castilhismo

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  1 Edições do Senado Federal    Vol. 145 CASTILHISMO: UMA FILOSOFIA DA REPÚBLICA Ricardo Vélez Rodríguez Brasília    2010

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Livro sobre a doutrina política de Júlio de Castilhos.

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  • 1

    Edies do Senado Federal Vol. 145

    CASTILHISMO:

    UMA FILOSOFIA DA

    REPBLICA

    Ricardo Vlez Rodrguez

    Braslia 2010

  • 2

    S u m r i o

    APRESENTAO .......................................................................... 05

    INTRODUO ............................................................................... 17

    PRIMEIRA PARTE:

    VIDA E AO POLTICA DE JLIO DE CASTILHOS,

    BORGES DE MEDEIROS, PINHEIRO MACHADO

    E GETLIO VARGAS .................................................................... 29

    CAPTULO I

    Jlio de Castilhos (1860-1903) ......................................................... 30

    1. Perodo de formao e atividades polticas anteriores

    ao desempenho do cargo de Presidente do Estado do

    Rio Grande do Sul (1860-1891) ........................................................ 30

    2. Perodo compreendido entre a ascenso ao poder e o trmino

    legal do mandato de Castilhos (1891-1898) ....................................... 76

    3. Perodo compreendido entre o fim do mandato presidencial

    e a morte (1898-1903) ...................................................................... 100

    CAPTULO II

    Borges de Medeiros (1863-1961) ...................................................... 109

    CAPTULO III

    Pinheiro Machado (1851-1915) ........................................................ 114

    CAPTULO IV

    Getlio Vargas (1883-1954) ............................................................. 120

    SEGUNDA PARTE:

    A DOUTRINA CASTILHISTA ....................................................... 124

  • 3

    CAPTULO V

    Idias bsicas da filosofia poltica de inspirao positivista ............... 125

    1. O equilbrio entre as diferentes ordens de interesses, elemento

    fundamental na organizao da sociedade, segundo a Filosofia

    Poltica Liberal de Silvestre Pinheiro Ferreira ................................... 125

    2. A moralizao dos indivduos atravs da educao positiva,

    elemento fundamental na organizao da sociedade segundo a

    filosofia de Augusto Comte e o Positivismo Ilustrado

    de Pereira Barreto ............................................................................. 128

    3. A moralizao dos indivduos atravs da tutela do Estado,

    elemento fundamental na organizao da sociedade segundo a

    filosofia poltica castilhista ............................................................... 133

    CAPTULO VI

    A Pureza de intenes, pr-requisito moral

    de todo governante ........................................................................... 135

    CAPTULO VII

    O bem pblico interpretado como o reino da virtude,

    na tradio castilhista ....................................................................... 150

    CAPTULO VIII

    O exerccio da tutela moralizadora do Estado sobre a sociedade,

    segundo a tradio castilhista ............................................................ 173

    CAPTULO IX

    O conservadorismo castilhista .......................................................... 214

    TERCEIRA PARTE:

    IDIAS POLTICAS BSICAS DO LIBERALISMO E

    CRTICA LIBERAL AO CASTILHISMO ....................................... 225

    CAPTULO X

    Os liberais anticastilhistas ................................................................. 226

  • 4

    CAPTULO XI

    O governo representativo segundo o pensamento liberal .................... 232

    CAPTULO XII

    A crtica liberal ao castilhismo .......................................................... 264

    QUARTA PARTE:

    A HERANA DO CASTILHISMO ................................................. 278

    CAPTULO XIII

    Antnio Chimango e a ditadura castilhista ........................................ 279

    CAPTULO XIV

    Getlio Vargas, parlamentar ............................................................. 310

    CAPTULO XV

    Getlio Vargas, o castilhismo e o estado Novo .................................. 337

    CONCLUSO ................................................................................. 375

    BIBLIOGRAFIA ............................................................................. 383

  • 5

    APRESENTAO

    Ricardo Vlez Rodrguez veio ao Brasil no incio

    da dcada de setenta a fim de realizar curso de ps-

    graduao (mestrado) em filosofia. Na poca era um

    jovem professor universitrio em Medelln, Colmbia

    (estava ento com menos de 30 anos, tendo nascido em

    1943). Numa seleo rigorosa, obtivera bolsa da OEA.

    O chefe do Departamento de Filosofia daquela ins-

    tituio era um brasileiro (Armando Correia Pacheco),

    que pretendia estimular o intercmbio latino-americano

    e imaginava que podia faz-lo no curso que estava

    organizando, dedicado filosofia brasileira. Acontece

    que essa inteno conflitava abertamente com o nosso

    projeto, que era um dos legados de Lus Washington

    Vita, recm-falecido (1968) e empenho pessoal do prof.

    Miguel Reale, entendendo que aquela era uma das

    misses importantes do Instituto Brasileiro de Filosofia.

    De modo que o jovem Ricardo viu-se constrangido a

    arquivar os sonhos de intercmbio e estudar filosofia

    brasileira.

    Entendendo que as filosofias nacionais eram

    fenmenos da poca Moderna e, nesta, a grande novi -

    dade consistia na nova perspectiva filosfica

    estruturada por Kant, comevamos por esse filsofo,

    na suposio de que seria mal estudado na graduao.

    O curso pressupunha tambm alguma familiaridade com

  • 6

    o empirismo e com o positivismo. Aqui montamos a

    anlise sistemtica da obra de Comte, na esperana de

    que muitas das vertentes estruturadas no Brasil

    correspondessem a um dos momentos de sua evoluo.

    Tudo isto antes de nos lanarmos abordagem dos

    temas especficos da filosofia brasileira, a partir das

    reformas pombalinas e da adeso ao que se con-

    vencionou denominar de empirismo mit igado. V-se que

    o bolsista Ricardo Vlez andava muito ocupado e, de

    minha parte, no lhe dava trguas, embora tivesse

    verificado que dispunha de excelente formao hu-

    manista, com grande conhecimento da cultura greco-

    romana, domnio do grego e do latim, alm de

    familiaridade com a escolstica espanhola.

    O projeto de investigao do positivismo no

    Brasil ia sendo delineado simultaneamente. Adotou-se

    uma regra geral que compreendia determinar em que

    consistia a filosofia da cincia de inspirao posi -

    tivista; a filosofia da educao; a filosofia poltica, etc.

    Ricardo interessou-se pelo tema da poltica. Procurei

    francamente desestimul-lo. Inexistia qualquer inven-

    trio. No caso de uma figura que seria central Jlio

    de Castilhos , deixara poucos escritos, requerendo o

    seu estudo pesquisa em jornais da poca, nos quais

    colaborara ao longo da vida, e levantamento da

    legislao que elaborara diretamente e na qual

    consubstanciara seu entendimento do que seria o regime

    positivista. Alm do mais, iria exigir de quem se

    lanasse tarefa, que estudasse diretamente os

    principais autores liberais, desde que a proposta

  • 7

    comtiana destinava-se a substituir o sistema repre-

    sentativo. A bolsa de que dispunha no podia ser

    prorrogada para abranger o prazo que seria necessrio.

    Teimosamente o jovem colombiano recusou todas as

    ponderaes e lanou-se tarefa, o que nos permitiu

    constatar sua capacidade de pesquisa e facilidade de

    escrever. Em fins de 1973 apresentava-nos dois grossos

    volumes sob o ttulo geral de A filosofia poltica de

    inspirao positivista: o castilhismo . Tratando-se de

    novidade absoluta, teve que anexar os documentos de

    que se louvava para formular a sua tese de mestrado,

    aprovada com entusiasmo pela banca ento constituda.

    Como mais adiante a situao na Colmbia

    deteriorou-se francamente, sobretudo em Medelln,

    Ricardo Vlez decidiu radica-se no Brasil, tendo obtido

    recentemente a nacionalidade brasileira. Aps esse

    retorno nos fins dos anos setenta, foi pesquisador da

    Sociedade Convvio, em So Paulo, e professor na

    Universidade Estadual de Londrina, tornando-se sub-

    seqentemente membro do Corpo Docente da Ps-

    Graduao em Filosofia da Universidade Gama Filho,

    no Rio de Janeiro, onde conclura o doutorado no incio

    da dcada de oitenta e permanece at hoje. Nos poucos

    mais de 25 anos desde a defesa da tese de mestrado,

    produziu obra notvel, dedicada ao pensamento poltico

    latino-americano, de um modo geral, e brasileiro, em

    particular, doutrina liberal (sua obra recente sobre

    Tocqueville vem alcanado merecido sucesso editorial)

    e s humanidades (integra o grupo de professores que

    organizou o Instituto de Humanidades, com o propsito

  • 8

    de recuperar a tradio humanista, abandonada pelo

    nosso sistema de ensino). Mas tratou simultaneamente

    de dar feio acabada ao seu estudo sobre o

    castilhismo, publicando, em 1980, Castilhismo: uma

    filosofia da Repblica . este livro, revisto e ampliado,

    que em boa hora o Conselho Editorial do Senado

    Federal decidiu incluir na Coleo Biblioteca Bsica

    Brasileira.

    O ESSENCIAL NO CASTILHISMO,

    NA VISO DE VLEZ

    Como nos mostra Ricardo Vlez ao longo de seu

    magnfico estudo, o castilhismo no corresponde a uma

    transposio mecnica da doutrina poltica de Comte.

    Jlio de Castilhos terminou a Faculdade de Direito de

    So Paulo muito jovem, em 1881, quando tinha apenas

    21 anos de idade, formando seu esprito segundo os

    cnones positivistas. Comea na dcada anterior a

    difuso da sociologia de Comte, antes conhecido,

    sobretudo, como matemtico na Real Academia Militar.

    Segundo aquela sociologia, a evoluo social era

    determinada e previsvel. Preparar o advento do estado

    positivo, etapa final da humanidade, seria obra de uns

    quantos apstolos, mestres de uma nova Igreja,

    profundos conhecedores da cincia. Nessa obra, a

    famlia tem igualmente lugar de destaque, sobretudo as

    mulheres. O novo sistema poltico ser uma ditadura

    republicana.

    Da doutrina de Comte, Castilhos retirou a idia

  • 9

    bsica de que o governo passava a ser uma questo de

    competncia (em vez de vir de Deus, como imaginavam

    alguns monarcas, ou da representao, como ensinou

    Locke e, entre ns, Silvestre Pinheiro Ferreira e os

    grandes artfices do Segundo Reinado, o poder vem do

    saber). Ora, se estou de posse desse saber, porque

    preciso passar a fase do que entre ns chamou-se de

    positivismo pedaggico ou ilustrado, isto , de algo que

    poderia ser denominado de educao das cons-

    cincias como etapa prvia implantao do estado

    positivo? Esprito prtico, dotado de grande poder de

    liderana, combativo, tenaz e obstinado, Castilhos

    decidiu-se por uma experincia original: utilizar o

    poder poltico para transformar a sociedade, ao invs

    de esperar pela transformao deste e s ento marchar

    na direo do regime perfeito. Em sntese optou por

    exercer diretamente a tutela da sociedade.

    Ricardo Vlez assim caracteriza o essencial no

    castilhismo: enquanto para o pensamento liberal o

    bem pblico resultava da preservao dos interesses

    dos indivduos que abrangiam basicamente a pro-

    priedade privada e a liberdade de intercmbio, bem

    como as chamadas liberdades civis, para Castilhos e

    bem pblico ultrapassava os limites dos interesses

    materiais dos indivduos, para tornar-se impessoal e

    espiritual. O bem pblico se d na sociedade mo-

    ralizada por um Estado forte, que impe o desinteresse

    individual em benefcio do bem-estar da coletividade.

    Assim, a funo estatal passa a ser moralizar a

    sociedade, torn-la virtuosa, na acepo positivista do

  • 10

    termo. Nesse contexto, o interesse pessoal constitui

    pura e simples imoralidade.

    A experincia da aplicao do plano de do-

    minao mundial dos russos, atravs do Estado

    Sovitico, deixa-nos desconfiado de catilinria do tipo

    da utilizada por Castilhos pelo fato de que discurso

    assemelhado foi utilizado cinicamente por toda espcie

    de capachos dos soviticos, no Leste Europeu, e de

    sobas africanos e gentalha dessa espcie em outras

    reas do mundo. Devido a essa circunstncia, Vlez

    adverte quanto integridade moral de Castilhos.

    Entendia estar devotado a uma causa maior e no ao

    exerccio de uma ditadura em benefcio prprio.

    Porque de ditadura se tratava. A Constituio

    rio-grandense foi escrita solitariamente por Castilhos.

    E, do prprio punho, elaborou a legislao comple-

    mentar requerida pelo funcionamento do novo Estado,

    que nada tinha a ver com a Constituio de 91.

    Vlez transcreve esta caracterizao do novo

    regime, de documento presumivelmente inspirado por

    Castilhos: Este Cdigo Poltico, promulgado a 14 de

    julho de 1891, em nome da Famlia, da Ptria e da

    Humanidade, estabelece a separao dos dois poderes,

    temporal e espiritual, de acordo com o princpio capital

    da poltica moderna, isto , da poltica fundada na

    cincia. Como conseqncia disso, a liberdade reli -

    giosa, de profisso e a liberdade de indstria, acham-se

    nela plenamente asseguradas.

    No h parlamento: o governo rene funo

    administrativa a chamada legislativa, decretando as

  • 11

    leis, porm aps exposio pblica dos respectivos

    projetos, nos quais podem assim colaborar todos os

    cidados.

    A Assemblia simplesmente oramentria,

    para a votao dos crditos financeiros e exame das

    aplicaes da rendas pblicas.

    O governo acha-se, em virtude de tais dis-

    posies, investido de uma grande soma de poderes, de

    acordo com o regime republicano, de plena confiana e

    inteira responsabilidade, o que permite-lhe realizar a

    conciliao da fora com a liberdade e a ordem,

    conforme as aspiraes e os exemplos dos Dantons, dos

    Hobbes e dos Fredericos.

    E assim comea no Brasil republicano a tra-

    jetria da variante mais expressiva do autoritarismo

    doutrinrio. A Repblica Velha institucionalizou prtica

    autoritria, preservada, entretanto, a fachada liberal

    desenhada pela Constituio de 91. O pas viveu sob

    constantes estados de stio, mas o Parlamento no foi

    dissolvido e at os aprovava. As eleies eram uma

    farsa, mas havia alternncia dos governantes no poder.

    O liberalismo nunca foi revogado como doutrina oficial

    e buscou-se mesmo exercit-lo em matria econmica.

    O castilhismo representa outro marco. Agora a prtica

    autoritria, consolidada o Rio Grande do Sul, est de

    posse de fundamentos doutrinrios plenamente con-

    figurados.

  • 12

    A PRTICA CASTILHISTA

    NO RIO GRANDE DO SUL

    Este livro reconstitui a experincia de estru-

    turao de uma repblica positivista no Rio Grande do

    Sul, ao longo de toda a Repblica Velha. Este seria feito

    de Borges de Medeiros (1863/1961). A caracterstica de

    seus interminveis governos, segundo Joo Neves da

    Fontoura, residiu principalmente no sentido moral

    com que administrou o Rio Grande, onde cr iou e

    manteve um padro de decncia, de limpeza, de retido,

    de autntica moral poltica. Louva-se da tese, da lavra

    de Castilhos, segundo a qual a falncia da sociedade

    liberal consistia em basear-se nas transaes empricas,

    fruto exclusivo da procura dos interesses materiais.

    Ricardo Vlez resume neste conjunto de prin-

    cpios as regras norteadoras da prtica castilhista:

    1) A pureza das intenes, pr-requisito moral

    de todo governante;

    2) O bem pblico interpretado como reino da

    virtude; e,

    3) O exerccio da tutela moralizadora do Estado

    sobre a sociedade.

    No entendimento de Vlez, desse conjunto resulta

    uma poltica de ndole conservadora. Esclarece deste

    modo tal ponto de vista: justamente nesta reao

    antiindividualista e antimaterialis ta do castilhismo onde

    podemos descobrir um dos traos mais significativos,

    que o tornam uma filosofia poltica conservadora. Ao

    estabelecer, como ponto de partida, que a racionalidade

  • 13

    da sociedade encarna-se no na projeo da razo

    individual, nos moldes do liberalismo, o castilhismo

    nada mais fazia do que situar-se ao lado das mltiplas

    reaes conservadoras. Ao propugnar por uma

    sociedade moralizadora em torno a ideais espirituais,

    em aberta rejeio ao regime de negociaes entre

    interesses materiais conseguido pelo sistema liberal,

    Castilhos procurava uma volta inconsciente, talvez

    a uma sociedade de tipo feudal, na qual o mvel

    inspirador dos cidados fosse a procura da virtude.

    Tanto na sua rejeio razo individual, como no seu

    desprezo pelo interesse material, Castilhos con-

    servador, justamente ao propugnar em ambos os casos

    por uma volta ao passado pr-liberal. E esta, sem

    dvida nenhuma, como o tem demonstrado claramente

    Mannheim, uma das caractersticas fundamentais da

    atitude conservadora.

    Vlez Rodrguez inventaria, igualmente, a crtica

    liberal ao castilhismo em sua prpria poca,

    notadamente aquela devida a Silveira Martins e a Assis

    Brasil.

    Devido ao carter francamente fraudulento,

    mesmo nos termos da Constituio castilhista, da re-

    eleio de Borges em 1923, estourou no estado uma

    guerra civil, exigindo interveno do governo federal. A

    pacificao do Rio Grande imps uma reforma da

    Constituio de 91 para obrigar os estados

    obedincia forma de governo ali fixada. Essa reforma

    teve lugar em 1926.

    Chegava ao fim o ciclo das reeleies de Borges

  • 14

    de Medeiros, mas a experincia acumulada permitiu sua

    transposio ao plano nacional, logo adiante.

    VARGAS E O CASTILHISMO

    Outra grande contribuio de Ricardo Vlez

    Rodrguez adequada compreenso do pensamento

    poltico republicano, na investigao pioneira que

    efetivou do castilhismo, consiste em ter estabelecido a

    filiao de Vargas quela doutrina.

    As primeiras tentativas de transposio do

    castilhismo ao plano nacional seriam devidas a

    Pinheiro Machado (1851/1915). Essa personalidade

    ocupa um lugar de destaque nesta obra, como ver o

    leitor. Contudo, no seria bem sucedido.

    Como nos mostra Vlez, Vargas formou seu

    esprito na repblica positivista do Rio Grande do Sul.

    Quando veio para o Rio de Janeiro no exerccio de

    atividade parlamentar achava-se perfeitamente en-

    quadrado no jargo positivista, vigente em sua terra

    natal. Comte para ele o genial filsofo de

    Montpellier. Reconhece ser o regime sul-rio-grandense

    centralizador e rigorosamente alicerado num Exe-

    cutivo forte, no entanto era expresso da cincia

    social. E assim por diante, conforme se pode ver do

    captulo dedicado ao tema (Captulo IX Getlio

    Vargas, parlamentar).

    Vlez atribui particular importncia quela

    passagem de Vargas pelo Parlamento, por lhe ter

    proporcionado uma viso nacional dos problemas

  • 15

    brasileiros. Registra tambm que nessa fase que toma

    contato com a obra de Oliveira Viana.

    A NATUREZA PROFUNDA

    DO CASTILHISMO

    Vlez Rodrguez discute se seria legtimo iden-

    tificar o castilhismo com o totalitarismo. Parece-lhe que

    seria inapropriado, mas no recusa a aproximao

    entre os dois modelos. A esse propsito escreve:

    Embora encontremos no castilhismo vrios aspectos

    que o aproximam do sistema totalitrio, no podemos

    propriamente caracteriz-lo como tal. O totalitarismo

    supe um avano tecnolgico e uma sistematizao

    somente observados em condies especiais, como as

    que favoreceram o surgimento das ditaduras sovitica

    ou hitlerista. Isto no impede a afirmao de que o

    castilhismo, como todo sistema autocrtico de governo,

    est prximo do totalitarismo e, o que mais

    importante para o nosso propsito, nutre-se da mesma

    viso filosfica do homem e da sociedade.

    Transcrevo a sua concluso: O autocratismo

    castilhista no entrou em jogo ao acaso ou como

    simples transposio de uma teoria estrangeira.

    Preencheu um vazio no pensamento da elite dirigente

    brasileira, desobrigando-a da m conscincia de haver

    contestado radicalmente a monarquia, sem dar soluo

    ao problema fundamental colocado por ela: a re-

    presentao. Ao instituir a tutela e a cooptao como

    base da ordem social e poltica, ao mesmo tempo em

  • 16

    que dava nova elite um bom argumento para se

    perpetuar no poder, Castilhos exonerava-a dos freios

    morais e polticos da sociedade liberal, expressados no

    parlamento e nas liberdades. De um universo moral e

    social baseado na autoconscincia e na responsa-

    bilidade do indivduo, passou-se a uma nova ordem

    fundada na entidade annima da coletividade, com srio

    detrimento para a afirmao da pessoa. Tinha-se dado

    um passo atrs no esclarecimento alcanado pela

    conscincia brasileira durante o Imprio, acerca da

    liberdade e da representao.

    Rio de Janeiro, dezembro de 1999.

    Antnio Paim

  • 17

    INTRODUO

    A idia da representatividade pode ser con-

    siderada como a mais caracterstica do liberalismo

    poltico, sintetizado inicialmente por Locke (1632-1704)

    no seu Segundo Tratado sobre o Governo,(1)

    espe-

    cialmente. O legislativo, para Locke, co nstitui o poder

    poltico fundamental no governo, devendo ser formado

    por representantes dos proprietrios, competindo-lhe a

    funo de legislar. Os outros poderes (executivo, fe -

    derativo e judicial), segundo ele, devem, respecti-

    vamente, fazer cumprir as leis no interior do prprio

    pas e com relao aos outros, e reprimir a inob-

    servncia das mesmas. O sentido fundamental da

    comunidade poltica e das leis que dela emanam

    proteger os interesses dos indivduos que, atravs do

    trabalho, se apropriaram dos bens materiais. Com

    relao organizao poltica, h um ponto que salta

    vista na obra do pensador ingls: a preocupao por

    aperfeioar os mecanismos condizentes a um exerccio

    autntico da representao. Prova clara a Constituio

    que Locke redigiu para a colnia de Carolina do

    Norte,(2)

    na qual d normas precisas, minuciosas at

    saciedade, para regulamentar a representao dos

    proprietrios no exerccio do governo. A preocupao li-

    beral bsica, porm, aparece mais viva no processo

    histrico que origina, na Inglaterra, o parlamento e seu

    desenvolvimento, durante os sculos XVII e XVIII.

  • 18

    As idias de Locke penetram no panorama

    cultural luso-brasileiro durante o sculo XVIII, a partir

    da reforma pombalina, sendo Verney (1713-1792) o

    principal canal de comunicao. Porm, s na segunda

    dcada do sculo XIX aparece no campo da filosofia

    poltica uma sistematizao visando adaptar o libe -

    ralismo lockeano peculiarssima estrutura da monar-

    quia portuguesa: trata-se do trabalho realizado por

    Silvestre Pinheiro Ferreira (1769/1846) para, com ele,

    cumprir a misso encomendada por D. Joo VI, de

    transformar a monarquia absoluta em constitucional.

    Efetivamente, o ilustre pensador lusitano elabora um

    sistema poltico de monarquia constitucional, no qual

    adota a idia fundamental do sistema liberal concebido

    por Locke, ou seja, a idia da representao. Assume,

    ainda, os elementos tradicionais susceptveis de serem

    conservados para conseguir a estabilidade poltica.

    Deste modo, Silvestre Pinheiro Ferreira concebeu as

    formas adequadas de colaborao entre a monarquia e as

    cortes, no exerccio do poder legislativo. A presena de

    um poltico da tmpera de Pinheiro Ferreira e a

    consagrao do princpio da monarquia constitucional

    na Constituio Imperial de 1824 criaram um plo

    positivo, acima do processo de radicalizao poltica em

    curso, fornecendo o elemento orientador do amplo

    debate que animou a elite ao longo de aproximadamente

    trs decnios. Dele resultaria o consenso acerca da

    aceitao da idia liberal, luz da qual seriam con-

    cebidas as instituies que deram ao pas, com o

    Segundo Reinado, seu mais longo perodo de esta-

  • 19

    bilidade poltica. O sistema que elaboraram os estadistas

    brasileiros foi fruto da crtica e da experimentao,

    possuindo como preocupao fundamental o aperfei-

    oamento da representao. Dentro deste contexto

    explica-se a idia do poder moderador como re-

    presentativo da tradio nacional, encarnando, portanto,

    os interesses permanentes do povo, cuja representao

    no campo dos interesses cambiantes estava assegurada

    pelo parlamento.

    Com a chegada da Repblica, aparece a filosofia

    poltica de inspirao positivista, que em seus pontos

    fundamentais se ope filosofia poltica de inspirao

    liberal, predominante durante o Imprio. A filosofia

    poltica positivista baseia-se no pressuposto de que a

    sociedade caminha inexoravelmente rumo estruturao

    racional. Esta convico e os meios necessrios para a

    sua realizao so alcanados mediante o cultivo da

    cincia social. Ante tal formulao, so po ssveis duas

    alternativas: ou empenhar-se na educao dos espritos

    para que o regime positivo se instaure como fruto de um

    esclarecimento, ou simplesmente impor a organizao

    positiva da sociedade por parte da maioria esclarecida.

    Sustentou a primeira atitude, principalmente, Pereira

    Barreto (1840-1923), o que corresponde ao chamado

    positivismo ilustrado; a segunda foi a alternativa de

    Jlio de Castilhos (1860-1903), seguido por Borges de

    Medeiros (1864-1961), no Rio Grande do Sul, e por

    Pinheiro Machado (1851-1915) e Getlio Vargas (1883-

    1954), a nvel nacional. Esta ltima foi a verso da

  • 20

    filosofia poltica de inspirao positivista que preva-

    leceu, cujas repercusses se fazem sentir ainda hoje.

    Pretendemos nesta obra caracterizar o castilhismo

    como uma filosofia poltica que, inspirando-se no po-

    sitivismo, substituiu a idia liberal do equilbrio entre as

    diferentes ordens de interesses, como elemento fun-

    damental na organizao da sociedade, pela idia da

    moralizao dos indivduos atravs da tutela do Estado.

    Para a filosofia poltica castilhista, como para todo o

    pensamento positivista, a falncia da sociedade liberal

    consistia em basear-se nas transaes empricas, fruto

    da procura dos interesses materiais. As crticas dos

    castilhistas aos liberais brasileiros inspiram-se neste

    ponto. A polmica sustentada por Castilhos no Con-

    gresso Constituinte (1891) exemplo ilustrativo: o lder

    gacho propunha ao Congresso Constituinte a ins tau-

    rao de um regime moralizador, baseado no na

    preservao de srdidos interesses materiais, mas

    fundado nas virtudes republicanas. Como a proposta no

    foi ouvida pelos constituintes, decidiu encarnar sua

    idia no governo do Rio Grande do Sul, e o conseguiu,

    com a elaborao e a prtica da Constituio Estadual

    de 14 de julho de 1891, que perpetuar-se-ia no Rio

    Grande at 1930. Poderamos sintetizar o confronto do

    pensamento castilhista com a filosofia liberal, nos

    seguintes termos: enquanto Locke e seus seguidores

    brasileiros cuidavam apenas de conceber e organizar

    instituies capazes de permitir o jogo e a barganha dos

    interesses, sem recurso guerra civil (caracterstica

    tanto do perodo que precedeu ao Bill of Rights como do

  • 21

    que antecedeu ao Segundo Reinado), ou melhor, tinham

    como propsito uma sociedade real, Castilhos tinha a

    meta da sociedade ideal e como a Constituinte recusou

    sua mensagem, cuidou de estabelecer no Rio Grande um

    verdadeiro prottipo.

    Em contraposio caracterizao do governante

    na filosofia poltica de Silvestre Pinheiro Ferreira,

    segundo a qual os membros do Congresso, formando o

    organismo mximo do governo, deviam saber re -

    presentar corretamente os interesses dos respectivos

    grupos ou classes, Jlio de Castilhos pe como condio

    fundamental do governante a absoluta pureza de

    intenes, que se traduz no desinteresse material. A

    moralidade ser a nota primordial do governante e

    caracterizada, pela tradio castilhista, como ima -

    culada pureza de intenes. Somente assim poder o

    dirigente da sociedade adquirir a capacidade para per -

    ceber, cientificamente, qual o sentido da racionalidade

    social, que se revela, como j o tinha salientado Comte,

    unicamente perante as mentes livres dos prejuzos

    teolgicos e metafsicos.

    Em torno destes conceitos estrutura-se o de bem

    pblico para a tradio castilhista. Para os pensadores

    liberais, o bem pblico resultava da conciliao dos

    interesses individuais que se concretizavam no Par -

    lamento, como organismo representativo dos men-

    cionados interesses. Para Castilhos, o bem pblico s

    poderia encontrar-se onde se achasse a essncia mesma

    da sociedade ideal, que ele entendia, como j foi

    mostrado, em termos de reinado da virtude. O bem

  • 22

    pblico confunde-se, para o castilhismo, com a

    imposio, por parte do governante esclarecido, de um

    governo moralizante, que fortalea o Estado em

    detrimento dos egostas interesses individuais e que zele

    pela educao cvica dos cidados, origem de toda moral

    social. H, portanto, no castilhismo, a suposio de que

    esta acepo de bem pblico goza de uma situao

    privilegiada em face das outras posies, como a liberal

    por exemplo. A novidade em Castilhos consiste na

    suposio de que h um ponto de vista privilegiado,

    aquele que se baseia numa cincia social que afirma ter

    descoberto o curso da humanidade, a sua marcha

    ascensorial (inelutvel, determinada) no sentido da

    positividade (sociedade no maculada pelo interesse

    porquanto equivale prpria instaurao da morali-

    dade). A crena na situao privilegiada de seu ponto de

    vista que explica o carter missionrio (sacerdotal) de

    que se revestiu o exerccio do seu governo e dos

    castilhistas.

    A fim de conseguir a moralizao da sociedade,

    segundo a mentalidade castilhista, o governante deve

    exercer a tutela social, para que se amolde procura do

    bem pblico na acepo de Castilhos. Tanto ele como os

    seus seguidores elaboraram os mecanismos consti-

    tucionais e legais adaptados instaurao da tutela

    moralizadora do Estado sobre a sociedade. No caso de

    Castilhos e Borges de Medeiros, tal empenho se refere

    ao Rio Grande do Sul, enquanto no caso de Pinheiro

    Machado e Getlio Vargas amplia-se a nvel nacional. O

    carter tutelar e hegemnico do Estado castilhista leva

  • 23

    os representantes desta corrente a rejeitar todo tipo de

    governo representativo como essencialmente anrquico.

    Ao supor que a racionalidade social no se

    encarna na projeo da razo individual, concretizada

    num rgo representativo de governo onde se estabelea

    o consenso entre os indivduos, como entendia o

    liberalismo, mas na obra moralizadora de um Estado

    autocrtico, o castilhismo se situa do lado das mltiplas

    reaes conservadoras que a partir da Revoluo

    Francesa condenavam as conquistas da ilustrao, no

    que respeita ao papel atribudo razo individual. E ao

    propugnar por uma sociedade moralizadora em torno a

    ideais, recusando o regime de negociaes entre

    interesses individuais, alcanado pelo sistema liberal, o

    castilhismo procurava uma volta sociedade feudal, na

    qual o mvel inspirador dos cidados era a procura da

    virtude. Nessa rejeio razo indiv idual, como no

    desprezo pelo interesse individual e material, reside o

    carter conservador do castilhismo, como teremos

    oportunidade de mostrar.

    A anlise doutrinria do castilhismo efetivada

    na segunda parte (Idias bsicas da filosofia poltica de

    inspirao positivista), a partir do pensamento de Jlio

    de Castilhos, Borges de Medeiros, Pinheiro Machado e

    Getlio Vargas, assim como nas idias polticas

    subjacentes legislao castilhista. Levando em conta a

    reao do castilhismo filosofia poltica liberal na

    sistematizao empreendida por Silvestre Pinheiro

    Ferreira e na prtica do perodo imperial, o captulo se

    inicia com uma breve sntese dessa problemtica,

  • 24

    seguida da indicao dos principais conceitos da

    filosofia poltica de Comte e de Pereira Barreto. Isto nos

    permitir salientar a novidade do pensamento castilhista

    em face do liberalismo, por um lado e, por outro, diante

    do comtismo e do positivismo ilustrado de Pereira

    Barreto.

    Essa anlise dos conceitos bsicos da polt ica

    castilhista ficaria assaz incompleta sem o estudo prvio,

    embora resumido, da vida e da obra poltica de seus

    representantes. Tal o objetivo da primeira parte (Vida

    e ao poltica de Jlio de Castilhos, Borges de

    Medeiros, Pinheiro Machado e Getlio Vargas).

    Estudar o pensamento de um terico da poltica

    tarefa relativamente fcil; basta ler suas obras mais

    representativas e delas fazer uma sntese. Tal no

    acontece quando o estudioso pretende se aproximar do

    pensamento de um homem de ao. Nesse caso, o

    historiador das idias depara-se com uma obra poltica

    alicerada fundamentalmente em fatos e instituies.

    Alm disso, o material com que tem que lidar no se

    compe de idias sistematizadas. Isso nos sucede ao

    pretender estudar o pensamento poltico de Jlio de

    Castilhos.

    Castilhos no foi um terico da poltica. Foi mais

    um poltico. E um poltico que deu incio a um modus

    agendi e a uma conceituao muito pessoais sobre o

    exerccio do poder. Teve, certo, uma agitada vida

    jornalstica e escreveu a Constituio do Rio Grande do

    Sul, ali vigente durante trs dcadas. Porm, tanto os

    seus escritos polmicos na imprensa, como a

  • 25

    Constituio de 14 de julho de 1891 e toda a sua obra

    legislativa em geral, so insuficientes em si mesmos, se

    no os projetarmos sobre o contexto de sua ao

    poltica. Como se ver mais adiante, as peculiaridades

    do autoritarismo castilhista no podem ser explicadas

    atravs de simples referncias filosofia de Augusto

    Comte. Castilhos inspirou-se nele, mas deu ao seu

    conceito de poltica traos inditos, fruto da sua

    personalidade e das condies concretas que viveu o

    Partido Republicano Histrico, na luta com a antiga

    elite dirigente sul-rio-grandense.

    Por esse motivo, no podamos deixar de estudar

    a vida e a obra poltica de Castilhos com certa

    profundidade. nosso propsito, na primeira parte,

    acompanhar a evoluo do lder republicano rio -

    grandense e a de seu partido, na ascenso ao poder e na

    consolidao da obra poltica. Pretendemos, ainda,

    medida que se estenda a exposio, mostrar o

    desenvolvimento do pensamento poltico castilhista. Na

    segunda parte, como j foi indicado, faremos uma

    sntese que unifique a conceituao poltica de Castilhos

    e dos castilhistas nos seus principais elementos, os quais

    devero aparecer, em natural disperso histrica, ao

    longo do estudo poltico-biogrfico.

    A necessidade de considerar a vida e ao polt ica

    de Castilhos para compreender suas idias polticas,

    aplica-se igualmente a Borges de Medeiros, Pinheiro

    Machado e Getlio Vargas. Todos eles, mais do que

    polticos tericos, foram homens de ao, que con-

    triburam para perpetuar, nos seus pontos fundamentais ,

  • 26

    a obra poltica do Patriarca gacho.(3)

    Pinheiro Ma-

    chado, em particular, alm de ser um homem totalmente

    projetado na ao, no costumava falar ou escrever

    sobre sua poltica e tinha como ele mesmo confessava

    o mau hbito de no guardar papis. Felizmente,

    contamos com o trabalho pioneiro, interpretativo da

    obra do gacho, seguindo-lhe pacientemente os passos

    ao longo da histria das primeiras dcadas da vida

    republicana no Brasil e avaliando sem preconceitos sua

    contribuio na agitada marcha da Repblica Velha.

    Trata-se da obra de Costa Porto, o livro intitulado:

    Pinheiro Machado e seu Tempo .

    Quanto s relaes do castilhismo com o

    positivismo, no pretendemos explicar a apario e

    posterior evoluo do primeiro na Repblica Velha

    mediante as idias de Comte (1798-1857), mas apenas

    indicar que estas serviram de elemento inspirador a

    Castilhos e aos seus discpulos, em sua formao e na

    elaborao da Carta de 14 de julho de 1891 e das leis

    orgnicas do Rio Grande. O castilhismo representa no

    s as teorizaes do Apostolado Positivista, mas as teve

    por base, adquirindo forma definida atravs de uma

    prtica autocrtica no exerccio do poder pol tico, ao

    longo de quatro decnios. O castilhismo ficaria carac-

    terizado dessa forma, segundo salienta Antnio Paim,

    como o ncleo antidemocrtico das idias de Comte,

    ajustado a uma experincia concreta.

    Por ltimo, tendo em conta que no Rio Grande se

    ops fortemente ao castilhismo uma filosofia poltica de

    inspirao liberal, cujos representantes foram Gaspar da

  • 27

    Silveira Martins (1834-1901) e Joaquim Francisco de

    Assis Brasil (1857-1938), esclareceremos na terceira

    parte os pontos essenciais de sua concepo poltica e

    de sua crtica ao regime castilhista. Os dois liberais

    gachos no foram, certamente, os nicos a criticar o

    sistema concebido por Castilhos, como teremos

    oportunidade de mostrar. Cabe salientar, desde logo, que

    a crtica liberal gacha ao castilhismo inferior ao que

    se poderia esperar, suposta a tradio liberal iniciada

    por Silvestre Pinheiro Ferreira. Os liberais da poca

    republicana limitam-se a uma crtica do ponto de vista

    do direito constitucional, sem abranger o castilhismo

    como filosofia poltica contraposta s melhores

    manifestaes da cultura brasileira, ao longo do sculo

    XIX. Contudo, os liberais gachos no deixam de se

    abeberar nas fontes do liberalismo anglo -americano, e

    de professar uma filosofia poltica liberal claramente

    reconhecvel. Para faz-lo sobressair, a anlise do seu

    pensamento precedida da sntese dos conceitos

    fundamentais do liberalismo de Locke e dos tericos

    americanos.

    As fontes consultadas foram, principalmente, a

    legislao sul-grandense entre 1891 e 1930, assim como

    os pronunciamentos dos lderes castilhistas neste mesmo

    perodo, a maior parte publicada em A Federao(4)

    de

    Porto Alegre. Por tratar-se, muitas vezes, de textos des-

    conhecidos ou de difcil acesso, permitimo -nos trans-

    crever alguns com certa amplitude, quando julgamos

    necessrio ilustrar melhor o pensamento castilhista.

  • 28

    Nesta segunda edio da nossa obra, inserimos

    uma quarta parte, destinada a estudar a herana do

    Castilhismo. Foram desenvolvidos os seguintes aspec -

    tos: Antonio Chimango e a ditadura castilhista

    (captulo XIII), Getlio Vargas, parlamentar (captulo

    XIV) e Getlio Vargas, o Castilhismo e o Estado

    Novo (captulo XV).

    Seja-nos permitida uma ltima observao: nosso

    trabalho apenas uma aproximao e uma tentativa de

    sntese bastante modesta sobre o pensamento castilhista.

    Conscientes da necessidade de delimitar nosso tema,

    no pretendemos, de maneira alguma, esgotar o

    pensamento castilhista, nem dar conta de todas as

    repercusses que o comtismo obteve no Brasil. Nossa

    pretenso consistiu, apenas, em precisar os conceitos

    bsicos da filosofia poltica de inspirao positivista,

    como configurao de um modelo de governo no -

    representativo.

    NOTAS DA INTRODUO

    (1) Locke, John. Segundo Tratado sobre o Governo. Ensaio

    relativo verdadeira origem, extenso e objetivo do governo

    civil. (Traduo de E. Jacy Monteiro). So Paulo, Abril Cultural,

    1973, 1 ed.

    (2) Locke, John. Constitutions fondamentales de la Caroline .

    (Intr., trad. e notas a cargo de Bernard Gilson) , Paris, Vrin, 1967.

    (3) Denominao dada a Castilhos pelos seus seguidores, no Rio

    Grande do Sul.

  • 29

    4) rgo do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR),

    dirigido por Castilhos.

    PRIMEIRA PARTE

    VIDA E AO POLTICA DE JLIO DE

    CASTILHOS, BORGES DE MEDEIROS,

    PINHEIRO MACHADO E GETLIO

    VARGAS

  • 30

    CAPTULO I

    Jlio de Castilhos (1860-1903)

    Para facilitar a exposio, desenvolvemos trs

    pontos, cada um abarcando um perodo da vida de

    Castilhos: 1. Perodo de formao e atividades polticas

    anteriores ao desempenho do cargo de Presidente do

    Estado do Rio Grande do Sul (1860-1891) 2. Perodo

    entre a ascenso ao poder e o trmino legal do mandato

    de Castilhos (1891-1898). 3. Perodo entre o fim do

    mandato presidencial e a morte (1898-1903).

    1. PERODO DE FORMAO E ATIVIDADES POLITICAS

    ANTERIORES AO DESEMPENHO DO CARGO DE PRESI -

    DENTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (1860-1891)

    Jlio de Castilhos nasceu na fazenda da Reserva,

    Rio Grande do Sul, em 1860. At o ano de 1877 recebeu

    a primeira etapa da formao em Porto Alegre.

    Salientando, com um pouco de exagero, o influxo que o

    meio social exerceu sobre Castilhos, Rubens de Bar -

    celos(1)

    diz que trs personagens influram, funda-

    mentalmente, nesta primeira formao: o pai e os

    mestres Apolinrio Porto Alegre e Ferreira Gomes, que

    infundiram-lhe a inquietude por estudar a problemtica

    da sociedade sul-rio-grandense luz das novas correntes

    culturais da Europa, assim como os ideais republicanos.

  • 31

    Em 1877 Castilhos ingressou na Academia de

    Direito de So Paulo. Sua atividade universitria era

    intensa; junto aos deveres acadmicos, o jovem

    estudante dedicava-se tambm ao jornalismo

    universitrio. Em 1879, aos 19 anos, iniciou a

    publicao de um jornal, A Evoluo, em colaborao

    com o futuro cunhado Assis Brasil, e Pereira da Costa,

    ambos rio-grandenses.

    O ambiente universitrio da poca, em So Paulo,

    era bastante agitado. Apesar do conservadorismo do

    sistema de ensino imperial, os estudantes que entravam

    nas faculdades de So Paulo e Recife abriam-se s novas

    correntes de pensamento; encontram eco entre eles as

    idias do materialismo vulgar e do positivismo. Era

    tema da atualidade o reformismo social e poltico. No

    Brasil, a questo religiosa abriu uma brecha entre os

    bispos e o poder civil, assim como entre a Maonaria e a

    Igreja, estimulando, desta forma, a difuso do agnos-

    ticismo e do atesmo. A corrente antiescravista forti-

    ficava-se cada vez mais e punha em perigo a estrutura

    semifeudal da economia agrria. A propaganda repu-

    blicana aumentava proporo que o Imprio

    envelhecia. Nas penses e repblicas de estudantes,

    conheciam-se autores como Littr, Gambetta, Laffitte,

    Castelar, etc. No raro aconteciam fortes discusses

    entre catlicos e livre-pensadores. Os poetas acadmicos

    tinham iniciado a ruptura com a era romntica. Chegava

    a vez do parnasianismo. Junto com Castilhos, ingres-

    saram na Faculdade de So Paulo espritos brilhantes,

    como Manuel Incio Carvalho de Mendona (pos-

  • 32

    teriormente notvel jurista de inspirao positivista), o

    poeta Tefilo Dias, Eduardo Prado e Valentim Maga-

    lhes Jnior.(2)

    A nota caracterstica desta poca o despertar do

    sentido crtico, que teve antecedentes na crtica ao

    ecletismo, realizada no contexto do que Silvio Romero

    chamou um bando de idias novas, que se projetou

    sobre a cultura brasileira de todos os pontos do ho-

    rizonte.(3)

    Convm salientar que neste perodo se situa a

    fundao, no Rio de Janeiro, da Sociedade Positivista.

    Surgiram as primeiras obras daqueles que mais tarde

    seriam, respectivamente, os chefes da Igreja Positivista

    e o iniciador do chamado Positivismo Ilustrado: Miguel

    Lemos, Teixeira Mendes e Pereira Barreto.

    Dentro de tal contexto podemos explicar o

    sucesso que obtiveram no meio estudantil as novas

    correntes de pensamento, entre as quais sobressaa,

    como vimos, o positivismo. Manuel Incio Carvalho de

    Mendona caracteriza assim a atrao desta filosofia no

    ambiente universitrio:(4)

    A cultura positiva fornecia

    mocidade republicana uma base slida e demonstrvel

    para suas crenas polticas. Em todas as escolas

    superiores do Pas formava-se paralelamente cincia

    oficial, uma cultura independente, a que a mocidade se

    dedicava com ardor como base e medida de sua ao

    poltica na vida real. O Governo Imperial conservou-se

    estranho a todo esse movimento e no favorecia seno a

    entourage pedantocrtica do ensino oficial.

    Em 1881, aos 21 anos de idade, Castilhos

    bacharelou-se em Direito, na Universidade de So

  • 33

    Paulo, e regressou a Porto Alegre. Desde o segundo

    semestre de 1880 dirigia A Repblica, rgo acadmico

    publicado em So Paulo, substituindo a Afonso Celso

    Jnior. Colaboravam na redao jovens que se tornariam

    ilustres, como Carvalho de Mendona, Pedro Lessa,

    Augusto de Lima e Oscar Pederneiras. Por esse tempo

    participou tambm do Clube Vinte de Setembro, cujos

    objetivos centrais, fixados pelos fundadores, os

    estudantes rio-grandenses da Universidade de So

    Paulo, eram o estudo da Revoluo Farroupilha e da

    histria sul-rio-grandense. So frutos deste crculo a

    Histria Popular de Rio Grande do Sul , de Alcides

    Lima, e a Histria da Repblica Rio-Grandense, de

    Assis Brasil, editadas em 1882.

    As condies econmicas de Castilhos eram as de

    um fazendeiro de situao mdia. Esta situao, sem

    dvida, permitiu-lhe combater severamente a aristo-

    cracia latifundiria no Rio Grande do Sul, durante o seu

    mandato.

    Personalidade

    Apesar de a personalidade de Castilhos mani-

    festar-se claramente ao se analisar sua obra, queremos

    chamar a ateno, de momento, para dois caracteres que

    se destacaram ao longo da sua vida acadmica e

    poltica: personalidade autoritria e pertinaz fidelidade

    ao programa traado de antemo. J aos 17 anos

    anuncia-se a sua crtica radical monarquia, posio

  • 34

    que sustentaria durante toda a vida. Em carta de 4 de

    janeiro de 1878 ao seu primo Tito Prates, diz:(5)

    O Ministrio foi ao cho, e antes da morte do

    Caxias. No se sabe ainda quem subir. Dizem por

    telegrama que provvel a ascenso dos liberais. Vo

    estes, depois duma campanha formidvel, substituir os

    seus iguais na mesa do oramento. sua nica ambio.

    Que leprosos!

    Simplesmente, nas convices de Castilhos, a

    monarquia no tinha nenhuma salvao. Havia chegado

    a esta concluso no tanto atravs de uma apurada

    anlise do Imprio, mas devido a este no se ajustar ao

    esquema autoritrio de sociedade que j ento o

    empolgava. Podemos afirmar que o autoritarismo, por

    um lado, deitava profundas razes em seu temperamento

    e, por outro, em suas convices. Um e outro aspectos

    parecem-nos fundamentais para compreender a persona-

    lidade do jovem republicano.

    Que Castilhos tinha temperamento altamente

    dominante e firme, fato reconhecido por todos os seus

    bigrafos. Rubens de Barcelos nos diz que o jovem

    Castilhos, segundo o testemunho dos seus parentes, foi

    um silencioso, um solitrio, enrgico e rspido e que

    revelava uma natureza reservada e profunda; ao lado de

    seu pai teria aprendido que nada supre a arte de se

    impor, de dirigir, de mandar, como meio de afirmar a

    prpria personalidade.(6)

    Que a personalidade autoritria e firme de Cas-

    tilhos tambm era fruto das suas convices polticas e

    filosficas, ponto em que os bigrafos igualmente

  • 35

    esto de acordo. Convencido de que era um esclarecido,

    no admitia concesses no terreno dos princpios, (7)

    pois era dos que, em palavras de Raul Pompia, tinham

    as convices ossificadas na espinha inflexvel do

    carter. Esta caracterstica de sua personalidade vai-se

    manifestar claramente na vida jornalstica. J aos 19

    anos de idade, o jovem rio-grandense dava provas da

    firmeza das suas convices, expressadas em estilo

    conciso e sbrio, que faria poca na vida pblica

    brasileira; o trecho a seguir, tomado de A Evoluo,

    bastante expressivo:

    Pertinazmente fiel ao programa que se traou,

    profundamente crente na infalibilidade incontestvel da

    vitria da Democracia porque cr tambm, com a

    profundamente sbia doutrina positiva, no que h de

    fatal no movimento ascensional dos povos crente

    ainda na eficcia decisiva das boas propagandas, A

    Evoluo entende que o maior servio que hoje pode ser

    prestado para aproximar cada dia o completo triunfo

    republicano ir desfazendo, a golpes da lgica da

    verdade, a mal-urdida meada em que se tem procurado

    enredar os espritos incautos e desprevenidos.

    Ou este outro:

    Os espritos educados nas verdades da cincia

    moderna entendem os fenmenos sociais, no como

    meros produtos do acaso ou de uma Providncia

    desconhecida, mas sim regidos por leis naturais cuja

    ao a vontade humana impotente para desviar, como

    o , em relao s do mundo fsico, e estudam e

    compreendem a Histria como a representao dessas

  • 36

    leis, entrelaando numa vasta harmonia todas as fases

    histricas da vida das sociedades e, em uma esfera

    limitada, todas as fases histricas dum povo

    determinado.

    Apesar de Castilhos ter como Assis Brasil diria

    depois uma ponderada e refletida ambio de

    governar e de mandar e de no amar o poder pelo

    poder, buscando o controle da poltica na medida em

    que pudesse imprimir-lhe o rumo que julgava mais

    conveniente segundo suas convices, o autoritar ismo

    da personalidade chegou a criar -lhe inmeros problemas

    e inimizades. Castilhos foi-se separando, progressi-

    vamente, de amigos e correligionrios de valor,

    proporo que se fazia impermevel s opinies e

    posies polticas divergentes. Entre 1891 e 1898

    abandonaram, por este motivo, as fileiras do castilhismo

    Demtrio Ribeiro, Assis Brasil, Barros Cassal, Anto de

    Faria, Alcides Lima, Homero Batista, Antnio Adolfo

    Mena Barreto, Francisco Miranda, Pedro Moacir, etc.

    Castilhos, como Floriano Peixoto, deixou amigos fa-

    nticos e inimigos acrrimos e era, pelo seu carter e

    pela natureza especial dos seus estudos (...), uma indi-

    vidualidade expressamente talhada para a ditadura. (8)

    O Positivismo foi o marco terico em que

    Castilhos formou sua personalidade autoritria, j ao

    tempo de estudante, em So Paulo. Na dcada de

    noventa comea a constituir-se e a ascender uma

    corrente poltica de inspirao positivista. A popu-

    laridade que teve no incio deve ser atribuda a

    Benjamim Constant Botelho de Magalhes; porm, logo

  • 37

    houve um deslocamento da mencionada corrente para o

    Rio Grande do Sul. Ser positivista nessa poca era,

    como dizia Jos Verssimo,(9)

    uma boa recomendao.

    Convm salientar que neste tempo muitos analistas

    caram no erro de considerar os positivistas brasileiros

    como autnticos donos de um fenmeno to

    progressista como a Repblica, perdendo de vista o

    carter conservador e retrgrado do pensamento de

    Comte em matria de reforma social. Enquanto o ideal

    republicano tinha brotado, no seio do pensamento

    moderno, sob a luz da Declarao dos Direitos do

    Homem, de 1789, que inspirou a Revoluo Francesa

    enfatizando a igualdade poltica e social de todos os

    cidados e a consagrao das liberdades, o ideal

    comtiano, pelo contrrio, era de ndole medieval; sua

    finalidade consistia na implantao do regime

    sociocrtico; concebido imagem do sis tema poltico

    estruturado na Idade Mdia, correspondendo

    aproximadamente aos Estados Totalitrios surgidos em

    nosso sculo. (10) Do ponto de vista poltico, diz Artur

    Orlando:(11)

    (...) o fundador do positivismo no se

    destaca seno pela sua antipatia s idias e instituies

    liberais (...) Ningum ignora que Augusto Comte, alm

    do desdm, que votava ao sistema representativo,

    considerava uma crise feliz o golpe de estado, que

    substituiu a repblica ditatorial repblica parlamentar.

    Augusto Comte esteve sempre disposto a endeusar os

    atos de absolutismo (...).

    Embora no comeo Miguel Lemos se recusasse a

    considerar Castilhos como positivista,(12)

    deu-lhe,

  • 38

    contudo, o seu apoio tcito, na Dcima Oitava Circular

    Anual. (13) Vrios anos depois, e quando o nome de

    Castilhos j era bastante conhecido em todo o Brasil,

    Miguel Lemos lhe reconhece uma orientao

    positivista, se bem que devida aos trabalhos do

    Apostolado.

    A identificao do prprio Castilhos e de alguns

    dos seus companheiros como positivistas bastante

    precoce. Tal orientao j aparece, efetivamente, nos

    seus escritos estudantis de A Evoluo, aos quais j se

    fez referncia. de 5/09/1887 o seguinte artigo escrito

    por Castilhos e Demtrio Ribeiro em A Federao, por

    ocasio do trigsimo aniversrio da morte de Comte:

    Quando se estuda a obra de Augusto Comte com

    o cuidado que nos impem os grandes assuntos, no se

    sabe o que mais admirar: se a grandeza do seu corao

    se a vastido do seu gnero.

    Grande exemplo , para os tempos que correm, a

    vida abnegada do fundador da religio demonstrada.

    Ao lado das vicissitudes inerentes atitude

    regeneradora por ele assumida, estavam as sedues de

    uma vida cmoda e facilmente acessvel desde o

    momento em que o lutador quisesse especular utilizando

    as suas excepcionais aptides.

    Mas entre a ignomnia e o sacrifcio ele no

    sabia hesitar.

    Em lugar de repoltrear-se em uma das cadeiras

    do ensino acadmico custa do abandono de suas

    opinies, o filsofo preferiu a condenao e a per -

    seguio da cincia oficial, silenciosa conspiradora

  • 39

    contra tudo o que pode ferir-lhe a ignorncia e o

    orgulho.

    que, s esplendorosas irradiaes do gnio, ao

    calor do sentimento ardoroso, Augusto Comte ligava

    uma inquebrantvel moralidade.

    Nessas linhas rapidamente traadas, mas

    diretamente inspiradas pelo Positivismo , consagramos

    as nossas homenagens memria do Grande Mestre, o

    primeiro entre os pensadores modernos. (O grifo

    nosso).

    importante salientar, no texto que acabamos de

    citar, que os positivistas gachos interpretavam a obra

    de Comte como essencialmente moralizadora. Este as-

    pecto, alis, vai aparecer tambm como uma das

    caractersticas mais marcantes do pensamento casti-

    lhista. No final deste captulo e nos captulos seguintes,

    haver oportunidade para desenvolv-lo.

    Rubens de Barcelos, por sua vez, afirma que:

    (...) Castilhos achou na meditao da obra de

    Comte, e na observao dos fatos histricos, a frmula

    mais capaz de resolver, de um ponto de vista humano, o

    insanvel problema poltico (...).

    Na impossibilidade de estabelecer a unidade dos

    espritos, realizvel unicamente pela fora de aliciao

    espontnea de uma doutrina cientificamente demons-

    trvel, buscou, num regime nela inspirado [o grifo

    nosso], os mais nobres deveres sociais, atenuar os males

    da crise poltica. Assim orientado, Castilhos resolveu o

    apremiante problema, criando um aparelho governativo

  • 40

    capaz de garantir a ordem material pela robustez da

    autoridade civil (...)

    Compreendia haver instantes histricos em que o

    prprio interesse da Nao exige dos governantes que,

    abroquelados no seu foro ntimo, irredutveis na sua

    convico, contrariem as paixes do momento para bem

    orientar o Estado e salvar a sociedade, turbada pelos

    embates do partidarismo (...).

    Contudo, trs documentos diretamente escritos

    por Castilhos, na maturidade da sua vida poltica ,

    constituem as provas mais explcitas de sua inspirao

    positivista: so eles, em primeiro lugar, a Constituio

    Poltica do Estado do Rio Grande do Sul , elaborada em

    1891, e duas cartas: devoo do Menino Deus e Ao

    Diretor da Faculdade de Medicina e Farmcia, cidado

    Dr. Protsio Alves, escritas em 1900 e 1899, respec -

    tivamente.(14)

    Como mais adiante deter-nos-emos na

    mencionada Constituio, sero examinados aqui

    somente os dois ltimos documentos. Neles encontramos

    cinco teses positivistas: a afirmao da religio como

    fator de ordem, a valorao da grandeza moral do

    catolicismo, por ter sido a mais nobre, elevada e

    preciosa tentativa de uma Religio Universal [subli-

    nhado de Castilhos] at a grande crise do sculo XVIII,

    a completa separao do poder temporal com relao ao

    espiritual, a eliminao da cincia oficial e a

    necessidade de moralizar a poltica. Deparamos, por

    ltimo, com uma profisso de f em Augusto Comte, a

    quem Castilhos chega at a chamar Mestre dos

    Mestres:

  • 41

    (...) vejo mais e mais ratificada a minha intuio

    poltica e social, haurida nas solues positivament e

    demonstradas, adaptadas poca corrente, sem nenhum

    exagero de aplicao, segundo os inexcedveis ensi-

    namentos do incomparvel filsofo Augusto Comte,

    cujas obras imortais, se me coubesse alguma autoridade

    moral, eu recomendaria refletida leitura e constante

    meditao da mocidade estudiosa do nosso querido

    torro natalcio, a qual encontrar nelas a emocionante

    conciliao do presente com o passado humano e a

    admirvel continuidade do futuro, por entre as justas,

    fervorosas e sublimes homenagens tributadas bene-

    mrita e sempre venervel Igreja Catlica e a todos os

    dignos predecessores do portentoso pensador, que

    Mestre dos Mestres (...).

    Quanto s razes sociolgicas, que explicam a

    rpida ascenso do positivismo castilhista no Rio

    Grande do Sul, alega-se de tipo tnico, como se os

    gachos estivessem predispostos, por natureza, aos

    regimes autoritrios. No nos parece vlida a ex-

    plicao, pois, entre outras coisas, deixa de elucidar a

    presena, no Rio Grande, de forte corrente poltica de

    ideologia liberal, representada pelos federalistas,

    particularmente os maragatos de Silveira Martins. (15)

    Apesar de no ser nosso propsito entrar em anlises

    socioeconmicas, tampouco queremos cair no extremo

    de pensar que a filosofia de Augusto Comte foi a nica

    responsvel pela implantao do regime castilhista no

    Rio Grande do Sul. O comtismo serviu de funda-

  • 42

    mentao doutrinria a uma faco poltica conser -

    vadora, apoiada num executivo estatal agressivo.

    Primeiras atividades polticas

    No ano de 1882 Castilhos participou da Con-

    veno do Clube Republicano de Porto Alegre. Nessa

    reunio foi nomeado para participar da comisso de

    imprensa do Partido, da qual foi relator e que daria

    origem ao rgo do Partido Republicano Histrico Sul-

    Rio-Grandense, A Federao.

    A propaganda da repblica havia comeado no

    Rio Grande do Sul depois da publicao do Manifesto

    de Itu, em 1870. Assinado por 58 pessoas, entre elas

    Aristides Lobo, Saldanha Marinho, Ferreira Viana e

    Quintino Bocaiva, apareceu no jornal A Repblica, do

    Rio. Apesar de este documento ter sido consagrado pela

    histria como uma manifestao poltico-programtica

    sistematizada, no era, realmente, um programa poltico

    que assinalasse objetivos definidos. No passava de uma

    simples declarao de princpios, de difusa articulao

    que no conseguia romper os limites de proposies

    ideolgicas para alcanar o status de proposies po-

    lt icas.(16) Contudo, o Manifesto de Itu serviu de prin-

    cpio inspirador aos primeiros republicanos gachos.

    No Rio Grande do Sul, a propaganda republicana

    comeou sob a direo de Francisco Xavier da Cunha e

    dos dois Porto Alegre, Apolinrio e Apeles. Seus

    esforos pioneiros foram coroados com a fundao de

    um Clube Republicano na capital da Provncia, em

  • 43

    1878, e a eleio dos vereadores republicanos para a

    cmara municipal, em 1880. Castilhos fizera os

    primeiros contatos com o movimento republicano de

    Porto Alegre desde a mocidade, antes de viajar a So

    Paulo. Quando voltou Provncia, com a firme

    resoluo de trabalhar pela queda da monarquia, juntou-

    se novamente aos republicanos rio-grandenses. At

    1882, ano em que se reuniu a Conveno preliminar do

    Partido Republicano Sul-Rio-Grandense, este tinha sido

    seguidor do seu congnere paulista e se mostrava

    bastante ligado aos princpios do Manifesto de 1870.

    Em 1882 reuniu-se o Primeiro Congrego do

    Partido Republicano Rio-Grandense. A partir de ento,

    Castilhos comeou a afirmar-se como uma das mais

    altas expresses partidrias. Nesse Congresso

    perfilaram-se os rumos programticos do Partido, rumos

    que lhe seriam peculiares porque j estavam marcados

    pela influncia do comtismo. Uma comisso integrada

    por Castilhos, Demtrio Ribeiro e Ramiro Barcelos foi

    encarregada de redigir as Bases do Programa dos

    Candidatos Republicanos. Vale a pena determo-nos um

    pouco neste documento, bastante representativo das

    idias de Castilhos.

    Primeiramente, as Bases propugnavam pela

    eliminao da monarquia, como regime incapaz de

    conduzir o povo brasileiro felicidade e grandeza;

    pediam, em segundo lugar, a fundao da Repblica,

    na qual o sistema de Federao seria a condio nica

    da unidade nacional, aliada liberdade. As Bases

    defendiam, ainda, um modus operandi moderado,

  • 44

    porquanto no adotavam o processo revolucionrio,

    apesar de considerar a revoluo como um evento

    natural que, para produzir os efeitos desejados,

    precisava operar-se em seu tempo com uma soluo

    positiva da evoluo; por tal motivo, as Bases

    prescreviam para os membros do Partido a cooperao

    pacfica nas reformas que efetuem por partes a

    eliminao da monarquia. A fim de alcanar este

    objetivo, elas formulavam um programa de imediata

    aplicao, cujos itens fundamentais eram:

    descentralizao provincial, mediante a eletividade dos

    presidentes e a perfeita discriminao da economia da

    Provncia em relao do Imprio; descentralizao

    municipal, com fase na faculdade dos municpios

    resolverem, soberanamente, sobre as suas rendas;

    extino do poder moderador e do Conselho de Estado;

    temporariedade do Senado; alargamento do voto;

    liberdade de associao e de cultos; secularizao dos

    cemitrios; matrimnio civil obrigatrio e indissolvel,

    sem prejuzo da voluntria observncia das cerimnias

    religiosas; registro civil dos nascimentos e dos bitos;

    derrogao de toda a jurisdio administrativa;

    liberdade de comrcio e indstria; responsabilidade

    efetiva dos ministros e de todos os agentes da

    administrao; liberdade de ensino, considerado em seu

    destino poltico de fornecer a base intelectual para o

    cumprimento do dever social; neste campo pedia-se

    subordinao ao ideal do partido, que encarava o

    assunto da seguinte forma: Ensine quem souber e

    quiser e como puder. Para realizar este ideal

  • 45

    educativo, as Bases julgavam necessrias as seguintes

    medidas: supresso dos privilgios, civis ou polticos,

    classe dos diplomados; adoo provisria de um sistema

    de ensino integral adaptado transio atual e limitado

    pelos recursos do Tesouro Pblico, pelas idias

    correntes e pela competncia do pessoal docente;

    restrio do ensino oficial superior ao essencial para as

    profisses verdadeiramente teis.

    Por outro lado, as Bases pediam a abolio do

    elemento servil; rejeitavam a imigrao oficial e re -

    queriam leis sbias, que promovessem a boa imigrao

    espontnea. Exigiam, alm disso, uma economia

    severa, com supresso de todos os gastos de carter

    improdutivo, e defendiam o imposto direto como o

    verdadeiramente eqitativo e o nico capaz de enfrentar

    a fiscalizao do contribuinte; para isso reclamavam a

    criao do imposto territorial e a eliminao, na medida

    do possvel, dos impostos indiretos.

    A 1 de janeiro de 1884 apareceu o primeiro

    nmero de A Federao, rgo do Partido Republicano

    Rio-Grandense. Castilhos foi nomeado redator-chefe,

    mas rejeitou temporariamente o cargo, ocupado, ento,

    pelo paulista Venncio Aires. Ele assumiu em definitivo

    a direo de A Federao alguns meses mais tarde. No

    dia 17 de maio de 1884, casou-se com dona Honorina da

    Costa. Do matrimnio feliz, equilibrado e fecundo,

    nasceram, entre 1884 e 1890, quatro filhas e um

    filho(17). Ao longo de todo o ano de 1884, Castilho s

    desenvolveu intensa atividade jornalstica e partidria.

    Participou, sem sucesso, de sua primeira campanha

  • 46

    eleitoral, como candidato a deputado provincial, e

    desenvolveu uma radical campanha abolicionista nas

    pginas de A Federao.

    Campanha abolicionista

    Analisemos alguns aspectos da campanha aboli-

    cionista de Castilhos no Rio Grande do Sul.

    Inspirados por Castilhos e outros propagandistas

    da Repblica, os gachos adotaram uma posio radical

    no que se refere abolio. Passaram a exigir,

    efetivamente, para o Rio Grande, a imediata

    emancipao dos escravos, independente de qualquer

    indenizao. Castilhos se fez o arauto desta atitude

    radical, nas pginas de A Federao. Em 28/07/1884,

    escrevia:

    Sua Majestade no deve hesitar.

    Se patriota, se julga de seu dever apagar a

    mcula que o crime infame de alguns antepassados nos

    legou, se deseja a felicidade da Ptria, se nutre uma

    nobre (nsia) de glria, lance S.M. no abandono a causa

    perdida de um grupo de interessados e coloque-se ao

    lado do pas, solidrio com ele.

    certo que esta soluo pe em perigo a

    Monarquia, que perder o apoio daqueles que tm sido o

    seu sustentculo.

    Mas que prefere S.M.: comprometer o seu

    tempo, por reivindicar para a liberdade uma raa

    imoralmente escravizada, ou p-la em perigo para no

    prejudicar os senhores de escravos?

  • 47

    No h que vacilar na escolha: a honra da Ptria

    e a glria de libertados devero inspirar o Sr. D. Pedro

    II.

    Junto ao moralismo que animou tantas reformas

    de Castilhos, podemos observar neste contexto a viso

    clara que ele tinha do substrato escravagista do Imprio.

    Lutando contra a escravido, Castilhos conseguia

    debilitar a base latifundiria daquele. E no apenas isso:

    refletia, tambm, as condies econmicas peculiares do

    Rio Grande. Efetivamente, a campanha abolicionista no

    encontrou ali as resistncias reveladas em outras

    provncias, entre outros motivos porque o trabalho nas

    estncias no se baseava exclusivamente no brao

    escravo.

    A questo militar

    Oliveira Torres mostrou(18)

    que as vrias ques-

    tes surgidas nos ltimos anos do Imprio questo

    militar, questo religiosa, questo servil, questo federal

    contriburam, indiscutivelmente, para o advento da

    Repblica e que todas tiveram origem em contradies

    no texto da Constituio, ou em contradies entre o

    texto da Constituio e a realidade, ou (na) exegese

    contraditria dos artigos (...). A atividade de Castilhos

    perante todas estas questes revestiu-se de

    radicalismo comum aos mais acendrados

    propagandistas, como Quintino Bocaiva.(19)

    No deixa

    de haver, alis uma analogia muito grande entre o

    autoritarismo castilhista e o das minorias positivistas e

  • 48

    caudilhistas, que em boa parte animaram o Governo

    Provisrio depois do golpe de 15 de novembro.

    A atividade de Castilhos durante o ano de 1886

    esteve marcada especialmente pela sua participao na

    Questo Militar. A classe militar no teve uma

    posio relevante durante o Segundo Reinado. Com a

    guerra do Paraguai alterar-se-ia o quadro: os militares

    comearam a ter conscincia do seu significado e, por

    outra parte, procedeu-se a uma organizao do exrcito.

    Dessa forma, a eventual participao dos militares na

    vida poltica, antes um perigo, era aceita agora com

    relutncia pelos polticos civis, que viam neste fato uma

    potencial interveno do Exrcito. Por outro lado, com a

    filiao de numerosos oficiais jovens aos movimentos

    abolicionistas e republicanos, cavou-se uma grande

    fossa entre eles e os grupos conservadores do Imprio.

    O problema militar possua, alm disso, dois

    aspectos graves, segundo Oliveira Torres: o que

    correspondia s relaes entre os quadros e as

    presidncias de Provncias estas ltimas verdadeiras

    cunhas civis e polticas, que se interpunham entre o

    Imperador e os comandantes das guarnies e o da

    sobrevivncia dos rgidos e arcaicos regulamentos do

    Conde de Lippe, que contradiziam o esprito liberal da

    poca. Foi precisamente destas duas questes, inerentes

    ao problema militar, que Castilhos partiu para agravar a

    crise no Rio Grande do Sul. Durante o ano de 1886,

    levantou-se uma polmica entre os oficiais Cunha

    Mattos e Saldanha Marinho, de uma parte, e o Ministro

    da Guerra, de outra, devido participao daqueles

  • 49

    militares numa contenda verbal, atravs da imprensa do

    Rio e de Porto Alegre, com alguns representantes do

    Congresso. O resultado do confronto foi a proibio do

    Ministro da Guerra, vedando aos militares o debate na

    imprensa. Aproveitando a ocasio, Castilhos interpretou

    o fato no como simples limitao de direitos

    individuais, mas como uma injria do Ministrio

    prpria honra do Exrcito. Estas so as suas palavras :(20)

    Resta-nos observar que tais excessos de

    autoritarismo, alis harmnicos com o regime, s podem

    prejudicar ao prprio Imprio, que por sua inpcia cada

    vez mais se divorcia das adeses do Exrcito Nacional,

    cuja susceptibilidade pundonorosa e cujos sentimentos

    de brio e de honra o poder pblico pretende abater e

    deprimir, com essas proibies autocrticas, intolerantes

    e provocadoras.

    Comentando a atitude assumida por Castilhos

    frente questo militar, Costa Franco diz que a tese

    sustentada pelo lder republicano, de que a Monarquia

    tentava desonrar o Exrcito atravs do autoritarismo do

    Ministro da Guerra, era falsa; porm, no deixava de

    ser:(21)

    ... til aos fins da luta antidinstica. Exagerando

    a significao do incidente, levando s ltimas

    conseqncias o exame da incompatibilidade surgida

    entre um ministro e dois oficiais superiores, para da r-lhe

    tintas de conflito absoluto entre a dignidade do Exrcito

    e o Imprio, buscava Castilhos forar o pronunciamento

    da oficialidade contra o poder civil, agravar o dissdio,

  • 50

    e, naturalmente, ampliar o crculo de militares aderentes

    idia republicana.

    A moo de So Borja

    Castilhos foi, de fato, um dos principais

    agitadores da questo militar, precisamente na Provncia

    onde a classe armada era mais numerosa. Cremos,

    porm, com Costa Franco, que h exagero no juzo de

    Otelo Rosa sobre este ponto, ao atribuir a Castilhos a

    autoria exclusiva desta questo. Papel mais

    importante teve Castilhos, talvez, na agitao que se

    seguiu chamada moo de So Borja. Em 1888, o

    vereador republicano Aparcio Mariense apresentou ao

    Conselho Municipal da mencionada localidade, moo

    aprovada a 11 de janeiro, aproveitando a ausncia de

    Dom Pedro II do pas e o exerccio da regncia por parte

    da Princesa Isabel. A subversiva moo propunha:

    1) Que a Cmara representasse Assemblia

    Provincial sobre a necessidade de dirigir-se esta

    Assemblia Geral para que, dado o fato lamentvel do

    falecimento do Imperador, se consulte a nao, por

    plebiscito, se convm a sucesso do trono, ainda mais

    competindo este a uma senhora obcecada por sua

    educao religiosa e casada com um prncipe

    estrangeiro;

    2) que tambm se pedisse Assemblia para

    dirigir-se s outras Assemblias provinciais a fim de que

    estas representem no mesmo sentido Assemblia

    Geral;

  • 51

    3) que, finalmente, a Cmara Municipal se

    dirigisse s municipalidades rio-grandenses, convidan-

    do-as a aderir representao.

    O Governo Imperial, como era de se esperar,

    reprimiu com firmeza tal provocao: mandou cassar os

    vereadores comprometidos, assim como process-los

    criminalmente. Castilhos, por sua vez, aplaudiu ca lo-

    rosamente a iniciativa dos vereadores de So Borja e as

    resolues de apoio a estes das Cmaras de So

    Francisco de Assis e Dores de Camaqu.

    No editorial de A Federao correspondente a 7

    de fevereiro de 1888, Castilhos analisava a questo

    levantada pela moo de So Borja desta maneira: o

    Imperador, padecendo j de muitas prostraes, estava

    em realidade impedido para governar. O Ministro

    Cotegipe, fazendo uso da sua costumeira astcia,

    esticava a regncia, a fim de acostumar o pas ao

    governo dos prncipes e preparar, assim, o Terceiro

    Reinado. Como a moo de So Borja antecipava a

    agitao contra o advento deste ltimo, a represso

    governamental foi violenta.

    O manifesto de A Reserva

    De meados de abril de 1888 at agosto de 1889,

    Castilhos recolheu-se sua estncia de Vila Rica,

    situada na fazenda A Reserva, em companhia de sua

    esposa e das trs filhas. Durante este tempo, Ernesto

    Alves dirigiu A Federao. Motivou tal retiro a situao

    econmica de Castilhos, abalada devido sua dedicao

  • 52

    ao jornal do Partido Republicano. Em maro de 1889

    teve lugar na fazenda uma reunio dos chefes do

    Partido, presidida por Castilhos, que j exercia,

    claramente, a liderana no meio republicano rio-

    grandense. A aproximao do Terceiro Reinado, aliada

    ao desgaste da monarquia e antipatia geral pelo Conde

    DEu, levou os lderes do Partido a planejar uma

    radicalizao da sua estratgia, aceitando a possi-

    bilidade da luta armada. O manifesto assinado em A

    Reserva do seguinte teor:

    Reconhecendo a necessidade de organizar a

    oposio em qualquer terreno ao futuro reinado, que

    ameaa nossa Ptria com desgraas de toda ordem, e a

    necessidade de preparar elementos para, no momento

    oportuno, garantir o sucesso da Revoluo, declaramos

    que temos nomeado nossos amigos Jos Gomes Pinheiro

    Machado, Jlio de Castilhos, Ernesto Alves, Fernando

    Abbot, Assis Brasil, Ramiro Barcelos e Demtrio

    Ribeiro para que se consigam aqueles fins, empregando

    livremente os meios que escolherem.

    Ns juramos no nos deter diante de dificuldade

    alguma, a no ser o sacrifcio intil de nossos

    concidados.

    Excluda essa hiptese, s haveremos de parar

    diante de vitria ou da morte.

    Reserva, 21 de maro de 1889. Cndido Pacheco

    de Castro, Joaquim Antnio da Silveira, Lauto Do-

    mingues Prates, Fernando Abbot, Ernesto Alves de

    Oliveira, Jos Gomes Pinhe iro Machado, Vitorino

    Monteiro, Possidnio da Cunha, Homero Batista,

  • 53

    Manuel da Cunha Vasconcelos. J.F. de Assis Brasil,

    Salvador Pinheiro Machado, Jlio de Castilhos.

    Deixa-se ver neste texto a inspirao castilhista:

    repulsa s solues conciliatrias; procura do poder a

    qualquer preo; elitismo; em suma, o radicalismo.

    Posteriormente, Castilhos esclareceu, em A Federa-

    o,(22)

    que aquela reunio teve como finalidade

    combinar a ao revolucionria contra o monarquismo

    e que ele empenhara-se em demonstrar a urgente

    necessidade da revoluo armada, custasse o que

    custasse.

    Atividade poltica durante o primeiro

    governo republicano rio-grandense

    A 7 de junho de 1889 assumiu o poder o Partido

    Liberal, com o Gabinete Ouro Preto. Sacudido pela crise

    da abolio, o Imprio tratava de acabar com todas as

    resistncias. A fim de dominar as crescentes tendncias

    republicanas, foi nomeado Presidente da Provncia de

    So Pedro do Rio Grande o prprio Gaspar da Silveira

    Martins. Iniciou-se, a partir daquele momento, uma

    limpeza em todos os cargos, que foram sendo ocu -

    pados predominantemente pelos liberais. Ressentidos

    com a monarquia que os repudiara, os conservadores

    comearam a aderir em massa ao Partido Republicano.

    Passaram a integrar as fileiras republicanas o Dr.

    Francisco da Silva Tavares, prestigioso lder conser -

    vador, que se pronunciara a favor de uma Repblica

    feita em moldes conservadores; os Silva Tavares, de

  • 54

    Bag; Jos Gabriel da Silva Lima, de Cruz Alta;

    Gervsio Lucas Annes, de Passo Fundo; o Coronel

    Evaristo do Amaral, de Palmeira, etc.

    Ao ser proclamada a Repblica, a 15 de no -

    vembro de 1889, Castilhos estava consciente de que a

    situao no Rio Grande dependia do apoio militar ao

    golpe dado na Capital. Auxiliado por Ramiro Barcelos,

    conseguiu a adeso do mais importante general da

    provncia, o Marechal Jos Antnio Correia da Cmara,

    Visconde de Pelotas, antigo senador do Imprio pelo

    Partido Liberal e a quem a causa da questo militar

    tinha afastado dos companheiros polticos, aproximan-

    do-o dos republicanos. Ao obter o apoio do Visconde,

    Castilhos e os republicanos asseguraram o domnio da

    situao. O Governo Central homologou Pelotas como

    Governador Provisrio do Rio Grande do Sul e os

    republicanos ocuparam os cargos chaves da admi-

    nistrao. A vitria do movimento revolucionrio no

    Rio Grande foi decisiva para a consolidao do Governo

    Provisrio. Grande era a expectativa dos lderes da

    revolta no Rio pelo rumo que tomariam os acon-

    tecimentos no meio gacho, pois havia dvidas quanto

    posio dos poderosos contingentes militares acan-

    tonados no Rio Grande, que poderiam fazer regredir a

    revoluo de 15 de novembro, caso se decidissem a

    favor do status quo monrquico. A ateno dada por

    Deodoro a Castilhos e seus correligionrios durante os

    meses seguintes, prova o reconhecimento do Governo

    Provisrio para com os lderes republicanos gachos.

  • 55

    O Governo Provisrio indicou Castilhos para o

    cargo de Secretrio do Governo Estadual. Imediata-

    mente, o novo secretrio props a criao da Su-

    perintendncia dos Negcios das Obras Pblicas, para a

    qual foi nomeado o engenheiro Anto de Faria, e a

    criao da Secretaria da Fazenda, a cuja cabea foi

    colocado Ramiro Barcelos, pouco depois substitudo, a

    fim de assumir a Embaixada brasileira em Montevidu.

    Desde o incio, o Governo Provisrio do Vis-

    conde sofreu freqentes confrontos entre o velho

    Marechal e seus secretrios. Existia uma oposio

    inevitvel entre os republicanos, que tinham como meta

    deixar sem base poltica os seguidores de Gaspar da

    Silveira, e o prprio Marechal, que havia sido um deles

    e que procurava solues conciliatrias entre repu-

    blicanos e liberais. Talvez por essa razo Castilhos e os

    outros secretrios de Governo procuraram d iminuir os

    poderes do Governador. Prova disto o Ato n 12, de 14

    de dezembro de 1889,(23)

    que transferia para o chefe da

    polcia a atribuio de exonerar, dispensar, demitir e

    nomear os delegados, subdelegados e respectivos

    suplentes. A polcia, segundo a legislao ento vigente,

    constitua um forte poder coercitivo, poltica e

    socialmente. O cargo de delegado de policia se revestia

    de tamanha importncia, que caudilhos como Gumer -

    cindo Saraiva e Juca Tigre, que se fizeram famosos na

    revoluo federalista de 93, foram delegados de polcia

    demitidos pelos republicanos.

    Castilhos deixou sua marca no Ato n 31, vigente

    no final de 1889, atravs do qual se institua a Guarda

  • 56

    Cvica, com toda uma estruturao militar em subs -

    tituio antiga Fora Policial da Provncia. A Guar-

    da Cvica converter-se-ia depois na Brigada Militar,

    utilizada por Castilhos para reprimir a insurreio

    federalista. Aparece tambm sua influncia no Ato

    Adicional de 21 de dezembro de 1889,(24)

    que introduziu

    modificaes na lei oramentria para 1890, ao definir

    rumos para moralizar o servio pblico e ao procurar

    modificar o sistema tributrio, assim como criar um

    servio estatstico e reduzir o pessoal da prpria

    secretaria do Estado. No mencionado Ato l -se que:

    No se pode conceber a possibilidade de

    administrar um pas sem dados estatsticos, pois que, sem

    eles, tudo feito arbitrariamente, sem fundamento, sem

    critrio e com grave prejuzo para o povo, que a vtima

    dos atos levianos dos que governam sem doutrina e dos que

    administram por vagas inspiraes, sem dados positivos em

    relao aos diversos ramos do servio pblico.

    Vemos aqui, nitidamente, a preocupao positi-

    vista de viver s claras.

    A propsito das vantagens que os republicanos

    obtiveram durante o Governo Provisrio do Visconde de

    Pelotas, Mcio Teixeira diz que:(25)

    (...) o pseudogoverno do Sr. Visconde de Pelotas

    no foi mais do que um mero pseudnimo de que os

    chefes republicanos rio-grandenses se serviam, para

    organizar definit ivamente o seu partido.

    E a seguir afirma:(26)

    Como simples editor responsvel de todos os

    atos de Jlio de Castilhos, o Visconde apenas assinava -

  • 57

    os de cruz, na manifesta incompetncia moral e

    intelectual de reconhecer-lhes, ao menos, o seu alcance

    poltico.

    O Governo do Visconde no durou trs meses. A

    designao de Aquiles Porto Alegre para o cargo de

    Inspetor da Alfndega do Rio Grande desagradou

    seriamente cpula republicana. Como Pelotas man-

    tivesse a nomeao, Castilhos e um grande nmero de

    funcionrios republicanos pediram sua exonerao. O

    Visconde submeteu a questo ao Governo Provisrio, o

    qual, por Decreto do dia 9 de fevereiro, nomeou

    Castilhos Governador do Estado. Num maquiavlico

    lance, julgando que Pelotas ainda tinha simpatias no

    meio militar, Castilhos declinou do cargo e indicou

    outro militar, o General Jlio Anacleto Falco da Frota,

    que foi efetivamente empossado, sendo o prprio

    Castilhos designado Primeiro Vice-Governador e Anto

    de Faria segundo Vice. O novo Governador tomou posse

    a 11 de fevereiro de 1890. Costa Franco conclui a este

    respeito:(27)

    Continuariam, portanto, os republicanos no do -

    mnio das posies conquistadas, eis que voltaram todos

    ao exerccio das funes de que se haviam demitido.

    Estava superada vitoriosamente para Jlio de Castilhos a

    primeira crise de sua crescente hegemonia.

    Atitude de Castilhos perante os liberais

    Detenhamo-nos um momento para observar de

    perto as relaes de Castilhos com seus adversrios

  • 58

    liberais. Depois do golpe de 15 de novembro, no se

    fizeram esperar os pronunciamentos dos lderes liberais.

    O matutino liberal A Reforma publicou o primeiro

    comunicado oficial dos partidrios de Silveira Martins a

    19 de novembro, assinado pelos prceres Joaquim Pedro

    Salgado, Joaquim Antnio Vasques e Joaquim Pedro

    Soares, fato que levou a identificar o documento como

    Manifesto dos 3 Joaquins. Eis o seu teor:

    O Partido Liberal sujeita-se fora do fato

    consumado, no patritico empenho de evitar uma luta

    civil. (O grifo nosso.)

    O Partido Liberal constitui a maioria da

    Provnc ia; uma fora e como tal deve ser respeitado.

    Castilhos e os republicanos, segundo diz Costa

    Franco, no estavam para transigncias, nem dis -

    postos a aceitar a poltica de mo estendida dos adver -

    srios. Castilhos justificava, no dia 20 de novembro, a

    priso de Silveira Martins por parte do Governo da

    Repblica, concluindo nestes termos:

    Pelo amor da nossa cara Ptria Rio -Grandense,

    no tomeis por fraqueza a prudncia e moderao do

    Governo Revolucionrio; nesta hora suprema,

    esquecemos o fanatismo dos homens pela religio do

    dever; a bandeira branca da paz e do amor flutua desde

    o dia 15, acenando ao patriotismo rio-grandense; ai de

    quem tentar, sequer, manch-la de sangue:

    No podemos dizer o que ser maior: se a nossa

    tolerncia de hoje, se a clera irreprimvel com que

    castigaremos os criminosos, SEJAM ELES QUAIS

    FOREM. (Maisculas do prprio Castilhos).

  • 59

    E refutava assim, no dia seguinte, o Manifesto

    dos 3 Joaquins:

    Um partido que comparece, como o liberal, no

    teatro da luta, certamente para disputar o poder; a

    misso do poder atualmente reorg