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CLAUDIA BUCCERONI GUERRA Flutuações conceituais, percepções visuais e suas repercussões na representação informacional e documental da fotografia para formulação do conceito de Informação fotográfica digital Tese de Doutorado Março de 2013

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  • CLAUDIA BUCCERONI GUERRA

    Flutuaes conceituais, percepes visuais e suas repercusses na representao informacional e documental da fotografia para formulao do conceito de Informao fotogrfica digital

    Tese de Doutorado

    Maro de 2013

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ

    ESCOLA DE COMUNICAO - ECO

    INSTITUTO BRASILEIRO DE INFORMAO EM CINCIA E TECNOLOGIA IBICT

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIA DA INFORMAO PPGCI

    CLAUDIA BUCCERONI GUERRA

    FLUTUAES CONCEITUAIS, PERCEPES VISUAIS E SUAS

    REPERCUSSES NA REPRESENTAO INFORMACIONAL E

    DOCUMENTAL DA FOTOGRAFIA PARA FORMULAO DO

    CONCEITO DE INFORMAO FOTOGRFICA DIGITAL

    RIO DE JANEIRO

    2013

  • CLAUDIA BUCCERONI GUERRA

    FLUTUAES CONCEITUAIS, PERCEPES VISUAIS E SUAS

    REPERCUSSES NA REPRESENTAO INFORMACIONAL E

    DOCUMENTAL DA FOTOGRAFIA PARA FORMULAO DO

    CONCEITO DE INFORMAO FOTOGRFICA DIGITAL

    Tese de doutorado apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao, convnio entre o Instituto Brasileiro de

    Informao em Cincia e Tecnologia e a Universidade

    Federal do Rio de Janeiro/Escola de Comunicao,

    como requisito obteno do ttulo de Doutor em

    Cincia da Informao.

    Orientadora: Profa. Dra. Lena Vania Ribeiro Pinheiro

    Rio de Janeiro

    2013

  • G934o Guerra, Claudia Bucceroni

    Flutuaes conceituais, percepes visuais e suas repercusses na representao informacional e documental da fotografia para formulao do conceito de Informao fotogrfica digital / Claudia Bucceroni Guerra; Rio de Janeiro, 2013. 206 f.: il.

    Orientadora: Profa. Dra. Lena Vania Ribeiro Pinheiro. Tese (Doutorado em Cincia da Informao) Programa de Ps-Graduao em Cincia da Informao, Instituto Brasileiro de Informao em Cincia e Tecnologia, Escola de Comunicao, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.

    1. Tese 2. Informao Fotogrfica Digital 3. Informao 4. Documento 5. Cincia da Informao 6. Fotografia Analgica 7. Fotografia Digital I. Pinheiro, Lena Vania Ribeiro (Orientadora). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Comunicao. III. Instituto Brasileiro de Informao em Cincia e Tecnologia. IV. Ttulo.

    CDD 020 CDU 025

  • Claudia Bucceroni Guerra

    FLUTUAES CONCEITUAIS, PERCEPES VISUAIS E SUAS REPERCUSSES NA REPRESENTAO INFORMACIONAL E

    DOCUMENTAL DA FOTOGRAFIA PARA FORMULAO DO CONCEITO DE INFORMAO FOTOGRFICA DIGITAL

    Tese de doutorado apresentada ao Programa de Ps-Graduao, convnio entre o Instituto

    Brasileiro de Informao em Cincia e Tecnologia e a Universidade Federal do Rio de

    Janeiro/Escola de Comunicao, como requisito obteno do ttulo de Doutor em Cincia da

    Informao.

    Aprovada em: 28 de Maro de 2013.

    Banca Avaliadora

    ______________________________________________________________ Profa. Dra. Lena Vania Ribeiro Pinheiro (Orientadora)

    PPGCI IBICT - UFRJ

    ______________________________________________________________ Prof. Dr. Ricardo de Hollanda

    Universidade Estado do Rio de Janeiro - UERJ

    ______________________________________________________________ Profa. Dra. Luisa Maria Gomes de Mattos Rocha

    Instituto de Pesquisa Jardim Botnico do Rio de Janeiro

    ______________________________________________________________ Profa. Dra. Rosali Fernandez de Souza

    PPGCI IBICT UFRJ

    ______________________________________________________________ Prof. Dr. Clvis Ricardo Montenegro de Lima

    PPGCI IBICT - UFRJ

  • Ao meu pai, meu paradigma.

    minha me, quem reza por mim.

  • "Of thine eye I am eyebeam..."

    "Do vosso olho eu sou um relance do olhar"

    The Sphynx - Emerson

    A vida em si no a realidade. Somos ns

    que pomos vida em pedras e seixos.

    Frederick Sommer

  • Agradecimentos

    Agradeo a Capes pelo apoio institucional, e ao corpo de funcionrios do

    IBICT pelo suporte burocrtico, sempre solicito e eficiente.

    Aos professores do Instituto, agradeo a empatia e troca de ideias e

    sugestes de corredor. Sentirei saudades!

    Aos professores Maria Nlida Gonzalez de Gmez e Clvis Ricardo

    Montenegro de Lima, pelas excelentes sugestes dadas nos seus cursos que

    frequentei com afinco.

    Ser orientada pela professora Lena Vania Ribeiro Pinheiro uma honra!

    No h no meio acadmico quem mais se dedica com amor e empolgao ao

    conhecimento e Cincia da Informao; quem consegue juntar saber, beleza

    e alegria pesquisa e ao ensino; quem doa, com generosidade infinita,

    conhecimento, sabedoria e amor. Para mim, nossa amizade ultrapassa a

    esfera da orientao acadmica e alcana as estrelas!

    s amigas, tudo!

    Como poderia chegar aonde cheguei sem a ajuda e companhia

    generosa e carinhosa das amigas: Alegria Benchimol, Tnia Chalhub, Valria

    Gauz, Helena Ferrez, Patrcia Mallmann, e Ana Lcia Ferreira Gonalves?

    Mas devo destacar o apoio e suporte na finalizao desta tese da

    Alegria e da Tnia, me socorrendo no somente nas correes como no apoio

    psicolgico, nunca duvidando da minha capacidade, num momento em que eu

    duvidei...

    Amigas para sempre!

    Devo agradecer tambm professora Geni Chaves Fernandes pelo

    apoio e pacincia na Unirio, principalmente nessa fase final.

    No posso esquecer de homenagear a equipe da Escola Municipal

    Irineu Marinho. Agradeo s diretoras Deise Barroso, Daniele Assad e Priscila

    Bastos pela compreenso nas eventuais dificuldades de conciliar da escola

    com a escrita da tese. Aos professores agradeo a acolhida carinhosa quando

    http://www.ppgci.ufrj.br/index.php/corpo-docente/docentes-permanentes/95-maria-nelida-gonzalez-de-gomezhttp://www.ppgci.ufrj.br/index.php/corpo-docente/docentes-permanentes/67-clovis-ricardo-montenegro-de-limahttp://www.ppgci.ufrj.br/index.php/corpo-docente/docentes-permanentes/67-clovis-ricardo-montenegro-de-lima

  • ca, de para quedas, na escola. O bom humor, as dicas e conselhos me foram

    muito teis, num momento em que parecia ser mais assustador dar aula numa

    turma de oitavo ano do que escrever uma tese de doutorado.

    Aos meus irmos Ana Paula e Carlos Eduardo, que nunca duvidaram da

    minha capacidade e sempre me apoiaram.

    Ao meu companheiro Joubert Rocha que fez de tudo para me ajudar em

    cada passo dessa jornada, com pacincia nos momentos mais tensos. T

    acabando J!

    Aos filhotes da famlia Guerra, bpedes e quadrpedes, pelos momentos

    de carinho, sorrisos e risadas, brincadeiras de criana e fofura total: Hugo,

    Lvia, Skitty, Epona, Nala e Mancha Negra.

    minha cafeteira Nespresso que me manteve acordada, com seus

    deliciosos cafs, nas madrugadas quentes de vero.

    minha querida amiga Erica Sales que sempre me ajudou e tambm

    nunca duvidou da minha capacidade, mas, principalmente, por ter me

    presenteado com a cafeteira Nespresso!

  • RESUMO

    Guerra, Claudia Bucceroni. Flutuaes conceituais, percepes visuais e suas repercusses na representao informacional e documental da fotografia para formulao do conceito de Informao fotogrfica digital / Claudia Bucceroni Guerra; Rio de Janeiro, 2013.

    Pesquisa cujo objetivo principal a formulao de um conceito de

    informao fotogrfica digital, tendo por fundamentos tericos os estudos e

    conceitos de documento e informao, na Cincia da Informao. Tanto a

    fotografia analgica quanto a digital so analisadas na sua gnese, evoluo

    tcnica e tecnolgica, nos marcos de sua historicidade e considerando os

    atributos extrnsecos e intrnsecos. As discusses sobre imagem, analgica e

    digital, constituem tambm pilares tericos da pesquisa, na amplitude de

    aplicaes da imagem, da pesquisa cientfica aos usos domsticos. Em parte

    substantiva da tese s aprofundados a percepo visual em relao Arte e

    esttica, especialmente na informao semntica e informao em Arte, alm

    dos paradigmas da objetividade e o ndice peirciano. A formulao do conceito

    de informao fotogrfica digital sustentada pelo diferencial entre fotografia

    analgica e digital, relativo captura da imagem, esttica da veracidade,

    manipulaes de imagem e protocolos que norteiam contedo semntico e

    esttico da imagem fotogrfica digital.

    Palavras Chave: Informao Fotogrfica Digital, Informao, Documento,

    Cincia da Informao, Fotografia Analgica, Fotografia Digital

  • ABSTRACT

    Guerra, Claudia Bucceroni. Flutuaes conceituais, percepes visuais e suas repercusses na representao informacional e documental da fotografia para formulao do conceito de Informao fotogrfica digital / Claudia Bucceroni Guerra; Rio de Janeiro, 2013.

    Research with the main goal to formulate a concept for digital

    photographic information, under the theoretical bases of concepts and studies

    of document and information within Information Science. Both the analogical

    and the digital photograph are analyzed from its origin, technical and

    technological evolution, and also its historicity, considering the intrinsic and

    extrinsic attributes of photographs. Debates about both types of images are also

    theoretical support for the research, as well as its broad application range, from

    scholarly research to home use. Visual perception related to the Arts and

    Aesthetics, especially in what regards semantic information and information in

    the Arts, besides the objective paradigm and the peircean signs theory are

    subjects of thorough exploration. The construction of a conception for digital

    photographic information is supported by the differential between analogic

    photography and digital photography, related to the image capture, aesthetic

    accuracy, manipulations of image, and protocols that aim towards semantic and

    aesthetics content of the digital photographic image.

    Keywords: Digital Photographic Information, Information, Document,

    Information Science, Analogic Photography, Digital Photography

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1. Quatro aspectos da Informao 18

    Quadro 2. O espectro da Informao 19

    Quadro 3. Teses sobre fotografia segundo ano, autor e instituio 22

    Quadro 4. Os Inventores e sua terminologia 33

    Quadro 5: Avanos tecnolgicos da fotografia 46

    Quadro 6. Evoluo da tecnologia digital 62

    Quadro 7. A fotografia na cincia no sculo XIX 85

    Quadro 8. Campos disciplinares que discutem a imagem e fotografia digital como mtodo de pesquisa na Scielo 100

    Quadro 9: Resumo das categorias de signos segundo Peirce 141

    Quadro 10: Principais autores do Paradigma do ndice de Peirce ou da pregnncia do real 149

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 1: Exemplo de Carte-de-visite. Fonte: coleo da pesquisadora 34

    Figura 2. Campanha publicitria da cmera Kodak 38

    Figura 3. Cmera digital popular de 2 MegaPixels 66

    Figura 4. Objetiva, diafragma e obturado da Cmara Digital 66

    Figura 5. Interior de Cmera Digital destaque para o sensor CCD e seu tamanho comparado com um negativo de 35 mm 67

    Figura 6. Photogenetic Drafts, 1991, Joachim Schmid 75

    Figura 7. from My Ghost, 2000, Adam Fuss 76

    Figura 8. Untitled #463. 2007. Cindy Sherman 76

    Figura 9. Esfigmgrafo 87

    Figura 10. Pulso de um homem idoso 87

    Figura 11. Movimento quadro a quadro 88

    Figura 12. O Revlver Fotogrfico manuseado pelo brasileiro Francisco Antnio de Almeida 91

    Figura 13. Daguerretipo do Trnsito de Venus 91

    Figura 14. Rntgen. Imagem Raio X da mo esquerda de Albert von Klliker 93

    Figura 15. Tipos predominantes de caractersticas entre homens condenados por furto (sem violncia) 95

    Figura16. Imagem simulada de um eltron feita pelo STM 102

    Figura 17. Ovda Regio, vulco do planeta Vnus 103

    Figura 18. Morning Cleaning, 1999, autor: Jeff Wall 114

    Figura 19. Van Gogh, Sapatos velhos, 1886 116

    Figura 20. Octaedro das cores 129

    Figura 21: Escala de cinzas 130

    Figura 22: Espectro das cores 131

    Figura 23. Rrose Selavy, 1920, retrato de Marcel Duchamp por Man Ray 144

    Figura 24. Farm Security Administration. Da srie Migrant Mother 158

  • SUMRIO

    1 Introduo 1

    2 Objetivos e traados metodolgicos 9 2.1 Objetivos 9 2.2 Traados Metodolgicos 9 3 Fotografia e Cincia da Informao 13 3.1 Do documento ao documento fotogrfico 13 3.2 Da informao informao fotogrfica 17 3.3 A fotografia na Cincia da Informao 21 4 Historicidades da fotografia analgica 26 4.1 Conceitos e principais atributos de fotografia analgica 27 4.1.1 O nome e a coisa: a gnese da fotografia 28 4.1.2 Fim do sculo XIX: tenso entre industrializao e arte 33 4.1.3 Novas vises e movimentos artsticos nos anos 1920 e 1930 40 4.1.4 Momento fotojornalismo 44 4.1.5 O fim da era analgica? 52

    5 Conceitos e principais atributos da imagem fotogrfica digital 56 5.1 Imagens de Sntese 58 5.2 A gnese da fotografia digital 61 5.2.1 Na imagem capturada digital a cmera obscura persiste 64 5.2.2 O processo de captura fotogrfica digital 67 5.2.3 O arquivo fotogrfico digital 70 5.3 A fotografia digital na arte 71 5.4 A exploso dos usos domsticos 78

    6 As fases do desenvolvimento da tcnica fotogrfica em seus usos cientficos 82 6.1 A fotografia como mtodo e ferramenta cientfica 86 6.1.1 tienne-Jules Marey (1830-1904) e os mtodos grfico e cronofotogrfico 86 6.1.2 Jules Janssen (1824 -1907) e o trnsito de Vnus revelado 89 6.1.3 Wilhelm Conrad Rntgen (1844-1923): o raio X como fotografia 92 6.1.4 Francis Galton e a face do crime 94 6.2 Nos usos cientficos surgem os arquivos 95 6.3 A fotografia digital na pesquisa cientfica 100

  • 7 Fotografia imagem, percepo e arte 105 7.1 A percepo visual fotogrfica 107 7.2 Percepo visual e arte em Wittgenstein 110 7.2.1 Wittgenstein na fotografia de Jeff Wall 111 7.2.2 A obra de arte entre Ludwig Wittgenstein e Martin Heidegger 114 7.2.3 Wittgenstein e a esttica ou o retorno segunda parte das

    Investigaes Filosficas 117 7.3 As cores em Ludwig Wittgenstein 122 7.3.1 As cores no Tractatus Logico-Philosophicus 124 7.3.2 As cores nas Observaes Filosficas 126 7.3.3 Observaes sobre as cores 132 7.4 As cores nas fotografias digitais 135

    8 O paradigma da objetividade da fotografia analgica e digital 138 8.1 Charles Sanders Peirce e a fotografia 139 8.1.1 Histria de uma interpretao: a fotografia e o ndice peirceano 142 8.2 Fotografia digital: o retorno questo do ndice 150

    9 Dos tericos da fotografia aos documentalistas e cientistas da Informao 151 9.1 O documento fotogrfico e os estudos tericos da fotografia 152 9.2 O documento fotogrfico sob o olhar da Cincia da Informao 154 9.2.1 O documento digital na Cincia da Informao 160 9.2.1.1 Documento digital fotogrfico 164 9.3 Informao semntica e Informao em arte na Cincia da Informao e suas convergncias interdisciplinares 166 9.3.1 Informao semntica 169 9.3.2 Informao esttica informao em arte na fotografia 170 9.3.3 Informao fotogrfica cientfica 175 9.4 Convergindo teorias, conceitos e ideias para formulao do Conceito de fotografia digital 178

    10 Consideraes Finais 180

    Referncias 184

    Sites Consultados 194

  • 1

    1 Introduo

    Novas tecnologias, num primeiro momento, trazem dvidas e

    questionamentos. Encantamento com as possibilidades daquilo que indito,

    quase mgico, e medo do fim das prticas antigas confortantes e saudosas. Foi

    assim com a fotografia analgica e tambm est sendo com a fotografia digital.

    Por vezes tal sentimento invade tambm lugares onde a fotografia

    rotina diria, como do fotgrafo veterano: [...] hoje qualquer um pode fazer o

    meu trabalho com uma cmera digital! (frase dita por um fotojornalista amigo).

    Invade tambm os meios acadmicos, pois se ainda no h consenso

    sobre a fotografia analgica (veja captulo 8), o que pensar da invaso da

    fotografia digital nos meios amadores e nas rotinas profissionais e artsticas?

    No ano de 2003, o professor e pesquisador de fotografia e cinema

    Philippe Dubois, bastante conhecido nos meios acadmicos por seu livro O Ato

    Fotogrfico, esteve no Brasil. Por ocasio das comemoraes dos trinta anos

    do CPDOC-FGV (Centro de Pesquisa e Documentao de Histria

    Contempornea do Brasil Fundao Getlio Vargas), Dubois foi entrevistado

    para a revista Estudos Histricos pelas pesquisadoras Marieta de Moraes

    Ferreira e Mnica Almeida Kornis. Em determinado momento do dilogo lhe

    perguntado o que pensava sobre as imagens digitais. Sua resposta foi

    contundente:

    A imagem eletrnica no um objeto terico, no um objeto cujo pensamento se possa expressar. Para mim, aquela imagem no tem um pensamento, como existe um pensamento do cinema, da fotografia, da pintura; no existe um pensamento da imagem eletrnica. Tentando compreender esse pensamento, a cada vez eu chegava mesma concluso: isto no existe, essa imagem no tem um pensamento. ( DUBOIS, 2004, p.150)

    Podemos ignorar o impacto da imagem digital nos meios de

    comunicao, no cinema e televiso, nos laboratrios de pesquisa cientfica, na

    medicina diagnstica, no fotojornalismo, nas artes de vanguardas, arquivos,

    bibliotecas, redes sociais, e no cotidiano das imagens fotogrficas amadoras,

    entre tantas outras aplicaes aqui no citadas?

    Esta tese tem como objetivo demonstrar que a fotografia digital, como

    imagem, no um nada. Ela tem pensamento, corpo (mesmo que virtual) e

  • 2

    alma. preciso definir e diferenciar as formas antigas (analgicas) e novas

    (digitais) do fazer fotogrfico para que se possa entender melhor esse

    dispositivo de criar imagens eletrnicas.

    Nesta perspectiva, a histria nos indica que revolues cientficas so

    recorrentes e tem uma estrutura semelhante de desenvolvimento, originando-

    se na insatisfao com uma teoria ou paradigma,que e substitudo com a

    inveno de um novo paradigma que passa a ser visto como cincia normal

    at que outra gerao de pesquisadores o questione (BURKE, 2003, p.16).

    Podemos considerar o surgimento da fotografia analgica, no sculo XIX, e da

    tecnologia fotogrfica digital em meados do sculo XX como momentos de

    transio de paradigmas que podem ser estudados sob a tica de diversos

    saberes, desde a Comunicao e as Artes at na Economia, Histria, ou nas

    Cincias duras (Hard Sciences).

    No entanto, consideramos a Cincia da Informao o locus ideal para

    estudar as caractersticas extrnsecas e intrnsecas da fotografia digital, sua

    transformao em paradigma vigente de criao de imagem do mundo, pois

    por meio dos fundamentos da rea encontramos as ferramentas necessrias

    para a conceitualizao aqui proposta.

    Na interdisciplinaridade, fundamento da Cincia da Informao,

    transitamos por diversos conhecimentos para identificar os diversos aspectos e

    vises da fotografia digital. Estudando o emprego da imagem digital fotogrfica

    em campos como a Astronomia, Economia, Arte, entre outras, percebemos que

    no podemos considera-la como uma, assim como Capurro considera as

    dificuldades oriundas da busca de uma definio universalmente aceita do

    termo informao em seu conhecido Trilema (2010), podemos adapt-lo,

    resumidamente, para a fotografia digital:

    1. 1 - A univocidade (do ingls univocity) informao com o mesmo

    significado em todos os nveis [e reas do conhecimento], o que

    pode causar a perda de todas as diferenas qualitativas: no caso

    da fotografia em geral, e da fotografia digital em particular, no

    podemos considerar todas as formas de utilizao iguais, com o

    mesmo significado nas diversas reas em que so empregadas,

    citamos como exemplo a utilizao da fotografia nas pesquisas

    Astrofsicas, nas investigaes forenses ou nos usos domsticos,

  • 3

    todas so tcnicas fotogrficas, mas o resultado, o significado e a

    mensagem so completamente diferentes. Nesta tese optamos

    por estudar trs eixos: as fotografias na cincia, na arte e nos

    usos domsticos;

    2. A analogia (do ingls analogy) informao como algo similar,

    quando se deve definir qual o significado original, este dilema

    implicaria na dificuldade em identificar o conceito bsico ou

    primrio ao qual as analogias se referem. Na fotografia digital,

    considerar todas as imagens como iguais, sem termos

    conhecimento de como foram produzidas e qual o seu propsito,

    criam analogias foradas, igualando conhecimentos que precisam

    ser contextualizados e, principalmente, presumindo que qualquer

    imagem de origem digital igual.

    3. A equivocidade (do ingls equivocity) informao como algo

    diferente. Este dilema implicaria em enganos, uma vez que os

    conceitos so diferentes. A consequncia em considerar toda foto

    como a mesma coisa gera o equvoco, aqui evitado,

    categorizando a imagem a que estamos nos referindo, cincia ou

    arte; amadora ou domstica.

    A fotografia, de forma geral, e a fotografia digital em destaque, so

    documentos e informao. Sobre tal enunciado no h questionamento. Mas a

    definio do que seja documento e informao pea importante para avanar

    na anlise da fotografia como smbolo e mensagem, e na Cincia da

    Informao encontramos as ferramentas tericas para empreender esta

    definio.

    Fotografias analgica e digital no so iguais na forma, nem na

    concepo, mas so iguais no dispositivo e no propsito de registro. H

    desconhecimento das diferenas e semelhanas dos dois meios de representar

    imagens, entre o pblico leigo. Esta confuso conceitual se deve aos ainda

    escassos estudos sobre ambas as representaes, na qual, devido aos

    mesmos usos, assume-se uma postura de continuidade. No entanto, novos

    desafios so postos na Cincia da informao: como representar, arquivar e

    preservar as imagens digitais.

  • 4 A inconsistncia conceitual entre a fotografia analgica e digital

    decorrente de trs fenmenos: o dispositivo analgico e o digital de captura de

    imagem so semelhantes, a caixa preta persiste na tecnologia digital; a

    nomenclatura da fotografia foi adotada tambm para a captura digital,

    provocando a indefinio dos termos; e o questionamento do regime de

    verdade que permeia ambas as formas de representao visual do mundo,

    seus graus de indicialidade e iconicidade1.

    As fotografias analgica e digital podem ser estudadas em seus

    aspectos tecnolgicos, senso estrito, ou como modalidades de imagem, senso

    largo. Esta pesquisa prope estudar ambas as formas da representao visual

    nos seus aspectos tecnolgicos, bem como nos seus aspectos como imagem,

    isto , como formas de representao que abarcam os diversos componentes:

    histrico, documental, informacional, perceptual, cientfico e artstico.

    A primeira dificuldade em se comear a escrever sobre fotografia

    especificar o que fotografia. Desde o comeo, na primeira metade do sculo

    XIX, o surgimento da fotografia se configurou como um invento de vrios

    inventores, diversos nomes e utilidades indefinidas, em locais dispersos por

    toda a Europa e reflexos no novo continente como, por exemplo, Brasil.

    Apesar disso, existem pontos essenciais que tornam tais invenes

    semelhantes ao que costumamos chamar fotografia: a utilizao da cmara

    escura e a propriedade de determinados elementos qumicos de reagir ao

    contado com a luz.

    Desde 1839, data convencionada como o momento da inveno da

    fotografia, os usos se diversificam e estendem para diversas classes sociais:

    dos laboratrios, observatrios espaciais, gabinetes de pesquisa criminal,

    estdios suntuosos ou fotgrafos de praa, ateli do artista, a dificuldade em

    constituir um conceito de fotografia cresce com sua evoluo. preciso estar a

    todo o momento pontuando qual tipo de fotografia estamos nos referindo. Mas,

    a despeito do propsito e da sofisticao, ou no, das tecnologias, o dispositivo

    fotogrfico, a cmera, funciona da mesma forma: numa caixa totalmente

    1 O conceito de cone, ndice e Smbolo, aqui estudado, baseado na teoria de Charles Sanders Peirce. PEIRCE, C.S. Collected Papers. v. 2. Cap. 3, p. 275: A mais fundamental diviso de signos em cones, ndices e Smbolos.

  • 5

    vedada, por um pequeno orifcio, a luz entra e refletida no lado oposto com

    parmetros invertidos.

    Podemos dizer, como primeiro fenmeno, o ponto de convergncia

    necessrio para definir e conceituar fotografia analgica e digital: ambas tm

    como componente necessrio do dispositivo - o PRINCPIO DA CMARA

    OBSCURA -, a primeira a captura da imagem se faz por meio do PROCESSO

    FOTOQUMICO com cristais de prata, e na segunda o processo de captura se

    faz por meio do PROCESSO FOTOELTRICO que transforma estmulos

    luminosos em linguagem computacional (bits). Mas esta uma questo

    tecnolgica e as definies de fotografias, analgicas ou digitais, a

    transcendem, caso contrrio seriam restritivas, reducionistas.

    O fotgrafo utiliza a cmera fotogrfica, analgica ou digital, para

    produzir uma imagem com propsitos diversificados, propsitos para o

    conhecimento, para a informao, para vender algo, evocar memrias e

    sentimentos, provar um crime, provar um fato. Todos os propsitos, so

    diferentes mas tem uma caracterstica em comum: so imagens do tipo

    fotogrfico. Segundo o ponto de convergncia definidor e conceitual, no

    importa o propsito, todas as prticas de criao que utilizam a cmera

    fotogrfica, analgica ou digital, produzem IMAGENS FOTOGRFICAS.

    Em meados do sculo XX, movido pelo advento da tecnologia digital e

    do desenvolvimento de computadores cada vez mais sofisticados, surge uma

    nova forma de criar imagens por meio de programas computacionais, a

    princpio pouco sofisticados, mas aos poucos se tornaram cada vez mais

    realistas. No entanto, imagem digital a mesma coisa que imagem fotogrfica

    digital?

    Sim e no. Os programas, algoritmos, podem ser os mesmos ou

    semelhantes, mas aquele primeiro ponto de convergncia com a fotografia se

    faz presente: a cmera obscura.

    O segundo fenmeno diz respeito nomenclatura. A prpria palavra

    fotografia, que pela sua gnese deveria se referir apenas tcnica

    fsico/qumica de captura de imagem (tcnica denominada analgica),

    usualmente utilizada para nomear o processo foto/eletrnico de captura

    (tcnica denominada digital). Segundo Andr Rouill (2009, p.16), [...]

    preciso observar que, de maneira alguma, a denominao imprpria fotografia

  • 6

    digital um derivado digital da fotografia. Uma ruptura radical os separa: a

    diferena entre elas no est no grau, mas na natureza.

    Consideradas pelo senso comum como formas semelhantes de

    representao visual, a fotografia analgica e a fotografia digital no so a

    mesma coisa no que diz respeito tcnica de arquivar e imprimir a imagem, o

    estmulo foto/eletrnico da captura digital e arquivado num hard disk no

    corresponde ao processo foto/qumico do cristal de prata, exposto luz e

    fixado numa base slida: pelcula de celuloide ou papel.

    Sob um olhar estritamente tcnico, fotografia analgica em nada se

    assemelha a uma fotografia digital. Os cristais de prata so dispostos na

    pelcula do filme ou da imagem revelada de forma catica, quando a luz

    provoca uma reao nesses cristais, a imagem se forma desta maneira: sem

    uma ordem definida. No digital, as clulas fotoeltricas, quando em contato

    com a luz so acionadas e transformam essa luz em impulso eltrico. Tais

    clulas so dispostas no sistema computacional de forma organizada,

    ordenada.

    Mas o primeiro ponto de convergncia tambm se faz presente na

    captura digital, uma parte importante do dispositivo fotogrfico (analgico) est

    indefectivelmente presente: a CMERA. o dispositivo da cmera escura que

    criou e disseminou a ideia e a nomeao da fotografia digital. A mesma caixa

    preta em cujo orifcio entra a luz refletida das coisas do mundo, estimula os

    cristais de prata ou os sensores fotoeltricos. Por isso, consideramos a

    utilizao da nomenclatura fotografia digital, nesta pesquisa, como a mais

    adequada. Evitando termos tcnicos pouco conhecidos do tipo captura digital

    por estmulo fotoeltrico (Internet).

    A cmera tem tambm um importante papel na diferenciao,

    necessria, entre a imagem essencialmente digital, completamente criada em

    um computador e por programas sofisticados e aquela capturada do real por

    um dispositivo milenar. Como veremos adiante, a despeito dos crticos

    saudosistas da fotografia analgica, podemos falar de uma fotografia digital.

    Sobre o terceiro fenmeno citado no h convergncia. Na imagem

    fotogrfica digital, a desconfiana na manipulao via software e a ausncia de

    um suporte concreto, pelcula ou papel, dificulta uma definio conceitual

    precisa. A situao paradoxal: nunca se produziu tanta imagem fotogrfica

  • 7

    digital, seja via dispositivos cada vez mais sofisticados de captura cientfica,

    publicitria e jornalstica, seja no barateamento das cmeras amadoras ou na

    sofisticao dos dispositivos acoplados aos celulares, mas por seus aspectos

    conceituais ainda no uma certeza.

    Nas dcadas de 1970 e 1980 muito se escreveu sobre a fotografia

    analgica nos seus atributos filosficos, semiticos e artsticos. Sobre a

    fotografia digital ainda no temos uma produo terica numerosa, nesses

    termos.

    Na Cincia da Informao, os escritos sobre a fotografia digital se

    concentram nos desafios de organizar, arquivar e preservar essas imagens.

    Quando na minha dissertao de mestrado intitulada O olhar

    fotogrfico: percepes filosficas, informacionais e documentais (2009)

    estudei os aspectos informacionais da imagem fotogrfica, adotei como base

    terica o pensamento de Charles Sanders Peirce, nas abordagens de Krauss,

    Dubois e Barthes, e analisei a questo da percepo em Ludwig Wittgenstein.

    No entanto, ao dar continuidade e aprofundar essas questes percebo, hoje,

    uma contradio ao adotar a teoria da imagem fotogrfica como INDICIRIA,

    nos preceitos de Peirce. Considerar a fotografia como totalmente indiciria

    seria voltar s abordagens positivistas do sculo XIX, na qual as imagens

    fotogrficas so o reflexo direto da natureza, ignorando as subjetividades

    inerentes imagem como suporte bidimensional, objeto perceptual que

    depende de jogos de linguagem para serem entendidas, desqualificando o

    papel do fotgrafo e sua interveno subjetiva.

    Da mesma forma que o estatuto de veracidade da imagem digital

    questionado, e as diferenas no so ainda claras entre o analgico e o digital,

    questes discutidas nesta tese, ser possvel perceber diferenas entre a

    imagem analgica e digital? Aqui no estamos pensando em gestos relativos

    ao equipamento, e sim em questes mais profundas de percepo e autoria, no

    domnio do resultado e conscincia do valor da imagem produzida.

    O captulo 1 corresponde a este captulo introdutrio, o segundo,

    corresponde aos objetivos e ao percurso metodolgico aqui empreendido.

    No captulo 3, abordamos o conceito de documento e informao no

    mbito da Cincia da Informao, como arcabouo terico para a definio dos

    aspectos documentais e informacionais da fotografia digital.

  • 8 No captulo 4, numa abordagem histrica, pontuamos os momentos

    decisivos para criar o conceito de fotografia desde a sua inveno, em 1839, e

    como ainda a conhecemos hoje, na sua nomenclatura, e seus usos

    domsticos, no consumo e na arte.

    Estudamos historicamente a fotografia digital, no captulo 5 , dando

    nfase aos aspectos tcnicos do dispositivo, artsticos e os usos domsticos da

    imagem digital fotogrfica.

    No captulo 6, a abordagem histrica concentra-se no estatuto da

    fotografia cientfica como prova de fenmenos observados nos diversos

    conhecimentos e como prova cientfica - o surgimento do arquivo fotogrfico e

    seus atributos documentrios, do analgico ao digital.

    Retomamos as questes estudadas na dissertao, no captulo 7,

    ampliando a anlise da percepo visual na abordagem de Ludwig

    Wittgenstein, desta vez com novas leituras, em destaque a questo das cores e

    da arte. Enfocamos tambm o texto de Martin Heidegger sobre a origem a obra

    de arte.

    No captulo 8, denominado paradigma da objetividade, sob a perspectiva

    dos conceitos semiticos de Charles S. Peirce, a caracterstica bsica da

    fotografia analisada, em relao ao seu referente, num estudo histrico,

    buscando a origem desta abordagem e seus problemas conceituais.

    Por fim, retomamos a questo da informao e documento no campo da

    Cincia da Informao para definir a fotografia analgica e, principalmente,

    digital como documento e informao constituindo, assim, um conceito de

    fotografia digital que seja vlido para futuras pesquisas na rea e em outros

    campos do saber.

  • 9

    2 Objetivos e traados metodolgicos

    Apresentamos aqui nossos objetivos e percursos metodolgicos que

    norteiam esta pesquisa de cunho terico/conceitual.

    2.1 Objetivos

    O principal objetivo desta tese desenvolver um conceito que diferencie

    a imagem fotogrfica analgica da imagem fotogrfica digital, tendo por

    fundamento terico, documental e informacional os conceitos de documento e

    informao na Cincia da Informao para formulao do conceito de

    FOTOGRAFIA DIGITAL.

    Os objetivos especficos so:

    1. Analisar os processos de criao de imagem capturada por estmulo

    fotoqumico (fotografia analgica) e a imagem capturada por

    estmulo fotoeltrico (fotografia digital);

    2. Analisar teoricamente as caractersticas da imagem analgica e da

    imagem digital, identificando seus atributos intrnsecos e extrnsecos

    e seus diferenciais bsicos;

    3. Analisar os aspectos documentais e informativos da fotografia na

    cincia e na arte.

    2.2 Traados Metodolgicos

    Esta pesquisa terico-conceitual aborda, conforme ressaltado, duas

    categorias distintas de imagem: a fotogrfica analgica e a fotogrfica digital. A

    primeira surgiu em meados do sculo XIX como uma tcnica fotoqumica de

    captura de imagem por meio da caixa preta (cmera). A segunda imagem

    surgiu por dupla derivao: da evoluo da primeira e dos avanos da

    tecnologia informtica, numa forma de captura que transforma os estmulos

    luminosos em estmulos eltricos e, posteriormente, em linguagem

    computacional.

    No campo da Cincia da Informao buscamos nas leituras dos

    principais autores que escreveram sobre informao e documento,

  • 10

    fundamentos para estabelecermos de que forma a fotografia analgica e,

    posteriormente, digital se configuram como objetos de pesquisa na rea.

    Destacamos o trabalho de Paul Otlet (1934) e Suzanne Briet (1951), pois na

    literatura clssica da documentao foram os primeiros a abordar a fotografia

    como documento.

    Usamos como aporte a discusso de Minayo (2002, p. 20) para as

    mltiplas abordagens em pesquisa qualitativa, considerando que todo

    processo de construo terica ao mesmo tempo uma dialtica de

    subjetivao e de objetivao. Tomando como base conceitos de

    hermenutica e dialtica para discorrer sobre a compreenso do caminho do

    pensamento social. Embora articulada originalmente para as questes da rea

    da sade podemos adotar este referencial possibilita discusses em outras

    reas, principalmente das Cincias Sociais. (MINAYO, 2002, p. 98).

    Tendo esse quadro em mente foram selecionados os autores entre os

    mais conhecidos e citados que apresentam importante contribuio terica no

    campo e que podemos chamar os clssicos da Histria da Fotografia e da Arte

    e da Teoria e tcnica Fotogrfica.

    Por meio dessa literatura, buscamos estabelecer as semelhanas e os

    diferenciais das abordagens configurando se como um mtodo diacrnico, no

    buscando a compreenso numa narrativa linear e evolutiva dos conceitos

    envolvidos, e sim a compreenso dos momentos de ruptura e emergncia dos

    discursos e conceitos relacionados fotografia analgica e digital. Tal

    procedimento se coaduna com o mtodo arqueolgico de Michel Foucault no,

    qual busca definir no os pensamentos, as representaes, as imagens, os

    temas, as obsesses que se ocultam ou se manifestam nos discursos, mas os

    prprios discursos, enquanto prticas que obedecem as regras. (FOUCAULT,

    2007, p.157)

    Se no senso comum se acredita estar tirando uma foto com cmeras

    digitais, do mesmo modo que faziam h dez ou quinze anos atrs, com as

    cmeras analgicas, porque muitas das prticas do antigo meio de

    representao visual permanecem na representao digital capturada. Por

    outro lado, novas prticas somam-se ao processo de tirar uma foto, como a

    manipulao pelo computador e o compartilhamento das imagens via redes

    sociais.

  • 11 No movimento comparativo, categorias, definies, prticas e aes dos

    dois modos de representao visual so confrontadas para a busca de

    diferenas e semelhanas, para esclarecer as incompreenses da imagem

    fotogrfica digital, movimento diacrnico entre os dois momentos fundadores

    de ambas as representaes: o advento da fotografia em meados do sculo

    XIX e o desenvolvimento da imagem capturada digital no incio dos anos 1990.

    A ideia de momentos fundadores foi desenvolvida por Foucault em seu

    livro A arqueologia do saber:

    Uma descoberta no menos regular, do ponto de vista enunciativo, do que o texto que a repete e a difunde: a regularidade no menos operante, nem menos eficaz e ativa em uma banalidade do que em uma formao inslita. Em tal descrio, no se pode admitir uma diferena de natureza entre enunciados criadores (que fazem aparecer alguma coisa nova, que emitem uma informao indita e que so, de certa forma, ativos) e enunciados imitativos (que recebem e repetem a informao, permanecem por assim dizer passivos). (FOUCAULT, 2007, p. 163)

    Nesta pesquisa terica, adotamos tambm os conceitos de jogos de

    linguagem de Ludwig Wittgenstein como mtodo para alcanar os objetivos.

    Por muito tempo, desde a sua origem, a fotografia vem sendo pensada e

    estudada como uma imagem ou um conhecimento objetivo. A tcnica de

    captura da imagem emanada pela luz em cristais de prata ou sensores foto

    eltricos ainda percebida pelo senso comum como registro objetivo da

    realidade: As fotografias no mentem.

    Wittgenstein procura refutar a noo de que para cada palavra h uma

    essncia. Segundo seu pensamento, todo o processo de compreenso das

    palavras est associado ao que denominou de jogos de linguagem

    (sprachspiel), prticas onde o emissor enuncia as palavras e o receptor age de

    acordo com elas (WITTGENSTEIN, 1984, p. 12). Este conceito utilizado a

    partir de sua segunda fase, na qual estende a analogia do jogo linguagem.

    (GUERRA, 2010, p. 274)

    Os jogos de linguagem de Wittgenstein nos ajudam a no cair nessa

    presuno de objetividade que pode ser interpretada como uma forma

    essencialista de pensar essas imagens. Fotografias no so a essncia daquilo

    que foi fotografado, so jogos de linguagem nas quais as peas e participantes

  • 12

    desse jogo podem ser estabelecidos desde a tomada, da captura, at a

    revelao ou o envio da imagens para as redes sociais.

    Na dissertao de mestrado da autora desta tese, foi abordada a

    percepo visual como jogos de linguagem, baseados em exemplos da

    fotografia. Aqui os conceitos de Wittgenstein nos ajudam a buscar

    compreenso das imagens e de seus processos de criao e recepo sem

    entrarmos no perigoso terreno de considerar que essas imagens tem uma

    essncia, num aprofundamento da anlise e discusso empreendidas na

    dissertao.

    Dessa forma pretendemos contribuir para a constituio de maior

    compreenso sobre o conceito da fotografia digital e sua interface com a

    cincia em geral, e mais especificamente a Cincia da Informao.

  • 13

    3 Fotografia e Cincia da Informao

    Neste captulo abordamos a fotografia, de forma generalizada

    abrangendo tanto a sua forma analgica quanto digital, sob o ponto de vista da

    Cincia da Informao nos seus dois conceitos centrais na reflexo

    epistemolgica e conceitual: o documento e a informao. Fazemos tambm

    um balano do que foi produzido cientificamente no Brasil sobre fotografia no

    mbito da Cincia da Informao.

    Estes dois conceitos so importantes para o estudo da fotografia, se

    levarmos em considerao seus dois aspectos: fsico, como suporte analgico

    (papel, filme negativo ou diapositivo, microfilme, placa de vidro etc.) ou digital

    (bitmap, cadeia de bits em diversos formatos), a fotografia documento; e

    representao imagtica, seu contedo, a imagem fotogrfica informao.

    3.1 Do documento ao documento fotogrfico

    A palavra documento presena constante nos textos tericos e

    histricos sobre fotografia (analgica ou digital) devido ao seu alegado carter

    objetivo. Esta questo ser aprofundada no captulo 8.

    No entanto, os tericos da fotografia nem sempre definem claramente o

    que consideram documento e quando o fazem sob a tica do senso comum,

    sem conceitu-lo como em reas especializadas, por exemplo Arquivologia ou

    Cincia da Informao. Podemos citar como exemplo o artigo de Allan Sekula

    (1986), The body and the archive, e o livro de Andr Rouill (2009), A

    fotografia, entre documento e arte contempornea. Estes textos sero

    estudados no decorrer da tese.

    Este carter objetivo, como espelho do real, que acompanha a fotografia

    desde a sua inveno, confere uma presuno documental tambm ancestral.

    Nos jornais e sales de exposio era discutido se a fotografia era arte ou no,

    mas nunca se duvidou que ela fosse documento, como ser discutido no

    captulo 6.

    No entanto, preciso definir aqui, no mbito da Cincia da Informao, o

    que documento e se a fotografia se insere neste mbito.

  • 14 Para Rondinelli (2011, p.26), a questo para definir documento

    conceitual e antecede a problemtica digital, preciso um olhar apurado sobre

    o conceito de documento:

    Afinal, o que vem a ser um documento? A pergunta se torna ainda mais instigante quando apresentada a partir do contexto da tecnologia digital. Isto porque a ntida fisicalidade dos documentos foi substituda por dgitos binrios, invisveis aos olhos humanos, fixados em bases magnticas e ticas; a leitura, antes direta, passou a ser indireta, isto , dependente de hardware e software; a visualizao simultnea de suporte e informao deixou de existir e, como se no bastasse, h as bases de dados e os hipertextos, ou seja, documentos aparentemente ilimitados. A pergunta ento : so documentos? (RONDINELLI, 2011, p.26)

    Na definio etimolgica, documento deriva do latim docere, que

    significa ensino, e do grego endeigma, prova, testemunho. Semanticamente,

    documento tem o sentido de doutrina, ensino, diploma ou testemunho

    (RONDINELLI, 2011, p.30).

    Segundo Le Goff (1992, p.536), na Idade Mdia, o termo latino

    documentun evoluiu para o significado de prova e amplamente utilizado no

    vocabulrio legislativo. O sentido moderno de testemunho histrico s viria no

    incio do sculo XIX, com os movimentos intelectuais positivistas e historicistas.

    No mbito da histria, o sculo XX considerado o ponto de evoluo

    do conceito de documento. Em 1939, com a fundao da revista Annales

    d'Histoire Sociale (depois denominada Annales dhistoire conomique et

    sociale e atualmente se chama Annales. conomies, Socits, Civilisations).

    Seus fundadores, Marc Bloch e Lucien Febvre, pretendiam romper com a

    histria oficial, historicista, propondo uma nova forma de se fazer histria, no

    mais voltada para abordagens oficiais e histria de grandes personagens. Sua

    grande premissa era que toda atividade humana histria e, portanto, a

    pesquisa no deveria se basear apenas em documentos oficiais.

    Bloch afirma:

    Seria uma grande iluso imaginar que a cada problema histrico corresponde um tipo nico de documentos, especializado para esse uso [...] Que historiador das religies se contentaria em consultar os tratados de teologia ou as recolhas de hinos? Ele sabe bem que sobre as crenas e as sensibilidades mortas, as imagens pintadas ou esculpidas nas paredes dos santurios, a disposio e o mobilirio das

  • 15

    tumbas, tm pelo menos tanto para lhe dizer quanto muitos

    escritos. (BLOCH apud LE GOFF, 1992, p.540)

    A Histria contribui para a ampliao da definio de documento, assim

    como os documentalistas Paul Otlet, em seu livro Trait de documentation

    (1934), e Suzanne Briet autora de Qu'est-ce que la documentation? (1951), que

    sero estudados no captulo 9.

    No mbito da Arquivologia, a definio de documento est muito ligada

    ao arquivo como rgo pblico e o documento como oficial. Segundo

    Schellenberg (2006, p.66), o volume de documentos oficiais produzidos num

    pas tambm determinado pela maneira como os rgos do governo os

    empregam em suas atividades.

    Numa abordagem mais atualizada, Duranti (apud RONDINELLI, 2011,

    p.50) recorre diplomtica para definir o documento escrito: [...] evidncia

    produzida num suporte (papel, fita magntica, disco, placa, etc.) por meio de

    um instrumento de escrita (caneta, lpis, mquina de escrever, etc.) ou de um

    aparato para fixao de dados, imagens e/ou vozes.

    Ainda na perspectiva da Arquivologia, mas ampliando ainda mais as

    perspectivas da definio, Heredia Herrera afirma:

    Documento em um sentido muito amplo e genrico todo registro de informao independentemente de seu suporte fsico. Abarca tudo o que pode transmitir o conhecimento humano: livros, revistas, fotografias, filmes, microfilmes [...], mapas [...], fitas gravadas, discos, partituras [...], selos, medalhas, quadros [...] e de maneira geral tudo o que tenha um carter representativo nas trs dimenses e que esteja submetido interveno de uma inteligncia ordenadora.

    (HEREDIA HERRERA apud RONDIINELLI, 2011, p.47)

    De acordo com a reflexo de Buckland (1991, p. 355) de Informao-

    como-Coisa, a coisificao do conceito de informao interfere na prpria

    noo de documento, pois aqui que informao-como-coisa se consolida. No

    entanto, o autor no se fixa em documentos escritos, considerando como

    documento uma ampla lista de objetos e at eventos e pessoas, o que importa

    o potencial informativo:

    Alguns objetos informativos, tais como pessoas e edifcios histricos, simplesmente no se prestam para ser coletados, armazenados ou recuperados. Mas a transferncia fsica para uma coleo no sempre necessria para acesso contnuo. Referncias e objetos nas locaes em que se encontram

  • 16

    criam, com efeito, uma coleo virtual. Pode-se tambm criar uma descrio ou representao deles: um filme, uma fotografia [...] uma descrio escrita. O que ento se coleta um documento descrevendo ou representando a pessoa, o edifcio, ou outro objeto (BUCKLAND, 1991, p.356).

    Outro importante autor de Cincia da Informao discute a natureza da

    informao por meio das caractersticas intrnsecas do documento, numa

    abordagem filosfica. Essa abordagem defendida por Frohmann visa a

    transformar o documento em informao viva (living information), buscando a

    informatividade do documento como ato mental de projetar seus signos em

    sua significao:

    Quando a informatividade de um documento visto como o contedo presente na mente, um estado de compreenso, ento, usos informativos ganham a estabilidade que precisam para serem contados, tabulados e processados por mtodos estatsticos. (FROHMANN, 2004, p.393).

    A informatividade do documento um processo mental, filosfico, de

    interpretao. No entanto, preciso seguir certas prticas documentrias para

    ser transformado em informao viva:

    1. Documentos existem em alguma forma material; sua

    materialidade configura suas prticas;

    2. As propriedades das prticas documentrias esto profundamente

    embutidas nas instituies;

    3. Prticas documentrias uma disciplina com propriedades

    sociais; requerem tratamento, ensino, correo e outras medidas

    disciplinares;

    4. Prticas tm historicidade; surgem, se desenvolvem, declinam e

    desaparecem por circunstncias histricas (FROHMANN, 2004,

    p.396-397).

    Das trs prticas aqui citadas, a primeira sobre a materialidade do

    documento, traz desafios para os novos tempos digitais e, em especial, para a

    fotografia digital.

    No decorrer do desenvolvimento desta tese, retornaremos questo

    documental da fotografia e, principalmente, dos desafios da fotografia digital

    como documento. Acreditamos que a imagem fotogrfica, na definio de

    Frohmann, informao viva de tipo especial, pois o olhar, a percepo visual,

  • 17

    suscitam reaes e sentimentos que, por vezes, no podemos transpor no

    discurso cientfico, arte, poesia ou dor.

    3.2 Da Informao a informao na fotografia

    A dificuldade de definir informao est no seu carter polissmico e

    flutuante. Polissmico porque existem diferentes definies do termo e

    flutuante porque em cada rea de conhecimento adquire diferentes facetas.

    Floridi afirma:

    Informao notoriamente um fenmeno polimorfo e um conceito polissmico que, como um explicandum, ele pode ser associado a diversas explicaes, dependendo do nvel de abstrao adotado e do grupo de requerimentos e desideratos

    que orientam a teoria. (FLORIDI, 2009, p.13)

    Para Wersig e Nevelling (1975) a informao no uma certeza: sendo

    um termo inevitvel, mas marcado por ambiguidade e polissemia, preciso

    deixar claro, a todo instante, o que significa.

    No contexto brasileiro, Pinheiro (2004) afirma que: Todos os campos do

    conhecimento alimentam-se de informao, mas poucos so aqueles que a

    tomam por objeto de estudo e este o caso da Cincia da informao.

    Na Cincia da Informao estudamos a informao sob diversos

    aspectos e abordagens, para alm da documentao e da biblioteconomia:

    (...) de fato, a informao de que trata a CI, tanto pode estar num dilogo entre cientistas, em comunicao informal, numa inovao para indstria, em patente, numa fotografia ou objeto, no registro magntico de uma base de dados ou em biblioteca virtual ou repositrio, na Internet (PINHEIRO, 2004).

    Diante da dificuldade de definir o conceito de informao, Buckland

    (1991, p. 351), baseando-se em definies lxicas, desenvolve trs formas de

    informao:

    1. Informao-como-processo: Quando algum informado, aquilo que

    conhece modificado. Nesse sentido informao o ato de informar

    [...]; comunicao do conhecimento ou novidade de algum fato ou

    ocorrncia; a ao de falar ou o fato de ter falado sobre alguma coisa;

    2. Informao-como conhecimento: Informao tambm usado para

    denotar aquilo que percebido na informao-como-processo: o

    conhecimento comunicado referente a algum fato particular, assunto,

    ou evento; aquilo que transmitido, inteligncia, noticias. A noo de

  • 18

    que informao aquela que reduz a incerteza poderia ser entendida

    como um caso especial de informao-como conhecimento. s vezes

    informao aumenta a incerteza.

    3. Informao-como-coisa: O termo informao tambm atribudo

    para objetos, assim como dados para documentos, que so

    considerados como informao, porque so relacionados como sendo

    informativos, sendo a qualidade de conhecimento comunicado ou

    comunicao, informao, algo informativo.

    Sua terceira definio, informao-como-coisa, foi criticada por tornar a

    informao como qualquer expresso, descrio ou representao. S assim

    seria possvel comunic-la, express-la, descrev-la ou represent-la de

    alguma maneira fsica, como um sinal, texto ou comunicao. (BUCKLAND,

    1991, p. 352)

    Seguindo a estrutura do que tangvel e intangvel, Buckland

    desenvolve o conceito dos quatro aspectos da informao, conforme

    apresentado no Quadro 1.

    Quadro 1. Quatro aspectos da Informao. Intangvel Tangvel

    Entidade 2 - Informao-como-conhecimento Conhecimento

    3 - Informao-como-coisa Dado, documento

    Processo 1 - Informao-como-processo Tornar-se informado

    4 Processamentos de Informao Processamento de dados

    Fonte: BUCKLAND, 1991, p. 352

    Diferentemente do conceito fsico de informao-como-coisa citamos a

    definio de Belkin e Robertson (1976, p.198): Informao aquilo que

    capaz de transformar estrutura.

    Para construir esta definio de cunho estruturalista, os autores

    desenvolveram a ideia de um espectro da informao, na qual criam uma

    tipologia de informao e os tipos de informao objeto de estudo da Cincia

    da Informao. (Quadro 2)

  • 19

    Quadro 2 - O espectro da Informao

    Fonte: Baseado em Belkin e Robertson (1976, p. 198)

    Diante das categorias de informao em seu espectro, Belkin e

    Robertson explicam como se d a transformao de estruturas. Partindo do

    organismo (informao infra-cognitiva) para o mundo (informao meta-

    cognitiva), o espectro estrutura as etapas ao pressupor a importncia do texto e

    a figura do emissor. Os dois conceitos bsicos da Cincia da Informao so:

    O texto coleo de sinais propositalmente estruturada por um emissor

    com inteno de mudar a imagem-estrutura de um receptor;

    A informao estrutura de qualquer texto que capaz de mudar a

    imagem-estrutura de um receptor. (BELKIN; ROBERTSON, 1976,

    p.201)

    Tericos da CI, Capurro e Hjrland, utilizam a teoria da significao de

    Wittgenstein para explicar a polissemia do termo informao e,

    consequentemente, a impossibilidade de definir como algo fsico, como sugere

    Buckland ou buscar a transformao de estrutura na mente do receptor, sem

    levar em considerao fatores subjetivos, como em Belkin e Robertson. Para

    os autores:

    O uso ordinrio de um termo como informao pode ter significados diferentes de sua definio formal, significando que vises tericas conflitantes podem surgir entre as definies cientficas explcitas e as definies implcitas de uso comum. Em funo disto, devemos no apenas comparar diferentes definies formais, mas tambm considerar o significado de uma palavra como informao, tal como usada em relao a outros termos, por exemplo, a busca de informao, sistemas de informao e servios de informao (CAPURRO; HJORLAND, 2007, p.151).

    hereditariedade

    cresi

    men

    to s

    ofis

    tica

    do e

    com

    ple

    xo d

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    conce

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    infra-cognitivo incerteza

    percepo

    cresi

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    info

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    / C

    Icognitivo individual formao de conceito individualcomunicao inter-humana

    cognitivo social estruturas conceituais sociais

    meta-cognitivo conhecimento formalizadocresi

    men

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    form

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    info

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    o p

    / C

    I

  • 20 A informao contida na fotografia se torna visvel na comunicao.

    Imagens fotogrficas so expostas em revistas e jornais, em galerias de arte ou

    na rede virtual das diversas comunidades da Internet. A comunicao o

    conceito que interliga informao, fotografia e Cincia da Informao.

    Segundo Capurro e Hjrland:

    Quando usamos o termo informao em CI, deveramos ter sempre em mente que informao o que informativo para uma determinada pessoa. O que informativo depende das necessidades interpretativas e habilidades do indivduo (embora estas sejam frequentemente compartilhadas com membros de uma mesma comunidade de discurso).

    CAPURRO, HJRLAND, 2007, p.154)

    Em sua proposta de nova abordagem da Cincia da Informao Capurro

    (2010) sugere um novo conceito derivado do grego angellein e angelia, definido

    por angeltica: [...] designa, ao contrrio angelologia, o estudo do fenmeno

    das mensagens e mensageiros, independentemente de sua origem divina, ou

    melhor, estuda esse fenmeno dentro dos limites da condio humana.

    Para Capurro e Hjorland:

    Informar (aos outros ou a si mesmo) significa selecionar e avaliar. Este conceito particularmente relevante no campo do jornalismo ou da mdia de massa, mas, obviamente, tambm em CI. [...] O conceito moderno de informao como comunicao de conhecimento, no est relacionado apenas viso secular de mensagens e mensageiros, mas inclui tambm uma viso moderna de conhecimento emprico compartilhado por uma comunidade (cientfica). A ps-modernidade abre este conceito para todos os tipos de mensagens, particularmente na perspectiva de um ambiente digital (CAPURRO; HJORLAND, 2007, p.173).

    A fotografia uma mensagem. Barthes (2000, p.326), descrevendo a

    fotografia jornalstica, afirma que esta no uma estrutura isolada pois

    comunica com outra estrutura, o texto, a legenda:

    A totalidade da informao pois suportada por duas estruturas diferentes (das quais uma lingustica); essas duas estruturas so convergentes, mas como suas unidades so heterogneas, no podem se misturar; aqui (no texto) a substncia da mensagem constituda por palavras; ali (na fotografia), por linhas, superfcies, tonalidades. (BARTHES, 2000, p.326)

  • 21 A mensagem fotogrfica para Barthes (2000, p.338) est ligada ao seu

    complexo contedo como referente direto do objeto fotografado. Esta

    presuno de objetividade criou, e ainda cria problemas dos quais o mais

    comentado, e ainda vivo no senso comum, a objetividade da imagem

    fotogrfica. preciso, a todo momento, especificar que tipo de mensagem a

    fotografia .

    O carter informativo da fotografia, analgica e digital, ser desenvolvido

    com mais detalhes no captulo 9. Por enquanto, preciso afirmar que a

    fotografia uma informao objeto da Cincia da Informao como tantos

    outros conceitos e documentos.

    3.3 A fotografia na Cincia da Informao

    Num levantamento na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e

    Dissertaes (BDTD), na Rede de Bibliotecas do Instituto Brasileiro de

    Informao em Cincia e Tecnologia (Ibict), por meio de seu catlogo

    eletrnico, e na Scientific Electronic Library Online (SciELO), pesquisamos a

    produo, no campo da Cincia da Informao, sobre os temas aqui

    estudados: fotografia e imagem fotogrfica (analgicas e digitais). Nas duas

    primeiras fontes, BDTD2 e Rede de Bibliotecas do Ibict, foi realizada busca das

    teses dos programas de ps-graduao em Cincia da Informao sobre os

    assuntos citados, que se encontram apresentadas no Quadro 3.

    2 A Biblioteca Digital de Teses e Dissertaes um sistema no qual as instituies de ensino e pesquisa atuam como provedores de dados e o Ibict opera como agregador, coletando metadados de teses e dissertaes dos provedores, fornecendo servios de informao sobre esses metadados e expondo-os para coleta por outros provedores de servios, em especial pela Networked Digital Library of Theses and Dissertation (NDLTD) (IBICT, 2013).

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  • 22

    Quadro 3 - Teses sobre fotografia segundo ano, autor e instituio

    Ano Autor Ttulo Instituio

    2002 SILVA, Rubens

    Gonalves

    Digitalizao de acervos fotogrficos

    pblicos e seus reflexos

    institucionais e sociais: tecnologia e

    conscincias no universo digital

    IBICT/UFRJ/ECO

    2002 MANINI, Mrian

    Paula

    Anlise documentria de fotografia:

    um referencial de leitura de imagens

    fotogrficas para fins documentrios

    USP/ECA/ Dep. De

    Biblioteconomia e

    Documentao

    2003 HOLLANDA,

    Ricardo Silva

    Estratgias e percepes

    informacionais na produo de

    imagens em fotografia documental

    urbana

    IBICT/UFRJ/ECO

    2003 LOUREIRO,

    Maria Lucia

    Niemeyer

    Matheus

    Museus de arte no ciberespao:

    uma abordagem conceitual

    IBICT/UFRJ/ECO

    2005 SANTOS, Nilton

    Bahlis

    A Cincia da Informao e o

    paradigma hologrfico: a utopia de

    Vannevar Bush

    IBICT/UFRJ/ECO

    2011 RODRIGUES,

    Ricardo Crisafulli

    Anlise e tematizao da imagem

    fotogrfica: determinao,

    delimitao e direcionamento dos

    discursos da imagem fotogrfica

    UNB/Faculdade de

    Cincia da

    Informao

    importante ressaltar que existem teses sobre a temtica que no

    foram inseridas nas bases de dados utilizadas como fonte de coleta.

    A tese de Rubens Gonalves Silva (2002), Digitalizao de acervos

    fotogrficos pblicos e seus reflexos institucionais e sociais: tecnologia e

    Conscincias no Universo Digital, tem como objetivo analisar os projetos de

    digitalizao de acervos fotogrficos de instituies pblicas e as

    transformaes ocorridas nesse processo em relao instituio e aos seus

    consulentes, gerando novas prticas e conceitos no universo digital. A

    fotografia ento estudada como objeto deste processo, inserida em corporis

    documentais. O ponto principal a mudana de conscincia.

    Mirian Paula Manini (2002), em sua tese Anlise Documentria de

    Fotografia: um referencial de leitura de imagens fotogrficas para fins

    documentrios, utiliza a abordagem da representao documentria de acervos

    institucionais, agncias e banco de fotografias, considerando a fotografia como

    documento que demanda regras e mtodos especficos de indexao. A

  • 23

    abordagem nesse estudo a de recuperao da informao, no caso,

    recuperao da imagem fotogrfica.

    A tese de Ricardo de Hollanda (2003), Estratgias e percepes

    informacionais na produo de imagens em fotografia documental urbana,

    aborda a fotografia no seu aspecto exclusivamente documental, mas tendo

    como enfoque a cidade, por meio de analogias existentes entre o modo de

    produo de imagens desenvolvidas por fotgrafo documental urbano e

    fotografias topogrficas. Diferente de outras pesquisas, tanto em dissertaes e

    teses, como em textos tericos do tema, cujo foco a fotografia em si,

    Hollanda focaliza seu estudo no fotgrafo, documentalista e urbano.

    Em Museus de arte no ciberespao: uma abordagem conceitual, Maria

    Lucia Niemeyer Matheus Loureiro (2003), efetua anlise conceitual de museus

    de arte criados na World Wide Web (web museus), que no tm equivalncia

    no espao fsico. A materialidade dos espaos e colees dos museus de arte,

    bem como suas prticas, so enfatizadas nesta pesquisa. Aspectos das novas

    tecnologias de redes digitais eletrnicas, sobretudo a Rede Internet e a World

    Wide Web, so ressaltados, evidenciando-se suas potencialidades e efeitos de

    mudana para os museus de arte, particularmente aqueles construdos e

    mantidos na Internet. A fotografia participa com coadjuvante desta relao,

    como representao das obras de arte exibidas em tais museus virtuais.

    Em A Cincia da Informao e o Paradigma Hologrfico: a utopia de

    Vannevar Bush, Nilton Bahlis dos Santos (2005) prope a criao de modelos

    que permitam abordar a questo da informao em sistemas de grande

    complexidade como a Internet partindo da teoria de Vannevar Bush. A

    fotografia vista como estoque de informao baseada no seu carter objetivo,

    no qual cada ponto da fotografia corresponde a cada ponto da representao.

    A holografia, forma sofisticada de fotografia baseada na tridimensionalidade,

    citada como forma de mltiplas representaes, dependentes do ponto de

    vista.

    A tese de Ricardo Crisafulli Rodrigues (2011), Anlise e Tematizao da

    Imagem Fotogrfica: determinao, delimitao e direcionamento dos

    discursos da imagem fotogrfica, aborda a fotografia no seu aspecto

    exclusivamente documental por meio do discurso temtico e do processo

    Digital Asset Management, DAM, (Administrao de Objetos Digitais). A

  • 24

    fotografia o ponto central do estudo no seu aspecto temtico, na tradio da

    recuperao de informao.

    A pesquisa de Rodrigues (2011) um exemplo de como a fotografia

    estudada no mbito da rea, ora como banco de dados de tipo especial no qual

    preciso criar formas de representao e indexao especficos, ora como

    exemplo para chegar ao ponto almejado, ora como mtodo. A proposta de criar

    um conceito de fotografia digital , portanto, no escopo da Cincia da

    Informao, uma questo nova.

    No pretendemos uma abordagem conclusiva de todas as teses sobre

    fotografia na Cincia da Informao que requer pesquisa mais aprofundada,

    buscando nas bases de dados de cada programa de ps-graduao outras

    teses, o que, no escopo desta pesquisa, no o objetivo principal. Entretanto,

    complementando este levantamento buscamos na SciELO os mesmos termos

    da busca no BDTD e no Ibict. Das 35 recuperaes de artigos duas so

    relacionadas a imagem fotogrfica e 33 a fotografia. Do total, h uma baixa

    frequncia de publicaes nas revistas especficas da rea, Revista Cincia da

    Informao e Perspectiva em Cincia da Informao (cinco artigos no total) em

    comparao com as revistas multidisciplinares que compartilham de temticas

    da Cincia da Informao como a Histria, Cincia, Sade-Manguinhos da

    FIOCRUZ e os Anais do Museu Paulista: Histria e Cultura Material (30 artigos

    no total).

    Tabela 1 - Revistas indexadas na SciELO com artigos sobre fotografia

    Revista Artigos

    Anais do Museu Paulista: Histria e Cultura Material 21

    Histria, Cincias, Sade-Manguinhos 9

    Cincia da Informao 4

    Perspectiva em Cincia da Informao 1

    Total 35

    Os 35 artigos foram publicados entre os anos de 1994 e 2011 com a

    distribuio conforme apresentada no Grfico 1.

  • 25 Grfico 1 - Produo de artigos sobre fotografia por ano

    De acordo com o grfico apresentado, h um aumento da produo de

    artigos sobre a temtica fotografia a partir de meados dos anos 2000. No

    entanto, a produo sobre o assunto em revistas de Cincia da Informao

    ainda tmida em relao s revistas multidisciplinares.

    importante citar a expressiva produo de artigos das revistas

    multidisciplinares aqui listadas: 30 artigos, dos quais h um espectro de

    abordagens bastante grande que vai do estudo de caso, acervos particulares

    ou pblicos, abordagens histricas at propostas de utilizao da fotografia

    como mtodo de estudo de diversas reas. O que une a maioria dos artigos

    com a Cincia da Informao a presena do arquivo como fonte dessas

    diferentes abordagens. Seja nas pesquisas cientficas, seja nos arquivos

    pblicos ou particulares, a fotografia representada como um corpus

    documental, importante fonte de informao e conhecimento.

    No caso das revistas especficas da Cincia da Informao, a produo

    ainda tmida e centrada em temticas tradicionais da rea tais como:

    representao e recuperao da informao fotogrfica; gerenciamento de

    acervos e a utilizao da fotografia como assunto secundrio. Nestas, a

    fotografia citada como importante fonte de informao desde as suas origens,

    no entanto ainda no gerou um expressivo corpus de produo cientfica. As

    teses aqui citadas e os artigos quantificados demonstram exemplos

    importantes do que pode render o estudo da imagem fotogrfica no mbito da

    Cincia da Informao.

    O desenvolvimento de novas TICs relacionadas Internet e s redes

    sociais demandam novas pesquisas sobre a imagem fotogrfica digital. Esta

  • 26

    pesquisa significa o vislumbramento de um horizonte novo e repleto de novas

    possibilidades ainda inexploradas.

    4 Historicidade da fotografia analgica

    O conceito de fotografia tem origem, historicidade e evoluo. Numa

    abordagem do tipo positivista ou historicista, o advento da fotografia tem

    tambm dia e lugar, 19 de agosto de 1839 em Paris, data em que o governo

    francs comprou a patente da inveno de Louis Daguerre e Nicphore Nipce

    e a tornou pblica. No entanto, tal tipo de abordagem histrica no possibilita a

    compreenso da gnese do conceito de fotografia.

    No estudo da histria da fotografia possvel perceber as mudanas de

    paradigmas: os avanos da tcnica, do coldio mido que precisava ser

    preparado no momento de bater a foto cmera automtica; a mudana do

    gosto, do retrato burgus arte de vanguarda; a diversificao dos usos e

    protocolos, dos retratos de estudos criminolgicos aos exames de alta

    resoluo; dos valores informativos, das fotos dos passeios da sociedade

    elegante s imagens de torturas em alguma priso iraquiana capaz de mudar

    os rumos da guerra.

    Escrever uma histria da fotografia no o intento desta pesquisa,

    porm, no estudo da historiografia da fotografia, os grandes historiadores do

    assunto no se propem a escrever uma histria completa e definitiva. No

    possvel! Justamente por conta das evolues tcnicas e mudana nos usos da

    fotografia, sem contar com o carter polissmico da imagem fotogrfica. Toda

    histria da fotografia requer uma escolha das formas, usos, datas, propsitos,

    ou o que mais o pesquisador considerar importante.

    Com o advento da imagem fotogrfica digital como tcnica hegemnica,

    tanto nos meios jornalsticos como nos usos domsticos, na dcada de 1990, o

    que era apenas fotografia se torna fotografia analgica. Foi preciso pontuar

    essa diferena, ainda pouco clara no pensamento convencional, no

    profissional. Essa histria ainda est por ser escrita.

    Neste captulo, a histria da fotografia abordada com o propsito de

    buscar o conceito de fotografia analgica. E os atributos escolhidos para

  • 27

    empreender tal tarefa foram: a inveno, seu aspecto artstico, a

    tcnica/linguagem foto jornalstica e a transio entre o analgico e o digital.

    4.1 Conceitos e principais atributos de fotografia analgica.

    Na etimologia da palavra fotografia comeamos nossa anlise. Derivada

    do grego photo, que significa luz, e graphein, desenho ou escrita, numa

    definio geral do Novo Dicionrio Eletrnico Aurlio fotografia o:

    Processo de formar e fixar sobre uma emulso fotossensvel a imagem

    dum objeto, e que compreende, usualmente, duas fases distintas: na primeira,

    a emulso impressionada pela luz, e sobre ela se forma, por meio dum

    sistema ptico, a imagem do objeto; na segunda, a emulso impressionada

    tratada por meio de reagentes qumicos que revelam e fixam,

    permanentemente, a imagem desejada.

    O significado genrico da palavra, contido no Dicionrio, nos remete, no

    entanto, a tantos aspectos distintos que preciso pontuar, fotografia pode ser

    tanto a tcnica de criao de imagem com a cmera escura, como significa

    tambm o resultado dessa operao: no senso comum no se diz olhe essa

    imagem fotogrfica e sim olhe a fotografia.

    Voltando ao Novo Dicionrio Eletrnico Aurlio, num sentido figurado,

    fotografia significa cpia fiel ou reproduo exata. Os elementos da definio

    do lxico pontuam os principais aspectos desta polissemia: a tcnica da escrita

    de luz e o problema da exatido.

    Segundo o Dicionrio das Cincias, Le Trsor (SERRES, FAROUKI,

    1997, p.38), o adjetivo analgico, num sentido comum, significa operao de

    analogia para estabelecer relaes de similaridade. Nas cincias e nas

    tcnicas de comunicao, um sinal dito analgico quando transcreve

    continuamente a mensagem da qual portador por uma relao de proporo.

    Seu oposto o processo digital (numrico/numrique em francs) que reduz

    toda a mensagem numa sucesso de nmeros inteiros.

    Os elementos bsicos para a criao de uma imagem fotogrfica j eram

    conhecidos h muito tempo. No IV sculo a.C., Aristteles utilizou o princpio

    da cmera escura para observar eclipses. Trata-se do uso de uma caixa por

  • 28

    onde a luz ultrapassa um nico orifcio e refletida na parede oposta. Recurso

    bastante utilizado no Renascimento, Leonardo da Vinci adotava essa tcnica

    em suas pinturas, pois servia para isolar o objeto a ser representado. O

    fenmeno qumico dos cristais de prata, que reagem ao contato da luz, foi

    descrito pela primeira vez pelo filsofo e alquimista alemo Alberto, o Grande,

    no sculo XIII, mas foram os qumicos do sculo XVIII que escreveram tratados

    sobre o fenmeno. O primeiro a pensar em uma tcnica para fixar os cristais de

    prata no intuito de formar uma imagem foi o mestre ceramista ingls Thomas

    Wedgwood, em 1802. (FRIZOT, 1994, p.19)

    Principiar a anlise sobre o conceito da fotografia com uma abordagem

    histrica significa buscar nas diferentes etapas, avanos e recuos da prtica e

    do pensamento os elementos que nos ajudam a compreender porque essa

    forma de representao iconogrfica se espalhou por todos os meios sociais,

    com tanta fora que hoje seria quase impossvel viver sem nos depararmos

    com uma fotografia a nossa frente.

    4.1.1 O nome e a coisa: a gnese da fotografia

    A fotografia foi celebrada como grande inveno do sculo XIX.

    Historiadores e pesquisadores buscam suas origens desde tempos remotos -

    Antiguidade, Idade Mdia, e Renascimento - num movimento arqueolgico, no

    sentido de uma busca por resqucios, indcios ancestrais de uma inveno que

    foi considerada por alguns dos primeiros cronistas do sculo XIX e muitos

    historiadores como necessria humanidade.

    A fotografia aqui estudada como tcnica de criar imagem, conjugando

    dois fenmenos, um qumico e outro fsico. A palavra tcnica deriva do grego

    tkhn, que significa arte manual, indstria ou artesanato. Sua definio est

    relacionada capacidade do homem em criar alguma coisa. Todos os tipos de

    representaes artsticas, como a pintura ou gravura, so criados por tcnicas

    que o artista utiliza. A novidade da fotografia era a presuno de que a tcnica

    fotoqumica conjugada utilizao da caixa preta criaria uma imagem perfeita,

    sem a interveno subjetiva do artista/fotgrafo. (BRUNET, 1995, p.31)

    Para Brunet, o esforo de erudio da historiografia tradicional em

    buscar uma origem, tende a definir a inveno da fotografia como a traduo

  • 29

    de um sonho imemorial e arquetpico: a busca pela imagem natural, a-tcnica,

    produzida sem a interferncia da mo do homem, quase como na utopia de

    Plato: sair da caverna e ver a [...] realidade absoluta, una, imutvel e eterna

    (ROUILL, 2009, p.74). Como exemplo desta imagem temos o Santo Sudrio,

    suposto registro do rosto e corpo de Jesus aps o martrio da crucificao,

    considerado at hoje como uma viso idealista e teolgica, pois no teria sido o

    homem quem criou aquela representao, teria sido milagre divino (BRUNET,

    1995, p.31).

    No entanto, sendo a fotografia uma tcnica de criao de imagem,

    conceituar seu produto, a imagem fotogrfica como a-tcnica configura uma

    contradio. Contradio esta que permeia o pensamento sobre a fotografia

    desde os seus primeiros anos at o fim do sculo XIX. Segundo Brunet (1995,

    p.270), na primeira fase do pensamento sobre a fotografia, esta tratada como

    a inveno de um tipo de imagem definida pela sua exatido e sua relao com

    uma certa positividade.

    No decorrer do sculo XIX, impulsionados pelos ideais de progresso da

    civilizao por meio da cincia e da tecnologia, diversos estudiosos, diletantes

    ou profissionais, cientistas ou artistas, buscavam fama e fortuna criando novas

    invenes. Com a fotografia no foi diferente.

    Os primeiros avanos tcnicos que foram se configurando desde 1839,

    relacionados com a diversidade de usos, por vezes, ainda indefinidos,

    possibilitaram dizer que no h um progresso linear no desenvolvimento da

    fotografia, seno saltos, avanos nas formas de utilizao em que foi

    empregada a tcnica.

    Franois Brunet (1995, p.29) ainda alerta para o perigo da viso

    progressista na anlise das origens da fotografia. Sua pesquisa busca no

    mais estabelecer uma pr-histria ou uma cronologia da fotografia

    simplesmente, e sim identificar as condies de emergncia desse meio de

    representar o mundo.

    Apesar de os elementos que compem a tcnica fotogrfica, a cmera

    escura e os cristais de prata fotosensveis, preexistirem ao seu invento, a

    fotografia considerada como uma inveno tpica das demandas advindas da

    Revoluo Industrial e a ascenso da burguesia. Segundo Freund (1974, p.24),

  • 30

    toda inveno condicionada, em parte por uma srie de experincias e

    conhecimentos anteriores e, de outra parte, pelos anseios da sociedade.

    Para o professor de arte moderna Jonathan Crary (1994), o final do

    sculo XIX marcado por uma crise no regime de visualidade clssico. As

    formas do ver fundamentadas na verdade da viso e na densidade e

    materialidade do corpo foram sendo substitudas por uma viso subjetiva,

    baseada em novos estudos cientficos, principalmente na emergncia da

    Psicologia como disciplina cientfica. O funcionamento da viso se torna

    dependente do que Crary denominou composio fisiolgica contingente

    (contingent physiological makeup) do observador. (1994, p.21)

    Na modernidade capitalista industrial emerge um campo social, urbano e

    psquico cada vez mais saturado de estmulos sensoriais, o que exigia uma

    nova forma de visualizar o mundo, na qual o problema da ateno foi estudado

    por diversos pesquisadores da poca:

    Paradoxalmente, foi neste momento quando a lgica dinmica do capital

    comeou a minar dramaticamente qualquer estrutura da percepo estvel ou

    duradoura, que esta lgica simultaneamente imps, ou tentou impor, um

    regime disciplinar da ateno. (CRARY, 1994, p.21)

    Como exemplo desta nova demanda de percepo visual, baseada na

    ateno, Crary (1994, p.22) cita o estereoscpio, inventado em 1850, e as

    primeiras expresses do cinema, nos anos 1890.

    O estereoscpio um aparelho que torna possvel a visualizao de

    uma imagem formada por duas fotografias produzidas por um tipo de mquina

    chamada esteregrafo. Essas fotografias se compem de duas vises quase

    idnticas, tomadas por um aparelho composto de duas objetivas separadas por

    uma distncia semelhante a dos olhos. Tal artifcio provoca uma percepo de

    tridimensionalidade (GUERRA, 2009, p.24). O sucesso do estereoscpio, e seu

    papel na histria da fotografia na segunda metade do sculo XIX, um

    exemplo dessa mudana do regime de visualidade abordado por Crary.

    Quando no dia 7 de janeiro de 1839, o astrnomo, deputado e

    acadmico Franois Arago anunciou na Acadmie des Sciences, em Paris, o

    fabuloso invento do artista Louis Daguerre: uma nova tcnica de criao de

    imagens baseada em conceitos da qumica e da fsica tica. (BAJAC, 2009,

  • 31

    p.13), vrios outros inventores buscaram demonstrar que haviam chegado ao

    mesmo resultado de Daguerre.

    Segundo Bajac (2009, p.23), o nome fotografia foi forjado nos quatro

    cantos da Europa como termo que designa tanto o dispositivo, a mquina

    fotogrfica, como a imagem produzida, fotografia. Mesmo quando cada

    inventor denominava a tcnica de forma diferente, aqueles que escreveram

    sobre o assunto j utilizavam o termo fotografia, como possvel encontrar no

    discurso do cientista e deputado Arago, na sesso do dia 3 de julho de 1839,

    na Cmara dos Deputados:

    As pesquisas fotogrficas do Sr. Nipce parecem remontar ao ano de 1814. Suas primeiras relaes com o Sr. Daguerre so do ms de janeiro de 1826. [...] Em caso de contestao, a data certeira dos primeiros trabalhos fotogrficos do Sr. Daguerre so portanto o ano de 1826. (ARAGO apud DAGUERRE, 1839, p.14)

    Dentre os percussores da fotografia, selecionamos os exemplos

    daqueles que so considerados os mais representativos do momento da

    inveno: Nicphore Nipce, Louis Daguerre, Fox Talbot, Hippolyte Bayard e

    Hercule Florence.

    O Frances Joseph-Nicphore Nipce (1765 1833) era um inventor

    profissional. Nascido em uma famlia rica da Borgonha, abandonou a carreira

    militar para dedicar-se s suas invenes. Em 1807 patenteou um motor

    exploso interna, o Pyrolophore, movido por combustvel vegetal prprio (JAY,

    1983, p.8).

    Na dcada de 1820, Nicphore comeou a desenvolver experincias

    com imagens, destacando a litografia (tcnica de impresso grfica), a cmera

    escura e o Betume da Judia (base qumica que endurece em contato com a

    luz). A primeira experincia bem sucedida de fotografia, no mundo, que Nipce

    ir chamar de heliografia, foi uma imagem capturada da janela de sua casa em

    1826, denominada Ponto de vista da janela do Gras.

    Louis-Jacques-Mand Daguerre (1787 1851) tinha formao em

    arquitetura e cenografia e tambm era um inventor. Seus trabalhos com

    cenrios de peras e peas teatrais lhe renderam notoriedade na sociedade

  • 32

    parisiense, o que lhe possibilitou criar, em 1822, um espetculo de efeitos

    espetaculares com luzes, o Diorama (BAJAC, 2009, p. 14).

    Em dezembro de 1829, Nipce e Daguerre assinaram um contrato de

    colaborao no qual so descritas em detalhes as experincias da Borgonha.

    Ao artista parisiense caberia continuar no desenvolvimento e divulgao da

    tcnica (JAY, 1983, p.11).

    A morte de Nipce, em 1833, fez Daguerre mudar as estratgias.

    Apesar da presena de Isidore Nipce (filho de Nicphore) num segundo

    contrato, Daguerre estava s no desenvolvimento e reconhecimento da tcnica

    fotogrfica, agora denominada por ele de daguerretipo. (BAJAC, 2009, p. 23)

    Na Inglaterra, William Henry Fox Talbot (1800 1877), versado em

    Histria Natural, Arqueologia e Artes em Cambridge, comeou suas

    experincias com luz no ano de 1834, em Londres. No ano seguinte juntou

    seus primeiros desenhos fotognicos, impresses em negativo de objetos e

    plantas dispostos sobre uma folha de papel sensibilizado com cristais de prata

    (BAJAC, 2009, p. 19).

    O anncio da descoberta parisiense no incio de 1839 fez com que

    Talbot acelerasse suas pesquisas, agora com a cmara escura. Seu processo

    produzia uma imagem negativa que depois era novamente exposta para criar

    uma cpia positiva. O suporte para suas imagens era o papel:

    A ampla cobertura da imprensa parisiense da inveno de Daguerre fez

    com que diversos artistas e diletantes comeassem a pesquisar e criar suas

    prprias imagens fotogrficas. O mais criativo e que obteve maior sucesso

    naquele momento foi Hippolyte Bayard (18071887). Funcionrio do Ministrio

    das Finanas francs frequentava os sales de arte de Paris e desenvolvia

    seus prprios experimentos com imagens nas horas vagas.

    Assim como Fox Talbot, quando tomou conhecimento do apoio

    institucional da Cmera dos Deputados francesa inveno de Daguerre,

    Bayard comeou suas experimentaes com a cmara escura e a sensibilidade

    dos cristais de prata. Em maio, j havia conseguido criar imagens do tipo

    fotogrfico que denominou caltipo.

    No devemos deixar de citar os escritos do franco-brasileiro Hercule

    Florance no qual a palavra fotogrfica j se encontrava como denominao de

    sua tcnica de reproduo de rtulos e diplomas, em 1833 (KOSSOY, 2002).

  • 33 Enquanto nos primeiros anos as denominaes so diferentes, na qual

    cada inventor cria a sua terminologia (veja o Quadro 4), a partir dos anos 1850

    a palavra fotografia predomina como qualquer tcnica de criar imagem com a

    cmera escura, no importa o mtodo utilizado (BAJAC, 2009, p. 151). No

    Quadro 4 alguns nomes criados para a tcnica fotogrfica:

    Quadro 4 - Os Inventores e sua terminologia

    Inventor Ano Nome adotado

    Nicphore Nipce 1822 heliografia

    Hercule Florence 1832/1833 Fotografia

    Daguerre e Nipce 1839 Daguerretipo

    Fox Talbot 1839/1840 Desenho fotognico e Caltipo

    Hippolyte Bayard 1839 Desenho fotognico

    4.1.2 Fim do sculo XIX: tenso entre industrializao e arte

    Na primeira metade do sculo XIX o daguerretipo dominou a

    preferncia do pblico burgus na Europa e nos Estados Unidos,

    transformando a arte do retrato. Formas tradicionais de arte como a pintura a

    leo, a miniatura e a gravura perdem espao para a fotografia (MELLO, 1998,

    p. 18).

    A tcnica do daguerretipo no produzia um negativo, base para vrias

    cpias. Era nico e, por ser um processo caro, era precioso e restrito

    burguesia. Neste momento da histria da fotografia, o que prevalecia era a

    imagem una, cara, de excelente definio, mas acessvel para poucas

    pessoas.

    Em 1851 inaugurada em Londres a primeira Exposio Industrial,

    denominada Great Exhibition of the Works of Industry of all Nations (Grande

    Exposio dos Trabalhos da Indstria de todas as Naes), na qual diversos

    produtos e equipamentos fotogrficos foram apresentados, alm de exposies

    de fotgrafos de Londres, Paris e NovaYork. Neste momento a tcnica

    fotogrfica inicia um avano, o daguerretipo estava por ser suplantado pela

  • 34

    fotografia em p