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    CIESe-WORKING PAPERN18/2006

    Modos de Percepo das Drogas em Portugal: resultados preliminares

    MARIA DO CARMO GOMES

    CIES e-Working Papers(ISSN 1647-0893)

    Av. das Foras Armadas, Edifcio ISCTE, 1649-026 LISBOA, PORTUGAL, [email protected]

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    Maria do Carmo Gomes Sociloga; Investigadora do CIES-ISCTE;Doutoranda do Programa de Doutoramento em Sociologia do ISCTE e

    bolseira da FCT; Coordenadora Cientfica do OberCom Observatrio daComunicao; Consultora da Direco-Geral de Formao Vocacional doMinistrio da Educao. Tem trabalhos desenvolvidos em reas de

    especializao como os consumos de drogas e toxicodependncia; redestecnolgicas e sociais; media e comunicao; educao e formao deadultos; juventude e excluso social. E-mail: [email protected]

    Resumo

    Como vem os portugueses o consumo de drogas e a toxicodependncia?Quais so os principais modos de percepo do fenmeno das drogas emPortugal? Quais os factores sociolgicos que podem influenciar esses modosde percepo? Que utilidade e como pode ser construdo um modeloanaltico para estudar as percepes sociais sobre o fenmeno dos consumos

    de drogas? As respostas a estas questes so os objectivos centrais do textoque aqui se apresenta. Pretende-se apresentar e discutir os resultados

    preliminares obtidos acerca das percepes das drogas e datoxicodependncia, atravs da aplicao de um inqurito por questionrio auma amostra representativa da populao portuguesa, realizado no incio de2005. Este tipo de abordagem muito til, no s para compreender osdiferentes discursos das pessoas acerca das drogas, consumidores etraficantes, etc., mas tambm para perceber as suas relaes com algumasvariveis de caracterizao social como a idade, a escolaridade, a profisso,e a classe social de pertena. Analisa-se ainda neste texto o modo como oscontactos e as interaces com consumidores e universos de consumo

    podem modificar os modos de ver as drogas e seus consumos.

    Palavras-chave: drogas, consumo de drogas e toxicodependncia, percepessociais, anlises mutivariadas, tipologia de modos de percepo das drogas

    Abstract

    How Portuguese people see drugs use and abuse? What are the main waysof perceiving drugs issues in Portugal? Which are the sociological factorsthat influence such perceptions? Which is the useful and how can it be

    constructed an analytical model for understand such questions? The answersfor these questions are the main guidelines for the paper proposed here. Itintends to present and discuss some data about perceptions on drugs use andabuse, collected in the beginning of 2005, through a sample of thePortuguese population. This kind of approach could be very useful tounderstand the different ways that people use for discourse about drugs,drug users, dealers, etc. and how they could be related with age, schoolattendance indicators, occupations, social positions. It is also analysed if thecontacts and interactions with drugs users and contexts could change theways people see drugs and its use and abuse.

    Key words: drugs, drug use and abuse, social perceptions, multivariate analysis,typology of ways of perceiving drugs

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    Introduo

    Como so vistas as drogas e os seus consumos em Portugal? Quais as opinies

    que os portugueses tm sobre os consumidores de drogas, as substncias psicoactivas,

    os factores que explicam os consumos e as consequncias sociais do envolvimento com

    drogas? Sero distintos os modos de percepo do consumo de drogas entre a populao

    portuguesa?

    Estas so algumas questes que guiaram a pesquisa que se apresenta neste paper,

    e cujo objectivo principal o de identificar, caracterizar e analisar diferentes modos de

    percepo das drogas em Portugal.

    Habitualmente, esta no uma abordagem muito comum nas pesquisas sobre

    drogas e toxicodependncias. Tm-se privilegiado antes de mais as perspectivas e

    posies dos actores envolvidos no fenmeno das drogas, com o objectivo de se

    compreender os modos de relao que se estabelecem com as substncias, as trajectrias

    desenvolvidas, os sentimentos e experincias de excluso e discriminao social

    vivenciados pelos toxicodependentes, as polticas pblicas de interveno, a legislao

    que regulamenta a questo do consumo de drogas, mas no tanto a forma como as

    substncias, os consumidores e os consumos de drogas ilcitas so percepcionados pelas

    populaes em geral. , pois, com o objectivo de analisar este ltimo tpico que se

    realizou a pesquisa que conduziu aos resultados que se apresentam neste artigo.

    Esta pesquisa faz tambm parte de um projecto de investigao para

    doutoramento, com objectivos de conhecimento cientfico mais amplos, e ao mesmo

    tempo de maior aprofundamento, sobre o fenmeno do consumo de drogas na sociedade

    portuguesa, e em particular, no campo da sociologia.

    A adopo de uma perspectiva analtica radicada em metodologias quantitativas-

    extensivas permite ainda obter a partir de uma amostra representativa da populaoportuguesa dados que caracterizam a posio dos portugueses face a estas matrias. Para

    alm disso, a definio de polticas pblicas no campo das drogas poder tambm

    apoiar-se nos resultados obtidos atravs desta pesquisa. A tomada de decises com base

    em conhecimentos slidos e cientificamente vlidos cada vez mais uma exigncia das

    sociedades contemporneas e de cidados cvica e socialmente envolvidos e o campo

    das drogas no , neste aspecto, uma excepo. Alis, um campo que por excelncia

    se deveria pautar por este tipo de actuao.

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    O presente texto estrutura-se assim em trs diferentes partes. Em primeiro lugar,

    pretende-se enquadrar a situao portuguesa no contexto da Unio Europeia no que diz

    respeito ao fenmeno do consumo de drogas e das toxicodependncias, evidenciando as

    suas especificidades e evolues nos ltimos anos. Em segundo lugar, apresentar-se-o

    alguns dos resultados das opinies dos portugueses em relao a quatro dimenses

    fundamentais relacionadas com os consumos de drogas os consumidores, as

    substncias, os factores explicativos do consumo e as consequncias sociais das

    toxicodependncias. Por ltimo, e em terceiro lugar, discutir-se- a partir de anlises

    multivariadas dos dados obtidos a identificao de trs diferentes modos de percepo

    das drogas em Portugal, procedendo-se caracterizao de cada um dos respectivos

    tipos identificados e sua relao com as variveis de caracterizao social, com a

    proximidade a contextos de consumo e com as orientaes socioculturais prefilhadas

    pelos portugueses.

    Um modelo analtico

    O modelo analtico que esta pesquisa seguiu procura exactamente identificar

    diferentes modos de percepo das drogas pela populao portuguesa, compreendendo

    quais os factores que influenciam essas opinies e de que modo tendo em conta que as

    pessoas no s partem de condies sociais de existncia diferenciadas, como tambm

    os contactos com universos de consumo e/ou consumidores e os valores que preconizam

    para as suas vidas podero ser importantes factores para que essas percepes assumam

    caractersticas diferenciadas1.

    Pretende-se assim, de um modo geral, analisar as opinies sobre (i) os actores

    sociais, (ii) as substncias, (iii) os modelos explicativos dos consumos de drogas e (iv)

    as consequncias sociais da toxicodependncia.Estas quatro dimenses de anlise cobrem, por assim dizer, o campo das

    principais representaes dos portugueses face aos consumos de drogas. Ou seja, fica-se

    a saber o que pensam os portugueses dos consumidores de drogas, das substncias

    ilcitas que circulam e que so consumidas como drogas, das explicaes que so

    atribudas ao fenmeno e do entendimento que tm sobre aos efeitos sociais da

    toxicodependncia a nvel individual e colectivo.

    1Gomes, Maria do Carmo (2005), Modos de Percepo e Modos de Relao com as Drogas.Esboos para a definio de um modelo analtico, Programa de Doutoramento em Sociologiado ISCTE (paper policopiado), Lisboa, ISCTE.

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    Mas se a definio das variveis dependentes a seu tempo chegou a uma

    formulao mais ou menos estvel, a definio das variveis independentes configurou-

    se como um caminho mais complexo. De que factores poderiam depender as opinies

    manifestadas pelos portugueses acerca dos consumos de drogas? Era a esta pergunta que

    se tinha de dar resposta num segundo momento. As leituras realizadas sobre o tema j

    haviam conduzido a uma inventariao de possveis factores explicativos, os quais se

    conseguiram agrupar em trs grandes dimenses: factores estruturais, factores

    interaccionais e factores simblico-culturais. Na primeira dimenso entram as questes

    relacionadas com as caractersticas sociodemogrficas e as posies sociais que os

    indivduos ocupam na estrutura social; na segunda dimenso tem-se em conta,

    essencialmente, os contactos e as sociabilidades que se estabelecem com consumidores

    de drogas, bem como a proximidade a contextos de consumo; e, por ltimo, na terceira

    dimenso, so trabalhadas variveis relativas aos valores sociais e aos modelos de

    orientao de vida.

    Sero estes os factores que se tero em conta para explicar os diferentes modos

    de percepo dos portugueses face aos consumos de drogas. Mais especificamente, a

    questo que norteia a relao entre estas dimenses : De que modo e em que medida as

    percepes dos portugueses face aos consumidores de drogas, s substncias

    consumidas, aos modelos explicativos e s consequncias sociais da toxicodependncia

    so explicadas por factores de ordem estrutural, interaccional e simblico-cultural? E,

    qual o peso de cada um deles como factor explicativo de cada uma das dimenses?

    A figura seguinte representa o modelo analtico anteriormente enunciado.

    (,, ,, ,

    (

    / )

    ( )

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    Portugal: um pas especfico no contexto das toxicodependncias

    Nos ltimos anos, tem havido um esforo acrescido de recolha de indicadores

    estatsticos sobre o fenmeno do consumo de drogas e das toxicodependncias na Unio

    Europeia, semelhana do que j acontecia por exemplo nos Estados Unidos da

    Amrica. A criao do Observatrio Europeu das Drogas e das Toxicodependncias

    (OEDT2) e o trabalho desenvolvido no mbito do European Monitoring Centre for

    Drugs and Drug Abuse (EMCDDA) tm vindo a possibilitar que pases como Portugal

    tenham pela primeira vez, nesta rea, dados disponveis para conhecimento efectivo da

    situao nacional e comparao internacional, nomeadamente, no contexto europeu.

    As fotografias anuais do OEDT sobre a situao de cada um dos pases europeus

    em matria de drogas e toxicodependncias3 no tm sido muito favorveis para

    Portugal. Neste campo, como noutros, a sociedade portuguesa revela ainda traos de

    forte atraso estrutural em relao aos restantes pases da Europa e consideravelmente

    pior, quando comparada com os mais desenvolvidos4.

    Aquilo que os dados estatsticos tm revelado acerca da situao de Portugal

    uma dupla condio da sociedade portuguesa. Por um lado, so revelados traos de

    avanada modernidade e desenvolvimento econmico, social e cultural que assemelham

    a sociedade portuguesa s mais desenvolvidas da Europa, mas por outro, encontram-se

    ainda (muitas vezes) em simultneo situaes de atraso que nos colocam sempre em

    posies de grande fragilidade quando se analisam alguns indicadores, como por

    exemplo, os nveis de escolarizao e de literacia, as taxas de pobreza, as taxas de

    abandono e insucesso escolar, o investimento em I&D, a penetrao e difuso do uso

    das novas tecnologias de informao e comunicao, as taxas de produtividade e

    competitividade econmica, entre outros. E o campo das drogas e das

    toxicodependncias no , mais uma vez, excepo neste quadro estrutural da sociedadeportuguesa.

    2Para mais informaes, consultar http://www.emcdda.eu.int/index.cfm3Ver a este respeito os relatrios anuais produzidos pelo OEDT sobre o fenmeno das drogasna Unio Europeia.

    4 Costa, Antnio Firmino da, Rosrio Mauritti, Susana da Cruz Martins, Fernando LusMachado e Joo Ferreira de Almeida (2000), Classes sociais na Europa, Sociologia,Problemas e Prticas, n 34, CIES/ISCTE, Oeiras, Celta Editora, pp. 9-46;

    Viegas, Jos Manuel Leite, Antnio Firmino da Costa (orgs.) (1998), Portugal, QueModernidade?, Oeiras, Celta Editora.;

    Cardoso, Gustavo, Antnio Firmino da Costa, Cristina Palma Conceio e Maria do CarmoGomes (2005), A Sociedade em Rede em Portugal, Porto, Campo das Letras.

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    Encontramos, por uma via, elevados valores de prevalncia de infeces por

    HIV/AIDS entre os toxicodependentes, elevados valores de prevalncia de consumos

    problemticos de drogas, em particular da herona, associado a um crescente

    envolvimento no consumos de drogas sintticas5 e a uma iniciao cada vez mais

    precoce dos jovens nos usos de drogas6. Encontra-se tambm em Portugal uma das mais

    elevadas prevalncias de consumos de drogas nas prises portuguesas e um nmero

    tambm elevadssimo de detenes e condenaes relacionadas com drogas (cerca de

    dos detidos esto presos por crimes relacionados directa ou indirectamente com o

    consumo de drogas), acompanhadas de consumos intravenosos de grandes propores

    no interior dos estabelecimentos prisionais7.

    E, por outra via, a relao encontrada em vrias pesquisas entre condies

    sociais de pobreza e consumos e trfico de drogas assume em Portugal configuraes

    muito especficas, com concentraes de bairros de uso e narcotrfico no contexto das

    grandes cidades de Lisboa e Porto8, e o aparecimento de novas zonas de consumo no

    interior do pas, associadas, em grande medida, aos fenmenos de concentrao juvenil,

    dada a localizao das universidades no territrio nacional e o efeito de fronteira com

    Espanha, como o caso do distrito de Vila Real, ou de outros distritos na regio do

    Alentejo9.

    Por outra via ainda, Portugal revela mais uma vez essa condio de pas a traar

    o caminho para a modernidade, no que diz respeito regulamentao e legislao no

    campo das toxicodependncias. Enquadrada numa poltica de reduo de riscos e

    minimizao de danos, descriminalizado o consumo de substncias psicoactivas em

    2000 (Decreto-Lei n 30/2000), associando-se a esta alterao legislativa outras

    iniciativas e programas de interveno social, como o caso da criao das Comisses

    de Dissuaso da Toxicodependncia ou a regulamentao do trabalho a desenvolver

    5 Ver a este respeito os relatrios anuais produzidos pelo IDT acerca do fenmeno datoxicodependncia.Henriques, Susana (2003), O Universo do Ecstasy. Contributos para uma anlise dosconsumidores e ambientes, Azeito, Autonomia 27.6Consultar os inquritos ESPAD disponveis no website do IDT (www.drogas.pt).

    7 Torres, Anlia Cardoso e Maria do Carmo Gomes (2002), Drogas e Prises em Portugal,Lisboa, IPDT/Ministrio da Sade.

    8 Chaves, Miguel (1999), Casal Ventoso: da Gandaia ao Narcotrfico, Coleco Estudos eInvestigaes, Centro de Investigaes Sociais, Viseu, Imprensa de Cincias Sociais.;

    Fernandes, Lus (1998), O Stio das Drogas, Coleco Comportamentos, Lisboa, EditorialNotcias.

    9 Ver a este respeito os relatrios anuais produzidos pelo IDT acerca do fenmeno datoxicodependncia.

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    pelas equipas de rua junto de consumidores problemticos de drogas, em particular em

    determinados contextos de uso, como so determinados espaos sociais de narcotrfico.

    Portugal, ao se encontrar numa situao grave em termos de consumos de drogas e

    toxicodependncia quando comparado com outros pases europeus, tenta contrariar as

    tendncias negativas de evoluo dos indicadores com um conjunto de medidas e

    regulamentaes polticas que, pela primeira vez, deslocaram a ateno da interveno

    no campo das drogas dos aspectos essencialmente clnicos, individuais, e de estruturas

    de tratamento, para outros de ordem mais colectiva e sociolgica. Porm, esta tendncia

    de aproximao realidade europeia no que se refere abordagem da reduo de riscos

    e a tentativa de contrariar as tendncias marcadamente negativas nos indicadores

    relacionados com os consumos de drogas comea a ser questionada a partir de 2002.

    A avaliao externa realizada Estratgia Nacional de Luta contra a Droga

    1999-200410mostra claramente que muito ficou por fazer e muitos dos objectivos foram

    apenas parcialmente alcanados.

    Portugal associa, por exemplo, dinmicas de crescimento dos consumos de

    drogas sintticas entre os jovens consumidores com trajectrias de longa durao de

    consumos problemticos de drogas, e tambm o ressurgimento de consumos recreativos

    em grande escala de determinadas substncias, como a cocana e a cannabis. A par de

    tudo isto, encontra-se tambm uma elevada prevalncia de consumos de lcool entre a

    populao portuguesa, nomeadamente, entre os mais jovens.

    O problema das drogas em Portugal est longe de encontrar uma resoluo, e o

    facto de terem surgido nos ltimos anos polticas descontnuas e desintegradas

    dificultou o alcance das metas delineadas para esta primeira etapa de interveno na

    rea das toxicodependncias.

    A Estratgia Nacional 2005-2012 evidencia a continuao do trabalho

    desenvolvido at aqui em termos de reforo das estruturas de tratamento e polticas deproximidade ao toxicodependente, mas atribui um especial nfase preveno,

    investigao e interveno coordenada e integrada territorialmente, bem como

    ateno a novas tendncias de consumo.

    Polticas de interveno intermitentes, conjugadas com ciclos econmicos de

    crise e dificuldades sociais, deixam a sociedade portuguesa com problemas srios com

    que lidar no incio deste novo sculo, e as dependncias so, sem dvida, um deles.

    Num pas em que o fenmeno do uso de drogas se relaciona to intimamente com as

    10INA, Avaliao Externa da ENLCD 1999-2004 (disponvel no website do IDT).

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    condies sociais de existncia da sua populao, como percepcionaro os portugueses

    as substncias ilcitas e os seus usos?

    Percepes sociais das drogas e dos seus consumos

    Drogas e consumos de drogas

    Os portugueses, quando questionados11 sobre o modo como percepcionam as

    substncias psicoactivas vulgarmente denominadas por droga ou drogas, elegem

    como principais caractersticas o facto de existirem vrias substncias ilcitas que

    provocam efeitos e consequncias diferentes nos indivduos (90,2%) e, em simultneo,

    o serem um problema social e criminal grave (88%). De seguida, para cerca de dos

    portugueses as drogas ilcitas so um recurso econmico para a subsistncia de muitas

    populaes em vrios locais do mundo (73%) e, com um pouco menos de adeso,

    surge a ideia de que as drogas deixariam de ser ilcitas se os interesses financeiros

    associados ao narcotrfico terminassem (66,9%). Bastante menor a concordncia da

    populao portuguesa com o facto de as drogas ilcitas fazerem parte de qualquer

    sociedade e deverem ser encaradas desse modo. Metade da populao portuguesa

    concorda com esta afirmao (51%).

    Estes primeiros resultados mostram claramente a tendncia dos portugueses para

    a assuno das drogas como algo problemtico, com consequncias graves para a

    sociedade, e no para uma viso mais relativista que assenta na ideia segundo a qual as

    substncias ilcitas fazem parte de qualquer contexto social.

    J quanto aos consumidores de drogas ilcitas, as opinies que os portugueses

    manifestaram sobre eles revelam, em primeiro lugar, a predominncia da ideia da

    dependncia qumica de uma determinada substncia (86,7%). So 41,1% osportugueses que afirmam que todos os consumidores so dependentes e 45,6% os que

    referem que muitos deles o so. Pode afirmar-se que a ideia da toxicodependncia

    uma das representaes sobre os consumidores de drogas com mais forte presena na

    opinio dos portugueses.

    11 Metodologicamente, esta pesquisa foi desenvolvida com base num inqurito porquestionrio a uma amostra representativa da populao portuguesa (n=1002), com 15 e maisanos, residente em Portugal Continental, e foi aplicado durante o ms de Fevereiro de 2005pela empresa MetrisGfK. O questionrio concebido pretendia cobrir as diferentes dimensescontidas no modelo de anlise (ver Gomes, 2005).

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    Em segundo lugar, e com valores muito prximos aos da pergunta anterior,

    surge a ideia de que os consumidores de drogas so doentes. Concordam que esta

    uma caracterstica dos utilizadores de drogas 86,3% dos portugueses. Para mais de

    metade (53,4%), a opinio a de que so todos doentes e que deveriam ser sujeitos a

    tratamentos clnicos para se recuperarem, e 32,9% afirmam que a muitos deles associam

    esta caracterstica.

    Em terceiro lugar, tambm ainda com valores superiores a 80%, surge a opinio

    segundo a qual os consumidores de drogas so jovens que no pensam nas

    consequncias dos seus actos para o futuro (85%). Sendo metade (49,1%) os

    portugueses que acham que so muitos os consumidores de drogas que tm estas

    caractersticas e 35,9% os que consideram que so todos. Com valores ainda acima dos

    , 78,5% consideram que os consumidores de drogas ilcitas so pessoas que vivem

    em situaes de excluso social. So agora menos de os que associam esta

    caracterstica a todos os consumidores de drogas ilcitas (23,8%) e mais de metade

    (54,8%) os que acham que so muitos os que experienciam este tipo de situao.

    Situaes bastante menos associadas aos consumidores de drogas ilcitas pelos

    portugueses so as seguintes imagens: a de que so iguais a quaisquer outras pessoas,

    apenas optam por um modo de viver diferente (52,7%); a de que so criminosos e

    devem ser julgados e punidos como tal (49,6%); e a de que so indivduos que optam

    de modo consciente por esses consumos e ponderam as suas vantagens e desvantagens

    (29,6%). Desta ltima representao, apenas 8,8% dos portugueses acham que so todos

    os consumidores de drogas ilcitas que fazem este tipo de opo. Enquanto que so

    ainda cerca de 20% os portugueses que consideram, por um lado, que os consumidores

    de drogas so todos criminosos (19,3%) e, por outro, 17,5% afirmam que so todos os

    que optam por um estilo de vida diferente.

    Assim apresentados, estes resultados indiciam claramente que no h nasociedade portuguesa, como seria de esperar, uma posio unnime sobre os

    consumidores de drogas ilcitas. Recolhendo maiores consensos, encontram-se as

    caractersticas que os associam a pessoas que vivem situaes de toxicodependncia,

    doentes, jovens, e com experincias frequentes de excluso social.

    Mas no deixam tambm de ser expressivas as opinies que remetem os

    utilizadores de drogas para categorias como criminosos e, ao mesmo tempo, para

    pessoas que escolhem um determinado estilo de vida atravs de uma opo consciente edeterminada.

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    Esboam-se assim trs tendncias de percepo acerca dos consumidores de

    drogas ilcitas: uma tendencialmente mais normativa e conservadora, que os encara

    como indivduos transgressores e desviantes da norma social (opinio de um grupo

    minoritrio de portugueses); uma mais liberal e permissiva, que v os utilizadores de

    substncias psicoactivas ilcitas como indivduos iguais a todos os outros, apenas com

    um modo distinto de estar e viver em sociedade (opinio tambm de um grupo

    minoritrio); e, por ltimo, os que os vem essencialmente como pessoas com um

    problema de sade relacionado com a dependncia qumica deste tipo de substncias

    (constituem um grupo de maiores propores na sociedade portuguesa). Adiante,

    veremos se estas tendncias se confirmam e de que forma.

    Causas e consequncias sociais dos consumos de drogas

    Um conjunto importante de pesquisas foi (e continua a ser) realizado com o

    objectivo de proceder identificao dos factores que conduzem s toxicodependncias

    e aos consumos de determinadas substncias. Do ponto de vista clnico e individual,

    essencial compreender as causas para melhor poder intervir em situaes teraputicas

    adequadas a cada indivduo e relao que estabelece com os consumos e com as

    substncias consumidas. No campo da sociologia, em Portugal, h tambm alguns

    exemplos de pesquisas que se tm debruado sobre essa dimenso de anlise12.

    Contudo, com uma perspectiva radicalmente distinta, nesta pesquisa pretendeu-

    se auscultar a populao portuguesa relativamente importncia atribuda a um

    conjunto de factores explicativos que foram sendo identificados em pesquisas anteriores

    junto de populaes consumidoras de drogas ilcitas.

    Os resultados obtidos com este inqurito populao portuguesa surgem, em

    parte, em consonncia com outros j obtidos junto de utilizadores de drogas no que dizrespeito atribuio de importncia a factores que conduzem ao consumo de

    substncias ilcitas. Mas porqu em parte?

    Vejamos. Na hierarquizao do 1 factor que conduz aos consumos de drogas

    surgem, por ordem de importncia: a influncia de amigos, familiares e outros

    12 Miguel, Nuno, Antnio Maia e Maria do Carmo Gomes (1999), Traos, laos edependncias. A experimentao de drogas, em Pais, Jos Machado, Traos e Riscos deVida. Uma Abordagem Qualitativa a Modos de Vida Juvenis, Coleco Trajectrias, Porto,Ambar, pp. 95-141;Torres, Anlia Cardoso, Ana Marques Lito, Isabel Sousa e Sofia Tormenta (2005),Toxicodependentes: trajectrias, perfis psico-sociolgicos e padres familiares Sinopse,Lisboa, CIES-ISCTE (policopiado).

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    elementos do grupo de pares; o contacto fcil com drogas ilcitas; e a curiosidade. Em

    quarto lugar, surge a instabilidade e conflitos familiares e, em quinto, a pobreza. A

    importncia destas explicaes sofre ligeiras alteraes na hierarquizao do segundo

    factor, mas no tem implicaes na ordem pela qual aparecem os factores explicativos.

    J na hierarquizao do terceiro factor mais importante que conduz aos consumos de

    drogas muito interessante identificar uma inverso na ordem dos trs primeiros

    factores citados como primeiro e segundo mais importantes surgem agora, a

    curiosidade, em primeiro lugar, a influncia dos amigos e pares, em segundo, e o

    contacto fcil com drogas, em terceiro. Mas, ainda mais interessante, o facto de

    surgirem agora, em quarto lugar, a questo da afirmao pessoal, em quinto, outros

    consumos excessivos e dependentes de substncias ilcitas e, finalmente, em sexto, a

    questo do prazer, a par com a instabilidade e conflitos familiares.

    Pode ento afirmar-se que os portugueses identificam como principais factores

    explicativos do consumo de drogas ilcitas, por um lado, factores exgenos (como a

    influncia dos amigos e grupos de pares), e, por outro, factores de ordem individual

    (curiosidade e afirmao pessoal) e de ordem social (instabilidade e conflitos familiares

    e pobreza). As questes mais hedonistas, referidas muitas vezes pelos consumidores

    para justificarem o incio dos consumos de substncias psicoactivas13 mesmo os que

    depois se transformam em trajectrias de forte dependncia e sofrimento e as questes

    relacionadas com os percursos de insucesso e abandono, so exemplos da dissonncia

    das justificaes identificadas. Se uns relatam experincias individuais e ponderam

    factores objectivos das suas escolhas, outros resultam de apreciaes subjectivas e de

    representaes sociais sobre um fenmeno colectivo que pode configurar-se de maior

    ou menor proximidade social. E esta , sem dvida, uma varivel que pesa nas

    percepes que se tem quanto s causas sociais e individuais dos consumos de drogas

    ilcitas.Quanto s consequncias sociais das toxicodependncias (Figura 1), o que

    unanimemente identificado pelos portugueses como uma consequncia generalizada

    do uso de drogas a que defende a ideia que os consumos de drogas ilcitas so sempre

    13 Gomes, Maria do Carmo (1997), A Subcultura Juvenil das Drogas. Uma PerspectivaSociolgica Sobre o Fenmeno do Consumo de Drogas na Juventude, Dissertao deLicenciatura, Lisboa, ISCTE.;

    Miguel, Nuno, Antnio Maia e Maria do Carmo Gomes (1999), Traos, laos e dependncias.A experimentao de drogas, em Pais, Jos Machado, Traos e Riscos de Vida. UmaAbordagem Qualitativa a Modos de Vida Juvenis, Coleco Trajectrias, Porto, Ambar, pp. 95-141.

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    13

    graves ou muito graves para a sade dos que o fazem. Apenas 3,8% dos portugueses

    discorda desta afirmao.

    Pelo contrrio, a ideia segundo a qual os consumidores de drogas ilcitas tm

    vidas muito mais facilitadas e felizes que o conjunto da populao obtm a

    discordncia de cerca de 70% da populao portuguesa. Logo seguido, embora com

    bastante distncia (48%), dos que discordam que os utilizadores de drogas podem ter

    percursos escolares e carreiras profissionais to bem sucedidas quanto quaisquer outras

    pessoas.

    Figura 1 Percepes sobre as consequncias sociais do uso e abuso de drogas

    Surgem, depois, as questes relacionadas com o estigma. Embora 26,7%

    discorde de ideia de que os consumidores de drogas so sempre vistos como

    toxicodependentes (mesmo que parem com os consumos por um longo perodo detempo) e 15,7% discorde da afirmao os consumidores muito dificilmente conseguem

    um emprego aps um perodo de recuperao e/ou tratamento, apenas 7,5% discorda

    da afirmao a discriminao e a excluso social so consequncias inevitveis do

    consumo dependente e excessivo de drogas ilcitas.

    Mais uma vez, no plano das representaes baseadas em categorizaes

    abstractas, surge mais fortemente associada s toxicodependncias uma perspectiva

    discriminatria do que quando se trata de situaes concretas de vida quotidiana, como

    seja, encontrar um emprego depois de parar os consumos ou relacionar-se com essa

    pessoa com base na imagem de que para sempre um toxicodependente.

    0% 20% 40% 60% 80% 100%

    sero sempre vistos como toxicodependentes

    problemas graves na sociedade (crimes, doenas, etc.)

    discriminao e excluso social

    dificuldade em encontrar trabalho depois de parar osconsumos

    crimes so resultado da necessidade de dinheiro paraconsumir

    vidas mais felizes e facilitadas

    redes sociais reduze-se ou extinguemse

    carreiras profissionais e escolares bem sucedidas

    problemas graves para a sade

    no pertena a nenhum grupo em especial

    Discordo totalmente Discordo em parte Concordo em parteConcordo totalmente Ns/Nr

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    14

    Paradoxalmente, a ideia da extino das redes de relacionamento social

    referida por 87,8% dos portugueses. 92,3% concordam igualmente com a afirmao os

    consumidores de drogas ilcitas provocam muitos problemas e mal-estar nas

    sociedades, e cerca de 90% concordam tambm com o facto da origem social dos

    consumidores de drogas ilcitas ser socialmente transversal a todas as classes, no

    pertencendo a nenhum grupo em especial, e ainda que a maior parte dos crimes

    cometidos so para obter dinheiro de modo a garantir os consumos.

    Para alm destas percepes, primeira vista algumas delas paradoxais, pode

    notar-se que as opinies manifestadas pelos portugueses tm distribuies diferentes

    quando se analisam em funo das variveis independentes, tais como as de

    caracterizao social, as de proximidade com os contextos de consumo, e as orientaes

    socioculturais. H sobre estas relaes quatro tendncias a ter em conta.

    A primeira a de quanto mais qualificados escolar e profissionalmente so os

    indivduos, pertencendo populao activa e em plena idade adulta, maior a tendncia

    para verem o fenmeno do consumo de drogas como um problema individual de

    dependncia qumica e os consumidores de drogas como doentes, acima de tudo. So

    tambm os que mais apostam no tratamento e na ideia da recuperao e reversibilidade

    da situao de toxicodependncia.

    A segunda tendncia detectada aponta para uma perspectiva mais conservadora e

    repressiva, especialmente difundida entre os menos qualificados, inactivos (reformados

    e domsticas), e mais velhos, assente numa perspectiva mais discriminatria e

    defendendo com maior veemncia o carcter permanente ou duradouro das situaes de

    toxicodependncia e dos consumos de drogas ilcitas.

    Uma terceira tendncia mostra claramente que, quanto maior proximidade os

    portugueses tm de contextos de consumo de drogas ilcitas e/ou de consumidores, mais

    liberal e permissiva tende a ser a sua percepo do fenmeno da toxicodependncia.Estes resultados so consonantes com outros encontrados no final dos anos 90, numa

    pesquisa realizada em 11 pases europeus14.

    E, por ltimo, no que se refere s orientaes socioculturais dos portugueses, o

    que esta pesquisa evidencia que entre os que perfilham projectos de vida mais auto-

    centrados e os que defendem valores mais associados ao risco e aventura, menor a

    14Korf DJ, Bless R, Nottelman N. Urban Drug Problems, Policy Makers and the General Public.European Jounal on Criminal Policy and Research 1998. 6, Netherlands, Kluwer AcademicPublishers: 337-356.

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    15

    tendncia para uma perspectiva mais repressiva ou normativa sobre o uso de drogas

    ilcitas.

    Vejamos agora como todas estas variveis interagem em conjunto, recorrendo a

    um conjunto de anlises multivariadas realizadas a partir dos dados obtidos nesta

    pesquisa.

    Modos de percepo das drogas em Portugal

    Expostas as principais tendncias de opinio dos portugueses sobre o consumo

    de drogas ilcitas, procura-se de seguida perceber se h na verdade diferentes modos de

    percepo deste fenmeno na sociedade portuguesa e como se caracterizam. Atravs de

    uma anlise de clusters15 foi possvel identificar nitidamente trs modos diferentes de

    percepo das drogas em Portugal(Quadro 1).

    Quadro 1 Tipologia dos modos de percepo das drogas em Portugal

    Estilo de

    Vida

    Problema

    Social

    Doena Total

    (mdia) (mdia) (mdia) (mdia)Percepes sociais sobre substncias

    (0=no; 1=sim)

    Existem vrias substncias ilcitas que provocam efeitos e consequncias

    diferentes nos indivduos 0,91 0,98 0,98 0,96

    A produo de drogas ilcitas um recurso econmico para a vida de muitas

    populaes pobres em vrios locais do mundo 0,87 0,84 0,76 0,81

    As drogas ilcitas fazem parte de qualquer sociedade e devem ser encaradas desse

    modo 0,75 0,62 0,45 0,58

    Se os interesses financeiros associados ao narcotrfico terminassem, as drogas

    deixariam de ser ilcitas 0,80 0,80 0,75 0,78

    As drogas ilcitas so um problema social e criminal grave e por isso devem ser

    eliminadas das sociedades 0,84 0,98 0,95 0,93

    Percepes sociais sobre consumidores

    (1=todos; 4=nenhuns)

    Os consumidores de drogas ilcitas so pessoas que vivem com uma dependncia

    forte de substncias qumicas 3,08 3,64 3,37 3,36

    Os consumidores de drogas ilcitas so iguais a quaisquer outras pessoas, apenas

    optam por um modo de viver diferente 2,89 2,68 2,51 2,66

    15O mtodo utilizado foi o K-Means Clusters. Os trs modos de percepo aqui apresentadosso o resultado de uma fase anterior de anlise de resultados, com a interpretao de solues

    para 2, 4, 5 e 6 grupos. Esta pareceu ser a soluo mais adequada, quer do ponto de vista dosrequisitos estatstivos, quer do ponto de vista da interpretabilidade sociolgica dos perfisencontrados, semelhana da metodologia seguida por Costa, Antnio Firmino da, Patrciavila, Sandra Mateus (2002) Pblicos da Cincia, Lisboa, Gradiva.

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    16

    Os consumidores de drogas ilcitas so criminosos e deveriam ser julgados e

    punidos como tal 2,27 3,63 2,16 2,57

    Os consumidores de drogas ilcitas so doentes e deveriam ser sujeitos a

    tratamentos mdicos para se recuperarem 3,26 3,40 3,54 3,42

    Os consumidores de drogas ilcitas so jovens que no pensam nas consequncias

    dos seus actos para o futuro 2,99 3,53 3,27 3,26

    Os consumidores de drogas ilcitas optam de modo consciente por esses

    consumos e ponderam as suas vantagens e desvantagens 2,68 2,42 1,49 2,06

    Os consumidores de drogas ilcitas so pessoas que vivem em situaes de

    excluso social 2,92 3,39 2,98 3,07

    Percepes sociais sobre as consequncias dos consumos de drogas

    (1=concordo totalmente; 4=discordo totalmente)

    Os consumidores de drogas ilcitas so sempre toxicodependentes,

    independentemente, de conseguirem parar de consumir

    drogas por um longo perodo 2,68 3,66 2,61 2,90

    Os consumidores de drogas ilcitas provocam muitos problemas e mal-estar na

    sociedade, tais como, o aumento da criminalidade, a transmisso de doenas,

    entre outros 3,13 3,85 3,53 3,50

    A discriminao e a excluso social so consequncias inevitveis do consumo

    dependente e excessivo de drogas ilcitas 3,03 3,71 3,45 3,40

    Os consumidores de drogas ilcitas muito dificilmente conseguem um emprego

    aps um perodo de recuperao e/ou tratamento 2,77 3,68 3,17 3,19

    A maior parte dos crimes cometidos pelos consumidores de drogas ilcitas so

    para conseguir dinheiro que garanta os consumos 3,17 3,82 3,69 3,58

    Os consumidores de drogas ilcitas tm vidas muito mais facilitadas e felizes que

    o conjunto da populao 2,48 2,25 1,14 1,80

    Aps o incio dos consumos dependentes e excessivos de drogas ilcitas, as redes

    de relacionamento social dos consumidores (amigos, familiares, colegas, etc.)

    tendem a reduzir-se muito e por vezes extinguem-se 3,09 3,75 3,51 3,45

    Os consumidores de drogas ilcitas podem ter percursos escolares e/ou carreiras

    profissionais to bem sucedidas quanto quaisquer outras pessoas 3,10 2,25 2,29 2,50

    As consequncias do consumo de drogas ilcitas so sempre graves ou muito

    graves para a sade dos que o fazem 3,20 3,93 3,76 3,65

    Os consumidores de drogas ilcitas so pessoas de todas as idades, classes

    sociais, regies e de ambos os sexos, no pertencendo a nenhum grupo emespecial 3,33 3,68 3,69 3,59

    As tendncias manifestadas agrupam-se assim em trs modos distintos de

    percepo do consumo de drogas. Por um lado, surgem associadas ao cluster drogas

    como uma doena as variveis que reflectem o consumo de drogas como uma doena

    recupervel, sendo neste grupo que se inclui a maioria da populao portuguesa

    (46,5%). Por outro lado, possvel identificar um segundo cluster, denominado drogas

    como um estilo de vida que associa o facto de o consumo de drogas poder ser uma

    opo consciente, ou um modo de viver diferente, e a viso das substncias ilcitas

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    17

    como um meio de sobrevivncia econmica para determinadas populaes, e tambm a

    consequncias sociais no muito negativas (consumidores podem ter vidas to bem

    sucedidas quanto quaisquer outras pessoas e at mais felizes que o conjunto da

    populao). So 27,5% os portugueses que tendem a encarar as drogas como um estilo

    de vida e que foram includos neste cluster.

    Por outro lado ainda, num terceiro cluster encontram-se os indivduos que

    associam imagens que remetem os consumidores para situaes de discriminao e

    excluso social, para a criminalidade, para as dificuldades de insero social e

    profissional, para o estigma, para as caractersticas especficas das culturas juvenis16,

    entre outras dimenses sociolgicas do problema da toxicodependncia. Constituem

    26% os portugueses que percepcionam as drogas e consideram os consumos de drogas

    ilcitas essencialmente como um problema social (Quadro 2).

    Quadro 2 Modos de Percepo das Drogas em Portugal, por clusters

    Clusters %

    Drogas como uma doena 46,5

    Drogas comoestilo de vida 27,5

    Drogas comoproblema social 26,0

    Total 100,0

    De modo a complementar os resultados alcanados at aqui recorreu-se tambm

    a uma anlise de correspondncias mltiplas (HOMALS) que permitiu antever a

    distribuio da associao das variveis num espao topolgico. A Figura 2 mostra os

    modos de percepo das drogas na sociedade portuguesa.

    Ao analisarmos a Dimenso 1, o que surge claramente uma oposio entre os

    portugueses que no tm qualquer relao com universos de consumos de drogas (lado

    direito do eixo vertical, sombreado a cinzento claro) e os que pelo contrrio, no s tmcontactos com pessoas que consomem drogas, como alguns deles tambm o fazem, ou

    frequentam locais onde se consomem drogas com relativa regularidade (lado esquerdo

    do eixo vertical, sombreado a azul claro). Associa-se pois ao lado direito, o cluster

    drogas como um problema sociale ao lado esquerdo os que entendem as drogas como

    estilo de vidaou uma doena.

    16 Pais, Jos Machado (1993), Culturas Juvenis, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda.;

    Pais, Jos Machado (1999), Traos e Riscos de Vida. Uma Abordagem Qualitativa a Modos deVida Juvenis, Coleco Trajectrias, Porto, Ambar.;

    Pais, Jos Machado (2001), Ganchos, Tachos e Biscates. Jovens, Trabalho e Futuro, ColecoTrajectrias, Porto, Ambar.

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    18

    Porm, a anlise da Dimenso 2 traz-nos mais alguma informao adicional que

    permite distinguir trs grupos dentro do espao topolgico acima representado, os quais

    se identificam com elipses a tracejado, clarificando os trs modos de percepo das

    drogas em Portugal e caractersticas associadas aos indivduos que assim as

    percepcionam.

    Figura 2 Modos de Percepo das Drogas em Portugal Espao Topolgico

    Iniciando mais uma vez pelo lado direito do eixo vertical, encontramos a uma

    associao entre o grupo de portugueses que encaram as drogas como um problema

    social e os indivduos mais velhos (com mais de 55 anos), inactivos (domsticas e

    reformados), pouco escolarizados (1 ciclo ou analfabetos), e que no tm contactoscom consumidores, universos de consumo ou substncias ilcitas. Mantm-se assim, em

    grande medida, a mesma anlise j efectuada para a Dimenso 1.

    J do lado esquerdo, h uma diviso em dois sub-grupos. Um grupo de

    portugueses que se associa ao cluster drogas como uma doena, activos, com idades

    entre os 35 e os 44 anos, escolaridade de nvel superior ou 2 ciclo, cujas orientaes

    socioculturais se desenham para a estabilidade, o colectivo, a vontade e para projectos

    sociocentrados, com fraca proximidade aos universos de uso de drogas e a utilizadores.

    E um outro grupo de portugueses que se associa ao cluster estilo de vida, com

    caractersticas sociais tambm vincadas mais jovens, inactivos (estudantes ou

    Dimension 1

    3210-1-2

    Dim

    ension2

    1,0

    ,5

    0,0

    -,5

    -1,0

    -1,5

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    -2,5

    C_DoencaC_ProSoc

    C_EstVida

    Est

    Dom

    Des Ref

    Trab

    Ens_analf

    Ens_1 cic

    Ens_2 cic

    Ens_3 cic

    Ens_sec

    Ens_univ

    75 e+

    65-74

    55-64

    45-54

    35-44

    25-34

    18-24

    Estabili

    Risco

    Individ

    Colect

    Acaso

    Vontade

    Q_autocdo

    P_sociocdoQ_sociocdo

    P_autocdo

    P_RegCons

    P_xqdoCons

    P_1xCons

    P_nCons

    L_ScSc

    L_NcScL_ScNc

    L_NcNc

    reg_cons

    xqdo_cons

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    desempregados), com orientaes socioculturais mais autocentradas e voltadas para o

    risco, a aventura e o individual, muito associados aos contextos e universos de consumo

    (conhecem consumidores e contactam com regularidade com eles, frequentam locais

    onde se consome drogas com regularidade e sero, porventura, alguns deles tambm

    consumidores).

    Estes trs grupos assim estruturados no espao topolgico da sociedade

    portuguesa so um contributo indiscutvel para o conhecimento cientfico sobre o modo

    como as populaes percepcionam o fenmeno do consumo de drogas.

    Concluses

    A pesquisa desenvolvida em Portugal sobre os Modos de Percepo das Drogas

    em Portugal pretende abordar uma dimenso pouco explorada nos estudos sobre

    substncias psicoactivas ilcitas e toxicodependncias. Abordada frequentemente com

    alguma leveza, a questo da opinio pblica sobre determinados fenmenos que se

    entendem como problemas sociais e individuais graves, fica agora com um recurso

    cientificamente vlido para a discusso sobre as percepes sociais dos portugueses face

    s drogas.

    Este estudo no pretende de modo nenhum identificar prevalncias de consumo

    na sociedade portuguesa (outros j o fizeram com xito17), mas antes de mais pretendia

    identificar e perceber como que os portugueses entendiam algumas as questes em

    torno do consumo de drogas.

    Tendo-se visto no incio que as polticas pblicas na rea das

    toxicodependncias so muitas vezes desenvolvidas em Portugal com base em

    suposies e no em dados concretos e objectivos, estes resultados podem

    indiscutivelmente ser utilizados para a definio de polticas que possam ir no sentidode uma maior liberalizao ou maior represso, de acordo com o que os portugueses

    pensam sobre o assunto.

    A opinio dos portugueses sobre o fenmeno das drogas agora conhecida em

    extenso e com representatividade, podendo avanar-se para outras anlises mais em

    17 Balsa, Casimiro, Tiago Farinha, Joo Pedro Nunes e Miguel Chaves (2001), InquritoNacional ao Consumo de Substncias Psico-activas na Populao Portuguesa, (Documento de

    Sntese dos Resultados), Instituto de Investigaes Sociolgicas (CEOS), Faculdade deCincias Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa.;

    Negreiros, Jorge (2002) Prevalncia e Padres de Consumo Problemtico de Drogas emPortugal, Lisboa, IDT.

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    profundidade. essa a inteno da pesquisa para doutoramento em que se insere esta

    parte da investigao investigar agora no s os consumidores que se relacionam

    directamente com o fenmeno para compreender trajectrias, interseces,

    proximidades e transferibilidades entre consumos de diversas substncias, mas tambm

    aprofundar os resultados aqui apresentados com a realizao de focus groups centrados

    na opinio dos portugueses sobre as drogas e de entrevistas individuais a consumidores

    de substncias psicoactivas ilcitas para compreender os modos de relao com as

    drogas.

    Porque como diz Becker, as drogas e as suas definies so antes de mais um

    problema de julgamento moral enquadrado num determinado contexto social18. Em

    Portugal, elas so vistas de trs modos distintos, baseados, na verdade, num maior ou

    menor julgamento moral dos consumos de substncias ilcitas.

    Torna-se pois imperativo discutir em maior profundidade os resultados aqui alcanados,

    quer do ponto de vista terico, quer do ponto de vista emprico, e ainda da interveno

    pblica no campo das drogas e das toxicodependncias.

    18Becker, Howard (2001) Les drogues: que sont-elles?, in Becker HS (editor). Qu'est-ce qu'unedrogue?, Anglet, Atlantica.