Ócio e trabalho: dimensÕes compartilhadas
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ÓCIO E TRABALHO: DIMENSÕES COMPARTILHADAS
O Sentido do Ócio Redefinindo Tempos e Espaços Organizacionais
Rosely Cubo Pinto de Almeida
Doutora em Ócio e Desenvolvimento Humano. Universidad de Deusto, Bilbao,Espanha.
Doutorado reconhecido pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Brasil
Diretora Cubo e Almeida Participações LTDA.
RESUMO
Relacionado à contemporaneidade, os tempos e espaços organizacionais sejam vistos como
fatores meramente funcionais, urge perguntar pelas condições em que se evidenciam as crises de
sentido manifestas num crescente mal-estar oriundos dos processos de transformação do mundo
do trabalho. No território dos tempos sociais e dos espaços regulatórios de produção que
caracterizam o trabalho, o ócio é um âmbito que demarca a potencialização da espontaneidade-
criatividade do líder e seus colaboradores, reestruturando as diferentes formas do ‘sentir, pensar,
agir’ (talentos/Ser) e revitalizar a cultura do pertencimento (habilidades/Estar). Esse estudo é
segmento de pesquisas mais amplas estruturadas durante o Doutorado em Ócio e
Desenvolvimento Humano e Internacionalização Menção Europeia no Doutorado em Estudos
Culturais cuja base metodológica é a pesquisa-ação. Os Ateliês de Ócio inseridos ao programa
T&D de trinta e seis equipes corporativas, são vivências que favorecem reinterpretar os
tradicionais postulados de tempo e espaço através de faculdades cognitivas e sensoriais fazendo
emergir perspectivas de transforma-los; primeiro, pelo mapeamento dos processos psicossociais
que interferem, impactam e desencadeiam distorções nos sistemas espontâneo-criativos
(satisfação, sofrimento e aprendizagem) de administração do tempo e a gestão do espaço de
trabalho; em segundo lugar, através de sociodramas e jogos dramáticos preconizados pelo
diálogo e outras manifestações lúdicas e estéticas são estabelecidas associações cognitivo-
afetivas sobre determinados temas; por último, são processadas e compartilhadas as vivências.
Em vista à gênese do sentido de ócio, os resultados são observados pela transcendência de
tempo (controlado) e de espaço (competitivo) como autênticas manifestações de prazer,
gratificação e desenvolvimento criativo-espontâneas de líderes e colaboradores em consonância
com as inovadoras dinâmicas intersubjetivas das organizações.
Palavras-chave
Ócio. Tempo. Espaço. Corporativos. Grupos. Liderança. Criatividade. Espontaneidade.
Abstract
Related in the contemporary, organizational times and spaces are seen as purely functional
factors, it is urgent to ask about the conditions in which the crises of meaning manifest in an
increasing malaise arising from the processes of transformation of the world of work. In the
territory of social times and the regulatory spaces of production that characterize work, leisure is
an ambit that marks the empowerment of the spontaneity and creativity of the leader and his
collaborators, reshaping the different forms of 'feel, think, act' (/Being) and revitalizing the
culture of belonging (skills/Being). This study is a segment of broader research structured
during the Doctorate in Leisure and Human Development and Internationalization European
Mention in the Doctorate in Cultural Studies whose methodological basis is action research. The
Leisure Ateliers inserted into the T&D program of thirty-six corporate teams are experiences
that favor reinterpreting the traditional postulates of time and space through cognitive and
sensorial faculties, thus creating perspectives of transforming them; first, by mapping the
psychosocial processes that interfere, impact and trigger distortions in the spontaneous-creative
systems (satisfaction, suffering and learning) of time management and workspace management;
secondly, through the use of sociodrama, which are advocated by dialogue and other playful and
aesthetic manifestations, cognitive-affective associations are established on certain themes;
lastly, experiences are processed and shared. In view of the genesis of leisure, the results are
observed by the transcendence of time (controlled) and of space (competitive) as authentic
manifestations of pleasure, gratification and creative-spontaneous development of leaders and
collaborators in line with the innovative intersubjective dynamics of organizations.
Keywords
Leisure. Time. Space. Corporate. Groups. Leadership. Creativity. Spontaneity.
Resumen
Relacionado a la contemporaneidad, los tiempos y espacios organizacionales sean vistos como
factores meramente funcionales, urge preguntar por las condiciones en que si evidencian las
crises de sentido manifiestas en uno creciente malestar oriundos de los procesos de
transformación del mundo del trabajo. En el territorio de los tiempos sociales y de los espacios
regulatorios de producción que caracterizan el trabajo, el ocio es un ámbito que demarca la
potencialización de la espontaneidad-creatividad del líder sus colaboradores, reestructurando las
distintas formas del ‘sentir, pensar, acción’ (talentos/Ser) y revitalizar la cultura del pertenecer
(habilidades/Estar). Ese estudio es segmento de investigaciones más amplias estructuradas
durante el Doctorado en Ocio y Desarrollo Humano e Internacionalización Mención Europea en
el Doctorado en Estudios Culturales cuya base metodológica es la investigación-acción. Los
Talleres de Ocio inseridos en el programa T&D de treinta y seis equipos corporativas, son
vivencias que favorecen reinterpretar los tradicionales postulados de tiempo y espacio a través
de facultades cognitivas y sensoriales haciendo emerger perspectivas de transformarlos;
primero, por el mapa de los procesos psicosociales que interfieren, impactan y desencadenan
distorsiones en los sistemas espontaneo-creativos (satisfacción, sufrimiento y aprendizaje) de
administración del tiempo y la gestión del espacio de trabajo; en segundo lugar, a través de
sociodramas y juegos dramáticos preconizados por el diálogo y otras manifestaciones lúdicas y
estéticas son establecidas asociaciones cognitivo-afectivas sobre determinados temas; por
último, son procesadas y compartidas las vivencias. En vista de la génesis del ocio, los
resultados son observados por la transcendencia de tiempo (controlado) y de espacio
(competitivo) como auténticas manifestaciones de placer, gratificación y desarrollo creativo-
espontaneas de líderes y colaboradores en consonancia con las innovadoras dinámicas
intersubjetivas de las organizaciones.
Palabras chave
Ocio. Tiempo. Espacio. Corporativos. Grupos. Liderazgo. Creatividad. Espontaneidad.
INTRODUÇÃO
A contemporaneidade apresenta como marcas centrais, o apressamento dos ritmos sociais
(tempos) e a fragmentação factual das convivências (espaços); no que se refere ao cenário
corporativo, a tendência que relacionaria o negÓcio, a organização para o trabalho e a
motivação intrínseca de líderes e colaboradores evidenciam, respectivamente, sérias
dificuldades de prospecção, arriscadas falhas de exequibilidade e excessivos fracassos de
harmonização produtividade-desfrute/satisfação no trabalho.
Considerando-se que muitas vezes o tempo e o espaço organizacionais sejam vistos como
aspectos meramente funcionais: o primeiro, referendado pelo opressivo e imposto fardo da
manutenção do ativismo acumulativo de fazeres e decisões instantâneas numa corrida
incessante, descontrolada e desgastante contra o tempo (minutos, dias, meses, anos) e o
segundo, avalizado como um lugar de ajustado e azeitado funcionamento de determinados
procedimentos formais concretos de controle e permanência, as consequências se veem
refletidas na desumanização das relações no trabalho (insatisfação, mal-estar e resignação) com
repercussões em desarticulação na forma de pensar, na desintegração nos modos de comunicar e
na desagregação no desenvolvimento do agir, além de ressoar tensões pessoais, coletivas e
estruturais.
Utilizando a metáfora do ‘remendo novo em vestido velho’, as esfarrapadas práticas de modelos
antiquados e obsoletos de trabalho que analisa o fenômeno organizacional em termos da
conduta de cada indivíduo, arruína as expectativas de encontro do bom, belo e nobre
(respectivamente, criatividade-espontaneidade, ideias e compartilhamentos) equilíbrio e
harmonização na psicodinâmica do trabalho que analisa as condutas de cada subsistema
corporativo; no intuito de alinhavar criativo-espontâneas ideias compartilhadas da produção de
cultura (modo de Estar) interatuando líderes e colaboradores projetando a missão (razão de Ser)
e valorizando o comprometimento legitimador dos saudáveis valores transculturais como núcleo
que projeta inteligibilidade à organização, recomenda-se ampliar (lupa) e combinar imagens
(caleidoscópio) em uma sucessão de expressões e sensações que possibilitam momentos de
interrupção nos tempos e nos espaços organizacionais para que sejam revisitados: a) sistemas de
gestão corporativos; b) direcionamentos dos conhecimentos, competências e habilidades dos
líderes e colaboradores evidenciando onde e para quem os esforços integram suas
(des)motivações; c) condicionamentos no processamento e compartilhamento de resultados do
trabalho.
Sob a perspectiva de potencialização espontâneo-criativa dos talentos que legitimem as atuações
de líderes e colaboradores, dos ideais de gestão de trabalho e da revitalização da cultura do
pertencimento que notabilizem as corporações, se preconiza o ócio como âmbito experiencial
assumindo o papel de disparador de inovações em temos de ‘temporalizações’ e
‘espacializações’ contribuindo com originalidade à produção subjetivada do trabalho; em suma,
o ócio incorpora e amplifica os sentidos de Ser (identidades pelo talento de líderes e
colaboradores) e Estar (pertencimentos pela cultura do compartilhamento) subjetivando tempos,
espaços e relações de trabalho.
No processo de reeducação/reformulação/reorientação dos sentidos de Ser e Estar alusivos a
líderes e colaboradores das organizações em prol da cultura do pertencimento, o ócio articula
diferentes formas de sentir/pensar/agir exercitando as capacidades de desenvolver múltiplas
inteligências, principalmente de caráter cognitiva e interpessoal representativas das identidades
e cultura das corporações. De maneira geral, nas inter-relações entre ócio e trabalho há uma
intensa apropriação de vivências1 que reforçam identificação e representação das intrínsecas
motivações, entusiasmo e interesse dos líderes e colaboradores em conhecer-
aprendendo/aprender-conhecendo que se manifesta mediante expressão ‘do vivido’; de modo
específico, é uma percepção de si, do outro e do entorno.
Este processo relaciona uma evolução na/da cultura organizacional, pois circunscreve o trabalho
no âmbito das experiências de ócio que rompem com as conservas culturais2, ou seja, pelo
processamento motivado, entusiasmado e interessado de mudanças na forma de sentir, pensar e
agir de líderes e colaboradores é redefinido os sentidos de trabalho resultando a adoção de
novos papéis3 profissionais.
Dentre as muitas experiências resultantes das vivências no contexto organizacional, decorre a
eminência compatível de tempo e espaço que pode ser administrada pelos líderes e
colaboradores perpassados tanto pela subjetividade de suas aspirações, sonhos, desejos e
1 Dinâmicas de participação desde uma profunda reflexão sobre o que cada indivíduo percebe como
seus papéis profissionais; requer concentração, sensibilidade e compromisso na expressão de
sentimentos, pensamentos e ações partindo das intimas certezas e convicções reforçadas e/ou revistas
através do compartilhamento de ideias e ideais com os demais.
2 Usos e costumes corporativos cristalizados, ou seja, ações realizadas sempre da mesma forma, mesmo
que os resultados sejam de baixa resolutividade; determinadas culturas organizacionais podem estar
‘presas a ritos e mitos do fazer sempre igual’, criando obstáculos à espontaneidade-criatividade e a
revitalização da cultura do pertencimento. Entretanto, em circunstâncias de ‘manutenção da mesmice’. 3 Unidade de experiência em que se fundem elementos psicossociais e culturais representativos do
indivíduo; é a forma de funcionamento que assume no momento específico em que reage a uma situação,
causa ou circunstância que envolve pessoas e/ou atributos comportamentais, de conduta e atitudinais.
projetos, como pelas formas menos opressivas de organização do trabalho. Em vista a
reeducação/reformulação/reorientação de tempo e espaço corporativo para empreender
inovadores modos de planejamento e realização que modulem necessidades e anseios, o bem-
estar, satisfação e aprendizagens são sensações que perduram no exercício da uma missão.
Pela metodologia dos Ateliês de Ócio4, os líderes e colaboradores envoltos por trabalhos de
grupos, criam inter-relações preconizadas pelo diálogo e outras manifestações lúdicas e
estéticas, vivenciando atuações de acordo com as representações que formulam do seu mundo
de trabalho; caracterizados como sociodramas5 em formato de jogos dramáticos
6 se pautam por
um conjunto de técnicas que favorecem a comprovação do ócio como âmbito perceptivo que
integra a transcendência de tempos e de espaços resultando uma intensa e profunda mudança de
paradigma organizacional.
ÓCIO E TRABALHO: CONTEXTUALIZAÇÕES E ABORDAGENS
Na contemporaneidade, nos encontramos diante de imensos e complexos paradoxos. Um dos
mais instigantes diz respeito à construção de conteúdos que referenciam as dimensões
compartilhadas entre ócio e trabalho.
Desde a civilização arcaica grega, o ócio apresentava significado de uma vivência de momentos
de autêntica criatividade tendo a finalidade de ensino à celebração, consolidação e
enriquecimento da vida; não era um simples nada fazer, mas sim um estado espontâneo por
natureza, aproximado ao ideal helênico de formação do homem ‘obra de arte, ético e criador’
(Salis, 2004).
4 Jogos alegóricos de ação grupal que propicia, ao mesmo tempo, vivências e reflexões; são intervenções
que analisam a realidade e o imaginário pessoal e coletivo referente às circunstancias, situações e eventos
que envolvem os índices de gratificações, prazeres e satisfações no/do trabalho. 5 Método profundo de atuação que trata das relações intergrupais e das ideologias coletivas (Cukier, 2002, p. 271); tem o objetivo de intervir sobre os vínculos das equipes instrumentais, tais como às
organizacionais e/ou corporativas. 6 Estabelecimento de contato com realidades que transcendem espaços, permitindo recriar una arte que
traz à luz outros tempos; é a dimensão lúdica que propõe uma ação ativa, voluntária e reflexiva com a
finalidade de desenvolver a criatividade e a espontaneidade em um cenário de planos imaginários,
simbólicos, metafóricos e subjetivos.
A partir da Revolução Industrial, quando nos depararmos com o homem tecnicista, materialista
e angustiado pela opressão de tempos e de espaços, surge o ideal de tempo livre representado
pela conquista da classe operária frente à exploração do capital, evidenciado a ocorrência da
nítida separação entre tempo de trabalho e lugares de atividades dirigidas a reposição do físico e
da mente, para voltar ao mais-trabalho; assim, o tempo livre (restante após cumpridas as tarefas
de trabalho, das obrigações sociais, higiênicas e biológicas) tem significado de realização de
atividades: consumo, descanso, lazer, etc. De Masi (2000) afirma que tempo livre é tão
burocrático quanto o trabalho, pois permanecendo no rastro da tradição industrial capitalista,
ambos são fatores de alienação do homem, que se torna escravo tanto do necessário quanto do
tempo que de liberdade, nada tem.
De forma análoga, segundo Requixa, (1976) o lazer é um conjunto de ocupações para
divertimento, recreação ou entretenimento que ocorre após os indivíduos livrarem-se ou
desembaraçarem-se das obrigações profissionais, familiares e sociais; Dumazedier (1973)
afirma que o lazer é exercido em um tempo variado segundo a forma e intensidade de
engajamento do indivíduo em suas atividades laborais. Como resultado, tempo livre como o
lazer, são consumidos, deteriorados, mercantilizados, coisificados e empobrecidos de sentidos.
Entretanto, também o ócio na perspectiva dos tempos sociais, recebeu significações de negum
otio (negÓcio) ou seja, espaços construídos no afã de ganhar e acumular bens, sugestivos ao
oposto do desfrute e usufruto do que é nobre, bom e belo (Salis, 2004); transformado em
atividade utilitarista, instrumento de dominação, despolitização, controle das massas e
colonizado pelo mais-trabalho, perdeu durante muitas gerações, a sua mais autêntica essência
espontânea-criativa, estruturante de talentos e revitalizador de culturas de pertencimentos. Esta
forma paradoxal de compreender o ócio, chega a ser reputado como um problema social,
condenado por razões morais, fomentando ligações com a terminologia pejorativa da
ociosidade, ‘oficina do diabo’, pois, contraposto ao trabalho.
Refutados estes paradigmas, os mais inovadores estudos e pesquisas multidisciplinares sobre o
ócio analisam como um fenômeno de variadas e diversas manifestações. Segundo Roger Sue
(Em: Oliva-Augusto, 1998) o ócio proporciona compensações essenciais ao equilíbrio psíquico
do indivíduo e favorece o desenvolvimento pessoal de quem o experimenta; para
Csikszentmihalyi (2001) o ócio possibilita a mente desconectar-se provisoriamente do real para
que surjam possibilidades de criação de novas realidades; Munné (1980) acredita que durante as
experiências de ócio, o indivíduo expressa legitimamente sua personalidade, muito mais do que
um simples atuar por obrigação. Cuenca (2004) sugere que o ócio resguarda os ideais essenciais
de seu autêntico criador significado, ou seja, é um processo de aprendizagem e formação
permanente do indivíduo cuja função se assenta no desenvolvimento do seu potencial, bem-estar
e qualidade de vida; suas experiências lúdicas e estéticas se ambientam nos âmbitos da
liberdade, participação, comunicação e compartilhamento.
No âmbito o ócio, o indivíduo vivência uma experiência de autodesenvolvimento que
potencializa a sua transformação; é uma experiência de ruptura da realidade e com retorno ao
cotidiano, modificado. O ócio possibilita essa transcendência: exemplo, quando ouvimos uma
sonata de Chopin ou lemos uma poesia de Drummond, na qual podemos estabelecer contato
com realidades que nos transcendem, permitindo recompor em nós mesmos a própria arte
significativa do belo, bom e nobre. A partir destas concepções, a vivência de ócio concentra
contextos experienciais que podem ser âmbitos para a recriação de valores; se diferencia das
meras atividades, por sua capacidade de dar sentido e potencializar encontros espontâneo-
criativos que levam ao autoconhecimento.
No cenário corporativo, o ócio é essencialmente um perceptivo modo de Ser/Estar de líderes e
colaboradores no desempenho profissional; é um ‘estado’ da mente ou uma qualidade
diferenciada determinada pela motivação intrínseca, com que a bom termo elevam o sentir,
engrandecem o pensar e enaltecem o agir dirigidos ao alcance de objetivos, na conquista da
capacidade experiencial e no desfrute de suas produções. Sob essa ótica, o ócio reafirma sua
exclusão de objetivado marco espaço-temporal, ou seja, são sucessos subjetivados de sentido da
experiência, transcendendo universos (possessão) e intervalos (duração) em uma dinâmica que:
primeiro, requer interrupção da uniformidade da atividade ou da inércia no/do fazer; segundo,
entrar em contato com as sensações inerentes à monotonia ou estagnação; terceiro, suspender as
opiniões e os juízos sobre as admissíveis incapacidades e imobilismos; quarto, romper o
automatismo; quinto, cultivar a atenção; sexto, expressar a performance sob novo estilo de
sentir, pensar e agir; sétimo, memorizar os benefícios em termos de satisfação, bem-estar e
aprendizagens decorridas; oitavo, deflagrar ciclicamente o processo apreendido sempre que
advirem as desmotivações e mecanicidades incapacitantes.
Entretanto, como educar-se para o ócio, em que pese às dimensões objetivas das organizações e
subjetivas dos líderes e colaboradores? Como compartilhar ócio e trabalho, considerando que o
trabalhador desde a revolução industrial, aprendeu às ‘duras penas’: a) que as divisões e
imposições fixadas pela organização do trabalho abrem pouco ou nenhum espaço para o livre
trânsito e desenvolvimento de suas identidades (ampliação de si mesmo na troca de ideias, na
conversa face-a-face, no espairecer a mente na interação com o outro) e enraizamentos; b) que
as prontidões e automações fixadas pela organização do trabalho analógico pouco ou nada
estimulam a gestão do tempo dialógico e fenomenológico. Deste modo, nos encontramos diante
do complexo e instigante paradoxo: compartilhar ócio e trabalho.
Se retrocedermos à história primitiva do homem, verificamos que o trabalho em si, muda em
natureza e concepções; ao longo dos séculos, mais que alterado seu conceito, o trabalho veio
adquirindo um significado diverso e vezes sem conta, estranho aos interesses de quem o realiza
que pouco usufrui/desfruta de suas produções. Em um determinado momento, o trabalho
representa um fazer necessário para a autossubsistência e melhoria da qualidade de vida, em
outro recorte histórico, ele passa a ser o fardo que o ser humano precisa suportar, ou seja, algo
que se prefere não fazer.
O trabalho consegue carregar em si a maldição da mercadoria e a fantasmagoria do dinheiro
(Codo, 2004); representa valor de uso, capaz de atender a necessidade do homem e valor de
troca, criador de mercadoria, sendo ele mesmo uma mercadoria. Essa concepção de
instrumentalidade econômica do trabalho exigiu uma mudança do pensamento e percepções
medievais, por ser forçoso mudar a compreensão do próprio homem e legitimar o lucro. O
trabalhador então desaparece no “chão da fábrica” (espaço de produção), transforma-se em
força temporal de trabalho (mercadoria) e volta-se à fixação de sua identidade, quando cumpre
seu papel de consumidor (espaço e tempo de reprodução).
Diante da centralidade do trabalho, urge contemplar a dimensão do trabalho sob o olhar de
demais dimensões humanas; Marx (1985) referiu-se aos espaços e tempos de trabalho
monocrômico, subdivido em lugares e horas para o trabalhador despender determinado quantum
de sua força vital na produção de bens e serviços, também tendo que descansar, dormir,
satisfazer necessidades fisiológicas, etc. Além desse limite puramente físico, linear, formal e
burocrático, o prolongamento da jornada de trabalho esbarra em limites morais sendo que o
trabalhador precisa de ter-lhe disponível uma transcendência de espaços e tempos para demarcar
diversificados aprendizados, talentos e enraizamentos.
Deste modo, atualmente nos encontramos diante de um imenso e complexo paradoxo que
consiste na distinção entre o trabalho como emprego/serviço/ofício/subsistência/fonte de renda
e/ou como experiência de realização pessoal; o trabalho consegue carregar em si a maldição da
mercadoria e a fantasmagoria do dinheiro, além de representar valor de uso e troca, onde o
trabalhador é criador e criatura mercadológica. Quando no exercício do trabalho, se tenta
eliminar a intencionalidade humana ou as suas capacidades cognitivas, há uma grave
descaracterização do próprio trabalho (Borges e Yamamoto, 2004); assim, o trabalho e o
indivíduo ao mesmo tempo e espaço, alienado e descaracterizado perdem suas condições de Ser
e Estar assumindo papéis de estranhamento e fragilidades.
A concepção de instrumentalidade do trabalho e do trabalhador exige uma mudança do
pensamento e percepções desde que forçosamente há mudanças na compreensão do existir
humano. Uma opção inovadora na hipermodernidade7 é a percepção que o trabalho possui um
nível de complexidade e de fascínio visto que sua gênese está ligada ao atendimento de
necessidades naturais do indivíduo, mas também como gerador de significados em que através
dele, transforma o mundo (dimensão social), os demais (dimensão social) e a si mesmo
(dimensão psicológica); o trabalho transcende ao atendimento de apenas as necessidades
humanas e agrega uma carga valorativa e subjetiva ao trabalhador.
ÓCIO E TRABALHO: DIMENSÕES COMPARTILHADAS
Os acontecimentos são o que são e o que se apreende deles depreende do sentido que se
lhes dá; ao indivíduo se possibilita criar livre-arbítrio na interpretação dos eventos e
circunstâncias de sua vida. As aprendizagens que os líderes e colaboradores de
organizações devem apropriar-se primeiramente de si mesmo e paralelamente, reforçar
suas interações potencializando a espontaneidade-criatividade (talentos) e revitalizando
seus enraizamentos (cultura do pertencimento); neste processo de dar-se conta de si e do
outro se torna imprescindível o processo de autoconhecimento e do encontro do sentido
da experiência que advém das vivências no/do trabalho, reforçando suas identificações e
construindo as representações identitárias.
Como conquistar esses patamares, superar a imensidão de obstáculos e lidar com as
interferências nesse processo de reproduzir-se novo? Como resgatar a percepção do mundo em
si próprio através da consciência de ‘produzir a si mesmo’ e reaprender a celebrar a vida e
trabalhar na justa medida da criação e pleno usufruto do nobre, bom e belo? Será recuperando o
7 A Era onde se registra uma intensa cultura do excesso, marcadamente acelerada em termos de tempos
e enclausurada em limites de espaços; sendo seu elemento por excelência, o hiperconsumo cria a
necessidade de ostentação e eternização das sensações efêmeras num mundo entregue à fugacidade
das coisas. Tendência de que tudo seja exibido como referência democrática essencial dos indivíduos,
isso posto que definitivamente rompam com as respeitadas e consagradas tradições, princípios e
valores; é a sociedade da superficialidade e frivolidade mediante o espetaculoso. O indivíduo
‘hipercontemporâneo’ é mais autônomo, mas paradoxalmente é mais frágil do que nunca (Lipovetsky,
2006, p.14).
enigma de si mesmo ‘saindo da caverna’? Entretanto, segundo Platão (Diálogos III, A
República, n.d.), ir em direção da luz, é necessário enfrentar animais bravios, lugares estreitos,
penhascos, desfiladeiros e profundos rios.
Dentre as muitas vivências sofridas pelos líderes e colaboradores corporativos, há especialmente
uma que decorre da eminência incompatível entre sua história de vida perpassada por sonhos,
desejos, necessidades, projetos, esperanças e a organização propriamente dita do trabalho, visto
que essas relações estão divorciadas de conteúdos simbólicos e subjetivos; são profissionais que
não encontram tempo e espaço para empreenderem criativamente novos modos de planejar e
realizar tarefas visando torna-las espontaneamente (além de organizativas, também adequadas)
aos seus interesses, necessidades e anseios.
Deste modo, as similaridades ou incongruências entre as formas como líderes e colaboradores
entram ou não em contato, primeiramente com suas próprias satisfações, sofrimentos e
aprendizagens reflexivas e em segundo lugar, como as expressam/ ‘jogam’ transformam ações
em vivências conSentido de Ser e Estar e está proporcionando-se formas de realização natural e
experiência dotada de sentido.
Como dar conta do ‘real’ trabalho realizando uma prática transformadora da realidade
integrando consciência ao conteúdo do trabalho dos líderes e colaboradores que passam de
assujeitados a protagonistas de suas histórias? Pelo assumir o papel de simbolização desse real
que é traumático e sofrido quando “descolado” da arte, do imaginário, do simbólico e do
subjetivo; as manifestações estéticas e lúdicas do ócio rompem com o cansaço, ausência de
espontaneidade-criatividade, afasias, sendo aprendidas e interpretadas, na interface ócio e
trabalho, a vida no trabalho e estando os líderes e colaboradores saudáveis pela harmonia entre a
organização do trabalho e suas projeções, resta cuidar-se e reorientar-se quando se perder no
caminho. Mesmo que de algum modo esta possibilidade possa parecer transgressora, pois
envolve a relação entre trabalho e vivência do ócio no mesmo âmbito, a metodologia foi
utilizada em inúmeras equipes corporativas.
ATELIÊS DE ÓCIO: REDEFININDO TEMPO E ESPAÇO
Considerando que as organizações possuem grande responsabilidade no processo de incentivar
as inteligências dos líderes e colaboradores, suas percepções de mundo, autoconhecimentos e
autodesenvolvimentos interferem positivamente nos processos do trabalho e nas interfaces com
a vida pessoal, familiar e comunitária. Desta forma, as metodologias de educação para ócio em
âmbito organizacional, mais do que nunca, favorecem a criação de mentes criativas.
Definindo a natureza desses processos psicossociais, o conceito de internalização sobre as
vivências de ócio se dá como resultado da apropriação de estratégias em novos contextos
interativos passando a utilizar variadas mediações e diferenciadas representações mentais
propiciando a liberação de ideias e a libertação de padrões de comportamento estabelecidos,
‘grilhões opressores de conduta em formato de conservas culturais’. O grande desafio é
aprender a interpretar melhor a vida no trabalho e a “joga-la” da melhor maneira possível
resultando na vivência de valores transcendentais: nobreza, bondade e beleza.
Para a formação de equipes, especialmente em organizações públicas, os mecanismos
metodológicos favorecem que líderes e colaboradores experimentem o ócio enquanto refletem
sobre ele em outros âmbitos de suas vidas; em termos da formulação da práxis, ou seja, da ação
e reflexão como unidade dialética a meta é que uma porcentagem significativa de líderes e
colaboradores atinjam uma consciência crítica em termos de transcendência de tempos (não
somente como prisioneiros de relógios e calendários) e espaços (não somente como
encarcerados entre paredes e baias).
Em suma, o tempo juntamente com o espaço constituem duas das dimensões mais importantes
de toda experiência humana; o indivíduo na relação com o universo que o rodeia e nos
infindáveis âmbitos da sua vida, tais como família, comunidades, instituições e corporações
fincam raízes valorativas em graus, profundidades e intensidades de importância e relevância.
Como fatores condicionantes às quais se enfrentam o atual momento das organizações
pesquisadas, se observa que: a) no espaço-tempo de trabalho se refletem as condições funcionais
de controle e ordem orientados às expectativas realizáveis (econômico-financeiras) altamente
voltadas ao futuro; b) na excessiva busca do utilitarismo nos processos de atualização das
informações, em verdade se está estimulando a crise dos valores relativos ao sentido do
trabalho; c) no reflexo das tensões, crises, conflitos e comoções referentes ao sem-sentido do
trabalho, se originam os mal-estares, as insatisfações e resignações que líderes e colaboradores
têm que aprender a lidar cotidianamente; d) no fluxo do desalento que arrebata a todos os
envolvidos no sistema de trabalho, os efeitos negativos aparecem em forma de aumento do
estresse, desenvolvimento de hábitos pouco saudáveis, perda de princípios referenciais estáveis,
dependência química, depressão, automatismo, vazio existencial, tédio, exaustão, nulidade de
protagonismo e conflitos interpessoais. Diante deste contexto, a questão a ser encarada é relativa
à necessidade de criação de procedimentos metodológicos com objetivo de
reeducar/reformular/reorientar as diferentes formas do ‘sentir, pensar, agir’ (talentos/Ser)
alusivos à líderes e colaboradores e revitalizar a cultura do pertencimento (habilidades/Estar).
MÉTODOS
Visto que buscamos percepções e entendimento sobre a natureza da educação para o
ócio no/do trabalho abrindo espaço para a sua vivência e interpretação sobre
redefinições de tempos e espaços organizacionais, propusemos em Programas de
Treinamento e Desenvolvimento a trinta e seis equipes corporativas Brasileiras (Ceará)
e europeias (Espanha/Portugal) a utilização de procedimento metodológico de pesquisa-
ação através de três técnicas psicosociodramáticas em formato de jogos dramáticos.
Como método inovador, o psicodrama criado por Moreno8 investiga a realidade desvelando
percepções do ‘aqui-e-agora’ através vivências em dimensões do passado, presente e futuro, por
meio de expressões (monólogos, diálogos, dramas, tramas) e técnicas (duplo, inversão de
papéis, espelho, interpolação de resistências) em que os grupos/protagonistas criam cenas
estruturadas, constroem e personificam papéis e pelo sentir/pensar/agir anulam do dualismo
8 Jacob Levy Moreno, médico romeno nascido em 1889, pesquisou e criou em Viena-Áustria e EUA (Segunda
Guerra Mundial) a Socionomia: sociatria, sociometria e sociodinâmica para atuação com grupos.
entre o imaginário e a realidade; baseado na filosofia do instante ‘tudo está sendo: nada é, foi ou
será tão validado como no momento’ em vista a aquecimentos/preparos, dramatizações e
compartilhamentos/processamentos os participantes ‘treinem’ ajustes de realidade às várias
situações antigo-atuais-projetadas que se exijam criação de respostas espontânea-criativas mais
adequadas.
Em transcendência de espaços (cenários) e tempos (‘flash’ que se desenrolam rápidas ou lentas
cenas de acontecimentos, situações, eventos) as ocorrências na/da vida como ela é (tudo o que
até então se achava resolvido, assentado, repousado e permanecia inconsciente) tem
possibilidade de ser revisto e reconstruído. No ‘treino’ dos papéis utilizamos as dimensões
estética e lúdica, ampliado a seus elementos verdadeiramente simbólicos; se antes havia algo
problemático se converte em uma vantagem para a resolução de conflitos e dificuldades, inter-
relacionadas.
Como primeira etapa do trabalho de educação para o ócio pelo ócio em contexto organizacional,
utilizou-se três componentes de aquecimento/preparo grupal: a) escultura em argila; b)
modelagem de máscaras em gesso; c) musicoterapia.
O primeiro recurso de ‘arranque’ em formato de drama escultural, são confeccionadas peças em
argila que exprimem e resumem a totalidade do mundo de quem a produz; segundo Dufrenne
(Em: Rohden, 2007) pela escultura se faz compreender o mundo e a si mesmo, pela sua
mediação que é possível reconhecer e reencontrar com saídas saudáveis aos dilemas
trabalhados. A vivência do ócio como estado mental que proporciona momentos de pura criação
tem a finalidade de ensinar, celebrar, consolidar e enriquecer as experiências.
O segundo recurso pelo objeto intermediário9 da modelagem de máscaras em gesso toma
conotação de expressão de papéis que normalmente os líderes e colaboradores não o fazem na
realidade amplificando as expressões gestuais e narrativas, permitindo o exercício do treino das
adequações de papéis. Com as máscaras são construídos cenários para a dramatização de
histórias coletivas interessantes pelo grau de improvisação e imprevisibilidade. Neste sentido, a
vivência do ócio favorece o desenvolvimento profissional possibilitando à cognição de
desconectar-se do real para que surjam possibilidades de novas realidades.
O terceiro aquecimento através da pantomima pelo recurso da musicoterapia; o movimento do
corpo associado às canções proporciona uma volta à atenção para o mundo corporal e gestual.
Pela psicomúsica se objetiva a integração catártica ou o ato de integração da equipe; se define
um tema cristalizado pelo grupo, e num preparo para o abandono de clichês/conservas culturais,
vão-se criando movimentos, sons e ritmos. A vivência de ócio possibilita essa transcendência
estabelecendo contato com realidades recriadas.
Através desses pudemos confirmar que o ‘Ser’/temporal e o ‘Estar’/ambiental ressignifica
talentos e revitaliza a cultura do pertencimento; a história como possibilidade que a
subjetividade, em relação dialético-contraditória com a objetividade, assume o papel do sujeito e
9 Recurso que devido a sua própria qualidade, funciona como facilitador de contato entre duas ou mais
pessoas; rico em sua forma de intermediar a passagem do estado de alarme (campo tenso) para o campo
relaxado.
não só do objeto das transformações do mundo; a força das verdadeiras relações entre as
pessoas para a soma de esforços no sentido da reinvenção das gentes e do mundo; o processo de
criação de sentidos está na íntima relação entre o mundo vivido na experiência histórica imersos
entre dos alunos e dos educadores. Neste cenário, utilizar uma potente lupa e expandir de
significados a concepção da essência da educação como prática da liberdade e servir-se de um
caleidoscópio rico de cores e formas transformando a visão empobrecida que a sociedade
hipermoderna ordena para a realidade da escola, é um audacioso e arrojado programa de
Encontros e de Desfrutes das Experiências de Ócio.
RESULTADOS
O que oportuniza as experiências de ócio? Consideramos que, em parte, são os valores
humanistas e a base sociocultural que os alunos e educadores vivenciam como momentos de
intensa espontaneidade e criatividade expandindo seus recursos de compartilhamentos. Desde
estes parâmetros, podemos inferir que a escola pode ser disparadora de movimentos que
incentivam: a) florescer a arte da descoberta dos talentos; b) percepção subjetiva da responsável
sensação de liberdade; c) fomento do sentido intrínseco de compartilhar saberes; d) sentimento
de confiança, sensação de aceitação e sem medos à exposição; e) estímulo ao desfrute; f)
instigar o desenvolvimento pessoal; g) estimulação às saudáveis aproximações interpessoais; h)
compromisso com momentos de relaxamento; i) encorajamento aos desafios possíveis; j)
motivar o encontro da introspecção por meio da absorção de valores tais como generosidade,
beleza e nobreza.
Desde uma perspectiva humanista, um dos maiores benefícios do ócio são as possibilidades de
desenvolvimento dos conhecimentos cognitivos, das competências afetivas e das habilidades
sociais, ou seja, favorece a aquisição de uma mais intensa complexidade psicológica,
sociológica, pedagógica e cultural para a con-vivência; o ócio pode ser constatado quando
impulsionam líderes e colaboradores ao encontro e ao desfrute (satisfação, bem-estar e
aprendizagens) atendendo ao estímulo para relacionar-se; além disto, quando dispõem a
experiência a partir dos aprendizados transformam ‘mentes solitárias em corações solidários’.
As vivências de ócio abrem caminho para que sejam reinterpretados/significados os tradicionais
postulados de tempo e espaço corporativos através das faculdades cognitivas e sensoriais;
enquanto experiência construtivista identifica a percepção que reconstroem sobre as dimensões
espaço-temporais, ou seja, relacionam o pensar, sentir e atuar perpassado pelo ‘sentido’ (Frankl,
1979) que configuram momentos de aprender conhecendo e conhecer aprendendo.
Na acepção do impacto valorativo sociocultural, o ócio assume seu papel de mobilizador,
organizador e compartilhador de sensações e sentimentos como afetividades, inteligências
criativas, sensibilidades inteligentes, consciências identitárias impulsionando o desenvolvimento
dos enraizamentos.
Constatamos durante as pesquisas com as equipes multiprofissionais acompanhadas durante um
percurso de intervenções in company: a) o ócio favorece a conquista da capacidade de líderes e
colaboradores identificarem e representarem em tempo/ambiência os objetivos psicossociais
ambicionados e consequentemente, experimentarem sentimentos e sensações de gratificação,
prazer e satisfação no/do trabalho.
Observando os dados decorrentes das intervenções temos que duas das maiores dificuldades
apresentadas pelas equipes multiprofissionais em relação às organizações eram a inflexibilidade
(88%) e a criação de mitos e ritos que interferiam, impactavam e desencadeavam distorções nos
processos de trabalho (83%), aos quais tivemos uma redução em torno de 38% e 73%,
respectivamente; os índices de maior redução das dificuldades foram à melhoria de 56% nos
índices referentes à tomada de decisões e de 25% indicativos do absenteísmo. Em relação aos
colaboradores, as duas maiores dificuldades indicavam o nível de stress (91%) e o vazio
existencial (86%); os índices de maior redução das dificuldades foram das resoluções ao vazio
existencial (87%) e da autoestima (83%). Em relação à organização aliada aos colaboradores, às
duas maiores dificuldades indicavam problemas de administração do tempo (97%) e
dificuldades de comunicação (91%); os índices de maior resolutividade se deram nas áreas da
motivação (65%) e da melhoria nos processos de comunicação (64%). A seguir, demonstramos
através de um gráfico/tabela esses resultados obtidos a partir das intervenções realizadas com as
trinta e seis equipes multiprofissionais pesquisadas.
Os líderes e colaboradores e a própria organização se apropriam de sentidos e significados do
trabalho para uma ampla ressignificação dos conceitos de tempo e espaço pessoal, psicológico,
social e cultural; é como ‘dar luz’ a algo, permanecendo vinculado permanentemente com essa
produção. A verdadeira experiência do ócio no contexto organizacional sugere equilíbrio entre
as ocorrências, procedimentos e protocolos de tarefas que se organizam com marcações de
transcendência de tempo e de espaço. Desde a transcendência de tempo, não se tem consciência
da sua duração como cronologia do relógio, mas sim como vivências que podem ser intensas
sem que se perceba que foi tão longa ou por outro lado, que se constate que aconteceu tão
rapidamente. Desde a transcendência de espaço, se nota uma intensa proximidade no modo
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EQUIPES (36) ANTERIOR
EQUIPES (36) POSTERIOR
como gestores e colaboradores se sentem em relação aos demais, com uma forte vinculação ao
contexto compartilhado de trabalho.
CONCLUSÕES
Reconhecido o sentido do ócio como âmbito de redefinição de tempos e espaços
organizacionais está unificado aos valores e aos profundos significados que as líderes e
colaboradores revelam de si mesmos e o contexto organizacional; esta premissa confirma que
por meio do ócio compartilham e comunicam entre/interculturalidades, que constituem a
essência com a qual julgam satisfatórias e gratificantes atuações corporativas. O método de
experimentar o ócio enquanto se reflete sobre ele, favorece aos líderes e colaboradores
memorizarem as sensações satisfatórias, prazerosas e agradáveis relativas à vivência
empreendida; o modelo do programa que permite a intervenção e a análise para o
reconhecimento de sentido do ócio aplica-se empiricamente ao domínio de suas interações em
âmbito das organizações; pelo reconhecimento das vivências de ócio interagem diretamente
com o social e o cultural, criando o sentido de pertencer que atualiza e especifica/conceitua os
aprendizados.
Tendo como referência a vivência do ócio, enfatizamos seus sete pilares: 1) pressupõe por um
lado à singularidade do ato vivido e, por outro, o devir que se produz ou a memória que líderes e
colaboradores transmitem em termos de seus papéis profissionais; 2) consolida os feitos em um
âmbito cotidiano que se propagam disseminando o conhecimento transmitido pelos sentidos
como uma fusão de sensações, sentimentos, emoções e estados de ânimo para momentos
extraordinários; 3) demanda desenvolver atitudes, expressões, gestos e palavras representativos
de um conjunto de mensagens emitidas em diversos códigos durante uma interação com o
objetivo explícito de serem percebidas como encadeamento ou desdobramento de ações que se
prolongam sedimentando os conhecimentos sincronizados entre um começo, um
desenvolvimento e um final; 4) derivada da motivação intrínseca decorre o processo que
incrementa a consciência de si mesmo como um ser ativo que pensa, manifesta suas
preferências, interesses e entusiasmo sendo capazes de explicá-las por referência às suas ideias e
propósitos que articulam os modelos mentais, pessoais e subjetivos; 5) promove atuações que
permitem além do desenvolvimento, uma fruição pessoal e grupal que resgata o sentido de
superação com satisfação; 6) produz um intenso bem-estar e sua principal contribuição é o
sentimento que fica de algo bom e por este motivo pode se deduzir como razão de felicidade; 7)
pressupõe por um lado interagir entre vários modos de atuação com sentido e, por outro, o fato
do encontro com os demais originando novas formas de realidade (aquisição de conhecimentos
das regras sociais relevantes ao entorno, melhoria da competência social, desenvolvimento das
habilidades de comunicação verbal e não verbal).
Conjugado a este conjunto de fatores, as vivências trazem consigo profundas mudanças de
valores; apoiado por esses sete pilares, o ócio incentiva o desenvolvimento pessoal-sociocultural
dos líderes e colaboradores; favorecem que se conquistem a maturidade pessoal e também que
se processem os vínculos interpessoais e os enraizamentos de tempos e espaços organizacionais.
A evolução atual do ócio, aliado a mobilizadora metodologia dos sociodramas possibilitam a re-
matrização de identidades, proporcionaram auto-realização e dão novos sentidos a vida
profissional de líderes e colaboradores em processo de ‘capacitação’ para o trabalho pleno de
sentido e significado.
A expressão mais adequada de todo esse conteúdo proposto e que os líderes e colaboradores tão
plenamente vivenciaram, é de que “o ócio moderno é um atributo da vida, um espaço vital que
ajuda o indivíduo a realizar-se” (Cuenca, 2003). O ócio então oferece possibilidades para fazer,
recriar e projetar oportunidade de expressão pessoal e também desenvolve a dimensão criadora.
Essas considerações assinalam práticas relacionadas com a incorporação do conceito clássico de
ócio à era pós-moderna, um ócio cultivado e entendido como cultura e aperfeiçoamento; a
gênese do ócio está então marcada por reinterpretações de modelos que delimitavam amplos
níveis de percepção e atuação em organizações e corporações.
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