celestino monografia

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS EDMILSON CELESTINO DE BARROS RAÍZES DO CANDOMBLÉ E AS RELAÇÕES DE PODER E PARENTESCO NO CENTRO DE CULTO AFRO BRASILEIRO FILHOS DE OBÁ - LARANJEIRAS/SE São Cristóvão 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

EDMILSON CELESTINO DE BARROS

RAÍZES DO CANDOMBLÉ E AS RELAÇÕES DE PODER E PARENTESCO NO CENTRO DE CULTO AFRO BRASILEIRO

FILHOS DE OBÁ - LARANJEIRAS/SE

São Cristóvão 2010

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EDMILSON CELESTINO DE BARROS

RAÍZES DO CANDOMBLÉ E AS RELAÇÕES DE PODER E PARENTESCO NO CENTRO DE CULTO AFRO BRASILEIRO

FILHOS DE OBÁ - LARANJEIRAS/SE

Monografia apresentada como requisito à conclusão do Curso de Bacharelado, em Ciências Sociais da Universidade Federal de Sergipe. Orientador: Prof. Dr. Hippolyte Brice Sogbossi

São Cristóvão 2010

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EDMILSON CELESTINO DE BARROS

RAÍZES DO CANDOMBLÉ E AS RELAÇÕES DE PODER E PARENTESCO NO CENTRO DE CULTO AFRO BRASILEIRO FILHOS

DE OBÁ - LARANJEIRAS/SE

Monografia apresentada como requisito à conclusão do Curso de Bacharelado, em Ciências Sociais da Universidade Federal de Sergipe. Orientador: Prof. Dr. Hippolyte Brice Sogbossi

BANCA EXAMINADORA

----------------------------------------------------------- Prof. Dr. Hippolyte Brice Sogbossi

Presidente

----------------------------------------------------------- Prof. Dr. Jonatas Silva Meneses

Examinador

----------------------------------------------------------- Profª. M.Sc. Beatriz Góis Dantas

Examinadora

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Dedico este trabalho a meu pai (in memoriam), minha mãe, por serem a matéria fundamental para consolidação da minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, maravilhoso Mestre e Senhor, pois que me tem dado força e

coragem em todos os momentos, especialmente naqueles em que pensei desistir desta jornada.

À minha família, nas pessoas de minha mãe, Maria Stênia Gomes de Barros, sempre

comigo nas horas mais difíceis, fazendo-me acreditar que tudo é possível a quem procura.

Ao meu pai, Pedro Celestino de Barros (in memoriam), pois, mesmo distante, ainda

permanece presente na lição de vida que nos legou, além do respeito, carinho e admiração

pela cultura afro. Foi através dele que aconteceu a minha aproximação com o Centro de Culto

Afro Brasileiro Filhos de Obá. Foi o meu pai que deixou em mim e em toda a família a raiz

do sentimento de companheirismo e a convivência social entre os nossos irmãos

afrodescendentes e religiosos do terreiro de Obá. Foi nesse local que reconheci minha

identidade e desenvolvi a capacidade de me ver enquanto valor humano.

Agradeço também a todos os meus irmãos: Fátima (em São Paulo), uma mão sempre

a me guiar; Hosana, cuja característica mais marcante é a generosidade; Edílson, o mais velho

entre os irmãos homens, ao mesmo tempo forte e doce; Givaldo, severo e providencial;

Ginaldo, aquele que, sendo o mais jovem, faz sentir-me uma criança perante ele; Gicênia,

meu anjo guardião; Elisângela, uma presença de todas as horas, a caçula.

Aos meus primos e primas, aos meus tios e tias, aos meus cunhados e cunhadas,

todos somados, fiéis escudeiros.

Aos meus professores da graduação e a todo o Departamento de Ciências Sociais

pelo empenho acadêmico. Também agradeço a professores de outros departamentos que

contribuíram com informações de relevância para o aprimoramento desta pesquisa.

Especiais agradecimentos ao meu orientador, o Professor e Doutor, Hippolyte Brice

Sogbossi. Sem a sua condução do processo, eu teria fracassado em meus objetivos. Foi com

Brice que aprendi muito sobre o continente africano e sua riqueza cultural.

A todos os filhos de Obá, essência e foco desta obra. Tá Joaquina (in memoriam), a

fundadora do Centro Filhos de Obá; Alexandre José da Silva (in memoriam), figura

exponencial do candomblé em Sergipe, indispensável é inscrever seu nome quando se trata de

pesquisa sobre o culto afro brasileiro.

A Mãe Alira (in memoriam), a mãe de cota, a mãe pequena, carinhosa, meiga e

também severa, no momento necessário; a Dona Duda, esta mais sisuda, ekede dos orixás de

Lixandre; Cecilinha (in memoriam), mulher valorosa e destemida, fervorosa, exemplo de

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mulher e mandatária a ser seguido; Paulo Gitoky (in memoriam), de quem guardo apenas

longínquas lembranças, um homem de muita força na celebração dos ritos afro.

A Dona Deco que desempenhou de forma responsável suas tarefas junto a Cecilinha

e que, atualmente, auxilia a Yalorixá, /mãe Ginalva, uma das mais jovens remanescentes,

mulher de fibra e personalidade marcante. A Marieta, mãe da atual Yalorixá do Filhos de Obá

e sua ekede.

Apresento meus sinceros agradecimentos a tantos que contribuíram para a execução

desta pesquisa, cada um oferecendo um préstimo: Professora Aglaé D’Ávila Fontes,

Secretária de Cultura de São Cristóvão; Paulo Roberto, Secretário de Finanças da Prefeitura

de São Cristóvão; Professora Josenilma A. de Jesus; Reverendo Riuler; Reverendo Givanildo;

Adenilson Pereira; Gerison e Michael (professores de informática); Antonio Argôlo,

responsável pela digitação deste trabalho rigorosamente nas normas da ABNT (Associação

Brasileira de Normas Técnicas); Professor João Bosco, Secretário Adjunto de Cultura de N. S.

do Socorro; Professor Morgan Prado, Secretário de Educação do Município de São Cristóvão;

Paulinho dos Correios, Presidente da Câmara dos Vereadores de São Cristóvão; Paulo Filho;

Wilma Santos Silva e Lucenira Sampaio do Arquivo Público Municipal de Aracaju; Cláudio

Vítor, Jorge Henrique e Hélio Araújo, todos funcionários do Cartório do Segundo Ofício de

Laranjeiras. Maria Lúcia da Conceição (Dona Lucinha), Bibliotecária da UFS.

Agradecido à Professora Tânia Maria da Conceição Meneses Silva, revisora deste

texto. Licenciada em Letras Português/Inglês pela UFS, poetisa, fundadora da cadeira n. 8

(patrono: Dr. João Batista Perez Garcia Moreno), do MAC (Movimento de Apoio Cultual Dr.

Antônio Garcia Filho), ligado à Academia Sergipana de Letras.

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“O Candomblé sobrevive até hoje porque não quer convencer as pessoas sobre uma verdade, absoluta, ao contrário da maioria das religiões”.

Pierre Verger

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RESUMO Esta pesquisa conduz ao tema Raízes do Candomblé e às Relações de Poder e Parentesco no Centro de Culto Afro Brasileiro Filhos de Obá - Laranjeiras/SE. O objetivo primordial do presente trabalho é o de estudar desde as raízes do Candomblé, na África, seu roteiro até o Brasil, observando-lhes as diversas manifestações, a formação da família de santo e a história do Filhos de Obá, em Laranjeiras/SE. As abordagens se estendem desde o caminho percorrido pelos africanos até chegarem ao Brasil onde passaram a criar na terra uma cultura matizada que foi se espalhando ao longo do litoral brasileiro, especialmente. Esse povo imprimiu sua marca através de seus ritos religiosos e seus costumes familiares. O Candomblé trouxe também a noção de famílias de santo que se tornaram poderosas e decisivas no processo de enraizamento do culto afro. Nesta pesquisa encontra-se em foco a história do Centro de Culto Afro Brasileiro Filhos de Obá, terreiro situado no município sergipano de Laranjeiras. Palavras-chave: Candomblé. Laranjeiras. Famílias de santo. Poder. Filhos de Obá.

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ABSTRACT

This research takes the theme of Candomblé Roots and Relations of Power and Kinship in the Worship Center of Afro Brazilian Sons of Oba - Laranjeiras/SE. The primary objective of this work is to study from the roots of Candomble in Africa, its roadmap to Brazil, observing them with the various manifestations, of family formation and history of the Sons of Oba, in Laranjeiras/SE. The approaches range from the path taken by Africans to arrive in Brazil where the land began to create a nuanced culture that was spreading throughout the Brazilian coast, especially. These people left its mark through their religious rites and their family customs. Candomblé also brought the concept of holy families of saints who have become powerful and decisive in the process of rooting african cult. This research is focused on the history of Afro Brazilian Worship Center Sons of Oba yard located in the city of Laranjeiras Sergipe. Keywords: Candomblé. Laranjeiras. Families of the saint. Power. Sons of Oba.

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LISTA ICONOGRÁFICA

Foto 01: Alexandre José da Silva, aos 15 anos de idade, ao lado de sua genitora, 1915......... 82

Foto 02: Alexandre recebendo visitas de pais de santo: da Bahia, à sua esquerda; e, do Rio de Janeiro, à direita - presentes ao último ritual promovido por Lixandre, que foi concluído por Cecilinha, em 1971. (Relato de Dona Deco, 17 de outubro de 2008)...................................... 83

Foto 03: Roda de santo tocada em nagô com as presenças de três das mais importantes figuras do Filhos de Obá: Cecília da Silva de Oxalá; (Cecilinha) Paulo Santos Chagas de Obaluaê, (Paulo Gitokí) e Carlos José dos Santos de Oxalá, (Carrinho). Paulo Gitokí de costas, meio que de lado para Cecilinha e Carrinho usando uma touca branca, postado à frente de Cecilinha, em 1972................................................................................................................... 84

Foto 04: Foto antiga de Lixandre, manifestado com Obaluaê, ao lado de duas figuras igualmente importantes no contexto do Filhos de Obá, as duas localizadas ao lado esquerdo dele, e, à frente, a Mãe Pequena da casa, Alira Leão Ribeiro, (Mãe Alira),;logo atrás dona Duda, ekéde da casa, em 1971.................................................................................................. 85

Foto 05: Feitorio de um dos mais antigos barcos tirados por Lixandre, Cecilinha e duas outras figuras que atuavam como madrinhas do referido barco. Os personagens eram: José Antônio Santos (Zé de Ogum); José Araújo Santos (Caô); Antônio Luciano Nóbrega (Luciano de Oxossi), em 1968...................................................................................................................... 86

Foto 06: Roda de nagô na atual gestão do terreiro Filhos de Obá. Ao centro Marieta e Dona Deco, irmãs de sangue, as duas voldunças da relação de parentesco, ainda vivas. Abertura do canzuá no sábado da aleluia, no ritmo do nagô, em 2007........................................................ 87

Foto 07: Duas irmãs de sangue ladeando a filha sanguínea e atual mãe de santo do Filhos de Obá, acompanhadas por um Babalorixá baiano, em visita à casa por ocasião do Axêxê, em 2007.......................................................................................................................................... 88

Foto 08: Dançarina diante de alguns amuletos no projeto cultural implementado pela parceria prefeitura/terreiro, na gestão atual do Filhos de Obá, em 2001............................................... 89

Foto 09: Culinária africana do Filhos de Obá a serviço dos orixás, também a disposição da comunidade. Oferendas de alimentos para: Oxum; Oxossi e Xangô, 2001............................. 90

Foto 10: Crianças da comunidade sendo alfabetizadas por Mãe Ginalva, no interior do barracão do Filhos de Obá, no projeto de parceria com a prefeitura local de Laranjeiras, 1996........................... 91

Foto 11: Grupo de guias turísticos, composto por universitários, capacitados pelo Filhos de Obá, passeando no Centro Histórico de Laranjeiras, em 2000................................................ 92

Foto 12: Aula de culinária de comidas típicas africanas no Filhos de Obá, ministrada por Dona Marieta, em 2001............................................................................................................ 93

Foto 13: Conclusão do curso de corte e costura para as mulheres da comunidade, promovido pelos Filhos de Obá, através de Mãe Ginalva, em 1998.......................................................... 94

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Foto 14: Grupo cultural na linha africana e formado por pessoas nascidas no Filhos de Obá, em 2003.................................................................................................................................... 95

Foto 15: Dona Marieta, atual ekédi do Filhos de Obá, nos idos da juventude, com sua mãe de santo ao lado, e, à sua retaguarda, seu filho, que agora tem em média 50 anos de idade, no terreiro Massanganga, no Rio de Janeiro, onde foi feita, em 1969.......................................... 96

Foto 16: Dona Marieta (de pé, à esquerda) com alguns familiares de santo do terreiro Massanganga, Rio de Janeiro, em 1987................................................................................... 97

Foto 17: Dona Marieta (à esquerda) dando rum com Oxum Apará, no terreiro Massanganga, Rio de Janeiro, em 1986........................................................................................................... 98

Foto 18: Imagem de Exu, símbolo da prosperidade. Ao lado, o pesquisador, no museu afro, em Laranjeiras, em 17 de outubro de 2008.............................................................................. 99

Foto 19: Imagem do orixá Xangô, identidade de rei dos astros, em 17 de outubro de 2008..........100

Foto 20: Iansã Balé, orixá que controla os eguns; os ventos e as tempestades, no museu afro, em Laranjeiras, em 17 de outubro de 2008.............................................................................101

Foto 21: O pesquisador entre pejis e alguns amuletos, objetos relativos às obrigações dos orixás, no museu, em Laranjeiras, 17 de outubro de 2008.................................................... 102

Foto 22: Amuletos que representam alguns exus e elementos de que, supostamente, fariam uso. Museu afro em Laranjeiras, em 17 de outubro de 2008..................................................103

Foto 23: O pesquisador diante da imagem do Orixá Obaluaê, que representa a terra e todas suas doenças, no museu afro em Laranjeiras, em 17 de outubro de 2008..............................104

Foto 24: O pesquisador ao lado de Oxum Maré, orixá que representa o equilíbrio da terra, no museu afro, em Laranjeiras, 17 de outubro de 2008. Fotógrafo: Padre Givanildo.................105

Foto 25: Imagem de Iemanjá, orixá que representa as águas salgadas. Museu afro, em Laranjeiras, em 17 de outubro de 2008...................................................................................106

Foto 26: O pesquisador ao lado de Oxalá que, segundo a fé, representa a força do Cristo Deus entre os Orixás, no museu afro da cidade de Laranjeiras, em 17 de outubro de 2008............107

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................13 2 CAPÍTULO I – AS RAÍZES DO CANDOMBLÉ ............................................................18

2.1 Da África para o Brasil – O Roteiro do Candomblé .......................................................18 2.2 A Diversidade de Manifestações do Culto Afro pelo Brasil ...........................................20 2.3 Algumas Considerações Sócio-Antropológicas ..............................................................25

3 CAPÍTULO II – O CANDOMBLÉ E AS RELAÇÕES DE PARENTESCO E PODER........31

3.1 A Representatividade das Relações de Parentesco e Poder no Candomblé ...................31 3.2 A Família de Santo, Linhagens.......................................................................................34

3.2.1 O sistema hierárquico do Candomblé....................................................................37 4 CAPITULO III – CENTRO DE CULTO AFRO BRASILEIRO FILHOS DE OBÁ/LARANJEIRAS/SE ...................................................................................................41 4.1 A Cidade de Laranjeiras, Berço dos Filhos de Obá .......................................................41 4.2 A História do Centro Filhos de Obá - Laranjeiras/SE....................................................43

4.2.1 Usos e costumes do Filhos de Obá........................................................................45 4.3 O Centro Filhos de Obá - Uma Fotografia em Preto e Branco ......................................48

4.3.1 A figura exponencial de Tá Joaquina, a fundadora do Centro Filhos de Obá......54 4.3.2 A importância do pai de santo Lixandre na hierarquia do Filhos de Obá ............56 4.3.3 Cecilinha sucede Lixandre de Laranjeiras.............................................................61 4.3.4 Mãe Ginalva, a atual Yalorixá...............................................................................62

4.4 O Mapa do Poder no Centro Filhos de Obá ...................................................................64 5 METODOLOGIA................................................................................................................66 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................71 REFERÊNCIAS .....................................................................................................................73 GLOSSÁRIO ..........................................................................................................................77 LISTA ICONOGRÁFICA .....................................................................................................82 ANEXOS ...............................................................................................................................108

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1 INTRODUÇÃO

O termo Candomblé é utilizado na Bahia e em outros estados brasileiros para designar

os grupos religiosos caracterizados por um sistema de crenças de origem africana. Entretanto,

ao longo de sua história, o Candomblé tem recebido denominações populares às vezes usadas

de maneira um tanto depreciativa por alguns segmentos sociais, tais como Xangô, Macumba e

Toré.1

Na opinião de Dona Marieta Santos, ekedi do Filhos de Obá e mãe da atual Yalorixá

deste centro, Ginalva, existem diferenças importantes entre os termos toré e xangô. Estudos

diversos definem o Toré como uma denominação de terreiro de caboclo que mistura tradições

rituais diversas. O termo Xangô é a denominação aludida a uma divindade do próprio

Candomblé, um orixá africano ligado aos raios, trovões e tempestades, não tem a ver com o

espaço físico de realização do ritual, muito embora o senso comum utilize o termo dessa

forma. E o vocábulo Candomblé é realmente a nomenclatura apropriada para denominar a

religião afro brasileira no seu conjunto, mas também se utiliza para identificar o local do culto

que conjunturalmente agrega os filhos de santo com seus assentamentos dos orixás, ou seja,

casa de santo, roça, candomblé.

Para o estudioso Lody (2006, p. 12) foi na década de 70 que surgiu

[...] com eficácia semântica e simbólica o rótulo afro para designar patrimônio africano no Brasil e, especialmente, identificar nas manifestações consagradamente afro-brasileiras um certo purismo africano.

O tema desta pesquisa é relativo às Raízes do Candomblé e às Relações de Poder e

Parentesco no Centro de Culto Afro Brasileiro Filhos de Obá - Laranjeiras/SE. O objeto de

estudo, por sua vez, se encarrega de focalizar a hierarquia do Candomblé.

O objetivo principal é esboçar um estudo das raízes do Candomblé, na África, e

centre-se no Brasil, observando-lhes algumas de suas manifestações, as exigências para a

formação da família de santo e, especificamente, focalizar a história do Filhos de Obá, em

Laranjeiras/SE.

Os objetivos específicos dão conta de: 1. esboçar estudo das origens do Candomblé,

considerando-o à luz de aspectos sócio-antropológicos; 2. entender a representatividade das

relações de parentesco e poder do Candomblé; 3. levantar informações sobre a história do

1 Momento da dança dos orixás em festejos, confundido pelo senso comum como espaço do ritual da dança.

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Filhos de Obá, evidenciando as figuras de Tá Joaquina, Lixandre de Laranjeiras, Cecilinha e

Mãe Ginalva.

Esta pesquisa se justifica por atender à necessidade primeira de tentar conhecer alguns

aspectos da cultura afro brasileira, o que contribuiu para a minimização do preconceito social

existente e até auxilia no processo de reconhecimento e inclusão de comunidades religiosas

marginalizadas pela sociedade burguesa - além de, ainda, procurar reconhecer-lhes o legado

de suma importância para a formação da cultura do povo brasileiro. No caso deste trabalho,

especialmente, para a formação da cultura de Sergipe.

No marco teórico discute-se sobre as teorias sócio-antropológicas com base nas

religiões de presença africana no Brasil, além do que, faz-se uma abordagem sobre a história

do Candomblé no país - sob a ótica de Edson Carneiro, Vivaldo da Costa Lima, Reginaldo

Prandi, Pierre Verger, Roger Bastide, Patrícia Birman, Ruth Landes, Beatriz Góis Dantas,

Hipollite Brice, e mais algumas reflexões desenvolvidas por outros teóricos sobre a temática

em tela.

Os trabalhos de pesquisa sobre o Candomblé de Laranjeiras pouco se debruçaram

sobre as questões da religião e da forma do exercício de poder vivido pelos filhos de Obá, e,

portanto, o objetivo desta pesquisa visa preencher tal lacuna. Entretanto, frise-se um trabalho

que se tornou referência, o da pesquisadora Beatriz Góis Dantas, intitulado Vovô nagô e papai

branco. Usos e abusos da África no Brasil. Nesta obra, a eminente pesquisadora se dedica a

configurar o prestígio em terreiros de Xangô, à fala do Nagô sobre sua saga e, ainda à fala dos

“outros” sobre o Nagô; à construção e significado da “pureza nagô” e aos usos da África pelo

terreiro Nagô. Em suas conclusões, a professora adianta que

Essa busca incessante de “africanismos” implica, por outro lado, o reconhecimento de que a identidade do negro brasileiro é algo que se ata à existência de uma cultura africana autêntica, cujos “pedaços” são continuadamente procurados como tesouros a serem ciosamente guardados e preservados, porque atestadores da identidade negra. (DANTAS, 1988, p. 247).

As observações realizadas no campo permitiram perceber que algumas das teorias

utilizadas na elaboração do projeto inicial, ou aquelas encontradas durante o percurso – que se

acreditou poder contribuir de alguma forma na compreensão do fenômeno – não davam conta

da complexidade apresentada pelo objeto.

Há, no entanto informações e teorias que não se incorporaram ao senso comum por seu grau de complexidade ou por ser contra a experiência cotidiana e, neste ponto, o senso comum é muito poderoso. São de difícil aceitação as ideias que são muito diferentes de nossa experiência imediata. Talvez a mais comum destas ideias diga respeito à própria origem do conhecimento. (CARVALHO, 2006. p. 19).

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No que tange ao surgimento do Centro Filhos de Obá, por exemplo, constatou-se a

importância de se conhecer a dinâmica que resulta da confluência entre dois mundos: África e

Brasil. De um lado a África que, além de subjugada, costumava também deportar seus filhos,

escravos, os quais traziam consigo sua cultura, seus costumes e principalmente, sua

religiosidade. Na outra ponta, uma pequena cidade interiorana, florescente zona açucareira do

Estado de Sergipe.

Em outras palavras, a dinâmica encontrada nos fatos, nessas idas e vindas, ao campo

representa a inconstância, desse fenômeno, que é atual, ainda relativamente novo, e cuja

tímida aparência ainda não envolve muitos terreiros, mas suscitam reflexões importantes,

sobre questões relacionadas ao urbano, à política de identidades, à pós-modernidade entendida

através da globalização econômica e cultural, às ressignificações sincréticas realizadas pelos

sujeitos nos grandes centros onde as possibilidades estão abertas.

Os negros introduzidos no Brasil pertenciam a civilizações diferentes e proviam das mais variadas regiões, da África. Porém, suas religiões, quaisquer que fossem estavam ligadas a certas formas de família ou de organização clânica, a meios biogeográficos especiais, floresta tropical ou savana, as estruturas aldeãs ou comunitárias. O tráfico negreiro violou tudo isso. E o escravo foi obrigado a se incorporar, quisesse ou não, a um novo tipo de sociedade baseada na família patriarcal, no latifúndio, no regime de castas étnicas. Que se passou então? Esta é a primeira questão que temos de resolver. Mas o período de escravidão durou três séculos e no curso desse tempo a sociedade brasileira não permaneceu imóvel. (BASTIDE, 1971, p. 30).

Para melhor entender uma crença afro brasileira, o pesquisador precisa adotar uma

posição flexível, ponderada, pois, raramente se encontrará Casas de Candomblé que sigam

uma mesma doutrina ou realizem rituais da mesma maneira. Tão diverso é o continente

africano, tão diverso é o Candomblé.

O fato de o Candomblé ser uma religião politeísta e desprovida de um poder

centralizador, que estabeleça regras a serem seguidas, permite que cada sacerdote “seja rei em

sua própria Casa”. É ele (o Babalorixá) /ou ela (a Yalorixá) quem dita as regras a serem

seguidas pela sua comunidade de santo, o que implica em certas discrepâncias doutrinárias

e/ou litúrgicas distribuídas pelos diferentes espaços pelos quais o Candomblé vem se

disseminando. Tais diferenças encontradas obrigam o pesquisador a refletir acerca do real

significado do termo “afro brasileiro”.

Entender as diferenças na forma de cultuar ou de gerenciar existentes nos terreiros de

Candomblé exigiria a realização de uma etnografia desses centros para se tentar compreender

as situações históricas por eles vividas, pois cada qual guarda sua particularidade desde sua

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fundação. Com o esforço deste trabalho, foi alcançado realizar a amostra centrada no

gerenciamento e cultos praticados no Centro Filhos de Obá.

Este trabalho é, portanto, uma retórica etnográfica relativa ao Centro Filhos de Obá

onde se concentraram as atividades para que assim fosse possível traduzir a atualidade da

religião e das formas de comando praticadas por aquela comunidade de santo em Laranjeiras.

Os sacerdotes do Candomblé se debruçam sobre práticas culturais supostas e

provavelmente seguidas pelos seus antepassados. Eles realizam um ato político de marcação

de diferença, muito parecido com uma nação/etnicidade, como também um ato simbólico no

sentido de que absorvem os aspectos iorubas não somente como traços diacríticos, mas

também como aspectos culturais historicamente perdidos ao longo do desenvolvimento dessa

religiosidade difundida no Brasil.

A percepção do significado cultural do Centro Filhos de Obá só se tornou possível

quando foram reunidos os dados coletados no campo e as informações sobre a historicidade

do movimento que representa o desdobramento do processo de territorialização da religião

africana no Brasil, iniciada pelos primeiros escravos africanos aqui aportados.

O Capítulo 1 trata das raízes do Candomblé e de sua trajetória até as terras brasileiras

por onde se difundiram em diversas manifestações, além de ainda tecer algumas

considerações de ordem sócio-antropológicas. A sustentação teórica foi buscada em autores

do porte de Lody, Silveira, Pierucci e Prandi, Camurça, Verger, Capone, Dantas, Landes e

outros.

O Capítulo 2 aborda a temática do Candomblé em suas relações de parentesco e poder,

envolvendo noções sobre a formação de famílias de santos, suas linhagens e o sistema

hierárquico do Candomblé. Para alcançar este objetivo foram consultadas as teorias de Roger

Bastide, Godelier, Alves Filho, Pereira Neto.

O Capítulo 3 se ocupa da história do Centro de Culto Afro Brasileiro Filhos de Obá,

situado no município sergipano de Laranjeiras/SE, desde a sua fundação, focalizando das

Yalorixás e os Babalorixás, até a atual administração. Para conseguir alcançar a composição

deste capítulo, foi utilizado o material informativo oral obtido nas diversas atividades da

pesquisa de campo realizada no referido terreiro de Candomblé.

Espera-se, assim, haver contribuído para ampliar o conhecimento sobre a temática

abraçada.

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2 CAPÍTULO I – AS RAÍZES DO CANDOMBLÉ

2.1 Da África para o Brasil – O Roteiro do Candomblé

Em se tratando de identidades culturais no sentido verso/inverso Brasil-África-Brasil,

a história apresenta o estigma colonialista e se fundamenta nos valores éticos e morais

ocidental-judaico-cristãos que se submeteram ao poder econômico evoluído do mercantilismo

e “chega a um capitalismo mais ou menos ortodoxo que ainda reafirma as condições escravas

pelo subemprego - ação servil tão infame quanto a do escravismo oficialmente extinto em

1888”. (LODY, 2006, p. 19).

A informação sobre a existência de cultos africanos no Brasil remonta ao século XVII.

Trata-se do “calundu colonial” trazido à baila por historiadores e antropólogos brasileiros.

São exemplos dos primórdios dessa cultura religiosa:

[...] o congolês Domingos Umbata, flagrado em 1646 pelos visitadores da Inquisição na capitania de Ilhéus; a angolana Branca, ativa na cidade baiana de Rio Real nos primeiríssimos anos do século XVIII; outra angolana, Luzia Pinta, muito bem sucedida na freguesia de Sabará, nas Minas Gerais, entre 1720 e 1740; a courana Josefa Maria ou Josefa Courá com sua “dança de Tunda”, estabelecida em 1747 no arraial de Paracatu, Minas Gerais; o daomeano Sebastião, estabelecido em 1785 na cidade de Cachoeira, no Recôncavo Baiano; e enfim Joaquim Baptista, ogan (uma espécie de líder de terreiro) do “culto ao deus Vodum”, no Accu de Brotas, freguesia periférica da cidade da Bahia, em 1829. A esta lista poderia ser acrescentada uma significativa aquarela de Zacharias Wagener, artista que viveu no Pernambuco holandês de 1634 a 1641, representando uma festa de africanos e trazendo preciosas informações visuais sobre a variedade e a disposição dos atores, figurinos e instrumentos musicais. (SILVEIRA, 2005, p. 2).

Esses rituais estiveram presentes no Brasil durante todo período colonial, sendo

registrado o primeiro templo no início do século XIX, erguido nos fundos de uma igreja na

cidade de Salvador/BA.

Esses cultos jejes eram comunitários e com fortes tradições litúrgicas, as que foram

implantadas na Bahia. Receberam o apoio dos calundus e bantos e partiram em busca de

reconhecimento e oficialização. Foi em Salvador mesmo, no Bairro da Barroquinha, que se

estabeleceram e a transição foi tentada com relativo sucesso.

Segundo as tradições orais dos nagôs (africanos iorubas, originários de regiões da Nigéria, Benin e Togo) baianos, o primeiro candomblé de sua linhagem foi fundado em terras situadas atrás da capela de Nossa Senhora da Barroquinha, no centro histórico de Salvador. Segundo se conta, existia uma irmandade de negros ali funcionando, cujos associados teriam sido os fundadores africanos. Hoje, esse candomblé é um dos maiores e mais respeitados do Brasil, chama-se oficialmente

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Ilê Axé Iyá Nassô Oká, em homenagem à sua fundadora principal, mas é popularmente conhecido como Casa Branca do Engenho Velho da Federação. [...] A investigação sobre a data inaugural motivou antropólogos ligados ao Axé Opô Afonjá, filial do candomblé da Barroquinha, os quais fizeram estimativas que vão do final do século XVIII a 1830. Em 1943, por ocasião do I Primeiro Congresso Afro-Baiano, teve lugar na Casa Branca uma exposição comemorativa dos 154 anos de sua fundação, segundo a qual o candomblé teria então sido fundado em 1789. Essa data coincide com a chegada à Bahia dos primeiros escravos nagôs do reino de Ketu (cujo território foi cortado em dois pela fronteira Nigéria-Benin), de onde teriam vindo os fundadores, bem como com a oficialização da irmandade do Senhor Bom Jesus dos Martírios, em 1788. (SILVEIRA, 2005, p. 2).

A realidade social no campo das religiões no Brasil tem enfrentado um movimentado

processo de mudança cultural e que leva ao pluralismo religioso competitivo. São abordagens

destacadas por Pierucci e Prandi (1996) que fazem um criterioso estudo da evolução da

paisagem religiosa através do tempo e revela determinados aspectos geralmente escondidos

pela sociedade, a exemplo da ligação existente entre os seguidores do Candomblé com o

dinheiro e a política.

Camurça (2009, p. 63) frisa que “somos todos nativos” e que empreendemos o

“encontro pós-colonial onde o antropólogo não necessita mais fazer viagens transoceânicas

para encontrar este outro e desta forma fazer um esforço de ‘conversão’ a uma cultura

totalmente exógena”.

Em sua incomparável obra sobre o tráfico de escravos entre o Golfo de Benin e a

Bahia de Todos os Santos, Verger (1987) aborda profundamente aspectos que elucidam a

movimentação que providenciou a chegada dos africanos ao Brasil. O pesquisador não trata

da religiosidade, mas sua pesquisa abre o mais extenso panorama sobre o longo momento

histórico e descortina a paisagem do país àquela época.

Os aspectos evidenciados na obra de Verger e que se ligam ao que interessa à presente

pesquisa são as relações econômico-filantrópicas anglo-portuguesas e sua influência no

tráfico de escravos no Brasil; as revoltas e rebeliões de escravos na Bahia (estado vizinho a

Sergipe e cujas facetas históricas têm ligação) para o Brasil; Revoltas e rebeliões de escravos

na Bahia - 1807-1835; Bahia, 1835-1850. Rumo ao fim do tráfico de escravos; emancipação

de escravos; condições de vida dos escravos na Bahia no século XIX, etc. Relembra o

brasileiro Gilberto Freyre e anota:

O escravo da casa-grande ou do sobrado grande foi o melhor nutrido de todos os elementos da sociedade patriarcal brasileira. Nutrido com feijão com toucinho, com angu, com mandioca, com inhame, com arroz. [...] Melhor nutrido que o próprio senhor de engenho, o fazendeiro ou o proprietário de mina, cuja alimentação caracterizava-se também pelo excesso de charque e de bacalhau que mandava vir da cidade. (op. cit, p. 495-496).

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Outro estudioso se encarrega de atestar a contribuição do patrimônio material do

homem africano no Brasil. Lody (2006, p. 31) se reporta à formação das nações, grupamentos

de negros no Brasil, unidos por motivos culturais, inclusive e em primeiro lugar, pelas

línguas. Reporta-se, ainda às ações “tradicionais que caracterizam as casas de candomblé na

Bahia, nos xangôs em Pernambuco, Sergipe e Alagoas e nos Tambores Minas-Jeje no

Maranhão”.

Por sua vez, Capone (2009, p. 296) ressalta, usando os ensinamentos de Nina

Rodrigues (1906), o papel da língua iorubá (o nagô) como veiculadora entre os escravos da

Bahia. Nina Rodrigues, conforme explicita Capone, criticava

[...] o fato de, no Brasil, as línguas bantas serem consideradas as únicas a merecer a atenção dos linguistas, e acrescentava que, se o quimbundo predominava no Norte e no Sul do país, era o nagô (iorubá) que prevalecia na Bahia.

O pesquisador Sogbossi (2007, p. 81) refere-se às religiões afro brasileiras e africanas

a partir de suas experiências de ensino e diz da carência do povo brasileiro quanto ao

conhecimento de seu patrimônio histórico-cultural. Ressalta o estudioso que

O Curso de Aperfeiçoamento em História a África e Cultura Afro-Brasileira, projeto elaborado sob iniciativa do Prof. Dr. Frank Marcon, no âmbito da lei 10.639/03, e apoiado pelos docentes Prof. Dr. Hippolyte Brice Sogbossi e Prof. Dr. Ulisses Neves Rafael, todos antropólogos do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Sergipe, foi aprovado e financiado pela equipe UNIAFRO do MEC/SESu. O projeto se insere entre os projetos do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Universidade Federal de Sergipe.

2.2 A Diversidade de Manifestações do Culto Afro pelo Brasil

A influência de Portugal e da África na América, na fase inicial, “não foi uma

colonização de povoamento”. Havia as feitorias no litoral criadas por franceses, ingleses e

portugueses para negociar e, em lugar de influenciarem os nativos com suas culturas, ocorreu

um fenômeno reverso e os estrangeiros eram influenciados pelos índios. Quanto à chegada

dos navios negreiros, esses traziam

[...] cargas cada vez mais numerosas de africanos, a emigração portuguesa ao Brasil, por sua vez, acelerou-se sobretudo com a descoberta de minas de ouro no século XVIII e com o progresso dos empreendimentos comerciais no século XIX. (BASTIDE, 1971, p. 53).

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O tráfico altamente intenso de escravos espalhava negros de inúmeras localidades do

vasto território africano e misturavam-se usos e costumes diferenciados de um mesmo povo,

de tal forma como se estranhos fossem entre si.

No Brasil, a exemplo do Estado da Bahia, encontra-se a influência de populações

negras oriundas do golfo de Benin, cultores dos antigos voduns e orixás, da mesma forma que

o faziam os habitantes do sul do Daomé e sudoeste da Nigéria.

Durante mais de três séculos, homens, mulheres e crianças da raça negra oriundas do continente africano, foram trazidos como escravos. Até o advento da lei Eusébio de Queiroz, promulgada em 4 de setembro de 1850 e mesmo alguns anos depois, integrantes de várias nações vinham para o Brasil, trazendo consigo toda uma tradição cultural e religiosa que muito influenciou na formação do povo brasileiro. (SANTOS, 2005, p.1).

Segundo Verger (1987), as localidades de origem dos escravos da Bahia estão

demarcadas em quatro períodos: o ciclo da Guiné (segunda metade do século XVI); o ciclo de

Angola e do Congo (século XVII); o ciclo da Costa da Mina (três primeiros quartos do século

XVIII); e o ciclo da baía de Benin (entre 1770 e 1850).

Estudos de Lody (2006, p. 25) sobre o fazer e o significar do patrimônio material do

homem africano no Brasil dão conta de que se convenciona atribuir à arte afro brasileira “um

limite no âmbito e no fazer religioso que será de função e significado para o culto dos orixás,

voduns e inquices”. Para esse pesquisador, “Marca a história do homem africano a ação do

próprio homem africano como protagonista, criador dos seus próprios momentos de vida”.

Importante referencial sobre aspectos da África no Brasil é a obra de Landes (1947, p.

53), edição de 2002, intitulada A cidade das mulheres. Nesse importante estudo científico,

texto narrativo em prosa poética, a antropóloga estadunidense, traça o perfil das mães nagôs

na Bahia e deixa patente o seu interesse pela questão da homossexualidade entre os cultos

caboclos afro brasileiros. No seu texto encontramos a pesquisadora envolvida com o seu

objeto de pesquisa e nele transformando-se, assim como aconteceu com este trabalho no

Filhos de Obá:

Sabia que não seria possível estudar a Bahia como o faria com uma galeria de arte, nem com certas tribos indígenas das nossas reservations, onde se podem contratar indivíduos que se plantem numa cadeira, durante meses seguidos, e falem de si mesmos. Teria de persuadir os baianos a me deixarem participar da sua vida. Teria de abrir caminho para o fluxo humano e tornar-me parte dele. Para estudar as pessoas, deveria viver com elas, apreciá-las e procurar, constantemente, fazer com que gostassem de mim.

Outro pesquisador, muitos anos depois que por aqui passou Landes, envolveu-se no

trabalho de campo. Velho (1977, p. 52) realizou sua pesquisa em um terreiro de Umbanda, no

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Bairro de Andaraí, Rio de Janeiro. Abordando as guerras dos orixás, Velho, também em texto

narrativo, como o fez a pesquisadora norte-americana, se dedica à figura feminina, a mãe de

santo. Durante a realização das atividades no terreiro, o pesquisador ficou temeroso, pois um

de seus alunos, durante uma sessão, “caiu no santo”.

Decerto, o Candomblé sempre foi um espaço de relações e de medição de forças entre

terreiros cujos embates se expressam em termos de uma oposição, às vezes velada e às vezes

explícita entre os guardiões da tradição, os detentores legítimos do saber sagrado, e os

profanos da tradição, que passam a ser vistos como “charlatões”, “clandestinos”,

“sincréticos”, “impuros”. Porém, cada terreiro de Candomblé, seja qual for a nação, Keto,

Jeje, Angola ou Caboclo, assim como no passado, valorizam as suas tradições, acima de todas

as outras nações proclamando a sua pureza.

De acordo com Dantas (1998, p. 145):

Como a ideologia da pureza pressupõe a existência de um estado original, uma espécie de reduto cultural preservado das influências deturpadoras de elementos estranhos, seria de se esperar que os terreiros que se identificam como nagôs e que, por suposto, teriam origem comum e um mesmo patrimônio cultural definissem sua pureza em função de um mesmo conjunto de traços culturais.

Segundo Bacelar (2001) apesar da existência de tensões e rivalidades entre os

terreiros, uma oposição plena ou luta acirrada entre as casas de Candomblé, nunca chegou a

constituir traço característico do campo afro-baiano.

Acredita-se que essa cordialidade sempre existiu juntamente com as disputas. Não

obstante, deve se atentar para o fato de que a solidariedade fica mais visível em terreiros que

se constituem enquanto uma rede, pelo parentesco, pelo ritual e pelas disposições geográficas

de pertencerem a mesma localidade, ou por uma afinidade alicerçada no grau da amizade

entre sacerdotes.

O Candomblé chegou à atualidade e adquiriu um destaque especial dentre as religiões

brasileiras por ter uma capacidade ímpar no que se refere à conquista de fiéis. Nesse sentido,

é imprescindível ressaltar que a incorporação da crença dos santos católicos pode ser

interpretada também segundo essa perspectiva que, ao invés de contradizer a perspectiva de

uma concepção cosmológica politeísta, reforça-a acrescentando as características de respeito à

autoridade e senioridade próprias da sociedade iorubana para se tentar compreender o

fenômeno do sincretismo afro-católico, da mesma forma que o respeito ao senhor de engenho

levou os escravos a respeitarem também os seus deuses.

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O que Fernanda Peixoto mostra em detalhe é que Bastide opõe à ideia de sincretismo como mistura o conceito de sincretismo como mosaico, que implica a "coexistência de objetos discordantes". E que o fato, por exemplo, de se ter estabelecido a correspondência de deuses africanos e santos católicos deriva não da assimilação dos contrários, mas de uma necessidade dos escravos de dissimularem suas crenças aos olhos dos brancos: uma forma de resistência, portanto. Submetidos, mas ao mesmo tempo colocados à margem da sociedade, os africanos no Brasil teriam criado "ilhas culturais". Conceito que, por sua vez, foi também motivo de controvérsia, nos anos 70, quando os novos intérpretes das religiões africanas no Brasil criticaram o mestre francês, acusando esta operação mental de propugnar uma pretensa pureza dos candomblés, derivados do "modelo nagô", por oposição à umbanda, vista como forma degenerada. O que faria de Bastide um herdeiro acrítico da tradição "romântica" que remonta a Nina Rodrigues. (GOMES JR, 2001, p. 1).

O campo das religiões afro brasileiras, em particular aquele confirmado pelos terreiros

de Candomblé, foi organizado, inicialmente, de forma cooperativista, tecendo alianças entre

as etnias que muitas vezes eram historicamente rivais no continente africano. Existiu no

interior dessas comunidades uma permanente ajuda mútua, trocas de favores, mantendo-se

assim uma solidariedade via teias de prestações e contraprestações que terminaram.

À medida que a cultura vai se modificando, e a África não é exceção, torna-se

necessário reorganizar os ritos. Por isso, o Ogã nunca deixa de mencionar que reintroduzir

elementos, não significa trazê-los prontos, mas implica (re) negociações com a doutrina

representada pelos escritos de Ifá, com os ritos trazidos da África atual e da antiga, e com o

contexto brasileiro contemporâneo.

É compreensível, nessas condições, que o catolicismo negro em geral sobrepôs-se, mais que a penetrou, à religião africana, e a confraria frequentemente prolongou-se em candomblé. Vilhena reconhece que é impossível arrancar do coração dos africanos os costumes e as cerimônias que “beberam com o leite de sua mãe” e que seus pais lhes ensinaram; ele afirma que entre mil negros, há talvez um que siga voluntariamente o cristianismo; entre todos os outros, este é imposto de fora, um simples verniz superficial. (14) Em 1738, o prior dos beneditinos da Bahia, num documento encontrado nos arquivos por Luiz Viana Filho, lamenta-se que os Angolas, os negros de São Tomé e de outros lugares, se bem que catequizados, batizados e vivendo no meio dos brancos. (BASTIDE, 1971, p. 183).

Nesse sentido, observam-se diferentes estratégias para se modificar um ritual, para

atualizá-lo no contexto em que praticam o Candomblé, ou, então, justificam de modo

diferente as transformações feitas nesses rituais. Ressalte-se que as alterações ritualísticas não

são somente baseadas nas observações ou com o pai de santo, mas requerem a prática.

Também existem os ensinamentos a partir de anotações que vêm passando de geração a

geração.

As referências à África e às raízes da religião tradicionalista configuram-se como

pilares da luta empreendida pela sociedade na busca pelo reconhecimento étnico da população

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afrodescendente – da qual fazem parte, no Centro Filhos de Obá, Tá Joaquina, Lixandre de

Laranjeiras, Cecilinha, Paulo Gitokí e Mãe Ginalva.

Significa dizer que temos um entrecruzamento de mundos, nos quais, ao reivindicar

uma cultura específica à qual os demais também teriam o direito porque praticam a mesma

religião afro brasileira. Os participantes procuram afirmar a maior legitimidade da Casa a que

pertencem, invocando a afrodescendência.

Ao buscar o reconhecimento do espaço do negro na sociedade, especificamente no

caso do Centro Filhos de Obá, propõe-se, não apenas a “reafricanização” do Candomblé, mas

abriga-se, como se pode comprovar, na cultura da primeira sacerdotisa dos filhos de Obá, em

terras sergipanas, Tá Joaquina, com a finalidade de renovar o Axé através dos mitos, dos

rituais, do idioma tradicional dos orixás, e das concepções africanas de mundo desse povo.

Busca-se com o que se convencionou chamar de “reafricanização” uma tentativa de

retorno às origens mais legítimas do Candomblé tendo em vista a passagem de tantos séculos

e, ainda, a interação de usos e costumes com outros povos. Essa origem mais legítima é a que

se liga diretamente à realidade do culto no continente africano. Cumpre dizer que a África

também não é imune à passagem do tempo e nem à convivência e troca de usos e costumes

com outros povos, inclusive na diferenciação que existe de região para região no imenso

continente.

Quanto às relações internas, no seio das comunidades de santo, parece existir uma

rígida hierarquia, mas tal rigidez não influencia a conduta de aparente informalidade do

cotidiano, pois os seguidores entre si se reconhecem e ao chegarem ao terreiro, os filhos de

santo não precisam fazer o cumprimento ritualístico e nem se dirigir uns aos outros pelo nome

de santo.

De Capone (2009, p. 83), inclui-se a este texto o mapa do Brasil contendo as zonas de

maior concentração, de Porto Alegre ao Maranhão, relativas ao culto a Exu. Interessante notar

que todo o gráfico mostra a presença marcante do culto afro em terras do litoral.

Outro importante estudo é o de Ferretti (1995, p. 75) sobre o sincretismo na região

norte. Refere-se ao Maranhão e à Bahia. Tal pesquisa admite, por exemplo, que religiões de

origem africana, no Estado do Pará,

[...] só a partir das décadas de 1960 e 1970 passarão a ser objeto de estudos sistematizados. Na década de 1950, a religiosidade popular do caboclo do interior da Amazônia foi estudada por Eduardo Galvão (1976), mostrando a junção do catolicismo ibérico, que enfatiza o culto dos santos, com elementos ameríndios e africanos.

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FIGURA 1 – Repartição dos cultos afro brasileiros

2.3 Algumas Considerações Sócio-Antropológicas

Segundo Vilhena (1997, p. 59), “dentre os segmentos que compõem as ciências

sociais, stricto senso, a antropologia era a disciplina que ainda mantinha um vínculo um

pouco menos tênue com os estudos de folclore”.

Fonte: CAPONE, 2009, p. 83.

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Os primeiros estudos antropológicos sobre o universo das religiões afro brasileiras

foram realizados sobre os candomblés nagôs.2 Edson Carneiro (1948 apud LIMA, 2003) foi o

primeiro a mostrar interesse pelos candomblés tidos como não puros ou pouco ortodoxos,

conforme avaliava serem os dois tipos Banto e Caboclo.

Essas redes de relações entre os agentes religiosos levaram à criação de organizações

conventuais, estruturadas em normas e padrões étnicos, manipulando determinados sinais

diacríticos (língua, culinária, sistema mitológico, rituais etc.,) em oposição a outros sistemas

de crenças, oriundos do continente africano e dos índios brasileiros.

Essas organizações conventuais são os terreiros ou roças3 de Candomblé. São

instituições resultantes da manipulação dos traços identitários das civilizações africanas que

se organizaram em nações, aqui no Brasil.

Desse modo, a nação não é apenas a procedência territorial, mas sim todo um conjunto

de padrões ideológicos e rituais. O espaço terreiro passou a condensar os valores de uma

África mítica. Isso significa dizer que os orixás, na África, pertenciam a distintas localidades

(grupos étnicos) diferentes, transplantados para o Brasil e se concentraram no mesmo

território. (LIMA. 2003, p. 77-78).

O terreiro é o espaço físico impregnado de signos que revelam a consciência ancestral

e não apenas uma área delimitada geometricamente ou geograficamente. No terreiro estão

presentes as representações do Aiyé (Terra) e do Orum (espaço transcendental) e também nos

assentamentos dos orixás, eguns, Exu e caboclos.

Decerto, o terreiro é o lugar apropriado à manipulação de símbolos pelos fiéis que

partilham uma socialização calcada na herança, conjunto de bens simbólicos recebidos dos

ancestrais. E foi o terreiro o expediente mais eficaz na manutenção de uma tradição

ressemantizada e ressimbolizada.

Os terreiros de Candomblé organizados enquanto uma comunidade com características

próprias, instalações geralmente em espaços de área verde, significando a floresta sagrada; o

barracão; o salão principal das festas públicas com espaços delimitados e destinados aos

membros efetivos da casa e à assistência popular, além das áreas sagradas destinadas à

iniciação e reclusão dos neófitos4. As casas dos orixás, como podem ser vistas atualmente, se

2 Nação do Candomblé em que os afro-religiosos geralmente se apresentam vestindo branco, momento comum

das presenças dos chamados orixás nagôs (velhos nagôs). No Filhos de Obá, o culto nagô ocorre meio misturado com outras nações, a exemplo de Jexá.

3 Nesse espaço encontramos os assentamentos dos orixás, confundindo-se com o lugar de fauna e flora, o plantio. 4 Neófito é um iniciante no culto. Em Maçonaria o Aprendiz é apelidado comumente neófito. Na igreja

primitiva, era um pagão recentemente convertido, principiante ou novato. O termo neófito vem do latim novus, nova, novum; em sânscrito návah; sentido de "noviço" ou "novo convertido". (www.wikipedia.com.br).

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constituíram dentro desse contexto, como informa a literatura etnográfica afro brasileira

(CARNEIRO, 1948 In LIMA, 2003).

Pertencente à escola baiana dos estudos afro brasileiros, fundada por Nina Rodrigues,

Carneiro tem sua obra eivada do etnocentrismo em vigor na época. Entretanto, ainda assim,

seus estudos servem de ponto de partida para a compreensão dos Caboclos, pela minuciosa

descrição das cantigas e nomes dos Caboclos cultuados outrora na Bahia. A noção de pureza

dos cultos afro brasileiros é facilmente reconhecível na análise da literatura antropológica do

início do século XX, nas obras de Nina Rodrigues, Artur Ramos, Edson Carneiro, Ruth

Landes, Roger Bastide e Reginaldo Prandi, até a década de setenta do século passado.

Os intelectuais buscaram uma correspondência entre a valorização da tradição africana

e a valorização de uma tradição anti-sincrética, “pura”, que remetia tanto a uma perspectiva

intelectual de pensar o afro brasileiro, quanto a uma prática religiosa mantida pelas casas de

santo tradicionais na Bahia.

Nina Rodrigues (1935 apud FERRETTI, 1995, p. 42) distingue candomblés africanos

(terreiros de gente da Costa) dos candomblés nacionais, “de gente da terra, crioulos e

mulatos”.

Desde o início dos estudos científicos sobre o Candomblé, os pesquisadores das

religiões afro brasileiras, com tendências a explicações em termos de genética cultural,

classificaram os terreiros de suposta origem iorubana5 como sendo, de algum modo, mais

“puros” que os de origem banta.

Este é um problema que diz respeito às disputas de poder e prestígio tanto no campo

acadêmico quanto no campo religioso. A ideia de pureza foi dos pesquisadores e acontece

concomitante à ideia de tradição, relacionada com a história de cada casa de santo na

preservação dos costumes e valores dos ancestrais africanos.

A partir da década de setenta, do século XX, inaugura-se uma série de análises mais

atentas para a observação das transformações das religiões afro brasileiras, identificando uma

nova morfologia social dos terreiros de Candomblé. Passando a valorizar a descontinuidade,

não mais presas a uma postura metodológica preocupada com pureza, origens e equilíbrio.

Essas análises chamaram a atenção para o fato de que fazer ciência social é estar atento para

qualquer forma de visão de mundo empreendida pelos atores sociais.

No Candomblé o conhecimento é transmitido oralmente em estágios específicos para

cada filho de santo. Esses conhecimentos ou fundamentos são o marco principal da diferença,

5 Relativo à ioruba. Linguagem em que se dá a comunicação musical; relativo à cultura no candomblé.

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delimitam a posição do indivíduo na estrutura religiosa e a distância regulamentar que deve

manter frente a outros membros da casa.

A competência é questionada a partir da acusação de que certo agente religioso não

tem autoridade, ou não tem domínio dos fundamentos, não é “um entendido nos preceitos”,

nos saberes litúrgicos. Para que o indivíduo venha a deter o saber que marca o seu diferencial

faz-se necessária a observância gradual dos preceitos em consonância com o grau que ocupa

na estrutura religiosa.

A transgressão dessa regra religiosa pelo filho de santo que se esforça em dominar os

segredos, antecipando, ou melhor, atropelando o seu tempo de iniciação, estará ferindo as

regras da estrutura dos candomblés e o insolente terá seu comportamento reprovado pelo povo

de santo mais ligado às tradições.

Geralmente, a bandeira que serve de símbolo e de identificação dos centros de culto

afro é hasteada numa vara grande e de madeira, de um tamanho suficiente para que, a

qualquer distância, possa identificar ser ali um terreiro de Candomblé.

Da mesma forma, esse grupo de filhos de santos empenha-se no aprendizado ritual em

livros, muitos desses escritos por sacerdotes. Tal documentação era anteriormente envolvida

em uma aura de restrições, mistérios e segredos. Ao buscar o entendimento do processo de

consolidação dos candomblés baianos e sergipanos não se pode esquecer ou menosprezar as

disputas internas deste universo religioso, pois estas são estratégias eficazes de demarcação de

terreno na competição no mercado religioso.

Pela categoria de tradição entende-se um conjunto de sistemas simbólicos que são

passados de geração a geração e que têm um caráter repetitivo. Repetição significa

atualização dos esquemas de vida. Em outros termos, pode-se dizer que a tradição é uma

orientação em direção ao passado, de modo que o passado tem uma significativa força e

influência sobre o curso das ações presentes. A tradição também se reporta ao futuro, ou

melhor, procura organizar o mundo para o tempo futuro.

Desse modo, e assim entendida, a tradição passa a representar não apenas o que é feito

numa sociedade, mas o que deve ser feito no próprio processo de mudança. Nos “tempos

antigos”, a reclusão em terreiros de Candomblé durava entre seis meses e um ano, o que

limitava as atividades econômicas dos filhos de santo. As tradições estão sempre mudando

“mas há algo em relação à noção de tradição, que pressupõe persistência; se é tradicional, uma

crença ou prática tem uma integridade e continuidade que resistem aos contratempos e as

mudanças”. Desta maneira, as tradições tendem a desenvolver um caráter orgânico: se

desenvolvendo e amadurecendo, ou enfraquecendo e “morrendo”. Por isso, os agentes sociais,

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“os guardiões”, os mediadores do sagrado realçam constantemente os elementos constitutivos

da tradição: a integridade, ou a autenticidade.

Entrementes, não foi enquanto invenção que a categoria nativa de tradição se

cristalizou e naturalizou no campo acadêmico do início do século XX, mas sim em termos de

uma cultura inerte ao tempo, não dando conta da historicidade, da posição dos sujeitos na

estrutura do campo religioso e da subjetividade desses atores.

O uso do conceito de campo religioso para o estudo das religiões africanas, segundo

Serafim e Andrade (2009, p. 3) e lastrado nos estudos de Bourdieu, revela que esse conceito

tem íntima relação com a noção de intelectual “no sentido mais racionalista” existente. Tem a

ver com discurso e escrita, o que torna difícil a “sua utilização em grupos pautados na tradição

oral”.

Há na construção do campo religioso de Bourdieu a oposição entre manipulação legítima do sagrado (religião) e a manipulação profana e profanadora (magia ou feitiçaria), sendo que esta pode ser uma profanação objetiva (a magia ou feitiçaria como religião dominada) ou profanação intencional (a magia como anti-religião ou religião invertida). (Disponível em: <http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/rbhr/o-conceito-de-campo-religioso-e-o-estudo-das-religioes-africanas.pdf>. Acesso em: 20 out. 2010).

Assim, faz-se necessário observar que os conceitos e categorias são produzidos pelos

atores sociais, para atender as expectativas de suas próprias ações e a necessidades de relações

significativas em suas vidas. Logo, no campo do Candomblé, os sacerdotes mais atávicos em

suas tradições originárias não reconheciam como legítimos os cultos misturados, aceitando

como legítimo os candomblés Kêto.6

No campo das religiões afro brasileiras, cujo esquema de poder é disperso pelos

terreiros que resistem à centralização, a ideia de pureza é também um elemento constituinte na

busca de legitimidade e na luta pela hegemonia, não só no interior do segmento afro, como na

relação com a sociedade mais ampla.

O campo religioso tem por função específica satisfazer um tipo particular de interesse,

isto é, o interesse que leva os leigos a esperarem de certas categorias de agentes mediadores

na experiência religiosa, que realizem ações mágicas ou prodigiosas. Ações,

fundamentalmente “mundanas” e práticas, conduzidas com a finalidade de que tudo corra bem

para o corpo de fiéis, que aderem a um sistema de crenças e a um estilo de vida particular.

6 Nação dos orixás na linguagem iorubana em que são cultuados com arcos davi (varas com as quais se tocam o Xirê (cântico para os orixás) do santo.

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Pensando sobre a questão da tradição cultural para um determinado grupo, é

importante ressaltar que a cultura retomada e ensejada pela etnicidade é assumida e vivida

pelos indivíduos que a proclamam como autêntica. Não no sentido de não ser deliberadamente

manipulada, mas não significa dizer que deixe de ser um processo consciente. E, justamente,

por ser considerada como a verdadeira e tradicional manifestação do grupo é que ela, a

cultura, ganha status de fronteira. Ou seja, a tradição é usada como diferença em um dado

contexto não apenas como um ato político de comunidade, mas sim porque os grupos

acreditam na autenticidade de suas tradições. Portanto, “a viagem de volta é imaginada, mas é

real para os atores envolvidos”. (OLIVEIRA FILHO, 1999).

Os pais e mães de santo dos terreiros de Candomblé são reconhecidos como

detentores exclusivos de um monopólio na gestão dos bens sagrados. Detentores de um

domínio prático, de um conjunto de esquemas de pensamentos somados a presença de traços

africanos, em maior ou menor intensidade. Entretanto, sua autoridade é inquestionável no

âmbito mítico-ritual, seus perfis de liderança são desenvolvidos na dinâmica concreta dos seus

terreiros, pela sua capacidade de manter a estabilidade, controlar os conflitos, garantir o

recrutamento contínuo e evitar a deserção dos membros e da clientela, processo que consolida

e prova sua legitimidade pela competência em administrar os bens sagrados.

Isso não significa dizer que suas funções defensivas sejam, em última análise, adequadas ao desafio. O desaparecimento dessas comunidades corporadas fechadas, nos lugares onde existira no passado, o seu número decrescente no presente confirmam a proposição de que, a longo prazo, elas são incapazes de evitar a mudança. (WOLF, 2003. p. 158).

O pai ou a mãe de santo são vistos pelos fieis como as “âncoras” ou os “portos

seguros” contra os perigos do universo das aflições. Os seus sucessos e fracassos vão lhes

conferindo uma identidade e atribuindo-a aos terreiros que administram enquanto uma

entidade reconhecida no campo religioso que revela o resultado de suas decisões e ações,

mediatizados pela rede de relações e circunstâncias que poucas vezes chegarão a controlar

completamente.

A autoridade e o poder das mães e dos pais de santo, conforme creem os adeptos, se

renovam e se reafirmam através de sua comunicação com os orixás, a quem pedem, de

joelhos, pela prosperidade do terreiro.

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3 CAPÍTULO II – O CANDOMBLÉ E AS RELAÇÕES DE

PARENTESCO E PODER

3.1 A Representatividade das Relações de Parentesco e Poder no Candomblé

Os estudos de Tesserolli (2009, p. 1), baseados em Woortmann (1978, p. 245), acerca

das questões de parentesco no âmbito do Candomblé, indicam dois princípios basilares na

constituição do poder desses grupos de culto africano: a senioridade e o sexo. Inclusive a

autora frisa que, para os iorubanos tradicionais, o princípio da senioridade é muito importante

para o desempenho de funções importantes dentro do culto.

Klaas Woortmann estudou, em seu livro A família das mulheres, no capítulo IV, O passado escravo e a “Família de Santo”, a organização dos terreiros baianos e nos diz que, de alguma forma, essa organização remete à África do século XIX, pois “guarda semelhanças com a organização política e administrativa tradicional africana”.

Para atestar o valor do princípio da senioridade, a referida estudiosa, desta vez lastrada

em estudos de Sousa, 1965, p. 57-58, adianta que “nas sociedades tradicionais africanas, a

ancianidade é não só uma questão biológica, mas uma qualidade social”. E ainda insere que,

Então, se pensarmos em uma pirâmide, no ápice estão os grandes antepassados da família, depois seus descendentes, sempre em ordem de antiguidade, depois os vivos: dos mais antigos aos mais novos. No Brasil, isso se traduz, por exemplo, quando vemos algum membro das religiões de matriz africana se manifestar publicamente: ele começa por reverenciar os mais velhos, pedindo-lhes a benção, para somente ao final reverenciar os mais novos. (TESSEROLLI, 2009, p. 1).

Por sua vez, Lima (2003) defende ser o valor do princípio do parentesco uma questão

de cooperação, de solidariedade e de fidelidade entre os indivíduos das famílias. E, em assim

sendo, torna-se especialmente importante tal princípio no sentido de fincar bases muito

sólidas quanto aos laços de parentesco - principalmente em casos de grupos nos quais a

perspectiva das relações consanguíneas não garante a sustentação de uma autoridade e nem

fundamenta o conceito de liderança. Assim, “parentesco e senioridade asseguram o respeito

aos costumes, à autoridade e a tradição, sobre os quais se estabelecem as relações

interpessoais entre os iorubas”. (LIMA, 2003. p. 79).

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Quanto aos padrões familiares, Tesserolli (op. cit.) trata da sexualidade e de sua

preponderante influência na organização de poder dentro de um grupo de culto, de uma

família de santo - ressaltando os papéis femininos e os masculinos.

Durante o período da escravidão os africanos eram separados por sexo, só tinham acesso ao sexo oposto para a reprodução; não cabe aqui, porém, nos alongarmos nas explicações acerca de como procediam os escravistas e como eram dispostos, esses homens e mulheres, nas senzalas. As mulheres ficavam com seus filhos e deles cuidavam quando isso lhes era permitido. Dessa forma, aos poucos, surge um tipo de família matrilocal e matrifocal que será conservada após a libertação dos negros: as mulheres são as responsáveis pela casa e pela manutenção da mesma. Lembrando que para as mulheres, após a libertação, era mais fácil conseguir trabalho do que para os homens: trabalho doméstico, lavagem de roupas para fora, comidas que podiam ser vendidas em tabuleiros nas ruas, enfim, tantos serviços que mantêm a mulher em casa. [...] O princípio do sexo se expressa nos papéis atribuídos predominantemente às mulheres – mães e filhas “de santo” – e outros atribuídos a homens – ogãs; as mulheres constituem o núcleo do sistema de autoridade e de papéis rituais. A família de “santo” é matrifocal: a grande maioria das casas é de mulheres, pode ser chamada de família parcial baseada na unidade mãe-filhas. Há predominância feminina entre as principais posições de status, particularmente a de mãe de santo. A presença masculina é menor nas casas tradicionais de Salvador: o iniciado masculino quase sempre é devido à mãe grávida na sua própria iniciação. Ainda existem outros fatores: a questão da possessão espiritual dos homens é relacionada à possessão sexual, ameaçando a masculinidade.

No que diz respeito à homossexualidade, aspecto inclusive abordado por outros

estudiosos do Candomblé e que parece ter também relação com a hierarquia nos centros,

Tesserolli (op. cit.) remete ao estigma que atinge o masculino, pois segundo, Woortmann,

(1978, 261) filhos e/ou pais “de santo” “são, em larga medida, homossexuais”: “tornar-se

“filho de santo” (ou, eventualmente, “... pai de santo”) parece ser uma forma de legitimar

culturalmente a homossexualidade”.

Gaiaku Luíza, mãe “de santo” de Cachoeira, Bahia, rígida nos ensinamentos da tradição jêje mahin, já falecida, fazia críticas quando aparecia um filho “de santo” homossexual, mas não deixava de incorporá-lo a casa. De qualquer forma, parece haver mais tolerância nos cultos afro-brasileiros do que em outras religiões posto que pude perceber claramente a presença de homossexuais nas casas que estive. A noção de pecado que permeia as religiões judaico-cristãs parece não estar presente, nesse caso.

Outros apontamentos de Tesserolli (op. cit.) se referem à família biológica e suas

semelhanças e diferenças em relação à constituição de uma família de santo à organização da

família de santo onde,

Hierarquicamente, o posto mais alto de uma casa de Candomblé de Salvador é o da mãe “de santo”: ela é a zeladora da casa, portanto, quem recebe as visitas importantes e supervisiona a organização dos ritos e doméstica; deve estar presente

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às cerimônias públicas, nos ritos de iniciação e na leitura dos búzios. Os iniciados por ela devem respeito e subordinação, que mostram através de seus gestos que vão desde prostrar-se à sua frente até comer o que ela deixa em um prato, pois tem o seu axé.

Por sua vez, Bernardo (2005, p. 1), em seus estudos sobre o Candomblé e o poder

feminino, admite que, apesar de, na África, o poder estar concentrado em mãos masculinas, a

mulher se destacou pelos seus dotes de negociante (inicialmente nas feiras), foi se impondo e

alcançou status. A autora inclui que:

Apesar de os dados contidos na afirmação de Verger atestarem a patrilinearidade em relação ao poder religioso (os filhos são consagrados ao deus do cônjuge), a mulher, ao praticar o culto de sua família de origem, está vinculada ao deus paterno; portanto, guarda uma certa autonomia em relação a seu marido. (op. cit.)

Quanto ao fator sexual, Moura (2010, p. 204) adverte que, tanto a importância quanto

a recorrência deste, “são pensadas como propiciadoras da correlação de forças - o jogo de

poder que permeia o relacionamento entre as diferentes identidades sexuais”. Portanto,

conforme esclarece o autor, a maneira de se comportar individualmente, no caso de adeptos

do Candomblé, passa a ter sentido por se encontrarem esses indivíduos ligados à própria

realidade física e também social.

Para Vinagre Silva (2010, p. 1), “a geografia do poder institui formas de simbolizar os

seres e todas as coisas do mundo, bem como também determina práticas sociais”.

No caso da penetração da cultura afro no Brasil, equivaleria a dizer que tais práticas e

maneiras de pensar se interpenetram na teia social e nessa estrutura altamente complexa

produz efeitos os mais diversos e que passam a povoar o coletivo. De forma difusa ou mais

clara, os indícios dessa herança cultural estão presentes em todo o nosso cabedal histórico.

Ainda sobre questões relativas ao poder as chamadas “guerras de orixás pela

sucessão”, frise-se o caso marcante de João da Gomeia, contado por Ziegler (1977, p. 85).

Joãozinho da Gomeia, cujo verdadeiro nome era João Alves Torres Filho, faleceu na

Policlínica de São Paulo, no dia 19 de março de 1971. Filho do Orixá Iansã, reinou no

Candomblé do Rio de Janeiro. Após sua morte foi grande a movimentação em torno da

herança de seu poder que terminou se tornando caso policial envolvendo uma criança. Foi

assim que:

Os inimigos da nova mãe de santo atacaram então a sua investidura diante do Juizado de Menores do Estado do Rio de Janeiro, sob cuja jurisdição se acha Duque de Caxias, exigindo que o juiz impedisse Sandra Regina de exercer o cargo de mãe de santo, pois uma menina de 10 anos não poderia assumir, sem graves perigos para a sua saúde física e mental, o pesado encargo do governo do candomblé.

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Nesse desenho de regime de poder há diferenciações de terreiros para terreiros,

entretanto aqui se apresenta a disposição da relação de poder/ os agentes, de acordo com suas

responsabilidades, na Umbanda, de respeitosa rivalidade com candomblé, conforme

explicitam Brumana e Martinez (1991):

QUADRO 1 - Diferenciações de terreiros para terreiros

pai ou mão-de-santo

pai ou mão-pequena

médiuns ogãs atabaqueiros cambones

Intermediação + + + Proteção + (+) (+) (+) Contato + (+) + +

Assistência (+) + + + Fonte: BRUMANA; MARTÍNEZ, 1991, p. 148.

Segundo Prandi (2005, p. 20), as sustentações da organização do Candomblé estão

diretamente relacionadas, no que diz respeito à autoridade religiosa e hierarquia sacerdotal, à

“noção de experiência de vida, aprendizado e saber, intimamente decorrentes da ideia de

tempo ou a ela associados”.

Quanto às distinções entre Umbanda e Candomblé, Magnani (1991) afirma que a

Umbanda surgiu e se espalhou pelos centros urbanos e industrializados e dos seus seguidores

não se pode cobrar uma dedicação exclusiva e nem as sessões podem se estender por longas

horas da noite até alcançar a madrugada. Nessas considerações o autor inclui que a estrutura

burocrática é estatutária e se sobrepõe à hierarquia, sendo mais simples do que a do

Candomblé.

Por outro lado, o Candomblé dispõe da casa do Babalorixá para o culto (ilê); a sede se

apresenta como centro de uma família “que inclui ilês comandados por chefes de cultos feitos

por ele e cujos membros, além dos vínculos de parentesco espiritual, estão ligados também

por laços de solidariedade e relações de conflito”. (op. cit, idem, p. 39).

3.2 A Família de Santo, Linhagens

Nas palavras de Uziel (2010, p. 1), “Se a família aparece como a mais natural das

categorias sociais, é porque ela funciona como esquema classificatório e princípio de

construção do mundo social”.

Para uma explicação mais ampla sobre a estrutura familiar no contexto das religiões

afro brasileiras, pode-se afirmar que a linhagem de santos apresenta semelhanças com a

linhagem da família consanguínea. Nesta perspectiva, no Candomblé, mais precisamente, no

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Centro Filhos de Obá, a relação de parentesco está atrelada às crenças e manifestações dos

orixás do terreiro, pois os dirigentes não só acreditam que o comando se deve dar pela

consanguinidade (parentesco), mas, inclusive, pela determinação sugerida pelos búzios (Infá)

e de invumbes. Uma vez credenciada autoridade ali e, não tenha, em tempo, passado esse

poder para um substituto, o pretendente ao cargo maior dependeria do choro que ocorre

durante a cerimônia do Axexê (evento que conta com a presença dos voldunços7 da casa que

convocam os orixás controladores dos eguns: Ogum, Yansã e Obaluaê, além do orixá do

Babalorixá em questão).

A ideia fundamental do sistema religioso iuorubá é a concepção segundo a qual todo homem descende de uma divindade [...]. Todos os membros de uma família descendem da mesma divindade [...]. É inteiramente indiferente que esta divindade seja ao mesmo tempo o deus da tempestade ou da forja, de um rio, da terra, do céu, ou o deus de uma força ou de uma atividade. Cada deus tem descendência e face a esta, tem o poder de nela se perpetuar através de filhos. Mas, numa segunda perspectiva [...]. Cada deus tem uma função determinada que lhe é própria. Temos o deus do ferro que fornece o metal para a forja [...]. Se a chuva faltar em algum lugar, toda população interessada invoca em comum o deus das chuvas, qualquer que seja Orixá que cada família descende. Se uma guerra sobrevier, toda comunidade invoca o deus do ferro (que é também o deus do destino das guerras) qualquer que seja o deus que descende cada pai de família [...] consequentemente, é preciso que cada propriedade possua um altar do deus familiar onde o serviço seja assegurado por um intermediário ou um preposto, um sacerdote familiar. E, em segundo lugar, cada comunidade urbana tem necessidade, para que cada grande deus possa agir bem ou mal sobre ela própria, de um templo, de um santuário onde as grandes festas, as cerimônias sejam celebradas por um grão-sacerdote ligado a cada deus [...] o membro celebrante da família chama-se Aboxá, o sacerdote da comunidade, Ajé. (BASTIDE, 1971. p. 86).

Diante dessa realidade, os seguidores de Obá remetem, entretanto, ao que se pode

chamar de rito de passagem (Adecá), o que só ocorre quando há a passagem do poder

religioso daquele líder espiritual que está morrendo para o que está nascendo. Naquele

momento é feita a previsão de quem vai assumir e, ao contrário, só no Axexê se vai poder

dizer, através das entidades, quem, de fato, teria autonomia para assumir o cargo. Pode,

entretanto, ocorrer que, na ocasião do choro, a entidade aponte alguém fora do critério

habitual, isto é, fora do campo da consanguinidade.

De acordo com Lévi Strauss (1982, p. 19), essa relação de parentesco, ou seja, as

“estruturas elementares do parentesco é que podem definir classes ou determinar relações”.

Outro exemplo dessa relação familiar é percebido no terreiro Abaçá São Jorge, situado

em Aracaju, onde primeiramente comandou Mãe Erundina Nobre (Nanã Manadeuí) que foi

sucedida por Mãe Marizete Silva Lessa (Oiá Matamba); sua sobrinha, que, por sua vez,

7 Anciãos com mais de vinte e um anos de feitorio.

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deverá ser sucedida por sua filha Rita Maria Silva Lessa. Esta, por sua vez, deverá em um

futuro remoto ser sucedida por Williane Lessa dos Santos, cumprindo assim, a linha de

sucessão natural das Yalorixás do terreiro.

Quase da mesma forma tem sido no Filhos de Obá, que tenta, atualmente, obedecer a

uma sucessão de pai para filho, a exemplo da própria Ginalva, sobrinha-neta de Lixandre e,

ainda, filha no parentesco do santo, sucessora de Paulo Gitokí e Cecília da Silva. O caso de

Tá Inácia e Lixandre foi diferenciado, o que se constatará no decorrer deste texto.

Convém salientar que uma família de santo bem se iguala ao modelo tradicional de

família patriarcal especialmente por três grandes motivos: 1. Manutenção de uma hierarquia

cujo poder irradiador é do chefe de terreiro; 2. Subordinação dos irmãos mais novos; e 3.

Solidariedade.

Radcliffe-Brown (1995), em suas considerações sobre os sistemas africanos de

parentesco e casamento, apresenta uma reflexão sobre o termo “consanguinidade”, que se usa

com o significado de “parentesco”, mas que segundo esse cientista, há uma concepção maior

e que transcende à noção da biologia. Há ambiguidade e na palavra pai e é isto que procura

explicar desde a concepção romana, passando por uma inglesa e se estendo até a noção de

paternidade social - o que fica bem entendido como uma responsabilidade maior e não apenas

o simples fato de alguém ter engravidado uma mulher. Pai é sinônimo de chefe e de

orientador, como deixa entrever na frase de um provérbio corso que usa para exemplificar.

Diz a frase que se chama de pai àquele que nos dá o pão.

Acrescenta o autor acima mencionado que

Em várias regiões da África há um costume segundo o qual uma mulher pode passar pelo rito do casamento com outra mulher e, desta forma, ficar no lugar de pai (pater) da prole da esposa, cujo pai físico (genitor) é um amante designado. (op. cit, p. 63).

Apesar de semelhanças com a família tradicional, conste também que existem

diferenças entre os dois tipos de grupos. As identidades dos indivíduos de uma família de

santo podem apresentar características como a diferença de idade. Isto é, a pessoa pode ser um

jovem e ser considerada um senhor (a senioridade) em virtude de seu desempenho ou avanço

espiritual na família de santo. Por outro lado, pode ser avançado na idade cronológica e ainda

um iniciante nos ritos. Em casos assim, de mais experiência nos ritos, o jovem terá

prevalência ao de mais idade. Dentro do Filhos de Obá vale lembrar, por exemplo, Lixandre

que, desde menino já se mostrava prodigioso.

Carneiro (1948 apud LIMA, 2003, p. 77-78) apresenta a noção de atemporalidade no

Candomblé:

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37

[...] esclarece vem a diferença entre os mais velhos na idade e os mais velhos no santo. Muitas vezes, num barco, estão recolhidas pessoas que têm entre si uma grande diferença de idade. Mas que são irmãos de barco, com a mesma idade do santo. Mas qualquer iniciado de um barco é “mais velho”, seja qual for a sua idade, do que qualquer iaô do barco imediatamente subsequente e, por isso mesmo, será mais novo no santo do que qualquer iaô de barcos anteriores aos seus.

A faceta relativa ao sistema de descendência sucessória na família de santo do

Candomblé apresenta-se em dois tipos: o primeiro que reconhecia a regra da descendência

ligada à família religiosa (filhos são os iniciados e não os concebidos biologicamente). Esta

forma representa a maioria. E a segunda seria a do grupo de descendência ligada ao fator

biológico, segundo explica Lima (2003).

Os casamentos realizados no Centro Filhos de Obá ocorrem entre seguidores dessa fé.

Sendo que, um pretendente fora desse requisito, deverá passar por um processo de iniciação

aos ritos para ser aceito. O evento matrimonial é ritualizado pelo Babalorixá ou pela Yalorixá

que abençoa as alianças segundo os costumes dos adeptos dos orixás.

Para alguém ser aceito na família de santo exige-se que se submeta ao ritual dos

búzios; deve frequentar as reuniões, passar pela lavagem de cabeça para se constatar a

legítima afinidade com a crença. Logo após, sendo aprovado, o postulante enfrenta o feitorio e

se torna um familiar naquele ambiente.

3.2.1 O sistema hierárquico do Candomblé

Diverso e complexo é o sistema de poder no Candomblé, desde a África, e assim se

mantém no Brasil. Há informações diferenciadas sobre os postos que ocupam os membros

que constituem o esquema de comando entre os grupos representativos da religiosidade afro

brasileira.

O estudioso Reginaldo Prandi (2001, p. 45) adianta que:

Os membros de um candomblé são classificados basicamente em duas grandes categorias de idade iniciática: os iaôs, aqueles iniciados há pouco tempo e que formam o grupo júnior, e os ebômis, os iniciados há bastante tempo e que assim são capazes de realizar, com autonomia, atividades rituais mais complexas, o grupo sênior. A palavra ebômi, do iorubá egbomi, significa exatamente "meu mais velho", e era assim que na antiga família poligínica iorubá as esposas mais velhas se tratavam. Iaô, nessa família tradicional, era a denominação dada às esposas mais novas. No candomblé, enquanto os ebômis conquistam certa autonomia em relação à autoridade suprema da mãe ou do pai de santo e são encarregados de tarefas rituais importantes, de prestígio dentro do grupo, com privilégios e honras especiais, as iaôs (ou os iaôs, pois há muito a palavra iaô perdeu no candomblé a conotação de esposa), os jovens iniciados, enfim, só fazem obedecer, usando símbolos e cultivando gestos e posturas que denotam a sua inferioridade hierárquica. Lembrando que a estrutura organizacional do candomblé é uma reprodução

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simbólica da estrutura tradicional da família iorubá, de resto perdida no Brasil, evidencia-se a importância da experiência acumulada na constituição dos grupos de autoridade. Os ebômis são os que sabem, porque são mais velhos, viveram mais, acumularam maior experiência. Sua autoridade é dada pelo tempo acumulado, que pressupõe saber maior.

Outros aspectos ligados especificamente às hierarquias nas sociedades primitivas e

antropologia econômica são vistos por Godelier (In Aguiar, org. 1974, p. 80). O estudioso

enfoca a diversidade das vias de desenvolvimento econômico e afirma que a competição no

interior do grupo se inicia geralmente para além “da esfera da produção e da apropriação dos

bens de subsistência e não leva à perda da existência física, mas do status social dos

indivíduos”.

Alves Filho (2008, 173), ao estudar o Quilombo dos Palmares na formação histórica

do Brasil, afirma que este foi o primeiro evento histórico em todo o território brasileiro a

levantar as contradições e os impasses do regime das imensas propriedades da zona rural que

exploravam o braço escravo, o que era típico da dominação portuguesa nestas terras. Seria,

portanto, conhecer a revolta dos Palmares, uma forma de “desmascarar o mito da maior

produtividade do trabalho escravo em relação ao trabalho livre em meio colonial”.

No que diz respeito à cultura, sociedade, comunidade e as novas formas societárias,

Pereira Neto (2008) admite a necessidade de questionar e refletir acerca dos preceitos que

encaminham um grupo a exercer o poder em determinada sociedade. Inclusive este autor frisa

em seu trabalho quanto à complexidade da sociedade atual no pertinente à demarcação de

poderes e fronteiras religiosas.

A hierarquia do Candomblé, entretanto, reserva para os seus seguidores destacadas e

inquestionáveis posições, a depender de alguns critérios internamente e tradicionalmente

estipulados, inclusive para fazer valer a cultura, mantendo-a em terras estranhas.

O poder da mãe de santo e sua autoridade sobre os filhos de sua casa pode ser expresso pelas cerimônias de iniciação em seus vários graus de intensidade. É a mãe de santo quem integra a pessoa no grupo com os rituais adequados para cada nível de participação: é quem lava as contas das abiãs; que dá o bori dos ogãs; quem assenta o santo das equedes; e que, afinal, raspa a cabeça das iaôs. (LIMA, 2003, p. 135).

O cientista Verger (2000, p. 92-103), em sua obra Notas sobre o culto aos orixás e

voduns, descreve detalhadamente, em cada etapa, uma cerimônia de iniciação, desde os

preliminares até a refeição em comum. Em virtude da extensão e minúcias do relato, são

introduzidos a este texto apenas dois excertos: um referente ao início da referida cerimônia, e

o outro, ao final:

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Na véspera, terça-feira, por volta das sete horas, após tomar um banho frio, o futuro iniciado vai para o aposento vizinho ao peji ou ile Orisa (local onde se encontram os altares de Orisa). [...] O abiyan poderá permanecer para sempre nesse estágio, se não for incluído no número dos eleitos através dos quais o Orisa, imaterial por natureza, manifesta-se aos vivos. Se, ao contrário, for chamado para servir-lhe de “cavalo”, de médium, essa cerimônia torna-se o primeiro passo no caminho de uma iniciação mais completa.

São exemplos de cargos que designam uma hierarquia dentro de uma casa de Ketu:

1. Iyalorixá ou Babalorixá: A palavra iyá do yoruba significa mãe, babá significa pai.

2. Iyaquequerê (mulher): Mãe pequena, segunda sacerdotisa. 3. Babaquequerê (homem): Pai

pequeno, segundo sacerdote. 4. Iyalaxé (mulher): Cuida dos objetos do ritual. 5. Agibonã:

Mãe criadeira supervisiona e ajuda na iniciação. 6. Ebômi: Ou Egbomi: Pessoas que já

cumpriram o período de sete anos da iniciação (significado: meu irmão mais velho). 7.

Iyabassê: (mulher): Responsável pela preparação das comidas de santo. 8. Iaô: filho de santo

(que já incorpora Orixás). 9. Abiã ou abian: Novato. É considerada Abiã toda pessoa que

entra para a religião após ter passado pelo ritual de lavagem de contas e o bori. Poderá ser

iniciada ou não, vai depender do Orixá pedir a iniciação.10. Axogun: responsável pelo

sacrifício dos animais. (não entra em transe). 11. Alagbê: Responsável pelos atabaques e pelos

toques. (não entra em transe). 12. Ogâ ou Ogan: Tocadores de atabaques (não entram em

transe). 13. Ajoiê ou ekedi: Camareira do Orixá (não entra em transe). Na Casa Branca do

Engenho Velho, as ajoiés são chamadas de ekedis. No Gantois, de "Iyárobá" e na Angola, é

chamada de "makota de angúzo", "ekedi" é nome de origem Jeje, que se popularizou e é

conhecido em todas as casas de Candomblé do Brasil.

Outro tipo de esquema de funcionamento administrativo é a do quadro da hierarquia

do Candomblé Jeje. No Jeje-Mahi: Doté: pai de santo, cargo ilustre do filho de Sogbô

(Família de Kaviuno). Doné: mãe de santo, similar à Yalorixá (Família de Kaviuno). Megitó:

vodun-ses da família de Dan. No Jeje-Mina: Toivoduno, Noche. No Kwe Ceja Undé: Gaiacú,

cargo exclusivamente feminino Ekéde.

Os cargos de Ogan na nação Jeje são assim classificados: Pejigan que é o primeiro

Ogan da casa Jeje. Pejigan quer dizer “Senhor que zela pelo altar sagrado”: Peji = "altar

sagrado" e Gan = "senhor". O segundo é o Runtó, o tocador do atabaque Run. Os atabaques

Run, Runpi e Lé são Jeje. No Ketu, os atabaques recebem a denominação de Ilú.

Há outros Ogans como Gaipé, Runsó, Gaitó, Arrow, Arrontodé, etc.

A hierarquia do Candomblé Bantu, povo que chegou ao Brasil, no período colonial, quando

imperava a economia baseada no cultivo da cana de açúcar, assim se apresenta: Títulos

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Hierárquicos Bantu, Angola, Congo: Kutala: Herdeiro da casa. Mona Nkisi: Filho de santo.

Mona Muhatu Wá Nkisi: Filha de santo. Mona Diala Wá Nkisi: Filho de santo. Tata Ndenge:

Pai pequeno. Mametu Ndenge: Mãe pequena Tata Nkisi: Zelador. Mametu Nkisi: Zeladora.

Tata Numbi: Não rodante que trata de babá Egun (Ojé). Mametu Ndemburo: Mãe criadeira da

casa (Ndemburo = runko). Mametu Mukamba: Cozinheira da casa, de preferência ser uma

senhora. Kambondos: Ogãs. Tata Nganga Lumbido: Ogã, guardião das chaves. Tata

Mavambu: Ogã ou filho de santo, que cuida da casa de Exu (de preferência homem ou mulher

na menopausa) Tata Muloji: Ogã preparador dos encantamentos com as folhas e cabaças.

Kambondos Kisaba ou Tata Kisaba: Ogã responsável pelas folhas. Tata Kivanda: Ogã

responsável pelas matanças (sacrifícios de animais) (mesmo que Axogun). Tata Nganga

Muzambù (babalawo): Pessoa preparada para jogar búzios. Kota ou Maganga: Em outras

nações EKEJI (os mais velhos).

As divisões sacerdotais no Brasil: (ANGOLA-KONGO) Uandumba: Iniciante.

Maganza: iniciados. Ndumbe: Não iniciado. Kota ambelai: Cuida dos iniciados. Kota

maganza: Título alcançado após a obrigação de 21 anos. Tata utala: Pai do altar. Kisasba: Pai

das sagradas folhas. Kimbanda: Feiticeiro, curandeiro. Njimbidi: Cantador. Mosoioio: Mais

antigos. Kambundo ou Kambondo: Homens confirmados.

Kota: Mulheres confirmadas. Kota kididii: Mantenedora da paz. Kambondo mabaia:

Responsável pelo barracão. Kota mbakisi: Responsável pelas divindades. Kota rifula:

Responsável pelo preparo das comidas sagradas. Hongolo matona: Especialista nas pinturas

corporais. Tateto ria mukixi: Sacerdote no Angola. Mametu ria mukixi: Sacerdotisa no

Angola. Tateto ndenge: Pai pequeno no Angola. Mametu ndenge: Mãe pequena no Angola.

Kambondo poko: Sacrificador de animais (Angola). Muxiki: Tocador (Angola). Nganga-a-

nikisi: Sacerdote no Kongo. Nengua-a-nkisi: Sacerdotisa no Kongo. Nganga ndumba: Pai

pequeno no Kongo. Nengua ndumba: Mãe pequena no Kongo. Kivonda: Sacrificador de

animais (Kongo). Kuxika ia ngombe: Tocador (Kongo).

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4 CAPITULO III – CENTRO DE CULTO AFRO BRASILEIRO FILHOS

DE OBÁ/LARANJEIRAS/SE

4.1 A Cidade de Laranjeiras, Berço dos Filhos de Obá

Igreja de Comandaroba/Laranjeiras-SE, construída pelos jesuítas. Fonte: CINFORM Municípios.

A cidade de Laranjeiras, a segunda mais antiga do Estado de Sergipe, fundada no ano

de 1605 (século XVII) e está situada a 23 km da capital, Aracaju. Foi construída pelos

jesuítas, às margens do riacho São Pedro.

O povoado chamou-se inicialmente Vila de Nossa Senhora do Socorro. Em 1734, é

concluída a obra da Igreja de Comandaroba, um dos mais importantes monumentos

arquitetônicos do Estado de Sergipe.

A povoação que se tornou Vila em 1832 situava-se geograficamente próxima da Capital, mas ficava longe pela precariedade dos meios de transportes, quase que exclusivamente através de barcos. Por outro lado, estava colocada num patamar de salubridade e comércio acima da antiga e da nova sede de governo, São Cristóvão e Aracaju. (PRADO, 2008, p.1).

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O progresso veio através do cultivo da cana-de-açúcar, durante o século 18, o que a

transformou em pólo econômico da Província. A existência de muitos pés de laranjeiras no

local deu origem ao nome da cidade que também ficou conhecida como Porto das

Laranjeiras e Atenas Sergipana e Museu a ceu aberto.

O comércio de escravos influenciou a cultura local. No início do século 19,

Laranjeiras ganhava ainda mais importância como centro comercial e exportador. Por isto foi

considerada a primeira alfândega de Sergipe. Igrejas de arquitetura em estilo barroco, a

paisagem e as grutas exuberantes fazem de Laranjeiras, na atualidade, uma localidade

turística. O município concentra o maior número de manifestações folclóricas do estado.

Ruas, casarios, igrejas, tudo é história em Laranjeiras, berço da cultura, educação,

política e da economia. O município não se tornou a capital de Sergipe porque, em uma

estratégia política, o Barão de Maruim transferiu a sede de São Cristóvão para Aracaju.

Era intensa a movimentação pelo Rio Cotinguiba e, por conta disto, o porto passou a

ser parada obrigatória. Nas suas proximidades o comércio ganhava espaço, principalmente

pela troca de escravos. Foi a partir de 1637 que o pequeno povoado de Laranjeiras sofreu os

ataques e, depois, sobreveio o domínio holandês.

Vale ressaltar ainda que Laranjeiras é referência no folclore. Seus folguedos estão entre os mais importantes do Brasil, como o Reisado, Guerreiros, Lambe-Sujos e Caboclinhos, Cacumbi, Taieira, Samba de Parelha, São Gonçalo, Batalhão 1º. de São João, Chegança Almirante Tamandaré e os Penitentes. (CINFORM MUNICÍPIOS, História dos Municípios, 2002, p. 128).

A estudiosa Dantas (1988, p. 29), fundamentada em Oliveira (1978), em sua obra

Vovó Nagô e papai branco - Usos e abusos da África no Brasil se reporta à configuração do

prestígio em terreiros de Xangô, às falas do nagô sobre sua história e também sobre as falas

dos outros a respeito desses nagôs; à construção e ao significado da “pureza nagô”; e aos usos

da África pelos terreiros de origem Nagô. Nessa mesma obra, a pesquisadora , quando se

reporta à configuração do prestígio, em terreiros de Xangô, adianta que a cidade de

Laranjeiras “é tida não apenas como o foco inicial e o reduto mais forte da tradição nagô neste

Estado, mas também como uma cidade onde proliferam com vigor os chamados cultos afro

brasileiros.” Ainda inclui que há dificuldades por parte dos pesquisadores em precisar o

número exato de terreiros existentes naquele município: “Na área urbana funcionam 16

centros de culto e quase igual número se distribui pelos diversos povoados do município”.

O quadro abaixo, onde está incluído o Filhos de Obá, ilustra muito bem a classificação

dos terreiros segundo os dirigentes de culto:

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QUADRO 2 – Classificação dos terreiros segundo os dirigentes de culto

TERREIROS AUTO-IDENTIDADE CLASSIFICAÇÃO PELOS

OUTROS PAIS-DE-SANTO São Jerônimo 1 São Sebastião Tupinambá Santa Bárbara Virgem São José Filhos de Obá Ulufan Santa Bárbara São Jerônimo 2 Ogum de Ronda

Caboclo Caboclo Caboclo Nagô Nagô Obá (Nagô), Ketu, Ijexá, Angola, Caboclo, jeje Nagô, Ketu, Ijexá, Caboclo Angola Jeje Não é de nação

Caboclo/Toré Misturado Caboclo/Toré/Misturado Nagô (adjetivado de “puro”, “legítimo”, “verdadeiro”, “africano”) Nagô/Caboclo-nagô Nagô-caboclo/Nagô-angola/Caboclo/Toré/Misturado Caboclo/Toré/Enrolado Caboclo/Toré Caboclo/Toré Toré/Misturado

Fonte: DANTAS, 1988, p. 35.

Em outros quadros, a mesma pesquisadora assegura que o Filhos de Obá tem mais de

100 anos e foi fundado no ano de 1906 (p. 46); e, no quadro III (p. 47), lista os chefes de

terreiros pela cor da pele, anotando para o Filhos de Obá a cor negra. Quanto ao número de

filiados, conforme informações dos dirigentes dos cultos, este terreiro tem mais de 200

lavados, confirmados e feitos.

4.2 A História do Centro Filhos de Obá - Laranjeiras/SE

Para uma melhor exemplificação, o termo Obá está relacionado a um orixá raro e de

pouco tratamento pelos cultos e ritos afro em Sergipe.

No contexto delineado encontra-se a história do Centro Filhos de Obá atrelada à

história dos cultos praticados na África e que foram transportados para o Brasil e aqui se

instalaram a partir da época da colonização.

Registre-se que a Sociedade de Culto Afro Brasileiro Filhos de Obá foi fundada em

Laranjeiras/SE, no ano de 1906 e registrada em 1909 (ver anexo 1), por 05 escravas, dentre

elas, Tá Joaquina que, por dominar mais que as outras companheiras, o conhecimento sobre

as práticas africanas religiosas, tornou-se a primeira Yalorixá do terreiro, disseminando em

terras de Sergipe os ritos religiosos daquelas terras longínquas. O terreiro é considerado entre

os membros da casa, como o mais antigo do Brasil.

O Centro Filhos de Obá durante décadas se tornou uma referência viva das tradições e

costumes africanos, desde a dança, passando pela culinária e cantos até a religiosidade

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devotada à divindade africana e não difere muito de outros cultos africanos existentes em

Sergipe no que tange às relações de religiosidade e de poder.

Para Deutsche o termo poder deve estar atrelado à capacidade que tem um indivíduo

de organizar, de impor extrapolações ou projeções de sua estrutura interna ao seu meio

ambiente. Os agentes dos candomblés travam uma luta pela distribuição de um capital

específico acumulado em lutas anteriores à formação desse campo minado por dissensões, que

acaba por delinear como uma marca o campo científico do estudo de religiões afro brasileiras.

Podemos dizer o mesmo em relação ao controle político. Existem recursos que são essenciais ao sistema e, portanto, o sistema tentará manter seu controle sobre os mesmos. Entretanto, também existem recursos e organizações cujo controle direto seria muito dispendioso ou muito difícil e, nesses casos, o sistema delega sua soberania a grupos competitivos que são permitidos funcionar em seu interior. (WOLF, 2003. p. 94).

Numa visão mais ampla sobre o terreiro Filhos de Obá, pode-se afirmar com precisão,

que, desde sua fundação, o poder sempre esteve centrado na figura feminina de uma Yalorixá,

representada, inicialmente, por Tá Joaquina, oriunda da África.

Essa Yalorixá conseguiu fazer do município de Laranjeiras um referencial religioso

africano, já que no Filhos de Obá encontram-se ritos de identidade com a sociedade que

frequentava em massa os festejos da casa. Embora tenha sofrido diversas retaliações pela

burguesia local que imprimia a sociedade sua autoridade econômica e religiosa pelas vias do

cristianismo impedindo qualquer possibilidade que, a priori, não fosse por eles considerada

cristã.

Em qualquer sociedade onde há uma grande perda de uma obrigação cultural que implica a difusão de tensão e hostilidade entre as pessoas, e se essa hostilidade não é expressa em luta física aberta, [...] a feitiçaria ou técnicas não físicas relacionadas a ela serão acionadas. (WOLF, 2003. p. 136).

O campo religioso do Candomblé é organizado a partir de um sistema hierárquico,

como já foi explicitado, representado nas poderosas figuras do Babalorixá (masculino) ou da

Yalorixá (feminino). Entretanto, essa organização, em alguns momentos, permite que

atividades importantes sejam também exercidas por outros filhos de Obá que ocupam

posições na base do canzuá (terreiro). Esses fazeres incluem, por exemplo, a ossé (limpeza

dos assentamentos dos orixás) e oferendas.

Em tese, a religião Candomblé funciona como um princípio de estruturação que

constrói a experiência, ao mesmo tempo em que a expressa, pelo efeito da consagração ou

legitimação. Submete o sistema de disposições em relação ao mundo natural e ao mundo

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social a uma mudança na natureza. Esse conceito de estrutura tem suas bases nas ideias de

Levi Strauss.

O estruturalismo levi-straussiano trama-se em um contexto a que se aliam empréstimos feitos à Linguística estutural e uma rígida ruptura com a compreensão histórica. Basta-se alcançar a estutura subjacente para se estabelecer uma explicação universal válida. Para ter sucesso nesse projeto Lévi-Strauss assume o método lingüístico aprendido diretamente de Romam Jakobson, quando da estada de ambos na New Scholl for Social Research, em Nova Iorque, na década de 40. (Busadin, p. 1, 2010/ data do trabalho atualizado) (Disponível em: <http://www.historiahistoria.com.br/materia.cfm?tb=professores&id=101>. Acesso em: 21 out. 2010).

No que diz respeito à força dessa religiosidade dos filhos de Obá, afirmam os mais

antigos que, em qualquer parte em que os filhos de santo e outros membros da casa

chegassem, eram bem recebidos, respeitados e reverenciados, ao ponto de serem chamados

para dar continuidade aos rituais que, em algum lugar, estivessem acontecendo, pelo simples

fato de pertencerem ao mencionado terreiro. Muitas vezes alguns jovens (iaôs)8 fingiam estar

manifestados em casas de terceiros só para exibição da força mística.

4.2.1 Usos e costumes do Filhos de Obá

No Centro Filhos de Obá, sejam as Yalorixás9 e ou os Babalorixás desenvolvem a

mesma função, ou seja, a tarefa de zelar pelo terreiro. Nessa mesma linha, a mãe de santo ou

o pai de santo é considerado a autoridade máxima, sendo responsável pela limpeza e

assentamentos dos santos. Esses assentamentos ficam, geralmente, situados aos pés das

árvores.

Nos ritos internos, a mãe de santo/pai de santo exercem também a função, dentre

outras tarefas, de prestar oferendas para os orixás, sejam eles de direita ou de esquerda. Esse

ritual se dá através do despacho feito à base de farofa e outras comidas típicas, ingredientes

próprios de cada orixá. Esses ritos são parte dos cultos domésticos, ou seja, não são eventos

praticados perante pessoas estranhas e ou até mesmo da casa que possam ser consideradas de

corpo sujo, por exemplo, quando a mulher está abajé (menstruada). Também não se admite

que os indivíduos tenham ingerido álcool ou tenham praticado sexo, pelo menos nas últimas

setenta e duas horas.

8 Nomenclatura dada aos santos feitos no Candomblé; ou aos médiuns, no feitorio. 9 Figura feminina que representa autoridade matriarcal, símbolo de maior poder no Candomblé.

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Durante os cultos externos, a exemplo da conhecida e tradicional festa do Caruru de

Cosme e Damião (Festa dos Ibejis), no dia 12 de outubro, é servida uma oferenda preparada

com quiabos e outros ingredientes, entre as crianças, numa representatividade carinhosa do

Erê, um orixá mirim. Para esse rito são convidadas vinte e uma crianças com idade média de

sete anos. Elas se sentam numa esteira e comem o caruru com as mãos, o ritual proíbe a

utilização de qualquer tipo de talher. Após a obrigação, o caruru é também distribuído entre

os outros presentes. Nesse momento, os filhos de santo entram em transe e incorporam os

orixás mirins que dançam, pulam e brincam com os convidados.

O Tabuleiro de Obaluaê também é um evento externo bastante tradicional para os

Filhos de Obá. O rito acontece em 16 agosto e utiliza flores dentro de um tabuleiro, uma

pedra simbolizando o referido orixá que vem coberto de mel e pedaços de coco, levado sobre

a cabeça de um filho de santo. Na ausência deste, a própria Yalorixá faz a obrigação,

enquanto ocorre o festejo no terreiro ou no barracão e alguém manifestado com Omolú circula

a casa, por fora, cobrindo-a de pipocas, simbolizando a purificação dos corpos das pessoas

encontradas ao redor.

Dentre os rituais alusivos a Obaluaê, destaca-se a Ceia dos cachorros (16 de agosto),

em homenagem a São Lázaro. Os animais são lavados com água de amassi e servidos sobre o

paerô como se fossem seres humanos. Interessante notar que a crença é a de que, quando os

cães não tocam nos alimentos, isto quer dizer que a oferenda não foi aceita pelos orixás. Em

alguns terreiros também são festejados São Brás (o protetor das gargantas) e São Jerônimo.

Ainda nesses rituais, para os de fora do Filhos de Obá, há a Feira dos Orixás, onde

cada um carrega uma espécie de saquinho pendurado por uma vara nas cores características

de Obá. Nesse saquinho são acumulados presentes recebidos dos visitantes ou dos parentes

dos médiuns. Quando é oferecido um objeto a esses orixás, eles vendem e/ou repassam para a

mãe de cota ou para a Yalorixá da casa, as quais o guarda entre os pertences do assentamento

(Pejí), no quarto de santo. O dinheiro é utilizado para comprar indumentárias para o cavalo

do orixá e/ou para comprar animais para serem sacrificados. A Feijoada de Ogum é festejada

no terceiro sábado do mês de abril.

No que diz respeito às cores representativas de cada Orixá, a Exu correspondem às

tonalidades vermelha e preta; Ogum é reconhecido pela cor azul-marinho (na corrente

angolana) e azul-turquesa (na corrente nagô); Oxossi pela azul-claro (na corrente keto) ou

verde na corrente angolana); Ossain/Catendê, pelas cores verde e branco rajado (nas correntes

keto e nagô) e verde-musgo ( na angolana); Ibeji, por todas as cores; Xangô, pelas cores

vermelha e branca; Yansã, pelo vermelho-terra; Oxumaré, pelo preto e amarelo; Logun Edé,

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pelo amarelo (nas águas) e pelo azul (nas matas); Oxum, representado pelo amarelo-ouro;

Yemanjá, pelo branco transparente; Omolu/Obaluaiê, preto e branco (corrente angolana) e

preto vermelho (nas correntes nagô e keto); Obá, pelo vermelho; Yeuá, pelo vermelho com

mostarda rajado; Nanã, azul com branco; Oxalá, pelo branco leitoso.

Alguns ritos internos e externos do Centro Filhos de Obá são muito formais. Os

internos acontecem muitas vezes com a presença de todos os filhos de santos, feitos ou ainda

não, a exemplo do descarrego do corpo que serve para retirar algum espírito mandado.

Ao abian só é permitido participar desse momento se ele mesmo for alvo do processo

de limpeza. Ou pode assistir o ritual em caso de apresentar algum grau de parentesco com um

indivíduo qualquer que se submeta ao descarrego de invumbe. Já o Axexê, rito específico para

despachos dos cufados (mortos) e transmissão de poder, bem como o Culto de Malê, (orações

de penitentes) são ritos em que somente os feitos no santo e também voldunços (velhos e

experientes) podem participar.

Durante a passagem dos médiuns da umbanda para o candomblé, a permanência dos “espíritos das trevas” umbandistas - os exus e as pombagiras - levanta sérios problemas no plano ritual. Na verdade, esses espíritos são considerados eguns, isto é, espíritos dos mortos. Ora, todo contato com os mortos deve ser acompanhado de uma série de ações rituais que lhes neutralizem o poder negativo e a inevitável poluição. Ser possuído pelo espírito de um defunto só pode, portanto, ter consequências nefastas: a doença, a loucura ou mesmo a morte. (CAPONE, 2009, p. 155).

Quando acontecem oferendas ritualísticas, sacrificando animais aos pés das árvores,

ocorre que, algumas pessoas, moradores da rua onde se situa o terreiro, assistem à

movimentação, mas, muito mais na posição de curiosos do que convidados. Isso só se dá

quando esses assentamentos são em árvores à beira das ladeiras de entrada e consta que as

pessoas observam em silêncio conservando tom de respeito e reverência ao que veem.

Esses festejos e outras realizações corroboram e fortalecem a ação ritualística dos

sacerdotes da Casa, sejam em prol da religião ou em prol dos excluídos, principalmente

negros, mulheres e homossexuais.

Os filhos de Obá amparam todos os que precisam de ajuda e orientação espiritual. Ao

contrário de algumas casas de santo, o terreiro Filhos de Obá nunca demonstrou algum tipo

de discriminação quanto aos seus frequentadores ou às suas crenças, razão pela qual é até hoje

respeitado.

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4.3 O Centro Filhos de Obá – Uma Fotografia em Preto e Branco

O Centro Filhos de Obá se encontra localizado na Rua Jackson de Figueiredo, S/N,

nas imediações da Praça Alexandre José da Silva (Lixandre de Laranjeiras) com a fachada

voltada para o Sul. Limita-se ao Norte com o Cemitério do Bonfim; ao Sul, com a

propriedade rural conhecida pelo nome de Fazenda Dona Lalinha; ao Leste, com a referida

praça e a Oeste com a Vila Ione. A via de acesso, depois da BR-101, é a Rodovia Prefeito

Antônio Carlos Franco.

O Centro está situado num terreno de aproximadamente 10 (dez) tarefas,conforme

anotado em documento/escritura, sendo a área construída assim dividida: 200 duzentos)

metros quadrados para o barracão e também a mesma medida para o prédio sede. A

construção, em forma de chalé, dispõe de 11 (onze) compartimentos: 1 (uma) sala central; 5

(cinco) quartos; 1 (uma) cozinha; 1 (uma) sala de jantar; 1(um) banheiro; 2 (dois) corredores

de acesso aos cômodos. A edificação fica centralizada em terreno de exuberante paisagem

natural e clima ameno.

As casas de culto de umbanda, na sua maioria, possuem a peculiar propriedade de serem quase invisíveis aos olhos dos leigos. Ao contrário das igrejas cristãs, que ocupam pontos de destaque na geografia urbana, os terreiros são difíceis de encontrar, o que é compatível com o lugar social da religião na nossa sociedade. (BIRMAN, 1983, p. 73).

No que tange à questão da propriedade das terras onde estão localizados os terreiros,

Severo D’Acelino (2008) lança a pergunta se essas localidades pertenceriam aos sacerdotes,

seus parentes ou à irmandade. A perspectiva de Severo é bastante inteligente, pois coloca que

a propriedade é realmente dos Orixás e não de quem quer que seja dentro de uma casa desse

tipo. Fala de organização, de administração e do dízimo para a manutenção do culto.

Severo detalha a sua história e refere-se especificamente ao terreno do Filhos de Obá,

afirmando que não vê motivos que justifiquem a saída dos terreiros do lugar onde foram

plantados, pois,

Em Laranjeiras, Alexandre tinha o Terreiro e eu tinha conhecimento que o Terreiro era do Orixá (o dono era o Santo). O Terreiro era num sítio grande e tinha uma Casa onde abrigava os Santos e o pessoal, em tempo de festas grandes se fazia um Caramanchão ao lado. Ele morava lá, mas tinha sua casa em Aracaju, no Siqueira Campos, e lá em Laranjeiras sempre ficava alguém. Quando ele morreu houve uma parada, mas continuou com Tia Alira de Oya que após seu falecimento ficou a cargo de Cecilinha e com o seu falecimento a família que já vinha querendo dividir em herança conflituou e como eu andava fazendo levantamento da herança cultural do Terreiro.

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Iniciei o processo de tombamento para preservar o Patrimônio Histórico Cultural do mais antigo Terreiro de Sergipe e fui violentamente atacado, agredido e vilipendiado pela família, ainda hoje guardo as imagens das agressões, da família e dos intelectuais contrários à memória do patrimonial negro e foi por isso que não fui à luta para reaver as terras do Terreiro de minha avó, o medo de ser confundido e ser chamado de interesseiro e ladrão. (op. cit, p. 68).

A fachada da casa tem quatro janelas altas em madeira de lei, mas de modelo tosco.

Paira sobre a parte superior da parede frontal o desenho de uma estrela simbolizando o poder

do Filhos de Obá. E, logo abaixo da estrela, a inscrição do nome da Sociedade. A porta de

entrada desse prédio fica do lado leste. Em anexo há outra dependência denominada Terreiro

Filhos de Obá. Este apresenta uma larga porta de entrada e dois janelões.

A sala central ou Sala Paulo Gitokí é o local onde são recepcionados os visitantes e

fiéis. Nesse ambiente há uma pequena biblioteca. Há, entretanto, na extremidade leste do

terreno uma residência onde se acomodam a atual Yalorixá, e sua mãe, Marieta.

O barracão ou terreiro é o lugar onde acontecem os ritos de comemoração dos orixás

na relação carne e espírito como demonstração de alegria, solicitude e receptividade das

oferendas às divindades da Casa, os orixás de direita e de esquerda.

Ficam no prédio central da Sociedade os assentamentos do Tranca Rua e de Baraboô

– orixás que representam, concomitantemente, a esquerda de Ogum e de Xapanã. São orixás

cuja função é a de fechar e abrir caminhos para os bons espíritos e fechar para os espíritos

indesejáveis que só seriam autorizados por Yansã Balê, Obaluaê e Ogum. O assentamento ou

peji de Ogum da Ronda fica aos pés de uma jaqueira e a leste do terreiro.

A partir daí, um pouco mais à frente, a nordeste, na mesma direção, há o assentamento

de Exu Tiriri (esquerda de Ogum Já) o qual é encontrado sob o pé de dendezeiro. Na parte

superior/alta do sítio, na fronteira do Alto do Bonfim, a nordeste, está localizado o

assentamento de Cabocla Jurema. E, ainda seguindo adiante, na mesma direção, mais à

esquerda, está localizado sob um ouricurizeiro o assentamento do Caboclo Boiadeiro. Na

extremidade meio-norte do prédio central estão localizados os assentamentos de Catendê,

Tempo Zará, Oxossi, Caboclo Pedra Preta. Na extremidade noroeste estão localizados os

assentamentos de Egum e de Yansã Balé. A sudoeste está o assentamento de Xangô Aganju,

orixá do ogã Elois e que, de acordo com as crenças e o relato da saudosa Cecilinha, era o mais

feroz e temido feiticeiro que compunha o conjunto de líderes religiosos da casa.

Quando se entra na casa grande, central, veem-se, nas paredes brancas, uma foto de

Lixandre e o quadro das normas que regem a Associação.

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Na cozinha há diversos objetos de adorno: (pilão e mão de pilão em madeira tosca),

um tacho de barro/cerâmica e outro de bronze, geralmente utilizados para fazer doces, torrar

café e preparar as comidas dos orixás, passadas no epó (dendê); urupembas (peneira),

abanador ou abano (para atiçar o fogo), pindoba de ouricuri ou dendezeiro; uma mesa e

algumas cadeiras feitas em madeira bruta e bancos compridos, desses popularmente

denominados de péla-porco.

Os quartos são modestos, comuns, sem adornos. No de Mãe Alira, uma cama com

colchão de capim e um baú de madeira, onde ela guardava seus pertences. No quarto de

Cecilinha, uma cama, um pouco mais moderna (doação de uma de suas filhas de fé); uma

penteadeira antiga e um guarda-roupa. No quarto anteriormente utilizado por Lixandre, uma

cama e um baú.

O quarto de santo é diferenciado e, em anexo, há o rancó (lugar de recolhimento dos

santos, feitorio e criação dos orixás), nele estão alguns adereços, a exemplo de esteiras, cestos,

agridás10, o que simboliza que era também uma dispensa. No quarto de santo viam-se muitos

assentamentos dos chamados orixás da casa, pois os que eram assentados fora eram

chamados de orixás do tempo.

À frente desses assentamentos que ficam no terreno, pelos fundos dos quartos onde há

três espécies de sacristias ou sacrários (lugar onde são guardados os orixás), há, inclusive,

uma espécie de altar com alguns degraus onde ficavam os assentamentos mais importantes: de

Ogum Já (orixá de Lixandre), de Oxalá (de Cecilinha e de Yansã Fereguim, também de

Lixandre); uma cadeira enfeitada - espécie de trono que era de Cecilinha.

O quarto de santo, segundo relatos de Maria José Santos (Dona Deco), ostenta um

significativo acervo de imagens de santos católicos que não se encontram ali como um sinal

da fé e sim como manutenção das lembranças dos objetos de uso de Lixandre e, ainda, para

disfarçar perante o poder católico a verdadeira identidade dos orixás.

As imagens são as identidades dos orixás, a exemplo de São Jorge11, Santa Bárbara;

Cosme e Damião entre outros que passam a ser marginalizados pela fé católica porque se

tornaram figuras de grande relevância no Candomblé de Umbanda. Para os afrodescendentes

Oxossi é São Jorge; Yansã, Santa Bárbara; e Ibejes12, Cosme e Damião.

Os primeiros sanitários do Centro eram feitos de trempes de madeira nas quais as

pessoas faziam balões (pacotes) em folhas de mamona, de mamoeiro ou ainda em papel de

10 Pratos de barro utilizados para as oferendas aos orixás. 11 Expressão aludida ao orixá Oxossi. 12 É também a identidade dos orixás considerados crianças, denominados Erês.

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embrulho e eram jogados lá no fundo da casa nas proximidades dos pés de pitomba e de

sapota. Depois, no período do governo municipal do prefeito José Sobral Monteiro, foram

construídos sanitários nas casas habitadas pela população de baixa renda. Situados do lado de

fora da casa onde eram apenas cavados buracos no chão, colocada uma laje sobre esse buraco

(paredes pré-moldadas cobertas de telhados tipo Eternit). O terreiro Filhos de Obá foi

contemplado com um desses sanitários, através do programa Ação Social do Município,

encabeçado pela então primeira dama (atual prefeita, senhora Ione Sobral). Cecilinha, depois,

providenciou a construção de instalações sanitárias completas.

Após o dia 04 de novembro de 1988, momento em que se deu o tombamento do

Centro de Culto Afro Filhos de Obá, demolido e reconstruído pelo patrimônio estadual, a casa

sofreu algumas modificações facilmente visíveis. Na sala de entrada foram retiradas as janelas

que ficavam na parede esquerda do oitão. As janelas dos quartos de Cecilinha, Alira e

Lixandre foram retiradas. O espaço da cozinha foi aproveitado para se fazer um novo

banheiro. O fogão à lenha foi retirado.

Alguns objetos de adorno antigos não foram localizados. A mesa da sala de jantar

ainda é a mesma, a cama de Mãe Alira não se encontra no local onde deveria estar. Na entrada

da casa não existia a atual muralha de pedras calcárias, e sim, uma mais baixa de pedra

Corumbá, também apelidada de pedra ferro. Nessa frente o sítio sofreu uma erosão, fazendo

com que, parte do espaço fosse invadida pelo poder público municipal, o qual construíra o que

hoje denominamos Vila Ione, fato ocorrido no começo do governo de Cecilinha na casa, e de

José Sobral na prefeitura, nos idos de 1988.

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4.3.1 A figura exponencial de Tá Joaquina, a fundadora do Centro Filhos de Obá

Diversos relatos de seguidores de Obá afirmam que Maria Joaquina da Costa, Tá

Joaquina, veio da África desacompanhada de parentes, apenas com 05 companheiras. Consta

ainda que jamais se casou ou teve filhos. Resgatada pela família Bragança, no Porto de

Maruim (município sergipano), onde se comercializava escravos, e levada a Laranjeiras onde

passou a morar sob o domínio desse seu senhor. Apesar de muito jovem, destacou-se pelos

dotes culinários e, por isto, teria sido destinada a serviços internos na casa. Mais tarde teria

sido agraciada pela Lei Áurea e se tornado livre, passando a fixar residência no Porto do

Oiteiro (localizado entre o Centro Antigo e o Conjunto José do Prado Franco, que se situa na

direção do município de Pedra Branca).

O primeiro Bragança médico a chegar a Laranjeiras é Francisco Alberto de Bragança, no final da década de 1830. Nascido em 1816 em Salvador, filho de Aleixo João de Bragança e Ana Joaquina do Sacramento, Francisco forma-se pela Faculdade de Medicina da Bahia em 1836. Curiosamente, ele possui um irmão chamado Antonio Militão de Bragança, também médico e formado no mesmo ano, que chega a concorrer a uma cátedra na Faculdade de Medicina da Bahia, mas que, em função de doença, falece precocemente em Laranjeiras para onde se desloca em busca de tratamento. Em sua homenagem, Francisco dá ao seu único filho varão o nome do tio: Antonio Militão de Bragança. (PRADO, 2008, p. 1).

Ainda se diz que Tá Joaquina mantinha contato com as demais companheiras

africanas, pois as mesmas teriam ficado ali, ao redor, e ao conquistarem a liberdade, mesmo

sem gozarem de regalias, elas se agruparam e ajudaram aquela líder a fundar a Sociedade de

Culto Afro Brasileiro Filhos de Obá.

Diz-se que, por volta de 1867, a iorubana Batayọ, ou Maria Batayo, fundou seu terreiro no morro de São Carlos, no Rio de Janeiro, onde viveu até 1926. Faleceu aos 129 anos de idade, deixando incontáveis filhos e filhas-de-santo que viriam a instalar outras roças no estado. Ainda no século XIX, a ialorixá Maria Joaquina da Costa, ou Ta’ Joaquina, iniciou seus ritos jeje-nagô na cidade de Laranjeiras, no Sergipe. Protagonizou um fato raro na história da religiosidade africana no país, pois, numa época de perseguições intensas, conseguiu fundar oficialmente, em 1909, juntamente com outras cinco mulheres e dois homens, a Sociedade de Culto Afro-Brasileiro Filhos de Obá, da qual foi a primeira presidente. (BRAZIL, 2008, p. 1).

Entre os negros abrigados em Laranjeiras, Tá Joaquina não teria sido a única a se

destacar no Candomblé. Outra figura bastante conhecida também teria se evidenciado, muito

embora com menos notoriedade. Trata-se de Tá Inácia que, para os praticantes desses ritos,

tornou-se divindade da linha dos pretos velhos, assim como Tio Herculano, considerado

entidade de luz que descia em seu cavalo e promovia ritual de limpeza, seja nas pessoas ou

nos ambientes supostamente carregados.

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Esses relatos de Dona Deco elucidam uma grande dúvida acerca de quem teria sido Tá

Inácia, alguém a quem Cecilinha tanto se referia. Lembrava ainda de Tá Justa, só que de Tá

Inácia encontram-se explicações seguras, pois há a acordância de que ela teria sido uma das

cinco fundadoras da Sociedade de Culto Afro Brasileiro Filhos de Obá, e que depois passa

para corrente de Umbelina Araújo. Esta, mais tarde, teria sido expulsa do Terreiro de Santa

Bárbara devido à guerra de poder com a própria Bilina (Umbelina) que teria sido prometida

para dominar o terreiro Santa Bárbara, criando o seu próprio batalhão. Não se sabe, entretanto

e ao certo. O que se diz com maior segurança é que teria convivido com Tá Joaquina e,

depois de falecida, costumava o seu espírito descer nos médiuns da casa e, por isto, foi

elevada à condição de divindade.

Como frequentou desde cedo os ritos, na sua terra natal, a África, Tá Joaquina pôde

abrir seu terreiro e o fez com o objetivo de reverenciar seus orixás e atender consultas. Então,

a história da casa de culto começa em 1906, quando forma a Yalorixá fundadora sua grande

clientela de pessoas oriundas da classe média e também da classe média alta, tanto de

Laranjeiras quanto das cidades de Aracaju, Nossa Senhora do Socorro; de outros municípios

do interior de Sergipe e também de outros estados, como Bahia e Alagoas, embora nessa

época houvesse grande repressão por parte das autoridades constituídas a todas as casas de

culto afro.

Vale lembrar que a morte de Tá Joaquina é cercada de um mistério. Contam seus

seguidores uma versão lendária. Essa versão seria a de que ela teria visto Obaluaê e este a

advertira sobre uma doença que se abateria sobre Laranjeiras e que a entidade usaria poderes

para fechar as portas da cidade protegendo-a do surto. Ele a orientou que saísse pedindo

contribuições aos cidadãos e que as doações fossem revertidas em favor de um trabalho de

oferenda e agradecimento. Acontece que a população não deu crédito e negou a participação

na coleta alegando que Tá Joaquina pedia para si. Ela, sentindo-se ultrajada, ajoelhou-se em

plena hora do zênite, e gritando a plenos pulmões, teria dito: “Que venha a doença sobre este

povo e seja eu atingida em primeiro lugar”. Então fora atingida fatalmente pela varíola.

Consta o registro histórico de que realmente tal surto aconteceu em Laranjeiras que foi o mais

penalizado município sergipano naquela ocasião.

Em 1911 violento surto de varíola atinge a cidade e quase a despovoa, tal o número dos que fogem para Aracaju, a este tempo melhorada em seus aspectos sanitários e com maiores recursos de atendimento. Dr. Militão de Bragança escreve e publica relato científico com o título de “A Varíola em Laranjeiras”, trabalho muito rico em detalhes clínicos, epidemiológicos e profiláticos. Uma pandemia de gripe espanhola arrasa Laranjeiras em 1918 com centena de mortes conforme o registro dos serviços públicos. Militão de Bragança é infatigável nessa luta. (PRADO, 2008, p. 1).

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A segunda narrativa diz que Tá Joaquina teria desaparecido sem deixar pistas e nunca

foi encontrada. Provavelmente teria sido vítima de um daqueles atos de violência do Estado

de Direito que perseguia os babalorixás e as yalorixás saqueando-lhes as casas e os sítios.

4.3.2 A importância do pai de santo Lixandre na hierarquia do Filhos de Obá

Segundo Mãe Ginalva, foi nos braços de Tá Joaquina que Alexandre José da Silva,

carinhosamente chamado de Lixandre de Laranjeiras, deu seus primeiros sinais de

mediunidade. Nascido em Laranjeiras, filho de Elizeu Pedro da Silva e Joana Permínia da

Silva.

Considerado louco, Lixandre teria sido expulso de casa pelo pai, aos sete anos de

idade, tendo sido acolhido pela fundadora do Centro Filhos de Obá. Relata-se que, nessa

época, a família de Lixandre, evangélica, não aceitava e nem compreendia as ações

mediúnicas do menino que já recebia dos seus orixás, poderes antes não percebidos naquela

criança, como por exemplo, cura de enfermidades, contato com os mortos, dentre outros.

A relação de Lixandre com Tá Joaquina era idêntica a de uma família de sangue. Desde os cinco anos de idade, Lixandre passara a viver no terreiro e chegando até a recusar a voltar para a casa dos pais, e, sempre obediente, permaneceu ao lado da mãe adotiva (depoimento verbal de Dona Marieta).

Lixandre de Laranjeiras, expulso de casa, passou a residir no então barracão do

Centro de Culto Afro Brasileiro Filhos de Obá, onde começara a acompanhar os ritos

africanos desde a matança para os orixás e as consultas espirituais. “Ele foi acolhido por Tá

Joaquina com quem doutrinou seus orixás, iniciando atividades ritualísticas na entrada do

povoado Cambotá” foi o que afirmou Mãe Ginalva, a atual zeladora do terreiro.

Nesse sentido e em razão de ter vivido nesse ambiente, Lixandre de Laranjeiras foi

iniciado oficialmente como Babalorixá, provavelmente aos 13 anos de idade, quando o

mesmo faz, diante da protetora e mãe de santo, a sua primeira oblação (obrigação), ou seja, o

rito de matança de animais em oferenda aos orixás.

Tá Joaquina, mesmo com toda experiência trazida dos cultos africanos, fica

impressionada com tamanho poder e devoção de Lixandre.

Da sua juventude até a idade adulta (da década de 20 à década de 80), Lixandre muito

se movimentou realizando diversos trabalhos. Andou por vários estados, incluindo a Bahia,

Pernambuco, Alagoas, Rio de Janeiro, Santos/SP. Foi também à Benin/África aperfeiçoar-se

nos ritos e comparar as maneiras de fazer africanas com as brasileiras.

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Nas viagens que fez em território brasileiro, o pai de santo de Laranjeiras sempre

participava dos eventos e dos feitorios em diversos terreiros visitados, havendo estreitado

mais os laços religiosos com o pessoal da Bahia. Assim, tornou-se íntimo do pai de santo

Manezinho de Sandaió, de Oxossi, que muito confiava na sabedoria de seu amigo religioso a

ponto de o terreiro o convidar, quando Manezinho faleceu, para organizar o ritual do Axexê.

Foi então que o Oxossi do finado não aceitou ser despachado e solicitou ser despachado pra a

roça do Filhos de Obá.

Pouco antes do desaparecimento de sua benfeitora, Lixandre recebe seu Decá (símbolo

da autoridade constituída e concedida pela mãe a um filho de santo) e começa a atuar como

pai de santo na Rua Jackson de Figueiredo, mais conhecida como Rua da Vitória (local de

acesso ao vilarejo Cambotá). Com a fama repercutindo por todo o estado e o sucesso

econômico crescente, Lixandre logo consegue adquirir um sítio na via de acesso ao Machado

(final da Rua de Vitória), que se torna, mais tarde, a sede principal dos Filhos de Obá, local

onde funciona até os dias atuais.

É nesse sítio, uma localidade aprazível, que Lixandre inicia a maioria dos seus filhos

de santo (formando uma família de santo), incluindo naturalmente alguns parentes, a

exemplo, dos seus sucessores: Cecília da Silva, conhecida como Cecilinha e Paulo Santos

Chagas, conhecido como Paulo Gitokí. Paulo foi feito santo aos 9 anos de idade e era filho de

Obaluaê.13

Com sua clientela já formada, Lixandre, que se tornara um homem de posses, ao

falecer, encontrava-se na miséria. Só em Laranjeiras possuiu 03 casas na rua, modo de dizer

usado para classificar um espaço na região central da cidade àquela época. Em Aracaju, uma

casa na Rua Santa Catarina, no Bairro Siqueira Campos; um prédio na região do mercado

central, além de uma coroa toda em ouro, cravejada de rubis e usada sobre a cabeça de uma

imagem de Nossa Senhora da Conceição (Oxum); joias e pedras preciosas. Conforme os

próprios frequentadores do terreiro, esses bens foram adquiridos como forma de pagamento

pelos serviços prestados à burguesia e que eram denominados de feitiços ou bruxarias.

Quanto ao destino da coroa, disse Mãe Ginalva que foi entregue por Cecilinha em

mãos de terceiros, seguiu de mão em mão até retornar ao Centro, por intermédio de Ginalva

aquilo que então era uma réplica insignificante, uma bijuteria. Outros pertences de Lixandre

estão resguardados na sede do Museu Afro de Sergipe, situado na popularmente conhecida

13 Orixá coberto de palhas, que representa chagas e mazelas; responsável pela limpeza dos cavalos (pessoas que

recebem as entidades).

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por Rua do Galo, em Laranjeiras, a exemplo de cadeira/trono, indumentárias, amuletos

relativos a Ogum e Xapanã, a certidão de óbito (cópia original, 2), etc.

O prédio que pertenceu ao mesmo pai de santo citado, conforme ainda afirmou Mãe

Ginalva, era um no qual funcionava uma carvoaria e onde hoje se encontra uma loja do

Supermercado G. Barbosa, situada na esquina da Rua Apulcro Mota, esquina com a Avenida

Coelho e Campos, no Centro Histórico de Aracaju. Ainda possuía salinas no povoado Pedra

Branca/município de Laranjeiras. Consta que foi proprietário de uma fazenda, não se sabe

onde exatamente, e cuja documentação não foi encontrada, acreditando-se haver sido as terras

usurpadas. São informações orais que atravessam as décadas e correm por conta de Lixandre

haver sido considerado um dos homens mais poderosos economicamente em Laranjeiras.

Segundo depoimento de Severo D’Acelino, estudioso e ativista do Movimento Negro

em Sergipe, Lixandre era proprietário de fazendas nos municípios de Salgado e Itaporanga

d’Ajuda.

Lixandre era de Ogum14·. E também devotado a outras divindades como Xapanam15

de Gane Gane e Medi Medi. “Ele tinha muita fé nos seus orixás, era um homem de muita

sabedoria e conhecimento” – foi o que relatou Mãe Ginalva, em conversa informal, em

meados de outubro de 2008.

Alexandre tinha um irmão de nome Elói da Silva, apelidado de Elois, que foi iniciado

aos nove anos de idade, recebendo o batismo/confirmação de Elois de Xangô Aganju. Assim

como seu irmão, Elói também foi tomado como louco em virtude de seus dotes mediúnicos.

Lixandre logo percebeu que já se tratava de um chamado dos orixás e começou a tratá-lo.

Os orixás de Elois eram considerados por muita gente ainda mais poderosos que os do

próprio Lixandre. A trajetória de Elois foi passageira. Conta-se falecera muito jovem,

provavelmente na casa dos vinte anos, vítima de um trágico acidente de caminhão, e, não

chegando a exercer outro cargo na Casa, morreu na condição de Ogã. Lixandre entrou em luto

profundo e abandonou as atividades religiosas por alguns meses.

Alexandre José da Silva, desde seus cinco anos de idade, aprendera a arte dos cultos e

dos feitiços africanos e, por tal motivo, tornou-se a figura mais respeitada e comentada do

Candomblé em terras sergipanas (pelo mito que se criou em torno da figura do Babalorixá

que tinha o poder da vida e da morte em suas mãos).

14 Orixá masculino, responsável pela guerra e a defesa dos orixás. O Xirê começa com os seus cânticos que

fazem a abertura da roda de candomblé. No Filhos de Obá, recebe entre outras nomenclaturas, as de Ogum da Ronda e Ogum Já (orixá de frente de Lixandre).

15 Entidade que descia em Lixandre e gozava do prestígio de maior autoridade dentre os orixás da casa. Todos tinham que baixar a vista diante de sua presença. Algumas vezes, deitados ao chão para que o mesmo pudesse dançar sobre eles. Tinha a identidade de Obaluaê ou Omolú.

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Conforme palavras de Mãe Ginalva, Lixandre passou a maior parte da sua vida no

espaço do Centro Filhos de Obá, amado e temido pela força de seus atos cujos efeitos ecoam

até hoje nos meios do Candomblé.

Segundo depoimento de Dona Deco, prima de Cecilinha e sobrinha de Lixandre, este,

ainda na posição de Abiã, assumiu o comando do terreiro, oficialmente antes de completar os

18 anos de idade, em virtude de determinação de Tá Joaquina, no leito de morte, vitimada

pelo surto de varíola no ano de 1911. A sucessão de Lixandre ocorreu muito diferente de Tá

Joaquina que o recomendara como seu sucessor.

O ritual de passagem de poder das mãos de Tá Joaquina para Lixandre não cumpriu

com os rituais obrigatórios. De sua vez, Lixandre recebe a passagem sem o feitorio, mas, de

acordo com a tradição africana pertencente à corrente nagô, conforme acontece no Terreiro de

Umbelina Araújo. Por este motivo ele não tinha a digina, nome dado ao orixá de feitorio.

Nesse momento de celebração como Babalorixá, Lixandre é investido do poder das entidades

Ogum Já e Xapanã de Gani Gani e Medi Medi , este já uma deixa de Tá Joaquina - orixá da

linhagem da qual veio a fundadora do Filhos de Obá. E assim, Lixandre recebe a autorização,

a cuia e o Adeká.

Vale salientar uma passagem muito curiosa presenciada pelos frequentadores do

terreiro. Diz respeito a certo Ogã, de nome Ari, que despertou o respeito e a admiração de

Lixandre. Apesar de não demonstrar nenhum relacionamento amoroso com o pai de santo,

esse Ogã tinha todo privilégio e mordomia. Era tratado como a pessoa de confiança do

terreiro, tendo autonomia para mandar e desmandar até mesmo nos cultos religiosos,

interferindo nos rituais para emitir seus próprios comentários sem a orientação do pai de

santo. Esse era o único Ogã da Casa que tinha acesso até mesmo ao dinheiro cobrado pelas

consultas de Lixandre.

Consta também, de acordo com depoimento da Yalorixá Ginalva que Lixandre

financiava formação acadêmico para vários jovens que, porventura buscassem auxílio no

Filhos de Obá; distribuía cestas básicas pagas com dinheiro do seu bolso; adotou filhos,

especialmente crianças portadoras de deficiências físicas e que fossem abandonadas pelas

famílias, além de ter cuidado de parentes, sobrinhos e primos.

Lixandre para, então, de atuar como pai de santo, nos idos de 1972, na cerimônia de

entrega de Decá a Caô (Guerrê Unfá), filho de Yansã, que se tornou Babalorixá bem sucedido

e respeitado, no Bairro Santos Dumont, em Aracaju. Caô faleceu, na década de 90, acometido

de depressão sucedida de derrame.

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Ainda no momento de ritual de sucessão de Lixandre, este não só estava entregando o

Decá a José Carlos Araújo, apelidado Caô, mas, ao mesmo tempo, procedia ao ritual de

feitorio acompanhado da anunciação do santo da sua última filha de santo, Cabuse, jovem de

cor negra, cabelos lisos, formosa. Presentes ao momento estavam Cecilinha, filha de Oxalá e

cuja digina era Lufa Duqué; sua (dele) coadjuvante de salão de ritos, Alira Leão Ribeiro, (cujo

orixá era Yansã e a digina era Oyá Fereguin); e Mãe Pequena (mãe de cota) e madrinha dos

orixás; Luzia de Bacaodê, Dona Duda e Carmélia de Yansã.

Naquela ocasião, Lixandre se dirige ao orixá e se manifesta usando expressões

africanas com as quais questionava sobre quem era Cabuse, mesmo a conhecendo, bem como

sobre o Corte do Obi, ritual sobre o qual tudo sabia. Deco afirma que ele parecia transtornado,

pois o que dizia já não fazia sentido e nem eram as mesmas palavras de outrora pronunciadas

em idioma gêge nagô em rituais de igual valor.

Cecilinha, então, afastou Lixandre do recinto e começou a azuelar16 para os orixás e

deu continuidade ao ritual, pois, segundo acreditam os filhos de Obá, naquele instante, tanto o

jovem que recebia o Decá quanto à jovem que estava sendo feita recitando sua digina17

poderiam sofrer um surto de loucura. Cecilinha assume a partir daí a ação ritualística dos

eventos da casa sem que tivesse sido oficializada como sucessora do famoso pai de santo.

Nessa época, para não deixar morrer os sonhos de Tá Joaquina e de Lixandre,

Cecilinha começou a trabalhar de lavagem de roupa para sustentar a casa e as obrigações dos

santos, já que, a partir da difusão dos boatos acerca da suposta loucura de Lixandre

espalhados pela cidade, diminui enormemente a frequência da clientela ao Centro.

Conforme citado anteriormente, o Babalorixá Lixandre de Laranjeiras muito

representou para o crescimento dos terreiros de Candomblé naquela cidade, que se tornou o

reduto dos cultos afro brasileiros no Estado de Sergipe, criando fama por todo o nordeste e

passando a competir com os grandes candomblés da Bahia.

Dona Deco acrescentou a informação de que o Filhos de Obá sempre foi um

referencial do Candomblé no Estado de Sergipe, tendo suas grandiosas festas, à época de

Lixandre, principalmente, sido frequentadas por uma clientela composta por políticos,

intelectuais, pesquisadores e grandes empresários.

Convém frisar que Dona Duda, Cecilinha, Alira, Luzia e Carmélia são todas falecidas.

Lixandre faleceu aos 77 anos de idade, dia 17 de janeiro de 1977, às 3:50, no Hospital

Santa Izabel, vítima de aneurisma cardíaco , em Laranjeiras, aos exatos 77 anos de idade. O

16 Segundo informações da própria casa, significa cantarolar, cantar. 17 Expressão que justifica a identidade do Orixá que está nascendo.

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seu funeral foi registrado como um dos maiores acontecimentos da Corte laranjeirense,

levando a população às ruas em cortejo. Não se tem notícia de um evento desse tipo e em tal

nível, até hoje, sequer nas festas e encontros culturais de Laranjeiras. Tocavam os atabaques

em meio ao choro das pessoas que espalhavam pétalas de rosas e grãos de arroz. O corpo do

pai de santo foi sepultado no Cemitério da Misericórdia onde se encontravam acompanhando

o féretro altas autoridades.

4.3.3 Cecilinha sucede Lixandre de Laranjeiras

Cecília da Silva, ou ainda Mãe Cecilinha, contando com a força de seus orixás, resgata

o prestígio do terreiro com o retorno aos trabalhos, (feitiços e consultas).

No campo religioso, a trajetória feita por Cecilinha está baseada nas conversas com

seu pai de santo e nas observações e nas leituras realizadas sobre os ritos africanos.

Segundo Dona Deco, o fato de Cecilinha ter conservado o conhecimento tradicional,

isto é, os ensinamentos - ofertados diretamente pelo pai de santo - e os sonhos que ela mesma

relatava e com as oblações (obrigações para os orixás) sendo realizadas através de carrego de

invumbes (mortos), a tal ponto que, quando ela estava cumprindo os rituais, ocorriam-lhe as

lembranças passageiras das ações de Lixandre, o que a tornava cada vez mais eficiente.

Segundo Dona Deco, Cecilinha passa a sustentar a casa com orações e com serviços,

trabalhando determinadamente com o objetivo de reerguer a estrutura da família, atuando com

os exus e com os orixás, passando a criar fama de boa anfitriã e de forte feiticeira18, mas é, em

1979, dois anos após a morte de Lixandre, que Cecilinha assume a casa sem o ritual do

Axexê.19 Ela mesma faz um sarau com seus filhos de santo em um ritual simples. Foi servido

um mingau feito de milho sem açúcar ou sal e que, depois de cozido, era despejado em forma

de círculo em meio a algumas angorocis (orações de reverência aos orixás) sob a luz das

velas.

Apesar dessa autoridade conferida a Cecilinha, subsiste entre os filhos de Obá a crença

que o espírito de Lixandre poderia voltar mais adiante e causar transtornos nos rituais, exceto

18 Prática ou celebração de rituais, orações ou cultos com ou sem uso de amuletos ou talismãs por parte de

adeptos do ocultismo com vista à obtenção de resultados, favores ou objetivos que, regra geral, não são da vontade de terceiros. No entanto, em Laranjeiras, a palavra é utilizada pelo senso comum para justificar a identidade de um Babalorixá ou de uma Yalorixá e/ou qualquer membro de um terreiro, de uma casa de santo. (www.wikipedia.com.br)

19 Ritual de limpeza da casa em que ocorre a chamada dos invumbes, nome dado aos filhos de fé e autoridades quando falecidos.

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fosse feito na casa todo um sacudimento como parte dos atos do Axexê, quando ele seria

despachado definitivamente e não seria autorizado a voltar pelos orixás.

No final, ao apagar das velas, ao resfriar do mingau e encerramento dos cânticos,

juntava-se todo aquele material e colocava-se sobre um tecido branco, num cesto de cipó, que

era levado por um filho ou filha de Yansã20 e lançado às águas da maré vazante, simbolizando

o afastamento do espírito de Lixandre para a aldeia de Egum. E, assim, a sucessora Cecilinha

poderia conduzir seus rituais em paz - agora não só com a ausência física, mas também com a

ausência espiritual do grande líder, o que se traduzia em alguma autonomia para a zeladora

enquanto esperava a ocorrência do ritual do Axexê.

Pouco tempo depois da assunção de Cecilinha ao comando do Filhos de Obá, ocorre a

separação conjugal do casal Paulo Gitokí (primo de Cecilinha). Gitokí se aloja no sítio Filhos

de Obá por não ter para onde ir. Há outra hipótese, a de que ele tivesse ido ficar ali com o

objetivo de ocupar o lugar de Cecilinha pela imposição e pela força, relegando-a ao segundo

plano. O que importa, entretanto, é que ele foi ficando por lá e a prima foi disponibilizando-

lhe a autoridade de exercícios dos rituais ao ponto de permitir-lhe cortar (ritual em que se

mata um animal como preceito de várias religiões para se agradar a deuses/orixás). É numa

dessas situações que ocorre a suposta chegada do espírito de Lixandre, o qual teria baixado

em Cecilinha, num evento de Sábado de Aleluia, ou mais precisamente no Domingo da

Ressurreição, quando o antigo líder, manifestando-se, teria questionado aqueles rituais,

afirmando não estar de acordo com aqueles erros que dizia presenciar.

Algumas ocorrências marcaram, em seguida, o Centro Filhos de Obá: Cecilinha foi

vítima de um derrame. Paulo Gitokí (primo carnal e irmão de santo; filho de santo de

Lixandre) tornou-se o Babalorixá sucessor, apenas por necessidade e conveniência, pois não

havia sido feito qualquer tipo de comentário a respeito de sucessão. A substituição se deu pela

união do útil ao agradável, já que Gitokí entendia do assunto e se encontrava por ali. Dirigiu

por três anos o terreiro, tendo falecido em 1992, em virtude de um câncer localizado no

pescoço.

4.3.4 Mãe Ginalva, a atual Yalorixá

Ginalva Costa dos Santos (Mãe Ginalva), nascida em Aracaju, na Rua Paraíba, 344,

Bairro Siqueira Campos, seguiu ainda criança, em companhia da sua mãe, Marieta Santos,

20 Orixá feminino, defensora da casa, da força dos eguns. Controla as tempestades e o fogo. Orixá de demanda,

Ogum.

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63

para o Rio de Janeiro. Ginalva, ainda adolescente, adoeceu e retornou para Laranjeiras onde

foi feito o santo com o orixá de nome Ieuá, cuja digina é Iabequê.

Marieta, por sua vez, já havia sido confirmada ekéde, no Rio de Janeiro, no Terreiro

Massanganga, pela Yalorixá, Dona Rosália dos Santos, de Ogun, oriunda do Terreiro de

Rufino do Beiru.

Em meados de 1992, o Filhos de Obá passou por uma transformação. Marieta, atual

presidente administrativa da Sociedade, mãe de Ginalva e irmã de Paulo Santos Chagas,

conhecido como Paulo Gitokí, atendendo ao chamado dos sobrinhos (filhos de Paulo), João

Marcos e Jane Lúcia, assumiu a liderança entronizando, então, como mãe de santo e chefe de

terreiro, sua filha Ginalva. A referida Yalorixá assumia o título provisoriamente, já que não

recebera o Decá, devido a motivos financeiros, mas ao que se sabe, encontra-se em

preparativos para recebê-lo, possivelmente quando da reinauguração festiva do barracão do

Centro Filhos de Obá até o momento ainda não confirmada.

Para Mãe Ginalva, a atual Yalorixá do Filhos de Obá, o Centro não difere dos demais

terreiros instalados em Sergipe no que consiste a descendência familiar no Candomblé, haja

vista que, tanto quanto o referido terreiro, outro de nome Santa Bárbara, de Umbelina Araújo,

popularmente conhecida como Mãe Bilina, passou a ser administrado por Mãe Lurdes (in

memoriam), e que agora está sob o comando de sua sobrinha-neta, Bárbara.

Mãe Ginalva considera que o Centro, desde sua fundação, teve uma trajetória focada

na centralização de uma clientela diferenciada dos demais terreiros, pois durante muito tempo

foi sempre destaque entre os cultos afro existentes no Estado de Sergipe e afirma que ser

chefe de um terreiro é uma grande responsabilidade, pois, os fiéis e clientes que por ali

passam têm na memória do pai Lixandre um referencial.

A atual mãe de santo e dirigente da Sociedade de Culto Afro Brasileiro Filhos de Obá,

Ginalva, declarou, entre outras informações, que o município de Laranjeiras foi um

importante cenário para a proliferação da cultura africana, tendo os ritos e cerimônias

realizados gozado de fama e prestígio.

Mãe Ginalva promove uma série de projetos sociais, a exemplo de cursos de corte e

costura, culinária, alfabetização de crianças, etnoculturismo, danças afro, além de haver

fundado a banda Afro Axé Obá Unile. São ações que têm influenciado e atraído pessoas dos

municípios da região, como Riachuelo, N. S do Socorro e também de Aracaju, a capital.

Também sem exigir pagamentos, ela promove trabalhos de curas de perturbações psíquicas e

mazelas físicas.

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Em nota publicada no Jornal Diário de Aracaju, de 14 de dezembro de 1996

(fragmento sem numeração de página, (ver anexo 3) há um breve comentário sobre os ritos

religiosos praticados pelos filhos de Obá. O texto ressalta também as inúmeras ações

beneficentes que a Sociedade desenvolve para assistir as crianças carentes, pertencentes ou

não às famílias de santo da Casa.

4.4 O Mapa do Poder no Centro Filhos de Obá

O poder central no Filhos de Obá é representado na figura feminina da Yalorixá,

atualmente, Mãe Ginalva (dona de casa). O segundo posto é o de Ekéde, representado também

por uma mulher, Marieta Santos (dona de casa e aposentada). A terceira posição na hierarquia

é a de Ogã Pejigan (Mãe Ginalva eventualmente ocupa esta função de responsável pelo

sacrifício de animais durante os rituais). Em seguida está posicionado o Ogã Alabé ou Ogã de

Sala, cuja função é a de coordenar as ações do terreiro durante as festividades, inclusive toca

os atabaques e pelo entoamento dos cânticos (Nailson). Este Ogã, na vida pública é policial

militar. Logo após o Ogã de Sala, vem a Mãe Pequena, (Dona Deco/ Maria José Santos, dona

de casa e aposentada), auxiliar da Yalorixá, podendo representá-la, assim como o faz uma

assessora administrativa. É diferente do trabalho da ekéde que desenvolve principalmente

ações de características espirituais. Tais funções só podem ser exercidas por fieis feitos ou

confirmados em rituais do Candomblé.

Para Mousnier (1969, p. 22):

Os grupos sociais chamados castas encontram-se hierarquizados, não segundo a fortuna dos seus membros e o seu poder de consumo, não segundo o seu papel no modo de produção dos bens materiais, mas segundo o seu grau de pureza ou impureza religiosa.

Afora aqueles cargos existem os abiãs (novatos), os aborizados (pessoas que se

encontram no estágio que evolui para o feitorio de santo) e os feitos (habilitados para exercer

funções que vão desde o gerenciamento da casa a uma aproximação dos rituais sagrados). O

feito, seja homem ou mulher, passa a ser um Yaô (noviço). Decorrido um ano na condição de

Yaô, é marcado um ritual de oferenda aos Orixás simbolizando o alcance do feitorio. E então

se inicia a trajetória do Ebami que dura sete anos cumprindo uma ritualística específica, e que,

ao final confirma mais uma vez o seu feitorio, passando ser voldunço. Desse momento em

diante poderá participar de todas as atividades do terreiro.

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65

O alcance do cargo mais importante do Candomblé pode acontecer pelo fator

hereditariedade sanguínea ou da família religiosa; por indicação ou, ainda, pela ocorrência do

Axexê.

A cerimônia do Axexê é formalizada logo após a vacância do cargo de chefia com a

finalidade de confirmar o novo ocupante. Nessa reunião onde os fieis se encontram dá-se um

ritual de invocação dos Orixás do falecido chefe para que essas entidades anunciem o

sucessor. Assim seja confirmada a nova Yalorixá ou o novo Babalorixá, estipula-se uma data

para a realização de um novo rito no qual são realizadas as obrigações de praxe e assim está

celebrado e confirmado o novo guardião do terreiro.

Os Orixás, por ordem de poder são: Ogum (rei da guerra, responsável por combater as

demandas sobre o terreiro e controla as encruzilhadas e tem uma relação mais efetiva com os

exus. É também considerado o orixá de entrada do terreiro; comanda a abertura dos rituais). O

símbolo de Ogum é uma dada (espada); Oxossi (irmão de Ogum, o orixá das matas,

responsável pelo alimento; é simbolizado pelo arco e a flecha e a espada); Xangô é

considerado o rei dos trovões, simbolizado por machados; Yansã, rainha das tempestades e do

fogo e controla os eguns, usa também a espada; Logum Edé, filho de Oxossi com Ogum, ou

de Oxossi com Oxum, conforme diz a lenda, orixá de dupla personalidade; Obá, mulher

guerreira e temida; Yeuá, orixá da sabedoria e da sutileza; Oxumaré, conhecida também

como Angolô, uma cobra que equilibra os fundamentos do Filhos de Obá. Segundo os

seguidores esta personagem mantém a Terra em seu eixo; Oxum, deusa da fertilidade e das

águas doces, seu símbolo é um espelho numa das mãos e uma dada em outra; Yemanjá,

rainha do mar, das águas salgadas e mãe de todos os orixás; Ossanha, orixá das matas,

responsável pelo descarrego do terreiro; Obaluaê; responsável pela Terra e combate as

doenças; Nanã é a própria morte; Tempo Zará é o orixá crhonos. Finalmente, no topo desta

pirâmide, está Oxalá, o maior de todos, pai dos orixás junto com Yemanjá. É ele quem

encerra os rituais.

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66

5 METODOLOGIA

O cientista faz o relato dos resultados obtidos esclarecendo como os alcançou e quais

os caminhos (métodos e estratégias) que percorreu até aí.

A Metodologia explica rigorosamente as ações desenvolvidas no método eleito para o

trabalho de pesquisa.

A investigação objetiva sempre o conhecimento assistematizado ou “senso comum”,

ultrapassar os saberes da cultura popular e alcançar a verdade científica, epistemológica,

organizada, sistematizada, fundamentada e comprovada.

O presente estudo é investigativo/qualitativo e do tipo bibliográfico contando ainda

com a pesquisa de campo realizada no Centro Filhos de Obá.

A linha de investigação desta pesquisa está fundamentada no pensamento de

estudiosos da história do Candomblé e do sistema hierárquico predominante nos terreiros

onde se pratica o culto em evidência.

Este trabalho tem suas fundações em pesquisa bibliográfica (fontes secundárias), isto

é, em consultas feitas em livros, além de artigos científicos, teses e documentos publicados

em sites especializados da Internet. Assim, os materiais utilizados são contribuições de

autores em relação ao tema explorado.

O estudo de caso foi realizado no Centro Filhos de Obá, localizado no município de

Laranjeiras, Estado de Sergipe.

Desse modo, a pesquisa cientifica foi realizada através de consulta às fontes

bibliográficas devidamente selecionadas, triadas e fichadas. Em seguida se providenciou o

roteiro provisório (Sumário) para nortear a reflexão sobre as teorias. Depois, se iniciou,

efetivamente, a elaboração do texto dissertativo e do relatório da pesquisa de campo, além da

competente inclusão das partes pré e pós-textuais do trabalho monográfico.

O método de pesquisa bibliográfica explica um problema partindo de referências

teóricas e/ou revisão de literatura e de obras e documentos produzidos sobre determinado

tema. Vale notar que a pesquisa prevê a revisão da literatura, instrumento do trabalho

bibliográfico que permite conhecer, compreender e analisar os conhecimentos culturais e

científicos pré-existentes sobre o assunto, tema ou problema a ser investigado.

A pesquisa do tipo bibliográfica é o primeiro momento de uma pesquisa científica,

pois recolhe, além de selecionar conhecimentos prévios acerca de um problema ou hipótese,

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organizado e trabalhado por outro autor, colocando o pesquisador em contato com

informações produzidas sobre um tema.

O pesquisador nunca se posiciona de forma neutra e jamais é inocente em suas

análises e/ou observações. Este trabalho deve ser entendido como uma retórica etnográfica

dentre as tantas possibilidades para se tentar compreender a religiosidade e o sistema de poder

dos fiéis do terreiro dos Filhos de Obá.

Na realidade, as leituras bibliográficas serviram como intérpretes (buscando uma

transição do empírico para uma linguagem científica, antropológica) dos acontecimentos

vivenciados no trabalho de campo. Contudo, o fato de se dar maior importância ao trabalho de

campo em detrimento das leituras bibliográficas não significa que se construiu um texto sobre

a neutralidade axiológica ou guiado pelos acontecimentos do espaço focalizado. Assim, foi

levado muito em conta que “O senso comum é a base sobre a qual se constroem as teorias

científicas.” (CARVALHO, 2006. p. 18).

Durante a realização desta pesquisa, tentou-se lançar um olhar sobre as leituras

bibliográficas de tal forma a buscar nesse manancial teórico um porto onde se atracam os

dados coletados através da etnografia, e, ainda, o ponto de partida para um trabalho de campo

cujo objetivo seria o de buscar informações para confirmar tais pressupostos teóricos.

Outros procedimentos dizem respeito à constante atividade de observação no Centro

Filhos de Obá, incluindo diálogos informais com todos os componentes da comunidade e

representatividade hierárquica. Os diálogos buscaram traduzir as expectativas quanto ao

conhecimento da atividade ritualística e do sistema de Poder dentro do Centro Filhos de Obá.

Deixe-se bem explicado que o pesquisador nutre, há considerável tempo, a ideia de

aprofundar estudos sobre a temática do Candomblé, pois, ainda criança, manteve os seus

primeiros contatos com a movimentação da religião afro brasileira.

Foi utilizado o seguinte roteiro para manejar os diálogos informais:

1. Importância do estudo do funcionamento e das representatividades materiais e

espirituais do sistema hierárquico do Candomblé; 2. Levantamento dos aspectos relevantes da

história e da cultura do Candomblé, desde os primórdios da fundação do Filhos de Obá até

sua aportagem e sedimentação em terras brasileiras; 3. Interpretação de significados da

formação da família de santo e da engrenagem administrativa do Candomblé, tendo como

foco de estudo o Centro Filhos de Obá.

O trabalho de campo, com efeito, sempre surpreende o pesquisador, não raras vezes,

vê seus paradigmas ora se diluírem, ora se solidificarem diante das observações que faz e das

conversas mantidas com outros pesquisadores que tratam do mesmo objeto/tema.

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A pesquisa científica tem por finalidade a constatação de problemas, a produção de

hipóteses, modelos, teorias e leis, o que pode ser feito de forma variada.

Segundo Severino (2009, p. 125) opina, a observação é o procedimento que permite

acesso aos fenômenos estudados. É etapa imprescindível para qualquer tipo de pesquisa.

Ainda quanto ao trabalho de campo, cumpre frisar que é uma etapa importante no

processo de pesquisa, pois uma vez que, o pesquisador depende de seus informantes para

realizar o seu trabalho, precisa redobrar sua atenção: deve, sempre, analisar qual é o momento

certo de se chegar para uma visita, pensar nas palavras que vai proferir saber com quem falar

e como falar, ter consciência de que as pessoas nem sempre estão à sua disposição ou

interessadas em conversar sobre esse ou aquele assunto, ter sensibilidade e sabedoria para

mudar o rumo da conversação tão logo perceba que a conversa não está agradando, e, entre

outras coisas, talvez a mais importante, é saber a hora de encerrar as atividades.

Mas, o campo não é só uma batalha pela informação. O campo é uma etapa que traz

muitas gratificações ao pesquisador, pois, apesar das dificuldades, o campo produz amizades,

momentos compartilhados, experiências trocadas e compartilhadas, aprendizados sobre a vida

e as relações pessoais que são fundamentais para o antropólogo, trocas de sentimentos. O fato

é que o campo é imprevisível. Cada visita pode trazer tanto sentimentos de frustração para o

pesquisador, quando as pessoas não estão interessadas em conversar ou lhe dispensam pouca

atenção, quanto sentimento de bem-estar quando todos lhe recebem bem e estão dispostos a

conversar.

Neste caso, desde a primeira visita, o trabalho de campo oscilou entre a frustração e o

bem estar. Mas, em geral houve boa receptividade por parte da comunidade na qual nos

concentramos. Porém, quando se trata especificamente da realização da pesquisa acadêmica o

tratamento muitas vezes se modifica. Uma iaô chegou a afirmar não serem “dados” a

entrevistas. Outros, mais acessíveis, aceitam, de pronto, conversar com o pesquisador. Os

resistentes à pesquisa alegam que os estudos empreendidos em seus terreiros raramente

retornam à comunidade ou à religião, beneficiando apenas os acadêmicos.

Acredita-se que o fato de se haver assumido uma postura mais parecida com a de um

visitante observador, curioso em saber sobre a religião, mas que fala sobre outros assuntos

também, permitiu que os filhos de santo se acostumassem progressivamente com a presença

do pesquisador e com as entrevistas. Além do que, procurou-se interagir nos trabalhos

efetuados pelos filhos de santo, isto é, naqueles afazeres que não são sagrados, ou pelo menos

não estariam relacionados com o sagrado, como: dispor as cadeiras ao longo do barracão para

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os visitantes se sentarem na hora da festa; deslocar algumas mesas que estavam em lugares

que atrapalhariam a circulação das pessoas pelo ambiente, etc.

Outro fator favorável foi à técnica de pesquisa utilizada nas conversas com os filhos de

santo, que se assemelham às conversas informais e se distanciam em muito do estilo

perguntas/respostas próprio da entrevista. Essa técnica dá ao entrevistado a sensação de que

não é somente ele quem abre sua vida ao conhecimento alheio, mas a de que ele, o

entrevistado, também fica conhecendo as opiniões do pesquisador; ou seja, procurou-se

estabelecer um contexto de relações simétricas, ou dialógicas, em que ambos (mesmo que os

envolvidos guardem para si uma parcela de sua particularidade, como veremos abaixo)

parecem estar menos especulando sobre a vida alheia do que trocando confidências e ideias

individuais (é claro que o pesquisador é sempre um especulador).

O trabalho de campo também mostrou que a religiosidade do fiel de Obá só pode ser

compreendida se vista desde a sua individualidade, ou seja, a partir de um sistema religioso

privado que cada um constitui ao longo de sua vida. Nesse processo, a cultura deve ser

entendida como fluxo, e não como uma questão simples de transposição, simples transmissão

de formas tangíveis carregadas de significados intrínsecos. Ela deve ser vista como originando

uma série infinita de deslocamentos no tempo, às vezes alterando também o espaço, entre as

formas externas acessíveis aos sentidos, interpretações e, então, formas externas novamente;

uma sequência ininterrupta carregada de incertezas, que dá margem a erros de compreensão e

perdas, tanto quanto a inovações. O que a metáfora de fluxo propõe é a tarefa de

problematizar a cultura em termos processuais.

Neste trabalho foram detalhados o máximo possível os dados coletados durante a

pesquisa de campo com o intuito de expô-los para que outros cientistas possam usufruir deles

para uma reanálise, uma crítica ao trabalho, ou qualquer outro fim.

As dificuldades foram muito grandes, principalmente quanto à busca de materiais

bibliográficos na biblioteca central da Universidade Federal de Sergipe. Essas idas e vindas

duraram mais que um ano. As atividades foram acompanhadas e tiveram o apoio de uma

amiga, evangélica convicta com o cristianismo protestante, mas que, apesar de não se sentir

bem em fazer parte de um trabalho totalmente contrário às suas convicções de fé, fez

prevalecer a ciência e permaneceu contribuindo com sua inestimável ajuda até o final dessa

pesquisa.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É significativo atentar para o fato de, atualmente, existir no Brasil um conflito entre os

sistemas de crenças de origem africana por aqui disseminadas desde a colonização e

desenvolvidos ao longo do percurso civilizatório. Por conta dessa situação, babalorixás,

yalorixás, pais e mães de santos buscam incessantemente um meio de comprovar a sua

legitimidade, seja recorrendo à genealogia ou ligações com terreiros tradicionais e

reconhecidos socialmente.

As raízes do Candomblé estão na África e aqui se instalaram em uma significativa

diversidade de manifestações que são estudadas por especialistas, estudiosos da Antropologia

e da Sociologia; folcloristas, historiadores e outros.

Este trabalho buscou partir do contexto do continente africano e seguiu a trajetória

atravessando até o Brasil colonial, via tráfico de escravos. Vieram os escravos com suas

famílias consanguíneas e suas famílias de santos, semelhantes e, ao mesmo tempo, diferentes

em alguns detalhes. Essas relações de parentesco se imbricam com as relações de poder, nos

terreiros de Candomblés espalhados, especialmente, pelo litoral do país.

Essas famílias de santo e suas linhagens procuraram manter-se de acordo com suas

origens e tradições e, inclusive, continuaram com os mesmos sólidos hábitos hierárquicos.

Um exemplo dessa situação apresentada se personaliza em Sergipe, na cidade de

Laranjeiras, através da fundação (1906) e registro (1909) do Centro de Culto Afro Brasileiro

Filhos de Obá, fundado por Tá Joaquina. O estatuto da sociedade se encontra registrado no

Jornal Diário Oficial do Estado de Sergipe, em junho de 1947, conforme atestado pelo

Cartório do 10º Ofício de Justiça da Comarca de Sergipe (ver anexo 4).

Esta pesquisa empenhou-se em refazer partes significativas da história do Filhos de

Obá, desde a sua fundação até os dias atuais. Essa caminhada esclareceu muitos pontos ainda

obscuros na mente do pesquisador, também filho de Obá, quanto aos usos e costumes e as

principais personalidades do Centro. Além disto, foi possível entender a importância da figura

polêmica do pai de santo mais famoso e poderoso que já viu o Estado de Sergipe, Lixandre de

Laranjeiras. Outros integrantes de igual significado e representatividade do Candomblé em

Sergipe também foram examinados em suas responsabilidades na manutenção da tradição, na

conservação do culto afro.

Este pesquisador, nascido em Aracaju, passou boa parte da infância e da adolescência

frequentando o Centro Filhos de Obá. Acompanhava a mãe, Stênia, e Pedro Celestino de

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Barros - ela, filha de santo de Lixandre, feita em Oxossi com Omolu; e ele, filho de santo de

Cecilinha, aborizado com Oxalá e Oxum.

O trabalho de campo muito contribuiu para os diversos esclarecimentos prestados por

fiéis de Obá, tanto os mais antigos que ainda conheceram Lixandre de Laranjeiras

pessoalmente, a exemplo de Dona Deco, Marieta, Ginalva e Maria Stênia Gomes de Barros

(feita em Oxossi) e uma das coadjutoras de Cecilinha por expressa determinação do pai de

santo em evidência, quanto os mais jovens, interessados em dar continuidade à tradição afro

brasileira.

Frise-se a decisiva participação da atual Yalorixá, Mãe Ginalva, para os diversos

depoimentos, inclusive como testemunha de boa parte da história moderna do Centro filhos de

Obá.

Espera-se com o produto desta pesquisa contribuir para a ciência com o registro sócio-

histórico-antropológico do Candomblé em Sergipe representado na saga dos Filhos de Obá.

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GLOSSÁRIO

ABIÃ - pessoa iniciada nas atividades religiosas de um terreiro.

ADEKÁ - rito de passagem de um filho da fé para a categoria de pai ou mãe de santo.

AIYÉ - Terra.

ASSENTAMENTO - lugar onde são colocados os orixás.

AXÉ - força espiritual e também a palavra amém.

AXEXÊ - ritual de despacho dos mortos.

BABALORIXÁ - pai de santo; zelador dos orixás.

CANZUÁ - casa de santo, candomblé, terreiro, roça, espaço onde ocorre o congraçamento das relações de culto de origem africana.

COMUNIDADE DE SANTO - grupo de pessoasseguidoras do candomblé.

DESPACHO - obrigação oferecida em honra aos orixás. Significa ainda um rito de passagem.

DIGINA - nome dado ao Orixá “recém-nascido”.

DIVINDADE - a identidade dos orixás.

ENTIDADE - qualidade mística dos orixás.

EQUEDE - mulher responsável pelo apoio aos que recebem os orixás e entram em transe.

ERÊ ou IBÊJI - Mediador entre Iaô e Babalaô. Ao Erê não existe dia especialmente consagrado, pois atua às vezes antes da vinda dos orixás (transmite ordens recebidas dos orixás, vibrações). É o Deus das guloseimas. Nas manifestações de Erê, o Iaô sob a sua vibração se comporta como criança.

EXU - Mensageiro, guardião, guerreiro.

Senhor dos caminhos, da comunicação, da inteligência, do bom humor e da sexualidade.

Exu está presente em todos os lugares e mantém contato com todos os orixás e ancestrais. Sua personalidade assemelha-se ao perfil humano. É amante dos prazeres da vida, das cores e odores. Ferramenta: objeto fálico de madeira – (apaogó)

Comida: farofa de dendê com muita bebida, de preferência aguardente (padê); acarajé; xinxim; (acassé) com azeite de dendê.

Cor da roupa: vermelho e preto. Usa colar com contas vermelhas e pretas.

Animal: bode. Animais de sacrifício: boi, cabra, galo, galinha sempre de cor preta.

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Vestes para o ritual: capas majestosas em vermelho e preto. Local de culto: encruzilhadas – para simbolizar os vários lados de cada caminho. Dia consagrado: segunda feira (mas pode atuar se solicitado em outros dias).

EXU TIRIRI - orixá de esquerda; escravo de Iansã.

FEITIÇO - ritual praticado por componentes da comunidade de santo. Trabalho.

FEITO - identidade do seguidor do candomblé ao ser considerado feito no santo em ritual apropriado.

FEITORIO - fase ou ritual de transformação de um abiã em santo.

IALORIXÁ/YALORIXÁ - a matriarca da casa de candomblé; mãe de santo.

IANSÃ BALÉ - orixá do fogo.

IANSÃ FEREGUIN - a que vence as guerras e combate ao lado de Ogum.

IANSÃ/YANSÃ - orixá feminino, controladora do fogo e das tempestades.Dona dos espíritos dos mortos e dos relâmpagos. Senhora da alegria e protetora das mulheres, dos ventos e tempestades ganhou de Olorum o poder de controlar os mortos (Eguns).

Seu nome significa “rápida, ligeira”. Filha adotiva de Oxossi, casou-se com Ogum e Xangô. Junto com Xangô, ela controla o poder do fogo. Elemento: ar - vento. Metal: cobre Comida: acarajé Ferramenta: espada e uma espécie de cedro feito com rabo de boi. Animal: búfalo e borboleta. Local de culto: montanhas e lugares altos. Cor: vermelho. Animais de sacrifício: cabra que não seja preta e galinha avermelhada.

Vestes: são coloridas predominando a cor coral, usam muitos colares e enfeites, e na cabeça uma coroa bordada com imbé, franja de pérolas que caem sobre a face. Dia: quarta-feira.

IAÔ - fase da criação de um Orixá.

IEMANJÁ/YEMANJÁ: Senhora dos Mares. Yemanjá: É a Grande Mãe dos Orixás, a deusa da maternidade, das grandes águas, mares e oceanos. A palavra “Yemanjá” quer dizer “Grande Mãe cujos filhos são peixes”. Aprecia pratos preparados com milho branco, azeite de dendê, cebola e camarão seco. Iemanjá é uma mulher sensual que encanta os navegantes. Elemento: água Metal: prata Animais de sacrifício: cabra, ovelha. Pata de galinha toda branca. Vestes: cor branca prateada, podendo ser adornada com azul claro ou rosa. Na cabeça uma coroa de cor branca. Oferendas: flores, perfumes, joias, bonecas, sabonetes, sendo que em todos os presentes oferecidos devem predominar cores claras, como a água. Ferramenta: alforje de prata e o Bebé – leque prateado com pedras azuis, verdes e brancas transparentes. Dia: sábado. Animal: peixe IFÁ: Protetor do jogo de búzios, das artes divinatórias, de cola de dendê. Este orixá jamais se incorpora, mas atua de outras maneiras. Dia consagrado: domingo. Danças e ritmos. Durante os cultos, no Candomblé, predominam sempre, ritmos empolgantes e sons de instrumentos de percussão, num compasso bem marcado. Por causa de seu rito, o candomblé se tornou conhecido como uma dança religiosa, de origem africana, na qual os iniciados reverenciam seus orixás. Esta dança é praticada principalmente por pessoas do sexo feminino,

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chamadas sambas. Em seus ritos, a palavra orixá tem o peso de designar as forças cósmicas e vivas da Natureza, numa tradição que remonta aos homens primitivos.

INVUMBE - mortos; ritual dos mortos.

IORUBA/IORUBÁ - identidade linguística e social do povo afro-descendente.

LEBA - Orixá de esquerda.

MÃE-DE-SANTO - Chefe ou dirigente de terreiro, máxima autoridade do sexo feminino, dentro da Casa. Também conhecida como Zeladora de Santo, Mãe-no-Santo.

MÃE-PEQUENA - Título honorífico dado à médium que substitui a Mãe de Santo (vd.) em algumas funções, ou em sua ausência, por ser a segunda na hierarquia do terreiro.

MATAMBA - Um dos nomes de Iansã (vd.). Um dos estados do antigo Reino do Congo.

MÉDIUM - Indivíduo dotado da faculdade de servir como intermediário entre os espíritos e os seres encarnados, possibilitando a comunicação entre os planos espiritual e terreno (vd. Mediunidade).

NANÃ - Orixá originária da cultura Jeje, sincretizada no Catolicismo com Sant’Ana, por ser o Orixá feminino mais velho no panteão africano. Divindade das águas, rege as águas paradas, os pântanos, as nascentes. “Senhora dos mortos”, recebe os espíritos que desencarnaram e regressam ao plano espiritual. Diz-se, também, Nanamburuquê.

OBÁ - Significa “Rei”. Também é um Orixá feminino, esposa de Xangô na tradição nagô. Como Orixá, representa, também, o pólo negativo da terceira linha (vd.) de

Umbanda, contrapondo-se a Oxóssi no pólo positivo.

OBALUAIÊ - Vd. Abaluaê.

OBALUAIÊ/OBALUAÊ/OBALUYAÊ - um dos nomes dados a Omolu (São Lázaro, na religião católica).

OBRIGAÇÕES - Festas em homenagem aos Guias ou Orixás. São também as determinações ou tarefas prescritas aos médiuns ou consulentes pelos Guias com o objetivo de auxilio ou como parte do processo de desenvolvimento mediúnico.

OGÃ - Responsável por tocar os atabaques, não costuma incorporar (pelo menos, não enquanto estiver nessa função). Em algumas Casas, detém status similar ou imediatamente inferior ao dos chefes do terreiro. Sua preparação consiste não apenas nos conhecimentos técnicos de manejo do instrumento, mas do fundamento da Casa e de seus elementos litúrgicos próprios, requerendo extenso preparo.

OGÃ - responsável pela disciplina e obrigações do terreiro de candomblé.

OGUM - Deus da guerra, da metalurgia, da tecnologia. Orixá inventor, grande explorador de caminhos e general dos demais orixás. Ogum é o filho primogênito da família dos Orixás Caçadores, foi encarregado por Olorum (criador do Universo) para abrir o caminho para todos os orixás e é o guerreiro que nunca é vencido. É Ogum quem abre todos os caminhos da vida.

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Seu perfil é valente, sério e justo. Sua morada é na floresta. Elemento: terra Metal: ferro Cor: verde e azul (simbolizando a mata e o céu)

Ferramenta: Espada Comida: milho amarelo cozido, com coco – (axoxó) Animal: Cachorro Local de culto: Estradas, principalmente em estradas de ferro. Animais de sacrifício: Bode, galo de cor avermelhada. Vestes: saiotes de cor azul marinho e branco, capacetes de pano bordados com penacho das mesmas cores e uma corrente pendente do penacho. Dia consagrado: Terça feira.

OGUM JÁ - Orixá da guerra; aquele que inicia o xirê.

OMOLU é o XAPANÃ: velho, médico dos pobres. Animais de sacrifício: bode, cabra, galo, galinha d’angola nas cores branca e preta. Vestes: as mesmas de Xapanã Abaluaê tendo um cetro chamado xaxará. Xangô: Deus da justiça e do trovão. Patrono da política, diplomacia, sedução e articulação. Senhor da vida, é o grande Rei dentre os orixás. Iansã, Obá e Oxum são suas esposas. Xangô controla o fogo, porém seu poder só tem efeito se praticado junto com Iansã, de quem Xangô não pode se separar. Elemento: fogo Metal: cobre Comida: guisado de quiabo picado, temperado com dendê, camarão seco, cebola e pimenta. Cor: vermelha e branca. Animal: Leopardo Local de culto: pedreiras Animais de sacrifício: galo, boi, bode, carneiro todos avermelhados. Vestes para o ritual: vermelhas e brancas, na cabeça coroa de latão ou cobre, na mão um cetro de latão em forma de machado. Dia: quarta-feira.

ORIXÁ DE CABEÇA - Orixá principal do médium, regente de sua coroa.

ORIXÁ DE FRENTE - O mesmo que orixá de cabeça (vd.).

ORIXÁS - Do iorubá, Òrìsà, traduzido por alguns como “senhor da cabeça”. Agentes divinos que regem as forças da natureza. Não são deuses, no sentido de “Supremo Criador”: essa é a identidade de Olorum (vd.), Deus, Zambi. Os Orixás seriam as emanações desse Supremo Criador, do poder divino — diferentes entre si por contemplarem diferentes facetas, diferentes aspectos desse poder. Têm a faculdade de administrar e ativar as energias presentes em seus pontos de força (vd.), controlando desde a germinação de uma semente até a ocorrência de um maremoto. O culto aos Orixás, então, coloca-nos em contato mais próximo e harmônico com essas forças. Por outro lado, representam arquétipos da natureza humana, claramente perceptíveis em suas características mais “humanizadas”. Na Umbanda, não incorporam.

ORUM - espaço transcendental.

OSSAIM - Deus das folhas e vegetação. Olorum deu aos orixás suas folhas, fundamental para qualquer ritual, mas deu a Ossaim o segredo de todas elas. Ossaim é, portanto, o senhor das folhas, do verde da vegetação o orixá que conhece o encantamento que permite às folhas liberar seu Axé. Animais de sacrifício: bode e galo desde que não sejam pretos. Vestes: cor verde claro, o cetro é um galho de árvore, geralmente de café com seus frutos. Dia: quinta-feira. Local: a mata, a floresta.

OXALÁ - Orixá sincretizado no Catolicismo com Jesus Cristo. Responsável pela criação dos seres humanos na mitologia iorubá; representa a síntese de todas as origens, o princípio da vida no plano terrestre, a paz, a totalidade. Considerado o Orixá de maior ascendência no panteão das divindades, imediatamente abaixo de Olorum (vd.), de quem é filho direto.

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OXUM - Deusa das águas, do poder da mulher e do trabalho doméstico. Deusa do amor e da fertilidade, das águas doces e do ouro. Olorum, criador do Universo, enviou seus orixás até a terra. No entanto, ele esqueceu de enviar Oxum. A terra se tornou seca, sem água e sem vida. Percebendo o engano, Oxum foi enviada à terra para trazer beleza e fertilidade. Oxum casou-se com Oxóssi e logo em seguida com Xangô. Mãe de Iansã e Logum Edé. Vaidosa e bela, Deusa do ouro, ela adora braceletes, coroas e espelhos. Metal: ouro Comida: feijão fradinho com camarão seco, cebola e dendê. Ferramenta: leque com espelhos (abebé) Animal: pássaro Local de culto: águas doces. Animais de sacrifício: boi, cabra, galinha amarela. Vestes: Amarelas com enfeites coloridos de azul, branco e rosa. Dia: sábado.

OXUMARÊ - Deus do arco-íris. Filho da cobra Dã que envolve toda a terra, metade do tempo é masculino outra metade é feminino (meta-meta) está ligado as artes e a beleza desta, também as riquezas da terra. Animais de sacrifício: carneiro, cágado, galo avermelhado. Vestes: bem coloridas, verdes e amarelos predominam, um torso colorido na cabeça com uma trança descendo pelas costas, até o chão. Por cima do torso uma coroa com imagem de uma cobra. Dias: terça-feira e sábado.

OXÓSSI - Deus da fauna, da caça, da fartura. Senhor da Ecologia e patrono dos animais, rei das florestas. É esposo de Oxum, pai de Logum Edé e pai adotivo de Oiá Iansã. Oxossi é o irmão mais novo de Ogum, e responsável por toda a comida que chega até a nossa mesa. Seu nome significa: “caçador de uma só flecha”. Devido à popularidade de seu culto, é patrono em muitos terreiros da Bahia. Elemento: terra Ferramenta: arco e flecha. Comida: milho amarelo cozido com coco; feijão fradinho torrado. Animal: Cavalo. Cor: Azul turquesa. Animais de sacrifício: boi, bode, porco, galo mariscado (carijó) galinha d’angola. Vestes: deve predominar o verde, saiotes de plumas, penacho e capacetes verdes. Nas mãos arcos e flechas podem acrescentar troféus de caça. Dia: quinta-feira.

OXUM - Orixá sincretizada no Catolicismo com Nossa Senhora Aparecida e, para alguns, Nossa Senhora da Conceição. Rege as águas doces — prevalentemente os rios e cachoeiras. Representa o amor crístico, incondicional. Existem diversas qualidades (vd.) de Oxum: Oxum-Abalô, Oxum-Apará, Oxum da Cobra Coral.

RITOS - conjunto de manifestações espirituais dos seguidores do candomblé.

SACERDOTE - é o Babalorixá ou a Yalorixá.

São Jorge (culto nagô) ou São Sebastião. Na Umbanda, costuma receber a cultuação pertinente a Ossaim (vd.).

TERREIRO - o mesmo que candomblé ou caso dos ritos dessa fé.

XANGÔ - entidade religiosa do candomblé; autoridade dentro da hierarquia do culto afro.

XAPANÃ - nome usado pra especificar Omolu no Centro Filhos de Obá.

XIRÊ - cânticos dos orixás.

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LISTA ICONOGRÁFICA

Foto 01: Alexandre José da Silva, aos 15 anos de idade, ao lado de sua genitora, 1915. Fonte: “Arquivo Filhos de Obá”.

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Foto 02: Alexandre recebendo visitas de pais de santo: da Bahia, à sua esquerda; e, do Rio de Janeiro, à direita - presentes ao último ritual promovido por Lixandre, que foi concluído por Cecilinha, em 1971. (Relato de Dona Deco, 17 de outubro de 2008). Fonte: “Arquivo Filhos de Obá”.

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Foto 03: Roda de santo tocada em nagô com as presenças de três das mais importantes figuras do Filhos de Obá: Cecília da Silva de Oxalá; (Cecilinha) Paulo Santos Chagas de Obaluaê, (Paulo Gitokí) e Carlos José dos Santos de Oxalá, (Carrinho). Paulo Gitokí de costas, meio que de lado para Cecilinha e Carrinho usando uma touca branca, postado à frente de Cecilinha, em 1972. Fonte: “Arquivo Filhos de Obá”.

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Foto 04: (antiga) Lixandre, manifestado com Obaluaê, ao lado de duas figuras igualmente importantes no contexto do Filhos de Obá, as duas localizadas ao lado esquerdo dele, e, à frente, a Mãe Pequena da casa, Alira Leão Ribeiro, (Mãe Alira),;logo atrás dona Duda, ekéde da casa, em 1971. Fonte: ‘Arquivo Filhos de Obá.”

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Foto 05: Roda de nagô na atual gestão do terreiro Filhos de Obá. Ao centro Marieta e Dona Deco, irmãs de sangue, as duas voldunças da relação de parentesco, ainda vivas. Abertura do canzuá no sábado da aleluia, no ritmo do nagô, em 2007. Fonte: “Arquivo Filhos de Obá”.

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Foto 06: Feitorio de um dos mais antigos barcos tirados por Lixandre, Cecilinha e duas outras figuras que atuavam como madrinhas do referido barco. Os personagens eram: José Antônio Santos (Zé de Ogum); José Araújo Santos (Caô); Antônio Luciano Nóbrega (Luciano de Oxossi), em 1968. Fonte: “Arquivo Filhos de Obá”.

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Foto 07: Duas irmãs de sangue ladeando a filha sanguínea e atual mãe de santo do Filhos de Obá, acompanhadas por um Babalorixá baiano, em visita à casa por ocasião do Axêxê, em 2007. Fonte: “Arquivo Filhos de Obá”.

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Foto 08: Dançarina diante de alguns amuletos no projeto cultural implementado pela parceria prefeitura/terreiro, na gestão atual do Filhos de Obá, em 2001. Fonte: “Arquivo Filhos de Obá”.

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Foto 09: Culinária africana do Filhos de Obá a serviço dos orixás, também a disposição da comunidade. Oferendas de alimentos para: Oxum; Oxossi e Xangô, 2001. Fonte: “Arquivo Filhos de Obá”.

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Foto 10: Crianças da comunidade sendo alfabetizadas por Mãe Ginalva, no interior do barracão do Filhos de Obá, no projeto de parceria com a prefeitura local de Laranjeiras, 1996. Fonte: “Arquivo Filhos de Obá”.

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Foto 11: Grupo de guias turísticos, composto por universitários, capacitados pelo Filhos de Obá, passeando no Centro Histórico de Laranjeiras, em 2000. Fonte: “Arquivo Filhos de Obá”.

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Foto 12: Aula de culinária de comidas típicas africanas no Filhos de Obá, ministrada por Dona Marieta, em 2001. Fonte: “Arquivo Filhos de Obá”.

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Foto 13: Conclusão do curso de corte e costura para as mulheres da comunidade, promovido pelos Filhos de Obá, através de Mãe Ginalva, em 1998. Fonte: “Arquivo Filhos de Obá”.

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Foto 14: Grupo cultural na linha africana e formado por pessoas nascidas no Filhos de Obá, em 2003. Fonte: “Arquivo Filhos de Obá”.

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Foto 15: Dona Marieta, atual ekédi do Filhos de Obá, nos idos da juventude, com sua mãe de santo ao lado, e, à sua retaguarda, seu filho, que agora tem em média 50 anos de idade, no terreiro Massanganga, no Rio de Janeiro, onde foi feita, em 1969. Fonte: Acervo da Ekédi.

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Foto 16: Dona Marieta (de pé, à esquerda) com alguns familiares de santo do terreiro Massanganga, Rio de Janeiro, em 1987. Fonte: Acervo da Ekédi.

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Foto 17: Dona Marieta (à esquerda) dando rum com Oxum Apará, no terreiro Massanganga, Rio de Janeiro, em 1986. Fonte: Acervo da Ekedi Marieta.

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Foto 18: Imagem de Exu, símbolo da prosperidade. Ao lado, o pesquisador, no museu afro, em Laranjeiras, em 17 de outubro de 2008. Fonte: Fotógrafo: Padre Givanildo.

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Foto 19: Imagem do orixá Xangô, identidade de rei dos astros, em 17 de outubro de 2008. Fonte: Fotógrafo: Padre Givanildo.

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Foto 20: Iansã Balé, orixá que controla os eguns; os ventos e as tempestades, no museu afro, em Laranjeiras, em 17 de outubro de 2008. Fonte: Fotógrafo: Padre Givanildo.

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Foto 21: O pesquisador diante da imagem do Orixá Obaluaê, que representa a terra e todas suas doenças, no museu afro em Laranjeiras, em 17 de outubro de 2008. Fonte: Fotógrafo: Padre Givanildo.

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Foto 22: O pesquisador entre pejis e alguns amuletos, objetos relativos às obrigações dos orixás, no museu, em Laranjeiras, 17 de outubro de 2008. Fonte: Fotógrafo: Padre Givanildo.

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Foto 23: Amuletos que representam alguns exus e elementos de que, supostamente, fariam uso. Museu afro em Laranjeiras, em 17 de outubro de 2008. Fonte: Fotógrafo: Padre Givanildo.

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Foto 24: O pesquisador ao lado de Oxum Maré, orixá que representa o equilíbrio da terra, no museu afro, em Laranjeiras, 17 de outubro de 2008. Fonte: Fotógrafo: Padre Givanildo.

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Foto 25: Imagem de Iemanjá, orixá que representa as águas salgadas. Museu afro, em Laranjeiras, em 17 de outubro de 2008. Fonte: Fotógrafo: Padre Givanildo.

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Foto 26: O pesquisador ao lado de Oxalá que, segundo a fé, representa a força do Cristo Deus entre os orixás, no museu afro da cidade de Laranjeiras, em 17 de outubro de 2008. Fonte: Fotógrafo: Padre Givanildo.

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ANEXOS

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