cartilha potencialidades sertão nordestino

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Cartilha POTENCIALIDADES DO SERTÃO NORDESTINO: CONVIVENDO COM O SEMIÁRIDO Apresentação Esta cartilha se destina a alunos do ensino médio e tem como objetivo abordar as características do Domínio Morfoclimático da Caatinga, ou Sertão Nordestino, ressaltando suas potencialidades e desmistificando visões pejorativas da região. Pretendemos ampliar a percepção dos alunos sobre o modo de vida sertanejo, que carrega consigo a convivência diária com a diversidade da Caatinga, superando as conseqüências de um descaso político antigo, mas ainda atual, com a região e quem nela vive. Realização e Apoio: PIBID GEOGRAFIA – UFBA LEAGET – UFBA Coordenação: Profª. Drª. Marcia Aparecida Procópio da Silva Scheer Profª. Maria das Graças Bispo de Jesus Profª. Claudia Teles da Paixão Redação: Carlos Bename Claudemir Assunção Érico Santana Gilton Santos João dos Santos Passos Juarez Lima Lara Moraes Leandro Lopes Mariana Barbosa Ramom Machado Thiago de Aquino Revisão: Neyde Maria Santos Gonçalves Aurélio Gonçalves de Lacerda Ilustrações do trabalho: Alex Garcia Diagramação do trabalho: Edu Moraes Nunes Revista Orbis Latina, vol.5, nº1, janeiro-dezembro de 2015. ISSN: 2237-6976 Página 215

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Esta cartilha se destina a alunos do ensino médio e tem como objetivo abordar as características do Domínio Morfoclimático da Caatinga, ou Sertão Nordestino, ressaltando suas potencialidades e desmistificando visões pejorativas da região. Pretendemos ampliar a percepção dos alunos sobre o modo de vida sertanejo, que carrega consigo a convivência diária com a diversidade da Caatinga, superando as conseqüências de um descaso político antigo, mas ainda atual, com a região e quem nela vive.

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  • Cartilha

    POTENCIALIDADES DO SERTO NORDESTINO:

    CONVIVENDO COM O SEMIRIDO

    ApresentaoEsta cartilha se destina a alunos do ensino mdio e tem como objetivo abordar as caractersticas do Domnio Morfoclimtico da Caatinga, ou Serto Nordestino, ressaltando suas potencialidades e desmistificando vises pejorativas da regio. Pretendemos ampliar a percepo dos alunos sobre o modo de vida sertanejo, que carrega consigo a convivncia diria com a diversidade da Caatinga, superando as conseqncias de um descaso poltico antigo, mas ainda atual, com a regio e quem nela vive.

    Realizao e Apoio:PIBID GEOGRAFIA UFBALEAGET UFBA

    Coordenao:Prof. Dr. Marcia Aparecida Procpio da Silva ScheerProf. Maria das Graas Bispo de JesusProf. Claudia Teles da Paixo

    Redao:Carlos BenameClaudemir Assunorico SantanaGilton SantosJoo dos Santos PassosJuarez LimaLara MoraesLeandro LopesMariana BarbosaRamom MachadoThiago de Aquino

    Reviso:Neyde Maria Santos GonalvesAurlio Gonalves de Lacerda

    Ilustraes do trabalho: Alex Garcia

    Diagramao do trabalho:Edu Moraes Nunes

    Revista Orbis Latina, vol.5, n1, janeiro-dezembro de 2015. ISSN: 2237-6976 Pgina 215

  • 1. Domnio da Caatinga

    O Domnio Morfoclimtico da regio semirida nordestina (ou Domnio da Caatinga) compreende uma extensa rea (aproximadamente 800 mil km) que se localiza, sobretudo, na Regio Nordeste do Brasil, alcanando tambm parte do estado de Minas Gerais. A Caatinga marcada pelo clima tropical semirido, com distribuio irregular das chuvas, temperatura anual variando entre 20C a 28C , Vegetao Xerfila e arbustiva, formas de relevo diversificadas, abrangendo desde superfcies aplainadas a chapadas, alm de solos rasos e pedregosos em maior parte da sua extenso.

    Voc sabia?A palavra Caatinga indgena, de origem tupi, e quer dizer "mata branca", "mata rala" ou "mata espinhenta". Recebeu esse nome dos ndios que habitavam a regio porque durante o perodo de seca a vegetao fica esbranquiada, quase sem folhas, da surgiu o nome deste Domnio.

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  • Domnios Morfoclimticos A classificao foi criada pelo gegrafo brasileiro Aziz Ab'Saber, que conceitua os Domnios Morfoclimticos Brasileiros como extenses territoriais que possuem caractersticas comuns de clima, formas de relevo, tipos de solo, vegetao e hidrologia. Aliada s caracterizaes naturais, a atividade humana constitui tambm um critrio de definio dos Domnios, de acordo com as potencialidades de cada um deles.

    Vegetao Xerfila Denominao dada a plantas adaptadas a regies secas, marcadas por baixos ndices pluviomtricos. Dessa forma, esse tipo de vegetao apresenta como caractersticas principais as razes grandes para captar gua do subsolo, folhas espinhentas para reduzir a perda de umidade e caules prprios para o armazenamento de gua.

    Entre as regies semiridas do mundo, a regio nordeste do Brasil a mais povoada. Regio essa marcada por relaes contraditrias e conflituosas no uso da terra, pelos latifndios e seu modelo agrrio/agrcola intensivo em oposio ao modo de vida dos verdadeiros sertanejos, que reconhecem o potencial da rea e lutam por uma relao mais harmoniosa entre os homens e natureza.

    necessrio lanar um novo olhar sobre a Caatinga, evitando discursos que encaram essa regio como problema e que no fornece perspectivas produtivas para os que ali querem permanecer.

    No confunda... DOMNIO MORFOCLIMTICO com BIOMA

    A determinao dos Biomas est ligada, essencialmente, aos fatores biticos existentes em uma determinada rea, principalmente as formas e associaes vegetais, tendo o clima e solo como condicionantes de suma importncia para essas comunidades biticas e suas diferenciaes.J o Domnio Morfoclimtico, como j foi dito, uma classificao que leva em conta a dinmica existente entre clima, vegetao, solo, condies hidrolgicas e formas do relevo, com destaque para essa ltima. No a toa que a denominao dos Domnios relaciona-se com a forma de relevo e o clima ou a vegetao predominantes. Por exemplo:Cerrado Chapades recobertos por Cerrados e penetrados por Florestas Galerias; Caatinga Depresses Interplanlticas Semiridas do Nordeste.

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  • Voc sabia?Personagem tpico do serto, o vaqueiro ainda hoje mantm tradies e bravuras herdadas dos tempos da civilizao do couro. A lida do vaqueiro atrs dos rebanhos foi elemento formador de cidades, base de alimentao e motivadora de rituais, festas e mitos.O que mais chama a ateno a vestimenta ou gibo de couro, feita por vaqueiros que passam a tradio de pai para filho. Essa vestimenta inclui chapu, guarda-peito, luvas, perneiras, todos feitos artesanalmente em couro, utilizados como proteo contra os espinhos da Caatinga e possveis surpresas que podem encontrar.

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  • 2. O semirido nordestino e o seu potencial

    A convivncia com o semirido um modo de vida e produo que respeita os saberes e a cultura local e, utilizando tecnologias e procedimentos apropriados ao contexto ambiental e climtico, constri processos de vivncia na diversidade e harmonia entre as comunidades, seus membros e o ambiente, possibilitando assim uma tima qualidade de vida e permanncia na terra, apesar das variaes climticas. (IRPAA - Instituto Regional da Pequena Agropecuria Apropriada).

    O semirido nordestino, ou o Domnio da Caatinga, ainda hoje tem seus potenciais subestimados e comumente atrelado a uma imagem distorcida de improdutividade e condies ambientais adversas, veiculada, principalmente, atravs dos grandes meios de comunicao.

    Ao contrrio dessa imagem difundida pela mdia, as caractersticas do semirido apresentam diversas possibilidades de produo e apropriao desta regio pelas comunidades, desde que sejam aplicadas prticas de um manejo ambiental adequado e atividades econmicas compatveis com as suas condies climticas, principalmente em funo da irregularidade pluviomtrica, levando em conta tambm a sua dinmica hidrolgica e as condies do solo (pedologia da regio).

    Entre estas prticas destaca-se a agricultura de sequeiros, que consiste na produo viabilizada apenas com a gua da chuva, independente de projetos de irrigao. Alm disso, so utilizadas plantas nativas e prticas agrcolas menos agressivas ao solo, evitando seu empobrecimento e processos erosivos.

    A Agricultura de Sequeiros colocada em prtica na maioria das vezes, atravs da policultura de orgnicos, ou seja, uma produo agrcola de culturas diversificadas e que possibilita um maior aproveitamento das qualidades pedolgicas da regio, j que no utilizam agrotxicos e substncias agressivas ao solo.

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  • Ao contrrio do que se imagina, o solo do semirido apresenta, em sua maior extenso, grande quantidade de nutrientes necessrios para atividades agrcolas. O que tem ocorrido um desgaste gradual deste solo, atravs de prticas agrcolas inadequadas.O beneficiamento da pequena produo agrcola tambm fundamental. Essa produo tem um importante papel no abastecimento da regio, j que o mercado interno depende, essencialmente, dos pequenos produtores, sabendo-se que a agricultura irrigada , sobretudo, voltada para o mercado externo.

    Para o funcionamento adequado da Agricultura de Sequeiros necessrio tambm prticas de captao e aproveitamento da gua da chuva e do subsolo (para que o pequeno agricultor consiga produzir mesmo em perodos de estiagem). Estas prticas so viabilizadas atravs de cisternas e poos, desde que sejam construdos em locais apropriados.

    Outra prtica que representa um aproveitamento das potencialidades do semirido a formao dos Fundos de Pasto, que consiste na utilizao coletiva de reas para a agricultura familiar e criao de caprinos.

    Estas prticas de manejo ambiental adequadas s condies do semirido j so amplamente utilizadas por grande parte dos pequenos produtores da regio, muitas vezes atravs de pequenas propriedades de agricultura familiar. Elas se contrapem ao modelo de desenvolvimento das grandes empresas multinacionais, que expandem suas reas de cultivo agrcola, atravs dos latifndios e das monoculturas, para que possam produzir cada vez mais para o mercado externo, mecanizando o campo e utilizando prticas agrcolas agressivas ao solo.

    Vale lembrar que o potencial da regio no est ligado apenas s suas condies de produo, mas, sobretudo, pela diversidade e riqueza cultural do seu povo. Sua expresso se revela seja na culinria ligada s frutas e produtos locais como umbuzada, carne-do-sol com piro de leite, cuscuz, beiju, canjica seja no artesanato como cestarias, rendas, trabalhos feito em couro, xilogravura , na msica, nas brincadeiras de roda e em outras inmeras manifestaes culturais. Tais manifestaes reforam as potencialidades da Caatinga e de seu povo e atestam a sua importncia para a construo de uma identidade regional e, inclusive, nacional.

    O termo latifndio utilizado para designar extensas reas rurais pertencentes grandes produtores que, geralmente, direcionam sua produo para atender o mercado externo. Este tipo de propriedade surgiu no Brasil junto com o processo de colonizao do seu territrio (ligado ao modelo plantation) e, desde ento, vem produzindo diversos conflitos decorrentes da distribuio desigual de terras. Atualmente esse processo de concentrao de terras vem se intensificando com a modernizao da agricultura e a ampliao do agronegcio.

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  • 3. Aspectos Naturais

    Como o clima interfere na dinmica do semirido nordestino?

    Vrios fatores so responsveis pela formao da regio semirida no Brasil. O clima semirido resultado, essencialmente, da interao entre as massas de ar que influem na regio, o seu relevo e sua posio geogrfica. Estas variveis ocasionam uma variabilidade sazonal das chuvas na regio.

    Apesar do ndice pluviomtrico em alguns lugares da Caatinga ultrapassar 1500 mm anuais, em grande parte dessa regio o ndice no chega a 700 mm e, em outros pontos, no passa de 450 mm anuais. Essas regies onde a quantidades de chuvas muito baixa constituem o chamado polgono da seca e as condies pluviomtricas de tais regies dificultam as prticas de agricultura e pecuria. A perda de gua por evaporao nesta rea muito grande, sendo maior do que a quantidade de chuva precipitada. Por conta disso, a regio semirida apresenta as maiores mdias trmicas do pas, acima de 26C.

    Alm da distribuio irregular das chuvas, as irregularidades sazonais tambm influenciam na dinmica do semirido. Poucos meses concentram quase toda chuva do ano. O tempo de permanncia sem chuvas varia de 6 a 9 meses ou mais, na Caatinga. Alm disso, as chuvas possuem caractersticas torrenciais, causando desequilbrios ambientais, como forte processo erosivo. Segundo os gegrafos Sueli Angelo Furlan e Jos Bueno Conti (2009), so grandes quantidades concentradas em pouco tempo.

    So inmeras as causas da semiaridez da Caatinga. Todavia, ainda no possvel explicar com exatido todos os processos dos quais resulta esse cenrio. Sabe-se que o relevo, as caractersticas da dinmica atmosfrica regional, os fortes ventos alsios que no trazem umidade regio e a perda por evaporao so fatores de suma importncia que ajudam a explicar o clima da regio.

    importante destacar que, apesar da irregularidade das chuvas, a Caatinga possui perodos de grandes ndices pluviomtricos, durante os quais possvel, atravs de sistemas de captao, armazenar a gua da chuva para os perodos de estiagem.

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  • verdade que o solo da Caatinga improdutivo?

    Os solos da Caatinga so diversificados, podendo existir mais de um tipo em uma mesma regio. Alm disso, possuem tambm uma grande quantidade de minerais bsicos

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  • para diferentes culturas. Isso ocorre, principalmente, por causa dos baixos ndices pluviomtricos da regio, que dificultam o desgaste/eroso do solo e, conseqentemente, a perda dos seus nutrientes. Os solos que possuem excesso de sais tambm podem ser utilizados, desde que sejam efetuadas tcnicas de correo e de melhoria na sua capacidade de drenagem.

    Para efeito de comparao: o solo da regio semirida perde menos sais e nutrientes do que o solo da regio amaznica (que se desgasta por conta da lixiviao causada pelas chuvas intensas). Portanto, os solos da Caatinga so frteis, desde que sejam utilizadas prticas adequadas de manejo. Essa situao fica ainda mais ntida quando se observa que mesmo depois de longos perodos de seca, a vegetao rapidamente se renova aps uma chuva, tomando um aspecto verde. Isso demonstra o potencial agricultvel da Caatinga.

    As formaes do relevoA regio semirida nordestina composta por dois grandes planaltos principais, Borborema e as chapadas da bacia do Rio Parnaba. Alm disso, encontram-se tambm regies de maior altitude, com destaque para a Chapada Diamantina e a Chapada do Araripe. Dentro desse domnio h uma grande diversidade de formas e estruturas do relevo, no qual se pode evidenciar desde chapadas com formato tabular a depresses interioranas que, segundo o gegrafo Jurandyr Ross (1985), so denominadas depresses

    Sertaneja e do So Francisco. Na poro central do estado da Bahia, o planalto da Chapada Diamantina destaca-se com a sua beleza e diversidade, onde a altitude passa dos 1000 metros.

    Algumas reas mais midas, denominadas brejos, aparecem s vezes na Caatin-ga, localizando-se em algum vale fluvial mido ou, principalmente, em trechos de maior altitude. Nesses locais, a ocupao humana caracterizada, desde a poca colonial, pelo desenvolvimento da pecuria extensiva de corte. (VESENTINI, 2003, p. 268)

    Aos poucos se percebe que a populao da regio adapta suas atividades de acor-do com as potencialidades de cada rea hidrolgicas, topogrficas, climticas dentro deste domnio morfoclimtico diversificado. Trata-se de um equilbrio dinmico buscado por aqueles que dependem da Caatinga para a sua subsistncia.

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  • 4. A importncia da gua no domnio da Caatinga

    A gua um elemento natural insubstituvel para o homem, mas sua distribuio no planeta no ocorre de maneira uniforme. No caso da Caatinga, o grande problema se d no pela falta de chuvas, mas sim pela sua distribuio irregular. Isso ocasiona estiagens prolongadas e um grande nmero de rios intermitentes, ou seja, que no possuem um fluxo de gua contnuo. Quando isso acontece, o sertanejo, por vezes, se v condicionado a caminhar muitos quilmetros a procura de gua.

    A difuso de cisternas para captar a gua da chuva um importante avano com o qual as famlias nordestinas contam para garantir gua no perodo de seca. O aude outra maneira de combater a seca, matando a sede e necessidades de homens e animais.

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  • No entanto, os audes secam rapidamente no perodo de estiagem, devido ao grande ndice de evaporao. Alm disso, a gua que os sertanejos dispem para consumo, muitas vezes salobra e lamacenta, imprprias para o consumo humano.

    Em meio a tantos rios intermitentes, por que o So Francisco perene?O Velho Chico, como comumente chamado o Rio So Francisco, tornou-se um dos principais smbolos do Domnio da Caatinga, mas importante lembrar que ele no percorre apenas parte do semirido nordestino, pois sua nascente est localizada na Serra da Canastra, em Minas Gerais. Por sua nascente se localizar em rea de maior umidade e maiores ndices de precipitao daqueles normalmente, encontrados do semirido, torna-se possvel a continuidade do fluxo de gua, mesmo em perodos de estiagem na Caatinga, o que faz com que o So Francisco seja classificado como rio perene.

    O problema de captao e armazenamento de gua para os perodos de estiagem seria, certamente, minimizado se fosse aliada a construo de cisternas e audes ao potencial hidrolgico do subsolo em algumas reas da regio. Para isso, seria necessrio arcar com os custos para aberturas dos poos, bem como de uma fonte de energia para extrair essa gua. O importante perceber que as tcnicas criadas para solucionar a questo esto vinculadas, tambm, ao interesse poltico e econmico dos grandes agentes que interferem na dinmica da regio. No se pode esperar apenas uma soluo tcnica para uma realidade que depende, em muito, de um esforo poltico crtico para repensar o desenvolvimento da regio.

    O que significa a transposio do Rio So Francisco?

    Para entender melhor sobre a transposio, preciso listar algumas caractersticas da Bacia Hidrogrfica do So Francisco. Ela uma das principais bacias hidrogrficas brasileiras (e totalmente nacional), percorrendo uma rea de 2.830 km, abrangendo terras de seis estados, sendo eles: Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Bahia, Gois e Minas Gerais, alm do Distrito Federal.

    Ela uma bacia muito importante para os nordestinos, pois abrange a rea mais seca do pas, o semirido. No entanto, existem reas desta regio que no so banhadas por nenhum rio permanente, tornando-se ainda mais ridas. Nessas reas a populao pobre tem de buscar outras formas de manter sua subsistncia.

    O projeto de transposio do rio So Francisco surge nesse contexto, sob o rtulo de uma possvel soluo para o problema dos perodos de estiagem no semirido. Ele consiste em transpor parte da gua do rio atravs de dois canais, que totalizam 700 quilmetros de extenso para os estados do Rio Grande do Norte, Paraba e Cear, alm de reas semiridas de Alagoas, Pernambuco e Sergipe e assim irrigando a regio semirida do Nordeste brasileiro.

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  • O projeto foi elaborado pelo Governo Federal, nomeado de Projeto de Integrao do Rio So Francisco com Bacias Hidrogrficas do Nordeste Setentrional e est sob responsabilidade do Ministrio da Integrao Nacional MI.

    Observa-se na Figura 1 a extenso do rio principal e que a maior parte da sua bacia est em Minas Gerais, Pernambuco e Bahia. Na Figura 2 pode-se observar onde sero construdos os canais da transposio, por onde passaro e a integrao desses canais com outros rios, da advm o nome do projeto.Os idealizadores do projeto alegam que a transposio ir melhorar a qualidade de vida da populao mais pobre da regio semirida, por que garantiria a disponibilidade de gua nos perodos de seca.

    Mas o que no divulgado na grande mdia que o custo desta transposio supera R$ 4,5 bilhes, abrangendo somente 5% do territrio e 0,3% da populao do semirido brasileiro. A obra ainda ir afetar intensamente o ecossistema ao redor de todo o rio So Francisco, perenizando rios intermitentes, o que afetar as populaes ribeirinhas que dependem dos perodos de vazante para suas atividades de subsistncia, alterando a biodiversidade e a dinmica da fauna local. Vale lembrar que a percentagem de gua desviada para o uso domstico, voltado para a populao pobre muito reduzida se comparada ao volume de gua disponibilizado para as grandes extenses de fruticultura irrigada, pertencente aos projetos do agronegcio. Afinal, para quem feita a transposio?

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  • Voc sabia?O Rio So Francisco tambm conhecido como o Nilo Brasileiro, pois ambos passam em reas de clima semirido, sendo de grande importncia para a populao que vive prxima s suas margens.

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  • 5. O bioma Caatinga

    A Caatinga, alm da classificao de Domnio Morfoclimtico, tambm um dos principais Biomas brasileiros. Constitui-se, principalmente, de plantas xerfilas que se adaptam facilmente aridez. J foram identificadas cerca de 600 espcies, em um total de 1.356 tipos de plantas. um bioma especial e caracterstico da biodiversidade brasileira. Suas rvores geralmente perdem as folhas na estao seca o que confere um aspecto cinzento a toda paisagem. Muitas de suas rvores so lenhosas, o que representa uma potencialidade para fornecimento de madeira de boa qualidade, destacando-se entre elas o Blsamo, a Caraibeira, o Pau d'arco, a Canafstula e Aroeira.

    Nesse bioma destaque especial dado ao Juazeiro, rvore que, simbolicamente, representa a resistncia ao clima semirido da Caatinga, mantendo suas folhas mesmo nos perodos de estiagem. Isso ocorre por que o Juazeiro possui razes muito longas, o que possibilita a captao de gua do subsolo. Caracterizam ainda o Bioma Caatinga os Umbuzeiros, a Mandioca e os Cactos, a exemplo do Mandacaru.

    Impactos ambientais na Caatinga

    A Caatinga atualmente apresenta metade de sua cobertura vegetal devastada. De acordo com pesquisadores, a principal causa da destruio do bioma da Caatinga deve-se a retirada da mata nativa para ser convertida em carvo e lenha destinados a plos cermicos no Nordeste e a reas siderrgicas em Minas Gerais e Esprito Santo. H tambm outros fatores, como expanso de rea para bicombustveis e pecuria bovina.

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  • Algumas das conseqncias do desmatamento so:

    desertificao Refere-se diretamente a retirada da mata nativa e do manejo inadequado do solo. As reas afetadas, portanto, apresentam, entre outras caractersticas, solos improdutivos e escassez hdrica.assoreamento de rios e riachos Esse fato ocorre em virtude da retirada da vegetao dos solos, principalmente quando ocorre nas matas ciliares (vegetao presente nas margens dos rios). Com o desmatamento, o solo desnudo fica frgil, se tornando mais vulnervel a ao das guas e os ventos que ocasionam desgaste e transporte dos seus sedimentos. Dessa forma ocorre a reduo da profundidade e velocidade dos rios afetados.perda de biodiversidade A perda gentica, que ocorre em funo da devastao, impossibilita o maior conhecimento de espcies nativas e, no caso da flora, terem seus usos potencializados, como, por exemplo, no setor farmacutico ou na agricultura.

    Uma das polticas de combate a esse processo de devastao pode ser realizada a partir do reflorestamento. De acordo com a cientista florestal Gerda Nickel Maia o reflorestamento, ou seja, a restaurao da floresta destruda ou degradada significa, na verdade, recompor toda essa comunidade com suas inmeras formas de vida e interaes entre elas. bem verdade que, atualmente, a prtica do reflorestamento no se d nos moldes indicados pela autora, pois o que acontece, de fato, o uso do termo para outros fins, como, por exemplo, plantao de apenas uma espcie vegetal (monoculturas) e sua explorao econmica atravs da madeira e da celulose, atividade esta tambm chamada de Silvicultura.

    REFLORESTANDO A CAATINGA

    Demarcar a rea a ser reflorestada e, quando estiver em meio a pastagens, isol-la do gado.

    Escolher espcies adaptadas regio do plantio. Observar o clima, o solo e usos anteriores da terra, para ver se necessrio aplicar

    fertilizantes para facilitar o crescimento das mudas plantadas. Utilizar em torno de 50% de espcies pioneiras, aproveitando suas caractersticas de

    rpido crescimento para fazer sombra para outras espcies. Ex. Angico, catingueira, cumaru, faveleiro, imburana.

    Privilegiar o uso de rvores frutferas, com o objetivo de atrair a fauna. Diversificar ao mximo as espcies plantadas, para chegar o mais prximo possvel

    do ambiente natural. Quando possvel, plantar em linha e colocar estacas, para facilitar futuros trabalhos de

    manuteno das mudas plantadas. Proceder ao replantio das espcies j extintas. Realizar limpezas de manuteno (roadas e coroamento) at o 3 ano aps o incio

    do plantio. Fonte: adaptada de www.apremavi.com.br

    Revista Orbis Latina, vol.5, n1, janeiro-dezembro de 2015. ISSN: 2237-6976 Pgina 230

  • Voc sabia?A nossa Constituio protege alguns biomas, porm, a Caatinga ficou de fora.Percebam no Artigo 225./ Pargrafo 4:Art. 225. Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv- lo para as presentes e futuras geraes. 4 - A Floresta Amaznica brasileira, a Mata Atlntica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira so patrimnio nacional, e sua utilizao far-se-, na forma da lei, dentro de condies que assegurem a preservao do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.Obs.: Existe hoje um processo em andamento no Senado para a incluso deste Bioma nas leis de preservao ambiental.

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  • Bibliografia sugerida

    Os Domnios de Natureza no Brasil: potencialidades paisagsticas Obra do reconhecido gegrafo Aziz Ab' Saber, na qual o autor analisa o espao territorial brasileiro, tendo como fundamento o que o mesmo denomina de domnios paisagsticos. Obra essencial para a compreenso do tema por parte de todo e qualquer interessado.

    Educao no contexto do semi-rido brasileiro Para aqueles que desejam conhecer mais sobre o tema, o livro est repleto de artigos onde a relao entre educao e a convivncia com o semi-rido ressaltada.

    Para uma Geografia Crtica na Escola - Conjunto de textos reunidos pelo Gegrafo Jos William Vesentini, na qual o mesmo aborda a questo do ensino da geografia em uma perspectiva crtica, propondo questes para se pensar em uma geografia escolar mais ativa e preocupada com o senso de cidadania dos educandos.

    Tempo e Clima no Brasil - Essa obra ao abordar os sistemas de tempo atuantes no Brasil atrelado com as variaes climticas vem fornecer um timo material para pesquisadores da rea. Questes que se destacam hoje na temtica ambiental como as mudanas climticas tambm so aqui levantadas.

    Para ensinar e aprender Geografia Obra muito importante para todos aqueles docentes que tentam levar sala de aula uma geografia mais coerente, onde o ensino se realize de forma mais construtiva tanto para o aluno, quanto para o professor.

    Olhe na rede: Instituto regional da pequena agropecuria apropriada. www.irpaa.org

    Voc sabia?O cordel um tipo de literatura popular impressa e divulgada em folhetos ilustrativos. Recebeu este nome em Portugal, porque, era comercializado normalmente em praa pblicas e expostos presos a cordes. Os autores normalmente usam esta poesia para falar humoristicamente de acontecimentos do cotidiano do serto, como festas, poltica, disputas, milagres, vida dos cangaceiros, seca, dentre outros.

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  • Bibliografia consultada

    AYOADE, J. O. Introduo climatologia para os trpicos. 3. Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1991.

    AB'SABER, Aziz Nacib. Os domnios de natureza no Brasil: potencialidades paisagsticas. So Paulo, SP: Atelie Editorial, 2003.

    MAIA, G. N. Caatinga: rvores e arbustos e suas utilidades. 1. ed. So Paulo:D&Z computao grfica e Editora, 2004.

    MENDONA, F. Geografia fsica: cincia humana? 7 ed. So Paulo, SP: Contexto, 2001.

    MENDONA, Francisco; DANNI-OLIVEIRA, Ins Moresco. Climatologia noes bsicas e climas do Brasil. So Paulo: Oficina de Textos, 2009.

    MUNHOZ, C. Transposio do Rio So Francisco: salvao ou equvoco? Portal Educacional, 2005. Disponvel em Acesso em 25 de maro/2011.

    ROSS, Jurandyr L. Sanches (org.). Geografia do Brasil. So Paulo: Edusp,2009.

    SENE, E.; MOREIRA, J. C. Geografia geral e do Brasil: espao geogrfico e globalizao. So Paulo, Scipione, 1998.

    VESENTINI, J. W. Geografia Srie Brasil. 1 ed. So Paulo: Editora tica, 2003.

    ALBUQUERQUE, M. A.; BIGOTTO, J. F.; VITIELLO; M. A. Geografia Sociedade e Cotidiano. 1 ed. So Paulo: Escala Educacional, 2010.

    Revista Orbis Latina, vol.5, n1, janeiro-dezembro de 2015. ISSN: 2237-6976 Pgina 234

  • ABC do SertoLuiz Gonzaga

    (Composio: Z Dantas e Luiz Gonzaga)

    L no meu serto pros caboclo lTm que aprender um outro ABC

    O jota ji, o le lO sse si, mas o rre

    Tem nome de rO jota ji, o le l

    O sse si, mas o rreTem nome de r

    At o ypsilon l pissiloneO eme m, O ene n

    O efe f, o g chama-se guNa escola engraado ouvir-se tanto ""

    A, b, c, d,F, gu, l, m,N, p, qu, r,

    T, v e z

    Ateno que eu vou ensinar o ABCA, b, c, d, e

    F, gu, ag, i, ji,ka, l, m, n, o,

    p, qu, r, ciT, u, v, xis, pissilone e Z

    Revista Orbis Latina, vol.5, n1, janeiro-dezembro de 2015. ISSN: 2237-6976 Pgina 235

  • Riacho do NavioLuiz Gonzaga

    (Composio: Luiz Gonzaga e Z Dantas)

    Riacho do NavioCorre pro Paje

    O rio Paje vai despejarNo So Francisco

    O rio So FranciscoVai bater no meio do mar

    O rio So FranciscoVai bater no meio do marAh! se eu fosse um peixe

    Ao contrrio do rioNadava contra as guas

    E nesse desafioSaa l do mar proRiacho do Navio

    Saa l do mar proRiacho do Navio

    Pra ver o meu brejinhoFazer umas caada

    Ver as "peg" de boiAndar nas vaquejada

    Dormir ao som do chocalhoE acordar com a passaradaSem rdio e nem notcia

    Das terra civilizadaSem rdio e nem notcia

    Das Terra civilizada.

    Revista Orbis Latina, vol.5, n1, janeiro-dezembro de 2015. ISSN: 2237-6976 Pgina 236

  • Alma do SertoLuiz Gonzaga

    (Composio: Adaptao Renato Murce)

    Ai como bonito a gente verEm plena mata, o amanhecer

    Quando amanheceAt parece que o serto

    Com alegriaVai despedindo a escurido

    E a passaradaEm renovada, to contente

    Alcana o espaoNum grande abrao a toda gente

    Quando amanheceO sol aparece em seu esplendor

    Secando o orvalhoFaz da campina, imensa flor

    Sai o cabocloLevando ao ombro, o enxado

    Vai pra roaDonde ele tira o ganha po

    Quando amanheceAo despertar de um novo dia

    A naturezaTraz para a mata a alegria

    E tudo mudaCom a chegada dessa hora

    Cantando todosEm louvor nova aurora

    Recebido em 15/10/2014Aprovado em 31/10/2014

    Revista Orbis Latina, vol.5, n1, janeiro-dezembro de 2015. ISSN: 2237-6976 Pgina 237