principalmente com a atividade editorial

do periacuteodo heleniacutestico em diante foram se consolidando como as ldquoverdadesrdquo aceitas e

igualmente plausiacuteveis Natildeo haacute para elas pois uma origem definida portanto uma fonte a ser

citada

Esse segundo fato se confirma se aceitamos definitivamente que a Vita Homeris do

coacutedex Venetus eacute junto dos demais resumos dos poemas ciacuteclicos laacute contidos excertos da

Crestomatia original Ao referir-se aos diferentes casos particulares da vida de Homero

conforme o proacuteprio epiacutetome diz que fazia em relaccedilatildeo tambeacutem aos demais poetas eacutepicos34

emprega continuamente as expressotildees ldquounsrdquo ldquooutrosrdquo ldquoaquelesrdquo para referir-se aos

diferentes e agraves vezes divergentes ldquoepisoacutediosrdquo da vida de Homero Ora nada mais consolidado

no acircmbito da cultura geral do que Homero e as diferentes histoacuterias a respeiro dele sua morte

sua origem etc Eram todas versotildees consolidadas e discutidas sem terem origem precisa e

identificada Essa Vita ou biografia do vate tambeacutem nos ilustra que sim inevitavelmente

quando tratando de informaccedilatildeo ou hipoacutetese mais teacutecnica inevitavelmente o autor referiria

uma fonte ou origem dessa informaccedilatildeo Eacute o que ocorre quando se discute primeiro sua

origem

Helacircnico Damaste e Fereacutecides recuam sua origem ateacute Orfeu

Dizem que Meatildeo pai de Homero e Dio pai de Hesiacuteodo descendem

de Apeacutelis filho de Melanopo filho de Epiacutefrades filho de Carifemo

filho de Filoterpes filho de Idmocircnides filhos de Eucles filho de

Doriatildeo filho de Orfeu

Goacutergias de Leontino o recua agraves Musas

(Vita Homeri 19 ndash 24 in Severyns IV paacuteg 69 trad do autor)

Essas eram opiniotildees sobre Homero solidamente proferidas por outros e assim

identificadas

Nos dois paraacutegrafos imediatamente anteriores e no paraacutegrafo imediatamente posterior

por exemplo temos informaccedilotildees ou episoacutedios anedoacuteticos sobre Homero e nesses casos

vemos a praacutetica de atribui-los a ldquooutrosrdquo indefinidos

[] uns o proclamam nativo de Colofatildeo outros de Quios outros de

Esmirna outros de Io outros de Cima e toda cidade de modo geral

reclama o homem pelo que razoavelmente pode ser dito cosmopolita

34 ldquoOs mais egreacutegios poetas do epos satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro Paniacuteasis e Antiacutemaco Desses discorre na

medida do possiacutevel acerca da origem da paacutetria e de algumas histoacuterias particularesrdquo Proclo apud Foacutecio

Biblioteca 239 319a 17 ndash 21

37

Os que afirmam que ele eacute de Esmirna dizem que seu pai era

Meatildeo e que foi concebido perto do Rio Meles motivo pelo qual

tambeacutem eacute nomeado Melesiacutegene mas que eacute chamado Homero

[Hoacutemeros ] porque foi dado na condiccedilatildeo de homereiacutea

[refeacutem ] aos de Quios Outros dizem que acabou recebendo

esse nome por causa da deficiecircncia dos olhos Os cegos de fato eram

chamados homeacuteroi [ ] pelos eoacutelios

(idem 9 ndash 18 paacuteg 68 trad do autor)

e

ldquoSobre a sua morte refere-se a seguinte histoacuteria inquirindo o oraacuteculo a respeito de sua

proacutepria seguranccedila pessoal contam que o deus lhe deu esta respostardquo

(idem 25 paacuteg 68 trad do autor)

Note-se que no primeiro caso inculise fezem-se etimologias

Mais agrave frente discutindo a o periacuteodo em que Homero teria vivido

Na cronologia os da escola de Aristarco dizem que viveu na

eacutepoca da imigraccedilatildeo jocircnica que eacute sessenta anos posterior ao retorno

dos Heraclidas e o evento em torno dos Heraclidas estaacute oitenta anos

depois da eacutepoca de Troia Os da escola de Crates por sua vez o

recuam aos tempos de Troia

(idem 59 paacuteg 73 idem)

Vemos a julgar por esse suposto e breve trecho original da Crestomatia que muito

provavelmente como na Crestomatia de Helaacutedio quando alguma liccedilatildeo especiacutefica haurida

deste ou daquela escola era dada era de se imaginar o nome e a atribuiccedilatildeo Tambeacutem como laacute

conforme dito e como se vecirc no proacuteprio resumo de Foacutecio especificamente nos trechos que

versam sobre as celebraccedilotildees ciacutevico-religiosas que originam gecircneros meacutelicos os ldquosaberes

uacuteteisrdquo ie a ldquoerudiccedilatildeordquo a ser transmitida passa a descriccedilatildeo etioloacutegica e histoacuterica (como no

caso da guerra que daacute origem agrave dafnefoacuteria35)

A Crestomatia de Proclo contudo possui um eixo temaacutetico as letras Conclui-se

portanto que entendida natildeo como um gecircnero textual rigorosamente especiacutefico mas como

uma obra de erudiccedilatildeo no sentido de uma reuniatildeo de informaccedilatildeo registro dessa informaccedilatildeo

vaacuteria num documento uacutenico uma crestomatia pode contemplar saberes de diferentes aacutereas e

elementos que no caso de Helaacutedio natildeo teriam uma associaccedilatildeo direta ie natildeo seriam objeto

35 Idem 321a 36 ndash 321b 12

38

de uma mesma obra A reuniatildeo de informaccedilotildees da obra de Proclo visa agrave instruccedilatildeo na aacuterea das

letras Duas perguntas decorrem disso a quais saberes entatildeo ou a quais aacutereas do saber antigo

essa crestomatia se voltaraacute O que se entende por gramaacutetica na intitulaccedilatildeo do coacutedice

134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra

A palavra gramaacutetica que delimita o eixo temaacutetico dessa crestomatia poderia ser

tomada em sua literalidade para efeitos de traduccedilatildeo mas aqui talvez apenas na literalidade

que possuiacutea entre os gregos Essa mesma literalidade poreacutem eacute ampla e polissecircmica dado

que como se sabe passa a designar o ofiacutecio do gramaacutetico Sua funccedilatildeo na antiguidade

compreendeu atividades que tambeacutem noacutes atribuiacuteamos aos gramaacuteticos hoje mas outras que

natildeo Em princiacutepio segundo Dioniacutesio Traacutecio seis seriam as partes da gramaacutetica36

Γραμματική ἐστιν ἐμπειρία τῶν παρὰ ποιηταῖς τε καὶ

συγγραφεῦσιν ὡς ἐπὶ τὸ πολὺ λεγομένων

Μέρη δὲ αὐτῆς ἐστιν ἕξ πρῶτον ἀνάγνωσις ἐντριβὴς κατὰ

προσῳδίαν δεύτερον ἐξήγησις κατὰ τοὺς ἐνυπάρχοντας ποιητικοὺς

τρόπους τρίτον γλωσσῶν τε καὶ ἱστοριῶν πρόχειρος ἀπόδοσις

τέταρτον ἐτυμολογίας εὕρεσις πέμπτον ἀναλογίας ἐκλογισμός ἕκτον

κρίσις ποιημάτων ὃ δὴ κάλλιστόν ἐστι πάντων τῶν ἐν τῇ τέχνῃ

(Dioniacutesio Traacutecio 1153 ndash 6 3 in Grammatici Graeci)

ldquoA Gramaacutetica eacute o saber dos usos da liacutengua conforme se daacute no

mais das vezes entre os poetas e os escritores

Suas partes satildeo seis a primeira eacute a leitura treinada de acordo

com a prosoacutedia a segunda eacute a exegese segundo os tropos poeacuteticos

existentes a terceira eacute a pronta explicaccedilatildeo das formas dialetais e

histoacuterias quarta a revelaccedilatildeo da etimologia quinta o cocircmputo das

analogias sexta a avaliaccedilatildeo [o juiacutezoapreciaccedilatildeo] de poemas que eacute a

mais bela de tudo na teacutecnicardquo

(trad e grifo do autor)

Como responsaacutevel por descrever e ensinar o uso devido da liacutengua e por avaliar como

especialista do saber linguiacutestico se um texto era ou natildeo espuacuterio ie determinar a

36 Para uma precisa anotaccedilatildeo da gramaacutetica de Dioniacutesio Traacutecio Cf Dos Santos MM Dioniacutesio da Traacutecia Arte

traduccedilatildeo e notas in Letras Claacutessicas n11 153 ndash 179 2007

39

autenticidade de um texto cabia ao gramaacutetico portanto aquilo que hoje diriacuteamos ldquoo

estabelecimento do textordquo ofiacutecio do filoacutelogo moderno O emprego do termo krisis referindo-

se aos poemas como objeto dessa avaliaccedilatildeo eacute muito semelhante ao que ocorre no epiacutetome

fociano em 319a 1 ndash 3

ldquoΔιαλαμβάνει δὲ καὶ περὶ κρίσεως ποιήματος ἐν ᾧ παραδίδωσι τίς ἤθους καὶ πάθους

διαφοράrdquo

(Proclo apud Foacutecio 239 319a 1 ndash 3)

ldquoFaz consideraccedilotildees acerca do juiacutezo de poesia no que transmite qual a diferenccedila entre

caraacuteter e afetordquo

Este trecho eacute um dos mais problemaacuteticos do texto porque dado agrave brevidade e agrave

amplitude semacircntica das palavras empregadas possibilita pelo menos mais de uma leitura A

criacutetica notou37 que o conteuacutedo desta primeira oraccedilatildeo e principalmente a expressatildeo kriacutesis

poieacutematos fazem ressoar a sexta parte da empiria gramatical como definida por Dioniacutesio

Traacutecio kriacutesis poiemaacuteton ldquoa mais bela de tudo na teacutecnicardquo Em termos de entendimento

linguiacutestico a dificuldade ocorre primeiro por causa do significado do verbo dialambaacuteno que

semanticamente conteacutem a ideia mesmo de uma kriacutesis um juiacutezo um discernimento

significando ldquotomar separadamente dividir com escruacutepulordquo daiacute ldquodiscernir avaliar

considerarrdquo e justamente ldquojulgarrdquo segundo pela ausecircncia do artigo antes do substantivo kriacutesis

e pelo genitivo singular poieacutematos ao inveacutes de poiemaacuteton (de poema e natildeo de poemas) o

que impossibilita saber se o texto reporta-se agravequela kriacutesis poiemaacuteton (ie avaliaccedilatildeo

julgamento de poemas) que eacute uma parte da gramaacutetica ou se a palavra kriacutesis aqui eacute

empregada (como defende Severyns) em sentido amplo e natildeo teacutecnico junto agrave palavra que no

epiacutetome eacute empregada para designar ldquopoesiardquo siginificando apenas portanto de forma

perifraacutestica que ldquoFoacutecio diz que Proclo faz consideraccedilotildeesrdquo ndash considerando o aspecto verbal do

presente grego lsquoprossegue em suas consideraccedilotildeesrsquo como quer Severyns ndash ldquosobre a avaliaccedilatildeo

da poesiardquo portanto simplesmente ldquoele continua seu exame da poesiardquo que de fato ocorria

em contraposiccedilatildeo agrave prosa desde a distinccedilatildeo entre ambas em 318b 24 (sect3 na ediccedilatildeo de

Severyns) de modo a como se observa a partir de 319a 3 (sect11 idem) logo se concentrar no

que concerne tatildeo somente agrave poeacutetica ie seus gecircneros

Aqui se adota uma terceira leitura contraacuteria a de Severyns mas natildeo totalmente

consoante agrave de Ferrante ndash principalmente nas implicaccedilotildees primeiramente essa kriacutesis

37 cf Severyns (op cit pg 77 ndash 79) para um balanccedilo das leituras e Ferrante (op cit pg 20 ndash 21) para uma

visatildeo ainda contraacuteria a de Severyns)

40

poieacutematos natildeo precisaria orbigatoriamente ser uma alusatildeo ao nome exato da referida parte da

arte gramatical para ser (em se tratando da avaliaccedilatildeo da poesia aqui designada por poiacuteema)

aquele conjunto de avaliaccedilotildees sobre diferentes aspectos do poema Ainda assim natildeo parece

ser o caso

Eacute fundamental pontuar que a passagem deve ser julgada de acordo com o

procedimento geral do resumo ie a forma de resumir O resumidor parece topicalizar

atraveacutes dos termos (quase sempre teacutecnicos) aquilo de que a obra original tratava no respectivo

passo em vez de descrever o que teoricamente Proclo (seja quem for) fazia sem antes

introduzir qual era o objeto ou o toacutepico teoacuterico em questatildeo podendo ater-se ou natildeo a ele

(contrastem-se por exemplo os paraacutegrafos 17 e 69 ndash 78 com os derradeiros referentes agraves

uacuteltimas espeacutecies meacutelicas 93 ndash 99) Se considerarmos como quer Severyns que kriacutesis

poiemaacutetos natildeo eacute um desses termos topicalizados e que ldquonatildeo expressariam senatildeo uma ldquoideia

bem geral natildeo remontando de modo algum agrave sexta parte da arte gramatical tal qual a definiu

Dioniacutesio Traacuteciordquo (sendo um problema exatamente os trechos que aqui sublinho pois assumo

que os termos gregos em si natildeo precisariam ser obrigatoriamente uma citaccedilatildeo tratando-se de

um nome jaacute convencionado para essa atividade) este seria o uacutenico trecho do epiacutetome em que

isso acontece ie em que primeiro se comentaria o que o autor do tratado original faz

(ldquocontinua suas reflexotildees sobre poesiardquo) para soacute depois introduzir o que seria o toacutepico

assinalado a ldquodistinccedilatildeo entre caraacuteter e afetordquo Um outro problema surgiria aqui argumento

favoraacutevel a hipoacutetese defendida se ethos e pathos satildeo os termos teacutecnicos que topicalizam a

passagem ie satildeo o assunto do passo equivalente no suposto texto original entatildeo faltaria

como para os demais casos em que o toacutepico natildeo se explica por um desdobramento da

etimologia uma miacutenima explanaccedilatildeo teoacuterica para ambos como imediatamente antes se fez

para os moldes do dicurso e seus viacutecios Natildeo seria verossiacutemil que se abrisse matildeo dessa

explanaccedilatildeo uma vez que tal distinccedilatildeo entre ethos e pathos natildeo seria menos conhecida que a

doutrina dos gecircneros do discurso Em outras palavras se esse fosse o toacutepico do devido

momento do tratado a que o resumidor se referiria a julgar pelo padratildeo observado referir-se-

ia a ele imediatamente portanto eacute de supor contrariamente que krisis poeiemaacutetos o eacute antes

de diaphoraacute eacutethous kaigrave paacutethos o que inclusive torna mais compreensiacutevel e justificado o

relativo neutro que introduz a segunda oraccedilatildeo

Como uma crestomatia de gramaacutetica aqui entendida como as letras condensando

princiacutepios que em origem satildeo de diferentes disciplinas (gramaacutetica poeacutetica e retoacuterica em

geral) parece razoaacutevel que assim como se falava da doutrina dos gecircneros da elocuccedilatildeo nos

trechos anteriores da obra objeto comum agrave poeacutetica e agrave retoacuterica a distinccedilatildeo entre eacutethos e

41

paacutethos estivesse aqui entre os elementos que eram julgados na avaliaccedilatildeo da poesia Esta liccedilatildeo

parece coerente com o fato de que pelo menos ateacute onde Foacutecio nos daacute notiacutecia apoacutes as

consideraccedilotildees sobre a elocuccedilatildeo (e a doutrina referente a seus gecircneros) seguissem-se esses

dois outros elementos que de acordo com a retoacuterica explicitam-se no discurso

A proacutepria consideraccedilatildeo dos dois termos jaacute eacute um problema pois mesmo em

Aristoacuteteles trazem dificuldade Como se sabe na Retoacuterica o caraacuteter eacute do orador aquele que

fala a paixatildeo suscita-a no ouvinte por meio do discurso a fim de movecirc-lo Eacute logo no livro I

que Aristoacuteteles apresenta essa doutrina dos trecircs meios da persuasatildeo loacutegos eacutethos e paacutethos ou

discurso caraacuteter e afeto Eacute proacuteprio da arte principalmente o primeiro o discurso pois em

condiccedilotildees ideais jurados e ouvintes natildeo se deixam levar pelas paixotildees que oradores treinam

para despertar naqueles que os ouvem Como no entanto o tratado assume por objeto a

persuasatildeo e define a retoacuterica como teacutecnica que a produz (antiacutestrofe da dialeacutetica que produz

verdade) aborda igualmente afeto ndash para esclarecer como suscitado persuade ndash e caraacuteter ndash

pois se as palavras do orador natildeo forem condizentes com a noccedilatildeo de caraacuteter que dele fazem

os ouvintes natildeo se deixaratildeo convencer por julgaacute-lo mentiroso Em termos gerais talvez

pudeacutessemos dizer que na Retoacuterica os trecircs elementos satildeo em um primeiro momento

pensados em si para posteriormente serem considerados como os trecircs fatores ou causas cujo

resultado eacute o convencimento

Natildeo eacute assim poreacutem que os mesmos elementos satildeo considerados na Poeacutetica por conta

da proacutepria conceituaccedilatildeo aristoteacutelica do objeto (o que seraacute discutido mais adiante) neste

tratado Aristoacuteteles cirscunscreve a noccedilatildeo de eacutethos e pathos diferentemente pois trata os

termos como partes de uma imitaccedilatildeo e eacute nos limites desse conceito que surge a dificuldade A

imitaccedilatildeo que define a poesia eacute muito especiacutefica accedilatildeo Trata eacutethos e paacutethos portanto como

elementos que precisam ser representados de maneira condizente para que a imitaccedilatildeo seja

bem sucedida Na descriccedilatildeo da mimese caraacuteter eacute uma das partes qualitativas da trageacutedia

conforme definidas no cap VI da Poeacutetica mito caraacuteter e pensamento seriam as partes

equivalentes a ldquoo querdquo se imita (a mateacuteria) conforme delimitado nos cap I II e III em que o

filoacutesofo expotildee os criteacuterios pelos quais pensa o objeto elocuccedilatildeo e melopeia as partes

equivalentes agravequilo ldquoem querdquo se imita (os meios lembrando que a melopeia equivale ao que

em outras passagens seraacute nomeado apenas ldquomelosrdquo ou ldquocanccedilatildeordquo e refere-se agraves passagens

corais) espetaacuteculo refere-se a ldquocomordquo se imita (o modo)38

38 Poeacutetica VI 1449b 21 ndash 1450a 15

42

Como afirmaraacute ainda no cap VI natildeo eacute objetivo da poesia imitar caracteres mas os

caraceteres satildeo postos em cena apenas em funccedilatildeo da accedilatildeo ie este ou aquele caraacuteter eacute posto

em cena para que a accedilatildeo tenha este ou aquele desdobramento afinal ndash continua dizendo ndash os

eventos e o mito satildeo o fim da trageacutedia e o fim eacute o que haacute de mais importante Portanto o

caraacuteter de certa personagem conhecido do puacuteblico deve apenas ser condizente com o que

desdobramento esperado da accedilatildeo Natildeo agrave toa na mesma passagem Aristoacuteteles afirmaraacute que eacute

possiacutevel trageacutedia sem caraacuteter apenas com accedilatildeo mas natildeo o contraacuterio39 Os uacutenicos termos que

Aristoacuteteles nos fornece para analisar o caraacuteter presente em uma composiccedilatildeo poeacutetica satildeo esses

Natildeo se trata portanto de um caraacuteter presente talvez na elocuccedilatildeo poeacutetica mas simplesmente

o caraacuteter que se pode ou deve representar em funccedilatildeo de uma accedilatildeo mimetizada Esse criteacuterio

portanto mal pode ser aplicado agrave poesia que natildeo se pode analisar nos termos aristoteacutelicos da

imitaccedilatildeo de accedilatildeo Tal noccedilatildeo de eacutethos natildeo nos exclarece qual seria a diferenccedila a que o epiacutetome

se refere

Quanto ao afeto ou paacutethos a noccedilatildeo parece ateacute um pouco mais distante paacutethos na

Poeacutetica eacute a terceira parte do mito descrita como um padecimento na accedilatildeo como algo

destrutivo ou doloroso tal padecimento eacute um efeito e um desdobramento da accedilatildeo Natildeo eacute algo

portanto que se representa a priori poreacutem mais um elemento atrelado ao mito que se

representa por meio de palavra (elocuccedilatildeo ou melopeia) e subordinado a ele Natildeo agrave toa ao fim

do cap 19 da Poeacutetica na transiccedilatildeo para a seccedilatildeo final sobre a elocuccedilatildeo diz Aristoacuteteles

[]Περὶ μὲν οὖν τῶν ἄλλων εἰδῶν εἴρηται λοιπὸν δὲ περὶ λέξεως καὶ

διανοίας εἰπεῖν τὰ μὲν οὖν περὶ τὴν διάνοιαν ἐν τοῖς περὶ ῥητορικῆς

κείσθω τοῦτο γὰρ ἴδιον μᾶλλον ἐκείνης τῆς μεθόδου ἔστι δὲ κατὰ

τὴν διάνοιαν ταῦτα ὅσα ὑπὸ τοῦ λόγου δεῖ παρασκευασθῆναι μέρη

δὲ τούτων τό τε ἀποδεικνύναι καὶ τὸ λύειν καὶ τὸ πάθη παρασκευάζειν

(οἷον ἔλεον ἢ φόβον ἢ ὀργὴν καὶ ὅσα τοιαῦτα) καὶ ἔτι μέγεθος καὶ

μικρότητας δῆλον δὲ ὅτι καὶ ἐν τοῖς πράγμασιν ἀπὸ τῶν αὐτῶν ἰδεῶν

δεῖ χρῆσθαι ὅταν ἢ ἐλεεινὰ ἢ δεινὰ ἢ μεγάλα ἢ εἰκότα δέῃ

παρασκευάζειν πλὴν τοσοῦτον διαφέρει ὅτι τὰ μὲν δεῖ φαίνεσθαι

ἄνευ διδασκαλίας τὰ δὲ ἐν τῷ λόγῳ ὑπὸ τοῦ λέγοντος

παρασκευάζεσθαι καὶ παρὰ τὸν λόγον γίγνεσθαι τί γὰρ ἂν εἴη τοῦ

λέγοντος ἔργον εἰ φαίνοιτο ᾗ δέοι καὶ μὴ διὰ τὸν λόγον

(Aristoacuteteles Poeacutetica 1456a 33 ndash 1456b 8)

ldquoSobre as demais partes jaacute se falou restando falar sobre a elocuccedilatildeo e o

pensamento Fique para os escritos sobre retoacuterica o que tangencia o

pensamento pois isso eacute mais proacuteprio do meacutetodo daquela Eacute referente

ao pensamento o quanto se deve provir pelo discurso Satildeo seus

39 Idem VI 1450a 19 ndash 23

43

elementos o demonstrar o refutar e o prover afetos (como piedade ou

horror ou raiva e todas essas coisas) e ainda grandeza e pequenez Eacute

evidente que tambeacutem se deve servir-se desses elementos nos

acontecimentos quando se devem prover coisas piedosas terriacuteveis

grandiosas ou possiacuteveis entretanto com tal diferenccedila naquele caso

devem aparecer sem elucidaccedilatildeo neste devem ser providas no

discurso pelo falante e ocorrer junto ao discurso pois qual seria a

funccedilatildeo do que fala se aparecessem como devem mas natildeo atraveacutes do

discursordquo

(Trad do autor)

Ora aqui Aristoacuteteles deixa claro que sendo a poesia imitaccedilatildeo de accedilatildeo atraveacutes da

palavra mesmo os afetos decorrentes nas accedilotildees satildeo representados e postos em cena por via da

palavra ie da elocuccedilatildeo Como um fenocircmeno por si soacute natildeo restrito agrave poeacutetica isso eacute objeto

da retoacuterica e por isso a seccedilatildeo seguinte sobre a elocuccedilatildeo trataraacute do que eacute proacuteprio da elocuccedilatildeo

poeacutetica

Ateacute aqui portanto a uacutenica noccedilatildeo que talvez possa nos servir seja a de que tanto caraacuteter

quanto afeto se transparecem na imitaccedilatildeo pela palavra o fazem nela Ainda assim na

conceituaccedilatildeo aristoteacutelica isso se daacute naquele que eacute um actante representado ou natildeo por um

ator ie por aquele que eacute agente de uma accedilatildeo Por isso mesmo no referido capiacutetulo VI

arrolando e definido as seis partes qualitativas citadas definiraacute pensamento como aquilo ldquoem

quanto os falantes demonstram algo ou revelam sua opiniatildeordquo e caraacuteter como aquilo ldquode

acordo com o que dizemos que os agentes satildeo certas coisasrdquo40

Para tentar supor o que significariam caraacuteter e afeto no acircmbito do comentaacuterio do

gramaacutetico ao abordar um texto talvez possamos buscar uma pista em textos semelhantes ao

menos a fim de entender em um primeiro momento se esses conceitos eram levados em

conta Sobre o caraacuteter haacute uma passagem que pode ser esclarecedora O Escoacutelio a Dioniacutesio

Traacutecio (471 26 ndash 472 12) traz uma boa descriccedilatildeo dos diferentes elementos que satildeo objeto da

avaliaccedilatildeo empreendida nesta atividade em questatildeo a qual como se sabe (e isso tambeacutem nos eacute

relevante) opotildee-se natildeo soacute em gramaacuteticos mas daiacute tambeacutem em reacutetores (como Dioniacutesio de

Halicarnasso e Quintiliano) agrave syacutegkresis ie natildeo se trata mais da avaliaccedilatildeo apenas mas da

avaliaccedilatildeo conjunta o discernimento dos poetas e obras considerados conjuntamente a

comparaccedilatildeo

ltἝκτον κρίσις ποιημάτωνgt] Τίνι διαφέρει κρίσις συγκρίσεως καὶ

πότερον αὐτῶν ἐπαναβέβηκεν Λεκτέον ὅτι πρῶτον ἡ κρίσις τὸν

40 Idem 1450a 4 ndash 7

44

συγκρίνοντα γὰρ πρότερον αὐτῶν ἑκάτερον δεῖ κρῖναι καὶ ὁ μὲν

συγκρίνων καὶ κρίνει ὁ δὲ κρίνων οὐ πάντως καὶ συγκρίνει

Πότερον δὲ ὁ γραμματικὸς κρείττων ὢν τῶν ποιητῶν κρίνει αὐτῶν τὰ

ποιήματα ἢ ἥττων Καὶ εἰ μὲν κρείττων δώσομεν καὶ αὐτὸν εἶναι

ποιητήν εἰ δὲ ἥττων πῶς κρίνει Ῥητέον οὖν ὅτι κρίνει οὐχ ᾗ ποιητής

ἐστι κρείττων αὐτῶν ἀλλ ᾗ τεχνίτης ἐστὶ τῆς ὕλης τῆς ἐκείνων καὶ

τῶν ὀργάνων οὐ γὰρ κρίνει εἰ καλῶς αὐτοῖς γέγραπται ἢ οὔ ἀλλ εἰ

νόθα ἢ γνήσια πολλὰ γὰρ νοθευόμενά ἐστιν ὡς ἡ Σοφοκλέους

Ἀντιγόνη ndash λέγεται γὰρ εἶναι Ἰοφῶντος τοῦ Σοφοκλέους υἱοῦ

Ὁμήρου τὰ Κυπριακὰ καὶ ὁ Μαργίτης Ἀράτου τὰ Θυτικὰ καὶ τὰ Περὶ

ὄρνεων Ἡσιόδου ἡ Ἀσπίς

Κρίνει δὲ πρῶτον μὲν ὁρῶν εἰς τὴν λέξιν εἰ συνήθης ἐστὶ τῷ ποιητῇ

ἔπειτα εἰς τὸ πλάσμα τῆς συνηθείας εἶτα εἰς τὴν τῆς φράσεως

εὐκολίαν ἢ σκληρότητα εἶτα καὶ εἰς τὴν ἱστορίαν οἱ μὲν γὰρ χαίρουσι

ταῖς ξενιζούσαις ἱστορίαις αἱ δὲ ταῖς κοιναῖς εἶτα ἀπὸ τῶν χρόνων

Ἀρετὴ δὲ ποιήματος ἡ περὶ λέξιν σαφήνεια σύνθεσις τοῦ μέτρου

εὔρυθμος κυριολεξία σχήματα ταῦτα τῆς λέξεως τὰ δὲ περὶ διάνοιαν

οἰκονομία τάξις ἤθη ἐν προσώποις εἰ ltοἱgt μῦθοι ἁρμόδιοι καὶ τὰ

πλάσματαrdquo41

(Scholia in Dionysium Thracem Scholia Londinensia 471 26 ndash 472

12)

Sexta a avalaiccedilatildeo de poemasrsquo ndash Em que difere a avaliaccedilatildeo da

comparaccedilatildeo e qual delas precede Deve-se dizer que a avaliaccedilatildeo vem

primeiro quem estaacute comparando deve primeiro apreciar cada um dos

elementos e quem compara tambeacutem aprecia mas quem aprecia nem

sempre compara

Havendo os maiores poetas o gramaacutetico faz a avaliaccedilatildeo deles ou dos

inferiores Se principalmente dos melhores concederemos que seja

tambeacutem poeta se dos inferiores como aprecia Deve-se dizer

portanto que faz a avaliaccedilatildeo natildeo da maneira pela qual um poeta eacute

melhor do que outros mas de que maneira eacute um artiacutefice do material

deles e de seus instrumentos Pois natildeo aprecia se algo estaacute belamente

escrito com esses ou natildeo mas sua espuriedade ou legitimidade pois

muitos satildeo os escritos considerados espuacuterios como a Antiacutegona de

Soacutefocles ndash pois se diz que eacute de Iofatildeo o filho de Soacutefocles ndash As

Cipriotas e o Margites de Homero As Sacirficiais de Arato e Sobre os

Paacutessaros o Escudo de Hesiacuteodo

Aprecia primeiro visando a dicccedilatildeo se eacute usual ao poeta em seguida o

molde desse uso depois a fluidez ou a dureza da frase depois

visando a histoacuteria uns se comprazem mais nas histoacuterias que satildeo

exoacuteticas outros nas comuns depois aprecia a partir do periacuteodo

cronoloacutegico A virtude do poema satildeo a clarera que tange a dicccedilatildeo a

composiccedilatildeo do metro a regularidade da linguagem ordinaacuteria42 - essas

41 Commentaria In Dionysii Thracis Artem Grammaticam Scholia Londinensia (partim excerpta ex Heliodoro)

in ldquoGrammatici Graeci vol 13rdquo Ed Hilgard A Leipzig Teubner 1901 Repr 1965 Page 471 42 Entendendo-se aqui ldquoordinaacuteriardquo como a padratildeo ie a do dia a dia sem tropoi natildeo ornada Daiacute que a ideia de

ldquoeurritmiardquo a palavra grega deve se referir tanto a sua regularidade ie sua frequecircncia ou sua ocorrecircncia em

medida devida como tambeacutem agrave eufonia ie sua adapatabilidade ou sua consonacircncia com o metro elemento

anteriormente mencionado

45

satildeo as configuraccedilotildees da dicccedilatildeo quanto as que tangem o pensamento

organizaccedilatildeo ordenaccedilatildeo os caracteres nas personagens se

acomodados satildeo os mitos e seus moldesrdquo

(Traduccedilatildeo do autor)

Para o escoliasta a finalidade do gramaacutetico ao empreender a kriacutesis poiemaacuteton natildeo eacute

avaliar se entre eles poetas escreve-se belamente (essa seria a finalidade da syacutegkresis) mas a

ldquoespuriedaderdquo e a ldquolegitimidaderdquo (

Entre os diferentes aspectos considerados chamam a atenccedilatildeo natildeo

soacute aqueles de caraacuteter estrutural que tambeacutem satildeo objetos de um reacutetor como o do Tratado Da

Composiccedilatildeo das Palavras mas elementos mais proacuteprios da concepccedilatildeo da obra da sua

inventio confluindo com o que se concebe nos textos de poeacutetica como ldquoo que tange o

pensamentordquo ldquoos caracteres nas personagensrdquo e ldquose acomodados satildeo os mitos e seus

moldesrdquo Natildeo se pretende aqui que isto era trabalho da gramaacutetica e dessa sua parte em geral

mas sim ressaltar que mesmo nesta kriacutesis oposta agrave syacutegkrisis no iniacutecio da empiria o escoliasta

nos fornece o testemunho de que para desempenhar sua funccedilatildeo o gramaacutetico tambeacutem

precisava eventualmente julgar a confecccedilatildeo dos caracteres e a pertinecircncia dos mitos o que

inevitavelmente nos remete ao capiacutetulo 2 da Poeacutetica de Aristoacuteteles (e o quanto diz sobre

eacutethos bem como agrave parte da poeacutetica que em geral por via horaciana passamos a denominar

invenccedilatildeo) segundo a qual como a imitaccedilatildeo eacute imitaccedilatildeo de agentes eacute necessaacuterio que sejam

representados segundo certo caraacuteter (melhores ou piores do que noacutes)

Portanto natildeo eacute de espantar que assim como os tropos e figuras empregados pelos

poetas por exemplo configurem um caso claro de objeto comum a ser explicado tanto pelo

gramaacutetico quanto pelo reacutetor eacutethos e paacutethos na condiccedilatildeo de elementos que passam a ser

entendidos como inerentes ao discurso (e essa assunccedilatildeo como demonstrado ainda que com

suas especificidades jaacute se encontra no proacuteprio Aristoacuteteles) sejam observados e analisados por

qualquer um que se debruce com certa finalidade sobre uma composiccedilatildeo discursiva em verso

ou em prosa para aplicar mais uma vez o criteacuterio maior e tatildeo relevante desde o iniacutecio para

nossa leitura do epiacutetome ie a distinccedilatildeo prosa-poesia (Cf sect3 318b 24 ndash 26 Traduccedilatildeo paacuteg

110)

Isso se verifica indubitavelmente quando passamos para a syacutegkrisis de que podemos

tomar como exemplo o livro II do tratado Da Imitaccedilatildeo de Dioniacutesio de Halicarnasso e as

diversas passagens em que diferencia poetas e prosadores dos diferentes gecircneros pelo trato

que datildeo a eacutethos e paacutethos (cf 31 2 1 - Homero 31 2 5 ndash Piacutendaro uma de suas virtudes a ser

observada eacute a ethopoiiacutea ou simplesmente confecccedilatildeo de caracteres em que esses se

46

destacam pela prudecircncia piedade e magnificecircncia [sofrosyacutene eusebeiacutea megalopreacutepeia] 31

2 7 ndash Estesiacutecoro os caracteres e os valores das personagens [eacutethe kaigrave axioacutemata toacuten

prosoacutepon] 31 2 8 ndash Alceu Dioniacutesio chama a atenccedilatildeo para o caraacuteter de todos os seus

poemas poliacuteticos [hapaacutenton tograve toacuten politikoacuten poiemaacuteton eacutethos] etc seguem-se os dramaturgos

os oradores historiadores)

Haacute por isso trecircs observaccedilotildees que aqui se julgam necessaacuterias e passiacuteveis de serem

pontuadas a fim de se interpretar essa obscura passagem do epiacutetome

A 1a eacute concernente a essa comparaccedilatildeo eacute atraveacutes dela que se estabelecem os piacutenakes

ou listagens dos melhores poetas ie aqueles cujas virtudes devem ser imitadas como se

observa em autores como o referido Dioniacutesio de Halicarnasso no tratado em que aborda a

miacutemesis Quintiliano e quantos outros que se preocupam em fornecer modelos

A 2a eacute que o epiacutetome traz para cada um dos gecircneros que menciona e resume

brevemente (exceto pela poesia meacutelica ldquopor de mais pluralrdquo segundo o proacuteprio texto) uma

listagem igualmente breve de autores Isso natildeo quer dizer que o tratado se ocupava da

comparaccedilatildeo detalhada mas que certamente compreendia as praacuteticas descritivas comuns aos

textos mencionados e estaria nesse universo textual que se torna especiacutefico tambeacutem do

gramaacutetico Eacute de supor portanto que neste passo o texto tratasse de outros aspectos que

julgava pertinentes agrave avaliaccedilatildeo da poesia ndash mesmo que concentrado em aspectos da inventio ndash

na referida fronteira em que os textos sobre doutrina poeacutetica retoacuterica ou gramaacutetical podiam

tangenciar-se e tratar do mesmo objeto focando mais este ou aquele aspecto de acordo com

sua finalidade A finalidade da Crestomatia ao que se infere pelo menos de seu tiacutetulo

completo (Crestomatia de Letras Literaacuteria ou de Gramaacutetica) e da proacutepria composiccedilatildeo da

palavra jaacute discutida khrestomaacutetheia pretendia fornecer o quanto fosse uacutetil para se apreciar o

que diriacuteamos hoje composiccedilotildees ldquoliteraacuteriasrdquo as ldquoletrasrdquo e aqui devia trazer o quanto julgava

conveniente da ocupaccedilatildeo de julgar avaliar ou seja apreciar poemas de que Foacutecio ou o

resumidor em geral destaca provavelmente por julgar o mais valioso do suposto trecho da

obra original a doutrina sobre eacutethos e paacutethos que como se viu acima poderia ser objeto do

gramaacutetico mesmo se tomassemos aquela kriacutesis de Dioniacutesio Traacutecio no seu sentido mais estrito

de ldquojulgamentordquo da autenticidade do texto Que essa distinccedilatildeo fosse doutrinalmente tratada

nesta passagem parece plenamente verossiacutemil se notarmos que apoacutes uma distinccedilatildeo pelo

criteacuterio de quantidade quanto agrave natureza da prosa e da poesia o tratado por tomar como seu

fio condutor para esta primeira parte a elocuccedilatildeo seguia esquematicamente pela triparticcedilatildeo da

retoacuterica que se em Aristoacuteteles refere-se aos meios pelos quais se produz persuasatildeo na

tratadiacutestica posterior (de que Dioniacutesio de Halicarnasso eacute oacutetimo exemplo) que considera a

47

poesia pela elocuccedilatildeo configura os trecircs aspectos segundo os quais se avalia a composiccedilatildeo em

geral

Bem como outros autores propotildeem para esta passagem suas leituras perifraacutesticas aqui

se julga que a mais adequada seria ldquoprossegue fazendo [suas] consideraccedilotildees [refletindo] sobre

a avaliaccedilatildeo de poesia no que transmite [dentre outras coisas] a doutrina sobre a diferenccedila

entre caraacuteter e paixatildeordquo

A 3a e uacuteltima refere-se ao que seriam esse eacutethos e paacutethos em certos tipos de poemas eacute

compreensiacutevel seguindo a liccedilatildeo de Aristoacuteteles que estejam presentes em uma obra cujo

objeto eacute uma accedilatildeo composta de agentes etc uma obra ldquonarrativardquo no nosso sentido moderno

da palavra a eacutepica a trageacutedia etc Como isso se dava poreacutem em um melos ou em uma

elegia Podemos considerar primeiramente que num poema como um epiniacutecio pindaacuterico se

natildeo se circunscreve ao polecircmico criteacuterio da Poeacutetica de Aristoacuteteles de ser miacutemesis de accedilatildeo

pode trazer um mito (no caso de Piacutendaro quase sempre) como seu ornato ou alusotildees

histoacutericas e miacuteticas Inevitavelmente aiacute em se contando algo e portanto representando

agentes ou personagens simplesmente representar-se-atildeo caracteres e afetos inevitavelmente

Segundo haacute que se considerar tambeacutem o que poesia ldquonarrativardquo passa a significar para a

tratadiacutestica posterior a Aristoacuteteles bem como o fato de que aquela figura falante num poema

de gecircnero meacutelico aquela voz poeacutetica que reporta ela mesma por via da elocuccedilatildeo traz caraacuteter

e afeto Eacute nesse sentido que o comentaacuterio de Dioniacutesio de Halicarnasso (op cit) agrave poesia de

Alceu na referida passagem serve otimamente de exemplo ldquodispa-lhe algueacutem do metro em

vaacuterios lugares descobriria oratoacuteria poliacuteticardquo Para que esse caraacuteter advenha do discurso

retirado o metro como se a composiccedilatildeo fosse um discurso poliacutetico deve ser inerente ao

proacuteprio discurso e natildeo inerente a uma personagem

O termo grammatikeacute aqui portanto (principalmente depois das praacuteticas filoloacutegicas

alexandrinas) eacute abrangente e envolve o quanto se pode saber a fim de instruir na

compreensatildeo da arte que opera com a palavra mesmo que haurido de diferentes doutrinas ou

aacutereas do saber antigo Essa funccedilatildeo de instruir a princiacutepio circunscrevia-se ao ofiacutecio do

gramaacutetico que adotava como modelo para essa instruccedilatildeo exatamente os poetas como o

pedagogo da Greacutecia Antiga contra quem Platatildeo se insurge

Essa ocupaccedilatildeo passa a abarcar diferentes aspectos que naturalmente tangenciam

outras aacutereas do saber letrado que se debruccedilaram sobre a palavra assim o gramaacutetico se torna o

erudito das letras por excelecircncia o filoacutelogo Sobre esse ponto vale citar as consideraccedilotildees de

48

Ferrante que pensa de maneira semelhante a associaccedilatildeo da Crestomatia de Proclo agrave

gramaacutetica e a citaccedilatildeo que faz a respeito

A conforto di questo apelativo da me dato allrsquo autore dela

Crestomazia egrave necessaacuterio citare um passo dela Filologia Claacutessica

dellrsquo Inama (Hoepli Milano 1854 pagg 1 ndash 2) lsquoLa parola filoacutelogo

( ) la quale secondo la sua etimologia non voleva dir altro

da principio che amante dela conversazione ma di uma conversazione

colta ed eletta ( ) venne a designare al tempo degli

alessandrini nel III sec a GC uma classe di studiosi distinti da

quelli43 molto affini dei critici ( ) e dei grammatici

( ) Mentre i grammatici si occupavano soprattutto di

liacutengua e di questioni letterarie ed i critici della correzione ed

interpretazione dei testi degli scittori antichi i fillogi invece avevano

per oggetto preciacutepuo dei loro studi lrsquoerudizione mitologica storica

antiquaria Questi corripondevano a quelli che oggidi diciamo dotti ed

eruditi ecc ecc

(Inama apud Ferrante Crestomazia Introduzione Casa Editrice

Armanni Napoli 1957 pg 13)

Ferrante destaca a atuaccedilatildeo de filoacutelogo que o gramaacutetico passa a ter no periacuteodo

heleniacutestico como responsaacutevel pela ediccedilatildeo dos textos daqueles que para eles jaacute eram

ldquoantigosrdquo Pontua inclusive que essa funccedilatildeo desse erudito supunha conhecimentos do que

hoje noacutes diriacuteamos ldquoliteraturardquo ie dos gecircneros literaacuterios mais especificamente e natildeo do que

noacutes modernos pensamos como ldquoos estudos literaacuteriosrdquo que supotildeem ndash mais precisamente ndash

uma seacuterie de categorias e criteacuterios associados ao termo os quais por se tornarem o foco

mesmo ou os preceitos da chamada ldquoanaacutelise literaacuteriardquo constituem o objeto de uma maneira

estranha aos antigos Como fulcro comum talvez se pudesse postular que essa atividade de

exegese literaacuteria era no rigor da palavra grega graacutemmata uma exegese ou descritiva ou

prescritiva ou ambas de todas as atividades envolvendo as letras ou em se preferindo as

praacuteticas letradas

Natildeo poderiacuteamos saber contudo se a obra atribuiacuteda a Proclo trataria tambeacutem da prosa

uma vez que ela eacute menciona na distinccedilatildeo inicial do coacutedice e diferentes indiacutecios apontam para

um texto que estaacute incompleto Pelo que se poderia deduzir da introduccedilatildeo de Dioniacutesio Traacutecio agrave

empiria como o interesse do gramaacutetico era o uso linguiacutestico dos doutos em se assumindo que

ldquosyggrapheucircsinrdquo tambeacutem se referiria e abarcaria os prosadores em geral talvez ao utilizar seu

conhecimento para instruir esse gramaacutetico-filoacutelogo aos moldes heleniacutesticos tambeacutem se

43 Afinal passa-se gradativamente de um mundo da fala para um mundo do registro escrito

49

dedicasse aos gecircneros de composiccedilatildeo em prosa e tratasse daqueles que copunham

historiagrafia e oratoacuteria Por outro lado a julgar pelo padratildeo ie pelo que se observa em

outras obras a oratoacuteria como objeto da retoacuterica tem seus grandes exemplos comentados e

analisados nos autores que se incumbem dessa arte que tendem a demosntrar o que

descrevem com exemplos que aleacutem dos oradores focam-se por vezes nos historiadores como

o faz por exemplo Dioniacutesio de Halicarnasso Natildeo eacute de mais ressaltar que mesmo no caso da

oratoacuteria os tratadistas sempre buscam os exemplos dos poetas como modelo praacutetica

recorrente no citado Dioniacutesio de Halicarnasso e em Quintiliano no caso dos latinos de modo

geral observa-se que quando o foco eacute a instruccedilatildeo em algum aspecto do saber das letras o

modelo tende a serem os poetas Portanto haacute indiacutecios sufientemente plausiacuteveis para se

argumentar contrariamente que natildeo seria proacuteprio dessa Crestomatia de Letras tratar da

prosa mas que inevitavelmente para concentrar-se na poesia como seu objeto precisa crivaacute-

la delimitaacute-la em oposiccedilatildeo agrave prosa principalmente se aborda o tema pelo vieacutes (a ser

comentado) da elocuccedilatildeo Por fim deve-se ressaltar que cada uma dessas que denominamos as

doutrinas antigas se pretendia uma teacutecnica em si teacutecnica retoacuterica teacutecnica gramatical etc

portanto cada uma visava a um fim proacuteprio Vimos tanto no prefaacutecio da gramaacutetica de Dioniacutesio

Traacutecio quanto em seu escoacutelio aquilo a que visa essa teacutecnica Por isso mesmo como uma

crestomatia sobre gramaacutetica mas natildeo uma gramaacutetica propriamente eacute natural que nosso

epiacutetome aborde temas proacuteprios desse ofiacutecio na abrangecircncia que passa a ter apoacutes os

alexandrinos a fim de exlcarecer e instruir a fim de minimamente coligir informaccedilatildeo uacutetil a

repeito do assunto sem ser ela mesma no entanto uma gramaacutetica um manual da Ars Essa

hipoacutetese se aventa principalmente do cotejo entre o epiacutetome e o livro III da Ars Grammatica

de Diomedes que se concebe como uma pequena coleccedilatildeo de gecircneros e espeacutecies poeacuteticas que

natildeo tatildeo abrangente quanto a Crestomatia segue os mesmos criteacuterios do epiacutetome deixando-

nos entrever portanto uma espeacutecie de ldquocriteacuterio gramaticalrdquo com que se tratava da poesia com

a finalidade tatildeo simplesmente de classificaacute-la (v infra cap 3)

Assim se explicaria o tiacutetulo da obra trata-se de um texto que colige de diferentes

aacutereas quanto se eacute uacutetil saber sobre letras e por isso mesmo o epiacutetome refere a diferentes

seccedilotildees das doutrinas antigas ndash da retoacuterica a classificaccedilatildeo da elocuccedilatildeo pelas diferentes

possibilidades de moldaacute-la da poeacutetica os gecircneros enunciativos jaacute da poeacutetica e da etimologia

tangenciando a gramaacutetica as caracteriacutesticas dos gecircneros poeacuteticos (mateacuteria metro) associados

a seu nome e origem o que por vezes quando se descrevem as festas associadas a um

gecircnero por exemplo leva agrave etiologia etc Assim sendo se tanto o termo ldquogramaticalrdquo como

ldquoliteraacuteriardquo sugeririam dois extremos modernos que poderiam levar o leitor a uma interpretaccedilatildeo

50

equivocada optou-se aqui pela igualmente literal etimologicamente locuccedilatildeo adjetiva ldquode

Letrasrdquo pois que eacute fiel ao texto grego e pode remeter o leitor ao acircmbito das Belas Letras e das

praacuteticas letradas dos seacuteculos XVI XVII e XVIII em geral cujas convenccedilotildees supotildeem noccedilotildees

e praacuteticas mais afeitas ndash embora natildeo idecircnticas ndash agraves antigas uma vez que ao menos potildeem-se a

emulaacute-las

2 A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA ELOCUCcedilAtildeO

POESIA E RETOacuteRICA

21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO

Apoacutes o nome da obra e a informaccedilatildeo de que era composta de quatro livros ou quatro

arrazoados diferentes inicia-se o resumo da Crestomatia pelo procedimento padratildeo dos

diferentes epiacutetomes da Bilbioteca temos a estrura de discurso indeireto ou reportado ou seja

ldquoo autor diz querdquo e assim sucessivamente No caso desta obra em especiacutefico cada

enunciado traz uma liccedilatildeo de doutrina um ensinamento que se pode rastrear em outros textos

A primeira liccedilatildeo que nos traz eacute a distinccedilatildeo entre poesia e prosa distinccedilatildeo que seraacute

preponderante pelo menos ateacute o fim do epiacutetome destinado a classificar os gecircneros e as

espeacutecies da poesia Ao iniciar por essa distinccedilatildeo o epiacutetome daacute a entender que antes se

aplicava um criteacuterio habitualmente empregado na tratadiacutestica retoacuterica ie aborda-se o tema

pelo vieacutes mais amplo da elocuccedilatildeo Natildeo agrave toa se buscamos referecircncias para o que estaacute sendo

ensinado sobejam os textos de retoacuterica principalmente porque seguindo o criteacuterio de abordar

a elocuccedilatildeo todo o resto dessa primeira sessatildeo do epiacutetome por assim dizer focar-se-aacute numa

das formas que conhecemos da teoria dos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeo Apesar disso jaacute podemos

ver aqui a caracteriacutestica acima discutida a saber que esta crestomatia compendiava ou coligia

noccedilotildees ou liccedilotildees cujas origens remontavam a diferentes saberes

Comecemos pela distinccedilatildeo baacutesica

O termo loacutegos por designar ldquopalavrardquo mas tambeacutem a ldquofalardquo o ldquodiscursordquo eacute o termo

usado entre os gregos para designar a obra em prosa justamente como um discurso padratildeo

natildeo-poeacutetico nela empregado Define-se por oposiccedilatildeo a poiacuteesis em boa parte dos textos a

51

comeccedilar por Platatildeo quando opotildee os dois na conhecida passagem do livro III da Repuacuteblica

(390a)

Aristoacuteteles como se sabe emprega poietikeacute para designar o fazer ie a teacutechne que

procura delimitar e definir no tratado que recebe aquele nome Descrevendo a quarta parte

constitutiva da trageacutedia a elocuccedilatildeo (leacutexis) Aristoacuteteles (1450b 12 ndash 14) observa suas

diferentes maneiras de ocorrer (ldquoem palavrasrdquo ldquoem discursordquo ie ldquoem falardquo

apenas) e (ldquoem medida(s)rdquo ldquoem proporccedilatildeordquo ou simplesmente

ldquometrificadordquo) sem que isso como se sabe seja criteacuterio distintivo do que eacute ou natildeo poesia

Na Retoacuterica Aristoacuteteles tambeacutem se ocupa dessa diferenciaccedilatildeo pela elocuccedilatildeo e a distinccedilatildeo

entre prosa e poesia posteriormente acaba por se concentrar como uma questatildeo proacutepria

dessa

Assim Dioniacutesio de Halicarnasso no tratado da Composiccedilatildeo das Palavras (6 43 ndash 47)

apoacutes expor que todas as artes compartilham das mesmas normas de seleccedilatildeo e disposiccedilatildeo em

trecircs etapas (mais precisamente erga ldquodeveresrdquo tarefas sucessivas e complementares) propotildee

uma distinccedilatildeo mais especiacutefica do ponto de vista da elocuccedilatildeo entre discurso pedestre loacutegoi

pezoiacute e ldquopoeacuteticardquo Mais agrave frente (15 40 ndash 46) poieacutemata junto a meacutele contrapoem-se a loacutegoi

psiloiacute (discurso ordinaacuterio ou comum) e o que agrupa aqueles dois eacute que ldquosatildeo elaborados

atraveacutes de metro ou ritmordquo ( ) Como se observa

posteriormente o resultado da poieacutetikeacute o poiacuteema passa a ser igual e tecnicamente empregado

para designar a poesia em oposiccedilatildeo agrave prosa

Poesia e Prosa distinguem-se na elocuccedilatildeo natildeo pela qualidade (suas virtudes satildeo as

mesmas) mas pela quantidade A expressatildeo ldquono mais e no menosrdquo ( eacute

tiacutepica do grego para designar quantidade e em se tratando da elocuccedilatildeo poeacutetica ou oratoacuteria

deve naturalmente ser entendida no sentido de que como composiccedilotildees que se utilizam da

palavra as qualidades tanto da prosa como da poesia devem ser as mesmas mas quanto tenha

a prosa a poesia teraacute mais em maior proporccedilatildeo Essa doutrina jaacute eacute exposta por Aristoacuteteles

logo no comeccedilo do livro III da Retoacuterica dedicado agrave elocuccedilatildeo A elocuccedilatildeo do orador deve

parecer o menos distante quanto possiacutevel do natural do falar ldquoconversacionalrdquo (ldquodialogalrdquo

literalmente ndash ) enquanto a elocuccedilatildeo poeacutetica se distancia mais desse falar A

razatildeo os homens tendem a desconfiar daquilo em que lhes parece haver artificio Assim a

principal caracteriacutestica pleiteada pelo orador deve ser a clareza Qualquer elemento que torne

o discurso mais elevado por ornaacute-lo pode servir agrave prosa mas serve melhor agrave poesia pois pode

desviar o orador de seu principal objetivo que eacute tornar claro o significado (cf 1404b ndash

1405a) Para atingir essa clareza o que sobeja na poesia eacute empregado em menor nuacutemero na

52

prosa e apenas em algumas circunstacircncias dos nomes e verbos satildeo os proacuteprios que conferem

ao discurso clareza os demais tipos o ornam e satildeo justamente objeto da Poeacutetica

Semelhantemente a Aristoacuteteles Dioniacutesio de Halicarnasso (op cit idem) apoacutes expor

as referidas etapas do saber compositivo (synthetikeacute episteacuteme opcit 6 1 e sg) afirma ldquo

Esse princiacutepio eacute mais profuso [dapsileacutesteron] na poeacutetica e menos encontradiccedilo [spanioacuteteron]

no discurso pedestrerdquo

22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO

Sendo a elocuccedilatildeo o criteacuterio que orienta o estabelecimento dos primeiros ldquosaberes

proveitososrdquo dos primeiros elementos a serem informados ou ensinados passa-se a uma das

versotildees da exposiccedilatildeo da doutrina geralmente conhecida como dos ldquotrecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo

aqui na sua interpretaccedilatildeo por ldquotrecircs moldesrdquo

A traduccedilatildeo de plasma por ldquomolderdquo busca a referida literalidade da traduccedilatildeo e por

essa jaacute trazer algo proacuteprio da doutrina acerca dessas trecircs formas da elocuccedilatildeo ou como eacute mais

comumente designada dos ldquotrecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo ou genera dicendi Geralmente

traduzido por ldquoestilordquo perde-se a metaacutefora fiacutesica que classifica a elocuccedilatildeo como que por sua

forma externa sua forma fiacutesica Trata-se portanto das trecircs possiacuteveis formas de se amoldar

(do verbo plaacutesso) o discurso Emprega-se tambeacutem nos textos characteacuter que eacute a marca o

traccedilo impresso por um instrumento (do verbo charaacutesso) daiacute passando ao ldquotipordquo ao ldquotraccedilo

caracteriacutesticordquo portanto distintivo que tambeacutem abre margem para o que dizemos ldquoestilordquo

Quanto ao leacutexico da doutrina a maneira de Plutarco c I dC parece evidenciar o

conhecimento de duas nomenclaturas concorrentes nesse seacuteculo (Vita Homeri 72) ldquo()

rdquo ndash ldquo() tambeacutem satildeo caracteres

dos discursos os chamados moldesrdquo e logo os nomeia atraveacutes dos mesmos termos e ordem

que lemos aqui no coacutedice 236

De fato em Demeacutetrio seacutec II AC (De Eloc 36 1) a divisatildeo aparece sob o tiacutetulo de

charactecircres tecircs hermeneiacuteas ldquocaracaterestraccedilos da elocuccedilatildeordquo no tratado inteiro dedicado a

essa que eacute uma das partes do discurso

Dioniacutesio de Halicarnasso I AC emprega-os mormente e junto tambeacutem a leacutexis (De

Demosthenins Dictione 8 28 ndash 31) e a ldquocomposiccedilatildeordquo (a syacutenthesis De Compositione 21 15)

ie referindo-se agrave composiccedilatildeo como um todo e quando os nomeia na sua obra dedicada a

53

Demoacutestenes (33 21 ndash 23) fala em ldquotrecircs caracteres

geneacutericosprincipaistiacutepicosrdquo introduzindo um qualificativo relevante para o entendimento da

doutrina como dos gecircneros (categoria ampla e principalmente abrangente em relaccedilatildeo agrave

espeacutecie) possiacuteveis agrave elocuccedilatildeo de forma geral como se evidencia entre os latinos (Cf Ciacutecero e

Quintiliano infra pg 92) Em uma soacute passagem poreacutem Dioniacutesio que se serve variamente

das palavras testemunha o uso do outro termo para designar a doutrina e emprega tambeacutem

placircsma (De Dem Dict 34)

No mesmo seacuteculo a Retoacuterica a Herecircnio apresenta uma traduccedilatildeo literal da nossa

doutrina e sua triparticcedilatildeo (IV 8) na qual figura (do verbo fingere) verte da maneira mais fiel

e direta o grego jaacute que ambos os verbos servem nas respectivas liacutenguas para designar a arte

plaacutestica de modelar o estatuaacuterio figurar Natildeo se adotou aqui essa traduccedilatildeo latina porque jaacute na

retoacuterica e depois a palavra tambeacutem designaraacute as figuras de linguagem Preferiu-se outra

igualmente literal

Ciacutecero por exemplo (Orator 20) e Quintiliano (Institutiones Oratoriae XII 10 58)

empregaratildeo genera dicendi aproximando-se da noccedilatildeo ldquogeneacutericardquo de Dioniacutesio de

Halicarnasso

O escoacutelio de Dioniacutesio Traacutecio (449 26) eacute o mais chamativo ao empregar exatamente os

mesmo termos do coacutedice 239

Jaacute para tratar dos diferentes termos empregados para qualificar os gecircneros eacute

interessante a breve consideraccedilatildeo de Dioniacutesio de Halicarnasso antes de nomeaacute-los no tratado

De Compositione(21 15 ndash 18)

ldquo()

rdquo

ldquo() eu mesmo poreacutem natildeo tendo um nome oficial para designaacute-los como permanecem

inominados por nomes metafoacutericos chamo-osrdquo

(trad do autor)

Dioniacutesio mesmo afirma que os charactecircres natildeo possuem um nome definitivo ie de

caraacuteter oficial (kyacuterios) e natildeo havendo essa jurisprudecircncia de termos nomeia-os

metaforicamente

Diferentes metaacuteforas opositivas portanto satildeo empregadas nos diferentes textos

visando a representar mas igualmente delimitar e definir os limites entre os quais se ajusta a

54

elocuccedilatildeo originando um pequeno leacutexico que aparece misturado nas diferentes classificaccedilotildees

concomitantemente a diferentes interpretaccedilotildees da doutrina

Assim Demeacutetrio (op cit) propotildee quatro caracteres simples ndash o

ldquotecircnueesguiodelgadoexiacuteguordquo (ischnoacutes) o ldquomagnificenterdquo (megaloprepeacutes) o

ldquosuavepolidobrunidoeleganterdquo (glaphyroacutes) o

ldquotremendoterriacutevelimpetuosoveementeeneacutergicordquo (deinoacutes) ndash que se misturam (salvo os dois

primeiros que se definem pelo antagonismo) para formar todos os diferentes estilos

A julgar por Quintiliano jaacute seacuteculo I dC (XII 10 2 e sg no paralelo entre histoacuteria da

pintura e oratoacuteria) poder-se-ia pensar em tantas espeacutecies quantas elocuccedilotildees sendo possiacutevel

distingui-las em um niacutevel superior segundo o gecircnero A explicitaccedilatildeo desse raciociacutenio parece

condizente com o que se observa ao longo dos seacuteculo Assim eacute que apoacutes Demeacutetrio observa-

se um rearranjo da doutrina em trecircs tipos dos quais dois satildeo opostos e um supotildee a mistura e

dos quais a plenitude eacute variavelmente interpretada

Assim eacute que Dioniacutesio de Halicarnasso (De Dem Dict supra) parece empregar o

superlativo (hoigrave genikoacutetatoi) para distingir dentre os caracteres ldquomais geneacutericosrdquo primeiro

dois extremos o ldquotecircnuerdquo (ischnoacuten) e o ldquoelevadosublimerdquo(hypseloacuten) e depois um ldquomeio

termordquo (metaxyacute) No De Compositione como mencionado a doutrina eacute transposta para toda e

qualquer composiccedilatildeo em geral e o mesmo tratadista emprega outra terminologia (que pode

confundir-nos comparada agraves demais) a fim de nomear um dos gecircneros que julga o melhor

nomeia uma elocuccedilatildeo ldquoausterardquo (austeacuteran) por natildeo ser ornada uma ldquopolidardquo (glaphyraacuten

bem no sentido de ldquoeleganterdquo) ou ldquofloridardquo (antheacuteran) porque ornada e ndash a melhor ndash ldquobem-

solvidamisturadabalanceadordquo (euacutekratos)

A Retoacuterica a Herecircnio (supra) proporaacute a distinccedilatildeo por ordem decrescente um ldquograverdquo

(gravis que estaacute mais para o grego baryacutes mas tangencia a semacircntica de hadroacuten) um

ldquomedianomediacuteocrerdquo (mediocrismeacutesosmetaxyacute) e um ldquotecircnuerdquo (adtenuata sc figura em que

embaso minha traduccedilatildeo)

Ciacutecero (op cit 20 3) descreve os trecircs gecircneros com os vaacuterios adjetivos desse

vocabulaacuterio mas nomeia o orador ldquoque pratica a grandiloquecircnciardquo (grandiloqui) os ldquotecircnuesrdquo

(tenues) que fazem do discurso algo ldquoagudo aguccedilado adelgaccedilado afiadordquo (acuti) e haacute aquele

ldquoque se situa no meio entre os doisrdquo (interiectus inter hos) e o faz ldquomeacutediordquo (mediusmesos) e

ldquotemperado compoacutesito balanceadordquo (temperatusmetaxus eukratos)

Quintiliano provavelmente o mais abrangente preocupa-se em nos dizer quais os

nomes gregos com que se nomeiam os gecircneros e emprega o ldquosutilrdquo (subtile sinocircnimo de

tenuis ldquoexiacuteguo de pequena proporccedilatildeordquo) para ischnoacuten o ldquorobustordquo (robustum) para hadroacuten e

55

por fim como no coacutedice 239 descreve um terceiro que eacute o meio entre os dois (meacutedium ex

duobus) mas que no entanto designa como ldquofloridordquo (floritum antheroacuten)

221 O molde copioso

Embora jaacute se tenham contemplado duas possiacuteveis traduccedilotildees por correlatos latinos

(supra) ambas atentas ao peso (ldquograverdquo) ao volume e agraves proporccedilotildees (ldquorobustordquo) deste

gecircnero e embora se esperasse aqui a adoccedilatildeo de alguma delas por ldquocopiosordquo pretende-se

trazer ao eventual leitor lusoacutefono um termo que tente abranger outras noccedilotildees outros traccedilos

semacircnticos mais especificamente implicados no termo grego natildeo parece de mais remetecirc-lo

ao dicionaacuterio (Liddell amp Scott pg 25 9ordf ed) que sumarizo com a possiacutevel sinoniacutemia do

portuguecircs ldquogrosso volumoso espesso denso robusto forte vigoroso corpulento gordo

firme forte resistente soacutelido avultado maciccedilo pesadordquo A noccedilatildeo abstrata de coacutepia

abundacircncia aplica-se genericamente a todas qualidades observadas nos textos que descrevem

o placircsma principalmente agrave imagem de que possuindo mais ornato resulta numa forma num

molde fisicamente maior mais avultada por conter mais Eacute nesse sentido do uso do ornato

que ldquoenruga entumece avoluma a elocuccedilatildeordquo que se deve entender a segunda seacuterie de termos

que o descreve ldquomuitiacutessimo elaboradordquo (kataskeuasmeacutenon maacutelista) Aleacutem do superlativo

de intensidade maacutelista cujo emprego num texto como este um resumo eacute por demais

relevante no que pretende resumir deve-se lembrar que a palavra grega skeueacute tem a ver com

ldquoequipamento aparelho aparatordquo eacute por exemplo a equipagem do navio em contexto

naacuteutico os aparatos beacutelicos o equipamento da armadura em contexto militar pode ser a

indumentaacuteria do ator mas tambeacutem do sacerdote etc O verbo kataskeuaacutezo significa

literalmente prover por completo esse aparato ie preparar ou elaborar algo No contexto

retoacuterico-poeacutetico a palavra designa a elaboraccedilatildeo da obra em ato e portanto como qualidade

(Cf Dioniacutesio de Halicarnasso De Comp Uerb 1 6 et allia) Este placircsma eacute ldquomais elaboradordquo

no sentido de que eacute mais aparatado paramentado releva maior preparaccedilatildeo Embora essas

traduccedilotildees todas fossem possiacuteveis e caiacutessem bem neste contexto perder-se-ia a noccedilatildeo mesma

de como a doutrina antiga concebe esse processo de confeccionar a obra (amplamente

empregado por Dioniacutesio op cit) uma vez que elaborar em portuguecircs aleacutem de manter esse

significado mais abrangente conserva algo de se sua etimologia ie ldquotrabalhar laborarrdquo em

torno de algo Portanto deve-se lembrar de que neste contexto dos gecircneros da elocuccedilatildeo a

56

maior elaboraccedilatildeo do gecircnero em questatildeo de modo geral consiste no uso de ornato dos tropos

e figuras o artifiacutecio da linguagem ie seu aparato

Apontando pois as caracteriacutesticas gerais deste gecircnero Dioniacutesio de Halicarnasso (De

Dem Dict34 7 ndash 8) tambeacutem diz da leacutexis que eacute peritteacute ldquoabundante extraordinaacuteria

prodigiosardquo e exellagmeacutene ie ldquovaacuteria alteradardquo (a partir do idioma comum ndash to idioacutetikon

Arist Rhet 1406a 15) e logo adiante apontaraacute a superioridade de Demoacutestenes dentre outros

motivos porque ldquo rdquo ie ele

(Demoacutestenes) ldquoadvinha grandeza em toda elaboraccedilatildeo que a possuirdquo

Na Retoacuterica a Herecircnio (supra) seleccedilatildeo e disposiccedilatildeo evidenciam-se suscintamente na

definiccedilatildeo de que a figura grave ldquoconstitui-se a partir de uma construccedilatildeo leve (o que chama a

atenccedilatildeo do ponto de vista doutrinal) e ornada [ornata] de palavras graves [uerborum

grauium]rdquo ie de ldquomaior pesordquo

Ciacutecero (Orator 20 3 ndash 5) vale-se de praticamente todo o leacutexico ldquo() foram (os

grandiacuteloquos) com ampla [ampla] gravidade [grauitates] de pensamentos e majestade

(grandeza) [maiestate] de palavras veementes [vehementes] variados [uarii] copiosos

[copiosi] graves [graves]rdquo

Quintiliano circunscreve cada um dos gecircneros a cada uma das funccedilotildees da retoacuterica O

hadron ou robustum laacute eacute o que tem maior capacidade de mover (mouendi) por possuir o

atributo baacutesico da forccedila (uis) (op cit XII 10 59) ldquoo oradorrdquo segue dizendo (62 1) ldquo()

eleveraacute o discurso a amplificaccedilotildees e ateacute se alccedilaraacute agrave hipeacuterbolerdquo (amplificationibus

extollet orationem et in superlationem quoque erigetur)

Plutarco e o escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio como se viu (supra) trazem formulaccedilotildees

praticamente idecircnticas (pelo menos no leacutexico) a de nosso epiacutetome naquele ldquo

rdquo Traduccedilatildeo ldquoo molde copioso eacute aquele que tanto na elaboraccedilatildeo

[kataskeueacute] das palavras [leacutexeis] e dos pensamentos [noeacutemata] possui aspectos [ie a

aparecircncia] grandiosos [megaacutele]) neste ldquo rdquo ndash

tomada em sua literalidade ldquocopioso eacute o proeminente [saliente diermeacutenon] no seu volume

de natureza [oacutegkos katagrave phyacutesin podendo significar ldquotumefaccedilatildeordquo dando a ideia de que o

plasma se faz adiposo rugoso inchado]rdquo

Quanto a ldquoestonteanterdquo uma qualificaccedilatildeo pelo efeito natildeo soacute faz lembrar o quarto

gecircnero puro de Demeacutetrio o tremendo que parece assimilado pelo gecircnero maior na triparticcedilatildeo

posterior como se associaria e poderia ser compreendido pela concentraccedilatildeo de cada um dos

trecircs gecircneros (entatildeo adaptados numericamente) agraves trecircs funccedilotildees da oratoacuteria como se vecirc em

57

Quintiliano Aleacutem da referida passagem sobre a forccedila deste gecircnero (supra) descrevendo seu

efeito sobre o ouvinte diz que o orador ao empredar tal elocuccedilatildeo ldquotomaraacute de assalto o juiz

mesmo que manifestamente contraacuterio e o forccedilaraacute a ir aonde o transportarrdquo (iudicem uel

nitentem feret cogetque ire qua rapiet) Inst Orat XII 10 61 3 ndash 34) A forccedila dessa elocuccedilatildeo

logo fora descrita como rio cuja forccedila leva ripas e derruba pontes (idem 61) Adiante (62 7 ndash

9) ldquoesse (tal orador) a ira esse a misericoacuterdia inspiraraacute esse falando paacutelido ficaraacute o juiz e

choraraacute afetado por completo seguiraacute arrastado daqui ali e natildeo desejaraacute mais ser instruiacutedo

(ldquohic iram hic misericordiam inspirabit hoc dicente iudix pallebit et flebite et per ominis

adfectus tratus huc atque illuc sequetur nec doceri desiderabitrdquo Cf tambeacutem Ciacutecero Orator

20 6 ndash 7 ad permouendos et conuertendos acircnimos instructi et parati) Por fim ldquoreluzindo

uma beleza poeacuteticardquo para aleacutem do vocabulaacuterio da imagem e da forma comum agrave referida

passagem de Plutarco essa passagem se explica por tudo quanto se disse da distinccedilatildeo entre

poesia e prosa (supra n8) agora considerada do ponto de vista dos moldes da elocuccedilatildeo

quanto mais se eleva e se afasta da linguagem pedestre mais a prosa tende a parecer com a

poesia portanto eacute de se esperar que se a poesia estaacute para o mais elevado e a prosa para o

mais pedestre quanto mais elevada a elocuccedilatildeo ela mesma mais poeacutetica Eacute portanto natural

que o molde copioso chame atenccedilatildeo (pensando na semacircntica de reluzir epiphaiacuteno) por

mesmo natildeo sendo em um poema ser inevitavelmente mais poeacutetico podendo assim ser

classificado (Cf mais uma vez Aristoacuteteles Ret III)

222 O molde tecircnue

Este molde se define portanto opostamente agravequele uma vez que se nomeia por seu

antocircnimo Podemos resumir o significado da palavra da seguinte maneira ldquoseco enxutordquo

donde negativamente tem-se ldquofraco esquaacutelido magro parcordquo - no sentido de algo que natildeo

se expande ndash ldquocomedidordquo daiacute ldquoplano liso reto esguio delgado direto claro manifesto

inteligiacutevelrdquo (LIddell amp Scott idem p848) A traduccedilatildeo precisa portanto dar conta da noccedilatildeo

fiacutesica de maneira positiva ie algo ldquoesguio enxuto delgado ateacute esbeltordquo Agrave medida que se

comeccedila a fazer uma imagem mais clara da doutrina nota-se que metaforicamente tem por

criteacuterio uma espeacutecie de medida de proporccedilotildees da elocuccedilatildeo conforme ela se nos afigura mais

palavras explicitam o que seja o molde copioso confirmando o quanto se expocircs acima sobre

ele e consequentemente formando por oposiccedilatildeo a imagem do molde tecircnue Este consiste em

58

natildeo escolher por banir por ldquoproscreverrdquo [metadioacuteko] aquela composiccedilatildeo que vem retomada

como tropikeacute (literalmente ldquoem que haacute troposrdquo) e philokataskeuacuteos (ldquoamante da elaboraccedilatildeordquo

o que eacute dizer aqui do aparato do paramento do ornato) Enfim ldquoentretece-serdquo [syneacutertatai

dando a ideia simples de sucessatildeo amarraccedilatildeo atrelamento] a partir de literalmente ldquocoisas

soltasrdquo [aneimeacutena] Opta-se aqui por ldquodespojamentordquo para traduzir o que no grego eacute um

neutro plural atentando ao fato de que o particiacutepio aiacute substantivado eacute do verbo aniacuteemi

ldquolanccedilar para o altordquo portanto ldquosoltar relaxar aliviarrdquo e que assim mesmo no particiacutepio

passivo perfeito eacute empregado para designar o que estaacute ldquosolto frouxo relaxado dissolutordquo

Isso significa que os elementos do molde tecircnue juntam-se atrelam-se sem a constriccedilatildeo que

gera o volume de seu oposto O verbo latino expedio possui um uso semelhante a esse de

aniacuteemi e estaacute presente com essa acepccedilatildeo na liacutengua portuguesa mas seu deverbal ldquoexpediccedilatildeordquo

natildeo conserva o sentido Os deverbais de outros verbos semelhantes a expedio poderiam ser

cogitados como o proacuteprio ldquodespirrdquo (ldquodespimentordquo) mas em se optando por nomear essa

qualidade que no grego eacute um neutro plural abstrato quis se aproveitar o uso do portuguecircs que

emprega despojamento justamente para designar algo ou algueacutem ldquodesapegado simplesrdquo que

abre matildeo de ornamento riqueza etc uma vez que se diz o mesmo tambeacutem de estilo que eacute

assim simples modesto

A Retoacuterica a Herecircnio (IV 8) que como visto traz uma exposiccedilatildeo da doutrina

parecida com a de nosso epiacutetome diz que essa eacute a figura ldquorebaixada por completo ao costume

mais usual do falar puro (demissa est usque ad usitatissimam puri consuetudinem sermonis)rdquo

e antes de exemplificar posteriormente (IV 10) ldquoad infimum et cotidianum sermonem

demissum est (genus adtenuatum)rdquo ie ldquoeacute rebaixado ao falar iacutenfimo e cotidianordquo

O contemporacircneo grego Dioniacutesio de Halicarnasso (De Dem Dict 34 13 ndash 14)

descreve a frase desse gecircnero como ldquolisardquo [liteacute] e ldquoparcardquo [aperittoacuten]

Ciacutecero no Orator (20 9 -11) eacute o mais abrangente ldquoet contra tenues acuti omnia

docentes et dilucidiora nom ampliora facientes subtili quadam et pressa oratione et limatardquo ndash

ldquoe contraiamente [aos grandiacuteloquos] os tecircnues agudos ensinando as coisas mais claras natildeo

as fazendo mais amplas sutis em qualquer discurso conciso e limadordquo

Quintiliano ao tomar as personagens homeacutericas como exemplo e usar Menelau para

ilustrar este gecircnero (XII 10 64) caracteriza tal elocuccedilatildeo como ldquobreuem quidem cum

iucunditate et propriamrdquo ldquocarentem superuacuisrdquo ndash ldquodefinitivamente breve com alegria e

proacutepriardquo ldquolivre de redundacircnciasrdquo

Assim Plutarco e o escoliata de Dioniacutesio Traacutecio que provavelmente seguem a mesma

base de nosso resumo ldquo

59

rdquo (Plut Uit Hom 72) ndash ldquotecircnue eacute aquele pequeno na mateacuteria de seus

argumentos e suavizado na palavrardquo ldquo

rdquo ndash ldquotecircnue eacute o contraiacutedo no seu volume natural (por natureza de natureza)rdquo

(Schol Dion Tr 449 28)

223 O molde meacutedio

Quanto agrave traduccedilatildeo embora se pudesse tornar o texto mais palataacutevel e inteligiacutevel

optando-se por alguma outra forma para a segunda ocorrecircncia da palavra optou-se pela

literalidade que natildeo soacute reproduz o caraacuteter repetitivo do texto do epiacutetome como tambeacutem a

dificuldade conceitual que impotildee Dos termos eacute vaacutelido comeccedilarmos pelos dois textos que ateacute

entatildeo se igualavam quase que plenamente ao coacutedice 239 em Plutarco (idem) ldquo

rdquo ndash ldquomeacutedio [meacuteson]

eacute o que estaacute entre [metaxyacute] cada um deles do mais tecircnue [ischnoacuteteron] e do mais copioso

[hadroacuteteron]rdquo poreacutem no escoliasta (idem) ldquo [antheroacuten] rdquo ie

ldquoo florido eacute o meacutedio entre ambosrdquo Aqui se iniciam as principais questotildees acerca da doutrina

mesmo que aparentemente acabada e resolvida em trecircs gecircneros questotildees que apenas se

esboccedilam quando se trata num primeiro momento de distinguir dois extremos antagocircnicos

1) A formulaccedilatildeo de Plutarco dificulta o estabelecimento de um criteacuterio de medida

supondo que se determine o mais absoluto copioso e o seu antiacutepoda tecircnue haveria graus

menores de coacutepia e tenuidade ou qualquer coisa entre ambos seria o gecircnero meacutedio

2) Neste estado terminoloacutegico apenas o problema estaacute quase que inteiramente

confinado agrave semacircntica de ldquomeacutesonrdquo uma vez que a mesma palavra designa abstratamente

tanto o que eacute meacutedio ie que possui a meacutedia proporccedilatildeo (considerando-se a categoria de

volume espessura) quanto o que pontualmente estaacute no meio o que se complica quando a

palavra metaxyacute o adveacuterbio ldquono meiordquo portanto o meio termo eacute tambeacutem empregado

tomando-a com exatidatildeo como determinar o meio termo que permita estabelecer entatildeo que

certa elocuccedilatildeo estando acima seja copiosa e abaixo tecircnue

Considerando que agraves vezes se emprega a palavra ldquomistordquo mas tambeacutem ldquobalanceado

misturadordquo deve-se considerar entatildeo que tal gecircnero tambeacutem seria uma terceira coisa que

combina que mistura aquela com esta como daacute a entender Dioniacutesio de Halicarnasso De

60

Compositione 21 15 ndash 18 (cf supra) Dioniacutesio afirmaraacute que esse uacuteltimo eacute justamente o

melhor (supra n 10)

A Retoacuterica a Herecircnio como se viu parece filiar-se a essa tradiccedilatildeo do nosso texto

pois aleacutem da terminologia conceitual lembra o texto de Plutarco na gradaccedilatildeo ldquomediacuteocre

[mediacuteocris] eacute a [figura] que se constitui de uma inferior [humiliore] mas natildeo a menor

[infima] e a mais coloquial [perulgatissima] dignidade das palavrasrdquo

Ciacutecero o descreveraacute no Orator 21 atente-se ao vocabulaacuterio ldquohaacute aquele que se situa

no meio entre eles [interiectus inter hos] e o faz como que temperado [temperatus] natildeo se

utilizando nem do acume destes [os tecircnues] nem da fulgecircncia daqueles [os grandiacuteloquos] natildeo

se excelindo em nenhum [in neutro ie no que natildeo eacute nem um nem outro mas estaacute no meio]

partiacutecipe [particeps ie tomando parte] tanto de um quanto de outro desprovido ndash a bem da

verdade ndash de maior potencialidade este como dizem flui num curso uacutenico natildeo trazendo

nada aleacutem de capacidade e igualdade ou entatildeo adiciona alguns adereccedilos [tori] como numa

coroa [ut in coronam] e distingue todo o discurso com moacutedicos ornamentos [ornamentis

modicis] de palavras e pensamentosrdquo Quanto agrave preferecircncia Ciacutecero parece divergir de

Dioniacutesio

Nas proporccedilotildees dos adereccedilos talvez permita entrever a concomitacircncia terminoloacutegica

observada natildeo soacute no escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio mas antes em Quintiliano que tambeacutem

aponta florido (com o correlato grego) como outro nome para o meacutedio Na descriccedilatildeo este

gecircnero serve para ldquoaprazerconciliaraplacarrdquo (conciliandi) por possuir como atributo a

ldquoleveza suavidaderdquo (lenitas) ldquoseraacute de uma maneira mais recorrente nas traslaccedilotildees

(variaccedilotildees ie tropos figuras de palavras) e mais agradaacutevel nas figuras ameno nas

digressotildees atado na composiccedilatildeo doce nos pensamentosrdquo (Inst Or XII 10 60) Como jaacute

mencionado no entanto (supra n 10) Quintiliano toma essa classificaccedilatildeo de forma larga

Concordante a isso antes de iniciar a descriccedilatildeo dos trecircs gecircneros (comeccedilando pelo florido por

sinal) em 59 afirma que esses estilos satildeo suficientes em si mesmos sem necessitar um a

ajuda do outro o que supotildee pelo menos que se possam misturar em momentos diferentes de

um mesmo discurso Posteriormente em 66 pensando numa gradaccedilatildeo proporaacute justamente a

partir do florido que assim como esse eacute o meio entre dois entre ele e os dois extremos a

outros intermediaacuterios bem como haveria ainda um extremo maior que cada um dos jaacute

enunciados Assim Quintiliano faz uma interpretaccedilatildeo da doutrina que em um aspecto o de

tomar a nomenclatura como uma medida pode se assemelhar agrave interpretaccedilatildeo de Ciacutecero que

no Brutus 55 201 expotildee rapidamente sua classificaccedilatildeo dupla segundo a qual considerando-

se o artiacutefice de bons oradores soacute haacute dois gecircneros cuja qualidade se deve observar o

61

ldquoatenuadordquo (tecircnueattenuantum) e ldquoconcisordquo (compacto premido pressum) e o

ldquosublevadordquo (sublatum) e ldquoamplordquo (amplum)

224 O molde florido

Em Plutarco (op cit 73) segue-se apoacutes a definiccedilatildeo dos trecircs referidos moldes

ldquoQue tambeacutem a espeacutecie florida dos discursos existe abundantemente

junto ao poeta possuidora de beleza e graccedila para agradar e deleitar

como flor ndash quem diria De fato a poesia eacute cheia desse tipo de

elaboraccedilatildeordquo

(trad do autor)

Cotejada com a Crestomatia e o escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio a passagem daacute indiacutecios de

que independente da dataccedilatildeo em algum momento dentro desta terminologia falava-se em

quatro moldes que satildeo reduzidos a trecircs ou assim se poderia conjecturar jaacute que pelo menos

nesse caso de Plutarco a julgar pelo emprego de outra palavra para se referir ao que eacute

designado como ldquofloridordquo (espeacutecie eidos) algueacutem poderia ao menos considerar os discursos

(os logoi) tambeacutem segundo essa quarta nomenclatura Natildeo eacute evidente como crecirc Severyns44

que Plutarco esteja assumidamente propondo que se trate de um quarto molde mas sem

duacutevida explicita que essa nomenclatura se empregava e poderia ser arrolada ainda que como

espeacutecie classificando algo de que em desacordo algum com o que sabemos da doutrina a

poesia estaacute cheia Aquilo a que serve tal eidos por assim dizer nessa Vita de Plutarco

concorda com a funccedilatildeo que Quintiliano circunscreve ao ldquofloridordquo ou ldquomeacutediordquo deleitar

agradar O vocabulaacuterio assemelha-se aqui os verbos teacuterpo hedyacuteno laacute os verbos delecto

concilio e o adjetivo iucuntus Na sua funccedilatildeo este florido natildeo diverge daquele de Quintiliano

O escoacutelio de Dioniacutesio Traacutecio como se viu circunscreve florido e meacutedio a um uacutenico molde ao

dizer com que se combina tal molde assemelha-se agrave liccedilatildeo da epiacutetome (com menos detalhes)

ldquo rdquo

44 op cit paacuteg 75

62

ndash ldquochama-se florido [antheroacutes] porque combina [harmoacutezei] principalmente com reportaccedilotildees

[apaggeliacutea] de descampados [leimocircnes] e flores [aacutenthe]rdquo

Dioniacutesio de Halicarnasso conforme visto usa ldquofloridordquo como outro possiacutevel nome

para o ldquopolidordquo (glaphyroacuten)45 mas descrevendo o que estaria no lugar do molde copioso na

triparticcedilatildeo ie o que se define essencialmente por receber ornato Essa indefiniccedilatildeo acerca do

lugar que o florido deveria ocupar na nomenclatura evidencia natildeo soacute diferentes interpretaccedilotildees

da doutrina como jaacute se pontuou mas explicita como elas foram adequando a profusatildeo a um

sistema de trecircs segundo diferentes necessidades descritivas

De modo geral se Dioniacutesio emprega o termo de maneira positiva na seccedilatildeo 2146 do

tratado sobre a composiccedilatildeo em que descreve trecircs virtudes geneacutericas do discurso das quais

pontua uma melhor e se posteriormente entre os romanos observamos uma triparticcedilatildeo que

funciona como medida de padratildeo (modernamente falando) de modo a chegar agrave flutuaccedilatildeo

observada nos trecircs textos gregos posteriores e lexicalmente afins pode-se conjecturar que a

possiacutevel confusatildeo indefiniccedilatildeo ou flutuaccedilatildeo quanto agrave posiccedilatildeo do quarto gecircnero estivesse

relacionada agrave funccedilatildeo e ao efeito pretendido por tal elocuccedilatildeo e a como a doutrina definia as

trecircs posiccedilotildees em prol deles que identificamos pelas trecircs funccedilotildees do orador Assim haveria

uma elocuccedilatildeo ornada a fim de deleitar ie que se orna pelo deleite que isso traz ao ouvinte e

que agrave maneira que se distinguem poesia e prosa seria como daacute a entender Plutarco comum

na poesia afinal essa tem sempre mais que a prosa e sua principal funccedilatildeo eacute deleitar e outra

elocuccedilatildeo mais ornada ainda cuja finalidade eacute entatildeo comover (em verso ou em prosa) e eacute

inevitavelmente poeacutetica mesmo que na prosa uma vez que eacute (se tomada como extremo)

inteiramente ornada

225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo

O particiacutepio que introduz o paraacutegrafo dedicado aos erros referentes aos moldes

expostos aposphaleacutentes que se traduziu por uma oraccedilatildeo equivale semanticamente a

hamarteacutema que pseudo-Longino emprega amplamente no seu tratado Do Sublime para

designar natildeo soacute o desvio do molde ou gecircnero mas qualquer falha discursiva em geral O

significado primeiro e mais baacutesico do verbo que origina este substantivo eacute ldquoerrar o alvordquo um

45 supra pg 52 46 supra pg 51 e 58

63

hamarteacutema eacute em princiacutepio um ldquodesacertordquo Aposphaacutello por sua vez tem o significado de

ldquodesviar-se errar o caminho passar longerdquo e designa por isso aquele que ldquopega um desviordquo

ie que ldquoerra o caminhordquo do discurso em certo molde ldquoenvereda-se erroneamenterdquo e atinge

uma via mudada daquela em que seguia Engendra portanto natildeo seu antiacutepoda positivo mas

uma forma defeituosa viciosa daquilo que deveria ser sua qualidade Vitia eacute o termo

empregado na Retoacuterica a Herecircnio (IV 11) correlato do grego kakiacutea que pseudo-Longino

emprega igualmente

A noccedilatildeo de que existiria uma medida ou pelo menos uma maneira correta de se aplicar

o princiacutepio baacutesico definidor de cada um dos gecircneros (o traccedilo geneacuterico) ou em outras palavras

o que aqui se denomina molde a fim de se produzir a forma bela aparece alhures e por

exemplo tem sua origem brevemente explicada no tratado Do Sublime em 5 1 3 ldquodaquilo

de que se nos origina o belo proacuteximo tambeacutem a isso os males gostam de se originarrdquo Esse

princiacutepio se sumariza por toda seccedilatildeo 5 apoacutes jaacute ter sido sistematicamente aplicado para

descrever atraveacutes de um vocabulaacuterio que eacute da fisiologia as formas que se pretendiam

sublimes mas resultam defeituosas (3 4 1 ndash 4)

[] κακοὶ δὲ ὄγκοι καὶ ἐπὶ σωμάτων καὶ λόγων οἱ χαῦνοι καὶ

ἀναλήθεις καὶ μήποτε περιιστάντες ἡμᾶς εἰς τοὐναντίον οὐδὲν γάρ

φασι ξηρότερον ὑδρωπικοῦ ἀλλὰ τὸ μὲν οἰδοῦν ὑπεραίρειν βούλεται

τὰ ὕψη τὸ δὲ μειρακιῶδες ἄντικρυς ὑπεναντίον τοῖς μεγέθεσι

feios satildeo os intumescimentos [oacutegkoi note-se o vocabulaacuterio] sobre os

corpos e sobre as palavras que flaacutecidos [chaucircnoi] e falsos

[analeacutetheis] jamais nos revertem ao seu contraacuterio [tounantiacuteon]

afinal nada mais seco [zeroacutetetos] que um hidroacutepico [hydroacutepikos]

Mas o inchaccedilo [oidoucircn] deseja subir [hypaiacuterein] agraves alturas [tagrave hyacutepse]

o pueril [meirakiocircdes] eacute que estaacute diretamente oposto [aacutentikry

hypenantiacuteon] agrave grandiosidade [toicircs megeacutethesi]

(traduccedilatildeo do autor)

Seguir-se-aacute entatildeo uma breve descriccedilatildeo desse pueril (ldquochatildeordquo [tapeinoacuten] ldquomesquinhordquo

[mikroacutepsychon] e ldquoo mais vulgarmente feiovicioso em essecircnciardquo [tocirci oacutenti kakograven

aggeneacutestaton] - idem 5 ndash 6) e de um terceiro viacutecio que se resume ao descomedimento do

paacutethos (afeto ou paixatildeo fora de hora [paacutethos aacutekairon] ou ldquodesmedidordquo quando se requer

ldquomedidardquo [aacutemetron eacutentha metriacuteou deicirc] (3 5 3 ndash 4)

64

Esse princiacutepio encontra-se enunciado aplicado e atribuiacutedo (quanto agrave sua origem) em

Demeacutetrio com um vocabulaacuterio que eacute da eacutetica (op cit 114)

Ὥσπερ δὲ παράκειται φαῦλά τινα ἀστείοις τισίν οἷον θάρρει μὲν τὸ

θράσος ἡ δ αἰσχύνη τῇ αἰδοῖ τὸν αὐτὸν τρόπον καὶ τῆς ἑρμηνείας

τοῖς χαρακτῆρσιν παράκεινται διημαρτημένοι τινές πρῶτα δὲ περὶ τοῦ

γειτνιῶντος τῷ μεγαλοπρεπεῖ λέξομεν ὄνομα μὲν οὖν αὐτῷ ψυχρόν

ὁρίζεται δὲ τὸ ψυχρὸν Θεόφραστος οὕτως ψυχρόν ἐστι τὸ

ὑπερβάλλον τὴν οἰκείαν ἀπαγγελίαν

Como algumas rudezas [phaulaacute] justapotildeem-se [parakeicircmai] a

alguns valores [asteicirca] como agrave coragem a impetuosidade vergonha

ao respeito da mesma forma alguns deslocamentos [diemartemenoi]

justapotildeem-se aos caracteres da elocuccedilatildeo Primeiramente falaremos

do que margeia [geitiniaacuteo] o magnificente Seu nome eacute friacutegido

[psychroacuten] Teofrasto delimitou [horiacutezomai] o friacutegido assim friacutegido

eacute o que excede [hyperbaacutello] a expressatildeo adequada [oikeiacutean]

(idem)

Eacute vaacutelido notar que aleacutem de se empregar um particiacutepio para nomear esse ato de

desviar-se errar (diemartemenoi) o verbo em questatildeo tem a mesma forccedila de aposphaacutello em

sua composiccedilatildeo e eacute um sinocircnimo desse Tambeacutem merece nota o verbo geitiniaacuteo ldquoavizinhar-

se fazer fronteira estar na margemrdquo de modo que natildeo seria lexicalmente errado dizer desses

desvios que satildeo ldquogecircneros marginaisrdquo Eacute aceite que a base para essa teoria que supotildee sempre

uma medida correta para a execuccedilatildeo da forma seja peripateacutetica o que por outro lado natildeo

nos deve levar a supor uma doutrina uniforme subjacente aos textos O princiacutepio sim parece

ter essa origem Deve-se observar assim que pseudo-Longino segundo criteacuterios e conceitos

que satildeo platocircnicos em origem estaacute preocupado em descrever o que atinge a grandeza o

sublime Ao fim portanto descreve um conjunto de trecircs viacutecios que satildeo a rigor o resultado de

uma tentativa equivocada de atingi-lo Natildeo eacute de se espantar entatildeo que a caracterizaccedilatildeo do

viacutecio pueril assemelhe-se ao que seria de certa forma uma versatildeo imperfeita do discurso que

no epiacutetome fociana estaria para o tecircnue denominado aqui por chatildeo [tapeinoacutes baixo

rasteiro] Contudo observa-se que o adjetivo trata na verdade de um julgamento moral sobre

aquele que tenta atingir o sublime de maneira fuacutetil ou vatilde O texto prossegue

ταπεινὸν γὰρ ἐξ ὅλου καὶ μικρόψυχον καὶ τῷ ὄντι κακὸν

ἀγεννέστατον τί ποτ οὖν τὸ μειρακιῶδές ἐστιν ἢ δῆλον ὡς

σχολαστικὴ νόησις ὑπὸ περιεργασίας λήγουσα εἰς ψυχρότητα

ὀλισθαίνουσι δ εἰς τοῦτο τὸ γένος ὀρεγόμενοι μὲν τοῦ περιττοῦ καὶ

65

πεποιημένου καὶ μάλιστα τοῦ ἡδέος ἐξοκέλλοντες δὲ εἰς τὸ ῥωπικὸν

καὶ κακόζηλον

(Pseudo-Longino De Sublimitate 345 ndash 51)

diz-se dele que tem o pensamento preguiccediloso [scholastikeacute noacuteesis] que por causa do

empolamento [periergasiacutea o excesso de coisas fuacuteteis] estagna-se em frigidez [psychroacutetes]

ldquoEscorregam nesse gecircnero os que almejam o prodigioso [tograve perittoacuten que em Dioniacutesio de

Halicarnasso era abundacircncia atributo do elevado] o produzido [pepoiemeacutenos] e

principalmente o prazer [hedyacutes] vagando para o espalhafatoso [rhopikoacuten] e afetado

[kakoacutezelon]rdquo A julgar por ldquoespalhafatoso afetado empolado prodigiosordquo etc temos uma

descriccedilatildeo que se aproxima mais do que poderiacuteamos conceber como a forma falha do molde

copioso que recebe a qualidade de ldquoexaltadordquo que se pode traduzir no contexto do discurso

por ldquopedanterdquo Comparado ao nosso modelo e agrave descriccedilatildeo de gecircneros e defeitos como

observamos na tratadiacutestica retoacuterica embora o princiacutepio seja peripateacutetico o tratado do sublime

natildeo se propotildee a prescrever todos os gecircneros bem sucedidos de elocuccedilatildeo mas concentra-se em

aplicar isso que aqui chamamos preceito ou teoria da medida para descrever tudo quanto pode

produzir um efeito o transporte [ekstaacutesis] e natildeo outro a persuasatildeo [peithoacute] (1 4 1) e eacute a

partir disso que descreveraacute os demais tipos de elocuccedilatildeo o que natildeo eacute seu foco (cf por

exemplo 8 1 e 33 1) Os tratados descrevem ainda que diferentemente os gecircneros da boa

elocuccedilatildeo e a partir deles a forma desproporcional da caracteriacutestica fundamental de cada um

De novo a adequaccedilatildeo (da medida no caso) a trecircs Por fim vale mencionar que esse criteacuterio

peripateacutetico se evidencia na Ars de Horaacutecio47

No epiacutetome de Foacutecio os dois defeitos derivados do desvio do molde copioso duro

[skleroacuten] e exaltado [epermeacutenon] parecem corresponder bem aos viacutecios que pseudo-

Longino refere um ao aspecto do discurso que eacute ldquoinfladordquo laacute ldquoinchadordquo e aqui ldquodurordquo

ldquomaciccedilordquo quase a ideia de ldquoaacutesperordquo no sentido de algo intrataacutevel em funccedilatildeo das saliecircncias

(que leva agrave ideia de ldquoaustero severo aacuterduordquo) outro parece mais relacionado ao afeto e ao

enunciador uma vez que ldquoexaltadordquo ie que estaacute muito acima do necessaacuterio contempla tanto

a ideia do pedantismo e da afetaccedilatildeo como do pathos fora de hora

O escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio que simplesmente emprega o verbo antikeicirctai para

designar a oposiccedilatildeo de gecircneros fala do duro como a epiacutetome mas do escasso [brachyacute]48

Lembrando o texto de pseudo-Longino e sua metaacutefora fisioloacutegica eacute a intumescecircncia de certa

regiatildeo que gera a secura e talvez assim possamos interpretar esse adjetivo no sentido de que

47 Cf Horaacutecio Arte Poeacutetica v 24 ndash 28 48 Op cit 449 32

66

para aleacutem dos adereccedilos desnecessaacuterios e demasiados esse gecircnero estaacute desprovido de sauacutede ou

da coacutepia que o caracteriza Aqui tambeacutem de certa forma o gecircnero vizinho e defeituoso

confunde-se com o oposto virtuoso Parece que no caso do escoacutelio o molde defeituoso eacute

entendido como um oposto propriamente inclusive a julgar pelo verbo que introduz a

passagem

A Retoacuterica a Herecircnio denomina esse gecircnero defeituoso de inflado [sufflata]49 bem

condizente com o aspecto fiacutesico do inchaccedilo de Pseudo-Longino e da macicez do epiacutetome e

contiacutenua pela metaacutefora fiacutesica para exemplificar ldquoAssim como um inchaccedilo [tumor como o

grego oacutegkos] pode parecer uma condiccedilatildeo saudaacutevel do corpo grave [grave] pode parecer o

discurso que turge [turget] e estaacute inflado [inflatum]rdquo natildeo agrave toa o tratado nos daraacute trecircs

possiacuteveis elementos desse gecircnero defeituoso que ou estatildeo para aquela dureza ou para o

empolamento e a afetaccedilatildeo inadequada ou se empregam palavras que satildeo muito recentes ou

arcaicas (ldquonouis aut priscisrdquo) ou usam-se metaacuteforas duras (ldquousa-se delas duramenterdquo ndash

ldquoduriter aliunde translatisrdquo) ou porque algo eacute dito com palavras mais graves do que a mateacuteria

exige (ldquograuioribus quam res postullat aliquid diciturrdquo)

Na divisatildeo quaacutedrupla de Demeacutetrio50 o gecircnero defeituoso eacute qualificado como

ldquofriacutevolordquo adjetivo empregado por Pseudo-Longino e que se associa a essa qualidade afetada

do discurso que traz muito mais do que o necessaacuterio O princiacutepio se torna praticamente uma

maacutexima no verso horaciano ldquoprofessus grandia turgetrdquo- ldquoa grandeza professa turgerdquo51

O adjetivo tapeinoacutes que no epiacutetome nomeia o desvio do molde tecircnue designa aquilo

que eacute baixo abjeto em diferentes contextos (social moral) etc Designa o aspecto vulgar e

rebaixado daquele falar hodierno do qual parte a linguagem bem sucedida deste gecircnero na

Retoacuterica a Herecircnio que qualifica o viacutecio como aacuterido [aridum] e exangue [exsangue]52

Aacuterido [xeroacutes] tambeacutem eacute o nome para Demeacutetrio do desvio do caraacuteter tecircnue Para pseudo-

Longino como visto53 essa aridez tem que ver com uma grandeza um aumento que natildeo se

realiza eacute mais um discurso vicioso que natildeo atinge aquele sublime O escoacutelio a Dioniacutesio

Traacutecio neste passo de fato parece confimar a hipoacutetese de nomear como viacutecio uma forma que

eacute oposta opotildee-se ao tecircnue o amplo [platuacute ou difuso referindo-se agrave elocuccedilatildeo] e grosso

[paxuacute espesso]54 que ora remetem ao hadron forma virtuosa Por fim em Horaacutecio talvez

esteja aqui aquele que procede com excessivo medo da elevaccedilatildeo ldquoserpit humi tutus nimium

49 Retoacuterica a Herecircnio IV 10 19 50 Supra paacuteg 52 ndash 53 51 Op cit v 27 52 Op cit IV 11 16 53 Supra paacuteg 57 54 Op cit 449 32

67

timidisque procellaerdquo ndash ldquoRasteja pelo chatildeo aquele excessivamente cauto e medroso da

procelardquo55

Quando ao desvio do molde meacutedio a primeira caracteriacutestica refere-se ao fato de o

discurso parecer incompleto inacabado tolhido argoacutes designando o objeto em que falta

trabalho ie em que o trabalho natildeo se concluiu Pelas liccedilotildees sobre a diferenccedila entre prosa e

poesia podemos pensar que talvez ele o seja por deixar a impressatildeo de carecer de ornato

quando uma de suas necessidades eacute possuiacute-lo a ponto de deleitar56

Parece que eacute neste sentido que o escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio57 que designa este

molde como florido denomina seu oposto por agleukeacutes amargo (em que natildeo haacute doce) e

logoieideacutes prosaico ie natildeo eacute tatildeo poeacutetico quanto precisaria O segundo termo empregado

eklelumeacutenon (solto desatado relaxado dilatado) parece estar associado justamente a esse

mau acabamento do ornato e eacute correlato ao termo com que a Retoacuterica a Herecircnio designa o

gecircnero vicioso dissoluto [dissolutum]58 ldquoque eacute sem nervos e articulaccedilotildeesrdquo ndash mantendo uma

metaacutefora fisioloacutegica (quod est sine neruis et articulis articulaccedilotildees) ndash de modo que posso

chamaacute-lo flutuante [fluctuans] jaacute que flutua caacute e laacute e natildeo possui a capacidade de andar

livremente com firmeza [confirmatis] e virilidade [uiriliter]rdquo Essa mesma noccedilatildeo de firmeza

que se exige para uma elevaccedilatildeo digna que natildeo eacute poreacutem a da coacutepia mas constitui um meio

termo parece condizer com o defeito daquele que na Ars horaciana almejando mais leveza

do que se deve acaba fraco ie sem nervos [nerui] e acircnimo [animi] ldquosectantem leuia nerui

deficiunt animiquerdquo59

3 A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA

31 SEUS GEcircNEROS

55 Idem v 28 56 Supra paacuteg 54 57 Op cit 449 32 58 Op cit IV 11 1 59 Op cit v 25 ndash 26

68

Eacute pelo emprego do adjetivo ldquopoeacuteticardquo [poietikeacute] no paraacutegrafo 11 da ediccedilatildeo de

Severyns60 319a 3 na ediccedilatildeo de Bekker que se inicia o extenso cataacutelogo de gecircneros e

espeacutecies poeacuteticas que basicamente constitui todo o restante do epiacutetome como parte principal

do objeto resumido Imediatamente a liccedilatildeo do epiacutetome estabelece o criteacuterio segundo o qual

divide dois grandes gecircneros de poesia

Chama a atenccedilatildeo o emprego de outro termo vimos que poiacuteema foi usado para

distinguir poesia e prosa no paraacutegrafo 3 e logo acima no paraacutegrafo 10 foi novamente

empregado como sinocircnimo de poiacuteesis Parece que esse termo se usa laacute enquanto em uma

primeira seccedilatildeo da obra em que se trataria da linguagem em geral contemplando toacutepicos

comuns agrave poesia e agrave oratoacuteria (que consequentemente servem para a prosa em geral como a de

um historiador logoacutegrafo etc) tais quais a elocuccedilatildeo e seus gecircneros virtuosos e viciosos o

eacutethos e o paacutethos Esses trecircs elementos correspondem natildeo perfeitamente agrave triparticcedilatildeo retoacuterica

que vem desde Aristoacuteteles natildeo perfeitamente porque a parte sobre os plaacutesmata fala somente

de elocuccedilatildeo e natildeo do logos como um todo e suas partes etc Assim nenhuma designaccedilatildeo

especiacutefica ou disjuntiva aparece ateacute aqui (ldquoretoacutericardquo ldquopoeacuteticardquo) salvo gramatikeacute do tiacutetulo

que nos serve de indiacutecio para conjeturar justamente sobre como essas liccedilotildees de diferentes

saberes satildeo tomadas aqui nas suas partes concernentes agraves letras

Apoacutes enfim uma primeira parte em que se tomaram essas liccedilotildees apenas no que

concerne agrave linguagem e seu uso por quem compotildee uma obra em prosa ou em verso

significando que desse ponto de vista as mesmas caracteriacutesticas se observariam na prosa de

um logoacutegrafo e nos versos de um tragedioacutegrafo natildeo havendo distinccedilatildeo salvo pelo fato de que

estes conteratildeo virtudes em maior quantidade passa-se entatildeo ao exame da poeacutetica

especificamente entendida como reuniatildeo das obras de poesia Pode-se conjeturar que o termo

(no genitivo e com forte carga partitiva cf nota 9) agora eacute empregado para delimitar o que eacute

assunto apenas referente a esse tipo de confecccedilatildeo A liccedilatildeo do coacutedice logo passa ao que

consiste dentro dessa perspectiva antes explicitada o tratamento da obra poeacutetica E o que

seria Os diferentes gecircneros em que se agrupam as composiccedilotildees considerada agora apenas a

composiccedilatildeo em verso e natildeo dentro do primeiro criteacuterio classificatoacuterio geral a elocuccedilatildeo

Em outras palavras e com implicaccedilotildees mais fortes o que eacute relevante para essa

abordagem das letras sobre a poesia e daiacute sem a elocuccedilatildeo apenas ela inicia-se pela sua

divisatildeo em gecircneros Natildeo agrave toa segue-se imediatamente a primeira e mais ampla distinccedilatildeo

60 Severyns op cit tomo II pg 33

69

geneacuterica relacionada ao que na Poeacutetica de Aristoacuteteles se designa apenas como o modo de

imitaccedilatildeo ou da mimese

Sabe-se que a Poeacutetica de Aristoacuteteles se insere em uma discussatildeo que jaacute estaacute bem

distante de muitos dos textos de base gramatical que foram escritos posteriormente sobre o

assunto embora natildeo tatildeo distante dos textos modelares da praacutetica

A divisatildeo entre poesia narrativa [diegematikoacuten] e imitativa [mimetikoacuten] ndash para cuja

traduccedilatildeo mantecircm-se aqui os termos latinos ndash tem por criteacuterio o modo enunciativo ie mais

especificamente quem eacute o enunciador Essa distinccedilatildeo vem como se sabe desde a Repuacuteblica

em que natildeo eacute dupla mas triacuteplice Nos termos do filoacutesofo (III 394b) a narraccedilatildeo da poesia e da

mitologia ou se daacute inteira por imitaccedilatildeo [diagrave mimeacuteseos] ou por relato do poeta ele mesmo [dirsquo

aggeliacuteas autoucirc toucirc poietoucirc ie de forma reportada pelo proacuteprio poeta] ou ainda por ambos

[aucirc drsquo amphoteacuteron] Esta uacuteltima eacute a forma mista em que ora o poeta fala ora a personagem

da qual Homero eacute o exemplo

A classificaccedilatildeo proposta por Platatildeo ocorre na conversa entre Soacutecrates e Adimanto e a

primeira menccedilatildeo aos modos de enunciar se daacute em 392a passagem em que Soacutecrates comeccedilaraacute

a delimitar e expor a doutrina falando primeiro da chamada haplecirc dieacutegesis

ou ldquonarraccedilatildeo simplesrdquo e da miacutemesis O problema e o foco de Platatildeo natildeo eacute

gramatical ou poeacutetico mas sim filosoacutefico-moral eacute um problema para a paideia da cidade a

imitaccedilatildeo plural ie uma pessoa empreender a imitaccedilatildeo de muitas pessoas (395a) uma vez

que a fidelidade dessas imitaccedilotildees seraacute prejudicada dada a impossibilidade de uma uacutenica

pessoa realizaacute-las todas adequadamente Eacute fundamental frisar que para Platatildeo mimese aqui eacute

algo muito mais restrito do que para Aristoacuteteles pois se trata puramente da imitaccedilatildeo que uma

pessoa faz a de outra ou da fala dela Para o filoacutesofo a narraccedilatildeo eacute primordial ou seja haacute a

narraccedilatildeo em princiacutepio e a imitaccedilatildeo eacute uma coacutepia de uma narraccedilatildeo que pertence a outrem

Platatildeo natildeo estaacute interessado em utilizar a distinccedilatildeo para analisar e classificar as praacuteticas

poeacuteticas Estaacute sim interessado em lidar com as implicaccedilotildees que as distinccedilotildees estabelecidas

trazem para sua filosofia e se as mentiras que podem ser contadas para em um mito jaacute podem

por si soacute natildeo fornecer um bom exemplo moral para a cidade imitar jaacute eacute por si soacute uma mentira

Em seu tratado Aristoacuteteles estaacute interessado entre outras coisas principalmente em

mostrar que primeiramente mimese ou imitaccedilatildeo eacute algo mais amplo possui uma funccedilatildeo

didaacutetica fundamental e justamente por isso quando julgada a poesia deve ser pensada dessa

perspectiva Isso explica antes de mais nada a exposiccedilatildeo da triparticipaccedilatildeo classificatoacuteria que

ocupa os trecircs primeiros capiacutetulos da Poeacutetica (natildeo agrave toa seguida de um quarto capiacutetulo e quem

o filoacutesofo fala justamente do valor didaacutetico da imitaccedilatildeo) em que se explicitam os criteacuterios

70

com os quais o filoacutesofo pensa mimese de que e poesia eacute uma espeacutecie A distinccedilatildeo dos modos

enunciativos portanto ocupa um ponto especiacutefico da doutrina aristoteacutelica

Ἔτι δὲ τούτων τρίτη διαφορὰ τὸ ὡς ἕκαστα τούτων μιμήσαιτο ἄν τις

καὶ γὰρ ἐν τοῖς αὐτοῖς καὶ τὰ αὐτὰ μιμεῖσθαι ἔστιν ὁτὲ μὲν

ἀπαγγέλλοντα ἢ ἕτερόν τι γιγνόμενον ὥσπερ Ὅμηρος ποιεῖ ἢ ὡς τὸν

αὐτὸν καὶ μὴ μεταβάλλοντα ἢ πάντας ὡς πράττοντας καὶ ἐνεργοῦντας

daggerτοὺς μιμουμένουςdagger ἐν τρισὶ δὴ ταύταις διαφοραῖς ἡ μίμησίς ἐστιν

ὡς εἴπομεν κατ ἀρχάς ἐν οἷς τε ltκαὶ ἃgt καὶ ὥς ὥστε τῇ μὲν ὁ αὐτὸς

ἂν εἴη μιμητὴς Ὁμήρῳ Σοφοκλῆς μιμοῦνται γὰρ ἄμφω σπουδαίους

τῇ δὲ Ἀριστοφάνει πράττοντας γὰρ μιμοῦνται καὶ δρῶντας ἄμφω

ὅθεν καὶ δράματα καλεῖσθαί τινες αὐτά φασιν ὅτι μιμοῦνται δρῶντας

(Aristoacuteteles Poeacutetica 1448a 19 ndash 29)

Descrevendo seu objeto pelos meios ( ) pela mateacuteria ( ) e o modo ( ) a

Poeacutetica traz a distinccedilatildeo dos modos na explicaccedilatildeo da terceira categoria para a qual Aristoacuteteles

distingue duas possibilidades (1448a 19 ndash 24)

[] pois eacute possiacutevel pelos mesmos meios imitar as mesmas coisas ora

relatando [reportando hotegrave megraven apaggeacutelonta] (ou tornando-se de

certa forma outro como faz Homero ou como si proacuteprio e natildeo

alternando) ou todos os que imitam como agentes e operantes [hoacutes

praacutettontas kaigrave energoucircntas]

Aristoacuteteles natildeo propotildee um gecircnero misto como Platatildeo o que natildeo significa que natildeo

observe o fenocircmeno que Platatildeo nomeia como um terceiro tipo Considerando que Aristoacuteteles

discute exatamente miacutemesis e um tipo especiacutefico dela parece que seu criteacuterio eacute a presenccedila ou

natildeo ndash referida reportada e daiacute inferida pelos ouvintes ndash da voz do poeta seja na figura dele

mesmo seja por traacutes da voz de outro como a personagem Parece que no outro gecircnero natildeo

haacute pelo menos para Aristoacuteteles essa voz natildeo ocorre esse reportamento mas a miacutemese se daacute

como atuaccedilatildeo ie pela accedilatildeo dos actantes e natildeo como relato Simplificando pode-se dizer

partindo do segundo membro do par que a composiccedilatildeo pertenceraacute a este ou agravequele gecircnero se

for encenada ou natildeo Mais abstratamente o resultado de uma deve ser a coisa a mateacuteria o

fato sendo executado realizado da outra reportado contado Partindo poreacutem do outro

membro do par a fim de se chegar a uma simplificaccedilatildeo ter-se-aacute um problema modernamente

Dizendo que uma eacute ldquoencenadardquo e a outra eacute ldquonarradardquo buscar-se-aacute entatildeo a ldquounidade de accedilatildeordquo

de que a Poeacutetica tanto fala de toda e qualquer espeacutecie arrolada como narrativa natildeo soacute nesta

obra atribuiacuteda a Proclo mas tambeacutem em outros textos que trazem classificaccedilatildeo geneacuterica Este

71

problema eacute o principal de nosso epiacutetome qual seria por exemplo a unidade de accedilatildeo de um

melos como o epiniacutecio

Em relaccedilatildeo a Platatildeo observam-se duas peculiaridades Primeiramente como eacute

justamente pelo valor cognitivo e didaacutetico da imitaccedilatildeo que Aristoacuteteles confere estatuto

filosoacutefico agrave poesia61 adota o conceito de miacutemesis como nomenclatura mais ampla para

nomear o fenocircmeno dentro do qual se insere a poesia Natildeo agrave toa o iniacutecio do tratado eacute

dedicado agrave miacutemesis dentro da qual a miacutemesis poeacutetica eacute uma espeacutecie No entanto o termo

ldquomimeacuteticordquo (ou imitativo) jaacute foi empregado por Platatildeo quem Aristoacuteteles busca refutar para

designar uma espeacutecie de narraccedilatildeo de mitos uma das trecircs maneiras arroladas na Repuacuteblica

Parece que por essa razatildeo natildeo adota o termo ldquomimeacuteticordquo para calssificar a imitaccedilatildeo

dramaacutetica como se observa poreacutem em praticamente todo o restante da tratadiacutestica posterior

de que a Crestomatia mesma seria um exemplo Prefere empregar os particiacutepios ldquoprattontasrdquo

e ldquoenergoucircntasrdquo para designar a atividade que empreendem e designar seu sujeito justamente

com outro particiacutepio de que tal atividade eacute pelo criteacuterio do modo espeacutecie ldquotougraves

mimoumeacutenousrdquo

Em segundo lugar parece que como haacute uma discordacircncia teoacuterica deste para aquele

implicando tambeacutem uma discordacircncia conceitual ie a repeito de miacutemesis referindo-se aos

modos da enunciaccedilatildeo Aristoacuteteles busca um denominador comum ou um elemento mais

baacutesico que permita uma classificaccedilatildeo diferente por isso abre matildeo do modo ldquomistordquo porque

nem leva em considera o modo ldquopor imitaccedilatildeo rdquo platocircnico O elemento mais

baacutesico que se pontua depende da presenccedila ou natildeo de um ator mas conforme dito acima isso

eacute consequecircncia o elemento propriamente eacute a voz ou natildeo do poeta mas no sentido de que ou o

discurso que nos reporta as accedilotildees eacute percebido como saindo da boca de outros que natildeo o poeta

ou mesmo que esse assuma a voz de outro o discurso que se ouve ainda nos eacute reportado pelo

poeta mudada sua voz na voz de outro que natildeo eacute senatildeo dependente da primeira voz ou um

construto o que se entende de ldquo relatando (ou tornando-se de certa forma outro como faz

Homero ou como si proacuteprio e natildeo alternando)rdquo [grifo do autor]

Poder-se-ia considerar dessarte a julgar pelo que foi acima exposto que o epiacutetome

traria a liccedilatildeo aristoteacutelica uma vez que natildeo menciona um gecircnero misto como Platatildeo e outros

textos que mencionam esse terceiro gecircnero por entenderem que no caso em que o ldquoeu-

poeacuteticordquo daacute voz a uma personagem haacute uma mistura das duas enunciaccedilotildees Para a triparticcedilatildeo

cuja origem recua ateacute Platatildeo essa interpretaccedilatildeo eacute verossiacutemil porque o raciociacutenio parece ser o

61 Cf Poeacutetica (cap IX) Porque a poesia representa o possiacutevel segundo a verossimilhanccedila eacute mais universal por

oposiccedilatildeo agrave historia particular Decorre para Aristoacuteteles que a poesia eacute mais filosoacutefica

72

mesmo como eacute o caso do texto por exemplo do livro III da Ars Grammatica de Diomedes62

que serviraacute para o cotejo com a Crestomatia a mesma ilaccedilatildeo natildeo vale para os textos que

trazem em vez de uma triparticcedilatildeo uma biparticcedilatildeo A concepccedilatildeo aristoteacutelica supotildee

obrigatoriamente a mimese de accedilatildeo e supotildee como fica expliacutecito agentes que podem ser

resultado da miacutemeses da voz do poeta (o poeta lhes daacute voz) ou podem ser eles mesmos donos

dessa voz ie atores e nesse caso o poeta natildeo fala nada (sua voz natildeo aparece)

Parece que os textos posteriores baseiam-se ou copiam uma biparticcedilatildeo que na obra de

Aristoacuteteles eacute traccedilada segundo os criteacuterios que define como proacuteprios da imitaccedilatildeo poeacutetica Eacute

fundamental poreacutem lembrar que Aristoacuteteles natildeo questiona nem faz apontamento algum

acerca da accedilatildeo de outras espeacutecies poeacuteticas aleacutem da trageacutedia da comeacutedia e da epopeia sendo

aquelas duas exemplo de poesia dramaacutetica e esta de narrativa

Natildeo se pode afirmar que o agrupamento de espeacutecies que se segue em textos como o da

Crestomatia seria aristoteacutelico mas poderiacuteamos conjeturar que como o sentido dado ao verbo

apaggeacutello (na referida passagem de Aristoacuteteles) talvez seja um pouco mais amplo do que em

Platatildeo a julgar pelo fato de que laacute primeiramente natildeo haacute um gecircnero intermediaacuterio e segundo

Homero eacute justamente o exemplo de poesia narrativa (enquanto em Platatildeo a poesia estaacute ao lado

do relato de mitos) todas as demais espeacutecies que natildeo as teatrais por nelas se supor a voz de

um poeta sejam ldquonarrativasrdquo no sentido de que o que quer que se cante eacute reportado ao

ouvinte pelo eacutethos de um poeta cuja voz se ouve63 independente da unidade de accedilatildeo da

presenccedila ou natildeo de mito da vitoacuteria do atleta das causas de uma festa ou da celebraccedilatildeo de um

deus ou heroacutei ainda mais se considerarmos que a oralidade nunca deixou de desepenhar

importante papel mesmo nas culturas escritas como a alexandrina ou a bizantina papel esse

determinante no entendimento que as artes e os textos de doutrina fizeram da poesia Eacute bom

ressaltar que os textos mesmos seguem suas convenccedilotildees explicativas e eacute justamente pela

repeticcedilatildeo ao longo dos seacuteculos que satildeo concebidas como autorizadas

Isso significa que as artes gramaticais posteriores podem ter se fiado em um criteacuterio

que eacute adotado senatildeo mesmo desenvolvido por Aristoacuteteles o que eacute diferente de dizer que

seguem sua doutrina afinal de contas o criteacuterio da accedilatildeo natildeo eacute sequer mencionado nesse tipo

de descriccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies salvo na explicaccedilatildeo sobre o desenvolvimento da eacutepica

O mais importante no fato de o texto da Crestomatia adotar como a Poeacutetica uma

biparticcedilatildeo eacute o fato de que natildeo segue entretanto a terminoliga aristoteacutelica que evita

62 Diomedes Artis grammaticae III paacuteg 482 63 Eacute nesse sentido que conforme visto (supra 134 pag 47 em diante) Dioniacutenio de Halicarnasso no tratado Da

Imitaccedilatildeo fala do eacutethos da poesia de Alceu

73

ldquomimeacuteticordquo para o gecircnero em que os actantes satildeo enunciadores talvez simplesmente porque a

interpretaccedilatildeo que se fazia da doutrina nesta obra optava por uma conceituaccedilatildeo simples em

dois gecircneros abrangentes apenas sem mistura mas natildeo estava preocupada em propugnar a

favor de uma conceituaccedilatildeo preferencialmente a outra pois natildeo se inseria em um contexto de

disputa pelo termo como se pode supor no caso de Platatildeo e Aristoacuteteles

O texto de Diomedes sec IV AC64 testemunha que diferentes termos gregos eram

conhecidos entre os romanos mesmos para nomear esses dois grandes gecircneros O texto do

livro III de sua obra poreacutem adota a triparticcedilatildeo Note-se a variedade terminoloacutegica

Os gecircneros de poema satildeo trecircs Com efeito o gecircnero eacute ativo ou

imitativo que os gregos chamam dramatikoacuten ou mimetikoacuten narrativo

ou enunciativo que os gregos chamam exegetikoacuten ou apangeltikoacuten

comum ou misto que os gregos chamam koinoacuten ou miktoacuten Eacute

dramatikoacuten ou ativo aquele em que atuam somente as personagens

sem interlocuccedilatildeo de algum poeta como ocorre nas faacutebulas traacutegicas e

cocircmicas gecircnero no qual foi escrita a primeira Bucoacutelica [de Vergiacutelio2]

e aquela cujo iniacutecio eacute ldquoquo te Moeri pedesrdquo [ldquoPara onde Meride

levam-te os peacutesrdquo] Eacute exegetikoacuten ou narrativo aquele em que o proacuteprio

poeta fala sem interlocuccedilatildeo de alguma personagem como ocorre nas

trecircs primeiras Geoacutergicas [de Vergiacutelio] e na primeira parte da quarta e

igualmente nos cantos de Lucreacutecio e em outros semelhantes a estes Eacute

koinoacuten ou comum aquele em que o proacuteprio poeta fala e as personagens

satildeo introduzidas falando como foram escritas a Iliacuteada e a Odisseacuteia

inteiras de Homero a Eneida de Vergiacutelio e outros semelhantes a

estes

(Diomedes Arte Gramatical livro III trad Izabella Lombardi

Gaberllini in LETRAS CLAacuteSSICAS n 9 p 231-243 2005 Paacuteg

231)

Agora em uma triparticcedilatildeo Diomedes testemunha o uso da nomenclatura ldquoimitativordquo agrave

que tambeacutem associa o termo ldquodramaacuteticordquo bem como a traduccedilatildeo latina dos respectivos nomes

Curioso notar tambeacutem que siga o criteacuterio semelhante ao de Platatildeo ilustrando o gecircnero misto

com a eacutepica de Homero e Vergiacutelio

Observaremos portanto que para os textos de doutrina (que possuem eles mesmos

como dito suas convenccedilotildees) principalmente esses de acendecircncia gramatical o que concerne

tatildeo somente agrave poesia eacute sua divisatildeo em gecircneros e espeacutecies em outras palavras seu

agrupamento segundo uma nomenclatura funcional que permita tratar da variedade das

composiccedilotildees herdadas dos antigos gregos Se de origem heleniacutestica e portanto

64 Holtz L apud Gaberllini (2005) paacuteg 1 A dataccedilatildeo da Ars Grammatica de Diomedes infere-se a partir do uso

que faz de Donato e Cariacutesio gramaacuteticos anteriores e pelas constantes citaccedilotildees de Prisciano

74

originariamente editorial essa nomenclatura em um texto como o da Crestomatia ou o da

gramaacutetica de Diomedes tornou-se didaacutetica e eacute de se supor no caso da primeira natildeo apenas no

sentido pedagoacutegico Temos muito bons indiacutecios para supor que essa nomenclatura natildeo se

propotildee riacutegida uacutenica infrangiacutevel porque ela mesma no caso da Crestomatia supotildee mais

restritas suas dimensotildees quando o assunto eacute a liacuterica65 O que observamos no cataacutelogo da liacuterica

eacute a preponderacircncia e o emprego de outro criteacuterio ou padratildeo explicativo que tambeacutem estaacute

presente nos gecircneros anteriores natildeo se busca explicar o que seja a poesia como o faz

Aristoacuteteles mas sim reunir quanta informaccedilatildeo eacute uacutetil para compreender as diferenccedilas entres as

diferentes espeacutecies No caso das espeacutecies diegeacuteticas ou narrativas que natildeo a liacuterica junto a um

criteacuterio de mateacuteria e metro que privilegia este em relaccedilatildeo agravequele quanto agrave antecedecircncia

emprega-se um criteacuterio etimoloacutegico que eacute em boa parte das vezes etioloacutegico tambeacutem porque

traz consigo a origem do dizer consequentemente a origem do referente do significante Esse

eacute o criteacuterio que perpassa todo o cataacutelogo liacuterico na sua forma mais baacutesica porque em alguns

casos o emprego de uma palavra como nomenclatura jaacute eacute por si mesmo autoexplicativo eacute o

caso das uacuteltimas subespeacutecies aquelas sobre circunstacircncias incidentais em que se opta pelo

verso Esse eacute tambeacutem o mesmo criteacuterio que no caso das espeacutecies anteriores agrave meacutelica (a eacutepica

a elegia e o iambo) organiza concomitantemente a metro e mateacuteria a exposiccedilatildeo da espeacutecie

poeacutetica na forma de uma breve histoacuteria que nas suas diferentes etimologias busca agrupar os

diferentes elementos arrolados convencionalmente para definir aquele tipo poeacutetico

32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS DE

DIOMEDES

Consoante ao exposto no item anterior natildeo eacute de espantar que os gecircneros arrolados

entre os imitativos sejam apenas aqueles dramaacuteticos ou teatrais no caso da Crestomatia de

Proclo enquanto observamos que o exemplo de Diomedes refere-se agrave faacutebula teatral em

geral66 e admite que como tal escreveram-se as Bucoacutelicas I e IX

65 Basta conferir como o cataacutelogo das espeacutecies meacutelicas eacute introduzido no epiacutetome sect33 (Severyns) 319b 33 66 ldquo() dramaticon est vel activum in quo personae agunt solae sine ullius poetae intcrlocutione ut se habent

tragicae et comicae fabulaerdquo ndash DIOMEDES op cit paacuteg 482 17 ndash 19 Diomedes provavelmente pontua o

elemento ldquofabulaerdquo logo aqui porque o mencionaraacute tratando posteriormente e em separado das espeacutecies

cocircmicas e traacutegicas Nada nos impede de conjeturar e tatildeo somente isso que tratando enfim do gecircnero mimeacutetico

nos demais livros da Crestomatia de que natildeo temos notiacutecia alguma o myacutethos aparecesse na obra Se a exposiccedilatildeo

75

Em ambos os textos o criteacuterio preponderante que estabelece a primiera distinccedilatildeo

dentro da qual os poemas se agruparatildeo eacute o modo enunciativo

Aquilo que seratildeo as espeacutecies no tratado de Proclo para Diomedes receberaacute o nome

simples de ldquocarminardquo ou ldquocantosrdquo designados como o resultado a obra em si uma vez que a

palavra latina designa assim o poema a composiccedilatildeo em verso Diomedes adota assim a

designaccedilatildeo jaacute corrente para essas formas poeacuteticas mas propotildee entre os carmes e os gecircneros

maiores outras espeacutecies que consideram agora o que se narra ou mimetiza e que satildeo

apresentadas como espeacutecies dos trecircs primeiros grupos elencados

ldquoPoematos dramatici vei activi genera sunt quattuor apud Graecos

traacutegica comica satyrica mimica apud Romanos praetextata tabernaria

Atellana planipesrdquo

(DIOMEDES op cit III apud Keil paacuteg 482 26)

ldquoOs gecircneros do poema dramatikoacutes ou ativo satildeo quatro entre os

gregos a [espeacutecie] traacutegica a cocircmica a satiacuterica a miacutemica entre os

romanos a pretextata a tabernaacuteria a atelana a planiacutepederdquo

(Trad GABERLLINI op cit 231)

Observa-se que no caso das espeacutecies gregas modelares (salvo pelos mimos) pelo

menos desde Aristoacuteteles67 a um criteacuterio primeiramente selecionado como mais geral porque

mais abrangente e baacutesico sobretudo por permitir a distinccedilatildeo imediata entre a poesia dramaacutetica

e as demais formas conhecidas segue-se uma subdivisatildeo desse criteacuterio que permite elencar e

subagrupar outras formas poeacuteticas geralmente obtusas em relaccedilatildeo agrave nomenclatura Eacute seguindo

o mesmo criteacuterio entatildeo que nos deparamos com outras espeacutecies mas agora do gecircnero

narrativo

ldquoExegetici vel enarrativi species sunt tres angeltice historice

didascalice angeitice est qua sententiae scribuntur ut est Theognidis

liber item chriae historice est qua narrationes et genealogiae

dos livros estivesse organizada como o epiacutetome 239 nos daacute a conhecer eacute de se crer que na sequecircncia do livro

III ocorresse a exposiccedilatildeo do gecircnero que natildeo foi discutido nos dois primeiros livros que o epiacutetome nos transmite 67 A reiteraccedilatildeo dos criteacuterios de unidade medida e adequaccedilatildeo ao longo da Ars Poetica de Horaacutecio ilustram-no

muito bem Sobre os mimos embora Aristoacuteteles mencione-os na Poeacutetica 1447b 8 ndash 12 e seja plausiacutevel que

segundo seu criteacuterio acional sejam miacutemesis poeacutetica nada mais nos eacute dito sobre eles no que temos da obra

76

conponuntur ut est Hesiodu et similia

didascalice est qua conprehenditur philosophia Empedoclis et Lucreti

item aslrologia ut phaenomena Aratu et Ciceronis et georgica

Vergilii et his similiardquo

(Idem paacuteg 482 31 ndash 483 3)

Assim o poema apenas narrativo pode ser ldquoenunciativo (angeltikeacute)rdquo quando apenas

enuncia coisas ie quando ocorre pura e simplesmente uma enunciaccedilatildeo direta ndash o exemplo

seria a poesia gnocircmica de Teoacutegnis e as khreicircai ou ldquomaacuteximasrdquo ditos ceacutelebres de personagens

ou figuras histoacutericas pode ser ldquohistoacuterico (historikeacute)rdquo quando o que se ldquonarra reporta relata

etcrdquo possui um sentido cronoloacutegicogenealoacutegico de que eacute exemplo O Cataacutelogo das Mulheres

de Hesiacuteodo pode ser ldquodidascaacutelica (didaskalikeacute)rdquo quando ensina e aqui satildeo exemplos os

Fecircnomenos tanto de Ciacutecero como de Arato ou as Geoacutergicas de Vergiacutelio mas tambeacutem os

poemas de conteuacutedo filosoacutefico de que satildeo exemplos Empeacutedocles e Lucreacutecio

Subdividindo a poesia mista menciona como exemplo a poesia heroica ie a poesia

de heroacuteis de que satildeo exemplo a Iliacuteada e a Eneida tambeacutem se refere agrave liacuterica mas aqui a de

Horaacutecio e Arquiacuteloco (DIOMEDES op cit 483 5 ndash 6)

Ora chama a atenccedilatildeo nesse uacuteltimo caso em comparaccedilatildeo ao texto do epiacutetome de

Foacutecio que operando com uma triparticcedilatildeo dos gecircneros enunciativos a liacuterica seja dada como

exemplo misto porque eacute plenamente possiacutevel imaginar que outro e natildeo o eu-poeacutetico fale

como uma personagem Como a Crestomatia opera com uma biparticcedilatildeo a liacuterica eacute posta junto

de todas as espeacutecies que natildeo satildeo modernamente falando teatrais pelo simples pressuposto de

que nelas quem fala eacute a figura do poeta podendo haver outra dependente dela

Ateacute aqui comparados em sua organizaccedilatildeo observamos que tanto a Crestomatia como

o livro III de Diomedes conhecido antigamente como De Poematibus68 partem de um criteacuterio

primeiro e abrangente que classifica os poemas pelo elocutor Ambos jaacute apresentam aiacute uma

primeira diferenccedila69 este uma divisatildeo tripartite aquele bipartite

O texto de Diomedes apresenta uma subdivisatildeo em espeacutecies que considera a mateacuteria e

a finalidade da composiccedilatildeo mesmo no caso dos poemas apenas narrativos (contemplando

assim ateacute poemas de ensinamento filosoacutefico) e distingue com outra nomenclatura agrave parte os

cantos ou carmina como formas que se definem pelo que parece ser um criteacuterio taacutecito de

68 Uma vez que essa seccedilatildeo por si soacute consiste em um pequeno livro sobre classificaccedilatildeo de obras poeacuteticas que se

inspiraria na obra perdida atribuiacuteda a Suetocircnio De Poetica 69 Aleacutem do fato sempre evidente de que a os textos gregos versam sobre as formas poeacuteticas gregas enquanto os

latinos versam sobre as formas gregas ndash feitas romanas pelos autores paacutetrios ndash e a formas apenas latinas

77

metro e mateacuteria Era de se esperar em princiacutepio que esses cantos correspondessem

diretamente aos grupos acima expostos ou que ao menos fossem explicitados como derivados

deles ou a eles associados essa associaccedilatildeo de forma explicita soacute se verifica para os casos do

epos e da poesia bucoacutelica no caso citado de Vergiacutelio70 Jaacute o texto atribuiacutedo a Proclo passa

direto dos gecircneros enunciativos para o nome de cada uma das espeacutecies narrativas gregas

equivalentes (salvo pela liacuterica que ocupa o epiacutetome extensamente) aos carmina de Diomedes

Em resumo natildeo haacute classificaccedilatildeo intermediaacuteria no texto grego

Ora haacute ao menos que se conjecturar a respeito dessas diferenccedilas e se natildeo pudermos

chegar a respostas definitivas podemos formular hipoacuteteses que permitam um melhor

vislumbre da categorizaccedilatildeo poeacutetica com que se preocupavam as gramaacuteticas antigas

Primeiramente a correspondecircncia entre os carmina de Diomedes e as espeacutecies

arroladas em Proclo eacute notaacutevel A equivalecircncia na verdade eacute principalmente do tipo de

classificaccedilatildeo que se desdobra que ndash agrave guisa de esclarecimento por enquanto ndash tem como

elementos baacutesicos os membros do esquema metro-mateacuteriaetimologia-etiologia Esse modelo

de classificaccedilatildeo e as semelhanccedilas entre os dois textos seraacute o foco da comparaccedilatildeo nas seccedilotildees a

seguir (infra 33 paacuteg 81 em diante) Interessam agora as diferenccedilas e a compreensatildeo

estrutural dos dois textos

O texto de Diomedes traz uma classificaccedilatildeo como notado que o texto de Proclo natildeo

Por quecirc Podemos conjecturar que Diomedes conhecendo duas classificaccedilotildees (uma que

apresenta na forma dos carmina pertencente ao mesmo modelo que a classificaccedilatildeo do texto

de Proclo) preocupa-se em dar conta das duas maneiras de classificar senatildeo em reuni-las e

tornaacute-las ambas operantes e natildeo excludentes procedimento que como se verifica a respeito

das etimologias eacute padratildeo

Parece que a primeira classificaccedilatildeo de Diomedes ausente em Proclo privilegia como

dito o criteacuterio mateacuteria considerando tambeacutem o fim a que o gecircnero enunciativo se destina Em

outras palavras eacute como se buscasse esgotar em subcategorizaccedilotildees o criteacuterio maior e

preponderante dos gecircneros enunciativos Assim as formas imediatamente subcategorizadas

satildeo espeacutecies dos trecircs grandes gecircneros segundo aquilo que ldquose narrardquo aquilo que ldquose

mimetizardquo (entenda-se ldquodramatizardquo diretamente dando voz a actantes) e aquilo que ldquose narra

e dramatizardquo simultaneamente Tal hipoacutetese talvez se confirme em se notando que espeacutecies

irmanadas dentro de um mesmo gecircnero o satildeo independente do metro Observe-se a poesia

gnocircmica de Teoacutegnins compocircs-se em diacutesticos elegiacuteacos os Fenocircmenos de Arato ou Ciacutecero

70 Gaberlinni (2005 paacuteg 1)

78

ou as Geoacutergicas de Vergiacutelio compuseram-se em hexacircmetro ambas no entanto satildeo

subespeacutecies do mesmo gecircnero pois constituem exemplo de poesia narrativa Assim se

explicaria o curioso caso da poesia heroica e da liacuterica em um mesmo gecircnero Mas note-se

tambeacutem Diomedes ao referir-se nesse passo agrave poesia tradicionalmente conhecida como

eacutepica (mais ainda agrave eacutepica por excelecircncia ndash trata-se de Homero e Vergiacutelio afinal) natildeo

emprega o termo ldquoeacutepicardquo ou ldquoeposrdquo porque esse eacute o nome de um carmen dentro da outra

categorizaccedilatildeo que tambeacutem desenvolveraacute O termo ldquoespeacuteciesrdquo rigorosamente emprega-se para

classificar as espeacutecies pela mateacuteria Da perspectiva da mateacuteria a poesia da Eneida ou da Iliacuteada

denomina-se ldquoheroicardquo pois versa sobre heroacuteis e natildeo ldquoeposrdquo embora da perspectiva dos

carmina como se sabe tambeacutem o seja Ao lado dessa poesia como mais um exemplo a liacuterica

citada natildeo eacute a liacuterica enquanto carmen os meacutele de Proclo em outras palavras a meacutelica como

um todo mas sim a liacuterica de Horaacutecio e Arquiacuteloco Evidentemente natildeo se excluem

composiccedilotildees de outros liacutericos Podemos imaginar que Diomedes provavelmente classificaria

sob essa nomenclatura ndash por que natildeo ndash parte de Safo uma vez que na sua ceacutelebre Ode a

Afrodite por exemplo ao dar voz agrave deusa que responde agrave prece do enunciador a poestisa

torna ldquomistardquo a enunciaccedilatildeo Uma liacuterica que natildeo o fizesse no entanto natildeo viria classificada

aqui

Buscando conciliar descriccedilotildees diferentes outra classificaccedilatildeo eacute a que em Diomedes

nomeia as composiccedilotildees como tal em separado a partir do resultado como ldquocantosrdquo Essa

classificaccedilatildeo ao que parece prioriza descrever a origem das formas poeacuteticas consagradas e

por isso seu criteacuterio preponderante eacute o metro seguido das explicaccedilotildees etimoloacutegicas e

etioloacutegicas que justificam como certo nome passou a se aplicar a certo tipo de composiccedilatildeo

natildeo univocamente pois assume que um mesmo nome se aplicava agrave confluecircncia de diferentes

mateacuterias que um metro pode incorporar para alguns casos dos quais o mais evidente eacute o da

elegia busca-se um denominador comum (sempre o lamento fuacutenebre) Mas a premissa

subjacente ndash posta em nossos termos evidentemente ndash seria carmen eacute uma nomenclatura

fechada que se aplica para nomear uma composiccedilatildeo levando em conta prioritariamente as

virtualidades do metro em relaccedilatildeo agrave mateacuteria Afinal de contas natildeo se conhece composiccedilatildeo em

diacutestico elegiacuteaco que almeje por exemplo cantar ldquofeitos e guerras de heroacuteisrdquo Categorizar e

explicar pela histoacuteria a composiccedilatildeo feita em certo metro mais especificamente dado uso de

um metro ndash senatildeo os usos dos metros ndash tornou-se ofiacutecio como visto do gramaacutetico A essa

seccedilatildeo do texto de Diomedes da classificaccedilatildeo dos carmina equivalem diretamente as espeacutecies

do texto de Proclo que natildeo aventando a subdivisatildeo por ldquoo querdquo se enuncia segundo os

79

gecircneros enunciativos propotildee os nomes das composiccedilotildees como as espeacutecies diretas dos grandes

gecircneros

Tal hipoacutetese torna mais clara a estruturaccedilatildeo do texto de Proclo pelo menos como o

resumo de Foacutecio o interpretou ao termo carmina de Diomedes equivale o termo poietikeacute de

Proclo Desde o princiacutepio do resumo o texto segue na esturtura de discurso indireto ldquoDiz

querdquo e entatildeo jaacute se expocircs a doutrinas sobre as virtudes da prosa e da poesia e qual o criteacuterio

discriminatoacuterio (os tropos figuras e todo o ornato ocorrem em maior abundacircncia na elocuccedilatildeo

poeacutetica) tambeacutem a doutrina dos trecircs moldes da elocuccedilatildeo Eacute em 319a 4 (sect12 SEVERYNS)

justamente apoacutes a menccedilatildeo ao juiacutezo de poesia que se inaugura a seccedilatildeo sobre os gecircneros

poeacuteticos

ldquoΚαὶ ὅτι τῆς ποιητ κῆς τὸ μέν ἐστι διηγηματικόν τὸ δὲ μιμητικόνrdquo

ldquoE da composiccedilatildeo poeacutetica diz que haacute o gecircnero narrativo e o imitativordquo

Evidentemente a traduccedilatildeo traz uma resoluccedilatildeo Literalmente ldquoE que da poeacutetica haacute o

diegeacutetico e o mimeacuteticordquo ou ldquoe que haacute o diegeacutetico e o mimeacutetico da poeacuteticardquo Como se vecirc o

trecho obriga a traduccedilatildeo a suprir algo que acompenhe o adjetivo ldquopoeacuteticardquo caso contraacuterio

pensar-se-aacute que aristotelicamente aborda-se aqui a Poeacutetica em um tratado sobre a teacutecnica

embora natildeo seja de todo errado entender que desse trecho em diante seratildeo abordadas

questotildees proacuteprias dessa teacutecnica e do conhecimento da poesia mas parece que a carga do

termo aqui eacute menos teacutecnica como se parafraseando o texto Proclo versasse sobre o que eacute

proacuteprio da poesia e portanto pode ser qualificado pelo adjetivo ldquopoeacuteticordquo

Pois havendo descrito trecircs doutrinas relevantes para analisar a composiccedilatildeo poeacutetica as

trecircs aplicaacuteveis igualmente agrave prosa e agrave poesia ndash a medida da elocuccedilatildeo para prosa e poesia

(pesando a balanccedila para esta) os plasmatai ou moldes e seus desvios e diferenccedila entre eacutethos e

paacutethos no juiacutezo de poesia ndash emprega-se o adjetivo para delimitar aquilo que concerne apenas

agrave poesia o que eacute apenas ldquopoeacuteticordquo ie proacuteprio agora do que eacute poema ndash termo que demarca a

oposiccedilatildeo com loacutegos ou prosa ndash e isso eacute justamente a classificaccedilatildeo dos poemas em narrativo ou

imitativo seguidos das espeacutecies daquele (eacute de se supor que nos livros que Foacutecio natildeo nos daacute a

conhecer arrolassem-se as espeacutecies imitativas) eacute nesse sentido portanto que a delimitaccedilatildeo

dos carminai Diomedes equivale ao poietikeacute de Proclo pois como se viu as

espeacutecies de Proclo (excetuando o cataacutelogo meacutelico) satildeo os carmina de Diomedes

80

Eacute mais do que evidente por isso tambeacutem que ambos os autores referiam-se a uma

mesma classificaccedilatildeo descritiva da poesia enraizada na gramaacutetica e a julgar pelos textos

difundida e profusa

Ambos os textos apresentam ainda uma terceira classificaccedilatildeo com algo em comum

(Diomedes apresenta quatro no total Proclo trecircs) os moldes da elocuccedilatildeo abordados antes da

classificaccedilatildeo geneacuterica na Crestomatia os ldquocaracteres do poemardquo (characteres poematos)

entre a exposiccedilatildeo das espeacutecies e a exposiccedilatildeo dos carmina em Diomedes que os nomeia em

particcedilatildeo quaacutedrupla e com nomes gregos makroacutes brakhyacutes meacutesos e antheroacutes

Essa classificaccedilatildeo seria uma das poucas ocorrecircncias do que em Fortunaciano lemos

como os geacutene pelikoacutetetos ou genera magnitudinis que diferentemente dos geacutene posoacutetetos

(cujo criteacuterio eacute a quantidade) pensam na grandeza na magnitude do discurso71 no que parece

ser uma tentativa de separaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de quantidade e a noccedilatildeo de extensatildeo do discurso

O que lemos na grande maioria dos textos como ldquomoldes gecircneros ou caraacutecteres da elocuccedilatildeordquo

aqui seria o criteacuterio da quantidade os geacutene posoacutetetos De qualquer forma o elemento em

comum com a Crestomatia eacute apresentar um criteacuterio que permita medir e avaliar a elocuccedilatildeo do

poema e assim tambeacutem julgaacute-lo por tal

O momento em que ocorrem ambas as distinccedilotildees nos respectivos textos vale menccedilatildeo

o conteuacutedo geral da obra de Proclo natildeo nos eacute acessiacutevel os indiacutecios arrolados nos capiacutetulos

anteriores levam-nos a crer que em seu iniacutecio para delimitar a poesia diferenciava-a da prosa

pelo criteacuterio da elocuccedilatildeo o que levava a uma discussatildeo sobre seus moldes Esse estudo da

elocuccedilatildeo era proacuteprio da tratadiacutestica retoacuterica de que o grande exemplar eacute Dioniacutesio de

Halicarnasso Sabemos por ele que pensando pelo ponto de vista da elocuccedilatildeo a anaacutelise da

composiccedilatildeo pelos moldes ou caracteacuteres se dava sobre a poesia e sobre a prosa Ora textos de

comentaacuterio gramatical conforme visto tambeacutem podiam recorrer a essa classificaccedilatildeo ou citaacute-

la Que essa doutrina fosse primeiramente exposta na Crestomatia quando em uma

introduccedilatildeo versava sobre a distinccedilatildeo prosa-poesia antes de partir para a classificaccedilatildeo dos

gecircneros poeacuteticos e que os geacutene pelikoacutetetos ocorram antes da menccedilatildeo dos carmina como

outro criteacuterio preponderantemente classificatoacuterio da poesia (justamente a elocuccedilatildeo) em uma

seccedilatildeo do texto que se propotildee a discutir somente a poesia sem mencionar a prosa sequer por

ensejo de distinccedilatildeo isso junto das outras similaridades de organizaccedilatildeo tende a cofirmar a

abordagem de base gramatical que vai se estabelecendo ao longo dos seacuteculos e que natildeo

71 Cf GABERLLINI Traduccedilatildeo e Comentaacuterio da Arte Retoacuterica de Consulto Fortunaciano paacuteg 57 ndash 63

Tambeacutem DOS SANTOS MM As Epiacutestolas de Horaacutecio e a confecccedilatildeo de uma ars dictaminis o opus p 142

Cf Bibliografia

81

descreve a poesia a partir de Aristoacuteteles Se a distinccedilatildeo pela elocuccedilatildeo insere-se dentro da

diferenciaccedilatildeo entre prosa e poesia na Crestomatia no caso do De Poematibus o criteacuterio jaacute eacute

dado inclusive depois do criteacuterio maior como maneira jaacute aceita pela qual tambeacutem se julgam

ou se medem pelo criteacuterio de grandeza no caso os poemas Tal mediccedilatildeo de grandeza para

elocuccedilatildeo embora sirva para essa em geral eacute apresentado como criteacuterio dentro da classificaccedilatildeo

da poesia jaacute assumido como maneira de se julgar poemas pois satildeo ldquocaracteres do poemardquo

sem nenhuma menccedilatildeo agrave prosa o que os poemas tambeacutem se classificavam assim

Nenhum desses criteacuterios eacute tratado ou descrito como condiccedilatildeo sine qua non se diraacute que

algo eacute poesia tais criteacuterios pelo contraacuterio proveem agravequeles que visam agrave explicaccedilatildeo dos

gecircneros manancial variado para descrever dentro de suas respectivas variaccedilotildees (mas

atentando aqui e ali a noccedilotildees semelhantes) as diferentes praacuteticas poeacuteticas da Antiguidade

Esses textos partem de outro ponto que natildeo o criteacuterio de Aristoacuteteles da miacutemesis de accedilatildeo como

o elemento base que define a poeacutetica

33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO

A noccedilatildeo de accedilatildeo ocorreraacute concomitantemente no epiacutetome e no De poematibus apenas

quando ambos abordam o epos Consequentemente soacute voltaraacute a aparecer no texto latino

quando se ateacutem agrave trageacutedia e agrave comeacutedia

A filiaccedilatildeo do texto grego e do texto latino a um mesmo meacutetodo ou forma de pensar e

expor o objeto se explicita agrave medida que os carmina de Diomedes equivalentes agraves espeacutecies

gregas de Proclo trazem etimologias semelhantes em passagens tambeacutem semelhantes de uma

breve histoacuteria de cada um dos tipos de composiccedilatildeo classificados pelo criteacuterio taacutecito de metro e

mateacuteria (semelhanccedila que evidentemente natildeo ocorre para as espeacutecies latinas ausentes no texto

grego) Em outras palavras natildeo apenas as etimologias satildeo as mesmas mas a histoacuteria que se

compotildee com elas revelando uma interpretaccedilatildeo convencionada e autorizada das informaccedilotildees

provedoras de uma mesma organizaccedilatildeo de fatos ilustrativos e explicativos do que em

Diomedes ganha o tiacutetulo de carmina

Como razatildeo histoacuterica da fixaccedilatildeo ao longo dos seacuteculos dessa forma de se exporem os

gecircneros e espeacutecies poeacuteticos devem-se considerar natildeo soacute o estabelecimento dos criteacuterios

editoriais alexandrinos como criteacuterios tambeacutem exegeacuteticos mas por que isso ocorreu A

82

relevacircncia desse fator natildeo estaacute apenas no fato de que graccedilas a essa atividade editorial os

poetas satildeo transmitidos estaacute mais especificamente sim no que consiste essa transmissatildeo eacute

por meio dela que se tornaratildeo objeto do conhecimento no traslado de uma cultura

essencialmente oral para um mundo da erudiccedilatildeo letrada Eacute segundo esses criteacuterios e essa

classificaccedilatildeo que satildeo organizados e pensados Natildeo eacute necessaacuterio elocubrar no caso plural do

melos Basta conceber que aleacutem de Homero muita poesia hexameacutetrica que narrava uma ou

muitas accedilotildees (porque Aristoacuteteles mesmo notifica-nos de poetas que natildeo seguem o criteacuterio que

ele expotildee em seu tratado) esteve em matildeos dos eruditos ou filoacutelogos da biblioteca carecendo

de uma classificaccedilatildeo que ndash e isso eacute o mais relevante ndash ora se tornava necessaacuteria

Bem como se reuacutenem nesse periacuteodo as diferentes formas poeacuteticas reuacutenem-se

tambeacutem diferentes dados doutrinais explicativos bem como se observam formas

convencionadas no discurso poeacutetico e suas variaccedilotildees a partir daiacute observam-se tambeacutem formas

convencionadas de descriccedilatildeo doutrinal e suas variaccedilotildees

Dentro dessa perspectiva histoacuterica a razatildeo de ordem doutrinal que torna relevante o

criteacuterio etimoloacutegico e a presenccedila de mais de uma etimologia para muitos casos

principalmente das espeacutecies poeacuteticas de nomenclatura corrente (os carmina de Diomedes) eacute a

abrangecircncia de explicar o nome da coisa a fim de explicar a coisa A explicaccedilatildeo do nome da

coisa trazendo os diferentes fatores que deram origem a seu nome pontua os elementos pelos

quais a proacutepria coisa o recebeu sendo indiretamente sua explicaccedilatildeo Por isso a etimologia

vem acompanhada de explicaccedilotildees etioloacutegicas quando uma explicaccedilatildeo natildeo eacute ela mesma as

duas coisas ie etimologia-etiologia Mais uma vez tem-se um quadro de soma de

informaccedilatildeo relevante para esclarecer minimamente como aquela espeacutecie poeacutetica veio a ser

Assim natildeo eacute de espantar que mais de uma etimologia seja apresentada sem que se

selecione uma como verdadeira Agraves vezes o autor pode se pronunciar a respeito delas e

apontar uma ou outra como equivocada mas geralmente as arrola como possibilidades

igualmente verdadeiras Em alguns casos parece preferir uma a outra mas natildeo se vecirc por parte

dos antigos a preocupaccedilatildeo de crivaacute-las repetidamente para se obter uma uacutenica e definitiva

(como eacute proacuteprio de nosso meacutetodo cientiacutefico) e seria ilusoacuterio esperar que o fizessem apenas

porque o fazemos jaacute que isso natildeo estaacute a seu alcance e nem teria como ser seu foco72 Os

textos antigos preocupam-se antes em coligir as diferentes etimologias e etiologias e fornececirc-

las todas como igualmente verossiacutemeis como teoricamente plausiacuteveis porque cirscunscrevem

o toacutepico de maneira geralmente didaacutetica e autoexplicativa Equivocou-se Severyns portanto

72 Apenas agrave guisa de ilustraccedilatildeo devemos considerar do ponto de vista linguiacutestico que os antigos gregos natildeo

tinham agrave sua disposiccedilatildeo tudo quanto hoje sabemos sobre o proto-indoeuropeu

83

apesar de seu refinamento e equivoca-se quem tente descobrir qual etimologia estaria no

texto ocupando o status de verdadeira Comparada Crestomatia ao texto de Diomedes que

possuiacutemos integralmente vemos natildeo haver o objetivo de para cada seacuterie de etimologias e

explicaccedilotildees da origem de uma espeacutecie poeacutetica selecionar a ldquouacutenicardquo etimologia verdadeira em

detrimento das demais

Por fim deve-se recordar que ldquorevelar as etimologiasrdquo e ldquoexplicar as histoacuteriasrdquo o que

sabemos ser parte da exegese textual dos antigos eram ou pelo menos se tornam como visto

em nossa reflexatildeo sobre o proecircmio da Ars de Dioniacutesio Traacutecio ofiacutecio do gramaacutetico Esse eacute o

elemento chave que daacute espaccedilo nos textos de gramaacutetica ou como dito de ascendecircncia

gramatical agrave descriccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies da poesia Teoricamente o gramaacutetico ou o

enfoque gramatical desarrola a exposiccedilatildeo da poesia por gecircneros e espeacutecies como modelo das

letras e lhes explica os nomes Essa eacute sua funccedilatildeo Natildeo as explica filosoficamente A causa ou

etiologia vem por necessidade se eacute relevante ou se a etimologia natildeo a conteacutem por ser

autoexplicativa

331 Epos

3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria

A primeira definiccedilatildeo de epos que se lecirc no texto de Diomedes eacute hauridade de Teofrasto

ldquoEpos se diz em grego a inclusatildeo das accedilotildees divinas heroicas e humanas no canto hexacircmetro

eacutepos estigraven periokhegrave theiacuteon te kaigrave heroiumlkocircn kaigrave anthropiacutenon pragmaacuteton73rdquo74 Como se vecirc essa

primeira definiccedilatildeo pontua claramente o elemento ldquoaccedilatildeordquo mas chama atenccedilatildeo outro elemento

de ordem terminoloacutegica o fato de que epos se defina pela ldquoinclusatildeordquo (periokheacute) das ldquoaccedilotildeesrdquo

(praacutegmata) no metro Natildeo soacute se verifica o criteacuterio metro-mateacuteria mas tambeacutem a sucessatildeo

desta agravequele A definiccedilatildeo atribuiacuteda a ningueacutem menos que o sucessor de Aristoacuteteles afirma

mais uma vez a preponderacircncia da accedilatildeo como elemento definidor da poesia narrativa por

excelecircncia mas o emprego do plural abre margem a conjecturas porque permite a leitura

73 Fortenbaugh et ali Theophrastus of Eresus Brill 1993 apud Gaberllini (2005) 74 Gaberllini op cit pg 233

84

segundo a qual natildeo eacute necessaacuteria a unidade de accedilatildeo basta que os hexacircmetros ndash parte-se do

metro ndash tragam accedilotildees e recebem o nome de epos

Essa seria a definiccedilatildeo simples de epos segundo metro e mateacuteria Restaria explicar

como isso se deu e aiacute se tem a mesma etimologia de Proclo justamente aquela que segundo

Severyns eacute absurda e natildeo poderia ser aceita como a endossada por um autor como Proclo

Proacutepria ou natildeo absurda ou natildeo ela explica a histoacuteria do epos de maneira coerente e

verossiacutemil dentro da tratadiacutestica trata-se da etimologia que aproxima epos do verbo hepomai

(seguir) Essa seria a origem da palavra Um ldquoeposrdquo (palavra) seria uma corruptela de algo

que se segue e assim se empregou a palavra para designar alguma coisa que ldquose seguiardquo nos

hexacircmetros apoacutes a descoberta do metro (mais uma vez anterior agrave adiccedilatildeo de accedilotildees) ldquoparagrave tograve

heacutepesthai en autocirci tagrave hexecircs meacutere toicircs proacutetoisrdquo75 O elemento sequencial apresentado por

Diomedes eacute a proacutepria consecuccedilatildeo das partes e das accedilotildees ie o proacuteprio elemento consecutivo

da narraccedilatildeo hexameacutetrica No caso da etimologia da Crestomatia aquilo que se segue a

consecuccedilatildeo satildeo as accedilotildees em relaccedilatildeo aos oraacuteculos accedilotildees que foram consoantes aos ouvidos

As duas etimologias natildeo satildeo a rigor completamente diferentes porque na verdade

trabalham com o mesmo elemento na expressatildeo ldquoforam consoantesrdquo (syacutemphona ecircn)76 da

Crestomatia supotildee-se a perfeita acomodaccedilatildeo entre accedilotildees e hexacircmetro comum a essa

exposiccedilatildeo do epos que se dessarola nos dois textos O texto de Diomedes natildeo agrave toa seguindo

o procedimento de compor uma breve histoacuteria com as informaccedilotildees agrave disposiccedilatildeo diraacute logo na

sequecircncia que ldquo() Na verdade o verso hexacircmetro se diz precipuamente eacutepos pois que por

primeiro o deus vate77 incluiu neste verso as palavras da resposta por assim dizer em muacutetua

consecuccedilatildeo de onde [vem] posteriormente por catacrese o termo o eacutepos por outros foi dita a

palavra e a proacutepria escrita consecutiva do discurso prosaicordquo78 Aqui como na Crestomatia a

associaccedilatildeo entre epos e palavra embora interpretada diferentemente Na Crestomatia porque

as composiccedilotildees hexameacutetricas passaram a se destacar demais e a exibir enorme superioridade

passaram a se designar por antonomaacutesia ldquopalavrardquo por serem a palavra por excelecircncia O

argumento se pauta na analogia com outros termos que designam pessoas ldquopoetardquo por

ldquoHomerordquo ldquooradorrdquo por ldquoDemoacutestenes Nela como visto o elemento ldquoconsecussatildeordquo se daacute

quando naturalmente das respostas do oraacuteculo percebe-se que a inclusatildeo de accedilotildees resultava

consoante ao metro Ora eacute uma diferenccedila de apresentaccedilatildeo da ideia mas esta de modo taacutecito

75 Diomedes 484 8 76 Proclo in Foacutecio 319a 10 ndash 11 in Severyns op cit sect13 77 Apolo 78 ldquo[] praecipue vero hexameter versus epos dicitur quoniam quidem hoc versu verba responsi in mutuam ut

sic dixerim consequentiam primus deus vates conprehendit unde postea abusive verbum et solutae orationis

ipsa scriptura consequens ab aliis epos dictumrdquo Diomedes (484 8 ndash 12)

85

eacute muito semelhante O texto de Diomedes traz a ilaccedilatildeo de que essa respota que se seguia era

um dizer um eacutepos e que seu nome se estendeu agraves composiccedilotildees com o tempo quando se deu

aquela inclusatildeo das sequecircncias de accedilotildees por catacrese (ldquounde postea abusive verbumrdquo) e natildeo

por antonomaacutesia Se essa informaccedilatildeo natildeo vem expressa no texto grego pode-se supor que

estaacute subentendida ao nomear a profetiza de Apolo que primeiro professou os oraacuteculo no metro

hexameacutetrico Femocircnoe composto de phemiacute (dizer) e nocircus (pensamento)

Como comprovaccedilatildeo da propagaccedilatildeo do nome o texto latino menciona que a extensatildeo

de sentido se deu ateacute o ponto de alguns usarem o termo tambeacutem para a fala e a escrita do que

denomina ldquodiscurso prosaicordquo ie a fala no que se pode supor a praacutetica oratoacuteria O mesmo

tipo de demonstraccedilatildeo seraacute empregado na Crestomatia mas laacute o exemplo satildeo os triacutemetros que

tambeacutem recebiam de alguns a designaccedilatildeo ldquoeacuteperdquo Vale lembrar que jaacute segundo Aritoacuteteles o

discurso das personagens se adaptou no estaacutegio final do desenvolvimento da trageacutedia ao

triacutemetro que eacute comum da fala79 Observa-se pois o mesmo tipo de argumento expresso com

exemplos parcialmente diferentes se considerarmos que a ambos subjaz o elemento ldquofala

comumrdquo natildeo tatildeo elevada menos poeacutetica de acordo com o criteacuterio do ldquomais e do menosrdquo da

elocuccedilatildeo segundo o qual a poesia naturalmente mais elevada deve conter em maior nuacutemero

as mesmas virtudes da prosa80

Os mesmos pressupostos subjazem agraves duas exposiccedilotildees lembrando sempre que no

caso de Diomedes isso vale apenas para o que diz da origem grega das espeacutecies poeacuteticas uma

vez que para cada carme fala da invenccedilatildeo entre os latinos As diferenccedilas ficam por conta de

um exemplo ou da maneira e da ordem atraveacutes das quais cada texto compotildee sua breve histoacuteria

explicativa da espeacutecie poeacutetica contudo ndash enfatizando mais uma vez ndash utilizando os mesmos

criteacuterios e causas consolidados Ora em nenhum momento Diomedes nega ndash mas pelo

contraacuterio deixa claro ndash que segue a preceptiva grega

Se pensarmos que esquematicamente os traccedilos apresentados satildeo

a ndash eacutepos ndash heacutepomai (ldquosyacutemphona ecircnrdquo)

b ndash uso primitivo do hexacircmetro nas respostas dos oraacuteculos

c ndash compreensatildeo das accedilotildees

79 Mais precisamente Aristoacuteteles diz que na fala comum os triacutemetros ocorrem repetidamente enquanto os

hexacircmetros satildeo poucos Cf Poeacutetica 1449a 23 ndash 27 80 De fato Aristoacuteteles na referida passagem diz que os hexacircmetros ocorrem quando na fala hodierna

desviamo-nos do registro coloquial ndash ldquoekbaiacutenontes tecircs lektecircs harmoniacuteasrdquo

86

d ndash confusatildeo entre fala hexameacutetrica e fala comum e extensatildeo para outros tipos de fala

(eacutepe)

a exposiccedilatildeo em Proclo seguiria um arranjo sequencial b a c d em Diomedes c a b d

3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico

Do que foi exposto no item anterior resulta nesta classificaccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies

poeacuteticos um criteacuterio que agruparia como epos toda poesia hexameacutetrica arcaica Mais

precisamente segue-se que por uma exposiccedilatildeo histoacuterico-etioloacutegica propotildee-se um conjunto

de traccedilos que agrupariam um poema na categoria ldquoeposrdquo A classificaccedilatildeo natildeo eacute como em

Aristoacuteteles exclusiva por tentar delimitar criteacuterios especiacuteficos e particularizantes mas

inclusiva porque assume mais de um criteacuterio ou traccedilo que permitiria incluir um poema no

gecircnero e apresenta as causas de cada um desses traccedilos como coexistentes

Por esse criteacuterio a rigor ndash e isso merece destaque no texto de Proclo ndash a invenccedilatildeo ou

descoberta do epos sua heuacuteresis eacute a descoberta do hexacircmetro e seu desenvolvimento ndash todas

as exposiccedilotildees mais detidas de espeacutecies seguem o esquema descoberta-desenvolvimento ndash

ocorre a partir do momento em que ldquose seguemrdquo as accedilotildees Parece que essa seria a exegese

mais literal dessa exposiccedilatildeo do epos como se encontra em Proclo e Diomedes Isso implica

que a rigor se o que Femonoe profetizava em hexacircmetros era ldquoeposrdquo ora poderiacuteamos

conceber um epos sem accedilatildeo Por isso talvez o segundo elemento etimoloacutegico imediatamente

arrolado seja o que propotildee a sucessatildeo imediata das accedilotildees por cosonacircnsia natural Vale

menccedilatildeo que a consonacircncia por si soacute seja ndash como por natureza ndash argumento suficiente (cf

supra 74)

Por esse criteacuterio abrangente observa-se que o texto de Proclo traria uma seccedilatildeo que natildeo

ocorre no livro III de Diomedes afinal de contas este natildeo teria a menor intenccedilatildeo embora

ambos compartilhem o mesmo ensejo didaacutetico e o mesmo modelo de categorizaccedilatildeo de

abordar detalhadamente o epos grego e daacute-lo a conhecer de modo geral agravequele que busca

instruccedilatildeo a seu respeito A Crestomatia traria nesse passo antes da apresentaccedilatildeo da elegia

uma discussatildeo geral de diferentes aspectos teoacutericos relacionados aos poemas classificados e

87

herdados como epos Como parte dessa discussatildeo eacute provaacutevel que se apresentassem

resumidamente evento a evento diferentes poemas contendo o ciclo eacutepico

A primeira peculiaridade aqui se refere ao fato de que os eventos mencionados por

Foacutecio (sect17) natildeo condizem com os eventos iniciais do primeiro poema na cronologia que nos

chega resumido a saber as Ciacuteprias que se iniciariam com Zeus tramando a guerra de Troia

junto a Tecircmis Considerando-se o episoacutedio das narraccedilotildees mitoloacutegicas com o qual o epiacutetome

de Foacutecio pontua o iniacutecio do ciclo verificamos que os fragmentos natildeo o contecircm por completo

uma vez que se iniciam com os poemas que visam ldquocompletarrdquo ndash ldquo

sympleroucircmenosrdquo ndash Homero (sect19) narrando fatos concernentes agrave guerra a partir de suas

causas que natildeo se encontram nem na Iliacuteada nem na Odisseia Eacute provaacutevel portanto que o

texto de Proclo transmitisse aqui de poemas como a Teogonia de Hesiacuteodo ou a

Titanomaquia atribuiacuteda a Eumelo eventos cosmogocircnicos concernentes agrave origem do mundo e

dos deuses culminando no reinado de Zeus e na Guerra de Troia a julgar inclusive pelo que

seria um dos toacutepicos do texto de Proclo destacado como relevante por Foacutecio a vir na

sequecircncia ldquotagrave mythologoucircmenardquo (sect19) ie as narraccedilotildees miacuteticas

O fato de Ceacuteu natildeo ser apresentado explicitamente como filho de Terra e de mesmo

assim a uniatildeo e a prole de ambos seguirem o padratildeo arcaico como se lecirc em Hesiacuteodo gerando

centiacutemanos e ciclopes (sem menccedilatildeo aos titatildes poreacutem) sugere a hipoacutetese defendida por

Severyns (paacuteg 87 ndash 88 n 17) de que Proclo se referia aqui agrave Titanomaquia jaacute entendida por

Ateneu (VII 277d ndash e) como poema do ciclo Nessa Ceacuteu seria filho do Ar (ou Eacuteter)81

O epiacutetome nos informa pela lista de cinco nomes anteriormente apresentada (sect15)

que dentro dessa interpretaccedilatildeo de epos Hesiacuteodo era exemplo da espeacutecie bem como outros

trecircs poetas que ou escreveram sobre Heacuteracles ndash sem atender como se sabe ao criteacuterio da

unidade de accedilatildeo por que Aristoacuteteles propugnaraacute (Poeacutetica VIII 1451a 16 ndash 35) ndash ou sobre as

guerras e eventos em torno da cidade de Tebas Os episoacutedios da Teogonia de Hesiacuteodo

portanto natildeo soacute seriam epos como tambeacutem de uma perspectiva a posteriori aquilo que

poetou faria parte do manancial episoacutedico que servia de mateacuteria prima aos poetas de epos A

respeito de Paniacuteasis Pisandro e Antiacutemaco resta a duacutevida que eram poetas de epos segundo

um mesmo criteacuterio que agrupava Hesiacuteodo e Homero natildeo haacute duacutevidas porque o texto o diz

contudo traria a Crestomatia menccedilatildeo dos episoacutedios por eles poetados

A referecircncia a essa primeira seccedilatildeo do ciclo eacutepico como ldquoτά περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι

μυθολογούμεναrdquo ldquoas narraccedilotildees miacuteticas sobre os deuses dos gregosrdquo (sect19) confirma que

81 Cf Anecdota Oxoniensa (I 75) Caliacutemaco (fragmento 498) Pseudo-Higino (Fabulae Preface) Ciacutecero (De

Natura Deorum 3 17)

88

antes dos resumos integralmente conhecidos o autor referia episoacutedios cosmogocircnicos mas

desse trecho natildeo temos fragmentos Eacute incerto se essa primeira parte do ciclo eacutepico era narrada

evento a evento apenas para anteceder os episoacutedios em torno da guerra de Troia do plano de

Zeus agrave morte de Odisseu ou se Proclo proporia uma sequecircncia de resumos dos diferentes

poemas considerados epos de acordo com a cronologia

Quanto agrave sequecircncia temporal dos eventos Ciacuteprias precedem a Iliacuteada Etioacutepida sucede

Na introduccedilatildeo agravequelas lecirc-se ldquoSucedem-se a esses eventos [a isso] as chamadas Ciacutepriasrdquo82

na introduccedilatildeo a esta ldquoSucede-se ao que foi dito anteriormente (no texto antes deste) a Iliacuteada

de Homero depois dela haacute a Etioacutepidardquo83 O texto a que o fragmento de Proclo refere-se satildeo

as Ciacuteprias a elas sucedem-se na cronologia os eventos da Iliacuteada e entatildeo os eventos da

Etioacutepida A jugar por essa passagem postos em sequecircncia o iniacutecio de ambos os fragmentos

indicariam que por deveras conhecida e copiada a Iliacuteada bem como a Odisseia natildeo eram

resumidas no texto de Proclo A introduccedilatildeo agrave Telegonia ocorre de maneira semelhante

ldquoDepois disso eacute a Odisseia de Homero depois disso a Telegoniardquo84 Chama a atenccedilatildeo que

pela cronologia dentro dessa esquematizaccedilatildeo de episoacutedios constituintes do ciclo a Odisseia

seria um nostos ie um retorno como uma espeacutecie a vir depois do poema Nostoi atribuiacutedo a

Aacutegias de Trezene e dedicado justamente a ldquosuprirrdquo os retornos natildeo poetados

Considerando que a Teogonia de Hesiacuteodo natildeo era obscura e que por isso poderia ser

simplesmente aludida como se faz com Iliacuteada e Odisseia natildeo restam muitos indiacutecios para

saber o que consistia esse iniacutecio do ciclo ou sua primeira seccedilatildeo Se no mesmo formato dos

resumos que a noacutes chegaram pode-se vislumbrar um autor que arrolasse um a um os eventos

em sequecircncia cronoacutelogica e mudando de um poema para o outro na ordem cronoloacutegica

fizesse menccedilatildeo disso Como faria no entanto no caso de poemas que continham ambos os

mesmos eventos A Titanomaquia como se sabe eacute narrada por Hesiacuteodo do verso 617 a 721

Poderia esse iniacutecio do ciclo ser apenas narrado de modo resumido e comentado pelo proacuteprio

Proclo a julgar pela construccedilatildeo ldquoΔιαπορεύεται δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι

μυθολογούμεναrdquo ndash ldquoPassa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre os

deuses dos gregosrdquo de modo que nele tanto o poema de Hesiacuteodo como o de Eumelo fossem

objeto do exame de Proclo A diferenccedila genealoacutegica apontada poreacutem eacute argumento aceite

para se supor que nesta passagem constasse o poema atribuiacutedo a Eumelo85 e daiacute como

tambeacutem consta na lista de kraacutetistoi (ou de modelos da espeacutecie) Antiacutemaco a quem se atribuem

82 Cypria 79 in Severyns tomo IV paacuteg 77 83 Cetera (a)Aethiopis 172 ndash 4 idem paacuteg 87 84 Cetera (e)Telegonia 306 ndash 7 ibidem paacuteg 96 85 Cf Evelyn-White (2003) e West (2003)

89

Tebaida e Epiacutegonos pode-se conjecturar que os eventos em torno de Tebas tambeacutem viessem

resumidos Se de fato Proclo se propusesse a enumerar episoacutedio a episoacutedio encaixando os

poemas em uma cronologia eacute provaacutevel que incluiacutesse esses eventos do ciclo tebano e dissesse

em que poema constam como nos resumos do ciclo troiano que conhecemos Como trataria a

Teogonia permanece uma questatildeo apenas a referiria e comentaria as diferenccedilas em relaccedilatildeo

ao poema de Eumelo Haveria um comentaacuterio sobre cosmogonia em geral no que

indiscriminadamente o autor exporia a interpretaccedilatildeo histoacuterica de que fala o paraacutegrafo 19

A passagem de Ateneu86 citada por Severyns confirma-nos apenas uma coisa pelo

menos desde o seacuteculo III dC as palavras ldquociclo eacutepicordquo podiam designar apenas os poemas

que se encarregavam de no entendimento dos exegetas e como aparece no texto mesmo de

Proclo completar a narraccedilatildeo de mitos que emboram conhecidos da audiecircncia dos poemas de

Homero natildeo se encontravam narrados em nenhum de seus dois poemas Independente de os

eacutepe que continham tais eventos serem primordialmente diferentes cantos hexameacutetricos de

uma Greacutecia ateacute preacute-homeacuterica dos quais postereiormente reunidos restaram-nos as

composiccedilotildees ou versotildees atribuiacutedas aos autores do chamado ciclo a percepccedilatildeo antiga dessas

composiccedilotildees pelo menos como expressa em Ateneu concebia-os como um conjunto de

poemas posteriores por oposiccedilatildeo a poemas anteriores Homero certamente pertencia ao

segundo grupo Portanto pensando episodicamente os eventos poetados por Homero podem

ser pensados como pertencentes a uma cronologia total de accedilotildees que os poetas abordam mas

parece que referindo-se a mais de um poema a proacutepria designaccedilatildeo ndash ldquociclo eacutepicordquo ndash supotildee-se

como um conjunto por exclusatildeo

Podia ser essa a distinccedilatildeo no texto de Proclo Se Foacutecio o resumiu atentando inclusive agrave

ordem de exposiccedilatildeo tambeacutem aqui se vecirc uma reorganizaccedilatildeo de um padratildeo expositivo

havendo definido a espeacutecie epos do gecircnero narrativo conforme o criteacuterio metro-mateacuteria e

organizado a exposiccedilatildeo de modo a fornecer uma breve histoacuteria para ela segundo a estrutura

invenccedilatildeo-desenvolvimento para completar o que seria uma exposiccedilatildeo didaacutetica87 dessa poesia

86 Logo no princiacutepio do livro VII do Deipnosophistae 277d ndash e discute-se o emprego da palavra por no

verso 1297 do Aacutejax de Soacutefocles e Zoilo afirma que o tragedioacutegrafo hauriu-a na Titanomaquia ao que emende

ldquode fato o ciclo eacutepico aprazia a Soacutefoclesrdquo Ateneu testemunha portanto na boca de Zoilo natildeo soacute que os poemas

do ciclo eram concebidos como um todo mas tambeacutem que a Titanomaquia estava inclusa 87 Essa finalidade didaacutetica ainda mais especificamente nessa exposiccedilatildeo de biografias e do ciclo natildeo poderia

ficar mais clara do que em uma passagem da briografia de Homero que seria do proacuteprio autor da obra

Ponderando sobre isso que no resumo de Foacutecio aparece como ldquotinas epi meacuterous praacutexeisrdquo ndash ldquoalgumas histoacuterias

particularesrdquo a respeito de Homero havendo exposto as histoacuterias a respeito de sua cegueira as etimologias a

repeito de seu nome e principalmente a anedota de sua morte escreve ldquoEsses eventos contudo carecem de

investigaccedilatildeo mas para que natildeo sejas de todo ignorante neles avanccedilo nesse sentidordquo (Vita Homeri 45 ndash 46 in

Severyns op cit tomo IV paacuteg 71 ndash 72 Traduccedilatildeo paacuteg 131)

90

1 ndash a) proporia um piacutenax ie uma lista dos poetas exemplares b) forneceria uma

biografia dos poetas dessa lista contemplando sua origem ie sua paacutetria vida e histoacuterias a

seu respeito Depois

2 ndash a) havendo exposto os principais poetas do epos dedicar-se-ia aos poemas dos

menores poetas de epos agrupados sob o tiacutetulo de ldquociclo eacutepicordquo se aqui se aplicasse a

denominaccedilatildeo como em Ateneu o primeiro poema seria o de Eumelo porque na cronologia

miacutetica eacute o mais velho dos poemas do ciclo b) iniciando-se o ciclo portanto por eventos

comogocircnicos haveria um excurso explicativo sobre tais eventos se o excurso se desdobrava

na anaacutelise de mais eventos divergentes Hesiacuteodo e episoacutedios do ciclo tebano poderiam vir

referidos mas o foco seria a explicaccedilatildeo histoacuterica dos mitos sem que se possa saber se essa

explicaccedilatildeo se dava sobre um resumo cosmogocircnico como um todo em que se inseria a

Titanomaquia ou apenas sobre os eventos nela contantes c) uma ponderaccedilatildeo sobre o valor do

ciclo eacutepico e a explicitaccedilatildeo do criteacuterio adotado para sua exposiccedilatildeo a sequecircncia de accedilotildees nele

contidas ou ndash por que natildeo ndash registradas d) a menccedilatildeo apenas ou uma breve biografia dos

poetas que compuseram tais poemas

Como no caso do ciclo o foco satildeo os eventos transmitidos e natildeo a virtude das

composiccedilotildees a exposiccedilatildeo dos seus eventos eacute anterior os poetas seriam discutidos apenas

depois se o paraacutegrafo 21 corresponde a algo aleacutem do ldquonomerdquo e ldquopaacutetriardquo que antecedem o

resumo de cada um dos poemas Cosoante a isso parece estar o compilador do Etymologicum

Magnum outrora citado na paacutegina 15 (cf seccedilatildeo 12) e a ordem como coloca o ciclo eacutepico em

sua citaccedilatildeo fornecida como de Proclo

332 Elegia

Na exposiccedilatildeo da elegia como eacute de se esperar natildeo haacute diferenccedilas gritantes entre a

histoacuteria que se lecirc em Proclo e a que se lecirc no gramaacutetico latino Ambos iniciam pelo metro

elemento preciacutepuo a ser observado para a classificaccedilatildeo e definem como ldquoelegeiacuteardquo o diacutestico

em que se compotildeem os poemas que recebem tal denominaccedilatildeo Sobre a mateacuteria ou sobre a

histoacuteria do que se canta nas elegias ambos satildeo unacircnimes como todas as descriccedilotildees que

conhecemos em associar a elegia ao lamento fuacutenebre irmanando-a ao treno e agrave necircnia

A etimologia apresentada por Proclo quanto agrave palavra exata eacute a que aproxima a forma

ldquoelegeiacuteardquo da forma ldquoeacutelegosrdquo que eacute dada como nome antigo do lamento fuacutenebre mais

91

precisamente segundo a etimologia do coacutedice seria o nome que os antigos davam ao proacuteprio

treno esse sim o canto de lamento por um morto O termo tambeacutem adviria do fato de que se

elogiava o morto o que se diria ldquoeucirc leacutegeinrdquo havendo proximidade foneacutetica entre o nome do

lamento antigo (eacutelegos) e a expressatildeo para ldquofalar bemrdquo A formulaccedilatildeo que se lecirc no texto natildeo

deixa duacutevida de que pelo menos neste caso natildeo se trata de escolher uma a outra mas de

entender o que consistia a etimologia antiga explicar uma palavra atraveacutes de outras

principalmente se haacute implicaccedilatildeo histoacuterica entre elas o que se deduz de seus significados

Assim eacute porque o lamento fuacutenebre se dizia entre os antigos ldquoeacutelegosrdquo e porque

simultanemante nele se elogiava o morto (ldquoeucirc leacutegeinrdquo) que se cunhou a palavra que designa

as composiccedilotildees no metro A etimologia aqui busca explicar o nome que diferentemente do

hexacircmetro eacute o nome do metro e por conseguinte o nome da composiccedilatildeo Isso se explicita no

terceiro comentaacuterio explicativo a respeito da elegia posteriormente se passou a usar o metro

para diferentes ldquohipoacutetesesrdquo para diferenes argumentos explicando portanto que muito da

elegia (principalmente a julgar pelo que conhecemos) natildeo conteacutem o elemento fuacutenebre

A etimologia de Diomedes difere quanto agrave expressatildeo para o lamentar mas constroacutei-se

de maneira semelhante ie pela concomitacircncia das duas coisas ou dos significados dos

significantes aproximados De fato diz-nos Diomedes

ldquo() elegia autem dicta sive

(fere enim defunctorum laudes hoc carmine conprehendebantur) sive

id est miseratione quod Graeci vel

isto metro scriptitaveruntrdquo

(Diomedes op cit 484 22 ndash 25)

ldquo() A elegia por sua vez disse-se quer paragrave tograve eucirc leacutegein tougraves

tethneocirctas88 (pois quase todos os elogios aos mortos eram

compreendidos neste canto) quer apograve toucirc eleacuteou89 isto eacute comiseraccedilatildeo

porque os gregos tinham o haacutebito de escrever neste metro threacutenous ou

eleeicircardquo

(trad Gaberllini op cit 234)

Diomedes prefere as palavras que nomeiam a substacircncia do canto fuacutenebre e

primeiramente na contraposiccedilatildeo ao elogio oferece outra palavra em vez de eacutelegos Nisso natildeo

diverge do saber gramatical que aqui se expotildee porque essa etimologia na verdade eacute

recorrente em outros textos Lecirc-se por exemplo no Etymologicum Magnun e no escoacutelio a

88 ie ldquopelo elogiar os mortosrdquo 89 ldquoPor causa da laacutestima piedaderdquo a ldquocomiseraccedilatildeordquo como o proacuteprio Diomedes traduz em sequecircncia

92

Dioniacutesio Traacutecio preferindo-se ali o verbo eleeicircn (ldquolastimar comiserar-serdquo)90 em vez do aqui

empregado substantivo eacuteleon91

Igualmente apenas em outra ordem o texto do gramaacutetico propotildee como argumento

final (o que na Crestomatia seria o primeiro argumento) o fato de que era nesse metro que os

antigos gregos compunham trenos Propotildee contudo outro nome para eles eleeicirca Essa

possibilidade etimoloacutegica natildeo eacute mencionada por Severyns em seu comentaacuterio a essa

passagem do epiacutetome embora ocorra no singular em duas das passagens que colige do

escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio em (173 8 ndash 10)

ldquoἪ ἐλεγεῖόν ἐστι θρῆνος ἐπιτάφιος οἱονεὶ ἐλεεῖόν τι ὄν τοῦ ltγgt

ἐκθλιβομένου παρὰ τὸ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ εὐλογεῖον παρὰ

τὸ εὖ λέγειν τὸν ἀποβιώσανταrdquo

ldquoOu lsquoelegeicirconrsquo92 eacute treno funeraacuterio como se fosse um lsquoeleeicirconrsquo

elidindo-se o lsquogrsquo pelo lsquoeleeicircnrsquo [lastimar] o falecido ou lsquoeulogeicirconrsquo93

pelo lsquoeucirc logeicircnrsquo [elogiar] o que cessou de viverrdquo

(grifos e traduccedilatildeo do autor)

e (307 24 ndash 26)

ldquoἪ ἐλεγεῖόν ἐστι θρῆνος ἐπιτάφιος οἱονεὶ ἐλεεῖόν τι ὄν ἐλλειφθέντος

τοῦ ltγgt ἀπὸ τοῦ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ ἐλεγεῖον ἀπὸ τοῦ ἔ

λέγειν τὸν ἀποβιώσανταrdquo

ldquoOu lsquoelegeicirconrsquo eacute treno funeraacuterio como se fosse um lsquoeleeicirconrsquo faltando

o lsquogrsquo pelo lsquoeleeicircnrsquo o falecido ou lsquoelegeicirconrsquo por causa do lsquoeacute leacutegeinrsquo94 o

que cessou de viverrdquo

(Idem)

90 O levantamento completo das etimologias encontra-se bem exposto e organizado em Severyns op cit II

commentaire 25 paacuteg 99 ndash 102 Para essa em especiacutefico cf Etymologicum Magnun 326 50 e o escoacutelio a

Dioniacutesio Traacutecio 307 24 ndash 26 173 8 ndash 9 20 25 ndash 27 475 26 91 Haurido por Severyns no Etymologicum Gudianum 180 17 e no Et Mag idem em outra etimologia que

aproxima eacuteleon de goacuteon sendo este segundo a expressatildeo acerba do luto Essa etimologia diferentemente eacute

apenas pautada no campo semacircntico do lamento funeral 92 Termo que tambeacutem designa priemeiro o diacutestico e por metoniacutemia a composiccedilatildeo em diacutestico daiacute o poema ou a

inscriccedilatildeo no metro 93 Algo como ldquoelogiosordquo 94 Essa seria a etimologia mais baacutesica supondo que o termo viria de ldquodizer lsquoersquordquo como expressatildeo de dor

93

Em ambos os casos como os gramaacuteticos se repetem e parecem se copiar obserava-se

o emprego da conjunccedilatildeo ldquohoioneiacuterdquo quase como se fosse formular ao se dar essa etimologia O

plural ocorre somente uma vez

ldquo()διὸ καὶ καλεῖται ἐλεγεῖα οἱονεὶ ἐλεεῖα τοῦ ltγgt ἐκθλιβομένου

παρὰ τὸ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ ἐλεγεῖα οἱονεὶ εὐλεγεῖα παρὰ τὸ

εὖ λέγειν τὸν ἀποβιώσανταhelliprdquo

(Sch Dion Tr 20 25 ndash 27)

ldquo() razatildeo pela qual tambeacutem se chamava ldquoelegeicircardquo como se ldquoeleeicircardquo

elidido o lsquogrsquo pelo ldquoeleeicircnrdquo o falecido ou ldquoelegeicircardquo como se

ldquoeulegeicircardquo pelo ldquoeucirc leacutegeinrdquo o que cessou de viverrdquo

(Idem)

Severyns natildeo menciona o termo como uma etimologia em separado porque natildeo o

entende e com razatildeo assim a comeccedilar pela conjunccedilatildeo mencionada vecirc-se que nessas

explicaccedilotildees o termo eacute hipoteacutetico Severyns igualmente natildeo estaacute comparando o coacutedice 239 agrave

Ars de Diomedes que natildeo menciona Em todas as referidas ocorrecircncias seja antes (173 e

307) seja depois (20) assume-se que o termo eacutelegos era primordialmente sinocircnimo de treno

portanto em todas a palavra seguindo o mesmo esquema derivacional eacute apresentada como

transiccedilatildeo de uma derivaccedilatildeo do verbo eleeacuteo como uma espeacutecie de deverbal anterior a

forma com g Seria o que se diria imediatamente a princiacutepio como resultado do verbo

ldquocomiserar-se lastimarrdquo

Ora eacute esse o termo que Diomedes fornece como sinocircnimo de treno haurido como se

vecirc tambeacutem na gramaacutetica de base heleniacutestica Assim salvo pela escolha Diomedes natildeo

diverge do texto da Cretomatia mas refere-se agrave etapa primeira do processo expliacutecito nos

demais textos do qual se subentende que pela adiccedilatildeo de um som jaacute se estaacute na famiacutelia das

palavras ldquoeacutelegos elegeicircon elegeiacuteardquo Esses seriam os trecircs termos maiores da histoacuteria que se

compotildee com as etimologias sendo o primeiro o nome antigo para o lamento que se fazia pelo

passamento de algueacutem o segundo do metro e de seu emprego um diacutestico qualquer sendo o

plural uma forma de designar as composiccedilotildees Elegia se diria do poema inteiro composto

nesse metro a ldquoforma literaacuteriardquo ou em outros termos o poema pensado para ser uma

composiccedilatildeo nesse metro ndash segundo o emprego amplo que se fez do termo e a que o epiacutetome

alude e com esse feminino natildeo se designariam mais as inscriccedilotildees ou epigramas O texto

mesmo de Diomedes exemplifica o emprego de ldquoeacutelegosrdquo e ldquoelegiardquo como sinocircnimos a

95 Severyns agrupa as passagens referidas no conjunto de etimologias a partir do referido verbo

94

posteriori seja por empregaacute-los ele mesmo (ldquoelegiardquo como nome do carme mas depois

ldquoelegosrdquo referido-se agraves composiccedilotildees96) seja pelo exemplo de Horaacutecio nas linhas seguintes

Odes I 33 2 ndash 397

Assim teriacuteamos como designaccedilotildees mais primitivas eacutelegos (lamento) e elegeicircon (o

metro em que se exprimia sua confecccedilatildeo) Ambos se agrupariam na nomenclatura geneacuterica

posterior elegeiacutea O eacutelegos contudo a designaccedilatildeo para o elemento baacutesico desse canto

derivaria em geral de

a) ldquoeacute leacutegeinrdquo eleeicircn-eacuteleon para o que alguns supotildeem uma expressatildeo resultativa

ldquoeleeicirconardquo agrave qual se adicionou o gama ( )

b) ldquoeucirc leacutegeinrdquo

Esses satildeo os dois elementos baacutesicos de significado que as etimologias contemplam

Vemos por fim que Diomedes empregou a expressatildeo ldquoeleeicirconardquo para o que em Proclo eacute o

eacutelegos pensado como o treno antigo a expressatildeo da comiseraccedilatildeo (eleacuteon item a) somado ao

item b de nosso binocircmio ldquoeucirc legeicircnrdquo compondo uma histoacuteria natildeo diferente da exposta em

Proclo

333 Iambo

As similaridades entre os dois textos quanto aos referentes gregos eacute bem evidente

por exemplo nos dois modelos gregos arrolados pelo gramaacutetico latino Mas eacute a etimologia

para to iambeicircn a uacutenica proposta por Diomedes que imediatamente chama a atenccedilatildeo em seu

texto porque tambeacutem como Severyns diz muito bem acerca do texto de Proclo (op cit tomo

II commentaire 28 1 paacuteg 104) segue em primeiro lugar a etimologia proposta por ningueacutem

menos que Aristoacuteteles

96 Op cit 485 1 97 ldquoAlbi ne doleas plus nimio memor

inmitis Glycerae neu miserabilis

decantes elegos cur tibi iunior

laesa praeniteat fiderdquo

95

ldquo()

rdquo

(ARISTOacuteTELES Poeacutetica 1448b 30 ndash 32)

ldquoNos quais [No Margites e poemas semelhantes] por acomodaccedilatildeo o iacircmbico veio

como metro ndash eacute por isso que eacute chamado ldquoiacircmbicordquo hoje porque nesse metro se ralhavam uns

com os outrosrdquo

(Trad do autor)

Aristoacuteteles mesmo supotildee que o verbo iambizar jaacute existia antes de se referir tambeacutem

ao peacute com o significado de ldquoimprecar ralhar insultarrdquo e por causa do uso que se fazia do

metro posteriormente esse obteve seu nome a partir da finalidade com que era empregado

Severyns propotildee que a recorrecircncia dessa etimologia nos textos em geral e sua presenccedila

encabeccedilando o texto de Proclo se deveria acima de tudo ao peso da autoridade de

Aristoacuteteles98 Caberia entatildeo indagar porque Aristoacuteteles natildeo eacute seguido em diversas outras

passagens Que sua autoridade pese como autor que endossava essa opiniatildeo natildeo se nega mas

fiar-se a ela como etimologia primeira e baacutesica parece estar atrelado agrave ausecircncia de outra

etimologia plenamente satisfatoacuteria uma vez que o proacuteprio texto de Proclo atesta que a

associaccedilatildeo direta entre iacuteambos e iambiacutezein seria dialetal sem identificar sua origem poreacutem

No lugar de iambiacutezein na primeira associaccedilatildeo etimoloacutegica (sect28 15) refere-se a ldquoloidoriacuteasrdquo

para em seguida associar o verbo cognato (loidorein) ao que Aristoacuteteles emprega pois que

satildeo sinocircnimos

Demais Proclo apresentaraacute outras duas explicaccedilotildees a primeira delas eponiacutemica

parece que ocorre de modo a fornecer uma etiologia que reforccedila a associaccedilatildeo baacutesica metro-

mateacuteria apresentada no paraacutegrafo anterior a segunda tem a mesma intenccedilatildeo uma vez que

apresentaria o processo pelo qual o uso sobejo de iambiacutezein teria ocupado o proacuteprio lugar de

hybriacutezein Porfim esse argumento eacute endossado pela comparaccedilatildeo com o verbo komaacutezein se

primeiramente significava apenas participar de uma koacutemos um cortejo galhofeiro pela

praacutetica poeacutetica torna-se o proacuteprio verbo para ldquocriticar satirizarrdquo

Merece destaque tambeacutem o fato de que nesse passo ambos autores descrevem o

mesmo processo muito plausiacutevel observado no caso do epos segundo o qual uma palavra

em funccedilatildeo de um uso acaba tomando o lugar de outra

98 Op cit paacuteg 105

96

334 Meacutelica

O texto de Diomedes natildeo traz uma extensa classificaccedilatildeo da meacutelica mas a Ars de

Horaacutecio como se sabe natildeo soacute chama a atenccedilatildeo por mencionar a liacuterica mas principalmente

por apresentar brevemente uma divisatildeo segundo olha de maneira semelhante para as espeacutecies

da meacutelica grega (83 ndash 85)

ldquoMusa dedit fidibus divos puerosque deorum

et pugilem victorem et equum certamine primum

et ivuenum curas et libera vina referrerdquo

ldquoA Musa concedeu agrave lira o cantar deuses e filhos de deuses o

vencedor no pugilato e o cavalo que primeiro cortou a meta nas

corridas os cuidados dos jovens e o vinho que liberta dos cuidadosrdquo

(trad Rosado Fernandes 1984)

Semelhantemente ao criteacuterio da Crestomatia Horaacutecio vai do sacro ao profano ou

secular aludindo a exemplos semelhantes ao que no texto de Proclo seratildeo trecircs dos grandes

grupos em que a poesia meacutelica apareceraacute agrupada o hino e alguma espeacutecie que poderia

incluir homens (fosse um peatilde secular o encocircmio ou outra espeacutecie)99 o epiniacutecio e a poesia de

acircmbito simposial (uma composiccedilatildeo eroacutetica ou um escoacutelio) Os grupos do texto de Proclo satildeo

a saber

(a) para os deuses ndash hino (uma categoria que poderia se pensada como gecircnero para espeacutecie)

prosoacutedio peatilde ditirambo nomo adoniacutedia iobaco hiporquema

(b) para os homens ndash encocircmio (que conteria o elemento baacutesico podendo ser para as demais

espeacutecies tomado como gecircnero) epiniacutecio escoacutelio eroacuteticas epitalacircmio himeneu silo epiceacutedio

e treno

99 E aqui eacute interessante que Horaacutecio sugira a possibilidade dessa inclusatildeo do homem como objeto da poesia

primeiramente sacra ou seja a secularizaccedilatildeo da espeacutecie poeacutetica dado que como se notaraacute ao longo da anotaccedilatildeo

ao cataacutelogo das espeacutecies meacutelicas tal noccedilatildeo estaacute presente e eacute aplicada mesmo que subentendida em alguns casos

ao longo da classificaccedilatildeo Horaacutecio como se sabe eacute bem anterior a Proclo o que confirma portanto que o

resumo de Foacutecio atesta uma classificaccedilatildeo as poesia (natildeo soacute da meacutelica) que pelo menos ateacute Proclo era conhecida

aceita e difundida

97

(c) para deuses e homens ndash partecircnio (assumidamente gecircnero para espeacutecies) e daiacute dafnefoacutericas

tripodefoacutericas oscofoacutericas ecircuticas

(d) para circunstacircncias acidentais quando o poeta por conta de uma circunstacircncia ocasional

comporia versos para situaccedilotildees particulares da vida praacutetica motivo pelo qual as pragmaacuteticas

poderiam ser pensadas como gecircnero para espeacutecies seguida das empoacutericas apostoacutelicas

sentenciosas geoacutergicas e epistolares

A classificaccedilatildeo dessas espeacutecies estaria portanto diretamente atrelada agrave situaccedilatildeo em

que se davam Para diversas delas como se veraacute a situaccedilatildeo seraacute pressuposta apenas Os

criteacuterios ateacute entatildeo observado (etimologia e etiologia) seratildeo empregados para circunscrever as

origens e circunstacircncias que tatildeo somente por nomear permitiriam ao gramaacutetico categorizar

ie tornar algo vasto e impreciso em uma classificaccedilatildeo acessiacutevel e didaacutetica

De agora em diante portanto dada a extensatildeo do cataacutelogo concernente agraves espeacutecies

meacutelicas como natildeo eacute objetivo deste estudo resolver os problemas concernentes a cada uma

delas em separado mas sim entender seu funcionamento dentro do tipo de classificaccedilatildeo aqui

estudada a classificaccedilatildeo dos gramaacuteticos e estabelecer a filiaccedilatildeo do texto atribuiacutedo a Proclo

(uacutenico espeacutecime a trazer a extensa classificaccedilatildeo da liacuterica) o texto assumiraacute a forma de

anotaccedilatildeo agrave traduccedilatildeo do epiacutetome a fim de fornecer as referecircncias necessaacuterias para sua

compreensatildeo (pois natildeo faltam passagens obscuras) pontuando e ponderando elementos agraves

vezes apenas conjecturais que explicitem as caracteriacuteticas da obra (como ateacute entatildeo tem sido

pensada) e a aplicaccedilatildeo dos criteacuterios que foram aqui propostos como instrumentais dos textos

de base gramatical Seguir-se-atildeo os dois editores e comentadores modernos do coacutedice 239

(Severyns e Ferrante) visando tal exclarecimento e a seus comentaacuterios se somaratildeo as

ponderaccedilotildees segundo as finalidades deste estudo

98

PARTE II

Traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo

1 COacuteDICE 239

11 TEXTO

Segue-se a ediccedilatildeo de Severyns e sua paragrafaccedilatildeo junto da numeraccedilatildeo da ediccedilatildeo de

Bekker para a Biblioteca

[1] Ἀνεγνώσθη ἐκ τοῦ ἐπιγραφομένου βιβλίου Πρόκλου Xρησ- 239318b22

τομαθείας ραμματικῆς rsquoEκλογαί

[2] Ἔστι δὲ τὸ βιβλίον εἰς διῃρημέ-

νον λόγους

[3] Λέγει μὲν ἐν τῷ αʹ ὡς αἱ αὐταί εἰσιν ἀρεταὶ

τοῦ λόγου καὶ ποιήματος παραλλάσσουσι δὲ ἐν τῷ μᾶλ- 25

λον καὶ ἧττον

[4] Καὶ ὅτι τοῦ πλάσματος τὸ μέν ἐστιν ἁδρόν

τὸ δὲ ἰσχνόν τὸ δὲ μέσον

[5] Καὶ τὸ μὲν ἁδρὸν ἐκπκληκ-

τικώτατόν ἐστι καὶ κατεσκευασμένον μάλιστα καὶ ποιη-

τικὸν ἐπιφαῖνον κάλλος

[6] Tὸ δὲ ἰσχνὸν τὴν τροπικὴν μὲν

καὶ φιλοκατάσκευον σύνθεσιν μεταδιώκει ἐξ ἀνειμένων 30

δὲ μᾶλλον συνήρτηται ὅθεν ὡς ἐπίπαν τοῖς γοεροῖς

ἄριστά πως ἐφαρμόττει

[7] Τὸ δὲ μέσον καὶ τοὔνομα μὲν

δηλοῖ ὅτι μέσον ἐστὶν ἀμφοῖν

[8] Ἀνθηρὸν δὲ κατ ἰδίαν

οὐκ ἔστι πλάσμα ἀλλὰ συνεκφέρεται καὶ συμμέμικται

99

τοῖς εἰρημένοις ἁρμόζει δὲ τοπογραφίαις καὶ λειμώνων 35

ἢ ἀλσῶν ἐκφράσεσιν

[9] Οἱ δὲ τῶν εἰρημένων ἀποσφα-

λέντες ἰδεῶν ἀπὸ μὲν τοῦ ἁδροῦ εἰς τὸ σκληρὸν καὶ ἐπηρ-

μένον ἐτράπησαν ἀπὸ δὲ τοῦ ἰσχνοῦ εἰς τὸ ταπεινὸν

ἀπὸ δὲ τοῦ μέσου εἰς τὸ ἀργὸν καὶ ἐκλελυμένον

[10] Διαλαμ- 239319a1

βάνει δὲ καὶ περὶ κρίσεως ποιήματος ἐν ᾧ παραδί-

δωσι τίς ἤθους καὶ πάθους διαφορά

[11] Καὶ ὅτι τῆς ποιη-

τικῆς τὸ μέν ἐστι διηγηματικόν τὸ δὲ μιμητικόν

[12] Καὶ τὸ

μὲν διηγηματικὸν ἐκφέρεται δι ἔπους ἰάμβου τε καὶ ἐλε- 5

γείας καὶ μέλους τὸ δὲ μιμητικὸν διὰ τραγῳδίας σατύρων

τε καὶ κωμῳδίας

[13] Καὶ ὅτι τὸ ἔπος πρῶτον μὲν ἐφεῦρε Φημονόη ἡ

Ἀπόλλωνος προφῆτις ἑξαμέτροις χρησμοῖς χρησα-

μένη καὶ ἐπειδὴ τοῖς χρησμοῖς τὰ πράγματα εἵπετο 10

καὶ σύμφωνα ἦν ἔπος τὸ ἐκ τῶν μέτρων κληθῆναι

[14] Οἱ δέ φασιν ὅτι διὰ τὴν κατασκευὴν καὶ τὴν ἄγαν

ὑπεροχὴν τὴν ἐν τοῖς ἑξαμέτροις θεωρουμένην τὸ

κοινὸν ὄνομα παντὸς τοῦ λόγου τὸ ἑξάμετρον ἰδιώ-

σατο καὶ ἐκλήθη ἔπος καθάπερ καὶ Ὅμηρος τὸν 15

ποιητὴν καὶ ὁ Δημοσθένης τὸν ῥήτορα ᾠκειώσατο

ἐπεὶ καὶ τὰ τρίμετρα ἔπη προσηγόρευον

[15] Γεγόνασι δὲ

τοῦ ἔπους ποιηταὶ κράτιστοι μὲν Ὅμηρος Ἡσίοδος Πεί-

σανδρος Πανύασις Ἀντίμαχος

[16] Διέρχεται δὲ τούτων ὡς

οἷόν τε καὶ γένος καὶ πατρίδας καί τινας ἐπὶ μέρους 20

πράξεις

[17] Διαλαμβάνει δὲ καὶ περὶ τοῦ λεγομένου ἐπικοῦ

κύκλου ὃς ἄρχεται μὲν ἐκ τῆς Οὐρανοῦ καὶ Γῆς μυθο-

λογουμένης μίξεως ἐξ ἧς αὐτῷ καὶ τρεῖς παῖδας ἑκα-

100

τοντάχειρας καὶ τρεῖς γεννῶσι Κύκλωπας

[18] Διαπορεύεται

δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι μυθολογούμενα 25

καὶ εἴ πού τι καὶ πρὸς ἱστορίαν ἐξαληθίζεται

[19] Καὶ περα-

τοῦται ὁ ἐπικὸς κύκλος ἐκ διαφόρων ποιητῶν συμπλη-

ρούμενος μέχρι τῆς ἀποβάσεως Ὀδυσσέως τῆς εἰς Ἰθά-

κην ἐν ᾗ ὑπὸ τοῦ παιδὸς Τηλεγόνου ἀγνοοῦντος

κτείνεται

[20] Λέγει δὲ ὡς τοῦ ἐπικοῦ κύκλου τὰ ποιήματα 30

διασῴζεται καὶ σπουδάζεται τοῖς πολλοῖς οὐχ οὕτω διὰ

τὴν ἀρετὴν ὡς διὰ τὴν ἀκολουθίαν τῶν ἐν αὐτῷ πραγμά-

των

[21] Λέγει δὲ καὶ τὰ ὀνόματα καὶ τὰς πατρίδας τῶν πραγ-

ματευσαμένων τὸν ἐπικὸν κύκλον

[22] Λέγει δὲ καὶ περί

τινων Κυπρίων ποιημάτων καὶ ὡς οἱ μὲν ταῦτα εἰς 35

Στασῖνον ἀναφέρουσι Κύπριον οἱ δὲ Ἡγησῖνον τὸν

Σαλαμίνιον αὐτοῖς ἐπιγράφουσιν οἱ δὲ Ὅμηρον

γράψαι δοῦναι δὲ ὑπὲρ τῆς θυγατρὸς Στασίνῳ καὶ διὰ τὴν 239319b1

αὐτοῦ πατρίδα Κύπρια τὸν πόνον ἐπικληθῆναι

[23] Ἀλλ οὐ

τίθεται ταύτῃ τῇ αἰτίᾳ μηδὲ γὰρ Κύπρια προπαροξυτόνως

ἐπιγράφεσθαι τὰ ποιήματα 5

[24] Τὴν δὲ ἐλεγείαν συγκεῖσθαι μὲν ἐξ ἡρῴου καὶ πεντα-

μέτρου στίχου ἁρμόζειν δὲ τοῖς κατοιχομένοις

[25] Ὅθεν καὶ

τοῦ ὀνόματος ἔτυχε τὸ γὰρ θρῆνος ἔλεγον ἐκάλουν οἱ

παλαιοὶ καὶ τοὺς τετελευτηκότας δι αὐτοῦ εὐλόγουν

[26] Οἱ

μέντοι γε μεταγενέστεροι ἐλεγείᾳ πρὸς διαφόρους 10

ὑποθέσεις ἀπεχρήσαντο

[27] Λέγει δὲ καὶ ἀριστεῦσαι τῷ μέ-

τρῳ Καλλῖνόν τε τὸν Ἐφέσιον καὶ Μίμνερμον τὸν Κολο-

101

φώνιον ἀλλὰ καὶ τὸν τοῦ Τηλέφου Φιλίταν τὸν Κῷον

καὶ Καλλίμαχον τὸν Βάττου Κυρηναῖος οὗτος δ ἦν

[28] Ἀλλὰ γὰρ καὶ τὸν ἴαμβον τάττεσθαι μὲν ἐπὶ λοιδο- 15

ρίας τὸ παλαιόν καὶ γὰρ καὶ τὸ ἰαμβίζειν κατά τινα

γλῶσσαν λοιδορεῖν ἔλεγον

[29] Οἱ δὲ ἀπό τινος Ἰάμβης

θεραπαινίδος Θρᾴττης τὸ γένος ταύτην φασίν τῆς

Δήμητρος ἀνιωμένης ἐπὶ τῇ τῆς θυγατρὸς ἁρπαγῇ

προσελθεῖν περὶ τὴν Ἐλευσῖνα ἐπὶ τῇ νῦν Ἀγελάστῳ 20

καλουμένῃ πέτρᾳ καθημένην καὶ διά τινων χλευασμάτων

εἰς γέλωτα προαγαγέσθαι τὴν θεόν

[30] Ἔοικε δὲ ὁ ἴαμβος

τὸ μὲν παλαιὸν ἐπὶ τῶν εἰς ψόγον καὶ ἔπαινον γρα-

φομένων ὁμοίως λέγεσθαι ἐπεὶ δέ τινες ἐπλεόνασαν ἐν

ταῖς κακολογίαις τὸ μέτρον ἐκεῖθεν τὸ ἰαμβίζειν εἰς 25

τὸ ὑβρίζειν ὑπὸ τῆς συνηθείας ἐκπεσεῖν ὥσπερ ἀπὸ

τῶν κωμικῶν τὸ κωμῳδεῖσθαι

[31] Ἰάμβων δὲ ποιηταὶ Ἀρχί-

λοχός τε ὁ Πάριος ἄριστος καὶ Σιμωνίδης ὁ Ἀμόργιος

ἤ ὡς ἔνιοι Σάμιος καὶ Ἱππῶναξ ὁ Ἐφέσιος ὧν ὁ μὲν

πρῶτος ἐπὶ Γύγου ὁ δὲ ἐπ Ἀμύντου τοῦ Μακεδόνος 30

Ἱππῶναξ δὲ κατὰ Δαρεῖον ἤκμαζε

[32] Περὶ δὲ μελικῆς ποιήσεώς φησιν ὡς πολυμερεστάτη

τε καὶ διαφόρους ἔχει τομάς

[33] Ἃ μὲν γὰρ αὐτῆς μεμέρισται

θεοῖς ἃ δὲ ltἀνθρώποις ἃ δὲ θεοῖς καὶgt ἀνθρώποις ἃ δὲ

εἰς τὰς προσπιπτούσας περιστάσεις

[34] Καὶ εἰς θεοὺς μὲν ἀνα- 35

φέρεσθαι ὕμνον προσόδιον παιᾶνα διθύραμβον νόμον

ἀδωνίδια ἰόβακχον ὑπορχήματα

[35] Εἰς δὲ ἀνθρώπους ἐγκώμια ἐπίνικον σκό- 239320a1

λια ἐρωτικά ἐπιθαλάμια ὑμεναίους σίλλους θρήνους

ἐπικήδεια

[36] Εἰς θεοὺς δὲ καὶ ἀνθρώπους παρθένια δα-

102

φνηφορικά τριποδηφορικά ὠσχοφορικά εὐκτικά ταῦτα

γὰρ εἰς θεοὺς γραφόμενα καὶ ἀνθρώπων περιείληφεν ἐπαί- 5

νους

[37] Τὰ δὲ εἰς τὰς προσπιπτούσας περιστάσεις οὐκ ἔστι

μὲν εἴδη τῆς μελικῆς ὑπ αὐτῶν δὲ τῶν ποιητῶν ἐπικεχείρη-

ται τούτων δέ ἐστι πραγματικά ἐμπορικά ἀποστολικά γνωμολογικά γεωργικά

ἐπισταλτικά

[38] Καί φησι τὸν ὕμνον

μὲν ὠνομάσθαι ἀπὸ τοῦ ὑπόμονόν τινα εἶναι καὶ οἷον 10

εἰς μνήμην καὶ ὑπόμνησιν ἄγειν τὰς πράξεις τῶν ὑμνου-

μένων ἢ ἀπὸ τοῦ ὕδειν αὐτάς ὅπερ ἐστὶ λέγειν

[39] Ἐκά-

λουν δὲ καθόλου πάντα τὰ εἰς τοὺς ὑπερόντας γραφόμενα

ὕμνους διὸ καὶ τὸ προσόδιον καὶ τὰ ἄλλα τὰ προειρη- 15

μένα φαίνονται ἀντιδιαστέλλοντες τῷ ὕμνῳ ὡς εἴδη

πρὸς γένος καὶ γὰρ ἔστιν αὐτῶν ἀκούειν γραφόντων ὕμνος

προσοδίου ὕμνος ἐγκωμίου ὕμνος παιᾶνος καὶ τὰ ὅμοια

[40] Ἐλέγετο δὲ τὸ προσόδιον ἐπειδὰν προσίωσι τοῖς βω-

μοῖς ἢ ναοῖς καὶ ἐν τῷ προσιέναι ᾔδετο πρὸς αὐλόν ὁ

δὲ κυρίως ὕμνος πρὸς κιθάραν ᾔδετο ἑστώτων

[41] Ὁ δὲ 20

παιάν ἐστιν εἶδος ᾠδῆς εἰς πάντας νῦν γραφόμενος

θεούς τὸ δὲ παλαιὸν ἰδίως ἀπενέμετο τῷ Ἀπόλλωνι

καὶ τῇ Ἀρτέμιδι ἐπὶ καταπαύσει λοιμῶν καὶ νόσων ᾀδό-

μενος Καταχρηστικῶς δὲ καὶ τὰ προσόδιά τινες παιᾶνας

λέγουσιν

[42] Ὁ δὲ διθύραμβος γράφεται μὲν εἰς Διό- 25

νυσον προσαγορεύεται δὲ ἐξ αὐτοῦ ἤτοι διὰ τὸ κατὰ τὴν

Νύσαν ἐν ἄντρῳ διθύρῳ τραφῆναι τὸν Διόνυσον

ἢ διὰ τὸ λυθέντων τῶν ῥαμμάτων τοῦ Διὸς εὑρεθῆναι

αὐτόν ἢ διότι δὶς δοκεῖ γενέσθαι ἅπαξ μὲν ἐκ τῆς Σε-

μέλης δεύτερον δὲ ἐκ τοῦ μηροῦ

[43] Εὑρεθῆναι δὲ τὸν διθύ- 30

ραμβον Πίνδαρος ἐν Κορίνθῳ λέγει τὸν δὲ ἀρξάμε-

103

νον τῆς ᾠδῆς Ἀριστοτέλης Ἀρίονά φησιν εἶναι ὃς

πρῶτος τὸν κύκλιον ἤγαγε χορόν

[44] Ὁ μέντοι νόμος γρά-

φεται μὲν εἰς Ἀπόλλωνα ἔχει δὲ καὶ τὴν ἐπωνυμίαν

ἀπ αὐτοῦ Νόμιμος γὰρ ὁ Ἀπόλλων Νόμιμος δὲ ἐκλήθη 35

ὅτι τῶν ἀρχαίων χοροὺς ἱστάντων καὶ πρὸς αὐλὸν ἢ λύραν

ᾀδόντων τὸν νόμον Χρυσόθεμις ὁ Κρὴς πρῶτος 239 320b 1

στολῇ χρησάμενος ἐκπρεπεῖ καὶ κιθάραν ἀναλαβὼν εἰς

μίμησιν τοῦ Ἀπόλλωνος μόνος ᾖσε νόμον εὐδοκι-

μήσαντος δὲ αὐτοῦ διαμένει ὁ τρόπος τοῦ ἀγωνίσματος

[45] Δοκεῖ δὲ Τέρπανδρος μὲν πρῶτος τελειῶσαι τὸν νό- 5

μον ἡρῴῳ μέτρῳ χρησάμενος ἔπειτα Ἀρίων ὁ Μη-

θυμναῖος οὐκ ὀλίγα συναυξῆσαι αὐτὸς καὶ ποιητὴς καὶ

κιθαρῳδὸς γενόμενος

[46] Φρῦνις δὲ ὁ Μιτυληναῖος ἐκαι-

νοτόμησεν αὐτόν τό τε γὰρ ἑξάμετρον τῷ λελυμένῳ

συνῆψε καὶ χορδαῖς τῶν ζʹ πλείοσιν ἐχρήσατο

[47] Τι- 10

μόθεος δὲ ὕστερον εἰς τὴν νῦν αὐτὸν ἤγαγε τάξιν

[48] Ἔστι δὲ ὁ μὲν διθύραμβος κεκινημένος καὶ πολὺ τὸ

ἐνθουσιῶδες μετὰ χορείας ἐμφαίνων εἰς πάθη κατα-

σκευαζόμενος τὰ μάλιστα οἰκεῖα τῷ θεῷ καὶ σεσόβηται

μὲν καὶ τοῖς ῥυθμοῖς καὶ ἁπλουστέρως κέχρηται ταῖς λέ-

ξεσιν

[49] Ὁ δὲ νόμος τοὐναντίον διὰ τὸν θεὸν ἀνεῖται 15

τεταγμένως καὶ μεγαλοπρεπῶς καὶ τοῖς ῥυθμοῖς ἀνεῖται

καὶ διπλασίοις ταῖς λέξεσι κέχρηται

[50] Οὐ μὴν ἀλλὰ καὶ

ταῖς ἁρμονίαις οἰκείαις ἑκάτερος χρῆται ὁ μὲν γὰρ

τὸν φρύγιον καὶ ὑποφρύγιον ἁρμόζεται ὁ νόμος δὲ 20

τῷ συστήματι τῷ τῶν κιθαρῳδῶν λυδίῳ

[51] Ἔοικε δὲ ὁ

μὲν διθύραμβος ἀπὸ τῆς κατὰ τοὺς ἀγροὺς παιδιᾶς καὶ

τῆς ἐν τοῖς πότοις εὐφροσύνης εὑρεθῆναι ὁ δὲ νόμος

104

δοκεῖ μὲν ἀπὸ τοῦ παιᾶνος ῥυῆναι (ὁ μὲν γάρ ἐστι κοι-

νότερος εἰς κακῶν παραίτησιν γεγραμμένος ὁ δὲ 25

ἰδίως εἰς Ἀπόλλωνα) ὅθεν τὸ μὲν ἐνθουσιῶδες οὐκ

ἔχει ὡς ὁ διθύραμβος

[52] Ἐκεῖ μὲν γὰρ μέθαι καὶ παι-

διαί ἐνταῦθα δὲ ἱκετεῖαι καὶ πολλὴ τάξις καὶ γὰρ

αὐτὸς ὁ θεὸς ἐν τάξει καὶ συστήματι κατεσταλ-

μένῳ περιέρχεται τὸν κρουσμόν

[53] Ἀδωνίδια δὲ λέγεται τὰ 30

εἰς Ἄδωνιν ἀναφερόμενα

[54] Ἤιδετο δὲ ὁ ἰόβακχος

ἐν ἑορταῖς καὶ θυσίαις Διονύσου βεβαπτισμένος πολλῷ

φρυάγματι

[55] Ὑπόρχημα δὲ τὸ μετ ὀρχήσεως ᾀδό-

μενον μέλος ἐλέγετο καὶ γὰρ οἱ παλαιοὶ τὴν ltὑπόgt ἀντὶ

τῆς ltμετάgt πολλάκις ἐλάμβανον

[56] Εὑρέτας δὲ τούτων 35

λέγουσιν οἱ μὲν Κουρῆτας οἱ δὲ Πύρρον τὸν Ἀχιλ-

λέως ὅθεν καὶ πυρρίχην εἶδός τι ὀρχήσεως λέγου- 239321a1

σιν

[57] Ὁ δὲ ἐπίνικος ὑπ αὐτὸν τὸν καιρὸν τῆς νί-

κης τοῖς προτεροῦσιν ἐν τοῖς ἀγῶσιν ἐγράφετο

[58] Τὸ

δὲ σκόλιον μέλος ᾔδετο παρὰ τοὺς πότους διὸ καὶ πα-

ροίνιον αὐτὸ ἔσθ ὅτε καλοῦσιν ἀνειμένον δέ ἐστι τῇ 5

κατασκευῇ καὶ ἁπλούστατον μάλιστα

[59] Σκόλιον δὲ εἴρηται

οὐχ ὡς ἐνίοις ἔδοξε κατὰ ἀντίφρασιν τὰ γὰρ κατὰ

ἀντίφρασιν ὡς ἐπίπαν τοῦ εὐφημισμοῦ στοχάζεται οὐκ εἰς

κακοφημίαν μεταβάλλει τὸ εὔφημον

[60] ἀλλὰ διὰ τὸ

προκατειλημμένων ἤδη τῶν αἰσθητηρίων καὶ παρειμέ- 10

νων οἴνῳ τῶν ἀκροατῶν τηνικαῦτα εἰσφέρεσθαι τὸ

βάρβιτον εἰς τὰ συμπόσια καὶ διονυσιάζοντα ἕκαστον

105

ἀκροσφαλῶς συγκόπτεσθαι περὶ τὴν προφορὰν τῆς ᾠδῆς

Ὅπερ οὖν ἔπασχον αὐτοὶ διὰ τὴν μέθην τοῦτο τρέψαν-

τες εἰς τὸ μέλος σκόλιον ἐκάλουν τὸ ἁπλούστατον

[61] Τὰ δὲ 15

ἐρωτικὰ δῆλον ὅτι γυναικῶν καὶ παίδων καὶ παρ-

θένων ἐρωτικὰς ᾄδει περιστάσεις [62] Καὶ τὰ ἐπιθα-

λάμια δὲ τοῖς ἄρτι θαλαμευομένοις ἅμα οἱ ἠΐθεοι καὶ

αἱ παρθένοι ἐπὶ τῶν θαλάμων ᾖδον [63] Ὑμέναιον

δὲ ἐν γάμοις ᾄδεσθαί φησι κατὰ πόθον καὶ ζήτησιν 20

Ὑμεναίου τοῦ Τερψιχόρας ὅν φασι γήμαντα ἀφανῆ

γενέσθαι

[64] οἱ δὲ κατὰ τιμὴν τοῦ Ἀττικοῦ Ὑμεναίου τοῦ-

τον γάρ φησί ποτε διώξαντα ἀφελέσθαι κούρας Ἀττι-

κὰς λῃστῶν

[65] Ἐγὼ δὲ οἶμαι βίου τινὰ εὐτυχοῦς προανα-

φώνησιν ὑπάρχειν καὶ συνεύχεσθαι τοῖς συνιοῦσι πρὸς 25

γάμου κοινωνίαν μετὰ φιλοστοργίας αἰολικῇ παρα-

πλέκοντας τὴν εὐχὴν διαλέκτῳ οἷον ὑμεναίειν καὶ

ὁμονοεῖν τούτους ἀεὶ ὁμόσε ναίοντας

[66] Ὁ δὲ σίλλος

λοιδορίας καὶ διασυρμοὺς πεφεισμένως ἀνθρώπων

ἔχει 30

[67] Διαφέρει δὲ τοῦ ἐπικηδείου ὁ θρῆνος ὅτι τὸ

μὲν ἐπικήδειον παρ αὐτὸ τὸ κῆδος ἔτι τοῦ σώματος

προκειμένου λέγεται ὁ δὲ θρῆνος οὐ περιγράφεται χρό-

νῳ

[68] Τὰ δὲ λεγόμενα παρθένια χοροῖς παρθένων

ἐνεγράφετο

[69] Οἷς καὶ τὰ δαφνηφορικὰ ὡς εἰς γένος

πίπτει δάφνας γὰρ ἐν Βοιωτίᾳ διὰ ἐννεαετηρίδος εἰς 35

τὰ τοῦ Ἀπόλλωνος κομίζοντες ἱερεῖς ἐξύμνουν αὐ-

τὸν διὰ χοροῦ παρθένων

[70] Καὶ ἡ αἰτία τῶν Αἰολέων

ὅσοι κατῴκουν Ἄρνην καὶ τὰ ταύτῃ χωρία κατὰ 239 321b 1

106

χρησμὸν ἀναστάντες ἐκεῖθεν καὶ προκαθεζόμενοι Θήβας

ἐπόρθουν προκατεχομένας ὑπὸ Πελασγῶν

[71] Κοινῆς ἀμ-

φοῖν ἑορτῆς Ἀπόλλωνος ἐνστάσης ἀνοχὰς ἔθεντο καὶ

δάφνας τέμνοντες οἱ μὲν ἐξ Ἑλικῶνος οἱ δὲ ἐγγὺς τοῦ 5

Μέλανος ποταμοῦ ἐκόμιζον τῷ Ἀπόλλωνι

[72] Πολεμά-

τας δέ ὁ τῶν Βοιωτῶν ἀφηγούμενος ἔδοξεν ὄναρ νεα-

νίαν τινὰ πανοπλίαν αὐτῷ διδόναι καὶ εὐχὰς ποιεῖ-

σθαι τῷ Ἀπόλλωνι δαφνηφοροῦντας διὰ ἐννεαετηρί-

δος προστάττειν 10

[73] Μετὰ δὲ τρίτην ἡμέραν ἐπιθέμενος

κρατεῖ τῶν πολεμίων καὶ αὐτός τε τὴν δαφνηφο-

ρίαν ἐτέλει καὶ τὸ ἔθος ἐκεῖθεν διατηρεῖται

[74] Ἡ δὲ

δαφνηφορία ξύλον ἐλαίας καταστέφουσι δάφναις καὶ

ποικίλοις ἄνθεσι καὶ ἐπ ἄκρου μὲν χαλκῆ ἐφαρμό-

ζεται σφαῖρα ἐκ δὲ ταύτης μικροτέρας ἐξαρτῶσιν 15

κατὰ δὲ τὸ μέσον τοῦ ξύλου περιθέντες ἐλάσσονα τῆς

ἐπ ἄκρῳ σφαίρας καθάπτουσι πορφυρᾶ στέμματα τὰ

δὲ τελευταῖα τοῦ ξύλου περιστέλλουσι κροκωτῷ

[75] Βούλεται

δὲ αὐτοῖς ἡ μὲν ἀνωτάτω σφαῖρα τὸν ἥλιον (ᾧ καὶ τὸν

Ἀπόλλωνα ἀναφέρουσιν) ἡ δὲ ὑποκειμένη τὴν σελήνην 20

τὰ δὲ προσηρτημένα τῶν σφαιρίων ἄστρα τε καὶ ἀστέρας

τὰ δέ γε στέμματα τὸν ἐνιαύσιον δρόμον καὶ γὰρ καὶ

τζε ποιοῦσιν αὐτά

[76] Ἄρχει δὲ τῆς δαφνηφορίας παῖς

ἀμφιθαλής καὶ ὁ μάλιστα αὐτῷ οἰκεῖος βαστάζει τὸ

κατεστεμμένον ξύλον ὃ κώπω καλοῦσιν 25

[77] Αὐτὸς δὲ ὁ δα-

φνηφόρος ἑπόμενος τῆς δάφνης ἐφάπτεται τὰς μὲν

κόμας καθειμένος χρυσοῦν δὲ στέφανον φέρων καὶ λαμ-

πρὰν ἐσθῆτα ποδήρη ἐστολισμένος ἐπικρατίδας τὲ ὑπο-

107

δεδεμένος ᾧ χορὸς παρθένων ἐπακολουθεῖ προτείνων

κλῶνας πρὸς ἱκετηρίαν ὑμνῶν 30

[78] Παρέπεμπον δὲ

τὴν δαφνηφορίαν εἰς Ἀπόλλωνος Ἰσμηνίου καὶ Χαλα-

ζίου

[79] Τὸ δὲ τριποδηφορικὸν μέλος τρίποδος προη-

γουμένου παρὰ τοῖς Βοιωτοῖς ᾔδετο

[80] Ἔσχε δὲ καὶ τοῦτο

αἰτίαν τοιαύτην Πελασγῶν τινες Πάνακτον τῆς Βοιω-

τίας ἐπόρθουν Θηβαῖοι δὲ ἤμυνον καὶ πέμψαντες εἰς 35

Δωδώνην περὶ τῆς τοῦ πολέμου νίκης ἐχρῶντο

[81] Χρησμὸς

δὲ τοῖς Θηβαίοις ἐξέπεσεν ὡς εἰ μέγιστον ἀσέβημα

ἀσεβήσουσι νικήσουσιν 239 322a 1

[82] Ἔδοξεν οὖν αὐτοῖς ἀσε-

βημάτων εἶναι μέγιστον τὸ τὴν χρησμῳδήσασαν αὐτοῖς

τὸν χρησμὸν ἀνελεῖν καὶ ἀνεῖλον [83] Αἱ δὲ περὶ τὸ τέ-

μενος συνιέρειαι δίκην λαβεῖν ἀπῄτουν τοῦ φόνου τοὺς

Θηβαίους 5

[84] Θηβαῖοι δὲ οὐκ ἐπιτρέπουσι γυναιξὶ μόναις

τὴν περὶ αὐτῶν δίκην ἀξιοῦν κοινῆς δὲ κρίσεως ἀνδρῶν καὶ

γυναικῶν γεγενημένης καὶ τῶν ἀνδρῶν λευκὰς αὐτοῖς

ἐπενεγκόντων ψήφους ἀπέφυγον Θηβαῖοι

[85] Ὕστερον δὲ

ἐπιγνόντες αὐτοῖς τὸ ὑπὸ τοῦ χρησμοῦ προστασσόμενον

βαστάσαντες τῶν κατὰ τὴν Βοιωτίαν ἱερῶν τριπόδων 10

ἕνα καὶ κατακαλύψαντες ὡς ἱερόσυλοι ἀνέπεμψαν εἰς

Δωδώνην

[86] Εὐπραγήσαντες δὲ ἐξ ἐκείνου τοῦ λοιποῦ

τὴν πρᾶξιν ἑορτὴν ἐποίουν

[87] Ὠσχοφορικὰ δὲ μέλη παρὰ

Ἀθηναίοις ᾔδετο

[88] Τοῦ χοροῦ δὲ δύο νεανίαι κατὰ γυ-

ναῖκας ἐστολισμένοι κλῆμά τ ἀμπέλου κομίζοντες μεστὸν 15

108

εὐθαλῶν βοτρύων (ἐκάλουν δὲ αὐτὸ ὤσχην ἀφ οὗ καὶ

τοῖς μέλεσιν ἡ ἐπωνυμία) τῆς ἑορτῆς καθηγοῦντο

[89] Ἄρ-

ξαι δέ φασι Θησέα πρῶτον τοῦ ἔργου ἐπεὶ γὰρ ἑκούσιος

ὑποστὰς τὸν εἰς Κρήτην πλοῦν ἀπήλλαξε τὴν πατρίδα

τῆς κατὰ τὸν δασμὸν συμφορᾶς χαριστήρια ἀποδιδοὺς 20

Ἀθηνᾷ καὶ Διονύσῳ οἳ αὐτῷ κατὰ τὴν νῆσον τὴν

Δίαν ἐπεφάνησαν ἔπραττε τοῦτο δυσὶ νεανίαις ἐσκια-

τραφημένοις χρησάμενος πρὸς τὴν ἱερουργίαν ὑπηρέ-

ταις

[90] Ἦν δὲ τοῖς Ἀθηναίοις ἡ παραπομπὴ ἐκ τοῦ Διο-

νυσιακοῦ ἱεροῦ εἰς τὸ τῆς Ἀθηνᾶς τῆς Σκιράδος τέ- 25

μενος

[91] Εἵπετο δὲ τοῖς νεανίαις ὁ χορὸς καὶ ᾖδε τὰ

μέλη

[92] Ἐξ ἑκάστης δὲ φύλης ἔφηβοι διημιλλῶντο πρὸς

ἀλλήλους δρόμῳ καὶ τούτων ὁ πρότερος ἐγεύετο ἐκ τῆς

πενταπλῆς λεγομένης φιάλης ἣ συνεκιρνᾶτο ἐλαίῳ

καὶ οἴνῳ καὶ μέλιτι καὶ τυρῷ καὶ ἀλφίτοις 30

[93] Εὐκτικὰ

δὲ μέλη ἐγράφετο τοῖς αἰτουμένοις τι παρὰ θεοῦ γενέσθαι

[94] Πραγματικὰ δὲ ἅ τινων περιεῖχε πράξεις

[95] Ἐμπορικὰ

δὲ ὅσα κατὰ τὰς ἀποδημίας καὶ ἐμπορίας ἐπιδεικνύ-

μενά τισιν ἐγράφη

[96] Καὶ ἀποστολικὰ δὲ ὅσα διαπεμπό-

μενοι πρός τινας ἐποίουν 35

[97] Τὰ δὲ γνωμολογικὰ δῆλον

ὅτι παραίνεσιν ἠθῶν ἔχει

[98] Καὶ τὰ γεωργικὰ δὲ χώρας

καὶ φυτῶν καιροὺς καὶ ἐπιμελείας

[99] Καὶ τὰ ἐπισταλτικὰ

δὲ ὅσα κατ ἐντολὰς πρός τινας ποιοῦντες διέπεμπον

[100] Οἱ μὲν δύο λόγοι τῆς Πρόκλου γραμματικῆς Χρης-

109

τομαθείας ἐν τούτοις

12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO

1 Realizou-se leitura1 a partir do livro intitulado Excertos2 de Crestomatia3 de Letras4

de Proclo5 2 O livro eacute dividido em quatro arrazoados6

1 A forma anegnoacutesthe que introduz o epiacutetome da Crestomatia bem como praticamente todos os resumos

da Biblioteca eacute indicativa desse tipo de texto evidenciando literalmente que natildeo se apresenta ali uma obra mas

sim a leitura de uma cujo tiacutetulo segue-se Cf para a interpretaccedilatildeo dessa forma Ferrante (1957 pg 161)

seguindo a liccedilatildeo de Severyns (1939 I 4 174-75 e II pg 65) cuja recensatildeo acerca da tradiccedilatildeo manuscrita e a

liccedilatildeo para este primeiro periacuteodo parecem de fato as melhores A forma verbal eacute passiva mas deve ser

entendida no grego sem sujeito de forma absoluta ou intransitiva ie ldquoleu-serdquo ldquofoi lidordquo a que se adiciona um

termo preposicionado especificando a partir do que se deu essa leitura Aqui se supre como nos referidos

editores o termo ldquoleiturardquo para viabilizar a traduccedilatildeo remetendo agrave proacutepria atividade originaacuteria da Biblioteca

compilada por Foacutecio dar notiacutecia das sucessivas leituras de diferentes livros Cf Estudo 131 Para a discussatildeo

acerca da introduccedilatildeo dos epiacutetomes na Biblioteca as demais ocorrecircncias da forma e o entendimento desta em

especiacutefico comparada agraves outras A ausecircncia de artigo antes do substantivo ldquoleiturardquo na traduccedilatildeo opccedilatildeo

semelhante agrave dos referidos editores pretende aqui conferir um traccedilo de maior generalidade agrave pratica que

designa uma vez que para aleacutem da discussatildeo acerca de qual seria a matildeo que realmente anotou os textos

mencionados transformando-os em epiacutetomes (Foacutecio ele mesmo um copista um disciacutepulo e companheiro de

viagem que se encarrega da leitura ou vaacuterios etc ndash cf Severyns I 4 ndash 5) essa leitura foi motivo de uma ou mais

sessotildees internas do grupo de estudos dirigido pelo entatildeo embaixador e futuro patriarca ela eacute portanto uma de

diversas leituras dos textos tomados como objeto dessas sessotildees 2 Sobre as implicaccedilotildees da palavra ldquoexcertosrdquo (eklogaiacute) e como foi aqui interpretada cf Estudo 132 3 A palavra ldquocrestomatiardquo khrestomaacutetheia encontra-se lexicalizada em portuguecircs e agrave disposiccedilatildeo do

erudito de liacutengua romacircnica Houaiss haure-a no Novo Diccionario Critico Etymologico da Lingua Portugueza

Paris 1836 de Francisco Solano Constacircncio e a daacute como traslado do francecircs O Littreacute a registra na liacutengua e ao

fazecirc-lo interpreta-a como o referido portuguecircs florileacutegio coletacircnea das melhores passagens de diferentes

autores com fins didaacuteticos (provavelmente jaacute interpretando o adjetivo grego khrestoacutes ldquouacutetilrdquo presente no

composto) Dado isso adoto a forma vernaacutecula e natildeo me utilizo de artigo (ldquoArdquo Crestomatia) a fim de manter

combinando-se com ldquoexcertosrdquo a ambiguidade e a duacutevida que imediatamente em grego saltam aos olhos do

leitor de que a saber de acordo com a interpretaccedilatildeo que se faz da palavra ldquocrestomatiardquo ou se entende em um

extremo que a Biblioteca mesma jaacute nos traz o resumo de uma obra de segunda matildeo ie a abreviaccedilatildeo de algo jaacute

previamente resumido em uma coletacircnea escrita ou em outro extremo que o proacuteprio termo ldquoextratosrdquo faria

parte do tiacutetulo da obra original abrindo margem a pensar a palavra ldquocrestomatiardquo (e mesmo ldquocoletacircneardquo em

portuguecircs) sem um caraacuteter abreviativo mas como ldquoreuniatildeo de ensinamentosrdquo hauridos de outros textos e autores

que ao longo de seacuteculos foram ampliando e detalhando sob diferentes aspectos as doutrinas referentes agraves letras

de modo geral (em prosa ou verso oratoacuteria ou poeacutetica) Defende-se aqui uma terceira hipoacutetese entre esses dois

extremos Concorda-se com Severyns quanto ao caraacuteter natildeo abreviativo da palavra (cf Severyns op cit II 65 ndash

69) mas entende-se que eklogaiacute pelo cotejo com as introduccedilotildees de outros epiacutetomes da Biblioteca soacute pode

implicar neste caso uma abreviaccedilatildeo a seleccedilatildeo de excertos Cf Estudo 133 Ferrante natildeo se pronuncia quanto

a sua traduccedilatildeo mas manteacutem ldquoextratosrdquo e usa o artigo antes da palavra apesar de seguir Severyns em sua notaccedilatildeo

do texto Pretendeu-se aqui (natildeo soacute pelo uso do vernaacuteculo mas tambeacutem por natildeo se empregar o artigo) como

khrestomaacutetheia eacute um substantivo que definia certa obra por sua finalidade manter a dubiedade e o caraacuteter

duvidoso que salta aos olhos de um leitor moderno dos gregos 4 A traduccedilatildeo de grammatikoacutes por ldquoliteraacuteriardquo aqui seguiria o mesmo criteacuterio acima definido (n 3) de

manter o estranhamento em relaccedilatildeo ao tiacutetulo por isso bem como para ldquoeklogaiacuterdquo poder-se-ia manter a

literalidade do correlato latino numa uacutenica palavra Como se sabe poreacutem o termo aqui natildeo eacute sinocircnimo direto do

que noacutes modernos pensamos como ldquoos estudos literaacuteriosrdquo que supotildeem ndash mais precisamente ndash uma seacuterie de

categorias e criteacuterios associados ao termo os quais por se tornarem o foco mesmo ou os preceitos da chamada

ldquoanaacutelise literaacuteriardquo constituem o objeto de uma maneira estranha aos antigos Cf Estudo 134 paacuteg 38 ndash 50

110

3 No primeiro fala como as virtudes da prosa e da poesia satildeo as mesmas mas

diferenciam-se quanto ao mais e ao menos7 4 e que do molde da elocuccedilatildeo8 haacute o copioso o

tecircnue e o meacutedio9 5 Que o copioso eacute estonteante10 e muitiacutessimo elaborado reluzindo uma

beleza poeacutetica 6 Jaacute o tecircnue proscreve uma composiccedilatildeo com tropos e afeita agrave elaboraccedilatildeo mas

antes se entretece de despojamento motivo pelo qual em geral se adapta de um modo

excelente agraves lamentaccedilotildees11 7 Quanto ao meacutedio o nome evidencia que eacute meacutedio entre ambos

5 Consoante ao que se defende no cap 133 do Estudo e ao que foi dito acima na nota 3 entende-se aqui

que a atribuiccedilatildeo a Proclo ou seja o trecho ldquode Proclordquo porque o objeto lido estaria nomeado como Excertos

estava contido na intitulaccedilatildeo desse objeto Supotildee-se que a proacutepria intitulaccedilatildeo desse objeto que eacute resumido

porque se precisava identificar de que e de quem era excertos trazia a atribuiccedilatildeo ldquode Proclordquo daiacute o itaacutelico

adotado na traduccedilatildeo Sobre a questatildeo da atribuiccedilatildeo cf Estudo 12 paacuteg 12 ndash 15 6 Embora se saiba que os loacutegoi sejam mesmo etimologicamente as diferentes partes tomos coacutedices de

um bibliacuteon ie o conjunto desses rolos a obra preferiu-se aqui a traduccedilatildeo por ldquoarrazoadosrdquo referindo-se ao

significado cognitivo da palavra (pensamentofala) para manter natildeo soacute a ideia de que quando confeccionadas e

daiacute registradas de forma escrita essas partes natildeo arbitrariamente buscavam corresponder agraves partes menores de

um loacutegos tomadas por si mas tambeacutem a ideia de que num contexto como o da Biblioteca tanto no sentido de

sua composiccedilatildeo como de sua recepccedilatildeo essa noccedilatildeo era evidente senatildeo presente afinal a obra eacute o resultado de

seccedilotildees coletivas de leitura e assim mesmo se tenta reproduzi-la na forma de texto 7 Nomeando prosa ( loacutegos) e poesia ( poiacuteema) o texto imediatamente estabelece o

primeiro criteacuterio pelo qual se julgaraacute a composiccedilatildeo poeacutetica a elocuccedilatildeo que logo seraacute desdobrada (sect4) na teoria

de seus moldes ou gecircneros De acordo com esse primeiro criteacuterio a prosa e a poesia possuem as mesmas virtudes

ou qualidades ( aretaiacute) distinguindo-se pela quantidade esta possui mais do que aquela Esse criteacuterio jaacute

eacute empregado por Aristoacuteteles na Retoacuterica III Cf Estudo 21 paacuteg 51 ndash 52 8 A traduccedilatildeo mais literal considerando o genitivo ldquo rdquo seria evidentemente ldquoe que do

molderdquo contudo talzez natildeo ficaria imediatamente claro ao leitor que a doutrina poeacutetica dos antigos aqui supotildee

ldquomoldarrdquo metaforicamente para a confecccedilatildeo da elocuccedilatildeo e as possiacuteveis variaccedilotildees que permitem claissificaacute-la

mantendo a metaacutefora fiacutesica e escultoacuterica em trecircs grandes estilos gerais Por isso acrescentou-se a expressatildeo ldquoda

elocuccedilatildeordquo Como se sabe outros nomes equivalentes a outras abstraccedilotildees satildeo empregados para nomear essa

doutrina que pelo vieacutes latino e ciceroniano ficaraacute conhecida como ldquodos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo (cf Estudo

22) 9 Inicia-se a exposiccedilatildeo da teoria dos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeo as caracteriacutesticas marcantes de cada um e

seus desvios ou viacutecios O comentaacuterio agrave traduccedilatildeo e a explicaccedilatildeo dos termos encontra-se no Estudo 22 paacuteg 52 ndash

61 10 Repare-se que no original empregam-se dois adjetivos superlativos e com o segundo o superlativo do

adveacuterbio de intensidade Para traduzir tal intensidade poder-se-ia recorrer como Severyns a estender o adveacuterbio

aos dois sintagmas termos ndash ldquomuitiacutessimo estonteante e elaboradordquo Isso daria a entender que as duas

caracteriacutesticas estatildeo em peacute de igualdade quanto agrave intensidade e que haacute graus para o adjetivo ldquoestoanteanterdquo que

talvez se verifiquem nos outros moldes quando parece que ser arrebatador ou estonteante eacute proacuteprio da elevaccedilatildeo

do molde copioso Tentar traduzir o grau superlativo do primeiro adjetivo ndash ldquoo mais estonteanterdquo ndash daria a

entender o mesmo portanto quis-se que a proacuteprio adjetivo ldquoestonteanterdquo por sua forte semacircntica decirc conta do

primeiro adjetivo ldquo ekplektikoacutetatonrdquo remetendo ao sublime etc e que o adveacuterbio

ldquomuitiacutessimo restrinja-serdquo ao segundo adjetivo ldquo kateskeuasmeacutenon maacutelistardquo

julgando-se tal soluccedilatildeo mais fiel ao sentido do grego a saber o de que o molde copioso eacute o mais elaborado de

todos comparado aos demais moldes que podem ser elaborados em menor grau e por isso tem por qualidade

uacutenica ser estonteante atingir o arrebatamento do receptor Para tal intrepretaccedilatildeo cf Estudo 221 paacuteg 55 ndash 57

principalmente o uacuteltimo paraacutegrafo e o comentaacuterio de Quintiliano paacuteg 56 ndash 57 11 A legitimidade desta passagem mais especificamente desta palavra [goeroicircs] foi contestada

diferentemente por trecircs editores propocircs-se [georgikoicircs] (Schott 1606 apud Gaisford p337 apud

Severyns tomo II p 73) [noeroicircs] (Schimid 1894 p 134 n I apud Severyns idem)

[mikroicircs] (Immisch 1902 p 257 n I apud Severyns idem) Uma apreciaccedilatildeo pode ser lida em Severyns (idem)

que em linhas gerais aleacutem de se ater ao fato de que a tradiccedilatildeo manuscrita natildeo traz divergecircncias quanto a essa

passagem segue artigo de Shorey (Classical Philology 1906 apud Severyns) em que este aleacutem dos ceacutelebres

versos da Ars de Horaacutecio (95 ndash 98) arrola diferentes e breves passagens da tradiccedilatildeo retoacuterica nas quais se

evidenciam tal liccedilatildeo de forma explicita e natildeo poeacutetica ex Longino Rhet 21 ldquo() eacute necessaacuterio a quem consola

111

8 Florido por si proacuteprio natildeo eacute um molde mas manifesta-se e encontra-se misturado

junto aos mencionados e combina com topografias e descriccedilotildees12 de descampados ou

bosques

9 Os que cometem desvios das referidas formas geram a mudanccedila do copioso em duro

e exaltado do tecircnue em chatildeo e do meacutedio em truncado e frouxo

10 Entatildeo faz consideraccedilotildees acerca de criacutetica de poesia13 no que transmite qual a

diferenccedila entre caraacuteter e afeto14

11 E da composiccedilatildeo poeacutetica15 diz que haacute o gecircnero narrativo e o imitativo 12 E o

narrativo profere-se por meio de epos bem como de iambo elegia e meacutelica o imitativo por

meio de trageacutedia bem como de drama satiacuterico e comeacutedia16

falar natildeo com clareza sofistica [sophistikeacute tranoteacutes] mas com simplicidade compassiva [sympephonkyicirca

haploteacutes]rdquo Apsines (I 358) ldquoas narraccedilotildees pateacuteticas [pathetikaigrave dieacutegeseis] natildeo devem possuir muita organizaccedilatildeo

[polyn koacutesmon]rdquo idem (I 405) ldquoagrave elocuccedilatildeo eacute necessaacuterio que seja natildeo-moldada e natildeo-ornada [aacuteplaston kaigrave

akalloacutepiston] o ornar [kallopiacutezein] natildeo eacute proacuteprio de quem canta um trenordquo (a tosca literalidade da traduccedilatildeo eacute

intencional aqui a fim de que se notem os termos gregos) 12 A palavra empregada para ldquodescriccedilatildeordquo eacute eacutekphrasis e eacute o nome que se daacute ao gecircnero pelo

qual se confecciona com palavras a representaccedilatildeo de algo inanimado Consoante ao que se disse (supra) como

algo que eacute descrito parece que todos esses casos tecircm em comum o fato de que se constituem como objetos de

apreciaccedilatildeo em funccedilatildeo da palavra entatildeo eacute pelo proacuteprio floreio que supotildee ornato que esse algo pode se tornar

objeto do prazer Daiacute a possiacutevel interpretaccedilatildeo do epiacutetome segundo a qual o florido natildeo seria por si um molde a

ser selecionado desde o iniacutecio para a confecccedilatildeo de uma obra natildeo seria um molde independente agrave cuja

totalidade se circunscreveria por inteiro toda uma elocuccedilatildeo mas sim uma forma obrigatoriamente concorrente

dependente que se apresenta como parte adicional de um dos trecircs moldes em circunstacircncias como as

exemplificadas qual um adereccedilo de flores 13 kriacutesis poieacutematos entendida aqui como sinocircnimo da sexta parte da empiria

gramatical de Dioniacutesio Traacutecio conforme defendido aqui no Estudo 134 paacuteg 38 ndash 47 para opiniatildeo

semelhante FERRANTE paacuteg 20 ndash 21 Contraacuteria Cf SEVERYNS paacuteg 77 ndash 79 Aventou-se a traduccedilatildeo por

ldquocriacuteticardquo opccedilatildeo natildeo soacute muito coerente como esclarecedora uma vez que aqui se assume a kriacutesis poiemaacuteton de

Dioniacutesio Traacutecio como atividade que mais amplamente passou a corresponder ao que hoje noacutes modernos

diriacuteamos ldquocriacutetica de poesiardquo senatildeo ldquocriacutetica poeacuteticardquo Embora tentadora e chamativa declinou-se tal traduccedilatildeo

porque primeiro a noccedilatildeo de criacutetica natildeo se entende mais em portuguecircs associada ao significado baacutesico da palavra

grega originaacuteria ldquokriacutesisrdquo modernamente natildeo haacute mais a noccedilatildeo de ldquocisatildeo litiacutegio disputardquo e daiacute ldquoavaliaccedilatildeo juiacutezo

julgamentordquo e basicamente a palavra eacute do campo semacircntico judicial segundo como o proacuteprio Dioniacutesio Traacutecio

atesta que no iniacutecio se tratava justamente desta segunda noccedilatildeo de ldquojulgamentordquo ocupando-se a princiacutepio tatildeo

somente do estabelecimento do texto a traduccedilatildeo por criacutetica poderia criar o falso entendimento da parte do leitor

de que se trata de uma atividade de ldquocriacutetica literaacuteriardquo como a dos dias de hoje quando mesmo em seu

desdobramento posterior em que poderia modernamente receber tal nome a interpretaccedilatildeo dos antigos lidava

com um instrumental de noccedilotildees diferentes das nossas como reafirmado em outras passagens deste trabalho

Embora pareccedila se perder com esta soluccedilatildeo preferiu-se fazer juz ao ldquojuiacutezordquo e recorrer a esta nota 14 eacutethous kaigrave paacutethous ndash talvez aqui como pensados por Dioniacutesio de Halicarnasso no

tratado Da Imitaccedilatildeo Cf Estudo 134 especificamente paacuteg 47 ndash 50 15 O adjetivo feminino poietikecircs sem um substantivo acompanhando-o tende a supor teacutechne Sabemos que

assim Aristoacuteteles nomeia essa aacuterea do saber Como suprir o termo poderia dar a entender o tratado e o

entendimento aristoteacutelicos do objeto quando na verdade parece que o epiacutetome usa o termo para se referir aos

poemas ie agraves composiccedilotildees em verso por oposiccedilatildeo agraves em prosa certamente entendendo-as todas como poesia

e como o termo neutro poiacuteema foi empregado anteriormente por oposiccedilatildeo agrave prosa (loacutegos) optou-se nesta

traduccedilatildeo por suprir ldquocomposiccedilatildeordquo dando a entender o resultado o objeto o poema como ldquoconfecccedilatildeordquo trazendo

tambeacutem a noccedilatildeo do ato em si e da teacutecninca (teacutekhne) Cf Estudo 32 paacuteg 77 ndash 79

O emprego do termo no genitivo junto do artigo e do verbo leacutegei implica uma forte carga

partitiva ao termo ateacute entatildeo o texto versava sobre a elocuccedilatildeo que poderia ocorrer em prosa ou em verso ie

poderia ser um discurso juriacutedico ou um poema liacuterico mas ora sobre a confecccedilatildeo que eacute apenas poeacutetica eis os

112

13 Tambeacutem que Femocircnoe17 a profetiza de Apolo foi quem descobriu18 o epos19 por

professar oraacuteculos em hexacircmetros A partir daiacute aos oraacuteculos seguiram-se [heiacutepeto ] os

feitos20 que lhes eram consonantes nomeando-se ldquoeposrdquo qualquer composiccedilatildeo no metro

14 Outros dizem que por causa da elaboraccedilatildeo e da ampla superioridade21 observada

nos hexacircmetros o hexacircmetro apropriou-se do nome comum de ldquopalavrardquo e passou a ser

chamado ldquoeposrdquo [fala palavra falada]22 bem como Homero tornou sua a alcunha ldquoo poetardquo

e Demoacutestenes ldquoo oradorrdquo uma vez tambeacutem que alguns denominavam ldquoeacuteperdquo [falares plura

de ldquoeposrdquo] as composiccedilotildees em triacutemetros23

15 Os mais egreacutegios poetas do epos satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro24 Paniacuteasis25 e

Antiacutemaco26

16 Desses discorre na medida do possiacutevel acerca da origem da paacutetria e de algumas

histoacuterias particulares27

gecircneros e espeacutecies em que eacute possiacutevel discriminaacute-las No sentido de que sobre elas o que o texto em questatildeo nos

ensina eacute tal discriminaccedilatildeo uacutetil ao gramaacutetico e aquele que busca ler tais composiccedilotildees agora textos tanto o termo

poietikeacute como a secccedilatildeo que se segue estatildeo em concordacircncia com a kriacutesis do item acima Cf Estudo 134 paacuteg

38 16 Eis a biparticaccedilatildeo em dois grandes gecircneros dos quais os nomes poeacuteticos arrolados satildeo espeacutecies de

acordo com o modelo da calssificaccedilatildeo geneacuterica discutida Os termos empregados bem como essa divisatildeo satildeo

objeto do Capiacutetulo 3 do Estudo mais precisamente seccedilatildeo 31 paacuteg 67 ndash 83 17 Cf Estrabatildeo (IX 419) Pausacircnias (X 5 7) e o Escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio (475 22) Composto de phemiacute

e noucircs ie ldquofalarrdquo e ldquopensamentoespiacuteritordquo 18 O termo do verbo epheuriacutesko ldquodescobrirrdquo eacute composto de heuriacutesko que tem o

significado baacutesico do verbo ldquoacharrdquo eacute comum na tratadiacutestica serve para designar a ldquoinvenccedilatildeordquo ndash termo latino

que traduz o grego ndash de um forma poeacutetica ou entatildeo para designar quem a encontra seu ldquoinventorrdquo ou como natildeo

haacute a noccedilatildeo moderna de ldquooriginalidaderdquo e ldquocriaccedilatildeordquo o ldquodescobridorrdquo ndash heureteacutes Esses termos se

empregaratildeo ao longo do texto consecutivamente 19 A palavra teria o significado primitivo de ldquofalardquo sua raiz (F eacute cognata do latim vox ldquovozrdquo 20 No grego tagrave praacutegmata heiacutepeto juntos o termo que designa os feitos as accedilotildees

caracteriacutesticas da poesia eacutepica e o termo que compotildee a etimologia designando tanto a sucessatildeo em relaccedilatildeo aos

oraacuteculos como o elemento de consecuccedilatildeo das accedilotildees ou feitos definidores da espeacutecie Cf Estudo 331 paacuteg 83 21 A ampla superioridade ndash aacutegan hyperokheacuten ndash da composiccedilatildeo hexameacutetrica introduz o

argumento em prol da terceira explicaccedilatildeo etimoloacutegica 22 A etimologia como visto no Estudo 331 paacuteg 83 para aleacutem do sugestivo nome da profetiza que

conteacutem o elemento ldquofalardquo seguiria a sequecircncia eacutepos heacutepomai eacutepous = logos e gt(maior que) outros eacutepe 23 Cf Estudo 331 para a noccedilatildeo de eacutepos associado a outras formas como o triacutemetro ou a oratoacuteria De

qualquer forma o argumento geral eacute o de que outros designavam outras espeacutecies que julgavam ldquoa fala por

excelecircnciardquo pelo termo comum para ldquopalavra faladardquo ie ldquoeposrdquo 24 Pisandro de Camiro c 650 aC A ele eacute atribuiacuteda uma Heracleida que narrava todos os feitos de

Heacutercules 25 Paniacuteasis de Halicarnasso tio de Heroacutedoto morreu por volta de 457 aC A ele se atribui tambeacutem uma

Heracleida em 14 cantos e 900 versos 26 Antiacutemaco de Colofatildeo c 405 aC autor da Tebaida que comporia junto de outro poemas o ciclo

tebano 27 Aqui seguiria a Vita Homeri atribuiacuteda que chegou a noacutes a Proclo Eacute de se supor que para cada um dos

poetas mencionas seguisse uma biografia semelhante Essa passagem e a seccedilatildeo seguinte sobre o ciclo eacutepico

cotejadas com os uacutenicos excertos originais que temos da Crestomatia permitem-nos ter um iacutenfimo vislumbre da

dimensatildeo da obra que de fato pela menccedilatildeo a quatro livros feita no iniacutecio do coacutedice dos quais apenas dois satildeo

resumidos devia ser extensa

113

17 Entatildeo faz consideraccedilotildees sobre o chamado ldquociclo eacutepicordquo que se inicia pelo

intercurso mitoloacutegico entre Ceacuteu e Terra28 a partir do qual geram a ele trecircs filhos centiacutemanos e

trecircs Ciclopes29

18 Passa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre os deuses dos

gregos e diz o que inclusive pode ateacute certo ponto ser verdade em referecircncia agrave histoacuteria

19 Fecha-se o ciclo eacutepico agrave medida que eacute completo pela contribuiccedilatildeo de diferentes

poetas ateacute o desembarque de Odisseu em Iacutetaca quando eacute morto por seu filho Teleacutegono que

natildeo o reconhecera30

20 Fala como os poemas do ciclo eacutepico tecircm se conservado e recebido atenccedilatildeo de

muitos natildeo tanto por sua virtude quanto pela sequecircncia das accedilotildees nele contidas

21 Fala entatildeo o nome e a paacutetria dos que se dedicaram ao ciclo eacutepico

22 Fala entatildeo acerca de certos poemas ldquoCiacutepriosrdquo como alguns os atribuem a Estasino

de Chipre outros lhes inscrevem ldquoHegesino de Salaminardquo Outros dizem que Homero

escreveu-os deu a Estasino por obter-lhe a filha e por causa de sua paacutetria nomeou ldquoCiacutepriasrdquo

a obra 23 Mas de sua parte natildeo se apoia nessa hipoacutetese pois que tambeacutem os poemas natildeo se

intitulam ldquoCiacutepriasrdquo com acentuaccedilatildeo proparoxiacutetona31

24 Diz quanto agrave elegia [elegeiacutea ] ser composta de um verso heroacuteico e um

pentacircmetro32 e acomodar-se33 aos que jaacute partiram 25 E obteve seu nome daiacute os antigos

28 Aqui se iniciava o resumo do ciclo eacutepico Cf Estudo 3312 paacuteg 86 para as conjecturas a respeito

daquilo em que talvez consistisse essa primeira parte do ciclo a julgar pelo paraacutegrafo seguinte (18) em que se

nomeiam as histoacuterias do iniacutecio do ciclo ldquonarraccedilotildees miacuteticasrdquo ou considerando a acepccedilatildeo moderna ldquomitologiardquo 29 Esse episoacutedio cosmogocircnico como apresentado ie sem uma referecircncia expliacutecita agrave geraccedilatildeo de Ceacuteu a

partir de Terra (diferente do que se lecirc em Hesiacuteodo Teogonia 126 ndash 127) derivaria da Titanomaquia de Eumelo

Cf Estudo 3312 paacuteg 88 ndash 90 e Ateneu (Deipnosophistae VII 277d ndash e) 30 Buscou-se manter na traduccedilatildeo a possibilidade de leitura equivocada e a imprecisatildeo que pode geraacute-la a

quem desconhece os episoacutedios do ciclo o desembarque em questatildeo natildeo eacute o da Odisseia em retorno de Troia

mas o que encerra a viagem de Odisseu agrave Tesproacutetia que se narrava na Telegonia de Ecircugamon de Cirene uacuteltimo

poema na cronologia do ciclo 31 Para a extensa consideraccedilatildeo de todos os possiacuteveis tiacutetulos para o poema segundo diferentes autores da

Antiguidade cf Severyns (paacuteg 93 ndash 98) e Ferrante (27 ndash 30) Para a opiniatildeo de Proclo que Foacutecio natildeo menciona

ambos editores e criacuteticos apontam como consideraccedilatildeo final para a passagem de Ateneu (XV 682d) em que

Demodamas sugere como autor Ciacutepria de Halicarnasso Eacute conjetural poreacutem que concordando com

Demodamas Proclo aceitasse que a intitulaccedilatildeo se desse pelo autor sugerindo uma forma genitiva como

intitulaccedilatildeo que a formulaccedilatildeo de Foacutecio sugere Vale lembrar que no excerto sobre as Ciacuteprias Proclo informaria

sua discordacircncia sobre a intitulaccedilatildeo do poema e diria que para evitar a interrupccedilatildeo da continuidade do discurso

discutiria posteriormente esse toacutepico como um excurso Pelo menos quanto agrave ordem portanto o resumo de

Foacutecio seria fiel pois eacute de supor que tal excurso ocorresse apoacutes o resumo do ciclo e antes de abordar a elegia Isso

tambeacutem explica por que natildeo haveria razotildees para que Proclo natildeo considerasse as Ciacuteprias como parte do ciclo

(Severyns paacuteg 98) uma vez que dos resumos do ciclo esse eacute o uacutenico que natildeo conteacutem uma atribuiccedilatildeo em seu

iniacutecio 32 Como observado no caso do epos a exposiccedilatildeo segue o criteacuterio metro-mateacuteria explicando o

desenvolvimento da espeacutecie a partir dos usos do metro Cf Estudo 3312 paacuteg 86 332 paacuteg 90 em diante 33 Cf supra sect14 suacutemphona explicitando o criteacuterio metro-mateacuteria pontuando a invenccedilatildeo da espeacutecie e seu

desenvolvimento a partir da mateacuteria que a princiacutepio se lhe acomodava naturalmente

114

chamavam ao treno34 eacutelegos [ ] e atraveacutes dele elogiavam [euloacutegoun ] os

mortos35 26 Os poacutesteros36 contudo usaram ldquoelegiardquo amplamente para diferentes

argumentos

27 Fala entatildeo que exceliram nesse metro Calino de Eacutefeso37 e Mimnermo de

Colofatildeo38 mas tambeacutem o filho de Teacutelefo Filetas de Coacutes39 e Caliacutemaco filho de Bato (esse era

de Cirene)40

28 Jaacute no que diz respeito ao iambo [ ] primeiro em tempo antigo era atribuiacutedo

agrave ralhaccedilatildeo41 inclusive de acordo com certo dialeto ldquoiambizarrdquo [ldquoiambiacutezeinrdquo ] era

nome para ldquoralharrdquo42

29 Uns dizem ser por causa de certa criada Iambe [Iaacutembe ]43 de origem

traacutecia Ela quando Demeacuteter estava de luto pelo rapto de sua filha foi ateacute as redondezas de

34 Para a interpretaccedilatildeo de que a elegia haveria derivado do treno cf Harvey The Classification of Greek

Lyric Poetry The Classical Quarterly New Series Vol 5 No 34 (Jul - Out 1955) pp 157-175 35 O trinocircmio elegia eacutelegos elogio eacute a etimologia baacutesica que subjaz a essa exposiccedilatildeo da descoberta e do

desenvolvimento da espeacutecie Cf Estudo 332 paacuteg 90 a 94 36 Hoi metageneacutesteroi os poacutesteros ndash o texto mesmo pontua como etapa posterior ao uso primeiro do

diacutestico para o lamento fuacutenebre seu uso para diferentes argumentos hypotheacuteseis 37 Viveu por volta do seacuteculo VII a c e pelo que sabemos de sua poesia que nos chega fragmentada seria

de caraacuteter beacutelico e guerreiro recorrendo aos exemplos dos mitos que seratildeo posteriormente circunscritos ao

ciclo eacutepico (FERRANTE paacuteg 32) para exortar ao combate e agrave bela morte Portanto entendida a definiccedilatildeo da

elegia ao peacute da letra mesmo o mais velho elegiacuteaco natildeo a ilustra eacute de se supor portanto que ele mesmo jaacute ilustre

o uso do metro para ldquodiferentes argumentosrdquo o caraacuteter lamentoso e primordial do metro abarcaria por exemplo

a exortaccedilatildeo agrave morte na guerra uma vez que pressupotildee a situaccedilatildeo fuacutenebre independente dos poemas ou desse

tipo de poema suporem quando da sua composiccedilatildeo uma execuccedilatildeo primeira e um funeral ou funerais como

ocasiatildeo em performance especiacutefica uma vez que mesmo que nas situaccedilotildees em que um poema se destinasse agrave

uma performance especiacutefica sua execuccedilatildeo poderia se dar tambeacutem em um simpoacutesio posteriormente 38 Viveu entre o final do seacuteculo VII e o iniacutecio do seacuteculo VI a C seu lamento eacute de caraacuteter amoroso Foi

imitado pelos heleniacutesticos e a ele Galo e os demais elegiacuteacos romanos fazem remontar a elegia eroacutetica

tomando-o por seu descobridor 39 Poeta e gramaacutetico agrave maneira alexandrina mestre de Zenoacutedoto e Teoacutecrito seria tambeacutem reconhecido

pelos romanos o intermediaacuterio heleniacutestico da elegia eroacutetica no iniacutecio nos meandros do seacuteculo IV aC 40 Seacuteculo III aC foi disciacutepulo de Hermoacutecrates e Praxiacutefanes o peripateacuterico disciacutepulo de Teofrasto

Fundou uma escola de gramaacutetica em Alexandria seguindo os passo do mestre que se dedicara especificamente a

esse saber Compocircs sob a corte de Ptolomeu II o Filadelfo e Ptolomeu III o Eveacutergeta Foi o grande propagador

da poesia breve e cultista de base Heleniacutestica a quem se filiaraacute entre os romanos Catulo modelo dos elegiacuteacos

junto a Galo Cultivou aleacutem da elegia o epigrama o hino o epiacutelio e o iambo 41 Cf Estudo 333 paacuteg 94 42 Eacute impossiacutevel identificar a que dialeto o texto se referia uma vez que se o fizesse Foacutecio natildeo o anotou

Tanto Severyns (28 2 paacuteg 105) como Ferrante (28 paacuteg 33) remetem a Chantraine (La Formation des Noms en

Grec Ancien paacuteg 260) pontuando que de fato a formaccedilatildeo do nome em questatildeo eacute externa ao grupo indo-

eruropeu Talvez se a indefiniccedilatildeo do texto do epiacutetome partiu do texto do proacuteprio Proclo os proacuteprios antigos

percebessem a palavra como estrangeira sem poder identificar sua origem 43 A primeira e uma das poucas etimologias eponiacutemicas que ocorrem no epiacutetome O argumento baacutesico ndash

note-se ndash eacute etioloacutegico ie e funciona como outras explicaccedilotildees que apareceratildeo ao longo do cataacutelogo de

subespeacutecies meacutelicas haacute um marcante evento miacutetico ou histoacuterico que uma vez aceito eacute por si mesmo argumento

para a adoccedilatildeo de um costume e repeticcedilatildeo da forma Neste caso a accedilatildeo da criada de nome Iambe seria modelar do

que se faz com os iambos tanto que de seu nome derivaria o proacuteprio nome do metro Embora natildeo se possa

dizer que tambeacutem eponiacutemica a associaccedilatildeo do hexacircmetro a Femocircnoe (sect14) continha um argumento de base

etioloacutegica semelhante na medida em que localiza em um passado remoto um acontecimento que se fixa como

praacutetica Esse tipo de argumento seraacute amplamente usado na exposiccedilatildeo das subespeacutecies liacutericas na liacuterica sacra por

115

Elecircusis e apoacutes subir sobre a pedra hoje chamada ldquoSolenerdquo44 por meio de algumas zombarias

levou a deusa agrave gargalhada45

30 Parece que em tempo antigo poreacutem dizia-se o iambo para o que era composto

visando ao vitupeacuterio e ao enaltecimento igualmente Como alguns sobreabundaram o metro

nas maledicecircncias a partir daiacute o ldquoiambiacutezeinrdquo [ldquoiambizarrdquo ]46 por forccedila do haacutebito

acabou por ser ldquohybriacutezeinrdquo [ldquoimprecarrdquo ] bem como por causa dos ldquococircmicosrdquo

[komikoiacute ] ldquokomiacutezeinrdquo [ldquoridicularizarrdquo ]47

31 De iambos Arquiacuteloco de Paros eacute o melhor poeta seguido de Semocircnides de

Amorgos ndash de Samos segundo uns ndash e Hipocircnax de Eacutefeso dos quais o primeiro floresceu na

eacutepoca de Giges48 o segundo na de Amintas o macedocircnio49 por fim Hipocircnax durante o

periacuteodo de Dario50

32 Sobre a poesia meacutelica51 diz que eacute a mais diversificada e comporta diferentes

divisotildees

33 Parte dela encontra-se distribuiacuteda para deuses parte para homens parte para

deuses e homens e parte para as circunstacircncias acidentais

exemplo eacute usado na explicaccedilatildeo do nomo (sect44) entre as subespeacutecies sacras e seculares na explicaccedilatildeo da

dafneforia (sect70 ndash 73) das canccedilotildees tripodefoacutericas (sect80 ndash 86) das oscofoacutericas (sect89) etc 44 Chama a atenccedilatildeo o silecircncio de Pausacircnias (I 38 6 e I 39 I) a respeito da pedra Cf Severyns paacuteg 108

6 ndash as referecircncias tardias pontuadas pelo autor sugerem que se trate de um elemento proverbial e posterior que se

preencheu em um episoacutedio antigo e conhecido que remonta afinal ao Hino Homeacuterico a Demeacuteter (197 ndash 204)

em que tal criada aparece e de fato faz a deusa rir mas no palaacutecio do rei Celeo e sob seu senhorio em uma

versatildeo diferente da histoacuteria Referem-se agrave pedra Apolodoro (I 30) o Escoacutelio a Aristoacutefanes (Cavaleiros 785) e o

Suda ( 49 ADLER) 45 Severyns (paacuteg 107 ndash 109) fornece detalhadamente todas as referecircncias para essa versatildeo da histoacuteria

valendo menccedilatildeo a mesma passagem de Apolodoro que apresenta a histoacuteria semelhantemente e o Escoacutelio a

Hefestiatildeo (214 9 Consbruch) que apresenta a versatildeo homeacuterica 46 Cf Ferrante 32 ndash 33 n 28 para a etimologia a partir de ldquoiagraven baacutezeinrdquo ldquo rdquo ldquolanccedilar a vozrdquo

(Et Magn 463 29) bem como para a possibilidade a partir do homeacuterico iaacute ldquolanccedilas setasrdquo (Il 20 68) +

baacutezein ie ldquolanccedilar setasrdquo metaacutefora poeacutetica para imprecar (cf Catulo 116)47 O termo que de iniacutecio significava apenas integrar um koacutemos ie uma farra folia patuscada pacircndega

um cortejo festivo passa a designar no desenvolvimento da trageacutedia ldquocompor um coro cocircmicordquo e por

metoniacutemia satirizar detratar fazer de algo ou algueacutem objeto da criacutetica cocircmica Esse processo teria igualmente

ocorrido em relaccedilatildeo ao emprego abundante do iambo para a imprecaccedilatildeo de modo que o proacuteprio verbo

ldquoofenderrdquo ldquoinjuriarrdquo (hybriacutezein passa a ter o mesmo emprego que ofender sem implicar a

composiccedilatildeo de versos iacircmbicos Essa uacuteltima passagem natildeo eacute senatildeo uma ampliaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da primeira

etimologia apresentada que apenas endossa a opiniatildeo de Aristoacuteteles para a origem do iambo (Cf Estudo 333

paacuteg 94) 48 Arquiacuteloco teria vivido na primeira metade do seacuteculo VI aC Giges que eacute dado como referecircncia foi o

rei liacutedio de 689 a 653 aC Menciona-o fragmento 19 do poeta (Gerber) Sua poesia nos chega fragmentada e

faz menccedilatildeo de um eclipse que ocorreu em 6 de abril de 648 aC o que nos permite situar sua atividade poeacutetica

pelo menos ateacute essa deacutecada Sabemos que compocircs elegias tambeacutem mas eacute geralmente referido como o primeiro

poeta iacircmbico entre os gregos como se vecirc por exemplo na Ars de Horaacutecio (79) 49 Trata-se de Amintas I da Macedocircnia que teria vivido entre 540 e 498 aC o que colocaria Semocircnides

depois de Arquiacuteloco na segunda metade do seacuteculo VI aC Dele nos resta algo em torno de 40 fragmentos

dentre os quais o mais famosos seria o fragmento 6 (WEST) ldquoContra as Mulheresrdquo 50 Segundo esse testemunho Hipocircnax teria vivido aproximadamente entre 521 e 485 aC eacute considerado o

descobridor do coliambo 51 Sobre a divisatildeo cf Estudo 334 paacuteg 95

116

34 Aos deuses de um lado referem-se hino prosoacutedio peatilde ditirambo nomo

adoniacutedia iobaco hiporquema

35 Aos homens de outro encocircmios epiniacutecio escoacutelios eroacuteticas espitalacircmios

himeneus silos trenos e epiceacutedios

36 Aos deuses e homens partecircnias dafnefoacutericas tripodefoacutericas oscofoacutericas ecircuticas

pois essas eram escritas para deuses e compreendiam enaltecimentos de homens

37 A que se refere agraves circunstacircncias acidentais natildeo eacute uma espeacutecie da meacutelica mas eacute

atentada pelos proacuteprios poetas

38 Diz que o hino [hyacutemnos ]52 recebe seu nome pelo fato de ser algo

ldquohypoacutemononrdquo [ldquopersistenterdquo ]53 e por conduzir desse modo agrave mneacuteme [memoacuteria

] e agrave hypomneacutesis [rememoraccedilatildeo ] as accedilotildees dos hineados [hymnoucircmenoi

]54 ou tambeacutem pelo ldquohydeicircnrdquo [ldquonomearrdquo ] que eacute o mesmo que ldquodizerrdquo55

52 Do sacircnscrito syuman (ldquoligaccedilatildeordquo) Essa noccedilatildeo se confere no latim suo (coser) bem como em palavras

gregas com a noccedilatildeo geral de ldquourdidurardquo ldquotecidordquo ldquopelerdquo υμην (membrana) υφη (teia urdidura) υφαινω

(sinocircnimo do latim suo ie tecer) ndash Exemplos de Ferrante paacuteg 38 n 38 53 Essa hipoacutetese eacute verossiacutemil linguisticamente e nos eacute apresentada pelo Et Mag 777 2 dizendo apenas

que se trata de siacutencope υμνος derivaria de υπομονος palavra postulada e teoacuterica (uma vez que temos o verbo

ldquorestarrdquo e o substantivo deverbal ldquopersistecircnciardquo mas natildeo o adjetivo em questatildeo) por

apoacutecope e assimilaccedilatildeo υπομονος passaria a υμμονος e depois por simplificaccedilatildeo e siacutencope cairia o [o] de

μονος resultando υμνος (Ferrante idem) A etimologia antiga como se sabe pauta-se natildeo soacute na proximidade

das palavras mas tambeacutem em seu significado Essa etimologia teoacuterica contribui portanto para a noccedilatildeo cabal de

que na percepccedilatildeo antiga um hino o eacute porque ldquopersistenterdquo ie hino eacute algo que visa permanecer daiacute a

associaccedilatildeo direta e primeira entre hyacutemnos e hypoacutemonos a partir da qual na formulaccedilatildeo dessa etimologia se

parte para as demais associaccedilotildees paroniacutemicas 54 Tais formas se associariam morfoloacutegica e semanticamente (e daiacute etimologicamente) ao binocircmio

hyacutemnos - hypoacutemonos expandindo-o Dessa associaccedilatildeo baacutesica decorre que a espeacutecie poeacutetica recebe seu nome

porque opera com a mneacuteme a capacidade de retenccedilatildeo na memoacuteria e com a hypomneacutesis a capacidade de

rememorar o que foi armazenado em relaccedilatildeo agraves accedilotildees dos hineados Dessarte os demais termos ocorrem para

explicar a associaccedilatildeo primeira com uma palavra teoacuterica ie porque o hino eacute ldquopersistenterdquo Talvez devecircssemos

considerar o contraacuterio que a palavra teoacuterica se postula a fim de permitir a associaccedilatildeo com as outras que

explicariam o nome do gecircnero A se diz por causa de B que se diz em funccedilatildeo de C e D seguindo-se E Este

uacuteltimo termo explica o uacuteltimo elemento da exposiccedilatildeo do coacutedice em que os ldquohineadosrdquo (hymnoucircmenoi) satildeo

praticamente os ldquorelembradosrdquo

Esse eacute o esquema etimoloacutegico de dois outros textos semelhantes a esse passo do coacutedice de Foacutecio o

leacutexico de Oacuterion 155 22 (fundamental porque ele teria sido professor de Proclo) e Et Magnun 777 2 (que como

se sabe junto do Et Gudianum pauta-se no gramaacutetico Oacuterion em vaacuterios de seus verbetes) O cotejo completo

encontra-se em Severyns II 38 paacuteg 117 Ambas as referidas passagens (esta baseada naquela) atribuem a

etimologia a Diacutedimo e sua obra Acerca dos Poetas Liacutericos citados nominalmente nos dois textos 55 Apenas pelo lsquo rsquo o verbo em questatildeo viria agrave etimologia porque condensa as noccedilotildees anteriores e a antiga

funccedilatildeo religiosa subjacente agrave origem da espeacutecie em questatildeo o celebrar de um deus finalidade do hino

consistiria em relembrar ie trazer agrave tona seus feitos suas accedilotildees ( praacutexeis) manter a memoacuteria delas

Essa etimologia encontra-se nos leacutexicos antigos e provavelmente adveacutem dos autores heleniacutesticos uma vez que o

uso do verbo parece reintroduzido na liacutengua pelos poetas de tal periacuteodo cf Severyns idem paacuteg 119 Tanto no

Et Magnun como no Et Gudianum provavelmente contemplando o uso heleniacutestico aparece junto dos verbos

e como sinocircnimo primeiro de ldquo rdquo Para a derivaccedilatildeo antiga da palavra por exemplo o Et

Gud 539 56 ldquo

rdquo ndash ldquohyacutedein sinaliza o hyacutemnein surge a patir do verbo hymnocirc pela queda

do lsquonrsquo hymocirc e mudanccedila do lsquomrsquo para lsquodrsquo hyacutedo pelo recuo do acentordquo A associaccedilatildeo entre os dois verbos para a

qual tambeacutem se apresenta uma formaccedilatildeo teoacuterica nos leacutexicos posteriores ao texto do epiacutetome parece apontar de

qualquer modo dentro dessa classificaccedilatildeo de base gramatical para a necessidade de reforccedilar pelo emprego de

117

39 Chamavam hino em geral toda composiccedilatildeo aos que satildeo superiores56 por isso

aparecem contrapondo o prosoacutedio e as demais canccedilotildees mencionadas ao hino como a espeacutecie

ao gecircnero Assim dos que escrevem57 podem-se ouvir coisas como ldquohino de prosoacutediordquo ldquohino

de encocircmiordquo ldquohino de peatilderdquo e semelhantes58

40 O prosoacutedio [prosoacutedion ] era entoado quando se seguia em procissatildeo

[prosiacuteosi ] ao altar ou ao santuaacuterio e na procissatildeo [prosieacutenai ] era

cantado [eiacutedeto ]59 ao som do aulo O hino propriamente se cantava ao som da ciacutetara

uma vez que se estivesse parado60

um termo que tambeacutem eacute heleniacutestico a exposiccedilatildeo da espeacutecie como ldquodiegeacuteticardquo ou narrativa bem como

caracterizar a forma poeacutetica como celebraccedilatildeo de accedilotildees Em outras palavras aventa-se a possibilidade de que natildeo

eacute senatildeo pelas accedilotildees as praacutexeis anteriormente mencionadas que as duas explicaccedilotildees estatildeo aqui postas juntas

uma vez que nesta ocorrecircncia o verbo tenha as accedilotildees por objeto (hyacutedein autagraves) Eacute provaacutevel portanto que o

texto de Proclo as propunha contiguamente e natildeo opostamente jaacute que como mostrado por Severyns (paacuteg 120)

eacute tambeacutem por essa possibilidade que o texto do epiacutetome mencionaraacute outra disposiccedilatildeo para o hino em relaccedilatildeo agraves

outras espeacutecies dentro da classificaccedilatildeo geneacuterica a saber como gecircnero para as demais espeacutecies (infra n 58) 56 hyperoacutentas eacute correccedilatildeo de Severyns proposta a partir das referidas passagens de Oacuterion e do

Et Mag que trazem ldquo hypereacutekhontasrdquo sinocircnimo uma vez que o texto de Foacutecio traz

ldquo hypereacutetasrdquo (servo do deus) o que implicaria um contrassenso uma vez que o hino faz parte da

liacuterica sacra 57 A passagem parece ambiacutegua e aqui se pretendeu manter essa ambiguidade Natildeo eacute possiacutevel estabelecer

apenas pela passagem se tocircn graphocircnton designa aqueles que escrevem sobre hinos referindo-se a como outros

textos e classificaccedilotildees geneacutericas referem-se aos hinos e os nomeiam ou se isso parte daqueles que compuseram

tais hinos e portanto o referente do particiacutepio seriam os poetas A opccedilatildeo por ldquoescrevemrdquo e natildeo ldquocompotildeemrdquo na

traduccedilatildeo visa manter as duas possibilidades de leitura Das duas passagens semelhantes Oacuterion (155 22) e o Et

Magnun (777 2) apenas a primeira emprega o termo referindo-se aos que compotildeem com certeza e eacute por isso

mesmo que essa provavelmente seria a leitura correta Natildeo nos cabe emendar o texto poreacutem 58 Conforme as aludidas passagens de Oacuterion e do Etymologicum Magnum Diacutedimo distinguia entre duas

classificaccedilotildees Uma consideraria o hino particularmente como espeacutecie meacutelica sacra separada das demais

mencionadas no epiacutetome outra tomaria o temo de forma geneacuterica no sentido de que seu significado geral

abarcaria as demais formas sacras como espeacutecies Da exposiccedilatildeo anterior de fato se pode conjecturar que como

um hino eacute um louvor qualquer louvor poderia ser designado ldquohinordquo cantando-se as accedilotildees do ldquohineadordquo

inclusive referindo-se a homens e natildeo deuses A denominaccedilatildeo particular poreacutem a que Diacutedimo se filia

distinguia todas essas formas como espeacutecies pelo criteacuterio do destinataacuterio e por traccedilos circunstanciais

particulares apesar do mesmo testemunhar a generalizaccedilatildeo do termo que relacionava o hino a outras espeacutecies

liacutericas que empreendiam um elogio De acordo com Diacutedimo estaacute Amocircnio Sacoacuteforo (Diff Verb p 139

Valckenaer) quando diz que ldquoυμνος εγκωμιου διαφερει ο μεν γαρ υμνος εστι θεων το δε εγκωμιον ανθρωπωνrdquo (o hino difere do encocircmio o hino eacute proacuteprio dos deuses o encocircmio dos homens) tambeacutem se encontra passagem

similar no Etym Gud (540 42) ldquoο μεν υμνος επι θεου λεγεται το δε εγκωμιον επι ανθρωπουrdquo (o hino se diz a

um deus o encocircmio a um homem) A distinccedilatildeo jaacute ocorria na Repuacuteblica de Platatildeo (X 607a) quando absolvia do

ostracismo os ldquohinos aos deuses e os encocircmios ao virtuososrdquo A diferenciaccedilatildeo entre hino e as demais espeacutecies

sacras se daraacute logo em seguida no texto do epiacutetome quando se aborda a segunda delas no cataacutelogo de Proclo o

prosoacutedio (cf infra n 60) Cf igualmente Severyns paacuteg 119 em que organiza claramente as trecircs interpretaccedilotildees

de hino em relaccedilatildeo agraves demais formas poeacuteticas

Para a confusatildeo entre o hino e as formas encomiaacutesticas cf tambeacutem Harvey (1955) 59 Seria portanto combinando os trecircs termos arrolados na paroniacutemia explicativa da etimologia uma

ldquocanccedilatildeo em procissatildeordquo Aqui o que a etimologia faz eacute tatildeo somente explicar por outras palavras os termos do

composto que nomeia a espeacutecie a preposiccedilatildeo proacutes que daacute a noccedilatildeo de ldquoem direccedilatildeo ardquo que compotildee os verbos de

movimento que permitem designar o caminhar da procissatildeo (pros + ieacutenai) e o verbo ldquocantarrdquo (aiacutedo) donde o

ldquocantordquo ldquoa oderdquo ( oacuteide) 60 Aqui a distinccedilatildeo entre o hino como espeacutecie particular ndash o ldquohino propriamenterdquo ldquo rdquo ndash em

relaccedilatildeo agraves demais que remonta ateacute onde nos eacute possiacutevel saber a Diacutedimo Segundo o Et Magn 690 ldquoπροσωδια

παρα το προσιοντας ναοις η βωμοις προς αυλον αδειν ltαντιgt δια ltστελλεταιgt δε των υμνον οτι τους υμνους

προς κιθαραν εστωτες αδουσιν Ουτω Διδυμος εν τω περι λυρικων ποιητωνrdquo ndash ldquoos prosoacutedios foram assim

118

41 O peatilde [paiacutean ] eacute uma espeacutecie de canto nos nossos dias escrito para todos

os deuses mas em tempo antigo se dedicava propriamente a Apolo e a Aacutertemis sendo

cantado pela democcedilatildeo [katapauacutesei ] de pestes e moleacutestias61 Alguns chamam

peatildes por extensatildeo os prosoacutedios62

42 O ditirambo [dithyacuterambos ]63 eacute composto para Dioniso e denominado

a partir dele ou por Dioniso ter crescido sob o monte Nisa em uma caverna diacutethyros

chamados pois os que se aproximam dos templos ou altares cantam ao acompanhamento de aulo Opotildeem-se aos

hinos pois os cantam parados ao acompanhamento de ciacutetara Assim disse Diacutedimo no Acerca dos Poetas

Liacutericosrdquo

Sobre a forma hestoacuteton ( ) considerando que ocorre similarmente nos textos semelhantes

Severyns observou (124 6 citando o Etm Magnun 690 41) que sendo a espeacutecie executada por um coro pelo

menos em origem dificilmente o termo aqui se emprega ao peacute da letra O termo poderia ter o sentido de

estaacutesimo como na trageacutedia ou seja ldquouma paradardquo em relaccedilatildeo ao movimento geral pela orquestra mas com uma

coreografia o que significaria que o coro faria as evoluccedilotildees tiacutepicas da estrutura estroacutefica junto ao canto e agrave

composiccedilatildeo instrumental por oposiccedilatildeo aos meacutele hyporkheacutemata aqueles que possuiacuteam uma danccedila e aos meacutele

prosoacutedia esses opostos aos dois por ser em procissatildeo Contudo em se tratando de um genitivo absoluto o que

se tentou manter na traduccedilatildeo podemos aventar igualmente uma explicaccedilatildeo mais simples o termo estaacute a

continuar a oposiccedilatildeo entre o ldquohino em sentido proacutepriordquo o hyacuterios hyacutemnos e o prosoacutedio significando que aquele

se iniciava apoacutes este ou seja apoacutes o teacutermino da procissatildeo ldquouma vez que se estivesse paradordquo Note-se que uma

possibilidade natildeo nega a outra e ambas me parecem presentes porque isso inclusive explicaria primeiro os

hyporkheacutemata em particular como espeacutecie (seguindo o raciociacutenio do cataacutelogo) assim como em segundo a

ausecircncia de explicaccedilatildeo para estes no epiacutetome (cf n 77) 61 A etimologia se constitui pela proximidade do nome da canccedilatildeo com o termo ldquocessaccedilatildeo democcedilatildeordquo

( katapapaucircsis) e aqui a classificaccedilatildeo da espeacutecie se faz em prol da etiologia antiga Busca-se um

termo que lhe seja proacuteximo do ponto de vista do significante mas tambeacutem do significado Assim os leacutexicos (Et

Mag 657 2) traratildeo uma derivaccedilatildeo teoacuterica e dentre eles o Et Gudianum (446 50) daraacute como fonte Diacutedimo

Vale nota que o Et Magnum e o escoacutelio a Platatildeo (Banquete 177a) datildeo amostra da preocupaccedilatildeo terminoloacutegica

que perfaz a classificaccedilatildeo do epiacutetome pois embora ambos consoem com Proclo e este segundo empregue

praticamente a mesma formulaccedilatildeo do epiacutetome (ldquo rdquo)

ambos empregam o termo hyacutemnos propondo o peatilde como um tipo de hino evidenciando que o uso de ldquohinordquo

como gecircnero para espeacutecies era corrente na tratadiacutestica

Derivaria de παιω tambeacutem (cf lat pauio pauimentum) ldquobater percutirrdquo (cf Dioniacutesio Traacutecio) mas pela

mesma razatildeo etioloacutegica acima explicada pois Apolo batendo com seu bastatildeo demoveria os males Haveria

tambeacutem a derivaccedilatildeo do nome pela expressatildeo caracteriacutestica que se dizia ao longo do canto ldquo rdquo (cf

Ateneu XV 696d ndash 697b) Em tempos poacutes-homeacutericos o termo foi confundido com Peatildeo deus da medicina (cf

Ferrante paacuteg 43 n41) evidentemente associado a Apolo e jaacute Aacutertemis sua irmatilde era tambeacutem destinataacuteria do

canto como testemunha o epiacutetome Entatildeo o canto seria ou uma suacuteplica pela liberaccedilatildeo como testemunha Homero

no canto I da Iliacuteada (472 ndash 4) ou um agradecimento ao deus por ela Daiacute que como ldquoaccedilatildeo de graccedilardquo ndash termo que

Severyns ndash penso ndash emprega sem erro o peatilde passou a servir de agradecimento a diferentes deuses e por

diferentes accedilotildees A Vida de Soacutefocles (III) conta-nos que o tragedioacutegrafo teria se destacado ainda jovem por

conta de um peatilde em agradecimento pela vitoacuteria em Salamina Parece que natildeo muito mais tarde (embora seja

impossiacutevel precisar se a praacutetica jaacute era corrente mesmo anteriormente) peatildes passaram a se compor para homens

Ateneu (supra) arrola diferentes exemplos de peatildes para mortais dos quais merece destaque o referido por

Plutarco na Vida de Lisandro (18) o general espartano ndash Cf Severyns (127 3) 62 Tanto Severyns (41 7 paacuteg 129) como Ferrante (41 paacuteg 45) a julgar pela diferenciaccedilatildeo inferem que a

confusatildeo se dava porque antes do canto de um peatilde propriamente haveria uma procissatildeo ao templo do deus a

que se agradeceria o que se faria ao som de um prosoacutedio propriamente e este poderia ser designado pelo

criteacuterio apenas da finalidade da ocasiatildeo um peatilde ignorando-se os elementos formais explicitados Ambos autores

tambeacutem datildeo como referecircncia para o estudo e a bibliografia a respeito do peatilde A Fairbanks A study of the greek

paean New York 1900 L Deubner Neue Jahrbuumlrch 1919 p 585 L Delatte in Antiquiteacute classique 7 (1938)

p 23 ndash 29 Sobre o a confusatildeo entre os gecircneros sacros e a impossibilidade de estabelecer o que consistia cada

um Harvey (op cit1955) 63 Segundo alguns o termo eacute de origem liacutedia mas a etimologia eacute incerta Διθυραμβος era uma outra

designaccedilatildeo de Dioniso e mais tarde tornou-se o nome do canto em honra ao deus o que seria embora isso talvez

119

[bifurcada ]64 ou por ter sido encontrado quando se abriram as rhaacutemmata [suturas

] de Zeus65 ou porque nasceu ndash ao que parece ndash duas vezes [diacutes ] a primeira de

Secircmele e a segunda da coxa66

43 Piacutendaro diz que o 67ditirambo foi descoberto em Corinto e Aristoacuteteles fala que o

inaugurador desse canto eacute Aacuterio quem primeiro conduziu um coro em ciacuterculo68

44 Jaacute o nomo [ ] era composto para Apolo que por sua vez tem seu epiacuteteto

derivado dele69 de fato Apolo eacute ldquoNocircmimosrdquo [ ]70 ndash foi chamado ldquoNocircmimosrdquo

porque estando os antigos a dispor o coro e cantar o nomo ao som da lira ou do aulo

Crisocirctemis o cretense vestindo pela primeira vez uma exuberante estola e sacando uma ciacutetara

por imitaccedilatildeo de Apolo cantou sozinho [monos ]71 um nomo Como ele foi aclamado a

maneira do concurso permanece

45 Ao que tudo indica primeiro Terpandro aperfeiccediloou o nomo empregando o metro

heroico Depois natildeo foi com pouco que contribuiu Aacuterio de Metimna ele mesmo sendo poeta e

fosse desconhecido dos antigos um epocircnimo Para diferentes possibilidades etimoloacutegicas associadas a aspectos

do culto de Dioniso a partir do grego e de outras liacutenguas cf Ferrante (42 paacuteg 45 ndash 46) 64 De δις + θυρα cf lat fores (com duas portas) cf Herodiano (II 492 28 Lentz) apud Ferrante (op cit

idem) e Piacutendaro (fr 76 BOWRA) A mesma etimologia ocorre no Et Magnum (274 44) e no Escoacutelio a

Apolocircnio de Rodes (IV 1131 Wendel) 65 O simples segmento focircnico [-ram-] - seria suficiente para se fazer a associaccedilatildeo a outro episoacutedio

conhecido sobre a mitologia em torno de Dioniacuteso a saber sua segunda gestaccedilatildeo na coxa de Zeus gerando a

associaccedilatildeo entre dithyacuterambos e a locuccedilatildeo ldquolugravethi rhammardquo ( ) frase com que Zeus teria consumado o

nascimento definitivo de seu filho cujo significado seria ldquosoltem-se as suturasrdquo Essa etimologia encontra-se

tambeacutem no Et Magn (274 50) e era ao que tudo indica poeacutetica remontando a Piacutendaro (fr 75 BOWRA) 66 O uacuteltimo elemento associado ao numeral dois ldquoduas vezesrdquo ndash [dis] - - eacute uma etimologia meramente

semacircntica e tambeacutem associada a um segmento focircnico A rigor essa etimologia eacute a melhor demonstraccedilatildeo do aqui

se denomina uma etimologia etioloacutegica porque na verdade eacute a somatoacuteria de partes da palavra cada uma

remetendo a outra palavra que por sua vez representa um elemento do mito de nascimento do deus compondo

seu significado geral e a origem de um nome que entre os gregos mesmos era de origem incerta As diferentes

partes dessa etimologia em que cada associaccedilatildeo contribui para a inserccedilatildeo do mito no significado da palavra

aparecem aleacutem do Et Magn (274 44) no Et Gud (146 24 e 43) de modo que neste se observa a mesma

associaccedilatildeo entre ldquoduas viasrdquo e ldquodois nascimentosrdquo ndash cf Severyns 42 8 paacuteg 132 67 Cf Ferrante (43 paacuteg 46) Piacutendaro Ol 13 25 68 Aristoacuteteles Pol VIII 7 1342 b 7 Para Aacuterio c 625 aC cf Heroacutedoto (I 23 ndash 24) 69 A melhor explicaccedilatildeo para tal passagem eacute de Severyns (op cit 44 1 paacuteg 137) buscando brevidade

didaacutetica na exposiccedilatildeo Foacutecio teria pecado no estilo produzindo a ambiguidade da passagem que na sua

literalidade daacute a entender primeiro que Apolo herdou seu epiacuteteto do canto Como Severyns observa a passagem

sequer faria sentido caso se pensasse que Foacutecio a entendeu dessa maneira 70 Severyns (idem 2) e Ferrante (n 44 paacuteg 48) concordam que noacutemimos seria a variaccedilatildeo adotada por

Foacutecio mas para fins etimoloacutegicos Proclo provavelmente empregava a forma noacutemios constante na recorrecircncia

dessa etimologia O epiacuteteto de Apolo poderia tanto ser cognato de ldquoneacutemo pastorearrdquo significando

ldquopastorilrdquo como de ldquonoacutemos leirdquo significando algo como ldquoprovedor de leisrdquo ndash Severyns (44 4 paacuteg 139) 71 Aventa-se aqui a possibilidade de que como em sect65 em que Foacutecio expotildee a etimologia que prefere em

funccedilatildeo do lsquomrsquo de moacutenos Foacutecio esteja explicando seu emprego natildeo em vatildeo e natildeo meramente estiliacutestico de

noacutemimos em vez de noacutemios que devia constar no texto de Proclo Essa hipoacutetese seria consoante agrave confusatildeo que

ocorre no iniacutecio do trecho de modo que aqui Foacutecio estaria nos informando que haveria uma confusatildeo entre o

epiacuteteto do deus e o nome da subespeacutecie nome que sofreria uma sutil modificaccedilatildeo em funccedilatildeo do evento

estabelecedor da praacutetica performaacutetica que passa a caracterizaacute-lo Assim teriacuteamos duas etimologias combinadas

uma claramente epocircnima outra uma variaccedilatildeo etioloacutegica

120

citaredo 46 Friacutenis de Mitilene inovou-o juntou o hexacircmetro ao verso livre e utilizou mais de

sete cordas 47 Posteriormente Timoacuteteo levou-o a seu arranjo atual72

48 O ditirambo eacute movimentado junto agrave danccedila uma manifestaccedilatildeo de entusiasmo em

alto grau elaborado para as paixotildees muito proacuteprias do deus eacute agitado quanto ao ritmo e

emprega de forma mais simples as palavras 49 O nomo pelo contraacuterio por causa do deus

distende-se de forma ordenada e magnificente distende-se no ritmo e emprega as palavras

compostas73

50 Natildeo diferentemente cada um tambeacutem emprega as escalas proacuteprias pois o primeiro

afina-se ao friacutegio e ao hipofriacutegio e o nomo ao sistema liacutedio dos citaredos74

51 Ao que parece o ditirambo foi descoberto a partir da brincadeira das crianccedilas

pelos campos e da animaccedilatildeo entre os eacutebrios O nomo por sua vez parece decorrer do peatilde ndash

este eacute mais comum sendo escrito para a deprecaccedilatildeo de males aquele propriamente para

Apolo ndash por isso natildeo tem o entusiasmo como o ditirambo

52 Laacute enfim bebedeiras e brincadeiras aqui suacuteplicas e muita ordem pois que o

proacuteprio deus na ordenaccedilatildeo e em um arranjo contido daacute voltas no compasso

53 Adoniacutedias se dizem as canccedilotildees que se referem a Adocircnis75

54 Cantava-se o iobaco imerso em frecircmitos nos festivais e sacrifiacutecios a Dioniso76

72 Aqui se forneceria conforme o modelo padratildeo uma histoacuteria do nomo a partir de sua invenccedilatildeo

passando por seus desenvolvimentos Para as conjecturas histoacutericas sobre a evoluccedilatildeo formal do nomo Severyns

op cit II 140 a 150 Ferrante op cit paacuteg 48 traz uma breve exposiccedilatildeo sobre as partes do nomo e da paacuteg 50

a 51 a biografia de cada um dos poetas referidos 73 Empreende-se uma comparaccedilatildeo entre as caracteriacutesticas gerais dessas composiccedilotildees de acordo com o

deus a que se destinava cada uma Agrave paixatildeo proacutepria de Dioniacutesio e do entusiasmo caracteriacutestico de seu culto

acomodar-se-ia um estilo mais baixo empregando palavras simples aqui entendidas no sentido da elocuccedilatildeo

propriamente enquanto por outro lado combinando com o ritmo do nomo que ao inveacutes de se agitar em prol da

danccedila dos entusiasmados buscava prolongar-se pausadamente as palavras seriam mais belas visando ao ornato

da elocuccedilatildeo portanto compostas 74 Igualmente a cada um dos referidos ritmos melhor caberiam diferentes escalas musicais Para

interpretaccedilotildees divergentes da passagem e a possiacutevel discordacircncia em relaccedilatildeo a uma interpretaccedilatildeo peripateacutetica

Cf Severyns paacuteg 160 ndash 163 75 Adocircnis era divindade de origem siacuteria e feniacutecia (Ferrante 53 paacuteg 57) O pouco que se pode saber sobre

essa espeacutecie eacute que talvez fosse um treno ritual em que as mulheres lamentavam imitando Afrodite a morte do

belo jovem O termo que nomeia a canccedilatildeo epocircnima ocorre poucas vezes na liacutengua em Aristoacutefanes (Lisistrata

389) ocorre na forma adoniasmoacutes O Et Mag explica a forma como ldquoo treno por Adocircnisrdquo A peccedila

de Aristoacutefanes ainda ilustra expressotildees que provavelmente eram tiacutepicas desse canto (393 e 396) ldquo rdquo

(ldquoAi Adocircnisrdquo) e ldquo rdquo (ldquobatei no peito lsquoAdonisrsquordquo) Tambeacutem havia um peacute meacutetrico chamado

adocircnio 76 Como em uma das etimologias possiacuteveis para o peatilde o nome eacute composto da interjeiccedilatildeo de juacutebilo ldquoioacuterdquo

mais um dos nomes do deus Baacutekkhos cf Escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio (450 15) Cf severyns (54 paacuteg 171) em

Atenas representaccedilotildees do seacutequito de Dioniso chamavam-se Ioacutebakkhoi e Iobakkheicirca era o nome de uma festa

puacuteblica em honra do deus A expressatildeo ldquoimerso em muito frecircmitordquo sugere uma celebraccedilatildeo de caraacuteter semelhante

a do ditirambo

121

55 Hiporquema [hypoacuterkhema ]77 chamava-se a canccedilatildeo cantada junto agrave

danccedila [oacuterkhesis ]78 de fato os antigos frequentemente empregavam a preposiccedilatildeo

hypoacute [ ] no lugar de metaacute [ ]79

56 Quanto aos descobridores alguns dizem ter sido os curetas80 outros Pirro [Pyrros

] filho de Aquiles donde tambeacutem dizem piacuterrica [purrikheacute ] uma espeacutecie

de danccedila81

56a [paraacutegrafo pertinente ao encocircmio falta nos manuscritos]82

57 Jaacute o epiniacutecio escrevia-se pelo momento mesmo da vitoacuteria aos primeiros nas

competiccedilotildees83

77 Segundo Ferrante (55 paacuteg 58) seriam composiccedilotildees em versos creacuteticos ou peocircnicos Opotildee-se agraves demais

espeacutecies sacras porque era composta com uma danccedila em especiacutefico e natildeo evoluccedilotildees do coro Seria um canto de

origem cretense originariamente dedicado a Apolo mas depois a Dioniso e Atena ateacute que jaacute na eacutepoca de

Piacutendaro secularizou-se 78 A julgar pelo fato do resumo de Foacutecio mencionar mesmo que sucintamente as consideraccedilotildees do texto

original que explicavam a classificaccedilatildeo dessas espeacutecies sacras eacute de supor que o proacuteprio texto acessado natildeo trazia

muitas outras consideraccedilotildees sobre essa espeacutecie uma vez que um criteacuterio que as definisse como tal jaacute fora

discutido e estava subentendido no restante da exposiccedilatildeo da liacuterica sacra O nome por si soacute eacute autoexplicativo

ainda mais apoacutes a discussatildeo na exposiccedilatildeo do prosoacutedio particularizando o hino 79 Cf Ferrante (55 paacuteg 59) que arrola por exemplo O Escoacutelio a Piacutendaro (Ol VI 73b) e a Homero

(XVIII 492) como testemunhos arcaicos do uso de uma preposiccedilatildeo no lugar da outra O nome da espeacutecie seria

portanto algo como ldquodanccedilanterdquo (ldquocom danccedilardquo) Para as demais etimologias antigas cf Severyns (56 paacuteg 174 ndash

178) 80 Seriam sacerdotes do culto a Rea influentes em Creta Cf Ferrante (56 paacuteg 59) 81 Epiacuteteto de Neoptoacutelemo 82 Cf Harvey (1955) para ponderaccedilotildees sobre o encocircmio em relaccedilatildeo agraves demais espeacutecies principalmente em

relaccedilatildeo aos hinos Segundo a definiccedilatildeo de Heliodoro apud Ferrante (paacuteg 61) ldquoeacute a composiccedilatildeo poeacutetica que

compreende o enaltecimento de homens e cidadesrdquo mas morfoloacutegica e etimologicamente tambeacutem significava

fazer parte de um koacutemos mas em uma solenidade festiva ndash cf Piacutendaro Nemeias 8 50 Portanto poderia se

confundir com o epiniacutecio e em ambiente simposial ao escoacutelio mas se diferenciaria desse por ser coral 83 Fosse literalmente ie com valor temporal ldquono momento da vitoacuteriardquo fosse em sentido causal ldquopor

causa da vitoacuteriardquo

Severyns (57 paacuteg 181) defende que a liccedilatildeo talvez fosse epigrave autograven tograven kairograven porque aiacute ocorreria uma

etimologia que diz ldquoaludidardquo por oposiccedilatildeo ao encocircmio o epiniacutecio era obrigatoriamente no momento da vitoacuteria

em uma competiccedilatildeo atleacutetica supondo a celebraccedilatildeo do homem na proacutepria ocasiatildeo pairando a sugestatildeo de que

esse criteacuterio definiria o epiniacutecio em ldquoparticularrdquo semelhantemente agrave distinccedilatildeo entre hino em ldquoparticularrdquo jaacute

observada em relaccedilatildeo agraves demais espeacutecies sacras Em resumo o epiniacutecio em particular ou propriamente por

oposiccedilatildeo ao encocircmio que tambeacutem eacute um elogio seria apenas o que se cantava na ocasiatildeo performaacutetica especiacutefica

da vitoacuteria do atleta A proposta de Severyns natildeo me parece necessaacuteria para certas composiccedilotildees de fato talvez o

uacutenico criteacuterio realmente distintivo fosse uma ocasiatildeo performaacutetica apenas aludida e pressuposta o que na

praacutetica inevitavelmente se dava com certa flutuaccedilatildeo por um lado um epiniacutecio poderia ser executado mesmo

que posteriormente em um simpoacutesio e nesse caso a ocasiatildeo performaacutetica original seria pressuposta de

qualquer maneira o que o originou fora uma vitoacuteria atleacutetica A ocasiatildeo original por outro lado como se lecirc nos

epiniacutecios pindaacutericos talvez natildeo fosse o proacuteprio local da competiccedilatildeo mas uma cerimocircnia ciacutevica (com um koacutemos)

na paacutetria do atleta Natildeo parece necessaacuterio julgar com tanto rigor a classificaccedilatildeo dos antigos porque natildeo nos eacute

possiacutevel estabelecer quando exatamente se dava a cerimocircnia ciacutevica de celebraccedilatildeo do atleta e ao que tudo indica

havia uma flutuaccedilatildeo A emenda natildeo se faz necessaacuteria a rigor a motivaccedilatildeo do canto em uacuteltima instacircncia seria a

vitoacuteria atleacutetica e sempre se referiria a essa ocasiatildeo ou seja mesmo que por referecircncia estaria sempre

circunscrita a um ldquotempo especiacuteficordquo ndash o mesmo criteacuterio seraacute empregado para distinguir epiceacutedio de treno (sect67)

poreacutem explicitamente O encocircmio talvez natildeo se prendesse a uma motivaccedilatildeo especiacutefica mas natildeo nos resta

hipoacutetese para o que o definiria ldquoem particularrdquo

122

58 O escoacutelio [torto tortuoso skoacutelion ] era uma canccedilatildeo cantada entre os

convivas Por isso agraves vezes tambeacutem a chamam ldquocanccedilatildeo de beberrdquo Eacute despojado na preparaccedilatildeo

e muitiacutessimo simples84

59 ldquoEscoacuteliordquo eacute dito natildeo por antiacutefrase como julgam alguns o que se diz por antiacutefrase

em geral visa ao eufemismo e natildeo se muda o eufecircmico em maldizer85 60 Eacute poreacutem pelo

fato de que estando os sentidos enfim arrebatados e os ouvintes folgados por conta do vinho

bem nesse instante se introduzia o baacuterbito86 nos simpoacutesios e cada um continuando a

festividade combalia-se instavelmente no proferimento do canto Por causa disso que eles

proacuteprios sofriam em funccedilatildeo da bebedeira voltando-o para a canccedilatildeo chamavam-na tatildeo

simplesmente ldquoescoacuteliordquo [canccedilatildeo ldquotortardquo]87

61 As eroacuteticas [eroticaacute ] evidentemente cantam circunstacircncias de amores

[eroticagraves peristaacuteseis ] por mulheres meninos e moccedilas88

62 E as epitalacircmias [epithalaacutemia ]89 cantam-nas aos receacutem-casados

simultaneamente os rapazes e as moccedilas90 em direccedilatildeo [epiacute ] ao quarto nupcial[thaacutelamoi

]

84 Para as demais etimologias antigas e a hipoacutetese de que a etimologia por antiacutefrase fosse de Diacutedimo

Severyns (58 paacuteg 182 ndash 189) A etimologia proposta por Proclo associa o termo diretamente agrave ocasiatildeo e ao que

ocorre nela de modo a determinar o tipo de canto a canccedilatildeo seria tortuosa por causa da bebida seria portanto a

ldquocanccedilatildeo de beberrdquo por excelecircncia porque se cantava bebendo Essa etimologia supotildee que skoacutelion viria por

baritonaccedilatildeo do adjetivo skolioacutes a on (subentendendo-se melos) que significa ldquotortuosordquo e por isso tambeacutem

ldquodifiacutecilrdquo A etimologia opta pelo primeiro significado em vez do segundo ou seja o nome viria do significado

primeiro e literal da palavra 85 A etimologia por antiacutefrase ndash ldquodizer o contraacuteriordquo ndash seria dizer ldquodifiacutecilrdquo a canccedilatildeo porque na verdade eacute

simples e faacutecil uma vez que se daacute em meio agrave bebedeira dificultando a elaboraccedilatildeo Mas a antiacutefrase se daacute por

eufemismo ie para evitar o maldizer e natildeo o contraacuterio o que acabaria ocorrendo se essa hipoacutetese fosse

verdadeira supostamente porque para o autor da Crestomatia chamar difiacutecil o faacutecil natildeo seria eufecircmico mas

depreciativo 86 Lira grande de nove cordas 87 A canccedilatildeo eacute duplamente tortuosa o efeito tortuoso da bebida presente no canto dos eacutebrios se reflete na

consecuccedilatildeo do canto conforme os convivas se sucedem entoando-o desorganizada ou tortuosamente ie sem

uma sequecircncia predeterminada e linear 88 O nome eacute autoexplicativo Aqui provavelmente se agrupavam os poemas de Safo Anacreonte e Alceu

que tambeacutem satildeo dados como poetas de escoacutelios Essa pequena seccedilatildeo da Crestomatia provavelmente eacute a que

tratava das espeacutecies que nos satildeo legadas tendo como ocasiatildeo performaacutetica baacutesica o simpoacutesio 89 Outra etimologia autoexplicativa que se definia pela ocasiatildeo mais especificamente aqui diferencia esta

espeacutecie da seguinte por conta de sua finalidade e da ocasiatildeo pontual em que era cantada Segundo Severyns (62

191 ndash 194) tanto epithalaacutemios como hymeacutenaios poderiam designar as canccedilotildees de mateacuteria nupcial sendo a

primeira arcaica e poeacutetica e a segunda posterior heleniacutestica teoacuterica cunhada pelos gramaacuteticos De fato eacute o que

demonstra com as ocorrecircncias de ambas as designaccedilotildees esta segunda em Ateneu (I 5e) por exemplo

referindo-se (a) ao canto executado no banquete nupcial junto aos pais da noiva ou quando (b) ela era levada

pelo cortejo de amigos junto ao esposo da casa de seus pais agrave casa dele (Homero Il XVIII 491 seq e Hesiacuteodo

Escudo 272 seq) ou quando (Teoacutecrito XVIII 8 etc) o casal (c) se retira ao cocircmodo nupcial guardado por uma

espeacutecie de porteiro ou guardiatildeo o thyroroacutes jaacute aquela primeira classificando as mesmas coisas em

textos de base gramatical como Amocircnio Sacoacuteforo (junto de diversos sinocircnimos como gameacutelios e

variantes) ou o Escoacutelio a Teoacutecrito (XVIII) etc referindo-se ao terceiro significado (c) de himeneu ou cobrindo

todos seus significados como sinocircnimo direto de hymeacutenaios (Et Magn 776 46) ou designando uma

composiccedilatildeo natildeo liacuterica mas com o mesmo valor da primeira noccedilatildeo (a) de himeneu agraves vezes em diacutestico elegiacuteaco

123

63 Diz que o himeneu cantava-se nos casamentos em conformidade ao sofrimento e agrave

procura por Himeneu filho de Terpsiacutecore91 o qual dizem ter se tornado invisiacutevel apoacutes casar-

se

64 Outros em honra de Himeneu de Atenas pois ele ndash diz ndashapoacutes perseguir resgatou

de bandidos moccedilas atenienses92

65 Eu penso que era uma exultaccedilatildeo prenunciando uma vida afortunada e que

rezavam junto aos cocircnjuges pela comunhatildeo de um matrimocircnio com ternura entretecendo a

prece com dialeto eoacutelio de modo a sempre hymenaiacuteein [coabitarem ] e

homonoeicircn [concordarem ] os que vatildeo morar sob o mesmo teto93

66 O silo94 conteacutem a ralhaccedilatildeo e o menoscabo de homens comedidamente95

(Luciano Banquete 29 40 etc) ou referindo-se a uma composiccedilatildeo em prosa ie um discurso equivalente ao

primeiro tipo (a) de himeneu

Parece acertada a conclusatildeo do autor de que como se observa para outras espeacutecies da liacuterica secular em

que se cunha posteriormente uma nomenclatura a fim de diferenciaacute-la de outras formas poeacuteticas congecircneres

designadas a princiacutepio por um mesmo nome geral ldquohimeneurdquo como designaccedilatildeo mais antiga seria o nome para

qualquer ode nupcial qualquer canto referente aacutes nuacutepcias entoado mesmo que em meio ao simpoacutesio enquanto o

termo ldquoepitalacircmiordquo passaria a designar em uma tentativa mais teacutecnica de classificaccedilatildeo (gramatical) uma

circunstacircncia especiacutefica em que se realizava um canto liacuterico nupcial a ida ao leito ou taacutelamo 90 Conforme demonstra Severyns (62 4 paacuteg 193) parece que a princiacutepio esse coro se compunha apenas

de moccedilas mas Proclo deve atestar a praacutetica posterior de incluir tambeacutem rapazes Piacutendaro (Piacuteticas III 18) e

Teoacutecrito (XVIII 2 e 22) a testariam o primeiro caso Eacutesquilo (fr 43 Nauck) o segundo Sobre o uso de

discursos nas mesmas ocasiotildees Dioniacutesio de Halicarnasso (Ret IV I 266 22) emprega a mesma distinccedilatildeo de

espeacutecies levando Severyns agrave pertinente observaccedilatildeo de que ela fosse alexandrina 91 Confere para as divergecircncias em relaccedilatildeo agrave matildee do jovem Himeneu Severyns (63 3 126 ndash 197) 92 Ambas as etimologias propostas por Proclo para o nome da espeacutecie compotildeem epocircnimos etioloacutegicos

para os quais a interpretaccedilatildeo de Severyns (63 5 198) parece acertada Para a primeira Proclo estaria

interpretando pela referecircncia miacutetica a expressatildeo formular desse tipo de canto ldquo Hymegraven ocirc

Hymeacutenaierdquo focando-se no segundo termo como mito etioloacutegico do canto associado pelo que se subentende agrave

perda do hiacutemem (Cf Severyns 65 2 paacuteg 200 para outras etimologias linguiacutesticas dos antigos) A segunda

etiologia eacute associada a outra personagem e segundo o autor seria de base heleniacutestica teoricamente em funccedilatildeo

do quanto subentende de referecircncias e contecircm de amplificaccedilatildeo episoacutedica em relaccedilatildeo a outras fontes (cf 64 paacuteg

198 ndash 200) Supotildee a praacutetica do casamento natildeo concedido por parte de piratas e raptores um casamento ilegal

para a poacutelis portanto Como o referido heroacutei aacutetico teria impedido tal praacutetica iniciara-se a pratica de celebraacute-lo

junto ao casamento consentido e legal 93 Nessa curiosa passagem Foacutecio daacute sua opiniatildeo teria considerado as etimologias de Proclo por demais

pagatildes Natildeo se pode dizecirc-lo mas talvez tenha considerado muito obtusas as ilaccedilotildees feitas uma vez que pelas

constantes expressotildees ldquouns outrosrdquo ao longo do resumo natildeo haacute por que duvidar de que nos forneccedila por

completo as etimologias com que Proclo operava 94 Palavra que significa ldquomordazrdquo ldquosarcaacutesticordquo mas que tambeacutem seria ldquovesgordquo Para as etimologias que

natildeo constam no epiacutetome porque provavelmente jaacute assume o nome do canto pelo teor satiacuterico como se vecirc na

definiccedilatildeo cf Ferrante (paacuteg 72) 95 Teriam sido compostos por Timatildeo de Flio filoacutesofo ceacutetico do periacuteodo heleniacutestico e eram basicamente

hexacircmetros paroacutedicos ridicularizando de maneira branda outros filoacutesofos Pelo mesmo nome se designavam os

escritos de Xenoacutefanes de Colofatildeo anterior a Timatildeo em aproximadamente um seacuteculo Por extensatildeo hexacircmetros

que parodiassem Homero tambeacutem deviam ser considerados siacutelos (Ferrante paacuteg 72) Segundo Dioacutegenes Laeacutercio

(IX 109 apud Ferrante) agrave eacutepoca de Tibeacuterio o gramaacutetico Apolocircnide de Niceacuteia teria composto uma ldquoMemoacuteria

dos Silosrdquo em cujo livro primeiro se contava a vida de Timatildeo e se estudava sua poesia Autores modernos

(Smyth apud Severyns paacuteg 68) questionam a classificaccedilatildeo do silo como poesia liacuterica e coral por ser

hexameacutetrico Ferrante (idem) a partir de Heliodoro (451 23 apud Severyns) aventa a possibilidade de se

considerar o silo uma subespeacutecie do iambo pelo emprego de loidoriacutean em sua definiccedilatildeo mas parece ignorar

tambeacutem o metro bem como o fato de Proclo usou a palavra na definiccedilatildeo do iambo provaacutevel razatildeo pela qual natildeo

124

67 O treno difere do epiceacutedio [epikeacutedion] porque o epiceacutedio se diz a partir do proacuteprio

kecircdos [luto funeral ] com o corpo ainda jazendo exposto enquanto o treno natildeo se

circunscreve a um periacuteodo de tempo96

68 As chamadas partecircnias [partheacutenia ] eram escritas para coros de moccedilas

[partheniai ]

69 A elas as dafnefoacutericas [ldquoporta-lourosrdquo daphneforicaacute ] pertencem

como a um gecircnero97 a cada nove anos na Beoacutecia os sacerdotes portando [komiacutezontes

] louros [daacutephnai ] aos templos de Apolo louvavam-no com um coro de

moccedilas98

70 Sua origem os muitos eoacutelios que habitavam Arne e as terras da regiatildeo de laacute

migrando de acordo com um oraacuteculo e que sitiando deram iniacutecio ao saque de Tebas antes

ocupada pelos pelasgos99

71 Em advindo um festival de Apolo comum a ambos estabeleceram armistiacutecio e

enquanto uns agrave margem do Heacutelicon cortavam louros outros agrave margem do rio Melas os

ofertavam a Apolo

72 Entatildeo Polematas comandante dos beoacutecios sonhou que via um jovem entregar-lhe

a armadura e ordenar-lhe fazer votos de a cada nove anos levar louros a Apolo

73 Depois de trecircs dias investindo sobrepujou os inimigos e ele proacuteprio entatildeo

executaria uma dafnefoacuteria [dafneforiacutea ] A partir daiacute se preserva o costume

74 A dafnefoacuteria cingem um galho de oliveira com louros e flores coloridas na ponta

se acopla uma esfera de bronze e dela pendem menores No meio do galho dispondo em

ciacuterculo dependuram uma menor que a da ponta e guirlandas roxas A parte final do galho

envolvem com um manto cor de accedilafratildeo

a empregaria aqui Para a associaccedilatildeo excessiva de Proclo com Diacutedimo neste passo e outros autores anteriores a

Proclo que classificam o silo entre as espeacutecies liacutericas cf Severyns (paacuteg 205) 96 Para as partes do sepultamente entre os gregos e o kecircdos como funeral cf Severyns (67 2 paacuteg 207)

Essas duas formas de canccedilatildeo fuacutenebre se distinguiriam por um momento especiacutefico da ocasiatildeo Esse criteacuterio jaacute se

aplicou em relaccedilatildeo ao epiniacutecio e ao epitlacircmio (supra notas 167 e 173) Para a associaccedilatildeo e a distinccedilatildeo dessas

espeacutecies liacutericas em relaccedilatildeo agrave elegia e o emprego do metro aleacutem de Ferrante (paacuteg 73) e Severyns (paacuteg 208 ndash

210) cf Harvey (1955) 97 Conforme visto porque a noccedilatildeo de que hino e encocircmio aleacutem de espeacutecies em particular poderiam

tambeacutem ser propostos no proacuteprio texto de Proclo como gecircneros para espeacutecies eacute mais plausiacutevel que essa

explicitaccedilatildeo seja do proacuteprio texto que se resumiu e natildeo do resumidor e talvez para esse terceiro grupo da liacuterica

que compreende homens e deuses juntos o criteacuterio fosse assumido senatildeo endossado por Proclo e natildeo apenas

contraposto a um criteacuterio que tambeacutem considera todas as espeacutecies em particular 98 Aqui o texto torna-se etioloacutegico mal ocorrendo etimologias uma vez que os nomes satildeo

autoexplicativos e o que se faz nada mais eacute do que explicitar sua composiccedilatildeo O criteacuterio eacute explicito seguir-se-atildeo

as espeacutecies de partecircnios que satildeo definidas pela festa em que ocorrem O que resta entatildeo eacute contar a origem de

cada uma dessas ocasiotildees puacuteblicas 99 Para todas as referecircncias histoacutericas a respeito da etiologia e da festividade cf Severyns (70 ndash 78 paacuteg

214 ndash 232)

125

75 Pretendem que a esfera mais ao alto signifique o sol (com que remetem a Apolo) a

subposta a lua as demais suspensas os planetas e estrelas as guirlandas o curso anual ndash de

fato contavam 365

76 Um menino cujos pais ainda satildeo vivos vem no iniacutecio da dafnefoacuteria e o seu parente

mais proacuteximo carrega o galho cingido o qual chamam koacutepo [koacutepo ] 77 Seguindo o

proacuteprio dafneacuteforo [daphnefoacuteros ] vem segurando o louro soltos os cabelos

porta uma coroa de ouro traja um longo manto brilhante e veacuteu aos peacutes100 Acompanha-o de

perto um coro de moccedilas empunhando ramos de suacuteplica hineando

78 Enviavam a dafnefoacuteria aos templos de Apolo Ismecircnio e Calaacutezio

79 A canccedilatildeo tripodefoacuterica [levada por um triacutepodo] cantava-se entre os beoacutecios um

triacutepodo tomando a frente101

80 Foi esta sua origem um grupo de pelasgos tentava saquear a cidade de Panacto da

Beoacutecia Os tebanos a defendiam e enviando uma comitiva a Dodona consultaram o oraacuteculo

sobre a vitoacuteria no conflito

81 O oraacuteculo designou aos tebanos que se cometessem o maior sacrileacutegio venceriam

82 Pareceu-lhes entatildeo que a maior das impiedades era imolar aquela que lhes dera o

oraacuteculo e imolaram-na

83 As sacristatildes em torno do santuaacuterio moveram accedilatildeo contra os tebanos pelo

assassinato

84 Os tebanos no entanto natildeo concederam que apenas mulheres julgassem o meacuterito

Havendo um julgamento comum entre homens e mulheres como os homens lhes deram voto

branco os tebanos foram absolvidos

85 Soacute mais tarde depois que entenderam o que lhes fora ordenado pelo oraacuteculo

elevaram uma das triacutepodas sacras da regiatildeo da Beoacutecia e cobrindo-na como o fazem os

profanadores de templos envairam-na ao alto de Dodona

86 Como daiacute em diante prosperaram passaram a fazer desse ato um festival

87 As canccedilotildees oscofoacutericas [porta-oacutesche] cantavam-se entre os atenienses102

88 Dois jovens do coro trajados como mulheres lideram o festejo portando um ramo

de vinha cheio de uvas vicejantes ndash chamam-no oacuteskhe [ ] donde o epocircnimo das canccedilotildees

100 Epicratidas eacute um termo plural que significa ldquopanos de testardquo ie ldquolenccedilo de testardquo ldquoveacuteurdquo Embora se

pudesse apenas decalcar a palavra para o portuguecircs a passagem ficaria obscura Ao que tudo indica era somente

um tecido que o dafneacuteforo usava sobre os peacutes talvez como extensatildeo do manto 101 Idem 79 ndash 86 paacuteg 232 ndash 242 102 Ibidem 87 ndash 92 paacuteg 243 ndash 254

126

89 Dizem ter sido Teseu quem primeiramente deu iniacutecio ao rito depois que aceitando

voluntariamente a viagem a Creta livrou sua paacutetria do infortuacutenio do tributo ao prestar graccedilas

a Atena e Dioniso que se manifestaram a ele na ilha de Dia fez isso empregando dois jovens

efeminados como assistentes na cerimocircnia

90 O cortejo dos atenienses dava-se do altar de Dioniso ateacute o santuaacuterio de Atena

Esquira

91 Um coro seguia os jovens e cantava as canccedilotildees

92 Efebos de cada uma das tribos competiam uns com os outros numa corrida a peacute e

o primeiro deles saboreava de uma pipa dita ldquoquiacutentuplardquo que se preparava com oliva vinho

mel queijo e grumos de cevada

93 As canccedilotildees votivas eram escritas pelos que pediam que alguma coisa lhes adviesse

de um deus103

94 Pragmaacuteticas [pragmaticaacute ] eram as canccedilotildees que compreendiam as

accedilotildees praticadas [praacutexeis ] por algueacutem104

95 As empoacutericas [comerciais ] foram escritas sobre o quanto se mostrava a

algueacutem no decurso de suas viagens e mercancias [empoacuteriai ]105

96 As apostoacutelicas106 o quanto faziam aqueles enviados a algueacutem como emissaacuterios

97 Eacute evidente que as sentenciosas107 contecircm o enaltecimento dos caracteres

103 Euktikoacutes eacute o deverbal de euacutekhomai ndash rezar Tanto Severyns como Ferrante

concordam que eacute pelo elemento humano aleacutem do divino que tais cantos vecircm aqui como uacuteltima espeacutecie do

terceiro grupo Em Menandro o termo serve para classificar os hinos Menandro (Rhet Gr X p 134 Walz)

divide os hinos pela intenccedilatildeo kleacutetikoi (invocatoacuterios) apopemptikoiacute (de adeus para a viagem do deus) physikoiacute

(naturais sobre as manifestaccedilotildees do deus na natureza) apeuktikoiacute (deprecatoacuterios) euktikoiacute (votivos) Eacute provaacutevel

que senatildeo concorrentes sejam duas classificaccedilotildees pelo menos com intenccedilotildees diferentes Menandro subdivide as

intenccedilotildees de quem canta o hino em relaccedilatildeo ao hineado O mesmo criteacuterio define a uacuteltima canccedilatildeo da liacuterica mista

em Proclo ie sua funccedilatildeo por outro lado o criteacuterio que Proclo emprega para tratar dos hinos os distingue como

Severyns observou em particular ie pelo destinataacuterio mesmo nos casos em que poderiam se confundir com

esses cantos ecircuktikos pela intenccedilatildeo como seria o caso por exemplo do peatilde que passou a ser cantado para se

pedir ou agradecer por diferentes coisas Soacute o que se pode dizer eacute que talvez ambas as definiccedilotildees ainda que

diferentes tratassem de um mesmo objeto em comum mas lhe conferindo lugares diferentes na classificaccedilatildeo

geral segundo seus criteacuterios Sobre isso e a categorizaccedilatildeo de Menandro confere Harvey (1955) 104 Sobre essas espeacutecies em geral cf Severyns (94 paacuteg 255 ndash 257) Vale-nos sua observaccedilatildeo de que

conforme hinos desempenhavam um papel generalizante para a liacuterica sacra encocircmio para a liacuterica secular

partecircnio para a liacuterica mista as pragmaacuteticas deveriam fazecirc-lo em relaccedilatildeo ao quarto grupo o das circunstacircncias

acidentais 105 Severyms (95 257) cogita aqui os poemas de Riano (Eliacuteaca Tessaacutelica Messeniacuteaca) poeta e gramaacutetico

do periacuteodo heleniacutestico bem como a Bitiniacuteaca de Demoacutestenes da Bitiacutenia mas crecirc que Proclo natildeo tinha tais

poemas em mente por serem essencialmente hexammeacutetricos 106 Do verbo aposteacutello ldquoenviarrdquo Tanto Severyns (paacuteg 257) como Ferrante (paacuteg 95)

mencionam Heliodoro (paacuteg 450 11) ldquoἈποστολικὸν μέλος ἐστὶ τὸ πεμπόμενον πρός τινα περιέχον ltπαραι-

νέσειςgt ἢ αἴτησιν παρ αὐτοῦ δωρεᾶςrdquo ndash ldquoA canccedilatildeo apostoacutelica eacute a que se envia a algueacutem contendo

recomendaccedilotildees ou pedidos de donsrdquo e concordam que natildeo seria a isso que pelo menos no entendimento do

resumo de Foacutecio Proclo se referiria Parece que ou Foacutecio teria se equivocado na ordem dos termos mais uma vez

(como pode ter ocorrido em sect44) ou o que Heliodoro chamaria apostoacutelica o que se assemelhe talvez com o que

Proclo chama canccedilatildeo epistaacuteltica (sect99)

127

98 As geoacutergicas o que se refere aos campos estaccedilotildees e cuidados das plantas108

99 As epistolares o quanto se refere agraves designaccedilotildees que compunham em verso e

enviavam a algueacutem109

100 Aqui estatildeo os dois primeiros arrazoados da Crestomatia de Letras de Proclo

107 Gnomologikaacute ndash Confere Heliodoro (450 13) para definiccedilatildeo semelhante108 Embora como notado por Severyns Ferrante e outros esse item pareccedila associado ao anterior ie

poesia de caraacuteter gnocircmico mesmo os Trabalhos e Dias de Hesiacuteodo que conteriam os dois itens poderiam como

composiccedilatildeo didaacutetica hexameacutetrica ser arrolados aqui 109 Diferentes das apostoacutelicas porque essas sim como cartas eram enviadas designando coisas Tanto

Severyns como Ferrante assumem que natildeo se pode saber com precisatildeo o que eram

128

2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO CICLO

EacutePICO ndash TRADUCcedilAtildeO

21 VIDA DE HOMERO

Πρόκλου περὶ Ὁμήρου

Ἐπῶν ποιηταὶ γεγόνασι πολλοί τούτων δ εἰσὶ κρά-

τιστοι Ὅμηρος Ἡσίοδος Πείσανδρος Πανύασις Ἀντίμαχος

Ὅμηρος μὲν οὖν τίνων γονέων ἢ ποίας ἐγένετο πα-

τρίδος οὐ ῥᾴδιον ἀποφήνασθαι οὔτε γὰρ αὐτός τι λελάληκεν 5

ἀλλ οὐδὲ οἱ περὶ αὐτοῦ εἰπόντες συμπεφωνήκασιν ἀλλ ἐκ

τοῦ μηδὲν ῥητῶς ἐμφαίνειν περὶ τούτων τὴν ποίησιν αὐτοῦ

μετὰ πολλῆς ἀδείας ἕκαστος οἷς ἐβούλετο ἐχαρίσατο

καὶ διὰ τοῦτο οἱ μὲν Κολοφώνιον αὐτὸν ἀνηγόρευσαν

οἱ δὲ Χῖον οἱ δὲ Σμυρναῖον οἱ δὲ Ἰήτην ἄλλοι δὲ Κυμαῖον 10

καὶ καθόλου πᾶσα πόλις ἀντιποιεῖται τἀνδρός ὅθεν εἰκότως

ἂν κοσμοπολίτης λέγοιτο

οἱ μὲν οὖν Σμυρναῖον αὐτὸν ἀποφαινόμενοι Μαίονος

μὲν πατρὸς λέγουσιν εἶναι γεννηθῆναι δὲ ἐπὶ Μέλητος

τοῦ ποταμοῦ ὅθεν καὶ Μελησιγενῆ ὀνομασθῆναι δοθέντα 15

δὲ Χίοις εἰς ὁμηρείαν Ὅμηρον κληθῆναι οἱ δὲ ἀπὸ τῆς

τῶν ὀμμάτων πηρώσεως τούτου τυχεῖν αὐτόν φασι τοῦ ὀνό-

ματος τοὺς γὰρ τυφλοὺς ὑπὸ Αἰολέων ὁμήρους καλεῖσθαι

Ἑλλάνικος δὲ καὶ Δαμάστης καὶ Φερεκύδης εἰς Ὀρφέα

τὸ γένος ἀνάγουσιν αὐτοῦ Μαίονα γάρ φασι τὸν Ὁμήρου 20

πατέρα καὶ Δῖον τὸν Ἡσιόδου γενέσθαι Ἀπέλλιδος τοῦ Μελα-

νώπου τοῦ Ἐπιφράδεος τοῦ Χαριφήμου τοῦ Φιλοτέρπεος τοῦ

Ἰδμονίδεω τοῦ Εὐκλέος τοῦ Δωρίωνος τοῦ Ὀρφέος

Γοργίας δὲ ὁ Λεοντῖνος εἰς Μουσαῖον αὐτὸν ἀνάγει

περὶ δὲ τῆς τελευτῆς αὐτοῦ λόγος τις φέρεται τοι- 25

129

οῦτος ἀνελεῖν φασιν αὐτῷ τὸν θεὸν χρωμένῳ περὶ ἀσφα-

λείας τάδε

ἔστιν Ἴος νῆσος μητρὸς πατρίς ἥ σε θανόντα

δέξεται ἀλλὰ νέων ἀνδρῶν αἴνιγμα φύλαξαι

λέγουσιν οὖν αὐτὸν εἰς Ἴον πλεύσαντα διατρῖψαι μὲν 30

παρὰ Κρεωφύλῳ γράψαντα δὲ Οἰχαλίας ἅλωσιν τούτῳ χαρί-

σασθαι ἥτις νῦν ὡς Κρεωφύλου περιφέρεται καθεζόμενον

δὲ ἐπί τινος ἀκτῆς θεασάμενον ἁλιεῖς προσειπεῖν αὐτοὺς

καὶ ἀνακρῖναι τοῖσδε τοῖς ἔπεσιν

ἄνδρες ἀπ Ἀρκαδίης θηρήτορες ἦ ῥ ἔχομέν τι 35

ὑποτυχόντα δὲ αὐτῶν ἕνα εἰπεῖν

οὓς ἕλομεν λιπόμεσθ οὓς δ οὐχ ἕλομεν φερόμεσθα

οὐκ ἐπιβάλλοντος δὲ αὐτοῦ διελέσθαι τὸ αἴνιγμα ὅτι ἐπὶ

ἰχθυΐαν καταβάντες ἀφήμαρτον φθειρισάμενοι δὲ ὅσους μὲν

ἔλαβον τῶν φθειρῶν ἀποκτείναντες ἀπολείπουσιν ὅσοι δὲ 40

αὐτοὺς διέφυγον τούτους ἀποκομίζουσιν οὕτω δ ἐκεῖνον

ἀθυμήσαντα σύννουν ἀπιέναι τοῦ χρησμοῦ ἔννοιαν λαμβά-

νοντα καὶ οὕτως ὀλισθόντα περιπταῖσαι λίθῳ καὶ τριταῖον

τελευτῆσαι

ἀλλὰ δὴ ταῦτα μὲν πολλῆς ἔχεται ζητήσεως ἵνα δὲ μηδὲ 45

τούτων ἄπειρος ὑπάρχῃς διὰ τοῦτο εἰς ταῦτα κεχώρηκα

τυφλὸν δὲ ὅσοι τοῦτον ἀπεφήναντο αὐτοί μοι δοκοῦσι

τὴν διάνοιαν πεπηρῶσθαι τοσαῦτα γὰρ κατεῖδεν ὅσα οὐδεὶς

ἄνθρωπος πώποτε

εἰσὶ δὲ οἵτινες ἀνεψιὸν αὐτὸν Ἡσιόδου παρέδοσαν 50

ἀτριβεῖς ὄντες ποιήσεως τοσοῦτον γὰρ ἀπέχουσι τοῦ γένει

προσήκειν ὅσον ἡ ποίησις διέστηκεν αὐτῶν ἄλλως δὲ οὐδὲ

τοῖς χρόνοις συνεπέβαλον ἀλλήλοις

ἄθλιοι δὲ οἱ τὸ ἀνάθημα πλάσαντες τοῦτο

Ἡσίοδος Μούσαις Ἑλικωνίσι τόνδ ἀνέθηκεν 55

ὕμνῳ νικήσας ἐν Χαλκίδι θεῖον Ὅμηρον

ἀλλὰ γὰρ ἐπλανήθησαν ἐκ τῶν Ἡσιοδείων Ἡμερῶν ἕτερον

γάρ τι σημαίνει

τοῖς δὲ χρόνοις αὐτὸν οἱ μὲν περὶ τὸν Ἀρίσταρχόν

130

φασι γενέσθαι κατὰ τὴν τῆς Ἰωνίας ἀποικίαν ἥτις ὑστερεῖ 60

τῆς Ἡρακλειδῶν καθόδου ἔτεσιν ἑξήκοντα τὸ δὲ περὶ τοὺς

Ἡρακλείδας λείπεται τῶν Τρωϊκῶν ἔτεσιν ὀγδοήκοντα οἱ δὲ

περὶ Κράτητα ἀνάγουσιν αὐτὸν εἰς τοὺς Τρωϊκοὺς χρόνους

φαίνεται δὲ γηραιὸς ἐκλελοιπὼς τὸν βίον ἡ γὰρ ἀν-

υπέρβλητος ἀκρίβεια τῶν πραγμάτων προβεβηκυῖαν ἡλικίαν 65

παρίστησι

πολλὰ δὲ ἐπεληλυθὼς μέρη τῆς οἰκουμένης ἐκ τῆς

πολυπειρίας τῶν τόπων εὑρίσκεται τούτῳ δὲ προσυπονοη-

τέον καὶ πλούτου πολλὴν περιουσίαν γενέσθαι αἱ γὰρ μακραὶ

ἀποδημίαι πολλῶν δέονται ἀναλωμάτων καὶ ταῦτα κατ ἐκεί- 70

νους τοὺς χρόνους οὔτε πάντων πλεομένων ἀκινδύνως οὔτε

ἐπιμισγομένων ἀλλήλοις πως τῶν ἀνθρώπων ῥᾳδίως

γέγραφε δὲ ποιήσεις δύο Ἰλιάδα καὶ Ὀδύσσειαν

ἣν Ξένων καὶ Ἑλλάνικος ἀφαιροῦνται αὐτοῦ οἱ μέντοι γε ἀρ-

χαῖοι καὶ τὸν Κύκλον ἀναφέρουσιν εἰς αὐτόν προστιθέασι δὲ 75

αὐτῷ καὶ παίγνιά τινα Μαργίτην Βατραχομαχίαν ἢ Μυο-

μαχίαν Ἕπτ ἐπ ἀκτίον Αἶγα Κέρκωπας Κενούς

De Proclo sobre Homero

Muitos satildeo os poetas eacutepicos Os mais egreacutegios deles satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro

Paniacuteasis e Antiacutemaco

Sobre Homero quais seus pais e de que paacutetria era originaacuterio eacute difiacutecil afirmar

claramente ele proacuteprio natildeo fala coisa alguma e nem se acham de acordo os que falaram sobre

ele pelo fato contudo de sua poesia natildeo trazer expressamente nenhuma indicaccedilatildeo a respeito

cada um contenta-se com o que deseja sem nenhuma restriccedilatildeo

Por causa disso uns o proclamam nativo de Colofatildeo outros de Quios outros de

Esmirna outros de Io outros de Cima e toda cidade de modo geral reclama o homem pelo

que razoavelmente pode ser dito cosmopolita

Os que afirmam que ele eacute de Esmirna dizem que seu pai era Meatildeo e que foi concebido

perto do Rio Meles motivo pelo qual tambeacutem eacute nomeado Melesiacutegene mas que eacute chamado

Homero [Hoacutemeros ] porque foi dado na condiccedilatildeo de homereiacutea [refeacutem ]

131

aos de Quios Outros dizem que acabou recebendo esse nome por causa da deficiecircncia dos

olhos Os cegos de fato eram chamados homeacuteroi [ ] pelos eoacutelios

Helacircnico Damaste e Fereacutecides recuam sua origem ateacute Orfeu Dizem que Meatildeo pai de

Homero e Dio pai de Hesiacuteodo descendem de Apeacutelis filho de Melanopo filho de Epiacutefrades

filho de Carifemo filho de Filoterpes filho de Idmocircnides filhos de Eucles filho de Doriatildeo

filho de Orfeu

Goacutergias de Leontino o recua agraves Musas

Sobre a sua morte refere-se a seguinte histoacuteria inquirindo o oraacuteculo a respeito de sua

proacutepria seguranccedila pessoal contam que o deus lhe deu esta resposta

ldquoHaacute uma ilha Io paacutetria de tua matildee que morto

receber-te-aacute Cuidado com enigma de homens jovensrdquo

Dizem entatildeo que tendo velejado para Io passava um tempo na companhia de

Creoacutefilo quando escreveu e dedicou-lhe a Tomada de Ecaacutelia (que hoje circula como de

Creoacutefilo) Sentando-se agrave praia apoacutes observar alguns pescadores dirigiu-lhes a palavra e

interrogou com estas palavras

ldquoDa Arcaacutedia caccediladores varotildees o que temosrdquo

Um deles replicou-lhe dizendo

ldquoOs que pegamos deixamos pra traacutes os que natildeo pegamos trazemos conoscordquo

Natildeo conseguindo solver o enigma ndash como natildeo foram bem sucedidos indo pescar

puseram-se a caccedilar piolhos matando quantos pegavam mas quantos lhes fugiam traziam-nos

de volta ndash aquele ficou desgostoso e foi embora meditabundo entendendo o oraacuteculo e assim

escorregou tombou contra uma pedra e no terceiro dia faleceu

Esses eventos contudo carecem de investigaccedilatildeo mas para que natildeo sejas de todo

ignorante neles avanccedilo nesse sentido

Os que o afirmam cego parecem-me eles mesmos incapacitados do juiacutezo coisas viu

tantas quantas ningueacutem jamais o fez

132

Existem aqueles que o datildeo como primo de Hesiacuteodo natildeo versados em poesia estatildeo tatildeo

distantes na relaccedilatildeo de parentesco quanto eacute diferente sua poesia No mais nem coincidem um

com outro cronologicamente

Haacute os miseraacuteveis que forjaram esta inscriccedilatildeo votiva

ldquoHesiacuteodo agraves Musas Heliconiacutedas consagra isto

por ter vencido com um hino em Caacutelcis o divino Homerordquo

equivocaram-se contudo nos ldquoDiasrdquo de Hesiacuteodo pois isso tem outro significado

Na cronologia os da escola de Aristarco dizem que viveu na eacutepoca da imigraccedilatildeo

jocircnica que eacute sessenta anos posterior ao retorno dos Heraclidas e o evento em torno dos

Heraclidas estaacute oitenta anos depois da eacutepoca de Troia Os da escola de Crates por sua vez o

recuam aos tempos de Troia

Parece que jaacute era bem velho quando deixou a vida sua insuperaacutevel precisatildeo nos fatos

permite estabelecer uma idade jaacute avanccedilada

Crecirc-se que visitou muitas partes do mundo habitado dada sua vasta experiecircncia de

lugares Nisso tambeacutem se deve notar a vasta abundacircncia de sua riqueza pois as grandes

viagens necessitavam de muitos gastos e isso naquele tempo em que nem todas as

navegaccedilotildees se faziam sem perigo nem os homens estabeleciam relaccedilotildees comerciais entre si

com tal facilidade

Escreveu dois poemas Iliacuteada e Odisseia a qual Xenatildeo e Helacircnico lhe negam

entretanto os antigos atribuem-lhe inclusive o Ciclo Imputam-lhe tambeacutem algumas

brincadeiras Margites Guerra dos Sapos ou Guerra dos Ratos Sete na Praia Cabra

Ceacutercopes os Matildeos Vazias

22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO

221 Ciacuteprias

Τοῦ αὐτοῦ περὶ τῶν Κυπρίων λεγομένων ποιημάτων

133

Ἐπιβάλλει τούτοις τὰ λεγόμενα Κύπρια ἐν βιβλίοις 80

φερόμενα ἕνδεκα ὧν περὶ τῆς γραφῆς ὕστερον ἐροῦμεν

ἵνα μὴ τὸν ἑξῆς λόγον νῦν ἐμποδίζωμεν τὰ δὲ περιέχοντά

ἐστι ταῦτα

Ζεὺς βουλεύεται μετὰ τῆς Θέμιδος περὶ τοῦ Τρωϊκοῦ

πολέμου 85

παραγενομένη δὲ Ἔρις εὐωχουμένων τῶν θεῶν ἐν τοῖς

Πηλέως γάμοις νεῖκος περὶ κάλλους ἀνίστησιν Ἀθηνᾷ Ἥρᾳ

καὶ Ἀφροδίτῃ αἳ πρὸς Ἀλέξανδρον ἐν Ἴδῃ κατὰ Διὸς

προσταγὴν ὑφ Ἑρμοῦ πρὸς τὴν κρίσιν ἄγονται καὶ προκρίνει

τὴν Ἀφροδίτην ἐπαρθεὶς τοῖς Ἑλένης γάμοις Ἀλέξανδρος 90

ἔπειτα δὲ Ἀφροδίτης ὑποθεμένης ναυπηγεῖται καὶ

Ἕλενος περὶ τῶν μελλόντων αὐτοῖς προθεσπίζει καὶ ἡ Ἀφρο-

δίτη Αἰνείαν συμπλεῖν αὐτῷ κελεύει καὶ Κασσάνδρα περὶ

τῶν μελλόντων προδηλοῖ

ἐπιβὰς δὲ τῇ Λακεδαιμονίᾳ Ἀλέξανδρος ξενίζεται 95

παρὰ τοῖς Τυνδαρίδαις καὶ μετὰ ταῦτα ἐν τῇ Σπάρτῃ παρὰ

Μενελάῳ καὶ Ἑλένῃ παρὰ τὴν εὐωχίαν δίδωσι δῶρα ὁ Ἀλέξ-

ανδρος καὶ μετὰ ταῦτα Μενέλαος εἰς Κρήτην ἐκπλεῖ κελεύ-

σας τὴν Ἑλένην τοῖς ξένοις τὰ ἐπιτήδεια παρέχειν ἕως ἂν

ἀπαλλαγῶσιν ἐν τούτῳ δὲ Ἀφροδίτη συνάγει τὴν Ἑλένην τῷ 100

Ἀλεξάνδρῳ καὶ μετὰ τὴν μίξιν τὰ πλεῖστα κτήματα ἐνθέ-

μενοι νυκτὸς ἀποπλέουσι

χειμῶνα δὲ αὐτοῖς ἐφίστησιν Ἥρα καὶ προσενεχθεὶς

Σιδῶνι ὁ Ἀλέξανδρος αἱρεῖ τὴν πόλιν καὶ ἀποπλεύσας

εἰς Ἴλιον γάμους τῆς Ἑλένης ἐπετέλεσεν 105

ἐν τούτῳ δὲ Κάστωρ μετὰ Πολυδεύκους τὰς Ἴδα καὶ

Λυγκέως βοῦς ὑφαιρούμενοι ἐφωράθησαν καὶ Κάστωρ μὲν

ὑπὸ τοῦ Ἴδα ἀναιρεῖται Λυγκεὺς δὲ καὶ Ἴδας ὑπὸ Πολυ-

δεύκους καὶ Ζεὺς αὐτοῖς ἑτερήμερον νέμει τὴν ἀθανασίαν

καὶ μετὰ ταῦτα Ἶρις ἀγγέλλει τῷ Μενελάῳ τὰ 110

γεγονότα κατὰ τὸν οἶκον ὁ δὲ παραγενόμενος περὶ τῆς ἐπ

Ἴλιον στρατείας βουλεύεται μετὰ τοῦ ἀδελφοῦ καὶ πρὸς

Νέστορα παραγίνεται Μενέλαος

134

Νέστωρ δὲ ἐν παρεκβάσει διηγεῖται αὐτῷ ὡς Ἐπωπεὺς

φθείρας τὴν Λυκούργου θυγατέρα ἐξεπορθήθη καὶ τὰ περὶ 115

Οἰδίπουν καὶ τὴν Ἡρακλέους μανίαν καὶ τὰ περὶ Θησέα

καὶ Ἀριάδνην

ἔπειτα τοὺς ἡγεμόνας ἀθροίζουσιν ἐπελθόντες τὴν

Ἑλλάδα καὶ μαίνεσθαι προσποιησάμενον Ὀδυσσέα ἐπὶ

τῷ μὴ θέλειν συστρατεύεσθαι ἐφώρασαν Παλαμήδους ὑπο- 120

θεμένου τὸν υἱὸν Τηλέμαχον ἐπὶ κόλασιν ἐξαρπάσαντες

καὶ μετὰ ταῦτα συνελθόντες εἰς Αὐλίδα θύουσι καὶ

τὰ περὶ τὸν δράκοντα καὶ τοὺς στρουθοὺς γενόμενα δείκ-

νυται καὶ Κάλχας περὶ τῶν ἀποβησομένων προλέγει αὐτοῖς

ἔπειτα ἀναχθέντες Τευθρανίᾳ προσίσχουσι καὶ ταύ- 125

την ὡς Ἴλιον ἐπόρθουν Τήλεφος δὲ ἐκβοηθεῖ Θέρσανδρόν

τε τὸν Πολυνείκους κτείνει καὶ αὐτὸς ὑπὸ Ἀχιλλέως τι-

τρώσκεται

ἀποπλέουσι δὲ αὐτοῖς ἐκ τῆς Μυσίας χειμὼν ἐπι-

πίπτει καὶ διασκεδάννυνται Ἀχιλλεὺς δὲ Σκύρῳ προσσχὼν 130

γαμεῖ τὴν Λυκομήδους θυγατέρα Δηϊδάμειαν

ἔπειτα Τήλεφον κατὰ μαντείαν παραγενόμενον εἰς

Ἄργος ἰᾶται Ἀχιλλεὺς ὡς ἡγεμόνα γενησόμενον τοῦ ἐπ

Ἴλιον πλοῦ

καὶ τὸ δεύτερον ἠθροισμένου τοῦ στόλου ἐν Αὐλίδι 135

Ἀγαμέμνων ἐπὶ θηρῶν βαλὼν ἔλαφον ὑπερβάλλειν ἔφησε

καὶ τὴν Ἄρτεμιν μηνίσασα δὲ ἡ θεὸς ἐπέσχεν αὐτοὺς τοῦ

πλοῦ χειμῶνας ἐπιπέμπουσα Κάλχαντος δὲ εἰπόντος τὴν

τῆς θεοῦ μῆνιν καὶ Ἰφιγένειαν κελεύσαντος θύειν τῇ

Ἀρτέμιδι ὡς ἐπὶ γάμον αὐτὴν Ἀχιλλεῖ μεταπεμψάμενοι 140

θύειν ἐπιχειροῦσιν Ἄρτεμις δὲ αὐτὴν ἐξαρπάσασα εἰς

Ταύρους μετακομίζει καὶ ἀθάνατον ποιεῖ ἔλαφον δὲ ἀντὶ

τῆς κόρης παρίστησι τῷ βωμῷ

ἔπειτα καταπλέουσιν εἰς Τένεδον καὶ εὐωχουμένων

αὐτῶν Φιλοκτήτης ὑφ ὕδρου πληγεὶς διὰ τὴν δυσοσμίαν 145

ἐν Λήμνῳ κατελείφθη καὶ Ἀχιλλεὺς ὕστερος κληθεὶς δια-

φέρεται πρὸς Ἀγαμέμνονα

135

ἔπειτα ἀποβαίνοντας αὐτοὺς εἰς Ἴλιον εἴργουσιν

οἱ Τρῶες καὶ θνῄσκει Πρωτεσίλαος ὑφ Ἕκτορος ἔπειτα

Ἀχιλλεὺς αὐτοὺς τρέπεται ἀνελὼν Κύκνον τὸν Ποσειδῶνος 150

καὶ τοὺς νεκροὺς ἀναιροῦνται

καὶ διαπρεσβεύονται πρὸς τοὺς Τρῶας τὴν Ἑλένην

καὶ τὰ κτήματα ἀπαιτοῦντες ὡς δὲ οὐχ ὑπήκουσαν ἐκεῖνοι

ἐνταῦθα δὴ τειχομαχοῦσιν

ἔπειτα τὴν χώραν ἐπεξελθόντες πορθοῦσι καὶ τὰς 155

περιοίκους πόλεις

καὶ μετὰ ταῦτα Ἀχιλλεὺς Ἑλένην ἐπιθυμεῖ θεάσασθαι

καὶ συνήγαγεν αὐτοὺς εἰς τὸ αὐτὸ Ἀφροδίτη καὶ Θέτις

εἶτα ἀπονοστεῖν ὡρμημένους τοὺς Ἀχαιοὺς Ἀχιλ-

λεὺς κατέχει κἄπειτα ἀπελαύνει τὰς Αἰνείου βοῦς καὶ 160

Λυρνησσὸν καὶ Πήδασον πορθεῖ καὶ συχνὰς τῶν περιοικίδων

πόλεων καὶ Τρωΐλον φονεύει

Λυκάονά τε Πάτροκλος εἰς Λῆμνον ἀγαγὼν ἀπεμπολεῖ

καὶ ἐκ τῶν λαφύρων Ἀχιλλεὺς μὲν Βρισηΐδα γέρας

λαμβάνει Χρυσηΐδα δὲ Ἀγαμέμνων 165

ἔπειτά ἐστι Παλαμήδους θάνατος

καὶ Διὸς βουλὴ ὅπως ἐπικουφίσῃ τοὺς Τρῶας Ἀχιλ-

λέα τῆς συμμαχίας τῆς Ἑλλήνων ἀποστήσας

καὶ κατάλογος τῶν τοῖς Τρωσὶ συμμαχησάντων

Do mesmo autor sobre os poemas chamados Ciacuteprias

Sucedem-se a isso as chamadas Ciacuteprias transmitidas em onze livros sobre cujo nome

falaremos depois a fim de natildeo obstar a sequecircncia do discurso Eis o que compreendem

Zeus delibera junto de Tecircmis sobre a guerra de Troia

Estando os deuses a festejar nas bodas de Peleu aparece Eacuteris e suscita uma querela a

respeito da beleza de Atena Hera e Afrodite que satildeo levadas por Hermes agraves ordens de Zeus

para o arbiacutetrio de Alexandre no Ida Alexandre prefere Afrodite excitado pelas bodas com

Helena

136

Em seguida aconselhando-o Afrodite faz para si uma nau e Heleno lhes faz

prediccedilotildees sobre os acontecimentos futuros Afrodite manda Eneias navegar com ele

Cassandra revela o porvir

Depois de chegar a Lacedemocircnia Alexandre eacute hospedado pela casa dos Tindaacuteridas

em seguida em Esparta pela casa de Menelau no decorrer do festim Alexandre presenteia

Helena Depois disso Menelau parte para Creta antes ordenando a Helena que provesse o

necessaacuterio aos estrangeiros ateacute que estivessem liberados Nesse momento Afrodite une Helena

a Alexandre e apoacutes o intercurso tendo embarcado o maior nuacutemero de riquezas zarpam

durante a noite

Hera envia uma tempestade contra eles Aportando em Sidatildeo Alexandre captura a

cidade Enfim consumou suas bodas com Helena apoacutes navegar para Iacutelio

Nesse passo Caacutestor junto de Polideuces satildeo descobertos furtando as vacas de Idas e

Linceu Entatildeo Caacutestor eacute morto por Idas mas Linceu e Idas por Polideuces Zeus lhes despende

a imortalidade em dias intercalados

Depois disso Iacuteris relata a Menelau os eventos em sua casa Apoacutes chegar ele delibera

com o irmatildeo sobre a expediccedilatildeo contra Iacutelio e vai ter com Nestor

Neacutestor num excurso narra-lhe como Epopeu foi destruiacutedo apoacutes violentar a filha de

Licurgo e os eventos envolvendo Eacutedipo a loucura de Heacuteracles e os eventos envolvendo

Teseu e Ariadne

Depois unem os chefes tendo percorrido a Heacutelade Descobriram entatildeo que Odisseu

passara a se fazer de louco por natildeo querer juntar-se agrave expediccedilatildeo depois de por sugestatildeo de

Palamedes raptarem-lhe o filho Telecircmaco como desforra

Depois disso reuacutenem-se em Aacuteulis e fazem um sacrifiacutecio Revela-se o prodiacutegio

envolvendo a serpente e os pardais e Calcas lhes prediz os resultados

Depois satildeo levados pelo alto mar aportam em Teutracircnia e saqueiam-na como se fosse

Iacutelio Teacutelefo empreende uma investida surpresa e mata Tersandro filho de Polinices mas ele

mesmo acaba sendo ferido por Aquiles

Zarpando de Musia uma tempestade se abate sobre eles e se dispersam Aquiles que

aporta em Esquiro esposa a filha de Licomedes Didamia

Entatildeo Aquiles quando Teacutelefo conforme divinaccedilatildeo chega a Argos cura-o para que se

torne o guia da navegaccedilatildeo ateacute Iacutelio

Foi entatildeo na segunda vez em que a expediccedilatildeo estaacute reunida em Aacuteulis que

Agamecircmnon por ter abatido um cervo nas caccediladas disse superar ateacute Aacutertemis Irada a deusa

impede-lhes a navegaccedilatildeo enviando tempestades sobre eles Uma vez que Calcas comunica a

137

ira da deusa e ordena sacrificar a Aacutertemis Ifigecircnia preparam seu sacrifiacutecio como se a

tivessem convocado para um casamento com Aquiles Aacutertemis a arrebata poreacutem transporta-a

a Taacuteuris e a faz imortal e coloca um cervo no altar no lugar da moccedila

Aportam em Tecircnedo Filoctetes picado por uma cobra-drsquoaacutegua enquanto ceavam eacute

abandonado em Lemnos por causa do mau-cheiro e Aquiles o uacuteltimo a ser chamado entra

em divergecircncia com Agamecircmnon

Em seguida os troianos encurralam-nos quando estatildeo desembarcando em Iacutelio e

Protesilau perece sob Heacutector Depois Aquiles rechaccedila-os matando Ciacutecnon filho de Poseidatildeo

Entatildeo recolhem os corpos

Mandam uma embaixada aos troianos reclamando Helena e as riquezas Nesse ponto

porque estes natildeo anuem datildeo iniacutecio ao cerco

Investem e saqueiam a regiatildeo e as cidades nas dependecircncias

Depois dessas accedilotildees Aquiles deseja contemplar Helena Para tal Afrodite e Teacutetis

conduzem-nos a um encontro

Nisso Aquiles conteacutem os aqueus que jaacute se prontificavam a navegar de volta Logo

depois leva embora as vacas de Eneias saqueia Lirnesso Peacutedaso e um bom nuacutemero de

cidades vizinhas tambeacutem abate Troilo

Paacutetroclo leva Licaacuteon a Lemnos e o negocia como escravo

Dos espoacutelios Aquiles toma Briseida como precircmio Agamecircmnon Criseida

Em seguida vem a morte de Palamedes

A deliberaccedilatildeo de Zeus com o intuito de inflamar os troianos apoacutes Aquiles se retirar da

alianccedila

O cataacutelogo dos que combateram aliados aos troianos

222 Etioacutepida

Τοῦ αὐτοῦ περὶ Αἰθιοπίδος

Ἐπιβάλλει δὲ τοῖς προειρημένοις [ἐν τῇ πρὸ ταύτης 173

βίβλῳ] Ἰλιὰς Ὁμήρου μεθ ἥν ἐστιν Αἰθιοπίδος βιβλία

πέντε Ἀρκτίνου Μιλησίου περιέχοντα τάδε

Ἀμαζὼν Πενθεσίλεια παραγίνεται Τρωσὶ συμμαχή- 175

138

σουσα Ἄρεως μὲν θυγάτηρ Θρᾷσσα δὲ τὸ γένος καὶ κτείνει

αὐτὴν ἀριστεύουσαν Ἀχιλλεύς οἱ δὲ Τρῶες αὐτὴν θάπτουσι

καὶ Ἀχιλλεὺς Θερσίτην ἀναιρεῖ λοιδορηθεὶς πρὸς

αὐτοῦ καὶ ὀνειδισθεὶς τὸν ἐπὶ τῇ Πενθεσιλείᾳ λεγόμενον

ἔρωτα καὶ ἐκ τούτου στάσις γίνεται τοῖς Ἀχαιοῖς περὶ 180

τοῦ Θερσίτου φόνου

μετὰ δὲ ταῦτα Ἀχιλλεὺς εἰς Λέσβον πλεῖ καὶ θύσας

Ἀπόλλωνι καὶ Ἀρτέμιδι καὶ Λητοῖ καθαίρεται τοῦ φόνου

ὑπ Ὀδυσσέως

Μέμνων δὲ ὁ Ἠοῦς υἱὸς ἔχων ἡφαιστότευκτον παν- 185

οπλίαν παραγίνεται τοῖς Τρωσὶ βοηθήσων καὶ Θέτις τῷ

παιδὶ τὰ κατὰ τὸν Μέμνονα προλέγει

καὶ συμβολῆς γενομένης Ἀντίλοχος ὑπὸ Μέμνονος

ἀναιρεῖται ἔπειτα Ἀχιλλεὺς Μέμνονα κτείνει καὶ τούτῳ

μὲν Ἠὼς παρὰ Διὸς αἰτησαμένη ἀθανασίαν δίδωσι 190

τρεψάμενος δ Ἀχιλλεὺς τοὺς Τρῶας καὶ εἰς τὴν πό-

λιν συνεισπεσὼν ὑπὸ Πάριδος ἀναιρεῖται καὶ Ἀπόλλωνος

καὶ περὶ τοῦ πτώματος γενομένης ἰσχυρᾶς μάχης Αἴας ἀν-

ελόμενος ἐπὶ τὰς ναῦς κομίζει Ὀδυσσέως ἀπομαχομένου

τοῖς Τρωσίν 195

ἔπειτα Ἀντίλοχόν τε θάπτουσι καὶ τὸν νεκρὸν τοῦ

Ἀχιλλέως προτίθενται

καὶ Θέτις ἀφικομένη σὺν Μούσαις καὶ ταῖς ἀδελφαῖς

θρηνεῖ τὸν παῖδα καὶ μετὰ ταῦτα ἐκ τῆς πυρᾶς ἡ Θέτις

ἀναρπάσασα τὸν παῖδα εἰς τὴν Λευκὴν νῆσον διακομίζει 200

οἱ δὲ Ἀχαιοὶ τὸν τάφον χώσαντες ἀγῶνα τιθέασι

καὶ περὶ τῶν Ἀχιλλέως ὅπλων Ὀδυσσεῖ καὶ Αἴαντι στάσις

ἐμπίπτει

Do mesmo sobre a Etioacutepida

Sucede-se ao que foi dito anteriormente (no texto antes deste) a Iliacuteada de Homero

depois dela haacute a Etioacutepida em cinco livros de Arctino de Mileto que compreendem o seguinte

139

A amazona Pentesileia chega para combater ao lado dos troianos filha de Ares traacutecia

de origem Aquiles a mata quando ela estaacute no auge de sua bravura combativa e os troianos

realizam seu funeral

Entatildeo Aquiles abate Tersites ofendido com ele repreendido por sua paixatildeo declarada

por Pentesileia Surge uma dissenccedilatildeo entre os aqueus em funccedilatildeo do assassinato de Tersites

Apoacutes isso Aquiles navega ateacute Lesbos e feitos sacrifiacutecios a Apolo Aacutertemis e Leto eacute

purificado do assassinato por Odisseu

Mecircmnon filho de Aurora possuidor de uma armadura confeccionada por Hefesto

chega ao socorro dos troianos Teacutetis prediz a seu filho o que decorreraacute a partir do embate com

Mecircmnon

Em confronto Antiacuteloco eacute abatido por Mecircmnon e logo Aquiles o mata Aurora lhe

concede a eternidade por rogaacute-la da parte de Zeus

Rechaccedilando os troianos e jaacute irrompendo cidadela adentro Aquiles eacute abatido por Paacuteris

e por Apolo Violenta batalha tem iniacutecio em volta do cadaacutever Aacutejax resgata-o e carrega ateacute as

naus enquanto Odisseu vai repelindo os troianos

Entatildeo sepultam Antiacuteloco e dispotildeem o corpo de Aquiles para o funeral

Chegando junto das Musas e das irmatildes Teacutetis vela seu filho Depois disso Teacutetis subtrai

o filho de sobre a pira e o transporta para a Ilha Branca

Os aqueus lhe erigem uma sepultura e instauram jogos e uma disputa pelas armas de

Aquiles sobreveacutem entre Odisseu e Ajax

223 Pequena Iliacuteada

Τοῦ αὐτοῦ περὶ Ἰλιάδος μικρᾶς

Ἑξῆς δ ἐστὶν Ἰλιάδος μικρᾶς βιβλία τέσσαρα Λές- 206

χεω Μυτιληναίου περιέχοντα τάδε

Ἡ τῶν ὅπλων κρίσις γίνεται καὶ Ὀδυσσεὺς κατὰ

βούλησιν Ἀθηνᾶς λαμβάνει Αἴας δ ἐμμανὴς γενόμενος

τήν τε λείαν τῶν Ἀχαιῶν λυμαίνεται καὶ ἑαυτὸν ἀναιρεῖ 210

μετὰ ταῦτα Ὀδυσσεὺς λοχήσας Ἕλενον λαμβάνει

καὶ χρήσαντος περὶ τῆς ἁλώσεως τούτου Διομήδης ἐκ Λήμνου

140

Φιλοκτήτην ἀνάγει ἰαθεὶς δὲ οὗτος ὑπὸ Μαχάονος καὶ μονο-

μαχήσας Ἀλεξάνδρῳ κτείνει καὶ τὸν νεκρὸν ὑπὸ Μενελάου

καταικισθέντα ἀνελόμενοι θάπτουσιν οἱ Τρῶες 215

μετὰ δὲ ταῦτα Δηΐφοβος Ἑλένην γαμεῖ

καὶ Νεοπτόλεμον Ὀδυσσεὺς ἐκ Σκύρου ἀγαγὼν τὰ

ὅπλα δίδωσι τὰ τοῦ πατρός καὶ Ἀχιλλεὺς αὐτῷ φαντάζεται

Εὐρύπυλος δὲ ὁ Τηλέφου ἐπίκουρος τοῖς Τρωσὶ παρα-

γίνεται καὶ ἀριστεύοντα αὐτὸν ἀποκτείνει Νεοπτόλεμος 220

καὶ οἱ Τρῶες πολιορκοῦνται

καὶ Ἐπειὸς κατ Ἀθηνᾶς προαίρεσιν τὸν δούρειον

ἵππον κατασκευάζει

Ὀδυσσεύς τε αἰκισάμενος ἑαυτὸν κατάσκοπος εἰς

Ἴλιον παραγίνεται καὶ ἀναγνωρισθεὶς ὑφ Ἑλένης περὶ 225

τῆς ἁλώσεως τῆς πόλεως συντίθεται κτείνας τέ τινας τῶν

Τρώων ἐπὶ τὰς ναῦς ἀφικνεῖται

καὶ μετὰ ταῦτα σὺν Διομήδει τὸ παλλάδιον ἐκκο-

μίζει ἐκ τῆς Ἰλίου

ἔπειτα εἰς τὸν δούρειον ἵππον τοὺς ἀρίστους ἐμ- 230

βιβάσαντες τάς τε σκηνὰς καταφλέξαντες οἱ λοιποὶ τῶν

Ἑλλήνων εἰς Τένεδον ἀνάγονται

οἱ δὲ Τρῶες τῶν κακῶν ὑπολαβόντες ἀπηλλάχθαι τόν

τε δούρειον ἵππον εἰς τὴν πόλιν εἰσδέχονται διελόντες

μέρος τι τοῦ τείχους καὶ εὐωχοῦνται ὡς νενικηκότες τοὺς 235

Ἕλληνας

Do mesmo sobre a Pequena Iliacuteada

Em sequecircncia haacute os quatro livros da Pequena Iliacuteada de Lesques de Mitilene que

compreendem o seguinte

Ocorre o juiacutezo a respeito das armas e Odisseu obteacutem-nas conforme a intenccedilatildeo de

Atena Ajax por sua vez apoacutes ficar ensandecido destroacutei o espoacutelio de gado dos aqueus e

tambeacutem imola a si mesmo

141

Depois disso Odisseu captura Heleno em uma emboscada apoacutes um oraacuteculo deste a

respeito da tomada da cidadela Diomedes traz Filoctetes de volta de Lemnos Curado por

Macaacuteon ele mata Alexandre em um duelo Os troianos sepultam o cadaacutever depois de reavecirc-lo

desfigurado por Menelau

Depois disso Decircifobo toma Helena por esposa

Apoacutes trazer Neoptoacutelemo de Esquiro Odisseu lhe entrega as armas do pai Aquiles

aparece para ele

Euriacutepilo filho de Teacutelefo se apresenta como aliado dos troianos e no auge de sua

bravura combativa Neoptoacutelemo o mata

Os troianos estatildeo encurralados

Epeu constroacutei o cavalo de madeira segundo o plano de Atena

Odisseu flagelando-se a si mesmo adentra Iacutelio como espiatildeo e combina com Helena

por quem fora reconhecido a tomada da cidade mata alguns troianos e chega de volta agraves

naus

Depois com Diomedes carrega o palaacutedio para fora de Iacutelio

Em seguida os melhores dos helenos ingressam no cavalo de madeira e o restante

navega para Tecircnedo havendo ateado fogo ao acampamento

Os troianos supondo-se livres de males recebem o cavalo de madeira dentro da

cidade quebrando uma brecha na muralha e festejam como se houvessem vencido os

helenos

224 Saque de Iacutelio

Τοῦ αὐτοῦ περὶ Ἰλίου πέρσιδος

Ἕπεται δὲ τούτοις Ἰλίου πέρσιδος βιβλία δύο Ἀρκ-

τίνου Μιλησίου περιέχοντα τάδε 240

ὡς τὰ περὶ τὸν ἵππον οἱ Τρῶες ὑπόπτως ἔχοντες

περιστάντες βουλεύονται ὅ τι χρὴ ποιεῖν καὶ τοῖς μὲν

δοκεῖ κατακρημνίσαι αὐτόν τοῖς δὲ καταφλέγειν οἱ δὲ ἱερὸν

αὐτὸν ἔφασαν δεῖν τῇ Ἀθηνᾷ ἀνατεθῆναι καὶ τέλος νικᾷ

ἡ τούτων γνώμη 245

142

τραπέντες δὲ εἰς εὐφροσύνην εὐωχοῦνται ὡς ἀπηλ-

λαγμένοι τοῦ πολέμου

ἐν αὐτῷ δὲ τούτῳ δύο δράκοντες ἐπιφανέντες τόν

τε Λαοκόωντα καὶ τὸν ἕτερον τῶν παίδων διαφθείρουσιν

ἐπὶ δὲ τῷ τέρατι δυσφορήσαντες οἱ περὶ τὸν Αἰνείαν 250

ὑπεξῆλθον εἰς τὴν Ἴδην

καὶ Σίνων τοὺς πυρσοὺς ἀνίσχει τοῖς Ἀχαιοῖς πρό-

τερον εἰσεληλυθὼς προσποίητος

οἱ δὲ ἐκ Τενέδου προσπλεύσαντες καὶ οἱ ἐκ τοῦ δου-

ρείου ἵππου ἐπιπίπτουσι τοῖς πολεμίοις καὶ πολλοὺς ἀν- 255

ελόντες τὴν πόλιν κατὰ κράτος λαμβάνουσι

καὶ Νεοπτόλεμος μὲν ἀποκτείνει Πρίαμον ἐπὶ τὸν

τοῦ Διὸς τοῦ ἑρκείου βωμὸν καταφυγόντα

Μενέλαος δὲ ἀνευρὼν Ἑλένην ἐπὶ τὰς ναῦς κατάγει

Δηΐφοβον φονεύσας 260

Κασσάνδραν δὲ Αἴας ὁ Ἰλέως πρὸς βίαν ἀποσπῶν

συνεφέλκεται τὸ τῆς Ἀθηνᾶς ξόανον ἐφ ᾧ παροξυνθέντες

οἱ Ἕλληνες καταλεῦσαι βουλεύονται τὸν Αἴαντα ὁ δὲ ἐπὶ

τὸν τῆς Ἀθηνᾶς βωμὸν καταφεύγει καὶ διασῴζεται ἐκ τοῦ

ἐπικειμένου κινδύνου 265

[ἔπειτα ἀποπλέουσιν οἱ Ἕλληνες καὶ φθορὰν αὐτοῖς

ἡ Ἀθηνᾶ κατὰ τὸ πέλαγος μηχανᾶται]

καὶ Ὀδυσσέως Ἀστυάνακτα ἀνελόντος

Νεοπτόλεμος Ἀνδρομάχην γέρας λαμβάνει

καὶ τὰ λοιπὰ λάφυρα διανέμονται 270

Δημοφῶν δὲ καὶ Ἀκάμας Αἴθραν εὑρόντες ἄγουσι

μεθ ἑαυτῶν

ἔπειτα ἐμπρήσαντες τὴν πόλιν

Πολυξένην σφαγιάζουσιν ἐπὶ τὸν τοῦ Ἀχιλλέως τάφον

Do mesmo sobre o Saque de Iacutelio

143

Seguem-se a isso os dois livros do Saque de Iacutelio de Arctino de Mileto compreendendo

isto

Como os troianos estatildeo desconfiados do cavalo reunindo-se em torno dele deliberam

sobre o que fazer A uns parece melhor atiraacute-lo precipiacutecio abaixo a outros incendiaacute-lo uns

dizem entatildeo que ele deveria ser dado como oferenda a Atena Vence a proposta destes por

fim

Tomados pela animaccedilatildeo festejam como se estivessem dispensados da guerra Bem

nesse momento duas serpentes aparecem e trucidam Laoconte e seu filho mais novo

Consternados com esse prodiacutegio Eneacuteias e os companheiros escapam secretamente

para o monte Ida

Entatildeo Sinatildeo o primeiro a disfarccedilado lograr um incurso acende tochas ao alto da

cidade como sinal aos aqueus

Juntos tanto os que retornam de Tecircnedos como os de dentro do cavalo os helenos

precipitam-se sobre os inimigos e tomam a cidade de assalto matando muitos

Neoptoacutelemo mata Priacuteamo que se refugiara no altar de Zeus Guarda Lar

Apoacutes achar Helena Menelau a leva de volta para as naus assassinando Decircifobo

Aacutejax filho de Ileu levando Cassandra agrave forccedila arrasta tambeacutem a imagem de madeira

de Atena Irritados com isso os helenos decidem apedrejar Aacutejax mas ele busca refuacutegio no

altar de Atena e se manteacutem a salvo do perigo iminente

[Entatildeo os helenos zarpam e Atena estaacute maquinado contra eles um naufraacutegio em alto

mar]

Tendo Odisseu matado Astiacuteanax Neoptoacutelemo toma Androcircmaca como seu precircmio

Repartem o restante do espoacutelio

Apoacutes acharem Etra Demofatildeo e Aacutecamas levam-na consigo

Em seguida sacrificam Polixena sobre o tuacutemulo de Aquiles havendo incendiado a

cidade

225 Retornos

Τοῦ αὐτοῦ περὶ Νόστων

Συνάπτει δὲ τούτοις τὰ τῶν Νόστων βιβλία πέντε 277

144

Ἀγίου Τροιζηνίου περιέχοντα τάδε

Ἀθηνᾶ Ἀγαμέμνονα καὶ Μενέλαον εἰς ἔριν καθίς-

τησι περὶ τοῦ ἔκπλου 280

Ἀγαμέμνων μὲν οὖν τὸν τῆς Ἀθηνᾶς ἐξιλασόμενος

χόλον ἐπιμένει

Διομήδης δὲ καὶ Νέστωρ ἀναχθέντες εἰς τὴν οἰ-

κείαν διασῴζονται

μεθ οὓς ἐκπλεύσας ὁ Μενέλαος μετὰ πέντε νεῶν 285

εἰς Αἴγυπτον παραγίνεται τῶν λοιπῶν διαφθαρεισῶν νεῶν

ἐν τῷ πελάγει

οἱ δὲ περὶ Κάλχαντα καὶ Λεοντέα καὶ Πολυποίτην

πεζῇ πορευθέντες εἰς Κολοφῶνα Τειρεσίαν ἐνταῦθα τελευ-

τήσαντα θάπτουσι 290

τῶν δὲ περὶ τὸν Ἀγαμέμνονα ἀποπλεόντων Ἀχιλ-

λέως εἴδωλον ἐπιφανὲν πειρᾶται διακωλύειν προλέγον τὰ

συμβησόμενα

εἶθ ὁ περὶ τὰς Καφηρίδας πέτρας δηλοῦται χειμὼν

καὶ ἡ Αἴαντος φθορὰ τοῦ Λοκροῦ 295

Νεοπτόλεμος δὲ Θέτιδος ὑποθεμένης πεζῇ ποιεῖ-

ται τὴν πορείαν καὶ παραγενόμενος εἰς Θρᾴκην Ὀδυσσέα

καταλαμβάνει ἐν τῇ Μαρωνείᾳ καὶ τὸ λοιπὸν ἀνύει τῆς

ὁδοῦ καὶ τελευτήσαντα Φοίνικα θάπτει αὐτὸς δὲ εἰς Μολος-

σοὺς ἀφικόμενος ἀναγνωρίζεται Πηλεῖ 300

ἔπειτα Ἀγαμέμνονος ὑπὸ Αἰγίσθου καὶ Κλυται-

μήστρας ἀναιρεθέντος ὑπ Ὀρέστου καὶ Πυλάδου τιμωρία

καὶ Μενελάου εἰς τὴν οἰκείαν ἀνακομιδή

Do mesmo sobre os Retornos

A esses eventos atrelam-se os cinco livros dos Retornos de Aacutegias de Trezene

compreendendo o seguinte

Atena potildee Agamecircmnon e Menelau em discoacuterdia a respeito da viagem de volta

Agamecircmnon retarda sua partida para apaziguar a colera da deusa

145

Diomedes e Neacutestor levados por alto mar chegam a sua casa em seguranccedila

Menelau que partiu atraacutes deles chega ao Egito com cinco das naus as restantes

naufragando em alto mar

Os comandados por Calcas Leonteu e Polipetes viajam a peacute ateacute Colofatildeo laacute sepultam

Tireacutesias que falecera

Quando os comandados por Agamecircmnon estatildeo partindo uma apariccedilatildeo de Aquiles

tenta impedi-los manifestando-se e anunciando os acontecimentos vindouros

Nesse passo se descreve a tempestade nas redondezas das Rochas Cafeacuterides e a ruiacutena

de Aacutejax da Loacutecria

Neoptoacutelemo faz a jornada a peacute a conselho de Teacutetis Chegando agrave Traacutecia depara-se com

Odisseu em Marocircnia completa o restante de seu percurso e sepulta o falecido Fecircnix

Chegando ateacute os moloacutessios ele proacuteprio eacute reconhecido por Peleu

Em seguida a execuccedilatildeo de Agamecircmnon por Egisto e Clitemnestra a vinganccedila de

Orestes e Piacutelades e o retorno para casa de Menelau

226 Telegonia

Τοῦ αὐτοῦ περὶ Τηλεγονίας

Μετὰ ταῦτά ἐστιν Ὁμήρου Ὀδύσσεια ἔπειτα Τηλε- 306

γονίας βιβλία δύο Εὐγάμμωνος Κυρηναίου περιέχοντα τάδε

οἱ μνήστορες ὑπὸ τῶν προσηκόντων θάπτονται

καὶ Ὀδυσσεὺς θύσας Νύμφαις εἰς Ἦλιν ἀποπλεῖ

ἐπισκεψόμενος τὰ βουκόλια καὶ ξενίζεται παρὰ Πολυξένῳ 310

δῶρόν τε λαμβάνει κρατῆρα καὶ ἐπὶ τούτῳ τὰ περὶ Τρο-

φώνιον καὶ Ἀγαμήδην καὶ Αὐγέαν

ἔπειτα εἰς Ἰθάκην καταπλεύσας τὰς ὑπὸ Τειρεσίου

ῥηθείσας τελεῖ θυσίας

καὶ μετὰ ταῦτα εἰς Θεσπρωτοὺς ἀφικνεῖται καὶ γαμεῖ 315

Καλλιδίκην βασιλίδα τῶν Θεσπρωτῶν

ἔπειτα πόλεμος συνίσταται τοῖς Θεσπρωτοῖς πρὸς

Βρύγους Ὀδυσσέως ἡγουμένου ἐνταῦθα Ἄρης τοὺς περὶ

146

τὸν Ὀδυσσέα τρέπεται καὶ αὐτῷ εἰς μάχην Ἀθηνᾶ καθίς-

ταται τούτους μὲν Ἀπόλλων διαλύει 320

μετὰ δὲ τὴν Καλλιδίκης τελευτὴν τὴν μὲν βασιλείαν

διαδέχεται Πολυποίτης Ὀδυσσέως υἱός αὐτὸς δ εἰς Ἰθάκην

ἀφικνεῖται

κἀν τούτῳ Τηλέγονος ἐπὶ ζήτησιν τοῦ πατρὸς πλέων

ἀποβὰς εἰς τὴν Ἰθάκην τέμνει τὴν νῆσον ἐκβοηθήσας δ 325

Ὀδυσσεὺς ὑπὸ τοῦ παιδὸς ἀναιρεῖται κατ ἄγνοιαν

Τηλέγονος δ ἐπιγνοὺς τὴν ἁμαρτίαν τό τε τοῦ πατρὸς

σῶμα καὶ τὸν Τηλέμαχον καὶ τὴν Πηνελόπην πρὸς τὴν μητέρα

μεθίστησιν ἡ δὲ αὐτοὺς ἀθανάτους ποιεῖ καὶ συνοικεῖ τῇ

μὲν Πηνελόπῃ Τηλέγονος Κίρκῃ δὲ Τηλέμαχος 330

Do mesmo sobre a Telegonia

Depois disso eacute a Odisseia de Homero depois os dois livros da Telegonia de Ecircugamon

de Cirene que compreendem o seguinte

Os pretendentes satildeo sepultados por seus parentes

Odisseu faz sacrifiacutecios agraves Ninfas e zarpa para Eacutelis a fim de inspecionar o gado Eacute

hospedado por Poliacutexeno recebe de presente uma cratera e nela estaacute a histoacuteria de Trofocircnio

Agamedes e Aacuteugeas

Desembarcando de volta em Iacutetaca executa os sacrifiacutecios especificados por Tireacutesias

Depois desses eventos chega agrave Tesproacutetia e toma Caliacutedice por mulher rainha dos

Tesproacutetios

Depois se concretiza uma guerra dos Tesproacutetios liderados por Odisseu contra os

Brugos Nisso Ares debanda os homens de Odisseu e Atena engaja-se em combate contra ele

Apolo eacute quem os aparta

Depois da morte de Caliacutedice Polipetes filho de Odisseu herda a realeza enquanto

este retorna agrave Iacutetaca

Nesse momento Telecircgono que navegava agrave procura de seu pai e desembarcara em

Iacutetaca devastava a ilha Odisseu que viera defendecirc-la por engano eacute morto por seu filho

147

Telecircgono apoacutes tomar conhecimento de seu crime transporta Telecircmaco Peneacutelope e o

corpo do pai ateacute sua matildee Ela os torna imortais Telecircgono casa-se com Peneacutelope e Telecircmaco

com Circe

148

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

EDICcedilOtildeES DA OBRA ESTUDADA

Ediccedilotildees da Crestomatia

FERRANTE D Crestomazia Introduzione ndash texto traduzione e comento degli estratti

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Fernandes Lisboa Instituto Nacional de Investigaccedilatildeo Cientiacutefica Centro de Estudos Claacutessicos

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De Compositione Verborum edited with introduction translation notes glossary and

appendices by W Rhys Roberts London Macmillan and Co 1910

ETYMOLOGICUM GUDIANUM QUOD VOCATUR recensuit et apparatum criticum

indicesque adiecit Ed Aloysius de Stefani Eduardo Luigi de Stefani

ETYMOLOGICUM MAGNUM SEU VERIUS LEXICON SAEPISSIME

VOCABULORUM ORIGINE INDAGANS EX PLURIBUS LEXICIS ET GRAMMATICIS

ANONYMI CUIUSDAM OPERA CONCINNATUM Add codd mss recensuit et notis

variorum instruxit Thomas Gaisford STP Amsterdam Adolf M Hakkert ndash Publisher 1962

GRAMMATICI GRAECI recogniti et apparatu critico instructi v1 Dionysii Thracis Ars

grammatica edidit Gustavus Uhlig Herodianos Scholia in Dionsii Thracis Artem

grammaticam Technicus recensuit Alfredus Hilgard--v2 Apollonii Dyscoli quae supersunt

Recensverunt Richardus Schneider et Gustavus Uhlig--v3 Herodiani Technici reliquiae

explicavit Augustus Lentz--v4 Theodosii Alexandrini Canones Georgii Choerobosci

Scholia Sophronii patriarchae alexandrini excerpta recensuit Alfredus Hilgard Stuttgart

Teubner 1867 ndash 1910

HOMERE Iliade Texte eacutetabli et traduit par P Mazon avec la collaboration de P Chantraine

P Collart et R Langumier Paris Les Belles Lettres Tome I chants I-VI 1937 tome II

chants VII-XII tome III chants XIII-XVIII tome IV chants XIX-XXIV 1938

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chants I-VII 1955 tome II chants VIII-XV 1953 Tome III chants XVI-XXIV 1956

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Adler Editio stereotypa editionis primae (MCMXXXIII) Stuttgart Teubner 1967 Pars IV

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1989

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MENANDRO EL REacuteTOR Dos Tratados de Retoacuterica Epidiacutectica Trad M G Garciacutea y J G

Calderoacuten Madrid Editorial Gredos 1996

PLATON Oeuvres Completes Tome IV 3e partie Pheacutedre Notice de Leon Robin Texte

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Diegraves 1932 tome XI 1re partie Les Lois Livres I-II Texte eacutetabli et traduit par E des Places

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QUINTILIAN The Institutio Oratoriae With an English translation by H E Butler

Cambridge London Harvard University Press Vol I 1989 vol II 1989 vol III 1996 vol

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Claacutessicas n9 p 231 ndash 243 2005

Traduccedilatildeo e comentaacuterio do De generibus poematum de Diomedes Iniciaccedilatildeo

cientiacutefica orientada pelo professor Marcos Martinho dos Santos Satildeo Paulo DLCV ndash FFLCH

ndash USP 2005 ineacutedita

_____ Traduccedilatildeo e Comentaacuterio da Arte Retoacuterica de Colsulto Fortunaciano Dissertaccedilatildeo de

mestrado apresentada ao Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas da FFLCH-USP

orientada por Marcos Martinho dos Santos Satildeo Paulo DLCV ndash FFLCH ndash USP 2010 ineacutedita

MARTINHO DOS SANTOS M As Epiacutestolas de Horaacutecio e a Confecccedilatildeo de uma Ars

Dictaminis o Opus Dissertaccedilatildeo de mestrado apresentada ao Departamento de

Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas da FFLCH-USP orientada por Zelia Ladeira Veras

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  • A CRESTOMATIA DE PROCLOTraduccedilatildeo integral notas e estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
  • AGRADECIMENTOS
  • RESUMO
  • ABSTRACT
  • IacuteNDICE
  • Apresentaccedilatildeo
  • PARTE IEstudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
    • 1 CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO
      • 11VESTIacuteGIOS DA OBRA
      • 12 AUTORIA E ATRIBUICcedilAtildeO
      • 13 O NOME E A OBRA
        • 131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio
        • 132 A intitulaccedilatildeo do Coacutedice 239
        • 133 O termo ldquocrestomatiardquo
        • 134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra
            • 2 A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA ELOCUCcedilAtildeO POESIA E RETOacuteRICA
              • 21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO
              • 22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO
                • 221 O molde copioso
                • 222 O molde tecircnue
                • 223 O molde meacutedio
                • 224 O molde florido
                • 225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo
                    • 3 A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA
                      • 31 SEUS GEcircNEROS
                      • 32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS DE DIOMEDES
                      • 33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO
                        • 331 Epos
                          • 3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria
                          • 3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico
                            • 332 Elegia
                            • 333 Iambo
                            • 334 Meacutelica
                              • PARTE IITraduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo
                                • 1 COacuteDICE 239
                                  • 11 TEXTO
                                  • 12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO
                                    • 2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO CICLO EacutePICO ndash TRADUCcedilAtildeO
                                      • 21 VIDA DE HOMERO
                                      • 22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO
                                        • 221 Ciacuteprias
                                        • 222 Etioacutepida
                                        • 223 Pequena Iliacuteada
                                        • 224 Saque de Iacutelio
                                        • 225 Retornos
                                        • 226 Telegonia
                                          • REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

2

A meus pais que sempre me deram tudo quando foi possiacutevel

A minha irmatilde agrave sua capacidade e agrave sua trajetoacuteria exemplares

A Maria Beatriz Bouissou Macecircdo que com seu coraccedilatildeo encerra sua primeira dissertaccedilatildeo

de mestrado

3

AGRADECIMENTOS

Agrave CAPES pelo auxiacutelio concedido que me permitiu grande foco no uacuteltimo ano de

pesquisa

A meu grande orientador Prof Dr Marcos Martinho dos Santos que eacute uma inspiraccedilatildeo

desde a primeira aula do curso de Introduccedilatildeo aos Estudos Claacutessicos que ministrou no ano de

2003 a que assisti tatildeo logo ingressei na Universidade de Satildeo Paulo Que o decoro deste

gecircnero ldquoagradecimentos de dissertaccedilatildeo de mestradordquo me perdoe mas minha admiraccedilatildeo por

ele como acadecircmico talvez soacute se compare a minha admiraccedilatildeo pelo Led Zeppelin como banda

Ao Prof Dr Jacyntho Lins Brandatildeo que aceitou o convite para compor a banca e me

levou a reflexotildees teoacutericas imprescindiacuteveis e salutares contribuindo com sua vastiacutessima

experiecircncia no estudo de tatildeo fascinante objeto a Poeacutetica Antiga

Ao Prof Dr Joatildeo Acircngelo Oliva Neto por aceitar o mesmo convite e pelos proveitosos

conselhos que ateacute agora me deu natildeo soacute no exame de qualificaccedilatildeo e no exame de conclusatildeo

como tambeacutem desde que fui seu aluno pela primeira vez ainda na graduaccedilatildeo e em sucessivas

ocasiotildees Agradeccedilo-lhe por todas as questotildees de ordem tradutoloacutegica tambeacutem salutares que

me impocircs desde o princiacutepio de sua participaccedilatildeo neste processo Sem elas minha traduccedilatildeo

ainda estaria muito aqueacutem do esperado E como se natildeo bastasse tudo isso por ser o professor

mais engraccedilado com que tive aula na minha vida

Ao Prof Dr Alexandre Pinheiro Hasegawa que aleacutem dos importantes apontamentos

feitos no exame de qualificaccedilatildeo ajudou a refletir sobre os desdobramentos dados agrave pesquisa

Para noacutes neoacuteteroi ele eacute um clacissista modelar

A outros cariacutessimos professores que sempre foram capazes de muito me ensinar com

uma simples conversa durante o cafeacute Ao inesqueciacutevel mestre o professor Joatildeo Adolfo

Hansen agrave professora Paula da Cunha Correa ao professor Daniel Rossi Nunes Lopes ao

professor Maacuterio Eduardo Viaro

A meus pais pelo amor gritante e pelo amor taacutecito A minha irmatilde e agrave chatice de sua

companhia de que sinto falta a cada dia mais e mais Aos treze catildees da minha casa cujas

macias barrigas pude usar como travesseiro quando estava cansado Ao gato Fecircnix que possui

muito mais de sete ou nove vidas por seu fofo sobrepeso

A Maria Beatriz Bouissou Macecircdo por tudo que haacute de sincero

4

A Ticiano Curvelo Estrela Lacerda e a Artur Costrino irmatildeos cujas tatildeo notaacuteveis

qualidades sempre me incentivam como estudioso Agrave brilhante e mais cara amiga Tarsila

Donaacute e a Gabriel Lohner Groacutef e ao imprescindiacutevel auxiacutelio prestado por ambos na Casa de

Socorro aos Mestrandos Desesperados com a Corda no Pescoccedilo A Rafael Frate o

ldquoplenibroacutederrdquo

Agrave indissociaacutevel Amanda Lenharo di Santis e agrave afaacutevel companhia do gato Pimenta

A Diego Ydalgo Mateus Macedo Pires Samuel Gadia Rafael Pompiacutelio Gustavo

Motta e Fernando Baratella ternos amigos da terna idade de viacutedeo-game RPG HQ futebol e

(jaacute natildeo mais tatildeo terna) The Doors Como esquecer o primeiro Camotildees o primeiro Boccage o

primeiro Aacutelvares de Azevedo Gonccedilalves Dias Bandeira Drummond lidos nessa eacutepoca

A Rafael Brunhara Marcus Baccega Alexandre Almeida Marcussi e a outros

estimados amigos e colegas que jamais faria natildeo fossem as Letras e a FFLCH

5

RESUMO

A presente dissertaccedilatildeo visa agrave traduccedilatildeo anotada dos textos que nos datildeo a conhecer a

obra convencionalmente denominada Crestomatia e atribuiacuteda a Proclo junto de um estudo

que caracterize o quanto possiacutevel essa obra que permanece tatildeo obscura quanto relevante para

os Estudos Claacutessicos Traduziram-se tanto os fragmentos referentes ao Ciclo Eacutepico provaacuteveis

excertos diretos da obra como o resumo que dela restou na Biblioteca de Foacutecio coacutedice 239

A anotaccedilatildeo se ateacutem ao coacutedice 239 a fim de tornar conhecido o que fosse o variado conteuacutedo

geral da obra O coacutedice tambeacutem eacute o foco do estudo que pretende em trecircs capiacutetulos 1o)

discutir os problemas em torno do texto ie a atribuiccedilatildeo o tiacutetulo a constituiccedilatildeo da obra sua

histoacuteria etc 2o) tendo estabelecido algumas hipoacuteteses sobre essa constituiccedilatildeo diversa

explicitaacute-la comentando a primeira seccedilatildeo do texto e a confluecircncia de saberes diversos sobre as

Letras da Antiguidade fossem a Retoacuterica a Gramaacutetica a Poeacutetica considerando seus limites

3o) considerando a seccedilatildeo posterior do texto sobre a classificaccedilatildeo geneacuterica da poesia antiga

relacionaacute-lo com outros que versem sobre a classificaccedilatildeo dos gecircneros poeacuteticos em especial o

De Poematibus de Diomedes

PALAVRAS-CHAVE poeacutetica gramaacutetica retoacuterica poesia antiga gecircneros literaacuterios

6

ABSTRACT

The scope of the current dissertation is to present a commented translation in

Portuguese of the group of texts that gives us knowledge of the work conventionaly called

Chrestomathy ascribed to Proclus We present as well a study that characterizes as much as

possible this work that remains as obscure as relevant to the Classical Studies The fragments

that refer to the Epic Cycle which are probably direct excerpts of the original work were

translated as well as the summary which was preseved in Photiusrsquo Library the 239 codex

The commentary is about the 239 codex with the purpose of give knowledge of the

miscellaneous general content of the work The codex is also the focus of the study where in

three chapters 1) it will be discussed the questions around the text ie the ascription the

title the constitution of the work its history 2) having been established some hypothesis

about this diverse constitution it will be exposed on commenting the first section of the text

and the confluency as well as the limits of multiple knowledges of Literature in Antiquity

comprehending Rhetorics Grammar and Poetics 3) considering the later section of the text

concerning to the generic classification of ancient poetry we will relate the text with others

that deal with the classification of poetic genres especially Diomedesrsquo De Poematibus

KEYWORDS poetics grammar rhetoric ancient poetry literary genres

7

IacuteNDICE

Apresentaccedilatildeo9

Parte I ndash Estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio

Capiacutetulo 1 ndash CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO10

11 VESTIacuteGIOS DA OBRA10

12 AUTORIA E ATRIBUUICcedilAtildeO12

13 O NOME E A OBRA18

131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio18

132 A intitulaccedilatildeo do coacutedice 23925

133 O termo ldquocrestomatiardquo32

134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra38

Capiacutetulo 2 ndash A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA

ELOCUCcedilAtildeO POESIA E RETOacuteRICA50

21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO50

22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO52

221 O molde copioso55

222 O molde tecircnue57

223 O molde meacutedio59

224 O molde florido61

225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo62

Capiacutetulo 3 ndash A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA67

31 SEUS GEcircNEROS67

32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS

DE DIOMEDES74

33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO81

331 Epos83

3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria83

3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico86

332 Elegia90

333 Iambo94

334 Meacutelica96

Parte II ndash Traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo

1 COacuteDICE 23998

11 TEXTO98

12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO109

2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO

8

CICLO EacutePICO128

21 VIDA DE HOMERO128

22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO132

221 Ciacuteprias132

222 Etioacutepida137

223 Pequenas Iliacuteada139

224 Saque de Iacutelio141

225 Retornos143

226 Telegonia145

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS148

9

Apresentaccedilatildeo

Esta dissertaccedilatildeo de mestrado se debruccedila sobre o texto tradicionalmente denominado

Crestomatia e apenas atribuiacutedo a um Proclo cuja identidade permanece em litiacutegio Sem que

isso tenha sido um impedimento para muitos antes de mim proponho aqui considerada a

imensidatildeo de toacutepicos apenas aludidos ou sugeridos por tal objeto textual (alguns carentes de

investigaccedilatildeo)

a) uma traduccedilatildeo integral do que o tempo nos legou da obra um resumo preservado

por Foacutecio de Constantinopla seacutec IX dC e os excertos aceites pelos estudiosos como seus

uacutenicos fragmentos ldquooriginaisrdquo

b) um estudo introduzindo a traduccedilatildeo que se focou em questotildees de composiccedilatildeo da

obra (da sua atribuiccedilatildeo agrave sua abrangecircncia) partes organizaccedilatildeo teorias que continha ou

propunha intenccedilatildeo e finalidade Em funccedilatildeo desse enfoque questotildees agraves quais a Crestomatia

de Proclo muitas vezes serve de ponto de partida como por exemplo a aplicaccedilatildeo das

categorias antigas de interpretaccedilatildeo poeacutetica agrave poesia liacuterica da Greacutecia Antiga os testemunhos

que conteacutem dessa interpretaccedilatildeo de base heleniacutestica etc foram em parte contemplados e em

parte deixados de lado em funccedilatildeo de um objetivo primeiro refletir sobre o que seria essa obra

e sua relaccedilatildeo com textos que lidam com assuntos semelhantes

Desta maneira portanto se organiza o texto

PARTE I ndash Um estudo em trecircs capiacutetulos o 1o abordando as questotildees baacutesicas sobre o

objeto escrito (tiacutetulo autoria) e como eacute transmitido a noacutes o 2o abordando o que aqui se

delimita como sua primeira seccedilatildeo em que se definia seu objeto e uma abordagem para ele a

fim de se conseguir uma caracterizaccedilatildeo da obra o 3o propondo a partir dos elementos

estudados uma comparaccedilatildeo com outro texto semelhante a fim de discutir os criteacuterios de

anaacutelise da poesia que na Crestomatia seratildeo empregados ateacute o fim do texto com o objetivo de

classificar a antiga poesia liacuterica ou meacutelica (sendo as especificidades dessa apresentadas ao

longo das nostas agrave traduccedilatildeo agrave medida do necessaacuterio)

PARTE II ndash A traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio que resume

a Crestomatia e a traduccedilatildeo dos resumos do chamado ciclo eacutepico que chega ateacute noacutes atraveacutes de

manuscritos de Homero

10

PARTE I

Estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio

1 CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO

11VESTIacuteGIOS DA OBRA

Qualquer um cujo interesse seja desperto por isso que geralmente se denomina a

Crestomatia de Proclo tatildeo logo busque se aproximar do objeto deparar-se-aacute com fragmentos

que unidos ao fim nos forneceratildeo somente o espectro de uma obra que parece ter sido uma

importante e abrangente compilaccedilatildeo sobre as letras antigas algo semelhante ao que hoje

chamariacuteamos um manual de literatura

Haacute dois grupos de textos que juntos compotildeem o quanto se pode acessar do que a

julgar pelo que nos diz Foacutecio no coacutedice 239 de sua Biblioteca teria sido uma obra composta

de quatro livros1 e que sem duacutevida a despeito das discussotildees acerca do primeiro paraacutegrafo do

coacutedice (concernente ao nome) teria em seu tiacutetulo o termo ldquocrestomatiardquo

A comeccedilar pela Biblioteca como se sabe consiste em resumos epiacutetomes cuja

confecccedilatildeo2 para aleacutem do interesse do irmatildeo de Foacutecio3 serviria em uacuteltima instacircncia agraves duas

funccedilotildees mais baacutesicas que se podem supor dar a conhecer os textos resumidos a quem natildeo

poderia acessaacute-los integralmente e fornecer diferentes saberes numa mesma fonte ie reunir

informaccedilatildeo diversa preservando para um leitor que natildeo tivesse acesso a essa informaccedilatildeo agrave

medida do possiacutevel o mais relevante dos originais

Um conjunto de textos consiste portanto nos diferentes manuscritos que seguramente

contecircm a Biblioteca de Foacutecio E eacute entre diferentes obras reunidas para a Biblioteca portanto

que se resume no coacutedice 239 (de um modo a ser discutido) a obra em questatildeo

convencionalmente designada Crestomatia Trata-se pois de tradiccedilatildeo indireta

1 Severyns A Recherches sur la Chrestomathie de Proclos Le Codex 239 de Photius Eacutetude Paleacuteographique et

Critique (t I) Texte Traduction Commentaire (t II) La Vita Homeri et les Sommaires du Cycle Eacutetude

Paleacuteographique et Critique (t III) Texte et Traduction (t IV) Paris Belles Lettres 1977 Tomo II paacuteg 31 2 Severyns op cit tome I paacuteg 1 ndash 6 3 Foacutecio Biblioteca paacuteg 1

11

O outro conjunto de textos eacute bem mais visado pelos estudos claacutessicos em geral dado o

que conteacutem Consiste nos 14 manuscritos da Iliacuteada dos quais todos como uma introduccedilatildeo

trazem uma Vida de Homero4 Deles 10 tambeacutem trazem um texto designado

um apenas Venetus A (o mais velho) traz na sequecircncia

e Aquela Vida

como se vecirc pelo nome eacute uma breve biografia de Homero mas satildeo estes que foram por muito

tempo objeto dos estudiosos pois consistem em resumos aparentemente completos embora

bem pontuais dos poemas ciacuteclicos ou pelo menos de alguns deles ie os poemas que narram

os demais episoacutedios do ldquochamado ciclo eacutepicordquo (para usar os proacuteprios termos do epiacutetome do

coacutedice 239) o qual numa definiccedilatildeo mais teacutecnica seria a somatoacuteria de todas as narraccedilotildees

eacutepicas ou mais rigorosamente todos os (eacutepe)6 circunscritos a um conjunto de episoacutedios

que vai desde a origem do universo ateacute a morte de Odisseu A despeito do que se possa

conjeturar mais pormenorizadamente sobre o que de fato pleiteavam tais poemas o proacuteprio

texto do epiacutetome fociano no seu paraacutegrafo 19 eacute um de nossos principais testemunhos de

como tais poemas eram entendidos por diferentes autores que versaram sobre poeacutetica

integrando um todo ldquo

rdquo7 ndash ldquoFecha-se o ciclo eacutepico agrave medida que eacute completo pela contribuiccedilatildeo

de diferentes poetasrdquo

Antes desse paraacutegrafo na seccedilatildeo do epiacutetome dedicada ao epos (sect13 a 23) apoacutes a

invenccedilatildeo do metro sua mateacuteria (sect13) como o nome se fixa (sect14) e o elenco de seus melhores

poetas (sect15) o paraacutegrafo 16 nos informa que ldquoele [o provaacutevel autor Proclo] discorre na

medida do possiacutevel sobre a origem a paacutetria e algumas histoacuterias particulares a respeito de tais

poetasrdquo e o paraacutegrafo 17 por sua vez diz que [ele] ldquoentatildeo inicia as consideraccedilotildees sobre o

chamado ciclo eacutepicordquo e assinala seu iniacutecio no intercurso entre Ceacuteu e Terra O verbo

(dialambaacuteno) que inicia o paraacutegrafo tem o sentido forte de ldquojulgar avaliar

tomar como objeto de consideraccedilatildeordquo O verbo que inicia o paraacutegrafo seguinte (sect18)

possui o sentido metafoacuterico de abrir caminho em um texto em uma mateacuteria

em um objeto ie ldquoexaminaacute-lordquo Diz-se que ldquoele [autor] segue examinando diversas coisas

concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticasrdquo Os paraacutegrafos 20 a 23 satildeo dedicados a peculiaridades

referentes ao ciclo que no entendimento do resumidor merecem destaque a razatildeo pela qual

4 Designaccedilatildeo latina do texto que no grego vem designado como ou como Venetus A

ou Homero eacutepoca vida caracteriacutestica tiacutetulo de poemas 5 Que traduzi na ordem por ldquo(sobre) a(s) Ciacuteprias Etioacutepida Pequena Iliacuteada Saque de Iacutelio Retornos Telegoniardquo 6 Entendendo-se aqui no sentido amplo do texto uma composiccedilatildeo hexameacutetrica narrativa A discussatildeo

pormenorizada vem a seguir 7 Severyns 1977 pg 36 Grifo do autor

12

os poemas do ciclo foram preservados o nome e a paacutetria dos poetas que se ocuparam dele e

especificidades sobre a atribuiccedilatildeo e o nome das Ciacuteprias

Considerando-se que ao longo de seu texto o epiacutetome se caracteriza ou por de um

lado apenas notificar aquilo que o suposto autor diz de mais relevante sem entrar nos

detalhes de seu conteuacutedo ou de outro por pontuar informaccedilotildees bem especiacuteficas com o intuito

de daacute-las a conhecer (provavelmente como uma novidade) a seu leitor tanto os dois verbos

referidos que descrevem aquilo que ocorre no texto resumido como as vicissitudes de 20 a

23 que ressaltam especificidades julgadas pelo resumidor como relevantes a um leitor que

recorreria ao epiacutetome satildeo muito favoraacuteveis a que natildeo se ponha em duacutevida a atribuiccedilatildeo dos 14

manuscritos a Proclo ou pelo menos ao mesmo autor resumido no coacutedice 239 Ao que tudo

indica portanto os sete textos que compotildeem o Venetus A8 a julgar pela congruecircncia no que

possui em comum com os demais (que ou trazem a Vida de Homero ou essa mais o resumo

das Ciacuteprias) seriam sete excertos integrais da Crestomatia provavelmente ndash a julgar pelo

resumo ndash referentes agrave seccedilatildeo em que discutindo o epos o autor nos daria suas consideraccedilotildees

sobre quem foi Homero bem como resumos factuais acontecimento a acontecimento dos

demais poemas que compunham o chamado ciclo eacutepico

Eis a nossa obra de um lado um resumo e de outro sete outros breves textos que

pelas indicaccedilotildees nos manuscritos de Homero e pela congruecircncia de assunto brevemente

demonstrada seriam os uacutenicos excertos integrais que chegaram a noacutes De fato ambos

parecem corresponder a uma obra cujo conteuacutedo resumido ainda circulava no acircmbito das

letras bizantinas pelo menos desde algum periacuteodo um pouco anterior ao seacuteculo IX (pois pode

ser que Foacutecio teve acesso a ela integralmente) ateacute aproximadamente o seacuteculo XV seacuteculo a

que remontam os manuscritos mais recentes9 Todas as ediccedilotildees impressas portanto atribuem-

na a Proclo

12 AUTORIA E ATRIBUICcedilAtildeO

8 Nesse manuscrito o resumo das Ciacuteprias encontra-se mutilado mas pode ser reconstituiacutedo pelo manuscrito F

Neapolitanus que de acordo com Severynns derivaria de um manuscrito em comum Cf Severyns tomo III

245 ndash 52 9 A propoacutesito dos uacuteltimos manuscritos Severynns (III 317 ndash 324) identifica o Ottobonianus G e H como

derivados de um arqueacutetipo entre os quais haacute um corretor que identifica como Joatildeo Tzetzes principalmente

por especificar na denominaccedilatildeo dos resumos a atribuiccedilatildeo a ldquoProclo platocircnico Diaacutedocordquo Mesmo que se recuse a

hipoacutetese essa correccedilatildeo e a proacutepria atribuiccedilatildeo revelam natildeo soacute uma atividade filoloacutegica que se debruccedilava sobre o

texto mas a preocupaccedilatildeo em atribuir-lhe a origem precisa

13

Uma vez que todos os manuscritos da Vida e dos Resumos atribuem o texto

indubitavelmente a Proclo e apenas um preocupa-se em explicitar de que Proclo se trata

restaria saber se de fato o suposto autor do texto eacute esse explicitado pelo corretor o Proclo

de quem mais se tecircm notiacutecias e obras o chamado diaacutedokhos ou ldquosucessorrdquo assim

designado por ser o renomado disciacutepulo e sucessor de Siriano na nova escola platocircnica de

Atenas onde estudou tambeacutem com Plutarco (de Atenas) apoacutes ser disciacutepulo de Olimpiodoro o

Velho em Alexandria provavelmente onde ainda jovem obteve sua primeira formaccedilatildeo com

o gramaacutetico Oacuterion de Tebas (Egito)10 de quem adiquiriu sua formaccedilatildeo nas letras ndash se para o

estudo da filosofia sua filiaccedilatildeo aos referidos filoacutesofos eacute fundamental para o estudo da obra

aqui abordada sua filiaccedilatildeo a esse gramaacutetico egiacutepicio seja talvez determinante como logo se

discutiraacute Foi no seacuteculo V dC um dos principais nomes do que denominamos

neoplatonismo e hoje eacute conhecido principalmente por seus comentaacuterios a Platatildeo Nosso

principal testemunho aqui a respeito desse Proclo eacute o Suda Diz-nos dele o Liacutecio (pois era

originaacuterio da Liacutecia) que para aleacutem de seus trabalhos filosoacuteficos escreveu muitas obras de

filosofia e gramaacutetica e aiacute nesse mesmo passo ldquoum comentaacuterio agrave obra de Homero um

comentaacuterio aos Trabalhos e Dias de Hesiacuteodo e trecircs livros sobre crestomatiardquo que se

entendermos como o tiacutetulo levaraacute agrave grafia ldquoSobre Crestomatiardquo Talvez fosse essa a obra que

nos permitiria identificar Proclo o Sucessor ou o Liacutecio como o autor do texto que

conhecemos pelo epiacutetome fociano Eacute necessaacuterio ressaltar que neste caso como natildeo eacute possiacutevel

fazer mais do que conjeturar o que se faraacute aqui eacute julgar a verossimilhanccedila das hipoacuteteses

Primeiro se deve julgar se eacute possiacutevel identificar essa obra de que o Suda fala agrave obra

resumida na Biblioteca Eacute de se crer que sim pelos seguintes motivos dos quais o primeiro eacute

cronoloacutegico a Biblioteca em que se encontra o epiacutetome foi composta seguramente no seacuteculo

IX no profiacutecuo contexto da atividade copista bizantina (a julgar pelo que se diz na sua

dedicatoacuteria preparada durante a viagem agrave corte dos Abaacutessidas em Bagdaacute e enviada ao irmatildeo

de Foacutecio que natildeo pudera ir e ficara em Constantinopla) o mesmo contexto do qual floresce o

Suda aproximadamente um seacuteculo depois Temos portanto coerecircncia temporal e regional

entre o epiacutetome da Biblioteca de Foacutecio e o leacutexico Em segundo lugar o Suda nos descreve um

neoplatocircnico que (falando de acordo com nossos termos) teria se dedicado natildeo soacute agrave filosofia

embora principalmente mas tambeacutem agrave ldquocriacutetica literaacuteriardquo ou filoloacutegica aqui designada

simplesmente por ldquogramaacuteticardquo (questatildeo terminoloacutegica que logo seraacute abordada) Que isso fosse

10 Ateacute pelo nome da conhecida constelaccedilatildeo julgou-se esse nome consagrado demais para ser vertido segundo o

criteacuterio aqui adotado para outros semelhantes (Oriatildeo) Vale mencionar que foi autor de um Leacutexico que foi

aproveitado por outros duas valiosas obras semelhantes a saber o Etymologicum Gudianum e o Etymologicum

Magnum

14

verdade pelo menos os exemplos parecem confirmaacute-lo uma vez que as obras arroladas

pertencem ou a esta ou agravequela aacuterea do saber antigo duas no entanto configuram um caso

particular por confirmarem que essa distinccedilatildeo de abordagem realmente ocorria Eacute possiacutevel

vislumbrar certo agrupamento temaacutetico parece que estas trecircs primeiras obras elencadas

referem-se agrave atividade filoloacutegica enquanto as que vecircm depois agrave atividade filosoacutefica

[] ἔγραψε πάνυ πολλά φιλόσοφά τε καὶ γραμματικά ὑπόμνημα εἰς

ὅλον τὸν Ὅμηρον ὑπόμνημα εἰς τὰ Ἡσιόδου Ἔργα καὶ Ἡμέρας Περὶ

χρηστομαθείας βιβλία γacute Περὶ ἀγωγῆς βacute Εἰς τὴν πολιτείαν

Πλάτωνος βιβλία δacute Εἰς τὴν Ὀρφέως Θεολογίαν Συμφωνίαν

Ὀρφέως Πυθαγόρου Πλάτωνος περὶ τὰ Λόγια βιβλία ιacute Περὶ τῶν

παρ Ὁμήρῳ θεῶν Ἐπιχειρήματα κατὰ Χριστιανῶν ιηacute

[] Escreveu diversas obras tanto de filosofia como de gramaacutetica Um

comentaacuterio a todo Homero comentaacuterio aos Trabalhos e Dias de

Hesiacuteodo Acerca de Crestomatia em 3 livros Acerca de Educaccedilatildeo em

2 Sobre a Repuacuteblica de Platatildeo em 4 livros Sobre a Teologia de

Orfeu Consonacircncia de Orfeu Pitaacutegoras Platatildeo acerca dos Oraacuteculos

em 10 livros Sobre os Deuses em Homero 18 Contraprovas aos

Cristatildeos

(Suda 2473 4 ndash 10 traduccedilatildeo e grifos do autor)

De todas essas a recorrecircncia de Homero entre umas e outras parece confirmar mesmo

que neste verbete as obras estatildeo elencadas pela aacuterea a que pertenciam e mais ainda que uma

delas se designa ldquogramaacuteticardquo O suposto argumento de ambas parece tambeacutem confirmar esta

hipoacutetese laacute entre aquelas um comentaacuterio a todo Homero sem uma especificaccedilatildeo do que eacute

abordado o que nos faz pensar em um comentaacuterio a seu texto de forma geral aqui entre as

obras filosoacuteficas um assunto concernente agrave filosofia e ao platonismo a interpretaccedilatildeo da

figuraccedilatildeo dos deuses na obra do poeta

Isso natildeo prova que de fato a obra eacute do Proclo neoplatocircnico mas pelo menos confirma

que sendo posterior o Suda na situaccedilatildeo meramente hipoteacutetica de natildeo possuir nenhuma

referecircncia natildeo vecirc incongruecircncia alguma em atribuir a ele uma Crestomatia que poderia ser

sobre gramaacutetica O Suda pode inclusive ter se fiado agrave mesma tradiccedilatildeo que para Foacutecio jaacute

atribuiacutea a obra ao Proclo platocircnico ou entatildeo como natildeo haacute nenhuma especificaccedilatildeo da parte de

Foacutecio sobre quem seria esse Proclo ter assumido como perfeitamente aceitaacutevel e plausiacutevel na

hipoacutetese extrema de ter como uacutenica fonte a mesma tradiccedilatildeo de Foacutecio ou mais extrema ainda

o proacuteprio epiacutetome que essa ldquocrestomatiardquo versando sobre gramaacutetica fosse de Proclo sem ver

erro nisso ie em atribuir ao filoacutesofo platocircnico uma obra tratando das letras O que de fato

15

parece-nos bem razoaacutevel nesta perspectiva eacute que primeiro natildeo haveria nada de estranho em

atribuir certa crestomatia ao Proclo platocircnico e segundo que essa versava sobre gramaacutetica a

julgar pela aparente divisatildeo em grupos de que o Suda nos fala Mas ainda sobre o primeiro

aspecto natildeo haacute por que duvidar de que o Suda se paute numa tradiccedilatildeo consolidada e

verossiacutemil de atribuiccedilatildeo desse texto a Proclo No seu verbete eacutelegos o Etymologicum

Magnum traz ldquoltἜλεγοςgt Ἐκ τοῦ περὶ Χρηστομαθίας Πρόκλουrdquo ou seja alude a uma obra

de Proclo exatamente da mesma maneira que o verbete do Suda referindo-a como

Crestomatia junto da preposiccedilatildeo ldquoperiacuterdquo nomeando pelo substantivo portanto o conteuacutedo

geral que identificava esse texto no periacuteodo A alusatildeo feita pelo leacutexico portanto

considerando-se que ele eacute apenas um pouco posterior ao Suda sugere que este provavelmente

se insere em um ramo da atividade filoloacutegica bizantina que no mais tardar depois de Foacutecio

identifica sim a Crestomatia em textos de ensejo semelhante como sendo do Proclo Liacutecio ou

Diaacutedoco a congruecircncia formal entre as duas passagens contendo ainda que soacute a mesma

preposiccedilatildeo aleacutem do nome contribui para essa associaccedilatildeo principalmente porque como se

disse os dois textos satildeo praticamente contemporacircneos e pertencem ao mesmo ciacuterculo

filoloacutegico

Natildeo agrave toa o Etymologicum Magnum para explicar o que eacute ldquoeacutelegosrdquo citaraacute o texto que

diz ser de Proclo mas o faraacute praticamente como se encontra no coacutedice da Biblioteca salvo

pela ordem

[]Ὁ μέντοι ἐπικὸς κύκλος ἄρχεται μὲν ἐκ τῆς μυθολογουμένης

Οὐρανοῦ καὶ Γῆς μίξεως ἀφ ἧς Ἑκατοντάχειρες γίνονται

Καὶ ἑξῆς

Διαπορεύεται δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι μυθολογούμενα

καὶ εἴ που τι καὶ πρὸς ἱστορίαν ἐξαληθίζεται Περατοῦται δὲ ἐξ

διαφόρων ποιητῶν συμπληρούμενος μέχρι Ὀδυσσέως ὧν καὶ

ὀνόματα καὶ πατρίδας φησὶν ὁ αὐτός Σπουδάζεσθαι δὲ τὰ ἐπικοῦ

κύκλου τὰ ποιήματα οὐχ οὕτω διὰ τὴν ἀρετὴν ὡς διὰ τὴν ἀκολουθίαν

τῶν ἐν αὐτῷ πραγμάτων Τὴν δὲ ἐλεγείαν συγκεῖσθαι μὲν ἐξ ἡρῴου

καὶ πενταμέτρου στίχου ἁρμόζειν δὲ τοῖς κατοιχομένοις καὶ

εὐλογεῖσθαι μὲν ὑπ αὐτοῦ τούτους οἱ μέντοι μεταγενέστεροι ἐπὶ

διαφόροις ὑποθέσεσιν αὐτῷ ἀπεχρήσαντο Τὸ δὲ ἔπος πρῶτον μὲν

ἐφεῦρε Φιμονόη ἡ Ἀπόλλωνος προφῆτις ἑξαμέτροις χρησμοῖς

[χρησαμένη] Οἷς ἐπεὶ τὰ πράγματα εἵπετο ἔπος τὸ ἐκ μέτρων

ἐκαλεῖτο ἢ διὰ τὴν κατασκευὴν καὶ τὴν ἄγαι ὑπεροχὴν τὴν ἐν τοῖς

ἑξαμέτροις θεωρουμένην τὸ κοινὸν ὄνομα παντὸς λόγου τὸ

16

ἑξάμετρον ἰδιώσατο καθάπερ Ὅμηρον τὸν ποιητὴν καὶ Δημοσθένην

τὸν ῥήτορα ἐπεὶ καὶ τὰ τρίμετρα ἔπη προσηγόρευσαν

(Etymologicum Magnum 32740 ndash 3283)

ldquo lsquoO ciclo eacutepico se inicia do intercurso mitoloacutegico entre Ceacuteu e Terra a

partir do qual geram centiacutemanosrsquo

E em senguida

Passa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre

os deuses dos gregos e diz o que inclusive pode ateacute certo ponto ser

verdade em referecircncia agrave histoacuteria Fecha-se sendo completo por

diferentes poetas ateacute de Odisseu Desses ele fala o nome e a paacutetria

Tambeacutem [fala] que os poemas do ciclo eacutepico tecircm recebido atenccedilatildeo

natildeo tanto por sua virtude quanto pela sequecircncia das accedilotildees nele

contidas Que agrave elegia se compotildee de um verso heroacuteico e um

pentacircmetro acomoda-se aos que jaacute partiram e esses eram elogiados

por ele Os poacutesteros usaram-no amplamente para diferentes

argumentos Quem primeiro descobriu o epos foi Femocircnoe a

profetiza de Apolo profetizando oraacuteculos em hexacircmetros A eles

seguiram-se os feitos e ldquoeposrdquo era chamada qualquer composiccedilatildeo no

metro ou pela elaboraccedilatildeo e pela ampla superioridade observada nos

hexacircmetros o hexacircmetro apropriou-se do nome comum de ldquopalavrardquo

[epos] bem como Homero tornou sua a alcunha ldquoo poetardquo e

Demoacutestenes ldquoo oradorrdquo uma vez que alguns tambeacutem denominavam

ldquoeacuteperdquo [falares plura de ldquoeposrdquo] as composiccedilotildees em triacutemetrosrsquordquo

(Traduccedilatildeo e acreacutescimos do autor)

Salvo pela ordem deveras estranha ndash afinal aquilo que o verbete pretende definir

ocorre no excerto muito curto referente agrave definiccedilatildeo de elegia e ainda em meio a inuacutemeros

trechos referentes agrave poesia eacutepica ndash pode-se observar que primeiro o Etymologicum julgou

prudente para definir eacutelegos simplesmente citar uma obra que julgava autorizada para definir

tal palavra apresentando sua seccedilatildeo sobre a elegia e seu antigo uso em contexto fuacutenebre e a

atribuiu a Proclo segundo natildeo soacute essa seccedilatildeo mas os demais trechos trazem as mesmas

palavras do coacutedice de Foacutecio salvas algumas supressotildees e diferenccedilas de escolha Ao que tudo

indica para citar a obra que explicava como se achava devido o significado autorizado da

palavra em questatildeo o autor recorreu ao que sabia sobre ela Comparando esse excerto com o

epiacutetome de Foacutecio pode-se conjecturar que ou o compilador recorreu na confecccedilatildeo do

verbete a um manuscrito outro que continha assim essas informaccedilotildees ou copiou trechos

resumida e aleatoriamente ou ndash ainda uma terceira e mais plausiacutevel opccedilatildeo ndash cita de cabeccedila as

referidas partes da obra que conhece como Crestomatia e adota trecircs procedimentos que

parecem observaacuteveis surprime palavras e topicaliza mais o texto emprega sinocircnimos mas

manteacutem os termos e nomes fundamentais cita as outras passagens do contexto em que a

17

desejada se encontrava Estariam as informaccedilotildees citadas sobre a elegia no meio da seccedilatildeo

sobre epos porque uma vez abordada o vasto leque temaacutetico da eacutepica tratava-se do metro

havendo aiacute uma diferenciaccedilatildeo jaacute que elegia e epos considerados metricamente tecircm em

comum o hexacircmetro que eacute isolado ao fim do excerto Seria essa configuraccedilatildeo pensada pelo

compilador e arranjada para a confecccedilatildeo do verbete em questatildeo Ainda que natildeo haja resposta

a somatoacuteria de textos aponta para o fato de que para esse mesmo ramo de lexicoacutegrafos da

Biblioteca do Suda e do Etymologicum Magnum a Crestomatia em questatildeo fora

confeccionada por Proclo Diaacutedoco ou Liacutecio

Ainda dessa perspectiva parece que o uacutenico outro Proclo dentre aqueles de que temos

notiacutecias ao qual parece verossiacutemil atribuir a Crestomatia seria um que natildeo eacute mencionado

entre os constantes no Suda Eutiacutequio Proclo professor de Marco Aureacutelio gramaacutetico do

seacuteculo II dC Eacute igualmente verossiacutemil tambeacutem pela dataccedilatildeo que seja esse o autor A

associaccedilatildeo do texto agrave tradiccedilatildeo filoloacutegica alexandrina eacute reconhecidamente assumida por

diferentes autores que se debruccedilaram sobre o epiacutetome fociano11 seja por seu amplo conteuacutedo

mitoloacutegico e etioloacutegico presente nas etimologias explicativas dos gecircneros seja pelo proacuteprio

conceito de gramaacutetica em que parece se pautar12 Como se sabe a erudiccedilatildeo alexandrina tem

vasta influecircncia na educaccedilatildeo romana desde a eacutepoca dita claacutessica Natildeo seria de se espantar

pois que tal crestomatia fosse um escrito desse provaacutevel professor de Marco Aureacutelio

ensinando sobre letras em geral e os muitos gecircneros poeacuteticos dos gregos ainda mais se

julgarmos que o texto teria um fim didaacutetico

Haacute que se avaliar entatildeo qual dessas duas hipoacuteteses parece mais verossiacutemil e se natildeo

haacute indiacutecios suficientes para confirmar a primeira parece haver menos para desacreditaacute-la

salvo se julgue radical e absurdamente que como filoacutesofo platocircnico o Proclo do seacutec V natildeo se

ateria agrave poesia e agrave atividade filoloacutegica de que a Crestomatia eacute um testemunho Contudo a natildeo

ser que o Suda esteja profundamente equivocado vemos que como comentador alguma

parcela da atividade do diaacutedochos lidava sem contradiccedilatildeo alguma com isso que designamos

criacutetica filoloacutegica ou literaacuteria

Nesse sentido a filiaccedilatildeo de Proclo a Oacuterion como um de seus professores seria um

argumento determinante primeiro porque o longo cataacutelogo de espeacutecies liacutericas do epiacutetome

11 Sejam os dois principais editores e comentadores do texto ie Severyns e Ferrante sejam quantos percebem a

indissociaacutevel apropriaccedilatildeo da categorizaccedilatildeo aventada pelo gramaacutetico alexandrino Diacutedimo de Calcentero 12 Conceito no qual o gramaacutetico jaacute natildeo era apenas aquele que ensinava as letras mas sim o especialista em tudo

quanto agraves tangenciava inclusive os instrumentos e doutrinas de retoacuterica e poeacutetica com os quais os antigos faziam

o que hoje diriacuteamos ldquocriacutetica literaacuteriardquo Tal discussatildeo ainda ocuparaacute boa parte de nosso trabalho (134 paacuteg 38)

18

traz em mais de uma passagem similaridades com o Leacutexico do gramaacutetico13 segundo porque

como se sabe tal obra seraacute aproveitada pela profiacutecua atividade lexicograacutefica bizantina dos

seacuteculos posteriores e natildeo eacute nada infundado supor que o proacuteprio Proclo apoia-se nas liccedilotildees do

professor (e esse provavelmente toma por base a obra de Diacutedimo) A julgar pelas

similaridades tal transmissatildeo natildeo eacute absurda e nesse caso o Proclo de quem falamos soacute pode

ser o diaacutedoco

A dificuldade de identificaccedilatildeo resta pois inevitavelmente atrelada ao que seria o

nome dessa obra que se identifica com o resumo de Foacutecio tatildeo somente por uma palavra

levando-nos ao problema mesmo de definir seu conteuacutedo pois se nos fosse perfeitamente

possiacutevel circunscrevecirc-lo obtendo um vislumbre mais amplo dos assuntos do texto seria

possiacutevel caracterizaacute-lo melhor e daiacute compreendendo em que consistiria essa crestomatia

reconsiderar a atribuiccedilatildeo

Inevitavelmente nessa linha de raciociacutenio haacute que se considerar tambeacutem qual

ldquogramaacuteticardquo eacute essa de que falam os testemunhos mais especificamente que noccedilatildeo de

gramaacutetica eacute essa

13 O NOME E A OBRA

131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio

O problema mais imediato referente agrave leitura do texto resumido estaacute logo em sua

primeira linha a ordem das palavras e o arranjo sintaacutetico criam dificuldades para determinar o

quecirc exatamente foi primeiro lido e depois resumido por Foacutecio

Praticamente todos os epiacutetomes de sua Biblioteca se iniciam pela forma

(anegnoacutesthe) que eacute formular nessa obra e se refere mais amplamente natildeo soacute ao que foi lido

mas ao fato de que se realizou mais uma das sessotildees (ou seacuterie de sessotildees) de leituras do

ciacuterculo de letrados em torno do entatildeo embaixador Foacutecio na qual seu irmatildeo Taraacutesio natildeo podia

estar presente por ter ficado em Constantinopla Como se sabe pela dedicatoacuteria mesma da

Biblioteca (Bekker 1824 ndash 25) essa eacute a motivaccedilatildeo primeira para a escrita da extensa obra

13 Cf Traduccedilatildeo n 54 paacuteg 116 e n 56 57 e 58 paacuteg 117

19

tomar nota dos textos que foram tratados e de diferentes coisas relativas a eles Eacute pela referida

forma verbal aliaacutes que se pode identificar quando acaba um resumo e inicia-se outro

A Biblioteca de Foacutecio portanto consiste de diferentes ndash antes de dizermos resumos ndash

notas ou anotaccedilotildees referenciais do que era objeto das sessotildees de leituras Assim eacute que certas

palavras como eacute o caso de eklogaiacute (ldquocoletacircnea extratos excertosrdquo) que figura na introduccedilatildeo

do resumo do coacutedice 239 na liccedilatildeo aqui adotada de Severyns ldquoἈνεγνώσθη ἐκ τοῦ

ἐπιγραφομένου βιβλίου Πρόκλου χρηστομαθείας γραμματικῆς ἐκλογαίrdquo geram dificuldades

de interpretaccedilatildeo por natildeo permitirem estabelecer com exatidatildeo a que etapa se referem de todo

esse processo que resulta na confecccedilatildeo da Biblioteca se por vezes o termo parece

claramente se referir a um livro que foi tido em matildeos e era ele mesmo uma coletacircnea

excertos coligidos por outras parece que o mesmo termo se refere a uma coletacircnea de textos

ou de grupos de textos mais longos feita pelo proacuteprio grupo senatildeo por Foacutecio ele mesmo

Exemplo bem evidente do primeiro caso eacute o epiacutetome de Estobeu cuja obra eacute

conhecidamente uma coletacircnea assim mesmo nomeada ao longo dos seacuteculos

ldquo[1]14 Ἀνεγνώσθη ltἸωάννου Στοβαίουgt ἐκλογῶν ἀποφθεγμάτων ὑποθηκῶν βιβλία

τέσσαρα ἐν τεύχεσι δυσίrdquo

ldquoLeram-se dos excertos ditos notaacuteveis e conselhos de Joanes Estobeu quatro livros em

dois volumesrdquo

(Foacutecio op cit 167 112a 14 ndash 16 traduccedilatildeo e grifo do autor)

A maior literalidade visada nesta traduccedilatildeo busca nos introduzir a uma das formas

padrotildees de se apresentar os resumos das leituras ao longo da Biblioteca Neste caso a

traduccedilatildeo ao peacute da letra ndash por assim dizer ndash da forma verbal que encabeccedila os epiacutetomes (ldquoleram-

serdquo) eacute simples e imediatamente aceitaacutevel porque ao fim de tudo haacute um nominativo neutro

plural (bibliacutea) que clara e gramaticalmente concorda com a forma verbal de que eacute sujeito O

que se leu aqui foram os ldquoquatro livros em dois tomosrdquo que vecircm definidos pelos genitivos de

conteuacutedo que os precedem que vecircm por sua vez precedidos pelo genitivo de posse ou

origem designando quem apontariacuteamos como autor Aqui portanto a sintaxe natildeo exige para

que se natildeo trunque o portuguecircs um arranjo outro para a forma verbal como o que se adotou

logo agrave primeira linha da traduccedilatildeo do coacutedice 239 (v Traduccedilatildeo paacuteg 109 e nota 1 agrave mesma) A

proacutepria obra de Estobeu eacute conhecida por ser um exemplo de eklogeacute eklogaiacute que se fazia na

14 Numeram-se aqui as introduccedilotildees dos coacutedices citados a fim de se poder citaacute-los como exemplos de construccedilotildees

gramaticais

20

antiguidade ie excertos coligidos de diferentes autores visando agrave reuniatildeo de um saber ou

no caso de Estobeu saberes

No geral a forma verbal concorda com alguma palavra singular geralmente

designando que tipo de obra se leu o gecircnero do escrito uma ldquohistoacuteriardquo ie uma obra

historiograacutefica (as quais sobejam na Biblioteca) uma epiacutestola um discurso etc Exemplos

ldquo[2] Ἀνεγνώσθη ltΒασιλείου Κίλικοςgt ἐκκλησιαςτικὴ ἱστορίαrdquo

ldquoLeu-se histoacuteria eclesiaacutestica de Basiacutelio Ciliacuteciordquo

(Idem 42 9a 21)

ldquo[3] Ἀνεγνώσθη τοῦ ἁγίου ltΜαξίμουgt λόγος ἀσκητικός εἰς πεῦσιν ἐσχηματισμένος

καὶ ἀπόκρισινrdquo

ldquoLeu-se de Santo Maacuteximo um discurso asceacutetico15 esquematizado em pergunta e

respostardquo

(Idem 193 157b 33 ndash 34)

[4] Ἀνεγνώσθη τοῦ αὐτοῦ ἁγίου ἀνδρὸς πρὸς Γεώργιον ἔπαρχον ἐπιστολήrdquo

ldquoLeu-se do mesmo santo homem uma carta ao prefeito Geoacutergiordquo

(Idem 194 158a 13 ndash 14)

Agraves vezes se nomeia a obra por sua finalidade ou destinaccedilatildeo (e geralmente aiacute se tem

preposiccedilatildeo)

ldquo[5] Ἀνεγνώσθη ltΓρηγορίου Νύσσηςgt ὁμοίως ὑπὲρ Βασιλείου κατὰ Εὐνομίουrdquo

ldquoLeu-se de Gregoacuterio de Nisa igualmente por Basiacutelio contra Eunocircmiordquo

(Idem 6 3b 17 ndash 18)

Em outras palavras um texto apologeacutetico em favor das opiniotildees de Basiacutelio contra Eunocircmio

Contudo por vezes lecirc-se

ldquo[6] Ἀνεγνώσθη ltΘεοπόμπουgt λόγοι ἱστορικοί

rdquo

(Idem 176 120a 6 ndash 7)

15 Asceacutetico de treino preparatoacuterio

21

O nominativo natildeo concorda gramaticalmente com a forma verbal embora como em

todas as linhas introdutoacuterias de um novo resumo apoacutes o verbo haja sempre o genitivo (ora

com preposiccedilatildeo) que nomeia a origem do que se lecirc geralmente a pessoa a quem se atribui o

objeto da leitura Natildeo se diraacute aqui autor porque nosso problema eacute justamente esse Da

traduccedilatildeo literal ndash ldquoleram-se16 de Teopompo discursos [ou arrazoados] histoacutericos De seus

discursos histoacutericos 53 satildeo os preservadosrdquo ndash chama-nos a atenccedilatildeo aqui o segundo periacuteodo

O que se pode inferir (bem como de outras muitas passagens semelhantes) eacute que as sessotildees do

ciacuterculo de Foacutecio em algum momento dedicaram-se agrave leitura do provaacutevel historiador do

seacuteculo IV AC de quem a julgar pelo conteuacutedo do coacutedice (uma avaliaccedilatildeo geral sobre sua

cronologia temas e escritos vida e estilo do autor) 53 peccedilas estiveram em matildeos de Foacutecio e

seus circunstantes e foram objeto de suas leituras Essa passagem nos aproxima daquilo que

provavelmente era o material da Biblioteca como eacute de se esperar o que o grupo tinha em

matildeos eram manuscritos diversos em diversos rolos (tomos) Essa imagem aproximada torna-

se mais viacutevida nas passagens em que haacute uma preocupaccedilatildeo maior em se notificarem as fontes

do que se lecirc como por exemplo nos coacutedices de 172 a 174 dedicados agraves leituras de obras de

Joatildeo Crisoacutestomo

ldquo[7] Ἀνεγνώσθη τοῦ ltΧρυσοστόμουgt ὁμιλίαι εἰς τὴν γένεσιν ξʹ καὶ μία ἐν τεύχεσι

τρισίν ὧν τὸ μὲν πρῶτον ὁμιλίας περιεῖχεν κʹ τὸ δεύτερον δὲ δεκα έξ τὸ τρίτον κεʹrdquo

ldquoLeram-se de Crisoacutestomo 61 homilias agrave Criaccedilatildeo em trecircs rolos [ou volumes tomos]

dos quais o primeiro compreendia 20 o segundo dezesseis o terceiro 25rdquo

(Idem 172 118b 15 ndash 18)

Em se tratando natildeo apenas de um anuacutencio do que se lecirc mas de uma descriccedilatildeo do

objeto a interpretaccedilatildeo mais plausiacutevel para a falta de concordacircncia entre o nominativo e a

forma verbal no grego eacute a de que se trata do ldquotiacutetulordquo natildeo da obra entendida como noacutes

modernos concebemos nossa relaccedilatildeo com os produtos do mercado editorial todos

(teoricamente) individualizados por uma designaccedilatildeo particular (e ldquoparticularizanterdquo) mas

funcionalmente como aquilo que o copista inscreve no topo do manuscrito para nomeaacute-lo e

permitir a identificaccedilatildeo descritiva do objeto um cabeccedilalho Da mesma forma deveriacuteamos

considerar quando dizemos ldquoobrardquo que tambeacutem natildeo se trata de tal como concebemos hoje

16 Marcar-se-atildeo assim as traduccedilotildees de anegnoacutesthe justamente porque se discutiraacute sua adequaccedilatildeo a como se leem

e interpretam suas ocorrecircncias nas diferentes passagens

22

mas do texto o manuscrito que o copista tem em matildeos e esse eacute como o grego os nomeia

ldquologosrdquo um discurso

Assim se observa no texto grego da biblioteca aquilo que na tipografia moderna

indicariacuteamos de diferentes maneiras maiuacutesculas itaacutelico aspas etc o que jaacute implica mesmo

que inconscientemente uma forma outra de conceber o objeto Retomando nosso uacuteltimo

exemplo deveriacuteamos pensar que mesmo pertencentes ao domiacutenio comum dos disciacutepulos de

Foacutecio futuro patriarca da igreja do oriente e mesmo sendo renomados nesse contexto da

religiatildeo ortodoxa abertos os rolos estava-se diante de ldquo61 homilias de Crisoacutestomordquo e natildeo drsquo

ldquoAs Sessenta e Uma [ou quantas sejam] Homilias de Joatildeo Crisoacutestomordquo

Nossa dificuldade entatildeo retomando a palavra que observamos tambeacutem no epiacutetome de

Estobeu torna-se precisar o significado de eklogaiacute nesses diferentes contextos Observemos

por exemplo o que ocorre no coacutedice 273 em que a construccedilatildeo logo apoacutes o verbo assemelha-

se agravequela da introduccedilatildeo da Crestomatia

(8) ldquoἈνεγνώσθη ἐκ τῶν τοῦ μακαρίου ltΘεοδωρήτουgt λόγων οὓς εἰς τὸν ἐν ἁγίοις

Ἰωάννην τὸν Χρυσόστομον συνετάξατο ὧν ἡμεῖς πέντε τέως εἴδομεν ἐξ ὧν καί τινας

ἐκλογὰς τὰς ὑποτεταγμένας παρεγραψάμεθαrdquo

(Idem 273 507b 15 ndash 18)

Partindo para uma traduccedilatildeo literal o quanto possiacutevel ldquoLeu-se [fez-se leitura] a partir

dos discursos [ou arrazoados] do abenccediloado Teodoreto (que compilou sobre a santidade de

Joatildeo Crisoacutestomo) dos quais estudamos cinco ateacute entatildeo e a partir dos quais copiamos alguns

excertos abaixo arroladosrdquo ndash considere-se que paregrapsaacutemetha ldquocopiamosrdquo indica o

proacuteprio ato de ldquoescrever ao ladordquo copiando em outro manuscrito trechos selecionados a

partir do manuscrito que primeiramente se leu Chama a atenccedilatildeo o fato de que a primeira

oraccedilatildeo natildeo precisa de um nominativo Essa construccedilatildeo da forma passiva mais a preposiccedilatildeo ek

eacute diferentemente entendida e explicada pelos editores do coacutedice 239 todos editores ateacute

Severyns mesmo natildeo adotando-a propotildeem que o ideal seria a correccedilatildeo para o plural (Cf

Severyns op cit I 173) Esse rejeita imediatamente a hipoacutetese pois que natildeo consta em

nenhum manuscrito De fato natildeo se trata do coacutedice 239 julgado por si apenas mas como um

coacutedice da Biblioteca Explica a forma poreacutem tatildeo somente como um uso da linguagem de

Foacutecio advindo da repeticcedilatildeo17 Ferrante (1957 paacuteg 1) adota a liccedilatildeo de Severyns explica qual

17 ldquoSupposeacute mecircme que fucirct le sujet grammatical le pluriel du verbe ne serait pas encore de rigueur dans

la langue de Photius Car aacute force drsquoecirctre reacutepeacuteteacute devient chez lui une espegravece de mot invariable et

mecircme degraves les premiegraveres pages de la Bibliothegraveque on trouve des expressions comme cellescirdquo Entatildeo Severyns

23

a leitura gramatical que se deve fazer da frase e diz da forma verbal que ldquotem valor

impessoalrdquo o que eacute uma parte do proposto aqui ldquoformularrdquo18 Nenhum autor faz menccedilatildeo

discutindo esta construccedilatildeo agraves ocorrecircncias da terceira pessoa do plural na introduccedilatildeo de alguns

coacutedices ocorrecircncias essas que parecem muito bem justificadas A terceira pessoa do plural

aparece nos coacutedices 192B 216 260 261 e 269 por razatildeo que jaacute se deduz na passagem da

primeira para a segunda parte de 192 O coacutedice 192A refere-se ao livro de Santo Maacuteximo a

Taraacutessio contendo 164 resoluccedilotildees de questionamentos Observemos o que descreve o coacutedice

192B

ldquo[9] Ἔτι ἀνεγνώσθησαν αὐτοῦ καὶ ἐπιστολαὶ περὶ διαφόρων ὑποθέσεων ψυχωφελῶν

τε καὶ ἀναγκαίων τοῖς ὀρθοῦν τε τὰ ἤθη καὶ τὸν νοῦν ἐγρηγορότα συντηρεῖν πρὸς τὴν

εὐσέβειαν ἐσπουδακόσι τὸν ἀριθμὸν ζʹ καὶ κʹrdquo

ldquoAinda dele tambeacutem se leram epiacutestolas acerca de diferentes argumentos espirituais

necessaacuterios aos que estatildeo empenhados tanto em corrigir os costumes como preservar a mente

desperta agrave piedade 27 quanto ao nuacutemerordquo

(192b 157a 11 ndash 14)

Em princiacutepio poder-se-ia pensar que a forma verbal estaacute no plural para concordar com

o nominativo plural epistolaiacute mas consoante ao observado isso seria uma exceccedilatildeo em uma

obra de 280 coacutedices a todas as ocorrecircncias anteriores do tipo dos exemplos 6 e 7 acima

citados em que essa concordacircncia natildeo ocorre Diversos elementos aqui podem nos ajudar a

formular uma hipoacutetese para a variaccedilatildeo da forma hipoacutetese que parece se confirmar nos demais

coacutedices que trazem o plural e oferecem menos indiacutecios agrave conjectura

Observem-se as formas eacuteti e kaiacute da primeira oraccedilatildeo Referem-se ao coacutedice anterior

192A dedicado a resumir uma obra que parece bem extensa Nesta divisatildeo B do mesmo

coacutedice informa-se que se continuou lendo o mesmo autor mas natildeo uma obra completa ie

natildeo apenas uma uacutenica obra dele Fez-se uma seleccedilatildeo do que seria objeto da leitura

especificado apenas no fim pelo acusativo de relaccedilatildeo tograven arithmograven zacute kaigrave kacute Pode-se imaginar

que Foacutecio provavelmente quem determinava o que se leria ou natildeo aquilo que estaria

circunscrito a esta ou agravequela seccedilatildeo (ie na hipoacutetese de diferentes matildeos escrevendo ou

revezando-se em escrever as anotaccedilotildees que comporiam a Biblioteca) ou pelo menos quem

exercia a funccedilatildeo de organizar as sessotildees julgou prudente complementar este coacutedice dedicado

a Satildeo Maacuteximo com 27 epiacutestolas que natildeo eram elas mesmas se todas copiadas num mesmo

arrola coacutedices cuja construccedilatildeo eacute condizente com as dos exemplos 6 e 7 aqui ie verbo + genitivo + nom plural

(Severyns op cit I p 173) 18 Cf nota 1 agrave Traduccedilatildeo paacuteg 109

24

manuscrito ou coacutedice um conjunto intitulado pela palavra (no nominativo pois se trataria do

tiacutetulo) epistolaiacute Como se observa pela descriccedilatildeo mesma as epiacutestolas se unem pelo conteuacutedo

e aqui sim satildeo reunidas em um mesmo coacutedice ou parte de um (192B) que se soma agrave

primeira metade de 192 e o complementa O que se faz aqui no sentido menos teacutecnico da

palavra principalmente porque ela natildeo aparece natildeo deixa de ser uma eklogeacute no sentido de

uma reuniatildeo uma seleccedilatildeo como testemunhada no exemplo 8 acima referente ao coacutedice 273

Neste caso de fato a forma verbal deve concordar no plural com ldquoepiacutestolasrdquo porque sim natildeo

constitui um ldquotiacutetulordquo como anteriormente entendido nos casos acima estudados natildeo eacute a

palavra ou parte do conjunto de palavras que nomeia o manuscrito ou manuscritos objetos das

sessotildees de leitura mas sim o substantivo comum e forccedila a concordacircncia da forma que surge

em cinco dos 280 coacutedices

Isso nos leva a uma hipoacutetese para explicar as diferenccedilas de emprego o singular vai

com os ldquotiacutetulosrdquo por assim dizer enquanto o plural distingue documentos textos separados

agora reunidos em uma mesma ediccedilatildeo ie especifica partes diacutespares ou conjuntos delas que

estatildeo sendo lidos e que pelo menos no material de que os letrados junto a Foacutecio dispunham

provavelmente natildeo se encontravam reunidos sob um mesmo tiacutetulo ou mais propriamente

intitulaccedilatildeo para consoar com o que se defende aqui Isso se exemplifica pelas outras quatro

ocorrecircncias do plural nos coacutedices 216 260 261 e 269 A forma plural serve tanto para indicar

que diferentes textos estatildeo resumidos num mesmo coacutedice como no caso de 192B19 como

para indicar que os proacuteximos coacutedices na sequecircncia satildeo uma seleccedilatildeo de diferentes textos que

estatildeo agora sendo agrupados concomitantemente agraves sessotildees e agrave confecccedilatildeo da Biblioteca

Em resumo a forma ldquo rdquo referir-se-ia a uma ldquocoletacircneardquo de leituras ie

agrave leitura de ldquofontesrdquo filoloacutegicas ou de objetos filoloacutegicos diferentes concorda portanto com

diferentes nomeaccedilotildees de manuscritos

Eacute impressionante como essas formas gramaticais acabam por testemunhar na verdade

numerosa atividade filoloacutegica Assim eacute que o iniacutecio do coacutedice 216 notifica-nos a leitura

(anegnoacutesthesan) de dois grupos de textos (a forma plural concordando com o sujeito

composto portanto) ldquo4 livros que compreendem A Ciecircncia Meacutedica [provavelmente a

intitulaccedilatildeo] estabelecida por Oribaacutesio e ainda outros 7 [sc de Ciecircncia Meacutedica] do mesmo

homem e publicada sobre [em relaccedilatildeo a]o mesmo modelordquo Aqui a forma plural que

encabeccedila o coacutedice 216 pontua justamente essa secccedilatildeo pois que ateacute a o coacutedice 220 tratar-se-aacute

desses livros Leia-se o grego

19 Possibilidade de que 260 e 261 tambeacutem satildeo exemplos

25

ldquo[10] Ἀνεγνώσθησαν βιβλία δʹ ἃ τὴν πραγματείαν ἰατρικὴν ltὈρειβασίῳgt

συντεταγμένην περιεῖχε καὶ ἔτι ἕτερα ζʹ ἀνδρός τε τοῦ αὐτοῦ καὶ εἰς παραπλήσιον

ἐξενηνεγμένην τύπονrdquo

Observe-se que o particiacutepio perfeito meacutedio-passivo feminino exenenegmeacutenen soacute pode

concordar com tegraven pragmateiacutean iatrikeacuten o que nos leva a subentender que ldquoos 7 livros do

mesmo homemrdquo tecircm a mesma intitulaccedilatildeo dos quatro anteriores o que inclusive explica o

conteuacutedo da participial Observe-se principalmente como o verbo inicial que introduz o coacutedice

vai para o plural para concordar com dois nuacutecleos do sujeito bibliacutea dacute e eacuteti heacutetera z que

correspondem aos dois conjuntos de textos que neste momento da confecccedilatildeo da Biblioteca

foram objeto do ciacuterculo de leituras

Dos referidos coacutedices sem duacutevida os que melhor comprovam isso satildeo o 269 e os

seguintes pois introduzindo a leitura de ldquo21 discursos de diferentes homens santosrdquo pela

forma plural o resumo de cada um deles a comeccedilar pelo mesmo coacutedice e posteriormente nos

demais ateacute o fim da Biblioteca seraacute introduzido pela respectiva forma singular20

132 A intitulaccedilatildeo do Coacutedice 239

Mediante o exposto eacute mais provaacutevel que em formulaccedilotildees como esta do coacutedice 161

(103a)

ldquo[11] Ἀνεγνώσθη ἐκλογαὶ διάφοροι ἐν βίβλοις ιβʹ ltΣωπάτρουgt σοφιστοῦ

Συνείλεκται δὲ αὐτῷ τὸ βιβλίον ἐκ πολλῶν καὶ διαφόρων ἱστοριῶν καὶ γραμμάτωνrdquo

ldquoLeram-se diferentes excertos em 12 livros de Soacutepater o sofista Seu livro foi

coligido a partir de muitas e diferentes investigaccedilotildees e textosrdquo

semelhante agrave do epiacutetome 239 pela ocorrecircncia da palavra eklogai esta seja parte da intitulaccedilatildeo

do manuscrito que eacute objeto de leitura e resumo igualmente21 A julgar pelo que se diz na

20 Cf Biblioteca 479b 36 em diante 21 Portanto a traduccedilatildeo segundo os criteacuterios editorias e diagramaacuteticos de hoje se consideramos que pelo menos

eklogaiacute faz parte da traduccedilatildeo seria ldquoLeu-se diferentes Excertosrdquo

26

sequecircncia o proacutepria copista reconhece que se lecirc sob a designaccedilatildeo de eklogaiacute neste caso de

Soacutepater obra de coletacircnea ou excertos

Mas este ainda natildeo eacute o caso de nosso epiacutetome haacute mais um agravante o coacutedice 239 se

assemelha a um conjunto de epiacutetomes que vecircm introduzidos pela preposiccedilatildeo ek mais genitivo

apoacutes a forma verbal Como por exemplo no coacutedice 254

ldquo[12] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῆς μαρτυρικῆς Τιμοθέου τοῦ ἀποστόλου συγγραφῆς22rdquo

ldquoLeu-se [realizou-se leitura] a partir do relato testemunhal do apoacutestolo Timoacuteteordquo

(468b 2)

Nestes casos parece que a introduccedilatildeo feita pelo resumidor estaacute antes mais focada em

reconhecer o tipo de obra a ser lido do que referir diretamente agrave intitulaccedilatildeo da mesma

podendo sim o termo que vem no genitivo apoacutes a preposiccedilatildeo ser essa intitulaccedilatildeo Caso

obscuro eacute o do epiacutetome 240 logo apoacutes a Crestomatia

ldquo[13] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῶν ltἸωάννου τοῦ Φιλοπόνουgt εἰς τὴν ἑξαήμερον

rdquo

(240 322b 2)

Eacute difiacutecil ater-se agrave literalidade para traduzir tal passagem ldquoLeu-se a partir lsquodas coisasrsquo

sobre os seis dias de Joatildeo Filoacutepono querdquo23 Contudo a mesma explicita bem nosso

problema a saber o de uma leitura que eacute parcial Dois elementos chamam a atenccedilatildeo

Primeiramente a construccedilatildeo da forma verbal acrescida do termo preposicionado

parece referir de forma mais viacutevida (se pensarmos na semacircntica do grego) agrave proacutepria situaccedilatildeo

de leitura de que os volumes da Biblioteca se originam A forma parece possuir aqui um

aspecto mais forte ndash observado por Severyns e mantido tanto em Ferrante como nesta

traduccedilatildeo ndash de pontuar o caraacuteter resumido de que se leraacute algo a partir do que foi mais uma

sessatildeo ou sessotildees de leitura Falando por paraacutefrase eacute como se aquela forma de apresentaccedilatildeo

observada nos epiacutetomes anteriores (1 ndash 10) fosse um equivalente da nossa enumeraccedilatildeo

lacocircnica que recorre aos dois pontos ndash ldquoleu-se Homilias ao Gecircnese de Crisoacutestomo etcrdquo

22 Lembrando-se de que a suggrafeacute eacute especificamente o relato escrito o relato anotado 23 Mais uma vez a noccedilatildeo que na traduccedilatildeo do coacutedice 239 traduziu-se de modo perifraacutestico por ldquorealizou-se

leiturardquo natildeo foi adotada definitivamente pelos fins explicativos deste capiacutetulo para o cabeccedilalho dos demais

epiacutetomes semelhantes ao da Crestomatia mas ou apenas mencionada nos casos em que seria possiacutevel mantecirc-la

sem afetar a literalidade do que vem em seguida ou utilizada quando uacutenica maneira de manter legiacutevel essa

mesma traduccedilatildeo (infra exemplo 15) Cf Traduccedilatildeo nota 1 paacuteg 109

27

enquanto esta forma seria mais descritiva e analiacutetica ldquoleu-se realizou-se leitura deu-se

leitura a partir de lsquoxrsquo (ek + gen) etcrdquo

Em segundo lugar a presenccedila do artigo neutro plural se laacute naquela outra foacutermula por

assim dizer a brevidade e a introduccedilatildeo dos nominativos permitia identificar o que

chamaacutevamos intitulaccedilatildeo no caso desta formulaccedilatildeo mais descritiva ela nem sempre parece

clara Se focircssemos tentar inferi-lo o ldquotiacutetulordquo da obra nos nossos termos seria ldquoTagrave eis tegraven

exaeacutemeronrdquo ou ldquoEis tegraven exaeacutemeronrdquo Traduzindo (certamente) sem nenhum fim esteacutetico ldquoAs

Coisas sobre Os Seis Diasrdquo ou ldquoSobre Os Seis Diasrdquo A rigor o que se lecirc em grego tanto em

12 como em 13 parece mais uma descriccedilatildeo sendo que neste o texto parece dizer que se

realizou uma seccedilatildeo de leitura a partir daquilo que Joatildeo diz dos seis dias da Criaccedilatildeo ie o que

ele compocircs escreveu a respeito De fato sabemos que em se tratando do comentador de

Aristoacuteteles cristatildeo ortodoxo e (curiosamente) opositor de Proclo no campo teoloacutegico o

tratado deveria designar-se ie ser intitulado a partir da preposiccedilatildeo Dessarte esse resumo

estaria disposto da seguinte maneira (mais uma vez sem preocupaccedilatildeo esteacutetica nesta traduccedilatildeo

literal) ldquoLeu-se a partir [das coisas do que diz do conteuacutedo do assunto] de Joatildeo Filoacutepono

Sobre Os Seis Dias querdquo E segue-se um texto muito parecido na sua estrutura de reportar

enunciados ie de discurso indireto ao do epiacutetome 239

Parece portanto que o emprego de ek mais genitivo na introduccedilatildeo dos epiacutetomes tem

uma semacircntica intencionalmente partitiva ou ablativa no sentido de que particiona marca a

partir de que se daacute a leitura que apenas hipoteticamente pode natildeo ter sido integral Natildeo agrave toa

junto da palavra eklogeacuteeklogai em diferentes introduccedilotildees serviraacute para pontuar justamente

que o conteuacutedo apresentado natildeo eacute integral

Assim tambeacutem o coacutedice 234 parece muito em sua estrutura com o epiacutetome 239

ldquo[14] Ἀνεγνώσθη τοῦ ἁγίου ltΜεθοδίουgt ἐπισκόπου καὶ μάρτυρος ἐκ τοῦ Περὶ

ἀναστάσεως λόγου οὗ ἡ ἐκλογὴ τὰ ὑποκείμενα λέγει

rdquo

ldquoLeu-se [realizou-se leitura] do Santo Metoacutedio epiacutescopo e maacutertir a partir do discurso

acerca da Ressurreiccedilatildeo cuja seleta diz o que se segue

Querdquo

(293a 2 ndash 5)

E assim teriacuteamos mais um texto semelhante ao epitome da Crestomatia ainda mais

considerando os enunciados reportados que se seguem ie a forte evidencia do discurso

28

indireto marcado pelas conjunccedilotildees Mais uma vez as estruturas gramaticais apontam para o

fato de que o texto que se segue eacute ele mesmo uma eklogeacute

Tantos indiacutecios inevitavelmente nos levariam a achar que eklogaiacute no tiacutetulo de nosso

coacutedice referir-se-ia como neste caso ao resumo feito para a proacutepria Biblioteca

Contudo observa-se que ao todo as introduccedilotildees que recorrem agrave forma com

preposiccedilatildeo ek subdividem-se em dois tipos ou aquelas que trazem como se viu essa

descriccedilatildeo da fonte que se lecirc como no tipo 12 de onde eacute possiacutevel inferir um tiacutetulo24 ou outro

subtipo (a que 239 pertence) que traz aleacutem do genitivo uma especificaccedilatildeo da intitulaccedilatildeo ou

pelo pronome relativo mais a forma verbal passiva epigraacutephetai ou entatildeo pelo particiacutepio da

mesma no genitivo Por exemplo

ldquo[15] Ἀνεγνώσθη ἐκ τοῦ ἐπιγραφομένου λόγου laquoΒίος ἢ ἄθλησις τοῦ ὁσίου πατρὸς

ἡμῶν Παύλου τοῦ Κωνσταντινουπόλεως ἐπισκόπου τοῦ ὁμολογητοῦraquo ἐφrsquo ὁμοίᾳ

συστελλόμενος ἐκδόσειrdquo

ldquoRealizou-se leitura a partir do discurso que se intitula Vida e Julgamento do nosso

Sagrado Epiacutescopo e Homolegeta Paulo de Constantinopla resumido a semelhante ediccedilatildeordquo

(257 407a 22 ndash 25)

Em todas essas ocorrecircncias em que se tem o particiacutepio tem-se tambeacutem um nominativo que

designa o tiacutetulo25

Contrapondo isso a todas as demais formas de introduccedilatildeo brevemente consideradas

nesta discussatildeo sobre como se intitularia a obra parece verossiacutemil que fosse porque ela

mesma era em princiacutepio uma coletacircnea de excertos como a de Estobeu (o que eacute plenamente

verossiacutemil) fosse porque chega assim agrave Biblioteca o que se tinha em matildeos para ler e anotar jaacute

levava a inscriccedilatildeo eklogai ie jaacute era uma composiccedilatildeo de excertos uma seleta

Em outras palavras propotildee-se aqui considerar o plausiacutevel parece que todos os

indiacutecios textuais apontam para o fato de que o proacuteprio objeto escrito trazia a palavra eklogaiacute

uma vez que eacute possiacutevel identificar segundo as distinccedilotildees aqui traccediladas quando a palavra estaacute

sendo empregada para designar que um arrazoado um logos maior estaacute sendo posto

nominalmente na forma de ldquoseletardquo Isso pode perfeitamente significar que a palavra fizesse

parte da intitulaccedilatildeo corrente do texto em questatildeo se ele circulava mas natildeo implica

obrigatoriamente como pretende Severyns que ele sempre fora assim e que a palavra fora

posta no ldquotiacutetulordquo pelo proacuteprio Proclo A julgar pelos indiacutecios apresentados que parecem

24 Cf por exemplo coacutedices 242 (Bekker 335a) 253 (idem 467b) 25 Cf tambeacutem coacutedice 256 (idem 469b) 279 (idem 529b)

29

minimamente passiacuteveis aqui de alguma confirmaccedilatildeo nossa hipoacutetese eacute pelo menos tatildeo

verossiacutemil quanto a do referido editor segundo a qual o texto em matildeos dos letrados da

Biblioteca trazia o termo eklogai porque fora assim nomeado (uma ldquocompilaccedilatildeo de excertosrdquo)

pelo proacuteprio ldquoautorrdquo Tatildeo possiacutevel quanto isso eacute a probabilidade de que mesmo que houvesse

a Crestomatia em sua forma original e os eruditos junto a Foacutecio natildeo a tivessem agrave sua

disposiccedilatildeo o que circulou durante as sessotildees de leitura se tratasse de uma seleta uma

compilaccedilatildeo

Diante dessas duas possibilidades ainda a serem consideradas parece que uma sutil

certeza se confirma entre ambas Eacute de supor que pela terminologia apresentada ao longo do

epiacutetome e sua congruecircncia com diversos outros textos de doutrina mesmo que se trate de

excertos copiados e natildeo da obra na iacutentegra eles o satildeo como uma coletacircnea mesmo de

diferentes trechos copiados e coligidos como na obra de Estobeu em que pese aqui o plural

ekologaiacute Pelo que se observa da obra de Estobeu e dos demais textos que chegam a noacutes como

coletacircneas eklogeacuteeklogai podemos afirmar com algum acerto que o texto que temos eacute pelo

menos uma coletacircnea como a referida uma reuniatildeo talvez natildeo de citaccedilotildees diretas mas das

passagens relevantes ou dos ldquodizeresrdquo de uma obra se lembrarmos que ela eacute um logos que eacute

pensada como um ou como uma seacuterie deles Diante de tal texto a funccedilatildeo do editor ou

resumidor da biblioteca poderia ser simplificada seu resumo consistiria em transcrever e

readequar os excertos Nada impede que neste processo algo tenha se perdido por ser

deixado de lado (da proacutepria coletacircnea)26 mas observa-se que o material preservado consiste

justamente em breves topicalizaccedilotildees de termos teacutecnicos que por si mesmos e tudo que

podem referir compotildeem uma espeacutecie de glossaacuterio resumidor de muito quanto se circunscreve

aos ldquosaberes proveitososrdquo das letras ora como objeto da gramaacutetica ora como objeto da

retoacuterica ora como objeto da poeacutetica Talvez essa seja uma explicaccedilatildeo plausiacutevel para o fato de

que introduzindo o coacutedice 239 pela referida forma aqui comentada diferentemente de outras

semelhantes mas natildeo idecircnticas como a do exemplo 15 natildeo haja menccedilatildeo por parte do

resumidor ao ato de abreviar ie agrave confecccedilatildeo do proacuteprio epiacutetome como uma coletacircnea

porque o texto mesmo jaacute era uma reuniatildeo de passagens que ele passa a arrolar topicalizando

ie o objeto escrito que os eruditos da Biblioteca tinham em matildeos jaacute era um breviaacuterio

26 Eacute possiacutevel obter um sutil vislumbre do tipo de coisa que os resumidores podem ter deixado de lado observando

a inclusatildeo do ciclo eacutepico Considerando-se o epiacutetome e os resumos eacute possiacutevel fazer algumas conjecturas sobre o

tipo e a quantidade de coisa que natildeo foi anotada no coacutedice debate-se ainda se a Crestomatia continha integral ou

parcialmente aleacutem do ciclo troiano episoacutedios cosmogocircnicos e ou ateacute referentes ao ciclo tebano Cf Estudo

3312

30

Eacute por mais esses elementos que contrariamente aacute hipoacutetese de Severyns ndash muito

refinada e plausiacutevel mas natildeo consoante agrave avaliaccedilatildeo dos diferentes indiacutecios arrolados nesta

introduccedilatildeo ndash defende-se aqui a hipoacutetese de que muito provavelmente mesmo que os eruditos

da Biblioteca pudessem consultar agrave Crestomatia original (se eacute que podemos falar nesses

termos) por tecirc-la consigo ou por poder acessaacute-la em outro lugar o que se compila para a

Biblioteca eacute uma seleccedilatildeo daiacute um breviaacuterio (para acentuar a ideia de um segundo momento

em que inevitavelmente a obra foi abreviada) nos moldes de Estobeu quanto agrave sua forma mas

sobre a obra de um uacutenico autor enquanto aquele reuacutene liccedilotildees de diferentes autores Sabemos

que pelo que se entende do termo crestomatia e pelo proacuteprio conteuacutedo do epiacutetome o coacutedice

239 natildeo deixa de ser tambeacutem uma reuniatildeo de diferentes liccedilotildees eacute contudo pelo trabalho

acadecircmico que podemos identificar separadamente o quanto possiacutevel a origem delas em

diferentes textos de doutrina dos saberes antigos (natildeo ignorando o termo ldquogramaacuteticardquo que

parece ser o denominador comum) essa pluralidade circunscreve-se portanto ao termo

ldquocrestomatiardquo ie um uacutenico texto resultante do esforccedilo de compor um ou mais discursos

sucessivos (loacutegoi) tangenciando os diversos temas das diferentes aacutereas pelo eixo comum das

ldquoletrasrdquo (grammatikeacute) Dele fez-se um breviaacuterio uma seleta condensando os toacutepicos cuja

compilaccedilatildeo foi usada no coacutedice 239

A enorme perda de conteuacutedo que haveria se julgaacutessemos ser o coacutedice 239 portanto o

resumo de algo jaacute resumido eacute um dos vaacuterios argumentos de Severyns para defender que a

julgar pela totalidade que se pode vislumbrar no coacutedice natildeo seria esse o caso porque ndash

seguindo esse raciociacutenio ndash muito mais estaria perdido e nos faltaria esse vislumbre Essa perda

eacute questionaacutevel considerados os argumentos acima primeiro a noccedilatildeo de totalidade o

vislumbre de tantos temas diversos tratados em uma mesma obra eacute resultado provaacutevel do que

se tinha por uma crestomatia obra abrangente e natildeo por eklogeacuteeklogaiacute segundo dessa obra

selecionam-se os trechos que contenham resumidamente as liccedilotildees sobre as letras e outros

assuntos que tangenciem esse saber Se observarmos o jaacute citado excerto (paacuteg 16) do

Etymologicum Magnum no verbete ldquoeacutelegosrdquo podemos considerar que talvez natildeo se pautando

diretamente no texto original da Crestomatia o compilador natildeo viu nenhum problema em

fornecer como ldquoProclordquo passagens que satildeo ainda mais reduzidas do que as do coacutedice em

questatildeo mas que contecircm pelo menos as mesmas coisas que ele ou seja toma-as seguramente

como conteuacutedo de Proclo e natildeo de Foacutecio Natildeo haacute por que pois imaginar que os

compiladores da Biblioteca tivessem procedido de maneira diferente em torno do que tinham

ou poderiam acessar da obra Natildeo haacute duacutevida evidentemente que muita coisa que eacute apenas

aludida foi simplesmente suprimida como se vecirc pelo ciclo eacutepico e isso impossibilita

31

justamente o argumento de Severyns segundo o qual natildeo ter acesso agrave obra na iacutentegra geraria

no resumo incongruecircncias ou falta de totalidade

Isso seria condizente finalmente com o uacuteltimo item desse resumo do coacutedice 239 da

Biblioteca de Foacutecio ldquoAqui estatildeo os dois primeiros arrazoados da Crestomatia de Letras de

Proclordquo (grifos do autor) O nuacutemero de arrazoados resumidos ou loacutegoi apresentados pelo

resumidor ao fim do coacutedice natildeo equivale ao nuacutemero que no iniacutecio fora dado como o

nuacutemero das partes dessa Crestomatia laacute quatro arrazoados aqui dois Natildeo eacute em vatildeo

portanto que o resumidor preocupa-se bem como nos demais casos de resumos mas agora ao

fim em dar notiacutecias a respeito da disparidade entre o objeto que estaacute agora sendo

confeccionado e o objeto primeiro compilado (como nos casos conforme visto acima em que

se explicita a elaboraccedilatildeo de uma seleta para a Biblioteca) Parece julgar necessaacuterio ao que

tudo indica informar uma disparidade Esse item natildeo poderia senatildeo ser uma nota filoloacutegica

Primeiro o nuacutemero confirma que natildeo se compila a obra por completo mas o que equivaleria

a sua primeira metade seus dois primeiros livros ou arrazoados Mais chama a atenccedilatildeo

todavia a ausecircncia da palavra eklogaiacute aqui Seja porque o objeto escrito uma eklogeacuteeklogaiacute

indicava-o seja porque os letrados ainda estavam em posse dessa informaccedilatildeo a ausecircncia da

palavra busca esclarecer o quanto da obra em questatildeo se leu e agora se disponibiliza a quem

eventualmente acessar a Biblioteca ie o equivalente aos dois primeiros livros ou arrazoados

de outro objeto designado apenas por Proacuteclou Grammatikecircs Khrestomaacutetheia ou Crestomatia

de Letras de Proclo O objetivo dessa passagem que encerra o resumo natildeo eacute senatildeo esclarecer

a equivalecircncia entre o que se resumiu para a Biblioteca a partir de eklogocircn ou seja

ldquoexcertosrdquo equivalentes ao que seria o conteuacutedo da primeira metade da obra original Se natildeo

o fosse por que estaria o resumidor cioso de informar tatildeo especificamente nuacutemeros diacutespares

de partes aleacutem de natildeo empregar a palavra ldquoexcertosrdquo na segunda especificaccedilatildeo

Se o objeto resumido Os Excertos da Crestomatia de Letras de Proclo era uma seleta

apenas dos dois primeiro livros da Crestomatia de modo que por conter a especificaccedilatildeo ou

por saberem-no os eruditos eacute resumido do comeccedilo ao fim com uma especificaccedilatildeo da

equivalecircncia de partes ou se essa equivalecircncia eacute informada justamente porque Os Excertos

tambeacutem compreendiam os outros dois livros mas os eruditos natildeo os incluiacuteram na Biblioteca

isso natildeo eacute possiacutevel saber Em todas as hipoacuteteses poreacutem eacute mais verossiacutemil principalmente

pelo indiacutecio final do texto que os eruditos da Biblioteca compilaram eklogaiacute excertos ou uma

seleta

Resta para talvez ampliar o vislumbre dessa obra inquirir pelo termo grego

khrestomaacutetheia que como se sabe estaacute lexicalizado em nossos bons dicionaacuterios

32

133 O termo ldquocrestomatiardquo

Uma vez que a palavra ldquocrestomatiardquo eacute tradicionalmente entendida como sinocircnimo

direto de ldquocoleccedilatildeo coletacircneardquo o que nos eacute sugerido pelos dicionaacuterios em geral27

inevitavelmente se pensaraacute estar diante de uma dupla coletacircnea o que a princiacutepio consoa

com o exposto leem-se no coacutedice 239 da Biblioteca ldquoexcertos de uma coletacircnea sobre as

Letrasrdquo da antiguidade Embora defendido que seja esse o caso essa simples traduccedilatildeo natildeo nos

permitiria vislumbrar o fato de que o termo crestomatia natildeo se refere tanto agraves dimensotildees ou agraves

proporccedilotildees da obra quanto agraves suas qualidades ou aos traccedilos que a definem como sendo de

certo tipo

Severyns defende em seu estudo que o entendimento de ldquocrestomatiardquo como florileacutegio

natildeo eacute proacuteprio dos antigos28 que tomam o termo como qualificativo ou definidor de uma obra

sem que isso implique um gecircnero de resumo O significado abreviativo derivaria da

interpretaccedilatildeo renascentista do tiacutetulo feita por ocasiatildeo das primeiras publicaccedilotildees impressas da

Biblioteca a partir da metade do seacutec XVI e teria se prolongado como os proacuteprios dicionaacuterios

modernos (Liddel amp Scott Bailly) datildeo a entender ldquoCrestomatiardquo portanto seria tatildeo somente

o que nomeia e define essa obra que pretende fornecer ensinamentos uacuteteis (no sentido praacutetico)

de certo saber (aqui o das Letras) Severyns poreacutem buscando ver totalidade na obra traduz o

nome interpretando-o segundo a hipoacutetese ndash que defende muito coerentemente ndash de que mesmo

a palavra ldquoeklogaiacuterdquo faria parte do tiacutetulo original da obra Justamente por essa leitura junto de

ldquoeklogaiacuterdquo adiciona ldquoabreacutegeacuterdquo ao que em sua traduccedilatildeo seria o tiacutetulo da obra sugerindo que o

significado do termo em questatildeo seria o de acentuar seu caraacuteter de ldquomanualrdquo de liccedilotildees

agregador de diversos ensinamentos supondo claro que se fosse versar detalhadamente

sobre os toacutepicos seria muito maior

Se julgarmos contudo que Severyns estaacute correto quanto agrave interpretaccedilatildeo precisa do

significado da palavra que aqui serve para qualificar certo tipo de texto mesmo sem designaacute-

lo sob uma difundida nomenclatura geneacuterica de uso rigoroso apesar do emprego de eklogaiacute

conforme estudado no item acima entatildeo podemos entender que o simples emprego do termo

ldquocrestomatiardquo como intitulaccedilatildeo bastaria para qualificar a obra por sua finalidade e utilidade

27 Cf Traduccedilatildeo nota 2 Conforme anotado a palavra estaacute lexicalizada nas liacutenguas romacircnicas 28 Severyns op cit tome II 65 ndash 69

33

reunir saberes proveitosos que no caso do texto atribuiacutedo a Proclo contemplam diferentes

autores ou textos Inevitavelmente as duas palavras parecem implicar certa redundacircncia mas

como decorrecircncia do fato de que a noccedilatildeo de khrestomaacutetheia secundariamente implica a noccedilatildeo

de seleccedilatildeo mas natildeo o contraacuterio A palavra eklogeacute referir-se-ia agrave noccedilatildeo geral de ldquoseletardquo

enquanto khrestomaacutetheia a um criteacuterio que nortearia o caraacuteter dessa seleccedilatildeo No caso da

seleccedilatildeo de passagens diversas e ilustrativas do saber de diferentes autores isso implicaria em

uma obra como a de Estobeu que seleciona as passagens de sua Coletacircnea pelo ensinamento

que contecircm O fato de haver certa redundacircncia entre as duas coisas seria mais um argumento a

favor da hipoacutetese de que os eruditos em torno de Foacutecio natildeo leram a obra na iacutentegra A

ocorrecircncia de ambas portanto deve implicar nesse caso que pelo menos nessa passagem

designam coisas diferentes Nesse sentido a obra de Proclo se diria ldquocrestomatiardquo porque o

criteacuterio que a norteia eacute relacionar ensinamentos proveitosos de uma aacuterea em especiacutefico o que

aponta para a caracteriacutestica preponderante do texto a saber conter liccedilotildees que

tradicionalmente satildeo desenvolvidas em textos especiacuteficos de diferentes doutrinas antigas aqui

agremiadas pelo tiacutetulo grammatikeacute gramaacutetica Isso se aventa pelas duas outras ocorrecircncias da

palavra na proacutepria Biblioteca ambas posteriores ao coacutedice 239 A primeira delas que parece

referir-se bem a essa qualidade instrutiva por si soacute consiste no emprego do substantivo no seu

sentido proacuteprio e natildeo teacutecnico para explicar o que se apresenta das Vidas Paralelas a obra de

Plutarco compilada no coacutedice 245

ldquo[16] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῶν ltΠλουτάρχουgt παραλλήλων διάφοροι λόγοι ὧν ἡ ἔκδοσις

κατὰ σύνοψιν ἐκλέγεται διάφορον χρηστομαθίανrdquo

(245 393b 9)

O resumidor seguindo o espiacuterito jaacute comentado de para certos casos caracterizar o que

se leraacute em relaccedilatildeo agrave fonte de que se compila (o espiacuterito de nos dar alguma nota editorial do

que se estaacute produzindo) informa-nos que neste coacutedice ldquofez-se a leitura de diferentes

discursos das Vidas Paralelas de Plutarco dos quais a ediccedilatildeo em sinopse seleciona o saber

distintordquo Poder-se-ia seguindo a sugestatildeo de Severyns29 arriscar a traduccedilatildeo por ldquodistinta

erudiccedilatildeordquo uma vez que como laacute demonstrado o substantivo primitivo chrestomateacutes

( ) empregava-se para designar aquele que buscava o saber proveitoso uacutetil o

ldquoeruditordquo Assim a palavra ocorre na introduccedilatildeo ao epiacutetome da obra de Plutarco para

assinalar que natildeo se encontraraacute ali a obra mas que o resumo fruto da leitura ateacutem-se a

29 Severyns op cit II pg 66

34

fornecer os trechos que conteacutem aos olhos de nosso resumidor ensinamentos valiosos ie

aqueles que serviratildeo para ensinar (no caso do gecircnero historiograacutefico atraveacutes de exempla)

A segunda ocorrecircncia (quarta no total) eacute justamente para introduzir outra obra

nomeada ldquoCrestomatiardquo e compilada na Biblioteca a saber a Crestomatia de Helaacutedio

ldquo[17] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῆς ltἙλλαδίου Βησαντινόουgt ἐπιγ-

ραφομένης πραγματείας χρηστομαθειῶν αʹ βʹ γʹ δʹrdquo

(279 529b 26)

Como se nota natildeo haacute a palavra eklogaiacute nesse caso e a introduccedilatildeo do epiacutetome segue o

mesmo padratildeo dos epiacutetomes anteriormente comentados trazendo um particiacutepio introduzindo a

intitulaccedilatildeo do objeto escrito ldquoTratado de Crestomatia 1 2 3 4rdquo A obra de Helaacutedio como

resumida na Biblioteca parece dedicar suas primeiras seccedilotildees a catalogar informaccedilotildees uacuteteis

sobre palavras ou sobre diversos elementos leacutexicos da pronunciaccedilatildeo correta de certos

vocaacutebulos ateacute usos linguiacutesticos ie quando se empregava preferencialmente esta agravequela

forma ou quando soacute se podia aplicar uma etc Tais saberes uacuteteis tambeacutem seratildeo a respeito das

causas e origens de certos nomes e se trataraacute entatildeo de nomes de lugares ou por que certo

grupo usa tal signo para certa coisa por que tal monumento ou local recebeu seu nome etc e

nesse sentido como ocorre tambeacutem no caso da Crestomatia de Proclo natildeo se distingue

claramente quando o objeto eacute a palavra ou a coisa a discussatildeo linguiacutestica se torna etioloacutegica

Por vezes natildeo haacute essa discussatildeo mas o resumidor anota uma informaccedilatildeo relevante a

passagem de 533b 29 ndash 34 por exemplo eacute dedicada a ordenar o estabelecimento e os locais

das competiccedilotildees atleacuteticas dos gregos30 Do meio em diante pelo menos a julgar pelo epiacutetome

as informaccedilotildees compiladas entatildeo passam agrave origem e histoacuterias diversas de fato definindo o

texto sobre um texto como uma crestomatia sobre coisas diversas

Mais interessante a tiacutetulo de comparaccedilatildeo eacute o fato de que o resumo traz o nome de

autores de que Helaacutedio haure sua ldquoerudiccedilatildeordquo ou ldquosaberes proveitososrdquo Dioniacutesio por exemplo

eacute citado como fonte a partir da qual se arrolam usos proacuteprios dos aticistas31 tais fontes satildeo

dadas nominalmente no epiacutetome muito provavelmente porque o proacuteprio Helaacutedio as

informava uma vez que ocorrem sob a forma de discurso reportado ou indireto ldquoDioniacutesio diz

que os aticistasrdquo e natildeo ldquodiz querdquo como ocorre no coacutedice de Proclo ou seja o coacutedice

informa-nos que na Crestomatia de Helaacutedio ldquoeacute dito que Dioniacutesio diz querdquo e tem-se uma

liccedilatildeo uacutetil como por exemplo ldquoos aticistas natildeo dizem oneacutesamen mas sim

30 Foacutecio Biblioteca 279 533b 29 ndash 34 31 idem 279 529b 29 ndash 34

35

epriaacutemen rdquo e dizem as demais formas do verbo em questatildeo conforme o esperado

morfologicamente32 Eacute pois de se supor que Helaacutedio no suposto texto original dissesse

ldquoDioniacutesio diz querdquo ou seja referia autores fonte das informaccedilotildees uacuteteis que colige Mais agrave

frente sua fonte seraacute ningueacutem menos que o gramaacutetico Diacutedimo

Mais uma diferenccedila se entrevecirc aqui no caso do texto de Helaacutedio o manuscrito agrave

disposiccedilatildeo dos eruditos muito provavelmente por conter ainda a obra por completo trazia seu

autor referindo-se a fontes se natildeo as citando No caso da Crestomatia de Proclo isso natildeo

ocorre As liccedilotildees embora as identifiquemos como pertencentes a diferentes doutrinas satildeo

apenas arroladas uma apoacutes a outra Quando haacute mais de uma hipoacutetese ou possibilidade

principalmente no caso das etimologias geralmente haacute uma menccedilatildeo a ldquooutrosrdquo ou a uma

possibilidade divergente Isso leva a pensar que se a Crestomatia de Proclo tinha as mesmas

dimensotildees que a de Helaacutedio quatro livros trazia ela tantos autores citados na atribuiccedilatildeo de

suas liccedilotildees e diferentes versotildees de etimologias que o resumidor resolveu apenas referir-se a

eles pelo termo ldquooutrosrdquo33 Para aleacutem dos casos em que as diferentes possibilidades

etimoloacutegicas e etioloacutegicas natildeo podem e nem poderiam ser identificadas quanto a sua origem

especiacutefica por natildeo a possuiacuterem (caso de explicaccedilotildees para a origem do epos da elegia do

iambo) eacute de se supor que ou a coletacircnea da obra de Proclo o que se lia natildeo trazia essas

informaccedilotildees por ser uma seleta no sentido discutido de um resumo ou uma primeira

abreviaccedilatildeo ou o autor ele mesmo natildeo as dava por ser um organizador de doutrina ie por

estar focado em organizar saberes doutrinais de modo a instruir Essa segunda hipoacutetese natildeo eacute

de se descartar porque e mais uma vez uma natildeo nega a outra Provavelmente ambas satildeo

verdadeiras pois natildeo eacute de se imaginar que em uma obra com a extensatildeo de quatro livros

como a de Helaacutedio versando sobre diferentes toacutepicos das letras em geral em nenhuma

passagem ocorresse a menccedilatildeo a este ou agravequele autor e o que pensa ou diz sobre determinado

assunto Igualmente eacute de se supor pela mateacuteria do texto que diferentes opiniotildees fossem

apenas referidas a ldquooutrosrdquo como se observa em textos semelhantes como forma padratildeo de

dizer uma vez que satildeo os saberes tradicionalmente consolidados sobre aquele assunto ie as

32 Em outras palavras como diriacuteamos hoje ensina que os autores aacuteticos ldquoclaacutessicosrdquo fazem a 1ordf pessoa do

singular do aoristo do verbo supletivamente ou recorrendo agrave formaccedilatildeo de outro verbo 33 Cf por exemplo 319b 3 ndash 5 sobre as diferentes possibilidades de acentuar a palavra que nomeia o poema

Ciacuteprias do ciclo eacutepico natildeo se identifica ningueacutem aleacutem do autor que proponha e siga essa hipoacutetese bem como

nenhuma autoridade eacute citada em prol da acentuaccedilatildeo vigente ou entatildeo 321a 6 em que haacute uma referecircncia aos que

julgam ser o escoacutelio nomeado por antiacutestrofe Para alguns casos poreacutem natildeo haacute menccedilatildeo e o termo ldquooutrosrdquo se

emprega porque as etimologias jaacute eram assim consolidadas como possibilidades igualmente vaacutelidas para a

mesma coisa ie eram etimologias igualmente aceitas e disseminadas mais ainda autorizadas Eacute o caso claro

das etimologiasetiologias do iambo Cf infra cap 3 seccedilotildees 331 a 333 paacutegs 83 a 95 as explicaccedilotildees satildeo as

mesmas adotadas por exemplo na Gramaacutetica de Diomedes As etimologias para o termo epos tambeacutem jaacute eram

todas consolidadas

36

possiacuteveis explicaccedilotildees que ao longo dos seacuteculos mas principalmente com a atividade editorial

do periacuteodo heleniacutestico em diante foram se consolidando como as ldquoverdadesrdquo aceitas e

igualmente plausiacuteveis Natildeo haacute para elas pois uma origem definida portanto uma fonte a ser

citada

Esse segundo fato se confirma se aceitamos definitivamente que a Vita Homeris do

coacutedex Venetus eacute junto dos demais resumos dos poemas ciacuteclicos laacute contidos excertos da

Crestomatia original Ao referir-se aos diferentes casos particulares da vida de Homero

conforme o proacuteprio epiacutetome diz que fazia em relaccedilatildeo tambeacutem aos demais poetas eacutepicos34

emprega continuamente as expressotildees ldquounsrdquo ldquooutrosrdquo ldquoaquelesrdquo para referir-se aos

diferentes e agraves vezes divergentes ldquoepisoacutediosrdquo da vida de Homero Ora nada mais consolidado

no acircmbito da cultura geral do que Homero e as diferentes histoacuterias a respeiro dele sua morte

sua origem etc Eram todas versotildees consolidadas e discutidas sem terem origem precisa e

identificada Essa Vita ou biografia do vate tambeacutem nos ilustra que sim inevitavelmente

quando tratando de informaccedilatildeo ou hipoacutetese mais teacutecnica inevitavelmente o autor referiria

uma fonte ou origem dessa informaccedilatildeo Eacute o que ocorre quando se discute primeiro sua

origem

Helacircnico Damaste e Fereacutecides recuam sua origem ateacute Orfeu

Dizem que Meatildeo pai de Homero e Dio pai de Hesiacuteodo descendem

de Apeacutelis filho de Melanopo filho de Epiacutefrades filho de Carifemo

filho de Filoterpes filho de Idmocircnides filhos de Eucles filho de

Doriatildeo filho de Orfeu

Goacutergias de Leontino o recua agraves Musas

(Vita Homeri 19 ndash 24 in Severyns IV paacuteg 69 trad do autor)

Essas eram opiniotildees sobre Homero solidamente proferidas por outros e assim

identificadas

Nos dois paraacutegrafos imediatamente anteriores e no paraacutegrafo imediatamente posterior

por exemplo temos informaccedilotildees ou episoacutedios anedoacuteticos sobre Homero e nesses casos

vemos a praacutetica de atribui-los a ldquooutrosrdquo indefinidos

[] uns o proclamam nativo de Colofatildeo outros de Quios outros de

Esmirna outros de Io outros de Cima e toda cidade de modo geral

reclama o homem pelo que razoavelmente pode ser dito cosmopolita

34 ldquoOs mais egreacutegios poetas do epos satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro Paniacuteasis e Antiacutemaco Desses discorre na

medida do possiacutevel acerca da origem da paacutetria e de algumas histoacuterias particularesrdquo Proclo apud Foacutecio

Biblioteca 239 319a 17 ndash 21

37

Os que afirmam que ele eacute de Esmirna dizem que seu pai era

Meatildeo e que foi concebido perto do Rio Meles motivo pelo qual

tambeacutem eacute nomeado Melesiacutegene mas que eacute chamado Homero

[Hoacutemeros ] porque foi dado na condiccedilatildeo de homereiacutea

[refeacutem ] aos de Quios Outros dizem que acabou recebendo

esse nome por causa da deficiecircncia dos olhos Os cegos de fato eram

chamados homeacuteroi [ ] pelos eoacutelios

(idem 9 ndash 18 paacuteg 68 trad do autor)

e

ldquoSobre a sua morte refere-se a seguinte histoacuteria inquirindo o oraacuteculo a respeito de sua

proacutepria seguranccedila pessoal contam que o deus lhe deu esta respostardquo

(idem 25 paacuteg 68 trad do autor)

Note-se que no primeiro caso inculise fezem-se etimologias

Mais agrave frente discutindo a o periacuteodo em que Homero teria vivido

Na cronologia os da escola de Aristarco dizem que viveu na

eacutepoca da imigraccedilatildeo jocircnica que eacute sessenta anos posterior ao retorno

dos Heraclidas e o evento em torno dos Heraclidas estaacute oitenta anos

depois da eacutepoca de Troia Os da escola de Crates por sua vez o

recuam aos tempos de Troia

(idem 59 paacuteg 73 idem)

Vemos a julgar por esse suposto e breve trecho original da Crestomatia que muito

provavelmente como na Crestomatia de Helaacutedio quando alguma liccedilatildeo especiacutefica haurida

deste ou daquela escola era dada era de se imaginar o nome e a atribuiccedilatildeo Tambeacutem como laacute

conforme dito e como se vecirc no proacuteprio resumo de Foacutecio especificamente nos trechos que

versam sobre as celebraccedilotildees ciacutevico-religiosas que originam gecircneros meacutelicos os ldquosaberes

uacuteteisrdquo ie a ldquoerudiccedilatildeordquo a ser transmitida passa a descriccedilatildeo etioloacutegica e histoacuterica (como no

caso da guerra que daacute origem agrave dafnefoacuteria35)

A Crestomatia de Proclo contudo possui um eixo temaacutetico as letras Conclui-se

portanto que entendida natildeo como um gecircnero textual rigorosamente especiacutefico mas como

uma obra de erudiccedilatildeo no sentido de uma reuniatildeo de informaccedilatildeo registro dessa informaccedilatildeo

vaacuteria num documento uacutenico uma crestomatia pode contemplar saberes de diferentes aacutereas e

elementos que no caso de Helaacutedio natildeo teriam uma associaccedilatildeo direta ie natildeo seriam objeto

35 Idem 321a 36 ndash 321b 12

38

de uma mesma obra A reuniatildeo de informaccedilotildees da obra de Proclo visa agrave instruccedilatildeo na aacuterea das

letras Duas perguntas decorrem disso a quais saberes entatildeo ou a quais aacutereas do saber antigo

essa crestomatia se voltaraacute O que se entende por gramaacutetica na intitulaccedilatildeo do coacutedice

134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra

A palavra gramaacutetica que delimita o eixo temaacutetico dessa crestomatia poderia ser

tomada em sua literalidade para efeitos de traduccedilatildeo mas aqui talvez apenas na literalidade

que possuiacutea entre os gregos Essa mesma literalidade poreacutem eacute ampla e polissecircmica dado

que como se sabe passa a designar o ofiacutecio do gramaacutetico Sua funccedilatildeo na antiguidade

compreendeu atividades que tambeacutem noacutes atribuiacuteamos aos gramaacuteticos hoje mas outras que

natildeo Em princiacutepio segundo Dioniacutesio Traacutecio seis seriam as partes da gramaacutetica36

Γραμματική ἐστιν ἐμπειρία τῶν παρὰ ποιηταῖς τε καὶ

συγγραφεῦσιν ὡς ἐπὶ τὸ πολὺ λεγομένων

Μέρη δὲ αὐτῆς ἐστιν ἕξ πρῶτον ἀνάγνωσις ἐντριβὴς κατὰ

προσῳδίαν δεύτερον ἐξήγησις κατὰ τοὺς ἐνυπάρχοντας ποιητικοὺς

τρόπους τρίτον γλωσσῶν τε καὶ ἱστοριῶν πρόχειρος ἀπόδοσις

τέταρτον ἐτυμολογίας εὕρεσις πέμπτον ἀναλογίας ἐκλογισμός ἕκτον

κρίσις ποιημάτων ὃ δὴ κάλλιστόν ἐστι πάντων τῶν ἐν τῇ τέχνῃ

(Dioniacutesio Traacutecio 1153 ndash 6 3 in Grammatici Graeci)

ldquoA Gramaacutetica eacute o saber dos usos da liacutengua conforme se daacute no

mais das vezes entre os poetas e os escritores

Suas partes satildeo seis a primeira eacute a leitura treinada de acordo

com a prosoacutedia a segunda eacute a exegese segundo os tropos poeacuteticos

existentes a terceira eacute a pronta explicaccedilatildeo das formas dialetais e

histoacuterias quarta a revelaccedilatildeo da etimologia quinta o cocircmputo das

analogias sexta a avaliaccedilatildeo [o juiacutezoapreciaccedilatildeo] de poemas que eacute a

mais bela de tudo na teacutecnicardquo

(trad e grifo do autor)

Como responsaacutevel por descrever e ensinar o uso devido da liacutengua e por avaliar como

especialista do saber linguiacutestico se um texto era ou natildeo espuacuterio ie determinar a

36 Para uma precisa anotaccedilatildeo da gramaacutetica de Dioniacutesio Traacutecio Cf Dos Santos MM Dioniacutesio da Traacutecia Arte

traduccedilatildeo e notas in Letras Claacutessicas n11 153 ndash 179 2007

39

autenticidade de um texto cabia ao gramaacutetico portanto aquilo que hoje diriacuteamos ldquoo

estabelecimento do textordquo ofiacutecio do filoacutelogo moderno O emprego do termo krisis referindo-

se aos poemas como objeto dessa avaliaccedilatildeo eacute muito semelhante ao que ocorre no epiacutetome

fociano em 319a 1 ndash 3

ldquoΔιαλαμβάνει δὲ καὶ περὶ κρίσεως ποιήματος ἐν ᾧ παραδίδωσι τίς ἤθους καὶ πάθους

διαφοράrdquo

(Proclo apud Foacutecio 239 319a 1 ndash 3)

ldquoFaz consideraccedilotildees acerca do juiacutezo de poesia no que transmite qual a diferenccedila entre

caraacuteter e afetordquo

Este trecho eacute um dos mais problemaacuteticos do texto porque dado agrave brevidade e agrave

amplitude semacircntica das palavras empregadas possibilita pelo menos mais de uma leitura A

criacutetica notou37 que o conteuacutedo desta primeira oraccedilatildeo e principalmente a expressatildeo kriacutesis

poieacutematos fazem ressoar a sexta parte da empiria gramatical como definida por Dioniacutesio

Traacutecio kriacutesis poiemaacuteton ldquoa mais bela de tudo na teacutecnicardquo Em termos de entendimento

linguiacutestico a dificuldade ocorre primeiro por causa do significado do verbo dialambaacuteno que

semanticamente conteacutem a ideia mesmo de uma kriacutesis um juiacutezo um discernimento

significando ldquotomar separadamente dividir com escruacutepulordquo daiacute ldquodiscernir avaliar

considerarrdquo e justamente ldquojulgarrdquo segundo pela ausecircncia do artigo antes do substantivo kriacutesis

e pelo genitivo singular poieacutematos ao inveacutes de poiemaacuteton (de poema e natildeo de poemas) o

que impossibilita saber se o texto reporta-se agravequela kriacutesis poiemaacuteton (ie avaliaccedilatildeo

julgamento de poemas) que eacute uma parte da gramaacutetica ou se a palavra kriacutesis aqui eacute

empregada (como defende Severyns) em sentido amplo e natildeo teacutecnico junto agrave palavra que no

epiacutetome eacute empregada para designar ldquopoesiardquo siginificando apenas portanto de forma

perifraacutestica que ldquoFoacutecio diz que Proclo faz consideraccedilotildeesrdquo ndash considerando o aspecto verbal do

presente grego lsquoprossegue em suas consideraccedilotildeesrsquo como quer Severyns ndash ldquosobre a avaliaccedilatildeo

da poesiardquo portanto simplesmente ldquoele continua seu exame da poesiardquo que de fato ocorria

em contraposiccedilatildeo agrave prosa desde a distinccedilatildeo entre ambas em 318b 24 (sect3 na ediccedilatildeo de

Severyns) de modo a como se observa a partir de 319a 3 (sect11 idem) logo se concentrar no

que concerne tatildeo somente agrave poeacutetica ie seus gecircneros

Aqui se adota uma terceira leitura contraacuteria a de Severyns mas natildeo totalmente

consoante agrave de Ferrante ndash principalmente nas implicaccedilotildees primeiramente essa kriacutesis

37 cf Severyns (op cit pg 77 ndash 79) para um balanccedilo das leituras e Ferrante (op cit pg 20 ndash 21) para uma

visatildeo ainda contraacuteria a de Severyns)

40

poieacutematos natildeo precisaria orbigatoriamente ser uma alusatildeo ao nome exato da referida parte da

arte gramatical para ser (em se tratando da avaliaccedilatildeo da poesia aqui designada por poiacuteema)

aquele conjunto de avaliaccedilotildees sobre diferentes aspectos do poema Ainda assim natildeo parece

ser o caso

Eacute fundamental pontuar que a passagem deve ser julgada de acordo com o

procedimento geral do resumo ie a forma de resumir O resumidor parece topicalizar

atraveacutes dos termos (quase sempre teacutecnicos) aquilo de que a obra original tratava no respectivo

passo em vez de descrever o que teoricamente Proclo (seja quem for) fazia sem antes

introduzir qual era o objeto ou o toacutepico teoacuterico em questatildeo podendo ater-se ou natildeo a ele

(contrastem-se por exemplo os paraacutegrafos 17 e 69 ndash 78 com os derradeiros referentes agraves

uacuteltimas espeacutecies meacutelicas 93 ndash 99) Se considerarmos como quer Severyns que kriacutesis

poiemaacutetos natildeo eacute um desses termos topicalizados e que ldquonatildeo expressariam senatildeo uma ldquoideia

bem geral natildeo remontando de modo algum agrave sexta parte da arte gramatical tal qual a definiu

Dioniacutesio Traacuteciordquo (sendo um problema exatamente os trechos que aqui sublinho pois assumo

que os termos gregos em si natildeo precisariam ser obrigatoriamente uma citaccedilatildeo tratando-se de

um nome jaacute convencionado para essa atividade) este seria o uacutenico trecho do epiacutetome em que

isso acontece ie em que primeiro se comentaria o que o autor do tratado original faz

(ldquocontinua suas reflexotildees sobre poesiardquo) para soacute depois introduzir o que seria o toacutepico

assinalado a ldquodistinccedilatildeo entre caraacuteter e afetordquo Um outro problema surgiria aqui argumento

favoraacutevel a hipoacutetese defendida se ethos e pathos satildeo os termos teacutecnicos que topicalizam a

passagem ie satildeo o assunto do passo equivalente no suposto texto original entatildeo faltaria

como para os demais casos em que o toacutepico natildeo se explica por um desdobramento da

etimologia uma miacutenima explanaccedilatildeo teoacuterica para ambos como imediatamente antes se fez

para os moldes do dicurso e seus viacutecios Natildeo seria verossiacutemil que se abrisse matildeo dessa

explanaccedilatildeo uma vez que tal distinccedilatildeo entre ethos e pathos natildeo seria menos conhecida que a

doutrina dos gecircneros do discurso Em outras palavras se esse fosse o toacutepico do devido

momento do tratado a que o resumidor se referiria a julgar pelo padratildeo observado referir-se-

ia a ele imediatamente portanto eacute de supor contrariamente que krisis poeiemaacutetos o eacute antes

de diaphoraacute eacutethous kaigrave paacutethos o que inclusive torna mais compreensiacutevel e justificado o

relativo neutro que introduz a segunda oraccedilatildeo

Como uma crestomatia de gramaacutetica aqui entendida como as letras condensando

princiacutepios que em origem satildeo de diferentes disciplinas (gramaacutetica poeacutetica e retoacuterica em

geral) parece razoaacutevel que assim como se falava da doutrina dos gecircneros da elocuccedilatildeo nos

trechos anteriores da obra objeto comum agrave poeacutetica e agrave retoacuterica a distinccedilatildeo entre eacutethos e

41

paacutethos estivesse aqui entre os elementos que eram julgados na avaliaccedilatildeo da poesia Esta liccedilatildeo

parece coerente com o fato de que pelo menos ateacute onde Foacutecio nos daacute notiacutecia apoacutes as

consideraccedilotildees sobre a elocuccedilatildeo (e a doutrina referente a seus gecircneros) seguissem-se esses

dois outros elementos que de acordo com a retoacuterica explicitam-se no discurso

A proacutepria consideraccedilatildeo dos dois termos jaacute eacute um problema pois mesmo em

Aristoacuteteles trazem dificuldade Como se sabe na Retoacuterica o caraacuteter eacute do orador aquele que

fala a paixatildeo suscita-a no ouvinte por meio do discurso a fim de movecirc-lo Eacute logo no livro I

que Aristoacuteteles apresenta essa doutrina dos trecircs meios da persuasatildeo loacutegos eacutethos e paacutethos ou

discurso caraacuteter e afeto Eacute proacuteprio da arte principalmente o primeiro o discurso pois em

condiccedilotildees ideais jurados e ouvintes natildeo se deixam levar pelas paixotildees que oradores treinam

para despertar naqueles que os ouvem Como no entanto o tratado assume por objeto a

persuasatildeo e define a retoacuterica como teacutecnica que a produz (antiacutestrofe da dialeacutetica que produz

verdade) aborda igualmente afeto ndash para esclarecer como suscitado persuade ndash e caraacuteter ndash

pois se as palavras do orador natildeo forem condizentes com a noccedilatildeo de caraacuteter que dele fazem

os ouvintes natildeo se deixaratildeo convencer por julgaacute-lo mentiroso Em termos gerais talvez

pudeacutessemos dizer que na Retoacuterica os trecircs elementos satildeo em um primeiro momento

pensados em si para posteriormente serem considerados como os trecircs fatores ou causas cujo

resultado eacute o convencimento

Natildeo eacute assim poreacutem que os mesmos elementos satildeo considerados na Poeacutetica por conta

da proacutepria conceituaccedilatildeo aristoteacutelica do objeto (o que seraacute discutido mais adiante) neste

tratado Aristoacuteteles cirscunscreve a noccedilatildeo de eacutethos e pathos diferentemente pois trata os

termos como partes de uma imitaccedilatildeo e eacute nos limites desse conceito que surge a dificuldade A

imitaccedilatildeo que define a poesia eacute muito especiacutefica accedilatildeo Trata eacutethos e paacutethos portanto como

elementos que precisam ser representados de maneira condizente para que a imitaccedilatildeo seja

bem sucedida Na descriccedilatildeo da mimese caraacuteter eacute uma das partes qualitativas da trageacutedia

conforme definidas no cap VI da Poeacutetica mito caraacuteter e pensamento seriam as partes

equivalentes a ldquoo querdquo se imita (a mateacuteria) conforme delimitado nos cap I II e III em que o

filoacutesofo expotildee os criteacuterios pelos quais pensa o objeto elocuccedilatildeo e melopeia as partes

equivalentes agravequilo ldquoem querdquo se imita (os meios lembrando que a melopeia equivale ao que

em outras passagens seraacute nomeado apenas ldquomelosrdquo ou ldquocanccedilatildeordquo e refere-se agraves passagens

corais) espetaacuteculo refere-se a ldquocomordquo se imita (o modo)38

38 Poeacutetica VI 1449b 21 ndash 1450a 15

42

Como afirmaraacute ainda no cap VI natildeo eacute objetivo da poesia imitar caracteres mas os

caraceteres satildeo postos em cena apenas em funccedilatildeo da accedilatildeo ie este ou aquele caraacuteter eacute posto

em cena para que a accedilatildeo tenha este ou aquele desdobramento afinal ndash continua dizendo ndash os

eventos e o mito satildeo o fim da trageacutedia e o fim eacute o que haacute de mais importante Portanto o

caraacuteter de certa personagem conhecido do puacuteblico deve apenas ser condizente com o que

desdobramento esperado da accedilatildeo Natildeo agrave toa na mesma passagem Aristoacuteteles afirmaraacute que eacute

possiacutevel trageacutedia sem caraacuteter apenas com accedilatildeo mas natildeo o contraacuterio39 Os uacutenicos termos que

Aristoacuteteles nos fornece para analisar o caraacuteter presente em uma composiccedilatildeo poeacutetica satildeo esses

Natildeo se trata portanto de um caraacuteter presente talvez na elocuccedilatildeo poeacutetica mas simplesmente

o caraacuteter que se pode ou deve representar em funccedilatildeo de uma accedilatildeo mimetizada Esse criteacuterio

portanto mal pode ser aplicado agrave poesia que natildeo se pode analisar nos termos aristoteacutelicos da

imitaccedilatildeo de accedilatildeo Tal noccedilatildeo de eacutethos natildeo nos exclarece qual seria a diferenccedila a que o epiacutetome

se refere

Quanto ao afeto ou paacutethos a noccedilatildeo parece ateacute um pouco mais distante paacutethos na

Poeacutetica eacute a terceira parte do mito descrita como um padecimento na accedilatildeo como algo

destrutivo ou doloroso tal padecimento eacute um efeito e um desdobramento da accedilatildeo Natildeo eacute algo

portanto que se representa a priori poreacutem mais um elemento atrelado ao mito que se

representa por meio de palavra (elocuccedilatildeo ou melopeia) e subordinado a ele Natildeo agrave toa ao fim

do cap 19 da Poeacutetica na transiccedilatildeo para a seccedilatildeo final sobre a elocuccedilatildeo diz Aristoacuteteles

[]Περὶ μὲν οὖν τῶν ἄλλων εἰδῶν εἴρηται λοιπὸν δὲ περὶ λέξεως καὶ

διανοίας εἰπεῖν τὰ μὲν οὖν περὶ τὴν διάνοιαν ἐν τοῖς περὶ ῥητορικῆς

κείσθω τοῦτο γὰρ ἴδιον μᾶλλον ἐκείνης τῆς μεθόδου ἔστι δὲ κατὰ

τὴν διάνοιαν ταῦτα ὅσα ὑπὸ τοῦ λόγου δεῖ παρασκευασθῆναι μέρη

δὲ τούτων τό τε ἀποδεικνύναι καὶ τὸ λύειν καὶ τὸ πάθη παρασκευάζειν

(οἷον ἔλεον ἢ φόβον ἢ ὀργὴν καὶ ὅσα τοιαῦτα) καὶ ἔτι μέγεθος καὶ

μικρότητας δῆλον δὲ ὅτι καὶ ἐν τοῖς πράγμασιν ἀπὸ τῶν αὐτῶν ἰδεῶν

δεῖ χρῆσθαι ὅταν ἢ ἐλεεινὰ ἢ δεινὰ ἢ μεγάλα ἢ εἰκότα δέῃ

παρασκευάζειν πλὴν τοσοῦτον διαφέρει ὅτι τὰ μὲν δεῖ φαίνεσθαι

ἄνευ διδασκαλίας τὰ δὲ ἐν τῷ λόγῳ ὑπὸ τοῦ λέγοντος

παρασκευάζεσθαι καὶ παρὰ τὸν λόγον γίγνεσθαι τί γὰρ ἂν εἴη τοῦ

λέγοντος ἔργον εἰ φαίνοιτο ᾗ δέοι καὶ μὴ διὰ τὸν λόγον

(Aristoacuteteles Poeacutetica 1456a 33 ndash 1456b 8)

ldquoSobre as demais partes jaacute se falou restando falar sobre a elocuccedilatildeo e o

pensamento Fique para os escritos sobre retoacuterica o que tangencia o

pensamento pois isso eacute mais proacuteprio do meacutetodo daquela Eacute referente

ao pensamento o quanto se deve provir pelo discurso Satildeo seus

39 Idem VI 1450a 19 ndash 23

43

elementos o demonstrar o refutar e o prover afetos (como piedade ou

horror ou raiva e todas essas coisas) e ainda grandeza e pequenez Eacute

evidente que tambeacutem se deve servir-se desses elementos nos

acontecimentos quando se devem prover coisas piedosas terriacuteveis

grandiosas ou possiacuteveis entretanto com tal diferenccedila naquele caso

devem aparecer sem elucidaccedilatildeo neste devem ser providas no

discurso pelo falante e ocorrer junto ao discurso pois qual seria a

funccedilatildeo do que fala se aparecessem como devem mas natildeo atraveacutes do

discursordquo

(Trad do autor)

Ora aqui Aristoacuteteles deixa claro que sendo a poesia imitaccedilatildeo de accedilatildeo atraveacutes da

palavra mesmo os afetos decorrentes nas accedilotildees satildeo representados e postos em cena por via da

palavra ie da elocuccedilatildeo Como um fenocircmeno por si soacute natildeo restrito agrave poeacutetica isso eacute objeto

da retoacuterica e por isso a seccedilatildeo seguinte sobre a elocuccedilatildeo trataraacute do que eacute proacuteprio da elocuccedilatildeo

poeacutetica

Ateacute aqui portanto a uacutenica noccedilatildeo que talvez possa nos servir seja a de que tanto caraacuteter

quanto afeto se transparecem na imitaccedilatildeo pela palavra o fazem nela Ainda assim na

conceituaccedilatildeo aristoteacutelica isso se daacute naquele que eacute um actante representado ou natildeo por um

ator ie por aquele que eacute agente de uma accedilatildeo Por isso mesmo no referido capiacutetulo VI

arrolando e definido as seis partes qualitativas citadas definiraacute pensamento como aquilo ldquoem

quanto os falantes demonstram algo ou revelam sua opiniatildeordquo e caraacuteter como aquilo ldquode

acordo com o que dizemos que os agentes satildeo certas coisasrdquo40

Para tentar supor o que significariam caraacuteter e afeto no acircmbito do comentaacuterio do

gramaacutetico ao abordar um texto talvez possamos buscar uma pista em textos semelhantes ao

menos a fim de entender em um primeiro momento se esses conceitos eram levados em

conta Sobre o caraacuteter haacute uma passagem que pode ser esclarecedora O Escoacutelio a Dioniacutesio

Traacutecio (471 26 ndash 472 12) traz uma boa descriccedilatildeo dos diferentes elementos que satildeo objeto da

avaliaccedilatildeo empreendida nesta atividade em questatildeo a qual como se sabe (e isso tambeacutem nos eacute

relevante) opotildee-se natildeo soacute em gramaacuteticos mas daiacute tambeacutem em reacutetores (como Dioniacutesio de

Halicarnasso e Quintiliano) agrave syacutegkresis ie natildeo se trata mais da avaliaccedilatildeo apenas mas da

avaliaccedilatildeo conjunta o discernimento dos poetas e obras considerados conjuntamente a

comparaccedilatildeo

ltἝκτον κρίσις ποιημάτωνgt] Τίνι διαφέρει κρίσις συγκρίσεως καὶ

πότερον αὐτῶν ἐπαναβέβηκεν Λεκτέον ὅτι πρῶτον ἡ κρίσις τὸν

40 Idem 1450a 4 ndash 7

44

συγκρίνοντα γὰρ πρότερον αὐτῶν ἑκάτερον δεῖ κρῖναι καὶ ὁ μὲν

συγκρίνων καὶ κρίνει ὁ δὲ κρίνων οὐ πάντως καὶ συγκρίνει

Πότερον δὲ ὁ γραμματικὸς κρείττων ὢν τῶν ποιητῶν κρίνει αὐτῶν τὰ

ποιήματα ἢ ἥττων Καὶ εἰ μὲν κρείττων δώσομεν καὶ αὐτὸν εἶναι

ποιητήν εἰ δὲ ἥττων πῶς κρίνει Ῥητέον οὖν ὅτι κρίνει οὐχ ᾗ ποιητής

ἐστι κρείττων αὐτῶν ἀλλ ᾗ τεχνίτης ἐστὶ τῆς ὕλης τῆς ἐκείνων καὶ

τῶν ὀργάνων οὐ γὰρ κρίνει εἰ καλῶς αὐτοῖς γέγραπται ἢ οὔ ἀλλ εἰ

νόθα ἢ γνήσια πολλὰ γὰρ νοθευόμενά ἐστιν ὡς ἡ Σοφοκλέους

Ἀντιγόνη ndash λέγεται γὰρ εἶναι Ἰοφῶντος τοῦ Σοφοκλέους υἱοῦ

Ὁμήρου τὰ Κυπριακὰ καὶ ὁ Μαργίτης Ἀράτου τὰ Θυτικὰ καὶ τὰ Περὶ

ὄρνεων Ἡσιόδου ἡ Ἀσπίς

Κρίνει δὲ πρῶτον μὲν ὁρῶν εἰς τὴν λέξιν εἰ συνήθης ἐστὶ τῷ ποιητῇ

ἔπειτα εἰς τὸ πλάσμα τῆς συνηθείας εἶτα εἰς τὴν τῆς φράσεως

εὐκολίαν ἢ σκληρότητα εἶτα καὶ εἰς τὴν ἱστορίαν οἱ μὲν γὰρ χαίρουσι

ταῖς ξενιζούσαις ἱστορίαις αἱ δὲ ταῖς κοιναῖς εἶτα ἀπὸ τῶν χρόνων

Ἀρετὴ δὲ ποιήματος ἡ περὶ λέξιν σαφήνεια σύνθεσις τοῦ μέτρου

εὔρυθμος κυριολεξία σχήματα ταῦτα τῆς λέξεως τὰ δὲ περὶ διάνοιαν

οἰκονομία τάξις ἤθη ἐν προσώποις εἰ ltοἱgt μῦθοι ἁρμόδιοι καὶ τὰ

πλάσματαrdquo41

(Scholia in Dionysium Thracem Scholia Londinensia 471 26 ndash 472

12)

Sexta a avalaiccedilatildeo de poemasrsquo ndash Em que difere a avaliaccedilatildeo da

comparaccedilatildeo e qual delas precede Deve-se dizer que a avaliaccedilatildeo vem

primeiro quem estaacute comparando deve primeiro apreciar cada um dos

elementos e quem compara tambeacutem aprecia mas quem aprecia nem

sempre compara

Havendo os maiores poetas o gramaacutetico faz a avaliaccedilatildeo deles ou dos

inferiores Se principalmente dos melhores concederemos que seja

tambeacutem poeta se dos inferiores como aprecia Deve-se dizer

portanto que faz a avaliaccedilatildeo natildeo da maneira pela qual um poeta eacute

melhor do que outros mas de que maneira eacute um artiacutefice do material

deles e de seus instrumentos Pois natildeo aprecia se algo estaacute belamente

escrito com esses ou natildeo mas sua espuriedade ou legitimidade pois

muitos satildeo os escritos considerados espuacuterios como a Antiacutegona de

Soacutefocles ndash pois se diz que eacute de Iofatildeo o filho de Soacutefocles ndash As

Cipriotas e o Margites de Homero As Sacirficiais de Arato e Sobre os

Paacutessaros o Escudo de Hesiacuteodo

Aprecia primeiro visando a dicccedilatildeo se eacute usual ao poeta em seguida o

molde desse uso depois a fluidez ou a dureza da frase depois

visando a histoacuteria uns se comprazem mais nas histoacuterias que satildeo

exoacuteticas outros nas comuns depois aprecia a partir do periacuteodo

cronoloacutegico A virtude do poema satildeo a clarera que tange a dicccedilatildeo a

composiccedilatildeo do metro a regularidade da linguagem ordinaacuteria42 - essas

41 Commentaria In Dionysii Thracis Artem Grammaticam Scholia Londinensia (partim excerpta ex Heliodoro)

in ldquoGrammatici Graeci vol 13rdquo Ed Hilgard A Leipzig Teubner 1901 Repr 1965 Page 471 42 Entendendo-se aqui ldquoordinaacuteriardquo como a padratildeo ie a do dia a dia sem tropoi natildeo ornada Daiacute que a ideia de

ldquoeurritmiardquo a palavra grega deve se referir tanto a sua regularidade ie sua frequecircncia ou sua ocorrecircncia em

medida devida como tambeacutem agrave eufonia ie sua adapatabilidade ou sua consonacircncia com o metro elemento

anteriormente mencionado

45

satildeo as configuraccedilotildees da dicccedilatildeo quanto as que tangem o pensamento

organizaccedilatildeo ordenaccedilatildeo os caracteres nas personagens se

acomodados satildeo os mitos e seus moldesrdquo

(Traduccedilatildeo do autor)

Para o escoliasta a finalidade do gramaacutetico ao empreender a kriacutesis poiemaacuteton natildeo eacute

avaliar se entre eles poetas escreve-se belamente (essa seria a finalidade da syacutegkresis) mas a

ldquoespuriedaderdquo e a ldquolegitimidaderdquo (

Entre os diferentes aspectos considerados chamam a atenccedilatildeo natildeo

soacute aqueles de caraacuteter estrutural que tambeacutem satildeo objetos de um reacutetor como o do Tratado Da

Composiccedilatildeo das Palavras mas elementos mais proacuteprios da concepccedilatildeo da obra da sua

inventio confluindo com o que se concebe nos textos de poeacutetica como ldquoo que tange o

pensamentordquo ldquoos caracteres nas personagensrdquo e ldquose acomodados satildeo os mitos e seus

moldesrdquo Natildeo se pretende aqui que isto era trabalho da gramaacutetica e dessa sua parte em geral

mas sim ressaltar que mesmo nesta kriacutesis oposta agrave syacutegkrisis no iniacutecio da empiria o escoliasta

nos fornece o testemunho de que para desempenhar sua funccedilatildeo o gramaacutetico tambeacutem

precisava eventualmente julgar a confecccedilatildeo dos caracteres e a pertinecircncia dos mitos o que

inevitavelmente nos remete ao capiacutetulo 2 da Poeacutetica de Aristoacuteteles (e o quanto diz sobre

eacutethos bem como agrave parte da poeacutetica que em geral por via horaciana passamos a denominar

invenccedilatildeo) segundo a qual como a imitaccedilatildeo eacute imitaccedilatildeo de agentes eacute necessaacuterio que sejam

representados segundo certo caraacuteter (melhores ou piores do que noacutes)

Portanto natildeo eacute de espantar que assim como os tropos e figuras empregados pelos

poetas por exemplo configurem um caso claro de objeto comum a ser explicado tanto pelo

gramaacutetico quanto pelo reacutetor eacutethos e paacutethos na condiccedilatildeo de elementos que passam a ser

entendidos como inerentes ao discurso (e essa assunccedilatildeo como demonstrado ainda que com

suas especificidades jaacute se encontra no proacuteprio Aristoacuteteles) sejam observados e analisados por

qualquer um que se debruce com certa finalidade sobre uma composiccedilatildeo discursiva em verso

ou em prosa para aplicar mais uma vez o criteacuterio maior e tatildeo relevante desde o iniacutecio para

nossa leitura do epiacutetome ie a distinccedilatildeo prosa-poesia (Cf sect3 318b 24 ndash 26 Traduccedilatildeo paacuteg

110)

Isso se verifica indubitavelmente quando passamos para a syacutegkrisis de que podemos

tomar como exemplo o livro II do tratado Da Imitaccedilatildeo de Dioniacutesio de Halicarnasso e as

diversas passagens em que diferencia poetas e prosadores dos diferentes gecircneros pelo trato

que datildeo a eacutethos e paacutethos (cf 31 2 1 - Homero 31 2 5 ndash Piacutendaro uma de suas virtudes a ser

observada eacute a ethopoiiacutea ou simplesmente confecccedilatildeo de caracteres em que esses se

46

destacam pela prudecircncia piedade e magnificecircncia [sofrosyacutene eusebeiacutea megalopreacutepeia] 31

2 7 ndash Estesiacutecoro os caracteres e os valores das personagens [eacutethe kaigrave axioacutemata toacuten

prosoacutepon] 31 2 8 ndash Alceu Dioniacutesio chama a atenccedilatildeo para o caraacuteter de todos os seus

poemas poliacuteticos [hapaacutenton tograve toacuten politikoacuten poiemaacuteton eacutethos] etc seguem-se os dramaturgos

os oradores historiadores)

Haacute por isso trecircs observaccedilotildees que aqui se julgam necessaacuterias e passiacuteveis de serem

pontuadas a fim de se interpretar essa obscura passagem do epiacutetome

A 1a eacute concernente a essa comparaccedilatildeo eacute atraveacutes dela que se estabelecem os piacutenakes

ou listagens dos melhores poetas ie aqueles cujas virtudes devem ser imitadas como se

observa em autores como o referido Dioniacutesio de Halicarnasso no tratado em que aborda a

miacutemesis Quintiliano e quantos outros que se preocupam em fornecer modelos

A 2a eacute que o epiacutetome traz para cada um dos gecircneros que menciona e resume

brevemente (exceto pela poesia meacutelica ldquopor de mais pluralrdquo segundo o proacuteprio texto) uma

listagem igualmente breve de autores Isso natildeo quer dizer que o tratado se ocupava da

comparaccedilatildeo detalhada mas que certamente compreendia as praacuteticas descritivas comuns aos

textos mencionados e estaria nesse universo textual que se torna especiacutefico tambeacutem do

gramaacutetico Eacute de supor portanto que neste passo o texto tratasse de outros aspectos que

julgava pertinentes agrave avaliaccedilatildeo da poesia ndash mesmo que concentrado em aspectos da inventio ndash

na referida fronteira em que os textos sobre doutrina poeacutetica retoacuterica ou gramaacutetical podiam

tangenciar-se e tratar do mesmo objeto focando mais este ou aquele aspecto de acordo com

sua finalidade A finalidade da Crestomatia ao que se infere pelo menos de seu tiacutetulo

completo (Crestomatia de Letras Literaacuteria ou de Gramaacutetica) e da proacutepria composiccedilatildeo da

palavra jaacute discutida khrestomaacutetheia pretendia fornecer o quanto fosse uacutetil para se apreciar o

que diriacuteamos hoje composiccedilotildees ldquoliteraacuteriasrdquo as ldquoletrasrdquo e aqui devia trazer o quanto julgava

conveniente da ocupaccedilatildeo de julgar avaliar ou seja apreciar poemas de que Foacutecio ou o

resumidor em geral destaca provavelmente por julgar o mais valioso do suposto trecho da

obra original a doutrina sobre eacutethos e paacutethos que como se viu acima poderia ser objeto do

gramaacutetico mesmo se tomassemos aquela kriacutesis de Dioniacutesio Traacutecio no seu sentido mais estrito

de ldquojulgamentordquo da autenticidade do texto Que essa distinccedilatildeo fosse doutrinalmente tratada

nesta passagem parece plenamente verossiacutemil se notarmos que apoacutes uma distinccedilatildeo pelo

criteacuterio de quantidade quanto agrave natureza da prosa e da poesia o tratado por tomar como seu

fio condutor para esta primeira parte a elocuccedilatildeo seguia esquematicamente pela triparticcedilatildeo da

retoacuterica que se em Aristoacuteteles refere-se aos meios pelos quais se produz persuasatildeo na

tratadiacutestica posterior (de que Dioniacutesio de Halicarnasso eacute oacutetimo exemplo) que considera a

47

poesia pela elocuccedilatildeo configura os trecircs aspectos segundo os quais se avalia a composiccedilatildeo em

geral

Bem como outros autores propotildeem para esta passagem suas leituras perifraacutesticas aqui

se julga que a mais adequada seria ldquoprossegue fazendo [suas] consideraccedilotildees [refletindo] sobre

a avaliaccedilatildeo de poesia no que transmite [dentre outras coisas] a doutrina sobre a diferenccedila

entre caraacuteter e paixatildeordquo

A 3a e uacuteltima refere-se ao que seriam esse eacutethos e paacutethos em certos tipos de poemas eacute

compreensiacutevel seguindo a liccedilatildeo de Aristoacuteteles que estejam presentes em uma obra cujo

objeto eacute uma accedilatildeo composta de agentes etc uma obra ldquonarrativardquo no nosso sentido moderno

da palavra a eacutepica a trageacutedia etc Como isso se dava poreacutem em um melos ou em uma

elegia Podemos considerar primeiramente que num poema como um epiniacutecio pindaacuterico se

natildeo se circunscreve ao polecircmico criteacuterio da Poeacutetica de Aristoacuteteles de ser miacutemesis de accedilatildeo

pode trazer um mito (no caso de Piacutendaro quase sempre) como seu ornato ou alusotildees

histoacutericas e miacuteticas Inevitavelmente aiacute em se contando algo e portanto representando

agentes ou personagens simplesmente representar-se-atildeo caracteres e afetos inevitavelmente

Segundo haacute que se considerar tambeacutem o que poesia ldquonarrativardquo passa a significar para a

tratadiacutestica posterior a Aristoacuteteles bem como o fato de que aquela figura falante num poema

de gecircnero meacutelico aquela voz poeacutetica que reporta ela mesma por via da elocuccedilatildeo traz caraacuteter

e afeto Eacute nesse sentido que o comentaacuterio de Dioniacutesio de Halicarnasso (op cit) agrave poesia de

Alceu na referida passagem serve otimamente de exemplo ldquodispa-lhe algueacutem do metro em

vaacuterios lugares descobriria oratoacuteria poliacuteticardquo Para que esse caraacuteter advenha do discurso

retirado o metro como se a composiccedilatildeo fosse um discurso poliacutetico deve ser inerente ao

proacuteprio discurso e natildeo inerente a uma personagem

O termo grammatikeacute aqui portanto (principalmente depois das praacuteticas filoloacutegicas

alexandrinas) eacute abrangente e envolve o quanto se pode saber a fim de instruir na

compreensatildeo da arte que opera com a palavra mesmo que haurido de diferentes doutrinas ou

aacutereas do saber antigo Essa funccedilatildeo de instruir a princiacutepio circunscrevia-se ao ofiacutecio do

gramaacutetico que adotava como modelo para essa instruccedilatildeo exatamente os poetas como o

pedagogo da Greacutecia Antiga contra quem Platatildeo se insurge

Essa ocupaccedilatildeo passa a abarcar diferentes aspectos que naturalmente tangenciam

outras aacutereas do saber letrado que se debruccedilaram sobre a palavra assim o gramaacutetico se torna o

erudito das letras por excelecircncia o filoacutelogo Sobre esse ponto vale citar as consideraccedilotildees de

48

Ferrante que pensa de maneira semelhante a associaccedilatildeo da Crestomatia de Proclo agrave

gramaacutetica e a citaccedilatildeo que faz a respeito

A conforto di questo apelativo da me dato allrsquo autore dela

Crestomazia egrave necessaacuterio citare um passo dela Filologia Claacutessica

dellrsquo Inama (Hoepli Milano 1854 pagg 1 ndash 2) lsquoLa parola filoacutelogo

( ) la quale secondo la sua etimologia non voleva dir altro

da principio che amante dela conversazione ma di uma conversazione

colta ed eletta ( ) venne a designare al tempo degli

alessandrini nel III sec a GC uma classe di studiosi distinti da

quelli43 molto affini dei critici ( ) e dei grammatici

( ) Mentre i grammatici si occupavano soprattutto di

liacutengua e di questioni letterarie ed i critici della correzione ed

interpretazione dei testi degli scittori antichi i fillogi invece avevano

per oggetto preciacutepuo dei loro studi lrsquoerudizione mitologica storica

antiquaria Questi corripondevano a quelli che oggidi diciamo dotti ed

eruditi ecc ecc

(Inama apud Ferrante Crestomazia Introduzione Casa Editrice

Armanni Napoli 1957 pg 13)

Ferrante destaca a atuaccedilatildeo de filoacutelogo que o gramaacutetico passa a ter no periacuteodo

heleniacutestico como responsaacutevel pela ediccedilatildeo dos textos daqueles que para eles jaacute eram

ldquoantigosrdquo Pontua inclusive que essa funccedilatildeo desse erudito supunha conhecimentos do que

hoje noacutes diriacuteamos ldquoliteraturardquo ie dos gecircneros literaacuterios mais especificamente e natildeo do que

noacutes modernos pensamos como ldquoos estudos literaacuteriosrdquo que supotildeem ndash mais precisamente ndash

uma seacuterie de categorias e criteacuterios associados ao termo os quais por se tornarem o foco

mesmo ou os preceitos da chamada ldquoanaacutelise literaacuteriardquo constituem o objeto de uma maneira

estranha aos antigos Como fulcro comum talvez se pudesse postular que essa atividade de

exegese literaacuteria era no rigor da palavra grega graacutemmata uma exegese ou descritiva ou

prescritiva ou ambas de todas as atividades envolvendo as letras ou em se preferindo as

praacuteticas letradas

Natildeo poderiacuteamos saber contudo se a obra atribuiacuteda a Proclo trataria tambeacutem da prosa

uma vez que ela eacute menciona na distinccedilatildeo inicial do coacutedice e diferentes indiacutecios apontam para

um texto que estaacute incompleto Pelo que se poderia deduzir da introduccedilatildeo de Dioniacutesio Traacutecio agrave

empiria como o interesse do gramaacutetico era o uso linguiacutestico dos doutos em se assumindo que

ldquosyggrapheucircsinrdquo tambeacutem se referiria e abarcaria os prosadores em geral talvez ao utilizar seu

conhecimento para instruir esse gramaacutetico-filoacutelogo aos moldes heleniacutesticos tambeacutem se

43 Afinal passa-se gradativamente de um mundo da fala para um mundo do registro escrito

49

dedicasse aos gecircneros de composiccedilatildeo em prosa e tratasse daqueles que copunham

historiagrafia e oratoacuteria Por outro lado a julgar pelo padratildeo ie pelo que se observa em

outras obras a oratoacuteria como objeto da retoacuterica tem seus grandes exemplos comentados e

analisados nos autores que se incumbem dessa arte que tendem a demosntrar o que

descrevem com exemplos que aleacutem dos oradores focam-se por vezes nos historiadores como

o faz por exemplo Dioniacutesio de Halicarnasso Natildeo eacute de mais ressaltar que mesmo no caso da

oratoacuteria os tratadistas sempre buscam os exemplos dos poetas como modelo praacutetica

recorrente no citado Dioniacutesio de Halicarnasso e em Quintiliano no caso dos latinos de modo

geral observa-se que quando o foco eacute a instruccedilatildeo em algum aspecto do saber das letras o

modelo tende a serem os poetas Portanto haacute indiacutecios sufientemente plausiacuteveis para se

argumentar contrariamente que natildeo seria proacuteprio dessa Crestomatia de Letras tratar da

prosa mas que inevitavelmente para concentrar-se na poesia como seu objeto precisa crivaacute-

la delimitaacute-la em oposiccedilatildeo agrave prosa principalmente se aborda o tema pelo vieacutes (a ser

comentado) da elocuccedilatildeo Por fim deve-se ressaltar que cada uma dessas que denominamos as

doutrinas antigas se pretendia uma teacutecnica em si teacutecnica retoacuterica teacutecnica gramatical etc

portanto cada uma visava a um fim proacuteprio Vimos tanto no prefaacutecio da gramaacutetica de Dioniacutesio

Traacutecio quanto em seu escoacutelio aquilo a que visa essa teacutecnica Por isso mesmo como uma

crestomatia sobre gramaacutetica mas natildeo uma gramaacutetica propriamente eacute natural que nosso

epiacutetome aborde temas proacuteprios desse ofiacutecio na abrangecircncia que passa a ter apoacutes os

alexandrinos a fim de exlcarecer e instruir a fim de minimamente coligir informaccedilatildeo uacutetil a

repeito do assunto sem ser ela mesma no entanto uma gramaacutetica um manual da Ars Essa

hipoacutetese se aventa principalmente do cotejo entre o epiacutetome e o livro III da Ars Grammatica

de Diomedes que se concebe como uma pequena coleccedilatildeo de gecircneros e espeacutecies poeacuteticas que

natildeo tatildeo abrangente quanto a Crestomatia segue os mesmos criteacuterios do epiacutetome deixando-

nos entrever portanto uma espeacutecie de ldquocriteacuterio gramaticalrdquo com que se tratava da poesia com

a finalidade tatildeo simplesmente de classificaacute-la (v infra cap 3)

Assim se explicaria o tiacutetulo da obra trata-se de um texto que colige de diferentes

aacutereas quanto se eacute uacutetil saber sobre letras e por isso mesmo o epiacutetome refere a diferentes

seccedilotildees das doutrinas antigas ndash da retoacuterica a classificaccedilatildeo da elocuccedilatildeo pelas diferentes

possibilidades de moldaacute-la da poeacutetica os gecircneros enunciativos jaacute da poeacutetica e da etimologia

tangenciando a gramaacutetica as caracteriacutesticas dos gecircneros poeacuteticos (mateacuteria metro) associados

a seu nome e origem o que por vezes quando se descrevem as festas associadas a um

gecircnero por exemplo leva agrave etiologia etc Assim sendo se tanto o termo ldquogramaticalrdquo como

ldquoliteraacuteriardquo sugeririam dois extremos modernos que poderiam levar o leitor a uma interpretaccedilatildeo

50

equivocada optou-se aqui pela igualmente literal etimologicamente locuccedilatildeo adjetiva ldquode

Letrasrdquo pois que eacute fiel ao texto grego e pode remeter o leitor ao acircmbito das Belas Letras e das

praacuteticas letradas dos seacuteculos XVI XVII e XVIII em geral cujas convenccedilotildees supotildeem noccedilotildees

e praacuteticas mais afeitas ndash embora natildeo idecircnticas ndash agraves antigas uma vez que ao menos potildeem-se a

emulaacute-las

2 A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA ELOCUCcedilAtildeO

POESIA E RETOacuteRICA

21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO

Apoacutes o nome da obra e a informaccedilatildeo de que era composta de quatro livros ou quatro

arrazoados diferentes inicia-se o resumo da Crestomatia pelo procedimento padratildeo dos

diferentes epiacutetomes da Bilbioteca temos a estrura de discurso indeireto ou reportado ou seja

ldquoo autor diz querdquo e assim sucessivamente No caso desta obra em especiacutefico cada

enunciado traz uma liccedilatildeo de doutrina um ensinamento que se pode rastrear em outros textos

A primeira liccedilatildeo que nos traz eacute a distinccedilatildeo entre poesia e prosa distinccedilatildeo que seraacute

preponderante pelo menos ateacute o fim do epiacutetome destinado a classificar os gecircneros e as

espeacutecies da poesia Ao iniciar por essa distinccedilatildeo o epiacutetome daacute a entender que antes se

aplicava um criteacuterio habitualmente empregado na tratadiacutestica retoacuterica ie aborda-se o tema

pelo vieacutes mais amplo da elocuccedilatildeo Natildeo agrave toa se buscamos referecircncias para o que estaacute sendo

ensinado sobejam os textos de retoacuterica principalmente porque seguindo o criteacuterio de abordar

a elocuccedilatildeo todo o resto dessa primeira sessatildeo do epiacutetome por assim dizer focar-se-aacute numa

das formas que conhecemos da teoria dos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeo Apesar disso jaacute podemos

ver aqui a caracteriacutestica acima discutida a saber que esta crestomatia compendiava ou coligia

noccedilotildees ou liccedilotildees cujas origens remontavam a diferentes saberes

Comecemos pela distinccedilatildeo baacutesica

O termo loacutegos por designar ldquopalavrardquo mas tambeacutem a ldquofalardquo o ldquodiscursordquo eacute o termo

usado entre os gregos para designar a obra em prosa justamente como um discurso padratildeo

natildeo-poeacutetico nela empregado Define-se por oposiccedilatildeo a poiacuteesis em boa parte dos textos a

51

comeccedilar por Platatildeo quando opotildee os dois na conhecida passagem do livro III da Repuacuteblica

(390a)

Aristoacuteteles como se sabe emprega poietikeacute para designar o fazer ie a teacutechne que

procura delimitar e definir no tratado que recebe aquele nome Descrevendo a quarta parte

constitutiva da trageacutedia a elocuccedilatildeo (leacutexis) Aristoacuteteles (1450b 12 ndash 14) observa suas

diferentes maneiras de ocorrer (ldquoem palavrasrdquo ldquoem discursordquo ie ldquoem falardquo

apenas) e (ldquoem medida(s)rdquo ldquoem proporccedilatildeordquo ou simplesmente

ldquometrificadordquo) sem que isso como se sabe seja criteacuterio distintivo do que eacute ou natildeo poesia

Na Retoacuterica Aristoacuteteles tambeacutem se ocupa dessa diferenciaccedilatildeo pela elocuccedilatildeo e a distinccedilatildeo

entre prosa e poesia posteriormente acaba por se concentrar como uma questatildeo proacutepria

dessa

Assim Dioniacutesio de Halicarnasso no tratado da Composiccedilatildeo das Palavras (6 43 ndash 47)

apoacutes expor que todas as artes compartilham das mesmas normas de seleccedilatildeo e disposiccedilatildeo em

trecircs etapas (mais precisamente erga ldquodeveresrdquo tarefas sucessivas e complementares) propotildee

uma distinccedilatildeo mais especiacutefica do ponto de vista da elocuccedilatildeo entre discurso pedestre loacutegoi

pezoiacute e ldquopoeacuteticardquo Mais agrave frente (15 40 ndash 46) poieacutemata junto a meacutele contrapoem-se a loacutegoi

psiloiacute (discurso ordinaacuterio ou comum) e o que agrupa aqueles dois eacute que ldquosatildeo elaborados

atraveacutes de metro ou ritmordquo ( ) Como se observa

posteriormente o resultado da poieacutetikeacute o poiacuteema passa a ser igual e tecnicamente empregado

para designar a poesia em oposiccedilatildeo agrave prosa

Poesia e Prosa distinguem-se na elocuccedilatildeo natildeo pela qualidade (suas virtudes satildeo as

mesmas) mas pela quantidade A expressatildeo ldquono mais e no menosrdquo ( eacute

tiacutepica do grego para designar quantidade e em se tratando da elocuccedilatildeo poeacutetica ou oratoacuteria

deve naturalmente ser entendida no sentido de que como composiccedilotildees que se utilizam da

palavra as qualidades tanto da prosa como da poesia devem ser as mesmas mas quanto tenha

a prosa a poesia teraacute mais em maior proporccedilatildeo Essa doutrina jaacute eacute exposta por Aristoacuteteles

logo no comeccedilo do livro III da Retoacuterica dedicado agrave elocuccedilatildeo A elocuccedilatildeo do orador deve

parecer o menos distante quanto possiacutevel do natural do falar ldquoconversacionalrdquo (ldquodialogalrdquo

literalmente ndash ) enquanto a elocuccedilatildeo poeacutetica se distancia mais desse falar A

razatildeo os homens tendem a desconfiar daquilo em que lhes parece haver artificio Assim a

principal caracteriacutestica pleiteada pelo orador deve ser a clareza Qualquer elemento que torne

o discurso mais elevado por ornaacute-lo pode servir agrave prosa mas serve melhor agrave poesia pois pode

desviar o orador de seu principal objetivo que eacute tornar claro o significado (cf 1404b ndash

1405a) Para atingir essa clareza o que sobeja na poesia eacute empregado em menor nuacutemero na

52

prosa e apenas em algumas circunstacircncias dos nomes e verbos satildeo os proacuteprios que conferem

ao discurso clareza os demais tipos o ornam e satildeo justamente objeto da Poeacutetica

Semelhantemente a Aristoacuteteles Dioniacutesio de Halicarnasso (op cit idem) apoacutes expor

as referidas etapas do saber compositivo (synthetikeacute episteacuteme opcit 6 1 e sg) afirma ldquo

Esse princiacutepio eacute mais profuso [dapsileacutesteron] na poeacutetica e menos encontradiccedilo [spanioacuteteron]

no discurso pedestrerdquo

22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO

Sendo a elocuccedilatildeo o criteacuterio que orienta o estabelecimento dos primeiros ldquosaberes

proveitososrdquo dos primeiros elementos a serem informados ou ensinados passa-se a uma das

versotildees da exposiccedilatildeo da doutrina geralmente conhecida como dos ldquotrecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo

aqui na sua interpretaccedilatildeo por ldquotrecircs moldesrdquo

A traduccedilatildeo de plasma por ldquomolderdquo busca a referida literalidade da traduccedilatildeo e por

essa jaacute trazer algo proacuteprio da doutrina acerca dessas trecircs formas da elocuccedilatildeo ou como eacute mais

comumente designada dos ldquotrecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo ou genera dicendi Geralmente

traduzido por ldquoestilordquo perde-se a metaacutefora fiacutesica que classifica a elocuccedilatildeo como que por sua

forma externa sua forma fiacutesica Trata-se portanto das trecircs possiacuteveis formas de se amoldar

(do verbo plaacutesso) o discurso Emprega-se tambeacutem nos textos characteacuter que eacute a marca o

traccedilo impresso por um instrumento (do verbo charaacutesso) daiacute passando ao ldquotipordquo ao ldquotraccedilo

caracteriacutesticordquo portanto distintivo que tambeacutem abre margem para o que dizemos ldquoestilordquo

Quanto ao leacutexico da doutrina a maneira de Plutarco c I dC parece evidenciar o

conhecimento de duas nomenclaturas concorrentes nesse seacuteculo (Vita Homeri 72) ldquo()

rdquo ndash ldquo() tambeacutem satildeo caracteres

dos discursos os chamados moldesrdquo e logo os nomeia atraveacutes dos mesmos termos e ordem

que lemos aqui no coacutedice 236

De fato em Demeacutetrio seacutec II AC (De Eloc 36 1) a divisatildeo aparece sob o tiacutetulo de

charactecircres tecircs hermeneiacuteas ldquocaracaterestraccedilos da elocuccedilatildeordquo no tratado inteiro dedicado a

essa que eacute uma das partes do discurso

Dioniacutesio de Halicarnasso I AC emprega-os mormente e junto tambeacutem a leacutexis (De

Demosthenins Dictione 8 28 ndash 31) e a ldquocomposiccedilatildeordquo (a syacutenthesis De Compositione 21 15)

ie referindo-se agrave composiccedilatildeo como um todo e quando os nomeia na sua obra dedicada a

53

Demoacutestenes (33 21 ndash 23) fala em ldquotrecircs caracteres

geneacutericosprincipaistiacutepicosrdquo introduzindo um qualificativo relevante para o entendimento da

doutrina como dos gecircneros (categoria ampla e principalmente abrangente em relaccedilatildeo agrave

espeacutecie) possiacuteveis agrave elocuccedilatildeo de forma geral como se evidencia entre os latinos (Cf Ciacutecero e

Quintiliano infra pg 92) Em uma soacute passagem poreacutem Dioniacutesio que se serve variamente

das palavras testemunha o uso do outro termo para designar a doutrina e emprega tambeacutem

placircsma (De Dem Dict 34)

No mesmo seacuteculo a Retoacuterica a Herecircnio apresenta uma traduccedilatildeo literal da nossa

doutrina e sua triparticcedilatildeo (IV 8) na qual figura (do verbo fingere) verte da maneira mais fiel

e direta o grego jaacute que ambos os verbos servem nas respectivas liacutenguas para designar a arte

plaacutestica de modelar o estatuaacuterio figurar Natildeo se adotou aqui essa traduccedilatildeo latina porque jaacute na

retoacuterica e depois a palavra tambeacutem designaraacute as figuras de linguagem Preferiu-se outra

igualmente literal

Ciacutecero por exemplo (Orator 20) e Quintiliano (Institutiones Oratoriae XII 10 58)

empregaratildeo genera dicendi aproximando-se da noccedilatildeo ldquogeneacutericardquo de Dioniacutesio de

Halicarnasso

O escoacutelio de Dioniacutesio Traacutecio (449 26) eacute o mais chamativo ao empregar exatamente os

mesmo termos do coacutedice 239

Jaacute para tratar dos diferentes termos empregados para qualificar os gecircneros eacute

interessante a breve consideraccedilatildeo de Dioniacutesio de Halicarnasso antes de nomeaacute-los no tratado

De Compositione(21 15 ndash 18)

ldquo()

rdquo

ldquo() eu mesmo poreacutem natildeo tendo um nome oficial para designaacute-los como permanecem

inominados por nomes metafoacutericos chamo-osrdquo

(trad do autor)

Dioniacutesio mesmo afirma que os charactecircres natildeo possuem um nome definitivo ie de

caraacuteter oficial (kyacuterios) e natildeo havendo essa jurisprudecircncia de termos nomeia-os

metaforicamente

Diferentes metaacuteforas opositivas portanto satildeo empregadas nos diferentes textos

visando a representar mas igualmente delimitar e definir os limites entre os quais se ajusta a

54

elocuccedilatildeo originando um pequeno leacutexico que aparece misturado nas diferentes classificaccedilotildees

concomitantemente a diferentes interpretaccedilotildees da doutrina

Assim Demeacutetrio (op cit) propotildee quatro caracteres simples ndash o

ldquotecircnueesguiodelgadoexiacuteguordquo (ischnoacutes) o ldquomagnificenterdquo (megaloprepeacutes) o

ldquosuavepolidobrunidoeleganterdquo (glaphyroacutes) o

ldquotremendoterriacutevelimpetuosoveementeeneacutergicordquo (deinoacutes) ndash que se misturam (salvo os dois

primeiros que se definem pelo antagonismo) para formar todos os diferentes estilos

A julgar por Quintiliano jaacute seacuteculo I dC (XII 10 2 e sg no paralelo entre histoacuteria da

pintura e oratoacuteria) poder-se-ia pensar em tantas espeacutecies quantas elocuccedilotildees sendo possiacutevel

distingui-las em um niacutevel superior segundo o gecircnero A explicitaccedilatildeo desse raciociacutenio parece

condizente com o que se observa ao longo dos seacuteculo Assim eacute que apoacutes Demeacutetrio observa-

se um rearranjo da doutrina em trecircs tipos dos quais dois satildeo opostos e um supotildee a mistura e

dos quais a plenitude eacute variavelmente interpretada

Assim eacute que Dioniacutesio de Halicarnasso (De Dem Dict supra) parece empregar o

superlativo (hoigrave genikoacutetatoi) para distingir dentre os caracteres ldquomais geneacutericosrdquo primeiro

dois extremos o ldquotecircnuerdquo (ischnoacuten) e o ldquoelevadosublimerdquo(hypseloacuten) e depois um ldquomeio

termordquo (metaxyacute) No De Compositione como mencionado a doutrina eacute transposta para toda e

qualquer composiccedilatildeo em geral e o mesmo tratadista emprega outra terminologia (que pode

confundir-nos comparada agraves demais) a fim de nomear um dos gecircneros que julga o melhor

nomeia uma elocuccedilatildeo ldquoausterardquo (austeacuteran) por natildeo ser ornada uma ldquopolidardquo (glaphyraacuten

bem no sentido de ldquoeleganterdquo) ou ldquofloridardquo (antheacuteran) porque ornada e ndash a melhor ndash ldquobem-

solvidamisturadabalanceadordquo (euacutekratos)

A Retoacuterica a Herecircnio (supra) proporaacute a distinccedilatildeo por ordem decrescente um ldquograverdquo

(gravis que estaacute mais para o grego baryacutes mas tangencia a semacircntica de hadroacuten) um

ldquomedianomediacuteocrerdquo (mediocrismeacutesosmetaxyacute) e um ldquotecircnuerdquo (adtenuata sc figura em que

embaso minha traduccedilatildeo)

Ciacutecero (op cit 20 3) descreve os trecircs gecircneros com os vaacuterios adjetivos desse

vocabulaacuterio mas nomeia o orador ldquoque pratica a grandiloquecircnciardquo (grandiloqui) os ldquotecircnuesrdquo

(tenues) que fazem do discurso algo ldquoagudo aguccedilado adelgaccedilado afiadordquo (acuti) e haacute aquele

ldquoque se situa no meio entre os doisrdquo (interiectus inter hos) e o faz ldquomeacutediordquo (mediusmesos) e

ldquotemperado compoacutesito balanceadordquo (temperatusmetaxus eukratos)

Quintiliano provavelmente o mais abrangente preocupa-se em nos dizer quais os

nomes gregos com que se nomeiam os gecircneros e emprega o ldquosutilrdquo (subtile sinocircnimo de

tenuis ldquoexiacuteguo de pequena proporccedilatildeordquo) para ischnoacuten o ldquorobustordquo (robustum) para hadroacuten e

55

por fim como no coacutedice 239 descreve um terceiro que eacute o meio entre os dois (meacutedium ex

duobus) mas que no entanto designa como ldquofloridordquo (floritum antheroacuten)

221 O molde copioso

Embora jaacute se tenham contemplado duas possiacuteveis traduccedilotildees por correlatos latinos

(supra) ambas atentas ao peso (ldquograverdquo) ao volume e agraves proporccedilotildees (ldquorobustordquo) deste

gecircnero e embora se esperasse aqui a adoccedilatildeo de alguma delas por ldquocopiosordquo pretende-se

trazer ao eventual leitor lusoacutefono um termo que tente abranger outras noccedilotildees outros traccedilos

semacircnticos mais especificamente implicados no termo grego natildeo parece de mais remetecirc-lo

ao dicionaacuterio (Liddell amp Scott pg 25 9ordf ed) que sumarizo com a possiacutevel sinoniacutemia do

portuguecircs ldquogrosso volumoso espesso denso robusto forte vigoroso corpulento gordo

firme forte resistente soacutelido avultado maciccedilo pesadordquo A noccedilatildeo abstrata de coacutepia

abundacircncia aplica-se genericamente a todas qualidades observadas nos textos que descrevem

o placircsma principalmente agrave imagem de que possuindo mais ornato resulta numa forma num

molde fisicamente maior mais avultada por conter mais Eacute nesse sentido do uso do ornato

que ldquoenruga entumece avoluma a elocuccedilatildeordquo que se deve entender a segunda seacuterie de termos

que o descreve ldquomuitiacutessimo elaboradordquo (kataskeuasmeacutenon maacutelista) Aleacutem do superlativo

de intensidade maacutelista cujo emprego num texto como este um resumo eacute por demais

relevante no que pretende resumir deve-se lembrar que a palavra grega skeueacute tem a ver com

ldquoequipamento aparelho aparatordquo eacute por exemplo a equipagem do navio em contexto

naacuteutico os aparatos beacutelicos o equipamento da armadura em contexto militar pode ser a

indumentaacuteria do ator mas tambeacutem do sacerdote etc O verbo kataskeuaacutezo significa

literalmente prover por completo esse aparato ie preparar ou elaborar algo No contexto

retoacuterico-poeacutetico a palavra designa a elaboraccedilatildeo da obra em ato e portanto como qualidade

(Cf Dioniacutesio de Halicarnasso De Comp Uerb 1 6 et allia) Este placircsma eacute ldquomais elaboradordquo

no sentido de que eacute mais aparatado paramentado releva maior preparaccedilatildeo Embora essas

traduccedilotildees todas fossem possiacuteveis e caiacutessem bem neste contexto perder-se-ia a noccedilatildeo mesma

de como a doutrina antiga concebe esse processo de confeccionar a obra (amplamente

empregado por Dioniacutesio op cit) uma vez que elaborar em portuguecircs aleacutem de manter esse

significado mais abrangente conserva algo de se sua etimologia ie ldquotrabalhar laborarrdquo em

torno de algo Portanto deve-se lembrar de que neste contexto dos gecircneros da elocuccedilatildeo a

56

maior elaboraccedilatildeo do gecircnero em questatildeo de modo geral consiste no uso de ornato dos tropos

e figuras o artifiacutecio da linguagem ie seu aparato

Apontando pois as caracteriacutesticas gerais deste gecircnero Dioniacutesio de Halicarnasso (De

Dem Dict34 7 ndash 8) tambeacutem diz da leacutexis que eacute peritteacute ldquoabundante extraordinaacuteria

prodigiosardquo e exellagmeacutene ie ldquovaacuteria alteradardquo (a partir do idioma comum ndash to idioacutetikon

Arist Rhet 1406a 15) e logo adiante apontaraacute a superioridade de Demoacutestenes dentre outros

motivos porque ldquo rdquo ie ele

(Demoacutestenes) ldquoadvinha grandeza em toda elaboraccedilatildeo que a possuirdquo

Na Retoacuterica a Herecircnio (supra) seleccedilatildeo e disposiccedilatildeo evidenciam-se suscintamente na

definiccedilatildeo de que a figura grave ldquoconstitui-se a partir de uma construccedilatildeo leve (o que chama a

atenccedilatildeo do ponto de vista doutrinal) e ornada [ornata] de palavras graves [uerborum

grauium]rdquo ie de ldquomaior pesordquo

Ciacutecero (Orator 20 3 ndash 5) vale-se de praticamente todo o leacutexico ldquo() foram (os

grandiacuteloquos) com ampla [ampla] gravidade [grauitates] de pensamentos e majestade

(grandeza) [maiestate] de palavras veementes [vehementes] variados [uarii] copiosos

[copiosi] graves [graves]rdquo

Quintiliano circunscreve cada um dos gecircneros a cada uma das funccedilotildees da retoacuterica O

hadron ou robustum laacute eacute o que tem maior capacidade de mover (mouendi) por possuir o

atributo baacutesico da forccedila (uis) (op cit XII 10 59) ldquoo oradorrdquo segue dizendo (62 1) ldquo()

eleveraacute o discurso a amplificaccedilotildees e ateacute se alccedilaraacute agrave hipeacuterbolerdquo (amplificationibus

extollet orationem et in superlationem quoque erigetur)

Plutarco e o escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio como se viu (supra) trazem formulaccedilotildees

praticamente idecircnticas (pelo menos no leacutexico) a de nosso epiacutetome naquele ldquo

rdquo Traduccedilatildeo ldquoo molde copioso eacute aquele que tanto na elaboraccedilatildeo

[kataskeueacute] das palavras [leacutexeis] e dos pensamentos [noeacutemata] possui aspectos [ie a

aparecircncia] grandiosos [megaacutele]) neste ldquo rdquo ndash

tomada em sua literalidade ldquocopioso eacute o proeminente [saliente diermeacutenon] no seu volume

de natureza [oacutegkos katagrave phyacutesin podendo significar ldquotumefaccedilatildeordquo dando a ideia de que o

plasma se faz adiposo rugoso inchado]rdquo

Quanto a ldquoestonteanterdquo uma qualificaccedilatildeo pelo efeito natildeo soacute faz lembrar o quarto

gecircnero puro de Demeacutetrio o tremendo que parece assimilado pelo gecircnero maior na triparticcedilatildeo

posterior como se associaria e poderia ser compreendido pela concentraccedilatildeo de cada um dos

trecircs gecircneros (entatildeo adaptados numericamente) agraves trecircs funccedilotildees da oratoacuteria como se vecirc em

57

Quintiliano Aleacutem da referida passagem sobre a forccedila deste gecircnero (supra) descrevendo seu

efeito sobre o ouvinte diz que o orador ao empredar tal elocuccedilatildeo ldquotomaraacute de assalto o juiz

mesmo que manifestamente contraacuterio e o forccedilaraacute a ir aonde o transportarrdquo (iudicem uel

nitentem feret cogetque ire qua rapiet) Inst Orat XII 10 61 3 ndash 34) A forccedila dessa elocuccedilatildeo

logo fora descrita como rio cuja forccedila leva ripas e derruba pontes (idem 61) Adiante (62 7 ndash

9) ldquoesse (tal orador) a ira esse a misericoacuterdia inspiraraacute esse falando paacutelido ficaraacute o juiz e

choraraacute afetado por completo seguiraacute arrastado daqui ali e natildeo desejaraacute mais ser instruiacutedo

(ldquohic iram hic misericordiam inspirabit hoc dicente iudix pallebit et flebite et per ominis

adfectus tratus huc atque illuc sequetur nec doceri desiderabitrdquo Cf tambeacutem Ciacutecero Orator

20 6 ndash 7 ad permouendos et conuertendos acircnimos instructi et parati) Por fim ldquoreluzindo

uma beleza poeacuteticardquo para aleacutem do vocabulaacuterio da imagem e da forma comum agrave referida

passagem de Plutarco essa passagem se explica por tudo quanto se disse da distinccedilatildeo entre

poesia e prosa (supra n8) agora considerada do ponto de vista dos moldes da elocuccedilatildeo

quanto mais se eleva e se afasta da linguagem pedestre mais a prosa tende a parecer com a

poesia portanto eacute de se esperar que se a poesia estaacute para o mais elevado e a prosa para o

mais pedestre quanto mais elevada a elocuccedilatildeo ela mesma mais poeacutetica Eacute portanto natural

que o molde copioso chame atenccedilatildeo (pensando na semacircntica de reluzir epiphaiacuteno) por

mesmo natildeo sendo em um poema ser inevitavelmente mais poeacutetico podendo assim ser

classificado (Cf mais uma vez Aristoacuteteles Ret III)

222 O molde tecircnue

Este molde se define portanto opostamente agravequele uma vez que se nomeia por seu

antocircnimo Podemos resumir o significado da palavra da seguinte maneira ldquoseco enxutordquo

donde negativamente tem-se ldquofraco esquaacutelido magro parcordquo - no sentido de algo que natildeo

se expande ndash ldquocomedidordquo daiacute ldquoplano liso reto esguio delgado direto claro manifesto

inteligiacutevelrdquo (LIddell amp Scott idem p848) A traduccedilatildeo precisa portanto dar conta da noccedilatildeo

fiacutesica de maneira positiva ie algo ldquoesguio enxuto delgado ateacute esbeltordquo Agrave medida que se

comeccedila a fazer uma imagem mais clara da doutrina nota-se que metaforicamente tem por

criteacuterio uma espeacutecie de medida de proporccedilotildees da elocuccedilatildeo conforme ela se nos afigura mais

palavras explicitam o que seja o molde copioso confirmando o quanto se expocircs acima sobre

ele e consequentemente formando por oposiccedilatildeo a imagem do molde tecircnue Este consiste em

58

natildeo escolher por banir por ldquoproscreverrdquo [metadioacuteko] aquela composiccedilatildeo que vem retomada

como tropikeacute (literalmente ldquoem que haacute troposrdquo) e philokataskeuacuteos (ldquoamante da elaboraccedilatildeordquo

o que eacute dizer aqui do aparato do paramento do ornato) Enfim ldquoentretece-serdquo [syneacutertatai

dando a ideia simples de sucessatildeo amarraccedilatildeo atrelamento] a partir de literalmente ldquocoisas

soltasrdquo [aneimeacutena] Opta-se aqui por ldquodespojamentordquo para traduzir o que no grego eacute um

neutro plural atentando ao fato de que o particiacutepio aiacute substantivado eacute do verbo aniacuteemi

ldquolanccedilar para o altordquo portanto ldquosoltar relaxar aliviarrdquo e que assim mesmo no particiacutepio

passivo perfeito eacute empregado para designar o que estaacute ldquosolto frouxo relaxado dissolutordquo

Isso significa que os elementos do molde tecircnue juntam-se atrelam-se sem a constriccedilatildeo que

gera o volume de seu oposto O verbo latino expedio possui um uso semelhante a esse de

aniacuteemi e estaacute presente com essa acepccedilatildeo na liacutengua portuguesa mas seu deverbal ldquoexpediccedilatildeordquo

natildeo conserva o sentido Os deverbais de outros verbos semelhantes a expedio poderiam ser

cogitados como o proacuteprio ldquodespirrdquo (ldquodespimentordquo) mas em se optando por nomear essa

qualidade que no grego eacute um neutro plural abstrato quis se aproveitar o uso do portuguecircs que

emprega despojamento justamente para designar algo ou algueacutem ldquodesapegado simplesrdquo que

abre matildeo de ornamento riqueza etc uma vez que se diz o mesmo tambeacutem de estilo que eacute

assim simples modesto

A Retoacuterica a Herecircnio (IV 8) que como visto traz uma exposiccedilatildeo da doutrina

parecida com a de nosso epiacutetome diz que essa eacute a figura ldquorebaixada por completo ao costume

mais usual do falar puro (demissa est usque ad usitatissimam puri consuetudinem sermonis)rdquo

e antes de exemplificar posteriormente (IV 10) ldquoad infimum et cotidianum sermonem

demissum est (genus adtenuatum)rdquo ie ldquoeacute rebaixado ao falar iacutenfimo e cotidianordquo

O contemporacircneo grego Dioniacutesio de Halicarnasso (De Dem Dict 34 13 ndash 14)

descreve a frase desse gecircnero como ldquolisardquo [liteacute] e ldquoparcardquo [aperittoacuten]

Ciacutecero no Orator (20 9 -11) eacute o mais abrangente ldquoet contra tenues acuti omnia

docentes et dilucidiora nom ampliora facientes subtili quadam et pressa oratione et limatardquo ndash

ldquoe contraiamente [aos grandiacuteloquos] os tecircnues agudos ensinando as coisas mais claras natildeo

as fazendo mais amplas sutis em qualquer discurso conciso e limadordquo

Quintiliano ao tomar as personagens homeacutericas como exemplo e usar Menelau para

ilustrar este gecircnero (XII 10 64) caracteriza tal elocuccedilatildeo como ldquobreuem quidem cum

iucunditate et propriamrdquo ldquocarentem superuacuisrdquo ndash ldquodefinitivamente breve com alegria e

proacutepriardquo ldquolivre de redundacircnciasrdquo

Assim Plutarco e o escoliata de Dioniacutesio Traacutecio que provavelmente seguem a mesma

base de nosso resumo ldquo

59

rdquo (Plut Uit Hom 72) ndash ldquotecircnue eacute aquele pequeno na mateacuteria de seus

argumentos e suavizado na palavrardquo ldquo

rdquo ndash ldquotecircnue eacute o contraiacutedo no seu volume natural (por natureza de natureza)rdquo

(Schol Dion Tr 449 28)

223 O molde meacutedio

Quanto agrave traduccedilatildeo embora se pudesse tornar o texto mais palataacutevel e inteligiacutevel

optando-se por alguma outra forma para a segunda ocorrecircncia da palavra optou-se pela

literalidade que natildeo soacute reproduz o caraacuteter repetitivo do texto do epiacutetome como tambeacutem a

dificuldade conceitual que impotildee Dos termos eacute vaacutelido comeccedilarmos pelos dois textos que ateacute

entatildeo se igualavam quase que plenamente ao coacutedice 239 em Plutarco (idem) ldquo

rdquo ndash ldquomeacutedio [meacuteson]

eacute o que estaacute entre [metaxyacute] cada um deles do mais tecircnue [ischnoacuteteron] e do mais copioso

[hadroacuteteron]rdquo poreacutem no escoliasta (idem) ldquo [antheroacuten] rdquo ie

ldquoo florido eacute o meacutedio entre ambosrdquo Aqui se iniciam as principais questotildees acerca da doutrina

mesmo que aparentemente acabada e resolvida em trecircs gecircneros questotildees que apenas se

esboccedilam quando se trata num primeiro momento de distinguir dois extremos antagocircnicos

1) A formulaccedilatildeo de Plutarco dificulta o estabelecimento de um criteacuterio de medida

supondo que se determine o mais absoluto copioso e o seu antiacutepoda tecircnue haveria graus

menores de coacutepia e tenuidade ou qualquer coisa entre ambos seria o gecircnero meacutedio

2) Neste estado terminoloacutegico apenas o problema estaacute quase que inteiramente

confinado agrave semacircntica de ldquomeacutesonrdquo uma vez que a mesma palavra designa abstratamente

tanto o que eacute meacutedio ie que possui a meacutedia proporccedilatildeo (considerando-se a categoria de

volume espessura) quanto o que pontualmente estaacute no meio o que se complica quando a

palavra metaxyacute o adveacuterbio ldquono meiordquo portanto o meio termo eacute tambeacutem empregado

tomando-a com exatidatildeo como determinar o meio termo que permita estabelecer entatildeo que

certa elocuccedilatildeo estando acima seja copiosa e abaixo tecircnue

Considerando que agraves vezes se emprega a palavra ldquomistordquo mas tambeacutem ldquobalanceado

misturadordquo deve-se considerar entatildeo que tal gecircnero tambeacutem seria uma terceira coisa que

combina que mistura aquela com esta como daacute a entender Dioniacutesio de Halicarnasso De

60

Compositione 21 15 ndash 18 (cf supra) Dioniacutesio afirmaraacute que esse uacuteltimo eacute justamente o

melhor (supra n 10)

A Retoacuterica a Herecircnio como se viu parece filiar-se a essa tradiccedilatildeo do nosso texto

pois aleacutem da terminologia conceitual lembra o texto de Plutarco na gradaccedilatildeo ldquomediacuteocre

[mediacuteocris] eacute a [figura] que se constitui de uma inferior [humiliore] mas natildeo a menor

[infima] e a mais coloquial [perulgatissima] dignidade das palavrasrdquo

Ciacutecero o descreveraacute no Orator 21 atente-se ao vocabulaacuterio ldquohaacute aquele que se situa

no meio entre eles [interiectus inter hos] e o faz como que temperado [temperatus] natildeo se

utilizando nem do acume destes [os tecircnues] nem da fulgecircncia daqueles [os grandiacuteloquos] natildeo

se excelindo em nenhum [in neutro ie no que natildeo eacute nem um nem outro mas estaacute no meio]

partiacutecipe [particeps ie tomando parte] tanto de um quanto de outro desprovido ndash a bem da

verdade ndash de maior potencialidade este como dizem flui num curso uacutenico natildeo trazendo

nada aleacutem de capacidade e igualdade ou entatildeo adiciona alguns adereccedilos [tori] como numa

coroa [ut in coronam] e distingue todo o discurso com moacutedicos ornamentos [ornamentis

modicis] de palavras e pensamentosrdquo Quanto agrave preferecircncia Ciacutecero parece divergir de

Dioniacutesio

Nas proporccedilotildees dos adereccedilos talvez permita entrever a concomitacircncia terminoloacutegica

observada natildeo soacute no escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio mas antes em Quintiliano que tambeacutem

aponta florido (com o correlato grego) como outro nome para o meacutedio Na descriccedilatildeo este

gecircnero serve para ldquoaprazerconciliaraplacarrdquo (conciliandi) por possuir como atributo a

ldquoleveza suavidaderdquo (lenitas) ldquoseraacute de uma maneira mais recorrente nas traslaccedilotildees

(variaccedilotildees ie tropos figuras de palavras) e mais agradaacutevel nas figuras ameno nas

digressotildees atado na composiccedilatildeo doce nos pensamentosrdquo (Inst Or XII 10 60) Como jaacute

mencionado no entanto (supra n 10) Quintiliano toma essa classificaccedilatildeo de forma larga

Concordante a isso antes de iniciar a descriccedilatildeo dos trecircs gecircneros (comeccedilando pelo florido por

sinal) em 59 afirma que esses estilos satildeo suficientes em si mesmos sem necessitar um a

ajuda do outro o que supotildee pelo menos que se possam misturar em momentos diferentes de

um mesmo discurso Posteriormente em 66 pensando numa gradaccedilatildeo proporaacute justamente a

partir do florido que assim como esse eacute o meio entre dois entre ele e os dois extremos a

outros intermediaacuterios bem como haveria ainda um extremo maior que cada um dos jaacute

enunciados Assim Quintiliano faz uma interpretaccedilatildeo da doutrina que em um aspecto o de

tomar a nomenclatura como uma medida pode se assemelhar agrave interpretaccedilatildeo de Ciacutecero que

no Brutus 55 201 expotildee rapidamente sua classificaccedilatildeo dupla segundo a qual considerando-

se o artiacutefice de bons oradores soacute haacute dois gecircneros cuja qualidade se deve observar o

61

ldquoatenuadordquo (tecircnueattenuantum) e ldquoconcisordquo (compacto premido pressum) e o

ldquosublevadordquo (sublatum) e ldquoamplordquo (amplum)

224 O molde florido

Em Plutarco (op cit 73) segue-se apoacutes a definiccedilatildeo dos trecircs referidos moldes

ldquoQue tambeacutem a espeacutecie florida dos discursos existe abundantemente

junto ao poeta possuidora de beleza e graccedila para agradar e deleitar

como flor ndash quem diria De fato a poesia eacute cheia desse tipo de

elaboraccedilatildeordquo

(trad do autor)

Cotejada com a Crestomatia e o escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio a passagem daacute indiacutecios de

que independente da dataccedilatildeo em algum momento dentro desta terminologia falava-se em

quatro moldes que satildeo reduzidos a trecircs ou assim se poderia conjecturar jaacute que pelo menos

nesse caso de Plutarco a julgar pelo emprego de outra palavra para se referir ao que eacute

designado como ldquofloridordquo (espeacutecie eidos) algueacutem poderia ao menos considerar os discursos

(os logoi) tambeacutem segundo essa quarta nomenclatura Natildeo eacute evidente como crecirc Severyns44

que Plutarco esteja assumidamente propondo que se trate de um quarto molde mas sem

duacutevida explicita que essa nomenclatura se empregava e poderia ser arrolada ainda que como

espeacutecie classificando algo de que em desacordo algum com o que sabemos da doutrina a

poesia estaacute cheia Aquilo a que serve tal eidos por assim dizer nessa Vita de Plutarco

concorda com a funccedilatildeo que Quintiliano circunscreve ao ldquofloridordquo ou ldquomeacutediordquo deleitar

agradar O vocabulaacuterio assemelha-se aqui os verbos teacuterpo hedyacuteno laacute os verbos delecto

concilio e o adjetivo iucuntus Na sua funccedilatildeo este florido natildeo diverge daquele de Quintiliano

O escoacutelio de Dioniacutesio Traacutecio como se viu circunscreve florido e meacutedio a um uacutenico molde ao

dizer com que se combina tal molde assemelha-se agrave liccedilatildeo da epiacutetome (com menos detalhes)

ldquo rdquo

44 op cit paacuteg 75

62

ndash ldquochama-se florido [antheroacutes] porque combina [harmoacutezei] principalmente com reportaccedilotildees

[apaggeliacutea] de descampados [leimocircnes] e flores [aacutenthe]rdquo

Dioniacutesio de Halicarnasso conforme visto usa ldquofloridordquo como outro possiacutevel nome

para o ldquopolidordquo (glaphyroacuten)45 mas descrevendo o que estaria no lugar do molde copioso na

triparticcedilatildeo ie o que se define essencialmente por receber ornato Essa indefiniccedilatildeo acerca do

lugar que o florido deveria ocupar na nomenclatura evidencia natildeo soacute diferentes interpretaccedilotildees

da doutrina como jaacute se pontuou mas explicita como elas foram adequando a profusatildeo a um

sistema de trecircs segundo diferentes necessidades descritivas

De modo geral se Dioniacutesio emprega o termo de maneira positiva na seccedilatildeo 2146 do

tratado sobre a composiccedilatildeo em que descreve trecircs virtudes geneacutericas do discurso das quais

pontua uma melhor e se posteriormente entre os romanos observamos uma triparticcedilatildeo que

funciona como medida de padratildeo (modernamente falando) de modo a chegar agrave flutuaccedilatildeo

observada nos trecircs textos gregos posteriores e lexicalmente afins pode-se conjecturar que a

possiacutevel confusatildeo indefiniccedilatildeo ou flutuaccedilatildeo quanto agrave posiccedilatildeo do quarto gecircnero estivesse

relacionada agrave funccedilatildeo e ao efeito pretendido por tal elocuccedilatildeo e a como a doutrina definia as

trecircs posiccedilotildees em prol deles que identificamos pelas trecircs funccedilotildees do orador Assim haveria

uma elocuccedilatildeo ornada a fim de deleitar ie que se orna pelo deleite que isso traz ao ouvinte e

que agrave maneira que se distinguem poesia e prosa seria como daacute a entender Plutarco comum

na poesia afinal essa tem sempre mais que a prosa e sua principal funccedilatildeo eacute deleitar e outra

elocuccedilatildeo mais ornada ainda cuja finalidade eacute entatildeo comover (em verso ou em prosa) e eacute

inevitavelmente poeacutetica mesmo que na prosa uma vez que eacute (se tomada como extremo)

inteiramente ornada

225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo

O particiacutepio que introduz o paraacutegrafo dedicado aos erros referentes aos moldes

expostos aposphaleacutentes que se traduziu por uma oraccedilatildeo equivale semanticamente a

hamarteacutema que pseudo-Longino emprega amplamente no seu tratado Do Sublime para

designar natildeo soacute o desvio do molde ou gecircnero mas qualquer falha discursiva em geral O

significado primeiro e mais baacutesico do verbo que origina este substantivo eacute ldquoerrar o alvordquo um

45 supra pg 52 46 supra pg 51 e 58

63

hamarteacutema eacute em princiacutepio um ldquodesacertordquo Aposphaacutello por sua vez tem o significado de

ldquodesviar-se errar o caminho passar longerdquo e designa por isso aquele que ldquopega um desviordquo

ie que ldquoerra o caminhordquo do discurso em certo molde ldquoenvereda-se erroneamenterdquo e atinge

uma via mudada daquela em que seguia Engendra portanto natildeo seu antiacutepoda positivo mas

uma forma defeituosa viciosa daquilo que deveria ser sua qualidade Vitia eacute o termo

empregado na Retoacuterica a Herecircnio (IV 11) correlato do grego kakiacutea que pseudo-Longino

emprega igualmente

A noccedilatildeo de que existiria uma medida ou pelo menos uma maneira correta de se aplicar

o princiacutepio baacutesico definidor de cada um dos gecircneros (o traccedilo geneacuterico) ou em outras palavras

o que aqui se denomina molde a fim de se produzir a forma bela aparece alhures e por

exemplo tem sua origem brevemente explicada no tratado Do Sublime em 5 1 3 ldquodaquilo

de que se nos origina o belo proacuteximo tambeacutem a isso os males gostam de se originarrdquo Esse

princiacutepio se sumariza por toda seccedilatildeo 5 apoacutes jaacute ter sido sistematicamente aplicado para

descrever atraveacutes de um vocabulaacuterio que eacute da fisiologia as formas que se pretendiam

sublimes mas resultam defeituosas (3 4 1 ndash 4)

[] κακοὶ δὲ ὄγκοι καὶ ἐπὶ σωμάτων καὶ λόγων οἱ χαῦνοι καὶ

ἀναλήθεις καὶ μήποτε περιιστάντες ἡμᾶς εἰς τοὐναντίον οὐδὲν γάρ

φασι ξηρότερον ὑδρωπικοῦ ἀλλὰ τὸ μὲν οἰδοῦν ὑπεραίρειν βούλεται

τὰ ὕψη τὸ δὲ μειρακιῶδες ἄντικρυς ὑπεναντίον τοῖς μεγέθεσι

feios satildeo os intumescimentos [oacutegkoi note-se o vocabulaacuterio] sobre os

corpos e sobre as palavras que flaacutecidos [chaucircnoi] e falsos

[analeacutetheis] jamais nos revertem ao seu contraacuterio [tounantiacuteon]

afinal nada mais seco [zeroacutetetos] que um hidroacutepico [hydroacutepikos]

Mas o inchaccedilo [oidoucircn] deseja subir [hypaiacuterein] agraves alturas [tagrave hyacutepse]

o pueril [meirakiocircdes] eacute que estaacute diretamente oposto [aacutentikry

hypenantiacuteon] agrave grandiosidade [toicircs megeacutethesi]

(traduccedilatildeo do autor)

Seguir-se-aacute entatildeo uma breve descriccedilatildeo desse pueril (ldquochatildeordquo [tapeinoacuten] ldquomesquinhordquo

[mikroacutepsychon] e ldquoo mais vulgarmente feiovicioso em essecircnciardquo [tocirci oacutenti kakograven

aggeneacutestaton] - idem 5 ndash 6) e de um terceiro viacutecio que se resume ao descomedimento do

paacutethos (afeto ou paixatildeo fora de hora [paacutethos aacutekairon] ou ldquodesmedidordquo quando se requer

ldquomedidardquo [aacutemetron eacutentha metriacuteou deicirc] (3 5 3 ndash 4)

64

Esse princiacutepio encontra-se enunciado aplicado e atribuiacutedo (quanto agrave sua origem) em

Demeacutetrio com um vocabulaacuterio que eacute da eacutetica (op cit 114)

Ὥσπερ δὲ παράκειται φαῦλά τινα ἀστείοις τισίν οἷον θάρρει μὲν τὸ

θράσος ἡ δ αἰσχύνη τῇ αἰδοῖ τὸν αὐτὸν τρόπον καὶ τῆς ἑρμηνείας

τοῖς χαρακτῆρσιν παράκεινται διημαρτημένοι τινές πρῶτα δὲ περὶ τοῦ

γειτνιῶντος τῷ μεγαλοπρεπεῖ λέξομεν ὄνομα μὲν οὖν αὐτῷ ψυχρόν

ὁρίζεται δὲ τὸ ψυχρὸν Θεόφραστος οὕτως ψυχρόν ἐστι τὸ

ὑπερβάλλον τὴν οἰκείαν ἀπαγγελίαν

Como algumas rudezas [phaulaacute] justapotildeem-se [parakeicircmai] a

alguns valores [asteicirca] como agrave coragem a impetuosidade vergonha

ao respeito da mesma forma alguns deslocamentos [diemartemenoi]

justapotildeem-se aos caracteres da elocuccedilatildeo Primeiramente falaremos

do que margeia [geitiniaacuteo] o magnificente Seu nome eacute friacutegido

[psychroacuten] Teofrasto delimitou [horiacutezomai] o friacutegido assim friacutegido

eacute o que excede [hyperbaacutello] a expressatildeo adequada [oikeiacutean]

(idem)

Eacute vaacutelido notar que aleacutem de se empregar um particiacutepio para nomear esse ato de

desviar-se errar (diemartemenoi) o verbo em questatildeo tem a mesma forccedila de aposphaacutello em

sua composiccedilatildeo e eacute um sinocircnimo desse Tambeacutem merece nota o verbo geitiniaacuteo ldquoavizinhar-

se fazer fronteira estar na margemrdquo de modo que natildeo seria lexicalmente errado dizer desses

desvios que satildeo ldquogecircneros marginaisrdquo Eacute aceite que a base para essa teoria que supotildee sempre

uma medida correta para a execuccedilatildeo da forma seja peripateacutetica o que por outro lado natildeo

nos deve levar a supor uma doutrina uniforme subjacente aos textos O princiacutepio sim parece

ter essa origem Deve-se observar assim que pseudo-Longino segundo criteacuterios e conceitos

que satildeo platocircnicos em origem estaacute preocupado em descrever o que atinge a grandeza o

sublime Ao fim portanto descreve um conjunto de trecircs viacutecios que satildeo a rigor o resultado de

uma tentativa equivocada de atingi-lo Natildeo eacute de se espantar entatildeo que a caracterizaccedilatildeo do

viacutecio pueril assemelhe-se ao que seria de certa forma uma versatildeo imperfeita do discurso que

no epiacutetome fociana estaria para o tecircnue denominado aqui por chatildeo [tapeinoacutes baixo

rasteiro] Contudo observa-se que o adjetivo trata na verdade de um julgamento moral sobre

aquele que tenta atingir o sublime de maneira fuacutetil ou vatilde O texto prossegue

ταπεινὸν γὰρ ἐξ ὅλου καὶ μικρόψυχον καὶ τῷ ὄντι κακὸν

ἀγεννέστατον τί ποτ οὖν τὸ μειρακιῶδές ἐστιν ἢ δῆλον ὡς

σχολαστικὴ νόησις ὑπὸ περιεργασίας λήγουσα εἰς ψυχρότητα

ὀλισθαίνουσι δ εἰς τοῦτο τὸ γένος ὀρεγόμενοι μὲν τοῦ περιττοῦ καὶ

65

πεποιημένου καὶ μάλιστα τοῦ ἡδέος ἐξοκέλλοντες δὲ εἰς τὸ ῥωπικὸν

καὶ κακόζηλον

(Pseudo-Longino De Sublimitate 345 ndash 51)

diz-se dele que tem o pensamento preguiccediloso [scholastikeacute noacuteesis] que por causa do

empolamento [periergasiacutea o excesso de coisas fuacuteteis] estagna-se em frigidez [psychroacutetes]

ldquoEscorregam nesse gecircnero os que almejam o prodigioso [tograve perittoacuten que em Dioniacutesio de

Halicarnasso era abundacircncia atributo do elevado] o produzido [pepoiemeacutenos] e

principalmente o prazer [hedyacutes] vagando para o espalhafatoso [rhopikoacuten] e afetado

[kakoacutezelon]rdquo A julgar por ldquoespalhafatoso afetado empolado prodigiosordquo etc temos uma

descriccedilatildeo que se aproxima mais do que poderiacuteamos conceber como a forma falha do molde

copioso que recebe a qualidade de ldquoexaltadordquo que se pode traduzir no contexto do discurso

por ldquopedanterdquo Comparado ao nosso modelo e agrave descriccedilatildeo de gecircneros e defeitos como

observamos na tratadiacutestica retoacuterica embora o princiacutepio seja peripateacutetico o tratado do sublime

natildeo se propotildee a prescrever todos os gecircneros bem sucedidos de elocuccedilatildeo mas concentra-se em

aplicar isso que aqui chamamos preceito ou teoria da medida para descrever tudo quanto pode

produzir um efeito o transporte [ekstaacutesis] e natildeo outro a persuasatildeo [peithoacute] (1 4 1) e eacute a

partir disso que descreveraacute os demais tipos de elocuccedilatildeo o que natildeo eacute seu foco (cf por

exemplo 8 1 e 33 1) Os tratados descrevem ainda que diferentemente os gecircneros da boa

elocuccedilatildeo e a partir deles a forma desproporcional da caracteriacutestica fundamental de cada um

De novo a adequaccedilatildeo (da medida no caso) a trecircs Por fim vale mencionar que esse criteacuterio

peripateacutetico se evidencia na Ars de Horaacutecio47

No epiacutetome de Foacutecio os dois defeitos derivados do desvio do molde copioso duro

[skleroacuten] e exaltado [epermeacutenon] parecem corresponder bem aos viacutecios que pseudo-

Longino refere um ao aspecto do discurso que eacute ldquoinfladordquo laacute ldquoinchadordquo e aqui ldquodurordquo

ldquomaciccedilordquo quase a ideia de ldquoaacutesperordquo no sentido de algo intrataacutevel em funccedilatildeo das saliecircncias

(que leva agrave ideia de ldquoaustero severo aacuterduordquo) outro parece mais relacionado ao afeto e ao

enunciador uma vez que ldquoexaltadordquo ie que estaacute muito acima do necessaacuterio contempla tanto

a ideia do pedantismo e da afetaccedilatildeo como do pathos fora de hora

O escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio que simplesmente emprega o verbo antikeicirctai para

designar a oposiccedilatildeo de gecircneros fala do duro como a epiacutetome mas do escasso [brachyacute]48

Lembrando o texto de pseudo-Longino e sua metaacutefora fisioloacutegica eacute a intumescecircncia de certa

regiatildeo que gera a secura e talvez assim possamos interpretar esse adjetivo no sentido de que

47 Cf Horaacutecio Arte Poeacutetica v 24 ndash 28 48 Op cit 449 32

66

para aleacutem dos adereccedilos desnecessaacuterios e demasiados esse gecircnero estaacute desprovido de sauacutede ou

da coacutepia que o caracteriza Aqui tambeacutem de certa forma o gecircnero vizinho e defeituoso

confunde-se com o oposto virtuoso Parece que no caso do escoacutelio o molde defeituoso eacute

entendido como um oposto propriamente inclusive a julgar pelo verbo que introduz a

passagem

A Retoacuterica a Herecircnio denomina esse gecircnero defeituoso de inflado [sufflata]49 bem

condizente com o aspecto fiacutesico do inchaccedilo de Pseudo-Longino e da macicez do epiacutetome e

contiacutenua pela metaacutefora fiacutesica para exemplificar ldquoAssim como um inchaccedilo [tumor como o

grego oacutegkos] pode parecer uma condiccedilatildeo saudaacutevel do corpo grave [grave] pode parecer o

discurso que turge [turget] e estaacute inflado [inflatum]rdquo natildeo agrave toa o tratado nos daraacute trecircs

possiacuteveis elementos desse gecircnero defeituoso que ou estatildeo para aquela dureza ou para o

empolamento e a afetaccedilatildeo inadequada ou se empregam palavras que satildeo muito recentes ou

arcaicas (ldquonouis aut priscisrdquo) ou usam-se metaacuteforas duras (ldquousa-se delas duramenterdquo ndash

ldquoduriter aliunde translatisrdquo) ou porque algo eacute dito com palavras mais graves do que a mateacuteria

exige (ldquograuioribus quam res postullat aliquid diciturrdquo)

Na divisatildeo quaacutedrupla de Demeacutetrio50 o gecircnero defeituoso eacute qualificado como

ldquofriacutevolordquo adjetivo empregado por Pseudo-Longino e que se associa a essa qualidade afetada

do discurso que traz muito mais do que o necessaacuterio O princiacutepio se torna praticamente uma

maacutexima no verso horaciano ldquoprofessus grandia turgetrdquo- ldquoa grandeza professa turgerdquo51

O adjetivo tapeinoacutes que no epiacutetome nomeia o desvio do molde tecircnue designa aquilo

que eacute baixo abjeto em diferentes contextos (social moral) etc Designa o aspecto vulgar e

rebaixado daquele falar hodierno do qual parte a linguagem bem sucedida deste gecircnero na

Retoacuterica a Herecircnio que qualifica o viacutecio como aacuterido [aridum] e exangue [exsangue]52

Aacuterido [xeroacutes] tambeacutem eacute o nome para Demeacutetrio do desvio do caraacuteter tecircnue Para pseudo-

Longino como visto53 essa aridez tem que ver com uma grandeza um aumento que natildeo se

realiza eacute mais um discurso vicioso que natildeo atinge aquele sublime O escoacutelio a Dioniacutesio

Traacutecio neste passo de fato parece confimar a hipoacutetese de nomear como viacutecio uma forma que

eacute oposta opotildee-se ao tecircnue o amplo [platuacute ou difuso referindo-se agrave elocuccedilatildeo] e grosso

[paxuacute espesso]54 que ora remetem ao hadron forma virtuosa Por fim em Horaacutecio talvez

esteja aqui aquele que procede com excessivo medo da elevaccedilatildeo ldquoserpit humi tutus nimium

49 Retoacuterica a Herecircnio IV 10 19 50 Supra paacuteg 52 ndash 53 51 Op cit v 27 52 Op cit IV 11 16 53 Supra paacuteg 57 54 Op cit 449 32

67

timidisque procellaerdquo ndash ldquoRasteja pelo chatildeo aquele excessivamente cauto e medroso da

procelardquo55

Quando ao desvio do molde meacutedio a primeira caracteriacutestica refere-se ao fato de o

discurso parecer incompleto inacabado tolhido argoacutes designando o objeto em que falta

trabalho ie em que o trabalho natildeo se concluiu Pelas liccedilotildees sobre a diferenccedila entre prosa e

poesia podemos pensar que talvez ele o seja por deixar a impressatildeo de carecer de ornato

quando uma de suas necessidades eacute possuiacute-lo a ponto de deleitar56

Parece que eacute neste sentido que o escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio57 que designa este

molde como florido denomina seu oposto por agleukeacutes amargo (em que natildeo haacute doce) e

logoieideacutes prosaico ie natildeo eacute tatildeo poeacutetico quanto precisaria O segundo termo empregado

eklelumeacutenon (solto desatado relaxado dilatado) parece estar associado justamente a esse

mau acabamento do ornato e eacute correlato ao termo com que a Retoacuterica a Herecircnio designa o

gecircnero vicioso dissoluto [dissolutum]58 ldquoque eacute sem nervos e articulaccedilotildeesrdquo ndash mantendo uma

metaacutefora fisioloacutegica (quod est sine neruis et articulis articulaccedilotildees) ndash de modo que posso

chamaacute-lo flutuante [fluctuans] jaacute que flutua caacute e laacute e natildeo possui a capacidade de andar

livremente com firmeza [confirmatis] e virilidade [uiriliter]rdquo Essa mesma noccedilatildeo de firmeza

que se exige para uma elevaccedilatildeo digna que natildeo eacute poreacutem a da coacutepia mas constitui um meio

termo parece condizer com o defeito daquele que na Ars horaciana almejando mais leveza

do que se deve acaba fraco ie sem nervos [nerui] e acircnimo [animi] ldquosectantem leuia nerui

deficiunt animiquerdquo59

3 A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA

31 SEUS GEcircNEROS

55 Idem v 28 56 Supra paacuteg 54 57 Op cit 449 32 58 Op cit IV 11 1 59 Op cit v 25 ndash 26

68

Eacute pelo emprego do adjetivo ldquopoeacuteticardquo [poietikeacute] no paraacutegrafo 11 da ediccedilatildeo de

Severyns60 319a 3 na ediccedilatildeo de Bekker que se inicia o extenso cataacutelogo de gecircneros e

espeacutecies poeacuteticas que basicamente constitui todo o restante do epiacutetome como parte principal

do objeto resumido Imediatamente a liccedilatildeo do epiacutetome estabelece o criteacuterio segundo o qual

divide dois grandes gecircneros de poesia

Chama a atenccedilatildeo o emprego de outro termo vimos que poiacuteema foi usado para

distinguir poesia e prosa no paraacutegrafo 3 e logo acima no paraacutegrafo 10 foi novamente

empregado como sinocircnimo de poiacuteesis Parece que esse termo se usa laacute enquanto em uma

primeira seccedilatildeo da obra em que se trataria da linguagem em geral contemplando toacutepicos

comuns agrave poesia e agrave oratoacuteria (que consequentemente servem para a prosa em geral como a de

um historiador logoacutegrafo etc) tais quais a elocuccedilatildeo e seus gecircneros virtuosos e viciosos o

eacutethos e o paacutethos Esses trecircs elementos correspondem natildeo perfeitamente agrave triparticcedilatildeo retoacuterica

que vem desde Aristoacuteteles natildeo perfeitamente porque a parte sobre os plaacutesmata fala somente

de elocuccedilatildeo e natildeo do logos como um todo e suas partes etc Assim nenhuma designaccedilatildeo

especiacutefica ou disjuntiva aparece ateacute aqui (ldquoretoacutericardquo ldquopoeacuteticardquo) salvo gramatikeacute do tiacutetulo

que nos serve de indiacutecio para conjeturar justamente sobre como essas liccedilotildees de diferentes

saberes satildeo tomadas aqui nas suas partes concernentes agraves letras

Apoacutes enfim uma primeira parte em que se tomaram essas liccedilotildees apenas no que

concerne agrave linguagem e seu uso por quem compotildee uma obra em prosa ou em verso

significando que desse ponto de vista as mesmas caracteriacutesticas se observariam na prosa de

um logoacutegrafo e nos versos de um tragedioacutegrafo natildeo havendo distinccedilatildeo salvo pelo fato de que

estes conteratildeo virtudes em maior quantidade passa-se entatildeo ao exame da poeacutetica

especificamente entendida como reuniatildeo das obras de poesia Pode-se conjeturar que o termo

(no genitivo e com forte carga partitiva cf nota 9) agora eacute empregado para delimitar o que eacute

assunto apenas referente a esse tipo de confecccedilatildeo A liccedilatildeo do coacutedice logo passa ao que

consiste dentro dessa perspectiva antes explicitada o tratamento da obra poeacutetica E o que

seria Os diferentes gecircneros em que se agrupam as composiccedilotildees considerada agora apenas a

composiccedilatildeo em verso e natildeo dentro do primeiro criteacuterio classificatoacuterio geral a elocuccedilatildeo

Em outras palavras e com implicaccedilotildees mais fortes o que eacute relevante para essa

abordagem das letras sobre a poesia e daiacute sem a elocuccedilatildeo apenas ela inicia-se pela sua

divisatildeo em gecircneros Natildeo agrave toa segue-se imediatamente a primeira e mais ampla distinccedilatildeo

60 Severyns op cit tomo II pg 33

69

geneacuterica relacionada ao que na Poeacutetica de Aristoacuteteles se designa apenas como o modo de

imitaccedilatildeo ou da mimese

Sabe-se que a Poeacutetica de Aristoacuteteles se insere em uma discussatildeo que jaacute estaacute bem

distante de muitos dos textos de base gramatical que foram escritos posteriormente sobre o

assunto embora natildeo tatildeo distante dos textos modelares da praacutetica

A divisatildeo entre poesia narrativa [diegematikoacuten] e imitativa [mimetikoacuten] ndash para cuja

traduccedilatildeo mantecircm-se aqui os termos latinos ndash tem por criteacuterio o modo enunciativo ie mais

especificamente quem eacute o enunciador Essa distinccedilatildeo vem como se sabe desde a Repuacuteblica

em que natildeo eacute dupla mas triacuteplice Nos termos do filoacutesofo (III 394b) a narraccedilatildeo da poesia e da

mitologia ou se daacute inteira por imitaccedilatildeo [diagrave mimeacuteseos] ou por relato do poeta ele mesmo [dirsquo

aggeliacuteas autoucirc toucirc poietoucirc ie de forma reportada pelo proacuteprio poeta] ou ainda por ambos

[aucirc drsquo amphoteacuteron] Esta uacuteltima eacute a forma mista em que ora o poeta fala ora a personagem

da qual Homero eacute o exemplo

A classificaccedilatildeo proposta por Platatildeo ocorre na conversa entre Soacutecrates e Adimanto e a

primeira menccedilatildeo aos modos de enunciar se daacute em 392a passagem em que Soacutecrates comeccedilaraacute

a delimitar e expor a doutrina falando primeiro da chamada haplecirc dieacutegesis

ou ldquonarraccedilatildeo simplesrdquo e da miacutemesis O problema e o foco de Platatildeo natildeo eacute

gramatical ou poeacutetico mas sim filosoacutefico-moral eacute um problema para a paideia da cidade a

imitaccedilatildeo plural ie uma pessoa empreender a imitaccedilatildeo de muitas pessoas (395a) uma vez

que a fidelidade dessas imitaccedilotildees seraacute prejudicada dada a impossibilidade de uma uacutenica

pessoa realizaacute-las todas adequadamente Eacute fundamental frisar que para Platatildeo mimese aqui eacute

algo muito mais restrito do que para Aristoacuteteles pois se trata puramente da imitaccedilatildeo que uma

pessoa faz a de outra ou da fala dela Para o filoacutesofo a narraccedilatildeo eacute primordial ou seja haacute a

narraccedilatildeo em princiacutepio e a imitaccedilatildeo eacute uma coacutepia de uma narraccedilatildeo que pertence a outrem

Platatildeo natildeo estaacute interessado em utilizar a distinccedilatildeo para analisar e classificar as praacuteticas

poeacuteticas Estaacute sim interessado em lidar com as implicaccedilotildees que as distinccedilotildees estabelecidas

trazem para sua filosofia e se as mentiras que podem ser contadas para em um mito jaacute podem

por si soacute natildeo fornecer um bom exemplo moral para a cidade imitar jaacute eacute por si soacute uma mentira

Em seu tratado Aristoacuteteles estaacute interessado entre outras coisas principalmente em

mostrar que primeiramente mimese ou imitaccedilatildeo eacute algo mais amplo possui uma funccedilatildeo

didaacutetica fundamental e justamente por isso quando julgada a poesia deve ser pensada dessa

perspectiva Isso explica antes de mais nada a exposiccedilatildeo da triparticipaccedilatildeo classificatoacuteria que

ocupa os trecircs primeiros capiacutetulos da Poeacutetica (natildeo agrave toa seguida de um quarto capiacutetulo e quem

o filoacutesofo fala justamente do valor didaacutetico da imitaccedilatildeo) em que se explicitam os criteacuterios

70

com os quais o filoacutesofo pensa mimese de que e poesia eacute uma espeacutecie A distinccedilatildeo dos modos

enunciativos portanto ocupa um ponto especiacutefico da doutrina aristoteacutelica

Ἔτι δὲ τούτων τρίτη διαφορὰ τὸ ὡς ἕκαστα τούτων μιμήσαιτο ἄν τις

καὶ γὰρ ἐν τοῖς αὐτοῖς καὶ τὰ αὐτὰ μιμεῖσθαι ἔστιν ὁτὲ μὲν

ἀπαγγέλλοντα ἢ ἕτερόν τι γιγνόμενον ὥσπερ Ὅμηρος ποιεῖ ἢ ὡς τὸν

αὐτὸν καὶ μὴ μεταβάλλοντα ἢ πάντας ὡς πράττοντας καὶ ἐνεργοῦντας

daggerτοὺς μιμουμένουςdagger ἐν τρισὶ δὴ ταύταις διαφοραῖς ἡ μίμησίς ἐστιν

ὡς εἴπομεν κατ ἀρχάς ἐν οἷς τε ltκαὶ ἃgt καὶ ὥς ὥστε τῇ μὲν ὁ αὐτὸς

ἂν εἴη μιμητὴς Ὁμήρῳ Σοφοκλῆς μιμοῦνται γὰρ ἄμφω σπουδαίους

τῇ δὲ Ἀριστοφάνει πράττοντας γὰρ μιμοῦνται καὶ δρῶντας ἄμφω

ὅθεν καὶ δράματα καλεῖσθαί τινες αὐτά φασιν ὅτι μιμοῦνται δρῶντας

(Aristoacuteteles Poeacutetica 1448a 19 ndash 29)

Descrevendo seu objeto pelos meios ( ) pela mateacuteria ( ) e o modo ( ) a

Poeacutetica traz a distinccedilatildeo dos modos na explicaccedilatildeo da terceira categoria para a qual Aristoacuteteles

distingue duas possibilidades (1448a 19 ndash 24)

[] pois eacute possiacutevel pelos mesmos meios imitar as mesmas coisas ora

relatando [reportando hotegrave megraven apaggeacutelonta] (ou tornando-se de

certa forma outro como faz Homero ou como si proacuteprio e natildeo

alternando) ou todos os que imitam como agentes e operantes [hoacutes

praacutettontas kaigrave energoucircntas]

Aristoacuteteles natildeo propotildee um gecircnero misto como Platatildeo o que natildeo significa que natildeo

observe o fenocircmeno que Platatildeo nomeia como um terceiro tipo Considerando que Aristoacuteteles

discute exatamente miacutemesis e um tipo especiacutefico dela parece que seu criteacuterio eacute a presenccedila ou

natildeo ndash referida reportada e daiacute inferida pelos ouvintes ndash da voz do poeta seja na figura dele

mesmo seja por traacutes da voz de outro como a personagem Parece que no outro gecircnero natildeo

haacute pelo menos para Aristoacuteteles essa voz natildeo ocorre esse reportamento mas a miacutemese se daacute

como atuaccedilatildeo ie pela accedilatildeo dos actantes e natildeo como relato Simplificando pode-se dizer

partindo do segundo membro do par que a composiccedilatildeo pertenceraacute a este ou agravequele gecircnero se

for encenada ou natildeo Mais abstratamente o resultado de uma deve ser a coisa a mateacuteria o

fato sendo executado realizado da outra reportado contado Partindo poreacutem do outro

membro do par a fim de se chegar a uma simplificaccedilatildeo ter-se-aacute um problema modernamente

Dizendo que uma eacute ldquoencenadardquo e a outra eacute ldquonarradardquo buscar-se-aacute entatildeo a ldquounidade de accedilatildeordquo

de que a Poeacutetica tanto fala de toda e qualquer espeacutecie arrolada como narrativa natildeo soacute nesta

obra atribuiacuteda a Proclo mas tambeacutem em outros textos que trazem classificaccedilatildeo geneacuterica Este

71

problema eacute o principal de nosso epiacutetome qual seria por exemplo a unidade de accedilatildeo de um

melos como o epiniacutecio

Em relaccedilatildeo a Platatildeo observam-se duas peculiaridades Primeiramente como eacute

justamente pelo valor cognitivo e didaacutetico da imitaccedilatildeo que Aristoacuteteles confere estatuto

filosoacutefico agrave poesia61 adota o conceito de miacutemesis como nomenclatura mais ampla para

nomear o fenocircmeno dentro do qual se insere a poesia Natildeo agrave toa o iniacutecio do tratado eacute

dedicado agrave miacutemesis dentro da qual a miacutemesis poeacutetica eacute uma espeacutecie No entanto o termo

ldquomimeacuteticordquo (ou imitativo) jaacute foi empregado por Platatildeo quem Aristoacuteteles busca refutar para

designar uma espeacutecie de narraccedilatildeo de mitos uma das trecircs maneiras arroladas na Repuacuteblica

Parece que por essa razatildeo natildeo adota o termo ldquomimeacuteticordquo para calssificar a imitaccedilatildeo

dramaacutetica como se observa poreacutem em praticamente todo o restante da tratadiacutestica posterior

de que a Crestomatia mesma seria um exemplo Prefere empregar os particiacutepios ldquoprattontasrdquo

e ldquoenergoucircntasrdquo para designar a atividade que empreendem e designar seu sujeito justamente

com outro particiacutepio de que tal atividade eacute pelo criteacuterio do modo espeacutecie ldquotougraves

mimoumeacutenousrdquo

Em segundo lugar parece que como haacute uma discordacircncia teoacuterica deste para aquele

implicando tambeacutem uma discordacircncia conceitual ie a repeito de miacutemesis referindo-se aos

modos da enunciaccedilatildeo Aristoacuteteles busca um denominador comum ou um elemento mais

baacutesico que permita uma classificaccedilatildeo diferente por isso abre matildeo do modo ldquomistordquo porque

nem leva em considera o modo ldquopor imitaccedilatildeo rdquo platocircnico O elemento mais

baacutesico que se pontua depende da presenccedila ou natildeo de um ator mas conforme dito acima isso

eacute consequecircncia o elemento propriamente eacute a voz ou natildeo do poeta mas no sentido de que ou o

discurso que nos reporta as accedilotildees eacute percebido como saindo da boca de outros que natildeo o poeta

ou mesmo que esse assuma a voz de outro o discurso que se ouve ainda nos eacute reportado pelo

poeta mudada sua voz na voz de outro que natildeo eacute senatildeo dependente da primeira voz ou um

construto o que se entende de ldquo relatando (ou tornando-se de certa forma outro como faz

Homero ou como si proacuteprio e natildeo alternando)rdquo [grifo do autor]

Poder-se-ia considerar dessarte a julgar pelo que foi acima exposto que o epiacutetome

traria a liccedilatildeo aristoteacutelica uma vez que natildeo menciona um gecircnero misto como Platatildeo e outros

textos que mencionam esse terceiro gecircnero por entenderem que no caso em que o ldquoeu-

poeacuteticordquo daacute voz a uma personagem haacute uma mistura das duas enunciaccedilotildees Para a triparticcedilatildeo

cuja origem recua ateacute Platatildeo essa interpretaccedilatildeo eacute verossiacutemil porque o raciociacutenio parece ser o

61 Cf Poeacutetica (cap IX) Porque a poesia representa o possiacutevel segundo a verossimilhanccedila eacute mais universal por

oposiccedilatildeo agrave historia particular Decorre para Aristoacuteteles que a poesia eacute mais filosoacutefica

72

mesmo como eacute o caso do texto por exemplo do livro III da Ars Grammatica de Diomedes62

que serviraacute para o cotejo com a Crestomatia a mesma ilaccedilatildeo natildeo vale para os textos que

trazem em vez de uma triparticcedilatildeo uma biparticcedilatildeo A concepccedilatildeo aristoteacutelica supotildee

obrigatoriamente a mimese de accedilatildeo e supotildee como fica expliacutecito agentes que podem ser

resultado da miacutemeses da voz do poeta (o poeta lhes daacute voz) ou podem ser eles mesmos donos

dessa voz ie atores e nesse caso o poeta natildeo fala nada (sua voz natildeo aparece)

Parece que os textos posteriores baseiam-se ou copiam uma biparticcedilatildeo que na obra de

Aristoacuteteles eacute traccedilada segundo os criteacuterios que define como proacuteprios da imitaccedilatildeo poeacutetica Eacute

fundamental poreacutem lembrar que Aristoacuteteles natildeo questiona nem faz apontamento algum

acerca da accedilatildeo de outras espeacutecies poeacuteticas aleacutem da trageacutedia da comeacutedia e da epopeia sendo

aquelas duas exemplo de poesia dramaacutetica e esta de narrativa

Natildeo se pode afirmar que o agrupamento de espeacutecies que se segue em textos como o da

Crestomatia seria aristoteacutelico mas poderiacuteamos conjeturar que como o sentido dado ao verbo

apaggeacutello (na referida passagem de Aristoacuteteles) talvez seja um pouco mais amplo do que em

Platatildeo a julgar pelo fato de que laacute primeiramente natildeo haacute um gecircnero intermediaacuterio e segundo

Homero eacute justamente o exemplo de poesia narrativa (enquanto em Platatildeo a poesia estaacute ao lado

do relato de mitos) todas as demais espeacutecies que natildeo as teatrais por nelas se supor a voz de

um poeta sejam ldquonarrativasrdquo no sentido de que o que quer que se cante eacute reportado ao

ouvinte pelo eacutethos de um poeta cuja voz se ouve63 independente da unidade de accedilatildeo da

presenccedila ou natildeo de mito da vitoacuteria do atleta das causas de uma festa ou da celebraccedilatildeo de um

deus ou heroacutei ainda mais se considerarmos que a oralidade nunca deixou de desepenhar

importante papel mesmo nas culturas escritas como a alexandrina ou a bizantina papel esse

determinante no entendimento que as artes e os textos de doutrina fizeram da poesia Eacute bom

ressaltar que os textos mesmos seguem suas convenccedilotildees explicativas e eacute justamente pela

repeticcedilatildeo ao longo dos seacuteculos que satildeo concebidas como autorizadas

Isso significa que as artes gramaticais posteriores podem ter se fiado em um criteacuterio

que eacute adotado senatildeo mesmo desenvolvido por Aristoacuteteles o que eacute diferente de dizer que

seguem sua doutrina afinal de contas o criteacuterio da accedilatildeo natildeo eacute sequer mencionado nesse tipo

de descriccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies salvo na explicaccedilatildeo sobre o desenvolvimento da eacutepica

O mais importante no fato de o texto da Crestomatia adotar como a Poeacutetica uma

biparticcedilatildeo eacute o fato de que natildeo segue entretanto a terminoliga aristoteacutelica que evita

62 Diomedes Artis grammaticae III paacuteg 482 63 Eacute nesse sentido que conforme visto (supra 134 pag 47 em diante) Dioniacutenio de Halicarnasso no tratado Da

Imitaccedilatildeo fala do eacutethos da poesia de Alceu

73

ldquomimeacuteticordquo para o gecircnero em que os actantes satildeo enunciadores talvez simplesmente porque a

interpretaccedilatildeo que se fazia da doutrina nesta obra optava por uma conceituaccedilatildeo simples em

dois gecircneros abrangentes apenas sem mistura mas natildeo estava preocupada em propugnar a

favor de uma conceituaccedilatildeo preferencialmente a outra pois natildeo se inseria em um contexto de

disputa pelo termo como se pode supor no caso de Platatildeo e Aristoacuteteles

O texto de Diomedes sec IV AC64 testemunha que diferentes termos gregos eram

conhecidos entre os romanos mesmos para nomear esses dois grandes gecircneros O texto do

livro III de sua obra poreacutem adota a triparticcedilatildeo Note-se a variedade terminoloacutegica

Os gecircneros de poema satildeo trecircs Com efeito o gecircnero eacute ativo ou

imitativo que os gregos chamam dramatikoacuten ou mimetikoacuten narrativo

ou enunciativo que os gregos chamam exegetikoacuten ou apangeltikoacuten

comum ou misto que os gregos chamam koinoacuten ou miktoacuten Eacute

dramatikoacuten ou ativo aquele em que atuam somente as personagens

sem interlocuccedilatildeo de algum poeta como ocorre nas faacutebulas traacutegicas e

cocircmicas gecircnero no qual foi escrita a primeira Bucoacutelica [de Vergiacutelio2]

e aquela cujo iniacutecio eacute ldquoquo te Moeri pedesrdquo [ldquoPara onde Meride

levam-te os peacutesrdquo] Eacute exegetikoacuten ou narrativo aquele em que o proacuteprio

poeta fala sem interlocuccedilatildeo de alguma personagem como ocorre nas

trecircs primeiras Geoacutergicas [de Vergiacutelio] e na primeira parte da quarta e

igualmente nos cantos de Lucreacutecio e em outros semelhantes a estes Eacute

koinoacuten ou comum aquele em que o proacuteprio poeta fala e as personagens

satildeo introduzidas falando como foram escritas a Iliacuteada e a Odisseacuteia

inteiras de Homero a Eneida de Vergiacutelio e outros semelhantes a

estes

(Diomedes Arte Gramatical livro III trad Izabella Lombardi

Gaberllini in LETRAS CLAacuteSSICAS n 9 p 231-243 2005 Paacuteg

231)

Agora em uma triparticcedilatildeo Diomedes testemunha o uso da nomenclatura ldquoimitativordquo agrave

que tambeacutem associa o termo ldquodramaacuteticordquo bem como a traduccedilatildeo latina dos respectivos nomes

Curioso notar tambeacutem que siga o criteacuterio semelhante ao de Platatildeo ilustrando o gecircnero misto

com a eacutepica de Homero e Vergiacutelio

Observaremos portanto que para os textos de doutrina (que possuem eles mesmos

como dito suas convenccedilotildees) principalmente esses de acendecircncia gramatical o que concerne

tatildeo somente agrave poesia eacute sua divisatildeo em gecircneros e espeacutecies em outras palavras seu

agrupamento segundo uma nomenclatura funcional que permita tratar da variedade das

composiccedilotildees herdadas dos antigos gregos Se de origem heleniacutestica e portanto

64 Holtz L apud Gaberllini (2005) paacuteg 1 A dataccedilatildeo da Ars Grammatica de Diomedes infere-se a partir do uso

que faz de Donato e Cariacutesio gramaacuteticos anteriores e pelas constantes citaccedilotildees de Prisciano

74

originariamente editorial essa nomenclatura em um texto como o da Crestomatia ou o da

gramaacutetica de Diomedes tornou-se didaacutetica e eacute de se supor no caso da primeira natildeo apenas no

sentido pedagoacutegico Temos muito bons indiacutecios para supor que essa nomenclatura natildeo se

propotildee riacutegida uacutenica infrangiacutevel porque ela mesma no caso da Crestomatia supotildee mais

restritas suas dimensotildees quando o assunto eacute a liacuterica65 O que observamos no cataacutelogo da liacuterica

eacute a preponderacircncia e o emprego de outro criteacuterio ou padratildeo explicativo que tambeacutem estaacute

presente nos gecircneros anteriores natildeo se busca explicar o que seja a poesia como o faz

Aristoacuteteles mas sim reunir quanta informaccedilatildeo eacute uacutetil para compreender as diferenccedilas entres as

diferentes espeacutecies No caso das espeacutecies diegeacuteticas ou narrativas que natildeo a liacuterica junto a um

criteacuterio de mateacuteria e metro que privilegia este em relaccedilatildeo agravequele quanto agrave antecedecircncia

emprega-se um criteacuterio etimoloacutegico que eacute em boa parte das vezes etioloacutegico tambeacutem porque

traz consigo a origem do dizer consequentemente a origem do referente do significante Esse

eacute o criteacuterio que perpassa todo o cataacutelogo liacuterico na sua forma mais baacutesica porque em alguns

casos o emprego de uma palavra como nomenclatura jaacute eacute por si mesmo autoexplicativo eacute o

caso das uacuteltimas subespeacutecies aquelas sobre circunstacircncias incidentais em que se opta pelo

verso Esse eacute tambeacutem o mesmo criteacuterio que no caso das espeacutecies anteriores agrave meacutelica (a eacutepica

a elegia e o iambo) organiza concomitantemente a metro e mateacuteria a exposiccedilatildeo da espeacutecie

poeacutetica na forma de uma breve histoacuteria que nas suas diferentes etimologias busca agrupar os

diferentes elementos arrolados convencionalmente para definir aquele tipo poeacutetico

32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS DE

DIOMEDES

Consoante ao exposto no item anterior natildeo eacute de espantar que os gecircneros arrolados

entre os imitativos sejam apenas aqueles dramaacuteticos ou teatrais no caso da Crestomatia de

Proclo enquanto observamos que o exemplo de Diomedes refere-se agrave faacutebula teatral em

geral66 e admite que como tal escreveram-se as Bucoacutelicas I e IX

65 Basta conferir como o cataacutelogo das espeacutecies meacutelicas eacute introduzido no epiacutetome sect33 (Severyns) 319b 33 66 ldquo() dramaticon est vel activum in quo personae agunt solae sine ullius poetae intcrlocutione ut se habent

tragicae et comicae fabulaerdquo ndash DIOMEDES op cit paacuteg 482 17 ndash 19 Diomedes provavelmente pontua o

elemento ldquofabulaerdquo logo aqui porque o mencionaraacute tratando posteriormente e em separado das espeacutecies

cocircmicas e traacutegicas Nada nos impede de conjeturar e tatildeo somente isso que tratando enfim do gecircnero mimeacutetico

nos demais livros da Crestomatia de que natildeo temos notiacutecia alguma o myacutethos aparecesse na obra Se a exposiccedilatildeo

75

Em ambos os textos o criteacuterio preponderante que estabelece a primiera distinccedilatildeo

dentro da qual os poemas se agruparatildeo eacute o modo enunciativo

Aquilo que seratildeo as espeacutecies no tratado de Proclo para Diomedes receberaacute o nome

simples de ldquocarminardquo ou ldquocantosrdquo designados como o resultado a obra em si uma vez que a

palavra latina designa assim o poema a composiccedilatildeo em verso Diomedes adota assim a

designaccedilatildeo jaacute corrente para essas formas poeacuteticas mas propotildee entre os carmes e os gecircneros

maiores outras espeacutecies que consideram agora o que se narra ou mimetiza e que satildeo

apresentadas como espeacutecies dos trecircs primeiros grupos elencados

ldquoPoematos dramatici vei activi genera sunt quattuor apud Graecos

traacutegica comica satyrica mimica apud Romanos praetextata tabernaria

Atellana planipesrdquo

(DIOMEDES op cit III apud Keil paacuteg 482 26)

ldquoOs gecircneros do poema dramatikoacutes ou ativo satildeo quatro entre os

gregos a [espeacutecie] traacutegica a cocircmica a satiacuterica a miacutemica entre os

romanos a pretextata a tabernaacuteria a atelana a planiacutepederdquo

(Trad GABERLLINI op cit 231)

Observa-se que no caso das espeacutecies gregas modelares (salvo pelos mimos) pelo

menos desde Aristoacuteteles67 a um criteacuterio primeiramente selecionado como mais geral porque

mais abrangente e baacutesico sobretudo por permitir a distinccedilatildeo imediata entre a poesia dramaacutetica

e as demais formas conhecidas segue-se uma subdivisatildeo desse criteacuterio que permite elencar e

subagrupar outras formas poeacuteticas geralmente obtusas em relaccedilatildeo agrave nomenclatura Eacute seguindo

o mesmo criteacuterio entatildeo que nos deparamos com outras espeacutecies mas agora do gecircnero

narrativo

ldquoExegetici vel enarrativi species sunt tres angeltice historice

didascalice angeitice est qua sententiae scribuntur ut est Theognidis

liber item chriae historice est qua narrationes et genealogiae

dos livros estivesse organizada como o epiacutetome 239 nos daacute a conhecer eacute de se crer que na sequecircncia do livro

III ocorresse a exposiccedilatildeo do gecircnero que natildeo foi discutido nos dois primeiros livros que o epiacutetome nos transmite 67 A reiteraccedilatildeo dos criteacuterios de unidade medida e adequaccedilatildeo ao longo da Ars Poetica de Horaacutecio ilustram-no

muito bem Sobre os mimos embora Aristoacuteteles mencione-os na Poeacutetica 1447b 8 ndash 12 e seja plausiacutevel que

segundo seu criteacuterio acional sejam miacutemesis poeacutetica nada mais nos eacute dito sobre eles no que temos da obra

76

conponuntur ut est Hesiodu et similia

didascalice est qua conprehenditur philosophia Empedoclis et Lucreti

item aslrologia ut phaenomena Aratu et Ciceronis et georgica

Vergilii et his similiardquo

(Idem paacuteg 482 31 ndash 483 3)

Assim o poema apenas narrativo pode ser ldquoenunciativo (angeltikeacute)rdquo quando apenas

enuncia coisas ie quando ocorre pura e simplesmente uma enunciaccedilatildeo direta ndash o exemplo

seria a poesia gnocircmica de Teoacutegnis e as khreicircai ou ldquomaacuteximasrdquo ditos ceacutelebres de personagens

ou figuras histoacutericas pode ser ldquohistoacuterico (historikeacute)rdquo quando o que se ldquonarra reporta relata

etcrdquo possui um sentido cronoloacutegicogenealoacutegico de que eacute exemplo O Cataacutelogo das Mulheres

de Hesiacuteodo pode ser ldquodidascaacutelica (didaskalikeacute)rdquo quando ensina e aqui satildeo exemplos os

Fecircnomenos tanto de Ciacutecero como de Arato ou as Geoacutergicas de Vergiacutelio mas tambeacutem os

poemas de conteuacutedo filosoacutefico de que satildeo exemplos Empeacutedocles e Lucreacutecio

Subdividindo a poesia mista menciona como exemplo a poesia heroica ie a poesia

de heroacuteis de que satildeo exemplo a Iliacuteada e a Eneida tambeacutem se refere agrave liacuterica mas aqui a de

Horaacutecio e Arquiacuteloco (DIOMEDES op cit 483 5 ndash 6)

Ora chama a atenccedilatildeo nesse uacuteltimo caso em comparaccedilatildeo ao texto do epiacutetome de

Foacutecio que operando com uma triparticcedilatildeo dos gecircneros enunciativos a liacuterica seja dada como

exemplo misto porque eacute plenamente possiacutevel imaginar que outro e natildeo o eu-poeacutetico fale

como uma personagem Como a Crestomatia opera com uma biparticcedilatildeo a liacuterica eacute posta junto

de todas as espeacutecies que natildeo satildeo modernamente falando teatrais pelo simples pressuposto de

que nelas quem fala eacute a figura do poeta podendo haver outra dependente dela

Ateacute aqui comparados em sua organizaccedilatildeo observamos que tanto a Crestomatia como

o livro III de Diomedes conhecido antigamente como De Poematibus68 partem de um criteacuterio

primeiro e abrangente que classifica os poemas pelo elocutor Ambos jaacute apresentam aiacute uma

primeira diferenccedila69 este uma divisatildeo tripartite aquele bipartite

O texto de Diomedes apresenta uma subdivisatildeo em espeacutecies que considera a mateacuteria e

a finalidade da composiccedilatildeo mesmo no caso dos poemas apenas narrativos (contemplando

assim ateacute poemas de ensinamento filosoacutefico) e distingue com outra nomenclatura agrave parte os

cantos ou carmina como formas que se definem pelo que parece ser um criteacuterio taacutecito de

68 Uma vez que essa seccedilatildeo por si soacute consiste em um pequeno livro sobre classificaccedilatildeo de obras poeacuteticas que se

inspiraria na obra perdida atribuiacuteda a Suetocircnio De Poetica 69 Aleacutem do fato sempre evidente de que a os textos gregos versam sobre as formas poeacuteticas gregas enquanto os

latinos versam sobre as formas gregas ndash feitas romanas pelos autores paacutetrios ndash e a formas apenas latinas

77

metro e mateacuteria Era de se esperar em princiacutepio que esses cantos correspondessem

diretamente aos grupos acima expostos ou que ao menos fossem explicitados como derivados

deles ou a eles associados essa associaccedilatildeo de forma explicita soacute se verifica para os casos do

epos e da poesia bucoacutelica no caso citado de Vergiacutelio70 Jaacute o texto atribuiacutedo a Proclo passa

direto dos gecircneros enunciativos para o nome de cada uma das espeacutecies narrativas gregas

equivalentes (salvo pela liacuterica que ocupa o epiacutetome extensamente) aos carmina de Diomedes

Em resumo natildeo haacute classificaccedilatildeo intermediaacuteria no texto grego

Ora haacute ao menos que se conjecturar a respeito dessas diferenccedilas e se natildeo pudermos

chegar a respostas definitivas podemos formular hipoacuteteses que permitam um melhor

vislumbre da categorizaccedilatildeo poeacutetica com que se preocupavam as gramaacuteticas antigas

Primeiramente a correspondecircncia entre os carmina de Diomedes e as espeacutecies

arroladas em Proclo eacute notaacutevel A equivalecircncia na verdade eacute principalmente do tipo de

classificaccedilatildeo que se desdobra que ndash agrave guisa de esclarecimento por enquanto ndash tem como

elementos baacutesicos os membros do esquema metro-mateacuteriaetimologia-etiologia Esse modelo

de classificaccedilatildeo e as semelhanccedilas entre os dois textos seraacute o foco da comparaccedilatildeo nas seccedilotildees a

seguir (infra 33 paacuteg 81 em diante) Interessam agora as diferenccedilas e a compreensatildeo

estrutural dos dois textos

O texto de Diomedes traz uma classificaccedilatildeo como notado que o texto de Proclo natildeo

Por quecirc Podemos conjecturar que Diomedes conhecendo duas classificaccedilotildees (uma que

apresenta na forma dos carmina pertencente ao mesmo modelo que a classificaccedilatildeo do texto

de Proclo) preocupa-se em dar conta das duas maneiras de classificar senatildeo em reuni-las e

tornaacute-las ambas operantes e natildeo excludentes procedimento que como se verifica a respeito

das etimologias eacute padratildeo

Parece que a primeira classificaccedilatildeo de Diomedes ausente em Proclo privilegia como

dito o criteacuterio mateacuteria considerando tambeacutem o fim a que o gecircnero enunciativo se destina Em

outras palavras eacute como se buscasse esgotar em subcategorizaccedilotildees o criteacuterio maior e

preponderante dos gecircneros enunciativos Assim as formas imediatamente subcategorizadas

satildeo espeacutecies dos trecircs grandes gecircneros segundo aquilo que ldquose narrardquo aquilo que ldquose

mimetizardquo (entenda-se ldquodramatizardquo diretamente dando voz a actantes) e aquilo que ldquose narra

e dramatizardquo simultaneamente Tal hipoacutetese talvez se confirme em se notando que espeacutecies

irmanadas dentro de um mesmo gecircnero o satildeo independente do metro Observe-se a poesia

gnocircmica de Teoacutegnins compocircs-se em diacutesticos elegiacuteacos os Fenocircmenos de Arato ou Ciacutecero

70 Gaberlinni (2005 paacuteg 1)

78

ou as Geoacutergicas de Vergiacutelio compuseram-se em hexacircmetro ambas no entanto satildeo

subespeacutecies do mesmo gecircnero pois constituem exemplo de poesia narrativa Assim se

explicaria o curioso caso da poesia heroica e da liacuterica em um mesmo gecircnero Mas note-se

tambeacutem Diomedes ao referir-se nesse passo agrave poesia tradicionalmente conhecida como

eacutepica (mais ainda agrave eacutepica por excelecircncia ndash trata-se de Homero e Vergiacutelio afinal) natildeo

emprega o termo ldquoeacutepicardquo ou ldquoeposrdquo porque esse eacute o nome de um carmen dentro da outra

categorizaccedilatildeo que tambeacutem desenvolveraacute O termo ldquoespeacuteciesrdquo rigorosamente emprega-se para

classificar as espeacutecies pela mateacuteria Da perspectiva da mateacuteria a poesia da Eneida ou da Iliacuteada

denomina-se ldquoheroicardquo pois versa sobre heroacuteis e natildeo ldquoeposrdquo embora da perspectiva dos

carmina como se sabe tambeacutem o seja Ao lado dessa poesia como mais um exemplo a liacuterica

citada natildeo eacute a liacuterica enquanto carmen os meacutele de Proclo em outras palavras a meacutelica como

um todo mas sim a liacuterica de Horaacutecio e Arquiacuteloco Evidentemente natildeo se excluem

composiccedilotildees de outros liacutericos Podemos imaginar que Diomedes provavelmente classificaria

sob essa nomenclatura ndash por que natildeo ndash parte de Safo uma vez que na sua ceacutelebre Ode a

Afrodite por exemplo ao dar voz agrave deusa que responde agrave prece do enunciador a poestisa

torna ldquomistardquo a enunciaccedilatildeo Uma liacuterica que natildeo o fizesse no entanto natildeo viria classificada

aqui

Buscando conciliar descriccedilotildees diferentes outra classificaccedilatildeo eacute a que em Diomedes

nomeia as composiccedilotildees como tal em separado a partir do resultado como ldquocantosrdquo Essa

classificaccedilatildeo ao que parece prioriza descrever a origem das formas poeacuteticas consagradas e

por isso seu criteacuterio preponderante eacute o metro seguido das explicaccedilotildees etimoloacutegicas e

etioloacutegicas que justificam como certo nome passou a se aplicar a certo tipo de composiccedilatildeo

natildeo univocamente pois assume que um mesmo nome se aplicava agrave confluecircncia de diferentes

mateacuterias que um metro pode incorporar para alguns casos dos quais o mais evidente eacute o da

elegia busca-se um denominador comum (sempre o lamento fuacutenebre) Mas a premissa

subjacente ndash posta em nossos termos evidentemente ndash seria carmen eacute uma nomenclatura

fechada que se aplica para nomear uma composiccedilatildeo levando em conta prioritariamente as

virtualidades do metro em relaccedilatildeo agrave mateacuteria Afinal de contas natildeo se conhece composiccedilatildeo em

diacutestico elegiacuteaco que almeje por exemplo cantar ldquofeitos e guerras de heroacuteisrdquo Categorizar e

explicar pela histoacuteria a composiccedilatildeo feita em certo metro mais especificamente dado uso de

um metro ndash senatildeo os usos dos metros ndash tornou-se ofiacutecio como visto do gramaacutetico A essa

seccedilatildeo do texto de Diomedes da classificaccedilatildeo dos carmina equivalem diretamente as espeacutecies

do texto de Proclo que natildeo aventando a subdivisatildeo por ldquoo querdquo se enuncia segundo os

79

gecircneros enunciativos propotildee os nomes das composiccedilotildees como as espeacutecies diretas dos grandes

gecircneros

Tal hipoacutetese torna mais clara a estruturaccedilatildeo do texto de Proclo pelo menos como o

resumo de Foacutecio o interpretou ao termo carmina de Diomedes equivale o termo poietikeacute de

Proclo Desde o princiacutepio do resumo o texto segue na esturtura de discurso indireto ldquoDiz

querdquo e entatildeo jaacute se expocircs a doutrinas sobre as virtudes da prosa e da poesia e qual o criteacuterio

discriminatoacuterio (os tropos figuras e todo o ornato ocorrem em maior abundacircncia na elocuccedilatildeo

poeacutetica) tambeacutem a doutrina dos trecircs moldes da elocuccedilatildeo Eacute em 319a 4 (sect12 SEVERYNS)

justamente apoacutes a menccedilatildeo ao juiacutezo de poesia que se inaugura a seccedilatildeo sobre os gecircneros

poeacuteticos

ldquoΚαὶ ὅτι τῆς ποιητ κῆς τὸ μέν ἐστι διηγηματικόν τὸ δὲ μιμητικόνrdquo

ldquoE da composiccedilatildeo poeacutetica diz que haacute o gecircnero narrativo e o imitativordquo

Evidentemente a traduccedilatildeo traz uma resoluccedilatildeo Literalmente ldquoE que da poeacutetica haacute o

diegeacutetico e o mimeacuteticordquo ou ldquoe que haacute o diegeacutetico e o mimeacutetico da poeacuteticardquo Como se vecirc o

trecho obriga a traduccedilatildeo a suprir algo que acompenhe o adjetivo ldquopoeacuteticardquo caso contraacuterio

pensar-se-aacute que aristotelicamente aborda-se aqui a Poeacutetica em um tratado sobre a teacutecnica

embora natildeo seja de todo errado entender que desse trecho em diante seratildeo abordadas

questotildees proacuteprias dessa teacutecnica e do conhecimento da poesia mas parece que a carga do

termo aqui eacute menos teacutecnica como se parafraseando o texto Proclo versasse sobre o que eacute

proacuteprio da poesia e portanto pode ser qualificado pelo adjetivo ldquopoeacuteticordquo

Pois havendo descrito trecircs doutrinas relevantes para analisar a composiccedilatildeo poeacutetica as

trecircs aplicaacuteveis igualmente agrave prosa e agrave poesia ndash a medida da elocuccedilatildeo para prosa e poesia

(pesando a balanccedila para esta) os plasmatai ou moldes e seus desvios e diferenccedila entre eacutethos e

paacutethos no juiacutezo de poesia ndash emprega-se o adjetivo para delimitar aquilo que concerne apenas

agrave poesia o que eacute apenas ldquopoeacuteticordquo ie proacuteprio agora do que eacute poema ndash termo que demarca a

oposiccedilatildeo com loacutegos ou prosa ndash e isso eacute justamente a classificaccedilatildeo dos poemas em narrativo ou

imitativo seguidos das espeacutecies daquele (eacute de se supor que nos livros que Foacutecio natildeo nos daacute a

conhecer arrolassem-se as espeacutecies imitativas) eacute nesse sentido portanto que a delimitaccedilatildeo

dos carminai Diomedes equivale ao poietikeacute de Proclo pois como se viu as

espeacutecies de Proclo (excetuando o cataacutelogo meacutelico) satildeo os carmina de Diomedes

80

Eacute mais do que evidente por isso tambeacutem que ambos os autores referiam-se a uma

mesma classificaccedilatildeo descritiva da poesia enraizada na gramaacutetica e a julgar pelos textos

difundida e profusa

Ambos os textos apresentam ainda uma terceira classificaccedilatildeo com algo em comum

(Diomedes apresenta quatro no total Proclo trecircs) os moldes da elocuccedilatildeo abordados antes da

classificaccedilatildeo geneacuterica na Crestomatia os ldquocaracteres do poemardquo (characteres poematos)

entre a exposiccedilatildeo das espeacutecies e a exposiccedilatildeo dos carmina em Diomedes que os nomeia em

particcedilatildeo quaacutedrupla e com nomes gregos makroacutes brakhyacutes meacutesos e antheroacutes

Essa classificaccedilatildeo seria uma das poucas ocorrecircncias do que em Fortunaciano lemos

como os geacutene pelikoacutetetos ou genera magnitudinis que diferentemente dos geacutene posoacutetetos

(cujo criteacuterio eacute a quantidade) pensam na grandeza na magnitude do discurso71 no que parece

ser uma tentativa de separaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de quantidade e a noccedilatildeo de extensatildeo do discurso

O que lemos na grande maioria dos textos como ldquomoldes gecircneros ou caraacutecteres da elocuccedilatildeordquo

aqui seria o criteacuterio da quantidade os geacutene posoacutetetos De qualquer forma o elemento em

comum com a Crestomatia eacute apresentar um criteacuterio que permita medir e avaliar a elocuccedilatildeo do

poema e assim tambeacutem julgaacute-lo por tal

O momento em que ocorrem ambas as distinccedilotildees nos respectivos textos vale menccedilatildeo

o conteuacutedo geral da obra de Proclo natildeo nos eacute acessiacutevel os indiacutecios arrolados nos capiacutetulos

anteriores levam-nos a crer que em seu iniacutecio para delimitar a poesia diferenciava-a da prosa

pelo criteacuterio da elocuccedilatildeo o que levava a uma discussatildeo sobre seus moldes Esse estudo da

elocuccedilatildeo era proacuteprio da tratadiacutestica retoacuterica de que o grande exemplar eacute Dioniacutesio de

Halicarnasso Sabemos por ele que pensando pelo ponto de vista da elocuccedilatildeo a anaacutelise da

composiccedilatildeo pelos moldes ou caracteacuteres se dava sobre a poesia e sobre a prosa Ora textos de

comentaacuterio gramatical conforme visto tambeacutem podiam recorrer a essa classificaccedilatildeo ou citaacute-

la Que essa doutrina fosse primeiramente exposta na Crestomatia quando em uma

introduccedilatildeo versava sobre a distinccedilatildeo prosa-poesia antes de partir para a classificaccedilatildeo dos

gecircneros poeacuteticos e que os geacutene pelikoacutetetos ocorram antes da menccedilatildeo dos carmina como

outro criteacuterio preponderantemente classificatoacuterio da poesia (justamente a elocuccedilatildeo) em uma

seccedilatildeo do texto que se propotildee a discutir somente a poesia sem mencionar a prosa sequer por

ensejo de distinccedilatildeo isso junto das outras similaridades de organizaccedilatildeo tende a cofirmar a

abordagem de base gramatical que vai se estabelecendo ao longo dos seacuteculos e que natildeo

71 Cf GABERLLINI Traduccedilatildeo e Comentaacuterio da Arte Retoacuterica de Consulto Fortunaciano paacuteg 57 ndash 63

Tambeacutem DOS SANTOS MM As Epiacutestolas de Horaacutecio e a confecccedilatildeo de uma ars dictaminis o opus p 142

Cf Bibliografia

81

descreve a poesia a partir de Aristoacuteteles Se a distinccedilatildeo pela elocuccedilatildeo insere-se dentro da

diferenciaccedilatildeo entre prosa e poesia na Crestomatia no caso do De Poematibus o criteacuterio jaacute eacute

dado inclusive depois do criteacuterio maior como maneira jaacute aceita pela qual tambeacutem se julgam

ou se medem pelo criteacuterio de grandeza no caso os poemas Tal mediccedilatildeo de grandeza para

elocuccedilatildeo embora sirva para essa em geral eacute apresentado como criteacuterio dentro da classificaccedilatildeo

da poesia jaacute assumido como maneira de se julgar poemas pois satildeo ldquocaracteres do poemardquo

sem nenhuma menccedilatildeo agrave prosa o que os poemas tambeacutem se classificavam assim

Nenhum desses criteacuterios eacute tratado ou descrito como condiccedilatildeo sine qua non se diraacute que

algo eacute poesia tais criteacuterios pelo contraacuterio proveem agravequeles que visam agrave explicaccedilatildeo dos

gecircneros manancial variado para descrever dentro de suas respectivas variaccedilotildees (mas

atentando aqui e ali a noccedilotildees semelhantes) as diferentes praacuteticas poeacuteticas da Antiguidade

Esses textos partem de outro ponto que natildeo o criteacuterio de Aristoacuteteles da miacutemesis de accedilatildeo como

o elemento base que define a poeacutetica

33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO

A noccedilatildeo de accedilatildeo ocorreraacute concomitantemente no epiacutetome e no De poematibus apenas

quando ambos abordam o epos Consequentemente soacute voltaraacute a aparecer no texto latino

quando se ateacutem agrave trageacutedia e agrave comeacutedia

A filiaccedilatildeo do texto grego e do texto latino a um mesmo meacutetodo ou forma de pensar e

expor o objeto se explicita agrave medida que os carmina de Diomedes equivalentes agraves espeacutecies

gregas de Proclo trazem etimologias semelhantes em passagens tambeacutem semelhantes de uma

breve histoacuteria de cada um dos tipos de composiccedilatildeo classificados pelo criteacuterio taacutecito de metro e

mateacuteria (semelhanccedila que evidentemente natildeo ocorre para as espeacutecies latinas ausentes no texto

grego) Em outras palavras natildeo apenas as etimologias satildeo as mesmas mas a histoacuteria que se

compotildee com elas revelando uma interpretaccedilatildeo convencionada e autorizada das informaccedilotildees

provedoras de uma mesma organizaccedilatildeo de fatos ilustrativos e explicativos do que em

Diomedes ganha o tiacutetulo de carmina

Como razatildeo histoacuterica da fixaccedilatildeo ao longo dos seacuteculos dessa forma de se exporem os

gecircneros e espeacutecies poeacuteticos devem-se considerar natildeo soacute o estabelecimento dos criteacuterios

editoriais alexandrinos como criteacuterios tambeacutem exegeacuteticos mas por que isso ocorreu A

82

relevacircncia desse fator natildeo estaacute apenas no fato de que graccedilas a essa atividade editorial os

poetas satildeo transmitidos estaacute mais especificamente sim no que consiste essa transmissatildeo eacute

por meio dela que se tornaratildeo objeto do conhecimento no traslado de uma cultura

essencialmente oral para um mundo da erudiccedilatildeo letrada Eacute segundo esses criteacuterios e essa

classificaccedilatildeo que satildeo organizados e pensados Natildeo eacute necessaacuterio elocubrar no caso plural do

melos Basta conceber que aleacutem de Homero muita poesia hexameacutetrica que narrava uma ou

muitas accedilotildees (porque Aristoacuteteles mesmo notifica-nos de poetas que natildeo seguem o criteacuterio que

ele expotildee em seu tratado) esteve em matildeos dos eruditos ou filoacutelogos da biblioteca carecendo

de uma classificaccedilatildeo que ndash e isso eacute o mais relevante ndash ora se tornava necessaacuteria

Bem como se reuacutenem nesse periacuteodo as diferentes formas poeacuteticas reuacutenem-se

tambeacutem diferentes dados doutrinais explicativos bem como se observam formas

convencionadas no discurso poeacutetico e suas variaccedilotildees a partir daiacute observam-se tambeacutem formas

convencionadas de descriccedilatildeo doutrinal e suas variaccedilotildees

Dentro dessa perspectiva histoacuterica a razatildeo de ordem doutrinal que torna relevante o

criteacuterio etimoloacutegico e a presenccedila de mais de uma etimologia para muitos casos

principalmente das espeacutecies poeacuteticas de nomenclatura corrente (os carmina de Diomedes) eacute a

abrangecircncia de explicar o nome da coisa a fim de explicar a coisa A explicaccedilatildeo do nome da

coisa trazendo os diferentes fatores que deram origem a seu nome pontua os elementos pelos

quais a proacutepria coisa o recebeu sendo indiretamente sua explicaccedilatildeo Por isso a etimologia

vem acompanhada de explicaccedilotildees etioloacutegicas quando uma explicaccedilatildeo natildeo eacute ela mesma as

duas coisas ie etimologia-etiologia Mais uma vez tem-se um quadro de soma de

informaccedilatildeo relevante para esclarecer minimamente como aquela espeacutecie poeacutetica veio a ser

Assim natildeo eacute de espantar que mais de uma etimologia seja apresentada sem que se

selecione uma como verdadeira Agraves vezes o autor pode se pronunciar a respeito delas e

apontar uma ou outra como equivocada mas geralmente as arrola como possibilidades

igualmente verdadeiras Em alguns casos parece preferir uma a outra mas natildeo se vecirc por parte

dos antigos a preocupaccedilatildeo de crivaacute-las repetidamente para se obter uma uacutenica e definitiva

(como eacute proacuteprio de nosso meacutetodo cientiacutefico) e seria ilusoacuterio esperar que o fizessem apenas

porque o fazemos jaacute que isso natildeo estaacute a seu alcance e nem teria como ser seu foco72 Os

textos antigos preocupam-se antes em coligir as diferentes etimologias e etiologias e fornececirc-

las todas como igualmente verossiacutemeis como teoricamente plausiacuteveis porque cirscunscrevem

o toacutepico de maneira geralmente didaacutetica e autoexplicativa Equivocou-se Severyns portanto

72 Apenas agrave guisa de ilustraccedilatildeo devemos considerar do ponto de vista linguiacutestico que os antigos gregos natildeo

tinham agrave sua disposiccedilatildeo tudo quanto hoje sabemos sobre o proto-indoeuropeu

83

apesar de seu refinamento e equivoca-se quem tente descobrir qual etimologia estaria no

texto ocupando o status de verdadeira Comparada Crestomatia ao texto de Diomedes que

possuiacutemos integralmente vemos natildeo haver o objetivo de para cada seacuterie de etimologias e

explicaccedilotildees da origem de uma espeacutecie poeacutetica selecionar a ldquouacutenicardquo etimologia verdadeira em

detrimento das demais

Por fim deve-se recordar que ldquorevelar as etimologiasrdquo e ldquoexplicar as histoacuteriasrdquo o que

sabemos ser parte da exegese textual dos antigos eram ou pelo menos se tornam como visto

em nossa reflexatildeo sobre o proecircmio da Ars de Dioniacutesio Traacutecio ofiacutecio do gramaacutetico Esse eacute o

elemento chave que daacute espaccedilo nos textos de gramaacutetica ou como dito de ascendecircncia

gramatical agrave descriccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies da poesia Teoricamente o gramaacutetico ou o

enfoque gramatical desarrola a exposiccedilatildeo da poesia por gecircneros e espeacutecies como modelo das

letras e lhes explica os nomes Essa eacute sua funccedilatildeo Natildeo as explica filosoficamente A causa ou

etiologia vem por necessidade se eacute relevante ou se a etimologia natildeo a conteacutem por ser

autoexplicativa

331 Epos

3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria

A primeira definiccedilatildeo de epos que se lecirc no texto de Diomedes eacute hauridade de Teofrasto

ldquoEpos se diz em grego a inclusatildeo das accedilotildees divinas heroicas e humanas no canto hexacircmetro

eacutepos estigraven periokhegrave theiacuteon te kaigrave heroiumlkocircn kaigrave anthropiacutenon pragmaacuteton73rdquo74 Como se vecirc essa

primeira definiccedilatildeo pontua claramente o elemento ldquoaccedilatildeordquo mas chama atenccedilatildeo outro elemento

de ordem terminoloacutegica o fato de que epos se defina pela ldquoinclusatildeordquo (periokheacute) das ldquoaccedilotildeesrdquo

(praacutegmata) no metro Natildeo soacute se verifica o criteacuterio metro-mateacuteria mas tambeacutem a sucessatildeo

desta agravequele A definiccedilatildeo atribuiacuteda a ningueacutem menos que o sucessor de Aristoacuteteles afirma

mais uma vez a preponderacircncia da accedilatildeo como elemento definidor da poesia narrativa por

excelecircncia mas o emprego do plural abre margem a conjecturas porque permite a leitura

73 Fortenbaugh et ali Theophrastus of Eresus Brill 1993 apud Gaberllini (2005) 74 Gaberllini op cit pg 233

84

segundo a qual natildeo eacute necessaacuteria a unidade de accedilatildeo basta que os hexacircmetros ndash parte-se do

metro ndash tragam accedilotildees e recebem o nome de epos

Essa seria a definiccedilatildeo simples de epos segundo metro e mateacuteria Restaria explicar

como isso se deu e aiacute se tem a mesma etimologia de Proclo justamente aquela que segundo

Severyns eacute absurda e natildeo poderia ser aceita como a endossada por um autor como Proclo

Proacutepria ou natildeo absurda ou natildeo ela explica a histoacuteria do epos de maneira coerente e

verossiacutemil dentro da tratadiacutestica trata-se da etimologia que aproxima epos do verbo hepomai

(seguir) Essa seria a origem da palavra Um ldquoeposrdquo (palavra) seria uma corruptela de algo

que se segue e assim se empregou a palavra para designar alguma coisa que ldquose seguiardquo nos

hexacircmetros apoacutes a descoberta do metro (mais uma vez anterior agrave adiccedilatildeo de accedilotildees) ldquoparagrave tograve

heacutepesthai en autocirci tagrave hexecircs meacutere toicircs proacutetoisrdquo75 O elemento sequencial apresentado por

Diomedes eacute a proacutepria consecuccedilatildeo das partes e das accedilotildees ie o proacuteprio elemento consecutivo

da narraccedilatildeo hexameacutetrica No caso da etimologia da Crestomatia aquilo que se segue a

consecuccedilatildeo satildeo as accedilotildees em relaccedilatildeo aos oraacuteculos accedilotildees que foram consoantes aos ouvidos

As duas etimologias natildeo satildeo a rigor completamente diferentes porque na verdade

trabalham com o mesmo elemento na expressatildeo ldquoforam consoantesrdquo (syacutemphona ecircn)76 da

Crestomatia supotildee-se a perfeita acomodaccedilatildeo entre accedilotildees e hexacircmetro comum a essa

exposiccedilatildeo do epos que se dessarola nos dois textos O texto de Diomedes natildeo agrave toa seguindo

o procedimento de compor uma breve histoacuteria com as informaccedilotildees agrave disposiccedilatildeo diraacute logo na

sequecircncia que ldquo() Na verdade o verso hexacircmetro se diz precipuamente eacutepos pois que por

primeiro o deus vate77 incluiu neste verso as palavras da resposta por assim dizer em muacutetua

consecuccedilatildeo de onde [vem] posteriormente por catacrese o termo o eacutepos por outros foi dita a

palavra e a proacutepria escrita consecutiva do discurso prosaicordquo78 Aqui como na Crestomatia a

associaccedilatildeo entre epos e palavra embora interpretada diferentemente Na Crestomatia porque

as composiccedilotildees hexameacutetricas passaram a se destacar demais e a exibir enorme superioridade

passaram a se designar por antonomaacutesia ldquopalavrardquo por serem a palavra por excelecircncia O

argumento se pauta na analogia com outros termos que designam pessoas ldquopoetardquo por

ldquoHomerordquo ldquooradorrdquo por ldquoDemoacutestenes Nela como visto o elemento ldquoconsecussatildeordquo se daacute

quando naturalmente das respostas do oraacuteculo percebe-se que a inclusatildeo de accedilotildees resultava

consoante ao metro Ora eacute uma diferenccedila de apresentaccedilatildeo da ideia mas esta de modo taacutecito

75 Diomedes 484 8 76 Proclo in Foacutecio 319a 10 ndash 11 in Severyns op cit sect13 77 Apolo 78 ldquo[] praecipue vero hexameter versus epos dicitur quoniam quidem hoc versu verba responsi in mutuam ut

sic dixerim consequentiam primus deus vates conprehendit unde postea abusive verbum et solutae orationis

ipsa scriptura consequens ab aliis epos dictumrdquo Diomedes (484 8 ndash 12)

85

eacute muito semelhante O texto de Diomedes traz a ilaccedilatildeo de que essa respota que se seguia era

um dizer um eacutepos e que seu nome se estendeu agraves composiccedilotildees com o tempo quando se deu

aquela inclusatildeo das sequecircncias de accedilotildees por catacrese (ldquounde postea abusive verbumrdquo) e natildeo

por antonomaacutesia Se essa informaccedilatildeo natildeo vem expressa no texto grego pode-se supor que

estaacute subentendida ao nomear a profetiza de Apolo que primeiro professou os oraacuteculo no metro

hexameacutetrico Femocircnoe composto de phemiacute (dizer) e nocircus (pensamento)

Como comprovaccedilatildeo da propagaccedilatildeo do nome o texto latino menciona que a extensatildeo

de sentido se deu ateacute o ponto de alguns usarem o termo tambeacutem para a fala e a escrita do que

denomina ldquodiscurso prosaicordquo ie a fala no que se pode supor a praacutetica oratoacuteria O mesmo

tipo de demonstraccedilatildeo seraacute empregado na Crestomatia mas laacute o exemplo satildeo os triacutemetros que

tambeacutem recebiam de alguns a designaccedilatildeo ldquoeacuteperdquo Vale lembrar que jaacute segundo Aritoacuteteles o

discurso das personagens se adaptou no estaacutegio final do desenvolvimento da trageacutedia ao

triacutemetro que eacute comum da fala79 Observa-se pois o mesmo tipo de argumento expresso com

exemplos parcialmente diferentes se considerarmos que a ambos subjaz o elemento ldquofala

comumrdquo natildeo tatildeo elevada menos poeacutetica de acordo com o criteacuterio do ldquomais e do menosrdquo da

elocuccedilatildeo segundo o qual a poesia naturalmente mais elevada deve conter em maior nuacutemero

as mesmas virtudes da prosa80

Os mesmos pressupostos subjazem agraves duas exposiccedilotildees lembrando sempre que no

caso de Diomedes isso vale apenas para o que diz da origem grega das espeacutecies poeacuteticas uma

vez que para cada carme fala da invenccedilatildeo entre os latinos As diferenccedilas ficam por conta de

um exemplo ou da maneira e da ordem atraveacutes das quais cada texto compotildee sua breve histoacuteria

explicativa da espeacutecie poeacutetica contudo ndash enfatizando mais uma vez ndash utilizando os mesmos

criteacuterios e causas consolidados Ora em nenhum momento Diomedes nega ndash mas pelo

contraacuterio deixa claro ndash que segue a preceptiva grega

Se pensarmos que esquematicamente os traccedilos apresentados satildeo

a ndash eacutepos ndash heacutepomai (ldquosyacutemphona ecircnrdquo)

b ndash uso primitivo do hexacircmetro nas respostas dos oraacuteculos

c ndash compreensatildeo das accedilotildees

79 Mais precisamente Aristoacuteteles diz que na fala comum os triacutemetros ocorrem repetidamente enquanto os

hexacircmetros satildeo poucos Cf Poeacutetica 1449a 23 ndash 27 80 De fato Aristoacuteteles na referida passagem diz que os hexacircmetros ocorrem quando na fala hodierna

desviamo-nos do registro coloquial ndash ldquoekbaiacutenontes tecircs lektecircs harmoniacuteasrdquo

86

d ndash confusatildeo entre fala hexameacutetrica e fala comum e extensatildeo para outros tipos de fala

(eacutepe)

a exposiccedilatildeo em Proclo seguiria um arranjo sequencial b a c d em Diomedes c a b d

3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico

Do que foi exposto no item anterior resulta nesta classificaccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies

poeacuteticos um criteacuterio que agruparia como epos toda poesia hexameacutetrica arcaica Mais

precisamente segue-se que por uma exposiccedilatildeo histoacuterico-etioloacutegica propotildee-se um conjunto

de traccedilos que agrupariam um poema na categoria ldquoeposrdquo A classificaccedilatildeo natildeo eacute como em

Aristoacuteteles exclusiva por tentar delimitar criteacuterios especiacuteficos e particularizantes mas

inclusiva porque assume mais de um criteacuterio ou traccedilo que permitiria incluir um poema no

gecircnero e apresenta as causas de cada um desses traccedilos como coexistentes

Por esse criteacuterio a rigor ndash e isso merece destaque no texto de Proclo ndash a invenccedilatildeo ou

descoberta do epos sua heuacuteresis eacute a descoberta do hexacircmetro e seu desenvolvimento ndash todas

as exposiccedilotildees mais detidas de espeacutecies seguem o esquema descoberta-desenvolvimento ndash

ocorre a partir do momento em que ldquose seguemrdquo as accedilotildees Parece que essa seria a exegese

mais literal dessa exposiccedilatildeo do epos como se encontra em Proclo e Diomedes Isso implica

que a rigor se o que Femonoe profetizava em hexacircmetros era ldquoeposrdquo ora poderiacuteamos

conceber um epos sem accedilatildeo Por isso talvez o segundo elemento etimoloacutegico imediatamente

arrolado seja o que propotildee a sucessatildeo imediata das accedilotildees por cosonacircnsia natural Vale

menccedilatildeo que a consonacircncia por si soacute seja ndash como por natureza ndash argumento suficiente (cf

supra 74)

Por esse criteacuterio abrangente observa-se que o texto de Proclo traria uma seccedilatildeo que natildeo

ocorre no livro III de Diomedes afinal de contas este natildeo teria a menor intenccedilatildeo embora

ambos compartilhem o mesmo ensejo didaacutetico e o mesmo modelo de categorizaccedilatildeo de

abordar detalhadamente o epos grego e daacute-lo a conhecer de modo geral agravequele que busca

instruccedilatildeo a seu respeito A Crestomatia traria nesse passo antes da apresentaccedilatildeo da elegia

uma discussatildeo geral de diferentes aspectos teoacutericos relacionados aos poemas classificados e

87

herdados como epos Como parte dessa discussatildeo eacute provaacutevel que se apresentassem

resumidamente evento a evento diferentes poemas contendo o ciclo eacutepico

A primeira peculiaridade aqui se refere ao fato de que os eventos mencionados por

Foacutecio (sect17) natildeo condizem com os eventos iniciais do primeiro poema na cronologia que nos

chega resumido a saber as Ciacuteprias que se iniciariam com Zeus tramando a guerra de Troia

junto a Tecircmis Considerando-se o episoacutedio das narraccedilotildees mitoloacutegicas com o qual o epiacutetome

de Foacutecio pontua o iniacutecio do ciclo verificamos que os fragmentos natildeo o contecircm por completo

uma vez que se iniciam com os poemas que visam ldquocompletarrdquo ndash ldquo

sympleroucircmenosrdquo ndash Homero (sect19) narrando fatos concernentes agrave guerra a partir de suas

causas que natildeo se encontram nem na Iliacuteada nem na Odisseia Eacute provaacutevel portanto que o

texto de Proclo transmitisse aqui de poemas como a Teogonia de Hesiacuteodo ou a

Titanomaquia atribuiacuteda a Eumelo eventos cosmogocircnicos concernentes agrave origem do mundo e

dos deuses culminando no reinado de Zeus e na Guerra de Troia a julgar inclusive pelo que

seria um dos toacutepicos do texto de Proclo destacado como relevante por Foacutecio a vir na

sequecircncia ldquotagrave mythologoucircmenardquo (sect19) ie as narraccedilotildees miacuteticas

O fato de Ceacuteu natildeo ser apresentado explicitamente como filho de Terra e de mesmo

assim a uniatildeo e a prole de ambos seguirem o padratildeo arcaico como se lecirc em Hesiacuteodo gerando

centiacutemanos e ciclopes (sem menccedilatildeo aos titatildes poreacutem) sugere a hipoacutetese defendida por

Severyns (paacuteg 87 ndash 88 n 17) de que Proclo se referia aqui agrave Titanomaquia jaacute entendida por

Ateneu (VII 277d ndash e) como poema do ciclo Nessa Ceacuteu seria filho do Ar (ou Eacuteter)81

O epiacutetome nos informa pela lista de cinco nomes anteriormente apresentada (sect15)

que dentro dessa interpretaccedilatildeo de epos Hesiacuteodo era exemplo da espeacutecie bem como outros

trecircs poetas que ou escreveram sobre Heacuteracles ndash sem atender como se sabe ao criteacuterio da

unidade de accedilatildeo por que Aristoacuteteles propugnaraacute (Poeacutetica VIII 1451a 16 ndash 35) ndash ou sobre as

guerras e eventos em torno da cidade de Tebas Os episoacutedios da Teogonia de Hesiacuteodo

portanto natildeo soacute seriam epos como tambeacutem de uma perspectiva a posteriori aquilo que

poetou faria parte do manancial episoacutedico que servia de mateacuteria prima aos poetas de epos A

respeito de Paniacuteasis Pisandro e Antiacutemaco resta a duacutevida que eram poetas de epos segundo

um mesmo criteacuterio que agrupava Hesiacuteodo e Homero natildeo haacute duacutevidas porque o texto o diz

contudo traria a Crestomatia menccedilatildeo dos episoacutedios por eles poetados

A referecircncia a essa primeira seccedilatildeo do ciclo eacutepico como ldquoτά περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι

μυθολογούμεναrdquo ldquoas narraccedilotildees miacuteticas sobre os deuses dos gregosrdquo (sect19) confirma que

81 Cf Anecdota Oxoniensa (I 75) Caliacutemaco (fragmento 498) Pseudo-Higino (Fabulae Preface) Ciacutecero (De

Natura Deorum 3 17)

88

antes dos resumos integralmente conhecidos o autor referia episoacutedios cosmogocircnicos mas

desse trecho natildeo temos fragmentos Eacute incerto se essa primeira parte do ciclo eacutepico era narrada

evento a evento apenas para anteceder os episoacutedios em torno da guerra de Troia do plano de

Zeus agrave morte de Odisseu ou se Proclo proporia uma sequecircncia de resumos dos diferentes

poemas considerados epos de acordo com a cronologia

Quanto agrave sequecircncia temporal dos eventos Ciacuteprias precedem a Iliacuteada Etioacutepida sucede

Na introduccedilatildeo agravequelas lecirc-se ldquoSucedem-se a esses eventos [a isso] as chamadas Ciacutepriasrdquo82

na introduccedilatildeo a esta ldquoSucede-se ao que foi dito anteriormente (no texto antes deste) a Iliacuteada

de Homero depois dela haacute a Etioacutepidardquo83 O texto a que o fragmento de Proclo refere-se satildeo

as Ciacuteprias a elas sucedem-se na cronologia os eventos da Iliacuteada e entatildeo os eventos da

Etioacutepida A jugar por essa passagem postos em sequecircncia o iniacutecio de ambos os fragmentos

indicariam que por deveras conhecida e copiada a Iliacuteada bem como a Odisseia natildeo eram

resumidas no texto de Proclo A introduccedilatildeo agrave Telegonia ocorre de maneira semelhante

ldquoDepois disso eacute a Odisseia de Homero depois disso a Telegoniardquo84 Chama a atenccedilatildeo que

pela cronologia dentro dessa esquematizaccedilatildeo de episoacutedios constituintes do ciclo a Odisseia

seria um nostos ie um retorno como uma espeacutecie a vir depois do poema Nostoi atribuiacutedo a

Aacutegias de Trezene e dedicado justamente a ldquosuprirrdquo os retornos natildeo poetados

Considerando que a Teogonia de Hesiacuteodo natildeo era obscura e que por isso poderia ser

simplesmente aludida como se faz com Iliacuteada e Odisseia natildeo restam muitos indiacutecios para

saber o que consistia esse iniacutecio do ciclo ou sua primeira seccedilatildeo Se no mesmo formato dos

resumos que a noacutes chegaram pode-se vislumbrar um autor que arrolasse um a um os eventos

em sequecircncia cronoacutelogica e mudando de um poema para o outro na ordem cronoloacutegica

fizesse menccedilatildeo disso Como faria no entanto no caso de poemas que continham ambos os

mesmos eventos A Titanomaquia como se sabe eacute narrada por Hesiacuteodo do verso 617 a 721

Poderia esse iniacutecio do ciclo ser apenas narrado de modo resumido e comentado pelo proacuteprio

Proclo a julgar pela construccedilatildeo ldquoΔιαπορεύεται δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι

μυθολογούμεναrdquo ndash ldquoPassa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre os

deuses dos gregosrdquo de modo que nele tanto o poema de Hesiacuteodo como o de Eumelo fossem

objeto do exame de Proclo A diferenccedila genealoacutegica apontada poreacutem eacute argumento aceite

para se supor que nesta passagem constasse o poema atribuiacutedo a Eumelo85 e daiacute como

tambeacutem consta na lista de kraacutetistoi (ou de modelos da espeacutecie) Antiacutemaco a quem se atribuem

82 Cypria 79 in Severyns tomo IV paacuteg 77 83 Cetera (a)Aethiopis 172 ndash 4 idem paacuteg 87 84 Cetera (e)Telegonia 306 ndash 7 ibidem paacuteg 96 85 Cf Evelyn-White (2003) e West (2003)

89

Tebaida e Epiacutegonos pode-se conjecturar que os eventos em torno de Tebas tambeacutem viessem

resumidos Se de fato Proclo se propusesse a enumerar episoacutedio a episoacutedio encaixando os

poemas em uma cronologia eacute provaacutevel que incluiacutesse esses eventos do ciclo tebano e dissesse

em que poema constam como nos resumos do ciclo troiano que conhecemos Como trataria a

Teogonia permanece uma questatildeo apenas a referiria e comentaria as diferenccedilas em relaccedilatildeo

ao poema de Eumelo Haveria um comentaacuterio sobre cosmogonia em geral no que

indiscriminadamente o autor exporia a interpretaccedilatildeo histoacuterica de que fala o paraacutegrafo 19

A passagem de Ateneu86 citada por Severyns confirma-nos apenas uma coisa pelo

menos desde o seacuteculo III dC as palavras ldquociclo eacutepicordquo podiam designar apenas os poemas

que se encarregavam de no entendimento dos exegetas e como aparece no texto mesmo de

Proclo completar a narraccedilatildeo de mitos que emboram conhecidos da audiecircncia dos poemas de

Homero natildeo se encontravam narrados em nenhum de seus dois poemas Independente de os

eacutepe que continham tais eventos serem primordialmente diferentes cantos hexameacutetricos de

uma Greacutecia ateacute preacute-homeacuterica dos quais postereiormente reunidos restaram-nos as

composiccedilotildees ou versotildees atribuiacutedas aos autores do chamado ciclo a percepccedilatildeo antiga dessas

composiccedilotildees pelo menos como expressa em Ateneu concebia-os como um conjunto de

poemas posteriores por oposiccedilatildeo a poemas anteriores Homero certamente pertencia ao

segundo grupo Portanto pensando episodicamente os eventos poetados por Homero podem

ser pensados como pertencentes a uma cronologia total de accedilotildees que os poetas abordam mas

parece que referindo-se a mais de um poema a proacutepria designaccedilatildeo ndash ldquociclo eacutepicordquo ndash supotildee-se

como um conjunto por exclusatildeo

Podia ser essa a distinccedilatildeo no texto de Proclo Se Foacutecio o resumiu atentando inclusive agrave

ordem de exposiccedilatildeo tambeacutem aqui se vecirc uma reorganizaccedilatildeo de um padratildeo expositivo

havendo definido a espeacutecie epos do gecircnero narrativo conforme o criteacuterio metro-mateacuteria e

organizado a exposiccedilatildeo de modo a fornecer uma breve histoacuteria para ela segundo a estrutura

invenccedilatildeo-desenvolvimento para completar o que seria uma exposiccedilatildeo didaacutetica87 dessa poesia

86 Logo no princiacutepio do livro VII do Deipnosophistae 277d ndash e discute-se o emprego da palavra por no

verso 1297 do Aacutejax de Soacutefocles e Zoilo afirma que o tragedioacutegrafo hauriu-a na Titanomaquia ao que emende

ldquode fato o ciclo eacutepico aprazia a Soacutefoclesrdquo Ateneu testemunha portanto na boca de Zoilo natildeo soacute que os poemas

do ciclo eram concebidos como um todo mas tambeacutem que a Titanomaquia estava inclusa 87 Essa finalidade didaacutetica ainda mais especificamente nessa exposiccedilatildeo de biografias e do ciclo natildeo poderia

ficar mais clara do que em uma passagem da briografia de Homero que seria do proacuteprio autor da obra

Ponderando sobre isso que no resumo de Foacutecio aparece como ldquotinas epi meacuterous praacutexeisrdquo ndash ldquoalgumas histoacuterias

particularesrdquo a respeito de Homero havendo exposto as histoacuterias a respeito de sua cegueira as etimologias a

repeito de seu nome e principalmente a anedota de sua morte escreve ldquoEsses eventos contudo carecem de

investigaccedilatildeo mas para que natildeo sejas de todo ignorante neles avanccedilo nesse sentidordquo (Vita Homeri 45 ndash 46 in

Severyns op cit tomo IV paacuteg 71 ndash 72 Traduccedilatildeo paacuteg 131)

90

1 ndash a) proporia um piacutenax ie uma lista dos poetas exemplares b) forneceria uma

biografia dos poetas dessa lista contemplando sua origem ie sua paacutetria vida e histoacuterias a

seu respeito Depois

2 ndash a) havendo exposto os principais poetas do epos dedicar-se-ia aos poemas dos

menores poetas de epos agrupados sob o tiacutetulo de ldquociclo eacutepicordquo se aqui se aplicasse a

denominaccedilatildeo como em Ateneu o primeiro poema seria o de Eumelo porque na cronologia

miacutetica eacute o mais velho dos poemas do ciclo b) iniciando-se o ciclo portanto por eventos

comogocircnicos haveria um excurso explicativo sobre tais eventos se o excurso se desdobrava

na anaacutelise de mais eventos divergentes Hesiacuteodo e episoacutedios do ciclo tebano poderiam vir

referidos mas o foco seria a explicaccedilatildeo histoacuterica dos mitos sem que se possa saber se essa

explicaccedilatildeo se dava sobre um resumo cosmogocircnico como um todo em que se inseria a

Titanomaquia ou apenas sobre os eventos nela contantes c) uma ponderaccedilatildeo sobre o valor do

ciclo eacutepico e a explicitaccedilatildeo do criteacuterio adotado para sua exposiccedilatildeo a sequecircncia de accedilotildees nele

contidas ou ndash por que natildeo ndash registradas d) a menccedilatildeo apenas ou uma breve biografia dos

poetas que compuseram tais poemas

Como no caso do ciclo o foco satildeo os eventos transmitidos e natildeo a virtude das

composiccedilotildees a exposiccedilatildeo dos seus eventos eacute anterior os poetas seriam discutidos apenas

depois se o paraacutegrafo 21 corresponde a algo aleacutem do ldquonomerdquo e ldquopaacutetriardquo que antecedem o

resumo de cada um dos poemas Cosoante a isso parece estar o compilador do Etymologicum

Magnum outrora citado na paacutegina 15 (cf seccedilatildeo 12) e a ordem como coloca o ciclo eacutepico em

sua citaccedilatildeo fornecida como de Proclo

332 Elegia

Na exposiccedilatildeo da elegia como eacute de se esperar natildeo haacute diferenccedilas gritantes entre a

histoacuteria que se lecirc em Proclo e a que se lecirc no gramaacutetico latino Ambos iniciam pelo metro

elemento preciacutepuo a ser observado para a classificaccedilatildeo e definem como ldquoelegeiacuteardquo o diacutestico

em que se compotildeem os poemas que recebem tal denominaccedilatildeo Sobre a mateacuteria ou sobre a

histoacuteria do que se canta nas elegias ambos satildeo unacircnimes como todas as descriccedilotildees que

conhecemos em associar a elegia ao lamento fuacutenebre irmanando-a ao treno e agrave necircnia

A etimologia apresentada por Proclo quanto agrave palavra exata eacute a que aproxima a forma

ldquoelegeiacuteardquo da forma ldquoeacutelegosrdquo que eacute dada como nome antigo do lamento fuacutenebre mais

91

precisamente segundo a etimologia do coacutedice seria o nome que os antigos davam ao proacuteprio

treno esse sim o canto de lamento por um morto O termo tambeacutem adviria do fato de que se

elogiava o morto o que se diria ldquoeucirc leacutegeinrdquo havendo proximidade foneacutetica entre o nome do

lamento antigo (eacutelegos) e a expressatildeo para ldquofalar bemrdquo A formulaccedilatildeo que se lecirc no texto natildeo

deixa duacutevida de que pelo menos neste caso natildeo se trata de escolher uma a outra mas de

entender o que consistia a etimologia antiga explicar uma palavra atraveacutes de outras

principalmente se haacute implicaccedilatildeo histoacuterica entre elas o que se deduz de seus significados

Assim eacute porque o lamento fuacutenebre se dizia entre os antigos ldquoeacutelegosrdquo e porque

simultanemante nele se elogiava o morto (ldquoeucirc leacutegeinrdquo) que se cunhou a palavra que designa

as composiccedilotildees no metro A etimologia aqui busca explicar o nome que diferentemente do

hexacircmetro eacute o nome do metro e por conseguinte o nome da composiccedilatildeo Isso se explicita no

terceiro comentaacuterio explicativo a respeito da elegia posteriormente se passou a usar o metro

para diferentes ldquohipoacutetesesrdquo para diferenes argumentos explicando portanto que muito da

elegia (principalmente a julgar pelo que conhecemos) natildeo conteacutem o elemento fuacutenebre

A etimologia de Diomedes difere quanto agrave expressatildeo para o lamentar mas constroacutei-se

de maneira semelhante ie pela concomitacircncia das duas coisas ou dos significados dos

significantes aproximados De fato diz-nos Diomedes

ldquo() elegia autem dicta sive

(fere enim defunctorum laudes hoc carmine conprehendebantur) sive

id est miseratione quod Graeci vel

isto metro scriptitaveruntrdquo

(Diomedes op cit 484 22 ndash 25)

ldquo() A elegia por sua vez disse-se quer paragrave tograve eucirc leacutegein tougraves

tethneocirctas88 (pois quase todos os elogios aos mortos eram

compreendidos neste canto) quer apograve toucirc eleacuteou89 isto eacute comiseraccedilatildeo

porque os gregos tinham o haacutebito de escrever neste metro threacutenous ou

eleeicircardquo

(trad Gaberllini op cit 234)

Diomedes prefere as palavras que nomeiam a substacircncia do canto fuacutenebre e

primeiramente na contraposiccedilatildeo ao elogio oferece outra palavra em vez de eacutelegos Nisso natildeo

diverge do saber gramatical que aqui se expotildee porque essa etimologia na verdade eacute

recorrente em outros textos Lecirc-se por exemplo no Etymologicum Magnun e no escoacutelio a

88 ie ldquopelo elogiar os mortosrdquo 89 ldquoPor causa da laacutestima piedaderdquo a ldquocomiseraccedilatildeordquo como o proacuteprio Diomedes traduz em sequecircncia

92

Dioniacutesio Traacutecio preferindo-se ali o verbo eleeicircn (ldquolastimar comiserar-serdquo)90 em vez do aqui

empregado substantivo eacuteleon91

Igualmente apenas em outra ordem o texto do gramaacutetico propotildee como argumento

final (o que na Crestomatia seria o primeiro argumento) o fato de que era nesse metro que os

antigos gregos compunham trenos Propotildee contudo outro nome para eles eleeicirca Essa

possibilidade etimoloacutegica natildeo eacute mencionada por Severyns em seu comentaacuterio a essa

passagem do epiacutetome embora ocorra no singular em duas das passagens que colige do

escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio em (173 8 ndash 10)

ldquoἪ ἐλεγεῖόν ἐστι θρῆνος ἐπιτάφιος οἱονεὶ ἐλεεῖόν τι ὄν τοῦ ltγgt

ἐκθλιβομένου παρὰ τὸ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ εὐλογεῖον παρὰ

τὸ εὖ λέγειν τὸν ἀποβιώσανταrdquo

ldquoOu lsquoelegeicirconrsquo92 eacute treno funeraacuterio como se fosse um lsquoeleeicirconrsquo

elidindo-se o lsquogrsquo pelo lsquoeleeicircnrsquo [lastimar] o falecido ou lsquoeulogeicirconrsquo93

pelo lsquoeucirc logeicircnrsquo [elogiar] o que cessou de viverrdquo

(grifos e traduccedilatildeo do autor)

e (307 24 ndash 26)

ldquoἪ ἐλεγεῖόν ἐστι θρῆνος ἐπιτάφιος οἱονεὶ ἐλεεῖόν τι ὄν ἐλλειφθέντος

τοῦ ltγgt ἀπὸ τοῦ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ ἐλεγεῖον ἀπὸ τοῦ ἔ

λέγειν τὸν ἀποβιώσανταrdquo

ldquoOu lsquoelegeicirconrsquo eacute treno funeraacuterio como se fosse um lsquoeleeicirconrsquo faltando

o lsquogrsquo pelo lsquoeleeicircnrsquo o falecido ou lsquoelegeicirconrsquo por causa do lsquoeacute leacutegeinrsquo94 o

que cessou de viverrdquo

(Idem)

90 O levantamento completo das etimologias encontra-se bem exposto e organizado em Severyns op cit II

commentaire 25 paacuteg 99 ndash 102 Para essa em especiacutefico cf Etymologicum Magnun 326 50 e o escoacutelio a

Dioniacutesio Traacutecio 307 24 ndash 26 173 8 ndash 9 20 25 ndash 27 475 26 91 Haurido por Severyns no Etymologicum Gudianum 180 17 e no Et Mag idem em outra etimologia que

aproxima eacuteleon de goacuteon sendo este segundo a expressatildeo acerba do luto Essa etimologia diferentemente eacute

apenas pautada no campo semacircntico do lamento funeral 92 Termo que tambeacutem designa priemeiro o diacutestico e por metoniacutemia a composiccedilatildeo em diacutestico daiacute o poema ou a

inscriccedilatildeo no metro 93 Algo como ldquoelogiosordquo 94 Essa seria a etimologia mais baacutesica supondo que o termo viria de ldquodizer lsquoersquordquo como expressatildeo de dor

93

Em ambos os casos como os gramaacuteticos se repetem e parecem se copiar obserava-se

o emprego da conjunccedilatildeo ldquohoioneiacuterdquo quase como se fosse formular ao se dar essa etimologia O

plural ocorre somente uma vez

ldquo()διὸ καὶ καλεῖται ἐλεγεῖα οἱονεὶ ἐλεεῖα τοῦ ltγgt ἐκθλιβομένου

παρὰ τὸ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ ἐλεγεῖα οἱονεὶ εὐλεγεῖα παρὰ τὸ

εὖ λέγειν τὸν ἀποβιώσανταhelliprdquo

(Sch Dion Tr 20 25 ndash 27)

ldquo() razatildeo pela qual tambeacutem se chamava ldquoelegeicircardquo como se ldquoeleeicircardquo

elidido o lsquogrsquo pelo ldquoeleeicircnrdquo o falecido ou ldquoelegeicircardquo como se

ldquoeulegeicircardquo pelo ldquoeucirc leacutegeinrdquo o que cessou de viverrdquo

(Idem)

Severyns natildeo menciona o termo como uma etimologia em separado porque natildeo o

entende e com razatildeo assim a comeccedilar pela conjunccedilatildeo mencionada vecirc-se que nessas

explicaccedilotildees o termo eacute hipoteacutetico Severyns igualmente natildeo estaacute comparando o coacutedice 239 agrave

Ars de Diomedes que natildeo menciona Em todas as referidas ocorrecircncias seja antes (173 e

307) seja depois (20) assume-se que o termo eacutelegos era primordialmente sinocircnimo de treno

portanto em todas a palavra seguindo o mesmo esquema derivacional eacute apresentada como

transiccedilatildeo de uma derivaccedilatildeo do verbo eleeacuteo como uma espeacutecie de deverbal anterior a

forma com g Seria o que se diria imediatamente a princiacutepio como resultado do verbo

ldquocomiserar-se lastimarrdquo

Ora eacute esse o termo que Diomedes fornece como sinocircnimo de treno haurido como se

vecirc tambeacutem na gramaacutetica de base heleniacutestica Assim salvo pela escolha Diomedes natildeo

diverge do texto da Cretomatia mas refere-se agrave etapa primeira do processo expliacutecito nos

demais textos do qual se subentende que pela adiccedilatildeo de um som jaacute se estaacute na famiacutelia das

palavras ldquoeacutelegos elegeicircon elegeiacuteardquo Esses seriam os trecircs termos maiores da histoacuteria que se

compotildee com as etimologias sendo o primeiro o nome antigo para o lamento que se fazia pelo

passamento de algueacutem o segundo do metro e de seu emprego um diacutestico qualquer sendo o

plural uma forma de designar as composiccedilotildees Elegia se diria do poema inteiro composto

nesse metro a ldquoforma literaacuteriardquo ou em outros termos o poema pensado para ser uma

composiccedilatildeo nesse metro ndash segundo o emprego amplo que se fez do termo e a que o epiacutetome

alude e com esse feminino natildeo se designariam mais as inscriccedilotildees ou epigramas O texto

mesmo de Diomedes exemplifica o emprego de ldquoeacutelegosrdquo e ldquoelegiardquo como sinocircnimos a

95 Severyns agrupa as passagens referidas no conjunto de etimologias a partir do referido verbo

94

posteriori seja por empregaacute-los ele mesmo (ldquoelegiardquo como nome do carme mas depois

ldquoelegosrdquo referido-se agraves composiccedilotildees96) seja pelo exemplo de Horaacutecio nas linhas seguintes

Odes I 33 2 ndash 397

Assim teriacuteamos como designaccedilotildees mais primitivas eacutelegos (lamento) e elegeicircon (o

metro em que se exprimia sua confecccedilatildeo) Ambos se agrupariam na nomenclatura geneacuterica

posterior elegeiacutea O eacutelegos contudo a designaccedilatildeo para o elemento baacutesico desse canto

derivaria em geral de

a) ldquoeacute leacutegeinrdquo eleeicircn-eacuteleon para o que alguns supotildeem uma expressatildeo resultativa

ldquoeleeicirconardquo agrave qual se adicionou o gama ( )

b) ldquoeucirc leacutegeinrdquo

Esses satildeo os dois elementos baacutesicos de significado que as etimologias contemplam

Vemos por fim que Diomedes empregou a expressatildeo ldquoeleeicirconardquo para o que em Proclo eacute o

eacutelegos pensado como o treno antigo a expressatildeo da comiseraccedilatildeo (eleacuteon item a) somado ao

item b de nosso binocircmio ldquoeucirc legeicircnrdquo compondo uma histoacuteria natildeo diferente da exposta em

Proclo

333 Iambo

As similaridades entre os dois textos quanto aos referentes gregos eacute bem evidente

por exemplo nos dois modelos gregos arrolados pelo gramaacutetico latino Mas eacute a etimologia

para to iambeicircn a uacutenica proposta por Diomedes que imediatamente chama a atenccedilatildeo em seu

texto porque tambeacutem como Severyns diz muito bem acerca do texto de Proclo (op cit tomo

II commentaire 28 1 paacuteg 104) segue em primeiro lugar a etimologia proposta por ningueacutem

menos que Aristoacuteteles

96 Op cit 485 1 97 ldquoAlbi ne doleas plus nimio memor

inmitis Glycerae neu miserabilis

decantes elegos cur tibi iunior

laesa praeniteat fiderdquo

95

ldquo()

rdquo

(ARISTOacuteTELES Poeacutetica 1448b 30 ndash 32)

ldquoNos quais [No Margites e poemas semelhantes] por acomodaccedilatildeo o iacircmbico veio

como metro ndash eacute por isso que eacute chamado ldquoiacircmbicordquo hoje porque nesse metro se ralhavam uns

com os outrosrdquo

(Trad do autor)

Aristoacuteteles mesmo supotildee que o verbo iambizar jaacute existia antes de se referir tambeacutem

ao peacute com o significado de ldquoimprecar ralhar insultarrdquo e por causa do uso que se fazia do

metro posteriormente esse obteve seu nome a partir da finalidade com que era empregado

Severyns propotildee que a recorrecircncia dessa etimologia nos textos em geral e sua presenccedila

encabeccedilando o texto de Proclo se deveria acima de tudo ao peso da autoridade de

Aristoacuteteles98 Caberia entatildeo indagar porque Aristoacuteteles natildeo eacute seguido em diversas outras

passagens Que sua autoridade pese como autor que endossava essa opiniatildeo natildeo se nega mas

fiar-se a ela como etimologia primeira e baacutesica parece estar atrelado agrave ausecircncia de outra

etimologia plenamente satisfatoacuteria uma vez que o proacuteprio texto de Proclo atesta que a

associaccedilatildeo direta entre iacuteambos e iambiacutezein seria dialetal sem identificar sua origem poreacutem

No lugar de iambiacutezein na primeira associaccedilatildeo etimoloacutegica (sect28 15) refere-se a ldquoloidoriacuteasrdquo

para em seguida associar o verbo cognato (loidorein) ao que Aristoacuteteles emprega pois que

satildeo sinocircnimos

Demais Proclo apresentaraacute outras duas explicaccedilotildees a primeira delas eponiacutemica

parece que ocorre de modo a fornecer uma etiologia que reforccedila a associaccedilatildeo baacutesica metro-

mateacuteria apresentada no paraacutegrafo anterior a segunda tem a mesma intenccedilatildeo uma vez que

apresentaria o processo pelo qual o uso sobejo de iambiacutezein teria ocupado o proacuteprio lugar de

hybriacutezein Porfim esse argumento eacute endossado pela comparaccedilatildeo com o verbo komaacutezein se

primeiramente significava apenas participar de uma koacutemos um cortejo galhofeiro pela

praacutetica poeacutetica torna-se o proacuteprio verbo para ldquocriticar satirizarrdquo

Merece destaque tambeacutem o fato de que nesse passo ambos autores descrevem o

mesmo processo muito plausiacutevel observado no caso do epos segundo o qual uma palavra

em funccedilatildeo de um uso acaba tomando o lugar de outra

98 Op cit paacuteg 105

96

334 Meacutelica

O texto de Diomedes natildeo traz uma extensa classificaccedilatildeo da meacutelica mas a Ars de

Horaacutecio como se sabe natildeo soacute chama a atenccedilatildeo por mencionar a liacuterica mas principalmente

por apresentar brevemente uma divisatildeo segundo olha de maneira semelhante para as espeacutecies

da meacutelica grega (83 ndash 85)

ldquoMusa dedit fidibus divos puerosque deorum

et pugilem victorem et equum certamine primum

et ivuenum curas et libera vina referrerdquo

ldquoA Musa concedeu agrave lira o cantar deuses e filhos de deuses o

vencedor no pugilato e o cavalo que primeiro cortou a meta nas

corridas os cuidados dos jovens e o vinho que liberta dos cuidadosrdquo

(trad Rosado Fernandes 1984)

Semelhantemente ao criteacuterio da Crestomatia Horaacutecio vai do sacro ao profano ou

secular aludindo a exemplos semelhantes ao que no texto de Proclo seratildeo trecircs dos grandes

grupos em que a poesia meacutelica apareceraacute agrupada o hino e alguma espeacutecie que poderia

incluir homens (fosse um peatilde secular o encocircmio ou outra espeacutecie)99 o epiniacutecio e a poesia de

acircmbito simposial (uma composiccedilatildeo eroacutetica ou um escoacutelio) Os grupos do texto de Proclo satildeo

a saber

(a) para os deuses ndash hino (uma categoria que poderia se pensada como gecircnero para espeacutecie)

prosoacutedio peatilde ditirambo nomo adoniacutedia iobaco hiporquema

(b) para os homens ndash encocircmio (que conteria o elemento baacutesico podendo ser para as demais

espeacutecies tomado como gecircnero) epiniacutecio escoacutelio eroacuteticas epitalacircmio himeneu silo epiceacutedio

e treno

99 E aqui eacute interessante que Horaacutecio sugira a possibilidade dessa inclusatildeo do homem como objeto da poesia

primeiramente sacra ou seja a secularizaccedilatildeo da espeacutecie poeacutetica dado que como se notaraacute ao longo da anotaccedilatildeo

ao cataacutelogo das espeacutecies meacutelicas tal noccedilatildeo estaacute presente e eacute aplicada mesmo que subentendida em alguns casos

ao longo da classificaccedilatildeo Horaacutecio como se sabe eacute bem anterior a Proclo o que confirma portanto que o

resumo de Foacutecio atesta uma classificaccedilatildeo as poesia (natildeo soacute da meacutelica) que pelo menos ateacute Proclo era conhecida

aceita e difundida

97

(c) para deuses e homens ndash partecircnio (assumidamente gecircnero para espeacutecies) e daiacute dafnefoacutericas

tripodefoacutericas oscofoacutericas ecircuticas

(d) para circunstacircncias acidentais quando o poeta por conta de uma circunstacircncia ocasional

comporia versos para situaccedilotildees particulares da vida praacutetica motivo pelo qual as pragmaacuteticas

poderiam ser pensadas como gecircnero para espeacutecies seguida das empoacutericas apostoacutelicas

sentenciosas geoacutergicas e epistolares

A classificaccedilatildeo dessas espeacutecies estaria portanto diretamente atrelada agrave situaccedilatildeo em

que se davam Para diversas delas como se veraacute a situaccedilatildeo seraacute pressuposta apenas Os

criteacuterios ateacute entatildeo observado (etimologia e etiologia) seratildeo empregados para circunscrever as

origens e circunstacircncias que tatildeo somente por nomear permitiriam ao gramaacutetico categorizar

ie tornar algo vasto e impreciso em uma classificaccedilatildeo acessiacutevel e didaacutetica

De agora em diante portanto dada a extensatildeo do cataacutelogo concernente agraves espeacutecies

meacutelicas como natildeo eacute objetivo deste estudo resolver os problemas concernentes a cada uma

delas em separado mas sim entender seu funcionamento dentro do tipo de classificaccedilatildeo aqui

estudada a classificaccedilatildeo dos gramaacuteticos e estabelecer a filiaccedilatildeo do texto atribuiacutedo a Proclo

(uacutenico espeacutecime a trazer a extensa classificaccedilatildeo da liacuterica) o texto assumiraacute a forma de

anotaccedilatildeo agrave traduccedilatildeo do epiacutetome a fim de fornecer as referecircncias necessaacuterias para sua

compreensatildeo (pois natildeo faltam passagens obscuras) pontuando e ponderando elementos agraves

vezes apenas conjecturais que explicitem as caracteriacuteticas da obra (como ateacute entatildeo tem sido

pensada) e a aplicaccedilatildeo dos criteacuterios que foram aqui propostos como instrumentais dos textos

de base gramatical Seguir-se-atildeo os dois editores e comentadores modernos do coacutedice 239

(Severyns e Ferrante) visando tal exclarecimento e a seus comentaacuterios se somaratildeo as

ponderaccedilotildees segundo as finalidades deste estudo

98

PARTE II

Traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo

1 COacuteDICE 239

11 TEXTO

Segue-se a ediccedilatildeo de Severyns e sua paragrafaccedilatildeo junto da numeraccedilatildeo da ediccedilatildeo de

Bekker para a Biblioteca

[1] Ἀνεγνώσθη ἐκ τοῦ ἐπιγραφομένου βιβλίου Πρόκλου Xρησ- 239318b22

τομαθείας ραμματικῆς rsquoEκλογαί

[2] Ἔστι δὲ τὸ βιβλίον εἰς διῃρημέ-

νον λόγους

[3] Λέγει μὲν ἐν τῷ αʹ ὡς αἱ αὐταί εἰσιν ἀρεταὶ

τοῦ λόγου καὶ ποιήματος παραλλάσσουσι δὲ ἐν τῷ μᾶλ- 25

λον καὶ ἧττον

[4] Καὶ ὅτι τοῦ πλάσματος τὸ μέν ἐστιν ἁδρόν

τὸ δὲ ἰσχνόν τὸ δὲ μέσον

[5] Καὶ τὸ μὲν ἁδρὸν ἐκπκληκ-

τικώτατόν ἐστι καὶ κατεσκευασμένον μάλιστα καὶ ποιη-

τικὸν ἐπιφαῖνον κάλλος

[6] Tὸ δὲ ἰσχνὸν τὴν τροπικὴν μὲν

καὶ φιλοκατάσκευον σύνθεσιν μεταδιώκει ἐξ ἀνειμένων 30

δὲ μᾶλλον συνήρτηται ὅθεν ὡς ἐπίπαν τοῖς γοεροῖς

ἄριστά πως ἐφαρμόττει

[7] Τὸ δὲ μέσον καὶ τοὔνομα μὲν

δηλοῖ ὅτι μέσον ἐστὶν ἀμφοῖν

[8] Ἀνθηρὸν δὲ κατ ἰδίαν

οὐκ ἔστι πλάσμα ἀλλὰ συνεκφέρεται καὶ συμμέμικται

99

τοῖς εἰρημένοις ἁρμόζει δὲ τοπογραφίαις καὶ λειμώνων 35

ἢ ἀλσῶν ἐκφράσεσιν

[9] Οἱ δὲ τῶν εἰρημένων ἀποσφα-

λέντες ἰδεῶν ἀπὸ μὲν τοῦ ἁδροῦ εἰς τὸ σκληρὸν καὶ ἐπηρ-

μένον ἐτράπησαν ἀπὸ δὲ τοῦ ἰσχνοῦ εἰς τὸ ταπεινὸν

ἀπὸ δὲ τοῦ μέσου εἰς τὸ ἀργὸν καὶ ἐκλελυμένον

[10] Διαλαμ- 239319a1

βάνει δὲ καὶ περὶ κρίσεως ποιήματος ἐν ᾧ παραδί-

δωσι τίς ἤθους καὶ πάθους διαφορά

[11] Καὶ ὅτι τῆς ποιη-

τικῆς τὸ μέν ἐστι διηγηματικόν τὸ δὲ μιμητικόν

[12] Καὶ τὸ

μὲν διηγηματικὸν ἐκφέρεται δι ἔπους ἰάμβου τε καὶ ἐλε- 5

γείας καὶ μέλους τὸ δὲ μιμητικὸν διὰ τραγῳδίας σατύρων

τε καὶ κωμῳδίας

[13] Καὶ ὅτι τὸ ἔπος πρῶτον μὲν ἐφεῦρε Φημονόη ἡ

Ἀπόλλωνος προφῆτις ἑξαμέτροις χρησμοῖς χρησα-

μένη καὶ ἐπειδὴ τοῖς χρησμοῖς τὰ πράγματα εἵπετο 10

καὶ σύμφωνα ἦν ἔπος τὸ ἐκ τῶν μέτρων κληθῆναι

[14] Οἱ δέ φασιν ὅτι διὰ τὴν κατασκευὴν καὶ τὴν ἄγαν

ὑπεροχὴν τὴν ἐν τοῖς ἑξαμέτροις θεωρουμένην τὸ

κοινὸν ὄνομα παντὸς τοῦ λόγου τὸ ἑξάμετρον ἰδιώ-

σατο καὶ ἐκλήθη ἔπος καθάπερ καὶ Ὅμηρος τὸν 15

ποιητὴν καὶ ὁ Δημοσθένης τὸν ῥήτορα ᾠκειώσατο

ἐπεὶ καὶ τὰ τρίμετρα ἔπη προσηγόρευον

[15] Γεγόνασι δὲ

τοῦ ἔπους ποιηταὶ κράτιστοι μὲν Ὅμηρος Ἡσίοδος Πεί-

σανδρος Πανύασις Ἀντίμαχος

[16] Διέρχεται δὲ τούτων ὡς

οἷόν τε καὶ γένος καὶ πατρίδας καί τινας ἐπὶ μέρους 20

πράξεις

[17] Διαλαμβάνει δὲ καὶ περὶ τοῦ λεγομένου ἐπικοῦ

κύκλου ὃς ἄρχεται μὲν ἐκ τῆς Οὐρανοῦ καὶ Γῆς μυθο-

λογουμένης μίξεως ἐξ ἧς αὐτῷ καὶ τρεῖς παῖδας ἑκα-

100

τοντάχειρας καὶ τρεῖς γεννῶσι Κύκλωπας

[18] Διαπορεύεται

δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι μυθολογούμενα 25

καὶ εἴ πού τι καὶ πρὸς ἱστορίαν ἐξαληθίζεται

[19] Καὶ περα-

τοῦται ὁ ἐπικὸς κύκλος ἐκ διαφόρων ποιητῶν συμπλη-

ρούμενος μέχρι τῆς ἀποβάσεως Ὀδυσσέως τῆς εἰς Ἰθά-

κην ἐν ᾗ ὑπὸ τοῦ παιδὸς Τηλεγόνου ἀγνοοῦντος

κτείνεται

[20] Λέγει δὲ ὡς τοῦ ἐπικοῦ κύκλου τὰ ποιήματα 30

διασῴζεται καὶ σπουδάζεται τοῖς πολλοῖς οὐχ οὕτω διὰ

τὴν ἀρετὴν ὡς διὰ τὴν ἀκολουθίαν τῶν ἐν αὐτῷ πραγμά-

των

[21] Λέγει δὲ καὶ τὰ ὀνόματα καὶ τὰς πατρίδας τῶν πραγ-

ματευσαμένων τὸν ἐπικὸν κύκλον

[22] Λέγει δὲ καὶ περί

τινων Κυπρίων ποιημάτων καὶ ὡς οἱ μὲν ταῦτα εἰς 35

Στασῖνον ἀναφέρουσι Κύπριον οἱ δὲ Ἡγησῖνον τὸν

Σαλαμίνιον αὐτοῖς ἐπιγράφουσιν οἱ δὲ Ὅμηρον

γράψαι δοῦναι δὲ ὑπὲρ τῆς θυγατρὸς Στασίνῳ καὶ διὰ τὴν 239319b1

αὐτοῦ πατρίδα Κύπρια τὸν πόνον ἐπικληθῆναι

[23] Ἀλλ οὐ

τίθεται ταύτῃ τῇ αἰτίᾳ μηδὲ γὰρ Κύπρια προπαροξυτόνως

ἐπιγράφεσθαι τὰ ποιήματα 5

[24] Τὴν δὲ ἐλεγείαν συγκεῖσθαι μὲν ἐξ ἡρῴου καὶ πεντα-

μέτρου στίχου ἁρμόζειν δὲ τοῖς κατοιχομένοις

[25] Ὅθεν καὶ

τοῦ ὀνόματος ἔτυχε τὸ γὰρ θρῆνος ἔλεγον ἐκάλουν οἱ

παλαιοὶ καὶ τοὺς τετελευτηκότας δι αὐτοῦ εὐλόγουν

[26] Οἱ

μέντοι γε μεταγενέστεροι ἐλεγείᾳ πρὸς διαφόρους 10

ὑποθέσεις ἀπεχρήσαντο

[27] Λέγει δὲ καὶ ἀριστεῦσαι τῷ μέ-

τρῳ Καλλῖνόν τε τὸν Ἐφέσιον καὶ Μίμνερμον τὸν Κολο-

101

φώνιον ἀλλὰ καὶ τὸν τοῦ Τηλέφου Φιλίταν τὸν Κῷον

καὶ Καλλίμαχον τὸν Βάττου Κυρηναῖος οὗτος δ ἦν

[28] Ἀλλὰ γὰρ καὶ τὸν ἴαμβον τάττεσθαι μὲν ἐπὶ λοιδο- 15

ρίας τὸ παλαιόν καὶ γὰρ καὶ τὸ ἰαμβίζειν κατά τινα

γλῶσσαν λοιδορεῖν ἔλεγον

[29] Οἱ δὲ ἀπό τινος Ἰάμβης

θεραπαινίδος Θρᾴττης τὸ γένος ταύτην φασίν τῆς

Δήμητρος ἀνιωμένης ἐπὶ τῇ τῆς θυγατρὸς ἁρπαγῇ

προσελθεῖν περὶ τὴν Ἐλευσῖνα ἐπὶ τῇ νῦν Ἀγελάστῳ 20

καλουμένῃ πέτρᾳ καθημένην καὶ διά τινων χλευασμάτων

εἰς γέλωτα προαγαγέσθαι τὴν θεόν

[30] Ἔοικε δὲ ὁ ἴαμβος

τὸ μὲν παλαιὸν ἐπὶ τῶν εἰς ψόγον καὶ ἔπαινον γρα-

φομένων ὁμοίως λέγεσθαι ἐπεὶ δέ τινες ἐπλεόνασαν ἐν

ταῖς κακολογίαις τὸ μέτρον ἐκεῖθεν τὸ ἰαμβίζειν εἰς 25

τὸ ὑβρίζειν ὑπὸ τῆς συνηθείας ἐκπεσεῖν ὥσπερ ἀπὸ

τῶν κωμικῶν τὸ κωμῳδεῖσθαι

[31] Ἰάμβων δὲ ποιηταὶ Ἀρχί-

λοχός τε ὁ Πάριος ἄριστος καὶ Σιμωνίδης ὁ Ἀμόργιος

ἤ ὡς ἔνιοι Σάμιος καὶ Ἱππῶναξ ὁ Ἐφέσιος ὧν ὁ μὲν

πρῶτος ἐπὶ Γύγου ὁ δὲ ἐπ Ἀμύντου τοῦ Μακεδόνος 30

Ἱππῶναξ δὲ κατὰ Δαρεῖον ἤκμαζε

[32] Περὶ δὲ μελικῆς ποιήσεώς φησιν ὡς πολυμερεστάτη

τε καὶ διαφόρους ἔχει τομάς

[33] Ἃ μὲν γὰρ αὐτῆς μεμέρισται

θεοῖς ἃ δὲ ltἀνθρώποις ἃ δὲ θεοῖς καὶgt ἀνθρώποις ἃ δὲ

εἰς τὰς προσπιπτούσας περιστάσεις

[34] Καὶ εἰς θεοὺς μὲν ἀνα- 35

φέρεσθαι ὕμνον προσόδιον παιᾶνα διθύραμβον νόμον

ἀδωνίδια ἰόβακχον ὑπορχήματα

[35] Εἰς δὲ ἀνθρώπους ἐγκώμια ἐπίνικον σκό- 239320a1

λια ἐρωτικά ἐπιθαλάμια ὑμεναίους σίλλους θρήνους

ἐπικήδεια

[36] Εἰς θεοὺς δὲ καὶ ἀνθρώπους παρθένια δα-

102

φνηφορικά τριποδηφορικά ὠσχοφορικά εὐκτικά ταῦτα

γὰρ εἰς θεοὺς γραφόμενα καὶ ἀνθρώπων περιείληφεν ἐπαί- 5

νους

[37] Τὰ δὲ εἰς τὰς προσπιπτούσας περιστάσεις οὐκ ἔστι

μὲν εἴδη τῆς μελικῆς ὑπ αὐτῶν δὲ τῶν ποιητῶν ἐπικεχείρη-

ται τούτων δέ ἐστι πραγματικά ἐμπορικά ἀποστολικά γνωμολογικά γεωργικά

ἐπισταλτικά

[38] Καί φησι τὸν ὕμνον

μὲν ὠνομάσθαι ἀπὸ τοῦ ὑπόμονόν τινα εἶναι καὶ οἷον 10

εἰς μνήμην καὶ ὑπόμνησιν ἄγειν τὰς πράξεις τῶν ὑμνου-

μένων ἢ ἀπὸ τοῦ ὕδειν αὐτάς ὅπερ ἐστὶ λέγειν

[39] Ἐκά-

λουν δὲ καθόλου πάντα τὰ εἰς τοὺς ὑπερόντας γραφόμενα

ὕμνους διὸ καὶ τὸ προσόδιον καὶ τὰ ἄλλα τὰ προειρη- 15

μένα φαίνονται ἀντιδιαστέλλοντες τῷ ὕμνῳ ὡς εἴδη

πρὸς γένος καὶ γὰρ ἔστιν αὐτῶν ἀκούειν γραφόντων ὕμνος

προσοδίου ὕμνος ἐγκωμίου ὕμνος παιᾶνος καὶ τὰ ὅμοια

[40] Ἐλέγετο δὲ τὸ προσόδιον ἐπειδὰν προσίωσι τοῖς βω-

μοῖς ἢ ναοῖς καὶ ἐν τῷ προσιέναι ᾔδετο πρὸς αὐλόν ὁ

δὲ κυρίως ὕμνος πρὸς κιθάραν ᾔδετο ἑστώτων

[41] Ὁ δὲ 20

παιάν ἐστιν εἶδος ᾠδῆς εἰς πάντας νῦν γραφόμενος

θεούς τὸ δὲ παλαιὸν ἰδίως ἀπενέμετο τῷ Ἀπόλλωνι

καὶ τῇ Ἀρτέμιδι ἐπὶ καταπαύσει λοιμῶν καὶ νόσων ᾀδό-

μενος Καταχρηστικῶς δὲ καὶ τὰ προσόδιά τινες παιᾶνας

λέγουσιν

[42] Ὁ δὲ διθύραμβος γράφεται μὲν εἰς Διό- 25

νυσον προσαγορεύεται δὲ ἐξ αὐτοῦ ἤτοι διὰ τὸ κατὰ τὴν

Νύσαν ἐν ἄντρῳ διθύρῳ τραφῆναι τὸν Διόνυσον

ἢ διὰ τὸ λυθέντων τῶν ῥαμμάτων τοῦ Διὸς εὑρεθῆναι

αὐτόν ἢ διότι δὶς δοκεῖ γενέσθαι ἅπαξ μὲν ἐκ τῆς Σε-

μέλης δεύτερον δὲ ἐκ τοῦ μηροῦ

[43] Εὑρεθῆναι δὲ τὸν διθύ- 30

ραμβον Πίνδαρος ἐν Κορίνθῳ λέγει τὸν δὲ ἀρξάμε-

103

νον τῆς ᾠδῆς Ἀριστοτέλης Ἀρίονά φησιν εἶναι ὃς

πρῶτος τὸν κύκλιον ἤγαγε χορόν

[44] Ὁ μέντοι νόμος γρά-

φεται μὲν εἰς Ἀπόλλωνα ἔχει δὲ καὶ τὴν ἐπωνυμίαν

ἀπ αὐτοῦ Νόμιμος γὰρ ὁ Ἀπόλλων Νόμιμος δὲ ἐκλήθη 35

ὅτι τῶν ἀρχαίων χοροὺς ἱστάντων καὶ πρὸς αὐλὸν ἢ λύραν

ᾀδόντων τὸν νόμον Χρυσόθεμις ὁ Κρὴς πρῶτος 239 320b 1

στολῇ χρησάμενος ἐκπρεπεῖ καὶ κιθάραν ἀναλαβὼν εἰς

μίμησιν τοῦ Ἀπόλλωνος μόνος ᾖσε νόμον εὐδοκι-

μήσαντος δὲ αὐτοῦ διαμένει ὁ τρόπος τοῦ ἀγωνίσματος

[45] Δοκεῖ δὲ Τέρπανδρος μὲν πρῶτος τελειῶσαι τὸν νό- 5

μον ἡρῴῳ μέτρῳ χρησάμενος ἔπειτα Ἀρίων ὁ Μη-

θυμναῖος οὐκ ὀλίγα συναυξῆσαι αὐτὸς καὶ ποιητὴς καὶ

κιθαρῳδὸς γενόμενος

[46] Φρῦνις δὲ ὁ Μιτυληναῖος ἐκαι-

νοτόμησεν αὐτόν τό τε γὰρ ἑξάμετρον τῷ λελυμένῳ

συνῆψε καὶ χορδαῖς τῶν ζʹ πλείοσιν ἐχρήσατο

[47] Τι- 10

μόθεος δὲ ὕστερον εἰς τὴν νῦν αὐτὸν ἤγαγε τάξιν

[48] Ἔστι δὲ ὁ μὲν διθύραμβος κεκινημένος καὶ πολὺ τὸ

ἐνθουσιῶδες μετὰ χορείας ἐμφαίνων εἰς πάθη κατα-

σκευαζόμενος τὰ μάλιστα οἰκεῖα τῷ θεῷ καὶ σεσόβηται

μὲν καὶ τοῖς ῥυθμοῖς καὶ ἁπλουστέρως κέχρηται ταῖς λέ-

ξεσιν

[49] Ὁ δὲ νόμος τοὐναντίον διὰ τὸν θεὸν ἀνεῖται 15

τεταγμένως καὶ μεγαλοπρεπῶς καὶ τοῖς ῥυθμοῖς ἀνεῖται

καὶ διπλασίοις ταῖς λέξεσι κέχρηται

[50] Οὐ μὴν ἀλλὰ καὶ

ταῖς ἁρμονίαις οἰκείαις ἑκάτερος χρῆται ὁ μὲν γὰρ

τὸν φρύγιον καὶ ὑποφρύγιον ἁρμόζεται ὁ νόμος δὲ 20

τῷ συστήματι τῷ τῶν κιθαρῳδῶν λυδίῳ

[51] Ἔοικε δὲ ὁ

μὲν διθύραμβος ἀπὸ τῆς κατὰ τοὺς ἀγροὺς παιδιᾶς καὶ

τῆς ἐν τοῖς πότοις εὐφροσύνης εὑρεθῆναι ὁ δὲ νόμος

104

δοκεῖ μὲν ἀπὸ τοῦ παιᾶνος ῥυῆναι (ὁ μὲν γάρ ἐστι κοι-

νότερος εἰς κακῶν παραίτησιν γεγραμμένος ὁ δὲ 25

ἰδίως εἰς Ἀπόλλωνα) ὅθεν τὸ μὲν ἐνθουσιῶδες οὐκ

ἔχει ὡς ὁ διθύραμβος

[52] Ἐκεῖ μὲν γὰρ μέθαι καὶ παι-

διαί ἐνταῦθα δὲ ἱκετεῖαι καὶ πολλὴ τάξις καὶ γὰρ

αὐτὸς ὁ θεὸς ἐν τάξει καὶ συστήματι κατεσταλ-

μένῳ περιέρχεται τὸν κρουσμόν

[53] Ἀδωνίδια δὲ λέγεται τὰ 30

εἰς Ἄδωνιν ἀναφερόμενα

[54] Ἤιδετο δὲ ὁ ἰόβακχος

ἐν ἑορταῖς καὶ θυσίαις Διονύσου βεβαπτισμένος πολλῷ

φρυάγματι

[55] Ὑπόρχημα δὲ τὸ μετ ὀρχήσεως ᾀδό-

μενον μέλος ἐλέγετο καὶ γὰρ οἱ παλαιοὶ τὴν ltὑπόgt ἀντὶ

τῆς ltμετάgt πολλάκις ἐλάμβανον

[56] Εὑρέτας δὲ τούτων 35

λέγουσιν οἱ μὲν Κουρῆτας οἱ δὲ Πύρρον τὸν Ἀχιλ-

λέως ὅθεν καὶ πυρρίχην εἶδός τι ὀρχήσεως λέγου- 239321a1

σιν

[57] Ὁ δὲ ἐπίνικος ὑπ αὐτὸν τὸν καιρὸν τῆς νί-

κης τοῖς προτεροῦσιν ἐν τοῖς ἀγῶσιν ἐγράφετο

[58] Τὸ

δὲ σκόλιον μέλος ᾔδετο παρὰ τοὺς πότους διὸ καὶ πα-

ροίνιον αὐτὸ ἔσθ ὅτε καλοῦσιν ἀνειμένον δέ ἐστι τῇ 5

κατασκευῇ καὶ ἁπλούστατον μάλιστα

[59] Σκόλιον δὲ εἴρηται

οὐχ ὡς ἐνίοις ἔδοξε κατὰ ἀντίφρασιν τὰ γὰρ κατὰ

ἀντίφρασιν ὡς ἐπίπαν τοῦ εὐφημισμοῦ στοχάζεται οὐκ εἰς

κακοφημίαν μεταβάλλει τὸ εὔφημον

[60] ἀλλὰ διὰ τὸ

προκατειλημμένων ἤδη τῶν αἰσθητηρίων καὶ παρειμέ- 10

νων οἴνῳ τῶν ἀκροατῶν τηνικαῦτα εἰσφέρεσθαι τὸ

βάρβιτον εἰς τὰ συμπόσια καὶ διονυσιάζοντα ἕκαστον

105

ἀκροσφαλῶς συγκόπτεσθαι περὶ τὴν προφορὰν τῆς ᾠδῆς

Ὅπερ οὖν ἔπασχον αὐτοὶ διὰ τὴν μέθην τοῦτο τρέψαν-

τες εἰς τὸ μέλος σκόλιον ἐκάλουν τὸ ἁπλούστατον

[61] Τὰ δὲ 15

ἐρωτικὰ δῆλον ὅτι γυναικῶν καὶ παίδων καὶ παρ-

θένων ἐρωτικὰς ᾄδει περιστάσεις [62] Καὶ τὰ ἐπιθα-

λάμια δὲ τοῖς ἄρτι θαλαμευομένοις ἅμα οἱ ἠΐθεοι καὶ

αἱ παρθένοι ἐπὶ τῶν θαλάμων ᾖδον [63] Ὑμέναιον

δὲ ἐν γάμοις ᾄδεσθαί φησι κατὰ πόθον καὶ ζήτησιν 20

Ὑμεναίου τοῦ Τερψιχόρας ὅν φασι γήμαντα ἀφανῆ

γενέσθαι

[64] οἱ δὲ κατὰ τιμὴν τοῦ Ἀττικοῦ Ὑμεναίου τοῦ-

τον γάρ φησί ποτε διώξαντα ἀφελέσθαι κούρας Ἀττι-

κὰς λῃστῶν

[65] Ἐγὼ δὲ οἶμαι βίου τινὰ εὐτυχοῦς προανα-

φώνησιν ὑπάρχειν καὶ συνεύχεσθαι τοῖς συνιοῦσι πρὸς 25

γάμου κοινωνίαν μετὰ φιλοστοργίας αἰολικῇ παρα-

πλέκοντας τὴν εὐχὴν διαλέκτῳ οἷον ὑμεναίειν καὶ

ὁμονοεῖν τούτους ἀεὶ ὁμόσε ναίοντας

[66] Ὁ δὲ σίλλος

λοιδορίας καὶ διασυρμοὺς πεφεισμένως ἀνθρώπων

ἔχει 30

[67] Διαφέρει δὲ τοῦ ἐπικηδείου ὁ θρῆνος ὅτι τὸ

μὲν ἐπικήδειον παρ αὐτὸ τὸ κῆδος ἔτι τοῦ σώματος

προκειμένου λέγεται ὁ δὲ θρῆνος οὐ περιγράφεται χρό-

νῳ

[68] Τὰ δὲ λεγόμενα παρθένια χοροῖς παρθένων

ἐνεγράφετο

[69] Οἷς καὶ τὰ δαφνηφορικὰ ὡς εἰς γένος

πίπτει δάφνας γὰρ ἐν Βοιωτίᾳ διὰ ἐννεαετηρίδος εἰς 35

τὰ τοῦ Ἀπόλλωνος κομίζοντες ἱερεῖς ἐξύμνουν αὐ-

τὸν διὰ χοροῦ παρθένων

[70] Καὶ ἡ αἰτία τῶν Αἰολέων

ὅσοι κατῴκουν Ἄρνην καὶ τὰ ταύτῃ χωρία κατὰ 239 321b 1

106

χρησμὸν ἀναστάντες ἐκεῖθεν καὶ προκαθεζόμενοι Θήβας

ἐπόρθουν προκατεχομένας ὑπὸ Πελασγῶν

[71] Κοινῆς ἀμ-

φοῖν ἑορτῆς Ἀπόλλωνος ἐνστάσης ἀνοχὰς ἔθεντο καὶ

δάφνας τέμνοντες οἱ μὲν ἐξ Ἑλικῶνος οἱ δὲ ἐγγὺς τοῦ 5

Μέλανος ποταμοῦ ἐκόμιζον τῷ Ἀπόλλωνι

[72] Πολεμά-

τας δέ ὁ τῶν Βοιωτῶν ἀφηγούμενος ἔδοξεν ὄναρ νεα-

νίαν τινὰ πανοπλίαν αὐτῷ διδόναι καὶ εὐχὰς ποιεῖ-

σθαι τῷ Ἀπόλλωνι δαφνηφοροῦντας διὰ ἐννεαετηρί-

δος προστάττειν 10

[73] Μετὰ δὲ τρίτην ἡμέραν ἐπιθέμενος

κρατεῖ τῶν πολεμίων καὶ αὐτός τε τὴν δαφνηφο-

ρίαν ἐτέλει καὶ τὸ ἔθος ἐκεῖθεν διατηρεῖται

[74] Ἡ δὲ

δαφνηφορία ξύλον ἐλαίας καταστέφουσι δάφναις καὶ

ποικίλοις ἄνθεσι καὶ ἐπ ἄκρου μὲν χαλκῆ ἐφαρμό-

ζεται σφαῖρα ἐκ δὲ ταύτης μικροτέρας ἐξαρτῶσιν 15

κατὰ δὲ τὸ μέσον τοῦ ξύλου περιθέντες ἐλάσσονα τῆς

ἐπ ἄκρῳ σφαίρας καθάπτουσι πορφυρᾶ στέμματα τὰ

δὲ τελευταῖα τοῦ ξύλου περιστέλλουσι κροκωτῷ

[75] Βούλεται

δὲ αὐτοῖς ἡ μὲν ἀνωτάτω σφαῖρα τὸν ἥλιον (ᾧ καὶ τὸν

Ἀπόλλωνα ἀναφέρουσιν) ἡ δὲ ὑποκειμένη τὴν σελήνην 20

τὰ δὲ προσηρτημένα τῶν σφαιρίων ἄστρα τε καὶ ἀστέρας

τὰ δέ γε στέμματα τὸν ἐνιαύσιον δρόμον καὶ γὰρ καὶ

τζε ποιοῦσιν αὐτά

[76] Ἄρχει δὲ τῆς δαφνηφορίας παῖς

ἀμφιθαλής καὶ ὁ μάλιστα αὐτῷ οἰκεῖος βαστάζει τὸ

κατεστεμμένον ξύλον ὃ κώπω καλοῦσιν 25

[77] Αὐτὸς δὲ ὁ δα-

φνηφόρος ἑπόμενος τῆς δάφνης ἐφάπτεται τὰς μὲν

κόμας καθειμένος χρυσοῦν δὲ στέφανον φέρων καὶ λαμ-

πρὰν ἐσθῆτα ποδήρη ἐστολισμένος ἐπικρατίδας τὲ ὑπο-

107

δεδεμένος ᾧ χορὸς παρθένων ἐπακολουθεῖ προτείνων

κλῶνας πρὸς ἱκετηρίαν ὑμνῶν 30

[78] Παρέπεμπον δὲ

τὴν δαφνηφορίαν εἰς Ἀπόλλωνος Ἰσμηνίου καὶ Χαλα-

ζίου

[79] Τὸ δὲ τριποδηφορικὸν μέλος τρίποδος προη-

γουμένου παρὰ τοῖς Βοιωτοῖς ᾔδετο

[80] Ἔσχε δὲ καὶ τοῦτο

αἰτίαν τοιαύτην Πελασγῶν τινες Πάνακτον τῆς Βοιω-

τίας ἐπόρθουν Θηβαῖοι δὲ ἤμυνον καὶ πέμψαντες εἰς 35

Δωδώνην περὶ τῆς τοῦ πολέμου νίκης ἐχρῶντο

[81] Χρησμὸς

δὲ τοῖς Θηβαίοις ἐξέπεσεν ὡς εἰ μέγιστον ἀσέβημα

ἀσεβήσουσι νικήσουσιν 239 322a 1

[82] Ἔδοξεν οὖν αὐτοῖς ἀσε-

βημάτων εἶναι μέγιστον τὸ τὴν χρησμῳδήσασαν αὐτοῖς

τὸν χρησμὸν ἀνελεῖν καὶ ἀνεῖλον [83] Αἱ δὲ περὶ τὸ τέ-

μενος συνιέρειαι δίκην λαβεῖν ἀπῄτουν τοῦ φόνου τοὺς

Θηβαίους 5

[84] Θηβαῖοι δὲ οὐκ ἐπιτρέπουσι γυναιξὶ μόναις

τὴν περὶ αὐτῶν δίκην ἀξιοῦν κοινῆς δὲ κρίσεως ἀνδρῶν καὶ

γυναικῶν γεγενημένης καὶ τῶν ἀνδρῶν λευκὰς αὐτοῖς

ἐπενεγκόντων ψήφους ἀπέφυγον Θηβαῖοι

[85] Ὕστερον δὲ

ἐπιγνόντες αὐτοῖς τὸ ὑπὸ τοῦ χρησμοῦ προστασσόμενον

βαστάσαντες τῶν κατὰ τὴν Βοιωτίαν ἱερῶν τριπόδων 10

ἕνα καὶ κατακαλύψαντες ὡς ἱερόσυλοι ἀνέπεμψαν εἰς

Δωδώνην

[86] Εὐπραγήσαντες δὲ ἐξ ἐκείνου τοῦ λοιποῦ

τὴν πρᾶξιν ἑορτὴν ἐποίουν

[87] Ὠσχοφορικὰ δὲ μέλη παρὰ

Ἀθηναίοις ᾔδετο

[88] Τοῦ χοροῦ δὲ δύο νεανίαι κατὰ γυ-

ναῖκας ἐστολισμένοι κλῆμά τ ἀμπέλου κομίζοντες μεστὸν 15

108

εὐθαλῶν βοτρύων (ἐκάλουν δὲ αὐτὸ ὤσχην ἀφ οὗ καὶ

τοῖς μέλεσιν ἡ ἐπωνυμία) τῆς ἑορτῆς καθηγοῦντο

[89] Ἄρ-

ξαι δέ φασι Θησέα πρῶτον τοῦ ἔργου ἐπεὶ γὰρ ἑκούσιος

ὑποστὰς τὸν εἰς Κρήτην πλοῦν ἀπήλλαξε τὴν πατρίδα

τῆς κατὰ τὸν δασμὸν συμφορᾶς χαριστήρια ἀποδιδοὺς 20

Ἀθηνᾷ καὶ Διονύσῳ οἳ αὐτῷ κατὰ τὴν νῆσον τὴν

Δίαν ἐπεφάνησαν ἔπραττε τοῦτο δυσὶ νεανίαις ἐσκια-

τραφημένοις χρησάμενος πρὸς τὴν ἱερουργίαν ὑπηρέ-

ταις

[90] Ἦν δὲ τοῖς Ἀθηναίοις ἡ παραπομπὴ ἐκ τοῦ Διο-

νυσιακοῦ ἱεροῦ εἰς τὸ τῆς Ἀθηνᾶς τῆς Σκιράδος τέ- 25

μενος

[91] Εἵπετο δὲ τοῖς νεανίαις ὁ χορὸς καὶ ᾖδε τὰ

μέλη

[92] Ἐξ ἑκάστης δὲ φύλης ἔφηβοι διημιλλῶντο πρὸς

ἀλλήλους δρόμῳ καὶ τούτων ὁ πρότερος ἐγεύετο ἐκ τῆς

πενταπλῆς λεγομένης φιάλης ἣ συνεκιρνᾶτο ἐλαίῳ

καὶ οἴνῳ καὶ μέλιτι καὶ τυρῷ καὶ ἀλφίτοις 30

[93] Εὐκτικὰ

δὲ μέλη ἐγράφετο τοῖς αἰτουμένοις τι παρὰ θεοῦ γενέσθαι

[94] Πραγματικὰ δὲ ἅ τινων περιεῖχε πράξεις

[95] Ἐμπορικὰ

δὲ ὅσα κατὰ τὰς ἀποδημίας καὶ ἐμπορίας ἐπιδεικνύ-

μενά τισιν ἐγράφη

[96] Καὶ ἀποστολικὰ δὲ ὅσα διαπεμπό-

μενοι πρός τινας ἐποίουν 35

[97] Τὰ δὲ γνωμολογικὰ δῆλον

ὅτι παραίνεσιν ἠθῶν ἔχει

[98] Καὶ τὰ γεωργικὰ δὲ χώρας

καὶ φυτῶν καιροὺς καὶ ἐπιμελείας

[99] Καὶ τὰ ἐπισταλτικὰ

δὲ ὅσα κατ ἐντολὰς πρός τινας ποιοῦντες διέπεμπον

[100] Οἱ μὲν δύο λόγοι τῆς Πρόκλου γραμματικῆς Χρης-

109

τομαθείας ἐν τούτοις

12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO

1 Realizou-se leitura1 a partir do livro intitulado Excertos2 de Crestomatia3 de Letras4

de Proclo5 2 O livro eacute dividido em quatro arrazoados6

1 A forma anegnoacutesthe que introduz o epiacutetome da Crestomatia bem como praticamente todos os resumos

da Biblioteca eacute indicativa desse tipo de texto evidenciando literalmente que natildeo se apresenta ali uma obra mas

sim a leitura de uma cujo tiacutetulo segue-se Cf para a interpretaccedilatildeo dessa forma Ferrante (1957 pg 161)

seguindo a liccedilatildeo de Severyns (1939 I 4 174-75 e II pg 65) cuja recensatildeo acerca da tradiccedilatildeo manuscrita e a

liccedilatildeo para este primeiro periacuteodo parecem de fato as melhores A forma verbal eacute passiva mas deve ser

entendida no grego sem sujeito de forma absoluta ou intransitiva ie ldquoleu-serdquo ldquofoi lidordquo a que se adiciona um

termo preposicionado especificando a partir do que se deu essa leitura Aqui se supre como nos referidos

editores o termo ldquoleiturardquo para viabilizar a traduccedilatildeo remetendo agrave proacutepria atividade originaacuteria da Biblioteca

compilada por Foacutecio dar notiacutecia das sucessivas leituras de diferentes livros Cf Estudo 131 Para a discussatildeo

acerca da introduccedilatildeo dos epiacutetomes na Biblioteca as demais ocorrecircncias da forma e o entendimento desta em

especiacutefico comparada agraves outras A ausecircncia de artigo antes do substantivo ldquoleiturardquo na traduccedilatildeo opccedilatildeo

semelhante agrave dos referidos editores pretende aqui conferir um traccedilo de maior generalidade agrave pratica que

designa uma vez que para aleacutem da discussatildeo acerca de qual seria a matildeo que realmente anotou os textos

mencionados transformando-os em epiacutetomes (Foacutecio ele mesmo um copista um disciacutepulo e companheiro de

viagem que se encarrega da leitura ou vaacuterios etc ndash cf Severyns I 4 ndash 5) essa leitura foi motivo de uma ou mais

sessotildees internas do grupo de estudos dirigido pelo entatildeo embaixador e futuro patriarca ela eacute portanto uma de

diversas leituras dos textos tomados como objeto dessas sessotildees 2 Sobre as implicaccedilotildees da palavra ldquoexcertosrdquo (eklogaiacute) e como foi aqui interpretada cf Estudo 132 3 A palavra ldquocrestomatiardquo khrestomaacutetheia encontra-se lexicalizada em portuguecircs e agrave disposiccedilatildeo do

erudito de liacutengua romacircnica Houaiss haure-a no Novo Diccionario Critico Etymologico da Lingua Portugueza

Paris 1836 de Francisco Solano Constacircncio e a daacute como traslado do francecircs O Littreacute a registra na liacutengua e ao

fazecirc-lo interpreta-a como o referido portuguecircs florileacutegio coletacircnea das melhores passagens de diferentes

autores com fins didaacuteticos (provavelmente jaacute interpretando o adjetivo grego khrestoacutes ldquouacutetilrdquo presente no

composto) Dado isso adoto a forma vernaacutecula e natildeo me utilizo de artigo (ldquoArdquo Crestomatia) a fim de manter

combinando-se com ldquoexcertosrdquo a ambiguidade e a duacutevida que imediatamente em grego saltam aos olhos do

leitor de que a saber de acordo com a interpretaccedilatildeo que se faz da palavra ldquocrestomatiardquo ou se entende em um

extremo que a Biblioteca mesma jaacute nos traz o resumo de uma obra de segunda matildeo ie a abreviaccedilatildeo de algo jaacute

previamente resumido em uma coletacircnea escrita ou em outro extremo que o proacuteprio termo ldquoextratosrdquo faria

parte do tiacutetulo da obra original abrindo margem a pensar a palavra ldquocrestomatiardquo (e mesmo ldquocoletacircneardquo em

portuguecircs) sem um caraacuteter abreviativo mas como ldquoreuniatildeo de ensinamentosrdquo hauridos de outros textos e autores

que ao longo de seacuteculos foram ampliando e detalhando sob diferentes aspectos as doutrinas referentes agraves letras

de modo geral (em prosa ou verso oratoacuteria ou poeacutetica) Defende-se aqui uma terceira hipoacutetese entre esses dois

extremos Concorda-se com Severyns quanto ao caraacuteter natildeo abreviativo da palavra (cf Severyns op cit II 65 ndash

69) mas entende-se que eklogaiacute pelo cotejo com as introduccedilotildees de outros epiacutetomes da Biblioteca soacute pode

implicar neste caso uma abreviaccedilatildeo a seleccedilatildeo de excertos Cf Estudo 133 Ferrante natildeo se pronuncia quanto

a sua traduccedilatildeo mas manteacutem ldquoextratosrdquo e usa o artigo antes da palavra apesar de seguir Severyns em sua notaccedilatildeo

do texto Pretendeu-se aqui (natildeo soacute pelo uso do vernaacuteculo mas tambeacutem por natildeo se empregar o artigo) como

khrestomaacutetheia eacute um substantivo que definia certa obra por sua finalidade manter a dubiedade e o caraacuteter

duvidoso que salta aos olhos de um leitor moderno dos gregos 4 A traduccedilatildeo de grammatikoacutes por ldquoliteraacuteriardquo aqui seguiria o mesmo criteacuterio acima definido (n 3) de

manter o estranhamento em relaccedilatildeo ao tiacutetulo por isso bem como para ldquoeklogaiacuterdquo poder-se-ia manter a

literalidade do correlato latino numa uacutenica palavra Como se sabe poreacutem o termo aqui natildeo eacute sinocircnimo direto do

que noacutes modernos pensamos como ldquoos estudos literaacuteriosrdquo que supotildeem ndash mais precisamente ndash uma seacuterie de

categorias e criteacuterios associados ao termo os quais por se tornarem o foco mesmo ou os preceitos da chamada

ldquoanaacutelise literaacuteriardquo constituem o objeto de uma maneira estranha aos antigos Cf Estudo 134 paacuteg 38 ndash 50

110

3 No primeiro fala como as virtudes da prosa e da poesia satildeo as mesmas mas

diferenciam-se quanto ao mais e ao menos7 4 e que do molde da elocuccedilatildeo8 haacute o copioso o

tecircnue e o meacutedio9 5 Que o copioso eacute estonteante10 e muitiacutessimo elaborado reluzindo uma

beleza poeacutetica 6 Jaacute o tecircnue proscreve uma composiccedilatildeo com tropos e afeita agrave elaboraccedilatildeo mas

antes se entretece de despojamento motivo pelo qual em geral se adapta de um modo

excelente agraves lamentaccedilotildees11 7 Quanto ao meacutedio o nome evidencia que eacute meacutedio entre ambos

5 Consoante ao que se defende no cap 133 do Estudo e ao que foi dito acima na nota 3 entende-se aqui

que a atribuiccedilatildeo a Proclo ou seja o trecho ldquode Proclordquo porque o objeto lido estaria nomeado como Excertos

estava contido na intitulaccedilatildeo desse objeto Supotildee-se que a proacutepria intitulaccedilatildeo desse objeto que eacute resumido

porque se precisava identificar de que e de quem era excertos trazia a atribuiccedilatildeo ldquode Proclordquo daiacute o itaacutelico

adotado na traduccedilatildeo Sobre a questatildeo da atribuiccedilatildeo cf Estudo 12 paacuteg 12 ndash 15 6 Embora se saiba que os loacutegoi sejam mesmo etimologicamente as diferentes partes tomos coacutedices de

um bibliacuteon ie o conjunto desses rolos a obra preferiu-se aqui a traduccedilatildeo por ldquoarrazoadosrdquo referindo-se ao

significado cognitivo da palavra (pensamentofala) para manter natildeo soacute a ideia de que quando confeccionadas e

daiacute registradas de forma escrita essas partes natildeo arbitrariamente buscavam corresponder agraves partes menores de

um loacutegos tomadas por si mas tambeacutem a ideia de que num contexto como o da Biblioteca tanto no sentido de

sua composiccedilatildeo como de sua recepccedilatildeo essa noccedilatildeo era evidente senatildeo presente afinal a obra eacute o resultado de

seccedilotildees coletivas de leitura e assim mesmo se tenta reproduzi-la na forma de texto 7 Nomeando prosa ( loacutegos) e poesia ( poiacuteema) o texto imediatamente estabelece o

primeiro criteacuterio pelo qual se julgaraacute a composiccedilatildeo poeacutetica a elocuccedilatildeo que logo seraacute desdobrada (sect4) na teoria

de seus moldes ou gecircneros De acordo com esse primeiro criteacuterio a prosa e a poesia possuem as mesmas virtudes

ou qualidades ( aretaiacute) distinguindo-se pela quantidade esta possui mais do que aquela Esse criteacuterio jaacute

eacute empregado por Aristoacuteteles na Retoacuterica III Cf Estudo 21 paacuteg 51 ndash 52 8 A traduccedilatildeo mais literal considerando o genitivo ldquo rdquo seria evidentemente ldquoe que do

molderdquo contudo talzez natildeo ficaria imediatamente claro ao leitor que a doutrina poeacutetica dos antigos aqui supotildee

ldquomoldarrdquo metaforicamente para a confecccedilatildeo da elocuccedilatildeo e as possiacuteveis variaccedilotildees que permitem claissificaacute-la

mantendo a metaacutefora fiacutesica e escultoacuterica em trecircs grandes estilos gerais Por isso acrescentou-se a expressatildeo ldquoda

elocuccedilatildeordquo Como se sabe outros nomes equivalentes a outras abstraccedilotildees satildeo empregados para nomear essa

doutrina que pelo vieacutes latino e ciceroniano ficaraacute conhecida como ldquodos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo (cf Estudo

22) 9 Inicia-se a exposiccedilatildeo da teoria dos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeo as caracteriacutesticas marcantes de cada um e

seus desvios ou viacutecios O comentaacuterio agrave traduccedilatildeo e a explicaccedilatildeo dos termos encontra-se no Estudo 22 paacuteg 52 ndash

61 10 Repare-se que no original empregam-se dois adjetivos superlativos e com o segundo o superlativo do

adveacuterbio de intensidade Para traduzir tal intensidade poder-se-ia recorrer como Severyns a estender o adveacuterbio

aos dois sintagmas termos ndash ldquomuitiacutessimo estonteante e elaboradordquo Isso daria a entender que as duas

caracteriacutesticas estatildeo em peacute de igualdade quanto agrave intensidade e que haacute graus para o adjetivo ldquoestoanteanterdquo que

talvez se verifiquem nos outros moldes quando parece que ser arrebatador ou estonteante eacute proacuteprio da elevaccedilatildeo

do molde copioso Tentar traduzir o grau superlativo do primeiro adjetivo ndash ldquoo mais estonteanterdquo ndash daria a

entender o mesmo portanto quis-se que a proacuteprio adjetivo ldquoestonteanterdquo por sua forte semacircntica decirc conta do

primeiro adjetivo ldquo ekplektikoacutetatonrdquo remetendo ao sublime etc e que o adveacuterbio

ldquomuitiacutessimo restrinja-serdquo ao segundo adjetivo ldquo kateskeuasmeacutenon maacutelistardquo

julgando-se tal soluccedilatildeo mais fiel ao sentido do grego a saber o de que o molde copioso eacute o mais elaborado de

todos comparado aos demais moldes que podem ser elaborados em menor grau e por isso tem por qualidade

uacutenica ser estonteante atingir o arrebatamento do receptor Para tal intrepretaccedilatildeo cf Estudo 221 paacuteg 55 ndash 57

principalmente o uacuteltimo paraacutegrafo e o comentaacuterio de Quintiliano paacuteg 56 ndash 57 11 A legitimidade desta passagem mais especificamente desta palavra [goeroicircs] foi contestada

diferentemente por trecircs editores propocircs-se [georgikoicircs] (Schott 1606 apud Gaisford p337 apud

Severyns tomo II p 73) [noeroicircs] (Schimid 1894 p 134 n I apud Severyns idem)

[mikroicircs] (Immisch 1902 p 257 n I apud Severyns idem) Uma apreciaccedilatildeo pode ser lida em Severyns (idem)

que em linhas gerais aleacutem de se ater ao fato de que a tradiccedilatildeo manuscrita natildeo traz divergecircncias quanto a essa

passagem segue artigo de Shorey (Classical Philology 1906 apud Severyns) em que este aleacutem dos ceacutelebres

versos da Ars de Horaacutecio (95 ndash 98) arrola diferentes e breves passagens da tradiccedilatildeo retoacuterica nas quais se

evidenciam tal liccedilatildeo de forma explicita e natildeo poeacutetica ex Longino Rhet 21 ldquo() eacute necessaacuterio a quem consola

111

8 Florido por si proacuteprio natildeo eacute um molde mas manifesta-se e encontra-se misturado

junto aos mencionados e combina com topografias e descriccedilotildees12 de descampados ou

bosques

9 Os que cometem desvios das referidas formas geram a mudanccedila do copioso em duro

e exaltado do tecircnue em chatildeo e do meacutedio em truncado e frouxo

10 Entatildeo faz consideraccedilotildees acerca de criacutetica de poesia13 no que transmite qual a

diferenccedila entre caraacuteter e afeto14

11 E da composiccedilatildeo poeacutetica15 diz que haacute o gecircnero narrativo e o imitativo 12 E o

narrativo profere-se por meio de epos bem como de iambo elegia e meacutelica o imitativo por

meio de trageacutedia bem como de drama satiacuterico e comeacutedia16

falar natildeo com clareza sofistica [sophistikeacute tranoteacutes] mas com simplicidade compassiva [sympephonkyicirca

haploteacutes]rdquo Apsines (I 358) ldquoas narraccedilotildees pateacuteticas [pathetikaigrave dieacutegeseis] natildeo devem possuir muita organizaccedilatildeo

[polyn koacutesmon]rdquo idem (I 405) ldquoagrave elocuccedilatildeo eacute necessaacuterio que seja natildeo-moldada e natildeo-ornada [aacuteplaston kaigrave

akalloacutepiston] o ornar [kallopiacutezein] natildeo eacute proacuteprio de quem canta um trenordquo (a tosca literalidade da traduccedilatildeo eacute

intencional aqui a fim de que se notem os termos gregos) 12 A palavra empregada para ldquodescriccedilatildeordquo eacute eacutekphrasis e eacute o nome que se daacute ao gecircnero pelo

qual se confecciona com palavras a representaccedilatildeo de algo inanimado Consoante ao que se disse (supra) como

algo que eacute descrito parece que todos esses casos tecircm em comum o fato de que se constituem como objetos de

apreciaccedilatildeo em funccedilatildeo da palavra entatildeo eacute pelo proacuteprio floreio que supotildee ornato que esse algo pode se tornar

objeto do prazer Daiacute a possiacutevel interpretaccedilatildeo do epiacutetome segundo a qual o florido natildeo seria por si um molde a

ser selecionado desde o iniacutecio para a confecccedilatildeo de uma obra natildeo seria um molde independente agrave cuja

totalidade se circunscreveria por inteiro toda uma elocuccedilatildeo mas sim uma forma obrigatoriamente concorrente

dependente que se apresenta como parte adicional de um dos trecircs moldes em circunstacircncias como as

exemplificadas qual um adereccedilo de flores 13 kriacutesis poieacutematos entendida aqui como sinocircnimo da sexta parte da empiria

gramatical de Dioniacutesio Traacutecio conforme defendido aqui no Estudo 134 paacuteg 38 ndash 47 para opiniatildeo

semelhante FERRANTE paacuteg 20 ndash 21 Contraacuteria Cf SEVERYNS paacuteg 77 ndash 79 Aventou-se a traduccedilatildeo por

ldquocriacuteticardquo opccedilatildeo natildeo soacute muito coerente como esclarecedora uma vez que aqui se assume a kriacutesis poiemaacuteton de

Dioniacutesio Traacutecio como atividade que mais amplamente passou a corresponder ao que hoje noacutes modernos

diriacuteamos ldquocriacutetica de poesiardquo senatildeo ldquocriacutetica poeacuteticardquo Embora tentadora e chamativa declinou-se tal traduccedilatildeo

porque primeiro a noccedilatildeo de criacutetica natildeo se entende mais em portuguecircs associada ao significado baacutesico da palavra

grega originaacuteria ldquokriacutesisrdquo modernamente natildeo haacute mais a noccedilatildeo de ldquocisatildeo litiacutegio disputardquo e daiacute ldquoavaliaccedilatildeo juiacutezo

julgamentordquo e basicamente a palavra eacute do campo semacircntico judicial segundo como o proacuteprio Dioniacutesio Traacutecio

atesta que no iniacutecio se tratava justamente desta segunda noccedilatildeo de ldquojulgamentordquo ocupando-se a princiacutepio tatildeo

somente do estabelecimento do texto a traduccedilatildeo por criacutetica poderia criar o falso entendimento da parte do leitor

de que se trata de uma atividade de ldquocriacutetica literaacuteriardquo como a dos dias de hoje quando mesmo em seu

desdobramento posterior em que poderia modernamente receber tal nome a interpretaccedilatildeo dos antigos lidava

com um instrumental de noccedilotildees diferentes das nossas como reafirmado em outras passagens deste trabalho

Embora pareccedila se perder com esta soluccedilatildeo preferiu-se fazer juz ao ldquojuiacutezordquo e recorrer a esta nota 14 eacutethous kaigrave paacutethous ndash talvez aqui como pensados por Dioniacutesio de Halicarnasso no

tratado Da Imitaccedilatildeo Cf Estudo 134 especificamente paacuteg 47 ndash 50 15 O adjetivo feminino poietikecircs sem um substantivo acompanhando-o tende a supor teacutechne Sabemos que

assim Aristoacuteteles nomeia essa aacuterea do saber Como suprir o termo poderia dar a entender o tratado e o

entendimento aristoteacutelicos do objeto quando na verdade parece que o epiacutetome usa o termo para se referir aos

poemas ie agraves composiccedilotildees em verso por oposiccedilatildeo agraves em prosa certamente entendendo-as todas como poesia

e como o termo neutro poiacuteema foi empregado anteriormente por oposiccedilatildeo agrave prosa (loacutegos) optou-se nesta

traduccedilatildeo por suprir ldquocomposiccedilatildeordquo dando a entender o resultado o objeto o poema como ldquoconfecccedilatildeordquo trazendo

tambeacutem a noccedilatildeo do ato em si e da teacutecninca (teacutekhne) Cf Estudo 32 paacuteg 77 ndash 79

O emprego do termo no genitivo junto do artigo e do verbo leacutegei implica uma forte carga

partitiva ao termo ateacute entatildeo o texto versava sobre a elocuccedilatildeo que poderia ocorrer em prosa ou em verso ie

poderia ser um discurso juriacutedico ou um poema liacuterico mas ora sobre a confecccedilatildeo que eacute apenas poeacutetica eis os

112

13 Tambeacutem que Femocircnoe17 a profetiza de Apolo foi quem descobriu18 o epos19 por

professar oraacuteculos em hexacircmetros A partir daiacute aos oraacuteculos seguiram-se [heiacutepeto ] os

feitos20 que lhes eram consonantes nomeando-se ldquoeposrdquo qualquer composiccedilatildeo no metro

14 Outros dizem que por causa da elaboraccedilatildeo e da ampla superioridade21 observada

nos hexacircmetros o hexacircmetro apropriou-se do nome comum de ldquopalavrardquo e passou a ser

chamado ldquoeposrdquo [fala palavra falada]22 bem como Homero tornou sua a alcunha ldquoo poetardquo

e Demoacutestenes ldquoo oradorrdquo uma vez tambeacutem que alguns denominavam ldquoeacuteperdquo [falares plura

de ldquoeposrdquo] as composiccedilotildees em triacutemetros23

15 Os mais egreacutegios poetas do epos satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro24 Paniacuteasis25 e

Antiacutemaco26

16 Desses discorre na medida do possiacutevel acerca da origem da paacutetria e de algumas

histoacuterias particulares27

gecircneros e espeacutecies em que eacute possiacutevel discriminaacute-las No sentido de que sobre elas o que o texto em questatildeo nos

ensina eacute tal discriminaccedilatildeo uacutetil ao gramaacutetico e aquele que busca ler tais composiccedilotildees agora textos tanto o termo

poietikeacute como a secccedilatildeo que se segue estatildeo em concordacircncia com a kriacutesis do item acima Cf Estudo 134 paacuteg

38 16 Eis a biparticaccedilatildeo em dois grandes gecircneros dos quais os nomes poeacuteticos arrolados satildeo espeacutecies de

acordo com o modelo da calssificaccedilatildeo geneacuterica discutida Os termos empregados bem como essa divisatildeo satildeo

objeto do Capiacutetulo 3 do Estudo mais precisamente seccedilatildeo 31 paacuteg 67 ndash 83 17 Cf Estrabatildeo (IX 419) Pausacircnias (X 5 7) e o Escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio (475 22) Composto de phemiacute

e noucircs ie ldquofalarrdquo e ldquopensamentoespiacuteritordquo 18 O termo do verbo epheuriacutesko ldquodescobrirrdquo eacute composto de heuriacutesko que tem o

significado baacutesico do verbo ldquoacharrdquo eacute comum na tratadiacutestica serve para designar a ldquoinvenccedilatildeordquo ndash termo latino

que traduz o grego ndash de um forma poeacutetica ou entatildeo para designar quem a encontra seu ldquoinventorrdquo ou como natildeo

haacute a noccedilatildeo moderna de ldquooriginalidaderdquo e ldquocriaccedilatildeordquo o ldquodescobridorrdquo ndash heureteacutes Esses termos se

empregaratildeo ao longo do texto consecutivamente 19 A palavra teria o significado primitivo de ldquofalardquo sua raiz (F eacute cognata do latim vox ldquovozrdquo 20 No grego tagrave praacutegmata heiacutepeto juntos o termo que designa os feitos as accedilotildees

caracteriacutesticas da poesia eacutepica e o termo que compotildee a etimologia designando tanto a sucessatildeo em relaccedilatildeo aos

oraacuteculos como o elemento de consecuccedilatildeo das accedilotildees ou feitos definidores da espeacutecie Cf Estudo 331 paacuteg 83 21 A ampla superioridade ndash aacutegan hyperokheacuten ndash da composiccedilatildeo hexameacutetrica introduz o

argumento em prol da terceira explicaccedilatildeo etimoloacutegica 22 A etimologia como visto no Estudo 331 paacuteg 83 para aleacutem do sugestivo nome da profetiza que

conteacutem o elemento ldquofalardquo seguiria a sequecircncia eacutepos heacutepomai eacutepous = logos e gt(maior que) outros eacutepe 23 Cf Estudo 331 para a noccedilatildeo de eacutepos associado a outras formas como o triacutemetro ou a oratoacuteria De

qualquer forma o argumento geral eacute o de que outros designavam outras espeacutecies que julgavam ldquoa fala por

excelecircnciardquo pelo termo comum para ldquopalavra faladardquo ie ldquoeposrdquo 24 Pisandro de Camiro c 650 aC A ele eacute atribuiacuteda uma Heracleida que narrava todos os feitos de

Heacutercules 25 Paniacuteasis de Halicarnasso tio de Heroacutedoto morreu por volta de 457 aC A ele se atribui tambeacutem uma

Heracleida em 14 cantos e 900 versos 26 Antiacutemaco de Colofatildeo c 405 aC autor da Tebaida que comporia junto de outro poemas o ciclo

tebano 27 Aqui seguiria a Vita Homeri atribuiacuteda que chegou a noacutes a Proclo Eacute de se supor que para cada um dos

poetas mencionas seguisse uma biografia semelhante Essa passagem e a seccedilatildeo seguinte sobre o ciclo eacutepico

cotejadas com os uacutenicos excertos originais que temos da Crestomatia permitem-nos ter um iacutenfimo vislumbre da

dimensatildeo da obra que de fato pela menccedilatildeo a quatro livros feita no iniacutecio do coacutedice dos quais apenas dois satildeo

resumidos devia ser extensa

113

17 Entatildeo faz consideraccedilotildees sobre o chamado ldquociclo eacutepicordquo que se inicia pelo

intercurso mitoloacutegico entre Ceacuteu e Terra28 a partir do qual geram a ele trecircs filhos centiacutemanos e

trecircs Ciclopes29

18 Passa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre os deuses dos

gregos e diz o que inclusive pode ateacute certo ponto ser verdade em referecircncia agrave histoacuteria

19 Fecha-se o ciclo eacutepico agrave medida que eacute completo pela contribuiccedilatildeo de diferentes

poetas ateacute o desembarque de Odisseu em Iacutetaca quando eacute morto por seu filho Teleacutegono que

natildeo o reconhecera30

20 Fala como os poemas do ciclo eacutepico tecircm se conservado e recebido atenccedilatildeo de

muitos natildeo tanto por sua virtude quanto pela sequecircncia das accedilotildees nele contidas

21 Fala entatildeo o nome e a paacutetria dos que se dedicaram ao ciclo eacutepico

22 Fala entatildeo acerca de certos poemas ldquoCiacutepriosrdquo como alguns os atribuem a Estasino

de Chipre outros lhes inscrevem ldquoHegesino de Salaminardquo Outros dizem que Homero

escreveu-os deu a Estasino por obter-lhe a filha e por causa de sua paacutetria nomeou ldquoCiacutepriasrdquo

a obra 23 Mas de sua parte natildeo se apoia nessa hipoacutetese pois que tambeacutem os poemas natildeo se

intitulam ldquoCiacutepriasrdquo com acentuaccedilatildeo proparoxiacutetona31

24 Diz quanto agrave elegia [elegeiacutea ] ser composta de um verso heroacuteico e um

pentacircmetro32 e acomodar-se33 aos que jaacute partiram 25 E obteve seu nome daiacute os antigos

28 Aqui se iniciava o resumo do ciclo eacutepico Cf Estudo 3312 paacuteg 86 para as conjecturas a respeito

daquilo em que talvez consistisse essa primeira parte do ciclo a julgar pelo paraacutegrafo seguinte (18) em que se

nomeiam as histoacuterias do iniacutecio do ciclo ldquonarraccedilotildees miacuteticasrdquo ou considerando a acepccedilatildeo moderna ldquomitologiardquo 29 Esse episoacutedio cosmogocircnico como apresentado ie sem uma referecircncia expliacutecita agrave geraccedilatildeo de Ceacuteu a

partir de Terra (diferente do que se lecirc em Hesiacuteodo Teogonia 126 ndash 127) derivaria da Titanomaquia de Eumelo

Cf Estudo 3312 paacuteg 88 ndash 90 e Ateneu (Deipnosophistae VII 277d ndash e) 30 Buscou-se manter na traduccedilatildeo a possibilidade de leitura equivocada e a imprecisatildeo que pode geraacute-la a

quem desconhece os episoacutedios do ciclo o desembarque em questatildeo natildeo eacute o da Odisseia em retorno de Troia

mas o que encerra a viagem de Odisseu agrave Tesproacutetia que se narrava na Telegonia de Ecircugamon de Cirene uacuteltimo

poema na cronologia do ciclo 31 Para a extensa consideraccedilatildeo de todos os possiacuteveis tiacutetulos para o poema segundo diferentes autores da

Antiguidade cf Severyns (paacuteg 93 ndash 98) e Ferrante (27 ndash 30) Para a opiniatildeo de Proclo que Foacutecio natildeo menciona

ambos editores e criacuteticos apontam como consideraccedilatildeo final para a passagem de Ateneu (XV 682d) em que

Demodamas sugere como autor Ciacutepria de Halicarnasso Eacute conjetural poreacutem que concordando com

Demodamas Proclo aceitasse que a intitulaccedilatildeo se desse pelo autor sugerindo uma forma genitiva como

intitulaccedilatildeo que a formulaccedilatildeo de Foacutecio sugere Vale lembrar que no excerto sobre as Ciacuteprias Proclo informaria

sua discordacircncia sobre a intitulaccedilatildeo do poema e diria que para evitar a interrupccedilatildeo da continuidade do discurso

discutiria posteriormente esse toacutepico como um excurso Pelo menos quanto agrave ordem portanto o resumo de

Foacutecio seria fiel pois eacute de supor que tal excurso ocorresse apoacutes o resumo do ciclo e antes de abordar a elegia Isso

tambeacutem explica por que natildeo haveria razotildees para que Proclo natildeo considerasse as Ciacuteprias como parte do ciclo

(Severyns paacuteg 98) uma vez que dos resumos do ciclo esse eacute o uacutenico que natildeo conteacutem uma atribuiccedilatildeo em seu

iniacutecio 32 Como observado no caso do epos a exposiccedilatildeo segue o criteacuterio metro-mateacuteria explicando o

desenvolvimento da espeacutecie a partir dos usos do metro Cf Estudo 3312 paacuteg 86 332 paacuteg 90 em diante 33 Cf supra sect14 suacutemphona explicitando o criteacuterio metro-mateacuteria pontuando a invenccedilatildeo da espeacutecie e seu

desenvolvimento a partir da mateacuteria que a princiacutepio se lhe acomodava naturalmente

114

chamavam ao treno34 eacutelegos [ ] e atraveacutes dele elogiavam [euloacutegoun ] os

mortos35 26 Os poacutesteros36 contudo usaram ldquoelegiardquo amplamente para diferentes

argumentos

27 Fala entatildeo que exceliram nesse metro Calino de Eacutefeso37 e Mimnermo de

Colofatildeo38 mas tambeacutem o filho de Teacutelefo Filetas de Coacutes39 e Caliacutemaco filho de Bato (esse era

de Cirene)40

28 Jaacute no que diz respeito ao iambo [ ] primeiro em tempo antigo era atribuiacutedo

agrave ralhaccedilatildeo41 inclusive de acordo com certo dialeto ldquoiambizarrdquo [ldquoiambiacutezeinrdquo ] era

nome para ldquoralharrdquo42

29 Uns dizem ser por causa de certa criada Iambe [Iaacutembe ]43 de origem

traacutecia Ela quando Demeacuteter estava de luto pelo rapto de sua filha foi ateacute as redondezas de

34 Para a interpretaccedilatildeo de que a elegia haveria derivado do treno cf Harvey The Classification of Greek

Lyric Poetry The Classical Quarterly New Series Vol 5 No 34 (Jul - Out 1955) pp 157-175 35 O trinocircmio elegia eacutelegos elogio eacute a etimologia baacutesica que subjaz a essa exposiccedilatildeo da descoberta e do

desenvolvimento da espeacutecie Cf Estudo 332 paacuteg 90 a 94 36 Hoi metageneacutesteroi os poacutesteros ndash o texto mesmo pontua como etapa posterior ao uso primeiro do

diacutestico para o lamento fuacutenebre seu uso para diferentes argumentos hypotheacuteseis 37 Viveu por volta do seacuteculo VII a c e pelo que sabemos de sua poesia que nos chega fragmentada seria

de caraacuteter beacutelico e guerreiro recorrendo aos exemplos dos mitos que seratildeo posteriormente circunscritos ao

ciclo eacutepico (FERRANTE paacuteg 32) para exortar ao combate e agrave bela morte Portanto entendida a definiccedilatildeo da

elegia ao peacute da letra mesmo o mais velho elegiacuteaco natildeo a ilustra eacute de se supor portanto que ele mesmo jaacute ilustre

o uso do metro para ldquodiferentes argumentosrdquo o caraacuteter lamentoso e primordial do metro abarcaria por exemplo

a exortaccedilatildeo agrave morte na guerra uma vez que pressupotildee a situaccedilatildeo fuacutenebre independente dos poemas ou desse

tipo de poema suporem quando da sua composiccedilatildeo uma execuccedilatildeo primeira e um funeral ou funerais como

ocasiatildeo em performance especiacutefica uma vez que mesmo que nas situaccedilotildees em que um poema se destinasse agrave

uma performance especiacutefica sua execuccedilatildeo poderia se dar tambeacutem em um simpoacutesio posteriormente 38 Viveu entre o final do seacuteculo VII e o iniacutecio do seacuteculo VI a C seu lamento eacute de caraacuteter amoroso Foi

imitado pelos heleniacutesticos e a ele Galo e os demais elegiacuteacos romanos fazem remontar a elegia eroacutetica

tomando-o por seu descobridor 39 Poeta e gramaacutetico agrave maneira alexandrina mestre de Zenoacutedoto e Teoacutecrito seria tambeacutem reconhecido

pelos romanos o intermediaacuterio heleniacutestico da elegia eroacutetica no iniacutecio nos meandros do seacuteculo IV aC 40 Seacuteculo III aC foi disciacutepulo de Hermoacutecrates e Praxiacutefanes o peripateacuterico disciacutepulo de Teofrasto

Fundou uma escola de gramaacutetica em Alexandria seguindo os passo do mestre que se dedicara especificamente a

esse saber Compocircs sob a corte de Ptolomeu II o Filadelfo e Ptolomeu III o Eveacutergeta Foi o grande propagador

da poesia breve e cultista de base Heleniacutestica a quem se filiaraacute entre os romanos Catulo modelo dos elegiacuteacos

junto a Galo Cultivou aleacutem da elegia o epigrama o hino o epiacutelio e o iambo 41 Cf Estudo 333 paacuteg 94 42 Eacute impossiacutevel identificar a que dialeto o texto se referia uma vez que se o fizesse Foacutecio natildeo o anotou

Tanto Severyns (28 2 paacuteg 105) como Ferrante (28 paacuteg 33) remetem a Chantraine (La Formation des Noms en

Grec Ancien paacuteg 260) pontuando que de fato a formaccedilatildeo do nome em questatildeo eacute externa ao grupo indo-

eruropeu Talvez se a indefiniccedilatildeo do texto do epiacutetome partiu do texto do proacuteprio Proclo os proacuteprios antigos

percebessem a palavra como estrangeira sem poder identificar sua origem 43 A primeira e uma das poucas etimologias eponiacutemicas que ocorrem no epiacutetome O argumento baacutesico ndash

note-se ndash eacute etioloacutegico ie e funciona como outras explicaccedilotildees que apareceratildeo ao longo do cataacutelogo de

subespeacutecies meacutelicas haacute um marcante evento miacutetico ou histoacuterico que uma vez aceito eacute por si mesmo argumento

para a adoccedilatildeo de um costume e repeticcedilatildeo da forma Neste caso a accedilatildeo da criada de nome Iambe seria modelar do

que se faz com os iambos tanto que de seu nome derivaria o proacuteprio nome do metro Embora natildeo se possa

dizer que tambeacutem eponiacutemica a associaccedilatildeo do hexacircmetro a Femocircnoe (sect14) continha um argumento de base

etioloacutegica semelhante na medida em que localiza em um passado remoto um acontecimento que se fixa como

praacutetica Esse tipo de argumento seraacute amplamente usado na exposiccedilatildeo das subespeacutecies liacutericas na liacuterica sacra por

115

Elecircusis e apoacutes subir sobre a pedra hoje chamada ldquoSolenerdquo44 por meio de algumas zombarias

levou a deusa agrave gargalhada45

30 Parece que em tempo antigo poreacutem dizia-se o iambo para o que era composto

visando ao vitupeacuterio e ao enaltecimento igualmente Como alguns sobreabundaram o metro

nas maledicecircncias a partir daiacute o ldquoiambiacutezeinrdquo [ldquoiambizarrdquo ]46 por forccedila do haacutebito

acabou por ser ldquohybriacutezeinrdquo [ldquoimprecarrdquo ] bem como por causa dos ldquococircmicosrdquo

[komikoiacute ] ldquokomiacutezeinrdquo [ldquoridicularizarrdquo ]47

31 De iambos Arquiacuteloco de Paros eacute o melhor poeta seguido de Semocircnides de

Amorgos ndash de Samos segundo uns ndash e Hipocircnax de Eacutefeso dos quais o primeiro floresceu na

eacutepoca de Giges48 o segundo na de Amintas o macedocircnio49 por fim Hipocircnax durante o

periacuteodo de Dario50

32 Sobre a poesia meacutelica51 diz que eacute a mais diversificada e comporta diferentes

divisotildees

33 Parte dela encontra-se distribuiacuteda para deuses parte para homens parte para

deuses e homens e parte para as circunstacircncias acidentais

exemplo eacute usado na explicaccedilatildeo do nomo (sect44) entre as subespeacutecies sacras e seculares na explicaccedilatildeo da

dafneforia (sect70 ndash 73) das canccedilotildees tripodefoacutericas (sect80 ndash 86) das oscofoacutericas (sect89) etc 44 Chama a atenccedilatildeo o silecircncio de Pausacircnias (I 38 6 e I 39 I) a respeito da pedra Cf Severyns paacuteg 108

6 ndash as referecircncias tardias pontuadas pelo autor sugerem que se trate de um elemento proverbial e posterior que se

preencheu em um episoacutedio antigo e conhecido que remonta afinal ao Hino Homeacuterico a Demeacuteter (197 ndash 204)

em que tal criada aparece e de fato faz a deusa rir mas no palaacutecio do rei Celeo e sob seu senhorio em uma

versatildeo diferente da histoacuteria Referem-se agrave pedra Apolodoro (I 30) o Escoacutelio a Aristoacutefanes (Cavaleiros 785) e o

Suda ( 49 ADLER) 45 Severyns (paacuteg 107 ndash 109) fornece detalhadamente todas as referecircncias para essa versatildeo da histoacuteria

valendo menccedilatildeo a mesma passagem de Apolodoro que apresenta a histoacuteria semelhantemente e o Escoacutelio a

Hefestiatildeo (214 9 Consbruch) que apresenta a versatildeo homeacuterica 46 Cf Ferrante 32 ndash 33 n 28 para a etimologia a partir de ldquoiagraven baacutezeinrdquo ldquo rdquo ldquolanccedilar a vozrdquo

(Et Magn 463 29) bem como para a possibilidade a partir do homeacuterico iaacute ldquolanccedilas setasrdquo (Il 20 68) +

baacutezein ie ldquolanccedilar setasrdquo metaacutefora poeacutetica para imprecar (cf Catulo 116)47 O termo que de iniacutecio significava apenas integrar um koacutemos ie uma farra folia patuscada pacircndega

um cortejo festivo passa a designar no desenvolvimento da trageacutedia ldquocompor um coro cocircmicordquo e por

metoniacutemia satirizar detratar fazer de algo ou algueacutem objeto da criacutetica cocircmica Esse processo teria igualmente

ocorrido em relaccedilatildeo ao emprego abundante do iambo para a imprecaccedilatildeo de modo que o proacuteprio verbo

ldquoofenderrdquo ldquoinjuriarrdquo (hybriacutezein passa a ter o mesmo emprego que ofender sem implicar a

composiccedilatildeo de versos iacircmbicos Essa uacuteltima passagem natildeo eacute senatildeo uma ampliaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da primeira

etimologia apresentada que apenas endossa a opiniatildeo de Aristoacuteteles para a origem do iambo (Cf Estudo 333

paacuteg 94) 48 Arquiacuteloco teria vivido na primeira metade do seacuteculo VI aC Giges que eacute dado como referecircncia foi o

rei liacutedio de 689 a 653 aC Menciona-o fragmento 19 do poeta (Gerber) Sua poesia nos chega fragmentada e

faz menccedilatildeo de um eclipse que ocorreu em 6 de abril de 648 aC o que nos permite situar sua atividade poeacutetica

pelo menos ateacute essa deacutecada Sabemos que compocircs elegias tambeacutem mas eacute geralmente referido como o primeiro

poeta iacircmbico entre os gregos como se vecirc por exemplo na Ars de Horaacutecio (79) 49 Trata-se de Amintas I da Macedocircnia que teria vivido entre 540 e 498 aC o que colocaria Semocircnides

depois de Arquiacuteloco na segunda metade do seacuteculo VI aC Dele nos resta algo em torno de 40 fragmentos

dentre os quais o mais famosos seria o fragmento 6 (WEST) ldquoContra as Mulheresrdquo 50 Segundo esse testemunho Hipocircnax teria vivido aproximadamente entre 521 e 485 aC eacute considerado o

descobridor do coliambo 51 Sobre a divisatildeo cf Estudo 334 paacuteg 95

116

34 Aos deuses de um lado referem-se hino prosoacutedio peatilde ditirambo nomo

adoniacutedia iobaco hiporquema

35 Aos homens de outro encocircmios epiniacutecio escoacutelios eroacuteticas espitalacircmios

himeneus silos trenos e epiceacutedios

36 Aos deuses e homens partecircnias dafnefoacutericas tripodefoacutericas oscofoacutericas ecircuticas

pois essas eram escritas para deuses e compreendiam enaltecimentos de homens

37 A que se refere agraves circunstacircncias acidentais natildeo eacute uma espeacutecie da meacutelica mas eacute

atentada pelos proacuteprios poetas

38 Diz que o hino [hyacutemnos ]52 recebe seu nome pelo fato de ser algo

ldquohypoacutemononrdquo [ldquopersistenterdquo ]53 e por conduzir desse modo agrave mneacuteme [memoacuteria

] e agrave hypomneacutesis [rememoraccedilatildeo ] as accedilotildees dos hineados [hymnoucircmenoi

]54 ou tambeacutem pelo ldquohydeicircnrdquo [ldquonomearrdquo ] que eacute o mesmo que ldquodizerrdquo55

52 Do sacircnscrito syuman (ldquoligaccedilatildeordquo) Essa noccedilatildeo se confere no latim suo (coser) bem como em palavras

gregas com a noccedilatildeo geral de ldquourdidurardquo ldquotecidordquo ldquopelerdquo υμην (membrana) υφη (teia urdidura) υφαινω

(sinocircnimo do latim suo ie tecer) ndash Exemplos de Ferrante paacuteg 38 n 38 53 Essa hipoacutetese eacute verossiacutemil linguisticamente e nos eacute apresentada pelo Et Mag 777 2 dizendo apenas

que se trata de siacutencope υμνος derivaria de υπομονος palavra postulada e teoacuterica (uma vez que temos o verbo

ldquorestarrdquo e o substantivo deverbal ldquopersistecircnciardquo mas natildeo o adjetivo em questatildeo) por

apoacutecope e assimilaccedilatildeo υπομονος passaria a υμμονος e depois por simplificaccedilatildeo e siacutencope cairia o [o] de

μονος resultando υμνος (Ferrante idem) A etimologia antiga como se sabe pauta-se natildeo soacute na proximidade

das palavras mas tambeacutem em seu significado Essa etimologia teoacuterica contribui portanto para a noccedilatildeo cabal de

que na percepccedilatildeo antiga um hino o eacute porque ldquopersistenterdquo ie hino eacute algo que visa permanecer daiacute a

associaccedilatildeo direta e primeira entre hyacutemnos e hypoacutemonos a partir da qual na formulaccedilatildeo dessa etimologia se

parte para as demais associaccedilotildees paroniacutemicas 54 Tais formas se associariam morfoloacutegica e semanticamente (e daiacute etimologicamente) ao binocircmio

hyacutemnos - hypoacutemonos expandindo-o Dessa associaccedilatildeo baacutesica decorre que a espeacutecie poeacutetica recebe seu nome

porque opera com a mneacuteme a capacidade de retenccedilatildeo na memoacuteria e com a hypomneacutesis a capacidade de

rememorar o que foi armazenado em relaccedilatildeo agraves accedilotildees dos hineados Dessarte os demais termos ocorrem para

explicar a associaccedilatildeo primeira com uma palavra teoacuterica ie porque o hino eacute ldquopersistenterdquo Talvez devecircssemos

considerar o contraacuterio que a palavra teoacuterica se postula a fim de permitir a associaccedilatildeo com as outras que

explicariam o nome do gecircnero A se diz por causa de B que se diz em funccedilatildeo de C e D seguindo-se E Este

uacuteltimo termo explica o uacuteltimo elemento da exposiccedilatildeo do coacutedice em que os ldquohineadosrdquo (hymnoucircmenoi) satildeo

praticamente os ldquorelembradosrdquo

Esse eacute o esquema etimoloacutegico de dois outros textos semelhantes a esse passo do coacutedice de Foacutecio o

leacutexico de Oacuterion 155 22 (fundamental porque ele teria sido professor de Proclo) e Et Magnun 777 2 (que como

se sabe junto do Et Gudianum pauta-se no gramaacutetico Oacuterion em vaacuterios de seus verbetes) O cotejo completo

encontra-se em Severyns II 38 paacuteg 117 Ambas as referidas passagens (esta baseada naquela) atribuem a

etimologia a Diacutedimo e sua obra Acerca dos Poetas Liacutericos citados nominalmente nos dois textos 55 Apenas pelo lsquo rsquo o verbo em questatildeo viria agrave etimologia porque condensa as noccedilotildees anteriores e a antiga

funccedilatildeo religiosa subjacente agrave origem da espeacutecie em questatildeo o celebrar de um deus finalidade do hino

consistiria em relembrar ie trazer agrave tona seus feitos suas accedilotildees ( praacutexeis) manter a memoacuteria delas

Essa etimologia encontra-se nos leacutexicos antigos e provavelmente adveacutem dos autores heleniacutesticos uma vez que o

uso do verbo parece reintroduzido na liacutengua pelos poetas de tal periacuteodo cf Severyns idem paacuteg 119 Tanto no

Et Magnun como no Et Gudianum provavelmente contemplando o uso heleniacutestico aparece junto dos verbos

e como sinocircnimo primeiro de ldquo rdquo Para a derivaccedilatildeo antiga da palavra por exemplo o Et

Gud 539 56 ldquo

rdquo ndash ldquohyacutedein sinaliza o hyacutemnein surge a patir do verbo hymnocirc pela queda

do lsquonrsquo hymocirc e mudanccedila do lsquomrsquo para lsquodrsquo hyacutedo pelo recuo do acentordquo A associaccedilatildeo entre os dois verbos para a

qual tambeacutem se apresenta uma formaccedilatildeo teoacuterica nos leacutexicos posteriores ao texto do epiacutetome parece apontar de

qualquer modo dentro dessa classificaccedilatildeo de base gramatical para a necessidade de reforccedilar pelo emprego de

117

39 Chamavam hino em geral toda composiccedilatildeo aos que satildeo superiores56 por isso

aparecem contrapondo o prosoacutedio e as demais canccedilotildees mencionadas ao hino como a espeacutecie

ao gecircnero Assim dos que escrevem57 podem-se ouvir coisas como ldquohino de prosoacutediordquo ldquohino

de encocircmiordquo ldquohino de peatilderdquo e semelhantes58

40 O prosoacutedio [prosoacutedion ] era entoado quando se seguia em procissatildeo

[prosiacuteosi ] ao altar ou ao santuaacuterio e na procissatildeo [prosieacutenai ] era

cantado [eiacutedeto ]59 ao som do aulo O hino propriamente se cantava ao som da ciacutetara

uma vez que se estivesse parado60

um termo que tambeacutem eacute heleniacutestico a exposiccedilatildeo da espeacutecie como ldquodiegeacuteticardquo ou narrativa bem como

caracterizar a forma poeacutetica como celebraccedilatildeo de accedilotildees Em outras palavras aventa-se a possibilidade de que natildeo

eacute senatildeo pelas accedilotildees as praacutexeis anteriormente mencionadas que as duas explicaccedilotildees estatildeo aqui postas juntas

uma vez que nesta ocorrecircncia o verbo tenha as accedilotildees por objeto (hyacutedein autagraves) Eacute provaacutevel portanto que o

texto de Proclo as propunha contiguamente e natildeo opostamente jaacute que como mostrado por Severyns (paacuteg 120)

eacute tambeacutem por essa possibilidade que o texto do epiacutetome mencionaraacute outra disposiccedilatildeo para o hino em relaccedilatildeo agraves

outras espeacutecies dentro da classificaccedilatildeo geneacuterica a saber como gecircnero para as demais espeacutecies (infra n 58) 56 hyperoacutentas eacute correccedilatildeo de Severyns proposta a partir das referidas passagens de Oacuterion e do

Et Mag que trazem ldquo hypereacutekhontasrdquo sinocircnimo uma vez que o texto de Foacutecio traz

ldquo hypereacutetasrdquo (servo do deus) o que implicaria um contrassenso uma vez que o hino faz parte da

liacuterica sacra 57 A passagem parece ambiacutegua e aqui se pretendeu manter essa ambiguidade Natildeo eacute possiacutevel estabelecer

apenas pela passagem se tocircn graphocircnton designa aqueles que escrevem sobre hinos referindo-se a como outros

textos e classificaccedilotildees geneacutericas referem-se aos hinos e os nomeiam ou se isso parte daqueles que compuseram

tais hinos e portanto o referente do particiacutepio seriam os poetas A opccedilatildeo por ldquoescrevemrdquo e natildeo ldquocompotildeemrdquo na

traduccedilatildeo visa manter as duas possibilidades de leitura Das duas passagens semelhantes Oacuterion (155 22) e o Et

Magnun (777 2) apenas a primeira emprega o termo referindo-se aos que compotildeem com certeza e eacute por isso

mesmo que essa provavelmente seria a leitura correta Natildeo nos cabe emendar o texto poreacutem 58 Conforme as aludidas passagens de Oacuterion e do Etymologicum Magnum Diacutedimo distinguia entre duas

classificaccedilotildees Uma consideraria o hino particularmente como espeacutecie meacutelica sacra separada das demais

mencionadas no epiacutetome outra tomaria o temo de forma geneacuterica no sentido de que seu significado geral

abarcaria as demais formas sacras como espeacutecies Da exposiccedilatildeo anterior de fato se pode conjecturar que como

um hino eacute um louvor qualquer louvor poderia ser designado ldquohinordquo cantando-se as accedilotildees do ldquohineadordquo

inclusive referindo-se a homens e natildeo deuses A denominaccedilatildeo particular poreacutem a que Diacutedimo se filia

distinguia todas essas formas como espeacutecies pelo criteacuterio do destinataacuterio e por traccedilos circunstanciais

particulares apesar do mesmo testemunhar a generalizaccedilatildeo do termo que relacionava o hino a outras espeacutecies

liacutericas que empreendiam um elogio De acordo com Diacutedimo estaacute Amocircnio Sacoacuteforo (Diff Verb p 139

Valckenaer) quando diz que ldquoυμνος εγκωμιου διαφερει ο μεν γαρ υμνος εστι θεων το δε εγκωμιον ανθρωπωνrdquo (o hino difere do encocircmio o hino eacute proacuteprio dos deuses o encocircmio dos homens) tambeacutem se encontra passagem

similar no Etym Gud (540 42) ldquoο μεν υμνος επι θεου λεγεται το δε εγκωμιον επι ανθρωπουrdquo (o hino se diz a

um deus o encocircmio a um homem) A distinccedilatildeo jaacute ocorria na Repuacuteblica de Platatildeo (X 607a) quando absolvia do

ostracismo os ldquohinos aos deuses e os encocircmios ao virtuososrdquo A diferenciaccedilatildeo entre hino e as demais espeacutecies

sacras se daraacute logo em seguida no texto do epiacutetome quando se aborda a segunda delas no cataacutelogo de Proclo o

prosoacutedio (cf infra n 60) Cf igualmente Severyns paacuteg 119 em que organiza claramente as trecircs interpretaccedilotildees

de hino em relaccedilatildeo agraves demais formas poeacuteticas

Para a confusatildeo entre o hino e as formas encomiaacutesticas cf tambeacutem Harvey (1955) 59 Seria portanto combinando os trecircs termos arrolados na paroniacutemia explicativa da etimologia uma

ldquocanccedilatildeo em procissatildeordquo Aqui o que a etimologia faz eacute tatildeo somente explicar por outras palavras os termos do

composto que nomeia a espeacutecie a preposiccedilatildeo proacutes que daacute a noccedilatildeo de ldquoem direccedilatildeo ardquo que compotildee os verbos de

movimento que permitem designar o caminhar da procissatildeo (pros + ieacutenai) e o verbo ldquocantarrdquo (aiacutedo) donde o

ldquocantordquo ldquoa oderdquo ( oacuteide) 60 Aqui a distinccedilatildeo entre o hino como espeacutecie particular ndash o ldquohino propriamenterdquo ldquo rdquo ndash em

relaccedilatildeo agraves demais que remonta ateacute onde nos eacute possiacutevel saber a Diacutedimo Segundo o Et Magn 690 ldquoπροσωδια

παρα το προσιοντας ναοις η βωμοις προς αυλον αδειν ltαντιgt δια ltστελλεταιgt δε των υμνον οτι τους υμνους

προς κιθαραν εστωτες αδουσιν Ουτω Διδυμος εν τω περι λυρικων ποιητωνrdquo ndash ldquoos prosoacutedios foram assim

118

41 O peatilde [paiacutean ] eacute uma espeacutecie de canto nos nossos dias escrito para todos

os deuses mas em tempo antigo se dedicava propriamente a Apolo e a Aacutertemis sendo

cantado pela democcedilatildeo [katapauacutesei ] de pestes e moleacutestias61 Alguns chamam

peatildes por extensatildeo os prosoacutedios62

42 O ditirambo [dithyacuterambos ]63 eacute composto para Dioniso e denominado

a partir dele ou por Dioniso ter crescido sob o monte Nisa em uma caverna diacutethyros

chamados pois os que se aproximam dos templos ou altares cantam ao acompanhamento de aulo Opotildeem-se aos

hinos pois os cantam parados ao acompanhamento de ciacutetara Assim disse Diacutedimo no Acerca dos Poetas

Liacutericosrdquo

Sobre a forma hestoacuteton ( ) considerando que ocorre similarmente nos textos semelhantes

Severyns observou (124 6 citando o Etm Magnun 690 41) que sendo a espeacutecie executada por um coro pelo

menos em origem dificilmente o termo aqui se emprega ao peacute da letra O termo poderia ter o sentido de

estaacutesimo como na trageacutedia ou seja ldquouma paradardquo em relaccedilatildeo ao movimento geral pela orquestra mas com uma

coreografia o que significaria que o coro faria as evoluccedilotildees tiacutepicas da estrutura estroacutefica junto ao canto e agrave

composiccedilatildeo instrumental por oposiccedilatildeo aos meacutele hyporkheacutemata aqueles que possuiacuteam uma danccedila e aos meacutele

prosoacutedia esses opostos aos dois por ser em procissatildeo Contudo em se tratando de um genitivo absoluto o que

se tentou manter na traduccedilatildeo podemos aventar igualmente uma explicaccedilatildeo mais simples o termo estaacute a

continuar a oposiccedilatildeo entre o ldquohino em sentido proacutepriordquo o hyacuterios hyacutemnos e o prosoacutedio significando que aquele

se iniciava apoacutes este ou seja apoacutes o teacutermino da procissatildeo ldquouma vez que se estivesse paradordquo Note-se que uma

possibilidade natildeo nega a outra e ambas me parecem presentes porque isso inclusive explicaria primeiro os

hyporkheacutemata em particular como espeacutecie (seguindo o raciociacutenio do cataacutelogo) assim como em segundo a

ausecircncia de explicaccedilatildeo para estes no epiacutetome (cf n 77) 61 A etimologia se constitui pela proximidade do nome da canccedilatildeo com o termo ldquocessaccedilatildeo democcedilatildeordquo

( katapapaucircsis) e aqui a classificaccedilatildeo da espeacutecie se faz em prol da etiologia antiga Busca-se um

termo que lhe seja proacuteximo do ponto de vista do significante mas tambeacutem do significado Assim os leacutexicos (Et

Mag 657 2) traratildeo uma derivaccedilatildeo teoacuterica e dentre eles o Et Gudianum (446 50) daraacute como fonte Diacutedimo

Vale nota que o Et Magnum e o escoacutelio a Platatildeo (Banquete 177a) datildeo amostra da preocupaccedilatildeo terminoloacutegica

que perfaz a classificaccedilatildeo do epiacutetome pois embora ambos consoem com Proclo e este segundo empregue

praticamente a mesma formulaccedilatildeo do epiacutetome (ldquo rdquo)

ambos empregam o termo hyacutemnos propondo o peatilde como um tipo de hino evidenciando que o uso de ldquohinordquo

como gecircnero para espeacutecies era corrente na tratadiacutestica

Derivaria de παιω tambeacutem (cf lat pauio pauimentum) ldquobater percutirrdquo (cf Dioniacutesio Traacutecio) mas pela

mesma razatildeo etioloacutegica acima explicada pois Apolo batendo com seu bastatildeo demoveria os males Haveria

tambeacutem a derivaccedilatildeo do nome pela expressatildeo caracteriacutestica que se dizia ao longo do canto ldquo rdquo (cf

Ateneu XV 696d ndash 697b) Em tempos poacutes-homeacutericos o termo foi confundido com Peatildeo deus da medicina (cf

Ferrante paacuteg 43 n41) evidentemente associado a Apolo e jaacute Aacutertemis sua irmatilde era tambeacutem destinataacuteria do

canto como testemunha o epiacutetome Entatildeo o canto seria ou uma suacuteplica pela liberaccedilatildeo como testemunha Homero

no canto I da Iliacuteada (472 ndash 4) ou um agradecimento ao deus por ela Daiacute que como ldquoaccedilatildeo de graccedilardquo ndash termo que

Severyns ndash penso ndash emprega sem erro o peatilde passou a servir de agradecimento a diferentes deuses e por

diferentes accedilotildees A Vida de Soacutefocles (III) conta-nos que o tragedioacutegrafo teria se destacado ainda jovem por

conta de um peatilde em agradecimento pela vitoacuteria em Salamina Parece que natildeo muito mais tarde (embora seja

impossiacutevel precisar se a praacutetica jaacute era corrente mesmo anteriormente) peatildes passaram a se compor para homens

Ateneu (supra) arrola diferentes exemplos de peatildes para mortais dos quais merece destaque o referido por

Plutarco na Vida de Lisandro (18) o general espartano ndash Cf Severyns (127 3) 62 Tanto Severyns (41 7 paacuteg 129) como Ferrante (41 paacuteg 45) a julgar pela diferenciaccedilatildeo inferem que a

confusatildeo se dava porque antes do canto de um peatilde propriamente haveria uma procissatildeo ao templo do deus a

que se agradeceria o que se faria ao som de um prosoacutedio propriamente e este poderia ser designado pelo

criteacuterio apenas da finalidade da ocasiatildeo um peatilde ignorando-se os elementos formais explicitados Ambos autores

tambeacutem datildeo como referecircncia para o estudo e a bibliografia a respeito do peatilde A Fairbanks A study of the greek

paean New York 1900 L Deubner Neue Jahrbuumlrch 1919 p 585 L Delatte in Antiquiteacute classique 7 (1938)

p 23 ndash 29 Sobre o a confusatildeo entre os gecircneros sacros e a impossibilidade de estabelecer o que consistia cada

um Harvey (op cit1955) 63 Segundo alguns o termo eacute de origem liacutedia mas a etimologia eacute incerta Διθυραμβος era uma outra

designaccedilatildeo de Dioniso e mais tarde tornou-se o nome do canto em honra ao deus o que seria embora isso talvez

119

[bifurcada ]64 ou por ter sido encontrado quando se abriram as rhaacutemmata [suturas

] de Zeus65 ou porque nasceu ndash ao que parece ndash duas vezes [diacutes ] a primeira de

Secircmele e a segunda da coxa66

43 Piacutendaro diz que o 67ditirambo foi descoberto em Corinto e Aristoacuteteles fala que o

inaugurador desse canto eacute Aacuterio quem primeiro conduziu um coro em ciacuterculo68

44 Jaacute o nomo [ ] era composto para Apolo que por sua vez tem seu epiacuteteto

derivado dele69 de fato Apolo eacute ldquoNocircmimosrdquo [ ]70 ndash foi chamado ldquoNocircmimosrdquo

porque estando os antigos a dispor o coro e cantar o nomo ao som da lira ou do aulo

Crisocirctemis o cretense vestindo pela primeira vez uma exuberante estola e sacando uma ciacutetara

por imitaccedilatildeo de Apolo cantou sozinho [monos ]71 um nomo Como ele foi aclamado a

maneira do concurso permanece

45 Ao que tudo indica primeiro Terpandro aperfeiccediloou o nomo empregando o metro

heroico Depois natildeo foi com pouco que contribuiu Aacuterio de Metimna ele mesmo sendo poeta e

fosse desconhecido dos antigos um epocircnimo Para diferentes possibilidades etimoloacutegicas associadas a aspectos

do culto de Dioniso a partir do grego e de outras liacutenguas cf Ferrante (42 paacuteg 45 ndash 46) 64 De δις + θυρα cf lat fores (com duas portas) cf Herodiano (II 492 28 Lentz) apud Ferrante (op cit

idem) e Piacutendaro (fr 76 BOWRA) A mesma etimologia ocorre no Et Magnum (274 44) e no Escoacutelio a

Apolocircnio de Rodes (IV 1131 Wendel) 65 O simples segmento focircnico [-ram-] - seria suficiente para se fazer a associaccedilatildeo a outro episoacutedio

conhecido sobre a mitologia em torno de Dioniacuteso a saber sua segunda gestaccedilatildeo na coxa de Zeus gerando a

associaccedilatildeo entre dithyacuterambos e a locuccedilatildeo ldquolugravethi rhammardquo ( ) frase com que Zeus teria consumado o

nascimento definitivo de seu filho cujo significado seria ldquosoltem-se as suturasrdquo Essa etimologia encontra-se

tambeacutem no Et Magn (274 50) e era ao que tudo indica poeacutetica remontando a Piacutendaro (fr 75 BOWRA) 66 O uacuteltimo elemento associado ao numeral dois ldquoduas vezesrdquo ndash [dis] - - eacute uma etimologia meramente

semacircntica e tambeacutem associada a um segmento focircnico A rigor essa etimologia eacute a melhor demonstraccedilatildeo do aqui

se denomina uma etimologia etioloacutegica porque na verdade eacute a somatoacuteria de partes da palavra cada uma

remetendo a outra palavra que por sua vez representa um elemento do mito de nascimento do deus compondo

seu significado geral e a origem de um nome que entre os gregos mesmos era de origem incerta As diferentes

partes dessa etimologia em que cada associaccedilatildeo contribui para a inserccedilatildeo do mito no significado da palavra

aparecem aleacutem do Et Magn (274 44) no Et Gud (146 24 e 43) de modo que neste se observa a mesma

associaccedilatildeo entre ldquoduas viasrdquo e ldquodois nascimentosrdquo ndash cf Severyns 42 8 paacuteg 132 67 Cf Ferrante (43 paacuteg 46) Piacutendaro Ol 13 25 68 Aristoacuteteles Pol VIII 7 1342 b 7 Para Aacuterio c 625 aC cf Heroacutedoto (I 23 ndash 24) 69 A melhor explicaccedilatildeo para tal passagem eacute de Severyns (op cit 44 1 paacuteg 137) buscando brevidade

didaacutetica na exposiccedilatildeo Foacutecio teria pecado no estilo produzindo a ambiguidade da passagem que na sua

literalidade daacute a entender primeiro que Apolo herdou seu epiacuteteto do canto Como Severyns observa a passagem

sequer faria sentido caso se pensasse que Foacutecio a entendeu dessa maneira 70 Severyns (idem 2) e Ferrante (n 44 paacuteg 48) concordam que noacutemimos seria a variaccedilatildeo adotada por

Foacutecio mas para fins etimoloacutegicos Proclo provavelmente empregava a forma noacutemios constante na recorrecircncia

dessa etimologia O epiacuteteto de Apolo poderia tanto ser cognato de ldquoneacutemo pastorearrdquo significando

ldquopastorilrdquo como de ldquonoacutemos leirdquo significando algo como ldquoprovedor de leisrdquo ndash Severyns (44 4 paacuteg 139) 71 Aventa-se aqui a possibilidade de que como em sect65 em que Foacutecio expotildee a etimologia que prefere em

funccedilatildeo do lsquomrsquo de moacutenos Foacutecio esteja explicando seu emprego natildeo em vatildeo e natildeo meramente estiliacutestico de

noacutemimos em vez de noacutemios que devia constar no texto de Proclo Essa hipoacutetese seria consoante agrave confusatildeo que

ocorre no iniacutecio do trecho de modo que aqui Foacutecio estaria nos informando que haveria uma confusatildeo entre o

epiacuteteto do deus e o nome da subespeacutecie nome que sofreria uma sutil modificaccedilatildeo em funccedilatildeo do evento

estabelecedor da praacutetica performaacutetica que passa a caracterizaacute-lo Assim teriacuteamos duas etimologias combinadas

uma claramente epocircnima outra uma variaccedilatildeo etioloacutegica

120

citaredo 46 Friacutenis de Mitilene inovou-o juntou o hexacircmetro ao verso livre e utilizou mais de

sete cordas 47 Posteriormente Timoacuteteo levou-o a seu arranjo atual72

48 O ditirambo eacute movimentado junto agrave danccedila uma manifestaccedilatildeo de entusiasmo em

alto grau elaborado para as paixotildees muito proacuteprias do deus eacute agitado quanto ao ritmo e

emprega de forma mais simples as palavras 49 O nomo pelo contraacuterio por causa do deus

distende-se de forma ordenada e magnificente distende-se no ritmo e emprega as palavras

compostas73

50 Natildeo diferentemente cada um tambeacutem emprega as escalas proacuteprias pois o primeiro

afina-se ao friacutegio e ao hipofriacutegio e o nomo ao sistema liacutedio dos citaredos74

51 Ao que parece o ditirambo foi descoberto a partir da brincadeira das crianccedilas

pelos campos e da animaccedilatildeo entre os eacutebrios O nomo por sua vez parece decorrer do peatilde ndash

este eacute mais comum sendo escrito para a deprecaccedilatildeo de males aquele propriamente para

Apolo ndash por isso natildeo tem o entusiasmo como o ditirambo

52 Laacute enfim bebedeiras e brincadeiras aqui suacuteplicas e muita ordem pois que o

proacuteprio deus na ordenaccedilatildeo e em um arranjo contido daacute voltas no compasso

53 Adoniacutedias se dizem as canccedilotildees que se referem a Adocircnis75

54 Cantava-se o iobaco imerso em frecircmitos nos festivais e sacrifiacutecios a Dioniso76

72 Aqui se forneceria conforme o modelo padratildeo uma histoacuteria do nomo a partir de sua invenccedilatildeo

passando por seus desenvolvimentos Para as conjecturas histoacutericas sobre a evoluccedilatildeo formal do nomo Severyns

op cit II 140 a 150 Ferrante op cit paacuteg 48 traz uma breve exposiccedilatildeo sobre as partes do nomo e da paacuteg 50

a 51 a biografia de cada um dos poetas referidos 73 Empreende-se uma comparaccedilatildeo entre as caracteriacutesticas gerais dessas composiccedilotildees de acordo com o

deus a que se destinava cada uma Agrave paixatildeo proacutepria de Dioniacutesio e do entusiasmo caracteriacutestico de seu culto

acomodar-se-ia um estilo mais baixo empregando palavras simples aqui entendidas no sentido da elocuccedilatildeo

propriamente enquanto por outro lado combinando com o ritmo do nomo que ao inveacutes de se agitar em prol da

danccedila dos entusiasmados buscava prolongar-se pausadamente as palavras seriam mais belas visando ao ornato

da elocuccedilatildeo portanto compostas 74 Igualmente a cada um dos referidos ritmos melhor caberiam diferentes escalas musicais Para

interpretaccedilotildees divergentes da passagem e a possiacutevel discordacircncia em relaccedilatildeo a uma interpretaccedilatildeo peripateacutetica

Cf Severyns paacuteg 160 ndash 163 75 Adocircnis era divindade de origem siacuteria e feniacutecia (Ferrante 53 paacuteg 57) O pouco que se pode saber sobre

essa espeacutecie eacute que talvez fosse um treno ritual em que as mulheres lamentavam imitando Afrodite a morte do

belo jovem O termo que nomeia a canccedilatildeo epocircnima ocorre poucas vezes na liacutengua em Aristoacutefanes (Lisistrata

389) ocorre na forma adoniasmoacutes O Et Mag explica a forma como ldquoo treno por Adocircnisrdquo A peccedila

de Aristoacutefanes ainda ilustra expressotildees que provavelmente eram tiacutepicas desse canto (393 e 396) ldquo rdquo

(ldquoAi Adocircnisrdquo) e ldquo rdquo (ldquobatei no peito lsquoAdonisrsquordquo) Tambeacutem havia um peacute meacutetrico chamado

adocircnio 76 Como em uma das etimologias possiacuteveis para o peatilde o nome eacute composto da interjeiccedilatildeo de juacutebilo ldquoioacuterdquo

mais um dos nomes do deus Baacutekkhos cf Escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio (450 15) Cf severyns (54 paacuteg 171) em

Atenas representaccedilotildees do seacutequito de Dioniso chamavam-se Ioacutebakkhoi e Iobakkheicirca era o nome de uma festa

puacuteblica em honra do deus A expressatildeo ldquoimerso em muito frecircmitordquo sugere uma celebraccedilatildeo de caraacuteter semelhante

a do ditirambo

121

55 Hiporquema [hypoacuterkhema ]77 chamava-se a canccedilatildeo cantada junto agrave

danccedila [oacuterkhesis ]78 de fato os antigos frequentemente empregavam a preposiccedilatildeo

hypoacute [ ] no lugar de metaacute [ ]79

56 Quanto aos descobridores alguns dizem ter sido os curetas80 outros Pirro [Pyrros

] filho de Aquiles donde tambeacutem dizem piacuterrica [purrikheacute ] uma espeacutecie

de danccedila81

56a [paraacutegrafo pertinente ao encocircmio falta nos manuscritos]82

57 Jaacute o epiniacutecio escrevia-se pelo momento mesmo da vitoacuteria aos primeiros nas

competiccedilotildees83

77 Segundo Ferrante (55 paacuteg 58) seriam composiccedilotildees em versos creacuteticos ou peocircnicos Opotildee-se agraves demais

espeacutecies sacras porque era composta com uma danccedila em especiacutefico e natildeo evoluccedilotildees do coro Seria um canto de

origem cretense originariamente dedicado a Apolo mas depois a Dioniso e Atena ateacute que jaacute na eacutepoca de

Piacutendaro secularizou-se 78 A julgar pelo fato do resumo de Foacutecio mencionar mesmo que sucintamente as consideraccedilotildees do texto

original que explicavam a classificaccedilatildeo dessas espeacutecies sacras eacute de supor que o proacuteprio texto acessado natildeo trazia

muitas outras consideraccedilotildees sobre essa espeacutecie uma vez que um criteacuterio que as definisse como tal jaacute fora

discutido e estava subentendido no restante da exposiccedilatildeo da liacuterica sacra O nome por si soacute eacute autoexplicativo

ainda mais apoacutes a discussatildeo na exposiccedilatildeo do prosoacutedio particularizando o hino 79 Cf Ferrante (55 paacuteg 59) que arrola por exemplo O Escoacutelio a Piacutendaro (Ol VI 73b) e a Homero

(XVIII 492) como testemunhos arcaicos do uso de uma preposiccedilatildeo no lugar da outra O nome da espeacutecie seria

portanto algo como ldquodanccedilanterdquo (ldquocom danccedilardquo) Para as demais etimologias antigas cf Severyns (56 paacuteg 174 ndash

178) 80 Seriam sacerdotes do culto a Rea influentes em Creta Cf Ferrante (56 paacuteg 59) 81 Epiacuteteto de Neoptoacutelemo 82 Cf Harvey (1955) para ponderaccedilotildees sobre o encocircmio em relaccedilatildeo agraves demais espeacutecies principalmente em

relaccedilatildeo aos hinos Segundo a definiccedilatildeo de Heliodoro apud Ferrante (paacuteg 61) ldquoeacute a composiccedilatildeo poeacutetica que

compreende o enaltecimento de homens e cidadesrdquo mas morfoloacutegica e etimologicamente tambeacutem significava

fazer parte de um koacutemos mas em uma solenidade festiva ndash cf Piacutendaro Nemeias 8 50 Portanto poderia se

confundir com o epiniacutecio e em ambiente simposial ao escoacutelio mas se diferenciaria desse por ser coral 83 Fosse literalmente ie com valor temporal ldquono momento da vitoacuteriardquo fosse em sentido causal ldquopor

causa da vitoacuteriardquo

Severyns (57 paacuteg 181) defende que a liccedilatildeo talvez fosse epigrave autograven tograven kairograven porque aiacute ocorreria uma

etimologia que diz ldquoaludidardquo por oposiccedilatildeo ao encocircmio o epiniacutecio era obrigatoriamente no momento da vitoacuteria

em uma competiccedilatildeo atleacutetica supondo a celebraccedilatildeo do homem na proacutepria ocasiatildeo pairando a sugestatildeo de que

esse criteacuterio definiria o epiniacutecio em ldquoparticularrdquo semelhantemente agrave distinccedilatildeo entre hino em ldquoparticularrdquo jaacute

observada em relaccedilatildeo agraves demais espeacutecies sacras Em resumo o epiniacutecio em particular ou propriamente por

oposiccedilatildeo ao encocircmio que tambeacutem eacute um elogio seria apenas o que se cantava na ocasiatildeo performaacutetica especiacutefica

da vitoacuteria do atleta A proposta de Severyns natildeo me parece necessaacuteria para certas composiccedilotildees de fato talvez o

uacutenico criteacuterio realmente distintivo fosse uma ocasiatildeo performaacutetica apenas aludida e pressuposta o que na

praacutetica inevitavelmente se dava com certa flutuaccedilatildeo por um lado um epiniacutecio poderia ser executado mesmo

que posteriormente em um simpoacutesio e nesse caso a ocasiatildeo performaacutetica original seria pressuposta de

qualquer maneira o que o originou fora uma vitoacuteria atleacutetica A ocasiatildeo original por outro lado como se lecirc nos

epiniacutecios pindaacutericos talvez natildeo fosse o proacuteprio local da competiccedilatildeo mas uma cerimocircnia ciacutevica (com um koacutemos)

na paacutetria do atleta Natildeo parece necessaacuterio julgar com tanto rigor a classificaccedilatildeo dos antigos porque natildeo nos eacute

possiacutevel estabelecer quando exatamente se dava a cerimocircnia ciacutevica de celebraccedilatildeo do atleta e ao que tudo indica

havia uma flutuaccedilatildeo A emenda natildeo se faz necessaacuteria a rigor a motivaccedilatildeo do canto em uacuteltima instacircncia seria a

vitoacuteria atleacutetica e sempre se referiria a essa ocasiatildeo ou seja mesmo que por referecircncia estaria sempre

circunscrita a um ldquotempo especiacuteficordquo ndash o mesmo criteacuterio seraacute empregado para distinguir epiceacutedio de treno (sect67)

poreacutem explicitamente O encocircmio talvez natildeo se prendesse a uma motivaccedilatildeo especiacutefica mas natildeo nos resta

hipoacutetese para o que o definiria ldquoem particularrdquo

122

58 O escoacutelio [torto tortuoso skoacutelion ] era uma canccedilatildeo cantada entre os

convivas Por isso agraves vezes tambeacutem a chamam ldquocanccedilatildeo de beberrdquo Eacute despojado na preparaccedilatildeo

e muitiacutessimo simples84

59 ldquoEscoacuteliordquo eacute dito natildeo por antiacutefrase como julgam alguns o que se diz por antiacutefrase

em geral visa ao eufemismo e natildeo se muda o eufecircmico em maldizer85 60 Eacute poreacutem pelo

fato de que estando os sentidos enfim arrebatados e os ouvintes folgados por conta do vinho

bem nesse instante se introduzia o baacuterbito86 nos simpoacutesios e cada um continuando a

festividade combalia-se instavelmente no proferimento do canto Por causa disso que eles

proacuteprios sofriam em funccedilatildeo da bebedeira voltando-o para a canccedilatildeo chamavam-na tatildeo

simplesmente ldquoescoacuteliordquo [canccedilatildeo ldquotortardquo]87

61 As eroacuteticas [eroticaacute ] evidentemente cantam circunstacircncias de amores

[eroticagraves peristaacuteseis ] por mulheres meninos e moccedilas88

62 E as epitalacircmias [epithalaacutemia ]89 cantam-nas aos receacutem-casados

simultaneamente os rapazes e as moccedilas90 em direccedilatildeo [epiacute ] ao quarto nupcial[thaacutelamoi

]

84 Para as demais etimologias antigas e a hipoacutetese de que a etimologia por antiacutefrase fosse de Diacutedimo

Severyns (58 paacuteg 182 ndash 189) A etimologia proposta por Proclo associa o termo diretamente agrave ocasiatildeo e ao que

ocorre nela de modo a determinar o tipo de canto a canccedilatildeo seria tortuosa por causa da bebida seria portanto a

ldquocanccedilatildeo de beberrdquo por excelecircncia porque se cantava bebendo Essa etimologia supotildee que skoacutelion viria por

baritonaccedilatildeo do adjetivo skolioacutes a on (subentendendo-se melos) que significa ldquotortuosordquo e por isso tambeacutem

ldquodifiacutecilrdquo A etimologia opta pelo primeiro significado em vez do segundo ou seja o nome viria do significado

primeiro e literal da palavra 85 A etimologia por antiacutefrase ndash ldquodizer o contraacuteriordquo ndash seria dizer ldquodifiacutecilrdquo a canccedilatildeo porque na verdade eacute

simples e faacutecil uma vez que se daacute em meio agrave bebedeira dificultando a elaboraccedilatildeo Mas a antiacutefrase se daacute por

eufemismo ie para evitar o maldizer e natildeo o contraacuterio o que acabaria ocorrendo se essa hipoacutetese fosse

verdadeira supostamente porque para o autor da Crestomatia chamar difiacutecil o faacutecil natildeo seria eufecircmico mas

depreciativo 86 Lira grande de nove cordas 87 A canccedilatildeo eacute duplamente tortuosa o efeito tortuoso da bebida presente no canto dos eacutebrios se reflete na

consecuccedilatildeo do canto conforme os convivas se sucedem entoando-o desorganizada ou tortuosamente ie sem

uma sequecircncia predeterminada e linear 88 O nome eacute autoexplicativo Aqui provavelmente se agrupavam os poemas de Safo Anacreonte e Alceu

que tambeacutem satildeo dados como poetas de escoacutelios Essa pequena seccedilatildeo da Crestomatia provavelmente eacute a que

tratava das espeacutecies que nos satildeo legadas tendo como ocasiatildeo performaacutetica baacutesica o simpoacutesio 89 Outra etimologia autoexplicativa que se definia pela ocasiatildeo mais especificamente aqui diferencia esta

espeacutecie da seguinte por conta de sua finalidade e da ocasiatildeo pontual em que era cantada Segundo Severyns (62

191 ndash 194) tanto epithalaacutemios como hymeacutenaios poderiam designar as canccedilotildees de mateacuteria nupcial sendo a

primeira arcaica e poeacutetica e a segunda posterior heleniacutestica teoacuterica cunhada pelos gramaacuteticos De fato eacute o que

demonstra com as ocorrecircncias de ambas as designaccedilotildees esta segunda em Ateneu (I 5e) por exemplo

referindo-se (a) ao canto executado no banquete nupcial junto aos pais da noiva ou quando (b) ela era levada

pelo cortejo de amigos junto ao esposo da casa de seus pais agrave casa dele (Homero Il XVIII 491 seq e Hesiacuteodo

Escudo 272 seq) ou quando (Teoacutecrito XVIII 8 etc) o casal (c) se retira ao cocircmodo nupcial guardado por uma

espeacutecie de porteiro ou guardiatildeo o thyroroacutes jaacute aquela primeira classificando as mesmas coisas em

textos de base gramatical como Amocircnio Sacoacuteforo (junto de diversos sinocircnimos como gameacutelios e

variantes) ou o Escoacutelio a Teoacutecrito (XVIII) etc referindo-se ao terceiro significado (c) de himeneu ou cobrindo

todos seus significados como sinocircnimo direto de hymeacutenaios (Et Magn 776 46) ou designando uma

composiccedilatildeo natildeo liacuterica mas com o mesmo valor da primeira noccedilatildeo (a) de himeneu agraves vezes em diacutestico elegiacuteaco

123

63 Diz que o himeneu cantava-se nos casamentos em conformidade ao sofrimento e agrave

procura por Himeneu filho de Terpsiacutecore91 o qual dizem ter se tornado invisiacutevel apoacutes casar-

se

64 Outros em honra de Himeneu de Atenas pois ele ndash diz ndashapoacutes perseguir resgatou

de bandidos moccedilas atenienses92

65 Eu penso que era uma exultaccedilatildeo prenunciando uma vida afortunada e que

rezavam junto aos cocircnjuges pela comunhatildeo de um matrimocircnio com ternura entretecendo a

prece com dialeto eoacutelio de modo a sempre hymenaiacuteein [coabitarem ] e

homonoeicircn [concordarem ] os que vatildeo morar sob o mesmo teto93

66 O silo94 conteacutem a ralhaccedilatildeo e o menoscabo de homens comedidamente95

(Luciano Banquete 29 40 etc) ou referindo-se a uma composiccedilatildeo em prosa ie um discurso equivalente ao

primeiro tipo (a) de himeneu

Parece acertada a conclusatildeo do autor de que como se observa para outras espeacutecies da liacuterica secular em

que se cunha posteriormente uma nomenclatura a fim de diferenciaacute-la de outras formas poeacuteticas congecircneres

designadas a princiacutepio por um mesmo nome geral ldquohimeneurdquo como designaccedilatildeo mais antiga seria o nome para

qualquer ode nupcial qualquer canto referente aacutes nuacutepcias entoado mesmo que em meio ao simpoacutesio enquanto o

termo ldquoepitalacircmiordquo passaria a designar em uma tentativa mais teacutecnica de classificaccedilatildeo (gramatical) uma

circunstacircncia especiacutefica em que se realizava um canto liacuterico nupcial a ida ao leito ou taacutelamo 90 Conforme demonstra Severyns (62 4 paacuteg 193) parece que a princiacutepio esse coro se compunha apenas

de moccedilas mas Proclo deve atestar a praacutetica posterior de incluir tambeacutem rapazes Piacutendaro (Piacuteticas III 18) e

Teoacutecrito (XVIII 2 e 22) a testariam o primeiro caso Eacutesquilo (fr 43 Nauck) o segundo Sobre o uso de

discursos nas mesmas ocasiotildees Dioniacutesio de Halicarnasso (Ret IV I 266 22) emprega a mesma distinccedilatildeo de

espeacutecies levando Severyns agrave pertinente observaccedilatildeo de que ela fosse alexandrina 91 Confere para as divergecircncias em relaccedilatildeo agrave matildee do jovem Himeneu Severyns (63 3 126 ndash 197) 92 Ambas as etimologias propostas por Proclo para o nome da espeacutecie compotildeem epocircnimos etioloacutegicos

para os quais a interpretaccedilatildeo de Severyns (63 5 198) parece acertada Para a primeira Proclo estaria

interpretando pela referecircncia miacutetica a expressatildeo formular desse tipo de canto ldquo Hymegraven ocirc

Hymeacutenaierdquo focando-se no segundo termo como mito etioloacutegico do canto associado pelo que se subentende agrave

perda do hiacutemem (Cf Severyns 65 2 paacuteg 200 para outras etimologias linguiacutesticas dos antigos) A segunda

etiologia eacute associada a outra personagem e segundo o autor seria de base heleniacutestica teoricamente em funccedilatildeo

do quanto subentende de referecircncias e contecircm de amplificaccedilatildeo episoacutedica em relaccedilatildeo a outras fontes (cf 64 paacuteg

198 ndash 200) Supotildee a praacutetica do casamento natildeo concedido por parte de piratas e raptores um casamento ilegal

para a poacutelis portanto Como o referido heroacutei aacutetico teria impedido tal praacutetica iniciara-se a pratica de celebraacute-lo

junto ao casamento consentido e legal 93 Nessa curiosa passagem Foacutecio daacute sua opiniatildeo teria considerado as etimologias de Proclo por demais

pagatildes Natildeo se pode dizecirc-lo mas talvez tenha considerado muito obtusas as ilaccedilotildees feitas uma vez que pelas

constantes expressotildees ldquouns outrosrdquo ao longo do resumo natildeo haacute por que duvidar de que nos forneccedila por

completo as etimologias com que Proclo operava 94 Palavra que significa ldquomordazrdquo ldquosarcaacutesticordquo mas que tambeacutem seria ldquovesgordquo Para as etimologias que

natildeo constam no epiacutetome porque provavelmente jaacute assume o nome do canto pelo teor satiacuterico como se vecirc na

definiccedilatildeo cf Ferrante (paacuteg 72) 95 Teriam sido compostos por Timatildeo de Flio filoacutesofo ceacutetico do periacuteodo heleniacutestico e eram basicamente

hexacircmetros paroacutedicos ridicularizando de maneira branda outros filoacutesofos Pelo mesmo nome se designavam os

escritos de Xenoacutefanes de Colofatildeo anterior a Timatildeo em aproximadamente um seacuteculo Por extensatildeo hexacircmetros

que parodiassem Homero tambeacutem deviam ser considerados siacutelos (Ferrante paacuteg 72) Segundo Dioacutegenes Laeacutercio

(IX 109 apud Ferrante) agrave eacutepoca de Tibeacuterio o gramaacutetico Apolocircnide de Niceacuteia teria composto uma ldquoMemoacuteria

dos Silosrdquo em cujo livro primeiro se contava a vida de Timatildeo e se estudava sua poesia Autores modernos

(Smyth apud Severyns paacuteg 68) questionam a classificaccedilatildeo do silo como poesia liacuterica e coral por ser

hexameacutetrico Ferrante (idem) a partir de Heliodoro (451 23 apud Severyns) aventa a possibilidade de se

considerar o silo uma subespeacutecie do iambo pelo emprego de loidoriacutean em sua definiccedilatildeo mas parece ignorar

tambeacutem o metro bem como o fato de Proclo usou a palavra na definiccedilatildeo do iambo provaacutevel razatildeo pela qual natildeo

124

67 O treno difere do epiceacutedio [epikeacutedion] porque o epiceacutedio se diz a partir do proacuteprio

kecircdos [luto funeral ] com o corpo ainda jazendo exposto enquanto o treno natildeo se

circunscreve a um periacuteodo de tempo96

68 As chamadas partecircnias [partheacutenia ] eram escritas para coros de moccedilas

[partheniai ]

69 A elas as dafnefoacutericas [ldquoporta-lourosrdquo daphneforicaacute ] pertencem

como a um gecircnero97 a cada nove anos na Beoacutecia os sacerdotes portando [komiacutezontes

] louros [daacutephnai ] aos templos de Apolo louvavam-no com um coro de

moccedilas98

70 Sua origem os muitos eoacutelios que habitavam Arne e as terras da regiatildeo de laacute

migrando de acordo com um oraacuteculo e que sitiando deram iniacutecio ao saque de Tebas antes

ocupada pelos pelasgos99

71 Em advindo um festival de Apolo comum a ambos estabeleceram armistiacutecio e

enquanto uns agrave margem do Heacutelicon cortavam louros outros agrave margem do rio Melas os

ofertavam a Apolo

72 Entatildeo Polematas comandante dos beoacutecios sonhou que via um jovem entregar-lhe

a armadura e ordenar-lhe fazer votos de a cada nove anos levar louros a Apolo

73 Depois de trecircs dias investindo sobrepujou os inimigos e ele proacuteprio entatildeo

executaria uma dafnefoacuteria [dafneforiacutea ] A partir daiacute se preserva o costume

74 A dafnefoacuteria cingem um galho de oliveira com louros e flores coloridas na ponta

se acopla uma esfera de bronze e dela pendem menores No meio do galho dispondo em

ciacuterculo dependuram uma menor que a da ponta e guirlandas roxas A parte final do galho

envolvem com um manto cor de accedilafratildeo

a empregaria aqui Para a associaccedilatildeo excessiva de Proclo com Diacutedimo neste passo e outros autores anteriores a

Proclo que classificam o silo entre as espeacutecies liacutericas cf Severyns (paacuteg 205) 96 Para as partes do sepultamente entre os gregos e o kecircdos como funeral cf Severyns (67 2 paacuteg 207)

Essas duas formas de canccedilatildeo fuacutenebre se distinguiriam por um momento especiacutefico da ocasiatildeo Esse criteacuterio jaacute se

aplicou em relaccedilatildeo ao epiniacutecio e ao epitlacircmio (supra notas 167 e 173) Para a associaccedilatildeo e a distinccedilatildeo dessas

espeacutecies liacutericas em relaccedilatildeo agrave elegia e o emprego do metro aleacutem de Ferrante (paacuteg 73) e Severyns (paacuteg 208 ndash

210) cf Harvey (1955) 97 Conforme visto porque a noccedilatildeo de que hino e encocircmio aleacutem de espeacutecies em particular poderiam

tambeacutem ser propostos no proacuteprio texto de Proclo como gecircneros para espeacutecies eacute mais plausiacutevel que essa

explicitaccedilatildeo seja do proacuteprio texto que se resumiu e natildeo do resumidor e talvez para esse terceiro grupo da liacuterica

que compreende homens e deuses juntos o criteacuterio fosse assumido senatildeo endossado por Proclo e natildeo apenas

contraposto a um criteacuterio que tambeacutem considera todas as espeacutecies em particular 98 Aqui o texto torna-se etioloacutegico mal ocorrendo etimologias uma vez que os nomes satildeo

autoexplicativos e o que se faz nada mais eacute do que explicitar sua composiccedilatildeo O criteacuterio eacute explicito seguir-se-atildeo

as espeacutecies de partecircnios que satildeo definidas pela festa em que ocorrem O que resta entatildeo eacute contar a origem de

cada uma dessas ocasiotildees puacuteblicas 99 Para todas as referecircncias histoacutericas a respeito da etiologia e da festividade cf Severyns (70 ndash 78 paacuteg

214 ndash 232)

125

75 Pretendem que a esfera mais ao alto signifique o sol (com que remetem a Apolo) a

subposta a lua as demais suspensas os planetas e estrelas as guirlandas o curso anual ndash de

fato contavam 365

76 Um menino cujos pais ainda satildeo vivos vem no iniacutecio da dafnefoacuteria e o seu parente

mais proacuteximo carrega o galho cingido o qual chamam koacutepo [koacutepo ] 77 Seguindo o

proacuteprio dafneacuteforo [daphnefoacuteros ] vem segurando o louro soltos os cabelos

porta uma coroa de ouro traja um longo manto brilhante e veacuteu aos peacutes100 Acompanha-o de

perto um coro de moccedilas empunhando ramos de suacuteplica hineando

78 Enviavam a dafnefoacuteria aos templos de Apolo Ismecircnio e Calaacutezio

79 A canccedilatildeo tripodefoacuterica [levada por um triacutepodo] cantava-se entre os beoacutecios um

triacutepodo tomando a frente101

80 Foi esta sua origem um grupo de pelasgos tentava saquear a cidade de Panacto da

Beoacutecia Os tebanos a defendiam e enviando uma comitiva a Dodona consultaram o oraacuteculo

sobre a vitoacuteria no conflito

81 O oraacuteculo designou aos tebanos que se cometessem o maior sacrileacutegio venceriam

82 Pareceu-lhes entatildeo que a maior das impiedades era imolar aquela que lhes dera o

oraacuteculo e imolaram-na

83 As sacristatildes em torno do santuaacuterio moveram accedilatildeo contra os tebanos pelo

assassinato

84 Os tebanos no entanto natildeo concederam que apenas mulheres julgassem o meacuterito

Havendo um julgamento comum entre homens e mulheres como os homens lhes deram voto

branco os tebanos foram absolvidos

85 Soacute mais tarde depois que entenderam o que lhes fora ordenado pelo oraacuteculo

elevaram uma das triacutepodas sacras da regiatildeo da Beoacutecia e cobrindo-na como o fazem os

profanadores de templos envairam-na ao alto de Dodona

86 Como daiacute em diante prosperaram passaram a fazer desse ato um festival

87 As canccedilotildees oscofoacutericas [porta-oacutesche] cantavam-se entre os atenienses102

88 Dois jovens do coro trajados como mulheres lideram o festejo portando um ramo

de vinha cheio de uvas vicejantes ndash chamam-no oacuteskhe [ ] donde o epocircnimo das canccedilotildees

100 Epicratidas eacute um termo plural que significa ldquopanos de testardquo ie ldquolenccedilo de testardquo ldquoveacuteurdquo Embora se

pudesse apenas decalcar a palavra para o portuguecircs a passagem ficaria obscura Ao que tudo indica era somente

um tecido que o dafneacuteforo usava sobre os peacutes talvez como extensatildeo do manto 101 Idem 79 ndash 86 paacuteg 232 ndash 242 102 Ibidem 87 ndash 92 paacuteg 243 ndash 254

126

89 Dizem ter sido Teseu quem primeiramente deu iniacutecio ao rito depois que aceitando

voluntariamente a viagem a Creta livrou sua paacutetria do infortuacutenio do tributo ao prestar graccedilas

a Atena e Dioniso que se manifestaram a ele na ilha de Dia fez isso empregando dois jovens

efeminados como assistentes na cerimocircnia

90 O cortejo dos atenienses dava-se do altar de Dioniso ateacute o santuaacuterio de Atena

Esquira

91 Um coro seguia os jovens e cantava as canccedilotildees

92 Efebos de cada uma das tribos competiam uns com os outros numa corrida a peacute e

o primeiro deles saboreava de uma pipa dita ldquoquiacutentuplardquo que se preparava com oliva vinho

mel queijo e grumos de cevada

93 As canccedilotildees votivas eram escritas pelos que pediam que alguma coisa lhes adviesse

de um deus103

94 Pragmaacuteticas [pragmaticaacute ] eram as canccedilotildees que compreendiam as

accedilotildees praticadas [praacutexeis ] por algueacutem104

95 As empoacutericas [comerciais ] foram escritas sobre o quanto se mostrava a

algueacutem no decurso de suas viagens e mercancias [empoacuteriai ]105

96 As apostoacutelicas106 o quanto faziam aqueles enviados a algueacutem como emissaacuterios

97 Eacute evidente que as sentenciosas107 contecircm o enaltecimento dos caracteres

103 Euktikoacutes eacute o deverbal de euacutekhomai ndash rezar Tanto Severyns como Ferrante

concordam que eacute pelo elemento humano aleacutem do divino que tais cantos vecircm aqui como uacuteltima espeacutecie do

terceiro grupo Em Menandro o termo serve para classificar os hinos Menandro (Rhet Gr X p 134 Walz)

divide os hinos pela intenccedilatildeo kleacutetikoi (invocatoacuterios) apopemptikoiacute (de adeus para a viagem do deus) physikoiacute

(naturais sobre as manifestaccedilotildees do deus na natureza) apeuktikoiacute (deprecatoacuterios) euktikoiacute (votivos) Eacute provaacutevel

que senatildeo concorrentes sejam duas classificaccedilotildees pelo menos com intenccedilotildees diferentes Menandro subdivide as

intenccedilotildees de quem canta o hino em relaccedilatildeo ao hineado O mesmo criteacuterio define a uacuteltima canccedilatildeo da liacuterica mista

em Proclo ie sua funccedilatildeo por outro lado o criteacuterio que Proclo emprega para tratar dos hinos os distingue como

Severyns observou em particular ie pelo destinataacuterio mesmo nos casos em que poderiam se confundir com

esses cantos ecircuktikos pela intenccedilatildeo como seria o caso por exemplo do peatilde que passou a ser cantado para se

pedir ou agradecer por diferentes coisas Soacute o que se pode dizer eacute que talvez ambas as definiccedilotildees ainda que

diferentes tratassem de um mesmo objeto em comum mas lhe conferindo lugares diferentes na classificaccedilatildeo

geral segundo seus criteacuterios Sobre isso e a categorizaccedilatildeo de Menandro confere Harvey (1955) 104 Sobre essas espeacutecies em geral cf Severyns (94 paacuteg 255 ndash 257) Vale-nos sua observaccedilatildeo de que

conforme hinos desempenhavam um papel generalizante para a liacuterica sacra encocircmio para a liacuterica secular

partecircnio para a liacuterica mista as pragmaacuteticas deveriam fazecirc-lo em relaccedilatildeo ao quarto grupo o das circunstacircncias

acidentais 105 Severyms (95 257) cogita aqui os poemas de Riano (Eliacuteaca Tessaacutelica Messeniacuteaca) poeta e gramaacutetico

do periacuteodo heleniacutestico bem como a Bitiniacuteaca de Demoacutestenes da Bitiacutenia mas crecirc que Proclo natildeo tinha tais

poemas em mente por serem essencialmente hexammeacutetricos 106 Do verbo aposteacutello ldquoenviarrdquo Tanto Severyns (paacuteg 257) como Ferrante (paacuteg 95)

mencionam Heliodoro (paacuteg 450 11) ldquoἈποστολικὸν μέλος ἐστὶ τὸ πεμπόμενον πρός τινα περιέχον ltπαραι-

νέσειςgt ἢ αἴτησιν παρ αὐτοῦ δωρεᾶςrdquo ndash ldquoA canccedilatildeo apostoacutelica eacute a que se envia a algueacutem contendo

recomendaccedilotildees ou pedidos de donsrdquo e concordam que natildeo seria a isso que pelo menos no entendimento do

resumo de Foacutecio Proclo se referiria Parece que ou Foacutecio teria se equivocado na ordem dos termos mais uma vez

(como pode ter ocorrido em sect44) ou o que Heliodoro chamaria apostoacutelica o que se assemelhe talvez com o que

Proclo chama canccedilatildeo epistaacuteltica (sect99)

127

98 As geoacutergicas o que se refere aos campos estaccedilotildees e cuidados das plantas108

99 As epistolares o quanto se refere agraves designaccedilotildees que compunham em verso e

enviavam a algueacutem109

100 Aqui estatildeo os dois primeiros arrazoados da Crestomatia de Letras de Proclo

107 Gnomologikaacute ndash Confere Heliodoro (450 13) para definiccedilatildeo semelhante108 Embora como notado por Severyns Ferrante e outros esse item pareccedila associado ao anterior ie

poesia de caraacuteter gnocircmico mesmo os Trabalhos e Dias de Hesiacuteodo que conteriam os dois itens poderiam como

composiccedilatildeo didaacutetica hexameacutetrica ser arrolados aqui 109 Diferentes das apostoacutelicas porque essas sim como cartas eram enviadas designando coisas Tanto

Severyns como Ferrante assumem que natildeo se pode saber com precisatildeo o que eram

128

2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO CICLO

EacutePICO ndash TRADUCcedilAtildeO

21 VIDA DE HOMERO

Πρόκλου περὶ Ὁμήρου

Ἐπῶν ποιηταὶ γεγόνασι πολλοί τούτων δ εἰσὶ κρά-

τιστοι Ὅμηρος Ἡσίοδος Πείσανδρος Πανύασις Ἀντίμαχος

Ὅμηρος μὲν οὖν τίνων γονέων ἢ ποίας ἐγένετο πα-

τρίδος οὐ ῥᾴδιον ἀποφήνασθαι οὔτε γὰρ αὐτός τι λελάληκεν 5

ἀλλ οὐδὲ οἱ περὶ αὐτοῦ εἰπόντες συμπεφωνήκασιν ἀλλ ἐκ

τοῦ μηδὲν ῥητῶς ἐμφαίνειν περὶ τούτων τὴν ποίησιν αὐτοῦ

μετὰ πολλῆς ἀδείας ἕκαστος οἷς ἐβούλετο ἐχαρίσατο

καὶ διὰ τοῦτο οἱ μὲν Κολοφώνιον αὐτὸν ἀνηγόρευσαν

οἱ δὲ Χῖον οἱ δὲ Σμυρναῖον οἱ δὲ Ἰήτην ἄλλοι δὲ Κυμαῖον 10

καὶ καθόλου πᾶσα πόλις ἀντιποιεῖται τἀνδρός ὅθεν εἰκότως

ἂν κοσμοπολίτης λέγοιτο

οἱ μὲν οὖν Σμυρναῖον αὐτὸν ἀποφαινόμενοι Μαίονος

μὲν πατρὸς λέγουσιν εἶναι γεννηθῆναι δὲ ἐπὶ Μέλητος

τοῦ ποταμοῦ ὅθεν καὶ Μελησιγενῆ ὀνομασθῆναι δοθέντα 15

δὲ Χίοις εἰς ὁμηρείαν Ὅμηρον κληθῆναι οἱ δὲ ἀπὸ τῆς

τῶν ὀμμάτων πηρώσεως τούτου τυχεῖν αὐτόν φασι τοῦ ὀνό-

ματος τοὺς γὰρ τυφλοὺς ὑπὸ Αἰολέων ὁμήρους καλεῖσθαι

Ἑλλάνικος δὲ καὶ Δαμάστης καὶ Φερεκύδης εἰς Ὀρφέα

τὸ γένος ἀνάγουσιν αὐτοῦ Μαίονα γάρ φασι τὸν Ὁμήρου 20

πατέρα καὶ Δῖον τὸν Ἡσιόδου γενέσθαι Ἀπέλλιδος τοῦ Μελα-

νώπου τοῦ Ἐπιφράδεος τοῦ Χαριφήμου τοῦ Φιλοτέρπεος τοῦ

Ἰδμονίδεω τοῦ Εὐκλέος τοῦ Δωρίωνος τοῦ Ὀρφέος

Γοργίας δὲ ὁ Λεοντῖνος εἰς Μουσαῖον αὐτὸν ἀνάγει

περὶ δὲ τῆς τελευτῆς αὐτοῦ λόγος τις φέρεται τοι- 25

129

οῦτος ἀνελεῖν φασιν αὐτῷ τὸν θεὸν χρωμένῳ περὶ ἀσφα-

λείας τάδε

ἔστιν Ἴος νῆσος μητρὸς πατρίς ἥ σε θανόντα

δέξεται ἀλλὰ νέων ἀνδρῶν αἴνιγμα φύλαξαι

λέγουσιν οὖν αὐτὸν εἰς Ἴον πλεύσαντα διατρῖψαι μὲν 30

παρὰ Κρεωφύλῳ γράψαντα δὲ Οἰχαλίας ἅλωσιν τούτῳ χαρί-

σασθαι ἥτις νῦν ὡς Κρεωφύλου περιφέρεται καθεζόμενον

δὲ ἐπί τινος ἀκτῆς θεασάμενον ἁλιεῖς προσειπεῖν αὐτοὺς

καὶ ἀνακρῖναι τοῖσδε τοῖς ἔπεσιν

ἄνδρες ἀπ Ἀρκαδίης θηρήτορες ἦ ῥ ἔχομέν τι 35

ὑποτυχόντα δὲ αὐτῶν ἕνα εἰπεῖν

οὓς ἕλομεν λιπόμεσθ οὓς δ οὐχ ἕλομεν φερόμεσθα

οὐκ ἐπιβάλλοντος δὲ αὐτοῦ διελέσθαι τὸ αἴνιγμα ὅτι ἐπὶ

ἰχθυΐαν καταβάντες ἀφήμαρτον φθειρισάμενοι δὲ ὅσους μὲν

ἔλαβον τῶν φθειρῶν ἀποκτείναντες ἀπολείπουσιν ὅσοι δὲ 40

αὐτοὺς διέφυγον τούτους ἀποκομίζουσιν οὕτω δ ἐκεῖνον

ἀθυμήσαντα σύννουν ἀπιέναι τοῦ χρησμοῦ ἔννοιαν λαμβά-

νοντα καὶ οὕτως ὀλισθόντα περιπταῖσαι λίθῳ καὶ τριταῖον

τελευτῆσαι

ἀλλὰ δὴ ταῦτα μὲν πολλῆς ἔχεται ζητήσεως ἵνα δὲ μηδὲ 45

τούτων ἄπειρος ὑπάρχῃς διὰ τοῦτο εἰς ταῦτα κεχώρηκα

τυφλὸν δὲ ὅσοι τοῦτον ἀπεφήναντο αὐτοί μοι δοκοῦσι

τὴν διάνοιαν πεπηρῶσθαι τοσαῦτα γὰρ κατεῖδεν ὅσα οὐδεὶς

ἄνθρωπος πώποτε

εἰσὶ δὲ οἵτινες ἀνεψιὸν αὐτὸν Ἡσιόδου παρέδοσαν 50

ἀτριβεῖς ὄντες ποιήσεως τοσοῦτον γὰρ ἀπέχουσι τοῦ γένει

προσήκειν ὅσον ἡ ποίησις διέστηκεν αὐτῶν ἄλλως δὲ οὐδὲ

τοῖς χρόνοις συνεπέβαλον ἀλλήλοις

ἄθλιοι δὲ οἱ τὸ ἀνάθημα πλάσαντες τοῦτο

Ἡσίοδος Μούσαις Ἑλικωνίσι τόνδ ἀνέθηκεν 55

ὕμνῳ νικήσας ἐν Χαλκίδι θεῖον Ὅμηρον

ἀλλὰ γὰρ ἐπλανήθησαν ἐκ τῶν Ἡσιοδείων Ἡμερῶν ἕτερον

γάρ τι σημαίνει

τοῖς δὲ χρόνοις αὐτὸν οἱ μὲν περὶ τὸν Ἀρίσταρχόν

130

φασι γενέσθαι κατὰ τὴν τῆς Ἰωνίας ἀποικίαν ἥτις ὑστερεῖ 60

τῆς Ἡρακλειδῶν καθόδου ἔτεσιν ἑξήκοντα τὸ δὲ περὶ τοὺς

Ἡρακλείδας λείπεται τῶν Τρωϊκῶν ἔτεσιν ὀγδοήκοντα οἱ δὲ

περὶ Κράτητα ἀνάγουσιν αὐτὸν εἰς τοὺς Τρωϊκοὺς χρόνους

φαίνεται δὲ γηραιὸς ἐκλελοιπὼς τὸν βίον ἡ γὰρ ἀν-

υπέρβλητος ἀκρίβεια τῶν πραγμάτων προβεβηκυῖαν ἡλικίαν 65

παρίστησι

πολλὰ δὲ ἐπεληλυθὼς μέρη τῆς οἰκουμένης ἐκ τῆς

πολυπειρίας τῶν τόπων εὑρίσκεται τούτῳ δὲ προσυπονοη-

τέον καὶ πλούτου πολλὴν περιουσίαν γενέσθαι αἱ γὰρ μακραὶ

ἀποδημίαι πολλῶν δέονται ἀναλωμάτων καὶ ταῦτα κατ ἐκεί- 70

νους τοὺς χρόνους οὔτε πάντων πλεομένων ἀκινδύνως οὔτε

ἐπιμισγομένων ἀλλήλοις πως τῶν ἀνθρώπων ῥᾳδίως

γέγραφε δὲ ποιήσεις δύο Ἰλιάδα καὶ Ὀδύσσειαν

ἣν Ξένων καὶ Ἑλλάνικος ἀφαιροῦνται αὐτοῦ οἱ μέντοι γε ἀρ-

χαῖοι καὶ τὸν Κύκλον ἀναφέρουσιν εἰς αὐτόν προστιθέασι δὲ 75

αὐτῷ καὶ παίγνιά τινα Μαργίτην Βατραχομαχίαν ἢ Μυο-

μαχίαν Ἕπτ ἐπ ἀκτίον Αἶγα Κέρκωπας Κενούς

De Proclo sobre Homero

Muitos satildeo os poetas eacutepicos Os mais egreacutegios deles satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro

Paniacuteasis e Antiacutemaco

Sobre Homero quais seus pais e de que paacutetria era originaacuterio eacute difiacutecil afirmar

claramente ele proacuteprio natildeo fala coisa alguma e nem se acham de acordo os que falaram sobre

ele pelo fato contudo de sua poesia natildeo trazer expressamente nenhuma indicaccedilatildeo a respeito

cada um contenta-se com o que deseja sem nenhuma restriccedilatildeo

Por causa disso uns o proclamam nativo de Colofatildeo outros de Quios outros de

Esmirna outros de Io outros de Cima e toda cidade de modo geral reclama o homem pelo

que razoavelmente pode ser dito cosmopolita

Os que afirmam que ele eacute de Esmirna dizem que seu pai era Meatildeo e que foi concebido

perto do Rio Meles motivo pelo qual tambeacutem eacute nomeado Melesiacutegene mas que eacute chamado

Homero [Hoacutemeros ] porque foi dado na condiccedilatildeo de homereiacutea [refeacutem ]

131

aos de Quios Outros dizem que acabou recebendo esse nome por causa da deficiecircncia dos

olhos Os cegos de fato eram chamados homeacuteroi [ ] pelos eoacutelios

Helacircnico Damaste e Fereacutecides recuam sua origem ateacute Orfeu Dizem que Meatildeo pai de

Homero e Dio pai de Hesiacuteodo descendem de Apeacutelis filho de Melanopo filho de Epiacutefrades

filho de Carifemo filho de Filoterpes filho de Idmocircnides filhos de Eucles filho de Doriatildeo

filho de Orfeu

Goacutergias de Leontino o recua agraves Musas

Sobre a sua morte refere-se a seguinte histoacuteria inquirindo o oraacuteculo a respeito de sua

proacutepria seguranccedila pessoal contam que o deus lhe deu esta resposta

ldquoHaacute uma ilha Io paacutetria de tua matildee que morto

receber-te-aacute Cuidado com enigma de homens jovensrdquo

Dizem entatildeo que tendo velejado para Io passava um tempo na companhia de

Creoacutefilo quando escreveu e dedicou-lhe a Tomada de Ecaacutelia (que hoje circula como de

Creoacutefilo) Sentando-se agrave praia apoacutes observar alguns pescadores dirigiu-lhes a palavra e

interrogou com estas palavras

ldquoDa Arcaacutedia caccediladores varotildees o que temosrdquo

Um deles replicou-lhe dizendo

ldquoOs que pegamos deixamos pra traacutes os que natildeo pegamos trazemos conoscordquo

Natildeo conseguindo solver o enigma ndash como natildeo foram bem sucedidos indo pescar

puseram-se a caccedilar piolhos matando quantos pegavam mas quantos lhes fugiam traziam-nos

de volta ndash aquele ficou desgostoso e foi embora meditabundo entendendo o oraacuteculo e assim

escorregou tombou contra uma pedra e no terceiro dia faleceu

Esses eventos contudo carecem de investigaccedilatildeo mas para que natildeo sejas de todo

ignorante neles avanccedilo nesse sentido

Os que o afirmam cego parecem-me eles mesmos incapacitados do juiacutezo coisas viu

tantas quantas ningueacutem jamais o fez

132

Existem aqueles que o datildeo como primo de Hesiacuteodo natildeo versados em poesia estatildeo tatildeo

distantes na relaccedilatildeo de parentesco quanto eacute diferente sua poesia No mais nem coincidem um

com outro cronologicamente

Haacute os miseraacuteveis que forjaram esta inscriccedilatildeo votiva

ldquoHesiacuteodo agraves Musas Heliconiacutedas consagra isto

por ter vencido com um hino em Caacutelcis o divino Homerordquo

equivocaram-se contudo nos ldquoDiasrdquo de Hesiacuteodo pois isso tem outro significado

Na cronologia os da escola de Aristarco dizem que viveu na eacutepoca da imigraccedilatildeo

jocircnica que eacute sessenta anos posterior ao retorno dos Heraclidas e o evento em torno dos

Heraclidas estaacute oitenta anos depois da eacutepoca de Troia Os da escola de Crates por sua vez o

recuam aos tempos de Troia

Parece que jaacute era bem velho quando deixou a vida sua insuperaacutevel precisatildeo nos fatos

permite estabelecer uma idade jaacute avanccedilada

Crecirc-se que visitou muitas partes do mundo habitado dada sua vasta experiecircncia de

lugares Nisso tambeacutem se deve notar a vasta abundacircncia de sua riqueza pois as grandes

viagens necessitavam de muitos gastos e isso naquele tempo em que nem todas as

navegaccedilotildees se faziam sem perigo nem os homens estabeleciam relaccedilotildees comerciais entre si

com tal facilidade

Escreveu dois poemas Iliacuteada e Odisseia a qual Xenatildeo e Helacircnico lhe negam

entretanto os antigos atribuem-lhe inclusive o Ciclo Imputam-lhe tambeacutem algumas

brincadeiras Margites Guerra dos Sapos ou Guerra dos Ratos Sete na Praia Cabra

Ceacutercopes os Matildeos Vazias

22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO

221 Ciacuteprias

Τοῦ αὐτοῦ περὶ τῶν Κυπρίων λεγομένων ποιημάτων

133

Ἐπιβάλλει τούτοις τὰ λεγόμενα Κύπρια ἐν βιβλίοις 80

φερόμενα ἕνδεκα ὧν περὶ τῆς γραφῆς ὕστερον ἐροῦμεν

ἵνα μὴ τὸν ἑξῆς λόγον νῦν ἐμποδίζωμεν τὰ δὲ περιέχοντά

ἐστι ταῦτα

Ζεὺς βουλεύεται μετὰ τῆς Θέμιδος περὶ τοῦ Τρωϊκοῦ

πολέμου 85

παραγενομένη δὲ Ἔρις εὐωχουμένων τῶν θεῶν ἐν τοῖς

Πηλέως γάμοις νεῖκος περὶ κάλλους ἀνίστησιν Ἀθηνᾷ Ἥρᾳ

καὶ Ἀφροδίτῃ αἳ πρὸς Ἀλέξανδρον ἐν Ἴδῃ κατὰ Διὸς

προσταγὴν ὑφ Ἑρμοῦ πρὸς τὴν κρίσιν ἄγονται καὶ προκρίνει

τὴν Ἀφροδίτην ἐπαρθεὶς τοῖς Ἑλένης γάμοις Ἀλέξανδρος 90

ἔπειτα δὲ Ἀφροδίτης ὑποθεμένης ναυπηγεῖται καὶ

Ἕλενος περὶ τῶν μελλόντων αὐτοῖς προθεσπίζει καὶ ἡ Ἀφρο-

δίτη Αἰνείαν συμπλεῖν αὐτῷ κελεύει καὶ Κασσάνδρα περὶ

τῶν μελλόντων προδηλοῖ

ἐπιβὰς δὲ τῇ Λακεδαιμονίᾳ Ἀλέξανδρος ξενίζεται 95

παρὰ τοῖς Τυνδαρίδαις καὶ μετὰ ταῦτα ἐν τῇ Σπάρτῃ παρὰ

Μενελάῳ καὶ Ἑλένῃ παρὰ τὴν εὐωχίαν δίδωσι δῶρα ὁ Ἀλέξ-

ανδρος καὶ μετὰ ταῦτα Μενέλαος εἰς Κρήτην ἐκπλεῖ κελεύ-

σας τὴν Ἑλένην τοῖς ξένοις τὰ ἐπιτήδεια παρέχειν ἕως ἂν

ἀπαλλαγῶσιν ἐν τούτῳ δὲ Ἀφροδίτη συνάγει τὴν Ἑλένην τῷ 100

Ἀλεξάνδρῳ καὶ μετὰ τὴν μίξιν τὰ πλεῖστα κτήματα ἐνθέ-

μενοι νυκτὸς ἀποπλέουσι

χειμῶνα δὲ αὐτοῖς ἐφίστησιν Ἥρα καὶ προσενεχθεὶς

Σιδῶνι ὁ Ἀλέξανδρος αἱρεῖ τὴν πόλιν καὶ ἀποπλεύσας

εἰς Ἴλιον γάμους τῆς Ἑλένης ἐπετέλεσεν 105

ἐν τούτῳ δὲ Κάστωρ μετὰ Πολυδεύκους τὰς Ἴδα καὶ

Λυγκέως βοῦς ὑφαιρούμενοι ἐφωράθησαν καὶ Κάστωρ μὲν

ὑπὸ τοῦ Ἴδα ἀναιρεῖται Λυγκεὺς δὲ καὶ Ἴδας ὑπὸ Πολυ-

δεύκους καὶ Ζεὺς αὐτοῖς ἑτερήμερον νέμει τὴν ἀθανασίαν

καὶ μετὰ ταῦτα Ἶρις ἀγγέλλει τῷ Μενελάῳ τὰ 110

γεγονότα κατὰ τὸν οἶκον ὁ δὲ παραγενόμενος περὶ τῆς ἐπ

Ἴλιον στρατείας βουλεύεται μετὰ τοῦ ἀδελφοῦ καὶ πρὸς

Νέστορα παραγίνεται Μενέλαος

134

Νέστωρ δὲ ἐν παρεκβάσει διηγεῖται αὐτῷ ὡς Ἐπωπεὺς

φθείρας τὴν Λυκούργου θυγατέρα ἐξεπορθήθη καὶ τὰ περὶ 115

Οἰδίπουν καὶ τὴν Ἡρακλέους μανίαν καὶ τὰ περὶ Θησέα

καὶ Ἀριάδνην

ἔπειτα τοὺς ἡγεμόνας ἀθροίζουσιν ἐπελθόντες τὴν

Ἑλλάδα καὶ μαίνεσθαι προσποιησάμενον Ὀδυσσέα ἐπὶ

τῷ μὴ θέλειν συστρατεύεσθαι ἐφώρασαν Παλαμήδους ὑπο- 120

θεμένου τὸν υἱὸν Τηλέμαχον ἐπὶ κόλασιν ἐξαρπάσαντες

καὶ μετὰ ταῦτα συνελθόντες εἰς Αὐλίδα θύουσι καὶ

τὰ περὶ τὸν δράκοντα καὶ τοὺς στρουθοὺς γενόμενα δείκ-

νυται καὶ Κάλχας περὶ τῶν ἀποβησομένων προλέγει αὐτοῖς

ἔπειτα ἀναχθέντες Τευθρανίᾳ προσίσχουσι καὶ ταύ- 125

την ὡς Ἴλιον ἐπόρθουν Τήλεφος δὲ ἐκβοηθεῖ Θέρσανδρόν

τε τὸν Πολυνείκους κτείνει καὶ αὐτὸς ὑπὸ Ἀχιλλέως τι-

τρώσκεται

ἀποπλέουσι δὲ αὐτοῖς ἐκ τῆς Μυσίας χειμὼν ἐπι-

πίπτει καὶ διασκεδάννυνται Ἀχιλλεὺς δὲ Σκύρῳ προσσχὼν 130

γαμεῖ τὴν Λυκομήδους θυγατέρα Δηϊδάμειαν

ἔπειτα Τήλεφον κατὰ μαντείαν παραγενόμενον εἰς

Ἄργος ἰᾶται Ἀχιλλεὺς ὡς ἡγεμόνα γενησόμενον τοῦ ἐπ

Ἴλιον πλοῦ

καὶ τὸ δεύτερον ἠθροισμένου τοῦ στόλου ἐν Αὐλίδι 135

Ἀγαμέμνων ἐπὶ θηρῶν βαλὼν ἔλαφον ὑπερβάλλειν ἔφησε

καὶ τὴν Ἄρτεμιν μηνίσασα δὲ ἡ θεὸς ἐπέσχεν αὐτοὺς τοῦ

πλοῦ χειμῶνας ἐπιπέμπουσα Κάλχαντος δὲ εἰπόντος τὴν

τῆς θεοῦ μῆνιν καὶ Ἰφιγένειαν κελεύσαντος θύειν τῇ

Ἀρτέμιδι ὡς ἐπὶ γάμον αὐτὴν Ἀχιλλεῖ μεταπεμψάμενοι 140

θύειν ἐπιχειροῦσιν Ἄρτεμις δὲ αὐτὴν ἐξαρπάσασα εἰς

Ταύρους μετακομίζει καὶ ἀθάνατον ποιεῖ ἔλαφον δὲ ἀντὶ

τῆς κόρης παρίστησι τῷ βωμῷ

ἔπειτα καταπλέουσιν εἰς Τένεδον καὶ εὐωχουμένων

αὐτῶν Φιλοκτήτης ὑφ ὕδρου πληγεὶς διὰ τὴν δυσοσμίαν 145

ἐν Λήμνῳ κατελείφθη καὶ Ἀχιλλεὺς ὕστερος κληθεὶς δια-

φέρεται πρὸς Ἀγαμέμνονα

135

ἔπειτα ἀποβαίνοντας αὐτοὺς εἰς Ἴλιον εἴργουσιν

οἱ Τρῶες καὶ θνῄσκει Πρωτεσίλαος ὑφ Ἕκτορος ἔπειτα

Ἀχιλλεὺς αὐτοὺς τρέπεται ἀνελὼν Κύκνον τὸν Ποσειδῶνος 150

καὶ τοὺς νεκροὺς ἀναιροῦνται

καὶ διαπρεσβεύονται πρὸς τοὺς Τρῶας τὴν Ἑλένην

καὶ τὰ κτήματα ἀπαιτοῦντες ὡς δὲ οὐχ ὑπήκουσαν ἐκεῖνοι

ἐνταῦθα δὴ τειχομαχοῦσιν

ἔπειτα τὴν χώραν ἐπεξελθόντες πορθοῦσι καὶ τὰς 155

περιοίκους πόλεις

καὶ μετὰ ταῦτα Ἀχιλλεὺς Ἑλένην ἐπιθυμεῖ θεάσασθαι

καὶ συνήγαγεν αὐτοὺς εἰς τὸ αὐτὸ Ἀφροδίτη καὶ Θέτις

εἶτα ἀπονοστεῖν ὡρμημένους τοὺς Ἀχαιοὺς Ἀχιλ-

λεὺς κατέχει κἄπειτα ἀπελαύνει τὰς Αἰνείου βοῦς καὶ 160

Λυρνησσὸν καὶ Πήδασον πορθεῖ καὶ συχνὰς τῶν περιοικίδων

πόλεων καὶ Τρωΐλον φονεύει

Λυκάονά τε Πάτροκλος εἰς Λῆμνον ἀγαγὼν ἀπεμπολεῖ

καὶ ἐκ τῶν λαφύρων Ἀχιλλεὺς μὲν Βρισηΐδα γέρας

λαμβάνει Χρυσηΐδα δὲ Ἀγαμέμνων 165

ἔπειτά ἐστι Παλαμήδους θάνατος

καὶ Διὸς βουλὴ ὅπως ἐπικουφίσῃ τοὺς Τρῶας Ἀχιλ-

λέα τῆς συμμαχίας τῆς Ἑλλήνων ἀποστήσας

καὶ κατάλογος τῶν τοῖς Τρωσὶ συμμαχησάντων

Do mesmo autor sobre os poemas chamados Ciacuteprias

Sucedem-se a isso as chamadas Ciacuteprias transmitidas em onze livros sobre cujo nome

falaremos depois a fim de natildeo obstar a sequecircncia do discurso Eis o que compreendem

Zeus delibera junto de Tecircmis sobre a guerra de Troia

Estando os deuses a festejar nas bodas de Peleu aparece Eacuteris e suscita uma querela a

respeito da beleza de Atena Hera e Afrodite que satildeo levadas por Hermes agraves ordens de Zeus

para o arbiacutetrio de Alexandre no Ida Alexandre prefere Afrodite excitado pelas bodas com

Helena

136

Em seguida aconselhando-o Afrodite faz para si uma nau e Heleno lhes faz

prediccedilotildees sobre os acontecimentos futuros Afrodite manda Eneias navegar com ele

Cassandra revela o porvir

Depois de chegar a Lacedemocircnia Alexandre eacute hospedado pela casa dos Tindaacuteridas

em seguida em Esparta pela casa de Menelau no decorrer do festim Alexandre presenteia

Helena Depois disso Menelau parte para Creta antes ordenando a Helena que provesse o

necessaacuterio aos estrangeiros ateacute que estivessem liberados Nesse momento Afrodite une Helena

a Alexandre e apoacutes o intercurso tendo embarcado o maior nuacutemero de riquezas zarpam

durante a noite

Hera envia uma tempestade contra eles Aportando em Sidatildeo Alexandre captura a

cidade Enfim consumou suas bodas com Helena apoacutes navegar para Iacutelio

Nesse passo Caacutestor junto de Polideuces satildeo descobertos furtando as vacas de Idas e

Linceu Entatildeo Caacutestor eacute morto por Idas mas Linceu e Idas por Polideuces Zeus lhes despende

a imortalidade em dias intercalados

Depois disso Iacuteris relata a Menelau os eventos em sua casa Apoacutes chegar ele delibera

com o irmatildeo sobre a expediccedilatildeo contra Iacutelio e vai ter com Nestor

Neacutestor num excurso narra-lhe como Epopeu foi destruiacutedo apoacutes violentar a filha de

Licurgo e os eventos envolvendo Eacutedipo a loucura de Heacuteracles e os eventos envolvendo

Teseu e Ariadne

Depois unem os chefes tendo percorrido a Heacutelade Descobriram entatildeo que Odisseu

passara a se fazer de louco por natildeo querer juntar-se agrave expediccedilatildeo depois de por sugestatildeo de

Palamedes raptarem-lhe o filho Telecircmaco como desforra

Depois disso reuacutenem-se em Aacuteulis e fazem um sacrifiacutecio Revela-se o prodiacutegio

envolvendo a serpente e os pardais e Calcas lhes prediz os resultados

Depois satildeo levados pelo alto mar aportam em Teutracircnia e saqueiam-na como se fosse

Iacutelio Teacutelefo empreende uma investida surpresa e mata Tersandro filho de Polinices mas ele

mesmo acaba sendo ferido por Aquiles

Zarpando de Musia uma tempestade se abate sobre eles e se dispersam Aquiles que

aporta em Esquiro esposa a filha de Licomedes Didamia

Entatildeo Aquiles quando Teacutelefo conforme divinaccedilatildeo chega a Argos cura-o para que se

torne o guia da navegaccedilatildeo ateacute Iacutelio

Foi entatildeo na segunda vez em que a expediccedilatildeo estaacute reunida em Aacuteulis que

Agamecircmnon por ter abatido um cervo nas caccediladas disse superar ateacute Aacutertemis Irada a deusa

impede-lhes a navegaccedilatildeo enviando tempestades sobre eles Uma vez que Calcas comunica a

137

ira da deusa e ordena sacrificar a Aacutertemis Ifigecircnia preparam seu sacrifiacutecio como se a

tivessem convocado para um casamento com Aquiles Aacutertemis a arrebata poreacutem transporta-a

a Taacuteuris e a faz imortal e coloca um cervo no altar no lugar da moccedila

Aportam em Tecircnedo Filoctetes picado por uma cobra-drsquoaacutegua enquanto ceavam eacute

abandonado em Lemnos por causa do mau-cheiro e Aquiles o uacuteltimo a ser chamado entra

em divergecircncia com Agamecircmnon

Em seguida os troianos encurralam-nos quando estatildeo desembarcando em Iacutelio e

Protesilau perece sob Heacutector Depois Aquiles rechaccedila-os matando Ciacutecnon filho de Poseidatildeo

Entatildeo recolhem os corpos

Mandam uma embaixada aos troianos reclamando Helena e as riquezas Nesse ponto

porque estes natildeo anuem datildeo iniacutecio ao cerco

Investem e saqueiam a regiatildeo e as cidades nas dependecircncias

Depois dessas accedilotildees Aquiles deseja contemplar Helena Para tal Afrodite e Teacutetis

conduzem-nos a um encontro

Nisso Aquiles conteacutem os aqueus que jaacute se prontificavam a navegar de volta Logo

depois leva embora as vacas de Eneias saqueia Lirnesso Peacutedaso e um bom nuacutemero de

cidades vizinhas tambeacutem abate Troilo

Paacutetroclo leva Licaacuteon a Lemnos e o negocia como escravo

Dos espoacutelios Aquiles toma Briseida como precircmio Agamecircmnon Criseida

Em seguida vem a morte de Palamedes

A deliberaccedilatildeo de Zeus com o intuito de inflamar os troianos apoacutes Aquiles se retirar da

alianccedila

O cataacutelogo dos que combateram aliados aos troianos

222 Etioacutepida

Τοῦ αὐτοῦ περὶ Αἰθιοπίδος

Ἐπιβάλλει δὲ τοῖς προειρημένοις [ἐν τῇ πρὸ ταύτης 173

βίβλῳ] Ἰλιὰς Ὁμήρου μεθ ἥν ἐστιν Αἰθιοπίδος βιβλία

πέντε Ἀρκτίνου Μιλησίου περιέχοντα τάδε

Ἀμαζὼν Πενθεσίλεια παραγίνεται Τρωσὶ συμμαχή- 175

138

σουσα Ἄρεως μὲν θυγάτηρ Θρᾷσσα δὲ τὸ γένος καὶ κτείνει

αὐτὴν ἀριστεύουσαν Ἀχιλλεύς οἱ δὲ Τρῶες αὐτὴν θάπτουσι

καὶ Ἀχιλλεὺς Θερσίτην ἀναιρεῖ λοιδορηθεὶς πρὸς

αὐτοῦ καὶ ὀνειδισθεὶς τὸν ἐπὶ τῇ Πενθεσιλείᾳ λεγόμενον

ἔρωτα καὶ ἐκ τούτου στάσις γίνεται τοῖς Ἀχαιοῖς περὶ 180

τοῦ Θερσίτου φόνου

μετὰ δὲ ταῦτα Ἀχιλλεὺς εἰς Λέσβον πλεῖ καὶ θύσας

Ἀπόλλωνι καὶ Ἀρτέμιδι καὶ Λητοῖ καθαίρεται τοῦ φόνου

ὑπ Ὀδυσσέως

Μέμνων δὲ ὁ Ἠοῦς υἱὸς ἔχων ἡφαιστότευκτον παν- 185

οπλίαν παραγίνεται τοῖς Τρωσὶ βοηθήσων καὶ Θέτις τῷ

παιδὶ τὰ κατὰ τὸν Μέμνονα προλέγει

καὶ συμβολῆς γενομένης Ἀντίλοχος ὑπὸ Μέμνονος

ἀναιρεῖται ἔπειτα Ἀχιλλεὺς Μέμνονα κτείνει καὶ τούτῳ

μὲν Ἠὼς παρὰ Διὸς αἰτησαμένη ἀθανασίαν δίδωσι 190

τρεψάμενος δ Ἀχιλλεὺς τοὺς Τρῶας καὶ εἰς τὴν πό-

λιν συνεισπεσὼν ὑπὸ Πάριδος ἀναιρεῖται καὶ Ἀπόλλωνος

καὶ περὶ τοῦ πτώματος γενομένης ἰσχυρᾶς μάχης Αἴας ἀν-

ελόμενος ἐπὶ τὰς ναῦς κομίζει Ὀδυσσέως ἀπομαχομένου

τοῖς Τρωσίν 195

ἔπειτα Ἀντίλοχόν τε θάπτουσι καὶ τὸν νεκρὸν τοῦ

Ἀχιλλέως προτίθενται

καὶ Θέτις ἀφικομένη σὺν Μούσαις καὶ ταῖς ἀδελφαῖς

θρηνεῖ τὸν παῖδα καὶ μετὰ ταῦτα ἐκ τῆς πυρᾶς ἡ Θέτις

ἀναρπάσασα τὸν παῖδα εἰς τὴν Λευκὴν νῆσον διακομίζει 200

οἱ δὲ Ἀχαιοὶ τὸν τάφον χώσαντες ἀγῶνα τιθέασι

καὶ περὶ τῶν Ἀχιλλέως ὅπλων Ὀδυσσεῖ καὶ Αἴαντι στάσις

ἐμπίπτει

Do mesmo sobre a Etioacutepida

Sucede-se ao que foi dito anteriormente (no texto antes deste) a Iliacuteada de Homero

depois dela haacute a Etioacutepida em cinco livros de Arctino de Mileto que compreendem o seguinte

139

A amazona Pentesileia chega para combater ao lado dos troianos filha de Ares traacutecia

de origem Aquiles a mata quando ela estaacute no auge de sua bravura combativa e os troianos

realizam seu funeral

Entatildeo Aquiles abate Tersites ofendido com ele repreendido por sua paixatildeo declarada

por Pentesileia Surge uma dissenccedilatildeo entre os aqueus em funccedilatildeo do assassinato de Tersites

Apoacutes isso Aquiles navega ateacute Lesbos e feitos sacrifiacutecios a Apolo Aacutertemis e Leto eacute

purificado do assassinato por Odisseu

Mecircmnon filho de Aurora possuidor de uma armadura confeccionada por Hefesto

chega ao socorro dos troianos Teacutetis prediz a seu filho o que decorreraacute a partir do embate com

Mecircmnon

Em confronto Antiacuteloco eacute abatido por Mecircmnon e logo Aquiles o mata Aurora lhe

concede a eternidade por rogaacute-la da parte de Zeus

Rechaccedilando os troianos e jaacute irrompendo cidadela adentro Aquiles eacute abatido por Paacuteris

e por Apolo Violenta batalha tem iniacutecio em volta do cadaacutever Aacutejax resgata-o e carrega ateacute as

naus enquanto Odisseu vai repelindo os troianos

Entatildeo sepultam Antiacuteloco e dispotildeem o corpo de Aquiles para o funeral

Chegando junto das Musas e das irmatildes Teacutetis vela seu filho Depois disso Teacutetis subtrai

o filho de sobre a pira e o transporta para a Ilha Branca

Os aqueus lhe erigem uma sepultura e instauram jogos e uma disputa pelas armas de

Aquiles sobreveacutem entre Odisseu e Ajax

223 Pequena Iliacuteada

Τοῦ αὐτοῦ περὶ Ἰλιάδος μικρᾶς

Ἑξῆς δ ἐστὶν Ἰλιάδος μικρᾶς βιβλία τέσσαρα Λές- 206

χεω Μυτιληναίου περιέχοντα τάδε

Ἡ τῶν ὅπλων κρίσις γίνεται καὶ Ὀδυσσεὺς κατὰ

βούλησιν Ἀθηνᾶς λαμβάνει Αἴας δ ἐμμανὴς γενόμενος

τήν τε λείαν τῶν Ἀχαιῶν λυμαίνεται καὶ ἑαυτὸν ἀναιρεῖ 210

μετὰ ταῦτα Ὀδυσσεὺς λοχήσας Ἕλενον λαμβάνει

καὶ χρήσαντος περὶ τῆς ἁλώσεως τούτου Διομήδης ἐκ Λήμνου

140

Φιλοκτήτην ἀνάγει ἰαθεὶς δὲ οὗτος ὑπὸ Μαχάονος καὶ μονο-

μαχήσας Ἀλεξάνδρῳ κτείνει καὶ τὸν νεκρὸν ὑπὸ Μενελάου

καταικισθέντα ἀνελόμενοι θάπτουσιν οἱ Τρῶες 215

μετὰ δὲ ταῦτα Δηΐφοβος Ἑλένην γαμεῖ

καὶ Νεοπτόλεμον Ὀδυσσεὺς ἐκ Σκύρου ἀγαγὼν τὰ

ὅπλα δίδωσι τὰ τοῦ πατρός καὶ Ἀχιλλεὺς αὐτῷ φαντάζεται

Εὐρύπυλος δὲ ὁ Τηλέφου ἐπίκουρος τοῖς Τρωσὶ παρα-

γίνεται καὶ ἀριστεύοντα αὐτὸν ἀποκτείνει Νεοπτόλεμος 220

καὶ οἱ Τρῶες πολιορκοῦνται

καὶ Ἐπειὸς κατ Ἀθηνᾶς προαίρεσιν τὸν δούρειον

ἵππον κατασκευάζει

Ὀδυσσεύς τε αἰκισάμενος ἑαυτὸν κατάσκοπος εἰς

Ἴλιον παραγίνεται καὶ ἀναγνωρισθεὶς ὑφ Ἑλένης περὶ 225

τῆς ἁλώσεως τῆς πόλεως συντίθεται κτείνας τέ τινας τῶν

Τρώων ἐπὶ τὰς ναῦς ἀφικνεῖται

καὶ μετὰ ταῦτα σὺν Διομήδει τὸ παλλάδιον ἐκκο-

μίζει ἐκ τῆς Ἰλίου

ἔπειτα εἰς τὸν δούρειον ἵππον τοὺς ἀρίστους ἐμ- 230

βιβάσαντες τάς τε σκηνὰς καταφλέξαντες οἱ λοιποὶ τῶν

Ἑλλήνων εἰς Τένεδον ἀνάγονται

οἱ δὲ Τρῶες τῶν κακῶν ὑπολαβόντες ἀπηλλάχθαι τόν

τε δούρειον ἵππον εἰς τὴν πόλιν εἰσδέχονται διελόντες

μέρος τι τοῦ τείχους καὶ εὐωχοῦνται ὡς νενικηκότες τοὺς 235

Ἕλληνας

Do mesmo sobre a Pequena Iliacuteada

Em sequecircncia haacute os quatro livros da Pequena Iliacuteada de Lesques de Mitilene que

compreendem o seguinte

Ocorre o juiacutezo a respeito das armas e Odisseu obteacutem-nas conforme a intenccedilatildeo de

Atena Ajax por sua vez apoacutes ficar ensandecido destroacutei o espoacutelio de gado dos aqueus e

tambeacutem imola a si mesmo

141

Depois disso Odisseu captura Heleno em uma emboscada apoacutes um oraacuteculo deste a

respeito da tomada da cidadela Diomedes traz Filoctetes de volta de Lemnos Curado por

Macaacuteon ele mata Alexandre em um duelo Os troianos sepultam o cadaacutever depois de reavecirc-lo

desfigurado por Menelau

Depois disso Decircifobo toma Helena por esposa

Apoacutes trazer Neoptoacutelemo de Esquiro Odisseu lhe entrega as armas do pai Aquiles

aparece para ele

Euriacutepilo filho de Teacutelefo se apresenta como aliado dos troianos e no auge de sua

bravura combativa Neoptoacutelemo o mata

Os troianos estatildeo encurralados

Epeu constroacutei o cavalo de madeira segundo o plano de Atena

Odisseu flagelando-se a si mesmo adentra Iacutelio como espiatildeo e combina com Helena

por quem fora reconhecido a tomada da cidade mata alguns troianos e chega de volta agraves

naus

Depois com Diomedes carrega o palaacutedio para fora de Iacutelio

Em seguida os melhores dos helenos ingressam no cavalo de madeira e o restante

navega para Tecircnedo havendo ateado fogo ao acampamento

Os troianos supondo-se livres de males recebem o cavalo de madeira dentro da

cidade quebrando uma brecha na muralha e festejam como se houvessem vencido os

helenos

224 Saque de Iacutelio

Τοῦ αὐτοῦ περὶ Ἰλίου πέρσιδος

Ἕπεται δὲ τούτοις Ἰλίου πέρσιδος βιβλία δύο Ἀρκ-

τίνου Μιλησίου περιέχοντα τάδε 240

ὡς τὰ περὶ τὸν ἵππον οἱ Τρῶες ὑπόπτως ἔχοντες

περιστάντες βουλεύονται ὅ τι χρὴ ποιεῖν καὶ τοῖς μὲν

δοκεῖ κατακρημνίσαι αὐτόν τοῖς δὲ καταφλέγειν οἱ δὲ ἱερὸν

αὐτὸν ἔφασαν δεῖν τῇ Ἀθηνᾷ ἀνατεθῆναι καὶ τέλος νικᾷ

ἡ τούτων γνώμη 245

142

τραπέντες δὲ εἰς εὐφροσύνην εὐωχοῦνται ὡς ἀπηλ-

λαγμένοι τοῦ πολέμου

ἐν αὐτῷ δὲ τούτῳ δύο δράκοντες ἐπιφανέντες τόν

τε Λαοκόωντα καὶ τὸν ἕτερον τῶν παίδων διαφθείρουσιν

ἐπὶ δὲ τῷ τέρατι δυσφορήσαντες οἱ περὶ τὸν Αἰνείαν 250

ὑπεξῆλθον εἰς τὴν Ἴδην

καὶ Σίνων τοὺς πυρσοὺς ἀνίσχει τοῖς Ἀχαιοῖς πρό-

τερον εἰσεληλυθὼς προσποίητος

οἱ δὲ ἐκ Τενέδου προσπλεύσαντες καὶ οἱ ἐκ τοῦ δου-

ρείου ἵππου ἐπιπίπτουσι τοῖς πολεμίοις καὶ πολλοὺς ἀν- 255

ελόντες τὴν πόλιν κατὰ κράτος λαμβάνουσι

καὶ Νεοπτόλεμος μὲν ἀποκτείνει Πρίαμον ἐπὶ τὸν

τοῦ Διὸς τοῦ ἑρκείου βωμὸν καταφυγόντα

Μενέλαος δὲ ἀνευρὼν Ἑλένην ἐπὶ τὰς ναῦς κατάγει

Δηΐφοβον φονεύσας 260

Κασσάνδραν δὲ Αἴας ὁ Ἰλέως πρὸς βίαν ἀποσπῶν

συνεφέλκεται τὸ τῆς Ἀθηνᾶς ξόανον ἐφ ᾧ παροξυνθέντες

οἱ Ἕλληνες καταλεῦσαι βουλεύονται τὸν Αἴαντα ὁ δὲ ἐπὶ

τὸν τῆς Ἀθηνᾶς βωμὸν καταφεύγει καὶ διασῴζεται ἐκ τοῦ

ἐπικειμένου κινδύνου 265

[ἔπειτα ἀποπλέουσιν οἱ Ἕλληνες καὶ φθορὰν αὐτοῖς

ἡ Ἀθηνᾶ κατὰ τὸ πέλαγος μηχανᾶται]

καὶ Ὀδυσσέως Ἀστυάνακτα ἀνελόντος

Νεοπτόλεμος Ἀνδρομάχην γέρας λαμβάνει

καὶ τὰ λοιπὰ λάφυρα διανέμονται 270

Δημοφῶν δὲ καὶ Ἀκάμας Αἴθραν εὑρόντες ἄγουσι

μεθ ἑαυτῶν

ἔπειτα ἐμπρήσαντες τὴν πόλιν

Πολυξένην σφαγιάζουσιν ἐπὶ τὸν τοῦ Ἀχιλλέως τάφον

Do mesmo sobre o Saque de Iacutelio

143

Seguem-se a isso os dois livros do Saque de Iacutelio de Arctino de Mileto compreendendo

isto

Como os troianos estatildeo desconfiados do cavalo reunindo-se em torno dele deliberam

sobre o que fazer A uns parece melhor atiraacute-lo precipiacutecio abaixo a outros incendiaacute-lo uns

dizem entatildeo que ele deveria ser dado como oferenda a Atena Vence a proposta destes por

fim

Tomados pela animaccedilatildeo festejam como se estivessem dispensados da guerra Bem

nesse momento duas serpentes aparecem e trucidam Laoconte e seu filho mais novo

Consternados com esse prodiacutegio Eneacuteias e os companheiros escapam secretamente

para o monte Ida

Entatildeo Sinatildeo o primeiro a disfarccedilado lograr um incurso acende tochas ao alto da

cidade como sinal aos aqueus

Juntos tanto os que retornam de Tecircnedos como os de dentro do cavalo os helenos

precipitam-se sobre os inimigos e tomam a cidade de assalto matando muitos

Neoptoacutelemo mata Priacuteamo que se refugiara no altar de Zeus Guarda Lar

Apoacutes achar Helena Menelau a leva de volta para as naus assassinando Decircifobo

Aacutejax filho de Ileu levando Cassandra agrave forccedila arrasta tambeacutem a imagem de madeira

de Atena Irritados com isso os helenos decidem apedrejar Aacutejax mas ele busca refuacutegio no

altar de Atena e se manteacutem a salvo do perigo iminente

[Entatildeo os helenos zarpam e Atena estaacute maquinado contra eles um naufraacutegio em alto

mar]

Tendo Odisseu matado Astiacuteanax Neoptoacutelemo toma Androcircmaca como seu precircmio

Repartem o restante do espoacutelio

Apoacutes acharem Etra Demofatildeo e Aacutecamas levam-na consigo

Em seguida sacrificam Polixena sobre o tuacutemulo de Aquiles havendo incendiado a

cidade

225 Retornos

Τοῦ αὐτοῦ περὶ Νόστων

Συνάπτει δὲ τούτοις τὰ τῶν Νόστων βιβλία πέντε 277

144

Ἀγίου Τροιζηνίου περιέχοντα τάδε

Ἀθηνᾶ Ἀγαμέμνονα καὶ Μενέλαον εἰς ἔριν καθίς-

τησι περὶ τοῦ ἔκπλου 280

Ἀγαμέμνων μὲν οὖν τὸν τῆς Ἀθηνᾶς ἐξιλασόμενος

χόλον ἐπιμένει

Διομήδης δὲ καὶ Νέστωρ ἀναχθέντες εἰς τὴν οἰ-

κείαν διασῴζονται

μεθ οὓς ἐκπλεύσας ὁ Μενέλαος μετὰ πέντε νεῶν 285

εἰς Αἴγυπτον παραγίνεται τῶν λοιπῶν διαφθαρεισῶν νεῶν

ἐν τῷ πελάγει

οἱ δὲ περὶ Κάλχαντα καὶ Λεοντέα καὶ Πολυποίτην

πεζῇ πορευθέντες εἰς Κολοφῶνα Τειρεσίαν ἐνταῦθα τελευ-

τήσαντα θάπτουσι 290

τῶν δὲ περὶ τὸν Ἀγαμέμνονα ἀποπλεόντων Ἀχιλ-

λέως εἴδωλον ἐπιφανὲν πειρᾶται διακωλύειν προλέγον τὰ

συμβησόμενα

εἶθ ὁ περὶ τὰς Καφηρίδας πέτρας δηλοῦται χειμὼν

καὶ ἡ Αἴαντος φθορὰ τοῦ Λοκροῦ 295

Νεοπτόλεμος δὲ Θέτιδος ὑποθεμένης πεζῇ ποιεῖ-

ται τὴν πορείαν καὶ παραγενόμενος εἰς Θρᾴκην Ὀδυσσέα

καταλαμβάνει ἐν τῇ Μαρωνείᾳ καὶ τὸ λοιπὸν ἀνύει τῆς

ὁδοῦ καὶ τελευτήσαντα Φοίνικα θάπτει αὐτὸς δὲ εἰς Μολος-

σοὺς ἀφικόμενος ἀναγνωρίζεται Πηλεῖ 300

ἔπειτα Ἀγαμέμνονος ὑπὸ Αἰγίσθου καὶ Κλυται-

μήστρας ἀναιρεθέντος ὑπ Ὀρέστου καὶ Πυλάδου τιμωρία

καὶ Μενελάου εἰς τὴν οἰκείαν ἀνακομιδή

Do mesmo sobre os Retornos

A esses eventos atrelam-se os cinco livros dos Retornos de Aacutegias de Trezene

compreendendo o seguinte

Atena potildee Agamecircmnon e Menelau em discoacuterdia a respeito da viagem de volta

Agamecircmnon retarda sua partida para apaziguar a colera da deusa

145

Diomedes e Neacutestor levados por alto mar chegam a sua casa em seguranccedila

Menelau que partiu atraacutes deles chega ao Egito com cinco das naus as restantes

naufragando em alto mar

Os comandados por Calcas Leonteu e Polipetes viajam a peacute ateacute Colofatildeo laacute sepultam

Tireacutesias que falecera

Quando os comandados por Agamecircmnon estatildeo partindo uma apariccedilatildeo de Aquiles

tenta impedi-los manifestando-se e anunciando os acontecimentos vindouros

Nesse passo se descreve a tempestade nas redondezas das Rochas Cafeacuterides e a ruiacutena

de Aacutejax da Loacutecria

Neoptoacutelemo faz a jornada a peacute a conselho de Teacutetis Chegando agrave Traacutecia depara-se com

Odisseu em Marocircnia completa o restante de seu percurso e sepulta o falecido Fecircnix

Chegando ateacute os moloacutessios ele proacuteprio eacute reconhecido por Peleu

Em seguida a execuccedilatildeo de Agamecircmnon por Egisto e Clitemnestra a vinganccedila de

Orestes e Piacutelades e o retorno para casa de Menelau

226 Telegonia

Τοῦ αὐτοῦ περὶ Τηλεγονίας

Μετὰ ταῦτά ἐστιν Ὁμήρου Ὀδύσσεια ἔπειτα Τηλε- 306

γονίας βιβλία δύο Εὐγάμμωνος Κυρηναίου περιέχοντα τάδε

οἱ μνήστορες ὑπὸ τῶν προσηκόντων θάπτονται

καὶ Ὀδυσσεὺς θύσας Νύμφαις εἰς Ἦλιν ἀποπλεῖ

ἐπισκεψόμενος τὰ βουκόλια καὶ ξενίζεται παρὰ Πολυξένῳ 310

δῶρόν τε λαμβάνει κρατῆρα καὶ ἐπὶ τούτῳ τὰ περὶ Τρο-

φώνιον καὶ Ἀγαμήδην καὶ Αὐγέαν

ἔπειτα εἰς Ἰθάκην καταπλεύσας τὰς ὑπὸ Τειρεσίου

ῥηθείσας τελεῖ θυσίας

καὶ μετὰ ταῦτα εἰς Θεσπρωτοὺς ἀφικνεῖται καὶ γαμεῖ 315

Καλλιδίκην βασιλίδα τῶν Θεσπρωτῶν

ἔπειτα πόλεμος συνίσταται τοῖς Θεσπρωτοῖς πρὸς

Βρύγους Ὀδυσσέως ἡγουμένου ἐνταῦθα Ἄρης τοὺς περὶ

146

τὸν Ὀδυσσέα τρέπεται καὶ αὐτῷ εἰς μάχην Ἀθηνᾶ καθίς-

ταται τούτους μὲν Ἀπόλλων διαλύει 320

μετὰ δὲ τὴν Καλλιδίκης τελευτὴν τὴν μὲν βασιλείαν

διαδέχεται Πολυποίτης Ὀδυσσέως υἱός αὐτὸς δ εἰς Ἰθάκην

ἀφικνεῖται

κἀν τούτῳ Τηλέγονος ἐπὶ ζήτησιν τοῦ πατρὸς πλέων

ἀποβὰς εἰς τὴν Ἰθάκην τέμνει τὴν νῆσον ἐκβοηθήσας δ 325

Ὀδυσσεὺς ὑπὸ τοῦ παιδὸς ἀναιρεῖται κατ ἄγνοιαν

Τηλέγονος δ ἐπιγνοὺς τὴν ἁμαρτίαν τό τε τοῦ πατρὸς

σῶμα καὶ τὸν Τηλέμαχον καὶ τὴν Πηνελόπην πρὸς τὴν μητέρα

μεθίστησιν ἡ δὲ αὐτοὺς ἀθανάτους ποιεῖ καὶ συνοικεῖ τῇ

μὲν Πηνελόπῃ Τηλέγονος Κίρκῃ δὲ Τηλέμαχος 330

Do mesmo sobre a Telegonia

Depois disso eacute a Odisseia de Homero depois os dois livros da Telegonia de Ecircugamon

de Cirene que compreendem o seguinte

Os pretendentes satildeo sepultados por seus parentes

Odisseu faz sacrifiacutecios agraves Ninfas e zarpa para Eacutelis a fim de inspecionar o gado Eacute

hospedado por Poliacutexeno recebe de presente uma cratera e nela estaacute a histoacuteria de Trofocircnio

Agamedes e Aacuteugeas

Desembarcando de volta em Iacutetaca executa os sacrifiacutecios especificados por Tireacutesias

Depois desses eventos chega agrave Tesproacutetia e toma Caliacutedice por mulher rainha dos

Tesproacutetios

Depois se concretiza uma guerra dos Tesproacutetios liderados por Odisseu contra os

Brugos Nisso Ares debanda os homens de Odisseu e Atena engaja-se em combate contra ele

Apolo eacute quem os aparta

Depois da morte de Caliacutedice Polipetes filho de Odisseu herda a realeza enquanto

este retorna agrave Iacutetaca

Nesse momento Telecircgono que navegava agrave procura de seu pai e desembarcara em

Iacutetaca devastava a ilha Odisseu que viera defendecirc-la por engano eacute morto por seu filho

147

Telecircgono apoacutes tomar conhecimento de seu crime transporta Telecircmaco Peneacutelope e o

corpo do pai ateacute sua matildee Ela os torna imortais Telecircgono casa-se com Peneacutelope e Telecircmaco

com Circe

148

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

EDICcedilOtildeES DA OBRA ESTUDADA

Ediccedilotildees da Crestomatia

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indicesque adiecit Ed Aloysius de Stefani Eduardo Luigi de Stefani

ETYMOLOGICUM MAGNUM SEU VERIUS LEXICON SAEPISSIME

VOCABULORUM ORIGINE INDAGANS EX PLURIBUS LEXICIS ET GRAMMATICIS

ANONYMI CUIUSDAM OPERA CONCINNATUM Add codd mss recensuit et notis

variorum instruxit Thomas Gaisford STP Amsterdam Adolf M Hakkert ndash Publisher 1962

GRAMMATICI GRAECI recogniti et apparatu critico instructi v1 Dionysii Thracis Ars

grammatica edidit Gustavus Uhlig Herodianos Scholia in Dionsii Thracis Artem

grammaticam Technicus recensuit Alfredus Hilgard--v2 Apollonii Dyscoli quae supersunt

Recensverunt Richardus Schneider et Gustavus Uhlig--v3 Herodiani Technici reliquiae

explicavit Augustus Lentz--v4 Theodosii Alexandrini Canones Georgii Choerobosci

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HOMERE Iliade Texte eacutetabli et traduit par P Mazon avec la collaboration de P Chantraine

P Collart et R Langumier Paris Les Belles Lettres Tome I chants I-VI 1937 tome II

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chants I-VII 1955 tome II chants VIII-XV 1953 Tome III chants XVI-XXIV 1956

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ndash USP 2005 ineacutedita

_____ Traduccedilatildeo e Comentaacuterio da Arte Retoacuterica de Colsulto Fortunaciano Dissertaccedilatildeo de

mestrado apresentada ao Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas da FFLCH-USP

orientada por Marcos Martinho dos Santos Satildeo Paulo DLCV ndash FFLCH ndash USP 2010 ineacutedita

MARTINHO DOS SANTOS M As Epiacutestolas de Horaacutecio e a Confecccedilatildeo de uma Ars

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  • A CRESTOMATIA DE PROCLOTraduccedilatildeo integral notas e estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
  • AGRADECIMENTOS
  • RESUMO
  • ABSTRACT
  • IacuteNDICE
  • Apresentaccedilatildeo
  • PARTE IEstudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
    • 1 CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO
      • 11VESTIacuteGIOS DA OBRA
      • 12 AUTORIA E ATRIBUICcedilAtildeO
      • 13 O NOME E A OBRA
        • 131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio
        • 132 A intitulaccedilatildeo do Coacutedice 239
        • 133 O termo ldquocrestomatiardquo
        • 134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra
            • 2 A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA ELOCUCcedilAtildeO POESIA E RETOacuteRICA
              • 21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO
              • 22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO
                • 221 O molde copioso
                • 222 O molde tecircnue
                • 223 O molde meacutedio
                • 224 O molde florido
                • 225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo
                    • 3 A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA
                      • 31 SEUS GEcircNEROS
                      • 32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS DE DIOMEDES
                      • 33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO
                        • 331 Epos
                          • 3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria
                          • 3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico
                            • 332 Elegia
                            • 333 Iambo
                            • 334 Meacutelica
                              • PARTE IITraduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo
                                • 1 COacuteDICE 239
                                  • 11 TEXTO
                                  • 12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO
                                    • 2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO CICLO EacutePICO ndash TRADUCcedilAtildeO
                                      • 21 VIDA DE HOMERO
                                      • 22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO
                                        • 221 Ciacuteprias
                                        • 222 Etioacutepida
                                        • 223 Pequena Iliacuteada
                                        • 224 Saque de Iacutelio
                                        • 225 Retornos
                                        • 226 Telegonia
                                          • REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

3

AGRADECIMENTOS

Agrave CAPES pelo auxiacutelio concedido que me permitiu grande foco no uacuteltimo ano de

pesquisa

A meu grande orientador Prof Dr Marcos Martinho dos Santos que eacute uma inspiraccedilatildeo

desde a primeira aula do curso de Introduccedilatildeo aos Estudos Claacutessicos que ministrou no ano de

2003 a que assisti tatildeo logo ingressei na Universidade de Satildeo Paulo Que o decoro deste

gecircnero ldquoagradecimentos de dissertaccedilatildeo de mestradordquo me perdoe mas minha admiraccedilatildeo por

ele como acadecircmico talvez soacute se compare a minha admiraccedilatildeo pelo Led Zeppelin como banda

Ao Prof Dr Jacyntho Lins Brandatildeo que aceitou o convite para compor a banca e me

levou a reflexotildees teoacutericas imprescindiacuteveis e salutares contribuindo com sua vastiacutessima

experiecircncia no estudo de tatildeo fascinante objeto a Poeacutetica Antiga

Ao Prof Dr Joatildeo Acircngelo Oliva Neto por aceitar o mesmo convite e pelos proveitosos

conselhos que ateacute agora me deu natildeo soacute no exame de qualificaccedilatildeo e no exame de conclusatildeo

como tambeacutem desde que fui seu aluno pela primeira vez ainda na graduaccedilatildeo e em sucessivas

ocasiotildees Agradeccedilo-lhe por todas as questotildees de ordem tradutoloacutegica tambeacutem salutares que

me impocircs desde o princiacutepio de sua participaccedilatildeo neste processo Sem elas minha traduccedilatildeo

ainda estaria muito aqueacutem do esperado E como se natildeo bastasse tudo isso por ser o professor

mais engraccedilado com que tive aula na minha vida

Ao Prof Dr Alexandre Pinheiro Hasegawa que aleacutem dos importantes apontamentos

feitos no exame de qualificaccedilatildeo ajudou a refletir sobre os desdobramentos dados agrave pesquisa

Para noacutes neoacuteteroi ele eacute um clacissista modelar

A outros cariacutessimos professores que sempre foram capazes de muito me ensinar com

uma simples conversa durante o cafeacute Ao inesqueciacutevel mestre o professor Joatildeo Adolfo

Hansen agrave professora Paula da Cunha Correa ao professor Daniel Rossi Nunes Lopes ao

professor Maacuterio Eduardo Viaro

A meus pais pelo amor gritante e pelo amor taacutecito A minha irmatilde e agrave chatice de sua

companhia de que sinto falta a cada dia mais e mais Aos treze catildees da minha casa cujas

macias barrigas pude usar como travesseiro quando estava cansado Ao gato Fecircnix que possui

muito mais de sete ou nove vidas por seu fofo sobrepeso

A Maria Beatriz Bouissou Macecircdo por tudo que haacute de sincero

4

A Ticiano Curvelo Estrela Lacerda e a Artur Costrino irmatildeos cujas tatildeo notaacuteveis

qualidades sempre me incentivam como estudioso Agrave brilhante e mais cara amiga Tarsila

Donaacute e a Gabriel Lohner Groacutef e ao imprescindiacutevel auxiacutelio prestado por ambos na Casa de

Socorro aos Mestrandos Desesperados com a Corda no Pescoccedilo A Rafael Frate o

ldquoplenibroacutederrdquo

Agrave indissociaacutevel Amanda Lenharo di Santis e agrave afaacutevel companhia do gato Pimenta

A Diego Ydalgo Mateus Macedo Pires Samuel Gadia Rafael Pompiacutelio Gustavo

Motta e Fernando Baratella ternos amigos da terna idade de viacutedeo-game RPG HQ futebol e

(jaacute natildeo mais tatildeo terna) The Doors Como esquecer o primeiro Camotildees o primeiro Boccage o

primeiro Aacutelvares de Azevedo Gonccedilalves Dias Bandeira Drummond lidos nessa eacutepoca

A Rafael Brunhara Marcus Baccega Alexandre Almeida Marcussi e a outros

estimados amigos e colegas que jamais faria natildeo fossem as Letras e a FFLCH

5

RESUMO

A presente dissertaccedilatildeo visa agrave traduccedilatildeo anotada dos textos que nos datildeo a conhecer a

obra convencionalmente denominada Crestomatia e atribuiacuteda a Proclo junto de um estudo

que caracterize o quanto possiacutevel essa obra que permanece tatildeo obscura quanto relevante para

os Estudos Claacutessicos Traduziram-se tanto os fragmentos referentes ao Ciclo Eacutepico provaacuteveis

excertos diretos da obra como o resumo que dela restou na Biblioteca de Foacutecio coacutedice 239

A anotaccedilatildeo se ateacutem ao coacutedice 239 a fim de tornar conhecido o que fosse o variado conteuacutedo

geral da obra O coacutedice tambeacutem eacute o foco do estudo que pretende em trecircs capiacutetulos 1o)

discutir os problemas em torno do texto ie a atribuiccedilatildeo o tiacutetulo a constituiccedilatildeo da obra sua

histoacuteria etc 2o) tendo estabelecido algumas hipoacuteteses sobre essa constituiccedilatildeo diversa

explicitaacute-la comentando a primeira seccedilatildeo do texto e a confluecircncia de saberes diversos sobre as

Letras da Antiguidade fossem a Retoacuterica a Gramaacutetica a Poeacutetica considerando seus limites

3o) considerando a seccedilatildeo posterior do texto sobre a classificaccedilatildeo geneacuterica da poesia antiga

relacionaacute-lo com outros que versem sobre a classificaccedilatildeo dos gecircneros poeacuteticos em especial o

De Poematibus de Diomedes

PALAVRAS-CHAVE poeacutetica gramaacutetica retoacuterica poesia antiga gecircneros literaacuterios

6

ABSTRACT

The scope of the current dissertation is to present a commented translation in

Portuguese of the group of texts that gives us knowledge of the work conventionaly called

Chrestomathy ascribed to Proclus We present as well a study that characterizes as much as

possible this work that remains as obscure as relevant to the Classical Studies The fragments

that refer to the Epic Cycle which are probably direct excerpts of the original work were

translated as well as the summary which was preseved in Photiusrsquo Library the 239 codex

The commentary is about the 239 codex with the purpose of give knowledge of the

miscellaneous general content of the work The codex is also the focus of the study where in

three chapters 1) it will be discussed the questions around the text ie the ascription the

title the constitution of the work its history 2) having been established some hypothesis

about this diverse constitution it will be exposed on commenting the first section of the text

and the confluency as well as the limits of multiple knowledges of Literature in Antiquity

comprehending Rhetorics Grammar and Poetics 3) considering the later section of the text

concerning to the generic classification of ancient poetry we will relate the text with others

that deal with the classification of poetic genres especially Diomedesrsquo De Poematibus

KEYWORDS poetics grammar rhetoric ancient poetry literary genres

7

IacuteNDICE

Apresentaccedilatildeo9

Parte I ndash Estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio

Capiacutetulo 1 ndash CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO10

11 VESTIacuteGIOS DA OBRA10

12 AUTORIA E ATRIBUUICcedilAtildeO12

13 O NOME E A OBRA18

131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio18

132 A intitulaccedilatildeo do coacutedice 23925

133 O termo ldquocrestomatiardquo32

134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra38

Capiacutetulo 2 ndash A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA

ELOCUCcedilAtildeO POESIA E RETOacuteRICA50

21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO50

22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO52

221 O molde copioso55

222 O molde tecircnue57

223 O molde meacutedio59

224 O molde florido61

225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo62

Capiacutetulo 3 ndash A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA67

31 SEUS GEcircNEROS67

32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS

DE DIOMEDES74

33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO81

331 Epos83

3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria83

3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico86

332 Elegia90

333 Iambo94

334 Meacutelica96

Parte II ndash Traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo

1 COacuteDICE 23998

11 TEXTO98

12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO109

2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO

8

CICLO EacutePICO128

21 VIDA DE HOMERO128

22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO132

221 Ciacuteprias132

222 Etioacutepida137

223 Pequenas Iliacuteada139

224 Saque de Iacutelio141

225 Retornos143

226 Telegonia145

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS148

9

Apresentaccedilatildeo

Esta dissertaccedilatildeo de mestrado se debruccedila sobre o texto tradicionalmente denominado

Crestomatia e apenas atribuiacutedo a um Proclo cuja identidade permanece em litiacutegio Sem que

isso tenha sido um impedimento para muitos antes de mim proponho aqui considerada a

imensidatildeo de toacutepicos apenas aludidos ou sugeridos por tal objeto textual (alguns carentes de

investigaccedilatildeo)

a) uma traduccedilatildeo integral do que o tempo nos legou da obra um resumo preservado

por Foacutecio de Constantinopla seacutec IX dC e os excertos aceites pelos estudiosos como seus

uacutenicos fragmentos ldquooriginaisrdquo

b) um estudo introduzindo a traduccedilatildeo que se focou em questotildees de composiccedilatildeo da

obra (da sua atribuiccedilatildeo agrave sua abrangecircncia) partes organizaccedilatildeo teorias que continha ou

propunha intenccedilatildeo e finalidade Em funccedilatildeo desse enfoque questotildees agraves quais a Crestomatia

de Proclo muitas vezes serve de ponto de partida como por exemplo a aplicaccedilatildeo das

categorias antigas de interpretaccedilatildeo poeacutetica agrave poesia liacuterica da Greacutecia Antiga os testemunhos

que conteacutem dessa interpretaccedilatildeo de base heleniacutestica etc foram em parte contemplados e em

parte deixados de lado em funccedilatildeo de um objetivo primeiro refletir sobre o que seria essa obra

e sua relaccedilatildeo com textos que lidam com assuntos semelhantes

Desta maneira portanto se organiza o texto

PARTE I ndash Um estudo em trecircs capiacutetulos o 1o abordando as questotildees baacutesicas sobre o

objeto escrito (tiacutetulo autoria) e como eacute transmitido a noacutes o 2o abordando o que aqui se

delimita como sua primeira seccedilatildeo em que se definia seu objeto e uma abordagem para ele a

fim de se conseguir uma caracterizaccedilatildeo da obra o 3o propondo a partir dos elementos

estudados uma comparaccedilatildeo com outro texto semelhante a fim de discutir os criteacuterios de

anaacutelise da poesia que na Crestomatia seratildeo empregados ateacute o fim do texto com o objetivo de

classificar a antiga poesia liacuterica ou meacutelica (sendo as especificidades dessa apresentadas ao

longo das nostas agrave traduccedilatildeo agrave medida do necessaacuterio)

PARTE II ndash A traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio que resume

a Crestomatia e a traduccedilatildeo dos resumos do chamado ciclo eacutepico que chega ateacute noacutes atraveacutes de

manuscritos de Homero

10

PARTE I

Estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio

1 CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO

11VESTIacuteGIOS DA OBRA

Qualquer um cujo interesse seja desperto por isso que geralmente se denomina a

Crestomatia de Proclo tatildeo logo busque se aproximar do objeto deparar-se-aacute com fragmentos

que unidos ao fim nos forneceratildeo somente o espectro de uma obra que parece ter sido uma

importante e abrangente compilaccedilatildeo sobre as letras antigas algo semelhante ao que hoje

chamariacuteamos um manual de literatura

Haacute dois grupos de textos que juntos compotildeem o quanto se pode acessar do que a

julgar pelo que nos diz Foacutecio no coacutedice 239 de sua Biblioteca teria sido uma obra composta

de quatro livros1 e que sem duacutevida a despeito das discussotildees acerca do primeiro paraacutegrafo do

coacutedice (concernente ao nome) teria em seu tiacutetulo o termo ldquocrestomatiardquo

A comeccedilar pela Biblioteca como se sabe consiste em resumos epiacutetomes cuja

confecccedilatildeo2 para aleacutem do interesse do irmatildeo de Foacutecio3 serviria em uacuteltima instacircncia agraves duas

funccedilotildees mais baacutesicas que se podem supor dar a conhecer os textos resumidos a quem natildeo

poderia acessaacute-los integralmente e fornecer diferentes saberes numa mesma fonte ie reunir

informaccedilatildeo diversa preservando para um leitor que natildeo tivesse acesso a essa informaccedilatildeo agrave

medida do possiacutevel o mais relevante dos originais

Um conjunto de textos consiste portanto nos diferentes manuscritos que seguramente

contecircm a Biblioteca de Foacutecio E eacute entre diferentes obras reunidas para a Biblioteca portanto

que se resume no coacutedice 239 (de um modo a ser discutido) a obra em questatildeo

convencionalmente designada Crestomatia Trata-se pois de tradiccedilatildeo indireta

1 Severyns A Recherches sur la Chrestomathie de Proclos Le Codex 239 de Photius Eacutetude Paleacuteographique et

Critique (t I) Texte Traduction Commentaire (t II) La Vita Homeri et les Sommaires du Cycle Eacutetude

Paleacuteographique et Critique (t III) Texte et Traduction (t IV) Paris Belles Lettres 1977 Tomo II paacuteg 31 2 Severyns op cit tome I paacuteg 1 ndash 6 3 Foacutecio Biblioteca paacuteg 1

11

O outro conjunto de textos eacute bem mais visado pelos estudos claacutessicos em geral dado o

que conteacutem Consiste nos 14 manuscritos da Iliacuteada dos quais todos como uma introduccedilatildeo

trazem uma Vida de Homero4 Deles 10 tambeacutem trazem um texto designado

um apenas Venetus A (o mais velho) traz na sequecircncia

e Aquela Vida

como se vecirc pelo nome eacute uma breve biografia de Homero mas satildeo estes que foram por muito

tempo objeto dos estudiosos pois consistem em resumos aparentemente completos embora

bem pontuais dos poemas ciacuteclicos ou pelo menos de alguns deles ie os poemas que narram

os demais episoacutedios do ldquochamado ciclo eacutepicordquo (para usar os proacuteprios termos do epiacutetome do

coacutedice 239) o qual numa definiccedilatildeo mais teacutecnica seria a somatoacuteria de todas as narraccedilotildees

eacutepicas ou mais rigorosamente todos os (eacutepe)6 circunscritos a um conjunto de episoacutedios

que vai desde a origem do universo ateacute a morte de Odisseu A despeito do que se possa

conjeturar mais pormenorizadamente sobre o que de fato pleiteavam tais poemas o proacuteprio

texto do epiacutetome fociano no seu paraacutegrafo 19 eacute um de nossos principais testemunhos de

como tais poemas eram entendidos por diferentes autores que versaram sobre poeacutetica

integrando um todo ldquo

rdquo7 ndash ldquoFecha-se o ciclo eacutepico agrave medida que eacute completo pela contribuiccedilatildeo

de diferentes poetasrdquo

Antes desse paraacutegrafo na seccedilatildeo do epiacutetome dedicada ao epos (sect13 a 23) apoacutes a

invenccedilatildeo do metro sua mateacuteria (sect13) como o nome se fixa (sect14) e o elenco de seus melhores

poetas (sect15) o paraacutegrafo 16 nos informa que ldquoele [o provaacutevel autor Proclo] discorre na

medida do possiacutevel sobre a origem a paacutetria e algumas histoacuterias particulares a respeito de tais

poetasrdquo e o paraacutegrafo 17 por sua vez diz que [ele] ldquoentatildeo inicia as consideraccedilotildees sobre o

chamado ciclo eacutepicordquo e assinala seu iniacutecio no intercurso entre Ceacuteu e Terra O verbo

(dialambaacuteno) que inicia o paraacutegrafo tem o sentido forte de ldquojulgar avaliar

tomar como objeto de consideraccedilatildeordquo O verbo que inicia o paraacutegrafo seguinte (sect18)

possui o sentido metafoacuterico de abrir caminho em um texto em uma mateacuteria

em um objeto ie ldquoexaminaacute-lordquo Diz-se que ldquoele [autor] segue examinando diversas coisas

concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticasrdquo Os paraacutegrafos 20 a 23 satildeo dedicados a peculiaridades

referentes ao ciclo que no entendimento do resumidor merecem destaque a razatildeo pela qual

4 Designaccedilatildeo latina do texto que no grego vem designado como ou como Venetus A

ou Homero eacutepoca vida caracteriacutestica tiacutetulo de poemas 5 Que traduzi na ordem por ldquo(sobre) a(s) Ciacuteprias Etioacutepida Pequena Iliacuteada Saque de Iacutelio Retornos Telegoniardquo 6 Entendendo-se aqui no sentido amplo do texto uma composiccedilatildeo hexameacutetrica narrativa A discussatildeo

pormenorizada vem a seguir 7 Severyns 1977 pg 36 Grifo do autor

12

os poemas do ciclo foram preservados o nome e a paacutetria dos poetas que se ocuparam dele e

especificidades sobre a atribuiccedilatildeo e o nome das Ciacuteprias

Considerando-se que ao longo de seu texto o epiacutetome se caracteriza ou por de um

lado apenas notificar aquilo que o suposto autor diz de mais relevante sem entrar nos

detalhes de seu conteuacutedo ou de outro por pontuar informaccedilotildees bem especiacuteficas com o intuito

de daacute-las a conhecer (provavelmente como uma novidade) a seu leitor tanto os dois verbos

referidos que descrevem aquilo que ocorre no texto resumido como as vicissitudes de 20 a

23 que ressaltam especificidades julgadas pelo resumidor como relevantes a um leitor que

recorreria ao epiacutetome satildeo muito favoraacuteveis a que natildeo se ponha em duacutevida a atribuiccedilatildeo dos 14

manuscritos a Proclo ou pelo menos ao mesmo autor resumido no coacutedice 239 Ao que tudo

indica portanto os sete textos que compotildeem o Venetus A8 a julgar pela congruecircncia no que

possui em comum com os demais (que ou trazem a Vida de Homero ou essa mais o resumo

das Ciacuteprias) seriam sete excertos integrais da Crestomatia provavelmente ndash a julgar pelo

resumo ndash referentes agrave seccedilatildeo em que discutindo o epos o autor nos daria suas consideraccedilotildees

sobre quem foi Homero bem como resumos factuais acontecimento a acontecimento dos

demais poemas que compunham o chamado ciclo eacutepico

Eis a nossa obra de um lado um resumo e de outro sete outros breves textos que

pelas indicaccedilotildees nos manuscritos de Homero e pela congruecircncia de assunto brevemente

demonstrada seriam os uacutenicos excertos integrais que chegaram a noacutes De fato ambos

parecem corresponder a uma obra cujo conteuacutedo resumido ainda circulava no acircmbito das

letras bizantinas pelo menos desde algum periacuteodo um pouco anterior ao seacuteculo IX (pois pode

ser que Foacutecio teve acesso a ela integralmente) ateacute aproximadamente o seacuteculo XV seacuteculo a

que remontam os manuscritos mais recentes9 Todas as ediccedilotildees impressas portanto atribuem-

na a Proclo

12 AUTORIA E ATRIBUICcedilAtildeO

8 Nesse manuscrito o resumo das Ciacuteprias encontra-se mutilado mas pode ser reconstituiacutedo pelo manuscrito F

Neapolitanus que de acordo com Severynns derivaria de um manuscrito em comum Cf Severyns tomo III

245 ndash 52 9 A propoacutesito dos uacuteltimos manuscritos Severynns (III 317 ndash 324) identifica o Ottobonianus G e H como

derivados de um arqueacutetipo entre os quais haacute um corretor que identifica como Joatildeo Tzetzes principalmente

por especificar na denominaccedilatildeo dos resumos a atribuiccedilatildeo a ldquoProclo platocircnico Diaacutedocordquo Mesmo que se recuse a

hipoacutetese essa correccedilatildeo e a proacutepria atribuiccedilatildeo revelam natildeo soacute uma atividade filoloacutegica que se debruccedilava sobre o

texto mas a preocupaccedilatildeo em atribuir-lhe a origem precisa

13

Uma vez que todos os manuscritos da Vida e dos Resumos atribuem o texto

indubitavelmente a Proclo e apenas um preocupa-se em explicitar de que Proclo se trata

restaria saber se de fato o suposto autor do texto eacute esse explicitado pelo corretor o Proclo

de quem mais se tecircm notiacutecias e obras o chamado diaacutedokhos ou ldquosucessorrdquo assim

designado por ser o renomado disciacutepulo e sucessor de Siriano na nova escola platocircnica de

Atenas onde estudou tambeacutem com Plutarco (de Atenas) apoacutes ser disciacutepulo de Olimpiodoro o

Velho em Alexandria provavelmente onde ainda jovem obteve sua primeira formaccedilatildeo com

o gramaacutetico Oacuterion de Tebas (Egito)10 de quem adiquiriu sua formaccedilatildeo nas letras ndash se para o

estudo da filosofia sua filiaccedilatildeo aos referidos filoacutesofos eacute fundamental para o estudo da obra

aqui abordada sua filiaccedilatildeo a esse gramaacutetico egiacutepicio seja talvez determinante como logo se

discutiraacute Foi no seacuteculo V dC um dos principais nomes do que denominamos

neoplatonismo e hoje eacute conhecido principalmente por seus comentaacuterios a Platatildeo Nosso

principal testemunho aqui a respeito desse Proclo eacute o Suda Diz-nos dele o Liacutecio (pois era

originaacuterio da Liacutecia) que para aleacutem de seus trabalhos filosoacuteficos escreveu muitas obras de

filosofia e gramaacutetica e aiacute nesse mesmo passo ldquoum comentaacuterio agrave obra de Homero um

comentaacuterio aos Trabalhos e Dias de Hesiacuteodo e trecircs livros sobre crestomatiardquo que se

entendermos como o tiacutetulo levaraacute agrave grafia ldquoSobre Crestomatiardquo Talvez fosse essa a obra que

nos permitiria identificar Proclo o Sucessor ou o Liacutecio como o autor do texto que

conhecemos pelo epiacutetome fociano Eacute necessaacuterio ressaltar que neste caso como natildeo eacute possiacutevel

fazer mais do que conjeturar o que se faraacute aqui eacute julgar a verossimilhanccedila das hipoacuteteses

Primeiro se deve julgar se eacute possiacutevel identificar essa obra de que o Suda fala agrave obra

resumida na Biblioteca Eacute de se crer que sim pelos seguintes motivos dos quais o primeiro eacute

cronoloacutegico a Biblioteca em que se encontra o epiacutetome foi composta seguramente no seacuteculo

IX no profiacutecuo contexto da atividade copista bizantina (a julgar pelo que se diz na sua

dedicatoacuteria preparada durante a viagem agrave corte dos Abaacutessidas em Bagdaacute e enviada ao irmatildeo

de Foacutecio que natildeo pudera ir e ficara em Constantinopla) o mesmo contexto do qual floresce o

Suda aproximadamente um seacuteculo depois Temos portanto coerecircncia temporal e regional

entre o epiacutetome da Biblioteca de Foacutecio e o leacutexico Em segundo lugar o Suda nos descreve um

neoplatocircnico que (falando de acordo com nossos termos) teria se dedicado natildeo soacute agrave filosofia

embora principalmente mas tambeacutem agrave ldquocriacutetica literaacuteriardquo ou filoloacutegica aqui designada

simplesmente por ldquogramaacuteticardquo (questatildeo terminoloacutegica que logo seraacute abordada) Que isso fosse

10 Ateacute pelo nome da conhecida constelaccedilatildeo julgou-se esse nome consagrado demais para ser vertido segundo o

criteacuterio aqui adotado para outros semelhantes (Oriatildeo) Vale mencionar que foi autor de um Leacutexico que foi

aproveitado por outros duas valiosas obras semelhantes a saber o Etymologicum Gudianum e o Etymologicum

Magnum

14

verdade pelo menos os exemplos parecem confirmaacute-lo uma vez que as obras arroladas

pertencem ou a esta ou agravequela aacuterea do saber antigo duas no entanto configuram um caso

particular por confirmarem que essa distinccedilatildeo de abordagem realmente ocorria Eacute possiacutevel

vislumbrar certo agrupamento temaacutetico parece que estas trecircs primeiras obras elencadas

referem-se agrave atividade filoloacutegica enquanto as que vecircm depois agrave atividade filosoacutefica

[] ἔγραψε πάνυ πολλά φιλόσοφά τε καὶ γραμματικά ὑπόμνημα εἰς

ὅλον τὸν Ὅμηρον ὑπόμνημα εἰς τὰ Ἡσιόδου Ἔργα καὶ Ἡμέρας Περὶ

χρηστομαθείας βιβλία γacute Περὶ ἀγωγῆς βacute Εἰς τὴν πολιτείαν

Πλάτωνος βιβλία δacute Εἰς τὴν Ὀρφέως Θεολογίαν Συμφωνίαν

Ὀρφέως Πυθαγόρου Πλάτωνος περὶ τὰ Λόγια βιβλία ιacute Περὶ τῶν

παρ Ὁμήρῳ θεῶν Ἐπιχειρήματα κατὰ Χριστιανῶν ιηacute

[] Escreveu diversas obras tanto de filosofia como de gramaacutetica Um

comentaacuterio a todo Homero comentaacuterio aos Trabalhos e Dias de

Hesiacuteodo Acerca de Crestomatia em 3 livros Acerca de Educaccedilatildeo em

2 Sobre a Repuacuteblica de Platatildeo em 4 livros Sobre a Teologia de

Orfeu Consonacircncia de Orfeu Pitaacutegoras Platatildeo acerca dos Oraacuteculos

em 10 livros Sobre os Deuses em Homero 18 Contraprovas aos

Cristatildeos

(Suda 2473 4 ndash 10 traduccedilatildeo e grifos do autor)

De todas essas a recorrecircncia de Homero entre umas e outras parece confirmar mesmo

que neste verbete as obras estatildeo elencadas pela aacuterea a que pertenciam e mais ainda que uma

delas se designa ldquogramaacuteticardquo O suposto argumento de ambas parece tambeacutem confirmar esta

hipoacutetese laacute entre aquelas um comentaacuterio a todo Homero sem uma especificaccedilatildeo do que eacute

abordado o que nos faz pensar em um comentaacuterio a seu texto de forma geral aqui entre as

obras filosoacuteficas um assunto concernente agrave filosofia e ao platonismo a interpretaccedilatildeo da

figuraccedilatildeo dos deuses na obra do poeta

Isso natildeo prova que de fato a obra eacute do Proclo neoplatocircnico mas pelo menos confirma

que sendo posterior o Suda na situaccedilatildeo meramente hipoteacutetica de natildeo possuir nenhuma

referecircncia natildeo vecirc incongruecircncia alguma em atribuir a ele uma Crestomatia que poderia ser

sobre gramaacutetica O Suda pode inclusive ter se fiado agrave mesma tradiccedilatildeo que para Foacutecio jaacute

atribuiacutea a obra ao Proclo platocircnico ou entatildeo como natildeo haacute nenhuma especificaccedilatildeo da parte de

Foacutecio sobre quem seria esse Proclo ter assumido como perfeitamente aceitaacutevel e plausiacutevel na

hipoacutetese extrema de ter como uacutenica fonte a mesma tradiccedilatildeo de Foacutecio ou mais extrema ainda

o proacuteprio epiacutetome que essa ldquocrestomatiardquo versando sobre gramaacutetica fosse de Proclo sem ver

erro nisso ie em atribuir ao filoacutesofo platocircnico uma obra tratando das letras O que de fato

15

parece-nos bem razoaacutevel nesta perspectiva eacute que primeiro natildeo haveria nada de estranho em

atribuir certa crestomatia ao Proclo platocircnico e segundo que essa versava sobre gramaacutetica a

julgar pela aparente divisatildeo em grupos de que o Suda nos fala Mas ainda sobre o primeiro

aspecto natildeo haacute por que duvidar de que o Suda se paute numa tradiccedilatildeo consolidada e

verossiacutemil de atribuiccedilatildeo desse texto a Proclo No seu verbete eacutelegos o Etymologicum

Magnum traz ldquoltἜλεγοςgt Ἐκ τοῦ περὶ Χρηστομαθίας Πρόκλουrdquo ou seja alude a uma obra

de Proclo exatamente da mesma maneira que o verbete do Suda referindo-a como

Crestomatia junto da preposiccedilatildeo ldquoperiacuterdquo nomeando pelo substantivo portanto o conteuacutedo

geral que identificava esse texto no periacuteodo A alusatildeo feita pelo leacutexico portanto

considerando-se que ele eacute apenas um pouco posterior ao Suda sugere que este provavelmente

se insere em um ramo da atividade filoloacutegica bizantina que no mais tardar depois de Foacutecio

identifica sim a Crestomatia em textos de ensejo semelhante como sendo do Proclo Liacutecio ou

Diaacutedoco a congruecircncia formal entre as duas passagens contendo ainda que soacute a mesma

preposiccedilatildeo aleacutem do nome contribui para essa associaccedilatildeo principalmente porque como se

disse os dois textos satildeo praticamente contemporacircneos e pertencem ao mesmo ciacuterculo

filoloacutegico

Natildeo agrave toa o Etymologicum Magnum para explicar o que eacute ldquoeacutelegosrdquo citaraacute o texto que

diz ser de Proclo mas o faraacute praticamente como se encontra no coacutedice da Biblioteca salvo

pela ordem

[]Ὁ μέντοι ἐπικὸς κύκλος ἄρχεται μὲν ἐκ τῆς μυθολογουμένης

Οὐρανοῦ καὶ Γῆς μίξεως ἀφ ἧς Ἑκατοντάχειρες γίνονται

Καὶ ἑξῆς

Διαπορεύεται δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι μυθολογούμενα

καὶ εἴ που τι καὶ πρὸς ἱστορίαν ἐξαληθίζεται Περατοῦται δὲ ἐξ

διαφόρων ποιητῶν συμπληρούμενος μέχρι Ὀδυσσέως ὧν καὶ

ὀνόματα καὶ πατρίδας φησὶν ὁ αὐτός Σπουδάζεσθαι δὲ τὰ ἐπικοῦ

κύκλου τὰ ποιήματα οὐχ οὕτω διὰ τὴν ἀρετὴν ὡς διὰ τὴν ἀκολουθίαν

τῶν ἐν αὐτῷ πραγμάτων Τὴν δὲ ἐλεγείαν συγκεῖσθαι μὲν ἐξ ἡρῴου

καὶ πενταμέτρου στίχου ἁρμόζειν δὲ τοῖς κατοιχομένοις καὶ

εὐλογεῖσθαι μὲν ὑπ αὐτοῦ τούτους οἱ μέντοι μεταγενέστεροι ἐπὶ

διαφόροις ὑποθέσεσιν αὐτῷ ἀπεχρήσαντο Τὸ δὲ ἔπος πρῶτον μὲν

ἐφεῦρε Φιμονόη ἡ Ἀπόλλωνος προφῆτις ἑξαμέτροις χρησμοῖς

[χρησαμένη] Οἷς ἐπεὶ τὰ πράγματα εἵπετο ἔπος τὸ ἐκ μέτρων

ἐκαλεῖτο ἢ διὰ τὴν κατασκευὴν καὶ τὴν ἄγαι ὑπεροχὴν τὴν ἐν τοῖς

ἑξαμέτροις θεωρουμένην τὸ κοινὸν ὄνομα παντὸς λόγου τὸ

16

ἑξάμετρον ἰδιώσατο καθάπερ Ὅμηρον τὸν ποιητὴν καὶ Δημοσθένην

τὸν ῥήτορα ἐπεὶ καὶ τὰ τρίμετρα ἔπη προσηγόρευσαν

(Etymologicum Magnum 32740 ndash 3283)

ldquo lsquoO ciclo eacutepico se inicia do intercurso mitoloacutegico entre Ceacuteu e Terra a

partir do qual geram centiacutemanosrsquo

E em senguida

Passa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre

os deuses dos gregos e diz o que inclusive pode ateacute certo ponto ser

verdade em referecircncia agrave histoacuteria Fecha-se sendo completo por

diferentes poetas ateacute de Odisseu Desses ele fala o nome e a paacutetria

Tambeacutem [fala] que os poemas do ciclo eacutepico tecircm recebido atenccedilatildeo

natildeo tanto por sua virtude quanto pela sequecircncia das accedilotildees nele

contidas Que agrave elegia se compotildee de um verso heroacuteico e um

pentacircmetro acomoda-se aos que jaacute partiram e esses eram elogiados

por ele Os poacutesteros usaram-no amplamente para diferentes

argumentos Quem primeiro descobriu o epos foi Femocircnoe a

profetiza de Apolo profetizando oraacuteculos em hexacircmetros A eles

seguiram-se os feitos e ldquoeposrdquo era chamada qualquer composiccedilatildeo no

metro ou pela elaboraccedilatildeo e pela ampla superioridade observada nos

hexacircmetros o hexacircmetro apropriou-se do nome comum de ldquopalavrardquo

[epos] bem como Homero tornou sua a alcunha ldquoo poetardquo e

Demoacutestenes ldquoo oradorrdquo uma vez que alguns tambeacutem denominavam

ldquoeacuteperdquo [falares plura de ldquoeposrdquo] as composiccedilotildees em triacutemetrosrsquordquo

(Traduccedilatildeo e acreacutescimos do autor)

Salvo pela ordem deveras estranha ndash afinal aquilo que o verbete pretende definir

ocorre no excerto muito curto referente agrave definiccedilatildeo de elegia e ainda em meio a inuacutemeros

trechos referentes agrave poesia eacutepica ndash pode-se observar que primeiro o Etymologicum julgou

prudente para definir eacutelegos simplesmente citar uma obra que julgava autorizada para definir

tal palavra apresentando sua seccedilatildeo sobre a elegia e seu antigo uso em contexto fuacutenebre e a

atribuiu a Proclo segundo natildeo soacute essa seccedilatildeo mas os demais trechos trazem as mesmas

palavras do coacutedice de Foacutecio salvas algumas supressotildees e diferenccedilas de escolha Ao que tudo

indica para citar a obra que explicava como se achava devido o significado autorizado da

palavra em questatildeo o autor recorreu ao que sabia sobre ela Comparando esse excerto com o

epiacutetome de Foacutecio pode-se conjecturar que ou o compilador recorreu na confecccedilatildeo do

verbete a um manuscrito outro que continha assim essas informaccedilotildees ou copiou trechos

resumida e aleatoriamente ou ndash ainda uma terceira e mais plausiacutevel opccedilatildeo ndash cita de cabeccedila as

referidas partes da obra que conhece como Crestomatia e adota trecircs procedimentos que

parecem observaacuteveis surprime palavras e topicaliza mais o texto emprega sinocircnimos mas

manteacutem os termos e nomes fundamentais cita as outras passagens do contexto em que a

17

desejada se encontrava Estariam as informaccedilotildees citadas sobre a elegia no meio da seccedilatildeo

sobre epos porque uma vez abordada o vasto leque temaacutetico da eacutepica tratava-se do metro

havendo aiacute uma diferenciaccedilatildeo jaacute que elegia e epos considerados metricamente tecircm em

comum o hexacircmetro que eacute isolado ao fim do excerto Seria essa configuraccedilatildeo pensada pelo

compilador e arranjada para a confecccedilatildeo do verbete em questatildeo Ainda que natildeo haja resposta

a somatoacuteria de textos aponta para o fato de que para esse mesmo ramo de lexicoacutegrafos da

Biblioteca do Suda e do Etymologicum Magnum a Crestomatia em questatildeo fora

confeccionada por Proclo Diaacutedoco ou Liacutecio

Ainda dessa perspectiva parece que o uacutenico outro Proclo dentre aqueles de que temos

notiacutecias ao qual parece verossiacutemil atribuir a Crestomatia seria um que natildeo eacute mencionado

entre os constantes no Suda Eutiacutequio Proclo professor de Marco Aureacutelio gramaacutetico do

seacuteculo II dC Eacute igualmente verossiacutemil tambeacutem pela dataccedilatildeo que seja esse o autor A

associaccedilatildeo do texto agrave tradiccedilatildeo filoloacutegica alexandrina eacute reconhecidamente assumida por

diferentes autores que se debruccedilaram sobre o epiacutetome fociano11 seja por seu amplo conteuacutedo

mitoloacutegico e etioloacutegico presente nas etimologias explicativas dos gecircneros seja pelo proacuteprio

conceito de gramaacutetica em que parece se pautar12 Como se sabe a erudiccedilatildeo alexandrina tem

vasta influecircncia na educaccedilatildeo romana desde a eacutepoca dita claacutessica Natildeo seria de se espantar

pois que tal crestomatia fosse um escrito desse provaacutevel professor de Marco Aureacutelio

ensinando sobre letras em geral e os muitos gecircneros poeacuteticos dos gregos ainda mais se

julgarmos que o texto teria um fim didaacutetico

Haacute que se avaliar entatildeo qual dessas duas hipoacuteteses parece mais verossiacutemil e se natildeo

haacute indiacutecios suficientes para confirmar a primeira parece haver menos para desacreditaacute-la

salvo se julgue radical e absurdamente que como filoacutesofo platocircnico o Proclo do seacutec V natildeo se

ateria agrave poesia e agrave atividade filoloacutegica de que a Crestomatia eacute um testemunho Contudo a natildeo

ser que o Suda esteja profundamente equivocado vemos que como comentador alguma

parcela da atividade do diaacutedochos lidava sem contradiccedilatildeo alguma com isso que designamos

criacutetica filoloacutegica ou literaacuteria

Nesse sentido a filiaccedilatildeo de Proclo a Oacuterion como um de seus professores seria um

argumento determinante primeiro porque o longo cataacutelogo de espeacutecies liacutericas do epiacutetome

11 Sejam os dois principais editores e comentadores do texto ie Severyns e Ferrante sejam quantos percebem a

indissociaacutevel apropriaccedilatildeo da categorizaccedilatildeo aventada pelo gramaacutetico alexandrino Diacutedimo de Calcentero 12 Conceito no qual o gramaacutetico jaacute natildeo era apenas aquele que ensinava as letras mas sim o especialista em tudo

quanto agraves tangenciava inclusive os instrumentos e doutrinas de retoacuterica e poeacutetica com os quais os antigos faziam

o que hoje diriacuteamos ldquocriacutetica literaacuteriardquo Tal discussatildeo ainda ocuparaacute boa parte de nosso trabalho (134 paacuteg 38)

18

traz em mais de uma passagem similaridades com o Leacutexico do gramaacutetico13 segundo porque

como se sabe tal obra seraacute aproveitada pela profiacutecua atividade lexicograacutefica bizantina dos

seacuteculos posteriores e natildeo eacute nada infundado supor que o proacuteprio Proclo apoia-se nas liccedilotildees do

professor (e esse provavelmente toma por base a obra de Diacutedimo) A julgar pelas

similaridades tal transmissatildeo natildeo eacute absurda e nesse caso o Proclo de quem falamos soacute pode

ser o diaacutedoco

A dificuldade de identificaccedilatildeo resta pois inevitavelmente atrelada ao que seria o

nome dessa obra que se identifica com o resumo de Foacutecio tatildeo somente por uma palavra

levando-nos ao problema mesmo de definir seu conteuacutedo pois se nos fosse perfeitamente

possiacutevel circunscrevecirc-lo obtendo um vislumbre mais amplo dos assuntos do texto seria

possiacutevel caracterizaacute-lo melhor e daiacute compreendendo em que consistiria essa crestomatia

reconsiderar a atribuiccedilatildeo

Inevitavelmente nessa linha de raciociacutenio haacute que se considerar tambeacutem qual

ldquogramaacuteticardquo eacute essa de que falam os testemunhos mais especificamente que noccedilatildeo de

gramaacutetica eacute essa

13 O NOME E A OBRA

131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio

O problema mais imediato referente agrave leitura do texto resumido estaacute logo em sua

primeira linha a ordem das palavras e o arranjo sintaacutetico criam dificuldades para determinar o

quecirc exatamente foi primeiro lido e depois resumido por Foacutecio

Praticamente todos os epiacutetomes de sua Biblioteca se iniciam pela forma

(anegnoacutesthe) que eacute formular nessa obra e se refere mais amplamente natildeo soacute ao que foi lido

mas ao fato de que se realizou mais uma das sessotildees (ou seacuterie de sessotildees) de leituras do

ciacuterculo de letrados em torno do entatildeo embaixador Foacutecio na qual seu irmatildeo Taraacutesio natildeo podia

estar presente por ter ficado em Constantinopla Como se sabe pela dedicatoacuteria mesma da

Biblioteca (Bekker 1824 ndash 25) essa eacute a motivaccedilatildeo primeira para a escrita da extensa obra

13 Cf Traduccedilatildeo n 54 paacuteg 116 e n 56 57 e 58 paacuteg 117

19

tomar nota dos textos que foram tratados e de diferentes coisas relativas a eles Eacute pela referida

forma verbal aliaacutes que se pode identificar quando acaba um resumo e inicia-se outro

A Biblioteca de Foacutecio portanto consiste de diferentes ndash antes de dizermos resumos ndash

notas ou anotaccedilotildees referenciais do que era objeto das sessotildees de leituras Assim eacute que certas

palavras como eacute o caso de eklogaiacute (ldquocoletacircnea extratos excertosrdquo) que figura na introduccedilatildeo

do resumo do coacutedice 239 na liccedilatildeo aqui adotada de Severyns ldquoἈνεγνώσθη ἐκ τοῦ

ἐπιγραφομένου βιβλίου Πρόκλου χρηστομαθείας γραμματικῆς ἐκλογαίrdquo geram dificuldades

de interpretaccedilatildeo por natildeo permitirem estabelecer com exatidatildeo a que etapa se referem de todo

esse processo que resulta na confecccedilatildeo da Biblioteca se por vezes o termo parece

claramente se referir a um livro que foi tido em matildeos e era ele mesmo uma coletacircnea

excertos coligidos por outras parece que o mesmo termo se refere a uma coletacircnea de textos

ou de grupos de textos mais longos feita pelo proacuteprio grupo senatildeo por Foacutecio ele mesmo

Exemplo bem evidente do primeiro caso eacute o epiacutetome de Estobeu cuja obra eacute

conhecidamente uma coletacircnea assim mesmo nomeada ao longo dos seacuteculos

ldquo[1]14 Ἀνεγνώσθη ltἸωάννου Στοβαίουgt ἐκλογῶν ἀποφθεγμάτων ὑποθηκῶν βιβλία

τέσσαρα ἐν τεύχεσι δυσίrdquo

ldquoLeram-se dos excertos ditos notaacuteveis e conselhos de Joanes Estobeu quatro livros em

dois volumesrdquo

(Foacutecio op cit 167 112a 14 ndash 16 traduccedilatildeo e grifo do autor)

A maior literalidade visada nesta traduccedilatildeo busca nos introduzir a uma das formas

padrotildees de se apresentar os resumos das leituras ao longo da Biblioteca Neste caso a

traduccedilatildeo ao peacute da letra ndash por assim dizer ndash da forma verbal que encabeccedila os epiacutetomes (ldquoleram-

serdquo) eacute simples e imediatamente aceitaacutevel porque ao fim de tudo haacute um nominativo neutro

plural (bibliacutea) que clara e gramaticalmente concorda com a forma verbal de que eacute sujeito O

que se leu aqui foram os ldquoquatro livros em dois tomosrdquo que vecircm definidos pelos genitivos de

conteuacutedo que os precedem que vecircm por sua vez precedidos pelo genitivo de posse ou

origem designando quem apontariacuteamos como autor Aqui portanto a sintaxe natildeo exige para

que se natildeo trunque o portuguecircs um arranjo outro para a forma verbal como o que se adotou

logo agrave primeira linha da traduccedilatildeo do coacutedice 239 (v Traduccedilatildeo paacuteg 109 e nota 1 agrave mesma) A

proacutepria obra de Estobeu eacute conhecida por ser um exemplo de eklogeacute eklogaiacute que se fazia na

14 Numeram-se aqui as introduccedilotildees dos coacutedices citados a fim de se poder citaacute-los como exemplos de construccedilotildees

gramaticais

20

antiguidade ie excertos coligidos de diferentes autores visando agrave reuniatildeo de um saber ou

no caso de Estobeu saberes

No geral a forma verbal concorda com alguma palavra singular geralmente

designando que tipo de obra se leu o gecircnero do escrito uma ldquohistoacuteriardquo ie uma obra

historiograacutefica (as quais sobejam na Biblioteca) uma epiacutestola um discurso etc Exemplos

ldquo[2] Ἀνεγνώσθη ltΒασιλείου Κίλικοςgt ἐκκλησιαςτικὴ ἱστορίαrdquo

ldquoLeu-se histoacuteria eclesiaacutestica de Basiacutelio Ciliacuteciordquo

(Idem 42 9a 21)

ldquo[3] Ἀνεγνώσθη τοῦ ἁγίου ltΜαξίμουgt λόγος ἀσκητικός εἰς πεῦσιν ἐσχηματισμένος

καὶ ἀπόκρισινrdquo

ldquoLeu-se de Santo Maacuteximo um discurso asceacutetico15 esquematizado em pergunta e

respostardquo

(Idem 193 157b 33 ndash 34)

[4] Ἀνεγνώσθη τοῦ αὐτοῦ ἁγίου ἀνδρὸς πρὸς Γεώργιον ἔπαρχον ἐπιστολήrdquo

ldquoLeu-se do mesmo santo homem uma carta ao prefeito Geoacutergiordquo

(Idem 194 158a 13 ndash 14)

Agraves vezes se nomeia a obra por sua finalidade ou destinaccedilatildeo (e geralmente aiacute se tem

preposiccedilatildeo)

ldquo[5] Ἀνεγνώσθη ltΓρηγορίου Νύσσηςgt ὁμοίως ὑπὲρ Βασιλείου κατὰ Εὐνομίουrdquo

ldquoLeu-se de Gregoacuterio de Nisa igualmente por Basiacutelio contra Eunocircmiordquo

(Idem 6 3b 17 ndash 18)

Em outras palavras um texto apologeacutetico em favor das opiniotildees de Basiacutelio contra Eunocircmio

Contudo por vezes lecirc-se

ldquo[6] Ἀνεγνώσθη ltΘεοπόμπουgt λόγοι ἱστορικοί

rdquo

(Idem 176 120a 6 ndash 7)

15 Asceacutetico de treino preparatoacuterio

21

O nominativo natildeo concorda gramaticalmente com a forma verbal embora como em

todas as linhas introdutoacuterias de um novo resumo apoacutes o verbo haja sempre o genitivo (ora

com preposiccedilatildeo) que nomeia a origem do que se lecirc geralmente a pessoa a quem se atribui o

objeto da leitura Natildeo se diraacute aqui autor porque nosso problema eacute justamente esse Da

traduccedilatildeo literal ndash ldquoleram-se16 de Teopompo discursos [ou arrazoados] histoacutericos De seus

discursos histoacutericos 53 satildeo os preservadosrdquo ndash chama-nos a atenccedilatildeo aqui o segundo periacuteodo

O que se pode inferir (bem como de outras muitas passagens semelhantes) eacute que as sessotildees do

ciacuterculo de Foacutecio em algum momento dedicaram-se agrave leitura do provaacutevel historiador do

seacuteculo IV AC de quem a julgar pelo conteuacutedo do coacutedice (uma avaliaccedilatildeo geral sobre sua

cronologia temas e escritos vida e estilo do autor) 53 peccedilas estiveram em matildeos de Foacutecio e

seus circunstantes e foram objeto de suas leituras Essa passagem nos aproxima daquilo que

provavelmente era o material da Biblioteca como eacute de se esperar o que o grupo tinha em

matildeos eram manuscritos diversos em diversos rolos (tomos) Essa imagem aproximada torna-

se mais viacutevida nas passagens em que haacute uma preocupaccedilatildeo maior em se notificarem as fontes

do que se lecirc como por exemplo nos coacutedices de 172 a 174 dedicados agraves leituras de obras de

Joatildeo Crisoacutestomo

ldquo[7] Ἀνεγνώσθη τοῦ ltΧρυσοστόμουgt ὁμιλίαι εἰς τὴν γένεσιν ξʹ καὶ μία ἐν τεύχεσι

τρισίν ὧν τὸ μὲν πρῶτον ὁμιλίας περιεῖχεν κʹ τὸ δεύτερον δὲ δεκα έξ τὸ τρίτον κεʹrdquo

ldquoLeram-se de Crisoacutestomo 61 homilias agrave Criaccedilatildeo em trecircs rolos [ou volumes tomos]

dos quais o primeiro compreendia 20 o segundo dezesseis o terceiro 25rdquo

(Idem 172 118b 15 ndash 18)

Em se tratando natildeo apenas de um anuacutencio do que se lecirc mas de uma descriccedilatildeo do

objeto a interpretaccedilatildeo mais plausiacutevel para a falta de concordacircncia entre o nominativo e a

forma verbal no grego eacute a de que se trata do ldquotiacutetulordquo natildeo da obra entendida como noacutes

modernos concebemos nossa relaccedilatildeo com os produtos do mercado editorial todos

(teoricamente) individualizados por uma designaccedilatildeo particular (e ldquoparticularizanterdquo) mas

funcionalmente como aquilo que o copista inscreve no topo do manuscrito para nomeaacute-lo e

permitir a identificaccedilatildeo descritiva do objeto um cabeccedilalho Da mesma forma deveriacuteamos

considerar quando dizemos ldquoobrardquo que tambeacutem natildeo se trata de tal como concebemos hoje

16 Marcar-se-atildeo assim as traduccedilotildees de anegnoacutesthe justamente porque se discutiraacute sua adequaccedilatildeo a como se leem

e interpretam suas ocorrecircncias nas diferentes passagens

22

mas do texto o manuscrito que o copista tem em matildeos e esse eacute como o grego os nomeia

ldquologosrdquo um discurso

Assim se observa no texto grego da biblioteca aquilo que na tipografia moderna

indicariacuteamos de diferentes maneiras maiuacutesculas itaacutelico aspas etc o que jaacute implica mesmo

que inconscientemente uma forma outra de conceber o objeto Retomando nosso uacuteltimo

exemplo deveriacuteamos pensar que mesmo pertencentes ao domiacutenio comum dos disciacutepulos de

Foacutecio futuro patriarca da igreja do oriente e mesmo sendo renomados nesse contexto da

religiatildeo ortodoxa abertos os rolos estava-se diante de ldquo61 homilias de Crisoacutestomordquo e natildeo drsquo

ldquoAs Sessenta e Uma [ou quantas sejam] Homilias de Joatildeo Crisoacutestomordquo

Nossa dificuldade entatildeo retomando a palavra que observamos tambeacutem no epiacutetome de

Estobeu torna-se precisar o significado de eklogaiacute nesses diferentes contextos Observemos

por exemplo o que ocorre no coacutedice 273 em que a construccedilatildeo logo apoacutes o verbo assemelha-

se agravequela da introduccedilatildeo da Crestomatia

(8) ldquoἈνεγνώσθη ἐκ τῶν τοῦ μακαρίου ltΘεοδωρήτουgt λόγων οὓς εἰς τὸν ἐν ἁγίοις

Ἰωάννην τὸν Χρυσόστομον συνετάξατο ὧν ἡμεῖς πέντε τέως εἴδομεν ἐξ ὧν καί τινας

ἐκλογὰς τὰς ὑποτεταγμένας παρεγραψάμεθαrdquo

(Idem 273 507b 15 ndash 18)

Partindo para uma traduccedilatildeo literal o quanto possiacutevel ldquoLeu-se [fez-se leitura] a partir

dos discursos [ou arrazoados] do abenccediloado Teodoreto (que compilou sobre a santidade de

Joatildeo Crisoacutestomo) dos quais estudamos cinco ateacute entatildeo e a partir dos quais copiamos alguns

excertos abaixo arroladosrdquo ndash considere-se que paregrapsaacutemetha ldquocopiamosrdquo indica o

proacuteprio ato de ldquoescrever ao ladordquo copiando em outro manuscrito trechos selecionados a

partir do manuscrito que primeiramente se leu Chama a atenccedilatildeo o fato de que a primeira

oraccedilatildeo natildeo precisa de um nominativo Essa construccedilatildeo da forma passiva mais a preposiccedilatildeo ek

eacute diferentemente entendida e explicada pelos editores do coacutedice 239 todos editores ateacute

Severyns mesmo natildeo adotando-a propotildeem que o ideal seria a correccedilatildeo para o plural (Cf

Severyns op cit I 173) Esse rejeita imediatamente a hipoacutetese pois que natildeo consta em

nenhum manuscrito De fato natildeo se trata do coacutedice 239 julgado por si apenas mas como um

coacutedice da Biblioteca Explica a forma poreacutem tatildeo somente como um uso da linguagem de

Foacutecio advindo da repeticcedilatildeo17 Ferrante (1957 paacuteg 1) adota a liccedilatildeo de Severyns explica qual

17 ldquoSupposeacute mecircme que fucirct le sujet grammatical le pluriel du verbe ne serait pas encore de rigueur dans

la langue de Photius Car aacute force drsquoecirctre reacutepeacuteteacute devient chez lui une espegravece de mot invariable et

mecircme degraves les premiegraveres pages de la Bibliothegraveque on trouve des expressions comme cellescirdquo Entatildeo Severyns

23

a leitura gramatical que se deve fazer da frase e diz da forma verbal que ldquotem valor

impessoalrdquo o que eacute uma parte do proposto aqui ldquoformularrdquo18 Nenhum autor faz menccedilatildeo

discutindo esta construccedilatildeo agraves ocorrecircncias da terceira pessoa do plural na introduccedilatildeo de alguns

coacutedices ocorrecircncias essas que parecem muito bem justificadas A terceira pessoa do plural

aparece nos coacutedices 192B 216 260 261 e 269 por razatildeo que jaacute se deduz na passagem da

primeira para a segunda parte de 192 O coacutedice 192A refere-se ao livro de Santo Maacuteximo a

Taraacutessio contendo 164 resoluccedilotildees de questionamentos Observemos o que descreve o coacutedice

192B

ldquo[9] Ἔτι ἀνεγνώσθησαν αὐτοῦ καὶ ἐπιστολαὶ περὶ διαφόρων ὑποθέσεων ψυχωφελῶν

τε καὶ ἀναγκαίων τοῖς ὀρθοῦν τε τὰ ἤθη καὶ τὸν νοῦν ἐγρηγορότα συντηρεῖν πρὸς τὴν

εὐσέβειαν ἐσπουδακόσι τὸν ἀριθμὸν ζʹ καὶ κʹrdquo

ldquoAinda dele tambeacutem se leram epiacutestolas acerca de diferentes argumentos espirituais

necessaacuterios aos que estatildeo empenhados tanto em corrigir os costumes como preservar a mente

desperta agrave piedade 27 quanto ao nuacutemerordquo

(192b 157a 11 ndash 14)

Em princiacutepio poder-se-ia pensar que a forma verbal estaacute no plural para concordar com

o nominativo plural epistolaiacute mas consoante ao observado isso seria uma exceccedilatildeo em uma

obra de 280 coacutedices a todas as ocorrecircncias anteriores do tipo dos exemplos 6 e 7 acima

citados em que essa concordacircncia natildeo ocorre Diversos elementos aqui podem nos ajudar a

formular uma hipoacutetese para a variaccedilatildeo da forma hipoacutetese que parece se confirmar nos demais

coacutedices que trazem o plural e oferecem menos indiacutecios agrave conjectura

Observem-se as formas eacuteti e kaiacute da primeira oraccedilatildeo Referem-se ao coacutedice anterior

192A dedicado a resumir uma obra que parece bem extensa Nesta divisatildeo B do mesmo

coacutedice informa-se que se continuou lendo o mesmo autor mas natildeo uma obra completa ie

natildeo apenas uma uacutenica obra dele Fez-se uma seleccedilatildeo do que seria objeto da leitura

especificado apenas no fim pelo acusativo de relaccedilatildeo tograven arithmograven zacute kaigrave kacute Pode-se imaginar

que Foacutecio provavelmente quem determinava o que se leria ou natildeo aquilo que estaria

circunscrito a esta ou agravequela seccedilatildeo (ie na hipoacutetese de diferentes matildeos escrevendo ou

revezando-se em escrever as anotaccedilotildees que comporiam a Biblioteca) ou pelo menos quem

exercia a funccedilatildeo de organizar as sessotildees julgou prudente complementar este coacutedice dedicado

a Satildeo Maacuteximo com 27 epiacutestolas que natildeo eram elas mesmas se todas copiadas num mesmo

arrola coacutedices cuja construccedilatildeo eacute condizente com as dos exemplos 6 e 7 aqui ie verbo + genitivo + nom plural

(Severyns op cit I p 173) 18 Cf nota 1 agrave Traduccedilatildeo paacuteg 109

24

manuscrito ou coacutedice um conjunto intitulado pela palavra (no nominativo pois se trataria do

tiacutetulo) epistolaiacute Como se observa pela descriccedilatildeo mesma as epiacutestolas se unem pelo conteuacutedo

e aqui sim satildeo reunidas em um mesmo coacutedice ou parte de um (192B) que se soma agrave

primeira metade de 192 e o complementa O que se faz aqui no sentido menos teacutecnico da

palavra principalmente porque ela natildeo aparece natildeo deixa de ser uma eklogeacute no sentido de

uma reuniatildeo uma seleccedilatildeo como testemunhada no exemplo 8 acima referente ao coacutedice 273

Neste caso de fato a forma verbal deve concordar no plural com ldquoepiacutestolasrdquo porque sim natildeo

constitui um ldquotiacutetulordquo como anteriormente entendido nos casos acima estudados natildeo eacute a

palavra ou parte do conjunto de palavras que nomeia o manuscrito ou manuscritos objetos das

sessotildees de leitura mas sim o substantivo comum e forccedila a concordacircncia da forma que surge

em cinco dos 280 coacutedices

Isso nos leva a uma hipoacutetese para explicar as diferenccedilas de emprego o singular vai

com os ldquotiacutetulosrdquo por assim dizer enquanto o plural distingue documentos textos separados

agora reunidos em uma mesma ediccedilatildeo ie especifica partes diacutespares ou conjuntos delas que

estatildeo sendo lidos e que pelo menos no material de que os letrados junto a Foacutecio dispunham

provavelmente natildeo se encontravam reunidos sob um mesmo tiacutetulo ou mais propriamente

intitulaccedilatildeo para consoar com o que se defende aqui Isso se exemplifica pelas outras quatro

ocorrecircncias do plural nos coacutedices 216 260 261 e 269 A forma plural serve tanto para indicar

que diferentes textos estatildeo resumidos num mesmo coacutedice como no caso de 192B19 como

para indicar que os proacuteximos coacutedices na sequecircncia satildeo uma seleccedilatildeo de diferentes textos que

estatildeo agora sendo agrupados concomitantemente agraves sessotildees e agrave confecccedilatildeo da Biblioteca

Em resumo a forma ldquo rdquo referir-se-ia a uma ldquocoletacircneardquo de leituras ie

agrave leitura de ldquofontesrdquo filoloacutegicas ou de objetos filoloacutegicos diferentes concorda portanto com

diferentes nomeaccedilotildees de manuscritos

Eacute impressionante como essas formas gramaticais acabam por testemunhar na verdade

numerosa atividade filoloacutegica Assim eacute que o iniacutecio do coacutedice 216 notifica-nos a leitura

(anegnoacutesthesan) de dois grupos de textos (a forma plural concordando com o sujeito

composto portanto) ldquo4 livros que compreendem A Ciecircncia Meacutedica [provavelmente a

intitulaccedilatildeo] estabelecida por Oribaacutesio e ainda outros 7 [sc de Ciecircncia Meacutedica] do mesmo

homem e publicada sobre [em relaccedilatildeo a]o mesmo modelordquo Aqui a forma plural que

encabeccedila o coacutedice 216 pontua justamente essa secccedilatildeo pois que ateacute a o coacutedice 220 tratar-se-aacute

desses livros Leia-se o grego

19 Possibilidade de que 260 e 261 tambeacutem satildeo exemplos

25

ldquo[10] Ἀνεγνώσθησαν βιβλία δʹ ἃ τὴν πραγματείαν ἰατρικὴν ltὈρειβασίῳgt

συντεταγμένην περιεῖχε καὶ ἔτι ἕτερα ζʹ ἀνδρός τε τοῦ αὐτοῦ καὶ εἰς παραπλήσιον

ἐξενηνεγμένην τύπονrdquo

Observe-se que o particiacutepio perfeito meacutedio-passivo feminino exenenegmeacutenen soacute pode

concordar com tegraven pragmateiacutean iatrikeacuten o que nos leva a subentender que ldquoos 7 livros do

mesmo homemrdquo tecircm a mesma intitulaccedilatildeo dos quatro anteriores o que inclusive explica o

conteuacutedo da participial Observe-se principalmente como o verbo inicial que introduz o coacutedice

vai para o plural para concordar com dois nuacutecleos do sujeito bibliacutea dacute e eacuteti heacutetera z que

correspondem aos dois conjuntos de textos que neste momento da confecccedilatildeo da Biblioteca

foram objeto do ciacuterculo de leituras

Dos referidos coacutedices sem duacutevida os que melhor comprovam isso satildeo o 269 e os

seguintes pois introduzindo a leitura de ldquo21 discursos de diferentes homens santosrdquo pela

forma plural o resumo de cada um deles a comeccedilar pelo mesmo coacutedice e posteriormente nos

demais ateacute o fim da Biblioteca seraacute introduzido pela respectiva forma singular20

132 A intitulaccedilatildeo do Coacutedice 239

Mediante o exposto eacute mais provaacutevel que em formulaccedilotildees como esta do coacutedice 161

(103a)

ldquo[11] Ἀνεγνώσθη ἐκλογαὶ διάφοροι ἐν βίβλοις ιβʹ ltΣωπάτρουgt σοφιστοῦ

Συνείλεκται δὲ αὐτῷ τὸ βιβλίον ἐκ πολλῶν καὶ διαφόρων ἱστοριῶν καὶ γραμμάτωνrdquo

ldquoLeram-se diferentes excertos em 12 livros de Soacutepater o sofista Seu livro foi

coligido a partir de muitas e diferentes investigaccedilotildees e textosrdquo

semelhante agrave do epiacutetome 239 pela ocorrecircncia da palavra eklogai esta seja parte da intitulaccedilatildeo

do manuscrito que eacute objeto de leitura e resumo igualmente21 A julgar pelo que se diz na

20 Cf Biblioteca 479b 36 em diante 21 Portanto a traduccedilatildeo segundo os criteacuterios editorias e diagramaacuteticos de hoje se consideramos que pelo menos

eklogaiacute faz parte da traduccedilatildeo seria ldquoLeu-se diferentes Excertosrdquo

26

sequecircncia o proacutepria copista reconhece que se lecirc sob a designaccedilatildeo de eklogaiacute neste caso de

Soacutepater obra de coletacircnea ou excertos

Mas este ainda natildeo eacute o caso de nosso epiacutetome haacute mais um agravante o coacutedice 239 se

assemelha a um conjunto de epiacutetomes que vecircm introduzidos pela preposiccedilatildeo ek mais genitivo

apoacutes a forma verbal Como por exemplo no coacutedice 254

ldquo[12] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῆς μαρτυρικῆς Τιμοθέου τοῦ ἀποστόλου συγγραφῆς22rdquo

ldquoLeu-se [realizou-se leitura] a partir do relato testemunhal do apoacutestolo Timoacuteteordquo

(468b 2)

Nestes casos parece que a introduccedilatildeo feita pelo resumidor estaacute antes mais focada em

reconhecer o tipo de obra a ser lido do que referir diretamente agrave intitulaccedilatildeo da mesma

podendo sim o termo que vem no genitivo apoacutes a preposiccedilatildeo ser essa intitulaccedilatildeo Caso

obscuro eacute o do epiacutetome 240 logo apoacutes a Crestomatia

ldquo[13] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῶν ltἸωάννου τοῦ Φιλοπόνουgt εἰς τὴν ἑξαήμερον

rdquo

(240 322b 2)

Eacute difiacutecil ater-se agrave literalidade para traduzir tal passagem ldquoLeu-se a partir lsquodas coisasrsquo

sobre os seis dias de Joatildeo Filoacutepono querdquo23 Contudo a mesma explicita bem nosso

problema a saber o de uma leitura que eacute parcial Dois elementos chamam a atenccedilatildeo

Primeiramente a construccedilatildeo da forma verbal acrescida do termo preposicionado

parece referir de forma mais viacutevida (se pensarmos na semacircntica do grego) agrave proacutepria situaccedilatildeo

de leitura de que os volumes da Biblioteca se originam A forma parece possuir aqui um

aspecto mais forte ndash observado por Severyns e mantido tanto em Ferrante como nesta

traduccedilatildeo ndash de pontuar o caraacuteter resumido de que se leraacute algo a partir do que foi mais uma

sessatildeo ou sessotildees de leitura Falando por paraacutefrase eacute como se aquela forma de apresentaccedilatildeo

observada nos epiacutetomes anteriores (1 ndash 10) fosse um equivalente da nossa enumeraccedilatildeo

lacocircnica que recorre aos dois pontos ndash ldquoleu-se Homilias ao Gecircnese de Crisoacutestomo etcrdquo

22 Lembrando-se de que a suggrafeacute eacute especificamente o relato escrito o relato anotado 23 Mais uma vez a noccedilatildeo que na traduccedilatildeo do coacutedice 239 traduziu-se de modo perifraacutestico por ldquorealizou-se

leiturardquo natildeo foi adotada definitivamente pelos fins explicativos deste capiacutetulo para o cabeccedilalho dos demais

epiacutetomes semelhantes ao da Crestomatia mas ou apenas mencionada nos casos em que seria possiacutevel mantecirc-la

sem afetar a literalidade do que vem em seguida ou utilizada quando uacutenica maneira de manter legiacutevel essa

mesma traduccedilatildeo (infra exemplo 15) Cf Traduccedilatildeo nota 1 paacuteg 109

27

enquanto esta forma seria mais descritiva e analiacutetica ldquoleu-se realizou-se leitura deu-se

leitura a partir de lsquoxrsquo (ek + gen) etcrdquo

Em segundo lugar a presenccedila do artigo neutro plural se laacute naquela outra foacutermula por

assim dizer a brevidade e a introduccedilatildeo dos nominativos permitia identificar o que

chamaacutevamos intitulaccedilatildeo no caso desta formulaccedilatildeo mais descritiva ela nem sempre parece

clara Se focircssemos tentar inferi-lo o ldquotiacutetulordquo da obra nos nossos termos seria ldquoTagrave eis tegraven

exaeacutemeronrdquo ou ldquoEis tegraven exaeacutemeronrdquo Traduzindo (certamente) sem nenhum fim esteacutetico ldquoAs

Coisas sobre Os Seis Diasrdquo ou ldquoSobre Os Seis Diasrdquo A rigor o que se lecirc em grego tanto em

12 como em 13 parece mais uma descriccedilatildeo sendo que neste o texto parece dizer que se

realizou uma seccedilatildeo de leitura a partir daquilo que Joatildeo diz dos seis dias da Criaccedilatildeo ie o que

ele compocircs escreveu a respeito De fato sabemos que em se tratando do comentador de

Aristoacuteteles cristatildeo ortodoxo e (curiosamente) opositor de Proclo no campo teoloacutegico o

tratado deveria designar-se ie ser intitulado a partir da preposiccedilatildeo Dessarte esse resumo

estaria disposto da seguinte maneira (mais uma vez sem preocupaccedilatildeo esteacutetica nesta traduccedilatildeo

literal) ldquoLeu-se a partir [das coisas do que diz do conteuacutedo do assunto] de Joatildeo Filoacutepono

Sobre Os Seis Dias querdquo E segue-se um texto muito parecido na sua estrutura de reportar

enunciados ie de discurso indireto ao do epiacutetome 239

Parece portanto que o emprego de ek mais genitivo na introduccedilatildeo dos epiacutetomes tem

uma semacircntica intencionalmente partitiva ou ablativa no sentido de que particiona marca a

partir de que se daacute a leitura que apenas hipoteticamente pode natildeo ter sido integral Natildeo agrave toa

junto da palavra eklogeacuteeklogai em diferentes introduccedilotildees serviraacute para pontuar justamente

que o conteuacutedo apresentado natildeo eacute integral

Assim tambeacutem o coacutedice 234 parece muito em sua estrutura com o epiacutetome 239

ldquo[14] Ἀνεγνώσθη τοῦ ἁγίου ltΜεθοδίουgt ἐπισκόπου καὶ μάρτυρος ἐκ τοῦ Περὶ

ἀναστάσεως λόγου οὗ ἡ ἐκλογὴ τὰ ὑποκείμενα λέγει

rdquo

ldquoLeu-se [realizou-se leitura] do Santo Metoacutedio epiacutescopo e maacutertir a partir do discurso

acerca da Ressurreiccedilatildeo cuja seleta diz o que se segue

Querdquo

(293a 2 ndash 5)

E assim teriacuteamos mais um texto semelhante ao epitome da Crestomatia ainda mais

considerando os enunciados reportados que se seguem ie a forte evidencia do discurso

28

indireto marcado pelas conjunccedilotildees Mais uma vez as estruturas gramaticais apontam para o

fato de que o texto que se segue eacute ele mesmo uma eklogeacute

Tantos indiacutecios inevitavelmente nos levariam a achar que eklogaiacute no tiacutetulo de nosso

coacutedice referir-se-ia como neste caso ao resumo feito para a proacutepria Biblioteca

Contudo observa-se que ao todo as introduccedilotildees que recorrem agrave forma com

preposiccedilatildeo ek subdividem-se em dois tipos ou aquelas que trazem como se viu essa

descriccedilatildeo da fonte que se lecirc como no tipo 12 de onde eacute possiacutevel inferir um tiacutetulo24 ou outro

subtipo (a que 239 pertence) que traz aleacutem do genitivo uma especificaccedilatildeo da intitulaccedilatildeo ou

pelo pronome relativo mais a forma verbal passiva epigraacutephetai ou entatildeo pelo particiacutepio da

mesma no genitivo Por exemplo

ldquo[15] Ἀνεγνώσθη ἐκ τοῦ ἐπιγραφομένου λόγου laquoΒίος ἢ ἄθλησις τοῦ ὁσίου πατρὸς

ἡμῶν Παύλου τοῦ Κωνσταντινουπόλεως ἐπισκόπου τοῦ ὁμολογητοῦraquo ἐφrsquo ὁμοίᾳ

συστελλόμενος ἐκδόσειrdquo

ldquoRealizou-se leitura a partir do discurso que se intitula Vida e Julgamento do nosso

Sagrado Epiacutescopo e Homolegeta Paulo de Constantinopla resumido a semelhante ediccedilatildeordquo

(257 407a 22 ndash 25)

Em todas essas ocorrecircncias em que se tem o particiacutepio tem-se tambeacutem um nominativo que

designa o tiacutetulo25

Contrapondo isso a todas as demais formas de introduccedilatildeo brevemente consideradas

nesta discussatildeo sobre como se intitularia a obra parece verossiacutemil que fosse porque ela

mesma era em princiacutepio uma coletacircnea de excertos como a de Estobeu (o que eacute plenamente

verossiacutemil) fosse porque chega assim agrave Biblioteca o que se tinha em matildeos para ler e anotar jaacute

levava a inscriccedilatildeo eklogai ie jaacute era uma composiccedilatildeo de excertos uma seleta

Em outras palavras propotildee-se aqui considerar o plausiacutevel parece que todos os

indiacutecios textuais apontam para o fato de que o proacuteprio objeto escrito trazia a palavra eklogaiacute

uma vez que eacute possiacutevel identificar segundo as distinccedilotildees aqui traccediladas quando a palavra estaacute

sendo empregada para designar que um arrazoado um logos maior estaacute sendo posto

nominalmente na forma de ldquoseletardquo Isso pode perfeitamente significar que a palavra fizesse

parte da intitulaccedilatildeo corrente do texto em questatildeo se ele circulava mas natildeo implica

obrigatoriamente como pretende Severyns que ele sempre fora assim e que a palavra fora

posta no ldquotiacutetulordquo pelo proacuteprio Proclo A julgar pelos indiacutecios apresentados que parecem

24 Cf por exemplo coacutedices 242 (Bekker 335a) 253 (idem 467b) 25 Cf tambeacutem coacutedice 256 (idem 469b) 279 (idem 529b)

29

minimamente passiacuteveis aqui de alguma confirmaccedilatildeo nossa hipoacutetese eacute pelo menos tatildeo

verossiacutemil quanto a do referido editor segundo a qual o texto em matildeos dos letrados da

Biblioteca trazia o termo eklogai porque fora assim nomeado (uma ldquocompilaccedilatildeo de excertosrdquo)

pelo proacuteprio ldquoautorrdquo Tatildeo possiacutevel quanto isso eacute a probabilidade de que mesmo que houvesse

a Crestomatia em sua forma original e os eruditos junto a Foacutecio natildeo a tivessem agrave sua

disposiccedilatildeo o que circulou durante as sessotildees de leitura se tratasse de uma seleta uma

compilaccedilatildeo

Diante dessas duas possibilidades ainda a serem consideradas parece que uma sutil

certeza se confirma entre ambas Eacute de supor que pela terminologia apresentada ao longo do

epiacutetome e sua congruecircncia com diversos outros textos de doutrina mesmo que se trate de

excertos copiados e natildeo da obra na iacutentegra eles o satildeo como uma coletacircnea mesmo de

diferentes trechos copiados e coligidos como na obra de Estobeu em que pese aqui o plural

ekologaiacute Pelo que se observa da obra de Estobeu e dos demais textos que chegam a noacutes como

coletacircneas eklogeacuteeklogai podemos afirmar com algum acerto que o texto que temos eacute pelo

menos uma coletacircnea como a referida uma reuniatildeo talvez natildeo de citaccedilotildees diretas mas das

passagens relevantes ou dos ldquodizeresrdquo de uma obra se lembrarmos que ela eacute um logos que eacute

pensada como um ou como uma seacuterie deles Diante de tal texto a funccedilatildeo do editor ou

resumidor da biblioteca poderia ser simplificada seu resumo consistiria em transcrever e

readequar os excertos Nada impede que neste processo algo tenha se perdido por ser

deixado de lado (da proacutepria coletacircnea)26 mas observa-se que o material preservado consiste

justamente em breves topicalizaccedilotildees de termos teacutecnicos que por si mesmos e tudo que

podem referir compotildeem uma espeacutecie de glossaacuterio resumidor de muito quanto se circunscreve

aos ldquosaberes proveitososrdquo das letras ora como objeto da gramaacutetica ora como objeto da

retoacuterica ora como objeto da poeacutetica Talvez essa seja uma explicaccedilatildeo plausiacutevel para o fato de

que introduzindo o coacutedice 239 pela referida forma aqui comentada diferentemente de outras

semelhantes mas natildeo idecircnticas como a do exemplo 15 natildeo haja menccedilatildeo por parte do

resumidor ao ato de abreviar ie agrave confecccedilatildeo do proacuteprio epiacutetome como uma coletacircnea

porque o texto mesmo jaacute era uma reuniatildeo de passagens que ele passa a arrolar topicalizando

ie o objeto escrito que os eruditos da Biblioteca tinham em matildeos jaacute era um breviaacuterio

26 Eacute possiacutevel obter um sutil vislumbre do tipo de coisa que os resumidores podem ter deixado de lado observando

a inclusatildeo do ciclo eacutepico Considerando-se o epiacutetome e os resumos eacute possiacutevel fazer algumas conjecturas sobre o

tipo e a quantidade de coisa que natildeo foi anotada no coacutedice debate-se ainda se a Crestomatia continha integral ou

parcialmente aleacutem do ciclo troiano episoacutedios cosmogocircnicos e ou ateacute referentes ao ciclo tebano Cf Estudo

3312

30

Eacute por mais esses elementos que contrariamente aacute hipoacutetese de Severyns ndash muito

refinada e plausiacutevel mas natildeo consoante agrave avaliaccedilatildeo dos diferentes indiacutecios arrolados nesta

introduccedilatildeo ndash defende-se aqui a hipoacutetese de que muito provavelmente mesmo que os eruditos

da Biblioteca pudessem consultar agrave Crestomatia original (se eacute que podemos falar nesses

termos) por tecirc-la consigo ou por poder acessaacute-la em outro lugar o que se compila para a

Biblioteca eacute uma seleccedilatildeo daiacute um breviaacuterio (para acentuar a ideia de um segundo momento

em que inevitavelmente a obra foi abreviada) nos moldes de Estobeu quanto agrave sua forma mas

sobre a obra de um uacutenico autor enquanto aquele reuacutene liccedilotildees de diferentes autores Sabemos

que pelo que se entende do termo crestomatia e pelo proacuteprio conteuacutedo do epiacutetome o coacutedice

239 natildeo deixa de ser tambeacutem uma reuniatildeo de diferentes liccedilotildees eacute contudo pelo trabalho

acadecircmico que podemos identificar separadamente o quanto possiacutevel a origem delas em

diferentes textos de doutrina dos saberes antigos (natildeo ignorando o termo ldquogramaacuteticardquo que

parece ser o denominador comum) essa pluralidade circunscreve-se portanto ao termo

ldquocrestomatiardquo ie um uacutenico texto resultante do esforccedilo de compor um ou mais discursos

sucessivos (loacutegoi) tangenciando os diversos temas das diferentes aacutereas pelo eixo comum das

ldquoletrasrdquo (grammatikeacute) Dele fez-se um breviaacuterio uma seleta condensando os toacutepicos cuja

compilaccedilatildeo foi usada no coacutedice 239

A enorme perda de conteuacutedo que haveria se julgaacutessemos ser o coacutedice 239 portanto o

resumo de algo jaacute resumido eacute um dos vaacuterios argumentos de Severyns para defender que a

julgar pela totalidade que se pode vislumbrar no coacutedice natildeo seria esse o caso porque ndash

seguindo esse raciociacutenio ndash muito mais estaria perdido e nos faltaria esse vislumbre Essa perda

eacute questionaacutevel considerados os argumentos acima primeiro a noccedilatildeo de totalidade o

vislumbre de tantos temas diversos tratados em uma mesma obra eacute resultado provaacutevel do que

se tinha por uma crestomatia obra abrangente e natildeo por eklogeacuteeklogaiacute segundo dessa obra

selecionam-se os trechos que contenham resumidamente as liccedilotildees sobre as letras e outros

assuntos que tangenciem esse saber Se observarmos o jaacute citado excerto (paacuteg 16) do

Etymologicum Magnum no verbete ldquoeacutelegosrdquo podemos considerar que talvez natildeo se pautando

diretamente no texto original da Crestomatia o compilador natildeo viu nenhum problema em

fornecer como ldquoProclordquo passagens que satildeo ainda mais reduzidas do que as do coacutedice em

questatildeo mas que contecircm pelo menos as mesmas coisas que ele ou seja toma-as seguramente

como conteuacutedo de Proclo e natildeo de Foacutecio Natildeo haacute por que pois imaginar que os

compiladores da Biblioteca tivessem procedido de maneira diferente em torno do que tinham

ou poderiam acessar da obra Natildeo haacute duacutevida evidentemente que muita coisa que eacute apenas

aludida foi simplesmente suprimida como se vecirc pelo ciclo eacutepico e isso impossibilita

31

justamente o argumento de Severyns segundo o qual natildeo ter acesso agrave obra na iacutentegra geraria

no resumo incongruecircncias ou falta de totalidade

Isso seria condizente finalmente com o uacuteltimo item desse resumo do coacutedice 239 da

Biblioteca de Foacutecio ldquoAqui estatildeo os dois primeiros arrazoados da Crestomatia de Letras de

Proclordquo (grifos do autor) O nuacutemero de arrazoados resumidos ou loacutegoi apresentados pelo

resumidor ao fim do coacutedice natildeo equivale ao nuacutemero que no iniacutecio fora dado como o

nuacutemero das partes dessa Crestomatia laacute quatro arrazoados aqui dois Natildeo eacute em vatildeo

portanto que o resumidor preocupa-se bem como nos demais casos de resumos mas agora ao

fim em dar notiacutecias a respeito da disparidade entre o objeto que estaacute agora sendo

confeccionado e o objeto primeiro compilado (como nos casos conforme visto acima em que

se explicita a elaboraccedilatildeo de uma seleta para a Biblioteca) Parece julgar necessaacuterio ao que

tudo indica informar uma disparidade Esse item natildeo poderia senatildeo ser uma nota filoloacutegica

Primeiro o nuacutemero confirma que natildeo se compila a obra por completo mas o que equivaleria

a sua primeira metade seus dois primeiros livros ou arrazoados Mais chama a atenccedilatildeo

todavia a ausecircncia da palavra eklogaiacute aqui Seja porque o objeto escrito uma eklogeacuteeklogaiacute

indicava-o seja porque os letrados ainda estavam em posse dessa informaccedilatildeo a ausecircncia da

palavra busca esclarecer o quanto da obra em questatildeo se leu e agora se disponibiliza a quem

eventualmente acessar a Biblioteca ie o equivalente aos dois primeiros livros ou arrazoados

de outro objeto designado apenas por Proacuteclou Grammatikecircs Khrestomaacutetheia ou Crestomatia

de Letras de Proclo O objetivo dessa passagem que encerra o resumo natildeo eacute senatildeo esclarecer

a equivalecircncia entre o que se resumiu para a Biblioteca a partir de eklogocircn ou seja

ldquoexcertosrdquo equivalentes ao que seria o conteuacutedo da primeira metade da obra original Se natildeo

o fosse por que estaria o resumidor cioso de informar tatildeo especificamente nuacutemeros diacutespares

de partes aleacutem de natildeo empregar a palavra ldquoexcertosrdquo na segunda especificaccedilatildeo

Se o objeto resumido Os Excertos da Crestomatia de Letras de Proclo era uma seleta

apenas dos dois primeiro livros da Crestomatia de modo que por conter a especificaccedilatildeo ou

por saberem-no os eruditos eacute resumido do comeccedilo ao fim com uma especificaccedilatildeo da

equivalecircncia de partes ou se essa equivalecircncia eacute informada justamente porque Os Excertos

tambeacutem compreendiam os outros dois livros mas os eruditos natildeo os incluiacuteram na Biblioteca

isso natildeo eacute possiacutevel saber Em todas as hipoacuteteses poreacutem eacute mais verossiacutemil principalmente

pelo indiacutecio final do texto que os eruditos da Biblioteca compilaram eklogaiacute excertos ou uma

seleta

Resta para talvez ampliar o vislumbre dessa obra inquirir pelo termo grego

khrestomaacutetheia que como se sabe estaacute lexicalizado em nossos bons dicionaacuterios

32

133 O termo ldquocrestomatiardquo

Uma vez que a palavra ldquocrestomatiardquo eacute tradicionalmente entendida como sinocircnimo

direto de ldquocoleccedilatildeo coletacircneardquo o que nos eacute sugerido pelos dicionaacuterios em geral27

inevitavelmente se pensaraacute estar diante de uma dupla coletacircnea o que a princiacutepio consoa

com o exposto leem-se no coacutedice 239 da Biblioteca ldquoexcertos de uma coletacircnea sobre as

Letrasrdquo da antiguidade Embora defendido que seja esse o caso essa simples traduccedilatildeo natildeo nos

permitiria vislumbrar o fato de que o termo crestomatia natildeo se refere tanto agraves dimensotildees ou agraves

proporccedilotildees da obra quanto agraves suas qualidades ou aos traccedilos que a definem como sendo de

certo tipo

Severyns defende em seu estudo que o entendimento de ldquocrestomatiardquo como florileacutegio

natildeo eacute proacuteprio dos antigos28 que tomam o termo como qualificativo ou definidor de uma obra

sem que isso implique um gecircnero de resumo O significado abreviativo derivaria da

interpretaccedilatildeo renascentista do tiacutetulo feita por ocasiatildeo das primeiras publicaccedilotildees impressas da

Biblioteca a partir da metade do seacutec XVI e teria se prolongado como os proacuteprios dicionaacuterios

modernos (Liddel amp Scott Bailly) datildeo a entender ldquoCrestomatiardquo portanto seria tatildeo somente

o que nomeia e define essa obra que pretende fornecer ensinamentos uacuteteis (no sentido praacutetico)

de certo saber (aqui o das Letras) Severyns poreacutem buscando ver totalidade na obra traduz o

nome interpretando-o segundo a hipoacutetese ndash que defende muito coerentemente ndash de que mesmo

a palavra ldquoeklogaiacuterdquo faria parte do tiacutetulo original da obra Justamente por essa leitura junto de

ldquoeklogaiacuterdquo adiciona ldquoabreacutegeacuterdquo ao que em sua traduccedilatildeo seria o tiacutetulo da obra sugerindo que o

significado do termo em questatildeo seria o de acentuar seu caraacuteter de ldquomanualrdquo de liccedilotildees

agregador de diversos ensinamentos supondo claro que se fosse versar detalhadamente

sobre os toacutepicos seria muito maior

Se julgarmos contudo que Severyns estaacute correto quanto agrave interpretaccedilatildeo precisa do

significado da palavra que aqui serve para qualificar certo tipo de texto mesmo sem designaacute-

lo sob uma difundida nomenclatura geneacuterica de uso rigoroso apesar do emprego de eklogaiacute

conforme estudado no item acima entatildeo podemos entender que o simples emprego do termo

ldquocrestomatiardquo como intitulaccedilatildeo bastaria para qualificar a obra por sua finalidade e utilidade

27 Cf Traduccedilatildeo nota 2 Conforme anotado a palavra estaacute lexicalizada nas liacutenguas romacircnicas 28 Severyns op cit tome II 65 ndash 69

33

reunir saberes proveitosos que no caso do texto atribuiacutedo a Proclo contemplam diferentes

autores ou textos Inevitavelmente as duas palavras parecem implicar certa redundacircncia mas

como decorrecircncia do fato de que a noccedilatildeo de khrestomaacutetheia secundariamente implica a noccedilatildeo

de seleccedilatildeo mas natildeo o contraacuterio A palavra eklogeacute referir-se-ia agrave noccedilatildeo geral de ldquoseletardquo

enquanto khrestomaacutetheia a um criteacuterio que nortearia o caraacuteter dessa seleccedilatildeo No caso da

seleccedilatildeo de passagens diversas e ilustrativas do saber de diferentes autores isso implicaria em

uma obra como a de Estobeu que seleciona as passagens de sua Coletacircnea pelo ensinamento

que contecircm O fato de haver certa redundacircncia entre as duas coisas seria mais um argumento a

favor da hipoacutetese de que os eruditos em torno de Foacutecio natildeo leram a obra na iacutentegra A

ocorrecircncia de ambas portanto deve implicar nesse caso que pelo menos nessa passagem

designam coisas diferentes Nesse sentido a obra de Proclo se diria ldquocrestomatiardquo porque o

criteacuterio que a norteia eacute relacionar ensinamentos proveitosos de uma aacuterea em especiacutefico o que

aponta para a caracteriacutestica preponderante do texto a saber conter liccedilotildees que

tradicionalmente satildeo desenvolvidas em textos especiacuteficos de diferentes doutrinas antigas aqui

agremiadas pelo tiacutetulo grammatikeacute gramaacutetica Isso se aventa pelas duas outras ocorrecircncias da

palavra na proacutepria Biblioteca ambas posteriores ao coacutedice 239 A primeira delas que parece

referir-se bem a essa qualidade instrutiva por si soacute consiste no emprego do substantivo no seu

sentido proacuteprio e natildeo teacutecnico para explicar o que se apresenta das Vidas Paralelas a obra de

Plutarco compilada no coacutedice 245

ldquo[16] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῶν ltΠλουτάρχουgt παραλλήλων διάφοροι λόγοι ὧν ἡ ἔκδοσις

κατὰ σύνοψιν ἐκλέγεται διάφορον χρηστομαθίανrdquo

(245 393b 9)

O resumidor seguindo o espiacuterito jaacute comentado de para certos casos caracterizar o que

se leraacute em relaccedilatildeo agrave fonte de que se compila (o espiacuterito de nos dar alguma nota editorial do

que se estaacute produzindo) informa-nos que neste coacutedice ldquofez-se a leitura de diferentes

discursos das Vidas Paralelas de Plutarco dos quais a ediccedilatildeo em sinopse seleciona o saber

distintordquo Poder-se-ia seguindo a sugestatildeo de Severyns29 arriscar a traduccedilatildeo por ldquodistinta

erudiccedilatildeordquo uma vez que como laacute demonstrado o substantivo primitivo chrestomateacutes

( ) empregava-se para designar aquele que buscava o saber proveitoso uacutetil o

ldquoeruditordquo Assim a palavra ocorre na introduccedilatildeo ao epiacutetome da obra de Plutarco para

assinalar que natildeo se encontraraacute ali a obra mas que o resumo fruto da leitura ateacutem-se a

29 Severyns op cit II pg 66

34

fornecer os trechos que conteacutem aos olhos de nosso resumidor ensinamentos valiosos ie

aqueles que serviratildeo para ensinar (no caso do gecircnero historiograacutefico atraveacutes de exempla)

A segunda ocorrecircncia (quarta no total) eacute justamente para introduzir outra obra

nomeada ldquoCrestomatiardquo e compilada na Biblioteca a saber a Crestomatia de Helaacutedio

ldquo[17] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῆς ltἙλλαδίου Βησαντινόουgt ἐπιγ-

ραφομένης πραγματείας χρηστομαθειῶν αʹ βʹ γʹ δʹrdquo

(279 529b 26)

Como se nota natildeo haacute a palavra eklogaiacute nesse caso e a introduccedilatildeo do epiacutetome segue o

mesmo padratildeo dos epiacutetomes anteriormente comentados trazendo um particiacutepio introduzindo a

intitulaccedilatildeo do objeto escrito ldquoTratado de Crestomatia 1 2 3 4rdquo A obra de Helaacutedio como

resumida na Biblioteca parece dedicar suas primeiras seccedilotildees a catalogar informaccedilotildees uacuteteis

sobre palavras ou sobre diversos elementos leacutexicos da pronunciaccedilatildeo correta de certos

vocaacutebulos ateacute usos linguiacutesticos ie quando se empregava preferencialmente esta agravequela

forma ou quando soacute se podia aplicar uma etc Tais saberes uacuteteis tambeacutem seratildeo a respeito das

causas e origens de certos nomes e se trataraacute entatildeo de nomes de lugares ou por que certo

grupo usa tal signo para certa coisa por que tal monumento ou local recebeu seu nome etc e

nesse sentido como ocorre tambeacutem no caso da Crestomatia de Proclo natildeo se distingue

claramente quando o objeto eacute a palavra ou a coisa a discussatildeo linguiacutestica se torna etioloacutegica

Por vezes natildeo haacute essa discussatildeo mas o resumidor anota uma informaccedilatildeo relevante a

passagem de 533b 29 ndash 34 por exemplo eacute dedicada a ordenar o estabelecimento e os locais

das competiccedilotildees atleacuteticas dos gregos30 Do meio em diante pelo menos a julgar pelo epiacutetome

as informaccedilotildees compiladas entatildeo passam agrave origem e histoacuterias diversas de fato definindo o

texto sobre um texto como uma crestomatia sobre coisas diversas

Mais interessante a tiacutetulo de comparaccedilatildeo eacute o fato de que o resumo traz o nome de

autores de que Helaacutedio haure sua ldquoerudiccedilatildeordquo ou ldquosaberes proveitososrdquo Dioniacutesio por exemplo

eacute citado como fonte a partir da qual se arrolam usos proacuteprios dos aticistas31 tais fontes satildeo

dadas nominalmente no epiacutetome muito provavelmente porque o proacuteprio Helaacutedio as

informava uma vez que ocorrem sob a forma de discurso reportado ou indireto ldquoDioniacutesio diz

que os aticistasrdquo e natildeo ldquodiz querdquo como ocorre no coacutedice de Proclo ou seja o coacutedice

informa-nos que na Crestomatia de Helaacutedio ldquoeacute dito que Dioniacutesio diz querdquo e tem-se uma

liccedilatildeo uacutetil como por exemplo ldquoos aticistas natildeo dizem oneacutesamen mas sim

30 Foacutecio Biblioteca 279 533b 29 ndash 34 31 idem 279 529b 29 ndash 34

35

epriaacutemen rdquo e dizem as demais formas do verbo em questatildeo conforme o esperado

morfologicamente32 Eacute pois de se supor que Helaacutedio no suposto texto original dissesse

ldquoDioniacutesio diz querdquo ou seja referia autores fonte das informaccedilotildees uacuteteis que colige Mais agrave

frente sua fonte seraacute ningueacutem menos que o gramaacutetico Diacutedimo

Mais uma diferenccedila se entrevecirc aqui no caso do texto de Helaacutedio o manuscrito agrave

disposiccedilatildeo dos eruditos muito provavelmente por conter ainda a obra por completo trazia seu

autor referindo-se a fontes se natildeo as citando No caso da Crestomatia de Proclo isso natildeo

ocorre As liccedilotildees embora as identifiquemos como pertencentes a diferentes doutrinas satildeo

apenas arroladas uma apoacutes a outra Quando haacute mais de uma hipoacutetese ou possibilidade

principalmente no caso das etimologias geralmente haacute uma menccedilatildeo a ldquooutrosrdquo ou a uma

possibilidade divergente Isso leva a pensar que se a Crestomatia de Proclo tinha as mesmas

dimensotildees que a de Helaacutedio quatro livros trazia ela tantos autores citados na atribuiccedilatildeo de

suas liccedilotildees e diferentes versotildees de etimologias que o resumidor resolveu apenas referir-se a

eles pelo termo ldquooutrosrdquo33 Para aleacutem dos casos em que as diferentes possibilidades

etimoloacutegicas e etioloacutegicas natildeo podem e nem poderiam ser identificadas quanto a sua origem

especiacutefica por natildeo a possuiacuterem (caso de explicaccedilotildees para a origem do epos da elegia do

iambo) eacute de se supor que ou a coletacircnea da obra de Proclo o que se lia natildeo trazia essas

informaccedilotildees por ser uma seleta no sentido discutido de um resumo ou uma primeira

abreviaccedilatildeo ou o autor ele mesmo natildeo as dava por ser um organizador de doutrina ie por

estar focado em organizar saberes doutrinais de modo a instruir Essa segunda hipoacutetese natildeo eacute

de se descartar porque e mais uma vez uma natildeo nega a outra Provavelmente ambas satildeo

verdadeiras pois natildeo eacute de se imaginar que em uma obra com a extensatildeo de quatro livros

como a de Helaacutedio versando sobre diferentes toacutepicos das letras em geral em nenhuma

passagem ocorresse a menccedilatildeo a este ou agravequele autor e o que pensa ou diz sobre determinado

assunto Igualmente eacute de se supor pela mateacuteria do texto que diferentes opiniotildees fossem

apenas referidas a ldquooutrosrdquo como se observa em textos semelhantes como forma padratildeo de

dizer uma vez que satildeo os saberes tradicionalmente consolidados sobre aquele assunto ie as

32 Em outras palavras como diriacuteamos hoje ensina que os autores aacuteticos ldquoclaacutessicosrdquo fazem a 1ordf pessoa do

singular do aoristo do verbo supletivamente ou recorrendo agrave formaccedilatildeo de outro verbo 33 Cf por exemplo 319b 3 ndash 5 sobre as diferentes possibilidades de acentuar a palavra que nomeia o poema

Ciacuteprias do ciclo eacutepico natildeo se identifica ningueacutem aleacutem do autor que proponha e siga essa hipoacutetese bem como

nenhuma autoridade eacute citada em prol da acentuaccedilatildeo vigente ou entatildeo 321a 6 em que haacute uma referecircncia aos que

julgam ser o escoacutelio nomeado por antiacutestrofe Para alguns casos poreacutem natildeo haacute menccedilatildeo e o termo ldquooutrosrdquo se

emprega porque as etimologias jaacute eram assim consolidadas como possibilidades igualmente vaacutelidas para a

mesma coisa ie eram etimologias igualmente aceitas e disseminadas mais ainda autorizadas Eacute o caso claro

das etimologiasetiologias do iambo Cf infra cap 3 seccedilotildees 331 a 333 paacutegs 83 a 95 as explicaccedilotildees satildeo as

mesmas adotadas por exemplo na Gramaacutetica de Diomedes As etimologias para o termo epos tambeacutem jaacute eram

todas consolidadas

36

possiacuteveis explicaccedilotildees que ao longo dos seacuteculos mas principalmente com a atividade editorial

do periacuteodo heleniacutestico em diante foram se consolidando como as ldquoverdadesrdquo aceitas e

igualmente plausiacuteveis Natildeo haacute para elas pois uma origem definida portanto uma fonte a ser

citada

Esse segundo fato se confirma se aceitamos definitivamente que a Vita Homeris do

coacutedex Venetus eacute junto dos demais resumos dos poemas ciacuteclicos laacute contidos excertos da

Crestomatia original Ao referir-se aos diferentes casos particulares da vida de Homero

conforme o proacuteprio epiacutetome diz que fazia em relaccedilatildeo tambeacutem aos demais poetas eacutepicos34

emprega continuamente as expressotildees ldquounsrdquo ldquooutrosrdquo ldquoaquelesrdquo para referir-se aos

diferentes e agraves vezes divergentes ldquoepisoacutediosrdquo da vida de Homero Ora nada mais consolidado

no acircmbito da cultura geral do que Homero e as diferentes histoacuterias a respeiro dele sua morte

sua origem etc Eram todas versotildees consolidadas e discutidas sem terem origem precisa e

identificada Essa Vita ou biografia do vate tambeacutem nos ilustra que sim inevitavelmente

quando tratando de informaccedilatildeo ou hipoacutetese mais teacutecnica inevitavelmente o autor referiria

uma fonte ou origem dessa informaccedilatildeo Eacute o que ocorre quando se discute primeiro sua

origem

Helacircnico Damaste e Fereacutecides recuam sua origem ateacute Orfeu

Dizem que Meatildeo pai de Homero e Dio pai de Hesiacuteodo descendem

de Apeacutelis filho de Melanopo filho de Epiacutefrades filho de Carifemo

filho de Filoterpes filho de Idmocircnides filhos de Eucles filho de

Doriatildeo filho de Orfeu

Goacutergias de Leontino o recua agraves Musas

(Vita Homeri 19 ndash 24 in Severyns IV paacuteg 69 trad do autor)

Essas eram opiniotildees sobre Homero solidamente proferidas por outros e assim

identificadas

Nos dois paraacutegrafos imediatamente anteriores e no paraacutegrafo imediatamente posterior

por exemplo temos informaccedilotildees ou episoacutedios anedoacuteticos sobre Homero e nesses casos

vemos a praacutetica de atribui-los a ldquooutrosrdquo indefinidos

[] uns o proclamam nativo de Colofatildeo outros de Quios outros de

Esmirna outros de Io outros de Cima e toda cidade de modo geral

reclama o homem pelo que razoavelmente pode ser dito cosmopolita

34 ldquoOs mais egreacutegios poetas do epos satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro Paniacuteasis e Antiacutemaco Desses discorre na

medida do possiacutevel acerca da origem da paacutetria e de algumas histoacuterias particularesrdquo Proclo apud Foacutecio

Biblioteca 239 319a 17 ndash 21

37

Os que afirmam que ele eacute de Esmirna dizem que seu pai era

Meatildeo e que foi concebido perto do Rio Meles motivo pelo qual

tambeacutem eacute nomeado Melesiacutegene mas que eacute chamado Homero

[Hoacutemeros ] porque foi dado na condiccedilatildeo de homereiacutea

[refeacutem ] aos de Quios Outros dizem que acabou recebendo

esse nome por causa da deficiecircncia dos olhos Os cegos de fato eram

chamados homeacuteroi [ ] pelos eoacutelios

(idem 9 ndash 18 paacuteg 68 trad do autor)

e

ldquoSobre a sua morte refere-se a seguinte histoacuteria inquirindo o oraacuteculo a respeito de sua

proacutepria seguranccedila pessoal contam que o deus lhe deu esta respostardquo

(idem 25 paacuteg 68 trad do autor)

Note-se que no primeiro caso inculise fezem-se etimologias

Mais agrave frente discutindo a o periacuteodo em que Homero teria vivido

Na cronologia os da escola de Aristarco dizem que viveu na

eacutepoca da imigraccedilatildeo jocircnica que eacute sessenta anos posterior ao retorno

dos Heraclidas e o evento em torno dos Heraclidas estaacute oitenta anos

depois da eacutepoca de Troia Os da escola de Crates por sua vez o

recuam aos tempos de Troia

(idem 59 paacuteg 73 idem)

Vemos a julgar por esse suposto e breve trecho original da Crestomatia que muito

provavelmente como na Crestomatia de Helaacutedio quando alguma liccedilatildeo especiacutefica haurida

deste ou daquela escola era dada era de se imaginar o nome e a atribuiccedilatildeo Tambeacutem como laacute

conforme dito e como se vecirc no proacuteprio resumo de Foacutecio especificamente nos trechos que

versam sobre as celebraccedilotildees ciacutevico-religiosas que originam gecircneros meacutelicos os ldquosaberes

uacuteteisrdquo ie a ldquoerudiccedilatildeordquo a ser transmitida passa a descriccedilatildeo etioloacutegica e histoacuterica (como no

caso da guerra que daacute origem agrave dafnefoacuteria35)

A Crestomatia de Proclo contudo possui um eixo temaacutetico as letras Conclui-se

portanto que entendida natildeo como um gecircnero textual rigorosamente especiacutefico mas como

uma obra de erudiccedilatildeo no sentido de uma reuniatildeo de informaccedilatildeo registro dessa informaccedilatildeo

vaacuteria num documento uacutenico uma crestomatia pode contemplar saberes de diferentes aacutereas e

elementos que no caso de Helaacutedio natildeo teriam uma associaccedilatildeo direta ie natildeo seriam objeto

35 Idem 321a 36 ndash 321b 12

38

de uma mesma obra A reuniatildeo de informaccedilotildees da obra de Proclo visa agrave instruccedilatildeo na aacuterea das

letras Duas perguntas decorrem disso a quais saberes entatildeo ou a quais aacutereas do saber antigo

essa crestomatia se voltaraacute O que se entende por gramaacutetica na intitulaccedilatildeo do coacutedice

134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra

A palavra gramaacutetica que delimita o eixo temaacutetico dessa crestomatia poderia ser

tomada em sua literalidade para efeitos de traduccedilatildeo mas aqui talvez apenas na literalidade

que possuiacutea entre os gregos Essa mesma literalidade poreacutem eacute ampla e polissecircmica dado

que como se sabe passa a designar o ofiacutecio do gramaacutetico Sua funccedilatildeo na antiguidade

compreendeu atividades que tambeacutem noacutes atribuiacuteamos aos gramaacuteticos hoje mas outras que

natildeo Em princiacutepio segundo Dioniacutesio Traacutecio seis seriam as partes da gramaacutetica36

Γραμματική ἐστιν ἐμπειρία τῶν παρὰ ποιηταῖς τε καὶ

συγγραφεῦσιν ὡς ἐπὶ τὸ πολὺ λεγομένων

Μέρη δὲ αὐτῆς ἐστιν ἕξ πρῶτον ἀνάγνωσις ἐντριβὴς κατὰ

προσῳδίαν δεύτερον ἐξήγησις κατὰ τοὺς ἐνυπάρχοντας ποιητικοὺς

τρόπους τρίτον γλωσσῶν τε καὶ ἱστοριῶν πρόχειρος ἀπόδοσις

τέταρτον ἐτυμολογίας εὕρεσις πέμπτον ἀναλογίας ἐκλογισμός ἕκτον

κρίσις ποιημάτων ὃ δὴ κάλλιστόν ἐστι πάντων τῶν ἐν τῇ τέχνῃ

(Dioniacutesio Traacutecio 1153 ndash 6 3 in Grammatici Graeci)

ldquoA Gramaacutetica eacute o saber dos usos da liacutengua conforme se daacute no

mais das vezes entre os poetas e os escritores

Suas partes satildeo seis a primeira eacute a leitura treinada de acordo

com a prosoacutedia a segunda eacute a exegese segundo os tropos poeacuteticos

existentes a terceira eacute a pronta explicaccedilatildeo das formas dialetais e

histoacuterias quarta a revelaccedilatildeo da etimologia quinta o cocircmputo das

analogias sexta a avaliaccedilatildeo [o juiacutezoapreciaccedilatildeo] de poemas que eacute a

mais bela de tudo na teacutecnicardquo

(trad e grifo do autor)

Como responsaacutevel por descrever e ensinar o uso devido da liacutengua e por avaliar como

especialista do saber linguiacutestico se um texto era ou natildeo espuacuterio ie determinar a

36 Para uma precisa anotaccedilatildeo da gramaacutetica de Dioniacutesio Traacutecio Cf Dos Santos MM Dioniacutesio da Traacutecia Arte

traduccedilatildeo e notas in Letras Claacutessicas n11 153 ndash 179 2007

39

autenticidade de um texto cabia ao gramaacutetico portanto aquilo que hoje diriacuteamos ldquoo

estabelecimento do textordquo ofiacutecio do filoacutelogo moderno O emprego do termo krisis referindo-

se aos poemas como objeto dessa avaliaccedilatildeo eacute muito semelhante ao que ocorre no epiacutetome

fociano em 319a 1 ndash 3

ldquoΔιαλαμβάνει δὲ καὶ περὶ κρίσεως ποιήματος ἐν ᾧ παραδίδωσι τίς ἤθους καὶ πάθους

διαφοράrdquo

(Proclo apud Foacutecio 239 319a 1 ndash 3)

ldquoFaz consideraccedilotildees acerca do juiacutezo de poesia no que transmite qual a diferenccedila entre

caraacuteter e afetordquo

Este trecho eacute um dos mais problemaacuteticos do texto porque dado agrave brevidade e agrave

amplitude semacircntica das palavras empregadas possibilita pelo menos mais de uma leitura A

criacutetica notou37 que o conteuacutedo desta primeira oraccedilatildeo e principalmente a expressatildeo kriacutesis

poieacutematos fazem ressoar a sexta parte da empiria gramatical como definida por Dioniacutesio

Traacutecio kriacutesis poiemaacuteton ldquoa mais bela de tudo na teacutecnicardquo Em termos de entendimento

linguiacutestico a dificuldade ocorre primeiro por causa do significado do verbo dialambaacuteno que

semanticamente conteacutem a ideia mesmo de uma kriacutesis um juiacutezo um discernimento

significando ldquotomar separadamente dividir com escruacutepulordquo daiacute ldquodiscernir avaliar

considerarrdquo e justamente ldquojulgarrdquo segundo pela ausecircncia do artigo antes do substantivo kriacutesis

e pelo genitivo singular poieacutematos ao inveacutes de poiemaacuteton (de poema e natildeo de poemas) o

que impossibilita saber se o texto reporta-se agravequela kriacutesis poiemaacuteton (ie avaliaccedilatildeo

julgamento de poemas) que eacute uma parte da gramaacutetica ou se a palavra kriacutesis aqui eacute

empregada (como defende Severyns) em sentido amplo e natildeo teacutecnico junto agrave palavra que no

epiacutetome eacute empregada para designar ldquopoesiardquo siginificando apenas portanto de forma

perifraacutestica que ldquoFoacutecio diz que Proclo faz consideraccedilotildeesrdquo ndash considerando o aspecto verbal do

presente grego lsquoprossegue em suas consideraccedilotildeesrsquo como quer Severyns ndash ldquosobre a avaliaccedilatildeo

da poesiardquo portanto simplesmente ldquoele continua seu exame da poesiardquo que de fato ocorria

em contraposiccedilatildeo agrave prosa desde a distinccedilatildeo entre ambas em 318b 24 (sect3 na ediccedilatildeo de

Severyns) de modo a como se observa a partir de 319a 3 (sect11 idem) logo se concentrar no

que concerne tatildeo somente agrave poeacutetica ie seus gecircneros

Aqui se adota uma terceira leitura contraacuteria a de Severyns mas natildeo totalmente

consoante agrave de Ferrante ndash principalmente nas implicaccedilotildees primeiramente essa kriacutesis

37 cf Severyns (op cit pg 77 ndash 79) para um balanccedilo das leituras e Ferrante (op cit pg 20 ndash 21) para uma

visatildeo ainda contraacuteria a de Severyns)

40

poieacutematos natildeo precisaria orbigatoriamente ser uma alusatildeo ao nome exato da referida parte da

arte gramatical para ser (em se tratando da avaliaccedilatildeo da poesia aqui designada por poiacuteema)

aquele conjunto de avaliaccedilotildees sobre diferentes aspectos do poema Ainda assim natildeo parece

ser o caso

Eacute fundamental pontuar que a passagem deve ser julgada de acordo com o

procedimento geral do resumo ie a forma de resumir O resumidor parece topicalizar

atraveacutes dos termos (quase sempre teacutecnicos) aquilo de que a obra original tratava no respectivo

passo em vez de descrever o que teoricamente Proclo (seja quem for) fazia sem antes

introduzir qual era o objeto ou o toacutepico teoacuterico em questatildeo podendo ater-se ou natildeo a ele

(contrastem-se por exemplo os paraacutegrafos 17 e 69 ndash 78 com os derradeiros referentes agraves

uacuteltimas espeacutecies meacutelicas 93 ndash 99) Se considerarmos como quer Severyns que kriacutesis

poiemaacutetos natildeo eacute um desses termos topicalizados e que ldquonatildeo expressariam senatildeo uma ldquoideia

bem geral natildeo remontando de modo algum agrave sexta parte da arte gramatical tal qual a definiu

Dioniacutesio Traacuteciordquo (sendo um problema exatamente os trechos que aqui sublinho pois assumo

que os termos gregos em si natildeo precisariam ser obrigatoriamente uma citaccedilatildeo tratando-se de

um nome jaacute convencionado para essa atividade) este seria o uacutenico trecho do epiacutetome em que

isso acontece ie em que primeiro se comentaria o que o autor do tratado original faz

(ldquocontinua suas reflexotildees sobre poesiardquo) para soacute depois introduzir o que seria o toacutepico

assinalado a ldquodistinccedilatildeo entre caraacuteter e afetordquo Um outro problema surgiria aqui argumento

favoraacutevel a hipoacutetese defendida se ethos e pathos satildeo os termos teacutecnicos que topicalizam a

passagem ie satildeo o assunto do passo equivalente no suposto texto original entatildeo faltaria

como para os demais casos em que o toacutepico natildeo se explica por um desdobramento da

etimologia uma miacutenima explanaccedilatildeo teoacuterica para ambos como imediatamente antes se fez

para os moldes do dicurso e seus viacutecios Natildeo seria verossiacutemil que se abrisse matildeo dessa

explanaccedilatildeo uma vez que tal distinccedilatildeo entre ethos e pathos natildeo seria menos conhecida que a

doutrina dos gecircneros do discurso Em outras palavras se esse fosse o toacutepico do devido

momento do tratado a que o resumidor se referiria a julgar pelo padratildeo observado referir-se-

ia a ele imediatamente portanto eacute de supor contrariamente que krisis poeiemaacutetos o eacute antes

de diaphoraacute eacutethous kaigrave paacutethos o que inclusive torna mais compreensiacutevel e justificado o

relativo neutro que introduz a segunda oraccedilatildeo

Como uma crestomatia de gramaacutetica aqui entendida como as letras condensando

princiacutepios que em origem satildeo de diferentes disciplinas (gramaacutetica poeacutetica e retoacuterica em

geral) parece razoaacutevel que assim como se falava da doutrina dos gecircneros da elocuccedilatildeo nos

trechos anteriores da obra objeto comum agrave poeacutetica e agrave retoacuterica a distinccedilatildeo entre eacutethos e

41

paacutethos estivesse aqui entre os elementos que eram julgados na avaliaccedilatildeo da poesia Esta liccedilatildeo

parece coerente com o fato de que pelo menos ateacute onde Foacutecio nos daacute notiacutecia apoacutes as

consideraccedilotildees sobre a elocuccedilatildeo (e a doutrina referente a seus gecircneros) seguissem-se esses

dois outros elementos que de acordo com a retoacuterica explicitam-se no discurso

A proacutepria consideraccedilatildeo dos dois termos jaacute eacute um problema pois mesmo em

Aristoacuteteles trazem dificuldade Como se sabe na Retoacuterica o caraacuteter eacute do orador aquele que

fala a paixatildeo suscita-a no ouvinte por meio do discurso a fim de movecirc-lo Eacute logo no livro I

que Aristoacuteteles apresenta essa doutrina dos trecircs meios da persuasatildeo loacutegos eacutethos e paacutethos ou

discurso caraacuteter e afeto Eacute proacuteprio da arte principalmente o primeiro o discurso pois em

condiccedilotildees ideais jurados e ouvintes natildeo se deixam levar pelas paixotildees que oradores treinam

para despertar naqueles que os ouvem Como no entanto o tratado assume por objeto a

persuasatildeo e define a retoacuterica como teacutecnica que a produz (antiacutestrofe da dialeacutetica que produz

verdade) aborda igualmente afeto ndash para esclarecer como suscitado persuade ndash e caraacuteter ndash

pois se as palavras do orador natildeo forem condizentes com a noccedilatildeo de caraacuteter que dele fazem

os ouvintes natildeo se deixaratildeo convencer por julgaacute-lo mentiroso Em termos gerais talvez

pudeacutessemos dizer que na Retoacuterica os trecircs elementos satildeo em um primeiro momento

pensados em si para posteriormente serem considerados como os trecircs fatores ou causas cujo

resultado eacute o convencimento

Natildeo eacute assim poreacutem que os mesmos elementos satildeo considerados na Poeacutetica por conta

da proacutepria conceituaccedilatildeo aristoteacutelica do objeto (o que seraacute discutido mais adiante) neste

tratado Aristoacuteteles cirscunscreve a noccedilatildeo de eacutethos e pathos diferentemente pois trata os

termos como partes de uma imitaccedilatildeo e eacute nos limites desse conceito que surge a dificuldade A

imitaccedilatildeo que define a poesia eacute muito especiacutefica accedilatildeo Trata eacutethos e paacutethos portanto como

elementos que precisam ser representados de maneira condizente para que a imitaccedilatildeo seja

bem sucedida Na descriccedilatildeo da mimese caraacuteter eacute uma das partes qualitativas da trageacutedia

conforme definidas no cap VI da Poeacutetica mito caraacuteter e pensamento seriam as partes

equivalentes a ldquoo querdquo se imita (a mateacuteria) conforme delimitado nos cap I II e III em que o

filoacutesofo expotildee os criteacuterios pelos quais pensa o objeto elocuccedilatildeo e melopeia as partes

equivalentes agravequilo ldquoem querdquo se imita (os meios lembrando que a melopeia equivale ao que

em outras passagens seraacute nomeado apenas ldquomelosrdquo ou ldquocanccedilatildeordquo e refere-se agraves passagens

corais) espetaacuteculo refere-se a ldquocomordquo se imita (o modo)38

38 Poeacutetica VI 1449b 21 ndash 1450a 15

42

Como afirmaraacute ainda no cap VI natildeo eacute objetivo da poesia imitar caracteres mas os

caraceteres satildeo postos em cena apenas em funccedilatildeo da accedilatildeo ie este ou aquele caraacuteter eacute posto

em cena para que a accedilatildeo tenha este ou aquele desdobramento afinal ndash continua dizendo ndash os

eventos e o mito satildeo o fim da trageacutedia e o fim eacute o que haacute de mais importante Portanto o

caraacuteter de certa personagem conhecido do puacuteblico deve apenas ser condizente com o que

desdobramento esperado da accedilatildeo Natildeo agrave toa na mesma passagem Aristoacuteteles afirmaraacute que eacute

possiacutevel trageacutedia sem caraacuteter apenas com accedilatildeo mas natildeo o contraacuterio39 Os uacutenicos termos que

Aristoacuteteles nos fornece para analisar o caraacuteter presente em uma composiccedilatildeo poeacutetica satildeo esses

Natildeo se trata portanto de um caraacuteter presente talvez na elocuccedilatildeo poeacutetica mas simplesmente

o caraacuteter que se pode ou deve representar em funccedilatildeo de uma accedilatildeo mimetizada Esse criteacuterio

portanto mal pode ser aplicado agrave poesia que natildeo se pode analisar nos termos aristoteacutelicos da

imitaccedilatildeo de accedilatildeo Tal noccedilatildeo de eacutethos natildeo nos exclarece qual seria a diferenccedila a que o epiacutetome

se refere

Quanto ao afeto ou paacutethos a noccedilatildeo parece ateacute um pouco mais distante paacutethos na

Poeacutetica eacute a terceira parte do mito descrita como um padecimento na accedilatildeo como algo

destrutivo ou doloroso tal padecimento eacute um efeito e um desdobramento da accedilatildeo Natildeo eacute algo

portanto que se representa a priori poreacutem mais um elemento atrelado ao mito que se

representa por meio de palavra (elocuccedilatildeo ou melopeia) e subordinado a ele Natildeo agrave toa ao fim

do cap 19 da Poeacutetica na transiccedilatildeo para a seccedilatildeo final sobre a elocuccedilatildeo diz Aristoacuteteles

[]Περὶ μὲν οὖν τῶν ἄλλων εἰδῶν εἴρηται λοιπὸν δὲ περὶ λέξεως καὶ

διανοίας εἰπεῖν τὰ μὲν οὖν περὶ τὴν διάνοιαν ἐν τοῖς περὶ ῥητορικῆς

κείσθω τοῦτο γὰρ ἴδιον μᾶλλον ἐκείνης τῆς μεθόδου ἔστι δὲ κατὰ

τὴν διάνοιαν ταῦτα ὅσα ὑπὸ τοῦ λόγου δεῖ παρασκευασθῆναι μέρη

δὲ τούτων τό τε ἀποδεικνύναι καὶ τὸ λύειν καὶ τὸ πάθη παρασκευάζειν

(οἷον ἔλεον ἢ φόβον ἢ ὀργὴν καὶ ὅσα τοιαῦτα) καὶ ἔτι μέγεθος καὶ

μικρότητας δῆλον δὲ ὅτι καὶ ἐν τοῖς πράγμασιν ἀπὸ τῶν αὐτῶν ἰδεῶν

δεῖ χρῆσθαι ὅταν ἢ ἐλεεινὰ ἢ δεινὰ ἢ μεγάλα ἢ εἰκότα δέῃ

παρασκευάζειν πλὴν τοσοῦτον διαφέρει ὅτι τὰ μὲν δεῖ φαίνεσθαι

ἄνευ διδασκαλίας τὰ δὲ ἐν τῷ λόγῳ ὑπὸ τοῦ λέγοντος

παρασκευάζεσθαι καὶ παρὰ τὸν λόγον γίγνεσθαι τί γὰρ ἂν εἴη τοῦ

λέγοντος ἔργον εἰ φαίνοιτο ᾗ δέοι καὶ μὴ διὰ τὸν λόγον

(Aristoacuteteles Poeacutetica 1456a 33 ndash 1456b 8)

ldquoSobre as demais partes jaacute se falou restando falar sobre a elocuccedilatildeo e o

pensamento Fique para os escritos sobre retoacuterica o que tangencia o

pensamento pois isso eacute mais proacuteprio do meacutetodo daquela Eacute referente

ao pensamento o quanto se deve provir pelo discurso Satildeo seus

39 Idem VI 1450a 19 ndash 23

43

elementos o demonstrar o refutar e o prover afetos (como piedade ou

horror ou raiva e todas essas coisas) e ainda grandeza e pequenez Eacute

evidente que tambeacutem se deve servir-se desses elementos nos

acontecimentos quando se devem prover coisas piedosas terriacuteveis

grandiosas ou possiacuteveis entretanto com tal diferenccedila naquele caso

devem aparecer sem elucidaccedilatildeo neste devem ser providas no

discurso pelo falante e ocorrer junto ao discurso pois qual seria a

funccedilatildeo do que fala se aparecessem como devem mas natildeo atraveacutes do

discursordquo

(Trad do autor)

Ora aqui Aristoacuteteles deixa claro que sendo a poesia imitaccedilatildeo de accedilatildeo atraveacutes da

palavra mesmo os afetos decorrentes nas accedilotildees satildeo representados e postos em cena por via da

palavra ie da elocuccedilatildeo Como um fenocircmeno por si soacute natildeo restrito agrave poeacutetica isso eacute objeto

da retoacuterica e por isso a seccedilatildeo seguinte sobre a elocuccedilatildeo trataraacute do que eacute proacuteprio da elocuccedilatildeo

poeacutetica

Ateacute aqui portanto a uacutenica noccedilatildeo que talvez possa nos servir seja a de que tanto caraacuteter

quanto afeto se transparecem na imitaccedilatildeo pela palavra o fazem nela Ainda assim na

conceituaccedilatildeo aristoteacutelica isso se daacute naquele que eacute um actante representado ou natildeo por um

ator ie por aquele que eacute agente de uma accedilatildeo Por isso mesmo no referido capiacutetulo VI

arrolando e definido as seis partes qualitativas citadas definiraacute pensamento como aquilo ldquoem

quanto os falantes demonstram algo ou revelam sua opiniatildeordquo e caraacuteter como aquilo ldquode

acordo com o que dizemos que os agentes satildeo certas coisasrdquo40

Para tentar supor o que significariam caraacuteter e afeto no acircmbito do comentaacuterio do

gramaacutetico ao abordar um texto talvez possamos buscar uma pista em textos semelhantes ao

menos a fim de entender em um primeiro momento se esses conceitos eram levados em

conta Sobre o caraacuteter haacute uma passagem que pode ser esclarecedora O Escoacutelio a Dioniacutesio

Traacutecio (471 26 ndash 472 12) traz uma boa descriccedilatildeo dos diferentes elementos que satildeo objeto da

avaliaccedilatildeo empreendida nesta atividade em questatildeo a qual como se sabe (e isso tambeacutem nos eacute

relevante) opotildee-se natildeo soacute em gramaacuteticos mas daiacute tambeacutem em reacutetores (como Dioniacutesio de

Halicarnasso e Quintiliano) agrave syacutegkresis ie natildeo se trata mais da avaliaccedilatildeo apenas mas da

avaliaccedilatildeo conjunta o discernimento dos poetas e obras considerados conjuntamente a

comparaccedilatildeo

ltἝκτον κρίσις ποιημάτωνgt] Τίνι διαφέρει κρίσις συγκρίσεως καὶ

πότερον αὐτῶν ἐπαναβέβηκεν Λεκτέον ὅτι πρῶτον ἡ κρίσις τὸν

40 Idem 1450a 4 ndash 7

44

συγκρίνοντα γὰρ πρότερον αὐτῶν ἑκάτερον δεῖ κρῖναι καὶ ὁ μὲν

συγκρίνων καὶ κρίνει ὁ δὲ κρίνων οὐ πάντως καὶ συγκρίνει

Πότερον δὲ ὁ γραμματικὸς κρείττων ὢν τῶν ποιητῶν κρίνει αὐτῶν τὰ

ποιήματα ἢ ἥττων Καὶ εἰ μὲν κρείττων δώσομεν καὶ αὐτὸν εἶναι

ποιητήν εἰ δὲ ἥττων πῶς κρίνει Ῥητέον οὖν ὅτι κρίνει οὐχ ᾗ ποιητής

ἐστι κρείττων αὐτῶν ἀλλ ᾗ τεχνίτης ἐστὶ τῆς ὕλης τῆς ἐκείνων καὶ

τῶν ὀργάνων οὐ γὰρ κρίνει εἰ καλῶς αὐτοῖς γέγραπται ἢ οὔ ἀλλ εἰ

νόθα ἢ γνήσια πολλὰ γὰρ νοθευόμενά ἐστιν ὡς ἡ Σοφοκλέους

Ἀντιγόνη ndash λέγεται γὰρ εἶναι Ἰοφῶντος τοῦ Σοφοκλέους υἱοῦ

Ὁμήρου τὰ Κυπριακὰ καὶ ὁ Μαργίτης Ἀράτου τὰ Θυτικὰ καὶ τὰ Περὶ

ὄρνεων Ἡσιόδου ἡ Ἀσπίς

Κρίνει δὲ πρῶτον μὲν ὁρῶν εἰς τὴν λέξιν εἰ συνήθης ἐστὶ τῷ ποιητῇ

ἔπειτα εἰς τὸ πλάσμα τῆς συνηθείας εἶτα εἰς τὴν τῆς φράσεως

εὐκολίαν ἢ σκληρότητα εἶτα καὶ εἰς τὴν ἱστορίαν οἱ μὲν γὰρ χαίρουσι

ταῖς ξενιζούσαις ἱστορίαις αἱ δὲ ταῖς κοιναῖς εἶτα ἀπὸ τῶν χρόνων

Ἀρετὴ δὲ ποιήματος ἡ περὶ λέξιν σαφήνεια σύνθεσις τοῦ μέτρου

εὔρυθμος κυριολεξία σχήματα ταῦτα τῆς λέξεως τὰ δὲ περὶ διάνοιαν

οἰκονομία τάξις ἤθη ἐν προσώποις εἰ ltοἱgt μῦθοι ἁρμόδιοι καὶ τὰ

πλάσματαrdquo41

(Scholia in Dionysium Thracem Scholia Londinensia 471 26 ndash 472

12)

Sexta a avalaiccedilatildeo de poemasrsquo ndash Em que difere a avaliaccedilatildeo da

comparaccedilatildeo e qual delas precede Deve-se dizer que a avaliaccedilatildeo vem

primeiro quem estaacute comparando deve primeiro apreciar cada um dos

elementos e quem compara tambeacutem aprecia mas quem aprecia nem

sempre compara

Havendo os maiores poetas o gramaacutetico faz a avaliaccedilatildeo deles ou dos

inferiores Se principalmente dos melhores concederemos que seja

tambeacutem poeta se dos inferiores como aprecia Deve-se dizer

portanto que faz a avaliaccedilatildeo natildeo da maneira pela qual um poeta eacute

melhor do que outros mas de que maneira eacute um artiacutefice do material

deles e de seus instrumentos Pois natildeo aprecia se algo estaacute belamente

escrito com esses ou natildeo mas sua espuriedade ou legitimidade pois

muitos satildeo os escritos considerados espuacuterios como a Antiacutegona de

Soacutefocles ndash pois se diz que eacute de Iofatildeo o filho de Soacutefocles ndash As

Cipriotas e o Margites de Homero As Sacirficiais de Arato e Sobre os

Paacutessaros o Escudo de Hesiacuteodo

Aprecia primeiro visando a dicccedilatildeo se eacute usual ao poeta em seguida o

molde desse uso depois a fluidez ou a dureza da frase depois

visando a histoacuteria uns se comprazem mais nas histoacuterias que satildeo

exoacuteticas outros nas comuns depois aprecia a partir do periacuteodo

cronoloacutegico A virtude do poema satildeo a clarera que tange a dicccedilatildeo a

composiccedilatildeo do metro a regularidade da linguagem ordinaacuteria42 - essas

41 Commentaria In Dionysii Thracis Artem Grammaticam Scholia Londinensia (partim excerpta ex Heliodoro)

in ldquoGrammatici Graeci vol 13rdquo Ed Hilgard A Leipzig Teubner 1901 Repr 1965 Page 471 42 Entendendo-se aqui ldquoordinaacuteriardquo como a padratildeo ie a do dia a dia sem tropoi natildeo ornada Daiacute que a ideia de

ldquoeurritmiardquo a palavra grega deve se referir tanto a sua regularidade ie sua frequecircncia ou sua ocorrecircncia em

medida devida como tambeacutem agrave eufonia ie sua adapatabilidade ou sua consonacircncia com o metro elemento

anteriormente mencionado

45

satildeo as configuraccedilotildees da dicccedilatildeo quanto as que tangem o pensamento

organizaccedilatildeo ordenaccedilatildeo os caracteres nas personagens se

acomodados satildeo os mitos e seus moldesrdquo

(Traduccedilatildeo do autor)

Para o escoliasta a finalidade do gramaacutetico ao empreender a kriacutesis poiemaacuteton natildeo eacute

avaliar se entre eles poetas escreve-se belamente (essa seria a finalidade da syacutegkresis) mas a

ldquoespuriedaderdquo e a ldquolegitimidaderdquo (

Entre os diferentes aspectos considerados chamam a atenccedilatildeo natildeo

soacute aqueles de caraacuteter estrutural que tambeacutem satildeo objetos de um reacutetor como o do Tratado Da

Composiccedilatildeo das Palavras mas elementos mais proacuteprios da concepccedilatildeo da obra da sua

inventio confluindo com o que se concebe nos textos de poeacutetica como ldquoo que tange o

pensamentordquo ldquoos caracteres nas personagensrdquo e ldquose acomodados satildeo os mitos e seus

moldesrdquo Natildeo se pretende aqui que isto era trabalho da gramaacutetica e dessa sua parte em geral

mas sim ressaltar que mesmo nesta kriacutesis oposta agrave syacutegkrisis no iniacutecio da empiria o escoliasta

nos fornece o testemunho de que para desempenhar sua funccedilatildeo o gramaacutetico tambeacutem

precisava eventualmente julgar a confecccedilatildeo dos caracteres e a pertinecircncia dos mitos o que

inevitavelmente nos remete ao capiacutetulo 2 da Poeacutetica de Aristoacuteteles (e o quanto diz sobre

eacutethos bem como agrave parte da poeacutetica que em geral por via horaciana passamos a denominar

invenccedilatildeo) segundo a qual como a imitaccedilatildeo eacute imitaccedilatildeo de agentes eacute necessaacuterio que sejam

representados segundo certo caraacuteter (melhores ou piores do que noacutes)

Portanto natildeo eacute de espantar que assim como os tropos e figuras empregados pelos

poetas por exemplo configurem um caso claro de objeto comum a ser explicado tanto pelo

gramaacutetico quanto pelo reacutetor eacutethos e paacutethos na condiccedilatildeo de elementos que passam a ser

entendidos como inerentes ao discurso (e essa assunccedilatildeo como demonstrado ainda que com

suas especificidades jaacute se encontra no proacuteprio Aristoacuteteles) sejam observados e analisados por

qualquer um que se debruce com certa finalidade sobre uma composiccedilatildeo discursiva em verso

ou em prosa para aplicar mais uma vez o criteacuterio maior e tatildeo relevante desde o iniacutecio para

nossa leitura do epiacutetome ie a distinccedilatildeo prosa-poesia (Cf sect3 318b 24 ndash 26 Traduccedilatildeo paacuteg

110)

Isso se verifica indubitavelmente quando passamos para a syacutegkrisis de que podemos

tomar como exemplo o livro II do tratado Da Imitaccedilatildeo de Dioniacutesio de Halicarnasso e as

diversas passagens em que diferencia poetas e prosadores dos diferentes gecircneros pelo trato

que datildeo a eacutethos e paacutethos (cf 31 2 1 - Homero 31 2 5 ndash Piacutendaro uma de suas virtudes a ser

observada eacute a ethopoiiacutea ou simplesmente confecccedilatildeo de caracteres em que esses se

46

destacam pela prudecircncia piedade e magnificecircncia [sofrosyacutene eusebeiacutea megalopreacutepeia] 31

2 7 ndash Estesiacutecoro os caracteres e os valores das personagens [eacutethe kaigrave axioacutemata toacuten

prosoacutepon] 31 2 8 ndash Alceu Dioniacutesio chama a atenccedilatildeo para o caraacuteter de todos os seus

poemas poliacuteticos [hapaacutenton tograve toacuten politikoacuten poiemaacuteton eacutethos] etc seguem-se os dramaturgos

os oradores historiadores)

Haacute por isso trecircs observaccedilotildees que aqui se julgam necessaacuterias e passiacuteveis de serem

pontuadas a fim de se interpretar essa obscura passagem do epiacutetome

A 1a eacute concernente a essa comparaccedilatildeo eacute atraveacutes dela que se estabelecem os piacutenakes

ou listagens dos melhores poetas ie aqueles cujas virtudes devem ser imitadas como se

observa em autores como o referido Dioniacutesio de Halicarnasso no tratado em que aborda a

miacutemesis Quintiliano e quantos outros que se preocupam em fornecer modelos

A 2a eacute que o epiacutetome traz para cada um dos gecircneros que menciona e resume

brevemente (exceto pela poesia meacutelica ldquopor de mais pluralrdquo segundo o proacuteprio texto) uma

listagem igualmente breve de autores Isso natildeo quer dizer que o tratado se ocupava da

comparaccedilatildeo detalhada mas que certamente compreendia as praacuteticas descritivas comuns aos

textos mencionados e estaria nesse universo textual que se torna especiacutefico tambeacutem do

gramaacutetico Eacute de supor portanto que neste passo o texto tratasse de outros aspectos que

julgava pertinentes agrave avaliaccedilatildeo da poesia ndash mesmo que concentrado em aspectos da inventio ndash

na referida fronteira em que os textos sobre doutrina poeacutetica retoacuterica ou gramaacutetical podiam

tangenciar-se e tratar do mesmo objeto focando mais este ou aquele aspecto de acordo com

sua finalidade A finalidade da Crestomatia ao que se infere pelo menos de seu tiacutetulo

completo (Crestomatia de Letras Literaacuteria ou de Gramaacutetica) e da proacutepria composiccedilatildeo da

palavra jaacute discutida khrestomaacutetheia pretendia fornecer o quanto fosse uacutetil para se apreciar o

que diriacuteamos hoje composiccedilotildees ldquoliteraacuteriasrdquo as ldquoletrasrdquo e aqui devia trazer o quanto julgava

conveniente da ocupaccedilatildeo de julgar avaliar ou seja apreciar poemas de que Foacutecio ou o

resumidor em geral destaca provavelmente por julgar o mais valioso do suposto trecho da

obra original a doutrina sobre eacutethos e paacutethos que como se viu acima poderia ser objeto do

gramaacutetico mesmo se tomassemos aquela kriacutesis de Dioniacutesio Traacutecio no seu sentido mais estrito

de ldquojulgamentordquo da autenticidade do texto Que essa distinccedilatildeo fosse doutrinalmente tratada

nesta passagem parece plenamente verossiacutemil se notarmos que apoacutes uma distinccedilatildeo pelo

criteacuterio de quantidade quanto agrave natureza da prosa e da poesia o tratado por tomar como seu

fio condutor para esta primeira parte a elocuccedilatildeo seguia esquematicamente pela triparticcedilatildeo da

retoacuterica que se em Aristoacuteteles refere-se aos meios pelos quais se produz persuasatildeo na

tratadiacutestica posterior (de que Dioniacutesio de Halicarnasso eacute oacutetimo exemplo) que considera a

47

poesia pela elocuccedilatildeo configura os trecircs aspectos segundo os quais se avalia a composiccedilatildeo em

geral

Bem como outros autores propotildeem para esta passagem suas leituras perifraacutesticas aqui

se julga que a mais adequada seria ldquoprossegue fazendo [suas] consideraccedilotildees [refletindo] sobre

a avaliaccedilatildeo de poesia no que transmite [dentre outras coisas] a doutrina sobre a diferenccedila

entre caraacuteter e paixatildeordquo

A 3a e uacuteltima refere-se ao que seriam esse eacutethos e paacutethos em certos tipos de poemas eacute

compreensiacutevel seguindo a liccedilatildeo de Aristoacuteteles que estejam presentes em uma obra cujo

objeto eacute uma accedilatildeo composta de agentes etc uma obra ldquonarrativardquo no nosso sentido moderno

da palavra a eacutepica a trageacutedia etc Como isso se dava poreacutem em um melos ou em uma

elegia Podemos considerar primeiramente que num poema como um epiniacutecio pindaacuterico se

natildeo se circunscreve ao polecircmico criteacuterio da Poeacutetica de Aristoacuteteles de ser miacutemesis de accedilatildeo

pode trazer um mito (no caso de Piacutendaro quase sempre) como seu ornato ou alusotildees

histoacutericas e miacuteticas Inevitavelmente aiacute em se contando algo e portanto representando

agentes ou personagens simplesmente representar-se-atildeo caracteres e afetos inevitavelmente

Segundo haacute que se considerar tambeacutem o que poesia ldquonarrativardquo passa a significar para a

tratadiacutestica posterior a Aristoacuteteles bem como o fato de que aquela figura falante num poema

de gecircnero meacutelico aquela voz poeacutetica que reporta ela mesma por via da elocuccedilatildeo traz caraacuteter

e afeto Eacute nesse sentido que o comentaacuterio de Dioniacutesio de Halicarnasso (op cit) agrave poesia de

Alceu na referida passagem serve otimamente de exemplo ldquodispa-lhe algueacutem do metro em

vaacuterios lugares descobriria oratoacuteria poliacuteticardquo Para que esse caraacuteter advenha do discurso

retirado o metro como se a composiccedilatildeo fosse um discurso poliacutetico deve ser inerente ao

proacuteprio discurso e natildeo inerente a uma personagem

O termo grammatikeacute aqui portanto (principalmente depois das praacuteticas filoloacutegicas

alexandrinas) eacute abrangente e envolve o quanto se pode saber a fim de instruir na

compreensatildeo da arte que opera com a palavra mesmo que haurido de diferentes doutrinas ou

aacutereas do saber antigo Essa funccedilatildeo de instruir a princiacutepio circunscrevia-se ao ofiacutecio do

gramaacutetico que adotava como modelo para essa instruccedilatildeo exatamente os poetas como o

pedagogo da Greacutecia Antiga contra quem Platatildeo se insurge

Essa ocupaccedilatildeo passa a abarcar diferentes aspectos que naturalmente tangenciam

outras aacutereas do saber letrado que se debruccedilaram sobre a palavra assim o gramaacutetico se torna o

erudito das letras por excelecircncia o filoacutelogo Sobre esse ponto vale citar as consideraccedilotildees de

48

Ferrante que pensa de maneira semelhante a associaccedilatildeo da Crestomatia de Proclo agrave

gramaacutetica e a citaccedilatildeo que faz a respeito

A conforto di questo apelativo da me dato allrsquo autore dela

Crestomazia egrave necessaacuterio citare um passo dela Filologia Claacutessica

dellrsquo Inama (Hoepli Milano 1854 pagg 1 ndash 2) lsquoLa parola filoacutelogo

( ) la quale secondo la sua etimologia non voleva dir altro

da principio che amante dela conversazione ma di uma conversazione

colta ed eletta ( ) venne a designare al tempo degli

alessandrini nel III sec a GC uma classe di studiosi distinti da

quelli43 molto affini dei critici ( ) e dei grammatici

( ) Mentre i grammatici si occupavano soprattutto di

liacutengua e di questioni letterarie ed i critici della correzione ed

interpretazione dei testi degli scittori antichi i fillogi invece avevano

per oggetto preciacutepuo dei loro studi lrsquoerudizione mitologica storica

antiquaria Questi corripondevano a quelli che oggidi diciamo dotti ed

eruditi ecc ecc

(Inama apud Ferrante Crestomazia Introduzione Casa Editrice

Armanni Napoli 1957 pg 13)

Ferrante destaca a atuaccedilatildeo de filoacutelogo que o gramaacutetico passa a ter no periacuteodo

heleniacutestico como responsaacutevel pela ediccedilatildeo dos textos daqueles que para eles jaacute eram

ldquoantigosrdquo Pontua inclusive que essa funccedilatildeo desse erudito supunha conhecimentos do que

hoje noacutes diriacuteamos ldquoliteraturardquo ie dos gecircneros literaacuterios mais especificamente e natildeo do que

noacutes modernos pensamos como ldquoos estudos literaacuteriosrdquo que supotildeem ndash mais precisamente ndash

uma seacuterie de categorias e criteacuterios associados ao termo os quais por se tornarem o foco

mesmo ou os preceitos da chamada ldquoanaacutelise literaacuteriardquo constituem o objeto de uma maneira

estranha aos antigos Como fulcro comum talvez se pudesse postular que essa atividade de

exegese literaacuteria era no rigor da palavra grega graacutemmata uma exegese ou descritiva ou

prescritiva ou ambas de todas as atividades envolvendo as letras ou em se preferindo as

praacuteticas letradas

Natildeo poderiacuteamos saber contudo se a obra atribuiacuteda a Proclo trataria tambeacutem da prosa

uma vez que ela eacute menciona na distinccedilatildeo inicial do coacutedice e diferentes indiacutecios apontam para

um texto que estaacute incompleto Pelo que se poderia deduzir da introduccedilatildeo de Dioniacutesio Traacutecio agrave

empiria como o interesse do gramaacutetico era o uso linguiacutestico dos doutos em se assumindo que

ldquosyggrapheucircsinrdquo tambeacutem se referiria e abarcaria os prosadores em geral talvez ao utilizar seu

conhecimento para instruir esse gramaacutetico-filoacutelogo aos moldes heleniacutesticos tambeacutem se

43 Afinal passa-se gradativamente de um mundo da fala para um mundo do registro escrito

49

dedicasse aos gecircneros de composiccedilatildeo em prosa e tratasse daqueles que copunham

historiagrafia e oratoacuteria Por outro lado a julgar pelo padratildeo ie pelo que se observa em

outras obras a oratoacuteria como objeto da retoacuterica tem seus grandes exemplos comentados e

analisados nos autores que se incumbem dessa arte que tendem a demosntrar o que

descrevem com exemplos que aleacutem dos oradores focam-se por vezes nos historiadores como

o faz por exemplo Dioniacutesio de Halicarnasso Natildeo eacute de mais ressaltar que mesmo no caso da

oratoacuteria os tratadistas sempre buscam os exemplos dos poetas como modelo praacutetica

recorrente no citado Dioniacutesio de Halicarnasso e em Quintiliano no caso dos latinos de modo

geral observa-se que quando o foco eacute a instruccedilatildeo em algum aspecto do saber das letras o

modelo tende a serem os poetas Portanto haacute indiacutecios sufientemente plausiacuteveis para se

argumentar contrariamente que natildeo seria proacuteprio dessa Crestomatia de Letras tratar da

prosa mas que inevitavelmente para concentrar-se na poesia como seu objeto precisa crivaacute-

la delimitaacute-la em oposiccedilatildeo agrave prosa principalmente se aborda o tema pelo vieacutes (a ser

comentado) da elocuccedilatildeo Por fim deve-se ressaltar que cada uma dessas que denominamos as

doutrinas antigas se pretendia uma teacutecnica em si teacutecnica retoacuterica teacutecnica gramatical etc

portanto cada uma visava a um fim proacuteprio Vimos tanto no prefaacutecio da gramaacutetica de Dioniacutesio

Traacutecio quanto em seu escoacutelio aquilo a que visa essa teacutecnica Por isso mesmo como uma

crestomatia sobre gramaacutetica mas natildeo uma gramaacutetica propriamente eacute natural que nosso

epiacutetome aborde temas proacuteprios desse ofiacutecio na abrangecircncia que passa a ter apoacutes os

alexandrinos a fim de exlcarecer e instruir a fim de minimamente coligir informaccedilatildeo uacutetil a

repeito do assunto sem ser ela mesma no entanto uma gramaacutetica um manual da Ars Essa

hipoacutetese se aventa principalmente do cotejo entre o epiacutetome e o livro III da Ars Grammatica

de Diomedes que se concebe como uma pequena coleccedilatildeo de gecircneros e espeacutecies poeacuteticas que

natildeo tatildeo abrangente quanto a Crestomatia segue os mesmos criteacuterios do epiacutetome deixando-

nos entrever portanto uma espeacutecie de ldquocriteacuterio gramaticalrdquo com que se tratava da poesia com

a finalidade tatildeo simplesmente de classificaacute-la (v infra cap 3)

Assim se explicaria o tiacutetulo da obra trata-se de um texto que colige de diferentes

aacutereas quanto se eacute uacutetil saber sobre letras e por isso mesmo o epiacutetome refere a diferentes

seccedilotildees das doutrinas antigas ndash da retoacuterica a classificaccedilatildeo da elocuccedilatildeo pelas diferentes

possibilidades de moldaacute-la da poeacutetica os gecircneros enunciativos jaacute da poeacutetica e da etimologia

tangenciando a gramaacutetica as caracteriacutesticas dos gecircneros poeacuteticos (mateacuteria metro) associados

a seu nome e origem o que por vezes quando se descrevem as festas associadas a um

gecircnero por exemplo leva agrave etiologia etc Assim sendo se tanto o termo ldquogramaticalrdquo como

ldquoliteraacuteriardquo sugeririam dois extremos modernos que poderiam levar o leitor a uma interpretaccedilatildeo

50

equivocada optou-se aqui pela igualmente literal etimologicamente locuccedilatildeo adjetiva ldquode

Letrasrdquo pois que eacute fiel ao texto grego e pode remeter o leitor ao acircmbito das Belas Letras e das

praacuteticas letradas dos seacuteculos XVI XVII e XVIII em geral cujas convenccedilotildees supotildeem noccedilotildees

e praacuteticas mais afeitas ndash embora natildeo idecircnticas ndash agraves antigas uma vez que ao menos potildeem-se a

emulaacute-las

2 A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA ELOCUCcedilAtildeO

POESIA E RETOacuteRICA

21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO

Apoacutes o nome da obra e a informaccedilatildeo de que era composta de quatro livros ou quatro

arrazoados diferentes inicia-se o resumo da Crestomatia pelo procedimento padratildeo dos

diferentes epiacutetomes da Bilbioteca temos a estrura de discurso indeireto ou reportado ou seja

ldquoo autor diz querdquo e assim sucessivamente No caso desta obra em especiacutefico cada

enunciado traz uma liccedilatildeo de doutrina um ensinamento que se pode rastrear em outros textos

A primeira liccedilatildeo que nos traz eacute a distinccedilatildeo entre poesia e prosa distinccedilatildeo que seraacute

preponderante pelo menos ateacute o fim do epiacutetome destinado a classificar os gecircneros e as

espeacutecies da poesia Ao iniciar por essa distinccedilatildeo o epiacutetome daacute a entender que antes se

aplicava um criteacuterio habitualmente empregado na tratadiacutestica retoacuterica ie aborda-se o tema

pelo vieacutes mais amplo da elocuccedilatildeo Natildeo agrave toa se buscamos referecircncias para o que estaacute sendo

ensinado sobejam os textos de retoacuterica principalmente porque seguindo o criteacuterio de abordar

a elocuccedilatildeo todo o resto dessa primeira sessatildeo do epiacutetome por assim dizer focar-se-aacute numa

das formas que conhecemos da teoria dos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeo Apesar disso jaacute podemos

ver aqui a caracteriacutestica acima discutida a saber que esta crestomatia compendiava ou coligia

noccedilotildees ou liccedilotildees cujas origens remontavam a diferentes saberes

Comecemos pela distinccedilatildeo baacutesica

O termo loacutegos por designar ldquopalavrardquo mas tambeacutem a ldquofalardquo o ldquodiscursordquo eacute o termo

usado entre os gregos para designar a obra em prosa justamente como um discurso padratildeo

natildeo-poeacutetico nela empregado Define-se por oposiccedilatildeo a poiacuteesis em boa parte dos textos a

51

comeccedilar por Platatildeo quando opotildee os dois na conhecida passagem do livro III da Repuacuteblica

(390a)

Aristoacuteteles como se sabe emprega poietikeacute para designar o fazer ie a teacutechne que

procura delimitar e definir no tratado que recebe aquele nome Descrevendo a quarta parte

constitutiva da trageacutedia a elocuccedilatildeo (leacutexis) Aristoacuteteles (1450b 12 ndash 14) observa suas

diferentes maneiras de ocorrer (ldquoem palavrasrdquo ldquoem discursordquo ie ldquoem falardquo

apenas) e (ldquoem medida(s)rdquo ldquoem proporccedilatildeordquo ou simplesmente

ldquometrificadordquo) sem que isso como se sabe seja criteacuterio distintivo do que eacute ou natildeo poesia

Na Retoacuterica Aristoacuteteles tambeacutem se ocupa dessa diferenciaccedilatildeo pela elocuccedilatildeo e a distinccedilatildeo

entre prosa e poesia posteriormente acaba por se concentrar como uma questatildeo proacutepria

dessa

Assim Dioniacutesio de Halicarnasso no tratado da Composiccedilatildeo das Palavras (6 43 ndash 47)

apoacutes expor que todas as artes compartilham das mesmas normas de seleccedilatildeo e disposiccedilatildeo em

trecircs etapas (mais precisamente erga ldquodeveresrdquo tarefas sucessivas e complementares) propotildee

uma distinccedilatildeo mais especiacutefica do ponto de vista da elocuccedilatildeo entre discurso pedestre loacutegoi

pezoiacute e ldquopoeacuteticardquo Mais agrave frente (15 40 ndash 46) poieacutemata junto a meacutele contrapoem-se a loacutegoi

psiloiacute (discurso ordinaacuterio ou comum) e o que agrupa aqueles dois eacute que ldquosatildeo elaborados

atraveacutes de metro ou ritmordquo ( ) Como se observa

posteriormente o resultado da poieacutetikeacute o poiacuteema passa a ser igual e tecnicamente empregado

para designar a poesia em oposiccedilatildeo agrave prosa

Poesia e Prosa distinguem-se na elocuccedilatildeo natildeo pela qualidade (suas virtudes satildeo as

mesmas) mas pela quantidade A expressatildeo ldquono mais e no menosrdquo ( eacute

tiacutepica do grego para designar quantidade e em se tratando da elocuccedilatildeo poeacutetica ou oratoacuteria

deve naturalmente ser entendida no sentido de que como composiccedilotildees que se utilizam da

palavra as qualidades tanto da prosa como da poesia devem ser as mesmas mas quanto tenha

a prosa a poesia teraacute mais em maior proporccedilatildeo Essa doutrina jaacute eacute exposta por Aristoacuteteles

logo no comeccedilo do livro III da Retoacuterica dedicado agrave elocuccedilatildeo A elocuccedilatildeo do orador deve

parecer o menos distante quanto possiacutevel do natural do falar ldquoconversacionalrdquo (ldquodialogalrdquo

literalmente ndash ) enquanto a elocuccedilatildeo poeacutetica se distancia mais desse falar A

razatildeo os homens tendem a desconfiar daquilo em que lhes parece haver artificio Assim a

principal caracteriacutestica pleiteada pelo orador deve ser a clareza Qualquer elemento que torne

o discurso mais elevado por ornaacute-lo pode servir agrave prosa mas serve melhor agrave poesia pois pode

desviar o orador de seu principal objetivo que eacute tornar claro o significado (cf 1404b ndash

1405a) Para atingir essa clareza o que sobeja na poesia eacute empregado em menor nuacutemero na

52

prosa e apenas em algumas circunstacircncias dos nomes e verbos satildeo os proacuteprios que conferem

ao discurso clareza os demais tipos o ornam e satildeo justamente objeto da Poeacutetica

Semelhantemente a Aristoacuteteles Dioniacutesio de Halicarnasso (op cit idem) apoacutes expor

as referidas etapas do saber compositivo (synthetikeacute episteacuteme opcit 6 1 e sg) afirma ldquo

Esse princiacutepio eacute mais profuso [dapsileacutesteron] na poeacutetica e menos encontradiccedilo [spanioacuteteron]

no discurso pedestrerdquo

22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO

Sendo a elocuccedilatildeo o criteacuterio que orienta o estabelecimento dos primeiros ldquosaberes

proveitososrdquo dos primeiros elementos a serem informados ou ensinados passa-se a uma das

versotildees da exposiccedilatildeo da doutrina geralmente conhecida como dos ldquotrecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo

aqui na sua interpretaccedilatildeo por ldquotrecircs moldesrdquo

A traduccedilatildeo de plasma por ldquomolderdquo busca a referida literalidade da traduccedilatildeo e por

essa jaacute trazer algo proacuteprio da doutrina acerca dessas trecircs formas da elocuccedilatildeo ou como eacute mais

comumente designada dos ldquotrecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo ou genera dicendi Geralmente

traduzido por ldquoestilordquo perde-se a metaacutefora fiacutesica que classifica a elocuccedilatildeo como que por sua

forma externa sua forma fiacutesica Trata-se portanto das trecircs possiacuteveis formas de se amoldar

(do verbo plaacutesso) o discurso Emprega-se tambeacutem nos textos characteacuter que eacute a marca o

traccedilo impresso por um instrumento (do verbo charaacutesso) daiacute passando ao ldquotipordquo ao ldquotraccedilo

caracteriacutesticordquo portanto distintivo que tambeacutem abre margem para o que dizemos ldquoestilordquo

Quanto ao leacutexico da doutrina a maneira de Plutarco c I dC parece evidenciar o

conhecimento de duas nomenclaturas concorrentes nesse seacuteculo (Vita Homeri 72) ldquo()

rdquo ndash ldquo() tambeacutem satildeo caracteres

dos discursos os chamados moldesrdquo e logo os nomeia atraveacutes dos mesmos termos e ordem

que lemos aqui no coacutedice 236

De fato em Demeacutetrio seacutec II AC (De Eloc 36 1) a divisatildeo aparece sob o tiacutetulo de

charactecircres tecircs hermeneiacuteas ldquocaracaterestraccedilos da elocuccedilatildeordquo no tratado inteiro dedicado a

essa que eacute uma das partes do discurso

Dioniacutesio de Halicarnasso I AC emprega-os mormente e junto tambeacutem a leacutexis (De

Demosthenins Dictione 8 28 ndash 31) e a ldquocomposiccedilatildeordquo (a syacutenthesis De Compositione 21 15)

ie referindo-se agrave composiccedilatildeo como um todo e quando os nomeia na sua obra dedicada a

53

Demoacutestenes (33 21 ndash 23) fala em ldquotrecircs caracteres

geneacutericosprincipaistiacutepicosrdquo introduzindo um qualificativo relevante para o entendimento da

doutrina como dos gecircneros (categoria ampla e principalmente abrangente em relaccedilatildeo agrave

espeacutecie) possiacuteveis agrave elocuccedilatildeo de forma geral como se evidencia entre os latinos (Cf Ciacutecero e

Quintiliano infra pg 92) Em uma soacute passagem poreacutem Dioniacutesio que se serve variamente

das palavras testemunha o uso do outro termo para designar a doutrina e emprega tambeacutem

placircsma (De Dem Dict 34)

No mesmo seacuteculo a Retoacuterica a Herecircnio apresenta uma traduccedilatildeo literal da nossa

doutrina e sua triparticcedilatildeo (IV 8) na qual figura (do verbo fingere) verte da maneira mais fiel

e direta o grego jaacute que ambos os verbos servem nas respectivas liacutenguas para designar a arte

plaacutestica de modelar o estatuaacuterio figurar Natildeo se adotou aqui essa traduccedilatildeo latina porque jaacute na

retoacuterica e depois a palavra tambeacutem designaraacute as figuras de linguagem Preferiu-se outra

igualmente literal

Ciacutecero por exemplo (Orator 20) e Quintiliano (Institutiones Oratoriae XII 10 58)

empregaratildeo genera dicendi aproximando-se da noccedilatildeo ldquogeneacutericardquo de Dioniacutesio de

Halicarnasso

O escoacutelio de Dioniacutesio Traacutecio (449 26) eacute o mais chamativo ao empregar exatamente os

mesmo termos do coacutedice 239

Jaacute para tratar dos diferentes termos empregados para qualificar os gecircneros eacute

interessante a breve consideraccedilatildeo de Dioniacutesio de Halicarnasso antes de nomeaacute-los no tratado

De Compositione(21 15 ndash 18)

ldquo()

rdquo

ldquo() eu mesmo poreacutem natildeo tendo um nome oficial para designaacute-los como permanecem

inominados por nomes metafoacutericos chamo-osrdquo

(trad do autor)

Dioniacutesio mesmo afirma que os charactecircres natildeo possuem um nome definitivo ie de

caraacuteter oficial (kyacuterios) e natildeo havendo essa jurisprudecircncia de termos nomeia-os

metaforicamente

Diferentes metaacuteforas opositivas portanto satildeo empregadas nos diferentes textos

visando a representar mas igualmente delimitar e definir os limites entre os quais se ajusta a

54

elocuccedilatildeo originando um pequeno leacutexico que aparece misturado nas diferentes classificaccedilotildees

concomitantemente a diferentes interpretaccedilotildees da doutrina

Assim Demeacutetrio (op cit) propotildee quatro caracteres simples ndash o

ldquotecircnueesguiodelgadoexiacuteguordquo (ischnoacutes) o ldquomagnificenterdquo (megaloprepeacutes) o

ldquosuavepolidobrunidoeleganterdquo (glaphyroacutes) o

ldquotremendoterriacutevelimpetuosoveementeeneacutergicordquo (deinoacutes) ndash que se misturam (salvo os dois

primeiros que se definem pelo antagonismo) para formar todos os diferentes estilos

A julgar por Quintiliano jaacute seacuteculo I dC (XII 10 2 e sg no paralelo entre histoacuteria da

pintura e oratoacuteria) poder-se-ia pensar em tantas espeacutecies quantas elocuccedilotildees sendo possiacutevel

distingui-las em um niacutevel superior segundo o gecircnero A explicitaccedilatildeo desse raciociacutenio parece

condizente com o que se observa ao longo dos seacuteculo Assim eacute que apoacutes Demeacutetrio observa-

se um rearranjo da doutrina em trecircs tipos dos quais dois satildeo opostos e um supotildee a mistura e

dos quais a plenitude eacute variavelmente interpretada

Assim eacute que Dioniacutesio de Halicarnasso (De Dem Dict supra) parece empregar o

superlativo (hoigrave genikoacutetatoi) para distingir dentre os caracteres ldquomais geneacutericosrdquo primeiro

dois extremos o ldquotecircnuerdquo (ischnoacuten) e o ldquoelevadosublimerdquo(hypseloacuten) e depois um ldquomeio

termordquo (metaxyacute) No De Compositione como mencionado a doutrina eacute transposta para toda e

qualquer composiccedilatildeo em geral e o mesmo tratadista emprega outra terminologia (que pode

confundir-nos comparada agraves demais) a fim de nomear um dos gecircneros que julga o melhor

nomeia uma elocuccedilatildeo ldquoausterardquo (austeacuteran) por natildeo ser ornada uma ldquopolidardquo (glaphyraacuten

bem no sentido de ldquoeleganterdquo) ou ldquofloridardquo (antheacuteran) porque ornada e ndash a melhor ndash ldquobem-

solvidamisturadabalanceadordquo (euacutekratos)

A Retoacuterica a Herecircnio (supra) proporaacute a distinccedilatildeo por ordem decrescente um ldquograverdquo

(gravis que estaacute mais para o grego baryacutes mas tangencia a semacircntica de hadroacuten) um

ldquomedianomediacuteocrerdquo (mediocrismeacutesosmetaxyacute) e um ldquotecircnuerdquo (adtenuata sc figura em que

embaso minha traduccedilatildeo)

Ciacutecero (op cit 20 3) descreve os trecircs gecircneros com os vaacuterios adjetivos desse

vocabulaacuterio mas nomeia o orador ldquoque pratica a grandiloquecircnciardquo (grandiloqui) os ldquotecircnuesrdquo

(tenues) que fazem do discurso algo ldquoagudo aguccedilado adelgaccedilado afiadordquo (acuti) e haacute aquele

ldquoque se situa no meio entre os doisrdquo (interiectus inter hos) e o faz ldquomeacutediordquo (mediusmesos) e

ldquotemperado compoacutesito balanceadordquo (temperatusmetaxus eukratos)

Quintiliano provavelmente o mais abrangente preocupa-se em nos dizer quais os

nomes gregos com que se nomeiam os gecircneros e emprega o ldquosutilrdquo (subtile sinocircnimo de

tenuis ldquoexiacuteguo de pequena proporccedilatildeordquo) para ischnoacuten o ldquorobustordquo (robustum) para hadroacuten e

55

por fim como no coacutedice 239 descreve um terceiro que eacute o meio entre os dois (meacutedium ex

duobus) mas que no entanto designa como ldquofloridordquo (floritum antheroacuten)

221 O molde copioso

Embora jaacute se tenham contemplado duas possiacuteveis traduccedilotildees por correlatos latinos

(supra) ambas atentas ao peso (ldquograverdquo) ao volume e agraves proporccedilotildees (ldquorobustordquo) deste

gecircnero e embora se esperasse aqui a adoccedilatildeo de alguma delas por ldquocopiosordquo pretende-se

trazer ao eventual leitor lusoacutefono um termo que tente abranger outras noccedilotildees outros traccedilos

semacircnticos mais especificamente implicados no termo grego natildeo parece de mais remetecirc-lo

ao dicionaacuterio (Liddell amp Scott pg 25 9ordf ed) que sumarizo com a possiacutevel sinoniacutemia do

portuguecircs ldquogrosso volumoso espesso denso robusto forte vigoroso corpulento gordo

firme forte resistente soacutelido avultado maciccedilo pesadordquo A noccedilatildeo abstrata de coacutepia

abundacircncia aplica-se genericamente a todas qualidades observadas nos textos que descrevem

o placircsma principalmente agrave imagem de que possuindo mais ornato resulta numa forma num

molde fisicamente maior mais avultada por conter mais Eacute nesse sentido do uso do ornato

que ldquoenruga entumece avoluma a elocuccedilatildeordquo que se deve entender a segunda seacuterie de termos

que o descreve ldquomuitiacutessimo elaboradordquo (kataskeuasmeacutenon maacutelista) Aleacutem do superlativo

de intensidade maacutelista cujo emprego num texto como este um resumo eacute por demais

relevante no que pretende resumir deve-se lembrar que a palavra grega skeueacute tem a ver com

ldquoequipamento aparelho aparatordquo eacute por exemplo a equipagem do navio em contexto

naacuteutico os aparatos beacutelicos o equipamento da armadura em contexto militar pode ser a

indumentaacuteria do ator mas tambeacutem do sacerdote etc O verbo kataskeuaacutezo significa

literalmente prover por completo esse aparato ie preparar ou elaborar algo No contexto

retoacuterico-poeacutetico a palavra designa a elaboraccedilatildeo da obra em ato e portanto como qualidade

(Cf Dioniacutesio de Halicarnasso De Comp Uerb 1 6 et allia) Este placircsma eacute ldquomais elaboradordquo

no sentido de que eacute mais aparatado paramentado releva maior preparaccedilatildeo Embora essas

traduccedilotildees todas fossem possiacuteveis e caiacutessem bem neste contexto perder-se-ia a noccedilatildeo mesma

de como a doutrina antiga concebe esse processo de confeccionar a obra (amplamente

empregado por Dioniacutesio op cit) uma vez que elaborar em portuguecircs aleacutem de manter esse

significado mais abrangente conserva algo de se sua etimologia ie ldquotrabalhar laborarrdquo em

torno de algo Portanto deve-se lembrar de que neste contexto dos gecircneros da elocuccedilatildeo a

56

maior elaboraccedilatildeo do gecircnero em questatildeo de modo geral consiste no uso de ornato dos tropos

e figuras o artifiacutecio da linguagem ie seu aparato

Apontando pois as caracteriacutesticas gerais deste gecircnero Dioniacutesio de Halicarnasso (De

Dem Dict34 7 ndash 8) tambeacutem diz da leacutexis que eacute peritteacute ldquoabundante extraordinaacuteria

prodigiosardquo e exellagmeacutene ie ldquovaacuteria alteradardquo (a partir do idioma comum ndash to idioacutetikon

Arist Rhet 1406a 15) e logo adiante apontaraacute a superioridade de Demoacutestenes dentre outros

motivos porque ldquo rdquo ie ele

(Demoacutestenes) ldquoadvinha grandeza em toda elaboraccedilatildeo que a possuirdquo

Na Retoacuterica a Herecircnio (supra) seleccedilatildeo e disposiccedilatildeo evidenciam-se suscintamente na

definiccedilatildeo de que a figura grave ldquoconstitui-se a partir de uma construccedilatildeo leve (o que chama a

atenccedilatildeo do ponto de vista doutrinal) e ornada [ornata] de palavras graves [uerborum

grauium]rdquo ie de ldquomaior pesordquo

Ciacutecero (Orator 20 3 ndash 5) vale-se de praticamente todo o leacutexico ldquo() foram (os

grandiacuteloquos) com ampla [ampla] gravidade [grauitates] de pensamentos e majestade

(grandeza) [maiestate] de palavras veementes [vehementes] variados [uarii] copiosos

[copiosi] graves [graves]rdquo

Quintiliano circunscreve cada um dos gecircneros a cada uma das funccedilotildees da retoacuterica O

hadron ou robustum laacute eacute o que tem maior capacidade de mover (mouendi) por possuir o

atributo baacutesico da forccedila (uis) (op cit XII 10 59) ldquoo oradorrdquo segue dizendo (62 1) ldquo()

eleveraacute o discurso a amplificaccedilotildees e ateacute se alccedilaraacute agrave hipeacuterbolerdquo (amplificationibus

extollet orationem et in superlationem quoque erigetur)

Plutarco e o escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio como se viu (supra) trazem formulaccedilotildees

praticamente idecircnticas (pelo menos no leacutexico) a de nosso epiacutetome naquele ldquo

rdquo Traduccedilatildeo ldquoo molde copioso eacute aquele que tanto na elaboraccedilatildeo

[kataskeueacute] das palavras [leacutexeis] e dos pensamentos [noeacutemata] possui aspectos [ie a

aparecircncia] grandiosos [megaacutele]) neste ldquo rdquo ndash

tomada em sua literalidade ldquocopioso eacute o proeminente [saliente diermeacutenon] no seu volume

de natureza [oacutegkos katagrave phyacutesin podendo significar ldquotumefaccedilatildeordquo dando a ideia de que o

plasma se faz adiposo rugoso inchado]rdquo

Quanto a ldquoestonteanterdquo uma qualificaccedilatildeo pelo efeito natildeo soacute faz lembrar o quarto

gecircnero puro de Demeacutetrio o tremendo que parece assimilado pelo gecircnero maior na triparticcedilatildeo

posterior como se associaria e poderia ser compreendido pela concentraccedilatildeo de cada um dos

trecircs gecircneros (entatildeo adaptados numericamente) agraves trecircs funccedilotildees da oratoacuteria como se vecirc em

57

Quintiliano Aleacutem da referida passagem sobre a forccedila deste gecircnero (supra) descrevendo seu

efeito sobre o ouvinte diz que o orador ao empredar tal elocuccedilatildeo ldquotomaraacute de assalto o juiz

mesmo que manifestamente contraacuterio e o forccedilaraacute a ir aonde o transportarrdquo (iudicem uel

nitentem feret cogetque ire qua rapiet) Inst Orat XII 10 61 3 ndash 34) A forccedila dessa elocuccedilatildeo

logo fora descrita como rio cuja forccedila leva ripas e derruba pontes (idem 61) Adiante (62 7 ndash

9) ldquoesse (tal orador) a ira esse a misericoacuterdia inspiraraacute esse falando paacutelido ficaraacute o juiz e

choraraacute afetado por completo seguiraacute arrastado daqui ali e natildeo desejaraacute mais ser instruiacutedo

(ldquohic iram hic misericordiam inspirabit hoc dicente iudix pallebit et flebite et per ominis

adfectus tratus huc atque illuc sequetur nec doceri desiderabitrdquo Cf tambeacutem Ciacutecero Orator

20 6 ndash 7 ad permouendos et conuertendos acircnimos instructi et parati) Por fim ldquoreluzindo

uma beleza poeacuteticardquo para aleacutem do vocabulaacuterio da imagem e da forma comum agrave referida

passagem de Plutarco essa passagem se explica por tudo quanto se disse da distinccedilatildeo entre

poesia e prosa (supra n8) agora considerada do ponto de vista dos moldes da elocuccedilatildeo

quanto mais se eleva e se afasta da linguagem pedestre mais a prosa tende a parecer com a

poesia portanto eacute de se esperar que se a poesia estaacute para o mais elevado e a prosa para o

mais pedestre quanto mais elevada a elocuccedilatildeo ela mesma mais poeacutetica Eacute portanto natural

que o molde copioso chame atenccedilatildeo (pensando na semacircntica de reluzir epiphaiacuteno) por

mesmo natildeo sendo em um poema ser inevitavelmente mais poeacutetico podendo assim ser

classificado (Cf mais uma vez Aristoacuteteles Ret III)

222 O molde tecircnue

Este molde se define portanto opostamente agravequele uma vez que se nomeia por seu

antocircnimo Podemos resumir o significado da palavra da seguinte maneira ldquoseco enxutordquo

donde negativamente tem-se ldquofraco esquaacutelido magro parcordquo - no sentido de algo que natildeo

se expande ndash ldquocomedidordquo daiacute ldquoplano liso reto esguio delgado direto claro manifesto

inteligiacutevelrdquo (LIddell amp Scott idem p848) A traduccedilatildeo precisa portanto dar conta da noccedilatildeo

fiacutesica de maneira positiva ie algo ldquoesguio enxuto delgado ateacute esbeltordquo Agrave medida que se

comeccedila a fazer uma imagem mais clara da doutrina nota-se que metaforicamente tem por

criteacuterio uma espeacutecie de medida de proporccedilotildees da elocuccedilatildeo conforme ela se nos afigura mais

palavras explicitam o que seja o molde copioso confirmando o quanto se expocircs acima sobre

ele e consequentemente formando por oposiccedilatildeo a imagem do molde tecircnue Este consiste em

58

natildeo escolher por banir por ldquoproscreverrdquo [metadioacuteko] aquela composiccedilatildeo que vem retomada

como tropikeacute (literalmente ldquoem que haacute troposrdquo) e philokataskeuacuteos (ldquoamante da elaboraccedilatildeordquo

o que eacute dizer aqui do aparato do paramento do ornato) Enfim ldquoentretece-serdquo [syneacutertatai

dando a ideia simples de sucessatildeo amarraccedilatildeo atrelamento] a partir de literalmente ldquocoisas

soltasrdquo [aneimeacutena] Opta-se aqui por ldquodespojamentordquo para traduzir o que no grego eacute um

neutro plural atentando ao fato de que o particiacutepio aiacute substantivado eacute do verbo aniacuteemi

ldquolanccedilar para o altordquo portanto ldquosoltar relaxar aliviarrdquo e que assim mesmo no particiacutepio

passivo perfeito eacute empregado para designar o que estaacute ldquosolto frouxo relaxado dissolutordquo

Isso significa que os elementos do molde tecircnue juntam-se atrelam-se sem a constriccedilatildeo que

gera o volume de seu oposto O verbo latino expedio possui um uso semelhante a esse de

aniacuteemi e estaacute presente com essa acepccedilatildeo na liacutengua portuguesa mas seu deverbal ldquoexpediccedilatildeordquo

natildeo conserva o sentido Os deverbais de outros verbos semelhantes a expedio poderiam ser

cogitados como o proacuteprio ldquodespirrdquo (ldquodespimentordquo) mas em se optando por nomear essa

qualidade que no grego eacute um neutro plural abstrato quis se aproveitar o uso do portuguecircs que

emprega despojamento justamente para designar algo ou algueacutem ldquodesapegado simplesrdquo que

abre matildeo de ornamento riqueza etc uma vez que se diz o mesmo tambeacutem de estilo que eacute

assim simples modesto

A Retoacuterica a Herecircnio (IV 8) que como visto traz uma exposiccedilatildeo da doutrina

parecida com a de nosso epiacutetome diz que essa eacute a figura ldquorebaixada por completo ao costume

mais usual do falar puro (demissa est usque ad usitatissimam puri consuetudinem sermonis)rdquo

e antes de exemplificar posteriormente (IV 10) ldquoad infimum et cotidianum sermonem

demissum est (genus adtenuatum)rdquo ie ldquoeacute rebaixado ao falar iacutenfimo e cotidianordquo

O contemporacircneo grego Dioniacutesio de Halicarnasso (De Dem Dict 34 13 ndash 14)

descreve a frase desse gecircnero como ldquolisardquo [liteacute] e ldquoparcardquo [aperittoacuten]

Ciacutecero no Orator (20 9 -11) eacute o mais abrangente ldquoet contra tenues acuti omnia

docentes et dilucidiora nom ampliora facientes subtili quadam et pressa oratione et limatardquo ndash

ldquoe contraiamente [aos grandiacuteloquos] os tecircnues agudos ensinando as coisas mais claras natildeo

as fazendo mais amplas sutis em qualquer discurso conciso e limadordquo

Quintiliano ao tomar as personagens homeacutericas como exemplo e usar Menelau para

ilustrar este gecircnero (XII 10 64) caracteriza tal elocuccedilatildeo como ldquobreuem quidem cum

iucunditate et propriamrdquo ldquocarentem superuacuisrdquo ndash ldquodefinitivamente breve com alegria e

proacutepriardquo ldquolivre de redundacircnciasrdquo

Assim Plutarco e o escoliata de Dioniacutesio Traacutecio que provavelmente seguem a mesma

base de nosso resumo ldquo

59

rdquo (Plut Uit Hom 72) ndash ldquotecircnue eacute aquele pequeno na mateacuteria de seus

argumentos e suavizado na palavrardquo ldquo

rdquo ndash ldquotecircnue eacute o contraiacutedo no seu volume natural (por natureza de natureza)rdquo

(Schol Dion Tr 449 28)

223 O molde meacutedio

Quanto agrave traduccedilatildeo embora se pudesse tornar o texto mais palataacutevel e inteligiacutevel

optando-se por alguma outra forma para a segunda ocorrecircncia da palavra optou-se pela

literalidade que natildeo soacute reproduz o caraacuteter repetitivo do texto do epiacutetome como tambeacutem a

dificuldade conceitual que impotildee Dos termos eacute vaacutelido comeccedilarmos pelos dois textos que ateacute

entatildeo se igualavam quase que plenamente ao coacutedice 239 em Plutarco (idem) ldquo

rdquo ndash ldquomeacutedio [meacuteson]

eacute o que estaacute entre [metaxyacute] cada um deles do mais tecircnue [ischnoacuteteron] e do mais copioso

[hadroacuteteron]rdquo poreacutem no escoliasta (idem) ldquo [antheroacuten] rdquo ie

ldquoo florido eacute o meacutedio entre ambosrdquo Aqui se iniciam as principais questotildees acerca da doutrina

mesmo que aparentemente acabada e resolvida em trecircs gecircneros questotildees que apenas se

esboccedilam quando se trata num primeiro momento de distinguir dois extremos antagocircnicos

1) A formulaccedilatildeo de Plutarco dificulta o estabelecimento de um criteacuterio de medida

supondo que se determine o mais absoluto copioso e o seu antiacutepoda tecircnue haveria graus

menores de coacutepia e tenuidade ou qualquer coisa entre ambos seria o gecircnero meacutedio

2) Neste estado terminoloacutegico apenas o problema estaacute quase que inteiramente

confinado agrave semacircntica de ldquomeacutesonrdquo uma vez que a mesma palavra designa abstratamente

tanto o que eacute meacutedio ie que possui a meacutedia proporccedilatildeo (considerando-se a categoria de

volume espessura) quanto o que pontualmente estaacute no meio o que se complica quando a

palavra metaxyacute o adveacuterbio ldquono meiordquo portanto o meio termo eacute tambeacutem empregado

tomando-a com exatidatildeo como determinar o meio termo que permita estabelecer entatildeo que

certa elocuccedilatildeo estando acima seja copiosa e abaixo tecircnue

Considerando que agraves vezes se emprega a palavra ldquomistordquo mas tambeacutem ldquobalanceado

misturadordquo deve-se considerar entatildeo que tal gecircnero tambeacutem seria uma terceira coisa que

combina que mistura aquela com esta como daacute a entender Dioniacutesio de Halicarnasso De

60

Compositione 21 15 ndash 18 (cf supra) Dioniacutesio afirmaraacute que esse uacuteltimo eacute justamente o

melhor (supra n 10)

A Retoacuterica a Herecircnio como se viu parece filiar-se a essa tradiccedilatildeo do nosso texto

pois aleacutem da terminologia conceitual lembra o texto de Plutarco na gradaccedilatildeo ldquomediacuteocre

[mediacuteocris] eacute a [figura] que se constitui de uma inferior [humiliore] mas natildeo a menor

[infima] e a mais coloquial [perulgatissima] dignidade das palavrasrdquo

Ciacutecero o descreveraacute no Orator 21 atente-se ao vocabulaacuterio ldquohaacute aquele que se situa

no meio entre eles [interiectus inter hos] e o faz como que temperado [temperatus] natildeo se

utilizando nem do acume destes [os tecircnues] nem da fulgecircncia daqueles [os grandiacuteloquos] natildeo

se excelindo em nenhum [in neutro ie no que natildeo eacute nem um nem outro mas estaacute no meio]

partiacutecipe [particeps ie tomando parte] tanto de um quanto de outro desprovido ndash a bem da

verdade ndash de maior potencialidade este como dizem flui num curso uacutenico natildeo trazendo

nada aleacutem de capacidade e igualdade ou entatildeo adiciona alguns adereccedilos [tori] como numa

coroa [ut in coronam] e distingue todo o discurso com moacutedicos ornamentos [ornamentis

modicis] de palavras e pensamentosrdquo Quanto agrave preferecircncia Ciacutecero parece divergir de

Dioniacutesio

Nas proporccedilotildees dos adereccedilos talvez permita entrever a concomitacircncia terminoloacutegica

observada natildeo soacute no escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio mas antes em Quintiliano que tambeacutem

aponta florido (com o correlato grego) como outro nome para o meacutedio Na descriccedilatildeo este

gecircnero serve para ldquoaprazerconciliaraplacarrdquo (conciliandi) por possuir como atributo a

ldquoleveza suavidaderdquo (lenitas) ldquoseraacute de uma maneira mais recorrente nas traslaccedilotildees

(variaccedilotildees ie tropos figuras de palavras) e mais agradaacutevel nas figuras ameno nas

digressotildees atado na composiccedilatildeo doce nos pensamentosrdquo (Inst Or XII 10 60) Como jaacute

mencionado no entanto (supra n 10) Quintiliano toma essa classificaccedilatildeo de forma larga

Concordante a isso antes de iniciar a descriccedilatildeo dos trecircs gecircneros (comeccedilando pelo florido por

sinal) em 59 afirma que esses estilos satildeo suficientes em si mesmos sem necessitar um a

ajuda do outro o que supotildee pelo menos que se possam misturar em momentos diferentes de

um mesmo discurso Posteriormente em 66 pensando numa gradaccedilatildeo proporaacute justamente a

partir do florido que assim como esse eacute o meio entre dois entre ele e os dois extremos a

outros intermediaacuterios bem como haveria ainda um extremo maior que cada um dos jaacute

enunciados Assim Quintiliano faz uma interpretaccedilatildeo da doutrina que em um aspecto o de

tomar a nomenclatura como uma medida pode se assemelhar agrave interpretaccedilatildeo de Ciacutecero que

no Brutus 55 201 expotildee rapidamente sua classificaccedilatildeo dupla segundo a qual considerando-

se o artiacutefice de bons oradores soacute haacute dois gecircneros cuja qualidade se deve observar o

61

ldquoatenuadordquo (tecircnueattenuantum) e ldquoconcisordquo (compacto premido pressum) e o

ldquosublevadordquo (sublatum) e ldquoamplordquo (amplum)

224 O molde florido

Em Plutarco (op cit 73) segue-se apoacutes a definiccedilatildeo dos trecircs referidos moldes

ldquoQue tambeacutem a espeacutecie florida dos discursos existe abundantemente

junto ao poeta possuidora de beleza e graccedila para agradar e deleitar

como flor ndash quem diria De fato a poesia eacute cheia desse tipo de

elaboraccedilatildeordquo

(trad do autor)

Cotejada com a Crestomatia e o escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio a passagem daacute indiacutecios de

que independente da dataccedilatildeo em algum momento dentro desta terminologia falava-se em

quatro moldes que satildeo reduzidos a trecircs ou assim se poderia conjecturar jaacute que pelo menos

nesse caso de Plutarco a julgar pelo emprego de outra palavra para se referir ao que eacute

designado como ldquofloridordquo (espeacutecie eidos) algueacutem poderia ao menos considerar os discursos

(os logoi) tambeacutem segundo essa quarta nomenclatura Natildeo eacute evidente como crecirc Severyns44

que Plutarco esteja assumidamente propondo que se trate de um quarto molde mas sem

duacutevida explicita que essa nomenclatura se empregava e poderia ser arrolada ainda que como

espeacutecie classificando algo de que em desacordo algum com o que sabemos da doutrina a

poesia estaacute cheia Aquilo a que serve tal eidos por assim dizer nessa Vita de Plutarco

concorda com a funccedilatildeo que Quintiliano circunscreve ao ldquofloridordquo ou ldquomeacutediordquo deleitar

agradar O vocabulaacuterio assemelha-se aqui os verbos teacuterpo hedyacuteno laacute os verbos delecto

concilio e o adjetivo iucuntus Na sua funccedilatildeo este florido natildeo diverge daquele de Quintiliano

O escoacutelio de Dioniacutesio Traacutecio como se viu circunscreve florido e meacutedio a um uacutenico molde ao

dizer com que se combina tal molde assemelha-se agrave liccedilatildeo da epiacutetome (com menos detalhes)

ldquo rdquo

44 op cit paacuteg 75

62

ndash ldquochama-se florido [antheroacutes] porque combina [harmoacutezei] principalmente com reportaccedilotildees

[apaggeliacutea] de descampados [leimocircnes] e flores [aacutenthe]rdquo

Dioniacutesio de Halicarnasso conforme visto usa ldquofloridordquo como outro possiacutevel nome

para o ldquopolidordquo (glaphyroacuten)45 mas descrevendo o que estaria no lugar do molde copioso na

triparticcedilatildeo ie o que se define essencialmente por receber ornato Essa indefiniccedilatildeo acerca do

lugar que o florido deveria ocupar na nomenclatura evidencia natildeo soacute diferentes interpretaccedilotildees

da doutrina como jaacute se pontuou mas explicita como elas foram adequando a profusatildeo a um

sistema de trecircs segundo diferentes necessidades descritivas

De modo geral se Dioniacutesio emprega o termo de maneira positiva na seccedilatildeo 2146 do

tratado sobre a composiccedilatildeo em que descreve trecircs virtudes geneacutericas do discurso das quais

pontua uma melhor e se posteriormente entre os romanos observamos uma triparticcedilatildeo que

funciona como medida de padratildeo (modernamente falando) de modo a chegar agrave flutuaccedilatildeo

observada nos trecircs textos gregos posteriores e lexicalmente afins pode-se conjecturar que a

possiacutevel confusatildeo indefiniccedilatildeo ou flutuaccedilatildeo quanto agrave posiccedilatildeo do quarto gecircnero estivesse

relacionada agrave funccedilatildeo e ao efeito pretendido por tal elocuccedilatildeo e a como a doutrina definia as

trecircs posiccedilotildees em prol deles que identificamos pelas trecircs funccedilotildees do orador Assim haveria

uma elocuccedilatildeo ornada a fim de deleitar ie que se orna pelo deleite que isso traz ao ouvinte e

que agrave maneira que se distinguem poesia e prosa seria como daacute a entender Plutarco comum

na poesia afinal essa tem sempre mais que a prosa e sua principal funccedilatildeo eacute deleitar e outra

elocuccedilatildeo mais ornada ainda cuja finalidade eacute entatildeo comover (em verso ou em prosa) e eacute

inevitavelmente poeacutetica mesmo que na prosa uma vez que eacute (se tomada como extremo)

inteiramente ornada

225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo

O particiacutepio que introduz o paraacutegrafo dedicado aos erros referentes aos moldes

expostos aposphaleacutentes que se traduziu por uma oraccedilatildeo equivale semanticamente a

hamarteacutema que pseudo-Longino emprega amplamente no seu tratado Do Sublime para

designar natildeo soacute o desvio do molde ou gecircnero mas qualquer falha discursiva em geral O

significado primeiro e mais baacutesico do verbo que origina este substantivo eacute ldquoerrar o alvordquo um

45 supra pg 52 46 supra pg 51 e 58

63

hamarteacutema eacute em princiacutepio um ldquodesacertordquo Aposphaacutello por sua vez tem o significado de

ldquodesviar-se errar o caminho passar longerdquo e designa por isso aquele que ldquopega um desviordquo

ie que ldquoerra o caminhordquo do discurso em certo molde ldquoenvereda-se erroneamenterdquo e atinge

uma via mudada daquela em que seguia Engendra portanto natildeo seu antiacutepoda positivo mas

uma forma defeituosa viciosa daquilo que deveria ser sua qualidade Vitia eacute o termo

empregado na Retoacuterica a Herecircnio (IV 11) correlato do grego kakiacutea que pseudo-Longino

emprega igualmente

A noccedilatildeo de que existiria uma medida ou pelo menos uma maneira correta de se aplicar

o princiacutepio baacutesico definidor de cada um dos gecircneros (o traccedilo geneacuterico) ou em outras palavras

o que aqui se denomina molde a fim de se produzir a forma bela aparece alhures e por

exemplo tem sua origem brevemente explicada no tratado Do Sublime em 5 1 3 ldquodaquilo

de que se nos origina o belo proacuteximo tambeacutem a isso os males gostam de se originarrdquo Esse

princiacutepio se sumariza por toda seccedilatildeo 5 apoacutes jaacute ter sido sistematicamente aplicado para

descrever atraveacutes de um vocabulaacuterio que eacute da fisiologia as formas que se pretendiam

sublimes mas resultam defeituosas (3 4 1 ndash 4)

[] κακοὶ δὲ ὄγκοι καὶ ἐπὶ σωμάτων καὶ λόγων οἱ χαῦνοι καὶ

ἀναλήθεις καὶ μήποτε περιιστάντες ἡμᾶς εἰς τοὐναντίον οὐδὲν γάρ

φασι ξηρότερον ὑδρωπικοῦ ἀλλὰ τὸ μὲν οἰδοῦν ὑπεραίρειν βούλεται

τὰ ὕψη τὸ δὲ μειρακιῶδες ἄντικρυς ὑπεναντίον τοῖς μεγέθεσι

feios satildeo os intumescimentos [oacutegkoi note-se o vocabulaacuterio] sobre os

corpos e sobre as palavras que flaacutecidos [chaucircnoi] e falsos

[analeacutetheis] jamais nos revertem ao seu contraacuterio [tounantiacuteon]

afinal nada mais seco [zeroacutetetos] que um hidroacutepico [hydroacutepikos]

Mas o inchaccedilo [oidoucircn] deseja subir [hypaiacuterein] agraves alturas [tagrave hyacutepse]

o pueril [meirakiocircdes] eacute que estaacute diretamente oposto [aacutentikry

hypenantiacuteon] agrave grandiosidade [toicircs megeacutethesi]

(traduccedilatildeo do autor)

Seguir-se-aacute entatildeo uma breve descriccedilatildeo desse pueril (ldquochatildeordquo [tapeinoacuten] ldquomesquinhordquo

[mikroacutepsychon] e ldquoo mais vulgarmente feiovicioso em essecircnciardquo [tocirci oacutenti kakograven

aggeneacutestaton] - idem 5 ndash 6) e de um terceiro viacutecio que se resume ao descomedimento do

paacutethos (afeto ou paixatildeo fora de hora [paacutethos aacutekairon] ou ldquodesmedidordquo quando se requer

ldquomedidardquo [aacutemetron eacutentha metriacuteou deicirc] (3 5 3 ndash 4)

64

Esse princiacutepio encontra-se enunciado aplicado e atribuiacutedo (quanto agrave sua origem) em

Demeacutetrio com um vocabulaacuterio que eacute da eacutetica (op cit 114)

Ὥσπερ δὲ παράκειται φαῦλά τινα ἀστείοις τισίν οἷον θάρρει μὲν τὸ

θράσος ἡ δ αἰσχύνη τῇ αἰδοῖ τὸν αὐτὸν τρόπον καὶ τῆς ἑρμηνείας

τοῖς χαρακτῆρσιν παράκεινται διημαρτημένοι τινές πρῶτα δὲ περὶ τοῦ

γειτνιῶντος τῷ μεγαλοπρεπεῖ λέξομεν ὄνομα μὲν οὖν αὐτῷ ψυχρόν

ὁρίζεται δὲ τὸ ψυχρὸν Θεόφραστος οὕτως ψυχρόν ἐστι τὸ

ὑπερβάλλον τὴν οἰκείαν ἀπαγγελίαν

Como algumas rudezas [phaulaacute] justapotildeem-se [parakeicircmai] a

alguns valores [asteicirca] como agrave coragem a impetuosidade vergonha

ao respeito da mesma forma alguns deslocamentos [diemartemenoi]

justapotildeem-se aos caracteres da elocuccedilatildeo Primeiramente falaremos

do que margeia [geitiniaacuteo] o magnificente Seu nome eacute friacutegido

[psychroacuten] Teofrasto delimitou [horiacutezomai] o friacutegido assim friacutegido

eacute o que excede [hyperbaacutello] a expressatildeo adequada [oikeiacutean]

(idem)

Eacute vaacutelido notar que aleacutem de se empregar um particiacutepio para nomear esse ato de

desviar-se errar (diemartemenoi) o verbo em questatildeo tem a mesma forccedila de aposphaacutello em

sua composiccedilatildeo e eacute um sinocircnimo desse Tambeacutem merece nota o verbo geitiniaacuteo ldquoavizinhar-

se fazer fronteira estar na margemrdquo de modo que natildeo seria lexicalmente errado dizer desses

desvios que satildeo ldquogecircneros marginaisrdquo Eacute aceite que a base para essa teoria que supotildee sempre

uma medida correta para a execuccedilatildeo da forma seja peripateacutetica o que por outro lado natildeo

nos deve levar a supor uma doutrina uniforme subjacente aos textos O princiacutepio sim parece

ter essa origem Deve-se observar assim que pseudo-Longino segundo criteacuterios e conceitos

que satildeo platocircnicos em origem estaacute preocupado em descrever o que atinge a grandeza o

sublime Ao fim portanto descreve um conjunto de trecircs viacutecios que satildeo a rigor o resultado de

uma tentativa equivocada de atingi-lo Natildeo eacute de se espantar entatildeo que a caracterizaccedilatildeo do

viacutecio pueril assemelhe-se ao que seria de certa forma uma versatildeo imperfeita do discurso que

no epiacutetome fociana estaria para o tecircnue denominado aqui por chatildeo [tapeinoacutes baixo

rasteiro] Contudo observa-se que o adjetivo trata na verdade de um julgamento moral sobre

aquele que tenta atingir o sublime de maneira fuacutetil ou vatilde O texto prossegue

ταπεινὸν γὰρ ἐξ ὅλου καὶ μικρόψυχον καὶ τῷ ὄντι κακὸν

ἀγεννέστατον τί ποτ οὖν τὸ μειρακιῶδές ἐστιν ἢ δῆλον ὡς

σχολαστικὴ νόησις ὑπὸ περιεργασίας λήγουσα εἰς ψυχρότητα

ὀλισθαίνουσι δ εἰς τοῦτο τὸ γένος ὀρεγόμενοι μὲν τοῦ περιττοῦ καὶ

65

πεποιημένου καὶ μάλιστα τοῦ ἡδέος ἐξοκέλλοντες δὲ εἰς τὸ ῥωπικὸν

καὶ κακόζηλον

(Pseudo-Longino De Sublimitate 345 ndash 51)

diz-se dele que tem o pensamento preguiccediloso [scholastikeacute noacuteesis] que por causa do

empolamento [periergasiacutea o excesso de coisas fuacuteteis] estagna-se em frigidez [psychroacutetes]

ldquoEscorregam nesse gecircnero os que almejam o prodigioso [tograve perittoacuten que em Dioniacutesio de

Halicarnasso era abundacircncia atributo do elevado] o produzido [pepoiemeacutenos] e

principalmente o prazer [hedyacutes] vagando para o espalhafatoso [rhopikoacuten] e afetado

[kakoacutezelon]rdquo A julgar por ldquoespalhafatoso afetado empolado prodigiosordquo etc temos uma

descriccedilatildeo que se aproxima mais do que poderiacuteamos conceber como a forma falha do molde

copioso que recebe a qualidade de ldquoexaltadordquo que se pode traduzir no contexto do discurso

por ldquopedanterdquo Comparado ao nosso modelo e agrave descriccedilatildeo de gecircneros e defeitos como

observamos na tratadiacutestica retoacuterica embora o princiacutepio seja peripateacutetico o tratado do sublime

natildeo se propotildee a prescrever todos os gecircneros bem sucedidos de elocuccedilatildeo mas concentra-se em

aplicar isso que aqui chamamos preceito ou teoria da medida para descrever tudo quanto pode

produzir um efeito o transporte [ekstaacutesis] e natildeo outro a persuasatildeo [peithoacute] (1 4 1) e eacute a

partir disso que descreveraacute os demais tipos de elocuccedilatildeo o que natildeo eacute seu foco (cf por

exemplo 8 1 e 33 1) Os tratados descrevem ainda que diferentemente os gecircneros da boa

elocuccedilatildeo e a partir deles a forma desproporcional da caracteriacutestica fundamental de cada um

De novo a adequaccedilatildeo (da medida no caso) a trecircs Por fim vale mencionar que esse criteacuterio

peripateacutetico se evidencia na Ars de Horaacutecio47

No epiacutetome de Foacutecio os dois defeitos derivados do desvio do molde copioso duro

[skleroacuten] e exaltado [epermeacutenon] parecem corresponder bem aos viacutecios que pseudo-

Longino refere um ao aspecto do discurso que eacute ldquoinfladordquo laacute ldquoinchadordquo e aqui ldquodurordquo

ldquomaciccedilordquo quase a ideia de ldquoaacutesperordquo no sentido de algo intrataacutevel em funccedilatildeo das saliecircncias

(que leva agrave ideia de ldquoaustero severo aacuterduordquo) outro parece mais relacionado ao afeto e ao

enunciador uma vez que ldquoexaltadordquo ie que estaacute muito acima do necessaacuterio contempla tanto

a ideia do pedantismo e da afetaccedilatildeo como do pathos fora de hora

O escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio que simplesmente emprega o verbo antikeicirctai para

designar a oposiccedilatildeo de gecircneros fala do duro como a epiacutetome mas do escasso [brachyacute]48

Lembrando o texto de pseudo-Longino e sua metaacutefora fisioloacutegica eacute a intumescecircncia de certa

regiatildeo que gera a secura e talvez assim possamos interpretar esse adjetivo no sentido de que

47 Cf Horaacutecio Arte Poeacutetica v 24 ndash 28 48 Op cit 449 32

66

para aleacutem dos adereccedilos desnecessaacuterios e demasiados esse gecircnero estaacute desprovido de sauacutede ou

da coacutepia que o caracteriza Aqui tambeacutem de certa forma o gecircnero vizinho e defeituoso

confunde-se com o oposto virtuoso Parece que no caso do escoacutelio o molde defeituoso eacute

entendido como um oposto propriamente inclusive a julgar pelo verbo que introduz a

passagem

A Retoacuterica a Herecircnio denomina esse gecircnero defeituoso de inflado [sufflata]49 bem

condizente com o aspecto fiacutesico do inchaccedilo de Pseudo-Longino e da macicez do epiacutetome e

contiacutenua pela metaacutefora fiacutesica para exemplificar ldquoAssim como um inchaccedilo [tumor como o

grego oacutegkos] pode parecer uma condiccedilatildeo saudaacutevel do corpo grave [grave] pode parecer o

discurso que turge [turget] e estaacute inflado [inflatum]rdquo natildeo agrave toa o tratado nos daraacute trecircs

possiacuteveis elementos desse gecircnero defeituoso que ou estatildeo para aquela dureza ou para o

empolamento e a afetaccedilatildeo inadequada ou se empregam palavras que satildeo muito recentes ou

arcaicas (ldquonouis aut priscisrdquo) ou usam-se metaacuteforas duras (ldquousa-se delas duramenterdquo ndash

ldquoduriter aliunde translatisrdquo) ou porque algo eacute dito com palavras mais graves do que a mateacuteria

exige (ldquograuioribus quam res postullat aliquid diciturrdquo)

Na divisatildeo quaacutedrupla de Demeacutetrio50 o gecircnero defeituoso eacute qualificado como

ldquofriacutevolordquo adjetivo empregado por Pseudo-Longino e que se associa a essa qualidade afetada

do discurso que traz muito mais do que o necessaacuterio O princiacutepio se torna praticamente uma

maacutexima no verso horaciano ldquoprofessus grandia turgetrdquo- ldquoa grandeza professa turgerdquo51

O adjetivo tapeinoacutes que no epiacutetome nomeia o desvio do molde tecircnue designa aquilo

que eacute baixo abjeto em diferentes contextos (social moral) etc Designa o aspecto vulgar e

rebaixado daquele falar hodierno do qual parte a linguagem bem sucedida deste gecircnero na

Retoacuterica a Herecircnio que qualifica o viacutecio como aacuterido [aridum] e exangue [exsangue]52

Aacuterido [xeroacutes] tambeacutem eacute o nome para Demeacutetrio do desvio do caraacuteter tecircnue Para pseudo-

Longino como visto53 essa aridez tem que ver com uma grandeza um aumento que natildeo se

realiza eacute mais um discurso vicioso que natildeo atinge aquele sublime O escoacutelio a Dioniacutesio

Traacutecio neste passo de fato parece confimar a hipoacutetese de nomear como viacutecio uma forma que

eacute oposta opotildee-se ao tecircnue o amplo [platuacute ou difuso referindo-se agrave elocuccedilatildeo] e grosso

[paxuacute espesso]54 que ora remetem ao hadron forma virtuosa Por fim em Horaacutecio talvez

esteja aqui aquele que procede com excessivo medo da elevaccedilatildeo ldquoserpit humi tutus nimium

49 Retoacuterica a Herecircnio IV 10 19 50 Supra paacuteg 52 ndash 53 51 Op cit v 27 52 Op cit IV 11 16 53 Supra paacuteg 57 54 Op cit 449 32

67

timidisque procellaerdquo ndash ldquoRasteja pelo chatildeo aquele excessivamente cauto e medroso da

procelardquo55

Quando ao desvio do molde meacutedio a primeira caracteriacutestica refere-se ao fato de o

discurso parecer incompleto inacabado tolhido argoacutes designando o objeto em que falta

trabalho ie em que o trabalho natildeo se concluiu Pelas liccedilotildees sobre a diferenccedila entre prosa e

poesia podemos pensar que talvez ele o seja por deixar a impressatildeo de carecer de ornato

quando uma de suas necessidades eacute possuiacute-lo a ponto de deleitar56

Parece que eacute neste sentido que o escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio57 que designa este

molde como florido denomina seu oposto por agleukeacutes amargo (em que natildeo haacute doce) e

logoieideacutes prosaico ie natildeo eacute tatildeo poeacutetico quanto precisaria O segundo termo empregado

eklelumeacutenon (solto desatado relaxado dilatado) parece estar associado justamente a esse

mau acabamento do ornato e eacute correlato ao termo com que a Retoacuterica a Herecircnio designa o

gecircnero vicioso dissoluto [dissolutum]58 ldquoque eacute sem nervos e articulaccedilotildeesrdquo ndash mantendo uma

metaacutefora fisioloacutegica (quod est sine neruis et articulis articulaccedilotildees) ndash de modo que posso

chamaacute-lo flutuante [fluctuans] jaacute que flutua caacute e laacute e natildeo possui a capacidade de andar

livremente com firmeza [confirmatis] e virilidade [uiriliter]rdquo Essa mesma noccedilatildeo de firmeza

que se exige para uma elevaccedilatildeo digna que natildeo eacute poreacutem a da coacutepia mas constitui um meio

termo parece condizer com o defeito daquele que na Ars horaciana almejando mais leveza

do que se deve acaba fraco ie sem nervos [nerui] e acircnimo [animi] ldquosectantem leuia nerui

deficiunt animiquerdquo59

3 A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA

31 SEUS GEcircNEROS

55 Idem v 28 56 Supra paacuteg 54 57 Op cit 449 32 58 Op cit IV 11 1 59 Op cit v 25 ndash 26

68

Eacute pelo emprego do adjetivo ldquopoeacuteticardquo [poietikeacute] no paraacutegrafo 11 da ediccedilatildeo de

Severyns60 319a 3 na ediccedilatildeo de Bekker que se inicia o extenso cataacutelogo de gecircneros e

espeacutecies poeacuteticas que basicamente constitui todo o restante do epiacutetome como parte principal

do objeto resumido Imediatamente a liccedilatildeo do epiacutetome estabelece o criteacuterio segundo o qual

divide dois grandes gecircneros de poesia

Chama a atenccedilatildeo o emprego de outro termo vimos que poiacuteema foi usado para

distinguir poesia e prosa no paraacutegrafo 3 e logo acima no paraacutegrafo 10 foi novamente

empregado como sinocircnimo de poiacuteesis Parece que esse termo se usa laacute enquanto em uma

primeira seccedilatildeo da obra em que se trataria da linguagem em geral contemplando toacutepicos

comuns agrave poesia e agrave oratoacuteria (que consequentemente servem para a prosa em geral como a de

um historiador logoacutegrafo etc) tais quais a elocuccedilatildeo e seus gecircneros virtuosos e viciosos o

eacutethos e o paacutethos Esses trecircs elementos correspondem natildeo perfeitamente agrave triparticcedilatildeo retoacuterica

que vem desde Aristoacuteteles natildeo perfeitamente porque a parte sobre os plaacutesmata fala somente

de elocuccedilatildeo e natildeo do logos como um todo e suas partes etc Assim nenhuma designaccedilatildeo

especiacutefica ou disjuntiva aparece ateacute aqui (ldquoretoacutericardquo ldquopoeacuteticardquo) salvo gramatikeacute do tiacutetulo

que nos serve de indiacutecio para conjeturar justamente sobre como essas liccedilotildees de diferentes

saberes satildeo tomadas aqui nas suas partes concernentes agraves letras

Apoacutes enfim uma primeira parte em que se tomaram essas liccedilotildees apenas no que

concerne agrave linguagem e seu uso por quem compotildee uma obra em prosa ou em verso

significando que desse ponto de vista as mesmas caracteriacutesticas se observariam na prosa de

um logoacutegrafo e nos versos de um tragedioacutegrafo natildeo havendo distinccedilatildeo salvo pelo fato de que

estes conteratildeo virtudes em maior quantidade passa-se entatildeo ao exame da poeacutetica

especificamente entendida como reuniatildeo das obras de poesia Pode-se conjeturar que o termo

(no genitivo e com forte carga partitiva cf nota 9) agora eacute empregado para delimitar o que eacute

assunto apenas referente a esse tipo de confecccedilatildeo A liccedilatildeo do coacutedice logo passa ao que

consiste dentro dessa perspectiva antes explicitada o tratamento da obra poeacutetica E o que

seria Os diferentes gecircneros em que se agrupam as composiccedilotildees considerada agora apenas a

composiccedilatildeo em verso e natildeo dentro do primeiro criteacuterio classificatoacuterio geral a elocuccedilatildeo

Em outras palavras e com implicaccedilotildees mais fortes o que eacute relevante para essa

abordagem das letras sobre a poesia e daiacute sem a elocuccedilatildeo apenas ela inicia-se pela sua

divisatildeo em gecircneros Natildeo agrave toa segue-se imediatamente a primeira e mais ampla distinccedilatildeo

60 Severyns op cit tomo II pg 33

69

geneacuterica relacionada ao que na Poeacutetica de Aristoacuteteles se designa apenas como o modo de

imitaccedilatildeo ou da mimese

Sabe-se que a Poeacutetica de Aristoacuteteles se insere em uma discussatildeo que jaacute estaacute bem

distante de muitos dos textos de base gramatical que foram escritos posteriormente sobre o

assunto embora natildeo tatildeo distante dos textos modelares da praacutetica

A divisatildeo entre poesia narrativa [diegematikoacuten] e imitativa [mimetikoacuten] ndash para cuja

traduccedilatildeo mantecircm-se aqui os termos latinos ndash tem por criteacuterio o modo enunciativo ie mais

especificamente quem eacute o enunciador Essa distinccedilatildeo vem como se sabe desde a Repuacuteblica

em que natildeo eacute dupla mas triacuteplice Nos termos do filoacutesofo (III 394b) a narraccedilatildeo da poesia e da

mitologia ou se daacute inteira por imitaccedilatildeo [diagrave mimeacuteseos] ou por relato do poeta ele mesmo [dirsquo

aggeliacuteas autoucirc toucirc poietoucirc ie de forma reportada pelo proacuteprio poeta] ou ainda por ambos

[aucirc drsquo amphoteacuteron] Esta uacuteltima eacute a forma mista em que ora o poeta fala ora a personagem

da qual Homero eacute o exemplo

A classificaccedilatildeo proposta por Platatildeo ocorre na conversa entre Soacutecrates e Adimanto e a

primeira menccedilatildeo aos modos de enunciar se daacute em 392a passagem em que Soacutecrates comeccedilaraacute

a delimitar e expor a doutrina falando primeiro da chamada haplecirc dieacutegesis

ou ldquonarraccedilatildeo simplesrdquo e da miacutemesis O problema e o foco de Platatildeo natildeo eacute

gramatical ou poeacutetico mas sim filosoacutefico-moral eacute um problema para a paideia da cidade a

imitaccedilatildeo plural ie uma pessoa empreender a imitaccedilatildeo de muitas pessoas (395a) uma vez

que a fidelidade dessas imitaccedilotildees seraacute prejudicada dada a impossibilidade de uma uacutenica

pessoa realizaacute-las todas adequadamente Eacute fundamental frisar que para Platatildeo mimese aqui eacute

algo muito mais restrito do que para Aristoacuteteles pois se trata puramente da imitaccedilatildeo que uma

pessoa faz a de outra ou da fala dela Para o filoacutesofo a narraccedilatildeo eacute primordial ou seja haacute a

narraccedilatildeo em princiacutepio e a imitaccedilatildeo eacute uma coacutepia de uma narraccedilatildeo que pertence a outrem

Platatildeo natildeo estaacute interessado em utilizar a distinccedilatildeo para analisar e classificar as praacuteticas

poeacuteticas Estaacute sim interessado em lidar com as implicaccedilotildees que as distinccedilotildees estabelecidas

trazem para sua filosofia e se as mentiras que podem ser contadas para em um mito jaacute podem

por si soacute natildeo fornecer um bom exemplo moral para a cidade imitar jaacute eacute por si soacute uma mentira

Em seu tratado Aristoacuteteles estaacute interessado entre outras coisas principalmente em

mostrar que primeiramente mimese ou imitaccedilatildeo eacute algo mais amplo possui uma funccedilatildeo

didaacutetica fundamental e justamente por isso quando julgada a poesia deve ser pensada dessa

perspectiva Isso explica antes de mais nada a exposiccedilatildeo da triparticipaccedilatildeo classificatoacuteria que

ocupa os trecircs primeiros capiacutetulos da Poeacutetica (natildeo agrave toa seguida de um quarto capiacutetulo e quem

o filoacutesofo fala justamente do valor didaacutetico da imitaccedilatildeo) em que se explicitam os criteacuterios

70

com os quais o filoacutesofo pensa mimese de que e poesia eacute uma espeacutecie A distinccedilatildeo dos modos

enunciativos portanto ocupa um ponto especiacutefico da doutrina aristoteacutelica

Ἔτι δὲ τούτων τρίτη διαφορὰ τὸ ὡς ἕκαστα τούτων μιμήσαιτο ἄν τις

καὶ γὰρ ἐν τοῖς αὐτοῖς καὶ τὰ αὐτὰ μιμεῖσθαι ἔστιν ὁτὲ μὲν

ἀπαγγέλλοντα ἢ ἕτερόν τι γιγνόμενον ὥσπερ Ὅμηρος ποιεῖ ἢ ὡς τὸν

αὐτὸν καὶ μὴ μεταβάλλοντα ἢ πάντας ὡς πράττοντας καὶ ἐνεργοῦντας

daggerτοὺς μιμουμένουςdagger ἐν τρισὶ δὴ ταύταις διαφοραῖς ἡ μίμησίς ἐστιν

ὡς εἴπομεν κατ ἀρχάς ἐν οἷς τε ltκαὶ ἃgt καὶ ὥς ὥστε τῇ μὲν ὁ αὐτὸς

ἂν εἴη μιμητὴς Ὁμήρῳ Σοφοκλῆς μιμοῦνται γὰρ ἄμφω σπουδαίους

τῇ δὲ Ἀριστοφάνει πράττοντας γὰρ μιμοῦνται καὶ δρῶντας ἄμφω

ὅθεν καὶ δράματα καλεῖσθαί τινες αὐτά φασιν ὅτι μιμοῦνται δρῶντας

(Aristoacuteteles Poeacutetica 1448a 19 ndash 29)

Descrevendo seu objeto pelos meios ( ) pela mateacuteria ( ) e o modo ( ) a

Poeacutetica traz a distinccedilatildeo dos modos na explicaccedilatildeo da terceira categoria para a qual Aristoacuteteles

distingue duas possibilidades (1448a 19 ndash 24)

[] pois eacute possiacutevel pelos mesmos meios imitar as mesmas coisas ora

relatando [reportando hotegrave megraven apaggeacutelonta] (ou tornando-se de

certa forma outro como faz Homero ou como si proacuteprio e natildeo

alternando) ou todos os que imitam como agentes e operantes [hoacutes

praacutettontas kaigrave energoucircntas]

Aristoacuteteles natildeo propotildee um gecircnero misto como Platatildeo o que natildeo significa que natildeo

observe o fenocircmeno que Platatildeo nomeia como um terceiro tipo Considerando que Aristoacuteteles

discute exatamente miacutemesis e um tipo especiacutefico dela parece que seu criteacuterio eacute a presenccedila ou

natildeo ndash referida reportada e daiacute inferida pelos ouvintes ndash da voz do poeta seja na figura dele

mesmo seja por traacutes da voz de outro como a personagem Parece que no outro gecircnero natildeo

haacute pelo menos para Aristoacuteteles essa voz natildeo ocorre esse reportamento mas a miacutemese se daacute

como atuaccedilatildeo ie pela accedilatildeo dos actantes e natildeo como relato Simplificando pode-se dizer

partindo do segundo membro do par que a composiccedilatildeo pertenceraacute a este ou agravequele gecircnero se

for encenada ou natildeo Mais abstratamente o resultado de uma deve ser a coisa a mateacuteria o

fato sendo executado realizado da outra reportado contado Partindo poreacutem do outro

membro do par a fim de se chegar a uma simplificaccedilatildeo ter-se-aacute um problema modernamente

Dizendo que uma eacute ldquoencenadardquo e a outra eacute ldquonarradardquo buscar-se-aacute entatildeo a ldquounidade de accedilatildeordquo

de que a Poeacutetica tanto fala de toda e qualquer espeacutecie arrolada como narrativa natildeo soacute nesta

obra atribuiacuteda a Proclo mas tambeacutem em outros textos que trazem classificaccedilatildeo geneacuterica Este

71

problema eacute o principal de nosso epiacutetome qual seria por exemplo a unidade de accedilatildeo de um

melos como o epiniacutecio

Em relaccedilatildeo a Platatildeo observam-se duas peculiaridades Primeiramente como eacute

justamente pelo valor cognitivo e didaacutetico da imitaccedilatildeo que Aristoacuteteles confere estatuto

filosoacutefico agrave poesia61 adota o conceito de miacutemesis como nomenclatura mais ampla para

nomear o fenocircmeno dentro do qual se insere a poesia Natildeo agrave toa o iniacutecio do tratado eacute

dedicado agrave miacutemesis dentro da qual a miacutemesis poeacutetica eacute uma espeacutecie No entanto o termo

ldquomimeacuteticordquo (ou imitativo) jaacute foi empregado por Platatildeo quem Aristoacuteteles busca refutar para

designar uma espeacutecie de narraccedilatildeo de mitos uma das trecircs maneiras arroladas na Repuacuteblica

Parece que por essa razatildeo natildeo adota o termo ldquomimeacuteticordquo para calssificar a imitaccedilatildeo

dramaacutetica como se observa poreacutem em praticamente todo o restante da tratadiacutestica posterior

de que a Crestomatia mesma seria um exemplo Prefere empregar os particiacutepios ldquoprattontasrdquo

e ldquoenergoucircntasrdquo para designar a atividade que empreendem e designar seu sujeito justamente

com outro particiacutepio de que tal atividade eacute pelo criteacuterio do modo espeacutecie ldquotougraves

mimoumeacutenousrdquo

Em segundo lugar parece que como haacute uma discordacircncia teoacuterica deste para aquele

implicando tambeacutem uma discordacircncia conceitual ie a repeito de miacutemesis referindo-se aos

modos da enunciaccedilatildeo Aristoacuteteles busca um denominador comum ou um elemento mais

baacutesico que permita uma classificaccedilatildeo diferente por isso abre matildeo do modo ldquomistordquo porque

nem leva em considera o modo ldquopor imitaccedilatildeo rdquo platocircnico O elemento mais

baacutesico que se pontua depende da presenccedila ou natildeo de um ator mas conforme dito acima isso

eacute consequecircncia o elemento propriamente eacute a voz ou natildeo do poeta mas no sentido de que ou o

discurso que nos reporta as accedilotildees eacute percebido como saindo da boca de outros que natildeo o poeta

ou mesmo que esse assuma a voz de outro o discurso que se ouve ainda nos eacute reportado pelo

poeta mudada sua voz na voz de outro que natildeo eacute senatildeo dependente da primeira voz ou um

construto o que se entende de ldquo relatando (ou tornando-se de certa forma outro como faz

Homero ou como si proacuteprio e natildeo alternando)rdquo [grifo do autor]

Poder-se-ia considerar dessarte a julgar pelo que foi acima exposto que o epiacutetome

traria a liccedilatildeo aristoteacutelica uma vez que natildeo menciona um gecircnero misto como Platatildeo e outros

textos que mencionam esse terceiro gecircnero por entenderem que no caso em que o ldquoeu-

poeacuteticordquo daacute voz a uma personagem haacute uma mistura das duas enunciaccedilotildees Para a triparticcedilatildeo

cuja origem recua ateacute Platatildeo essa interpretaccedilatildeo eacute verossiacutemil porque o raciociacutenio parece ser o

61 Cf Poeacutetica (cap IX) Porque a poesia representa o possiacutevel segundo a verossimilhanccedila eacute mais universal por

oposiccedilatildeo agrave historia particular Decorre para Aristoacuteteles que a poesia eacute mais filosoacutefica

72

mesmo como eacute o caso do texto por exemplo do livro III da Ars Grammatica de Diomedes62

que serviraacute para o cotejo com a Crestomatia a mesma ilaccedilatildeo natildeo vale para os textos que

trazem em vez de uma triparticcedilatildeo uma biparticcedilatildeo A concepccedilatildeo aristoteacutelica supotildee

obrigatoriamente a mimese de accedilatildeo e supotildee como fica expliacutecito agentes que podem ser

resultado da miacutemeses da voz do poeta (o poeta lhes daacute voz) ou podem ser eles mesmos donos

dessa voz ie atores e nesse caso o poeta natildeo fala nada (sua voz natildeo aparece)

Parece que os textos posteriores baseiam-se ou copiam uma biparticcedilatildeo que na obra de

Aristoacuteteles eacute traccedilada segundo os criteacuterios que define como proacuteprios da imitaccedilatildeo poeacutetica Eacute

fundamental poreacutem lembrar que Aristoacuteteles natildeo questiona nem faz apontamento algum

acerca da accedilatildeo de outras espeacutecies poeacuteticas aleacutem da trageacutedia da comeacutedia e da epopeia sendo

aquelas duas exemplo de poesia dramaacutetica e esta de narrativa

Natildeo se pode afirmar que o agrupamento de espeacutecies que se segue em textos como o da

Crestomatia seria aristoteacutelico mas poderiacuteamos conjeturar que como o sentido dado ao verbo

apaggeacutello (na referida passagem de Aristoacuteteles) talvez seja um pouco mais amplo do que em

Platatildeo a julgar pelo fato de que laacute primeiramente natildeo haacute um gecircnero intermediaacuterio e segundo

Homero eacute justamente o exemplo de poesia narrativa (enquanto em Platatildeo a poesia estaacute ao lado

do relato de mitos) todas as demais espeacutecies que natildeo as teatrais por nelas se supor a voz de

um poeta sejam ldquonarrativasrdquo no sentido de que o que quer que se cante eacute reportado ao

ouvinte pelo eacutethos de um poeta cuja voz se ouve63 independente da unidade de accedilatildeo da

presenccedila ou natildeo de mito da vitoacuteria do atleta das causas de uma festa ou da celebraccedilatildeo de um

deus ou heroacutei ainda mais se considerarmos que a oralidade nunca deixou de desepenhar

importante papel mesmo nas culturas escritas como a alexandrina ou a bizantina papel esse

determinante no entendimento que as artes e os textos de doutrina fizeram da poesia Eacute bom

ressaltar que os textos mesmos seguem suas convenccedilotildees explicativas e eacute justamente pela

repeticcedilatildeo ao longo dos seacuteculos que satildeo concebidas como autorizadas

Isso significa que as artes gramaticais posteriores podem ter se fiado em um criteacuterio

que eacute adotado senatildeo mesmo desenvolvido por Aristoacuteteles o que eacute diferente de dizer que

seguem sua doutrina afinal de contas o criteacuterio da accedilatildeo natildeo eacute sequer mencionado nesse tipo

de descriccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies salvo na explicaccedilatildeo sobre o desenvolvimento da eacutepica

O mais importante no fato de o texto da Crestomatia adotar como a Poeacutetica uma

biparticcedilatildeo eacute o fato de que natildeo segue entretanto a terminoliga aristoteacutelica que evita

62 Diomedes Artis grammaticae III paacuteg 482 63 Eacute nesse sentido que conforme visto (supra 134 pag 47 em diante) Dioniacutenio de Halicarnasso no tratado Da

Imitaccedilatildeo fala do eacutethos da poesia de Alceu

73

ldquomimeacuteticordquo para o gecircnero em que os actantes satildeo enunciadores talvez simplesmente porque a

interpretaccedilatildeo que se fazia da doutrina nesta obra optava por uma conceituaccedilatildeo simples em

dois gecircneros abrangentes apenas sem mistura mas natildeo estava preocupada em propugnar a

favor de uma conceituaccedilatildeo preferencialmente a outra pois natildeo se inseria em um contexto de

disputa pelo termo como se pode supor no caso de Platatildeo e Aristoacuteteles

O texto de Diomedes sec IV AC64 testemunha que diferentes termos gregos eram

conhecidos entre os romanos mesmos para nomear esses dois grandes gecircneros O texto do

livro III de sua obra poreacutem adota a triparticcedilatildeo Note-se a variedade terminoloacutegica

Os gecircneros de poema satildeo trecircs Com efeito o gecircnero eacute ativo ou

imitativo que os gregos chamam dramatikoacuten ou mimetikoacuten narrativo

ou enunciativo que os gregos chamam exegetikoacuten ou apangeltikoacuten

comum ou misto que os gregos chamam koinoacuten ou miktoacuten Eacute

dramatikoacuten ou ativo aquele em que atuam somente as personagens

sem interlocuccedilatildeo de algum poeta como ocorre nas faacutebulas traacutegicas e

cocircmicas gecircnero no qual foi escrita a primeira Bucoacutelica [de Vergiacutelio2]

e aquela cujo iniacutecio eacute ldquoquo te Moeri pedesrdquo [ldquoPara onde Meride

levam-te os peacutesrdquo] Eacute exegetikoacuten ou narrativo aquele em que o proacuteprio

poeta fala sem interlocuccedilatildeo de alguma personagem como ocorre nas

trecircs primeiras Geoacutergicas [de Vergiacutelio] e na primeira parte da quarta e

igualmente nos cantos de Lucreacutecio e em outros semelhantes a estes Eacute

koinoacuten ou comum aquele em que o proacuteprio poeta fala e as personagens

satildeo introduzidas falando como foram escritas a Iliacuteada e a Odisseacuteia

inteiras de Homero a Eneida de Vergiacutelio e outros semelhantes a

estes

(Diomedes Arte Gramatical livro III trad Izabella Lombardi

Gaberllini in LETRAS CLAacuteSSICAS n 9 p 231-243 2005 Paacuteg

231)

Agora em uma triparticcedilatildeo Diomedes testemunha o uso da nomenclatura ldquoimitativordquo agrave

que tambeacutem associa o termo ldquodramaacuteticordquo bem como a traduccedilatildeo latina dos respectivos nomes

Curioso notar tambeacutem que siga o criteacuterio semelhante ao de Platatildeo ilustrando o gecircnero misto

com a eacutepica de Homero e Vergiacutelio

Observaremos portanto que para os textos de doutrina (que possuem eles mesmos

como dito suas convenccedilotildees) principalmente esses de acendecircncia gramatical o que concerne

tatildeo somente agrave poesia eacute sua divisatildeo em gecircneros e espeacutecies em outras palavras seu

agrupamento segundo uma nomenclatura funcional que permita tratar da variedade das

composiccedilotildees herdadas dos antigos gregos Se de origem heleniacutestica e portanto

64 Holtz L apud Gaberllini (2005) paacuteg 1 A dataccedilatildeo da Ars Grammatica de Diomedes infere-se a partir do uso

que faz de Donato e Cariacutesio gramaacuteticos anteriores e pelas constantes citaccedilotildees de Prisciano

74

originariamente editorial essa nomenclatura em um texto como o da Crestomatia ou o da

gramaacutetica de Diomedes tornou-se didaacutetica e eacute de se supor no caso da primeira natildeo apenas no

sentido pedagoacutegico Temos muito bons indiacutecios para supor que essa nomenclatura natildeo se

propotildee riacutegida uacutenica infrangiacutevel porque ela mesma no caso da Crestomatia supotildee mais

restritas suas dimensotildees quando o assunto eacute a liacuterica65 O que observamos no cataacutelogo da liacuterica

eacute a preponderacircncia e o emprego de outro criteacuterio ou padratildeo explicativo que tambeacutem estaacute

presente nos gecircneros anteriores natildeo se busca explicar o que seja a poesia como o faz

Aristoacuteteles mas sim reunir quanta informaccedilatildeo eacute uacutetil para compreender as diferenccedilas entres as

diferentes espeacutecies No caso das espeacutecies diegeacuteticas ou narrativas que natildeo a liacuterica junto a um

criteacuterio de mateacuteria e metro que privilegia este em relaccedilatildeo agravequele quanto agrave antecedecircncia

emprega-se um criteacuterio etimoloacutegico que eacute em boa parte das vezes etioloacutegico tambeacutem porque

traz consigo a origem do dizer consequentemente a origem do referente do significante Esse

eacute o criteacuterio que perpassa todo o cataacutelogo liacuterico na sua forma mais baacutesica porque em alguns

casos o emprego de uma palavra como nomenclatura jaacute eacute por si mesmo autoexplicativo eacute o

caso das uacuteltimas subespeacutecies aquelas sobre circunstacircncias incidentais em que se opta pelo

verso Esse eacute tambeacutem o mesmo criteacuterio que no caso das espeacutecies anteriores agrave meacutelica (a eacutepica

a elegia e o iambo) organiza concomitantemente a metro e mateacuteria a exposiccedilatildeo da espeacutecie

poeacutetica na forma de uma breve histoacuteria que nas suas diferentes etimologias busca agrupar os

diferentes elementos arrolados convencionalmente para definir aquele tipo poeacutetico

32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS DE

DIOMEDES

Consoante ao exposto no item anterior natildeo eacute de espantar que os gecircneros arrolados

entre os imitativos sejam apenas aqueles dramaacuteticos ou teatrais no caso da Crestomatia de

Proclo enquanto observamos que o exemplo de Diomedes refere-se agrave faacutebula teatral em

geral66 e admite que como tal escreveram-se as Bucoacutelicas I e IX

65 Basta conferir como o cataacutelogo das espeacutecies meacutelicas eacute introduzido no epiacutetome sect33 (Severyns) 319b 33 66 ldquo() dramaticon est vel activum in quo personae agunt solae sine ullius poetae intcrlocutione ut se habent

tragicae et comicae fabulaerdquo ndash DIOMEDES op cit paacuteg 482 17 ndash 19 Diomedes provavelmente pontua o

elemento ldquofabulaerdquo logo aqui porque o mencionaraacute tratando posteriormente e em separado das espeacutecies

cocircmicas e traacutegicas Nada nos impede de conjeturar e tatildeo somente isso que tratando enfim do gecircnero mimeacutetico

nos demais livros da Crestomatia de que natildeo temos notiacutecia alguma o myacutethos aparecesse na obra Se a exposiccedilatildeo

75

Em ambos os textos o criteacuterio preponderante que estabelece a primiera distinccedilatildeo

dentro da qual os poemas se agruparatildeo eacute o modo enunciativo

Aquilo que seratildeo as espeacutecies no tratado de Proclo para Diomedes receberaacute o nome

simples de ldquocarminardquo ou ldquocantosrdquo designados como o resultado a obra em si uma vez que a

palavra latina designa assim o poema a composiccedilatildeo em verso Diomedes adota assim a

designaccedilatildeo jaacute corrente para essas formas poeacuteticas mas propotildee entre os carmes e os gecircneros

maiores outras espeacutecies que consideram agora o que se narra ou mimetiza e que satildeo

apresentadas como espeacutecies dos trecircs primeiros grupos elencados

ldquoPoematos dramatici vei activi genera sunt quattuor apud Graecos

traacutegica comica satyrica mimica apud Romanos praetextata tabernaria

Atellana planipesrdquo

(DIOMEDES op cit III apud Keil paacuteg 482 26)

ldquoOs gecircneros do poema dramatikoacutes ou ativo satildeo quatro entre os

gregos a [espeacutecie] traacutegica a cocircmica a satiacuterica a miacutemica entre os

romanos a pretextata a tabernaacuteria a atelana a planiacutepederdquo

(Trad GABERLLINI op cit 231)

Observa-se que no caso das espeacutecies gregas modelares (salvo pelos mimos) pelo

menos desde Aristoacuteteles67 a um criteacuterio primeiramente selecionado como mais geral porque

mais abrangente e baacutesico sobretudo por permitir a distinccedilatildeo imediata entre a poesia dramaacutetica

e as demais formas conhecidas segue-se uma subdivisatildeo desse criteacuterio que permite elencar e

subagrupar outras formas poeacuteticas geralmente obtusas em relaccedilatildeo agrave nomenclatura Eacute seguindo

o mesmo criteacuterio entatildeo que nos deparamos com outras espeacutecies mas agora do gecircnero

narrativo

ldquoExegetici vel enarrativi species sunt tres angeltice historice

didascalice angeitice est qua sententiae scribuntur ut est Theognidis

liber item chriae historice est qua narrationes et genealogiae

dos livros estivesse organizada como o epiacutetome 239 nos daacute a conhecer eacute de se crer que na sequecircncia do livro

III ocorresse a exposiccedilatildeo do gecircnero que natildeo foi discutido nos dois primeiros livros que o epiacutetome nos transmite 67 A reiteraccedilatildeo dos criteacuterios de unidade medida e adequaccedilatildeo ao longo da Ars Poetica de Horaacutecio ilustram-no

muito bem Sobre os mimos embora Aristoacuteteles mencione-os na Poeacutetica 1447b 8 ndash 12 e seja plausiacutevel que

segundo seu criteacuterio acional sejam miacutemesis poeacutetica nada mais nos eacute dito sobre eles no que temos da obra

76

conponuntur ut est Hesiodu et similia

didascalice est qua conprehenditur philosophia Empedoclis et Lucreti

item aslrologia ut phaenomena Aratu et Ciceronis et georgica

Vergilii et his similiardquo

(Idem paacuteg 482 31 ndash 483 3)

Assim o poema apenas narrativo pode ser ldquoenunciativo (angeltikeacute)rdquo quando apenas

enuncia coisas ie quando ocorre pura e simplesmente uma enunciaccedilatildeo direta ndash o exemplo

seria a poesia gnocircmica de Teoacutegnis e as khreicircai ou ldquomaacuteximasrdquo ditos ceacutelebres de personagens

ou figuras histoacutericas pode ser ldquohistoacuterico (historikeacute)rdquo quando o que se ldquonarra reporta relata

etcrdquo possui um sentido cronoloacutegicogenealoacutegico de que eacute exemplo O Cataacutelogo das Mulheres

de Hesiacuteodo pode ser ldquodidascaacutelica (didaskalikeacute)rdquo quando ensina e aqui satildeo exemplos os

Fecircnomenos tanto de Ciacutecero como de Arato ou as Geoacutergicas de Vergiacutelio mas tambeacutem os

poemas de conteuacutedo filosoacutefico de que satildeo exemplos Empeacutedocles e Lucreacutecio

Subdividindo a poesia mista menciona como exemplo a poesia heroica ie a poesia

de heroacuteis de que satildeo exemplo a Iliacuteada e a Eneida tambeacutem se refere agrave liacuterica mas aqui a de

Horaacutecio e Arquiacuteloco (DIOMEDES op cit 483 5 ndash 6)

Ora chama a atenccedilatildeo nesse uacuteltimo caso em comparaccedilatildeo ao texto do epiacutetome de

Foacutecio que operando com uma triparticcedilatildeo dos gecircneros enunciativos a liacuterica seja dada como

exemplo misto porque eacute plenamente possiacutevel imaginar que outro e natildeo o eu-poeacutetico fale

como uma personagem Como a Crestomatia opera com uma biparticcedilatildeo a liacuterica eacute posta junto

de todas as espeacutecies que natildeo satildeo modernamente falando teatrais pelo simples pressuposto de

que nelas quem fala eacute a figura do poeta podendo haver outra dependente dela

Ateacute aqui comparados em sua organizaccedilatildeo observamos que tanto a Crestomatia como

o livro III de Diomedes conhecido antigamente como De Poematibus68 partem de um criteacuterio

primeiro e abrangente que classifica os poemas pelo elocutor Ambos jaacute apresentam aiacute uma

primeira diferenccedila69 este uma divisatildeo tripartite aquele bipartite

O texto de Diomedes apresenta uma subdivisatildeo em espeacutecies que considera a mateacuteria e

a finalidade da composiccedilatildeo mesmo no caso dos poemas apenas narrativos (contemplando

assim ateacute poemas de ensinamento filosoacutefico) e distingue com outra nomenclatura agrave parte os

cantos ou carmina como formas que se definem pelo que parece ser um criteacuterio taacutecito de

68 Uma vez que essa seccedilatildeo por si soacute consiste em um pequeno livro sobre classificaccedilatildeo de obras poeacuteticas que se

inspiraria na obra perdida atribuiacuteda a Suetocircnio De Poetica 69 Aleacutem do fato sempre evidente de que a os textos gregos versam sobre as formas poeacuteticas gregas enquanto os

latinos versam sobre as formas gregas ndash feitas romanas pelos autores paacutetrios ndash e a formas apenas latinas

77

metro e mateacuteria Era de se esperar em princiacutepio que esses cantos correspondessem

diretamente aos grupos acima expostos ou que ao menos fossem explicitados como derivados

deles ou a eles associados essa associaccedilatildeo de forma explicita soacute se verifica para os casos do

epos e da poesia bucoacutelica no caso citado de Vergiacutelio70 Jaacute o texto atribuiacutedo a Proclo passa

direto dos gecircneros enunciativos para o nome de cada uma das espeacutecies narrativas gregas

equivalentes (salvo pela liacuterica que ocupa o epiacutetome extensamente) aos carmina de Diomedes

Em resumo natildeo haacute classificaccedilatildeo intermediaacuteria no texto grego

Ora haacute ao menos que se conjecturar a respeito dessas diferenccedilas e se natildeo pudermos

chegar a respostas definitivas podemos formular hipoacuteteses que permitam um melhor

vislumbre da categorizaccedilatildeo poeacutetica com que se preocupavam as gramaacuteticas antigas

Primeiramente a correspondecircncia entre os carmina de Diomedes e as espeacutecies

arroladas em Proclo eacute notaacutevel A equivalecircncia na verdade eacute principalmente do tipo de

classificaccedilatildeo que se desdobra que ndash agrave guisa de esclarecimento por enquanto ndash tem como

elementos baacutesicos os membros do esquema metro-mateacuteriaetimologia-etiologia Esse modelo

de classificaccedilatildeo e as semelhanccedilas entre os dois textos seraacute o foco da comparaccedilatildeo nas seccedilotildees a

seguir (infra 33 paacuteg 81 em diante) Interessam agora as diferenccedilas e a compreensatildeo

estrutural dos dois textos

O texto de Diomedes traz uma classificaccedilatildeo como notado que o texto de Proclo natildeo

Por quecirc Podemos conjecturar que Diomedes conhecendo duas classificaccedilotildees (uma que

apresenta na forma dos carmina pertencente ao mesmo modelo que a classificaccedilatildeo do texto

de Proclo) preocupa-se em dar conta das duas maneiras de classificar senatildeo em reuni-las e

tornaacute-las ambas operantes e natildeo excludentes procedimento que como se verifica a respeito

das etimologias eacute padratildeo

Parece que a primeira classificaccedilatildeo de Diomedes ausente em Proclo privilegia como

dito o criteacuterio mateacuteria considerando tambeacutem o fim a que o gecircnero enunciativo se destina Em

outras palavras eacute como se buscasse esgotar em subcategorizaccedilotildees o criteacuterio maior e

preponderante dos gecircneros enunciativos Assim as formas imediatamente subcategorizadas

satildeo espeacutecies dos trecircs grandes gecircneros segundo aquilo que ldquose narrardquo aquilo que ldquose

mimetizardquo (entenda-se ldquodramatizardquo diretamente dando voz a actantes) e aquilo que ldquose narra

e dramatizardquo simultaneamente Tal hipoacutetese talvez se confirme em se notando que espeacutecies

irmanadas dentro de um mesmo gecircnero o satildeo independente do metro Observe-se a poesia

gnocircmica de Teoacutegnins compocircs-se em diacutesticos elegiacuteacos os Fenocircmenos de Arato ou Ciacutecero

70 Gaberlinni (2005 paacuteg 1)

78

ou as Geoacutergicas de Vergiacutelio compuseram-se em hexacircmetro ambas no entanto satildeo

subespeacutecies do mesmo gecircnero pois constituem exemplo de poesia narrativa Assim se

explicaria o curioso caso da poesia heroica e da liacuterica em um mesmo gecircnero Mas note-se

tambeacutem Diomedes ao referir-se nesse passo agrave poesia tradicionalmente conhecida como

eacutepica (mais ainda agrave eacutepica por excelecircncia ndash trata-se de Homero e Vergiacutelio afinal) natildeo

emprega o termo ldquoeacutepicardquo ou ldquoeposrdquo porque esse eacute o nome de um carmen dentro da outra

categorizaccedilatildeo que tambeacutem desenvolveraacute O termo ldquoespeacuteciesrdquo rigorosamente emprega-se para

classificar as espeacutecies pela mateacuteria Da perspectiva da mateacuteria a poesia da Eneida ou da Iliacuteada

denomina-se ldquoheroicardquo pois versa sobre heroacuteis e natildeo ldquoeposrdquo embora da perspectiva dos

carmina como se sabe tambeacutem o seja Ao lado dessa poesia como mais um exemplo a liacuterica

citada natildeo eacute a liacuterica enquanto carmen os meacutele de Proclo em outras palavras a meacutelica como

um todo mas sim a liacuterica de Horaacutecio e Arquiacuteloco Evidentemente natildeo se excluem

composiccedilotildees de outros liacutericos Podemos imaginar que Diomedes provavelmente classificaria

sob essa nomenclatura ndash por que natildeo ndash parte de Safo uma vez que na sua ceacutelebre Ode a

Afrodite por exemplo ao dar voz agrave deusa que responde agrave prece do enunciador a poestisa

torna ldquomistardquo a enunciaccedilatildeo Uma liacuterica que natildeo o fizesse no entanto natildeo viria classificada

aqui

Buscando conciliar descriccedilotildees diferentes outra classificaccedilatildeo eacute a que em Diomedes

nomeia as composiccedilotildees como tal em separado a partir do resultado como ldquocantosrdquo Essa

classificaccedilatildeo ao que parece prioriza descrever a origem das formas poeacuteticas consagradas e

por isso seu criteacuterio preponderante eacute o metro seguido das explicaccedilotildees etimoloacutegicas e

etioloacutegicas que justificam como certo nome passou a se aplicar a certo tipo de composiccedilatildeo

natildeo univocamente pois assume que um mesmo nome se aplicava agrave confluecircncia de diferentes

mateacuterias que um metro pode incorporar para alguns casos dos quais o mais evidente eacute o da

elegia busca-se um denominador comum (sempre o lamento fuacutenebre) Mas a premissa

subjacente ndash posta em nossos termos evidentemente ndash seria carmen eacute uma nomenclatura

fechada que se aplica para nomear uma composiccedilatildeo levando em conta prioritariamente as

virtualidades do metro em relaccedilatildeo agrave mateacuteria Afinal de contas natildeo se conhece composiccedilatildeo em

diacutestico elegiacuteaco que almeje por exemplo cantar ldquofeitos e guerras de heroacuteisrdquo Categorizar e

explicar pela histoacuteria a composiccedilatildeo feita em certo metro mais especificamente dado uso de

um metro ndash senatildeo os usos dos metros ndash tornou-se ofiacutecio como visto do gramaacutetico A essa

seccedilatildeo do texto de Diomedes da classificaccedilatildeo dos carmina equivalem diretamente as espeacutecies

do texto de Proclo que natildeo aventando a subdivisatildeo por ldquoo querdquo se enuncia segundo os

79

gecircneros enunciativos propotildee os nomes das composiccedilotildees como as espeacutecies diretas dos grandes

gecircneros

Tal hipoacutetese torna mais clara a estruturaccedilatildeo do texto de Proclo pelo menos como o

resumo de Foacutecio o interpretou ao termo carmina de Diomedes equivale o termo poietikeacute de

Proclo Desde o princiacutepio do resumo o texto segue na esturtura de discurso indireto ldquoDiz

querdquo e entatildeo jaacute se expocircs a doutrinas sobre as virtudes da prosa e da poesia e qual o criteacuterio

discriminatoacuterio (os tropos figuras e todo o ornato ocorrem em maior abundacircncia na elocuccedilatildeo

poeacutetica) tambeacutem a doutrina dos trecircs moldes da elocuccedilatildeo Eacute em 319a 4 (sect12 SEVERYNS)

justamente apoacutes a menccedilatildeo ao juiacutezo de poesia que se inaugura a seccedilatildeo sobre os gecircneros

poeacuteticos

ldquoΚαὶ ὅτι τῆς ποιητ κῆς τὸ μέν ἐστι διηγηματικόν τὸ δὲ μιμητικόνrdquo

ldquoE da composiccedilatildeo poeacutetica diz que haacute o gecircnero narrativo e o imitativordquo

Evidentemente a traduccedilatildeo traz uma resoluccedilatildeo Literalmente ldquoE que da poeacutetica haacute o

diegeacutetico e o mimeacuteticordquo ou ldquoe que haacute o diegeacutetico e o mimeacutetico da poeacuteticardquo Como se vecirc o

trecho obriga a traduccedilatildeo a suprir algo que acompenhe o adjetivo ldquopoeacuteticardquo caso contraacuterio

pensar-se-aacute que aristotelicamente aborda-se aqui a Poeacutetica em um tratado sobre a teacutecnica

embora natildeo seja de todo errado entender que desse trecho em diante seratildeo abordadas

questotildees proacuteprias dessa teacutecnica e do conhecimento da poesia mas parece que a carga do

termo aqui eacute menos teacutecnica como se parafraseando o texto Proclo versasse sobre o que eacute

proacuteprio da poesia e portanto pode ser qualificado pelo adjetivo ldquopoeacuteticordquo

Pois havendo descrito trecircs doutrinas relevantes para analisar a composiccedilatildeo poeacutetica as

trecircs aplicaacuteveis igualmente agrave prosa e agrave poesia ndash a medida da elocuccedilatildeo para prosa e poesia

(pesando a balanccedila para esta) os plasmatai ou moldes e seus desvios e diferenccedila entre eacutethos e

paacutethos no juiacutezo de poesia ndash emprega-se o adjetivo para delimitar aquilo que concerne apenas

agrave poesia o que eacute apenas ldquopoeacuteticordquo ie proacuteprio agora do que eacute poema ndash termo que demarca a

oposiccedilatildeo com loacutegos ou prosa ndash e isso eacute justamente a classificaccedilatildeo dos poemas em narrativo ou

imitativo seguidos das espeacutecies daquele (eacute de se supor que nos livros que Foacutecio natildeo nos daacute a

conhecer arrolassem-se as espeacutecies imitativas) eacute nesse sentido portanto que a delimitaccedilatildeo

dos carminai Diomedes equivale ao poietikeacute de Proclo pois como se viu as

espeacutecies de Proclo (excetuando o cataacutelogo meacutelico) satildeo os carmina de Diomedes

80

Eacute mais do que evidente por isso tambeacutem que ambos os autores referiam-se a uma

mesma classificaccedilatildeo descritiva da poesia enraizada na gramaacutetica e a julgar pelos textos

difundida e profusa

Ambos os textos apresentam ainda uma terceira classificaccedilatildeo com algo em comum

(Diomedes apresenta quatro no total Proclo trecircs) os moldes da elocuccedilatildeo abordados antes da

classificaccedilatildeo geneacuterica na Crestomatia os ldquocaracteres do poemardquo (characteres poematos)

entre a exposiccedilatildeo das espeacutecies e a exposiccedilatildeo dos carmina em Diomedes que os nomeia em

particcedilatildeo quaacutedrupla e com nomes gregos makroacutes brakhyacutes meacutesos e antheroacutes

Essa classificaccedilatildeo seria uma das poucas ocorrecircncias do que em Fortunaciano lemos

como os geacutene pelikoacutetetos ou genera magnitudinis que diferentemente dos geacutene posoacutetetos

(cujo criteacuterio eacute a quantidade) pensam na grandeza na magnitude do discurso71 no que parece

ser uma tentativa de separaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de quantidade e a noccedilatildeo de extensatildeo do discurso

O que lemos na grande maioria dos textos como ldquomoldes gecircneros ou caraacutecteres da elocuccedilatildeordquo

aqui seria o criteacuterio da quantidade os geacutene posoacutetetos De qualquer forma o elemento em

comum com a Crestomatia eacute apresentar um criteacuterio que permita medir e avaliar a elocuccedilatildeo do

poema e assim tambeacutem julgaacute-lo por tal

O momento em que ocorrem ambas as distinccedilotildees nos respectivos textos vale menccedilatildeo

o conteuacutedo geral da obra de Proclo natildeo nos eacute acessiacutevel os indiacutecios arrolados nos capiacutetulos

anteriores levam-nos a crer que em seu iniacutecio para delimitar a poesia diferenciava-a da prosa

pelo criteacuterio da elocuccedilatildeo o que levava a uma discussatildeo sobre seus moldes Esse estudo da

elocuccedilatildeo era proacuteprio da tratadiacutestica retoacuterica de que o grande exemplar eacute Dioniacutesio de

Halicarnasso Sabemos por ele que pensando pelo ponto de vista da elocuccedilatildeo a anaacutelise da

composiccedilatildeo pelos moldes ou caracteacuteres se dava sobre a poesia e sobre a prosa Ora textos de

comentaacuterio gramatical conforme visto tambeacutem podiam recorrer a essa classificaccedilatildeo ou citaacute-

la Que essa doutrina fosse primeiramente exposta na Crestomatia quando em uma

introduccedilatildeo versava sobre a distinccedilatildeo prosa-poesia antes de partir para a classificaccedilatildeo dos

gecircneros poeacuteticos e que os geacutene pelikoacutetetos ocorram antes da menccedilatildeo dos carmina como

outro criteacuterio preponderantemente classificatoacuterio da poesia (justamente a elocuccedilatildeo) em uma

seccedilatildeo do texto que se propotildee a discutir somente a poesia sem mencionar a prosa sequer por

ensejo de distinccedilatildeo isso junto das outras similaridades de organizaccedilatildeo tende a cofirmar a

abordagem de base gramatical que vai se estabelecendo ao longo dos seacuteculos e que natildeo

71 Cf GABERLLINI Traduccedilatildeo e Comentaacuterio da Arte Retoacuterica de Consulto Fortunaciano paacuteg 57 ndash 63

Tambeacutem DOS SANTOS MM As Epiacutestolas de Horaacutecio e a confecccedilatildeo de uma ars dictaminis o opus p 142

Cf Bibliografia

81

descreve a poesia a partir de Aristoacuteteles Se a distinccedilatildeo pela elocuccedilatildeo insere-se dentro da

diferenciaccedilatildeo entre prosa e poesia na Crestomatia no caso do De Poematibus o criteacuterio jaacute eacute

dado inclusive depois do criteacuterio maior como maneira jaacute aceita pela qual tambeacutem se julgam

ou se medem pelo criteacuterio de grandeza no caso os poemas Tal mediccedilatildeo de grandeza para

elocuccedilatildeo embora sirva para essa em geral eacute apresentado como criteacuterio dentro da classificaccedilatildeo

da poesia jaacute assumido como maneira de se julgar poemas pois satildeo ldquocaracteres do poemardquo

sem nenhuma menccedilatildeo agrave prosa o que os poemas tambeacutem se classificavam assim

Nenhum desses criteacuterios eacute tratado ou descrito como condiccedilatildeo sine qua non se diraacute que

algo eacute poesia tais criteacuterios pelo contraacuterio proveem agravequeles que visam agrave explicaccedilatildeo dos

gecircneros manancial variado para descrever dentro de suas respectivas variaccedilotildees (mas

atentando aqui e ali a noccedilotildees semelhantes) as diferentes praacuteticas poeacuteticas da Antiguidade

Esses textos partem de outro ponto que natildeo o criteacuterio de Aristoacuteteles da miacutemesis de accedilatildeo como

o elemento base que define a poeacutetica

33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO

A noccedilatildeo de accedilatildeo ocorreraacute concomitantemente no epiacutetome e no De poematibus apenas

quando ambos abordam o epos Consequentemente soacute voltaraacute a aparecer no texto latino

quando se ateacutem agrave trageacutedia e agrave comeacutedia

A filiaccedilatildeo do texto grego e do texto latino a um mesmo meacutetodo ou forma de pensar e

expor o objeto se explicita agrave medida que os carmina de Diomedes equivalentes agraves espeacutecies

gregas de Proclo trazem etimologias semelhantes em passagens tambeacutem semelhantes de uma

breve histoacuteria de cada um dos tipos de composiccedilatildeo classificados pelo criteacuterio taacutecito de metro e

mateacuteria (semelhanccedila que evidentemente natildeo ocorre para as espeacutecies latinas ausentes no texto

grego) Em outras palavras natildeo apenas as etimologias satildeo as mesmas mas a histoacuteria que se

compotildee com elas revelando uma interpretaccedilatildeo convencionada e autorizada das informaccedilotildees

provedoras de uma mesma organizaccedilatildeo de fatos ilustrativos e explicativos do que em

Diomedes ganha o tiacutetulo de carmina

Como razatildeo histoacuterica da fixaccedilatildeo ao longo dos seacuteculos dessa forma de se exporem os

gecircneros e espeacutecies poeacuteticos devem-se considerar natildeo soacute o estabelecimento dos criteacuterios

editoriais alexandrinos como criteacuterios tambeacutem exegeacuteticos mas por que isso ocorreu A

82

relevacircncia desse fator natildeo estaacute apenas no fato de que graccedilas a essa atividade editorial os

poetas satildeo transmitidos estaacute mais especificamente sim no que consiste essa transmissatildeo eacute

por meio dela que se tornaratildeo objeto do conhecimento no traslado de uma cultura

essencialmente oral para um mundo da erudiccedilatildeo letrada Eacute segundo esses criteacuterios e essa

classificaccedilatildeo que satildeo organizados e pensados Natildeo eacute necessaacuterio elocubrar no caso plural do

melos Basta conceber que aleacutem de Homero muita poesia hexameacutetrica que narrava uma ou

muitas accedilotildees (porque Aristoacuteteles mesmo notifica-nos de poetas que natildeo seguem o criteacuterio que

ele expotildee em seu tratado) esteve em matildeos dos eruditos ou filoacutelogos da biblioteca carecendo

de uma classificaccedilatildeo que ndash e isso eacute o mais relevante ndash ora se tornava necessaacuteria

Bem como se reuacutenem nesse periacuteodo as diferentes formas poeacuteticas reuacutenem-se

tambeacutem diferentes dados doutrinais explicativos bem como se observam formas

convencionadas no discurso poeacutetico e suas variaccedilotildees a partir daiacute observam-se tambeacutem formas

convencionadas de descriccedilatildeo doutrinal e suas variaccedilotildees

Dentro dessa perspectiva histoacuterica a razatildeo de ordem doutrinal que torna relevante o

criteacuterio etimoloacutegico e a presenccedila de mais de uma etimologia para muitos casos

principalmente das espeacutecies poeacuteticas de nomenclatura corrente (os carmina de Diomedes) eacute a

abrangecircncia de explicar o nome da coisa a fim de explicar a coisa A explicaccedilatildeo do nome da

coisa trazendo os diferentes fatores que deram origem a seu nome pontua os elementos pelos

quais a proacutepria coisa o recebeu sendo indiretamente sua explicaccedilatildeo Por isso a etimologia

vem acompanhada de explicaccedilotildees etioloacutegicas quando uma explicaccedilatildeo natildeo eacute ela mesma as

duas coisas ie etimologia-etiologia Mais uma vez tem-se um quadro de soma de

informaccedilatildeo relevante para esclarecer minimamente como aquela espeacutecie poeacutetica veio a ser

Assim natildeo eacute de espantar que mais de uma etimologia seja apresentada sem que se

selecione uma como verdadeira Agraves vezes o autor pode se pronunciar a respeito delas e

apontar uma ou outra como equivocada mas geralmente as arrola como possibilidades

igualmente verdadeiras Em alguns casos parece preferir uma a outra mas natildeo se vecirc por parte

dos antigos a preocupaccedilatildeo de crivaacute-las repetidamente para se obter uma uacutenica e definitiva

(como eacute proacuteprio de nosso meacutetodo cientiacutefico) e seria ilusoacuterio esperar que o fizessem apenas

porque o fazemos jaacute que isso natildeo estaacute a seu alcance e nem teria como ser seu foco72 Os

textos antigos preocupam-se antes em coligir as diferentes etimologias e etiologias e fornececirc-

las todas como igualmente verossiacutemeis como teoricamente plausiacuteveis porque cirscunscrevem

o toacutepico de maneira geralmente didaacutetica e autoexplicativa Equivocou-se Severyns portanto

72 Apenas agrave guisa de ilustraccedilatildeo devemos considerar do ponto de vista linguiacutestico que os antigos gregos natildeo

tinham agrave sua disposiccedilatildeo tudo quanto hoje sabemos sobre o proto-indoeuropeu

83

apesar de seu refinamento e equivoca-se quem tente descobrir qual etimologia estaria no

texto ocupando o status de verdadeira Comparada Crestomatia ao texto de Diomedes que

possuiacutemos integralmente vemos natildeo haver o objetivo de para cada seacuterie de etimologias e

explicaccedilotildees da origem de uma espeacutecie poeacutetica selecionar a ldquouacutenicardquo etimologia verdadeira em

detrimento das demais

Por fim deve-se recordar que ldquorevelar as etimologiasrdquo e ldquoexplicar as histoacuteriasrdquo o que

sabemos ser parte da exegese textual dos antigos eram ou pelo menos se tornam como visto

em nossa reflexatildeo sobre o proecircmio da Ars de Dioniacutesio Traacutecio ofiacutecio do gramaacutetico Esse eacute o

elemento chave que daacute espaccedilo nos textos de gramaacutetica ou como dito de ascendecircncia

gramatical agrave descriccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies da poesia Teoricamente o gramaacutetico ou o

enfoque gramatical desarrola a exposiccedilatildeo da poesia por gecircneros e espeacutecies como modelo das

letras e lhes explica os nomes Essa eacute sua funccedilatildeo Natildeo as explica filosoficamente A causa ou

etiologia vem por necessidade se eacute relevante ou se a etimologia natildeo a conteacutem por ser

autoexplicativa

331 Epos

3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria

A primeira definiccedilatildeo de epos que se lecirc no texto de Diomedes eacute hauridade de Teofrasto

ldquoEpos se diz em grego a inclusatildeo das accedilotildees divinas heroicas e humanas no canto hexacircmetro

eacutepos estigraven periokhegrave theiacuteon te kaigrave heroiumlkocircn kaigrave anthropiacutenon pragmaacuteton73rdquo74 Como se vecirc essa

primeira definiccedilatildeo pontua claramente o elemento ldquoaccedilatildeordquo mas chama atenccedilatildeo outro elemento

de ordem terminoloacutegica o fato de que epos se defina pela ldquoinclusatildeordquo (periokheacute) das ldquoaccedilotildeesrdquo

(praacutegmata) no metro Natildeo soacute se verifica o criteacuterio metro-mateacuteria mas tambeacutem a sucessatildeo

desta agravequele A definiccedilatildeo atribuiacuteda a ningueacutem menos que o sucessor de Aristoacuteteles afirma

mais uma vez a preponderacircncia da accedilatildeo como elemento definidor da poesia narrativa por

excelecircncia mas o emprego do plural abre margem a conjecturas porque permite a leitura

73 Fortenbaugh et ali Theophrastus of Eresus Brill 1993 apud Gaberllini (2005) 74 Gaberllini op cit pg 233

84

segundo a qual natildeo eacute necessaacuteria a unidade de accedilatildeo basta que os hexacircmetros ndash parte-se do

metro ndash tragam accedilotildees e recebem o nome de epos

Essa seria a definiccedilatildeo simples de epos segundo metro e mateacuteria Restaria explicar

como isso se deu e aiacute se tem a mesma etimologia de Proclo justamente aquela que segundo

Severyns eacute absurda e natildeo poderia ser aceita como a endossada por um autor como Proclo

Proacutepria ou natildeo absurda ou natildeo ela explica a histoacuteria do epos de maneira coerente e

verossiacutemil dentro da tratadiacutestica trata-se da etimologia que aproxima epos do verbo hepomai

(seguir) Essa seria a origem da palavra Um ldquoeposrdquo (palavra) seria uma corruptela de algo

que se segue e assim se empregou a palavra para designar alguma coisa que ldquose seguiardquo nos

hexacircmetros apoacutes a descoberta do metro (mais uma vez anterior agrave adiccedilatildeo de accedilotildees) ldquoparagrave tograve

heacutepesthai en autocirci tagrave hexecircs meacutere toicircs proacutetoisrdquo75 O elemento sequencial apresentado por

Diomedes eacute a proacutepria consecuccedilatildeo das partes e das accedilotildees ie o proacuteprio elemento consecutivo

da narraccedilatildeo hexameacutetrica No caso da etimologia da Crestomatia aquilo que se segue a

consecuccedilatildeo satildeo as accedilotildees em relaccedilatildeo aos oraacuteculos accedilotildees que foram consoantes aos ouvidos

As duas etimologias natildeo satildeo a rigor completamente diferentes porque na verdade

trabalham com o mesmo elemento na expressatildeo ldquoforam consoantesrdquo (syacutemphona ecircn)76 da

Crestomatia supotildee-se a perfeita acomodaccedilatildeo entre accedilotildees e hexacircmetro comum a essa

exposiccedilatildeo do epos que se dessarola nos dois textos O texto de Diomedes natildeo agrave toa seguindo

o procedimento de compor uma breve histoacuteria com as informaccedilotildees agrave disposiccedilatildeo diraacute logo na

sequecircncia que ldquo() Na verdade o verso hexacircmetro se diz precipuamente eacutepos pois que por

primeiro o deus vate77 incluiu neste verso as palavras da resposta por assim dizer em muacutetua

consecuccedilatildeo de onde [vem] posteriormente por catacrese o termo o eacutepos por outros foi dita a

palavra e a proacutepria escrita consecutiva do discurso prosaicordquo78 Aqui como na Crestomatia a

associaccedilatildeo entre epos e palavra embora interpretada diferentemente Na Crestomatia porque

as composiccedilotildees hexameacutetricas passaram a se destacar demais e a exibir enorme superioridade

passaram a se designar por antonomaacutesia ldquopalavrardquo por serem a palavra por excelecircncia O

argumento se pauta na analogia com outros termos que designam pessoas ldquopoetardquo por

ldquoHomerordquo ldquooradorrdquo por ldquoDemoacutestenes Nela como visto o elemento ldquoconsecussatildeordquo se daacute

quando naturalmente das respostas do oraacuteculo percebe-se que a inclusatildeo de accedilotildees resultava

consoante ao metro Ora eacute uma diferenccedila de apresentaccedilatildeo da ideia mas esta de modo taacutecito

75 Diomedes 484 8 76 Proclo in Foacutecio 319a 10 ndash 11 in Severyns op cit sect13 77 Apolo 78 ldquo[] praecipue vero hexameter versus epos dicitur quoniam quidem hoc versu verba responsi in mutuam ut

sic dixerim consequentiam primus deus vates conprehendit unde postea abusive verbum et solutae orationis

ipsa scriptura consequens ab aliis epos dictumrdquo Diomedes (484 8 ndash 12)

85

eacute muito semelhante O texto de Diomedes traz a ilaccedilatildeo de que essa respota que se seguia era

um dizer um eacutepos e que seu nome se estendeu agraves composiccedilotildees com o tempo quando se deu

aquela inclusatildeo das sequecircncias de accedilotildees por catacrese (ldquounde postea abusive verbumrdquo) e natildeo

por antonomaacutesia Se essa informaccedilatildeo natildeo vem expressa no texto grego pode-se supor que

estaacute subentendida ao nomear a profetiza de Apolo que primeiro professou os oraacuteculo no metro

hexameacutetrico Femocircnoe composto de phemiacute (dizer) e nocircus (pensamento)

Como comprovaccedilatildeo da propagaccedilatildeo do nome o texto latino menciona que a extensatildeo

de sentido se deu ateacute o ponto de alguns usarem o termo tambeacutem para a fala e a escrita do que

denomina ldquodiscurso prosaicordquo ie a fala no que se pode supor a praacutetica oratoacuteria O mesmo

tipo de demonstraccedilatildeo seraacute empregado na Crestomatia mas laacute o exemplo satildeo os triacutemetros que

tambeacutem recebiam de alguns a designaccedilatildeo ldquoeacuteperdquo Vale lembrar que jaacute segundo Aritoacuteteles o

discurso das personagens se adaptou no estaacutegio final do desenvolvimento da trageacutedia ao

triacutemetro que eacute comum da fala79 Observa-se pois o mesmo tipo de argumento expresso com

exemplos parcialmente diferentes se considerarmos que a ambos subjaz o elemento ldquofala

comumrdquo natildeo tatildeo elevada menos poeacutetica de acordo com o criteacuterio do ldquomais e do menosrdquo da

elocuccedilatildeo segundo o qual a poesia naturalmente mais elevada deve conter em maior nuacutemero

as mesmas virtudes da prosa80

Os mesmos pressupostos subjazem agraves duas exposiccedilotildees lembrando sempre que no

caso de Diomedes isso vale apenas para o que diz da origem grega das espeacutecies poeacuteticas uma

vez que para cada carme fala da invenccedilatildeo entre os latinos As diferenccedilas ficam por conta de

um exemplo ou da maneira e da ordem atraveacutes das quais cada texto compotildee sua breve histoacuteria

explicativa da espeacutecie poeacutetica contudo ndash enfatizando mais uma vez ndash utilizando os mesmos

criteacuterios e causas consolidados Ora em nenhum momento Diomedes nega ndash mas pelo

contraacuterio deixa claro ndash que segue a preceptiva grega

Se pensarmos que esquematicamente os traccedilos apresentados satildeo

a ndash eacutepos ndash heacutepomai (ldquosyacutemphona ecircnrdquo)

b ndash uso primitivo do hexacircmetro nas respostas dos oraacuteculos

c ndash compreensatildeo das accedilotildees

79 Mais precisamente Aristoacuteteles diz que na fala comum os triacutemetros ocorrem repetidamente enquanto os

hexacircmetros satildeo poucos Cf Poeacutetica 1449a 23 ndash 27 80 De fato Aristoacuteteles na referida passagem diz que os hexacircmetros ocorrem quando na fala hodierna

desviamo-nos do registro coloquial ndash ldquoekbaiacutenontes tecircs lektecircs harmoniacuteasrdquo

86

d ndash confusatildeo entre fala hexameacutetrica e fala comum e extensatildeo para outros tipos de fala

(eacutepe)

a exposiccedilatildeo em Proclo seguiria um arranjo sequencial b a c d em Diomedes c a b d

3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico

Do que foi exposto no item anterior resulta nesta classificaccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies

poeacuteticos um criteacuterio que agruparia como epos toda poesia hexameacutetrica arcaica Mais

precisamente segue-se que por uma exposiccedilatildeo histoacuterico-etioloacutegica propotildee-se um conjunto

de traccedilos que agrupariam um poema na categoria ldquoeposrdquo A classificaccedilatildeo natildeo eacute como em

Aristoacuteteles exclusiva por tentar delimitar criteacuterios especiacuteficos e particularizantes mas

inclusiva porque assume mais de um criteacuterio ou traccedilo que permitiria incluir um poema no

gecircnero e apresenta as causas de cada um desses traccedilos como coexistentes

Por esse criteacuterio a rigor ndash e isso merece destaque no texto de Proclo ndash a invenccedilatildeo ou

descoberta do epos sua heuacuteresis eacute a descoberta do hexacircmetro e seu desenvolvimento ndash todas

as exposiccedilotildees mais detidas de espeacutecies seguem o esquema descoberta-desenvolvimento ndash

ocorre a partir do momento em que ldquose seguemrdquo as accedilotildees Parece que essa seria a exegese

mais literal dessa exposiccedilatildeo do epos como se encontra em Proclo e Diomedes Isso implica

que a rigor se o que Femonoe profetizava em hexacircmetros era ldquoeposrdquo ora poderiacuteamos

conceber um epos sem accedilatildeo Por isso talvez o segundo elemento etimoloacutegico imediatamente

arrolado seja o que propotildee a sucessatildeo imediata das accedilotildees por cosonacircnsia natural Vale

menccedilatildeo que a consonacircncia por si soacute seja ndash como por natureza ndash argumento suficiente (cf

supra 74)

Por esse criteacuterio abrangente observa-se que o texto de Proclo traria uma seccedilatildeo que natildeo

ocorre no livro III de Diomedes afinal de contas este natildeo teria a menor intenccedilatildeo embora

ambos compartilhem o mesmo ensejo didaacutetico e o mesmo modelo de categorizaccedilatildeo de

abordar detalhadamente o epos grego e daacute-lo a conhecer de modo geral agravequele que busca

instruccedilatildeo a seu respeito A Crestomatia traria nesse passo antes da apresentaccedilatildeo da elegia

uma discussatildeo geral de diferentes aspectos teoacutericos relacionados aos poemas classificados e

87

herdados como epos Como parte dessa discussatildeo eacute provaacutevel que se apresentassem

resumidamente evento a evento diferentes poemas contendo o ciclo eacutepico

A primeira peculiaridade aqui se refere ao fato de que os eventos mencionados por

Foacutecio (sect17) natildeo condizem com os eventos iniciais do primeiro poema na cronologia que nos

chega resumido a saber as Ciacuteprias que se iniciariam com Zeus tramando a guerra de Troia

junto a Tecircmis Considerando-se o episoacutedio das narraccedilotildees mitoloacutegicas com o qual o epiacutetome

de Foacutecio pontua o iniacutecio do ciclo verificamos que os fragmentos natildeo o contecircm por completo

uma vez que se iniciam com os poemas que visam ldquocompletarrdquo ndash ldquo

sympleroucircmenosrdquo ndash Homero (sect19) narrando fatos concernentes agrave guerra a partir de suas

causas que natildeo se encontram nem na Iliacuteada nem na Odisseia Eacute provaacutevel portanto que o

texto de Proclo transmitisse aqui de poemas como a Teogonia de Hesiacuteodo ou a

Titanomaquia atribuiacuteda a Eumelo eventos cosmogocircnicos concernentes agrave origem do mundo e

dos deuses culminando no reinado de Zeus e na Guerra de Troia a julgar inclusive pelo que

seria um dos toacutepicos do texto de Proclo destacado como relevante por Foacutecio a vir na

sequecircncia ldquotagrave mythologoucircmenardquo (sect19) ie as narraccedilotildees miacuteticas

O fato de Ceacuteu natildeo ser apresentado explicitamente como filho de Terra e de mesmo

assim a uniatildeo e a prole de ambos seguirem o padratildeo arcaico como se lecirc em Hesiacuteodo gerando

centiacutemanos e ciclopes (sem menccedilatildeo aos titatildes poreacutem) sugere a hipoacutetese defendida por

Severyns (paacuteg 87 ndash 88 n 17) de que Proclo se referia aqui agrave Titanomaquia jaacute entendida por

Ateneu (VII 277d ndash e) como poema do ciclo Nessa Ceacuteu seria filho do Ar (ou Eacuteter)81

O epiacutetome nos informa pela lista de cinco nomes anteriormente apresentada (sect15)

que dentro dessa interpretaccedilatildeo de epos Hesiacuteodo era exemplo da espeacutecie bem como outros

trecircs poetas que ou escreveram sobre Heacuteracles ndash sem atender como se sabe ao criteacuterio da

unidade de accedilatildeo por que Aristoacuteteles propugnaraacute (Poeacutetica VIII 1451a 16 ndash 35) ndash ou sobre as

guerras e eventos em torno da cidade de Tebas Os episoacutedios da Teogonia de Hesiacuteodo

portanto natildeo soacute seriam epos como tambeacutem de uma perspectiva a posteriori aquilo que

poetou faria parte do manancial episoacutedico que servia de mateacuteria prima aos poetas de epos A

respeito de Paniacuteasis Pisandro e Antiacutemaco resta a duacutevida que eram poetas de epos segundo

um mesmo criteacuterio que agrupava Hesiacuteodo e Homero natildeo haacute duacutevidas porque o texto o diz

contudo traria a Crestomatia menccedilatildeo dos episoacutedios por eles poetados

A referecircncia a essa primeira seccedilatildeo do ciclo eacutepico como ldquoτά περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι

μυθολογούμεναrdquo ldquoas narraccedilotildees miacuteticas sobre os deuses dos gregosrdquo (sect19) confirma que

81 Cf Anecdota Oxoniensa (I 75) Caliacutemaco (fragmento 498) Pseudo-Higino (Fabulae Preface) Ciacutecero (De

Natura Deorum 3 17)

88

antes dos resumos integralmente conhecidos o autor referia episoacutedios cosmogocircnicos mas

desse trecho natildeo temos fragmentos Eacute incerto se essa primeira parte do ciclo eacutepico era narrada

evento a evento apenas para anteceder os episoacutedios em torno da guerra de Troia do plano de

Zeus agrave morte de Odisseu ou se Proclo proporia uma sequecircncia de resumos dos diferentes

poemas considerados epos de acordo com a cronologia

Quanto agrave sequecircncia temporal dos eventos Ciacuteprias precedem a Iliacuteada Etioacutepida sucede

Na introduccedilatildeo agravequelas lecirc-se ldquoSucedem-se a esses eventos [a isso] as chamadas Ciacutepriasrdquo82

na introduccedilatildeo a esta ldquoSucede-se ao que foi dito anteriormente (no texto antes deste) a Iliacuteada

de Homero depois dela haacute a Etioacutepidardquo83 O texto a que o fragmento de Proclo refere-se satildeo

as Ciacuteprias a elas sucedem-se na cronologia os eventos da Iliacuteada e entatildeo os eventos da

Etioacutepida A jugar por essa passagem postos em sequecircncia o iniacutecio de ambos os fragmentos

indicariam que por deveras conhecida e copiada a Iliacuteada bem como a Odisseia natildeo eram

resumidas no texto de Proclo A introduccedilatildeo agrave Telegonia ocorre de maneira semelhante

ldquoDepois disso eacute a Odisseia de Homero depois disso a Telegoniardquo84 Chama a atenccedilatildeo que

pela cronologia dentro dessa esquematizaccedilatildeo de episoacutedios constituintes do ciclo a Odisseia

seria um nostos ie um retorno como uma espeacutecie a vir depois do poema Nostoi atribuiacutedo a

Aacutegias de Trezene e dedicado justamente a ldquosuprirrdquo os retornos natildeo poetados

Considerando que a Teogonia de Hesiacuteodo natildeo era obscura e que por isso poderia ser

simplesmente aludida como se faz com Iliacuteada e Odisseia natildeo restam muitos indiacutecios para

saber o que consistia esse iniacutecio do ciclo ou sua primeira seccedilatildeo Se no mesmo formato dos

resumos que a noacutes chegaram pode-se vislumbrar um autor que arrolasse um a um os eventos

em sequecircncia cronoacutelogica e mudando de um poema para o outro na ordem cronoloacutegica

fizesse menccedilatildeo disso Como faria no entanto no caso de poemas que continham ambos os

mesmos eventos A Titanomaquia como se sabe eacute narrada por Hesiacuteodo do verso 617 a 721

Poderia esse iniacutecio do ciclo ser apenas narrado de modo resumido e comentado pelo proacuteprio

Proclo a julgar pela construccedilatildeo ldquoΔιαπορεύεται δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι

μυθολογούμεναrdquo ndash ldquoPassa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre os

deuses dos gregosrdquo de modo que nele tanto o poema de Hesiacuteodo como o de Eumelo fossem

objeto do exame de Proclo A diferenccedila genealoacutegica apontada poreacutem eacute argumento aceite

para se supor que nesta passagem constasse o poema atribuiacutedo a Eumelo85 e daiacute como

tambeacutem consta na lista de kraacutetistoi (ou de modelos da espeacutecie) Antiacutemaco a quem se atribuem

82 Cypria 79 in Severyns tomo IV paacuteg 77 83 Cetera (a)Aethiopis 172 ndash 4 idem paacuteg 87 84 Cetera (e)Telegonia 306 ndash 7 ibidem paacuteg 96 85 Cf Evelyn-White (2003) e West (2003)

89

Tebaida e Epiacutegonos pode-se conjecturar que os eventos em torno de Tebas tambeacutem viessem

resumidos Se de fato Proclo se propusesse a enumerar episoacutedio a episoacutedio encaixando os

poemas em uma cronologia eacute provaacutevel que incluiacutesse esses eventos do ciclo tebano e dissesse

em que poema constam como nos resumos do ciclo troiano que conhecemos Como trataria a

Teogonia permanece uma questatildeo apenas a referiria e comentaria as diferenccedilas em relaccedilatildeo

ao poema de Eumelo Haveria um comentaacuterio sobre cosmogonia em geral no que

indiscriminadamente o autor exporia a interpretaccedilatildeo histoacuterica de que fala o paraacutegrafo 19

A passagem de Ateneu86 citada por Severyns confirma-nos apenas uma coisa pelo

menos desde o seacuteculo III dC as palavras ldquociclo eacutepicordquo podiam designar apenas os poemas

que se encarregavam de no entendimento dos exegetas e como aparece no texto mesmo de

Proclo completar a narraccedilatildeo de mitos que emboram conhecidos da audiecircncia dos poemas de

Homero natildeo se encontravam narrados em nenhum de seus dois poemas Independente de os

eacutepe que continham tais eventos serem primordialmente diferentes cantos hexameacutetricos de

uma Greacutecia ateacute preacute-homeacuterica dos quais postereiormente reunidos restaram-nos as

composiccedilotildees ou versotildees atribuiacutedas aos autores do chamado ciclo a percepccedilatildeo antiga dessas

composiccedilotildees pelo menos como expressa em Ateneu concebia-os como um conjunto de

poemas posteriores por oposiccedilatildeo a poemas anteriores Homero certamente pertencia ao

segundo grupo Portanto pensando episodicamente os eventos poetados por Homero podem

ser pensados como pertencentes a uma cronologia total de accedilotildees que os poetas abordam mas

parece que referindo-se a mais de um poema a proacutepria designaccedilatildeo ndash ldquociclo eacutepicordquo ndash supotildee-se

como um conjunto por exclusatildeo

Podia ser essa a distinccedilatildeo no texto de Proclo Se Foacutecio o resumiu atentando inclusive agrave

ordem de exposiccedilatildeo tambeacutem aqui se vecirc uma reorganizaccedilatildeo de um padratildeo expositivo

havendo definido a espeacutecie epos do gecircnero narrativo conforme o criteacuterio metro-mateacuteria e

organizado a exposiccedilatildeo de modo a fornecer uma breve histoacuteria para ela segundo a estrutura

invenccedilatildeo-desenvolvimento para completar o que seria uma exposiccedilatildeo didaacutetica87 dessa poesia

86 Logo no princiacutepio do livro VII do Deipnosophistae 277d ndash e discute-se o emprego da palavra por no

verso 1297 do Aacutejax de Soacutefocles e Zoilo afirma que o tragedioacutegrafo hauriu-a na Titanomaquia ao que emende

ldquode fato o ciclo eacutepico aprazia a Soacutefoclesrdquo Ateneu testemunha portanto na boca de Zoilo natildeo soacute que os poemas

do ciclo eram concebidos como um todo mas tambeacutem que a Titanomaquia estava inclusa 87 Essa finalidade didaacutetica ainda mais especificamente nessa exposiccedilatildeo de biografias e do ciclo natildeo poderia

ficar mais clara do que em uma passagem da briografia de Homero que seria do proacuteprio autor da obra

Ponderando sobre isso que no resumo de Foacutecio aparece como ldquotinas epi meacuterous praacutexeisrdquo ndash ldquoalgumas histoacuterias

particularesrdquo a respeito de Homero havendo exposto as histoacuterias a respeito de sua cegueira as etimologias a

repeito de seu nome e principalmente a anedota de sua morte escreve ldquoEsses eventos contudo carecem de

investigaccedilatildeo mas para que natildeo sejas de todo ignorante neles avanccedilo nesse sentidordquo (Vita Homeri 45 ndash 46 in

Severyns op cit tomo IV paacuteg 71 ndash 72 Traduccedilatildeo paacuteg 131)

90

1 ndash a) proporia um piacutenax ie uma lista dos poetas exemplares b) forneceria uma

biografia dos poetas dessa lista contemplando sua origem ie sua paacutetria vida e histoacuterias a

seu respeito Depois

2 ndash a) havendo exposto os principais poetas do epos dedicar-se-ia aos poemas dos

menores poetas de epos agrupados sob o tiacutetulo de ldquociclo eacutepicordquo se aqui se aplicasse a

denominaccedilatildeo como em Ateneu o primeiro poema seria o de Eumelo porque na cronologia

miacutetica eacute o mais velho dos poemas do ciclo b) iniciando-se o ciclo portanto por eventos

comogocircnicos haveria um excurso explicativo sobre tais eventos se o excurso se desdobrava

na anaacutelise de mais eventos divergentes Hesiacuteodo e episoacutedios do ciclo tebano poderiam vir

referidos mas o foco seria a explicaccedilatildeo histoacuterica dos mitos sem que se possa saber se essa

explicaccedilatildeo se dava sobre um resumo cosmogocircnico como um todo em que se inseria a

Titanomaquia ou apenas sobre os eventos nela contantes c) uma ponderaccedilatildeo sobre o valor do

ciclo eacutepico e a explicitaccedilatildeo do criteacuterio adotado para sua exposiccedilatildeo a sequecircncia de accedilotildees nele

contidas ou ndash por que natildeo ndash registradas d) a menccedilatildeo apenas ou uma breve biografia dos

poetas que compuseram tais poemas

Como no caso do ciclo o foco satildeo os eventos transmitidos e natildeo a virtude das

composiccedilotildees a exposiccedilatildeo dos seus eventos eacute anterior os poetas seriam discutidos apenas

depois se o paraacutegrafo 21 corresponde a algo aleacutem do ldquonomerdquo e ldquopaacutetriardquo que antecedem o

resumo de cada um dos poemas Cosoante a isso parece estar o compilador do Etymologicum

Magnum outrora citado na paacutegina 15 (cf seccedilatildeo 12) e a ordem como coloca o ciclo eacutepico em

sua citaccedilatildeo fornecida como de Proclo

332 Elegia

Na exposiccedilatildeo da elegia como eacute de se esperar natildeo haacute diferenccedilas gritantes entre a

histoacuteria que se lecirc em Proclo e a que se lecirc no gramaacutetico latino Ambos iniciam pelo metro

elemento preciacutepuo a ser observado para a classificaccedilatildeo e definem como ldquoelegeiacuteardquo o diacutestico

em que se compotildeem os poemas que recebem tal denominaccedilatildeo Sobre a mateacuteria ou sobre a

histoacuteria do que se canta nas elegias ambos satildeo unacircnimes como todas as descriccedilotildees que

conhecemos em associar a elegia ao lamento fuacutenebre irmanando-a ao treno e agrave necircnia

A etimologia apresentada por Proclo quanto agrave palavra exata eacute a que aproxima a forma

ldquoelegeiacuteardquo da forma ldquoeacutelegosrdquo que eacute dada como nome antigo do lamento fuacutenebre mais

91

precisamente segundo a etimologia do coacutedice seria o nome que os antigos davam ao proacuteprio

treno esse sim o canto de lamento por um morto O termo tambeacutem adviria do fato de que se

elogiava o morto o que se diria ldquoeucirc leacutegeinrdquo havendo proximidade foneacutetica entre o nome do

lamento antigo (eacutelegos) e a expressatildeo para ldquofalar bemrdquo A formulaccedilatildeo que se lecirc no texto natildeo

deixa duacutevida de que pelo menos neste caso natildeo se trata de escolher uma a outra mas de

entender o que consistia a etimologia antiga explicar uma palavra atraveacutes de outras

principalmente se haacute implicaccedilatildeo histoacuterica entre elas o que se deduz de seus significados

Assim eacute porque o lamento fuacutenebre se dizia entre os antigos ldquoeacutelegosrdquo e porque

simultanemante nele se elogiava o morto (ldquoeucirc leacutegeinrdquo) que se cunhou a palavra que designa

as composiccedilotildees no metro A etimologia aqui busca explicar o nome que diferentemente do

hexacircmetro eacute o nome do metro e por conseguinte o nome da composiccedilatildeo Isso se explicita no

terceiro comentaacuterio explicativo a respeito da elegia posteriormente se passou a usar o metro

para diferentes ldquohipoacutetesesrdquo para diferenes argumentos explicando portanto que muito da

elegia (principalmente a julgar pelo que conhecemos) natildeo conteacutem o elemento fuacutenebre

A etimologia de Diomedes difere quanto agrave expressatildeo para o lamentar mas constroacutei-se

de maneira semelhante ie pela concomitacircncia das duas coisas ou dos significados dos

significantes aproximados De fato diz-nos Diomedes

ldquo() elegia autem dicta sive

(fere enim defunctorum laudes hoc carmine conprehendebantur) sive

id est miseratione quod Graeci vel

isto metro scriptitaveruntrdquo

(Diomedes op cit 484 22 ndash 25)

ldquo() A elegia por sua vez disse-se quer paragrave tograve eucirc leacutegein tougraves

tethneocirctas88 (pois quase todos os elogios aos mortos eram

compreendidos neste canto) quer apograve toucirc eleacuteou89 isto eacute comiseraccedilatildeo

porque os gregos tinham o haacutebito de escrever neste metro threacutenous ou

eleeicircardquo

(trad Gaberllini op cit 234)

Diomedes prefere as palavras que nomeiam a substacircncia do canto fuacutenebre e

primeiramente na contraposiccedilatildeo ao elogio oferece outra palavra em vez de eacutelegos Nisso natildeo

diverge do saber gramatical que aqui se expotildee porque essa etimologia na verdade eacute

recorrente em outros textos Lecirc-se por exemplo no Etymologicum Magnun e no escoacutelio a

88 ie ldquopelo elogiar os mortosrdquo 89 ldquoPor causa da laacutestima piedaderdquo a ldquocomiseraccedilatildeordquo como o proacuteprio Diomedes traduz em sequecircncia

92

Dioniacutesio Traacutecio preferindo-se ali o verbo eleeicircn (ldquolastimar comiserar-serdquo)90 em vez do aqui

empregado substantivo eacuteleon91

Igualmente apenas em outra ordem o texto do gramaacutetico propotildee como argumento

final (o que na Crestomatia seria o primeiro argumento) o fato de que era nesse metro que os

antigos gregos compunham trenos Propotildee contudo outro nome para eles eleeicirca Essa

possibilidade etimoloacutegica natildeo eacute mencionada por Severyns em seu comentaacuterio a essa

passagem do epiacutetome embora ocorra no singular em duas das passagens que colige do

escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio em (173 8 ndash 10)

ldquoἪ ἐλεγεῖόν ἐστι θρῆνος ἐπιτάφιος οἱονεὶ ἐλεεῖόν τι ὄν τοῦ ltγgt

ἐκθλιβομένου παρὰ τὸ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ εὐλογεῖον παρὰ

τὸ εὖ λέγειν τὸν ἀποβιώσανταrdquo

ldquoOu lsquoelegeicirconrsquo92 eacute treno funeraacuterio como se fosse um lsquoeleeicirconrsquo

elidindo-se o lsquogrsquo pelo lsquoeleeicircnrsquo [lastimar] o falecido ou lsquoeulogeicirconrsquo93

pelo lsquoeucirc logeicircnrsquo [elogiar] o que cessou de viverrdquo

(grifos e traduccedilatildeo do autor)

e (307 24 ndash 26)

ldquoἪ ἐλεγεῖόν ἐστι θρῆνος ἐπιτάφιος οἱονεὶ ἐλεεῖόν τι ὄν ἐλλειφθέντος

τοῦ ltγgt ἀπὸ τοῦ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ ἐλεγεῖον ἀπὸ τοῦ ἔ

λέγειν τὸν ἀποβιώσανταrdquo

ldquoOu lsquoelegeicirconrsquo eacute treno funeraacuterio como se fosse um lsquoeleeicirconrsquo faltando

o lsquogrsquo pelo lsquoeleeicircnrsquo o falecido ou lsquoelegeicirconrsquo por causa do lsquoeacute leacutegeinrsquo94 o

que cessou de viverrdquo

(Idem)

90 O levantamento completo das etimologias encontra-se bem exposto e organizado em Severyns op cit II

commentaire 25 paacuteg 99 ndash 102 Para essa em especiacutefico cf Etymologicum Magnun 326 50 e o escoacutelio a

Dioniacutesio Traacutecio 307 24 ndash 26 173 8 ndash 9 20 25 ndash 27 475 26 91 Haurido por Severyns no Etymologicum Gudianum 180 17 e no Et Mag idem em outra etimologia que

aproxima eacuteleon de goacuteon sendo este segundo a expressatildeo acerba do luto Essa etimologia diferentemente eacute

apenas pautada no campo semacircntico do lamento funeral 92 Termo que tambeacutem designa priemeiro o diacutestico e por metoniacutemia a composiccedilatildeo em diacutestico daiacute o poema ou a

inscriccedilatildeo no metro 93 Algo como ldquoelogiosordquo 94 Essa seria a etimologia mais baacutesica supondo que o termo viria de ldquodizer lsquoersquordquo como expressatildeo de dor

93

Em ambos os casos como os gramaacuteticos se repetem e parecem se copiar obserava-se

o emprego da conjunccedilatildeo ldquohoioneiacuterdquo quase como se fosse formular ao se dar essa etimologia O

plural ocorre somente uma vez

ldquo()διὸ καὶ καλεῖται ἐλεγεῖα οἱονεὶ ἐλεεῖα τοῦ ltγgt ἐκθλιβομένου

παρὰ τὸ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ ἐλεγεῖα οἱονεὶ εὐλεγεῖα παρὰ τὸ

εὖ λέγειν τὸν ἀποβιώσανταhelliprdquo

(Sch Dion Tr 20 25 ndash 27)

ldquo() razatildeo pela qual tambeacutem se chamava ldquoelegeicircardquo como se ldquoeleeicircardquo

elidido o lsquogrsquo pelo ldquoeleeicircnrdquo o falecido ou ldquoelegeicircardquo como se

ldquoeulegeicircardquo pelo ldquoeucirc leacutegeinrdquo o que cessou de viverrdquo

(Idem)

Severyns natildeo menciona o termo como uma etimologia em separado porque natildeo o

entende e com razatildeo assim a comeccedilar pela conjunccedilatildeo mencionada vecirc-se que nessas

explicaccedilotildees o termo eacute hipoteacutetico Severyns igualmente natildeo estaacute comparando o coacutedice 239 agrave

Ars de Diomedes que natildeo menciona Em todas as referidas ocorrecircncias seja antes (173 e

307) seja depois (20) assume-se que o termo eacutelegos era primordialmente sinocircnimo de treno

portanto em todas a palavra seguindo o mesmo esquema derivacional eacute apresentada como

transiccedilatildeo de uma derivaccedilatildeo do verbo eleeacuteo como uma espeacutecie de deverbal anterior a

forma com g Seria o que se diria imediatamente a princiacutepio como resultado do verbo

ldquocomiserar-se lastimarrdquo

Ora eacute esse o termo que Diomedes fornece como sinocircnimo de treno haurido como se

vecirc tambeacutem na gramaacutetica de base heleniacutestica Assim salvo pela escolha Diomedes natildeo

diverge do texto da Cretomatia mas refere-se agrave etapa primeira do processo expliacutecito nos

demais textos do qual se subentende que pela adiccedilatildeo de um som jaacute se estaacute na famiacutelia das

palavras ldquoeacutelegos elegeicircon elegeiacuteardquo Esses seriam os trecircs termos maiores da histoacuteria que se

compotildee com as etimologias sendo o primeiro o nome antigo para o lamento que se fazia pelo

passamento de algueacutem o segundo do metro e de seu emprego um diacutestico qualquer sendo o

plural uma forma de designar as composiccedilotildees Elegia se diria do poema inteiro composto

nesse metro a ldquoforma literaacuteriardquo ou em outros termos o poema pensado para ser uma

composiccedilatildeo nesse metro ndash segundo o emprego amplo que se fez do termo e a que o epiacutetome

alude e com esse feminino natildeo se designariam mais as inscriccedilotildees ou epigramas O texto

mesmo de Diomedes exemplifica o emprego de ldquoeacutelegosrdquo e ldquoelegiardquo como sinocircnimos a

95 Severyns agrupa as passagens referidas no conjunto de etimologias a partir do referido verbo

94

posteriori seja por empregaacute-los ele mesmo (ldquoelegiardquo como nome do carme mas depois

ldquoelegosrdquo referido-se agraves composiccedilotildees96) seja pelo exemplo de Horaacutecio nas linhas seguintes

Odes I 33 2 ndash 397

Assim teriacuteamos como designaccedilotildees mais primitivas eacutelegos (lamento) e elegeicircon (o

metro em que se exprimia sua confecccedilatildeo) Ambos se agrupariam na nomenclatura geneacuterica

posterior elegeiacutea O eacutelegos contudo a designaccedilatildeo para o elemento baacutesico desse canto

derivaria em geral de

a) ldquoeacute leacutegeinrdquo eleeicircn-eacuteleon para o que alguns supotildeem uma expressatildeo resultativa

ldquoeleeicirconardquo agrave qual se adicionou o gama ( )

b) ldquoeucirc leacutegeinrdquo

Esses satildeo os dois elementos baacutesicos de significado que as etimologias contemplam

Vemos por fim que Diomedes empregou a expressatildeo ldquoeleeicirconardquo para o que em Proclo eacute o

eacutelegos pensado como o treno antigo a expressatildeo da comiseraccedilatildeo (eleacuteon item a) somado ao

item b de nosso binocircmio ldquoeucirc legeicircnrdquo compondo uma histoacuteria natildeo diferente da exposta em

Proclo

333 Iambo

As similaridades entre os dois textos quanto aos referentes gregos eacute bem evidente

por exemplo nos dois modelos gregos arrolados pelo gramaacutetico latino Mas eacute a etimologia

para to iambeicircn a uacutenica proposta por Diomedes que imediatamente chama a atenccedilatildeo em seu

texto porque tambeacutem como Severyns diz muito bem acerca do texto de Proclo (op cit tomo

II commentaire 28 1 paacuteg 104) segue em primeiro lugar a etimologia proposta por ningueacutem

menos que Aristoacuteteles

96 Op cit 485 1 97 ldquoAlbi ne doleas plus nimio memor

inmitis Glycerae neu miserabilis

decantes elegos cur tibi iunior

laesa praeniteat fiderdquo

95

ldquo()

rdquo

(ARISTOacuteTELES Poeacutetica 1448b 30 ndash 32)

ldquoNos quais [No Margites e poemas semelhantes] por acomodaccedilatildeo o iacircmbico veio

como metro ndash eacute por isso que eacute chamado ldquoiacircmbicordquo hoje porque nesse metro se ralhavam uns

com os outrosrdquo

(Trad do autor)

Aristoacuteteles mesmo supotildee que o verbo iambizar jaacute existia antes de se referir tambeacutem

ao peacute com o significado de ldquoimprecar ralhar insultarrdquo e por causa do uso que se fazia do

metro posteriormente esse obteve seu nome a partir da finalidade com que era empregado

Severyns propotildee que a recorrecircncia dessa etimologia nos textos em geral e sua presenccedila

encabeccedilando o texto de Proclo se deveria acima de tudo ao peso da autoridade de

Aristoacuteteles98 Caberia entatildeo indagar porque Aristoacuteteles natildeo eacute seguido em diversas outras

passagens Que sua autoridade pese como autor que endossava essa opiniatildeo natildeo se nega mas

fiar-se a ela como etimologia primeira e baacutesica parece estar atrelado agrave ausecircncia de outra

etimologia plenamente satisfatoacuteria uma vez que o proacuteprio texto de Proclo atesta que a

associaccedilatildeo direta entre iacuteambos e iambiacutezein seria dialetal sem identificar sua origem poreacutem

No lugar de iambiacutezein na primeira associaccedilatildeo etimoloacutegica (sect28 15) refere-se a ldquoloidoriacuteasrdquo

para em seguida associar o verbo cognato (loidorein) ao que Aristoacuteteles emprega pois que

satildeo sinocircnimos

Demais Proclo apresentaraacute outras duas explicaccedilotildees a primeira delas eponiacutemica

parece que ocorre de modo a fornecer uma etiologia que reforccedila a associaccedilatildeo baacutesica metro-

mateacuteria apresentada no paraacutegrafo anterior a segunda tem a mesma intenccedilatildeo uma vez que

apresentaria o processo pelo qual o uso sobejo de iambiacutezein teria ocupado o proacuteprio lugar de

hybriacutezein Porfim esse argumento eacute endossado pela comparaccedilatildeo com o verbo komaacutezein se

primeiramente significava apenas participar de uma koacutemos um cortejo galhofeiro pela

praacutetica poeacutetica torna-se o proacuteprio verbo para ldquocriticar satirizarrdquo

Merece destaque tambeacutem o fato de que nesse passo ambos autores descrevem o

mesmo processo muito plausiacutevel observado no caso do epos segundo o qual uma palavra

em funccedilatildeo de um uso acaba tomando o lugar de outra

98 Op cit paacuteg 105

96

334 Meacutelica

O texto de Diomedes natildeo traz uma extensa classificaccedilatildeo da meacutelica mas a Ars de

Horaacutecio como se sabe natildeo soacute chama a atenccedilatildeo por mencionar a liacuterica mas principalmente

por apresentar brevemente uma divisatildeo segundo olha de maneira semelhante para as espeacutecies

da meacutelica grega (83 ndash 85)

ldquoMusa dedit fidibus divos puerosque deorum

et pugilem victorem et equum certamine primum

et ivuenum curas et libera vina referrerdquo

ldquoA Musa concedeu agrave lira o cantar deuses e filhos de deuses o

vencedor no pugilato e o cavalo que primeiro cortou a meta nas

corridas os cuidados dos jovens e o vinho que liberta dos cuidadosrdquo

(trad Rosado Fernandes 1984)

Semelhantemente ao criteacuterio da Crestomatia Horaacutecio vai do sacro ao profano ou

secular aludindo a exemplos semelhantes ao que no texto de Proclo seratildeo trecircs dos grandes

grupos em que a poesia meacutelica apareceraacute agrupada o hino e alguma espeacutecie que poderia

incluir homens (fosse um peatilde secular o encocircmio ou outra espeacutecie)99 o epiniacutecio e a poesia de

acircmbito simposial (uma composiccedilatildeo eroacutetica ou um escoacutelio) Os grupos do texto de Proclo satildeo

a saber

(a) para os deuses ndash hino (uma categoria que poderia se pensada como gecircnero para espeacutecie)

prosoacutedio peatilde ditirambo nomo adoniacutedia iobaco hiporquema

(b) para os homens ndash encocircmio (que conteria o elemento baacutesico podendo ser para as demais

espeacutecies tomado como gecircnero) epiniacutecio escoacutelio eroacuteticas epitalacircmio himeneu silo epiceacutedio

e treno

99 E aqui eacute interessante que Horaacutecio sugira a possibilidade dessa inclusatildeo do homem como objeto da poesia

primeiramente sacra ou seja a secularizaccedilatildeo da espeacutecie poeacutetica dado que como se notaraacute ao longo da anotaccedilatildeo

ao cataacutelogo das espeacutecies meacutelicas tal noccedilatildeo estaacute presente e eacute aplicada mesmo que subentendida em alguns casos

ao longo da classificaccedilatildeo Horaacutecio como se sabe eacute bem anterior a Proclo o que confirma portanto que o

resumo de Foacutecio atesta uma classificaccedilatildeo as poesia (natildeo soacute da meacutelica) que pelo menos ateacute Proclo era conhecida

aceita e difundida

97

(c) para deuses e homens ndash partecircnio (assumidamente gecircnero para espeacutecies) e daiacute dafnefoacutericas

tripodefoacutericas oscofoacutericas ecircuticas

(d) para circunstacircncias acidentais quando o poeta por conta de uma circunstacircncia ocasional

comporia versos para situaccedilotildees particulares da vida praacutetica motivo pelo qual as pragmaacuteticas

poderiam ser pensadas como gecircnero para espeacutecies seguida das empoacutericas apostoacutelicas

sentenciosas geoacutergicas e epistolares

A classificaccedilatildeo dessas espeacutecies estaria portanto diretamente atrelada agrave situaccedilatildeo em

que se davam Para diversas delas como se veraacute a situaccedilatildeo seraacute pressuposta apenas Os

criteacuterios ateacute entatildeo observado (etimologia e etiologia) seratildeo empregados para circunscrever as

origens e circunstacircncias que tatildeo somente por nomear permitiriam ao gramaacutetico categorizar

ie tornar algo vasto e impreciso em uma classificaccedilatildeo acessiacutevel e didaacutetica

De agora em diante portanto dada a extensatildeo do cataacutelogo concernente agraves espeacutecies

meacutelicas como natildeo eacute objetivo deste estudo resolver os problemas concernentes a cada uma

delas em separado mas sim entender seu funcionamento dentro do tipo de classificaccedilatildeo aqui

estudada a classificaccedilatildeo dos gramaacuteticos e estabelecer a filiaccedilatildeo do texto atribuiacutedo a Proclo

(uacutenico espeacutecime a trazer a extensa classificaccedilatildeo da liacuterica) o texto assumiraacute a forma de

anotaccedilatildeo agrave traduccedilatildeo do epiacutetome a fim de fornecer as referecircncias necessaacuterias para sua

compreensatildeo (pois natildeo faltam passagens obscuras) pontuando e ponderando elementos agraves

vezes apenas conjecturais que explicitem as caracteriacuteticas da obra (como ateacute entatildeo tem sido

pensada) e a aplicaccedilatildeo dos criteacuterios que foram aqui propostos como instrumentais dos textos

de base gramatical Seguir-se-atildeo os dois editores e comentadores modernos do coacutedice 239

(Severyns e Ferrante) visando tal exclarecimento e a seus comentaacuterios se somaratildeo as

ponderaccedilotildees segundo as finalidades deste estudo

98

PARTE II

Traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo

1 COacuteDICE 239

11 TEXTO

Segue-se a ediccedilatildeo de Severyns e sua paragrafaccedilatildeo junto da numeraccedilatildeo da ediccedilatildeo de

Bekker para a Biblioteca

[1] Ἀνεγνώσθη ἐκ τοῦ ἐπιγραφομένου βιβλίου Πρόκλου Xρησ- 239318b22

τομαθείας ραμματικῆς rsquoEκλογαί

[2] Ἔστι δὲ τὸ βιβλίον εἰς διῃρημέ-

νον λόγους

[3] Λέγει μὲν ἐν τῷ αʹ ὡς αἱ αὐταί εἰσιν ἀρεταὶ

τοῦ λόγου καὶ ποιήματος παραλλάσσουσι δὲ ἐν τῷ μᾶλ- 25

λον καὶ ἧττον

[4] Καὶ ὅτι τοῦ πλάσματος τὸ μέν ἐστιν ἁδρόν

τὸ δὲ ἰσχνόν τὸ δὲ μέσον

[5] Καὶ τὸ μὲν ἁδρὸν ἐκπκληκ-

τικώτατόν ἐστι καὶ κατεσκευασμένον μάλιστα καὶ ποιη-

τικὸν ἐπιφαῖνον κάλλος

[6] Tὸ δὲ ἰσχνὸν τὴν τροπικὴν μὲν

καὶ φιλοκατάσκευον σύνθεσιν μεταδιώκει ἐξ ἀνειμένων 30

δὲ μᾶλλον συνήρτηται ὅθεν ὡς ἐπίπαν τοῖς γοεροῖς

ἄριστά πως ἐφαρμόττει

[7] Τὸ δὲ μέσον καὶ τοὔνομα μὲν

δηλοῖ ὅτι μέσον ἐστὶν ἀμφοῖν

[8] Ἀνθηρὸν δὲ κατ ἰδίαν

οὐκ ἔστι πλάσμα ἀλλὰ συνεκφέρεται καὶ συμμέμικται

99

τοῖς εἰρημένοις ἁρμόζει δὲ τοπογραφίαις καὶ λειμώνων 35

ἢ ἀλσῶν ἐκφράσεσιν

[9] Οἱ δὲ τῶν εἰρημένων ἀποσφα-

λέντες ἰδεῶν ἀπὸ μὲν τοῦ ἁδροῦ εἰς τὸ σκληρὸν καὶ ἐπηρ-

μένον ἐτράπησαν ἀπὸ δὲ τοῦ ἰσχνοῦ εἰς τὸ ταπεινὸν

ἀπὸ δὲ τοῦ μέσου εἰς τὸ ἀργὸν καὶ ἐκλελυμένον

[10] Διαλαμ- 239319a1

βάνει δὲ καὶ περὶ κρίσεως ποιήματος ἐν ᾧ παραδί-

δωσι τίς ἤθους καὶ πάθους διαφορά

[11] Καὶ ὅτι τῆς ποιη-

τικῆς τὸ μέν ἐστι διηγηματικόν τὸ δὲ μιμητικόν

[12] Καὶ τὸ

μὲν διηγηματικὸν ἐκφέρεται δι ἔπους ἰάμβου τε καὶ ἐλε- 5

γείας καὶ μέλους τὸ δὲ μιμητικὸν διὰ τραγῳδίας σατύρων

τε καὶ κωμῳδίας

[13] Καὶ ὅτι τὸ ἔπος πρῶτον μὲν ἐφεῦρε Φημονόη ἡ

Ἀπόλλωνος προφῆτις ἑξαμέτροις χρησμοῖς χρησα-

μένη καὶ ἐπειδὴ τοῖς χρησμοῖς τὰ πράγματα εἵπετο 10

καὶ σύμφωνα ἦν ἔπος τὸ ἐκ τῶν μέτρων κληθῆναι

[14] Οἱ δέ φασιν ὅτι διὰ τὴν κατασκευὴν καὶ τὴν ἄγαν

ὑπεροχὴν τὴν ἐν τοῖς ἑξαμέτροις θεωρουμένην τὸ

κοινὸν ὄνομα παντὸς τοῦ λόγου τὸ ἑξάμετρον ἰδιώ-

σατο καὶ ἐκλήθη ἔπος καθάπερ καὶ Ὅμηρος τὸν 15

ποιητὴν καὶ ὁ Δημοσθένης τὸν ῥήτορα ᾠκειώσατο

ἐπεὶ καὶ τὰ τρίμετρα ἔπη προσηγόρευον

[15] Γεγόνασι δὲ

τοῦ ἔπους ποιηταὶ κράτιστοι μὲν Ὅμηρος Ἡσίοδος Πεί-

σανδρος Πανύασις Ἀντίμαχος

[16] Διέρχεται δὲ τούτων ὡς

οἷόν τε καὶ γένος καὶ πατρίδας καί τινας ἐπὶ μέρους 20

πράξεις

[17] Διαλαμβάνει δὲ καὶ περὶ τοῦ λεγομένου ἐπικοῦ

κύκλου ὃς ἄρχεται μὲν ἐκ τῆς Οὐρανοῦ καὶ Γῆς μυθο-

λογουμένης μίξεως ἐξ ἧς αὐτῷ καὶ τρεῖς παῖδας ἑκα-

100

τοντάχειρας καὶ τρεῖς γεννῶσι Κύκλωπας

[18] Διαπορεύεται

δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι μυθολογούμενα 25

καὶ εἴ πού τι καὶ πρὸς ἱστορίαν ἐξαληθίζεται

[19] Καὶ περα-

τοῦται ὁ ἐπικὸς κύκλος ἐκ διαφόρων ποιητῶν συμπλη-

ρούμενος μέχρι τῆς ἀποβάσεως Ὀδυσσέως τῆς εἰς Ἰθά-

κην ἐν ᾗ ὑπὸ τοῦ παιδὸς Τηλεγόνου ἀγνοοῦντος

κτείνεται

[20] Λέγει δὲ ὡς τοῦ ἐπικοῦ κύκλου τὰ ποιήματα 30

διασῴζεται καὶ σπουδάζεται τοῖς πολλοῖς οὐχ οὕτω διὰ

τὴν ἀρετὴν ὡς διὰ τὴν ἀκολουθίαν τῶν ἐν αὐτῷ πραγμά-

των

[21] Λέγει δὲ καὶ τὰ ὀνόματα καὶ τὰς πατρίδας τῶν πραγ-

ματευσαμένων τὸν ἐπικὸν κύκλον

[22] Λέγει δὲ καὶ περί

τινων Κυπρίων ποιημάτων καὶ ὡς οἱ μὲν ταῦτα εἰς 35

Στασῖνον ἀναφέρουσι Κύπριον οἱ δὲ Ἡγησῖνον τὸν

Σαλαμίνιον αὐτοῖς ἐπιγράφουσιν οἱ δὲ Ὅμηρον

γράψαι δοῦναι δὲ ὑπὲρ τῆς θυγατρὸς Στασίνῳ καὶ διὰ τὴν 239319b1

αὐτοῦ πατρίδα Κύπρια τὸν πόνον ἐπικληθῆναι

[23] Ἀλλ οὐ

τίθεται ταύτῃ τῇ αἰτίᾳ μηδὲ γὰρ Κύπρια προπαροξυτόνως

ἐπιγράφεσθαι τὰ ποιήματα 5

[24] Τὴν δὲ ἐλεγείαν συγκεῖσθαι μὲν ἐξ ἡρῴου καὶ πεντα-

μέτρου στίχου ἁρμόζειν δὲ τοῖς κατοιχομένοις

[25] Ὅθεν καὶ

τοῦ ὀνόματος ἔτυχε τὸ γὰρ θρῆνος ἔλεγον ἐκάλουν οἱ

παλαιοὶ καὶ τοὺς τετελευτηκότας δι αὐτοῦ εὐλόγουν

[26] Οἱ

μέντοι γε μεταγενέστεροι ἐλεγείᾳ πρὸς διαφόρους 10

ὑποθέσεις ἀπεχρήσαντο

[27] Λέγει δὲ καὶ ἀριστεῦσαι τῷ μέ-

τρῳ Καλλῖνόν τε τὸν Ἐφέσιον καὶ Μίμνερμον τὸν Κολο-

101

φώνιον ἀλλὰ καὶ τὸν τοῦ Τηλέφου Φιλίταν τὸν Κῷον

καὶ Καλλίμαχον τὸν Βάττου Κυρηναῖος οὗτος δ ἦν

[28] Ἀλλὰ γὰρ καὶ τὸν ἴαμβον τάττεσθαι μὲν ἐπὶ λοιδο- 15

ρίας τὸ παλαιόν καὶ γὰρ καὶ τὸ ἰαμβίζειν κατά τινα

γλῶσσαν λοιδορεῖν ἔλεγον

[29] Οἱ δὲ ἀπό τινος Ἰάμβης

θεραπαινίδος Θρᾴττης τὸ γένος ταύτην φασίν τῆς

Δήμητρος ἀνιωμένης ἐπὶ τῇ τῆς θυγατρὸς ἁρπαγῇ

προσελθεῖν περὶ τὴν Ἐλευσῖνα ἐπὶ τῇ νῦν Ἀγελάστῳ 20

καλουμένῃ πέτρᾳ καθημένην καὶ διά τινων χλευασμάτων

εἰς γέλωτα προαγαγέσθαι τὴν θεόν

[30] Ἔοικε δὲ ὁ ἴαμβος

τὸ μὲν παλαιὸν ἐπὶ τῶν εἰς ψόγον καὶ ἔπαινον γρα-

φομένων ὁμοίως λέγεσθαι ἐπεὶ δέ τινες ἐπλεόνασαν ἐν

ταῖς κακολογίαις τὸ μέτρον ἐκεῖθεν τὸ ἰαμβίζειν εἰς 25

τὸ ὑβρίζειν ὑπὸ τῆς συνηθείας ἐκπεσεῖν ὥσπερ ἀπὸ

τῶν κωμικῶν τὸ κωμῳδεῖσθαι

[31] Ἰάμβων δὲ ποιηταὶ Ἀρχί-

λοχός τε ὁ Πάριος ἄριστος καὶ Σιμωνίδης ὁ Ἀμόργιος

ἤ ὡς ἔνιοι Σάμιος καὶ Ἱππῶναξ ὁ Ἐφέσιος ὧν ὁ μὲν

πρῶτος ἐπὶ Γύγου ὁ δὲ ἐπ Ἀμύντου τοῦ Μακεδόνος 30

Ἱππῶναξ δὲ κατὰ Δαρεῖον ἤκμαζε

[32] Περὶ δὲ μελικῆς ποιήσεώς φησιν ὡς πολυμερεστάτη

τε καὶ διαφόρους ἔχει τομάς

[33] Ἃ μὲν γὰρ αὐτῆς μεμέρισται

θεοῖς ἃ δὲ ltἀνθρώποις ἃ δὲ θεοῖς καὶgt ἀνθρώποις ἃ δὲ

εἰς τὰς προσπιπτούσας περιστάσεις

[34] Καὶ εἰς θεοὺς μὲν ἀνα- 35

φέρεσθαι ὕμνον προσόδιον παιᾶνα διθύραμβον νόμον

ἀδωνίδια ἰόβακχον ὑπορχήματα

[35] Εἰς δὲ ἀνθρώπους ἐγκώμια ἐπίνικον σκό- 239320a1

λια ἐρωτικά ἐπιθαλάμια ὑμεναίους σίλλους θρήνους

ἐπικήδεια

[36] Εἰς θεοὺς δὲ καὶ ἀνθρώπους παρθένια δα-

102

φνηφορικά τριποδηφορικά ὠσχοφορικά εὐκτικά ταῦτα

γὰρ εἰς θεοὺς γραφόμενα καὶ ἀνθρώπων περιείληφεν ἐπαί- 5

νους

[37] Τὰ δὲ εἰς τὰς προσπιπτούσας περιστάσεις οὐκ ἔστι

μὲν εἴδη τῆς μελικῆς ὑπ αὐτῶν δὲ τῶν ποιητῶν ἐπικεχείρη-

ται τούτων δέ ἐστι πραγματικά ἐμπορικά ἀποστολικά γνωμολογικά γεωργικά

ἐπισταλτικά

[38] Καί φησι τὸν ὕμνον

μὲν ὠνομάσθαι ἀπὸ τοῦ ὑπόμονόν τινα εἶναι καὶ οἷον 10

εἰς μνήμην καὶ ὑπόμνησιν ἄγειν τὰς πράξεις τῶν ὑμνου-

μένων ἢ ἀπὸ τοῦ ὕδειν αὐτάς ὅπερ ἐστὶ λέγειν

[39] Ἐκά-

λουν δὲ καθόλου πάντα τὰ εἰς τοὺς ὑπερόντας γραφόμενα

ὕμνους διὸ καὶ τὸ προσόδιον καὶ τὰ ἄλλα τὰ προειρη- 15

μένα φαίνονται ἀντιδιαστέλλοντες τῷ ὕμνῳ ὡς εἴδη

πρὸς γένος καὶ γὰρ ἔστιν αὐτῶν ἀκούειν γραφόντων ὕμνος

προσοδίου ὕμνος ἐγκωμίου ὕμνος παιᾶνος καὶ τὰ ὅμοια

[40] Ἐλέγετο δὲ τὸ προσόδιον ἐπειδὰν προσίωσι τοῖς βω-

μοῖς ἢ ναοῖς καὶ ἐν τῷ προσιέναι ᾔδετο πρὸς αὐλόν ὁ

δὲ κυρίως ὕμνος πρὸς κιθάραν ᾔδετο ἑστώτων

[41] Ὁ δὲ 20

παιάν ἐστιν εἶδος ᾠδῆς εἰς πάντας νῦν γραφόμενος

θεούς τὸ δὲ παλαιὸν ἰδίως ἀπενέμετο τῷ Ἀπόλλωνι

καὶ τῇ Ἀρτέμιδι ἐπὶ καταπαύσει λοιμῶν καὶ νόσων ᾀδό-

μενος Καταχρηστικῶς δὲ καὶ τὰ προσόδιά τινες παιᾶνας

λέγουσιν

[42] Ὁ δὲ διθύραμβος γράφεται μὲν εἰς Διό- 25

νυσον προσαγορεύεται δὲ ἐξ αὐτοῦ ἤτοι διὰ τὸ κατὰ τὴν

Νύσαν ἐν ἄντρῳ διθύρῳ τραφῆναι τὸν Διόνυσον

ἢ διὰ τὸ λυθέντων τῶν ῥαμμάτων τοῦ Διὸς εὑρεθῆναι

αὐτόν ἢ διότι δὶς δοκεῖ γενέσθαι ἅπαξ μὲν ἐκ τῆς Σε-

μέλης δεύτερον δὲ ἐκ τοῦ μηροῦ

[43] Εὑρεθῆναι δὲ τὸν διθύ- 30

ραμβον Πίνδαρος ἐν Κορίνθῳ λέγει τὸν δὲ ἀρξάμε-

103

νον τῆς ᾠδῆς Ἀριστοτέλης Ἀρίονά φησιν εἶναι ὃς

πρῶτος τὸν κύκλιον ἤγαγε χορόν

[44] Ὁ μέντοι νόμος γρά-

φεται μὲν εἰς Ἀπόλλωνα ἔχει δὲ καὶ τὴν ἐπωνυμίαν

ἀπ αὐτοῦ Νόμιμος γὰρ ὁ Ἀπόλλων Νόμιμος δὲ ἐκλήθη 35

ὅτι τῶν ἀρχαίων χοροὺς ἱστάντων καὶ πρὸς αὐλὸν ἢ λύραν

ᾀδόντων τὸν νόμον Χρυσόθεμις ὁ Κρὴς πρῶτος 239 320b 1

στολῇ χρησάμενος ἐκπρεπεῖ καὶ κιθάραν ἀναλαβὼν εἰς

μίμησιν τοῦ Ἀπόλλωνος μόνος ᾖσε νόμον εὐδοκι-

μήσαντος δὲ αὐτοῦ διαμένει ὁ τρόπος τοῦ ἀγωνίσματος

[45] Δοκεῖ δὲ Τέρπανδρος μὲν πρῶτος τελειῶσαι τὸν νό- 5

μον ἡρῴῳ μέτρῳ χρησάμενος ἔπειτα Ἀρίων ὁ Μη-

θυμναῖος οὐκ ὀλίγα συναυξῆσαι αὐτὸς καὶ ποιητὴς καὶ

κιθαρῳδὸς γενόμενος

[46] Φρῦνις δὲ ὁ Μιτυληναῖος ἐκαι-

νοτόμησεν αὐτόν τό τε γὰρ ἑξάμετρον τῷ λελυμένῳ

συνῆψε καὶ χορδαῖς τῶν ζʹ πλείοσιν ἐχρήσατο

[47] Τι- 10

μόθεος δὲ ὕστερον εἰς τὴν νῦν αὐτὸν ἤγαγε τάξιν

[48] Ἔστι δὲ ὁ μὲν διθύραμβος κεκινημένος καὶ πολὺ τὸ

ἐνθουσιῶδες μετὰ χορείας ἐμφαίνων εἰς πάθη κατα-

σκευαζόμενος τὰ μάλιστα οἰκεῖα τῷ θεῷ καὶ σεσόβηται

μὲν καὶ τοῖς ῥυθμοῖς καὶ ἁπλουστέρως κέχρηται ταῖς λέ-

ξεσιν

[49] Ὁ δὲ νόμος τοὐναντίον διὰ τὸν θεὸν ἀνεῖται 15

τεταγμένως καὶ μεγαλοπρεπῶς καὶ τοῖς ῥυθμοῖς ἀνεῖται

καὶ διπλασίοις ταῖς λέξεσι κέχρηται

[50] Οὐ μὴν ἀλλὰ καὶ

ταῖς ἁρμονίαις οἰκείαις ἑκάτερος χρῆται ὁ μὲν γὰρ

τὸν φρύγιον καὶ ὑποφρύγιον ἁρμόζεται ὁ νόμος δὲ 20

τῷ συστήματι τῷ τῶν κιθαρῳδῶν λυδίῳ

[51] Ἔοικε δὲ ὁ

μὲν διθύραμβος ἀπὸ τῆς κατὰ τοὺς ἀγροὺς παιδιᾶς καὶ

τῆς ἐν τοῖς πότοις εὐφροσύνης εὑρεθῆναι ὁ δὲ νόμος

104

δοκεῖ μὲν ἀπὸ τοῦ παιᾶνος ῥυῆναι (ὁ μὲν γάρ ἐστι κοι-

νότερος εἰς κακῶν παραίτησιν γεγραμμένος ὁ δὲ 25

ἰδίως εἰς Ἀπόλλωνα) ὅθεν τὸ μὲν ἐνθουσιῶδες οὐκ

ἔχει ὡς ὁ διθύραμβος

[52] Ἐκεῖ μὲν γὰρ μέθαι καὶ παι-

διαί ἐνταῦθα δὲ ἱκετεῖαι καὶ πολλὴ τάξις καὶ γὰρ

αὐτὸς ὁ θεὸς ἐν τάξει καὶ συστήματι κατεσταλ-

μένῳ περιέρχεται τὸν κρουσμόν

[53] Ἀδωνίδια δὲ λέγεται τὰ 30

εἰς Ἄδωνιν ἀναφερόμενα

[54] Ἤιδετο δὲ ὁ ἰόβακχος

ἐν ἑορταῖς καὶ θυσίαις Διονύσου βεβαπτισμένος πολλῷ

φρυάγματι

[55] Ὑπόρχημα δὲ τὸ μετ ὀρχήσεως ᾀδό-

μενον μέλος ἐλέγετο καὶ γὰρ οἱ παλαιοὶ τὴν ltὑπόgt ἀντὶ

τῆς ltμετάgt πολλάκις ἐλάμβανον

[56] Εὑρέτας δὲ τούτων 35

λέγουσιν οἱ μὲν Κουρῆτας οἱ δὲ Πύρρον τὸν Ἀχιλ-

λέως ὅθεν καὶ πυρρίχην εἶδός τι ὀρχήσεως λέγου- 239321a1

σιν

[57] Ὁ δὲ ἐπίνικος ὑπ αὐτὸν τὸν καιρὸν τῆς νί-

κης τοῖς προτεροῦσιν ἐν τοῖς ἀγῶσιν ἐγράφετο

[58] Τὸ

δὲ σκόλιον μέλος ᾔδετο παρὰ τοὺς πότους διὸ καὶ πα-

ροίνιον αὐτὸ ἔσθ ὅτε καλοῦσιν ἀνειμένον δέ ἐστι τῇ 5

κατασκευῇ καὶ ἁπλούστατον μάλιστα

[59] Σκόλιον δὲ εἴρηται

οὐχ ὡς ἐνίοις ἔδοξε κατὰ ἀντίφρασιν τὰ γὰρ κατὰ

ἀντίφρασιν ὡς ἐπίπαν τοῦ εὐφημισμοῦ στοχάζεται οὐκ εἰς

κακοφημίαν μεταβάλλει τὸ εὔφημον

[60] ἀλλὰ διὰ τὸ

προκατειλημμένων ἤδη τῶν αἰσθητηρίων καὶ παρειμέ- 10

νων οἴνῳ τῶν ἀκροατῶν τηνικαῦτα εἰσφέρεσθαι τὸ

βάρβιτον εἰς τὰ συμπόσια καὶ διονυσιάζοντα ἕκαστον

105

ἀκροσφαλῶς συγκόπτεσθαι περὶ τὴν προφορὰν τῆς ᾠδῆς

Ὅπερ οὖν ἔπασχον αὐτοὶ διὰ τὴν μέθην τοῦτο τρέψαν-

τες εἰς τὸ μέλος σκόλιον ἐκάλουν τὸ ἁπλούστατον

[61] Τὰ δὲ 15

ἐρωτικὰ δῆλον ὅτι γυναικῶν καὶ παίδων καὶ παρ-

θένων ἐρωτικὰς ᾄδει περιστάσεις [62] Καὶ τὰ ἐπιθα-

λάμια δὲ τοῖς ἄρτι θαλαμευομένοις ἅμα οἱ ἠΐθεοι καὶ

αἱ παρθένοι ἐπὶ τῶν θαλάμων ᾖδον [63] Ὑμέναιον

δὲ ἐν γάμοις ᾄδεσθαί φησι κατὰ πόθον καὶ ζήτησιν 20

Ὑμεναίου τοῦ Τερψιχόρας ὅν φασι γήμαντα ἀφανῆ

γενέσθαι

[64] οἱ δὲ κατὰ τιμὴν τοῦ Ἀττικοῦ Ὑμεναίου τοῦ-

τον γάρ φησί ποτε διώξαντα ἀφελέσθαι κούρας Ἀττι-

κὰς λῃστῶν

[65] Ἐγὼ δὲ οἶμαι βίου τινὰ εὐτυχοῦς προανα-

φώνησιν ὑπάρχειν καὶ συνεύχεσθαι τοῖς συνιοῦσι πρὸς 25

γάμου κοινωνίαν μετὰ φιλοστοργίας αἰολικῇ παρα-

πλέκοντας τὴν εὐχὴν διαλέκτῳ οἷον ὑμεναίειν καὶ

ὁμονοεῖν τούτους ἀεὶ ὁμόσε ναίοντας

[66] Ὁ δὲ σίλλος

λοιδορίας καὶ διασυρμοὺς πεφεισμένως ἀνθρώπων

ἔχει 30

[67] Διαφέρει δὲ τοῦ ἐπικηδείου ὁ θρῆνος ὅτι τὸ

μὲν ἐπικήδειον παρ αὐτὸ τὸ κῆδος ἔτι τοῦ σώματος

προκειμένου λέγεται ὁ δὲ θρῆνος οὐ περιγράφεται χρό-

νῳ

[68] Τὰ δὲ λεγόμενα παρθένια χοροῖς παρθένων

ἐνεγράφετο

[69] Οἷς καὶ τὰ δαφνηφορικὰ ὡς εἰς γένος

πίπτει δάφνας γὰρ ἐν Βοιωτίᾳ διὰ ἐννεαετηρίδος εἰς 35

τὰ τοῦ Ἀπόλλωνος κομίζοντες ἱερεῖς ἐξύμνουν αὐ-

τὸν διὰ χοροῦ παρθένων

[70] Καὶ ἡ αἰτία τῶν Αἰολέων

ὅσοι κατῴκουν Ἄρνην καὶ τὰ ταύτῃ χωρία κατὰ 239 321b 1

106

χρησμὸν ἀναστάντες ἐκεῖθεν καὶ προκαθεζόμενοι Θήβας

ἐπόρθουν προκατεχομένας ὑπὸ Πελασγῶν

[71] Κοινῆς ἀμ-

φοῖν ἑορτῆς Ἀπόλλωνος ἐνστάσης ἀνοχὰς ἔθεντο καὶ

δάφνας τέμνοντες οἱ μὲν ἐξ Ἑλικῶνος οἱ δὲ ἐγγὺς τοῦ 5

Μέλανος ποταμοῦ ἐκόμιζον τῷ Ἀπόλλωνι

[72] Πολεμά-

τας δέ ὁ τῶν Βοιωτῶν ἀφηγούμενος ἔδοξεν ὄναρ νεα-

νίαν τινὰ πανοπλίαν αὐτῷ διδόναι καὶ εὐχὰς ποιεῖ-

σθαι τῷ Ἀπόλλωνι δαφνηφοροῦντας διὰ ἐννεαετηρί-

δος προστάττειν 10

[73] Μετὰ δὲ τρίτην ἡμέραν ἐπιθέμενος

κρατεῖ τῶν πολεμίων καὶ αὐτός τε τὴν δαφνηφο-

ρίαν ἐτέλει καὶ τὸ ἔθος ἐκεῖθεν διατηρεῖται

[74] Ἡ δὲ

δαφνηφορία ξύλον ἐλαίας καταστέφουσι δάφναις καὶ

ποικίλοις ἄνθεσι καὶ ἐπ ἄκρου μὲν χαλκῆ ἐφαρμό-

ζεται σφαῖρα ἐκ δὲ ταύτης μικροτέρας ἐξαρτῶσιν 15

κατὰ δὲ τὸ μέσον τοῦ ξύλου περιθέντες ἐλάσσονα τῆς

ἐπ ἄκρῳ σφαίρας καθάπτουσι πορφυρᾶ στέμματα τὰ

δὲ τελευταῖα τοῦ ξύλου περιστέλλουσι κροκωτῷ

[75] Βούλεται

δὲ αὐτοῖς ἡ μὲν ἀνωτάτω σφαῖρα τὸν ἥλιον (ᾧ καὶ τὸν

Ἀπόλλωνα ἀναφέρουσιν) ἡ δὲ ὑποκειμένη τὴν σελήνην 20

τὰ δὲ προσηρτημένα τῶν σφαιρίων ἄστρα τε καὶ ἀστέρας

τὰ δέ γε στέμματα τὸν ἐνιαύσιον δρόμον καὶ γὰρ καὶ

τζε ποιοῦσιν αὐτά

[76] Ἄρχει δὲ τῆς δαφνηφορίας παῖς

ἀμφιθαλής καὶ ὁ μάλιστα αὐτῷ οἰκεῖος βαστάζει τὸ

κατεστεμμένον ξύλον ὃ κώπω καλοῦσιν 25

[77] Αὐτὸς δὲ ὁ δα-

φνηφόρος ἑπόμενος τῆς δάφνης ἐφάπτεται τὰς μὲν

κόμας καθειμένος χρυσοῦν δὲ στέφανον φέρων καὶ λαμ-

πρὰν ἐσθῆτα ποδήρη ἐστολισμένος ἐπικρατίδας τὲ ὑπο-

107

δεδεμένος ᾧ χορὸς παρθένων ἐπακολουθεῖ προτείνων

κλῶνας πρὸς ἱκετηρίαν ὑμνῶν 30

[78] Παρέπεμπον δὲ

τὴν δαφνηφορίαν εἰς Ἀπόλλωνος Ἰσμηνίου καὶ Χαλα-

ζίου

[79] Τὸ δὲ τριποδηφορικὸν μέλος τρίποδος προη-

γουμένου παρὰ τοῖς Βοιωτοῖς ᾔδετο

[80] Ἔσχε δὲ καὶ τοῦτο

αἰτίαν τοιαύτην Πελασγῶν τινες Πάνακτον τῆς Βοιω-

τίας ἐπόρθουν Θηβαῖοι δὲ ἤμυνον καὶ πέμψαντες εἰς 35

Δωδώνην περὶ τῆς τοῦ πολέμου νίκης ἐχρῶντο

[81] Χρησμὸς

δὲ τοῖς Θηβαίοις ἐξέπεσεν ὡς εἰ μέγιστον ἀσέβημα

ἀσεβήσουσι νικήσουσιν 239 322a 1

[82] Ἔδοξεν οὖν αὐτοῖς ἀσε-

βημάτων εἶναι μέγιστον τὸ τὴν χρησμῳδήσασαν αὐτοῖς

τὸν χρησμὸν ἀνελεῖν καὶ ἀνεῖλον [83] Αἱ δὲ περὶ τὸ τέ-

μενος συνιέρειαι δίκην λαβεῖν ἀπῄτουν τοῦ φόνου τοὺς

Θηβαίους 5

[84] Θηβαῖοι δὲ οὐκ ἐπιτρέπουσι γυναιξὶ μόναις

τὴν περὶ αὐτῶν δίκην ἀξιοῦν κοινῆς δὲ κρίσεως ἀνδρῶν καὶ

γυναικῶν γεγενημένης καὶ τῶν ἀνδρῶν λευκὰς αὐτοῖς

ἐπενεγκόντων ψήφους ἀπέφυγον Θηβαῖοι

[85] Ὕστερον δὲ

ἐπιγνόντες αὐτοῖς τὸ ὑπὸ τοῦ χρησμοῦ προστασσόμενον

βαστάσαντες τῶν κατὰ τὴν Βοιωτίαν ἱερῶν τριπόδων 10

ἕνα καὶ κατακαλύψαντες ὡς ἱερόσυλοι ἀνέπεμψαν εἰς

Δωδώνην

[86] Εὐπραγήσαντες δὲ ἐξ ἐκείνου τοῦ λοιποῦ

τὴν πρᾶξιν ἑορτὴν ἐποίουν

[87] Ὠσχοφορικὰ δὲ μέλη παρὰ

Ἀθηναίοις ᾔδετο

[88] Τοῦ χοροῦ δὲ δύο νεανίαι κατὰ γυ-

ναῖκας ἐστολισμένοι κλῆμά τ ἀμπέλου κομίζοντες μεστὸν 15

108

εὐθαλῶν βοτρύων (ἐκάλουν δὲ αὐτὸ ὤσχην ἀφ οὗ καὶ

τοῖς μέλεσιν ἡ ἐπωνυμία) τῆς ἑορτῆς καθηγοῦντο

[89] Ἄρ-

ξαι δέ φασι Θησέα πρῶτον τοῦ ἔργου ἐπεὶ γὰρ ἑκούσιος

ὑποστὰς τὸν εἰς Κρήτην πλοῦν ἀπήλλαξε τὴν πατρίδα

τῆς κατὰ τὸν δασμὸν συμφορᾶς χαριστήρια ἀποδιδοὺς 20

Ἀθηνᾷ καὶ Διονύσῳ οἳ αὐτῷ κατὰ τὴν νῆσον τὴν

Δίαν ἐπεφάνησαν ἔπραττε τοῦτο δυσὶ νεανίαις ἐσκια-

τραφημένοις χρησάμενος πρὸς τὴν ἱερουργίαν ὑπηρέ-

ταις

[90] Ἦν δὲ τοῖς Ἀθηναίοις ἡ παραπομπὴ ἐκ τοῦ Διο-

νυσιακοῦ ἱεροῦ εἰς τὸ τῆς Ἀθηνᾶς τῆς Σκιράδος τέ- 25

μενος

[91] Εἵπετο δὲ τοῖς νεανίαις ὁ χορὸς καὶ ᾖδε τὰ

μέλη

[92] Ἐξ ἑκάστης δὲ φύλης ἔφηβοι διημιλλῶντο πρὸς

ἀλλήλους δρόμῳ καὶ τούτων ὁ πρότερος ἐγεύετο ἐκ τῆς

πενταπλῆς λεγομένης φιάλης ἣ συνεκιρνᾶτο ἐλαίῳ

καὶ οἴνῳ καὶ μέλιτι καὶ τυρῷ καὶ ἀλφίτοις 30

[93] Εὐκτικὰ

δὲ μέλη ἐγράφετο τοῖς αἰτουμένοις τι παρὰ θεοῦ γενέσθαι

[94] Πραγματικὰ δὲ ἅ τινων περιεῖχε πράξεις

[95] Ἐμπορικὰ

δὲ ὅσα κατὰ τὰς ἀποδημίας καὶ ἐμπορίας ἐπιδεικνύ-

μενά τισιν ἐγράφη

[96] Καὶ ἀποστολικὰ δὲ ὅσα διαπεμπό-

μενοι πρός τινας ἐποίουν 35

[97] Τὰ δὲ γνωμολογικὰ δῆλον

ὅτι παραίνεσιν ἠθῶν ἔχει

[98] Καὶ τὰ γεωργικὰ δὲ χώρας

καὶ φυτῶν καιροὺς καὶ ἐπιμελείας

[99] Καὶ τὰ ἐπισταλτικὰ

δὲ ὅσα κατ ἐντολὰς πρός τινας ποιοῦντες διέπεμπον

[100] Οἱ μὲν δύο λόγοι τῆς Πρόκλου γραμματικῆς Χρης-

109

τομαθείας ἐν τούτοις

12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO

1 Realizou-se leitura1 a partir do livro intitulado Excertos2 de Crestomatia3 de Letras4

de Proclo5 2 O livro eacute dividido em quatro arrazoados6

1 A forma anegnoacutesthe que introduz o epiacutetome da Crestomatia bem como praticamente todos os resumos

da Biblioteca eacute indicativa desse tipo de texto evidenciando literalmente que natildeo se apresenta ali uma obra mas

sim a leitura de uma cujo tiacutetulo segue-se Cf para a interpretaccedilatildeo dessa forma Ferrante (1957 pg 161)

seguindo a liccedilatildeo de Severyns (1939 I 4 174-75 e II pg 65) cuja recensatildeo acerca da tradiccedilatildeo manuscrita e a

liccedilatildeo para este primeiro periacuteodo parecem de fato as melhores A forma verbal eacute passiva mas deve ser

entendida no grego sem sujeito de forma absoluta ou intransitiva ie ldquoleu-serdquo ldquofoi lidordquo a que se adiciona um

termo preposicionado especificando a partir do que se deu essa leitura Aqui se supre como nos referidos

editores o termo ldquoleiturardquo para viabilizar a traduccedilatildeo remetendo agrave proacutepria atividade originaacuteria da Biblioteca

compilada por Foacutecio dar notiacutecia das sucessivas leituras de diferentes livros Cf Estudo 131 Para a discussatildeo

acerca da introduccedilatildeo dos epiacutetomes na Biblioteca as demais ocorrecircncias da forma e o entendimento desta em

especiacutefico comparada agraves outras A ausecircncia de artigo antes do substantivo ldquoleiturardquo na traduccedilatildeo opccedilatildeo

semelhante agrave dos referidos editores pretende aqui conferir um traccedilo de maior generalidade agrave pratica que

designa uma vez que para aleacutem da discussatildeo acerca de qual seria a matildeo que realmente anotou os textos

mencionados transformando-os em epiacutetomes (Foacutecio ele mesmo um copista um disciacutepulo e companheiro de

viagem que se encarrega da leitura ou vaacuterios etc ndash cf Severyns I 4 ndash 5) essa leitura foi motivo de uma ou mais

sessotildees internas do grupo de estudos dirigido pelo entatildeo embaixador e futuro patriarca ela eacute portanto uma de

diversas leituras dos textos tomados como objeto dessas sessotildees 2 Sobre as implicaccedilotildees da palavra ldquoexcertosrdquo (eklogaiacute) e como foi aqui interpretada cf Estudo 132 3 A palavra ldquocrestomatiardquo khrestomaacutetheia encontra-se lexicalizada em portuguecircs e agrave disposiccedilatildeo do

erudito de liacutengua romacircnica Houaiss haure-a no Novo Diccionario Critico Etymologico da Lingua Portugueza

Paris 1836 de Francisco Solano Constacircncio e a daacute como traslado do francecircs O Littreacute a registra na liacutengua e ao

fazecirc-lo interpreta-a como o referido portuguecircs florileacutegio coletacircnea das melhores passagens de diferentes

autores com fins didaacuteticos (provavelmente jaacute interpretando o adjetivo grego khrestoacutes ldquouacutetilrdquo presente no

composto) Dado isso adoto a forma vernaacutecula e natildeo me utilizo de artigo (ldquoArdquo Crestomatia) a fim de manter

combinando-se com ldquoexcertosrdquo a ambiguidade e a duacutevida que imediatamente em grego saltam aos olhos do

leitor de que a saber de acordo com a interpretaccedilatildeo que se faz da palavra ldquocrestomatiardquo ou se entende em um

extremo que a Biblioteca mesma jaacute nos traz o resumo de uma obra de segunda matildeo ie a abreviaccedilatildeo de algo jaacute

previamente resumido em uma coletacircnea escrita ou em outro extremo que o proacuteprio termo ldquoextratosrdquo faria

parte do tiacutetulo da obra original abrindo margem a pensar a palavra ldquocrestomatiardquo (e mesmo ldquocoletacircneardquo em

portuguecircs) sem um caraacuteter abreviativo mas como ldquoreuniatildeo de ensinamentosrdquo hauridos de outros textos e autores

que ao longo de seacuteculos foram ampliando e detalhando sob diferentes aspectos as doutrinas referentes agraves letras

de modo geral (em prosa ou verso oratoacuteria ou poeacutetica) Defende-se aqui uma terceira hipoacutetese entre esses dois

extremos Concorda-se com Severyns quanto ao caraacuteter natildeo abreviativo da palavra (cf Severyns op cit II 65 ndash

69) mas entende-se que eklogaiacute pelo cotejo com as introduccedilotildees de outros epiacutetomes da Biblioteca soacute pode

implicar neste caso uma abreviaccedilatildeo a seleccedilatildeo de excertos Cf Estudo 133 Ferrante natildeo se pronuncia quanto

a sua traduccedilatildeo mas manteacutem ldquoextratosrdquo e usa o artigo antes da palavra apesar de seguir Severyns em sua notaccedilatildeo

do texto Pretendeu-se aqui (natildeo soacute pelo uso do vernaacuteculo mas tambeacutem por natildeo se empregar o artigo) como

khrestomaacutetheia eacute um substantivo que definia certa obra por sua finalidade manter a dubiedade e o caraacuteter

duvidoso que salta aos olhos de um leitor moderno dos gregos 4 A traduccedilatildeo de grammatikoacutes por ldquoliteraacuteriardquo aqui seguiria o mesmo criteacuterio acima definido (n 3) de

manter o estranhamento em relaccedilatildeo ao tiacutetulo por isso bem como para ldquoeklogaiacuterdquo poder-se-ia manter a

literalidade do correlato latino numa uacutenica palavra Como se sabe poreacutem o termo aqui natildeo eacute sinocircnimo direto do

que noacutes modernos pensamos como ldquoos estudos literaacuteriosrdquo que supotildeem ndash mais precisamente ndash uma seacuterie de

categorias e criteacuterios associados ao termo os quais por se tornarem o foco mesmo ou os preceitos da chamada

ldquoanaacutelise literaacuteriardquo constituem o objeto de uma maneira estranha aos antigos Cf Estudo 134 paacuteg 38 ndash 50

110

3 No primeiro fala como as virtudes da prosa e da poesia satildeo as mesmas mas

diferenciam-se quanto ao mais e ao menos7 4 e que do molde da elocuccedilatildeo8 haacute o copioso o

tecircnue e o meacutedio9 5 Que o copioso eacute estonteante10 e muitiacutessimo elaborado reluzindo uma

beleza poeacutetica 6 Jaacute o tecircnue proscreve uma composiccedilatildeo com tropos e afeita agrave elaboraccedilatildeo mas

antes se entretece de despojamento motivo pelo qual em geral se adapta de um modo

excelente agraves lamentaccedilotildees11 7 Quanto ao meacutedio o nome evidencia que eacute meacutedio entre ambos

5 Consoante ao que se defende no cap 133 do Estudo e ao que foi dito acima na nota 3 entende-se aqui

que a atribuiccedilatildeo a Proclo ou seja o trecho ldquode Proclordquo porque o objeto lido estaria nomeado como Excertos

estava contido na intitulaccedilatildeo desse objeto Supotildee-se que a proacutepria intitulaccedilatildeo desse objeto que eacute resumido

porque se precisava identificar de que e de quem era excertos trazia a atribuiccedilatildeo ldquode Proclordquo daiacute o itaacutelico

adotado na traduccedilatildeo Sobre a questatildeo da atribuiccedilatildeo cf Estudo 12 paacuteg 12 ndash 15 6 Embora se saiba que os loacutegoi sejam mesmo etimologicamente as diferentes partes tomos coacutedices de

um bibliacuteon ie o conjunto desses rolos a obra preferiu-se aqui a traduccedilatildeo por ldquoarrazoadosrdquo referindo-se ao

significado cognitivo da palavra (pensamentofala) para manter natildeo soacute a ideia de que quando confeccionadas e

daiacute registradas de forma escrita essas partes natildeo arbitrariamente buscavam corresponder agraves partes menores de

um loacutegos tomadas por si mas tambeacutem a ideia de que num contexto como o da Biblioteca tanto no sentido de

sua composiccedilatildeo como de sua recepccedilatildeo essa noccedilatildeo era evidente senatildeo presente afinal a obra eacute o resultado de

seccedilotildees coletivas de leitura e assim mesmo se tenta reproduzi-la na forma de texto 7 Nomeando prosa ( loacutegos) e poesia ( poiacuteema) o texto imediatamente estabelece o

primeiro criteacuterio pelo qual se julgaraacute a composiccedilatildeo poeacutetica a elocuccedilatildeo que logo seraacute desdobrada (sect4) na teoria

de seus moldes ou gecircneros De acordo com esse primeiro criteacuterio a prosa e a poesia possuem as mesmas virtudes

ou qualidades ( aretaiacute) distinguindo-se pela quantidade esta possui mais do que aquela Esse criteacuterio jaacute

eacute empregado por Aristoacuteteles na Retoacuterica III Cf Estudo 21 paacuteg 51 ndash 52 8 A traduccedilatildeo mais literal considerando o genitivo ldquo rdquo seria evidentemente ldquoe que do

molderdquo contudo talzez natildeo ficaria imediatamente claro ao leitor que a doutrina poeacutetica dos antigos aqui supotildee

ldquomoldarrdquo metaforicamente para a confecccedilatildeo da elocuccedilatildeo e as possiacuteveis variaccedilotildees que permitem claissificaacute-la

mantendo a metaacutefora fiacutesica e escultoacuterica em trecircs grandes estilos gerais Por isso acrescentou-se a expressatildeo ldquoda

elocuccedilatildeordquo Como se sabe outros nomes equivalentes a outras abstraccedilotildees satildeo empregados para nomear essa

doutrina que pelo vieacutes latino e ciceroniano ficaraacute conhecida como ldquodos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo (cf Estudo

22) 9 Inicia-se a exposiccedilatildeo da teoria dos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeo as caracteriacutesticas marcantes de cada um e

seus desvios ou viacutecios O comentaacuterio agrave traduccedilatildeo e a explicaccedilatildeo dos termos encontra-se no Estudo 22 paacuteg 52 ndash

61 10 Repare-se que no original empregam-se dois adjetivos superlativos e com o segundo o superlativo do

adveacuterbio de intensidade Para traduzir tal intensidade poder-se-ia recorrer como Severyns a estender o adveacuterbio

aos dois sintagmas termos ndash ldquomuitiacutessimo estonteante e elaboradordquo Isso daria a entender que as duas

caracteriacutesticas estatildeo em peacute de igualdade quanto agrave intensidade e que haacute graus para o adjetivo ldquoestoanteanterdquo que

talvez se verifiquem nos outros moldes quando parece que ser arrebatador ou estonteante eacute proacuteprio da elevaccedilatildeo

do molde copioso Tentar traduzir o grau superlativo do primeiro adjetivo ndash ldquoo mais estonteanterdquo ndash daria a

entender o mesmo portanto quis-se que a proacuteprio adjetivo ldquoestonteanterdquo por sua forte semacircntica decirc conta do

primeiro adjetivo ldquo ekplektikoacutetatonrdquo remetendo ao sublime etc e que o adveacuterbio

ldquomuitiacutessimo restrinja-serdquo ao segundo adjetivo ldquo kateskeuasmeacutenon maacutelistardquo

julgando-se tal soluccedilatildeo mais fiel ao sentido do grego a saber o de que o molde copioso eacute o mais elaborado de

todos comparado aos demais moldes que podem ser elaborados em menor grau e por isso tem por qualidade

uacutenica ser estonteante atingir o arrebatamento do receptor Para tal intrepretaccedilatildeo cf Estudo 221 paacuteg 55 ndash 57

principalmente o uacuteltimo paraacutegrafo e o comentaacuterio de Quintiliano paacuteg 56 ndash 57 11 A legitimidade desta passagem mais especificamente desta palavra [goeroicircs] foi contestada

diferentemente por trecircs editores propocircs-se [georgikoicircs] (Schott 1606 apud Gaisford p337 apud

Severyns tomo II p 73) [noeroicircs] (Schimid 1894 p 134 n I apud Severyns idem)

[mikroicircs] (Immisch 1902 p 257 n I apud Severyns idem) Uma apreciaccedilatildeo pode ser lida em Severyns (idem)

que em linhas gerais aleacutem de se ater ao fato de que a tradiccedilatildeo manuscrita natildeo traz divergecircncias quanto a essa

passagem segue artigo de Shorey (Classical Philology 1906 apud Severyns) em que este aleacutem dos ceacutelebres

versos da Ars de Horaacutecio (95 ndash 98) arrola diferentes e breves passagens da tradiccedilatildeo retoacuterica nas quais se

evidenciam tal liccedilatildeo de forma explicita e natildeo poeacutetica ex Longino Rhet 21 ldquo() eacute necessaacuterio a quem consola

111

8 Florido por si proacuteprio natildeo eacute um molde mas manifesta-se e encontra-se misturado

junto aos mencionados e combina com topografias e descriccedilotildees12 de descampados ou

bosques

9 Os que cometem desvios das referidas formas geram a mudanccedila do copioso em duro

e exaltado do tecircnue em chatildeo e do meacutedio em truncado e frouxo

10 Entatildeo faz consideraccedilotildees acerca de criacutetica de poesia13 no que transmite qual a

diferenccedila entre caraacuteter e afeto14

11 E da composiccedilatildeo poeacutetica15 diz que haacute o gecircnero narrativo e o imitativo 12 E o

narrativo profere-se por meio de epos bem como de iambo elegia e meacutelica o imitativo por

meio de trageacutedia bem como de drama satiacuterico e comeacutedia16

falar natildeo com clareza sofistica [sophistikeacute tranoteacutes] mas com simplicidade compassiva [sympephonkyicirca

haploteacutes]rdquo Apsines (I 358) ldquoas narraccedilotildees pateacuteticas [pathetikaigrave dieacutegeseis] natildeo devem possuir muita organizaccedilatildeo

[polyn koacutesmon]rdquo idem (I 405) ldquoagrave elocuccedilatildeo eacute necessaacuterio que seja natildeo-moldada e natildeo-ornada [aacuteplaston kaigrave

akalloacutepiston] o ornar [kallopiacutezein] natildeo eacute proacuteprio de quem canta um trenordquo (a tosca literalidade da traduccedilatildeo eacute

intencional aqui a fim de que se notem os termos gregos) 12 A palavra empregada para ldquodescriccedilatildeordquo eacute eacutekphrasis e eacute o nome que se daacute ao gecircnero pelo

qual se confecciona com palavras a representaccedilatildeo de algo inanimado Consoante ao que se disse (supra) como

algo que eacute descrito parece que todos esses casos tecircm em comum o fato de que se constituem como objetos de

apreciaccedilatildeo em funccedilatildeo da palavra entatildeo eacute pelo proacuteprio floreio que supotildee ornato que esse algo pode se tornar

objeto do prazer Daiacute a possiacutevel interpretaccedilatildeo do epiacutetome segundo a qual o florido natildeo seria por si um molde a

ser selecionado desde o iniacutecio para a confecccedilatildeo de uma obra natildeo seria um molde independente agrave cuja

totalidade se circunscreveria por inteiro toda uma elocuccedilatildeo mas sim uma forma obrigatoriamente concorrente

dependente que se apresenta como parte adicional de um dos trecircs moldes em circunstacircncias como as

exemplificadas qual um adereccedilo de flores 13 kriacutesis poieacutematos entendida aqui como sinocircnimo da sexta parte da empiria

gramatical de Dioniacutesio Traacutecio conforme defendido aqui no Estudo 134 paacuteg 38 ndash 47 para opiniatildeo

semelhante FERRANTE paacuteg 20 ndash 21 Contraacuteria Cf SEVERYNS paacuteg 77 ndash 79 Aventou-se a traduccedilatildeo por

ldquocriacuteticardquo opccedilatildeo natildeo soacute muito coerente como esclarecedora uma vez que aqui se assume a kriacutesis poiemaacuteton de

Dioniacutesio Traacutecio como atividade que mais amplamente passou a corresponder ao que hoje noacutes modernos

diriacuteamos ldquocriacutetica de poesiardquo senatildeo ldquocriacutetica poeacuteticardquo Embora tentadora e chamativa declinou-se tal traduccedilatildeo

porque primeiro a noccedilatildeo de criacutetica natildeo se entende mais em portuguecircs associada ao significado baacutesico da palavra

grega originaacuteria ldquokriacutesisrdquo modernamente natildeo haacute mais a noccedilatildeo de ldquocisatildeo litiacutegio disputardquo e daiacute ldquoavaliaccedilatildeo juiacutezo

julgamentordquo e basicamente a palavra eacute do campo semacircntico judicial segundo como o proacuteprio Dioniacutesio Traacutecio

atesta que no iniacutecio se tratava justamente desta segunda noccedilatildeo de ldquojulgamentordquo ocupando-se a princiacutepio tatildeo

somente do estabelecimento do texto a traduccedilatildeo por criacutetica poderia criar o falso entendimento da parte do leitor

de que se trata de uma atividade de ldquocriacutetica literaacuteriardquo como a dos dias de hoje quando mesmo em seu

desdobramento posterior em que poderia modernamente receber tal nome a interpretaccedilatildeo dos antigos lidava

com um instrumental de noccedilotildees diferentes das nossas como reafirmado em outras passagens deste trabalho

Embora pareccedila se perder com esta soluccedilatildeo preferiu-se fazer juz ao ldquojuiacutezordquo e recorrer a esta nota 14 eacutethous kaigrave paacutethous ndash talvez aqui como pensados por Dioniacutesio de Halicarnasso no

tratado Da Imitaccedilatildeo Cf Estudo 134 especificamente paacuteg 47 ndash 50 15 O adjetivo feminino poietikecircs sem um substantivo acompanhando-o tende a supor teacutechne Sabemos que

assim Aristoacuteteles nomeia essa aacuterea do saber Como suprir o termo poderia dar a entender o tratado e o

entendimento aristoteacutelicos do objeto quando na verdade parece que o epiacutetome usa o termo para se referir aos

poemas ie agraves composiccedilotildees em verso por oposiccedilatildeo agraves em prosa certamente entendendo-as todas como poesia

e como o termo neutro poiacuteema foi empregado anteriormente por oposiccedilatildeo agrave prosa (loacutegos) optou-se nesta

traduccedilatildeo por suprir ldquocomposiccedilatildeordquo dando a entender o resultado o objeto o poema como ldquoconfecccedilatildeordquo trazendo

tambeacutem a noccedilatildeo do ato em si e da teacutecninca (teacutekhne) Cf Estudo 32 paacuteg 77 ndash 79

O emprego do termo no genitivo junto do artigo e do verbo leacutegei implica uma forte carga

partitiva ao termo ateacute entatildeo o texto versava sobre a elocuccedilatildeo que poderia ocorrer em prosa ou em verso ie

poderia ser um discurso juriacutedico ou um poema liacuterico mas ora sobre a confecccedilatildeo que eacute apenas poeacutetica eis os

112

13 Tambeacutem que Femocircnoe17 a profetiza de Apolo foi quem descobriu18 o epos19 por

professar oraacuteculos em hexacircmetros A partir daiacute aos oraacuteculos seguiram-se [heiacutepeto ] os

feitos20 que lhes eram consonantes nomeando-se ldquoeposrdquo qualquer composiccedilatildeo no metro

14 Outros dizem que por causa da elaboraccedilatildeo e da ampla superioridade21 observada

nos hexacircmetros o hexacircmetro apropriou-se do nome comum de ldquopalavrardquo e passou a ser

chamado ldquoeposrdquo [fala palavra falada]22 bem como Homero tornou sua a alcunha ldquoo poetardquo

e Demoacutestenes ldquoo oradorrdquo uma vez tambeacutem que alguns denominavam ldquoeacuteperdquo [falares plura

de ldquoeposrdquo] as composiccedilotildees em triacutemetros23

15 Os mais egreacutegios poetas do epos satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro24 Paniacuteasis25 e

Antiacutemaco26

16 Desses discorre na medida do possiacutevel acerca da origem da paacutetria e de algumas

histoacuterias particulares27

gecircneros e espeacutecies em que eacute possiacutevel discriminaacute-las No sentido de que sobre elas o que o texto em questatildeo nos

ensina eacute tal discriminaccedilatildeo uacutetil ao gramaacutetico e aquele que busca ler tais composiccedilotildees agora textos tanto o termo

poietikeacute como a secccedilatildeo que se segue estatildeo em concordacircncia com a kriacutesis do item acima Cf Estudo 134 paacuteg

38 16 Eis a biparticaccedilatildeo em dois grandes gecircneros dos quais os nomes poeacuteticos arrolados satildeo espeacutecies de

acordo com o modelo da calssificaccedilatildeo geneacuterica discutida Os termos empregados bem como essa divisatildeo satildeo

objeto do Capiacutetulo 3 do Estudo mais precisamente seccedilatildeo 31 paacuteg 67 ndash 83 17 Cf Estrabatildeo (IX 419) Pausacircnias (X 5 7) e o Escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio (475 22) Composto de phemiacute

e noucircs ie ldquofalarrdquo e ldquopensamentoespiacuteritordquo 18 O termo do verbo epheuriacutesko ldquodescobrirrdquo eacute composto de heuriacutesko que tem o

significado baacutesico do verbo ldquoacharrdquo eacute comum na tratadiacutestica serve para designar a ldquoinvenccedilatildeordquo ndash termo latino

que traduz o grego ndash de um forma poeacutetica ou entatildeo para designar quem a encontra seu ldquoinventorrdquo ou como natildeo

haacute a noccedilatildeo moderna de ldquooriginalidaderdquo e ldquocriaccedilatildeordquo o ldquodescobridorrdquo ndash heureteacutes Esses termos se

empregaratildeo ao longo do texto consecutivamente 19 A palavra teria o significado primitivo de ldquofalardquo sua raiz (F eacute cognata do latim vox ldquovozrdquo 20 No grego tagrave praacutegmata heiacutepeto juntos o termo que designa os feitos as accedilotildees

caracteriacutesticas da poesia eacutepica e o termo que compotildee a etimologia designando tanto a sucessatildeo em relaccedilatildeo aos

oraacuteculos como o elemento de consecuccedilatildeo das accedilotildees ou feitos definidores da espeacutecie Cf Estudo 331 paacuteg 83 21 A ampla superioridade ndash aacutegan hyperokheacuten ndash da composiccedilatildeo hexameacutetrica introduz o

argumento em prol da terceira explicaccedilatildeo etimoloacutegica 22 A etimologia como visto no Estudo 331 paacuteg 83 para aleacutem do sugestivo nome da profetiza que

conteacutem o elemento ldquofalardquo seguiria a sequecircncia eacutepos heacutepomai eacutepous = logos e gt(maior que) outros eacutepe 23 Cf Estudo 331 para a noccedilatildeo de eacutepos associado a outras formas como o triacutemetro ou a oratoacuteria De

qualquer forma o argumento geral eacute o de que outros designavam outras espeacutecies que julgavam ldquoa fala por

excelecircnciardquo pelo termo comum para ldquopalavra faladardquo ie ldquoeposrdquo 24 Pisandro de Camiro c 650 aC A ele eacute atribuiacuteda uma Heracleida que narrava todos os feitos de

Heacutercules 25 Paniacuteasis de Halicarnasso tio de Heroacutedoto morreu por volta de 457 aC A ele se atribui tambeacutem uma

Heracleida em 14 cantos e 900 versos 26 Antiacutemaco de Colofatildeo c 405 aC autor da Tebaida que comporia junto de outro poemas o ciclo

tebano 27 Aqui seguiria a Vita Homeri atribuiacuteda que chegou a noacutes a Proclo Eacute de se supor que para cada um dos

poetas mencionas seguisse uma biografia semelhante Essa passagem e a seccedilatildeo seguinte sobre o ciclo eacutepico

cotejadas com os uacutenicos excertos originais que temos da Crestomatia permitem-nos ter um iacutenfimo vislumbre da

dimensatildeo da obra que de fato pela menccedilatildeo a quatro livros feita no iniacutecio do coacutedice dos quais apenas dois satildeo

resumidos devia ser extensa

113

17 Entatildeo faz consideraccedilotildees sobre o chamado ldquociclo eacutepicordquo que se inicia pelo

intercurso mitoloacutegico entre Ceacuteu e Terra28 a partir do qual geram a ele trecircs filhos centiacutemanos e

trecircs Ciclopes29

18 Passa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre os deuses dos

gregos e diz o que inclusive pode ateacute certo ponto ser verdade em referecircncia agrave histoacuteria

19 Fecha-se o ciclo eacutepico agrave medida que eacute completo pela contribuiccedilatildeo de diferentes

poetas ateacute o desembarque de Odisseu em Iacutetaca quando eacute morto por seu filho Teleacutegono que

natildeo o reconhecera30

20 Fala como os poemas do ciclo eacutepico tecircm se conservado e recebido atenccedilatildeo de

muitos natildeo tanto por sua virtude quanto pela sequecircncia das accedilotildees nele contidas

21 Fala entatildeo o nome e a paacutetria dos que se dedicaram ao ciclo eacutepico

22 Fala entatildeo acerca de certos poemas ldquoCiacutepriosrdquo como alguns os atribuem a Estasino

de Chipre outros lhes inscrevem ldquoHegesino de Salaminardquo Outros dizem que Homero

escreveu-os deu a Estasino por obter-lhe a filha e por causa de sua paacutetria nomeou ldquoCiacutepriasrdquo

a obra 23 Mas de sua parte natildeo se apoia nessa hipoacutetese pois que tambeacutem os poemas natildeo se

intitulam ldquoCiacutepriasrdquo com acentuaccedilatildeo proparoxiacutetona31

24 Diz quanto agrave elegia [elegeiacutea ] ser composta de um verso heroacuteico e um

pentacircmetro32 e acomodar-se33 aos que jaacute partiram 25 E obteve seu nome daiacute os antigos

28 Aqui se iniciava o resumo do ciclo eacutepico Cf Estudo 3312 paacuteg 86 para as conjecturas a respeito

daquilo em que talvez consistisse essa primeira parte do ciclo a julgar pelo paraacutegrafo seguinte (18) em que se

nomeiam as histoacuterias do iniacutecio do ciclo ldquonarraccedilotildees miacuteticasrdquo ou considerando a acepccedilatildeo moderna ldquomitologiardquo 29 Esse episoacutedio cosmogocircnico como apresentado ie sem uma referecircncia expliacutecita agrave geraccedilatildeo de Ceacuteu a

partir de Terra (diferente do que se lecirc em Hesiacuteodo Teogonia 126 ndash 127) derivaria da Titanomaquia de Eumelo

Cf Estudo 3312 paacuteg 88 ndash 90 e Ateneu (Deipnosophistae VII 277d ndash e) 30 Buscou-se manter na traduccedilatildeo a possibilidade de leitura equivocada e a imprecisatildeo que pode geraacute-la a

quem desconhece os episoacutedios do ciclo o desembarque em questatildeo natildeo eacute o da Odisseia em retorno de Troia

mas o que encerra a viagem de Odisseu agrave Tesproacutetia que se narrava na Telegonia de Ecircugamon de Cirene uacuteltimo

poema na cronologia do ciclo 31 Para a extensa consideraccedilatildeo de todos os possiacuteveis tiacutetulos para o poema segundo diferentes autores da

Antiguidade cf Severyns (paacuteg 93 ndash 98) e Ferrante (27 ndash 30) Para a opiniatildeo de Proclo que Foacutecio natildeo menciona

ambos editores e criacuteticos apontam como consideraccedilatildeo final para a passagem de Ateneu (XV 682d) em que

Demodamas sugere como autor Ciacutepria de Halicarnasso Eacute conjetural poreacutem que concordando com

Demodamas Proclo aceitasse que a intitulaccedilatildeo se desse pelo autor sugerindo uma forma genitiva como

intitulaccedilatildeo que a formulaccedilatildeo de Foacutecio sugere Vale lembrar que no excerto sobre as Ciacuteprias Proclo informaria

sua discordacircncia sobre a intitulaccedilatildeo do poema e diria que para evitar a interrupccedilatildeo da continuidade do discurso

discutiria posteriormente esse toacutepico como um excurso Pelo menos quanto agrave ordem portanto o resumo de

Foacutecio seria fiel pois eacute de supor que tal excurso ocorresse apoacutes o resumo do ciclo e antes de abordar a elegia Isso

tambeacutem explica por que natildeo haveria razotildees para que Proclo natildeo considerasse as Ciacuteprias como parte do ciclo

(Severyns paacuteg 98) uma vez que dos resumos do ciclo esse eacute o uacutenico que natildeo conteacutem uma atribuiccedilatildeo em seu

iniacutecio 32 Como observado no caso do epos a exposiccedilatildeo segue o criteacuterio metro-mateacuteria explicando o

desenvolvimento da espeacutecie a partir dos usos do metro Cf Estudo 3312 paacuteg 86 332 paacuteg 90 em diante 33 Cf supra sect14 suacutemphona explicitando o criteacuterio metro-mateacuteria pontuando a invenccedilatildeo da espeacutecie e seu

desenvolvimento a partir da mateacuteria que a princiacutepio se lhe acomodava naturalmente

114

chamavam ao treno34 eacutelegos [ ] e atraveacutes dele elogiavam [euloacutegoun ] os

mortos35 26 Os poacutesteros36 contudo usaram ldquoelegiardquo amplamente para diferentes

argumentos

27 Fala entatildeo que exceliram nesse metro Calino de Eacutefeso37 e Mimnermo de

Colofatildeo38 mas tambeacutem o filho de Teacutelefo Filetas de Coacutes39 e Caliacutemaco filho de Bato (esse era

de Cirene)40

28 Jaacute no que diz respeito ao iambo [ ] primeiro em tempo antigo era atribuiacutedo

agrave ralhaccedilatildeo41 inclusive de acordo com certo dialeto ldquoiambizarrdquo [ldquoiambiacutezeinrdquo ] era

nome para ldquoralharrdquo42

29 Uns dizem ser por causa de certa criada Iambe [Iaacutembe ]43 de origem

traacutecia Ela quando Demeacuteter estava de luto pelo rapto de sua filha foi ateacute as redondezas de

34 Para a interpretaccedilatildeo de que a elegia haveria derivado do treno cf Harvey The Classification of Greek

Lyric Poetry The Classical Quarterly New Series Vol 5 No 34 (Jul - Out 1955) pp 157-175 35 O trinocircmio elegia eacutelegos elogio eacute a etimologia baacutesica que subjaz a essa exposiccedilatildeo da descoberta e do

desenvolvimento da espeacutecie Cf Estudo 332 paacuteg 90 a 94 36 Hoi metageneacutesteroi os poacutesteros ndash o texto mesmo pontua como etapa posterior ao uso primeiro do

diacutestico para o lamento fuacutenebre seu uso para diferentes argumentos hypotheacuteseis 37 Viveu por volta do seacuteculo VII a c e pelo que sabemos de sua poesia que nos chega fragmentada seria

de caraacuteter beacutelico e guerreiro recorrendo aos exemplos dos mitos que seratildeo posteriormente circunscritos ao

ciclo eacutepico (FERRANTE paacuteg 32) para exortar ao combate e agrave bela morte Portanto entendida a definiccedilatildeo da

elegia ao peacute da letra mesmo o mais velho elegiacuteaco natildeo a ilustra eacute de se supor portanto que ele mesmo jaacute ilustre

o uso do metro para ldquodiferentes argumentosrdquo o caraacuteter lamentoso e primordial do metro abarcaria por exemplo

a exortaccedilatildeo agrave morte na guerra uma vez que pressupotildee a situaccedilatildeo fuacutenebre independente dos poemas ou desse

tipo de poema suporem quando da sua composiccedilatildeo uma execuccedilatildeo primeira e um funeral ou funerais como

ocasiatildeo em performance especiacutefica uma vez que mesmo que nas situaccedilotildees em que um poema se destinasse agrave

uma performance especiacutefica sua execuccedilatildeo poderia se dar tambeacutem em um simpoacutesio posteriormente 38 Viveu entre o final do seacuteculo VII e o iniacutecio do seacuteculo VI a C seu lamento eacute de caraacuteter amoroso Foi

imitado pelos heleniacutesticos e a ele Galo e os demais elegiacuteacos romanos fazem remontar a elegia eroacutetica

tomando-o por seu descobridor 39 Poeta e gramaacutetico agrave maneira alexandrina mestre de Zenoacutedoto e Teoacutecrito seria tambeacutem reconhecido

pelos romanos o intermediaacuterio heleniacutestico da elegia eroacutetica no iniacutecio nos meandros do seacuteculo IV aC 40 Seacuteculo III aC foi disciacutepulo de Hermoacutecrates e Praxiacutefanes o peripateacuterico disciacutepulo de Teofrasto

Fundou uma escola de gramaacutetica em Alexandria seguindo os passo do mestre que se dedicara especificamente a

esse saber Compocircs sob a corte de Ptolomeu II o Filadelfo e Ptolomeu III o Eveacutergeta Foi o grande propagador

da poesia breve e cultista de base Heleniacutestica a quem se filiaraacute entre os romanos Catulo modelo dos elegiacuteacos

junto a Galo Cultivou aleacutem da elegia o epigrama o hino o epiacutelio e o iambo 41 Cf Estudo 333 paacuteg 94 42 Eacute impossiacutevel identificar a que dialeto o texto se referia uma vez que se o fizesse Foacutecio natildeo o anotou

Tanto Severyns (28 2 paacuteg 105) como Ferrante (28 paacuteg 33) remetem a Chantraine (La Formation des Noms en

Grec Ancien paacuteg 260) pontuando que de fato a formaccedilatildeo do nome em questatildeo eacute externa ao grupo indo-

eruropeu Talvez se a indefiniccedilatildeo do texto do epiacutetome partiu do texto do proacuteprio Proclo os proacuteprios antigos

percebessem a palavra como estrangeira sem poder identificar sua origem 43 A primeira e uma das poucas etimologias eponiacutemicas que ocorrem no epiacutetome O argumento baacutesico ndash

note-se ndash eacute etioloacutegico ie e funciona como outras explicaccedilotildees que apareceratildeo ao longo do cataacutelogo de

subespeacutecies meacutelicas haacute um marcante evento miacutetico ou histoacuterico que uma vez aceito eacute por si mesmo argumento

para a adoccedilatildeo de um costume e repeticcedilatildeo da forma Neste caso a accedilatildeo da criada de nome Iambe seria modelar do

que se faz com os iambos tanto que de seu nome derivaria o proacuteprio nome do metro Embora natildeo se possa

dizer que tambeacutem eponiacutemica a associaccedilatildeo do hexacircmetro a Femocircnoe (sect14) continha um argumento de base

etioloacutegica semelhante na medida em que localiza em um passado remoto um acontecimento que se fixa como

praacutetica Esse tipo de argumento seraacute amplamente usado na exposiccedilatildeo das subespeacutecies liacutericas na liacuterica sacra por

115

Elecircusis e apoacutes subir sobre a pedra hoje chamada ldquoSolenerdquo44 por meio de algumas zombarias

levou a deusa agrave gargalhada45

30 Parece que em tempo antigo poreacutem dizia-se o iambo para o que era composto

visando ao vitupeacuterio e ao enaltecimento igualmente Como alguns sobreabundaram o metro

nas maledicecircncias a partir daiacute o ldquoiambiacutezeinrdquo [ldquoiambizarrdquo ]46 por forccedila do haacutebito

acabou por ser ldquohybriacutezeinrdquo [ldquoimprecarrdquo ] bem como por causa dos ldquococircmicosrdquo

[komikoiacute ] ldquokomiacutezeinrdquo [ldquoridicularizarrdquo ]47

31 De iambos Arquiacuteloco de Paros eacute o melhor poeta seguido de Semocircnides de

Amorgos ndash de Samos segundo uns ndash e Hipocircnax de Eacutefeso dos quais o primeiro floresceu na

eacutepoca de Giges48 o segundo na de Amintas o macedocircnio49 por fim Hipocircnax durante o

periacuteodo de Dario50

32 Sobre a poesia meacutelica51 diz que eacute a mais diversificada e comporta diferentes

divisotildees

33 Parte dela encontra-se distribuiacuteda para deuses parte para homens parte para

deuses e homens e parte para as circunstacircncias acidentais

exemplo eacute usado na explicaccedilatildeo do nomo (sect44) entre as subespeacutecies sacras e seculares na explicaccedilatildeo da

dafneforia (sect70 ndash 73) das canccedilotildees tripodefoacutericas (sect80 ndash 86) das oscofoacutericas (sect89) etc 44 Chama a atenccedilatildeo o silecircncio de Pausacircnias (I 38 6 e I 39 I) a respeito da pedra Cf Severyns paacuteg 108

6 ndash as referecircncias tardias pontuadas pelo autor sugerem que se trate de um elemento proverbial e posterior que se

preencheu em um episoacutedio antigo e conhecido que remonta afinal ao Hino Homeacuterico a Demeacuteter (197 ndash 204)

em que tal criada aparece e de fato faz a deusa rir mas no palaacutecio do rei Celeo e sob seu senhorio em uma

versatildeo diferente da histoacuteria Referem-se agrave pedra Apolodoro (I 30) o Escoacutelio a Aristoacutefanes (Cavaleiros 785) e o

Suda ( 49 ADLER) 45 Severyns (paacuteg 107 ndash 109) fornece detalhadamente todas as referecircncias para essa versatildeo da histoacuteria

valendo menccedilatildeo a mesma passagem de Apolodoro que apresenta a histoacuteria semelhantemente e o Escoacutelio a

Hefestiatildeo (214 9 Consbruch) que apresenta a versatildeo homeacuterica 46 Cf Ferrante 32 ndash 33 n 28 para a etimologia a partir de ldquoiagraven baacutezeinrdquo ldquo rdquo ldquolanccedilar a vozrdquo

(Et Magn 463 29) bem como para a possibilidade a partir do homeacuterico iaacute ldquolanccedilas setasrdquo (Il 20 68) +

baacutezein ie ldquolanccedilar setasrdquo metaacutefora poeacutetica para imprecar (cf Catulo 116)47 O termo que de iniacutecio significava apenas integrar um koacutemos ie uma farra folia patuscada pacircndega

um cortejo festivo passa a designar no desenvolvimento da trageacutedia ldquocompor um coro cocircmicordquo e por

metoniacutemia satirizar detratar fazer de algo ou algueacutem objeto da criacutetica cocircmica Esse processo teria igualmente

ocorrido em relaccedilatildeo ao emprego abundante do iambo para a imprecaccedilatildeo de modo que o proacuteprio verbo

ldquoofenderrdquo ldquoinjuriarrdquo (hybriacutezein passa a ter o mesmo emprego que ofender sem implicar a

composiccedilatildeo de versos iacircmbicos Essa uacuteltima passagem natildeo eacute senatildeo uma ampliaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da primeira

etimologia apresentada que apenas endossa a opiniatildeo de Aristoacuteteles para a origem do iambo (Cf Estudo 333

paacuteg 94) 48 Arquiacuteloco teria vivido na primeira metade do seacuteculo VI aC Giges que eacute dado como referecircncia foi o

rei liacutedio de 689 a 653 aC Menciona-o fragmento 19 do poeta (Gerber) Sua poesia nos chega fragmentada e

faz menccedilatildeo de um eclipse que ocorreu em 6 de abril de 648 aC o que nos permite situar sua atividade poeacutetica

pelo menos ateacute essa deacutecada Sabemos que compocircs elegias tambeacutem mas eacute geralmente referido como o primeiro

poeta iacircmbico entre os gregos como se vecirc por exemplo na Ars de Horaacutecio (79) 49 Trata-se de Amintas I da Macedocircnia que teria vivido entre 540 e 498 aC o que colocaria Semocircnides

depois de Arquiacuteloco na segunda metade do seacuteculo VI aC Dele nos resta algo em torno de 40 fragmentos

dentre os quais o mais famosos seria o fragmento 6 (WEST) ldquoContra as Mulheresrdquo 50 Segundo esse testemunho Hipocircnax teria vivido aproximadamente entre 521 e 485 aC eacute considerado o

descobridor do coliambo 51 Sobre a divisatildeo cf Estudo 334 paacuteg 95

116

34 Aos deuses de um lado referem-se hino prosoacutedio peatilde ditirambo nomo

adoniacutedia iobaco hiporquema

35 Aos homens de outro encocircmios epiniacutecio escoacutelios eroacuteticas espitalacircmios

himeneus silos trenos e epiceacutedios

36 Aos deuses e homens partecircnias dafnefoacutericas tripodefoacutericas oscofoacutericas ecircuticas

pois essas eram escritas para deuses e compreendiam enaltecimentos de homens

37 A que se refere agraves circunstacircncias acidentais natildeo eacute uma espeacutecie da meacutelica mas eacute

atentada pelos proacuteprios poetas

38 Diz que o hino [hyacutemnos ]52 recebe seu nome pelo fato de ser algo

ldquohypoacutemononrdquo [ldquopersistenterdquo ]53 e por conduzir desse modo agrave mneacuteme [memoacuteria

] e agrave hypomneacutesis [rememoraccedilatildeo ] as accedilotildees dos hineados [hymnoucircmenoi

]54 ou tambeacutem pelo ldquohydeicircnrdquo [ldquonomearrdquo ] que eacute o mesmo que ldquodizerrdquo55

52 Do sacircnscrito syuman (ldquoligaccedilatildeordquo) Essa noccedilatildeo se confere no latim suo (coser) bem como em palavras

gregas com a noccedilatildeo geral de ldquourdidurardquo ldquotecidordquo ldquopelerdquo υμην (membrana) υφη (teia urdidura) υφαινω

(sinocircnimo do latim suo ie tecer) ndash Exemplos de Ferrante paacuteg 38 n 38 53 Essa hipoacutetese eacute verossiacutemil linguisticamente e nos eacute apresentada pelo Et Mag 777 2 dizendo apenas

que se trata de siacutencope υμνος derivaria de υπομονος palavra postulada e teoacuterica (uma vez que temos o verbo

ldquorestarrdquo e o substantivo deverbal ldquopersistecircnciardquo mas natildeo o adjetivo em questatildeo) por

apoacutecope e assimilaccedilatildeo υπομονος passaria a υμμονος e depois por simplificaccedilatildeo e siacutencope cairia o [o] de

μονος resultando υμνος (Ferrante idem) A etimologia antiga como se sabe pauta-se natildeo soacute na proximidade

das palavras mas tambeacutem em seu significado Essa etimologia teoacuterica contribui portanto para a noccedilatildeo cabal de

que na percepccedilatildeo antiga um hino o eacute porque ldquopersistenterdquo ie hino eacute algo que visa permanecer daiacute a

associaccedilatildeo direta e primeira entre hyacutemnos e hypoacutemonos a partir da qual na formulaccedilatildeo dessa etimologia se

parte para as demais associaccedilotildees paroniacutemicas 54 Tais formas se associariam morfoloacutegica e semanticamente (e daiacute etimologicamente) ao binocircmio

hyacutemnos - hypoacutemonos expandindo-o Dessa associaccedilatildeo baacutesica decorre que a espeacutecie poeacutetica recebe seu nome

porque opera com a mneacuteme a capacidade de retenccedilatildeo na memoacuteria e com a hypomneacutesis a capacidade de

rememorar o que foi armazenado em relaccedilatildeo agraves accedilotildees dos hineados Dessarte os demais termos ocorrem para

explicar a associaccedilatildeo primeira com uma palavra teoacuterica ie porque o hino eacute ldquopersistenterdquo Talvez devecircssemos

considerar o contraacuterio que a palavra teoacuterica se postula a fim de permitir a associaccedilatildeo com as outras que

explicariam o nome do gecircnero A se diz por causa de B que se diz em funccedilatildeo de C e D seguindo-se E Este

uacuteltimo termo explica o uacuteltimo elemento da exposiccedilatildeo do coacutedice em que os ldquohineadosrdquo (hymnoucircmenoi) satildeo

praticamente os ldquorelembradosrdquo

Esse eacute o esquema etimoloacutegico de dois outros textos semelhantes a esse passo do coacutedice de Foacutecio o

leacutexico de Oacuterion 155 22 (fundamental porque ele teria sido professor de Proclo) e Et Magnun 777 2 (que como

se sabe junto do Et Gudianum pauta-se no gramaacutetico Oacuterion em vaacuterios de seus verbetes) O cotejo completo

encontra-se em Severyns II 38 paacuteg 117 Ambas as referidas passagens (esta baseada naquela) atribuem a

etimologia a Diacutedimo e sua obra Acerca dos Poetas Liacutericos citados nominalmente nos dois textos 55 Apenas pelo lsquo rsquo o verbo em questatildeo viria agrave etimologia porque condensa as noccedilotildees anteriores e a antiga

funccedilatildeo religiosa subjacente agrave origem da espeacutecie em questatildeo o celebrar de um deus finalidade do hino

consistiria em relembrar ie trazer agrave tona seus feitos suas accedilotildees ( praacutexeis) manter a memoacuteria delas

Essa etimologia encontra-se nos leacutexicos antigos e provavelmente adveacutem dos autores heleniacutesticos uma vez que o

uso do verbo parece reintroduzido na liacutengua pelos poetas de tal periacuteodo cf Severyns idem paacuteg 119 Tanto no

Et Magnun como no Et Gudianum provavelmente contemplando o uso heleniacutestico aparece junto dos verbos

e como sinocircnimo primeiro de ldquo rdquo Para a derivaccedilatildeo antiga da palavra por exemplo o Et

Gud 539 56 ldquo

rdquo ndash ldquohyacutedein sinaliza o hyacutemnein surge a patir do verbo hymnocirc pela queda

do lsquonrsquo hymocirc e mudanccedila do lsquomrsquo para lsquodrsquo hyacutedo pelo recuo do acentordquo A associaccedilatildeo entre os dois verbos para a

qual tambeacutem se apresenta uma formaccedilatildeo teoacuterica nos leacutexicos posteriores ao texto do epiacutetome parece apontar de

qualquer modo dentro dessa classificaccedilatildeo de base gramatical para a necessidade de reforccedilar pelo emprego de

117

39 Chamavam hino em geral toda composiccedilatildeo aos que satildeo superiores56 por isso

aparecem contrapondo o prosoacutedio e as demais canccedilotildees mencionadas ao hino como a espeacutecie

ao gecircnero Assim dos que escrevem57 podem-se ouvir coisas como ldquohino de prosoacutediordquo ldquohino

de encocircmiordquo ldquohino de peatilderdquo e semelhantes58

40 O prosoacutedio [prosoacutedion ] era entoado quando se seguia em procissatildeo

[prosiacuteosi ] ao altar ou ao santuaacuterio e na procissatildeo [prosieacutenai ] era

cantado [eiacutedeto ]59 ao som do aulo O hino propriamente se cantava ao som da ciacutetara

uma vez que se estivesse parado60

um termo que tambeacutem eacute heleniacutestico a exposiccedilatildeo da espeacutecie como ldquodiegeacuteticardquo ou narrativa bem como

caracterizar a forma poeacutetica como celebraccedilatildeo de accedilotildees Em outras palavras aventa-se a possibilidade de que natildeo

eacute senatildeo pelas accedilotildees as praacutexeis anteriormente mencionadas que as duas explicaccedilotildees estatildeo aqui postas juntas

uma vez que nesta ocorrecircncia o verbo tenha as accedilotildees por objeto (hyacutedein autagraves) Eacute provaacutevel portanto que o

texto de Proclo as propunha contiguamente e natildeo opostamente jaacute que como mostrado por Severyns (paacuteg 120)

eacute tambeacutem por essa possibilidade que o texto do epiacutetome mencionaraacute outra disposiccedilatildeo para o hino em relaccedilatildeo agraves

outras espeacutecies dentro da classificaccedilatildeo geneacuterica a saber como gecircnero para as demais espeacutecies (infra n 58) 56 hyperoacutentas eacute correccedilatildeo de Severyns proposta a partir das referidas passagens de Oacuterion e do

Et Mag que trazem ldquo hypereacutekhontasrdquo sinocircnimo uma vez que o texto de Foacutecio traz

ldquo hypereacutetasrdquo (servo do deus) o que implicaria um contrassenso uma vez que o hino faz parte da

liacuterica sacra 57 A passagem parece ambiacutegua e aqui se pretendeu manter essa ambiguidade Natildeo eacute possiacutevel estabelecer

apenas pela passagem se tocircn graphocircnton designa aqueles que escrevem sobre hinos referindo-se a como outros

textos e classificaccedilotildees geneacutericas referem-se aos hinos e os nomeiam ou se isso parte daqueles que compuseram

tais hinos e portanto o referente do particiacutepio seriam os poetas A opccedilatildeo por ldquoescrevemrdquo e natildeo ldquocompotildeemrdquo na

traduccedilatildeo visa manter as duas possibilidades de leitura Das duas passagens semelhantes Oacuterion (155 22) e o Et

Magnun (777 2) apenas a primeira emprega o termo referindo-se aos que compotildeem com certeza e eacute por isso

mesmo que essa provavelmente seria a leitura correta Natildeo nos cabe emendar o texto poreacutem 58 Conforme as aludidas passagens de Oacuterion e do Etymologicum Magnum Diacutedimo distinguia entre duas

classificaccedilotildees Uma consideraria o hino particularmente como espeacutecie meacutelica sacra separada das demais

mencionadas no epiacutetome outra tomaria o temo de forma geneacuterica no sentido de que seu significado geral

abarcaria as demais formas sacras como espeacutecies Da exposiccedilatildeo anterior de fato se pode conjecturar que como

um hino eacute um louvor qualquer louvor poderia ser designado ldquohinordquo cantando-se as accedilotildees do ldquohineadordquo

inclusive referindo-se a homens e natildeo deuses A denominaccedilatildeo particular poreacutem a que Diacutedimo se filia

distinguia todas essas formas como espeacutecies pelo criteacuterio do destinataacuterio e por traccedilos circunstanciais

particulares apesar do mesmo testemunhar a generalizaccedilatildeo do termo que relacionava o hino a outras espeacutecies

liacutericas que empreendiam um elogio De acordo com Diacutedimo estaacute Amocircnio Sacoacuteforo (Diff Verb p 139

Valckenaer) quando diz que ldquoυμνος εγκωμιου διαφερει ο μεν γαρ υμνος εστι θεων το δε εγκωμιον ανθρωπωνrdquo (o hino difere do encocircmio o hino eacute proacuteprio dos deuses o encocircmio dos homens) tambeacutem se encontra passagem

similar no Etym Gud (540 42) ldquoο μεν υμνος επι θεου λεγεται το δε εγκωμιον επι ανθρωπουrdquo (o hino se diz a

um deus o encocircmio a um homem) A distinccedilatildeo jaacute ocorria na Repuacuteblica de Platatildeo (X 607a) quando absolvia do

ostracismo os ldquohinos aos deuses e os encocircmios ao virtuososrdquo A diferenciaccedilatildeo entre hino e as demais espeacutecies

sacras se daraacute logo em seguida no texto do epiacutetome quando se aborda a segunda delas no cataacutelogo de Proclo o

prosoacutedio (cf infra n 60) Cf igualmente Severyns paacuteg 119 em que organiza claramente as trecircs interpretaccedilotildees

de hino em relaccedilatildeo agraves demais formas poeacuteticas

Para a confusatildeo entre o hino e as formas encomiaacutesticas cf tambeacutem Harvey (1955) 59 Seria portanto combinando os trecircs termos arrolados na paroniacutemia explicativa da etimologia uma

ldquocanccedilatildeo em procissatildeordquo Aqui o que a etimologia faz eacute tatildeo somente explicar por outras palavras os termos do

composto que nomeia a espeacutecie a preposiccedilatildeo proacutes que daacute a noccedilatildeo de ldquoem direccedilatildeo ardquo que compotildee os verbos de

movimento que permitem designar o caminhar da procissatildeo (pros + ieacutenai) e o verbo ldquocantarrdquo (aiacutedo) donde o

ldquocantordquo ldquoa oderdquo ( oacuteide) 60 Aqui a distinccedilatildeo entre o hino como espeacutecie particular ndash o ldquohino propriamenterdquo ldquo rdquo ndash em

relaccedilatildeo agraves demais que remonta ateacute onde nos eacute possiacutevel saber a Diacutedimo Segundo o Et Magn 690 ldquoπροσωδια

παρα το προσιοντας ναοις η βωμοις προς αυλον αδειν ltαντιgt δια ltστελλεταιgt δε των υμνον οτι τους υμνους

προς κιθαραν εστωτες αδουσιν Ουτω Διδυμος εν τω περι λυρικων ποιητωνrdquo ndash ldquoos prosoacutedios foram assim

118

41 O peatilde [paiacutean ] eacute uma espeacutecie de canto nos nossos dias escrito para todos

os deuses mas em tempo antigo se dedicava propriamente a Apolo e a Aacutertemis sendo

cantado pela democcedilatildeo [katapauacutesei ] de pestes e moleacutestias61 Alguns chamam

peatildes por extensatildeo os prosoacutedios62

42 O ditirambo [dithyacuterambos ]63 eacute composto para Dioniso e denominado

a partir dele ou por Dioniso ter crescido sob o monte Nisa em uma caverna diacutethyros

chamados pois os que se aproximam dos templos ou altares cantam ao acompanhamento de aulo Opotildeem-se aos

hinos pois os cantam parados ao acompanhamento de ciacutetara Assim disse Diacutedimo no Acerca dos Poetas

Liacutericosrdquo

Sobre a forma hestoacuteton ( ) considerando que ocorre similarmente nos textos semelhantes

Severyns observou (124 6 citando o Etm Magnun 690 41) que sendo a espeacutecie executada por um coro pelo

menos em origem dificilmente o termo aqui se emprega ao peacute da letra O termo poderia ter o sentido de

estaacutesimo como na trageacutedia ou seja ldquouma paradardquo em relaccedilatildeo ao movimento geral pela orquestra mas com uma

coreografia o que significaria que o coro faria as evoluccedilotildees tiacutepicas da estrutura estroacutefica junto ao canto e agrave

composiccedilatildeo instrumental por oposiccedilatildeo aos meacutele hyporkheacutemata aqueles que possuiacuteam uma danccedila e aos meacutele

prosoacutedia esses opostos aos dois por ser em procissatildeo Contudo em se tratando de um genitivo absoluto o que

se tentou manter na traduccedilatildeo podemos aventar igualmente uma explicaccedilatildeo mais simples o termo estaacute a

continuar a oposiccedilatildeo entre o ldquohino em sentido proacutepriordquo o hyacuterios hyacutemnos e o prosoacutedio significando que aquele

se iniciava apoacutes este ou seja apoacutes o teacutermino da procissatildeo ldquouma vez que se estivesse paradordquo Note-se que uma

possibilidade natildeo nega a outra e ambas me parecem presentes porque isso inclusive explicaria primeiro os

hyporkheacutemata em particular como espeacutecie (seguindo o raciociacutenio do cataacutelogo) assim como em segundo a

ausecircncia de explicaccedilatildeo para estes no epiacutetome (cf n 77) 61 A etimologia se constitui pela proximidade do nome da canccedilatildeo com o termo ldquocessaccedilatildeo democcedilatildeordquo

( katapapaucircsis) e aqui a classificaccedilatildeo da espeacutecie se faz em prol da etiologia antiga Busca-se um

termo que lhe seja proacuteximo do ponto de vista do significante mas tambeacutem do significado Assim os leacutexicos (Et

Mag 657 2) traratildeo uma derivaccedilatildeo teoacuterica e dentre eles o Et Gudianum (446 50) daraacute como fonte Diacutedimo

Vale nota que o Et Magnum e o escoacutelio a Platatildeo (Banquete 177a) datildeo amostra da preocupaccedilatildeo terminoloacutegica

que perfaz a classificaccedilatildeo do epiacutetome pois embora ambos consoem com Proclo e este segundo empregue

praticamente a mesma formulaccedilatildeo do epiacutetome (ldquo rdquo)

ambos empregam o termo hyacutemnos propondo o peatilde como um tipo de hino evidenciando que o uso de ldquohinordquo

como gecircnero para espeacutecies era corrente na tratadiacutestica

Derivaria de παιω tambeacutem (cf lat pauio pauimentum) ldquobater percutirrdquo (cf Dioniacutesio Traacutecio) mas pela

mesma razatildeo etioloacutegica acima explicada pois Apolo batendo com seu bastatildeo demoveria os males Haveria

tambeacutem a derivaccedilatildeo do nome pela expressatildeo caracteriacutestica que se dizia ao longo do canto ldquo rdquo (cf

Ateneu XV 696d ndash 697b) Em tempos poacutes-homeacutericos o termo foi confundido com Peatildeo deus da medicina (cf

Ferrante paacuteg 43 n41) evidentemente associado a Apolo e jaacute Aacutertemis sua irmatilde era tambeacutem destinataacuteria do

canto como testemunha o epiacutetome Entatildeo o canto seria ou uma suacuteplica pela liberaccedilatildeo como testemunha Homero

no canto I da Iliacuteada (472 ndash 4) ou um agradecimento ao deus por ela Daiacute que como ldquoaccedilatildeo de graccedilardquo ndash termo que

Severyns ndash penso ndash emprega sem erro o peatilde passou a servir de agradecimento a diferentes deuses e por

diferentes accedilotildees A Vida de Soacutefocles (III) conta-nos que o tragedioacutegrafo teria se destacado ainda jovem por

conta de um peatilde em agradecimento pela vitoacuteria em Salamina Parece que natildeo muito mais tarde (embora seja

impossiacutevel precisar se a praacutetica jaacute era corrente mesmo anteriormente) peatildes passaram a se compor para homens

Ateneu (supra) arrola diferentes exemplos de peatildes para mortais dos quais merece destaque o referido por

Plutarco na Vida de Lisandro (18) o general espartano ndash Cf Severyns (127 3) 62 Tanto Severyns (41 7 paacuteg 129) como Ferrante (41 paacuteg 45) a julgar pela diferenciaccedilatildeo inferem que a

confusatildeo se dava porque antes do canto de um peatilde propriamente haveria uma procissatildeo ao templo do deus a

que se agradeceria o que se faria ao som de um prosoacutedio propriamente e este poderia ser designado pelo

criteacuterio apenas da finalidade da ocasiatildeo um peatilde ignorando-se os elementos formais explicitados Ambos autores

tambeacutem datildeo como referecircncia para o estudo e a bibliografia a respeito do peatilde A Fairbanks A study of the greek

paean New York 1900 L Deubner Neue Jahrbuumlrch 1919 p 585 L Delatte in Antiquiteacute classique 7 (1938)

p 23 ndash 29 Sobre o a confusatildeo entre os gecircneros sacros e a impossibilidade de estabelecer o que consistia cada

um Harvey (op cit1955) 63 Segundo alguns o termo eacute de origem liacutedia mas a etimologia eacute incerta Διθυραμβος era uma outra

designaccedilatildeo de Dioniso e mais tarde tornou-se o nome do canto em honra ao deus o que seria embora isso talvez

119

[bifurcada ]64 ou por ter sido encontrado quando se abriram as rhaacutemmata [suturas

] de Zeus65 ou porque nasceu ndash ao que parece ndash duas vezes [diacutes ] a primeira de

Secircmele e a segunda da coxa66

43 Piacutendaro diz que o 67ditirambo foi descoberto em Corinto e Aristoacuteteles fala que o

inaugurador desse canto eacute Aacuterio quem primeiro conduziu um coro em ciacuterculo68

44 Jaacute o nomo [ ] era composto para Apolo que por sua vez tem seu epiacuteteto

derivado dele69 de fato Apolo eacute ldquoNocircmimosrdquo [ ]70 ndash foi chamado ldquoNocircmimosrdquo

porque estando os antigos a dispor o coro e cantar o nomo ao som da lira ou do aulo

Crisocirctemis o cretense vestindo pela primeira vez uma exuberante estola e sacando uma ciacutetara

por imitaccedilatildeo de Apolo cantou sozinho [monos ]71 um nomo Como ele foi aclamado a

maneira do concurso permanece

45 Ao que tudo indica primeiro Terpandro aperfeiccediloou o nomo empregando o metro

heroico Depois natildeo foi com pouco que contribuiu Aacuterio de Metimna ele mesmo sendo poeta e

fosse desconhecido dos antigos um epocircnimo Para diferentes possibilidades etimoloacutegicas associadas a aspectos

do culto de Dioniso a partir do grego e de outras liacutenguas cf Ferrante (42 paacuteg 45 ndash 46) 64 De δις + θυρα cf lat fores (com duas portas) cf Herodiano (II 492 28 Lentz) apud Ferrante (op cit

idem) e Piacutendaro (fr 76 BOWRA) A mesma etimologia ocorre no Et Magnum (274 44) e no Escoacutelio a

Apolocircnio de Rodes (IV 1131 Wendel) 65 O simples segmento focircnico [-ram-] - seria suficiente para se fazer a associaccedilatildeo a outro episoacutedio

conhecido sobre a mitologia em torno de Dioniacuteso a saber sua segunda gestaccedilatildeo na coxa de Zeus gerando a

associaccedilatildeo entre dithyacuterambos e a locuccedilatildeo ldquolugravethi rhammardquo ( ) frase com que Zeus teria consumado o

nascimento definitivo de seu filho cujo significado seria ldquosoltem-se as suturasrdquo Essa etimologia encontra-se

tambeacutem no Et Magn (274 50) e era ao que tudo indica poeacutetica remontando a Piacutendaro (fr 75 BOWRA) 66 O uacuteltimo elemento associado ao numeral dois ldquoduas vezesrdquo ndash [dis] - - eacute uma etimologia meramente

semacircntica e tambeacutem associada a um segmento focircnico A rigor essa etimologia eacute a melhor demonstraccedilatildeo do aqui

se denomina uma etimologia etioloacutegica porque na verdade eacute a somatoacuteria de partes da palavra cada uma

remetendo a outra palavra que por sua vez representa um elemento do mito de nascimento do deus compondo

seu significado geral e a origem de um nome que entre os gregos mesmos era de origem incerta As diferentes

partes dessa etimologia em que cada associaccedilatildeo contribui para a inserccedilatildeo do mito no significado da palavra

aparecem aleacutem do Et Magn (274 44) no Et Gud (146 24 e 43) de modo que neste se observa a mesma

associaccedilatildeo entre ldquoduas viasrdquo e ldquodois nascimentosrdquo ndash cf Severyns 42 8 paacuteg 132 67 Cf Ferrante (43 paacuteg 46) Piacutendaro Ol 13 25 68 Aristoacuteteles Pol VIII 7 1342 b 7 Para Aacuterio c 625 aC cf Heroacutedoto (I 23 ndash 24) 69 A melhor explicaccedilatildeo para tal passagem eacute de Severyns (op cit 44 1 paacuteg 137) buscando brevidade

didaacutetica na exposiccedilatildeo Foacutecio teria pecado no estilo produzindo a ambiguidade da passagem que na sua

literalidade daacute a entender primeiro que Apolo herdou seu epiacuteteto do canto Como Severyns observa a passagem

sequer faria sentido caso se pensasse que Foacutecio a entendeu dessa maneira 70 Severyns (idem 2) e Ferrante (n 44 paacuteg 48) concordam que noacutemimos seria a variaccedilatildeo adotada por

Foacutecio mas para fins etimoloacutegicos Proclo provavelmente empregava a forma noacutemios constante na recorrecircncia

dessa etimologia O epiacuteteto de Apolo poderia tanto ser cognato de ldquoneacutemo pastorearrdquo significando

ldquopastorilrdquo como de ldquonoacutemos leirdquo significando algo como ldquoprovedor de leisrdquo ndash Severyns (44 4 paacuteg 139) 71 Aventa-se aqui a possibilidade de que como em sect65 em que Foacutecio expotildee a etimologia que prefere em

funccedilatildeo do lsquomrsquo de moacutenos Foacutecio esteja explicando seu emprego natildeo em vatildeo e natildeo meramente estiliacutestico de

noacutemimos em vez de noacutemios que devia constar no texto de Proclo Essa hipoacutetese seria consoante agrave confusatildeo que

ocorre no iniacutecio do trecho de modo que aqui Foacutecio estaria nos informando que haveria uma confusatildeo entre o

epiacuteteto do deus e o nome da subespeacutecie nome que sofreria uma sutil modificaccedilatildeo em funccedilatildeo do evento

estabelecedor da praacutetica performaacutetica que passa a caracterizaacute-lo Assim teriacuteamos duas etimologias combinadas

uma claramente epocircnima outra uma variaccedilatildeo etioloacutegica

120

citaredo 46 Friacutenis de Mitilene inovou-o juntou o hexacircmetro ao verso livre e utilizou mais de

sete cordas 47 Posteriormente Timoacuteteo levou-o a seu arranjo atual72

48 O ditirambo eacute movimentado junto agrave danccedila uma manifestaccedilatildeo de entusiasmo em

alto grau elaborado para as paixotildees muito proacuteprias do deus eacute agitado quanto ao ritmo e

emprega de forma mais simples as palavras 49 O nomo pelo contraacuterio por causa do deus

distende-se de forma ordenada e magnificente distende-se no ritmo e emprega as palavras

compostas73

50 Natildeo diferentemente cada um tambeacutem emprega as escalas proacuteprias pois o primeiro

afina-se ao friacutegio e ao hipofriacutegio e o nomo ao sistema liacutedio dos citaredos74

51 Ao que parece o ditirambo foi descoberto a partir da brincadeira das crianccedilas

pelos campos e da animaccedilatildeo entre os eacutebrios O nomo por sua vez parece decorrer do peatilde ndash

este eacute mais comum sendo escrito para a deprecaccedilatildeo de males aquele propriamente para

Apolo ndash por isso natildeo tem o entusiasmo como o ditirambo

52 Laacute enfim bebedeiras e brincadeiras aqui suacuteplicas e muita ordem pois que o

proacuteprio deus na ordenaccedilatildeo e em um arranjo contido daacute voltas no compasso

53 Adoniacutedias se dizem as canccedilotildees que se referem a Adocircnis75

54 Cantava-se o iobaco imerso em frecircmitos nos festivais e sacrifiacutecios a Dioniso76

72 Aqui se forneceria conforme o modelo padratildeo uma histoacuteria do nomo a partir de sua invenccedilatildeo

passando por seus desenvolvimentos Para as conjecturas histoacutericas sobre a evoluccedilatildeo formal do nomo Severyns

op cit II 140 a 150 Ferrante op cit paacuteg 48 traz uma breve exposiccedilatildeo sobre as partes do nomo e da paacuteg 50

a 51 a biografia de cada um dos poetas referidos 73 Empreende-se uma comparaccedilatildeo entre as caracteriacutesticas gerais dessas composiccedilotildees de acordo com o

deus a que se destinava cada uma Agrave paixatildeo proacutepria de Dioniacutesio e do entusiasmo caracteriacutestico de seu culto

acomodar-se-ia um estilo mais baixo empregando palavras simples aqui entendidas no sentido da elocuccedilatildeo

propriamente enquanto por outro lado combinando com o ritmo do nomo que ao inveacutes de se agitar em prol da

danccedila dos entusiasmados buscava prolongar-se pausadamente as palavras seriam mais belas visando ao ornato

da elocuccedilatildeo portanto compostas 74 Igualmente a cada um dos referidos ritmos melhor caberiam diferentes escalas musicais Para

interpretaccedilotildees divergentes da passagem e a possiacutevel discordacircncia em relaccedilatildeo a uma interpretaccedilatildeo peripateacutetica

Cf Severyns paacuteg 160 ndash 163 75 Adocircnis era divindade de origem siacuteria e feniacutecia (Ferrante 53 paacuteg 57) O pouco que se pode saber sobre

essa espeacutecie eacute que talvez fosse um treno ritual em que as mulheres lamentavam imitando Afrodite a morte do

belo jovem O termo que nomeia a canccedilatildeo epocircnima ocorre poucas vezes na liacutengua em Aristoacutefanes (Lisistrata

389) ocorre na forma adoniasmoacutes O Et Mag explica a forma como ldquoo treno por Adocircnisrdquo A peccedila

de Aristoacutefanes ainda ilustra expressotildees que provavelmente eram tiacutepicas desse canto (393 e 396) ldquo rdquo

(ldquoAi Adocircnisrdquo) e ldquo rdquo (ldquobatei no peito lsquoAdonisrsquordquo) Tambeacutem havia um peacute meacutetrico chamado

adocircnio 76 Como em uma das etimologias possiacuteveis para o peatilde o nome eacute composto da interjeiccedilatildeo de juacutebilo ldquoioacuterdquo

mais um dos nomes do deus Baacutekkhos cf Escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio (450 15) Cf severyns (54 paacuteg 171) em

Atenas representaccedilotildees do seacutequito de Dioniso chamavam-se Ioacutebakkhoi e Iobakkheicirca era o nome de uma festa

puacuteblica em honra do deus A expressatildeo ldquoimerso em muito frecircmitordquo sugere uma celebraccedilatildeo de caraacuteter semelhante

a do ditirambo

121

55 Hiporquema [hypoacuterkhema ]77 chamava-se a canccedilatildeo cantada junto agrave

danccedila [oacuterkhesis ]78 de fato os antigos frequentemente empregavam a preposiccedilatildeo

hypoacute [ ] no lugar de metaacute [ ]79

56 Quanto aos descobridores alguns dizem ter sido os curetas80 outros Pirro [Pyrros

] filho de Aquiles donde tambeacutem dizem piacuterrica [purrikheacute ] uma espeacutecie

de danccedila81

56a [paraacutegrafo pertinente ao encocircmio falta nos manuscritos]82

57 Jaacute o epiniacutecio escrevia-se pelo momento mesmo da vitoacuteria aos primeiros nas

competiccedilotildees83

77 Segundo Ferrante (55 paacuteg 58) seriam composiccedilotildees em versos creacuteticos ou peocircnicos Opotildee-se agraves demais

espeacutecies sacras porque era composta com uma danccedila em especiacutefico e natildeo evoluccedilotildees do coro Seria um canto de

origem cretense originariamente dedicado a Apolo mas depois a Dioniso e Atena ateacute que jaacute na eacutepoca de

Piacutendaro secularizou-se 78 A julgar pelo fato do resumo de Foacutecio mencionar mesmo que sucintamente as consideraccedilotildees do texto

original que explicavam a classificaccedilatildeo dessas espeacutecies sacras eacute de supor que o proacuteprio texto acessado natildeo trazia

muitas outras consideraccedilotildees sobre essa espeacutecie uma vez que um criteacuterio que as definisse como tal jaacute fora

discutido e estava subentendido no restante da exposiccedilatildeo da liacuterica sacra O nome por si soacute eacute autoexplicativo

ainda mais apoacutes a discussatildeo na exposiccedilatildeo do prosoacutedio particularizando o hino 79 Cf Ferrante (55 paacuteg 59) que arrola por exemplo O Escoacutelio a Piacutendaro (Ol VI 73b) e a Homero

(XVIII 492) como testemunhos arcaicos do uso de uma preposiccedilatildeo no lugar da outra O nome da espeacutecie seria

portanto algo como ldquodanccedilanterdquo (ldquocom danccedilardquo) Para as demais etimologias antigas cf Severyns (56 paacuteg 174 ndash

178) 80 Seriam sacerdotes do culto a Rea influentes em Creta Cf Ferrante (56 paacuteg 59) 81 Epiacuteteto de Neoptoacutelemo 82 Cf Harvey (1955) para ponderaccedilotildees sobre o encocircmio em relaccedilatildeo agraves demais espeacutecies principalmente em

relaccedilatildeo aos hinos Segundo a definiccedilatildeo de Heliodoro apud Ferrante (paacuteg 61) ldquoeacute a composiccedilatildeo poeacutetica que

compreende o enaltecimento de homens e cidadesrdquo mas morfoloacutegica e etimologicamente tambeacutem significava

fazer parte de um koacutemos mas em uma solenidade festiva ndash cf Piacutendaro Nemeias 8 50 Portanto poderia se

confundir com o epiniacutecio e em ambiente simposial ao escoacutelio mas se diferenciaria desse por ser coral 83 Fosse literalmente ie com valor temporal ldquono momento da vitoacuteriardquo fosse em sentido causal ldquopor

causa da vitoacuteriardquo

Severyns (57 paacuteg 181) defende que a liccedilatildeo talvez fosse epigrave autograven tograven kairograven porque aiacute ocorreria uma

etimologia que diz ldquoaludidardquo por oposiccedilatildeo ao encocircmio o epiniacutecio era obrigatoriamente no momento da vitoacuteria

em uma competiccedilatildeo atleacutetica supondo a celebraccedilatildeo do homem na proacutepria ocasiatildeo pairando a sugestatildeo de que

esse criteacuterio definiria o epiniacutecio em ldquoparticularrdquo semelhantemente agrave distinccedilatildeo entre hino em ldquoparticularrdquo jaacute

observada em relaccedilatildeo agraves demais espeacutecies sacras Em resumo o epiniacutecio em particular ou propriamente por

oposiccedilatildeo ao encocircmio que tambeacutem eacute um elogio seria apenas o que se cantava na ocasiatildeo performaacutetica especiacutefica

da vitoacuteria do atleta A proposta de Severyns natildeo me parece necessaacuteria para certas composiccedilotildees de fato talvez o

uacutenico criteacuterio realmente distintivo fosse uma ocasiatildeo performaacutetica apenas aludida e pressuposta o que na

praacutetica inevitavelmente se dava com certa flutuaccedilatildeo por um lado um epiniacutecio poderia ser executado mesmo

que posteriormente em um simpoacutesio e nesse caso a ocasiatildeo performaacutetica original seria pressuposta de

qualquer maneira o que o originou fora uma vitoacuteria atleacutetica A ocasiatildeo original por outro lado como se lecirc nos

epiniacutecios pindaacutericos talvez natildeo fosse o proacuteprio local da competiccedilatildeo mas uma cerimocircnia ciacutevica (com um koacutemos)

na paacutetria do atleta Natildeo parece necessaacuterio julgar com tanto rigor a classificaccedilatildeo dos antigos porque natildeo nos eacute

possiacutevel estabelecer quando exatamente se dava a cerimocircnia ciacutevica de celebraccedilatildeo do atleta e ao que tudo indica

havia uma flutuaccedilatildeo A emenda natildeo se faz necessaacuteria a rigor a motivaccedilatildeo do canto em uacuteltima instacircncia seria a

vitoacuteria atleacutetica e sempre se referiria a essa ocasiatildeo ou seja mesmo que por referecircncia estaria sempre

circunscrita a um ldquotempo especiacuteficordquo ndash o mesmo criteacuterio seraacute empregado para distinguir epiceacutedio de treno (sect67)

poreacutem explicitamente O encocircmio talvez natildeo se prendesse a uma motivaccedilatildeo especiacutefica mas natildeo nos resta

hipoacutetese para o que o definiria ldquoem particularrdquo

122

58 O escoacutelio [torto tortuoso skoacutelion ] era uma canccedilatildeo cantada entre os

convivas Por isso agraves vezes tambeacutem a chamam ldquocanccedilatildeo de beberrdquo Eacute despojado na preparaccedilatildeo

e muitiacutessimo simples84

59 ldquoEscoacuteliordquo eacute dito natildeo por antiacutefrase como julgam alguns o que se diz por antiacutefrase

em geral visa ao eufemismo e natildeo se muda o eufecircmico em maldizer85 60 Eacute poreacutem pelo

fato de que estando os sentidos enfim arrebatados e os ouvintes folgados por conta do vinho

bem nesse instante se introduzia o baacuterbito86 nos simpoacutesios e cada um continuando a

festividade combalia-se instavelmente no proferimento do canto Por causa disso que eles

proacuteprios sofriam em funccedilatildeo da bebedeira voltando-o para a canccedilatildeo chamavam-na tatildeo

simplesmente ldquoescoacuteliordquo [canccedilatildeo ldquotortardquo]87

61 As eroacuteticas [eroticaacute ] evidentemente cantam circunstacircncias de amores

[eroticagraves peristaacuteseis ] por mulheres meninos e moccedilas88

62 E as epitalacircmias [epithalaacutemia ]89 cantam-nas aos receacutem-casados

simultaneamente os rapazes e as moccedilas90 em direccedilatildeo [epiacute ] ao quarto nupcial[thaacutelamoi

]

84 Para as demais etimologias antigas e a hipoacutetese de que a etimologia por antiacutefrase fosse de Diacutedimo

Severyns (58 paacuteg 182 ndash 189) A etimologia proposta por Proclo associa o termo diretamente agrave ocasiatildeo e ao que

ocorre nela de modo a determinar o tipo de canto a canccedilatildeo seria tortuosa por causa da bebida seria portanto a

ldquocanccedilatildeo de beberrdquo por excelecircncia porque se cantava bebendo Essa etimologia supotildee que skoacutelion viria por

baritonaccedilatildeo do adjetivo skolioacutes a on (subentendendo-se melos) que significa ldquotortuosordquo e por isso tambeacutem

ldquodifiacutecilrdquo A etimologia opta pelo primeiro significado em vez do segundo ou seja o nome viria do significado

primeiro e literal da palavra 85 A etimologia por antiacutefrase ndash ldquodizer o contraacuteriordquo ndash seria dizer ldquodifiacutecilrdquo a canccedilatildeo porque na verdade eacute

simples e faacutecil uma vez que se daacute em meio agrave bebedeira dificultando a elaboraccedilatildeo Mas a antiacutefrase se daacute por

eufemismo ie para evitar o maldizer e natildeo o contraacuterio o que acabaria ocorrendo se essa hipoacutetese fosse

verdadeira supostamente porque para o autor da Crestomatia chamar difiacutecil o faacutecil natildeo seria eufecircmico mas

depreciativo 86 Lira grande de nove cordas 87 A canccedilatildeo eacute duplamente tortuosa o efeito tortuoso da bebida presente no canto dos eacutebrios se reflete na

consecuccedilatildeo do canto conforme os convivas se sucedem entoando-o desorganizada ou tortuosamente ie sem

uma sequecircncia predeterminada e linear 88 O nome eacute autoexplicativo Aqui provavelmente se agrupavam os poemas de Safo Anacreonte e Alceu

que tambeacutem satildeo dados como poetas de escoacutelios Essa pequena seccedilatildeo da Crestomatia provavelmente eacute a que

tratava das espeacutecies que nos satildeo legadas tendo como ocasiatildeo performaacutetica baacutesica o simpoacutesio 89 Outra etimologia autoexplicativa que se definia pela ocasiatildeo mais especificamente aqui diferencia esta

espeacutecie da seguinte por conta de sua finalidade e da ocasiatildeo pontual em que era cantada Segundo Severyns (62

191 ndash 194) tanto epithalaacutemios como hymeacutenaios poderiam designar as canccedilotildees de mateacuteria nupcial sendo a

primeira arcaica e poeacutetica e a segunda posterior heleniacutestica teoacuterica cunhada pelos gramaacuteticos De fato eacute o que

demonstra com as ocorrecircncias de ambas as designaccedilotildees esta segunda em Ateneu (I 5e) por exemplo

referindo-se (a) ao canto executado no banquete nupcial junto aos pais da noiva ou quando (b) ela era levada

pelo cortejo de amigos junto ao esposo da casa de seus pais agrave casa dele (Homero Il XVIII 491 seq e Hesiacuteodo

Escudo 272 seq) ou quando (Teoacutecrito XVIII 8 etc) o casal (c) se retira ao cocircmodo nupcial guardado por uma

espeacutecie de porteiro ou guardiatildeo o thyroroacutes jaacute aquela primeira classificando as mesmas coisas em

textos de base gramatical como Amocircnio Sacoacuteforo (junto de diversos sinocircnimos como gameacutelios e

variantes) ou o Escoacutelio a Teoacutecrito (XVIII) etc referindo-se ao terceiro significado (c) de himeneu ou cobrindo

todos seus significados como sinocircnimo direto de hymeacutenaios (Et Magn 776 46) ou designando uma

composiccedilatildeo natildeo liacuterica mas com o mesmo valor da primeira noccedilatildeo (a) de himeneu agraves vezes em diacutestico elegiacuteaco

123

63 Diz que o himeneu cantava-se nos casamentos em conformidade ao sofrimento e agrave

procura por Himeneu filho de Terpsiacutecore91 o qual dizem ter se tornado invisiacutevel apoacutes casar-

se

64 Outros em honra de Himeneu de Atenas pois ele ndash diz ndashapoacutes perseguir resgatou

de bandidos moccedilas atenienses92

65 Eu penso que era uma exultaccedilatildeo prenunciando uma vida afortunada e que

rezavam junto aos cocircnjuges pela comunhatildeo de um matrimocircnio com ternura entretecendo a

prece com dialeto eoacutelio de modo a sempre hymenaiacuteein [coabitarem ] e

homonoeicircn [concordarem ] os que vatildeo morar sob o mesmo teto93

66 O silo94 conteacutem a ralhaccedilatildeo e o menoscabo de homens comedidamente95

(Luciano Banquete 29 40 etc) ou referindo-se a uma composiccedilatildeo em prosa ie um discurso equivalente ao

primeiro tipo (a) de himeneu

Parece acertada a conclusatildeo do autor de que como se observa para outras espeacutecies da liacuterica secular em

que se cunha posteriormente uma nomenclatura a fim de diferenciaacute-la de outras formas poeacuteticas congecircneres

designadas a princiacutepio por um mesmo nome geral ldquohimeneurdquo como designaccedilatildeo mais antiga seria o nome para

qualquer ode nupcial qualquer canto referente aacutes nuacutepcias entoado mesmo que em meio ao simpoacutesio enquanto o

termo ldquoepitalacircmiordquo passaria a designar em uma tentativa mais teacutecnica de classificaccedilatildeo (gramatical) uma

circunstacircncia especiacutefica em que se realizava um canto liacuterico nupcial a ida ao leito ou taacutelamo 90 Conforme demonstra Severyns (62 4 paacuteg 193) parece que a princiacutepio esse coro se compunha apenas

de moccedilas mas Proclo deve atestar a praacutetica posterior de incluir tambeacutem rapazes Piacutendaro (Piacuteticas III 18) e

Teoacutecrito (XVIII 2 e 22) a testariam o primeiro caso Eacutesquilo (fr 43 Nauck) o segundo Sobre o uso de

discursos nas mesmas ocasiotildees Dioniacutesio de Halicarnasso (Ret IV I 266 22) emprega a mesma distinccedilatildeo de

espeacutecies levando Severyns agrave pertinente observaccedilatildeo de que ela fosse alexandrina 91 Confere para as divergecircncias em relaccedilatildeo agrave matildee do jovem Himeneu Severyns (63 3 126 ndash 197) 92 Ambas as etimologias propostas por Proclo para o nome da espeacutecie compotildeem epocircnimos etioloacutegicos

para os quais a interpretaccedilatildeo de Severyns (63 5 198) parece acertada Para a primeira Proclo estaria

interpretando pela referecircncia miacutetica a expressatildeo formular desse tipo de canto ldquo Hymegraven ocirc

Hymeacutenaierdquo focando-se no segundo termo como mito etioloacutegico do canto associado pelo que se subentende agrave

perda do hiacutemem (Cf Severyns 65 2 paacuteg 200 para outras etimologias linguiacutesticas dos antigos) A segunda

etiologia eacute associada a outra personagem e segundo o autor seria de base heleniacutestica teoricamente em funccedilatildeo

do quanto subentende de referecircncias e contecircm de amplificaccedilatildeo episoacutedica em relaccedilatildeo a outras fontes (cf 64 paacuteg

198 ndash 200) Supotildee a praacutetica do casamento natildeo concedido por parte de piratas e raptores um casamento ilegal

para a poacutelis portanto Como o referido heroacutei aacutetico teria impedido tal praacutetica iniciara-se a pratica de celebraacute-lo

junto ao casamento consentido e legal 93 Nessa curiosa passagem Foacutecio daacute sua opiniatildeo teria considerado as etimologias de Proclo por demais

pagatildes Natildeo se pode dizecirc-lo mas talvez tenha considerado muito obtusas as ilaccedilotildees feitas uma vez que pelas

constantes expressotildees ldquouns outrosrdquo ao longo do resumo natildeo haacute por que duvidar de que nos forneccedila por

completo as etimologias com que Proclo operava 94 Palavra que significa ldquomordazrdquo ldquosarcaacutesticordquo mas que tambeacutem seria ldquovesgordquo Para as etimologias que

natildeo constam no epiacutetome porque provavelmente jaacute assume o nome do canto pelo teor satiacuterico como se vecirc na

definiccedilatildeo cf Ferrante (paacuteg 72) 95 Teriam sido compostos por Timatildeo de Flio filoacutesofo ceacutetico do periacuteodo heleniacutestico e eram basicamente

hexacircmetros paroacutedicos ridicularizando de maneira branda outros filoacutesofos Pelo mesmo nome se designavam os

escritos de Xenoacutefanes de Colofatildeo anterior a Timatildeo em aproximadamente um seacuteculo Por extensatildeo hexacircmetros

que parodiassem Homero tambeacutem deviam ser considerados siacutelos (Ferrante paacuteg 72) Segundo Dioacutegenes Laeacutercio

(IX 109 apud Ferrante) agrave eacutepoca de Tibeacuterio o gramaacutetico Apolocircnide de Niceacuteia teria composto uma ldquoMemoacuteria

dos Silosrdquo em cujo livro primeiro se contava a vida de Timatildeo e se estudava sua poesia Autores modernos

(Smyth apud Severyns paacuteg 68) questionam a classificaccedilatildeo do silo como poesia liacuterica e coral por ser

hexameacutetrico Ferrante (idem) a partir de Heliodoro (451 23 apud Severyns) aventa a possibilidade de se

considerar o silo uma subespeacutecie do iambo pelo emprego de loidoriacutean em sua definiccedilatildeo mas parece ignorar

tambeacutem o metro bem como o fato de Proclo usou a palavra na definiccedilatildeo do iambo provaacutevel razatildeo pela qual natildeo

124

67 O treno difere do epiceacutedio [epikeacutedion] porque o epiceacutedio se diz a partir do proacuteprio

kecircdos [luto funeral ] com o corpo ainda jazendo exposto enquanto o treno natildeo se

circunscreve a um periacuteodo de tempo96

68 As chamadas partecircnias [partheacutenia ] eram escritas para coros de moccedilas

[partheniai ]

69 A elas as dafnefoacutericas [ldquoporta-lourosrdquo daphneforicaacute ] pertencem

como a um gecircnero97 a cada nove anos na Beoacutecia os sacerdotes portando [komiacutezontes

] louros [daacutephnai ] aos templos de Apolo louvavam-no com um coro de

moccedilas98

70 Sua origem os muitos eoacutelios que habitavam Arne e as terras da regiatildeo de laacute

migrando de acordo com um oraacuteculo e que sitiando deram iniacutecio ao saque de Tebas antes

ocupada pelos pelasgos99

71 Em advindo um festival de Apolo comum a ambos estabeleceram armistiacutecio e

enquanto uns agrave margem do Heacutelicon cortavam louros outros agrave margem do rio Melas os

ofertavam a Apolo

72 Entatildeo Polematas comandante dos beoacutecios sonhou que via um jovem entregar-lhe

a armadura e ordenar-lhe fazer votos de a cada nove anos levar louros a Apolo

73 Depois de trecircs dias investindo sobrepujou os inimigos e ele proacuteprio entatildeo

executaria uma dafnefoacuteria [dafneforiacutea ] A partir daiacute se preserva o costume

74 A dafnefoacuteria cingem um galho de oliveira com louros e flores coloridas na ponta

se acopla uma esfera de bronze e dela pendem menores No meio do galho dispondo em

ciacuterculo dependuram uma menor que a da ponta e guirlandas roxas A parte final do galho

envolvem com um manto cor de accedilafratildeo

a empregaria aqui Para a associaccedilatildeo excessiva de Proclo com Diacutedimo neste passo e outros autores anteriores a

Proclo que classificam o silo entre as espeacutecies liacutericas cf Severyns (paacuteg 205) 96 Para as partes do sepultamente entre os gregos e o kecircdos como funeral cf Severyns (67 2 paacuteg 207)

Essas duas formas de canccedilatildeo fuacutenebre se distinguiriam por um momento especiacutefico da ocasiatildeo Esse criteacuterio jaacute se

aplicou em relaccedilatildeo ao epiniacutecio e ao epitlacircmio (supra notas 167 e 173) Para a associaccedilatildeo e a distinccedilatildeo dessas

espeacutecies liacutericas em relaccedilatildeo agrave elegia e o emprego do metro aleacutem de Ferrante (paacuteg 73) e Severyns (paacuteg 208 ndash

210) cf Harvey (1955) 97 Conforme visto porque a noccedilatildeo de que hino e encocircmio aleacutem de espeacutecies em particular poderiam

tambeacutem ser propostos no proacuteprio texto de Proclo como gecircneros para espeacutecies eacute mais plausiacutevel que essa

explicitaccedilatildeo seja do proacuteprio texto que se resumiu e natildeo do resumidor e talvez para esse terceiro grupo da liacuterica

que compreende homens e deuses juntos o criteacuterio fosse assumido senatildeo endossado por Proclo e natildeo apenas

contraposto a um criteacuterio que tambeacutem considera todas as espeacutecies em particular 98 Aqui o texto torna-se etioloacutegico mal ocorrendo etimologias uma vez que os nomes satildeo

autoexplicativos e o que se faz nada mais eacute do que explicitar sua composiccedilatildeo O criteacuterio eacute explicito seguir-se-atildeo

as espeacutecies de partecircnios que satildeo definidas pela festa em que ocorrem O que resta entatildeo eacute contar a origem de

cada uma dessas ocasiotildees puacuteblicas 99 Para todas as referecircncias histoacutericas a respeito da etiologia e da festividade cf Severyns (70 ndash 78 paacuteg

214 ndash 232)

125

75 Pretendem que a esfera mais ao alto signifique o sol (com que remetem a Apolo) a

subposta a lua as demais suspensas os planetas e estrelas as guirlandas o curso anual ndash de

fato contavam 365

76 Um menino cujos pais ainda satildeo vivos vem no iniacutecio da dafnefoacuteria e o seu parente

mais proacuteximo carrega o galho cingido o qual chamam koacutepo [koacutepo ] 77 Seguindo o

proacuteprio dafneacuteforo [daphnefoacuteros ] vem segurando o louro soltos os cabelos

porta uma coroa de ouro traja um longo manto brilhante e veacuteu aos peacutes100 Acompanha-o de

perto um coro de moccedilas empunhando ramos de suacuteplica hineando

78 Enviavam a dafnefoacuteria aos templos de Apolo Ismecircnio e Calaacutezio

79 A canccedilatildeo tripodefoacuterica [levada por um triacutepodo] cantava-se entre os beoacutecios um

triacutepodo tomando a frente101

80 Foi esta sua origem um grupo de pelasgos tentava saquear a cidade de Panacto da

Beoacutecia Os tebanos a defendiam e enviando uma comitiva a Dodona consultaram o oraacuteculo

sobre a vitoacuteria no conflito

81 O oraacuteculo designou aos tebanos que se cometessem o maior sacrileacutegio venceriam

82 Pareceu-lhes entatildeo que a maior das impiedades era imolar aquela que lhes dera o

oraacuteculo e imolaram-na

83 As sacristatildes em torno do santuaacuterio moveram accedilatildeo contra os tebanos pelo

assassinato

84 Os tebanos no entanto natildeo concederam que apenas mulheres julgassem o meacuterito

Havendo um julgamento comum entre homens e mulheres como os homens lhes deram voto

branco os tebanos foram absolvidos

85 Soacute mais tarde depois que entenderam o que lhes fora ordenado pelo oraacuteculo

elevaram uma das triacutepodas sacras da regiatildeo da Beoacutecia e cobrindo-na como o fazem os

profanadores de templos envairam-na ao alto de Dodona

86 Como daiacute em diante prosperaram passaram a fazer desse ato um festival

87 As canccedilotildees oscofoacutericas [porta-oacutesche] cantavam-se entre os atenienses102

88 Dois jovens do coro trajados como mulheres lideram o festejo portando um ramo

de vinha cheio de uvas vicejantes ndash chamam-no oacuteskhe [ ] donde o epocircnimo das canccedilotildees

100 Epicratidas eacute um termo plural que significa ldquopanos de testardquo ie ldquolenccedilo de testardquo ldquoveacuteurdquo Embora se

pudesse apenas decalcar a palavra para o portuguecircs a passagem ficaria obscura Ao que tudo indica era somente

um tecido que o dafneacuteforo usava sobre os peacutes talvez como extensatildeo do manto 101 Idem 79 ndash 86 paacuteg 232 ndash 242 102 Ibidem 87 ndash 92 paacuteg 243 ndash 254

126

89 Dizem ter sido Teseu quem primeiramente deu iniacutecio ao rito depois que aceitando

voluntariamente a viagem a Creta livrou sua paacutetria do infortuacutenio do tributo ao prestar graccedilas

a Atena e Dioniso que se manifestaram a ele na ilha de Dia fez isso empregando dois jovens

efeminados como assistentes na cerimocircnia

90 O cortejo dos atenienses dava-se do altar de Dioniso ateacute o santuaacuterio de Atena

Esquira

91 Um coro seguia os jovens e cantava as canccedilotildees

92 Efebos de cada uma das tribos competiam uns com os outros numa corrida a peacute e

o primeiro deles saboreava de uma pipa dita ldquoquiacutentuplardquo que se preparava com oliva vinho

mel queijo e grumos de cevada

93 As canccedilotildees votivas eram escritas pelos que pediam que alguma coisa lhes adviesse

de um deus103

94 Pragmaacuteticas [pragmaticaacute ] eram as canccedilotildees que compreendiam as

accedilotildees praticadas [praacutexeis ] por algueacutem104

95 As empoacutericas [comerciais ] foram escritas sobre o quanto se mostrava a

algueacutem no decurso de suas viagens e mercancias [empoacuteriai ]105

96 As apostoacutelicas106 o quanto faziam aqueles enviados a algueacutem como emissaacuterios

97 Eacute evidente que as sentenciosas107 contecircm o enaltecimento dos caracteres

103 Euktikoacutes eacute o deverbal de euacutekhomai ndash rezar Tanto Severyns como Ferrante

concordam que eacute pelo elemento humano aleacutem do divino que tais cantos vecircm aqui como uacuteltima espeacutecie do

terceiro grupo Em Menandro o termo serve para classificar os hinos Menandro (Rhet Gr X p 134 Walz)

divide os hinos pela intenccedilatildeo kleacutetikoi (invocatoacuterios) apopemptikoiacute (de adeus para a viagem do deus) physikoiacute

(naturais sobre as manifestaccedilotildees do deus na natureza) apeuktikoiacute (deprecatoacuterios) euktikoiacute (votivos) Eacute provaacutevel

que senatildeo concorrentes sejam duas classificaccedilotildees pelo menos com intenccedilotildees diferentes Menandro subdivide as

intenccedilotildees de quem canta o hino em relaccedilatildeo ao hineado O mesmo criteacuterio define a uacuteltima canccedilatildeo da liacuterica mista

em Proclo ie sua funccedilatildeo por outro lado o criteacuterio que Proclo emprega para tratar dos hinos os distingue como

Severyns observou em particular ie pelo destinataacuterio mesmo nos casos em que poderiam se confundir com

esses cantos ecircuktikos pela intenccedilatildeo como seria o caso por exemplo do peatilde que passou a ser cantado para se

pedir ou agradecer por diferentes coisas Soacute o que se pode dizer eacute que talvez ambas as definiccedilotildees ainda que

diferentes tratassem de um mesmo objeto em comum mas lhe conferindo lugares diferentes na classificaccedilatildeo

geral segundo seus criteacuterios Sobre isso e a categorizaccedilatildeo de Menandro confere Harvey (1955) 104 Sobre essas espeacutecies em geral cf Severyns (94 paacuteg 255 ndash 257) Vale-nos sua observaccedilatildeo de que

conforme hinos desempenhavam um papel generalizante para a liacuterica sacra encocircmio para a liacuterica secular

partecircnio para a liacuterica mista as pragmaacuteticas deveriam fazecirc-lo em relaccedilatildeo ao quarto grupo o das circunstacircncias

acidentais 105 Severyms (95 257) cogita aqui os poemas de Riano (Eliacuteaca Tessaacutelica Messeniacuteaca) poeta e gramaacutetico

do periacuteodo heleniacutestico bem como a Bitiniacuteaca de Demoacutestenes da Bitiacutenia mas crecirc que Proclo natildeo tinha tais

poemas em mente por serem essencialmente hexammeacutetricos 106 Do verbo aposteacutello ldquoenviarrdquo Tanto Severyns (paacuteg 257) como Ferrante (paacuteg 95)

mencionam Heliodoro (paacuteg 450 11) ldquoἈποστολικὸν μέλος ἐστὶ τὸ πεμπόμενον πρός τινα περιέχον ltπαραι-

νέσειςgt ἢ αἴτησιν παρ αὐτοῦ δωρεᾶςrdquo ndash ldquoA canccedilatildeo apostoacutelica eacute a que se envia a algueacutem contendo

recomendaccedilotildees ou pedidos de donsrdquo e concordam que natildeo seria a isso que pelo menos no entendimento do

resumo de Foacutecio Proclo se referiria Parece que ou Foacutecio teria se equivocado na ordem dos termos mais uma vez

(como pode ter ocorrido em sect44) ou o que Heliodoro chamaria apostoacutelica o que se assemelhe talvez com o que

Proclo chama canccedilatildeo epistaacuteltica (sect99)

127

98 As geoacutergicas o que se refere aos campos estaccedilotildees e cuidados das plantas108

99 As epistolares o quanto se refere agraves designaccedilotildees que compunham em verso e

enviavam a algueacutem109

100 Aqui estatildeo os dois primeiros arrazoados da Crestomatia de Letras de Proclo

107 Gnomologikaacute ndash Confere Heliodoro (450 13) para definiccedilatildeo semelhante108 Embora como notado por Severyns Ferrante e outros esse item pareccedila associado ao anterior ie

poesia de caraacuteter gnocircmico mesmo os Trabalhos e Dias de Hesiacuteodo que conteriam os dois itens poderiam como

composiccedilatildeo didaacutetica hexameacutetrica ser arrolados aqui 109 Diferentes das apostoacutelicas porque essas sim como cartas eram enviadas designando coisas Tanto

Severyns como Ferrante assumem que natildeo se pode saber com precisatildeo o que eram

128

2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO CICLO

EacutePICO ndash TRADUCcedilAtildeO

21 VIDA DE HOMERO

Πρόκλου περὶ Ὁμήρου

Ἐπῶν ποιηταὶ γεγόνασι πολλοί τούτων δ εἰσὶ κρά-

τιστοι Ὅμηρος Ἡσίοδος Πείσανδρος Πανύασις Ἀντίμαχος

Ὅμηρος μὲν οὖν τίνων γονέων ἢ ποίας ἐγένετο πα-

τρίδος οὐ ῥᾴδιον ἀποφήνασθαι οὔτε γὰρ αὐτός τι λελάληκεν 5

ἀλλ οὐδὲ οἱ περὶ αὐτοῦ εἰπόντες συμπεφωνήκασιν ἀλλ ἐκ

τοῦ μηδὲν ῥητῶς ἐμφαίνειν περὶ τούτων τὴν ποίησιν αὐτοῦ

μετὰ πολλῆς ἀδείας ἕκαστος οἷς ἐβούλετο ἐχαρίσατο

καὶ διὰ τοῦτο οἱ μὲν Κολοφώνιον αὐτὸν ἀνηγόρευσαν

οἱ δὲ Χῖον οἱ δὲ Σμυρναῖον οἱ δὲ Ἰήτην ἄλλοι δὲ Κυμαῖον 10

καὶ καθόλου πᾶσα πόλις ἀντιποιεῖται τἀνδρός ὅθεν εἰκότως

ἂν κοσμοπολίτης λέγοιτο

οἱ μὲν οὖν Σμυρναῖον αὐτὸν ἀποφαινόμενοι Μαίονος

μὲν πατρὸς λέγουσιν εἶναι γεννηθῆναι δὲ ἐπὶ Μέλητος

τοῦ ποταμοῦ ὅθεν καὶ Μελησιγενῆ ὀνομασθῆναι δοθέντα 15

δὲ Χίοις εἰς ὁμηρείαν Ὅμηρον κληθῆναι οἱ δὲ ἀπὸ τῆς

τῶν ὀμμάτων πηρώσεως τούτου τυχεῖν αὐτόν φασι τοῦ ὀνό-

ματος τοὺς γὰρ τυφλοὺς ὑπὸ Αἰολέων ὁμήρους καλεῖσθαι

Ἑλλάνικος δὲ καὶ Δαμάστης καὶ Φερεκύδης εἰς Ὀρφέα

τὸ γένος ἀνάγουσιν αὐτοῦ Μαίονα γάρ φασι τὸν Ὁμήρου 20

πατέρα καὶ Δῖον τὸν Ἡσιόδου γενέσθαι Ἀπέλλιδος τοῦ Μελα-

νώπου τοῦ Ἐπιφράδεος τοῦ Χαριφήμου τοῦ Φιλοτέρπεος τοῦ

Ἰδμονίδεω τοῦ Εὐκλέος τοῦ Δωρίωνος τοῦ Ὀρφέος

Γοργίας δὲ ὁ Λεοντῖνος εἰς Μουσαῖον αὐτὸν ἀνάγει

περὶ δὲ τῆς τελευτῆς αὐτοῦ λόγος τις φέρεται τοι- 25

129

οῦτος ἀνελεῖν φασιν αὐτῷ τὸν θεὸν χρωμένῳ περὶ ἀσφα-

λείας τάδε

ἔστιν Ἴος νῆσος μητρὸς πατρίς ἥ σε θανόντα

δέξεται ἀλλὰ νέων ἀνδρῶν αἴνιγμα φύλαξαι

λέγουσιν οὖν αὐτὸν εἰς Ἴον πλεύσαντα διατρῖψαι μὲν 30

παρὰ Κρεωφύλῳ γράψαντα δὲ Οἰχαλίας ἅλωσιν τούτῳ χαρί-

σασθαι ἥτις νῦν ὡς Κρεωφύλου περιφέρεται καθεζόμενον

δὲ ἐπί τινος ἀκτῆς θεασάμενον ἁλιεῖς προσειπεῖν αὐτοὺς

καὶ ἀνακρῖναι τοῖσδε τοῖς ἔπεσιν

ἄνδρες ἀπ Ἀρκαδίης θηρήτορες ἦ ῥ ἔχομέν τι 35

ὑποτυχόντα δὲ αὐτῶν ἕνα εἰπεῖν

οὓς ἕλομεν λιπόμεσθ οὓς δ οὐχ ἕλομεν φερόμεσθα

οὐκ ἐπιβάλλοντος δὲ αὐτοῦ διελέσθαι τὸ αἴνιγμα ὅτι ἐπὶ

ἰχθυΐαν καταβάντες ἀφήμαρτον φθειρισάμενοι δὲ ὅσους μὲν

ἔλαβον τῶν φθειρῶν ἀποκτείναντες ἀπολείπουσιν ὅσοι δὲ 40

αὐτοὺς διέφυγον τούτους ἀποκομίζουσιν οὕτω δ ἐκεῖνον

ἀθυμήσαντα σύννουν ἀπιέναι τοῦ χρησμοῦ ἔννοιαν λαμβά-

νοντα καὶ οὕτως ὀλισθόντα περιπταῖσαι λίθῳ καὶ τριταῖον

τελευτῆσαι

ἀλλὰ δὴ ταῦτα μὲν πολλῆς ἔχεται ζητήσεως ἵνα δὲ μηδὲ 45

τούτων ἄπειρος ὑπάρχῃς διὰ τοῦτο εἰς ταῦτα κεχώρηκα

τυφλὸν δὲ ὅσοι τοῦτον ἀπεφήναντο αὐτοί μοι δοκοῦσι

τὴν διάνοιαν πεπηρῶσθαι τοσαῦτα γὰρ κατεῖδεν ὅσα οὐδεὶς

ἄνθρωπος πώποτε

εἰσὶ δὲ οἵτινες ἀνεψιὸν αὐτὸν Ἡσιόδου παρέδοσαν 50

ἀτριβεῖς ὄντες ποιήσεως τοσοῦτον γὰρ ἀπέχουσι τοῦ γένει

προσήκειν ὅσον ἡ ποίησις διέστηκεν αὐτῶν ἄλλως δὲ οὐδὲ

τοῖς χρόνοις συνεπέβαλον ἀλλήλοις

ἄθλιοι δὲ οἱ τὸ ἀνάθημα πλάσαντες τοῦτο

Ἡσίοδος Μούσαις Ἑλικωνίσι τόνδ ἀνέθηκεν 55

ὕμνῳ νικήσας ἐν Χαλκίδι θεῖον Ὅμηρον

ἀλλὰ γὰρ ἐπλανήθησαν ἐκ τῶν Ἡσιοδείων Ἡμερῶν ἕτερον

γάρ τι σημαίνει

τοῖς δὲ χρόνοις αὐτὸν οἱ μὲν περὶ τὸν Ἀρίσταρχόν

130

φασι γενέσθαι κατὰ τὴν τῆς Ἰωνίας ἀποικίαν ἥτις ὑστερεῖ 60

τῆς Ἡρακλειδῶν καθόδου ἔτεσιν ἑξήκοντα τὸ δὲ περὶ τοὺς

Ἡρακλείδας λείπεται τῶν Τρωϊκῶν ἔτεσιν ὀγδοήκοντα οἱ δὲ

περὶ Κράτητα ἀνάγουσιν αὐτὸν εἰς τοὺς Τρωϊκοὺς χρόνους

φαίνεται δὲ γηραιὸς ἐκλελοιπὼς τὸν βίον ἡ γὰρ ἀν-

υπέρβλητος ἀκρίβεια τῶν πραγμάτων προβεβηκυῖαν ἡλικίαν 65

παρίστησι

πολλὰ δὲ ἐπεληλυθὼς μέρη τῆς οἰκουμένης ἐκ τῆς

πολυπειρίας τῶν τόπων εὑρίσκεται τούτῳ δὲ προσυπονοη-

τέον καὶ πλούτου πολλὴν περιουσίαν γενέσθαι αἱ γὰρ μακραὶ

ἀποδημίαι πολλῶν δέονται ἀναλωμάτων καὶ ταῦτα κατ ἐκεί- 70

νους τοὺς χρόνους οὔτε πάντων πλεομένων ἀκινδύνως οὔτε

ἐπιμισγομένων ἀλλήλοις πως τῶν ἀνθρώπων ῥᾳδίως

γέγραφε δὲ ποιήσεις δύο Ἰλιάδα καὶ Ὀδύσσειαν

ἣν Ξένων καὶ Ἑλλάνικος ἀφαιροῦνται αὐτοῦ οἱ μέντοι γε ἀρ-

χαῖοι καὶ τὸν Κύκλον ἀναφέρουσιν εἰς αὐτόν προστιθέασι δὲ 75

αὐτῷ καὶ παίγνιά τινα Μαργίτην Βατραχομαχίαν ἢ Μυο-

μαχίαν Ἕπτ ἐπ ἀκτίον Αἶγα Κέρκωπας Κενούς

De Proclo sobre Homero

Muitos satildeo os poetas eacutepicos Os mais egreacutegios deles satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro

Paniacuteasis e Antiacutemaco

Sobre Homero quais seus pais e de que paacutetria era originaacuterio eacute difiacutecil afirmar

claramente ele proacuteprio natildeo fala coisa alguma e nem se acham de acordo os que falaram sobre

ele pelo fato contudo de sua poesia natildeo trazer expressamente nenhuma indicaccedilatildeo a respeito

cada um contenta-se com o que deseja sem nenhuma restriccedilatildeo

Por causa disso uns o proclamam nativo de Colofatildeo outros de Quios outros de

Esmirna outros de Io outros de Cima e toda cidade de modo geral reclama o homem pelo

que razoavelmente pode ser dito cosmopolita

Os que afirmam que ele eacute de Esmirna dizem que seu pai era Meatildeo e que foi concebido

perto do Rio Meles motivo pelo qual tambeacutem eacute nomeado Melesiacutegene mas que eacute chamado

Homero [Hoacutemeros ] porque foi dado na condiccedilatildeo de homereiacutea [refeacutem ]

131

aos de Quios Outros dizem que acabou recebendo esse nome por causa da deficiecircncia dos

olhos Os cegos de fato eram chamados homeacuteroi [ ] pelos eoacutelios

Helacircnico Damaste e Fereacutecides recuam sua origem ateacute Orfeu Dizem que Meatildeo pai de

Homero e Dio pai de Hesiacuteodo descendem de Apeacutelis filho de Melanopo filho de Epiacutefrades

filho de Carifemo filho de Filoterpes filho de Idmocircnides filhos de Eucles filho de Doriatildeo

filho de Orfeu

Goacutergias de Leontino o recua agraves Musas

Sobre a sua morte refere-se a seguinte histoacuteria inquirindo o oraacuteculo a respeito de sua

proacutepria seguranccedila pessoal contam que o deus lhe deu esta resposta

ldquoHaacute uma ilha Io paacutetria de tua matildee que morto

receber-te-aacute Cuidado com enigma de homens jovensrdquo

Dizem entatildeo que tendo velejado para Io passava um tempo na companhia de

Creoacutefilo quando escreveu e dedicou-lhe a Tomada de Ecaacutelia (que hoje circula como de

Creoacutefilo) Sentando-se agrave praia apoacutes observar alguns pescadores dirigiu-lhes a palavra e

interrogou com estas palavras

ldquoDa Arcaacutedia caccediladores varotildees o que temosrdquo

Um deles replicou-lhe dizendo

ldquoOs que pegamos deixamos pra traacutes os que natildeo pegamos trazemos conoscordquo

Natildeo conseguindo solver o enigma ndash como natildeo foram bem sucedidos indo pescar

puseram-se a caccedilar piolhos matando quantos pegavam mas quantos lhes fugiam traziam-nos

de volta ndash aquele ficou desgostoso e foi embora meditabundo entendendo o oraacuteculo e assim

escorregou tombou contra uma pedra e no terceiro dia faleceu

Esses eventos contudo carecem de investigaccedilatildeo mas para que natildeo sejas de todo

ignorante neles avanccedilo nesse sentido

Os que o afirmam cego parecem-me eles mesmos incapacitados do juiacutezo coisas viu

tantas quantas ningueacutem jamais o fez

132

Existem aqueles que o datildeo como primo de Hesiacuteodo natildeo versados em poesia estatildeo tatildeo

distantes na relaccedilatildeo de parentesco quanto eacute diferente sua poesia No mais nem coincidem um

com outro cronologicamente

Haacute os miseraacuteveis que forjaram esta inscriccedilatildeo votiva

ldquoHesiacuteodo agraves Musas Heliconiacutedas consagra isto

por ter vencido com um hino em Caacutelcis o divino Homerordquo

equivocaram-se contudo nos ldquoDiasrdquo de Hesiacuteodo pois isso tem outro significado

Na cronologia os da escola de Aristarco dizem que viveu na eacutepoca da imigraccedilatildeo

jocircnica que eacute sessenta anos posterior ao retorno dos Heraclidas e o evento em torno dos

Heraclidas estaacute oitenta anos depois da eacutepoca de Troia Os da escola de Crates por sua vez o

recuam aos tempos de Troia

Parece que jaacute era bem velho quando deixou a vida sua insuperaacutevel precisatildeo nos fatos

permite estabelecer uma idade jaacute avanccedilada

Crecirc-se que visitou muitas partes do mundo habitado dada sua vasta experiecircncia de

lugares Nisso tambeacutem se deve notar a vasta abundacircncia de sua riqueza pois as grandes

viagens necessitavam de muitos gastos e isso naquele tempo em que nem todas as

navegaccedilotildees se faziam sem perigo nem os homens estabeleciam relaccedilotildees comerciais entre si

com tal facilidade

Escreveu dois poemas Iliacuteada e Odisseia a qual Xenatildeo e Helacircnico lhe negam

entretanto os antigos atribuem-lhe inclusive o Ciclo Imputam-lhe tambeacutem algumas

brincadeiras Margites Guerra dos Sapos ou Guerra dos Ratos Sete na Praia Cabra

Ceacutercopes os Matildeos Vazias

22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO

221 Ciacuteprias

Τοῦ αὐτοῦ περὶ τῶν Κυπρίων λεγομένων ποιημάτων

133

Ἐπιβάλλει τούτοις τὰ λεγόμενα Κύπρια ἐν βιβλίοις 80

φερόμενα ἕνδεκα ὧν περὶ τῆς γραφῆς ὕστερον ἐροῦμεν

ἵνα μὴ τὸν ἑξῆς λόγον νῦν ἐμποδίζωμεν τὰ δὲ περιέχοντά

ἐστι ταῦτα

Ζεὺς βουλεύεται μετὰ τῆς Θέμιδος περὶ τοῦ Τρωϊκοῦ

πολέμου 85

παραγενομένη δὲ Ἔρις εὐωχουμένων τῶν θεῶν ἐν τοῖς

Πηλέως γάμοις νεῖκος περὶ κάλλους ἀνίστησιν Ἀθηνᾷ Ἥρᾳ

καὶ Ἀφροδίτῃ αἳ πρὸς Ἀλέξανδρον ἐν Ἴδῃ κατὰ Διὸς

προσταγὴν ὑφ Ἑρμοῦ πρὸς τὴν κρίσιν ἄγονται καὶ προκρίνει

τὴν Ἀφροδίτην ἐπαρθεὶς τοῖς Ἑλένης γάμοις Ἀλέξανδρος 90

ἔπειτα δὲ Ἀφροδίτης ὑποθεμένης ναυπηγεῖται καὶ

Ἕλενος περὶ τῶν μελλόντων αὐτοῖς προθεσπίζει καὶ ἡ Ἀφρο-

δίτη Αἰνείαν συμπλεῖν αὐτῷ κελεύει καὶ Κασσάνδρα περὶ

τῶν μελλόντων προδηλοῖ

ἐπιβὰς δὲ τῇ Λακεδαιμονίᾳ Ἀλέξανδρος ξενίζεται 95

παρὰ τοῖς Τυνδαρίδαις καὶ μετὰ ταῦτα ἐν τῇ Σπάρτῃ παρὰ

Μενελάῳ καὶ Ἑλένῃ παρὰ τὴν εὐωχίαν δίδωσι δῶρα ὁ Ἀλέξ-

ανδρος καὶ μετὰ ταῦτα Μενέλαος εἰς Κρήτην ἐκπλεῖ κελεύ-

σας τὴν Ἑλένην τοῖς ξένοις τὰ ἐπιτήδεια παρέχειν ἕως ἂν

ἀπαλλαγῶσιν ἐν τούτῳ δὲ Ἀφροδίτη συνάγει τὴν Ἑλένην τῷ 100

Ἀλεξάνδρῳ καὶ μετὰ τὴν μίξιν τὰ πλεῖστα κτήματα ἐνθέ-

μενοι νυκτὸς ἀποπλέουσι

χειμῶνα δὲ αὐτοῖς ἐφίστησιν Ἥρα καὶ προσενεχθεὶς

Σιδῶνι ὁ Ἀλέξανδρος αἱρεῖ τὴν πόλιν καὶ ἀποπλεύσας

εἰς Ἴλιον γάμους τῆς Ἑλένης ἐπετέλεσεν 105

ἐν τούτῳ δὲ Κάστωρ μετὰ Πολυδεύκους τὰς Ἴδα καὶ

Λυγκέως βοῦς ὑφαιρούμενοι ἐφωράθησαν καὶ Κάστωρ μὲν

ὑπὸ τοῦ Ἴδα ἀναιρεῖται Λυγκεὺς δὲ καὶ Ἴδας ὑπὸ Πολυ-

δεύκους καὶ Ζεὺς αὐτοῖς ἑτερήμερον νέμει τὴν ἀθανασίαν

καὶ μετὰ ταῦτα Ἶρις ἀγγέλλει τῷ Μενελάῳ τὰ 110

γεγονότα κατὰ τὸν οἶκον ὁ δὲ παραγενόμενος περὶ τῆς ἐπ

Ἴλιον στρατείας βουλεύεται μετὰ τοῦ ἀδελφοῦ καὶ πρὸς

Νέστορα παραγίνεται Μενέλαος

134

Νέστωρ δὲ ἐν παρεκβάσει διηγεῖται αὐτῷ ὡς Ἐπωπεὺς

φθείρας τὴν Λυκούργου θυγατέρα ἐξεπορθήθη καὶ τὰ περὶ 115

Οἰδίπουν καὶ τὴν Ἡρακλέους μανίαν καὶ τὰ περὶ Θησέα

καὶ Ἀριάδνην

ἔπειτα τοὺς ἡγεμόνας ἀθροίζουσιν ἐπελθόντες τὴν

Ἑλλάδα καὶ μαίνεσθαι προσποιησάμενον Ὀδυσσέα ἐπὶ

τῷ μὴ θέλειν συστρατεύεσθαι ἐφώρασαν Παλαμήδους ὑπο- 120

θεμένου τὸν υἱὸν Τηλέμαχον ἐπὶ κόλασιν ἐξαρπάσαντες

καὶ μετὰ ταῦτα συνελθόντες εἰς Αὐλίδα θύουσι καὶ

τὰ περὶ τὸν δράκοντα καὶ τοὺς στρουθοὺς γενόμενα δείκ-

νυται καὶ Κάλχας περὶ τῶν ἀποβησομένων προλέγει αὐτοῖς

ἔπειτα ἀναχθέντες Τευθρανίᾳ προσίσχουσι καὶ ταύ- 125

την ὡς Ἴλιον ἐπόρθουν Τήλεφος δὲ ἐκβοηθεῖ Θέρσανδρόν

τε τὸν Πολυνείκους κτείνει καὶ αὐτὸς ὑπὸ Ἀχιλλέως τι-

τρώσκεται

ἀποπλέουσι δὲ αὐτοῖς ἐκ τῆς Μυσίας χειμὼν ἐπι-

πίπτει καὶ διασκεδάννυνται Ἀχιλλεὺς δὲ Σκύρῳ προσσχὼν 130

γαμεῖ τὴν Λυκομήδους θυγατέρα Δηϊδάμειαν

ἔπειτα Τήλεφον κατὰ μαντείαν παραγενόμενον εἰς

Ἄργος ἰᾶται Ἀχιλλεὺς ὡς ἡγεμόνα γενησόμενον τοῦ ἐπ

Ἴλιον πλοῦ

καὶ τὸ δεύτερον ἠθροισμένου τοῦ στόλου ἐν Αὐλίδι 135

Ἀγαμέμνων ἐπὶ θηρῶν βαλὼν ἔλαφον ὑπερβάλλειν ἔφησε

καὶ τὴν Ἄρτεμιν μηνίσασα δὲ ἡ θεὸς ἐπέσχεν αὐτοὺς τοῦ

πλοῦ χειμῶνας ἐπιπέμπουσα Κάλχαντος δὲ εἰπόντος τὴν

τῆς θεοῦ μῆνιν καὶ Ἰφιγένειαν κελεύσαντος θύειν τῇ

Ἀρτέμιδι ὡς ἐπὶ γάμον αὐτὴν Ἀχιλλεῖ μεταπεμψάμενοι 140

θύειν ἐπιχειροῦσιν Ἄρτεμις δὲ αὐτὴν ἐξαρπάσασα εἰς

Ταύρους μετακομίζει καὶ ἀθάνατον ποιεῖ ἔλαφον δὲ ἀντὶ

τῆς κόρης παρίστησι τῷ βωμῷ

ἔπειτα καταπλέουσιν εἰς Τένεδον καὶ εὐωχουμένων

αὐτῶν Φιλοκτήτης ὑφ ὕδρου πληγεὶς διὰ τὴν δυσοσμίαν 145

ἐν Λήμνῳ κατελείφθη καὶ Ἀχιλλεὺς ὕστερος κληθεὶς δια-

φέρεται πρὸς Ἀγαμέμνονα

135

ἔπειτα ἀποβαίνοντας αὐτοὺς εἰς Ἴλιον εἴργουσιν

οἱ Τρῶες καὶ θνῄσκει Πρωτεσίλαος ὑφ Ἕκτορος ἔπειτα

Ἀχιλλεὺς αὐτοὺς τρέπεται ἀνελὼν Κύκνον τὸν Ποσειδῶνος 150

καὶ τοὺς νεκροὺς ἀναιροῦνται

καὶ διαπρεσβεύονται πρὸς τοὺς Τρῶας τὴν Ἑλένην

καὶ τὰ κτήματα ἀπαιτοῦντες ὡς δὲ οὐχ ὑπήκουσαν ἐκεῖνοι

ἐνταῦθα δὴ τειχομαχοῦσιν

ἔπειτα τὴν χώραν ἐπεξελθόντες πορθοῦσι καὶ τὰς 155

περιοίκους πόλεις

καὶ μετὰ ταῦτα Ἀχιλλεὺς Ἑλένην ἐπιθυμεῖ θεάσασθαι

καὶ συνήγαγεν αὐτοὺς εἰς τὸ αὐτὸ Ἀφροδίτη καὶ Θέτις

εἶτα ἀπονοστεῖν ὡρμημένους τοὺς Ἀχαιοὺς Ἀχιλ-

λεὺς κατέχει κἄπειτα ἀπελαύνει τὰς Αἰνείου βοῦς καὶ 160

Λυρνησσὸν καὶ Πήδασον πορθεῖ καὶ συχνὰς τῶν περιοικίδων

πόλεων καὶ Τρωΐλον φονεύει

Λυκάονά τε Πάτροκλος εἰς Λῆμνον ἀγαγὼν ἀπεμπολεῖ

καὶ ἐκ τῶν λαφύρων Ἀχιλλεὺς μὲν Βρισηΐδα γέρας

λαμβάνει Χρυσηΐδα δὲ Ἀγαμέμνων 165

ἔπειτά ἐστι Παλαμήδους θάνατος

καὶ Διὸς βουλὴ ὅπως ἐπικουφίσῃ τοὺς Τρῶας Ἀχιλ-

λέα τῆς συμμαχίας τῆς Ἑλλήνων ἀποστήσας

καὶ κατάλογος τῶν τοῖς Τρωσὶ συμμαχησάντων

Do mesmo autor sobre os poemas chamados Ciacuteprias

Sucedem-se a isso as chamadas Ciacuteprias transmitidas em onze livros sobre cujo nome

falaremos depois a fim de natildeo obstar a sequecircncia do discurso Eis o que compreendem

Zeus delibera junto de Tecircmis sobre a guerra de Troia

Estando os deuses a festejar nas bodas de Peleu aparece Eacuteris e suscita uma querela a

respeito da beleza de Atena Hera e Afrodite que satildeo levadas por Hermes agraves ordens de Zeus

para o arbiacutetrio de Alexandre no Ida Alexandre prefere Afrodite excitado pelas bodas com

Helena

136

Em seguida aconselhando-o Afrodite faz para si uma nau e Heleno lhes faz

prediccedilotildees sobre os acontecimentos futuros Afrodite manda Eneias navegar com ele

Cassandra revela o porvir

Depois de chegar a Lacedemocircnia Alexandre eacute hospedado pela casa dos Tindaacuteridas

em seguida em Esparta pela casa de Menelau no decorrer do festim Alexandre presenteia

Helena Depois disso Menelau parte para Creta antes ordenando a Helena que provesse o

necessaacuterio aos estrangeiros ateacute que estivessem liberados Nesse momento Afrodite une Helena

a Alexandre e apoacutes o intercurso tendo embarcado o maior nuacutemero de riquezas zarpam

durante a noite

Hera envia uma tempestade contra eles Aportando em Sidatildeo Alexandre captura a

cidade Enfim consumou suas bodas com Helena apoacutes navegar para Iacutelio

Nesse passo Caacutestor junto de Polideuces satildeo descobertos furtando as vacas de Idas e

Linceu Entatildeo Caacutestor eacute morto por Idas mas Linceu e Idas por Polideuces Zeus lhes despende

a imortalidade em dias intercalados

Depois disso Iacuteris relata a Menelau os eventos em sua casa Apoacutes chegar ele delibera

com o irmatildeo sobre a expediccedilatildeo contra Iacutelio e vai ter com Nestor

Neacutestor num excurso narra-lhe como Epopeu foi destruiacutedo apoacutes violentar a filha de

Licurgo e os eventos envolvendo Eacutedipo a loucura de Heacuteracles e os eventos envolvendo

Teseu e Ariadne

Depois unem os chefes tendo percorrido a Heacutelade Descobriram entatildeo que Odisseu

passara a se fazer de louco por natildeo querer juntar-se agrave expediccedilatildeo depois de por sugestatildeo de

Palamedes raptarem-lhe o filho Telecircmaco como desforra

Depois disso reuacutenem-se em Aacuteulis e fazem um sacrifiacutecio Revela-se o prodiacutegio

envolvendo a serpente e os pardais e Calcas lhes prediz os resultados

Depois satildeo levados pelo alto mar aportam em Teutracircnia e saqueiam-na como se fosse

Iacutelio Teacutelefo empreende uma investida surpresa e mata Tersandro filho de Polinices mas ele

mesmo acaba sendo ferido por Aquiles

Zarpando de Musia uma tempestade se abate sobre eles e se dispersam Aquiles que

aporta em Esquiro esposa a filha de Licomedes Didamia

Entatildeo Aquiles quando Teacutelefo conforme divinaccedilatildeo chega a Argos cura-o para que se

torne o guia da navegaccedilatildeo ateacute Iacutelio

Foi entatildeo na segunda vez em que a expediccedilatildeo estaacute reunida em Aacuteulis que

Agamecircmnon por ter abatido um cervo nas caccediladas disse superar ateacute Aacutertemis Irada a deusa

impede-lhes a navegaccedilatildeo enviando tempestades sobre eles Uma vez que Calcas comunica a

137

ira da deusa e ordena sacrificar a Aacutertemis Ifigecircnia preparam seu sacrifiacutecio como se a

tivessem convocado para um casamento com Aquiles Aacutertemis a arrebata poreacutem transporta-a

a Taacuteuris e a faz imortal e coloca um cervo no altar no lugar da moccedila

Aportam em Tecircnedo Filoctetes picado por uma cobra-drsquoaacutegua enquanto ceavam eacute

abandonado em Lemnos por causa do mau-cheiro e Aquiles o uacuteltimo a ser chamado entra

em divergecircncia com Agamecircmnon

Em seguida os troianos encurralam-nos quando estatildeo desembarcando em Iacutelio e

Protesilau perece sob Heacutector Depois Aquiles rechaccedila-os matando Ciacutecnon filho de Poseidatildeo

Entatildeo recolhem os corpos

Mandam uma embaixada aos troianos reclamando Helena e as riquezas Nesse ponto

porque estes natildeo anuem datildeo iniacutecio ao cerco

Investem e saqueiam a regiatildeo e as cidades nas dependecircncias

Depois dessas accedilotildees Aquiles deseja contemplar Helena Para tal Afrodite e Teacutetis

conduzem-nos a um encontro

Nisso Aquiles conteacutem os aqueus que jaacute se prontificavam a navegar de volta Logo

depois leva embora as vacas de Eneias saqueia Lirnesso Peacutedaso e um bom nuacutemero de

cidades vizinhas tambeacutem abate Troilo

Paacutetroclo leva Licaacuteon a Lemnos e o negocia como escravo

Dos espoacutelios Aquiles toma Briseida como precircmio Agamecircmnon Criseida

Em seguida vem a morte de Palamedes

A deliberaccedilatildeo de Zeus com o intuito de inflamar os troianos apoacutes Aquiles se retirar da

alianccedila

O cataacutelogo dos que combateram aliados aos troianos

222 Etioacutepida

Τοῦ αὐτοῦ περὶ Αἰθιοπίδος

Ἐπιβάλλει δὲ τοῖς προειρημένοις [ἐν τῇ πρὸ ταύτης 173

βίβλῳ] Ἰλιὰς Ὁμήρου μεθ ἥν ἐστιν Αἰθιοπίδος βιβλία

πέντε Ἀρκτίνου Μιλησίου περιέχοντα τάδε

Ἀμαζὼν Πενθεσίλεια παραγίνεται Τρωσὶ συμμαχή- 175

138

σουσα Ἄρεως μὲν θυγάτηρ Θρᾷσσα δὲ τὸ γένος καὶ κτείνει

αὐτὴν ἀριστεύουσαν Ἀχιλλεύς οἱ δὲ Τρῶες αὐτὴν θάπτουσι

καὶ Ἀχιλλεὺς Θερσίτην ἀναιρεῖ λοιδορηθεὶς πρὸς

αὐτοῦ καὶ ὀνειδισθεὶς τὸν ἐπὶ τῇ Πενθεσιλείᾳ λεγόμενον

ἔρωτα καὶ ἐκ τούτου στάσις γίνεται τοῖς Ἀχαιοῖς περὶ 180

τοῦ Θερσίτου φόνου

μετὰ δὲ ταῦτα Ἀχιλλεὺς εἰς Λέσβον πλεῖ καὶ θύσας

Ἀπόλλωνι καὶ Ἀρτέμιδι καὶ Λητοῖ καθαίρεται τοῦ φόνου

ὑπ Ὀδυσσέως

Μέμνων δὲ ὁ Ἠοῦς υἱὸς ἔχων ἡφαιστότευκτον παν- 185

οπλίαν παραγίνεται τοῖς Τρωσὶ βοηθήσων καὶ Θέτις τῷ

παιδὶ τὰ κατὰ τὸν Μέμνονα προλέγει

καὶ συμβολῆς γενομένης Ἀντίλοχος ὑπὸ Μέμνονος

ἀναιρεῖται ἔπειτα Ἀχιλλεὺς Μέμνονα κτείνει καὶ τούτῳ

μὲν Ἠὼς παρὰ Διὸς αἰτησαμένη ἀθανασίαν δίδωσι 190

τρεψάμενος δ Ἀχιλλεὺς τοὺς Τρῶας καὶ εἰς τὴν πό-

λιν συνεισπεσὼν ὑπὸ Πάριδος ἀναιρεῖται καὶ Ἀπόλλωνος

καὶ περὶ τοῦ πτώματος γενομένης ἰσχυρᾶς μάχης Αἴας ἀν-

ελόμενος ἐπὶ τὰς ναῦς κομίζει Ὀδυσσέως ἀπομαχομένου

τοῖς Τρωσίν 195

ἔπειτα Ἀντίλοχόν τε θάπτουσι καὶ τὸν νεκρὸν τοῦ

Ἀχιλλέως προτίθενται

καὶ Θέτις ἀφικομένη σὺν Μούσαις καὶ ταῖς ἀδελφαῖς

θρηνεῖ τὸν παῖδα καὶ μετὰ ταῦτα ἐκ τῆς πυρᾶς ἡ Θέτις

ἀναρπάσασα τὸν παῖδα εἰς τὴν Λευκὴν νῆσον διακομίζει 200

οἱ δὲ Ἀχαιοὶ τὸν τάφον χώσαντες ἀγῶνα τιθέασι

καὶ περὶ τῶν Ἀχιλλέως ὅπλων Ὀδυσσεῖ καὶ Αἴαντι στάσις

ἐμπίπτει

Do mesmo sobre a Etioacutepida

Sucede-se ao que foi dito anteriormente (no texto antes deste) a Iliacuteada de Homero

depois dela haacute a Etioacutepida em cinco livros de Arctino de Mileto que compreendem o seguinte

139

A amazona Pentesileia chega para combater ao lado dos troianos filha de Ares traacutecia

de origem Aquiles a mata quando ela estaacute no auge de sua bravura combativa e os troianos

realizam seu funeral

Entatildeo Aquiles abate Tersites ofendido com ele repreendido por sua paixatildeo declarada

por Pentesileia Surge uma dissenccedilatildeo entre os aqueus em funccedilatildeo do assassinato de Tersites

Apoacutes isso Aquiles navega ateacute Lesbos e feitos sacrifiacutecios a Apolo Aacutertemis e Leto eacute

purificado do assassinato por Odisseu

Mecircmnon filho de Aurora possuidor de uma armadura confeccionada por Hefesto

chega ao socorro dos troianos Teacutetis prediz a seu filho o que decorreraacute a partir do embate com

Mecircmnon

Em confronto Antiacuteloco eacute abatido por Mecircmnon e logo Aquiles o mata Aurora lhe

concede a eternidade por rogaacute-la da parte de Zeus

Rechaccedilando os troianos e jaacute irrompendo cidadela adentro Aquiles eacute abatido por Paacuteris

e por Apolo Violenta batalha tem iniacutecio em volta do cadaacutever Aacutejax resgata-o e carrega ateacute as

naus enquanto Odisseu vai repelindo os troianos

Entatildeo sepultam Antiacuteloco e dispotildeem o corpo de Aquiles para o funeral

Chegando junto das Musas e das irmatildes Teacutetis vela seu filho Depois disso Teacutetis subtrai

o filho de sobre a pira e o transporta para a Ilha Branca

Os aqueus lhe erigem uma sepultura e instauram jogos e uma disputa pelas armas de

Aquiles sobreveacutem entre Odisseu e Ajax

223 Pequena Iliacuteada

Τοῦ αὐτοῦ περὶ Ἰλιάδος μικρᾶς

Ἑξῆς δ ἐστὶν Ἰλιάδος μικρᾶς βιβλία τέσσαρα Λές- 206

χεω Μυτιληναίου περιέχοντα τάδε

Ἡ τῶν ὅπλων κρίσις γίνεται καὶ Ὀδυσσεὺς κατὰ

βούλησιν Ἀθηνᾶς λαμβάνει Αἴας δ ἐμμανὴς γενόμενος

τήν τε λείαν τῶν Ἀχαιῶν λυμαίνεται καὶ ἑαυτὸν ἀναιρεῖ 210

μετὰ ταῦτα Ὀδυσσεὺς λοχήσας Ἕλενον λαμβάνει

καὶ χρήσαντος περὶ τῆς ἁλώσεως τούτου Διομήδης ἐκ Λήμνου

140

Φιλοκτήτην ἀνάγει ἰαθεὶς δὲ οὗτος ὑπὸ Μαχάονος καὶ μονο-

μαχήσας Ἀλεξάνδρῳ κτείνει καὶ τὸν νεκρὸν ὑπὸ Μενελάου

καταικισθέντα ἀνελόμενοι θάπτουσιν οἱ Τρῶες 215

μετὰ δὲ ταῦτα Δηΐφοβος Ἑλένην γαμεῖ

καὶ Νεοπτόλεμον Ὀδυσσεὺς ἐκ Σκύρου ἀγαγὼν τὰ

ὅπλα δίδωσι τὰ τοῦ πατρός καὶ Ἀχιλλεὺς αὐτῷ φαντάζεται

Εὐρύπυλος δὲ ὁ Τηλέφου ἐπίκουρος τοῖς Τρωσὶ παρα-

γίνεται καὶ ἀριστεύοντα αὐτὸν ἀποκτείνει Νεοπτόλεμος 220

καὶ οἱ Τρῶες πολιορκοῦνται

καὶ Ἐπειὸς κατ Ἀθηνᾶς προαίρεσιν τὸν δούρειον

ἵππον κατασκευάζει

Ὀδυσσεύς τε αἰκισάμενος ἑαυτὸν κατάσκοπος εἰς

Ἴλιον παραγίνεται καὶ ἀναγνωρισθεὶς ὑφ Ἑλένης περὶ 225

τῆς ἁλώσεως τῆς πόλεως συντίθεται κτείνας τέ τινας τῶν

Τρώων ἐπὶ τὰς ναῦς ἀφικνεῖται

καὶ μετὰ ταῦτα σὺν Διομήδει τὸ παλλάδιον ἐκκο-

μίζει ἐκ τῆς Ἰλίου

ἔπειτα εἰς τὸν δούρειον ἵππον τοὺς ἀρίστους ἐμ- 230

βιβάσαντες τάς τε σκηνὰς καταφλέξαντες οἱ λοιποὶ τῶν

Ἑλλήνων εἰς Τένεδον ἀνάγονται

οἱ δὲ Τρῶες τῶν κακῶν ὑπολαβόντες ἀπηλλάχθαι τόν

τε δούρειον ἵππον εἰς τὴν πόλιν εἰσδέχονται διελόντες

μέρος τι τοῦ τείχους καὶ εὐωχοῦνται ὡς νενικηκότες τοὺς 235

Ἕλληνας

Do mesmo sobre a Pequena Iliacuteada

Em sequecircncia haacute os quatro livros da Pequena Iliacuteada de Lesques de Mitilene que

compreendem o seguinte

Ocorre o juiacutezo a respeito das armas e Odisseu obteacutem-nas conforme a intenccedilatildeo de

Atena Ajax por sua vez apoacutes ficar ensandecido destroacutei o espoacutelio de gado dos aqueus e

tambeacutem imola a si mesmo

141

Depois disso Odisseu captura Heleno em uma emboscada apoacutes um oraacuteculo deste a

respeito da tomada da cidadela Diomedes traz Filoctetes de volta de Lemnos Curado por

Macaacuteon ele mata Alexandre em um duelo Os troianos sepultam o cadaacutever depois de reavecirc-lo

desfigurado por Menelau

Depois disso Decircifobo toma Helena por esposa

Apoacutes trazer Neoptoacutelemo de Esquiro Odisseu lhe entrega as armas do pai Aquiles

aparece para ele

Euriacutepilo filho de Teacutelefo se apresenta como aliado dos troianos e no auge de sua

bravura combativa Neoptoacutelemo o mata

Os troianos estatildeo encurralados

Epeu constroacutei o cavalo de madeira segundo o plano de Atena

Odisseu flagelando-se a si mesmo adentra Iacutelio como espiatildeo e combina com Helena

por quem fora reconhecido a tomada da cidade mata alguns troianos e chega de volta agraves

naus

Depois com Diomedes carrega o palaacutedio para fora de Iacutelio

Em seguida os melhores dos helenos ingressam no cavalo de madeira e o restante

navega para Tecircnedo havendo ateado fogo ao acampamento

Os troianos supondo-se livres de males recebem o cavalo de madeira dentro da

cidade quebrando uma brecha na muralha e festejam como se houvessem vencido os

helenos

224 Saque de Iacutelio

Τοῦ αὐτοῦ περὶ Ἰλίου πέρσιδος

Ἕπεται δὲ τούτοις Ἰλίου πέρσιδος βιβλία δύο Ἀρκ-

τίνου Μιλησίου περιέχοντα τάδε 240

ὡς τὰ περὶ τὸν ἵππον οἱ Τρῶες ὑπόπτως ἔχοντες

περιστάντες βουλεύονται ὅ τι χρὴ ποιεῖν καὶ τοῖς μὲν

δοκεῖ κατακρημνίσαι αὐτόν τοῖς δὲ καταφλέγειν οἱ δὲ ἱερὸν

αὐτὸν ἔφασαν δεῖν τῇ Ἀθηνᾷ ἀνατεθῆναι καὶ τέλος νικᾷ

ἡ τούτων γνώμη 245

142

τραπέντες δὲ εἰς εὐφροσύνην εὐωχοῦνται ὡς ἀπηλ-

λαγμένοι τοῦ πολέμου

ἐν αὐτῷ δὲ τούτῳ δύο δράκοντες ἐπιφανέντες τόν

τε Λαοκόωντα καὶ τὸν ἕτερον τῶν παίδων διαφθείρουσιν

ἐπὶ δὲ τῷ τέρατι δυσφορήσαντες οἱ περὶ τὸν Αἰνείαν 250

ὑπεξῆλθον εἰς τὴν Ἴδην

καὶ Σίνων τοὺς πυρσοὺς ἀνίσχει τοῖς Ἀχαιοῖς πρό-

τερον εἰσεληλυθὼς προσποίητος

οἱ δὲ ἐκ Τενέδου προσπλεύσαντες καὶ οἱ ἐκ τοῦ δου-

ρείου ἵππου ἐπιπίπτουσι τοῖς πολεμίοις καὶ πολλοὺς ἀν- 255

ελόντες τὴν πόλιν κατὰ κράτος λαμβάνουσι

καὶ Νεοπτόλεμος μὲν ἀποκτείνει Πρίαμον ἐπὶ τὸν

τοῦ Διὸς τοῦ ἑρκείου βωμὸν καταφυγόντα

Μενέλαος δὲ ἀνευρὼν Ἑλένην ἐπὶ τὰς ναῦς κατάγει

Δηΐφοβον φονεύσας 260

Κασσάνδραν δὲ Αἴας ὁ Ἰλέως πρὸς βίαν ἀποσπῶν

συνεφέλκεται τὸ τῆς Ἀθηνᾶς ξόανον ἐφ ᾧ παροξυνθέντες

οἱ Ἕλληνες καταλεῦσαι βουλεύονται τὸν Αἴαντα ὁ δὲ ἐπὶ

τὸν τῆς Ἀθηνᾶς βωμὸν καταφεύγει καὶ διασῴζεται ἐκ τοῦ

ἐπικειμένου κινδύνου 265

[ἔπειτα ἀποπλέουσιν οἱ Ἕλληνες καὶ φθορὰν αὐτοῖς

ἡ Ἀθηνᾶ κατὰ τὸ πέλαγος μηχανᾶται]

καὶ Ὀδυσσέως Ἀστυάνακτα ἀνελόντος

Νεοπτόλεμος Ἀνδρομάχην γέρας λαμβάνει

καὶ τὰ λοιπὰ λάφυρα διανέμονται 270

Δημοφῶν δὲ καὶ Ἀκάμας Αἴθραν εὑρόντες ἄγουσι

μεθ ἑαυτῶν

ἔπειτα ἐμπρήσαντες τὴν πόλιν

Πολυξένην σφαγιάζουσιν ἐπὶ τὸν τοῦ Ἀχιλλέως τάφον

Do mesmo sobre o Saque de Iacutelio

143

Seguem-se a isso os dois livros do Saque de Iacutelio de Arctino de Mileto compreendendo

isto

Como os troianos estatildeo desconfiados do cavalo reunindo-se em torno dele deliberam

sobre o que fazer A uns parece melhor atiraacute-lo precipiacutecio abaixo a outros incendiaacute-lo uns

dizem entatildeo que ele deveria ser dado como oferenda a Atena Vence a proposta destes por

fim

Tomados pela animaccedilatildeo festejam como se estivessem dispensados da guerra Bem

nesse momento duas serpentes aparecem e trucidam Laoconte e seu filho mais novo

Consternados com esse prodiacutegio Eneacuteias e os companheiros escapam secretamente

para o monte Ida

Entatildeo Sinatildeo o primeiro a disfarccedilado lograr um incurso acende tochas ao alto da

cidade como sinal aos aqueus

Juntos tanto os que retornam de Tecircnedos como os de dentro do cavalo os helenos

precipitam-se sobre os inimigos e tomam a cidade de assalto matando muitos

Neoptoacutelemo mata Priacuteamo que se refugiara no altar de Zeus Guarda Lar

Apoacutes achar Helena Menelau a leva de volta para as naus assassinando Decircifobo

Aacutejax filho de Ileu levando Cassandra agrave forccedila arrasta tambeacutem a imagem de madeira

de Atena Irritados com isso os helenos decidem apedrejar Aacutejax mas ele busca refuacutegio no

altar de Atena e se manteacutem a salvo do perigo iminente

[Entatildeo os helenos zarpam e Atena estaacute maquinado contra eles um naufraacutegio em alto

mar]

Tendo Odisseu matado Astiacuteanax Neoptoacutelemo toma Androcircmaca como seu precircmio

Repartem o restante do espoacutelio

Apoacutes acharem Etra Demofatildeo e Aacutecamas levam-na consigo

Em seguida sacrificam Polixena sobre o tuacutemulo de Aquiles havendo incendiado a

cidade

225 Retornos

Τοῦ αὐτοῦ περὶ Νόστων

Συνάπτει δὲ τούτοις τὰ τῶν Νόστων βιβλία πέντε 277

144

Ἀγίου Τροιζηνίου περιέχοντα τάδε

Ἀθηνᾶ Ἀγαμέμνονα καὶ Μενέλαον εἰς ἔριν καθίς-

τησι περὶ τοῦ ἔκπλου 280

Ἀγαμέμνων μὲν οὖν τὸν τῆς Ἀθηνᾶς ἐξιλασόμενος

χόλον ἐπιμένει

Διομήδης δὲ καὶ Νέστωρ ἀναχθέντες εἰς τὴν οἰ-

κείαν διασῴζονται

μεθ οὓς ἐκπλεύσας ὁ Μενέλαος μετὰ πέντε νεῶν 285

εἰς Αἴγυπτον παραγίνεται τῶν λοιπῶν διαφθαρεισῶν νεῶν

ἐν τῷ πελάγει

οἱ δὲ περὶ Κάλχαντα καὶ Λεοντέα καὶ Πολυποίτην

πεζῇ πορευθέντες εἰς Κολοφῶνα Τειρεσίαν ἐνταῦθα τελευ-

τήσαντα θάπτουσι 290

τῶν δὲ περὶ τὸν Ἀγαμέμνονα ἀποπλεόντων Ἀχιλ-

λέως εἴδωλον ἐπιφανὲν πειρᾶται διακωλύειν προλέγον τὰ

συμβησόμενα

εἶθ ὁ περὶ τὰς Καφηρίδας πέτρας δηλοῦται χειμὼν

καὶ ἡ Αἴαντος φθορὰ τοῦ Λοκροῦ 295

Νεοπτόλεμος δὲ Θέτιδος ὑποθεμένης πεζῇ ποιεῖ-

ται τὴν πορείαν καὶ παραγενόμενος εἰς Θρᾴκην Ὀδυσσέα

καταλαμβάνει ἐν τῇ Μαρωνείᾳ καὶ τὸ λοιπὸν ἀνύει τῆς

ὁδοῦ καὶ τελευτήσαντα Φοίνικα θάπτει αὐτὸς δὲ εἰς Μολος-

σοὺς ἀφικόμενος ἀναγνωρίζεται Πηλεῖ 300

ἔπειτα Ἀγαμέμνονος ὑπὸ Αἰγίσθου καὶ Κλυται-

μήστρας ἀναιρεθέντος ὑπ Ὀρέστου καὶ Πυλάδου τιμωρία

καὶ Μενελάου εἰς τὴν οἰκείαν ἀνακομιδή

Do mesmo sobre os Retornos

A esses eventos atrelam-se os cinco livros dos Retornos de Aacutegias de Trezene

compreendendo o seguinte

Atena potildee Agamecircmnon e Menelau em discoacuterdia a respeito da viagem de volta

Agamecircmnon retarda sua partida para apaziguar a colera da deusa

145

Diomedes e Neacutestor levados por alto mar chegam a sua casa em seguranccedila

Menelau que partiu atraacutes deles chega ao Egito com cinco das naus as restantes

naufragando em alto mar

Os comandados por Calcas Leonteu e Polipetes viajam a peacute ateacute Colofatildeo laacute sepultam

Tireacutesias que falecera

Quando os comandados por Agamecircmnon estatildeo partindo uma apariccedilatildeo de Aquiles

tenta impedi-los manifestando-se e anunciando os acontecimentos vindouros

Nesse passo se descreve a tempestade nas redondezas das Rochas Cafeacuterides e a ruiacutena

de Aacutejax da Loacutecria

Neoptoacutelemo faz a jornada a peacute a conselho de Teacutetis Chegando agrave Traacutecia depara-se com

Odisseu em Marocircnia completa o restante de seu percurso e sepulta o falecido Fecircnix

Chegando ateacute os moloacutessios ele proacuteprio eacute reconhecido por Peleu

Em seguida a execuccedilatildeo de Agamecircmnon por Egisto e Clitemnestra a vinganccedila de

Orestes e Piacutelades e o retorno para casa de Menelau

226 Telegonia

Τοῦ αὐτοῦ περὶ Τηλεγονίας

Μετὰ ταῦτά ἐστιν Ὁμήρου Ὀδύσσεια ἔπειτα Τηλε- 306

γονίας βιβλία δύο Εὐγάμμωνος Κυρηναίου περιέχοντα τάδε

οἱ μνήστορες ὑπὸ τῶν προσηκόντων θάπτονται

καὶ Ὀδυσσεὺς θύσας Νύμφαις εἰς Ἦλιν ἀποπλεῖ

ἐπισκεψόμενος τὰ βουκόλια καὶ ξενίζεται παρὰ Πολυξένῳ 310

δῶρόν τε λαμβάνει κρατῆρα καὶ ἐπὶ τούτῳ τὰ περὶ Τρο-

φώνιον καὶ Ἀγαμήδην καὶ Αὐγέαν

ἔπειτα εἰς Ἰθάκην καταπλεύσας τὰς ὑπὸ Τειρεσίου

ῥηθείσας τελεῖ θυσίας

καὶ μετὰ ταῦτα εἰς Θεσπρωτοὺς ἀφικνεῖται καὶ γαμεῖ 315

Καλλιδίκην βασιλίδα τῶν Θεσπρωτῶν

ἔπειτα πόλεμος συνίσταται τοῖς Θεσπρωτοῖς πρὸς

Βρύγους Ὀδυσσέως ἡγουμένου ἐνταῦθα Ἄρης τοὺς περὶ

146

τὸν Ὀδυσσέα τρέπεται καὶ αὐτῷ εἰς μάχην Ἀθηνᾶ καθίς-

ταται τούτους μὲν Ἀπόλλων διαλύει 320

μετὰ δὲ τὴν Καλλιδίκης τελευτὴν τὴν μὲν βασιλείαν

διαδέχεται Πολυποίτης Ὀδυσσέως υἱός αὐτὸς δ εἰς Ἰθάκην

ἀφικνεῖται

κἀν τούτῳ Τηλέγονος ἐπὶ ζήτησιν τοῦ πατρὸς πλέων

ἀποβὰς εἰς τὴν Ἰθάκην τέμνει τὴν νῆσον ἐκβοηθήσας δ 325

Ὀδυσσεὺς ὑπὸ τοῦ παιδὸς ἀναιρεῖται κατ ἄγνοιαν

Τηλέγονος δ ἐπιγνοὺς τὴν ἁμαρτίαν τό τε τοῦ πατρὸς

σῶμα καὶ τὸν Τηλέμαχον καὶ τὴν Πηνελόπην πρὸς τὴν μητέρα

μεθίστησιν ἡ δὲ αὐτοὺς ἀθανάτους ποιεῖ καὶ συνοικεῖ τῇ

μὲν Πηνελόπῃ Τηλέγονος Κίρκῃ δὲ Τηλέμαχος 330

Do mesmo sobre a Telegonia

Depois disso eacute a Odisseia de Homero depois os dois livros da Telegonia de Ecircugamon

de Cirene que compreendem o seguinte

Os pretendentes satildeo sepultados por seus parentes

Odisseu faz sacrifiacutecios agraves Ninfas e zarpa para Eacutelis a fim de inspecionar o gado Eacute

hospedado por Poliacutexeno recebe de presente uma cratera e nela estaacute a histoacuteria de Trofocircnio

Agamedes e Aacuteugeas

Desembarcando de volta em Iacutetaca executa os sacrifiacutecios especificados por Tireacutesias

Depois desses eventos chega agrave Tesproacutetia e toma Caliacutedice por mulher rainha dos

Tesproacutetios

Depois se concretiza uma guerra dos Tesproacutetios liderados por Odisseu contra os

Brugos Nisso Ares debanda os homens de Odisseu e Atena engaja-se em combate contra ele

Apolo eacute quem os aparta

Depois da morte de Caliacutedice Polipetes filho de Odisseu herda a realeza enquanto

este retorna agrave Iacutetaca

Nesse momento Telecircgono que navegava agrave procura de seu pai e desembarcara em

Iacutetaca devastava a ilha Odisseu que viera defendecirc-la por engano eacute morto por seu filho

147

Telecircgono apoacutes tomar conhecimento de seu crime transporta Telecircmaco Peneacutelope e o

corpo do pai ateacute sua matildee Ela os torna imortais Telecircgono casa-se com Peneacutelope e Telecircmaco

com Circe

148

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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Ediccedilotildees da Crestomatia

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indicesque adiecit Ed Aloysius de Stefani Eduardo Luigi de Stefani

ETYMOLOGICUM MAGNUM SEU VERIUS LEXICON SAEPISSIME

VOCABULORUM ORIGINE INDAGANS EX PLURIBUS LEXICIS ET GRAMMATICIS

ANONYMI CUIUSDAM OPERA CONCINNATUM Add codd mss recensuit et notis

variorum instruxit Thomas Gaisford STP Amsterdam Adolf M Hakkert ndash Publisher 1962

GRAMMATICI GRAECI recogniti et apparatu critico instructi v1 Dionysii Thracis Ars

grammatica edidit Gustavus Uhlig Herodianos Scholia in Dionsii Thracis Artem

grammaticam Technicus recensuit Alfredus Hilgard--v2 Apollonii Dyscoli quae supersunt

Recensverunt Richardus Schneider et Gustavus Uhlig--v3 Herodiani Technici reliquiae

explicavit Augustus Lentz--v4 Theodosii Alexandrini Canones Georgii Choerobosci

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P Collart et R Langumier Paris Les Belles Lettres Tome I chants I-VI 1937 tome II

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ndash USP 2005 ineacutedita

_____ Traduccedilatildeo e Comentaacuterio da Arte Retoacuterica de Colsulto Fortunaciano Dissertaccedilatildeo de

mestrado apresentada ao Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas da FFLCH-USP

orientada por Marcos Martinho dos Santos Satildeo Paulo DLCV ndash FFLCH ndash USP 2010 ineacutedita

MARTINHO DOS SANTOS M As Epiacutestolas de Horaacutecio e a Confecccedilatildeo de uma Ars

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  • A CRESTOMATIA DE PROCLOTraduccedilatildeo integral notas e estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
  • AGRADECIMENTOS
  • RESUMO
  • ABSTRACT
  • IacuteNDICE
  • Apresentaccedilatildeo
  • PARTE IEstudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
    • 1 CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO
      • 11VESTIacuteGIOS DA OBRA
      • 12 AUTORIA E ATRIBUICcedilAtildeO
      • 13 O NOME E A OBRA
        • 131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio
        • 132 A intitulaccedilatildeo do Coacutedice 239
        • 133 O termo ldquocrestomatiardquo
        • 134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra
            • 2 A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA ELOCUCcedilAtildeO POESIA E RETOacuteRICA
              • 21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO
              • 22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO
                • 221 O molde copioso
                • 222 O molde tecircnue
                • 223 O molde meacutedio
                • 224 O molde florido
                • 225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo
                    • 3 A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA
                      • 31 SEUS GEcircNEROS
                      • 32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS DE DIOMEDES
                      • 33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO
                        • 331 Epos
                          • 3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria
                          • 3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico
                            • 332 Elegia
                            • 333 Iambo
                            • 334 Meacutelica
                              • PARTE IITraduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo
                                • 1 COacuteDICE 239
                                  • 11 TEXTO
                                  • 12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO
                                    • 2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO CICLO EacutePICO ndash TRADUCcedilAtildeO
                                      • 21 VIDA DE HOMERO
                                      • 22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO
                                        • 221 Ciacuteprias
                                        • 222 Etioacutepida
                                        • 223 Pequena Iliacuteada
                                        • 224 Saque de Iacutelio
                                        • 225 Retornos
                                        • 226 Telegonia
                                          • REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

4

A Ticiano Curvelo Estrela Lacerda e a Artur Costrino irmatildeos cujas tatildeo notaacuteveis

qualidades sempre me incentivam como estudioso Agrave brilhante e mais cara amiga Tarsila

Donaacute e a Gabriel Lohner Groacutef e ao imprescindiacutevel auxiacutelio prestado por ambos na Casa de

Socorro aos Mestrandos Desesperados com a Corda no Pescoccedilo A Rafael Frate o

ldquoplenibroacutederrdquo

Agrave indissociaacutevel Amanda Lenharo di Santis e agrave afaacutevel companhia do gato Pimenta

A Diego Ydalgo Mateus Macedo Pires Samuel Gadia Rafael Pompiacutelio Gustavo

Motta e Fernando Baratella ternos amigos da terna idade de viacutedeo-game RPG HQ futebol e

(jaacute natildeo mais tatildeo terna) The Doors Como esquecer o primeiro Camotildees o primeiro Boccage o

primeiro Aacutelvares de Azevedo Gonccedilalves Dias Bandeira Drummond lidos nessa eacutepoca

A Rafael Brunhara Marcus Baccega Alexandre Almeida Marcussi e a outros

estimados amigos e colegas que jamais faria natildeo fossem as Letras e a FFLCH

5

RESUMO

A presente dissertaccedilatildeo visa agrave traduccedilatildeo anotada dos textos que nos datildeo a conhecer a

obra convencionalmente denominada Crestomatia e atribuiacuteda a Proclo junto de um estudo

que caracterize o quanto possiacutevel essa obra que permanece tatildeo obscura quanto relevante para

os Estudos Claacutessicos Traduziram-se tanto os fragmentos referentes ao Ciclo Eacutepico provaacuteveis

excertos diretos da obra como o resumo que dela restou na Biblioteca de Foacutecio coacutedice 239

A anotaccedilatildeo se ateacutem ao coacutedice 239 a fim de tornar conhecido o que fosse o variado conteuacutedo

geral da obra O coacutedice tambeacutem eacute o foco do estudo que pretende em trecircs capiacutetulos 1o)

discutir os problemas em torno do texto ie a atribuiccedilatildeo o tiacutetulo a constituiccedilatildeo da obra sua

histoacuteria etc 2o) tendo estabelecido algumas hipoacuteteses sobre essa constituiccedilatildeo diversa

explicitaacute-la comentando a primeira seccedilatildeo do texto e a confluecircncia de saberes diversos sobre as

Letras da Antiguidade fossem a Retoacuterica a Gramaacutetica a Poeacutetica considerando seus limites

3o) considerando a seccedilatildeo posterior do texto sobre a classificaccedilatildeo geneacuterica da poesia antiga

relacionaacute-lo com outros que versem sobre a classificaccedilatildeo dos gecircneros poeacuteticos em especial o

De Poematibus de Diomedes

PALAVRAS-CHAVE poeacutetica gramaacutetica retoacuterica poesia antiga gecircneros literaacuterios

6

ABSTRACT

The scope of the current dissertation is to present a commented translation in

Portuguese of the group of texts that gives us knowledge of the work conventionaly called

Chrestomathy ascribed to Proclus We present as well a study that characterizes as much as

possible this work that remains as obscure as relevant to the Classical Studies The fragments

that refer to the Epic Cycle which are probably direct excerpts of the original work were

translated as well as the summary which was preseved in Photiusrsquo Library the 239 codex

The commentary is about the 239 codex with the purpose of give knowledge of the

miscellaneous general content of the work The codex is also the focus of the study where in

three chapters 1) it will be discussed the questions around the text ie the ascription the

title the constitution of the work its history 2) having been established some hypothesis

about this diverse constitution it will be exposed on commenting the first section of the text

and the confluency as well as the limits of multiple knowledges of Literature in Antiquity

comprehending Rhetorics Grammar and Poetics 3) considering the later section of the text

concerning to the generic classification of ancient poetry we will relate the text with others

that deal with the classification of poetic genres especially Diomedesrsquo De Poematibus

KEYWORDS poetics grammar rhetoric ancient poetry literary genres

7

IacuteNDICE

Apresentaccedilatildeo9

Parte I ndash Estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio

Capiacutetulo 1 ndash CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO10

11 VESTIacuteGIOS DA OBRA10

12 AUTORIA E ATRIBUUICcedilAtildeO12

13 O NOME E A OBRA18

131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio18

132 A intitulaccedilatildeo do coacutedice 23925

133 O termo ldquocrestomatiardquo32

134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra38

Capiacutetulo 2 ndash A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA

ELOCUCcedilAtildeO POESIA E RETOacuteRICA50

21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO50

22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO52

221 O molde copioso55

222 O molde tecircnue57

223 O molde meacutedio59

224 O molde florido61

225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo62

Capiacutetulo 3 ndash A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA67

31 SEUS GEcircNEROS67

32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS

DE DIOMEDES74

33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO81

331 Epos83

3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria83

3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico86

332 Elegia90

333 Iambo94

334 Meacutelica96

Parte II ndash Traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo

1 COacuteDICE 23998

11 TEXTO98

12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO109

2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO

8

CICLO EacutePICO128

21 VIDA DE HOMERO128

22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO132

221 Ciacuteprias132

222 Etioacutepida137

223 Pequenas Iliacuteada139

224 Saque de Iacutelio141

225 Retornos143

226 Telegonia145

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS148

9

Apresentaccedilatildeo

Esta dissertaccedilatildeo de mestrado se debruccedila sobre o texto tradicionalmente denominado

Crestomatia e apenas atribuiacutedo a um Proclo cuja identidade permanece em litiacutegio Sem que

isso tenha sido um impedimento para muitos antes de mim proponho aqui considerada a

imensidatildeo de toacutepicos apenas aludidos ou sugeridos por tal objeto textual (alguns carentes de

investigaccedilatildeo)

a) uma traduccedilatildeo integral do que o tempo nos legou da obra um resumo preservado

por Foacutecio de Constantinopla seacutec IX dC e os excertos aceites pelos estudiosos como seus

uacutenicos fragmentos ldquooriginaisrdquo

b) um estudo introduzindo a traduccedilatildeo que se focou em questotildees de composiccedilatildeo da

obra (da sua atribuiccedilatildeo agrave sua abrangecircncia) partes organizaccedilatildeo teorias que continha ou

propunha intenccedilatildeo e finalidade Em funccedilatildeo desse enfoque questotildees agraves quais a Crestomatia

de Proclo muitas vezes serve de ponto de partida como por exemplo a aplicaccedilatildeo das

categorias antigas de interpretaccedilatildeo poeacutetica agrave poesia liacuterica da Greacutecia Antiga os testemunhos

que conteacutem dessa interpretaccedilatildeo de base heleniacutestica etc foram em parte contemplados e em

parte deixados de lado em funccedilatildeo de um objetivo primeiro refletir sobre o que seria essa obra

e sua relaccedilatildeo com textos que lidam com assuntos semelhantes

Desta maneira portanto se organiza o texto

PARTE I ndash Um estudo em trecircs capiacutetulos o 1o abordando as questotildees baacutesicas sobre o

objeto escrito (tiacutetulo autoria) e como eacute transmitido a noacutes o 2o abordando o que aqui se

delimita como sua primeira seccedilatildeo em que se definia seu objeto e uma abordagem para ele a

fim de se conseguir uma caracterizaccedilatildeo da obra o 3o propondo a partir dos elementos

estudados uma comparaccedilatildeo com outro texto semelhante a fim de discutir os criteacuterios de

anaacutelise da poesia que na Crestomatia seratildeo empregados ateacute o fim do texto com o objetivo de

classificar a antiga poesia liacuterica ou meacutelica (sendo as especificidades dessa apresentadas ao

longo das nostas agrave traduccedilatildeo agrave medida do necessaacuterio)

PARTE II ndash A traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio que resume

a Crestomatia e a traduccedilatildeo dos resumos do chamado ciclo eacutepico que chega ateacute noacutes atraveacutes de

manuscritos de Homero

10

PARTE I

Estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio

1 CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO

11VESTIacuteGIOS DA OBRA

Qualquer um cujo interesse seja desperto por isso que geralmente se denomina a

Crestomatia de Proclo tatildeo logo busque se aproximar do objeto deparar-se-aacute com fragmentos

que unidos ao fim nos forneceratildeo somente o espectro de uma obra que parece ter sido uma

importante e abrangente compilaccedilatildeo sobre as letras antigas algo semelhante ao que hoje

chamariacuteamos um manual de literatura

Haacute dois grupos de textos que juntos compotildeem o quanto se pode acessar do que a

julgar pelo que nos diz Foacutecio no coacutedice 239 de sua Biblioteca teria sido uma obra composta

de quatro livros1 e que sem duacutevida a despeito das discussotildees acerca do primeiro paraacutegrafo do

coacutedice (concernente ao nome) teria em seu tiacutetulo o termo ldquocrestomatiardquo

A comeccedilar pela Biblioteca como se sabe consiste em resumos epiacutetomes cuja

confecccedilatildeo2 para aleacutem do interesse do irmatildeo de Foacutecio3 serviria em uacuteltima instacircncia agraves duas

funccedilotildees mais baacutesicas que se podem supor dar a conhecer os textos resumidos a quem natildeo

poderia acessaacute-los integralmente e fornecer diferentes saberes numa mesma fonte ie reunir

informaccedilatildeo diversa preservando para um leitor que natildeo tivesse acesso a essa informaccedilatildeo agrave

medida do possiacutevel o mais relevante dos originais

Um conjunto de textos consiste portanto nos diferentes manuscritos que seguramente

contecircm a Biblioteca de Foacutecio E eacute entre diferentes obras reunidas para a Biblioteca portanto

que se resume no coacutedice 239 (de um modo a ser discutido) a obra em questatildeo

convencionalmente designada Crestomatia Trata-se pois de tradiccedilatildeo indireta

1 Severyns A Recherches sur la Chrestomathie de Proclos Le Codex 239 de Photius Eacutetude Paleacuteographique et

Critique (t I) Texte Traduction Commentaire (t II) La Vita Homeri et les Sommaires du Cycle Eacutetude

Paleacuteographique et Critique (t III) Texte et Traduction (t IV) Paris Belles Lettres 1977 Tomo II paacuteg 31 2 Severyns op cit tome I paacuteg 1 ndash 6 3 Foacutecio Biblioteca paacuteg 1

11

O outro conjunto de textos eacute bem mais visado pelos estudos claacutessicos em geral dado o

que conteacutem Consiste nos 14 manuscritos da Iliacuteada dos quais todos como uma introduccedilatildeo

trazem uma Vida de Homero4 Deles 10 tambeacutem trazem um texto designado

um apenas Venetus A (o mais velho) traz na sequecircncia

e Aquela Vida

como se vecirc pelo nome eacute uma breve biografia de Homero mas satildeo estes que foram por muito

tempo objeto dos estudiosos pois consistem em resumos aparentemente completos embora

bem pontuais dos poemas ciacuteclicos ou pelo menos de alguns deles ie os poemas que narram

os demais episoacutedios do ldquochamado ciclo eacutepicordquo (para usar os proacuteprios termos do epiacutetome do

coacutedice 239) o qual numa definiccedilatildeo mais teacutecnica seria a somatoacuteria de todas as narraccedilotildees

eacutepicas ou mais rigorosamente todos os (eacutepe)6 circunscritos a um conjunto de episoacutedios

que vai desde a origem do universo ateacute a morte de Odisseu A despeito do que se possa

conjeturar mais pormenorizadamente sobre o que de fato pleiteavam tais poemas o proacuteprio

texto do epiacutetome fociano no seu paraacutegrafo 19 eacute um de nossos principais testemunhos de

como tais poemas eram entendidos por diferentes autores que versaram sobre poeacutetica

integrando um todo ldquo

rdquo7 ndash ldquoFecha-se o ciclo eacutepico agrave medida que eacute completo pela contribuiccedilatildeo

de diferentes poetasrdquo

Antes desse paraacutegrafo na seccedilatildeo do epiacutetome dedicada ao epos (sect13 a 23) apoacutes a

invenccedilatildeo do metro sua mateacuteria (sect13) como o nome se fixa (sect14) e o elenco de seus melhores

poetas (sect15) o paraacutegrafo 16 nos informa que ldquoele [o provaacutevel autor Proclo] discorre na

medida do possiacutevel sobre a origem a paacutetria e algumas histoacuterias particulares a respeito de tais

poetasrdquo e o paraacutegrafo 17 por sua vez diz que [ele] ldquoentatildeo inicia as consideraccedilotildees sobre o

chamado ciclo eacutepicordquo e assinala seu iniacutecio no intercurso entre Ceacuteu e Terra O verbo

(dialambaacuteno) que inicia o paraacutegrafo tem o sentido forte de ldquojulgar avaliar

tomar como objeto de consideraccedilatildeordquo O verbo que inicia o paraacutegrafo seguinte (sect18)

possui o sentido metafoacuterico de abrir caminho em um texto em uma mateacuteria

em um objeto ie ldquoexaminaacute-lordquo Diz-se que ldquoele [autor] segue examinando diversas coisas

concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticasrdquo Os paraacutegrafos 20 a 23 satildeo dedicados a peculiaridades

referentes ao ciclo que no entendimento do resumidor merecem destaque a razatildeo pela qual

4 Designaccedilatildeo latina do texto que no grego vem designado como ou como Venetus A

ou Homero eacutepoca vida caracteriacutestica tiacutetulo de poemas 5 Que traduzi na ordem por ldquo(sobre) a(s) Ciacuteprias Etioacutepida Pequena Iliacuteada Saque de Iacutelio Retornos Telegoniardquo 6 Entendendo-se aqui no sentido amplo do texto uma composiccedilatildeo hexameacutetrica narrativa A discussatildeo

pormenorizada vem a seguir 7 Severyns 1977 pg 36 Grifo do autor

12

os poemas do ciclo foram preservados o nome e a paacutetria dos poetas que se ocuparam dele e

especificidades sobre a atribuiccedilatildeo e o nome das Ciacuteprias

Considerando-se que ao longo de seu texto o epiacutetome se caracteriza ou por de um

lado apenas notificar aquilo que o suposto autor diz de mais relevante sem entrar nos

detalhes de seu conteuacutedo ou de outro por pontuar informaccedilotildees bem especiacuteficas com o intuito

de daacute-las a conhecer (provavelmente como uma novidade) a seu leitor tanto os dois verbos

referidos que descrevem aquilo que ocorre no texto resumido como as vicissitudes de 20 a

23 que ressaltam especificidades julgadas pelo resumidor como relevantes a um leitor que

recorreria ao epiacutetome satildeo muito favoraacuteveis a que natildeo se ponha em duacutevida a atribuiccedilatildeo dos 14

manuscritos a Proclo ou pelo menos ao mesmo autor resumido no coacutedice 239 Ao que tudo

indica portanto os sete textos que compotildeem o Venetus A8 a julgar pela congruecircncia no que

possui em comum com os demais (que ou trazem a Vida de Homero ou essa mais o resumo

das Ciacuteprias) seriam sete excertos integrais da Crestomatia provavelmente ndash a julgar pelo

resumo ndash referentes agrave seccedilatildeo em que discutindo o epos o autor nos daria suas consideraccedilotildees

sobre quem foi Homero bem como resumos factuais acontecimento a acontecimento dos

demais poemas que compunham o chamado ciclo eacutepico

Eis a nossa obra de um lado um resumo e de outro sete outros breves textos que

pelas indicaccedilotildees nos manuscritos de Homero e pela congruecircncia de assunto brevemente

demonstrada seriam os uacutenicos excertos integrais que chegaram a noacutes De fato ambos

parecem corresponder a uma obra cujo conteuacutedo resumido ainda circulava no acircmbito das

letras bizantinas pelo menos desde algum periacuteodo um pouco anterior ao seacuteculo IX (pois pode

ser que Foacutecio teve acesso a ela integralmente) ateacute aproximadamente o seacuteculo XV seacuteculo a

que remontam os manuscritos mais recentes9 Todas as ediccedilotildees impressas portanto atribuem-

na a Proclo

12 AUTORIA E ATRIBUICcedilAtildeO

8 Nesse manuscrito o resumo das Ciacuteprias encontra-se mutilado mas pode ser reconstituiacutedo pelo manuscrito F

Neapolitanus que de acordo com Severynns derivaria de um manuscrito em comum Cf Severyns tomo III

245 ndash 52 9 A propoacutesito dos uacuteltimos manuscritos Severynns (III 317 ndash 324) identifica o Ottobonianus G e H como

derivados de um arqueacutetipo entre os quais haacute um corretor que identifica como Joatildeo Tzetzes principalmente

por especificar na denominaccedilatildeo dos resumos a atribuiccedilatildeo a ldquoProclo platocircnico Diaacutedocordquo Mesmo que se recuse a

hipoacutetese essa correccedilatildeo e a proacutepria atribuiccedilatildeo revelam natildeo soacute uma atividade filoloacutegica que se debruccedilava sobre o

texto mas a preocupaccedilatildeo em atribuir-lhe a origem precisa

13

Uma vez que todos os manuscritos da Vida e dos Resumos atribuem o texto

indubitavelmente a Proclo e apenas um preocupa-se em explicitar de que Proclo se trata

restaria saber se de fato o suposto autor do texto eacute esse explicitado pelo corretor o Proclo

de quem mais se tecircm notiacutecias e obras o chamado diaacutedokhos ou ldquosucessorrdquo assim

designado por ser o renomado disciacutepulo e sucessor de Siriano na nova escola platocircnica de

Atenas onde estudou tambeacutem com Plutarco (de Atenas) apoacutes ser disciacutepulo de Olimpiodoro o

Velho em Alexandria provavelmente onde ainda jovem obteve sua primeira formaccedilatildeo com

o gramaacutetico Oacuterion de Tebas (Egito)10 de quem adiquiriu sua formaccedilatildeo nas letras ndash se para o

estudo da filosofia sua filiaccedilatildeo aos referidos filoacutesofos eacute fundamental para o estudo da obra

aqui abordada sua filiaccedilatildeo a esse gramaacutetico egiacutepicio seja talvez determinante como logo se

discutiraacute Foi no seacuteculo V dC um dos principais nomes do que denominamos

neoplatonismo e hoje eacute conhecido principalmente por seus comentaacuterios a Platatildeo Nosso

principal testemunho aqui a respeito desse Proclo eacute o Suda Diz-nos dele o Liacutecio (pois era

originaacuterio da Liacutecia) que para aleacutem de seus trabalhos filosoacuteficos escreveu muitas obras de

filosofia e gramaacutetica e aiacute nesse mesmo passo ldquoum comentaacuterio agrave obra de Homero um

comentaacuterio aos Trabalhos e Dias de Hesiacuteodo e trecircs livros sobre crestomatiardquo que se

entendermos como o tiacutetulo levaraacute agrave grafia ldquoSobre Crestomatiardquo Talvez fosse essa a obra que

nos permitiria identificar Proclo o Sucessor ou o Liacutecio como o autor do texto que

conhecemos pelo epiacutetome fociano Eacute necessaacuterio ressaltar que neste caso como natildeo eacute possiacutevel

fazer mais do que conjeturar o que se faraacute aqui eacute julgar a verossimilhanccedila das hipoacuteteses

Primeiro se deve julgar se eacute possiacutevel identificar essa obra de que o Suda fala agrave obra

resumida na Biblioteca Eacute de se crer que sim pelos seguintes motivos dos quais o primeiro eacute

cronoloacutegico a Biblioteca em que se encontra o epiacutetome foi composta seguramente no seacuteculo

IX no profiacutecuo contexto da atividade copista bizantina (a julgar pelo que se diz na sua

dedicatoacuteria preparada durante a viagem agrave corte dos Abaacutessidas em Bagdaacute e enviada ao irmatildeo

de Foacutecio que natildeo pudera ir e ficara em Constantinopla) o mesmo contexto do qual floresce o

Suda aproximadamente um seacuteculo depois Temos portanto coerecircncia temporal e regional

entre o epiacutetome da Biblioteca de Foacutecio e o leacutexico Em segundo lugar o Suda nos descreve um

neoplatocircnico que (falando de acordo com nossos termos) teria se dedicado natildeo soacute agrave filosofia

embora principalmente mas tambeacutem agrave ldquocriacutetica literaacuteriardquo ou filoloacutegica aqui designada

simplesmente por ldquogramaacuteticardquo (questatildeo terminoloacutegica que logo seraacute abordada) Que isso fosse

10 Ateacute pelo nome da conhecida constelaccedilatildeo julgou-se esse nome consagrado demais para ser vertido segundo o

criteacuterio aqui adotado para outros semelhantes (Oriatildeo) Vale mencionar que foi autor de um Leacutexico que foi

aproveitado por outros duas valiosas obras semelhantes a saber o Etymologicum Gudianum e o Etymologicum

Magnum

14

verdade pelo menos os exemplos parecem confirmaacute-lo uma vez que as obras arroladas

pertencem ou a esta ou agravequela aacuterea do saber antigo duas no entanto configuram um caso

particular por confirmarem que essa distinccedilatildeo de abordagem realmente ocorria Eacute possiacutevel

vislumbrar certo agrupamento temaacutetico parece que estas trecircs primeiras obras elencadas

referem-se agrave atividade filoloacutegica enquanto as que vecircm depois agrave atividade filosoacutefica

[] ἔγραψε πάνυ πολλά φιλόσοφά τε καὶ γραμματικά ὑπόμνημα εἰς

ὅλον τὸν Ὅμηρον ὑπόμνημα εἰς τὰ Ἡσιόδου Ἔργα καὶ Ἡμέρας Περὶ

χρηστομαθείας βιβλία γacute Περὶ ἀγωγῆς βacute Εἰς τὴν πολιτείαν

Πλάτωνος βιβλία δacute Εἰς τὴν Ὀρφέως Θεολογίαν Συμφωνίαν

Ὀρφέως Πυθαγόρου Πλάτωνος περὶ τὰ Λόγια βιβλία ιacute Περὶ τῶν

παρ Ὁμήρῳ θεῶν Ἐπιχειρήματα κατὰ Χριστιανῶν ιηacute

[] Escreveu diversas obras tanto de filosofia como de gramaacutetica Um

comentaacuterio a todo Homero comentaacuterio aos Trabalhos e Dias de

Hesiacuteodo Acerca de Crestomatia em 3 livros Acerca de Educaccedilatildeo em

2 Sobre a Repuacuteblica de Platatildeo em 4 livros Sobre a Teologia de

Orfeu Consonacircncia de Orfeu Pitaacutegoras Platatildeo acerca dos Oraacuteculos

em 10 livros Sobre os Deuses em Homero 18 Contraprovas aos

Cristatildeos

(Suda 2473 4 ndash 10 traduccedilatildeo e grifos do autor)

De todas essas a recorrecircncia de Homero entre umas e outras parece confirmar mesmo

que neste verbete as obras estatildeo elencadas pela aacuterea a que pertenciam e mais ainda que uma

delas se designa ldquogramaacuteticardquo O suposto argumento de ambas parece tambeacutem confirmar esta

hipoacutetese laacute entre aquelas um comentaacuterio a todo Homero sem uma especificaccedilatildeo do que eacute

abordado o que nos faz pensar em um comentaacuterio a seu texto de forma geral aqui entre as

obras filosoacuteficas um assunto concernente agrave filosofia e ao platonismo a interpretaccedilatildeo da

figuraccedilatildeo dos deuses na obra do poeta

Isso natildeo prova que de fato a obra eacute do Proclo neoplatocircnico mas pelo menos confirma

que sendo posterior o Suda na situaccedilatildeo meramente hipoteacutetica de natildeo possuir nenhuma

referecircncia natildeo vecirc incongruecircncia alguma em atribuir a ele uma Crestomatia que poderia ser

sobre gramaacutetica O Suda pode inclusive ter se fiado agrave mesma tradiccedilatildeo que para Foacutecio jaacute

atribuiacutea a obra ao Proclo platocircnico ou entatildeo como natildeo haacute nenhuma especificaccedilatildeo da parte de

Foacutecio sobre quem seria esse Proclo ter assumido como perfeitamente aceitaacutevel e plausiacutevel na

hipoacutetese extrema de ter como uacutenica fonte a mesma tradiccedilatildeo de Foacutecio ou mais extrema ainda

o proacuteprio epiacutetome que essa ldquocrestomatiardquo versando sobre gramaacutetica fosse de Proclo sem ver

erro nisso ie em atribuir ao filoacutesofo platocircnico uma obra tratando das letras O que de fato

15

parece-nos bem razoaacutevel nesta perspectiva eacute que primeiro natildeo haveria nada de estranho em

atribuir certa crestomatia ao Proclo platocircnico e segundo que essa versava sobre gramaacutetica a

julgar pela aparente divisatildeo em grupos de que o Suda nos fala Mas ainda sobre o primeiro

aspecto natildeo haacute por que duvidar de que o Suda se paute numa tradiccedilatildeo consolidada e

verossiacutemil de atribuiccedilatildeo desse texto a Proclo No seu verbete eacutelegos o Etymologicum

Magnum traz ldquoltἜλεγοςgt Ἐκ τοῦ περὶ Χρηστομαθίας Πρόκλουrdquo ou seja alude a uma obra

de Proclo exatamente da mesma maneira que o verbete do Suda referindo-a como

Crestomatia junto da preposiccedilatildeo ldquoperiacuterdquo nomeando pelo substantivo portanto o conteuacutedo

geral que identificava esse texto no periacuteodo A alusatildeo feita pelo leacutexico portanto

considerando-se que ele eacute apenas um pouco posterior ao Suda sugere que este provavelmente

se insere em um ramo da atividade filoloacutegica bizantina que no mais tardar depois de Foacutecio

identifica sim a Crestomatia em textos de ensejo semelhante como sendo do Proclo Liacutecio ou

Diaacutedoco a congruecircncia formal entre as duas passagens contendo ainda que soacute a mesma

preposiccedilatildeo aleacutem do nome contribui para essa associaccedilatildeo principalmente porque como se

disse os dois textos satildeo praticamente contemporacircneos e pertencem ao mesmo ciacuterculo

filoloacutegico

Natildeo agrave toa o Etymologicum Magnum para explicar o que eacute ldquoeacutelegosrdquo citaraacute o texto que

diz ser de Proclo mas o faraacute praticamente como se encontra no coacutedice da Biblioteca salvo

pela ordem

[]Ὁ μέντοι ἐπικὸς κύκλος ἄρχεται μὲν ἐκ τῆς μυθολογουμένης

Οὐρανοῦ καὶ Γῆς μίξεως ἀφ ἧς Ἑκατοντάχειρες γίνονται

Καὶ ἑξῆς

Διαπορεύεται δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι μυθολογούμενα

καὶ εἴ που τι καὶ πρὸς ἱστορίαν ἐξαληθίζεται Περατοῦται δὲ ἐξ

διαφόρων ποιητῶν συμπληρούμενος μέχρι Ὀδυσσέως ὧν καὶ

ὀνόματα καὶ πατρίδας φησὶν ὁ αὐτός Σπουδάζεσθαι δὲ τὰ ἐπικοῦ

κύκλου τὰ ποιήματα οὐχ οὕτω διὰ τὴν ἀρετὴν ὡς διὰ τὴν ἀκολουθίαν

τῶν ἐν αὐτῷ πραγμάτων Τὴν δὲ ἐλεγείαν συγκεῖσθαι μὲν ἐξ ἡρῴου

καὶ πενταμέτρου στίχου ἁρμόζειν δὲ τοῖς κατοιχομένοις καὶ

εὐλογεῖσθαι μὲν ὑπ αὐτοῦ τούτους οἱ μέντοι μεταγενέστεροι ἐπὶ

διαφόροις ὑποθέσεσιν αὐτῷ ἀπεχρήσαντο Τὸ δὲ ἔπος πρῶτον μὲν

ἐφεῦρε Φιμονόη ἡ Ἀπόλλωνος προφῆτις ἑξαμέτροις χρησμοῖς

[χρησαμένη] Οἷς ἐπεὶ τὰ πράγματα εἵπετο ἔπος τὸ ἐκ μέτρων

ἐκαλεῖτο ἢ διὰ τὴν κατασκευὴν καὶ τὴν ἄγαι ὑπεροχὴν τὴν ἐν τοῖς

ἑξαμέτροις θεωρουμένην τὸ κοινὸν ὄνομα παντὸς λόγου τὸ

16

ἑξάμετρον ἰδιώσατο καθάπερ Ὅμηρον τὸν ποιητὴν καὶ Δημοσθένην

τὸν ῥήτορα ἐπεὶ καὶ τὰ τρίμετρα ἔπη προσηγόρευσαν

(Etymologicum Magnum 32740 ndash 3283)

ldquo lsquoO ciclo eacutepico se inicia do intercurso mitoloacutegico entre Ceacuteu e Terra a

partir do qual geram centiacutemanosrsquo

E em senguida

Passa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre

os deuses dos gregos e diz o que inclusive pode ateacute certo ponto ser

verdade em referecircncia agrave histoacuteria Fecha-se sendo completo por

diferentes poetas ateacute de Odisseu Desses ele fala o nome e a paacutetria

Tambeacutem [fala] que os poemas do ciclo eacutepico tecircm recebido atenccedilatildeo

natildeo tanto por sua virtude quanto pela sequecircncia das accedilotildees nele

contidas Que agrave elegia se compotildee de um verso heroacuteico e um

pentacircmetro acomoda-se aos que jaacute partiram e esses eram elogiados

por ele Os poacutesteros usaram-no amplamente para diferentes

argumentos Quem primeiro descobriu o epos foi Femocircnoe a

profetiza de Apolo profetizando oraacuteculos em hexacircmetros A eles

seguiram-se os feitos e ldquoeposrdquo era chamada qualquer composiccedilatildeo no

metro ou pela elaboraccedilatildeo e pela ampla superioridade observada nos

hexacircmetros o hexacircmetro apropriou-se do nome comum de ldquopalavrardquo

[epos] bem como Homero tornou sua a alcunha ldquoo poetardquo e

Demoacutestenes ldquoo oradorrdquo uma vez que alguns tambeacutem denominavam

ldquoeacuteperdquo [falares plura de ldquoeposrdquo] as composiccedilotildees em triacutemetrosrsquordquo

(Traduccedilatildeo e acreacutescimos do autor)

Salvo pela ordem deveras estranha ndash afinal aquilo que o verbete pretende definir

ocorre no excerto muito curto referente agrave definiccedilatildeo de elegia e ainda em meio a inuacutemeros

trechos referentes agrave poesia eacutepica ndash pode-se observar que primeiro o Etymologicum julgou

prudente para definir eacutelegos simplesmente citar uma obra que julgava autorizada para definir

tal palavra apresentando sua seccedilatildeo sobre a elegia e seu antigo uso em contexto fuacutenebre e a

atribuiu a Proclo segundo natildeo soacute essa seccedilatildeo mas os demais trechos trazem as mesmas

palavras do coacutedice de Foacutecio salvas algumas supressotildees e diferenccedilas de escolha Ao que tudo

indica para citar a obra que explicava como se achava devido o significado autorizado da

palavra em questatildeo o autor recorreu ao que sabia sobre ela Comparando esse excerto com o

epiacutetome de Foacutecio pode-se conjecturar que ou o compilador recorreu na confecccedilatildeo do

verbete a um manuscrito outro que continha assim essas informaccedilotildees ou copiou trechos

resumida e aleatoriamente ou ndash ainda uma terceira e mais plausiacutevel opccedilatildeo ndash cita de cabeccedila as

referidas partes da obra que conhece como Crestomatia e adota trecircs procedimentos que

parecem observaacuteveis surprime palavras e topicaliza mais o texto emprega sinocircnimos mas

manteacutem os termos e nomes fundamentais cita as outras passagens do contexto em que a

17

desejada se encontrava Estariam as informaccedilotildees citadas sobre a elegia no meio da seccedilatildeo

sobre epos porque uma vez abordada o vasto leque temaacutetico da eacutepica tratava-se do metro

havendo aiacute uma diferenciaccedilatildeo jaacute que elegia e epos considerados metricamente tecircm em

comum o hexacircmetro que eacute isolado ao fim do excerto Seria essa configuraccedilatildeo pensada pelo

compilador e arranjada para a confecccedilatildeo do verbete em questatildeo Ainda que natildeo haja resposta

a somatoacuteria de textos aponta para o fato de que para esse mesmo ramo de lexicoacutegrafos da

Biblioteca do Suda e do Etymologicum Magnum a Crestomatia em questatildeo fora

confeccionada por Proclo Diaacutedoco ou Liacutecio

Ainda dessa perspectiva parece que o uacutenico outro Proclo dentre aqueles de que temos

notiacutecias ao qual parece verossiacutemil atribuir a Crestomatia seria um que natildeo eacute mencionado

entre os constantes no Suda Eutiacutequio Proclo professor de Marco Aureacutelio gramaacutetico do

seacuteculo II dC Eacute igualmente verossiacutemil tambeacutem pela dataccedilatildeo que seja esse o autor A

associaccedilatildeo do texto agrave tradiccedilatildeo filoloacutegica alexandrina eacute reconhecidamente assumida por

diferentes autores que se debruccedilaram sobre o epiacutetome fociano11 seja por seu amplo conteuacutedo

mitoloacutegico e etioloacutegico presente nas etimologias explicativas dos gecircneros seja pelo proacuteprio

conceito de gramaacutetica em que parece se pautar12 Como se sabe a erudiccedilatildeo alexandrina tem

vasta influecircncia na educaccedilatildeo romana desde a eacutepoca dita claacutessica Natildeo seria de se espantar

pois que tal crestomatia fosse um escrito desse provaacutevel professor de Marco Aureacutelio

ensinando sobre letras em geral e os muitos gecircneros poeacuteticos dos gregos ainda mais se

julgarmos que o texto teria um fim didaacutetico

Haacute que se avaliar entatildeo qual dessas duas hipoacuteteses parece mais verossiacutemil e se natildeo

haacute indiacutecios suficientes para confirmar a primeira parece haver menos para desacreditaacute-la

salvo se julgue radical e absurdamente que como filoacutesofo platocircnico o Proclo do seacutec V natildeo se

ateria agrave poesia e agrave atividade filoloacutegica de que a Crestomatia eacute um testemunho Contudo a natildeo

ser que o Suda esteja profundamente equivocado vemos que como comentador alguma

parcela da atividade do diaacutedochos lidava sem contradiccedilatildeo alguma com isso que designamos

criacutetica filoloacutegica ou literaacuteria

Nesse sentido a filiaccedilatildeo de Proclo a Oacuterion como um de seus professores seria um

argumento determinante primeiro porque o longo cataacutelogo de espeacutecies liacutericas do epiacutetome

11 Sejam os dois principais editores e comentadores do texto ie Severyns e Ferrante sejam quantos percebem a

indissociaacutevel apropriaccedilatildeo da categorizaccedilatildeo aventada pelo gramaacutetico alexandrino Diacutedimo de Calcentero 12 Conceito no qual o gramaacutetico jaacute natildeo era apenas aquele que ensinava as letras mas sim o especialista em tudo

quanto agraves tangenciava inclusive os instrumentos e doutrinas de retoacuterica e poeacutetica com os quais os antigos faziam

o que hoje diriacuteamos ldquocriacutetica literaacuteriardquo Tal discussatildeo ainda ocuparaacute boa parte de nosso trabalho (134 paacuteg 38)

18

traz em mais de uma passagem similaridades com o Leacutexico do gramaacutetico13 segundo porque

como se sabe tal obra seraacute aproveitada pela profiacutecua atividade lexicograacutefica bizantina dos

seacuteculos posteriores e natildeo eacute nada infundado supor que o proacuteprio Proclo apoia-se nas liccedilotildees do

professor (e esse provavelmente toma por base a obra de Diacutedimo) A julgar pelas

similaridades tal transmissatildeo natildeo eacute absurda e nesse caso o Proclo de quem falamos soacute pode

ser o diaacutedoco

A dificuldade de identificaccedilatildeo resta pois inevitavelmente atrelada ao que seria o

nome dessa obra que se identifica com o resumo de Foacutecio tatildeo somente por uma palavra

levando-nos ao problema mesmo de definir seu conteuacutedo pois se nos fosse perfeitamente

possiacutevel circunscrevecirc-lo obtendo um vislumbre mais amplo dos assuntos do texto seria

possiacutevel caracterizaacute-lo melhor e daiacute compreendendo em que consistiria essa crestomatia

reconsiderar a atribuiccedilatildeo

Inevitavelmente nessa linha de raciociacutenio haacute que se considerar tambeacutem qual

ldquogramaacuteticardquo eacute essa de que falam os testemunhos mais especificamente que noccedilatildeo de

gramaacutetica eacute essa

13 O NOME E A OBRA

131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio

O problema mais imediato referente agrave leitura do texto resumido estaacute logo em sua

primeira linha a ordem das palavras e o arranjo sintaacutetico criam dificuldades para determinar o

quecirc exatamente foi primeiro lido e depois resumido por Foacutecio

Praticamente todos os epiacutetomes de sua Biblioteca se iniciam pela forma

(anegnoacutesthe) que eacute formular nessa obra e se refere mais amplamente natildeo soacute ao que foi lido

mas ao fato de que se realizou mais uma das sessotildees (ou seacuterie de sessotildees) de leituras do

ciacuterculo de letrados em torno do entatildeo embaixador Foacutecio na qual seu irmatildeo Taraacutesio natildeo podia

estar presente por ter ficado em Constantinopla Como se sabe pela dedicatoacuteria mesma da

Biblioteca (Bekker 1824 ndash 25) essa eacute a motivaccedilatildeo primeira para a escrita da extensa obra

13 Cf Traduccedilatildeo n 54 paacuteg 116 e n 56 57 e 58 paacuteg 117

19

tomar nota dos textos que foram tratados e de diferentes coisas relativas a eles Eacute pela referida

forma verbal aliaacutes que se pode identificar quando acaba um resumo e inicia-se outro

A Biblioteca de Foacutecio portanto consiste de diferentes ndash antes de dizermos resumos ndash

notas ou anotaccedilotildees referenciais do que era objeto das sessotildees de leituras Assim eacute que certas

palavras como eacute o caso de eklogaiacute (ldquocoletacircnea extratos excertosrdquo) que figura na introduccedilatildeo

do resumo do coacutedice 239 na liccedilatildeo aqui adotada de Severyns ldquoἈνεγνώσθη ἐκ τοῦ

ἐπιγραφομένου βιβλίου Πρόκλου χρηστομαθείας γραμματικῆς ἐκλογαίrdquo geram dificuldades

de interpretaccedilatildeo por natildeo permitirem estabelecer com exatidatildeo a que etapa se referem de todo

esse processo que resulta na confecccedilatildeo da Biblioteca se por vezes o termo parece

claramente se referir a um livro que foi tido em matildeos e era ele mesmo uma coletacircnea

excertos coligidos por outras parece que o mesmo termo se refere a uma coletacircnea de textos

ou de grupos de textos mais longos feita pelo proacuteprio grupo senatildeo por Foacutecio ele mesmo

Exemplo bem evidente do primeiro caso eacute o epiacutetome de Estobeu cuja obra eacute

conhecidamente uma coletacircnea assim mesmo nomeada ao longo dos seacuteculos

ldquo[1]14 Ἀνεγνώσθη ltἸωάννου Στοβαίουgt ἐκλογῶν ἀποφθεγμάτων ὑποθηκῶν βιβλία

τέσσαρα ἐν τεύχεσι δυσίrdquo

ldquoLeram-se dos excertos ditos notaacuteveis e conselhos de Joanes Estobeu quatro livros em

dois volumesrdquo

(Foacutecio op cit 167 112a 14 ndash 16 traduccedilatildeo e grifo do autor)

A maior literalidade visada nesta traduccedilatildeo busca nos introduzir a uma das formas

padrotildees de se apresentar os resumos das leituras ao longo da Biblioteca Neste caso a

traduccedilatildeo ao peacute da letra ndash por assim dizer ndash da forma verbal que encabeccedila os epiacutetomes (ldquoleram-

serdquo) eacute simples e imediatamente aceitaacutevel porque ao fim de tudo haacute um nominativo neutro

plural (bibliacutea) que clara e gramaticalmente concorda com a forma verbal de que eacute sujeito O

que se leu aqui foram os ldquoquatro livros em dois tomosrdquo que vecircm definidos pelos genitivos de

conteuacutedo que os precedem que vecircm por sua vez precedidos pelo genitivo de posse ou

origem designando quem apontariacuteamos como autor Aqui portanto a sintaxe natildeo exige para

que se natildeo trunque o portuguecircs um arranjo outro para a forma verbal como o que se adotou

logo agrave primeira linha da traduccedilatildeo do coacutedice 239 (v Traduccedilatildeo paacuteg 109 e nota 1 agrave mesma) A

proacutepria obra de Estobeu eacute conhecida por ser um exemplo de eklogeacute eklogaiacute que se fazia na

14 Numeram-se aqui as introduccedilotildees dos coacutedices citados a fim de se poder citaacute-los como exemplos de construccedilotildees

gramaticais

20

antiguidade ie excertos coligidos de diferentes autores visando agrave reuniatildeo de um saber ou

no caso de Estobeu saberes

No geral a forma verbal concorda com alguma palavra singular geralmente

designando que tipo de obra se leu o gecircnero do escrito uma ldquohistoacuteriardquo ie uma obra

historiograacutefica (as quais sobejam na Biblioteca) uma epiacutestola um discurso etc Exemplos

ldquo[2] Ἀνεγνώσθη ltΒασιλείου Κίλικοςgt ἐκκλησιαςτικὴ ἱστορίαrdquo

ldquoLeu-se histoacuteria eclesiaacutestica de Basiacutelio Ciliacuteciordquo

(Idem 42 9a 21)

ldquo[3] Ἀνεγνώσθη τοῦ ἁγίου ltΜαξίμουgt λόγος ἀσκητικός εἰς πεῦσιν ἐσχηματισμένος

καὶ ἀπόκρισινrdquo

ldquoLeu-se de Santo Maacuteximo um discurso asceacutetico15 esquematizado em pergunta e

respostardquo

(Idem 193 157b 33 ndash 34)

[4] Ἀνεγνώσθη τοῦ αὐτοῦ ἁγίου ἀνδρὸς πρὸς Γεώργιον ἔπαρχον ἐπιστολήrdquo

ldquoLeu-se do mesmo santo homem uma carta ao prefeito Geoacutergiordquo

(Idem 194 158a 13 ndash 14)

Agraves vezes se nomeia a obra por sua finalidade ou destinaccedilatildeo (e geralmente aiacute se tem

preposiccedilatildeo)

ldquo[5] Ἀνεγνώσθη ltΓρηγορίου Νύσσηςgt ὁμοίως ὑπὲρ Βασιλείου κατὰ Εὐνομίουrdquo

ldquoLeu-se de Gregoacuterio de Nisa igualmente por Basiacutelio contra Eunocircmiordquo

(Idem 6 3b 17 ndash 18)

Em outras palavras um texto apologeacutetico em favor das opiniotildees de Basiacutelio contra Eunocircmio

Contudo por vezes lecirc-se

ldquo[6] Ἀνεγνώσθη ltΘεοπόμπουgt λόγοι ἱστορικοί

rdquo

(Idem 176 120a 6 ndash 7)

15 Asceacutetico de treino preparatoacuterio

21

O nominativo natildeo concorda gramaticalmente com a forma verbal embora como em

todas as linhas introdutoacuterias de um novo resumo apoacutes o verbo haja sempre o genitivo (ora

com preposiccedilatildeo) que nomeia a origem do que se lecirc geralmente a pessoa a quem se atribui o

objeto da leitura Natildeo se diraacute aqui autor porque nosso problema eacute justamente esse Da

traduccedilatildeo literal ndash ldquoleram-se16 de Teopompo discursos [ou arrazoados] histoacutericos De seus

discursos histoacutericos 53 satildeo os preservadosrdquo ndash chama-nos a atenccedilatildeo aqui o segundo periacuteodo

O que se pode inferir (bem como de outras muitas passagens semelhantes) eacute que as sessotildees do

ciacuterculo de Foacutecio em algum momento dedicaram-se agrave leitura do provaacutevel historiador do

seacuteculo IV AC de quem a julgar pelo conteuacutedo do coacutedice (uma avaliaccedilatildeo geral sobre sua

cronologia temas e escritos vida e estilo do autor) 53 peccedilas estiveram em matildeos de Foacutecio e

seus circunstantes e foram objeto de suas leituras Essa passagem nos aproxima daquilo que

provavelmente era o material da Biblioteca como eacute de se esperar o que o grupo tinha em

matildeos eram manuscritos diversos em diversos rolos (tomos) Essa imagem aproximada torna-

se mais viacutevida nas passagens em que haacute uma preocupaccedilatildeo maior em se notificarem as fontes

do que se lecirc como por exemplo nos coacutedices de 172 a 174 dedicados agraves leituras de obras de

Joatildeo Crisoacutestomo

ldquo[7] Ἀνεγνώσθη τοῦ ltΧρυσοστόμουgt ὁμιλίαι εἰς τὴν γένεσιν ξʹ καὶ μία ἐν τεύχεσι

τρισίν ὧν τὸ μὲν πρῶτον ὁμιλίας περιεῖχεν κʹ τὸ δεύτερον δὲ δεκα έξ τὸ τρίτον κεʹrdquo

ldquoLeram-se de Crisoacutestomo 61 homilias agrave Criaccedilatildeo em trecircs rolos [ou volumes tomos]

dos quais o primeiro compreendia 20 o segundo dezesseis o terceiro 25rdquo

(Idem 172 118b 15 ndash 18)

Em se tratando natildeo apenas de um anuacutencio do que se lecirc mas de uma descriccedilatildeo do

objeto a interpretaccedilatildeo mais plausiacutevel para a falta de concordacircncia entre o nominativo e a

forma verbal no grego eacute a de que se trata do ldquotiacutetulordquo natildeo da obra entendida como noacutes

modernos concebemos nossa relaccedilatildeo com os produtos do mercado editorial todos

(teoricamente) individualizados por uma designaccedilatildeo particular (e ldquoparticularizanterdquo) mas

funcionalmente como aquilo que o copista inscreve no topo do manuscrito para nomeaacute-lo e

permitir a identificaccedilatildeo descritiva do objeto um cabeccedilalho Da mesma forma deveriacuteamos

considerar quando dizemos ldquoobrardquo que tambeacutem natildeo se trata de tal como concebemos hoje

16 Marcar-se-atildeo assim as traduccedilotildees de anegnoacutesthe justamente porque se discutiraacute sua adequaccedilatildeo a como se leem

e interpretam suas ocorrecircncias nas diferentes passagens

22

mas do texto o manuscrito que o copista tem em matildeos e esse eacute como o grego os nomeia

ldquologosrdquo um discurso

Assim se observa no texto grego da biblioteca aquilo que na tipografia moderna

indicariacuteamos de diferentes maneiras maiuacutesculas itaacutelico aspas etc o que jaacute implica mesmo

que inconscientemente uma forma outra de conceber o objeto Retomando nosso uacuteltimo

exemplo deveriacuteamos pensar que mesmo pertencentes ao domiacutenio comum dos disciacutepulos de

Foacutecio futuro patriarca da igreja do oriente e mesmo sendo renomados nesse contexto da

religiatildeo ortodoxa abertos os rolos estava-se diante de ldquo61 homilias de Crisoacutestomordquo e natildeo drsquo

ldquoAs Sessenta e Uma [ou quantas sejam] Homilias de Joatildeo Crisoacutestomordquo

Nossa dificuldade entatildeo retomando a palavra que observamos tambeacutem no epiacutetome de

Estobeu torna-se precisar o significado de eklogaiacute nesses diferentes contextos Observemos

por exemplo o que ocorre no coacutedice 273 em que a construccedilatildeo logo apoacutes o verbo assemelha-

se agravequela da introduccedilatildeo da Crestomatia

(8) ldquoἈνεγνώσθη ἐκ τῶν τοῦ μακαρίου ltΘεοδωρήτουgt λόγων οὓς εἰς τὸν ἐν ἁγίοις

Ἰωάννην τὸν Χρυσόστομον συνετάξατο ὧν ἡμεῖς πέντε τέως εἴδομεν ἐξ ὧν καί τινας

ἐκλογὰς τὰς ὑποτεταγμένας παρεγραψάμεθαrdquo

(Idem 273 507b 15 ndash 18)

Partindo para uma traduccedilatildeo literal o quanto possiacutevel ldquoLeu-se [fez-se leitura] a partir

dos discursos [ou arrazoados] do abenccediloado Teodoreto (que compilou sobre a santidade de

Joatildeo Crisoacutestomo) dos quais estudamos cinco ateacute entatildeo e a partir dos quais copiamos alguns

excertos abaixo arroladosrdquo ndash considere-se que paregrapsaacutemetha ldquocopiamosrdquo indica o

proacuteprio ato de ldquoescrever ao ladordquo copiando em outro manuscrito trechos selecionados a

partir do manuscrito que primeiramente se leu Chama a atenccedilatildeo o fato de que a primeira

oraccedilatildeo natildeo precisa de um nominativo Essa construccedilatildeo da forma passiva mais a preposiccedilatildeo ek

eacute diferentemente entendida e explicada pelos editores do coacutedice 239 todos editores ateacute

Severyns mesmo natildeo adotando-a propotildeem que o ideal seria a correccedilatildeo para o plural (Cf

Severyns op cit I 173) Esse rejeita imediatamente a hipoacutetese pois que natildeo consta em

nenhum manuscrito De fato natildeo se trata do coacutedice 239 julgado por si apenas mas como um

coacutedice da Biblioteca Explica a forma poreacutem tatildeo somente como um uso da linguagem de

Foacutecio advindo da repeticcedilatildeo17 Ferrante (1957 paacuteg 1) adota a liccedilatildeo de Severyns explica qual

17 ldquoSupposeacute mecircme que fucirct le sujet grammatical le pluriel du verbe ne serait pas encore de rigueur dans

la langue de Photius Car aacute force drsquoecirctre reacutepeacuteteacute devient chez lui une espegravece de mot invariable et

mecircme degraves les premiegraveres pages de la Bibliothegraveque on trouve des expressions comme cellescirdquo Entatildeo Severyns

23

a leitura gramatical que se deve fazer da frase e diz da forma verbal que ldquotem valor

impessoalrdquo o que eacute uma parte do proposto aqui ldquoformularrdquo18 Nenhum autor faz menccedilatildeo

discutindo esta construccedilatildeo agraves ocorrecircncias da terceira pessoa do plural na introduccedilatildeo de alguns

coacutedices ocorrecircncias essas que parecem muito bem justificadas A terceira pessoa do plural

aparece nos coacutedices 192B 216 260 261 e 269 por razatildeo que jaacute se deduz na passagem da

primeira para a segunda parte de 192 O coacutedice 192A refere-se ao livro de Santo Maacuteximo a

Taraacutessio contendo 164 resoluccedilotildees de questionamentos Observemos o que descreve o coacutedice

192B

ldquo[9] Ἔτι ἀνεγνώσθησαν αὐτοῦ καὶ ἐπιστολαὶ περὶ διαφόρων ὑποθέσεων ψυχωφελῶν

τε καὶ ἀναγκαίων τοῖς ὀρθοῦν τε τὰ ἤθη καὶ τὸν νοῦν ἐγρηγορότα συντηρεῖν πρὸς τὴν

εὐσέβειαν ἐσπουδακόσι τὸν ἀριθμὸν ζʹ καὶ κʹrdquo

ldquoAinda dele tambeacutem se leram epiacutestolas acerca de diferentes argumentos espirituais

necessaacuterios aos que estatildeo empenhados tanto em corrigir os costumes como preservar a mente

desperta agrave piedade 27 quanto ao nuacutemerordquo

(192b 157a 11 ndash 14)

Em princiacutepio poder-se-ia pensar que a forma verbal estaacute no plural para concordar com

o nominativo plural epistolaiacute mas consoante ao observado isso seria uma exceccedilatildeo em uma

obra de 280 coacutedices a todas as ocorrecircncias anteriores do tipo dos exemplos 6 e 7 acima

citados em que essa concordacircncia natildeo ocorre Diversos elementos aqui podem nos ajudar a

formular uma hipoacutetese para a variaccedilatildeo da forma hipoacutetese que parece se confirmar nos demais

coacutedices que trazem o plural e oferecem menos indiacutecios agrave conjectura

Observem-se as formas eacuteti e kaiacute da primeira oraccedilatildeo Referem-se ao coacutedice anterior

192A dedicado a resumir uma obra que parece bem extensa Nesta divisatildeo B do mesmo

coacutedice informa-se que se continuou lendo o mesmo autor mas natildeo uma obra completa ie

natildeo apenas uma uacutenica obra dele Fez-se uma seleccedilatildeo do que seria objeto da leitura

especificado apenas no fim pelo acusativo de relaccedilatildeo tograven arithmograven zacute kaigrave kacute Pode-se imaginar

que Foacutecio provavelmente quem determinava o que se leria ou natildeo aquilo que estaria

circunscrito a esta ou agravequela seccedilatildeo (ie na hipoacutetese de diferentes matildeos escrevendo ou

revezando-se em escrever as anotaccedilotildees que comporiam a Biblioteca) ou pelo menos quem

exercia a funccedilatildeo de organizar as sessotildees julgou prudente complementar este coacutedice dedicado

a Satildeo Maacuteximo com 27 epiacutestolas que natildeo eram elas mesmas se todas copiadas num mesmo

arrola coacutedices cuja construccedilatildeo eacute condizente com as dos exemplos 6 e 7 aqui ie verbo + genitivo + nom plural

(Severyns op cit I p 173) 18 Cf nota 1 agrave Traduccedilatildeo paacuteg 109

24

manuscrito ou coacutedice um conjunto intitulado pela palavra (no nominativo pois se trataria do

tiacutetulo) epistolaiacute Como se observa pela descriccedilatildeo mesma as epiacutestolas se unem pelo conteuacutedo

e aqui sim satildeo reunidas em um mesmo coacutedice ou parte de um (192B) que se soma agrave

primeira metade de 192 e o complementa O que se faz aqui no sentido menos teacutecnico da

palavra principalmente porque ela natildeo aparece natildeo deixa de ser uma eklogeacute no sentido de

uma reuniatildeo uma seleccedilatildeo como testemunhada no exemplo 8 acima referente ao coacutedice 273

Neste caso de fato a forma verbal deve concordar no plural com ldquoepiacutestolasrdquo porque sim natildeo

constitui um ldquotiacutetulordquo como anteriormente entendido nos casos acima estudados natildeo eacute a

palavra ou parte do conjunto de palavras que nomeia o manuscrito ou manuscritos objetos das

sessotildees de leitura mas sim o substantivo comum e forccedila a concordacircncia da forma que surge

em cinco dos 280 coacutedices

Isso nos leva a uma hipoacutetese para explicar as diferenccedilas de emprego o singular vai

com os ldquotiacutetulosrdquo por assim dizer enquanto o plural distingue documentos textos separados

agora reunidos em uma mesma ediccedilatildeo ie especifica partes diacutespares ou conjuntos delas que

estatildeo sendo lidos e que pelo menos no material de que os letrados junto a Foacutecio dispunham

provavelmente natildeo se encontravam reunidos sob um mesmo tiacutetulo ou mais propriamente

intitulaccedilatildeo para consoar com o que se defende aqui Isso se exemplifica pelas outras quatro

ocorrecircncias do plural nos coacutedices 216 260 261 e 269 A forma plural serve tanto para indicar

que diferentes textos estatildeo resumidos num mesmo coacutedice como no caso de 192B19 como

para indicar que os proacuteximos coacutedices na sequecircncia satildeo uma seleccedilatildeo de diferentes textos que

estatildeo agora sendo agrupados concomitantemente agraves sessotildees e agrave confecccedilatildeo da Biblioteca

Em resumo a forma ldquo rdquo referir-se-ia a uma ldquocoletacircneardquo de leituras ie

agrave leitura de ldquofontesrdquo filoloacutegicas ou de objetos filoloacutegicos diferentes concorda portanto com

diferentes nomeaccedilotildees de manuscritos

Eacute impressionante como essas formas gramaticais acabam por testemunhar na verdade

numerosa atividade filoloacutegica Assim eacute que o iniacutecio do coacutedice 216 notifica-nos a leitura

(anegnoacutesthesan) de dois grupos de textos (a forma plural concordando com o sujeito

composto portanto) ldquo4 livros que compreendem A Ciecircncia Meacutedica [provavelmente a

intitulaccedilatildeo] estabelecida por Oribaacutesio e ainda outros 7 [sc de Ciecircncia Meacutedica] do mesmo

homem e publicada sobre [em relaccedilatildeo a]o mesmo modelordquo Aqui a forma plural que

encabeccedila o coacutedice 216 pontua justamente essa secccedilatildeo pois que ateacute a o coacutedice 220 tratar-se-aacute

desses livros Leia-se o grego

19 Possibilidade de que 260 e 261 tambeacutem satildeo exemplos

25

ldquo[10] Ἀνεγνώσθησαν βιβλία δʹ ἃ τὴν πραγματείαν ἰατρικὴν ltὈρειβασίῳgt

συντεταγμένην περιεῖχε καὶ ἔτι ἕτερα ζʹ ἀνδρός τε τοῦ αὐτοῦ καὶ εἰς παραπλήσιον

ἐξενηνεγμένην τύπονrdquo

Observe-se que o particiacutepio perfeito meacutedio-passivo feminino exenenegmeacutenen soacute pode

concordar com tegraven pragmateiacutean iatrikeacuten o que nos leva a subentender que ldquoos 7 livros do

mesmo homemrdquo tecircm a mesma intitulaccedilatildeo dos quatro anteriores o que inclusive explica o

conteuacutedo da participial Observe-se principalmente como o verbo inicial que introduz o coacutedice

vai para o plural para concordar com dois nuacutecleos do sujeito bibliacutea dacute e eacuteti heacutetera z que

correspondem aos dois conjuntos de textos que neste momento da confecccedilatildeo da Biblioteca

foram objeto do ciacuterculo de leituras

Dos referidos coacutedices sem duacutevida os que melhor comprovam isso satildeo o 269 e os

seguintes pois introduzindo a leitura de ldquo21 discursos de diferentes homens santosrdquo pela

forma plural o resumo de cada um deles a comeccedilar pelo mesmo coacutedice e posteriormente nos

demais ateacute o fim da Biblioteca seraacute introduzido pela respectiva forma singular20

132 A intitulaccedilatildeo do Coacutedice 239

Mediante o exposto eacute mais provaacutevel que em formulaccedilotildees como esta do coacutedice 161

(103a)

ldquo[11] Ἀνεγνώσθη ἐκλογαὶ διάφοροι ἐν βίβλοις ιβʹ ltΣωπάτρουgt σοφιστοῦ

Συνείλεκται δὲ αὐτῷ τὸ βιβλίον ἐκ πολλῶν καὶ διαφόρων ἱστοριῶν καὶ γραμμάτωνrdquo

ldquoLeram-se diferentes excertos em 12 livros de Soacutepater o sofista Seu livro foi

coligido a partir de muitas e diferentes investigaccedilotildees e textosrdquo

semelhante agrave do epiacutetome 239 pela ocorrecircncia da palavra eklogai esta seja parte da intitulaccedilatildeo

do manuscrito que eacute objeto de leitura e resumo igualmente21 A julgar pelo que se diz na

20 Cf Biblioteca 479b 36 em diante 21 Portanto a traduccedilatildeo segundo os criteacuterios editorias e diagramaacuteticos de hoje se consideramos que pelo menos

eklogaiacute faz parte da traduccedilatildeo seria ldquoLeu-se diferentes Excertosrdquo

26

sequecircncia o proacutepria copista reconhece que se lecirc sob a designaccedilatildeo de eklogaiacute neste caso de

Soacutepater obra de coletacircnea ou excertos

Mas este ainda natildeo eacute o caso de nosso epiacutetome haacute mais um agravante o coacutedice 239 se

assemelha a um conjunto de epiacutetomes que vecircm introduzidos pela preposiccedilatildeo ek mais genitivo

apoacutes a forma verbal Como por exemplo no coacutedice 254

ldquo[12] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῆς μαρτυρικῆς Τιμοθέου τοῦ ἀποστόλου συγγραφῆς22rdquo

ldquoLeu-se [realizou-se leitura] a partir do relato testemunhal do apoacutestolo Timoacuteteordquo

(468b 2)

Nestes casos parece que a introduccedilatildeo feita pelo resumidor estaacute antes mais focada em

reconhecer o tipo de obra a ser lido do que referir diretamente agrave intitulaccedilatildeo da mesma

podendo sim o termo que vem no genitivo apoacutes a preposiccedilatildeo ser essa intitulaccedilatildeo Caso

obscuro eacute o do epiacutetome 240 logo apoacutes a Crestomatia

ldquo[13] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῶν ltἸωάννου τοῦ Φιλοπόνουgt εἰς τὴν ἑξαήμερον

rdquo

(240 322b 2)

Eacute difiacutecil ater-se agrave literalidade para traduzir tal passagem ldquoLeu-se a partir lsquodas coisasrsquo

sobre os seis dias de Joatildeo Filoacutepono querdquo23 Contudo a mesma explicita bem nosso

problema a saber o de uma leitura que eacute parcial Dois elementos chamam a atenccedilatildeo

Primeiramente a construccedilatildeo da forma verbal acrescida do termo preposicionado

parece referir de forma mais viacutevida (se pensarmos na semacircntica do grego) agrave proacutepria situaccedilatildeo

de leitura de que os volumes da Biblioteca se originam A forma parece possuir aqui um

aspecto mais forte ndash observado por Severyns e mantido tanto em Ferrante como nesta

traduccedilatildeo ndash de pontuar o caraacuteter resumido de que se leraacute algo a partir do que foi mais uma

sessatildeo ou sessotildees de leitura Falando por paraacutefrase eacute como se aquela forma de apresentaccedilatildeo

observada nos epiacutetomes anteriores (1 ndash 10) fosse um equivalente da nossa enumeraccedilatildeo

lacocircnica que recorre aos dois pontos ndash ldquoleu-se Homilias ao Gecircnese de Crisoacutestomo etcrdquo

22 Lembrando-se de que a suggrafeacute eacute especificamente o relato escrito o relato anotado 23 Mais uma vez a noccedilatildeo que na traduccedilatildeo do coacutedice 239 traduziu-se de modo perifraacutestico por ldquorealizou-se

leiturardquo natildeo foi adotada definitivamente pelos fins explicativos deste capiacutetulo para o cabeccedilalho dos demais

epiacutetomes semelhantes ao da Crestomatia mas ou apenas mencionada nos casos em que seria possiacutevel mantecirc-la

sem afetar a literalidade do que vem em seguida ou utilizada quando uacutenica maneira de manter legiacutevel essa

mesma traduccedilatildeo (infra exemplo 15) Cf Traduccedilatildeo nota 1 paacuteg 109

27

enquanto esta forma seria mais descritiva e analiacutetica ldquoleu-se realizou-se leitura deu-se

leitura a partir de lsquoxrsquo (ek + gen) etcrdquo

Em segundo lugar a presenccedila do artigo neutro plural se laacute naquela outra foacutermula por

assim dizer a brevidade e a introduccedilatildeo dos nominativos permitia identificar o que

chamaacutevamos intitulaccedilatildeo no caso desta formulaccedilatildeo mais descritiva ela nem sempre parece

clara Se focircssemos tentar inferi-lo o ldquotiacutetulordquo da obra nos nossos termos seria ldquoTagrave eis tegraven

exaeacutemeronrdquo ou ldquoEis tegraven exaeacutemeronrdquo Traduzindo (certamente) sem nenhum fim esteacutetico ldquoAs

Coisas sobre Os Seis Diasrdquo ou ldquoSobre Os Seis Diasrdquo A rigor o que se lecirc em grego tanto em

12 como em 13 parece mais uma descriccedilatildeo sendo que neste o texto parece dizer que se

realizou uma seccedilatildeo de leitura a partir daquilo que Joatildeo diz dos seis dias da Criaccedilatildeo ie o que

ele compocircs escreveu a respeito De fato sabemos que em se tratando do comentador de

Aristoacuteteles cristatildeo ortodoxo e (curiosamente) opositor de Proclo no campo teoloacutegico o

tratado deveria designar-se ie ser intitulado a partir da preposiccedilatildeo Dessarte esse resumo

estaria disposto da seguinte maneira (mais uma vez sem preocupaccedilatildeo esteacutetica nesta traduccedilatildeo

literal) ldquoLeu-se a partir [das coisas do que diz do conteuacutedo do assunto] de Joatildeo Filoacutepono

Sobre Os Seis Dias querdquo E segue-se um texto muito parecido na sua estrutura de reportar

enunciados ie de discurso indireto ao do epiacutetome 239

Parece portanto que o emprego de ek mais genitivo na introduccedilatildeo dos epiacutetomes tem

uma semacircntica intencionalmente partitiva ou ablativa no sentido de que particiona marca a

partir de que se daacute a leitura que apenas hipoteticamente pode natildeo ter sido integral Natildeo agrave toa

junto da palavra eklogeacuteeklogai em diferentes introduccedilotildees serviraacute para pontuar justamente

que o conteuacutedo apresentado natildeo eacute integral

Assim tambeacutem o coacutedice 234 parece muito em sua estrutura com o epiacutetome 239

ldquo[14] Ἀνεγνώσθη τοῦ ἁγίου ltΜεθοδίουgt ἐπισκόπου καὶ μάρτυρος ἐκ τοῦ Περὶ

ἀναστάσεως λόγου οὗ ἡ ἐκλογὴ τὰ ὑποκείμενα λέγει

rdquo

ldquoLeu-se [realizou-se leitura] do Santo Metoacutedio epiacutescopo e maacutertir a partir do discurso

acerca da Ressurreiccedilatildeo cuja seleta diz o que se segue

Querdquo

(293a 2 ndash 5)

E assim teriacuteamos mais um texto semelhante ao epitome da Crestomatia ainda mais

considerando os enunciados reportados que se seguem ie a forte evidencia do discurso

28

indireto marcado pelas conjunccedilotildees Mais uma vez as estruturas gramaticais apontam para o

fato de que o texto que se segue eacute ele mesmo uma eklogeacute

Tantos indiacutecios inevitavelmente nos levariam a achar que eklogaiacute no tiacutetulo de nosso

coacutedice referir-se-ia como neste caso ao resumo feito para a proacutepria Biblioteca

Contudo observa-se que ao todo as introduccedilotildees que recorrem agrave forma com

preposiccedilatildeo ek subdividem-se em dois tipos ou aquelas que trazem como se viu essa

descriccedilatildeo da fonte que se lecirc como no tipo 12 de onde eacute possiacutevel inferir um tiacutetulo24 ou outro

subtipo (a que 239 pertence) que traz aleacutem do genitivo uma especificaccedilatildeo da intitulaccedilatildeo ou

pelo pronome relativo mais a forma verbal passiva epigraacutephetai ou entatildeo pelo particiacutepio da

mesma no genitivo Por exemplo

ldquo[15] Ἀνεγνώσθη ἐκ τοῦ ἐπιγραφομένου λόγου laquoΒίος ἢ ἄθλησις τοῦ ὁσίου πατρὸς

ἡμῶν Παύλου τοῦ Κωνσταντινουπόλεως ἐπισκόπου τοῦ ὁμολογητοῦraquo ἐφrsquo ὁμοίᾳ

συστελλόμενος ἐκδόσειrdquo

ldquoRealizou-se leitura a partir do discurso que se intitula Vida e Julgamento do nosso

Sagrado Epiacutescopo e Homolegeta Paulo de Constantinopla resumido a semelhante ediccedilatildeordquo

(257 407a 22 ndash 25)

Em todas essas ocorrecircncias em que se tem o particiacutepio tem-se tambeacutem um nominativo que

designa o tiacutetulo25

Contrapondo isso a todas as demais formas de introduccedilatildeo brevemente consideradas

nesta discussatildeo sobre como se intitularia a obra parece verossiacutemil que fosse porque ela

mesma era em princiacutepio uma coletacircnea de excertos como a de Estobeu (o que eacute plenamente

verossiacutemil) fosse porque chega assim agrave Biblioteca o que se tinha em matildeos para ler e anotar jaacute

levava a inscriccedilatildeo eklogai ie jaacute era uma composiccedilatildeo de excertos uma seleta

Em outras palavras propotildee-se aqui considerar o plausiacutevel parece que todos os

indiacutecios textuais apontam para o fato de que o proacuteprio objeto escrito trazia a palavra eklogaiacute

uma vez que eacute possiacutevel identificar segundo as distinccedilotildees aqui traccediladas quando a palavra estaacute

sendo empregada para designar que um arrazoado um logos maior estaacute sendo posto

nominalmente na forma de ldquoseletardquo Isso pode perfeitamente significar que a palavra fizesse

parte da intitulaccedilatildeo corrente do texto em questatildeo se ele circulava mas natildeo implica

obrigatoriamente como pretende Severyns que ele sempre fora assim e que a palavra fora

posta no ldquotiacutetulordquo pelo proacuteprio Proclo A julgar pelos indiacutecios apresentados que parecem

24 Cf por exemplo coacutedices 242 (Bekker 335a) 253 (idem 467b) 25 Cf tambeacutem coacutedice 256 (idem 469b) 279 (idem 529b)

29

minimamente passiacuteveis aqui de alguma confirmaccedilatildeo nossa hipoacutetese eacute pelo menos tatildeo

verossiacutemil quanto a do referido editor segundo a qual o texto em matildeos dos letrados da

Biblioteca trazia o termo eklogai porque fora assim nomeado (uma ldquocompilaccedilatildeo de excertosrdquo)

pelo proacuteprio ldquoautorrdquo Tatildeo possiacutevel quanto isso eacute a probabilidade de que mesmo que houvesse

a Crestomatia em sua forma original e os eruditos junto a Foacutecio natildeo a tivessem agrave sua

disposiccedilatildeo o que circulou durante as sessotildees de leitura se tratasse de uma seleta uma

compilaccedilatildeo

Diante dessas duas possibilidades ainda a serem consideradas parece que uma sutil

certeza se confirma entre ambas Eacute de supor que pela terminologia apresentada ao longo do

epiacutetome e sua congruecircncia com diversos outros textos de doutrina mesmo que se trate de

excertos copiados e natildeo da obra na iacutentegra eles o satildeo como uma coletacircnea mesmo de

diferentes trechos copiados e coligidos como na obra de Estobeu em que pese aqui o plural

ekologaiacute Pelo que se observa da obra de Estobeu e dos demais textos que chegam a noacutes como

coletacircneas eklogeacuteeklogai podemos afirmar com algum acerto que o texto que temos eacute pelo

menos uma coletacircnea como a referida uma reuniatildeo talvez natildeo de citaccedilotildees diretas mas das

passagens relevantes ou dos ldquodizeresrdquo de uma obra se lembrarmos que ela eacute um logos que eacute

pensada como um ou como uma seacuterie deles Diante de tal texto a funccedilatildeo do editor ou

resumidor da biblioteca poderia ser simplificada seu resumo consistiria em transcrever e

readequar os excertos Nada impede que neste processo algo tenha se perdido por ser

deixado de lado (da proacutepria coletacircnea)26 mas observa-se que o material preservado consiste

justamente em breves topicalizaccedilotildees de termos teacutecnicos que por si mesmos e tudo que

podem referir compotildeem uma espeacutecie de glossaacuterio resumidor de muito quanto se circunscreve

aos ldquosaberes proveitososrdquo das letras ora como objeto da gramaacutetica ora como objeto da

retoacuterica ora como objeto da poeacutetica Talvez essa seja uma explicaccedilatildeo plausiacutevel para o fato de

que introduzindo o coacutedice 239 pela referida forma aqui comentada diferentemente de outras

semelhantes mas natildeo idecircnticas como a do exemplo 15 natildeo haja menccedilatildeo por parte do

resumidor ao ato de abreviar ie agrave confecccedilatildeo do proacuteprio epiacutetome como uma coletacircnea

porque o texto mesmo jaacute era uma reuniatildeo de passagens que ele passa a arrolar topicalizando

ie o objeto escrito que os eruditos da Biblioteca tinham em matildeos jaacute era um breviaacuterio

26 Eacute possiacutevel obter um sutil vislumbre do tipo de coisa que os resumidores podem ter deixado de lado observando

a inclusatildeo do ciclo eacutepico Considerando-se o epiacutetome e os resumos eacute possiacutevel fazer algumas conjecturas sobre o

tipo e a quantidade de coisa que natildeo foi anotada no coacutedice debate-se ainda se a Crestomatia continha integral ou

parcialmente aleacutem do ciclo troiano episoacutedios cosmogocircnicos e ou ateacute referentes ao ciclo tebano Cf Estudo

3312

30

Eacute por mais esses elementos que contrariamente aacute hipoacutetese de Severyns ndash muito

refinada e plausiacutevel mas natildeo consoante agrave avaliaccedilatildeo dos diferentes indiacutecios arrolados nesta

introduccedilatildeo ndash defende-se aqui a hipoacutetese de que muito provavelmente mesmo que os eruditos

da Biblioteca pudessem consultar agrave Crestomatia original (se eacute que podemos falar nesses

termos) por tecirc-la consigo ou por poder acessaacute-la em outro lugar o que se compila para a

Biblioteca eacute uma seleccedilatildeo daiacute um breviaacuterio (para acentuar a ideia de um segundo momento

em que inevitavelmente a obra foi abreviada) nos moldes de Estobeu quanto agrave sua forma mas

sobre a obra de um uacutenico autor enquanto aquele reuacutene liccedilotildees de diferentes autores Sabemos

que pelo que se entende do termo crestomatia e pelo proacuteprio conteuacutedo do epiacutetome o coacutedice

239 natildeo deixa de ser tambeacutem uma reuniatildeo de diferentes liccedilotildees eacute contudo pelo trabalho

acadecircmico que podemos identificar separadamente o quanto possiacutevel a origem delas em

diferentes textos de doutrina dos saberes antigos (natildeo ignorando o termo ldquogramaacuteticardquo que

parece ser o denominador comum) essa pluralidade circunscreve-se portanto ao termo

ldquocrestomatiardquo ie um uacutenico texto resultante do esforccedilo de compor um ou mais discursos

sucessivos (loacutegoi) tangenciando os diversos temas das diferentes aacutereas pelo eixo comum das

ldquoletrasrdquo (grammatikeacute) Dele fez-se um breviaacuterio uma seleta condensando os toacutepicos cuja

compilaccedilatildeo foi usada no coacutedice 239

A enorme perda de conteuacutedo que haveria se julgaacutessemos ser o coacutedice 239 portanto o

resumo de algo jaacute resumido eacute um dos vaacuterios argumentos de Severyns para defender que a

julgar pela totalidade que se pode vislumbrar no coacutedice natildeo seria esse o caso porque ndash

seguindo esse raciociacutenio ndash muito mais estaria perdido e nos faltaria esse vislumbre Essa perda

eacute questionaacutevel considerados os argumentos acima primeiro a noccedilatildeo de totalidade o

vislumbre de tantos temas diversos tratados em uma mesma obra eacute resultado provaacutevel do que

se tinha por uma crestomatia obra abrangente e natildeo por eklogeacuteeklogaiacute segundo dessa obra

selecionam-se os trechos que contenham resumidamente as liccedilotildees sobre as letras e outros

assuntos que tangenciem esse saber Se observarmos o jaacute citado excerto (paacuteg 16) do

Etymologicum Magnum no verbete ldquoeacutelegosrdquo podemos considerar que talvez natildeo se pautando

diretamente no texto original da Crestomatia o compilador natildeo viu nenhum problema em

fornecer como ldquoProclordquo passagens que satildeo ainda mais reduzidas do que as do coacutedice em

questatildeo mas que contecircm pelo menos as mesmas coisas que ele ou seja toma-as seguramente

como conteuacutedo de Proclo e natildeo de Foacutecio Natildeo haacute por que pois imaginar que os

compiladores da Biblioteca tivessem procedido de maneira diferente em torno do que tinham

ou poderiam acessar da obra Natildeo haacute duacutevida evidentemente que muita coisa que eacute apenas

aludida foi simplesmente suprimida como se vecirc pelo ciclo eacutepico e isso impossibilita

31

justamente o argumento de Severyns segundo o qual natildeo ter acesso agrave obra na iacutentegra geraria

no resumo incongruecircncias ou falta de totalidade

Isso seria condizente finalmente com o uacuteltimo item desse resumo do coacutedice 239 da

Biblioteca de Foacutecio ldquoAqui estatildeo os dois primeiros arrazoados da Crestomatia de Letras de

Proclordquo (grifos do autor) O nuacutemero de arrazoados resumidos ou loacutegoi apresentados pelo

resumidor ao fim do coacutedice natildeo equivale ao nuacutemero que no iniacutecio fora dado como o

nuacutemero das partes dessa Crestomatia laacute quatro arrazoados aqui dois Natildeo eacute em vatildeo

portanto que o resumidor preocupa-se bem como nos demais casos de resumos mas agora ao

fim em dar notiacutecias a respeito da disparidade entre o objeto que estaacute agora sendo

confeccionado e o objeto primeiro compilado (como nos casos conforme visto acima em que

se explicita a elaboraccedilatildeo de uma seleta para a Biblioteca) Parece julgar necessaacuterio ao que

tudo indica informar uma disparidade Esse item natildeo poderia senatildeo ser uma nota filoloacutegica

Primeiro o nuacutemero confirma que natildeo se compila a obra por completo mas o que equivaleria

a sua primeira metade seus dois primeiros livros ou arrazoados Mais chama a atenccedilatildeo

todavia a ausecircncia da palavra eklogaiacute aqui Seja porque o objeto escrito uma eklogeacuteeklogaiacute

indicava-o seja porque os letrados ainda estavam em posse dessa informaccedilatildeo a ausecircncia da

palavra busca esclarecer o quanto da obra em questatildeo se leu e agora se disponibiliza a quem

eventualmente acessar a Biblioteca ie o equivalente aos dois primeiros livros ou arrazoados

de outro objeto designado apenas por Proacuteclou Grammatikecircs Khrestomaacutetheia ou Crestomatia

de Letras de Proclo O objetivo dessa passagem que encerra o resumo natildeo eacute senatildeo esclarecer

a equivalecircncia entre o que se resumiu para a Biblioteca a partir de eklogocircn ou seja

ldquoexcertosrdquo equivalentes ao que seria o conteuacutedo da primeira metade da obra original Se natildeo

o fosse por que estaria o resumidor cioso de informar tatildeo especificamente nuacutemeros diacutespares

de partes aleacutem de natildeo empregar a palavra ldquoexcertosrdquo na segunda especificaccedilatildeo

Se o objeto resumido Os Excertos da Crestomatia de Letras de Proclo era uma seleta

apenas dos dois primeiro livros da Crestomatia de modo que por conter a especificaccedilatildeo ou

por saberem-no os eruditos eacute resumido do comeccedilo ao fim com uma especificaccedilatildeo da

equivalecircncia de partes ou se essa equivalecircncia eacute informada justamente porque Os Excertos

tambeacutem compreendiam os outros dois livros mas os eruditos natildeo os incluiacuteram na Biblioteca

isso natildeo eacute possiacutevel saber Em todas as hipoacuteteses poreacutem eacute mais verossiacutemil principalmente

pelo indiacutecio final do texto que os eruditos da Biblioteca compilaram eklogaiacute excertos ou uma

seleta

Resta para talvez ampliar o vislumbre dessa obra inquirir pelo termo grego

khrestomaacutetheia que como se sabe estaacute lexicalizado em nossos bons dicionaacuterios

32

133 O termo ldquocrestomatiardquo

Uma vez que a palavra ldquocrestomatiardquo eacute tradicionalmente entendida como sinocircnimo

direto de ldquocoleccedilatildeo coletacircneardquo o que nos eacute sugerido pelos dicionaacuterios em geral27

inevitavelmente se pensaraacute estar diante de uma dupla coletacircnea o que a princiacutepio consoa

com o exposto leem-se no coacutedice 239 da Biblioteca ldquoexcertos de uma coletacircnea sobre as

Letrasrdquo da antiguidade Embora defendido que seja esse o caso essa simples traduccedilatildeo natildeo nos

permitiria vislumbrar o fato de que o termo crestomatia natildeo se refere tanto agraves dimensotildees ou agraves

proporccedilotildees da obra quanto agraves suas qualidades ou aos traccedilos que a definem como sendo de

certo tipo

Severyns defende em seu estudo que o entendimento de ldquocrestomatiardquo como florileacutegio

natildeo eacute proacuteprio dos antigos28 que tomam o termo como qualificativo ou definidor de uma obra

sem que isso implique um gecircnero de resumo O significado abreviativo derivaria da

interpretaccedilatildeo renascentista do tiacutetulo feita por ocasiatildeo das primeiras publicaccedilotildees impressas da

Biblioteca a partir da metade do seacutec XVI e teria se prolongado como os proacuteprios dicionaacuterios

modernos (Liddel amp Scott Bailly) datildeo a entender ldquoCrestomatiardquo portanto seria tatildeo somente

o que nomeia e define essa obra que pretende fornecer ensinamentos uacuteteis (no sentido praacutetico)

de certo saber (aqui o das Letras) Severyns poreacutem buscando ver totalidade na obra traduz o

nome interpretando-o segundo a hipoacutetese ndash que defende muito coerentemente ndash de que mesmo

a palavra ldquoeklogaiacuterdquo faria parte do tiacutetulo original da obra Justamente por essa leitura junto de

ldquoeklogaiacuterdquo adiciona ldquoabreacutegeacuterdquo ao que em sua traduccedilatildeo seria o tiacutetulo da obra sugerindo que o

significado do termo em questatildeo seria o de acentuar seu caraacuteter de ldquomanualrdquo de liccedilotildees

agregador de diversos ensinamentos supondo claro que se fosse versar detalhadamente

sobre os toacutepicos seria muito maior

Se julgarmos contudo que Severyns estaacute correto quanto agrave interpretaccedilatildeo precisa do

significado da palavra que aqui serve para qualificar certo tipo de texto mesmo sem designaacute-

lo sob uma difundida nomenclatura geneacuterica de uso rigoroso apesar do emprego de eklogaiacute

conforme estudado no item acima entatildeo podemos entender que o simples emprego do termo

ldquocrestomatiardquo como intitulaccedilatildeo bastaria para qualificar a obra por sua finalidade e utilidade

27 Cf Traduccedilatildeo nota 2 Conforme anotado a palavra estaacute lexicalizada nas liacutenguas romacircnicas 28 Severyns op cit tome II 65 ndash 69

33

reunir saberes proveitosos que no caso do texto atribuiacutedo a Proclo contemplam diferentes

autores ou textos Inevitavelmente as duas palavras parecem implicar certa redundacircncia mas

como decorrecircncia do fato de que a noccedilatildeo de khrestomaacutetheia secundariamente implica a noccedilatildeo

de seleccedilatildeo mas natildeo o contraacuterio A palavra eklogeacute referir-se-ia agrave noccedilatildeo geral de ldquoseletardquo

enquanto khrestomaacutetheia a um criteacuterio que nortearia o caraacuteter dessa seleccedilatildeo No caso da

seleccedilatildeo de passagens diversas e ilustrativas do saber de diferentes autores isso implicaria em

uma obra como a de Estobeu que seleciona as passagens de sua Coletacircnea pelo ensinamento

que contecircm O fato de haver certa redundacircncia entre as duas coisas seria mais um argumento a

favor da hipoacutetese de que os eruditos em torno de Foacutecio natildeo leram a obra na iacutentegra A

ocorrecircncia de ambas portanto deve implicar nesse caso que pelo menos nessa passagem

designam coisas diferentes Nesse sentido a obra de Proclo se diria ldquocrestomatiardquo porque o

criteacuterio que a norteia eacute relacionar ensinamentos proveitosos de uma aacuterea em especiacutefico o que

aponta para a caracteriacutestica preponderante do texto a saber conter liccedilotildees que

tradicionalmente satildeo desenvolvidas em textos especiacuteficos de diferentes doutrinas antigas aqui

agremiadas pelo tiacutetulo grammatikeacute gramaacutetica Isso se aventa pelas duas outras ocorrecircncias da

palavra na proacutepria Biblioteca ambas posteriores ao coacutedice 239 A primeira delas que parece

referir-se bem a essa qualidade instrutiva por si soacute consiste no emprego do substantivo no seu

sentido proacuteprio e natildeo teacutecnico para explicar o que se apresenta das Vidas Paralelas a obra de

Plutarco compilada no coacutedice 245

ldquo[16] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῶν ltΠλουτάρχουgt παραλλήλων διάφοροι λόγοι ὧν ἡ ἔκδοσις

κατὰ σύνοψιν ἐκλέγεται διάφορον χρηστομαθίανrdquo

(245 393b 9)

O resumidor seguindo o espiacuterito jaacute comentado de para certos casos caracterizar o que

se leraacute em relaccedilatildeo agrave fonte de que se compila (o espiacuterito de nos dar alguma nota editorial do

que se estaacute produzindo) informa-nos que neste coacutedice ldquofez-se a leitura de diferentes

discursos das Vidas Paralelas de Plutarco dos quais a ediccedilatildeo em sinopse seleciona o saber

distintordquo Poder-se-ia seguindo a sugestatildeo de Severyns29 arriscar a traduccedilatildeo por ldquodistinta

erudiccedilatildeordquo uma vez que como laacute demonstrado o substantivo primitivo chrestomateacutes

( ) empregava-se para designar aquele que buscava o saber proveitoso uacutetil o

ldquoeruditordquo Assim a palavra ocorre na introduccedilatildeo ao epiacutetome da obra de Plutarco para

assinalar que natildeo se encontraraacute ali a obra mas que o resumo fruto da leitura ateacutem-se a

29 Severyns op cit II pg 66

34

fornecer os trechos que conteacutem aos olhos de nosso resumidor ensinamentos valiosos ie

aqueles que serviratildeo para ensinar (no caso do gecircnero historiograacutefico atraveacutes de exempla)

A segunda ocorrecircncia (quarta no total) eacute justamente para introduzir outra obra

nomeada ldquoCrestomatiardquo e compilada na Biblioteca a saber a Crestomatia de Helaacutedio

ldquo[17] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῆς ltἙλλαδίου Βησαντινόουgt ἐπιγ-

ραφομένης πραγματείας χρηστομαθειῶν αʹ βʹ γʹ δʹrdquo

(279 529b 26)

Como se nota natildeo haacute a palavra eklogaiacute nesse caso e a introduccedilatildeo do epiacutetome segue o

mesmo padratildeo dos epiacutetomes anteriormente comentados trazendo um particiacutepio introduzindo a

intitulaccedilatildeo do objeto escrito ldquoTratado de Crestomatia 1 2 3 4rdquo A obra de Helaacutedio como

resumida na Biblioteca parece dedicar suas primeiras seccedilotildees a catalogar informaccedilotildees uacuteteis

sobre palavras ou sobre diversos elementos leacutexicos da pronunciaccedilatildeo correta de certos

vocaacutebulos ateacute usos linguiacutesticos ie quando se empregava preferencialmente esta agravequela

forma ou quando soacute se podia aplicar uma etc Tais saberes uacuteteis tambeacutem seratildeo a respeito das

causas e origens de certos nomes e se trataraacute entatildeo de nomes de lugares ou por que certo

grupo usa tal signo para certa coisa por que tal monumento ou local recebeu seu nome etc e

nesse sentido como ocorre tambeacutem no caso da Crestomatia de Proclo natildeo se distingue

claramente quando o objeto eacute a palavra ou a coisa a discussatildeo linguiacutestica se torna etioloacutegica

Por vezes natildeo haacute essa discussatildeo mas o resumidor anota uma informaccedilatildeo relevante a

passagem de 533b 29 ndash 34 por exemplo eacute dedicada a ordenar o estabelecimento e os locais

das competiccedilotildees atleacuteticas dos gregos30 Do meio em diante pelo menos a julgar pelo epiacutetome

as informaccedilotildees compiladas entatildeo passam agrave origem e histoacuterias diversas de fato definindo o

texto sobre um texto como uma crestomatia sobre coisas diversas

Mais interessante a tiacutetulo de comparaccedilatildeo eacute o fato de que o resumo traz o nome de

autores de que Helaacutedio haure sua ldquoerudiccedilatildeordquo ou ldquosaberes proveitososrdquo Dioniacutesio por exemplo

eacute citado como fonte a partir da qual se arrolam usos proacuteprios dos aticistas31 tais fontes satildeo

dadas nominalmente no epiacutetome muito provavelmente porque o proacuteprio Helaacutedio as

informava uma vez que ocorrem sob a forma de discurso reportado ou indireto ldquoDioniacutesio diz

que os aticistasrdquo e natildeo ldquodiz querdquo como ocorre no coacutedice de Proclo ou seja o coacutedice

informa-nos que na Crestomatia de Helaacutedio ldquoeacute dito que Dioniacutesio diz querdquo e tem-se uma

liccedilatildeo uacutetil como por exemplo ldquoos aticistas natildeo dizem oneacutesamen mas sim

30 Foacutecio Biblioteca 279 533b 29 ndash 34 31 idem 279 529b 29 ndash 34

35

epriaacutemen rdquo e dizem as demais formas do verbo em questatildeo conforme o esperado

morfologicamente32 Eacute pois de se supor que Helaacutedio no suposto texto original dissesse

ldquoDioniacutesio diz querdquo ou seja referia autores fonte das informaccedilotildees uacuteteis que colige Mais agrave

frente sua fonte seraacute ningueacutem menos que o gramaacutetico Diacutedimo

Mais uma diferenccedila se entrevecirc aqui no caso do texto de Helaacutedio o manuscrito agrave

disposiccedilatildeo dos eruditos muito provavelmente por conter ainda a obra por completo trazia seu

autor referindo-se a fontes se natildeo as citando No caso da Crestomatia de Proclo isso natildeo

ocorre As liccedilotildees embora as identifiquemos como pertencentes a diferentes doutrinas satildeo

apenas arroladas uma apoacutes a outra Quando haacute mais de uma hipoacutetese ou possibilidade

principalmente no caso das etimologias geralmente haacute uma menccedilatildeo a ldquooutrosrdquo ou a uma

possibilidade divergente Isso leva a pensar que se a Crestomatia de Proclo tinha as mesmas

dimensotildees que a de Helaacutedio quatro livros trazia ela tantos autores citados na atribuiccedilatildeo de

suas liccedilotildees e diferentes versotildees de etimologias que o resumidor resolveu apenas referir-se a

eles pelo termo ldquooutrosrdquo33 Para aleacutem dos casos em que as diferentes possibilidades

etimoloacutegicas e etioloacutegicas natildeo podem e nem poderiam ser identificadas quanto a sua origem

especiacutefica por natildeo a possuiacuterem (caso de explicaccedilotildees para a origem do epos da elegia do

iambo) eacute de se supor que ou a coletacircnea da obra de Proclo o que se lia natildeo trazia essas

informaccedilotildees por ser uma seleta no sentido discutido de um resumo ou uma primeira

abreviaccedilatildeo ou o autor ele mesmo natildeo as dava por ser um organizador de doutrina ie por

estar focado em organizar saberes doutrinais de modo a instruir Essa segunda hipoacutetese natildeo eacute

de se descartar porque e mais uma vez uma natildeo nega a outra Provavelmente ambas satildeo

verdadeiras pois natildeo eacute de se imaginar que em uma obra com a extensatildeo de quatro livros

como a de Helaacutedio versando sobre diferentes toacutepicos das letras em geral em nenhuma

passagem ocorresse a menccedilatildeo a este ou agravequele autor e o que pensa ou diz sobre determinado

assunto Igualmente eacute de se supor pela mateacuteria do texto que diferentes opiniotildees fossem

apenas referidas a ldquooutrosrdquo como se observa em textos semelhantes como forma padratildeo de

dizer uma vez que satildeo os saberes tradicionalmente consolidados sobre aquele assunto ie as

32 Em outras palavras como diriacuteamos hoje ensina que os autores aacuteticos ldquoclaacutessicosrdquo fazem a 1ordf pessoa do

singular do aoristo do verbo supletivamente ou recorrendo agrave formaccedilatildeo de outro verbo 33 Cf por exemplo 319b 3 ndash 5 sobre as diferentes possibilidades de acentuar a palavra que nomeia o poema

Ciacuteprias do ciclo eacutepico natildeo se identifica ningueacutem aleacutem do autor que proponha e siga essa hipoacutetese bem como

nenhuma autoridade eacute citada em prol da acentuaccedilatildeo vigente ou entatildeo 321a 6 em que haacute uma referecircncia aos que

julgam ser o escoacutelio nomeado por antiacutestrofe Para alguns casos poreacutem natildeo haacute menccedilatildeo e o termo ldquooutrosrdquo se

emprega porque as etimologias jaacute eram assim consolidadas como possibilidades igualmente vaacutelidas para a

mesma coisa ie eram etimologias igualmente aceitas e disseminadas mais ainda autorizadas Eacute o caso claro

das etimologiasetiologias do iambo Cf infra cap 3 seccedilotildees 331 a 333 paacutegs 83 a 95 as explicaccedilotildees satildeo as

mesmas adotadas por exemplo na Gramaacutetica de Diomedes As etimologias para o termo epos tambeacutem jaacute eram

todas consolidadas

36

possiacuteveis explicaccedilotildees que ao longo dos seacuteculos mas principalmente com a atividade editorial

do periacuteodo heleniacutestico em diante foram se consolidando como as ldquoverdadesrdquo aceitas e

igualmente plausiacuteveis Natildeo haacute para elas pois uma origem definida portanto uma fonte a ser

citada

Esse segundo fato se confirma se aceitamos definitivamente que a Vita Homeris do

coacutedex Venetus eacute junto dos demais resumos dos poemas ciacuteclicos laacute contidos excertos da

Crestomatia original Ao referir-se aos diferentes casos particulares da vida de Homero

conforme o proacuteprio epiacutetome diz que fazia em relaccedilatildeo tambeacutem aos demais poetas eacutepicos34

emprega continuamente as expressotildees ldquounsrdquo ldquooutrosrdquo ldquoaquelesrdquo para referir-se aos

diferentes e agraves vezes divergentes ldquoepisoacutediosrdquo da vida de Homero Ora nada mais consolidado

no acircmbito da cultura geral do que Homero e as diferentes histoacuterias a respeiro dele sua morte

sua origem etc Eram todas versotildees consolidadas e discutidas sem terem origem precisa e

identificada Essa Vita ou biografia do vate tambeacutem nos ilustra que sim inevitavelmente

quando tratando de informaccedilatildeo ou hipoacutetese mais teacutecnica inevitavelmente o autor referiria

uma fonte ou origem dessa informaccedilatildeo Eacute o que ocorre quando se discute primeiro sua

origem

Helacircnico Damaste e Fereacutecides recuam sua origem ateacute Orfeu

Dizem que Meatildeo pai de Homero e Dio pai de Hesiacuteodo descendem

de Apeacutelis filho de Melanopo filho de Epiacutefrades filho de Carifemo

filho de Filoterpes filho de Idmocircnides filhos de Eucles filho de

Doriatildeo filho de Orfeu

Goacutergias de Leontino o recua agraves Musas

(Vita Homeri 19 ndash 24 in Severyns IV paacuteg 69 trad do autor)

Essas eram opiniotildees sobre Homero solidamente proferidas por outros e assim

identificadas

Nos dois paraacutegrafos imediatamente anteriores e no paraacutegrafo imediatamente posterior

por exemplo temos informaccedilotildees ou episoacutedios anedoacuteticos sobre Homero e nesses casos

vemos a praacutetica de atribui-los a ldquooutrosrdquo indefinidos

[] uns o proclamam nativo de Colofatildeo outros de Quios outros de

Esmirna outros de Io outros de Cima e toda cidade de modo geral

reclama o homem pelo que razoavelmente pode ser dito cosmopolita

34 ldquoOs mais egreacutegios poetas do epos satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro Paniacuteasis e Antiacutemaco Desses discorre na

medida do possiacutevel acerca da origem da paacutetria e de algumas histoacuterias particularesrdquo Proclo apud Foacutecio

Biblioteca 239 319a 17 ndash 21

37

Os que afirmam que ele eacute de Esmirna dizem que seu pai era

Meatildeo e que foi concebido perto do Rio Meles motivo pelo qual

tambeacutem eacute nomeado Melesiacutegene mas que eacute chamado Homero

[Hoacutemeros ] porque foi dado na condiccedilatildeo de homereiacutea

[refeacutem ] aos de Quios Outros dizem que acabou recebendo

esse nome por causa da deficiecircncia dos olhos Os cegos de fato eram

chamados homeacuteroi [ ] pelos eoacutelios

(idem 9 ndash 18 paacuteg 68 trad do autor)

e

ldquoSobre a sua morte refere-se a seguinte histoacuteria inquirindo o oraacuteculo a respeito de sua

proacutepria seguranccedila pessoal contam que o deus lhe deu esta respostardquo

(idem 25 paacuteg 68 trad do autor)

Note-se que no primeiro caso inculise fezem-se etimologias

Mais agrave frente discutindo a o periacuteodo em que Homero teria vivido

Na cronologia os da escola de Aristarco dizem que viveu na

eacutepoca da imigraccedilatildeo jocircnica que eacute sessenta anos posterior ao retorno

dos Heraclidas e o evento em torno dos Heraclidas estaacute oitenta anos

depois da eacutepoca de Troia Os da escola de Crates por sua vez o

recuam aos tempos de Troia

(idem 59 paacuteg 73 idem)

Vemos a julgar por esse suposto e breve trecho original da Crestomatia que muito

provavelmente como na Crestomatia de Helaacutedio quando alguma liccedilatildeo especiacutefica haurida

deste ou daquela escola era dada era de se imaginar o nome e a atribuiccedilatildeo Tambeacutem como laacute

conforme dito e como se vecirc no proacuteprio resumo de Foacutecio especificamente nos trechos que

versam sobre as celebraccedilotildees ciacutevico-religiosas que originam gecircneros meacutelicos os ldquosaberes

uacuteteisrdquo ie a ldquoerudiccedilatildeordquo a ser transmitida passa a descriccedilatildeo etioloacutegica e histoacuterica (como no

caso da guerra que daacute origem agrave dafnefoacuteria35)

A Crestomatia de Proclo contudo possui um eixo temaacutetico as letras Conclui-se

portanto que entendida natildeo como um gecircnero textual rigorosamente especiacutefico mas como

uma obra de erudiccedilatildeo no sentido de uma reuniatildeo de informaccedilatildeo registro dessa informaccedilatildeo

vaacuteria num documento uacutenico uma crestomatia pode contemplar saberes de diferentes aacutereas e

elementos que no caso de Helaacutedio natildeo teriam uma associaccedilatildeo direta ie natildeo seriam objeto

35 Idem 321a 36 ndash 321b 12

38

de uma mesma obra A reuniatildeo de informaccedilotildees da obra de Proclo visa agrave instruccedilatildeo na aacuterea das

letras Duas perguntas decorrem disso a quais saberes entatildeo ou a quais aacutereas do saber antigo

essa crestomatia se voltaraacute O que se entende por gramaacutetica na intitulaccedilatildeo do coacutedice

134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra

A palavra gramaacutetica que delimita o eixo temaacutetico dessa crestomatia poderia ser

tomada em sua literalidade para efeitos de traduccedilatildeo mas aqui talvez apenas na literalidade

que possuiacutea entre os gregos Essa mesma literalidade poreacutem eacute ampla e polissecircmica dado

que como se sabe passa a designar o ofiacutecio do gramaacutetico Sua funccedilatildeo na antiguidade

compreendeu atividades que tambeacutem noacutes atribuiacuteamos aos gramaacuteticos hoje mas outras que

natildeo Em princiacutepio segundo Dioniacutesio Traacutecio seis seriam as partes da gramaacutetica36

Γραμματική ἐστιν ἐμπειρία τῶν παρὰ ποιηταῖς τε καὶ

συγγραφεῦσιν ὡς ἐπὶ τὸ πολὺ λεγομένων

Μέρη δὲ αὐτῆς ἐστιν ἕξ πρῶτον ἀνάγνωσις ἐντριβὴς κατὰ

προσῳδίαν δεύτερον ἐξήγησις κατὰ τοὺς ἐνυπάρχοντας ποιητικοὺς

τρόπους τρίτον γλωσσῶν τε καὶ ἱστοριῶν πρόχειρος ἀπόδοσις

τέταρτον ἐτυμολογίας εὕρεσις πέμπτον ἀναλογίας ἐκλογισμός ἕκτον

κρίσις ποιημάτων ὃ δὴ κάλλιστόν ἐστι πάντων τῶν ἐν τῇ τέχνῃ

(Dioniacutesio Traacutecio 1153 ndash 6 3 in Grammatici Graeci)

ldquoA Gramaacutetica eacute o saber dos usos da liacutengua conforme se daacute no

mais das vezes entre os poetas e os escritores

Suas partes satildeo seis a primeira eacute a leitura treinada de acordo

com a prosoacutedia a segunda eacute a exegese segundo os tropos poeacuteticos

existentes a terceira eacute a pronta explicaccedilatildeo das formas dialetais e

histoacuterias quarta a revelaccedilatildeo da etimologia quinta o cocircmputo das

analogias sexta a avaliaccedilatildeo [o juiacutezoapreciaccedilatildeo] de poemas que eacute a

mais bela de tudo na teacutecnicardquo

(trad e grifo do autor)

Como responsaacutevel por descrever e ensinar o uso devido da liacutengua e por avaliar como

especialista do saber linguiacutestico se um texto era ou natildeo espuacuterio ie determinar a

36 Para uma precisa anotaccedilatildeo da gramaacutetica de Dioniacutesio Traacutecio Cf Dos Santos MM Dioniacutesio da Traacutecia Arte

traduccedilatildeo e notas in Letras Claacutessicas n11 153 ndash 179 2007

39

autenticidade de um texto cabia ao gramaacutetico portanto aquilo que hoje diriacuteamos ldquoo

estabelecimento do textordquo ofiacutecio do filoacutelogo moderno O emprego do termo krisis referindo-

se aos poemas como objeto dessa avaliaccedilatildeo eacute muito semelhante ao que ocorre no epiacutetome

fociano em 319a 1 ndash 3

ldquoΔιαλαμβάνει δὲ καὶ περὶ κρίσεως ποιήματος ἐν ᾧ παραδίδωσι τίς ἤθους καὶ πάθους

διαφοράrdquo

(Proclo apud Foacutecio 239 319a 1 ndash 3)

ldquoFaz consideraccedilotildees acerca do juiacutezo de poesia no que transmite qual a diferenccedila entre

caraacuteter e afetordquo

Este trecho eacute um dos mais problemaacuteticos do texto porque dado agrave brevidade e agrave

amplitude semacircntica das palavras empregadas possibilita pelo menos mais de uma leitura A

criacutetica notou37 que o conteuacutedo desta primeira oraccedilatildeo e principalmente a expressatildeo kriacutesis

poieacutematos fazem ressoar a sexta parte da empiria gramatical como definida por Dioniacutesio

Traacutecio kriacutesis poiemaacuteton ldquoa mais bela de tudo na teacutecnicardquo Em termos de entendimento

linguiacutestico a dificuldade ocorre primeiro por causa do significado do verbo dialambaacuteno que

semanticamente conteacutem a ideia mesmo de uma kriacutesis um juiacutezo um discernimento

significando ldquotomar separadamente dividir com escruacutepulordquo daiacute ldquodiscernir avaliar

considerarrdquo e justamente ldquojulgarrdquo segundo pela ausecircncia do artigo antes do substantivo kriacutesis

e pelo genitivo singular poieacutematos ao inveacutes de poiemaacuteton (de poema e natildeo de poemas) o

que impossibilita saber se o texto reporta-se agravequela kriacutesis poiemaacuteton (ie avaliaccedilatildeo

julgamento de poemas) que eacute uma parte da gramaacutetica ou se a palavra kriacutesis aqui eacute

empregada (como defende Severyns) em sentido amplo e natildeo teacutecnico junto agrave palavra que no

epiacutetome eacute empregada para designar ldquopoesiardquo siginificando apenas portanto de forma

perifraacutestica que ldquoFoacutecio diz que Proclo faz consideraccedilotildeesrdquo ndash considerando o aspecto verbal do

presente grego lsquoprossegue em suas consideraccedilotildeesrsquo como quer Severyns ndash ldquosobre a avaliaccedilatildeo

da poesiardquo portanto simplesmente ldquoele continua seu exame da poesiardquo que de fato ocorria

em contraposiccedilatildeo agrave prosa desde a distinccedilatildeo entre ambas em 318b 24 (sect3 na ediccedilatildeo de

Severyns) de modo a como se observa a partir de 319a 3 (sect11 idem) logo se concentrar no

que concerne tatildeo somente agrave poeacutetica ie seus gecircneros

Aqui se adota uma terceira leitura contraacuteria a de Severyns mas natildeo totalmente

consoante agrave de Ferrante ndash principalmente nas implicaccedilotildees primeiramente essa kriacutesis

37 cf Severyns (op cit pg 77 ndash 79) para um balanccedilo das leituras e Ferrante (op cit pg 20 ndash 21) para uma

visatildeo ainda contraacuteria a de Severyns)

40

poieacutematos natildeo precisaria orbigatoriamente ser uma alusatildeo ao nome exato da referida parte da

arte gramatical para ser (em se tratando da avaliaccedilatildeo da poesia aqui designada por poiacuteema)

aquele conjunto de avaliaccedilotildees sobre diferentes aspectos do poema Ainda assim natildeo parece

ser o caso

Eacute fundamental pontuar que a passagem deve ser julgada de acordo com o

procedimento geral do resumo ie a forma de resumir O resumidor parece topicalizar

atraveacutes dos termos (quase sempre teacutecnicos) aquilo de que a obra original tratava no respectivo

passo em vez de descrever o que teoricamente Proclo (seja quem for) fazia sem antes

introduzir qual era o objeto ou o toacutepico teoacuterico em questatildeo podendo ater-se ou natildeo a ele

(contrastem-se por exemplo os paraacutegrafos 17 e 69 ndash 78 com os derradeiros referentes agraves

uacuteltimas espeacutecies meacutelicas 93 ndash 99) Se considerarmos como quer Severyns que kriacutesis

poiemaacutetos natildeo eacute um desses termos topicalizados e que ldquonatildeo expressariam senatildeo uma ldquoideia

bem geral natildeo remontando de modo algum agrave sexta parte da arte gramatical tal qual a definiu

Dioniacutesio Traacuteciordquo (sendo um problema exatamente os trechos que aqui sublinho pois assumo

que os termos gregos em si natildeo precisariam ser obrigatoriamente uma citaccedilatildeo tratando-se de

um nome jaacute convencionado para essa atividade) este seria o uacutenico trecho do epiacutetome em que

isso acontece ie em que primeiro se comentaria o que o autor do tratado original faz

(ldquocontinua suas reflexotildees sobre poesiardquo) para soacute depois introduzir o que seria o toacutepico

assinalado a ldquodistinccedilatildeo entre caraacuteter e afetordquo Um outro problema surgiria aqui argumento

favoraacutevel a hipoacutetese defendida se ethos e pathos satildeo os termos teacutecnicos que topicalizam a

passagem ie satildeo o assunto do passo equivalente no suposto texto original entatildeo faltaria

como para os demais casos em que o toacutepico natildeo se explica por um desdobramento da

etimologia uma miacutenima explanaccedilatildeo teoacuterica para ambos como imediatamente antes se fez

para os moldes do dicurso e seus viacutecios Natildeo seria verossiacutemil que se abrisse matildeo dessa

explanaccedilatildeo uma vez que tal distinccedilatildeo entre ethos e pathos natildeo seria menos conhecida que a

doutrina dos gecircneros do discurso Em outras palavras se esse fosse o toacutepico do devido

momento do tratado a que o resumidor se referiria a julgar pelo padratildeo observado referir-se-

ia a ele imediatamente portanto eacute de supor contrariamente que krisis poeiemaacutetos o eacute antes

de diaphoraacute eacutethous kaigrave paacutethos o que inclusive torna mais compreensiacutevel e justificado o

relativo neutro que introduz a segunda oraccedilatildeo

Como uma crestomatia de gramaacutetica aqui entendida como as letras condensando

princiacutepios que em origem satildeo de diferentes disciplinas (gramaacutetica poeacutetica e retoacuterica em

geral) parece razoaacutevel que assim como se falava da doutrina dos gecircneros da elocuccedilatildeo nos

trechos anteriores da obra objeto comum agrave poeacutetica e agrave retoacuterica a distinccedilatildeo entre eacutethos e

41

paacutethos estivesse aqui entre os elementos que eram julgados na avaliaccedilatildeo da poesia Esta liccedilatildeo

parece coerente com o fato de que pelo menos ateacute onde Foacutecio nos daacute notiacutecia apoacutes as

consideraccedilotildees sobre a elocuccedilatildeo (e a doutrina referente a seus gecircneros) seguissem-se esses

dois outros elementos que de acordo com a retoacuterica explicitam-se no discurso

A proacutepria consideraccedilatildeo dos dois termos jaacute eacute um problema pois mesmo em

Aristoacuteteles trazem dificuldade Como se sabe na Retoacuterica o caraacuteter eacute do orador aquele que

fala a paixatildeo suscita-a no ouvinte por meio do discurso a fim de movecirc-lo Eacute logo no livro I

que Aristoacuteteles apresenta essa doutrina dos trecircs meios da persuasatildeo loacutegos eacutethos e paacutethos ou

discurso caraacuteter e afeto Eacute proacuteprio da arte principalmente o primeiro o discurso pois em

condiccedilotildees ideais jurados e ouvintes natildeo se deixam levar pelas paixotildees que oradores treinam

para despertar naqueles que os ouvem Como no entanto o tratado assume por objeto a

persuasatildeo e define a retoacuterica como teacutecnica que a produz (antiacutestrofe da dialeacutetica que produz

verdade) aborda igualmente afeto ndash para esclarecer como suscitado persuade ndash e caraacuteter ndash

pois se as palavras do orador natildeo forem condizentes com a noccedilatildeo de caraacuteter que dele fazem

os ouvintes natildeo se deixaratildeo convencer por julgaacute-lo mentiroso Em termos gerais talvez

pudeacutessemos dizer que na Retoacuterica os trecircs elementos satildeo em um primeiro momento

pensados em si para posteriormente serem considerados como os trecircs fatores ou causas cujo

resultado eacute o convencimento

Natildeo eacute assim poreacutem que os mesmos elementos satildeo considerados na Poeacutetica por conta

da proacutepria conceituaccedilatildeo aristoteacutelica do objeto (o que seraacute discutido mais adiante) neste

tratado Aristoacuteteles cirscunscreve a noccedilatildeo de eacutethos e pathos diferentemente pois trata os

termos como partes de uma imitaccedilatildeo e eacute nos limites desse conceito que surge a dificuldade A

imitaccedilatildeo que define a poesia eacute muito especiacutefica accedilatildeo Trata eacutethos e paacutethos portanto como

elementos que precisam ser representados de maneira condizente para que a imitaccedilatildeo seja

bem sucedida Na descriccedilatildeo da mimese caraacuteter eacute uma das partes qualitativas da trageacutedia

conforme definidas no cap VI da Poeacutetica mito caraacuteter e pensamento seriam as partes

equivalentes a ldquoo querdquo se imita (a mateacuteria) conforme delimitado nos cap I II e III em que o

filoacutesofo expotildee os criteacuterios pelos quais pensa o objeto elocuccedilatildeo e melopeia as partes

equivalentes agravequilo ldquoem querdquo se imita (os meios lembrando que a melopeia equivale ao que

em outras passagens seraacute nomeado apenas ldquomelosrdquo ou ldquocanccedilatildeordquo e refere-se agraves passagens

corais) espetaacuteculo refere-se a ldquocomordquo se imita (o modo)38

38 Poeacutetica VI 1449b 21 ndash 1450a 15

42

Como afirmaraacute ainda no cap VI natildeo eacute objetivo da poesia imitar caracteres mas os

caraceteres satildeo postos em cena apenas em funccedilatildeo da accedilatildeo ie este ou aquele caraacuteter eacute posto

em cena para que a accedilatildeo tenha este ou aquele desdobramento afinal ndash continua dizendo ndash os

eventos e o mito satildeo o fim da trageacutedia e o fim eacute o que haacute de mais importante Portanto o

caraacuteter de certa personagem conhecido do puacuteblico deve apenas ser condizente com o que

desdobramento esperado da accedilatildeo Natildeo agrave toa na mesma passagem Aristoacuteteles afirmaraacute que eacute

possiacutevel trageacutedia sem caraacuteter apenas com accedilatildeo mas natildeo o contraacuterio39 Os uacutenicos termos que

Aristoacuteteles nos fornece para analisar o caraacuteter presente em uma composiccedilatildeo poeacutetica satildeo esses

Natildeo se trata portanto de um caraacuteter presente talvez na elocuccedilatildeo poeacutetica mas simplesmente

o caraacuteter que se pode ou deve representar em funccedilatildeo de uma accedilatildeo mimetizada Esse criteacuterio

portanto mal pode ser aplicado agrave poesia que natildeo se pode analisar nos termos aristoteacutelicos da

imitaccedilatildeo de accedilatildeo Tal noccedilatildeo de eacutethos natildeo nos exclarece qual seria a diferenccedila a que o epiacutetome

se refere

Quanto ao afeto ou paacutethos a noccedilatildeo parece ateacute um pouco mais distante paacutethos na

Poeacutetica eacute a terceira parte do mito descrita como um padecimento na accedilatildeo como algo

destrutivo ou doloroso tal padecimento eacute um efeito e um desdobramento da accedilatildeo Natildeo eacute algo

portanto que se representa a priori poreacutem mais um elemento atrelado ao mito que se

representa por meio de palavra (elocuccedilatildeo ou melopeia) e subordinado a ele Natildeo agrave toa ao fim

do cap 19 da Poeacutetica na transiccedilatildeo para a seccedilatildeo final sobre a elocuccedilatildeo diz Aristoacuteteles

[]Περὶ μὲν οὖν τῶν ἄλλων εἰδῶν εἴρηται λοιπὸν δὲ περὶ λέξεως καὶ

διανοίας εἰπεῖν τὰ μὲν οὖν περὶ τὴν διάνοιαν ἐν τοῖς περὶ ῥητορικῆς

κείσθω τοῦτο γὰρ ἴδιον μᾶλλον ἐκείνης τῆς μεθόδου ἔστι δὲ κατὰ

τὴν διάνοιαν ταῦτα ὅσα ὑπὸ τοῦ λόγου δεῖ παρασκευασθῆναι μέρη

δὲ τούτων τό τε ἀποδεικνύναι καὶ τὸ λύειν καὶ τὸ πάθη παρασκευάζειν

(οἷον ἔλεον ἢ φόβον ἢ ὀργὴν καὶ ὅσα τοιαῦτα) καὶ ἔτι μέγεθος καὶ

μικρότητας δῆλον δὲ ὅτι καὶ ἐν τοῖς πράγμασιν ἀπὸ τῶν αὐτῶν ἰδεῶν

δεῖ χρῆσθαι ὅταν ἢ ἐλεεινὰ ἢ δεινὰ ἢ μεγάλα ἢ εἰκότα δέῃ

παρασκευάζειν πλὴν τοσοῦτον διαφέρει ὅτι τὰ μὲν δεῖ φαίνεσθαι

ἄνευ διδασκαλίας τὰ δὲ ἐν τῷ λόγῳ ὑπὸ τοῦ λέγοντος

παρασκευάζεσθαι καὶ παρὰ τὸν λόγον γίγνεσθαι τί γὰρ ἂν εἴη τοῦ

λέγοντος ἔργον εἰ φαίνοιτο ᾗ δέοι καὶ μὴ διὰ τὸν λόγον

(Aristoacuteteles Poeacutetica 1456a 33 ndash 1456b 8)

ldquoSobre as demais partes jaacute se falou restando falar sobre a elocuccedilatildeo e o

pensamento Fique para os escritos sobre retoacuterica o que tangencia o

pensamento pois isso eacute mais proacuteprio do meacutetodo daquela Eacute referente

ao pensamento o quanto se deve provir pelo discurso Satildeo seus

39 Idem VI 1450a 19 ndash 23

43

elementos o demonstrar o refutar e o prover afetos (como piedade ou

horror ou raiva e todas essas coisas) e ainda grandeza e pequenez Eacute

evidente que tambeacutem se deve servir-se desses elementos nos

acontecimentos quando se devem prover coisas piedosas terriacuteveis

grandiosas ou possiacuteveis entretanto com tal diferenccedila naquele caso

devem aparecer sem elucidaccedilatildeo neste devem ser providas no

discurso pelo falante e ocorrer junto ao discurso pois qual seria a

funccedilatildeo do que fala se aparecessem como devem mas natildeo atraveacutes do

discursordquo

(Trad do autor)

Ora aqui Aristoacuteteles deixa claro que sendo a poesia imitaccedilatildeo de accedilatildeo atraveacutes da

palavra mesmo os afetos decorrentes nas accedilotildees satildeo representados e postos em cena por via da

palavra ie da elocuccedilatildeo Como um fenocircmeno por si soacute natildeo restrito agrave poeacutetica isso eacute objeto

da retoacuterica e por isso a seccedilatildeo seguinte sobre a elocuccedilatildeo trataraacute do que eacute proacuteprio da elocuccedilatildeo

poeacutetica

Ateacute aqui portanto a uacutenica noccedilatildeo que talvez possa nos servir seja a de que tanto caraacuteter

quanto afeto se transparecem na imitaccedilatildeo pela palavra o fazem nela Ainda assim na

conceituaccedilatildeo aristoteacutelica isso se daacute naquele que eacute um actante representado ou natildeo por um

ator ie por aquele que eacute agente de uma accedilatildeo Por isso mesmo no referido capiacutetulo VI

arrolando e definido as seis partes qualitativas citadas definiraacute pensamento como aquilo ldquoem

quanto os falantes demonstram algo ou revelam sua opiniatildeordquo e caraacuteter como aquilo ldquode

acordo com o que dizemos que os agentes satildeo certas coisasrdquo40

Para tentar supor o que significariam caraacuteter e afeto no acircmbito do comentaacuterio do

gramaacutetico ao abordar um texto talvez possamos buscar uma pista em textos semelhantes ao

menos a fim de entender em um primeiro momento se esses conceitos eram levados em

conta Sobre o caraacuteter haacute uma passagem que pode ser esclarecedora O Escoacutelio a Dioniacutesio

Traacutecio (471 26 ndash 472 12) traz uma boa descriccedilatildeo dos diferentes elementos que satildeo objeto da

avaliaccedilatildeo empreendida nesta atividade em questatildeo a qual como se sabe (e isso tambeacutem nos eacute

relevante) opotildee-se natildeo soacute em gramaacuteticos mas daiacute tambeacutem em reacutetores (como Dioniacutesio de

Halicarnasso e Quintiliano) agrave syacutegkresis ie natildeo se trata mais da avaliaccedilatildeo apenas mas da

avaliaccedilatildeo conjunta o discernimento dos poetas e obras considerados conjuntamente a

comparaccedilatildeo

ltἝκτον κρίσις ποιημάτωνgt] Τίνι διαφέρει κρίσις συγκρίσεως καὶ

πότερον αὐτῶν ἐπαναβέβηκεν Λεκτέον ὅτι πρῶτον ἡ κρίσις τὸν

40 Idem 1450a 4 ndash 7

44

συγκρίνοντα γὰρ πρότερον αὐτῶν ἑκάτερον δεῖ κρῖναι καὶ ὁ μὲν

συγκρίνων καὶ κρίνει ὁ δὲ κρίνων οὐ πάντως καὶ συγκρίνει

Πότερον δὲ ὁ γραμματικὸς κρείττων ὢν τῶν ποιητῶν κρίνει αὐτῶν τὰ

ποιήματα ἢ ἥττων Καὶ εἰ μὲν κρείττων δώσομεν καὶ αὐτὸν εἶναι

ποιητήν εἰ δὲ ἥττων πῶς κρίνει Ῥητέον οὖν ὅτι κρίνει οὐχ ᾗ ποιητής

ἐστι κρείττων αὐτῶν ἀλλ ᾗ τεχνίτης ἐστὶ τῆς ὕλης τῆς ἐκείνων καὶ

τῶν ὀργάνων οὐ γὰρ κρίνει εἰ καλῶς αὐτοῖς γέγραπται ἢ οὔ ἀλλ εἰ

νόθα ἢ γνήσια πολλὰ γὰρ νοθευόμενά ἐστιν ὡς ἡ Σοφοκλέους

Ἀντιγόνη ndash λέγεται γὰρ εἶναι Ἰοφῶντος τοῦ Σοφοκλέους υἱοῦ

Ὁμήρου τὰ Κυπριακὰ καὶ ὁ Μαργίτης Ἀράτου τὰ Θυτικὰ καὶ τὰ Περὶ

ὄρνεων Ἡσιόδου ἡ Ἀσπίς

Κρίνει δὲ πρῶτον μὲν ὁρῶν εἰς τὴν λέξιν εἰ συνήθης ἐστὶ τῷ ποιητῇ

ἔπειτα εἰς τὸ πλάσμα τῆς συνηθείας εἶτα εἰς τὴν τῆς φράσεως

εὐκολίαν ἢ σκληρότητα εἶτα καὶ εἰς τὴν ἱστορίαν οἱ μὲν γὰρ χαίρουσι

ταῖς ξενιζούσαις ἱστορίαις αἱ δὲ ταῖς κοιναῖς εἶτα ἀπὸ τῶν χρόνων

Ἀρετὴ δὲ ποιήματος ἡ περὶ λέξιν σαφήνεια σύνθεσις τοῦ μέτρου

εὔρυθμος κυριολεξία σχήματα ταῦτα τῆς λέξεως τὰ δὲ περὶ διάνοιαν

οἰκονομία τάξις ἤθη ἐν προσώποις εἰ ltοἱgt μῦθοι ἁρμόδιοι καὶ τὰ

πλάσματαrdquo41

(Scholia in Dionysium Thracem Scholia Londinensia 471 26 ndash 472

12)

Sexta a avalaiccedilatildeo de poemasrsquo ndash Em que difere a avaliaccedilatildeo da

comparaccedilatildeo e qual delas precede Deve-se dizer que a avaliaccedilatildeo vem

primeiro quem estaacute comparando deve primeiro apreciar cada um dos

elementos e quem compara tambeacutem aprecia mas quem aprecia nem

sempre compara

Havendo os maiores poetas o gramaacutetico faz a avaliaccedilatildeo deles ou dos

inferiores Se principalmente dos melhores concederemos que seja

tambeacutem poeta se dos inferiores como aprecia Deve-se dizer

portanto que faz a avaliaccedilatildeo natildeo da maneira pela qual um poeta eacute

melhor do que outros mas de que maneira eacute um artiacutefice do material

deles e de seus instrumentos Pois natildeo aprecia se algo estaacute belamente

escrito com esses ou natildeo mas sua espuriedade ou legitimidade pois

muitos satildeo os escritos considerados espuacuterios como a Antiacutegona de

Soacutefocles ndash pois se diz que eacute de Iofatildeo o filho de Soacutefocles ndash As

Cipriotas e o Margites de Homero As Sacirficiais de Arato e Sobre os

Paacutessaros o Escudo de Hesiacuteodo

Aprecia primeiro visando a dicccedilatildeo se eacute usual ao poeta em seguida o

molde desse uso depois a fluidez ou a dureza da frase depois

visando a histoacuteria uns se comprazem mais nas histoacuterias que satildeo

exoacuteticas outros nas comuns depois aprecia a partir do periacuteodo

cronoloacutegico A virtude do poema satildeo a clarera que tange a dicccedilatildeo a

composiccedilatildeo do metro a regularidade da linguagem ordinaacuteria42 - essas

41 Commentaria In Dionysii Thracis Artem Grammaticam Scholia Londinensia (partim excerpta ex Heliodoro)

in ldquoGrammatici Graeci vol 13rdquo Ed Hilgard A Leipzig Teubner 1901 Repr 1965 Page 471 42 Entendendo-se aqui ldquoordinaacuteriardquo como a padratildeo ie a do dia a dia sem tropoi natildeo ornada Daiacute que a ideia de

ldquoeurritmiardquo a palavra grega deve se referir tanto a sua regularidade ie sua frequecircncia ou sua ocorrecircncia em

medida devida como tambeacutem agrave eufonia ie sua adapatabilidade ou sua consonacircncia com o metro elemento

anteriormente mencionado

45

satildeo as configuraccedilotildees da dicccedilatildeo quanto as que tangem o pensamento

organizaccedilatildeo ordenaccedilatildeo os caracteres nas personagens se

acomodados satildeo os mitos e seus moldesrdquo

(Traduccedilatildeo do autor)

Para o escoliasta a finalidade do gramaacutetico ao empreender a kriacutesis poiemaacuteton natildeo eacute

avaliar se entre eles poetas escreve-se belamente (essa seria a finalidade da syacutegkresis) mas a

ldquoespuriedaderdquo e a ldquolegitimidaderdquo (

Entre os diferentes aspectos considerados chamam a atenccedilatildeo natildeo

soacute aqueles de caraacuteter estrutural que tambeacutem satildeo objetos de um reacutetor como o do Tratado Da

Composiccedilatildeo das Palavras mas elementos mais proacuteprios da concepccedilatildeo da obra da sua

inventio confluindo com o que se concebe nos textos de poeacutetica como ldquoo que tange o

pensamentordquo ldquoos caracteres nas personagensrdquo e ldquose acomodados satildeo os mitos e seus

moldesrdquo Natildeo se pretende aqui que isto era trabalho da gramaacutetica e dessa sua parte em geral

mas sim ressaltar que mesmo nesta kriacutesis oposta agrave syacutegkrisis no iniacutecio da empiria o escoliasta

nos fornece o testemunho de que para desempenhar sua funccedilatildeo o gramaacutetico tambeacutem

precisava eventualmente julgar a confecccedilatildeo dos caracteres e a pertinecircncia dos mitos o que

inevitavelmente nos remete ao capiacutetulo 2 da Poeacutetica de Aristoacuteteles (e o quanto diz sobre

eacutethos bem como agrave parte da poeacutetica que em geral por via horaciana passamos a denominar

invenccedilatildeo) segundo a qual como a imitaccedilatildeo eacute imitaccedilatildeo de agentes eacute necessaacuterio que sejam

representados segundo certo caraacuteter (melhores ou piores do que noacutes)

Portanto natildeo eacute de espantar que assim como os tropos e figuras empregados pelos

poetas por exemplo configurem um caso claro de objeto comum a ser explicado tanto pelo

gramaacutetico quanto pelo reacutetor eacutethos e paacutethos na condiccedilatildeo de elementos que passam a ser

entendidos como inerentes ao discurso (e essa assunccedilatildeo como demonstrado ainda que com

suas especificidades jaacute se encontra no proacuteprio Aristoacuteteles) sejam observados e analisados por

qualquer um que se debruce com certa finalidade sobre uma composiccedilatildeo discursiva em verso

ou em prosa para aplicar mais uma vez o criteacuterio maior e tatildeo relevante desde o iniacutecio para

nossa leitura do epiacutetome ie a distinccedilatildeo prosa-poesia (Cf sect3 318b 24 ndash 26 Traduccedilatildeo paacuteg

110)

Isso se verifica indubitavelmente quando passamos para a syacutegkrisis de que podemos

tomar como exemplo o livro II do tratado Da Imitaccedilatildeo de Dioniacutesio de Halicarnasso e as

diversas passagens em que diferencia poetas e prosadores dos diferentes gecircneros pelo trato

que datildeo a eacutethos e paacutethos (cf 31 2 1 - Homero 31 2 5 ndash Piacutendaro uma de suas virtudes a ser

observada eacute a ethopoiiacutea ou simplesmente confecccedilatildeo de caracteres em que esses se

46

destacam pela prudecircncia piedade e magnificecircncia [sofrosyacutene eusebeiacutea megalopreacutepeia] 31

2 7 ndash Estesiacutecoro os caracteres e os valores das personagens [eacutethe kaigrave axioacutemata toacuten

prosoacutepon] 31 2 8 ndash Alceu Dioniacutesio chama a atenccedilatildeo para o caraacuteter de todos os seus

poemas poliacuteticos [hapaacutenton tograve toacuten politikoacuten poiemaacuteton eacutethos] etc seguem-se os dramaturgos

os oradores historiadores)

Haacute por isso trecircs observaccedilotildees que aqui se julgam necessaacuterias e passiacuteveis de serem

pontuadas a fim de se interpretar essa obscura passagem do epiacutetome

A 1a eacute concernente a essa comparaccedilatildeo eacute atraveacutes dela que se estabelecem os piacutenakes

ou listagens dos melhores poetas ie aqueles cujas virtudes devem ser imitadas como se

observa em autores como o referido Dioniacutesio de Halicarnasso no tratado em que aborda a

miacutemesis Quintiliano e quantos outros que se preocupam em fornecer modelos

A 2a eacute que o epiacutetome traz para cada um dos gecircneros que menciona e resume

brevemente (exceto pela poesia meacutelica ldquopor de mais pluralrdquo segundo o proacuteprio texto) uma

listagem igualmente breve de autores Isso natildeo quer dizer que o tratado se ocupava da

comparaccedilatildeo detalhada mas que certamente compreendia as praacuteticas descritivas comuns aos

textos mencionados e estaria nesse universo textual que se torna especiacutefico tambeacutem do

gramaacutetico Eacute de supor portanto que neste passo o texto tratasse de outros aspectos que

julgava pertinentes agrave avaliaccedilatildeo da poesia ndash mesmo que concentrado em aspectos da inventio ndash

na referida fronteira em que os textos sobre doutrina poeacutetica retoacuterica ou gramaacutetical podiam

tangenciar-se e tratar do mesmo objeto focando mais este ou aquele aspecto de acordo com

sua finalidade A finalidade da Crestomatia ao que se infere pelo menos de seu tiacutetulo

completo (Crestomatia de Letras Literaacuteria ou de Gramaacutetica) e da proacutepria composiccedilatildeo da

palavra jaacute discutida khrestomaacutetheia pretendia fornecer o quanto fosse uacutetil para se apreciar o

que diriacuteamos hoje composiccedilotildees ldquoliteraacuteriasrdquo as ldquoletrasrdquo e aqui devia trazer o quanto julgava

conveniente da ocupaccedilatildeo de julgar avaliar ou seja apreciar poemas de que Foacutecio ou o

resumidor em geral destaca provavelmente por julgar o mais valioso do suposto trecho da

obra original a doutrina sobre eacutethos e paacutethos que como se viu acima poderia ser objeto do

gramaacutetico mesmo se tomassemos aquela kriacutesis de Dioniacutesio Traacutecio no seu sentido mais estrito

de ldquojulgamentordquo da autenticidade do texto Que essa distinccedilatildeo fosse doutrinalmente tratada

nesta passagem parece plenamente verossiacutemil se notarmos que apoacutes uma distinccedilatildeo pelo

criteacuterio de quantidade quanto agrave natureza da prosa e da poesia o tratado por tomar como seu

fio condutor para esta primeira parte a elocuccedilatildeo seguia esquematicamente pela triparticcedilatildeo da

retoacuterica que se em Aristoacuteteles refere-se aos meios pelos quais se produz persuasatildeo na

tratadiacutestica posterior (de que Dioniacutesio de Halicarnasso eacute oacutetimo exemplo) que considera a

47

poesia pela elocuccedilatildeo configura os trecircs aspectos segundo os quais se avalia a composiccedilatildeo em

geral

Bem como outros autores propotildeem para esta passagem suas leituras perifraacutesticas aqui

se julga que a mais adequada seria ldquoprossegue fazendo [suas] consideraccedilotildees [refletindo] sobre

a avaliaccedilatildeo de poesia no que transmite [dentre outras coisas] a doutrina sobre a diferenccedila

entre caraacuteter e paixatildeordquo

A 3a e uacuteltima refere-se ao que seriam esse eacutethos e paacutethos em certos tipos de poemas eacute

compreensiacutevel seguindo a liccedilatildeo de Aristoacuteteles que estejam presentes em uma obra cujo

objeto eacute uma accedilatildeo composta de agentes etc uma obra ldquonarrativardquo no nosso sentido moderno

da palavra a eacutepica a trageacutedia etc Como isso se dava poreacutem em um melos ou em uma

elegia Podemos considerar primeiramente que num poema como um epiniacutecio pindaacuterico se

natildeo se circunscreve ao polecircmico criteacuterio da Poeacutetica de Aristoacuteteles de ser miacutemesis de accedilatildeo

pode trazer um mito (no caso de Piacutendaro quase sempre) como seu ornato ou alusotildees

histoacutericas e miacuteticas Inevitavelmente aiacute em se contando algo e portanto representando

agentes ou personagens simplesmente representar-se-atildeo caracteres e afetos inevitavelmente

Segundo haacute que se considerar tambeacutem o que poesia ldquonarrativardquo passa a significar para a

tratadiacutestica posterior a Aristoacuteteles bem como o fato de que aquela figura falante num poema

de gecircnero meacutelico aquela voz poeacutetica que reporta ela mesma por via da elocuccedilatildeo traz caraacuteter

e afeto Eacute nesse sentido que o comentaacuterio de Dioniacutesio de Halicarnasso (op cit) agrave poesia de

Alceu na referida passagem serve otimamente de exemplo ldquodispa-lhe algueacutem do metro em

vaacuterios lugares descobriria oratoacuteria poliacuteticardquo Para que esse caraacuteter advenha do discurso

retirado o metro como se a composiccedilatildeo fosse um discurso poliacutetico deve ser inerente ao

proacuteprio discurso e natildeo inerente a uma personagem

O termo grammatikeacute aqui portanto (principalmente depois das praacuteticas filoloacutegicas

alexandrinas) eacute abrangente e envolve o quanto se pode saber a fim de instruir na

compreensatildeo da arte que opera com a palavra mesmo que haurido de diferentes doutrinas ou

aacutereas do saber antigo Essa funccedilatildeo de instruir a princiacutepio circunscrevia-se ao ofiacutecio do

gramaacutetico que adotava como modelo para essa instruccedilatildeo exatamente os poetas como o

pedagogo da Greacutecia Antiga contra quem Platatildeo se insurge

Essa ocupaccedilatildeo passa a abarcar diferentes aspectos que naturalmente tangenciam

outras aacutereas do saber letrado que se debruccedilaram sobre a palavra assim o gramaacutetico se torna o

erudito das letras por excelecircncia o filoacutelogo Sobre esse ponto vale citar as consideraccedilotildees de

48

Ferrante que pensa de maneira semelhante a associaccedilatildeo da Crestomatia de Proclo agrave

gramaacutetica e a citaccedilatildeo que faz a respeito

A conforto di questo apelativo da me dato allrsquo autore dela

Crestomazia egrave necessaacuterio citare um passo dela Filologia Claacutessica

dellrsquo Inama (Hoepli Milano 1854 pagg 1 ndash 2) lsquoLa parola filoacutelogo

( ) la quale secondo la sua etimologia non voleva dir altro

da principio che amante dela conversazione ma di uma conversazione

colta ed eletta ( ) venne a designare al tempo degli

alessandrini nel III sec a GC uma classe di studiosi distinti da

quelli43 molto affini dei critici ( ) e dei grammatici

( ) Mentre i grammatici si occupavano soprattutto di

liacutengua e di questioni letterarie ed i critici della correzione ed

interpretazione dei testi degli scittori antichi i fillogi invece avevano

per oggetto preciacutepuo dei loro studi lrsquoerudizione mitologica storica

antiquaria Questi corripondevano a quelli che oggidi diciamo dotti ed

eruditi ecc ecc

(Inama apud Ferrante Crestomazia Introduzione Casa Editrice

Armanni Napoli 1957 pg 13)

Ferrante destaca a atuaccedilatildeo de filoacutelogo que o gramaacutetico passa a ter no periacuteodo

heleniacutestico como responsaacutevel pela ediccedilatildeo dos textos daqueles que para eles jaacute eram

ldquoantigosrdquo Pontua inclusive que essa funccedilatildeo desse erudito supunha conhecimentos do que

hoje noacutes diriacuteamos ldquoliteraturardquo ie dos gecircneros literaacuterios mais especificamente e natildeo do que

noacutes modernos pensamos como ldquoos estudos literaacuteriosrdquo que supotildeem ndash mais precisamente ndash

uma seacuterie de categorias e criteacuterios associados ao termo os quais por se tornarem o foco

mesmo ou os preceitos da chamada ldquoanaacutelise literaacuteriardquo constituem o objeto de uma maneira

estranha aos antigos Como fulcro comum talvez se pudesse postular que essa atividade de

exegese literaacuteria era no rigor da palavra grega graacutemmata uma exegese ou descritiva ou

prescritiva ou ambas de todas as atividades envolvendo as letras ou em se preferindo as

praacuteticas letradas

Natildeo poderiacuteamos saber contudo se a obra atribuiacuteda a Proclo trataria tambeacutem da prosa

uma vez que ela eacute menciona na distinccedilatildeo inicial do coacutedice e diferentes indiacutecios apontam para

um texto que estaacute incompleto Pelo que se poderia deduzir da introduccedilatildeo de Dioniacutesio Traacutecio agrave

empiria como o interesse do gramaacutetico era o uso linguiacutestico dos doutos em se assumindo que

ldquosyggrapheucircsinrdquo tambeacutem se referiria e abarcaria os prosadores em geral talvez ao utilizar seu

conhecimento para instruir esse gramaacutetico-filoacutelogo aos moldes heleniacutesticos tambeacutem se

43 Afinal passa-se gradativamente de um mundo da fala para um mundo do registro escrito

49

dedicasse aos gecircneros de composiccedilatildeo em prosa e tratasse daqueles que copunham

historiagrafia e oratoacuteria Por outro lado a julgar pelo padratildeo ie pelo que se observa em

outras obras a oratoacuteria como objeto da retoacuterica tem seus grandes exemplos comentados e

analisados nos autores que se incumbem dessa arte que tendem a demosntrar o que

descrevem com exemplos que aleacutem dos oradores focam-se por vezes nos historiadores como

o faz por exemplo Dioniacutesio de Halicarnasso Natildeo eacute de mais ressaltar que mesmo no caso da

oratoacuteria os tratadistas sempre buscam os exemplos dos poetas como modelo praacutetica

recorrente no citado Dioniacutesio de Halicarnasso e em Quintiliano no caso dos latinos de modo

geral observa-se que quando o foco eacute a instruccedilatildeo em algum aspecto do saber das letras o

modelo tende a serem os poetas Portanto haacute indiacutecios sufientemente plausiacuteveis para se

argumentar contrariamente que natildeo seria proacuteprio dessa Crestomatia de Letras tratar da

prosa mas que inevitavelmente para concentrar-se na poesia como seu objeto precisa crivaacute-

la delimitaacute-la em oposiccedilatildeo agrave prosa principalmente se aborda o tema pelo vieacutes (a ser

comentado) da elocuccedilatildeo Por fim deve-se ressaltar que cada uma dessas que denominamos as

doutrinas antigas se pretendia uma teacutecnica em si teacutecnica retoacuterica teacutecnica gramatical etc

portanto cada uma visava a um fim proacuteprio Vimos tanto no prefaacutecio da gramaacutetica de Dioniacutesio

Traacutecio quanto em seu escoacutelio aquilo a que visa essa teacutecnica Por isso mesmo como uma

crestomatia sobre gramaacutetica mas natildeo uma gramaacutetica propriamente eacute natural que nosso

epiacutetome aborde temas proacuteprios desse ofiacutecio na abrangecircncia que passa a ter apoacutes os

alexandrinos a fim de exlcarecer e instruir a fim de minimamente coligir informaccedilatildeo uacutetil a

repeito do assunto sem ser ela mesma no entanto uma gramaacutetica um manual da Ars Essa

hipoacutetese se aventa principalmente do cotejo entre o epiacutetome e o livro III da Ars Grammatica

de Diomedes que se concebe como uma pequena coleccedilatildeo de gecircneros e espeacutecies poeacuteticas que

natildeo tatildeo abrangente quanto a Crestomatia segue os mesmos criteacuterios do epiacutetome deixando-

nos entrever portanto uma espeacutecie de ldquocriteacuterio gramaticalrdquo com que se tratava da poesia com

a finalidade tatildeo simplesmente de classificaacute-la (v infra cap 3)

Assim se explicaria o tiacutetulo da obra trata-se de um texto que colige de diferentes

aacutereas quanto se eacute uacutetil saber sobre letras e por isso mesmo o epiacutetome refere a diferentes

seccedilotildees das doutrinas antigas ndash da retoacuterica a classificaccedilatildeo da elocuccedilatildeo pelas diferentes

possibilidades de moldaacute-la da poeacutetica os gecircneros enunciativos jaacute da poeacutetica e da etimologia

tangenciando a gramaacutetica as caracteriacutesticas dos gecircneros poeacuteticos (mateacuteria metro) associados

a seu nome e origem o que por vezes quando se descrevem as festas associadas a um

gecircnero por exemplo leva agrave etiologia etc Assim sendo se tanto o termo ldquogramaticalrdquo como

ldquoliteraacuteriardquo sugeririam dois extremos modernos que poderiam levar o leitor a uma interpretaccedilatildeo

50

equivocada optou-se aqui pela igualmente literal etimologicamente locuccedilatildeo adjetiva ldquode

Letrasrdquo pois que eacute fiel ao texto grego e pode remeter o leitor ao acircmbito das Belas Letras e das

praacuteticas letradas dos seacuteculos XVI XVII e XVIII em geral cujas convenccedilotildees supotildeem noccedilotildees

e praacuteticas mais afeitas ndash embora natildeo idecircnticas ndash agraves antigas uma vez que ao menos potildeem-se a

emulaacute-las

2 A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA ELOCUCcedilAtildeO

POESIA E RETOacuteRICA

21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO

Apoacutes o nome da obra e a informaccedilatildeo de que era composta de quatro livros ou quatro

arrazoados diferentes inicia-se o resumo da Crestomatia pelo procedimento padratildeo dos

diferentes epiacutetomes da Bilbioteca temos a estrura de discurso indeireto ou reportado ou seja

ldquoo autor diz querdquo e assim sucessivamente No caso desta obra em especiacutefico cada

enunciado traz uma liccedilatildeo de doutrina um ensinamento que se pode rastrear em outros textos

A primeira liccedilatildeo que nos traz eacute a distinccedilatildeo entre poesia e prosa distinccedilatildeo que seraacute

preponderante pelo menos ateacute o fim do epiacutetome destinado a classificar os gecircneros e as

espeacutecies da poesia Ao iniciar por essa distinccedilatildeo o epiacutetome daacute a entender que antes se

aplicava um criteacuterio habitualmente empregado na tratadiacutestica retoacuterica ie aborda-se o tema

pelo vieacutes mais amplo da elocuccedilatildeo Natildeo agrave toa se buscamos referecircncias para o que estaacute sendo

ensinado sobejam os textos de retoacuterica principalmente porque seguindo o criteacuterio de abordar

a elocuccedilatildeo todo o resto dessa primeira sessatildeo do epiacutetome por assim dizer focar-se-aacute numa

das formas que conhecemos da teoria dos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeo Apesar disso jaacute podemos

ver aqui a caracteriacutestica acima discutida a saber que esta crestomatia compendiava ou coligia

noccedilotildees ou liccedilotildees cujas origens remontavam a diferentes saberes

Comecemos pela distinccedilatildeo baacutesica

O termo loacutegos por designar ldquopalavrardquo mas tambeacutem a ldquofalardquo o ldquodiscursordquo eacute o termo

usado entre os gregos para designar a obra em prosa justamente como um discurso padratildeo

natildeo-poeacutetico nela empregado Define-se por oposiccedilatildeo a poiacuteesis em boa parte dos textos a

51

comeccedilar por Platatildeo quando opotildee os dois na conhecida passagem do livro III da Repuacuteblica

(390a)

Aristoacuteteles como se sabe emprega poietikeacute para designar o fazer ie a teacutechne que

procura delimitar e definir no tratado que recebe aquele nome Descrevendo a quarta parte

constitutiva da trageacutedia a elocuccedilatildeo (leacutexis) Aristoacuteteles (1450b 12 ndash 14) observa suas

diferentes maneiras de ocorrer (ldquoem palavrasrdquo ldquoem discursordquo ie ldquoem falardquo

apenas) e (ldquoem medida(s)rdquo ldquoem proporccedilatildeordquo ou simplesmente

ldquometrificadordquo) sem que isso como se sabe seja criteacuterio distintivo do que eacute ou natildeo poesia

Na Retoacuterica Aristoacuteteles tambeacutem se ocupa dessa diferenciaccedilatildeo pela elocuccedilatildeo e a distinccedilatildeo

entre prosa e poesia posteriormente acaba por se concentrar como uma questatildeo proacutepria

dessa

Assim Dioniacutesio de Halicarnasso no tratado da Composiccedilatildeo das Palavras (6 43 ndash 47)

apoacutes expor que todas as artes compartilham das mesmas normas de seleccedilatildeo e disposiccedilatildeo em

trecircs etapas (mais precisamente erga ldquodeveresrdquo tarefas sucessivas e complementares) propotildee

uma distinccedilatildeo mais especiacutefica do ponto de vista da elocuccedilatildeo entre discurso pedestre loacutegoi

pezoiacute e ldquopoeacuteticardquo Mais agrave frente (15 40 ndash 46) poieacutemata junto a meacutele contrapoem-se a loacutegoi

psiloiacute (discurso ordinaacuterio ou comum) e o que agrupa aqueles dois eacute que ldquosatildeo elaborados

atraveacutes de metro ou ritmordquo ( ) Como se observa

posteriormente o resultado da poieacutetikeacute o poiacuteema passa a ser igual e tecnicamente empregado

para designar a poesia em oposiccedilatildeo agrave prosa

Poesia e Prosa distinguem-se na elocuccedilatildeo natildeo pela qualidade (suas virtudes satildeo as

mesmas) mas pela quantidade A expressatildeo ldquono mais e no menosrdquo ( eacute

tiacutepica do grego para designar quantidade e em se tratando da elocuccedilatildeo poeacutetica ou oratoacuteria

deve naturalmente ser entendida no sentido de que como composiccedilotildees que se utilizam da

palavra as qualidades tanto da prosa como da poesia devem ser as mesmas mas quanto tenha

a prosa a poesia teraacute mais em maior proporccedilatildeo Essa doutrina jaacute eacute exposta por Aristoacuteteles

logo no comeccedilo do livro III da Retoacuterica dedicado agrave elocuccedilatildeo A elocuccedilatildeo do orador deve

parecer o menos distante quanto possiacutevel do natural do falar ldquoconversacionalrdquo (ldquodialogalrdquo

literalmente ndash ) enquanto a elocuccedilatildeo poeacutetica se distancia mais desse falar A

razatildeo os homens tendem a desconfiar daquilo em que lhes parece haver artificio Assim a

principal caracteriacutestica pleiteada pelo orador deve ser a clareza Qualquer elemento que torne

o discurso mais elevado por ornaacute-lo pode servir agrave prosa mas serve melhor agrave poesia pois pode

desviar o orador de seu principal objetivo que eacute tornar claro o significado (cf 1404b ndash

1405a) Para atingir essa clareza o que sobeja na poesia eacute empregado em menor nuacutemero na

52

prosa e apenas em algumas circunstacircncias dos nomes e verbos satildeo os proacuteprios que conferem

ao discurso clareza os demais tipos o ornam e satildeo justamente objeto da Poeacutetica

Semelhantemente a Aristoacuteteles Dioniacutesio de Halicarnasso (op cit idem) apoacutes expor

as referidas etapas do saber compositivo (synthetikeacute episteacuteme opcit 6 1 e sg) afirma ldquo

Esse princiacutepio eacute mais profuso [dapsileacutesteron] na poeacutetica e menos encontradiccedilo [spanioacuteteron]

no discurso pedestrerdquo

22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO

Sendo a elocuccedilatildeo o criteacuterio que orienta o estabelecimento dos primeiros ldquosaberes

proveitososrdquo dos primeiros elementos a serem informados ou ensinados passa-se a uma das

versotildees da exposiccedilatildeo da doutrina geralmente conhecida como dos ldquotrecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo

aqui na sua interpretaccedilatildeo por ldquotrecircs moldesrdquo

A traduccedilatildeo de plasma por ldquomolderdquo busca a referida literalidade da traduccedilatildeo e por

essa jaacute trazer algo proacuteprio da doutrina acerca dessas trecircs formas da elocuccedilatildeo ou como eacute mais

comumente designada dos ldquotrecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo ou genera dicendi Geralmente

traduzido por ldquoestilordquo perde-se a metaacutefora fiacutesica que classifica a elocuccedilatildeo como que por sua

forma externa sua forma fiacutesica Trata-se portanto das trecircs possiacuteveis formas de se amoldar

(do verbo plaacutesso) o discurso Emprega-se tambeacutem nos textos characteacuter que eacute a marca o

traccedilo impresso por um instrumento (do verbo charaacutesso) daiacute passando ao ldquotipordquo ao ldquotraccedilo

caracteriacutesticordquo portanto distintivo que tambeacutem abre margem para o que dizemos ldquoestilordquo

Quanto ao leacutexico da doutrina a maneira de Plutarco c I dC parece evidenciar o

conhecimento de duas nomenclaturas concorrentes nesse seacuteculo (Vita Homeri 72) ldquo()

rdquo ndash ldquo() tambeacutem satildeo caracteres

dos discursos os chamados moldesrdquo e logo os nomeia atraveacutes dos mesmos termos e ordem

que lemos aqui no coacutedice 236

De fato em Demeacutetrio seacutec II AC (De Eloc 36 1) a divisatildeo aparece sob o tiacutetulo de

charactecircres tecircs hermeneiacuteas ldquocaracaterestraccedilos da elocuccedilatildeordquo no tratado inteiro dedicado a

essa que eacute uma das partes do discurso

Dioniacutesio de Halicarnasso I AC emprega-os mormente e junto tambeacutem a leacutexis (De

Demosthenins Dictione 8 28 ndash 31) e a ldquocomposiccedilatildeordquo (a syacutenthesis De Compositione 21 15)

ie referindo-se agrave composiccedilatildeo como um todo e quando os nomeia na sua obra dedicada a

53

Demoacutestenes (33 21 ndash 23) fala em ldquotrecircs caracteres

geneacutericosprincipaistiacutepicosrdquo introduzindo um qualificativo relevante para o entendimento da

doutrina como dos gecircneros (categoria ampla e principalmente abrangente em relaccedilatildeo agrave

espeacutecie) possiacuteveis agrave elocuccedilatildeo de forma geral como se evidencia entre os latinos (Cf Ciacutecero e

Quintiliano infra pg 92) Em uma soacute passagem poreacutem Dioniacutesio que se serve variamente

das palavras testemunha o uso do outro termo para designar a doutrina e emprega tambeacutem

placircsma (De Dem Dict 34)

No mesmo seacuteculo a Retoacuterica a Herecircnio apresenta uma traduccedilatildeo literal da nossa

doutrina e sua triparticcedilatildeo (IV 8) na qual figura (do verbo fingere) verte da maneira mais fiel

e direta o grego jaacute que ambos os verbos servem nas respectivas liacutenguas para designar a arte

plaacutestica de modelar o estatuaacuterio figurar Natildeo se adotou aqui essa traduccedilatildeo latina porque jaacute na

retoacuterica e depois a palavra tambeacutem designaraacute as figuras de linguagem Preferiu-se outra

igualmente literal

Ciacutecero por exemplo (Orator 20) e Quintiliano (Institutiones Oratoriae XII 10 58)

empregaratildeo genera dicendi aproximando-se da noccedilatildeo ldquogeneacutericardquo de Dioniacutesio de

Halicarnasso

O escoacutelio de Dioniacutesio Traacutecio (449 26) eacute o mais chamativo ao empregar exatamente os

mesmo termos do coacutedice 239

Jaacute para tratar dos diferentes termos empregados para qualificar os gecircneros eacute

interessante a breve consideraccedilatildeo de Dioniacutesio de Halicarnasso antes de nomeaacute-los no tratado

De Compositione(21 15 ndash 18)

ldquo()

rdquo

ldquo() eu mesmo poreacutem natildeo tendo um nome oficial para designaacute-los como permanecem

inominados por nomes metafoacutericos chamo-osrdquo

(trad do autor)

Dioniacutesio mesmo afirma que os charactecircres natildeo possuem um nome definitivo ie de

caraacuteter oficial (kyacuterios) e natildeo havendo essa jurisprudecircncia de termos nomeia-os

metaforicamente

Diferentes metaacuteforas opositivas portanto satildeo empregadas nos diferentes textos

visando a representar mas igualmente delimitar e definir os limites entre os quais se ajusta a

54

elocuccedilatildeo originando um pequeno leacutexico que aparece misturado nas diferentes classificaccedilotildees

concomitantemente a diferentes interpretaccedilotildees da doutrina

Assim Demeacutetrio (op cit) propotildee quatro caracteres simples ndash o

ldquotecircnueesguiodelgadoexiacuteguordquo (ischnoacutes) o ldquomagnificenterdquo (megaloprepeacutes) o

ldquosuavepolidobrunidoeleganterdquo (glaphyroacutes) o

ldquotremendoterriacutevelimpetuosoveementeeneacutergicordquo (deinoacutes) ndash que se misturam (salvo os dois

primeiros que se definem pelo antagonismo) para formar todos os diferentes estilos

A julgar por Quintiliano jaacute seacuteculo I dC (XII 10 2 e sg no paralelo entre histoacuteria da

pintura e oratoacuteria) poder-se-ia pensar em tantas espeacutecies quantas elocuccedilotildees sendo possiacutevel

distingui-las em um niacutevel superior segundo o gecircnero A explicitaccedilatildeo desse raciociacutenio parece

condizente com o que se observa ao longo dos seacuteculo Assim eacute que apoacutes Demeacutetrio observa-

se um rearranjo da doutrina em trecircs tipos dos quais dois satildeo opostos e um supotildee a mistura e

dos quais a plenitude eacute variavelmente interpretada

Assim eacute que Dioniacutesio de Halicarnasso (De Dem Dict supra) parece empregar o

superlativo (hoigrave genikoacutetatoi) para distingir dentre os caracteres ldquomais geneacutericosrdquo primeiro

dois extremos o ldquotecircnuerdquo (ischnoacuten) e o ldquoelevadosublimerdquo(hypseloacuten) e depois um ldquomeio

termordquo (metaxyacute) No De Compositione como mencionado a doutrina eacute transposta para toda e

qualquer composiccedilatildeo em geral e o mesmo tratadista emprega outra terminologia (que pode

confundir-nos comparada agraves demais) a fim de nomear um dos gecircneros que julga o melhor

nomeia uma elocuccedilatildeo ldquoausterardquo (austeacuteran) por natildeo ser ornada uma ldquopolidardquo (glaphyraacuten

bem no sentido de ldquoeleganterdquo) ou ldquofloridardquo (antheacuteran) porque ornada e ndash a melhor ndash ldquobem-

solvidamisturadabalanceadordquo (euacutekratos)

A Retoacuterica a Herecircnio (supra) proporaacute a distinccedilatildeo por ordem decrescente um ldquograverdquo

(gravis que estaacute mais para o grego baryacutes mas tangencia a semacircntica de hadroacuten) um

ldquomedianomediacuteocrerdquo (mediocrismeacutesosmetaxyacute) e um ldquotecircnuerdquo (adtenuata sc figura em que

embaso minha traduccedilatildeo)

Ciacutecero (op cit 20 3) descreve os trecircs gecircneros com os vaacuterios adjetivos desse

vocabulaacuterio mas nomeia o orador ldquoque pratica a grandiloquecircnciardquo (grandiloqui) os ldquotecircnuesrdquo

(tenues) que fazem do discurso algo ldquoagudo aguccedilado adelgaccedilado afiadordquo (acuti) e haacute aquele

ldquoque se situa no meio entre os doisrdquo (interiectus inter hos) e o faz ldquomeacutediordquo (mediusmesos) e

ldquotemperado compoacutesito balanceadordquo (temperatusmetaxus eukratos)

Quintiliano provavelmente o mais abrangente preocupa-se em nos dizer quais os

nomes gregos com que se nomeiam os gecircneros e emprega o ldquosutilrdquo (subtile sinocircnimo de

tenuis ldquoexiacuteguo de pequena proporccedilatildeordquo) para ischnoacuten o ldquorobustordquo (robustum) para hadroacuten e

55

por fim como no coacutedice 239 descreve um terceiro que eacute o meio entre os dois (meacutedium ex

duobus) mas que no entanto designa como ldquofloridordquo (floritum antheroacuten)

221 O molde copioso

Embora jaacute se tenham contemplado duas possiacuteveis traduccedilotildees por correlatos latinos

(supra) ambas atentas ao peso (ldquograverdquo) ao volume e agraves proporccedilotildees (ldquorobustordquo) deste

gecircnero e embora se esperasse aqui a adoccedilatildeo de alguma delas por ldquocopiosordquo pretende-se

trazer ao eventual leitor lusoacutefono um termo que tente abranger outras noccedilotildees outros traccedilos

semacircnticos mais especificamente implicados no termo grego natildeo parece de mais remetecirc-lo

ao dicionaacuterio (Liddell amp Scott pg 25 9ordf ed) que sumarizo com a possiacutevel sinoniacutemia do

portuguecircs ldquogrosso volumoso espesso denso robusto forte vigoroso corpulento gordo

firme forte resistente soacutelido avultado maciccedilo pesadordquo A noccedilatildeo abstrata de coacutepia

abundacircncia aplica-se genericamente a todas qualidades observadas nos textos que descrevem

o placircsma principalmente agrave imagem de que possuindo mais ornato resulta numa forma num

molde fisicamente maior mais avultada por conter mais Eacute nesse sentido do uso do ornato

que ldquoenruga entumece avoluma a elocuccedilatildeordquo que se deve entender a segunda seacuterie de termos

que o descreve ldquomuitiacutessimo elaboradordquo (kataskeuasmeacutenon maacutelista) Aleacutem do superlativo

de intensidade maacutelista cujo emprego num texto como este um resumo eacute por demais

relevante no que pretende resumir deve-se lembrar que a palavra grega skeueacute tem a ver com

ldquoequipamento aparelho aparatordquo eacute por exemplo a equipagem do navio em contexto

naacuteutico os aparatos beacutelicos o equipamento da armadura em contexto militar pode ser a

indumentaacuteria do ator mas tambeacutem do sacerdote etc O verbo kataskeuaacutezo significa

literalmente prover por completo esse aparato ie preparar ou elaborar algo No contexto

retoacuterico-poeacutetico a palavra designa a elaboraccedilatildeo da obra em ato e portanto como qualidade

(Cf Dioniacutesio de Halicarnasso De Comp Uerb 1 6 et allia) Este placircsma eacute ldquomais elaboradordquo

no sentido de que eacute mais aparatado paramentado releva maior preparaccedilatildeo Embora essas

traduccedilotildees todas fossem possiacuteveis e caiacutessem bem neste contexto perder-se-ia a noccedilatildeo mesma

de como a doutrina antiga concebe esse processo de confeccionar a obra (amplamente

empregado por Dioniacutesio op cit) uma vez que elaborar em portuguecircs aleacutem de manter esse

significado mais abrangente conserva algo de se sua etimologia ie ldquotrabalhar laborarrdquo em

torno de algo Portanto deve-se lembrar de que neste contexto dos gecircneros da elocuccedilatildeo a

56

maior elaboraccedilatildeo do gecircnero em questatildeo de modo geral consiste no uso de ornato dos tropos

e figuras o artifiacutecio da linguagem ie seu aparato

Apontando pois as caracteriacutesticas gerais deste gecircnero Dioniacutesio de Halicarnasso (De

Dem Dict34 7 ndash 8) tambeacutem diz da leacutexis que eacute peritteacute ldquoabundante extraordinaacuteria

prodigiosardquo e exellagmeacutene ie ldquovaacuteria alteradardquo (a partir do idioma comum ndash to idioacutetikon

Arist Rhet 1406a 15) e logo adiante apontaraacute a superioridade de Demoacutestenes dentre outros

motivos porque ldquo rdquo ie ele

(Demoacutestenes) ldquoadvinha grandeza em toda elaboraccedilatildeo que a possuirdquo

Na Retoacuterica a Herecircnio (supra) seleccedilatildeo e disposiccedilatildeo evidenciam-se suscintamente na

definiccedilatildeo de que a figura grave ldquoconstitui-se a partir de uma construccedilatildeo leve (o que chama a

atenccedilatildeo do ponto de vista doutrinal) e ornada [ornata] de palavras graves [uerborum

grauium]rdquo ie de ldquomaior pesordquo

Ciacutecero (Orator 20 3 ndash 5) vale-se de praticamente todo o leacutexico ldquo() foram (os

grandiacuteloquos) com ampla [ampla] gravidade [grauitates] de pensamentos e majestade

(grandeza) [maiestate] de palavras veementes [vehementes] variados [uarii] copiosos

[copiosi] graves [graves]rdquo

Quintiliano circunscreve cada um dos gecircneros a cada uma das funccedilotildees da retoacuterica O

hadron ou robustum laacute eacute o que tem maior capacidade de mover (mouendi) por possuir o

atributo baacutesico da forccedila (uis) (op cit XII 10 59) ldquoo oradorrdquo segue dizendo (62 1) ldquo()

eleveraacute o discurso a amplificaccedilotildees e ateacute se alccedilaraacute agrave hipeacuterbolerdquo (amplificationibus

extollet orationem et in superlationem quoque erigetur)

Plutarco e o escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio como se viu (supra) trazem formulaccedilotildees

praticamente idecircnticas (pelo menos no leacutexico) a de nosso epiacutetome naquele ldquo

rdquo Traduccedilatildeo ldquoo molde copioso eacute aquele que tanto na elaboraccedilatildeo

[kataskeueacute] das palavras [leacutexeis] e dos pensamentos [noeacutemata] possui aspectos [ie a

aparecircncia] grandiosos [megaacutele]) neste ldquo rdquo ndash

tomada em sua literalidade ldquocopioso eacute o proeminente [saliente diermeacutenon] no seu volume

de natureza [oacutegkos katagrave phyacutesin podendo significar ldquotumefaccedilatildeordquo dando a ideia de que o

plasma se faz adiposo rugoso inchado]rdquo

Quanto a ldquoestonteanterdquo uma qualificaccedilatildeo pelo efeito natildeo soacute faz lembrar o quarto

gecircnero puro de Demeacutetrio o tremendo que parece assimilado pelo gecircnero maior na triparticcedilatildeo

posterior como se associaria e poderia ser compreendido pela concentraccedilatildeo de cada um dos

trecircs gecircneros (entatildeo adaptados numericamente) agraves trecircs funccedilotildees da oratoacuteria como se vecirc em

57

Quintiliano Aleacutem da referida passagem sobre a forccedila deste gecircnero (supra) descrevendo seu

efeito sobre o ouvinte diz que o orador ao empredar tal elocuccedilatildeo ldquotomaraacute de assalto o juiz

mesmo que manifestamente contraacuterio e o forccedilaraacute a ir aonde o transportarrdquo (iudicem uel

nitentem feret cogetque ire qua rapiet) Inst Orat XII 10 61 3 ndash 34) A forccedila dessa elocuccedilatildeo

logo fora descrita como rio cuja forccedila leva ripas e derruba pontes (idem 61) Adiante (62 7 ndash

9) ldquoesse (tal orador) a ira esse a misericoacuterdia inspiraraacute esse falando paacutelido ficaraacute o juiz e

choraraacute afetado por completo seguiraacute arrastado daqui ali e natildeo desejaraacute mais ser instruiacutedo

(ldquohic iram hic misericordiam inspirabit hoc dicente iudix pallebit et flebite et per ominis

adfectus tratus huc atque illuc sequetur nec doceri desiderabitrdquo Cf tambeacutem Ciacutecero Orator

20 6 ndash 7 ad permouendos et conuertendos acircnimos instructi et parati) Por fim ldquoreluzindo

uma beleza poeacuteticardquo para aleacutem do vocabulaacuterio da imagem e da forma comum agrave referida

passagem de Plutarco essa passagem se explica por tudo quanto se disse da distinccedilatildeo entre

poesia e prosa (supra n8) agora considerada do ponto de vista dos moldes da elocuccedilatildeo

quanto mais se eleva e se afasta da linguagem pedestre mais a prosa tende a parecer com a

poesia portanto eacute de se esperar que se a poesia estaacute para o mais elevado e a prosa para o

mais pedestre quanto mais elevada a elocuccedilatildeo ela mesma mais poeacutetica Eacute portanto natural

que o molde copioso chame atenccedilatildeo (pensando na semacircntica de reluzir epiphaiacuteno) por

mesmo natildeo sendo em um poema ser inevitavelmente mais poeacutetico podendo assim ser

classificado (Cf mais uma vez Aristoacuteteles Ret III)

222 O molde tecircnue

Este molde se define portanto opostamente agravequele uma vez que se nomeia por seu

antocircnimo Podemos resumir o significado da palavra da seguinte maneira ldquoseco enxutordquo

donde negativamente tem-se ldquofraco esquaacutelido magro parcordquo - no sentido de algo que natildeo

se expande ndash ldquocomedidordquo daiacute ldquoplano liso reto esguio delgado direto claro manifesto

inteligiacutevelrdquo (LIddell amp Scott idem p848) A traduccedilatildeo precisa portanto dar conta da noccedilatildeo

fiacutesica de maneira positiva ie algo ldquoesguio enxuto delgado ateacute esbeltordquo Agrave medida que se

comeccedila a fazer uma imagem mais clara da doutrina nota-se que metaforicamente tem por

criteacuterio uma espeacutecie de medida de proporccedilotildees da elocuccedilatildeo conforme ela se nos afigura mais

palavras explicitam o que seja o molde copioso confirmando o quanto se expocircs acima sobre

ele e consequentemente formando por oposiccedilatildeo a imagem do molde tecircnue Este consiste em

58

natildeo escolher por banir por ldquoproscreverrdquo [metadioacuteko] aquela composiccedilatildeo que vem retomada

como tropikeacute (literalmente ldquoem que haacute troposrdquo) e philokataskeuacuteos (ldquoamante da elaboraccedilatildeordquo

o que eacute dizer aqui do aparato do paramento do ornato) Enfim ldquoentretece-serdquo [syneacutertatai

dando a ideia simples de sucessatildeo amarraccedilatildeo atrelamento] a partir de literalmente ldquocoisas

soltasrdquo [aneimeacutena] Opta-se aqui por ldquodespojamentordquo para traduzir o que no grego eacute um

neutro plural atentando ao fato de que o particiacutepio aiacute substantivado eacute do verbo aniacuteemi

ldquolanccedilar para o altordquo portanto ldquosoltar relaxar aliviarrdquo e que assim mesmo no particiacutepio

passivo perfeito eacute empregado para designar o que estaacute ldquosolto frouxo relaxado dissolutordquo

Isso significa que os elementos do molde tecircnue juntam-se atrelam-se sem a constriccedilatildeo que

gera o volume de seu oposto O verbo latino expedio possui um uso semelhante a esse de

aniacuteemi e estaacute presente com essa acepccedilatildeo na liacutengua portuguesa mas seu deverbal ldquoexpediccedilatildeordquo

natildeo conserva o sentido Os deverbais de outros verbos semelhantes a expedio poderiam ser

cogitados como o proacuteprio ldquodespirrdquo (ldquodespimentordquo) mas em se optando por nomear essa

qualidade que no grego eacute um neutro plural abstrato quis se aproveitar o uso do portuguecircs que

emprega despojamento justamente para designar algo ou algueacutem ldquodesapegado simplesrdquo que

abre matildeo de ornamento riqueza etc uma vez que se diz o mesmo tambeacutem de estilo que eacute

assim simples modesto

A Retoacuterica a Herecircnio (IV 8) que como visto traz uma exposiccedilatildeo da doutrina

parecida com a de nosso epiacutetome diz que essa eacute a figura ldquorebaixada por completo ao costume

mais usual do falar puro (demissa est usque ad usitatissimam puri consuetudinem sermonis)rdquo

e antes de exemplificar posteriormente (IV 10) ldquoad infimum et cotidianum sermonem

demissum est (genus adtenuatum)rdquo ie ldquoeacute rebaixado ao falar iacutenfimo e cotidianordquo

O contemporacircneo grego Dioniacutesio de Halicarnasso (De Dem Dict 34 13 ndash 14)

descreve a frase desse gecircnero como ldquolisardquo [liteacute] e ldquoparcardquo [aperittoacuten]

Ciacutecero no Orator (20 9 -11) eacute o mais abrangente ldquoet contra tenues acuti omnia

docentes et dilucidiora nom ampliora facientes subtili quadam et pressa oratione et limatardquo ndash

ldquoe contraiamente [aos grandiacuteloquos] os tecircnues agudos ensinando as coisas mais claras natildeo

as fazendo mais amplas sutis em qualquer discurso conciso e limadordquo

Quintiliano ao tomar as personagens homeacutericas como exemplo e usar Menelau para

ilustrar este gecircnero (XII 10 64) caracteriza tal elocuccedilatildeo como ldquobreuem quidem cum

iucunditate et propriamrdquo ldquocarentem superuacuisrdquo ndash ldquodefinitivamente breve com alegria e

proacutepriardquo ldquolivre de redundacircnciasrdquo

Assim Plutarco e o escoliata de Dioniacutesio Traacutecio que provavelmente seguem a mesma

base de nosso resumo ldquo

59

rdquo (Plut Uit Hom 72) ndash ldquotecircnue eacute aquele pequeno na mateacuteria de seus

argumentos e suavizado na palavrardquo ldquo

rdquo ndash ldquotecircnue eacute o contraiacutedo no seu volume natural (por natureza de natureza)rdquo

(Schol Dion Tr 449 28)

223 O molde meacutedio

Quanto agrave traduccedilatildeo embora se pudesse tornar o texto mais palataacutevel e inteligiacutevel

optando-se por alguma outra forma para a segunda ocorrecircncia da palavra optou-se pela

literalidade que natildeo soacute reproduz o caraacuteter repetitivo do texto do epiacutetome como tambeacutem a

dificuldade conceitual que impotildee Dos termos eacute vaacutelido comeccedilarmos pelos dois textos que ateacute

entatildeo se igualavam quase que plenamente ao coacutedice 239 em Plutarco (idem) ldquo

rdquo ndash ldquomeacutedio [meacuteson]

eacute o que estaacute entre [metaxyacute] cada um deles do mais tecircnue [ischnoacuteteron] e do mais copioso

[hadroacuteteron]rdquo poreacutem no escoliasta (idem) ldquo [antheroacuten] rdquo ie

ldquoo florido eacute o meacutedio entre ambosrdquo Aqui se iniciam as principais questotildees acerca da doutrina

mesmo que aparentemente acabada e resolvida em trecircs gecircneros questotildees que apenas se

esboccedilam quando se trata num primeiro momento de distinguir dois extremos antagocircnicos

1) A formulaccedilatildeo de Plutarco dificulta o estabelecimento de um criteacuterio de medida

supondo que se determine o mais absoluto copioso e o seu antiacutepoda tecircnue haveria graus

menores de coacutepia e tenuidade ou qualquer coisa entre ambos seria o gecircnero meacutedio

2) Neste estado terminoloacutegico apenas o problema estaacute quase que inteiramente

confinado agrave semacircntica de ldquomeacutesonrdquo uma vez que a mesma palavra designa abstratamente

tanto o que eacute meacutedio ie que possui a meacutedia proporccedilatildeo (considerando-se a categoria de

volume espessura) quanto o que pontualmente estaacute no meio o que se complica quando a

palavra metaxyacute o adveacuterbio ldquono meiordquo portanto o meio termo eacute tambeacutem empregado

tomando-a com exatidatildeo como determinar o meio termo que permita estabelecer entatildeo que

certa elocuccedilatildeo estando acima seja copiosa e abaixo tecircnue

Considerando que agraves vezes se emprega a palavra ldquomistordquo mas tambeacutem ldquobalanceado

misturadordquo deve-se considerar entatildeo que tal gecircnero tambeacutem seria uma terceira coisa que

combina que mistura aquela com esta como daacute a entender Dioniacutesio de Halicarnasso De

60

Compositione 21 15 ndash 18 (cf supra) Dioniacutesio afirmaraacute que esse uacuteltimo eacute justamente o

melhor (supra n 10)

A Retoacuterica a Herecircnio como se viu parece filiar-se a essa tradiccedilatildeo do nosso texto

pois aleacutem da terminologia conceitual lembra o texto de Plutarco na gradaccedilatildeo ldquomediacuteocre

[mediacuteocris] eacute a [figura] que se constitui de uma inferior [humiliore] mas natildeo a menor

[infima] e a mais coloquial [perulgatissima] dignidade das palavrasrdquo

Ciacutecero o descreveraacute no Orator 21 atente-se ao vocabulaacuterio ldquohaacute aquele que se situa

no meio entre eles [interiectus inter hos] e o faz como que temperado [temperatus] natildeo se

utilizando nem do acume destes [os tecircnues] nem da fulgecircncia daqueles [os grandiacuteloquos] natildeo

se excelindo em nenhum [in neutro ie no que natildeo eacute nem um nem outro mas estaacute no meio]

partiacutecipe [particeps ie tomando parte] tanto de um quanto de outro desprovido ndash a bem da

verdade ndash de maior potencialidade este como dizem flui num curso uacutenico natildeo trazendo

nada aleacutem de capacidade e igualdade ou entatildeo adiciona alguns adereccedilos [tori] como numa

coroa [ut in coronam] e distingue todo o discurso com moacutedicos ornamentos [ornamentis

modicis] de palavras e pensamentosrdquo Quanto agrave preferecircncia Ciacutecero parece divergir de

Dioniacutesio

Nas proporccedilotildees dos adereccedilos talvez permita entrever a concomitacircncia terminoloacutegica

observada natildeo soacute no escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio mas antes em Quintiliano que tambeacutem

aponta florido (com o correlato grego) como outro nome para o meacutedio Na descriccedilatildeo este

gecircnero serve para ldquoaprazerconciliaraplacarrdquo (conciliandi) por possuir como atributo a

ldquoleveza suavidaderdquo (lenitas) ldquoseraacute de uma maneira mais recorrente nas traslaccedilotildees

(variaccedilotildees ie tropos figuras de palavras) e mais agradaacutevel nas figuras ameno nas

digressotildees atado na composiccedilatildeo doce nos pensamentosrdquo (Inst Or XII 10 60) Como jaacute

mencionado no entanto (supra n 10) Quintiliano toma essa classificaccedilatildeo de forma larga

Concordante a isso antes de iniciar a descriccedilatildeo dos trecircs gecircneros (comeccedilando pelo florido por

sinal) em 59 afirma que esses estilos satildeo suficientes em si mesmos sem necessitar um a

ajuda do outro o que supotildee pelo menos que se possam misturar em momentos diferentes de

um mesmo discurso Posteriormente em 66 pensando numa gradaccedilatildeo proporaacute justamente a

partir do florido que assim como esse eacute o meio entre dois entre ele e os dois extremos a

outros intermediaacuterios bem como haveria ainda um extremo maior que cada um dos jaacute

enunciados Assim Quintiliano faz uma interpretaccedilatildeo da doutrina que em um aspecto o de

tomar a nomenclatura como uma medida pode se assemelhar agrave interpretaccedilatildeo de Ciacutecero que

no Brutus 55 201 expotildee rapidamente sua classificaccedilatildeo dupla segundo a qual considerando-

se o artiacutefice de bons oradores soacute haacute dois gecircneros cuja qualidade se deve observar o

61

ldquoatenuadordquo (tecircnueattenuantum) e ldquoconcisordquo (compacto premido pressum) e o

ldquosublevadordquo (sublatum) e ldquoamplordquo (amplum)

224 O molde florido

Em Plutarco (op cit 73) segue-se apoacutes a definiccedilatildeo dos trecircs referidos moldes

ldquoQue tambeacutem a espeacutecie florida dos discursos existe abundantemente

junto ao poeta possuidora de beleza e graccedila para agradar e deleitar

como flor ndash quem diria De fato a poesia eacute cheia desse tipo de

elaboraccedilatildeordquo

(trad do autor)

Cotejada com a Crestomatia e o escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio a passagem daacute indiacutecios de

que independente da dataccedilatildeo em algum momento dentro desta terminologia falava-se em

quatro moldes que satildeo reduzidos a trecircs ou assim se poderia conjecturar jaacute que pelo menos

nesse caso de Plutarco a julgar pelo emprego de outra palavra para se referir ao que eacute

designado como ldquofloridordquo (espeacutecie eidos) algueacutem poderia ao menos considerar os discursos

(os logoi) tambeacutem segundo essa quarta nomenclatura Natildeo eacute evidente como crecirc Severyns44

que Plutarco esteja assumidamente propondo que se trate de um quarto molde mas sem

duacutevida explicita que essa nomenclatura se empregava e poderia ser arrolada ainda que como

espeacutecie classificando algo de que em desacordo algum com o que sabemos da doutrina a

poesia estaacute cheia Aquilo a que serve tal eidos por assim dizer nessa Vita de Plutarco

concorda com a funccedilatildeo que Quintiliano circunscreve ao ldquofloridordquo ou ldquomeacutediordquo deleitar

agradar O vocabulaacuterio assemelha-se aqui os verbos teacuterpo hedyacuteno laacute os verbos delecto

concilio e o adjetivo iucuntus Na sua funccedilatildeo este florido natildeo diverge daquele de Quintiliano

O escoacutelio de Dioniacutesio Traacutecio como se viu circunscreve florido e meacutedio a um uacutenico molde ao

dizer com que se combina tal molde assemelha-se agrave liccedilatildeo da epiacutetome (com menos detalhes)

ldquo rdquo

44 op cit paacuteg 75

62

ndash ldquochama-se florido [antheroacutes] porque combina [harmoacutezei] principalmente com reportaccedilotildees

[apaggeliacutea] de descampados [leimocircnes] e flores [aacutenthe]rdquo

Dioniacutesio de Halicarnasso conforme visto usa ldquofloridordquo como outro possiacutevel nome

para o ldquopolidordquo (glaphyroacuten)45 mas descrevendo o que estaria no lugar do molde copioso na

triparticcedilatildeo ie o que se define essencialmente por receber ornato Essa indefiniccedilatildeo acerca do

lugar que o florido deveria ocupar na nomenclatura evidencia natildeo soacute diferentes interpretaccedilotildees

da doutrina como jaacute se pontuou mas explicita como elas foram adequando a profusatildeo a um

sistema de trecircs segundo diferentes necessidades descritivas

De modo geral se Dioniacutesio emprega o termo de maneira positiva na seccedilatildeo 2146 do

tratado sobre a composiccedilatildeo em que descreve trecircs virtudes geneacutericas do discurso das quais

pontua uma melhor e se posteriormente entre os romanos observamos uma triparticcedilatildeo que

funciona como medida de padratildeo (modernamente falando) de modo a chegar agrave flutuaccedilatildeo

observada nos trecircs textos gregos posteriores e lexicalmente afins pode-se conjecturar que a

possiacutevel confusatildeo indefiniccedilatildeo ou flutuaccedilatildeo quanto agrave posiccedilatildeo do quarto gecircnero estivesse

relacionada agrave funccedilatildeo e ao efeito pretendido por tal elocuccedilatildeo e a como a doutrina definia as

trecircs posiccedilotildees em prol deles que identificamos pelas trecircs funccedilotildees do orador Assim haveria

uma elocuccedilatildeo ornada a fim de deleitar ie que se orna pelo deleite que isso traz ao ouvinte e

que agrave maneira que se distinguem poesia e prosa seria como daacute a entender Plutarco comum

na poesia afinal essa tem sempre mais que a prosa e sua principal funccedilatildeo eacute deleitar e outra

elocuccedilatildeo mais ornada ainda cuja finalidade eacute entatildeo comover (em verso ou em prosa) e eacute

inevitavelmente poeacutetica mesmo que na prosa uma vez que eacute (se tomada como extremo)

inteiramente ornada

225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo

O particiacutepio que introduz o paraacutegrafo dedicado aos erros referentes aos moldes

expostos aposphaleacutentes que se traduziu por uma oraccedilatildeo equivale semanticamente a

hamarteacutema que pseudo-Longino emprega amplamente no seu tratado Do Sublime para

designar natildeo soacute o desvio do molde ou gecircnero mas qualquer falha discursiva em geral O

significado primeiro e mais baacutesico do verbo que origina este substantivo eacute ldquoerrar o alvordquo um

45 supra pg 52 46 supra pg 51 e 58

63

hamarteacutema eacute em princiacutepio um ldquodesacertordquo Aposphaacutello por sua vez tem o significado de

ldquodesviar-se errar o caminho passar longerdquo e designa por isso aquele que ldquopega um desviordquo

ie que ldquoerra o caminhordquo do discurso em certo molde ldquoenvereda-se erroneamenterdquo e atinge

uma via mudada daquela em que seguia Engendra portanto natildeo seu antiacutepoda positivo mas

uma forma defeituosa viciosa daquilo que deveria ser sua qualidade Vitia eacute o termo

empregado na Retoacuterica a Herecircnio (IV 11) correlato do grego kakiacutea que pseudo-Longino

emprega igualmente

A noccedilatildeo de que existiria uma medida ou pelo menos uma maneira correta de se aplicar

o princiacutepio baacutesico definidor de cada um dos gecircneros (o traccedilo geneacuterico) ou em outras palavras

o que aqui se denomina molde a fim de se produzir a forma bela aparece alhures e por

exemplo tem sua origem brevemente explicada no tratado Do Sublime em 5 1 3 ldquodaquilo

de que se nos origina o belo proacuteximo tambeacutem a isso os males gostam de se originarrdquo Esse

princiacutepio se sumariza por toda seccedilatildeo 5 apoacutes jaacute ter sido sistematicamente aplicado para

descrever atraveacutes de um vocabulaacuterio que eacute da fisiologia as formas que se pretendiam

sublimes mas resultam defeituosas (3 4 1 ndash 4)

[] κακοὶ δὲ ὄγκοι καὶ ἐπὶ σωμάτων καὶ λόγων οἱ χαῦνοι καὶ

ἀναλήθεις καὶ μήποτε περιιστάντες ἡμᾶς εἰς τοὐναντίον οὐδὲν γάρ

φασι ξηρότερον ὑδρωπικοῦ ἀλλὰ τὸ μὲν οἰδοῦν ὑπεραίρειν βούλεται

τὰ ὕψη τὸ δὲ μειρακιῶδες ἄντικρυς ὑπεναντίον τοῖς μεγέθεσι

feios satildeo os intumescimentos [oacutegkoi note-se o vocabulaacuterio] sobre os

corpos e sobre as palavras que flaacutecidos [chaucircnoi] e falsos

[analeacutetheis] jamais nos revertem ao seu contraacuterio [tounantiacuteon]

afinal nada mais seco [zeroacutetetos] que um hidroacutepico [hydroacutepikos]

Mas o inchaccedilo [oidoucircn] deseja subir [hypaiacuterein] agraves alturas [tagrave hyacutepse]

o pueril [meirakiocircdes] eacute que estaacute diretamente oposto [aacutentikry

hypenantiacuteon] agrave grandiosidade [toicircs megeacutethesi]

(traduccedilatildeo do autor)

Seguir-se-aacute entatildeo uma breve descriccedilatildeo desse pueril (ldquochatildeordquo [tapeinoacuten] ldquomesquinhordquo

[mikroacutepsychon] e ldquoo mais vulgarmente feiovicioso em essecircnciardquo [tocirci oacutenti kakograven

aggeneacutestaton] - idem 5 ndash 6) e de um terceiro viacutecio que se resume ao descomedimento do

paacutethos (afeto ou paixatildeo fora de hora [paacutethos aacutekairon] ou ldquodesmedidordquo quando se requer

ldquomedidardquo [aacutemetron eacutentha metriacuteou deicirc] (3 5 3 ndash 4)

64

Esse princiacutepio encontra-se enunciado aplicado e atribuiacutedo (quanto agrave sua origem) em

Demeacutetrio com um vocabulaacuterio que eacute da eacutetica (op cit 114)

Ὥσπερ δὲ παράκειται φαῦλά τινα ἀστείοις τισίν οἷον θάρρει μὲν τὸ

θράσος ἡ δ αἰσχύνη τῇ αἰδοῖ τὸν αὐτὸν τρόπον καὶ τῆς ἑρμηνείας

τοῖς χαρακτῆρσιν παράκεινται διημαρτημένοι τινές πρῶτα δὲ περὶ τοῦ

γειτνιῶντος τῷ μεγαλοπρεπεῖ λέξομεν ὄνομα μὲν οὖν αὐτῷ ψυχρόν

ὁρίζεται δὲ τὸ ψυχρὸν Θεόφραστος οὕτως ψυχρόν ἐστι τὸ

ὑπερβάλλον τὴν οἰκείαν ἀπαγγελίαν

Como algumas rudezas [phaulaacute] justapotildeem-se [parakeicircmai] a

alguns valores [asteicirca] como agrave coragem a impetuosidade vergonha

ao respeito da mesma forma alguns deslocamentos [diemartemenoi]

justapotildeem-se aos caracteres da elocuccedilatildeo Primeiramente falaremos

do que margeia [geitiniaacuteo] o magnificente Seu nome eacute friacutegido

[psychroacuten] Teofrasto delimitou [horiacutezomai] o friacutegido assim friacutegido

eacute o que excede [hyperbaacutello] a expressatildeo adequada [oikeiacutean]

(idem)

Eacute vaacutelido notar que aleacutem de se empregar um particiacutepio para nomear esse ato de

desviar-se errar (diemartemenoi) o verbo em questatildeo tem a mesma forccedila de aposphaacutello em

sua composiccedilatildeo e eacute um sinocircnimo desse Tambeacutem merece nota o verbo geitiniaacuteo ldquoavizinhar-

se fazer fronteira estar na margemrdquo de modo que natildeo seria lexicalmente errado dizer desses

desvios que satildeo ldquogecircneros marginaisrdquo Eacute aceite que a base para essa teoria que supotildee sempre

uma medida correta para a execuccedilatildeo da forma seja peripateacutetica o que por outro lado natildeo

nos deve levar a supor uma doutrina uniforme subjacente aos textos O princiacutepio sim parece

ter essa origem Deve-se observar assim que pseudo-Longino segundo criteacuterios e conceitos

que satildeo platocircnicos em origem estaacute preocupado em descrever o que atinge a grandeza o

sublime Ao fim portanto descreve um conjunto de trecircs viacutecios que satildeo a rigor o resultado de

uma tentativa equivocada de atingi-lo Natildeo eacute de se espantar entatildeo que a caracterizaccedilatildeo do

viacutecio pueril assemelhe-se ao que seria de certa forma uma versatildeo imperfeita do discurso que

no epiacutetome fociana estaria para o tecircnue denominado aqui por chatildeo [tapeinoacutes baixo

rasteiro] Contudo observa-se que o adjetivo trata na verdade de um julgamento moral sobre

aquele que tenta atingir o sublime de maneira fuacutetil ou vatilde O texto prossegue

ταπεινὸν γὰρ ἐξ ὅλου καὶ μικρόψυχον καὶ τῷ ὄντι κακὸν

ἀγεννέστατον τί ποτ οὖν τὸ μειρακιῶδές ἐστιν ἢ δῆλον ὡς

σχολαστικὴ νόησις ὑπὸ περιεργασίας λήγουσα εἰς ψυχρότητα

ὀλισθαίνουσι δ εἰς τοῦτο τὸ γένος ὀρεγόμενοι μὲν τοῦ περιττοῦ καὶ

65

πεποιημένου καὶ μάλιστα τοῦ ἡδέος ἐξοκέλλοντες δὲ εἰς τὸ ῥωπικὸν

καὶ κακόζηλον

(Pseudo-Longino De Sublimitate 345 ndash 51)

diz-se dele que tem o pensamento preguiccediloso [scholastikeacute noacuteesis] que por causa do

empolamento [periergasiacutea o excesso de coisas fuacuteteis] estagna-se em frigidez [psychroacutetes]

ldquoEscorregam nesse gecircnero os que almejam o prodigioso [tograve perittoacuten que em Dioniacutesio de

Halicarnasso era abundacircncia atributo do elevado] o produzido [pepoiemeacutenos] e

principalmente o prazer [hedyacutes] vagando para o espalhafatoso [rhopikoacuten] e afetado

[kakoacutezelon]rdquo A julgar por ldquoespalhafatoso afetado empolado prodigiosordquo etc temos uma

descriccedilatildeo que se aproxima mais do que poderiacuteamos conceber como a forma falha do molde

copioso que recebe a qualidade de ldquoexaltadordquo que se pode traduzir no contexto do discurso

por ldquopedanterdquo Comparado ao nosso modelo e agrave descriccedilatildeo de gecircneros e defeitos como

observamos na tratadiacutestica retoacuterica embora o princiacutepio seja peripateacutetico o tratado do sublime

natildeo se propotildee a prescrever todos os gecircneros bem sucedidos de elocuccedilatildeo mas concentra-se em

aplicar isso que aqui chamamos preceito ou teoria da medida para descrever tudo quanto pode

produzir um efeito o transporte [ekstaacutesis] e natildeo outro a persuasatildeo [peithoacute] (1 4 1) e eacute a

partir disso que descreveraacute os demais tipos de elocuccedilatildeo o que natildeo eacute seu foco (cf por

exemplo 8 1 e 33 1) Os tratados descrevem ainda que diferentemente os gecircneros da boa

elocuccedilatildeo e a partir deles a forma desproporcional da caracteriacutestica fundamental de cada um

De novo a adequaccedilatildeo (da medida no caso) a trecircs Por fim vale mencionar que esse criteacuterio

peripateacutetico se evidencia na Ars de Horaacutecio47

No epiacutetome de Foacutecio os dois defeitos derivados do desvio do molde copioso duro

[skleroacuten] e exaltado [epermeacutenon] parecem corresponder bem aos viacutecios que pseudo-

Longino refere um ao aspecto do discurso que eacute ldquoinfladordquo laacute ldquoinchadordquo e aqui ldquodurordquo

ldquomaciccedilordquo quase a ideia de ldquoaacutesperordquo no sentido de algo intrataacutevel em funccedilatildeo das saliecircncias

(que leva agrave ideia de ldquoaustero severo aacuterduordquo) outro parece mais relacionado ao afeto e ao

enunciador uma vez que ldquoexaltadordquo ie que estaacute muito acima do necessaacuterio contempla tanto

a ideia do pedantismo e da afetaccedilatildeo como do pathos fora de hora

O escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio que simplesmente emprega o verbo antikeicirctai para

designar a oposiccedilatildeo de gecircneros fala do duro como a epiacutetome mas do escasso [brachyacute]48

Lembrando o texto de pseudo-Longino e sua metaacutefora fisioloacutegica eacute a intumescecircncia de certa

regiatildeo que gera a secura e talvez assim possamos interpretar esse adjetivo no sentido de que

47 Cf Horaacutecio Arte Poeacutetica v 24 ndash 28 48 Op cit 449 32

66

para aleacutem dos adereccedilos desnecessaacuterios e demasiados esse gecircnero estaacute desprovido de sauacutede ou

da coacutepia que o caracteriza Aqui tambeacutem de certa forma o gecircnero vizinho e defeituoso

confunde-se com o oposto virtuoso Parece que no caso do escoacutelio o molde defeituoso eacute

entendido como um oposto propriamente inclusive a julgar pelo verbo que introduz a

passagem

A Retoacuterica a Herecircnio denomina esse gecircnero defeituoso de inflado [sufflata]49 bem

condizente com o aspecto fiacutesico do inchaccedilo de Pseudo-Longino e da macicez do epiacutetome e

contiacutenua pela metaacutefora fiacutesica para exemplificar ldquoAssim como um inchaccedilo [tumor como o

grego oacutegkos] pode parecer uma condiccedilatildeo saudaacutevel do corpo grave [grave] pode parecer o

discurso que turge [turget] e estaacute inflado [inflatum]rdquo natildeo agrave toa o tratado nos daraacute trecircs

possiacuteveis elementos desse gecircnero defeituoso que ou estatildeo para aquela dureza ou para o

empolamento e a afetaccedilatildeo inadequada ou se empregam palavras que satildeo muito recentes ou

arcaicas (ldquonouis aut priscisrdquo) ou usam-se metaacuteforas duras (ldquousa-se delas duramenterdquo ndash

ldquoduriter aliunde translatisrdquo) ou porque algo eacute dito com palavras mais graves do que a mateacuteria

exige (ldquograuioribus quam res postullat aliquid diciturrdquo)

Na divisatildeo quaacutedrupla de Demeacutetrio50 o gecircnero defeituoso eacute qualificado como

ldquofriacutevolordquo adjetivo empregado por Pseudo-Longino e que se associa a essa qualidade afetada

do discurso que traz muito mais do que o necessaacuterio O princiacutepio se torna praticamente uma

maacutexima no verso horaciano ldquoprofessus grandia turgetrdquo- ldquoa grandeza professa turgerdquo51

O adjetivo tapeinoacutes que no epiacutetome nomeia o desvio do molde tecircnue designa aquilo

que eacute baixo abjeto em diferentes contextos (social moral) etc Designa o aspecto vulgar e

rebaixado daquele falar hodierno do qual parte a linguagem bem sucedida deste gecircnero na

Retoacuterica a Herecircnio que qualifica o viacutecio como aacuterido [aridum] e exangue [exsangue]52

Aacuterido [xeroacutes] tambeacutem eacute o nome para Demeacutetrio do desvio do caraacuteter tecircnue Para pseudo-

Longino como visto53 essa aridez tem que ver com uma grandeza um aumento que natildeo se

realiza eacute mais um discurso vicioso que natildeo atinge aquele sublime O escoacutelio a Dioniacutesio

Traacutecio neste passo de fato parece confimar a hipoacutetese de nomear como viacutecio uma forma que

eacute oposta opotildee-se ao tecircnue o amplo [platuacute ou difuso referindo-se agrave elocuccedilatildeo] e grosso

[paxuacute espesso]54 que ora remetem ao hadron forma virtuosa Por fim em Horaacutecio talvez

esteja aqui aquele que procede com excessivo medo da elevaccedilatildeo ldquoserpit humi tutus nimium

49 Retoacuterica a Herecircnio IV 10 19 50 Supra paacuteg 52 ndash 53 51 Op cit v 27 52 Op cit IV 11 16 53 Supra paacuteg 57 54 Op cit 449 32

67

timidisque procellaerdquo ndash ldquoRasteja pelo chatildeo aquele excessivamente cauto e medroso da

procelardquo55

Quando ao desvio do molde meacutedio a primeira caracteriacutestica refere-se ao fato de o

discurso parecer incompleto inacabado tolhido argoacutes designando o objeto em que falta

trabalho ie em que o trabalho natildeo se concluiu Pelas liccedilotildees sobre a diferenccedila entre prosa e

poesia podemos pensar que talvez ele o seja por deixar a impressatildeo de carecer de ornato

quando uma de suas necessidades eacute possuiacute-lo a ponto de deleitar56

Parece que eacute neste sentido que o escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio57 que designa este

molde como florido denomina seu oposto por agleukeacutes amargo (em que natildeo haacute doce) e

logoieideacutes prosaico ie natildeo eacute tatildeo poeacutetico quanto precisaria O segundo termo empregado

eklelumeacutenon (solto desatado relaxado dilatado) parece estar associado justamente a esse

mau acabamento do ornato e eacute correlato ao termo com que a Retoacuterica a Herecircnio designa o

gecircnero vicioso dissoluto [dissolutum]58 ldquoque eacute sem nervos e articulaccedilotildeesrdquo ndash mantendo uma

metaacutefora fisioloacutegica (quod est sine neruis et articulis articulaccedilotildees) ndash de modo que posso

chamaacute-lo flutuante [fluctuans] jaacute que flutua caacute e laacute e natildeo possui a capacidade de andar

livremente com firmeza [confirmatis] e virilidade [uiriliter]rdquo Essa mesma noccedilatildeo de firmeza

que se exige para uma elevaccedilatildeo digna que natildeo eacute poreacutem a da coacutepia mas constitui um meio

termo parece condizer com o defeito daquele que na Ars horaciana almejando mais leveza

do que se deve acaba fraco ie sem nervos [nerui] e acircnimo [animi] ldquosectantem leuia nerui

deficiunt animiquerdquo59

3 A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA

31 SEUS GEcircNEROS

55 Idem v 28 56 Supra paacuteg 54 57 Op cit 449 32 58 Op cit IV 11 1 59 Op cit v 25 ndash 26

68

Eacute pelo emprego do adjetivo ldquopoeacuteticardquo [poietikeacute] no paraacutegrafo 11 da ediccedilatildeo de

Severyns60 319a 3 na ediccedilatildeo de Bekker que se inicia o extenso cataacutelogo de gecircneros e

espeacutecies poeacuteticas que basicamente constitui todo o restante do epiacutetome como parte principal

do objeto resumido Imediatamente a liccedilatildeo do epiacutetome estabelece o criteacuterio segundo o qual

divide dois grandes gecircneros de poesia

Chama a atenccedilatildeo o emprego de outro termo vimos que poiacuteema foi usado para

distinguir poesia e prosa no paraacutegrafo 3 e logo acima no paraacutegrafo 10 foi novamente

empregado como sinocircnimo de poiacuteesis Parece que esse termo se usa laacute enquanto em uma

primeira seccedilatildeo da obra em que se trataria da linguagem em geral contemplando toacutepicos

comuns agrave poesia e agrave oratoacuteria (que consequentemente servem para a prosa em geral como a de

um historiador logoacutegrafo etc) tais quais a elocuccedilatildeo e seus gecircneros virtuosos e viciosos o

eacutethos e o paacutethos Esses trecircs elementos correspondem natildeo perfeitamente agrave triparticcedilatildeo retoacuterica

que vem desde Aristoacuteteles natildeo perfeitamente porque a parte sobre os plaacutesmata fala somente

de elocuccedilatildeo e natildeo do logos como um todo e suas partes etc Assim nenhuma designaccedilatildeo

especiacutefica ou disjuntiva aparece ateacute aqui (ldquoretoacutericardquo ldquopoeacuteticardquo) salvo gramatikeacute do tiacutetulo

que nos serve de indiacutecio para conjeturar justamente sobre como essas liccedilotildees de diferentes

saberes satildeo tomadas aqui nas suas partes concernentes agraves letras

Apoacutes enfim uma primeira parte em que se tomaram essas liccedilotildees apenas no que

concerne agrave linguagem e seu uso por quem compotildee uma obra em prosa ou em verso

significando que desse ponto de vista as mesmas caracteriacutesticas se observariam na prosa de

um logoacutegrafo e nos versos de um tragedioacutegrafo natildeo havendo distinccedilatildeo salvo pelo fato de que

estes conteratildeo virtudes em maior quantidade passa-se entatildeo ao exame da poeacutetica

especificamente entendida como reuniatildeo das obras de poesia Pode-se conjeturar que o termo

(no genitivo e com forte carga partitiva cf nota 9) agora eacute empregado para delimitar o que eacute

assunto apenas referente a esse tipo de confecccedilatildeo A liccedilatildeo do coacutedice logo passa ao que

consiste dentro dessa perspectiva antes explicitada o tratamento da obra poeacutetica E o que

seria Os diferentes gecircneros em que se agrupam as composiccedilotildees considerada agora apenas a

composiccedilatildeo em verso e natildeo dentro do primeiro criteacuterio classificatoacuterio geral a elocuccedilatildeo

Em outras palavras e com implicaccedilotildees mais fortes o que eacute relevante para essa

abordagem das letras sobre a poesia e daiacute sem a elocuccedilatildeo apenas ela inicia-se pela sua

divisatildeo em gecircneros Natildeo agrave toa segue-se imediatamente a primeira e mais ampla distinccedilatildeo

60 Severyns op cit tomo II pg 33

69

geneacuterica relacionada ao que na Poeacutetica de Aristoacuteteles se designa apenas como o modo de

imitaccedilatildeo ou da mimese

Sabe-se que a Poeacutetica de Aristoacuteteles se insere em uma discussatildeo que jaacute estaacute bem

distante de muitos dos textos de base gramatical que foram escritos posteriormente sobre o

assunto embora natildeo tatildeo distante dos textos modelares da praacutetica

A divisatildeo entre poesia narrativa [diegematikoacuten] e imitativa [mimetikoacuten] ndash para cuja

traduccedilatildeo mantecircm-se aqui os termos latinos ndash tem por criteacuterio o modo enunciativo ie mais

especificamente quem eacute o enunciador Essa distinccedilatildeo vem como se sabe desde a Repuacuteblica

em que natildeo eacute dupla mas triacuteplice Nos termos do filoacutesofo (III 394b) a narraccedilatildeo da poesia e da

mitologia ou se daacute inteira por imitaccedilatildeo [diagrave mimeacuteseos] ou por relato do poeta ele mesmo [dirsquo

aggeliacuteas autoucirc toucirc poietoucirc ie de forma reportada pelo proacuteprio poeta] ou ainda por ambos

[aucirc drsquo amphoteacuteron] Esta uacuteltima eacute a forma mista em que ora o poeta fala ora a personagem

da qual Homero eacute o exemplo

A classificaccedilatildeo proposta por Platatildeo ocorre na conversa entre Soacutecrates e Adimanto e a

primeira menccedilatildeo aos modos de enunciar se daacute em 392a passagem em que Soacutecrates comeccedilaraacute

a delimitar e expor a doutrina falando primeiro da chamada haplecirc dieacutegesis

ou ldquonarraccedilatildeo simplesrdquo e da miacutemesis O problema e o foco de Platatildeo natildeo eacute

gramatical ou poeacutetico mas sim filosoacutefico-moral eacute um problema para a paideia da cidade a

imitaccedilatildeo plural ie uma pessoa empreender a imitaccedilatildeo de muitas pessoas (395a) uma vez

que a fidelidade dessas imitaccedilotildees seraacute prejudicada dada a impossibilidade de uma uacutenica

pessoa realizaacute-las todas adequadamente Eacute fundamental frisar que para Platatildeo mimese aqui eacute

algo muito mais restrito do que para Aristoacuteteles pois se trata puramente da imitaccedilatildeo que uma

pessoa faz a de outra ou da fala dela Para o filoacutesofo a narraccedilatildeo eacute primordial ou seja haacute a

narraccedilatildeo em princiacutepio e a imitaccedilatildeo eacute uma coacutepia de uma narraccedilatildeo que pertence a outrem

Platatildeo natildeo estaacute interessado em utilizar a distinccedilatildeo para analisar e classificar as praacuteticas

poeacuteticas Estaacute sim interessado em lidar com as implicaccedilotildees que as distinccedilotildees estabelecidas

trazem para sua filosofia e se as mentiras que podem ser contadas para em um mito jaacute podem

por si soacute natildeo fornecer um bom exemplo moral para a cidade imitar jaacute eacute por si soacute uma mentira

Em seu tratado Aristoacuteteles estaacute interessado entre outras coisas principalmente em

mostrar que primeiramente mimese ou imitaccedilatildeo eacute algo mais amplo possui uma funccedilatildeo

didaacutetica fundamental e justamente por isso quando julgada a poesia deve ser pensada dessa

perspectiva Isso explica antes de mais nada a exposiccedilatildeo da triparticipaccedilatildeo classificatoacuteria que

ocupa os trecircs primeiros capiacutetulos da Poeacutetica (natildeo agrave toa seguida de um quarto capiacutetulo e quem

o filoacutesofo fala justamente do valor didaacutetico da imitaccedilatildeo) em que se explicitam os criteacuterios

70

com os quais o filoacutesofo pensa mimese de que e poesia eacute uma espeacutecie A distinccedilatildeo dos modos

enunciativos portanto ocupa um ponto especiacutefico da doutrina aristoteacutelica

Ἔτι δὲ τούτων τρίτη διαφορὰ τὸ ὡς ἕκαστα τούτων μιμήσαιτο ἄν τις

καὶ γὰρ ἐν τοῖς αὐτοῖς καὶ τὰ αὐτὰ μιμεῖσθαι ἔστιν ὁτὲ μὲν

ἀπαγγέλλοντα ἢ ἕτερόν τι γιγνόμενον ὥσπερ Ὅμηρος ποιεῖ ἢ ὡς τὸν

αὐτὸν καὶ μὴ μεταβάλλοντα ἢ πάντας ὡς πράττοντας καὶ ἐνεργοῦντας

daggerτοὺς μιμουμένουςdagger ἐν τρισὶ δὴ ταύταις διαφοραῖς ἡ μίμησίς ἐστιν

ὡς εἴπομεν κατ ἀρχάς ἐν οἷς τε ltκαὶ ἃgt καὶ ὥς ὥστε τῇ μὲν ὁ αὐτὸς

ἂν εἴη μιμητὴς Ὁμήρῳ Σοφοκλῆς μιμοῦνται γὰρ ἄμφω σπουδαίους

τῇ δὲ Ἀριστοφάνει πράττοντας γὰρ μιμοῦνται καὶ δρῶντας ἄμφω

ὅθεν καὶ δράματα καλεῖσθαί τινες αὐτά φασιν ὅτι μιμοῦνται δρῶντας

(Aristoacuteteles Poeacutetica 1448a 19 ndash 29)

Descrevendo seu objeto pelos meios ( ) pela mateacuteria ( ) e o modo ( ) a

Poeacutetica traz a distinccedilatildeo dos modos na explicaccedilatildeo da terceira categoria para a qual Aristoacuteteles

distingue duas possibilidades (1448a 19 ndash 24)

[] pois eacute possiacutevel pelos mesmos meios imitar as mesmas coisas ora

relatando [reportando hotegrave megraven apaggeacutelonta] (ou tornando-se de

certa forma outro como faz Homero ou como si proacuteprio e natildeo

alternando) ou todos os que imitam como agentes e operantes [hoacutes

praacutettontas kaigrave energoucircntas]

Aristoacuteteles natildeo propotildee um gecircnero misto como Platatildeo o que natildeo significa que natildeo

observe o fenocircmeno que Platatildeo nomeia como um terceiro tipo Considerando que Aristoacuteteles

discute exatamente miacutemesis e um tipo especiacutefico dela parece que seu criteacuterio eacute a presenccedila ou

natildeo ndash referida reportada e daiacute inferida pelos ouvintes ndash da voz do poeta seja na figura dele

mesmo seja por traacutes da voz de outro como a personagem Parece que no outro gecircnero natildeo

haacute pelo menos para Aristoacuteteles essa voz natildeo ocorre esse reportamento mas a miacutemese se daacute

como atuaccedilatildeo ie pela accedilatildeo dos actantes e natildeo como relato Simplificando pode-se dizer

partindo do segundo membro do par que a composiccedilatildeo pertenceraacute a este ou agravequele gecircnero se

for encenada ou natildeo Mais abstratamente o resultado de uma deve ser a coisa a mateacuteria o

fato sendo executado realizado da outra reportado contado Partindo poreacutem do outro

membro do par a fim de se chegar a uma simplificaccedilatildeo ter-se-aacute um problema modernamente

Dizendo que uma eacute ldquoencenadardquo e a outra eacute ldquonarradardquo buscar-se-aacute entatildeo a ldquounidade de accedilatildeordquo

de que a Poeacutetica tanto fala de toda e qualquer espeacutecie arrolada como narrativa natildeo soacute nesta

obra atribuiacuteda a Proclo mas tambeacutem em outros textos que trazem classificaccedilatildeo geneacuterica Este

71

problema eacute o principal de nosso epiacutetome qual seria por exemplo a unidade de accedilatildeo de um

melos como o epiniacutecio

Em relaccedilatildeo a Platatildeo observam-se duas peculiaridades Primeiramente como eacute

justamente pelo valor cognitivo e didaacutetico da imitaccedilatildeo que Aristoacuteteles confere estatuto

filosoacutefico agrave poesia61 adota o conceito de miacutemesis como nomenclatura mais ampla para

nomear o fenocircmeno dentro do qual se insere a poesia Natildeo agrave toa o iniacutecio do tratado eacute

dedicado agrave miacutemesis dentro da qual a miacutemesis poeacutetica eacute uma espeacutecie No entanto o termo

ldquomimeacuteticordquo (ou imitativo) jaacute foi empregado por Platatildeo quem Aristoacuteteles busca refutar para

designar uma espeacutecie de narraccedilatildeo de mitos uma das trecircs maneiras arroladas na Repuacuteblica

Parece que por essa razatildeo natildeo adota o termo ldquomimeacuteticordquo para calssificar a imitaccedilatildeo

dramaacutetica como se observa poreacutem em praticamente todo o restante da tratadiacutestica posterior

de que a Crestomatia mesma seria um exemplo Prefere empregar os particiacutepios ldquoprattontasrdquo

e ldquoenergoucircntasrdquo para designar a atividade que empreendem e designar seu sujeito justamente

com outro particiacutepio de que tal atividade eacute pelo criteacuterio do modo espeacutecie ldquotougraves

mimoumeacutenousrdquo

Em segundo lugar parece que como haacute uma discordacircncia teoacuterica deste para aquele

implicando tambeacutem uma discordacircncia conceitual ie a repeito de miacutemesis referindo-se aos

modos da enunciaccedilatildeo Aristoacuteteles busca um denominador comum ou um elemento mais

baacutesico que permita uma classificaccedilatildeo diferente por isso abre matildeo do modo ldquomistordquo porque

nem leva em considera o modo ldquopor imitaccedilatildeo rdquo platocircnico O elemento mais

baacutesico que se pontua depende da presenccedila ou natildeo de um ator mas conforme dito acima isso

eacute consequecircncia o elemento propriamente eacute a voz ou natildeo do poeta mas no sentido de que ou o

discurso que nos reporta as accedilotildees eacute percebido como saindo da boca de outros que natildeo o poeta

ou mesmo que esse assuma a voz de outro o discurso que se ouve ainda nos eacute reportado pelo

poeta mudada sua voz na voz de outro que natildeo eacute senatildeo dependente da primeira voz ou um

construto o que se entende de ldquo relatando (ou tornando-se de certa forma outro como faz

Homero ou como si proacuteprio e natildeo alternando)rdquo [grifo do autor]

Poder-se-ia considerar dessarte a julgar pelo que foi acima exposto que o epiacutetome

traria a liccedilatildeo aristoteacutelica uma vez que natildeo menciona um gecircnero misto como Platatildeo e outros

textos que mencionam esse terceiro gecircnero por entenderem que no caso em que o ldquoeu-

poeacuteticordquo daacute voz a uma personagem haacute uma mistura das duas enunciaccedilotildees Para a triparticcedilatildeo

cuja origem recua ateacute Platatildeo essa interpretaccedilatildeo eacute verossiacutemil porque o raciociacutenio parece ser o

61 Cf Poeacutetica (cap IX) Porque a poesia representa o possiacutevel segundo a verossimilhanccedila eacute mais universal por

oposiccedilatildeo agrave historia particular Decorre para Aristoacuteteles que a poesia eacute mais filosoacutefica

72

mesmo como eacute o caso do texto por exemplo do livro III da Ars Grammatica de Diomedes62

que serviraacute para o cotejo com a Crestomatia a mesma ilaccedilatildeo natildeo vale para os textos que

trazem em vez de uma triparticcedilatildeo uma biparticcedilatildeo A concepccedilatildeo aristoteacutelica supotildee

obrigatoriamente a mimese de accedilatildeo e supotildee como fica expliacutecito agentes que podem ser

resultado da miacutemeses da voz do poeta (o poeta lhes daacute voz) ou podem ser eles mesmos donos

dessa voz ie atores e nesse caso o poeta natildeo fala nada (sua voz natildeo aparece)

Parece que os textos posteriores baseiam-se ou copiam uma biparticcedilatildeo que na obra de

Aristoacuteteles eacute traccedilada segundo os criteacuterios que define como proacuteprios da imitaccedilatildeo poeacutetica Eacute

fundamental poreacutem lembrar que Aristoacuteteles natildeo questiona nem faz apontamento algum

acerca da accedilatildeo de outras espeacutecies poeacuteticas aleacutem da trageacutedia da comeacutedia e da epopeia sendo

aquelas duas exemplo de poesia dramaacutetica e esta de narrativa

Natildeo se pode afirmar que o agrupamento de espeacutecies que se segue em textos como o da

Crestomatia seria aristoteacutelico mas poderiacuteamos conjeturar que como o sentido dado ao verbo

apaggeacutello (na referida passagem de Aristoacuteteles) talvez seja um pouco mais amplo do que em

Platatildeo a julgar pelo fato de que laacute primeiramente natildeo haacute um gecircnero intermediaacuterio e segundo

Homero eacute justamente o exemplo de poesia narrativa (enquanto em Platatildeo a poesia estaacute ao lado

do relato de mitos) todas as demais espeacutecies que natildeo as teatrais por nelas se supor a voz de

um poeta sejam ldquonarrativasrdquo no sentido de que o que quer que se cante eacute reportado ao

ouvinte pelo eacutethos de um poeta cuja voz se ouve63 independente da unidade de accedilatildeo da

presenccedila ou natildeo de mito da vitoacuteria do atleta das causas de uma festa ou da celebraccedilatildeo de um

deus ou heroacutei ainda mais se considerarmos que a oralidade nunca deixou de desepenhar

importante papel mesmo nas culturas escritas como a alexandrina ou a bizantina papel esse

determinante no entendimento que as artes e os textos de doutrina fizeram da poesia Eacute bom

ressaltar que os textos mesmos seguem suas convenccedilotildees explicativas e eacute justamente pela

repeticcedilatildeo ao longo dos seacuteculos que satildeo concebidas como autorizadas

Isso significa que as artes gramaticais posteriores podem ter se fiado em um criteacuterio

que eacute adotado senatildeo mesmo desenvolvido por Aristoacuteteles o que eacute diferente de dizer que

seguem sua doutrina afinal de contas o criteacuterio da accedilatildeo natildeo eacute sequer mencionado nesse tipo

de descriccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies salvo na explicaccedilatildeo sobre o desenvolvimento da eacutepica

O mais importante no fato de o texto da Crestomatia adotar como a Poeacutetica uma

biparticcedilatildeo eacute o fato de que natildeo segue entretanto a terminoliga aristoteacutelica que evita

62 Diomedes Artis grammaticae III paacuteg 482 63 Eacute nesse sentido que conforme visto (supra 134 pag 47 em diante) Dioniacutenio de Halicarnasso no tratado Da

Imitaccedilatildeo fala do eacutethos da poesia de Alceu

73

ldquomimeacuteticordquo para o gecircnero em que os actantes satildeo enunciadores talvez simplesmente porque a

interpretaccedilatildeo que se fazia da doutrina nesta obra optava por uma conceituaccedilatildeo simples em

dois gecircneros abrangentes apenas sem mistura mas natildeo estava preocupada em propugnar a

favor de uma conceituaccedilatildeo preferencialmente a outra pois natildeo se inseria em um contexto de

disputa pelo termo como se pode supor no caso de Platatildeo e Aristoacuteteles

O texto de Diomedes sec IV AC64 testemunha que diferentes termos gregos eram

conhecidos entre os romanos mesmos para nomear esses dois grandes gecircneros O texto do

livro III de sua obra poreacutem adota a triparticcedilatildeo Note-se a variedade terminoloacutegica

Os gecircneros de poema satildeo trecircs Com efeito o gecircnero eacute ativo ou

imitativo que os gregos chamam dramatikoacuten ou mimetikoacuten narrativo

ou enunciativo que os gregos chamam exegetikoacuten ou apangeltikoacuten

comum ou misto que os gregos chamam koinoacuten ou miktoacuten Eacute

dramatikoacuten ou ativo aquele em que atuam somente as personagens

sem interlocuccedilatildeo de algum poeta como ocorre nas faacutebulas traacutegicas e

cocircmicas gecircnero no qual foi escrita a primeira Bucoacutelica [de Vergiacutelio2]

e aquela cujo iniacutecio eacute ldquoquo te Moeri pedesrdquo [ldquoPara onde Meride

levam-te os peacutesrdquo] Eacute exegetikoacuten ou narrativo aquele em que o proacuteprio

poeta fala sem interlocuccedilatildeo de alguma personagem como ocorre nas

trecircs primeiras Geoacutergicas [de Vergiacutelio] e na primeira parte da quarta e

igualmente nos cantos de Lucreacutecio e em outros semelhantes a estes Eacute

koinoacuten ou comum aquele em que o proacuteprio poeta fala e as personagens

satildeo introduzidas falando como foram escritas a Iliacuteada e a Odisseacuteia

inteiras de Homero a Eneida de Vergiacutelio e outros semelhantes a

estes

(Diomedes Arte Gramatical livro III trad Izabella Lombardi

Gaberllini in LETRAS CLAacuteSSICAS n 9 p 231-243 2005 Paacuteg

231)

Agora em uma triparticcedilatildeo Diomedes testemunha o uso da nomenclatura ldquoimitativordquo agrave

que tambeacutem associa o termo ldquodramaacuteticordquo bem como a traduccedilatildeo latina dos respectivos nomes

Curioso notar tambeacutem que siga o criteacuterio semelhante ao de Platatildeo ilustrando o gecircnero misto

com a eacutepica de Homero e Vergiacutelio

Observaremos portanto que para os textos de doutrina (que possuem eles mesmos

como dito suas convenccedilotildees) principalmente esses de acendecircncia gramatical o que concerne

tatildeo somente agrave poesia eacute sua divisatildeo em gecircneros e espeacutecies em outras palavras seu

agrupamento segundo uma nomenclatura funcional que permita tratar da variedade das

composiccedilotildees herdadas dos antigos gregos Se de origem heleniacutestica e portanto

64 Holtz L apud Gaberllini (2005) paacuteg 1 A dataccedilatildeo da Ars Grammatica de Diomedes infere-se a partir do uso

que faz de Donato e Cariacutesio gramaacuteticos anteriores e pelas constantes citaccedilotildees de Prisciano

74

originariamente editorial essa nomenclatura em um texto como o da Crestomatia ou o da

gramaacutetica de Diomedes tornou-se didaacutetica e eacute de se supor no caso da primeira natildeo apenas no

sentido pedagoacutegico Temos muito bons indiacutecios para supor que essa nomenclatura natildeo se

propotildee riacutegida uacutenica infrangiacutevel porque ela mesma no caso da Crestomatia supotildee mais

restritas suas dimensotildees quando o assunto eacute a liacuterica65 O que observamos no cataacutelogo da liacuterica

eacute a preponderacircncia e o emprego de outro criteacuterio ou padratildeo explicativo que tambeacutem estaacute

presente nos gecircneros anteriores natildeo se busca explicar o que seja a poesia como o faz

Aristoacuteteles mas sim reunir quanta informaccedilatildeo eacute uacutetil para compreender as diferenccedilas entres as

diferentes espeacutecies No caso das espeacutecies diegeacuteticas ou narrativas que natildeo a liacuterica junto a um

criteacuterio de mateacuteria e metro que privilegia este em relaccedilatildeo agravequele quanto agrave antecedecircncia

emprega-se um criteacuterio etimoloacutegico que eacute em boa parte das vezes etioloacutegico tambeacutem porque

traz consigo a origem do dizer consequentemente a origem do referente do significante Esse

eacute o criteacuterio que perpassa todo o cataacutelogo liacuterico na sua forma mais baacutesica porque em alguns

casos o emprego de uma palavra como nomenclatura jaacute eacute por si mesmo autoexplicativo eacute o

caso das uacuteltimas subespeacutecies aquelas sobre circunstacircncias incidentais em que se opta pelo

verso Esse eacute tambeacutem o mesmo criteacuterio que no caso das espeacutecies anteriores agrave meacutelica (a eacutepica

a elegia e o iambo) organiza concomitantemente a metro e mateacuteria a exposiccedilatildeo da espeacutecie

poeacutetica na forma de uma breve histoacuteria que nas suas diferentes etimologias busca agrupar os

diferentes elementos arrolados convencionalmente para definir aquele tipo poeacutetico

32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS DE

DIOMEDES

Consoante ao exposto no item anterior natildeo eacute de espantar que os gecircneros arrolados

entre os imitativos sejam apenas aqueles dramaacuteticos ou teatrais no caso da Crestomatia de

Proclo enquanto observamos que o exemplo de Diomedes refere-se agrave faacutebula teatral em

geral66 e admite que como tal escreveram-se as Bucoacutelicas I e IX

65 Basta conferir como o cataacutelogo das espeacutecies meacutelicas eacute introduzido no epiacutetome sect33 (Severyns) 319b 33 66 ldquo() dramaticon est vel activum in quo personae agunt solae sine ullius poetae intcrlocutione ut se habent

tragicae et comicae fabulaerdquo ndash DIOMEDES op cit paacuteg 482 17 ndash 19 Diomedes provavelmente pontua o

elemento ldquofabulaerdquo logo aqui porque o mencionaraacute tratando posteriormente e em separado das espeacutecies

cocircmicas e traacutegicas Nada nos impede de conjeturar e tatildeo somente isso que tratando enfim do gecircnero mimeacutetico

nos demais livros da Crestomatia de que natildeo temos notiacutecia alguma o myacutethos aparecesse na obra Se a exposiccedilatildeo

75

Em ambos os textos o criteacuterio preponderante que estabelece a primiera distinccedilatildeo

dentro da qual os poemas se agruparatildeo eacute o modo enunciativo

Aquilo que seratildeo as espeacutecies no tratado de Proclo para Diomedes receberaacute o nome

simples de ldquocarminardquo ou ldquocantosrdquo designados como o resultado a obra em si uma vez que a

palavra latina designa assim o poema a composiccedilatildeo em verso Diomedes adota assim a

designaccedilatildeo jaacute corrente para essas formas poeacuteticas mas propotildee entre os carmes e os gecircneros

maiores outras espeacutecies que consideram agora o que se narra ou mimetiza e que satildeo

apresentadas como espeacutecies dos trecircs primeiros grupos elencados

ldquoPoematos dramatici vei activi genera sunt quattuor apud Graecos

traacutegica comica satyrica mimica apud Romanos praetextata tabernaria

Atellana planipesrdquo

(DIOMEDES op cit III apud Keil paacuteg 482 26)

ldquoOs gecircneros do poema dramatikoacutes ou ativo satildeo quatro entre os

gregos a [espeacutecie] traacutegica a cocircmica a satiacuterica a miacutemica entre os

romanos a pretextata a tabernaacuteria a atelana a planiacutepederdquo

(Trad GABERLLINI op cit 231)

Observa-se que no caso das espeacutecies gregas modelares (salvo pelos mimos) pelo

menos desde Aristoacuteteles67 a um criteacuterio primeiramente selecionado como mais geral porque

mais abrangente e baacutesico sobretudo por permitir a distinccedilatildeo imediata entre a poesia dramaacutetica

e as demais formas conhecidas segue-se uma subdivisatildeo desse criteacuterio que permite elencar e

subagrupar outras formas poeacuteticas geralmente obtusas em relaccedilatildeo agrave nomenclatura Eacute seguindo

o mesmo criteacuterio entatildeo que nos deparamos com outras espeacutecies mas agora do gecircnero

narrativo

ldquoExegetici vel enarrativi species sunt tres angeltice historice

didascalice angeitice est qua sententiae scribuntur ut est Theognidis

liber item chriae historice est qua narrationes et genealogiae

dos livros estivesse organizada como o epiacutetome 239 nos daacute a conhecer eacute de se crer que na sequecircncia do livro

III ocorresse a exposiccedilatildeo do gecircnero que natildeo foi discutido nos dois primeiros livros que o epiacutetome nos transmite 67 A reiteraccedilatildeo dos criteacuterios de unidade medida e adequaccedilatildeo ao longo da Ars Poetica de Horaacutecio ilustram-no

muito bem Sobre os mimos embora Aristoacuteteles mencione-os na Poeacutetica 1447b 8 ndash 12 e seja plausiacutevel que

segundo seu criteacuterio acional sejam miacutemesis poeacutetica nada mais nos eacute dito sobre eles no que temos da obra

76

conponuntur ut est Hesiodu et similia

didascalice est qua conprehenditur philosophia Empedoclis et Lucreti

item aslrologia ut phaenomena Aratu et Ciceronis et georgica

Vergilii et his similiardquo

(Idem paacuteg 482 31 ndash 483 3)

Assim o poema apenas narrativo pode ser ldquoenunciativo (angeltikeacute)rdquo quando apenas

enuncia coisas ie quando ocorre pura e simplesmente uma enunciaccedilatildeo direta ndash o exemplo

seria a poesia gnocircmica de Teoacutegnis e as khreicircai ou ldquomaacuteximasrdquo ditos ceacutelebres de personagens

ou figuras histoacutericas pode ser ldquohistoacuterico (historikeacute)rdquo quando o que se ldquonarra reporta relata

etcrdquo possui um sentido cronoloacutegicogenealoacutegico de que eacute exemplo O Cataacutelogo das Mulheres

de Hesiacuteodo pode ser ldquodidascaacutelica (didaskalikeacute)rdquo quando ensina e aqui satildeo exemplos os

Fecircnomenos tanto de Ciacutecero como de Arato ou as Geoacutergicas de Vergiacutelio mas tambeacutem os

poemas de conteuacutedo filosoacutefico de que satildeo exemplos Empeacutedocles e Lucreacutecio

Subdividindo a poesia mista menciona como exemplo a poesia heroica ie a poesia

de heroacuteis de que satildeo exemplo a Iliacuteada e a Eneida tambeacutem se refere agrave liacuterica mas aqui a de

Horaacutecio e Arquiacuteloco (DIOMEDES op cit 483 5 ndash 6)

Ora chama a atenccedilatildeo nesse uacuteltimo caso em comparaccedilatildeo ao texto do epiacutetome de

Foacutecio que operando com uma triparticcedilatildeo dos gecircneros enunciativos a liacuterica seja dada como

exemplo misto porque eacute plenamente possiacutevel imaginar que outro e natildeo o eu-poeacutetico fale

como uma personagem Como a Crestomatia opera com uma biparticcedilatildeo a liacuterica eacute posta junto

de todas as espeacutecies que natildeo satildeo modernamente falando teatrais pelo simples pressuposto de

que nelas quem fala eacute a figura do poeta podendo haver outra dependente dela

Ateacute aqui comparados em sua organizaccedilatildeo observamos que tanto a Crestomatia como

o livro III de Diomedes conhecido antigamente como De Poematibus68 partem de um criteacuterio

primeiro e abrangente que classifica os poemas pelo elocutor Ambos jaacute apresentam aiacute uma

primeira diferenccedila69 este uma divisatildeo tripartite aquele bipartite

O texto de Diomedes apresenta uma subdivisatildeo em espeacutecies que considera a mateacuteria e

a finalidade da composiccedilatildeo mesmo no caso dos poemas apenas narrativos (contemplando

assim ateacute poemas de ensinamento filosoacutefico) e distingue com outra nomenclatura agrave parte os

cantos ou carmina como formas que se definem pelo que parece ser um criteacuterio taacutecito de

68 Uma vez que essa seccedilatildeo por si soacute consiste em um pequeno livro sobre classificaccedilatildeo de obras poeacuteticas que se

inspiraria na obra perdida atribuiacuteda a Suetocircnio De Poetica 69 Aleacutem do fato sempre evidente de que a os textos gregos versam sobre as formas poeacuteticas gregas enquanto os

latinos versam sobre as formas gregas ndash feitas romanas pelos autores paacutetrios ndash e a formas apenas latinas

77

metro e mateacuteria Era de se esperar em princiacutepio que esses cantos correspondessem

diretamente aos grupos acima expostos ou que ao menos fossem explicitados como derivados

deles ou a eles associados essa associaccedilatildeo de forma explicita soacute se verifica para os casos do

epos e da poesia bucoacutelica no caso citado de Vergiacutelio70 Jaacute o texto atribuiacutedo a Proclo passa

direto dos gecircneros enunciativos para o nome de cada uma das espeacutecies narrativas gregas

equivalentes (salvo pela liacuterica que ocupa o epiacutetome extensamente) aos carmina de Diomedes

Em resumo natildeo haacute classificaccedilatildeo intermediaacuteria no texto grego

Ora haacute ao menos que se conjecturar a respeito dessas diferenccedilas e se natildeo pudermos

chegar a respostas definitivas podemos formular hipoacuteteses que permitam um melhor

vislumbre da categorizaccedilatildeo poeacutetica com que se preocupavam as gramaacuteticas antigas

Primeiramente a correspondecircncia entre os carmina de Diomedes e as espeacutecies

arroladas em Proclo eacute notaacutevel A equivalecircncia na verdade eacute principalmente do tipo de

classificaccedilatildeo que se desdobra que ndash agrave guisa de esclarecimento por enquanto ndash tem como

elementos baacutesicos os membros do esquema metro-mateacuteriaetimologia-etiologia Esse modelo

de classificaccedilatildeo e as semelhanccedilas entre os dois textos seraacute o foco da comparaccedilatildeo nas seccedilotildees a

seguir (infra 33 paacuteg 81 em diante) Interessam agora as diferenccedilas e a compreensatildeo

estrutural dos dois textos

O texto de Diomedes traz uma classificaccedilatildeo como notado que o texto de Proclo natildeo

Por quecirc Podemos conjecturar que Diomedes conhecendo duas classificaccedilotildees (uma que

apresenta na forma dos carmina pertencente ao mesmo modelo que a classificaccedilatildeo do texto

de Proclo) preocupa-se em dar conta das duas maneiras de classificar senatildeo em reuni-las e

tornaacute-las ambas operantes e natildeo excludentes procedimento que como se verifica a respeito

das etimologias eacute padratildeo

Parece que a primeira classificaccedilatildeo de Diomedes ausente em Proclo privilegia como

dito o criteacuterio mateacuteria considerando tambeacutem o fim a que o gecircnero enunciativo se destina Em

outras palavras eacute como se buscasse esgotar em subcategorizaccedilotildees o criteacuterio maior e

preponderante dos gecircneros enunciativos Assim as formas imediatamente subcategorizadas

satildeo espeacutecies dos trecircs grandes gecircneros segundo aquilo que ldquose narrardquo aquilo que ldquose

mimetizardquo (entenda-se ldquodramatizardquo diretamente dando voz a actantes) e aquilo que ldquose narra

e dramatizardquo simultaneamente Tal hipoacutetese talvez se confirme em se notando que espeacutecies

irmanadas dentro de um mesmo gecircnero o satildeo independente do metro Observe-se a poesia

gnocircmica de Teoacutegnins compocircs-se em diacutesticos elegiacuteacos os Fenocircmenos de Arato ou Ciacutecero

70 Gaberlinni (2005 paacuteg 1)

78

ou as Geoacutergicas de Vergiacutelio compuseram-se em hexacircmetro ambas no entanto satildeo

subespeacutecies do mesmo gecircnero pois constituem exemplo de poesia narrativa Assim se

explicaria o curioso caso da poesia heroica e da liacuterica em um mesmo gecircnero Mas note-se

tambeacutem Diomedes ao referir-se nesse passo agrave poesia tradicionalmente conhecida como

eacutepica (mais ainda agrave eacutepica por excelecircncia ndash trata-se de Homero e Vergiacutelio afinal) natildeo

emprega o termo ldquoeacutepicardquo ou ldquoeposrdquo porque esse eacute o nome de um carmen dentro da outra

categorizaccedilatildeo que tambeacutem desenvolveraacute O termo ldquoespeacuteciesrdquo rigorosamente emprega-se para

classificar as espeacutecies pela mateacuteria Da perspectiva da mateacuteria a poesia da Eneida ou da Iliacuteada

denomina-se ldquoheroicardquo pois versa sobre heroacuteis e natildeo ldquoeposrdquo embora da perspectiva dos

carmina como se sabe tambeacutem o seja Ao lado dessa poesia como mais um exemplo a liacuterica

citada natildeo eacute a liacuterica enquanto carmen os meacutele de Proclo em outras palavras a meacutelica como

um todo mas sim a liacuterica de Horaacutecio e Arquiacuteloco Evidentemente natildeo se excluem

composiccedilotildees de outros liacutericos Podemos imaginar que Diomedes provavelmente classificaria

sob essa nomenclatura ndash por que natildeo ndash parte de Safo uma vez que na sua ceacutelebre Ode a

Afrodite por exemplo ao dar voz agrave deusa que responde agrave prece do enunciador a poestisa

torna ldquomistardquo a enunciaccedilatildeo Uma liacuterica que natildeo o fizesse no entanto natildeo viria classificada

aqui

Buscando conciliar descriccedilotildees diferentes outra classificaccedilatildeo eacute a que em Diomedes

nomeia as composiccedilotildees como tal em separado a partir do resultado como ldquocantosrdquo Essa

classificaccedilatildeo ao que parece prioriza descrever a origem das formas poeacuteticas consagradas e

por isso seu criteacuterio preponderante eacute o metro seguido das explicaccedilotildees etimoloacutegicas e

etioloacutegicas que justificam como certo nome passou a se aplicar a certo tipo de composiccedilatildeo

natildeo univocamente pois assume que um mesmo nome se aplicava agrave confluecircncia de diferentes

mateacuterias que um metro pode incorporar para alguns casos dos quais o mais evidente eacute o da

elegia busca-se um denominador comum (sempre o lamento fuacutenebre) Mas a premissa

subjacente ndash posta em nossos termos evidentemente ndash seria carmen eacute uma nomenclatura

fechada que se aplica para nomear uma composiccedilatildeo levando em conta prioritariamente as

virtualidades do metro em relaccedilatildeo agrave mateacuteria Afinal de contas natildeo se conhece composiccedilatildeo em

diacutestico elegiacuteaco que almeje por exemplo cantar ldquofeitos e guerras de heroacuteisrdquo Categorizar e

explicar pela histoacuteria a composiccedilatildeo feita em certo metro mais especificamente dado uso de

um metro ndash senatildeo os usos dos metros ndash tornou-se ofiacutecio como visto do gramaacutetico A essa

seccedilatildeo do texto de Diomedes da classificaccedilatildeo dos carmina equivalem diretamente as espeacutecies

do texto de Proclo que natildeo aventando a subdivisatildeo por ldquoo querdquo se enuncia segundo os

79

gecircneros enunciativos propotildee os nomes das composiccedilotildees como as espeacutecies diretas dos grandes

gecircneros

Tal hipoacutetese torna mais clara a estruturaccedilatildeo do texto de Proclo pelo menos como o

resumo de Foacutecio o interpretou ao termo carmina de Diomedes equivale o termo poietikeacute de

Proclo Desde o princiacutepio do resumo o texto segue na esturtura de discurso indireto ldquoDiz

querdquo e entatildeo jaacute se expocircs a doutrinas sobre as virtudes da prosa e da poesia e qual o criteacuterio

discriminatoacuterio (os tropos figuras e todo o ornato ocorrem em maior abundacircncia na elocuccedilatildeo

poeacutetica) tambeacutem a doutrina dos trecircs moldes da elocuccedilatildeo Eacute em 319a 4 (sect12 SEVERYNS)

justamente apoacutes a menccedilatildeo ao juiacutezo de poesia que se inaugura a seccedilatildeo sobre os gecircneros

poeacuteticos

ldquoΚαὶ ὅτι τῆς ποιητ κῆς τὸ μέν ἐστι διηγηματικόν τὸ δὲ μιμητικόνrdquo

ldquoE da composiccedilatildeo poeacutetica diz que haacute o gecircnero narrativo e o imitativordquo

Evidentemente a traduccedilatildeo traz uma resoluccedilatildeo Literalmente ldquoE que da poeacutetica haacute o

diegeacutetico e o mimeacuteticordquo ou ldquoe que haacute o diegeacutetico e o mimeacutetico da poeacuteticardquo Como se vecirc o

trecho obriga a traduccedilatildeo a suprir algo que acompenhe o adjetivo ldquopoeacuteticardquo caso contraacuterio

pensar-se-aacute que aristotelicamente aborda-se aqui a Poeacutetica em um tratado sobre a teacutecnica

embora natildeo seja de todo errado entender que desse trecho em diante seratildeo abordadas

questotildees proacuteprias dessa teacutecnica e do conhecimento da poesia mas parece que a carga do

termo aqui eacute menos teacutecnica como se parafraseando o texto Proclo versasse sobre o que eacute

proacuteprio da poesia e portanto pode ser qualificado pelo adjetivo ldquopoeacuteticordquo

Pois havendo descrito trecircs doutrinas relevantes para analisar a composiccedilatildeo poeacutetica as

trecircs aplicaacuteveis igualmente agrave prosa e agrave poesia ndash a medida da elocuccedilatildeo para prosa e poesia

(pesando a balanccedila para esta) os plasmatai ou moldes e seus desvios e diferenccedila entre eacutethos e

paacutethos no juiacutezo de poesia ndash emprega-se o adjetivo para delimitar aquilo que concerne apenas

agrave poesia o que eacute apenas ldquopoeacuteticordquo ie proacuteprio agora do que eacute poema ndash termo que demarca a

oposiccedilatildeo com loacutegos ou prosa ndash e isso eacute justamente a classificaccedilatildeo dos poemas em narrativo ou

imitativo seguidos das espeacutecies daquele (eacute de se supor que nos livros que Foacutecio natildeo nos daacute a

conhecer arrolassem-se as espeacutecies imitativas) eacute nesse sentido portanto que a delimitaccedilatildeo

dos carminai Diomedes equivale ao poietikeacute de Proclo pois como se viu as

espeacutecies de Proclo (excetuando o cataacutelogo meacutelico) satildeo os carmina de Diomedes

80

Eacute mais do que evidente por isso tambeacutem que ambos os autores referiam-se a uma

mesma classificaccedilatildeo descritiva da poesia enraizada na gramaacutetica e a julgar pelos textos

difundida e profusa

Ambos os textos apresentam ainda uma terceira classificaccedilatildeo com algo em comum

(Diomedes apresenta quatro no total Proclo trecircs) os moldes da elocuccedilatildeo abordados antes da

classificaccedilatildeo geneacuterica na Crestomatia os ldquocaracteres do poemardquo (characteres poematos)

entre a exposiccedilatildeo das espeacutecies e a exposiccedilatildeo dos carmina em Diomedes que os nomeia em

particcedilatildeo quaacutedrupla e com nomes gregos makroacutes brakhyacutes meacutesos e antheroacutes

Essa classificaccedilatildeo seria uma das poucas ocorrecircncias do que em Fortunaciano lemos

como os geacutene pelikoacutetetos ou genera magnitudinis que diferentemente dos geacutene posoacutetetos

(cujo criteacuterio eacute a quantidade) pensam na grandeza na magnitude do discurso71 no que parece

ser uma tentativa de separaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de quantidade e a noccedilatildeo de extensatildeo do discurso

O que lemos na grande maioria dos textos como ldquomoldes gecircneros ou caraacutecteres da elocuccedilatildeordquo

aqui seria o criteacuterio da quantidade os geacutene posoacutetetos De qualquer forma o elemento em

comum com a Crestomatia eacute apresentar um criteacuterio que permita medir e avaliar a elocuccedilatildeo do

poema e assim tambeacutem julgaacute-lo por tal

O momento em que ocorrem ambas as distinccedilotildees nos respectivos textos vale menccedilatildeo

o conteuacutedo geral da obra de Proclo natildeo nos eacute acessiacutevel os indiacutecios arrolados nos capiacutetulos

anteriores levam-nos a crer que em seu iniacutecio para delimitar a poesia diferenciava-a da prosa

pelo criteacuterio da elocuccedilatildeo o que levava a uma discussatildeo sobre seus moldes Esse estudo da

elocuccedilatildeo era proacuteprio da tratadiacutestica retoacuterica de que o grande exemplar eacute Dioniacutesio de

Halicarnasso Sabemos por ele que pensando pelo ponto de vista da elocuccedilatildeo a anaacutelise da

composiccedilatildeo pelos moldes ou caracteacuteres se dava sobre a poesia e sobre a prosa Ora textos de

comentaacuterio gramatical conforme visto tambeacutem podiam recorrer a essa classificaccedilatildeo ou citaacute-

la Que essa doutrina fosse primeiramente exposta na Crestomatia quando em uma

introduccedilatildeo versava sobre a distinccedilatildeo prosa-poesia antes de partir para a classificaccedilatildeo dos

gecircneros poeacuteticos e que os geacutene pelikoacutetetos ocorram antes da menccedilatildeo dos carmina como

outro criteacuterio preponderantemente classificatoacuterio da poesia (justamente a elocuccedilatildeo) em uma

seccedilatildeo do texto que se propotildee a discutir somente a poesia sem mencionar a prosa sequer por

ensejo de distinccedilatildeo isso junto das outras similaridades de organizaccedilatildeo tende a cofirmar a

abordagem de base gramatical que vai se estabelecendo ao longo dos seacuteculos e que natildeo

71 Cf GABERLLINI Traduccedilatildeo e Comentaacuterio da Arte Retoacuterica de Consulto Fortunaciano paacuteg 57 ndash 63

Tambeacutem DOS SANTOS MM As Epiacutestolas de Horaacutecio e a confecccedilatildeo de uma ars dictaminis o opus p 142

Cf Bibliografia

81

descreve a poesia a partir de Aristoacuteteles Se a distinccedilatildeo pela elocuccedilatildeo insere-se dentro da

diferenciaccedilatildeo entre prosa e poesia na Crestomatia no caso do De Poematibus o criteacuterio jaacute eacute

dado inclusive depois do criteacuterio maior como maneira jaacute aceita pela qual tambeacutem se julgam

ou se medem pelo criteacuterio de grandeza no caso os poemas Tal mediccedilatildeo de grandeza para

elocuccedilatildeo embora sirva para essa em geral eacute apresentado como criteacuterio dentro da classificaccedilatildeo

da poesia jaacute assumido como maneira de se julgar poemas pois satildeo ldquocaracteres do poemardquo

sem nenhuma menccedilatildeo agrave prosa o que os poemas tambeacutem se classificavam assim

Nenhum desses criteacuterios eacute tratado ou descrito como condiccedilatildeo sine qua non se diraacute que

algo eacute poesia tais criteacuterios pelo contraacuterio proveem agravequeles que visam agrave explicaccedilatildeo dos

gecircneros manancial variado para descrever dentro de suas respectivas variaccedilotildees (mas

atentando aqui e ali a noccedilotildees semelhantes) as diferentes praacuteticas poeacuteticas da Antiguidade

Esses textos partem de outro ponto que natildeo o criteacuterio de Aristoacuteteles da miacutemesis de accedilatildeo como

o elemento base que define a poeacutetica

33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO

A noccedilatildeo de accedilatildeo ocorreraacute concomitantemente no epiacutetome e no De poematibus apenas

quando ambos abordam o epos Consequentemente soacute voltaraacute a aparecer no texto latino

quando se ateacutem agrave trageacutedia e agrave comeacutedia

A filiaccedilatildeo do texto grego e do texto latino a um mesmo meacutetodo ou forma de pensar e

expor o objeto se explicita agrave medida que os carmina de Diomedes equivalentes agraves espeacutecies

gregas de Proclo trazem etimologias semelhantes em passagens tambeacutem semelhantes de uma

breve histoacuteria de cada um dos tipos de composiccedilatildeo classificados pelo criteacuterio taacutecito de metro e

mateacuteria (semelhanccedila que evidentemente natildeo ocorre para as espeacutecies latinas ausentes no texto

grego) Em outras palavras natildeo apenas as etimologias satildeo as mesmas mas a histoacuteria que se

compotildee com elas revelando uma interpretaccedilatildeo convencionada e autorizada das informaccedilotildees

provedoras de uma mesma organizaccedilatildeo de fatos ilustrativos e explicativos do que em

Diomedes ganha o tiacutetulo de carmina

Como razatildeo histoacuterica da fixaccedilatildeo ao longo dos seacuteculos dessa forma de se exporem os

gecircneros e espeacutecies poeacuteticos devem-se considerar natildeo soacute o estabelecimento dos criteacuterios

editoriais alexandrinos como criteacuterios tambeacutem exegeacuteticos mas por que isso ocorreu A

82

relevacircncia desse fator natildeo estaacute apenas no fato de que graccedilas a essa atividade editorial os

poetas satildeo transmitidos estaacute mais especificamente sim no que consiste essa transmissatildeo eacute

por meio dela que se tornaratildeo objeto do conhecimento no traslado de uma cultura

essencialmente oral para um mundo da erudiccedilatildeo letrada Eacute segundo esses criteacuterios e essa

classificaccedilatildeo que satildeo organizados e pensados Natildeo eacute necessaacuterio elocubrar no caso plural do

melos Basta conceber que aleacutem de Homero muita poesia hexameacutetrica que narrava uma ou

muitas accedilotildees (porque Aristoacuteteles mesmo notifica-nos de poetas que natildeo seguem o criteacuterio que

ele expotildee em seu tratado) esteve em matildeos dos eruditos ou filoacutelogos da biblioteca carecendo

de uma classificaccedilatildeo que ndash e isso eacute o mais relevante ndash ora se tornava necessaacuteria

Bem como se reuacutenem nesse periacuteodo as diferentes formas poeacuteticas reuacutenem-se

tambeacutem diferentes dados doutrinais explicativos bem como se observam formas

convencionadas no discurso poeacutetico e suas variaccedilotildees a partir daiacute observam-se tambeacutem formas

convencionadas de descriccedilatildeo doutrinal e suas variaccedilotildees

Dentro dessa perspectiva histoacuterica a razatildeo de ordem doutrinal que torna relevante o

criteacuterio etimoloacutegico e a presenccedila de mais de uma etimologia para muitos casos

principalmente das espeacutecies poeacuteticas de nomenclatura corrente (os carmina de Diomedes) eacute a

abrangecircncia de explicar o nome da coisa a fim de explicar a coisa A explicaccedilatildeo do nome da

coisa trazendo os diferentes fatores que deram origem a seu nome pontua os elementos pelos

quais a proacutepria coisa o recebeu sendo indiretamente sua explicaccedilatildeo Por isso a etimologia

vem acompanhada de explicaccedilotildees etioloacutegicas quando uma explicaccedilatildeo natildeo eacute ela mesma as

duas coisas ie etimologia-etiologia Mais uma vez tem-se um quadro de soma de

informaccedilatildeo relevante para esclarecer minimamente como aquela espeacutecie poeacutetica veio a ser

Assim natildeo eacute de espantar que mais de uma etimologia seja apresentada sem que se

selecione uma como verdadeira Agraves vezes o autor pode se pronunciar a respeito delas e

apontar uma ou outra como equivocada mas geralmente as arrola como possibilidades

igualmente verdadeiras Em alguns casos parece preferir uma a outra mas natildeo se vecirc por parte

dos antigos a preocupaccedilatildeo de crivaacute-las repetidamente para se obter uma uacutenica e definitiva

(como eacute proacuteprio de nosso meacutetodo cientiacutefico) e seria ilusoacuterio esperar que o fizessem apenas

porque o fazemos jaacute que isso natildeo estaacute a seu alcance e nem teria como ser seu foco72 Os

textos antigos preocupam-se antes em coligir as diferentes etimologias e etiologias e fornececirc-

las todas como igualmente verossiacutemeis como teoricamente plausiacuteveis porque cirscunscrevem

o toacutepico de maneira geralmente didaacutetica e autoexplicativa Equivocou-se Severyns portanto

72 Apenas agrave guisa de ilustraccedilatildeo devemos considerar do ponto de vista linguiacutestico que os antigos gregos natildeo

tinham agrave sua disposiccedilatildeo tudo quanto hoje sabemos sobre o proto-indoeuropeu

83

apesar de seu refinamento e equivoca-se quem tente descobrir qual etimologia estaria no

texto ocupando o status de verdadeira Comparada Crestomatia ao texto de Diomedes que

possuiacutemos integralmente vemos natildeo haver o objetivo de para cada seacuterie de etimologias e

explicaccedilotildees da origem de uma espeacutecie poeacutetica selecionar a ldquouacutenicardquo etimologia verdadeira em

detrimento das demais

Por fim deve-se recordar que ldquorevelar as etimologiasrdquo e ldquoexplicar as histoacuteriasrdquo o que

sabemos ser parte da exegese textual dos antigos eram ou pelo menos se tornam como visto

em nossa reflexatildeo sobre o proecircmio da Ars de Dioniacutesio Traacutecio ofiacutecio do gramaacutetico Esse eacute o

elemento chave que daacute espaccedilo nos textos de gramaacutetica ou como dito de ascendecircncia

gramatical agrave descriccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies da poesia Teoricamente o gramaacutetico ou o

enfoque gramatical desarrola a exposiccedilatildeo da poesia por gecircneros e espeacutecies como modelo das

letras e lhes explica os nomes Essa eacute sua funccedilatildeo Natildeo as explica filosoficamente A causa ou

etiologia vem por necessidade se eacute relevante ou se a etimologia natildeo a conteacutem por ser

autoexplicativa

331 Epos

3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria

A primeira definiccedilatildeo de epos que se lecirc no texto de Diomedes eacute hauridade de Teofrasto

ldquoEpos se diz em grego a inclusatildeo das accedilotildees divinas heroicas e humanas no canto hexacircmetro

eacutepos estigraven periokhegrave theiacuteon te kaigrave heroiumlkocircn kaigrave anthropiacutenon pragmaacuteton73rdquo74 Como se vecirc essa

primeira definiccedilatildeo pontua claramente o elemento ldquoaccedilatildeordquo mas chama atenccedilatildeo outro elemento

de ordem terminoloacutegica o fato de que epos se defina pela ldquoinclusatildeordquo (periokheacute) das ldquoaccedilotildeesrdquo

(praacutegmata) no metro Natildeo soacute se verifica o criteacuterio metro-mateacuteria mas tambeacutem a sucessatildeo

desta agravequele A definiccedilatildeo atribuiacuteda a ningueacutem menos que o sucessor de Aristoacuteteles afirma

mais uma vez a preponderacircncia da accedilatildeo como elemento definidor da poesia narrativa por

excelecircncia mas o emprego do plural abre margem a conjecturas porque permite a leitura

73 Fortenbaugh et ali Theophrastus of Eresus Brill 1993 apud Gaberllini (2005) 74 Gaberllini op cit pg 233

84

segundo a qual natildeo eacute necessaacuteria a unidade de accedilatildeo basta que os hexacircmetros ndash parte-se do

metro ndash tragam accedilotildees e recebem o nome de epos

Essa seria a definiccedilatildeo simples de epos segundo metro e mateacuteria Restaria explicar

como isso se deu e aiacute se tem a mesma etimologia de Proclo justamente aquela que segundo

Severyns eacute absurda e natildeo poderia ser aceita como a endossada por um autor como Proclo

Proacutepria ou natildeo absurda ou natildeo ela explica a histoacuteria do epos de maneira coerente e

verossiacutemil dentro da tratadiacutestica trata-se da etimologia que aproxima epos do verbo hepomai

(seguir) Essa seria a origem da palavra Um ldquoeposrdquo (palavra) seria uma corruptela de algo

que se segue e assim se empregou a palavra para designar alguma coisa que ldquose seguiardquo nos

hexacircmetros apoacutes a descoberta do metro (mais uma vez anterior agrave adiccedilatildeo de accedilotildees) ldquoparagrave tograve

heacutepesthai en autocirci tagrave hexecircs meacutere toicircs proacutetoisrdquo75 O elemento sequencial apresentado por

Diomedes eacute a proacutepria consecuccedilatildeo das partes e das accedilotildees ie o proacuteprio elemento consecutivo

da narraccedilatildeo hexameacutetrica No caso da etimologia da Crestomatia aquilo que se segue a

consecuccedilatildeo satildeo as accedilotildees em relaccedilatildeo aos oraacuteculos accedilotildees que foram consoantes aos ouvidos

As duas etimologias natildeo satildeo a rigor completamente diferentes porque na verdade

trabalham com o mesmo elemento na expressatildeo ldquoforam consoantesrdquo (syacutemphona ecircn)76 da

Crestomatia supotildee-se a perfeita acomodaccedilatildeo entre accedilotildees e hexacircmetro comum a essa

exposiccedilatildeo do epos que se dessarola nos dois textos O texto de Diomedes natildeo agrave toa seguindo

o procedimento de compor uma breve histoacuteria com as informaccedilotildees agrave disposiccedilatildeo diraacute logo na

sequecircncia que ldquo() Na verdade o verso hexacircmetro se diz precipuamente eacutepos pois que por

primeiro o deus vate77 incluiu neste verso as palavras da resposta por assim dizer em muacutetua

consecuccedilatildeo de onde [vem] posteriormente por catacrese o termo o eacutepos por outros foi dita a

palavra e a proacutepria escrita consecutiva do discurso prosaicordquo78 Aqui como na Crestomatia a

associaccedilatildeo entre epos e palavra embora interpretada diferentemente Na Crestomatia porque

as composiccedilotildees hexameacutetricas passaram a se destacar demais e a exibir enorme superioridade

passaram a se designar por antonomaacutesia ldquopalavrardquo por serem a palavra por excelecircncia O

argumento se pauta na analogia com outros termos que designam pessoas ldquopoetardquo por

ldquoHomerordquo ldquooradorrdquo por ldquoDemoacutestenes Nela como visto o elemento ldquoconsecussatildeordquo se daacute

quando naturalmente das respostas do oraacuteculo percebe-se que a inclusatildeo de accedilotildees resultava

consoante ao metro Ora eacute uma diferenccedila de apresentaccedilatildeo da ideia mas esta de modo taacutecito

75 Diomedes 484 8 76 Proclo in Foacutecio 319a 10 ndash 11 in Severyns op cit sect13 77 Apolo 78 ldquo[] praecipue vero hexameter versus epos dicitur quoniam quidem hoc versu verba responsi in mutuam ut

sic dixerim consequentiam primus deus vates conprehendit unde postea abusive verbum et solutae orationis

ipsa scriptura consequens ab aliis epos dictumrdquo Diomedes (484 8 ndash 12)

85

eacute muito semelhante O texto de Diomedes traz a ilaccedilatildeo de que essa respota que se seguia era

um dizer um eacutepos e que seu nome se estendeu agraves composiccedilotildees com o tempo quando se deu

aquela inclusatildeo das sequecircncias de accedilotildees por catacrese (ldquounde postea abusive verbumrdquo) e natildeo

por antonomaacutesia Se essa informaccedilatildeo natildeo vem expressa no texto grego pode-se supor que

estaacute subentendida ao nomear a profetiza de Apolo que primeiro professou os oraacuteculo no metro

hexameacutetrico Femocircnoe composto de phemiacute (dizer) e nocircus (pensamento)

Como comprovaccedilatildeo da propagaccedilatildeo do nome o texto latino menciona que a extensatildeo

de sentido se deu ateacute o ponto de alguns usarem o termo tambeacutem para a fala e a escrita do que

denomina ldquodiscurso prosaicordquo ie a fala no que se pode supor a praacutetica oratoacuteria O mesmo

tipo de demonstraccedilatildeo seraacute empregado na Crestomatia mas laacute o exemplo satildeo os triacutemetros que

tambeacutem recebiam de alguns a designaccedilatildeo ldquoeacuteperdquo Vale lembrar que jaacute segundo Aritoacuteteles o

discurso das personagens se adaptou no estaacutegio final do desenvolvimento da trageacutedia ao

triacutemetro que eacute comum da fala79 Observa-se pois o mesmo tipo de argumento expresso com

exemplos parcialmente diferentes se considerarmos que a ambos subjaz o elemento ldquofala

comumrdquo natildeo tatildeo elevada menos poeacutetica de acordo com o criteacuterio do ldquomais e do menosrdquo da

elocuccedilatildeo segundo o qual a poesia naturalmente mais elevada deve conter em maior nuacutemero

as mesmas virtudes da prosa80

Os mesmos pressupostos subjazem agraves duas exposiccedilotildees lembrando sempre que no

caso de Diomedes isso vale apenas para o que diz da origem grega das espeacutecies poeacuteticas uma

vez que para cada carme fala da invenccedilatildeo entre os latinos As diferenccedilas ficam por conta de

um exemplo ou da maneira e da ordem atraveacutes das quais cada texto compotildee sua breve histoacuteria

explicativa da espeacutecie poeacutetica contudo ndash enfatizando mais uma vez ndash utilizando os mesmos

criteacuterios e causas consolidados Ora em nenhum momento Diomedes nega ndash mas pelo

contraacuterio deixa claro ndash que segue a preceptiva grega

Se pensarmos que esquematicamente os traccedilos apresentados satildeo

a ndash eacutepos ndash heacutepomai (ldquosyacutemphona ecircnrdquo)

b ndash uso primitivo do hexacircmetro nas respostas dos oraacuteculos

c ndash compreensatildeo das accedilotildees

79 Mais precisamente Aristoacuteteles diz que na fala comum os triacutemetros ocorrem repetidamente enquanto os

hexacircmetros satildeo poucos Cf Poeacutetica 1449a 23 ndash 27 80 De fato Aristoacuteteles na referida passagem diz que os hexacircmetros ocorrem quando na fala hodierna

desviamo-nos do registro coloquial ndash ldquoekbaiacutenontes tecircs lektecircs harmoniacuteasrdquo

86

d ndash confusatildeo entre fala hexameacutetrica e fala comum e extensatildeo para outros tipos de fala

(eacutepe)

a exposiccedilatildeo em Proclo seguiria um arranjo sequencial b a c d em Diomedes c a b d

3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico

Do que foi exposto no item anterior resulta nesta classificaccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies

poeacuteticos um criteacuterio que agruparia como epos toda poesia hexameacutetrica arcaica Mais

precisamente segue-se que por uma exposiccedilatildeo histoacuterico-etioloacutegica propotildee-se um conjunto

de traccedilos que agrupariam um poema na categoria ldquoeposrdquo A classificaccedilatildeo natildeo eacute como em

Aristoacuteteles exclusiva por tentar delimitar criteacuterios especiacuteficos e particularizantes mas

inclusiva porque assume mais de um criteacuterio ou traccedilo que permitiria incluir um poema no

gecircnero e apresenta as causas de cada um desses traccedilos como coexistentes

Por esse criteacuterio a rigor ndash e isso merece destaque no texto de Proclo ndash a invenccedilatildeo ou

descoberta do epos sua heuacuteresis eacute a descoberta do hexacircmetro e seu desenvolvimento ndash todas

as exposiccedilotildees mais detidas de espeacutecies seguem o esquema descoberta-desenvolvimento ndash

ocorre a partir do momento em que ldquose seguemrdquo as accedilotildees Parece que essa seria a exegese

mais literal dessa exposiccedilatildeo do epos como se encontra em Proclo e Diomedes Isso implica

que a rigor se o que Femonoe profetizava em hexacircmetros era ldquoeposrdquo ora poderiacuteamos

conceber um epos sem accedilatildeo Por isso talvez o segundo elemento etimoloacutegico imediatamente

arrolado seja o que propotildee a sucessatildeo imediata das accedilotildees por cosonacircnsia natural Vale

menccedilatildeo que a consonacircncia por si soacute seja ndash como por natureza ndash argumento suficiente (cf

supra 74)

Por esse criteacuterio abrangente observa-se que o texto de Proclo traria uma seccedilatildeo que natildeo

ocorre no livro III de Diomedes afinal de contas este natildeo teria a menor intenccedilatildeo embora

ambos compartilhem o mesmo ensejo didaacutetico e o mesmo modelo de categorizaccedilatildeo de

abordar detalhadamente o epos grego e daacute-lo a conhecer de modo geral agravequele que busca

instruccedilatildeo a seu respeito A Crestomatia traria nesse passo antes da apresentaccedilatildeo da elegia

uma discussatildeo geral de diferentes aspectos teoacutericos relacionados aos poemas classificados e

87

herdados como epos Como parte dessa discussatildeo eacute provaacutevel que se apresentassem

resumidamente evento a evento diferentes poemas contendo o ciclo eacutepico

A primeira peculiaridade aqui se refere ao fato de que os eventos mencionados por

Foacutecio (sect17) natildeo condizem com os eventos iniciais do primeiro poema na cronologia que nos

chega resumido a saber as Ciacuteprias que se iniciariam com Zeus tramando a guerra de Troia

junto a Tecircmis Considerando-se o episoacutedio das narraccedilotildees mitoloacutegicas com o qual o epiacutetome

de Foacutecio pontua o iniacutecio do ciclo verificamos que os fragmentos natildeo o contecircm por completo

uma vez que se iniciam com os poemas que visam ldquocompletarrdquo ndash ldquo

sympleroucircmenosrdquo ndash Homero (sect19) narrando fatos concernentes agrave guerra a partir de suas

causas que natildeo se encontram nem na Iliacuteada nem na Odisseia Eacute provaacutevel portanto que o

texto de Proclo transmitisse aqui de poemas como a Teogonia de Hesiacuteodo ou a

Titanomaquia atribuiacuteda a Eumelo eventos cosmogocircnicos concernentes agrave origem do mundo e

dos deuses culminando no reinado de Zeus e na Guerra de Troia a julgar inclusive pelo que

seria um dos toacutepicos do texto de Proclo destacado como relevante por Foacutecio a vir na

sequecircncia ldquotagrave mythologoucircmenardquo (sect19) ie as narraccedilotildees miacuteticas

O fato de Ceacuteu natildeo ser apresentado explicitamente como filho de Terra e de mesmo

assim a uniatildeo e a prole de ambos seguirem o padratildeo arcaico como se lecirc em Hesiacuteodo gerando

centiacutemanos e ciclopes (sem menccedilatildeo aos titatildes poreacutem) sugere a hipoacutetese defendida por

Severyns (paacuteg 87 ndash 88 n 17) de que Proclo se referia aqui agrave Titanomaquia jaacute entendida por

Ateneu (VII 277d ndash e) como poema do ciclo Nessa Ceacuteu seria filho do Ar (ou Eacuteter)81

O epiacutetome nos informa pela lista de cinco nomes anteriormente apresentada (sect15)

que dentro dessa interpretaccedilatildeo de epos Hesiacuteodo era exemplo da espeacutecie bem como outros

trecircs poetas que ou escreveram sobre Heacuteracles ndash sem atender como se sabe ao criteacuterio da

unidade de accedilatildeo por que Aristoacuteteles propugnaraacute (Poeacutetica VIII 1451a 16 ndash 35) ndash ou sobre as

guerras e eventos em torno da cidade de Tebas Os episoacutedios da Teogonia de Hesiacuteodo

portanto natildeo soacute seriam epos como tambeacutem de uma perspectiva a posteriori aquilo que

poetou faria parte do manancial episoacutedico que servia de mateacuteria prima aos poetas de epos A

respeito de Paniacuteasis Pisandro e Antiacutemaco resta a duacutevida que eram poetas de epos segundo

um mesmo criteacuterio que agrupava Hesiacuteodo e Homero natildeo haacute duacutevidas porque o texto o diz

contudo traria a Crestomatia menccedilatildeo dos episoacutedios por eles poetados

A referecircncia a essa primeira seccedilatildeo do ciclo eacutepico como ldquoτά περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι

μυθολογούμεναrdquo ldquoas narraccedilotildees miacuteticas sobre os deuses dos gregosrdquo (sect19) confirma que

81 Cf Anecdota Oxoniensa (I 75) Caliacutemaco (fragmento 498) Pseudo-Higino (Fabulae Preface) Ciacutecero (De

Natura Deorum 3 17)

88

antes dos resumos integralmente conhecidos o autor referia episoacutedios cosmogocircnicos mas

desse trecho natildeo temos fragmentos Eacute incerto se essa primeira parte do ciclo eacutepico era narrada

evento a evento apenas para anteceder os episoacutedios em torno da guerra de Troia do plano de

Zeus agrave morte de Odisseu ou se Proclo proporia uma sequecircncia de resumos dos diferentes

poemas considerados epos de acordo com a cronologia

Quanto agrave sequecircncia temporal dos eventos Ciacuteprias precedem a Iliacuteada Etioacutepida sucede

Na introduccedilatildeo agravequelas lecirc-se ldquoSucedem-se a esses eventos [a isso] as chamadas Ciacutepriasrdquo82

na introduccedilatildeo a esta ldquoSucede-se ao que foi dito anteriormente (no texto antes deste) a Iliacuteada

de Homero depois dela haacute a Etioacutepidardquo83 O texto a que o fragmento de Proclo refere-se satildeo

as Ciacuteprias a elas sucedem-se na cronologia os eventos da Iliacuteada e entatildeo os eventos da

Etioacutepida A jugar por essa passagem postos em sequecircncia o iniacutecio de ambos os fragmentos

indicariam que por deveras conhecida e copiada a Iliacuteada bem como a Odisseia natildeo eram

resumidas no texto de Proclo A introduccedilatildeo agrave Telegonia ocorre de maneira semelhante

ldquoDepois disso eacute a Odisseia de Homero depois disso a Telegoniardquo84 Chama a atenccedilatildeo que

pela cronologia dentro dessa esquematizaccedilatildeo de episoacutedios constituintes do ciclo a Odisseia

seria um nostos ie um retorno como uma espeacutecie a vir depois do poema Nostoi atribuiacutedo a

Aacutegias de Trezene e dedicado justamente a ldquosuprirrdquo os retornos natildeo poetados

Considerando que a Teogonia de Hesiacuteodo natildeo era obscura e que por isso poderia ser

simplesmente aludida como se faz com Iliacuteada e Odisseia natildeo restam muitos indiacutecios para

saber o que consistia esse iniacutecio do ciclo ou sua primeira seccedilatildeo Se no mesmo formato dos

resumos que a noacutes chegaram pode-se vislumbrar um autor que arrolasse um a um os eventos

em sequecircncia cronoacutelogica e mudando de um poema para o outro na ordem cronoloacutegica

fizesse menccedilatildeo disso Como faria no entanto no caso de poemas que continham ambos os

mesmos eventos A Titanomaquia como se sabe eacute narrada por Hesiacuteodo do verso 617 a 721

Poderia esse iniacutecio do ciclo ser apenas narrado de modo resumido e comentado pelo proacuteprio

Proclo a julgar pela construccedilatildeo ldquoΔιαπορεύεται δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι

μυθολογούμεναrdquo ndash ldquoPassa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre os

deuses dos gregosrdquo de modo que nele tanto o poema de Hesiacuteodo como o de Eumelo fossem

objeto do exame de Proclo A diferenccedila genealoacutegica apontada poreacutem eacute argumento aceite

para se supor que nesta passagem constasse o poema atribuiacutedo a Eumelo85 e daiacute como

tambeacutem consta na lista de kraacutetistoi (ou de modelos da espeacutecie) Antiacutemaco a quem se atribuem

82 Cypria 79 in Severyns tomo IV paacuteg 77 83 Cetera (a)Aethiopis 172 ndash 4 idem paacuteg 87 84 Cetera (e)Telegonia 306 ndash 7 ibidem paacuteg 96 85 Cf Evelyn-White (2003) e West (2003)

89

Tebaida e Epiacutegonos pode-se conjecturar que os eventos em torno de Tebas tambeacutem viessem

resumidos Se de fato Proclo se propusesse a enumerar episoacutedio a episoacutedio encaixando os

poemas em uma cronologia eacute provaacutevel que incluiacutesse esses eventos do ciclo tebano e dissesse

em que poema constam como nos resumos do ciclo troiano que conhecemos Como trataria a

Teogonia permanece uma questatildeo apenas a referiria e comentaria as diferenccedilas em relaccedilatildeo

ao poema de Eumelo Haveria um comentaacuterio sobre cosmogonia em geral no que

indiscriminadamente o autor exporia a interpretaccedilatildeo histoacuterica de que fala o paraacutegrafo 19

A passagem de Ateneu86 citada por Severyns confirma-nos apenas uma coisa pelo

menos desde o seacuteculo III dC as palavras ldquociclo eacutepicordquo podiam designar apenas os poemas

que se encarregavam de no entendimento dos exegetas e como aparece no texto mesmo de

Proclo completar a narraccedilatildeo de mitos que emboram conhecidos da audiecircncia dos poemas de

Homero natildeo se encontravam narrados em nenhum de seus dois poemas Independente de os

eacutepe que continham tais eventos serem primordialmente diferentes cantos hexameacutetricos de

uma Greacutecia ateacute preacute-homeacuterica dos quais postereiormente reunidos restaram-nos as

composiccedilotildees ou versotildees atribuiacutedas aos autores do chamado ciclo a percepccedilatildeo antiga dessas

composiccedilotildees pelo menos como expressa em Ateneu concebia-os como um conjunto de

poemas posteriores por oposiccedilatildeo a poemas anteriores Homero certamente pertencia ao

segundo grupo Portanto pensando episodicamente os eventos poetados por Homero podem

ser pensados como pertencentes a uma cronologia total de accedilotildees que os poetas abordam mas

parece que referindo-se a mais de um poema a proacutepria designaccedilatildeo ndash ldquociclo eacutepicordquo ndash supotildee-se

como um conjunto por exclusatildeo

Podia ser essa a distinccedilatildeo no texto de Proclo Se Foacutecio o resumiu atentando inclusive agrave

ordem de exposiccedilatildeo tambeacutem aqui se vecirc uma reorganizaccedilatildeo de um padratildeo expositivo

havendo definido a espeacutecie epos do gecircnero narrativo conforme o criteacuterio metro-mateacuteria e

organizado a exposiccedilatildeo de modo a fornecer uma breve histoacuteria para ela segundo a estrutura

invenccedilatildeo-desenvolvimento para completar o que seria uma exposiccedilatildeo didaacutetica87 dessa poesia

86 Logo no princiacutepio do livro VII do Deipnosophistae 277d ndash e discute-se o emprego da palavra por no

verso 1297 do Aacutejax de Soacutefocles e Zoilo afirma que o tragedioacutegrafo hauriu-a na Titanomaquia ao que emende

ldquode fato o ciclo eacutepico aprazia a Soacutefoclesrdquo Ateneu testemunha portanto na boca de Zoilo natildeo soacute que os poemas

do ciclo eram concebidos como um todo mas tambeacutem que a Titanomaquia estava inclusa 87 Essa finalidade didaacutetica ainda mais especificamente nessa exposiccedilatildeo de biografias e do ciclo natildeo poderia

ficar mais clara do que em uma passagem da briografia de Homero que seria do proacuteprio autor da obra

Ponderando sobre isso que no resumo de Foacutecio aparece como ldquotinas epi meacuterous praacutexeisrdquo ndash ldquoalgumas histoacuterias

particularesrdquo a respeito de Homero havendo exposto as histoacuterias a respeito de sua cegueira as etimologias a

repeito de seu nome e principalmente a anedota de sua morte escreve ldquoEsses eventos contudo carecem de

investigaccedilatildeo mas para que natildeo sejas de todo ignorante neles avanccedilo nesse sentidordquo (Vita Homeri 45 ndash 46 in

Severyns op cit tomo IV paacuteg 71 ndash 72 Traduccedilatildeo paacuteg 131)

90

1 ndash a) proporia um piacutenax ie uma lista dos poetas exemplares b) forneceria uma

biografia dos poetas dessa lista contemplando sua origem ie sua paacutetria vida e histoacuterias a

seu respeito Depois

2 ndash a) havendo exposto os principais poetas do epos dedicar-se-ia aos poemas dos

menores poetas de epos agrupados sob o tiacutetulo de ldquociclo eacutepicordquo se aqui se aplicasse a

denominaccedilatildeo como em Ateneu o primeiro poema seria o de Eumelo porque na cronologia

miacutetica eacute o mais velho dos poemas do ciclo b) iniciando-se o ciclo portanto por eventos

comogocircnicos haveria um excurso explicativo sobre tais eventos se o excurso se desdobrava

na anaacutelise de mais eventos divergentes Hesiacuteodo e episoacutedios do ciclo tebano poderiam vir

referidos mas o foco seria a explicaccedilatildeo histoacuterica dos mitos sem que se possa saber se essa

explicaccedilatildeo se dava sobre um resumo cosmogocircnico como um todo em que se inseria a

Titanomaquia ou apenas sobre os eventos nela contantes c) uma ponderaccedilatildeo sobre o valor do

ciclo eacutepico e a explicitaccedilatildeo do criteacuterio adotado para sua exposiccedilatildeo a sequecircncia de accedilotildees nele

contidas ou ndash por que natildeo ndash registradas d) a menccedilatildeo apenas ou uma breve biografia dos

poetas que compuseram tais poemas

Como no caso do ciclo o foco satildeo os eventos transmitidos e natildeo a virtude das

composiccedilotildees a exposiccedilatildeo dos seus eventos eacute anterior os poetas seriam discutidos apenas

depois se o paraacutegrafo 21 corresponde a algo aleacutem do ldquonomerdquo e ldquopaacutetriardquo que antecedem o

resumo de cada um dos poemas Cosoante a isso parece estar o compilador do Etymologicum

Magnum outrora citado na paacutegina 15 (cf seccedilatildeo 12) e a ordem como coloca o ciclo eacutepico em

sua citaccedilatildeo fornecida como de Proclo

332 Elegia

Na exposiccedilatildeo da elegia como eacute de se esperar natildeo haacute diferenccedilas gritantes entre a

histoacuteria que se lecirc em Proclo e a que se lecirc no gramaacutetico latino Ambos iniciam pelo metro

elemento preciacutepuo a ser observado para a classificaccedilatildeo e definem como ldquoelegeiacuteardquo o diacutestico

em que se compotildeem os poemas que recebem tal denominaccedilatildeo Sobre a mateacuteria ou sobre a

histoacuteria do que se canta nas elegias ambos satildeo unacircnimes como todas as descriccedilotildees que

conhecemos em associar a elegia ao lamento fuacutenebre irmanando-a ao treno e agrave necircnia

A etimologia apresentada por Proclo quanto agrave palavra exata eacute a que aproxima a forma

ldquoelegeiacuteardquo da forma ldquoeacutelegosrdquo que eacute dada como nome antigo do lamento fuacutenebre mais

91

precisamente segundo a etimologia do coacutedice seria o nome que os antigos davam ao proacuteprio

treno esse sim o canto de lamento por um morto O termo tambeacutem adviria do fato de que se

elogiava o morto o que se diria ldquoeucirc leacutegeinrdquo havendo proximidade foneacutetica entre o nome do

lamento antigo (eacutelegos) e a expressatildeo para ldquofalar bemrdquo A formulaccedilatildeo que se lecirc no texto natildeo

deixa duacutevida de que pelo menos neste caso natildeo se trata de escolher uma a outra mas de

entender o que consistia a etimologia antiga explicar uma palavra atraveacutes de outras

principalmente se haacute implicaccedilatildeo histoacuterica entre elas o que se deduz de seus significados

Assim eacute porque o lamento fuacutenebre se dizia entre os antigos ldquoeacutelegosrdquo e porque

simultanemante nele se elogiava o morto (ldquoeucirc leacutegeinrdquo) que se cunhou a palavra que designa

as composiccedilotildees no metro A etimologia aqui busca explicar o nome que diferentemente do

hexacircmetro eacute o nome do metro e por conseguinte o nome da composiccedilatildeo Isso se explicita no

terceiro comentaacuterio explicativo a respeito da elegia posteriormente se passou a usar o metro

para diferentes ldquohipoacutetesesrdquo para diferenes argumentos explicando portanto que muito da

elegia (principalmente a julgar pelo que conhecemos) natildeo conteacutem o elemento fuacutenebre

A etimologia de Diomedes difere quanto agrave expressatildeo para o lamentar mas constroacutei-se

de maneira semelhante ie pela concomitacircncia das duas coisas ou dos significados dos

significantes aproximados De fato diz-nos Diomedes

ldquo() elegia autem dicta sive

(fere enim defunctorum laudes hoc carmine conprehendebantur) sive

id est miseratione quod Graeci vel

isto metro scriptitaveruntrdquo

(Diomedes op cit 484 22 ndash 25)

ldquo() A elegia por sua vez disse-se quer paragrave tograve eucirc leacutegein tougraves

tethneocirctas88 (pois quase todos os elogios aos mortos eram

compreendidos neste canto) quer apograve toucirc eleacuteou89 isto eacute comiseraccedilatildeo

porque os gregos tinham o haacutebito de escrever neste metro threacutenous ou

eleeicircardquo

(trad Gaberllini op cit 234)

Diomedes prefere as palavras que nomeiam a substacircncia do canto fuacutenebre e

primeiramente na contraposiccedilatildeo ao elogio oferece outra palavra em vez de eacutelegos Nisso natildeo

diverge do saber gramatical que aqui se expotildee porque essa etimologia na verdade eacute

recorrente em outros textos Lecirc-se por exemplo no Etymologicum Magnun e no escoacutelio a

88 ie ldquopelo elogiar os mortosrdquo 89 ldquoPor causa da laacutestima piedaderdquo a ldquocomiseraccedilatildeordquo como o proacuteprio Diomedes traduz em sequecircncia

92

Dioniacutesio Traacutecio preferindo-se ali o verbo eleeicircn (ldquolastimar comiserar-serdquo)90 em vez do aqui

empregado substantivo eacuteleon91

Igualmente apenas em outra ordem o texto do gramaacutetico propotildee como argumento

final (o que na Crestomatia seria o primeiro argumento) o fato de que era nesse metro que os

antigos gregos compunham trenos Propotildee contudo outro nome para eles eleeicirca Essa

possibilidade etimoloacutegica natildeo eacute mencionada por Severyns em seu comentaacuterio a essa

passagem do epiacutetome embora ocorra no singular em duas das passagens que colige do

escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio em (173 8 ndash 10)

ldquoἪ ἐλεγεῖόν ἐστι θρῆνος ἐπιτάφιος οἱονεὶ ἐλεεῖόν τι ὄν τοῦ ltγgt

ἐκθλιβομένου παρὰ τὸ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ εὐλογεῖον παρὰ

τὸ εὖ λέγειν τὸν ἀποβιώσανταrdquo

ldquoOu lsquoelegeicirconrsquo92 eacute treno funeraacuterio como se fosse um lsquoeleeicirconrsquo

elidindo-se o lsquogrsquo pelo lsquoeleeicircnrsquo [lastimar] o falecido ou lsquoeulogeicirconrsquo93

pelo lsquoeucirc logeicircnrsquo [elogiar] o que cessou de viverrdquo

(grifos e traduccedilatildeo do autor)

e (307 24 ndash 26)

ldquoἪ ἐλεγεῖόν ἐστι θρῆνος ἐπιτάφιος οἱονεὶ ἐλεεῖόν τι ὄν ἐλλειφθέντος

τοῦ ltγgt ἀπὸ τοῦ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ ἐλεγεῖον ἀπὸ τοῦ ἔ

λέγειν τὸν ἀποβιώσανταrdquo

ldquoOu lsquoelegeicirconrsquo eacute treno funeraacuterio como se fosse um lsquoeleeicirconrsquo faltando

o lsquogrsquo pelo lsquoeleeicircnrsquo o falecido ou lsquoelegeicirconrsquo por causa do lsquoeacute leacutegeinrsquo94 o

que cessou de viverrdquo

(Idem)

90 O levantamento completo das etimologias encontra-se bem exposto e organizado em Severyns op cit II

commentaire 25 paacuteg 99 ndash 102 Para essa em especiacutefico cf Etymologicum Magnun 326 50 e o escoacutelio a

Dioniacutesio Traacutecio 307 24 ndash 26 173 8 ndash 9 20 25 ndash 27 475 26 91 Haurido por Severyns no Etymologicum Gudianum 180 17 e no Et Mag idem em outra etimologia que

aproxima eacuteleon de goacuteon sendo este segundo a expressatildeo acerba do luto Essa etimologia diferentemente eacute

apenas pautada no campo semacircntico do lamento funeral 92 Termo que tambeacutem designa priemeiro o diacutestico e por metoniacutemia a composiccedilatildeo em diacutestico daiacute o poema ou a

inscriccedilatildeo no metro 93 Algo como ldquoelogiosordquo 94 Essa seria a etimologia mais baacutesica supondo que o termo viria de ldquodizer lsquoersquordquo como expressatildeo de dor

93

Em ambos os casos como os gramaacuteticos se repetem e parecem se copiar obserava-se

o emprego da conjunccedilatildeo ldquohoioneiacuterdquo quase como se fosse formular ao se dar essa etimologia O

plural ocorre somente uma vez

ldquo()διὸ καὶ καλεῖται ἐλεγεῖα οἱονεὶ ἐλεεῖα τοῦ ltγgt ἐκθλιβομένου

παρὰ τὸ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ ἐλεγεῖα οἱονεὶ εὐλεγεῖα παρὰ τὸ

εὖ λέγειν τὸν ἀποβιώσανταhelliprdquo

(Sch Dion Tr 20 25 ndash 27)

ldquo() razatildeo pela qual tambeacutem se chamava ldquoelegeicircardquo como se ldquoeleeicircardquo

elidido o lsquogrsquo pelo ldquoeleeicircnrdquo o falecido ou ldquoelegeicircardquo como se

ldquoeulegeicircardquo pelo ldquoeucirc leacutegeinrdquo o que cessou de viverrdquo

(Idem)

Severyns natildeo menciona o termo como uma etimologia em separado porque natildeo o

entende e com razatildeo assim a comeccedilar pela conjunccedilatildeo mencionada vecirc-se que nessas

explicaccedilotildees o termo eacute hipoteacutetico Severyns igualmente natildeo estaacute comparando o coacutedice 239 agrave

Ars de Diomedes que natildeo menciona Em todas as referidas ocorrecircncias seja antes (173 e

307) seja depois (20) assume-se que o termo eacutelegos era primordialmente sinocircnimo de treno

portanto em todas a palavra seguindo o mesmo esquema derivacional eacute apresentada como

transiccedilatildeo de uma derivaccedilatildeo do verbo eleeacuteo como uma espeacutecie de deverbal anterior a

forma com g Seria o que se diria imediatamente a princiacutepio como resultado do verbo

ldquocomiserar-se lastimarrdquo

Ora eacute esse o termo que Diomedes fornece como sinocircnimo de treno haurido como se

vecirc tambeacutem na gramaacutetica de base heleniacutestica Assim salvo pela escolha Diomedes natildeo

diverge do texto da Cretomatia mas refere-se agrave etapa primeira do processo expliacutecito nos

demais textos do qual se subentende que pela adiccedilatildeo de um som jaacute se estaacute na famiacutelia das

palavras ldquoeacutelegos elegeicircon elegeiacuteardquo Esses seriam os trecircs termos maiores da histoacuteria que se

compotildee com as etimologias sendo o primeiro o nome antigo para o lamento que se fazia pelo

passamento de algueacutem o segundo do metro e de seu emprego um diacutestico qualquer sendo o

plural uma forma de designar as composiccedilotildees Elegia se diria do poema inteiro composto

nesse metro a ldquoforma literaacuteriardquo ou em outros termos o poema pensado para ser uma

composiccedilatildeo nesse metro ndash segundo o emprego amplo que se fez do termo e a que o epiacutetome

alude e com esse feminino natildeo se designariam mais as inscriccedilotildees ou epigramas O texto

mesmo de Diomedes exemplifica o emprego de ldquoeacutelegosrdquo e ldquoelegiardquo como sinocircnimos a

95 Severyns agrupa as passagens referidas no conjunto de etimologias a partir do referido verbo

94

posteriori seja por empregaacute-los ele mesmo (ldquoelegiardquo como nome do carme mas depois

ldquoelegosrdquo referido-se agraves composiccedilotildees96) seja pelo exemplo de Horaacutecio nas linhas seguintes

Odes I 33 2 ndash 397

Assim teriacuteamos como designaccedilotildees mais primitivas eacutelegos (lamento) e elegeicircon (o

metro em que se exprimia sua confecccedilatildeo) Ambos se agrupariam na nomenclatura geneacuterica

posterior elegeiacutea O eacutelegos contudo a designaccedilatildeo para o elemento baacutesico desse canto

derivaria em geral de

a) ldquoeacute leacutegeinrdquo eleeicircn-eacuteleon para o que alguns supotildeem uma expressatildeo resultativa

ldquoeleeicirconardquo agrave qual se adicionou o gama ( )

b) ldquoeucirc leacutegeinrdquo

Esses satildeo os dois elementos baacutesicos de significado que as etimologias contemplam

Vemos por fim que Diomedes empregou a expressatildeo ldquoeleeicirconardquo para o que em Proclo eacute o

eacutelegos pensado como o treno antigo a expressatildeo da comiseraccedilatildeo (eleacuteon item a) somado ao

item b de nosso binocircmio ldquoeucirc legeicircnrdquo compondo uma histoacuteria natildeo diferente da exposta em

Proclo

333 Iambo

As similaridades entre os dois textos quanto aos referentes gregos eacute bem evidente

por exemplo nos dois modelos gregos arrolados pelo gramaacutetico latino Mas eacute a etimologia

para to iambeicircn a uacutenica proposta por Diomedes que imediatamente chama a atenccedilatildeo em seu

texto porque tambeacutem como Severyns diz muito bem acerca do texto de Proclo (op cit tomo

II commentaire 28 1 paacuteg 104) segue em primeiro lugar a etimologia proposta por ningueacutem

menos que Aristoacuteteles

96 Op cit 485 1 97 ldquoAlbi ne doleas plus nimio memor

inmitis Glycerae neu miserabilis

decantes elegos cur tibi iunior

laesa praeniteat fiderdquo

95

ldquo()

rdquo

(ARISTOacuteTELES Poeacutetica 1448b 30 ndash 32)

ldquoNos quais [No Margites e poemas semelhantes] por acomodaccedilatildeo o iacircmbico veio

como metro ndash eacute por isso que eacute chamado ldquoiacircmbicordquo hoje porque nesse metro se ralhavam uns

com os outrosrdquo

(Trad do autor)

Aristoacuteteles mesmo supotildee que o verbo iambizar jaacute existia antes de se referir tambeacutem

ao peacute com o significado de ldquoimprecar ralhar insultarrdquo e por causa do uso que se fazia do

metro posteriormente esse obteve seu nome a partir da finalidade com que era empregado

Severyns propotildee que a recorrecircncia dessa etimologia nos textos em geral e sua presenccedila

encabeccedilando o texto de Proclo se deveria acima de tudo ao peso da autoridade de

Aristoacuteteles98 Caberia entatildeo indagar porque Aristoacuteteles natildeo eacute seguido em diversas outras

passagens Que sua autoridade pese como autor que endossava essa opiniatildeo natildeo se nega mas

fiar-se a ela como etimologia primeira e baacutesica parece estar atrelado agrave ausecircncia de outra

etimologia plenamente satisfatoacuteria uma vez que o proacuteprio texto de Proclo atesta que a

associaccedilatildeo direta entre iacuteambos e iambiacutezein seria dialetal sem identificar sua origem poreacutem

No lugar de iambiacutezein na primeira associaccedilatildeo etimoloacutegica (sect28 15) refere-se a ldquoloidoriacuteasrdquo

para em seguida associar o verbo cognato (loidorein) ao que Aristoacuteteles emprega pois que

satildeo sinocircnimos

Demais Proclo apresentaraacute outras duas explicaccedilotildees a primeira delas eponiacutemica

parece que ocorre de modo a fornecer uma etiologia que reforccedila a associaccedilatildeo baacutesica metro-

mateacuteria apresentada no paraacutegrafo anterior a segunda tem a mesma intenccedilatildeo uma vez que

apresentaria o processo pelo qual o uso sobejo de iambiacutezein teria ocupado o proacuteprio lugar de

hybriacutezein Porfim esse argumento eacute endossado pela comparaccedilatildeo com o verbo komaacutezein se

primeiramente significava apenas participar de uma koacutemos um cortejo galhofeiro pela

praacutetica poeacutetica torna-se o proacuteprio verbo para ldquocriticar satirizarrdquo

Merece destaque tambeacutem o fato de que nesse passo ambos autores descrevem o

mesmo processo muito plausiacutevel observado no caso do epos segundo o qual uma palavra

em funccedilatildeo de um uso acaba tomando o lugar de outra

98 Op cit paacuteg 105

96

334 Meacutelica

O texto de Diomedes natildeo traz uma extensa classificaccedilatildeo da meacutelica mas a Ars de

Horaacutecio como se sabe natildeo soacute chama a atenccedilatildeo por mencionar a liacuterica mas principalmente

por apresentar brevemente uma divisatildeo segundo olha de maneira semelhante para as espeacutecies

da meacutelica grega (83 ndash 85)

ldquoMusa dedit fidibus divos puerosque deorum

et pugilem victorem et equum certamine primum

et ivuenum curas et libera vina referrerdquo

ldquoA Musa concedeu agrave lira o cantar deuses e filhos de deuses o

vencedor no pugilato e o cavalo que primeiro cortou a meta nas

corridas os cuidados dos jovens e o vinho que liberta dos cuidadosrdquo

(trad Rosado Fernandes 1984)

Semelhantemente ao criteacuterio da Crestomatia Horaacutecio vai do sacro ao profano ou

secular aludindo a exemplos semelhantes ao que no texto de Proclo seratildeo trecircs dos grandes

grupos em que a poesia meacutelica apareceraacute agrupada o hino e alguma espeacutecie que poderia

incluir homens (fosse um peatilde secular o encocircmio ou outra espeacutecie)99 o epiniacutecio e a poesia de

acircmbito simposial (uma composiccedilatildeo eroacutetica ou um escoacutelio) Os grupos do texto de Proclo satildeo

a saber

(a) para os deuses ndash hino (uma categoria que poderia se pensada como gecircnero para espeacutecie)

prosoacutedio peatilde ditirambo nomo adoniacutedia iobaco hiporquema

(b) para os homens ndash encocircmio (que conteria o elemento baacutesico podendo ser para as demais

espeacutecies tomado como gecircnero) epiniacutecio escoacutelio eroacuteticas epitalacircmio himeneu silo epiceacutedio

e treno

99 E aqui eacute interessante que Horaacutecio sugira a possibilidade dessa inclusatildeo do homem como objeto da poesia

primeiramente sacra ou seja a secularizaccedilatildeo da espeacutecie poeacutetica dado que como se notaraacute ao longo da anotaccedilatildeo

ao cataacutelogo das espeacutecies meacutelicas tal noccedilatildeo estaacute presente e eacute aplicada mesmo que subentendida em alguns casos

ao longo da classificaccedilatildeo Horaacutecio como se sabe eacute bem anterior a Proclo o que confirma portanto que o

resumo de Foacutecio atesta uma classificaccedilatildeo as poesia (natildeo soacute da meacutelica) que pelo menos ateacute Proclo era conhecida

aceita e difundida

97

(c) para deuses e homens ndash partecircnio (assumidamente gecircnero para espeacutecies) e daiacute dafnefoacutericas

tripodefoacutericas oscofoacutericas ecircuticas

(d) para circunstacircncias acidentais quando o poeta por conta de uma circunstacircncia ocasional

comporia versos para situaccedilotildees particulares da vida praacutetica motivo pelo qual as pragmaacuteticas

poderiam ser pensadas como gecircnero para espeacutecies seguida das empoacutericas apostoacutelicas

sentenciosas geoacutergicas e epistolares

A classificaccedilatildeo dessas espeacutecies estaria portanto diretamente atrelada agrave situaccedilatildeo em

que se davam Para diversas delas como se veraacute a situaccedilatildeo seraacute pressuposta apenas Os

criteacuterios ateacute entatildeo observado (etimologia e etiologia) seratildeo empregados para circunscrever as

origens e circunstacircncias que tatildeo somente por nomear permitiriam ao gramaacutetico categorizar

ie tornar algo vasto e impreciso em uma classificaccedilatildeo acessiacutevel e didaacutetica

De agora em diante portanto dada a extensatildeo do cataacutelogo concernente agraves espeacutecies

meacutelicas como natildeo eacute objetivo deste estudo resolver os problemas concernentes a cada uma

delas em separado mas sim entender seu funcionamento dentro do tipo de classificaccedilatildeo aqui

estudada a classificaccedilatildeo dos gramaacuteticos e estabelecer a filiaccedilatildeo do texto atribuiacutedo a Proclo

(uacutenico espeacutecime a trazer a extensa classificaccedilatildeo da liacuterica) o texto assumiraacute a forma de

anotaccedilatildeo agrave traduccedilatildeo do epiacutetome a fim de fornecer as referecircncias necessaacuterias para sua

compreensatildeo (pois natildeo faltam passagens obscuras) pontuando e ponderando elementos agraves

vezes apenas conjecturais que explicitem as caracteriacuteticas da obra (como ateacute entatildeo tem sido

pensada) e a aplicaccedilatildeo dos criteacuterios que foram aqui propostos como instrumentais dos textos

de base gramatical Seguir-se-atildeo os dois editores e comentadores modernos do coacutedice 239

(Severyns e Ferrante) visando tal exclarecimento e a seus comentaacuterios se somaratildeo as

ponderaccedilotildees segundo as finalidades deste estudo

98

PARTE II

Traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo

1 COacuteDICE 239

11 TEXTO

Segue-se a ediccedilatildeo de Severyns e sua paragrafaccedilatildeo junto da numeraccedilatildeo da ediccedilatildeo de

Bekker para a Biblioteca

[1] Ἀνεγνώσθη ἐκ τοῦ ἐπιγραφομένου βιβλίου Πρόκλου Xρησ- 239318b22

τομαθείας ραμματικῆς rsquoEκλογαί

[2] Ἔστι δὲ τὸ βιβλίον εἰς διῃρημέ-

νον λόγους

[3] Λέγει μὲν ἐν τῷ αʹ ὡς αἱ αὐταί εἰσιν ἀρεταὶ

τοῦ λόγου καὶ ποιήματος παραλλάσσουσι δὲ ἐν τῷ μᾶλ- 25

λον καὶ ἧττον

[4] Καὶ ὅτι τοῦ πλάσματος τὸ μέν ἐστιν ἁδρόν

τὸ δὲ ἰσχνόν τὸ δὲ μέσον

[5] Καὶ τὸ μὲν ἁδρὸν ἐκπκληκ-

τικώτατόν ἐστι καὶ κατεσκευασμένον μάλιστα καὶ ποιη-

τικὸν ἐπιφαῖνον κάλλος

[6] Tὸ δὲ ἰσχνὸν τὴν τροπικὴν μὲν

καὶ φιλοκατάσκευον σύνθεσιν μεταδιώκει ἐξ ἀνειμένων 30

δὲ μᾶλλον συνήρτηται ὅθεν ὡς ἐπίπαν τοῖς γοεροῖς

ἄριστά πως ἐφαρμόττει

[7] Τὸ δὲ μέσον καὶ τοὔνομα μὲν

δηλοῖ ὅτι μέσον ἐστὶν ἀμφοῖν

[8] Ἀνθηρὸν δὲ κατ ἰδίαν

οὐκ ἔστι πλάσμα ἀλλὰ συνεκφέρεται καὶ συμμέμικται

99

τοῖς εἰρημένοις ἁρμόζει δὲ τοπογραφίαις καὶ λειμώνων 35

ἢ ἀλσῶν ἐκφράσεσιν

[9] Οἱ δὲ τῶν εἰρημένων ἀποσφα-

λέντες ἰδεῶν ἀπὸ μὲν τοῦ ἁδροῦ εἰς τὸ σκληρὸν καὶ ἐπηρ-

μένον ἐτράπησαν ἀπὸ δὲ τοῦ ἰσχνοῦ εἰς τὸ ταπεινὸν

ἀπὸ δὲ τοῦ μέσου εἰς τὸ ἀργὸν καὶ ἐκλελυμένον

[10] Διαλαμ- 239319a1

βάνει δὲ καὶ περὶ κρίσεως ποιήματος ἐν ᾧ παραδί-

δωσι τίς ἤθους καὶ πάθους διαφορά

[11] Καὶ ὅτι τῆς ποιη-

τικῆς τὸ μέν ἐστι διηγηματικόν τὸ δὲ μιμητικόν

[12] Καὶ τὸ

μὲν διηγηματικὸν ἐκφέρεται δι ἔπους ἰάμβου τε καὶ ἐλε- 5

γείας καὶ μέλους τὸ δὲ μιμητικὸν διὰ τραγῳδίας σατύρων

τε καὶ κωμῳδίας

[13] Καὶ ὅτι τὸ ἔπος πρῶτον μὲν ἐφεῦρε Φημονόη ἡ

Ἀπόλλωνος προφῆτις ἑξαμέτροις χρησμοῖς χρησα-

μένη καὶ ἐπειδὴ τοῖς χρησμοῖς τὰ πράγματα εἵπετο 10

καὶ σύμφωνα ἦν ἔπος τὸ ἐκ τῶν μέτρων κληθῆναι

[14] Οἱ δέ φασιν ὅτι διὰ τὴν κατασκευὴν καὶ τὴν ἄγαν

ὑπεροχὴν τὴν ἐν τοῖς ἑξαμέτροις θεωρουμένην τὸ

κοινὸν ὄνομα παντὸς τοῦ λόγου τὸ ἑξάμετρον ἰδιώ-

σατο καὶ ἐκλήθη ἔπος καθάπερ καὶ Ὅμηρος τὸν 15

ποιητὴν καὶ ὁ Δημοσθένης τὸν ῥήτορα ᾠκειώσατο

ἐπεὶ καὶ τὰ τρίμετρα ἔπη προσηγόρευον

[15] Γεγόνασι δὲ

τοῦ ἔπους ποιηταὶ κράτιστοι μὲν Ὅμηρος Ἡσίοδος Πεί-

σανδρος Πανύασις Ἀντίμαχος

[16] Διέρχεται δὲ τούτων ὡς

οἷόν τε καὶ γένος καὶ πατρίδας καί τινας ἐπὶ μέρους 20

πράξεις

[17] Διαλαμβάνει δὲ καὶ περὶ τοῦ λεγομένου ἐπικοῦ

κύκλου ὃς ἄρχεται μὲν ἐκ τῆς Οὐρανοῦ καὶ Γῆς μυθο-

λογουμένης μίξεως ἐξ ἧς αὐτῷ καὶ τρεῖς παῖδας ἑκα-

100

τοντάχειρας καὶ τρεῖς γεννῶσι Κύκλωπας

[18] Διαπορεύεται

δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι μυθολογούμενα 25

καὶ εἴ πού τι καὶ πρὸς ἱστορίαν ἐξαληθίζεται

[19] Καὶ περα-

τοῦται ὁ ἐπικὸς κύκλος ἐκ διαφόρων ποιητῶν συμπλη-

ρούμενος μέχρι τῆς ἀποβάσεως Ὀδυσσέως τῆς εἰς Ἰθά-

κην ἐν ᾗ ὑπὸ τοῦ παιδὸς Τηλεγόνου ἀγνοοῦντος

κτείνεται

[20] Λέγει δὲ ὡς τοῦ ἐπικοῦ κύκλου τὰ ποιήματα 30

διασῴζεται καὶ σπουδάζεται τοῖς πολλοῖς οὐχ οὕτω διὰ

τὴν ἀρετὴν ὡς διὰ τὴν ἀκολουθίαν τῶν ἐν αὐτῷ πραγμά-

των

[21] Λέγει δὲ καὶ τὰ ὀνόματα καὶ τὰς πατρίδας τῶν πραγ-

ματευσαμένων τὸν ἐπικὸν κύκλον

[22] Λέγει δὲ καὶ περί

τινων Κυπρίων ποιημάτων καὶ ὡς οἱ μὲν ταῦτα εἰς 35

Στασῖνον ἀναφέρουσι Κύπριον οἱ δὲ Ἡγησῖνον τὸν

Σαλαμίνιον αὐτοῖς ἐπιγράφουσιν οἱ δὲ Ὅμηρον

γράψαι δοῦναι δὲ ὑπὲρ τῆς θυγατρὸς Στασίνῳ καὶ διὰ τὴν 239319b1

αὐτοῦ πατρίδα Κύπρια τὸν πόνον ἐπικληθῆναι

[23] Ἀλλ οὐ

τίθεται ταύτῃ τῇ αἰτίᾳ μηδὲ γὰρ Κύπρια προπαροξυτόνως

ἐπιγράφεσθαι τὰ ποιήματα 5

[24] Τὴν δὲ ἐλεγείαν συγκεῖσθαι μὲν ἐξ ἡρῴου καὶ πεντα-

μέτρου στίχου ἁρμόζειν δὲ τοῖς κατοιχομένοις

[25] Ὅθεν καὶ

τοῦ ὀνόματος ἔτυχε τὸ γὰρ θρῆνος ἔλεγον ἐκάλουν οἱ

παλαιοὶ καὶ τοὺς τετελευτηκότας δι αὐτοῦ εὐλόγουν

[26] Οἱ

μέντοι γε μεταγενέστεροι ἐλεγείᾳ πρὸς διαφόρους 10

ὑποθέσεις ἀπεχρήσαντο

[27] Λέγει δὲ καὶ ἀριστεῦσαι τῷ μέ-

τρῳ Καλλῖνόν τε τὸν Ἐφέσιον καὶ Μίμνερμον τὸν Κολο-

101

φώνιον ἀλλὰ καὶ τὸν τοῦ Τηλέφου Φιλίταν τὸν Κῷον

καὶ Καλλίμαχον τὸν Βάττου Κυρηναῖος οὗτος δ ἦν

[28] Ἀλλὰ γὰρ καὶ τὸν ἴαμβον τάττεσθαι μὲν ἐπὶ λοιδο- 15

ρίας τὸ παλαιόν καὶ γὰρ καὶ τὸ ἰαμβίζειν κατά τινα

γλῶσσαν λοιδορεῖν ἔλεγον

[29] Οἱ δὲ ἀπό τινος Ἰάμβης

θεραπαινίδος Θρᾴττης τὸ γένος ταύτην φασίν τῆς

Δήμητρος ἀνιωμένης ἐπὶ τῇ τῆς θυγατρὸς ἁρπαγῇ

προσελθεῖν περὶ τὴν Ἐλευσῖνα ἐπὶ τῇ νῦν Ἀγελάστῳ 20

καλουμένῃ πέτρᾳ καθημένην καὶ διά τινων χλευασμάτων

εἰς γέλωτα προαγαγέσθαι τὴν θεόν

[30] Ἔοικε δὲ ὁ ἴαμβος

τὸ μὲν παλαιὸν ἐπὶ τῶν εἰς ψόγον καὶ ἔπαινον γρα-

φομένων ὁμοίως λέγεσθαι ἐπεὶ δέ τινες ἐπλεόνασαν ἐν

ταῖς κακολογίαις τὸ μέτρον ἐκεῖθεν τὸ ἰαμβίζειν εἰς 25

τὸ ὑβρίζειν ὑπὸ τῆς συνηθείας ἐκπεσεῖν ὥσπερ ἀπὸ

τῶν κωμικῶν τὸ κωμῳδεῖσθαι

[31] Ἰάμβων δὲ ποιηταὶ Ἀρχί-

λοχός τε ὁ Πάριος ἄριστος καὶ Σιμωνίδης ὁ Ἀμόργιος

ἤ ὡς ἔνιοι Σάμιος καὶ Ἱππῶναξ ὁ Ἐφέσιος ὧν ὁ μὲν

πρῶτος ἐπὶ Γύγου ὁ δὲ ἐπ Ἀμύντου τοῦ Μακεδόνος 30

Ἱππῶναξ δὲ κατὰ Δαρεῖον ἤκμαζε

[32] Περὶ δὲ μελικῆς ποιήσεώς φησιν ὡς πολυμερεστάτη

τε καὶ διαφόρους ἔχει τομάς

[33] Ἃ μὲν γὰρ αὐτῆς μεμέρισται

θεοῖς ἃ δὲ ltἀνθρώποις ἃ δὲ θεοῖς καὶgt ἀνθρώποις ἃ δὲ

εἰς τὰς προσπιπτούσας περιστάσεις

[34] Καὶ εἰς θεοὺς μὲν ἀνα- 35

φέρεσθαι ὕμνον προσόδιον παιᾶνα διθύραμβον νόμον

ἀδωνίδια ἰόβακχον ὑπορχήματα

[35] Εἰς δὲ ἀνθρώπους ἐγκώμια ἐπίνικον σκό- 239320a1

λια ἐρωτικά ἐπιθαλάμια ὑμεναίους σίλλους θρήνους

ἐπικήδεια

[36] Εἰς θεοὺς δὲ καὶ ἀνθρώπους παρθένια δα-

102

φνηφορικά τριποδηφορικά ὠσχοφορικά εὐκτικά ταῦτα

γὰρ εἰς θεοὺς γραφόμενα καὶ ἀνθρώπων περιείληφεν ἐπαί- 5

νους

[37] Τὰ δὲ εἰς τὰς προσπιπτούσας περιστάσεις οὐκ ἔστι

μὲν εἴδη τῆς μελικῆς ὑπ αὐτῶν δὲ τῶν ποιητῶν ἐπικεχείρη-

ται τούτων δέ ἐστι πραγματικά ἐμπορικά ἀποστολικά γνωμολογικά γεωργικά

ἐπισταλτικά

[38] Καί φησι τὸν ὕμνον

μὲν ὠνομάσθαι ἀπὸ τοῦ ὑπόμονόν τινα εἶναι καὶ οἷον 10

εἰς μνήμην καὶ ὑπόμνησιν ἄγειν τὰς πράξεις τῶν ὑμνου-

μένων ἢ ἀπὸ τοῦ ὕδειν αὐτάς ὅπερ ἐστὶ λέγειν

[39] Ἐκά-

λουν δὲ καθόλου πάντα τὰ εἰς τοὺς ὑπερόντας γραφόμενα

ὕμνους διὸ καὶ τὸ προσόδιον καὶ τὰ ἄλλα τὰ προειρη- 15

μένα φαίνονται ἀντιδιαστέλλοντες τῷ ὕμνῳ ὡς εἴδη

πρὸς γένος καὶ γὰρ ἔστιν αὐτῶν ἀκούειν γραφόντων ὕμνος

προσοδίου ὕμνος ἐγκωμίου ὕμνος παιᾶνος καὶ τὰ ὅμοια

[40] Ἐλέγετο δὲ τὸ προσόδιον ἐπειδὰν προσίωσι τοῖς βω-

μοῖς ἢ ναοῖς καὶ ἐν τῷ προσιέναι ᾔδετο πρὸς αὐλόν ὁ

δὲ κυρίως ὕμνος πρὸς κιθάραν ᾔδετο ἑστώτων

[41] Ὁ δὲ 20

παιάν ἐστιν εἶδος ᾠδῆς εἰς πάντας νῦν γραφόμενος

θεούς τὸ δὲ παλαιὸν ἰδίως ἀπενέμετο τῷ Ἀπόλλωνι

καὶ τῇ Ἀρτέμιδι ἐπὶ καταπαύσει λοιμῶν καὶ νόσων ᾀδό-

μενος Καταχρηστικῶς δὲ καὶ τὰ προσόδιά τινες παιᾶνας

λέγουσιν

[42] Ὁ δὲ διθύραμβος γράφεται μὲν εἰς Διό- 25

νυσον προσαγορεύεται δὲ ἐξ αὐτοῦ ἤτοι διὰ τὸ κατὰ τὴν

Νύσαν ἐν ἄντρῳ διθύρῳ τραφῆναι τὸν Διόνυσον

ἢ διὰ τὸ λυθέντων τῶν ῥαμμάτων τοῦ Διὸς εὑρεθῆναι

αὐτόν ἢ διότι δὶς δοκεῖ γενέσθαι ἅπαξ μὲν ἐκ τῆς Σε-

μέλης δεύτερον δὲ ἐκ τοῦ μηροῦ

[43] Εὑρεθῆναι δὲ τὸν διθύ- 30

ραμβον Πίνδαρος ἐν Κορίνθῳ λέγει τὸν δὲ ἀρξάμε-

103

νον τῆς ᾠδῆς Ἀριστοτέλης Ἀρίονά φησιν εἶναι ὃς

πρῶτος τὸν κύκλιον ἤγαγε χορόν

[44] Ὁ μέντοι νόμος γρά-

φεται μὲν εἰς Ἀπόλλωνα ἔχει δὲ καὶ τὴν ἐπωνυμίαν

ἀπ αὐτοῦ Νόμιμος γὰρ ὁ Ἀπόλλων Νόμιμος δὲ ἐκλήθη 35

ὅτι τῶν ἀρχαίων χοροὺς ἱστάντων καὶ πρὸς αὐλὸν ἢ λύραν

ᾀδόντων τὸν νόμον Χρυσόθεμις ὁ Κρὴς πρῶτος 239 320b 1

στολῇ χρησάμενος ἐκπρεπεῖ καὶ κιθάραν ἀναλαβὼν εἰς

μίμησιν τοῦ Ἀπόλλωνος μόνος ᾖσε νόμον εὐδοκι-

μήσαντος δὲ αὐτοῦ διαμένει ὁ τρόπος τοῦ ἀγωνίσματος

[45] Δοκεῖ δὲ Τέρπανδρος μὲν πρῶτος τελειῶσαι τὸν νό- 5

μον ἡρῴῳ μέτρῳ χρησάμενος ἔπειτα Ἀρίων ὁ Μη-

θυμναῖος οὐκ ὀλίγα συναυξῆσαι αὐτὸς καὶ ποιητὴς καὶ

κιθαρῳδὸς γενόμενος

[46] Φρῦνις δὲ ὁ Μιτυληναῖος ἐκαι-

νοτόμησεν αὐτόν τό τε γὰρ ἑξάμετρον τῷ λελυμένῳ

συνῆψε καὶ χορδαῖς τῶν ζʹ πλείοσιν ἐχρήσατο

[47] Τι- 10

μόθεος δὲ ὕστερον εἰς τὴν νῦν αὐτὸν ἤγαγε τάξιν

[48] Ἔστι δὲ ὁ μὲν διθύραμβος κεκινημένος καὶ πολὺ τὸ

ἐνθουσιῶδες μετὰ χορείας ἐμφαίνων εἰς πάθη κατα-

σκευαζόμενος τὰ μάλιστα οἰκεῖα τῷ θεῷ καὶ σεσόβηται

μὲν καὶ τοῖς ῥυθμοῖς καὶ ἁπλουστέρως κέχρηται ταῖς λέ-

ξεσιν

[49] Ὁ δὲ νόμος τοὐναντίον διὰ τὸν θεὸν ἀνεῖται 15

τεταγμένως καὶ μεγαλοπρεπῶς καὶ τοῖς ῥυθμοῖς ἀνεῖται

καὶ διπλασίοις ταῖς λέξεσι κέχρηται

[50] Οὐ μὴν ἀλλὰ καὶ

ταῖς ἁρμονίαις οἰκείαις ἑκάτερος χρῆται ὁ μὲν γὰρ

τὸν φρύγιον καὶ ὑποφρύγιον ἁρμόζεται ὁ νόμος δὲ 20

τῷ συστήματι τῷ τῶν κιθαρῳδῶν λυδίῳ

[51] Ἔοικε δὲ ὁ

μὲν διθύραμβος ἀπὸ τῆς κατὰ τοὺς ἀγροὺς παιδιᾶς καὶ

τῆς ἐν τοῖς πότοις εὐφροσύνης εὑρεθῆναι ὁ δὲ νόμος

104

δοκεῖ μὲν ἀπὸ τοῦ παιᾶνος ῥυῆναι (ὁ μὲν γάρ ἐστι κοι-

νότερος εἰς κακῶν παραίτησιν γεγραμμένος ὁ δὲ 25

ἰδίως εἰς Ἀπόλλωνα) ὅθεν τὸ μὲν ἐνθουσιῶδες οὐκ

ἔχει ὡς ὁ διθύραμβος

[52] Ἐκεῖ μὲν γὰρ μέθαι καὶ παι-

διαί ἐνταῦθα δὲ ἱκετεῖαι καὶ πολλὴ τάξις καὶ γὰρ

αὐτὸς ὁ θεὸς ἐν τάξει καὶ συστήματι κατεσταλ-

μένῳ περιέρχεται τὸν κρουσμόν

[53] Ἀδωνίδια δὲ λέγεται τὰ 30

εἰς Ἄδωνιν ἀναφερόμενα

[54] Ἤιδετο δὲ ὁ ἰόβακχος

ἐν ἑορταῖς καὶ θυσίαις Διονύσου βεβαπτισμένος πολλῷ

φρυάγματι

[55] Ὑπόρχημα δὲ τὸ μετ ὀρχήσεως ᾀδό-

μενον μέλος ἐλέγετο καὶ γὰρ οἱ παλαιοὶ τὴν ltὑπόgt ἀντὶ

τῆς ltμετάgt πολλάκις ἐλάμβανον

[56] Εὑρέτας δὲ τούτων 35

λέγουσιν οἱ μὲν Κουρῆτας οἱ δὲ Πύρρον τὸν Ἀχιλ-

λέως ὅθεν καὶ πυρρίχην εἶδός τι ὀρχήσεως λέγου- 239321a1

σιν

[57] Ὁ δὲ ἐπίνικος ὑπ αὐτὸν τὸν καιρὸν τῆς νί-

κης τοῖς προτεροῦσιν ἐν τοῖς ἀγῶσιν ἐγράφετο

[58] Τὸ

δὲ σκόλιον μέλος ᾔδετο παρὰ τοὺς πότους διὸ καὶ πα-

ροίνιον αὐτὸ ἔσθ ὅτε καλοῦσιν ἀνειμένον δέ ἐστι τῇ 5

κατασκευῇ καὶ ἁπλούστατον μάλιστα

[59] Σκόλιον δὲ εἴρηται

οὐχ ὡς ἐνίοις ἔδοξε κατὰ ἀντίφρασιν τὰ γὰρ κατὰ

ἀντίφρασιν ὡς ἐπίπαν τοῦ εὐφημισμοῦ στοχάζεται οὐκ εἰς

κακοφημίαν μεταβάλλει τὸ εὔφημον

[60] ἀλλὰ διὰ τὸ

προκατειλημμένων ἤδη τῶν αἰσθητηρίων καὶ παρειμέ- 10

νων οἴνῳ τῶν ἀκροατῶν τηνικαῦτα εἰσφέρεσθαι τὸ

βάρβιτον εἰς τὰ συμπόσια καὶ διονυσιάζοντα ἕκαστον

105

ἀκροσφαλῶς συγκόπτεσθαι περὶ τὴν προφορὰν τῆς ᾠδῆς

Ὅπερ οὖν ἔπασχον αὐτοὶ διὰ τὴν μέθην τοῦτο τρέψαν-

τες εἰς τὸ μέλος σκόλιον ἐκάλουν τὸ ἁπλούστατον

[61] Τὰ δὲ 15

ἐρωτικὰ δῆλον ὅτι γυναικῶν καὶ παίδων καὶ παρ-

θένων ἐρωτικὰς ᾄδει περιστάσεις [62] Καὶ τὰ ἐπιθα-

λάμια δὲ τοῖς ἄρτι θαλαμευομένοις ἅμα οἱ ἠΐθεοι καὶ

αἱ παρθένοι ἐπὶ τῶν θαλάμων ᾖδον [63] Ὑμέναιον

δὲ ἐν γάμοις ᾄδεσθαί φησι κατὰ πόθον καὶ ζήτησιν 20

Ὑμεναίου τοῦ Τερψιχόρας ὅν φασι γήμαντα ἀφανῆ

γενέσθαι

[64] οἱ δὲ κατὰ τιμὴν τοῦ Ἀττικοῦ Ὑμεναίου τοῦ-

τον γάρ φησί ποτε διώξαντα ἀφελέσθαι κούρας Ἀττι-

κὰς λῃστῶν

[65] Ἐγὼ δὲ οἶμαι βίου τινὰ εὐτυχοῦς προανα-

φώνησιν ὑπάρχειν καὶ συνεύχεσθαι τοῖς συνιοῦσι πρὸς 25

γάμου κοινωνίαν μετὰ φιλοστοργίας αἰολικῇ παρα-

πλέκοντας τὴν εὐχὴν διαλέκτῳ οἷον ὑμεναίειν καὶ

ὁμονοεῖν τούτους ἀεὶ ὁμόσε ναίοντας

[66] Ὁ δὲ σίλλος

λοιδορίας καὶ διασυρμοὺς πεφεισμένως ἀνθρώπων

ἔχει 30

[67] Διαφέρει δὲ τοῦ ἐπικηδείου ὁ θρῆνος ὅτι τὸ

μὲν ἐπικήδειον παρ αὐτὸ τὸ κῆδος ἔτι τοῦ σώματος

προκειμένου λέγεται ὁ δὲ θρῆνος οὐ περιγράφεται χρό-

νῳ

[68] Τὰ δὲ λεγόμενα παρθένια χοροῖς παρθένων

ἐνεγράφετο

[69] Οἷς καὶ τὰ δαφνηφορικὰ ὡς εἰς γένος

πίπτει δάφνας γὰρ ἐν Βοιωτίᾳ διὰ ἐννεαετηρίδος εἰς 35

τὰ τοῦ Ἀπόλλωνος κομίζοντες ἱερεῖς ἐξύμνουν αὐ-

τὸν διὰ χοροῦ παρθένων

[70] Καὶ ἡ αἰτία τῶν Αἰολέων

ὅσοι κατῴκουν Ἄρνην καὶ τὰ ταύτῃ χωρία κατὰ 239 321b 1

106

χρησμὸν ἀναστάντες ἐκεῖθεν καὶ προκαθεζόμενοι Θήβας

ἐπόρθουν προκατεχομένας ὑπὸ Πελασγῶν

[71] Κοινῆς ἀμ-

φοῖν ἑορτῆς Ἀπόλλωνος ἐνστάσης ἀνοχὰς ἔθεντο καὶ

δάφνας τέμνοντες οἱ μὲν ἐξ Ἑλικῶνος οἱ δὲ ἐγγὺς τοῦ 5

Μέλανος ποταμοῦ ἐκόμιζον τῷ Ἀπόλλωνι

[72] Πολεμά-

τας δέ ὁ τῶν Βοιωτῶν ἀφηγούμενος ἔδοξεν ὄναρ νεα-

νίαν τινὰ πανοπλίαν αὐτῷ διδόναι καὶ εὐχὰς ποιεῖ-

σθαι τῷ Ἀπόλλωνι δαφνηφοροῦντας διὰ ἐννεαετηρί-

δος προστάττειν 10

[73] Μετὰ δὲ τρίτην ἡμέραν ἐπιθέμενος

κρατεῖ τῶν πολεμίων καὶ αὐτός τε τὴν δαφνηφο-

ρίαν ἐτέλει καὶ τὸ ἔθος ἐκεῖθεν διατηρεῖται

[74] Ἡ δὲ

δαφνηφορία ξύλον ἐλαίας καταστέφουσι δάφναις καὶ

ποικίλοις ἄνθεσι καὶ ἐπ ἄκρου μὲν χαλκῆ ἐφαρμό-

ζεται σφαῖρα ἐκ δὲ ταύτης μικροτέρας ἐξαρτῶσιν 15

κατὰ δὲ τὸ μέσον τοῦ ξύλου περιθέντες ἐλάσσονα τῆς

ἐπ ἄκρῳ σφαίρας καθάπτουσι πορφυρᾶ στέμματα τὰ

δὲ τελευταῖα τοῦ ξύλου περιστέλλουσι κροκωτῷ

[75] Βούλεται

δὲ αὐτοῖς ἡ μὲν ἀνωτάτω σφαῖρα τὸν ἥλιον (ᾧ καὶ τὸν

Ἀπόλλωνα ἀναφέρουσιν) ἡ δὲ ὑποκειμένη τὴν σελήνην 20

τὰ δὲ προσηρτημένα τῶν σφαιρίων ἄστρα τε καὶ ἀστέρας

τὰ δέ γε στέμματα τὸν ἐνιαύσιον δρόμον καὶ γὰρ καὶ

τζε ποιοῦσιν αὐτά

[76] Ἄρχει δὲ τῆς δαφνηφορίας παῖς

ἀμφιθαλής καὶ ὁ μάλιστα αὐτῷ οἰκεῖος βαστάζει τὸ

κατεστεμμένον ξύλον ὃ κώπω καλοῦσιν 25

[77] Αὐτὸς δὲ ὁ δα-

φνηφόρος ἑπόμενος τῆς δάφνης ἐφάπτεται τὰς μὲν

κόμας καθειμένος χρυσοῦν δὲ στέφανον φέρων καὶ λαμ-

πρὰν ἐσθῆτα ποδήρη ἐστολισμένος ἐπικρατίδας τὲ ὑπο-

107

δεδεμένος ᾧ χορὸς παρθένων ἐπακολουθεῖ προτείνων

κλῶνας πρὸς ἱκετηρίαν ὑμνῶν 30

[78] Παρέπεμπον δὲ

τὴν δαφνηφορίαν εἰς Ἀπόλλωνος Ἰσμηνίου καὶ Χαλα-

ζίου

[79] Τὸ δὲ τριποδηφορικὸν μέλος τρίποδος προη-

γουμένου παρὰ τοῖς Βοιωτοῖς ᾔδετο

[80] Ἔσχε δὲ καὶ τοῦτο

αἰτίαν τοιαύτην Πελασγῶν τινες Πάνακτον τῆς Βοιω-

τίας ἐπόρθουν Θηβαῖοι δὲ ἤμυνον καὶ πέμψαντες εἰς 35

Δωδώνην περὶ τῆς τοῦ πολέμου νίκης ἐχρῶντο

[81] Χρησμὸς

δὲ τοῖς Θηβαίοις ἐξέπεσεν ὡς εἰ μέγιστον ἀσέβημα

ἀσεβήσουσι νικήσουσιν 239 322a 1

[82] Ἔδοξεν οὖν αὐτοῖς ἀσε-

βημάτων εἶναι μέγιστον τὸ τὴν χρησμῳδήσασαν αὐτοῖς

τὸν χρησμὸν ἀνελεῖν καὶ ἀνεῖλον [83] Αἱ δὲ περὶ τὸ τέ-

μενος συνιέρειαι δίκην λαβεῖν ἀπῄτουν τοῦ φόνου τοὺς

Θηβαίους 5

[84] Θηβαῖοι δὲ οὐκ ἐπιτρέπουσι γυναιξὶ μόναις

τὴν περὶ αὐτῶν δίκην ἀξιοῦν κοινῆς δὲ κρίσεως ἀνδρῶν καὶ

γυναικῶν γεγενημένης καὶ τῶν ἀνδρῶν λευκὰς αὐτοῖς

ἐπενεγκόντων ψήφους ἀπέφυγον Θηβαῖοι

[85] Ὕστερον δὲ

ἐπιγνόντες αὐτοῖς τὸ ὑπὸ τοῦ χρησμοῦ προστασσόμενον

βαστάσαντες τῶν κατὰ τὴν Βοιωτίαν ἱερῶν τριπόδων 10

ἕνα καὶ κατακαλύψαντες ὡς ἱερόσυλοι ἀνέπεμψαν εἰς

Δωδώνην

[86] Εὐπραγήσαντες δὲ ἐξ ἐκείνου τοῦ λοιποῦ

τὴν πρᾶξιν ἑορτὴν ἐποίουν

[87] Ὠσχοφορικὰ δὲ μέλη παρὰ

Ἀθηναίοις ᾔδετο

[88] Τοῦ χοροῦ δὲ δύο νεανίαι κατὰ γυ-

ναῖκας ἐστολισμένοι κλῆμά τ ἀμπέλου κομίζοντες μεστὸν 15

108

εὐθαλῶν βοτρύων (ἐκάλουν δὲ αὐτὸ ὤσχην ἀφ οὗ καὶ

τοῖς μέλεσιν ἡ ἐπωνυμία) τῆς ἑορτῆς καθηγοῦντο

[89] Ἄρ-

ξαι δέ φασι Θησέα πρῶτον τοῦ ἔργου ἐπεὶ γὰρ ἑκούσιος

ὑποστὰς τὸν εἰς Κρήτην πλοῦν ἀπήλλαξε τὴν πατρίδα

τῆς κατὰ τὸν δασμὸν συμφορᾶς χαριστήρια ἀποδιδοὺς 20

Ἀθηνᾷ καὶ Διονύσῳ οἳ αὐτῷ κατὰ τὴν νῆσον τὴν

Δίαν ἐπεφάνησαν ἔπραττε τοῦτο δυσὶ νεανίαις ἐσκια-

τραφημένοις χρησάμενος πρὸς τὴν ἱερουργίαν ὑπηρέ-

ταις

[90] Ἦν δὲ τοῖς Ἀθηναίοις ἡ παραπομπὴ ἐκ τοῦ Διο-

νυσιακοῦ ἱεροῦ εἰς τὸ τῆς Ἀθηνᾶς τῆς Σκιράδος τέ- 25

μενος

[91] Εἵπετο δὲ τοῖς νεανίαις ὁ χορὸς καὶ ᾖδε τὰ

μέλη

[92] Ἐξ ἑκάστης δὲ φύλης ἔφηβοι διημιλλῶντο πρὸς

ἀλλήλους δρόμῳ καὶ τούτων ὁ πρότερος ἐγεύετο ἐκ τῆς

πενταπλῆς λεγομένης φιάλης ἣ συνεκιρνᾶτο ἐλαίῳ

καὶ οἴνῳ καὶ μέλιτι καὶ τυρῷ καὶ ἀλφίτοις 30

[93] Εὐκτικὰ

δὲ μέλη ἐγράφετο τοῖς αἰτουμένοις τι παρὰ θεοῦ γενέσθαι

[94] Πραγματικὰ δὲ ἅ τινων περιεῖχε πράξεις

[95] Ἐμπορικὰ

δὲ ὅσα κατὰ τὰς ἀποδημίας καὶ ἐμπορίας ἐπιδεικνύ-

μενά τισιν ἐγράφη

[96] Καὶ ἀποστολικὰ δὲ ὅσα διαπεμπό-

μενοι πρός τινας ἐποίουν 35

[97] Τὰ δὲ γνωμολογικὰ δῆλον

ὅτι παραίνεσιν ἠθῶν ἔχει

[98] Καὶ τὰ γεωργικὰ δὲ χώρας

καὶ φυτῶν καιροὺς καὶ ἐπιμελείας

[99] Καὶ τὰ ἐπισταλτικὰ

δὲ ὅσα κατ ἐντολὰς πρός τινας ποιοῦντες διέπεμπον

[100] Οἱ μὲν δύο λόγοι τῆς Πρόκλου γραμματικῆς Χρης-

109

τομαθείας ἐν τούτοις

12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO

1 Realizou-se leitura1 a partir do livro intitulado Excertos2 de Crestomatia3 de Letras4

de Proclo5 2 O livro eacute dividido em quatro arrazoados6

1 A forma anegnoacutesthe que introduz o epiacutetome da Crestomatia bem como praticamente todos os resumos

da Biblioteca eacute indicativa desse tipo de texto evidenciando literalmente que natildeo se apresenta ali uma obra mas

sim a leitura de uma cujo tiacutetulo segue-se Cf para a interpretaccedilatildeo dessa forma Ferrante (1957 pg 161)

seguindo a liccedilatildeo de Severyns (1939 I 4 174-75 e II pg 65) cuja recensatildeo acerca da tradiccedilatildeo manuscrita e a

liccedilatildeo para este primeiro periacuteodo parecem de fato as melhores A forma verbal eacute passiva mas deve ser

entendida no grego sem sujeito de forma absoluta ou intransitiva ie ldquoleu-serdquo ldquofoi lidordquo a que se adiciona um

termo preposicionado especificando a partir do que se deu essa leitura Aqui se supre como nos referidos

editores o termo ldquoleiturardquo para viabilizar a traduccedilatildeo remetendo agrave proacutepria atividade originaacuteria da Biblioteca

compilada por Foacutecio dar notiacutecia das sucessivas leituras de diferentes livros Cf Estudo 131 Para a discussatildeo

acerca da introduccedilatildeo dos epiacutetomes na Biblioteca as demais ocorrecircncias da forma e o entendimento desta em

especiacutefico comparada agraves outras A ausecircncia de artigo antes do substantivo ldquoleiturardquo na traduccedilatildeo opccedilatildeo

semelhante agrave dos referidos editores pretende aqui conferir um traccedilo de maior generalidade agrave pratica que

designa uma vez que para aleacutem da discussatildeo acerca de qual seria a matildeo que realmente anotou os textos

mencionados transformando-os em epiacutetomes (Foacutecio ele mesmo um copista um disciacutepulo e companheiro de

viagem que se encarrega da leitura ou vaacuterios etc ndash cf Severyns I 4 ndash 5) essa leitura foi motivo de uma ou mais

sessotildees internas do grupo de estudos dirigido pelo entatildeo embaixador e futuro patriarca ela eacute portanto uma de

diversas leituras dos textos tomados como objeto dessas sessotildees 2 Sobre as implicaccedilotildees da palavra ldquoexcertosrdquo (eklogaiacute) e como foi aqui interpretada cf Estudo 132 3 A palavra ldquocrestomatiardquo khrestomaacutetheia encontra-se lexicalizada em portuguecircs e agrave disposiccedilatildeo do

erudito de liacutengua romacircnica Houaiss haure-a no Novo Diccionario Critico Etymologico da Lingua Portugueza

Paris 1836 de Francisco Solano Constacircncio e a daacute como traslado do francecircs O Littreacute a registra na liacutengua e ao

fazecirc-lo interpreta-a como o referido portuguecircs florileacutegio coletacircnea das melhores passagens de diferentes

autores com fins didaacuteticos (provavelmente jaacute interpretando o adjetivo grego khrestoacutes ldquouacutetilrdquo presente no

composto) Dado isso adoto a forma vernaacutecula e natildeo me utilizo de artigo (ldquoArdquo Crestomatia) a fim de manter

combinando-se com ldquoexcertosrdquo a ambiguidade e a duacutevida que imediatamente em grego saltam aos olhos do

leitor de que a saber de acordo com a interpretaccedilatildeo que se faz da palavra ldquocrestomatiardquo ou se entende em um

extremo que a Biblioteca mesma jaacute nos traz o resumo de uma obra de segunda matildeo ie a abreviaccedilatildeo de algo jaacute

previamente resumido em uma coletacircnea escrita ou em outro extremo que o proacuteprio termo ldquoextratosrdquo faria

parte do tiacutetulo da obra original abrindo margem a pensar a palavra ldquocrestomatiardquo (e mesmo ldquocoletacircneardquo em

portuguecircs) sem um caraacuteter abreviativo mas como ldquoreuniatildeo de ensinamentosrdquo hauridos de outros textos e autores

que ao longo de seacuteculos foram ampliando e detalhando sob diferentes aspectos as doutrinas referentes agraves letras

de modo geral (em prosa ou verso oratoacuteria ou poeacutetica) Defende-se aqui uma terceira hipoacutetese entre esses dois

extremos Concorda-se com Severyns quanto ao caraacuteter natildeo abreviativo da palavra (cf Severyns op cit II 65 ndash

69) mas entende-se que eklogaiacute pelo cotejo com as introduccedilotildees de outros epiacutetomes da Biblioteca soacute pode

implicar neste caso uma abreviaccedilatildeo a seleccedilatildeo de excertos Cf Estudo 133 Ferrante natildeo se pronuncia quanto

a sua traduccedilatildeo mas manteacutem ldquoextratosrdquo e usa o artigo antes da palavra apesar de seguir Severyns em sua notaccedilatildeo

do texto Pretendeu-se aqui (natildeo soacute pelo uso do vernaacuteculo mas tambeacutem por natildeo se empregar o artigo) como

khrestomaacutetheia eacute um substantivo que definia certa obra por sua finalidade manter a dubiedade e o caraacuteter

duvidoso que salta aos olhos de um leitor moderno dos gregos 4 A traduccedilatildeo de grammatikoacutes por ldquoliteraacuteriardquo aqui seguiria o mesmo criteacuterio acima definido (n 3) de

manter o estranhamento em relaccedilatildeo ao tiacutetulo por isso bem como para ldquoeklogaiacuterdquo poder-se-ia manter a

literalidade do correlato latino numa uacutenica palavra Como se sabe poreacutem o termo aqui natildeo eacute sinocircnimo direto do

que noacutes modernos pensamos como ldquoos estudos literaacuteriosrdquo que supotildeem ndash mais precisamente ndash uma seacuterie de

categorias e criteacuterios associados ao termo os quais por se tornarem o foco mesmo ou os preceitos da chamada

ldquoanaacutelise literaacuteriardquo constituem o objeto de uma maneira estranha aos antigos Cf Estudo 134 paacuteg 38 ndash 50

110

3 No primeiro fala como as virtudes da prosa e da poesia satildeo as mesmas mas

diferenciam-se quanto ao mais e ao menos7 4 e que do molde da elocuccedilatildeo8 haacute o copioso o

tecircnue e o meacutedio9 5 Que o copioso eacute estonteante10 e muitiacutessimo elaborado reluzindo uma

beleza poeacutetica 6 Jaacute o tecircnue proscreve uma composiccedilatildeo com tropos e afeita agrave elaboraccedilatildeo mas

antes se entretece de despojamento motivo pelo qual em geral se adapta de um modo

excelente agraves lamentaccedilotildees11 7 Quanto ao meacutedio o nome evidencia que eacute meacutedio entre ambos

5 Consoante ao que se defende no cap 133 do Estudo e ao que foi dito acima na nota 3 entende-se aqui

que a atribuiccedilatildeo a Proclo ou seja o trecho ldquode Proclordquo porque o objeto lido estaria nomeado como Excertos

estava contido na intitulaccedilatildeo desse objeto Supotildee-se que a proacutepria intitulaccedilatildeo desse objeto que eacute resumido

porque se precisava identificar de que e de quem era excertos trazia a atribuiccedilatildeo ldquode Proclordquo daiacute o itaacutelico

adotado na traduccedilatildeo Sobre a questatildeo da atribuiccedilatildeo cf Estudo 12 paacuteg 12 ndash 15 6 Embora se saiba que os loacutegoi sejam mesmo etimologicamente as diferentes partes tomos coacutedices de

um bibliacuteon ie o conjunto desses rolos a obra preferiu-se aqui a traduccedilatildeo por ldquoarrazoadosrdquo referindo-se ao

significado cognitivo da palavra (pensamentofala) para manter natildeo soacute a ideia de que quando confeccionadas e

daiacute registradas de forma escrita essas partes natildeo arbitrariamente buscavam corresponder agraves partes menores de

um loacutegos tomadas por si mas tambeacutem a ideia de que num contexto como o da Biblioteca tanto no sentido de

sua composiccedilatildeo como de sua recepccedilatildeo essa noccedilatildeo era evidente senatildeo presente afinal a obra eacute o resultado de

seccedilotildees coletivas de leitura e assim mesmo se tenta reproduzi-la na forma de texto 7 Nomeando prosa ( loacutegos) e poesia ( poiacuteema) o texto imediatamente estabelece o

primeiro criteacuterio pelo qual se julgaraacute a composiccedilatildeo poeacutetica a elocuccedilatildeo que logo seraacute desdobrada (sect4) na teoria

de seus moldes ou gecircneros De acordo com esse primeiro criteacuterio a prosa e a poesia possuem as mesmas virtudes

ou qualidades ( aretaiacute) distinguindo-se pela quantidade esta possui mais do que aquela Esse criteacuterio jaacute

eacute empregado por Aristoacuteteles na Retoacuterica III Cf Estudo 21 paacuteg 51 ndash 52 8 A traduccedilatildeo mais literal considerando o genitivo ldquo rdquo seria evidentemente ldquoe que do

molderdquo contudo talzez natildeo ficaria imediatamente claro ao leitor que a doutrina poeacutetica dos antigos aqui supotildee

ldquomoldarrdquo metaforicamente para a confecccedilatildeo da elocuccedilatildeo e as possiacuteveis variaccedilotildees que permitem claissificaacute-la

mantendo a metaacutefora fiacutesica e escultoacuterica em trecircs grandes estilos gerais Por isso acrescentou-se a expressatildeo ldquoda

elocuccedilatildeordquo Como se sabe outros nomes equivalentes a outras abstraccedilotildees satildeo empregados para nomear essa

doutrina que pelo vieacutes latino e ciceroniano ficaraacute conhecida como ldquodos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo (cf Estudo

22) 9 Inicia-se a exposiccedilatildeo da teoria dos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeo as caracteriacutesticas marcantes de cada um e

seus desvios ou viacutecios O comentaacuterio agrave traduccedilatildeo e a explicaccedilatildeo dos termos encontra-se no Estudo 22 paacuteg 52 ndash

61 10 Repare-se que no original empregam-se dois adjetivos superlativos e com o segundo o superlativo do

adveacuterbio de intensidade Para traduzir tal intensidade poder-se-ia recorrer como Severyns a estender o adveacuterbio

aos dois sintagmas termos ndash ldquomuitiacutessimo estonteante e elaboradordquo Isso daria a entender que as duas

caracteriacutesticas estatildeo em peacute de igualdade quanto agrave intensidade e que haacute graus para o adjetivo ldquoestoanteanterdquo que

talvez se verifiquem nos outros moldes quando parece que ser arrebatador ou estonteante eacute proacuteprio da elevaccedilatildeo

do molde copioso Tentar traduzir o grau superlativo do primeiro adjetivo ndash ldquoo mais estonteanterdquo ndash daria a

entender o mesmo portanto quis-se que a proacuteprio adjetivo ldquoestonteanterdquo por sua forte semacircntica decirc conta do

primeiro adjetivo ldquo ekplektikoacutetatonrdquo remetendo ao sublime etc e que o adveacuterbio

ldquomuitiacutessimo restrinja-serdquo ao segundo adjetivo ldquo kateskeuasmeacutenon maacutelistardquo

julgando-se tal soluccedilatildeo mais fiel ao sentido do grego a saber o de que o molde copioso eacute o mais elaborado de

todos comparado aos demais moldes que podem ser elaborados em menor grau e por isso tem por qualidade

uacutenica ser estonteante atingir o arrebatamento do receptor Para tal intrepretaccedilatildeo cf Estudo 221 paacuteg 55 ndash 57

principalmente o uacuteltimo paraacutegrafo e o comentaacuterio de Quintiliano paacuteg 56 ndash 57 11 A legitimidade desta passagem mais especificamente desta palavra [goeroicircs] foi contestada

diferentemente por trecircs editores propocircs-se [georgikoicircs] (Schott 1606 apud Gaisford p337 apud

Severyns tomo II p 73) [noeroicircs] (Schimid 1894 p 134 n I apud Severyns idem)

[mikroicircs] (Immisch 1902 p 257 n I apud Severyns idem) Uma apreciaccedilatildeo pode ser lida em Severyns (idem)

que em linhas gerais aleacutem de se ater ao fato de que a tradiccedilatildeo manuscrita natildeo traz divergecircncias quanto a essa

passagem segue artigo de Shorey (Classical Philology 1906 apud Severyns) em que este aleacutem dos ceacutelebres

versos da Ars de Horaacutecio (95 ndash 98) arrola diferentes e breves passagens da tradiccedilatildeo retoacuterica nas quais se

evidenciam tal liccedilatildeo de forma explicita e natildeo poeacutetica ex Longino Rhet 21 ldquo() eacute necessaacuterio a quem consola

111

8 Florido por si proacuteprio natildeo eacute um molde mas manifesta-se e encontra-se misturado

junto aos mencionados e combina com topografias e descriccedilotildees12 de descampados ou

bosques

9 Os que cometem desvios das referidas formas geram a mudanccedila do copioso em duro

e exaltado do tecircnue em chatildeo e do meacutedio em truncado e frouxo

10 Entatildeo faz consideraccedilotildees acerca de criacutetica de poesia13 no que transmite qual a

diferenccedila entre caraacuteter e afeto14

11 E da composiccedilatildeo poeacutetica15 diz que haacute o gecircnero narrativo e o imitativo 12 E o

narrativo profere-se por meio de epos bem como de iambo elegia e meacutelica o imitativo por

meio de trageacutedia bem como de drama satiacuterico e comeacutedia16

falar natildeo com clareza sofistica [sophistikeacute tranoteacutes] mas com simplicidade compassiva [sympephonkyicirca

haploteacutes]rdquo Apsines (I 358) ldquoas narraccedilotildees pateacuteticas [pathetikaigrave dieacutegeseis] natildeo devem possuir muita organizaccedilatildeo

[polyn koacutesmon]rdquo idem (I 405) ldquoagrave elocuccedilatildeo eacute necessaacuterio que seja natildeo-moldada e natildeo-ornada [aacuteplaston kaigrave

akalloacutepiston] o ornar [kallopiacutezein] natildeo eacute proacuteprio de quem canta um trenordquo (a tosca literalidade da traduccedilatildeo eacute

intencional aqui a fim de que se notem os termos gregos) 12 A palavra empregada para ldquodescriccedilatildeordquo eacute eacutekphrasis e eacute o nome que se daacute ao gecircnero pelo

qual se confecciona com palavras a representaccedilatildeo de algo inanimado Consoante ao que se disse (supra) como

algo que eacute descrito parece que todos esses casos tecircm em comum o fato de que se constituem como objetos de

apreciaccedilatildeo em funccedilatildeo da palavra entatildeo eacute pelo proacuteprio floreio que supotildee ornato que esse algo pode se tornar

objeto do prazer Daiacute a possiacutevel interpretaccedilatildeo do epiacutetome segundo a qual o florido natildeo seria por si um molde a

ser selecionado desde o iniacutecio para a confecccedilatildeo de uma obra natildeo seria um molde independente agrave cuja

totalidade se circunscreveria por inteiro toda uma elocuccedilatildeo mas sim uma forma obrigatoriamente concorrente

dependente que se apresenta como parte adicional de um dos trecircs moldes em circunstacircncias como as

exemplificadas qual um adereccedilo de flores 13 kriacutesis poieacutematos entendida aqui como sinocircnimo da sexta parte da empiria

gramatical de Dioniacutesio Traacutecio conforme defendido aqui no Estudo 134 paacuteg 38 ndash 47 para opiniatildeo

semelhante FERRANTE paacuteg 20 ndash 21 Contraacuteria Cf SEVERYNS paacuteg 77 ndash 79 Aventou-se a traduccedilatildeo por

ldquocriacuteticardquo opccedilatildeo natildeo soacute muito coerente como esclarecedora uma vez que aqui se assume a kriacutesis poiemaacuteton de

Dioniacutesio Traacutecio como atividade que mais amplamente passou a corresponder ao que hoje noacutes modernos

diriacuteamos ldquocriacutetica de poesiardquo senatildeo ldquocriacutetica poeacuteticardquo Embora tentadora e chamativa declinou-se tal traduccedilatildeo

porque primeiro a noccedilatildeo de criacutetica natildeo se entende mais em portuguecircs associada ao significado baacutesico da palavra

grega originaacuteria ldquokriacutesisrdquo modernamente natildeo haacute mais a noccedilatildeo de ldquocisatildeo litiacutegio disputardquo e daiacute ldquoavaliaccedilatildeo juiacutezo

julgamentordquo e basicamente a palavra eacute do campo semacircntico judicial segundo como o proacuteprio Dioniacutesio Traacutecio

atesta que no iniacutecio se tratava justamente desta segunda noccedilatildeo de ldquojulgamentordquo ocupando-se a princiacutepio tatildeo

somente do estabelecimento do texto a traduccedilatildeo por criacutetica poderia criar o falso entendimento da parte do leitor

de que se trata de uma atividade de ldquocriacutetica literaacuteriardquo como a dos dias de hoje quando mesmo em seu

desdobramento posterior em que poderia modernamente receber tal nome a interpretaccedilatildeo dos antigos lidava

com um instrumental de noccedilotildees diferentes das nossas como reafirmado em outras passagens deste trabalho

Embora pareccedila se perder com esta soluccedilatildeo preferiu-se fazer juz ao ldquojuiacutezordquo e recorrer a esta nota 14 eacutethous kaigrave paacutethous ndash talvez aqui como pensados por Dioniacutesio de Halicarnasso no

tratado Da Imitaccedilatildeo Cf Estudo 134 especificamente paacuteg 47 ndash 50 15 O adjetivo feminino poietikecircs sem um substantivo acompanhando-o tende a supor teacutechne Sabemos que

assim Aristoacuteteles nomeia essa aacuterea do saber Como suprir o termo poderia dar a entender o tratado e o

entendimento aristoteacutelicos do objeto quando na verdade parece que o epiacutetome usa o termo para se referir aos

poemas ie agraves composiccedilotildees em verso por oposiccedilatildeo agraves em prosa certamente entendendo-as todas como poesia

e como o termo neutro poiacuteema foi empregado anteriormente por oposiccedilatildeo agrave prosa (loacutegos) optou-se nesta

traduccedilatildeo por suprir ldquocomposiccedilatildeordquo dando a entender o resultado o objeto o poema como ldquoconfecccedilatildeordquo trazendo

tambeacutem a noccedilatildeo do ato em si e da teacutecninca (teacutekhne) Cf Estudo 32 paacuteg 77 ndash 79

O emprego do termo no genitivo junto do artigo e do verbo leacutegei implica uma forte carga

partitiva ao termo ateacute entatildeo o texto versava sobre a elocuccedilatildeo que poderia ocorrer em prosa ou em verso ie

poderia ser um discurso juriacutedico ou um poema liacuterico mas ora sobre a confecccedilatildeo que eacute apenas poeacutetica eis os

112

13 Tambeacutem que Femocircnoe17 a profetiza de Apolo foi quem descobriu18 o epos19 por

professar oraacuteculos em hexacircmetros A partir daiacute aos oraacuteculos seguiram-se [heiacutepeto ] os

feitos20 que lhes eram consonantes nomeando-se ldquoeposrdquo qualquer composiccedilatildeo no metro

14 Outros dizem que por causa da elaboraccedilatildeo e da ampla superioridade21 observada

nos hexacircmetros o hexacircmetro apropriou-se do nome comum de ldquopalavrardquo e passou a ser

chamado ldquoeposrdquo [fala palavra falada]22 bem como Homero tornou sua a alcunha ldquoo poetardquo

e Demoacutestenes ldquoo oradorrdquo uma vez tambeacutem que alguns denominavam ldquoeacuteperdquo [falares plura

de ldquoeposrdquo] as composiccedilotildees em triacutemetros23

15 Os mais egreacutegios poetas do epos satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro24 Paniacuteasis25 e

Antiacutemaco26

16 Desses discorre na medida do possiacutevel acerca da origem da paacutetria e de algumas

histoacuterias particulares27

gecircneros e espeacutecies em que eacute possiacutevel discriminaacute-las No sentido de que sobre elas o que o texto em questatildeo nos

ensina eacute tal discriminaccedilatildeo uacutetil ao gramaacutetico e aquele que busca ler tais composiccedilotildees agora textos tanto o termo

poietikeacute como a secccedilatildeo que se segue estatildeo em concordacircncia com a kriacutesis do item acima Cf Estudo 134 paacuteg

38 16 Eis a biparticaccedilatildeo em dois grandes gecircneros dos quais os nomes poeacuteticos arrolados satildeo espeacutecies de

acordo com o modelo da calssificaccedilatildeo geneacuterica discutida Os termos empregados bem como essa divisatildeo satildeo

objeto do Capiacutetulo 3 do Estudo mais precisamente seccedilatildeo 31 paacuteg 67 ndash 83 17 Cf Estrabatildeo (IX 419) Pausacircnias (X 5 7) e o Escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio (475 22) Composto de phemiacute

e noucircs ie ldquofalarrdquo e ldquopensamentoespiacuteritordquo 18 O termo do verbo epheuriacutesko ldquodescobrirrdquo eacute composto de heuriacutesko que tem o

significado baacutesico do verbo ldquoacharrdquo eacute comum na tratadiacutestica serve para designar a ldquoinvenccedilatildeordquo ndash termo latino

que traduz o grego ndash de um forma poeacutetica ou entatildeo para designar quem a encontra seu ldquoinventorrdquo ou como natildeo

haacute a noccedilatildeo moderna de ldquooriginalidaderdquo e ldquocriaccedilatildeordquo o ldquodescobridorrdquo ndash heureteacutes Esses termos se

empregaratildeo ao longo do texto consecutivamente 19 A palavra teria o significado primitivo de ldquofalardquo sua raiz (F eacute cognata do latim vox ldquovozrdquo 20 No grego tagrave praacutegmata heiacutepeto juntos o termo que designa os feitos as accedilotildees

caracteriacutesticas da poesia eacutepica e o termo que compotildee a etimologia designando tanto a sucessatildeo em relaccedilatildeo aos

oraacuteculos como o elemento de consecuccedilatildeo das accedilotildees ou feitos definidores da espeacutecie Cf Estudo 331 paacuteg 83 21 A ampla superioridade ndash aacutegan hyperokheacuten ndash da composiccedilatildeo hexameacutetrica introduz o

argumento em prol da terceira explicaccedilatildeo etimoloacutegica 22 A etimologia como visto no Estudo 331 paacuteg 83 para aleacutem do sugestivo nome da profetiza que

conteacutem o elemento ldquofalardquo seguiria a sequecircncia eacutepos heacutepomai eacutepous = logos e gt(maior que) outros eacutepe 23 Cf Estudo 331 para a noccedilatildeo de eacutepos associado a outras formas como o triacutemetro ou a oratoacuteria De

qualquer forma o argumento geral eacute o de que outros designavam outras espeacutecies que julgavam ldquoa fala por

excelecircnciardquo pelo termo comum para ldquopalavra faladardquo ie ldquoeposrdquo 24 Pisandro de Camiro c 650 aC A ele eacute atribuiacuteda uma Heracleida que narrava todos os feitos de

Heacutercules 25 Paniacuteasis de Halicarnasso tio de Heroacutedoto morreu por volta de 457 aC A ele se atribui tambeacutem uma

Heracleida em 14 cantos e 900 versos 26 Antiacutemaco de Colofatildeo c 405 aC autor da Tebaida que comporia junto de outro poemas o ciclo

tebano 27 Aqui seguiria a Vita Homeri atribuiacuteda que chegou a noacutes a Proclo Eacute de se supor que para cada um dos

poetas mencionas seguisse uma biografia semelhante Essa passagem e a seccedilatildeo seguinte sobre o ciclo eacutepico

cotejadas com os uacutenicos excertos originais que temos da Crestomatia permitem-nos ter um iacutenfimo vislumbre da

dimensatildeo da obra que de fato pela menccedilatildeo a quatro livros feita no iniacutecio do coacutedice dos quais apenas dois satildeo

resumidos devia ser extensa

113

17 Entatildeo faz consideraccedilotildees sobre o chamado ldquociclo eacutepicordquo que se inicia pelo

intercurso mitoloacutegico entre Ceacuteu e Terra28 a partir do qual geram a ele trecircs filhos centiacutemanos e

trecircs Ciclopes29

18 Passa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre os deuses dos

gregos e diz o que inclusive pode ateacute certo ponto ser verdade em referecircncia agrave histoacuteria

19 Fecha-se o ciclo eacutepico agrave medida que eacute completo pela contribuiccedilatildeo de diferentes

poetas ateacute o desembarque de Odisseu em Iacutetaca quando eacute morto por seu filho Teleacutegono que

natildeo o reconhecera30

20 Fala como os poemas do ciclo eacutepico tecircm se conservado e recebido atenccedilatildeo de

muitos natildeo tanto por sua virtude quanto pela sequecircncia das accedilotildees nele contidas

21 Fala entatildeo o nome e a paacutetria dos que se dedicaram ao ciclo eacutepico

22 Fala entatildeo acerca de certos poemas ldquoCiacutepriosrdquo como alguns os atribuem a Estasino

de Chipre outros lhes inscrevem ldquoHegesino de Salaminardquo Outros dizem que Homero

escreveu-os deu a Estasino por obter-lhe a filha e por causa de sua paacutetria nomeou ldquoCiacutepriasrdquo

a obra 23 Mas de sua parte natildeo se apoia nessa hipoacutetese pois que tambeacutem os poemas natildeo se

intitulam ldquoCiacutepriasrdquo com acentuaccedilatildeo proparoxiacutetona31

24 Diz quanto agrave elegia [elegeiacutea ] ser composta de um verso heroacuteico e um

pentacircmetro32 e acomodar-se33 aos que jaacute partiram 25 E obteve seu nome daiacute os antigos

28 Aqui se iniciava o resumo do ciclo eacutepico Cf Estudo 3312 paacuteg 86 para as conjecturas a respeito

daquilo em que talvez consistisse essa primeira parte do ciclo a julgar pelo paraacutegrafo seguinte (18) em que se

nomeiam as histoacuterias do iniacutecio do ciclo ldquonarraccedilotildees miacuteticasrdquo ou considerando a acepccedilatildeo moderna ldquomitologiardquo 29 Esse episoacutedio cosmogocircnico como apresentado ie sem uma referecircncia expliacutecita agrave geraccedilatildeo de Ceacuteu a

partir de Terra (diferente do que se lecirc em Hesiacuteodo Teogonia 126 ndash 127) derivaria da Titanomaquia de Eumelo

Cf Estudo 3312 paacuteg 88 ndash 90 e Ateneu (Deipnosophistae VII 277d ndash e) 30 Buscou-se manter na traduccedilatildeo a possibilidade de leitura equivocada e a imprecisatildeo que pode geraacute-la a

quem desconhece os episoacutedios do ciclo o desembarque em questatildeo natildeo eacute o da Odisseia em retorno de Troia

mas o que encerra a viagem de Odisseu agrave Tesproacutetia que se narrava na Telegonia de Ecircugamon de Cirene uacuteltimo

poema na cronologia do ciclo 31 Para a extensa consideraccedilatildeo de todos os possiacuteveis tiacutetulos para o poema segundo diferentes autores da

Antiguidade cf Severyns (paacuteg 93 ndash 98) e Ferrante (27 ndash 30) Para a opiniatildeo de Proclo que Foacutecio natildeo menciona

ambos editores e criacuteticos apontam como consideraccedilatildeo final para a passagem de Ateneu (XV 682d) em que

Demodamas sugere como autor Ciacutepria de Halicarnasso Eacute conjetural poreacutem que concordando com

Demodamas Proclo aceitasse que a intitulaccedilatildeo se desse pelo autor sugerindo uma forma genitiva como

intitulaccedilatildeo que a formulaccedilatildeo de Foacutecio sugere Vale lembrar que no excerto sobre as Ciacuteprias Proclo informaria

sua discordacircncia sobre a intitulaccedilatildeo do poema e diria que para evitar a interrupccedilatildeo da continuidade do discurso

discutiria posteriormente esse toacutepico como um excurso Pelo menos quanto agrave ordem portanto o resumo de

Foacutecio seria fiel pois eacute de supor que tal excurso ocorresse apoacutes o resumo do ciclo e antes de abordar a elegia Isso

tambeacutem explica por que natildeo haveria razotildees para que Proclo natildeo considerasse as Ciacuteprias como parte do ciclo

(Severyns paacuteg 98) uma vez que dos resumos do ciclo esse eacute o uacutenico que natildeo conteacutem uma atribuiccedilatildeo em seu

iniacutecio 32 Como observado no caso do epos a exposiccedilatildeo segue o criteacuterio metro-mateacuteria explicando o

desenvolvimento da espeacutecie a partir dos usos do metro Cf Estudo 3312 paacuteg 86 332 paacuteg 90 em diante 33 Cf supra sect14 suacutemphona explicitando o criteacuterio metro-mateacuteria pontuando a invenccedilatildeo da espeacutecie e seu

desenvolvimento a partir da mateacuteria que a princiacutepio se lhe acomodava naturalmente

114

chamavam ao treno34 eacutelegos [ ] e atraveacutes dele elogiavam [euloacutegoun ] os

mortos35 26 Os poacutesteros36 contudo usaram ldquoelegiardquo amplamente para diferentes

argumentos

27 Fala entatildeo que exceliram nesse metro Calino de Eacutefeso37 e Mimnermo de

Colofatildeo38 mas tambeacutem o filho de Teacutelefo Filetas de Coacutes39 e Caliacutemaco filho de Bato (esse era

de Cirene)40

28 Jaacute no que diz respeito ao iambo [ ] primeiro em tempo antigo era atribuiacutedo

agrave ralhaccedilatildeo41 inclusive de acordo com certo dialeto ldquoiambizarrdquo [ldquoiambiacutezeinrdquo ] era

nome para ldquoralharrdquo42

29 Uns dizem ser por causa de certa criada Iambe [Iaacutembe ]43 de origem

traacutecia Ela quando Demeacuteter estava de luto pelo rapto de sua filha foi ateacute as redondezas de

34 Para a interpretaccedilatildeo de que a elegia haveria derivado do treno cf Harvey The Classification of Greek

Lyric Poetry The Classical Quarterly New Series Vol 5 No 34 (Jul - Out 1955) pp 157-175 35 O trinocircmio elegia eacutelegos elogio eacute a etimologia baacutesica que subjaz a essa exposiccedilatildeo da descoberta e do

desenvolvimento da espeacutecie Cf Estudo 332 paacuteg 90 a 94 36 Hoi metageneacutesteroi os poacutesteros ndash o texto mesmo pontua como etapa posterior ao uso primeiro do

diacutestico para o lamento fuacutenebre seu uso para diferentes argumentos hypotheacuteseis 37 Viveu por volta do seacuteculo VII a c e pelo que sabemos de sua poesia que nos chega fragmentada seria

de caraacuteter beacutelico e guerreiro recorrendo aos exemplos dos mitos que seratildeo posteriormente circunscritos ao

ciclo eacutepico (FERRANTE paacuteg 32) para exortar ao combate e agrave bela morte Portanto entendida a definiccedilatildeo da

elegia ao peacute da letra mesmo o mais velho elegiacuteaco natildeo a ilustra eacute de se supor portanto que ele mesmo jaacute ilustre

o uso do metro para ldquodiferentes argumentosrdquo o caraacuteter lamentoso e primordial do metro abarcaria por exemplo

a exortaccedilatildeo agrave morte na guerra uma vez que pressupotildee a situaccedilatildeo fuacutenebre independente dos poemas ou desse

tipo de poema suporem quando da sua composiccedilatildeo uma execuccedilatildeo primeira e um funeral ou funerais como

ocasiatildeo em performance especiacutefica uma vez que mesmo que nas situaccedilotildees em que um poema se destinasse agrave

uma performance especiacutefica sua execuccedilatildeo poderia se dar tambeacutem em um simpoacutesio posteriormente 38 Viveu entre o final do seacuteculo VII e o iniacutecio do seacuteculo VI a C seu lamento eacute de caraacuteter amoroso Foi

imitado pelos heleniacutesticos e a ele Galo e os demais elegiacuteacos romanos fazem remontar a elegia eroacutetica

tomando-o por seu descobridor 39 Poeta e gramaacutetico agrave maneira alexandrina mestre de Zenoacutedoto e Teoacutecrito seria tambeacutem reconhecido

pelos romanos o intermediaacuterio heleniacutestico da elegia eroacutetica no iniacutecio nos meandros do seacuteculo IV aC 40 Seacuteculo III aC foi disciacutepulo de Hermoacutecrates e Praxiacutefanes o peripateacuterico disciacutepulo de Teofrasto

Fundou uma escola de gramaacutetica em Alexandria seguindo os passo do mestre que se dedicara especificamente a

esse saber Compocircs sob a corte de Ptolomeu II o Filadelfo e Ptolomeu III o Eveacutergeta Foi o grande propagador

da poesia breve e cultista de base Heleniacutestica a quem se filiaraacute entre os romanos Catulo modelo dos elegiacuteacos

junto a Galo Cultivou aleacutem da elegia o epigrama o hino o epiacutelio e o iambo 41 Cf Estudo 333 paacuteg 94 42 Eacute impossiacutevel identificar a que dialeto o texto se referia uma vez que se o fizesse Foacutecio natildeo o anotou

Tanto Severyns (28 2 paacuteg 105) como Ferrante (28 paacuteg 33) remetem a Chantraine (La Formation des Noms en

Grec Ancien paacuteg 260) pontuando que de fato a formaccedilatildeo do nome em questatildeo eacute externa ao grupo indo-

eruropeu Talvez se a indefiniccedilatildeo do texto do epiacutetome partiu do texto do proacuteprio Proclo os proacuteprios antigos

percebessem a palavra como estrangeira sem poder identificar sua origem 43 A primeira e uma das poucas etimologias eponiacutemicas que ocorrem no epiacutetome O argumento baacutesico ndash

note-se ndash eacute etioloacutegico ie e funciona como outras explicaccedilotildees que apareceratildeo ao longo do cataacutelogo de

subespeacutecies meacutelicas haacute um marcante evento miacutetico ou histoacuterico que uma vez aceito eacute por si mesmo argumento

para a adoccedilatildeo de um costume e repeticcedilatildeo da forma Neste caso a accedilatildeo da criada de nome Iambe seria modelar do

que se faz com os iambos tanto que de seu nome derivaria o proacuteprio nome do metro Embora natildeo se possa

dizer que tambeacutem eponiacutemica a associaccedilatildeo do hexacircmetro a Femocircnoe (sect14) continha um argumento de base

etioloacutegica semelhante na medida em que localiza em um passado remoto um acontecimento que se fixa como

praacutetica Esse tipo de argumento seraacute amplamente usado na exposiccedilatildeo das subespeacutecies liacutericas na liacuterica sacra por

115

Elecircusis e apoacutes subir sobre a pedra hoje chamada ldquoSolenerdquo44 por meio de algumas zombarias

levou a deusa agrave gargalhada45

30 Parece que em tempo antigo poreacutem dizia-se o iambo para o que era composto

visando ao vitupeacuterio e ao enaltecimento igualmente Como alguns sobreabundaram o metro

nas maledicecircncias a partir daiacute o ldquoiambiacutezeinrdquo [ldquoiambizarrdquo ]46 por forccedila do haacutebito

acabou por ser ldquohybriacutezeinrdquo [ldquoimprecarrdquo ] bem como por causa dos ldquococircmicosrdquo

[komikoiacute ] ldquokomiacutezeinrdquo [ldquoridicularizarrdquo ]47

31 De iambos Arquiacuteloco de Paros eacute o melhor poeta seguido de Semocircnides de

Amorgos ndash de Samos segundo uns ndash e Hipocircnax de Eacutefeso dos quais o primeiro floresceu na

eacutepoca de Giges48 o segundo na de Amintas o macedocircnio49 por fim Hipocircnax durante o

periacuteodo de Dario50

32 Sobre a poesia meacutelica51 diz que eacute a mais diversificada e comporta diferentes

divisotildees

33 Parte dela encontra-se distribuiacuteda para deuses parte para homens parte para

deuses e homens e parte para as circunstacircncias acidentais

exemplo eacute usado na explicaccedilatildeo do nomo (sect44) entre as subespeacutecies sacras e seculares na explicaccedilatildeo da

dafneforia (sect70 ndash 73) das canccedilotildees tripodefoacutericas (sect80 ndash 86) das oscofoacutericas (sect89) etc 44 Chama a atenccedilatildeo o silecircncio de Pausacircnias (I 38 6 e I 39 I) a respeito da pedra Cf Severyns paacuteg 108

6 ndash as referecircncias tardias pontuadas pelo autor sugerem que se trate de um elemento proverbial e posterior que se

preencheu em um episoacutedio antigo e conhecido que remonta afinal ao Hino Homeacuterico a Demeacuteter (197 ndash 204)

em que tal criada aparece e de fato faz a deusa rir mas no palaacutecio do rei Celeo e sob seu senhorio em uma

versatildeo diferente da histoacuteria Referem-se agrave pedra Apolodoro (I 30) o Escoacutelio a Aristoacutefanes (Cavaleiros 785) e o

Suda ( 49 ADLER) 45 Severyns (paacuteg 107 ndash 109) fornece detalhadamente todas as referecircncias para essa versatildeo da histoacuteria

valendo menccedilatildeo a mesma passagem de Apolodoro que apresenta a histoacuteria semelhantemente e o Escoacutelio a

Hefestiatildeo (214 9 Consbruch) que apresenta a versatildeo homeacuterica 46 Cf Ferrante 32 ndash 33 n 28 para a etimologia a partir de ldquoiagraven baacutezeinrdquo ldquo rdquo ldquolanccedilar a vozrdquo

(Et Magn 463 29) bem como para a possibilidade a partir do homeacuterico iaacute ldquolanccedilas setasrdquo (Il 20 68) +

baacutezein ie ldquolanccedilar setasrdquo metaacutefora poeacutetica para imprecar (cf Catulo 116)47 O termo que de iniacutecio significava apenas integrar um koacutemos ie uma farra folia patuscada pacircndega

um cortejo festivo passa a designar no desenvolvimento da trageacutedia ldquocompor um coro cocircmicordquo e por

metoniacutemia satirizar detratar fazer de algo ou algueacutem objeto da criacutetica cocircmica Esse processo teria igualmente

ocorrido em relaccedilatildeo ao emprego abundante do iambo para a imprecaccedilatildeo de modo que o proacuteprio verbo

ldquoofenderrdquo ldquoinjuriarrdquo (hybriacutezein passa a ter o mesmo emprego que ofender sem implicar a

composiccedilatildeo de versos iacircmbicos Essa uacuteltima passagem natildeo eacute senatildeo uma ampliaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da primeira

etimologia apresentada que apenas endossa a opiniatildeo de Aristoacuteteles para a origem do iambo (Cf Estudo 333

paacuteg 94) 48 Arquiacuteloco teria vivido na primeira metade do seacuteculo VI aC Giges que eacute dado como referecircncia foi o

rei liacutedio de 689 a 653 aC Menciona-o fragmento 19 do poeta (Gerber) Sua poesia nos chega fragmentada e

faz menccedilatildeo de um eclipse que ocorreu em 6 de abril de 648 aC o que nos permite situar sua atividade poeacutetica

pelo menos ateacute essa deacutecada Sabemos que compocircs elegias tambeacutem mas eacute geralmente referido como o primeiro

poeta iacircmbico entre os gregos como se vecirc por exemplo na Ars de Horaacutecio (79) 49 Trata-se de Amintas I da Macedocircnia que teria vivido entre 540 e 498 aC o que colocaria Semocircnides

depois de Arquiacuteloco na segunda metade do seacuteculo VI aC Dele nos resta algo em torno de 40 fragmentos

dentre os quais o mais famosos seria o fragmento 6 (WEST) ldquoContra as Mulheresrdquo 50 Segundo esse testemunho Hipocircnax teria vivido aproximadamente entre 521 e 485 aC eacute considerado o

descobridor do coliambo 51 Sobre a divisatildeo cf Estudo 334 paacuteg 95

116

34 Aos deuses de um lado referem-se hino prosoacutedio peatilde ditirambo nomo

adoniacutedia iobaco hiporquema

35 Aos homens de outro encocircmios epiniacutecio escoacutelios eroacuteticas espitalacircmios

himeneus silos trenos e epiceacutedios

36 Aos deuses e homens partecircnias dafnefoacutericas tripodefoacutericas oscofoacutericas ecircuticas

pois essas eram escritas para deuses e compreendiam enaltecimentos de homens

37 A que se refere agraves circunstacircncias acidentais natildeo eacute uma espeacutecie da meacutelica mas eacute

atentada pelos proacuteprios poetas

38 Diz que o hino [hyacutemnos ]52 recebe seu nome pelo fato de ser algo

ldquohypoacutemononrdquo [ldquopersistenterdquo ]53 e por conduzir desse modo agrave mneacuteme [memoacuteria

] e agrave hypomneacutesis [rememoraccedilatildeo ] as accedilotildees dos hineados [hymnoucircmenoi

]54 ou tambeacutem pelo ldquohydeicircnrdquo [ldquonomearrdquo ] que eacute o mesmo que ldquodizerrdquo55

52 Do sacircnscrito syuman (ldquoligaccedilatildeordquo) Essa noccedilatildeo se confere no latim suo (coser) bem como em palavras

gregas com a noccedilatildeo geral de ldquourdidurardquo ldquotecidordquo ldquopelerdquo υμην (membrana) υφη (teia urdidura) υφαινω

(sinocircnimo do latim suo ie tecer) ndash Exemplos de Ferrante paacuteg 38 n 38 53 Essa hipoacutetese eacute verossiacutemil linguisticamente e nos eacute apresentada pelo Et Mag 777 2 dizendo apenas

que se trata de siacutencope υμνος derivaria de υπομονος palavra postulada e teoacuterica (uma vez que temos o verbo

ldquorestarrdquo e o substantivo deverbal ldquopersistecircnciardquo mas natildeo o adjetivo em questatildeo) por

apoacutecope e assimilaccedilatildeo υπομονος passaria a υμμονος e depois por simplificaccedilatildeo e siacutencope cairia o [o] de

μονος resultando υμνος (Ferrante idem) A etimologia antiga como se sabe pauta-se natildeo soacute na proximidade

das palavras mas tambeacutem em seu significado Essa etimologia teoacuterica contribui portanto para a noccedilatildeo cabal de

que na percepccedilatildeo antiga um hino o eacute porque ldquopersistenterdquo ie hino eacute algo que visa permanecer daiacute a

associaccedilatildeo direta e primeira entre hyacutemnos e hypoacutemonos a partir da qual na formulaccedilatildeo dessa etimologia se

parte para as demais associaccedilotildees paroniacutemicas 54 Tais formas se associariam morfoloacutegica e semanticamente (e daiacute etimologicamente) ao binocircmio

hyacutemnos - hypoacutemonos expandindo-o Dessa associaccedilatildeo baacutesica decorre que a espeacutecie poeacutetica recebe seu nome

porque opera com a mneacuteme a capacidade de retenccedilatildeo na memoacuteria e com a hypomneacutesis a capacidade de

rememorar o que foi armazenado em relaccedilatildeo agraves accedilotildees dos hineados Dessarte os demais termos ocorrem para

explicar a associaccedilatildeo primeira com uma palavra teoacuterica ie porque o hino eacute ldquopersistenterdquo Talvez devecircssemos

considerar o contraacuterio que a palavra teoacuterica se postula a fim de permitir a associaccedilatildeo com as outras que

explicariam o nome do gecircnero A se diz por causa de B que se diz em funccedilatildeo de C e D seguindo-se E Este

uacuteltimo termo explica o uacuteltimo elemento da exposiccedilatildeo do coacutedice em que os ldquohineadosrdquo (hymnoucircmenoi) satildeo

praticamente os ldquorelembradosrdquo

Esse eacute o esquema etimoloacutegico de dois outros textos semelhantes a esse passo do coacutedice de Foacutecio o

leacutexico de Oacuterion 155 22 (fundamental porque ele teria sido professor de Proclo) e Et Magnun 777 2 (que como

se sabe junto do Et Gudianum pauta-se no gramaacutetico Oacuterion em vaacuterios de seus verbetes) O cotejo completo

encontra-se em Severyns II 38 paacuteg 117 Ambas as referidas passagens (esta baseada naquela) atribuem a

etimologia a Diacutedimo e sua obra Acerca dos Poetas Liacutericos citados nominalmente nos dois textos 55 Apenas pelo lsquo rsquo o verbo em questatildeo viria agrave etimologia porque condensa as noccedilotildees anteriores e a antiga

funccedilatildeo religiosa subjacente agrave origem da espeacutecie em questatildeo o celebrar de um deus finalidade do hino

consistiria em relembrar ie trazer agrave tona seus feitos suas accedilotildees ( praacutexeis) manter a memoacuteria delas

Essa etimologia encontra-se nos leacutexicos antigos e provavelmente adveacutem dos autores heleniacutesticos uma vez que o

uso do verbo parece reintroduzido na liacutengua pelos poetas de tal periacuteodo cf Severyns idem paacuteg 119 Tanto no

Et Magnun como no Et Gudianum provavelmente contemplando o uso heleniacutestico aparece junto dos verbos

e como sinocircnimo primeiro de ldquo rdquo Para a derivaccedilatildeo antiga da palavra por exemplo o Et

Gud 539 56 ldquo

rdquo ndash ldquohyacutedein sinaliza o hyacutemnein surge a patir do verbo hymnocirc pela queda

do lsquonrsquo hymocirc e mudanccedila do lsquomrsquo para lsquodrsquo hyacutedo pelo recuo do acentordquo A associaccedilatildeo entre os dois verbos para a

qual tambeacutem se apresenta uma formaccedilatildeo teoacuterica nos leacutexicos posteriores ao texto do epiacutetome parece apontar de

qualquer modo dentro dessa classificaccedilatildeo de base gramatical para a necessidade de reforccedilar pelo emprego de

117

39 Chamavam hino em geral toda composiccedilatildeo aos que satildeo superiores56 por isso

aparecem contrapondo o prosoacutedio e as demais canccedilotildees mencionadas ao hino como a espeacutecie

ao gecircnero Assim dos que escrevem57 podem-se ouvir coisas como ldquohino de prosoacutediordquo ldquohino

de encocircmiordquo ldquohino de peatilderdquo e semelhantes58

40 O prosoacutedio [prosoacutedion ] era entoado quando se seguia em procissatildeo

[prosiacuteosi ] ao altar ou ao santuaacuterio e na procissatildeo [prosieacutenai ] era

cantado [eiacutedeto ]59 ao som do aulo O hino propriamente se cantava ao som da ciacutetara

uma vez que se estivesse parado60

um termo que tambeacutem eacute heleniacutestico a exposiccedilatildeo da espeacutecie como ldquodiegeacuteticardquo ou narrativa bem como

caracterizar a forma poeacutetica como celebraccedilatildeo de accedilotildees Em outras palavras aventa-se a possibilidade de que natildeo

eacute senatildeo pelas accedilotildees as praacutexeis anteriormente mencionadas que as duas explicaccedilotildees estatildeo aqui postas juntas

uma vez que nesta ocorrecircncia o verbo tenha as accedilotildees por objeto (hyacutedein autagraves) Eacute provaacutevel portanto que o

texto de Proclo as propunha contiguamente e natildeo opostamente jaacute que como mostrado por Severyns (paacuteg 120)

eacute tambeacutem por essa possibilidade que o texto do epiacutetome mencionaraacute outra disposiccedilatildeo para o hino em relaccedilatildeo agraves

outras espeacutecies dentro da classificaccedilatildeo geneacuterica a saber como gecircnero para as demais espeacutecies (infra n 58) 56 hyperoacutentas eacute correccedilatildeo de Severyns proposta a partir das referidas passagens de Oacuterion e do

Et Mag que trazem ldquo hypereacutekhontasrdquo sinocircnimo uma vez que o texto de Foacutecio traz

ldquo hypereacutetasrdquo (servo do deus) o que implicaria um contrassenso uma vez que o hino faz parte da

liacuterica sacra 57 A passagem parece ambiacutegua e aqui se pretendeu manter essa ambiguidade Natildeo eacute possiacutevel estabelecer

apenas pela passagem se tocircn graphocircnton designa aqueles que escrevem sobre hinos referindo-se a como outros

textos e classificaccedilotildees geneacutericas referem-se aos hinos e os nomeiam ou se isso parte daqueles que compuseram

tais hinos e portanto o referente do particiacutepio seriam os poetas A opccedilatildeo por ldquoescrevemrdquo e natildeo ldquocompotildeemrdquo na

traduccedilatildeo visa manter as duas possibilidades de leitura Das duas passagens semelhantes Oacuterion (155 22) e o Et

Magnun (777 2) apenas a primeira emprega o termo referindo-se aos que compotildeem com certeza e eacute por isso

mesmo que essa provavelmente seria a leitura correta Natildeo nos cabe emendar o texto poreacutem 58 Conforme as aludidas passagens de Oacuterion e do Etymologicum Magnum Diacutedimo distinguia entre duas

classificaccedilotildees Uma consideraria o hino particularmente como espeacutecie meacutelica sacra separada das demais

mencionadas no epiacutetome outra tomaria o temo de forma geneacuterica no sentido de que seu significado geral

abarcaria as demais formas sacras como espeacutecies Da exposiccedilatildeo anterior de fato se pode conjecturar que como

um hino eacute um louvor qualquer louvor poderia ser designado ldquohinordquo cantando-se as accedilotildees do ldquohineadordquo

inclusive referindo-se a homens e natildeo deuses A denominaccedilatildeo particular poreacutem a que Diacutedimo se filia

distinguia todas essas formas como espeacutecies pelo criteacuterio do destinataacuterio e por traccedilos circunstanciais

particulares apesar do mesmo testemunhar a generalizaccedilatildeo do termo que relacionava o hino a outras espeacutecies

liacutericas que empreendiam um elogio De acordo com Diacutedimo estaacute Amocircnio Sacoacuteforo (Diff Verb p 139

Valckenaer) quando diz que ldquoυμνος εγκωμιου διαφερει ο μεν γαρ υμνος εστι θεων το δε εγκωμιον ανθρωπωνrdquo (o hino difere do encocircmio o hino eacute proacuteprio dos deuses o encocircmio dos homens) tambeacutem se encontra passagem

similar no Etym Gud (540 42) ldquoο μεν υμνος επι θεου λεγεται το δε εγκωμιον επι ανθρωπουrdquo (o hino se diz a

um deus o encocircmio a um homem) A distinccedilatildeo jaacute ocorria na Repuacuteblica de Platatildeo (X 607a) quando absolvia do

ostracismo os ldquohinos aos deuses e os encocircmios ao virtuososrdquo A diferenciaccedilatildeo entre hino e as demais espeacutecies

sacras se daraacute logo em seguida no texto do epiacutetome quando se aborda a segunda delas no cataacutelogo de Proclo o

prosoacutedio (cf infra n 60) Cf igualmente Severyns paacuteg 119 em que organiza claramente as trecircs interpretaccedilotildees

de hino em relaccedilatildeo agraves demais formas poeacuteticas

Para a confusatildeo entre o hino e as formas encomiaacutesticas cf tambeacutem Harvey (1955) 59 Seria portanto combinando os trecircs termos arrolados na paroniacutemia explicativa da etimologia uma

ldquocanccedilatildeo em procissatildeordquo Aqui o que a etimologia faz eacute tatildeo somente explicar por outras palavras os termos do

composto que nomeia a espeacutecie a preposiccedilatildeo proacutes que daacute a noccedilatildeo de ldquoem direccedilatildeo ardquo que compotildee os verbos de

movimento que permitem designar o caminhar da procissatildeo (pros + ieacutenai) e o verbo ldquocantarrdquo (aiacutedo) donde o

ldquocantordquo ldquoa oderdquo ( oacuteide) 60 Aqui a distinccedilatildeo entre o hino como espeacutecie particular ndash o ldquohino propriamenterdquo ldquo rdquo ndash em

relaccedilatildeo agraves demais que remonta ateacute onde nos eacute possiacutevel saber a Diacutedimo Segundo o Et Magn 690 ldquoπροσωδια

παρα το προσιοντας ναοις η βωμοις προς αυλον αδειν ltαντιgt δια ltστελλεταιgt δε των υμνον οτι τους υμνους

προς κιθαραν εστωτες αδουσιν Ουτω Διδυμος εν τω περι λυρικων ποιητωνrdquo ndash ldquoos prosoacutedios foram assim

118

41 O peatilde [paiacutean ] eacute uma espeacutecie de canto nos nossos dias escrito para todos

os deuses mas em tempo antigo se dedicava propriamente a Apolo e a Aacutertemis sendo

cantado pela democcedilatildeo [katapauacutesei ] de pestes e moleacutestias61 Alguns chamam

peatildes por extensatildeo os prosoacutedios62

42 O ditirambo [dithyacuterambos ]63 eacute composto para Dioniso e denominado

a partir dele ou por Dioniso ter crescido sob o monte Nisa em uma caverna diacutethyros

chamados pois os que se aproximam dos templos ou altares cantam ao acompanhamento de aulo Opotildeem-se aos

hinos pois os cantam parados ao acompanhamento de ciacutetara Assim disse Diacutedimo no Acerca dos Poetas

Liacutericosrdquo

Sobre a forma hestoacuteton ( ) considerando que ocorre similarmente nos textos semelhantes

Severyns observou (124 6 citando o Etm Magnun 690 41) que sendo a espeacutecie executada por um coro pelo

menos em origem dificilmente o termo aqui se emprega ao peacute da letra O termo poderia ter o sentido de

estaacutesimo como na trageacutedia ou seja ldquouma paradardquo em relaccedilatildeo ao movimento geral pela orquestra mas com uma

coreografia o que significaria que o coro faria as evoluccedilotildees tiacutepicas da estrutura estroacutefica junto ao canto e agrave

composiccedilatildeo instrumental por oposiccedilatildeo aos meacutele hyporkheacutemata aqueles que possuiacuteam uma danccedila e aos meacutele

prosoacutedia esses opostos aos dois por ser em procissatildeo Contudo em se tratando de um genitivo absoluto o que

se tentou manter na traduccedilatildeo podemos aventar igualmente uma explicaccedilatildeo mais simples o termo estaacute a

continuar a oposiccedilatildeo entre o ldquohino em sentido proacutepriordquo o hyacuterios hyacutemnos e o prosoacutedio significando que aquele

se iniciava apoacutes este ou seja apoacutes o teacutermino da procissatildeo ldquouma vez que se estivesse paradordquo Note-se que uma

possibilidade natildeo nega a outra e ambas me parecem presentes porque isso inclusive explicaria primeiro os

hyporkheacutemata em particular como espeacutecie (seguindo o raciociacutenio do cataacutelogo) assim como em segundo a

ausecircncia de explicaccedilatildeo para estes no epiacutetome (cf n 77) 61 A etimologia se constitui pela proximidade do nome da canccedilatildeo com o termo ldquocessaccedilatildeo democcedilatildeordquo

( katapapaucircsis) e aqui a classificaccedilatildeo da espeacutecie se faz em prol da etiologia antiga Busca-se um

termo que lhe seja proacuteximo do ponto de vista do significante mas tambeacutem do significado Assim os leacutexicos (Et

Mag 657 2) traratildeo uma derivaccedilatildeo teoacuterica e dentre eles o Et Gudianum (446 50) daraacute como fonte Diacutedimo

Vale nota que o Et Magnum e o escoacutelio a Platatildeo (Banquete 177a) datildeo amostra da preocupaccedilatildeo terminoloacutegica

que perfaz a classificaccedilatildeo do epiacutetome pois embora ambos consoem com Proclo e este segundo empregue

praticamente a mesma formulaccedilatildeo do epiacutetome (ldquo rdquo)

ambos empregam o termo hyacutemnos propondo o peatilde como um tipo de hino evidenciando que o uso de ldquohinordquo

como gecircnero para espeacutecies era corrente na tratadiacutestica

Derivaria de παιω tambeacutem (cf lat pauio pauimentum) ldquobater percutirrdquo (cf Dioniacutesio Traacutecio) mas pela

mesma razatildeo etioloacutegica acima explicada pois Apolo batendo com seu bastatildeo demoveria os males Haveria

tambeacutem a derivaccedilatildeo do nome pela expressatildeo caracteriacutestica que se dizia ao longo do canto ldquo rdquo (cf

Ateneu XV 696d ndash 697b) Em tempos poacutes-homeacutericos o termo foi confundido com Peatildeo deus da medicina (cf

Ferrante paacuteg 43 n41) evidentemente associado a Apolo e jaacute Aacutertemis sua irmatilde era tambeacutem destinataacuteria do

canto como testemunha o epiacutetome Entatildeo o canto seria ou uma suacuteplica pela liberaccedilatildeo como testemunha Homero

no canto I da Iliacuteada (472 ndash 4) ou um agradecimento ao deus por ela Daiacute que como ldquoaccedilatildeo de graccedilardquo ndash termo que

Severyns ndash penso ndash emprega sem erro o peatilde passou a servir de agradecimento a diferentes deuses e por

diferentes accedilotildees A Vida de Soacutefocles (III) conta-nos que o tragedioacutegrafo teria se destacado ainda jovem por

conta de um peatilde em agradecimento pela vitoacuteria em Salamina Parece que natildeo muito mais tarde (embora seja

impossiacutevel precisar se a praacutetica jaacute era corrente mesmo anteriormente) peatildes passaram a se compor para homens

Ateneu (supra) arrola diferentes exemplos de peatildes para mortais dos quais merece destaque o referido por

Plutarco na Vida de Lisandro (18) o general espartano ndash Cf Severyns (127 3) 62 Tanto Severyns (41 7 paacuteg 129) como Ferrante (41 paacuteg 45) a julgar pela diferenciaccedilatildeo inferem que a

confusatildeo se dava porque antes do canto de um peatilde propriamente haveria uma procissatildeo ao templo do deus a

que se agradeceria o que se faria ao som de um prosoacutedio propriamente e este poderia ser designado pelo

criteacuterio apenas da finalidade da ocasiatildeo um peatilde ignorando-se os elementos formais explicitados Ambos autores

tambeacutem datildeo como referecircncia para o estudo e a bibliografia a respeito do peatilde A Fairbanks A study of the greek

paean New York 1900 L Deubner Neue Jahrbuumlrch 1919 p 585 L Delatte in Antiquiteacute classique 7 (1938)

p 23 ndash 29 Sobre o a confusatildeo entre os gecircneros sacros e a impossibilidade de estabelecer o que consistia cada

um Harvey (op cit1955) 63 Segundo alguns o termo eacute de origem liacutedia mas a etimologia eacute incerta Διθυραμβος era uma outra

designaccedilatildeo de Dioniso e mais tarde tornou-se o nome do canto em honra ao deus o que seria embora isso talvez

119

[bifurcada ]64 ou por ter sido encontrado quando se abriram as rhaacutemmata [suturas

] de Zeus65 ou porque nasceu ndash ao que parece ndash duas vezes [diacutes ] a primeira de

Secircmele e a segunda da coxa66

43 Piacutendaro diz que o 67ditirambo foi descoberto em Corinto e Aristoacuteteles fala que o

inaugurador desse canto eacute Aacuterio quem primeiro conduziu um coro em ciacuterculo68

44 Jaacute o nomo [ ] era composto para Apolo que por sua vez tem seu epiacuteteto

derivado dele69 de fato Apolo eacute ldquoNocircmimosrdquo [ ]70 ndash foi chamado ldquoNocircmimosrdquo

porque estando os antigos a dispor o coro e cantar o nomo ao som da lira ou do aulo

Crisocirctemis o cretense vestindo pela primeira vez uma exuberante estola e sacando uma ciacutetara

por imitaccedilatildeo de Apolo cantou sozinho [monos ]71 um nomo Como ele foi aclamado a

maneira do concurso permanece

45 Ao que tudo indica primeiro Terpandro aperfeiccediloou o nomo empregando o metro

heroico Depois natildeo foi com pouco que contribuiu Aacuterio de Metimna ele mesmo sendo poeta e

fosse desconhecido dos antigos um epocircnimo Para diferentes possibilidades etimoloacutegicas associadas a aspectos

do culto de Dioniso a partir do grego e de outras liacutenguas cf Ferrante (42 paacuteg 45 ndash 46) 64 De δις + θυρα cf lat fores (com duas portas) cf Herodiano (II 492 28 Lentz) apud Ferrante (op cit

idem) e Piacutendaro (fr 76 BOWRA) A mesma etimologia ocorre no Et Magnum (274 44) e no Escoacutelio a

Apolocircnio de Rodes (IV 1131 Wendel) 65 O simples segmento focircnico [-ram-] - seria suficiente para se fazer a associaccedilatildeo a outro episoacutedio

conhecido sobre a mitologia em torno de Dioniacuteso a saber sua segunda gestaccedilatildeo na coxa de Zeus gerando a

associaccedilatildeo entre dithyacuterambos e a locuccedilatildeo ldquolugravethi rhammardquo ( ) frase com que Zeus teria consumado o

nascimento definitivo de seu filho cujo significado seria ldquosoltem-se as suturasrdquo Essa etimologia encontra-se

tambeacutem no Et Magn (274 50) e era ao que tudo indica poeacutetica remontando a Piacutendaro (fr 75 BOWRA) 66 O uacuteltimo elemento associado ao numeral dois ldquoduas vezesrdquo ndash [dis] - - eacute uma etimologia meramente

semacircntica e tambeacutem associada a um segmento focircnico A rigor essa etimologia eacute a melhor demonstraccedilatildeo do aqui

se denomina uma etimologia etioloacutegica porque na verdade eacute a somatoacuteria de partes da palavra cada uma

remetendo a outra palavra que por sua vez representa um elemento do mito de nascimento do deus compondo

seu significado geral e a origem de um nome que entre os gregos mesmos era de origem incerta As diferentes

partes dessa etimologia em que cada associaccedilatildeo contribui para a inserccedilatildeo do mito no significado da palavra

aparecem aleacutem do Et Magn (274 44) no Et Gud (146 24 e 43) de modo que neste se observa a mesma

associaccedilatildeo entre ldquoduas viasrdquo e ldquodois nascimentosrdquo ndash cf Severyns 42 8 paacuteg 132 67 Cf Ferrante (43 paacuteg 46) Piacutendaro Ol 13 25 68 Aristoacuteteles Pol VIII 7 1342 b 7 Para Aacuterio c 625 aC cf Heroacutedoto (I 23 ndash 24) 69 A melhor explicaccedilatildeo para tal passagem eacute de Severyns (op cit 44 1 paacuteg 137) buscando brevidade

didaacutetica na exposiccedilatildeo Foacutecio teria pecado no estilo produzindo a ambiguidade da passagem que na sua

literalidade daacute a entender primeiro que Apolo herdou seu epiacuteteto do canto Como Severyns observa a passagem

sequer faria sentido caso se pensasse que Foacutecio a entendeu dessa maneira 70 Severyns (idem 2) e Ferrante (n 44 paacuteg 48) concordam que noacutemimos seria a variaccedilatildeo adotada por

Foacutecio mas para fins etimoloacutegicos Proclo provavelmente empregava a forma noacutemios constante na recorrecircncia

dessa etimologia O epiacuteteto de Apolo poderia tanto ser cognato de ldquoneacutemo pastorearrdquo significando

ldquopastorilrdquo como de ldquonoacutemos leirdquo significando algo como ldquoprovedor de leisrdquo ndash Severyns (44 4 paacuteg 139) 71 Aventa-se aqui a possibilidade de que como em sect65 em que Foacutecio expotildee a etimologia que prefere em

funccedilatildeo do lsquomrsquo de moacutenos Foacutecio esteja explicando seu emprego natildeo em vatildeo e natildeo meramente estiliacutestico de

noacutemimos em vez de noacutemios que devia constar no texto de Proclo Essa hipoacutetese seria consoante agrave confusatildeo que

ocorre no iniacutecio do trecho de modo que aqui Foacutecio estaria nos informando que haveria uma confusatildeo entre o

epiacuteteto do deus e o nome da subespeacutecie nome que sofreria uma sutil modificaccedilatildeo em funccedilatildeo do evento

estabelecedor da praacutetica performaacutetica que passa a caracterizaacute-lo Assim teriacuteamos duas etimologias combinadas

uma claramente epocircnima outra uma variaccedilatildeo etioloacutegica

120

citaredo 46 Friacutenis de Mitilene inovou-o juntou o hexacircmetro ao verso livre e utilizou mais de

sete cordas 47 Posteriormente Timoacuteteo levou-o a seu arranjo atual72

48 O ditirambo eacute movimentado junto agrave danccedila uma manifestaccedilatildeo de entusiasmo em

alto grau elaborado para as paixotildees muito proacuteprias do deus eacute agitado quanto ao ritmo e

emprega de forma mais simples as palavras 49 O nomo pelo contraacuterio por causa do deus

distende-se de forma ordenada e magnificente distende-se no ritmo e emprega as palavras

compostas73

50 Natildeo diferentemente cada um tambeacutem emprega as escalas proacuteprias pois o primeiro

afina-se ao friacutegio e ao hipofriacutegio e o nomo ao sistema liacutedio dos citaredos74

51 Ao que parece o ditirambo foi descoberto a partir da brincadeira das crianccedilas

pelos campos e da animaccedilatildeo entre os eacutebrios O nomo por sua vez parece decorrer do peatilde ndash

este eacute mais comum sendo escrito para a deprecaccedilatildeo de males aquele propriamente para

Apolo ndash por isso natildeo tem o entusiasmo como o ditirambo

52 Laacute enfim bebedeiras e brincadeiras aqui suacuteplicas e muita ordem pois que o

proacuteprio deus na ordenaccedilatildeo e em um arranjo contido daacute voltas no compasso

53 Adoniacutedias se dizem as canccedilotildees que se referem a Adocircnis75

54 Cantava-se o iobaco imerso em frecircmitos nos festivais e sacrifiacutecios a Dioniso76

72 Aqui se forneceria conforme o modelo padratildeo uma histoacuteria do nomo a partir de sua invenccedilatildeo

passando por seus desenvolvimentos Para as conjecturas histoacutericas sobre a evoluccedilatildeo formal do nomo Severyns

op cit II 140 a 150 Ferrante op cit paacuteg 48 traz uma breve exposiccedilatildeo sobre as partes do nomo e da paacuteg 50

a 51 a biografia de cada um dos poetas referidos 73 Empreende-se uma comparaccedilatildeo entre as caracteriacutesticas gerais dessas composiccedilotildees de acordo com o

deus a que se destinava cada uma Agrave paixatildeo proacutepria de Dioniacutesio e do entusiasmo caracteriacutestico de seu culto

acomodar-se-ia um estilo mais baixo empregando palavras simples aqui entendidas no sentido da elocuccedilatildeo

propriamente enquanto por outro lado combinando com o ritmo do nomo que ao inveacutes de se agitar em prol da

danccedila dos entusiasmados buscava prolongar-se pausadamente as palavras seriam mais belas visando ao ornato

da elocuccedilatildeo portanto compostas 74 Igualmente a cada um dos referidos ritmos melhor caberiam diferentes escalas musicais Para

interpretaccedilotildees divergentes da passagem e a possiacutevel discordacircncia em relaccedilatildeo a uma interpretaccedilatildeo peripateacutetica

Cf Severyns paacuteg 160 ndash 163 75 Adocircnis era divindade de origem siacuteria e feniacutecia (Ferrante 53 paacuteg 57) O pouco que se pode saber sobre

essa espeacutecie eacute que talvez fosse um treno ritual em que as mulheres lamentavam imitando Afrodite a morte do

belo jovem O termo que nomeia a canccedilatildeo epocircnima ocorre poucas vezes na liacutengua em Aristoacutefanes (Lisistrata

389) ocorre na forma adoniasmoacutes O Et Mag explica a forma como ldquoo treno por Adocircnisrdquo A peccedila

de Aristoacutefanes ainda ilustra expressotildees que provavelmente eram tiacutepicas desse canto (393 e 396) ldquo rdquo

(ldquoAi Adocircnisrdquo) e ldquo rdquo (ldquobatei no peito lsquoAdonisrsquordquo) Tambeacutem havia um peacute meacutetrico chamado

adocircnio 76 Como em uma das etimologias possiacuteveis para o peatilde o nome eacute composto da interjeiccedilatildeo de juacutebilo ldquoioacuterdquo

mais um dos nomes do deus Baacutekkhos cf Escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio (450 15) Cf severyns (54 paacuteg 171) em

Atenas representaccedilotildees do seacutequito de Dioniso chamavam-se Ioacutebakkhoi e Iobakkheicirca era o nome de uma festa

puacuteblica em honra do deus A expressatildeo ldquoimerso em muito frecircmitordquo sugere uma celebraccedilatildeo de caraacuteter semelhante

a do ditirambo

121

55 Hiporquema [hypoacuterkhema ]77 chamava-se a canccedilatildeo cantada junto agrave

danccedila [oacuterkhesis ]78 de fato os antigos frequentemente empregavam a preposiccedilatildeo

hypoacute [ ] no lugar de metaacute [ ]79

56 Quanto aos descobridores alguns dizem ter sido os curetas80 outros Pirro [Pyrros

] filho de Aquiles donde tambeacutem dizem piacuterrica [purrikheacute ] uma espeacutecie

de danccedila81

56a [paraacutegrafo pertinente ao encocircmio falta nos manuscritos]82

57 Jaacute o epiniacutecio escrevia-se pelo momento mesmo da vitoacuteria aos primeiros nas

competiccedilotildees83

77 Segundo Ferrante (55 paacuteg 58) seriam composiccedilotildees em versos creacuteticos ou peocircnicos Opotildee-se agraves demais

espeacutecies sacras porque era composta com uma danccedila em especiacutefico e natildeo evoluccedilotildees do coro Seria um canto de

origem cretense originariamente dedicado a Apolo mas depois a Dioniso e Atena ateacute que jaacute na eacutepoca de

Piacutendaro secularizou-se 78 A julgar pelo fato do resumo de Foacutecio mencionar mesmo que sucintamente as consideraccedilotildees do texto

original que explicavam a classificaccedilatildeo dessas espeacutecies sacras eacute de supor que o proacuteprio texto acessado natildeo trazia

muitas outras consideraccedilotildees sobre essa espeacutecie uma vez que um criteacuterio que as definisse como tal jaacute fora

discutido e estava subentendido no restante da exposiccedilatildeo da liacuterica sacra O nome por si soacute eacute autoexplicativo

ainda mais apoacutes a discussatildeo na exposiccedilatildeo do prosoacutedio particularizando o hino 79 Cf Ferrante (55 paacuteg 59) que arrola por exemplo O Escoacutelio a Piacutendaro (Ol VI 73b) e a Homero

(XVIII 492) como testemunhos arcaicos do uso de uma preposiccedilatildeo no lugar da outra O nome da espeacutecie seria

portanto algo como ldquodanccedilanterdquo (ldquocom danccedilardquo) Para as demais etimologias antigas cf Severyns (56 paacuteg 174 ndash

178) 80 Seriam sacerdotes do culto a Rea influentes em Creta Cf Ferrante (56 paacuteg 59) 81 Epiacuteteto de Neoptoacutelemo 82 Cf Harvey (1955) para ponderaccedilotildees sobre o encocircmio em relaccedilatildeo agraves demais espeacutecies principalmente em

relaccedilatildeo aos hinos Segundo a definiccedilatildeo de Heliodoro apud Ferrante (paacuteg 61) ldquoeacute a composiccedilatildeo poeacutetica que

compreende o enaltecimento de homens e cidadesrdquo mas morfoloacutegica e etimologicamente tambeacutem significava

fazer parte de um koacutemos mas em uma solenidade festiva ndash cf Piacutendaro Nemeias 8 50 Portanto poderia se

confundir com o epiniacutecio e em ambiente simposial ao escoacutelio mas se diferenciaria desse por ser coral 83 Fosse literalmente ie com valor temporal ldquono momento da vitoacuteriardquo fosse em sentido causal ldquopor

causa da vitoacuteriardquo

Severyns (57 paacuteg 181) defende que a liccedilatildeo talvez fosse epigrave autograven tograven kairograven porque aiacute ocorreria uma

etimologia que diz ldquoaludidardquo por oposiccedilatildeo ao encocircmio o epiniacutecio era obrigatoriamente no momento da vitoacuteria

em uma competiccedilatildeo atleacutetica supondo a celebraccedilatildeo do homem na proacutepria ocasiatildeo pairando a sugestatildeo de que

esse criteacuterio definiria o epiniacutecio em ldquoparticularrdquo semelhantemente agrave distinccedilatildeo entre hino em ldquoparticularrdquo jaacute

observada em relaccedilatildeo agraves demais espeacutecies sacras Em resumo o epiniacutecio em particular ou propriamente por

oposiccedilatildeo ao encocircmio que tambeacutem eacute um elogio seria apenas o que se cantava na ocasiatildeo performaacutetica especiacutefica

da vitoacuteria do atleta A proposta de Severyns natildeo me parece necessaacuteria para certas composiccedilotildees de fato talvez o

uacutenico criteacuterio realmente distintivo fosse uma ocasiatildeo performaacutetica apenas aludida e pressuposta o que na

praacutetica inevitavelmente se dava com certa flutuaccedilatildeo por um lado um epiniacutecio poderia ser executado mesmo

que posteriormente em um simpoacutesio e nesse caso a ocasiatildeo performaacutetica original seria pressuposta de

qualquer maneira o que o originou fora uma vitoacuteria atleacutetica A ocasiatildeo original por outro lado como se lecirc nos

epiniacutecios pindaacutericos talvez natildeo fosse o proacuteprio local da competiccedilatildeo mas uma cerimocircnia ciacutevica (com um koacutemos)

na paacutetria do atleta Natildeo parece necessaacuterio julgar com tanto rigor a classificaccedilatildeo dos antigos porque natildeo nos eacute

possiacutevel estabelecer quando exatamente se dava a cerimocircnia ciacutevica de celebraccedilatildeo do atleta e ao que tudo indica

havia uma flutuaccedilatildeo A emenda natildeo se faz necessaacuteria a rigor a motivaccedilatildeo do canto em uacuteltima instacircncia seria a

vitoacuteria atleacutetica e sempre se referiria a essa ocasiatildeo ou seja mesmo que por referecircncia estaria sempre

circunscrita a um ldquotempo especiacuteficordquo ndash o mesmo criteacuterio seraacute empregado para distinguir epiceacutedio de treno (sect67)

poreacutem explicitamente O encocircmio talvez natildeo se prendesse a uma motivaccedilatildeo especiacutefica mas natildeo nos resta

hipoacutetese para o que o definiria ldquoem particularrdquo

122

58 O escoacutelio [torto tortuoso skoacutelion ] era uma canccedilatildeo cantada entre os

convivas Por isso agraves vezes tambeacutem a chamam ldquocanccedilatildeo de beberrdquo Eacute despojado na preparaccedilatildeo

e muitiacutessimo simples84

59 ldquoEscoacuteliordquo eacute dito natildeo por antiacutefrase como julgam alguns o que se diz por antiacutefrase

em geral visa ao eufemismo e natildeo se muda o eufecircmico em maldizer85 60 Eacute poreacutem pelo

fato de que estando os sentidos enfim arrebatados e os ouvintes folgados por conta do vinho

bem nesse instante se introduzia o baacuterbito86 nos simpoacutesios e cada um continuando a

festividade combalia-se instavelmente no proferimento do canto Por causa disso que eles

proacuteprios sofriam em funccedilatildeo da bebedeira voltando-o para a canccedilatildeo chamavam-na tatildeo

simplesmente ldquoescoacuteliordquo [canccedilatildeo ldquotortardquo]87

61 As eroacuteticas [eroticaacute ] evidentemente cantam circunstacircncias de amores

[eroticagraves peristaacuteseis ] por mulheres meninos e moccedilas88

62 E as epitalacircmias [epithalaacutemia ]89 cantam-nas aos receacutem-casados

simultaneamente os rapazes e as moccedilas90 em direccedilatildeo [epiacute ] ao quarto nupcial[thaacutelamoi

]

84 Para as demais etimologias antigas e a hipoacutetese de que a etimologia por antiacutefrase fosse de Diacutedimo

Severyns (58 paacuteg 182 ndash 189) A etimologia proposta por Proclo associa o termo diretamente agrave ocasiatildeo e ao que

ocorre nela de modo a determinar o tipo de canto a canccedilatildeo seria tortuosa por causa da bebida seria portanto a

ldquocanccedilatildeo de beberrdquo por excelecircncia porque se cantava bebendo Essa etimologia supotildee que skoacutelion viria por

baritonaccedilatildeo do adjetivo skolioacutes a on (subentendendo-se melos) que significa ldquotortuosordquo e por isso tambeacutem

ldquodifiacutecilrdquo A etimologia opta pelo primeiro significado em vez do segundo ou seja o nome viria do significado

primeiro e literal da palavra 85 A etimologia por antiacutefrase ndash ldquodizer o contraacuteriordquo ndash seria dizer ldquodifiacutecilrdquo a canccedilatildeo porque na verdade eacute

simples e faacutecil uma vez que se daacute em meio agrave bebedeira dificultando a elaboraccedilatildeo Mas a antiacutefrase se daacute por

eufemismo ie para evitar o maldizer e natildeo o contraacuterio o que acabaria ocorrendo se essa hipoacutetese fosse

verdadeira supostamente porque para o autor da Crestomatia chamar difiacutecil o faacutecil natildeo seria eufecircmico mas

depreciativo 86 Lira grande de nove cordas 87 A canccedilatildeo eacute duplamente tortuosa o efeito tortuoso da bebida presente no canto dos eacutebrios se reflete na

consecuccedilatildeo do canto conforme os convivas se sucedem entoando-o desorganizada ou tortuosamente ie sem

uma sequecircncia predeterminada e linear 88 O nome eacute autoexplicativo Aqui provavelmente se agrupavam os poemas de Safo Anacreonte e Alceu

que tambeacutem satildeo dados como poetas de escoacutelios Essa pequena seccedilatildeo da Crestomatia provavelmente eacute a que

tratava das espeacutecies que nos satildeo legadas tendo como ocasiatildeo performaacutetica baacutesica o simpoacutesio 89 Outra etimologia autoexplicativa que se definia pela ocasiatildeo mais especificamente aqui diferencia esta

espeacutecie da seguinte por conta de sua finalidade e da ocasiatildeo pontual em que era cantada Segundo Severyns (62

191 ndash 194) tanto epithalaacutemios como hymeacutenaios poderiam designar as canccedilotildees de mateacuteria nupcial sendo a

primeira arcaica e poeacutetica e a segunda posterior heleniacutestica teoacuterica cunhada pelos gramaacuteticos De fato eacute o que

demonstra com as ocorrecircncias de ambas as designaccedilotildees esta segunda em Ateneu (I 5e) por exemplo

referindo-se (a) ao canto executado no banquete nupcial junto aos pais da noiva ou quando (b) ela era levada

pelo cortejo de amigos junto ao esposo da casa de seus pais agrave casa dele (Homero Il XVIII 491 seq e Hesiacuteodo

Escudo 272 seq) ou quando (Teoacutecrito XVIII 8 etc) o casal (c) se retira ao cocircmodo nupcial guardado por uma

espeacutecie de porteiro ou guardiatildeo o thyroroacutes jaacute aquela primeira classificando as mesmas coisas em

textos de base gramatical como Amocircnio Sacoacuteforo (junto de diversos sinocircnimos como gameacutelios e

variantes) ou o Escoacutelio a Teoacutecrito (XVIII) etc referindo-se ao terceiro significado (c) de himeneu ou cobrindo

todos seus significados como sinocircnimo direto de hymeacutenaios (Et Magn 776 46) ou designando uma

composiccedilatildeo natildeo liacuterica mas com o mesmo valor da primeira noccedilatildeo (a) de himeneu agraves vezes em diacutestico elegiacuteaco

123

63 Diz que o himeneu cantava-se nos casamentos em conformidade ao sofrimento e agrave

procura por Himeneu filho de Terpsiacutecore91 o qual dizem ter se tornado invisiacutevel apoacutes casar-

se

64 Outros em honra de Himeneu de Atenas pois ele ndash diz ndashapoacutes perseguir resgatou

de bandidos moccedilas atenienses92

65 Eu penso que era uma exultaccedilatildeo prenunciando uma vida afortunada e que

rezavam junto aos cocircnjuges pela comunhatildeo de um matrimocircnio com ternura entretecendo a

prece com dialeto eoacutelio de modo a sempre hymenaiacuteein [coabitarem ] e

homonoeicircn [concordarem ] os que vatildeo morar sob o mesmo teto93

66 O silo94 conteacutem a ralhaccedilatildeo e o menoscabo de homens comedidamente95

(Luciano Banquete 29 40 etc) ou referindo-se a uma composiccedilatildeo em prosa ie um discurso equivalente ao

primeiro tipo (a) de himeneu

Parece acertada a conclusatildeo do autor de que como se observa para outras espeacutecies da liacuterica secular em

que se cunha posteriormente uma nomenclatura a fim de diferenciaacute-la de outras formas poeacuteticas congecircneres

designadas a princiacutepio por um mesmo nome geral ldquohimeneurdquo como designaccedilatildeo mais antiga seria o nome para

qualquer ode nupcial qualquer canto referente aacutes nuacutepcias entoado mesmo que em meio ao simpoacutesio enquanto o

termo ldquoepitalacircmiordquo passaria a designar em uma tentativa mais teacutecnica de classificaccedilatildeo (gramatical) uma

circunstacircncia especiacutefica em que se realizava um canto liacuterico nupcial a ida ao leito ou taacutelamo 90 Conforme demonstra Severyns (62 4 paacuteg 193) parece que a princiacutepio esse coro se compunha apenas

de moccedilas mas Proclo deve atestar a praacutetica posterior de incluir tambeacutem rapazes Piacutendaro (Piacuteticas III 18) e

Teoacutecrito (XVIII 2 e 22) a testariam o primeiro caso Eacutesquilo (fr 43 Nauck) o segundo Sobre o uso de

discursos nas mesmas ocasiotildees Dioniacutesio de Halicarnasso (Ret IV I 266 22) emprega a mesma distinccedilatildeo de

espeacutecies levando Severyns agrave pertinente observaccedilatildeo de que ela fosse alexandrina 91 Confere para as divergecircncias em relaccedilatildeo agrave matildee do jovem Himeneu Severyns (63 3 126 ndash 197) 92 Ambas as etimologias propostas por Proclo para o nome da espeacutecie compotildeem epocircnimos etioloacutegicos

para os quais a interpretaccedilatildeo de Severyns (63 5 198) parece acertada Para a primeira Proclo estaria

interpretando pela referecircncia miacutetica a expressatildeo formular desse tipo de canto ldquo Hymegraven ocirc

Hymeacutenaierdquo focando-se no segundo termo como mito etioloacutegico do canto associado pelo que se subentende agrave

perda do hiacutemem (Cf Severyns 65 2 paacuteg 200 para outras etimologias linguiacutesticas dos antigos) A segunda

etiologia eacute associada a outra personagem e segundo o autor seria de base heleniacutestica teoricamente em funccedilatildeo

do quanto subentende de referecircncias e contecircm de amplificaccedilatildeo episoacutedica em relaccedilatildeo a outras fontes (cf 64 paacuteg

198 ndash 200) Supotildee a praacutetica do casamento natildeo concedido por parte de piratas e raptores um casamento ilegal

para a poacutelis portanto Como o referido heroacutei aacutetico teria impedido tal praacutetica iniciara-se a pratica de celebraacute-lo

junto ao casamento consentido e legal 93 Nessa curiosa passagem Foacutecio daacute sua opiniatildeo teria considerado as etimologias de Proclo por demais

pagatildes Natildeo se pode dizecirc-lo mas talvez tenha considerado muito obtusas as ilaccedilotildees feitas uma vez que pelas

constantes expressotildees ldquouns outrosrdquo ao longo do resumo natildeo haacute por que duvidar de que nos forneccedila por

completo as etimologias com que Proclo operava 94 Palavra que significa ldquomordazrdquo ldquosarcaacutesticordquo mas que tambeacutem seria ldquovesgordquo Para as etimologias que

natildeo constam no epiacutetome porque provavelmente jaacute assume o nome do canto pelo teor satiacuterico como se vecirc na

definiccedilatildeo cf Ferrante (paacuteg 72) 95 Teriam sido compostos por Timatildeo de Flio filoacutesofo ceacutetico do periacuteodo heleniacutestico e eram basicamente

hexacircmetros paroacutedicos ridicularizando de maneira branda outros filoacutesofos Pelo mesmo nome se designavam os

escritos de Xenoacutefanes de Colofatildeo anterior a Timatildeo em aproximadamente um seacuteculo Por extensatildeo hexacircmetros

que parodiassem Homero tambeacutem deviam ser considerados siacutelos (Ferrante paacuteg 72) Segundo Dioacutegenes Laeacutercio

(IX 109 apud Ferrante) agrave eacutepoca de Tibeacuterio o gramaacutetico Apolocircnide de Niceacuteia teria composto uma ldquoMemoacuteria

dos Silosrdquo em cujo livro primeiro se contava a vida de Timatildeo e se estudava sua poesia Autores modernos

(Smyth apud Severyns paacuteg 68) questionam a classificaccedilatildeo do silo como poesia liacuterica e coral por ser

hexameacutetrico Ferrante (idem) a partir de Heliodoro (451 23 apud Severyns) aventa a possibilidade de se

considerar o silo uma subespeacutecie do iambo pelo emprego de loidoriacutean em sua definiccedilatildeo mas parece ignorar

tambeacutem o metro bem como o fato de Proclo usou a palavra na definiccedilatildeo do iambo provaacutevel razatildeo pela qual natildeo

124

67 O treno difere do epiceacutedio [epikeacutedion] porque o epiceacutedio se diz a partir do proacuteprio

kecircdos [luto funeral ] com o corpo ainda jazendo exposto enquanto o treno natildeo se

circunscreve a um periacuteodo de tempo96

68 As chamadas partecircnias [partheacutenia ] eram escritas para coros de moccedilas

[partheniai ]

69 A elas as dafnefoacutericas [ldquoporta-lourosrdquo daphneforicaacute ] pertencem

como a um gecircnero97 a cada nove anos na Beoacutecia os sacerdotes portando [komiacutezontes

] louros [daacutephnai ] aos templos de Apolo louvavam-no com um coro de

moccedilas98

70 Sua origem os muitos eoacutelios que habitavam Arne e as terras da regiatildeo de laacute

migrando de acordo com um oraacuteculo e que sitiando deram iniacutecio ao saque de Tebas antes

ocupada pelos pelasgos99

71 Em advindo um festival de Apolo comum a ambos estabeleceram armistiacutecio e

enquanto uns agrave margem do Heacutelicon cortavam louros outros agrave margem do rio Melas os

ofertavam a Apolo

72 Entatildeo Polematas comandante dos beoacutecios sonhou que via um jovem entregar-lhe

a armadura e ordenar-lhe fazer votos de a cada nove anos levar louros a Apolo

73 Depois de trecircs dias investindo sobrepujou os inimigos e ele proacuteprio entatildeo

executaria uma dafnefoacuteria [dafneforiacutea ] A partir daiacute se preserva o costume

74 A dafnefoacuteria cingem um galho de oliveira com louros e flores coloridas na ponta

se acopla uma esfera de bronze e dela pendem menores No meio do galho dispondo em

ciacuterculo dependuram uma menor que a da ponta e guirlandas roxas A parte final do galho

envolvem com um manto cor de accedilafratildeo

a empregaria aqui Para a associaccedilatildeo excessiva de Proclo com Diacutedimo neste passo e outros autores anteriores a

Proclo que classificam o silo entre as espeacutecies liacutericas cf Severyns (paacuteg 205) 96 Para as partes do sepultamente entre os gregos e o kecircdos como funeral cf Severyns (67 2 paacuteg 207)

Essas duas formas de canccedilatildeo fuacutenebre se distinguiriam por um momento especiacutefico da ocasiatildeo Esse criteacuterio jaacute se

aplicou em relaccedilatildeo ao epiniacutecio e ao epitlacircmio (supra notas 167 e 173) Para a associaccedilatildeo e a distinccedilatildeo dessas

espeacutecies liacutericas em relaccedilatildeo agrave elegia e o emprego do metro aleacutem de Ferrante (paacuteg 73) e Severyns (paacuteg 208 ndash

210) cf Harvey (1955) 97 Conforme visto porque a noccedilatildeo de que hino e encocircmio aleacutem de espeacutecies em particular poderiam

tambeacutem ser propostos no proacuteprio texto de Proclo como gecircneros para espeacutecies eacute mais plausiacutevel que essa

explicitaccedilatildeo seja do proacuteprio texto que se resumiu e natildeo do resumidor e talvez para esse terceiro grupo da liacuterica

que compreende homens e deuses juntos o criteacuterio fosse assumido senatildeo endossado por Proclo e natildeo apenas

contraposto a um criteacuterio que tambeacutem considera todas as espeacutecies em particular 98 Aqui o texto torna-se etioloacutegico mal ocorrendo etimologias uma vez que os nomes satildeo

autoexplicativos e o que se faz nada mais eacute do que explicitar sua composiccedilatildeo O criteacuterio eacute explicito seguir-se-atildeo

as espeacutecies de partecircnios que satildeo definidas pela festa em que ocorrem O que resta entatildeo eacute contar a origem de

cada uma dessas ocasiotildees puacuteblicas 99 Para todas as referecircncias histoacutericas a respeito da etiologia e da festividade cf Severyns (70 ndash 78 paacuteg

214 ndash 232)

125

75 Pretendem que a esfera mais ao alto signifique o sol (com que remetem a Apolo) a

subposta a lua as demais suspensas os planetas e estrelas as guirlandas o curso anual ndash de

fato contavam 365

76 Um menino cujos pais ainda satildeo vivos vem no iniacutecio da dafnefoacuteria e o seu parente

mais proacuteximo carrega o galho cingido o qual chamam koacutepo [koacutepo ] 77 Seguindo o

proacuteprio dafneacuteforo [daphnefoacuteros ] vem segurando o louro soltos os cabelos

porta uma coroa de ouro traja um longo manto brilhante e veacuteu aos peacutes100 Acompanha-o de

perto um coro de moccedilas empunhando ramos de suacuteplica hineando

78 Enviavam a dafnefoacuteria aos templos de Apolo Ismecircnio e Calaacutezio

79 A canccedilatildeo tripodefoacuterica [levada por um triacutepodo] cantava-se entre os beoacutecios um

triacutepodo tomando a frente101

80 Foi esta sua origem um grupo de pelasgos tentava saquear a cidade de Panacto da

Beoacutecia Os tebanos a defendiam e enviando uma comitiva a Dodona consultaram o oraacuteculo

sobre a vitoacuteria no conflito

81 O oraacuteculo designou aos tebanos que se cometessem o maior sacrileacutegio venceriam

82 Pareceu-lhes entatildeo que a maior das impiedades era imolar aquela que lhes dera o

oraacuteculo e imolaram-na

83 As sacristatildes em torno do santuaacuterio moveram accedilatildeo contra os tebanos pelo

assassinato

84 Os tebanos no entanto natildeo concederam que apenas mulheres julgassem o meacuterito

Havendo um julgamento comum entre homens e mulheres como os homens lhes deram voto

branco os tebanos foram absolvidos

85 Soacute mais tarde depois que entenderam o que lhes fora ordenado pelo oraacuteculo

elevaram uma das triacutepodas sacras da regiatildeo da Beoacutecia e cobrindo-na como o fazem os

profanadores de templos envairam-na ao alto de Dodona

86 Como daiacute em diante prosperaram passaram a fazer desse ato um festival

87 As canccedilotildees oscofoacutericas [porta-oacutesche] cantavam-se entre os atenienses102

88 Dois jovens do coro trajados como mulheres lideram o festejo portando um ramo

de vinha cheio de uvas vicejantes ndash chamam-no oacuteskhe [ ] donde o epocircnimo das canccedilotildees

100 Epicratidas eacute um termo plural que significa ldquopanos de testardquo ie ldquolenccedilo de testardquo ldquoveacuteurdquo Embora se

pudesse apenas decalcar a palavra para o portuguecircs a passagem ficaria obscura Ao que tudo indica era somente

um tecido que o dafneacuteforo usava sobre os peacutes talvez como extensatildeo do manto 101 Idem 79 ndash 86 paacuteg 232 ndash 242 102 Ibidem 87 ndash 92 paacuteg 243 ndash 254

126

89 Dizem ter sido Teseu quem primeiramente deu iniacutecio ao rito depois que aceitando

voluntariamente a viagem a Creta livrou sua paacutetria do infortuacutenio do tributo ao prestar graccedilas

a Atena e Dioniso que se manifestaram a ele na ilha de Dia fez isso empregando dois jovens

efeminados como assistentes na cerimocircnia

90 O cortejo dos atenienses dava-se do altar de Dioniso ateacute o santuaacuterio de Atena

Esquira

91 Um coro seguia os jovens e cantava as canccedilotildees

92 Efebos de cada uma das tribos competiam uns com os outros numa corrida a peacute e

o primeiro deles saboreava de uma pipa dita ldquoquiacutentuplardquo que se preparava com oliva vinho

mel queijo e grumos de cevada

93 As canccedilotildees votivas eram escritas pelos que pediam que alguma coisa lhes adviesse

de um deus103

94 Pragmaacuteticas [pragmaticaacute ] eram as canccedilotildees que compreendiam as

accedilotildees praticadas [praacutexeis ] por algueacutem104

95 As empoacutericas [comerciais ] foram escritas sobre o quanto se mostrava a

algueacutem no decurso de suas viagens e mercancias [empoacuteriai ]105

96 As apostoacutelicas106 o quanto faziam aqueles enviados a algueacutem como emissaacuterios

97 Eacute evidente que as sentenciosas107 contecircm o enaltecimento dos caracteres

103 Euktikoacutes eacute o deverbal de euacutekhomai ndash rezar Tanto Severyns como Ferrante

concordam que eacute pelo elemento humano aleacutem do divino que tais cantos vecircm aqui como uacuteltima espeacutecie do

terceiro grupo Em Menandro o termo serve para classificar os hinos Menandro (Rhet Gr X p 134 Walz)

divide os hinos pela intenccedilatildeo kleacutetikoi (invocatoacuterios) apopemptikoiacute (de adeus para a viagem do deus) physikoiacute

(naturais sobre as manifestaccedilotildees do deus na natureza) apeuktikoiacute (deprecatoacuterios) euktikoiacute (votivos) Eacute provaacutevel

que senatildeo concorrentes sejam duas classificaccedilotildees pelo menos com intenccedilotildees diferentes Menandro subdivide as

intenccedilotildees de quem canta o hino em relaccedilatildeo ao hineado O mesmo criteacuterio define a uacuteltima canccedilatildeo da liacuterica mista

em Proclo ie sua funccedilatildeo por outro lado o criteacuterio que Proclo emprega para tratar dos hinos os distingue como

Severyns observou em particular ie pelo destinataacuterio mesmo nos casos em que poderiam se confundir com

esses cantos ecircuktikos pela intenccedilatildeo como seria o caso por exemplo do peatilde que passou a ser cantado para se

pedir ou agradecer por diferentes coisas Soacute o que se pode dizer eacute que talvez ambas as definiccedilotildees ainda que

diferentes tratassem de um mesmo objeto em comum mas lhe conferindo lugares diferentes na classificaccedilatildeo

geral segundo seus criteacuterios Sobre isso e a categorizaccedilatildeo de Menandro confere Harvey (1955) 104 Sobre essas espeacutecies em geral cf Severyns (94 paacuteg 255 ndash 257) Vale-nos sua observaccedilatildeo de que

conforme hinos desempenhavam um papel generalizante para a liacuterica sacra encocircmio para a liacuterica secular

partecircnio para a liacuterica mista as pragmaacuteticas deveriam fazecirc-lo em relaccedilatildeo ao quarto grupo o das circunstacircncias

acidentais 105 Severyms (95 257) cogita aqui os poemas de Riano (Eliacuteaca Tessaacutelica Messeniacuteaca) poeta e gramaacutetico

do periacuteodo heleniacutestico bem como a Bitiniacuteaca de Demoacutestenes da Bitiacutenia mas crecirc que Proclo natildeo tinha tais

poemas em mente por serem essencialmente hexammeacutetricos 106 Do verbo aposteacutello ldquoenviarrdquo Tanto Severyns (paacuteg 257) como Ferrante (paacuteg 95)

mencionam Heliodoro (paacuteg 450 11) ldquoἈποστολικὸν μέλος ἐστὶ τὸ πεμπόμενον πρός τινα περιέχον ltπαραι-

νέσειςgt ἢ αἴτησιν παρ αὐτοῦ δωρεᾶςrdquo ndash ldquoA canccedilatildeo apostoacutelica eacute a que se envia a algueacutem contendo

recomendaccedilotildees ou pedidos de donsrdquo e concordam que natildeo seria a isso que pelo menos no entendimento do

resumo de Foacutecio Proclo se referiria Parece que ou Foacutecio teria se equivocado na ordem dos termos mais uma vez

(como pode ter ocorrido em sect44) ou o que Heliodoro chamaria apostoacutelica o que se assemelhe talvez com o que

Proclo chama canccedilatildeo epistaacuteltica (sect99)

127

98 As geoacutergicas o que se refere aos campos estaccedilotildees e cuidados das plantas108

99 As epistolares o quanto se refere agraves designaccedilotildees que compunham em verso e

enviavam a algueacutem109

100 Aqui estatildeo os dois primeiros arrazoados da Crestomatia de Letras de Proclo

107 Gnomologikaacute ndash Confere Heliodoro (450 13) para definiccedilatildeo semelhante108 Embora como notado por Severyns Ferrante e outros esse item pareccedila associado ao anterior ie

poesia de caraacuteter gnocircmico mesmo os Trabalhos e Dias de Hesiacuteodo que conteriam os dois itens poderiam como

composiccedilatildeo didaacutetica hexameacutetrica ser arrolados aqui 109 Diferentes das apostoacutelicas porque essas sim como cartas eram enviadas designando coisas Tanto

Severyns como Ferrante assumem que natildeo se pode saber com precisatildeo o que eram

128

2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO CICLO

EacutePICO ndash TRADUCcedilAtildeO

21 VIDA DE HOMERO

Πρόκλου περὶ Ὁμήρου

Ἐπῶν ποιηταὶ γεγόνασι πολλοί τούτων δ εἰσὶ κρά-

τιστοι Ὅμηρος Ἡσίοδος Πείσανδρος Πανύασις Ἀντίμαχος

Ὅμηρος μὲν οὖν τίνων γονέων ἢ ποίας ἐγένετο πα-

τρίδος οὐ ῥᾴδιον ἀποφήνασθαι οὔτε γὰρ αὐτός τι λελάληκεν 5

ἀλλ οὐδὲ οἱ περὶ αὐτοῦ εἰπόντες συμπεφωνήκασιν ἀλλ ἐκ

τοῦ μηδὲν ῥητῶς ἐμφαίνειν περὶ τούτων τὴν ποίησιν αὐτοῦ

μετὰ πολλῆς ἀδείας ἕκαστος οἷς ἐβούλετο ἐχαρίσατο

καὶ διὰ τοῦτο οἱ μὲν Κολοφώνιον αὐτὸν ἀνηγόρευσαν

οἱ δὲ Χῖον οἱ δὲ Σμυρναῖον οἱ δὲ Ἰήτην ἄλλοι δὲ Κυμαῖον 10

καὶ καθόλου πᾶσα πόλις ἀντιποιεῖται τἀνδρός ὅθεν εἰκότως

ἂν κοσμοπολίτης λέγοιτο

οἱ μὲν οὖν Σμυρναῖον αὐτὸν ἀποφαινόμενοι Μαίονος

μὲν πατρὸς λέγουσιν εἶναι γεννηθῆναι δὲ ἐπὶ Μέλητος

τοῦ ποταμοῦ ὅθεν καὶ Μελησιγενῆ ὀνομασθῆναι δοθέντα 15

δὲ Χίοις εἰς ὁμηρείαν Ὅμηρον κληθῆναι οἱ δὲ ἀπὸ τῆς

τῶν ὀμμάτων πηρώσεως τούτου τυχεῖν αὐτόν φασι τοῦ ὀνό-

ματος τοὺς γὰρ τυφλοὺς ὑπὸ Αἰολέων ὁμήρους καλεῖσθαι

Ἑλλάνικος δὲ καὶ Δαμάστης καὶ Φερεκύδης εἰς Ὀρφέα

τὸ γένος ἀνάγουσιν αὐτοῦ Μαίονα γάρ φασι τὸν Ὁμήρου 20

πατέρα καὶ Δῖον τὸν Ἡσιόδου γενέσθαι Ἀπέλλιδος τοῦ Μελα-

νώπου τοῦ Ἐπιφράδεος τοῦ Χαριφήμου τοῦ Φιλοτέρπεος τοῦ

Ἰδμονίδεω τοῦ Εὐκλέος τοῦ Δωρίωνος τοῦ Ὀρφέος

Γοργίας δὲ ὁ Λεοντῖνος εἰς Μουσαῖον αὐτὸν ἀνάγει

περὶ δὲ τῆς τελευτῆς αὐτοῦ λόγος τις φέρεται τοι- 25

129

οῦτος ἀνελεῖν φασιν αὐτῷ τὸν θεὸν χρωμένῳ περὶ ἀσφα-

λείας τάδε

ἔστιν Ἴος νῆσος μητρὸς πατρίς ἥ σε θανόντα

δέξεται ἀλλὰ νέων ἀνδρῶν αἴνιγμα φύλαξαι

λέγουσιν οὖν αὐτὸν εἰς Ἴον πλεύσαντα διατρῖψαι μὲν 30

παρὰ Κρεωφύλῳ γράψαντα δὲ Οἰχαλίας ἅλωσιν τούτῳ χαρί-

σασθαι ἥτις νῦν ὡς Κρεωφύλου περιφέρεται καθεζόμενον

δὲ ἐπί τινος ἀκτῆς θεασάμενον ἁλιεῖς προσειπεῖν αὐτοὺς

καὶ ἀνακρῖναι τοῖσδε τοῖς ἔπεσιν

ἄνδρες ἀπ Ἀρκαδίης θηρήτορες ἦ ῥ ἔχομέν τι 35

ὑποτυχόντα δὲ αὐτῶν ἕνα εἰπεῖν

οὓς ἕλομεν λιπόμεσθ οὓς δ οὐχ ἕλομεν φερόμεσθα

οὐκ ἐπιβάλλοντος δὲ αὐτοῦ διελέσθαι τὸ αἴνιγμα ὅτι ἐπὶ

ἰχθυΐαν καταβάντες ἀφήμαρτον φθειρισάμενοι δὲ ὅσους μὲν

ἔλαβον τῶν φθειρῶν ἀποκτείναντες ἀπολείπουσιν ὅσοι δὲ 40

αὐτοὺς διέφυγον τούτους ἀποκομίζουσιν οὕτω δ ἐκεῖνον

ἀθυμήσαντα σύννουν ἀπιέναι τοῦ χρησμοῦ ἔννοιαν λαμβά-

νοντα καὶ οὕτως ὀλισθόντα περιπταῖσαι λίθῳ καὶ τριταῖον

τελευτῆσαι

ἀλλὰ δὴ ταῦτα μὲν πολλῆς ἔχεται ζητήσεως ἵνα δὲ μηδὲ 45

τούτων ἄπειρος ὑπάρχῃς διὰ τοῦτο εἰς ταῦτα κεχώρηκα

τυφλὸν δὲ ὅσοι τοῦτον ἀπεφήναντο αὐτοί μοι δοκοῦσι

τὴν διάνοιαν πεπηρῶσθαι τοσαῦτα γὰρ κατεῖδεν ὅσα οὐδεὶς

ἄνθρωπος πώποτε

εἰσὶ δὲ οἵτινες ἀνεψιὸν αὐτὸν Ἡσιόδου παρέδοσαν 50

ἀτριβεῖς ὄντες ποιήσεως τοσοῦτον γὰρ ἀπέχουσι τοῦ γένει

προσήκειν ὅσον ἡ ποίησις διέστηκεν αὐτῶν ἄλλως δὲ οὐδὲ

τοῖς χρόνοις συνεπέβαλον ἀλλήλοις

ἄθλιοι δὲ οἱ τὸ ἀνάθημα πλάσαντες τοῦτο

Ἡσίοδος Μούσαις Ἑλικωνίσι τόνδ ἀνέθηκεν 55

ὕμνῳ νικήσας ἐν Χαλκίδι θεῖον Ὅμηρον

ἀλλὰ γὰρ ἐπλανήθησαν ἐκ τῶν Ἡσιοδείων Ἡμερῶν ἕτερον

γάρ τι σημαίνει

τοῖς δὲ χρόνοις αὐτὸν οἱ μὲν περὶ τὸν Ἀρίσταρχόν

130

φασι γενέσθαι κατὰ τὴν τῆς Ἰωνίας ἀποικίαν ἥτις ὑστερεῖ 60

τῆς Ἡρακλειδῶν καθόδου ἔτεσιν ἑξήκοντα τὸ δὲ περὶ τοὺς

Ἡρακλείδας λείπεται τῶν Τρωϊκῶν ἔτεσιν ὀγδοήκοντα οἱ δὲ

περὶ Κράτητα ἀνάγουσιν αὐτὸν εἰς τοὺς Τρωϊκοὺς χρόνους

φαίνεται δὲ γηραιὸς ἐκλελοιπὼς τὸν βίον ἡ γὰρ ἀν-

υπέρβλητος ἀκρίβεια τῶν πραγμάτων προβεβηκυῖαν ἡλικίαν 65

παρίστησι

πολλὰ δὲ ἐπεληλυθὼς μέρη τῆς οἰκουμένης ἐκ τῆς

πολυπειρίας τῶν τόπων εὑρίσκεται τούτῳ δὲ προσυπονοη-

τέον καὶ πλούτου πολλὴν περιουσίαν γενέσθαι αἱ γὰρ μακραὶ

ἀποδημίαι πολλῶν δέονται ἀναλωμάτων καὶ ταῦτα κατ ἐκεί- 70

νους τοὺς χρόνους οὔτε πάντων πλεομένων ἀκινδύνως οὔτε

ἐπιμισγομένων ἀλλήλοις πως τῶν ἀνθρώπων ῥᾳδίως

γέγραφε δὲ ποιήσεις δύο Ἰλιάδα καὶ Ὀδύσσειαν

ἣν Ξένων καὶ Ἑλλάνικος ἀφαιροῦνται αὐτοῦ οἱ μέντοι γε ἀρ-

χαῖοι καὶ τὸν Κύκλον ἀναφέρουσιν εἰς αὐτόν προστιθέασι δὲ 75

αὐτῷ καὶ παίγνιά τινα Μαργίτην Βατραχομαχίαν ἢ Μυο-

μαχίαν Ἕπτ ἐπ ἀκτίον Αἶγα Κέρκωπας Κενούς

De Proclo sobre Homero

Muitos satildeo os poetas eacutepicos Os mais egreacutegios deles satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro

Paniacuteasis e Antiacutemaco

Sobre Homero quais seus pais e de que paacutetria era originaacuterio eacute difiacutecil afirmar

claramente ele proacuteprio natildeo fala coisa alguma e nem se acham de acordo os que falaram sobre

ele pelo fato contudo de sua poesia natildeo trazer expressamente nenhuma indicaccedilatildeo a respeito

cada um contenta-se com o que deseja sem nenhuma restriccedilatildeo

Por causa disso uns o proclamam nativo de Colofatildeo outros de Quios outros de

Esmirna outros de Io outros de Cima e toda cidade de modo geral reclama o homem pelo

que razoavelmente pode ser dito cosmopolita

Os que afirmam que ele eacute de Esmirna dizem que seu pai era Meatildeo e que foi concebido

perto do Rio Meles motivo pelo qual tambeacutem eacute nomeado Melesiacutegene mas que eacute chamado

Homero [Hoacutemeros ] porque foi dado na condiccedilatildeo de homereiacutea [refeacutem ]

131

aos de Quios Outros dizem que acabou recebendo esse nome por causa da deficiecircncia dos

olhos Os cegos de fato eram chamados homeacuteroi [ ] pelos eoacutelios

Helacircnico Damaste e Fereacutecides recuam sua origem ateacute Orfeu Dizem que Meatildeo pai de

Homero e Dio pai de Hesiacuteodo descendem de Apeacutelis filho de Melanopo filho de Epiacutefrades

filho de Carifemo filho de Filoterpes filho de Idmocircnides filhos de Eucles filho de Doriatildeo

filho de Orfeu

Goacutergias de Leontino o recua agraves Musas

Sobre a sua morte refere-se a seguinte histoacuteria inquirindo o oraacuteculo a respeito de sua

proacutepria seguranccedila pessoal contam que o deus lhe deu esta resposta

ldquoHaacute uma ilha Io paacutetria de tua matildee que morto

receber-te-aacute Cuidado com enigma de homens jovensrdquo

Dizem entatildeo que tendo velejado para Io passava um tempo na companhia de

Creoacutefilo quando escreveu e dedicou-lhe a Tomada de Ecaacutelia (que hoje circula como de

Creoacutefilo) Sentando-se agrave praia apoacutes observar alguns pescadores dirigiu-lhes a palavra e

interrogou com estas palavras

ldquoDa Arcaacutedia caccediladores varotildees o que temosrdquo

Um deles replicou-lhe dizendo

ldquoOs que pegamos deixamos pra traacutes os que natildeo pegamos trazemos conoscordquo

Natildeo conseguindo solver o enigma ndash como natildeo foram bem sucedidos indo pescar

puseram-se a caccedilar piolhos matando quantos pegavam mas quantos lhes fugiam traziam-nos

de volta ndash aquele ficou desgostoso e foi embora meditabundo entendendo o oraacuteculo e assim

escorregou tombou contra uma pedra e no terceiro dia faleceu

Esses eventos contudo carecem de investigaccedilatildeo mas para que natildeo sejas de todo

ignorante neles avanccedilo nesse sentido

Os que o afirmam cego parecem-me eles mesmos incapacitados do juiacutezo coisas viu

tantas quantas ningueacutem jamais o fez

132

Existem aqueles que o datildeo como primo de Hesiacuteodo natildeo versados em poesia estatildeo tatildeo

distantes na relaccedilatildeo de parentesco quanto eacute diferente sua poesia No mais nem coincidem um

com outro cronologicamente

Haacute os miseraacuteveis que forjaram esta inscriccedilatildeo votiva

ldquoHesiacuteodo agraves Musas Heliconiacutedas consagra isto

por ter vencido com um hino em Caacutelcis o divino Homerordquo

equivocaram-se contudo nos ldquoDiasrdquo de Hesiacuteodo pois isso tem outro significado

Na cronologia os da escola de Aristarco dizem que viveu na eacutepoca da imigraccedilatildeo

jocircnica que eacute sessenta anos posterior ao retorno dos Heraclidas e o evento em torno dos

Heraclidas estaacute oitenta anos depois da eacutepoca de Troia Os da escola de Crates por sua vez o

recuam aos tempos de Troia

Parece que jaacute era bem velho quando deixou a vida sua insuperaacutevel precisatildeo nos fatos

permite estabelecer uma idade jaacute avanccedilada

Crecirc-se que visitou muitas partes do mundo habitado dada sua vasta experiecircncia de

lugares Nisso tambeacutem se deve notar a vasta abundacircncia de sua riqueza pois as grandes

viagens necessitavam de muitos gastos e isso naquele tempo em que nem todas as

navegaccedilotildees se faziam sem perigo nem os homens estabeleciam relaccedilotildees comerciais entre si

com tal facilidade

Escreveu dois poemas Iliacuteada e Odisseia a qual Xenatildeo e Helacircnico lhe negam

entretanto os antigos atribuem-lhe inclusive o Ciclo Imputam-lhe tambeacutem algumas

brincadeiras Margites Guerra dos Sapos ou Guerra dos Ratos Sete na Praia Cabra

Ceacutercopes os Matildeos Vazias

22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO

221 Ciacuteprias

Τοῦ αὐτοῦ περὶ τῶν Κυπρίων λεγομένων ποιημάτων

133

Ἐπιβάλλει τούτοις τὰ λεγόμενα Κύπρια ἐν βιβλίοις 80

φερόμενα ἕνδεκα ὧν περὶ τῆς γραφῆς ὕστερον ἐροῦμεν

ἵνα μὴ τὸν ἑξῆς λόγον νῦν ἐμποδίζωμεν τὰ δὲ περιέχοντά

ἐστι ταῦτα

Ζεὺς βουλεύεται μετὰ τῆς Θέμιδος περὶ τοῦ Τρωϊκοῦ

πολέμου 85

παραγενομένη δὲ Ἔρις εὐωχουμένων τῶν θεῶν ἐν τοῖς

Πηλέως γάμοις νεῖκος περὶ κάλλους ἀνίστησιν Ἀθηνᾷ Ἥρᾳ

καὶ Ἀφροδίτῃ αἳ πρὸς Ἀλέξανδρον ἐν Ἴδῃ κατὰ Διὸς

προσταγὴν ὑφ Ἑρμοῦ πρὸς τὴν κρίσιν ἄγονται καὶ προκρίνει

τὴν Ἀφροδίτην ἐπαρθεὶς τοῖς Ἑλένης γάμοις Ἀλέξανδρος 90

ἔπειτα δὲ Ἀφροδίτης ὑποθεμένης ναυπηγεῖται καὶ

Ἕλενος περὶ τῶν μελλόντων αὐτοῖς προθεσπίζει καὶ ἡ Ἀφρο-

δίτη Αἰνείαν συμπλεῖν αὐτῷ κελεύει καὶ Κασσάνδρα περὶ

τῶν μελλόντων προδηλοῖ

ἐπιβὰς δὲ τῇ Λακεδαιμονίᾳ Ἀλέξανδρος ξενίζεται 95

παρὰ τοῖς Τυνδαρίδαις καὶ μετὰ ταῦτα ἐν τῇ Σπάρτῃ παρὰ

Μενελάῳ καὶ Ἑλένῃ παρὰ τὴν εὐωχίαν δίδωσι δῶρα ὁ Ἀλέξ-

ανδρος καὶ μετὰ ταῦτα Μενέλαος εἰς Κρήτην ἐκπλεῖ κελεύ-

σας τὴν Ἑλένην τοῖς ξένοις τὰ ἐπιτήδεια παρέχειν ἕως ἂν

ἀπαλλαγῶσιν ἐν τούτῳ δὲ Ἀφροδίτη συνάγει τὴν Ἑλένην τῷ 100

Ἀλεξάνδρῳ καὶ μετὰ τὴν μίξιν τὰ πλεῖστα κτήματα ἐνθέ-

μενοι νυκτὸς ἀποπλέουσι

χειμῶνα δὲ αὐτοῖς ἐφίστησιν Ἥρα καὶ προσενεχθεὶς

Σιδῶνι ὁ Ἀλέξανδρος αἱρεῖ τὴν πόλιν καὶ ἀποπλεύσας

εἰς Ἴλιον γάμους τῆς Ἑλένης ἐπετέλεσεν 105

ἐν τούτῳ δὲ Κάστωρ μετὰ Πολυδεύκους τὰς Ἴδα καὶ

Λυγκέως βοῦς ὑφαιρούμενοι ἐφωράθησαν καὶ Κάστωρ μὲν

ὑπὸ τοῦ Ἴδα ἀναιρεῖται Λυγκεὺς δὲ καὶ Ἴδας ὑπὸ Πολυ-

δεύκους καὶ Ζεὺς αὐτοῖς ἑτερήμερον νέμει τὴν ἀθανασίαν

καὶ μετὰ ταῦτα Ἶρις ἀγγέλλει τῷ Μενελάῳ τὰ 110

γεγονότα κατὰ τὸν οἶκον ὁ δὲ παραγενόμενος περὶ τῆς ἐπ

Ἴλιον στρατείας βουλεύεται μετὰ τοῦ ἀδελφοῦ καὶ πρὸς

Νέστορα παραγίνεται Μενέλαος

134

Νέστωρ δὲ ἐν παρεκβάσει διηγεῖται αὐτῷ ὡς Ἐπωπεὺς

φθείρας τὴν Λυκούργου θυγατέρα ἐξεπορθήθη καὶ τὰ περὶ 115

Οἰδίπουν καὶ τὴν Ἡρακλέους μανίαν καὶ τὰ περὶ Θησέα

καὶ Ἀριάδνην

ἔπειτα τοὺς ἡγεμόνας ἀθροίζουσιν ἐπελθόντες τὴν

Ἑλλάδα καὶ μαίνεσθαι προσποιησάμενον Ὀδυσσέα ἐπὶ

τῷ μὴ θέλειν συστρατεύεσθαι ἐφώρασαν Παλαμήδους ὑπο- 120

θεμένου τὸν υἱὸν Τηλέμαχον ἐπὶ κόλασιν ἐξαρπάσαντες

καὶ μετὰ ταῦτα συνελθόντες εἰς Αὐλίδα θύουσι καὶ

τὰ περὶ τὸν δράκοντα καὶ τοὺς στρουθοὺς γενόμενα δείκ-

νυται καὶ Κάλχας περὶ τῶν ἀποβησομένων προλέγει αὐτοῖς

ἔπειτα ἀναχθέντες Τευθρανίᾳ προσίσχουσι καὶ ταύ- 125

την ὡς Ἴλιον ἐπόρθουν Τήλεφος δὲ ἐκβοηθεῖ Θέρσανδρόν

τε τὸν Πολυνείκους κτείνει καὶ αὐτὸς ὑπὸ Ἀχιλλέως τι-

τρώσκεται

ἀποπλέουσι δὲ αὐτοῖς ἐκ τῆς Μυσίας χειμὼν ἐπι-

πίπτει καὶ διασκεδάννυνται Ἀχιλλεὺς δὲ Σκύρῳ προσσχὼν 130

γαμεῖ τὴν Λυκομήδους θυγατέρα Δηϊδάμειαν

ἔπειτα Τήλεφον κατὰ μαντείαν παραγενόμενον εἰς

Ἄργος ἰᾶται Ἀχιλλεὺς ὡς ἡγεμόνα γενησόμενον τοῦ ἐπ

Ἴλιον πλοῦ

καὶ τὸ δεύτερον ἠθροισμένου τοῦ στόλου ἐν Αὐλίδι 135

Ἀγαμέμνων ἐπὶ θηρῶν βαλὼν ἔλαφον ὑπερβάλλειν ἔφησε

καὶ τὴν Ἄρτεμιν μηνίσασα δὲ ἡ θεὸς ἐπέσχεν αὐτοὺς τοῦ

πλοῦ χειμῶνας ἐπιπέμπουσα Κάλχαντος δὲ εἰπόντος τὴν

τῆς θεοῦ μῆνιν καὶ Ἰφιγένειαν κελεύσαντος θύειν τῇ

Ἀρτέμιδι ὡς ἐπὶ γάμον αὐτὴν Ἀχιλλεῖ μεταπεμψάμενοι 140

θύειν ἐπιχειροῦσιν Ἄρτεμις δὲ αὐτὴν ἐξαρπάσασα εἰς

Ταύρους μετακομίζει καὶ ἀθάνατον ποιεῖ ἔλαφον δὲ ἀντὶ

τῆς κόρης παρίστησι τῷ βωμῷ

ἔπειτα καταπλέουσιν εἰς Τένεδον καὶ εὐωχουμένων

αὐτῶν Φιλοκτήτης ὑφ ὕδρου πληγεὶς διὰ τὴν δυσοσμίαν 145

ἐν Λήμνῳ κατελείφθη καὶ Ἀχιλλεὺς ὕστερος κληθεὶς δια-

φέρεται πρὸς Ἀγαμέμνονα

135

ἔπειτα ἀποβαίνοντας αὐτοὺς εἰς Ἴλιον εἴργουσιν

οἱ Τρῶες καὶ θνῄσκει Πρωτεσίλαος ὑφ Ἕκτορος ἔπειτα

Ἀχιλλεὺς αὐτοὺς τρέπεται ἀνελὼν Κύκνον τὸν Ποσειδῶνος 150

καὶ τοὺς νεκροὺς ἀναιροῦνται

καὶ διαπρεσβεύονται πρὸς τοὺς Τρῶας τὴν Ἑλένην

καὶ τὰ κτήματα ἀπαιτοῦντες ὡς δὲ οὐχ ὑπήκουσαν ἐκεῖνοι

ἐνταῦθα δὴ τειχομαχοῦσιν

ἔπειτα τὴν χώραν ἐπεξελθόντες πορθοῦσι καὶ τὰς 155

περιοίκους πόλεις

καὶ μετὰ ταῦτα Ἀχιλλεὺς Ἑλένην ἐπιθυμεῖ θεάσασθαι

καὶ συνήγαγεν αὐτοὺς εἰς τὸ αὐτὸ Ἀφροδίτη καὶ Θέτις

εἶτα ἀπονοστεῖν ὡρμημένους τοὺς Ἀχαιοὺς Ἀχιλ-

λεὺς κατέχει κἄπειτα ἀπελαύνει τὰς Αἰνείου βοῦς καὶ 160

Λυρνησσὸν καὶ Πήδασον πορθεῖ καὶ συχνὰς τῶν περιοικίδων

πόλεων καὶ Τρωΐλον φονεύει

Λυκάονά τε Πάτροκλος εἰς Λῆμνον ἀγαγὼν ἀπεμπολεῖ

καὶ ἐκ τῶν λαφύρων Ἀχιλλεὺς μὲν Βρισηΐδα γέρας

λαμβάνει Χρυσηΐδα δὲ Ἀγαμέμνων 165

ἔπειτά ἐστι Παλαμήδους θάνατος

καὶ Διὸς βουλὴ ὅπως ἐπικουφίσῃ τοὺς Τρῶας Ἀχιλ-

λέα τῆς συμμαχίας τῆς Ἑλλήνων ἀποστήσας

καὶ κατάλογος τῶν τοῖς Τρωσὶ συμμαχησάντων

Do mesmo autor sobre os poemas chamados Ciacuteprias

Sucedem-se a isso as chamadas Ciacuteprias transmitidas em onze livros sobre cujo nome

falaremos depois a fim de natildeo obstar a sequecircncia do discurso Eis o que compreendem

Zeus delibera junto de Tecircmis sobre a guerra de Troia

Estando os deuses a festejar nas bodas de Peleu aparece Eacuteris e suscita uma querela a

respeito da beleza de Atena Hera e Afrodite que satildeo levadas por Hermes agraves ordens de Zeus

para o arbiacutetrio de Alexandre no Ida Alexandre prefere Afrodite excitado pelas bodas com

Helena

136

Em seguida aconselhando-o Afrodite faz para si uma nau e Heleno lhes faz

prediccedilotildees sobre os acontecimentos futuros Afrodite manda Eneias navegar com ele

Cassandra revela o porvir

Depois de chegar a Lacedemocircnia Alexandre eacute hospedado pela casa dos Tindaacuteridas

em seguida em Esparta pela casa de Menelau no decorrer do festim Alexandre presenteia

Helena Depois disso Menelau parte para Creta antes ordenando a Helena que provesse o

necessaacuterio aos estrangeiros ateacute que estivessem liberados Nesse momento Afrodite une Helena

a Alexandre e apoacutes o intercurso tendo embarcado o maior nuacutemero de riquezas zarpam

durante a noite

Hera envia uma tempestade contra eles Aportando em Sidatildeo Alexandre captura a

cidade Enfim consumou suas bodas com Helena apoacutes navegar para Iacutelio

Nesse passo Caacutestor junto de Polideuces satildeo descobertos furtando as vacas de Idas e

Linceu Entatildeo Caacutestor eacute morto por Idas mas Linceu e Idas por Polideuces Zeus lhes despende

a imortalidade em dias intercalados

Depois disso Iacuteris relata a Menelau os eventos em sua casa Apoacutes chegar ele delibera

com o irmatildeo sobre a expediccedilatildeo contra Iacutelio e vai ter com Nestor

Neacutestor num excurso narra-lhe como Epopeu foi destruiacutedo apoacutes violentar a filha de

Licurgo e os eventos envolvendo Eacutedipo a loucura de Heacuteracles e os eventos envolvendo

Teseu e Ariadne

Depois unem os chefes tendo percorrido a Heacutelade Descobriram entatildeo que Odisseu

passara a se fazer de louco por natildeo querer juntar-se agrave expediccedilatildeo depois de por sugestatildeo de

Palamedes raptarem-lhe o filho Telecircmaco como desforra

Depois disso reuacutenem-se em Aacuteulis e fazem um sacrifiacutecio Revela-se o prodiacutegio

envolvendo a serpente e os pardais e Calcas lhes prediz os resultados

Depois satildeo levados pelo alto mar aportam em Teutracircnia e saqueiam-na como se fosse

Iacutelio Teacutelefo empreende uma investida surpresa e mata Tersandro filho de Polinices mas ele

mesmo acaba sendo ferido por Aquiles

Zarpando de Musia uma tempestade se abate sobre eles e se dispersam Aquiles que

aporta em Esquiro esposa a filha de Licomedes Didamia

Entatildeo Aquiles quando Teacutelefo conforme divinaccedilatildeo chega a Argos cura-o para que se

torne o guia da navegaccedilatildeo ateacute Iacutelio

Foi entatildeo na segunda vez em que a expediccedilatildeo estaacute reunida em Aacuteulis que

Agamecircmnon por ter abatido um cervo nas caccediladas disse superar ateacute Aacutertemis Irada a deusa

impede-lhes a navegaccedilatildeo enviando tempestades sobre eles Uma vez que Calcas comunica a

137

ira da deusa e ordena sacrificar a Aacutertemis Ifigecircnia preparam seu sacrifiacutecio como se a

tivessem convocado para um casamento com Aquiles Aacutertemis a arrebata poreacutem transporta-a

a Taacuteuris e a faz imortal e coloca um cervo no altar no lugar da moccedila

Aportam em Tecircnedo Filoctetes picado por uma cobra-drsquoaacutegua enquanto ceavam eacute

abandonado em Lemnos por causa do mau-cheiro e Aquiles o uacuteltimo a ser chamado entra

em divergecircncia com Agamecircmnon

Em seguida os troianos encurralam-nos quando estatildeo desembarcando em Iacutelio e

Protesilau perece sob Heacutector Depois Aquiles rechaccedila-os matando Ciacutecnon filho de Poseidatildeo

Entatildeo recolhem os corpos

Mandam uma embaixada aos troianos reclamando Helena e as riquezas Nesse ponto

porque estes natildeo anuem datildeo iniacutecio ao cerco

Investem e saqueiam a regiatildeo e as cidades nas dependecircncias

Depois dessas accedilotildees Aquiles deseja contemplar Helena Para tal Afrodite e Teacutetis

conduzem-nos a um encontro

Nisso Aquiles conteacutem os aqueus que jaacute se prontificavam a navegar de volta Logo

depois leva embora as vacas de Eneias saqueia Lirnesso Peacutedaso e um bom nuacutemero de

cidades vizinhas tambeacutem abate Troilo

Paacutetroclo leva Licaacuteon a Lemnos e o negocia como escravo

Dos espoacutelios Aquiles toma Briseida como precircmio Agamecircmnon Criseida

Em seguida vem a morte de Palamedes

A deliberaccedilatildeo de Zeus com o intuito de inflamar os troianos apoacutes Aquiles se retirar da

alianccedila

O cataacutelogo dos que combateram aliados aos troianos

222 Etioacutepida

Τοῦ αὐτοῦ περὶ Αἰθιοπίδος

Ἐπιβάλλει δὲ τοῖς προειρημένοις [ἐν τῇ πρὸ ταύτης 173

βίβλῳ] Ἰλιὰς Ὁμήρου μεθ ἥν ἐστιν Αἰθιοπίδος βιβλία

πέντε Ἀρκτίνου Μιλησίου περιέχοντα τάδε

Ἀμαζὼν Πενθεσίλεια παραγίνεται Τρωσὶ συμμαχή- 175

138

σουσα Ἄρεως μὲν θυγάτηρ Θρᾷσσα δὲ τὸ γένος καὶ κτείνει

αὐτὴν ἀριστεύουσαν Ἀχιλλεύς οἱ δὲ Τρῶες αὐτὴν θάπτουσι

καὶ Ἀχιλλεὺς Θερσίτην ἀναιρεῖ λοιδορηθεὶς πρὸς

αὐτοῦ καὶ ὀνειδισθεὶς τὸν ἐπὶ τῇ Πενθεσιλείᾳ λεγόμενον

ἔρωτα καὶ ἐκ τούτου στάσις γίνεται τοῖς Ἀχαιοῖς περὶ 180

τοῦ Θερσίτου φόνου

μετὰ δὲ ταῦτα Ἀχιλλεὺς εἰς Λέσβον πλεῖ καὶ θύσας

Ἀπόλλωνι καὶ Ἀρτέμιδι καὶ Λητοῖ καθαίρεται τοῦ φόνου

ὑπ Ὀδυσσέως

Μέμνων δὲ ὁ Ἠοῦς υἱὸς ἔχων ἡφαιστότευκτον παν- 185

οπλίαν παραγίνεται τοῖς Τρωσὶ βοηθήσων καὶ Θέτις τῷ

παιδὶ τὰ κατὰ τὸν Μέμνονα προλέγει

καὶ συμβολῆς γενομένης Ἀντίλοχος ὑπὸ Μέμνονος

ἀναιρεῖται ἔπειτα Ἀχιλλεὺς Μέμνονα κτείνει καὶ τούτῳ

μὲν Ἠὼς παρὰ Διὸς αἰτησαμένη ἀθανασίαν δίδωσι 190

τρεψάμενος δ Ἀχιλλεὺς τοὺς Τρῶας καὶ εἰς τὴν πό-

λιν συνεισπεσὼν ὑπὸ Πάριδος ἀναιρεῖται καὶ Ἀπόλλωνος

καὶ περὶ τοῦ πτώματος γενομένης ἰσχυρᾶς μάχης Αἴας ἀν-

ελόμενος ἐπὶ τὰς ναῦς κομίζει Ὀδυσσέως ἀπομαχομένου

τοῖς Τρωσίν 195

ἔπειτα Ἀντίλοχόν τε θάπτουσι καὶ τὸν νεκρὸν τοῦ

Ἀχιλλέως προτίθενται

καὶ Θέτις ἀφικομένη σὺν Μούσαις καὶ ταῖς ἀδελφαῖς

θρηνεῖ τὸν παῖδα καὶ μετὰ ταῦτα ἐκ τῆς πυρᾶς ἡ Θέτις

ἀναρπάσασα τὸν παῖδα εἰς τὴν Λευκὴν νῆσον διακομίζει 200

οἱ δὲ Ἀχαιοὶ τὸν τάφον χώσαντες ἀγῶνα τιθέασι

καὶ περὶ τῶν Ἀχιλλέως ὅπλων Ὀδυσσεῖ καὶ Αἴαντι στάσις

ἐμπίπτει

Do mesmo sobre a Etioacutepida

Sucede-se ao que foi dito anteriormente (no texto antes deste) a Iliacuteada de Homero

depois dela haacute a Etioacutepida em cinco livros de Arctino de Mileto que compreendem o seguinte

139

A amazona Pentesileia chega para combater ao lado dos troianos filha de Ares traacutecia

de origem Aquiles a mata quando ela estaacute no auge de sua bravura combativa e os troianos

realizam seu funeral

Entatildeo Aquiles abate Tersites ofendido com ele repreendido por sua paixatildeo declarada

por Pentesileia Surge uma dissenccedilatildeo entre os aqueus em funccedilatildeo do assassinato de Tersites

Apoacutes isso Aquiles navega ateacute Lesbos e feitos sacrifiacutecios a Apolo Aacutertemis e Leto eacute

purificado do assassinato por Odisseu

Mecircmnon filho de Aurora possuidor de uma armadura confeccionada por Hefesto

chega ao socorro dos troianos Teacutetis prediz a seu filho o que decorreraacute a partir do embate com

Mecircmnon

Em confronto Antiacuteloco eacute abatido por Mecircmnon e logo Aquiles o mata Aurora lhe

concede a eternidade por rogaacute-la da parte de Zeus

Rechaccedilando os troianos e jaacute irrompendo cidadela adentro Aquiles eacute abatido por Paacuteris

e por Apolo Violenta batalha tem iniacutecio em volta do cadaacutever Aacutejax resgata-o e carrega ateacute as

naus enquanto Odisseu vai repelindo os troianos

Entatildeo sepultam Antiacuteloco e dispotildeem o corpo de Aquiles para o funeral

Chegando junto das Musas e das irmatildes Teacutetis vela seu filho Depois disso Teacutetis subtrai

o filho de sobre a pira e o transporta para a Ilha Branca

Os aqueus lhe erigem uma sepultura e instauram jogos e uma disputa pelas armas de

Aquiles sobreveacutem entre Odisseu e Ajax

223 Pequena Iliacuteada

Τοῦ αὐτοῦ περὶ Ἰλιάδος μικρᾶς

Ἑξῆς δ ἐστὶν Ἰλιάδος μικρᾶς βιβλία τέσσαρα Λές- 206

χεω Μυτιληναίου περιέχοντα τάδε

Ἡ τῶν ὅπλων κρίσις γίνεται καὶ Ὀδυσσεὺς κατὰ

βούλησιν Ἀθηνᾶς λαμβάνει Αἴας δ ἐμμανὴς γενόμενος

τήν τε λείαν τῶν Ἀχαιῶν λυμαίνεται καὶ ἑαυτὸν ἀναιρεῖ 210

μετὰ ταῦτα Ὀδυσσεὺς λοχήσας Ἕλενον λαμβάνει

καὶ χρήσαντος περὶ τῆς ἁλώσεως τούτου Διομήδης ἐκ Λήμνου

140

Φιλοκτήτην ἀνάγει ἰαθεὶς δὲ οὗτος ὑπὸ Μαχάονος καὶ μονο-

μαχήσας Ἀλεξάνδρῳ κτείνει καὶ τὸν νεκρὸν ὑπὸ Μενελάου

καταικισθέντα ἀνελόμενοι θάπτουσιν οἱ Τρῶες 215

μετὰ δὲ ταῦτα Δηΐφοβος Ἑλένην γαμεῖ

καὶ Νεοπτόλεμον Ὀδυσσεὺς ἐκ Σκύρου ἀγαγὼν τὰ

ὅπλα δίδωσι τὰ τοῦ πατρός καὶ Ἀχιλλεὺς αὐτῷ φαντάζεται

Εὐρύπυλος δὲ ὁ Τηλέφου ἐπίκουρος τοῖς Τρωσὶ παρα-

γίνεται καὶ ἀριστεύοντα αὐτὸν ἀποκτείνει Νεοπτόλεμος 220

καὶ οἱ Τρῶες πολιορκοῦνται

καὶ Ἐπειὸς κατ Ἀθηνᾶς προαίρεσιν τὸν δούρειον

ἵππον κατασκευάζει

Ὀδυσσεύς τε αἰκισάμενος ἑαυτὸν κατάσκοπος εἰς

Ἴλιον παραγίνεται καὶ ἀναγνωρισθεὶς ὑφ Ἑλένης περὶ 225

τῆς ἁλώσεως τῆς πόλεως συντίθεται κτείνας τέ τινας τῶν

Τρώων ἐπὶ τὰς ναῦς ἀφικνεῖται

καὶ μετὰ ταῦτα σὺν Διομήδει τὸ παλλάδιον ἐκκο-

μίζει ἐκ τῆς Ἰλίου

ἔπειτα εἰς τὸν δούρειον ἵππον τοὺς ἀρίστους ἐμ- 230

βιβάσαντες τάς τε σκηνὰς καταφλέξαντες οἱ λοιποὶ τῶν

Ἑλλήνων εἰς Τένεδον ἀνάγονται

οἱ δὲ Τρῶες τῶν κακῶν ὑπολαβόντες ἀπηλλάχθαι τόν

τε δούρειον ἵππον εἰς τὴν πόλιν εἰσδέχονται διελόντες

μέρος τι τοῦ τείχους καὶ εὐωχοῦνται ὡς νενικηκότες τοὺς 235

Ἕλληνας

Do mesmo sobre a Pequena Iliacuteada

Em sequecircncia haacute os quatro livros da Pequena Iliacuteada de Lesques de Mitilene que

compreendem o seguinte

Ocorre o juiacutezo a respeito das armas e Odisseu obteacutem-nas conforme a intenccedilatildeo de

Atena Ajax por sua vez apoacutes ficar ensandecido destroacutei o espoacutelio de gado dos aqueus e

tambeacutem imola a si mesmo

141

Depois disso Odisseu captura Heleno em uma emboscada apoacutes um oraacuteculo deste a

respeito da tomada da cidadela Diomedes traz Filoctetes de volta de Lemnos Curado por

Macaacuteon ele mata Alexandre em um duelo Os troianos sepultam o cadaacutever depois de reavecirc-lo

desfigurado por Menelau

Depois disso Decircifobo toma Helena por esposa

Apoacutes trazer Neoptoacutelemo de Esquiro Odisseu lhe entrega as armas do pai Aquiles

aparece para ele

Euriacutepilo filho de Teacutelefo se apresenta como aliado dos troianos e no auge de sua

bravura combativa Neoptoacutelemo o mata

Os troianos estatildeo encurralados

Epeu constroacutei o cavalo de madeira segundo o plano de Atena

Odisseu flagelando-se a si mesmo adentra Iacutelio como espiatildeo e combina com Helena

por quem fora reconhecido a tomada da cidade mata alguns troianos e chega de volta agraves

naus

Depois com Diomedes carrega o palaacutedio para fora de Iacutelio

Em seguida os melhores dos helenos ingressam no cavalo de madeira e o restante

navega para Tecircnedo havendo ateado fogo ao acampamento

Os troianos supondo-se livres de males recebem o cavalo de madeira dentro da

cidade quebrando uma brecha na muralha e festejam como se houvessem vencido os

helenos

224 Saque de Iacutelio

Τοῦ αὐτοῦ περὶ Ἰλίου πέρσιδος

Ἕπεται δὲ τούτοις Ἰλίου πέρσιδος βιβλία δύο Ἀρκ-

τίνου Μιλησίου περιέχοντα τάδε 240

ὡς τὰ περὶ τὸν ἵππον οἱ Τρῶες ὑπόπτως ἔχοντες

περιστάντες βουλεύονται ὅ τι χρὴ ποιεῖν καὶ τοῖς μὲν

δοκεῖ κατακρημνίσαι αὐτόν τοῖς δὲ καταφλέγειν οἱ δὲ ἱερὸν

αὐτὸν ἔφασαν δεῖν τῇ Ἀθηνᾷ ἀνατεθῆναι καὶ τέλος νικᾷ

ἡ τούτων γνώμη 245

142

τραπέντες δὲ εἰς εὐφροσύνην εὐωχοῦνται ὡς ἀπηλ-

λαγμένοι τοῦ πολέμου

ἐν αὐτῷ δὲ τούτῳ δύο δράκοντες ἐπιφανέντες τόν

τε Λαοκόωντα καὶ τὸν ἕτερον τῶν παίδων διαφθείρουσιν

ἐπὶ δὲ τῷ τέρατι δυσφορήσαντες οἱ περὶ τὸν Αἰνείαν 250

ὑπεξῆλθον εἰς τὴν Ἴδην

καὶ Σίνων τοὺς πυρσοὺς ἀνίσχει τοῖς Ἀχαιοῖς πρό-

τερον εἰσεληλυθὼς προσποίητος

οἱ δὲ ἐκ Τενέδου προσπλεύσαντες καὶ οἱ ἐκ τοῦ δου-

ρείου ἵππου ἐπιπίπτουσι τοῖς πολεμίοις καὶ πολλοὺς ἀν- 255

ελόντες τὴν πόλιν κατὰ κράτος λαμβάνουσι

καὶ Νεοπτόλεμος μὲν ἀποκτείνει Πρίαμον ἐπὶ τὸν

τοῦ Διὸς τοῦ ἑρκείου βωμὸν καταφυγόντα

Μενέλαος δὲ ἀνευρὼν Ἑλένην ἐπὶ τὰς ναῦς κατάγει

Δηΐφοβον φονεύσας 260

Κασσάνδραν δὲ Αἴας ὁ Ἰλέως πρὸς βίαν ἀποσπῶν

συνεφέλκεται τὸ τῆς Ἀθηνᾶς ξόανον ἐφ ᾧ παροξυνθέντες

οἱ Ἕλληνες καταλεῦσαι βουλεύονται τὸν Αἴαντα ὁ δὲ ἐπὶ

τὸν τῆς Ἀθηνᾶς βωμὸν καταφεύγει καὶ διασῴζεται ἐκ τοῦ

ἐπικειμένου κινδύνου 265

[ἔπειτα ἀποπλέουσιν οἱ Ἕλληνες καὶ φθορὰν αὐτοῖς

ἡ Ἀθηνᾶ κατὰ τὸ πέλαγος μηχανᾶται]

καὶ Ὀδυσσέως Ἀστυάνακτα ἀνελόντος

Νεοπτόλεμος Ἀνδρομάχην γέρας λαμβάνει

καὶ τὰ λοιπὰ λάφυρα διανέμονται 270

Δημοφῶν δὲ καὶ Ἀκάμας Αἴθραν εὑρόντες ἄγουσι

μεθ ἑαυτῶν

ἔπειτα ἐμπρήσαντες τὴν πόλιν

Πολυξένην σφαγιάζουσιν ἐπὶ τὸν τοῦ Ἀχιλλέως τάφον

Do mesmo sobre o Saque de Iacutelio

143

Seguem-se a isso os dois livros do Saque de Iacutelio de Arctino de Mileto compreendendo

isto

Como os troianos estatildeo desconfiados do cavalo reunindo-se em torno dele deliberam

sobre o que fazer A uns parece melhor atiraacute-lo precipiacutecio abaixo a outros incendiaacute-lo uns

dizem entatildeo que ele deveria ser dado como oferenda a Atena Vence a proposta destes por

fim

Tomados pela animaccedilatildeo festejam como se estivessem dispensados da guerra Bem

nesse momento duas serpentes aparecem e trucidam Laoconte e seu filho mais novo

Consternados com esse prodiacutegio Eneacuteias e os companheiros escapam secretamente

para o monte Ida

Entatildeo Sinatildeo o primeiro a disfarccedilado lograr um incurso acende tochas ao alto da

cidade como sinal aos aqueus

Juntos tanto os que retornam de Tecircnedos como os de dentro do cavalo os helenos

precipitam-se sobre os inimigos e tomam a cidade de assalto matando muitos

Neoptoacutelemo mata Priacuteamo que se refugiara no altar de Zeus Guarda Lar

Apoacutes achar Helena Menelau a leva de volta para as naus assassinando Decircifobo

Aacutejax filho de Ileu levando Cassandra agrave forccedila arrasta tambeacutem a imagem de madeira

de Atena Irritados com isso os helenos decidem apedrejar Aacutejax mas ele busca refuacutegio no

altar de Atena e se manteacutem a salvo do perigo iminente

[Entatildeo os helenos zarpam e Atena estaacute maquinado contra eles um naufraacutegio em alto

mar]

Tendo Odisseu matado Astiacuteanax Neoptoacutelemo toma Androcircmaca como seu precircmio

Repartem o restante do espoacutelio

Apoacutes acharem Etra Demofatildeo e Aacutecamas levam-na consigo

Em seguida sacrificam Polixena sobre o tuacutemulo de Aquiles havendo incendiado a

cidade

225 Retornos

Τοῦ αὐτοῦ περὶ Νόστων

Συνάπτει δὲ τούτοις τὰ τῶν Νόστων βιβλία πέντε 277

144

Ἀγίου Τροιζηνίου περιέχοντα τάδε

Ἀθηνᾶ Ἀγαμέμνονα καὶ Μενέλαον εἰς ἔριν καθίς-

τησι περὶ τοῦ ἔκπλου 280

Ἀγαμέμνων μὲν οὖν τὸν τῆς Ἀθηνᾶς ἐξιλασόμενος

χόλον ἐπιμένει

Διομήδης δὲ καὶ Νέστωρ ἀναχθέντες εἰς τὴν οἰ-

κείαν διασῴζονται

μεθ οὓς ἐκπλεύσας ὁ Μενέλαος μετὰ πέντε νεῶν 285

εἰς Αἴγυπτον παραγίνεται τῶν λοιπῶν διαφθαρεισῶν νεῶν

ἐν τῷ πελάγει

οἱ δὲ περὶ Κάλχαντα καὶ Λεοντέα καὶ Πολυποίτην

πεζῇ πορευθέντες εἰς Κολοφῶνα Τειρεσίαν ἐνταῦθα τελευ-

τήσαντα θάπτουσι 290

τῶν δὲ περὶ τὸν Ἀγαμέμνονα ἀποπλεόντων Ἀχιλ-

λέως εἴδωλον ἐπιφανὲν πειρᾶται διακωλύειν προλέγον τὰ

συμβησόμενα

εἶθ ὁ περὶ τὰς Καφηρίδας πέτρας δηλοῦται χειμὼν

καὶ ἡ Αἴαντος φθορὰ τοῦ Λοκροῦ 295

Νεοπτόλεμος δὲ Θέτιδος ὑποθεμένης πεζῇ ποιεῖ-

ται τὴν πορείαν καὶ παραγενόμενος εἰς Θρᾴκην Ὀδυσσέα

καταλαμβάνει ἐν τῇ Μαρωνείᾳ καὶ τὸ λοιπὸν ἀνύει τῆς

ὁδοῦ καὶ τελευτήσαντα Φοίνικα θάπτει αὐτὸς δὲ εἰς Μολος-

σοὺς ἀφικόμενος ἀναγνωρίζεται Πηλεῖ 300

ἔπειτα Ἀγαμέμνονος ὑπὸ Αἰγίσθου καὶ Κλυται-

μήστρας ἀναιρεθέντος ὑπ Ὀρέστου καὶ Πυλάδου τιμωρία

καὶ Μενελάου εἰς τὴν οἰκείαν ἀνακομιδή

Do mesmo sobre os Retornos

A esses eventos atrelam-se os cinco livros dos Retornos de Aacutegias de Trezene

compreendendo o seguinte

Atena potildee Agamecircmnon e Menelau em discoacuterdia a respeito da viagem de volta

Agamecircmnon retarda sua partida para apaziguar a colera da deusa

145

Diomedes e Neacutestor levados por alto mar chegam a sua casa em seguranccedila

Menelau que partiu atraacutes deles chega ao Egito com cinco das naus as restantes

naufragando em alto mar

Os comandados por Calcas Leonteu e Polipetes viajam a peacute ateacute Colofatildeo laacute sepultam

Tireacutesias que falecera

Quando os comandados por Agamecircmnon estatildeo partindo uma apariccedilatildeo de Aquiles

tenta impedi-los manifestando-se e anunciando os acontecimentos vindouros

Nesse passo se descreve a tempestade nas redondezas das Rochas Cafeacuterides e a ruiacutena

de Aacutejax da Loacutecria

Neoptoacutelemo faz a jornada a peacute a conselho de Teacutetis Chegando agrave Traacutecia depara-se com

Odisseu em Marocircnia completa o restante de seu percurso e sepulta o falecido Fecircnix

Chegando ateacute os moloacutessios ele proacuteprio eacute reconhecido por Peleu

Em seguida a execuccedilatildeo de Agamecircmnon por Egisto e Clitemnestra a vinganccedila de

Orestes e Piacutelades e o retorno para casa de Menelau

226 Telegonia

Τοῦ αὐτοῦ περὶ Τηλεγονίας

Μετὰ ταῦτά ἐστιν Ὁμήρου Ὀδύσσεια ἔπειτα Τηλε- 306

γονίας βιβλία δύο Εὐγάμμωνος Κυρηναίου περιέχοντα τάδε

οἱ μνήστορες ὑπὸ τῶν προσηκόντων θάπτονται

καὶ Ὀδυσσεὺς θύσας Νύμφαις εἰς Ἦλιν ἀποπλεῖ

ἐπισκεψόμενος τὰ βουκόλια καὶ ξενίζεται παρὰ Πολυξένῳ 310

δῶρόν τε λαμβάνει κρατῆρα καὶ ἐπὶ τούτῳ τὰ περὶ Τρο-

φώνιον καὶ Ἀγαμήδην καὶ Αὐγέαν

ἔπειτα εἰς Ἰθάκην καταπλεύσας τὰς ὑπὸ Τειρεσίου

ῥηθείσας τελεῖ θυσίας

καὶ μετὰ ταῦτα εἰς Θεσπρωτοὺς ἀφικνεῖται καὶ γαμεῖ 315

Καλλιδίκην βασιλίδα τῶν Θεσπρωτῶν

ἔπειτα πόλεμος συνίσταται τοῖς Θεσπρωτοῖς πρὸς

Βρύγους Ὀδυσσέως ἡγουμένου ἐνταῦθα Ἄρης τοὺς περὶ

146

τὸν Ὀδυσσέα τρέπεται καὶ αὐτῷ εἰς μάχην Ἀθηνᾶ καθίς-

ταται τούτους μὲν Ἀπόλλων διαλύει 320

μετὰ δὲ τὴν Καλλιδίκης τελευτὴν τὴν μὲν βασιλείαν

διαδέχεται Πολυποίτης Ὀδυσσέως υἱός αὐτὸς δ εἰς Ἰθάκην

ἀφικνεῖται

κἀν τούτῳ Τηλέγονος ἐπὶ ζήτησιν τοῦ πατρὸς πλέων

ἀποβὰς εἰς τὴν Ἰθάκην τέμνει τὴν νῆσον ἐκβοηθήσας δ 325

Ὀδυσσεὺς ὑπὸ τοῦ παιδὸς ἀναιρεῖται κατ ἄγνοιαν

Τηλέγονος δ ἐπιγνοὺς τὴν ἁμαρτίαν τό τε τοῦ πατρὸς

σῶμα καὶ τὸν Τηλέμαχον καὶ τὴν Πηνελόπην πρὸς τὴν μητέρα

μεθίστησιν ἡ δὲ αὐτοὺς ἀθανάτους ποιεῖ καὶ συνοικεῖ τῇ

μὲν Πηνελόπῃ Τηλέγονος Κίρκῃ δὲ Τηλέμαχος 330

Do mesmo sobre a Telegonia

Depois disso eacute a Odisseia de Homero depois os dois livros da Telegonia de Ecircugamon

de Cirene que compreendem o seguinte

Os pretendentes satildeo sepultados por seus parentes

Odisseu faz sacrifiacutecios agraves Ninfas e zarpa para Eacutelis a fim de inspecionar o gado Eacute

hospedado por Poliacutexeno recebe de presente uma cratera e nela estaacute a histoacuteria de Trofocircnio

Agamedes e Aacuteugeas

Desembarcando de volta em Iacutetaca executa os sacrifiacutecios especificados por Tireacutesias

Depois desses eventos chega agrave Tesproacutetia e toma Caliacutedice por mulher rainha dos

Tesproacutetios

Depois se concretiza uma guerra dos Tesproacutetios liderados por Odisseu contra os

Brugos Nisso Ares debanda os homens de Odisseu e Atena engaja-se em combate contra ele

Apolo eacute quem os aparta

Depois da morte de Caliacutedice Polipetes filho de Odisseu herda a realeza enquanto

este retorna agrave Iacutetaca

Nesse momento Telecircgono que navegava agrave procura de seu pai e desembarcara em

Iacutetaca devastava a ilha Odisseu que viera defendecirc-la por engano eacute morto por seu filho

147

Telecircgono apoacutes tomar conhecimento de seu crime transporta Telecircmaco Peneacutelope e o

corpo do pai ateacute sua matildee Ela os torna imortais Telecircgono casa-se com Peneacutelope e Telecircmaco

com Circe

148

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

EDICcedilOtildeES DA OBRA ESTUDADA

Ediccedilotildees da Crestomatia

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indicesque adiecit Ed Aloysius de Stefani Eduardo Luigi de Stefani

ETYMOLOGICUM MAGNUM SEU VERIUS LEXICON SAEPISSIME

VOCABULORUM ORIGINE INDAGANS EX PLURIBUS LEXICIS ET GRAMMATICIS

ANONYMI CUIUSDAM OPERA CONCINNATUM Add codd mss recensuit et notis

variorum instruxit Thomas Gaisford STP Amsterdam Adolf M Hakkert ndash Publisher 1962

GRAMMATICI GRAECI recogniti et apparatu critico instructi v1 Dionysii Thracis Ars

grammatica edidit Gustavus Uhlig Herodianos Scholia in Dionsii Thracis Artem

grammaticam Technicus recensuit Alfredus Hilgard--v2 Apollonii Dyscoli quae supersunt

Recensverunt Richardus Schneider et Gustavus Uhlig--v3 Herodiani Technici reliquiae

explicavit Augustus Lentz--v4 Theodosii Alexandrini Canones Georgii Choerobosci

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HOMERE Iliade Texte eacutetabli et traduit par P Mazon avec la collaboration de P Chantraine

P Collart et R Langumier Paris Les Belles Lettres Tome I chants I-VI 1937 tome II

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chants I-VII 1955 tome II chants VIII-XV 1953 Tome III chants XVI-XXIV 1956

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ndash USP 2005 ineacutedita

_____ Traduccedilatildeo e Comentaacuterio da Arte Retoacuterica de Colsulto Fortunaciano Dissertaccedilatildeo de

mestrado apresentada ao Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas da FFLCH-USP

orientada por Marcos Martinho dos Santos Satildeo Paulo DLCV ndash FFLCH ndash USP 2010 ineacutedita

MARTINHO DOS SANTOS M As Epiacutestolas de Horaacutecio e a Confecccedilatildeo de uma Ars

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  • A CRESTOMATIA DE PROCLOTraduccedilatildeo integral notas e estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
  • AGRADECIMENTOS
  • RESUMO
  • ABSTRACT
  • IacuteNDICE
  • Apresentaccedilatildeo
  • PARTE IEstudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
    • 1 CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO
      • 11VESTIacuteGIOS DA OBRA
      • 12 AUTORIA E ATRIBUICcedilAtildeO
      • 13 O NOME E A OBRA
        • 131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio
        • 132 A intitulaccedilatildeo do Coacutedice 239
        • 133 O termo ldquocrestomatiardquo
        • 134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra
            • 2 A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA ELOCUCcedilAtildeO POESIA E RETOacuteRICA
              • 21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO
              • 22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO
                • 221 O molde copioso
                • 222 O molde tecircnue
                • 223 O molde meacutedio
                • 224 O molde florido
                • 225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo
                    • 3 A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA
                      • 31 SEUS GEcircNEROS
                      • 32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS DE DIOMEDES
                      • 33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO
                        • 331 Epos
                          • 3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria
                          • 3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico
                            • 332 Elegia
                            • 333 Iambo
                            • 334 Meacutelica
                              • PARTE IITraduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo
                                • 1 COacuteDICE 239
                                  • 11 TEXTO
                                  • 12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO
                                    • 2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO CICLO EacutePICO ndash TRADUCcedilAtildeO
                                      • 21 VIDA DE HOMERO
                                      • 22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO
                                        • 221 Ciacuteprias
                                        • 222 Etioacutepida
                                        • 223 Pequena Iliacuteada
                                        • 224 Saque de Iacutelio
                                        • 225 Retornos
                                        • 226 Telegonia
                                          • REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

5

RESUMO

A presente dissertaccedilatildeo visa agrave traduccedilatildeo anotada dos textos que nos datildeo a conhecer a

obra convencionalmente denominada Crestomatia e atribuiacuteda a Proclo junto de um estudo

que caracterize o quanto possiacutevel essa obra que permanece tatildeo obscura quanto relevante para

os Estudos Claacutessicos Traduziram-se tanto os fragmentos referentes ao Ciclo Eacutepico provaacuteveis

excertos diretos da obra como o resumo que dela restou na Biblioteca de Foacutecio coacutedice 239

A anotaccedilatildeo se ateacutem ao coacutedice 239 a fim de tornar conhecido o que fosse o variado conteuacutedo

geral da obra O coacutedice tambeacutem eacute o foco do estudo que pretende em trecircs capiacutetulos 1o)

discutir os problemas em torno do texto ie a atribuiccedilatildeo o tiacutetulo a constituiccedilatildeo da obra sua

histoacuteria etc 2o) tendo estabelecido algumas hipoacuteteses sobre essa constituiccedilatildeo diversa

explicitaacute-la comentando a primeira seccedilatildeo do texto e a confluecircncia de saberes diversos sobre as

Letras da Antiguidade fossem a Retoacuterica a Gramaacutetica a Poeacutetica considerando seus limites

3o) considerando a seccedilatildeo posterior do texto sobre a classificaccedilatildeo geneacuterica da poesia antiga

relacionaacute-lo com outros que versem sobre a classificaccedilatildeo dos gecircneros poeacuteticos em especial o

De Poematibus de Diomedes

PALAVRAS-CHAVE poeacutetica gramaacutetica retoacuterica poesia antiga gecircneros literaacuterios

6

ABSTRACT

The scope of the current dissertation is to present a commented translation in

Portuguese of the group of texts that gives us knowledge of the work conventionaly called

Chrestomathy ascribed to Proclus We present as well a study that characterizes as much as

possible this work that remains as obscure as relevant to the Classical Studies The fragments

that refer to the Epic Cycle which are probably direct excerpts of the original work were

translated as well as the summary which was preseved in Photiusrsquo Library the 239 codex

The commentary is about the 239 codex with the purpose of give knowledge of the

miscellaneous general content of the work The codex is also the focus of the study where in

three chapters 1) it will be discussed the questions around the text ie the ascription the

title the constitution of the work its history 2) having been established some hypothesis

about this diverse constitution it will be exposed on commenting the first section of the text

and the confluency as well as the limits of multiple knowledges of Literature in Antiquity

comprehending Rhetorics Grammar and Poetics 3) considering the later section of the text

concerning to the generic classification of ancient poetry we will relate the text with others

that deal with the classification of poetic genres especially Diomedesrsquo De Poematibus

KEYWORDS poetics grammar rhetoric ancient poetry literary genres

7

IacuteNDICE

Apresentaccedilatildeo9

Parte I ndash Estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio

Capiacutetulo 1 ndash CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO10

11 VESTIacuteGIOS DA OBRA10

12 AUTORIA E ATRIBUUICcedilAtildeO12

13 O NOME E A OBRA18

131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio18

132 A intitulaccedilatildeo do coacutedice 23925

133 O termo ldquocrestomatiardquo32

134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra38

Capiacutetulo 2 ndash A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA

ELOCUCcedilAtildeO POESIA E RETOacuteRICA50

21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO50

22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO52

221 O molde copioso55

222 O molde tecircnue57

223 O molde meacutedio59

224 O molde florido61

225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo62

Capiacutetulo 3 ndash A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA67

31 SEUS GEcircNEROS67

32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS

DE DIOMEDES74

33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO81

331 Epos83

3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria83

3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico86

332 Elegia90

333 Iambo94

334 Meacutelica96

Parte II ndash Traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo

1 COacuteDICE 23998

11 TEXTO98

12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO109

2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO

8

CICLO EacutePICO128

21 VIDA DE HOMERO128

22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO132

221 Ciacuteprias132

222 Etioacutepida137

223 Pequenas Iliacuteada139

224 Saque de Iacutelio141

225 Retornos143

226 Telegonia145

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS148

9

Apresentaccedilatildeo

Esta dissertaccedilatildeo de mestrado se debruccedila sobre o texto tradicionalmente denominado

Crestomatia e apenas atribuiacutedo a um Proclo cuja identidade permanece em litiacutegio Sem que

isso tenha sido um impedimento para muitos antes de mim proponho aqui considerada a

imensidatildeo de toacutepicos apenas aludidos ou sugeridos por tal objeto textual (alguns carentes de

investigaccedilatildeo)

a) uma traduccedilatildeo integral do que o tempo nos legou da obra um resumo preservado

por Foacutecio de Constantinopla seacutec IX dC e os excertos aceites pelos estudiosos como seus

uacutenicos fragmentos ldquooriginaisrdquo

b) um estudo introduzindo a traduccedilatildeo que se focou em questotildees de composiccedilatildeo da

obra (da sua atribuiccedilatildeo agrave sua abrangecircncia) partes organizaccedilatildeo teorias que continha ou

propunha intenccedilatildeo e finalidade Em funccedilatildeo desse enfoque questotildees agraves quais a Crestomatia

de Proclo muitas vezes serve de ponto de partida como por exemplo a aplicaccedilatildeo das

categorias antigas de interpretaccedilatildeo poeacutetica agrave poesia liacuterica da Greacutecia Antiga os testemunhos

que conteacutem dessa interpretaccedilatildeo de base heleniacutestica etc foram em parte contemplados e em

parte deixados de lado em funccedilatildeo de um objetivo primeiro refletir sobre o que seria essa obra

e sua relaccedilatildeo com textos que lidam com assuntos semelhantes

Desta maneira portanto se organiza o texto

PARTE I ndash Um estudo em trecircs capiacutetulos o 1o abordando as questotildees baacutesicas sobre o

objeto escrito (tiacutetulo autoria) e como eacute transmitido a noacutes o 2o abordando o que aqui se

delimita como sua primeira seccedilatildeo em que se definia seu objeto e uma abordagem para ele a

fim de se conseguir uma caracterizaccedilatildeo da obra o 3o propondo a partir dos elementos

estudados uma comparaccedilatildeo com outro texto semelhante a fim de discutir os criteacuterios de

anaacutelise da poesia que na Crestomatia seratildeo empregados ateacute o fim do texto com o objetivo de

classificar a antiga poesia liacuterica ou meacutelica (sendo as especificidades dessa apresentadas ao

longo das nostas agrave traduccedilatildeo agrave medida do necessaacuterio)

PARTE II ndash A traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio que resume

a Crestomatia e a traduccedilatildeo dos resumos do chamado ciclo eacutepico que chega ateacute noacutes atraveacutes de

manuscritos de Homero

10

PARTE I

Estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio

1 CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO

11VESTIacuteGIOS DA OBRA

Qualquer um cujo interesse seja desperto por isso que geralmente se denomina a

Crestomatia de Proclo tatildeo logo busque se aproximar do objeto deparar-se-aacute com fragmentos

que unidos ao fim nos forneceratildeo somente o espectro de uma obra que parece ter sido uma

importante e abrangente compilaccedilatildeo sobre as letras antigas algo semelhante ao que hoje

chamariacuteamos um manual de literatura

Haacute dois grupos de textos que juntos compotildeem o quanto se pode acessar do que a

julgar pelo que nos diz Foacutecio no coacutedice 239 de sua Biblioteca teria sido uma obra composta

de quatro livros1 e que sem duacutevida a despeito das discussotildees acerca do primeiro paraacutegrafo do

coacutedice (concernente ao nome) teria em seu tiacutetulo o termo ldquocrestomatiardquo

A comeccedilar pela Biblioteca como se sabe consiste em resumos epiacutetomes cuja

confecccedilatildeo2 para aleacutem do interesse do irmatildeo de Foacutecio3 serviria em uacuteltima instacircncia agraves duas

funccedilotildees mais baacutesicas que se podem supor dar a conhecer os textos resumidos a quem natildeo

poderia acessaacute-los integralmente e fornecer diferentes saberes numa mesma fonte ie reunir

informaccedilatildeo diversa preservando para um leitor que natildeo tivesse acesso a essa informaccedilatildeo agrave

medida do possiacutevel o mais relevante dos originais

Um conjunto de textos consiste portanto nos diferentes manuscritos que seguramente

contecircm a Biblioteca de Foacutecio E eacute entre diferentes obras reunidas para a Biblioteca portanto

que se resume no coacutedice 239 (de um modo a ser discutido) a obra em questatildeo

convencionalmente designada Crestomatia Trata-se pois de tradiccedilatildeo indireta

1 Severyns A Recherches sur la Chrestomathie de Proclos Le Codex 239 de Photius Eacutetude Paleacuteographique et

Critique (t I) Texte Traduction Commentaire (t II) La Vita Homeri et les Sommaires du Cycle Eacutetude

Paleacuteographique et Critique (t III) Texte et Traduction (t IV) Paris Belles Lettres 1977 Tomo II paacuteg 31 2 Severyns op cit tome I paacuteg 1 ndash 6 3 Foacutecio Biblioteca paacuteg 1

11

O outro conjunto de textos eacute bem mais visado pelos estudos claacutessicos em geral dado o

que conteacutem Consiste nos 14 manuscritos da Iliacuteada dos quais todos como uma introduccedilatildeo

trazem uma Vida de Homero4 Deles 10 tambeacutem trazem um texto designado

um apenas Venetus A (o mais velho) traz na sequecircncia

e Aquela Vida

como se vecirc pelo nome eacute uma breve biografia de Homero mas satildeo estes que foram por muito

tempo objeto dos estudiosos pois consistem em resumos aparentemente completos embora

bem pontuais dos poemas ciacuteclicos ou pelo menos de alguns deles ie os poemas que narram

os demais episoacutedios do ldquochamado ciclo eacutepicordquo (para usar os proacuteprios termos do epiacutetome do

coacutedice 239) o qual numa definiccedilatildeo mais teacutecnica seria a somatoacuteria de todas as narraccedilotildees

eacutepicas ou mais rigorosamente todos os (eacutepe)6 circunscritos a um conjunto de episoacutedios

que vai desde a origem do universo ateacute a morte de Odisseu A despeito do que se possa

conjeturar mais pormenorizadamente sobre o que de fato pleiteavam tais poemas o proacuteprio

texto do epiacutetome fociano no seu paraacutegrafo 19 eacute um de nossos principais testemunhos de

como tais poemas eram entendidos por diferentes autores que versaram sobre poeacutetica

integrando um todo ldquo

rdquo7 ndash ldquoFecha-se o ciclo eacutepico agrave medida que eacute completo pela contribuiccedilatildeo

de diferentes poetasrdquo

Antes desse paraacutegrafo na seccedilatildeo do epiacutetome dedicada ao epos (sect13 a 23) apoacutes a

invenccedilatildeo do metro sua mateacuteria (sect13) como o nome se fixa (sect14) e o elenco de seus melhores

poetas (sect15) o paraacutegrafo 16 nos informa que ldquoele [o provaacutevel autor Proclo] discorre na

medida do possiacutevel sobre a origem a paacutetria e algumas histoacuterias particulares a respeito de tais

poetasrdquo e o paraacutegrafo 17 por sua vez diz que [ele] ldquoentatildeo inicia as consideraccedilotildees sobre o

chamado ciclo eacutepicordquo e assinala seu iniacutecio no intercurso entre Ceacuteu e Terra O verbo

(dialambaacuteno) que inicia o paraacutegrafo tem o sentido forte de ldquojulgar avaliar

tomar como objeto de consideraccedilatildeordquo O verbo que inicia o paraacutegrafo seguinte (sect18)

possui o sentido metafoacuterico de abrir caminho em um texto em uma mateacuteria

em um objeto ie ldquoexaminaacute-lordquo Diz-se que ldquoele [autor] segue examinando diversas coisas

concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticasrdquo Os paraacutegrafos 20 a 23 satildeo dedicados a peculiaridades

referentes ao ciclo que no entendimento do resumidor merecem destaque a razatildeo pela qual

4 Designaccedilatildeo latina do texto que no grego vem designado como ou como Venetus A

ou Homero eacutepoca vida caracteriacutestica tiacutetulo de poemas 5 Que traduzi na ordem por ldquo(sobre) a(s) Ciacuteprias Etioacutepida Pequena Iliacuteada Saque de Iacutelio Retornos Telegoniardquo 6 Entendendo-se aqui no sentido amplo do texto uma composiccedilatildeo hexameacutetrica narrativa A discussatildeo

pormenorizada vem a seguir 7 Severyns 1977 pg 36 Grifo do autor

12

os poemas do ciclo foram preservados o nome e a paacutetria dos poetas que se ocuparam dele e

especificidades sobre a atribuiccedilatildeo e o nome das Ciacuteprias

Considerando-se que ao longo de seu texto o epiacutetome se caracteriza ou por de um

lado apenas notificar aquilo que o suposto autor diz de mais relevante sem entrar nos

detalhes de seu conteuacutedo ou de outro por pontuar informaccedilotildees bem especiacuteficas com o intuito

de daacute-las a conhecer (provavelmente como uma novidade) a seu leitor tanto os dois verbos

referidos que descrevem aquilo que ocorre no texto resumido como as vicissitudes de 20 a

23 que ressaltam especificidades julgadas pelo resumidor como relevantes a um leitor que

recorreria ao epiacutetome satildeo muito favoraacuteveis a que natildeo se ponha em duacutevida a atribuiccedilatildeo dos 14

manuscritos a Proclo ou pelo menos ao mesmo autor resumido no coacutedice 239 Ao que tudo

indica portanto os sete textos que compotildeem o Venetus A8 a julgar pela congruecircncia no que

possui em comum com os demais (que ou trazem a Vida de Homero ou essa mais o resumo

das Ciacuteprias) seriam sete excertos integrais da Crestomatia provavelmente ndash a julgar pelo

resumo ndash referentes agrave seccedilatildeo em que discutindo o epos o autor nos daria suas consideraccedilotildees

sobre quem foi Homero bem como resumos factuais acontecimento a acontecimento dos

demais poemas que compunham o chamado ciclo eacutepico

Eis a nossa obra de um lado um resumo e de outro sete outros breves textos que

pelas indicaccedilotildees nos manuscritos de Homero e pela congruecircncia de assunto brevemente

demonstrada seriam os uacutenicos excertos integrais que chegaram a noacutes De fato ambos

parecem corresponder a uma obra cujo conteuacutedo resumido ainda circulava no acircmbito das

letras bizantinas pelo menos desde algum periacuteodo um pouco anterior ao seacuteculo IX (pois pode

ser que Foacutecio teve acesso a ela integralmente) ateacute aproximadamente o seacuteculo XV seacuteculo a

que remontam os manuscritos mais recentes9 Todas as ediccedilotildees impressas portanto atribuem-

na a Proclo

12 AUTORIA E ATRIBUICcedilAtildeO

8 Nesse manuscrito o resumo das Ciacuteprias encontra-se mutilado mas pode ser reconstituiacutedo pelo manuscrito F

Neapolitanus que de acordo com Severynns derivaria de um manuscrito em comum Cf Severyns tomo III

245 ndash 52 9 A propoacutesito dos uacuteltimos manuscritos Severynns (III 317 ndash 324) identifica o Ottobonianus G e H como

derivados de um arqueacutetipo entre os quais haacute um corretor que identifica como Joatildeo Tzetzes principalmente

por especificar na denominaccedilatildeo dos resumos a atribuiccedilatildeo a ldquoProclo platocircnico Diaacutedocordquo Mesmo que se recuse a

hipoacutetese essa correccedilatildeo e a proacutepria atribuiccedilatildeo revelam natildeo soacute uma atividade filoloacutegica que se debruccedilava sobre o

texto mas a preocupaccedilatildeo em atribuir-lhe a origem precisa

13

Uma vez que todos os manuscritos da Vida e dos Resumos atribuem o texto

indubitavelmente a Proclo e apenas um preocupa-se em explicitar de que Proclo se trata

restaria saber se de fato o suposto autor do texto eacute esse explicitado pelo corretor o Proclo

de quem mais se tecircm notiacutecias e obras o chamado diaacutedokhos ou ldquosucessorrdquo assim

designado por ser o renomado disciacutepulo e sucessor de Siriano na nova escola platocircnica de

Atenas onde estudou tambeacutem com Plutarco (de Atenas) apoacutes ser disciacutepulo de Olimpiodoro o

Velho em Alexandria provavelmente onde ainda jovem obteve sua primeira formaccedilatildeo com

o gramaacutetico Oacuterion de Tebas (Egito)10 de quem adiquiriu sua formaccedilatildeo nas letras ndash se para o

estudo da filosofia sua filiaccedilatildeo aos referidos filoacutesofos eacute fundamental para o estudo da obra

aqui abordada sua filiaccedilatildeo a esse gramaacutetico egiacutepicio seja talvez determinante como logo se

discutiraacute Foi no seacuteculo V dC um dos principais nomes do que denominamos

neoplatonismo e hoje eacute conhecido principalmente por seus comentaacuterios a Platatildeo Nosso

principal testemunho aqui a respeito desse Proclo eacute o Suda Diz-nos dele o Liacutecio (pois era

originaacuterio da Liacutecia) que para aleacutem de seus trabalhos filosoacuteficos escreveu muitas obras de

filosofia e gramaacutetica e aiacute nesse mesmo passo ldquoum comentaacuterio agrave obra de Homero um

comentaacuterio aos Trabalhos e Dias de Hesiacuteodo e trecircs livros sobre crestomatiardquo que se

entendermos como o tiacutetulo levaraacute agrave grafia ldquoSobre Crestomatiardquo Talvez fosse essa a obra que

nos permitiria identificar Proclo o Sucessor ou o Liacutecio como o autor do texto que

conhecemos pelo epiacutetome fociano Eacute necessaacuterio ressaltar que neste caso como natildeo eacute possiacutevel

fazer mais do que conjeturar o que se faraacute aqui eacute julgar a verossimilhanccedila das hipoacuteteses

Primeiro se deve julgar se eacute possiacutevel identificar essa obra de que o Suda fala agrave obra

resumida na Biblioteca Eacute de se crer que sim pelos seguintes motivos dos quais o primeiro eacute

cronoloacutegico a Biblioteca em que se encontra o epiacutetome foi composta seguramente no seacuteculo

IX no profiacutecuo contexto da atividade copista bizantina (a julgar pelo que se diz na sua

dedicatoacuteria preparada durante a viagem agrave corte dos Abaacutessidas em Bagdaacute e enviada ao irmatildeo

de Foacutecio que natildeo pudera ir e ficara em Constantinopla) o mesmo contexto do qual floresce o

Suda aproximadamente um seacuteculo depois Temos portanto coerecircncia temporal e regional

entre o epiacutetome da Biblioteca de Foacutecio e o leacutexico Em segundo lugar o Suda nos descreve um

neoplatocircnico que (falando de acordo com nossos termos) teria se dedicado natildeo soacute agrave filosofia

embora principalmente mas tambeacutem agrave ldquocriacutetica literaacuteriardquo ou filoloacutegica aqui designada

simplesmente por ldquogramaacuteticardquo (questatildeo terminoloacutegica que logo seraacute abordada) Que isso fosse

10 Ateacute pelo nome da conhecida constelaccedilatildeo julgou-se esse nome consagrado demais para ser vertido segundo o

criteacuterio aqui adotado para outros semelhantes (Oriatildeo) Vale mencionar que foi autor de um Leacutexico que foi

aproveitado por outros duas valiosas obras semelhantes a saber o Etymologicum Gudianum e o Etymologicum

Magnum

14

verdade pelo menos os exemplos parecem confirmaacute-lo uma vez que as obras arroladas

pertencem ou a esta ou agravequela aacuterea do saber antigo duas no entanto configuram um caso

particular por confirmarem que essa distinccedilatildeo de abordagem realmente ocorria Eacute possiacutevel

vislumbrar certo agrupamento temaacutetico parece que estas trecircs primeiras obras elencadas

referem-se agrave atividade filoloacutegica enquanto as que vecircm depois agrave atividade filosoacutefica

[] ἔγραψε πάνυ πολλά φιλόσοφά τε καὶ γραμματικά ὑπόμνημα εἰς

ὅλον τὸν Ὅμηρον ὑπόμνημα εἰς τὰ Ἡσιόδου Ἔργα καὶ Ἡμέρας Περὶ

χρηστομαθείας βιβλία γacute Περὶ ἀγωγῆς βacute Εἰς τὴν πολιτείαν

Πλάτωνος βιβλία δacute Εἰς τὴν Ὀρφέως Θεολογίαν Συμφωνίαν

Ὀρφέως Πυθαγόρου Πλάτωνος περὶ τὰ Λόγια βιβλία ιacute Περὶ τῶν

παρ Ὁμήρῳ θεῶν Ἐπιχειρήματα κατὰ Χριστιανῶν ιηacute

[] Escreveu diversas obras tanto de filosofia como de gramaacutetica Um

comentaacuterio a todo Homero comentaacuterio aos Trabalhos e Dias de

Hesiacuteodo Acerca de Crestomatia em 3 livros Acerca de Educaccedilatildeo em

2 Sobre a Repuacuteblica de Platatildeo em 4 livros Sobre a Teologia de

Orfeu Consonacircncia de Orfeu Pitaacutegoras Platatildeo acerca dos Oraacuteculos

em 10 livros Sobre os Deuses em Homero 18 Contraprovas aos

Cristatildeos

(Suda 2473 4 ndash 10 traduccedilatildeo e grifos do autor)

De todas essas a recorrecircncia de Homero entre umas e outras parece confirmar mesmo

que neste verbete as obras estatildeo elencadas pela aacuterea a que pertenciam e mais ainda que uma

delas se designa ldquogramaacuteticardquo O suposto argumento de ambas parece tambeacutem confirmar esta

hipoacutetese laacute entre aquelas um comentaacuterio a todo Homero sem uma especificaccedilatildeo do que eacute

abordado o que nos faz pensar em um comentaacuterio a seu texto de forma geral aqui entre as

obras filosoacuteficas um assunto concernente agrave filosofia e ao platonismo a interpretaccedilatildeo da

figuraccedilatildeo dos deuses na obra do poeta

Isso natildeo prova que de fato a obra eacute do Proclo neoplatocircnico mas pelo menos confirma

que sendo posterior o Suda na situaccedilatildeo meramente hipoteacutetica de natildeo possuir nenhuma

referecircncia natildeo vecirc incongruecircncia alguma em atribuir a ele uma Crestomatia que poderia ser

sobre gramaacutetica O Suda pode inclusive ter se fiado agrave mesma tradiccedilatildeo que para Foacutecio jaacute

atribuiacutea a obra ao Proclo platocircnico ou entatildeo como natildeo haacute nenhuma especificaccedilatildeo da parte de

Foacutecio sobre quem seria esse Proclo ter assumido como perfeitamente aceitaacutevel e plausiacutevel na

hipoacutetese extrema de ter como uacutenica fonte a mesma tradiccedilatildeo de Foacutecio ou mais extrema ainda

o proacuteprio epiacutetome que essa ldquocrestomatiardquo versando sobre gramaacutetica fosse de Proclo sem ver

erro nisso ie em atribuir ao filoacutesofo platocircnico uma obra tratando das letras O que de fato

15

parece-nos bem razoaacutevel nesta perspectiva eacute que primeiro natildeo haveria nada de estranho em

atribuir certa crestomatia ao Proclo platocircnico e segundo que essa versava sobre gramaacutetica a

julgar pela aparente divisatildeo em grupos de que o Suda nos fala Mas ainda sobre o primeiro

aspecto natildeo haacute por que duvidar de que o Suda se paute numa tradiccedilatildeo consolidada e

verossiacutemil de atribuiccedilatildeo desse texto a Proclo No seu verbete eacutelegos o Etymologicum

Magnum traz ldquoltἜλεγοςgt Ἐκ τοῦ περὶ Χρηστομαθίας Πρόκλουrdquo ou seja alude a uma obra

de Proclo exatamente da mesma maneira que o verbete do Suda referindo-a como

Crestomatia junto da preposiccedilatildeo ldquoperiacuterdquo nomeando pelo substantivo portanto o conteuacutedo

geral que identificava esse texto no periacuteodo A alusatildeo feita pelo leacutexico portanto

considerando-se que ele eacute apenas um pouco posterior ao Suda sugere que este provavelmente

se insere em um ramo da atividade filoloacutegica bizantina que no mais tardar depois de Foacutecio

identifica sim a Crestomatia em textos de ensejo semelhante como sendo do Proclo Liacutecio ou

Diaacutedoco a congruecircncia formal entre as duas passagens contendo ainda que soacute a mesma

preposiccedilatildeo aleacutem do nome contribui para essa associaccedilatildeo principalmente porque como se

disse os dois textos satildeo praticamente contemporacircneos e pertencem ao mesmo ciacuterculo

filoloacutegico

Natildeo agrave toa o Etymologicum Magnum para explicar o que eacute ldquoeacutelegosrdquo citaraacute o texto que

diz ser de Proclo mas o faraacute praticamente como se encontra no coacutedice da Biblioteca salvo

pela ordem

[]Ὁ μέντοι ἐπικὸς κύκλος ἄρχεται μὲν ἐκ τῆς μυθολογουμένης

Οὐρανοῦ καὶ Γῆς μίξεως ἀφ ἧς Ἑκατοντάχειρες γίνονται

Καὶ ἑξῆς

Διαπορεύεται δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι μυθολογούμενα

καὶ εἴ που τι καὶ πρὸς ἱστορίαν ἐξαληθίζεται Περατοῦται δὲ ἐξ

διαφόρων ποιητῶν συμπληρούμενος μέχρι Ὀδυσσέως ὧν καὶ

ὀνόματα καὶ πατρίδας φησὶν ὁ αὐτός Σπουδάζεσθαι δὲ τὰ ἐπικοῦ

κύκλου τὰ ποιήματα οὐχ οὕτω διὰ τὴν ἀρετὴν ὡς διὰ τὴν ἀκολουθίαν

τῶν ἐν αὐτῷ πραγμάτων Τὴν δὲ ἐλεγείαν συγκεῖσθαι μὲν ἐξ ἡρῴου

καὶ πενταμέτρου στίχου ἁρμόζειν δὲ τοῖς κατοιχομένοις καὶ

εὐλογεῖσθαι μὲν ὑπ αὐτοῦ τούτους οἱ μέντοι μεταγενέστεροι ἐπὶ

διαφόροις ὑποθέσεσιν αὐτῷ ἀπεχρήσαντο Τὸ δὲ ἔπος πρῶτον μὲν

ἐφεῦρε Φιμονόη ἡ Ἀπόλλωνος προφῆτις ἑξαμέτροις χρησμοῖς

[χρησαμένη] Οἷς ἐπεὶ τὰ πράγματα εἵπετο ἔπος τὸ ἐκ μέτρων

ἐκαλεῖτο ἢ διὰ τὴν κατασκευὴν καὶ τὴν ἄγαι ὑπεροχὴν τὴν ἐν τοῖς

ἑξαμέτροις θεωρουμένην τὸ κοινὸν ὄνομα παντὸς λόγου τὸ

16

ἑξάμετρον ἰδιώσατο καθάπερ Ὅμηρον τὸν ποιητὴν καὶ Δημοσθένην

τὸν ῥήτορα ἐπεὶ καὶ τὰ τρίμετρα ἔπη προσηγόρευσαν

(Etymologicum Magnum 32740 ndash 3283)

ldquo lsquoO ciclo eacutepico se inicia do intercurso mitoloacutegico entre Ceacuteu e Terra a

partir do qual geram centiacutemanosrsquo

E em senguida

Passa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre

os deuses dos gregos e diz o que inclusive pode ateacute certo ponto ser

verdade em referecircncia agrave histoacuteria Fecha-se sendo completo por

diferentes poetas ateacute de Odisseu Desses ele fala o nome e a paacutetria

Tambeacutem [fala] que os poemas do ciclo eacutepico tecircm recebido atenccedilatildeo

natildeo tanto por sua virtude quanto pela sequecircncia das accedilotildees nele

contidas Que agrave elegia se compotildee de um verso heroacuteico e um

pentacircmetro acomoda-se aos que jaacute partiram e esses eram elogiados

por ele Os poacutesteros usaram-no amplamente para diferentes

argumentos Quem primeiro descobriu o epos foi Femocircnoe a

profetiza de Apolo profetizando oraacuteculos em hexacircmetros A eles

seguiram-se os feitos e ldquoeposrdquo era chamada qualquer composiccedilatildeo no

metro ou pela elaboraccedilatildeo e pela ampla superioridade observada nos

hexacircmetros o hexacircmetro apropriou-se do nome comum de ldquopalavrardquo

[epos] bem como Homero tornou sua a alcunha ldquoo poetardquo e

Demoacutestenes ldquoo oradorrdquo uma vez que alguns tambeacutem denominavam

ldquoeacuteperdquo [falares plura de ldquoeposrdquo] as composiccedilotildees em triacutemetrosrsquordquo

(Traduccedilatildeo e acreacutescimos do autor)

Salvo pela ordem deveras estranha ndash afinal aquilo que o verbete pretende definir

ocorre no excerto muito curto referente agrave definiccedilatildeo de elegia e ainda em meio a inuacutemeros

trechos referentes agrave poesia eacutepica ndash pode-se observar que primeiro o Etymologicum julgou

prudente para definir eacutelegos simplesmente citar uma obra que julgava autorizada para definir

tal palavra apresentando sua seccedilatildeo sobre a elegia e seu antigo uso em contexto fuacutenebre e a

atribuiu a Proclo segundo natildeo soacute essa seccedilatildeo mas os demais trechos trazem as mesmas

palavras do coacutedice de Foacutecio salvas algumas supressotildees e diferenccedilas de escolha Ao que tudo

indica para citar a obra que explicava como se achava devido o significado autorizado da

palavra em questatildeo o autor recorreu ao que sabia sobre ela Comparando esse excerto com o

epiacutetome de Foacutecio pode-se conjecturar que ou o compilador recorreu na confecccedilatildeo do

verbete a um manuscrito outro que continha assim essas informaccedilotildees ou copiou trechos

resumida e aleatoriamente ou ndash ainda uma terceira e mais plausiacutevel opccedilatildeo ndash cita de cabeccedila as

referidas partes da obra que conhece como Crestomatia e adota trecircs procedimentos que

parecem observaacuteveis surprime palavras e topicaliza mais o texto emprega sinocircnimos mas

manteacutem os termos e nomes fundamentais cita as outras passagens do contexto em que a

17

desejada se encontrava Estariam as informaccedilotildees citadas sobre a elegia no meio da seccedilatildeo

sobre epos porque uma vez abordada o vasto leque temaacutetico da eacutepica tratava-se do metro

havendo aiacute uma diferenciaccedilatildeo jaacute que elegia e epos considerados metricamente tecircm em

comum o hexacircmetro que eacute isolado ao fim do excerto Seria essa configuraccedilatildeo pensada pelo

compilador e arranjada para a confecccedilatildeo do verbete em questatildeo Ainda que natildeo haja resposta

a somatoacuteria de textos aponta para o fato de que para esse mesmo ramo de lexicoacutegrafos da

Biblioteca do Suda e do Etymologicum Magnum a Crestomatia em questatildeo fora

confeccionada por Proclo Diaacutedoco ou Liacutecio

Ainda dessa perspectiva parece que o uacutenico outro Proclo dentre aqueles de que temos

notiacutecias ao qual parece verossiacutemil atribuir a Crestomatia seria um que natildeo eacute mencionado

entre os constantes no Suda Eutiacutequio Proclo professor de Marco Aureacutelio gramaacutetico do

seacuteculo II dC Eacute igualmente verossiacutemil tambeacutem pela dataccedilatildeo que seja esse o autor A

associaccedilatildeo do texto agrave tradiccedilatildeo filoloacutegica alexandrina eacute reconhecidamente assumida por

diferentes autores que se debruccedilaram sobre o epiacutetome fociano11 seja por seu amplo conteuacutedo

mitoloacutegico e etioloacutegico presente nas etimologias explicativas dos gecircneros seja pelo proacuteprio

conceito de gramaacutetica em que parece se pautar12 Como se sabe a erudiccedilatildeo alexandrina tem

vasta influecircncia na educaccedilatildeo romana desde a eacutepoca dita claacutessica Natildeo seria de se espantar

pois que tal crestomatia fosse um escrito desse provaacutevel professor de Marco Aureacutelio

ensinando sobre letras em geral e os muitos gecircneros poeacuteticos dos gregos ainda mais se

julgarmos que o texto teria um fim didaacutetico

Haacute que se avaliar entatildeo qual dessas duas hipoacuteteses parece mais verossiacutemil e se natildeo

haacute indiacutecios suficientes para confirmar a primeira parece haver menos para desacreditaacute-la

salvo se julgue radical e absurdamente que como filoacutesofo platocircnico o Proclo do seacutec V natildeo se

ateria agrave poesia e agrave atividade filoloacutegica de que a Crestomatia eacute um testemunho Contudo a natildeo

ser que o Suda esteja profundamente equivocado vemos que como comentador alguma

parcela da atividade do diaacutedochos lidava sem contradiccedilatildeo alguma com isso que designamos

criacutetica filoloacutegica ou literaacuteria

Nesse sentido a filiaccedilatildeo de Proclo a Oacuterion como um de seus professores seria um

argumento determinante primeiro porque o longo cataacutelogo de espeacutecies liacutericas do epiacutetome

11 Sejam os dois principais editores e comentadores do texto ie Severyns e Ferrante sejam quantos percebem a

indissociaacutevel apropriaccedilatildeo da categorizaccedilatildeo aventada pelo gramaacutetico alexandrino Diacutedimo de Calcentero 12 Conceito no qual o gramaacutetico jaacute natildeo era apenas aquele que ensinava as letras mas sim o especialista em tudo

quanto agraves tangenciava inclusive os instrumentos e doutrinas de retoacuterica e poeacutetica com os quais os antigos faziam

o que hoje diriacuteamos ldquocriacutetica literaacuteriardquo Tal discussatildeo ainda ocuparaacute boa parte de nosso trabalho (134 paacuteg 38)

18

traz em mais de uma passagem similaridades com o Leacutexico do gramaacutetico13 segundo porque

como se sabe tal obra seraacute aproveitada pela profiacutecua atividade lexicograacutefica bizantina dos

seacuteculos posteriores e natildeo eacute nada infundado supor que o proacuteprio Proclo apoia-se nas liccedilotildees do

professor (e esse provavelmente toma por base a obra de Diacutedimo) A julgar pelas

similaridades tal transmissatildeo natildeo eacute absurda e nesse caso o Proclo de quem falamos soacute pode

ser o diaacutedoco

A dificuldade de identificaccedilatildeo resta pois inevitavelmente atrelada ao que seria o

nome dessa obra que se identifica com o resumo de Foacutecio tatildeo somente por uma palavra

levando-nos ao problema mesmo de definir seu conteuacutedo pois se nos fosse perfeitamente

possiacutevel circunscrevecirc-lo obtendo um vislumbre mais amplo dos assuntos do texto seria

possiacutevel caracterizaacute-lo melhor e daiacute compreendendo em que consistiria essa crestomatia

reconsiderar a atribuiccedilatildeo

Inevitavelmente nessa linha de raciociacutenio haacute que se considerar tambeacutem qual

ldquogramaacuteticardquo eacute essa de que falam os testemunhos mais especificamente que noccedilatildeo de

gramaacutetica eacute essa

13 O NOME E A OBRA

131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio

O problema mais imediato referente agrave leitura do texto resumido estaacute logo em sua

primeira linha a ordem das palavras e o arranjo sintaacutetico criam dificuldades para determinar o

quecirc exatamente foi primeiro lido e depois resumido por Foacutecio

Praticamente todos os epiacutetomes de sua Biblioteca se iniciam pela forma

(anegnoacutesthe) que eacute formular nessa obra e se refere mais amplamente natildeo soacute ao que foi lido

mas ao fato de que se realizou mais uma das sessotildees (ou seacuterie de sessotildees) de leituras do

ciacuterculo de letrados em torno do entatildeo embaixador Foacutecio na qual seu irmatildeo Taraacutesio natildeo podia

estar presente por ter ficado em Constantinopla Como se sabe pela dedicatoacuteria mesma da

Biblioteca (Bekker 1824 ndash 25) essa eacute a motivaccedilatildeo primeira para a escrita da extensa obra

13 Cf Traduccedilatildeo n 54 paacuteg 116 e n 56 57 e 58 paacuteg 117

19

tomar nota dos textos que foram tratados e de diferentes coisas relativas a eles Eacute pela referida

forma verbal aliaacutes que se pode identificar quando acaba um resumo e inicia-se outro

A Biblioteca de Foacutecio portanto consiste de diferentes ndash antes de dizermos resumos ndash

notas ou anotaccedilotildees referenciais do que era objeto das sessotildees de leituras Assim eacute que certas

palavras como eacute o caso de eklogaiacute (ldquocoletacircnea extratos excertosrdquo) que figura na introduccedilatildeo

do resumo do coacutedice 239 na liccedilatildeo aqui adotada de Severyns ldquoἈνεγνώσθη ἐκ τοῦ

ἐπιγραφομένου βιβλίου Πρόκλου χρηστομαθείας γραμματικῆς ἐκλογαίrdquo geram dificuldades

de interpretaccedilatildeo por natildeo permitirem estabelecer com exatidatildeo a que etapa se referem de todo

esse processo que resulta na confecccedilatildeo da Biblioteca se por vezes o termo parece

claramente se referir a um livro que foi tido em matildeos e era ele mesmo uma coletacircnea

excertos coligidos por outras parece que o mesmo termo se refere a uma coletacircnea de textos

ou de grupos de textos mais longos feita pelo proacuteprio grupo senatildeo por Foacutecio ele mesmo

Exemplo bem evidente do primeiro caso eacute o epiacutetome de Estobeu cuja obra eacute

conhecidamente uma coletacircnea assim mesmo nomeada ao longo dos seacuteculos

ldquo[1]14 Ἀνεγνώσθη ltἸωάννου Στοβαίουgt ἐκλογῶν ἀποφθεγμάτων ὑποθηκῶν βιβλία

τέσσαρα ἐν τεύχεσι δυσίrdquo

ldquoLeram-se dos excertos ditos notaacuteveis e conselhos de Joanes Estobeu quatro livros em

dois volumesrdquo

(Foacutecio op cit 167 112a 14 ndash 16 traduccedilatildeo e grifo do autor)

A maior literalidade visada nesta traduccedilatildeo busca nos introduzir a uma das formas

padrotildees de se apresentar os resumos das leituras ao longo da Biblioteca Neste caso a

traduccedilatildeo ao peacute da letra ndash por assim dizer ndash da forma verbal que encabeccedila os epiacutetomes (ldquoleram-

serdquo) eacute simples e imediatamente aceitaacutevel porque ao fim de tudo haacute um nominativo neutro

plural (bibliacutea) que clara e gramaticalmente concorda com a forma verbal de que eacute sujeito O

que se leu aqui foram os ldquoquatro livros em dois tomosrdquo que vecircm definidos pelos genitivos de

conteuacutedo que os precedem que vecircm por sua vez precedidos pelo genitivo de posse ou

origem designando quem apontariacuteamos como autor Aqui portanto a sintaxe natildeo exige para

que se natildeo trunque o portuguecircs um arranjo outro para a forma verbal como o que se adotou

logo agrave primeira linha da traduccedilatildeo do coacutedice 239 (v Traduccedilatildeo paacuteg 109 e nota 1 agrave mesma) A

proacutepria obra de Estobeu eacute conhecida por ser um exemplo de eklogeacute eklogaiacute que se fazia na

14 Numeram-se aqui as introduccedilotildees dos coacutedices citados a fim de se poder citaacute-los como exemplos de construccedilotildees

gramaticais

20

antiguidade ie excertos coligidos de diferentes autores visando agrave reuniatildeo de um saber ou

no caso de Estobeu saberes

No geral a forma verbal concorda com alguma palavra singular geralmente

designando que tipo de obra se leu o gecircnero do escrito uma ldquohistoacuteriardquo ie uma obra

historiograacutefica (as quais sobejam na Biblioteca) uma epiacutestola um discurso etc Exemplos

ldquo[2] Ἀνεγνώσθη ltΒασιλείου Κίλικοςgt ἐκκλησιαςτικὴ ἱστορίαrdquo

ldquoLeu-se histoacuteria eclesiaacutestica de Basiacutelio Ciliacuteciordquo

(Idem 42 9a 21)

ldquo[3] Ἀνεγνώσθη τοῦ ἁγίου ltΜαξίμουgt λόγος ἀσκητικός εἰς πεῦσιν ἐσχηματισμένος

καὶ ἀπόκρισινrdquo

ldquoLeu-se de Santo Maacuteximo um discurso asceacutetico15 esquematizado em pergunta e

respostardquo

(Idem 193 157b 33 ndash 34)

[4] Ἀνεγνώσθη τοῦ αὐτοῦ ἁγίου ἀνδρὸς πρὸς Γεώργιον ἔπαρχον ἐπιστολήrdquo

ldquoLeu-se do mesmo santo homem uma carta ao prefeito Geoacutergiordquo

(Idem 194 158a 13 ndash 14)

Agraves vezes se nomeia a obra por sua finalidade ou destinaccedilatildeo (e geralmente aiacute se tem

preposiccedilatildeo)

ldquo[5] Ἀνεγνώσθη ltΓρηγορίου Νύσσηςgt ὁμοίως ὑπὲρ Βασιλείου κατὰ Εὐνομίουrdquo

ldquoLeu-se de Gregoacuterio de Nisa igualmente por Basiacutelio contra Eunocircmiordquo

(Idem 6 3b 17 ndash 18)

Em outras palavras um texto apologeacutetico em favor das opiniotildees de Basiacutelio contra Eunocircmio

Contudo por vezes lecirc-se

ldquo[6] Ἀνεγνώσθη ltΘεοπόμπουgt λόγοι ἱστορικοί

rdquo

(Idem 176 120a 6 ndash 7)

15 Asceacutetico de treino preparatoacuterio

21

O nominativo natildeo concorda gramaticalmente com a forma verbal embora como em

todas as linhas introdutoacuterias de um novo resumo apoacutes o verbo haja sempre o genitivo (ora

com preposiccedilatildeo) que nomeia a origem do que se lecirc geralmente a pessoa a quem se atribui o

objeto da leitura Natildeo se diraacute aqui autor porque nosso problema eacute justamente esse Da

traduccedilatildeo literal ndash ldquoleram-se16 de Teopompo discursos [ou arrazoados] histoacutericos De seus

discursos histoacutericos 53 satildeo os preservadosrdquo ndash chama-nos a atenccedilatildeo aqui o segundo periacuteodo

O que se pode inferir (bem como de outras muitas passagens semelhantes) eacute que as sessotildees do

ciacuterculo de Foacutecio em algum momento dedicaram-se agrave leitura do provaacutevel historiador do

seacuteculo IV AC de quem a julgar pelo conteuacutedo do coacutedice (uma avaliaccedilatildeo geral sobre sua

cronologia temas e escritos vida e estilo do autor) 53 peccedilas estiveram em matildeos de Foacutecio e

seus circunstantes e foram objeto de suas leituras Essa passagem nos aproxima daquilo que

provavelmente era o material da Biblioteca como eacute de se esperar o que o grupo tinha em

matildeos eram manuscritos diversos em diversos rolos (tomos) Essa imagem aproximada torna-

se mais viacutevida nas passagens em que haacute uma preocupaccedilatildeo maior em se notificarem as fontes

do que se lecirc como por exemplo nos coacutedices de 172 a 174 dedicados agraves leituras de obras de

Joatildeo Crisoacutestomo

ldquo[7] Ἀνεγνώσθη τοῦ ltΧρυσοστόμουgt ὁμιλίαι εἰς τὴν γένεσιν ξʹ καὶ μία ἐν τεύχεσι

τρισίν ὧν τὸ μὲν πρῶτον ὁμιλίας περιεῖχεν κʹ τὸ δεύτερον δὲ δεκα έξ τὸ τρίτον κεʹrdquo

ldquoLeram-se de Crisoacutestomo 61 homilias agrave Criaccedilatildeo em trecircs rolos [ou volumes tomos]

dos quais o primeiro compreendia 20 o segundo dezesseis o terceiro 25rdquo

(Idem 172 118b 15 ndash 18)

Em se tratando natildeo apenas de um anuacutencio do que se lecirc mas de uma descriccedilatildeo do

objeto a interpretaccedilatildeo mais plausiacutevel para a falta de concordacircncia entre o nominativo e a

forma verbal no grego eacute a de que se trata do ldquotiacutetulordquo natildeo da obra entendida como noacutes

modernos concebemos nossa relaccedilatildeo com os produtos do mercado editorial todos

(teoricamente) individualizados por uma designaccedilatildeo particular (e ldquoparticularizanterdquo) mas

funcionalmente como aquilo que o copista inscreve no topo do manuscrito para nomeaacute-lo e

permitir a identificaccedilatildeo descritiva do objeto um cabeccedilalho Da mesma forma deveriacuteamos

considerar quando dizemos ldquoobrardquo que tambeacutem natildeo se trata de tal como concebemos hoje

16 Marcar-se-atildeo assim as traduccedilotildees de anegnoacutesthe justamente porque se discutiraacute sua adequaccedilatildeo a como se leem

e interpretam suas ocorrecircncias nas diferentes passagens

22

mas do texto o manuscrito que o copista tem em matildeos e esse eacute como o grego os nomeia

ldquologosrdquo um discurso

Assim se observa no texto grego da biblioteca aquilo que na tipografia moderna

indicariacuteamos de diferentes maneiras maiuacutesculas itaacutelico aspas etc o que jaacute implica mesmo

que inconscientemente uma forma outra de conceber o objeto Retomando nosso uacuteltimo

exemplo deveriacuteamos pensar que mesmo pertencentes ao domiacutenio comum dos disciacutepulos de

Foacutecio futuro patriarca da igreja do oriente e mesmo sendo renomados nesse contexto da

religiatildeo ortodoxa abertos os rolos estava-se diante de ldquo61 homilias de Crisoacutestomordquo e natildeo drsquo

ldquoAs Sessenta e Uma [ou quantas sejam] Homilias de Joatildeo Crisoacutestomordquo

Nossa dificuldade entatildeo retomando a palavra que observamos tambeacutem no epiacutetome de

Estobeu torna-se precisar o significado de eklogaiacute nesses diferentes contextos Observemos

por exemplo o que ocorre no coacutedice 273 em que a construccedilatildeo logo apoacutes o verbo assemelha-

se agravequela da introduccedilatildeo da Crestomatia

(8) ldquoἈνεγνώσθη ἐκ τῶν τοῦ μακαρίου ltΘεοδωρήτουgt λόγων οὓς εἰς τὸν ἐν ἁγίοις

Ἰωάννην τὸν Χρυσόστομον συνετάξατο ὧν ἡμεῖς πέντε τέως εἴδομεν ἐξ ὧν καί τινας

ἐκλογὰς τὰς ὑποτεταγμένας παρεγραψάμεθαrdquo

(Idem 273 507b 15 ndash 18)

Partindo para uma traduccedilatildeo literal o quanto possiacutevel ldquoLeu-se [fez-se leitura] a partir

dos discursos [ou arrazoados] do abenccediloado Teodoreto (que compilou sobre a santidade de

Joatildeo Crisoacutestomo) dos quais estudamos cinco ateacute entatildeo e a partir dos quais copiamos alguns

excertos abaixo arroladosrdquo ndash considere-se que paregrapsaacutemetha ldquocopiamosrdquo indica o

proacuteprio ato de ldquoescrever ao ladordquo copiando em outro manuscrito trechos selecionados a

partir do manuscrito que primeiramente se leu Chama a atenccedilatildeo o fato de que a primeira

oraccedilatildeo natildeo precisa de um nominativo Essa construccedilatildeo da forma passiva mais a preposiccedilatildeo ek

eacute diferentemente entendida e explicada pelos editores do coacutedice 239 todos editores ateacute

Severyns mesmo natildeo adotando-a propotildeem que o ideal seria a correccedilatildeo para o plural (Cf

Severyns op cit I 173) Esse rejeita imediatamente a hipoacutetese pois que natildeo consta em

nenhum manuscrito De fato natildeo se trata do coacutedice 239 julgado por si apenas mas como um

coacutedice da Biblioteca Explica a forma poreacutem tatildeo somente como um uso da linguagem de

Foacutecio advindo da repeticcedilatildeo17 Ferrante (1957 paacuteg 1) adota a liccedilatildeo de Severyns explica qual

17 ldquoSupposeacute mecircme que fucirct le sujet grammatical le pluriel du verbe ne serait pas encore de rigueur dans

la langue de Photius Car aacute force drsquoecirctre reacutepeacuteteacute devient chez lui une espegravece de mot invariable et

mecircme degraves les premiegraveres pages de la Bibliothegraveque on trouve des expressions comme cellescirdquo Entatildeo Severyns

23

a leitura gramatical que se deve fazer da frase e diz da forma verbal que ldquotem valor

impessoalrdquo o que eacute uma parte do proposto aqui ldquoformularrdquo18 Nenhum autor faz menccedilatildeo

discutindo esta construccedilatildeo agraves ocorrecircncias da terceira pessoa do plural na introduccedilatildeo de alguns

coacutedices ocorrecircncias essas que parecem muito bem justificadas A terceira pessoa do plural

aparece nos coacutedices 192B 216 260 261 e 269 por razatildeo que jaacute se deduz na passagem da

primeira para a segunda parte de 192 O coacutedice 192A refere-se ao livro de Santo Maacuteximo a

Taraacutessio contendo 164 resoluccedilotildees de questionamentos Observemos o que descreve o coacutedice

192B

ldquo[9] Ἔτι ἀνεγνώσθησαν αὐτοῦ καὶ ἐπιστολαὶ περὶ διαφόρων ὑποθέσεων ψυχωφελῶν

τε καὶ ἀναγκαίων τοῖς ὀρθοῦν τε τὰ ἤθη καὶ τὸν νοῦν ἐγρηγορότα συντηρεῖν πρὸς τὴν

εὐσέβειαν ἐσπουδακόσι τὸν ἀριθμὸν ζʹ καὶ κʹrdquo

ldquoAinda dele tambeacutem se leram epiacutestolas acerca de diferentes argumentos espirituais

necessaacuterios aos que estatildeo empenhados tanto em corrigir os costumes como preservar a mente

desperta agrave piedade 27 quanto ao nuacutemerordquo

(192b 157a 11 ndash 14)

Em princiacutepio poder-se-ia pensar que a forma verbal estaacute no plural para concordar com

o nominativo plural epistolaiacute mas consoante ao observado isso seria uma exceccedilatildeo em uma

obra de 280 coacutedices a todas as ocorrecircncias anteriores do tipo dos exemplos 6 e 7 acima

citados em que essa concordacircncia natildeo ocorre Diversos elementos aqui podem nos ajudar a

formular uma hipoacutetese para a variaccedilatildeo da forma hipoacutetese que parece se confirmar nos demais

coacutedices que trazem o plural e oferecem menos indiacutecios agrave conjectura

Observem-se as formas eacuteti e kaiacute da primeira oraccedilatildeo Referem-se ao coacutedice anterior

192A dedicado a resumir uma obra que parece bem extensa Nesta divisatildeo B do mesmo

coacutedice informa-se que se continuou lendo o mesmo autor mas natildeo uma obra completa ie

natildeo apenas uma uacutenica obra dele Fez-se uma seleccedilatildeo do que seria objeto da leitura

especificado apenas no fim pelo acusativo de relaccedilatildeo tograven arithmograven zacute kaigrave kacute Pode-se imaginar

que Foacutecio provavelmente quem determinava o que se leria ou natildeo aquilo que estaria

circunscrito a esta ou agravequela seccedilatildeo (ie na hipoacutetese de diferentes matildeos escrevendo ou

revezando-se em escrever as anotaccedilotildees que comporiam a Biblioteca) ou pelo menos quem

exercia a funccedilatildeo de organizar as sessotildees julgou prudente complementar este coacutedice dedicado

a Satildeo Maacuteximo com 27 epiacutestolas que natildeo eram elas mesmas se todas copiadas num mesmo

arrola coacutedices cuja construccedilatildeo eacute condizente com as dos exemplos 6 e 7 aqui ie verbo + genitivo + nom plural

(Severyns op cit I p 173) 18 Cf nota 1 agrave Traduccedilatildeo paacuteg 109

24

manuscrito ou coacutedice um conjunto intitulado pela palavra (no nominativo pois se trataria do

tiacutetulo) epistolaiacute Como se observa pela descriccedilatildeo mesma as epiacutestolas se unem pelo conteuacutedo

e aqui sim satildeo reunidas em um mesmo coacutedice ou parte de um (192B) que se soma agrave

primeira metade de 192 e o complementa O que se faz aqui no sentido menos teacutecnico da

palavra principalmente porque ela natildeo aparece natildeo deixa de ser uma eklogeacute no sentido de

uma reuniatildeo uma seleccedilatildeo como testemunhada no exemplo 8 acima referente ao coacutedice 273

Neste caso de fato a forma verbal deve concordar no plural com ldquoepiacutestolasrdquo porque sim natildeo

constitui um ldquotiacutetulordquo como anteriormente entendido nos casos acima estudados natildeo eacute a

palavra ou parte do conjunto de palavras que nomeia o manuscrito ou manuscritos objetos das

sessotildees de leitura mas sim o substantivo comum e forccedila a concordacircncia da forma que surge

em cinco dos 280 coacutedices

Isso nos leva a uma hipoacutetese para explicar as diferenccedilas de emprego o singular vai

com os ldquotiacutetulosrdquo por assim dizer enquanto o plural distingue documentos textos separados

agora reunidos em uma mesma ediccedilatildeo ie especifica partes diacutespares ou conjuntos delas que

estatildeo sendo lidos e que pelo menos no material de que os letrados junto a Foacutecio dispunham

provavelmente natildeo se encontravam reunidos sob um mesmo tiacutetulo ou mais propriamente

intitulaccedilatildeo para consoar com o que se defende aqui Isso se exemplifica pelas outras quatro

ocorrecircncias do plural nos coacutedices 216 260 261 e 269 A forma plural serve tanto para indicar

que diferentes textos estatildeo resumidos num mesmo coacutedice como no caso de 192B19 como

para indicar que os proacuteximos coacutedices na sequecircncia satildeo uma seleccedilatildeo de diferentes textos que

estatildeo agora sendo agrupados concomitantemente agraves sessotildees e agrave confecccedilatildeo da Biblioteca

Em resumo a forma ldquo rdquo referir-se-ia a uma ldquocoletacircneardquo de leituras ie

agrave leitura de ldquofontesrdquo filoloacutegicas ou de objetos filoloacutegicos diferentes concorda portanto com

diferentes nomeaccedilotildees de manuscritos

Eacute impressionante como essas formas gramaticais acabam por testemunhar na verdade

numerosa atividade filoloacutegica Assim eacute que o iniacutecio do coacutedice 216 notifica-nos a leitura

(anegnoacutesthesan) de dois grupos de textos (a forma plural concordando com o sujeito

composto portanto) ldquo4 livros que compreendem A Ciecircncia Meacutedica [provavelmente a

intitulaccedilatildeo] estabelecida por Oribaacutesio e ainda outros 7 [sc de Ciecircncia Meacutedica] do mesmo

homem e publicada sobre [em relaccedilatildeo a]o mesmo modelordquo Aqui a forma plural que

encabeccedila o coacutedice 216 pontua justamente essa secccedilatildeo pois que ateacute a o coacutedice 220 tratar-se-aacute

desses livros Leia-se o grego

19 Possibilidade de que 260 e 261 tambeacutem satildeo exemplos

25

ldquo[10] Ἀνεγνώσθησαν βιβλία δʹ ἃ τὴν πραγματείαν ἰατρικὴν ltὈρειβασίῳgt

συντεταγμένην περιεῖχε καὶ ἔτι ἕτερα ζʹ ἀνδρός τε τοῦ αὐτοῦ καὶ εἰς παραπλήσιον

ἐξενηνεγμένην τύπονrdquo

Observe-se que o particiacutepio perfeito meacutedio-passivo feminino exenenegmeacutenen soacute pode

concordar com tegraven pragmateiacutean iatrikeacuten o que nos leva a subentender que ldquoos 7 livros do

mesmo homemrdquo tecircm a mesma intitulaccedilatildeo dos quatro anteriores o que inclusive explica o

conteuacutedo da participial Observe-se principalmente como o verbo inicial que introduz o coacutedice

vai para o plural para concordar com dois nuacutecleos do sujeito bibliacutea dacute e eacuteti heacutetera z que

correspondem aos dois conjuntos de textos que neste momento da confecccedilatildeo da Biblioteca

foram objeto do ciacuterculo de leituras

Dos referidos coacutedices sem duacutevida os que melhor comprovam isso satildeo o 269 e os

seguintes pois introduzindo a leitura de ldquo21 discursos de diferentes homens santosrdquo pela

forma plural o resumo de cada um deles a comeccedilar pelo mesmo coacutedice e posteriormente nos

demais ateacute o fim da Biblioteca seraacute introduzido pela respectiva forma singular20

132 A intitulaccedilatildeo do Coacutedice 239

Mediante o exposto eacute mais provaacutevel que em formulaccedilotildees como esta do coacutedice 161

(103a)

ldquo[11] Ἀνεγνώσθη ἐκλογαὶ διάφοροι ἐν βίβλοις ιβʹ ltΣωπάτρουgt σοφιστοῦ

Συνείλεκται δὲ αὐτῷ τὸ βιβλίον ἐκ πολλῶν καὶ διαφόρων ἱστοριῶν καὶ γραμμάτωνrdquo

ldquoLeram-se diferentes excertos em 12 livros de Soacutepater o sofista Seu livro foi

coligido a partir de muitas e diferentes investigaccedilotildees e textosrdquo

semelhante agrave do epiacutetome 239 pela ocorrecircncia da palavra eklogai esta seja parte da intitulaccedilatildeo

do manuscrito que eacute objeto de leitura e resumo igualmente21 A julgar pelo que se diz na

20 Cf Biblioteca 479b 36 em diante 21 Portanto a traduccedilatildeo segundo os criteacuterios editorias e diagramaacuteticos de hoje se consideramos que pelo menos

eklogaiacute faz parte da traduccedilatildeo seria ldquoLeu-se diferentes Excertosrdquo

26

sequecircncia o proacutepria copista reconhece que se lecirc sob a designaccedilatildeo de eklogaiacute neste caso de

Soacutepater obra de coletacircnea ou excertos

Mas este ainda natildeo eacute o caso de nosso epiacutetome haacute mais um agravante o coacutedice 239 se

assemelha a um conjunto de epiacutetomes que vecircm introduzidos pela preposiccedilatildeo ek mais genitivo

apoacutes a forma verbal Como por exemplo no coacutedice 254

ldquo[12] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῆς μαρτυρικῆς Τιμοθέου τοῦ ἀποστόλου συγγραφῆς22rdquo

ldquoLeu-se [realizou-se leitura] a partir do relato testemunhal do apoacutestolo Timoacuteteordquo

(468b 2)

Nestes casos parece que a introduccedilatildeo feita pelo resumidor estaacute antes mais focada em

reconhecer o tipo de obra a ser lido do que referir diretamente agrave intitulaccedilatildeo da mesma

podendo sim o termo que vem no genitivo apoacutes a preposiccedilatildeo ser essa intitulaccedilatildeo Caso

obscuro eacute o do epiacutetome 240 logo apoacutes a Crestomatia

ldquo[13] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῶν ltἸωάννου τοῦ Φιλοπόνουgt εἰς τὴν ἑξαήμερον

rdquo

(240 322b 2)

Eacute difiacutecil ater-se agrave literalidade para traduzir tal passagem ldquoLeu-se a partir lsquodas coisasrsquo

sobre os seis dias de Joatildeo Filoacutepono querdquo23 Contudo a mesma explicita bem nosso

problema a saber o de uma leitura que eacute parcial Dois elementos chamam a atenccedilatildeo

Primeiramente a construccedilatildeo da forma verbal acrescida do termo preposicionado

parece referir de forma mais viacutevida (se pensarmos na semacircntica do grego) agrave proacutepria situaccedilatildeo

de leitura de que os volumes da Biblioteca se originam A forma parece possuir aqui um

aspecto mais forte ndash observado por Severyns e mantido tanto em Ferrante como nesta

traduccedilatildeo ndash de pontuar o caraacuteter resumido de que se leraacute algo a partir do que foi mais uma

sessatildeo ou sessotildees de leitura Falando por paraacutefrase eacute como se aquela forma de apresentaccedilatildeo

observada nos epiacutetomes anteriores (1 ndash 10) fosse um equivalente da nossa enumeraccedilatildeo

lacocircnica que recorre aos dois pontos ndash ldquoleu-se Homilias ao Gecircnese de Crisoacutestomo etcrdquo

22 Lembrando-se de que a suggrafeacute eacute especificamente o relato escrito o relato anotado 23 Mais uma vez a noccedilatildeo que na traduccedilatildeo do coacutedice 239 traduziu-se de modo perifraacutestico por ldquorealizou-se

leiturardquo natildeo foi adotada definitivamente pelos fins explicativos deste capiacutetulo para o cabeccedilalho dos demais

epiacutetomes semelhantes ao da Crestomatia mas ou apenas mencionada nos casos em que seria possiacutevel mantecirc-la

sem afetar a literalidade do que vem em seguida ou utilizada quando uacutenica maneira de manter legiacutevel essa

mesma traduccedilatildeo (infra exemplo 15) Cf Traduccedilatildeo nota 1 paacuteg 109

27

enquanto esta forma seria mais descritiva e analiacutetica ldquoleu-se realizou-se leitura deu-se

leitura a partir de lsquoxrsquo (ek + gen) etcrdquo

Em segundo lugar a presenccedila do artigo neutro plural se laacute naquela outra foacutermula por

assim dizer a brevidade e a introduccedilatildeo dos nominativos permitia identificar o que

chamaacutevamos intitulaccedilatildeo no caso desta formulaccedilatildeo mais descritiva ela nem sempre parece

clara Se focircssemos tentar inferi-lo o ldquotiacutetulordquo da obra nos nossos termos seria ldquoTagrave eis tegraven

exaeacutemeronrdquo ou ldquoEis tegraven exaeacutemeronrdquo Traduzindo (certamente) sem nenhum fim esteacutetico ldquoAs

Coisas sobre Os Seis Diasrdquo ou ldquoSobre Os Seis Diasrdquo A rigor o que se lecirc em grego tanto em

12 como em 13 parece mais uma descriccedilatildeo sendo que neste o texto parece dizer que se

realizou uma seccedilatildeo de leitura a partir daquilo que Joatildeo diz dos seis dias da Criaccedilatildeo ie o que

ele compocircs escreveu a respeito De fato sabemos que em se tratando do comentador de

Aristoacuteteles cristatildeo ortodoxo e (curiosamente) opositor de Proclo no campo teoloacutegico o

tratado deveria designar-se ie ser intitulado a partir da preposiccedilatildeo Dessarte esse resumo

estaria disposto da seguinte maneira (mais uma vez sem preocupaccedilatildeo esteacutetica nesta traduccedilatildeo

literal) ldquoLeu-se a partir [das coisas do que diz do conteuacutedo do assunto] de Joatildeo Filoacutepono

Sobre Os Seis Dias querdquo E segue-se um texto muito parecido na sua estrutura de reportar

enunciados ie de discurso indireto ao do epiacutetome 239

Parece portanto que o emprego de ek mais genitivo na introduccedilatildeo dos epiacutetomes tem

uma semacircntica intencionalmente partitiva ou ablativa no sentido de que particiona marca a

partir de que se daacute a leitura que apenas hipoteticamente pode natildeo ter sido integral Natildeo agrave toa

junto da palavra eklogeacuteeklogai em diferentes introduccedilotildees serviraacute para pontuar justamente

que o conteuacutedo apresentado natildeo eacute integral

Assim tambeacutem o coacutedice 234 parece muito em sua estrutura com o epiacutetome 239

ldquo[14] Ἀνεγνώσθη τοῦ ἁγίου ltΜεθοδίουgt ἐπισκόπου καὶ μάρτυρος ἐκ τοῦ Περὶ

ἀναστάσεως λόγου οὗ ἡ ἐκλογὴ τὰ ὑποκείμενα λέγει

rdquo

ldquoLeu-se [realizou-se leitura] do Santo Metoacutedio epiacutescopo e maacutertir a partir do discurso

acerca da Ressurreiccedilatildeo cuja seleta diz o que se segue

Querdquo

(293a 2 ndash 5)

E assim teriacuteamos mais um texto semelhante ao epitome da Crestomatia ainda mais

considerando os enunciados reportados que se seguem ie a forte evidencia do discurso

28

indireto marcado pelas conjunccedilotildees Mais uma vez as estruturas gramaticais apontam para o

fato de que o texto que se segue eacute ele mesmo uma eklogeacute

Tantos indiacutecios inevitavelmente nos levariam a achar que eklogaiacute no tiacutetulo de nosso

coacutedice referir-se-ia como neste caso ao resumo feito para a proacutepria Biblioteca

Contudo observa-se que ao todo as introduccedilotildees que recorrem agrave forma com

preposiccedilatildeo ek subdividem-se em dois tipos ou aquelas que trazem como se viu essa

descriccedilatildeo da fonte que se lecirc como no tipo 12 de onde eacute possiacutevel inferir um tiacutetulo24 ou outro

subtipo (a que 239 pertence) que traz aleacutem do genitivo uma especificaccedilatildeo da intitulaccedilatildeo ou

pelo pronome relativo mais a forma verbal passiva epigraacutephetai ou entatildeo pelo particiacutepio da

mesma no genitivo Por exemplo

ldquo[15] Ἀνεγνώσθη ἐκ τοῦ ἐπιγραφομένου λόγου laquoΒίος ἢ ἄθλησις τοῦ ὁσίου πατρὸς

ἡμῶν Παύλου τοῦ Κωνσταντινουπόλεως ἐπισκόπου τοῦ ὁμολογητοῦraquo ἐφrsquo ὁμοίᾳ

συστελλόμενος ἐκδόσειrdquo

ldquoRealizou-se leitura a partir do discurso que se intitula Vida e Julgamento do nosso

Sagrado Epiacutescopo e Homolegeta Paulo de Constantinopla resumido a semelhante ediccedilatildeordquo

(257 407a 22 ndash 25)

Em todas essas ocorrecircncias em que se tem o particiacutepio tem-se tambeacutem um nominativo que

designa o tiacutetulo25

Contrapondo isso a todas as demais formas de introduccedilatildeo brevemente consideradas

nesta discussatildeo sobre como se intitularia a obra parece verossiacutemil que fosse porque ela

mesma era em princiacutepio uma coletacircnea de excertos como a de Estobeu (o que eacute plenamente

verossiacutemil) fosse porque chega assim agrave Biblioteca o que se tinha em matildeos para ler e anotar jaacute

levava a inscriccedilatildeo eklogai ie jaacute era uma composiccedilatildeo de excertos uma seleta

Em outras palavras propotildee-se aqui considerar o plausiacutevel parece que todos os

indiacutecios textuais apontam para o fato de que o proacuteprio objeto escrito trazia a palavra eklogaiacute

uma vez que eacute possiacutevel identificar segundo as distinccedilotildees aqui traccediladas quando a palavra estaacute

sendo empregada para designar que um arrazoado um logos maior estaacute sendo posto

nominalmente na forma de ldquoseletardquo Isso pode perfeitamente significar que a palavra fizesse

parte da intitulaccedilatildeo corrente do texto em questatildeo se ele circulava mas natildeo implica

obrigatoriamente como pretende Severyns que ele sempre fora assim e que a palavra fora

posta no ldquotiacutetulordquo pelo proacuteprio Proclo A julgar pelos indiacutecios apresentados que parecem

24 Cf por exemplo coacutedices 242 (Bekker 335a) 253 (idem 467b) 25 Cf tambeacutem coacutedice 256 (idem 469b) 279 (idem 529b)

29

minimamente passiacuteveis aqui de alguma confirmaccedilatildeo nossa hipoacutetese eacute pelo menos tatildeo

verossiacutemil quanto a do referido editor segundo a qual o texto em matildeos dos letrados da

Biblioteca trazia o termo eklogai porque fora assim nomeado (uma ldquocompilaccedilatildeo de excertosrdquo)

pelo proacuteprio ldquoautorrdquo Tatildeo possiacutevel quanto isso eacute a probabilidade de que mesmo que houvesse

a Crestomatia em sua forma original e os eruditos junto a Foacutecio natildeo a tivessem agrave sua

disposiccedilatildeo o que circulou durante as sessotildees de leitura se tratasse de uma seleta uma

compilaccedilatildeo

Diante dessas duas possibilidades ainda a serem consideradas parece que uma sutil

certeza se confirma entre ambas Eacute de supor que pela terminologia apresentada ao longo do

epiacutetome e sua congruecircncia com diversos outros textos de doutrina mesmo que se trate de

excertos copiados e natildeo da obra na iacutentegra eles o satildeo como uma coletacircnea mesmo de

diferentes trechos copiados e coligidos como na obra de Estobeu em que pese aqui o plural

ekologaiacute Pelo que se observa da obra de Estobeu e dos demais textos que chegam a noacutes como

coletacircneas eklogeacuteeklogai podemos afirmar com algum acerto que o texto que temos eacute pelo

menos uma coletacircnea como a referida uma reuniatildeo talvez natildeo de citaccedilotildees diretas mas das

passagens relevantes ou dos ldquodizeresrdquo de uma obra se lembrarmos que ela eacute um logos que eacute

pensada como um ou como uma seacuterie deles Diante de tal texto a funccedilatildeo do editor ou

resumidor da biblioteca poderia ser simplificada seu resumo consistiria em transcrever e

readequar os excertos Nada impede que neste processo algo tenha se perdido por ser

deixado de lado (da proacutepria coletacircnea)26 mas observa-se que o material preservado consiste

justamente em breves topicalizaccedilotildees de termos teacutecnicos que por si mesmos e tudo que

podem referir compotildeem uma espeacutecie de glossaacuterio resumidor de muito quanto se circunscreve

aos ldquosaberes proveitososrdquo das letras ora como objeto da gramaacutetica ora como objeto da

retoacuterica ora como objeto da poeacutetica Talvez essa seja uma explicaccedilatildeo plausiacutevel para o fato de

que introduzindo o coacutedice 239 pela referida forma aqui comentada diferentemente de outras

semelhantes mas natildeo idecircnticas como a do exemplo 15 natildeo haja menccedilatildeo por parte do

resumidor ao ato de abreviar ie agrave confecccedilatildeo do proacuteprio epiacutetome como uma coletacircnea

porque o texto mesmo jaacute era uma reuniatildeo de passagens que ele passa a arrolar topicalizando

ie o objeto escrito que os eruditos da Biblioteca tinham em matildeos jaacute era um breviaacuterio

26 Eacute possiacutevel obter um sutil vislumbre do tipo de coisa que os resumidores podem ter deixado de lado observando

a inclusatildeo do ciclo eacutepico Considerando-se o epiacutetome e os resumos eacute possiacutevel fazer algumas conjecturas sobre o

tipo e a quantidade de coisa que natildeo foi anotada no coacutedice debate-se ainda se a Crestomatia continha integral ou

parcialmente aleacutem do ciclo troiano episoacutedios cosmogocircnicos e ou ateacute referentes ao ciclo tebano Cf Estudo

3312

30

Eacute por mais esses elementos que contrariamente aacute hipoacutetese de Severyns ndash muito

refinada e plausiacutevel mas natildeo consoante agrave avaliaccedilatildeo dos diferentes indiacutecios arrolados nesta

introduccedilatildeo ndash defende-se aqui a hipoacutetese de que muito provavelmente mesmo que os eruditos

da Biblioteca pudessem consultar agrave Crestomatia original (se eacute que podemos falar nesses

termos) por tecirc-la consigo ou por poder acessaacute-la em outro lugar o que se compila para a

Biblioteca eacute uma seleccedilatildeo daiacute um breviaacuterio (para acentuar a ideia de um segundo momento

em que inevitavelmente a obra foi abreviada) nos moldes de Estobeu quanto agrave sua forma mas

sobre a obra de um uacutenico autor enquanto aquele reuacutene liccedilotildees de diferentes autores Sabemos

que pelo que se entende do termo crestomatia e pelo proacuteprio conteuacutedo do epiacutetome o coacutedice

239 natildeo deixa de ser tambeacutem uma reuniatildeo de diferentes liccedilotildees eacute contudo pelo trabalho

acadecircmico que podemos identificar separadamente o quanto possiacutevel a origem delas em

diferentes textos de doutrina dos saberes antigos (natildeo ignorando o termo ldquogramaacuteticardquo que

parece ser o denominador comum) essa pluralidade circunscreve-se portanto ao termo

ldquocrestomatiardquo ie um uacutenico texto resultante do esforccedilo de compor um ou mais discursos

sucessivos (loacutegoi) tangenciando os diversos temas das diferentes aacutereas pelo eixo comum das

ldquoletrasrdquo (grammatikeacute) Dele fez-se um breviaacuterio uma seleta condensando os toacutepicos cuja

compilaccedilatildeo foi usada no coacutedice 239

A enorme perda de conteuacutedo que haveria se julgaacutessemos ser o coacutedice 239 portanto o

resumo de algo jaacute resumido eacute um dos vaacuterios argumentos de Severyns para defender que a

julgar pela totalidade que se pode vislumbrar no coacutedice natildeo seria esse o caso porque ndash

seguindo esse raciociacutenio ndash muito mais estaria perdido e nos faltaria esse vislumbre Essa perda

eacute questionaacutevel considerados os argumentos acima primeiro a noccedilatildeo de totalidade o

vislumbre de tantos temas diversos tratados em uma mesma obra eacute resultado provaacutevel do que

se tinha por uma crestomatia obra abrangente e natildeo por eklogeacuteeklogaiacute segundo dessa obra

selecionam-se os trechos que contenham resumidamente as liccedilotildees sobre as letras e outros

assuntos que tangenciem esse saber Se observarmos o jaacute citado excerto (paacuteg 16) do

Etymologicum Magnum no verbete ldquoeacutelegosrdquo podemos considerar que talvez natildeo se pautando

diretamente no texto original da Crestomatia o compilador natildeo viu nenhum problema em

fornecer como ldquoProclordquo passagens que satildeo ainda mais reduzidas do que as do coacutedice em

questatildeo mas que contecircm pelo menos as mesmas coisas que ele ou seja toma-as seguramente

como conteuacutedo de Proclo e natildeo de Foacutecio Natildeo haacute por que pois imaginar que os

compiladores da Biblioteca tivessem procedido de maneira diferente em torno do que tinham

ou poderiam acessar da obra Natildeo haacute duacutevida evidentemente que muita coisa que eacute apenas

aludida foi simplesmente suprimida como se vecirc pelo ciclo eacutepico e isso impossibilita

31

justamente o argumento de Severyns segundo o qual natildeo ter acesso agrave obra na iacutentegra geraria

no resumo incongruecircncias ou falta de totalidade

Isso seria condizente finalmente com o uacuteltimo item desse resumo do coacutedice 239 da

Biblioteca de Foacutecio ldquoAqui estatildeo os dois primeiros arrazoados da Crestomatia de Letras de

Proclordquo (grifos do autor) O nuacutemero de arrazoados resumidos ou loacutegoi apresentados pelo

resumidor ao fim do coacutedice natildeo equivale ao nuacutemero que no iniacutecio fora dado como o

nuacutemero das partes dessa Crestomatia laacute quatro arrazoados aqui dois Natildeo eacute em vatildeo

portanto que o resumidor preocupa-se bem como nos demais casos de resumos mas agora ao

fim em dar notiacutecias a respeito da disparidade entre o objeto que estaacute agora sendo

confeccionado e o objeto primeiro compilado (como nos casos conforme visto acima em que

se explicita a elaboraccedilatildeo de uma seleta para a Biblioteca) Parece julgar necessaacuterio ao que

tudo indica informar uma disparidade Esse item natildeo poderia senatildeo ser uma nota filoloacutegica

Primeiro o nuacutemero confirma que natildeo se compila a obra por completo mas o que equivaleria

a sua primeira metade seus dois primeiros livros ou arrazoados Mais chama a atenccedilatildeo

todavia a ausecircncia da palavra eklogaiacute aqui Seja porque o objeto escrito uma eklogeacuteeklogaiacute

indicava-o seja porque os letrados ainda estavam em posse dessa informaccedilatildeo a ausecircncia da

palavra busca esclarecer o quanto da obra em questatildeo se leu e agora se disponibiliza a quem

eventualmente acessar a Biblioteca ie o equivalente aos dois primeiros livros ou arrazoados

de outro objeto designado apenas por Proacuteclou Grammatikecircs Khrestomaacutetheia ou Crestomatia

de Letras de Proclo O objetivo dessa passagem que encerra o resumo natildeo eacute senatildeo esclarecer

a equivalecircncia entre o que se resumiu para a Biblioteca a partir de eklogocircn ou seja

ldquoexcertosrdquo equivalentes ao que seria o conteuacutedo da primeira metade da obra original Se natildeo

o fosse por que estaria o resumidor cioso de informar tatildeo especificamente nuacutemeros diacutespares

de partes aleacutem de natildeo empregar a palavra ldquoexcertosrdquo na segunda especificaccedilatildeo

Se o objeto resumido Os Excertos da Crestomatia de Letras de Proclo era uma seleta

apenas dos dois primeiro livros da Crestomatia de modo que por conter a especificaccedilatildeo ou

por saberem-no os eruditos eacute resumido do comeccedilo ao fim com uma especificaccedilatildeo da

equivalecircncia de partes ou se essa equivalecircncia eacute informada justamente porque Os Excertos

tambeacutem compreendiam os outros dois livros mas os eruditos natildeo os incluiacuteram na Biblioteca

isso natildeo eacute possiacutevel saber Em todas as hipoacuteteses poreacutem eacute mais verossiacutemil principalmente

pelo indiacutecio final do texto que os eruditos da Biblioteca compilaram eklogaiacute excertos ou uma

seleta

Resta para talvez ampliar o vislumbre dessa obra inquirir pelo termo grego

khrestomaacutetheia que como se sabe estaacute lexicalizado em nossos bons dicionaacuterios

32

133 O termo ldquocrestomatiardquo

Uma vez que a palavra ldquocrestomatiardquo eacute tradicionalmente entendida como sinocircnimo

direto de ldquocoleccedilatildeo coletacircneardquo o que nos eacute sugerido pelos dicionaacuterios em geral27

inevitavelmente se pensaraacute estar diante de uma dupla coletacircnea o que a princiacutepio consoa

com o exposto leem-se no coacutedice 239 da Biblioteca ldquoexcertos de uma coletacircnea sobre as

Letrasrdquo da antiguidade Embora defendido que seja esse o caso essa simples traduccedilatildeo natildeo nos

permitiria vislumbrar o fato de que o termo crestomatia natildeo se refere tanto agraves dimensotildees ou agraves

proporccedilotildees da obra quanto agraves suas qualidades ou aos traccedilos que a definem como sendo de

certo tipo

Severyns defende em seu estudo que o entendimento de ldquocrestomatiardquo como florileacutegio

natildeo eacute proacuteprio dos antigos28 que tomam o termo como qualificativo ou definidor de uma obra

sem que isso implique um gecircnero de resumo O significado abreviativo derivaria da

interpretaccedilatildeo renascentista do tiacutetulo feita por ocasiatildeo das primeiras publicaccedilotildees impressas da

Biblioteca a partir da metade do seacutec XVI e teria se prolongado como os proacuteprios dicionaacuterios

modernos (Liddel amp Scott Bailly) datildeo a entender ldquoCrestomatiardquo portanto seria tatildeo somente

o que nomeia e define essa obra que pretende fornecer ensinamentos uacuteteis (no sentido praacutetico)

de certo saber (aqui o das Letras) Severyns poreacutem buscando ver totalidade na obra traduz o

nome interpretando-o segundo a hipoacutetese ndash que defende muito coerentemente ndash de que mesmo

a palavra ldquoeklogaiacuterdquo faria parte do tiacutetulo original da obra Justamente por essa leitura junto de

ldquoeklogaiacuterdquo adiciona ldquoabreacutegeacuterdquo ao que em sua traduccedilatildeo seria o tiacutetulo da obra sugerindo que o

significado do termo em questatildeo seria o de acentuar seu caraacuteter de ldquomanualrdquo de liccedilotildees

agregador de diversos ensinamentos supondo claro que se fosse versar detalhadamente

sobre os toacutepicos seria muito maior

Se julgarmos contudo que Severyns estaacute correto quanto agrave interpretaccedilatildeo precisa do

significado da palavra que aqui serve para qualificar certo tipo de texto mesmo sem designaacute-

lo sob uma difundida nomenclatura geneacuterica de uso rigoroso apesar do emprego de eklogaiacute

conforme estudado no item acima entatildeo podemos entender que o simples emprego do termo

ldquocrestomatiardquo como intitulaccedilatildeo bastaria para qualificar a obra por sua finalidade e utilidade

27 Cf Traduccedilatildeo nota 2 Conforme anotado a palavra estaacute lexicalizada nas liacutenguas romacircnicas 28 Severyns op cit tome II 65 ndash 69

33

reunir saberes proveitosos que no caso do texto atribuiacutedo a Proclo contemplam diferentes

autores ou textos Inevitavelmente as duas palavras parecem implicar certa redundacircncia mas

como decorrecircncia do fato de que a noccedilatildeo de khrestomaacutetheia secundariamente implica a noccedilatildeo

de seleccedilatildeo mas natildeo o contraacuterio A palavra eklogeacute referir-se-ia agrave noccedilatildeo geral de ldquoseletardquo

enquanto khrestomaacutetheia a um criteacuterio que nortearia o caraacuteter dessa seleccedilatildeo No caso da

seleccedilatildeo de passagens diversas e ilustrativas do saber de diferentes autores isso implicaria em

uma obra como a de Estobeu que seleciona as passagens de sua Coletacircnea pelo ensinamento

que contecircm O fato de haver certa redundacircncia entre as duas coisas seria mais um argumento a

favor da hipoacutetese de que os eruditos em torno de Foacutecio natildeo leram a obra na iacutentegra A

ocorrecircncia de ambas portanto deve implicar nesse caso que pelo menos nessa passagem

designam coisas diferentes Nesse sentido a obra de Proclo se diria ldquocrestomatiardquo porque o

criteacuterio que a norteia eacute relacionar ensinamentos proveitosos de uma aacuterea em especiacutefico o que

aponta para a caracteriacutestica preponderante do texto a saber conter liccedilotildees que

tradicionalmente satildeo desenvolvidas em textos especiacuteficos de diferentes doutrinas antigas aqui

agremiadas pelo tiacutetulo grammatikeacute gramaacutetica Isso se aventa pelas duas outras ocorrecircncias da

palavra na proacutepria Biblioteca ambas posteriores ao coacutedice 239 A primeira delas que parece

referir-se bem a essa qualidade instrutiva por si soacute consiste no emprego do substantivo no seu

sentido proacuteprio e natildeo teacutecnico para explicar o que se apresenta das Vidas Paralelas a obra de

Plutarco compilada no coacutedice 245

ldquo[16] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῶν ltΠλουτάρχουgt παραλλήλων διάφοροι λόγοι ὧν ἡ ἔκδοσις

κατὰ σύνοψιν ἐκλέγεται διάφορον χρηστομαθίανrdquo

(245 393b 9)

O resumidor seguindo o espiacuterito jaacute comentado de para certos casos caracterizar o que

se leraacute em relaccedilatildeo agrave fonte de que se compila (o espiacuterito de nos dar alguma nota editorial do

que se estaacute produzindo) informa-nos que neste coacutedice ldquofez-se a leitura de diferentes

discursos das Vidas Paralelas de Plutarco dos quais a ediccedilatildeo em sinopse seleciona o saber

distintordquo Poder-se-ia seguindo a sugestatildeo de Severyns29 arriscar a traduccedilatildeo por ldquodistinta

erudiccedilatildeordquo uma vez que como laacute demonstrado o substantivo primitivo chrestomateacutes

( ) empregava-se para designar aquele que buscava o saber proveitoso uacutetil o

ldquoeruditordquo Assim a palavra ocorre na introduccedilatildeo ao epiacutetome da obra de Plutarco para

assinalar que natildeo se encontraraacute ali a obra mas que o resumo fruto da leitura ateacutem-se a

29 Severyns op cit II pg 66

34

fornecer os trechos que conteacutem aos olhos de nosso resumidor ensinamentos valiosos ie

aqueles que serviratildeo para ensinar (no caso do gecircnero historiograacutefico atraveacutes de exempla)

A segunda ocorrecircncia (quarta no total) eacute justamente para introduzir outra obra

nomeada ldquoCrestomatiardquo e compilada na Biblioteca a saber a Crestomatia de Helaacutedio

ldquo[17] Ἀνεγνώσθη ἐκ τῆς ltἙλλαδίου Βησαντινόουgt ἐπιγ-

ραφομένης πραγματείας χρηστομαθειῶν αʹ βʹ γʹ δʹrdquo

(279 529b 26)

Como se nota natildeo haacute a palavra eklogaiacute nesse caso e a introduccedilatildeo do epiacutetome segue o

mesmo padratildeo dos epiacutetomes anteriormente comentados trazendo um particiacutepio introduzindo a

intitulaccedilatildeo do objeto escrito ldquoTratado de Crestomatia 1 2 3 4rdquo A obra de Helaacutedio como

resumida na Biblioteca parece dedicar suas primeiras seccedilotildees a catalogar informaccedilotildees uacuteteis

sobre palavras ou sobre diversos elementos leacutexicos da pronunciaccedilatildeo correta de certos

vocaacutebulos ateacute usos linguiacutesticos ie quando se empregava preferencialmente esta agravequela

forma ou quando soacute se podia aplicar uma etc Tais saberes uacuteteis tambeacutem seratildeo a respeito das

causas e origens de certos nomes e se trataraacute entatildeo de nomes de lugares ou por que certo

grupo usa tal signo para certa coisa por que tal monumento ou local recebeu seu nome etc e

nesse sentido como ocorre tambeacutem no caso da Crestomatia de Proclo natildeo se distingue

claramente quando o objeto eacute a palavra ou a coisa a discussatildeo linguiacutestica se torna etioloacutegica

Por vezes natildeo haacute essa discussatildeo mas o resumidor anota uma informaccedilatildeo relevante a

passagem de 533b 29 ndash 34 por exemplo eacute dedicada a ordenar o estabelecimento e os locais

das competiccedilotildees atleacuteticas dos gregos30 Do meio em diante pelo menos a julgar pelo epiacutetome

as informaccedilotildees compiladas entatildeo passam agrave origem e histoacuterias diversas de fato definindo o

texto sobre um texto como uma crestomatia sobre coisas diversas

Mais interessante a tiacutetulo de comparaccedilatildeo eacute o fato de que o resumo traz o nome de

autores de que Helaacutedio haure sua ldquoerudiccedilatildeordquo ou ldquosaberes proveitososrdquo Dioniacutesio por exemplo

eacute citado como fonte a partir da qual se arrolam usos proacuteprios dos aticistas31 tais fontes satildeo

dadas nominalmente no epiacutetome muito provavelmente porque o proacuteprio Helaacutedio as

informava uma vez que ocorrem sob a forma de discurso reportado ou indireto ldquoDioniacutesio diz

que os aticistasrdquo e natildeo ldquodiz querdquo como ocorre no coacutedice de Proclo ou seja o coacutedice

informa-nos que na Crestomatia de Helaacutedio ldquoeacute dito que Dioniacutesio diz querdquo e tem-se uma

liccedilatildeo uacutetil como por exemplo ldquoos aticistas natildeo dizem oneacutesamen mas sim

30 Foacutecio Biblioteca 279 533b 29 ndash 34 31 idem 279 529b 29 ndash 34

35

epriaacutemen rdquo e dizem as demais formas do verbo em questatildeo conforme o esperado

morfologicamente32 Eacute pois de se supor que Helaacutedio no suposto texto original dissesse

ldquoDioniacutesio diz querdquo ou seja referia autores fonte das informaccedilotildees uacuteteis que colige Mais agrave

frente sua fonte seraacute ningueacutem menos que o gramaacutetico Diacutedimo

Mais uma diferenccedila se entrevecirc aqui no caso do texto de Helaacutedio o manuscrito agrave

disposiccedilatildeo dos eruditos muito provavelmente por conter ainda a obra por completo trazia seu

autor referindo-se a fontes se natildeo as citando No caso da Crestomatia de Proclo isso natildeo

ocorre As liccedilotildees embora as identifiquemos como pertencentes a diferentes doutrinas satildeo

apenas arroladas uma apoacutes a outra Quando haacute mais de uma hipoacutetese ou possibilidade

principalmente no caso das etimologias geralmente haacute uma menccedilatildeo a ldquooutrosrdquo ou a uma

possibilidade divergente Isso leva a pensar que se a Crestomatia de Proclo tinha as mesmas

dimensotildees que a de Helaacutedio quatro livros trazia ela tantos autores citados na atribuiccedilatildeo de

suas liccedilotildees e diferentes versotildees de etimologias que o resumidor resolveu apenas referir-se a

eles pelo termo ldquooutrosrdquo33 Para aleacutem dos casos em que as diferentes possibilidades

etimoloacutegicas e etioloacutegicas natildeo podem e nem poderiam ser identificadas quanto a sua origem

especiacutefica por natildeo a possuiacuterem (caso de explicaccedilotildees para a origem do epos da elegia do

iambo) eacute de se supor que ou a coletacircnea da obra de Proclo o que se lia natildeo trazia essas

informaccedilotildees por ser uma seleta no sentido discutido de um resumo ou uma primeira

abreviaccedilatildeo ou o autor ele mesmo natildeo as dava por ser um organizador de doutrina ie por

estar focado em organizar saberes doutrinais de modo a instruir Essa segunda hipoacutetese natildeo eacute

de se descartar porque e mais uma vez uma natildeo nega a outra Provavelmente ambas satildeo

verdadeiras pois natildeo eacute de se imaginar que em uma obra com a extensatildeo de quatro livros

como a de Helaacutedio versando sobre diferentes toacutepicos das letras em geral em nenhuma

passagem ocorresse a menccedilatildeo a este ou agravequele autor e o que pensa ou diz sobre determinado

assunto Igualmente eacute de se supor pela mateacuteria do texto que diferentes opiniotildees fossem

apenas referidas a ldquooutrosrdquo como se observa em textos semelhantes como forma padratildeo de

dizer uma vez que satildeo os saberes tradicionalmente consolidados sobre aquele assunto ie as

32 Em outras palavras como diriacuteamos hoje ensina que os autores aacuteticos ldquoclaacutessicosrdquo fazem a 1ordf pessoa do

singular do aoristo do verbo supletivamente ou recorrendo agrave formaccedilatildeo de outro verbo 33 Cf por exemplo 319b 3 ndash 5 sobre as diferentes possibilidades de acentuar a palavra que nomeia o poema

Ciacuteprias do ciclo eacutepico natildeo se identifica ningueacutem aleacutem do autor que proponha e siga essa hipoacutetese bem como

nenhuma autoridade eacute citada em prol da acentuaccedilatildeo vigente ou entatildeo 321a 6 em que haacute uma referecircncia aos que

julgam ser o escoacutelio nomeado por antiacutestrofe Para alguns casos poreacutem natildeo haacute menccedilatildeo e o termo ldquooutrosrdquo se

emprega porque as etimologias jaacute eram assim consolidadas como possibilidades igualmente vaacutelidas para a

mesma coisa ie eram etimologias igualmente aceitas e disseminadas mais ainda autorizadas Eacute o caso claro

das etimologiasetiologias do iambo Cf infra cap 3 seccedilotildees 331 a 333 paacutegs 83 a 95 as explicaccedilotildees satildeo as

mesmas adotadas por exemplo na Gramaacutetica de Diomedes As etimologias para o termo epos tambeacutem jaacute eram

todas consolidadas

36

possiacuteveis explicaccedilotildees que ao longo dos seacuteculos mas principalmente com a atividade editorial

do periacuteodo heleniacutestico em diante foram se consolidando como as ldquoverdadesrdquo aceitas e

igualmente plausiacuteveis Natildeo haacute para elas pois uma origem definida portanto uma fonte a ser

citada

Esse segundo fato se confirma se aceitamos definitivamente que a Vita Homeris do

coacutedex Venetus eacute junto dos demais resumos dos poemas ciacuteclicos laacute contidos excertos da

Crestomatia original Ao referir-se aos diferentes casos particulares da vida de Homero

conforme o proacuteprio epiacutetome diz que fazia em relaccedilatildeo tambeacutem aos demais poetas eacutepicos34

emprega continuamente as expressotildees ldquounsrdquo ldquooutrosrdquo ldquoaquelesrdquo para referir-se aos

diferentes e agraves vezes divergentes ldquoepisoacutediosrdquo da vida de Homero Ora nada mais consolidado

no acircmbito da cultura geral do que Homero e as diferentes histoacuterias a respeiro dele sua morte

sua origem etc Eram todas versotildees consolidadas e discutidas sem terem origem precisa e

identificada Essa Vita ou biografia do vate tambeacutem nos ilustra que sim inevitavelmente

quando tratando de informaccedilatildeo ou hipoacutetese mais teacutecnica inevitavelmente o autor referiria

uma fonte ou origem dessa informaccedilatildeo Eacute o que ocorre quando se discute primeiro sua

origem

Helacircnico Damaste e Fereacutecides recuam sua origem ateacute Orfeu

Dizem que Meatildeo pai de Homero e Dio pai de Hesiacuteodo descendem

de Apeacutelis filho de Melanopo filho de Epiacutefrades filho de Carifemo

filho de Filoterpes filho de Idmocircnides filhos de Eucles filho de

Doriatildeo filho de Orfeu

Goacutergias de Leontino o recua agraves Musas

(Vita Homeri 19 ndash 24 in Severyns IV paacuteg 69 trad do autor)

Essas eram opiniotildees sobre Homero solidamente proferidas por outros e assim

identificadas

Nos dois paraacutegrafos imediatamente anteriores e no paraacutegrafo imediatamente posterior

por exemplo temos informaccedilotildees ou episoacutedios anedoacuteticos sobre Homero e nesses casos

vemos a praacutetica de atribui-los a ldquooutrosrdquo indefinidos

[] uns o proclamam nativo de Colofatildeo outros de Quios outros de

Esmirna outros de Io outros de Cima e toda cidade de modo geral

reclama o homem pelo que razoavelmente pode ser dito cosmopolita

34 ldquoOs mais egreacutegios poetas do epos satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro Paniacuteasis e Antiacutemaco Desses discorre na

medida do possiacutevel acerca da origem da paacutetria e de algumas histoacuterias particularesrdquo Proclo apud Foacutecio

Biblioteca 239 319a 17 ndash 21

37

Os que afirmam que ele eacute de Esmirna dizem que seu pai era

Meatildeo e que foi concebido perto do Rio Meles motivo pelo qual

tambeacutem eacute nomeado Melesiacutegene mas que eacute chamado Homero

[Hoacutemeros ] porque foi dado na condiccedilatildeo de homereiacutea

[refeacutem ] aos de Quios Outros dizem que acabou recebendo

esse nome por causa da deficiecircncia dos olhos Os cegos de fato eram

chamados homeacuteroi [ ] pelos eoacutelios

(idem 9 ndash 18 paacuteg 68 trad do autor)

e

ldquoSobre a sua morte refere-se a seguinte histoacuteria inquirindo o oraacuteculo a respeito de sua

proacutepria seguranccedila pessoal contam que o deus lhe deu esta respostardquo

(idem 25 paacuteg 68 trad do autor)

Note-se que no primeiro caso inculise fezem-se etimologias

Mais agrave frente discutindo a o periacuteodo em que Homero teria vivido

Na cronologia os da escola de Aristarco dizem que viveu na

eacutepoca da imigraccedilatildeo jocircnica que eacute sessenta anos posterior ao retorno

dos Heraclidas e o evento em torno dos Heraclidas estaacute oitenta anos

depois da eacutepoca de Troia Os da escola de Crates por sua vez o

recuam aos tempos de Troia

(idem 59 paacuteg 73 idem)

Vemos a julgar por esse suposto e breve trecho original da Crestomatia que muito

provavelmente como na Crestomatia de Helaacutedio quando alguma liccedilatildeo especiacutefica haurida

deste ou daquela escola era dada era de se imaginar o nome e a atribuiccedilatildeo Tambeacutem como laacute

conforme dito e como se vecirc no proacuteprio resumo de Foacutecio especificamente nos trechos que

versam sobre as celebraccedilotildees ciacutevico-religiosas que originam gecircneros meacutelicos os ldquosaberes

uacuteteisrdquo ie a ldquoerudiccedilatildeordquo a ser transmitida passa a descriccedilatildeo etioloacutegica e histoacuterica (como no

caso da guerra que daacute origem agrave dafnefoacuteria35)

A Crestomatia de Proclo contudo possui um eixo temaacutetico as letras Conclui-se

portanto que entendida natildeo como um gecircnero textual rigorosamente especiacutefico mas como

uma obra de erudiccedilatildeo no sentido de uma reuniatildeo de informaccedilatildeo registro dessa informaccedilatildeo

vaacuteria num documento uacutenico uma crestomatia pode contemplar saberes de diferentes aacutereas e

elementos que no caso de Helaacutedio natildeo teriam uma associaccedilatildeo direta ie natildeo seriam objeto

35 Idem 321a 36 ndash 321b 12

38

de uma mesma obra A reuniatildeo de informaccedilotildees da obra de Proclo visa agrave instruccedilatildeo na aacuterea das

letras Duas perguntas decorrem disso a quais saberes entatildeo ou a quais aacutereas do saber antigo

essa crestomatia se voltaraacute O que se entende por gramaacutetica na intitulaccedilatildeo do coacutedice

134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra

A palavra gramaacutetica que delimita o eixo temaacutetico dessa crestomatia poderia ser

tomada em sua literalidade para efeitos de traduccedilatildeo mas aqui talvez apenas na literalidade

que possuiacutea entre os gregos Essa mesma literalidade poreacutem eacute ampla e polissecircmica dado

que como se sabe passa a designar o ofiacutecio do gramaacutetico Sua funccedilatildeo na antiguidade

compreendeu atividades que tambeacutem noacutes atribuiacuteamos aos gramaacuteticos hoje mas outras que

natildeo Em princiacutepio segundo Dioniacutesio Traacutecio seis seriam as partes da gramaacutetica36

Γραμματική ἐστιν ἐμπειρία τῶν παρὰ ποιηταῖς τε καὶ

συγγραφεῦσιν ὡς ἐπὶ τὸ πολὺ λεγομένων

Μέρη δὲ αὐτῆς ἐστιν ἕξ πρῶτον ἀνάγνωσις ἐντριβὴς κατὰ

προσῳδίαν δεύτερον ἐξήγησις κατὰ τοὺς ἐνυπάρχοντας ποιητικοὺς

τρόπους τρίτον γλωσσῶν τε καὶ ἱστοριῶν πρόχειρος ἀπόδοσις

τέταρτον ἐτυμολογίας εὕρεσις πέμπτον ἀναλογίας ἐκλογισμός ἕκτον

κρίσις ποιημάτων ὃ δὴ κάλλιστόν ἐστι πάντων τῶν ἐν τῇ τέχνῃ

(Dioniacutesio Traacutecio 1153 ndash 6 3 in Grammatici Graeci)

ldquoA Gramaacutetica eacute o saber dos usos da liacutengua conforme se daacute no

mais das vezes entre os poetas e os escritores

Suas partes satildeo seis a primeira eacute a leitura treinada de acordo

com a prosoacutedia a segunda eacute a exegese segundo os tropos poeacuteticos

existentes a terceira eacute a pronta explicaccedilatildeo das formas dialetais e

histoacuterias quarta a revelaccedilatildeo da etimologia quinta o cocircmputo das

analogias sexta a avaliaccedilatildeo [o juiacutezoapreciaccedilatildeo] de poemas que eacute a

mais bela de tudo na teacutecnicardquo

(trad e grifo do autor)

Como responsaacutevel por descrever e ensinar o uso devido da liacutengua e por avaliar como

especialista do saber linguiacutestico se um texto era ou natildeo espuacuterio ie determinar a

36 Para uma precisa anotaccedilatildeo da gramaacutetica de Dioniacutesio Traacutecio Cf Dos Santos MM Dioniacutesio da Traacutecia Arte

traduccedilatildeo e notas in Letras Claacutessicas n11 153 ndash 179 2007

39

autenticidade de um texto cabia ao gramaacutetico portanto aquilo que hoje diriacuteamos ldquoo

estabelecimento do textordquo ofiacutecio do filoacutelogo moderno O emprego do termo krisis referindo-

se aos poemas como objeto dessa avaliaccedilatildeo eacute muito semelhante ao que ocorre no epiacutetome

fociano em 319a 1 ndash 3

ldquoΔιαλαμβάνει δὲ καὶ περὶ κρίσεως ποιήματος ἐν ᾧ παραδίδωσι τίς ἤθους καὶ πάθους

διαφοράrdquo

(Proclo apud Foacutecio 239 319a 1 ndash 3)

ldquoFaz consideraccedilotildees acerca do juiacutezo de poesia no que transmite qual a diferenccedila entre

caraacuteter e afetordquo

Este trecho eacute um dos mais problemaacuteticos do texto porque dado agrave brevidade e agrave

amplitude semacircntica das palavras empregadas possibilita pelo menos mais de uma leitura A

criacutetica notou37 que o conteuacutedo desta primeira oraccedilatildeo e principalmente a expressatildeo kriacutesis

poieacutematos fazem ressoar a sexta parte da empiria gramatical como definida por Dioniacutesio

Traacutecio kriacutesis poiemaacuteton ldquoa mais bela de tudo na teacutecnicardquo Em termos de entendimento

linguiacutestico a dificuldade ocorre primeiro por causa do significado do verbo dialambaacuteno que

semanticamente conteacutem a ideia mesmo de uma kriacutesis um juiacutezo um discernimento

significando ldquotomar separadamente dividir com escruacutepulordquo daiacute ldquodiscernir avaliar

considerarrdquo e justamente ldquojulgarrdquo segundo pela ausecircncia do artigo antes do substantivo kriacutesis

e pelo genitivo singular poieacutematos ao inveacutes de poiemaacuteton (de poema e natildeo de poemas) o

que impossibilita saber se o texto reporta-se agravequela kriacutesis poiemaacuteton (ie avaliaccedilatildeo

julgamento de poemas) que eacute uma parte da gramaacutetica ou se a palavra kriacutesis aqui eacute

empregada (como defende Severyns) em sentido amplo e natildeo teacutecnico junto agrave palavra que no

epiacutetome eacute empregada para designar ldquopoesiardquo siginificando apenas portanto de forma

perifraacutestica que ldquoFoacutecio diz que Proclo faz consideraccedilotildeesrdquo ndash considerando o aspecto verbal do

presente grego lsquoprossegue em suas consideraccedilotildeesrsquo como quer Severyns ndash ldquosobre a avaliaccedilatildeo

da poesiardquo portanto simplesmente ldquoele continua seu exame da poesiardquo que de fato ocorria

em contraposiccedilatildeo agrave prosa desde a distinccedilatildeo entre ambas em 318b 24 (sect3 na ediccedilatildeo de

Severyns) de modo a como se observa a partir de 319a 3 (sect11 idem) logo se concentrar no

que concerne tatildeo somente agrave poeacutetica ie seus gecircneros

Aqui se adota uma terceira leitura contraacuteria a de Severyns mas natildeo totalmente

consoante agrave de Ferrante ndash principalmente nas implicaccedilotildees primeiramente essa kriacutesis

37 cf Severyns (op cit pg 77 ndash 79) para um balanccedilo das leituras e Ferrante (op cit pg 20 ndash 21) para uma

visatildeo ainda contraacuteria a de Severyns)

40

poieacutematos natildeo precisaria orbigatoriamente ser uma alusatildeo ao nome exato da referida parte da

arte gramatical para ser (em se tratando da avaliaccedilatildeo da poesia aqui designada por poiacuteema)

aquele conjunto de avaliaccedilotildees sobre diferentes aspectos do poema Ainda assim natildeo parece

ser o caso

Eacute fundamental pontuar que a passagem deve ser julgada de acordo com o

procedimento geral do resumo ie a forma de resumir O resumidor parece topicalizar

atraveacutes dos termos (quase sempre teacutecnicos) aquilo de que a obra original tratava no respectivo

passo em vez de descrever o que teoricamente Proclo (seja quem for) fazia sem antes

introduzir qual era o objeto ou o toacutepico teoacuterico em questatildeo podendo ater-se ou natildeo a ele

(contrastem-se por exemplo os paraacutegrafos 17 e 69 ndash 78 com os derradeiros referentes agraves

uacuteltimas espeacutecies meacutelicas 93 ndash 99) Se considerarmos como quer Severyns que kriacutesis

poiemaacutetos natildeo eacute um desses termos topicalizados e que ldquonatildeo expressariam senatildeo uma ldquoideia

bem geral natildeo remontando de modo algum agrave sexta parte da arte gramatical tal qual a definiu

Dioniacutesio Traacuteciordquo (sendo um problema exatamente os trechos que aqui sublinho pois assumo

que os termos gregos em si natildeo precisariam ser obrigatoriamente uma citaccedilatildeo tratando-se de

um nome jaacute convencionado para essa atividade) este seria o uacutenico trecho do epiacutetome em que

isso acontece ie em que primeiro se comentaria o que o autor do tratado original faz

(ldquocontinua suas reflexotildees sobre poesiardquo) para soacute depois introduzir o que seria o toacutepico

assinalado a ldquodistinccedilatildeo entre caraacuteter e afetordquo Um outro problema surgiria aqui argumento

favoraacutevel a hipoacutetese defendida se ethos e pathos satildeo os termos teacutecnicos que topicalizam a

passagem ie satildeo o assunto do passo equivalente no suposto texto original entatildeo faltaria

como para os demais casos em que o toacutepico natildeo se explica por um desdobramento da

etimologia uma miacutenima explanaccedilatildeo teoacuterica para ambos como imediatamente antes se fez

para os moldes do dicurso e seus viacutecios Natildeo seria verossiacutemil que se abrisse matildeo dessa

explanaccedilatildeo uma vez que tal distinccedilatildeo entre ethos e pathos natildeo seria menos conhecida que a

doutrina dos gecircneros do discurso Em outras palavras se esse fosse o toacutepico do devido

momento do tratado a que o resumidor se referiria a julgar pelo padratildeo observado referir-se-

ia a ele imediatamente portanto eacute de supor contrariamente que krisis poeiemaacutetos o eacute antes

de diaphoraacute eacutethous kaigrave paacutethos o que inclusive torna mais compreensiacutevel e justificado o

relativo neutro que introduz a segunda oraccedilatildeo

Como uma crestomatia de gramaacutetica aqui entendida como as letras condensando

princiacutepios que em origem satildeo de diferentes disciplinas (gramaacutetica poeacutetica e retoacuterica em

geral) parece razoaacutevel que assim como se falava da doutrina dos gecircneros da elocuccedilatildeo nos

trechos anteriores da obra objeto comum agrave poeacutetica e agrave retoacuterica a distinccedilatildeo entre eacutethos e

41

paacutethos estivesse aqui entre os elementos que eram julgados na avaliaccedilatildeo da poesia Esta liccedilatildeo

parece coerente com o fato de que pelo menos ateacute onde Foacutecio nos daacute notiacutecia apoacutes as

consideraccedilotildees sobre a elocuccedilatildeo (e a doutrina referente a seus gecircneros) seguissem-se esses

dois outros elementos que de acordo com a retoacuterica explicitam-se no discurso

A proacutepria consideraccedilatildeo dos dois termos jaacute eacute um problema pois mesmo em

Aristoacuteteles trazem dificuldade Como se sabe na Retoacuterica o caraacuteter eacute do orador aquele que

fala a paixatildeo suscita-a no ouvinte por meio do discurso a fim de movecirc-lo Eacute logo no livro I

que Aristoacuteteles apresenta essa doutrina dos trecircs meios da persuasatildeo loacutegos eacutethos e paacutethos ou

discurso caraacuteter e afeto Eacute proacuteprio da arte principalmente o primeiro o discurso pois em

condiccedilotildees ideais jurados e ouvintes natildeo se deixam levar pelas paixotildees que oradores treinam

para despertar naqueles que os ouvem Como no entanto o tratado assume por objeto a

persuasatildeo e define a retoacuterica como teacutecnica que a produz (antiacutestrofe da dialeacutetica que produz

verdade) aborda igualmente afeto ndash para esclarecer como suscitado persuade ndash e caraacuteter ndash

pois se as palavras do orador natildeo forem condizentes com a noccedilatildeo de caraacuteter que dele fazem

os ouvintes natildeo se deixaratildeo convencer por julgaacute-lo mentiroso Em termos gerais talvez

pudeacutessemos dizer que na Retoacuterica os trecircs elementos satildeo em um primeiro momento

pensados em si para posteriormente serem considerados como os trecircs fatores ou causas cujo

resultado eacute o convencimento

Natildeo eacute assim poreacutem que os mesmos elementos satildeo considerados na Poeacutetica por conta

da proacutepria conceituaccedilatildeo aristoteacutelica do objeto (o que seraacute discutido mais adiante) neste

tratado Aristoacuteteles cirscunscreve a noccedilatildeo de eacutethos e pathos diferentemente pois trata os

termos como partes de uma imitaccedilatildeo e eacute nos limites desse conceito que surge a dificuldade A

imitaccedilatildeo que define a poesia eacute muito especiacutefica accedilatildeo Trata eacutethos e paacutethos portanto como

elementos que precisam ser representados de maneira condizente para que a imitaccedilatildeo seja

bem sucedida Na descriccedilatildeo da mimese caraacuteter eacute uma das partes qualitativas da trageacutedia

conforme definidas no cap VI da Poeacutetica mito caraacuteter e pensamento seriam as partes

equivalentes a ldquoo querdquo se imita (a mateacuteria) conforme delimitado nos cap I II e III em que o

filoacutesofo expotildee os criteacuterios pelos quais pensa o objeto elocuccedilatildeo e melopeia as partes

equivalentes agravequilo ldquoem querdquo se imita (os meios lembrando que a melopeia equivale ao que

em outras passagens seraacute nomeado apenas ldquomelosrdquo ou ldquocanccedilatildeordquo e refere-se agraves passagens

corais) espetaacuteculo refere-se a ldquocomordquo se imita (o modo)38

38 Poeacutetica VI 1449b 21 ndash 1450a 15

42

Como afirmaraacute ainda no cap VI natildeo eacute objetivo da poesia imitar caracteres mas os

caraceteres satildeo postos em cena apenas em funccedilatildeo da accedilatildeo ie este ou aquele caraacuteter eacute posto

em cena para que a accedilatildeo tenha este ou aquele desdobramento afinal ndash continua dizendo ndash os

eventos e o mito satildeo o fim da trageacutedia e o fim eacute o que haacute de mais importante Portanto o

caraacuteter de certa personagem conhecido do puacuteblico deve apenas ser condizente com o que

desdobramento esperado da accedilatildeo Natildeo agrave toa na mesma passagem Aristoacuteteles afirmaraacute que eacute

possiacutevel trageacutedia sem caraacuteter apenas com accedilatildeo mas natildeo o contraacuterio39 Os uacutenicos termos que

Aristoacuteteles nos fornece para analisar o caraacuteter presente em uma composiccedilatildeo poeacutetica satildeo esses

Natildeo se trata portanto de um caraacuteter presente talvez na elocuccedilatildeo poeacutetica mas simplesmente

o caraacuteter que se pode ou deve representar em funccedilatildeo de uma accedilatildeo mimetizada Esse criteacuterio

portanto mal pode ser aplicado agrave poesia que natildeo se pode analisar nos termos aristoteacutelicos da

imitaccedilatildeo de accedilatildeo Tal noccedilatildeo de eacutethos natildeo nos exclarece qual seria a diferenccedila a que o epiacutetome

se refere

Quanto ao afeto ou paacutethos a noccedilatildeo parece ateacute um pouco mais distante paacutethos na

Poeacutetica eacute a terceira parte do mito descrita como um padecimento na accedilatildeo como algo

destrutivo ou doloroso tal padecimento eacute um efeito e um desdobramento da accedilatildeo Natildeo eacute algo

portanto que se representa a priori poreacutem mais um elemento atrelado ao mito que se

representa por meio de palavra (elocuccedilatildeo ou melopeia) e subordinado a ele Natildeo agrave toa ao fim

do cap 19 da Poeacutetica na transiccedilatildeo para a seccedilatildeo final sobre a elocuccedilatildeo diz Aristoacuteteles

[]Περὶ μὲν οὖν τῶν ἄλλων εἰδῶν εἴρηται λοιπὸν δὲ περὶ λέξεως καὶ

διανοίας εἰπεῖν τὰ μὲν οὖν περὶ τὴν διάνοιαν ἐν τοῖς περὶ ῥητορικῆς

κείσθω τοῦτο γὰρ ἴδιον μᾶλλον ἐκείνης τῆς μεθόδου ἔστι δὲ κατὰ

τὴν διάνοιαν ταῦτα ὅσα ὑπὸ τοῦ λόγου δεῖ παρασκευασθῆναι μέρη

δὲ τούτων τό τε ἀποδεικνύναι καὶ τὸ λύειν καὶ τὸ πάθη παρασκευάζειν

(οἷον ἔλεον ἢ φόβον ἢ ὀργὴν καὶ ὅσα τοιαῦτα) καὶ ἔτι μέγεθος καὶ

μικρότητας δῆλον δὲ ὅτι καὶ ἐν τοῖς πράγμασιν ἀπὸ τῶν αὐτῶν ἰδεῶν

δεῖ χρῆσθαι ὅταν ἢ ἐλεεινὰ ἢ δεινὰ ἢ μεγάλα ἢ εἰκότα δέῃ

παρασκευάζειν πλὴν τοσοῦτον διαφέρει ὅτι τὰ μὲν δεῖ φαίνεσθαι

ἄνευ διδασκαλίας τὰ δὲ ἐν τῷ λόγῳ ὑπὸ τοῦ λέγοντος

παρασκευάζεσθαι καὶ παρὰ τὸν λόγον γίγνεσθαι τί γὰρ ἂν εἴη τοῦ

λέγοντος ἔργον εἰ φαίνοιτο ᾗ δέοι καὶ μὴ διὰ τὸν λόγον

(Aristoacuteteles Poeacutetica 1456a 33 ndash 1456b 8)

ldquoSobre as demais partes jaacute se falou restando falar sobre a elocuccedilatildeo e o

pensamento Fique para os escritos sobre retoacuterica o que tangencia o

pensamento pois isso eacute mais proacuteprio do meacutetodo daquela Eacute referente

ao pensamento o quanto se deve provir pelo discurso Satildeo seus

39 Idem VI 1450a 19 ndash 23

43

elementos o demonstrar o refutar e o prover afetos (como piedade ou

horror ou raiva e todas essas coisas) e ainda grandeza e pequenez Eacute

evidente que tambeacutem se deve servir-se desses elementos nos

acontecimentos quando se devem prover coisas piedosas terriacuteveis

grandiosas ou possiacuteveis entretanto com tal diferenccedila naquele caso

devem aparecer sem elucidaccedilatildeo neste devem ser providas no

discurso pelo falante e ocorrer junto ao discurso pois qual seria a

funccedilatildeo do que fala se aparecessem como devem mas natildeo atraveacutes do

discursordquo

(Trad do autor)

Ora aqui Aristoacuteteles deixa claro que sendo a poesia imitaccedilatildeo de accedilatildeo atraveacutes da

palavra mesmo os afetos decorrentes nas accedilotildees satildeo representados e postos em cena por via da

palavra ie da elocuccedilatildeo Como um fenocircmeno por si soacute natildeo restrito agrave poeacutetica isso eacute objeto

da retoacuterica e por isso a seccedilatildeo seguinte sobre a elocuccedilatildeo trataraacute do que eacute proacuteprio da elocuccedilatildeo

poeacutetica

Ateacute aqui portanto a uacutenica noccedilatildeo que talvez possa nos servir seja a de que tanto caraacuteter

quanto afeto se transparecem na imitaccedilatildeo pela palavra o fazem nela Ainda assim na

conceituaccedilatildeo aristoteacutelica isso se daacute naquele que eacute um actante representado ou natildeo por um

ator ie por aquele que eacute agente de uma accedilatildeo Por isso mesmo no referido capiacutetulo VI

arrolando e definido as seis partes qualitativas citadas definiraacute pensamento como aquilo ldquoem

quanto os falantes demonstram algo ou revelam sua opiniatildeordquo e caraacuteter como aquilo ldquode

acordo com o que dizemos que os agentes satildeo certas coisasrdquo40

Para tentar supor o que significariam caraacuteter e afeto no acircmbito do comentaacuterio do

gramaacutetico ao abordar um texto talvez possamos buscar uma pista em textos semelhantes ao

menos a fim de entender em um primeiro momento se esses conceitos eram levados em

conta Sobre o caraacuteter haacute uma passagem que pode ser esclarecedora O Escoacutelio a Dioniacutesio

Traacutecio (471 26 ndash 472 12) traz uma boa descriccedilatildeo dos diferentes elementos que satildeo objeto da

avaliaccedilatildeo empreendida nesta atividade em questatildeo a qual como se sabe (e isso tambeacutem nos eacute

relevante) opotildee-se natildeo soacute em gramaacuteticos mas daiacute tambeacutem em reacutetores (como Dioniacutesio de

Halicarnasso e Quintiliano) agrave syacutegkresis ie natildeo se trata mais da avaliaccedilatildeo apenas mas da

avaliaccedilatildeo conjunta o discernimento dos poetas e obras considerados conjuntamente a

comparaccedilatildeo

ltἝκτον κρίσις ποιημάτωνgt] Τίνι διαφέρει κρίσις συγκρίσεως καὶ

πότερον αὐτῶν ἐπαναβέβηκεν Λεκτέον ὅτι πρῶτον ἡ κρίσις τὸν

40 Idem 1450a 4 ndash 7

44

συγκρίνοντα γὰρ πρότερον αὐτῶν ἑκάτερον δεῖ κρῖναι καὶ ὁ μὲν

συγκρίνων καὶ κρίνει ὁ δὲ κρίνων οὐ πάντως καὶ συγκρίνει

Πότερον δὲ ὁ γραμματικὸς κρείττων ὢν τῶν ποιητῶν κρίνει αὐτῶν τὰ

ποιήματα ἢ ἥττων Καὶ εἰ μὲν κρείττων δώσομεν καὶ αὐτὸν εἶναι

ποιητήν εἰ δὲ ἥττων πῶς κρίνει Ῥητέον οὖν ὅτι κρίνει οὐχ ᾗ ποιητής

ἐστι κρείττων αὐτῶν ἀλλ ᾗ τεχνίτης ἐστὶ τῆς ὕλης τῆς ἐκείνων καὶ

τῶν ὀργάνων οὐ γὰρ κρίνει εἰ καλῶς αὐτοῖς γέγραπται ἢ οὔ ἀλλ εἰ

νόθα ἢ γνήσια πολλὰ γὰρ νοθευόμενά ἐστιν ὡς ἡ Σοφοκλέους

Ἀντιγόνη ndash λέγεται γὰρ εἶναι Ἰοφῶντος τοῦ Σοφοκλέους υἱοῦ

Ὁμήρου τὰ Κυπριακὰ καὶ ὁ Μαργίτης Ἀράτου τὰ Θυτικὰ καὶ τὰ Περὶ

ὄρνεων Ἡσιόδου ἡ Ἀσπίς

Κρίνει δὲ πρῶτον μὲν ὁρῶν εἰς τὴν λέξιν εἰ συνήθης ἐστὶ τῷ ποιητῇ

ἔπειτα εἰς τὸ πλάσμα τῆς συνηθείας εἶτα εἰς τὴν τῆς φράσεως

εὐκολίαν ἢ σκληρότητα εἶτα καὶ εἰς τὴν ἱστορίαν οἱ μὲν γὰρ χαίρουσι

ταῖς ξενιζούσαις ἱστορίαις αἱ δὲ ταῖς κοιναῖς εἶτα ἀπὸ τῶν χρόνων

Ἀρετὴ δὲ ποιήματος ἡ περὶ λέξιν σαφήνεια σύνθεσις τοῦ μέτρου

εὔρυθμος κυριολεξία σχήματα ταῦτα τῆς λέξεως τὰ δὲ περὶ διάνοιαν

οἰκονομία τάξις ἤθη ἐν προσώποις εἰ ltοἱgt μῦθοι ἁρμόδιοι καὶ τὰ

πλάσματαrdquo41

(Scholia in Dionysium Thracem Scholia Londinensia 471 26 ndash 472

12)

Sexta a avalaiccedilatildeo de poemasrsquo ndash Em que difere a avaliaccedilatildeo da

comparaccedilatildeo e qual delas precede Deve-se dizer que a avaliaccedilatildeo vem

primeiro quem estaacute comparando deve primeiro apreciar cada um dos

elementos e quem compara tambeacutem aprecia mas quem aprecia nem

sempre compara

Havendo os maiores poetas o gramaacutetico faz a avaliaccedilatildeo deles ou dos

inferiores Se principalmente dos melhores concederemos que seja

tambeacutem poeta se dos inferiores como aprecia Deve-se dizer

portanto que faz a avaliaccedilatildeo natildeo da maneira pela qual um poeta eacute

melhor do que outros mas de que maneira eacute um artiacutefice do material

deles e de seus instrumentos Pois natildeo aprecia se algo estaacute belamente

escrito com esses ou natildeo mas sua espuriedade ou legitimidade pois

muitos satildeo os escritos considerados espuacuterios como a Antiacutegona de

Soacutefocles ndash pois se diz que eacute de Iofatildeo o filho de Soacutefocles ndash As

Cipriotas e o Margites de Homero As Sacirficiais de Arato e Sobre os

Paacutessaros o Escudo de Hesiacuteodo

Aprecia primeiro visando a dicccedilatildeo se eacute usual ao poeta em seguida o

molde desse uso depois a fluidez ou a dureza da frase depois

visando a histoacuteria uns se comprazem mais nas histoacuterias que satildeo

exoacuteticas outros nas comuns depois aprecia a partir do periacuteodo

cronoloacutegico A virtude do poema satildeo a clarera que tange a dicccedilatildeo a

composiccedilatildeo do metro a regularidade da linguagem ordinaacuteria42 - essas

41 Commentaria In Dionysii Thracis Artem Grammaticam Scholia Londinensia (partim excerpta ex Heliodoro)

in ldquoGrammatici Graeci vol 13rdquo Ed Hilgard A Leipzig Teubner 1901 Repr 1965 Page 471 42 Entendendo-se aqui ldquoordinaacuteriardquo como a padratildeo ie a do dia a dia sem tropoi natildeo ornada Daiacute que a ideia de

ldquoeurritmiardquo a palavra grega deve se referir tanto a sua regularidade ie sua frequecircncia ou sua ocorrecircncia em

medida devida como tambeacutem agrave eufonia ie sua adapatabilidade ou sua consonacircncia com o metro elemento

anteriormente mencionado

45

satildeo as configuraccedilotildees da dicccedilatildeo quanto as que tangem o pensamento

organizaccedilatildeo ordenaccedilatildeo os caracteres nas personagens se

acomodados satildeo os mitos e seus moldesrdquo

(Traduccedilatildeo do autor)

Para o escoliasta a finalidade do gramaacutetico ao empreender a kriacutesis poiemaacuteton natildeo eacute

avaliar se entre eles poetas escreve-se belamente (essa seria a finalidade da syacutegkresis) mas a

ldquoespuriedaderdquo e a ldquolegitimidaderdquo (

Entre os diferentes aspectos considerados chamam a atenccedilatildeo natildeo

soacute aqueles de caraacuteter estrutural que tambeacutem satildeo objetos de um reacutetor como o do Tratado Da

Composiccedilatildeo das Palavras mas elementos mais proacuteprios da concepccedilatildeo da obra da sua

inventio confluindo com o que se concebe nos textos de poeacutetica como ldquoo que tange o

pensamentordquo ldquoos caracteres nas personagensrdquo e ldquose acomodados satildeo os mitos e seus

moldesrdquo Natildeo se pretende aqui que isto era trabalho da gramaacutetica e dessa sua parte em geral

mas sim ressaltar que mesmo nesta kriacutesis oposta agrave syacutegkrisis no iniacutecio da empiria o escoliasta

nos fornece o testemunho de que para desempenhar sua funccedilatildeo o gramaacutetico tambeacutem

precisava eventualmente julgar a confecccedilatildeo dos caracteres e a pertinecircncia dos mitos o que

inevitavelmente nos remete ao capiacutetulo 2 da Poeacutetica de Aristoacuteteles (e o quanto diz sobre

eacutethos bem como agrave parte da poeacutetica que em geral por via horaciana passamos a denominar

invenccedilatildeo) segundo a qual como a imitaccedilatildeo eacute imitaccedilatildeo de agentes eacute necessaacuterio que sejam

representados segundo certo caraacuteter (melhores ou piores do que noacutes)

Portanto natildeo eacute de espantar que assim como os tropos e figuras empregados pelos

poetas por exemplo configurem um caso claro de objeto comum a ser explicado tanto pelo

gramaacutetico quanto pelo reacutetor eacutethos e paacutethos na condiccedilatildeo de elementos que passam a ser

entendidos como inerentes ao discurso (e essa assunccedilatildeo como demonstrado ainda que com

suas especificidades jaacute se encontra no proacuteprio Aristoacuteteles) sejam observados e analisados por

qualquer um que se debruce com certa finalidade sobre uma composiccedilatildeo discursiva em verso

ou em prosa para aplicar mais uma vez o criteacuterio maior e tatildeo relevante desde o iniacutecio para

nossa leitura do epiacutetome ie a distinccedilatildeo prosa-poesia (Cf sect3 318b 24 ndash 26 Traduccedilatildeo paacuteg

110)

Isso se verifica indubitavelmente quando passamos para a syacutegkrisis de que podemos

tomar como exemplo o livro II do tratado Da Imitaccedilatildeo de Dioniacutesio de Halicarnasso e as

diversas passagens em que diferencia poetas e prosadores dos diferentes gecircneros pelo trato

que datildeo a eacutethos e paacutethos (cf 31 2 1 - Homero 31 2 5 ndash Piacutendaro uma de suas virtudes a ser

observada eacute a ethopoiiacutea ou simplesmente confecccedilatildeo de caracteres em que esses se

46

destacam pela prudecircncia piedade e magnificecircncia [sofrosyacutene eusebeiacutea megalopreacutepeia] 31

2 7 ndash Estesiacutecoro os caracteres e os valores das personagens [eacutethe kaigrave axioacutemata toacuten

prosoacutepon] 31 2 8 ndash Alceu Dioniacutesio chama a atenccedilatildeo para o caraacuteter de todos os seus

poemas poliacuteticos [hapaacutenton tograve toacuten politikoacuten poiemaacuteton eacutethos] etc seguem-se os dramaturgos

os oradores historiadores)

Haacute por isso trecircs observaccedilotildees que aqui se julgam necessaacuterias e passiacuteveis de serem

pontuadas a fim de se interpretar essa obscura passagem do epiacutetome

A 1a eacute concernente a essa comparaccedilatildeo eacute atraveacutes dela que se estabelecem os piacutenakes

ou listagens dos melhores poetas ie aqueles cujas virtudes devem ser imitadas como se

observa em autores como o referido Dioniacutesio de Halicarnasso no tratado em que aborda a

miacutemesis Quintiliano e quantos outros que se preocupam em fornecer modelos

A 2a eacute que o epiacutetome traz para cada um dos gecircneros que menciona e resume

brevemente (exceto pela poesia meacutelica ldquopor de mais pluralrdquo segundo o proacuteprio texto) uma

listagem igualmente breve de autores Isso natildeo quer dizer que o tratado se ocupava da

comparaccedilatildeo detalhada mas que certamente compreendia as praacuteticas descritivas comuns aos

textos mencionados e estaria nesse universo textual que se torna especiacutefico tambeacutem do

gramaacutetico Eacute de supor portanto que neste passo o texto tratasse de outros aspectos que

julgava pertinentes agrave avaliaccedilatildeo da poesia ndash mesmo que concentrado em aspectos da inventio ndash

na referida fronteira em que os textos sobre doutrina poeacutetica retoacuterica ou gramaacutetical podiam

tangenciar-se e tratar do mesmo objeto focando mais este ou aquele aspecto de acordo com

sua finalidade A finalidade da Crestomatia ao que se infere pelo menos de seu tiacutetulo

completo (Crestomatia de Letras Literaacuteria ou de Gramaacutetica) e da proacutepria composiccedilatildeo da

palavra jaacute discutida khrestomaacutetheia pretendia fornecer o quanto fosse uacutetil para se apreciar o

que diriacuteamos hoje composiccedilotildees ldquoliteraacuteriasrdquo as ldquoletrasrdquo e aqui devia trazer o quanto julgava

conveniente da ocupaccedilatildeo de julgar avaliar ou seja apreciar poemas de que Foacutecio ou o

resumidor em geral destaca provavelmente por julgar o mais valioso do suposto trecho da

obra original a doutrina sobre eacutethos e paacutethos que como se viu acima poderia ser objeto do

gramaacutetico mesmo se tomassemos aquela kriacutesis de Dioniacutesio Traacutecio no seu sentido mais estrito

de ldquojulgamentordquo da autenticidade do texto Que essa distinccedilatildeo fosse doutrinalmente tratada

nesta passagem parece plenamente verossiacutemil se notarmos que apoacutes uma distinccedilatildeo pelo

criteacuterio de quantidade quanto agrave natureza da prosa e da poesia o tratado por tomar como seu

fio condutor para esta primeira parte a elocuccedilatildeo seguia esquematicamente pela triparticcedilatildeo da

retoacuterica que se em Aristoacuteteles refere-se aos meios pelos quais se produz persuasatildeo na

tratadiacutestica posterior (de que Dioniacutesio de Halicarnasso eacute oacutetimo exemplo) que considera a

47

poesia pela elocuccedilatildeo configura os trecircs aspectos segundo os quais se avalia a composiccedilatildeo em

geral

Bem como outros autores propotildeem para esta passagem suas leituras perifraacutesticas aqui

se julga que a mais adequada seria ldquoprossegue fazendo [suas] consideraccedilotildees [refletindo] sobre

a avaliaccedilatildeo de poesia no que transmite [dentre outras coisas] a doutrina sobre a diferenccedila

entre caraacuteter e paixatildeordquo

A 3a e uacuteltima refere-se ao que seriam esse eacutethos e paacutethos em certos tipos de poemas eacute

compreensiacutevel seguindo a liccedilatildeo de Aristoacuteteles que estejam presentes em uma obra cujo

objeto eacute uma accedilatildeo composta de agentes etc uma obra ldquonarrativardquo no nosso sentido moderno

da palavra a eacutepica a trageacutedia etc Como isso se dava poreacutem em um melos ou em uma

elegia Podemos considerar primeiramente que num poema como um epiniacutecio pindaacuterico se

natildeo se circunscreve ao polecircmico criteacuterio da Poeacutetica de Aristoacuteteles de ser miacutemesis de accedilatildeo

pode trazer um mito (no caso de Piacutendaro quase sempre) como seu ornato ou alusotildees

histoacutericas e miacuteticas Inevitavelmente aiacute em se contando algo e portanto representando

agentes ou personagens simplesmente representar-se-atildeo caracteres e afetos inevitavelmente

Segundo haacute que se considerar tambeacutem o que poesia ldquonarrativardquo passa a significar para a

tratadiacutestica posterior a Aristoacuteteles bem como o fato de que aquela figura falante num poema

de gecircnero meacutelico aquela voz poeacutetica que reporta ela mesma por via da elocuccedilatildeo traz caraacuteter

e afeto Eacute nesse sentido que o comentaacuterio de Dioniacutesio de Halicarnasso (op cit) agrave poesia de

Alceu na referida passagem serve otimamente de exemplo ldquodispa-lhe algueacutem do metro em

vaacuterios lugares descobriria oratoacuteria poliacuteticardquo Para que esse caraacuteter advenha do discurso

retirado o metro como se a composiccedilatildeo fosse um discurso poliacutetico deve ser inerente ao

proacuteprio discurso e natildeo inerente a uma personagem

O termo grammatikeacute aqui portanto (principalmente depois das praacuteticas filoloacutegicas

alexandrinas) eacute abrangente e envolve o quanto se pode saber a fim de instruir na

compreensatildeo da arte que opera com a palavra mesmo que haurido de diferentes doutrinas ou

aacutereas do saber antigo Essa funccedilatildeo de instruir a princiacutepio circunscrevia-se ao ofiacutecio do

gramaacutetico que adotava como modelo para essa instruccedilatildeo exatamente os poetas como o

pedagogo da Greacutecia Antiga contra quem Platatildeo se insurge

Essa ocupaccedilatildeo passa a abarcar diferentes aspectos que naturalmente tangenciam

outras aacutereas do saber letrado que se debruccedilaram sobre a palavra assim o gramaacutetico se torna o

erudito das letras por excelecircncia o filoacutelogo Sobre esse ponto vale citar as consideraccedilotildees de

48

Ferrante que pensa de maneira semelhante a associaccedilatildeo da Crestomatia de Proclo agrave

gramaacutetica e a citaccedilatildeo que faz a respeito

A conforto di questo apelativo da me dato allrsquo autore dela

Crestomazia egrave necessaacuterio citare um passo dela Filologia Claacutessica

dellrsquo Inama (Hoepli Milano 1854 pagg 1 ndash 2) lsquoLa parola filoacutelogo

( ) la quale secondo la sua etimologia non voleva dir altro

da principio che amante dela conversazione ma di uma conversazione

colta ed eletta ( ) venne a designare al tempo degli

alessandrini nel III sec a GC uma classe di studiosi distinti da

quelli43 molto affini dei critici ( ) e dei grammatici

( ) Mentre i grammatici si occupavano soprattutto di

liacutengua e di questioni letterarie ed i critici della correzione ed

interpretazione dei testi degli scittori antichi i fillogi invece avevano

per oggetto preciacutepuo dei loro studi lrsquoerudizione mitologica storica

antiquaria Questi corripondevano a quelli che oggidi diciamo dotti ed

eruditi ecc ecc

(Inama apud Ferrante Crestomazia Introduzione Casa Editrice

Armanni Napoli 1957 pg 13)

Ferrante destaca a atuaccedilatildeo de filoacutelogo que o gramaacutetico passa a ter no periacuteodo

heleniacutestico como responsaacutevel pela ediccedilatildeo dos textos daqueles que para eles jaacute eram

ldquoantigosrdquo Pontua inclusive que essa funccedilatildeo desse erudito supunha conhecimentos do que

hoje noacutes diriacuteamos ldquoliteraturardquo ie dos gecircneros literaacuterios mais especificamente e natildeo do que

noacutes modernos pensamos como ldquoos estudos literaacuteriosrdquo que supotildeem ndash mais precisamente ndash

uma seacuterie de categorias e criteacuterios associados ao termo os quais por se tornarem o foco

mesmo ou os preceitos da chamada ldquoanaacutelise literaacuteriardquo constituem o objeto de uma maneira

estranha aos antigos Como fulcro comum talvez se pudesse postular que essa atividade de

exegese literaacuteria era no rigor da palavra grega graacutemmata uma exegese ou descritiva ou

prescritiva ou ambas de todas as atividades envolvendo as letras ou em se preferindo as

praacuteticas letradas

Natildeo poderiacuteamos saber contudo se a obra atribuiacuteda a Proclo trataria tambeacutem da prosa

uma vez que ela eacute menciona na distinccedilatildeo inicial do coacutedice e diferentes indiacutecios apontam para

um texto que estaacute incompleto Pelo que se poderia deduzir da introduccedilatildeo de Dioniacutesio Traacutecio agrave

empiria como o interesse do gramaacutetico era o uso linguiacutestico dos doutos em se assumindo que

ldquosyggrapheucircsinrdquo tambeacutem se referiria e abarcaria os prosadores em geral talvez ao utilizar seu

conhecimento para instruir esse gramaacutetico-filoacutelogo aos moldes heleniacutesticos tambeacutem se

43 Afinal passa-se gradativamente de um mundo da fala para um mundo do registro escrito

49

dedicasse aos gecircneros de composiccedilatildeo em prosa e tratasse daqueles que copunham

historiagrafia e oratoacuteria Por outro lado a julgar pelo padratildeo ie pelo que se observa em

outras obras a oratoacuteria como objeto da retoacuterica tem seus grandes exemplos comentados e

analisados nos autores que se incumbem dessa arte que tendem a demosntrar o que

descrevem com exemplos que aleacutem dos oradores focam-se por vezes nos historiadores como

o faz por exemplo Dioniacutesio de Halicarnasso Natildeo eacute de mais ressaltar que mesmo no caso da

oratoacuteria os tratadistas sempre buscam os exemplos dos poetas como modelo praacutetica

recorrente no citado Dioniacutesio de Halicarnasso e em Quintiliano no caso dos latinos de modo

geral observa-se que quando o foco eacute a instruccedilatildeo em algum aspecto do saber das letras o

modelo tende a serem os poetas Portanto haacute indiacutecios sufientemente plausiacuteveis para se

argumentar contrariamente que natildeo seria proacuteprio dessa Crestomatia de Letras tratar da

prosa mas que inevitavelmente para concentrar-se na poesia como seu objeto precisa crivaacute-

la delimitaacute-la em oposiccedilatildeo agrave prosa principalmente se aborda o tema pelo vieacutes (a ser

comentado) da elocuccedilatildeo Por fim deve-se ressaltar que cada uma dessas que denominamos as

doutrinas antigas se pretendia uma teacutecnica em si teacutecnica retoacuterica teacutecnica gramatical etc

portanto cada uma visava a um fim proacuteprio Vimos tanto no prefaacutecio da gramaacutetica de Dioniacutesio

Traacutecio quanto em seu escoacutelio aquilo a que visa essa teacutecnica Por isso mesmo como uma

crestomatia sobre gramaacutetica mas natildeo uma gramaacutetica propriamente eacute natural que nosso

epiacutetome aborde temas proacuteprios desse ofiacutecio na abrangecircncia que passa a ter apoacutes os

alexandrinos a fim de exlcarecer e instruir a fim de minimamente coligir informaccedilatildeo uacutetil a

repeito do assunto sem ser ela mesma no entanto uma gramaacutetica um manual da Ars Essa

hipoacutetese se aventa principalmente do cotejo entre o epiacutetome e o livro III da Ars Grammatica

de Diomedes que se concebe como uma pequena coleccedilatildeo de gecircneros e espeacutecies poeacuteticas que

natildeo tatildeo abrangente quanto a Crestomatia segue os mesmos criteacuterios do epiacutetome deixando-

nos entrever portanto uma espeacutecie de ldquocriteacuterio gramaticalrdquo com que se tratava da poesia com

a finalidade tatildeo simplesmente de classificaacute-la (v infra cap 3)

Assim se explicaria o tiacutetulo da obra trata-se de um texto que colige de diferentes

aacutereas quanto se eacute uacutetil saber sobre letras e por isso mesmo o epiacutetome refere a diferentes

seccedilotildees das doutrinas antigas ndash da retoacuterica a classificaccedilatildeo da elocuccedilatildeo pelas diferentes

possibilidades de moldaacute-la da poeacutetica os gecircneros enunciativos jaacute da poeacutetica e da etimologia

tangenciando a gramaacutetica as caracteriacutesticas dos gecircneros poeacuteticos (mateacuteria metro) associados

a seu nome e origem o que por vezes quando se descrevem as festas associadas a um

gecircnero por exemplo leva agrave etiologia etc Assim sendo se tanto o termo ldquogramaticalrdquo como

ldquoliteraacuteriardquo sugeririam dois extremos modernos que poderiam levar o leitor a uma interpretaccedilatildeo

50

equivocada optou-se aqui pela igualmente literal etimologicamente locuccedilatildeo adjetiva ldquode

Letrasrdquo pois que eacute fiel ao texto grego e pode remeter o leitor ao acircmbito das Belas Letras e das

praacuteticas letradas dos seacuteculos XVI XVII e XVIII em geral cujas convenccedilotildees supotildeem noccedilotildees

e praacuteticas mais afeitas ndash embora natildeo idecircnticas ndash agraves antigas uma vez que ao menos potildeem-se a

emulaacute-las

2 A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA ELOCUCcedilAtildeO

POESIA E RETOacuteRICA

21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO

Apoacutes o nome da obra e a informaccedilatildeo de que era composta de quatro livros ou quatro

arrazoados diferentes inicia-se o resumo da Crestomatia pelo procedimento padratildeo dos

diferentes epiacutetomes da Bilbioteca temos a estrura de discurso indeireto ou reportado ou seja

ldquoo autor diz querdquo e assim sucessivamente No caso desta obra em especiacutefico cada

enunciado traz uma liccedilatildeo de doutrina um ensinamento que se pode rastrear em outros textos

A primeira liccedilatildeo que nos traz eacute a distinccedilatildeo entre poesia e prosa distinccedilatildeo que seraacute

preponderante pelo menos ateacute o fim do epiacutetome destinado a classificar os gecircneros e as

espeacutecies da poesia Ao iniciar por essa distinccedilatildeo o epiacutetome daacute a entender que antes se

aplicava um criteacuterio habitualmente empregado na tratadiacutestica retoacuterica ie aborda-se o tema

pelo vieacutes mais amplo da elocuccedilatildeo Natildeo agrave toa se buscamos referecircncias para o que estaacute sendo

ensinado sobejam os textos de retoacuterica principalmente porque seguindo o criteacuterio de abordar

a elocuccedilatildeo todo o resto dessa primeira sessatildeo do epiacutetome por assim dizer focar-se-aacute numa

das formas que conhecemos da teoria dos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeo Apesar disso jaacute podemos

ver aqui a caracteriacutestica acima discutida a saber que esta crestomatia compendiava ou coligia

noccedilotildees ou liccedilotildees cujas origens remontavam a diferentes saberes

Comecemos pela distinccedilatildeo baacutesica

O termo loacutegos por designar ldquopalavrardquo mas tambeacutem a ldquofalardquo o ldquodiscursordquo eacute o termo

usado entre os gregos para designar a obra em prosa justamente como um discurso padratildeo

natildeo-poeacutetico nela empregado Define-se por oposiccedilatildeo a poiacuteesis em boa parte dos textos a

51

comeccedilar por Platatildeo quando opotildee os dois na conhecida passagem do livro III da Repuacuteblica

(390a)

Aristoacuteteles como se sabe emprega poietikeacute para designar o fazer ie a teacutechne que

procura delimitar e definir no tratado que recebe aquele nome Descrevendo a quarta parte

constitutiva da trageacutedia a elocuccedilatildeo (leacutexis) Aristoacuteteles (1450b 12 ndash 14) observa suas

diferentes maneiras de ocorrer (ldquoem palavrasrdquo ldquoem discursordquo ie ldquoem falardquo

apenas) e (ldquoem medida(s)rdquo ldquoem proporccedilatildeordquo ou simplesmente

ldquometrificadordquo) sem que isso como se sabe seja criteacuterio distintivo do que eacute ou natildeo poesia

Na Retoacuterica Aristoacuteteles tambeacutem se ocupa dessa diferenciaccedilatildeo pela elocuccedilatildeo e a distinccedilatildeo

entre prosa e poesia posteriormente acaba por se concentrar como uma questatildeo proacutepria

dessa

Assim Dioniacutesio de Halicarnasso no tratado da Composiccedilatildeo das Palavras (6 43 ndash 47)

apoacutes expor que todas as artes compartilham das mesmas normas de seleccedilatildeo e disposiccedilatildeo em

trecircs etapas (mais precisamente erga ldquodeveresrdquo tarefas sucessivas e complementares) propotildee

uma distinccedilatildeo mais especiacutefica do ponto de vista da elocuccedilatildeo entre discurso pedestre loacutegoi

pezoiacute e ldquopoeacuteticardquo Mais agrave frente (15 40 ndash 46) poieacutemata junto a meacutele contrapoem-se a loacutegoi

psiloiacute (discurso ordinaacuterio ou comum) e o que agrupa aqueles dois eacute que ldquosatildeo elaborados

atraveacutes de metro ou ritmordquo ( ) Como se observa

posteriormente o resultado da poieacutetikeacute o poiacuteema passa a ser igual e tecnicamente empregado

para designar a poesia em oposiccedilatildeo agrave prosa

Poesia e Prosa distinguem-se na elocuccedilatildeo natildeo pela qualidade (suas virtudes satildeo as

mesmas) mas pela quantidade A expressatildeo ldquono mais e no menosrdquo ( eacute

tiacutepica do grego para designar quantidade e em se tratando da elocuccedilatildeo poeacutetica ou oratoacuteria

deve naturalmente ser entendida no sentido de que como composiccedilotildees que se utilizam da

palavra as qualidades tanto da prosa como da poesia devem ser as mesmas mas quanto tenha

a prosa a poesia teraacute mais em maior proporccedilatildeo Essa doutrina jaacute eacute exposta por Aristoacuteteles

logo no comeccedilo do livro III da Retoacuterica dedicado agrave elocuccedilatildeo A elocuccedilatildeo do orador deve

parecer o menos distante quanto possiacutevel do natural do falar ldquoconversacionalrdquo (ldquodialogalrdquo

literalmente ndash ) enquanto a elocuccedilatildeo poeacutetica se distancia mais desse falar A

razatildeo os homens tendem a desconfiar daquilo em que lhes parece haver artificio Assim a

principal caracteriacutestica pleiteada pelo orador deve ser a clareza Qualquer elemento que torne

o discurso mais elevado por ornaacute-lo pode servir agrave prosa mas serve melhor agrave poesia pois pode

desviar o orador de seu principal objetivo que eacute tornar claro o significado (cf 1404b ndash

1405a) Para atingir essa clareza o que sobeja na poesia eacute empregado em menor nuacutemero na

52

prosa e apenas em algumas circunstacircncias dos nomes e verbos satildeo os proacuteprios que conferem

ao discurso clareza os demais tipos o ornam e satildeo justamente objeto da Poeacutetica

Semelhantemente a Aristoacuteteles Dioniacutesio de Halicarnasso (op cit idem) apoacutes expor

as referidas etapas do saber compositivo (synthetikeacute episteacuteme opcit 6 1 e sg) afirma ldquo

Esse princiacutepio eacute mais profuso [dapsileacutesteron] na poeacutetica e menos encontradiccedilo [spanioacuteteron]

no discurso pedestrerdquo

22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO

Sendo a elocuccedilatildeo o criteacuterio que orienta o estabelecimento dos primeiros ldquosaberes

proveitososrdquo dos primeiros elementos a serem informados ou ensinados passa-se a uma das

versotildees da exposiccedilatildeo da doutrina geralmente conhecida como dos ldquotrecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo

aqui na sua interpretaccedilatildeo por ldquotrecircs moldesrdquo

A traduccedilatildeo de plasma por ldquomolderdquo busca a referida literalidade da traduccedilatildeo e por

essa jaacute trazer algo proacuteprio da doutrina acerca dessas trecircs formas da elocuccedilatildeo ou como eacute mais

comumente designada dos ldquotrecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo ou genera dicendi Geralmente

traduzido por ldquoestilordquo perde-se a metaacutefora fiacutesica que classifica a elocuccedilatildeo como que por sua

forma externa sua forma fiacutesica Trata-se portanto das trecircs possiacuteveis formas de se amoldar

(do verbo plaacutesso) o discurso Emprega-se tambeacutem nos textos characteacuter que eacute a marca o

traccedilo impresso por um instrumento (do verbo charaacutesso) daiacute passando ao ldquotipordquo ao ldquotraccedilo

caracteriacutesticordquo portanto distintivo que tambeacutem abre margem para o que dizemos ldquoestilordquo

Quanto ao leacutexico da doutrina a maneira de Plutarco c I dC parece evidenciar o

conhecimento de duas nomenclaturas concorrentes nesse seacuteculo (Vita Homeri 72) ldquo()

rdquo ndash ldquo() tambeacutem satildeo caracteres

dos discursos os chamados moldesrdquo e logo os nomeia atraveacutes dos mesmos termos e ordem

que lemos aqui no coacutedice 236

De fato em Demeacutetrio seacutec II AC (De Eloc 36 1) a divisatildeo aparece sob o tiacutetulo de

charactecircres tecircs hermeneiacuteas ldquocaracaterestraccedilos da elocuccedilatildeordquo no tratado inteiro dedicado a

essa que eacute uma das partes do discurso

Dioniacutesio de Halicarnasso I AC emprega-os mormente e junto tambeacutem a leacutexis (De

Demosthenins Dictione 8 28 ndash 31) e a ldquocomposiccedilatildeordquo (a syacutenthesis De Compositione 21 15)

ie referindo-se agrave composiccedilatildeo como um todo e quando os nomeia na sua obra dedicada a

53

Demoacutestenes (33 21 ndash 23) fala em ldquotrecircs caracteres

geneacutericosprincipaistiacutepicosrdquo introduzindo um qualificativo relevante para o entendimento da

doutrina como dos gecircneros (categoria ampla e principalmente abrangente em relaccedilatildeo agrave

espeacutecie) possiacuteveis agrave elocuccedilatildeo de forma geral como se evidencia entre os latinos (Cf Ciacutecero e

Quintiliano infra pg 92) Em uma soacute passagem poreacutem Dioniacutesio que se serve variamente

das palavras testemunha o uso do outro termo para designar a doutrina e emprega tambeacutem

placircsma (De Dem Dict 34)

No mesmo seacuteculo a Retoacuterica a Herecircnio apresenta uma traduccedilatildeo literal da nossa

doutrina e sua triparticcedilatildeo (IV 8) na qual figura (do verbo fingere) verte da maneira mais fiel

e direta o grego jaacute que ambos os verbos servem nas respectivas liacutenguas para designar a arte

plaacutestica de modelar o estatuaacuterio figurar Natildeo se adotou aqui essa traduccedilatildeo latina porque jaacute na

retoacuterica e depois a palavra tambeacutem designaraacute as figuras de linguagem Preferiu-se outra

igualmente literal

Ciacutecero por exemplo (Orator 20) e Quintiliano (Institutiones Oratoriae XII 10 58)

empregaratildeo genera dicendi aproximando-se da noccedilatildeo ldquogeneacutericardquo de Dioniacutesio de

Halicarnasso

O escoacutelio de Dioniacutesio Traacutecio (449 26) eacute o mais chamativo ao empregar exatamente os

mesmo termos do coacutedice 239

Jaacute para tratar dos diferentes termos empregados para qualificar os gecircneros eacute

interessante a breve consideraccedilatildeo de Dioniacutesio de Halicarnasso antes de nomeaacute-los no tratado

De Compositione(21 15 ndash 18)

ldquo()

rdquo

ldquo() eu mesmo poreacutem natildeo tendo um nome oficial para designaacute-los como permanecem

inominados por nomes metafoacutericos chamo-osrdquo

(trad do autor)

Dioniacutesio mesmo afirma que os charactecircres natildeo possuem um nome definitivo ie de

caraacuteter oficial (kyacuterios) e natildeo havendo essa jurisprudecircncia de termos nomeia-os

metaforicamente

Diferentes metaacuteforas opositivas portanto satildeo empregadas nos diferentes textos

visando a representar mas igualmente delimitar e definir os limites entre os quais se ajusta a

54

elocuccedilatildeo originando um pequeno leacutexico que aparece misturado nas diferentes classificaccedilotildees

concomitantemente a diferentes interpretaccedilotildees da doutrina

Assim Demeacutetrio (op cit) propotildee quatro caracteres simples ndash o

ldquotecircnueesguiodelgadoexiacuteguordquo (ischnoacutes) o ldquomagnificenterdquo (megaloprepeacutes) o

ldquosuavepolidobrunidoeleganterdquo (glaphyroacutes) o

ldquotremendoterriacutevelimpetuosoveementeeneacutergicordquo (deinoacutes) ndash que se misturam (salvo os dois

primeiros que se definem pelo antagonismo) para formar todos os diferentes estilos

A julgar por Quintiliano jaacute seacuteculo I dC (XII 10 2 e sg no paralelo entre histoacuteria da

pintura e oratoacuteria) poder-se-ia pensar em tantas espeacutecies quantas elocuccedilotildees sendo possiacutevel

distingui-las em um niacutevel superior segundo o gecircnero A explicitaccedilatildeo desse raciociacutenio parece

condizente com o que se observa ao longo dos seacuteculo Assim eacute que apoacutes Demeacutetrio observa-

se um rearranjo da doutrina em trecircs tipos dos quais dois satildeo opostos e um supotildee a mistura e

dos quais a plenitude eacute variavelmente interpretada

Assim eacute que Dioniacutesio de Halicarnasso (De Dem Dict supra) parece empregar o

superlativo (hoigrave genikoacutetatoi) para distingir dentre os caracteres ldquomais geneacutericosrdquo primeiro

dois extremos o ldquotecircnuerdquo (ischnoacuten) e o ldquoelevadosublimerdquo(hypseloacuten) e depois um ldquomeio

termordquo (metaxyacute) No De Compositione como mencionado a doutrina eacute transposta para toda e

qualquer composiccedilatildeo em geral e o mesmo tratadista emprega outra terminologia (que pode

confundir-nos comparada agraves demais) a fim de nomear um dos gecircneros que julga o melhor

nomeia uma elocuccedilatildeo ldquoausterardquo (austeacuteran) por natildeo ser ornada uma ldquopolidardquo (glaphyraacuten

bem no sentido de ldquoeleganterdquo) ou ldquofloridardquo (antheacuteran) porque ornada e ndash a melhor ndash ldquobem-

solvidamisturadabalanceadordquo (euacutekratos)

A Retoacuterica a Herecircnio (supra) proporaacute a distinccedilatildeo por ordem decrescente um ldquograverdquo

(gravis que estaacute mais para o grego baryacutes mas tangencia a semacircntica de hadroacuten) um

ldquomedianomediacuteocrerdquo (mediocrismeacutesosmetaxyacute) e um ldquotecircnuerdquo (adtenuata sc figura em que

embaso minha traduccedilatildeo)

Ciacutecero (op cit 20 3) descreve os trecircs gecircneros com os vaacuterios adjetivos desse

vocabulaacuterio mas nomeia o orador ldquoque pratica a grandiloquecircnciardquo (grandiloqui) os ldquotecircnuesrdquo

(tenues) que fazem do discurso algo ldquoagudo aguccedilado adelgaccedilado afiadordquo (acuti) e haacute aquele

ldquoque se situa no meio entre os doisrdquo (interiectus inter hos) e o faz ldquomeacutediordquo (mediusmesos) e

ldquotemperado compoacutesito balanceadordquo (temperatusmetaxus eukratos)

Quintiliano provavelmente o mais abrangente preocupa-se em nos dizer quais os

nomes gregos com que se nomeiam os gecircneros e emprega o ldquosutilrdquo (subtile sinocircnimo de

tenuis ldquoexiacuteguo de pequena proporccedilatildeordquo) para ischnoacuten o ldquorobustordquo (robustum) para hadroacuten e

55

por fim como no coacutedice 239 descreve um terceiro que eacute o meio entre os dois (meacutedium ex

duobus) mas que no entanto designa como ldquofloridordquo (floritum antheroacuten)

221 O molde copioso

Embora jaacute se tenham contemplado duas possiacuteveis traduccedilotildees por correlatos latinos

(supra) ambas atentas ao peso (ldquograverdquo) ao volume e agraves proporccedilotildees (ldquorobustordquo) deste

gecircnero e embora se esperasse aqui a adoccedilatildeo de alguma delas por ldquocopiosordquo pretende-se

trazer ao eventual leitor lusoacutefono um termo que tente abranger outras noccedilotildees outros traccedilos

semacircnticos mais especificamente implicados no termo grego natildeo parece de mais remetecirc-lo

ao dicionaacuterio (Liddell amp Scott pg 25 9ordf ed) que sumarizo com a possiacutevel sinoniacutemia do

portuguecircs ldquogrosso volumoso espesso denso robusto forte vigoroso corpulento gordo

firme forte resistente soacutelido avultado maciccedilo pesadordquo A noccedilatildeo abstrata de coacutepia

abundacircncia aplica-se genericamente a todas qualidades observadas nos textos que descrevem

o placircsma principalmente agrave imagem de que possuindo mais ornato resulta numa forma num

molde fisicamente maior mais avultada por conter mais Eacute nesse sentido do uso do ornato

que ldquoenruga entumece avoluma a elocuccedilatildeordquo que se deve entender a segunda seacuterie de termos

que o descreve ldquomuitiacutessimo elaboradordquo (kataskeuasmeacutenon maacutelista) Aleacutem do superlativo

de intensidade maacutelista cujo emprego num texto como este um resumo eacute por demais

relevante no que pretende resumir deve-se lembrar que a palavra grega skeueacute tem a ver com

ldquoequipamento aparelho aparatordquo eacute por exemplo a equipagem do navio em contexto

naacuteutico os aparatos beacutelicos o equipamento da armadura em contexto militar pode ser a

indumentaacuteria do ator mas tambeacutem do sacerdote etc O verbo kataskeuaacutezo significa

literalmente prover por completo esse aparato ie preparar ou elaborar algo No contexto

retoacuterico-poeacutetico a palavra designa a elaboraccedilatildeo da obra em ato e portanto como qualidade

(Cf Dioniacutesio de Halicarnasso De Comp Uerb 1 6 et allia) Este placircsma eacute ldquomais elaboradordquo

no sentido de que eacute mais aparatado paramentado releva maior preparaccedilatildeo Embora essas

traduccedilotildees todas fossem possiacuteveis e caiacutessem bem neste contexto perder-se-ia a noccedilatildeo mesma

de como a doutrina antiga concebe esse processo de confeccionar a obra (amplamente

empregado por Dioniacutesio op cit) uma vez que elaborar em portuguecircs aleacutem de manter esse

significado mais abrangente conserva algo de se sua etimologia ie ldquotrabalhar laborarrdquo em

torno de algo Portanto deve-se lembrar de que neste contexto dos gecircneros da elocuccedilatildeo a

56

maior elaboraccedilatildeo do gecircnero em questatildeo de modo geral consiste no uso de ornato dos tropos

e figuras o artifiacutecio da linguagem ie seu aparato

Apontando pois as caracteriacutesticas gerais deste gecircnero Dioniacutesio de Halicarnasso (De

Dem Dict34 7 ndash 8) tambeacutem diz da leacutexis que eacute peritteacute ldquoabundante extraordinaacuteria

prodigiosardquo e exellagmeacutene ie ldquovaacuteria alteradardquo (a partir do idioma comum ndash to idioacutetikon

Arist Rhet 1406a 15) e logo adiante apontaraacute a superioridade de Demoacutestenes dentre outros

motivos porque ldquo rdquo ie ele

(Demoacutestenes) ldquoadvinha grandeza em toda elaboraccedilatildeo que a possuirdquo

Na Retoacuterica a Herecircnio (supra) seleccedilatildeo e disposiccedilatildeo evidenciam-se suscintamente na

definiccedilatildeo de que a figura grave ldquoconstitui-se a partir de uma construccedilatildeo leve (o que chama a

atenccedilatildeo do ponto de vista doutrinal) e ornada [ornata] de palavras graves [uerborum

grauium]rdquo ie de ldquomaior pesordquo

Ciacutecero (Orator 20 3 ndash 5) vale-se de praticamente todo o leacutexico ldquo() foram (os

grandiacuteloquos) com ampla [ampla] gravidade [grauitates] de pensamentos e majestade

(grandeza) [maiestate] de palavras veementes [vehementes] variados [uarii] copiosos

[copiosi] graves [graves]rdquo

Quintiliano circunscreve cada um dos gecircneros a cada uma das funccedilotildees da retoacuterica O

hadron ou robustum laacute eacute o que tem maior capacidade de mover (mouendi) por possuir o

atributo baacutesico da forccedila (uis) (op cit XII 10 59) ldquoo oradorrdquo segue dizendo (62 1) ldquo()

eleveraacute o discurso a amplificaccedilotildees e ateacute se alccedilaraacute agrave hipeacuterbolerdquo (amplificationibus

extollet orationem et in superlationem quoque erigetur)

Plutarco e o escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio como se viu (supra) trazem formulaccedilotildees

praticamente idecircnticas (pelo menos no leacutexico) a de nosso epiacutetome naquele ldquo

rdquo Traduccedilatildeo ldquoo molde copioso eacute aquele que tanto na elaboraccedilatildeo

[kataskeueacute] das palavras [leacutexeis] e dos pensamentos [noeacutemata] possui aspectos [ie a

aparecircncia] grandiosos [megaacutele]) neste ldquo rdquo ndash

tomada em sua literalidade ldquocopioso eacute o proeminente [saliente diermeacutenon] no seu volume

de natureza [oacutegkos katagrave phyacutesin podendo significar ldquotumefaccedilatildeordquo dando a ideia de que o

plasma se faz adiposo rugoso inchado]rdquo

Quanto a ldquoestonteanterdquo uma qualificaccedilatildeo pelo efeito natildeo soacute faz lembrar o quarto

gecircnero puro de Demeacutetrio o tremendo que parece assimilado pelo gecircnero maior na triparticcedilatildeo

posterior como se associaria e poderia ser compreendido pela concentraccedilatildeo de cada um dos

trecircs gecircneros (entatildeo adaptados numericamente) agraves trecircs funccedilotildees da oratoacuteria como se vecirc em

57

Quintiliano Aleacutem da referida passagem sobre a forccedila deste gecircnero (supra) descrevendo seu

efeito sobre o ouvinte diz que o orador ao empredar tal elocuccedilatildeo ldquotomaraacute de assalto o juiz

mesmo que manifestamente contraacuterio e o forccedilaraacute a ir aonde o transportarrdquo (iudicem uel

nitentem feret cogetque ire qua rapiet) Inst Orat XII 10 61 3 ndash 34) A forccedila dessa elocuccedilatildeo

logo fora descrita como rio cuja forccedila leva ripas e derruba pontes (idem 61) Adiante (62 7 ndash

9) ldquoesse (tal orador) a ira esse a misericoacuterdia inspiraraacute esse falando paacutelido ficaraacute o juiz e

choraraacute afetado por completo seguiraacute arrastado daqui ali e natildeo desejaraacute mais ser instruiacutedo

(ldquohic iram hic misericordiam inspirabit hoc dicente iudix pallebit et flebite et per ominis

adfectus tratus huc atque illuc sequetur nec doceri desiderabitrdquo Cf tambeacutem Ciacutecero Orator

20 6 ndash 7 ad permouendos et conuertendos acircnimos instructi et parati) Por fim ldquoreluzindo

uma beleza poeacuteticardquo para aleacutem do vocabulaacuterio da imagem e da forma comum agrave referida

passagem de Plutarco essa passagem se explica por tudo quanto se disse da distinccedilatildeo entre

poesia e prosa (supra n8) agora considerada do ponto de vista dos moldes da elocuccedilatildeo

quanto mais se eleva e se afasta da linguagem pedestre mais a prosa tende a parecer com a

poesia portanto eacute de se esperar que se a poesia estaacute para o mais elevado e a prosa para o

mais pedestre quanto mais elevada a elocuccedilatildeo ela mesma mais poeacutetica Eacute portanto natural

que o molde copioso chame atenccedilatildeo (pensando na semacircntica de reluzir epiphaiacuteno) por

mesmo natildeo sendo em um poema ser inevitavelmente mais poeacutetico podendo assim ser

classificado (Cf mais uma vez Aristoacuteteles Ret III)

222 O molde tecircnue

Este molde se define portanto opostamente agravequele uma vez que se nomeia por seu

antocircnimo Podemos resumir o significado da palavra da seguinte maneira ldquoseco enxutordquo

donde negativamente tem-se ldquofraco esquaacutelido magro parcordquo - no sentido de algo que natildeo

se expande ndash ldquocomedidordquo daiacute ldquoplano liso reto esguio delgado direto claro manifesto

inteligiacutevelrdquo (LIddell amp Scott idem p848) A traduccedilatildeo precisa portanto dar conta da noccedilatildeo

fiacutesica de maneira positiva ie algo ldquoesguio enxuto delgado ateacute esbeltordquo Agrave medida que se

comeccedila a fazer uma imagem mais clara da doutrina nota-se que metaforicamente tem por

criteacuterio uma espeacutecie de medida de proporccedilotildees da elocuccedilatildeo conforme ela se nos afigura mais

palavras explicitam o que seja o molde copioso confirmando o quanto se expocircs acima sobre

ele e consequentemente formando por oposiccedilatildeo a imagem do molde tecircnue Este consiste em

58

natildeo escolher por banir por ldquoproscreverrdquo [metadioacuteko] aquela composiccedilatildeo que vem retomada

como tropikeacute (literalmente ldquoem que haacute troposrdquo) e philokataskeuacuteos (ldquoamante da elaboraccedilatildeordquo

o que eacute dizer aqui do aparato do paramento do ornato) Enfim ldquoentretece-serdquo [syneacutertatai

dando a ideia simples de sucessatildeo amarraccedilatildeo atrelamento] a partir de literalmente ldquocoisas

soltasrdquo [aneimeacutena] Opta-se aqui por ldquodespojamentordquo para traduzir o que no grego eacute um

neutro plural atentando ao fato de que o particiacutepio aiacute substantivado eacute do verbo aniacuteemi

ldquolanccedilar para o altordquo portanto ldquosoltar relaxar aliviarrdquo e que assim mesmo no particiacutepio

passivo perfeito eacute empregado para designar o que estaacute ldquosolto frouxo relaxado dissolutordquo

Isso significa que os elementos do molde tecircnue juntam-se atrelam-se sem a constriccedilatildeo que

gera o volume de seu oposto O verbo latino expedio possui um uso semelhante a esse de

aniacuteemi e estaacute presente com essa acepccedilatildeo na liacutengua portuguesa mas seu deverbal ldquoexpediccedilatildeordquo

natildeo conserva o sentido Os deverbais de outros verbos semelhantes a expedio poderiam ser

cogitados como o proacuteprio ldquodespirrdquo (ldquodespimentordquo) mas em se optando por nomear essa

qualidade que no grego eacute um neutro plural abstrato quis se aproveitar o uso do portuguecircs que

emprega despojamento justamente para designar algo ou algueacutem ldquodesapegado simplesrdquo que

abre matildeo de ornamento riqueza etc uma vez que se diz o mesmo tambeacutem de estilo que eacute

assim simples modesto

A Retoacuterica a Herecircnio (IV 8) que como visto traz uma exposiccedilatildeo da doutrina

parecida com a de nosso epiacutetome diz que essa eacute a figura ldquorebaixada por completo ao costume

mais usual do falar puro (demissa est usque ad usitatissimam puri consuetudinem sermonis)rdquo

e antes de exemplificar posteriormente (IV 10) ldquoad infimum et cotidianum sermonem

demissum est (genus adtenuatum)rdquo ie ldquoeacute rebaixado ao falar iacutenfimo e cotidianordquo

O contemporacircneo grego Dioniacutesio de Halicarnasso (De Dem Dict 34 13 ndash 14)

descreve a frase desse gecircnero como ldquolisardquo [liteacute] e ldquoparcardquo [aperittoacuten]

Ciacutecero no Orator (20 9 -11) eacute o mais abrangente ldquoet contra tenues acuti omnia

docentes et dilucidiora nom ampliora facientes subtili quadam et pressa oratione et limatardquo ndash

ldquoe contraiamente [aos grandiacuteloquos] os tecircnues agudos ensinando as coisas mais claras natildeo

as fazendo mais amplas sutis em qualquer discurso conciso e limadordquo

Quintiliano ao tomar as personagens homeacutericas como exemplo e usar Menelau para

ilustrar este gecircnero (XII 10 64) caracteriza tal elocuccedilatildeo como ldquobreuem quidem cum

iucunditate et propriamrdquo ldquocarentem superuacuisrdquo ndash ldquodefinitivamente breve com alegria e

proacutepriardquo ldquolivre de redundacircnciasrdquo

Assim Plutarco e o escoliata de Dioniacutesio Traacutecio que provavelmente seguem a mesma

base de nosso resumo ldquo

59

rdquo (Plut Uit Hom 72) ndash ldquotecircnue eacute aquele pequeno na mateacuteria de seus

argumentos e suavizado na palavrardquo ldquo

rdquo ndash ldquotecircnue eacute o contraiacutedo no seu volume natural (por natureza de natureza)rdquo

(Schol Dion Tr 449 28)

223 O molde meacutedio

Quanto agrave traduccedilatildeo embora se pudesse tornar o texto mais palataacutevel e inteligiacutevel

optando-se por alguma outra forma para a segunda ocorrecircncia da palavra optou-se pela

literalidade que natildeo soacute reproduz o caraacuteter repetitivo do texto do epiacutetome como tambeacutem a

dificuldade conceitual que impotildee Dos termos eacute vaacutelido comeccedilarmos pelos dois textos que ateacute

entatildeo se igualavam quase que plenamente ao coacutedice 239 em Plutarco (idem) ldquo

rdquo ndash ldquomeacutedio [meacuteson]

eacute o que estaacute entre [metaxyacute] cada um deles do mais tecircnue [ischnoacuteteron] e do mais copioso

[hadroacuteteron]rdquo poreacutem no escoliasta (idem) ldquo [antheroacuten] rdquo ie

ldquoo florido eacute o meacutedio entre ambosrdquo Aqui se iniciam as principais questotildees acerca da doutrina

mesmo que aparentemente acabada e resolvida em trecircs gecircneros questotildees que apenas se

esboccedilam quando se trata num primeiro momento de distinguir dois extremos antagocircnicos

1) A formulaccedilatildeo de Plutarco dificulta o estabelecimento de um criteacuterio de medida

supondo que se determine o mais absoluto copioso e o seu antiacutepoda tecircnue haveria graus

menores de coacutepia e tenuidade ou qualquer coisa entre ambos seria o gecircnero meacutedio

2) Neste estado terminoloacutegico apenas o problema estaacute quase que inteiramente

confinado agrave semacircntica de ldquomeacutesonrdquo uma vez que a mesma palavra designa abstratamente

tanto o que eacute meacutedio ie que possui a meacutedia proporccedilatildeo (considerando-se a categoria de

volume espessura) quanto o que pontualmente estaacute no meio o que se complica quando a

palavra metaxyacute o adveacuterbio ldquono meiordquo portanto o meio termo eacute tambeacutem empregado

tomando-a com exatidatildeo como determinar o meio termo que permita estabelecer entatildeo que

certa elocuccedilatildeo estando acima seja copiosa e abaixo tecircnue

Considerando que agraves vezes se emprega a palavra ldquomistordquo mas tambeacutem ldquobalanceado

misturadordquo deve-se considerar entatildeo que tal gecircnero tambeacutem seria uma terceira coisa que

combina que mistura aquela com esta como daacute a entender Dioniacutesio de Halicarnasso De

60

Compositione 21 15 ndash 18 (cf supra) Dioniacutesio afirmaraacute que esse uacuteltimo eacute justamente o

melhor (supra n 10)

A Retoacuterica a Herecircnio como se viu parece filiar-se a essa tradiccedilatildeo do nosso texto

pois aleacutem da terminologia conceitual lembra o texto de Plutarco na gradaccedilatildeo ldquomediacuteocre

[mediacuteocris] eacute a [figura] que se constitui de uma inferior [humiliore] mas natildeo a menor

[infima] e a mais coloquial [perulgatissima] dignidade das palavrasrdquo

Ciacutecero o descreveraacute no Orator 21 atente-se ao vocabulaacuterio ldquohaacute aquele que se situa

no meio entre eles [interiectus inter hos] e o faz como que temperado [temperatus] natildeo se

utilizando nem do acume destes [os tecircnues] nem da fulgecircncia daqueles [os grandiacuteloquos] natildeo

se excelindo em nenhum [in neutro ie no que natildeo eacute nem um nem outro mas estaacute no meio]

partiacutecipe [particeps ie tomando parte] tanto de um quanto de outro desprovido ndash a bem da

verdade ndash de maior potencialidade este como dizem flui num curso uacutenico natildeo trazendo

nada aleacutem de capacidade e igualdade ou entatildeo adiciona alguns adereccedilos [tori] como numa

coroa [ut in coronam] e distingue todo o discurso com moacutedicos ornamentos [ornamentis

modicis] de palavras e pensamentosrdquo Quanto agrave preferecircncia Ciacutecero parece divergir de

Dioniacutesio

Nas proporccedilotildees dos adereccedilos talvez permita entrever a concomitacircncia terminoloacutegica

observada natildeo soacute no escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio mas antes em Quintiliano que tambeacutem

aponta florido (com o correlato grego) como outro nome para o meacutedio Na descriccedilatildeo este

gecircnero serve para ldquoaprazerconciliaraplacarrdquo (conciliandi) por possuir como atributo a

ldquoleveza suavidaderdquo (lenitas) ldquoseraacute de uma maneira mais recorrente nas traslaccedilotildees

(variaccedilotildees ie tropos figuras de palavras) e mais agradaacutevel nas figuras ameno nas

digressotildees atado na composiccedilatildeo doce nos pensamentosrdquo (Inst Or XII 10 60) Como jaacute

mencionado no entanto (supra n 10) Quintiliano toma essa classificaccedilatildeo de forma larga

Concordante a isso antes de iniciar a descriccedilatildeo dos trecircs gecircneros (comeccedilando pelo florido por

sinal) em 59 afirma que esses estilos satildeo suficientes em si mesmos sem necessitar um a

ajuda do outro o que supotildee pelo menos que se possam misturar em momentos diferentes de

um mesmo discurso Posteriormente em 66 pensando numa gradaccedilatildeo proporaacute justamente a

partir do florido que assim como esse eacute o meio entre dois entre ele e os dois extremos a

outros intermediaacuterios bem como haveria ainda um extremo maior que cada um dos jaacute

enunciados Assim Quintiliano faz uma interpretaccedilatildeo da doutrina que em um aspecto o de

tomar a nomenclatura como uma medida pode se assemelhar agrave interpretaccedilatildeo de Ciacutecero que

no Brutus 55 201 expotildee rapidamente sua classificaccedilatildeo dupla segundo a qual considerando-

se o artiacutefice de bons oradores soacute haacute dois gecircneros cuja qualidade se deve observar o

61

ldquoatenuadordquo (tecircnueattenuantum) e ldquoconcisordquo (compacto premido pressum) e o

ldquosublevadordquo (sublatum) e ldquoamplordquo (amplum)

224 O molde florido

Em Plutarco (op cit 73) segue-se apoacutes a definiccedilatildeo dos trecircs referidos moldes

ldquoQue tambeacutem a espeacutecie florida dos discursos existe abundantemente

junto ao poeta possuidora de beleza e graccedila para agradar e deleitar

como flor ndash quem diria De fato a poesia eacute cheia desse tipo de

elaboraccedilatildeordquo

(trad do autor)

Cotejada com a Crestomatia e o escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio a passagem daacute indiacutecios de

que independente da dataccedilatildeo em algum momento dentro desta terminologia falava-se em

quatro moldes que satildeo reduzidos a trecircs ou assim se poderia conjecturar jaacute que pelo menos

nesse caso de Plutarco a julgar pelo emprego de outra palavra para se referir ao que eacute

designado como ldquofloridordquo (espeacutecie eidos) algueacutem poderia ao menos considerar os discursos

(os logoi) tambeacutem segundo essa quarta nomenclatura Natildeo eacute evidente como crecirc Severyns44

que Plutarco esteja assumidamente propondo que se trate de um quarto molde mas sem

duacutevida explicita que essa nomenclatura se empregava e poderia ser arrolada ainda que como

espeacutecie classificando algo de que em desacordo algum com o que sabemos da doutrina a

poesia estaacute cheia Aquilo a que serve tal eidos por assim dizer nessa Vita de Plutarco

concorda com a funccedilatildeo que Quintiliano circunscreve ao ldquofloridordquo ou ldquomeacutediordquo deleitar

agradar O vocabulaacuterio assemelha-se aqui os verbos teacuterpo hedyacuteno laacute os verbos delecto

concilio e o adjetivo iucuntus Na sua funccedilatildeo este florido natildeo diverge daquele de Quintiliano

O escoacutelio de Dioniacutesio Traacutecio como se viu circunscreve florido e meacutedio a um uacutenico molde ao

dizer com que se combina tal molde assemelha-se agrave liccedilatildeo da epiacutetome (com menos detalhes)

ldquo rdquo

44 op cit paacuteg 75

62

ndash ldquochama-se florido [antheroacutes] porque combina [harmoacutezei] principalmente com reportaccedilotildees

[apaggeliacutea] de descampados [leimocircnes] e flores [aacutenthe]rdquo

Dioniacutesio de Halicarnasso conforme visto usa ldquofloridordquo como outro possiacutevel nome

para o ldquopolidordquo (glaphyroacuten)45 mas descrevendo o que estaria no lugar do molde copioso na

triparticcedilatildeo ie o que se define essencialmente por receber ornato Essa indefiniccedilatildeo acerca do

lugar que o florido deveria ocupar na nomenclatura evidencia natildeo soacute diferentes interpretaccedilotildees

da doutrina como jaacute se pontuou mas explicita como elas foram adequando a profusatildeo a um

sistema de trecircs segundo diferentes necessidades descritivas

De modo geral se Dioniacutesio emprega o termo de maneira positiva na seccedilatildeo 2146 do

tratado sobre a composiccedilatildeo em que descreve trecircs virtudes geneacutericas do discurso das quais

pontua uma melhor e se posteriormente entre os romanos observamos uma triparticcedilatildeo que

funciona como medida de padratildeo (modernamente falando) de modo a chegar agrave flutuaccedilatildeo

observada nos trecircs textos gregos posteriores e lexicalmente afins pode-se conjecturar que a

possiacutevel confusatildeo indefiniccedilatildeo ou flutuaccedilatildeo quanto agrave posiccedilatildeo do quarto gecircnero estivesse

relacionada agrave funccedilatildeo e ao efeito pretendido por tal elocuccedilatildeo e a como a doutrina definia as

trecircs posiccedilotildees em prol deles que identificamos pelas trecircs funccedilotildees do orador Assim haveria

uma elocuccedilatildeo ornada a fim de deleitar ie que se orna pelo deleite que isso traz ao ouvinte e

que agrave maneira que se distinguem poesia e prosa seria como daacute a entender Plutarco comum

na poesia afinal essa tem sempre mais que a prosa e sua principal funccedilatildeo eacute deleitar e outra

elocuccedilatildeo mais ornada ainda cuja finalidade eacute entatildeo comover (em verso ou em prosa) e eacute

inevitavelmente poeacutetica mesmo que na prosa uma vez que eacute (se tomada como extremo)

inteiramente ornada

225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo

O particiacutepio que introduz o paraacutegrafo dedicado aos erros referentes aos moldes

expostos aposphaleacutentes que se traduziu por uma oraccedilatildeo equivale semanticamente a

hamarteacutema que pseudo-Longino emprega amplamente no seu tratado Do Sublime para

designar natildeo soacute o desvio do molde ou gecircnero mas qualquer falha discursiva em geral O

significado primeiro e mais baacutesico do verbo que origina este substantivo eacute ldquoerrar o alvordquo um

45 supra pg 52 46 supra pg 51 e 58

63

hamarteacutema eacute em princiacutepio um ldquodesacertordquo Aposphaacutello por sua vez tem o significado de

ldquodesviar-se errar o caminho passar longerdquo e designa por isso aquele que ldquopega um desviordquo

ie que ldquoerra o caminhordquo do discurso em certo molde ldquoenvereda-se erroneamenterdquo e atinge

uma via mudada daquela em que seguia Engendra portanto natildeo seu antiacutepoda positivo mas

uma forma defeituosa viciosa daquilo que deveria ser sua qualidade Vitia eacute o termo

empregado na Retoacuterica a Herecircnio (IV 11) correlato do grego kakiacutea que pseudo-Longino

emprega igualmente

A noccedilatildeo de que existiria uma medida ou pelo menos uma maneira correta de se aplicar

o princiacutepio baacutesico definidor de cada um dos gecircneros (o traccedilo geneacuterico) ou em outras palavras

o que aqui se denomina molde a fim de se produzir a forma bela aparece alhures e por

exemplo tem sua origem brevemente explicada no tratado Do Sublime em 5 1 3 ldquodaquilo

de que se nos origina o belo proacuteximo tambeacutem a isso os males gostam de se originarrdquo Esse

princiacutepio se sumariza por toda seccedilatildeo 5 apoacutes jaacute ter sido sistematicamente aplicado para

descrever atraveacutes de um vocabulaacuterio que eacute da fisiologia as formas que se pretendiam

sublimes mas resultam defeituosas (3 4 1 ndash 4)

[] κακοὶ δὲ ὄγκοι καὶ ἐπὶ σωμάτων καὶ λόγων οἱ χαῦνοι καὶ

ἀναλήθεις καὶ μήποτε περιιστάντες ἡμᾶς εἰς τοὐναντίον οὐδὲν γάρ

φασι ξηρότερον ὑδρωπικοῦ ἀλλὰ τὸ μὲν οἰδοῦν ὑπεραίρειν βούλεται

τὰ ὕψη τὸ δὲ μειρακιῶδες ἄντικρυς ὑπεναντίον τοῖς μεγέθεσι

feios satildeo os intumescimentos [oacutegkoi note-se o vocabulaacuterio] sobre os

corpos e sobre as palavras que flaacutecidos [chaucircnoi] e falsos

[analeacutetheis] jamais nos revertem ao seu contraacuterio [tounantiacuteon]

afinal nada mais seco [zeroacutetetos] que um hidroacutepico [hydroacutepikos]

Mas o inchaccedilo [oidoucircn] deseja subir [hypaiacuterein] agraves alturas [tagrave hyacutepse]

o pueril [meirakiocircdes] eacute que estaacute diretamente oposto [aacutentikry

hypenantiacuteon] agrave grandiosidade [toicircs megeacutethesi]

(traduccedilatildeo do autor)

Seguir-se-aacute entatildeo uma breve descriccedilatildeo desse pueril (ldquochatildeordquo [tapeinoacuten] ldquomesquinhordquo

[mikroacutepsychon] e ldquoo mais vulgarmente feiovicioso em essecircnciardquo [tocirci oacutenti kakograven

aggeneacutestaton] - idem 5 ndash 6) e de um terceiro viacutecio que se resume ao descomedimento do

paacutethos (afeto ou paixatildeo fora de hora [paacutethos aacutekairon] ou ldquodesmedidordquo quando se requer

ldquomedidardquo [aacutemetron eacutentha metriacuteou deicirc] (3 5 3 ndash 4)

64

Esse princiacutepio encontra-se enunciado aplicado e atribuiacutedo (quanto agrave sua origem) em

Demeacutetrio com um vocabulaacuterio que eacute da eacutetica (op cit 114)

Ὥσπερ δὲ παράκειται φαῦλά τινα ἀστείοις τισίν οἷον θάρρει μὲν τὸ

θράσος ἡ δ αἰσχύνη τῇ αἰδοῖ τὸν αὐτὸν τρόπον καὶ τῆς ἑρμηνείας

τοῖς χαρακτῆρσιν παράκεινται διημαρτημένοι τινές πρῶτα δὲ περὶ τοῦ

γειτνιῶντος τῷ μεγαλοπρεπεῖ λέξομεν ὄνομα μὲν οὖν αὐτῷ ψυχρόν

ὁρίζεται δὲ τὸ ψυχρὸν Θεόφραστος οὕτως ψυχρόν ἐστι τὸ

ὑπερβάλλον τὴν οἰκείαν ἀπαγγελίαν

Como algumas rudezas [phaulaacute] justapotildeem-se [parakeicircmai] a

alguns valores [asteicirca] como agrave coragem a impetuosidade vergonha

ao respeito da mesma forma alguns deslocamentos [diemartemenoi]

justapotildeem-se aos caracteres da elocuccedilatildeo Primeiramente falaremos

do que margeia [geitiniaacuteo] o magnificente Seu nome eacute friacutegido

[psychroacuten] Teofrasto delimitou [horiacutezomai] o friacutegido assim friacutegido

eacute o que excede [hyperbaacutello] a expressatildeo adequada [oikeiacutean]

(idem)

Eacute vaacutelido notar que aleacutem de se empregar um particiacutepio para nomear esse ato de

desviar-se errar (diemartemenoi) o verbo em questatildeo tem a mesma forccedila de aposphaacutello em

sua composiccedilatildeo e eacute um sinocircnimo desse Tambeacutem merece nota o verbo geitiniaacuteo ldquoavizinhar-

se fazer fronteira estar na margemrdquo de modo que natildeo seria lexicalmente errado dizer desses

desvios que satildeo ldquogecircneros marginaisrdquo Eacute aceite que a base para essa teoria que supotildee sempre

uma medida correta para a execuccedilatildeo da forma seja peripateacutetica o que por outro lado natildeo

nos deve levar a supor uma doutrina uniforme subjacente aos textos O princiacutepio sim parece

ter essa origem Deve-se observar assim que pseudo-Longino segundo criteacuterios e conceitos

que satildeo platocircnicos em origem estaacute preocupado em descrever o que atinge a grandeza o

sublime Ao fim portanto descreve um conjunto de trecircs viacutecios que satildeo a rigor o resultado de

uma tentativa equivocada de atingi-lo Natildeo eacute de se espantar entatildeo que a caracterizaccedilatildeo do

viacutecio pueril assemelhe-se ao que seria de certa forma uma versatildeo imperfeita do discurso que

no epiacutetome fociana estaria para o tecircnue denominado aqui por chatildeo [tapeinoacutes baixo

rasteiro] Contudo observa-se que o adjetivo trata na verdade de um julgamento moral sobre

aquele que tenta atingir o sublime de maneira fuacutetil ou vatilde O texto prossegue

ταπεινὸν γὰρ ἐξ ὅλου καὶ μικρόψυχον καὶ τῷ ὄντι κακὸν

ἀγεννέστατον τί ποτ οὖν τὸ μειρακιῶδές ἐστιν ἢ δῆλον ὡς

σχολαστικὴ νόησις ὑπὸ περιεργασίας λήγουσα εἰς ψυχρότητα

ὀλισθαίνουσι δ εἰς τοῦτο τὸ γένος ὀρεγόμενοι μὲν τοῦ περιττοῦ καὶ

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πεποιημένου καὶ μάλιστα τοῦ ἡδέος ἐξοκέλλοντες δὲ εἰς τὸ ῥωπικὸν

καὶ κακόζηλον

(Pseudo-Longino De Sublimitate 345 ndash 51)

diz-se dele que tem o pensamento preguiccediloso [scholastikeacute noacuteesis] que por causa do

empolamento [periergasiacutea o excesso de coisas fuacuteteis] estagna-se em frigidez [psychroacutetes]

ldquoEscorregam nesse gecircnero os que almejam o prodigioso [tograve perittoacuten que em Dioniacutesio de

Halicarnasso era abundacircncia atributo do elevado] o produzido [pepoiemeacutenos] e

principalmente o prazer [hedyacutes] vagando para o espalhafatoso [rhopikoacuten] e afetado

[kakoacutezelon]rdquo A julgar por ldquoespalhafatoso afetado empolado prodigiosordquo etc temos uma

descriccedilatildeo que se aproxima mais do que poderiacuteamos conceber como a forma falha do molde

copioso que recebe a qualidade de ldquoexaltadordquo que se pode traduzir no contexto do discurso

por ldquopedanterdquo Comparado ao nosso modelo e agrave descriccedilatildeo de gecircneros e defeitos como

observamos na tratadiacutestica retoacuterica embora o princiacutepio seja peripateacutetico o tratado do sublime

natildeo se propotildee a prescrever todos os gecircneros bem sucedidos de elocuccedilatildeo mas concentra-se em

aplicar isso que aqui chamamos preceito ou teoria da medida para descrever tudo quanto pode

produzir um efeito o transporte [ekstaacutesis] e natildeo outro a persuasatildeo [peithoacute] (1 4 1) e eacute a

partir disso que descreveraacute os demais tipos de elocuccedilatildeo o que natildeo eacute seu foco (cf por

exemplo 8 1 e 33 1) Os tratados descrevem ainda que diferentemente os gecircneros da boa

elocuccedilatildeo e a partir deles a forma desproporcional da caracteriacutestica fundamental de cada um

De novo a adequaccedilatildeo (da medida no caso) a trecircs Por fim vale mencionar que esse criteacuterio

peripateacutetico se evidencia na Ars de Horaacutecio47

No epiacutetome de Foacutecio os dois defeitos derivados do desvio do molde copioso duro

[skleroacuten] e exaltado [epermeacutenon] parecem corresponder bem aos viacutecios que pseudo-

Longino refere um ao aspecto do discurso que eacute ldquoinfladordquo laacute ldquoinchadordquo e aqui ldquodurordquo

ldquomaciccedilordquo quase a ideia de ldquoaacutesperordquo no sentido de algo intrataacutevel em funccedilatildeo das saliecircncias

(que leva agrave ideia de ldquoaustero severo aacuterduordquo) outro parece mais relacionado ao afeto e ao

enunciador uma vez que ldquoexaltadordquo ie que estaacute muito acima do necessaacuterio contempla tanto

a ideia do pedantismo e da afetaccedilatildeo como do pathos fora de hora

O escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio que simplesmente emprega o verbo antikeicirctai para

designar a oposiccedilatildeo de gecircneros fala do duro como a epiacutetome mas do escasso [brachyacute]48

Lembrando o texto de pseudo-Longino e sua metaacutefora fisioloacutegica eacute a intumescecircncia de certa

regiatildeo que gera a secura e talvez assim possamos interpretar esse adjetivo no sentido de que

47 Cf Horaacutecio Arte Poeacutetica v 24 ndash 28 48 Op cit 449 32

66

para aleacutem dos adereccedilos desnecessaacuterios e demasiados esse gecircnero estaacute desprovido de sauacutede ou

da coacutepia que o caracteriza Aqui tambeacutem de certa forma o gecircnero vizinho e defeituoso

confunde-se com o oposto virtuoso Parece que no caso do escoacutelio o molde defeituoso eacute

entendido como um oposto propriamente inclusive a julgar pelo verbo que introduz a

passagem

A Retoacuterica a Herecircnio denomina esse gecircnero defeituoso de inflado [sufflata]49 bem

condizente com o aspecto fiacutesico do inchaccedilo de Pseudo-Longino e da macicez do epiacutetome e

contiacutenua pela metaacutefora fiacutesica para exemplificar ldquoAssim como um inchaccedilo [tumor como o

grego oacutegkos] pode parecer uma condiccedilatildeo saudaacutevel do corpo grave [grave] pode parecer o

discurso que turge [turget] e estaacute inflado [inflatum]rdquo natildeo agrave toa o tratado nos daraacute trecircs

possiacuteveis elementos desse gecircnero defeituoso que ou estatildeo para aquela dureza ou para o

empolamento e a afetaccedilatildeo inadequada ou se empregam palavras que satildeo muito recentes ou

arcaicas (ldquonouis aut priscisrdquo) ou usam-se metaacuteforas duras (ldquousa-se delas duramenterdquo ndash

ldquoduriter aliunde translatisrdquo) ou porque algo eacute dito com palavras mais graves do que a mateacuteria

exige (ldquograuioribus quam res postullat aliquid diciturrdquo)

Na divisatildeo quaacutedrupla de Demeacutetrio50 o gecircnero defeituoso eacute qualificado como

ldquofriacutevolordquo adjetivo empregado por Pseudo-Longino e que se associa a essa qualidade afetada

do discurso que traz muito mais do que o necessaacuterio O princiacutepio se torna praticamente uma

maacutexima no verso horaciano ldquoprofessus grandia turgetrdquo- ldquoa grandeza professa turgerdquo51

O adjetivo tapeinoacutes que no epiacutetome nomeia o desvio do molde tecircnue designa aquilo

que eacute baixo abjeto em diferentes contextos (social moral) etc Designa o aspecto vulgar e

rebaixado daquele falar hodierno do qual parte a linguagem bem sucedida deste gecircnero na

Retoacuterica a Herecircnio que qualifica o viacutecio como aacuterido [aridum] e exangue [exsangue]52

Aacuterido [xeroacutes] tambeacutem eacute o nome para Demeacutetrio do desvio do caraacuteter tecircnue Para pseudo-

Longino como visto53 essa aridez tem que ver com uma grandeza um aumento que natildeo se

realiza eacute mais um discurso vicioso que natildeo atinge aquele sublime O escoacutelio a Dioniacutesio

Traacutecio neste passo de fato parece confimar a hipoacutetese de nomear como viacutecio uma forma que

eacute oposta opotildee-se ao tecircnue o amplo [platuacute ou difuso referindo-se agrave elocuccedilatildeo] e grosso

[paxuacute espesso]54 que ora remetem ao hadron forma virtuosa Por fim em Horaacutecio talvez

esteja aqui aquele que procede com excessivo medo da elevaccedilatildeo ldquoserpit humi tutus nimium

49 Retoacuterica a Herecircnio IV 10 19 50 Supra paacuteg 52 ndash 53 51 Op cit v 27 52 Op cit IV 11 16 53 Supra paacuteg 57 54 Op cit 449 32

67

timidisque procellaerdquo ndash ldquoRasteja pelo chatildeo aquele excessivamente cauto e medroso da

procelardquo55

Quando ao desvio do molde meacutedio a primeira caracteriacutestica refere-se ao fato de o

discurso parecer incompleto inacabado tolhido argoacutes designando o objeto em que falta

trabalho ie em que o trabalho natildeo se concluiu Pelas liccedilotildees sobre a diferenccedila entre prosa e

poesia podemos pensar que talvez ele o seja por deixar a impressatildeo de carecer de ornato

quando uma de suas necessidades eacute possuiacute-lo a ponto de deleitar56

Parece que eacute neste sentido que o escoliasta de Dioniacutesio Traacutecio57 que designa este

molde como florido denomina seu oposto por agleukeacutes amargo (em que natildeo haacute doce) e

logoieideacutes prosaico ie natildeo eacute tatildeo poeacutetico quanto precisaria O segundo termo empregado

eklelumeacutenon (solto desatado relaxado dilatado) parece estar associado justamente a esse

mau acabamento do ornato e eacute correlato ao termo com que a Retoacuterica a Herecircnio designa o

gecircnero vicioso dissoluto [dissolutum]58 ldquoque eacute sem nervos e articulaccedilotildeesrdquo ndash mantendo uma

metaacutefora fisioloacutegica (quod est sine neruis et articulis articulaccedilotildees) ndash de modo que posso

chamaacute-lo flutuante [fluctuans] jaacute que flutua caacute e laacute e natildeo possui a capacidade de andar

livremente com firmeza [confirmatis] e virilidade [uiriliter]rdquo Essa mesma noccedilatildeo de firmeza

que se exige para uma elevaccedilatildeo digna que natildeo eacute poreacutem a da coacutepia mas constitui um meio

termo parece condizer com o defeito daquele que na Ars horaciana almejando mais leveza

do que se deve acaba fraco ie sem nervos [nerui] e acircnimo [animi] ldquosectantem leuia nerui

deficiunt animiquerdquo59

3 A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA

31 SEUS GEcircNEROS

55 Idem v 28 56 Supra paacuteg 54 57 Op cit 449 32 58 Op cit IV 11 1 59 Op cit v 25 ndash 26

68

Eacute pelo emprego do adjetivo ldquopoeacuteticardquo [poietikeacute] no paraacutegrafo 11 da ediccedilatildeo de

Severyns60 319a 3 na ediccedilatildeo de Bekker que se inicia o extenso cataacutelogo de gecircneros e

espeacutecies poeacuteticas que basicamente constitui todo o restante do epiacutetome como parte principal

do objeto resumido Imediatamente a liccedilatildeo do epiacutetome estabelece o criteacuterio segundo o qual

divide dois grandes gecircneros de poesia

Chama a atenccedilatildeo o emprego de outro termo vimos que poiacuteema foi usado para

distinguir poesia e prosa no paraacutegrafo 3 e logo acima no paraacutegrafo 10 foi novamente

empregado como sinocircnimo de poiacuteesis Parece que esse termo se usa laacute enquanto em uma

primeira seccedilatildeo da obra em que se trataria da linguagem em geral contemplando toacutepicos

comuns agrave poesia e agrave oratoacuteria (que consequentemente servem para a prosa em geral como a de

um historiador logoacutegrafo etc) tais quais a elocuccedilatildeo e seus gecircneros virtuosos e viciosos o

eacutethos e o paacutethos Esses trecircs elementos correspondem natildeo perfeitamente agrave triparticcedilatildeo retoacuterica

que vem desde Aristoacuteteles natildeo perfeitamente porque a parte sobre os plaacutesmata fala somente

de elocuccedilatildeo e natildeo do logos como um todo e suas partes etc Assim nenhuma designaccedilatildeo

especiacutefica ou disjuntiva aparece ateacute aqui (ldquoretoacutericardquo ldquopoeacuteticardquo) salvo gramatikeacute do tiacutetulo

que nos serve de indiacutecio para conjeturar justamente sobre como essas liccedilotildees de diferentes

saberes satildeo tomadas aqui nas suas partes concernentes agraves letras

Apoacutes enfim uma primeira parte em que se tomaram essas liccedilotildees apenas no que

concerne agrave linguagem e seu uso por quem compotildee uma obra em prosa ou em verso

significando que desse ponto de vista as mesmas caracteriacutesticas se observariam na prosa de

um logoacutegrafo e nos versos de um tragedioacutegrafo natildeo havendo distinccedilatildeo salvo pelo fato de que

estes conteratildeo virtudes em maior quantidade passa-se entatildeo ao exame da poeacutetica

especificamente entendida como reuniatildeo das obras de poesia Pode-se conjeturar que o termo

(no genitivo e com forte carga partitiva cf nota 9) agora eacute empregado para delimitar o que eacute

assunto apenas referente a esse tipo de confecccedilatildeo A liccedilatildeo do coacutedice logo passa ao que

consiste dentro dessa perspectiva antes explicitada o tratamento da obra poeacutetica E o que

seria Os diferentes gecircneros em que se agrupam as composiccedilotildees considerada agora apenas a

composiccedilatildeo em verso e natildeo dentro do primeiro criteacuterio classificatoacuterio geral a elocuccedilatildeo

Em outras palavras e com implicaccedilotildees mais fortes o que eacute relevante para essa

abordagem das letras sobre a poesia e daiacute sem a elocuccedilatildeo apenas ela inicia-se pela sua

divisatildeo em gecircneros Natildeo agrave toa segue-se imediatamente a primeira e mais ampla distinccedilatildeo

60 Severyns op cit tomo II pg 33

69

geneacuterica relacionada ao que na Poeacutetica de Aristoacuteteles se designa apenas como o modo de

imitaccedilatildeo ou da mimese

Sabe-se que a Poeacutetica de Aristoacuteteles se insere em uma discussatildeo que jaacute estaacute bem

distante de muitos dos textos de base gramatical que foram escritos posteriormente sobre o

assunto embora natildeo tatildeo distante dos textos modelares da praacutetica

A divisatildeo entre poesia narrativa [diegematikoacuten] e imitativa [mimetikoacuten] ndash para cuja

traduccedilatildeo mantecircm-se aqui os termos latinos ndash tem por criteacuterio o modo enunciativo ie mais

especificamente quem eacute o enunciador Essa distinccedilatildeo vem como se sabe desde a Repuacuteblica

em que natildeo eacute dupla mas triacuteplice Nos termos do filoacutesofo (III 394b) a narraccedilatildeo da poesia e da

mitologia ou se daacute inteira por imitaccedilatildeo [diagrave mimeacuteseos] ou por relato do poeta ele mesmo [dirsquo

aggeliacuteas autoucirc toucirc poietoucirc ie de forma reportada pelo proacuteprio poeta] ou ainda por ambos

[aucirc drsquo amphoteacuteron] Esta uacuteltima eacute a forma mista em que ora o poeta fala ora a personagem

da qual Homero eacute o exemplo

A classificaccedilatildeo proposta por Platatildeo ocorre na conversa entre Soacutecrates e Adimanto e a

primeira menccedilatildeo aos modos de enunciar se daacute em 392a passagem em que Soacutecrates comeccedilaraacute

a delimitar e expor a doutrina falando primeiro da chamada haplecirc dieacutegesis

ou ldquonarraccedilatildeo simplesrdquo e da miacutemesis O problema e o foco de Platatildeo natildeo eacute

gramatical ou poeacutetico mas sim filosoacutefico-moral eacute um problema para a paideia da cidade a

imitaccedilatildeo plural ie uma pessoa empreender a imitaccedilatildeo de muitas pessoas (395a) uma vez

que a fidelidade dessas imitaccedilotildees seraacute prejudicada dada a impossibilidade de uma uacutenica

pessoa realizaacute-las todas adequadamente Eacute fundamental frisar que para Platatildeo mimese aqui eacute

algo muito mais restrito do que para Aristoacuteteles pois se trata puramente da imitaccedilatildeo que uma

pessoa faz a de outra ou da fala dela Para o filoacutesofo a narraccedilatildeo eacute primordial ou seja haacute a

narraccedilatildeo em princiacutepio e a imitaccedilatildeo eacute uma coacutepia de uma narraccedilatildeo que pertence a outrem

Platatildeo natildeo estaacute interessado em utilizar a distinccedilatildeo para analisar e classificar as praacuteticas

poeacuteticas Estaacute sim interessado em lidar com as implicaccedilotildees que as distinccedilotildees estabelecidas

trazem para sua filosofia e se as mentiras que podem ser contadas para em um mito jaacute podem

por si soacute natildeo fornecer um bom exemplo moral para a cidade imitar jaacute eacute por si soacute uma mentira

Em seu tratado Aristoacuteteles estaacute interessado entre outras coisas principalmente em

mostrar que primeiramente mimese ou imitaccedilatildeo eacute algo mais amplo possui uma funccedilatildeo

didaacutetica fundamental e justamente por isso quando julgada a poesia deve ser pensada dessa

perspectiva Isso explica antes de mais nada a exposiccedilatildeo da triparticipaccedilatildeo classificatoacuteria que

ocupa os trecircs primeiros capiacutetulos da Poeacutetica (natildeo agrave toa seguida de um quarto capiacutetulo e quem

o filoacutesofo fala justamente do valor didaacutetico da imitaccedilatildeo) em que se explicitam os criteacuterios

70

com os quais o filoacutesofo pensa mimese de que e poesia eacute uma espeacutecie A distinccedilatildeo dos modos

enunciativos portanto ocupa um ponto especiacutefico da doutrina aristoteacutelica

Ἔτι δὲ τούτων τρίτη διαφορὰ τὸ ὡς ἕκαστα τούτων μιμήσαιτο ἄν τις

καὶ γὰρ ἐν τοῖς αὐτοῖς καὶ τὰ αὐτὰ μιμεῖσθαι ἔστιν ὁτὲ μὲν

ἀπαγγέλλοντα ἢ ἕτερόν τι γιγνόμενον ὥσπερ Ὅμηρος ποιεῖ ἢ ὡς τὸν

αὐτὸν καὶ μὴ μεταβάλλοντα ἢ πάντας ὡς πράττοντας καὶ ἐνεργοῦντας

daggerτοὺς μιμουμένουςdagger ἐν τρισὶ δὴ ταύταις διαφοραῖς ἡ μίμησίς ἐστιν

ὡς εἴπομεν κατ ἀρχάς ἐν οἷς τε ltκαὶ ἃgt καὶ ὥς ὥστε τῇ μὲν ὁ αὐτὸς

ἂν εἴη μιμητὴς Ὁμήρῳ Σοφοκλῆς μιμοῦνται γὰρ ἄμφω σπουδαίους

τῇ δὲ Ἀριστοφάνει πράττοντας γὰρ μιμοῦνται καὶ δρῶντας ἄμφω

ὅθεν καὶ δράματα καλεῖσθαί τινες αὐτά φασιν ὅτι μιμοῦνται δρῶντας

(Aristoacuteteles Poeacutetica 1448a 19 ndash 29)

Descrevendo seu objeto pelos meios ( ) pela mateacuteria ( ) e o modo ( ) a

Poeacutetica traz a distinccedilatildeo dos modos na explicaccedilatildeo da terceira categoria para a qual Aristoacuteteles

distingue duas possibilidades (1448a 19 ndash 24)

[] pois eacute possiacutevel pelos mesmos meios imitar as mesmas coisas ora

relatando [reportando hotegrave megraven apaggeacutelonta] (ou tornando-se de

certa forma outro como faz Homero ou como si proacuteprio e natildeo

alternando) ou todos os que imitam como agentes e operantes [hoacutes

praacutettontas kaigrave energoucircntas]

Aristoacuteteles natildeo propotildee um gecircnero misto como Platatildeo o que natildeo significa que natildeo

observe o fenocircmeno que Platatildeo nomeia como um terceiro tipo Considerando que Aristoacuteteles

discute exatamente miacutemesis e um tipo especiacutefico dela parece que seu criteacuterio eacute a presenccedila ou

natildeo ndash referida reportada e daiacute inferida pelos ouvintes ndash da voz do poeta seja na figura dele

mesmo seja por traacutes da voz de outro como a personagem Parece que no outro gecircnero natildeo

haacute pelo menos para Aristoacuteteles essa voz natildeo ocorre esse reportamento mas a miacutemese se daacute

como atuaccedilatildeo ie pela accedilatildeo dos actantes e natildeo como relato Simplificando pode-se dizer

partindo do segundo membro do par que a composiccedilatildeo pertenceraacute a este ou agravequele gecircnero se

for encenada ou natildeo Mais abstratamente o resultado de uma deve ser a coisa a mateacuteria o

fato sendo executado realizado da outra reportado contado Partindo poreacutem do outro

membro do par a fim de se chegar a uma simplificaccedilatildeo ter-se-aacute um problema modernamente

Dizendo que uma eacute ldquoencenadardquo e a outra eacute ldquonarradardquo buscar-se-aacute entatildeo a ldquounidade de accedilatildeordquo

de que a Poeacutetica tanto fala de toda e qualquer espeacutecie arrolada como narrativa natildeo soacute nesta

obra atribuiacuteda a Proclo mas tambeacutem em outros textos que trazem classificaccedilatildeo geneacuterica Este

71

problema eacute o principal de nosso epiacutetome qual seria por exemplo a unidade de accedilatildeo de um

melos como o epiniacutecio

Em relaccedilatildeo a Platatildeo observam-se duas peculiaridades Primeiramente como eacute

justamente pelo valor cognitivo e didaacutetico da imitaccedilatildeo que Aristoacuteteles confere estatuto

filosoacutefico agrave poesia61 adota o conceito de miacutemesis como nomenclatura mais ampla para

nomear o fenocircmeno dentro do qual se insere a poesia Natildeo agrave toa o iniacutecio do tratado eacute

dedicado agrave miacutemesis dentro da qual a miacutemesis poeacutetica eacute uma espeacutecie No entanto o termo

ldquomimeacuteticordquo (ou imitativo) jaacute foi empregado por Platatildeo quem Aristoacuteteles busca refutar para

designar uma espeacutecie de narraccedilatildeo de mitos uma das trecircs maneiras arroladas na Repuacuteblica

Parece que por essa razatildeo natildeo adota o termo ldquomimeacuteticordquo para calssificar a imitaccedilatildeo

dramaacutetica como se observa poreacutem em praticamente todo o restante da tratadiacutestica posterior

de que a Crestomatia mesma seria um exemplo Prefere empregar os particiacutepios ldquoprattontasrdquo

e ldquoenergoucircntasrdquo para designar a atividade que empreendem e designar seu sujeito justamente

com outro particiacutepio de que tal atividade eacute pelo criteacuterio do modo espeacutecie ldquotougraves

mimoumeacutenousrdquo

Em segundo lugar parece que como haacute uma discordacircncia teoacuterica deste para aquele

implicando tambeacutem uma discordacircncia conceitual ie a repeito de miacutemesis referindo-se aos

modos da enunciaccedilatildeo Aristoacuteteles busca um denominador comum ou um elemento mais

baacutesico que permita uma classificaccedilatildeo diferente por isso abre matildeo do modo ldquomistordquo porque

nem leva em considera o modo ldquopor imitaccedilatildeo rdquo platocircnico O elemento mais

baacutesico que se pontua depende da presenccedila ou natildeo de um ator mas conforme dito acima isso

eacute consequecircncia o elemento propriamente eacute a voz ou natildeo do poeta mas no sentido de que ou o

discurso que nos reporta as accedilotildees eacute percebido como saindo da boca de outros que natildeo o poeta

ou mesmo que esse assuma a voz de outro o discurso que se ouve ainda nos eacute reportado pelo

poeta mudada sua voz na voz de outro que natildeo eacute senatildeo dependente da primeira voz ou um

construto o que se entende de ldquo relatando (ou tornando-se de certa forma outro como faz

Homero ou como si proacuteprio e natildeo alternando)rdquo [grifo do autor]

Poder-se-ia considerar dessarte a julgar pelo que foi acima exposto que o epiacutetome

traria a liccedilatildeo aristoteacutelica uma vez que natildeo menciona um gecircnero misto como Platatildeo e outros

textos que mencionam esse terceiro gecircnero por entenderem que no caso em que o ldquoeu-

poeacuteticordquo daacute voz a uma personagem haacute uma mistura das duas enunciaccedilotildees Para a triparticcedilatildeo

cuja origem recua ateacute Platatildeo essa interpretaccedilatildeo eacute verossiacutemil porque o raciociacutenio parece ser o

61 Cf Poeacutetica (cap IX) Porque a poesia representa o possiacutevel segundo a verossimilhanccedila eacute mais universal por

oposiccedilatildeo agrave historia particular Decorre para Aristoacuteteles que a poesia eacute mais filosoacutefica

72

mesmo como eacute o caso do texto por exemplo do livro III da Ars Grammatica de Diomedes62

que serviraacute para o cotejo com a Crestomatia a mesma ilaccedilatildeo natildeo vale para os textos que

trazem em vez de uma triparticcedilatildeo uma biparticcedilatildeo A concepccedilatildeo aristoteacutelica supotildee

obrigatoriamente a mimese de accedilatildeo e supotildee como fica expliacutecito agentes que podem ser

resultado da miacutemeses da voz do poeta (o poeta lhes daacute voz) ou podem ser eles mesmos donos

dessa voz ie atores e nesse caso o poeta natildeo fala nada (sua voz natildeo aparece)

Parece que os textos posteriores baseiam-se ou copiam uma biparticcedilatildeo que na obra de

Aristoacuteteles eacute traccedilada segundo os criteacuterios que define como proacuteprios da imitaccedilatildeo poeacutetica Eacute

fundamental poreacutem lembrar que Aristoacuteteles natildeo questiona nem faz apontamento algum

acerca da accedilatildeo de outras espeacutecies poeacuteticas aleacutem da trageacutedia da comeacutedia e da epopeia sendo

aquelas duas exemplo de poesia dramaacutetica e esta de narrativa

Natildeo se pode afirmar que o agrupamento de espeacutecies que se segue em textos como o da

Crestomatia seria aristoteacutelico mas poderiacuteamos conjeturar que como o sentido dado ao verbo

apaggeacutello (na referida passagem de Aristoacuteteles) talvez seja um pouco mais amplo do que em

Platatildeo a julgar pelo fato de que laacute primeiramente natildeo haacute um gecircnero intermediaacuterio e segundo

Homero eacute justamente o exemplo de poesia narrativa (enquanto em Platatildeo a poesia estaacute ao lado

do relato de mitos) todas as demais espeacutecies que natildeo as teatrais por nelas se supor a voz de

um poeta sejam ldquonarrativasrdquo no sentido de que o que quer que se cante eacute reportado ao

ouvinte pelo eacutethos de um poeta cuja voz se ouve63 independente da unidade de accedilatildeo da

presenccedila ou natildeo de mito da vitoacuteria do atleta das causas de uma festa ou da celebraccedilatildeo de um

deus ou heroacutei ainda mais se considerarmos que a oralidade nunca deixou de desepenhar

importante papel mesmo nas culturas escritas como a alexandrina ou a bizantina papel esse

determinante no entendimento que as artes e os textos de doutrina fizeram da poesia Eacute bom

ressaltar que os textos mesmos seguem suas convenccedilotildees explicativas e eacute justamente pela

repeticcedilatildeo ao longo dos seacuteculos que satildeo concebidas como autorizadas

Isso significa que as artes gramaticais posteriores podem ter se fiado em um criteacuterio

que eacute adotado senatildeo mesmo desenvolvido por Aristoacuteteles o que eacute diferente de dizer que

seguem sua doutrina afinal de contas o criteacuterio da accedilatildeo natildeo eacute sequer mencionado nesse tipo

de descriccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies salvo na explicaccedilatildeo sobre o desenvolvimento da eacutepica

O mais importante no fato de o texto da Crestomatia adotar como a Poeacutetica uma

biparticcedilatildeo eacute o fato de que natildeo segue entretanto a terminoliga aristoteacutelica que evita

62 Diomedes Artis grammaticae III paacuteg 482 63 Eacute nesse sentido que conforme visto (supra 134 pag 47 em diante) Dioniacutenio de Halicarnasso no tratado Da

Imitaccedilatildeo fala do eacutethos da poesia de Alceu

73

ldquomimeacuteticordquo para o gecircnero em que os actantes satildeo enunciadores talvez simplesmente porque a

interpretaccedilatildeo que se fazia da doutrina nesta obra optava por uma conceituaccedilatildeo simples em

dois gecircneros abrangentes apenas sem mistura mas natildeo estava preocupada em propugnar a

favor de uma conceituaccedilatildeo preferencialmente a outra pois natildeo se inseria em um contexto de

disputa pelo termo como se pode supor no caso de Platatildeo e Aristoacuteteles

O texto de Diomedes sec IV AC64 testemunha que diferentes termos gregos eram

conhecidos entre os romanos mesmos para nomear esses dois grandes gecircneros O texto do

livro III de sua obra poreacutem adota a triparticcedilatildeo Note-se a variedade terminoloacutegica

Os gecircneros de poema satildeo trecircs Com efeito o gecircnero eacute ativo ou

imitativo que os gregos chamam dramatikoacuten ou mimetikoacuten narrativo

ou enunciativo que os gregos chamam exegetikoacuten ou apangeltikoacuten

comum ou misto que os gregos chamam koinoacuten ou miktoacuten Eacute

dramatikoacuten ou ativo aquele em que atuam somente as personagens

sem interlocuccedilatildeo de algum poeta como ocorre nas faacutebulas traacutegicas e

cocircmicas gecircnero no qual foi escrita a primeira Bucoacutelica [de Vergiacutelio2]

e aquela cujo iniacutecio eacute ldquoquo te Moeri pedesrdquo [ldquoPara onde Meride

levam-te os peacutesrdquo] Eacute exegetikoacuten ou narrativo aquele em que o proacuteprio

poeta fala sem interlocuccedilatildeo de alguma personagem como ocorre nas

trecircs primeiras Geoacutergicas [de Vergiacutelio] e na primeira parte da quarta e

igualmente nos cantos de Lucreacutecio e em outros semelhantes a estes Eacute

koinoacuten ou comum aquele em que o proacuteprio poeta fala e as personagens

satildeo introduzidas falando como foram escritas a Iliacuteada e a Odisseacuteia

inteiras de Homero a Eneida de Vergiacutelio e outros semelhantes a

estes

(Diomedes Arte Gramatical livro III trad Izabella Lombardi

Gaberllini in LETRAS CLAacuteSSICAS n 9 p 231-243 2005 Paacuteg

231)

Agora em uma triparticcedilatildeo Diomedes testemunha o uso da nomenclatura ldquoimitativordquo agrave

que tambeacutem associa o termo ldquodramaacuteticordquo bem como a traduccedilatildeo latina dos respectivos nomes

Curioso notar tambeacutem que siga o criteacuterio semelhante ao de Platatildeo ilustrando o gecircnero misto

com a eacutepica de Homero e Vergiacutelio

Observaremos portanto que para os textos de doutrina (que possuem eles mesmos

como dito suas convenccedilotildees) principalmente esses de acendecircncia gramatical o que concerne

tatildeo somente agrave poesia eacute sua divisatildeo em gecircneros e espeacutecies em outras palavras seu

agrupamento segundo uma nomenclatura funcional que permita tratar da variedade das

composiccedilotildees herdadas dos antigos gregos Se de origem heleniacutestica e portanto

64 Holtz L apud Gaberllini (2005) paacuteg 1 A dataccedilatildeo da Ars Grammatica de Diomedes infere-se a partir do uso

que faz de Donato e Cariacutesio gramaacuteticos anteriores e pelas constantes citaccedilotildees de Prisciano

74

originariamente editorial essa nomenclatura em um texto como o da Crestomatia ou o da

gramaacutetica de Diomedes tornou-se didaacutetica e eacute de se supor no caso da primeira natildeo apenas no

sentido pedagoacutegico Temos muito bons indiacutecios para supor que essa nomenclatura natildeo se

propotildee riacutegida uacutenica infrangiacutevel porque ela mesma no caso da Crestomatia supotildee mais

restritas suas dimensotildees quando o assunto eacute a liacuterica65 O que observamos no cataacutelogo da liacuterica

eacute a preponderacircncia e o emprego de outro criteacuterio ou padratildeo explicativo que tambeacutem estaacute

presente nos gecircneros anteriores natildeo se busca explicar o que seja a poesia como o faz

Aristoacuteteles mas sim reunir quanta informaccedilatildeo eacute uacutetil para compreender as diferenccedilas entres as

diferentes espeacutecies No caso das espeacutecies diegeacuteticas ou narrativas que natildeo a liacuterica junto a um

criteacuterio de mateacuteria e metro que privilegia este em relaccedilatildeo agravequele quanto agrave antecedecircncia

emprega-se um criteacuterio etimoloacutegico que eacute em boa parte das vezes etioloacutegico tambeacutem porque

traz consigo a origem do dizer consequentemente a origem do referente do significante Esse

eacute o criteacuterio que perpassa todo o cataacutelogo liacuterico na sua forma mais baacutesica porque em alguns

casos o emprego de uma palavra como nomenclatura jaacute eacute por si mesmo autoexplicativo eacute o

caso das uacuteltimas subespeacutecies aquelas sobre circunstacircncias incidentais em que se opta pelo

verso Esse eacute tambeacutem o mesmo criteacuterio que no caso das espeacutecies anteriores agrave meacutelica (a eacutepica

a elegia e o iambo) organiza concomitantemente a metro e mateacuteria a exposiccedilatildeo da espeacutecie

poeacutetica na forma de uma breve histoacuteria que nas suas diferentes etimologias busca agrupar os

diferentes elementos arrolados convencionalmente para definir aquele tipo poeacutetico

32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS DE

DIOMEDES

Consoante ao exposto no item anterior natildeo eacute de espantar que os gecircneros arrolados

entre os imitativos sejam apenas aqueles dramaacuteticos ou teatrais no caso da Crestomatia de

Proclo enquanto observamos que o exemplo de Diomedes refere-se agrave faacutebula teatral em

geral66 e admite que como tal escreveram-se as Bucoacutelicas I e IX

65 Basta conferir como o cataacutelogo das espeacutecies meacutelicas eacute introduzido no epiacutetome sect33 (Severyns) 319b 33 66 ldquo() dramaticon est vel activum in quo personae agunt solae sine ullius poetae intcrlocutione ut se habent

tragicae et comicae fabulaerdquo ndash DIOMEDES op cit paacuteg 482 17 ndash 19 Diomedes provavelmente pontua o

elemento ldquofabulaerdquo logo aqui porque o mencionaraacute tratando posteriormente e em separado das espeacutecies

cocircmicas e traacutegicas Nada nos impede de conjeturar e tatildeo somente isso que tratando enfim do gecircnero mimeacutetico

nos demais livros da Crestomatia de que natildeo temos notiacutecia alguma o myacutethos aparecesse na obra Se a exposiccedilatildeo

75

Em ambos os textos o criteacuterio preponderante que estabelece a primiera distinccedilatildeo

dentro da qual os poemas se agruparatildeo eacute o modo enunciativo

Aquilo que seratildeo as espeacutecies no tratado de Proclo para Diomedes receberaacute o nome

simples de ldquocarminardquo ou ldquocantosrdquo designados como o resultado a obra em si uma vez que a

palavra latina designa assim o poema a composiccedilatildeo em verso Diomedes adota assim a

designaccedilatildeo jaacute corrente para essas formas poeacuteticas mas propotildee entre os carmes e os gecircneros

maiores outras espeacutecies que consideram agora o que se narra ou mimetiza e que satildeo

apresentadas como espeacutecies dos trecircs primeiros grupos elencados

ldquoPoematos dramatici vei activi genera sunt quattuor apud Graecos

traacutegica comica satyrica mimica apud Romanos praetextata tabernaria

Atellana planipesrdquo

(DIOMEDES op cit III apud Keil paacuteg 482 26)

ldquoOs gecircneros do poema dramatikoacutes ou ativo satildeo quatro entre os

gregos a [espeacutecie] traacutegica a cocircmica a satiacuterica a miacutemica entre os

romanos a pretextata a tabernaacuteria a atelana a planiacutepederdquo

(Trad GABERLLINI op cit 231)

Observa-se que no caso das espeacutecies gregas modelares (salvo pelos mimos) pelo

menos desde Aristoacuteteles67 a um criteacuterio primeiramente selecionado como mais geral porque

mais abrangente e baacutesico sobretudo por permitir a distinccedilatildeo imediata entre a poesia dramaacutetica

e as demais formas conhecidas segue-se uma subdivisatildeo desse criteacuterio que permite elencar e

subagrupar outras formas poeacuteticas geralmente obtusas em relaccedilatildeo agrave nomenclatura Eacute seguindo

o mesmo criteacuterio entatildeo que nos deparamos com outras espeacutecies mas agora do gecircnero

narrativo

ldquoExegetici vel enarrativi species sunt tres angeltice historice

didascalice angeitice est qua sententiae scribuntur ut est Theognidis

liber item chriae historice est qua narrationes et genealogiae

dos livros estivesse organizada como o epiacutetome 239 nos daacute a conhecer eacute de se crer que na sequecircncia do livro

III ocorresse a exposiccedilatildeo do gecircnero que natildeo foi discutido nos dois primeiros livros que o epiacutetome nos transmite 67 A reiteraccedilatildeo dos criteacuterios de unidade medida e adequaccedilatildeo ao longo da Ars Poetica de Horaacutecio ilustram-no

muito bem Sobre os mimos embora Aristoacuteteles mencione-os na Poeacutetica 1447b 8 ndash 12 e seja plausiacutevel que

segundo seu criteacuterio acional sejam miacutemesis poeacutetica nada mais nos eacute dito sobre eles no que temos da obra

76

conponuntur ut est Hesiodu et similia

didascalice est qua conprehenditur philosophia Empedoclis et Lucreti

item aslrologia ut phaenomena Aratu et Ciceronis et georgica

Vergilii et his similiardquo

(Idem paacuteg 482 31 ndash 483 3)

Assim o poema apenas narrativo pode ser ldquoenunciativo (angeltikeacute)rdquo quando apenas

enuncia coisas ie quando ocorre pura e simplesmente uma enunciaccedilatildeo direta ndash o exemplo

seria a poesia gnocircmica de Teoacutegnis e as khreicircai ou ldquomaacuteximasrdquo ditos ceacutelebres de personagens

ou figuras histoacutericas pode ser ldquohistoacuterico (historikeacute)rdquo quando o que se ldquonarra reporta relata

etcrdquo possui um sentido cronoloacutegicogenealoacutegico de que eacute exemplo O Cataacutelogo das Mulheres

de Hesiacuteodo pode ser ldquodidascaacutelica (didaskalikeacute)rdquo quando ensina e aqui satildeo exemplos os

Fecircnomenos tanto de Ciacutecero como de Arato ou as Geoacutergicas de Vergiacutelio mas tambeacutem os

poemas de conteuacutedo filosoacutefico de que satildeo exemplos Empeacutedocles e Lucreacutecio

Subdividindo a poesia mista menciona como exemplo a poesia heroica ie a poesia

de heroacuteis de que satildeo exemplo a Iliacuteada e a Eneida tambeacutem se refere agrave liacuterica mas aqui a de

Horaacutecio e Arquiacuteloco (DIOMEDES op cit 483 5 ndash 6)

Ora chama a atenccedilatildeo nesse uacuteltimo caso em comparaccedilatildeo ao texto do epiacutetome de

Foacutecio que operando com uma triparticcedilatildeo dos gecircneros enunciativos a liacuterica seja dada como

exemplo misto porque eacute plenamente possiacutevel imaginar que outro e natildeo o eu-poeacutetico fale

como uma personagem Como a Crestomatia opera com uma biparticcedilatildeo a liacuterica eacute posta junto

de todas as espeacutecies que natildeo satildeo modernamente falando teatrais pelo simples pressuposto de

que nelas quem fala eacute a figura do poeta podendo haver outra dependente dela

Ateacute aqui comparados em sua organizaccedilatildeo observamos que tanto a Crestomatia como

o livro III de Diomedes conhecido antigamente como De Poematibus68 partem de um criteacuterio

primeiro e abrangente que classifica os poemas pelo elocutor Ambos jaacute apresentam aiacute uma

primeira diferenccedila69 este uma divisatildeo tripartite aquele bipartite

O texto de Diomedes apresenta uma subdivisatildeo em espeacutecies que considera a mateacuteria e

a finalidade da composiccedilatildeo mesmo no caso dos poemas apenas narrativos (contemplando

assim ateacute poemas de ensinamento filosoacutefico) e distingue com outra nomenclatura agrave parte os

cantos ou carmina como formas que se definem pelo que parece ser um criteacuterio taacutecito de

68 Uma vez que essa seccedilatildeo por si soacute consiste em um pequeno livro sobre classificaccedilatildeo de obras poeacuteticas que se

inspiraria na obra perdida atribuiacuteda a Suetocircnio De Poetica 69 Aleacutem do fato sempre evidente de que a os textos gregos versam sobre as formas poeacuteticas gregas enquanto os

latinos versam sobre as formas gregas ndash feitas romanas pelos autores paacutetrios ndash e a formas apenas latinas

77

metro e mateacuteria Era de se esperar em princiacutepio que esses cantos correspondessem

diretamente aos grupos acima expostos ou que ao menos fossem explicitados como derivados

deles ou a eles associados essa associaccedilatildeo de forma explicita soacute se verifica para os casos do

epos e da poesia bucoacutelica no caso citado de Vergiacutelio70 Jaacute o texto atribuiacutedo a Proclo passa

direto dos gecircneros enunciativos para o nome de cada uma das espeacutecies narrativas gregas

equivalentes (salvo pela liacuterica que ocupa o epiacutetome extensamente) aos carmina de Diomedes

Em resumo natildeo haacute classificaccedilatildeo intermediaacuteria no texto grego

Ora haacute ao menos que se conjecturar a respeito dessas diferenccedilas e se natildeo pudermos

chegar a respostas definitivas podemos formular hipoacuteteses que permitam um melhor

vislumbre da categorizaccedilatildeo poeacutetica com que se preocupavam as gramaacuteticas antigas

Primeiramente a correspondecircncia entre os carmina de Diomedes e as espeacutecies

arroladas em Proclo eacute notaacutevel A equivalecircncia na verdade eacute principalmente do tipo de

classificaccedilatildeo que se desdobra que ndash agrave guisa de esclarecimento por enquanto ndash tem como

elementos baacutesicos os membros do esquema metro-mateacuteriaetimologia-etiologia Esse modelo

de classificaccedilatildeo e as semelhanccedilas entre os dois textos seraacute o foco da comparaccedilatildeo nas seccedilotildees a

seguir (infra 33 paacuteg 81 em diante) Interessam agora as diferenccedilas e a compreensatildeo

estrutural dos dois textos

O texto de Diomedes traz uma classificaccedilatildeo como notado que o texto de Proclo natildeo

Por quecirc Podemos conjecturar que Diomedes conhecendo duas classificaccedilotildees (uma que

apresenta na forma dos carmina pertencente ao mesmo modelo que a classificaccedilatildeo do texto

de Proclo) preocupa-se em dar conta das duas maneiras de classificar senatildeo em reuni-las e

tornaacute-las ambas operantes e natildeo excludentes procedimento que como se verifica a respeito

das etimologias eacute padratildeo

Parece que a primeira classificaccedilatildeo de Diomedes ausente em Proclo privilegia como

dito o criteacuterio mateacuteria considerando tambeacutem o fim a que o gecircnero enunciativo se destina Em

outras palavras eacute como se buscasse esgotar em subcategorizaccedilotildees o criteacuterio maior e

preponderante dos gecircneros enunciativos Assim as formas imediatamente subcategorizadas

satildeo espeacutecies dos trecircs grandes gecircneros segundo aquilo que ldquose narrardquo aquilo que ldquose

mimetizardquo (entenda-se ldquodramatizardquo diretamente dando voz a actantes) e aquilo que ldquose narra

e dramatizardquo simultaneamente Tal hipoacutetese talvez se confirme em se notando que espeacutecies

irmanadas dentro de um mesmo gecircnero o satildeo independente do metro Observe-se a poesia

gnocircmica de Teoacutegnins compocircs-se em diacutesticos elegiacuteacos os Fenocircmenos de Arato ou Ciacutecero

70 Gaberlinni (2005 paacuteg 1)

78

ou as Geoacutergicas de Vergiacutelio compuseram-se em hexacircmetro ambas no entanto satildeo

subespeacutecies do mesmo gecircnero pois constituem exemplo de poesia narrativa Assim se

explicaria o curioso caso da poesia heroica e da liacuterica em um mesmo gecircnero Mas note-se

tambeacutem Diomedes ao referir-se nesse passo agrave poesia tradicionalmente conhecida como

eacutepica (mais ainda agrave eacutepica por excelecircncia ndash trata-se de Homero e Vergiacutelio afinal) natildeo

emprega o termo ldquoeacutepicardquo ou ldquoeposrdquo porque esse eacute o nome de um carmen dentro da outra

categorizaccedilatildeo que tambeacutem desenvolveraacute O termo ldquoespeacuteciesrdquo rigorosamente emprega-se para

classificar as espeacutecies pela mateacuteria Da perspectiva da mateacuteria a poesia da Eneida ou da Iliacuteada

denomina-se ldquoheroicardquo pois versa sobre heroacuteis e natildeo ldquoeposrdquo embora da perspectiva dos

carmina como se sabe tambeacutem o seja Ao lado dessa poesia como mais um exemplo a liacuterica

citada natildeo eacute a liacuterica enquanto carmen os meacutele de Proclo em outras palavras a meacutelica como

um todo mas sim a liacuterica de Horaacutecio e Arquiacuteloco Evidentemente natildeo se excluem

composiccedilotildees de outros liacutericos Podemos imaginar que Diomedes provavelmente classificaria

sob essa nomenclatura ndash por que natildeo ndash parte de Safo uma vez que na sua ceacutelebre Ode a

Afrodite por exemplo ao dar voz agrave deusa que responde agrave prece do enunciador a poestisa

torna ldquomistardquo a enunciaccedilatildeo Uma liacuterica que natildeo o fizesse no entanto natildeo viria classificada

aqui

Buscando conciliar descriccedilotildees diferentes outra classificaccedilatildeo eacute a que em Diomedes

nomeia as composiccedilotildees como tal em separado a partir do resultado como ldquocantosrdquo Essa

classificaccedilatildeo ao que parece prioriza descrever a origem das formas poeacuteticas consagradas e

por isso seu criteacuterio preponderante eacute o metro seguido das explicaccedilotildees etimoloacutegicas e

etioloacutegicas que justificam como certo nome passou a se aplicar a certo tipo de composiccedilatildeo

natildeo univocamente pois assume que um mesmo nome se aplicava agrave confluecircncia de diferentes

mateacuterias que um metro pode incorporar para alguns casos dos quais o mais evidente eacute o da

elegia busca-se um denominador comum (sempre o lamento fuacutenebre) Mas a premissa

subjacente ndash posta em nossos termos evidentemente ndash seria carmen eacute uma nomenclatura

fechada que se aplica para nomear uma composiccedilatildeo levando em conta prioritariamente as

virtualidades do metro em relaccedilatildeo agrave mateacuteria Afinal de contas natildeo se conhece composiccedilatildeo em

diacutestico elegiacuteaco que almeje por exemplo cantar ldquofeitos e guerras de heroacuteisrdquo Categorizar e

explicar pela histoacuteria a composiccedilatildeo feita em certo metro mais especificamente dado uso de

um metro ndash senatildeo os usos dos metros ndash tornou-se ofiacutecio como visto do gramaacutetico A essa

seccedilatildeo do texto de Diomedes da classificaccedilatildeo dos carmina equivalem diretamente as espeacutecies

do texto de Proclo que natildeo aventando a subdivisatildeo por ldquoo querdquo se enuncia segundo os

79

gecircneros enunciativos propotildee os nomes das composiccedilotildees como as espeacutecies diretas dos grandes

gecircneros

Tal hipoacutetese torna mais clara a estruturaccedilatildeo do texto de Proclo pelo menos como o

resumo de Foacutecio o interpretou ao termo carmina de Diomedes equivale o termo poietikeacute de

Proclo Desde o princiacutepio do resumo o texto segue na esturtura de discurso indireto ldquoDiz

querdquo e entatildeo jaacute se expocircs a doutrinas sobre as virtudes da prosa e da poesia e qual o criteacuterio

discriminatoacuterio (os tropos figuras e todo o ornato ocorrem em maior abundacircncia na elocuccedilatildeo

poeacutetica) tambeacutem a doutrina dos trecircs moldes da elocuccedilatildeo Eacute em 319a 4 (sect12 SEVERYNS)

justamente apoacutes a menccedilatildeo ao juiacutezo de poesia que se inaugura a seccedilatildeo sobre os gecircneros

poeacuteticos

ldquoΚαὶ ὅτι τῆς ποιητ κῆς τὸ μέν ἐστι διηγηματικόν τὸ δὲ μιμητικόνrdquo

ldquoE da composiccedilatildeo poeacutetica diz que haacute o gecircnero narrativo e o imitativordquo

Evidentemente a traduccedilatildeo traz uma resoluccedilatildeo Literalmente ldquoE que da poeacutetica haacute o

diegeacutetico e o mimeacuteticordquo ou ldquoe que haacute o diegeacutetico e o mimeacutetico da poeacuteticardquo Como se vecirc o

trecho obriga a traduccedilatildeo a suprir algo que acompenhe o adjetivo ldquopoeacuteticardquo caso contraacuterio

pensar-se-aacute que aristotelicamente aborda-se aqui a Poeacutetica em um tratado sobre a teacutecnica

embora natildeo seja de todo errado entender que desse trecho em diante seratildeo abordadas

questotildees proacuteprias dessa teacutecnica e do conhecimento da poesia mas parece que a carga do

termo aqui eacute menos teacutecnica como se parafraseando o texto Proclo versasse sobre o que eacute

proacuteprio da poesia e portanto pode ser qualificado pelo adjetivo ldquopoeacuteticordquo

Pois havendo descrito trecircs doutrinas relevantes para analisar a composiccedilatildeo poeacutetica as

trecircs aplicaacuteveis igualmente agrave prosa e agrave poesia ndash a medida da elocuccedilatildeo para prosa e poesia

(pesando a balanccedila para esta) os plasmatai ou moldes e seus desvios e diferenccedila entre eacutethos e

paacutethos no juiacutezo de poesia ndash emprega-se o adjetivo para delimitar aquilo que concerne apenas

agrave poesia o que eacute apenas ldquopoeacuteticordquo ie proacuteprio agora do que eacute poema ndash termo que demarca a

oposiccedilatildeo com loacutegos ou prosa ndash e isso eacute justamente a classificaccedilatildeo dos poemas em narrativo ou

imitativo seguidos das espeacutecies daquele (eacute de se supor que nos livros que Foacutecio natildeo nos daacute a

conhecer arrolassem-se as espeacutecies imitativas) eacute nesse sentido portanto que a delimitaccedilatildeo

dos carminai Diomedes equivale ao poietikeacute de Proclo pois como se viu as

espeacutecies de Proclo (excetuando o cataacutelogo meacutelico) satildeo os carmina de Diomedes

80

Eacute mais do que evidente por isso tambeacutem que ambos os autores referiam-se a uma

mesma classificaccedilatildeo descritiva da poesia enraizada na gramaacutetica e a julgar pelos textos

difundida e profusa

Ambos os textos apresentam ainda uma terceira classificaccedilatildeo com algo em comum

(Diomedes apresenta quatro no total Proclo trecircs) os moldes da elocuccedilatildeo abordados antes da

classificaccedilatildeo geneacuterica na Crestomatia os ldquocaracteres do poemardquo (characteres poematos)

entre a exposiccedilatildeo das espeacutecies e a exposiccedilatildeo dos carmina em Diomedes que os nomeia em

particcedilatildeo quaacutedrupla e com nomes gregos makroacutes brakhyacutes meacutesos e antheroacutes

Essa classificaccedilatildeo seria uma das poucas ocorrecircncias do que em Fortunaciano lemos

como os geacutene pelikoacutetetos ou genera magnitudinis que diferentemente dos geacutene posoacutetetos

(cujo criteacuterio eacute a quantidade) pensam na grandeza na magnitude do discurso71 no que parece

ser uma tentativa de separaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de quantidade e a noccedilatildeo de extensatildeo do discurso

O que lemos na grande maioria dos textos como ldquomoldes gecircneros ou caraacutecteres da elocuccedilatildeordquo

aqui seria o criteacuterio da quantidade os geacutene posoacutetetos De qualquer forma o elemento em

comum com a Crestomatia eacute apresentar um criteacuterio que permita medir e avaliar a elocuccedilatildeo do

poema e assim tambeacutem julgaacute-lo por tal

O momento em que ocorrem ambas as distinccedilotildees nos respectivos textos vale menccedilatildeo

o conteuacutedo geral da obra de Proclo natildeo nos eacute acessiacutevel os indiacutecios arrolados nos capiacutetulos

anteriores levam-nos a crer que em seu iniacutecio para delimitar a poesia diferenciava-a da prosa

pelo criteacuterio da elocuccedilatildeo o que levava a uma discussatildeo sobre seus moldes Esse estudo da

elocuccedilatildeo era proacuteprio da tratadiacutestica retoacuterica de que o grande exemplar eacute Dioniacutesio de

Halicarnasso Sabemos por ele que pensando pelo ponto de vista da elocuccedilatildeo a anaacutelise da

composiccedilatildeo pelos moldes ou caracteacuteres se dava sobre a poesia e sobre a prosa Ora textos de

comentaacuterio gramatical conforme visto tambeacutem podiam recorrer a essa classificaccedilatildeo ou citaacute-

la Que essa doutrina fosse primeiramente exposta na Crestomatia quando em uma

introduccedilatildeo versava sobre a distinccedilatildeo prosa-poesia antes de partir para a classificaccedilatildeo dos

gecircneros poeacuteticos e que os geacutene pelikoacutetetos ocorram antes da menccedilatildeo dos carmina como

outro criteacuterio preponderantemente classificatoacuterio da poesia (justamente a elocuccedilatildeo) em uma

seccedilatildeo do texto que se propotildee a discutir somente a poesia sem mencionar a prosa sequer por

ensejo de distinccedilatildeo isso junto das outras similaridades de organizaccedilatildeo tende a cofirmar a

abordagem de base gramatical que vai se estabelecendo ao longo dos seacuteculos e que natildeo

71 Cf GABERLLINI Traduccedilatildeo e Comentaacuterio da Arte Retoacuterica de Consulto Fortunaciano paacuteg 57 ndash 63

Tambeacutem DOS SANTOS MM As Epiacutestolas de Horaacutecio e a confecccedilatildeo de uma ars dictaminis o opus p 142

Cf Bibliografia

81

descreve a poesia a partir de Aristoacuteteles Se a distinccedilatildeo pela elocuccedilatildeo insere-se dentro da

diferenciaccedilatildeo entre prosa e poesia na Crestomatia no caso do De Poematibus o criteacuterio jaacute eacute

dado inclusive depois do criteacuterio maior como maneira jaacute aceita pela qual tambeacutem se julgam

ou se medem pelo criteacuterio de grandeza no caso os poemas Tal mediccedilatildeo de grandeza para

elocuccedilatildeo embora sirva para essa em geral eacute apresentado como criteacuterio dentro da classificaccedilatildeo

da poesia jaacute assumido como maneira de se julgar poemas pois satildeo ldquocaracteres do poemardquo

sem nenhuma menccedilatildeo agrave prosa o que os poemas tambeacutem se classificavam assim

Nenhum desses criteacuterios eacute tratado ou descrito como condiccedilatildeo sine qua non se diraacute que

algo eacute poesia tais criteacuterios pelo contraacuterio proveem agravequeles que visam agrave explicaccedilatildeo dos

gecircneros manancial variado para descrever dentro de suas respectivas variaccedilotildees (mas

atentando aqui e ali a noccedilotildees semelhantes) as diferentes praacuteticas poeacuteticas da Antiguidade

Esses textos partem de outro ponto que natildeo o criteacuterio de Aristoacuteteles da miacutemesis de accedilatildeo como

o elemento base que define a poeacutetica

33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO

A noccedilatildeo de accedilatildeo ocorreraacute concomitantemente no epiacutetome e no De poematibus apenas

quando ambos abordam o epos Consequentemente soacute voltaraacute a aparecer no texto latino

quando se ateacutem agrave trageacutedia e agrave comeacutedia

A filiaccedilatildeo do texto grego e do texto latino a um mesmo meacutetodo ou forma de pensar e

expor o objeto se explicita agrave medida que os carmina de Diomedes equivalentes agraves espeacutecies

gregas de Proclo trazem etimologias semelhantes em passagens tambeacutem semelhantes de uma

breve histoacuteria de cada um dos tipos de composiccedilatildeo classificados pelo criteacuterio taacutecito de metro e

mateacuteria (semelhanccedila que evidentemente natildeo ocorre para as espeacutecies latinas ausentes no texto

grego) Em outras palavras natildeo apenas as etimologias satildeo as mesmas mas a histoacuteria que se

compotildee com elas revelando uma interpretaccedilatildeo convencionada e autorizada das informaccedilotildees

provedoras de uma mesma organizaccedilatildeo de fatos ilustrativos e explicativos do que em

Diomedes ganha o tiacutetulo de carmina

Como razatildeo histoacuterica da fixaccedilatildeo ao longo dos seacuteculos dessa forma de se exporem os

gecircneros e espeacutecies poeacuteticos devem-se considerar natildeo soacute o estabelecimento dos criteacuterios

editoriais alexandrinos como criteacuterios tambeacutem exegeacuteticos mas por que isso ocorreu A

82

relevacircncia desse fator natildeo estaacute apenas no fato de que graccedilas a essa atividade editorial os

poetas satildeo transmitidos estaacute mais especificamente sim no que consiste essa transmissatildeo eacute

por meio dela que se tornaratildeo objeto do conhecimento no traslado de uma cultura

essencialmente oral para um mundo da erudiccedilatildeo letrada Eacute segundo esses criteacuterios e essa

classificaccedilatildeo que satildeo organizados e pensados Natildeo eacute necessaacuterio elocubrar no caso plural do

melos Basta conceber que aleacutem de Homero muita poesia hexameacutetrica que narrava uma ou

muitas accedilotildees (porque Aristoacuteteles mesmo notifica-nos de poetas que natildeo seguem o criteacuterio que

ele expotildee em seu tratado) esteve em matildeos dos eruditos ou filoacutelogos da biblioteca carecendo

de uma classificaccedilatildeo que ndash e isso eacute o mais relevante ndash ora se tornava necessaacuteria

Bem como se reuacutenem nesse periacuteodo as diferentes formas poeacuteticas reuacutenem-se

tambeacutem diferentes dados doutrinais explicativos bem como se observam formas

convencionadas no discurso poeacutetico e suas variaccedilotildees a partir daiacute observam-se tambeacutem formas

convencionadas de descriccedilatildeo doutrinal e suas variaccedilotildees

Dentro dessa perspectiva histoacuterica a razatildeo de ordem doutrinal que torna relevante o

criteacuterio etimoloacutegico e a presenccedila de mais de uma etimologia para muitos casos

principalmente das espeacutecies poeacuteticas de nomenclatura corrente (os carmina de Diomedes) eacute a

abrangecircncia de explicar o nome da coisa a fim de explicar a coisa A explicaccedilatildeo do nome da

coisa trazendo os diferentes fatores que deram origem a seu nome pontua os elementos pelos

quais a proacutepria coisa o recebeu sendo indiretamente sua explicaccedilatildeo Por isso a etimologia

vem acompanhada de explicaccedilotildees etioloacutegicas quando uma explicaccedilatildeo natildeo eacute ela mesma as

duas coisas ie etimologia-etiologia Mais uma vez tem-se um quadro de soma de

informaccedilatildeo relevante para esclarecer minimamente como aquela espeacutecie poeacutetica veio a ser

Assim natildeo eacute de espantar que mais de uma etimologia seja apresentada sem que se

selecione uma como verdadeira Agraves vezes o autor pode se pronunciar a respeito delas e

apontar uma ou outra como equivocada mas geralmente as arrola como possibilidades

igualmente verdadeiras Em alguns casos parece preferir uma a outra mas natildeo se vecirc por parte

dos antigos a preocupaccedilatildeo de crivaacute-las repetidamente para se obter uma uacutenica e definitiva

(como eacute proacuteprio de nosso meacutetodo cientiacutefico) e seria ilusoacuterio esperar que o fizessem apenas

porque o fazemos jaacute que isso natildeo estaacute a seu alcance e nem teria como ser seu foco72 Os

textos antigos preocupam-se antes em coligir as diferentes etimologias e etiologias e fornececirc-

las todas como igualmente verossiacutemeis como teoricamente plausiacuteveis porque cirscunscrevem

o toacutepico de maneira geralmente didaacutetica e autoexplicativa Equivocou-se Severyns portanto

72 Apenas agrave guisa de ilustraccedilatildeo devemos considerar do ponto de vista linguiacutestico que os antigos gregos natildeo

tinham agrave sua disposiccedilatildeo tudo quanto hoje sabemos sobre o proto-indoeuropeu

83

apesar de seu refinamento e equivoca-se quem tente descobrir qual etimologia estaria no

texto ocupando o status de verdadeira Comparada Crestomatia ao texto de Diomedes que

possuiacutemos integralmente vemos natildeo haver o objetivo de para cada seacuterie de etimologias e

explicaccedilotildees da origem de uma espeacutecie poeacutetica selecionar a ldquouacutenicardquo etimologia verdadeira em

detrimento das demais

Por fim deve-se recordar que ldquorevelar as etimologiasrdquo e ldquoexplicar as histoacuteriasrdquo o que

sabemos ser parte da exegese textual dos antigos eram ou pelo menos se tornam como visto

em nossa reflexatildeo sobre o proecircmio da Ars de Dioniacutesio Traacutecio ofiacutecio do gramaacutetico Esse eacute o

elemento chave que daacute espaccedilo nos textos de gramaacutetica ou como dito de ascendecircncia

gramatical agrave descriccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies da poesia Teoricamente o gramaacutetico ou o

enfoque gramatical desarrola a exposiccedilatildeo da poesia por gecircneros e espeacutecies como modelo das

letras e lhes explica os nomes Essa eacute sua funccedilatildeo Natildeo as explica filosoficamente A causa ou

etiologia vem por necessidade se eacute relevante ou se a etimologia natildeo a conteacutem por ser

autoexplicativa

331 Epos

3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria

A primeira definiccedilatildeo de epos que se lecirc no texto de Diomedes eacute hauridade de Teofrasto

ldquoEpos se diz em grego a inclusatildeo das accedilotildees divinas heroicas e humanas no canto hexacircmetro

eacutepos estigraven periokhegrave theiacuteon te kaigrave heroiumlkocircn kaigrave anthropiacutenon pragmaacuteton73rdquo74 Como se vecirc essa

primeira definiccedilatildeo pontua claramente o elemento ldquoaccedilatildeordquo mas chama atenccedilatildeo outro elemento

de ordem terminoloacutegica o fato de que epos se defina pela ldquoinclusatildeordquo (periokheacute) das ldquoaccedilotildeesrdquo

(praacutegmata) no metro Natildeo soacute se verifica o criteacuterio metro-mateacuteria mas tambeacutem a sucessatildeo

desta agravequele A definiccedilatildeo atribuiacuteda a ningueacutem menos que o sucessor de Aristoacuteteles afirma

mais uma vez a preponderacircncia da accedilatildeo como elemento definidor da poesia narrativa por

excelecircncia mas o emprego do plural abre margem a conjecturas porque permite a leitura

73 Fortenbaugh et ali Theophrastus of Eresus Brill 1993 apud Gaberllini (2005) 74 Gaberllini op cit pg 233

84

segundo a qual natildeo eacute necessaacuteria a unidade de accedilatildeo basta que os hexacircmetros ndash parte-se do

metro ndash tragam accedilotildees e recebem o nome de epos

Essa seria a definiccedilatildeo simples de epos segundo metro e mateacuteria Restaria explicar

como isso se deu e aiacute se tem a mesma etimologia de Proclo justamente aquela que segundo

Severyns eacute absurda e natildeo poderia ser aceita como a endossada por um autor como Proclo

Proacutepria ou natildeo absurda ou natildeo ela explica a histoacuteria do epos de maneira coerente e

verossiacutemil dentro da tratadiacutestica trata-se da etimologia que aproxima epos do verbo hepomai

(seguir) Essa seria a origem da palavra Um ldquoeposrdquo (palavra) seria uma corruptela de algo

que se segue e assim se empregou a palavra para designar alguma coisa que ldquose seguiardquo nos

hexacircmetros apoacutes a descoberta do metro (mais uma vez anterior agrave adiccedilatildeo de accedilotildees) ldquoparagrave tograve

heacutepesthai en autocirci tagrave hexecircs meacutere toicircs proacutetoisrdquo75 O elemento sequencial apresentado por

Diomedes eacute a proacutepria consecuccedilatildeo das partes e das accedilotildees ie o proacuteprio elemento consecutivo

da narraccedilatildeo hexameacutetrica No caso da etimologia da Crestomatia aquilo que se segue a

consecuccedilatildeo satildeo as accedilotildees em relaccedilatildeo aos oraacuteculos accedilotildees que foram consoantes aos ouvidos

As duas etimologias natildeo satildeo a rigor completamente diferentes porque na verdade

trabalham com o mesmo elemento na expressatildeo ldquoforam consoantesrdquo (syacutemphona ecircn)76 da

Crestomatia supotildee-se a perfeita acomodaccedilatildeo entre accedilotildees e hexacircmetro comum a essa

exposiccedilatildeo do epos que se dessarola nos dois textos O texto de Diomedes natildeo agrave toa seguindo

o procedimento de compor uma breve histoacuteria com as informaccedilotildees agrave disposiccedilatildeo diraacute logo na

sequecircncia que ldquo() Na verdade o verso hexacircmetro se diz precipuamente eacutepos pois que por

primeiro o deus vate77 incluiu neste verso as palavras da resposta por assim dizer em muacutetua

consecuccedilatildeo de onde [vem] posteriormente por catacrese o termo o eacutepos por outros foi dita a

palavra e a proacutepria escrita consecutiva do discurso prosaicordquo78 Aqui como na Crestomatia a

associaccedilatildeo entre epos e palavra embora interpretada diferentemente Na Crestomatia porque

as composiccedilotildees hexameacutetricas passaram a se destacar demais e a exibir enorme superioridade

passaram a se designar por antonomaacutesia ldquopalavrardquo por serem a palavra por excelecircncia O

argumento se pauta na analogia com outros termos que designam pessoas ldquopoetardquo por

ldquoHomerordquo ldquooradorrdquo por ldquoDemoacutestenes Nela como visto o elemento ldquoconsecussatildeordquo se daacute

quando naturalmente das respostas do oraacuteculo percebe-se que a inclusatildeo de accedilotildees resultava

consoante ao metro Ora eacute uma diferenccedila de apresentaccedilatildeo da ideia mas esta de modo taacutecito

75 Diomedes 484 8 76 Proclo in Foacutecio 319a 10 ndash 11 in Severyns op cit sect13 77 Apolo 78 ldquo[] praecipue vero hexameter versus epos dicitur quoniam quidem hoc versu verba responsi in mutuam ut

sic dixerim consequentiam primus deus vates conprehendit unde postea abusive verbum et solutae orationis

ipsa scriptura consequens ab aliis epos dictumrdquo Diomedes (484 8 ndash 12)

85

eacute muito semelhante O texto de Diomedes traz a ilaccedilatildeo de que essa respota que se seguia era

um dizer um eacutepos e que seu nome se estendeu agraves composiccedilotildees com o tempo quando se deu

aquela inclusatildeo das sequecircncias de accedilotildees por catacrese (ldquounde postea abusive verbumrdquo) e natildeo

por antonomaacutesia Se essa informaccedilatildeo natildeo vem expressa no texto grego pode-se supor que

estaacute subentendida ao nomear a profetiza de Apolo que primeiro professou os oraacuteculo no metro

hexameacutetrico Femocircnoe composto de phemiacute (dizer) e nocircus (pensamento)

Como comprovaccedilatildeo da propagaccedilatildeo do nome o texto latino menciona que a extensatildeo

de sentido se deu ateacute o ponto de alguns usarem o termo tambeacutem para a fala e a escrita do que

denomina ldquodiscurso prosaicordquo ie a fala no que se pode supor a praacutetica oratoacuteria O mesmo

tipo de demonstraccedilatildeo seraacute empregado na Crestomatia mas laacute o exemplo satildeo os triacutemetros que

tambeacutem recebiam de alguns a designaccedilatildeo ldquoeacuteperdquo Vale lembrar que jaacute segundo Aritoacuteteles o

discurso das personagens se adaptou no estaacutegio final do desenvolvimento da trageacutedia ao

triacutemetro que eacute comum da fala79 Observa-se pois o mesmo tipo de argumento expresso com

exemplos parcialmente diferentes se considerarmos que a ambos subjaz o elemento ldquofala

comumrdquo natildeo tatildeo elevada menos poeacutetica de acordo com o criteacuterio do ldquomais e do menosrdquo da

elocuccedilatildeo segundo o qual a poesia naturalmente mais elevada deve conter em maior nuacutemero

as mesmas virtudes da prosa80

Os mesmos pressupostos subjazem agraves duas exposiccedilotildees lembrando sempre que no

caso de Diomedes isso vale apenas para o que diz da origem grega das espeacutecies poeacuteticas uma

vez que para cada carme fala da invenccedilatildeo entre os latinos As diferenccedilas ficam por conta de

um exemplo ou da maneira e da ordem atraveacutes das quais cada texto compotildee sua breve histoacuteria

explicativa da espeacutecie poeacutetica contudo ndash enfatizando mais uma vez ndash utilizando os mesmos

criteacuterios e causas consolidados Ora em nenhum momento Diomedes nega ndash mas pelo

contraacuterio deixa claro ndash que segue a preceptiva grega

Se pensarmos que esquematicamente os traccedilos apresentados satildeo

a ndash eacutepos ndash heacutepomai (ldquosyacutemphona ecircnrdquo)

b ndash uso primitivo do hexacircmetro nas respostas dos oraacuteculos

c ndash compreensatildeo das accedilotildees

79 Mais precisamente Aristoacuteteles diz que na fala comum os triacutemetros ocorrem repetidamente enquanto os

hexacircmetros satildeo poucos Cf Poeacutetica 1449a 23 ndash 27 80 De fato Aristoacuteteles na referida passagem diz que os hexacircmetros ocorrem quando na fala hodierna

desviamo-nos do registro coloquial ndash ldquoekbaiacutenontes tecircs lektecircs harmoniacuteasrdquo

86

d ndash confusatildeo entre fala hexameacutetrica e fala comum e extensatildeo para outros tipos de fala

(eacutepe)

a exposiccedilatildeo em Proclo seguiria um arranjo sequencial b a c d em Diomedes c a b d

3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico

Do que foi exposto no item anterior resulta nesta classificaccedilatildeo dos gecircneros e espeacutecies

poeacuteticos um criteacuterio que agruparia como epos toda poesia hexameacutetrica arcaica Mais

precisamente segue-se que por uma exposiccedilatildeo histoacuterico-etioloacutegica propotildee-se um conjunto

de traccedilos que agrupariam um poema na categoria ldquoeposrdquo A classificaccedilatildeo natildeo eacute como em

Aristoacuteteles exclusiva por tentar delimitar criteacuterios especiacuteficos e particularizantes mas

inclusiva porque assume mais de um criteacuterio ou traccedilo que permitiria incluir um poema no

gecircnero e apresenta as causas de cada um desses traccedilos como coexistentes

Por esse criteacuterio a rigor ndash e isso merece destaque no texto de Proclo ndash a invenccedilatildeo ou

descoberta do epos sua heuacuteresis eacute a descoberta do hexacircmetro e seu desenvolvimento ndash todas

as exposiccedilotildees mais detidas de espeacutecies seguem o esquema descoberta-desenvolvimento ndash

ocorre a partir do momento em que ldquose seguemrdquo as accedilotildees Parece que essa seria a exegese

mais literal dessa exposiccedilatildeo do epos como se encontra em Proclo e Diomedes Isso implica

que a rigor se o que Femonoe profetizava em hexacircmetros era ldquoeposrdquo ora poderiacuteamos

conceber um epos sem accedilatildeo Por isso talvez o segundo elemento etimoloacutegico imediatamente

arrolado seja o que propotildee a sucessatildeo imediata das accedilotildees por cosonacircnsia natural Vale

menccedilatildeo que a consonacircncia por si soacute seja ndash como por natureza ndash argumento suficiente (cf

supra 74)

Por esse criteacuterio abrangente observa-se que o texto de Proclo traria uma seccedilatildeo que natildeo

ocorre no livro III de Diomedes afinal de contas este natildeo teria a menor intenccedilatildeo embora

ambos compartilhem o mesmo ensejo didaacutetico e o mesmo modelo de categorizaccedilatildeo de

abordar detalhadamente o epos grego e daacute-lo a conhecer de modo geral agravequele que busca

instruccedilatildeo a seu respeito A Crestomatia traria nesse passo antes da apresentaccedilatildeo da elegia

uma discussatildeo geral de diferentes aspectos teoacutericos relacionados aos poemas classificados e

87

herdados como epos Como parte dessa discussatildeo eacute provaacutevel que se apresentassem

resumidamente evento a evento diferentes poemas contendo o ciclo eacutepico

A primeira peculiaridade aqui se refere ao fato de que os eventos mencionados por

Foacutecio (sect17) natildeo condizem com os eventos iniciais do primeiro poema na cronologia que nos

chega resumido a saber as Ciacuteprias que se iniciariam com Zeus tramando a guerra de Troia

junto a Tecircmis Considerando-se o episoacutedio das narraccedilotildees mitoloacutegicas com o qual o epiacutetome

de Foacutecio pontua o iniacutecio do ciclo verificamos que os fragmentos natildeo o contecircm por completo

uma vez que se iniciam com os poemas que visam ldquocompletarrdquo ndash ldquo

sympleroucircmenosrdquo ndash Homero (sect19) narrando fatos concernentes agrave guerra a partir de suas

causas que natildeo se encontram nem na Iliacuteada nem na Odisseia Eacute provaacutevel portanto que o

texto de Proclo transmitisse aqui de poemas como a Teogonia de Hesiacuteodo ou a

Titanomaquia atribuiacuteda a Eumelo eventos cosmogocircnicos concernentes agrave origem do mundo e

dos deuses culminando no reinado de Zeus e na Guerra de Troia a julgar inclusive pelo que

seria um dos toacutepicos do texto de Proclo destacado como relevante por Foacutecio a vir na

sequecircncia ldquotagrave mythologoucircmenardquo (sect19) ie as narraccedilotildees miacuteticas

O fato de Ceacuteu natildeo ser apresentado explicitamente como filho de Terra e de mesmo

assim a uniatildeo e a prole de ambos seguirem o padratildeo arcaico como se lecirc em Hesiacuteodo gerando

centiacutemanos e ciclopes (sem menccedilatildeo aos titatildes poreacutem) sugere a hipoacutetese defendida por

Severyns (paacuteg 87 ndash 88 n 17) de que Proclo se referia aqui agrave Titanomaquia jaacute entendida por

Ateneu (VII 277d ndash e) como poema do ciclo Nessa Ceacuteu seria filho do Ar (ou Eacuteter)81

O epiacutetome nos informa pela lista de cinco nomes anteriormente apresentada (sect15)

que dentro dessa interpretaccedilatildeo de epos Hesiacuteodo era exemplo da espeacutecie bem como outros

trecircs poetas que ou escreveram sobre Heacuteracles ndash sem atender como se sabe ao criteacuterio da

unidade de accedilatildeo por que Aristoacuteteles propugnaraacute (Poeacutetica VIII 1451a 16 ndash 35) ndash ou sobre as

guerras e eventos em torno da cidade de Tebas Os episoacutedios da Teogonia de Hesiacuteodo

portanto natildeo soacute seriam epos como tambeacutem de uma perspectiva a posteriori aquilo que

poetou faria parte do manancial episoacutedico que servia de mateacuteria prima aos poetas de epos A

respeito de Paniacuteasis Pisandro e Antiacutemaco resta a duacutevida que eram poetas de epos segundo

um mesmo criteacuterio que agrupava Hesiacuteodo e Homero natildeo haacute duacutevidas porque o texto o diz

contudo traria a Crestomatia menccedilatildeo dos episoacutedios por eles poetados

A referecircncia a essa primeira seccedilatildeo do ciclo eacutepico como ldquoτά περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι

μυθολογούμεναrdquo ldquoas narraccedilotildees miacuteticas sobre os deuses dos gregosrdquo (sect19) confirma que

81 Cf Anecdota Oxoniensa (I 75) Caliacutemaco (fragmento 498) Pseudo-Higino (Fabulae Preface) Ciacutecero (De

Natura Deorum 3 17)

88

antes dos resumos integralmente conhecidos o autor referia episoacutedios cosmogocircnicos mas

desse trecho natildeo temos fragmentos Eacute incerto se essa primeira parte do ciclo eacutepico era narrada

evento a evento apenas para anteceder os episoacutedios em torno da guerra de Troia do plano de

Zeus agrave morte de Odisseu ou se Proclo proporia uma sequecircncia de resumos dos diferentes

poemas considerados epos de acordo com a cronologia

Quanto agrave sequecircncia temporal dos eventos Ciacuteprias precedem a Iliacuteada Etioacutepida sucede

Na introduccedilatildeo agravequelas lecirc-se ldquoSucedem-se a esses eventos [a isso] as chamadas Ciacutepriasrdquo82

na introduccedilatildeo a esta ldquoSucede-se ao que foi dito anteriormente (no texto antes deste) a Iliacuteada

de Homero depois dela haacute a Etioacutepidardquo83 O texto a que o fragmento de Proclo refere-se satildeo

as Ciacuteprias a elas sucedem-se na cronologia os eventos da Iliacuteada e entatildeo os eventos da

Etioacutepida A jugar por essa passagem postos em sequecircncia o iniacutecio de ambos os fragmentos

indicariam que por deveras conhecida e copiada a Iliacuteada bem como a Odisseia natildeo eram

resumidas no texto de Proclo A introduccedilatildeo agrave Telegonia ocorre de maneira semelhante

ldquoDepois disso eacute a Odisseia de Homero depois disso a Telegoniardquo84 Chama a atenccedilatildeo que

pela cronologia dentro dessa esquematizaccedilatildeo de episoacutedios constituintes do ciclo a Odisseia

seria um nostos ie um retorno como uma espeacutecie a vir depois do poema Nostoi atribuiacutedo a

Aacutegias de Trezene e dedicado justamente a ldquosuprirrdquo os retornos natildeo poetados

Considerando que a Teogonia de Hesiacuteodo natildeo era obscura e que por isso poderia ser

simplesmente aludida como se faz com Iliacuteada e Odisseia natildeo restam muitos indiacutecios para

saber o que consistia esse iniacutecio do ciclo ou sua primeira seccedilatildeo Se no mesmo formato dos

resumos que a noacutes chegaram pode-se vislumbrar um autor que arrolasse um a um os eventos

em sequecircncia cronoacutelogica e mudando de um poema para o outro na ordem cronoloacutegica

fizesse menccedilatildeo disso Como faria no entanto no caso de poemas que continham ambos os

mesmos eventos A Titanomaquia como se sabe eacute narrada por Hesiacuteodo do verso 617 a 721

Poderia esse iniacutecio do ciclo ser apenas narrado de modo resumido e comentado pelo proacuteprio

Proclo a julgar pela construccedilatildeo ldquoΔιαπορεύεται δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι

μυθολογούμεναrdquo ndash ldquoPassa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre os

deuses dos gregosrdquo de modo que nele tanto o poema de Hesiacuteodo como o de Eumelo fossem

objeto do exame de Proclo A diferenccedila genealoacutegica apontada poreacutem eacute argumento aceite

para se supor que nesta passagem constasse o poema atribuiacutedo a Eumelo85 e daiacute como

tambeacutem consta na lista de kraacutetistoi (ou de modelos da espeacutecie) Antiacutemaco a quem se atribuem

82 Cypria 79 in Severyns tomo IV paacuteg 77 83 Cetera (a)Aethiopis 172 ndash 4 idem paacuteg 87 84 Cetera (e)Telegonia 306 ndash 7 ibidem paacuteg 96 85 Cf Evelyn-White (2003) e West (2003)

89

Tebaida e Epiacutegonos pode-se conjecturar que os eventos em torno de Tebas tambeacutem viessem

resumidos Se de fato Proclo se propusesse a enumerar episoacutedio a episoacutedio encaixando os

poemas em uma cronologia eacute provaacutevel que incluiacutesse esses eventos do ciclo tebano e dissesse

em que poema constam como nos resumos do ciclo troiano que conhecemos Como trataria a

Teogonia permanece uma questatildeo apenas a referiria e comentaria as diferenccedilas em relaccedilatildeo

ao poema de Eumelo Haveria um comentaacuterio sobre cosmogonia em geral no que

indiscriminadamente o autor exporia a interpretaccedilatildeo histoacuterica de que fala o paraacutegrafo 19

A passagem de Ateneu86 citada por Severyns confirma-nos apenas uma coisa pelo

menos desde o seacuteculo III dC as palavras ldquociclo eacutepicordquo podiam designar apenas os poemas

que se encarregavam de no entendimento dos exegetas e como aparece no texto mesmo de

Proclo completar a narraccedilatildeo de mitos que emboram conhecidos da audiecircncia dos poemas de

Homero natildeo se encontravam narrados em nenhum de seus dois poemas Independente de os

eacutepe que continham tais eventos serem primordialmente diferentes cantos hexameacutetricos de

uma Greacutecia ateacute preacute-homeacuterica dos quais postereiormente reunidos restaram-nos as

composiccedilotildees ou versotildees atribuiacutedas aos autores do chamado ciclo a percepccedilatildeo antiga dessas

composiccedilotildees pelo menos como expressa em Ateneu concebia-os como um conjunto de

poemas posteriores por oposiccedilatildeo a poemas anteriores Homero certamente pertencia ao

segundo grupo Portanto pensando episodicamente os eventos poetados por Homero podem

ser pensados como pertencentes a uma cronologia total de accedilotildees que os poetas abordam mas

parece que referindo-se a mais de um poema a proacutepria designaccedilatildeo ndash ldquociclo eacutepicordquo ndash supotildee-se

como um conjunto por exclusatildeo

Podia ser essa a distinccedilatildeo no texto de Proclo Se Foacutecio o resumiu atentando inclusive agrave

ordem de exposiccedilatildeo tambeacutem aqui se vecirc uma reorganizaccedilatildeo de um padratildeo expositivo

havendo definido a espeacutecie epos do gecircnero narrativo conforme o criteacuterio metro-mateacuteria e

organizado a exposiccedilatildeo de modo a fornecer uma breve histoacuteria para ela segundo a estrutura

invenccedilatildeo-desenvolvimento para completar o que seria uma exposiccedilatildeo didaacutetica87 dessa poesia

86 Logo no princiacutepio do livro VII do Deipnosophistae 277d ndash e discute-se o emprego da palavra por no

verso 1297 do Aacutejax de Soacutefocles e Zoilo afirma que o tragedioacutegrafo hauriu-a na Titanomaquia ao que emende

ldquode fato o ciclo eacutepico aprazia a Soacutefoclesrdquo Ateneu testemunha portanto na boca de Zoilo natildeo soacute que os poemas

do ciclo eram concebidos como um todo mas tambeacutem que a Titanomaquia estava inclusa 87 Essa finalidade didaacutetica ainda mais especificamente nessa exposiccedilatildeo de biografias e do ciclo natildeo poderia

ficar mais clara do que em uma passagem da briografia de Homero que seria do proacuteprio autor da obra

Ponderando sobre isso que no resumo de Foacutecio aparece como ldquotinas epi meacuterous praacutexeisrdquo ndash ldquoalgumas histoacuterias

particularesrdquo a respeito de Homero havendo exposto as histoacuterias a respeito de sua cegueira as etimologias a

repeito de seu nome e principalmente a anedota de sua morte escreve ldquoEsses eventos contudo carecem de

investigaccedilatildeo mas para que natildeo sejas de todo ignorante neles avanccedilo nesse sentidordquo (Vita Homeri 45 ndash 46 in

Severyns op cit tomo IV paacuteg 71 ndash 72 Traduccedilatildeo paacuteg 131)

90

1 ndash a) proporia um piacutenax ie uma lista dos poetas exemplares b) forneceria uma

biografia dos poetas dessa lista contemplando sua origem ie sua paacutetria vida e histoacuterias a

seu respeito Depois

2 ndash a) havendo exposto os principais poetas do epos dedicar-se-ia aos poemas dos

menores poetas de epos agrupados sob o tiacutetulo de ldquociclo eacutepicordquo se aqui se aplicasse a

denominaccedilatildeo como em Ateneu o primeiro poema seria o de Eumelo porque na cronologia

miacutetica eacute o mais velho dos poemas do ciclo b) iniciando-se o ciclo portanto por eventos

comogocircnicos haveria um excurso explicativo sobre tais eventos se o excurso se desdobrava

na anaacutelise de mais eventos divergentes Hesiacuteodo e episoacutedios do ciclo tebano poderiam vir

referidos mas o foco seria a explicaccedilatildeo histoacuterica dos mitos sem que se possa saber se essa

explicaccedilatildeo se dava sobre um resumo cosmogocircnico como um todo em que se inseria a

Titanomaquia ou apenas sobre os eventos nela contantes c) uma ponderaccedilatildeo sobre o valor do

ciclo eacutepico e a explicitaccedilatildeo do criteacuterio adotado para sua exposiccedilatildeo a sequecircncia de accedilotildees nele

contidas ou ndash por que natildeo ndash registradas d) a menccedilatildeo apenas ou uma breve biografia dos

poetas que compuseram tais poemas

Como no caso do ciclo o foco satildeo os eventos transmitidos e natildeo a virtude das

composiccedilotildees a exposiccedilatildeo dos seus eventos eacute anterior os poetas seriam discutidos apenas

depois se o paraacutegrafo 21 corresponde a algo aleacutem do ldquonomerdquo e ldquopaacutetriardquo que antecedem o

resumo de cada um dos poemas Cosoante a isso parece estar o compilador do Etymologicum

Magnum outrora citado na paacutegina 15 (cf seccedilatildeo 12) e a ordem como coloca o ciclo eacutepico em

sua citaccedilatildeo fornecida como de Proclo

332 Elegia

Na exposiccedilatildeo da elegia como eacute de se esperar natildeo haacute diferenccedilas gritantes entre a

histoacuteria que se lecirc em Proclo e a que se lecirc no gramaacutetico latino Ambos iniciam pelo metro

elemento preciacutepuo a ser observado para a classificaccedilatildeo e definem como ldquoelegeiacuteardquo o diacutestico

em que se compotildeem os poemas que recebem tal denominaccedilatildeo Sobre a mateacuteria ou sobre a

histoacuteria do que se canta nas elegias ambos satildeo unacircnimes como todas as descriccedilotildees que

conhecemos em associar a elegia ao lamento fuacutenebre irmanando-a ao treno e agrave necircnia

A etimologia apresentada por Proclo quanto agrave palavra exata eacute a que aproxima a forma

ldquoelegeiacuteardquo da forma ldquoeacutelegosrdquo que eacute dada como nome antigo do lamento fuacutenebre mais

91

precisamente segundo a etimologia do coacutedice seria o nome que os antigos davam ao proacuteprio

treno esse sim o canto de lamento por um morto O termo tambeacutem adviria do fato de que se

elogiava o morto o que se diria ldquoeucirc leacutegeinrdquo havendo proximidade foneacutetica entre o nome do

lamento antigo (eacutelegos) e a expressatildeo para ldquofalar bemrdquo A formulaccedilatildeo que se lecirc no texto natildeo

deixa duacutevida de que pelo menos neste caso natildeo se trata de escolher uma a outra mas de

entender o que consistia a etimologia antiga explicar uma palavra atraveacutes de outras

principalmente se haacute implicaccedilatildeo histoacuterica entre elas o que se deduz de seus significados

Assim eacute porque o lamento fuacutenebre se dizia entre os antigos ldquoeacutelegosrdquo e porque

simultanemante nele se elogiava o morto (ldquoeucirc leacutegeinrdquo) que se cunhou a palavra que designa

as composiccedilotildees no metro A etimologia aqui busca explicar o nome que diferentemente do

hexacircmetro eacute o nome do metro e por conseguinte o nome da composiccedilatildeo Isso se explicita no

terceiro comentaacuterio explicativo a respeito da elegia posteriormente se passou a usar o metro

para diferentes ldquohipoacutetesesrdquo para diferenes argumentos explicando portanto que muito da

elegia (principalmente a julgar pelo que conhecemos) natildeo conteacutem o elemento fuacutenebre

A etimologia de Diomedes difere quanto agrave expressatildeo para o lamentar mas constroacutei-se

de maneira semelhante ie pela concomitacircncia das duas coisas ou dos significados dos

significantes aproximados De fato diz-nos Diomedes

ldquo() elegia autem dicta sive

(fere enim defunctorum laudes hoc carmine conprehendebantur) sive

id est miseratione quod Graeci vel

isto metro scriptitaveruntrdquo

(Diomedes op cit 484 22 ndash 25)

ldquo() A elegia por sua vez disse-se quer paragrave tograve eucirc leacutegein tougraves

tethneocirctas88 (pois quase todos os elogios aos mortos eram

compreendidos neste canto) quer apograve toucirc eleacuteou89 isto eacute comiseraccedilatildeo

porque os gregos tinham o haacutebito de escrever neste metro threacutenous ou

eleeicircardquo

(trad Gaberllini op cit 234)

Diomedes prefere as palavras que nomeiam a substacircncia do canto fuacutenebre e

primeiramente na contraposiccedilatildeo ao elogio oferece outra palavra em vez de eacutelegos Nisso natildeo

diverge do saber gramatical que aqui se expotildee porque essa etimologia na verdade eacute

recorrente em outros textos Lecirc-se por exemplo no Etymologicum Magnun e no escoacutelio a

88 ie ldquopelo elogiar os mortosrdquo 89 ldquoPor causa da laacutestima piedaderdquo a ldquocomiseraccedilatildeordquo como o proacuteprio Diomedes traduz em sequecircncia

92

Dioniacutesio Traacutecio preferindo-se ali o verbo eleeicircn (ldquolastimar comiserar-serdquo)90 em vez do aqui

empregado substantivo eacuteleon91

Igualmente apenas em outra ordem o texto do gramaacutetico propotildee como argumento

final (o que na Crestomatia seria o primeiro argumento) o fato de que era nesse metro que os

antigos gregos compunham trenos Propotildee contudo outro nome para eles eleeicirca Essa

possibilidade etimoloacutegica natildeo eacute mencionada por Severyns em seu comentaacuterio a essa

passagem do epiacutetome embora ocorra no singular em duas das passagens que colige do

escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio em (173 8 ndash 10)

ldquoἪ ἐλεγεῖόν ἐστι θρῆνος ἐπιτάφιος οἱονεὶ ἐλεεῖόν τι ὄν τοῦ ltγgt

ἐκθλιβομένου παρὰ τὸ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ εὐλογεῖον παρὰ

τὸ εὖ λέγειν τὸν ἀποβιώσανταrdquo

ldquoOu lsquoelegeicirconrsquo92 eacute treno funeraacuterio como se fosse um lsquoeleeicirconrsquo

elidindo-se o lsquogrsquo pelo lsquoeleeicircnrsquo [lastimar] o falecido ou lsquoeulogeicirconrsquo93

pelo lsquoeucirc logeicircnrsquo [elogiar] o que cessou de viverrdquo

(grifos e traduccedilatildeo do autor)

e (307 24 ndash 26)

ldquoἪ ἐλεγεῖόν ἐστι θρῆνος ἐπιτάφιος οἱονεὶ ἐλεεῖόν τι ὄν ἐλλειφθέντος

τοῦ ltγgt ἀπὸ τοῦ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ ἐλεγεῖον ἀπὸ τοῦ ἔ

λέγειν τὸν ἀποβιώσανταrdquo

ldquoOu lsquoelegeicirconrsquo eacute treno funeraacuterio como se fosse um lsquoeleeicirconrsquo faltando

o lsquogrsquo pelo lsquoeleeicircnrsquo o falecido ou lsquoelegeicirconrsquo por causa do lsquoeacute leacutegeinrsquo94 o

que cessou de viverrdquo

(Idem)

90 O levantamento completo das etimologias encontra-se bem exposto e organizado em Severyns op cit II

commentaire 25 paacuteg 99 ndash 102 Para essa em especiacutefico cf Etymologicum Magnun 326 50 e o escoacutelio a

Dioniacutesio Traacutecio 307 24 ndash 26 173 8 ndash 9 20 25 ndash 27 475 26 91 Haurido por Severyns no Etymologicum Gudianum 180 17 e no Et Mag idem em outra etimologia que

aproxima eacuteleon de goacuteon sendo este segundo a expressatildeo acerba do luto Essa etimologia diferentemente eacute

apenas pautada no campo semacircntico do lamento funeral 92 Termo que tambeacutem designa priemeiro o diacutestico e por metoniacutemia a composiccedilatildeo em diacutestico daiacute o poema ou a

inscriccedilatildeo no metro 93 Algo como ldquoelogiosordquo 94 Essa seria a etimologia mais baacutesica supondo que o termo viria de ldquodizer lsquoersquordquo como expressatildeo de dor

93

Em ambos os casos como os gramaacuteticos se repetem e parecem se copiar obserava-se

o emprego da conjunccedilatildeo ldquohoioneiacuterdquo quase como se fosse formular ao se dar essa etimologia O

plural ocorre somente uma vez

ldquo()διὸ καὶ καλεῖται ἐλεγεῖα οἱονεὶ ἐλεεῖα τοῦ ltγgt ἐκθλιβομένου

παρὰ τὸ ἐλεεῖν τὸν τετελευτηκότα ἢ ἐλεγεῖα οἱονεὶ εὐλεγεῖα παρὰ τὸ

εὖ λέγειν τὸν ἀποβιώσανταhelliprdquo

(Sch Dion Tr 20 25 ndash 27)

ldquo() razatildeo pela qual tambeacutem se chamava ldquoelegeicircardquo como se ldquoeleeicircardquo

elidido o lsquogrsquo pelo ldquoeleeicircnrdquo o falecido ou ldquoelegeicircardquo como se

ldquoeulegeicircardquo pelo ldquoeucirc leacutegeinrdquo o que cessou de viverrdquo

(Idem)

Severyns natildeo menciona o termo como uma etimologia em separado porque natildeo o

entende e com razatildeo assim a comeccedilar pela conjunccedilatildeo mencionada vecirc-se que nessas

explicaccedilotildees o termo eacute hipoteacutetico Severyns igualmente natildeo estaacute comparando o coacutedice 239 agrave

Ars de Diomedes que natildeo menciona Em todas as referidas ocorrecircncias seja antes (173 e

307) seja depois (20) assume-se que o termo eacutelegos era primordialmente sinocircnimo de treno

portanto em todas a palavra seguindo o mesmo esquema derivacional eacute apresentada como

transiccedilatildeo de uma derivaccedilatildeo do verbo eleeacuteo como uma espeacutecie de deverbal anterior a

forma com g Seria o que se diria imediatamente a princiacutepio como resultado do verbo

ldquocomiserar-se lastimarrdquo

Ora eacute esse o termo que Diomedes fornece como sinocircnimo de treno haurido como se

vecirc tambeacutem na gramaacutetica de base heleniacutestica Assim salvo pela escolha Diomedes natildeo

diverge do texto da Cretomatia mas refere-se agrave etapa primeira do processo expliacutecito nos

demais textos do qual se subentende que pela adiccedilatildeo de um som jaacute se estaacute na famiacutelia das

palavras ldquoeacutelegos elegeicircon elegeiacuteardquo Esses seriam os trecircs termos maiores da histoacuteria que se

compotildee com as etimologias sendo o primeiro o nome antigo para o lamento que se fazia pelo

passamento de algueacutem o segundo do metro e de seu emprego um diacutestico qualquer sendo o

plural uma forma de designar as composiccedilotildees Elegia se diria do poema inteiro composto

nesse metro a ldquoforma literaacuteriardquo ou em outros termos o poema pensado para ser uma

composiccedilatildeo nesse metro ndash segundo o emprego amplo que se fez do termo e a que o epiacutetome

alude e com esse feminino natildeo se designariam mais as inscriccedilotildees ou epigramas O texto

mesmo de Diomedes exemplifica o emprego de ldquoeacutelegosrdquo e ldquoelegiardquo como sinocircnimos a

95 Severyns agrupa as passagens referidas no conjunto de etimologias a partir do referido verbo

94

posteriori seja por empregaacute-los ele mesmo (ldquoelegiardquo como nome do carme mas depois

ldquoelegosrdquo referido-se agraves composiccedilotildees96) seja pelo exemplo de Horaacutecio nas linhas seguintes

Odes I 33 2 ndash 397

Assim teriacuteamos como designaccedilotildees mais primitivas eacutelegos (lamento) e elegeicircon (o

metro em que se exprimia sua confecccedilatildeo) Ambos se agrupariam na nomenclatura geneacuterica

posterior elegeiacutea O eacutelegos contudo a designaccedilatildeo para o elemento baacutesico desse canto

derivaria em geral de

a) ldquoeacute leacutegeinrdquo eleeicircn-eacuteleon para o que alguns supotildeem uma expressatildeo resultativa

ldquoeleeicirconardquo agrave qual se adicionou o gama ( )

b) ldquoeucirc leacutegeinrdquo

Esses satildeo os dois elementos baacutesicos de significado que as etimologias contemplam

Vemos por fim que Diomedes empregou a expressatildeo ldquoeleeicirconardquo para o que em Proclo eacute o

eacutelegos pensado como o treno antigo a expressatildeo da comiseraccedilatildeo (eleacuteon item a) somado ao

item b de nosso binocircmio ldquoeucirc legeicircnrdquo compondo uma histoacuteria natildeo diferente da exposta em

Proclo

333 Iambo

As similaridades entre os dois textos quanto aos referentes gregos eacute bem evidente

por exemplo nos dois modelos gregos arrolados pelo gramaacutetico latino Mas eacute a etimologia

para to iambeicircn a uacutenica proposta por Diomedes que imediatamente chama a atenccedilatildeo em seu

texto porque tambeacutem como Severyns diz muito bem acerca do texto de Proclo (op cit tomo

II commentaire 28 1 paacuteg 104) segue em primeiro lugar a etimologia proposta por ningueacutem

menos que Aristoacuteteles

96 Op cit 485 1 97 ldquoAlbi ne doleas plus nimio memor

inmitis Glycerae neu miserabilis

decantes elegos cur tibi iunior

laesa praeniteat fiderdquo

95

ldquo()

rdquo

(ARISTOacuteTELES Poeacutetica 1448b 30 ndash 32)

ldquoNos quais [No Margites e poemas semelhantes] por acomodaccedilatildeo o iacircmbico veio

como metro ndash eacute por isso que eacute chamado ldquoiacircmbicordquo hoje porque nesse metro se ralhavam uns

com os outrosrdquo

(Trad do autor)

Aristoacuteteles mesmo supotildee que o verbo iambizar jaacute existia antes de se referir tambeacutem

ao peacute com o significado de ldquoimprecar ralhar insultarrdquo e por causa do uso que se fazia do

metro posteriormente esse obteve seu nome a partir da finalidade com que era empregado

Severyns propotildee que a recorrecircncia dessa etimologia nos textos em geral e sua presenccedila

encabeccedilando o texto de Proclo se deveria acima de tudo ao peso da autoridade de

Aristoacuteteles98 Caberia entatildeo indagar porque Aristoacuteteles natildeo eacute seguido em diversas outras

passagens Que sua autoridade pese como autor que endossava essa opiniatildeo natildeo se nega mas

fiar-se a ela como etimologia primeira e baacutesica parece estar atrelado agrave ausecircncia de outra

etimologia plenamente satisfatoacuteria uma vez que o proacuteprio texto de Proclo atesta que a

associaccedilatildeo direta entre iacuteambos e iambiacutezein seria dialetal sem identificar sua origem poreacutem

No lugar de iambiacutezein na primeira associaccedilatildeo etimoloacutegica (sect28 15) refere-se a ldquoloidoriacuteasrdquo

para em seguida associar o verbo cognato (loidorein) ao que Aristoacuteteles emprega pois que

satildeo sinocircnimos

Demais Proclo apresentaraacute outras duas explicaccedilotildees a primeira delas eponiacutemica

parece que ocorre de modo a fornecer uma etiologia que reforccedila a associaccedilatildeo baacutesica metro-

mateacuteria apresentada no paraacutegrafo anterior a segunda tem a mesma intenccedilatildeo uma vez que

apresentaria o processo pelo qual o uso sobejo de iambiacutezein teria ocupado o proacuteprio lugar de

hybriacutezein Porfim esse argumento eacute endossado pela comparaccedilatildeo com o verbo komaacutezein se

primeiramente significava apenas participar de uma koacutemos um cortejo galhofeiro pela

praacutetica poeacutetica torna-se o proacuteprio verbo para ldquocriticar satirizarrdquo

Merece destaque tambeacutem o fato de que nesse passo ambos autores descrevem o

mesmo processo muito plausiacutevel observado no caso do epos segundo o qual uma palavra

em funccedilatildeo de um uso acaba tomando o lugar de outra

98 Op cit paacuteg 105

96

334 Meacutelica

O texto de Diomedes natildeo traz uma extensa classificaccedilatildeo da meacutelica mas a Ars de

Horaacutecio como se sabe natildeo soacute chama a atenccedilatildeo por mencionar a liacuterica mas principalmente

por apresentar brevemente uma divisatildeo segundo olha de maneira semelhante para as espeacutecies

da meacutelica grega (83 ndash 85)

ldquoMusa dedit fidibus divos puerosque deorum

et pugilem victorem et equum certamine primum

et ivuenum curas et libera vina referrerdquo

ldquoA Musa concedeu agrave lira o cantar deuses e filhos de deuses o

vencedor no pugilato e o cavalo que primeiro cortou a meta nas

corridas os cuidados dos jovens e o vinho que liberta dos cuidadosrdquo

(trad Rosado Fernandes 1984)

Semelhantemente ao criteacuterio da Crestomatia Horaacutecio vai do sacro ao profano ou

secular aludindo a exemplos semelhantes ao que no texto de Proclo seratildeo trecircs dos grandes

grupos em que a poesia meacutelica apareceraacute agrupada o hino e alguma espeacutecie que poderia

incluir homens (fosse um peatilde secular o encocircmio ou outra espeacutecie)99 o epiniacutecio e a poesia de

acircmbito simposial (uma composiccedilatildeo eroacutetica ou um escoacutelio) Os grupos do texto de Proclo satildeo

a saber

(a) para os deuses ndash hino (uma categoria que poderia se pensada como gecircnero para espeacutecie)

prosoacutedio peatilde ditirambo nomo adoniacutedia iobaco hiporquema

(b) para os homens ndash encocircmio (que conteria o elemento baacutesico podendo ser para as demais

espeacutecies tomado como gecircnero) epiniacutecio escoacutelio eroacuteticas epitalacircmio himeneu silo epiceacutedio

e treno

99 E aqui eacute interessante que Horaacutecio sugira a possibilidade dessa inclusatildeo do homem como objeto da poesia

primeiramente sacra ou seja a secularizaccedilatildeo da espeacutecie poeacutetica dado que como se notaraacute ao longo da anotaccedilatildeo

ao cataacutelogo das espeacutecies meacutelicas tal noccedilatildeo estaacute presente e eacute aplicada mesmo que subentendida em alguns casos

ao longo da classificaccedilatildeo Horaacutecio como se sabe eacute bem anterior a Proclo o que confirma portanto que o

resumo de Foacutecio atesta uma classificaccedilatildeo as poesia (natildeo soacute da meacutelica) que pelo menos ateacute Proclo era conhecida

aceita e difundida

97

(c) para deuses e homens ndash partecircnio (assumidamente gecircnero para espeacutecies) e daiacute dafnefoacutericas

tripodefoacutericas oscofoacutericas ecircuticas

(d) para circunstacircncias acidentais quando o poeta por conta de uma circunstacircncia ocasional

comporia versos para situaccedilotildees particulares da vida praacutetica motivo pelo qual as pragmaacuteticas

poderiam ser pensadas como gecircnero para espeacutecies seguida das empoacutericas apostoacutelicas

sentenciosas geoacutergicas e epistolares

A classificaccedilatildeo dessas espeacutecies estaria portanto diretamente atrelada agrave situaccedilatildeo em

que se davam Para diversas delas como se veraacute a situaccedilatildeo seraacute pressuposta apenas Os

criteacuterios ateacute entatildeo observado (etimologia e etiologia) seratildeo empregados para circunscrever as

origens e circunstacircncias que tatildeo somente por nomear permitiriam ao gramaacutetico categorizar

ie tornar algo vasto e impreciso em uma classificaccedilatildeo acessiacutevel e didaacutetica

De agora em diante portanto dada a extensatildeo do cataacutelogo concernente agraves espeacutecies

meacutelicas como natildeo eacute objetivo deste estudo resolver os problemas concernentes a cada uma

delas em separado mas sim entender seu funcionamento dentro do tipo de classificaccedilatildeo aqui

estudada a classificaccedilatildeo dos gramaacuteticos e estabelecer a filiaccedilatildeo do texto atribuiacutedo a Proclo

(uacutenico espeacutecime a trazer a extensa classificaccedilatildeo da liacuterica) o texto assumiraacute a forma de

anotaccedilatildeo agrave traduccedilatildeo do epiacutetome a fim de fornecer as referecircncias necessaacuterias para sua

compreensatildeo (pois natildeo faltam passagens obscuras) pontuando e ponderando elementos agraves

vezes apenas conjecturais que explicitem as caracteriacuteticas da obra (como ateacute entatildeo tem sido

pensada) e a aplicaccedilatildeo dos criteacuterios que foram aqui propostos como instrumentais dos textos

de base gramatical Seguir-se-atildeo os dois editores e comentadores modernos do coacutedice 239

(Severyns e Ferrante) visando tal exclarecimento e a seus comentaacuterios se somaratildeo as

ponderaccedilotildees segundo as finalidades deste estudo

98

PARTE II

Traduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo

1 COacuteDICE 239

11 TEXTO

Segue-se a ediccedilatildeo de Severyns e sua paragrafaccedilatildeo junto da numeraccedilatildeo da ediccedilatildeo de

Bekker para a Biblioteca

[1] Ἀνεγνώσθη ἐκ τοῦ ἐπιγραφομένου βιβλίου Πρόκλου Xρησ- 239318b22

τομαθείας ραμματικῆς rsquoEκλογαί

[2] Ἔστι δὲ τὸ βιβλίον εἰς διῃρημέ-

νον λόγους

[3] Λέγει μὲν ἐν τῷ αʹ ὡς αἱ αὐταί εἰσιν ἀρεταὶ

τοῦ λόγου καὶ ποιήματος παραλλάσσουσι δὲ ἐν τῷ μᾶλ- 25

λον καὶ ἧττον

[4] Καὶ ὅτι τοῦ πλάσματος τὸ μέν ἐστιν ἁδρόν

τὸ δὲ ἰσχνόν τὸ δὲ μέσον

[5] Καὶ τὸ μὲν ἁδρὸν ἐκπκληκ-

τικώτατόν ἐστι καὶ κατεσκευασμένον μάλιστα καὶ ποιη-

τικὸν ἐπιφαῖνον κάλλος

[6] Tὸ δὲ ἰσχνὸν τὴν τροπικὴν μὲν

καὶ φιλοκατάσκευον σύνθεσιν μεταδιώκει ἐξ ἀνειμένων 30

δὲ μᾶλλον συνήρτηται ὅθεν ὡς ἐπίπαν τοῖς γοεροῖς

ἄριστά πως ἐφαρμόττει

[7] Τὸ δὲ μέσον καὶ τοὔνομα μὲν

δηλοῖ ὅτι μέσον ἐστὶν ἀμφοῖν

[8] Ἀνθηρὸν δὲ κατ ἰδίαν

οὐκ ἔστι πλάσμα ἀλλὰ συνεκφέρεται καὶ συμμέμικται

99

τοῖς εἰρημένοις ἁρμόζει δὲ τοπογραφίαις καὶ λειμώνων 35

ἢ ἀλσῶν ἐκφράσεσιν

[9] Οἱ δὲ τῶν εἰρημένων ἀποσφα-

λέντες ἰδεῶν ἀπὸ μὲν τοῦ ἁδροῦ εἰς τὸ σκληρὸν καὶ ἐπηρ-

μένον ἐτράπησαν ἀπὸ δὲ τοῦ ἰσχνοῦ εἰς τὸ ταπεινὸν

ἀπὸ δὲ τοῦ μέσου εἰς τὸ ἀργὸν καὶ ἐκλελυμένον

[10] Διαλαμ- 239319a1

βάνει δὲ καὶ περὶ κρίσεως ποιήματος ἐν ᾧ παραδί-

δωσι τίς ἤθους καὶ πάθους διαφορά

[11] Καὶ ὅτι τῆς ποιη-

τικῆς τὸ μέν ἐστι διηγηματικόν τὸ δὲ μιμητικόν

[12] Καὶ τὸ

μὲν διηγηματικὸν ἐκφέρεται δι ἔπους ἰάμβου τε καὶ ἐλε- 5

γείας καὶ μέλους τὸ δὲ μιμητικὸν διὰ τραγῳδίας σατύρων

τε καὶ κωμῳδίας

[13] Καὶ ὅτι τὸ ἔπος πρῶτον μὲν ἐφεῦρε Φημονόη ἡ

Ἀπόλλωνος προφῆτις ἑξαμέτροις χρησμοῖς χρησα-

μένη καὶ ἐπειδὴ τοῖς χρησμοῖς τὰ πράγματα εἵπετο 10

καὶ σύμφωνα ἦν ἔπος τὸ ἐκ τῶν μέτρων κληθῆναι

[14] Οἱ δέ φασιν ὅτι διὰ τὴν κατασκευὴν καὶ τὴν ἄγαν

ὑπεροχὴν τὴν ἐν τοῖς ἑξαμέτροις θεωρουμένην τὸ

κοινὸν ὄνομα παντὸς τοῦ λόγου τὸ ἑξάμετρον ἰδιώ-

σατο καὶ ἐκλήθη ἔπος καθάπερ καὶ Ὅμηρος τὸν 15

ποιητὴν καὶ ὁ Δημοσθένης τὸν ῥήτορα ᾠκειώσατο

ἐπεὶ καὶ τὰ τρίμετρα ἔπη προσηγόρευον

[15] Γεγόνασι δὲ

τοῦ ἔπους ποιηταὶ κράτιστοι μὲν Ὅμηρος Ἡσίοδος Πεί-

σανδρος Πανύασις Ἀντίμαχος

[16] Διέρχεται δὲ τούτων ὡς

οἷόν τε καὶ γένος καὶ πατρίδας καί τινας ἐπὶ μέρους 20

πράξεις

[17] Διαλαμβάνει δὲ καὶ περὶ τοῦ λεγομένου ἐπικοῦ

κύκλου ὃς ἄρχεται μὲν ἐκ τῆς Οὐρανοῦ καὶ Γῆς μυθο-

λογουμένης μίξεως ἐξ ἧς αὐτῷ καὶ τρεῖς παῖδας ἑκα-

100

τοντάχειρας καὶ τρεῖς γεννῶσι Κύκλωπας

[18] Διαπορεύεται

δὲ τά τε ἄλλως περὶ θεῶν τοῖς Ἕλλησι μυθολογούμενα 25

καὶ εἴ πού τι καὶ πρὸς ἱστορίαν ἐξαληθίζεται

[19] Καὶ περα-

τοῦται ὁ ἐπικὸς κύκλος ἐκ διαφόρων ποιητῶν συμπλη-

ρούμενος μέχρι τῆς ἀποβάσεως Ὀδυσσέως τῆς εἰς Ἰθά-

κην ἐν ᾗ ὑπὸ τοῦ παιδὸς Τηλεγόνου ἀγνοοῦντος

κτείνεται

[20] Λέγει δὲ ὡς τοῦ ἐπικοῦ κύκλου τὰ ποιήματα 30

διασῴζεται καὶ σπουδάζεται τοῖς πολλοῖς οὐχ οὕτω διὰ

τὴν ἀρετὴν ὡς διὰ τὴν ἀκολουθίαν τῶν ἐν αὐτῷ πραγμά-

των

[21] Λέγει δὲ καὶ τὰ ὀνόματα καὶ τὰς πατρίδας τῶν πραγ-

ματευσαμένων τὸν ἐπικὸν κύκλον

[22] Λέγει δὲ καὶ περί

τινων Κυπρίων ποιημάτων καὶ ὡς οἱ μὲν ταῦτα εἰς 35

Στασῖνον ἀναφέρουσι Κύπριον οἱ δὲ Ἡγησῖνον τὸν

Σαλαμίνιον αὐτοῖς ἐπιγράφουσιν οἱ δὲ Ὅμηρον

γράψαι δοῦναι δὲ ὑπὲρ τῆς θυγατρὸς Στασίνῳ καὶ διὰ τὴν 239319b1

αὐτοῦ πατρίδα Κύπρια τὸν πόνον ἐπικληθῆναι

[23] Ἀλλ οὐ

τίθεται ταύτῃ τῇ αἰτίᾳ μηδὲ γὰρ Κύπρια προπαροξυτόνως

ἐπιγράφεσθαι τὰ ποιήματα 5

[24] Τὴν δὲ ἐλεγείαν συγκεῖσθαι μὲν ἐξ ἡρῴου καὶ πεντα-

μέτρου στίχου ἁρμόζειν δὲ τοῖς κατοιχομένοις

[25] Ὅθεν καὶ

τοῦ ὀνόματος ἔτυχε τὸ γὰρ θρῆνος ἔλεγον ἐκάλουν οἱ

παλαιοὶ καὶ τοὺς τετελευτηκότας δι αὐτοῦ εὐλόγουν

[26] Οἱ

μέντοι γε μεταγενέστεροι ἐλεγείᾳ πρὸς διαφόρους 10

ὑποθέσεις ἀπεχρήσαντο

[27] Λέγει δὲ καὶ ἀριστεῦσαι τῷ μέ-

τρῳ Καλλῖνόν τε τὸν Ἐφέσιον καὶ Μίμνερμον τὸν Κολο-

101

φώνιον ἀλλὰ καὶ τὸν τοῦ Τηλέφου Φιλίταν τὸν Κῷον

καὶ Καλλίμαχον τὸν Βάττου Κυρηναῖος οὗτος δ ἦν

[28] Ἀλλὰ γὰρ καὶ τὸν ἴαμβον τάττεσθαι μὲν ἐπὶ λοιδο- 15

ρίας τὸ παλαιόν καὶ γὰρ καὶ τὸ ἰαμβίζειν κατά τινα

γλῶσσαν λοιδορεῖν ἔλεγον

[29] Οἱ δὲ ἀπό τινος Ἰάμβης

θεραπαινίδος Θρᾴττης τὸ γένος ταύτην φασίν τῆς

Δήμητρος ἀνιωμένης ἐπὶ τῇ τῆς θυγατρὸς ἁρπαγῇ

προσελθεῖν περὶ τὴν Ἐλευσῖνα ἐπὶ τῇ νῦν Ἀγελάστῳ 20

καλουμένῃ πέτρᾳ καθημένην καὶ διά τινων χλευασμάτων

εἰς γέλωτα προαγαγέσθαι τὴν θεόν

[30] Ἔοικε δὲ ὁ ἴαμβος

τὸ μὲν παλαιὸν ἐπὶ τῶν εἰς ψόγον καὶ ἔπαινον γρα-

φομένων ὁμοίως λέγεσθαι ἐπεὶ δέ τινες ἐπλεόνασαν ἐν

ταῖς κακολογίαις τὸ μέτρον ἐκεῖθεν τὸ ἰαμβίζειν εἰς 25

τὸ ὑβρίζειν ὑπὸ τῆς συνηθείας ἐκπεσεῖν ὥσπερ ἀπὸ

τῶν κωμικῶν τὸ κωμῳδεῖσθαι

[31] Ἰάμβων δὲ ποιηταὶ Ἀρχί-

λοχός τε ὁ Πάριος ἄριστος καὶ Σιμωνίδης ὁ Ἀμόργιος

ἤ ὡς ἔνιοι Σάμιος καὶ Ἱππῶναξ ὁ Ἐφέσιος ὧν ὁ μὲν

πρῶτος ἐπὶ Γύγου ὁ δὲ ἐπ Ἀμύντου τοῦ Μακεδόνος 30

Ἱππῶναξ δὲ κατὰ Δαρεῖον ἤκμαζε

[32] Περὶ δὲ μελικῆς ποιήσεώς φησιν ὡς πολυμερεστάτη

τε καὶ διαφόρους ἔχει τομάς

[33] Ἃ μὲν γὰρ αὐτῆς μεμέρισται

θεοῖς ἃ δὲ ltἀνθρώποις ἃ δὲ θεοῖς καὶgt ἀνθρώποις ἃ δὲ

εἰς τὰς προσπιπτούσας περιστάσεις

[34] Καὶ εἰς θεοὺς μὲν ἀνα- 35

φέρεσθαι ὕμνον προσόδιον παιᾶνα διθύραμβον νόμον

ἀδωνίδια ἰόβακχον ὑπορχήματα

[35] Εἰς δὲ ἀνθρώπους ἐγκώμια ἐπίνικον σκό- 239320a1

λια ἐρωτικά ἐπιθαλάμια ὑμεναίους σίλλους θρήνους

ἐπικήδεια

[36] Εἰς θεοὺς δὲ καὶ ἀνθρώπους παρθένια δα-

102

φνηφορικά τριποδηφορικά ὠσχοφορικά εὐκτικά ταῦτα

γὰρ εἰς θεοὺς γραφόμενα καὶ ἀνθρώπων περιείληφεν ἐπαί- 5

νους

[37] Τὰ δὲ εἰς τὰς προσπιπτούσας περιστάσεις οὐκ ἔστι

μὲν εἴδη τῆς μελικῆς ὑπ αὐτῶν δὲ τῶν ποιητῶν ἐπικεχείρη-

ται τούτων δέ ἐστι πραγματικά ἐμπορικά ἀποστολικά γνωμολογικά γεωργικά

ἐπισταλτικά

[38] Καί φησι τὸν ὕμνον

μὲν ὠνομάσθαι ἀπὸ τοῦ ὑπόμονόν τινα εἶναι καὶ οἷον 10

εἰς μνήμην καὶ ὑπόμνησιν ἄγειν τὰς πράξεις τῶν ὑμνου-

μένων ἢ ἀπὸ τοῦ ὕδειν αὐτάς ὅπερ ἐστὶ λέγειν

[39] Ἐκά-

λουν δὲ καθόλου πάντα τὰ εἰς τοὺς ὑπερόντας γραφόμενα

ὕμνους διὸ καὶ τὸ προσόδιον καὶ τὰ ἄλλα τὰ προειρη- 15

μένα φαίνονται ἀντιδιαστέλλοντες τῷ ὕμνῳ ὡς εἴδη

πρὸς γένος καὶ γὰρ ἔστιν αὐτῶν ἀκούειν γραφόντων ὕμνος

προσοδίου ὕμνος ἐγκωμίου ὕμνος παιᾶνος καὶ τὰ ὅμοια

[40] Ἐλέγετο δὲ τὸ προσόδιον ἐπειδὰν προσίωσι τοῖς βω-

μοῖς ἢ ναοῖς καὶ ἐν τῷ προσιέναι ᾔδετο πρὸς αὐλόν ὁ

δὲ κυρίως ὕμνος πρὸς κιθάραν ᾔδετο ἑστώτων

[41] Ὁ δὲ 20

παιάν ἐστιν εἶδος ᾠδῆς εἰς πάντας νῦν γραφόμενος

θεούς τὸ δὲ παλαιὸν ἰδίως ἀπενέμετο τῷ Ἀπόλλωνι

καὶ τῇ Ἀρτέμιδι ἐπὶ καταπαύσει λοιμῶν καὶ νόσων ᾀδό-

μενος Καταχρηστικῶς δὲ καὶ τὰ προσόδιά τινες παιᾶνας

λέγουσιν

[42] Ὁ δὲ διθύραμβος γράφεται μὲν εἰς Διό- 25

νυσον προσαγορεύεται δὲ ἐξ αὐτοῦ ἤτοι διὰ τὸ κατὰ τὴν

Νύσαν ἐν ἄντρῳ διθύρῳ τραφῆναι τὸν Διόνυσον

ἢ διὰ τὸ λυθέντων τῶν ῥαμμάτων τοῦ Διὸς εὑρεθῆναι

αὐτόν ἢ διότι δὶς δοκεῖ γενέσθαι ἅπαξ μὲν ἐκ τῆς Σε-

μέλης δεύτερον δὲ ἐκ τοῦ μηροῦ

[43] Εὑρεθῆναι δὲ τὸν διθύ- 30

ραμβον Πίνδαρος ἐν Κορίνθῳ λέγει τὸν δὲ ἀρξάμε-

103

νον τῆς ᾠδῆς Ἀριστοτέλης Ἀρίονά φησιν εἶναι ὃς

πρῶτος τὸν κύκλιον ἤγαγε χορόν

[44] Ὁ μέντοι νόμος γρά-

φεται μὲν εἰς Ἀπόλλωνα ἔχει δὲ καὶ τὴν ἐπωνυμίαν

ἀπ αὐτοῦ Νόμιμος γὰρ ὁ Ἀπόλλων Νόμιμος δὲ ἐκλήθη 35

ὅτι τῶν ἀρχαίων χοροὺς ἱστάντων καὶ πρὸς αὐλὸν ἢ λύραν

ᾀδόντων τὸν νόμον Χρυσόθεμις ὁ Κρὴς πρῶτος 239 320b 1

στολῇ χρησάμενος ἐκπρεπεῖ καὶ κιθάραν ἀναλαβὼν εἰς

μίμησιν τοῦ Ἀπόλλωνος μόνος ᾖσε νόμον εὐδοκι-

μήσαντος δὲ αὐτοῦ διαμένει ὁ τρόπος τοῦ ἀγωνίσματος

[45] Δοκεῖ δὲ Τέρπανδρος μὲν πρῶτος τελειῶσαι τὸν νό- 5

μον ἡρῴῳ μέτρῳ χρησάμενος ἔπειτα Ἀρίων ὁ Μη-

θυμναῖος οὐκ ὀλίγα συναυξῆσαι αὐτὸς καὶ ποιητὴς καὶ

κιθαρῳδὸς γενόμενος

[46] Φρῦνις δὲ ὁ Μιτυληναῖος ἐκαι-

νοτόμησεν αὐτόν τό τε γὰρ ἑξάμετρον τῷ λελυμένῳ

συνῆψε καὶ χορδαῖς τῶν ζʹ πλείοσιν ἐχρήσατο

[47] Τι- 10

μόθεος δὲ ὕστερον εἰς τὴν νῦν αὐτὸν ἤγαγε τάξιν

[48] Ἔστι δὲ ὁ μὲν διθύραμβος κεκινημένος καὶ πολὺ τὸ

ἐνθουσιῶδες μετὰ χορείας ἐμφαίνων εἰς πάθη κατα-

σκευαζόμενος τὰ μάλιστα οἰκεῖα τῷ θεῷ καὶ σεσόβηται

μὲν καὶ τοῖς ῥυθμοῖς καὶ ἁπλουστέρως κέχρηται ταῖς λέ-

ξεσιν

[49] Ὁ δὲ νόμος τοὐναντίον διὰ τὸν θεὸν ἀνεῖται 15

τεταγμένως καὶ μεγαλοπρεπῶς καὶ τοῖς ῥυθμοῖς ἀνεῖται

καὶ διπλασίοις ταῖς λέξεσι κέχρηται

[50] Οὐ μὴν ἀλλὰ καὶ

ταῖς ἁρμονίαις οἰκείαις ἑκάτερος χρῆται ὁ μὲν γὰρ

τὸν φρύγιον καὶ ὑποφρύγιον ἁρμόζεται ὁ νόμος δὲ 20

τῷ συστήματι τῷ τῶν κιθαρῳδῶν λυδίῳ

[51] Ἔοικε δὲ ὁ

μὲν διθύραμβος ἀπὸ τῆς κατὰ τοὺς ἀγροὺς παιδιᾶς καὶ

τῆς ἐν τοῖς πότοις εὐφροσύνης εὑρεθῆναι ὁ δὲ νόμος

104

δοκεῖ μὲν ἀπὸ τοῦ παιᾶνος ῥυῆναι (ὁ μὲν γάρ ἐστι κοι-

νότερος εἰς κακῶν παραίτησιν γεγραμμένος ὁ δὲ 25

ἰδίως εἰς Ἀπόλλωνα) ὅθεν τὸ μὲν ἐνθουσιῶδες οὐκ

ἔχει ὡς ὁ διθύραμβος

[52] Ἐκεῖ μὲν γὰρ μέθαι καὶ παι-

διαί ἐνταῦθα δὲ ἱκετεῖαι καὶ πολλὴ τάξις καὶ γὰρ

αὐτὸς ὁ θεὸς ἐν τάξει καὶ συστήματι κατεσταλ-

μένῳ περιέρχεται τὸν κρουσμόν

[53] Ἀδωνίδια δὲ λέγεται τὰ 30

εἰς Ἄδωνιν ἀναφερόμενα

[54] Ἤιδετο δὲ ὁ ἰόβακχος

ἐν ἑορταῖς καὶ θυσίαις Διονύσου βεβαπτισμένος πολλῷ

φρυάγματι

[55] Ὑπόρχημα δὲ τὸ μετ ὀρχήσεως ᾀδό-

μενον μέλος ἐλέγετο καὶ γὰρ οἱ παλαιοὶ τὴν ltὑπόgt ἀντὶ

τῆς ltμετάgt πολλάκις ἐλάμβανον

[56] Εὑρέτας δὲ τούτων 35

λέγουσιν οἱ μὲν Κουρῆτας οἱ δὲ Πύρρον τὸν Ἀχιλ-

λέως ὅθεν καὶ πυρρίχην εἶδός τι ὀρχήσεως λέγου- 239321a1

σιν

[57] Ὁ δὲ ἐπίνικος ὑπ αὐτὸν τὸν καιρὸν τῆς νί-

κης τοῖς προτεροῦσιν ἐν τοῖς ἀγῶσιν ἐγράφετο

[58] Τὸ

δὲ σκόλιον μέλος ᾔδετο παρὰ τοὺς πότους διὸ καὶ πα-

ροίνιον αὐτὸ ἔσθ ὅτε καλοῦσιν ἀνειμένον δέ ἐστι τῇ 5

κατασκευῇ καὶ ἁπλούστατον μάλιστα

[59] Σκόλιον δὲ εἴρηται

οὐχ ὡς ἐνίοις ἔδοξε κατὰ ἀντίφρασιν τὰ γὰρ κατὰ

ἀντίφρασιν ὡς ἐπίπαν τοῦ εὐφημισμοῦ στοχάζεται οὐκ εἰς

κακοφημίαν μεταβάλλει τὸ εὔφημον

[60] ἀλλὰ διὰ τὸ

προκατειλημμένων ἤδη τῶν αἰσθητηρίων καὶ παρειμέ- 10

νων οἴνῳ τῶν ἀκροατῶν τηνικαῦτα εἰσφέρεσθαι τὸ

βάρβιτον εἰς τὰ συμπόσια καὶ διονυσιάζοντα ἕκαστον

105

ἀκροσφαλῶς συγκόπτεσθαι περὶ τὴν προφορὰν τῆς ᾠδῆς

Ὅπερ οὖν ἔπασχον αὐτοὶ διὰ τὴν μέθην τοῦτο τρέψαν-

τες εἰς τὸ μέλος σκόλιον ἐκάλουν τὸ ἁπλούστατον

[61] Τὰ δὲ 15

ἐρωτικὰ δῆλον ὅτι γυναικῶν καὶ παίδων καὶ παρ-

θένων ἐρωτικὰς ᾄδει περιστάσεις [62] Καὶ τὰ ἐπιθα-

λάμια δὲ τοῖς ἄρτι θαλαμευομένοις ἅμα οἱ ἠΐθεοι καὶ

αἱ παρθένοι ἐπὶ τῶν θαλάμων ᾖδον [63] Ὑμέναιον

δὲ ἐν γάμοις ᾄδεσθαί φησι κατὰ πόθον καὶ ζήτησιν 20

Ὑμεναίου τοῦ Τερψιχόρας ὅν φασι γήμαντα ἀφανῆ

γενέσθαι

[64] οἱ δὲ κατὰ τιμὴν τοῦ Ἀττικοῦ Ὑμεναίου τοῦ-

τον γάρ φησί ποτε διώξαντα ἀφελέσθαι κούρας Ἀττι-

κὰς λῃστῶν

[65] Ἐγὼ δὲ οἶμαι βίου τινὰ εὐτυχοῦς προανα-

φώνησιν ὑπάρχειν καὶ συνεύχεσθαι τοῖς συνιοῦσι πρὸς 25

γάμου κοινωνίαν μετὰ φιλοστοργίας αἰολικῇ παρα-

πλέκοντας τὴν εὐχὴν διαλέκτῳ οἷον ὑμεναίειν καὶ

ὁμονοεῖν τούτους ἀεὶ ὁμόσε ναίοντας

[66] Ὁ δὲ σίλλος

λοιδορίας καὶ διασυρμοὺς πεφεισμένως ἀνθρώπων

ἔχει 30

[67] Διαφέρει δὲ τοῦ ἐπικηδείου ὁ θρῆνος ὅτι τὸ

μὲν ἐπικήδειον παρ αὐτὸ τὸ κῆδος ἔτι τοῦ σώματος

προκειμένου λέγεται ὁ δὲ θρῆνος οὐ περιγράφεται χρό-

νῳ

[68] Τὰ δὲ λεγόμενα παρθένια χοροῖς παρθένων

ἐνεγράφετο

[69] Οἷς καὶ τὰ δαφνηφορικὰ ὡς εἰς γένος

πίπτει δάφνας γὰρ ἐν Βοιωτίᾳ διὰ ἐννεαετηρίδος εἰς 35

τὰ τοῦ Ἀπόλλωνος κομίζοντες ἱερεῖς ἐξύμνουν αὐ-

τὸν διὰ χοροῦ παρθένων

[70] Καὶ ἡ αἰτία τῶν Αἰολέων

ὅσοι κατῴκουν Ἄρνην καὶ τὰ ταύτῃ χωρία κατὰ 239 321b 1

106

χρησμὸν ἀναστάντες ἐκεῖθεν καὶ προκαθεζόμενοι Θήβας

ἐπόρθουν προκατεχομένας ὑπὸ Πελασγῶν

[71] Κοινῆς ἀμ-

φοῖν ἑορτῆς Ἀπόλλωνος ἐνστάσης ἀνοχὰς ἔθεντο καὶ

δάφνας τέμνοντες οἱ μὲν ἐξ Ἑλικῶνος οἱ δὲ ἐγγὺς τοῦ 5

Μέλανος ποταμοῦ ἐκόμιζον τῷ Ἀπόλλωνι

[72] Πολεμά-

τας δέ ὁ τῶν Βοιωτῶν ἀφηγούμενος ἔδοξεν ὄναρ νεα-

νίαν τινὰ πανοπλίαν αὐτῷ διδόναι καὶ εὐχὰς ποιεῖ-

σθαι τῷ Ἀπόλλωνι δαφνηφοροῦντας διὰ ἐννεαετηρί-

δος προστάττειν 10

[73] Μετὰ δὲ τρίτην ἡμέραν ἐπιθέμενος

κρατεῖ τῶν πολεμίων καὶ αὐτός τε τὴν δαφνηφο-

ρίαν ἐτέλει καὶ τὸ ἔθος ἐκεῖθεν διατηρεῖται

[74] Ἡ δὲ

δαφνηφορία ξύλον ἐλαίας καταστέφουσι δάφναις καὶ

ποικίλοις ἄνθεσι καὶ ἐπ ἄκρου μὲν χαλκῆ ἐφαρμό-

ζεται σφαῖρα ἐκ δὲ ταύτης μικροτέρας ἐξαρτῶσιν 15

κατὰ δὲ τὸ μέσον τοῦ ξύλου περιθέντες ἐλάσσονα τῆς

ἐπ ἄκρῳ σφαίρας καθάπτουσι πορφυρᾶ στέμματα τὰ

δὲ τελευταῖα τοῦ ξύλου περιστέλλουσι κροκωτῷ

[75] Βούλεται

δὲ αὐτοῖς ἡ μὲν ἀνωτάτω σφαῖρα τὸν ἥλιον (ᾧ καὶ τὸν

Ἀπόλλωνα ἀναφέρουσιν) ἡ δὲ ὑποκειμένη τὴν σελήνην 20

τὰ δὲ προσηρτημένα τῶν σφαιρίων ἄστρα τε καὶ ἀστέρας

τὰ δέ γε στέμματα τὸν ἐνιαύσιον δρόμον καὶ γὰρ καὶ

τζε ποιοῦσιν αὐτά

[76] Ἄρχει δὲ τῆς δαφνηφορίας παῖς

ἀμφιθαλής καὶ ὁ μάλιστα αὐτῷ οἰκεῖος βαστάζει τὸ

κατεστεμμένον ξύλον ὃ κώπω καλοῦσιν 25

[77] Αὐτὸς δὲ ὁ δα-

φνηφόρος ἑπόμενος τῆς δάφνης ἐφάπτεται τὰς μὲν

κόμας καθειμένος χρυσοῦν δὲ στέφανον φέρων καὶ λαμ-

πρὰν ἐσθῆτα ποδήρη ἐστολισμένος ἐπικρατίδας τὲ ὑπο-

107

δεδεμένος ᾧ χορὸς παρθένων ἐπακολουθεῖ προτείνων

κλῶνας πρὸς ἱκετηρίαν ὑμνῶν 30

[78] Παρέπεμπον δὲ

τὴν δαφνηφορίαν εἰς Ἀπόλλωνος Ἰσμηνίου καὶ Χαλα-

ζίου

[79] Τὸ δὲ τριποδηφορικὸν μέλος τρίποδος προη-

γουμένου παρὰ τοῖς Βοιωτοῖς ᾔδετο

[80] Ἔσχε δὲ καὶ τοῦτο

αἰτίαν τοιαύτην Πελασγῶν τινες Πάνακτον τῆς Βοιω-

τίας ἐπόρθουν Θηβαῖοι δὲ ἤμυνον καὶ πέμψαντες εἰς 35

Δωδώνην περὶ τῆς τοῦ πολέμου νίκης ἐχρῶντο

[81] Χρησμὸς

δὲ τοῖς Θηβαίοις ἐξέπεσεν ὡς εἰ μέγιστον ἀσέβημα

ἀσεβήσουσι νικήσουσιν 239 322a 1

[82] Ἔδοξεν οὖν αὐτοῖς ἀσε-

βημάτων εἶναι μέγιστον τὸ τὴν χρησμῳδήσασαν αὐτοῖς

τὸν χρησμὸν ἀνελεῖν καὶ ἀνεῖλον [83] Αἱ δὲ περὶ τὸ τέ-

μενος συνιέρειαι δίκην λαβεῖν ἀπῄτουν τοῦ φόνου τοὺς

Θηβαίους 5

[84] Θηβαῖοι δὲ οὐκ ἐπιτρέπουσι γυναιξὶ μόναις

τὴν περὶ αὐτῶν δίκην ἀξιοῦν κοινῆς δὲ κρίσεως ἀνδρῶν καὶ

γυναικῶν γεγενημένης καὶ τῶν ἀνδρῶν λευκὰς αὐτοῖς

ἐπενεγκόντων ψήφους ἀπέφυγον Θηβαῖοι

[85] Ὕστερον δὲ

ἐπιγνόντες αὐτοῖς τὸ ὑπὸ τοῦ χρησμοῦ προστασσόμενον

βαστάσαντες τῶν κατὰ τὴν Βοιωτίαν ἱερῶν τριπόδων 10

ἕνα καὶ κατακαλύψαντες ὡς ἱερόσυλοι ἀνέπεμψαν εἰς

Δωδώνην

[86] Εὐπραγήσαντες δὲ ἐξ ἐκείνου τοῦ λοιποῦ

τὴν πρᾶξιν ἑορτὴν ἐποίουν

[87] Ὠσχοφορικὰ δὲ μέλη παρὰ

Ἀθηναίοις ᾔδετο

[88] Τοῦ χοροῦ δὲ δύο νεανίαι κατὰ γυ-

ναῖκας ἐστολισμένοι κλῆμά τ ἀμπέλου κομίζοντες μεστὸν 15

108

εὐθαλῶν βοτρύων (ἐκάλουν δὲ αὐτὸ ὤσχην ἀφ οὗ καὶ

τοῖς μέλεσιν ἡ ἐπωνυμία) τῆς ἑορτῆς καθηγοῦντο

[89] Ἄρ-

ξαι δέ φασι Θησέα πρῶτον τοῦ ἔργου ἐπεὶ γὰρ ἑκούσιος

ὑποστὰς τὸν εἰς Κρήτην πλοῦν ἀπήλλαξε τὴν πατρίδα

τῆς κατὰ τὸν δασμὸν συμφορᾶς χαριστήρια ἀποδιδοὺς 20

Ἀθηνᾷ καὶ Διονύσῳ οἳ αὐτῷ κατὰ τὴν νῆσον τὴν

Δίαν ἐπεφάνησαν ἔπραττε τοῦτο δυσὶ νεανίαις ἐσκια-

τραφημένοις χρησάμενος πρὸς τὴν ἱερουργίαν ὑπηρέ-

ταις

[90] Ἦν δὲ τοῖς Ἀθηναίοις ἡ παραπομπὴ ἐκ τοῦ Διο-

νυσιακοῦ ἱεροῦ εἰς τὸ τῆς Ἀθηνᾶς τῆς Σκιράδος τέ- 25

μενος

[91] Εἵπετο δὲ τοῖς νεανίαις ὁ χορὸς καὶ ᾖδε τὰ

μέλη

[92] Ἐξ ἑκάστης δὲ φύλης ἔφηβοι διημιλλῶντο πρὸς

ἀλλήλους δρόμῳ καὶ τούτων ὁ πρότερος ἐγεύετο ἐκ τῆς

πενταπλῆς λεγομένης φιάλης ἣ συνεκιρνᾶτο ἐλαίῳ

καὶ οἴνῳ καὶ μέλιτι καὶ τυρῷ καὶ ἀλφίτοις 30

[93] Εὐκτικὰ

δὲ μέλη ἐγράφετο τοῖς αἰτουμένοις τι παρὰ θεοῦ γενέσθαι

[94] Πραγματικὰ δὲ ἅ τινων περιεῖχε πράξεις

[95] Ἐμπορικὰ

δὲ ὅσα κατὰ τὰς ἀποδημίας καὶ ἐμπορίας ἐπιδεικνύ-

μενά τισιν ἐγράφη

[96] Καὶ ἀποστολικὰ δὲ ὅσα διαπεμπό-

μενοι πρός τινας ἐποίουν 35

[97] Τὰ δὲ γνωμολογικὰ δῆλον

ὅτι παραίνεσιν ἠθῶν ἔχει

[98] Καὶ τὰ γεωργικὰ δὲ χώρας

καὶ φυτῶν καιροὺς καὶ ἐπιμελείας

[99] Καὶ τὰ ἐπισταλτικὰ

δὲ ὅσα κατ ἐντολὰς πρός τινας ποιοῦντες διέπεμπον

[100] Οἱ μὲν δύο λόγοι τῆς Πρόκλου γραμματικῆς Χρης-

109

τομαθείας ἐν τούτοις

12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO

1 Realizou-se leitura1 a partir do livro intitulado Excertos2 de Crestomatia3 de Letras4

de Proclo5 2 O livro eacute dividido em quatro arrazoados6

1 A forma anegnoacutesthe que introduz o epiacutetome da Crestomatia bem como praticamente todos os resumos

da Biblioteca eacute indicativa desse tipo de texto evidenciando literalmente que natildeo se apresenta ali uma obra mas

sim a leitura de uma cujo tiacutetulo segue-se Cf para a interpretaccedilatildeo dessa forma Ferrante (1957 pg 161)

seguindo a liccedilatildeo de Severyns (1939 I 4 174-75 e II pg 65) cuja recensatildeo acerca da tradiccedilatildeo manuscrita e a

liccedilatildeo para este primeiro periacuteodo parecem de fato as melhores A forma verbal eacute passiva mas deve ser

entendida no grego sem sujeito de forma absoluta ou intransitiva ie ldquoleu-serdquo ldquofoi lidordquo a que se adiciona um

termo preposicionado especificando a partir do que se deu essa leitura Aqui se supre como nos referidos

editores o termo ldquoleiturardquo para viabilizar a traduccedilatildeo remetendo agrave proacutepria atividade originaacuteria da Biblioteca

compilada por Foacutecio dar notiacutecia das sucessivas leituras de diferentes livros Cf Estudo 131 Para a discussatildeo

acerca da introduccedilatildeo dos epiacutetomes na Biblioteca as demais ocorrecircncias da forma e o entendimento desta em

especiacutefico comparada agraves outras A ausecircncia de artigo antes do substantivo ldquoleiturardquo na traduccedilatildeo opccedilatildeo

semelhante agrave dos referidos editores pretende aqui conferir um traccedilo de maior generalidade agrave pratica que

designa uma vez que para aleacutem da discussatildeo acerca de qual seria a matildeo que realmente anotou os textos

mencionados transformando-os em epiacutetomes (Foacutecio ele mesmo um copista um disciacutepulo e companheiro de

viagem que se encarrega da leitura ou vaacuterios etc ndash cf Severyns I 4 ndash 5) essa leitura foi motivo de uma ou mais

sessotildees internas do grupo de estudos dirigido pelo entatildeo embaixador e futuro patriarca ela eacute portanto uma de

diversas leituras dos textos tomados como objeto dessas sessotildees 2 Sobre as implicaccedilotildees da palavra ldquoexcertosrdquo (eklogaiacute) e como foi aqui interpretada cf Estudo 132 3 A palavra ldquocrestomatiardquo khrestomaacutetheia encontra-se lexicalizada em portuguecircs e agrave disposiccedilatildeo do

erudito de liacutengua romacircnica Houaiss haure-a no Novo Diccionario Critico Etymologico da Lingua Portugueza

Paris 1836 de Francisco Solano Constacircncio e a daacute como traslado do francecircs O Littreacute a registra na liacutengua e ao

fazecirc-lo interpreta-a como o referido portuguecircs florileacutegio coletacircnea das melhores passagens de diferentes

autores com fins didaacuteticos (provavelmente jaacute interpretando o adjetivo grego khrestoacutes ldquouacutetilrdquo presente no

composto) Dado isso adoto a forma vernaacutecula e natildeo me utilizo de artigo (ldquoArdquo Crestomatia) a fim de manter

combinando-se com ldquoexcertosrdquo a ambiguidade e a duacutevida que imediatamente em grego saltam aos olhos do

leitor de que a saber de acordo com a interpretaccedilatildeo que se faz da palavra ldquocrestomatiardquo ou se entende em um

extremo que a Biblioteca mesma jaacute nos traz o resumo de uma obra de segunda matildeo ie a abreviaccedilatildeo de algo jaacute

previamente resumido em uma coletacircnea escrita ou em outro extremo que o proacuteprio termo ldquoextratosrdquo faria

parte do tiacutetulo da obra original abrindo margem a pensar a palavra ldquocrestomatiardquo (e mesmo ldquocoletacircneardquo em

portuguecircs) sem um caraacuteter abreviativo mas como ldquoreuniatildeo de ensinamentosrdquo hauridos de outros textos e autores

que ao longo de seacuteculos foram ampliando e detalhando sob diferentes aspectos as doutrinas referentes agraves letras

de modo geral (em prosa ou verso oratoacuteria ou poeacutetica) Defende-se aqui uma terceira hipoacutetese entre esses dois

extremos Concorda-se com Severyns quanto ao caraacuteter natildeo abreviativo da palavra (cf Severyns op cit II 65 ndash

69) mas entende-se que eklogaiacute pelo cotejo com as introduccedilotildees de outros epiacutetomes da Biblioteca soacute pode

implicar neste caso uma abreviaccedilatildeo a seleccedilatildeo de excertos Cf Estudo 133 Ferrante natildeo se pronuncia quanto

a sua traduccedilatildeo mas manteacutem ldquoextratosrdquo e usa o artigo antes da palavra apesar de seguir Severyns em sua notaccedilatildeo

do texto Pretendeu-se aqui (natildeo soacute pelo uso do vernaacuteculo mas tambeacutem por natildeo se empregar o artigo) como

khrestomaacutetheia eacute um substantivo que definia certa obra por sua finalidade manter a dubiedade e o caraacuteter

duvidoso que salta aos olhos de um leitor moderno dos gregos 4 A traduccedilatildeo de grammatikoacutes por ldquoliteraacuteriardquo aqui seguiria o mesmo criteacuterio acima definido (n 3) de

manter o estranhamento em relaccedilatildeo ao tiacutetulo por isso bem como para ldquoeklogaiacuterdquo poder-se-ia manter a

literalidade do correlato latino numa uacutenica palavra Como se sabe poreacutem o termo aqui natildeo eacute sinocircnimo direto do

que noacutes modernos pensamos como ldquoos estudos literaacuteriosrdquo que supotildeem ndash mais precisamente ndash uma seacuterie de

categorias e criteacuterios associados ao termo os quais por se tornarem o foco mesmo ou os preceitos da chamada

ldquoanaacutelise literaacuteriardquo constituem o objeto de uma maneira estranha aos antigos Cf Estudo 134 paacuteg 38 ndash 50

110

3 No primeiro fala como as virtudes da prosa e da poesia satildeo as mesmas mas

diferenciam-se quanto ao mais e ao menos7 4 e que do molde da elocuccedilatildeo8 haacute o copioso o

tecircnue e o meacutedio9 5 Que o copioso eacute estonteante10 e muitiacutessimo elaborado reluzindo uma

beleza poeacutetica 6 Jaacute o tecircnue proscreve uma composiccedilatildeo com tropos e afeita agrave elaboraccedilatildeo mas

antes se entretece de despojamento motivo pelo qual em geral se adapta de um modo

excelente agraves lamentaccedilotildees11 7 Quanto ao meacutedio o nome evidencia que eacute meacutedio entre ambos

5 Consoante ao que se defende no cap 133 do Estudo e ao que foi dito acima na nota 3 entende-se aqui

que a atribuiccedilatildeo a Proclo ou seja o trecho ldquode Proclordquo porque o objeto lido estaria nomeado como Excertos

estava contido na intitulaccedilatildeo desse objeto Supotildee-se que a proacutepria intitulaccedilatildeo desse objeto que eacute resumido

porque se precisava identificar de que e de quem era excertos trazia a atribuiccedilatildeo ldquode Proclordquo daiacute o itaacutelico

adotado na traduccedilatildeo Sobre a questatildeo da atribuiccedilatildeo cf Estudo 12 paacuteg 12 ndash 15 6 Embora se saiba que os loacutegoi sejam mesmo etimologicamente as diferentes partes tomos coacutedices de

um bibliacuteon ie o conjunto desses rolos a obra preferiu-se aqui a traduccedilatildeo por ldquoarrazoadosrdquo referindo-se ao

significado cognitivo da palavra (pensamentofala) para manter natildeo soacute a ideia de que quando confeccionadas e

daiacute registradas de forma escrita essas partes natildeo arbitrariamente buscavam corresponder agraves partes menores de

um loacutegos tomadas por si mas tambeacutem a ideia de que num contexto como o da Biblioteca tanto no sentido de

sua composiccedilatildeo como de sua recepccedilatildeo essa noccedilatildeo era evidente senatildeo presente afinal a obra eacute o resultado de

seccedilotildees coletivas de leitura e assim mesmo se tenta reproduzi-la na forma de texto 7 Nomeando prosa ( loacutegos) e poesia ( poiacuteema) o texto imediatamente estabelece o

primeiro criteacuterio pelo qual se julgaraacute a composiccedilatildeo poeacutetica a elocuccedilatildeo que logo seraacute desdobrada (sect4) na teoria

de seus moldes ou gecircneros De acordo com esse primeiro criteacuterio a prosa e a poesia possuem as mesmas virtudes

ou qualidades ( aretaiacute) distinguindo-se pela quantidade esta possui mais do que aquela Esse criteacuterio jaacute

eacute empregado por Aristoacuteteles na Retoacuterica III Cf Estudo 21 paacuteg 51 ndash 52 8 A traduccedilatildeo mais literal considerando o genitivo ldquo rdquo seria evidentemente ldquoe que do

molderdquo contudo talzez natildeo ficaria imediatamente claro ao leitor que a doutrina poeacutetica dos antigos aqui supotildee

ldquomoldarrdquo metaforicamente para a confecccedilatildeo da elocuccedilatildeo e as possiacuteveis variaccedilotildees que permitem claissificaacute-la

mantendo a metaacutefora fiacutesica e escultoacuterica em trecircs grandes estilos gerais Por isso acrescentou-se a expressatildeo ldquoda

elocuccedilatildeordquo Como se sabe outros nomes equivalentes a outras abstraccedilotildees satildeo empregados para nomear essa

doutrina que pelo vieacutes latino e ciceroniano ficaraacute conhecida como ldquodos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeordquo (cf Estudo

22) 9 Inicia-se a exposiccedilatildeo da teoria dos trecircs gecircneros da elocuccedilatildeo as caracteriacutesticas marcantes de cada um e

seus desvios ou viacutecios O comentaacuterio agrave traduccedilatildeo e a explicaccedilatildeo dos termos encontra-se no Estudo 22 paacuteg 52 ndash

61 10 Repare-se que no original empregam-se dois adjetivos superlativos e com o segundo o superlativo do

adveacuterbio de intensidade Para traduzir tal intensidade poder-se-ia recorrer como Severyns a estender o adveacuterbio

aos dois sintagmas termos ndash ldquomuitiacutessimo estonteante e elaboradordquo Isso daria a entender que as duas

caracteriacutesticas estatildeo em peacute de igualdade quanto agrave intensidade e que haacute graus para o adjetivo ldquoestoanteanterdquo que

talvez se verifiquem nos outros moldes quando parece que ser arrebatador ou estonteante eacute proacuteprio da elevaccedilatildeo

do molde copioso Tentar traduzir o grau superlativo do primeiro adjetivo ndash ldquoo mais estonteanterdquo ndash daria a

entender o mesmo portanto quis-se que a proacuteprio adjetivo ldquoestonteanterdquo por sua forte semacircntica decirc conta do

primeiro adjetivo ldquo ekplektikoacutetatonrdquo remetendo ao sublime etc e que o adveacuterbio

ldquomuitiacutessimo restrinja-serdquo ao segundo adjetivo ldquo kateskeuasmeacutenon maacutelistardquo

julgando-se tal soluccedilatildeo mais fiel ao sentido do grego a saber o de que o molde copioso eacute o mais elaborado de

todos comparado aos demais moldes que podem ser elaborados em menor grau e por isso tem por qualidade

uacutenica ser estonteante atingir o arrebatamento do receptor Para tal intrepretaccedilatildeo cf Estudo 221 paacuteg 55 ndash 57

principalmente o uacuteltimo paraacutegrafo e o comentaacuterio de Quintiliano paacuteg 56 ndash 57 11 A legitimidade desta passagem mais especificamente desta palavra [goeroicircs] foi contestada

diferentemente por trecircs editores propocircs-se [georgikoicircs] (Schott 1606 apud Gaisford p337 apud

Severyns tomo II p 73) [noeroicircs] (Schimid 1894 p 134 n I apud Severyns idem)

[mikroicircs] (Immisch 1902 p 257 n I apud Severyns idem) Uma apreciaccedilatildeo pode ser lida em Severyns (idem)

que em linhas gerais aleacutem de se ater ao fato de que a tradiccedilatildeo manuscrita natildeo traz divergecircncias quanto a essa

passagem segue artigo de Shorey (Classical Philology 1906 apud Severyns) em que este aleacutem dos ceacutelebres

versos da Ars de Horaacutecio (95 ndash 98) arrola diferentes e breves passagens da tradiccedilatildeo retoacuterica nas quais se

evidenciam tal liccedilatildeo de forma explicita e natildeo poeacutetica ex Longino Rhet 21 ldquo() eacute necessaacuterio a quem consola

111

8 Florido por si proacuteprio natildeo eacute um molde mas manifesta-se e encontra-se misturado

junto aos mencionados e combina com topografias e descriccedilotildees12 de descampados ou

bosques

9 Os que cometem desvios das referidas formas geram a mudanccedila do copioso em duro

e exaltado do tecircnue em chatildeo e do meacutedio em truncado e frouxo

10 Entatildeo faz consideraccedilotildees acerca de criacutetica de poesia13 no que transmite qual a

diferenccedila entre caraacuteter e afeto14

11 E da composiccedilatildeo poeacutetica15 diz que haacute o gecircnero narrativo e o imitativo 12 E o

narrativo profere-se por meio de epos bem como de iambo elegia e meacutelica o imitativo por

meio de trageacutedia bem como de drama satiacuterico e comeacutedia16

falar natildeo com clareza sofistica [sophistikeacute tranoteacutes] mas com simplicidade compassiva [sympephonkyicirca

haploteacutes]rdquo Apsines (I 358) ldquoas narraccedilotildees pateacuteticas [pathetikaigrave dieacutegeseis] natildeo devem possuir muita organizaccedilatildeo

[polyn koacutesmon]rdquo idem (I 405) ldquoagrave elocuccedilatildeo eacute necessaacuterio que seja natildeo-moldada e natildeo-ornada [aacuteplaston kaigrave

akalloacutepiston] o ornar [kallopiacutezein] natildeo eacute proacuteprio de quem canta um trenordquo (a tosca literalidade da traduccedilatildeo eacute

intencional aqui a fim de que se notem os termos gregos) 12 A palavra empregada para ldquodescriccedilatildeordquo eacute eacutekphrasis e eacute o nome que se daacute ao gecircnero pelo

qual se confecciona com palavras a representaccedilatildeo de algo inanimado Consoante ao que se disse (supra) como

algo que eacute descrito parece que todos esses casos tecircm em comum o fato de que se constituem como objetos de

apreciaccedilatildeo em funccedilatildeo da palavra entatildeo eacute pelo proacuteprio floreio que supotildee ornato que esse algo pode se tornar

objeto do prazer Daiacute a possiacutevel interpretaccedilatildeo do epiacutetome segundo a qual o florido natildeo seria por si um molde a

ser selecionado desde o iniacutecio para a confecccedilatildeo de uma obra natildeo seria um molde independente agrave cuja

totalidade se circunscreveria por inteiro toda uma elocuccedilatildeo mas sim uma forma obrigatoriamente concorrente

dependente que se apresenta como parte adicional de um dos trecircs moldes em circunstacircncias como as

exemplificadas qual um adereccedilo de flores 13 kriacutesis poieacutematos entendida aqui como sinocircnimo da sexta parte da empiria

gramatical de Dioniacutesio Traacutecio conforme defendido aqui no Estudo 134 paacuteg 38 ndash 47 para opiniatildeo

semelhante FERRANTE paacuteg 20 ndash 21 Contraacuteria Cf SEVERYNS paacuteg 77 ndash 79 Aventou-se a traduccedilatildeo por

ldquocriacuteticardquo opccedilatildeo natildeo soacute muito coerente como esclarecedora uma vez que aqui se assume a kriacutesis poiemaacuteton de

Dioniacutesio Traacutecio como atividade que mais amplamente passou a corresponder ao que hoje noacutes modernos

diriacuteamos ldquocriacutetica de poesiardquo senatildeo ldquocriacutetica poeacuteticardquo Embora tentadora e chamativa declinou-se tal traduccedilatildeo

porque primeiro a noccedilatildeo de criacutetica natildeo se entende mais em portuguecircs associada ao significado baacutesico da palavra

grega originaacuteria ldquokriacutesisrdquo modernamente natildeo haacute mais a noccedilatildeo de ldquocisatildeo litiacutegio disputardquo e daiacute ldquoavaliaccedilatildeo juiacutezo

julgamentordquo e basicamente a palavra eacute do campo semacircntico judicial segundo como o proacuteprio Dioniacutesio Traacutecio

atesta que no iniacutecio se tratava justamente desta segunda noccedilatildeo de ldquojulgamentordquo ocupando-se a princiacutepio tatildeo

somente do estabelecimento do texto a traduccedilatildeo por criacutetica poderia criar o falso entendimento da parte do leitor

de que se trata de uma atividade de ldquocriacutetica literaacuteriardquo como a dos dias de hoje quando mesmo em seu

desdobramento posterior em que poderia modernamente receber tal nome a interpretaccedilatildeo dos antigos lidava

com um instrumental de noccedilotildees diferentes das nossas como reafirmado em outras passagens deste trabalho

Embora pareccedila se perder com esta soluccedilatildeo preferiu-se fazer juz ao ldquojuiacutezordquo e recorrer a esta nota 14 eacutethous kaigrave paacutethous ndash talvez aqui como pensados por Dioniacutesio de Halicarnasso no

tratado Da Imitaccedilatildeo Cf Estudo 134 especificamente paacuteg 47 ndash 50 15 O adjetivo feminino poietikecircs sem um substantivo acompanhando-o tende a supor teacutechne Sabemos que

assim Aristoacuteteles nomeia essa aacuterea do saber Como suprir o termo poderia dar a entender o tratado e o

entendimento aristoteacutelicos do objeto quando na verdade parece que o epiacutetome usa o termo para se referir aos

poemas ie agraves composiccedilotildees em verso por oposiccedilatildeo agraves em prosa certamente entendendo-as todas como poesia

e como o termo neutro poiacuteema foi empregado anteriormente por oposiccedilatildeo agrave prosa (loacutegos) optou-se nesta

traduccedilatildeo por suprir ldquocomposiccedilatildeordquo dando a entender o resultado o objeto o poema como ldquoconfecccedilatildeordquo trazendo

tambeacutem a noccedilatildeo do ato em si e da teacutecninca (teacutekhne) Cf Estudo 32 paacuteg 77 ndash 79

O emprego do termo no genitivo junto do artigo e do verbo leacutegei implica uma forte carga

partitiva ao termo ateacute entatildeo o texto versava sobre a elocuccedilatildeo que poderia ocorrer em prosa ou em verso ie

poderia ser um discurso juriacutedico ou um poema liacuterico mas ora sobre a confecccedilatildeo que eacute apenas poeacutetica eis os

112

13 Tambeacutem que Femocircnoe17 a profetiza de Apolo foi quem descobriu18 o epos19 por

professar oraacuteculos em hexacircmetros A partir daiacute aos oraacuteculos seguiram-se [heiacutepeto ] os

feitos20 que lhes eram consonantes nomeando-se ldquoeposrdquo qualquer composiccedilatildeo no metro

14 Outros dizem que por causa da elaboraccedilatildeo e da ampla superioridade21 observada

nos hexacircmetros o hexacircmetro apropriou-se do nome comum de ldquopalavrardquo e passou a ser

chamado ldquoeposrdquo [fala palavra falada]22 bem como Homero tornou sua a alcunha ldquoo poetardquo

e Demoacutestenes ldquoo oradorrdquo uma vez tambeacutem que alguns denominavam ldquoeacuteperdquo [falares plura

de ldquoeposrdquo] as composiccedilotildees em triacutemetros23

15 Os mais egreacutegios poetas do epos satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro24 Paniacuteasis25 e

Antiacutemaco26

16 Desses discorre na medida do possiacutevel acerca da origem da paacutetria e de algumas

histoacuterias particulares27

gecircneros e espeacutecies em que eacute possiacutevel discriminaacute-las No sentido de que sobre elas o que o texto em questatildeo nos

ensina eacute tal discriminaccedilatildeo uacutetil ao gramaacutetico e aquele que busca ler tais composiccedilotildees agora textos tanto o termo

poietikeacute como a secccedilatildeo que se segue estatildeo em concordacircncia com a kriacutesis do item acima Cf Estudo 134 paacuteg

38 16 Eis a biparticaccedilatildeo em dois grandes gecircneros dos quais os nomes poeacuteticos arrolados satildeo espeacutecies de

acordo com o modelo da calssificaccedilatildeo geneacuterica discutida Os termos empregados bem como essa divisatildeo satildeo

objeto do Capiacutetulo 3 do Estudo mais precisamente seccedilatildeo 31 paacuteg 67 ndash 83 17 Cf Estrabatildeo (IX 419) Pausacircnias (X 5 7) e o Escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio (475 22) Composto de phemiacute

e noucircs ie ldquofalarrdquo e ldquopensamentoespiacuteritordquo 18 O termo do verbo epheuriacutesko ldquodescobrirrdquo eacute composto de heuriacutesko que tem o

significado baacutesico do verbo ldquoacharrdquo eacute comum na tratadiacutestica serve para designar a ldquoinvenccedilatildeordquo ndash termo latino

que traduz o grego ndash de um forma poeacutetica ou entatildeo para designar quem a encontra seu ldquoinventorrdquo ou como natildeo

haacute a noccedilatildeo moderna de ldquooriginalidaderdquo e ldquocriaccedilatildeordquo o ldquodescobridorrdquo ndash heureteacutes Esses termos se

empregaratildeo ao longo do texto consecutivamente 19 A palavra teria o significado primitivo de ldquofalardquo sua raiz (F eacute cognata do latim vox ldquovozrdquo 20 No grego tagrave praacutegmata heiacutepeto juntos o termo que designa os feitos as accedilotildees

caracteriacutesticas da poesia eacutepica e o termo que compotildee a etimologia designando tanto a sucessatildeo em relaccedilatildeo aos

oraacuteculos como o elemento de consecuccedilatildeo das accedilotildees ou feitos definidores da espeacutecie Cf Estudo 331 paacuteg 83 21 A ampla superioridade ndash aacutegan hyperokheacuten ndash da composiccedilatildeo hexameacutetrica introduz o

argumento em prol da terceira explicaccedilatildeo etimoloacutegica 22 A etimologia como visto no Estudo 331 paacuteg 83 para aleacutem do sugestivo nome da profetiza que

conteacutem o elemento ldquofalardquo seguiria a sequecircncia eacutepos heacutepomai eacutepous = logos e gt(maior que) outros eacutepe 23 Cf Estudo 331 para a noccedilatildeo de eacutepos associado a outras formas como o triacutemetro ou a oratoacuteria De

qualquer forma o argumento geral eacute o de que outros designavam outras espeacutecies que julgavam ldquoa fala por

excelecircnciardquo pelo termo comum para ldquopalavra faladardquo ie ldquoeposrdquo 24 Pisandro de Camiro c 650 aC A ele eacute atribuiacuteda uma Heracleida que narrava todos os feitos de

Heacutercules 25 Paniacuteasis de Halicarnasso tio de Heroacutedoto morreu por volta de 457 aC A ele se atribui tambeacutem uma

Heracleida em 14 cantos e 900 versos 26 Antiacutemaco de Colofatildeo c 405 aC autor da Tebaida que comporia junto de outro poemas o ciclo

tebano 27 Aqui seguiria a Vita Homeri atribuiacuteda que chegou a noacutes a Proclo Eacute de se supor que para cada um dos

poetas mencionas seguisse uma biografia semelhante Essa passagem e a seccedilatildeo seguinte sobre o ciclo eacutepico

cotejadas com os uacutenicos excertos originais que temos da Crestomatia permitem-nos ter um iacutenfimo vislumbre da

dimensatildeo da obra que de fato pela menccedilatildeo a quatro livros feita no iniacutecio do coacutedice dos quais apenas dois satildeo

resumidos devia ser extensa

113

17 Entatildeo faz consideraccedilotildees sobre o chamado ldquociclo eacutepicordquo que se inicia pelo

intercurso mitoloacutegico entre Ceacuteu e Terra28 a partir do qual geram a ele trecircs filhos centiacutemanos e

trecircs Ciclopes29

18 Passa por diversos aspectos concernentes agraves narraccedilotildees miacuteticas sobre os deuses dos

gregos e diz o que inclusive pode ateacute certo ponto ser verdade em referecircncia agrave histoacuteria

19 Fecha-se o ciclo eacutepico agrave medida que eacute completo pela contribuiccedilatildeo de diferentes

poetas ateacute o desembarque de Odisseu em Iacutetaca quando eacute morto por seu filho Teleacutegono que

natildeo o reconhecera30

20 Fala como os poemas do ciclo eacutepico tecircm se conservado e recebido atenccedilatildeo de

muitos natildeo tanto por sua virtude quanto pela sequecircncia das accedilotildees nele contidas

21 Fala entatildeo o nome e a paacutetria dos que se dedicaram ao ciclo eacutepico

22 Fala entatildeo acerca de certos poemas ldquoCiacutepriosrdquo como alguns os atribuem a Estasino

de Chipre outros lhes inscrevem ldquoHegesino de Salaminardquo Outros dizem que Homero

escreveu-os deu a Estasino por obter-lhe a filha e por causa de sua paacutetria nomeou ldquoCiacutepriasrdquo

a obra 23 Mas de sua parte natildeo se apoia nessa hipoacutetese pois que tambeacutem os poemas natildeo se

intitulam ldquoCiacutepriasrdquo com acentuaccedilatildeo proparoxiacutetona31

24 Diz quanto agrave elegia [elegeiacutea ] ser composta de um verso heroacuteico e um

pentacircmetro32 e acomodar-se33 aos que jaacute partiram 25 E obteve seu nome daiacute os antigos

28 Aqui se iniciava o resumo do ciclo eacutepico Cf Estudo 3312 paacuteg 86 para as conjecturas a respeito

daquilo em que talvez consistisse essa primeira parte do ciclo a julgar pelo paraacutegrafo seguinte (18) em que se

nomeiam as histoacuterias do iniacutecio do ciclo ldquonarraccedilotildees miacuteticasrdquo ou considerando a acepccedilatildeo moderna ldquomitologiardquo 29 Esse episoacutedio cosmogocircnico como apresentado ie sem uma referecircncia expliacutecita agrave geraccedilatildeo de Ceacuteu a

partir de Terra (diferente do que se lecirc em Hesiacuteodo Teogonia 126 ndash 127) derivaria da Titanomaquia de Eumelo

Cf Estudo 3312 paacuteg 88 ndash 90 e Ateneu (Deipnosophistae VII 277d ndash e) 30 Buscou-se manter na traduccedilatildeo a possibilidade de leitura equivocada e a imprecisatildeo que pode geraacute-la a

quem desconhece os episoacutedios do ciclo o desembarque em questatildeo natildeo eacute o da Odisseia em retorno de Troia

mas o que encerra a viagem de Odisseu agrave Tesproacutetia que se narrava na Telegonia de Ecircugamon de Cirene uacuteltimo

poema na cronologia do ciclo 31 Para a extensa consideraccedilatildeo de todos os possiacuteveis tiacutetulos para o poema segundo diferentes autores da

Antiguidade cf Severyns (paacuteg 93 ndash 98) e Ferrante (27 ndash 30) Para a opiniatildeo de Proclo que Foacutecio natildeo menciona

ambos editores e criacuteticos apontam como consideraccedilatildeo final para a passagem de Ateneu (XV 682d) em que

Demodamas sugere como autor Ciacutepria de Halicarnasso Eacute conjetural poreacutem que concordando com

Demodamas Proclo aceitasse que a intitulaccedilatildeo se desse pelo autor sugerindo uma forma genitiva como

intitulaccedilatildeo que a formulaccedilatildeo de Foacutecio sugere Vale lembrar que no excerto sobre as Ciacuteprias Proclo informaria

sua discordacircncia sobre a intitulaccedilatildeo do poema e diria que para evitar a interrupccedilatildeo da continuidade do discurso

discutiria posteriormente esse toacutepico como um excurso Pelo menos quanto agrave ordem portanto o resumo de

Foacutecio seria fiel pois eacute de supor que tal excurso ocorresse apoacutes o resumo do ciclo e antes de abordar a elegia Isso

tambeacutem explica por que natildeo haveria razotildees para que Proclo natildeo considerasse as Ciacuteprias como parte do ciclo

(Severyns paacuteg 98) uma vez que dos resumos do ciclo esse eacute o uacutenico que natildeo conteacutem uma atribuiccedilatildeo em seu

iniacutecio 32 Como observado no caso do epos a exposiccedilatildeo segue o criteacuterio metro-mateacuteria explicando o

desenvolvimento da espeacutecie a partir dos usos do metro Cf Estudo 3312 paacuteg 86 332 paacuteg 90 em diante 33 Cf supra sect14 suacutemphona explicitando o criteacuterio metro-mateacuteria pontuando a invenccedilatildeo da espeacutecie e seu

desenvolvimento a partir da mateacuteria que a princiacutepio se lhe acomodava naturalmente

114

chamavam ao treno34 eacutelegos [ ] e atraveacutes dele elogiavam [euloacutegoun ] os

mortos35 26 Os poacutesteros36 contudo usaram ldquoelegiardquo amplamente para diferentes

argumentos

27 Fala entatildeo que exceliram nesse metro Calino de Eacutefeso37 e Mimnermo de

Colofatildeo38 mas tambeacutem o filho de Teacutelefo Filetas de Coacutes39 e Caliacutemaco filho de Bato (esse era

de Cirene)40

28 Jaacute no que diz respeito ao iambo [ ] primeiro em tempo antigo era atribuiacutedo

agrave ralhaccedilatildeo41 inclusive de acordo com certo dialeto ldquoiambizarrdquo [ldquoiambiacutezeinrdquo ] era

nome para ldquoralharrdquo42

29 Uns dizem ser por causa de certa criada Iambe [Iaacutembe ]43 de origem

traacutecia Ela quando Demeacuteter estava de luto pelo rapto de sua filha foi ateacute as redondezas de

34 Para a interpretaccedilatildeo de que a elegia haveria derivado do treno cf Harvey The Classification of Greek

Lyric Poetry The Classical Quarterly New Series Vol 5 No 34 (Jul - Out 1955) pp 157-175 35 O trinocircmio elegia eacutelegos elogio eacute a etimologia baacutesica que subjaz a essa exposiccedilatildeo da descoberta e do

desenvolvimento da espeacutecie Cf Estudo 332 paacuteg 90 a 94 36 Hoi metageneacutesteroi os poacutesteros ndash o texto mesmo pontua como etapa posterior ao uso primeiro do

diacutestico para o lamento fuacutenebre seu uso para diferentes argumentos hypotheacuteseis 37 Viveu por volta do seacuteculo VII a c e pelo que sabemos de sua poesia que nos chega fragmentada seria

de caraacuteter beacutelico e guerreiro recorrendo aos exemplos dos mitos que seratildeo posteriormente circunscritos ao

ciclo eacutepico (FERRANTE paacuteg 32) para exortar ao combate e agrave bela morte Portanto entendida a definiccedilatildeo da

elegia ao peacute da letra mesmo o mais velho elegiacuteaco natildeo a ilustra eacute de se supor portanto que ele mesmo jaacute ilustre

o uso do metro para ldquodiferentes argumentosrdquo o caraacuteter lamentoso e primordial do metro abarcaria por exemplo

a exortaccedilatildeo agrave morte na guerra uma vez que pressupotildee a situaccedilatildeo fuacutenebre independente dos poemas ou desse

tipo de poema suporem quando da sua composiccedilatildeo uma execuccedilatildeo primeira e um funeral ou funerais como

ocasiatildeo em performance especiacutefica uma vez que mesmo que nas situaccedilotildees em que um poema se destinasse agrave

uma performance especiacutefica sua execuccedilatildeo poderia se dar tambeacutem em um simpoacutesio posteriormente 38 Viveu entre o final do seacuteculo VII e o iniacutecio do seacuteculo VI a C seu lamento eacute de caraacuteter amoroso Foi

imitado pelos heleniacutesticos e a ele Galo e os demais elegiacuteacos romanos fazem remontar a elegia eroacutetica

tomando-o por seu descobridor 39 Poeta e gramaacutetico agrave maneira alexandrina mestre de Zenoacutedoto e Teoacutecrito seria tambeacutem reconhecido

pelos romanos o intermediaacuterio heleniacutestico da elegia eroacutetica no iniacutecio nos meandros do seacuteculo IV aC 40 Seacuteculo III aC foi disciacutepulo de Hermoacutecrates e Praxiacutefanes o peripateacuterico disciacutepulo de Teofrasto

Fundou uma escola de gramaacutetica em Alexandria seguindo os passo do mestre que se dedicara especificamente a

esse saber Compocircs sob a corte de Ptolomeu II o Filadelfo e Ptolomeu III o Eveacutergeta Foi o grande propagador

da poesia breve e cultista de base Heleniacutestica a quem se filiaraacute entre os romanos Catulo modelo dos elegiacuteacos

junto a Galo Cultivou aleacutem da elegia o epigrama o hino o epiacutelio e o iambo 41 Cf Estudo 333 paacuteg 94 42 Eacute impossiacutevel identificar a que dialeto o texto se referia uma vez que se o fizesse Foacutecio natildeo o anotou

Tanto Severyns (28 2 paacuteg 105) como Ferrante (28 paacuteg 33) remetem a Chantraine (La Formation des Noms en

Grec Ancien paacuteg 260) pontuando que de fato a formaccedilatildeo do nome em questatildeo eacute externa ao grupo indo-

eruropeu Talvez se a indefiniccedilatildeo do texto do epiacutetome partiu do texto do proacuteprio Proclo os proacuteprios antigos

percebessem a palavra como estrangeira sem poder identificar sua origem 43 A primeira e uma das poucas etimologias eponiacutemicas que ocorrem no epiacutetome O argumento baacutesico ndash

note-se ndash eacute etioloacutegico ie e funciona como outras explicaccedilotildees que apareceratildeo ao longo do cataacutelogo de

subespeacutecies meacutelicas haacute um marcante evento miacutetico ou histoacuterico que uma vez aceito eacute por si mesmo argumento

para a adoccedilatildeo de um costume e repeticcedilatildeo da forma Neste caso a accedilatildeo da criada de nome Iambe seria modelar do

que se faz com os iambos tanto que de seu nome derivaria o proacuteprio nome do metro Embora natildeo se possa

dizer que tambeacutem eponiacutemica a associaccedilatildeo do hexacircmetro a Femocircnoe (sect14) continha um argumento de base

etioloacutegica semelhante na medida em que localiza em um passado remoto um acontecimento que se fixa como

praacutetica Esse tipo de argumento seraacute amplamente usado na exposiccedilatildeo das subespeacutecies liacutericas na liacuterica sacra por

115

Elecircusis e apoacutes subir sobre a pedra hoje chamada ldquoSolenerdquo44 por meio de algumas zombarias

levou a deusa agrave gargalhada45

30 Parece que em tempo antigo poreacutem dizia-se o iambo para o que era composto

visando ao vitupeacuterio e ao enaltecimento igualmente Como alguns sobreabundaram o metro

nas maledicecircncias a partir daiacute o ldquoiambiacutezeinrdquo [ldquoiambizarrdquo ]46 por forccedila do haacutebito

acabou por ser ldquohybriacutezeinrdquo [ldquoimprecarrdquo ] bem como por causa dos ldquococircmicosrdquo

[komikoiacute ] ldquokomiacutezeinrdquo [ldquoridicularizarrdquo ]47

31 De iambos Arquiacuteloco de Paros eacute o melhor poeta seguido de Semocircnides de

Amorgos ndash de Samos segundo uns ndash e Hipocircnax de Eacutefeso dos quais o primeiro floresceu na

eacutepoca de Giges48 o segundo na de Amintas o macedocircnio49 por fim Hipocircnax durante o

periacuteodo de Dario50

32 Sobre a poesia meacutelica51 diz que eacute a mais diversificada e comporta diferentes

divisotildees

33 Parte dela encontra-se distribuiacuteda para deuses parte para homens parte para

deuses e homens e parte para as circunstacircncias acidentais

exemplo eacute usado na explicaccedilatildeo do nomo (sect44) entre as subespeacutecies sacras e seculares na explicaccedilatildeo da

dafneforia (sect70 ndash 73) das canccedilotildees tripodefoacutericas (sect80 ndash 86) das oscofoacutericas (sect89) etc 44 Chama a atenccedilatildeo o silecircncio de Pausacircnias (I 38 6 e I 39 I) a respeito da pedra Cf Severyns paacuteg 108

6 ndash as referecircncias tardias pontuadas pelo autor sugerem que se trate de um elemento proverbial e posterior que se

preencheu em um episoacutedio antigo e conhecido que remonta afinal ao Hino Homeacuterico a Demeacuteter (197 ndash 204)

em que tal criada aparece e de fato faz a deusa rir mas no palaacutecio do rei Celeo e sob seu senhorio em uma

versatildeo diferente da histoacuteria Referem-se agrave pedra Apolodoro (I 30) o Escoacutelio a Aristoacutefanes (Cavaleiros 785) e o

Suda ( 49 ADLER) 45 Severyns (paacuteg 107 ndash 109) fornece detalhadamente todas as referecircncias para essa versatildeo da histoacuteria

valendo menccedilatildeo a mesma passagem de Apolodoro que apresenta a histoacuteria semelhantemente e o Escoacutelio a

Hefestiatildeo (214 9 Consbruch) que apresenta a versatildeo homeacuterica 46 Cf Ferrante 32 ndash 33 n 28 para a etimologia a partir de ldquoiagraven baacutezeinrdquo ldquo rdquo ldquolanccedilar a vozrdquo

(Et Magn 463 29) bem como para a possibilidade a partir do homeacuterico iaacute ldquolanccedilas setasrdquo (Il 20 68) +

baacutezein ie ldquolanccedilar setasrdquo metaacutefora poeacutetica para imprecar (cf Catulo 116)47 O termo que de iniacutecio significava apenas integrar um koacutemos ie uma farra folia patuscada pacircndega

um cortejo festivo passa a designar no desenvolvimento da trageacutedia ldquocompor um coro cocircmicordquo e por

metoniacutemia satirizar detratar fazer de algo ou algueacutem objeto da criacutetica cocircmica Esse processo teria igualmente

ocorrido em relaccedilatildeo ao emprego abundante do iambo para a imprecaccedilatildeo de modo que o proacuteprio verbo

ldquoofenderrdquo ldquoinjuriarrdquo (hybriacutezein passa a ter o mesmo emprego que ofender sem implicar a

composiccedilatildeo de versos iacircmbicos Essa uacuteltima passagem natildeo eacute senatildeo uma ampliaccedilatildeo e confirmaccedilatildeo da primeira

etimologia apresentada que apenas endossa a opiniatildeo de Aristoacuteteles para a origem do iambo (Cf Estudo 333

paacuteg 94) 48 Arquiacuteloco teria vivido na primeira metade do seacuteculo VI aC Giges que eacute dado como referecircncia foi o

rei liacutedio de 689 a 653 aC Menciona-o fragmento 19 do poeta (Gerber) Sua poesia nos chega fragmentada e

faz menccedilatildeo de um eclipse que ocorreu em 6 de abril de 648 aC o que nos permite situar sua atividade poeacutetica

pelo menos ateacute essa deacutecada Sabemos que compocircs elegias tambeacutem mas eacute geralmente referido como o primeiro

poeta iacircmbico entre os gregos como se vecirc por exemplo na Ars de Horaacutecio (79) 49 Trata-se de Amintas I da Macedocircnia que teria vivido entre 540 e 498 aC o que colocaria Semocircnides

depois de Arquiacuteloco na segunda metade do seacuteculo VI aC Dele nos resta algo em torno de 40 fragmentos

dentre os quais o mais famosos seria o fragmento 6 (WEST) ldquoContra as Mulheresrdquo 50 Segundo esse testemunho Hipocircnax teria vivido aproximadamente entre 521 e 485 aC eacute considerado o

descobridor do coliambo 51 Sobre a divisatildeo cf Estudo 334 paacuteg 95

116

34 Aos deuses de um lado referem-se hino prosoacutedio peatilde ditirambo nomo

adoniacutedia iobaco hiporquema

35 Aos homens de outro encocircmios epiniacutecio escoacutelios eroacuteticas espitalacircmios

himeneus silos trenos e epiceacutedios

36 Aos deuses e homens partecircnias dafnefoacutericas tripodefoacutericas oscofoacutericas ecircuticas

pois essas eram escritas para deuses e compreendiam enaltecimentos de homens

37 A que se refere agraves circunstacircncias acidentais natildeo eacute uma espeacutecie da meacutelica mas eacute

atentada pelos proacuteprios poetas

38 Diz que o hino [hyacutemnos ]52 recebe seu nome pelo fato de ser algo

ldquohypoacutemononrdquo [ldquopersistenterdquo ]53 e por conduzir desse modo agrave mneacuteme [memoacuteria

] e agrave hypomneacutesis [rememoraccedilatildeo ] as accedilotildees dos hineados [hymnoucircmenoi

]54 ou tambeacutem pelo ldquohydeicircnrdquo [ldquonomearrdquo ] que eacute o mesmo que ldquodizerrdquo55

52 Do sacircnscrito syuman (ldquoligaccedilatildeordquo) Essa noccedilatildeo se confere no latim suo (coser) bem como em palavras

gregas com a noccedilatildeo geral de ldquourdidurardquo ldquotecidordquo ldquopelerdquo υμην (membrana) υφη (teia urdidura) υφαινω

(sinocircnimo do latim suo ie tecer) ndash Exemplos de Ferrante paacuteg 38 n 38 53 Essa hipoacutetese eacute verossiacutemil linguisticamente e nos eacute apresentada pelo Et Mag 777 2 dizendo apenas

que se trata de siacutencope υμνος derivaria de υπομονος palavra postulada e teoacuterica (uma vez que temos o verbo

ldquorestarrdquo e o substantivo deverbal ldquopersistecircnciardquo mas natildeo o adjetivo em questatildeo) por

apoacutecope e assimilaccedilatildeo υπομονος passaria a υμμονος e depois por simplificaccedilatildeo e siacutencope cairia o [o] de

μονος resultando υμνος (Ferrante idem) A etimologia antiga como se sabe pauta-se natildeo soacute na proximidade

das palavras mas tambeacutem em seu significado Essa etimologia teoacuterica contribui portanto para a noccedilatildeo cabal de

que na percepccedilatildeo antiga um hino o eacute porque ldquopersistenterdquo ie hino eacute algo que visa permanecer daiacute a

associaccedilatildeo direta e primeira entre hyacutemnos e hypoacutemonos a partir da qual na formulaccedilatildeo dessa etimologia se

parte para as demais associaccedilotildees paroniacutemicas 54 Tais formas se associariam morfoloacutegica e semanticamente (e daiacute etimologicamente) ao binocircmio

hyacutemnos - hypoacutemonos expandindo-o Dessa associaccedilatildeo baacutesica decorre que a espeacutecie poeacutetica recebe seu nome

porque opera com a mneacuteme a capacidade de retenccedilatildeo na memoacuteria e com a hypomneacutesis a capacidade de

rememorar o que foi armazenado em relaccedilatildeo agraves accedilotildees dos hineados Dessarte os demais termos ocorrem para

explicar a associaccedilatildeo primeira com uma palavra teoacuterica ie porque o hino eacute ldquopersistenterdquo Talvez devecircssemos

considerar o contraacuterio que a palavra teoacuterica se postula a fim de permitir a associaccedilatildeo com as outras que

explicariam o nome do gecircnero A se diz por causa de B que se diz em funccedilatildeo de C e D seguindo-se E Este

uacuteltimo termo explica o uacuteltimo elemento da exposiccedilatildeo do coacutedice em que os ldquohineadosrdquo (hymnoucircmenoi) satildeo

praticamente os ldquorelembradosrdquo

Esse eacute o esquema etimoloacutegico de dois outros textos semelhantes a esse passo do coacutedice de Foacutecio o

leacutexico de Oacuterion 155 22 (fundamental porque ele teria sido professor de Proclo) e Et Magnun 777 2 (que como

se sabe junto do Et Gudianum pauta-se no gramaacutetico Oacuterion em vaacuterios de seus verbetes) O cotejo completo

encontra-se em Severyns II 38 paacuteg 117 Ambas as referidas passagens (esta baseada naquela) atribuem a

etimologia a Diacutedimo e sua obra Acerca dos Poetas Liacutericos citados nominalmente nos dois textos 55 Apenas pelo lsquo rsquo o verbo em questatildeo viria agrave etimologia porque condensa as noccedilotildees anteriores e a antiga

funccedilatildeo religiosa subjacente agrave origem da espeacutecie em questatildeo o celebrar de um deus finalidade do hino

consistiria em relembrar ie trazer agrave tona seus feitos suas accedilotildees ( praacutexeis) manter a memoacuteria delas

Essa etimologia encontra-se nos leacutexicos antigos e provavelmente adveacutem dos autores heleniacutesticos uma vez que o

uso do verbo parece reintroduzido na liacutengua pelos poetas de tal periacuteodo cf Severyns idem paacuteg 119 Tanto no

Et Magnun como no Et Gudianum provavelmente contemplando o uso heleniacutestico aparece junto dos verbos

e como sinocircnimo primeiro de ldquo rdquo Para a derivaccedilatildeo antiga da palavra por exemplo o Et

Gud 539 56 ldquo

rdquo ndash ldquohyacutedein sinaliza o hyacutemnein surge a patir do verbo hymnocirc pela queda

do lsquonrsquo hymocirc e mudanccedila do lsquomrsquo para lsquodrsquo hyacutedo pelo recuo do acentordquo A associaccedilatildeo entre os dois verbos para a

qual tambeacutem se apresenta uma formaccedilatildeo teoacuterica nos leacutexicos posteriores ao texto do epiacutetome parece apontar de

qualquer modo dentro dessa classificaccedilatildeo de base gramatical para a necessidade de reforccedilar pelo emprego de

117

39 Chamavam hino em geral toda composiccedilatildeo aos que satildeo superiores56 por isso

aparecem contrapondo o prosoacutedio e as demais canccedilotildees mencionadas ao hino como a espeacutecie

ao gecircnero Assim dos que escrevem57 podem-se ouvir coisas como ldquohino de prosoacutediordquo ldquohino

de encocircmiordquo ldquohino de peatilderdquo e semelhantes58

40 O prosoacutedio [prosoacutedion ] era entoado quando se seguia em procissatildeo

[prosiacuteosi ] ao altar ou ao santuaacuterio e na procissatildeo [prosieacutenai ] era

cantado [eiacutedeto ]59 ao som do aulo O hino propriamente se cantava ao som da ciacutetara

uma vez que se estivesse parado60

um termo que tambeacutem eacute heleniacutestico a exposiccedilatildeo da espeacutecie como ldquodiegeacuteticardquo ou narrativa bem como

caracterizar a forma poeacutetica como celebraccedilatildeo de accedilotildees Em outras palavras aventa-se a possibilidade de que natildeo

eacute senatildeo pelas accedilotildees as praacutexeis anteriormente mencionadas que as duas explicaccedilotildees estatildeo aqui postas juntas

uma vez que nesta ocorrecircncia o verbo tenha as accedilotildees por objeto (hyacutedein autagraves) Eacute provaacutevel portanto que o

texto de Proclo as propunha contiguamente e natildeo opostamente jaacute que como mostrado por Severyns (paacuteg 120)

eacute tambeacutem por essa possibilidade que o texto do epiacutetome mencionaraacute outra disposiccedilatildeo para o hino em relaccedilatildeo agraves

outras espeacutecies dentro da classificaccedilatildeo geneacuterica a saber como gecircnero para as demais espeacutecies (infra n 58) 56 hyperoacutentas eacute correccedilatildeo de Severyns proposta a partir das referidas passagens de Oacuterion e do

Et Mag que trazem ldquo hypereacutekhontasrdquo sinocircnimo uma vez que o texto de Foacutecio traz

ldquo hypereacutetasrdquo (servo do deus) o que implicaria um contrassenso uma vez que o hino faz parte da

liacuterica sacra 57 A passagem parece ambiacutegua e aqui se pretendeu manter essa ambiguidade Natildeo eacute possiacutevel estabelecer

apenas pela passagem se tocircn graphocircnton designa aqueles que escrevem sobre hinos referindo-se a como outros

textos e classificaccedilotildees geneacutericas referem-se aos hinos e os nomeiam ou se isso parte daqueles que compuseram

tais hinos e portanto o referente do particiacutepio seriam os poetas A opccedilatildeo por ldquoescrevemrdquo e natildeo ldquocompotildeemrdquo na

traduccedilatildeo visa manter as duas possibilidades de leitura Das duas passagens semelhantes Oacuterion (155 22) e o Et

Magnun (777 2) apenas a primeira emprega o termo referindo-se aos que compotildeem com certeza e eacute por isso

mesmo que essa provavelmente seria a leitura correta Natildeo nos cabe emendar o texto poreacutem 58 Conforme as aludidas passagens de Oacuterion e do Etymologicum Magnum Diacutedimo distinguia entre duas

classificaccedilotildees Uma consideraria o hino particularmente como espeacutecie meacutelica sacra separada das demais

mencionadas no epiacutetome outra tomaria o temo de forma geneacuterica no sentido de que seu significado geral

abarcaria as demais formas sacras como espeacutecies Da exposiccedilatildeo anterior de fato se pode conjecturar que como

um hino eacute um louvor qualquer louvor poderia ser designado ldquohinordquo cantando-se as accedilotildees do ldquohineadordquo

inclusive referindo-se a homens e natildeo deuses A denominaccedilatildeo particular poreacutem a que Diacutedimo se filia

distinguia todas essas formas como espeacutecies pelo criteacuterio do destinataacuterio e por traccedilos circunstanciais

particulares apesar do mesmo testemunhar a generalizaccedilatildeo do termo que relacionava o hino a outras espeacutecies

liacutericas que empreendiam um elogio De acordo com Diacutedimo estaacute Amocircnio Sacoacuteforo (Diff Verb p 139

Valckenaer) quando diz que ldquoυμνος εγκωμιου διαφερει ο μεν γαρ υμνος εστι θεων το δε εγκωμιον ανθρωπωνrdquo (o hino difere do encocircmio o hino eacute proacuteprio dos deuses o encocircmio dos homens) tambeacutem se encontra passagem

similar no Etym Gud (540 42) ldquoο μεν υμνος επι θεου λεγεται το δε εγκωμιον επι ανθρωπουrdquo (o hino se diz a

um deus o encocircmio a um homem) A distinccedilatildeo jaacute ocorria na Repuacuteblica de Platatildeo (X 607a) quando absolvia do

ostracismo os ldquohinos aos deuses e os encocircmios ao virtuososrdquo A diferenciaccedilatildeo entre hino e as demais espeacutecies

sacras se daraacute logo em seguida no texto do epiacutetome quando se aborda a segunda delas no cataacutelogo de Proclo o

prosoacutedio (cf infra n 60) Cf igualmente Severyns paacuteg 119 em que organiza claramente as trecircs interpretaccedilotildees

de hino em relaccedilatildeo agraves demais formas poeacuteticas

Para a confusatildeo entre o hino e as formas encomiaacutesticas cf tambeacutem Harvey (1955) 59 Seria portanto combinando os trecircs termos arrolados na paroniacutemia explicativa da etimologia uma

ldquocanccedilatildeo em procissatildeordquo Aqui o que a etimologia faz eacute tatildeo somente explicar por outras palavras os termos do

composto que nomeia a espeacutecie a preposiccedilatildeo proacutes que daacute a noccedilatildeo de ldquoem direccedilatildeo ardquo que compotildee os verbos de

movimento que permitem designar o caminhar da procissatildeo (pros + ieacutenai) e o verbo ldquocantarrdquo (aiacutedo) donde o

ldquocantordquo ldquoa oderdquo ( oacuteide) 60 Aqui a distinccedilatildeo entre o hino como espeacutecie particular ndash o ldquohino propriamenterdquo ldquo rdquo ndash em

relaccedilatildeo agraves demais que remonta ateacute onde nos eacute possiacutevel saber a Diacutedimo Segundo o Et Magn 690 ldquoπροσωδια

παρα το προσιοντας ναοις η βωμοις προς αυλον αδειν ltαντιgt δια ltστελλεταιgt δε των υμνον οτι τους υμνους

προς κιθαραν εστωτες αδουσιν Ουτω Διδυμος εν τω περι λυρικων ποιητωνrdquo ndash ldquoos prosoacutedios foram assim

118

41 O peatilde [paiacutean ] eacute uma espeacutecie de canto nos nossos dias escrito para todos

os deuses mas em tempo antigo se dedicava propriamente a Apolo e a Aacutertemis sendo

cantado pela democcedilatildeo [katapauacutesei ] de pestes e moleacutestias61 Alguns chamam

peatildes por extensatildeo os prosoacutedios62

42 O ditirambo [dithyacuterambos ]63 eacute composto para Dioniso e denominado

a partir dele ou por Dioniso ter crescido sob o monte Nisa em uma caverna diacutethyros

chamados pois os que se aproximam dos templos ou altares cantam ao acompanhamento de aulo Opotildeem-se aos

hinos pois os cantam parados ao acompanhamento de ciacutetara Assim disse Diacutedimo no Acerca dos Poetas

Liacutericosrdquo

Sobre a forma hestoacuteton ( ) considerando que ocorre similarmente nos textos semelhantes

Severyns observou (124 6 citando o Etm Magnun 690 41) que sendo a espeacutecie executada por um coro pelo

menos em origem dificilmente o termo aqui se emprega ao peacute da letra O termo poderia ter o sentido de

estaacutesimo como na trageacutedia ou seja ldquouma paradardquo em relaccedilatildeo ao movimento geral pela orquestra mas com uma

coreografia o que significaria que o coro faria as evoluccedilotildees tiacutepicas da estrutura estroacutefica junto ao canto e agrave

composiccedilatildeo instrumental por oposiccedilatildeo aos meacutele hyporkheacutemata aqueles que possuiacuteam uma danccedila e aos meacutele

prosoacutedia esses opostos aos dois por ser em procissatildeo Contudo em se tratando de um genitivo absoluto o que

se tentou manter na traduccedilatildeo podemos aventar igualmente uma explicaccedilatildeo mais simples o termo estaacute a

continuar a oposiccedilatildeo entre o ldquohino em sentido proacutepriordquo o hyacuterios hyacutemnos e o prosoacutedio significando que aquele

se iniciava apoacutes este ou seja apoacutes o teacutermino da procissatildeo ldquouma vez que se estivesse paradordquo Note-se que uma

possibilidade natildeo nega a outra e ambas me parecem presentes porque isso inclusive explicaria primeiro os

hyporkheacutemata em particular como espeacutecie (seguindo o raciociacutenio do cataacutelogo) assim como em segundo a

ausecircncia de explicaccedilatildeo para estes no epiacutetome (cf n 77) 61 A etimologia se constitui pela proximidade do nome da canccedilatildeo com o termo ldquocessaccedilatildeo democcedilatildeordquo

( katapapaucircsis) e aqui a classificaccedilatildeo da espeacutecie se faz em prol da etiologia antiga Busca-se um

termo que lhe seja proacuteximo do ponto de vista do significante mas tambeacutem do significado Assim os leacutexicos (Et

Mag 657 2) traratildeo uma derivaccedilatildeo teoacuterica e dentre eles o Et Gudianum (446 50) daraacute como fonte Diacutedimo

Vale nota que o Et Magnum e o escoacutelio a Platatildeo (Banquete 177a) datildeo amostra da preocupaccedilatildeo terminoloacutegica

que perfaz a classificaccedilatildeo do epiacutetome pois embora ambos consoem com Proclo e este segundo empregue

praticamente a mesma formulaccedilatildeo do epiacutetome (ldquo rdquo)

ambos empregam o termo hyacutemnos propondo o peatilde como um tipo de hino evidenciando que o uso de ldquohinordquo

como gecircnero para espeacutecies era corrente na tratadiacutestica

Derivaria de παιω tambeacutem (cf lat pauio pauimentum) ldquobater percutirrdquo (cf Dioniacutesio Traacutecio) mas pela

mesma razatildeo etioloacutegica acima explicada pois Apolo batendo com seu bastatildeo demoveria os males Haveria

tambeacutem a derivaccedilatildeo do nome pela expressatildeo caracteriacutestica que se dizia ao longo do canto ldquo rdquo (cf

Ateneu XV 696d ndash 697b) Em tempos poacutes-homeacutericos o termo foi confundido com Peatildeo deus da medicina (cf

Ferrante paacuteg 43 n41) evidentemente associado a Apolo e jaacute Aacutertemis sua irmatilde era tambeacutem destinataacuteria do

canto como testemunha o epiacutetome Entatildeo o canto seria ou uma suacuteplica pela liberaccedilatildeo como testemunha Homero

no canto I da Iliacuteada (472 ndash 4) ou um agradecimento ao deus por ela Daiacute que como ldquoaccedilatildeo de graccedilardquo ndash termo que

Severyns ndash penso ndash emprega sem erro o peatilde passou a servir de agradecimento a diferentes deuses e por

diferentes accedilotildees A Vida de Soacutefocles (III) conta-nos que o tragedioacutegrafo teria se destacado ainda jovem por

conta de um peatilde em agradecimento pela vitoacuteria em Salamina Parece que natildeo muito mais tarde (embora seja

impossiacutevel precisar se a praacutetica jaacute era corrente mesmo anteriormente) peatildes passaram a se compor para homens

Ateneu (supra) arrola diferentes exemplos de peatildes para mortais dos quais merece destaque o referido por

Plutarco na Vida de Lisandro (18) o general espartano ndash Cf Severyns (127 3) 62 Tanto Severyns (41 7 paacuteg 129) como Ferrante (41 paacuteg 45) a julgar pela diferenciaccedilatildeo inferem que a

confusatildeo se dava porque antes do canto de um peatilde propriamente haveria uma procissatildeo ao templo do deus a

que se agradeceria o que se faria ao som de um prosoacutedio propriamente e este poderia ser designado pelo

criteacuterio apenas da finalidade da ocasiatildeo um peatilde ignorando-se os elementos formais explicitados Ambos autores

tambeacutem datildeo como referecircncia para o estudo e a bibliografia a respeito do peatilde A Fairbanks A study of the greek

paean New York 1900 L Deubner Neue Jahrbuumlrch 1919 p 585 L Delatte in Antiquiteacute classique 7 (1938)

p 23 ndash 29 Sobre o a confusatildeo entre os gecircneros sacros e a impossibilidade de estabelecer o que consistia cada

um Harvey (op cit1955) 63 Segundo alguns o termo eacute de origem liacutedia mas a etimologia eacute incerta Διθυραμβος era uma outra

designaccedilatildeo de Dioniso e mais tarde tornou-se o nome do canto em honra ao deus o que seria embora isso talvez

119

[bifurcada ]64 ou por ter sido encontrado quando se abriram as rhaacutemmata [suturas

] de Zeus65 ou porque nasceu ndash ao que parece ndash duas vezes [diacutes ] a primeira de

Secircmele e a segunda da coxa66

43 Piacutendaro diz que o 67ditirambo foi descoberto em Corinto e Aristoacuteteles fala que o

inaugurador desse canto eacute Aacuterio quem primeiro conduziu um coro em ciacuterculo68

44 Jaacute o nomo [ ] era composto para Apolo que por sua vez tem seu epiacuteteto

derivado dele69 de fato Apolo eacute ldquoNocircmimosrdquo [ ]70 ndash foi chamado ldquoNocircmimosrdquo

porque estando os antigos a dispor o coro e cantar o nomo ao som da lira ou do aulo

Crisocirctemis o cretense vestindo pela primeira vez uma exuberante estola e sacando uma ciacutetara

por imitaccedilatildeo de Apolo cantou sozinho [monos ]71 um nomo Como ele foi aclamado a

maneira do concurso permanece

45 Ao que tudo indica primeiro Terpandro aperfeiccediloou o nomo empregando o metro

heroico Depois natildeo foi com pouco que contribuiu Aacuterio de Metimna ele mesmo sendo poeta e

fosse desconhecido dos antigos um epocircnimo Para diferentes possibilidades etimoloacutegicas associadas a aspectos

do culto de Dioniso a partir do grego e de outras liacutenguas cf Ferrante (42 paacuteg 45 ndash 46) 64 De δις + θυρα cf lat fores (com duas portas) cf Herodiano (II 492 28 Lentz) apud Ferrante (op cit

idem) e Piacutendaro (fr 76 BOWRA) A mesma etimologia ocorre no Et Magnum (274 44) e no Escoacutelio a

Apolocircnio de Rodes (IV 1131 Wendel) 65 O simples segmento focircnico [-ram-] - seria suficiente para se fazer a associaccedilatildeo a outro episoacutedio

conhecido sobre a mitologia em torno de Dioniacuteso a saber sua segunda gestaccedilatildeo na coxa de Zeus gerando a

associaccedilatildeo entre dithyacuterambos e a locuccedilatildeo ldquolugravethi rhammardquo ( ) frase com que Zeus teria consumado o

nascimento definitivo de seu filho cujo significado seria ldquosoltem-se as suturasrdquo Essa etimologia encontra-se

tambeacutem no Et Magn (274 50) e era ao que tudo indica poeacutetica remontando a Piacutendaro (fr 75 BOWRA) 66 O uacuteltimo elemento associado ao numeral dois ldquoduas vezesrdquo ndash [dis] - - eacute uma etimologia meramente

semacircntica e tambeacutem associada a um segmento focircnico A rigor essa etimologia eacute a melhor demonstraccedilatildeo do aqui

se denomina uma etimologia etioloacutegica porque na verdade eacute a somatoacuteria de partes da palavra cada uma

remetendo a outra palavra que por sua vez representa um elemento do mito de nascimento do deus compondo

seu significado geral e a origem de um nome que entre os gregos mesmos era de origem incerta As diferentes

partes dessa etimologia em que cada associaccedilatildeo contribui para a inserccedilatildeo do mito no significado da palavra

aparecem aleacutem do Et Magn (274 44) no Et Gud (146 24 e 43) de modo que neste se observa a mesma

associaccedilatildeo entre ldquoduas viasrdquo e ldquodois nascimentosrdquo ndash cf Severyns 42 8 paacuteg 132 67 Cf Ferrante (43 paacuteg 46) Piacutendaro Ol 13 25 68 Aristoacuteteles Pol VIII 7 1342 b 7 Para Aacuterio c 625 aC cf Heroacutedoto (I 23 ndash 24) 69 A melhor explicaccedilatildeo para tal passagem eacute de Severyns (op cit 44 1 paacuteg 137) buscando brevidade

didaacutetica na exposiccedilatildeo Foacutecio teria pecado no estilo produzindo a ambiguidade da passagem que na sua

literalidade daacute a entender primeiro que Apolo herdou seu epiacuteteto do canto Como Severyns observa a passagem

sequer faria sentido caso se pensasse que Foacutecio a entendeu dessa maneira 70 Severyns (idem 2) e Ferrante (n 44 paacuteg 48) concordam que noacutemimos seria a variaccedilatildeo adotada por

Foacutecio mas para fins etimoloacutegicos Proclo provavelmente empregava a forma noacutemios constante na recorrecircncia

dessa etimologia O epiacuteteto de Apolo poderia tanto ser cognato de ldquoneacutemo pastorearrdquo significando

ldquopastorilrdquo como de ldquonoacutemos leirdquo significando algo como ldquoprovedor de leisrdquo ndash Severyns (44 4 paacuteg 139) 71 Aventa-se aqui a possibilidade de que como em sect65 em que Foacutecio expotildee a etimologia que prefere em

funccedilatildeo do lsquomrsquo de moacutenos Foacutecio esteja explicando seu emprego natildeo em vatildeo e natildeo meramente estiliacutestico de

noacutemimos em vez de noacutemios que devia constar no texto de Proclo Essa hipoacutetese seria consoante agrave confusatildeo que

ocorre no iniacutecio do trecho de modo que aqui Foacutecio estaria nos informando que haveria uma confusatildeo entre o

epiacuteteto do deus e o nome da subespeacutecie nome que sofreria uma sutil modificaccedilatildeo em funccedilatildeo do evento

estabelecedor da praacutetica performaacutetica que passa a caracterizaacute-lo Assim teriacuteamos duas etimologias combinadas

uma claramente epocircnima outra uma variaccedilatildeo etioloacutegica

120

citaredo 46 Friacutenis de Mitilene inovou-o juntou o hexacircmetro ao verso livre e utilizou mais de

sete cordas 47 Posteriormente Timoacuteteo levou-o a seu arranjo atual72

48 O ditirambo eacute movimentado junto agrave danccedila uma manifestaccedilatildeo de entusiasmo em

alto grau elaborado para as paixotildees muito proacuteprias do deus eacute agitado quanto ao ritmo e

emprega de forma mais simples as palavras 49 O nomo pelo contraacuterio por causa do deus

distende-se de forma ordenada e magnificente distende-se no ritmo e emprega as palavras

compostas73

50 Natildeo diferentemente cada um tambeacutem emprega as escalas proacuteprias pois o primeiro

afina-se ao friacutegio e ao hipofriacutegio e o nomo ao sistema liacutedio dos citaredos74

51 Ao que parece o ditirambo foi descoberto a partir da brincadeira das crianccedilas

pelos campos e da animaccedilatildeo entre os eacutebrios O nomo por sua vez parece decorrer do peatilde ndash

este eacute mais comum sendo escrito para a deprecaccedilatildeo de males aquele propriamente para

Apolo ndash por isso natildeo tem o entusiasmo como o ditirambo

52 Laacute enfim bebedeiras e brincadeiras aqui suacuteplicas e muita ordem pois que o

proacuteprio deus na ordenaccedilatildeo e em um arranjo contido daacute voltas no compasso

53 Adoniacutedias se dizem as canccedilotildees que se referem a Adocircnis75

54 Cantava-se o iobaco imerso em frecircmitos nos festivais e sacrifiacutecios a Dioniso76

72 Aqui se forneceria conforme o modelo padratildeo uma histoacuteria do nomo a partir de sua invenccedilatildeo

passando por seus desenvolvimentos Para as conjecturas histoacutericas sobre a evoluccedilatildeo formal do nomo Severyns

op cit II 140 a 150 Ferrante op cit paacuteg 48 traz uma breve exposiccedilatildeo sobre as partes do nomo e da paacuteg 50

a 51 a biografia de cada um dos poetas referidos 73 Empreende-se uma comparaccedilatildeo entre as caracteriacutesticas gerais dessas composiccedilotildees de acordo com o

deus a que se destinava cada uma Agrave paixatildeo proacutepria de Dioniacutesio e do entusiasmo caracteriacutestico de seu culto

acomodar-se-ia um estilo mais baixo empregando palavras simples aqui entendidas no sentido da elocuccedilatildeo

propriamente enquanto por outro lado combinando com o ritmo do nomo que ao inveacutes de se agitar em prol da

danccedila dos entusiasmados buscava prolongar-se pausadamente as palavras seriam mais belas visando ao ornato

da elocuccedilatildeo portanto compostas 74 Igualmente a cada um dos referidos ritmos melhor caberiam diferentes escalas musicais Para

interpretaccedilotildees divergentes da passagem e a possiacutevel discordacircncia em relaccedilatildeo a uma interpretaccedilatildeo peripateacutetica

Cf Severyns paacuteg 160 ndash 163 75 Adocircnis era divindade de origem siacuteria e feniacutecia (Ferrante 53 paacuteg 57) O pouco que se pode saber sobre

essa espeacutecie eacute que talvez fosse um treno ritual em que as mulheres lamentavam imitando Afrodite a morte do

belo jovem O termo que nomeia a canccedilatildeo epocircnima ocorre poucas vezes na liacutengua em Aristoacutefanes (Lisistrata

389) ocorre na forma adoniasmoacutes O Et Mag explica a forma como ldquoo treno por Adocircnisrdquo A peccedila

de Aristoacutefanes ainda ilustra expressotildees que provavelmente eram tiacutepicas desse canto (393 e 396) ldquo rdquo

(ldquoAi Adocircnisrdquo) e ldquo rdquo (ldquobatei no peito lsquoAdonisrsquordquo) Tambeacutem havia um peacute meacutetrico chamado

adocircnio 76 Como em uma das etimologias possiacuteveis para o peatilde o nome eacute composto da interjeiccedilatildeo de juacutebilo ldquoioacuterdquo

mais um dos nomes do deus Baacutekkhos cf Escoacutelio a Dioniacutesio Traacutecio (450 15) Cf severyns (54 paacuteg 171) em

Atenas representaccedilotildees do seacutequito de Dioniso chamavam-se Ioacutebakkhoi e Iobakkheicirca era o nome de uma festa

puacuteblica em honra do deus A expressatildeo ldquoimerso em muito frecircmitordquo sugere uma celebraccedilatildeo de caraacuteter semelhante

a do ditirambo

121

55 Hiporquema [hypoacuterkhema ]77 chamava-se a canccedilatildeo cantada junto agrave

danccedila [oacuterkhesis ]78 de fato os antigos frequentemente empregavam a preposiccedilatildeo

hypoacute [ ] no lugar de metaacute [ ]79

56 Quanto aos descobridores alguns dizem ter sido os curetas80 outros Pirro [Pyrros

] filho de Aquiles donde tambeacutem dizem piacuterrica [purrikheacute ] uma espeacutecie

de danccedila81

56a [paraacutegrafo pertinente ao encocircmio falta nos manuscritos]82

57 Jaacute o epiniacutecio escrevia-se pelo momento mesmo da vitoacuteria aos primeiros nas

competiccedilotildees83

77 Segundo Ferrante (55 paacuteg 58) seriam composiccedilotildees em versos creacuteticos ou peocircnicos Opotildee-se agraves demais

espeacutecies sacras porque era composta com uma danccedila em especiacutefico e natildeo evoluccedilotildees do coro Seria um canto de

origem cretense originariamente dedicado a Apolo mas depois a Dioniso e Atena ateacute que jaacute na eacutepoca de

Piacutendaro secularizou-se 78 A julgar pelo fato do resumo de Foacutecio mencionar mesmo que sucintamente as consideraccedilotildees do texto

original que explicavam a classificaccedilatildeo dessas espeacutecies sacras eacute de supor que o proacuteprio texto acessado natildeo trazia

muitas outras consideraccedilotildees sobre essa espeacutecie uma vez que um criteacuterio que as definisse como tal jaacute fora

discutido e estava subentendido no restante da exposiccedilatildeo da liacuterica sacra O nome por si soacute eacute autoexplicativo

ainda mais apoacutes a discussatildeo na exposiccedilatildeo do prosoacutedio particularizando o hino 79 Cf Ferrante (55 paacuteg 59) que arrola por exemplo O Escoacutelio a Piacutendaro (Ol VI 73b) e a Homero

(XVIII 492) como testemunhos arcaicos do uso de uma preposiccedilatildeo no lugar da outra O nome da espeacutecie seria

portanto algo como ldquodanccedilanterdquo (ldquocom danccedilardquo) Para as demais etimologias antigas cf Severyns (56 paacuteg 174 ndash

178) 80 Seriam sacerdotes do culto a Rea influentes em Creta Cf Ferrante (56 paacuteg 59) 81 Epiacuteteto de Neoptoacutelemo 82 Cf Harvey (1955) para ponderaccedilotildees sobre o encocircmio em relaccedilatildeo agraves demais espeacutecies principalmente em

relaccedilatildeo aos hinos Segundo a definiccedilatildeo de Heliodoro apud Ferrante (paacuteg 61) ldquoeacute a composiccedilatildeo poeacutetica que

compreende o enaltecimento de homens e cidadesrdquo mas morfoloacutegica e etimologicamente tambeacutem significava

fazer parte de um koacutemos mas em uma solenidade festiva ndash cf Piacutendaro Nemeias 8 50 Portanto poderia se

confundir com o epiniacutecio e em ambiente simposial ao escoacutelio mas se diferenciaria desse por ser coral 83 Fosse literalmente ie com valor temporal ldquono momento da vitoacuteriardquo fosse em sentido causal ldquopor

causa da vitoacuteriardquo

Severyns (57 paacuteg 181) defende que a liccedilatildeo talvez fosse epigrave autograven tograven kairograven porque aiacute ocorreria uma

etimologia que diz ldquoaludidardquo por oposiccedilatildeo ao encocircmio o epiniacutecio era obrigatoriamente no momento da vitoacuteria

em uma competiccedilatildeo atleacutetica supondo a celebraccedilatildeo do homem na proacutepria ocasiatildeo pairando a sugestatildeo de que

esse criteacuterio definiria o epiniacutecio em ldquoparticularrdquo semelhantemente agrave distinccedilatildeo entre hino em ldquoparticularrdquo jaacute

observada em relaccedilatildeo agraves demais espeacutecies sacras Em resumo o epiniacutecio em particular ou propriamente por

oposiccedilatildeo ao encocircmio que tambeacutem eacute um elogio seria apenas o que se cantava na ocasiatildeo performaacutetica especiacutefica

da vitoacuteria do atleta A proposta de Severyns natildeo me parece necessaacuteria para certas composiccedilotildees de fato talvez o

uacutenico criteacuterio realmente distintivo fosse uma ocasiatildeo performaacutetica apenas aludida e pressuposta o que na

praacutetica inevitavelmente se dava com certa flutuaccedilatildeo por um lado um epiniacutecio poderia ser executado mesmo

que posteriormente em um simpoacutesio e nesse caso a ocasiatildeo performaacutetica original seria pressuposta de

qualquer maneira o que o originou fora uma vitoacuteria atleacutetica A ocasiatildeo original por outro lado como se lecirc nos

epiniacutecios pindaacutericos talvez natildeo fosse o proacuteprio local da competiccedilatildeo mas uma cerimocircnia ciacutevica (com um koacutemos)

na paacutetria do atleta Natildeo parece necessaacuterio julgar com tanto rigor a classificaccedilatildeo dos antigos porque natildeo nos eacute

possiacutevel estabelecer quando exatamente se dava a cerimocircnia ciacutevica de celebraccedilatildeo do atleta e ao que tudo indica

havia uma flutuaccedilatildeo A emenda natildeo se faz necessaacuteria a rigor a motivaccedilatildeo do canto em uacuteltima instacircncia seria a

vitoacuteria atleacutetica e sempre se referiria a essa ocasiatildeo ou seja mesmo que por referecircncia estaria sempre

circunscrita a um ldquotempo especiacuteficordquo ndash o mesmo criteacuterio seraacute empregado para distinguir epiceacutedio de treno (sect67)

poreacutem explicitamente O encocircmio talvez natildeo se prendesse a uma motivaccedilatildeo especiacutefica mas natildeo nos resta

hipoacutetese para o que o definiria ldquoem particularrdquo

122

58 O escoacutelio [torto tortuoso skoacutelion ] era uma canccedilatildeo cantada entre os

convivas Por isso agraves vezes tambeacutem a chamam ldquocanccedilatildeo de beberrdquo Eacute despojado na preparaccedilatildeo

e muitiacutessimo simples84

59 ldquoEscoacuteliordquo eacute dito natildeo por antiacutefrase como julgam alguns o que se diz por antiacutefrase

em geral visa ao eufemismo e natildeo se muda o eufecircmico em maldizer85 60 Eacute poreacutem pelo

fato de que estando os sentidos enfim arrebatados e os ouvintes folgados por conta do vinho

bem nesse instante se introduzia o baacuterbito86 nos simpoacutesios e cada um continuando a

festividade combalia-se instavelmente no proferimento do canto Por causa disso que eles

proacuteprios sofriam em funccedilatildeo da bebedeira voltando-o para a canccedilatildeo chamavam-na tatildeo

simplesmente ldquoescoacuteliordquo [canccedilatildeo ldquotortardquo]87

61 As eroacuteticas [eroticaacute ] evidentemente cantam circunstacircncias de amores

[eroticagraves peristaacuteseis ] por mulheres meninos e moccedilas88

62 E as epitalacircmias [epithalaacutemia ]89 cantam-nas aos receacutem-casados

simultaneamente os rapazes e as moccedilas90 em direccedilatildeo [epiacute ] ao quarto nupcial[thaacutelamoi

]

84 Para as demais etimologias antigas e a hipoacutetese de que a etimologia por antiacutefrase fosse de Diacutedimo

Severyns (58 paacuteg 182 ndash 189) A etimologia proposta por Proclo associa o termo diretamente agrave ocasiatildeo e ao que

ocorre nela de modo a determinar o tipo de canto a canccedilatildeo seria tortuosa por causa da bebida seria portanto a

ldquocanccedilatildeo de beberrdquo por excelecircncia porque se cantava bebendo Essa etimologia supotildee que skoacutelion viria por

baritonaccedilatildeo do adjetivo skolioacutes a on (subentendendo-se melos) que significa ldquotortuosordquo e por isso tambeacutem

ldquodifiacutecilrdquo A etimologia opta pelo primeiro significado em vez do segundo ou seja o nome viria do significado

primeiro e literal da palavra 85 A etimologia por antiacutefrase ndash ldquodizer o contraacuteriordquo ndash seria dizer ldquodifiacutecilrdquo a canccedilatildeo porque na verdade eacute

simples e faacutecil uma vez que se daacute em meio agrave bebedeira dificultando a elaboraccedilatildeo Mas a antiacutefrase se daacute por

eufemismo ie para evitar o maldizer e natildeo o contraacuterio o que acabaria ocorrendo se essa hipoacutetese fosse

verdadeira supostamente porque para o autor da Crestomatia chamar difiacutecil o faacutecil natildeo seria eufecircmico mas

depreciativo 86 Lira grande de nove cordas 87 A canccedilatildeo eacute duplamente tortuosa o efeito tortuoso da bebida presente no canto dos eacutebrios se reflete na

consecuccedilatildeo do canto conforme os convivas se sucedem entoando-o desorganizada ou tortuosamente ie sem

uma sequecircncia predeterminada e linear 88 O nome eacute autoexplicativo Aqui provavelmente se agrupavam os poemas de Safo Anacreonte e Alceu

que tambeacutem satildeo dados como poetas de escoacutelios Essa pequena seccedilatildeo da Crestomatia provavelmente eacute a que

tratava das espeacutecies que nos satildeo legadas tendo como ocasiatildeo performaacutetica baacutesica o simpoacutesio 89 Outra etimologia autoexplicativa que se definia pela ocasiatildeo mais especificamente aqui diferencia esta

espeacutecie da seguinte por conta de sua finalidade e da ocasiatildeo pontual em que era cantada Segundo Severyns (62

191 ndash 194) tanto epithalaacutemios como hymeacutenaios poderiam designar as canccedilotildees de mateacuteria nupcial sendo a

primeira arcaica e poeacutetica e a segunda posterior heleniacutestica teoacuterica cunhada pelos gramaacuteticos De fato eacute o que

demonstra com as ocorrecircncias de ambas as designaccedilotildees esta segunda em Ateneu (I 5e) por exemplo

referindo-se (a) ao canto executado no banquete nupcial junto aos pais da noiva ou quando (b) ela era levada

pelo cortejo de amigos junto ao esposo da casa de seus pais agrave casa dele (Homero Il XVIII 491 seq e Hesiacuteodo

Escudo 272 seq) ou quando (Teoacutecrito XVIII 8 etc) o casal (c) se retira ao cocircmodo nupcial guardado por uma

espeacutecie de porteiro ou guardiatildeo o thyroroacutes jaacute aquela primeira classificando as mesmas coisas em

textos de base gramatical como Amocircnio Sacoacuteforo (junto de diversos sinocircnimos como gameacutelios e

variantes) ou o Escoacutelio a Teoacutecrito (XVIII) etc referindo-se ao terceiro significado (c) de himeneu ou cobrindo

todos seus significados como sinocircnimo direto de hymeacutenaios (Et Magn 776 46) ou designando uma

composiccedilatildeo natildeo liacuterica mas com o mesmo valor da primeira noccedilatildeo (a) de himeneu agraves vezes em diacutestico elegiacuteaco

123

63 Diz que o himeneu cantava-se nos casamentos em conformidade ao sofrimento e agrave

procura por Himeneu filho de Terpsiacutecore91 o qual dizem ter se tornado invisiacutevel apoacutes casar-

se

64 Outros em honra de Himeneu de Atenas pois ele ndash diz ndashapoacutes perseguir resgatou

de bandidos moccedilas atenienses92

65 Eu penso que era uma exultaccedilatildeo prenunciando uma vida afortunada e que

rezavam junto aos cocircnjuges pela comunhatildeo de um matrimocircnio com ternura entretecendo a

prece com dialeto eoacutelio de modo a sempre hymenaiacuteein [coabitarem ] e

homonoeicircn [concordarem ] os que vatildeo morar sob o mesmo teto93

66 O silo94 conteacutem a ralhaccedilatildeo e o menoscabo de homens comedidamente95

(Luciano Banquete 29 40 etc) ou referindo-se a uma composiccedilatildeo em prosa ie um discurso equivalente ao

primeiro tipo (a) de himeneu

Parece acertada a conclusatildeo do autor de que como se observa para outras espeacutecies da liacuterica secular em

que se cunha posteriormente uma nomenclatura a fim de diferenciaacute-la de outras formas poeacuteticas congecircneres

designadas a princiacutepio por um mesmo nome geral ldquohimeneurdquo como designaccedilatildeo mais antiga seria o nome para

qualquer ode nupcial qualquer canto referente aacutes nuacutepcias entoado mesmo que em meio ao simpoacutesio enquanto o

termo ldquoepitalacircmiordquo passaria a designar em uma tentativa mais teacutecnica de classificaccedilatildeo (gramatical) uma

circunstacircncia especiacutefica em que se realizava um canto liacuterico nupcial a ida ao leito ou taacutelamo 90 Conforme demonstra Severyns (62 4 paacuteg 193) parece que a princiacutepio esse coro se compunha apenas

de moccedilas mas Proclo deve atestar a praacutetica posterior de incluir tambeacutem rapazes Piacutendaro (Piacuteticas III 18) e

Teoacutecrito (XVIII 2 e 22) a testariam o primeiro caso Eacutesquilo (fr 43 Nauck) o segundo Sobre o uso de

discursos nas mesmas ocasiotildees Dioniacutesio de Halicarnasso (Ret IV I 266 22) emprega a mesma distinccedilatildeo de

espeacutecies levando Severyns agrave pertinente observaccedilatildeo de que ela fosse alexandrina 91 Confere para as divergecircncias em relaccedilatildeo agrave matildee do jovem Himeneu Severyns (63 3 126 ndash 197) 92 Ambas as etimologias propostas por Proclo para o nome da espeacutecie compotildeem epocircnimos etioloacutegicos

para os quais a interpretaccedilatildeo de Severyns (63 5 198) parece acertada Para a primeira Proclo estaria

interpretando pela referecircncia miacutetica a expressatildeo formular desse tipo de canto ldquo Hymegraven ocirc

Hymeacutenaierdquo focando-se no segundo termo como mito etioloacutegico do canto associado pelo que se subentende agrave

perda do hiacutemem (Cf Severyns 65 2 paacuteg 200 para outras etimologias linguiacutesticas dos antigos) A segunda

etiologia eacute associada a outra personagem e segundo o autor seria de base heleniacutestica teoricamente em funccedilatildeo

do quanto subentende de referecircncias e contecircm de amplificaccedilatildeo episoacutedica em relaccedilatildeo a outras fontes (cf 64 paacuteg

198 ndash 200) Supotildee a praacutetica do casamento natildeo concedido por parte de piratas e raptores um casamento ilegal

para a poacutelis portanto Como o referido heroacutei aacutetico teria impedido tal praacutetica iniciara-se a pratica de celebraacute-lo

junto ao casamento consentido e legal 93 Nessa curiosa passagem Foacutecio daacute sua opiniatildeo teria considerado as etimologias de Proclo por demais

pagatildes Natildeo se pode dizecirc-lo mas talvez tenha considerado muito obtusas as ilaccedilotildees feitas uma vez que pelas

constantes expressotildees ldquouns outrosrdquo ao longo do resumo natildeo haacute por que duvidar de que nos forneccedila por

completo as etimologias com que Proclo operava 94 Palavra que significa ldquomordazrdquo ldquosarcaacutesticordquo mas que tambeacutem seria ldquovesgordquo Para as etimologias que

natildeo constam no epiacutetome porque provavelmente jaacute assume o nome do canto pelo teor satiacuterico como se vecirc na

definiccedilatildeo cf Ferrante (paacuteg 72) 95 Teriam sido compostos por Timatildeo de Flio filoacutesofo ceacutetico do periacuteodo heleniacutestico e eram basicamente

hexacircmetros paroacutedicos ridicularizando de maneira branda outros filoacutesofos Pelo mesmo nome se designavam os

escritos de Xenoacutefanes de Colofatildeo anterior a Timatildeo em aproximadamente um seacuteculo Por extensatildeo hexacircmetros

que parodiassem Homero tambeacutem deviam ser considerados siacutelos (Ferrante paacuteg 72) Segundo Dioacutegenes Laeacutercio

(IX 109 apud Ferrante) agrave eacutepoca de Tibeacuterio o gramaacutetico Apolocircnide de Niceacuteia teria composto uma ldquoMemoacuteria

dos Silosrdquo em cujo livro primeiro se contava a vida de Timatildeo e se estudava sua poesia Autores modernos

(Smyth apud Severyns paacuteg 68) questionam a classificaccedilatildeo do silo como poesia liacuterica e coral por ser

hexameacutetrico Ferrante (idem) a partir de Heliodoro (451 23 apud Severyns) aventa a possibilidade de se

considerar o silo uma subespeacutecie do iambo pelo emprego de loidoriacutean em sua definiccedilatildeo mas parece ignorar

tambeacutem o metro bem como o fato de Proclo usou a palavra na definiccedilatildeo do iambo provaacutevel razatildeo pela qual natildeo

124

67 O treno difere do epiceacutedio [epikeacutedion] porque o epiceacutedio se diz a partir do proacuteprio

kecircdos [luto funeral ] com o corpo ainda jazendo exposto enquanto o treno natildeo se

circunscreve a um periacuteodo de tempo96

68 As chamadas partecircnias [partheacutenia ] eram escritas para coros de moccedilas

[partheniai ]

69 A elas as dafnefoacutericas [ldquoporta-lourosrdquo daphneforicaacute ] pertencem

como a um gecircnero97 a cada nove anos na Beoacutecia os sacerdotes portando [komiacutezontes

] louros [daacutephnai ] aos templos de Apolo louvavam-no com um coro de

moccedilas98

70 Sua origem os muitos eoacutelios que habitavam Arne e as terras da regiatildeo de laacute

migrando de acordo com um oraacuteculo e que sitiando deram iniacutecio ao saque de Tebas antes

ocupada pelos pelasgos99

71 Em advindo um festival de Apolo comum a ambos estabeleceram armistiacutecio e

enquanto uns agrave margem do Heacutelicon cortavam louros outros agrave margem do rio Melas os

ofertavam a Apolo

72 Entatildeo Polematas comandante dos beoacutecios sonhou que via um jovem entregar-lhe

a armadura e ordenar-lhe fazer votos de a cada nove anos levar louros a Apolo

73 Depois de trecircs dias investindo sobrepujou os inimigos e ele proacuteprio entatildeo

executaria uma dafnefoacuteria [dafneforiacutea ] A partir daiacute se preserva o costume

74 A dafnefoacuteria cingem um galho de oliveira com louros e flores coloridas na ponta

se acopla uma esfera de bronze e dela pendem menores No meio do galho dispondo em

ciacuterculo dependuram uma menor que a da ponta e guirlandas roxas A parte final do galho

envolvem com um manto cor de accedilafratildeo

a empregaria aqui Para a associaccedilatildeo excessiva de Proclo com Diacutedimo neste passo e outros autores anteriores a

Proclo que classificam o silo entre as espeacutecies liacutericas cf Severyns (paacuteg 205) 96 Para as partes do sepultamente entre os gregos e o kecircdos como funeral cf Severyns (67 2 paacuteg 207)

Essas duas formas de canccedilatildeo fuacutenebre se distinguiriam por um momento especiacutefico da ocasiatildeo Esse criteacuterio jaacute se

aplicou em relaccedilatildeo ao epiniacutecio e ao epitlacircmio (supra notas 167 e 173) Para a associaccedilatildeo e a distinccedilatildeo dessas

espeacutecies liacutericas em relaccedilatildeo agrave elegia e o emprego do metro aleacutem de Ferrante (paacuteg 73) e Severyns (paacuteg 208 ndash

210) cf Harvey (1955) 97 Conforme visto porque a noccedilatildeo de que hino e encocircmio aleacutem de espeacutecies em particular poderiam

tambeacutem ser propostos no proacuteprio texto de Proclo como gecircneros para espeacutecies eacute mais plausiacutevel que essa

explicitaccedilatildeo seja do proacuteprio texto que se resumiu e natildeo do resumidor e talvez para esse terceiro grupo da liacuterica

que compreende homens e deuses juntos o criteacuterio fosse assumido senatildeo endossado por Proclo e natildeo apenas

contraposto a um criteacuterio que tambeacutem considera todas as espeacutecies em particular 98 Aqui o texto torna-se etioloacutegico mal ocorrendo etimologias uma vez que os nomes satildeo

autoexplicativos e o que se faz nada mais eacute do que explicitar sua composiccedilatildeo O criteacuterio eacute explicito seguir-se-atildeo

as espeacutecies de partecircnios que satildeo definidas pela festa em que ocorrem O que resta entatildeo eacute contar a origem de

cada uma dessas ocasiotildees puacuteblicas 99 Para todas as referecircncias histoacutericas a respeito da etiologia e da festividade cf Severyns (70 ndash 78 paacuteg

214 ndash 232)

125

75 Pretendem que a esfera mais ao alto signifique o sol (com que remetem a Apolo) a

subposta a lua as demais suspensas os planetas e estrelas as guirlandas o curso anual ndash de

fato contavam 365

76 Um menino cujos pais ainda satildeo vivos vem no iniacutecio da dafnefoacuteria e o seu parente

mais proacuteximo carrega o galho cingido o qual chamam koacutepo [koacutepo ] 77 Seguindo o

proacuteprio dafneacuteforo [daphnefoacuteros ] vem segurando o louro soltos os cabelos

porta uma coroa de ouro traja um longo manto brilhante e veacuteu aos peacutes100 Acompanha-o de

perto um coro de moccedilas empunhando ramos de suacuteplica hineando

78 Enviavam a dafnefoacuteria aos templos de Apolo Ismecircnio e Calaacutezio

79 A canccedilatildeo tripodefoacuterica [levada por um triacutepodo] cantava-se entre os beoacutecios um

triacutepodo tomando a frente101

80 Foi esta sua origem um grupo de pelasgos tentava saquear a cidade de Panacto da

Beoacutecia Os tebanos a defendiam e enviando uma comitiva a Dodona consultaram o oraacuteculo

sobre a vitoacuteria no conflito

81 O oraacuteculo designou aos tebanos que se cometessem o maior sacrileacutegio venceriam

82 Pareceu-lhes entatildeo que a maior das impiedades era imolar aquela que lhes dera o

oraacuteculo e imolaram-na

83 As sacristatildes em torno do santuaacuterio moveram accedilatildeo contra os tebanos pelo

assassinato

84 Os tebanos no entanto natildeo concederam que apenas mulheres julgassem o meacuterito

Havendo um julgamento comum entre homens e mulheres como os homens lhes deram voto

branco os tebanos foram absolvidos

85 Soacute mais tarde depois que entenderam o que lhes fora ordenado pelo oraacuteculo

elevaram uma das triacutepodas sacras da regiatildeo da Beoacutecia e cobrindo-na como o fazem os

profanadores de templos envairam-na ao alto de Dodona

86 Como daiacute em diante prosperaram passaram a fazer desse ato um festival

87 As canccedilotildees oscofoacutericas [porta-oacutesche] cantavam-se entre os atenienses102

88 Dois jovens do coro trajados como mulheres lideram o festejo portando um ramo

de vinha cheio de uvas vicejantes ndash chamam-no oacuteskhe [ ] donde o epocircnimo das canccedilotildees

100 Epicratidas eacute um termo plural que significa ldquopanos de testardquo ie ldquolenccedilo de testardquo ldquoveacuteurdquo Embora se

pudesse apenas decalcar a palavra para o portuguecircs a passagem ficaria obscura Ao que tudo indica era somente

um tecido que o dafneacuteforo usava sobre os peacutes talvez como extensatildeo do manto 101 Idem 79 ndash 86 paacuteg 232 ndash 242 102 Ibidem 87 ndash 92 paacuteg 243 ndash 254

126

89 Dizem ter sido Teseu quem primeiramente deu iniacutecio ao rito depois que aceitando

voluntariamente a viagem a Creta livrou sua paacutetria do infortuacutenio do tributo ao prestar graccedilas

a Atena e Dioniso que se manifestaram a ele na ilha de Dia fez isso empregando dois jovens

efeminados como assistentes na cerimocircnia

90 O cortejo dos atenienses dava-se do altar de Dioniso ateacute o santuaacuterio de Atena

Esquira

91 Um coro seguia os jovens e cantava as canccedilotildees

92 Efebos de cada uma das tribos competiam uns com os outros numa corrida a peacute e

o primeiro deles saboreava de uma pipa dita ldquoquiacutentuplardquo que se preparava com oliva vinho

mel queijo e grumos de cevada

93 As canccedilotildees votivas eram escritas pelos que pediam que alguma coisa lhes adviesse

de um deus103

94 Pragmaacuteticas [pragmaticaacute ] eram as canccedilotildees que compreendiam as

accedilotildees praticadas [praacutexeis ] por algueacutem104

95 As empoacutericas [comerciais ] foram escritas sobre o quanto se mostrava a

algueacutem no decurso de suas viagens e mercancias [empoacuteriai ]105

96 As apostoacutelicas106 o quanto faziam aqueles enviados a algueacutem como emissaacuterios

97 Eacute evidente que as sentenciosas107 contecircm o enaltecimento dos caracteres

103 Euktikoacutes eacute o deverbal de euacutekhomai ndash rezar Tanto Severyns como Ferrante

concordam que eacute pelo elemento humano aleacutem do divino que tais cantos vecircm aqui como uacuteltima espeacutecie do

terceiro grupo Em Menandro o termo serve para classificar os hinos Menandro (Rhet Gr X p 134 Walz)

divide os hinos pela intenccedilatildeo kleacutetikoi (invocatoacuterios) apopemptikoiacute (de adeus para a viagem do deus) physikoiacute

(naturais sobre as manifestaccedilotildees do deus na natureza) apeuktikoiacute (deprecatoacuterios) euktikoiacute (votivos) Eacute provaacutevel

que senatildeo concorrentes sejam duas classificaccedilotildees pelo menos com intenccedilotildees diferentes Menandro subdivide as

intenccedilotildees de quem canta o hino em relaccedilatildeo ao hineado O mesmo criteacuterio define a uacuteltima canccedilatildeo da liacuterica mista

em Proclo ie sua funccedilatildeo por outro lado o criteacuterio que Proclo emprega para tratar dos hinos os distingue como

Severyns observou em particular ie pelo destinataacuterio mesmo nos casos em que poderiam se confundir com

esses cantos ecircuktikos pela intenccedilatildeo como seria o caso por exemplo do peatilde que passou a ser cantado para se

pedir ou agradecer por diferentes coisas Soacute o que se pode dizer eacute que talvez ambas as definiccedilotildees ainda que

diferentes tratassem de um mesmo objeto em comum mas lhe conferindo lugares diferentes na classificaccedilatildeo

geral segundo seus criteacuterios Sobre isso e a categorizaccedilatildeo de Menandro confere Harvey (1955) 104 Sobre essas espeacutecies em geral cf Severyns (94 paacuteg 255 ndash 257) Vale-nos sua observaccedilatildeo de que

conforme hinos desempenhavam um papel generalizante para a liacuterica sacra encocircmio para a liacuterica secular

partecircnio para a liacuterica mista as pragmaacuteticas deveriam fazecirc-lo em relaccedilatildeo ao quarto grupo o das circunstacircncias

acidentais 105 Severyms (95 257) cogita aqui os poemas de Riano (Eliacuteaca Tessaacutelica Messeniacuteaca) poeta e gramaacutetico

do periacuteodo heleniacutestico bem como a Bitiniacuteaca de Demoacutestenes da Bitiacutenia mas crecirc que Proclo natildeo tinha tais

poemas em mente por serem essencialmente hexammeacutetricos 106 Do verbo aposteacutello ldquoenviarrdquo Tanto Severyns (paacuteg 257) como Ferrante (paacuteg 95)

mencionam Heliodoro (paacuteg 450 11) ldquoἈποστολικὸν μέλος ἐστὶ τὸ πεμπόμενον πρός τινα περιέχον ltπαραι-

νέσειςgt ἢ αἴτησιν παρ αὐτοῦ δωρεᾶςrdquo ndash ldquoA canccedilatildeo apostoacutelica eacute a que se envia a algueacutem contendo

recomendaccedilotildees ou pedidos de donsrdquo e concordam que natildeo seria a isso que pelo menos no entendimento do

resumo de Foacutecio Proclo se referiria Parece que ou Foacutecio teria se equivocado na ordem dos termos mais uma vez

(como pode ter ocorrido em sect44) ou o que Heliodoro chamaria apostoacutelica o que se assemelhe talvez com o que

Proclo chama canccedilatildeo epistaacuteltica (sect99)

127

98 As geoacutergicas o que se refere aos campos estaccedilotildees e cuidados das plantas108

99 As epistolares o quanto se refere agraves designaccedilotildees que compunham em verso e

enviavam a algueacutem109

100 Aqui estatildeo os dois primeiros arrazoados da Crestomatia de Letras de Proclo

107 Gnomologikaacute ndash Confere Heliodoro (450 13) para definiccedilatildeo semelhante108 Embora como notado por Severyns Ferrante e outros esse item pareccedila associado ao anterior ie

poesia de caraacuteter gnocircmico mesmo os Trabalhos e Dias de Hesiacuteodo que conteriam os dois itens poderiam como

composiccedilatildeo didaacutetica hexameacutetrica ser arrolados aqui 109 Diferentes das apostoacutelicas porque essas sim como cartas eram enviadas designando coisas Tanto

Severyns como Ferrante assumem que natildeo se pode saber com precisatildeo o que eram

128

2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO CICLO

EacutePICO ndash TRADUCcedilAtildeO

21 VIDA DE HOMERO

Πρόκλου περὶ Ὁμήρου

Ἐπῶν ποιηταὶ γεγόνασι πολλοί τούτων δ εἰσὶ κρά-

τιστοι Ὅμηρος Ἡσίοδος Πείσανδρος Πανύασις Ἀντίμαχος

Ὅμηρος μὲν οὖν τίνων γονέων ἢ ποίας ἐγένετο πα-

τρίδος οὐ ῥᾴδιον ἀποφήνασθαι οὔτε γὰρ αὐτός τι λελάληκεν 5

ἀλλ οὐδὲ οἱ περὶ αὐτοῦ εἰπόντες συμπεφωνήκασιν ἀλλ ἐκ

τοῦ μηδὲν ῥητῶς ἐμφαίνειν περὶ τούτων τὴν ποίησιν αὐτοῦ

μετὰ πολλῆς ἀδείας ἕκαστος οἷς ἐβούλετο ἐχαρίσατο

καὶ διὰ τοῦτο οἱ μὲν Κολοφώνιον αὐτὸν ἀνηγόρευσαν

οἱ δὲ Χῖον οἱ δὲ Σμυρναῖον οἱ δὲ Ἰήτην ἄλλοι δὲ Κυμαῖον 10

καὶ καθόλου πᾶσα πόλις ἀντιποιεῖται τἀνδρός ὅθεν εἰκότως

ἂν κοσμοπολίτης λέγοιτο

οἱ μὲν οὖν Σμυρναῖον αὐτὸν ἀποφαινόμενοι Μαίονος

μὲν πατρὸς λέγουσιν εἶναι γεννηθῆναι δὲ ἐπὶ Μέλητος

τοῦ ποταμοῦ ὅθεν καὶ Μελησιγενῆ ὀνομασθῆναι δοθέντα 15

δὲ Χίοις εἰς ὁμηρείαν Ὅμηρον κληθῆναι οἱ δὲ ἀπὸ τῆς

τῶν ὀμμάτων πηρώσεως τούτου τυχεῖν αὐτόν φασι τοῦ ὀνό-

ματος τοὺς γὰρ τυφλοὺς ὑπὸ Αἰολέων ὁμήρους καλεῖσθαι

Ἑλλάνικος δὲ καὶ Δαμάστης καὶ Φερεκύδης εἰς Ὀρφέα

τὸ γένος ἀνάγουσιν αὐτοῦ Μαίονα γάρ φασι τὸν Ὁμήρου 20

πατέρα καὶ Δῖον τὸν Ἡσιόδου γενέσθαι Ἀπέλλιδος τοῦ Μελα-

νώπου τοῦ Ἐπιφράδεος τοῦ Χαριφήμου τοῦ Φιλοτέρπεος τοῦ

Ἰδμονίδεω τοῦ Εὐκλέος τοῦ Δωρίωνος τοῦ Ὀρφέος

Γοργίας δὲ ὁ Λεοντῖνος εἰς Μουσαῖον αὐτὸν ἀνάγει

περὶ δὲ τῆς τελευτῆς αὐτοῦ λόγος τις φέρεται τοι- 25

129

οῦτος ἀνελεῖν φασιν αὐτῷ τὸν θεὸν χρωμένῳ περὶ ἀσφα-

λείας τάδε

ἔστιν Ἴος νῆσος μητρὸς πατρίς ἥ σε θανόντα

δέξεται ἀλλὰ νέων ἀνδρῶν αἴνιγμα φύλαξαι

λέγουσιν οὖν αὐτὸν εἰς Ἴον πλεύσαντα διατρῖψαι μὲν 30

παρὰ Κρεωφύλῳ γράψαντα δὲ Οἰχαλίας ἅλωσιν τούτῳ χαρί-

σασθαι ἥτις νῦν ὡς Κρεωφύλου περιφέρεται καθεζόμενον

δὲ ἐπί τινος ἀκτῆς θεασάμενον ἁλιεῖς προσειπεῖν αὐτοὺς

καὶ ἀνακρῖναι τοῖσδε τοῖς ἔπεσιν

ἄνδρες ἀπ Ἀρκαδίης θηρήτορες ἦ ῥ ἔχομέν τι 35

ὑποτυχόντα δὲ αὐτῶν ἕνα εἰπεῖν

οὓς ἕλομεν λιπόμεσθ οὓς δ οὐχ ἕλομεν φερόμεσθα

οὐκ ἐπιβάλλοντος δὲ αὐτοῦ διελέσθαι τὸ αἴνιγμα ὅτι ἐπὶ

ἰχθυΐαν καταβάντες ἀφήμαρτον φθειρισάμενοι δὲ ὅσους μὲν

ἔλαβον τῶν φθειρῶν ἀποκτείναντες ἀπολείπουσιν ὅσοι δὲ 40

αὐτοὺς διέφυγον τούτους ἀποκομίζουσιν οὕτω δ ἐκεῖνον

ἀθυμήσαντα σύννουν ἀπιέναι τοῦ χρησμοῦ ἔννοιαν λαμβά-

νοντα καὶ οὕτως ὀλισθόντα περιπταῖσαι λίθῳ καὶ τριταῖον

τελευτῆσαι

ἀλλὰ δὴ ταῦτα μὲν πολλῆς ἔχεται ζητήσεως ἵνα δὲ μηδὲ 45

τούτων ἄπειρος ὑπάρχῃς διὰ τοῦτο εἰς ταῦτα κεχώρηκα

τυφλὸν δὲ ὅσοι τοῦτον ἀπεφήναντο αὐτοί μοι δοκοῦσι

τὴν διάνοιαν πεπηρῶσθαι τοσαῦτα γὰρ κατεῖδεν ὅσα οὐδεὶς

ἄνθρωπος πώποτε

εἰσὶ δὲ οἵτινες ἀνεψιὸν αὐτὸν Ἡσιόδου παρέδοσαν 50

ἀτριβεῖς ὄντες ποιήσεως τοσοῦτον γὰρ ἀπέχουσι τοῦ γένει

προσήκειν ὅσον ἡ ποίησις διέστηκεν αὐτῶν ἄλλως δὲ οὐδὲ

τοῖς χρόνοις συνεπέβαλον ἀλλήλοις

ἄθλιοι δὲ οἱ τὸ ἀνάθημα πλάσαντες τοῦτο

Ἡσίοδος Μούσαις Ἑλικωνίσι τόνδ ἀνέθηκεν 55

ὕμνῳ νικήσας ἐν Χαλκίδι θεῖον Ὅμηρον

ἀλλὰ γὰρ ἐπλανήθησαν ἐκ τῶν Ἡσιοδείων Ἡμερῶν ἕτερον

γάρ τι σημαίνει

τοῖς δὲ χρόνοις αὐτὸν οἱ μὲν περὶ τὸν Ἀρίσταρχόν

130

φασι γενέσθαι κατὰ τὴν τῆς Ἰωνίας ἀποικίαν ἥτις ὑστερεῖ 60

τῆς Ἡρακλειδῶν καθόδου ἔτεσιν ἑξήκοντα τὸ δὲ περὶ τοὺς

Ἡρακλείδας λείπεται τῶν Τρωϊκῶν ἔτεσιν ὀγδοήκοντα οἱ δὲ

περὶ Κράτητα ἀνάγουσιν αὐτὸν εἰς τοὺς Τρωϊκοὺς χρόνους

φαίνεται δὲ γηραιὸς ἐκλελοιπὼς τὸν βίον ἡ γὰρ ἀν-

υπέρβλητος ἀκρίβεια τῶν πραγμάτων προβεβηκυῖαν ἡλικίαν 65

παρίστησι

πολλὰ δὲ ἐπεληλυθὼς μέρη τῆς οἰκουμένης ἐκ τῆς

πολυπειρίας τῶν τόπων εὑρίσκεται τούτῳ δὲ προσυπονοη-

τέον καὶ πλούτου πολλὴν περιουσίαν γενέσθαι αἱ γὰρ μακραὶ

ἀποδημίαι πολλῶν δέονται ἀναλωμάτων καὶ ταῦτα κατ ἐκεί- 70

νους τοὺς χρόνους οὔτε πάντων πλεομένων ἀκινδύνως οὔτε

ἐπιμισγομένων ἀλλήλοις πως τῶν ἀνθρώπων ῥᾳδίως

γέγραφε δὲ ποιήσεις δύο Ἰλιάδα καὶ Ὀδύσσειαν

ἣν Ξένων καὶ Ἑλλάνικος ἀφαιροῦνται αὐτοῦ οἱ μέντοι γε ἀρ-

χαῖοι καὶ τὸν Κύκλον ἀναφέρουσιν εἰς αὐτόν προστιθέασι δὲ 75

αὐτῷ καὶ παίγνιά τινα Μαργίτην Βατραχομαχίαν ἢ Μυο-

μαχίαν Ἕπτ ἐπ ἀκτίον Αἶγα Κέρκωπας Κενούς

De Proclo sobre Homero

Muitos satildeo os poetas eacutepicos Os mais egreacutegios deles satildeo Homero Hesiacuteodo Pisandro

Paniacuteasis e Antiacutemaco

Sobre Homero quais seus pais e de que paacutetria era originaacuterio eacute difiacutecil afirmar

claramente ele proacuteprio natildeo fala coisa alguma e nem se acham de acordo os que falaram sobre

ele pelo fato contudo de sua poesia natildeo trazer expressamente nenhuma indicaccedilatildeo a respeito

cada um contenta-se com o que deseja sem nenhuma restriccedilatildeo

Por causa disso uns o proclamam nativo de Colofatildeo outros de Quios outros de

Esmirna outros de Io outros de Cima e toda cidade de modo geral reclama o homem pelo

que razoavelmente pode ser dito cosmopolita

Os que afirmam que ele eacute de Esmirna dizem que seu pai era Meatildeo e que foi concebido

perto do Rio Meles motivo pelo qual tambeacutem eacute nomeado Melesiacutegene mas que eacute chamado

Homero [Hoacutemeros ] porque foi dado na condiccedilatildeo de homereiacutea [refeacutem ]

131

aos de Quios Outros dizem que acabou recebendo esse nome por causa da deficiecircncia dos

olhos Os cegos de fato eram chamados homeacuteroi [ ] pelos eoacutelios

Helacircnico Damaste e Fereacutecides recuam sua origem ateacute Orfeu Dizem que Meatildeo pai de

Homero e Dio pai de Hesiacuteodo descendem de Apeacutelis filho de Melanopo filho de Epiacutefrades

filho de Carifemo filho de Filoterpes filho de Idmocircnides filhos de Eucles filho de Doriatildeo

filho de Orfeu

Goacutergias de Leontino o recua agraves Musas

Sobre a sua morte refere-se a seguinte histoacuteria inquirindo o oraacuteculo a respeito de sua

proacutepria seguranccedila pessoal contam que o deus lhe deu esta resposta

ldquoHaacute uma ilha Io paacutetria de tua matildee que morto

receber-te-aacute Cuidado com enigma de homens jovensrdquo

Dizem entatildeo que tendo velejado para Io passava um tempo na companhia de

Creoacutefilo quando escreveu e dedicou-lhe a Tomada de Ecaacutelia (que hoje circula como de

Creoacutefilo) Sentando-se agrave praia apoacutes observar alguns pescadores dirigiu-lhes a palavra e

interrogou com estas palavras

ldquoDa Arcaacutedia caccediladores varotildees o que temosrdquo

Um deles replicou-lhe dizendo

ldquoOs que pegamos deixamos pra traacutes os que natildeo pegamos trazemos conoscordquo

Natildeo conseguindo solver o enigma ndash como natildeo foram bem sucedidos indo pescar

puseram-se a caccedilar piolhos matando quantos pegavam mas quantos lhes fugiam traziam-nos

de volta ndash aquele ficou desgostoso e foi embora meditabundo entendendo o oraacuteculo e assim

escorregou tombou contra uma pedra e no terceiro dia faleceu

Esses eventos contudo carecem de investigaccedilatildeo mas para que natildeo sejas de todo

ignorante neles avanccedilo nesse sentido

Os que o afirmam cego parecem-me eles mesmos incapacitados do juiacutezo coisas viu

tantas quantas ningueacutem jamais o fez

132

Existem aqueles que o datildeo como primo de Hesiacuteodo natildeo versados em poesia estatildeo tatildeo

distantes na relaccedilatildeo de parentesco quanto eacute diferente sua poesia No mais nem coincidem um

com outro cronologicamente

Haacute os miseraacuteveis que forjaram esta inscriccedilatildeo votiva

ldquoHesiacuteodo agraves Musas Heliconiacutedas consagra isto

por ter vencido com um hino em Caacutelcis o divino Homerordquo

equivocaram-se contudo nos ldquoDiasrdquo de Hesiacuteodo pois isso tem outro significado

Na cronologia os da escola de Aristarco dizem que viveu na eacutepoca da imigraccedilatildeo

jocircnica que eacute sessenta anos posterior ao retorno dos Heraclidas e o evento em torno dos

Heraclidas estaacute oitenta anos depois da eacutepoca de Troia Os da escola de Crates por sua vez o

recuam aos tempos de Troia

Parece que jaacute era bem velho quando deixou a vida sua insuperaacutevel precisatildeo nos fatos

permite estabelecer uma idade jaacute avanccedilada

Crecirc-se que visitou muitas partes do mundo habitado dada sua vasta experiecircncia de

lugares Nisso tambeacutem se deve notar a vasta abundacircncia de sua riqueza pois as grandes

viagens necessitavam de muitos gastos e isso naquele tempo em que nem todas as

navegaccedilotildees se faziam sem perigo nem os homens estabeleciam relaccedilotildees comerciais entre si

com tal facilidade

Escreveu dois poemas Iliacuteada e Odisseia a qual Xenatildeo e Helacircnico lhe negam

entretanto os antigos atribuem-lhe inclusive o Ciclo Imputam-lhe tambeacutem algumas

brincadeiras Margites Guerra dos Sapos ou Guerra dos Ratos Sete na Praia Cabra

Ceacutercopes os Matildeos Vazias

22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO

221 Ciacuteprias

Τοῦ αὐτοῦ περὶ τῶν Κυπρίων λεγομένων ποιημάτων

133

Ἐπιβάλλει τούτοις τὰ λεγόμενα Κύπρια ἐν βιβλίοις 80

φερόμενα ἕνδεκα ὧν περὶ τῆς γραφῆς ὕστερον ἐροῦμεν

ἵνα μὴ τὸν ἑξῆς λόγον νῦν ἐμποδίζωμεν τὰ δὲ περιέχοντά

ἐστι ταῦτα

Ζεὺς βουλεύεται μετὰ τῆς Θέμιδος περὶ τοῦ Τρωϊκοῦ

πολέμου 85

παραγενομένη δὲ Ἔρις εὐωχουμένων τῶν θεῶν ἐν τοῖς

Πηλέως γάμοις νεῖκος περὶ κάλλους ἀνίστησιν Ἀθηνᾷ Ἥρᾳ

καὶ Ἀφροδίτῃ αἳ πρὸς Ἀλέξανδρον ἐν Ἴδῃ κατὰ Διὸς

προσταγὴν ὑφ Ἑρμοῦ πρὸς τὴν κρίσιν ἄγονται καὶ προκρίνει

τὴν Ἀφροδίτην ἐπαρθεὶς τοῖς Ἑλένης γάμοις Ἀλέξανδρος 90

ἔπειτα δὲ Ἀφροδίτης ὑποθεμένης ναυπηγεῖται καὶ

Ἕλενος περὶ τῶν μελλόντων αὐτοῖς προθεσπίζει καὶ ἡ Ἀφρο-

δίτη Αἰνείαν συμπλεῖν αὐτῷ κελεύει καὶ Κασσάνδρα περὶ

τῶν μελλόντων προδηλοῖ

ἐπιβὰς δὲ τῇ Λακεδαιμονίᾳ Ἀλέξανδρος ξενίζεται 95

παρὰ τοῖς Τυνδαρίδαις καὶ μετὰ ταῦτα ἐν τῇ Σπάρτῃ παρὰ

Μενελάῳ καὶ Ἑλένῃ παρὰ τὴν εὐωχίαν δίδωσι δῶρα ὁ Ἀλέξ-

ανδρος καὶ μετὰ ταῦτα Μενέλαος εἰς Κρήτην ἐκπλεῖ κελεύ-

σας τὴν Ἑλένην τοῖς ξένοις τὰ ἐπιτήδεια παρέχειν ἕως ἂν

ἀπαλλαγῶσιν ἐν τούτῳ δὲ Ἀφροδίτη συνάγει τὴν Ἑλένην τῷ 100

Ἀλεξάνδρῳ καὶ μετὰ τὴν μίξιν τὰ πλεῖστα κτήματα ἐνθέ-

μενοι νυκτὸς ἀποπλέουσι

χειμῶνα δὲ αὐτοῖς ἐφίστησιν Ἥρα καὶ προσενεχθεὶς

Σιδῶνι ὁ Ἀλέξανδρος αἱρεῖ τὴν πόλιν καὶ ἀποπλεύσας

εἰς Ἴλιον γάμους τῆς Ἑλένης ἐπετέλεσεν 105

ἐν τούτῳ δὲ Κάστωρ μετὰ Πολυδεύκους τὰς Ἴδα καὶ

Λυγκέως βοῦς ὑφαιρούμενοι ἐφωράθησαν καὶ Κάστωρ μὲν

ὑπὸ τοῦ Ἴδα ἀναιρεῖται Λυγκεὺς δὲ καὶ Ἴδας ὑπὸ Πολυ-

δεύκους καὶ Ζεὺς αὐτοῖς ἑτερήμερον νέμει τὴν ἀθανασίαν

καὶ μετὰ ταῦτα Ἶρις ἀγγέλλει τῷ Μενελάῳ τὰ 110

γεγονότα κατὰ τὸν οἶκον ὁ δὲ παραγενόμενος περὶ τῆς ἐπ

Ἴλιον στρατείας βουλεύεται μετὰ τοῦ ἀδελφοῦ καὶ πρὸς

Νέστορα παραγίνεται Μενέλαος

134

Νέστωρ δὲ ἐν παρεκβάσει διηγεῖται αὐτῷ ὡς Ἐπωπεὺς

φθείρας τὴν Λυκούργου θυγατέρα ἐξεπορθήθη καὶ τὰ περὶ 115

Οἰδίπουν καὶ τὴν Ἡρακλέους μανίαν καὶ τὰ περὶ Θησέα

καὶ Ἀριάδνην

ἔπειτα τοὺς ἡγεμόνας ἀθροίζουσιν ἐπελθόντες τὴν

Ἑλλάδα καὶ μαίνεσθαι προσποιησάμενον Ὀδυσσέα ἐπὶ

τῷ μὴ θέλειν συστρατεύεσθαι ἐφώρασαν Παλαμήδους ὑπο- 120

θεμένου τὸν υἱὸν Τηλέμαχον ἐπὶ κόλασιν ἐξαρπάσαντες

καὶ μετὰ ταῦτα συνελθόντες εἰς Αὐλίδα θύουσι καὶ

τὰ περὶ τὸν δράκοντα καὶ τοὺς στρουθοὺς γενόμενα δείκ-

νυται καὶ Κάλχας περὶ τῶν ἀποβησομένων προλέγει αὐτοῖς

ἔπειτα ἀναχθέντες Τευθρανίᾳ προσίσχουσι καὶ ταύ- 125

την ὡς Ἴλιον ἐπόρθουν Τήλεφος δὲ ἐκβοηθεῖ Θέρσανδρόν

τε τὸν Πολυνείκους κτείνει καὶ αὐτὸς ὑπὸ Ἀχιλλέως τι-

τρώσκεται

ἀποπλέουσι δὲ αὐτοῖς ἐκ τῆς Μυσίας χειμὼν ἐπι-

πίπτει καὶ διασκεδάννυνται Ἀχιλλεὺς δὲ Σκύρῳ προσσχὼν 130

γαμεῖ τὴν Λυκομήδους θυγατέρα Δηϊδάμειαν

ἔπειτα Τήλεφον κατὰ μαντείαν παραγενόμενον εἰς

Ἄργος ἰᾶται Ἀχιλλεὺς ὡς ἡγεμόνα γενησόμενον τοῦ ἐπ

Ἴλιον πλοῦ

καὶ τὸ δεύτερον ἠθροισμένου τοῦ στόλου ἐν Αὐλίδι 135

Ἀγαμέμνων ἐπὶ θηρῶν βαλὼν ἔλαφον ὑπερβάλλειν ἔφησε

καὶ τὴν Ἄρτεμιν μηνίσασα δὲ ἡ θεὸς ἐπέσχεν αὐτοὺς τοῦ

πλοῦ χειμῶνας ἐπιπέμπουσα Κάλχαντος δὲ εἰπόντος τὴν

τῆς θεοῦ μῆνιν καὶ Ἰφιγένειαν κελεύσαντος θύειν τῇ

Ἀρτέμιδι ὡς ἐπὶ γάμον αὐτὴν Ἀχιλλεῖ μεταπεμψάμενοι 140

θύειν ἐπιχειροῦσιν Ἄρτεμις δὲ αὐτὴν ἐξαρπάσασα εἰς

Ταύρους μετακομίζει καὶ ἀθάνατον ποιεῖ ἔλαφον δὲ ἀντὶ

τῆς κόρης παρίστησι τῷ βωμῷ

ἔπειτα καταπλέουσιν εἰς Τένεδον καὶ εὐωχουμένων

αὐτῶν Φιλοκτήτης ὑφ ὕδρου πληγεὶς διὰ τὴν δυσοσμίαν 145

ἐν Λήμνῳ κατελείφθη καὶ Ἀχιλλεὺς ὕστερος κληθεὶς δια-

φέρεται πρὸς Ἀγαμέμνονα

135

ἔπειτα ἀποβαίνοντας αὐτοὺς εἰς Ἴλιον εἴργουσιν

οἱ Τρῶες καὶ θνῄσκει Πρωτεσίλαος ὑφ Ἕκτορος ἔπειτα

Ἀχιλλεὺς αὐτοὺς τρέπεται ἀνελὼν Κύκνον τὸν Ποσειδῶνος 150

καὶ τοὺς νεκροὺς ἀναιροῦνται

καὶ διαπρεσβεύονται πρὸς τοὺς Τρῶας τὴν Ἑλένην

καὶ τὰ κτήματα ἀπαιτοῦντες ὡς δὲ οὐχ ὑπήκουσαν ἐκεῖνοι

ἐνταῦθα δὴ τειχομαχοῦσιν

ἔπειτα τὴν χώραν ἐπεξελθόντες πορθοῦσι καὶ τὰς 155

περιοίκους πόλεις

καὶ μετὰ ταῦτα Ἀχιλλεὺς Ἑλένην ἐπιθυμεῖ θεάσασθαι

καὶ συνήγαγεν αὐτοὺς εἰς τὸ αὐτὸ Ἀφροδίτη καὶ Θέτις

εἶτα ἀπονοστεῖν ὡρμημένους τοὺς Ἀχαιοὺς Ἀχιλ-

λεὺς κατέχει κἄπειτα ἀπελαύνει τὰς Αἰνείου βοῦς καὶ 160

Λυρνησσὸν καὶ Πήδασον πορθεῖ καὶ συχνὰς τῶν περιοικίδων

πόλεων καὶ Τρωΐλον φονεύει

Λυκάονά τε Πάτροκλος εἰς Λῆμνον ἀγαγὼν ἀπεμπολεῖ

καὶ ἐκ τῶν λαφύρων Ἀχιλλεὺς μὲν Βρισηΐδα γέρας

λαμβάνει Χρυσηΐδα δὲ Ἀγαμέμνων 165

ἔπειτά ἐστι Παλαμήδους θάνατος

καὶ Διὸς βουλὴ ὅπως ἐπικουφίσῃ τοὺς Τρῶας Ἀχιλ-

λέα τῆς συμμαχίας τῆς Ἑλλήνων ἀποστήσας

καὶ κατάλογος τῶν τοῖς Τρωσὶ συμμαχησάντων

Do mesmo autor sobre os poemas chamados Ciacuteprias

Sucedem-se a isso as chamadas Ciacuteprias transmitidas em onze livros sobre cujo nome

falaremos depois a fim de natildeo obstar a sequecircncia do discurso Eis o que compreendem

Zeus delibera junto de Tecircmis sobre a guerra de Troia

Estando os deuses a festejar nas bodas de Peleu aparece Eacuteris e suscita uma querela a

respeito da beleza de Atena Hera e Afrodite que satildeo levadas por Hermes agraves ordens de Zeus

para o arbiacutetrio de Alexandre no Ida Alexandre prefere Afrodite excitado pelas bodas com

Helena

136

Em seguida aconselhando-o Afrodite faz para si uma nau e Heleno lhes faz

prediccedilotildees sobre os acontecimentos futuros Afrodite manda Eneias navegar com ele

Cassandra revela o porvir

Depois de chegar a Lacedemocircnia Alexandre eacute hospedado pela casa dos Tindaacuteridas

em seguida em Esparta pela casa de Menelau no decorrer do festim Alexandre presenteia

Helena Depois disso Menelau parte para Creta antes ordenando a Helena que provesse o

necessaacuterio aos estrangeiros ateacute que estivessem liberados Nesse momento Afrodite une Helena

a Alexandre e apoacutes o intercurso tendo embarcado o maior nuacutemero de riquezas zarpam

durante a noite

Hera envia uma tempestade contra eles Aportando em Sidatildeo Alexandre captura a

cidade Enfim consumou suas bodas com Helena apoacutes navegar para Iacutelio

Nesse passo Caacutestor junto de Polideuces satildeo descobertos furtando as vacas de Idas e

Linceu Entatildeo Caacutestor eacute morto por Idas mas Linceu e Idas por Polideuces Zeus lhes despende

a imortalidade em dias intercalados

Depois disso Iacuteris relata a Menelau os eventos em sua casa Apoacutes chegar ele delibera

com o irmatildeo sobre a expediccedilatildeo contra Iacutelio e vai ter com Nestor

Neacutestor num excurso narra-lhe como Epopeu foi destruiacutedo apoacutes violentar a filha de

Licurgo e os eventos envolvendo Eacutedipo a loucura de Heacuteracles e os eventos envolvendo

Teseu e Ariadne

Depois unem os chefes tendo percorrido a Heacutelade Descobriram entatildeo que Odisseu

passara a se fazer de louco por natildeo querer juntar-se agrave expediccedilatildeo depois de por sugestatildeo de

Palamedes raptarem-lhe o filho Telecircmaco como desforra

Depois disso reuacutenem-se em Aacuteulis e fazem um sacrifiacutecio Revela-se o prodiacutegio

envolvendo a serpente e os pardais e Calcas lhes prediz os resultados

Depois satildeo levados pelo alto mar aportam em Teutracircnia e saqueiam-na como se fosse

Iacutelio Teacutelefo empreende uma investida surpresa e mata Tersandro filho de Polinices mas ele

mesmo acaba sendo ferido por Aquiles

Zarpando de Musia uma tempestade se abate sobre eles e se dispersam Aquiles que

aporta em Esquiro esposa a filha de Licomedes Didamia

Entatildeo Aquiles quando Teacutelefo conforme divinaccedilatildeo chega a Argos cura-o para que se

torne o guia da navegaccedilatildeo ateacute Iacutelio

Foi entatildeo na segunda vez em que a expediccedilatildeo estaacute reunida em Aacuteulis que

Agamecircmnon por ter abatido um cervo nas caccediladas disse superar ateacute Aacutertemis Irada a deusa

impede-lhes a navegaccedilatildeo enviando tempestades sobre eles Uma vez que Calcas comunica a

137

ira da deusa e ordena sacrificar a Aacutertemis Ifigecircnia preparam seu sacrifiacutecio como se a

tivessem convocado para um casamento com Aquiles Aacutertemis a arrebata poreacutem transporta-a

a Taacuteuris e a faz imortal e coloca um cervo no altar no lugar da moccedila

Aportam em Tecircnedo Filoctetes picado por uma cobra-drsquoaacutegua enquanto ceavam eacute

abandonado em Lemnos por causa do mau-cheiro e Aquiles o uacuteltimo a ser chamado entra

em divergecircncia com Agamecircmnon

Em seguida os troianos encurralam-nos quando estatildeo desembarcando em Iacutelio e

Protesilau perece sob Heacutector Depois Aquiles rechaccedila-os matando Ciacutecnon filho de Poseidatildeo

Entatildeo recolhem os corpos

Mandam uma embaixada aos troianos reclamando Helena e as riquezas Nesse ponto

porque estes natildeo anuem datildeo iniacutecio ao cerco

Investem e saqueiam a regiatildeo e as cidades nas dependecircncias

Depois dessas accedilotildees Aquiles deseja contemplar Helena Para tal Afrodite e Teacutetis

conduzem-nos a um encontro

Nisso Aquiles conteacutem os aqueus que jaacute se prontificavam a navegar de volta Logo

depois leva embora as vacas de Eneias saqueia Lirnesso Peacutedaso e um bom nuacutemero de

cidades vizinhas tambeacutem abate Troilo

Paacutetroclo leva Licaacuteon a Lemnos e o negocia como escravo

Dos espoacutelios Aquiles toma Briseida como precircmio Agamecircmnon Criseida

Em seguida vem a morte de Palamedes

A deliberaccedilatildeo de Zeus com o intuito de inflamar os troianos apoacutes Aquiles se retirar da

alianccedila

O cataacutelogo dos que combateram aliados aos troianos

222 Etioacutepida

Τοῦ αὐτοῦ περὶ Αἰθιοπίδος

Ἐπιβάλλει δὲ τοῖς προειρημένοις [ἐν τῇ πρὸ ταύτης 173

βίβλῳ] Ἰλιὰς Ὁμήρου μεθ ἥν ἐστιν Αἰθιοπίδος βιβλία

πέντε Ἀρκτίνου Μιλησίου περιέχοντα τάδε

Ἀμαζὼν Πενθεσίλεια παραγίνεται Τρωσὶ συμμαχή- 175

138

σουσα Ἄρεως μὲν θυγάτηρ Θρᾷσσα δὲ τὸ γένος καὶ κτείνει

αὐτὴν ἀριστεύουσαν Ἀχιλλεύς οἱ δὲ Τρῶες αὐτὴν θάπτουσι

καὶ Ἀχιλλεὺς Θερσίτην ἀναιρεῖ λοιδορηθεὶς πρὸς

αὐτοῦ καὶ ὀνειδισθεὶς τὸν ἐπὶ τῇ Πενθεσιλείᾳ λεγόμενον

ἔρωτα καὶ ἐκ τούτου στάσις γίνεται τοῖς Ἀχαιοῖς περὶ 180

τοῦ Θερσίτου φόνου

μετὰ δὲ ταῦτα Ἀχιλλεὺς εἰς Λέσβον πλεῖ καὶ θύσας

Ἀπόλλωνι καὶ Ἀρτέμιδι καὶ Λητοῖ καθαίρεται τοῦ φόνου

ὑπ Ὀδυσσέως

Μέμνων δὲ ὁ Ἠοῦς υἱὸς ἔχων ἡφαιστότευκτον παν- 185

οπλίαν παραγίνεται τοῖς Τρωσὶ βοηθήσων καὶ Θέτις τῷ

παιδὶ τὰ κατὰ τὸν Μέμνονα προλέγει

καὶ συμβολῆς γενομένης Ἀντίλοχος ὑπὸ Μέμνονος

ἀναιρεῖται ἔπειτα Ἀχιλλεὺς Μέμνονα κτείνει καὶ τούτῳ

μὲν Ἠὼς παρὰ Διὸς αἰτησαμένη ἀθανασίαν δίδωσι 190

τρεψάμενος δ Ἀχιλλεὺς τοὺς Τρῶας καὶ εἰς τὴν πό-

λιν συνεισπεσὼν ὑπὸ Πάριδος ἀναιρεῖται καὶ Ἀπόλλωνος

καὶ περὶ τοῦ πτώματος γενομένης ἰσχυρᾶς μάχης Αἴας ἀν-

ελόμενος ἐπὶ τὰς ναῦς κομίζει Ὀδυσσέως ἀπομαχομένου

τοῖς Τρωσίν 195

ἔπειτα Ἀντίλοχόν τε θάπτουσι καὶ τὸν νεκρὸν τοῦ

Ἀχιλλέως προτίθενται

καὶ Θέτις ἀφικομένη σὺν Μούσαις καὶ ταῖς ἀδελφαῖς

θρηνεῖ τὸν παῖδα καὶ μετὰ ταῦτα ἐκ τῆς πυρᾶς ἡ Θέτις

ἀναρπάσασα τὸν παῖδα εἰς τὴν Λευκὴν νῆσον διακομίζει 200

οἱ δὲ Ἀχαιοὶ τὸν τάφον χώσαντες ἀγῶνα τιθέασι

καὶ περὶ τῶν Ἀχιλλέως ὅπλων Ὀδυσσεῖ καὶ Αἴαντι στάσις

ἐμπίπτει

Do mesmo sobre a Etioacutepida

Sucede-se ao que foi dito anteriormente (no texto antes deste) a Iliacuteada de Homero

depois dela haacute a Etioacutepida em cinco livros de Arctino de Mileto que compreendem o seguinte

139

A amazona Pentesileia chega para combater ao lado dos troianos filha de Ares traacutecia

de origem Aquiles a mata quando ela estaacute no auge de sua bravura combativa e os troianos

realizam seu funeral

Entatildeo Aquiles abate Tersites ofendido com ele repreendido por sua paixatildeo declarada

por Pentesileia Surge uma dissenccedilatildeo entre os aqueus em funccedilatildeo do assassinato de Tersites

Apoacutes isso Aquiles navega ateacute Lesbos e feitos sacrifiacutecios a Apolo Aacutertemis e Leto eacute

purificado do assassinato por Odisseu

Mecircmnon filho de Aurora possuidor de uma armadura confeccionada por Hefesto

chega ao socorro dos troianos Teacutetis prediz a seu filho o que decorreraacute a partir do embate com

Mecircmnon

Em confronto Antiacuteloco eacute abatido por Mecircmnon e logo Aquiles o mata Aurora lhe

concede a eternidade por rogaacute-la da parte de Zeus

Rechaccedilando os troianos e jaacute irrompendo cidadela adentro Aquiles eacute abatido por Paacuteris

e por Apolo Violenta batalha tem iniacutecio em volta do cadaacutever Aacutejax resgata-o e carrega ateacute as

naus enquanto Odisseu vai repelindo os troianos

Entatildeo sepultam Antiacuteloco e dispotildeem o corpo de Aquiles para o funeral

Chegando junto das Musas e das irmatildes Teacutetis vela seu filho Depois disso Teacutetis subtrai

o filho de sobre a pira e o transporta para a Ilha Branca

Os aqueus lhe erigem uma sepultura e instauram jogos e uma disputa pelas armas de

Aquiles sobreveacutem entre Odisseu e Ajax

223 Pequena Iliacuteada

Τοῦ αὐτοῦ περὶ Ἰλιάδος μικρᾶς

Ἑξῆς δ ἐστὶν Ἰλιάδος μικρᾶς βιβλία τέσσαρα Λές- 206

χεω Μυτιληναίου περιέχοντα τάδε

Ἡ τῶν ὅπλων κρίσις γίνεται καὶ Ὀδυσσεὺς κατὰ

βούλησιν Ἀθηνᾶς λαμβάνει Αἴας δ ἐμμανὴς γενόμενος

τήν τε λείαν τῶν Ἀχαιῶν λυμαίνεται καὶ ἑαυτὸν ἀναιρεῖ 210

μετὰ ταῦτα Ὀδυσσεὺς λοχήσας Ἕλενον λαμβάνει

καὶ χρήσαντος περὶ τῆς ἁλώσεως τούτου Διομήδης ἐκ Λήμνου

140

Φιλοκτήτην ἀνάγει ἰαθεὶς δὲ οὗτος ὑπὸ Μαχάονος καὶ μονο-

μαχήσας Ἀλεξάνδρῳ κτείνει καὶ τὸν νεκρὸν ὑπὸ Μενελάου

καταικισθέντα ἀνελόμενοι θάπτουσιν οἱ Τρῶες 215

μετὰ δὲ ταῦτα Δηΐφοβος Ἑλένην γαμεῖ

καὶ Νεοπτόλεμον Ὀδυσσεὺς ἐκ Σκύρου ἀγαγὼν τὰ

ὅπλα δίδωσι τὰ τοῦ πατρός καὶ Ἀχιλλεὺς αὐτῷ φαντάζεται

Εὐρύπυλος δὲ ὁ Τηλέφου ἐπίκουρος τοῖς Τρωσὶ παρα-

γίνεται καὶ ἀριστεύοντα αὐτὸν ἀποκτείνει Νεοπτόλεμος 220

καὶ οἱ Τρῶες πολιορκοῦνται

καὶ Ἐπειὸς κατ Ἀθηνᾶς προαίρεσιν τὸν δούρειον

ἵππον κατασκευάζει

Ὀδυσσεύς τε αἰκισάμενος ἑαυτὸν κατάσκοπος εἰς

Ἴλιον παραγίνεται καὶ ἀναγνωρισθεὶς ὑφ Ἑλένης περὶ 225

τῆς ἁλώσεως τῆς πόλεως συντίθεται κτείνας τέ τινας τῶν

Τρώων ἐπὶ τὰς ναῦς ἀφικνεῖται

καὶ μετὰ ταῦτα σὺν Διομήδει τὸ παλλάδιον ἐκκο-

μίζει ἐκ τῆς Ἰλίου

ἔπειτα εἰς τὸν δούρειον ἵππον τοὺς ἀρίστους ἐμ- 230

βιβάσαντες τάς τε σκηνὰς καταφλέξαντες οἱ λοιποὶ τῶν

Ἑλλήνων εἰς Τένεδον ἀνάγονται

οἱ δὲ Τρῶες τῶν κακῶν ὑπολαβόντες ἀπηλλάχθαι τόν

τε δούρειον ἵππον εἰς τὴν πόλιν εἰσδέχονται διελόντες

μέρος τι τοῦ τείχους καὶ εὐωχοῦνται ὡς νενικηκότες τοὺς 235

Ἕλληνας

Do mesmo sobre a Pequena Iliacuteada

Em sequecircncia haacute os quatro livros da Pequena Iliacuteada de Lesques de Mitilene que

compreendem o seguinte

Ocorre o juiacutezo a respeito das armas e Odisseu obteacutem-nas conforme a intenccedilatildeo de

Atena Ajax por sua vez apoacutes ficar ensandecido destroacutei o espoacutelio de gado dos aqueus e

tambeacutem imola a si mesmo

141

Depois disso Odisseu captura Heleno em uma emboscada apoacutes um oraacuteculo deste a

respeito da tomada da cidadela Diomedes traz Filoctetes de volta de Lemnos Curado por

Macaacuteon ele mata Alexandre em um duelo Os troianos sepultam o cadaacutever depois de reavecirc-lo

desfigurado por Menelau

Depois disso Decircifobo toma Helena por esposa

Apoacutes trazer Neoptoacutelemo de Esquiro Odisseu lhe entrega as armas do pai Aquiles

aparece para ele

Euriacutepilo filho de Teacutelefo se apresenta como aliado dos troianos e no auge de sua

bravura combativa Neoptoacutelemo o mata

Os troianos estatildeo encurralados

Epeu constroacutei o cavalo de madeira segundo o plano de Atena

Odisseu flagelando-se a si mesmo adentra Iacutelio como espiatildeo e combina com Helena

por quem fora reconhecido a tomada da cidade mata alguns troianos e chega de volta agraves

naus

Depois com Diomedes carrega o palaacutedio para fora de Iacutelio

Em seguida os melhores dos helenos ingressam no cavalo de madeira e o restante

navega para Tecircnedo havendo ateado fogo ao acampamento

Os troianos supondo-se livres de males recebem o cavalo de madeira dentro da

cidade quebrando uma brecha na muralha e festejam como se houvessem vencido os

helenos

224 Saque de Iacutelio

Τοῦ αὐτοῦ περὶ Ἰλίου πέρσιδος

Ἕπεται δὲ τούτοις Ἰλίου πέρσιδος βιβλία δύο Ἀρκ-

τίνου Μιλησίου περιέχοντα τάδε 240

ὡς τὰ περὶ τὸν ἵππον οἱ Τρῶες ὑπόπτως ἔχοντες

περιστάντες βουλεύονται ὅ τι χρὴ ποιεῖν καὶ τοῖς μὲν

δοκεῖ κατακρημνίσαι αὐτόν τοῖς δὲ καταφλέγειν οἱ δὲ ἱερὸν

αὐτὸν ἔφασαν δεῖν τῇ Ἀθηνᾷ ἀνατεθῆναι καὶ τέλος νικᾷ

ἡ τούτων γνώμη 245

142

τραπέντες δὲ εἰς εὐφροσύνην εὐωχοῦνται ὡς ἀπηλ-

λαγμένοι τοῦ πολέμου

ἐν αὐτῷ δὲ τούτῳ δύο δράκοντες ἐπιφανέντες τόν

τε Λαοκόωντα καὶ τὸν ἕτερον τῶν παίδων διαφθείρουσιν

ἐπὶ δὲ τῷ τέρατι δυσφορήσαντες οἱ περὶ τὸν Αἰνείαν 250

ὑπεξῆλθον εἰς τὴν Ἴδην

καὶ Σίνων τοὺς πυρσοὺς ἀνίσχει τοῖς Ἀχαιοῖς πρό-

τερον εἰσεληλυθὼς προσποίητος

οἱ δὲ ἐκ Τενέδου προσπλεύσαντες καὶ οἱ ἐκ τοῦ δου-

ρείου ἵππου ἐπιπίπτουσι τοῖς πολεμίοις καὶ πολλοὺς ἀν- 255

ελόντες τὴν πόλιν κατὰ κράτος λαμβάνουσι

καὶ Νεοπτόλεμος μὲν ἀποκτείνει Πρίαμον ἐπὶ τὸν

τοῦ Διὸς τοῦ ἑρκείου βωμὸν καταφυγόντα

Μενέλαος δὲ ἀνευρὼν Ἑλένην ἐπὶ τὰς ναῦς κατάγει

Δηΐφοβον φονεύσας 260

Κασσάνδραν δὲ Αἴας ὁ Ἰλέως πρὸς βίαν ἀποσπῶν

συνεφέλκεται τὸ τῆς Ἀθηνᾶς ξόανον ἐφ ᾧ παροξυνθέντες

οἱ Ἕλληνες καταλεῦσαι βουλεύονται τὸν Αἴαντα ὁ δὲ ἐπὶ

τὸν τῆς Ἀθηνᾶς βωμὸν καταφεύγει καὶ διασῴζεται ἐκ τοῦ

ἐπικειμένου κινδύνου 265

[ἔπειτα ἀποπλέουσιν οἱ Ἕλληνες καὶ φθορὰν αὐτοῖς

ἡ Ἀθηνᾶ κατὰ τὸ πέλαγος μηχανᾶται]

καὶ Ὀδυσσέως Ἀστυάνακτα ἀνελόντος

Νεοπτόλεμος Ἀνδρομάχην γέρας λαμβάνει

καὶ τὰ λοιπὰ λάφυρα διανέμονται 270

Δημοφῶν δὲ καὶ Ἀκάμας Αἴθραν εὑρόντες ἄγουσι

μεθ ἑαυτῶν

ἔπειτα ἐμπρήσαντες τὴν πόλιν

Πολυξένην σφαγιάζουσιν ἐπὶ τὸν τοῦ Ἀχιλλέως τάφον

Do mesmo sobre o Saque de Iacutelio

143

Seguem-se a isso os dois livros do Saque de Iacutelio de Arctino de Mileto compreendendo

isto

Como os troianos estatildeo desconfiados do cavalo reunindo-se em torno dele deliberam

sobre o que fazer A uns parece melhor atiraacute-lo precipiacutecio abaixo a outros incendiaacute-lo uns

dizem entatildeo que ele deveria ser dado como oferenda a Atena Vence a proposta destes por

fim

Tomados pela animaccedilatildeo festejam como se estivessem dispensados da guerra Bem

nesse momento duas serpentes aparecem e trucidam Laoconte e seu filho mais novo

Consternados com esse prodiacutegio Eneacuteias e os companheiros escapam secretamente

para o monte Ida

Entatildeo Sinatildeo o primeiro a disfarccedilado lograr um incurso acende tochas ao alto da

cidade como sinal aos aqueus

Juntos tanto os que retornam de Tecircnedos como os de dentro do cavalo os helenos

precipitam-se sobre os inimigos e tomam a cidade de assalto matando muitos

Neoptoacutelemo mata Priacuteamo que se refugiara no altar de Zeus Guarda Lar

Apoacutes achar Helena Menelau a leva de volta para as naus assassinando Decircifobo

Aacutejax filho de Ileu levando Cassandra agrave forccedila arrasta tambeacutem a imagem de madeira

de Atena Irritados com isso os helenos decidem apedrejar Aacutejax mas ele busca refuacutegio no

altar de Atena e se manteacutem a salvo do perigo iminente

[Entatildeo os helenos zarpam e Atena estaacute maquinado contra eles um naufraacutegio em alto

mar]

Tendo Odisseu matado Astiacuteanax Neoptoacutelemo toma Androcircmaca como seu precircmio

Repartem o restante do espoacutelio

Apoacutes acharem Etra Demofatildeo e Aacutecamas levam-na consigo

Em seguida sacrificam Polixena sobre o tuacutemulo de Aquiles havendo incendiado a

cidade

225 Retornos

Τοῦ αὐτοῦ περὶ Νόστων

Συνάπτει δὲ τούτοις τὰ τῶν Νόστων βιβλία πέντε 277

144

Ἀγίου Τροιζηνίου περιέχοντα τάδε

Ἀθηνᾶ Ἀγαμέμνονα καὶ Μενέλαον εἰς ἔριν καθίς-

τησι περὶ τοῦ ἔκπλου 280

Ἀγαμέμνων μὲν οὖν τὸν τῆς Ἀθηνᾶς ἐξιλασόμενος

χόλον ἐπιμένει

Διομήδης δὲ καὶ Νέστωρ ἀναχθέντες εἰς τὴν οἰ-

κείαν διασῴζονται

μεθ οὓς ἐκπλεύσας ὁ Μενέλαος μετὰ πέντε νεῶν 285

εἰς Αἴγυπτον παραγίνεται τῶν λοιπῶν διαφθαρεισῶν νεῶν

ἐν τῷ πελάγει

οἱ δὲ περὶ Κάλχαντα καὶ Λεοντέα καὶ Πολυποίτην

πεζῇ πορευθέντες εἰς Κολοφῶνα Τειρεσίαν ἐνταῦθα τελευ-

τήσαντα θάπτουσι 290

τῶν δὲ περὶ τὸν Ἀγαμέμνονα ἀποπλεόντων Ἀχιλ-

λέως εἴδωλον ἐπιφανὲν πειρᾶται διακωλύειν προλέγον τὰ

συμβησόμενα

εἶθ ὁ περὶ τὰς Καφηρίδας πέτρας δηλοῦται χειμὼν

καὶ ἡ Αἴαντος φθορὰ τοῦ Λοκροῦ 295

Νεοπτόλεμος δὲ Θέτιδος ὑποθεμένης πεζῇ ποιεῖ-

ται τὴν πορείαν καὶ παραγενόμενος εἰς Θρᾴκην Ὀδυσσέα

καταλαμβάνει ἐν τῇ Μαρωνείᾳ καὶ τὸ λοιπὸν ἀνύει τῆς

ὁδοῦ καὶ τελευτήσαντα Φοίνικα θάπτει αὐτὸς δὲ εἰς Μολος-

σοὺς ἀφικόμενος ἀναγνωρίζεται Πηλεῖ 300

ἔπειτα Ἀγαμέμνονος ὑπὸ Αἰγίσθου καὶ Κλυται-

μήστρας ἀναιρεθέντος ὑπ Ὀρέστου καὶ Πυλάδου τιμωρία

καὶ Μενελάου εἰς τὴν οἰκείαν ἀνακομιδή

Do mesmo sobre os Retornos

A esses eventos atrelam-se os cinco livros dos Retornos de Aacutegias de Trezene

compreendendo o seguinte

Atena potildee Agamecircmnon e Menelau em discoacuterdia a respeito da viagem de volta

Agamecircmnon retarda sua partida para apaziguar a colera da deusa

145

Diomedes e Neacutestor levados por alto mar chegam a sua casa em seguranccedila

Menelau que partiu atraacutes deles chega ao Egito com cinco das naus as restantes

naufragando em alto mar

Os comandados por Calcas Leonteu e Polipetes viajam a peacute ateacute Colofatildeo laacute sepultam

Tireacutesias que falecera

Quando os comandados por Agamecircmnon estatildeo partindo uma apariccedilatildeo de Aquiles

tenta impedi-los manifestando-se e anunciando os acontecimentos vindouros

Nesse passo se descreve a tempestade nas redondezas das Rochas Cafeacuterides e a ruiacutena

de Aacutejax da Loacutecria

Neoptoacutelemo faz a jornada a peacute a conselho de Teacutetis Chegando agrave Traacutecia depara-se com

Odisseu em Marocircnia completa o restante de seu percurso e sepulta o falecido Fecircnix

Chegando ateacute os moloacutessios ele proacuteprio eacute reconhecido por Peleu

Em seguida a execuccedilatildeo de Agamecircmnon por Egisto e Clitemnestra a vinganccedila de

Orestes e Piacutelades e o retorno para casa de Menelau

226 Telegonia

Τοῦ αὐτοῦ περὶ Τηλεγονίας

Μετὰ ταῦτά ἐστιν Ὁμήρου Ὀδύσσεια ἔπειτα Τηλε- 306

γονίας βιβλία δύο Εὐγάμμωνος Κυρηναίου περιέχοντα τάδε

οἱ μνήστορες ὑπὸ τῶν προσηκόντων θάπτονται

καὶ Ὀδυσσεὺς θύσας Νύμφαις εἰς Ἦλιν ἀποπλεῖ

ἐπισκεψόμενος τὰ βουκόλια καὶ ξενίζεται παρὰ Πολυξένῳ 310

δῶρόν τε λαμβάνει κρατῆρα καὶ ἐπὶ τούτῳ τὰ περὶ Τρο-

φώνιον καὶ Ἀγαμήδην καὶ Αὐγέαν

ἔπειτα εἰς Ἰθάκην καταπλεύσας τὰς ὑπὸ Τειρεσίου

ῥηθείσας τελεῖ θυσίας

καὶ μετὰ ταῦτα εἰς Θεσπρωτοὺς ἀφικνεῖται καὶ γαμεῖ 315

Καλλιδίκην βασιλίδα τῶν Θεσπρωτῶν

ἔπειτα πόλεμος συνίσταται τοῖς Θεσπρωτοῖς πρὸς

Βρύγους Ὀδυσσέως ἡγουμένου ἐνταῦθα Ἄρης τοὺς περὶ

146

τὸν Ὀδυσσέα τρέπεται καὶ αὐτῷ εἰς μάχην Ἀθηνᾶ καθίς-

ταται τούτους μὲν Ἀπόλλων διαλύει 320

μετὰ δὲ τὴν Καλλιδίκης τελευτὴν τὴν μὲν βασιλείαν

διαδέχεται Πολυποίτης Ὀδυσσέως υἱός αὐτὸς δ εἰς Ἰθάκην

ἀφικνεῖται

κἀν τούτῳ Τηλέγονος ἐπὶ ζήτησιν τοῦ πατρὸς πλέων

ἀποβὰς εἰς τὴν Ἰθάκην τέμνει τὴν νῆσον ἐκβοηθήσας δ 325

Ὀδυσσεὺς ὑπὸ τοῦ παιδὸς ἀναιρεῖται κατ ἄγνοιαν

Τηλέγονος δ ἐπιγνοὺς τὴν ἁμαρτίαν τό τε τοῦ πατρὸς

σῶμα καὶ τὸν Τηλέμαχον καὶ τὴν Πηνελόπην πρὸς τὴν μητέρα

μεθίστησιν ἡ δὲ αὐτοὺς ἀθανάτους ποιεῖ καὶ συνοικεῖ τῇ

μὲν Πηνελόπῃ Τηλέγονος Κίρκῃ δὲ Τηλέμαχος 330

Do mesmo sobre a Telegonia

Depois disso eacute a Odisseia de Homero depois os dois livros da Telegonia de Ecircugamon

de Cirene que compreendem o seguinte

Os pretendentes satildeo sepultados por seus parentes

Odisseu faz sacrifiacutecios agraves Ninfas e zarpa para Eacutelis a fim de inspecionar o gado Eacute

hospedado por Poliacutexeno recebe de presente uma cratera e nela estaacute a histoacuteria de Trofocircnio

Agamedes e Aacuteugeas

Desembarcando de volta em Iacutetaca executa os sacrifiacutecios especificados por Tireacutesias

Depois desses eventos chega agrave Tesproacutetia e toma Caliacutedice por mulher rainha dos

Tesproacutetios

Depois se concretiza uma guerra dos Tesproacutetios liderados por Odisseu contra os

Brugos Nisso Ares debanda os homens de Odisseu e Atena engaja-se em combate contra ele

Apolo eacute quem os aparta

Depois da morte de Caliacutedice Polipetes filho de Odisseu herda a realeza enquanto

este retorna agrave Iacutetaca

Nesse momento Telecircgono que navegava agrave procura de seu pai e desembarcara em

Iacutetaca devastava a ilha Odisseu que viera defendecirc-la por engano eacute morto por seu filho

147

Telecircgono apoacutes tomar conhecimento de seu crime transporta Telecircmaco Peneacutelope e o

corpo do pai ateacute sua matildee Ela os torna imortais Telecircgono casa-se com Peneacutelope e Telecircmaco

com Circe

148

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

EDICcedilOtildeES DA OBRA ESTUDADA

Ediccedilotildees da Crestomatia

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Fernandes Lisboa Instituto Nacional de Investigaccedilatildeo Cientiacutefica Centro de Estudos Claacutessicos

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De Compositione Verborum edited with introduction translation notes glossary and

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ETYMOLOGICUM GUDIANUM QUOD VOCATUR recensuit et apparatum criticum

indicesque adiecit Ed Aloysius de Stefani Eduardo Luigi de Stefani

ETYMOLOGICUM MAGNUM SEU VERIUS LEXICON SAEPISSIME

VOCABULORUM ORIGINE INDAGANS EX PLURIBUS LEXICIS ET GRAMMATICIS

ANONYMI CUIUSDAM OPERA CONCINNATUM Add codd mss recensuit et notis

variorum instruxit Thomas Gaisford STP Amsterdam Adolf M Hakkert ndash Publisher 1962

GRAMMATICI GRAECI recogniti et apparatu critico instructi v1 Dionysii Thracis Ars

grammatica edidit Gustavus Uhlig Herodianos Scholia in Dionsii Thracis Artem

grammaticam Technicus recensuit Alfredus Hilgard--v2 Apollonii Dyscoli quae supersunt

Recensverunt Richardus Schneider et Gustavus Uhlig--v3 Herodiani Technici reliquiae

explicavit Augustus Lentz--v4 Theodosii Alexandrini Canones Georgii Choerobosci

Scholia Sophronii patriarchae alexandrini excerpta recensuit Alfredus Hilgard Stuttgart

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HOMERE Iliade Texte eacutetabli et traduit par P Mazon avec la collaboration de P Chantraine

P Collart et R Langumier Paris Les Belles Lettres Tome I chants I-VI 1937 tome II

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chants I-VII 1955 tome II chants VIII-XV 1953 Tome III chants XVI-XXIV 1956

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Adler Editio stereotypa editionis primae (MCMXXXIII) Stuttgart Teubner 1967 Pars IV

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MENANDRO EL REacuteTOR Dos Tratados de Retoacuterica Epidiacutectica Trad M G Garciacutea y J G

Calderoacuten Madrid Editorial Gredos 1996

PLATON Oeuvres Completes Tome IV 3e partie Pheacutedre Notice de Leon Robin Texte

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Diegraves 1932 tome XI 1re partie Les Lois Livres I-II Texte eacutetabli et traduit par E des Places

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QUINTILIAN The Institutio Oratoriae With an English translation by H E Butler

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Claacutessicas n9 p 231 ndash 243 2005

Traduccedilatildeo e comentaacuterio do De generibus poematum de Diomedes Iniciaccedilatildeo

cientiacutefica orientada pelo professor Marcos Martinho dos Santos Satildeo Paulo DLCV ndash FFLCH

ndash USP 2005 ineacutedita

_____ Traduccedilatildeo e Comentaacuterio da Arte Retoacuterica de Colsulto Fortunaciano Dissertaccedilatildeo de

mestrado apresentada ao Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas da FFLCH-USP

orientada por Marcos Martinho dos Santos Satildeo Paulo DLCV ndash FFLCH ndash USP 2010 ineacutedita

MARTINHO DOS SANTOS M As Epiacutestolas de Horaacutecio e a Confecccedilatildeo de uma Ars

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  • A CRESTOMATIA DE PROCLOTraduccedilatildeo integral notas e estudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
  • AGRADECIMENTOS
  • RESUMO
  • ABSTRACT
  • IacuteNDICE
  • Apresentaccedilatildeo
  • PARTE IEstudo da composiccedilatildeo do coacutedice 239 da Biblioteca de Foacutecio
    • 1 CONSTITUICcedilAtildeO DO OBJETO
      • 11VESTIacuteGIOS DA OBRA
      • 12 AUTORIA E ATRIBUICcedilAtildeO
      • 13 O NOME E A OBRA
        • 131 Os epiacutetomes da Biblioteca de Foacutecio
        • 132 A intitulaccedilatildeo do Coacutedice 239
        • 133 O termo ldquocrestomatiardquo
        • 134 A noccedilatildeo de gramaacutetica e a caracterizaccedilatildeo da obra
            • 2 A PRIMEIRA SECcedilAtildeO DO EPIacuteTOME ndash A ABORDAGEM PELA ELOCUCcedilAtildeO POESIA E RETOacuteRICA
              • 21 PROSA POESIA E O CRITEacuteRIO DA ELOCUCcedilAtildeO
              • 22 OS TREcircS GEcircNEROS DA ELOCUCcedilAtildeO
                • 221 O molde copioso
                • 222 O molde tecircnue
                • 223 O molde meacutedio
                • 224 O molde florido
                • 225 Os desvios dos moldes da elocuccedilatildeo
                    • 3 A CLASSIFICACcedilAtildeO DA POESIA
                      • 31 SEUS GEcircNEROS
                      • 32 GEcircNEROS E ESPEacuteCIES UMA COMPARACcedilAtildeO COM DE POEMATIBUS DE DIOMEDES
                      • 33 O CRITEacuteRIO ETIMOLOacuteGICO
                        • 331 Epos
                          • 3311 Etimologia e composiccedilatildeo de uma breve histoacuteria
                          • 3312 A inserccedilatildeo do ciclo eacutepico
                            • 332 Elegia
                            • 333 Iambo
                            • 334 Meacutelica
                              • PARTE IITraduccedilatildeo e anotaccedilatildeo do coacutedice 239 traduccedilatildeo dos resumos do ciclo
                                • 1 COacuteDICE 239
                                  • 11 TEXTO
                                  • 12 TRADUCcedilAtildeO E ANOTACcedilAtildeO
                                    • 2 EXCERTOS DA CRESTOMATIA REFERENTES A HOMERO E AO CICLO EacutePICO ndash TRADUCcedilAtildeO
                                      • 21 VIDA DE HOMERO
                                      • 22 RESUMOS DO CICLO EacutePICO
                                        • 221 Ciacuteprias
                                        • 222 Etioacutepida
                                        • 223 Pequena Iliacuteada
                                        • 224 Saque de Iacutelio
                                        • 225 Retornos
                                        • 226 Telegonia
                                          • REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS