citações: 1968-2018 - um relato de experiência interinstitucional · 2018-10-29 · figura 3 -...

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1 "Citações: 1968-2018" - um relato de experiência interinstitucional Eloyse Caroline Davet 1 Jaqueline de Jesus Hoiça 2 Ilanil Coelho 3 Arselle de Andrade da Fontoura 4 Rodrigo Boçoen 5 Resumo Este trabalho visa apresentar uma atividade interinstitucional realizada pela disciplina de História do Brasil III, do curso de História da Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE), em parceria com o Arquivo Histórico de Joinville (AHJ). Ao estudar os processos políticos de rupturas e continuidades da democracia brasileira nos últimos 50 anos, surgiu a oportunidade de se realizar uma pesquisa em documentos da imprensa que fazem parte do acervo do referido arquivo, articulada à leitura e discussão da bibliografia. As temáticas se deram em torno do golpe civil-militar, a ditadura militar, os movimentos sociais e a ruptura do regime autoritário, a emergência do Estado democrático e as dinâmicas que atuaram para a configuração atual das relações entre Estado e sociedade no Brasil. Tal atividade resultou na exposição 1968-2018: Citações ...”, cujo principal objetivo foi suscitar reflexões e debates sobre a história do Brasil no tempo presente, a partir de citações de personagens que enunciaram ou deixaram registros de suas opiniões, posições e avaliações sobre os conturbados acontecimentos da vida política brasileira que vivenciaram. As atividades possibilitaram uma experiência que promoveu, além da interinstitucionalidade, o princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão que fundamenta a universidade e a formação de profissionais de história. Palavras chaves: formação histórica, democracia, Joinville. Introdução A exposição “1968 - 2018: Citações …”, exibida entre os meses de agosto e setembro de 2018, na Universidade da Região de Joinville - Univille, teve como proposta suscitar reflexões e debates sobre a história do Brasil no tempo presente, a 1 Graduanda em História pela Universidade da Região de Joinville Univille. [email protected] 2 Graduanda em História pela Universidade da Região de Joinville Univille. [email protected] 3 Graduada em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP, Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCar, Doutora em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e Pós Doutora pela Universidade de Coimbra - UC. Universidade da Região de Joinville - Univille. [email protected] 4 Graduada em História pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM e Mestre em História pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Arquivo Histórico de Joinville - AHJ. [email protected] 5 Graduado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC/PR, Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC/PR. Arquivo Histórico de Joinville - AHJ. [email protected]

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Page 1: Citações: 1968-2018 - um relato de experiência interinstitucional · 2018-10-29 · Figura 3 - cartaz da exposição com a citação e o QR code correspondente, afixado com a técnica

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"Citações: 1968-2018" - um relato de experiência interinstitucional

Eloyse Caroline Davet1 Jaqueline de Jesus Hoiça2

Ilanil Coelho3 Arselle de Andrade da Fontoura4

Rodrigo Boçoen5 Resumo Este trabalho visa apresentar uma atividade interinstitucional realizada pela disciplina de História do Brasil III, do curso de História da Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE), em parceria com o Arquivo Histórico de Joinville (AHJ). Ao estudar os processos políticos de rupturas e continuidades da democracia brasileira nos últimos 50 anos, surgiu a oportunidade de se realizar uma pesquisa em documentos da imprensa que fazem parte do acervo do referido arquivo, articulada à leitura e discussão da bibliografia. As temáticas se deram em torno do golpe civil-militar, a ditadura militar, os movimentos sociais e a ruptura do regime autoritário, a emergência do Estado democrático e as dinâmicas que atuaram para a configuração atual das relações entre Estado e sociedade no Brasil. Tal atividade resultou na exposição “1968-2018: Citações ...”, cujo principal objetivo foi suscitar reflexões e debates sobre a história do Brasil no tempo presente, a partir de citações de personagens que enunciaram ou deixaram registros de suas opiniões, posições e avaliações sobre os conturbados acontecimentos da vida política brasileira que vivenciaram. As atividades possibilitaram uma experiência que promoveu, além da interinstitucionalidade, o princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão que fundamenta a universidade e a formação de profissionais de história. Palavras chaves: formação histórica, democracia, Joinville.

Introdução

A exposição “1968 - 2018: Citações …”, exibida entre os meses de agosto e

setembro de 2018, na Universidade da Região de Joinville - Univille, teve como

proposta suscitar reflexões e debates sobre a história do Brasil no tempo presente, a

1Graduanda em História pela Universidade da Região de Joinville – Univille. [email protected] 2Graduanda em História pela Universidade da Região de Joinville – Univille. [email protected] 3Graduada em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP, Mestre em

Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCar, Doutora em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e Pós Doutora pela Universidade de Coimbra - UC. Universidade da Região de Joinville - Univille. [email protected] 4Graduada em História pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM e Mestre em História pela

Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Arquivo Histórico de Joinville - AHJ. [email protected] 5Graduado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC/PR, Mestre em

Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC/PR. Arquivo Histórico de Joinville - AHJ. [email protected]

Page 2: Citações: 1968-2018 - um relato de experiência interinstitucional · 2018-10-29 · Figura 3 - cartaz da exposição com a citação e o QR code correspondente, afixado com a técnica

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partir de citações de pessoas que enunciaram ou deixaram registros de suas opiniões,

posições e avaliações sobre os conturbados acontecimentos na democracia brasileira

que vivenciaram.

Tal trabalho surgiu da percepção de que

debates e embates da sociedade brasileira na contemporaneidade tem motivado radicalizações manifestadas em múltiplos espaços de sociabilidade e de interações comunicacionais, incluindo os espaços virtuais. Tais radicalizações se desdobram e difundem em atos de violência simbólica e física e, pior, obstruem o tão necessário diálogo político sobre as perspectivas de futuro do nosso país num momento de grave crise ética, institucional, econômica e mesmo de participação cidadã6.

Num cenário como este, é imprescindível a contribuição da universidade - e

de outras instituições comprometidas com a produção e difusão de conhecimento, a

exemplo do Arquivo Histórico de Joinville (AHJ), co-promotor da exposição, para

contribuir com a democracia de modo que façam multiplicar espaços e meios de

discussão e reflexão. É uma alternativa que surge para que os problemas encontrados

hoje possam ser enfrentados através de diálogos substantivos no que se refere

densidade temporal e espacial que apresentam, bem como na complexidade que os

revestem e que os circunstanciam.

A exposição: pesquisa e montagem

A ideia de montar uma exposição voltada a abrir oportunidade para refletir

sobre tais questões surgiu a partir de uma atividade proposta pela disciplina de

História do Brasil III, do curso de História da referida universidade, em parceria com o

Arquivo Histórico de Joinville (AHJ). Visto que os acadêmicos do quarto ano de

História estavam estudando os acontecimentos históricos referente ao recorte

temporal 1960 - atualidade, na dita disciplina, e que o AHJ buscava trabalhar novas

temáticas a partir de parte de seu acervo que foram pouco abordadas pela instituição.

As ideias se combinaram e o projeto da exposição começou a tomar forma.

A primeira etapa do trabalho para a montagem da exposição consistiu na

pesquisa no arquivo histórico da cidade. Oportunizado pela aliança interinstitucional,

6 UNIVERSIDADE DA REGIÃO DE JOINVILLE – UNIVILLE. Laboratório de História Oral da Univille – LHO. “1968 – 2018: Citações ...”. Joinville, 2018. Folder elaborado para divulgação da exposição “1968 – 2018: Citações ...”.

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os acadêmicos da universidade tiveram a experiência de estar no papel de historiador-

pesquisador, e, auxiliados pela equipe do Arquivo, realizaram um exaustivo trabalho

de pesquisa (figura 1) em reportagens de jornais que integram o acervo do AHJ mais

especificamente, no jornal A Notícia e no jornal Extra. O objetivo de cada acadêmico

foi levantar, selecionar e identificar no mínimo 10 citações que, retiradas das fontes

trabalhadas, fizessem alusão a construção e emergência das “utopias autoritárias” e

das “utopias democráticas” na história brasileira (1968-2018). Assim, articulada à

leitura e discussão bibliográfica, a pesquisa teve como temas norteadores: o golpe

civil-militar, a ditadura militar, os movimentos sociais e a ruptura do regime autoritário,

a emergência do Estado democrático e as dinâmicas que atuaram para a configuração

atual das relações entre Estado e sociedade no Brasil.

Figura 1 - Acadêmicos da universidade durante a pesquisa no AHJ.

Fonte: Acervo pessoal dos autores, 2018.

Cada citação selecionada foi identificada de acordo com: nome do jornal de

onde foi retirada; data da publicação (dia, mês e ano); a página e o caderno na qual

se encontra; o título e o autor da reportagem; autor da citação e o tema ou

acontecimento ao qual se refere. Todas essas informações foram organizadas numa

ficha de identificação de cada citação, que acompanhava ainda uma imagem da fonte

de onde foi extraída. Essas informações foram muito importantes para a escolha das

citações que iriam compor a exposição, visto que já havia todo um conceito

expográfico definido.

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A intenção desde o início era utilizar as citações para analisar quais reações

elas poderiam suscitar nas pessoas: reflexão, discussão, crítica, etc. Assim, para que

não houvesse nenhuma informação prévia que pudesse interferir em tais questões,

as citações seriam expostas sem identificação de autor ou data (figura 2). Elas seriam

acompanhadas somente de um QR code7, que redirecionaria as pessoas interessadas

em saber mais sobre, para uma página com todas as informações de identificação da

fonte (a ficha de identificação que foi criada para a citação juntamente com a imagem

da fonte que se encontra no acervo do AHJ). Por isso a importância do trabalho ainda

no arquivo para que todas as citações fossem identificadas corretamente.

Figura 2 - Modelo expográfico utilizado na exposição das citações.

Fonte: Acervo pessoal dos autores, 2018.

Após essa primeira etapa de pesquisa no Arquivo, o segundo passo foi definir

quais citações fariam parte da exposição, pois somente 50 de todas aquelas que foram

levantadas pelos acadêmicos seriam escolhidas. A definição desse número exato de

50 citações se dá, primeiramente, pelo recorte temporal estabelecido: 1968-2018.

Além disso, a exposição marca parte das comemorações dos 50 anos do curso de

7 Código em 2D muito similar ao de barras, mas que vai além ao trabalhar com as informações

codificadas tanto na dimensão horizontal quanto na vertical.

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História da Univille, fazendo do número algo ainda mais simbólico, e das

comemorações dos 10 anos do Programa de Pós-Graduação em Patrimônio Cultural

e Sociedade, também da universidade.

Alguns aspectos tiveram que ser levados em conta na decisão de quais

citações fariam parte da exposição. Optou-se por aquelas que incluísse os mais

diversos temas pesquisados, fossem eles relacionados à própria cidade ou ao país,

de modo que contemplasse as mais diferentes visões daqueles que expressaram suas

versões dos acontecimentos que vivenciaram. Ao longo das análises e escolha das

citações para integrar a exposição, foram selecionadas frases clássicas do período da

Ditadura Militar no Brasil (1964-1985)8 e frases relativas aos acontecimentos de maio

de 1968 de vários lugares do mundo. Além disso, outra questão importante para a

exposição é de que as citações não fossem muito longas, por razões diversas: uma

delas era para que a citação não se tornasse uma leitura cansativa para as pessoas

e assim pudesse chamar a atenção daqueles que estavam de passagem pelo

campus; mas, principalmente, para que se encaixasse na proposta de comunicação

expográfica - cartazes que seriam fixados através da técnica do “lambe-lambe”.

Os cartazes, confeccionados nos tamanhos A4 e A3, foram colocados em

locais abertos e com grande circulação da comunidade acadêmica (como nos

corredores da universidade, por exemplo). Cada cartaz trouxe uma citação diferente

com o QR Code correspondente, o que permitiu que as pessoas pudessem acessar a

autoria daquela determinada citação, a identificação da fonte e as demais informações

sobre a exposição. A técnica do “lambe-lambe” foi justamente selecionada devido a

sua trajetória como meio de intervenção popular e artística muito utilizada por grupos

de resistência e movimentos sociais na vida urbana. Popularizado com este nome no

século XXI,

o lambe-lambe, [...], tem no cartaz o seu precursor, mas sua função o

diferencia deste, pois está relacionado a um movimento com viés crítico e

propõe uma ideia ou reflexão contrária à alguma conduta social ou

desigualdade (NASCIMENTO; SOUZA; TOREZANI; 2017, p. 2)9.

8 “Afasta de mim esse cálice” - Chico Buarque (1978). 9 NASCIMENTO, Lorrayne Barbara Ferreira do; SOUZA, George André Pereira de; TOREZANI, Julianna Nascimento. Lambe-lambe: a arte da intervenção urbana. In: XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste, 2017, Fortaleza. Anais. Fortaleza, 2017. Disponível em: <http://www.portalintercom.org.br/anais/nordeste2017/resumos/R57-0431-1.pdf>. Acesso em: 22 set. 2018.

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O lambe-lambe se assemelha a um adesivo, porém, é fixado na superfície

com uma mistura de cola branca e água que é aplicada sobre a folha (figura 3). Dos

mais variados tipos,

de simples cartazes com textos impressos até outras criações artísticas mais

elaboradas, [...] todos, por mais simples que sejam e mesmo sem a intenção

consciente do artista, estão ligados à uma visão política, pois as artes de rua

possuem um pressuposto de ocupação dos espaços urbanos das cidades

(NASCIMENTO; SOUZA; TOREZANI; 2017, p. 3)10.

Figura 3 - cartaz da exposição com a citação e o QR code correspondente, afixado com a técnica do “lambe-lambe”.

Fonte: acervo pessoal dos autores, 2018.

Além dos cartazes expostos com as citações levantadas na pesquisa no

arquivo, foi decidido que, para complementar a exposição, fossem também estendidas

algumas faixas pelo campus da universidade (figura 4). As citações escolhidas foram

resultado da pesquisa bibliográfica e do levantamento de fontes imagéticas que

aludem à diversas manifestações sociais, culturais e artísticas que ocorreram nestes

tão importantes 50 anos ao qual a exposição se delimita. Um dos eventos mais

10 NASCIMENTO, Lorrayne Barbara Ferreira do; SOUZA, George André Pereira de; TOREZANI, Julianna Nascimento. Lambe-lambe: a arte da intervenção urbana. In: XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste, 2017, Fortaleza. Anais. Fortaleza, 2017. Disponível em: <http://www.portalintercom.org.br/anais/nordeste2017/resumos/R57-0431-1.pdf>. Acesso em: 22 set. 2018.

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marcantes de onde as frases foram escolhidas foi o movimento de maio de 1968,

ocorrido na França.

Figura 4 - Faixa exposta no campus da Univille.

Fonte: acervo pessoal dos autores, 2018.

Recepção e acompanhamento nas mídias digitais

O uso da tecnologia foi essencial para que a ideia da exposição desse certo.

Além do QR code como ferramenta para auxiliar no conceito da exposição, outra

tecnologia utilizada para a comunicação expográfica foram as hashtags11. A ideia era

de que as pessoas pudessem interagir nas redes sociais (Instagram, Facebook, etc.)

postando conteúdos relacionados a exposição, de modo que pudesse ser feito um

monitoramento e acompanhamento de como estava sendo a recepção desta pela

comunidade acadêmica. Para isso, as hashtags utilizadas foram #citacoes e

#anpuhuniville2018, esta última em alusão ao evento em que a exposição foi lançada

(XVII Encontro Estadual de História - ANPUH/SC). Além disso, outra forma de

acompanhamento foi através do acesso das pessoas via QR code à página criada

contendo todas as citações e as informações pertinentes. Hospedada no Facebook12,

na página (figura 5) as pessoas poderiam conhecer a proposta da exposição, além de

11 Palavras-chave antecedidas pelo símbolo #, muito utilizadas nas redes sociais para caracterizar os conteúdos publicados. 12 Disponível em: <https://www.facebook.com/19682018Citacoes/?ref=br_rs>

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também comentar, curtir e compartilhar as publicações de modo que divulgassem o

trabalho realizado.

Figura 5 - Página da exposição no Facebook.

Fonte: facebook.com

O monitoramento da recepção das citações pelas pessoas na universidade foi

realizado, também, através de registros fotográficos ao longo do período da

exposição. Já era esperado que possivelmente algumas citações pudessem ser

“sensíveis” demais perante o contexto político - composto por uma onda conservadora

e majoritariamente evangélica que integram o governo do país, por questões relativas

à todos os recentes acontecimentos que balançaram o cenário político e econômico

envolvendo vários políticos em escândalos de lavagem de dinheiro e corrupção - e

por conta disso, houvessem posicionamentos de maneira contrária a exposição.

Assim, como foi imaginado, houveram interações agressivas contra as citações

expostas pelo campus: desde rasgar os cartazes, a riscar e arrancá-los por completo

(figura 6 e 7). Tudo foi registrado através de fotografias durante as rondas de

monitoramento e, posteriormente, tais registros irão compor uma segunda exposição

prevista para ser lançada no Arquivo Histórico de Joinville no mês de novembro. Esta,

por sua vez, reunirá documentos originais e reproduções referentes aos anos de 1964

a 1985, de diferentes tipologias e suportes, que integram fundos e coleções do acervo

da instituição.

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Figura 6 e 7 - interações realizadas nos cartazes afixados pelo campus. No primeiro registro, uma possível tentativa de arrancar uma citação; no segundo, a seguinte frase foi escrita: “limpem a

Univille”.

Fonte: Acervo pessoal dos autores, 2018.

As primeiras questões que podem ser levantadas a partir de uma primeira

análise dos registros da recepção da exposição, é de que houve três diferentes tipos

de resposta por parte das pessoas. Logo nos primeiros dias em que a exposição

estava disponível ao público, várias foram as críticas negativas que se sucederam

(figura 8). As reclamações se deram por diferentes meios, sendo que até mesmo a

ouvidoria da universidade foi acionada em muitos dos casos. Seja pelo teor das

citações que compunham a exposição ou devido ao método e técnica que foi utilizada

para a comunicação expográfica (lambe-lambe), as críticas se disseminaram

rapidamente. “Poluição visual” e “depredação do patrimônio” são alguns dos exemplos

de adjetivação utilizada para se referir ao trabalho realizado. De fato, houve um certo

estranhamento por parte das pessoas que trabalham, estudam ou tem qualquer outro

vínculo com a instituição, visto que não é algo comumente visto na universidade.

Como já demonstrado, a reação de algumas pessoas perante as citações expostas

as fez até mesmo tentar destruí-las. Porém, a razão por trás de tal atitude não parece

ser simplesmente porque as pessoas não gostaram do trabalho produzido. Tal

questão carece ainda de análises mais aprofundadas.

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Mas apesar das críticas negativas, houve também uma boa recepção por

parte de outra parcela das pessoas que frequentam os espaços da Univille

diariamente. No evento de lançamento, nos espaços de convívio social e na internet,

comentários positivos elogiaram a proposta da exposição e a alternativa da mesma

ser utilizada como forma para oportunizar reflexões a partir das perspectivas e

questões levantadas por meio das citações (figura 9). Durante o período de

monitoramento, pôde ser observado, ainda, aqueles que não entenderam e até

mesmo não sabiam que aquele trabalho distribuído pelo campus era uma exposição

(figura 10). Mas de todo modo, sejam as reações negativas ou positivas, a exposição

foi difundida e reverberou entre a comunidade acadêmica, suscitando debates e

discussões. Logo, pode-se considerar que um dos objetivos foi alcançado.

Figura 8, 9 e 10 - registros do monitoramento da recepção da exposição nas redes sociais.

Fonte: facebook.com e instagram.com

Das análises primárias

Aproximadamente 60 cartazes foram expostos, e destes, um número que gira

em torno de 30 foram afetados. Ou seja, de acordo com os registros coletados do

monitoramento realizado, cerca de metade da exposição foi de alguma maneira

destruída pelo público. Desde o início do projeto, tinha-se a hipótese de que a

exposição causaria estranhamento no campus. Entendendo que a técnica do lambe

foi e ainda é utilizada como forma de resistência e na clandestinidade, ver a exposição

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ser aprovada e contar com o apoio da Reitoria e Setor de Patrimônio responsável pela

universidade foi um acontecimento muito significativo para a história do curso de

História da Univille. Tendo em vista que a exposição estava afixada em locais públicos

e coletivos espalhados pelo campus, alguns espectadores sentiram-se à vontade para

interagir com a exposição.

Tal atitude observada pode ser uma reação causada pela sensação de

atualidade das citações escolhidas. Aqui, pode-se considerar que mais um objetivo foi

alcançado, visto que o propósito da exposição era justamente demonstrar e suscitar

reações nas pessoas. Mesmo frases do ano de 1968, 50 anos depois, se mostraram

tão atuais quanto no seu contexto de origem. Assim, visto que a sociedade brasileira

na contemporaneidade vive um momento de radicalização dos discursos e de

profunda intolerância demonstrada em todos os âmbitos da vida, poder vislumbrar isso

durante a exposição foi muito significativo para as análises futuras.

Porém, essa sensação de atualidade, de um passado que não passou, não

foi observado somente entre o público teve contato com a exposição. Os acadêmicos

do quarto ano de História, durante a etapa de pesquisa no arquivo, tiveram a mesma

experiência ao entrar em contato com as fontes utilizadas.

Aliás, destaca-se aqui a importância de uma experiência como essa para

esses profissionais em formação. Como o curso de História da Univille é voltado para

a licenciatura, grande parte dos acadêmicos, já no último ano, nunca tiveram a

oportunidade de realizar uma pesquisa em arquivo, tendo contato direto com as fontes

primárias. Sentir-se no papel de pesquisador-historiador com certeza foi um momento

enriquecedor para todos.

Além disso, cabe destacar aqui a importância do trabalho de conservação,

salvaguarda, pesquisa e difusão do acervo ao qual os arquivos se dedicam.

Especialmente no caso do Arquivo Histórico de Joinville, a dedicação, compromisso e

responsabilidade que mostra não somente com o passado, mas com as questões que

permeiam a sociedade no tempo presente.

Por fim, este trabalho teve como proposta relatar as oportunidades e desafios

que surgem ao trazer à tona questionamentos e reflexões sobre o passado e o

presente vivido, ainda mais quando estes se confluem. Os resultados alcançados

ainda serão analisados de maneira mais aprofundada, mas é inegável o fato de ter

sido um marco - tanto para aqueles que participaram do projeto, quanto para a

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comunidade acadêmica que pôde prestigiá-la. Além disso, as atividades que foram

desenvolvidas possibilitaram uma experiência que promoveu, além da

interinstitucionalidade, o princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e

extensão que fundamenta a universidade e a formação de profissionais de história.