casulo: comunicaÇÃo, tic e o filme ...escola (mendes, 2015). comunicação e tic educação e...
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ISSN 2176-1396
CASULO: COMUNICAÇÃO, TIC E O FILME DOCUMENTÁRIO NA
ESCOLA
Jordan Mendes1 - GEOTEC/UNEB
Grupo de Trabalho – Comunicação e Tecnologia
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
Uma experiência educacional que fomenta a educação científica na escola através das
Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), suscita desdobramentos sociais,
comunicativos e formativos que devem ser observados e sentidos por sujeitos que pensam,
regulam, administram e vivem a realidade da Educação Básica Pública. É a partir dessa
necessidade de mostrar as ressonâncias de tal experiência, que o projeto de pesquisa “Casulo:
Uma Experiência Vídeo Documentada com Alunos da Rede Pública de Ensino do Estado da
Bahia” é concebido e desenvolvido no programa de Mestrado Profissional Gestão e
Tecnologias Aplicadas à Educação (GESTEC) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
Com o objetivo de registrar, através da produção coletiva de um filme documentário, a
memória e os sentimentos das experiências de pesquisa de um grupo de alunos da Rede
Pública de Ensino, o projeto “Casulo” envolve saberes e práticas das áreas de Ciência,
Educação, Comunicação, Cinema e Tecnologia. Fundamentado nos pressupostos
metodológicos da Pesquisa Participante, o “Casulo” é uma pesquisa científica de abordagem
qualitativa que se desenvolve a partir das dinâmicas colaborativas dos sujeitos que a
permeiam. Por se tratar de uma pesquisa de mestrado com uma trajetória de dois anos, este
artigo concentra suas discussões e reflexões acadêmicas nas perspectivas comunicativa e
tecnológica do citado projeto. A possibilidade de ter um filme documentário como produto
final de uma pesquisa científica em educação só se concretiza por causa dos novos formatos
de Trabalho de Conclusão Final de Curso (TCFC), inaugurados pela modalidade profissional
de mestrado. O “Casulo” busca mostrar que experiências de pesquisa, vivenciadas por alunos
da escola, podem gerar processos formativos emancipatórios, além de ser em si um desses
processos.
Palavras-chave: Escola. Educação Científica. Comunicação. TIC. Filme Documentário.
1 Bacharel em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo e Especialista em Docência no Ensino
Superior pela Unijorge. Mestre em Gestão e Tecnologias Aplicadas à Educação pela Universidade do Estado da
Bahia (UNEB). Pesquisador do Grupo de Geotecnologias, Educação e Contemporaneidade (GEOTEC/UNEB).
E-mail: [email protected].
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Introdução
A escola tem sido objeto e locus de pesquisas acadêmicas na área de educação há
muitos anos. Isso é uma consequência da grande relevância social desse espaço para as
diferentes civilizações. Por esses motivos, vários pensadores têm produzido conhecimentos e
teorias sobre a escola ao longo da história. Ainda assim, muito pouco tem mudado nas
práticas e processos educacionais que ocorrem nesse espaço de “aprendizagem” e
“formação”.
Paulo Freire, uma das maiores referências mundiais em educação, afirmava que o
objetivo da escola é ensinar o estudante a “ler o mundo”. A sua ideia é que, a partir dessa
leitura crítica do mundo, os sujeitos desfavorecidos socialmente possam ter consciência e
entendimento da sua situação de opressão, podendo, assim, agir em prol das próprias
libertações (FREIRE, 1987).
Freire criticava vigorosamente o que ele chamava de “educação bancária”, ensino
praticado na grande maioria das escolas, no qual o professor atua como alguém que deposita
conhecimentos em um estudante passivo, dócil (FREIRE, 1987). Esse contexto educacional
condenado por Freire, há quase cinco décadas, no seu livro “Pedagogia do Oprimido”
continua vigorando na maior parte das escolas brasileiras contemporâneas.
Descrever essa conjuntura escolar é fundamental para determinar o ponto de partida
deste texto acadêmico que tem a intenção de relatar os aspectos comunicativos e tecnológicos
de uma pesquisa de mestrado profissional em educação que tem: as experiências
investigativas de um grupo de alunos da escola pública como objeto; e um filme
documentário como produto.
Neste artigo, o projeto de pesquisa “Casulo: Uma Experiência Vídeo Documentada
com Alunos da Rede Pública de Ensino do Estado da Bahia” do Mestrado Profissional Gestão
e Tecnologias Aplicadas à Educação (GESTEC) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
tem um papel central. Com o objetivo de registrar, através da produção coletiva de um filme
documentário, as memórias e sentimentos das experiências de pesquisa de um grupo de
alunos da Rede Pública de Ensino, o projeto “Casulo” envolve saberes e práticas das áreas de
Ciência, Educação, Comunicação, Cinema e Tecnologia.
As citadas experiências de pesquisa desse grupo de alunos da Educação Básica Pública
são promovidas, desde 2010, pelo Grupo de Geotecnologias, Educação e Contemporaneidade
(GEOTEC) da UNEB em parceria com algumas escolas da Rede Pública de Ensino do Estado
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da Bahia, através do projeto “A Rádio da Escola na Escola da Rádio”. O projeto “A Rádio da
Escola na Escola na Rádio” tem o objetivo principal de resgatar e difundir a história e
memória dos bairros e espaços de cidades baianas, a partir da construção de rádios
convencionais e apropriação das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) no
incentivo à pesquisa científica, junto aos alunos da Rede Pública de Ensino do Estado da
Bahia (FAPESB, 2011).
É a partir do envolvimento colaborativo do autor deste texto com o projeto “A Rádio
da Escola na Escola da Rádio”, nas suas dimensões científica, comunicativa e tecnológica,
que o “Casulo” é concebido. As ressonâncias sociais, culturais e formativas provocadas pelas
experiências do projeto “A Rádio da Escola na Escola da Rádio” despertaram a seguinte
questão que norteou a trajetória de pesquisa do “Casulo”:
Como o projeto “A Rádio da Escola na Escola da Rádio” influenciou(a) os
processos formativos dos alunos da Rede Pública de Ensino da Bahia, explorando o
princípio da pesquisa como potencializador no (re)conhecimento de cidades baianas
e de suas habilidades investigativas? (MENDES, p. 16, 2015).
O fato dos alunos-pesquisadores do projeto “A Rádio da Escola na Escola da Rádio” já
terem um caminho científico consolidado e desenvolverem uma dinâmica de pesquisa
baseada na participação, facilitou a definição da metodologia de pesquisa do projeto
“Casulo”. Foi, por esse motivo, que a escolha pela Pesquisa Participante ocorreu
naturalmente, possibilitando aos sujeitos da pesquisa, alunos-pesquisadores, uma participação
direta nas escolhas desta investigação científica, desenvolvendo assim um entrelaçamento de
atores-autores no qual, mesmo havendo diferenças essenciais de conhecimentos, todos
aprendem uns com os outros e uns através dos outros (BRANDÃO; STRECK, 2006).
Para dar conta deste relato de pesquisa, além dessa parte introdutória, o presente artigo
está sistematizado em mais três seções: Comunicação e TIC, na qual é feita uma breve revisão
bibliográfica das bases teóricas que sustentam as perspectivas comunicativa e tecnológica
desse estudo científico, contextualizando o objeto e produto dessa pesquisa; Casulo, em que
são descritas e analisadas as ações, escolhas e processos dessa pesquisa de mestrado
profissional em Educação; e Considerações Finais, onde concluímos o presente artigo
apresentando as expectativas em torno do filme documentário e os benefícios que o mesmo
pode oferecer à escola pública.
Uma experiência educacional que fomenta a educação científica na escola através das
TIC, suscita desdobramentos sociais, culturais e formativos que devem ser observados e
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sentidos por sujeitos que pensam, regulam, administram e vivem a realidade da Educação
Básica Pública. Portanto, a relevância deste trabalho está diretamente relacionada com a
possibilidade de oportunizar às pessoas o acesso audiovisual às vozes e sentimentos desses
alunos-pesquisadores, imersos em uma experiência educacional que extrapola os limites da
escola (MENDES, 2015).
Comunicação e TIC
Educação e Comunicação são áreas imbricadas e a escola deve ser concebida como
um lugar que se institui a partir das relações comunicativas dos seus sujeitos. Isso porque,
como afirma Freire (1992, p. 69), “a educação é comunicação, é diálogo, na medida em que
não é transferência de saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a
significação dos significados”.
O “Casulo” é uma pesquisa de mestrado profissional em educação que envolve
diferentes saberes e áreas do conhecimento humano, provocando reflexões e possibilitando
desdobramentos nos processos educacionais e formativos da escola. Para discorrer sobre os
aspectos comunicativos e tecnológicos do “Casulo” é fundamental referenciar o projeto “A
Rádio da Escola na Escola da Rádio”, já que as suas experiências são objeto de pesquisa do
“Casulo”.
Os alunos-pesquisadores que protagonizam o “Casulo” têm uma relação direta com a
comunicação e as TIC durante os seus processos de investigação. Isso é perceptível na etapa
de planejamento de uma visita de campo à um bairro, a partir de aparatos geotecnológicos
como o Google Maps, Google Earth ou imagens de satélite; no processo de coleta de dados,
através da utilização de smartphones, gravadores de áudio ou câmeras de vídeo; e, também, na
difusão dos resultados das suas pesquisas com a produção de programas de rádio, podcasts2,
imagens, vídeos, sites e apresentações em eventos científicos.
Revelado no próprio nome do projeto, através da palavra rádio, a comunicação é um
saber que tem um papel essencial nas ações do projeto “A Rádio da Escola na Escola da
Rádio”. A possibilidade de ter contato com uma rádio dentro da escola é o que motiva,
inicialmente, os alunos a participarem do projeto, impulsionando-os a fazerem pesquisa.
Meio de comunicação de massa que surge no século XIX, o rádio é um artefato
eletroeletrônico que assume um papel de emissor no ato comunicativo, centralizando e
2 O podcast é um produto sonoro digital com algumas características radiofônicas.
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difundindo mensagens aos seus ouvintes, sujeitos que partilham dinâmicas e movimentos da
sociedade.
Apesar de permitir ao homem a condição de registrar e perpetuar suas memórias de
forma singular, a leitura e escrita, especialmente no Brasil, ainda restringe-se a uma parte da
população, porque “numa cultura letrada, a alfabetização é condição imprescindível para se
ter acesso às informações” (MEDEIROS, 2007, p. 23). Por isso, o rádio permite que a
comunicação humana de massa resgate a sua oralidade, possibilitando a essa mídia um maior
alcance social.
O advento do rádio trouxe consigo novas possibilidades de comunicação entre os
indivíduos e a sociedade abrindo um novo canal de comunicação entre o público e o veículo, de maneira que um ouvinte podia se expressar oralmente através de uma
emissora, pedindo uma música que gostaria de ouvir ou respondendo a uma enquete,
sem necessariamente ser alfabetizado, o que não era possível com a imprensa, por
exemplo (MEDEIROS, 2007, p. 23).
Ainda que a invenção da televisão e da internet tenham provocado verdadeiras
revoluções midiáticas, o rádio se mantém como um meio de comunicação de massa com um
caráter eminentemente sonoro, que conserva muitas características específicas da linguagem
radiofônica com atributos consolidados através das décadas. É por causa destas
particularidades que “o rádio afeta as pessoas. Digamos, como que pessoalmente, oferecendo
um mundo de comunicação não expressa entre o escritor-locutor e o ouvinte. Este é o aspecto
mais imediato do rádio. Uma experiência particular” (MCLUHAN, 2005, p. 336).
Mesmo que o rádio promova uma sensação de grande participação aos seus ouvintes –
com base em uma pequena abertura no seu canal de comunicação – o modelo de difusão da
informação mantém sua característica centralizadora, típica dos meios de comunicação de
massa. McLuhan (2005) afirma que o resgate da oralidade por intermédio do rádio promove o
fenômeno chamado Tambor Tribal3.
Como a cultura letrada incentivou um individualismo extremo e o rádio atuou num
sentido extremamente inverso, ao fazer reviver a experiência ancestral das tramas do
parentesco do profundo envolvimento tribal, o Ocidente letrado procurou encontrar
uma espécie de compromisso com a responsabilidade coletiva em sentido amplo.
(MCLUHAN, 2005, p. 339).
3 Tambor Tribal é um termo utilizado por McLuhan para expressar um sentimento que unia os povos tribais a
um mesmo objetivo, característica própria do rádio que tende a ligar intimamente diferentes grupos através da
oralidade.
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Nutrir o sentimento de união na escola pública é a principal função do rádio no projeto
A Rádio da Escola na Escola da Rádio. Com base nessa perspectiva, o rádio se constitui
como uma “extensão do homem” (MCLUHAN, 2005), difundo as pesquisas desenvolvidas
pelos alunos-pesquisadores da escola para outros estudantes e sujeitos da Educação Básica
Pública, transformando essa mídia em uma extensão dos trabalhos desses garotos e garotas,
propagando os conhecimentos sobre a cidade e a própria Educação Científica na escola
pública.
Essa capacidade de difusão de informações e conhecimentos que o Rádio possui e os
seus efeitos na escola é o início de uma dinâmica que expande essa tal “extensão do homem”
para um contexto ciberespacial. Na era digital, a internet faz parte da rotina dos jovens que
estão na escola e, por esse motivo, o ciberespaço é um “lugar” que possibilita a conexão
multimidiática, potencializando a característica comunicativa do projeto “A Rádio da Escola
na Escola da Rádio”.
A emergência do ciberespaço é fruto de um verdadeiro movimento social, com seu
grupo líder (a juventude metropolitana escolarizada), suas palavras de ordem
(interconexão, criação de comunidades virtuais, inteligência coletiva) e suas
aspirações coerentes (LÉVY, 1999, p. 123).
A internet proporciona dinâmicas sociais que provocaram uma alteração no
paradigma4 midiático moderno. No ciberespaço, a convergência dos meios de comunicação é
uma ideia que aumenta as formas de difundir a informação. Jenkins (2009) afirma que essa
convergência supera um processo tecnológico que une múltiplas funções dentro de um mesmo
aparelho e, portanto, a mesma representa, na verdade, uma transformação cultural.
Por convergência, refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes
midiáticos, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento
migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte
em busca das experiências de entretenimento que desejam. Convergência é uma
palavra que consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais
e sociais, dependendo de quem está falando e do que imaginam estar falando
(JENKINS, 2009, p. 29).
A conexão é uma condição social contemporânea e, dessa forma, a informação adota
uma função central nessa transformação cultural pautada na convergência. As TIC,
representadas fisicamente pelos artefatos móveis digitais, tornam o acesso à informação uma
4 A expressão “paradigma” é contextual nas reflexões e discursos dos autores, mas evitamos o termo nas
discussões do grupo de pesquisa, o GEOTEC.
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alternativa com pouca limitação de tempo e espaço. As pessoas podem acessar e ressignificar
informações, relacionando-se, a partir delas, em qualquer lugar e a qualquer momento. Isso
suscita esse fluxo constante de conteúdos multimidiáticos. Esse fluxo informativo, que, como
afirma Jenkins (2009), acontece “através de múltiplos suportes midiáticos”, propicia também
uma dinâmica cooperativa entre os diferentes mercados midiáticos. Esse movimento
“multimercadológico”, se assim podemos dizer, suscita uma ação midiática coletiva.
Nos últimos anos, vimos como os celulares se tornaram cada vez mais fundamentais
nas estratégias de lançamento de filmes comerciais em todo o mundo; como filmes
amadores e profissionais produzidos em celulares competiram por prêmios em
festivais de cinema internacionais; como usuários puderam ouvir grandes concertos
e shows musicais; como romancistas japoneses serializam sua obra via mensagens
de texto; e como gamers usaram aparelhos móveis para competir em jogos de
realidade alternativa (JENKINS, 2009, p. 31).
O sujeito convergente não espera mais pela informação. Ele não fica conectado à
televisão se não estiver sendo transmitido nela o que ele deseja assistir. A sua vontade, o seu
entretenimento está ao alcance das teclas do computador, tablet ou smartphones. Essa
capacidade latente das TIC inaugura novas dinâmicas midiáticas, propiciando essa
experiência de movimentação do público dos meios de comunicação de massa na “caça” à
informação.
A expansão da cibercultura fez com que pensadores e teóricos imaginassem que a
internet iria dizimar os demais meios de comunicação, remontando um sentimento
historicamente recorrente, principalmente, quando se pensa nos avanços da tecnologia.
Muitos achavam que a fotografia provocaria o fim da pintura e das artes plásticas, o cinema
não daria mais chances para imagens estáticas, o rádio acabaria com o jornal impresso, a
televisão exterminaria a radiofonia e a internet anunciaria o fim de todas as outras mídias.
Porém, todas as mídias convivem simultaneamente na era da convergência, dando novos
sentidos aos meios, a informação e a sociedade.
O paradigma da revolução digital alegava que os novos meios de comunicação
digital mudariam tudo. Após o estouro da bolha pontocom, a tendência foi imaginar
que as novas mídias não haviam mudado nada. Como muitas outras coisas no
ambiente midiático atual, a verdade está no meio-termo. Cada vez mais, líderes da
indústria midiática estão retornando à convergência como uma forma de encontrar
sentido, num momento de confusas transformações. A convergência é, nesse
sentido, um conceito antigo assumindo novos significados (JENKINS, 2009, p. 33).
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Esse “meio-termo” é que faz com que a convergência (re)defina, de alguma maneira,
todas essas transformações comunicativas e sociais. Jenkins afirma que “a convergência
ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com os
outros” (2009, p. 30), desse modo, os aparatos tecnológicos são “extensões” (MCLUHAN,
2005) das nossas atividades cerebrais e potencializam todas essas mudanças comunicativas e
culturais.
Com base nessa concepção “extensiva do homem”, contemplar as TIC como
linguagem gera novas possibilidades aos processos comunicativos dos sujeitos. Na sociedade
da convergência, promover as TIC como linguagem na escola, potencializa os processos
comunicativos e formativos dos sujeitos que fazem parte desse espaço social.
Conceber as TIC como linguagem implica compreendê-las como uma estrutura ao
mesmo tempo material e simbólica, em que o sujeito opera a partir de seu
posicionamento subjetivo, político e social. Implica admitir o buraco constitutivo da
comunicação e da informação, apesar de seu ultradesenvolvimento científico e
tecnológico. Por isso, as TIC não têm a ver com reprodução e assimilação, mas,
fundamentalmente, com as possibilidades de construção dos sujeitos e dos coletivos,
como expressão singular de suas identidades, seus pertencimentos e enraizamentos, de suas lutas, e seus modos de viver e de pensar (LIMA JR, 2009, p. 30).
Quando essa noção das TIC como linguagem é promovida na escola através da
pesquisa, mudanças significativas também ocorrem no universo escolar. É a partir desta
perspectiva comunicativa e tecnológica que o projeto “Casulo” se realiza, tendo o filme
documentário como linguagem que leva as vozes e sentimentos dos alunos-pesquisadores
para outros sujeitos da escola e da sociedade (MENDES, 2015).
Casulo
O “Casulo” é uma pesquisa que tem a comunicação e a tecnologia envolvidas em todo
o seu processo investigativo. O fato do “Casulo” ter um filme documentário como produto de
pesquisa, já demonstra essa característica na prática. Apesar dos documentários serem
amplamente utilizados pedagogicamente, a possibilidade de ter esse artefato audiovisual
como resultado de uma investigação científica em educação só se concretiza a partir da
criação dos mestrados profissionais em educação e consequente ampliação das opções de
Trabalho de Conclusão Final de Curso (TCFC).
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O trabalho de conclusão final do curso poderá ser apresentado em diferentes formatos, tais como dissertação, revisão sistemática e aprofundada da literatura,
artigo, patente, registros de propriedade intelectual, projetos técnicos, publicações
tecnológicas; desenvolvimento de aplicativos, de materiais didáticos e instrucionais
e de produtos, processos e técnicas; produção de programas de mídia, editoria,
composições, concertos, relatórios finais de pesquisa, softwares, estudos de caso,
relatório técnico com regras de sigilo, manual de operação técnica, protocolo
experimental ou de aplicação em serviços, proposta de intervenção em
procedimentos clínicos ou de serviço pertinente, projeto de aplicação ou adequação
tecnológica, protótipos para desenvolvimento ou produção de instrumentos,
equipamentos e kits, projetos de inovação tecnológica, produção artística; sem prejuízo de outros formatos, de acordo com a natureza da área e a finalidade do
curso, desde que previamente propostos e aprovados pela CAPES. (BRASIL, 2009,
p. 21).
Além desse novo contexto científico, a trajetória acadêmica e profissional do
pesquisador responsável pelo “Casulo”, autor desse texto, é fundamental para a concepção da
proposta de pesquisa. A formação em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo, a
experiência de já ter realizado o filme documentário Gualin do Riocontra5 na graduação, os
vários anos de sala de aula como professor de inglês e o envolvimento com o projeto A Rádio
da Escola na Escola da Rádio foram essenciais para percorrer os caminhos investigativos que
serão descritos nos parágrafos a seguir.
Para um pesquisador, ver alunos da Educação Básica Pública desenvolvendo pesquisas
científicas, a partir das TIC, é motivação suficiente para que surjam questionamentos que
buscam um entendimento sobre as influências dessas práticas nos processos formativos e na
vida desses estudantes. Quando o pesquisador é um comunicólogo, além desse entendimento,
existe o desejo de fazer com que as vozes e sentimentos desses sujeitos sejam difundidos para
o maior número de pessoas possível.
É assim que o “Casulo” surge e a ideia do documentário começa a se materializar.
Além desse contexto, o fato dos alunos-pesquisadores do projeto A Rádio da Escola na
Escola da Rádio já desenvolverem pesquisas e produtos midiáticos – o vídeo Um Ser Só6 é
um exemplo disso – também favoreceu bastante o processo de desenvolvimento desse estudo
científico e do filme.
A produção de um filme documentário pressupõe três etapas básicas: pré-produção;
produção e pós-produção. No “Casulo”, os processos de pesquisa e de desenvolvimento do
5 O filme Gualin do Riocontra – A Língua Secreta do Bairro da Lapinha conquistou o prêmio de melhor filme
na votação do júri popular do 1º Festival de Cinema Universitário da Bahia e está disponível em:
http://gualin.com.br/.
6 Vídeo produzido por Alessandra Carvalho, Fernanda Portela, Larissa Falcão, Luiza Vitória e Kiara Medeiros, alunas-pesquisadoras do projeto A Rádio da Escola na Escola da Rádio, disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=1_k47udY08M.
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produto estão, de certa forma, entrelaçados. Por este motivo, o relato das ações dessa pesquisa
também será subdividido nessas três etapas.
Pré-produção
Toda pesquisa científica precisa definir caminhos e planejar ações a fim de alcançar os
seus objetivos. Em uma produção audiovisual não é diferente. Antes de filmar, o cineasta
precisa visualizar mentalmente o filme, definindo assim os personagens, planos, cenas,
ângulos, locações e uma série de outros aspectos. É, por esse motivo, que o roteiro de um
filme é elaborado na etapa de pré-produção.
É possível dizer que no “Casulo” o roteiro do documentário é também um roteiro de
pesquisa que foi construído em conjunto com os alunos-pesquisadores da escola pública.
Como se trata de uma Pesquisa Participante, o “Casulo” se realiza através das relações de
participação, tornando os sujeitos da pesquisa “o companheiro de um compromisso cuja
trajetória, traduzida em trabalho político e luta popular, obriga o pesquisador a repensar não
só a posição de sua pesquisa, mas também a de sua própria pessoa” (BRANDÃO, 1999, p.13).
A elaboração coletiva do roteiro do documentário teve início a partir de uma reunião
com sete alunos-pesquisadores do projeto A Rádio da Escola na Escola da Rádio. Nesse
primeiro encontro presencial, houve uma discussão sobre as primeiras ideias para o
documentário e a opção pela criação de um grupo fechado no Facebook para que as conversas
sobre o roteiro do filme continuassem mesmo à distância.
Figura 1 - Grupo fechado ”O filme documentário da Rádio da Escola na Escola da Rádio”.
Fonte: Projeto Casulo (FACEBOOK).
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A criação do grupo no Facebook intensificou o processo de elaboração do roteiro,
ampliando a participação dos alunos-pesquisadores nas escolhas do documentário. Foi através
do grupo – que contou ao todo com a participação de 27 alunos-pesquisadores – que as
perguntas das entrevistas, os locais de filmagem, os documentários de referência, o nome do
filme e outros detalhes foram definidos.
Mesmo depois que a primeira versão do roteiro ficou pronta, a dinâmica em torno das
escolhas do documentário continuou ocorrendo no grupo do Facebook e esse espaço virtual
começou a se transformar em um verdadeiro diário de bordo. A partir desse momento, as
filmagens começam a ser realizadas e a etapa de produção desse filme/pesquisa se inicia.
Produção
Com o nome do filme e do projeto definido pelos alunos-pesquisadores, o “Casulo”
começa a ganhar vida através de sons e imagens. Foram sete meses de trabalho distribuídos
em 23 dias de filmagens, nos quais 29 alunos-pesquisadores e nove professores,
coordenadores, pesquisadores e colaboradores do projeto A Rádio da Escola na Escola da
Rádio foram entrevistados. Além dos depoimentos, foram gravadas as apresentações de
trabalhos em dois eventos científicos e duas pesquisas de campo realizadas pelos alunos-
pesquisadores na cidade de Salvador/BA.
Figura 2 - Williams Martins, aluno-pesquisador da Escola Roberto Santos, Salvador/BA.
Fonte: Filme documentário Casulo.
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Nesse período, o processo de participação dos alunos nas escolhas do filme se
intensificou ainda mais e, assim, a aluna-pesquisadora Kiara Medeiros se ofereceu para fazer
os desenhos que retratam a metáfora da lagarta/casulo/borboleta e que constituem a narrativa
do documentário, fazendo uma referência imagética ao título filme e ao sentimento deles em
relação ao processo de fazer pesquisa. A partir dos desenhos, os alunos-pesquisadores
definiram as cores que compuseram a identidade visual do projeto e a borboleta feita por
Kiara se tornou a logomarca do projeto, desenvolvida pelo designer/colaborador Evaldo
Nascimento.
Figura 3 - Versão final da logomarca do Casulo, desenvolvida pelo designer e colaborador Evaldo Nascimento a partir do desenho da Borboleta feito pela aluna Kiara Medeiros.
Fonte: Projeto Casulo.
É nesse momento também que as músicas cedidas colaborativamente ao projeto pelos
artistas baianos Tiganá Santana, Kalu e SETA são apreciadas e aprovadas pelos alunos-
pesquisadores através do grupo do Facebook. Com todo o material gravado em mãos, o
“Casulo” seguiu para a etapa de pós-produção.
Pós-produção
Nessa etapa, a ideia era fazer com que os alunos-pesquisadores pudessem apreciar o
processo de montagem do documentário, opinando sobre as escolhas estéticas que iriam
compor a narrativa do “Casulo”. Porém, com o prazo de defesa do projeto de mestrado
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chegando ao fim, a fase final de produção do filme acabou não podendo contar com a
participação dos alunos-pesquisadores que foi idealizada inicialmente. Situações que fazem
parte de uma pesquisa acadêmica, mas que não prejudicaram a conclusão da
investigação/produção do documentário, até porque a participação ativa dos alunos durante as
etapas de pré-produção e produção do “Casulo” deixaram as fortes marcas dos
sujeitos/protagonistas.
Os processos de decupagem7, montagem, edição e finalização do documentário foram
realizados pelo diretor-pesquisador do “Casulo”, autor deste artigo, com base no roteiro do
filme que foi elaborado coletivamente. Nessa etapa de finalização da pesquisa/filme, o
“Casulo” ganhou mais dois colaboradores: Mateus Moreira, estudante de Artes Visuais e
amigo de Kiara Medeiros que a ajudou no processo de desenvolvimento dos desenhos que
compõem a metáfora da lagarta/casulo/borboleta presente no filme; e José Cupertino, que
realizou a finalização e o desenho de som do documentário.
Considerações Finais
Esse artigo é um breve relato de uma pesquisa de mestrado profissional em educação e
teve o objetivo de discorrer sobre os aspectos comunicativos e tecnológicos dessa
investigação científica que tem como produto final um artefato educacional, artístico e
tecnológico: o filme documentário “Casulo”8. A ideia aqui não é dar conta de todas as
possibilidades do “Casulo”, até porque é impossível textualmente contemplar as potenciais
apropriações subjetivas que as pessoas podem nutrir a partir de um produto audiovisual, da
mesma forma que não é possível dar conta de uma pesquisa científica sem o texto acadêmico.
É difícil fazer um recorte teórico em um processo empírico que envolve intensamente
diferentes saberes e conhecimentos acadêmicos e humanos, mas a crença é que o
documentário tem uma grande capacidade de retratar realidades de maneira mais cognoscível
para o homem contemporâneo, já que, devido à “capacidade que têm o filme e a fita de áudio
de registrar situações e acontecimentos com notável fidelidade, vemos nos documentários
pessoas, lugares e coisas que também poderíamos ver por nós mesmos, fora do cinema”
(NICHOLS, 2008, p. 28).
7 A decupagem é o processo de pré-seleção das imagens a serem utilizadas no processo de montagem e edição de
um filme documentário, a partir da apreciação de todo o material bruto capturado.
8 Para mais informações sobre o documentário e o projeto acesse: www.casuloofilme.uneb.br.
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Por esse motivo, a pretensão é que o documentário seja visto pelo maior número de
pessoas possível e para isso a difusão acadêmica do projeto, através da publicação de artigos,
apresentação e exibição do documentário em eventos científicos e festivais de cinema é de
grande importância.
“Casulo” é um documentário realizado por alunos da escola pública, para escola
pública. Portanto, o esforço principal é fazer com que os kits do documentário, com texto
informativo e DVD, sejam, inicialmente, produzidos e distribuídos em todas as escolas
públicas do estado da Bahia e, futuramente, em todo Rede Pública de Ensino do País.
Esse não é um desejo simples, mas o sentimento é que o “Casulo” tem a capacidade de
mostrar que é possível repensar e ressignificar os processos da escola, reconfigurando e
instaurando práticas que considerem o contexto comunicativo e tecnológico contemporâneo,
contribuindo para o cumprimento do papel social da escola, formando assim sujeitos mais
críticos, solidários e emancipados. O “Casulo” não é a cura para todos os “males” da
educação brasileira e nem tem a pretensão de tornar o projeto da A Rádio da Escola na Escola
da Rádio um modelo fechado a ser copiado por todas as escolas. O objetivo é que, na verdade,
a partir do contato audiovisual com as vozes e sentimentos dos alunos-pesquisadores, os
espectadores se inspirem a construir seus próprios casulos.
REFERÊNCIAS
BRANDÃO, Carlos R. (org.). Repensando a Pesquisa Participante. São Paulo: Brasiliense,
1999.
________; STRECK, Danilo R. (org.). Pesquisa Participante: o saber da partilha. Aparecida, SP: Idéias & Letras, 2006.
BRASIL. Ministério da Educação. Portaria n. 17, de 28 de dezembro de 2009. Dispõe sobre o
mestrado profissional no âmbito da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
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