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O Concurso de Fotografia “Transversalidades” visou recorrer à imagem como meio para promover a cooperação territorial.As fotografias foram candidatas a um dos seguintes temas principais, onde se integram alguns domínios mais específicos:1. Paisagens naturais e espaços rurais.2. Cidade e actividades urbanas e industriais.3. Património material e intangível.4. Modos de vida, condições sociais, processos de desenvolvimento sustentável.5. Espaços de fronteira.As candidaturas decorreram de 15 de julho a 15 de novembro de 2010, contando com uma profusão de participantes de diferentes nacionalidades.

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Transversalidadesfotografia sem fronteirasTerritrios, Sociedades e Culturas em tempos de mudana

Transversalidadesfotografia sem fronteiras

ficha tcnica

Transversalidadesfotografia sem fronteirasTtulo

Transversalidades fotografia sem fronteirasCoordenao

|

Territrios, Sociedades e Culturas em tempos de mudana

Rui JacintoCoordenao fotogrfica

Monteiro GilTextos

Antnio Pedro Pita | Claudino Ferreira | Henrique Cayatte | Lorenzo Lpez Trigal | Lcio Cunha Maria Encarnao Sposito | Messias Modesto dos Passos | Rui Jacinto | Valentn Cabero Victorino Garca CaldernProduo

Alexandra IsidroReviso

Ana Margarida ProenaApoio Tcnico

Armnio Bernardo

|

Alexandra Cunha

|

Sofia Martins

Design | produo | pr-impresso

Via Coloris, Design de Comunicao, lda.Impresso | acabamento

Peres - Soctip, Indusrias grficas, SATiragem

1000 ex.Depsito legal

335972/11ISBN

978-989-96411-5-0Edio

Centro de Estudos Ibricos R. Soeiro Viegas, 8 6300-758 Guarda www.cei.pt

Transversalidadesfotografia sem fronteiras

Territrios, Sociedades e Culturas em tempos de mudana

Transversalidadesndice

fotografia sem fronteirasTerritrios, Sociedades e Culturas em tempos de mudana1.Transversalidades: imagem, coeso, cooperaoPortfolio Fotografia Sem Fronteiras: ler as diversidades, interpretar as mudanas, combater as desigualdadesRui Jacinto

7 8 14 19 22

O interior da imagemHenrique Cayatte

La Raya, entre el abandono y el atractivo fotogrficoVictorino Garca Caldern

2.

Territrios, Sociedades e Culturas em tempos de mudana2.1. Paisagens e recursos naturais Fotografias premiadas O Ser Humano e a NaturezaLcio Cunha

25 25 26 33 36 49 50 56 60

Fotografias selecionadas 2.2. Cidade e actividades urbanas e industriais Fotografias premiadas Olhares transversais: a cidade entre a imagem e a palavraClaudino Ferreira

Fotografias selecionadas

2.3. Patrimnio material e intangvel Fotografias premiadas Figuras de MundoAntnio Pedro Pita

69 70 77 80 91 92 99 102 115 116 121 125

Fotografias selecionadas 2.4. Modos de vida e desenvolvimento sustentvel Fotografias premiadas Una mirada transversal comprometida con la vida y con el territorioValentn Cabero

Fotografias selecionadas 2.5. Espaos de fronteira Fotografias premiadas Espacios de frontera y la Raya IbricaLorenzo Lpez Trigal

Fotografias selecionadas

3.

Dilogo transatlntico: breve viagem pelo Brasil3.1. Paisagens de fronteira e do desenvolvimento Espaos rurais, espaos de fronteiras, modos de vida, desenvolvimento sustentvelMessias Modesto dos Passos

129 129 130 137 145 146 148 154

Fotografias selecionadas 3.2. Cidade, actividades e patrimnios Como uma transversal do tempo e do espaoMaria Encarnao Beltro Sposito

Fotografias selecionadas Legendas das fotografias

1.

Transversalidades

imagem, coeso, cooperao

Transversalidades

I fotografia sem fronteiras

PortfolioAlfredo Cunha, Portugal

Rapa das Bestas *(1) La Guardia (Espanha), 2007 Rapa das Bestas *(2) La Guardia, Espanha, 2007

transversalidades: imagem, coeso, cooperao

Rapa das Bestas *(3) La Guardia, Espanha, 2007

9

Transversalidades

I fotografia sem fronteiras

PortfolioAlfredo Cunha, Portugal

Gers *(4) Cunhas Gers (Portugal), 2006 Serra da Estrela *(5) Linhares da Beira (Portugal), 2007

transversalidades: imagem, coeso, cooperao

Tourm *(6) Tourm (Portugal), 2007

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Transversalidades

I fotografia sem fronteiras

PortfolioAlfredo Cunha, Portugal

Pesca *(7) Viana do Castelo (Portugal), 2005 Pesca *(8) Viana do Castelo (Portugal), 2005

transversalidades: imagem, coeso, cooperao

Pesca *(9) Viana do Castelo (Portugal), 2005

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Fotografia Sem Fronteiras: ler as diversidades, interpretar as mudanas, combater as desigualdadesRui Jacinto

As paisagens naturais e humanas a que nos fomos afeioando no ficaram imunes sucesso de acontecimentos que culminaram na crise que estamos a atravessar, responsvel pelos novos mapas, de contornos ainda indefinidos, que esto a redesenhar as emergentes geografias locais, regionais e globais. Duas dcadas de apregoada globalizao aceleraram as mudanas econmicas, sociais, culturais e polticas, comprimiram o tempo, desregularam os frgeis equilbrios ambientais, alimentares, energticos e financeiros que colocaram a generalidade dos territrios merc de voracidades predadoras e pouco ticas, expondo-os a incertezas, precariedades e angstias insuportavelmente pesadas e injustas. As tenses conflituantes entre tradio e modernidade, arcasmo e inovao, continuidade e mudana, inerentes aos actuais processos de reestruturao econmica, social e territorial, proporcionam imagens representativas de fenmenos novos que podem ser captados nas mais populosas metrpoles, nos espaos mais despovoados, recnditos e remotos, ou nas mais longnquas e profundas regies de fronteira. A imagem adquiriu, por outro lado, enorme centralidade nas sociedades contemporneas, tornou-se decisiva para ler o mundo e interpretar as mudanas que nele se esto a operar, factos que acabaram por condenar vastas reas do globo excluso visual, essa forma eficaz de marginalizao, por ausncia de imagens, em que os mdia se especializaram. Difundir fotografias que evidenciem a diversidade de um mundo em mutao, que mostrem as desigualdades, as diferenas e as clivagens que conduzem excluso de populaes e de lugares no deixa de contribuir para a reconstruo dos mapas mentais onde se pode alicerar uma nova cultura territorial e uma geografia mais responsvel e inclusiva de pessoas e territrios. Tentando superar o conceito para onde o termo nos remete, Transversalidades no se limita simples compilao de material para alimentar um banco de imagens sobre as transformaes em curso, usa-as como cada famlia constri, atravs da fotografia, uma crnica de si mesma, uma srie porttil de imagens que testemunha a sua coeso. No existe, pois, a preocupao exclusiva de recordar atravs das imagens, mas restabelecer simbolicamente a precria continuidade e o progressivo desaparecimento da vida familiar e, assim, assegurar a presena simblica dos parentes dispersos, valores que conferem fotografia tanto a posse imaginria de um passado irreal como ajudam a dominar o espao em que as pessoas se sentem inseguras. 1

transversalidades: imagem, coeso, cooperao

O Centro de Estudos Ibricos (CEI) procura superar, atravs deste projecto, o seu mbito de actuao mais imediato, confinado Raia portuguesa e espanhola, alargando este espao a pases de outros continentes onde perduram marcas da presena ibrica. Sem perder de vista o compromisso histrico que mantm com os territrios de baixa densidade, perifricos e de fronteira, a viagem protagonizada por este projecto leva-nos a contactar realidades naturais e humanas dispersas por diferentes contextos geogrficos, outra maneira de promover o dilogo entre Territrios, Sociedades e Culturas e, assim, esbater tantas e to artificiosas fronteiras. Com este pano de fundo e tendo presente as contradies, complexidades e perplexidades do momento que vivemos, Transversalidades foi concebido com base em mltiplos propsitos: fixar diferentes sinais que emanam das actuais dinmicas scio-territoriais, utilizar a fotografia para denunciar e combater a excluso, recorrer imagem para incentivar o dilogo e a cooperao territorial. O projecto assentou nos seguintes objectivos especficos: aproveitar o valor documental, pedaggico e esttico da imagem para promover a incluso dos territrios menos visveis, inventariar recursos, valorizar paisagens, culturas e patrimnios; promover a cooperao entre pessoas, instituies e territrios, de aqum e alm fronteiras, fomentar a troca de experincias e de conhecimentos entre espaos unidos pela matriz ibrica comum, espalhados por diferentes pases de vrios continentes; formar novos pblicos e usar as novas tecnologias de comunicao como meio privilegiado de comunicar, tendo como foco os jovens estudantes universitrios e o alargamento da rede internacional de investigadores que se vai organizando a partir do CEI.

O mapa no o territrio como a imagem no , tambm, a coisa que retrata. Esta evidncia, que nos obriga reconhecer que a fotografia no testemunha absoluta de nada, no nos impede constatar que o conhecimento ainda se constri, em boa medida, a partir de imagens, porque muitos so os objectos, os processos, os fenmenos, os lugares, os rostos aos quais s elas permitem o acesso2. Estamos submersos em imagens, oriundas de muitas fontes e das mais variadas provenincias, fruto da simplificao e da democratizao do acesso fotografia e da evoluo tcnica, industrial e artstica que massificou a respectiva produo e difuso. Omnipresente, a fotografia substituda a cada instante por outra fotografia, tornou-se num divertimento banal e numa forma de arte de massas que invadiu os espaos pblicos e a esfera privada. Ningum contesta, apesar desta expanso, que a fotografia, sob mltiplos aspectos, se afirmou como uma forma de expresso, de informao e de comunicao total, essencial e especfica, um importante testemunho artstico ou jornalstico sobre o mundo 3. Ao retratar pessoas e lugares que acaba por impor ou iconizar, a fotografia veicula mensagens, influencia comportamentos, molda a viso do mundo, concorre para impor a ditadura da imagem que, hoje, nos esmaga. A fotografia no , como nunca foi, uma produo simples, inocente, casual ou mecnica

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Transversalidades

I fotografia sem fronteiras

de imagens, nem, como muitos pensaram durante muito tempo, uma simples reproduo da natureza, do mundo que nos rodeia, mas antes uma linguagem relativamente estruturada nas suas formas e significados, e trabalhada por uma histria que se foi progressivamente enriquecendo 4. Sendo a fotografia uma linguagem, o fotgrafo um autor que, segundo alguns, devia chamar-se imagingrafo, porque estes profissionais so caadores de fascnios, manejam o poder mgico da imagem, possuem o condo de desocultar os mltiplos sentimentos do acontecido, libertar o tudo que poderia ter sido naquilo que simplesmente foi 1. As imagens submetidas a este concurso carregam a sua histria, transportam uma mensagem, encerram uma esttica e um discurso resultantes dum olhar, pessoal e intransmissvel, prprio de cada autor, pois o que no se ensina (o que no quer dizer que no se aprenda) a ver. E bom que assim seja. Se todos tivssemos o olhar do Cartier-Bresson, todos fotografaramos como ele, o que, alm de montono, seria triste. A aprendizagem do olhar faz-se s. No serve adoptar o olhar dum mestre seno para tentar ir mais longe do que ele ou, por rebeldia, fazer o que ele no fez. 5 As imagens utilizadas no catlogo tm vrias provenincias, resultam de mltiplos olhares, foram captadas com intuitos profissionais, por fotgrafos, jornalistas ou cientistas de vrias matizes, por estudantes e cidados comuns que recorrem a este meio de comunicao para transmitirem emoes, preservarem memrias ou, simplesmente, coleccionarem fotografias que arquivam num sempre incompleto lbum pessoal. A viso do mundo que facultam est condicionada pelos termos de referncia que deram o mote e estruturaram o concurso, seja o tema geral ou os cinco temas especficos 6. A informao disponvel sobre os concorrentes (271) e as imagens submetidas a concurso (1592) permite evidenciar os aspectos relevantes quanto ao perfil dos candidatos e geografia que est implcita s fotografias candidatas: os concorrentes so predominantemente jovens e o gnero feminino tem uma expressiva representao. Os concorrentes com menos de 25 anos representam 29% do total (78) e os do escalo entre 25 e 35 anos atingem 39% (100); isto , 66% dos candidatos tm menos de 35 anos. As mulheres protagonizam 44% das candidaturas, sendo maioritrias entre o grupo mais jovem (representam 66% no escalo com menos de 25 anos) e entre os estudantes (65%); as categorias socioprofissionais mais representadas so a dos estudantes (com 88 candidaturas, isto , 32% do total), dos licenciados (71, 26% do total), dos fotgrafos/ jornalistas (22, 8%) e dos arquitectos/ designers/ artistas plsticos (22, cerca de 8%); os temas mais procurados foram: 1. Paisagens naturais e espaos rurais (37% do total das imagens foram candidatas a este tema), 3. Patrimnio material e intangvel (23%), 4. Modos de vida, condies sociais (20%), 2. Cidade e actividades urbanas e industriais (15%) e 5. Espaos de fronteira (4%); houve um nmero significativo de candidatos brasileiros (49, 18% do total), alm de portugueses (206,

transversalidades: imagem, coeso, cooperao

76%) e espanhis (7, cerca de 3%). A origem dos concorrentes portugueses segue o padro das dicotomias e polarizaes que caracterizam o territrio portugus, se exceptuarmos o elevado nmero de candidatos da rea da Guarda (14%) predominando a concentrao de candidatos no litoral e nas reas metropolitanas de Lisboa e Porto (32%); merece ainda uma referncia particular o facto dos locais onde foram realizadas as fotografias no coincidirem com os das residncias dos concorrentes. Os locais onde foram captadas as fotografias apresentadas a concurso, denunciam pases que estiveram na rota de viagens marcantes para os concorrentes (frica, sia ou Amrica Central e do Sul) ou concelhos de Portugal onde se deslocaram por motivos ldicos ou procurando cenrios ideais para realizar fotografia: os concelhos do interior, que apresentam paisagens rurais e maior densidade de patrimnio natural ou construdo, acabam por ser mais procurados para a prtica da fotografia.

Tudo o que existe no mundo s existe para vir a acabar num livro, afirmao que, abusivamente generalizada, permite pensar que hoje em dia, tudo o que existe, existe para vir a acabar numa fotografia 7, suporte, cada vez mais virtual, onde terminam paisagens distantes, cidades longnquas, pessoas e lugares que nos so prximos, experincias e momentos marcantes, individuais ou colectivos. A relao entre a imagem e a escrita, contudo, foi mudando desde o tempo em que os textos explicavam as imagens e as desmitificavam. Doravante, as imagens ilustram os textos, remitificando-os. Os capitis romnticos serviam aos textos bblicos com o fim de desmagiciz-los. Os artigos de jornal servem s fotografias para os remagicizarem. No curso da Histria, as imagens eram subservientes, podia-se dispens-las. Actualmente, os textos so subservientes e podem ser dispensados. 8 As fotografias contidas no catlogo, resultantes duma apertada seleco feita entre as submetidas a concurso, esboam um roteiro que tem por coordenadas lugares e pessoas dispersas no mapa e perdidos no tempo, desenham a cartografia possvel das desigualdades e diferenas que fracturam o mundo, das clivagens abertas pelas novas fronteiras que fragmentam as sociedades e os territrios. A fotografia num livro , como algum disse, a imagem de uma imagem, onde a sequncia em que as fotografias devem ser olhadas proposta pela ordem das pginas, mas nada obriga os leitores a seguirem a ordem recomendada ou indica a quantidade de tempo que devem dedicar a cada fotografia. 9 O ritmo ser, pois, ditado pelos interesses, sensibilidades e emoes de cada um, que pode demorar o olhar nos lugares mais silenciados, nas pessoas remetidas para as margens do anonimato, fazendo deste reencontro um sinal de resistncia contra o esquecimento a que so votados. A fotografia ter muitos enquadramentos e abordagens, mas a imagem fotogrfica s existe plenamente se for fruda por um leitor que lhe d uma interpretao e, nesse sentido, opere activamente uma espcie de reescrita, de recriao. Este valor acrescentado igualmente tributrio do contexto em que a fotografia olhada e lida. Uma modificao do contexto equivale, muitas vezes, a uma modificao de interpretao e de leitura. assim que muitos so, por vezes, tentados a dizer que a melhor imagem aquela em que todos os tipos de leitura so possveis. 10

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Transversalidades

I fotografia sem fronteiras

A fotografia, como a paisagem, no deixa de ser um estado de alma, o que, posto em palavras comuns, querer dizer que a impresso causada pela contemplao de uma paisagem (como de uma fotografia) sempre estar dependente das variaes temperamentais e do humor jovial ou atrabilioso que estiverem actuando dentro de ns no preciso momento em que a tivermos diante dos olhos. 11 Os avisados chamam ateno dos mais incautos para uma incontornvel incompatibilidade de funes: ou se vive ou se fotografa. Ao contrrio do que geralmente aceite, afigura-se-me que fotografar algo , de certo modo, desalfandegarmo-nos da obrigao de o recordar, delegar na imagem a recordao do que momentaneamente nos cativou, uma cbula contra as nossas desejadas amnsias, um adiar da verdadeira contemplao, , finalmente, uma forma de alienao do real substituindo-o pelo seu plido mapa fotogrfico. 12 Incapaz de expressar com idntica preciso e eloquncia os sentimentos que nos assaltam quando deparamos com certos livros ou certas fotografias, aproprio-me das palavras de Ruy Duarte de Carvalho quando , ao percorrer o territrio descrito por Euclides da Cunha em Os Sertes, sintetizou desta maneira o que gostaria transmitir, em jeito de balano, depois de ter contemplado algumas fotografias do acervo submetido a concurso: h um enorme lastro de erudio, h intuies poderosas, fantasia e razo crtica, poesia e cincia, uma dialctica entre o descobrir e o encobrir, explicar e murmurar, elucidar e iludir, espao dado ao incomensurvel, ao desmedido, ao irracional, ao horroroso, ao esmagador, majestoso, indizvel, paradoxal.

(1) Susan Sontag (1986), Ensaios sobre fotografia. Dom Quixote: 18. (2) Monique Sicar (1998;2006), A fbrica do olhar. Edies 70: 15. (3) Gabriel Bauret (2000), A fotografia. Edies 70: 9 (4) Gabriel Bauret (2000): 10. (5) Grard Castello-Lopes (2004), Reflexes sobre fotografia. Eu, a fotografia, os outros. Assrio & Alvim: 100. (6) 1. Paisagens naturais e espaos rurais. Paisagens, recursos e riscos naturais; espaos rurais, povoamento e processos migratrios;

2. Cidade e actividades urbanas e industriais. Cidade, arquitectura e regenerao urbana; inovao e processos de reestruturao industrial; 3. Patrimnio material e intangvel, construdo, histrico, cultural; 4. Modos de vida, condies sociais, processos de desenvolvimento sustentvel. Profisses e excluso social; desenvolvimento e sustentabilidade: polticas, programas e projectos; cooperao territorial: iniciativas e actores; 5. Espaos de fronteira. Fronteiras polticas, limites administrativos, novas fronteiras scio-territoriais.(7) Susan Sontag (1986): 32. (8) Vilm Flussel (1998), Ensaio sobre a fotografia. Para uma filosofia da tcnica, Relgio dgua: 76. (9) Susan Sontag (1986): 15. (10) Gabriel Bauret (1992;2000): 11. (11) Jos Saramago (2006), As pequenas memrias. Caminho: 20. (12) Grard Castello-Lopes (2004): 103.

transversalidades: imagem, coeso, cooperao

O interior da imagemHenrique Cayatte

No tenho uma fotografia mas tenho as minhas pegadas. Esto l em cima dentro das minhas meias Groucho Marx | 1890 1977 Um dia nas corridas

Quando Barthes nos prope ver, que no olhar, para o interior de uma imagem fotogrfica desafia-nos a termos coragem. Coragem de elaborar o nosso prprio discurso a partir de uma construo que s aparentemente igual para todos. A fotografia daquela rua, daquelas pessoas ou daquela paisagem afinal apenas um ponto de partida de uma reflexo polissmica que nos levar onde quisermos ou tivermos interesse e capacidade. Esta uma das propriedades das chamadas artes visuais e em especial da fotografia. Dar-nos a possibilidade de ler de forma por vezes to diferente aquilo que nos proposto pelo autor para nossa informao e fruio. Muitos autores j tinham elaborado sobre a nossa capacidade de fixar um momento atravs da fotografia mas ele que nos fala de um timo latino que, tambm ele convida a uma dupla leitura e que mais do que uma rotunda com vrias sadas possveis: punctus. Punctus no sentido do ponto focado pela objectiva e pelo olhar do fotgrafo. Nesta primeira possibilidade o fotgrafo vai fazer utlizando um termo emprestado do cinema um zoom frente focando e escolhendo, e focando outra vez, at se aproximar do que quer registar. At encontrar um ponto que lhe interesse e que nos quer dar a ver. Mas punctus tambm aquilo que nos chama a ateno de forma to especial e que diferente de pessoa para pessoa. Eu vejo uma dada fotografia que tem um protagonista ao centro, quase ocupando a totalidade da composio, sentado numa cadeira no interior de uma grande sala de aula. Ao fundo alguns cabides fixados numa rgua. Pendurados nesses cabides alguns casacos e sacos. Alguns vo reparar focar no primeiro boto da camisa do retratado que est mal abotoado, outros numa falha do cho e outros ainda num detalhe quase imperceptvel de um dos sacos no plano mais afastado.

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Transversalidades

I fotografia sem fronteiras

Esta profundidade de campo cria um cone de leitura em tudo semelhante ao que nos ensinaram os mestres da Renascena nos seus magnficos desenhos que eram mais do que fotografias porque nos mostravam, para alm do imediatamente tangvel, o espiritual e o sublime. Como eles, que j familiares com as linhas de construo de uma perspectiva desenham por intuio, tambm ns intumos que estamos, com o olhar, a viajar em mltiplas direces. No apenas para os lados ou para cima e para baixo mas para dentro da fotografia. Na camera obscura, em bom recato e atravs de um elementar periscpio montado numa pequena construo que albergava o riscador, podia-se captar um detalhe fixo do que estava l fora e refix-lo num desenho que se pretendia o mais parecido com o original. Hoje no nos preocupamos muito por enquanto com a fiabilidade do que captamos desde que sejamos mais rpidos do que a prpria sombra e consigamos estar no olho do furaco. Com a cmara do nosso telemvel movemo-nos com grande liberdade para que o acontecimento possa ficar registado e depois ser massificado atravs de uma televiso ou do You Tube. As imagens a maior parted as vezes so de to m qualidade mas mesmo assim editadas, que procuramos adivinhar o que realmente se passou e que s vezes nos chega de forma fragmentada e imperceptvel. Foi precisamente neste intervalo entre o desenho e a cmara do telemvel, nesse territrio que hoje de conforto tcnico, que aceitei o muito agradvel convite do Professor Rui Jacinto para, enquanto membro do jri desta importante iniciativa, olhar, ver e procurar classificar com os meus pares, um importante e extenso acervo fotogrfico. Resultado do trabalho de dezenas de fotgrafos com experincias, olhares e provenincias diversas a um concurso de fotografia que falasse de coeso social e do territrio. Como seria de esperar foram mltiplas as abordagens e como era previsvel tambm diversos iriam ser os nossos critrios especialmente quando entre os jurados se cruzavam saberes, experincias e at nacionalidades diferentes.

L fora c dentroE como fotografar hoje a coeso social ou a falta dela em territrios do interior deste Pas? No fcil. Corre-se sempre o risco de nos confrontarmos com um discurso literal, ou de simples registo. Outras vezes, demasiadas, leituras redutoras que quase reduzem bidimensionalidade aquilo que to mais rico mas que o fotgrafo no conseguiu registar.

transversalidades: imagem, coeso, cooperao

Imagens que confundem potica com encenao. Fotografias que no convocam mais do que um simples olhar do espectador quando seria bem mais interessante provocar o jurado, obrig-lo a mltiplas leituras e a outras tantas hesitaes. Que pudesse provocar a reflexo e o debate. Muitas peas a concurso caram nesta armadilha que fruto de uma cultura visual estereotipada e assente no primado de que basta ter uma mquina high tech para que as fotografias surjam de gerao quase expontnea. Bastante parecido, por acaso, com aquilo que se passa com muitos designers que imaginam o computador como uma mquina que vai resolver a nossa falta de talento quando, como diria Picasso, ele s responde aos nossos estmulos. Procurar captar um instante l fora - que se agarre a partir de um intrincado microcosmos no tarefa fcil. Umas vezes consegue-se mas a maior parte das vezes no. Trazer para dentro da fotografia uma vida que um rosto, um gesto que tudo abarca ou o vazio que habita o espao e as pessoas exige que se v l fora, se participe e se traga para dentro essa experincia. Um fotgrafo pode ser um cientista social como Fernando Galhano foi com os seus magnficos desenhos. No tanto pela formao de origem mas mais como se mescla com a realidade. Como procura compreender e traduzir para quem l no esteve. Muitas fotografias presentes neste concurso tiveram a capacidade de emocionar o jri e de o fazer parar mais tempo a saborear ou a interpretar. No foi tempo gasto. Foi tempo muito bem empregue. Foram essas que estiveram, merecidamente, na linha da frente da premiao. Com elas fui mais longe e senti-me mais perto das pessoas e dos lugares. Obrigado.

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Transversalidades

I fotografia sem fronteiras

La Raya, entre el abandono y el atractivo fotogrficoVictorino Garca Caldern

Desde que me acuerdo he vivido el paso del tiempo en esta parte de la pennsula como si de una Espada de Damocles se tratara. Me refiero a las zonas fronterizas, tanto espaola como portuguesa, que conocemos como La Raya, sobre la que pende esa Espada en forma de contradiccin entre la constatacin del abandono y el atractivo fotogrfico que ello comporta por ms que nuestros ojos, demasiado educados en lo correcto, intenten eludir cualquier atisbo de desorden y nuestra mirada selectiva se deje atrapar por la belleza de unos bancales limpios, ordenados y de fcil acceso o nuestra pupila se pare atrada por el orden de los campos cultivados con esmero y las lneas de las vias nos lleven de ac para all encauzando nuestro sistema compositivo. Zamora y Trs os Montes e Alto Douro, Salamanca y Beira Alta, Cceres y Beira Baixa, Badajoz y Alto Alentejo, han sufrido, adems de una historia comn llena de desencuentros y tambin de lo contrario, un abandono considerable unido a una sangra de seres humanos hacia tierras ms productivas. La emigracin hacia los pases centroeuropeos que sufrieron los dos pases en los aos postreros de las dictaduras espaola y portuguesa y de la que no se han recuperado a pesar del los cambios polticos y sociales habidos en los ltimos decenios, dej casi vacos los pueblos de uno y otro lado de la frontera y trajo como consecuencia, entre otras, el cierre y total abandono de uno de los nexos ms increbles que el hombre peninsular haya conocido: la lnea frrea entre Oporto y La Fuente de San Esteban que pretenda dar salida a la Europa del desarrollo a la parte norte de Portugal y que en el pueblo salmantino se una a lnea que vena desde Lisboa. La desolacin de todas y cada una de las estaciones ferroviarias de un lado y otro de la frontera ha dejado un recuerdo imperecedero de belleza y evocacin en las retinas de los habitantes rayanos. El abandono al que estn sometidas nos traen a la memoria a artistas como Friedrich o Piranesi, y el romanticismo que fluye por cualquier grieta de cada una de las paredes de ellas traducido en naturaleza casi asfixiante es tan evidente y tan atractivo que es muy difcil no caer en sus encantos, parece que la cmara sea atrada por ese halo de misterio del que estn posedas todas las estaciones de las lneas abandonadas exigiendo que se plasmen, ya sea en una placa o en un sensor digital, con tal de no morir en el anonimato. Posiblemente sea esta caracterstica la ms intrnseca a la fotografa, la que tiene la dualidad de ser arte y, a la vez, acta notarial de los acontecimientos cercanos que ms

transversalidades: imagem, coeso, cooperao

nos preocupan y, por tanto, sea la actividad artstica ms ventajosa a la hora de constatar y reproducir con sentido artstico las consecuencias de las decisiones poltico-econmicas que llevan a realidades tan crudas como la de ser testigos de la degradacin tan incesante como irreversible de lo que supuso, visto desde Espaa, la conquista del oeste peninsular. La construccin del ferrocarril que una Oporto con la meseta castellana constituy un esfuerzo titnico a finales del siglo XIX, se pretenda salvar un desnivel de centenares de metros en unos pocos kilmetros con tal derroche de intelecto y esfuerzo fsico que da vrtigo solo pensar en ello. Los numerosos puentes y tneles consecutivos construdos por miles de obreros en condiciones casi esclavistas, as como las estaciones antes mencionadas, son de un atractivo inigualable desde el punto de vista fotogrfico. Observar cmo la naturaleza realiza su trabajo, corrimientos de tierra, derrumbes en los terraplenes ocultando las vas, puentes que se han vuelto intransitables a no ser que se utilicen vehculos ferroviarios apropiados, y la constante degradacin de los materiales originales han llevado a que el aspecto sea a la vez fantasmagrico y evocador y, por ello, tremendamente atractivo. Pasear con una cmara por la lnea, yendo de estacin en estacin y pasando por terraplenes, desmontes, puentes y tneles, haciendo tomas con sentido de la luz ya sea directa (con sol) o indirecta (nublado), de la hora (no es lo mismo la luz tenue de las primeras y ltimas horas, que la del medioda) y de la estacin del ao (en verano es demasiado perpendicular) en que se realicen, es un ejercicio que va ms all de la simple constatacin, es decirle al mundo que seguimos estando vivos, que denunciamos que se haya llegado a ese estado de abandono, a pesar de que ha sido catalogado el trayecto como Bien de Inters Cultural y que va siendo hora de que se acte en algn sentido para que la Raya no sea una zona de separacin, sino de hermanamiento de dos pases. Valga como ejemplo de otras actividades, tan necesarias como perentorias, en las que la cooperacin debiera incrementarse si no queremos crear una alargada isla de penuria y escasez en torno a lo que nuestros antepasados marcaron, desafortunadamente, con una raya (lnea) en un mapa para dividir la pennsula en dos estados, en dos naciones y que, a pesar de ello, el pueblo llano se ha encargado de minimizar en numerossimas ocasiones a lo largo de lo que fue frontera uniendo familias e intereses y, por tanto, haciendo desaparecer la divisin a un lado y otro de la Raya, con mayscula, palabra maravillosa donde las haya, sinnimo de cooperacin y por ende de entendimiento, dndonos una leccin de lo que en estos momentos debiramos hacer.

23

2.

Territrios, Sociedades e Culturas em tempos de mudanaTema 1 Paisagens e recursos naturais

Prmio tema Paisagens e recursos naturaisJoo Pedro Costa, Portugal

Arco*(10) Brejo (Portugal), 2010

territrios: sociedades e culturas em tempo de mudanas

27

Transversalidades

I fotografia sem fronteiras

Menes honrosas

Rui Miguel da Cruz Feijo Moreira Marques, Portugal Marateca*(11) Castelo Branco (Portugal), 2006

territrios: sociedades e culturas em tempo de mudanas

Nuno Sousa, Portugal Teide*(12) Tenerife (Espanha), 2010

29

Transversalidades

I fotografia sem fronteiras

Jovens estudantes

Daria Volante, Itlia O caminho nas nuvens *(13) Cabeceiras (Brasil), 2009 Lethicia Cardoso Galo, Brasil Carava *(14) Porto Seguro (Brasil), 2010

territrios: sociedades e culturas em tempo de mudanas

Susana Cristina Rodriges Gasalho, Portugal Tarde de Vero *(15) Montejunto (Portugal), 2008 Paulo Renato Gonalves Lopes Soares, Portugal Aflio *(16) Cerdeira (Portugal), 2010

31

Transversalidades

I fotografia sem fronteiras

Jovens estudantes

Tiago Joo Cassapo Dias, Portugal Pinus pinea solitrio *(17) Covilh (Portugal), 2010

territrios: sociedades e culturas em tempo de mudanas

O Ser Humano e a NaturezaLcio Cunha

Natureza e Sociedade so indissociveis! No plano cientfico, apenas por conforto terico ou por necessidade analtica as separamos uma da outra, para logo as juntarmos quando queremos entender uma ou outra, quando queremos l-las ou, mesmo, quando temos necessidade de, com qualquer uma delas, nos envolvermos emocionalmente. No h Homem que no seja natural, nem Natureza que no seja humana, escreveu o filsofo Joo Andr, em 1996. E, de facto, se a fora do Ser Humano e a estrutura das suas organizaes radicam e se regem, muitas vezes, por leis fsico-qumicas, biolgicas e naturais, a Natureza tal como a sentimos, vivemos e utilizamos hoje, mais no do que uma criao da inteligncia humana, um modo de o ser humano olhar para fora de si mesmo, de sentir e perceber um entorno, um meio, um ambiente de que depende, com que se relaciona e do qual, mesmo querendo estar fora, ao fim e ao cabo, faz parte integrante. Talvez por isso, num Mundo cada vez mais terciarizado e urbanizado, a Natureza assume uma valorizao crescente no s nos planos emocional e afectivo, mas tambm nos planos econmico, social e cultural. O urbanita procura trazer para a cidade e manter sempre junto a si elementos fundamentais da Natureza, quer se trate de bosques relquia de um tempo pr-urbano, de parques, jardins ou simples alinhamentos de rvores cuidadosamente planeados e tratados, ou das simblicas hortas urbanas com que se procura recriar o ambiente rural no entorno prximo) ao mesmo tempo que, naquilo que pode representar um esforo de reconciliao com o passado rural e com a vivncia mais prxima da Natureza, nos tempos livres, nos fins de semana ou nas frias procura espaos rurais, territrios abertos e silvestres onde a presena da Natureza mais forte e mais esmagadora ou mais tranquila e acolhedora. Esta relao entre Ser Humano e Natureza, relao muitas vezes equvoca, poucas vezes de equilbrio e quase sempre de dominao ou mesmo de predao desta por aquele, o motor da criao de territrios e da evoluo das paisagens. O conceito de paisagem cultural, hoje no s muito em voga, como tambm muito valorizado em

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Transversalidades

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paisagens e recursos naturais

termos patrimoniais, mais no faz que traduzir em formas, texturas, cores e tons e, tambm, em cheiros, sons e sensaes as relaes mais completas, mais equilibradas ou esttica e funcionalmente mais felizes entre a Sociedade e a Natureza. Estas paisagens tendem a concentrar-se, como parece bvio, no mundo rural, nas montanhas, nos vales dos rios, nos litorais, ou seja nos espaos menos pressionados pela mo humana, mas tambm podem ter expresso no prprio aglomerado urbano, na grande obra hidrulica da albufeira ou no bem arranjado areal da praia turstica. Da Natureza, dos seus sismos e vulces, dos rios caudalosos e do mar em fria, das montanhas e das vastides dos gelos ou das areias escaldantes do deserto lemos a fora, a energia, o vigor que tantas vezes perturba o Ser Humano e as suas actividades. Dessa fora telrica, nem sempre directamente visvel, mas quase sempre muito bem perceptvel, se forjam muitas vezes caracteres e identidades de pessoas e de populaes. O montanhs (ou, nossa escala, o serrano), algumas comunidades de pescadores, os esquims ou os tuaregues so exemplos de povos identificados com o meio e com a Natureza que habitam e na qual encontram a fora e a identidade que lhe so caractersticas. Mas, a Natureza no s fora, energia, vigor! Nos grandes espaos abertos das plancies, no azul dos espelhos de gua ou no verde montono do pinhal, Natureza o Ser Humano vai tambm buscar a placidez, a tranquilidade e a paz de que muitas vezes necessita para vencer as adversidades do dia-a-dia, para restabelecer o seu equilbrio, para promover o re-encontro com as suas origens e com a sua natureza natural. A relao Sociedade-Natureza passa, tambm, por uma relao de posse e domnio. Ao Ser Humano a Natureza d e tira! D terra, gua, ar, vida, ou seja proporciona um conjunto de bens fundamentais para a boa existncia humana sobre a Terra. Aos recursos mais convencionais, renovveis e no renovveis, da pedra para a construo gua que bebemos todos os dias e madeira com que fazemos os nossos utenslios, do ar que respiramos e que necessitamos limpo e puro energia que consumimos desabridamente todos os dias, temos de acrescentar, hoje, novos recursos em relao com a procura incessante da Natureza para actividades de lazer, de desporto e de turismo. o caso do patrimnio natural, nas suas vertentes geolgica, geomorfolgica, hidrolgica e bitica, dos monumentos naturais, das paisagens de sabor natural que, ao justificarem a presena de parques naturais, geoparques ou reas de paisagem protegida, do corpo a esta necessidade social de convvio, utilizao e proteco dos espaos naturais. Por outro lado, a Natureza tambm tira ou, pelo menos pode afectar e condicionar fortemente as actividades humanas. A dinmica natural, por vezes violenta e brutal, como acontece nos tremores de terra, nas erupes vulcnicas, nos movimentos de terras, nas tempestades e inundaes, nas vagas de calor e de frio, nos incndios florestais, afecta cada vez mais as pessoas, as suas actividades, os seus bens e haveres. Ao discurso mais geral e politicamente correcto das transformaes climticas escala global, contrape-se, de facto, o mau uso local do territrio, a desarmonia relacional do Ser Humano com a Natureza, a ocupao indevida de territrios de risco, como causa para muitas das catstrofes com a que a Natureza, um pouco por toda a parte, nos brinda.

territrios: sociedades e culturas em tempo de mudanas

Hoje difcil falar de Natureza natural, ou seja de Natureza intocada por mo humana, livre da sua interveno e dos impactes que a explorao dos recursos acarreta. O que h, o que se encontra, o que se frui e admira como espaos naturais so, de facto, espaos ou territrios que se mantm ainda prximos das suas condies naturais, porque as intervenes humanas foram reduzidas, como os espaos do Gers ou da Estrela, ou territrios em que a interveno sobre a Natureza, ainda que intensa, foi mais equilibrada, harmnica e esteticamente feliz no sentido de privilegiar a Natureza, como acontece no vale do Douro vinhateiro ou nos campos de bocage do Minho. Da a importncia dos espaos rurais, agrcolas, silvcolas ou pastoris, como espaos de admirao, utilizao e fruio da Natureza. Num momento de grande desestruturao dos territrios rurais nacionais, em funo dos processos de abandono a que tm vindo a ser sujeitos desde a dcada de sessenta do sculo passado, numa poca em que a agricultura e a pastorcia tradicionais quase morreram e em que as matas esto completamente abandonadas e entregues aos incndios florestais que as assolam todos os Veres, a Natureza parece ser o trunfo a jogar em termos de desenvolvimento e de modernizao local dos espaos rurais. Enquanto novas culturas agrcolas e silvcolas, mais voltadas para mercado, exploram, agora com tcnicas modernas, velhos recursos climticos e pedolgicos, os espaos rurais so invadidos pela busca de recursos energticos (energia hidrulica, solar e elica) para a sociedade urbana e ps-industrial. Transformam-se os usos, modifica-se o territrio, reconstri-se a paisagem, mas continuamos muito longe de conseguir reverter o abandono das gentes que ajudaram a construir os espaos rurais que hoje conhecemos numa articulao harmnica com a Natureza. Essa natureza que hoje cada vez mais procurada pelos citadinos, nacionais e estrangeiros na sua busca de reencontro com o passado e com a histria, essa natureza que percorrida em termos desportivos na procura do confronto e da superao de limites, essa natureza vendida, nem sempre da melhor forma, pelo turismo do sculo XXI. de Natureza e dos espaos rurais com que a identificamos que nos fala o conjunto de fotografias que, sob a designao temtica Paisagens Naturais e Espaos Rurais, integra a exposio Transversalidades. Aqui podemos encontrar, de modo feliz e com fora esttica, o modo como os quatro grandes elementos da Natureza, a Terra, a gua, o Ar e o Fogo, se articulam entre si, como promovem a Vida vegetal e animal, e como so apropriados pelo Ser Humano na construo de territrios e paisagens. Nestas fotografias podemos encontrar a fora e a calma da Natureza, os recursos e os riscos que proporciona, os usos e os abusos a que sujeita. Encontramos, finalmente, a inteligncia, a pedagogia e o mtodo para, como seres naturais que somos, nos relacionarmos bem com a outra Natureza, aquela que nos exterior, mas da qual dependemos para quase todos os actos da nossa existncia.

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paisagens e recursos naturais

Afonso Andr Correia de Albuquerque, Portugal Ouro *(18) So Leonardo de Galafura (Portugal), 2010 Berenice Beltrame, Brasil Ouvindo a natureza *(19) Garopaba (Brasil), 2011

Nuno Costa, Portugal A terra no cu *(20) Madeira (Portugal), 2009 Susana dos Santos Lano, Portugal Liberdade *(21) Pvoa do Rio de Moinhos (Portugal), 2010

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Hugo Daniel Andr Menoita, Portugal Reflexos *(22) Sabugal (Portugal), 2010 Ricardo Silva, Portugal Stranded *(23) Cabo da Roca (Portugal), 2009

Francisco Antnio de Almeida Capela, Portugal Espelho meu *(24) Montemor-o-Novo (Portugal), 2010 Jos Manuel Portelo Paiva, Portugal Mountain river *(25) Serra da Estrela (Portugal), 2010

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paisagens e recursos naturais

Pedro Miguel Ferreira da Silva Bastos, Portugal Espelho de gua *(26) Serra da Freita - Arouca (Portugal), 2007 Carlos Cabral, Portugal Barcos *(27) Gafanha da Nazar, Ria de Aveiro, Eixo Atlntico (Portugal), 2010

Carla Pizarro Rosa, Portugal Reflexos *(28) Zanzibar (Tanznia), 2010 Marcos Oliveira, Portugal Alqueva 2 *(29) Barragem do Alqueva (Portugal), 2010

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Tiago Serra Reis, Portugal tona *(30) Estrela - Alentejo (Portugal), 2009 Nuno Brito, Portugal Cabreia III*(31) Sever do Vouga (Portugal), 2010

Joo Pedro Santos Silva, Portugal Galgar com tudo por cima de tudo! *(32) Rio Douro (Portugal), 2010

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paisagens e recursos naturais

Siegfried Kuntzig, Portugal Praia ao fim da tarde *(33) Costa de Caparica / Almada (Portugal), 2007 Lethicia Cardoso Galo, Brasil Os pilares de Cumuruxatiba *(34) Cumuruxatiba (Brasil), 2010

Nuno, Portugal, Farol*(35) Foz - Porto (Portugal), 2011

Carlos Soares, Portugal S. Jorge vista *(36) Aores - Pico (Portugal), 2005

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Paulo Silva, Portugal Manh na praia *(37) Praia da Figueira (Portugal), 2007 Andr de Oliveira Murta, Portugal Cegonha no Sardo *(38) Cabo Sardo Odemira (Portugal), 2007

Joo Pedro Costa, Portugal Alauna *(39) Sagres (Portugal), 2009 Osvaldo Cipriano, Portugal As Gaivotas *(40) Praia da Marinha (Portugal), 2005

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paisagens e recursos naturais

Marcelo Reis Nakashima, Brasil Boleiros *(41) Jijoca de Jericoacoara CE (Brasil), 2009 Nuno Sousa, Portugal Fluindo Para Ti *(42) Gers, Gers Portugal 2007

Alberto Gimnez, Espanha Al final del puente *(43) Chiapas (Mxico), 2004 Rui Pires, Portugal Momentos Rurais *(44) Covas do Monte (Portugal), 2010

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Joo Manuel M. Martins, Portugal Montemuro *(45) Serra de Montemuro (Portugal), 2008 Marcos Guilherme, Portugal Po *(46) Tangil (Portugal), 2005

Francisco Manuel Duarte Mendes, Portugal Confirmao *(47) So Pedro do Sul (Portugal), 2010 Silvino Jorge Rodrigues, Portugal Me e filho *(48) Ermelo Vila Real (Portugal), 2010

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paisagens e recursos naturais

Carla Alexandra Fernandes Mota, Portugal Legado Inca *(49) Moray (Per), 2008 Nuno Moreira, Portugal Vassouras *(50) Marvo (Portugal), 2010

Gonalo Monteiro Catarino, Portugal Ruralidades 01 *(51) Monsanto (Portugal), 2010 Jos Costa Pinto, Portugal A juntar o rebanho *(52) Covas do Monte - S. Pedro do Sul (Portugal), 2009

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Lus Brino, Portugal Sortelha aldeia*(53) Sortelha (Portugal), 2010

Javier Alonso Crespo, Espanha Donde la frontera no es nada *(54) Rio de Onor (Portugal), 2009

Antnio Alfarroba, Portugal O triunfo dos porcos *(55) Alccer do Sal (Portugal), 2010

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paisagens e recursos naturais

Carlos Romo, Portugal La Alberca *(56) Castilla y Len (Espanha), 2009 Antnio Alves Tedim, Portugal Lavoura de Inverno *(57) Pites das Jnias (Portugal), 2010

Hlio Cristvo, Portugal Trovoada na Seara *(58) Serpa (Portugal), 2010 Maria Joo Aleixo da Silva, Portugal Entre campos, serra e cu *(59) Azeito, Serra da Arrbida (Portugal), 2010

territrios: sociedades e culturas em tempo de mudanas

Pedro Nunes da Rocha Peixoto, Portugal Os socalcos do Douro *(60) Ervedosa do Douro (Portugal), 2009

Gonalo Simes, Portugal Fronteira *(61) Ilha Terceira - Aores (Portugal), 2010

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2.

Territrios, Sociedades e Culturas em tempos de mudanaTema 2 Cidade e actividades urbanas e industriais

Prmio tema Cidade e actividades urbanas e industriaisMariana Jeca, Portugal

Ad infinitum *(62) Parque das Naes Lisboa (Portugal), 2010

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Menes honrosas

Guilhermina Lasarte, Portugal, Habitantes Urbanos 1 *(63) Madrid (Espanha), 2010

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Natalie Arlete Pereira Snchez, Venezuela Jess saluda al pasajero *(64) Valencia (Venezuela), 2009

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Jovens estudantes

Ana Vitria Dias, Portugal A Noite vem *(65) Almada (Portugal), 2009 Daniela Ramos Garcia, Brasil Pela Fresta *(66) Santiago (Chile), 2010

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Oleksandr Bilko, Portugal Ponte *(67) Porto (Portugal), 2010

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Olhares transversais: a cidade entre a imagem e a palavraClaudino Ferreira

A nossa verdade possvel tem que ser inveno, isto , escrita, literatura, pintura, escultura, agricultura, piscicultura, todas as turas deste mundo. Os valores, turas, a santidade, uma tura, a sociedade, uma tura, o amor, pura tura, a beleza, tura das turas. Julio Cortzar (O jogo do mundo, ed. Cavalo de Ferro) Segundo Oscar Wilde, no houve nevoeiro em Londres at que Whistler o pintasse. (...) Mas creio que ningum notou o nevoeiro de Londres at que Arthur Conan Doyle escreveu a primeira aventura de Sherlock Holmes. Guillermo Cabrera Infante (O livro das cidades, ed. Publicaes D. Quixote)

1. IMAGINABILIDADES Como se pode representar uma cidade? E o que vale cada representao da cidade? As imagens que do vida a este catlogo propem-nos olhares sobre a cidade representaes de cidades especficas, mas tambm da cidade enquanto entidade abstracta e genrica, por referncia qual construmos as nossas geografias sociais, culturais, polticas e sentimentais, damos sentido nossa relao com o espao e imaginamos o lugar que ocupamos na teia de relaes humanas que o habitam. Enquanto representaes visuais, elas convocam a(s) cidade(s) numa condio muito particular: a da sua imaginabilidade. Como acontece com todas as representaes, estas imagens fundam processos de atribuio de sentido, que se realizam no (des)encontro entre o olhar do/a fotgrafo/a e nosso prprio olhar. um (des)encontro que apela nossa imaginao e aos imaginrios que povoam a nossa existncia social. As fotografias aqui apresentadas sugerem modos de interpretar a(s) cidade(s), invocam narrativas sobre elas, estabelecem dilogos com outras imagens e narrativas, propem modos de imaginar o que as cidades so ou no so e o que deveriam ou no ser.

territrios: sociedades e culturas em tempo de mudanas

Nessa condio, so tambm traies (s) cidade(s) que representam. So mais e menos do que essas cidades. Mostram partes delas e ofuscam outras. Celebram edifcios, paisagens, pessoas e modos de vida, sujeitando-os a uma recriao esttica que os ilumina; deixam tantos outros na obscuridade e na indiferena a que os condena o no-olhar.

2. VISIBILIDADES Esta tenso entre visibilidade e invisibilidade um trao que as imagens fotogrficas aqui apresentadas partilham com todas as outras representao da(s) cidade(s): com a literatura, a pintura, o jornalismo, o discurso cientfico e acadmico, os imaginrios populares... Em todas essas turas, como as designaria Julio Cortzar, estabelece-se uma tenso entre a cidade concreta e vivida e a cidade imaginada e reinventada pelo efeito da representao. uma relao complexa, que importa no subestimar. Porque, em boa medida, as representaes da cidade, os discursos e as imagens que lhe conferem legibilidade, so parte constitutiva da sua realidade concreta e vivida, justamente porque do sentido ao seu passado e ao seu presente e, ao imagin-lo, sinalizam os seus possveis futuros. A cidade ao mesmo tempo coisa material, vivida e imaginada. o que parece querer dizer Guillermo Cabrera Infante, quando sugere que Londres se tornou a cidade do nevoeiro porque assim a representou uma certa arte e uma certa literatura. Tal como acontece com a sua materialidade, a imaginabilidade da cidade constitui-se como uma economia poltica em que se confrontam diferentes vises, formas diversas de interpretar, imaginar e conceber a cidade, que disputam entre si o poder de determinar que imaginrio deve prevalecer nos modos de organizar a vida urbana e conduzir a sua transformao. As imagens da cidade, como de forma geral as imagens do mundo, no so por isso apenas modos de a representar, na sua diversidade e pluralidade; so igualmente modos de intervir simblica e politicamente sobre o que as cidades devem ou no parecer e, portanto, sobre o que devem ou no ser. As fotografias que integram este catlogo entram nesse terreno de disputa propondo (umas mais que outras) olhares transversais sobre a(s) cidade(s). Representando lugares, arquitecturas, pessoas e espaos industriais, procuram olhar obliquamente a cidade, suscitando imagens e imaginrios que dem visibilidade e cidadania a dimenses da realidade urbana que, na actual economia poltica das imagens, tendem a ser desvalorizadas, esquecidas, abandonadas excludas portanto dos imaginrios dominantes. Nesse processo, fazem emergir imagens de cidades em transformao, de mudanas que deixam marcas no territrio, no patrimnio, na morfologia, nos modos de vida, nas pessoas. So por isso, em boa medida, passveis de ser apropriadas como imagens que representam um outro trao essencial da(s) cidade(s) contempornea(s): o seu carcter mutante.

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cidade e actividades urbanas e industriais

3. MUTABILIDADES Cidades em mutao, sintetizando na sua plasticidade dinmica as transformaes que vm reconfigurando a vida social, econmica, cultural e poltica escala global esta talvez a imagem mais forte que as fotografias suscitam. A dinmica histrica das cidades alimentada por movimentos de criao e destruio. Dir-se-ia mesmo de destruio criadora, tanto quanto de criao destruidora. No mundo capitalista, as reconfiguraes urbanas que podem ser tipificadas, ainda que de forma redutora e simplista, por referncia ideia da transio da era das cidades industriais para a era das cidades ps-industriais arrastou consigo transformaes que se foram inscrevendo nas paisagens urbanas, sinalizando o quanto essas transformaes tiverem de criao e destruio. Novos edifcios emblemticos e bairros residenciais e de negcios ou velhos centros histricos de cariz popular convertidos em reas reabilitadas e enobrecidas para deleite dos turistas e da nova classe de empreendedores criativos (paisagens de poder, como lhes chamaria Sharon Zukin), coexistem nos mesmos territrios urbanos com reas abandonadas, desqualificadas, entregues destruio erosiva do tempo e do desinteresse econmico e poltico. Muitas das fotografias apresentadas neste catlogo introduzem-nos nesses cenrios contrastantes. Convocam ora imaginrios contemporneos da cidade de sucesso (a cidade competitiva, cosmopolita, criativa, espectacularizada, monumental, ps-moderna...), ora imaginrios do abandono urbano (a cidade decadente, ultrapassada, deprimida, das runas, da precariedade, dos despojos industriais...). Tomadas em conjunto, sugerem-nos que a cidade tanto constituda pelas materializaes do poder tcnico, econmico, poltico e cultural que domina simblica e materialmente o espao urbano, como pelos despojos que a evoluo vai deixando na paisagem urbana ou pelos lugares onde a precariedade e a degradao urbanstica do ainda assim guarida a actividades e a modos de vida que, embora aparentemente ultrapassados pelo tempo, no deixam de mostrar vitalidade. Outras fotografias, por seu turno, enviam-nos para imagens dos efeitos que a dinmica transformadora das cidades exerce sobre as pessoas que as povoam, reconfigurando as suas vidas e a sua condio de cidadania ao sabor das oportunidades e das excluses que a mudana arrasta consigo. Curiosamente ou sintomaticamente esta seco do catlogo pouca ateno confere s figuras que emergem como os heris dos imaginrios da cidade psindustrial. Ao contrrio, convida-nos para olhares que se focam sobretudo no lado mais injusto da cidade contempornea e das suas transmutaes. Nesse lado tantas vezes obscurecido pelas imagens e os imaginrios dominantes, reinventam-se vidas e modos de existncia social nas fronteiras (ou para l delas) da precariedade, da pobreza, da excluso, do abandono e da solido.

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4. TRANSVERSALIDADES Os olhares transversais que por esta via se promovem, iluminando pela mediao da fotografia e de uma percepo estilizada do mundo domnios da vida urbana que noutros modos de representao ficam obscurecidos, no so, naturalmente, olhares isentos nem inconsequentes. Como acontece com todas as formas de representao, as imagens apresentadas neste catlogo (e consequentemente tambm este pequeno texto) tm, para l da sua inteno esttica, uma implicao poltica. Na medida em do visibilidade a certos aspectos da realidade urbana e, consequentemente, invisibilizam outros; na medida em que, ao faz-lo, suscitam modos de interpretar e imaginar a cidade, tomam posio na disputa simblica que parte constitutiva do que a cidade e daquilo em que ela se pode tornar. isso, em grande medida, o que vale uma representao da cidade, para l do seu valor estritamente esttico: a de tornar a arena de disputa em torno do que a cidade e deve ser mais plural e, portanto, mais capaz de acolher a pluralidade que efectivamente caracteriza a vida urbana.

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cidade e actividades urbanas e industriais

Ana Martins, Portugal New York *(68) Hoboken (EUA), 2009 Loredana Bittencourt, Brasil Um agito na natureza *(69) Balnerio Cambori SC (Brasil), 2011

Cludio Eduardo de Castro, Brasil A Ilha *(70) Maranho (Brasil), 2009 Gonalo Simes, Brasil Fronteira Habitacional *(71) Angra do Herosmo (Portugal), 2009

territrios: sociedades e culturas em tempo de mudanas

Joaquim Fernando de Azevedo Gomes, Portugal Capela do Socorro *(72) Vila do Conde (Portugal), 2009 Jos Manuel Silva Oliveira, Portugal Reflexo 3 *(73) Ericeira (Portugal), 2008

Nuno Sousa, Portugal ngulos da Msica *(74) Porto (Portugal), 2010 Rodrigo Ferreira de Carvalho, Brasil Espelho *(75) So Paulo SP (Brasil), 2009

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cidade e actividades urbanas e industriais

Nuno Brito, Portugal Multiusos I *(76) Gondomar (Portugal), 2010 Tiago Joo Cassapo Dias, Portugal Movimentos Nocturnos *(77) Vila Real (Portugal), 2010

Susana Cristina Rodrigues Gasalho, Portugal Museu das Cincias Prncipe Felipe *(78) Valncia (Espanha), 2008 Joo Pedro Santos Silva, Portugal Exaltao s conchas *(79) Salamanca (Espanha), 2009

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Gonalo Monteiro Catarino, Portugal Urbanidades 03 *(80) Lisboa (Portugal), 2010 Daniela Ramos Garcia, Brasil difcil*(81) So Paulo (Brasil), 2010

Ana Sofia de Machado e Ferreira, Portugal Alegoria *(82) Vila Nova de Foz Ca (Portugal), 2010

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cidade e actividades urbanas e industriais

Valter Perdigo, Portugal H espera *(83) Paris (Frana), 2009 Rui Manuel Vieira, Portugal sem ttulo *(84) Porto (Portugal), 2010

Lus Brino, Portugal Porto prediomolas *(85) Porto (Portugal), 2010 Gustavo Henriques Alves Matos, Brasil Superao Destroadas *(86) Barreiros (Brasil), 2010

territrios: sociedades e culturas em tempo de mudanas

Marcos Oliveira, Portugal Permeabilidades 1 *(87) Campanh - Porto (Portugal), 2010 Paulo Giovane, Brasil Foto Infantil *(88) Vila Isabel (Brasil), 2010

Antnio Alfarroba, Portugal Apsev *(89) Lisboa (Portugal), 2009 Breno Rodrigues de Paula, Brasil Aqurio *(90) Araraquara (Brasil), 2008

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cidade e actividades urbanas e industriais

Filipe Raimundo, Portugal sem ttulo *(91) Lisboa (Portugal), 2010

Joo Pereira de Sousa, Portugal Bolho 3 *(92) Porto (Portugal), 2009

territrios: sociedades e culturas em tempo de mudanas

Jnior Lins, Portugal Vm os pssaros *(93) Ponta Delgada Aores (Portugal), 2010 Hugo Miguel Belo Tinoco, Portugal The end of days *(94) St. Ouen (Frana), 2005

Jos Carlos, Portugal A Clarinha est cansada *(95) Peniche (Portugal), 2009 Virglio Agra Amorim, Portugal A arte de pintar *(96) Porto de Aveiro (Portugal), 2007

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2.

Territrios, Sociedades e Culturas em tempos de mudanaTema 3 Patrimnio material e intangvel

Prmio tema Patrimnio material e intangvelRui Miguel da Cruz Feijo Moreira Marques, Portugal

Ftima *(97) Ftima (Portugal), 2008

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Menes honrosas

Joo Maria da Rocha Peixoto Cameira, Portugal Mscaras *(98) Varge (Portugal), 2009

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Antnio Alfarroba, Portugal E la nave va *(99) Porto (Portugal), 2010

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Jovens estudantes

Vtor Wilson Gameiro Mendes, Portugal Amarante Noite*(100) Amarante (Portugal), 2009

MMazzon, Brasil Em Wonderland *(101) Porto Alegre (Brasil), 2010

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Carlos Barros, Portugal Caminho a Ferro *(102) Barca dAlva - Douro (Portugal), 2010

Susana Cristina Rodrigues Gasalho, Portugal Tbuas da histria *(103) Ilha do Pico Aores (Portugal), 2008

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Jovens estudantes

Tamira Irs Vandenbussche Leando Cruz, Portugal Histrias de Terror *(104) Almeida (Portugal), 2010

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Figuras de MundoAntnio Pedro Pita

O ttulo desta exposio oculta ou mostra um jogo, menos subtil do que parece, com um clebre aforismo de Marx. No se trata de regressar agora, letra ou ao esprito, da famosa dcima primeira tese sobre Feuerbach, expresso bsica do enlace entre filosofia e poltica. No se trata, pois, de prender esta exposio a um passado qualquer mas de ler toda a espessura da famosa oscilao entre interpretar o mundo e transformar o mundo, neste texto retomada em contexto diferente. Libertemo-nos um pouco do fantasma da representao figurativa, qual a fotografia forneceu argumentos de peso. Sobretudo a convico, que ningum exprimiu melhor do que Andr Bazin, de que na fotografia ocorria uma transferncia de realidade do objeto (do mundo) para a representao. Transferida, a realidade torna-se apario. E uma apario no simplesmente o que aparece. Uma apario o que aparece vindo de um outro plano, de outro mundo, de uma outra condio. apario o que vem da morte, do futuro, da eternidade. Neste sentido, a apario tem uma dimenso fantasmtica. pela apario que a realidade devm fantasma: real, e to pregnante, que para o real exterior e anterior representao que, se ns deixarmos, a representao nos envia; mas tambm irreal (ou desreal ou desrealizado), e to poderoso, que na melancolia ou na dor ou no luto da ausncia desse real que, pela representao, somos instalados. Todo o fascnio da fotografia dita documental releva no tanto desta condio dupla mas de uma complexidade mais alta que o resultado da recproca mediao entre real pelo irreal. O contributo da experincia esttica para o esclarecimento desta reciprocidade decisivo. O percurso que nos conduz da obra ao objeto esttico e a apreenso do plano de autonomia que investe o objeto esttico de toda a sua capacidade de irradiao clarificam quer o processo de estetizao quer a dimenso ficcional inerente captao pela imagem. Se for possvel afirmar que a captao pela imagem opera no real uma espcie de metamorfose ficcional, a fotogra-

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patrimnio material e intangvel

fia e o cinema documentais defrontam-se com todas aquelas muitas questes j recenseadas, entre as quais deve sublinhar-se a descolagem ou distanciamento do real como condio do pensamento do real. A demarcao entre material e imaterial como, por exemplo, quando distinguimos entre cultura material e cultura imaterial perde consistncia e fundamento. Por um lado, porque a construo simblica e o trabalho artstico consistem justamente em dar uma determinada imaterialidade (um sentimento, um valor) na materialidade de uma determinada matria prima, no, simplesmente, sob a forma de aquela se acrescentar a esta mas porque possvel falar de uma conivncia profunda entre a imaterialidade que se concretiza e as virtualidade expressivas da matria. Mas tambm por outro motivo. A representao fotogrfica no uma transferncia de realidade, como pretendeu Bazin. A representao fotogrfica ir-realiza. Sempre: mesmo quando pretende, simplesmente, documentar. esta ir-realizao que permite ver (em vrios graus: captar, surpreender, descobrir) o objeto documentado do ponto de vista da sua capacidade expressiva. De facto, menos importante o reconhecimento gerado por um ttulo, Ftima (o ttulo uma informao exterior tornada guia de interpretao), do que a captao da densidade csmica da imagem: o templo ao fundo, ao qual chegamos por um caminho (distncia, esforo, sacrifcio) ladeado por elementos arquitetnicos mais recentes, nos quais poderemos querer reconhecer uma nova Baslica mas que, na imagem, so elementos de uma construo por-vir, espao de recolhimento ou de acolhimento, talvez morada. O espao organiza-se para um fuga em frente, a que o Templo coloca um limite, ou de que finalidade mas tambm para uma fuga para o alto, para a nica clareira num cu denso de nuvens, entre a acumulao cnica e a ameaa. Tal como Mscaras, do mesmo passo que documenta rituais populares que mergulham, como se costuma dizer, na noite dos tempos, traz ao tempo da objetivao fotogrfica a irrupo de uma outra representatividade. O artifcio da mscara inscreve-se sobre uma naturalidade longnqua, discreta, j evidentemente estilizada ou teatralizada, teatralizao que a mscara radicaliza pela explicitao de tenses como eu/outro, natural/artifcio, visvel/ invisvel. S na fotografia, note-se, que a mo parcialmente vista ganha expressividade: de quem aquela mo? A que mundo, a que corpo pertence aquela mo?

A obra de arte no reproduz o real. A obra de arte um objecto real. Precisamente porque o real excede quaisquer das suas redues conformistas ou convencionais e nesse excesso que enraza a experincia esttica (a comear pela experincia esttica do artista), a obra de arte a dico de um sentido do real.

territrios: sociedades e culturas em tempo de mudanas

O real o que est desde sempre a e ainda no tem figura de mundo.

Aquela mo est ali para reforar a temporalidade heterognea. A mscara mais do que um trao de ancestralidade cultural (por isso, faz mais do que documentar a dinmica da cultura). A mscara traz consigo uma outra organizao do tempo e a subverso da identidade: porque a mscara no a outra identidade, no (o) outro rosto, , pela sua prpria fixidez, o diferimento do rosto, introduz na questo da identidade desdobramentos sem fim. Por isso, a mscara e a mo pertencem a temporalidades: a mo pertence ao tempo da natureza e do visvel, a mscara da ordem, de o que liga o visvel ao invisvel, do que pe em comunicao o natural e o artifcio. O ttulo ou a legenda esclarecem, condicionam ou dirigem o olhar. E la nave va, de explcita ressonncia felliniana ou Caminho a ferro (e no caminho de ferro) so formulaes que se projetam poderosamente sobre a nossa receo das respetivas imagens. Tbuas da histria um ttulo operativo de outro modo. Primeiro: a luz, a transparncia da luz, a intensidade da cor. Depois, a organizao do espao plstico: muito maneira da pintura dita abstrata, a organizao do quadro como organizao no propriamente de elementos ou de objetos mas de cores e seus contrastes, de luz e de sombra. Terceiro, a opo inteligente pelo artigo definido a histria, tbuas da histria como se as tbuas concentrassem a histria. Aquelas tbuas: de algum modo presas relao entre um exterior e um interior e ligao entre dois pontos ou dois planos. A importncia da fotografia est, por conseguinte, muito para alm do que ela permita documentar. Como, alis, a qualidade de muitas imagens desta exposio permite confirmar. A imagens documentam, claro. Mas fazem por (e para) ns o trabalho de distanciamento sem o qual, verdadeiramente, a nossa relao com o mundo permanece velada pela relao de pertena ou de instrumentalidade. O distanciamento condio de rigor e de transparncia. Por isso, a representao desamparada do mundo em que vivemos, da histria e da intemporalidade, a que de certo modo no escapamos nunca, tanto mais rigorosa isto , liberta-nos tanto mais quanto mais permitir que nos emancipemos da exclusividade do mundo como facto e habitemos tambm o mundo como possibilidade.

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Transversalidades

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patrimnio material e intangvel

Lus Filipe da Conceio Serra, Portugal IMG_0764 *(105) Sabugal (Portugal) Joo Manuel M. Martins, Portugal bidos *(106) bidos (Portugal), 2000

Anna Carolina Venturini, Brasil A religio e os fiordes noruegueses *(107) Fiorde Hardanger (Noruega), 2008 Francisco Manuel Duarte Mendes, Portugal Reflexos *(108) Porto (Portugal), 2010

territrios: sociedades e culturas em tempo de mudanas

Paula Cristina Correia dos Santos, Portugal noite, em Barcelona *(109) Barcelona (Espanha), 2009 Natalie Arlete Pereira Snchez, Venezuela Puerto Cabello tricolor *(110) Puerto Cabello (Venezuela), 2010

Miguel Pereira da Silva, Portugal Construdo *(111) Porto (Portugal), 2010 Ins Sofia Barata Antunes, Portugal Elevador da Bica *(112) Lisboa (Portugal), 2010

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Transversalidades

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patrimnio material e intangvel

Pedro Emanuel Santos, Portugal Um olhar sobre a Batalha 1 *(113) Batalha (Portugal), 2010 Osvaldo Cipriano, Portugal Convento de S. Francisco *(114) Santarm (Portugal), 2009

Gonalo Simes, Portugal Fogo Sagrado *(115) Angra do Herosmo (Portugal), 2009 Nuno Brito, Portugal A luz das Trevas *(116) Viseu (Portugal), 2010

territrios: sociedades e culturas em tempo de mudanas

Joo Aristeu da Rosa, Brasil Renda(-se) aos tijolos *(117) Lisboa (Portugal), 2010 Tamires, Brasil Sinos da Sorte *(118) Trs Coroas (Rio Grande do Sul, Brasil), 2008

Antnio Alfarroba, Portugal Com pena *(119) Sintra (Portugal), 2009 Bernardo Batista, Brasil Pompeia *(120) Pompeia (Itlia), 2008

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Transversalidades

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patrimnio material e intangvel

Paulo Carneiro, Portugal sem ttulo *(121) Alqueva (Portugal), 2010 Rafael Villamariz do Nascimento, Portugal Ninfa *(122) Lisboa (Portugal), 2010

Diogo Costa, Portugal Norra Skenet *(123) Ume (Sucia), 2010 Carla Alexandra Fernandes Mota, Portugal A cidade veste-se no S. Joo *(124) Porto (Portugal), 2010

territrios: sociedades e culturas em tempo de mudanas

Patrcia Isabel de Machado e Ferreira, Portugal A torre do corvo *(125) Torre de Moncorvo (Portugal), 2008 Mariana Jeca, Portugal Palcio de Cristal *(126) Madrid (Espanha), 2009

Pedro Nunes da Rocha Peixoto, Portugal Velas ao vento *(127) Torreira (Portugal), 2009 Rafaela Pacheco Dalbem, Portugal Dessas cidades muradas *(128) Almeida (Portugal), 2010

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Transversalidades

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patrimnio material e intangvel

Antnio Alves Tedim, Portugal Rapa das bestas *(129) Sabucedo (Portugal), 2009 Lus Ramos, Portugal Desafio *(130) Goleg (Portugal), 2006

Silvino Jorge Rodrigues, Portugal F III*(131) Braga (Portugal), 2009

Joo Orlindo Simo Ventura Marques, Portugal Os Cinco Mandamentos *(132) Paranhos - Seia (Portugal), 2005

territrios: sociedades e culturas em tempo de mudanas

Beatriz Mendonza Fernndez, Espanha Mascara Ibrica II *(133) Len (Espanha), 2010 Lus Brino, Portugal Careto Pastor*(134) Podence (Portugal), 2010

Pedro Miguel Ferreira da Silva Bastos, Portugal Cheirinho Mexicano *(135) Arouca (Portugal), 2006

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Transversalidades

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patrimnio material e intangvel

Ana Rosa Marques, Brasil Cuias para o serto guardar a vida *(136) Carolina (Brasil), 2009 Carlos dAbreu, Espanha Sin trenes *(137) La Fregeneda (Espanha), 2009

Ana Sofia de Machado e Ferreira, Portugal Lembranas *(138) Torre de Moncorvo (Portugal), 2010 Joo Maria da Rocha Peixoto Cameira, Portugal Fechadura *(139) Rio de Onor (Portugal), 2008

2.

Territrios, Sociedades e Culturas em tempos de mudanaTema 4 Modos de vida e desenvolvimento sustentvel

Prmio tema Modos de vida e desenvolvimento sustentvelJoo Vasco dos Santos Ribeiro, Portugal

Infncia perdida 3 *(140) Sobral da Adia (Portugal), 2010

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Menes honrosas

Srgio Miguel Santos, Portugal Peneirando o trigo *(141) Bakthapur (Nepal), 2009

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Jos Carlos, Portugal Lisboa Tolerante *(142 ) Lisboa (Portugal), 2010

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Jovens estudantes

Omar Timn Cepeda, Espanha Carpintera tradicional *(143) Oropesa - Toledo (Espanha), 2009 Letcia Alves Vitral, Brasil Alma Llanera *(144) Juiz de Fora - Minas Gerais (Brasil), 2010

territrios: sociedades e culturas em tempo de mudanas

Ana Rita Cirne Amador, Portugal Todos gostam de aprender *(145) Mona-Quimbundo (Angola), 2009 Osvaldo G. M. G. de Carvalho, Cabo Verde A lenha*(146) N. S. da Luz - S. Domingos Santiago

(Cabo verde), 2009

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Jovens estudantes

Daniela Ramos Garcia, Brasil Olha o pesado *(147) So Paulo (Brasil), 2010

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Una mirada transversal comprometida con la vida y con el territorioValentn Cabero

No me interesa la fotografa, sino la vida (Henri Cartier-Bresson) Estamos en el siglo de la imagen. Para bien o para mal, sufriremos ms que nunca la accin de la imagen (Gastn Bachelard)

Las imgenes nos atrapan. Y tratan de atrapar a un mundo alocado, cuyos sucesos somos incapaces de situar y de entender en sus verdaderas coordenadas vitales y territoriales. Las imgenes, al igual que los hechos que recogen, se convierten en nuestros das en efmeras y en objetos de consumo rpidamente engullidas y sustituidas por otras, mxime cuando la informacin est controlada por intereses mercantiles casi siempre espurios y perversos. De ah la necesidad de detenernos desde miradas ms pausadas sobre nuestros entornos, sin que lo espectacular ni lo coyuntural marcados por los acontecimientos inmediatos o retocados por artilugios electrnicos de ltima generacin nos borren la realidad y el contexto donde vivimos. Cuando la amnesia colectiva y la prdida de referencias territoriales se imponen en nuestros gneros de vida, ms necesario nos parece la bsqueda de alternativas fotogrficas capaces de acercarnos a una lectura renovada y creativa de nuestros territorios, de sus gentes y de sus paisajes. En este empeo puede afirmarse que existe una gran carga de afecto y de sentimientos respetuosos por las herencias culturales y patrimoniales. Domina entre nosotros un fotoperiodismo de lo efmero y de lo banal, aunque no faltan afortunadamente apuestas valientes y creativas que nos acercan a territorios olvidados y excluidos, a guerras silenciosas y permanentes, a gentes desamparadas y al borde de la muerte, a las culturas dominadas por la intolerancia y la violencia, o desde el plano ambiental a la agresin despiadada a nuestros recursos naturales y a las riquezas pblicas, mostrndonos la gravedad de las contradicciones del mundo en que vivimos. Nos descubren as, frente a las bellas imgenes csmicas de algunos paisajes naturales y culturales que nos deslumbran, la sordidez y el caos de los males que nos

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invaden y nos destruyen. En los ltimos tiempos, con el desarrollo rpido de la fotografa area, hemos ampliado nuestra mirada y captado estos problemas a escala planetaria; y paradjicamente las extraordinarias imgenes nos muestran de nuevo esa dialctica de la naturaleza y de la vida que va engranado en el territorio la armona y el caos. La fenomenologa de las imgenes adquiere en el proyecto de transversalidades una sensibilidad y expresin propia presididas por el sentido de lo ibrico y lusfono en su dimensin ms abierta, plural y universal. Intenta ir ms all de los fotogramas y de la esttica circunstancial. De ah que el relieve o el paisaje se conviertan en metfora del espacio y del soporte fsico, que el trabajo de aqu y de all se presenten como compromiso solidario con la vida y la construccin del territorio, que la soledad y la marginacin nos hablen de las desigualdades sociales, o que las mudanzas urbanas y los mensajes recogidos sean expresin de la creatividad y del transcurso del tiempo. De algn modo contribuyen a la comprensin y entendimiento de lo que desconocemos o ignoramos de nuestros entornos. Hay, pues, en esta indagacin fotogrfica una pretensin de descubrimiento y de conocimiento que transcienden a las imgenes concretas y a los hechos captados. A travs de las fotografas sin fronteras se nos abre un camino epistemolgico que nos anima a su vez a remover nuestras conciencias y a descender a la explicacin de los modos y gneros de vida. La naturaleza cobra un significado prximo a la libertad cuando se enfrenta a la presencia domesticadora del hombre, adems de ensearnos con plasticidad la nobleza y belleza de los animales. En los mbitos ms serranos, bajo atmsferas hmedas, topamos con actividades ganaderas y pastoriles bien adaptadas a los recursos naturales que se convierten en ejemplos de paisajes culturales de relevancia ibrica. Cuando el hombre se enfrenta a la fuerza del mar y al aprovechamiento de sus riquezas, necesita de habilidades especiales y de esfuerzos colectivos que nos muestran en sus rostros la dureza del trabajo tradicional y la incertidumbre de algunas actividades como la pesquera. Aunque enriquecedoras, no son definitivas estas lecturas. Algunos lugares y fotogramas nos llevan a una consideracin ms especfica del territorio y de las mudanzas de la vida, invitndonos a una explicacin y entendimiento de los paisajes fsicos y humanos, convirtindonos de este modo y al mismo tiempo en naturalistas, en antroplogos, en socilogos o en gegrafos preocupados por la construccin y descubrimiento de las diferentes realidades ibricas. Enlaza esta preocupacin con una tradicin inteligente que confa en la capacidad cientfica, esttica y pedaggica de la fotografa y de la expresin grfica, sin olvidar en ningn momento la necesidad de una escritura sugerente y atractiva. As, podemos acercarnos a los hechos ms permanentes y perdurables del paisaje, representados aqu y all por el roquedo y los aspectos morfolgicos, y aproximarnos a los derivados de las estructuras y mudanzas sociales, ms perecederas y delicadas, que afectan a las formas de vida e incluso a las mentalidades e identidades. Los fotogramas nos ilustran sobre algunos pormenores elocuentes de la vida campesina, pero se

territrios: sociedades e culturas em tempo de mudanas

detienen quizs con ms atencin en la vida urbana, subrayando aquellos elementos de dimensin arquitectnica y visual que dominan en los escenarios geogrficos. En un segundo plano aparecen las manifestaciones precisamente culturales e inmateriales ms difciles de plasmar y representar. Nos movemos entre la lejana y la proximidad, entre la velocidad del viajero globalizado y la bsqueda del conocimiento ms personal en los entornos ms cercanos. Y en estas percepciones contrapuestas, las imgenes nos ayudan a fijar y detener el tiempo y a reconstruir en mayor o menor grado el espacio, donde las personas y paisajes se convierten en testimonios visuales y en protagonistas. Entonces los contrastes se manifiestan con todas sus enseanzas y su crudeza crtica. Desde la escala de la proximidad, sobresalen aqu y all las formas y gneros de vida estrechamente vinculados a la supervivencia, siempre con una capacidad de adaptacin que intenta la conservacin y perduracin de los recursos vitales, aunque algunas imgenes nos presentan lmites y barreras insalvables que rozan claramente la insostenibilidad. Con gran belleza esttica se nos muestran ejemplos expresivos de actividades artesanales que han marcado durante siglos el ritmo cotidiano en nuestros entornos, o la creatividad artstica ms estrechamente relacionada con las habilidades manuales y la riqueza cultural. Toda una expresin de sensibilidad humanstica, que nos resume un transcurrir del tiempo vivido sin prisas y con lentitud. Ms contrastes y matices nos comprometen con el territorio. Al lado de la vitalidad y sonrisa de los nios de tierras lejanas se nos muestran la indignidad social de la pobreza, no exenta de energas e infancias perdidas o de adolescencias tristemente destruidas y violadas. Cuando estas gravsimas circunstancias, con nufragos callejeros y vidas rotas, se hacen invisibles para la sociedad, creemos que es un pecado civil y un eufemismo hablar de desarrollo sostenible. En el otro extremo de nuestra realidad rural inmediata, si contemplamos el envejecimiento extremo y la soledad solidaria y vecinal del final del camino, es difcil asimismo hablar de sostenibilidad o de la utopa que clama desde hace varias dcadas por la defensa de un mundo rural vivo. La rueda maciza del carro chilln de Tras-os-Montes o de las Montaas Galaico-Leonesas nos recuerda los tiempos inmediatamente pasados de pobreza y aislamiento que llevaron al xodo rural y al abandono de terrazgos histricos. Bien podramos decir, por tanto, que detrs de estas imgenes topamos con una geografa de la memoria, pero sobre todo con una forma de narrar y de pensar que se enfrenta valientemente al mercantilismo que nos destruye y al tiempo rpido y efmero que nos devora. Apuesta por la vida y por los territorios construidos solidariamente por el hombre con sentido de perdurabilidad.

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modos de vida e desenvolvimento sustentvel

Joo Pedro Santos Silva, Portugal Esse teu olhar *(148) Vila do Carvalho (Portugal), 2010 Joo Vasco dos Santos Ribeiro, Portugal Infncia perdida 1*(149) Sobral da Adia (Portugal), 2010

Rui Pires, Portugal O Trio Rural *(150) Serra da Arada (Portugal), 2008

territrios: sociedades e culturas em tempo de mudanas

Carla Pizarro Rosa, Portugal Negro e azul *(151) Serengeti (Tanznia), 2010 Carla Alexandra Fernandes Mota, Portugal Rostos de inocncia *(152) Goa (ndia), 2007

Gustavo Henrique Alves Matos, Brasil Reflexologia da Indignao *(153) Recife (Brasil), 2009 Lus Ramos, Portugal Vizinha *(154) Cuba-Alentejo (Portugal), 2009

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modos de vida e desenvolvimento sustentvel

Antnio Alves Tedim, Portugal O pastor da vez *(155) Regoufe (Portugal), 2009 Tiago Serra Reis, Portugal Aqui h boi *(156) Estrela-Alentejo (Portugal), 2009

Pedro Miguel Ferreira da Silva Bastos, Portugal Pastorcia *(157) Serra da Freita Arouca (Portugal), 2006 Silvino Jorge Rodrigues, Portugal Retrato *(158) Braga (Portugal), 2000

territrios: sociedades e culturas em tempo de mudanas

Maria Joo Aleixo da Silva, Portugal Suspensos nas nuvens *(159) Setbal (Portugal), 2009 Lus Lobo Henriques, Portugal Preparativos para a safra *(160) Escaroupim, Salvaterra de Magos, Ribatejo (Portugal), 2010

Laurentino Rodrigues Simo, Portugal Em competio*(161) Costa de Caparica (Portugal), 2009

Joo Pedro Costa, Portugal Nevoeiro *(162) Sagres (Portugal), 2005

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modos de vida e desenvolvimento sustentvel

Marcos Guilherme, Portugal Fundio1 *(163) Gulpilhares (Portugal), 2010 Francisco Manuel Duarte Mendes, Portugal Sr. Agostinho, o Moleiro *(164) Bajouca - Leiria (Portugal), 2010

Srgio Miguel Santos, Portugal A fiadora *(165) Kathmandu (Nepal), 2009 Ana Oliveira, Portugal Arte*(166) Loul (Portugal), 2010

territrios: sociedades e culturas em tempo de mudanas

Jorge Miguel Marques Cordeiro, Portugal Um s Caminho *(167) Santiago - Cidade Velha (Cabo Verde), 2010 Jos Carlos, Portugal Vending machine *(168) Carcavelos (Portugal), 2010

Marcos Oliveira, Portugal Working Day 3 *(169) Gondomar (Portugal), 2010 Hugo Miguel Belo Tinoco, Portugal Como antigamente *(170) Aveiro (Portugal), 2008

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modos de vida e desenvolvimento sustentvel

Ndia Pacheco, EUA Grassland 03*(171) Los Angeles, California / Morelos, Mxico, 2010

Miguel Pereira da Silva, Portugal Mercado Biolgico 3 *(172) Porto (Portugal), 2010

Carlos Cabral, Portugal Marnoto *(173) Aveiro (Portugal), 2010

territrios: sociedades e culturas em tempo de mudanas

Rui Miguel da Cruz Feijo Moreira Marques, Portugal Rapazes de Cuzco *(174) Cuzco (Per), 2000 Carlos Verde, Portugal Invisveis c *(175) Funchal Madeira (Portugal), 2010

Madlin Freitas, Portugal Francisco *(176) Lisboa (Portugal), 2010 Jos Manuel Silva Oliveira, Portugal Costureira *(177) Lisboa (Portugal), 2010

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I fotografia sem fronteiras

modos de vida e desenvolvimento sustentvel

Carlos Avendao Henchoz, Costa Rica Preso de la calle *(178) Curridabat (Costa Rica), 2010 Filipe Raimundo, Portugal Sem ttulo *(179) Eir (Portugal), 2010

Osvaldo Cipriano, Portugal Lost in Time*(180) Ribeira de Santarm (Portugal), 2010

Jos Monteiro Fernandes, Portugal TV rural *(181) Santa Eufmia (Portugal), 2007

territrios: sociedades e culturas em tempo de mudanas

Hlio Cristvo, Portugal Tempestade na Lagoa *(182) Lagoa de bidos (Portugal), 2008 Pedro Emanuel Santos, Portugal no atelier 3 *(183) Valongo (Portugal), 2010

Paulo Carvalho, Portugal Neve no Douro *(184) Armamar (Portugal), 2009 Carlos Soares, Portugal Vinha muro *(185) Aores - Pico (Portugal), 2005

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I fotografia sem fronteiras

modos de vida e desenvolvimento sustentvel

Pedro Jos Pires Rego, Portugal Social Expression *(186) Bragana (Portugal) Nuno Moreira, Portugal Viana do Alentejo*(187) Viana do Alentejo (Portugal), 2010

Joo Maria da Rocha Peixoto Cameira, Portugal Roda da Sustentabilidade *(188) Vinhas (Portugal), 2006

2.

Territrios, Sociedades e Culturas em tempos de mudanaTema 5 Espaos de fronteira

Prmio tema Espaos de fronteiraJos Carlos, Portugal

Prxima Paragem *(189) bidos (Portugal), 2009

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Menes honrosas

Valter Perdigo, Portugal Do outro lado *(190) Zaragoza (Espanha), 2008

territrios: sociedades e culturas em tempo de mudanas

Gabriel Gallarza, Brasil Banho de Rio *(191) Londrina - Paran (Brasil), 2001

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Jovens estudantes

Pedro Antunes Costa, Portugal Buddhism vs Comunism *(192) Hong Kong (China), 2010

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Espacios de frontera y la Raya IbricaLorenzo Lpez Trigal

Lo que tiene de original el espacio (geogrfico) es una visin de la realidad de lugares diferenciados: espacio urbano, rural, industrial o fronterizo, por ejemplo, en el conjunto de relaciones e interacciones, donde interviene la extensin, el espaciamiento y la distancia. Como resultado de ello, el espacio adopta un sentido polismico de mltiples combinaciones en cualquier entorno que se presente: como smbolo y realidad geogrfica, desprovisto de todo valor material, como recurso, fuente de riqueza o en su defecto carencia, y como elemento de seguridad y control. Asimismo, los lugares y regiones son interdependientes en su funcionamiento de manera que la interaccin espacial est presente de acuerdo al grado de conectividad y accesibilidad existente, si bien barreras polticas como las diferentes normas y sistemas polticos, las fronteras nacionales y lingsticas, pueden obstaculizar e impedir la interaccin o al menos frenar la difusin espacial de innovaciones y de informacin. En este sentido, el espacio de frontera es de hecho un territorio marcado por una discontinuidad y divisin del espacio, de origen poltico, producto de la evolucin histrica y de la organizacin del poder por parte de las sociedades. En lenguaje jurdico, una lnea artificial o geogrfica reconocida, con delimitacin simtrica de competencias y aplicacin de leyes que separa territorios nacionales que, a la vez, pone en contacto dos o ms Estados, siendo fruto de arbitrajes y de tratados internacionales. Pero tambin, en un sentido econmico, se expresa como rea de influencia, mercantil o de un servicio pblico, y en un sentido simblico. Existen fronteras de todas clases: geogrficas, histricas, biolgicas, sociales, psicolgicas... Todas partiendo y acuchillando el continuo multidimensional que nos envuelve, para facilitarnos nuestra instalacin en l, para permitirnos una interpretacin de los que sera un caos; es decir, un orden que no comprendemos (Jos Luis Sampedro, Desde la frontera, Madrid, Real Academia Espaola, 1991, pg. 16). De ah que la idea de lmite espacial es consustancial con las sociedades humanas, que remonta a las sociedades antiguas y encuentra su forma concreta en el espacio-tapn e impreciso de un reino medieval que asegura las reas conquistadas de territorios de frontera frente a espacios an no incorporados, y ya ms tardamente el borde es delimitado por elementos referentes e hitos y trasladado a la

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espaos de fronteira

cartografa y control fiscal aduanero, en forma de frontera de seguridad, esto es, la frontera como una forma de lmite que debe ser bien guardado (Daniel Nordman, Frontires de France, Pars, ditions Gallimard, 1998, pg. 28). Durante la etapa moderna y contempornea la frontera acompaar el nacimiento de los Estados-nacin y ms tarde se afianza en las colonias y los nuevos Estados. Se reconoce as la frontera tardamente como lmite del control efectivo ejercido por un Estado, que separa una unidad poltica territorial y administrativa de otra colindante, entendida como lnea o ms bien como regin o zona en la cual el Estado acumula sus elementos de fuerza para hacer frente a la presin militar, demogrfica o econmica de un Estado vecino. En este sentido, se puede entender la frontera como manifestacin de las fuerzas centrfugas del poder del Estado que refleja su relatividad y su estrecha dependencia de la geopoltica, siendo sus funciones de tipo poltico y administrativo (frontera de los juristas y diplomticos), militar (frontera de los Estados Mayores) y econmico (frontera-umbral de las reas de influencia). Es as resultado de la asociacin de puntos, lneas y superficies en su diseo cartogrfico, aplicando el principio de lnea media tanto para la frontera martima cuanto ms para la frontera terrestre en cuanto a la utilizacin de elementos de naturaleza fsica como cresta de montaas, divisoria de aguas, cauce fluvial, lagos, divisoria de bosques, de lo que resulta la frontera natural, concepto defendido persistentemente por Francia. Otro tipo est basado en elementos inmateriales de distinto origen, la frontera artificial, que responde de hecho a un equilibrio de fuerzas entre Estados, que sigue un trazado a menudo geomtrico. As como la frontera mvil afectada por procesos de dinmica territorial y controles de paso internacional que se vienen situando a distancia de la