castilhismo
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Livro sobre a doutrina política de Júlio de Castilhos.TRANSCRIPT
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Edies do Senado Federal Vol. 145
CASTILHISMO:
UMA FILOSOFIA DA
REPBLICA
Ricardo Vlez Rodrguez
Braslia 2010
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S u m r i o
APRESENTAO .......................................................................... 05
INTRODUO ............................................................................... 17
PRIMEIRA PARTE:
VIDA E AO POLTICA DE JLIO DE CASTILHOS,
BORGES DE MEDEIROS, PINHEIRO MACHADO
E GETLIO VARGAS .................................................................... 29
CAPTULO I
Jlio de Castilhos (1860-1903) ......................................................... 30
1. Perodo de formao e atividades polticas anteriores
ao desempenho do cargo de Presidente do Estado do
Rio Grande do Sul (1860-1891) ........................................................ 30
2. Perodo compreendido entre a ascenso ao poder e o trmino
legal do mandato de Castilhos (1891-1898) ....................................... 76
3. Perodo compreendido entre o fim do mandato presidencial
e a morte (1898-1903) ...................................................................... 100
CAPTULO II
Borges de Medeiros (1863-1961) ...................................................... 109
CAPTULO III
Pinheiro Machado (1851-1915) ........................................................ 114
CAPTULO IV
Getlio Vargas (1883-1954) ............................................................. 120
SEGUNDA PARTE:
A DOUTRINA CASTILHISTA ....................................................... 124
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CAPTULO V
Idias bsicas da filosofia poltica de inspirao positivista ............... 125
1. O equilbrio entre as diferentes ordens de interesses, elemento
fundamental na organizao da sociedade, segundo a Filosofia
Poltica Liberal de Silvestre Pinheiro Ferreira ................................... 125
2. A moralizao dos indivduos atravs da educao positiva,
elemento fundamental na organizao da sociedade segundo a
filosofia de Augusto Comte e o Positivismo Ilustrado
de Pereira Barreto ............................................................................. 128
3. A moralizao dos indivduos atravs da tutela do Estado,
elemento fundamental na organizao da sociedade segundo a
filosofia poltica castilhista ............................................................... 133
CAPTULO VI
A Pureza de intenes, pr-requisito moral
de todo governante ........................................................................... 135
CAPTULO VII
O bem pblico interpretado como o reino da virtude,
na tradio castilhista ....................................................................... 150
CAPTULO VIII
O exerccio da tutela moralizadora do Estado sobre a sociedade,
segundo a tradio castilhista ............................................................ 173
CAPTULO IX
O conservadorismo castilhista .......................................................... 214
TERCEIRA PARTE:
IDIAS POLTICAS BSICAS DO LIBERALISMO E
CRTICA LIBERAL AO CASTILHISMO ....................................... 225
CAPTULO X
Os liberais anticastilhistas ................................................................. 226
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CAPTULO XI
O governo representativo segundo o pensamento liberal .................... 232
CAPTULO XII
A crtica liberal ao castilhismo .......................................................... 264
QUARTA PARTE:
A HERANA DO CASTILHISMO ................................................. 278
CAPTULO XIII
Antnio Chimango e a ditadura castilhista ........................................ 279
CAPTULO XIV
Getlio Vargas, parlamentar ............................................................. 310
CAPTULO XV
Getlio Vargas, o castilhismo e o estado Novo .................................. 337
CONCLUSO ................................................................................. 375
BIBLIOGRAFIA ............................................................................. 383
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APRESENTAO
Ricardo Vlez Rodrguez veio ao Brasil no incio
da dcada de setenta a fim de realizar curso de ps-
graduao (mestrado) em filosofia. Na poca era um
jovem professor universitrio em Medelln, Colmbia
(estava ento com menos de 30 anos, tendo nascido em
1943). Numa seleo rigorosa, obtivera bolsa da OEA.
O chefe do Departamento de Filosofia daquela ins-
tituio era um brasileiro (Armando Correia Pacheco),
que pretendia estimular o intercmbio latino-americano
e imaginava que podia faz-lo no curso que estava
organizando, dedicado filosofia brasileira. Acontece
que essa inteno conflitava abertamente com o nosso
projeto, que era um dos legados de Lus Washington
Vita, recm-falecido (1968) e empenho pessoal do prof.
Miguel Reale, entendendo que aquela era uma das
misses importantes do Instituto Brasileiro de Filosofia.
De modo que o jovem Ricardo viu-se constrangido a
arquivar os sonhos de intercmbio e estudar filosofia
brasileira.
Entendendo que as filosofias nacionais eram
fenmenos da poca Moderna e, nesta, a grande novi -
dade consistia na nova perspectiva filosfica
estruturada por Kant, comevamos por esse filsofo,
na suposio de que seria mal estudado na graduao.
O curso pressupunha tambm alguma familiaridade com
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o empirismo e com o positivismo. Aqui montamos a
anlise sistemtica da obra de Comte, na esperana de
que muitas das vertentes estruturadas no Brasil
correspondessem a um dos momentos de sua evoluo.
Tudo isto antes de nos lanarmos abordagem dos
temas especficos da filosofia brasileira, a partir das
reformas pombalinas e da adeso ao que se con-
vencionou denominar de empirismo mit igado. V-se que
o bolsista Ricardo Vlez andava muito ocupado e, de
minha parte, no lhe dava trguas, embora tivesse
verificado que dispunha de excelente formao hu-
manista, com grande conhecimento da cultura greco-
romana, domnio do grego e do latim, alm de
familiaridade com a escolstica espanhola.
O projeto de investigao do positivismo no
Brasil ia sendo delineado simultaneamente. Adotou-se
uma regra geral que compreendia determinar em que
consistia a filosofia da cincia de inspirao posi -
tivista; a filosofia da educao; a filosofia poltica, etc.
Ricardo interessou-se pelo tema da poltica. Procurei
francamente desestimul-lo. Inexistia qualquer inven-
trio. No caso de uma figura que seria central Jlio
de Castilhos , deixara poucos escritos, requerendo o
seu estudo pesquisa em jornais da poca, nos quais
colaborara ao longo da vida, e levantamento da
legislao que elaborara diretamente e na qual
consubstanciara seu entendimento do que seria o regime
positivista. Alm do mais, iria exigir de quem se
lanasse tarefa, que estudasse diretamente os
principais autores liberais, desde que a proposta
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comtiana destinava-se a substituir o sistema repre-
sentativo. A bolsa de que dispunha no podia ser
prorrogada para abranger o prazo que seria necessrio.
Teimosamente o jovem colombiano recusou todas as
ponderaes e lanou-se tarefa, o que nos permitiu
constatar sua capacidade de pesquisa e facilidade de
escrever. Em fins de 1973 apresentava-nos dois grossos
volumes sob o ttulo geral de A filosofia poltica de
inspirao positivista: o castilhismo . Tratando-se de
novidade absoluta, teve que anexar os documentos de
que se louvava para formular a sua tese de mestrado,
aprovada com entusiasmo pela banca ento constituda.
Como mais adiante a situao na Colmbia
deteriorou-se francamente, sobretudo em Medelln,
Ricardo Vlez decidiu radica-se no Brasil, tendo obtido
recentemente a nacionalidade brasileira. Aps esse
retorno nos fins dos anos setenta, foi pesquisador da
Sociedade Convvio, em So Paulo, e professor na
Universidade Estadual de Londrina, tornando-se sub-
seqentemente membro do Corpo Docente da Ps-
Graduao em Filosofia da Universidade Gama Filho,
no Rio de Janeiro, onde conclura o doutorado no incio
da dcada de oitenta e permanece at hoje. Nos poucos
mais de 25 anos desde a defesa da tese de mestrado,
produziu obra notvel, dedicada ao pensamento poltico
latino-americano, de um modo geral, e brasileiro, em
particular, doutrina liberal (sua obra recente sobre
Tocqueville vem alcanado merecido sucesso editorial)
e s humanidades (integra o grupo de professores que
organizou o Instituto de Humanidades, com o propsito
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de recuperar a tradio humanista, abandonada pelo
nosso sistema de ensino). Mas tratou simultaneamente
de dar feio acabada ao seu estudo sobre o
castilhismo, publicando, em 1980, Castilhismo: uma
filosofia da Repblica . este livro, revisto e ampliado,
que em boa hora o Conselho Editorial do Senado
Federal decidiu incluir na Coleo Biblioteca Bsica
Brasileira.
O ESSENCIAL NO CASTILHISMO,
NA VISO DE VLEZ
Como nos mostra Ricardo Vlez ao longo de seu
magnfico estudo, o castilhismo no corresponde a uma
transposio mecnica da doutrina poltica de Comte.
Jlio de Castilhos terminou a Faculdade de Direito de
So Paulo muito jovem, em 1881, quando tinha apenas
21 anos de idade, formando seu esprito segundo os
cnones positivistas. Comea na dcada anterior a
difuso da sociologia de Comte, antes conhecido,
sobretudo, como matemtico na Real Academia Militar.
Segundo aquela sociologia, a evoluo social era
determinada e previsvel. Preparar o advento do estado
positivo, etapa final da humanidade, seria obra de uns
quantos apstolos, mestres de uma nova Igreja,
profundos conhecedores da cincia. Nessa obra, a
famlia tem igualmente lugar de destaque, sobretudo as
mulheres. O novo sistema poltico ser uma ditadura
republicana.
Da doutrina de Comte, Castilhos retirou a idia
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bsica de que o governo passava a ser uma questo de
competncia (em vez de vir de Deus, como imaginavam
alguns monarcas, ou da representao, como ensinou
Locke e, entre ns, Silvestre Pinheiro Ferreira e os
grandes artfices do Segundo Reinado, o poder vem do
saber). Ora, se estou de posse desse saber, porque
preciso passar a fase do que entre ns chamou-se de
positivismo pedaggico ou ilustrado, isto , de algo que
poderia ser denominado de educao das cons-
cincias como etapa prvia implantao do estado
positivo? Esprito prtico, dotado de grande poder de
liderana, combativo, tenaz e obstinado, Castilhos
decidiu-se por uma experincia original: utilizar o
poder poltico para transformar a sociedade, ao invs
de esperar pela transformao deste e s ento marchar
na direo do regime perfeito. Em sntese optou por
exercer diretamente a tutela da sociedade.
Ricardo Vlez assim caracteriza o essencial no
castilhismo: enquanto para o pensamento liberal o
bem pblico resultava da preservao dos interesses
dos indivduos que abrangiam basicamente a pro-
priedade privada e a liberdade de intercmbio, bem
como as chamadas liberdades civis, para Castilhos e
bem pblico ultrapassava os limites dos interesses
materiais dos indivduos, para tornar-se impessoal e
espiritual. O bem pblico se d na sociedade mo-
ralizada por um Estado forte, que impe o desinteresse
individual em benefcio do bem-estar da coletividade.
Assim, a funo estatal passa a ser moralizar a
sociedade, torn-la virtuosa, na acepo positivista do
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termo. Nesse contexto, o interesse pessoal constitui
pura e simples imoralidade.
A experincia da aplicao do plano de do-
minao mundial dos russos, atravs do Estado
Sovitico, deixa-nos desconfiado de catilinria do tipo
da utilizada por Castilhos pelo fato de que discurso
assemelhado foi utilizado cinicamente por toda espcie
de capachos dos soviticos, no Leste Europeu, e de
sobas africanos e gentalha dessa espcie em outras
reas do mundo. Devido a essa circunstncia, Vlez
adverte quanto integridade moral de Castilhos.
Entendia estar devotado a uma causa maior e no ao
exerccio de uma ditadura em benefcio prprio.
Porque de ditadura se tratava. A Constituio
rio-grandense foi escrita solitariamente por Castilhos.
E, do prprio punho, elaborou a legislao comple-
mentar requerida pelo funcionamento do novo Estado,
que nada tinha a ver com a Constituio de 91.
Vlez transcreve esta caracterizao do novo
regime, de documento presumivelmente inspirado por
Castilhos: Este Cdigo Poltico, promulgado a 14 de
julho de 1891, em nome da Famlia, da Ptria e da
Humanidade, estabelece a separao dos dois poderes,
temporal e espiritual, de acordo com o princpio capital
da poltica moderna, isto , da poltica fundada na
cincia. Como conseqncia disso, a liberdade reli -
giosa, de profisso e a liberdade de indstria, acham-se
nela plenamente asseguradas.
No h parlamento: o governo rene funo
administrativa a chamada legislativa, decretando as
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leis, porm aps exposio pblica dos respectivos
projetos, nos quais podem assim colaborar todos os
cidados.
A Assemblia simplesmente oramentria,
para a votao dos crditos financeiros e exame das
aplicaes da rendas pblicas.
O governo acha-se, em virtude de tais dis-
posies, investido de uma grande soma de poderes, de
acordo com o regime republicano, de plena confiana e
inteira responsabilidade, o que permite-lhe realizar a
conciliao da fora com a liberdade e a ordem,
conforme as aspiraes e os exemplos dos Dantons, dos
Hobbes e dos Fredericos.
E assim comea no Brasil republicano a tra-
jetria da variante mais expressiva do autoritarismo
doutrinrio. A Repblica Velha institucionalizou prtica
autoritria, preservada, entretanto, a fachada liberal
desenhada pela Constituio de 91. O pas viveu sob
constantes estados de stio, mas o Parlamento no foi
dissolvido e at os aprovava. As eleies eram uma
farsa, mas havia alternncia dos governantes no poder.
O liberalismo nunca foi revogado como doutrina oficial
e buscou-se mesmo exercit-lo em matria econmica.
O castilhismo representa outro marco. Agora a prtica
autoritria, consolidada o Rio Grande do Sul, est de
posse de fundamentos doutrinrios plenamente con-
figurados.
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A PRTICA CASTILHISTA
NO RIO GRANDE DO SUL
Este livro reconstitui a experincia de estru-
turao de uma repblica positivista no Rio Grande do
Sul, ao longo de toda a Repblica Velha. Este seria feito
de Borges de Medeiros (1863/1961). A caracterstica de
seus interminveis governos, segundo Joo Neves da
Fontoura, residiu principalmente no sentido moral
com que administrou o Rio Grande, onde cr iou e
manteve um padro de decncia, de limpeza, de retido,
de autntica moral poltica. Louva-se da tese, da lavra
de Castilhos, segundo a qual a falncia da sociedade
liberal consistia em basear-se nas transaes empricas,
fruto exclusivo da procura dos interesses materiais.
Ricardo Vlez resume neste conjunto de prin-
cpios as regras norteadoras da prtica castilhista:
1) A pureza das intenes, pr-requisito moral
de todo governante;
2) O bem pblico interpretado como reino da
virtude; e,
3) O exerccio da tutela moralizadora do Estado
sobre a sociedade.
No entendimento de Vlez, desse conjunto resulta
uma poltica de ndole conservadora. Esclarece deste
modo tal ponto de vista: justamente nesta reao
antiindividualista e antimaterialis ta do castilhismo onde
podemos descobrir um dos traos mais significativos,
que o tornam uma filosofia poltica conservadora. Ao
estabelecer, como ponto de partida, que a racionalidade
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da sociedade encarna-se no na projeo da razo
individual, nos moldes do liberalismo, o castilhismo
nada mais fazia do que situar-se ao lado das mltiplas
reaes conservadoras. Ao propugnar por uma
sociedade moralizadora em torno a ideais espirituais,
em aberta rejeio ao regime de negociaes entre
interesses materiais conseguido pelo sistema liberal,
Castilhos procurava uma volta inconsciente, talvez
a uma sociedade de tipo feudal, na qual o mvel
inspirador dos cidados fosse a procura da virtude.
Tanto na sua rejeio razo individual, como no seu
desprezo pelo interesse material, Castilhos con-
servador, justamente ao propugnar em ambos os casos
por uma volta ao passado pr-liberal. E esta, sem
dvida nenhuma, como o tem demonstrado claramente
Mannheim, uma das caractersticas fundamentais da
atitude conservadora.
Vlez Rodrguez inventaria, igualmente, a crtica
liberal ao castilhismo em sua prpria poca,
notadamente aquela devida a Silveira Martins e a Assis
Brasil.
Devido ao carter francamente fraudulento,
mesmo nos termos da Constituio castilhista, da re-
eleio de Borges em 1923, estourou no estado uma
guerra civil, exigindo interveno do governo federal. A
pacificao do Rio Grande imps uma reforma da
Constituio de 91 para obrigar os estados
obedincia forma de governo ali fixada. Essa reforma
teve lugar em 1926.
Chegava ao fim o ciclo das reeleies de Borges
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de Medeiros, mas a experincia acumulada permitiu sua
transposio ao plano nacional, logo adiante.
VARGAS E O CASTILHISMO
Outra grande contribuio de Ricardo Vlez
Rodrguez adequada compreenso do pensamento
poltico republicano, na investigao pioneira que
efetivou do castilhismo, consiste em ter estabelecido a
filiao de Vargas quela doutrina.
As primeiras tentativas de transposio do
castilhismo ao plano nacional seriam devidas a
Pinheiro Machado (1851/1915). Essa personalidade
ocupa um lugar de destaque nesta obra, como ver o
leitor. Contudo, no seria bem sucedido.
Como nos mostra Vlez, Vargas formou seu
esprito na repblica positivista do Rio Grande do Sul.
Quando veio para o Rio de Janeiro no exerccio de
atividade parlamentar achava-se perfeitamente en-
quadrado no jargo positivista, vigente em sua terra
natal. Comte para ele o genial filsofo de
Montpellier. Reconhece ser o regime sul-rio-grandense
centralizador e rigorosamente alicerado num Exe-
cutivo forte, no entanto era expresso da cincia
social. E assim por diante, conforme se pode ver do
captulo dedicado ao tema (Captulo IX Getlio
Vargas, parlamentar).
Vlez atribui particular importncia quela
passagem de Vargas pelo Parlamento, por lhe ter
proporcionado uma viso nacional dos problemas
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brasileiros. Registra tambm que nessa fase que toma
contato com a obra de Oliveira Viana.
A NATUREZA PROFUNDA
DO CASTILHISMO
Vlez Rodrguez discute se seria legtimo iden-
tificar o castilhismo com o totalitarismo. Parece-lhe que
seria inapropriado, mas no recusa a aproximao
entre os dois modelos. A esse propsito escreve:
Embora encontremos no castilhismo vrios aspectos
que o aproximam do sistema totalitrio, no podemos
propriamente caracteriz-lo como tal. O totalitarismo
supe um avano tecnolgico e uma sistematizao
somente observados em condies especiais, como as
que favoreceram o surgimento das ditaduras sovitica
ou hitlerista. Isto no impede a afirmao de que o
castilhismo, como todo sistema autocrtico de governo,
est prximo do totalitarismo e, o que mais
importante para o nosso propsito, nutre-se da mesma
viso filosfica do homem e da sociedade.
Transcrevo a sua concluso: O autocratismo
castilhista no entrou em jogo ao acaso ou como
simples transposio de uma teoria estrangeira.
Preencheu um vazio no pensamento da elite dirigente
brasileira, desobrigando-a da m conscincia de haver
contestado radicalmente a monarquia, sem dar soluo
ao problema fundamental colocado por ela: a re-
presentao. Ao instituir a tutela e a cooptao como
base da ordem social e poltica, ao mesmo tempo em
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que dava nova elite um bom argumento para se
perpetuar no poder, Castilhos exonerava-a dos freios
morais e polticos da sociedade liberal, expressados no
parlamento e nas liberdades. De um universo moral e
social baseado na autoconscincia e na responsa-
bilidade do indivduo, passou-se a uma nova ordem
fundada na entidade annima da coletividade, com srio
detrimento para a afirmao da pessoa. Tinha-se dado
um passo atrs no esclarecimento alcanado pela
conscincia brasileira durante o Imprio, acerca da
liberdade e da representao.
Rio de Janeiro, dezembro de 1999.
Antnio Paim
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INTRODUO
A idia da representatividade pode ser con-
siderada como a mais caracterstica do liberalismo
poltico, sintetizado inicialmente por Locke (1632-1704)
no seu Segundo Tratado sobre o Governo,(1)
espe-
cialmente. O legislativo, para Locke, co nstitui o poder
poltico fundamental no governo, devendo ser formado
por representantes dos proprietrios, competindo-lhe a
funo de legislar. Os outros poderes (executivo, fe -
derativo e judicial), segundo ele, devem, respecti-
vamente, fazer cumprir as leis no interior do prprio
pas e com relao aos outros, e reprimir a inob-
servncia das mesmas. O sentido fundamental da
comunidade poltica e das leis que dela emanam
proteger os interesses dos indivduos que, atravs do
trabalho, se apropriaram dos bens materiais. Com
relao organizao poltica, h um ponto que salta
vista na obra do pensador ingls: a preocupao por
aperfeioar os mecanismos condizentes a um exerccio
autntico da representao. Prova clara a Constituio
que Locke redigiu para a colnia de Carolina do
Norte,(2)
na qual d normas precisas, minuciosas at
saciedade, para regulamentar a representao dos
proprietrios no exerccio do governo. A preocupao li-
beral bsica, porm, aparece mais viva no processo
histrico que origina, na Inglaterra, o parlamento e seu
desenvolvimento, durante os sculos XVII e XVIII.
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As idias de Locke penetram no panorama
cultural luso-brasileiro durante o sculo XVIII, a partir
da reforma pombalina, sendo Verney (1713-1792) o
principal canal de comunicao. Porm, s na segunda
dcada do sculo XIX aparece no campo da filosofia
poltica uma sistematizao visando adaptar o libe -
ralismo lockeano peculiarssima estrutura da monar-
quia portuguesa: trata-se do trabalho realizado por
Silvestre Pinheiro Ferreira (1769/1846) para, com ele,
cumprir a misso encomendada por D. Joo VI, de
transformar a monarquia absoluta em constitucional.
Efetivamente, o ilustre pensador lusitano elabora um
sistema poltico de monarquia constitucional, no qual
adota a idia fundamental do sistema liberal concebido
por Locke, ou seja, a idia da representao. Assume,
ainda, os elementos tradicionais susceptveis de serem
conservados para conseguir a estabilidade poltica.
Deste modo, Silvestre Pinheiro Ferreira concebeu as
formas adequadas de colaborao entre a monarquia e as
cortes, no exerccio do poder legislativo. A presena de
um poltico da tmpera de Pinheiro Ferreira e a
consagrao do princpio da monarquia constitucional
na Constituio Imperial de 1824 criaram um plo
positivo, acima do processo de radicalizao poltica em
curso, fornecendo o elemento orientador do amplo
debate que animou a elite ao longo de aproximadamente
trs decnios. Dele resultaria o consenso acerca da
aceitao da idia liberal, luz da qual seriam con-
cebidas as instituies que deram ao pas, com o
Segundo Reinado, seu mais longo perodo de esta-
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bilidade poltica. O sistema que elaboraram os estadistas
brasileiros foi fruto da crtica e da experimentao,
possuindo como preocupao fundamental o aperfei-
oamento da representao. Dentro deste contexto
explica-se a idia do poder moderador como re-
presentativo da tradio nacional, encarnando, portanto,
os interesses permanentes do povo, cuja representao
no campo dos interesses cambiantes estava assegurada
pelo parlamento.
Com a chegada da Repblica, aparece a filosofia
poltica de inspirao positivista, que em seus pontos
fundamentais se ope filosofia poltica de inspirao
liberal, predominante durante o Imprio. A filosofia
poltica positivista baseia-se no pressuposto de que a
sociedade caminha inexoravelmente rumo estruturao
racional. Esta convico e os meios necessrios para a
sua realizao so alcanados mediante o cultivo da
cincia social. Ante tal formulao, so po ssveis duas
alternativas: ou empenhar-se na educao dos espritos
para que o regime positivo se instaure como fruto de um
esclarecimento, ou simplesmente impor a organizao
positiva da sociedade por parte da maioria esclarecida.
Sustentou a primeira atitude, principalmente, Pereira
Barreto (1840-1923), o que corresponde ao chamado
positivismo ilustrado; a segunda foi a alternativa de
Jlio de Castilhos (1860-1903), seguido por Borges de
Medeiros (1864-1961), no Rio Grande do Sul, e por
Pinheiro Machado (1851-1915) e Getlio Vargas (1883-
1954), a nvel nacional. Esta ltima foi a verso da
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filosofia poltica de inspirao positivista que preva-
leceu, cujas repercusses se fazem sentir ainda hoje.
Pretendemos nesta obra caracterizar o castilhismo
como uma filosofia poltica que, inspirando-se no po-
sitivismo, substituiu a idia liberal do equilbrio entre as
diferentes ordens de interesses, como elemento fun-
damental na organizao da sociedade, pela idia da
moralizao dos indivduos atravs da tutela do Estado.
Para a filosofia poltica castilhista, como para todo o
pensamento positivista, a falncia da sociedade liberal
consistia em basear-se nas transaes empricas, fruto
da procura dos interesses materiais. As crticas dos
castilhistas aos liberais brasileiros inspiram-se neste
ponto. A polmica sustentada por Castilhos no Con-
gresso Constituinte (1891) exemplo ilustrativo: o lder
gacho propunha ao Congresso Constituinte a ins tau-
rao de um regime moralizador, baseado no na
preservao de srdidos interesses materiais, mas
fundado nas virtudes republicanas. Como a proposta no
foi ouvida pelos constituintes, decidiu encarnar sua
idia no governo do Rio Grande do Sul, e o conseguiu,
com a elaborao e a prtica da Constituio Estadual
de 14 de julho de 1891, que perpetuar-se-ia no Rio
Grande at 1930. Poderamos sintetizar o confronto do
pensamento castilhista com a filosofia liberal, nos
seguintes termos: enquanto Locke e seus seguidores
brasileiros cuidavam apenas de conceber e organizar
instituies capazes de permitir o jogo e a barganha dos
interesses, sem recurso guerra civil (caracterstica
tanto do perodo que precedeu ao Bill of Rights como do
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que antecedeu ao Segundo Reinado), ou melhor, tinham
como propsito uma sociedade real, Castilhos tinha a
meta da sociedade ideal e como a Constituinte recusou
sua mensagem, cuidou de estabelecer no Rio Grande um
verdadeiro prottipo.
Em contraposio caracterizao do governante
na filosofia poltica de Silvestre Pinheiro Ferreira,
segundo a qual os membros do Congresso, formando o
organismo mximo do governo, deviam saber re -
presentar corretamente os interesses dos respectivos
grupos ou classes, Jlio de Castilhos pe como condio
fundamental do governante a absoluta pureza de
intenes, que se traduz no desinteresse material. A
moralidade ser a nota primordial do governante e
caracterizada, pela tradio castilhista, como ima -
culada pureza de intenes. Somente assim poder o
dirigente da sociedade adquirir a capacidade para per -
ceber, cientificamente, qual o sentido da racionalidade
social, que se revela, como j o tinha salientado Comte,
unicamente perante as mentes livres dos prejuzos
teolgicos e metafsicos.
Em torno destes conceitos estrutura-se o de bem
pblico para a tradio castilhista. Para os pensadores
liberais, o bem pblico resultava da conciliao dos
interesses individuais que se concretizavam no Par -
lamento, como organismo representativo dos men-
cionados interesses. Para Castilhos, o bem pblico s
poderia encontrar-se onde se achasse a essncia mesma
da sociedade ideal, que ele entendia, como j foi
mostrado, em termos de reinado da virtude. O bem
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pblico confunde-se, para o castilhismo, com a
imposio, por parte do governante esclarecido, de um
governo moralizante, que fortalea o Estado em
detrimento dos egostas interesses individuais e que zele
pela educao cvica dos cidados, origem de toda moral
social. H, portanto, no castilhismo, a suposio de que
esta acepo de bem pblico goza de uma situao
privilegiada em face das outras posies, como a liberal
por exemplo. A novidade em Castilhos consiste na
suposio de que h um ponto de vista privilegiado,
aquele que se baseia numa cincia social que afirma ter
descoberto o curso da humanidade, a sua marcha
ascensorial (inelutvel, determinada) no sentido da
positividade (sociedade no maculada pelo interesse
porquanto equivale prpria instaurao da morali-
dade). A crena na situao privilegiada de seu ponto de
vista que explica o carter missionrio (sacerdotal) de
que se revestiu o exerccio do seu governo e dos
castilhistas.
A fim de conseguir a moralizao da sociedade,
segundo a mentalidade castilhista, o governante deve
exercer a tutela social, para que se amolde procura do
bem pblico na acepo de Castilhos. Tanto ele como os
seus seguidores elaboraram os mecanismos consti-
tucionais e legais adaptados instaurao da tutela
moralizadora do Estado sobre a sociedade. No caso de
Castilhos e Borges de Medeiros, tal empenho se refere
ao Rio Grande do Sul, enquanto no caso de Pinheiro
Machado e Getlio Vargas amplia-se a nvel nacional. O
carter tutelar e hegemnico do Estado castilhista leva
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os representantes desta corrente a rejeitar todo tipo de
governo representativo como essencialmente anrquico.
Ao supor que a racionalidade social no se
encarna na projeo da razo individual, concretizada
num rgo representativo de governo onde se estabelea
o consenso entre os indivduos, como entendia o
liberalismo, mas na obra moralizadora de um Estado
autocrtico, o castilhismo se situa do lado das mltiplas
reaes conservadoras que a partir da Revoluo
Francesa condenavam as conquistas da ilustrao, no
que respeita ao papel atribudo razo individual. E ao
propugnar por uma sociedade moralizadora em torno a
ideais, recusando o regime de negociaes entre
interesses individuais, alcanado pelo sistema liberal, o
castilhismo procurava uma volta sociedade feudal, na
qual o mvel inspirador dos cidados era a procura da
virtude. Nessa rejeio razo indiv idual, como no
desprezo pelo interesse individual e material, reside o
carter conservador do castilhismo, como teremos
oportunidade de mostrar.
A anlise doutrinria do castilhismo efetivada
na segunda parte (Idias bsicas da filosofia poltica de
inspirao positivista), a partir do pensamento de Jlio
de Castilhos, Borges de Medeiros, Pinheiro Machado e
Getlio Vargas, assim como nas idias polticas
subjacentes legislao castilhista. Levando em conta a
reao do castilhismo filosofia poltica liberal na
sistematizao empreendida por Silvestre Pinheiro
Ferreira e na prtica do perodo imperial, o captulo se
inicia com uma breve sntese dessa problemtica,
-
24
seguida da indicao dos principais conceitos da
filosofia poltica de Comte e de Pereira Barreto. Isto nos
permitir salientar a novidade do pensamento castilhista
em face do liberalismo, por um lado e, por outro, diante
do comtismo e do positivismo ilustrado de Pereira
Barreto.
Essa anlise dos conceitos bsicos da polt ica
castilhista ficaria assaz incompleta sem o estudo prvio,
embora resumido, da vida e da obra poltica de seus
representantes. Tal o objetivo da primeira parte (Vida
e ao poltica de Jlio de Castilhos, Borges de
Medeiros, Pinheiro Machado e Getlio Vargas).
Estudar o pensamento de um terico da poltica
tarefa relativamente fcil; basta ler suas obras mais
representativas e delas fazer uma sntese. Tal no
acontece quando o estudioso pretende se aproximar do
pensamento de um homem de ao. Nesse caso, o
historiador das idias depara-se com uma obra poltica
alicerada fundamentalmente em fatos e instituies.
Alm disso, o material com que tem que lidar no se
compe de idias sistematizadas. Isso nos sucede ao
pretender estudar o pensamento poltico de Jlio de
Castilhos.
Castilhos no foi um terico da poltica. Foi mais
um poltico. E um poltico que deu incio a um modus
agendi e a uma conceituao muito pessoais sobre o
exerccio do poder. Teve, certo, uma agitada vida
jornalstica e escreveu a Constituio do Rio Grande do
Sul, ali vigente durante trs dcadas. Porm, tanto os
seus escritos polmicos na imprensa, como a
-
25
Constituio de 14 de julho de 1891 e toda a sua obra
legislativa em geral, so insuficientes em si mesmos, se
no os projetarmos sobre o contexto de sua ao
poltica. Como se ver mais adiante, as peculiaridades
do autoritarismo castilhista no podem ser explicadas
atravs de simples referncias filosofia de Augusto
Comte. Castilhos inspirou-se nele, mas deu ao seu
conceito de poltica traos inditos, fruto da sua
personalidade e das condies concretas que viveu o
Partido Republicano Histrico, na luta com a antiga
elite dirigente sul-rio-grandense.
Por esse motivo, no podamos deixar de estudar
a vida e a obra poltica de Castilhos com certa
profundidade. nosso propsito, na primeira parte,
acompanhar a evoluo do lder republicano rio -
grandense e a de seu partido, na ascenso ao poder e na
consolidao da obra poltica. Pretendemos, ainda,
medida que se estenda a exposio, mostrar o
desenvolvimento do pensamento poltico castilhista. Na
segunda parte, como j foi indicado, faremos uma
sntese que unifique a conceituao poltica de Castilhos
e dos castilhistas nos seus principais elementos, os quais
devero aparecer, em natural disperso histrica, ao
longo do estudo poltico-biogrfico.
A necessidade de considerar a vida e ao polt ica
de Castilhos para compreender suas idias polticas,
aplica-se igualmente a Borges de Medeiros, Pinheiro
Machado e Getlio Vargas. Todos eles, mais do que
polticos tericos, foram homens de ao, que con-
triburam para perpetuar, nos seus pontos fundamentais ,
-
26
a obra poltica do Patriarca gacho.(3)
Pinheiro Ma-
chado, em particular, alm de ser um homem totalmente
projetado na ao, no costumava falar ou escrever
sobre sua poltica e tinha como ele mesmo confessava
o mau hbito de no guardar papis. Felizmente,
contamos com o trabalho pioneiro, interpretativo da
obra do gacho, seguindo-lhe pacientemente os passos
ao longo da histria das primeiras dcadas da vida
republicana no Brasil e avaliando sem preconceitos sua
contribuio na agitada marcha da Repblica Velha.
Trata-se da obra de Costa Porto, o livro intitulado:
Pinheiro Machado e seu Tempo .
Quanto s relaes do castilhismo com o
positivismo, no pretendemos explicar a apario e
posterior evoluo do primeiro na Repblica Velha
mediante as idias de Comte (1798-1857), mas apenas
indicar que estas serviram de elemento inspirador a
Castilhos e aos seus discpulos, em sua formao e na
elaborao da Carta de 14 de julho de 1891 e das leis
orgnicas do Rio Grande. O castilhismo representa no
s as teorizaes do Apostolado Positivista, mas as teve
por base, adquirindo forma definida atravs de uma
prtica autocrtica no exerccio do poder pol tico, ao
longo de quatro decnios. O castilhismo ficaria carac-
terizado dessa forma, segundo salienta Antnio Paim,
como o ncleo antidemocrtico das idias de Comte,
ajustado a uma experincia concreta.
Por ltimo, tendo em conta que no Rio Grande se
ops fortemente ao castilhismo uma filosofia poltica de
inspirao liberal, cujos representantes foram Gaspar da
-
27
Silveira Martins (1834-1901) e Joaquim Francisco de
Assis Brasil (1857-1938), esclareceremos na terceira
parte os pontos essenciais de sua concepo poltica e
de sua crtica ao regime castilhista. Os dois liberais
gachos no foram, certamente, os nicos a criticar o
sistema concebido por Castilhos, como teremos
oportunidade de mostrar. Cabe salientar, desde logo, que
a crtica liberal gacha ao castilhismo inferior ao que
se poderia esperar, suposta a tradio liberal iniciada
por Silvestre Pinheiro Ferreira. Os liberais da poca
republicana limitam-se a uma crtica do ponto de vista
do direito constitucional, sem abranger o castilhismo
como filosofia poltica contraposta s melhores
manifestaes da cultura brasileira, ao longo do sculo
XIX. Contudo, os liberais gachos no deixam de se
abeberar nas fontes do liberalismo anglo -americano, e
de professar uma filosofia poltica liberal claramente
reconhecvel. Para faz-lo sobressair, a anlise do seu
pensamento precedida da sntese dos conceitos
fundamentais do liberalismo de Locke e dos tericos
americanos.
As fontes consultadas foram, principalmente, a
legislao sul-grandense entre 1891 e 1930, assim como
os pronunciamentos dos lderes castilhistas neste mesmo
perodo, a maior parte publicada em A Federao(4)
de
Porto Alegre. Por tratar-se, muitas vezes, de textos des-
conhecidos ou de difcil acesso, permitimo -nos trans-
crever alguns com certa amplitude, quando julgamos
necessrio ilustrar melhor o pensamento castilhista.
-
28
Nesta segunda edio da nossa obra, inserimos
uma quarta parte, destinada a estudar a herana do
Castilhismo. Foram desenvolvidos os seguintes aspec -
tos: Antonio Chimango e a ditadura castilhista
(captulo XIII), Getlio Vargas, parlamentar (captulo
XIV) e Getlio Vargas, o Castilhismo e o Estado
Novo (captulo XV).
Seja-nos permitida uma ltima observao: nosso
trabalho apenas uma aproximao e uma tentativa de
sntese bastante modesta sobre o pensamento castilhista.
Conscientes da necessidade de delimitar nosso tema,
no pretendemos, de maneira alguma, esgotar o
pensamento castilhista, nem dar conta de todas as
repercusses que o comtismo obteve no Brasil. Nossa
pretenso consistiu, apenas, em precisar os conceitos
bsicos da filosofia poltica de inspirao positivista,
como configurao de um modelo de governo no -
representativo.
NOTAS DA INTRODUO
(1) Locke, John. Segundo Tratado sobre o Governo. Ensaio
relativo verdadeira origem, extenso e objetivo do governo
civil. (Traduo de E. Jacy Monteiro). So Paulo, Abril Cultural,
1973, 1 ed.
(2) Locke, John. Constitutions fondamentales de la Caroline .
(Intr., trad. e notas a cargo de Bernard Gilson) , Paris, Vrin, 1967.
(3) Denominao dada a Castilhos pelos seus seguidores, no Rio
Grande do Sul.
-
29
4) rgo do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR),
dirigido por Castilhos.
PRIMEIRA PARTE
VIDA E AO POLTICA DE JLIO DE
CASTILHOS, BORGES DE MEDEIROS,
PINHEIRO MACHADO E GETLIO
VARGAS
-
30
CAPTULO I
Jlio de Castilhos (1860-1903)
Para facilitar a exposio, desenvolvemos trs
pontos, cada um abarcando um perodo da vida de
Castilhos: 1. Perodo de formao e atividades polticas
anteriores ao desempenho do cargo de Presidente do
Estado do Rio Grande do Sul (1860-1891) 2. Perodo
entre a ascenso ao poder e o trmino legal do mandato
de Castilhos (1891-1898). 3. Perodo entre o fim do
mandato presidencial e a morte (1898-1903).
1. PERODO DE FORMAO E ATIVIDADES POLITICAS
ANTERIORES AO DESEMPENHO DO CARGO DE PRESI -
DENTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (1860-1891)
Jlio de Castilhos nasceu na fazenda da Reserva,
Rio Grande do Sul, em 1860. At o ano de 1877 recebeu
a primeira etapa da formao em Porto Alegre.
Salientando, com um pouco de exagero, o influxo que o
meio social exerceu sobre Castilhos, Rubens de Bar -
celos(1)
diz que trs personagens influram, funda-
mentalmente, nesta primeira formao: o pai e os
mestres Apolinrio Porto Alegre e Ferreira Gomes, que
infundiram-lhe a inquietude por estudar a problemtica
da sociedade sul-rio-grandense luz das novas correntes
culturais da Europa, assim como os ideais republicanos.
-
31
Em 1877 Castilhos ingressou na Academia de
Direito de So Paulo. Sua atividade universitria era
intensa; junto aos deveres acadmicos, o jovem
estudante dedicava-se tambm ao jornalismo
universitrio. Em 1879, aos 19 anos, iniciou a
publicao de um jornal, A Evoluo, em colaborao
com o futuro cunhado Assis Brasil, e Pereira da Costa,
ambos rio-grandenses.
O ambiente universitrio da poca, em So Paulo,
era bastante agitado. Apesar do conservadorismo do
sistema de ensino imperial, os estudantes que entravam
nas faculdades de So Paulo e Recife abriam-se s novas
correntes de pensamento; encontram eco entre eles as
idias do materialismo vulgar e do positivismo. Era
tema da atualidade o reformismo social e poltico. No
Brasil, a questo religiosa abriu uma brecha entre os
bispos e o poder civil, assim como entre a Maonaria e a
Igreja, estimulando, desta forma, a difuso do agnos-
ticismo e do atesmo. A corrente antiescravista forti-
ficava-se cada vez mais e punha em perigo a estrutura
semifeudal da economia agrria. A propaganda repu-
blicana aumentava proporo que o Imprio
envelhecia. Nas penses e repblicas de estudantes,
conheciam-se autores como Littr, Gambetta, Laffitte,
Castelar, etc. No raro aconteciam fortes discusses
entre catlicos e livre-pensadores. Os poetas acadmicos
tinham iniciado a ruptura com a era romntica. Chegava
a vez do parnasianismo. Junto com Castilhos, ingres-
saram na Faculdade de So Paulo espritos brilhantes,
como Manuel Incio Carvalho de Mendona (pos-
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32
teriormente notvel jurista de inspirao positivista), o
poeta Tefilo Dias, Eduardo Prado e Valentim Maga-
lhes Jnior.(2)
A nota caracterstica desta poca o despertar do
sentido crtico, que teve antecedentes na crtica ao
ecletismo, realizada no contexto do que Silvio Romero
chamou um bando de idias novas, que se projetou
sobre a cultura brasileira de todos os pontos do ho-
rizonte.(3)
Convm salientar que neste perodo se situa a
fundao, no Rio de Janeiro, da Sociedade Positivista.
Surgiram as primeiras obras daqueles que mais tarde
seriam, respectivamente, os chefes da Igreja Positivista
e o iniciador do chamado Positivismo Ilustrado: Miguel
Lemos, Teixeira Mendes e Pereira Barreto.
Dentro de tal contexto podemos explicar o
sucesso que obtiveram no meio estudantil as novas
correntes de pensamento, entre as quais sobressaa,
como vimos, o positivismo. Manuel Incio Carvalho de
Mendona caracteriza assim a atrao desta filosofia no
ambiente universitrio:(4)
A cultura positiva fornecia
mocidade republicana uma base slida e demonstrvel
para suas crenas polticas. Em todas as escolas
superiores do Pas formava-se paralelamente cincia
oficial, uma cultura independente, a que a mocidade se
dedicava com ardor como base e medida de sua ao
poltica na vida real. O Governo Imperial conservou-se
estranho a todo esse movimento e no favorecia seno a
entourage pedantocrtica do ensino oficial.
Em 1881, aos 21 anos de idade, Castilhos
bacharelou-se em Direito, na Universidade de So
-
33
Paulo, e regressou a Porto Alegre. Desde o segundo
semestre de 1880 dirigia A Repblica, rgo acadmico
publicado em So Paulo, substituindo a Afonso Celso
Jnior. Colaboravam na redao jovens que se tornariam
ilustres, como Carvalho de Mendona, Pedro Lessa,
Augusto de Lima e Oscar Pederneiras. Por esse tempo
participou tambm do Clube Vinte de Setembro, cujos
objetivos centrais, fixados pelos fundadores, os
estudantes rio-grandenses da Universidade de So
Paulo, eram o estudo da Revoluo Farroupilha e da
histria sul-rio-grandense. So frutos deste crculo a
Histria Popular de Rio Grande do Sul , de Alcides
Lima, e a Histria da Repblica Rio-Grandense, de
Assis Brasil, editadas em 1882.
As condies econmicas de Castilhos eram as de
um fazendeiro de situao mdia. Esta situao, sem
dvida, permitiu-lhe combater severamente a aristo-
cracia latifundiria no Rio Grande do Sul, durante o seu
mandato.
Personalidade
Apesar de a personalidade de Castilhos mani-
festar-se claramente ao se analisar sua obra, queremos
chamar a ateno, de momento, para dois caracteres que
se destacaram ao longo da sua vida acadmica e
poltica: personalidade autoritria e pertinaz fidelidade
ao programa traado de antemo. J aos 17 anos
anuncia-se a sua crtica radical monarquia, posio
-
34
que sustentaria durante toda a vida. Em carta de 4 de
janeiro de 1878 ao seu primo Tito Prates, diz:(5)
O Ministrio foi ao cho, e antes da morte do
Caxias. No se sabe ainda quem subir. Dizem por
telegrama que provvel a ascenso dos liberais. Vo
estes, depois duma campanha formidvel, substituir os
seus iguais na mesa do oramento. sua nica ambio.
Que leprosos!
Simplesmente, nas convices de Castilhos, a
monarquia no tinha nenhuma salvao. Havia chegado
a esta concluso no tanto atravs de uma apurada
anlise do Imprio, mas devido a este no se ajustar ao
esquema autoritrio de sociedade que j ento o
empolgava. Podemos afirmar que o autoritarismo, por
um lado, deitava profundas razes em seu temperamento
e, por outro, em suas convices. Um e outro aspectos
parecem-nos fundamentais para compreender a persona-
lidade do jovem republicano.
Que Castilhos tinha temperamento altamente
dominante e firme, fato reconhecido por todos os seus
bigrafos. Rubens de Barcelos nos diz que o jovem
Castilhos, segundo o testemunho dos seus parentes, foi
um silencioso, um solitrio, enrgico e rspido e que
revelava uma natureza reservada e profunda; ao lado de
seu pai teria aprendido que nada supre a arte de se
impor, de dirigir, de mandar, como meio de afirmar a
prpria personalidade.(6)
Que a personalidade autoritria e firme de Cas-
tilhos tambm era fruto das suas convices polticas e
filosficas, ponto em que os bigrafos igualmente
-
35
esto de acordo. Convencido de que era um esclarecido,
no admitia concesses no terreno dos princpios, (7)
pois era dos que, em palavras de Raul Pompia, tinham
as convices ossificadas na espinha inflexvel do
carter. Esta caracterstica de sua personalidade vai-se
manifestar claramente na vida jornalstica. J aos 19
anos de idade, o jovem rio-grandense dava provas da
firmeza das suas convices, expressadas em estilo
conciso e sbrio, que faria poca na vida pblica
brasileira; o trecho a seguir, tomado de A Evoluo,
bastante expressivo:
Pertinazmente fiel ao programa que se traou,
profundamente crente na infalibilidade incontestvel da
vitria da Democracia porque cr tambm, com a
profundamente sbia doutrina positiva, no que h de
fatal no movimento ascensional dos povos crente
ainda na eficcia decisiva das boas propagandas, A
Evoluo entende que o maior servio que hoje pode ser
prestado para aproximar cada dia o completo triunfo
republicano ir desfazendo, a golpes da lgica da
verdade, a mal-urdida meada em que se tem procurado
enredar os espritos incautos e desprevenidos.
Ou este outro:
Os espritos educados nas verdades da cincia
moderna entendem os fenmenos sociais, no como
meros produtos do acaso ou de uma Providncia
desconhecida, mas sim regidos por leis naturais cuja
ao a vontade humana impotente para desviar, como
o , em relao s do mundo fsico, e estudam e
compreendem a Histria como a representao dessas
-
36
leis, entrelaando numa vasta harmonia todas as fases
histricas da vida das sociedades e, em uma esfera
limitada, todas as fases histricas dum povo
determinado.
Apesar de Castilhos ter como Assis Brasil diria
depois uma ponderada e refletida ambio de
governar e de mandar e de no amar o poder pelo
poder, buscando o controle da poltica na medida em
que pudesse imprimir-lhe o rumo que julgava mais
conveniente segundo suas convices, o autoritar ismo
da personalidade chegou a criar -lhe inmeros problemas
e inimizades. Castilhos foi-se separando, progressi-
vamente, de amigos e correligionrios de valor,
proporo que se fazia impermevel s opinies e
posies polticas divergentes. Entre 1891 e 1898
abandonaram, por este motivo, as fileiras do castilhismo
Demtrio Ribeiro, Assis Brasil, Barros Cassal, Anto de
Faria, Alcides Lima, Homero Batista, Antnio Adolfo
Mena Barreto, Francisco Miranda, Pedro Moacir, etc.
Castilhos, como Floriano Peixoto, deixou amigos fa-
nticos e inimigos acrrimos e era, pelo seu carter e
pela natureza especial dos seus estudos (...), uma indi-
vidualidade expressamente talhada para a ditadura. (8)
O Positivismo foi o marco terico em que
Castilhos formou sua personalidade autoritria, j ao
tempo de estudante, em So Paulo. Na dcada de
noventa comea a constituir-se e a ascender uma
corrente poltica de inspirao positivista. A popu-
laridade que teve no incio deve ser atribuda a
Benjamim Constant Botelho de Magalhes; porm, logo
-
37
houve um deslocamento da mencionada corrente para o
Rio Grande do Sul. Ser positivista nessa poca era,
como dizia Jos Verssimo,(9)
uma boa recomendao.
Convm salientar que neste tempo muitos analistas
caram no erro de considerar os positivistas brasileiros
como autnticos donos de um fenmeno to
progressista como a Repblica, perdendo de vista o
carter conservador e retrgrado do pensamento de
Comte em matria de reforma social. Enquanto o ideal
republicano tinha brotado, no seio do pensamento
moderno, sob a luz da Declarao dos Direitos do
Homem, de 1789, que inspirou a Revoluo Francesa
enfatizando a igualdade poltica e social de todos os
cidados e a consagrao das liberdades, o ideal
comtiano, pelo contrrio, era de ndole medieval; sua
finalidade consistia na implantao do regime
sociocrtico; concebido imagem do sis tema poltico
estruturado na Idade Mdia, correspondendo
aproximadamente aos Estados Totalitrios surgidos em
nosso sculo. (10) Do ponto de vista poltico, diz Artur
Orlando:(11)
(...) o fundador do positivismo no se
destaca seno pela sua antipatia s idias e instituies
liberais (...) Ningum ignora que Augusto Comte, alm
do desdm, que votava ao sistema representativo,
considerava uma crise feliz o golpe de estado, que
substituiu a repblica ditatorial repblica parlamentar.
Augusto Comte esteve sempre disposto a endeusar os
atos de absolutismo (...).
Embora no comeo Miguel Lemos se recusasse a
considerar Castilhos como positivista,(12)
deu-lhe,
-
38
contudo, o seu apoio tcito, na Dcima Oitava Circular
Anual. (13) Vrios anos depois, e quando o nome de
Castilhos j era bastante conhecido em todo o Brasil,
Miguel Lemos lhe reconhece uma orientao
positivista, se bem que devida aos trabalhos do
Apostolado.
A identificao do prprio Castilhos e de alguns
dos seus companheiros como positivistas bastante
precoce. Tal orientao j aparece, efetivamente, nos
seus escritos estudantis de A Evoluo, aos quais j se
fez referncia. de 5/09/1887 o seguinte artigo escrito
por Castilhos e Demtrio Ribeiro em A Federao, por
ocasio do trigsimo aniversrio da morte de Comte:
Quando se estuda a obra de Augusto Comte com
o cuidado que nos impem os grandes assuntos, no se
sabe o que mais admirar: se a grandeza do seu corao
se a vastido do seu gnero.
Grande exemplo , para os tempos que correm, a
vida abnegada do fundador da religio demonstrada.
Ao lado das vicissitudes inerentes atitude
regeneradora por ele assumida, estavam as sedues de
uma vida cmoda e facilmente acessvel desde o
momento em que o lutador quisesse especular utilizando
as suas excepcionais aptides.
Mas entre a ignomnia e o sacrifcio ele no
sabia hesitar.
Em lugar de repoltrear-se em uma das cadeiras
do ensino acadmico custa do abandono de suas
opinies, o filsofo preferiu a condenao e a per -
seguio da cincia oficial, silenciosa conspiradora
-
39
contra tudo o que pode ferir-lhe a ignorncia e o
orgulho.
que, s esplendorosas irradiaes do gnio, ao
calor do sentimento ardoroso, Augusto Comte ligava
uma inquebrantvel moralidade.
Nessas linhas rapidamente traadas, mas
diretamente inspiradas pelo Positivismo , consagramos
as nossas homenagens memria do Grande Mestre, o
primeiro entre os pensadores modernos. (O grifo
nosso).
importante salientar, no texto que acabamos de
citar, que os positivistas gachos interpretavam a obra
de Comte como essencialmente moralizadora. Este as-
pecto, alis, vai aparecer tambm como uma das
caractersticas mais marcantes do pensamento casti-
lhista. No final deste captulo e nos captulos seguintes,
haver oportunidade para desenvolv-lo.
Rubens de Barcelos, por sua vez, afirma que:
(...) Castilhos achou na meditao da obra de
Comte, e na observao dos fatos histricos, a frmula
mais capaz de resolver, de um ponto de vista humano, o
insanvel problema poltico (...).
Na impossibilidade de estabelecer a unidade dos
espritos, realizvel unicamente pela fora de aliciao
espontnea de uma doutrina cientificamente demons-
trvel, buscou, num regime nela inspirado [o grifo
nosso], os mais nobres deveres sociais, atenuar os males
da crise poltica. Assim orientado, Castilhos resolveu o
apremiante problema, criando um aparelho governativo
-
40
capaz de garantir a ordem material pela robustez da
autoridade civil (...)
Compreendia haver instantes histricos em que o
prprio interesse da Nao exige dos governantes que,
abroquelados no seu foro ntimo, irredutveis na sua
convico, contrariem as paixes do momento para bem
orientar o Estado e salvar a sociedade, turbada pelos
embates do partidarismo (...).
Contudo, trs documentos diretamente escritos
por Castilhos, na maturidade da sua vida poltica ,
constituem as provas mais explcitas de sua inspirao
positivista: so eles, em primeiro lugar, a Constituio
Poltica do Estado do Rio Grande do Sul , elaborada em
1891, e duas cartas: devoo do Menino Deus e Ao
Diretor da Faculdade de Medicina e Farmcia, cidado
Dr. Protsio Alves, escritas em 1900 e 1899, respec -
tivamente.(14)
Como mais adiante deter-nos-emos na
mencionada Constituio, sero examinados aqui
somente os dois ltimos documentos. Neles encontramos
cinco teses positivistas: a afirmao da religio como
fator de ordem, a valorao da grandeza moral do
catolicismo, por ter sido a mais nobre, elevada e
preciosa tentativa de uma Religio Universal [subli-
nhado de Castilhos] at a grande crise do sculo XVIII,
a completa separao do poder temporal com relao ao
espiritual, a eliminao da cincia oficial e a
necessidade de moralizar a poltica. Deparamos, por
ltimo, com uma profisso de f em Augusto Comte, a
quem Castilhos chega at a chamar Mestre dos
Mestres:
-
41
(...) vejo mais e mais ratificada a minha intuio
poltica e social, haurida nas solues positivament e
demonstradas, adaptadas poca corrente, sem nenhum
exagero de aplicao, segundo os inexcedveis ensi-
namentos do incomparvel filsofo Augusto Comte,
cujas obras imortais, se me coubesse alguma autoridade
moral, eu recomendaria refletida leitura e constante
meditao da mocidade estudiosa do nosso querido
torro natalcio, a qual encontrar nelas a emocionante
conciliao do presente com o passado humano e a
admirvel continuidade do futuro, por entre as justas,
fervorosas e sublimes homenagens tributadas bene-
mrita e sempre venervel Igreja Catlica e a todos os
dignos predecessores do portentoso pensador, que
Mestre dos Mestres (...).
Quanto s razes sociolgicas, que explicam a
rpida ascenso do positivismo castilhista no Rio
Grande do Sul, alega-se de tipo tnico, como se os
gachos estivessem predispostos, por natureza, aos
regimes autoritrios. No nos parece vlida a ex-
plicao, pois, entre outras coisas, deixa de elucidar a
presena, no Rio Grande, de forte corrente poltica de
ideologia liberal, representada pelos federalistas,
particularmente os maragatos de Silveira Martins. (15)
Apesar de no ser nosso propsito entrar em anlises
socioeconmicas, tampouco queremos cair no extremo
de pensar que a filosofia de Augusto Comte foi a nica
responsvel pela implantao do regime castilhista no
Rio Grande do Sul. O comtismo serviu de funda-
-
42
mentao doutrinria a uma faco poltica conser -
vadora, apoiada num executivo estatal agressivo.
Primeiras atividades polticas
No ano de 1882 Castilhos participou da Con-
veno do Clube Republicano de Porto Alegre. Nessa
reunio foi nomeado para participar da comisso de
imprensa do Partido, da qual foi relator e que daria
origem ao rgo do Partido Republicano Histrico Sul-
Rio-Grandense, A Federao.
A propaganda da repblica havia comeado no
Rio Grande do Sul depois da publicao do Manifesto
de Itu, em 1870. Assinado por 58 pessoas, entre elas
Aristides Lobo, Saldanha Marinho, Ferreira Viana e
Quintino Bocaiva, apareceu no jornal A Repblica, do
Rio. Apesar de este documento ter sido consagrado pela
histria como uma manifestao poltico-programtica
sistematizada, no era, realmente, um programa poltico
que assinalasse objetivos definidos. No passava de uma
simples declarao de princpios, de difusa articulao
que no conseguia romper os limites de proposies
ideolgicas para alcanar o status de proposies po-
lt icas.(16) Contudo, o Manifesto de Itu serviu de prin-
cpio inspirador aos primeiros republicanos gachos.
No Rio Grande do Sul, a propaganda republicana
comeou sob a direo de Francisco Xavier da Cunha e
dos dois Porto Alegre, Apolinrio e Apeles. Seus
esforos pioneiros foram coroados com a fundao de
um Clube Republicano na capital da Provncia, em
-
43
1878, e a eleio dos vereadores republicanos para a
cmara municipal, em 1880. Castilhos fizera os
primeiros contatos com o movimento republicano de
Porto Alegre desde a mocidade, antes de viajar a So
Paulo. Quando voltou Provncia, com a firme
resoluo de trabalhar pela queda da monarquia, juntou-
se novamente aos republicanos rio-grandenses. At
1882, ano em que se reuniu a Conveno preliminar do
Partido Republicano Sul-Rio-Grandense, este tinha sido
seguidor do seu congnere paulista e se mostrava
bastante ligado aos princpios do Manifesto de 1870.
Em 1882 reuniu-se o Primeiro Congrego do
Partido Republicano Rio-Grandense. A partir de ento,
Castilhos comeou a afirmar-se como uma das mais
altas expresses partidrias. Nesse Congresso
perfilaram-se os rumos programticos do Partido, rumos
que lhe seriam peculiares porque j estavam marcados
pela influncia do comtismo. Uma comisso integrada
por Castilhos, Demtrio Ribeiro e Ramiro Barcelos foi
encarregada de redigir as Bases do Programa dos
Candidatos Republicanos. Vale a pena determo-nos um
pouco neste documento, bastante representativo das
idias de Castilhos.
Primeiramente, as Bases propugnavam pela
eliminao da monarquia, como regime incapaz de
conduzir o povo brasileiro felicidade e grandeza;
pediam, em segundo lugar, a fundao da Repblica,
na qual o sistema de Federao seria a condio nica
da unidade nacional, aliada liberdade. As Bases
defendiam, ainda, um modus operandi moderado,
-
44
porquanto no adotavam o processo revolucionrio,
apesar de considerar a revoluo como um evento
natural que, para produzir os efeitos desejados,
precisava operar-se em seu tempo com uma soluo
positiva da evoluo; por tal motivo, as Bases
prescreviam para os membros do Partido a cooperao
pacfica nas reformas que efetuem por partes a
eliminao da monarquia. A fim de alcanar este
objetivo, elas formulavam um programa de imediata
aplicao, cujos itens fundamentais eram:
descentralizao provincial, mediante a eletividade dos
presidentes e a perfeita discriminao da economia da
Provncia em relao do Imprio; descentralizao
municipal, com fase na faculdade dos municpios
resolverem, soberanamente, sobre as suas rendas;
extino do poder moderador e do Conselho de Estado;
temporariedade do Senado; alargamento do voto;
liberdade de associao e de cultos; secularizao dos
cemitrios; matrimnio civil obrigatrio e indissolvel,
sem prejuzo da voluntria observncia das cerimnias
religiosas; registro civil dos nascimentos e dos bitos;
derrogao de toda a jurisdio administrativa;
liberdade de comrcio e indstria; responsabilidade
efetiva dos ministros e de todos os agentes da
administrao; liberdade de ensino, considerado em seu
destino poltico de fornecer a base intelectual para o
cumprimento do dever social; neste campo pedia-se
subordinao ao ideal do partido, que encarava o
assunto da seguinte forma: Ensine quem souber e
quiser e como puder. Para realizar este ideal
-
45
educativo, as Bases julgavam necessrias as seguintes
medidas: supresso dos privilgios, civis ou polticos,
classe dos diplomados; adoo provisria de um sistema
de ensino integral adaptado transio atual e limitado
pelos recursos do Tesouro Pblico, pelas idias
correntes e pela competncia do pessoal docente;
restrio do ensino oficial superior ao essencial para as
profisses verdadeiramente teis.
Por outro lado, as Bases pediam a abolio do
elemento servil; rejeitavam a imigrao oficial e re -
queriam leis sbias, que promovessem a boa imigrao
espontnea. Exigiam, alm disso, uma economia
severa, com supresso de todos os gastos de carter
improdutivo, e defendiam o imposto direto como o
verdadeiramente eqitativo e o nico capaz de enfrentar
a fiscalizao do contribuinte; para isso reclamavam a
criao do imposto territorial e a eliminao, na medida
do possvel, dos impostos indiretos.
A 1 de janeiro de 1884 apareceu o primeiro
nmero de A Federao, rgo do Partido Republicano
Rio-Grandense. Castilhos foi nomeado redator-chefe,
mas rejeitou temporariamente o cargo, ocupado, ento,
pelo paulista Venncio Aires. Ele assumiu em definitivo
a direo de A Federao alguns meses mais tarde. No
dia 17 de maio de 1884, casou-se com dona Honorina da
Costa. Do matrimnio feliz, equilibrado e fecundo,
nasceram, entre 1884 e 1890, quatro filhas e um
filho(17). Ao longo de todo o ano de 1884, Castilho s
desenvolveu intensa atividade jornalstica e partidria.
Participou, sem sucesso, de sua primeira campanha
-
46
eleitoral, como candidato a deputado provincial, e
desenvolveu uma radical campanha abolicionista nas
pginas de A Federao.
Campanha abolicionista
Analisemos alguns aspectos da campanha aboli-
cionista de Castilhos no Rio Grande do Sul.
Inspirados por Castilhos e outros propagandistas
da Repblica, os gachos adotaram uma posio radical
no que se refere abolio. Passaram a exigir,
efetivamente, para o Rio Grande, a imediata
emancipao dos escravos, independente de qualquer
indenizao. Castilhos se fez o arauto desta atitude
radical, nas pginas de A Federao. Em 28/07/1884,
escrevia:
Sua Majestade no deve hesitar.
Se patriota, se julga de seu dever apagar a
mcula que o crime infame de alguns antepassados nos
legou, se deseja a felicidade da Ptria, se nutre uma
nobre (nsia) de glria, lance S.M. no abandono a causa
perdida de um grupo de interessados e coloque-se ao
lado do pas, solidrio com ele.
certo que esta soluo pe em perigo a
Monarquia, que perder o apoio daqueles que tm sido o
seu sustentculo.
Mas que prefere S.M.: comprometer o seu
tempo, por reivindicar para a liberdade uma raa
imoralmente escravizada, ou p-la em perigo para no
prejudicar os senhores de escravos?
-
47
No h que vacilar na escolha: a honra da Ptria
e a glria de libertados devero inspirar o Sr. D. Pedro
II.
Junto ao moralismo que animou tantas reformas
de Castilhos, podemos observar neste contexto a viso
clara que ele tinha do substrato escravagista do Imprio.
Lutando contra a escravido, Castilhos conseguia
debilitar a base latifundiria daquele. E no apenas isso:
refletia, tambm, as condies econmicas peculiares do
Rio Grande. Efetivamente, a campanha abolicionista no
encontrou ali as resistncias reveladas em outras
provncias, entre outros motivos porque o trabalho nas
estncias no se baseava exclusivamente no brao
escravo.
A questo militar
Oliveira Torres mostrou(18)
que as vrias ques-
tes surgidas nos ltimos anos do Imprio questo
militar, questo religiosa, questo servil, questo federal
contriburam, indiscutivelmente, para o advento da
Repblica e que todas tiveram origem em contradies
no texto da Constituio, ou em contradies entre o
texto da Constituio e a realidade, ou (na) exegese
contraditria dos artigos (...). A atividade de Castilhos
perante todas estas questes revestiu-se de
radicalismo comum aos mais acendrados
propagandistas, como Quintino Bocaiva.(19)
No deixa
de haver, alis uma analogia muito grande entre o
autoritarismo castilhista e o das minorias positivistas e
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48
caudilhistas, que em boa parte animaram o Governo
Provisrio depois do golpe de 15 de novembro.
A atividade de Castilhos durante o ano de 1886
esteve marcada especialmente pela sua participao na
Questo Militar. A classe militar no teve uma
posio relevante durante o Segundo Reinado. Com a
guerra do Paraguai alterar-se-ia o quadro: os militares
comearam a ter conscincia do seu significado e, por
outra parte, procedeu-se a uma organizao do exrcito.
Dessa forma, a eventual participao dos militares na
vida poltica, antes um perigo, era aceita agora com
relutncia pelos polticos civis, que viam neste fato uma
potencial interveno do Exrcito. Por outro lado, com a
filiao de numerosos oficiais jovens aos movimentos
abolicionistas e republicanos, cavou-se uma grande
fossa entre eles e os grupos conservadores do Imprio.
O problema militar possua, alm disso, dois
aspectos graves, segundo Oliveira Torres: o que
correspondia s relaes entre os quadros e as
presidncias de Provncias estas ltimas verdadeiras
cunhas civis e polticas, que se interpunham entre o
Imperador e os comandantes das guarnies e o da
sobrevivncia dos rgidos e arcaicos regulamentos do
Conde de Lippe, que contradiziam o esprito liberal da
poca. Foi precisamente destas duas questes, inerentes
ao problema militar, que Castilhos partiu para agravar a
crise no Rio Grande do Sul. Durante o ano de 1886,
levantou-se uma polmica entre os oficiais Cunha
Mattos e Saldanha Marinho, de uma parte, e o Ministro
da Guerra, de outra, devido participao daqueles
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49
militares numa contenda verbal, atravs da imprensa do
Rio e de Porto Alegre, com alguns representantes do
Congresso. O resultado do confronto foi a proibio do
Ministro da Guerra, vedando aos militares o debate na
imprensa. Aproveitando a ocasio, Castilhos interpretou
o fato no como simples limitao de direitos
individuais, mas como uma injria do Ministrio
prpria honra do Exrcito. Estas so as suas palavras :(20)
Resta-nos observar que tais excessos de
autoritarismo, alis harmnicos com o regime, s podem
prejudicar ao prprio Imprio, que por sua inpcia cada
vez mais se divorcia das adeses do Exrcito Nacional,
cuja susceptibilidade pundonorosa e cujos sentimentos
de brio e de honra o poder pblico pretende abater e
deprimir, com essas proibies autocrticas, intolerantes
e provocadoras.
Comentando a atitude assumida por Castilhos
frente questo militar, Costa Franco diz que a tese
sustentada pelo lder republicano, de que a Monarquia
tentava desonrar o Exrcito atravs do autoritarismo do
Ministro da Guerra, era falsa; porm, no deixava de
ser:(21)
... til aos fins da luta antidinstica. Exagerando
a significao do incidente, levando s ltimas
conseqncias o exame da incompatibilidade surgida
entre um ministro e dois oficiais superiores, para da r-lhe
tintas de conflito absoluto entre a dignidade do Exrcito
e o Imprio, buscava Castilhos forar o pronunciamento
da oficialidade contra o poder civil, agravar o dissdio,
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50
e, naturalmente, ampliar o crculo de militares aderentes
idia republicana.
A moo de So Borja
Castilhos foi, de fato, um dos principais
agitadores da questo militar, precisamente na Provncia
onde a classe armada era mais numerosa. Cremos,
porm, com Costa Franco, que h exagero no juzo de
Otelo Rosa sobre este ponto, ao atribuir a Castilhos a
autoria exclusiva desta questo. Papel mais
importante teve Castilhos, talvez, na agitao que se
seguiu chamada moo de So Borja. Em 1888, o
vereador republicano Aparcio Mariense apresentou ao
Conselho Municipal da mencionada localidade, moo
aprovada a 11 de janeiro, aproveitando a ausncia de
Dom Pedro II do pas e o exerccio da regncia por parte
da Princesa Isabel. A subversiva moo propunha:
1) Que a Cmara representasse Assemblia
Provincial sobre a necessidade de dirigir-se esta
Assemblia Geral para que, dado o fato lamentvel do
falecimento do Imperador, se consulte a nao, por
plebiscito, se convm a sucesso do trono, ainda mais
competindo este a uma senhora obcecada por sua
educao religiosa e casada com um prncipe
estrangeiro;
2) que tambm se pedisse Assemblia para
dirigir-se s outras Assemblias provinciais a fim de que
estas representem no mesmo sentido Assemblia
Geral;
-
51
3) que, finalmente, a Cmara Municipal se
dirigisse s municipalidades rio-grandenses, convidan-
do-as a aderir representao.
O Governo Imperial, como era de se esperar,
reprimiu com firmeza tal provocao: mandou cassar os
vereadores comprometidos, assim como process-los
criminalmente. Castilhos, por sua vez, aplaudiu ca lo-
rosamente a iniciativa dos vereadores de So Borja e as
resolues de apoio a estes das Cmaras de So
Francisco de Assis e Dores de Camaqu.
No editorial de A Federao correspondente a 7
de fevereiro de 1888, Castilhos analisava a questo
levantada pela moo de So Borja desta maneira: o
Imperador, padecendo j de muitas prostraes, estava
em realidade impedido para governar. O Ministro
Cotegipe, fazendo uso da sua costumeira astcia,
esticava a regncia, a fim de acostumar o pas ao
governo dos prncipes e preparar, assim, o Terceiro
Reinado. Como a moo de So Borja antecipava a
agitao contra o advento deste ltimo, a represso
governamental foi violenta.
O manifesto de A Reserva
De meados de abril de 1888 at agosto de 1889,
Castilhos recolheu-se sua estncia de Vila Rica,
situada na fazenda A Reserva, em companhia de sua
esposa e das trs filhas. Durante este tempo, Ernesto
Alves dirigiu A Federao. Motivou tal retiro a situao
econmica de Castilhos, abalada devido sua dedicao
-
52
ao jornal do Partido Republicano. Em maro de 1889
teve lugar na fazenda uma reunio dos chefes do
Partido, presidida por Castilhos, que j exercia,
claramente, a liderana no meio republicano rio-
grandense. A aproximao do Terceiro Reinado, aliada
ao desgaste da monarquia e antipatia geral pelo Conde
DEu, levou os lderes do Partido a planejar uma
radicalizao da sua estratgia, aceitando a possi-
bilidade da luta armada. O manifesto assinado em A
Reserva do seguinte teor:
Reconhecendo a necessidade de organizar a
oposio em qualquer terreno ao futuro reinado, que
ameaa nossa Ptria com desgraas de toda ordem, e a
necessidade de preparar elementos para, no momento
oportuno, garantir o sucesso da Revoluo, declaramos
que temos nomeado nossos amigos Jos Gomes Pinheiro
Machado, Jlio de Castilhos, Ernesto Alves, Fernando
Abbot, Assis Brasil, Ramiro Barcelos e Demtrio
Ribeiro para que se consigam aqueles fins, empregando
livremente os meios que escolherem.
Ns juramos no nos deter diante de dificuldade
alguma, a no ser o sacrifcio intil de nossos
concidados.
Excluda essa hiptese, s haveremos de parar
diante de vitria ou da morte.
Reserva, 21 de maro de 1889. Cndido Pacheco
de Castro, Joaquim Antnio da Silveira, Lauto Do-
mingues Prates, Fernando Abbot, Ernesto Alves de
Oliveira, Jos Gomes Pinhe iro Machado, Vitorino
Monteiro, Possidnio da Cunha, Homero Batista,
-
53
Manuel da Cunha Vasconcelos. J.F. de Assis Brasil,
Salvador Pinheiro Machado, Jlio de Castilhos.
Deixa-se ver neste texto a inspirao castilhista:
repulsa s solues conciliatrias; procura do poder a
qualquer preo; elitismo; em suma, o radicalismo.
Posteriormente, Castilhos esclareceu, em A Federa-
o,(22)
que aquela reunio teve como finalidade
combinar a ao revolucionria contra o monarquismo
e que ele empenhara-se em demonstrar a urgente
necessidade da revoluo armada, custasse o que
custasse.
Atividade poltica durante o primeiro
governo republicano rio-grandense
A 7 de junho de 1889 assumiu o poder o Partido
Liberal, com o Gabinete Ouro Preto. Sacudido pela crise
da abolio, o Imprio tratava de acabar com todas as
resistncias. A fim de dominar as crescentes tendncias
republicanas, foi nomeado Presidente da Provncia de
So Pedro do Rio Grande o prprio Gaspar da Silveira
Martins. Iniciou-se, a partir daquele momento, uma
limpeza em todos os cargos, que foram sendo ocu -
pados predominantemente pelos liberais. Ressentidos
com a monarquia que os repudiara, os conservadores
comearam a aderir em massa ao Partido Republicano.
Passaram a integrar as fileiras republicanas o Dr.
Francisco da Silva Tavares, prestigioso lder conser -
vador, que se pronunciara a favor de uma Repblica
feita em moldes conservadores; os Silva Tavares, de
-
54
Bag; Jos Gabriel da Silva Lima, de Cruz Alta;
Gervsio Lucas Annes, de Passo Fundo; o Coronel
Evaristo do Amaral, de Palmeira, etc.
Ao ser proclamada a Repblica, a 15 de no -
vembro de 1889, Castilhos estava consciente de que a
situao no Rio Grande dependia do apoio militar ao
golpe dado na Capital. Auxiliado por Ramiro Barcelos,
conseguiu a adeso do mais importante general da
provncia, o Marechal Jos Antnio Correia da Cmara,
Visconde de Pelotas, antigo senador do Imprio pelo
Partido Liberal e a quem a causa da questo militar
tinha afastado dos companheiros polticos, aproximan-
do-o dos republicanos. Ao obter o apoio do Visconde,
Castilhos e os republicanos asseguraram o domnio da
situao. O Governo Central homologou Pelotas como
Governador Provisrio do Rio Grande do Sul e os
republicanos ocuparam os cargos chaves da admi-
nistrao. A vitria do movimento revolucionrio no
Rio Grande foi decisiva para a consolidao do Governo
Provisrio. Grande era a expectativa dos lderes da
revolta no Rio pelo rumo que tomariam os acon-
tecimentos no meio gacho, pois havia dvidas quanto
posio dos poderosos contingentes militares acan-
tonados no Rio Grande, que poderiam fazer regredir a
revoluo de 15 de novembro, caso se decidissem a
favor do status quo monrquico. A ateno dada por
Deodoro a Castilhos e seus correligionrios durante os
meses seguintes, prova o reconhecimento do Governo
Provisrio para com os lderes republicanos gachos.
-
55
O Governo Provisrio indicou Castilhos para o
cargo de Secretrio do Governo Estadual. Imediata-
mente, o novo secretrio props a criao da Su-
perintendncia dos Negcios das Obras Pblicas, para a
qual foi nomeado o engenheiro Anto de Faria, e a
criao da Secretaria da Fazenda, a cuja cabea foi
colocado Ramiro Barcelos, pouco depois substitudo, a
fim de assumir a Embaixada brasileira em Montevidu.
Desde o incio, o Governo Provisrio do Vis-
conde sofreu freqentes confrontos entre o velho
Marechal e seus secretrios. Existia uma oposio
inevitvel entre os republicanos, que tinham como meta
deixar sem base poltica os seguidores de Gaspar da
Silveira, e o prprio Marechal, que havia sido um deles
e que procurava solues conciliatrias entre repu-
blicanos e liberais. Talvez por essa razo Castilhos e os
outros secretrios de Governo procuraram d iminuir os
poderes do Governador. Prova disto o Ato n 12, de 14
de dezembro de 1889,(23)
que transferia para o chefe da
polcia a atribuio de exonerar, dispensar, demitir e
nomear os delegados, subdelegados e respectivos
suplentes. A polcia, segundo a legislao ento vigente,
constitua um forte poder coercitivo, poltica e
socialmente. O cargo de delegado de policia se revestia
de tamanha importncia, que caudilhos como Gumer -
cindo Saraiva e Juca Tigre, que se fizeram famosos na
revoluo federalista de 93, foram delegados de polcia
demitidos pelos republicanos.
Castilhos deixou sua marca no Ato n 31, vigente
no final de 1889, atravs do qual se institua a Guarda
-
56
Cvica, com toda uma estruturao militar em subs -
tituio antiga Fora Policial da Provncia. A Guar-
da Cvica converter-se-ia depois na Brigada Militar,
utilizada por Castilhos para reprimir a insurreio
federalista. Aparece tambm sua influncia no Ato
Adicional de 21 de dezembro de 1889,(24)
que introduziu
modificaes na lei oramentria para 1890, ao definir
rumos para moralizar o servio pblico e ao procurar
modificar o sistema tributrio, assim como criar um
servio estatstico e reduzir o pessoal da prpria
secretaria do Estado. No mencionado Ato l -se que:
No se pode conceber a possibilidade de
administrar um pas sem dados estatsticos, pois que, sem
eles, tudo feito arbitrariamente, sem fundamento, sem
critrio e com grave prejuzo para o povo, que a vtima
dos atos levianos dos que governam sem doutrina e dos que
administram por vagas inspiraes, sem dados positivos em
relao aos diversos ramos do servio pblico.
Vemos aqui, nitidamente, a preocupao positi-
vista de viver s claras.
A propsito das vantagens que os republicanos
obtiveram durante o Governo Provisrio do Visconde de
Pelotas, Mcio Teixeira diz que:(25)
(...) o pseudogoverno do Sr. Visconde de Pelotas
no foi mais do que um mero pseudnimo de que os
chefes republicanos rio-grandenses se serviam, para
organizar definit ivamente o seu partido.
E a seguir afirma:(26)
Como simples editor responsvel de todos os
atos de Jlio de Castilhos, o Visconde apenas assinava -
-
57
os de cruz, na manifesta incompetncia moral e
intelectual de reconhecer-lhes, ao menos, o seu alcance
poltico.
O Governo do Visconde no durou trs meses. A
designao de Aquiles Porto Alegre para o cargo de
Inspetor da Alfndega do Rio Grande desagradou
seriamente cpula republicana. Como Pelotas man-
tivesse a nomeao, Castilhos e um grande nmero de
funcionrios republicanos pediram sua exonerao. O
Visconde submeteu a questo ao Governo Provisrio, o
qual, por Decreto do dia 9 de fevereiro, nomeou
Castilhos Governador do Estado. Num maquiavlico
lance, julgando que Pelotas ainda tinha simpatias no
meio militar, Castilhos declinou do cargo e indicou
outro militar, o General Jlio Anacleto Falco da Frota,
que foi efetivamente empossado, sendo o prprio
Castilhos designado Primeiro Vice-Governador e Anto
de Faria segundo Vice. O novo Governador tomou posse
a 11 de fevereiro de 1890. Costa Franco conclui a este
respeito:(27)
Continuariam, portanto, os republicanos no do -
mnio das posies conquistadas, eis que voltaram todos
ao exerccio das funes de que se haviam demitido.
Estava superada vitoriosamente para Jlio de Castilhos a
primeira crise de sua crescente hegemonia.
Atitude de Castilhos perante os liberais
Detenhamo-nos um momento para observar de
perto as relaes de Castilhos com seus adversrios
-
58
liberais. Depois do golpe de 15 de novembro, no se
fizeram esperar os pronunciamentos dos lderes liberais.
O matutino liberal A Reforma publicou o primeiro
comunicado oficial dos partidrios de Silveira Martins a
19 de novembro, assinado pelos prceres Joaquim Pedro
Salgado, Joaquim Antnio Vasques e Joaquim Pedro
Soares, fato que levou a identificar o documento como
Manifesto dos 3 Joaquins. Eis o seu teor:
O Partido Liberal sujeita-se fora do fato
consumado, no patritico empenho de evitar uma luta
civil. (O grifo nosso.)
O Partido Liberal constitui a maioria da
Provnc ia; uma fora e como tal deve ser respeitado.
Castilhos e os republicanos, segundo diz Costa
Franco, no estavam para transigncias, nem dis -
postos a aceitar a poltica de mo estendida dos adver -
srios. Castilhos justificava, no dia 20 de novembro, a
priso de Silveira Martins por parte do Governo da
Repblica, concluindo nestes termos:
Pelo amor da nossa cara Ptria Rio -Grandense,
no tomeis por fraqueza a prudncia e moderao do
Governo Revolucionrio; nesta hora suprema,
esquecemos o fanatismo dos homens pela religio do
dever; a bandeira branca da paz e do amor flutua desde
o dia 15, acenando ao patriotismo rio-grandense; ai de
quem tentar, sequer, manch-la de sangue:
No podemos dizer o que ser maior: se a nossa
tolerncia de hoje, se a clera irreprimvel com que
castigaremos os criminosos, SEJAM ELES QUAIS
FOREM. (Maisculas do prprio Castilhos).
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59
E refutava assim, no dia seguinte, o Manifesto
dos 3 Joaquins:
Um partido que comparece, como o liberal, no
teatro da luta, certamente para disputar o poder; a
misso do poder atualmente reorg