civilidade pueril

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TEXTOS FUNDAMENTAlS ~ DE PUERIS ERASMO TRADUQAO LUIZ FERACINE

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Page 1: Civilidade Pueril

TEXTOS FUNDAMENTAlS~

DE PUERIS

ERASMOTRADUQAO

LUIZ FERACINE

Page 2: Civilidade Pueril

Parte I

o EducadorRealiza, em

Plenitude,a Patern idade

A EducagaoPrincipia na Fasedo Aleitamento

EscolherLogo um Pedagogo

Competente

Aprendizagemnao e Veneno

Nunca e Cedo Demais ParaIniciar 0 Processo Educacional

Apos longo periodo de desesperan<;a quanto a fecundidadede tua esposa, eis que fico sabendo que es pai e, por sinal, de ummenino que demonstra, desde ja, uma Indole odmiravel, a saber,identic a a dos pais, de modo ser licito prognosticar, com basenos tra<;ose indicios, excelsas virtudes.

Porissoacalentas diligenciar para que crian<;a too promissora,logo mais ao ganhar porte, seja iniciada nas boas letras, instruidanas melhores disciplinas assim como instruida e formada nossaluberrimos princfplos da filosofia.

Evidente que queres ser pai em sentido pleno da palavra talcomo almejas seja ele um filho deveras naG so porque te retratano semblante e no fisico em geral, mas, acima de tudo, nos do-tes de genio.

Porisso,no mesmo grau em que me alegro, de cora<;ao, coma felicidade do amigo afei<;oado, assim aplaudo, com entusias-mo, os propositos de teu discernimento.

Apenas sobre um ponto advertiria, com atrevimento, ta/vez,mas, por certo, movido pela bem-queren<;a: naG te amoldes aopiniao e ao exemplo muito em voga, deixando decorrerem osprimeiros anos do teu filho sem tirar proveito algum da instru<;ao.Faze-o aprender as primeiras n096es antes que a idade fiquemenos ductil e 0 animo mais propenso aos defeitos ou ate mes-mo infestado com as raizes de vicios tenacfssimos.

Para tanto deves, desde logo, procurar um homem de bonscostumes e de carater meigo, dotado de conhecimentosinvu/gares, a cujorega<;o possas confiar teu filho como ao nutrizde seu espirito a fim de que, a par do leite, sorva 0 nectar das/etras e, assim, condividas, por igual, os cuidados entre as amas eo preceptor de sorte que aquelas /he fortificam 0 pequeno corpocom 0 melhor dos sucos enquanto este zela pela mente,subministrando ensinamentos salutares e honestos.

Para isso naG reputo plousivel que tu, pessoo too douto eperspicoz, des ouvldos aquelos mulherezinhos e a certos ho-mens, olios, em tudo semelhontes a elO$, salvo pelo borba,que, par cruel comiser0900 e perniciosa induigencio insistem

Page 3: Civilidade Pueril

.Respeito aOrdem dos Valores

Patern idadenao se Reduz ao

Ato Gerativo

10 INTEAMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL

na necessidade de entreter a crian<;a com os beijos mater-nos e as caricias das nutrizes bem como entre as brincadei-ras das servas e dos famulos com suas inepcias nem semprepudicas. E assim ate ao desabrochar da puberdade paramante-Ios distantes do aprendizado das letras como se fosse. . .

veneno, sob 0 pretexto de ser a .infancia fragil demais parareceber Ii<;oes e delicada ao extrema para suportar as fadi-gas do ensino. Em suma, asseguram ser muito escasso 0 ren-d~mento naquela fase eta ria de modo a nao se justificaremnem 0 dispendlo dos gastos nem 0 Inc6modo sobre a com-plei<;ao tema da crian<;a.

Enquanto refuto, ponto por ponto, tais obje<;oes, pe<;oconceder-me, poralguns minutos, tua aten<;oo enquantoconsideras, primeiro, 0 fato de serem estas coisas escritaspor alguem que 0 estima acima de qualquer outro, e, de-pois, que estou, aqui, a tratar de um assunto que a ti interes-sa antes dos demais. Com efeito, que pode haver de mais \caro do que um filho, m6xime quando unico, a quem dese-jarias transferir, se possivel fosse, a propria vida e noo ape-nas as riquezas?

De outro lado, como nao ver um comportamento per- ,verso e contraditorio naqueles que se empenham, commuito afo, no cultivo de lavouras, na edifica<;oo de casas, \na cria<;oo de cavalos, consultando, a proposito, 0 parecerde peritos com longa vivencia na area, mas se ocupam, ~muito de leve, em instruir e educar os proprios filhos, aos ~quais, no entanto, tudo se destina. •

Pior. Nem sequer se valem do proprio discernimento nem ~se aconselham junto a pessoas atiladas, como se estivesse .•em questao coisa de somenos que pudesse ficar aos cui- '"•dados de mulherezinhas ineptas ou de homens vulgares. ,..

Ate parece reeditarem 0 absurdo de mais se preocu- •,..par com 0 sapato do que com 0 pe ou de usar requinte _no asseio das vestes sem atentar para a saude do cor- ~po. ~

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Noo YOU, aqui, eminente amigo, aquecer-te a memoriacom lugares comuns. Mas ve, Quanta for<;a na natureza,quanto devotamento, quantas leis divinas e institui<;oes hu-manas a compelirem os pais para os deveres em face dosfilhos que, de certo modo, os fazem veneer a mortalidade,tornando-os imortais.

No entanto, alguns julgam ter realizado, a maravilha, suamissoo paterna so porque respondem pelo ate gerativo,

.quando isso representa 0 minimo do amor eXigido pelo titu-lo da paternidade.

Para seres pai autentico deves dar dedica<;oo plena aofilho por inteiro, sendo que a primazia absoluta desse em-penho recai sobre aquela parte que 0 sobrepoe aos ani-mais e 0 aproxima, bem de perto, do semelhan<;a com di-vindade.

Page 4: Civilidade Pueril

Nao Basta 0

Desvelo Para Com aSaude

A PapagaioVelho Aborrece

Treinamento

A Li~ao DadaPelos Agricultores

E de ver a solicitude do maioria das maes no sentido denao terem filhos estrobicos, de olhos descentrados ou com asboch,echas caldas, cabec;o pensa, ombros corcundos, per-nasrecurvas e pes chatos, enfim, que tenham 0 corpo emsimetria perfeita. Para tanto, dentre outros recursos, lanc;ammoo de pequenas faixas· e Iigaduras para agasalhar as ma-C;asdo rosto.

Tambem nao omitem 0 leite e outros alimentos, os banhos,o modo de andar, tudo aquilo, em sumo, recomendado pe-los melhores medicos em numerosos·livros, nomeadamenteGaleno, jo que, destarte, se mantem saudovel 0 corpo do crian-c;a. Todavia, nao ordenam eles que se protelem tais medidasate 0 setimo ou oitavo ano. Antes, recomendavam semelhan-tes cuidados para logo, jo a partir do momento em que a cri-anc;a abandona 0 utero materno.

Com acerto assim procedem. Pois, com frequEmcia, umainfancia sem cuidados condiciona adultos para uma velhiceenferma e sujeita a outras aflic;oes, se e que ate 10chegam. Eainda mais. Nem bem a crianc;a veio 00 mundo e a diligentemae fica toda precavida. Durante a gravidez, abstem-se deingerir certos alimentos e evita de fazer movimentos bruscos.Se, por outro lado, 01go Ihe cai 00 rosto, de imediato, retiracom a moo e 0 aplica em parte velada do corpo. Pois, medi-ante numerosas experiencias, descobriu-se que tal terapia des-faz, em parte oculta do corpo, a deformidade que, eventual-mente, ter-se-ia manifestado em parte visivel.

Por certo que ninguem iria acoimar de precoce a diligenciadispensada a porc;ao menos nobre do ser humano. Por que en-too negligenciar, por anos a fio, aquela parte de onde nos advemo nome apropriado de homem? Nao serio ridiculo enfeitar 0 cha-peu e deixar 0 cabelo em desalinho ou infestado de parasitas?Ora, de maior desatino serio prodigalizar tratos 00 corpo perecivele nao ter desvelo pela alma imortal.

E nao e s6 isso nao. Quando nasce, em sua propriedade, umpotro ou um coo de rac;a, of, muito cedo, sao eles adestradosporque aquelas tendencias em sua espontaneidade, enquantoainda novas, ficam mais flexiveis 00 adestramento.

Ensinas, no devido tempo, 0 papagaio a reproduzir os sonsdas palavras por saberes que, com 0 passar dos anos, ele se tor-no menos destro. Dai 0 proverbio: "papagaio velho desdenhaferula". Mas qual a vantagem de cuider de aves e esquecer dosfilhos?

Por ventura estao os agricultores de brac;os cruzados?Nao sac bem eles que se apressam a fazer os enxertos emplantas novas a fim de expurg6-los de suas propriedadessilvestres, antes que 0 vigor as tome rijas? E nao s6 cuidampara nao deixar os arbustos curvos ou com outros defeitos,Coso sejam infestados de qualquer praga, logo sac pen- 11

Page 5: Civilidade Pueril

A InstruQao,Tarefa Precfpua

o Exemploda Natureza

Animal

12 INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL

sados, enquanto ainda brandos e obedientes 00 toque domoo modeladora.

Ora, que animal ou qual planta responde a expectativaou 00 manejo dos seus donos ou dos agricultores, se a na-tureza noo for coadjuvada por nossa iniciativa? De fato, 0que e feito, tempestivamente, produz resultado. mais efi-caz.

Estafora de duvida. A moe natureza aparelhou com maisrecursos os animais desprovidos de fala para suas"func:;6esgenuinas. Todavia, noo e admiravel e ter a divino Providen-cia entregue 00 unico ser racional, dentre os viventes, amaior parcela de sua natureza a educac:;oo?

Correto, por isso,0 que foi escrito por alguem: 0 primei-ro, 0 segundo e 0 terceiro passos para se alcanc:;ar0 apicede toda felicidade consistem no reta instruc:;ooe no autenti-co educac:;oo. Com tais palavras de incentivo, Demostenesencarecia a correc:;oono pronuncia. E estava ele cobertode razoo. Entretanto,0 ensino adequado concorre em maiorintensidade para 0 bem do sabedoria do que a correta pro-nuncia em relac:;ooa eloqOencia.

Com efeito, a fonte de toda a virtude consiste numa edu-cac:;oodiligente e aprimorada.· be igual modo, em relac:;ooa demencia e a perversidade, 0 primeiro, 0 segundo e 0terceiro passos resultam do educac:;oo descuidada e cor-rupta. Epensar que tudo depende, de modo preponderan-te, de nos mesmos!

E.bem em razoo disso que aos demais viventes a nature-za confere agilidade, aptidoo para voar, olhos aguc:;ados,corpulencia' e Vigor ffsico, escama, pelo, cabelo, couro,chifre, garra e veneno, mediante os quais eles defendem apropria incolumidade bem como ficam aptos a se proverde alimentos e a nutriros filhotes. Emcontraposic:;oo,ela gerao ser humane flacido, nu e indefeso. Todavia, 00 inves detodas aquelas propriedades, dota-o de mente capaz deaprender, incluindo tudo nesseunico arsenal, posta que sejaexercitado.

Poroutro lado, no medida em que 0 animal e menos sus-cetivel de aprendizado, mais provido esta pelos instintos.As-sim, as abelhas noo aprendem a construir os alveolos, a co-letar 0 nectar e a elaborar 0 mal. As formigas noo recebeminstruc:;6espara, no veroo, armazenar em celeiros, onde, du-rante 0 inverno, vivem e se alimentam. Tudo issoelas fazempor forc;ado instinto dado pela natureza, Ao contrario, 0 ho-mem noo come, noo anda, nem trabalha a noo ser quan-do ensinado, ,

Se, por conseguinte, as arvores produzem frutos ou pou-cos ou ruins quando falta a enxertia; se 0 coo nasce semhabilidade para cac;ar tal como 0 cavalo nasce desajeita-do para a equitac;oo e 0 boi inapto para arar, salvo quan-do, por capricho, adestrados para semelhantes habilidades,

Page 6: Civilidade Pueril

A Educa~aoAperfei~oa -a

Natureza

Educar Parao Uso dos

Bens Materiais

Educar Paraa Honestidade

de Par com aInstru~ao

de igual modo, 0 ser humano, sem meticulosa aprendiza-gem que Ihe advem dos moldes instrucionais, nao passa deanimal inutil.

Nao yOU me por, aqui, a repetir a Iic;ao sempre· evocada deLicurgo. A respeito dele narra-se que, durante um espetoculo, 0caozinho, de boa rac;a mas sem adestramento, corre para a co-mida, enquanto outro, de rac;a mends apurada, porem devida-mente adestrado, sai ao encalc;o da cac;a. Eisaf. A natureza e deper si eficiente. No entanto, a educac;ao, com sua eficocia maisavantajada, pode supero-Ia.

Os.homens cuidam em ter um bom cachorro para a cac;a,em possuir cavalo forte para cavalgar. Eem tudo issoninguem osrecrimina de diligencia precoce. Mas, em se tratando de filho,que, com seu brio, homa ospais e ate os assiste, ao qual, maistarde, se transfere boa parte dos encargos domesticos, de cujosprestimos a velhice pode receber seguranc;a e apoio, alem defie I defensor da Iinhagem como esposo prestante, probo e util

.. cidadao para potria, enfim, no que tange a tudo isso ou impera

. amissae total ou s6 se acorda tardiamente.Para quem os pais semeiam? Para quem aram? Para quem

constroem? Para quem se afadigam em angariar riquezas par mare por terra? Nao e bem para seus filhos? Mas que uso e proveitohao de ter tantos bens se aquele, a quem se destinam, naG sabecomo administro-Ios?

Oigo mais. Os bens sac adquiridos com dedicac;ao, poremnaG ho empenho algum pelo pessoa que os vai possuir.

Quem daria uma harpa a indivfduo bronco em musica? Quemmontaria uma biblioteca farta para pessoa ignara em letras?

Apesar disso, amontoam riquezas nas moos de quem nuncafoi preparado para geri-Ias.

Se ajustas tais bens para pessoa devidamente educada, en-tregas-Ihe instrumento de virtude; se, ao inves, caem em poderde indivfduo desinformado e rude, que fizeste a noo ser municio-10de recursos para a malversac;oo e os vicios?

Seria, por ventura, imaginovel um pai mais desatinado?

Preocupam-se os pais em ter filhos sem defeitos fisicos e emtorno-Ios aptos para atividades normais. Todavia se descuidamdo espirito de cujo controle depende 0 comportamento moral.

Seria, entoo, de recordar que nada melhor do que a sabedo-ria aliada a instruc;oo para se conquistarem riqueza, dignidade,poder e mesmo boa saude, coisas essas tOo suplicadas aos ceuspara os filhos?

Almejam para eles a presa, mas noo Ihes doo a rede de cac;ar.Noo se pode galardear 0 filho com prendas inacessiveis. Isso

noo obstante, podes instruf-Io nas artes mediante as quais coisasexcelentes podem ser alcanc;adas. 13

Page 7: Civilidade Pueril

Ter Statuscom Estrutura

/

-Etica

Corpo Limpocom Esplrito

Polido

14 INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL

Ja apontei 0 que rala pelos confins do absurdo. Mas e insensa-tez maior ter, em casa, um coo de guarda adestrado ou um ca-valo domado, a primor, ao lade de um filho desaparelhado paraa vivencia honesta. E como ter uma lavoura bem cultivada e filhovexatoriamente bronco ou possuir casa decorada com todo luxo,mas um filho desnugo daqueles predicados que sac os verdadei-ros ornamentos.

Alem do mais, aqueles que, segundo opiniao corrente, pare-cem eximiamente atilados nessa area, na verdade ou protelampara a idade da indocilidade ou negligenciam, de vez, 0 zelopelo cultivo da mente, mas se revelam solrcitos em ormazenarbens materia is e efemeros, ja mesmo antes de trazer para 0 pre-sente mundo 0 herdeiro universal daquelas posses.

Ea quantos cuidados se consagram! Logo assim qu~ 0 ventrematerna intumesce, de imediato, consultam 0 astrologo, cuidan-do os pais de saber se 0 naciturno sera menino ou menina. Pers-crutam-Ihe 0 destino. 5e 0 astrologo, mediante os signos do ho-roscopo, preconiza que a prole sera venturosa no campo de ba-talha, entao dizem: "vamos encaminha-Io para a corte real". 5eauguram dignidades eclesiasticas: "envidaremos esfor<;os paracoloca-Io junto de algum bispo ou abade ricos. Poisdele faremosparoco ou decano".

Eempenhos que tais noo se Ihes afiguram em nada precipita-dos, mesmo em antecedendo 0 nascimento da crian<;a. Todaviatem na conta de apressamento velar pela educa<;oo do esprritodo filho depois de nascido.

Com efelto, ja desde cedo, se coglta do filho como capitaode tropas ou como magistrado, mas nao se atenta para fazerdele um militar ou um magistrado dotado de competencia paragerir coisas publicas.

Antecipadamente movem ceus e terras para tornar 0 filho bis-po ou abade, porem noo levantam uma palha sequer a fim deque 0 mesmo esteja a altura daquelas fun<;6es. Em suma, colo-cam-no na dire<;oo do carro sem ensinar 0 manejo do mesmo.Ou ainda, entregam-Ihe 0 timeD sem cuidar que aprenda 0 ne-cessario para ser timoneiro habilidoso.

A verdade e que, em melo a todas as tuas posses, nadatens de mais abandonado quanto aquela rara preciosidade aqual tudo 0 mais se destina. Sim, teus campos estoo limpos.Esplendidos, igualmente, tua casa, teus vasos, as vestimentaseo mobiliario todo. Tambem teus cavalos estoo bem adestra-dos e os servos a rigor. So 0 carater do teu filho permanecedesfigurado, sordido e hediondo.

Compras um escravo em hasta publica, e, como se diz,uma lase a de pedra porque barbara evil. Se rude. observaspara descobrir-Ihe a utilidade e prepara-Io para algum oflclo.seja para cozinha, seja medic ina, seja agricultura ou admlnis-trayoo,

leu filho, 00 contrario, como se 0 unico nascido para ocio-sidade, tu 0 relegas as tra<;as,

Page 8: Civilidade Pueril

Se naoFosse um

Alexandre QueriaSer um Diogenes

"Tera sim", como s6em falar, "de onde se sustentar". Mas Ihefaltara de onde tirar a ret/dao do bem viver. Porvia de regra, quantomais rico 0 poi tonto menor 0 empenho com a educagao dosfilhos.

"Para que filosofia?" - contestam - "Elesj6 estao bafejados pelafortuna!"

A verdade, porem, e bem outra. Quanto mais locupletadostanto maior a necessidade de se valer~m dos prestimos da filoso-fia. Poisquanto maior 0 navio e mais cargo transporta tanto maisurge a presenga de piloto experimentado.

Consterna ver 0 empenho dos principes em legar aos filhospolpudos patrimonios, mas como e exiguo 0 zelo educacional,po is que em relagao as artes ficam desaparelhados para a re-gencia do principado. Que galardao nao doa quem propicia 0bem viver ao inves de meramente fazer viver! Por isso os filhos saomenos devedores aos pais que apenas Ihes transmitem' a vidasem os qualificar para viverem em retidao. Dai a imortal frase deAlexandre: "Nao fosse eu Alexandre, queria ser um Di6genes".

Bem a calhar Plutarco ao comentar que ele deveria ter alme-jado a filosofia de Di6genes com ardor proporcional a extensaodo seu imperio.

Em todo caso, nada mais degradante que a insensatez dequem, por nao habilitar 0 filho para a virtude, finda por aplainarveredas a perversidade.

--.19··'---------------o Homem,

um Ser Inacabadoe Por se Fazer

Crates de Tebas, 00 se defrontar com tamanha aberragao decostumes entre seus concidadaos, nao media 0 incomodo desubir 00 ponto mais elevado da cidade e de 16,aos gritos retum-bantes, exprobrar a ignor6ncia crassa e generalizada com aque-las palavras: "Que insanidade e essa que tomou conta de v6stodos, miseraveis! Entregai-vos ao afa febril de acumular riquezase posses, mas nao velais 0 minimo sobre 0 filho para quem asajuntais!"

Poisbem, Talcomo naG passa de mae pela metade aquelaque apenas gera mas nao educa os filhos, assim tambem pais'pela metade sao todos quantos proveem ate em excesso 0 ne-cessario para 0 bem estar material do filho sem, no entanto, sediligenciarem em Ihes ornar a personalidade com conheci-mentos honestos.

Sim. Arvores crescem 00 sabor do natureza improdutivas oudando frutos silvestres. Cavalos nascem ate mesmo sem utilida-de, Todavia, posso assegurar, os homens nao nascem. Elessao 0resultado de uma modelagem.

Os povos primitivos, sem lei alguma, sem concubito fixo, erron-tes pelas florestas, eram antes feras que seres humonos,

A razao faz 0 homem. Seesta capitulo, 0 capricho desre~r:Jj:=:viceja a solta.

Em suma, se a aparencio fizesse os homers ::::ses-:::"_:::sse--am porte do genero humano, 1~

Page 9: Civilidade Pueril

Desprovidode Ed ucagao, 0

Homem nao F'assade uma F'edra

o Inculto eCriatu ra Inferior

Falhar naEducagao e Fazer

do Ser Humanoum Monstro

16 INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL

Com elegancia, Aristipo respondeu a certo ~alias rico mas grosseiro, que 0 questionava a respeno 00 R3lbF-no por parte da erudi<;ao dado a juventude: -Talvez se+a a se-guinte: assentada, na arena do teatro, nao sera mais uma pe-dra sobre pedra ".

Com sunlironia tambem outro filosofo, Di6genes, se nOo me tc110a memona, portova um archote em plena luzdo dia, peramt:>ulcmdopelo mercado regurgitante de povo. Interrogado sobre 0 que estavaa procurar, replicou: "Procuro um homem". Ele bem sabia estar ciiuma multidao. Porem, mais de gado que de seres humanos.

Em outro dia, 0 mesmo filosofo; de cima de uma elevo<;ao,conclamava a turba, dizendo: "Aproximai-vos, 0 homens!" - e foicircundado de imediato. Entrementes, ele persistia no mesmo ape-10: "Aproximai-vos, 0 homens!". Irados, protestaram: "Ora, coestamos; fala 0 que tens a dizer". Entao ele declarou: "Quero, aqui,homens. Nao a vos que sols men os que homens". Eos afugentoutodos a bastonadas.

E inquestionavel. Homens sem instru<;aoem tilosofia ou emoutras disciplinas nao passam de criaturas inferiores, em certosaspectos, aos animais. De fato, enquanto os animais obedecem,cegamente, aos instintos da natureza, 0 homem, desprovido dosparametros das letras e dos ensinamentos da filosofia, fica antessUjeito a impulsos mais que animalescos.

Eisporque nenhum animal e too ferino e nocivo quanto 0 ho-mem, quando arrastado por fmpetos de ambi<;ao, de cupidez,de ira, de inveja, de luxuria e de lasdvia. Razao porque quem naose antecipa para iniciar 0 filho na estera de preceitos sadios, naose tenha a si mesmo na conta nem de ser humane nem de filhode homem ~Igum.

Nao seria, por acaso, um monstro abominavel arna humonaem corpo de animal irracional? Ora, bem isso narrcm. Homenstransmudados, mediante feiti<;os, par Circe, em 1eOo,LI'SOS, por-cos, mas conseNando a psique db rocionalidcx:te. PrcxfIQio queApuleio atesta como testemunha. Ate santo Agosfinho acreditaterem sido homens transformados em Iobos.

Equem ousaria reivindicar para si a patemidode de um mons-tro? Se nada e too pavoroso quanto forma vital de bruto em cor-po humano, que pensar entao dos tantos indMduos que se glori-am de semelhante prole e passam par pessoas respeit6veis pelobom senso tanto aos proprios olhos quanto na opiniao do vulgo?

Dizem que os ursos parturem uma mass a informe. Depois,a fon;a de lamber, vao amoldando e dando a forma final. Noentanto, nenhum filhote de ursa e too disforme como a opaci-dade da mente de um recem-nascido. Caso nao a modela-res, nem deres formato com bastante carinho, ser6s pai deum monstro, nunca de um ser humano.

E mais. Suposto venho teu filho a nascer com a cabe<;aturbinada ou com seis dedos na moo, entao quanto desconforto,

Page 10: Civilidade Pueril

Antes SUlno-que Bronco e Mau

o Direito aEducaQao Nasce

no BerQo

Sem a DevidaEducaQao,o

·HomemDegrada-se

FilhoDeseducado Vexa

os Pais

quanto vexdme para individuos denominados pais noo de serhumane mas de monstro. E, de resto, noo te tocas quando adeformac;oo afeta a mente?

Quanto acabrunhamento noo iria entristecer um pai no cosoem que a esposa gerasse filho retardado ou debil mental. Ficari-am com a impressoo de ter engendrado noo um ente humane esim um monstro. Noo fosse 0 temor ante a lei, dariam fim aoneonato. Acusam, entoo, a natureza que se furtou a dotar 0 mhode inteligencia humana. Todavia, tu mesmo, por tua negligencia,cooperas para que 0 filho fique privado de capacidade mental.Apesar de tudo e ainda preferivel ter deficiencia psiquica a serpessimo carmer. Ate vale mais ser sufno do que homem bronco emau.

Quando a natureza te do um filho, ela noo te outorga nadaalem de uma massa informe. A ti cabe 0 dever de moldar ate aperfei<;oo, emtodos os detalhes, aquela materia flexfvel emale6vel. se noo leva resa cabo a tarefa, teras uma fera. Ao con-trario, se Ihe deres assistencia, teras, diria eu, uma divindade.

Logo ao nascer, a crianc;a esta propensa ao que e peculiar aoser humano. Porisso,segundo 0 oraculo de Virgilio: "Ja a partir dosprimeiros dias deves dedicar-Ihe 0 desvelo primordial"., Dai, manuseia a cera enquanto mole. Modela a argila enquan-to umida. Enche 0 vasa de bons licores enquanto novo. Tinge a 10quando sai nivea do pisoeiro e ainda isenta de manchas.

Antfstenes sugeria tudo isso, e de modo ate engrac;ado, aoacolher 0 filho de certo personagem para fins de educac;oo. Ques-tionado pelo pai a respeito dos apetrechos escolares, redargOiu:"Um livro novo, uma pena, uma tabuleta noo usada". Evidenteque 0 filosofo estava a exigir um aluno inculto sim, mas receptivo.

Noo podes conservar aquela massa sempre informe. 5e nooimprimires a imagem de homem, ela degrada por si mesma evira monstruosidade a guisa de fera.

Porconseguinte, posto teres tal missoo da parte de Deus e danatureza, mesmo sem alimentares esperanc;a de qualquer retor-no pessoal, reflita, em teu intimo, quanto de conforto, de utilidadee de gloria refluem do filho sobre os pais, posto que retamenteeducado desde a tema idade.

De outro lado, em quantas situac;oes vexatorias e ate calami-tosas soo deixodos os pais por filhos mal-educados. Noo seria 0coso de evocar exemplos colhidos nos cronicas dos antigos. Bas-ta atentar para as ocorrencias familiares de tua cidade. Noo es-too os casos a fervilhar de todos os lados? 17

Page 11: Civilidade Pueril

Pior Castigoe Negar Educagao

A Sabedoriado Filho Alegra

aos Pais

OmitirDesvelo Educativo

Equivale a Rejeigao

1~ INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL

Sei que a miude, escutas express6es caro es:a::E"'. Ii.se noo tiver filho"! \\Felizarda seria se jarncjs fNesse gew.1 n... :tarefa empenhativa essa de educar a contento os -.:.. SClu_reconhecer. Mas ninguem nasce para si mesrno C01'lO ril"g1t"nasce para a ociosidade.

Pai quiseste ser. Entoo, has de ser pai respons6vet. 01lno·-..ogeraste noo s6 para ti mas tambem para a p6tria. A fciCJ' CXI'1'Dcristoo, geraste noo para ti e sim para Deus.

Paulo escreve que as mulheres seroo, afinal, salvas por gera-rem filhos e os educarem na sendado bem. Pois Deus pedir6 Icontas aos pais dos pecados dos seus filhos. Portanto, sE?noo edu-cares teu Who desde cedo em principios de honestidade, acarre-tas, arites do mais, dano para ti mesmo, alem de estar preparan-do, com a negligencia, 0 que de mais grave e perniciosoimprecaria um inimigo para 0 outro.

Dionisio, tendo ordenado viesse para sua corte 0 filho adoles-cente do exilado Dioo, efeminou 0 jovem em prazeres porquesabia que 0 pai dele sofreria mais com isso do que se 0 passasseao fio da espada. A1gumtempo mais tarde, instado pelo pai, egres-so do exilio, para retomar as atitudes honestas de outrora, 0 m090precipitou-se do alto de uma janela do cenaculo.

Inegavel 0 acerto daquela palavra do sabio hebreu: "0 filhosabio alegra 0 pai; 0 filho insensate molesta a mOe".

Efetivamente, 0 filho sabio, alem de agradar ao pai, e-Ihe,acima de tudo, motivo de homa e de apoio. Em suma, e vidapara 0 pai. Pelo contrario, filho desatinado e improbo descarrega Ipeso nos pais, traz desonra, pobreza e velhice precoce. Enfim'jmata a quem Ihe deu a vida.

Para que citar exemplos? Exemplos, entre teus concidadoos,os olhos os contemplam todos os dias. Ai estoo aqueles que fica- ,ram reduzidos a mendicancia por causa dos costumes devassosdos filhos. Outros definham no desespero e na vergonha ou por-que 0 filho esta no ergastulo ou porque a filha caiu na prostitui-900.

Tenho conhecido personagens do primeiro escal60 social que,dos muitos filhos, a custo Ihes sobrevive um inc6lume, porque 0outro, acometido da lepra abominavel denominada "sarnagalica", arrasta consigo um cadaver putrefato; um outro implodiuem disputa de bebedeira e outro ainda foi, miseravelmente, truci-dado enquanto, de noite, mascarado, freqQentava 0 lupanar.

Qual a razoo disso? Os pais. Eles se doo por realizados ante 0fate de ter gerado e locupletado os filhos de bens materia is, mes- /mo preterindo, de todo, 0 desvelo educacional.

Poisbem. As leis punem com severidade quem expoe os seusfetos e os abandona em algum bosque para serem devoradospor animais selvagens. Todavia, noo ha modo mais cruel de rejei-

Page 12: Civilidade Pueril

RecusarEduca~ao,

eo Mesmo queLan~ar a Crian~aa Lobos Rapaces

Desffduca~aoe Crime nefando

o FuturoDepende dos

Antecedentes Edu-cacionais

tar do que entr~gar aos ferinos instintos 0 que a natureza consig-nou para ser encaminhado pela senda da virtude mediante prin-cfpios salutares.

Suposto quealguma mulher da Tessalia tivesse, por seus en-cantamentos perversos, 0 poder e tentasse transmudar teu filhoem porco ou em lobo, noo a julgarias merecedora de tormentosinauditos por tal maleffcio? No entanto, 0 que incriminas nela, tuo praticas com requinte!

Ve. A libido, que fero cruel! 0 luxo, que animal voraz e insacia-vel! A embriaguez, que bicho bravio! A ira, que quadnJpede de-vastador! A ambi<;oo, que carnivoro hediondo!

Paisbem. A tais feras jogas 0 filho que, desde 0 ber<;o, noo foiafei<;oado a arnar 0 que e honesto nem a aborrecer 0 que e torpe., E ainda mais. Nao so entregas as feras como fazem os mais

desumanos, mas 0 que e execrando em extremo, alimentas paratua propria ruina um animal selvagem e perigoso.

Det~stavel, por certo, aquela laia de individuos que arruinam 0corpo da crian<;a com superstiQ6es. Iylas entao, que pensar depais que, por negligencia e ma educa<;ao, enfeiti<;am 0 espiritoda crian<;a?

Infanticidas sao quantos tiram a vida aos neonatos, embora osmatem apenas no corpo. Que inominavel impiedade, entao, ade trucidar 0 espirito! Na verdade, que vem a ser a morte do almasenao a estulticia, a ignorancia e a malicia?

De outro lado, aomesmo tempo, noo se exime do crime delesa-patria quem, ja que isso esta sob sua responsabilidade, pre-para um cidadao c6rrupto.

Issoprovo, outrossim, desamor para com Deus de quem rece-beu 0 filho a fim de 0 educar na Iinha do bem.

Doi se infere com meridiana clareza. Nao e de pouca montanem de acidental infamia a macula que tisna quem descura doeduca<;ao dos pequenos.

Como ja frisei, pecam com maior gravidade parque, sobredescuidarem do educa<;ao, infestam a inocente e fragil cabe<;ada crian<;a com iniquidades de modo a faze-Ia aprender elemen-tos do vicio, ja antes de ter no<;ao do mal. De fato, como vir a ser

. gente morigerada e alheia ao fausto, se, agora, engatinha sobrepurpura? Ainda nao e capaz de articular as primeiras palavras paranomear as coisas e ja entende 0 que e sardinha e pede marisco.Ate distingue a sarga do ruivo e repele, com gesto de petulancia,comida plebeia.

Ora, como podera ser pudico no juventude, se, no infancia, foihabituado com a impudicicia? Como vira a ser dadivoso maistarde, se, agora, aprende 0 apego 00 dihheiro e 00 ouro? Quemlogra conter um jovem em face do luxo, se teve 0 paladar cor-rompido antes mesmo de tomar gosto pela moralidade?

INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL 1~

Page 13: Civilidade Pueril

De Como'Predispor Para a

Corrup~ao

A NaturezaAuxilia na

AprendizagemPrecoce

NaoConfundir

Afeta~ao comEduca~ao

Mal aparece a primeira tendencia do modo, pois, dia a dia, aarte dos costureiros, tal como outrora a Africa, esta a produzir algode novo no genero das novidades, entao ja a presenteamos ascrian9as. Eta aprende, assim, a se comprazer consigo mesma.E,coso seja contrariada, reivindica com Ira. Em sumo, como irade po isdetestar a bebedeira se, agora, aprende a se embriagar?

Sao repassadas para a crian9a ceitas palavras, como dissealguem, apenas toleraveis em orgias alexandrinas. Ao repetir umde tais vocabulos, a crian9a ganha a recompensa em beijos. Porcerto que os pais tem isso como anodino, ja que a vida delesmesmos nada mais espelha senao extravagancias. Emais. A cri-an9a recebe das nutrizes carlcias impudicas alem de ser induzidaa lascfvia com toques de mao, como se soi dizer. Ve 0 poi total-mente alterado pela bebida. Escuta 0 derrame de palavras quedeveriam ser silenciadas. Participa de banquetesimoderados epouco decentes. Presencia a casa toda vibrando 00 som de flau-tas, cantores e cftaras no em bolo das bailarinas. Destarte, a crian-90 assimila de tal modo aquelas coisas que as mesmas passama Ihe integrar a natureza.

Gente ha que prepara a crian9a para a rudeza da vida militarantes mesmo que eta se desfa9a do arroxeamento do parto. Ensi-nam 0 othar severo, 0 gosto pelas armas e 0 manejo de golpes. Apartir de tais precedentes, a crian9a e confiada 00 treinador. Ora,como ficar estupefato ante a indocilidade dela diante do virtude,quando ja foi, desde tao cedo, amamentada com leite e vlcios?

Mas OU90 daqueles que acobertam a propria excentricidade:o prazer tirado do impertinencia infantil compensa 0 desconfortoem nutri-tas. Sera que ouvi bem? Como pode ser mais agradavelpara um poi serio 0 gesto feio ou a palavra impropria em bocabalbuciante de crian9a e nao polavras bonitos ou imita90es deatitudes graciosas? Sim, a natureza premia de modo peculiar acrian9a com a facilidade para a imita<;ao, mas, per vezes, aque-Ie pendor volta-se mais para 0 mal do que para 0 bem. Sera quepara pessoa digno a torpeza alegra mais do que a retidoo, princi-palmente, em se tratando de seus filhos?

Se algo de sujo mancha a pele do crianga, tratas de Iimpa-Ia.No entanto, estas a macular a alma daquela infeliz criatura comnodoas vis! Ora, nod a enralza too tenazmente como aquilo quese destila num esplrito desarmado.

Eu te questiono. Que coragoo materna e esse de mulher quesegura, em seu regago, a crianga aos sete anos como se fosseboneca? Se necessita de tanto prazer para se divertir que entooadquira macacos ou cadelinhas de Melita. "Ora, soo criangas!",retrucam. E bem verdade. Mas assim subestimam a importanciadaqueles rudimentos iniciais para 0 encaminhamento do vida todado crianga. Bem pouca se apercebem de quanta aquela f1acidez

Page 14: Civilidade Pueril

o PendorPara a ImitaQao

RequerAcompanhamento

Pedagogico

ModelosEcologicos Para a

Pedagogia

prolongada torna rfgida e intratavel a ayoo educativa por partedo preceptor. Sim, ate chamam isso de indulgemcia 01,1 Iiberali-dade. Melhor fora chamar de corrupyoo mesmo.

A duvida e se contra tais moes noo caberia mover ayoo judici-aria por causa de maus tratos. Pois ali ha indlcio de envenena-mento, algo no genero do infanticfdio.

As leis penalizam a quem submete os filhos aos encantamen-tos da bruxaria 01,1 lesam seus corpusculos delicados com subs-tancias t6xicas. Ora, quanto castigo noo deveria recair sobre quemdestr6i, com 0 pior dos venenos, a parte mais nobre da crianya?De fato, 0 crime corporal e merios grave que trucidar 0 espfrito.

Fossea crianya educada entre indivfduos estrabicos, gagos ecoxos, seu corpo ficaria afetado por forya da imitayoo. Ora, osdefeitos da mente soo menos visfveismas, de outro lado, de pro-pagayoo mais celere e por isso, com maior eficaCia, e que searraigam os males do espfrito.

Bem houve 0 ap6stolo Paulo em homenagear 0 verseto deMeliandro, citando-o em sua epfstola: "Conversayoes perversascorrompem os bons costumes". Estaverdade aplica-se com maiorjusteza as crianyas.

Arist6teles, consultado sobre 0 modo de tornar um cavalo exf-mio em qualidade, disse: "Basta trata~lo em meio a cavalos deraya".

Na falencia de estfmulos por parte da afetividade e da razoopara nos capacitar da solicitude a que faz jus a infancia de nossosfilhos, que entoo, ao menos, nos socorra 0 exemplo tirado deanimais selvagens. Nada ha, por isso, de vexat6rio em aprenderdeles coisas uteis para 0 dia a dia, uma vez que, desde ve/hadata, 0 genero humane tem side instrufdo por e/es em muitaspraticas vantajosas.

Assim, 0 hipop6tamo reve/ou a tal de incisoo nas veias; sen-do que 0 usa do clister, too recomendado pelos medicos paracrianyas, foi demonstrado pelo fbis, aye egfpcia. Dos cervosaprendemos como a forya terapeutica da erva chamada"oregano" age na extrayoo das setas. Deles ainda somosalertados para 0 fato que comer caranguejo e medicina contrapicada de tarantula. E ainda mais. Da esperteza dos lagartossabemos que 0 oregano tambemaliviapicadadeserpente.Defato, tal especie de reptil, em guerra permanente contra as co-bras, tem side surpreendido, quando ferido, na busca do podercurativo daquela erva.

As andorinhas nos levaram a conhecer a quelidonia e deramseu nome latina .aque/a erva. Porsua vez, a tartaruga ensina queo oregano selvagem e tambem util contra picada de cobra. Masfoi a doninha a nos indicar 0 potencial curativo da arruda. Assim,a cegonha, 0 do oregano. 0 javali indica que a hera cura certasdoenyas. As serpentes, que 0 funcho aguya a vista. Pelo dragoosomos informados que 0 fmpeto do vomito e reprimido com alfa-ceo Das panteras, que 0 excr!3mento humane combate 0 efeitodo veneno da pantera. f)1

INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL ,

Page 15: Civilidade Pueril

De Como osAnimais

RepassamAprendizagem

o Homem,um Ser

InconseqUente

22 INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL

A par destes. ainda incontaveis outros recursos nos foram pas-sados pelos animais selvagens e de noo desprezfvel utilidade paranossa vida. Assim, os porcos ensinam 0 modo de revolver a terrade pastagens. A andorinha. como aplicar lodo em parede.

Enfim, para noo ser prolixo em excesso, pouco ou nada existede pratico no vida humana sem ter a natureza dado um exemploatraves dos animais selvagens. Destarte, os ignaros em filosofia eem ciencia, pelo menos, soo orientados pelo comportamentodos irracionais.

E noo estamos a ver que coda um dos animais noo s6 gera eadestra seus filhotes como ainda os auxilia no exercfcio das fun-<;6esproprias de sua natureza? Assim, embora nascidos para voar.para tanto soo incentivados e treinados pelos pais. Em coso, ob-seNamos como os gatos guiam e treinam os gatinhos no co<;aaas ratos e aos passaros, ja que ali esta 0 alimento deles. Assina-lam a presen<;a do presa ainda viva, ensinam a captura-Ia comum pulo enquanto ela foge e, por fim, demonstram 0 modo dese alimentar do mesma.

E os cervos? Noo adestram eles suas crias too logo nascem?Noo insinuam como por-se 00 encal<;o? Noo as conduzem alugares escarpados e apontam como dar os saltos? Pois e bemcom tais expedientes que eles se safam das emboscadas dosca<;adores.

E de se atentar, outrossim, para os elefantes e delfins. Eles sevalem de certa disciplina pedagogica 00 habilitar seus filhotes.

Dos rouxinois aprendemos as fun<;6es de mestre e de apren-diz. Aquele, enquanto toma a inlciativa, repete e corrige: esteenquanto refaz e se aperfei<;oa.

Pois bem, do mesmo modo que 0 coo nasce para ca<;ar, aaye para voar, cavalo para caminhar, 0 boi para arar, dssim 0homem nasce para 0 bom-senso e para as a<;6es honestas.

Tal como coda animal aprende, com facilidade, aquilo queIhe e natural, assim 0 homem capta. sem grande esfor<;o, ospara metros do virtude e do honestidade. Com sua for<;a, a natu-reza deposita nele algumas sementes poderosas de sorte que afun<;oo db educador vai 00 encontro daquela predisposi<;oo.

o cumulo do ridiculo consiste no seguinte: os animalsdesprovidos de racionalidade, conhecem e se recordam de suaobriga<;oo para com os filhotes, porem, 0 ser humano, emb.orao unico dotado do prerrogativa racional e por 1ssodistinto dosbrutos, ignora quanto deve a natureza, 00 omor e 00 proprioDeus!

Epensar que 0 animal nada espera em recompensa por par-te de sua cria como pogo do nutri<;oo e do aprendizagem trans-mitida, salvo a simpatico cren<;a a respeito das cegonhas quealimentam, por sua vez, os pais enfraquecidos pela idade 6, oscarregam 00 dorso,

Em contrapartida, ja que entre os homens a idade noo logra es-friaros vinculos afetivos, quanto de conforto, de homa e de seguran-<;a noo angaria quem zela, devidamente, pela instru<;oodo filho?

Page 16: Civilidade Pueril

Conclusao Eisof. A natureza consigna em tuas maos um campo inculto,vazio, por certo, mas um solo risonho. Coso, por tua incuria, sejaabandonado 00 mato e espinheiros, entao, 56 com enorme es-forgo, podera vir a ser recuperado.

Em sumo, aNores giganfes estao ocultas em minusculas se-mentes. Que profusao de frutos, quando elas se desenvolvem. Epensar que toda aquela produgao perde-se a nao ser que joguesa semente no sulco; que cuides do broto em via de enrtjecim~nto;que 0 domes ate com a enxertia.

Ora, em se tratando de planta, eis que te desdobras em aten-goes. No que tange ao filho, por que estas a dormitar?

INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL 23

Page 17: Civilidade Pueril

Parte II

As TresVertentes do

Comportamento

ExperienciaSem Razao nao

Basta

24o Erro

Ensina Mas aAlto Custo

As Trilhas daAprendizagem

A.explica9ao para a felicidade plena do ser humane depen-de de tres fatores: a natureza, razao e aprendizagem.

Denomino natureza aquela docilidade e inclinac;:ao inseridasno pessoa para as coisas honestas.

Designo razao como sendo a instancia doutrinal que advertee preceitua.

Chamo aprendizagem 0 uso do habito oriundo do naturezamas aperfeic;:oado pela raz60. Sim, a natureza postula a razao. Aaprendizagem, fora do controle racional, fica flanqueada a mui-tos erros e perigos.

Engana-se redondo mente quem julga suficiente 0 fato de ternascido. De naG menor erro padece quem cre adquirir sabedo-ria s6 pelo trato das coisas e gerencia dos neg6cios sem as diretri-zes do filosofia. Dize-me. 0 atleta vai ficar destro, mesmo quecorra com garro, quando caminha pela escuridao ou ignora 0trac;:ado do pista? Como chegar a ser exfmio um gladiador que,de olhos vendados, pee-se a desferir golpes a torte e a direito?Com efeito, os preceitos do filosofia sac como os olhos do mente.De certo modo sua luz adara com antecipac;:ao a fimde enxer-gar 0 que deves ou nao fazer.

Estou de acordo. A pratica prolongada, em varios domfnios,comporta, sim, muitas vantagens, mas desde que conduzida,corretamente, mediante 0 modo adequado de agir.

Reflete, entao. Quanto naG tiveram de suportar, 00 longo dovida, aqueles que, munidos too s6 do experiencia, vieram a ad-quirir algum tipo de patrimonio, mesmo pequeno. Mas ponderase tanto sacriffcio e 0 que desejas para teu Who. Emais. A filosofiaensina mais em um unico ana do que em trinta anos de meraexperiencia, por enriquecedora que seja. Seu ensinamento peeseguran9a onde muitos, assistidos apenas com a pratica, maisfracassam que triunfam. Por isso, naG ficam fora do realidade osantigos ao assegurarem que se expor a prova e tentar sucesso,exclusivamente at raves do experiencia, equivale a correr riscos.

Convem comigo. Quem, almejando ter 0 filho perito em medi-cina, 00 inves de leva-Io a com pulsar os manuals dos medicos, iriapreferir que aprendesse s6 pela pratica qual elemento e noclvo porforc;:ado seu veneno ou qual a eficacia curativa do mesmo?

Que desastrosa prudencia aquela do timoneiro que aprende

Page 18: Civilidade Pueril

A MenteAssimila 0

Certo e 0 Errado

o Homem,Animal Raeional

A EdueagaoFalha Condieiona

Para 0 Vleio

a arte de navegar atraves de freqOentes naufragiosl au entao, 0principe que aprendesse a reger por meiode guerras crebrase tumultos nefastos! Ora, a prudencia, too encontradic;:a masdispendiosa de apenas aprender a custo de fracasso, e coisa dementecapto!

Aprende sim, mas a prec;:o elevado, quem discerne 0 certomediante 0 desacerto. Dai 0 empenho com que Felipe admoes-ta 0 filho Alexandre para ser docil a Aristoteles e assimilar-Ihe afilosofia a fim de nao vir a perpetrar coisas que ele proprio lam en-tava ter cometido. EFelipe, como atestam, era dotado de espiri-to insi§ne. Que pensar entao degente comum?

Alias, a razao alerta, de modo sucinto, para b que deve serfeito ou evitado. Ela nao adverte apos a pratica do ate: "Saistemal em tal procedimento; agora cuida-te para 0 futuro!". Nao.Ela se antecipa ao ate e exclama: "Se fizeres tal coisa, teras ainfamia e 0 infortunio como pagal".

Entrelacemos, portanto, aqueles tres fios de sorte que a razaoconduza a natureza e a pratica complemente aquela.

Nao e de agora que observamos como nos animals cada qualaprende, com facilidade, as coisas mais aproprtadas para sua natu-reza, priorizando 0 que tange a seguranc;:ada propria individualida-de, ja que esta consiste em rechac;:arin90modos e pemiciosidades.Alias, esse instinto e inerente as plantas e naG apenas aos animais.Dai se constata como as arvores, para 0 lado por onde sopram abrisa eo boreas, contraem a fronde e a ramagem, ao passe que asdistendem na dire<;ao do vento mais brando.

Ora, que ha de mais eminentemente singular no homem? Vi-ver segundo a razao. Eisporque ele se define como animal raci-onal e por isso e distinto dos irracionais. Porconseguinte, que hade mais funesto para 0 ser humano? Por certo, a estulticia. Emdecorrencia, nada too apetecfvel quanto a virtude. De outro lado,nenhuma outra coisa aprende-se, de modo mais celere, que abor-recer a estupidez, posto que, por merce da diligencia paterna,haja pressa em ocupar 0 espac;:o vazio da natureza.

Entrementes chegam a nossos ouvidos estranhas lamentac;:6esdo povo. Dizem que a natureza infantil e por demais propensa 00desregramento. au entao, que e dificil atrair a crianc;:a ao gostode coisas honestas!

Ha exagero 00 recriminarem assim a natureza. A maior parce-10 daquele mal deve ser debita do a nossos erros. Poiscorrompemo-Ihe 0 espirito com os vlcios bem antes de acostuma-10 com a virtude. E nao seja isso motivo de estupor. A poucadocilidade do crianc;:apara as coisas boas deve-se 00 fato de tersido, anteriormente, predisposta para a devassidao.

De mais a mais, quem ignora que aprender fica mais arduo,quando cabe fazer a correc;:ao de precedentes?

INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL 25

Page 19: Civilidade Pueril

Tres ErrosBasicos em

Pedagogia

Preferenciaao Professor

Inepto

~oINTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL

Emgeral, peca-se, aqui, de tres maneiras: ou por negligenciatotar em face do educac;oo dos filhosou porque soo, tardiamen-te, iniciados no instruc;ooou, enfim, porque confiados a quemensina0 que deve serdesaprendido.

A primeira categoria j6 foi assinalada como indigna do nomede pais, po is ela em nada difere de quantos abandonam osneonatos, sendo por issopenalizados pelo ordenamento jurfdicoque tambem prescreve, minuciosamente, 0 modo de instruirainfancia e a sUbsequenteadolescencia.

A segundo categoria e muito vasta. Bem contra ela encetei apre~entepolemica.

A terceira peca de duos maneiras. De um lado, por ignoran-cia, de outro, por negligencia. Com efeito, embora noo seja fre-quente, mas e estupidezdesconhecer a pessoa a quem seentre-ga um cavalo ou uma propriedade rural para serem cuidados.Pormuito mais e, de todo, insensateznoo avaliar a competenciadaquele a quem se confia a porc;oo mais nobre de tuas posses.Ali poes diligencia para aprender 0 que noo tiras da tua propriaexperiencia. Consultasalguem bem experto na 6rea. Porem,aqui,pensasserde somenos a quem confiar 0 filho. Sim,a coda servosabes,sem demora, atribuirosencargos. Avalias,e bem, 0 indivf-duo que vai serencarregado do cultivo das terrasou quem vai serdestinado para a cozinha ou incumbido de administrarteus bens.No entanto, ao te deparar com alguem talhado para a inutilida-de em qualquer func;oo, retardado, preguic;oso, imbecil, glutoo,bem a ele e que confias a educac;oo do teu filho. Exatamenteatarefa que requer um artffice primoroso, fica em moos do menosapto dos famulos. Como admirar tanta coisa as canhas, se amente humana anda as avessas?

Indivfduosho de caroter sordido que detestam contratar pre-ceptor idoneo. No entanto, pagam mais ao escudeiro do queao educador do filho. Entrementes, esbanjam, de roldoo, combanquetes faustosos; passam noites e dias no funesto jogo dedados, investem em cac;adas e divertimentos. Mas, em facedaquele por cujo amar poder-se-iam dar par escusados pelaparcimonia em tudo 0 mais, of primam pelo regateio e pelasovinice.

Oxalo fossem poucos aqueles que mais gastam commessalinas malcheirosas do que investem no educac;oo dosfilhos,

Dizia0 Satfrico:- Nada custQtoo pouco ao pais quanto 0 filho,Talveznoo seja fora de proposito rememorar aquele lance

que, outrara, levava 0 nome de "Diorio de Crates". 0 fato enarrado assim: "Reserva para 0 cozinheiro dez minas; para 0medico uma dracma; para 0 adulador, cinco talentos; para 0conselheiro, fumac;a; para a meretriz, um talento; para 0 filo-sofo, tres obolos, Que falta nesta conta estrambotica senoosomar um tostoo furado para 0 educador? No entanto, a mimme parece que, sob 0 nome de filosofo, esto implicado 0 depreceptor.

Alguem, bafejado pela fortuna mas apoucado de espfrito,perguntava a Aristipo quanta cobraria para Ihe educar 0 filho,

Page 20: Civilidade Pueril

Parcimomaem Educagao

Revela Demencia

QuatroRecomendagoes

Estepropos a quantia de quinhentas dracmas. "Pedes um pre-yO excessivo", replicou 0 pai, "com tal soma eu, compro umescravo." Entoo 0 fil6sofo retrucou rapido: "A partir de agora,teras dois por um: 0 filho, apto para as obrigayoes eo filosofoque vai educa-Io."

Na hipotese de alguem perguntar a outrem se deseja. ga-nhar cem cavalos pela perda de umunico filho, posto quepbssua um groo de bom senso, creio que replicara negativa-mente.

Epor que gastar tanto em cavalo e dele cuidar com esme-ro e noo do filho? Porque despender mais na compra de umtruoo do que na instruyoo do filho?

Alhures ate pode caber frugalidade. Aqui, poupar noo eparcimonia, mas demencia.

Verdade que alguns se aplicam na escolha do preceptordos filhos, mas os entregam a pessoas sob recomendayoo de-terceiros. Assim se pretere um artifice competente em edu-cayoo pueril a fim de dar lugar a outro inapto s6 para atendera insistencia dos amigos. No entanto, que doideira! No quetange a navegayoo, noo te prendes pel a afeiyoo daquelesque fazem recomendayoes, e, no entanto, colocas no leme,quem for bastante experiente em comando de naves. Toda-via noo empregas igual criterio com relayoo ao filho, quando,bem af, esta em jogo 0 destine dele, dos pais, da familia intei-ra e ate da patria.

Adoece umcavalo. E de ver se vais chamar um veterinarioqualquer so por recomendayoo de amigos em vez de pegaro perito na arte de curar, Poisbem. Sera que filho vale menosdo que cavalo? Ou serias tu que vales menos do que 0 cava-lo? Ora, se isso configura torpeza em gente sem expressaofinanceira, que pensar entao de magnatas!

E mais, Em uma unica ceia, como que lanyados contra 0penedo fatal, os naufragos perdem trinta mil em jogatina.Entrementes se poem a choramingar gastos, quandodespendem mil na educayao do filho!

Ninguem pode dar nem a outrem nem a si mesmo deter-minado tipo de indole, embora, aqui, 0 cuidado dispensadopelos pais tem seu peso.

Primeiramente, portanto, importa que 0 homem saiba es-colher uma esposa honesta, nascida de gente bem, educadaem princlpios solidos, em gozo de saude integra, Dada aafinidade muito estreita entre corpo e alma, vai acontecerque uma dessas partes ou ajuda ou prejudica a outra.

Em segundo lugar, 0 marido, ao se relacionar, sexualmen-te, com a esposa, nao proceda de modo fogoso nem embri-agado, Pois tais disposiyoes transitam para 0 feto por umaarcana via de contagio. Alias, certo filosofo parece ter detec-tado tal fenomeno, Ao se deparar com um jovem de com-portamento nada sobrio, comentou: "Nao admira se 0 pai deleo tenha gerado em estado de embriaguez,"

INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL 27

Page 21: Civilidade Pueril

AgaoPedagogica com

Acompanhamento

Conclusao

~~ INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL

Eisporque a mim me parece de todo acertado propor queo pai e a mae sempre, mas, em particular, na epoca de con-cep<;ao e da gesta<;ao, tenham a consciencia livre de qual-quer culpa grave e que se sintam plenamente conscios de simesmos. Poiscoisa alguma comporta maior tranqQilidade ealegria que semelhante clima de espiritualidade, Desde en-too devem principiar 0 atendimento educacional e nao. ficaresperando pelo decimo, ou como muitos fazem, 0 decimosetimo ana de vida,

o terceiro cuidado consiste em a mae amamentar 0 Whocom seu proprio seio. Caso seja necessario, e oxala issoocor-ra raramente, que entao selecionem uma nutriz sadia de cor-po,pom leite puro, de costumes ilibados e que naG seja dadaas bebidas, a rixa nem a impudicfcla. Pois os viclos, quer docorpo, quer da alma, adquiridos no nascedouro da vida, per-duram pelos anos a fora. Dai porque dizem ser importanteseleclonar, a dedo, os companheiros de leite e de brinca-deiras.

o quarto cuidado esta em confiar, criteriosamente, 0 filhoa um preceptor selecionado dentre muitos, aprovado pelaopiniao geral e testado de diversos modos.

No atinente a sele<;ao, deve ela ser feita'com criterio e deuma unica vez. "Poliarquia" e coisa ja condenada por Homero,Donde 0 velho adagio dos gregos: "A multidao de imperado-res fez a ruina de Coria," Ademais, a troca seguida de medi-cos acarretou a morte para muitos, Tambem nada de maisinutil que a mUdan<;asucessiva do preceptor, Ao se procederassim, Penelope fica a tecer e a refazer sua urdidura, Alias, eusou testemunha. Meninos ha que, antes dos doze anos, ja ti-nham passado por quatorze preceptores, Issopor pure des-caso dos pais,

Nao decres<;a, pois, a aten<;ao dos pais durante aquele pe-riodo. Tenham sob os olhos tanto 0 preceptor como 0 filho.Nenhuma justificativa os desobrigade tal preocupa<;ao. Vigi-em tanto 0 preceptor como 0 filho. Nem ocorra, como solacontecer, que se transfiratodo 0 cuidado do filho para a mae.o pai venha ver, de tanto em tanto, 0 que esta se passando,lembrando do que os antigos advertiam com refinada sutile-za: "A fronte precede a nuca." Eainda: "Nada apressa tanto aengorda do cavelo do que 0 olho do dono,"

Aqui estou a falor de crian<;as. Aos maiores convemfurta-Ios um pouco as vistas. Isso correspondea tal deenxertia, ou seja, redunda em poderoso corretivo do espi-rito juvenil.

Dentre as peregrinas virtudes de Paulo Emilio, cita-se 0fa to que, quando nao estava ocupado com assuntos degoverno, porticipava das atividades escolores dos filhos, Porsua vez, PUnio,0 Jovem, nao se sentia molestado por terque visitor a escola por causa do filho do amigo, E que eleassumira ,0 encorgo de instruf-Io em diversas disciplinas.

Page 22: Civilidade Pueril

Parte III

A NaturezaHuma na Faz-se

Perfectlvel

Natureza eVocaQao

o que foi exposto, aqui, a respeito da natureza nao e coisasimples. Entende-se par natureza algo de comum em cada es- .pecie tal como a do homem que consiste no uso da razao. Mas.natureza implica tambem algo de peculiar e inerente no indivI-duo. Assim se diz: uns sac nascidos para os estudos matematicos,outros para a teologia, este para a ret6rica e poesia, aquele paraa milfcia. Os individuos sac arrebatados, com tal veemencia, paratais areas do saber que argumento algum os demove de 10. Deoutro lado, em face de estudos indesejaveis, eles se irritam aoextrema e preferem ser lan<;ados na fogueira a aplicaro espiritoem disciplina que se Ihe antolha odiosa.

Tive a companhia de certo individuo, esplendidamente versa-do em grego e latim, com dominio elegante sobre todas as artes .Iiberais. 0 Arcebispo, par cuja Iiberalidade ele erG]mantido ateentao no campo das letras, pressionOu-o para frequentar 0 cursode Dlreito, embora isso Ihe repugnasse a natureza. A mim eletrouxe suas apreehs6es. E que, na epoca, a gente condividia 0mesmo alojamento. Entao 0 aconselhei a administrar 0 caprichodo seu protetor porque as coisas arduas, no prindpio, ficam maisbrandas com 0 tempo. Eque desse tambem uma parte do seuvagar aqueles estudos. Mas, quando ele apresentou alguns es-pecimes da calamitosa ignorancia repassada em programas deaula por professores tidos como luminares do saber, repliquei-Iheque nao se apegasse aquilo e so retivesse 0 que realmente fossecorreto. E ia persistindo em convence-Io com varias sugest6es.De certa feita, ele retrucou: "Eusinto, a coda vez que me debru<;osobre tais assuntos, como se uma espada perfurasse meu peito."

Eisaf. Penso que individuos nascidos com tal e tal predisposi-¢ao nao devem ser coagidos a lutar contra MineNa. Seria, comosoem dizer, aplicar unguento em boi ou dar harpa ao asno.

Por vezes sac perceptlveis, ja nos crian<;as, alguns sinais damencionada propensao. Ha gente dada a ausculta<;ao do ho-roscopo para detectar indfcios que tais. Quanto vale aquela pre-visao, deixo ao livre arbftrio de cada um,

Em todo caso, sera vantajoso descobrir isso quanto antes, poisaquilo que se aprenQe com maior facilidade e bom para 0 que anatureza predisp6e. Por isso nao reputo de todo futil conjeturarsobre a Indole do indivfduo em razao do formato do semblanteou da disposi<;ao de outras partes do corpo. Ate Aristoteles, filoso-fo eminente, nao desdenhou editor uma obra intitulada"Fisiognomonia." Porsinal, uma obra sUbstanciosa e aprofundada.

Talcomo a navega<;ao decorre mais tranqOila quando 0 ven-to e as ondas favorecem, assim, mais facilmente, somos instruf-dos naquilo para 0 qual a inclina<;ao do espfrito nos conduz.

Virgilio indicou os sinais pelos quais se pode avaliar, de ante-mao, se 0 boi e bom de charrua e a vaca para a reprodu<;ao, 2{)

INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL V

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Razao eExperiencia

Dependem doEsforgo Pessoa I

30 INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL

Disse: "Bovino de olho tONO tem 6tima qualidade/' Ensina aindaas caracterfsticas para se depreender do potro equino se vai serbom para torneios olfmpicos ou nao: "Potro de ra<;a apuradaest¢! sempre a galopar pel a pradaria." etc. Alias, conheces 0poema.

Oaf porque erra quem julga nao ter a natureza impressa mar-co alguma para se conhe<:;er a psique humana. 0 erro, porem, emaior de quem naG enxerga os sinais em amostra. Nao obstanteisso, a meu ver, quase nao ha area de conhecimento, por refra-taria que seja 00 pendor individual, que naG se tome acessfvelmediante instru<;aoe metodo.

Afinal, 0 que naG aprende 0 homem, quando 0 elefante, sub-metido a treinamento, vira acrobata, 0 urso fica saltador e 0 asnod6-seem palha<;o?

Portanto, se, de um lado, ninguem possui controle pleno.sobrea natureza, de outro 10do, fica demonstrada a maneira decoadjuva-Ia por algum modo.

Em todo coso, razao e experiencia dependem, por inteiro, denosso empenho.

o alcance do inteligencia esta, eloquentemente, evidencia-do porque, dia a dia, estamos aver maquinasengenhosaslevantando pesos que, por for<;a alguma, de outro modo,naG poderiam ser movidos.

Do eficacia do experiencia certifica-nos aquele celebre dito dosabio de outros tempos. Ele atribui tudo 00 esfor<;o e a reflexao.

Por certo, fica de pe que a inteligencia requer docilidade tal -como a pratica implica esfor<;o; Porem, contestam. Dizem queesfor<;o naG convem para a idade infanti!. Eainda, que capaci-dade deaprendizagem pode existir nascrian<;as, quando nemsequer tem consciencia de serem criaturas human as?

Respondo, de modo breve, as duos obje<;oes. Quem endos-saria a opiniao de se ter como inapta para 0 estudo das letras amesma idade que ja e idonea para a educa<;ao moral? No ver-dade, tal como as virtudes, assim as disciplinas escolares tem assuas inicia<;oes. A filosofia possui infoncia, juventude e maturida-de. Um potro, que se revelo de boa ra<;a, naG <3,de imediato,sujeito aos freios a fim de carregar um cavaleiro com armadura.Antes, atraves de exercicios leves, aprende como executar arre-messos de batalha.

o vitelo destinado 00 arado nao e, de pronto, submetido 00 .peso de jugos de verdade, nem acicatado com ferroes, mas,como bem escreve Virgflio:

"Os que para a lavoura houveres destinadodoma-os, desde 0 principio, e educa-os com cuidado;enquanto a idade e tema, e que aproveita 0 ensino.Cingiras a ceNiz de touro pequeninocom folgado colar de vimes torcidos.Logo que 0 sofra bem, da-Ihe um parceiro; e unidospelos colares seus, um e outro, iguais em tudo,no acertarem °passo, empregam seu estudovao lalevando um carro, mas vazioque apenas sulque °po; logo,medrado °brio,o eixo de faia aos ais com valido carrego ..,"

Page 24: Civilidade Pueril

As T6cnicasdas Propor~oes

Educativas

GrandesVfcios Nascem de

Pequenos Defeitos

Os campanios sabem como ter em conta a idade dos bois.De acordo com a Jor<;:adeles, fazem-nos trabalhar. Ora, maiorha de ser a dilig€mcia -na arte de instruir os filhos. Para tanto aprovidencial natureza inseriu na crian9a certas propens6es.

Claro que a crian<;:anaG esta ainda em condi<;:6es de recebercomentarios em torno dos "Of leios" de Cicero ou da "Etica" deArist6teles, nem a respeito das "Obras de Moral" de Seneca e dePlutarco. Menos ainda em torno das "Epfstolas" de Sao Paulo. Soueuo primeiro a reconhecer isso. No entanto, quando apresentacomportamento inconveniente a mesa, deve ser advertida 8, emseguida, e indicada qual a atitude correta.

Do mesmo modo, levada a Igreja, aprende como fazergenuflexao, juntar as maozinhas, descobrir a cabe<;:a, a tomarposi<;:aode recolhimento piedoso, silenciar-se enquanto aconte-cem as fun<;:6esliturgicas e ter os olhos voltados para 0 altar.

A crian<;:a aprende tais rudimentos de modestia e devo<;:aoantes mesmo de saber falar. Aquelas atitudes, permanecendointegradas nela, ao longo dos anos, representam ponderavel re-for<;:opara a sua religiosidade autentica.

E mais. Logo ao nascer, a crian<;:a nao distingue os pais deoutras pessoas. Depois passa a conhecer a mae e, em seguida,o pai. A pouco e pouco vai aprendendo a reverenciar, a obede-cer e a amar. Ela desaprende a ira e a vingan<;:a, quando orde-nada a dar um beijo em quem a molestou. Desaprende, outros-sim, a garrulice inoportuna. Aprende a se levantar ante os idososease descobrir perante 0 crucifixo. -

Quem pensa que semelhantes elementos e outros mais devirtude naG pesam para a vida morigerada, cometem erro.

Certo adolescente, repreendido por Platao porque estava ajogar dados, queixou-se por ter side advertido, de modo severo,em defeito too de somenos. Entao, 0 fil6sofo replicou-Ihe: "Porpequeno que seja 0 defeito de jogar dados, torna,se grande sevirar habito." Ora, tal como pequeno vlcio, se costumeiro, ganhapropor<;:6es,assim miudos atos de bon dade, tornando-se habitu-ais, adquirem relevancia na linha do bem.

Efetivamente, aquela tema idade e receptiva para tais atitudes.Pois,por natureza, ela e maleavel para todo tipo de bom compor-tamento, desde que nao seja infestada por vlcio de especie algu-ma. Alias, ela se compraz em imitar. Basta dar-Ihe ocasiao.

Tal como ela se adapta aos vlcios, ja antes de saber do quetratam, assim, com igual facilidade, a crian<;:aafei<;:oa-secom oshabitos corretos. Poishabito, nascido em animo pure e temo, eduradouro. Dal aquele belo verso de Horacio: "A natureza sofre a0(;00 da foice, mas ela se refaz."

Eisaf. 0 poeta descreveu com magnifica propriedade, masse referia a arvore adulta. Por isso 0 agricultor atilado arruma aplantazinha conforme 0 modele que almeja para a arvore deporte. De fato, bem logo fica incorporado na natureza aquiloque Ihe foi inserido de princfpio. Sabemos que argila por demaisumida nao retem a forma impressa e cerabastante mole e inap-ta ao toque do artista, Porem, dificilmente, havera idade, portema que seja, sem aptidao para a disciplina, 31

Page 25: Civilidade Pueril

IdadeAlguma e Tardia

Para Aprender

ErudigaoSem Virtude

Mutila 0 Carater

Conclusao

32 INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL

Para Seneca \\idade alguma a tardia para aprender." Ataonde isso corresponde 6verdade, noo ouso confirmar. Emtodo caso, idade mais avan<:;ada a renitente para certo tipode aprendizagem. 0 que noo se duvida a que nenhuma ida-de, por ser prematura, seja impr6pria para

a instru<:;oo,moxime no que diz respeito aquelas coisas afinsda natureza humana.

Como jo falei acima, a natureza prendou a crian<:;a de todogosto pel a imita<:;oo de tal sorte que tudo quanto ela ve e es-cuta, tenta, em seguida, reproduzir, comprazendo-se no su-cesso. Dir-se-ia que aparenta ser um pequeno sfmio. Mas,bemaf, esto a prefigura<:;oo da flexibilidade de genio.

Eisporque, desde nascido,O homem vem aparelhado paracaptar os ensinamentos sobre os bons costumes. Apenasaprende a falar e esto hobil para ser iniciado no aprendizadodas letras. Em suma, para aquilo que tem prioridade, acorre,de pronto, a docilidade.

Por conseguinte, em bora a erudi<:;oo tenha 10 infinitas van-tagens, caso noo esteja aseNi<:;o da vida virtuosa mais preju-dica que beneficia. DaL e com marito, ter side negada pelosdoutos a tese daqueles que defendiam dever a idade inferioraos sete anos ficar longe dos estudos. Tal opinioo muitos atri-bufram a Hesfodo. Todavia, Arist6fanes, 0 gramatico, nega queas \\lnstitui<:;6es", obra' que veicula tal parecer, a mesmo deHesfodo.

Seja como for, s6 poderia ter side um insigne escritor a edi- .tar aquele Iivro. Alias, bem por isso os eruditos conferiram apaternidade da obra a Hesfodo. Mas, deixando de lado apolemica sobre a autoria, ha de sereter que nenhuma autori-dade vale tanto a ponto de impedir a ado<:;oo daquilo que amelhor, s6 porque proposto por algum desconhecido.

rsso noo obstante, aqueles que endossam tal senten<:;a,noo professam devesse todo 0 lapse de tempo ate aos seteanos ficar alheio aos cuidados da instru<:;oo, e sim que, an-tes daquele limite de idade, noo fosse a crian<:;a atormenta- .do com encargos escolares que geram enfado pel a ma-Iha<:;oo tal como ouvir explana<:;6es, repeti-Ias e reproduzirpor escrito.

Realmente, noo sera foci! deparar com uma fndole too d6cil,tratavel e ductil que a tudo isso se acomoda de pronto, dis-pensando qualquer tipo de estfmulo.,

Crisipo do tres anos as nutrizes, noo para, naqueleintersticio, eximirem-se da instru<:;oo, maxime nos costumes ena linguagem, sejo por parte del as, seja por parte dos pais, esim com 0 fitode predisporem a crion<:;a, com modos moisbrandos, na dire<:;oo da virtude e dasletras, por serinquestionavel concorrerem, e muito, aquelas boas otitudespara a forma<:;oo pueril.

Page 26: Civilidade Pueril

Parte IV

AColaboragao

dos Pais edas Amas

Os Agentes naEducaQao

,Dado consistir a primeira fase de instru<;ao pueril em aprendera falar de modo claro e correto, of. desempenharam, no passa-do, apreciavel colabora<;ao as nutrizes e os pais. Aquelesprimordios concorrem para 0 aprendizado do eloqOencia comoainda para uso do inteligencia e 0 posterior conhecimento emtodas as modalidades. Poisa ignorancia do idioma impede ouatrasa e ate transtorna aquele universe do saber, maxime, a teo-logia, a medicina e 0 direito.

No passado, a eloqOencia dos Gracos foi admirada. Porem,boa parte daquele sucesso deve ser tributada a Cornelia, maedeles. Assim pensa Marco TUlioque escreve: "Ela educou os filhosnao so no colo, mas tambem no lingua materna." Eisaf. 0 cola

, materna foi para eles a primeira escola.Nao e pormenos que Lelia espelhava, em sua dic<;ao, a ele-

gancia do pai, Caio. Algo de extraordinario nisso? Quando aindapequena, ela ja era, entre os bra<;os do pai, embebida no modode falar dele.

o mesmo aconteceu comas irmas Mucia e Licinia, sobrinhasde Caio. Em particular louva-se a gra<;a de Licinia em seu modode falar. Ela, filha de L. Crasso e, se nao me falha a memoria,esposa de um certo Cipiao.

Equantos outros exemplos ainda. Familias inteiras ha que, aolongo da posteridade, persistiram no mesmo garbo de locu<;oodos seus antepassados. .

A filha de Quinto Hortencio reproduzia, com tanta perfei<;oo, aeloqOencia paterna que, de certa feita, ao proferir um discursodiante dos Triunviros,foi enaltecida,e isso noo por mera condes-cendencia ao seu sexo, como frisa Fabio.

Sim, para que a crian<;a fale, de modo correto, influem, e muito,as nutrizes, os pedagogos e os companheiros de jogo.

No atinente ainda a idiomas, tamanha e a receptividade na-quela faixa etaria que, dentro de poucos meses, um meninogermanico aprendefrances sem se dar conta do que acontececonsigo e ocupando-se em outros afazeres. Resultado tanto maiscerto quanto men or a idade. Ora, se tal ocorre com linguasbarbaras, sem regras de gramatica ou que escrevem de um modoe pronunciam de outro ou atraves de sons estridentes e nada afinsdo voz hLJmana, entoo quanta facilidade noo se tera com as Iin-guas latina e grega!

Contam que 0 rei Mitriades dominava vinte e dois idiomas eadministrava a justi<;o no' lingua propria de coda um de seus sudi-tos, sem recurso de interprete.

Temistocles, no espa<;o de um ano, aprendeu, com perfei-<;00, a lingua persa a fim de poder comunicar-se, sem entraves,com 0 rei. Poisbem, Se a idade adulta enseja tais prodlgios, que 33entao noo esperar do crian<;a! .

INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL

Page 27: Civilidade Pueril

Outros DaisFatores: Memoria e

Imitagao

AgaoDeleteria das

Mas Companhias

j4 INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL

A estrategia completa reduz-se, em ultima instancia, adois fatores: a memoria e a imitac;ao. Ja foi demonstrado,acima, que a crianc;a possui pendor espontaneo para a imi-tac;ao. Memoria, e por sinal, fidelfssima, os sabios reconhe-ceram-na como peculiaridade infantil. Fosse para por emduvida a credibilidade deles, terfamos que nos render, deplano, aos fatos do experi€mcia. Coisas vistas, no epoca doinfancia, estao gravadas no memoria como se as tivesse-mos presenciado oritem, 00 passe que outras, lidos ql,Jcmdodo idade avanc;ada, relidas depois de dois dias, ja pare-cern novidades.

De outro lado, raro 0 adulto que logra sucesso no apren-dizagem de Ifnguas. Se acontece, a tonalidadee a pro-nuncio correlatasou nao calham bem a ninguem ou so apoucos.

Nao serio de evocar, aqui, exemplos muitos peregrinospara erigi-tos em regra comum. Por isso naG fica bemcon-vocar os adolescentes de dezesseis anos para 0 estudo doIfnguas so porque Catao, 0 Velho, too tardiam\3nte, estudouliteratura latina e, ja com setenta anos, a grega. Vote sim 0exemplo de Catao de Ufice, muito mais douto e eloqOenteque 0 anterior. Desde pequeno freqOentava 0 pedagogoSarpedao. .

No presente assunto cumpre ficar de sobreaviso. Aque-10 faixa etaria, por ser mais sUjeita 00 impulso do naturezado que a razao, com igual facilidade senao, talvez, emproporc;ao maior, esta mais propensa para 0 mal do quepara 0 bem. E ainda. Ela esquece as coisas corretas maisrapidamente do que aprende as incorretas. Fato este quenao escapou a observo<;ao de filosofos entre os gentios.Entretanto, eles nao atinaram com a causa que so foitrazida a ton9 peta doutrina crista. Esta professa que a taldeinclinac;ao parq 6 mal entrouem nos 9omo heranc;a deAdao, 0 c<;lbec;a do' g€mero humano. A par de consisten-cia desta doutrina, hd de se aterao fato quea maior par-cela daquele mal emana das perversas companhias e doma educaC;ao, principafmente, no idade tenra com suareceptividade pronto.

Conta-se, a proposito, que Alexandre Magno, quandocrianc;a, fora iniciado em alguns vlcios pelo pedagogoLeonidas de sorte que deles nao se livrou nem depois deadulto, j6 alcandorado 00 poderimperial.

Enquanto durava entre os Romemos aquela tradicionalintegridade de c_ostumes, a crianc;o nao era confiada asmoos de educador mercenario porquanto devia ser instru-Ida pelos proprios familiares e parentes, tais como os tios eos avos, segundo Plutarco. Tal procedimento era tido comoponto de honro indeclinavel para a Iinhagem do sangue epor isso dispunham de pessoas peritas em educaC;ao libe-ral, enquanto que, hoje, a nobreza apega-se mais a pintu-ra, a bras6es esculpidos, a danc;as, a cac;a e a jogo deazar.

Page 28: Civilidade Pueril

A InstruQaoEducacional e &os

Pedagogos

Nao FaltaTempo Para 0

que MereceNosso Apre~o

Espurio CarbHio, um Iiberto cUjo patroo homonimo forao pioneiro a inaugurar 0 paradigma do divorcio, abriu aprimeira escolapara aprendizagem das letra$.,

Outrora era de obrigac;oo, qual dever primordial de amor,instruir os consagOfneos na area da virtude e da erudic;oo.Hoje, ao inves, so existe uma unica preocupac;oo: dar 00menino uma esposa bem prendada. Logrando tar objetivo,pensa-se ter cumprido, em perfeic;oo, os deveres para como ~i1ho.

Entrementes, com a deteriorac;oo dos costumes, 0 como-djsmo persuadiu que tal encargo fosse entregue 00 pedagogodomestico e, assim, um ser livre fica aos cui dodos de algumescravo para fins instrucionais.

Aceita tal praxe, ao menos que houvesse criterio na esco-Iha. Entoo 0 perigo seria minorado na medidaem que 0 edu-cador noo so ficasse sob a vigilanciados pais, mas aindadebaixo do controle dos mesmos em caso de eventual de-fecc;oo.

8im, os mais avisados ou adquirem servos competentesem letras ou, antes, encaminham-nos para serem aparelha-dos de conhecimentos de modo a estarem em condic;oo detrabalhar na formac;oo pueril.

Na verdade, de maior acerto mesmo seria que os propriospais se capacitassem para a area das letras e assim transmi-tissem ciemcia a seus filhos. Oaf enta~ decorreriam duas van-tagens tal como comporta efeito duplo quando um Bispo re-vela-se homem r)io e assim arrebanha mais fieis enquanto osinflama em. piedade.

Podes ate retrucar. Todos noo dispoem de tempo para ar-car com missoo de, tamanha envergadura.

Eu, paremi contesto,'6 preclaro Senhor! Convenhamos co, .

entre nos. Quanto tempo noo se esbanja em bebedeiras, emiogos d6'azQr, em espetaculos e encenac;oes burlescas! Pen-s6 ser de enrubescer a alegac;oo da falta de tempo bem paraaquilO quedeve ser realizado com preteric;oo de tudo 0 mais.Otempo e suficiente para todos os afazeres, posto que usadocom a devida frugalidade. Mas 0 dia se nos torna curto, quan-do desbaratamos a major parte das haras. Avolio que porc;oode tempo reseNamos aos amigos para fins de divertimentosfrfvolos. Se noo e possivel abrir espo<;o para todas as obriga-90es, 00 menos que os filhos tenham a parte preferencial.

Pois bem. Trabalho algum poupamos, quando se trata dedeixar, em heran9a, um patrimonio substancioso e seguro. Noentanto, em face do que sobrepuja a todos os demais bens,desfalece 0 empenho bem onde 0 amor natural e 0 retorno,par parte daqueles que nos sac extrema mente caros, mitigamqualquer fodiga. Noo fosse assim, jamais as moes aguentari-am 0 desconforto do longo gesta900 e 0 aleitamento. Semduvida, ama pouco 0 filho quem se d,eixa tomar de acidia em J'jnstrui-Io. 5

INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL

Page 29: Civilidade Pueril

Erudi~ao'nao Dispensa.

ConhecimentosVulgares

Educa~aoPre-Escolar nao

afeta a Saude

JO INTERMEIQ 3 - ENCARTE ESPECIAL

E de reconhecer. Em outras epocas, as ,condi<;6es de ensinoeram menos complicadas, pois a Ifngua era a mesma entre osprodutoresde Iiteratura e a multidoo de ignaros. A diferen<;aera que oS'eruditos falavam de modo mais correto,e elegante,com pertinencia de conteudo. Confesso que seria de grandeavan<;o para a instru<;oo se tal costume persistisse nos dias dehoje. Dai noo faltar quem arrisca evocar aqueles velhos mode-los de antanho. .

Assim eram, entre os frigios, os Canter. Na Espanha,a rainhaIzabel, esposa do rei Fernando, de cuja casa safram aquelasdonzelas admiradas pel a nobreza, cultura e graciosidade noconvfvid. Entre os Ingleses, a personalidade fmpar de Tomas Moreque, embora absorvido por tantos assuntos regios, dava-se aotrabalho de preceptor da esposa, das filhas e do filho, antes detudo em principios morais e de po is na aprendizagem <;:iasduasIfnguas basicas para a Iiteratura.

Eis0 que deveria ser generalizado para os destinados a eru-di<;oo.

Noo existe de forma alguma 0 tal perigo de (olesconhece-rem 0 Iinguajar do povo. Querendo ou noo, por for<;a da con-vivencia, eles acabam por aprende-Io.

Na hip6tese de noo ter dentro da familia quem conhece asletras, seja, bem logo, chamado algum instrutor, porem testa-do quanto a moral e a erudi<;oo. .

Dememcia mesmo seria, como se diz, ter 0 filno na conta deum Cario para aferir se 0 designado possui ou naG competen-cia em letras e moralidade. Alhures ate que se pode relevar talcochilo. Aqui, cada qual deve ser um outro Argos de olho paratodos os lados. Dizem: na guerra noo cabe errar duas vezes.Aqui naG e Ifcito sequer uma unica vez. Para concluir: quantamais cedo 0 menino for entregue ao formador tanto mais su-cesso tera a instru<;ao.

A esta altura,oparece quem alega existir perigo na aprendi-zagem escolar porquanto esta torna a saude fragi! da crian<;amais precaria ainda.

Poder-se-ia responder que, mesmo que olgo se perdesse emrobustez corporal, tal carencia seria, esplendidamente, recom-pensada com os eximios-dotes do espirito. Evidente que naG seesta a preparar um atleta e sim um intelectual, um homem aptoa gerir a coisa publica, aoqual basta saude normal, sem pre-tensao de competir com 0 vigor ffsico de um Milao. Todavia,insisto, ha de sa' atender as exigencias da idade de modo quenada perca do vigor corporal.

Com efeito, enquanto, de um lado, muitos temem prejudi-car a crian<;a com 0 estudo, de outw lado, naG se atemori-zam com 0 perigo acarretado pelo cOr:JSumo imoderado dealimentos queprejudicam naG menos 0 espfrito que oorganis-mo, sem falar da ,diversidade de carnes e bebidas nada con-dizentes com aquela idade. Eainda levam os filhos a banque-tes freqOentes e prolongados, atravessam noitadas, onde saoengolfados em alimentos apimentados e quenfes a ponto de,par vezes, vomitarem. E mais: apertam e incomodam seus

Page 30: Civilidade Pueril

Educar SemSofisticagao

QU01idadesdo Professor: Amar

e se FazerAmar

temos corpinhos com vestes pouco confortaveis, por pura os-tenta<;ao, tal como muitos ornamentam macacos com vestesmasculinas. Outros efeminam os meninos com modosextra-vagantes. E em nada disso Ihes ocorre temer pela saude dacrianc;a. Prejudicial se Ihes antolha s6 quando alguem come-c;a a falar do estudo, a coisa mats necessaria e salutar dentretodas as demais. .

o que foi esplanado a respeito da saude aplica-se ao cui-dado pel a estetica corporal. Esta nao pode ser, de todo, prete-rida, embora 0 exagero nao convenha ao sexo masculino. Quese tema antes, e com igual escrupulo, menos do desgaste oriun-do dos estudos e mais da corrupc;ao par parte doempanzinamento nos prazeres, na embriaguez, em longas noi-tadas, em brigas e ferimentos, enfim, a nefanda slfilis da qualnao escapa jovem algum afeito a vida desregrada. De coisasque tais, quem zela pela saude e beleza dos filhos, deve mante-105distantes e nao dos estudos. Alias, com jeito, e posslvel redu-zir 0 esforc;o ao mlnimo, ficando tambem diminuto 0 desgaste.1550se logra nao pelo volume de coisas indiscriminadas, mas 56com as selecionadas pel a qualidade e adaptadas aquela ida-de que capta mais 0 lade jocoso e menos as sutilezas. Por isso,a maneira leve de propor os assuntos faz com que seja entretidacomo se brincasse em vez de praticar uma tarefa. Nesse parti-cular, aquela idade deve ser ludibriada com certos artiffcios defantasia, jo que e ainda incapaz de entender quanto de frutuoso,de digno e de satisfac;ao Ihe adviro dos estudos, no futuro. Efei-to que resulta, em parte, da doc;ura eda afabilidade do edu-cador, e, em parte, da perlcia e dedicac;ao no transmitir as di-versas disciplinas de modo que 0 estudo vira alegria, aliviandoa crianc;a do climd de imposic;ao onerosa. Inadmisslvel sim aque-la atuac;ao de preceptor que levaria a crianc;a a odiar 0 estudoantes mesmo de estar a altura de entender por que deve gos-tar disso.

o primeiro grau da aprendizagem consiste no amor 00 pro-fessor. Com 0 caminhar do tempo, a crianc;a, que foi iniciadano amor ao estudo par causa do amor ao mestre, passa a amaro mestre par amar ao estudo. Do mesmo modo que presentese outros tipos de mimos sao bem vindos justamente por provi-rem de pessoas muito queridas, assim os estudos, enquanto nao

.podemserainda apreciados por si mesmos, ficam encareci-dos pelo afeto que se devota aos mestres. Foi 0 que afirmou,com retidao, Isocrates, ao declarar que aprende muito maisquem arde no desejo de aprender, Aprendemos sim, com muitoentusiasmo, daqueles aos quais amamos.

Indivfduos ha de carater too azedo que nem da esposa con-seguem afeic;oo, Soo de fisionomia raivosa e trato tenebroso,Mesmo quando acolhedores, refletem ira, Soo incapazes de falarde modo manso, Noo sabem corresponder ao sorriso das pes-soas, Dir-se-ia, com seguranc;a, que as grac;as estavam de cos-tas no nascimento deles, Enfim, indivfduos sequer idoneos para

INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL 37

Page 31: Civilidade Pueril

-Escola naoe Ergastulo

OsMercadores de

Cultura Eseolar

3~INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL

domar cavalos xucros. Nao suceda, pois, que entregues as moosdeles crian<;as inocentes, apenas desmamadas.

Ho quem p~nse que justamente a tal categoria de gentedeve serconfiada a educa<;ao infantil. E que .seconfunde sem-blante sombrio com santidade. Ora, nao e segura fiar~seape-nas nos tra<;osda fi~ionomia. Atros daquelafachada pode ani-nhar-se uma chusma de vfcios peNersos.

Tambem nao calha bem, aqui, expor aos olhos de pesso-as decentes a que de indecoroso aqueles abutres submetemos meninos em clima de terror. Alios, nem sequer os pais 10-gram educar, corretamente, os filhos, quando estes f;cam to-mados de pavor.

Portanto, a primeira tarefa do professor consiste em ser bemquisto. A seguir, paulatinamente, sobrevem nao 0 terror mas 0respeito reverencial que vale mais do que 0 medo.

Que aproveitamento proporciona-se as crian<;os,de apenasquatro anos de idade, matriculando-as em jardin~ Iiterorios,soba dire<;oo depreceptores descontiecidos, rudes, de costumesn'ada sadios, por vezes desequilibrados e ate lunaticos ou afe-tados de epilepsia, quando nao da lepra denominada da "sar-na galica"?

Basta que se depare com indivfduos abjetos, sem profissao,desqualificados"e logo sac tidos como qualificadospara regerem escola. Elesentao julgam-se reisnatos. Nao admira a furiaem tomar posse do seu imperio que naoe sobre feras, comodiz 0 poeta comico, e sim sobre aqueles cuja idade. requer pro-te<;ao e multa ternura.

Dir-se-ia que, all, nao existe escola e sim ergastulo. Apenasse ouve 0 crepitar das palmat6rias, 0 estrepito das varas, aslamenta<;oes e os soluc;osem meio a balburdia de amea<;asferozes!

Loucura mais desafinada ainda e entregar os filhos, comos6i ocorrer, aos cuidados de mulherzinha ebria para aprende-rem a ler e a escrever. Ja repugna a natureza que a mulherdomine os homens. Acima de tudo porque nada mais peculiaraquele sexo que, ao ser perturbado pela ira, enfurecer-se commuita facilidade e s6 seaquieta depois de saciada pela vin-gan<;a.

Ate existem mosteiros e os assim denominados "Colegios deIrmaos" a ca<;a de lucro nesta area, que, em suasdependenCi-as, administram 0 ensino as crian<;as mediante homens de re-lativa competencia, quando nao despreparados de vez. Issoeate toleroveL posto que pudicos e cordatos.

Semelhante modalidade de produzir educa<;oo tem la 0apoio de muitos. Parem, a meu sentir,ninguem, almejando tero filho educado liberalmente, jamais deveria submete-Io a talexpediente.

Page 32: Civilidade Pueril

ParteV

Oxala 56Existisse Escola

Publica

Modelo doEducadorAutentico

Em PrinclpioTodo Castigo e

Contraproducente

A Antipedagogiado Castigo

Imperioso mesmo e ou noo existirescola ou apenas haver esco-la publica. Esteultimo sistema revela-se mais adequado ao atendi-mento coletivo. Com efeito, bem mais comodo sujeitar muitos peladisciplina sob 0 comando de um unico preceptor do que levar atermo uma educa<;oo personalizada. Nem porisso esta em ques-too tanger manadas de asnos ou de bois e sim educar, liberal men-te, seres Iivres.Tarefa, alias, tanto mais ¢rdua quanto sublime.

Enquanto a tirania cooge cidadoos pelo temor, a fun<;oo darealeza governamental prima em mante-Ios no clima da benevo-lencia, modera<;oo e prudencio. .

Diogenes, capturado pelos Eginetas e conduzido ao mercado,foi interpelado pelo leiloeiro sob que rotulo gostaria de ser apresen-tado aos compradores. Ele respondeu: "Anuncia se interessa a al-guem adquirir um homem que entende do comando de pessoasIivres". 0 insolitopregGlo provocou risadas em muitos. No entanto,houve quem, com filhos menores em casa, abordasse 0 filosofopara se certificar da apresenta<;oo. 0 filosofo apenas ratificou. 0adquirente deduziu daquele breve coloquio que ali estava um indi-vfduo nada vUlgar. Antes, debaixo daqueles andrajos, escondia-seuma sabedoria peregrina. Tendo realizado 0 negocio, conduziu-opara sua casa e confiou-Ihe os filhos para instru<;oo.

Para os Escoceses, os mestres-escolas de Fran<;asoo especialis-tas em pancadaria. Quando questionados a respeito, respondemque aquele povo, tal como se diz dos Frfgios, so se corrige a pau-lada. Ate onde isso corresponde a verdade, outros que 0 digam.De minha parte reconhe<;o haver sim certa diferen<;a de um povopara outro. Porem, bem mais expressiva e a peculiaridade do ge-nio de cada um,

o certo e que, com pancadaria, trucidas antes de corrigir aquem podes conduzir a teu talante, mas com mansuetude e re-preensao brandas.

Reconhe<;o em mim mesmo tal fndole desde pequeno. 0 pre-ceptor, para quem eu era preferido dentre os demais porquealimentava sei 10 que sonhos de grandeza a meu respeito, man-tinha-me sob vigilancia cerrada, Porfim; resolveu testar minha ca-pacidade para aturar castigo, Alegou entao qualquer falta quenem por sombra cometera e bateu-me. Aquilo esvaziou todo 0

INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL

Page 33: Civilidade Pueril

CastigoAcoberta

Incompetencia

40 INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL

meu gosto pelos estudos, desmotivando de tal sorte meu entusi-asmo pueril que pouco me faltou para vir a falecer de tanto pe-nar. Em todo coso, aquela amargura fez-me contrair a tal de fe-bre quarta.

Ele, 00 reconhecer, mais tarde, seu erro, deplorava junto aosamigos e dizia: \\Estivea pique mais de perder do que entenderaquele talentoso car6ter". Realmente, ele nao era nem grosseironem incompetente. Muito menos 0 reputo maldoso. Se, mais adi-ante, ele se tocou, para mim j6 era tarde.

Egregio Principe! Pondera comigo, a esta altura, quantos exce-lentes educandos postos 6 perdi<;ao por tais algozes brutais, muitoemborq todos eles, enfatuados de pseudo-habilita<;ao, mal-humorados, dodos a bebida, crueis, violentos por profissao e detemperamento a tal modo agressivo que se comprazem no tortu-ra alheia. Enfim, indivlduos que deveriam ser antes carniceiros oualgozes. Jamais educadores de crian9as!

Ninguem flagela demgO§irQmais_~nJelo crianyC1 doqLJe 0professor quenaaatem a Ihe en~iIlClr.Que outra coisa sabem fazerno-rffdgtsteriOTals indivlduossenao motor 0 tempo com cenas deespancamento e vocifera9ao.

Bem de perto conheci certo teologo, e por sinal renomado, cujasanha de crueldade contra os disdpulos nunca arrefecia, muitoem bora tivesse a seu servi90 mestres francamente agressivos. Eleestava convicto de que aquele era 0 unico modo de reprimir arebeldia de espfrito e domar 0 desbragamento do juventude. Porisso nao passava a refei9ao em comum sem findar tal como noscomedias e no mesmo episodio hilariante. Assim, findo 0 repasto,um ou mais eram destinados 00 supllcio das varas. E,de quebra,iam tambem aqueles que nada deviam. Talvez para se habitua-rem 00 rito do flagela9ao.

De certa feita, estava eu assentado 00 seu lado, quando, aposa refei9ao, segundo Q praxe, ele chamou um menino, pense quede dez anos. Havia pouco que 0 garoto fora trazido pela mae paraaquela comunidade escolar. 0 teologo mesmo disse-me que acrian9a tinha como mae uma senhora muito distinta pela pieda-de, sendo que a mesma, com bastante empenho, recomendara-Ihe 0 filho. Pouco depois, a fim de ter justificativa de puni9ao, co-me90u a alegar sei la que ato de petulancia, coisa que 0 acusadonem de longe imaginava cometer. Acenou, em seguida, para 0encarregado do disciplina, denominado "prefeito do colegio", masalcunhado "cao de guarda", para submeter 0 menino 00 castigo.Aquele, mais que depressa, lan90u 0 menino 00 chao e 0 vergas-tou qual reu de sacrilegio. Alias, 0 teologo chegou a bradar maisde uma vez: "Basta! Basta!". Porem, 0 algoz, ensurdecido pelo fu-ror, persistia no macabra tarefa, nao 0 tendo levado a sfncope porpouco. Voltou-se, entao, 0 teologo para nos e disse: "Nod a disso 0me nino merecia, mas era necessorio humilho-Io". Foram tais, lite-ralmente, suas palavras.

Quem jamais corrigiria um servo de modo igual a esse? au umasno?

Cavalo de ra9a doma-se com assobios e carfcias e nao comlotego e espora. Se 0 molestam em demasia, torna-se arredio,coiceiro, mordente e do de andar a reoa bot por sua vez, fustiga-do com excesso, livra-se do conga e investe.contra 0 picador.

Page 34: Civilidade Pueril

EdiJcar eArte dos Modos

A EscravidaoDeve ser

Banida de Vez

Ha de se Iidar com 0 espfrito temo e gracil da crianga tal comoum filhote de leoo. So0 jeito amansa elefantes e noo a forga. Alias,noo existe animal too feroz que noo se renda ao bom trata. Demais a mais, noo ha animal too manso que noo fique furioso antetratos imoderados.

Portanto, e coisa de escravidoo corrigir atraves do temor a pena.Se e corrente chamar os filhos pelo qualificativo de "livres", bempor Ihes convir a educagoo liberal, entoo em nada sejam equipa-rados a servos.

Enfim, quem se capacita disso e tem os servos na conta decriaturas humanas e n60 de teras, procede por atos de comiserog60e de bondade a ponto de os escoimar dos laivos da escravid60.

No que- tange ao relacionamento com os patroes, exemplosadmiraveis houve que 560 de recordar. Porcerto aqueles senhoresn60 teriam os seus servos com semelhal'1ltes disposigoes, se os ti-vessem mantido debaixo so da forga dos flagelos.

o servo de temperamento flexfvel corrige-se mais rapido comadvertencias, com 0 senso de vergonha e de responsabilidade doque a chibata. 5e for incorrigfvel, ele empedernece ate tomar atitu-des de extrema maldade. Ent60, ou causa prejufzo ao dona com apropria fuga, ou maquina algum tipo de morte contra seu senhor.Tambem noo e raro vingar-se dos maus tratos mediante osuiddio. 0homem, com efeito, e 0 unico animal formidando que recha<;:a ainjuria atroz com 0 desprezo pela propria vida. Eisporque 0 proverbiocorrentio diz que cada um tem tantos inimigos quanto s60 seus ser-vos. A ser issoverdade, ent60, pense eu, tal fato h6 de ser passado,antes do mais, para a corita da iniquidade dos patroes.

Terdomfnio sobre os servos depende menos da fortuna e maisdo jeito. 5e os patroes de alma generosa empenham-se em levaros servos a serem prestativos mas de modo menos servil, preferin-do te-Ios como Iibertos, que absurdo, ent60, issdde tornar servo naeducag60 a quem a natureza dotou de Iiberdade?

Com sagacidade 0 velho camico parece ter atinado bem com·a grande diferenga entre pai e patroo: "0 patr60 age em climade coag60; 0 pai, ao inves, habitua 0 filho ao pudor e a Iiberdadede sorte a se cO(nportar honestamente de modo espontaneo en60 por temor de castigo, sendo sempre 0 mesmo quer esteja napresenga paternq, quer n60." E acrescenta: "Quem n60 conse-gue isso, que declare n60 ter logrado ascendencia sobre seusfilhos" ,

Portanto, entre pai e patr60 ha de intercorrer distancia bem maiordo que entre monarca e tirano. Os tiranos nos os rechagamos doEstado e, no entanto, os assumimos para educarem nossos filhos,quando n60 somos nos proprios a exercer tirania sobre eles.

Alias, j6 e tempo de ser banida, de uma vez para sempre, den-tre os costumes crist60s, aquela sordida palavra "servid60", Paulorecomenda Onesimo a Filemao, nao como escravo e sim qualirmao carfssimo. Na Carta dos Efesios,adverte os patr6es para tem-perarem a autoridade e refrearem as ameagas contra os escra-vos, lembrando-os de serem antes companheiros do que senhores

INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL 41

Page 35: Civilidade Pueril

o ModeloDivino de Educar

As MultiplasManeiras de

Afligir 0 Aluno

Um CasoFragoroso de

Crueldade

42 INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL

porque 0 patrao comum de todos esta nos ceus, Aquele que vaipedir contas dos pecados cometidos tanto pelos donos quantapelos servos. Oaf porque 0 Apostolo exige dos patroes que nao se-jam amea<;adores nem muito menos flagelantes. Com efeito, naodiz \\deponham os a90ites" e sim \\eliminem as amea9as".

Epensar que nos queremos para os filhos precisamente 0 a90i-te. Enfim, aquilo que ainda apenas os capitaes de naus e os piratasusam contra seus remadores.

Quanto aos filhos, qual 0 preceito do mesmo Apostolo? Se, deum lado, nao permite sejam castigados como servos,de outro lado,ordena expurgar as admoesta90eS e repreensoes de qualquer tomde severidade e amargura. Porisso recomenda: 'Vos, pais, naoexaspereis os filhos ate a Ira; mas educai-os na disciplina e corre-9ao segundo 0 Senhor". Que disciplina e aquela emanada do Se-nhor, com facilidade, descobre quem ppndera a mansidao doamor com que Jesus ensinou, suportou, incentivou e, progress!va-mente, foi conduzindo os disdpulos pelos patamares do amadure-cimento.

As leis humanas restringem 0 poder senhoril e permitem aos ser-vos moverem a90es de maus tratos contra os patroes. Mas de ondeprocede tal desumanidade entre cristaos? No passado, Auxo, cer-to cavaleiro romano, corrigiu 0 filho a vara e com tamanho rigorque este veio a falecer. Aquela barbaridade comoveu 0 povo aponto de pais arrastarem 0 algoz ate 0 Forum e ali 0 crivaram deestiletes, sem a mfnima considera9ao pelo seu prestfgio de cava-leiro. Foi com muito esfor90 que Otavio Augusto conseguiu Iiberta-10daquele aflitivo tormento.

Epensar. Quantos Auxos nao estamos aver hojel Indivfduos quelesam a sdude das crian9aS com a sevfcia da chibata, debilitan-do-as e ate matando!

Para seviciar, so as correias ja nao bastam mais. Batem com 0cabo e desferem bofetadas e socos contra os pequenos. Agar-ram, mesmo qualquer objeto ao alcance das maos e 0 arreme-tem contra eles.

Narram os Iivrosjudiciarios que certo indivfduo deixou no occipfciodo aprendiz 0 desenho do formate do tamanco de madeira, fa-zendo saltar para fora um dos olhos. Ainda bem que a lei 0 puniupor tamanha atrocidade. Mas que dizer de quantos acrescemcontumelias abominaveis aos suplfcios.

Jamais eu teria dado credito ao fato que passe a narrar, se,pessoalmente, nao tivesse conhecido a vftima da crueldadee tambem 0 agressor.

Certo menino <;:1eapenas doze anos, filho de pais com ele-vado pad roo social e aos quais 0 preceptor devia reconheci-mento, foi submetido a tratos too execrandos que apenas po-dem ser atribufdos a um Mecenio ou a um Falaris.

Page 36: Civilidade Pueril

Entupiram, com fezes humanas, a boca do garoto ate 0 pon-to de naG poder expelir a cargo, tendo, em decorrE3ncia, quedeglutir boa parte.

Que tirano ousaria cometer crueldade too grande? Diz0 pro-verbio grego: "Passamenos epftasse", ou seja, "apos tais manja-res, podes dar tuas ordens".

o menino, despido, foi suspenso com cordas pelas axilas parafigurar 0 castigo aplicado a furtos infames e tidos como os maisdetestaveis entre os germanos. A seguir, suspenso no ar, folflagelado de todos os lados, ficando a pique de morte. Equan-to mais tentava provar que nao cometera 0 tal do erro, tantomais recrudescia 0 martfrio.

Acontece que 0 carrasco. estava mais terrfvel que 0 propriosuplfcio. Tinha olhos de serpente, boca cerrada e rugosa, vozestridente como alma penada, face Ifvida e cabec;:a em trans-torno. Ao ouvir as ameoc;:as e as injurias que sua bflis extravasa-va, pensar-se-ia num TisifOo.

Equal 0 desfecho?Depois do suplicio 0 menino adoeceu com riscos graves para

a integridade ffsica e mental. 0 carrasco, entao, para se eximirde qualquer incriminac;:ao, escreveu 00 poi para vir e levar 0filho, quanto antes, poistinham side intentados em VaG todosos recursos para atender 0 infeliz.

Fato e que a enfermidade do corpo ate que foL em parte, debe-lada pelos medicamentos, mas a sua mente ficou profundamenteabalada, sendo de crer que jamais recupere 0 vigor anterior.

E nao pensem que aquela crueldade foi a unica. Aolongodo tempo em que 0 menino esteve aos cuidados do agressor'nao passava dia sem que, uma ou mais vezes, fosse, com sa-dismo, ac;:oitado.

Creio que 0 leitor, ja de ha muito, vinha imaginando a enor-midade do falta para merecer penalidade too dolorosa. Res-pondo em poucas palavras. Foram encontrados Iivros do vftimae de outros dois, manchados de tinta, alem de vestes rasgadase os sapatos sujos com esterco humano. 0 autor daquelasestrepolias, alias, menino propenso desde 0 nascimento paramalfeitos do genero e identificado como agente de outras san-dices, era 0 sobrinho do insane diretor, por parte do irma. Emoutra ocasiao, imitando as proezas que os soldados costuma-yam fazer no guerra e nos seus exerdcios de quartel, no cosoonde estava como hospede, retirou a tampa de um barril, dei-xou 0 vinho escorrer por terra e depois, apressado, foi advertirque estava sentindo 0 odor do vinho. Era ainda habituado, to-dos os dias, a brincar de espada com um companheiro desua idade. Nao procedia esportivamente, mas levava tudo aserio. Tudo isso deixava entrever nele 0 futuro delinquente eassassino ou algo analogo. Enfim, um soldado mercenario. 0preceptor, entao, embora 0 favorecesse, temendo que os ra-pazes se ferissem mutuamente, apartou 0 parente.

E mais. Ele tirava'iargo proveito deum outro individuo, to-mando parte naqueles grupos de evangelicos aos quais 0 uni-co objetivo e 0 dinheiro. 0 poi, um homem de bem, estavaconvicto de ter 0 filho junto de um preceptor honesto e vigilan-te. No verdade ele vivia no companhia de um carrasco disfar-c;ado 00 qual servia como domestico e secretario de individuosemi-Iouco e enfermic;o.

Portanto, como 0 preceptor era mais indulgente para comseu parente do que em relac;ao 00 outro, do qual, no entanto,

INTERMEIO 3 . ENCARTE ESPECIAL 4J

Page 37: Civilidade Pueril

Maus TratosFfsicos ImplicamA~ao JudicL~ria

A Sandicedos Trotes

Universitarios

44 INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL

extrala beneflcios em largo escala, desviou a suspeita sobre 0inocente, atribuindo-Ihe malfcia a ponto de ser capaz de rasgare emporcalhar as pr6prias vestes a fim de descartar de si qual-quer suspeita. Entretanto, tratava-se de um menino de excelen-te familia. Jamais dera 0 mlnimo indfcio de fndole perversa. Ali-as, ainda hoje nod a mais alheio a seu comportamento que qual-quer sombra de maldade. Agora, fora daquele clima de terror,eie mesmo conta, com precisao, como tudo aquilo aconte-ceu.

A tais pedagogos e que os nobres cidadaos confiam os filhos, 0tesouro mais precioso de suas vidas, enquanto aqueles lastimamnao receberem salarios a altura de seus servi<;:os.0 referido algozbem que reconheceu seu erro, mas preferiu persistir no insanidadea ter que confessar 0 crime. Lamentavel que contra indivfduos desemelhante naipe nao se movam a<;:6esjudiciarias de maus tratos.Alias, a severidade do lei nao e suficiente para reprimir tal tipo decrueldade desalmada. Poisem criatura alguma a Ira e too impla-covel como naqueles indivfduos em que esta aninhada qual epi-lepsia. Sim, quanta coisa nefanda passou a integrar a vida dos cris-taos. Coisas compatfveis s6 com Frfgiose Citas, povos crueis e de-satinados. Delos passe a referir algumas amostragens a titulo derefor<;:odo presente argumento.

Os iniciantes, 00 ingressarem em escolas pUblicas, sao coagi-dos a se despirem do \\beca", termo barbara para um costumenao menos rebarbativo. 0 jovem inexperiente e mandado para 0estudo das artes Iiberais, mas, 00 inves, a quantos ultrajes, depri-mentes para a sua dignidade de ente livre, vai ser submetido!

Primeiro, empastam-Ihe 0 rosto como para barbear. Para issousam de urina ou outra 10<;:00mais fetida ainda. 0 mesmo tipo deIlquido e embutido pela boca a dentro com a proibi<;:aode expelir.Com socos violentos quebram-Ihe 0 brio de adolescente. Eainda,fazem-no engolir farta dose de vinagre, de sol ou de qualquer ou-tra substancia que Ihes der no veneta desvairada. E por cima, ospromotores do brincadeira eXigem juramento de obediencia a to--dos os seus caprichos. Porfim, levantam no ar, em posi<;:aodorsal eatiram-no qual arlete contra um poste.

A brutalidade too vis, sobrevem, freqOentemente, febres e do-res imedicaveis que afetam a espinha. Por ultimo, aquelas brinca-deiras descabidas findam em bacanais.

E com inicia<;:6esde tal natureza que se formulam os bons au-gurios para os estudos das artes liberais, 0 certo serio reserva-Iaspara adestrar algozes, torturadores e traficantes de donzelas ou aum Corio de espfrito venal ou ainda a alguem destinado as gales,Nunca, porem a jovens voltados 00 culto das Musas e das Gra<;as.

E de estarrecer que jovens devotados 00 estudo das artes Iibe-rais sejam infernizados com tal requinte. Todavia, 0 que mais cons-trange e constatar a aprovO<;:ao por parte dos responsaveis pelajuventude.

AI esta a palavra "tradi<;:ao" para oferecer cobertura a loucurasdescabidamente repugnantes como se um costume peNerso fos-

Page 38: Civilidade Pueril

o Castigonao Excedaa

AdmoestaQao

Educar PelaTecnica da

Persistencia

se diverse do erro inveterado a ser extirpado a todo custo. Aindamais quando viceja a solta.

Analogo tambem ao referido costume, aquele denominado"vesperas" entre os cultores da Teologia. Alias, outra palavra insfpi-do essa de "vesperas", para traduzir coisa insulsa. So mesmo· nogosto de buf6es e nunca de teologos. Em todo caso, quem profes-so os estudos Iiberais deveria tambem praticar brincadeiras domesmo nlvel.

Retornemos ao mundo do crianga. AI nada mais contrapro-ducente que habitua-Ia aos flagelos. Essa enormidadetransmuda a Indole mais docil em rebelde e reduz os desani-mados ao desespero. Poisa assiduidade de castigos debilita 0corpo enquanto a mente fica insenslvel a forga da palavra. Tam-bem aquela frequemcia de repreens6es acres deve ser elimina-da.

Remedio aplicado sem criterio exacerba a doenga 00 invesde Ihe trazer alfvio. De outro lado, se usado, reiteradamente,perde a eficacia tal como alimento inslpido e pouco saudavel.

A esta altura, naG vai faltar quem trombeteia os oraculos dosHebreus: "Quem poupa a vara, odeia 0 filho; quem ama 0 filho,habilita-o 00 castigo dos flagelos". E ainda: "Dobra a cabegado teu filho enquanto jovem e bata nos seus flancos enquantoainda crianga".

Pode ser que os mencionados castigos fossem adequadosaos tempos antigos dos judeus. Hoje devemos interpretar aque-las palavras hebraicas de modo mais humano. Alias, fosse parase tomarem aquelas sentengas em sentido literal, entao quepode haver de mais absono como "fletir a cabega" ou "malharas laterais" do criango?! Por acaso trata-se de adestrar um touropara 0 arado ou um burro para a cargo e nao um ser humanopara a virtude? Equal 0 premio prometldo? "Que naG venha apulsar a porta do vizinho". Assim, para 0 filho teme-se a pobrezacomo mal supremo. Ora, pode haver algo mais decepcionanteque esse modo de sentenciar?!

Eisof. Nossa vara naG exceda a admoestagao civilizada. Vezpor outra, uma corregao, porem, temperada pela mansuetudee nunca pela calera. Com tal procedimento repreensivo pode-mos slm afeigoar os nossos filhos para receberem, dentro decoso, a instrugao correta do bem viver sem estarem compeli-dos a mendigar conselhos junto aos vizinhos sobre modos deprocedimento.

o filosofo Licon deixou dois fortes estfmulos para agugar 0 espf-rito do crianga, Vergonha e louvor! Vergonha e 0 receio de censu-ra justa. Louvor e 0 pabulo de todas as artes. Com estes dois exci-tantes ha de se av·ivar0 espfrito do crianga.

Mas, se for doagrado, YOU mostrar qual 0 relho para malhar aslatera is do teu filho: "0 trabalho duro vence todos os obstaculos",proclama 0 poeta, Eisentao. Vigiemos, encaregamos, insistamos,eXigindo, reiterando e inculcando. E com 0 bastoo dessa especieque se bate nos lados de nossos filhos,

INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL 45

Page 39: Civilidade Pueril

Bater S6em Caso de

Extremo, MasModeradamente

46 INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL

Antes do mais, aprendam a amar e admirar 0 que e honesto,bem como as letras, alem do horror as torpezas e a ignorancia.Atentem eles para 0 fato de serem alguns elogiados pelo bomprocedimento enquanto outrossao vituperados por seuserros.Quecontemplem osexemplos daqueles que abeberaram, na fonte daeduco<;ao, gl6rid altaneira, riqueza, altivez e autoridade. Ao con-trario, vejam os exemplos daqueles nos quais os maus habitos es-culpiram um espfritovazio de entendimento. Issos6 Ihes reverteuem infamia, desprezo, pobreza e rulna.

< Em conclusao, apenas flagelos dessa especie sao dignos docristao, disdpulo do manslssimoJesus.

Se, todavia, nao se lograr exito algum com admoestac;ao,suplica, emulac;ao, apelos ao louvor e a vergonha, nem paroutros meios mais, 0 caso entao justificaria, por derradeiro, 0uso de varas, mas e imperioso agir de modo civilizado e de-coroso. Poisdesnudar 0 corpo da crianc;a inocente, maximeante os olhares de muitos, toca as raias da contumelia. Naoobstante isso, Quintiliano condena, em princfpio, a pratica,tao em voga, de submeter crianc;as e inocentes a panca-daria.

Alguem objetaria: que fazer com quem nao se apega aosestudos senao fustigado por flagelos? Respondo de modo bre-ve: "Que farias de bois e asnos que'adentram pela escola?Nao os enxotaria para 0 campo, uns para 0 moinho e outrospara 0 arado? Com efeito, seres humanos ha nao menos ap-tos ao arado a ao moinho que bois e asnos".

Mas, aL um outro replicaria: "Entao, decresce a grei. Emais,diminui 0 lucro". Coisa intoleravel! De onde as lamurias deindivfduos que prezam mais 0 lucro do que 0 aproveitamen-to das crianc;as,

Infelizmente a classe vulgar dos mestres-escolas pensamassim.

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Parte VI

/

E Missaodo Governo Zelar

Pela Imagem doEducador

Solidariedade.Social em Favor do

Magisterio

o Educadornao Discrimina 0

Rico do Pobre

o Perfildo Educador

Reconhe90. Do mesmo modo que os filosofos esculpem a ima-gem do sobio, do retorico ou do orador, de forma a torno-Ia quaseinexistente na protica, assim e bem mais comodo delinear 0 perfildo educador do que apontar individuos que personificam 0 mo-delo tra9ado. Na verdade, empenho de tal natureza deveria serde ordem publica, seja por parte das autoridades profanas, sejapor parte dos proceres eclesiosticos.

Tal como se preparam individuos para lutar em linha de com-bate e os que cantam nos templos, assim, com maior dedica9ao,dever-se-ia preparar aqueles que vao formar os filhos dos cidadaosna Iinha da retidao eda liberdade.

Vespasiano, destinava, anualmente, de seus vencimentos, cemescudos aos professores latinos e gregos de oratoria. Por sua vez,Plinio,0 Jovem, retirava de seus proprios proventos uma soma nadapequena para a mesma finalidade. Mas com 0 cessar de iguaispreocupa90es da parte dos poderes pUblicos, entao que, ao me-nos, cada um vele por sua familia.

Mas questionarias. Que poderiam os pobres fazer nesse sentido,quando mal conseguem alimentar os filhos? Como ficam distan-ciados da possibilidade de contratar preceptores!

Aqui me quedo. Apenas evoco aquele lance da Comedia:"Jo que nao me e permitido 0 que desejo, ao menos fa90 0 queposso".

De minha parte, eu me restrinjo a propor 0 modo melhor possi-vel de educar. Quanto ao dinheiro, nada possuo para oferecer.Isso nao obstante, caberia sim a liberalidade dos afortunados pa-trocinar os talentos de indivfduos agraciados pel os dons da nature-za mas a bra90s com restri90es no or9amento familiar e, em de-correncia disso, impedidos de explicarem seu potencial inato.

A fim de que a irreverencia, companheira da familiaridade,nao empane 0 pudor e 0 respeito, diria ser necessario, comodizem, 0 modele deixado por Sarpedao, 0 pedagogo de cataode Utice. Ele soube conciliar 0 maximo de elegancia em bonscostumes de primorosa qualidade com a autoridade sobre 0discfpulo, sem 0 recurso ao medo do azorrague.

E de ver como se comportariam aqueles que s6 entendem 41

Page 41: Civilidade Pueril

Educar e aArte de Incentivar

o Educando

Condi~aoPrimordial:

Amar 0 Educando

4~INTERMEIO 3 • ENCARTE ESPECIAL

de espancamentos, caso estivessem incumbidos da instru<;:aodos filhos de um Cesar oude reis! Aquelas criangas e vedadoaplicar 0 latego.

Diriam, entao, que os filhos de principe estao fora das regrasdo jogo. Ora essa! Que ougo eu?! Por ventura cada um naGtem 0 proprio filho em conta de coisa too preciosa tal comonascido de rei? 4

Se a fortuna naG Ihe sorriu, por razao major se fazemnacessarios os subsidios da educagao e das letras a fim de po-derem levantar a cabega.

De outro lado, para os apaniguados pela fortuna a filosofiatambem e uma ajuda valiosa na administragao dos propriosbens.

Ademais, casos ha de individuos tirados dos baixios sociaispara governar, chegando ate mesmo a dignidade suprema dopontificado. Verdade que nem todos sobem too alto, mqs to-·dos devem ser educados para tanto.

Seja este adendo para par fim a polemica com individuosde moo leve. as sabios condenam leis e magistrados que ape-nas terrificam com penalidades sem saberem como aliclar parao bom caminho ou como propor medidas preventivas para seeVitarem atos passiveis de punigao.

Ora, bem destarte procede a maioria dos pedagogos quese Iimita a castigar por faltas cometidas mas se omite em ins-truiro educando no modo de agir corretamente.

Cobram a Iigao. Se 0 aluno erra, apanha. Entrementes, osprofessores gaboleiam-se de eximios na fungao de ensinar. Poisbem. Ao inves disso a crianga deveria receber alento a fim deamar os estudos e aprender a ter receio de decepcionar 0mestre.

Ate parece a alguem que me demorei em demasia nesteassunto. Eestaria ele coberto de razao. Poissempre que andarem voga algum crime hediondq, nunca havera exagerodenuncia-Io.

Fora de duvida 0 quanto de gratificante comporta assumira educagao pueril, suposto, porem, que com 0 mesmo afetoa inflamar 0 coragao dos pais, Sob essa condigao a criangaaprende com maior receptividade porque naG se desgastano tedio pela tarefa, dado seja verdade que, em qualquer de-sempenho, 0 amor ameniza grande porgao das dificuldades,A proposito adverte 0 antigo proverbio: "Semelhante ama seusemelhante". Por isso convem que 0 preceptor, de algummodo, saiba fazer-se crianga a fim de granjear 0 amor da cri-anga.

Bem em rozao disso naG me simpotizo confiar a crianga aindividuos provectos e quose decreptos para finsde iniciogao,nos primordios dosletras. Os velhos, a bem dizer, sao criongosefetivos e ja naG simulom bolbuciar porque, no realidode, es-too a bolbuciar. 0 desejavel mesmo e pessoo no verdor dosonos, que noqdetesto criongo nem foz discriminagoo.

Page 42: Civilidade Pueril

o Metoda daGradua~aoCrescente

Nao Fazerdo Educando

um Adultoem Miniatura

Aqui, no area do educa9ao, deve-se proceder como fa-zem os pais e as nutrizes no trato com 0 corpo.

Como e que elas ensinam, de princlpio, a emissao de sonsdas palavras as crian9as? Com lingua tartamuda adaptam-se aos primeiros balbucios infantis. Alias, como e que elaaprende a comer? No come90,mastiga as papinhas de leiteintroduzidas no boca, aos bocados. Como aprende a andar?'Dobra 0 corpo de modo a articular 0 movimento do passo.

Crian9a noo come de tudo nem mais do que apetece.Com 0 progredir do idade val, gradualmente, habituando-sea coisas mais solidas. A primeira aten900 e com alimentossimilares, nunca diferentes do leite. Assim se evita encherdemo is a boca ou sufoca-Ia ou provocar v6mitos que bor-ram a roupa. Tudo que e servido de modo leve, aos poucos,tem proveito.

Algo de analogo ocorre com os vasos de embocadura es-treita. Se recebem excessiva carga, derramam 0 que foi des-pejado dentro. Porem, enchido, pouco a pouco, quase a go-tas, com gradua900 e jeito, pode ate ticar completamentecheio.

Tal como alimento em pequenas por96es e em doses re-petidas nutre os pequenos corpos assim tambem a menteinocente do crian9a, mediante ensinamentos correlatos en-tre si, mas ministrados de modo gradativo, a guisa de brinca-deira e aos poucos, vai predispondoa mente pora outros con-teudos mais ricos. Entrementes, a crian9a nao sente fadigaporque doses pausadas i1udem 0 senso de canseira enquan-to, no finaLproduzem 0 efeito desejado. 0 mesmo aconte-cia, conforme norram, com 0 atleta que, todos os dias, car-regava um bezerro por alguns est6dios. Quando 0 animal fi-cou adulto, ele continuou a correg6-lo sem dificuldade. Defato, naG se sente 0 peso quando este cresce dia a dia.

Nao sac roros os indivfduos que exigem do crian9a atitudesprecoces de adulto. Sem a mfnima considera9ao pela exfguaidade dela, ficam a medir a mente infantil pel a propria capaci-dade. Por isso, de pronto, ora daD ordens acerbas, ora cobramaten9aO plena, ora fazem cora feia, coso a crian9a' naGcorresponda a expectativa. Em sumo, comportam-se como selidassem com gente grande, esquecidos de que j6 foram elesmesmos crian9as.

Quanto de humano Plfniocolocava naquela advertencia a cer-to professorde excessiva severidade: "Lembra-te de que ele e cri-an9a e tu j6 foste crian9a",

Infelizmente, muitos agem de modo too feroz em face daquelaidade ingenua que parecem esquecidos de serem tanto elesquan-to os discfpulos sereshumanos,

INTERMEIO 3 - ENCAATE ESPECIAL 4~

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Parte VII

PrimeiroPasso; Aprender

o Idioma

Detectar asInclina~oes para as

/

Areas do Saber

5~INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL

o Programade Ensino

Pedir-me-ias, agora, que declinasse as areas de conhecimentomais adequadas aquela idade e que, desde logo, devem ser re-passadas para a crian9a.

A primeira coisa e a aprendizagem da lingua que, alias, a crian-9a capta sem esfor<;o, ao passe que os adultos mal e a duras pe-nas dominam-na.

Como foi enfatizado, certa tend€mcia inata a imita<;oo alicia acrian9a para 0 aprendizado. Alias, ha vestigio analogo nos estorni-nhos e nos papagaios.

Que ha de mais ameno que as tabulas dos poetas? Elastern 0condoo de cativar os ouvidos infantis e ate mesmo os adultos, naoso para a posse do idioma como para 0 discernimento e a riquezado vocabulario. De fato, nada escutaa crian9a com tanto gostocomo os apologos de Esopo, onde 0 humor e 0 gracejo veiculampreceitos serios de filosofia. Frutosque tais tambem se colhem nasdemais fabulas dos antigos poetas. Assim, a crian<;a ouve que, porencantamento por parte de Circe, os companheiros de Ulissesfo-ram transmudados em porcos e na tigura de outros animais. Anarra<;oo provoca risada, mas, de permeio, vai sendo ensinado acrian<;a algo solido em filosofia moral, a saber, quem abandona 0uso da reta razoo, deixando-se raptar pelo afeto desordenado, janoo e humane e sim animal.

Equal dos Estoicos diria verdade mais contundente? Issoe feitopor uma fabula com seu tom jocoso. Eisaf. A evidencia da mate-ria ja me dispensa multiplicar exemplos.

Mais ainda. Onde encontrar graciosidade mais delicada doque os poemas bucolicos? Que pode haver de mais envolventeque a Comedia? Enquanto veicula alguma li<;oo etica, ela tocapessoas simples e crian9as. Destarte, os conteudos da filosofia voosendo assimilados atraves da descontra<;oo pedagogica,

Seja, outrossim, somado a tudo isso0 vocabulario que anda tooesquecido, nos dias de hoje, mesmo por individuos que se presu-mem apurados em erudi<;oo.

Por ultimo, e de se acrescentarem, aquelas senten<;as breves edinamicas, como proverbios e demais apotegmas de ilustresperso-nagens. ·Outrora, era 0 unico canal que levava ao povo a filosofia.

Antecipam-se, por vezes, nas crian<;as, certos pendores paraalgumas areas do conhecimento, tais como a musica, a aritmeti-ca oua cosmografia. Alias, eu mesmo ja testemunhei que indivi-duos, avessos as regras de gramatica e da retorica, revelam-sepropensos para outras disciplinas mais sutis. Ora, a natureza podeser coadjuvada, de preferencia, onde se manifesta sua esponta-

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Falar coma CrianQa de

Modo Correto

HistoriaNatural

neidade. Em plano inclinadoo esfor<;o e mlnimo tal como, emcontraposi<;ao, "nada se pode dizer nem fazer sem 0 beneplacitode MinelVa."

Eu conheGi certo menino, ainda incapaz de falar, que secomprazia em abrir um Iivro e fazer de conta que Iia. Naoexteriorizava enfado algum, embora passasse horas a fio naquelaposi<;ao. Pormais veemente que Ihe fosse 0 choro, bastava of ere-cer um Iivro para acalma-Io. Claro que aquilo se afigurava ventu-roso para os pais. Anteviam nele 0 douto de amanha. Ate lhederam um nome de bom pressagio. Foi chamado Jeronimo. Ig-noro, porem, 0 que de fate veio a ser agora, pois nao 0 vi comoadolescente.

No aprendizado de Ifngua influi, e muito, se a crian<;a foi educadaentre pessoas que falam de modo correto.

Fabulas e apologos, ela os aprende com muito gosto. Memo-rizo, com rapidez, os assuntos figurados de modo atraente paraseus olhos. Por isso sejam as historias transformadas em dese-nhos.amesmo metodo vale para 0 ensino dos nomes das alVores,

elVas e animais. Principalmente de seres nada encontradi<;os comorinoceronte, antflope, alcatraz, asno fndico e elefante. Tenham,entao, a sua frente, pinturas do elefante apertado no amplexo deum dragao, cuja cauda entrela<;a-Ihe as patas dianteiras. Gravu-ras, com tais atrativos, co em bem no gosto infantil.

Como entao vai agir 0 professor? Dira que existe certo animalde porte avantajado, denominado, em grego, "elefanta", tendo,em latim nome igual, mas com a diferen<;a de se dizer, ora"elephanthus", ora "elephanthi", conforme pede a declina<;ao dopalavra. Fara ainda entender que aquilo designado, em grego,"proboskida" (trompa), para os latinos significa "mao" porque selVepara apanhar alimento. Mostrara tambem como aquele animalnao respira pela boca tal como nos e sim pela "trompa". A seguiraponta para os dois dentes salientes que e 0 marfim tao valoriza-dos pelos ricos. Apresenta, entao, um pente eburneo.

Em outro momento, explica que, no India, ex/stem aquelas enor-midades chamadas de dragoes. Esta palavra e um termo co-mum para os gregos e latinos, salvo quando 0 uso gramatical exi-ge a forma adequada no frase. Assim, os gregos escrevem:"drakontos", tal como "Ieontos", tendo em correspondencia formasfemininas como "dracaena" e "Ieaena",

Depois, fala do guerra atroz e persistente entre dragoes e ele-fantes.

Coso 0 aluno queira saber mais, passa a elucidar muitos outroselementos relativos a natureza dos elefantes e dos dragoes,

Muitas crian<;as distraem-se com pinturas de ca9ada, Naquelaoportunidade, calha bem falar das especies de alVares, elVas equadrupedes, Assim, aprendem, de modo ameno, como se esti-vessem a brincar,

Nao vem, a proposito, lembrar outros exemplos, Basta um para 01evocar outros malS,

INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL

Page 45: Civilidade Pueril

Ir Sempreao Encantra

da Expectativ0Infantil

/

Unir a Utilao Agradavel

Os Grandesse Fazem

Pequenos parAmor do Educando

52 INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL

No escolha do assunto seja 0 professor bem criterioso. Apresen-te sempre 0 qu~ cai no preferencia infantil, seja pelo aspecto deafinidade, seja de divertimento. Enfim, algo diversificado comoflores.

Os anos de infancia sac como a primavera ridente em brandavegeta9ao que se transforma em plantas de alegre vi90 com achegada outonal dos anos viris,quando os celeiros transbordamde frutos sazonados.

Talcomo serio descabido procurar uvas maduras durante a pri-,mavera ou rosas no outono, assim incumbe 00 preceptor atentarpara 0 que convem acado idade. A crian9a se ofertam semprecoisas alegres e amenas. Em qualquer hipotese, que fique longeda escola toda especie de amargura e violencia.

Creio nao me enganar, quando afirmo que os antigos pretendi-am sugerir tudo isso,quando atribufam as jovens musas beleza todasingular, harpa, can90es, dan9as e divertimentos.

Davam-Ihe, ainda, por companheiras as Gra9as. Issoporque 0sucesso nos estudos provem, antes de mais nada, da benevolen-cia reciproca entre as pessoas. Oaf porque os antigos denomina-

. yam 0 estudo das letras "humanidades".

Nada obsta que 0 util circunde 0 agrodavel nem que 0 jucundoacompanhe 0 honesto. Ora, e bem assim que se leva a crian9aao aprendizado proveitoso sem nenhum tedio.

Porque nao de/xar que a crian9a assimile uma fabula breve. dealgum poeta, um dito gracioso, uma historieta marcante ou umapologo instrutivo com 0 mesmo empenho com que esta a apren-der can90netas insulsas, quando nao chulas, ou estorietas ridfculasde velhotas delirantes e aindafrivolidades de mulheres pouco re-comendaveis?

Realmente~ Quanta fantasia, quanto enigma futil, quanta neniafatua, quantos lumenes, espectros, bicho-papao, bruxa, vampiro,fncubos, silvanos, gnomos e gorgonas!

Quantas mentiras nessas estorietas populares! Quantos delfrios,quantas senten9as infquas que n6s, adultos, gravamos na memo-ria s6 porque, de pequenos, ouv/mos de nossos av6s, das maes edas aias, enquanto eramos embalados no colo, em meio a abra-90S e carfc/as!

Ao contra rio, a que grau elevado de erudi9aO serfamos guinda-dos se, no lugar dessas "coisas sicilianas", como se diz, nao so vasmas ate danosas, tivessemos, de prindpio, side embebidos naquelasoutras coisas, de ha pouco tempo, relembradas? Diras: "Qual 0douto que se rebaixaria a tarefas tao diminutas?"

E,no entanto, Aristoteles, filosofo de primeirfssima grandeza, paraeducar Alexandre nao recusou a func;ao de professor. Quiron edu-cou Aquiles, quando este era crianc;a, sendo que entao teve Fenixpor sucessor, 0 sacerdote Elias educou 0 menino Samuel. Hoje,ha indivfduos que, por um mfsero solorio ou mesmo por realizac;aopessoal, afadigam-se muito mais so para adestrar um CONO au um

Page 46: Civilidade Pueril

De ComoDulcificar 0

Estudo dasLetras

papagaio. Nao falta tambem quem, por deV09aO religiosa, en-frente longas e perigosas viagens e outras fadigas mais de fodoinsuportaveis. Epor que 0 feNor nao nos atrairia para essa fun9ao,muito prezada junto aos olhos de Deus?

Todavia, necessario se faz que 0 educador, ao repassar aquilo aque acenamos acima, nao seja exigente nem severo e, sim, antesassiduo que opressor. Alias, a assiduidade nao deprime desde quemoderada, isto e, conduzida pela antimonotonia em ritmo dedesconcentra9aO. Em sumo, que tudo isso seja veiculado sem 0feitio de trabalho, po is a crian9a faz tUdo a titulo de brincadeira.

A seqOencia do assunto, ora em explana9aO, aconselha apre-sentar em poucas palavras, 0 modo de dulcificar 0 estudo dasletras para as crian9as, ja que, de passagem, co e la, tocamosneste assunto mais de uma vez.

Poisbem. A faculdade de falar, como dizem por ai, adquire-se,sem maior esfor90, com a pr6tica.

Em seguida, vem a aprendizagem da escrita e da leitura. Estaja implica certo grau de tedio, porem, passivel de ser superado nosua maior parte pela pericia do professor, posto que ele saiba tem-perar 0 ensino com os recursos do amenidade.

Depara-se com crian9as que demoram na tentativa de identifi-car e Iigar as letras do alfabeto bem como em Iidar com os rudi-mentos basicos do gramatica, quando, 00 inves, possuem agilida-de em captar coisas mais intricadas. Mas tal resistencia pode serquebrada pela tecnica. Alias, os antigos ja propunham algumasdelas. Houve quem desse 0 formate de letras a petiscos saborosos00 paladar do crian9a. Assim, de certo modo, ela comia as letras.Poisa quem nomeava a letra, 0 premio era a letra mesma. Outrosmodelavam as letras em figuras de marfim no intuito de ensejar acrian9a brincadeiras com as pe9as. Tambem era usado outrotipo de material para envolver 0 gosto daquela idade.

Os britanicos sao fascinados pelo jogo de arremesso de flechas.E 0 que, de primeiro, ensinam as crian9as. Razao pela qual certopoi, atento a preferencia do filho, descobrindo nele habilidadeincomum para 0 arremesso, comprou arco e flechas bonitos e in-crustadas com /etras coloridas. Colocava, no alvo, primeiro, figu-ras em letras gregas e depois as latinas. Ao ferir 0 alvo e pronunciaro nome do letra alvejada, alem de aplausos, a recompensa erauma cereja ou outra coisa do agrado do crian9a.

Nesse tipo de jogo 0 resultado fica mais ubertoso se a competi-900 conta com do is ou tres pares. Ai a expectativa do vit6ria e 0medo do derrota tomam a crian9a mais comprometida e solerte.

Daquele artificio ludico advem que a crian9a, com poucos diasde jogo, aprende todos os formatos das letras do alfabeto, a pardo som correspondente. EXito,alias, que professores mal conse-guem ap6s tres anos de pancadaria, amea9as e berros.

Issonao obstante, a mim nao agrada 0 procedimento daque-les que se industriam em prestigiar as referidas tecnicas, transferin-do-as para os jogos de xadrez ou de dodos. Aqueles jogos, alemde transcederem 0 entendimento infanti!, nao abrem caminho paraa aprendizagem das letras. Antes, tornam 0 esfor90 maisdesgastante. Alios, algo de ana/ogo ocorre com certos mecanis-mos too complicados que retardam 0 empreendimento em preju- Jizo da execu900. ~

INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL \J

Page 47: Civilidade Pueril

A EducagaoPrecoce e Sempre

Proflcua

Modelos deDidatica

Torturante

,4 INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL

De identico porte soo, aproximadamente, aquelas tecnicas dememorizm;oo inventadas por alguns mais para fins de lucro e· desancionalismo e men os de utilidade. A bem dizer, ate viciam amemoria. A melhor tecnica mnemanica consiste em entenderbem, par em ordem 0 que foi compreendido, depois repetir, deimediato, 0 que se quer gravar.

Felizmente esta, dentro do impulso para vencer, algo como umprurido de competi900. Oaf aquele medo de derrota misto de bus-ca do louvor, principalmente em crian9a sensfvel e de fndole vivaz.o professor sabera tirar proveito disso para 0 sucesso do aprendiza-gem. Onde fracassam as suplicas e os agrados QU as premia96es

.e louvores proporcionados aquela idade, 0 expediente pode ser 0de estimular um certame entre iguais. Louve-se, entoo, 0 compa-nheiro na presen9a do outro pregui90s0. Que a emula900 incen-tive a quem noo abalou a simples odvertencia.

Todavia, noo fica bem entregar sempre a palma da vitoria aovencedor como se fosse um invendvel. a certo e acordar no der-rota do a esperan9a de que, pelo seu esfor90, podera reparar adesonra. Alias, e bem assim que fazem os comandantes em cam-po de batalha. Por isso,vez por outra, ha de se dar a chance parao menino sair vitorioso, ainda que menos apto.

Em suma, mediante a alternativa de repreensoo e de aplausos,alimenta-se entre eles a tal de disputa sadia mencionada porHesfodo.

Talvezseja repulsivo para indivfduos austeros rebaixarem-se tan-to igualando-se as crian9as. No entanto, em contra partida, noose recusam nem sentem enfado em se divertir, boa parte do dia,com coezinhos malteses ou com macacos, quando noo estoo afalar com um corvo ou um papagaio e ate mesmo a se distraircom algum truOo. Em infantilidades que tais sabem como dar desi ao maximo.

Eisporque estupifica ver gente bem noo se comprazer em edu-car, uma vez que 0 senso do dever e a esperan9a do resultadovultuoso convertem, por via de regra, em afazeres plausfveis mes-mo tarefas, de per si, enfadonhas.

Admito que as regras da gramatica, no prindpio, sac ma9antese por isso menos atraentes do que necessarias. Todavia, com jeito,o docente mitiga aquela agrura. Assim ao principiar 0 ensino, te-nham preferencia as regras mais importantes e as mais simples.Todavia hoje, quanta tortura noo aturam as crian9as, quando sedefrontam com dificuldades espinhosas no aprendizado dos no-mes das letras antes de Ihesdistinguir 0 formato, sendo, entrementes,constrangidas a aprenderem, de par com as flex6es dos substanti-vos e dos verbos em seus respectivos casos, modos e tempos, nacorrespondencia com a mesma palavra. Seja este exemplo:"musae" esta no caso genitivo e dativo singulares assim como nonominativo e no vocativo plurais. au ainda "Iegeris" que deriva de"Iegor", de "Iegerim" e de "Iegero". Poisbem. E de ouvir a algazarrade carnificina que ecoa pela escola adentro, quando tais respos-tas sac cobradas das crian9as!

Page 48: Civilidade Pueril

A Resistenciaa Novos Metodos

,de Ensino

Saber Dourara Pllula dasDificu Idades

o ElefantePerde Para a

Mosca

A Variedadede JogosDidaticos

Alguns professores, por mera ostentac;oo de sabedoria, soemencrespar as dificuldades, adicionando sofisticac;6es. Defeitos des-se genero tornam, no seu prinClpio, todas as dificuldades confusase repugnantes, ainda mais em se tratando'Cle dialetica.

E coso alguem Ihes proponha um metodo mais comodo/ res-pond em que assim foram educados e, por tal razoo, noo admitem .algo de diferente nem melhor para as crianc;as de hoje.

o certo mesmo e evitar toda e qualquer dificuldade desneces-soria ou intempestiva. Alias, 0 que e feito a tempo sempre e agra-dove!. Mas/ se ocorrer 0 coso de enfrentar obstaculo inevitavel,entao 0 artifice do educando, no medida do posslvet cuide deimitar 0 medico probo e amigo que receita a droga a base deabsinto, como refere Lucrecio, untando a borda do copo com melde sorte que a crianc;a/ aliciada pelo prazer do doc;ura/ noo refugao amargor salutlfero. Eainda mistura/ no mesma dose/ ac;ucar ouingrediente de suave paladar. Assim procedem ate dissimular 0remedio. Pois/por vezes/ basta imaginar para se ter repugnancia.Mas tal repulsa pode ser superada/ com facilidade/ se/ 00 inves deseNir uma dose completa de uma s6 vez e sem medida, passa aser subministrada/ aos poucos. Em todo coso, nunca se deve des-crer do potencial pueril para suportar certos incomodos.

Noo e a robustez que faz a forc;a do crianc;a e sim sua persisten-cia e demais dotes naturais. Sua forc;a noo e a de um touro/ masaquela de formiga. Em certos momentos, 0 elefante perde para amosca. E noo estamos aver crianc;as que correm 0 dia todo, deum lade para 0 outro/ com adm/ravel agilidade sem a minima can-se/ra? Se um Miloo fizesse 0 mesmo, por certo; que se fatigaria.Qual a razoo disso? E que aquela idade e brincadeira soo coisasafins porquanto as crianc;as descobrem, no atividade, um jogo enoo um trabalho. Com efeito/ em tudo, a parte maior do fastio emais fruto do imaginac;oo que, noo raro, produz a sensac;oo de algoruim onde, de fato, noo existe. Mas/ desde que a natureza-providen-cia privou a crianc;a de semelhante imaginac;oo e assim a supriu paressa parte a carencia de forc;a/ entoo, 0 popel do professor sera demanter longe tais fantasias e dar 00 estudo 0 feitio do jogo.

Existetoda uma varied ode de jogos bem adaptados a crianc;aque ensejam relaxar 0 esforc;o mental assim que a crianc;a chegaa idade de estudos mais avanc;ados que exigem dedicac;oo egeram fadiga como, por exemplo, dissertar sobre temas propos-tos, traduzir do latim para 0 grego e vice versa ou entoo aprendercosmologia. Issonoo obstante, 0 que mais concorre para 0 exito ehabituar a crianc;a a amar e a respeitar seu preceptor bem comoa gostar dos estudos ease em polgar com os mesmos, enquantoteme a ignomfnia sensibilizado pelo incentivo do louvor.

INTERMEIO 3 - ENCARTE ESPECIAL 50

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Parte VIII

TempoGasto na

Erudigao Multiplicao Valor da Vida

o QuePrincipia em Tempo

Certo Chega aBom Termo

)0 INTEAMEIO 3 - ENCAATE ESPECIAL

A Utilidade daEducagao Precoce

Resta uma duvida, costumeiramente, avan<;ada por quem as-severa que 0 aproveitamento conquistado pela crian<;a no decur-so daqueles tres ou quatro anos fica abaixo, seja do trabalho ab-sorvido pelo ensino, seja dos gastos despendidos. Mas a mim meparece que estao a raciocinar menos em vista do servi<;oa crian-<;a e mais em poupan<;a, quer de dinheiro, quer de docente. _

Na verda de, recuso 0 titulo de paternidade a quem, estandoem jogo a educa<;ao do filho, cogita do peso de algunsanos daescolaridade so porque 0 mestre tira dafseu ganho.

De outro lado, fica de pe a assertiva endossada par FabioQuintiliano: "Mais tarde, em um unico ano, lucra-se mais do que na-queles tres ou quatro anos". Seria uma boa razao para desprezar tallucro, por pequeno que seja, em coisa de valia too peregrina?!

Vamos supor que 0 aproveitamento seja mesmo parco. Mes-mo assim, vale mais ocupar-se disso a crian<;a do que nada apren-der ou aprender 0 que devera ser desaprendido.

Ademais, em que outra coisa ocupar a crian<;a logo que princi-pia a falar, ja que nao convem a total ociosidade? Porexiguo queseja 0 proveito daqueles primeiros anos, por certo, a crian<;a ad-quirira conhecimentos mais extensos bem naquele mesmo ana queiria empatar em se inteirar dos rudimentos nao assimilados anterior-mente. A proposito, Quintiliano sentencia: "0 que foi crescendo,ao longo dos anos, acaba par perfazer uma totalidade. Assim 0tempo ganho na infancia e lucro na adolescencia".

Nao YOU, aqui, falar de novo, que, naqueles primeiros anos, apren~de-se, com facilidade, coisas que so a duras penas os adultosa<;ambarcam. De fato, aprende-se sem penar 0 que foi aprendidono tempo oportuno. Ate podemos admitir que sejam conhecimen-tos de peso insignificante. Apesar disso, reconhe<;amos serem ne-cessarios. Todavia, nao me parece de tanta parvidade assim. Poispara a escalada atraves da erudi<;ao e de bom auspicio ter, senaoo dominio pleno, ao menos, 0 gosto por dois idiomas; depois, copi-oso vocabulario e, por fim, corre<;ao na leitura e na escrita.

Nao enfada investir, em atividades menos nobres, nossos have-res, muito embora comportem lucro minguado, aquilo que os gre-gos, se nao me falha a memoria, denominavam "pro odou". As-sim 0 comerciante diligente nao despreza 0 lucro de um asse nemde um teruncio porque reflete 10 com seus bot6es: 0 que e pouco,sendo acrescido sem interrup<;ao, logo se torna um monte ingen-te. Par isso os artesaos em metal madrugam a fim de acrescenta-rem algumas horas a mais ao dia de jornada. Alguns agricultores,

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56 Colhecom Fartura Quem

5emeia a Tempo

ExemplosCLassicos de

Educa~ao Precoce

em dias festivos, trabalham em coso com 0 fito de render melhornos demo isdias.

Enos reputamos por nada a perda de qLiatro anos em favordos filhos, quando, no verdade, nenhum investimento e mais frutf-fero do que tempo e nenhuma posse mais rendosa do que cultura.

Nunca se principia cedo demais 0 que jamais tem termo dechegada. Pois,enquanto vivermos, estaremos sempre obrigadosa aprender. Em outros afazeres, 0 lucro devorado pela negligen-cia pode ser ressarcido pela dedicac;ao. A idade, porem, uma veztranscorrida, e ela voa celere, por magica alguma pode serreevocqda. Eisporque mentem os poetas que falam do fonte ondeos idosos rejuvenescem. Tambem enganam os medicos, que, sei10 por qual quinta essencia, prometem remoC;ar os velhos. Oafporque, neste assunto, ha de se saber poupar 00 maximo. Idadepassada, encantamento algum recupera.

A issoainda acresce que a primeira fase do vida e tida como amais auspiciosa. Porissoha de ser administrada com a maior ava-reza. Hesfodo nao aprovava a parcim6nia nem no borda nem nofundo do barril, porque repleto, serio prematuro, se em baixo, seriotardio. Por isso ordena que se poupe a altura do meio. Mas, emquestao de idade, nunca co be regatear parcim6nia. 5e for 0 cosode poupar, que seja 00 meio do barril, pois of esta 0 vinho melhor.Porem, tal nao vale para a vida. AIi, pois, a parcimonia deve recairsobre os anos a infancia, onde esta a melhor parte do existencia,desde que cultivada, apesar de sua fugacidade extremada.

Ate 0 agricultor menos avisado nao deixa parte nenhuma deseu campo ficar de todo em abandono. No parte menos propria00 plantio de trigo ou nela cultiva outras plantas ou forma pasta-gens ou ocupa com legumes. E nos? Vamos tolerar que a partemais promissora dav/da fique deserta de floraC;ao erudita? Terraaroda, de recente,. se nao for povoada de qualquer plantac;ao,por si mesma produz cizania.

o mesmo sucede com a mente infanti!. Nao sendo, logo deprincipio, enriquecida com ensinamentos frutfferos, cobre-se de vf-cios.

A anfora exala, por longo tempo, 0 aroma do Iicor que, porprimeiro, a encheu e custa para ser depurada. Alias, e, em anforanova e vazia, que se conserva 0 Iicor do preferencia. Assim, amente humana. 5e mal semeada, logo se enche de coisas inuteisque devem ser erradicadas.

Portanto, nada desprezfvel 0 ganho de quem afugenta prejui-zos. Igualmente nada exfguo 0 reforc;o para a virtude, quando 0vicio e extirpado.

Que poderia eu acrescentar ainda? Queres ver 0 retorno fertil,quando alguem esta preparado para a vida erudita? Ou entao 0contrario? Considera quanto os antigos produziam em seusverdesanos e como, hoje, nada daquilo logram individuos que envelhe-ceram em vida consagrada aos estudos.

Ovfdio escreveu as "Elegias dos Amores", quando era jovem,Que velho poderia, hoje, produzir obra igual? Quem foi Lucano,

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Nao BastaConhecimento

Pe[a Rama

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que 0 digam suas obras. De onde aquele prodigio? Com apenasseis anos de idade fora deportado para Roma. onde foi confiado,de imediato. a dois exfmios gramaticos: Palemo e Cornuto. Teveexcelentes colegas de estudos: Salesio Bassoe A. persio. um espe-cialista em historia e outro em poesia satfrica. Nao admira, entao,naquele jovem. tanto virtuosidade enciclopedica em ciemcias ma-tematicas, alem da invejavel eloqOencia que revela, nos seus ver-sos, tanto 0 orador consumado quanto 0 poeta perfeito.

Nao faltam, nos dias de hoje. exemplos de educa<;ao feliz emambos os sexos, embora raros. Assim, Policiano celebrava 0 geniodo jovem Cassandra.

o que ha de mais estupendo que 0 menino Ursinode apenasonze anos de idade! 0 mesmo Policiano, em carta muita bonita,recomenda a lembran<;a dele para a posteridade. Com efeito,quantos encontrarias, hoje, que, ao mesmo tempo, seriam capa-zes de ditar duos cartas a do is escribas de modo a enquadrar, notexto de coda qual, as proposi<;6es sem cometer qualquersolecismo? Ora, 0 referido menino fazia tal prodigio com cincoamanuenses, mesmo tratando de assuntos apresentados de im-proviso, estando. P9rtanto, desprevenido.

Muitos, 00 ver tais fen6menos e 00 constar como issoultrapassaas for<;ashumanas. tudo atribuem a poderes magicos. Sim, e umefeito de magia, mas tal encantamento, com tamanha eficien-cia, provem do ensino competente, serio e solerte.

Incontestavel 0 efeito salutffero do ensino transmitido, desdecedo, por individuos de refinada erudi<;ao. Gra<;as aos magicosdessa especie, Alexandre Magno, ainda adolesceilte, alem da ora-toria, ja conhecia todos os ramos da filosofia. Nao fosse ele arreba-tado pela paixao militar e por seu genio para 0 governo. teria, porcerto. se destacado dentre os filosofos de primeira grandeza.

Poridentico encantamento. Julio Cesar. desde a juventude, pro-jetou-se pela eloqOencia e pelos conhecimentos em matemati-ca. 0 mesmo se diga de outros imperadores. Todos eles, no ju-ventude. tanto em doutrina quanto em eloqOencia, primaram por-que iniciados. desde pequenos, pelos pais e nutrizes. quer na cor-re<;ao do Iinguagem, quer nos artes Iiberais como a poesia. a reto-rica. a historia. a paleontologia, a aritmetica, a geografia. a etica,a politico. quer. enfim. nos ciencia naturais.

Enos? Retemos. em casa, filhos avantajados na adolescencia.corrompendo-os com ocio. luxe e Iicenciosidade. Quando muitoos mandamos a escola publica. Ali, para lograr algum progressodegustam. de leve, a gramatica. Logo 00 se apossarem do decli-na<;ao das palavras e da concordoncia entre termoscorrelacionados, ja se dao por entendidos em gramatica e pas-sam para a dialetica toda emaranhada, de onde resulta ser ne-cessario desaprender 0 que antes de incorreto foi aprendido nomodo de falar. Todavia, ja houve epoca pior.

Eu. quando crian<;a, vivi a epoca em que eramos torturados afim de aprender os tais de "modo de signifiea<;ao", e asquestiuneulas "ex qua vi". enquanto iam ensinando a nos expres-sarmos de modo ineorreto.

E que os mestres. de entao, para nao demonstrar que estives-sem tratando de eoisas pueris, envolviam a gramatiea em eompli-ea<;6es de dialetiea e metaffsieo, no intuito de, invertendo a or-

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dem, fazer com que os alunos, mais adiantados nos estudos, apren-dessem a gramatica depols de outras disciplinas mais avan<;adas.

Alias, e bem isso que esta ocorrendo com alguns te6lagos derenome. Depois de todas as gradua<;oes e tltulos academicos,quando ja nao sobra ciencia humana para aprenderem, sac com-pelidos a retomarem Iivrosde Iiteratura infanti!. Nao val, aqui, umacritica. Poisnecessario conhecimento, melhor tardio do que nun-ca.

Santo Deus! Que tempo aqueles em que se Iia, pomposamen-te, para os adolescentes os disticos de Joao Garlande, acompa-nhados de comentarios profundos e prolixos. Epoca em que amaior parte do tempo era empatada em ditado, repeti<;ao e pro-vas de versos ineptos. Entao estudava-se Floristae Floreto. Que aomenos fosse um Alexandre, porque a este eu reputo ainda tolera-vel.

Ainda"mais! Quantotempo perdido em sofistica e pelos labirin-tos futeis da dialetica.

Enfim, para nao me estender em demasia, quanta confusaonaquele ensino enfadonhol Cada professor timbrava em conduziros alunos em meio a questoes intrincadissimas e mesmo frivolas.Alias, nem tudo que e dificil prima pela qualidade. Poisenfiar umgrao de mostarda no olho da agulha, quae dificil, porem sem pro-veito que valha. Tambem atar e desatar nos cegos demanda ha-bilidade excepcional, mas nao vai alem da mera sutileza ociosa.

Acrescenta-se ainda 0 fato de, por vezes, ser 0 ensino transmiti-do por individuos ignorantes na area e, 0 que e mais lastimavel,mal preparados, quando nao raro ate ignaros e improbos porquantomais interessados no salario do que no aproveitamento por partedos alunos. Ora, com tal ensino de baixo nivel, seria de admirar 0numero reduzido de pessoas que, antes da velhice, alcan<;am com-pletar sua erudi<;ao?

De outro lado, a melhor por<;ao da vida consumida em ociosi-dade e em vlcios. Dominados por eles, dedicamos ao estudo ape-nas uma parte minima de tempo porque a parte maior fica paraos amores, para a convivencia e para as diversoes. Assim para ummaterial de pessima qualidade soma-se um artista em nada me-Ihor que ensina, ora frivolidades, ora conceitos que devem serdesaprendidos. E,depois disso, chamamos a baila a inexperiencia,a indocilidade de genio, 0 parco aproveitamento e outras coisasmais. Mas, nada de verdade nisso tudo.

o que de errado ali existe deve ser imputado a qualidade daeduca<;ao.

Nao te YOU prender com mais palavras, Limito-me apenas aapelar para tua prudancia e aguda perspicacia em outras are-as. Considera 0 bem precioso que um filho representa e avaliacomo e missao diversificada e eXigente a erudi<;ao, mas tam-bem quanta sublimidade encerra,

Va, outrossim, a receptividade ampla da mente pueril paraacolher qualquer forma de instru<;ao: a agilidade da mente; afacilidade em captar as coisas mais elevadas e maisconsetoneas com sua natureza, maxime quando, a modo debrincadeira, sac veiculadas por pessoas doutas e afaveis,

De outra parte, pondera, em primeiro lugar, a tenacidadecom que ficam impressas no mente ainda desembara<;ada e

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disponfvel, ao passo' que, em idade mais avan9ada, aquelasmesmas coisas sac assimiladas com muita dificuldade e sUjei-tas a serem esquecidas de modo mais rapido.

Sobre tudo isso, considera como e precioso e irrecuperavelo tempo perdido; quanto vale fer agido em tempo oportuno;quanta produz a perseveran9a; como se perfaz umd monta-nha, no dizer de Hesfodo, com a soma de'pequenas parcelas;como, enfim, e fugaz a idade, distralda a juventude e tardio avelhice!

Aosopesar tudo isso em teu Intimo, nao vas permitir que teufilho passe, ja nao digo seta anos, nem sequer tres, sem ser ini-ciado no erudi9ao atraves do processo instrucional, seja la qualfor 0 aproveitamento. '

Disse.