cefaléia tensional crônica e psicopatologia(1)

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Cefalia tensional crnica e psicopatologia SILVANA Resumo: A presente pesquisa buscou investigar a existencia de um padro de funcionamento mental semelhante nos pacientes examinados. Para atingir esse objetivo utilizamos o referencial terico da Psicanlise e conceitos oriundos da Escola de Psicossomtica de Paris. A amostra foi composta de 30 sujeitos adultos de de ambos os sexos. Os instrumentos utilizados foram o Inventrio Multifsico Minesota de Personalidade MMPI (Hathaway & Mc Kinley, 1971); Inventrio de Depresso de Beck BDI (Cunha, Freitas & Raimundo, 1993) e o Teste de Apercepo Temtico TAT (Murray, 1973). O TAT foi analisado segundo os critrios propostos pelo Laboratrio de Psicologia Projetiva de Paris (Shentoub, Chabert & Shretien, 1990). Alguns dos achados mais significativos em nossa amostra so: cefalia tensional crnica est associada psicopatologia; dos pacientes examinados, 50% apresentam depresso manifesta e no existe padro nico de estrutura mental, portanto, o sintoma pode estar associado a conflito e/ou dficit. A cefalia pode ser um sintoma conversivo denotando contedo simblico. No entanto, a converso pode estar associada a diferentes quadros psicopatolgicos. Uma caracterstica comum aos sujeitos investigados a dificuldade de lidar com fantasmas agressivos. Existem tambm escotomas precisos ligados a essas representaes agressivas intolerveis, resultando em castrao mental e dificuldade de mentalizar esses conflitos. A cefalia pode, ainda, estar assinalando risco de desorganizao progressiva na esfera somtica. Circe Salcides Petersen Psicloga, Psicoterapeuta, Mestre em Psicologia Clnica pela PUCRS, Doutoranda em Psicologia do Desenvolvimento na UFRGS Maria Lucia T. Nunes Psicloga Doutora em Psicologia pela Universidade Livre de Berlim, professora do Instituto de Psicologia da PUCRS INTRODUO Dor sempre um sintoma preocupante, particularmente quando acomete a cabea que rica de estruturas orgnicas e representaes sociais e psicolgicas. A cefalia uma queixa que tem uma prevalncia significativa em sade. Parte desses

pacientes apresenta cefalia primria (habitualmente diagnosticada pela clnica e sem achados fsicos) e parte desses pacientes apresenta cefalia secundria (desencadeantes por outras doenas). A cefaleia um sintoma multifatorial e nos interessou aprofundar o estudo dos aspectos psicodinmicos dos pacientes portadores desta. Circunscrevemos o escopo desta pesquisa ao grupo de pacientes portadores de cefalia tensional crnica. Para realizar este trabalho partimos dos pressupostos tericos da psicanlise e da Escola de Psicossomtica de Paris, particularmente dos postulados de Pierre Marty. A cefalia discutida em suas correlaes com diferentes psicopatologias, a saber: converso, depresso e somatizao. Para alcanar a meta de caracterizar a amostra estudada, do ponto de vista de funcionamento mental e responder s questes de pesquisa foram utilizados os seguintes instrumentos de pesquisa: Inventrio Multifsico Minesota de Personalidade (MMPI), Inventrio Beck de Depresso (BDI) e Teste de Apercepo Temtico (TAT). GEOVANA OBJETIVO Este estudo enfatiza os aspectos psicodinmicos da cefalia, porm no despreza o fato de que esse sintoma tem seu correspondente no corpo, muito pelo contrrio, gostaramos de contribuir para o avano da articulao da concepo mentecorpo como uma unidade inseparvel. Dessa forma, desejamos corroborar a viso integral do pacientes. Prevalncia epidemiolgica da cefalia A dor uma queixa comum na prtica mdica. Wise (1977) observa que, de 550 admisses consecutivas clnica mdica geral do Johns Hopkinns Hospital, 40% das queixas foram de dor, evidentemente com diferentes etiologias. A dor constitui um sintoma subjetivo, pois expressa pelo relato do paciente, a indicarem que algo di. A dicotomia e/ou da dor psicognica versus orgnica real, meramente traz confuso s questes e conceitos de percepo e tratamento da dor (Wise, 1977, p. 771). Para o autor, a dor a combinao de fenmenos que podem ser de natureza biolgica, psicolgica e interpessoal. Cefalia o termo utilizado para designar todas as dores localizadas na cabea. Esse sintoma, a cefalia, alvo de estudo de vrias especialidades mdicas,

tanto devido sua prevalncia, quanto sua associao com vrias queixas de sade. Pode-se constatar a relevncia de abordarmos o tema cefalia por meio da observao do elevado nmero de casos de pessoas com cefalia, como queixa principal. As cefalias constituem o sintoma neurolgico mais comum e uma das mais freqentes queixas mdicas. Estima-se, a cada ano, que cerca de 80% da populao sofrem, pelo menos uma vez de dor de cabea e que 10 a 20% apresentam-se a um mdico com dor de cabea como queixa primria (Kaplan & Sadock, 1993). Estudos recentes de prevalncia, envolvendo mais de 10000 sujeitos, com idade entre 12 e 29 anos, revelaram que 57,1 % dos homens e 76,5 % das mulheres referiam ter apresentado uma cefalia significativa nas ltimas quatro semanas. Entre 6,1% dos homens foram observadas 4 ou mais cefalias no ltimo ms e o mesmo ocorreu em 14% das mulheres (Feldman, 1995). Andrade Sobrinho (1990) descreve o seguinte perfil epidemiolgico para as cefalias de tenso: proporo entre homens e mulheres de 1:3; incidncia comum, incio varivel, pouca agregao familiar, durao varivel, tipo de dor bilateral e moderada, sintomas associados ao estresse e, finalmente, como fatores desencadeantes, contrao dos msculos cervicais e do couro cabeludo. Cefalia: suas diferentes etiologias e formas de apresentao A dor de cabea pode estar associada a diferentes queixas mdicas. Por essa razo so discutidas, brevemente, as diferentes etiologias para a dor de cabea. Andrade Sobrinho (1990) sugere que seja observada a distino entre cefalias primrias (usualmente diagnosticadas pela histria clnica e sem achados fsicos de anomalias subjacentes) e cefalias secundrias (desencadeadas por outras doenas). Devido ao interesse deste estudo estar ligado aos aspectos psicolgicos da dor, sero aqui discutidas as cefalias primrias. Nesse escopo, as cefalias podem ser divididas, segundo Rowland (1986), em dois grandes grupos diagnsticos: a cefalia de origem vascular, do tipo da enxaqueca, e o segundo tipo, aquele devido contrao muscular ou, ainda, a combinao de ambos os tipos. O autor considera que uma das causas mais freqentes de dor de cabea a contrao da musculatura cervical, provocada pelo estresse emocional. Esse tipo de cefalia conhecido como cefalia de tenso, cefalia devido contrao muscular ou cefalia psicognica. O foco de abordagem deste estudo est restrito s cefalias primrias e, mais especificamente, s cefalias tensionais, que compreendem aproximadamente 60% de todas as dores de cabea. A maioria das pessoas com cefalias ocasionais no necessita ajuda mdica. A

dor usualmente moderada. J as cefalias crnicas dirias necessitam ateno mdica (Solomon & Fraccaro, 1991, p. 48). Segundo Solomon e Fraccaro (1991), componentes emocionais podem ter um papel nas cefalias tensionais; no entanto, a dor seguramente no imaginria, ela envolve reais mudanas no corpo. As mudanas no corpo se referem a contraturas nos msculos da cabea, do pescoo e da face. Por exemplo, quando as dores ocorrem, a contratura muscular to intensa que toxinas se acumulam mais rpido do que poderiam ser absorvidas pela corrente sangunea ou quando o suprimento de sangue inadequado para a atividade muscular normal. A atividade muscular iniciada por uma reao qumica e algumas atividades bioqumicas so txicas, podendo causar dor se as toxinas acumuladas no forem diludas pela corrente sangunea. Outra teoria apontada pelo autor a das causas emocionais conscientes e inconscientes. O estresse excessivo pode causar contraturas musculares. Observa que muito provavelmente os aspectos emocionais e bioqumicos operam em conjunto. Considera que normalmente os portadores de cefalia tensional crnica apresentam inabilidade para relaxar. Dentro dessa linha de entendimento, Meer (1990) aponta para foras alm da cefalia. Considera que a dor aparece sem aviso, em qualquer hora do dia e tem a tendncia de acontecer sob estresse emocional. Sugere que, possivelmente, o estresse causa mudanas bioqumicas no crebro e tambm decrscimo nos nveis de serotonina e endorfina no crebro, o que, conseqentemente, produz diminuio da sensibilidade dor. Quando os nveis de endorfina esto baixos, o sujeito fica mais suscetvel cefalia. Pode existir uma contratura automtica de musculatura, pois o corpo reage defensivamente ao perigo percebido que interpreta como sendo externo ou interno. Vasos sanguneos podem sofrer constries, reduzindo o fluxo; conjuntamente, a contratura e o reduzido fluxo sangneo tm papel na sensao dolorosa. Psicopatologia e cefalia tensional A cefalia como um sintoma, pode estar associada a diferentes

psicopatologias, o que denota maior ou menor condio de melhora sintomtica do paciente. Nesse contexto, introduzido o quadro abaixo: QUADRO 1

Gildenberg e Devaul (1987) classificam os pacientes de dor crnica em quatro grupos (quadro 1). Quando se referem ao paciente psicognico, os autores a colocam em subgrupos com respeito etiologia da dor: 1) como sintoma de depresso; 2) como iluso sintomtica de uma psicose, ou seja, a iluso como contedo do delrio hipocondraco, por exemplo; 3) como sintoma de ansiedade; 4) como sintoma de neurose histrica; 5) como sintoma de luto no resolvido. JAMILE MTODO Questes de Pesquisa Para conduo desta investigao foram formulados os seguintes problemas de pesquisa: A cefalia tensional crnica est associada psicopatologia? A partir disso, pode-se perguntar: Se est associada psicopatologia, existe um padro de funcionamento mental semelhante entre os sujeitos examinados? Cefalia: um fenmeno do tipo converso ou somatizao?

Como se apresentam homens e mulheres da amostra em relao ao fenmeno estudado? A importncia em acumular dados na direo de respostas a essas questes refere-se necessidade de uma caracterizao da psicodinmica desses pacientes, para o estabelecimento de um diagnstico preciso, de um aprofundamento compreensivo e, conseqentemente, da adequao das tcnicas de interveno, privilegiando uma viso integral do paciente. Sujeitos Foram examinados 30 sujeitos que buscaram atendimento para a queixa de dor de cabea, nos ambulatrios de sade publica da Unidade de Sade de Referncia da Secretaria Municipal da Sade de Porto Alegre (SMS) e no ambulatrio de Neurologia do Hospital de Clnicas de Porto Alegre (HCPA). Aps avaliao mdica prvia e realizado diagnstico de cefalia tensional crnica, a mostra foi composta por 5 homens e 25 mulheres, na faixa etria entre 20 e 55 anos. Foram excludos pacientes deficientes mentais, esquizofrnicos e com escolaridade inferior quarta srie do ensino fundamental. Os sujeitos participaram voluntariamente e sua concordncia foi expressa por meio de consentimento ps-informao. Instrumentos e procedimentos Trs foram os instrumentos utilizados nesta pesquisa: Inventrio Multifsico Minesota de PersonalidadeMMPI (Hathaway & McKinley,1971); Inventrio de Depresso de Beck BDI (Cunha et al., 1993); Thematic Aperception Test Teste de Apercepo Temtico TAT (Murray, 1973).

Procedimentos de coleta e anlise dos dados A verso do MMPI escolhida para este estudo foi a 168 que, segundo Graham (1987), a verso abreviada mais promissora da atualidade e parece ser equivalente ao MMPI standard quanto a comparaes individuais e de grupos. Os dados coletados foram submetidos anlise estatstica, utilizando anlise de varincia (ANOVA) a fim de examinar os escores das escalas em relao s variveis sexo e idade, para verificar se o resultado aponta para um perfil semelhante entre si ou diversificado, sugerindo a

existncia, ou no, de caractersticas de personalidade comuns aos pacientes examinados. Aps o teste de ANOVA, foi realizado estudo de correlaes bivariadas, relacionando as escalas do MMPI dos pacientes da amostra entre si. Posteriormente foi aplicado TAT em um pequeno grupo; o instrumento foi avaliado segundo os critrios do laboratrio de Psicologia projetiva de Paris (Shentoub, Chabert e Shretien , 1990). A pratica projetiva permite acuidade na anlise, o que a torna uma das principais metodologias para compreendermos psicopatologia. Segundo Shentoub et al. (1990), tem por objetivo a investigao profunda do funcionamento psquico do indivduo. Consideram esses autores que no domnio da pesquisa o TAT suscetvel a ser usado s sem outro teste psicolgico. Outro aspecto importante observado por Husain (1991), o da relevncia das tcnicas projetivas, no para demarcar comparaes, mas, sim, propiciar uma reflexo da singularidade de diversas organizaes de personalidade. Essa dupla polaridade permite, segundo o autor, a prtica de pesquisas baseadas em grupos nicos. Permite a ausncia do grupo controle, uma vez que possui forte unidade estrutural interna que se acomoda com a eventual falta de visibilidade externa. O autor critica a viso dicotmica herdada da viso experimental, considerando que a viso atual da Psicologia projetiva preconiza a noo de um continuum psicopatolgico. ANOVA (Analysis Of Variance) Uma primeira anlise realizada com os escores obtidos pelos sujeitos nas escalas do MMPI foi o exame de possvel variao nos escores, considerando as variveis idade e sexo dos sujeitos. Embora no fosse propsito especfico de pesquisa, a varivel idade foi investigada. A literatura (Bastos, Almeida Filho & Santana,1993) sugere maiores ndices de cefalia em pessoas mais velhas, do gnero feminino. Agrega-se a esse fato, o grande intervalo de idade entre os sujeitos (20 a 55 anos) como motivo para investigao. O resultado, no entanto, no mostrou diferena significativa do ponto de vista estatstico, para os escores do MMPI em relao varivel idade. A varivel sexo uma das questes de pesquisa. Assim, foi considerado relevante a investigao desse aspecto. A epidemiologia aponta para uma proporo de 1:3 entre homens e mulheres queixosos do sintoma; por isso, foi realizada uma anlise da varincia entre sexo e as escalas do MMPI. Nessa anlise, importante levar em conta que mesmo que o nmero de sujeitos homens tenha sido menor que o de mulheres, tal diferena compensada por um ponto crtico longe do zero nos resultados da ANOVA, de tal forma que a diferena expressiva a ponto de eliminar ou pelo menos controlar a possibilidade de erro pelo

tamanho da amostra. A distribuio, por sexo, deu-se conforme a demanda recebida nas consultas mdicas que antecederam a pesquisa. A diferena de distribuio por sexo sugerida por Feldman (1995), alm de outras pesquisas, tambm pde ser observada neste estudo, com maior participao de mulheres. DEIVIDI RESULTADO Os resultados dos testes estatsticos que levam em conta a varivel sexo e as escalas do MMPI so enumerados abaixo, medida que foram considerados expressivos, observando um nvel de significncia de 0.05. Apresentao dos resultados da ANOVA

Para identificar em direo a que sexo a diferena apontava foi feito estudo da diferena de mdias. Concluses da ANOVA 1. Este estudo de ANOVA mostra que a varivel idade no relevante, no que diz respeito aos resultados do MMPI. 2. O estudo de ANOVA mostra que a varivel sexo apresenta diferena em algumas escalas do MMPI, sugerindo que os homens tm uma forma de apresentao de psicopatologia distinta das mulheres. A depresso e angstia manifesta so mais incidentes nos homens do que nas mulheres.

Estudo das correlaes Com o objetivo de fazer outro tipo de anlise dos resultados do MMPI do grupo examinado, foi realizado o estudo de correlaes bivariado. Dessa maneira, os resultados so agregados aos pares e possibilitam interpretao. Cunha et al (1993) sugerem a observncia dos cdigos de dois pontos, a saber, as combinaes da elevao de duas escalas, para uma interpretao dos escores. Assim, so consideradas as correlaes entre escalas que apresentarem o valor de referncia 0,7 como mnimo. Acima desse valor consideramos uma correlao expressiva ou intensa. Os seguintes pares de escala apresentam coeficientes de correlao significativas:

O conjunto de sujeitos que respondem com escores altos na escala de Depresso, tambm respondem com altos escores nas escalas (Hy) Histeria e (Pt) Psicastenia. Os sujeitos que respondem com altos escores em (Pt) Psicastenia, de um modo geral, tambm apresentam resultados altos nas escalas (Hs) Hipocondria, (D) Depresso e (Hy) Histeria. Existe uma correlao expressiva entre as escalas (Sc) Esquizofrenia e (Pd) desvio psicopatico, (Pa) paranoia e (Pt) Psicastenia. Encontramos

dois grupos distintos em nossa amostra. O primeiro, em que predominam escalas que apontam na direo de nvel de funcionamento neurtico (Escalas Hs, D, Hy e Pt), e o segundo grupo, no qual existe correlao significativa entre as escalas que apontam para um nvel de funcionamento mais regressivo, ou seja, Sc e Pd, Pa e Pt. Assim o estudo de correlaes permite as seguintes concluses parciais: 1. existe correlao entre cefalia e nvel de funcionamento neurtico; 2. existe correlao entre cefalia e converso; 3. existe correlao entre cefalia e aspectos patolgicos mais regressivos do que o nvel neurtico de funcionamento mental. GABRIELA Outros aspectos relativos psicodinmica dos pacientes em questo puderam ser inferidos, porm no so considerados conclusivos. Com o teste projetivo TAT, buscou-se aprofundar a investigao da existncia, ou no, de funcionamento mental distinto entre os dois subgrupos.

Tomando os dados apresentados nas escalas do MMPI e associando-os aos resultados encontrados no BDI vemos que a depresso manifesta perfaz 50% da amostra. Cabe observar que 17% dos pacientes apresentam escores abaixo do normal, indicando provvel negao da depresso. Retomamos, ento, a suposio anterior na qual consideramos a possibilidade de negao da depresso, particularmente nas mulheres (escores mais altos na escala Ma do MMPI). No BDI, as mulheres representaram a maior parte dos sujeitos que apresentam abaixo do normal no BDI,

sugerindo negao da depresso. A literatura aponta para o sintoma corporal como equivalente depressivo. Nesse contexto, Mackinnon e Michels (1985) observam que a dor de cabea apontada como uma das queixas mais comuns de pacientes depressivos. A depresso pode ser observada em 67% dos pacientes (manifesta e subjacente). A dor, possivelmente, apresenta-se como um equivalente depressivo. Os resultados dos testes so compatveis entre si e denotam associao entre cefalia e depresso. Esse aspecto descrito na literatura: cito aqui Feldman (1995) que encontrou, por meio do Beck, depresso em 46% dos sujeitos investigados; Esse achado, associao entre dor e depresso remete a Freud (1895) que sugeria correlao entre dor fsica e psquica. Freud considerava a correspondncia existente entre dor psquica e fsica, no que concerne retrao da libido, caracterstica presente em ambas. Em 1889, descreve, pela primeira vez que a melancolia pode ocorrer por meio de somatizaes. Wise (1977) aponta que a depresso a condio mais comum encontrada em indivduos com essa queixa. A depresso exacerba as sensaes desconfortveis ou, ainda, a condio primria na qual a prpria dor a manifestao da sndrome. importante considerar que essa condio pode passar despercebida tanto pelo paciente quanto pelo mdico e resultar em tratamentos que reforcem a dissociao mente/corpo. Meer (1990) considera que o estresse causa mudanas bioqumicas no crebro e, tambm, decrscimo nos nveis de serotonina e endorfina e, conseqentemente, produz diminuio da sensibilidade dor. As emoes esto armazenadas no corpo em seus receptores e a cada interao partem mensagens qumicas. Se compararmos os resultados encontrados nesta amostra com os resultados do estudo de morbidade psiquitrica na populao urbana de Porto Alegre (Busnello et al., 1993), podemos constatar que existe uma diferena significativa de incidncia de depresso. Busnello et al. (1993) encontraram, agregrando depresso e distimia, depresso em 10,3% da populao de Porto Alegre, enquanto o nosso grupo apresentou 50% de depresso manifesta. Podemos concluir por meio do uso do BDI que: 1. existe associao entre cefalia e depresso manifesta. 2. a incidncia de depresso encontrada nos sujeitos pesquisados aproximadamente 5 vezes mais alta do que na populao em geral. Resultados do TAT

A fim de analisar se existe distino entre o tipo de funcionamento mental nos pacientes da amostra foi aplicado TAT em um subgrupo de pacientes. Para selecionar os pacientes a serem testados com TAT, foram levados em conta os resultados prvios encontrados no MMPI Dentro do grupo investigado foi selecionado um grupo com caractersticas apontadas no MMPI como predominantemente neurticas e um grupo com altos escores em escalas regressivas. Discutindo os resultados dos TATs A partir da anlise dos seis protocolos de TAT vemos um espectro de diferentes nveis de funcionamento mental. Existem pacientes que predominantemente funcionam dentro de um registro neurtico (chamaremos grupo I) e, por outro lado, pacientes que apresentam um nvel de funcionamento mental com maior comprometimento (chamaremos grupo II), denotando pertencerem ao grupo que Bergeret (1988) convencionou chamar de organizaes limtrofes. No primeiro grupo desta amostra, os conflitos caracterizam-se por serem intrapsquicos e a natureza da angstia predominantemente de castrao. H um aspecto que comum a todos: a dificuldade de lidar com as pulses agressivas. Marty (1950) considera que a cefalia tenha correspondncia com a inibio de fantasmas precisos, particularmente, fantasmas agressivos. O autor considera a possibilidade de existncia de conflitos neurticos, tal como observamos nos pacientes. No grupo II tambm foi observado em um dos pacientes um setor de funcionamento edpico, conflitiva que, fundamentalmente, situa-se como uma agresso contra a prpria inteligncia, castrao mental, em razo da valorizao afetiva do ato de pensar. Foi identificada, o mesmo que Marty (1963) observou, a existncia de conflitos edpicos e pr-edpicos como aspecto central. FERNANDA O segundo grupo da amostra caracteriza-se da seguinte forma: a angstia de perda de objeto e as relaes de objeto so do tipo anacltica. Esto sujeitas a regresses egicas mais intensas, e as defesas dominantes tambm tm um cunho mais primitivo. Ambas apresentam risco de descompensao somtica por insuficincia de estrutura mental para enfrentar demandas internas e externas. Lobato (1992) considerou que pacientes com dor crnica poderiam apresentar alexitimia; essa pobreza fantasmtica foi detectada em um dos membros do subgrupo II. Wise, Mann, Jani, N. E., Jani, S. (1994) consideraram os pacientes cefallgicos psicologicamente angustiados e freqentemente alexitmicos. Essa ausncia de liberdade fantasmtica percebida em um protocolo do

grupo II foi descrita, anteriormente, por Kreisler (1978) e, tambm, por Marty (1993). Este ltimo considerou que na alexitimia ou, como preferiu denominar, no pensamento operatrio, existe falta de expresses simblicas. Na lmina nmero 6, por exemplo, a paciente refere: No d para perceber o que a criana sente, ela est desligada. Na lmina de nmero 7, vemos contedo semelhante: Aqui eu vejo uma mulher pensando. No sei o que ela esta vendo ou fazendo, mas pensando, olhar perdido. Assim eu vejo, s isto, no tenho muito a te dizer. Completamente desligada. Podemos observar a partir desses breves fragmentos do protocolo do TAT que a paciente se encontra desligada do magma de seu inconsciente, bem como desconectada de seus objetos internos, predominando a clivagem. As representaes, conforme observamos pela incidncia de fatores de srie C/N (narcisica) e C/O (indicando vida mental operatria), so escassas, pobres e repetitivas. Barros (1991) considera, ao discutir a questo do pensamento operatrio, que no nvel metapsicolgico haveria um dficit no processamento psquico. Como foi referido anteriormente, ao analisar o referido protocolo, h a uma possvel patologia do funcionamento do pr-consciente. Nessa subamostra nos deparamos com dois grupos distintos. Reportamo-nos a Kaplan e Sadock (1993) para aprofundar a compreenso desses achados. Os autores consideram que as cefalias psicognicas podem ser divididas em dois grupos. O primeiro, em que o sintoma conversivo e, portanto tem qualidades representacionais e um segundo em que a cefalia no tem natureza simblica e os sintomas so definidos como respostas automticas a conflitos conscientes ou inconscientes. Os resultados interpretativos sugerem risco de desorganizao progressiva nas pacientes do grupo II. De fato, a realidade corrobora essa hiptese, pois a paciente foi avaliada no mesmo perodo, do ponto de vista clnico, e detectada Hipertenso Arterial Sistmica (HAS) apontando para o padecimento corporal. Esse contexto das desorganizaes progressivas foi explorado por Marty (1993) considerando que, nesses casos, pode haver destruio da organizao libidinal. A cefalia pode constituir-se como sintoma regressivo de crise e ter uma conotao reversvel ou indicar o incio de uma desorganizao progressiva. Em nossa subamostra, apontamos a emergncia de Hipertenso Arterial Sistemica em um dos pacientes, j que se trata de uma doena crnica, controlvel, mas irreversvel. Evidentemente, so relevantes os aspectos constitucionais e exgenos na eleio da doena (no caso, HAS), uma vez que a somatizao no apresenta contedo representacional e, sim, assinala sua falha. Essa pequena amostra de protocolos de TAT situa-nos transitando entre o que

Killingmo (1989) denominou patologias de conflito (grupo I) e de dficit (grupo II). A amostra ilustra o que Freud, em 1894, assinalava: que tanto na histeria quanto na neurose de angstia h acmulo de excitao e insuficincia psquica, ocorrendo um desvio no somtico. A diferena no fato de em que nas neuroses atuais a excitao somtica, enquanto na histeria psquica (provocada por conflito). Em 1893, Freud considerou que as razes dos sintomas histricos devem ser procuradas na vida psquica. Fez aluso s dores e apontou para a relao simblica entre a causa determinante e o sintoma histrico. Os quatro resultados dos TATs (grupo I) apontam nessa direo, diretamente, da existncia de conflito intrapsquico. Para a existncia de conflito intrapsquico, o mecanismo de defesa bsico o recalcamento. As representaes de cunho agressivo aparecem, de modo geral, nos referidos protocolos do TAT como intolerveis e quando no recalcadas aparecem negadas. Kimball e Blindt (1982) consideram que a converso pode representar uma defesa contra raivas primitivas/ou representar uma forma de expiao e martirizao devido culpa. Maltbie, Cavenar, Jr., Jesee, Hammet & Sulivan (1978) apontam como pertinente a observncia de alguns pontos que indicam a vulnerabilidade do paciente dor e entre eles est a inabilidade de expressar raivas e conflitos inconscientes ligados a impulsos agressivos combinados com sentimentos de culpa. Esses conflitos podem aparecer simbolizados na dor. Nossa amostra comportou-se de modo semelhante, pois h evidencias significativas de agressividade e dificuldade de manejar a agresso. Os mecanismos predominantes tambm foram recalcamento e negao. Esse aspecto observado nos pacientes, a dificuldade de lidar com as pulses agressivas, remete ao que Marty (1990) antes assinalou: os aspectos de cunho oral e anal encobertos pelo sintoma conversivo. Articular os conceitos de conflito e dficit (Killingmo, 1989) pode aqui e mesmo teoricamente, tornar-se difcil, pois no so conceitos excludentes. France e Krishman (1988) observam que no h somente um tipo de personalidade associada converso e sugerem sintomas conversivos em diferentes tipos de personalidade. Foi observado em um dos elementos do grupo II indicadores de funcionamento operatrio mas tambm de um setor de funcionamento edpico de cobertura. Bleichmar (1988) lana luz sobre essa questo, pois tambm considera a presena de sintomas conversivos em quadros diferentes da histeria. Interroga se poderiam ser um indicador de castrao ou de um ncleo histrico. A questo que a autora refere se poderamos entender a converso como um mecanismo elementar da psique humana ou ainda de ser ativada por mltiplas fantasmticas. Ressalto aqui o que Debray (1989) anteriormente observou: o carter dinmico do modelo explicativo das

patologias somticas, caracterizando a inexistncia de um perfil psicolgico, mas de uma organizao mental particular que poderia predispor o sujeito ao adoecimento. Assim, por mais slido que seja o funcionamento defensivo neurtico, ningum pode estar ao abrigo de movimentos de desorganizao e apario de perturbao somtica de qualquer ordem, porm alguns sujeitos estariam mais suscetveis e, em nossa amostra, destacamos os sujeitosdo grupo II. Nesse contexto, de convergncia de sintomas conversivos em outros quadros, em um dos casos do grupo I caractersticas predominantemente obsessivas, mas que possivelmente abrigue o que Bleichmar (1988) chamou de ncleo histrico. Em outros dois casos do grupo I foram observados aspectos que predominam na linha hstero-fbica e provavelmente a presena do sintoma dor de cabea apresenta algum significado simblico. Um quarto paciente desse mesmo grupo possivelmente situa-se no registro neurtico caracterial, pois os aspectos mais arcaicos necessitam ser rigidamente controlados. Provavelmente, o sintoma de cefalia possa encobrir aspectos mais primitivos e de cunho depressivo. A dor, nesse caso, pode representar o que Mackinnon e Michels (1985) consideraram como um equivalente depressivo. O que no descaracteriza o possvel contedo representacional que possa ocultar, porm, esses contedos podem ser de ordem mais arcaica ou, ainda, como descreve Bleichmar (1988), pode o sintoma ser ativado por mltiplas fantasmticas. SILVANA CONCLUSO Na amostra examinada, a cefalia est associada psicopatologia; 50% da amostra apresenta depresso manifesta, conforme os dados obtidos pelo BDI e escala D do MMPI; a psicopatologia distribuda em dois nveis de funcionamento mental: o da neurose e o da anestrutura; no existe um padro nico de funcionamento mental, o sintoma pode estar associado a conflito e/ou dficit; a cefalia apresentada como sintoma conversivo, denotando contedo simblico; a cefalia como converso est associada a diferentes quadros; o sintoma conversivo pode estar encobrindo a depresso; uma caracterstica comum amostra a dificuldade de lidar com fantasmas agressivos; h escotomas ligados a representaes agressivas intolerveis, resultando em castrao mental e dificuldade de pensar esses conflitos precisos;

a cefalia pode estar sinalizando risco de desorganizao progressiva; os homens apresentam depresso e angstia manifesta em maior incidncia do que as mulheres da amostra; as mulheres apresentam maior incidncia de converso.