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FETUS - CENTRO DE ESTUDOS ESPECIALIZADO EM MEDICINA FETAL JOSÉ LEANDRO FATURI UMA REVISÃO SOBRE MALFORMAÇÕES CARDÍACAS: ANOMALIA DE EBSTEIN, TRUNCUS ARTERIOSUS COMMUNIS, ECTOPIA CORDIS E TUMORES CARDÍACOS. São Paulo 2011

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FETUS - CENTRO DE ESTUDOS ESPECIALIZADO EM

MEDICINA FETAL

JOSÉ LEANDRO FATURI

UMA REVISÃO SOBRE MALFORMAÇÕES CARDÍACAS:

ANOMALIA DE EBSTEIN,

TRUNCUS ARTERIOSUS COMMUNIS, ECTOPIA CORDIS E

TUMORES CARDÍACOS.

São Paulo

2011

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JOSÉ LEANDRO FATURI

UM ROTEINO PARA MALFORMAÇÕES CARDÍACAS:

ANOMALIA DE EBSTEIN,

TRUNCUS ARTERIOSUS COMMUNIS, ECTOPIA CORDIS E

TUMORES CARDÍACOS.

Trabalho de Conclusão de Curso de pós-graduação em medicina fetal “lacto sensus” da FETUS – Centro de Estudos Especializados em Medicina Fetal.

São Paulo

2011

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JOSÉ LEANDRO FATURI

UM ROTEINO PARA MALFORMAÇÕES CARDÍACAS:

ANOMALIA DE EBSTEIN,

TRUNCUS ARTERIOSUS COMMUNIS, ECTOPIA CORDIS E

TUMORES CARDÍACOS.

LOCAL: São Paulo - SP

DATA: 18 a 20 de janeiro de 2011

Membros componentes da banca examinadora:

Professora Maria Virgínia Machado

Professor Rogério dos Reis Guidoni

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha esposa e família por se constituírem diferentemente enquanto pessoas, admiráveis em essência, estímulos que me impulsionaram a buscar vida nova a cada dia, meus agradecimentos por terem aceito se privar de minha companhia pelos estudos, concedendo a mim a oportunidade de me realizar ainda mais.

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EPÍGRAFE

“Quando se está aprendendo, o professor atua

apenas como uma agulha; o aluno é a linha. Como seu

mentor, posso ajudá-lo, apontando-lhe a direção correta.

Mas, como a agulha da linha, devo me separar de você

no fim, porque a força, a fibra e a capacidade de juntar

todas as partes devem ser suas”.

(SECRETAN, Lance H. K. Os Passos do tigre)

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo fazer uma revisão de literatura sobre as principais

particularidades (definição, incidência, etiopatogenia, classificação, anomalias

associadas, diagnóstico pré-natal, diagnóstico diferencial, conduta pré-natal, conduta

obstétrica, assistência neonatal, tratamento pré e pós-natal) das seguintes

patologias cardíacas: Anomalia de Ebstein, Truncus Arteriosus Communis, Ectopia

Cordis e Tumores Cardíacos.

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ABSTRACT

This article aims to review the literature on the principal features (definition,

incidence, etiology, classification, associated anomalies, prenatal diagnosis,

differential diagnosis, conduct pre-natal, obstetric, neonatal care, treatment and post-

native) of the following heart diseases: Ebstein's anomaly, truncus arteriosus

communis, Ectopia Cordis and Cardiac Tumors.

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SUMÁRIO

SUMÁRIO .............................................................................................................................................................. 8

LISTA DE TABELAS ......................................................................................................................................... 10

LISTA DE GRÁFICOS ...................................................................................................................................... 11

LISTA DE FIGURAS ......................................................................................................................................... 12

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ........................................................................................................ 13

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................... 14

2 DESENVOLVIMENTO ............................................................................................................................ 16

2.1.1 ANOMALIA DE EBSTEIN ............................................................................................................. 16 2.1.2 DEFINIÇÃO .................................................................................................................................. 16 2.1.3 INCIDÊNCIA ................................................................................................................................. 17 2.1.4 ETIOPATOGENIA......................................................................................................................... 17 2.1.5 CLASSIFICAÇÃO .......................................................................................................................... 19 2.1.6 ANOMALIAS ASSOCIADAS ......................................................................................................... 20 2.1.7 DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL ....................................................................................................... 21 2.1.8 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ................................................................................................... 22 2.1.9 CONDUTA PRÉ-NATAL ............................................................................................................... 22 2.1.10 CONDUTA OBSTÉTRICA ........................................................................................................ 23 2.1.11 ASSISTÊNCIA NEONATAL ...................................................................................................... 24 2.1.12 PROGNÓSTICO ....................................................................................................................... 25

2.2 TRUNCUS ARTERIOSUS COMMUNIS ..................................................................................................... 28 2.2.1 DEFINIÇÃO .................................................................................................................................. 28 2.2.2 INCIDÊNCIA ................................................................................................................................. 29 2.2.3 ETIOPATOGENIA......................................................................................................................... 29 2.2.4 CLASSIFICAÇÃO .......................................................................................................................... 30 2.2.5 ANOMALIAS ASSOCIADAS ......................................................................................................... 31 2.2.6 DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL ....................................................................................................... 32 2.2.7 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ................................................................................................... 33 2.2.8 CONDUTA PRÉ-NATAL ............................................................................................................... 33 2.2.9 CONDUTA OBSTÉTRICA............................................................................................................. 34 2.2.10 ASSISTÊNCIA NEONATAL E TRATAMENTO ........................................................................ 34 2.2.11 PROGNÓSTICO ....................................................................................................................... 35

2.3 ECTOPIA CORDIS ................................................................................................................................. 37 2.3.1 DEFINIÇÃO .................................................................................................................................. 37 2.3.2 INCIDÊNCIA ................................................................................................................................. 37 2.3.3 ETIOPATOGENIA......................................................................................................................... 37 2.3.4 CLASSIFICAÇÃO .......................................................................................................................... 38 2.3.5 ANOMALIAS ASSOCIADAS ......................................................................................................... 39 2.3.6 DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL ....................................................................................................... 40 2.3.7 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ................................................................................................... 40 2.3.8 CONDUTA PRÉ-NATAL E OBSTÉTRICA .................................................................................... 41 2.3.9 ASSISTÊNCIA NEONATAL E TRATAMENTO ............................................................................. 41 2.3.10 PROGNÓSTICO ....................................................................................................................... 42

2.4 TUMORES CARDÍACOS ................................................................................................................. 44 2.4.1 DEFINIÇÃO .................................................................................................................................. 44 2.4.2 INCIDÊNCIA ................................................................................................................................. 44 2.4.3 ETIOPATOGENIA......................................................................................................................... 44 2.4.4 CLASSIFICAÇÃO (TIPOS) ........................................................................................................... 45 2.4.5 ANOMALIAS ASSOCIADAS ......................................................................................................... 46 2.4.6 DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL ....................................................................................................... 47 2.4.7 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ................................................................................................... 49

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2.4.8 CONDUTA PRÉ-NATAL E OBSTÉTRICA .................................................................................... 50 2.4.9 ASSISTÊNCIA NEONATAL E TRATAMENTO ............................................................................. 50 2.4.10 PROGNÓSTICO ....................................................................................................................... 51

3 CONCLUSÃO ............................................................................................................................................ 52

4 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................... 54

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Fatores de risco para doenças cardíacas congênitas, modificada de YOO,

2008) .................................................................................................................. 15 Tabela 2 - Caracaterísticas ultrassonográficas dos tumores cardíacos (modificada

de CARVALHO, 2010) ....................................................................................... 47

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LISTA DE GRÁFICOS Grafico 1 - Freqüência dos tipos de ectopia cordis (CABRERA et al. 2002) ............. 38

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LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Classificação de Carpentier, 1988 ............................................................ 20 Figura 2 - Rabdomioma ocupando quase totalmente o ventrículo esquerdo ............ 48

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AE = anomalia de Ebstein

CIA = comunicação interatrial

CIV = comunicação interventricular

DCC = doenças cardíacas congênitas

NYHA = New York Heart Association (Classificação)

TAC = truncus arteriosus communis

TF = Tetralogia de Fallot

EC = ectopia cordis

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1 INTRODUÇÃO

As doenças cardíacas congênitas (DCC) são a principal causa de óbito

neonatal e infantil, não somente devido à complexidade das malformações, mas

também devido à sua incidência elevada.

Sua incidência estimada é de 7,5/1.000 nascidos vivos, se considerarmos

apenas os casos moderados e graves, sua incidência é de cerca de 6/1.000.

(Hoffman, 2002)

O diagnóstico pré-natal interfere positivamente na conduta pós-natal, menor

tempo de espera por tratamento cirúrgico, melhor prevenção de comprometimento

hemodinâmico grave, e menor período de permanência em unidade intensiva.

Essa monografia tem como objetivo fazer uma revisão (definição, incidência,

etiopatogenia, classificação, anomalias associadas, diagnóstico pré-natal,

diagnóstico diferencial, conduta pré-natal, conduta obstétrica, assistência neonatal,

tratamento pré e pós-natal) das seguintes patologias cardíacas:

• Anomalia de Ebstein:

• Truncus Arteriosus Communis;

• Ectopia Cordis;

• Tumores Cardíacos.

Devido à associação freqüente das DCC com anomalias extracardíacas (8 a

42%) e aberrações cromossômicas (5 a 13%), estarão sempre indicados um estudo

ultrassonográfico detalhado da morfologia fetal e um estudo cromossômico.

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A ultrassonografia cardíaca fetal pode ser realizada como rastreamento pré-

natal na população de baixo risco, ou como exame completo para os grupos de alto

risco, ver Tabela 1.

Tabela 1 - Fatores de risco para doenças cardíacas congênitas, modificada de Yoo, 2008)

Fetais Anomalias cromossômicas, anomalias

extracardíacas, onfalocele, atresia de esôfago, atresia de

duodeno, hérnia diafragmática, associação de VACTREL,

aumento da translucência nucal, espessamento da prega

nucal, hidropisia não-imune, poli-hidrâmnio, oligoâmino,

arritmia cardíaca fetal

Paternos Doença caradíaca materna, diabetes materna,

doença vascular do colágeno, anticorpos anti Ro/La

positivos, fenilcitonúria, exposição a àlcool,

anticonvulsivantes, lítio, ácido retinóico, rubéola, coxsakie,

citomegalovírus, parvovírus B19

Familiares História familiar de doença cardíaca congênita ou

síndromes associadas a elas, esclerose tuberosa, síndrome

de Nooman, síndrome de Holt-Oram, deleção do

cromossomo 22q11

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2 DESENVOLVIMENTO

2.1.1 ANOMALIA DE EBSTEIN

2.1.2 DEFINIÇÃO

A Anomalia de Ebstein (AE) é uma malformação cardíaca na qual ocorre uma

inserção anômala da válvula tricúspide, ou seja, a principal característica de

anomalia de Ebstein é um deslocamento apical do folheto septal da válvula

tricúspide da inserção da cúspide anterior da valva mitral, pelo menos, 8 mm/m² da

área de superfície corporal de sua inserção no ventrículo direito é mais baixa; a

válvula pode ser hipoplásica ou displásica, e incompetente ou estenótica.

Descrito pela primeira vez em 1866, por Wilhelm Ebstein em um relatório de

necropsia de um homem de 19 anos que sofria de palpitações e dispnéia desde de

criança (Radford, 1985).

Os sintomas clínicos mais comuns são: dispnéia, principalmente se o paciente

já apresenta cianose (mesmo se não está presente logo após o nascimento, vai se

constituir mais tarde), e podem apresentar sopro sistólico e diastólico na área

tricúspide principalmente com a manobra de Rivero-Carvalho.

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2.1.3 INCIDÊNCIA

A anomalia de Ebstein é uma cardiopatia congênita complexa rara, sua

incidência é de cerca de 1 para 20.000 nascidos vivos, correspondendo a 0,5% de

todas as DCC. (Jost, 2007)

2.1.4 ETIOPATOGENIA

No coração normal, a válvula tricúspide tem três folhetos: anterior, posterior, e

septal. A AE é caracterizada por uma aderência dos folhetos septal e posterior ao

miocardio adjacente. Os folhetos se desenvolvem do endocárdio e do miocardio por

um processo de delaminação, ou seja, separação do tecido pelo descolamento da

camada interna durante o desenvolvimento embriológico, é pela falha nesse

processo que ocorre a AE. Anatomicamente, observam-se ainda:

� deslocamento apical do annulus funcional;

� dilatação da porção “atrializada” do ventrículo direito com variado níveis de

hipertrofia e adelgaçamento da parede;

� folheto anterior geralmente se encontra redundante / deformado /

fenestrado, e sua cordoalha tendinea é curta e pouco desenvolvida,

� dilatação da junção átrio-ventricular direita. (Jost, 2007).

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Os folhetos não conseguem se alinhar adequadamente durante a sístole

ventricular, então, ocorre a regurgitação e provocando dilatação das câmaras

cardíacas direitas (cardiomegalia).

Em outras palavras, essas alterações na válvula tricúspide determinam

defeitos anatômicos que levam a repercussões hemodinâmicas: insuficiência

valvular e um fenômeno chamado de “atrialização” do ventrículo direito (que se

apresenta com paredes finas semelhantes às do átrio, e funcionalmente, perde

grande parte de sua força contrátil), que leva a uma maior resistência ao

esvaziamento do átrio direito.

Em poucos casos, as bordas do septo e dos folhetos deslocados estão

fusionadas na margem do folheto anterior, provocando uma estenose da tricúspide

com regurgitação discreta, e desta forma, apenas o átrio direito se encontra dilatado.

O espectro da malformação na AE pode variar desde um descolamento

mínimo da válvula tricúspide até casos em com imperfuração da mesma, não

permitindo passagem de fluxo do átrio direito para o ventrículo direito. (Zielinsky,

2000).

A maioria dos casos de AE são esporádicos, AE familiar é raro

Estudos de caso-controle sugerem fatores de risco com: gêmeos, história

familiar de cardiopatia congênita. A exposição materna a benzodiazepinicos e a lítio

também já foram comentadas, porém ainda foram efetivamente comprovadas por

outros estudos.

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Há ainda raros casos descritos, da associação AE e alterações genéticas:

mutações no fator de transcriptação cardíaco NKX2.5, deleção 10p13-p14 e deleção

1p34.3-p36.11.

2.1.5 CLASSIFICAÇÃO

JOST et al, 2007, usam duas classificações para descrever a severidade da

AE. Uma é baseada nos achados ecocardiográficos: anatomicamente leve,

moderada, severa. Esta classificação é simples, porém imprecisa. A outra é mais

detalhada e enfatiza características importantes para determinar a estratégica

cirúrgica: reparação ou substituição da válvula tricúspide. (DEARANI, 2000)

Em 1988, CARPENTIER et al. propôs a seguinte classificação para AE:

(Figura 1)

Tipo A: volume do ventrículo direito é adequado;

Tipo B: presença da dilatação da porção “atrializada” do ventrículo direito,

mas sem comprometimento do folheto anterior;

Tipo C: restrição severa do folheto anterior que pode causar obstrução do

fluxo para o ventrículo direito;

Tipo D: “atrialização” quase completa do ventrículo direito exceto por pequeno

componente infundibular.

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Figura 1 - Classificação de Carpentier, 1988

2.1.6 ANOMALIAS ASSOCIADAS

São descritas diversas anormalidades associadas à anomalia de Ebstein, as

mais comuns são:

• comunicação interatrial (90%);

• atresia pulmonar anatômica ou funcional (30%); e

• comunicação interventricular (menos comumente).

Outras malformações cardíacas associadas são: válvula aórtica bicúspide ou

atrésica, hipoplásia ou atresia da artéria pulmonar, estenose subaortica, displasia do

ventrículo esquerdo, prolapso da válvula mitral, taquicardia supraventricular e

Síndrome de Wolff-Parkinson-White.

A maioria dos pacientes com transposição dos grandes vasos tratável

cirurgicamente preenche critérios para AE em 15 a 50% dos casos.

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Há ainda raros casos associados a trissomias do 13 e do 21, e a síndromes

como a de Turner, Cornelia de Lange e Marfan. A síndrome de Down está associada

a cardiopatia congênita em 50% dos casos, porém, as associações mais comuns

são com os defeitos septais e a tetralogia de Fallot. Em revisão da literatura dos

últimos dez anos foram encontradas 3 descrições de casos clínicos de associação

da anomalia de Ebstein com síndrome de Down e somente em um o diagnóstico foi

realizado no período pré-natal (Leite e cols, 2004).

2.1.7 DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL

O diagnóstico pré-natal é sugerindo em ultrassonografia obstétrica de rotina

(corte das “quatro câmaras”). Notadamente ecocardiografia fetal, em casos de

suspeito ou paciente do grupo de alto risco. (YOO, 2008)

Os achados ultrassonográficos mais importantes são:

• Aumento da área cardíaca;

• Átrio direito aumentado;

• Ventrículo direito pequeno;

• Artéria Pulmonar pequena;

• Taquicardia supraventricular (associada)

Por se tratar de patologia congênita rara e clínica variável, não se tem na

literatura uma avaliação bem estabelecida da sensibilidade do exame

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ultrassonográfico, uma vez que muitos casos leves sem sintomas podem passar

desapercebidos na infância, e são apenas são diagnosticados na fase adulta.

A ressonância nuclear magnética (axial), apesar de limitada, pode ser útil para

estudo mais detalhado das anomalias cardíacas e extracardíacas associadas. (Choil,

1994).

2.1.8 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Doenças cardíacas que provocam regurgitação da válvula tricúspide e

aumento das câmaras cardíacas direitas: displasia da válvula tricúspide (sem

descolamento apical), prolapso da válvula tricúspide, mudanças traumáticas,

cardiomiopatia arritmicogênica do ventrículo direito e endocardite.

2.1.9 CONDUTA PRÉ-NATAL

Na presença de AE, está indicada a realização de ultrassonografia detalhada

da morfologia fetal em busca de anomalias associadas. Apesar de baixa associação

com anomalias cromossômicas, também está indicado o estudo do cariótipo fetal.

O diagnóstico pré-natal e o tratamento desses pacientes, assim como a

interrupção da gestação está indicada nos casos em que há insuficiência cardíaca

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grave e intratável (presença de sinais com hidropisia, caracterizada por ascite,

derrame pleural e pericárdico, edema de pele e de couro cabeludo).

No que se refere ao tratamento medicamentoso durante a vida fetal, são

utilizados os digitálicos e os diuréticos, por via materna, no sentido de diminuir os

efeitos da congestão sistêmica.

Quando há taquiarritmias associadas (flutter atrial, taquicardia

supraventricular), digitálicos e outros antiarrítmicos (amiodarona e o sotalol) devem

ser utilizados por via transplacentária (levar em conta os riscos já que este feto já

apresenta uma reserva funcional muito diminuída).

Em casos de maturidade extrema, e insuficiência cardíaca grave, há

possibilidade de intervenção intra-uterina, com a finalidade de tentar a dilatação da

valva pulmonar com cateter balão, mas o procedimento ainda é experimental e os

resultados não são animadores.

2.1.10 CONDUTA OBSTÉTRICA

A conduta obstétrica é realizada através de seguimento com exames seriados

de ultrassonografia para avaliação da vitalidade fetal e função cardíaca. Se o

estágio da gestação permitir, fazer a utilização de corticosteróides para acelerar a

maturidade pulmonar fetal.

A via de parto por cesárea deve ser praticada, para a tentativa / programação

de terapêutica cirúrgica pós-natal.

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2.1.11 ASSISTÊNCIA NEONATAL

Todos os pacientes com diagnóstico de AE devem se consultar rotineiramente

com um cardiologista. A profilaxia para endocardite deve ser realizada, apesar do

baixo risco desta ocorrer. Pacientes com AE leve, cardiomegalia discreta e na

ausência de arritmias podem ter uma vida normal e praticar qualquer tipo de

atividade física, e apenas acompanhamento com cardiologista é realizado.

Os pacientes com anomalia de Ebstein, que não são candidatos à cirurgia e

apresentam insuficiência cardíaca devem ser tratados com diuréticos e digoxina. A

eficácia da angiotensina em pacientes com Anomalia de Ebstein com insuficiência

cardíaca direita ainda não está bem estabelecida. O tratamento das arritmias deve

ser individualizado e combinado com o procedimento cirúrgico ou com ablação por

cateterismo.

Em crianças que sobreviveram à infância, em geral ficam por vários anos, e a

cirurgia pode ser adiada até que os sintomas apareçam: cianose se torna evidente,

ou embolia paradoxal ocorrer.

Tratamento cirúrgico deve ser cogitado se aparecerem evidências de

deterioração da função cardíaca, como o aumento progressivo do coração direito,

redução de função sistólica ventricular ou o aparecimento de arritmias.

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No entanto, se os sintomas foram progressivos até a classe funcional III ou IV

da NYHA, o tratamento conservador tem pouco a oferecer, os riscos cirúrgicos

aumentam, e a operação é claramente indicada.

A taxa de mortalidade de pacientes com esta doença na forma grave, no

período neonatal, é alta, chegando a 85%, mesmo em grandes centros,

principalmente quando há sintomatologia precoce e necessidade de cirurgia. (Leite e

cols, 2004)

O tratamento, quando necessário, é cirúrgico: valvuloplastia com ou sem

plicatura átrio-ventricular (reconstrução biventricular é possível na maioria dos

pacientes) ou substituição da válvula Tricúspide por prótese biológica ou metálica,

Correção das anomalias associadas, ablação de feixes anômalos de condução se

presentes (S. Wolff-Parkinson-White) e implante de marca-passo átrio-ventricular se

necessário. O transplante cardíaco é reservado nos casos em que há severa

disfunção biventricular.

2.1.12 PROGNÓSTICO

Depende do grau de comprometimento e malformações associadas.

Geralmente a variedade pré-natal é mais severa que aquela descoberta em crianças

e adultos. É uma das malformações de pior prognóstico durante a vida fetal (taxa de

mortalidade de pacientes com esta doença na forma grave é de 85% no período

neonatal).

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A evolução natural depende da gravidade da doença, já que o espectro de

anormalidades é variado. Nos casos mais leves os pacientes são assintomáticos,

enquanto que nos mais severos ocorre insuficiência cardíaca e cianose nas

primeiras semanas, com uma tendência de melhora à medida que diminui a

resistência vascular pulmonar. Com o passar do tempo acontece um retorno à

condição anterior, com dispnéia aos esforços e cianose secundária a baixo débito

e/ou shunt atrial direita-esquerda (Zielinsky, Pilla, 2000).

Embora menos de 5% dos pacientes vivam além dos 50 anos de idade, 60%

dos que sobrevivem infância e a idade adulta, conseguem viver confortavelmente em

NYHA classe I ou II. Alguns pacientes chegam aos 80 anos, e raramente, à nona

década.

Apresentação da EA Neonatal da valva tricúspide é uma rara condição

cardíaca de mau prognóstico. A maioria dos estudos de identificação de fatores de

risco a longo prazo envolvem populações mistas. Observa-se que os fetos e recém-

nascidos sintomáticos têm uma morbimortalidade significativamente maior do que as

crianças mais velhas (Kapusta, 2007).

Neonatos que necessitem de tratamento cirúrgico antes de 30 dias de vida

têm maior taxa de mortalidade do que os fetos submetidos a cirurgia com mais de 30

dias de vida (Yoo, 2008).

Segundo Kapusta et al., a Idade do diagnóstico menor que 12 meses foi

significativamente associada à morte, ou seja, o risco estimado de mortalidade a

curto prazo entre os pacientes diagnosticados antes da idade de um ano foi de 7,9

vezes maior do que o risco no grupo de pacientes diagnosticados após 1 anos de

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idade. O sexo masculino, idade gestacional e peso ao nascer não foram

significativamente associado com o resultado deste estudo população. A

hepatomegalia no momento do diagnóstico da EA foi significativamente associada à

morte (OR 3,4, IC 95%). Neste estudo, não houve nenhum óbito registrado após 49

meses de idade.

Os fatores associados com morte já foram avaliados no momento do

diagnóstico. Idade de apresentação (12 meses), hepatomegalia, necessidade de

ventilação mecânica e medicamentos e anormalidades cardíacas associadas foram

fortemente associados à mortalidade precoce na infância.

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2.2 TRUNCUS ARTERIOSUS COMMUNIS

2.2.1 DEFINIÇÃO

O truncus arteriosus communis (TAC), também conhecido como tronco

arterial único ou tronco arterioso, caracteriza-se pela presença de um único tronco

arterial que emerge da base dos ventrículos através de uma única válvula arterial

para dar origem às artérias sistêmicas, coronarianas e uma ou ambas as artérias

pulmonares.

Caracteriza-se por um vaso arterial único que se origina do coração,

cavalgando o septo ventricular e supre a cirulação sistémica, pulmonar e

coronariana. Predominantemente conecta-se à :

• Ventrículo direito 40%

• Ventrículo esquerdo 20%

• Igualmente dividido 40%

Basicamente depende da situação da circulação pulmonar e são

freqüentemente encontrados:

a) Hipodesenvolvimento estato-ponderal;

b) Infecções respiratórias de repetição;

c) Dispnéia;

d) Cianose em graus variados;

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e) Insuficiência cardíaca congestiva é a causa de morte mais freqüente.

2.2.2 INCIDÊNCIA

O TAC é uma malformação congênita pouco freqüente, com uma prevalência

de 0,04-0,09 casos por 1000 nascimentos (Costa e cols, 2005), ou seja,

aproximadamente 1 : 10.000 nascimentos.

2.2.3 ETIOPATOGENIA

O truncus arteriosus communis (TAC), também conhecido como tronco

arterial único ou tronco arterioso, é o resultado de uma malformação dos esporões

embriológicos precursores da artéria pulmonar (agenesia ou atresia do seu cone e

tronco). Já a atresia da aorta não está associada ao TAC, pois a artéria ascendente

é patente no nível da válvula aórtica e origina as artérias coronarianas.

O tronco valvular freqüentemente é estenótico ou regurgitante. Uma única

valva semilunar cavalga o septo ventricular defeituoso. Há uma continuidade direta

entre uma ou duas aterias pulmonares e o tronco arterial único.

Para que o feto nasça vivo é necessária à existência de dessa comunicação

interventricular (CIV). As artérias pulmonares direita e esquerda ou o tronco não se

desenvolveram; ou o fizeram de modo anômalo em que o sangue atinge os

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pulmões: ou saindo diretamente da aorta, ou apenas pelas artérias brônquicas como

se pode ver no tipo IV; e neste caso a hematose é insuficiente e a cianose é intensa.

2.2.4 CLASSIFICAÇÃO

A classificação mais utilizada é a de Collet e Edwards (1949):

• Tipo I � Aorta descendente e um curto tronco pulmonar nascendo do

tronco arterioso comum

• Tipo II � As artérias pulmonares (direita e esquerda) nascem próximas

uma da outra ou de um orifício comum na parede dorsal do tronco

comum.

• Tipo III � as artérias pulmonares nascem de modo independente nas

paredes laterais do tronco

• Tipo IV � Não existem artérias pulmonares, a circulação dos pulmões

é feita pelas artérias brônquicas que nascem no inicio da aorta

descendente.

Para Praahg (1970), essa classificação está incompleta, pois para ele, a

classificação acima descrita considera que TAC sempre terá uma CIV. Sua

classificação deveria ser realizada da seguinte forma:

• Tipo A: quando há presença de CIV, e a partir daí, classificaríamos os

subtipos de TAC associada a CIV semelhante a classificação Collet e

e Edwards (1949) com algumas alterações;

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• Tipo B: não há presença de CIV (raríssima).

Ainda, segundo a ele, o tipo IV corresponde a atresia pulmonar associada a

CIV, e não é mais classificada com um tipo de TAC.

2.2.5 ANOMALIAS ASSOCIADAS

A principal malformação associada ao TAC, na quase totalidade dos casos, é

um defeito septal ventricular grande imediatamente abaixo da válvula arterial

comum. (Yoo, 2008). Malformações do arco aórtico associadas também são

encontradas. (Volpe, 2003)

Há relatos na literatura que o TAC esteja associado com síndrome de

DiGeorge e alguns teratogênos: bisdiamine, tedral. (Praahg, 1970).

Em estudo com 23 casos de TAC, Volpe (2003) demonstrou haver uma

associação consistente entre TAC e anomalias cromossômicas (8.7%), sendo a

trissomia do 18 a mais encontrada. Existe uma chance ainda maior de associação

com microdeleção do 22q11 (31.6%). No mesmo estudo, observou-se uma

associação freqüente com malformações extracardíacas: do sistema nervoso central

(ventriculomegalia, holoprosencefalia), do sistema urinário (displasia renal,

hidronefrose), do sistema digestivo (atresia de duodeno e de esôfago) entre outras.

Houve ainda, alguns casos de associação com restrição de crescimento. Outro

achado encontrado é a oligodrâmnia.

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Alguns estudos descreveram famílias com histórico de TAC e taxa de

recorrência de 6,6%. (Lammer, 2009).

2.2.6 DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL

A ecocardiografia fetal é o exame de excelência para a avaliação do tipo de

truncus e outras alterações cardíacas associadas, apresentando boa acurácia

(Tometzki et al, 1999)

Para realizar o diagnóstico de TAC, deve ser visualizada a origem das artérias

pulmonares na aorta ascendente proximal, achado específico dessa patologia

cardíaca. (Tometzki et al, 1999)

Ainda podem ser visualizadas outras alterações:

� no corte de três vasos, somente são identificados dois vasos (achado

encontrado na tetralogia de Fallot e na atresia pulmonar);

� no corte da via de saída do ventrículo esquerdo, são identificados o defeito

do septo ventricular e a origem do tronco arterial comum (achados similares também

encotrados na na tetralogia de Fallot e na atresia pulmonar associado a CIV).

Se a avaliação cardíaca for realizada apenas com o corte de “quatro

cãmaras”, a TAC possivelmente não será diagnosticada.

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2.2.7 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Um dos principais diagnósticos diferenciais a ser excluído é a tetralogia de

Fallot (TF), devido um achado ultrassonográfico muito similar encontrado no TAC

através do corte da via de saída do ventrículo esquerdo: quando são identificados o

defeito do septo ventricular e a origem do tronco arterial comum.

Outro diagnóstico diferencial importante é quando ocorrem,

concomitantemente, atresia pulmonar e um CIV.

O diagnóstico diferencial do TAC e essas patologias acima citadas poderá se

apresentar com maior dificuldade devido a similaridade nos achados

ultrassonográficos. (Volpe, 2003)

Segundo Donelly (1996), a ressonância nuclear magnética axial pode ser útil

para afastar diagnósticos diferenciais, apesar de seu estar limitado.

2.2.8 CONDUTA PRÉ-NATAL

A conduta pré-natal deve ser realizada através de ecocardiogramas seriados

a cada 2 semanas, além de procedimento para estudo do cariótipo fetal. Também é

indicada a pesquisa da microdeleção do cromossomo 22, devido a associação de

TAC com síndrome de DiGeorge. (Costa e cols,. 2005; Volpe e cols, 2003).

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2.2.9 CONDUTA OBSTÉTRICA

A conduta obstétrica não se altera até o termo, há indicação de interrupção da

gestação se houver alguma intercorrência.

Costa e cols. (2005) descreveu um caso aonde a gravidez decorreu sem

intercorrências até 36 semanas, quando foi realizada uma cesariana eletiva por

oligoâmnio, e o feto nasceu em boas condições, sendo agendada cirurgia corretiva

com um mês de vida.

2.2.10 ASSISTÊNCIA NEONATAL E TRATAMENTO

Não há tratamento pré-natal.

A cirurgia primária para correção do TAC é amplamente aceitável e,

normalmente, apresenta bons resultados. (Brizard, 1997).

As controversas permanecem com relação a melhor época para a cirurgia

corretiva, os meios de reconstrução da via de saída do fluxo do ventrículo direito, e o

manejamento de anomalias coexistentes.

A correção se faz através da criação de um sistema de condução entre o VD

e a artéria pulmonar (translocação anterior associada a homoenxerto). Sempre é

preconizado o fechamento do septo ventricular.

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Em um estudo com 82 casos, Brizard et al (1997) defendeu que melhor época

para a cirurgia corretiva eletiva seria entre dois a três meses de vida, apresentando

menor risco cirúrgico em relação às cirurgias realizadas com um mês de vida. Ele

também defende a substituição da válvula truncal (homoenxerto) ou invés da

reparação da mesma, como procedimento padrão ouro; apesar do risco (baixo) de

reoperação.

A correção cirúrgica é realizada no momento em que se observam sinais de

insuficiência cardíaca congestiva, e portanto, a cirurgia pode ser necessária já nos

primeiros dias de vida. Na maioria dos casos, a reparação pode ser adiada até que

a criança é de 2 a 4 meses de idade.

O homoenxerto criopreservado é geralmente preferido para o reparo inicial

devido à sua facilidade de implantação, a liberdade de linha de sutura, e baixa

incidência de estenose valvular e hemorragia (Mohamed e Ott, 1993). A

translocação anterior da confluência pulmonar é facilmente realizada, como mostra a

experiência com a operação de Jatene para transposição. À separação da artéria

pulmonar a partir da raiz tronco é realizada com maior precisão por divisão completa

da raiz truncal.

2.2.11 PROGNÓSTICO

Os pacientes portadores TAC apresentam taxa de sobrevida relativamente

baixa: 34.8%. (Volpe, 2003). Somente a metade dos pacientes com TAC sobrevive

até um mês de vida. A morte na infância é invariavelmente devido a insuficiência

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cardíaca congestiva. Os pouco sobreviventes a longo prazo que não se submeteram

a cirurgia reparadora, geralmente, morram devido a complicações por doença

vasculo-pulmonar grave. Normalmente não está associado a alterações

hemodinâmicas, mas pode ser uma emergência neonatal (evolução para ICC em 2

semanas).

A correção cirúrgica geralmente é necessária antes de 6 meses de vida, e

com sobrevivência de 90% dos casos.

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2.3 ECTOPIA CORDIS

2.3.1 DEFINIÇÃO

A ectopia cordis (EC) se caracteriza pela presença do coração localizado fora

de sua topografia habitual, geralmente, expondo-o, total ou parcialmente fora do

tórax. Esse defeito pode variar de diástase dos músculos reto-abdominal com um

coração palpável através da pele hiperpigmentada a uma larga onfalocele coberta

por uma fina membrana do intestino e que contém, fígado e ápice cardíaco.

2.3.2 INCIDÊNCIA

É uma malformação muito rara, a EC apresenta uma indicência de 5,5 – 7,9

casos por milhão de nascidos vivos. Representa cerca e 0,1% de todas as

cardiopatias congênitas.

2.3.3 ETIOPATOGENIA

A ectopia cardíaca é produzida por defeitos segmentares na desenvolvimento

mesodermal na terceira semana de vida intra-uterina, e anomalias de banda

amniótica, que produzem simultânea malformações cerebrais e toracoabdominal.

Existem algumas teorias etiológicas: (Lacanal, 2004):

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• Falha primária da descida e fusão da linha media;

• Rotura precoce do cório e/ou do saco amniótico com falha de fusão;

• Síndrome da banda amniótica.

2.3.4 CLASSIFICAÇÃO

Podemos classificar a EC em 4 tipos:

• Tipo torácico;

• Tipo abdominal;

• Tipo tóraco-abdominal (mais comum e de melhor prognóstico se for da

forma parcial);

• Tipo cervical (incompatível com a vida).

3%

1%

58%

38%

tipo cervical

tipo torácico

tipo toraco-abdominal

tipo abdominal

Grafico 1 - Freqüência dos tipos de ectopia cordis (Cabrera et al. 2002)

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Na forma torácica completa, o esterno está ausente totalmente ou

parcialmente, não há pericárdio, e o coração se encontra totalmente fora da

cavidade torácica. Na forma incompleta, o coração está coberto pela pele, pericárdio

ou ambos.

No tipo toraco-abdominal, o defeito é inferior (ausência da metade ou dos dois

terços inferiores do esterno).

Na forma cervical, há associação com múltiplas malformações e

incompatibilidade com a vida.

A forma abdominal é muito rara (ver gráfico 1).

2.3.5 ANOMALIAS ASSOCIADAS

Cerca de 95% dos casos de EC estão associadas a outras anomalias, e em

80% dos casos há presença de uma malformação cardíaca.

As anomalias mais comumente associadas com EC são: onfalocele,

malformações cardíacas (CIA, CIV, tetralogia de Fallot) e anomalias crânio-facial e

esqueléticas (coluna e membros). Também pode estar associada com trissomia 13 e

18 ou Síndrome de Turner.

A pentalogia de Cantrell corresponde à forma de EC associada a onfalocele,

defeito da porção inferior do externo, defeito diafragmático e defeito pericárdio.

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2.3.6 DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL

O diagnótico é estebelecido, através de exame ultrassonográfico (endovaginal

com 10 – 12 semanas), pela localização ectópica do coração com herniação através

de um defeito na parede anterior. O coração pode estar completamente fora do tórax

ou apenas parcialmente herniado pelo defeito esternal.

É possível identificar a patologia precocemente, com 10 semanas de

gestação (por exame via vaginal). O diagnóstico pode ser difícil, principalmente nas

formas incompletas e associadas a derrame pericárdico ou pleural, que, é

comumente presente.

Devido a evolução dos aparelhos de ultrassonografia 4D, esses tipo de

exame tem ganhado cada vez mais importância no diagnóstico dessa patologia.

2.3.7 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

O diagnóstico diferencial deve ser feito, principalmente, com as síndromes de

body-stalk e da banda amniótica.

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2.3.8 CONDUTA PRÉ-NATAL E OBSTÉTRICA

Uma vez estabelecido o diagnóstico de EC, deve-se proceder com exame

ultrassonográfico morfológico e ecocardiografia fetal (20-22 semanas de gestação)

em busca de malformações associadas. O estudo do cariótipo fetal está indicado,

apesar de pouca associação dessa patologia com anormalidades cromossômicas.

O acompanhamento deve ser feito com ultrassonografias seriadas para

monitorizar o bem estar fetal e detectar presença de sinais de insuficiência cardíaca.

A via de parto é indicação obstétrica, porém em casos mais severos de EC

completa, a interrupção por parto cesariana é madatória devido o risco de ruptura

visceral em partos vaginais (em fetos viáveis).

Uma vez detectados sinais de deteriorização da função cardíaca fetal, está

indicada a interrupção da gestação.

2.3.9 ASSISTÊNCIA NEONATAL E TRATAMENTO

A única opção terapêutica é a cirúrgica corretiva pós-natal imediata. O

tratamento tem evoluído, melhorando a sobrevida desses pacientes: melhor manejo

das malformações associadas e colocação de material sintético de cobertura

(gorotex). A vantagem do enxerto autólogo sobre a prótese é devido ao fato de que

o enxerto pode crescer com o paciente e ter maior resistência à infecções.

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Há necessidade de tratar as malformações associadas: conduta

individualizada e no tempo adequado. Porém o sucesso cirúrgico ainda é pequeno,

sendo tipo de melhor prognóstico é a forma toraco-abdominal parcial.

Várias técnicas cirúrgicas têm sido descritas, podendo a doença pode ser

abordada por um ou dois estágios cirúrgicos. O primeiro estágio cirúrgico é realizado

em pacientes que necessitam de imediato tratamento e visa obter pele e tecido mole

para recobrir o coração. No entanto, nem sempre é possível, e devido à baixo débito

cardíaco o uso de prótese é necessária. O objetivo da segunda etapa é a correção

dos defeitos cardíacos congênitos associados e reconstrução do esterno.

2.3.10 PROGNÓSTICO

A presença de membrana cobrindo o coração (pericárdio, pele ou ambos)

determina o seu tratamento e prognóstico. A ausência de pericárdio e maior grau de

exposição (fenda esternal maior) causam maior contato com o líquido amniótico,

favorecendo a inflamação e o engrossamento do epicárdio, e por sua vez, pode

comprometer a função cardíaca (pior prognóstico).

Apesar das modernas opções de tratamento, o prognóstico é reservado (90%

dos recém-nascidos morrem no primeiro ano de vida), principalmente devido às

freqüentes associações com malformações cardíacas e extracardíacas (em

particular, onfalocele, hérnia diafragmática, hipoplasia pulmonar).

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As complicações incluem: ruptura visceral durante o parto, sepse,

insuficiência cardíaca (rara), insuficiência respiratória, compressão cardíaca. O

resultado da maioria dos casos, cujo diagnóstico foi obtido no pré-natal, foi fatal após

o nascimento.

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2.4 TUMORES CARDÍACOS

2.4.1 DEFINIÇÃO

Os tumores cardíacos primários são achados raros em pacientes de todas as

idades, sendo benignos em sua grande maioria.

2.4.2 INCIDÊNCIA

A prevalência dos tumores cardíacos primários, considerado todas as idades,

é aproximadamente de 0,01%. No feto a prevalência destes tumores é de

aproximadamente 0,14%. Cerca de 90% dos casos são benignos, e o tipo mais

comum é o rabdomioma (60%).

2.4.3 ETIOPATOGENIA

Os rabdomiomas consistem em hamartomas proliferativos (termo

usado para designar uma proliferação celular de tecido que pertence ao

mesmo órgão de onde ele se origina).

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2.4.4 CLASSIFICAÇÃO (TIPOS)

Os rabdomiomas consistem em hamartomas proliferativos, associados com

esclerose tuberosa em cerca de 50 a 80% dos casos. São os tumores cardíacos

primários mais freqüentes (incidência de 50 a 90%). Eles são de natureza múltipla

(característica suficiente para estabelecer seu diagnóstico). Suas outras

características estão descritas a seguir (ver Tabela 2).

Os rabdomiomas possuem a tendência de aparecer no inicio do segundo

trimestre e aumentam de tamanha até o início do terceiro trimestre, e então,

regridem durante o final da gestação e nos primeiros dias de vida. Se os fetos

portadores não forem acometidos de esclerose tuberosa, apresentam bom

prognóstico na maioria das vezes.

O fibroma é o segundo tipo de tumor cardíaco mais freqüente. São massas

solitárias e heterogêneas (áreas de degeneração cística). Ocasionalmente, há

associação com carcinoma basocelular nevoide, fenda labial, fenda palatina e

síndrome de Beckwith-wiedemann (macroglossia, visceromegalia, macrossomia,

hérnia umbilical e onfalocele). A regressão espontânea do fibroma é muito rara.

O teratoma é um tumor solitário raro, heterogêneo e muito associado com

derrame pericárdico com debris que pode ser massivo e levar a tampponamento

cardíaco grave, necessitando de tratamento intra-útero (pericardiocentese ou cirurgia

fetal)

De todos os tumores cardíacos, o hemangioma é o de melhor prognóstico,

devido a sua tendência de regressão, porém pode estar acompanhado de derrame

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pericárdico e necessitar de tratamento intra-útero. Pode estar associado a outros

hemangiomas (principalmente pele).

2.4.5 ANOMALIAS ASSOCIADAS

Os rabdomiomas apresentam associação à esclerose tuberosa em 50 a 80%

dos casos, que geralmente é diagnosticada após o nascimento. Eles raramente

estão associados a outras malformações cardíacas, mas há casos descritos de

associação com malformações cardíacas complexas (anomalia de Ebstein, tetralogia

de Fallot, dupla via de saída do ventrículo direito, transposição das grandes artérias e

síndrome de hipoplasia do coração esquerdo).

A esclerose tuberosa, doença genética autossômica dominante, que provoca

a formação de hamartomas (tumores formados por células iguais as do tecido de

origem) em diversos órgãos e sistemas, principalmente no coração, no sistema

nervoso central, e nos rins. A presença dos rabdomiomas, no feto, pode ser o sinal

mais precoce da esclerose tuberosa (cerca de 90% dos casos com esclerose

tuberosa apresentam alterações do sistema nervoso central, com manifestação

clínica de crises convulsivas e retardo mental após o nascimento).

“A presença de nódulos subependimários e/ou cistos renais é considerado sinal

patognomônico de esclerose tuberosa, ocorrendo em mais de 90% dos casos,

porém estas alterações são raramente detectadas no período pré-natal” (Carvalho,

2010). Esses achados são encontrados com mais facilidade na ressonância nuclear

magnética.

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2.4.6 DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL

O diagnóstico é facialmente feito através de exame ultrassonografico pela

observação de massa no corte de “quatro câmaras”.

O primeiro diagnóstico de tumor cardíaco diagnosticado por este meio,

ocorreu em 1982. A ressonância nuclear magnética também pode ajudar no

diagnóstico.

O diagnóstico diferencial entre os tipos de tumores cardíacos primários pode ser

realizado através da ecocardiografia fetal, a qual nos permite caracterizar a morfologia

da massa de forma não-invasiva. (Carvalho, 2010).

A tabela 2 informa as características ultrassonográficas de cada tipo de tumor

cardíaco:

Tabela 2 - Caracaterísticas ultrassonográficas dos tumores cardíacos (modificada de Carvalho, 2010)

Tipo

Localização e

número de

massas

Ecogenecidade e

textura Contornos

Tamanho

do derrame

pericárdico

Rabdomioma Única ou múltiplas.

Ventrículo

Hiperecogênica ou

homogênea Regular

Variável,

raro

Teratomas Única. Pericárdio

Mista ou

heterogênea (cistos

e calcificações)

Regular

encapsulado

Freqüente e

geralmente

grande

Fibromas

Única. Septo

interventricular ou

parede livre

Mista ou

heterogênea

(cistos,

Regular Grande em

geral

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calcificações e

necrose central)

Hemangioma

Única. Base do

coração ou átrio

direito.

Mista ou

heterogênea Irregular

Variável e

freqüente

Mixomas

Única. Átrio

esquerdo com

pedículo

Mista ou

heterogênea Irregular variável

Os rabdomiomas (Figura 2) podem ser massas únicas ou múltiplas,

hipercogênicas, textura homogênea, tamanho variável e bordos bem delimitados e

regulares. É mais encontrado no miocárdio ventricular (esquerdo e/ou direito), e

comumente se expandia para o interior da cavidade; pode ainda se localizar no

septo interventricular ou na parede atrial (raro).

Figura 2 - Rabdomioma ocupando quase totalmente o ventrículo esquerdo

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As características ecográficas do teratoma são: geralmente solitários de

grande volume (pode atingir até 15cm), encapsulado (bordas regulares), localizados

comumente no pericárdio, associado a derrame pericárdico.

Os fibromas se apresentam, assim como os teratomas, como massas

solitárias, únicas, geralmente de grande volume. Sua ecogenicidade é mista

(calcificações, degenerações císticas e necrose na parte central do tumor) e textura

heterogênea.

Os hemangiomas e os mixomas são extremamente raros no feto. Os

hemangiomas são geralmente massas únicas, apresentando ecogenicidade mista

(contendo partes císticas e sólidas, associadas à calcificação) e localização mais

comum na base do coração e átrio direito. Os mixomas geralmente são pediculados

e se localizam no átrio esquerdo.

Além do exame ultrassonográfico, a avaliação pode ser complementada por

ressonância nuclear magnética para uma melhor definição diagnóstica.

2.4.7 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Primeiramente, há necessidade de se excluir os casos de foco hipercogênico

intracardíaco isolado (golf ball).

O diagnóstico diferencial basicamente é feito entre os tipos de tumores

cardíacos, que é estabelecido de acordo com as características ecográficas das

massas.

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2.4.8 CONDUTA PRÉ-NATAL E OBSTÉTRICA

Diagnosticado o tumor cardíaco, está indicada a realização de

ultrassonografia detalhada para avaliação da morfologia fetal em busca de

anomalias associadas; e ainda a realização de exame de ecocardiografia fetal para

avaliar a existência de anomalias cardíacas associadas, bem com a função cadíaca.

Devido à baixa associação com anomalias cromossômicas, não está indicado o

estudo do cariótipo fetal.

Na vigência de sinais de insuficiência cardíaca, está indicado administração

de corticóides para maturação pulmonar se possível e caso não seja possível a

estabilização da função cardíaca com tratamento medicamentoso, a interrupção da

gestação por cesariana está indicada.

2.4.9 ASSISTÊNCIA NEONATAL E TRATAMENTO

A conduta neonatal é expectante devido ao crescimento lento do tumor e à

possibilidade de regressão espontânea. Na presença de rabdomiomas de grande

volume, há maior possibilidade do surgimento de complicações e a conduta deve ser

individualizada, levando-se em consideração os riscos de uma terapêutica invasiva.

O seguimento clínico pós-natal é obrigatório devido à freqüente associação à

esclerose tuberosa.

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2.4.10 PROGNÓSTICO

Os principais fatores que determinam o prognóstico fetal são a localização e o

tamanho do tumor.

Os rabdomiomas geralmente têm boa evolução no período pré-natal, devido

ao crescimento lento dos tumores, havendo inclusive possibilidade de regressão

antes do nascimento. Porém se estiver associado à esclerose tuberosa, o

prognóstico se altera.

Em alguns casos, pode haver crescimento rápido do rabdomioma, levando a

surgimento de complicações (obstrução das vias de entrada / saída dos ventrículos,

arritmia cardíaca e, mais raramente, embolização de partes do tumor).

Os fatores de prognóstico ruim são os seguintes:

• Obstrução do fluxo intracardíaco;

• Função alterada da válvula com regurgitação;

• Presença de arritmias (geralmente de difícil reversão);

• Derrame pericárdico volumoso;

• Hidropisia fetal.

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3 CONCLUSÃO

Devido a evolução dos exames diagnósticos, notadamente o exame

ultrassonográfico, o diagnóstico da maioria das malformações cardíacas fetais se é

tornou possível de ser realizado sem maiores dificuldades. Pois isso, é fundamental

que o conhecimento básico do coração normal e patológico esteja ao alcance dos

ultrassonografistas obstétricos.

Na suspeita de malformação cardíaca, a gestante deve ser encaminha para

realização de ecocardiografia fetal. Com o diagnóstico ultrassonográfico

estabelecido, pode-se traçar uma estratégia de seguimento pré-natal e programação

da interrupção em momento oportuno em local adequado e preparado para as

necessidades que a patalogia cardíaca possa necessitar; melhorando os resultados

de sobrevida nesse grupo de pacientes.

Entre as patologias descritas nesse trabalho, tanto a AE com o TAC são

anomalias congênitas complexas com um espectro anatômico e clínico muito

variados. Cada caso é complexo e deve ser individualizado.

O conhecimento preciso da patologia preciso é necessário sobre os diferentes

variáveis anatômicas e hemodinâmicas; e malformações associadas. Espera-se que

a sobrevida dos pacientes com essas anomalias de todas as idades continuem a

melhorar.

Os paciente portadores de EC geralmente apresentam malformação cardíaca

grave, e geralmente associadas a anomalias troncoconais. Apesar das tentativas de

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tratamento cirúrgico, poucos doentes com estas malformações cardíacas sobreviver

e a maioria deles morrem na primeiro ano de vida.

Os tumores cardíacos são bastante raros, de fácil diagnóstico desde que

considerados, na grande maioria benignos e que cursam favoravelmente com a

extirpação cirúrgica.

Em algumas doenças cardíacas do feto é desaconselhado que o parto seja

por via vaginal. O ideal é realizar um parto cesáreo programado e, dependendo do

tipo de anomalia, que este seja realizado no próprio Hospital de Cardiologia provido

de todos os recursos médicos, cirúrgicos e de cateterismo terapêutico para o

tratamento imediato do bebê.

A grande vantagem de se ter o diagnóstico de cardiopatias congênitas ainda

na vida intra-uterina é poder programar o parto e o atendimento neonatal imediato

prevenindo que a situação clínica do bebê se torne muito grave ou até irreversível.

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