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Plantas daninhas - Julho 11 03 Charles Echer apim-marmelada c leiteiro são exemplos de grandes problemas que ocorreram nas lavouras de soja no início dos anos 80. Nesta mesma década, foram lançados herbicidas de dois grupos químicos, que atuam nas enzirnas chamadas ALS e ACCase, para o controle do leiteiro e do capim-marmelada, respectivamente. Foi um grande alívio aos agricultores e pare- cia que o problema das plantas daninhas estava resolvido. Chegou-se a ouvir, "aca- bou o problema de plantas daninhas", em referência ao eficiente controle que estava sendo obtido. Mas, biótipos de leiteiro, pícão-preto e capim-marmelada resistentes foram selecionados c se dispersaram pelas lavouras em consequ- ência do uso contínuo desses produtos. Em meados dos anos 90, estas mesmas espécies, através dos biótipos resistentes, trouxeram novamente grandes transtor- nos aos agricultores brasileiros. A pressão de infestação das plantas daninhas foi aumentando gradativamente, ajudadas por fatores como o cultivo do milho na safrinha sem o uso de herbicidas ou pelo emprego de subdoses, pelas máquinas de colheita (que são importantes agentes de disseminação) e pelo próprio agravamen- to do problema da resistência. No início de 2000, a presença das infestantes nas áreas de produção era semelhante, senão pior, que aos anos 80. E o agricultor no- vamente elamava por um produto que resolvesse seus problemas. Além destas espécies, outras foram ídentificadas no Paraná como resistentes a herbicidas, a exemplo da nabiça, da losna-branca, do capim-colchão e do capim-pé-de-galinha. Até biótipos de pícão-prcto resistentes de nível baixo a atrazina foram encontrados no milho safrinha. Écorrente a afirmação de que herbicidas não causam resistência, mas selecionam os biótipos resistentes que existem na natureza. O uso continu- ado de produtos com o mesmo mecanis- mo de ação elimina os biótipos suscetíveis e deixa sobreviver os resistentes, cuja população com o tempo passa a dominar área. Com a liberação da soja transgênica tolerante ao glífosato, o agricultor ganhou uma nova oportunidade para controlar de forma tranquila e confortável as in- festantes. De novo, muitos acreditavam que tudo estava resolvido, para sempre, e que controlar plantas daninhas já não era mais problema. Afinal, tratava-se de glifosato, esquecendo-se rapidamente que sensação semelhante fora vivida anos atrás. E novamente ouviu-se "acabou o problema de plantas daninhas". Bastaram poucos anos para provar que a história se repete, pois casos de resistência ao glifosato começaram a acontecer, como já havia ocorrido na soja anteriormente, indicando que nem mes- mo esse produto está imune às reações da ..._----'-"[ natureza. Plantas daninhas são espécies l' 1 que se adaptam ao ambiente c às práticas rn agrícolas utilizadas. Seguem a teoria de ~ Darwin, que fala sobre a sobrevivência I ;;:i dos indivíduos mais aptos. São integran- tes da natureza e não é fácil eliminá-Ias. O I que se observa desde que a soja começou f a se desenvolver comercialmente no Bra- ; sil, é que existe mudança de importância I das espécies na comunidade infestante. L"'L

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Plantas daninhas - Julho 11 • 03

Charles Echer

apim-marmelada c leiteirosão exemplos de grandesproblemas que ocorreram

nas lavouras de soja no início dos anos80. Nesta mesma década, foram lançadosherbicidas de dois grupos químicos, queatuam nas enzirnas chamadas ALS eACCase, para o controle do leiteiro e docapim-marmelada, respectivamente. Foium grande alívio aos agricultores e pare-cia que o problema das plantas daninhasestava resolvido. Chegou-se a ouvir, "aca-bou o problema de plantas daninhas",em referência ao eficiente controle queestava sendo obtido. Mas, biótipos deleiteiro, pícão-preto e capim-marmeladaresistentes foram selecionados c sedispersaram pelas lavouras em consequ-ência do uso contínuo desses produtos.Em meados dos anos 90, estas mesmasespécies, através dos biótipos resistentes,trouxeram novamente grandes transtor-nos aos agricultores brasileiros. A pressãode infestação das plantas daninhas foiaumentando gradativamente, ajudadaspor fatores como o cultivo do milho na

safrinha sem o uso de herbicidas ou peloemprego de subdoses, pelas máquinas decolheita (que são importantes agentes dedisseminação) e pelo próprio agravamen-to do problema da resistência. No iníciode 2000, a presença das infestantes nasáreas de produção era semelhante, senãopior, que aos anos 80. E o agricultor no-vamente elamava por um produto queresolvesse seus problemas. Além destasespécies, outras foram ídentificadas noParaná como resistentes a herbicidas, aexemplo da nabiça, da losna-branca, docapim-colchão e do capim-pé-de-galinha.Até biótipos de pícão-prcto resistentes denível baixo a atrazina foram encontradosno milho safrinha. Écorrente a afirmaçãode que herbicidas não causam resistência,mas selecionam os biótipos resistentesque existem na natureza. O uso continu-ado de produtos com o mesmo mecanis-mo de ação elimina os biótipos suscetíveise deixa sobreviver os resistentes, cujapopulação com o tempo passa a dominarárea. Com a liberação da soja transgênicatolerante ao glífosato, o agricultor ganhou

uma nova oportunidade para controlarde forma tranquila e confortável as in-festantes. De novo, muitos acreditavamque tudo estava resolvido, para sempre,e que controlar plantas daninhas já nãoera mais problema. Afinal, tratava-se deglifosato, esquecendo-se rapidamenteque sensação semelhante fora vivida anosatrás. E novamente ouviu-se "acabou oproblema de plantas daninhas".

Bastaram poucos anos para provarque a história se repete, pois casos deresistência ao glifosato começaram aacontecer, como já havia ocorrido na sojaanteriormente, indicando que nem mes-mo esse produto está imune às reações da ..._----'-"[natureza. Plantas daninhas são espécies l' 1que se adaptam ao ambiente c às práticas rnagrícolas utilizadas. Seguem a teoria de ~Darwin, que fala sobre a sobrevivência I ;;:idos indivíduos mais aptos. São integran-tes da natureza e não é fácil eliminá-Ias. O

Ique se observa desde que a soja começou fa se desenvolver comercialmente no Bra- ;sil, é que existe mudança de importância Idas espécies na comunidade infestante. L"'L

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usadas, um indício evidente de que nofuturo próximo estes produtos não maisfuncionarão nesses biótipos.

Deixar uma área infestar com plantasresistentes nunca foi um bom negócio,pois sempre fica o ônus da convivência.Mesmo que existam soluções técnicascomprovadamente eficientes, como foio caso do cultivo do trigo ou da aveia,que associadas com o emprego de algunsprodutos na cultura e na pós-colheita,desempenharam papel fundamental nocontrole da buva. Rotação de culturas, demecanismos de ação, integração de méto-dos de controle, limpeza das máquinas,são ações que podem ajudar na prevençãoe no manejo das plantas resistentes. Nãopodemos esquecer que muitas espéciesaproveitam os períodos de pousios naentressafra para se multiplicar. E é jus-tamente na entressafra que temos umagrande oportunidade para manejar asplantas e reduzir seu banco de sementes.Estamos em um País tropical e a dinâmicadas plantas daninhas exige a atenção detodos. Além de dificultar o manejo dasplantas infestantes, a resistência aos her-bicidas é sinônimo de aumento do custode produção. E quem paga essa conta éo agricultor, é claro.

Glifosato é um produto impor-tante para a nossa agricultura, o quereforça a necessidade de ser utilizadoconforme a orientação técnica previs-ta, calcada nos conceitos de manejointegrado. O que é bom não só paraa segurança do nosso sistema de pro-dução, mas também para o bolso doagricultor. Podemos tratar o tema daresistência de forma preventiva, nãodeixando acontecer, ou de forma re-ativa, tentando resolver os problemasque não soubemos prevenir. Em tudo,a prevenção tem se mostrado um gran-de negócio. E por que não seria com aresistência aos herbicidas? A históriase repete e mostra que a natureza sedefende, muitas vezes cobrando umalto preço. Portanto é importantemanejar as áreas de produção complanejamento e levando em conta essarealidade. Ainda é tempo. ~

Dionísio Gazziero,Fernando Adegas,Leandro Vargas,Elemar Voll eDécio Karan,EmbrapaDonizeti Fornarolli,Fac. Integrado C. Mourão

Mas elas continuam. Exemplos podemser dados como o capim-marmelada, cujaimportância diminuiu nesse contexto,ou com a buva e o capim-amargoso (deplantas de pouca importância no passado,hoje representam uma grande preocu-pação para muitos). Um fato esperado,já que o Brasil adota o plantio direto,sistema em que estas espécies encontrammelhores condições para se estabelecer.Mas o pior aconteceu. Biótipos docapim-amargoso (Digitaria insularis), dasduas espécies de buva (Conyza spp.) doazevém (ÚJlium muZtiforum) e do leiteiro(Euphorbia heteropylla), mesmo que emnível baixo, resistentes ao glifosato, jásão uma realidade em nosso país. Estasespécies estão presentes em larga escalano Paraná. O azevém é um sério proble-ma localizado mais ao sul, na região maisfria do estado. Disseminou-se gradativa-mente e hoje muitos agricultores têm oônus da convivência com esses biótipos.A história da buva resistente ao glifosatono Paraná tem passagens interessantes. Oproblema se iniciou no oeste do estado ea disseminação foi muito rápida, não sópelas máquinas de colheita, mas tambémporque suas sementes são facilmente car-regadas pelo vento. Muitos agricultoresdeixaram para fazer a dessecação próximaà semeadura da soja, quando as plantasde buva estavam bem desenvolvidas. Umdesastre, pois mesmo a buva suscetívelao glifosato deve ser controlada quandoainda pequena. Do oeste do estado, carac-terizado pela região de Cascavel, o proble-ma logo chegou nas áreas produtoras docentro-oeste/noroeste, caracterizado pelaregião de Campo Mourão, e posterior-

mente ao norte do estado, caracterizadopor Maringá e Londrina. A intensidadedo problema reduziu drasticamentedo oeste para o norte, por um simplesfato, que normalmente não é levado emconsideração na agricultura: a prevençãona disseminação de espécies-problemas.Essa prática funcionou e muito bem,pois todos sabiam sobre as consequênciastécnicas e econômicas da convivênciada buva com a soja. Além de perdas derendimento, que podem chegar a 50%ou mais, dependendo do caso, a buvatambém é responsável por descontoscausados na entrega, devido ao aumentode umidade dos grãos e impurezas. Hoje,a buva continua sendo um problema,mas temos conhecimentos e informaçõessuficientes para conviver com ela, semque nos cause tantos transtornos quantoprovocou no início. Há que se destacar aunião da pesquisa, da assistência técnicae do agricultor para que isso ocorresse. Amídía teve papel importante ajudando nadivulgação e no alerta sobre a gravidadedo problema. Houve um esforço conjun-to para a adoção de técnicas de manejointegrado. Neste momento, começamosa conviver com outro problema, ocapim-amargoso. Os biótipos resistentesde capim-amargoso começaram a sedisseminar com velocidade muito rápidado último ano para cá. Um problema quetambém está presente nas áreas de pro-dução do Paraguai, assim como a buva.Mas lá, uma das soluções utilizadas, osherbicidas pós-emergentes íníbidores daACCase, ao que parece, também come-çam a perder efeito. Algumas situaçõesjá exigem doses acima das normalmente

lavoura com infestação de leiteiro (fuphorbia heteropylla),exemplo de daninha com problema de resistência a herbicida