claudia bucceroni guerra -...
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CLAUDIA BUCCERONI GUERRA
Flutuaes conceituais, percepes visuais e suas repercusses na representao informacional e documental da fotografia para formulao do conceito de Informao fotogrfica digital
Tese de Doutorado
Maro de 2013
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJ
ESCOLA DE COMUNICAO - ECO
INSTITUTO BRASILEIRO DE INFORMAO EM CINCIA E TECNOLOGIA IBICT
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIA DA INFORMAO PPGCI
CLAUDIA BUCCERONI GUERRA
FLUTUAES CONCEITUAIS, PERCEPES VISUAIS E SUAS
REPERCUSSES NA REPRESENTAO INFORMACIONAL E
DOCUMENTAL DA FOTOGRAFIA PARA FORMULAO DO
CONCEITO DE INFORMAO FOTOGRFICA DIGITAL
RIO DE JANEIRO
2013
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CLAUDIA BUCCERONI GUERRA
FLUTUAES CONCEITUAIS, PERCEPES VISUAIS E SUAS
REPERCUSSES NA REPRESENTAO INFORMACIONAL E
DOCUMENTAL DA FOTOGRAFIA PARA FORMULAO DO
CONCEITO DE INFORMAO FOTOGRFICA DIGITAL
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Ps-
Graduao, convnio entre o Instituto Brasileiro de
Informao em Cincia e Tecnologia e a Universidade
Federal do Rio de Janeiro/Escola de Comunicao,
como requisito obteno do ttulo de Doutor em
Cincia da Informao.
Orientadora: Profa. Dra. Lena Vania Ribeiro Pinheiro
Rio de Janeiro
2013
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G934o Guerra, Claudia Bucceroni
Flutuaes conceituais, percepes visuais e suas repercusses na representao informacional e documental da fotografia para formulao do conceito de Informao fotogrfica digital / Claudia Bucceroni Guerra; Rio de Janeiro, 2013. 206 f.: il.
Orientadora: Profa. Dra. Lena Vania Ribeiro Pinheiro. Tese (Doutorado em Cincia da Informao) Programa de Ps-Graduao em Cincia da Informao, Instituto Brasileiro de Informao em Cincia e Tecnologia, Escola de Comunicao, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.
1. Tese 2. Informao Fotogrfica Digital 3. Informao 4. Documento 5. Cincia da Informao 6. Fotografia Analgica 7. Fotografia Digital I. Pinheiro, Lena Vania Ribeiro (Orientadora). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Comunicao. III. Instituto Brasileiro de Informao em Cincia e Tecnologia. IV. Ttulo.
CDD 020 CDU 025
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Claudia Bucceroni Guerra
FLUTUAES CONCEITUAIS, PERCEPES VISUAIS E SUAS REPERCUSSES NA REPRESENTAO INFORMACIONAL E
DOCUMENTAL DA FOTOGRAFIA PARA FORMULAO DO CONCEITO DE INFORMAO FOTOGRFICA DIGITAL
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Ps-Graduao, convnio entre o Instituto
Brasileiro de Informao em Cincia e Tecnologia e a Universidade Federal do Rio de
Janeiro/Escola de Comunicao, como requisito obteno do ttulo de Doutor em Cincia da
Informao.
Aprovada em: 28 de Maro de 2013.
Banca Avaliadora
______________________________________________________________ Profa. Dra. Lena Vania Ribeiro Pinheiro (Orientadora)
PPGCI IBICT - UFRJ
______________________________________________________________ Prof. Dr. Ricardo de Hollanda
Universidade Estado do Rio de Janeiro - UERJ
______________________________________________________________ Profa. Dra. Luisa Maria Gomes de Mattos Rocha
Instituto de Pesquisa Jardim Botnico do Rio de Janeiro
______________________________________________________________ Profa. Dra. Rosali Fernandez de Souza
PPGCI IBICT UFRJ
______________________________________________________________ Prof. Dr. Clvis Ricardo Montenegro de Lima
PPGCI IBICT - UFRJ
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Ao meu pai, meu paradigma.
minha me, quem reza por mim.
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"Of thine eye I am eyebeam..."
"Do vosso olho eu sou um relance do olhar"
The Sphynx - Emerson
A vida em si no a realidade. Somos ns
que pomos vida em pedras e seixos.
Frederick Sommer
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Agradecimentos
Agradeo a Capes pelo apoio institucional, e ao corpo de funcionrios do
IBICT pelo suporte burocrtico, sempre solicito e eficiente.
Aos professores do Instituto, agradeo a empatia e troca de ideias e
sugestes de corredor. Sentirei saudades!
Aos professores Maria Nlida Gonzalez de Gmez e Clvis Ricardo
Montenegro de Lima, pelas excelentes sugestes dadas nos seus cursos que
frequentei com afinco.
Ser orientada pela professora Lena Vania Ribeiro Pinheiro uma honra!
No h no meio acadmico quem mais se dedica com amor e empolgao ao
conhecimento e Cincia da Informao; quem consegue juntar saber, beleza
e alegria pesquisa e ao ensino; quem doa, com generosidade infinita,
conhecimento, sabedoria e amor. Para mim, nossa amizade ultrapassa a
esfera da orientao acadmica e alcana as estrelas!
s amigas, tudo!
Como poderia chegar aonde cheguei sem a ajuda e companhia
generosa e carinhosa das amigas: Alegria Benchimol, Tnia Chalhub, Valria
Gauz, Helena Ferrez, Patrcia Mallmann, e Ana Lcia Ferreira Gonalves?
Mas devo destacar o apoio e suporte na finalizao desta tese da
Alegria e da Tnia, me socorrendo no somente nas correes como no apoio
psicolgico, nunca duvidando da minha capacidade, num momento em que eu
duvidei...
Amigas para sempre!
Devo agradecer tambm professora Geni Chaves Fernandes pelo
apoio e pacincia na Unirio, principalmente nessa fase final.
No posso esquecer de homenagear a equipe da Escola Municipal
Irineu Marinho. Agradeo s diretoras Deise Barroso, Daniele Assad e Priscila
Bastos pela compreenso nas eventuais dificuldades de conciliar da escola
com a escrita da tese. Aos professores agradeo a acolhida carinhosa quando
http://www.ppgci.ufrj.br/index.php/corpo-docente/docentes-permanentes/95-maria-nelida-gonzalez-de-gomezhttp://www.ppgci.ufrj.br/index.php/corpo-docente/docentes-permanentes/67-clovis-ricardo-montenegro-de-limahttp://www.ppgci.ufrj.br/index.php/corpo-docente/docentes-permanentes/67-clovis-ricardo-montenegro-de-lima
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ca, de para quedas, na escola. O bom humor, as dicas e conselhos me foram
muito teis, num momento em que parecia ser mais assustador dar aula numa
turma de oitavo ano do que escrever uma tese de doutorado.
Aos meus irmos Ana Paula e Carlos Eduardo, que nunca duvidaram da
minha capacidade e sempre me apoiaram.
Ao meu companheiro Joubert Rocha que fez de tudo para me ajudar em
cada passo dessa jornada, com pacincia nos momentos mais tensos. T
acabando J!
Aos filhotes da famlia Guerra, bpedes e quadrpedes, pelos momentos
de carinho, sorrisos e risadas, brincadeiras de criana e fofura total: Hugo,
Lvia, Skitty, Epona, Nala e Mancha Negra.
minha cafeteira Nespresso que me manteve acordada, com seus
deliciosos cafs, nas madrugadas quentes de vero.
minha querida amiga Erica Sales que sempre me ajudou e tambm
nunca duvidou da minha capacidade, mas, principalmente, por ter me
presenteado com a cafeteira Nespresso!
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RESUMO
Guerra, Claudia Bucceroni. Flutuaes conceituais, percepes visuais e suas repercusses na representao informacional e documental da fotografia para formulao do conceito de Informao fotogrfica digital / Claudia Bucceroni Guerra; Rio de Janeiro, 2013.
Pesquisa cujo objetivo principal a formulao de um conceito de
informao fotogrfica digital, tendo por fundamentos tericos os estudos e
conceitos de documento e informao, na Cincia da Informao. Tanto a
fotografia analgica quanto a digital so analisadas na sua gnese, evoluo
tcnica e tecnolgica, nos marcos de sua historicidade e considerando os
atributos extrnsecos e intrnsecos. As discusses sobre imagem, analgica e
digital, constituem tambm pilares tericos da pesquisa, na amplitude de
aplicaes da imagem, da pesquisa cientfica aos usos domsticos. Em parte
substantiva da tese s aprofundados a percepo visual em relao Arte e
esttica, especialmente na informao semntica e informao em Arte, alm
dos paradigmas da objetividade e o ndice peirciano. A formulao do conceito
de informao fotogrfica digital sustentada pelo diferencial entre fotografia
analgica e digital, relativo captura da imagem, esttica da veracidade,
manipulaes de imagem e protocolos que norteiam contedo semntico e
esttico da imagem fotogrfica digital.
Palavras Chave: Informao Fotogrfica Digital, Informao, Documento,
Cincia da Informao, Fotografia Analgica, Fotografia Digital
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ABSTRACT
Guerra, Claudia Bucceroni. Flutuaes conceituais, percepes visuais e suas repercusses na representao informacional e documental da fotografia para formulao do conceito de Informao fotogrfica digital / Claudia Bucceroni Guerra; Rio de Janeiro, 2013.
Research with the main goal to formulate a concept for digital
photographic information, under the theoretical bases of concepts and studies
of document and information within Information Science. Both the analogical
and the digital photograph are analyzed from its origin, technical and
technological evolution, and also its historicity, considering the intrinsic and
extrinsic attributes of photographs. Debates about both types of images are also
theoretical support for the research, as well as its broad application range, from
scholarly research to home use. Visual perception related to the Arts and
Aesthetics, especially in what regards semantic information and information in
the Arts, besides the objective paradigm and the peircean signs theory are
subjects of thorough exploration. The construction of a conception for digital
photographic information is supported by the differential between analogic
photography and digital photography, related to the image capture, aesthetic
accuracy, manipulations of image, and protocols that aim towards semantic and
aesthetics content of the digital photographic image.
Keywords: Digital Photographic Information, Information, Document,
Information Science, Analogic Photography, Digital Photography
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1. Quatro aspectos da Informao 18
Quadro 2. O espectro da Informao 19
Quadro 3. Teses sobre fotografia segundo ano, autor e instituio 22
Quadro 4. Os Inventores e sua terminologia 33
Quadro 5: Avanos tecnolgicos da fotografia 46
Quadro 6. Evoluo da tecnologia digital 62
Quadro 7. A fotografia na cincia no sculo XIX 85
Quadro 8. Campos disciplinares que discutem a imagem e fotografia digital como mtodo de pesquisa na Scielo 100
Quadro 9: Resumo das categorias de signos segundo Peirce 141
Quadro 10: Principais autores do Paradigma do ndice de Peirce ou da pregnncia do real 149
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LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1: Exemplo de Carte-de-visite. Fonte: coleo da pesquisadora 34
Figura 2. Campanha publicitria da cmera Kodak 38
Figura 3. Cmera digital popular de 2 MegaPixels 66
Figura 4. Objetiva, diafragma e obturado da Cmara Digital 66
Figura 5. Interior de Cmera Digital destaque para o sensor CCD e seu tamanho comparado com um negativo de 35 mm 67
Figura 6. Photogenetic Drafts, 1991, Joachim Schmid 75
Figura 7. from My Ghost, 2000, Adam Fuss 76
Figura 8. Untitled #463. 2007. Cindy Sherman 76
Figura 9. Esfigmgrafo 87
Figura 10. Pulso de um homem idoso 87
Figura 11. Movimento quadro a quadro 88
Figura 12. O Revlver Fotogrfico manuseado pelo brasileiro Francisco Antnio de Almeida 91
Figura 13. Daguerretipo do Trnsito de Venus 91
Figura 14. Rntgen. Imagem Raio X da mo esquerda de Albert von Klliker 93
Figura 15. Tipos predominantes de caractersticas entre homens condenados por furto (sem violncia) 95
Figura16. Imagem simulada de um eltron feita pelo STM 102
Figura 17. Ovda Regio, vulco do planeta Vnus 103
Figura 18. Morning Cleaning, 1999, autor: Jeff Wall 114
Figura 19. Van Gogh, Sapatos velhos, 1886 116
Figura 20. Octaedro das cores 129
Figura 21: Escala de cinzas 130
Figura 22: Espectro das cores 131
Figura 23. Rrose Selavy, 1920, retrato de Marcel Duchamp por Man Ray 144
Figura 24. Farm Security Administration. Da srie Migrant Mother 158
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SUMRIO
1 Introduo 1
2 Objetivos e traados metodolgicos 9 2.1 Objetivos 9 2.2 Traados Metodolgicos 9 3 Fotografia e Cincia da Informao 13 3.1 Do documento ao documento fotogrfico 13 3.2 Da informao informao fotogrfica 17 3.3 A fotografia na Cincia da Informao 21 4 Historicidades da fotografia analgica 26 4.1 Conceitos e principais atributos de fotografia analgica 27 4.1.1 O nome e a coisa: a gnese da fotografia 28 4.1.2 Fim do sculo XIX: tenso entre industrializao e arte 33 4.1.3 Novas vises e movimentos artsticos nos anos 1920 e 1930 40 4.1.4 Momento fotojornalismo 44 4.1.5 O fim da era analgica? 52
5 Conceitos e principais atributos da imagem fotogrfica digital 56 5.1 Imagens de Sntese 58 5.2 A gnese da fotografia digital 61 5.2.1 Na imagem capturada digital a cmera obscura persiste 64 5.2.2 O processo de captura fotogrfica digital 67 5.2.3 O arquivo fotogrfico digital 70 5.3 A fotografia digital na arte 71 5.4 A exploso dos usos domsticos 78
6 As fases do desenvolvimento da tcnica fotogrfica em seus usos cientficos 82 6.1 A fotografia como mtodo e ferramenta cientfica 86 6.1.1 tienne-Jules Marey (1830-1904) e os mtodos grfico e cronofotogrfico 86 6.1.2 Jules Janssen (1824 -1907) e o trnsito de Vnus revelado 89 6.1.3 Wilhelm Conrad Rntgen (1844-1923): o raio X como fotografia 92 6.1.4 Francis Galton e a face do crime 94 6.2 Nos usos cientficos surgem os arquivos 95 6.3 A fotografia digital na pesquisa cientfica 100
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7 Fotografia imagem, percepo e arte 105 7.1 A percepo visual fotogrfica 107 7.2 Percepo visual e arte em Wittgenstein 110 7.2.1 Wittgenstein na fotografia de Jeff Wall 111 7.2.2 A obra de arte entre Ludwig Wittgenstein e Martin Heidegger 114 7.2.3 Wittgenstein e a esttica ou o retorno segunda parte das
Investigaes Filosficas 117 7.3 As cores em Ludwig Wittgenstein 122 7.3.1 As cores no Tractatus Logico-Philosophicus 124 7.3.2 As cores nas Observaes Filosficas 126 7.3.3 Observaes sobre as cores 132 7.4 As cores nas fotografias digitais 135
8 O paradigma da objetividade da fotografia analgica e digital 138 8.1 Charles Sanders Peirce e a fotografia 139 8.1.1 Histria de uma interpretao: a fotografia e o ndice peirceano 142 8.2 Fotografia digital: o retorno questo do ndice 150
9 Dos tericos da fotografia aos documentalistas e cientistas da Informao 151 9.1 O documento fotogrfico e os estudos tericos da fotografia 152 9.2 O documento fotogrfico sob o olhar da Cincia da Informao 154 9.2.1 O documento digital na Cincia da Informao 160 9.2.1.1 Documento digital fotogrfico 164 9.3 Informao semntica e Informao em arte na Cincia da Informao e suas convergncias interdisciplinares 166 9.3.1 Informao semntica 169 9.3.2 Informao esttica informao em arte na fotografia 170 9.3.3 Informao fotogrfica cientfica 175 9.4 Convergindo teorias, conceitos e ideias para formulao do Conceito de fotografia digital 178
10 Consideraes Finais 180
Referncias 184
Sites Consultados 194
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1
1 Introduo
Novas tecnologias, num primeiro momento, trazem dvidas e
questionamentos. Encantamento com as possibilidades daquilo que indito,
quase mgico, e medo do fim das prticas antigas confortantes e saudosas. Foi
assim com a fotografia analgica e tambm est sendo com a fotografia digital.
Por vezes tal sentimento invade tambm lugares onde a fotografia
rotina diria, como do fotgrafo veterano: [...] hoje qualquer um pode fazer o
meu trabalho com uma cmera digital! (frase dita por um fotojornalista amigo).
Invade tambm os meios acadmicos, pois se ainda no h consenso
sobre a fotografia analgica (veja captulo 8), o que pensar da invaso da
fotografia digital nos meios amadores e nas rotinas profissionais e artsticas?
No ano de 2003, o professor e pesquisador de fotografia e cinema
Philippe Dubois, bastante conhecido nos meios acadmicos por seu livro O Ato
Fotogrfico, esteve no Brasil. Por ocasio das comemoraes dos trinta anos
do CPDOC-FGV (Centro de Pesquisa e Documentao de Histria
Contempornea do Brasil Fundao Getlio Vargas), Dubois foi entrevistado
para a revista Estudos Histricos pelas pesquisadoras Marieta de Moraes
Ferreira e Mnica Almeida Kornis. Em determinado momento do dilogo lhe
perguntado o que pensava sobre as imagens digitais. Sua resposta foi
contundente:
A imagem eletrnica no um objeto terico, no um objeto cujo pensamento se possa expressar. Para mim, aquela imagem no tem um pensamento, como existe um pensamento do cinema, da fotografia, da pintura; no existe um pensamento da imagem eletrnica. Tentando compreender esse pensamento, a cada vez eu chegava mesma concluso: isto no existe, essa imagem no tem um pensamento. ( DUBOIS, 2004, p.150)
Podemos ignorar o impacto da imagem digital nos meios de
comunicao, no cinema e televiso, nos laboratrios de pesquisa cientfica, na
medicina diagnstica, no fotojornalismo, nas artes de vanguardas, arquivos,
bibliotecas, redes sociais, e no cotidiano das imagens fotogrficas amadoras,
entre tantas outras aplicaes aqui no citadas?
Esta tese tem como objetivo demonstrar que a fotografia digital, como
imagem, no um nada. Ela tem pensamento, corpo (mesmo que virtual) e
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alma. preciso definir e diferenciar as formas antigas (analgicas) e novas
(digitais) do fazer fotogrfico para que se possa entender melhor esse
dispositivo de criar imagens eletrnicas.
Nesta perspectiva, a histria nos indica que revolues cientficas so
recorrentes e tem uma estrutura semelhante de desenvolvimento, originando-
se na insatisfao com uma teoria ou paradigma,que e substitudo com a
inveno de um novo paradigma que passa a ser visto como cincia normal
at que outra gerao de pesquisadores o questione (BURKE, 2003, p.16).
Podemos considerar o surgimento da fotografia analgica, no sculo XIX, e da
tecnologia fotogrfica digital em meados do sculo XX como momentos de
transio de paradigmas que podem ser estudados sob a tica de diversos
saberes, desde a Comunicao e as Artes at na Economia, Histria, ou nas
Cincias duras (Hard Sciences).
No entanto, consideramos a Cincia da Informao o locus ideal para
estudar as caractersticas extrnsecas e intrnsecas da fotografia digital, sua
transformao em paradigma vigente de criao de imagem do mundo, pois
por meio dos fundamentos da rea encontramos as ferramentas necessrias
para a conceitualizao aqui proposta.
Na interdisciplinaridade, fundamento da Cincia da Informao,
transitamos por diversos conhecimentos para identificar os diversos aspectos e
vises da fotografia digital. Estudando o emprego da imagem digital fotogrfica
em campos como a Astronomia, Economia, Arte, entre outras, percebemos que
no podemos considera-la como uma, assim como Capurro considera as
dificuldades oriundas da busca de uma definio universalmente aceita do
termo informao em seu conhecido Trilema (2010), podemos adapt-lo,
resumidamente, para a fotografia digital:
1. 1 - A univocidade (do ingls univocity) informao com o mesmo
significado em todos os nveis [e reas do conhecimento], o que
pode causar a perda de todas as diferenas qualitativas: no caso
da fotografia em geral, e da fotografia digital em particular, no
podemos considerar todas as formas de utilizao iguais, com o
mesmo significado nas diversas reas em que so empregadas,
citamos como exemplo a utilizao da fotografia nas pesquisas
Astrofsicas, nas investigaes forenses ou nos usos domsticos,
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todas so tcnicas fotogrficas, mas o resultado, o significado e a
mensagem so completamente diferentes. Nesta tese optamos
por estudar trs eixos: as fotografias na cincia, na arte e nos
usos domsticos;
2. A analogia (do ingls analogy) informao como algo similar,
quando se deve definir qual o significado original, este dilema
implicaria na dificuldade em identificar o conceito bsico ou
primrio ao qual as analogias se referem. Na fotografia digital,
considerar todas as imagens como iguais, sem termos
conhecimento de como foram produzidas e qual o seu propsito,
criam analogias foradas, igualando conhecimentos que precisam
ser contextualizados e, principalmente, presumindo que qualquer
imagem de origem digital igual.
3. A equivocidade (do ingls equivocity) informao como algo
diferente. Este dilema implicaria em enganos, uma vez que os
conceitos so diferentes. A consequncia em considerar toda foto
como a mesma coisa gera o equvoco, aqui evitado,
categorizando a imagem a que estamos nos referindo, cincia ou
arte; amadora ou domstica.
A fotografia, de forma geral, e a fotografia digital em destaque, so
documentos e informao. Sobre tal enunciado no h questionamento. Mas a
definio do que seja documento e informao pea importante para avanar
na anlise da fotografia como smbolo e mensagem, e na Cincia da
Informao encontramos as ferramentas tericas para empreender esta
definio.
Fotografias analgica e digital no so iguais na forma, nem na
concepo, mas so iguais no dispositivo e no propsito de registro. H
desconhecimento das diferenas e semelhanas dos dois meios de representar
imagens, entre o pblico leigo. Esta confuso conceitual se deve aos ainda
escassos estudos sobre ambas as representaes, na qual, devido aos
mesmos usos, assume-se uma postura de continuidade. No entanto, novos
desafios so postos na Cincia da informao: como representar, arquivar e
preservar as imagens digitais.
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4 A inconsistncia conceitual entre a fotografia analgica e digital
decorrente de trs fenmenos: o dispositivo analgico e o digital de captura de
imagem so semelhantes, a caixa preta persiste na tecnologia digital; a
nomenclatura da fotografia foi adotada tambm para a captura digital,
provocando a indefinio dos termos; e o questionamento do regime de
verdade que permeia ambas as formas de representao visual do mundo,
seus graus de indicialidade e iconicidade1.
As fotografias analgica e digital podem ser estudadas em seus
aspectos tecnolgicos, senso estrito, ou como modalidades de imagem, senso
largo. Esta pesquisa prope estudar ambas as formas da representao visual
nos seus aspectos tecnolgicos, bem como nos seus aspectos como imagem,
isto , como formas de representao que abarcam os diversos componentes:
histrico, documental, informacional, perceptual, cientfico e artstico.
A primeira dificuldade em se comear a escrever sobre fotografia
especificar o que fotografia. Desde o comeo, na primeira metade do sculo
XIX, o surgimento da fotografia se configurou como um invento de vrios
inventores, diversos nomes e utilidades indefinidas, em locais dispersos por
toda a Europa e reflexos no novo continente como, por exemplo, Brasil.
Apesar disso, existem pontos essenciais que tornam tais invenes
semelhantes ao que costumamos chamar fotografia: a utilizao da cmara
escura e a propriedade de determinados elementos qumicos de reagir ao
contado com a luz.
Desde 1839, data convencionada como o momento da inveno da
fotografia, os usos se diversificam e estendem para diversas classes sociais:
dos laboratrios, observatrios espaciais, gabinetes de pesquisa criminal,
estdios suntuosos ou fotgrafos de praa, ateli do artista, a dificuldade em
constituir um conceito de fotografia cresce com sua evoluo. preciso estar a
todo o momento pontuando qual tipo de fotografia estamos nos referindo. Mas,
a despeito do propsito e da sofisticao, ou no, das tecnologias, o dispositivo
fotogrfico, a cmera, funciona da mesma forma: numa caixa totalmente
1 O conceito de cone, ndice e Smbolo, aqui estudado, baseado na teoria de Charles Sanders Peirce. PEIRCE, C.S. Collected Papers. v. 2. Cap. 3, p. 275: A mais fundamental diviso de signos em cones, ndices e Smbolos.
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vedada, por um pequeno orifcio, a luz entra e refletida no lado oposto com
parmetros invertidos.
Podemos dizer, como primeiro fenmeno, o ponto de convergncia
necessrio para definir e conceituar fotografia analgica e digital: ambas tm
como componente necessrio do dispositivo - o PRINCPIO DA CMARA
OBSCURA -, a primeira a captura da imagem se faz por meio do PROCESSO
FOTOQUMICO com cristais de prata, e na segunda o processo de captura se
faz por meio do PROCESSO FOTOELTRICO que transforma estmulos
luminosos em linguagem computacional (bits). Mas esta uma questo
tecnolgica e as definies de fotografias, analgicas ou digitais, a
transcendem, caso contrrio seriam restritivas, reducionistas.
O fotgrafo utiliza a cmera fotogrfica, analgica ou digital, para
produzir uma imagem com propsitos diversificados, propsitos para o
conhecimento, para a informao, para vender algo, evocar memrias e
sentimentos, provar um crime, provar um fato. Todos os propsitos, so
diferentes mas tem uma caracterstica em comum: so imagens do tipo
fotogrfico. Segundo o ponto de convergncia definidor e conceitual, no
importa o propsito, todas as prticas de criao que utilizam a cmera
fotogrfica, analgica ou digital, produzem IMAGENS FOTOGRFICAS.
Em meados do sculo XX, movido pelo advento da tecnologia digital e
do desenvolvimento de computadores cada vez mais sofisticados, surge uma
nova forma de criar imagens por meio de programas computacionais, a
princpio pouco sofisticados, mas aos poucos se tornaram cada vez mais
realistas. No entanto, imagem digital a mesma coisa que imagem fotogrfica
digital?
Sim e no. Os programas, algoritmos, podem ser os mesmos ou
semelhantes, mas aquele primeiro ponto de convergncia com a fotografia se
faz presente: a cmera obscura.
O segundo fenmeno diz respeito nomenclatura. A prpria palavra
fotografia, que pela sua gnese deveria se referir apenas tcnica
fsico/qumica de captura de imagem (tcnica denominada analgica),
usualmente utilizada para nomear o processo foto/eletrnico de captura
(tcnica denominada digital). Segundo Andr Rouill (2009, p.16), [...]
preciso observar que, de maneira alguma, a denominao imprpria fotografia
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digital um derivado digital da fotografia. Uma ruptura radical os separa: a
diferena entre elas no est no grau, mas na natureza.
Consideradas pelo senso comum como formas semelhantes de
representao visual, a fotografia analgica e a fotografia digital no so a
mesma coisa no que diz respeito tcnica de arquivar e imprimir a imagem, o
estmulo foto/eletrnico da captura digital e arquivado num hard disk no
corresponde ao processo foto/qumico do cristal de prata, exposto luz e
fixado numa base slida: pelcula de celuloide ou papel.
Sob um olhar estritamente tcnico, fotografia analgica em nada se
assemelha a uma fotografia digital. Os cristais de prata so dispostos na
pelcula do filme ou da imagem revelada de forma catica, quando a luz
provoca uma reao nesses cristais, a imagem se forma desta maneira: sem
uma ordem definida. No digital, as clulas fotoeltricas, quando em contato
com a luz so acionadas e transformam essa luz em impulso eltrico. Tais
clulas so dispostas no sistema computacional de forma organizada,
ordenada.
Mas o primeiro ponto de convergncia tambm se faz presente na
captura digital, uma parte importante do dispositivo fotogrfico (analgico) est
indefectivelmente presente: a CMERA. o dispositivo da cmera escura que
criou e disseminou a ideia e a nomeao da fotografia digital. A mesma caixa
preta em cujo orifcio entra a luz refletida das coisas do mundo, estimula os
cristais de prata ou os sensores fotoeltricos. Por isso, consideramos a
utilizao da nomenclatura fotografia digital, nesta pesquisa, como a mais
adequada. Evitando termos tcnicos pouco conhecidos do tipo captura digital
por estmulo fotoeltrico (Internet).
A cmera tem tambm um importante papel na diferenciao,
necessria, entre a imagem essencialmente digital, completamente criada em
um computador e por programas sofisticados e aquela capturada do real por
um dispositivo milenar. Como veremos adiante, a despeito dos crticos
saudosistas da fotografia analgica, podemos falar de uma fotografia digital.
Sobre o terceiro fenmeno citado no h convergncia. Na imagem
fotogrfica digital, a desconfiana na manipulao via software e a ausncia de
um suporte concreto, pelcula ou papel, dificulta uma definio conceitual
precisa. A situao paradoxal: nunca se produziu tanta imagem fotogrfica
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digital, seja via dispositivos cada vez mais sofisticados de captura cientfica,
publicitria e jornalstica, seja no barateamento das cmeras amadoras ou na
sofisticao dos dispositivos acoplados aos celulares, mas por seus aspectos
conceituais ainda no uma certeza.
Nas dcadas de 1970 e 1980 muito se escreveu sobre a fotografia
analgica nos seus atributos filosficos, semiticos e artsticos. Sobre a
fotografia digital ainda no temos uma produo terica numerosa, nesses
termos.
Na Cincia da Informao, os escritos sobre a fotografia digital se
concentram nos desafios de organizar, arquivar e preservar essas imagens.
Quando na minha dissertao de mestrado intitulada O olhar
fotogrfico: percepes filosficas, informacionais e documentais (2009)
estudei os aspectos informacionais da imagem fotogrfica, adotei como base
terica o pensamento de Charles Sanders Peirce, nas abordagens de Krauss,
Dubois e Barthes, e analisei a questo da percepo em Ludwig Wittgenstein.
No entanto, ao dar continuidade e aprofundar essas questes percebo, hoje,
uma contradio ao adotar a teoria da imagem fotogrfica como INDICIRIA,
nos preceitos de Peirce. Considerar a fotografia como totalmente indiciria
seria voltar s abordagens positivistas do sculo XIX, na qual as imagens
fotogrficas so o reflexo direto da natureza, ignorando as subjetividades
inerentes imagem como suporte bidimensional, objeto perceptual que
depende de jogos de linguagem para serem entendidas, desqualificando o
papel do fotgrafo e sua interveno subjetiva.
Da mesma forma que o estatuto de veracidade da imagem digital
questionado, e as diferenas no so ainda claras entre o analgico e o digital,
questes discutidas nesta tese, ser possvel perceber diferenas entre a
imagem analgica e digital? Aqui no estamos pensando em gestos relativos
ao equipamento, e sim em questes mais profundas de percepo e autoria, no
domnio do resultado e conscincia do valor da imagem produzida.
O captulo 1 corresponde a este captulo introdutrio, o segundo,
corresponde aos objetivos e ao percurso metodolgico aqui empreendido.
No captulo 3, abordamos o conceito de documento e informao no
mbito da Cincia da Informao, como arcabouo terico para a definio dos
aspectos documentais e informacionais da fotografia digital.
-
8 No captulo 4, numa abordagem histrica, pontuamos os momentos
decisivos para criar o conceito de fotografia desde a sua inveno, em 1839, e
como ainda a conhecemos hoje, na sua nomenclatura, e seus usos
domsticos, no consumo e na arte.
Estudamos historicamente a fotografia digital, no captulo 5 , dando
nfase aos aspectos tcnicos do dispositivo, artsticos e os usos domsticos da
imagem digital fotogrfica.
No captulo 6, a abordagem histrica concentra-se no estatuto da
fotografia cientfica como prova de fenmenos observados nos diversos
conhecimentos e como prova cientfica - o surgimento do arquivo fotogrfico e
seus atributos documentrios, do analgico ao digital.
Retomamos as questes estudadas na dissertao, no captulo 7,
ampliando a anlise da percepo visual na abordagem de Ludwig
Wittgenstein, desta vez com novas leituras, em destaque a questo das cores e
da arte. Enfocamos tambm o texto de Martin Heidegger sobre a origem a obra
de arte.
No captulo 8, denominado paradigma da objetividade, sob a perspectiva
dos conceitos semiticos de Charles S. Peirce, a caracterstica bsica da
fotografia analisada, em relao ao seu referente, num estudo histrico,
buscando a origem desta abordagem e seus problemas conceituais.
Por fim, retomamos a questo da informao e documento no campo da
Cincia da Informao para definir a fotografia analgica e, principalmente,
digital como documento e informao constituindo, assim, um conceito de
fotografia digital que seja vlido para futuras pesquisas na rea e em outros
campos do saber.
-
9
2 Objetivos e traados metodolgicos
Apresentamos aqui nossos objetivos e percursos metodolgicos que
norteiam esta pesquisa de cunho terico/conceitual.
2.1 Objetivos
O principal objetivo desta tese desenvolver um conceito que diferencie
a imagem fotogrfica analgica da imagem fotogrfica digital, tendo por
fundamento terico, documental e informacional os conceitos de documento e
informao na Cincia da Informao para formulao do conceito de
FOTOGRAFIA DIGITAL.
Os objetivos especficos so:
1. Analisar os processos de criao de imagem capturada por estmulo
fotoqumico (fotografia analgica) e a imagem capturada por
estmulo fotoeltrico (fotografia digital);
2. Analisar teoricamente as caractersticas da imagem analgica e da
imagem digital, identificando seus atributos intrnsecos e extrnsecos
e seus diferenciais bsicos;
3. Analisar os aspectos documentais e informativos da fotografia na
cincia e na arte.
2.2 Traados Metodolgicos
Esta pesquisa terico-conceitual aborda, conforme ressaltado, duas
categorias distintas de imagem: a fotogrfica analgica e a fotogrfica digital. A
primeira surgiu em meados do sculo XIX como uma tcnica fotoqumica de
captura de imagem por meio da caixa preta (cmera). A segunda imagem
surgiu por dupla derivao: da evoluo da primeira e dos avanos da
tecnologia informtica, numa forma de captura que transforma os estmulos
luminosos em estmulos eltricos e, posteriormente, em linguagem
computacional.
No campo da Cincia da Informao buscamos nas leituras dos
principais autores que escreveram sobre informao e documento,
-
10
fundamentos para estabelecermos de que forma a fotografia analgica e,
posteriormente, digital se configuram como objetos de pesquisa na rea.
Destacamos o trabalho de Paul Otlet (1934) e Suzanne Briet (1951), pois na
literatura clssica da documentao foram os primeiros a abordar a fotografia
como documento.
Usamos como aporte a discusso de Minayo (2002, p. 20) para as
mltiplas abordagens em pesquisa qualitativa, considerando que todo
processo de construo terica ao mesmo tempo uma dialtica de
subjetivao e de objetivao. Tomando como base conceitos de
hermenutica e dialtica para discorrer sobre a compreenso do caminho do
pensamento social. Embora articulada originalmente para as questes da rea
da sade podemos adotar este referencial possibilita discusses em outras
reas, principalmente das Cincias Sociais. (MINAYO, 2002, p. 98).
Tendo esse quadro em mente foram selecionados os autores entre os
mais conhecidos e citados que apresentam importante contribuio terica no
campo e que podemos chamar os clssicos da Histria da Fotografia e da Arte
e da Teoria e tcnica Fotogrfica.
Por meio dessa literatura, buscamos estabelecer as semelhanas e os
diferenciais das abordagens configurando se como um mtodo diacrnico, no
buscando a compreenso numa narrativa linear e evolutiva dos conceitos
envolvidos, e sim a compreenso dos momentos de ruptura e emergncia dos
discursos e conceitos relacionados fotografia analgica e digital. Tal
procedimento se coaduna com o mtodo arqueolgico de Michel Foucault no,
qual busca definir no os pensamentos, as representaes, as imagens, os
temas, as obsesses que se ocultam ou se manifestam nos discursos, mas os
prprios discursos, enquanto prticas que obedecem as regras. (FOUCAULT,
2007, p.157)
Se no senso comum se acredita estar tirando uma foto com cmeras
digitais, do mesmo modo que faziam h dez ou quinze anos atrs, com as
cmeras analgicas, porque muitas das prticas do antigo meio de
representao visual permanecem na representao digital capturada. Por
outro lado, novas prticas somam-se ao processo de tirar uma foto, como a
manipulao pelo computador e o compartilhamento das imagens via redes
sociais.
-
11 No movimento comparativo, categorias, definies, prticas e aes dos
dois modos de representao visual so confrontadas para a busca de
diferenas e semelhanas, para esclarecer as incompreenses da imagem
fotogrfica digital, movimento diacrnico entre os dois momentos fundadores
de ambas as representaes: o advento da fotografia em meados do sculo
XIX e o desenvolvimento da imagem capturada digital no incio dos anos 1990.
A ideia de momentos fundadores foi desenvolvida por Foucault em seu
livro A arqueologia do saber:
Uma descoberta no menos regular, do ponto de vista enunciativo, do que o texto que a repete e a difunde: a regularidade no menos operante, nem menos eficaz e ativa em uma banalidade do que em uma formao inslita. Em tal descrio, no se pode admitir uma diferena de natureza entre enunciados criadores (que fazem aparecer alguma coisa nova, que emitem uma informao indita e que so, de certa forma, ativos) e enunciados imitativos (que recebem e repetem a informao, permanecem por assim dizer passivos). (FOUCAULT, 2007, p. 163)
Nesta pesquisa terica, adotamos tambm os conceitos de jogos de
linguagem de Ludwig Wittgenstein como mtodo para alcanar os objetivos.
Por muito tempo, desde a sua origem, a fotografia vem sendo pensada e
estudada como uma imagem ou um conhecimento objetivo. A tcnica de
captura da imagem emanada pela luz em cristais de prata ou sensores foto
eltricos ainda percebida pelo senso comum como registro objetivo da
realidade: As fotografias no mentem.
Wittgenstein procura refutar a noo de que para cada palavra h uma
essncia. Segundo seu pensamento, todo o processo de compreenso das
palavras est associado ao que denominou de jogos de linguagem
(sprachspiel), prticas onde o emissor enuncia as palavras e o receptor age de
acordo com elas (WITTGENSTEIN, 1984, p. 12). Este conceito utilizado a
partir de sua segunda fase, na qual estende a analogia do jogo linguagem.
(GUERRA, 2010, p. 274)
Os jogos de linguagem de Wittgenstein nos ajudam a no cair nessa
presuno de objetividade que pode ser interpretada como uma forma
essencialista de pensar essas imagens. Fotografias no so a essncia daquilo
que foi fotografado, so jogos de linguagem nas quais as peas e participantes
-
12
desse jogo podem ser estabelecidos desde a tomada, da captura, at a
revelao ou o envio da imagens para as redes sociais.
Na dissertao de mestrado da autora desta tese, foi abordada a
percepo visual como jogos de linguagem, baseados em exemplos da
fotografia. Aqui os conceitos de Wittgenstein nos ajudam a buscar
compreenso das imagens e de seus processos de criao e recepo sem
entrarmos no perigoso terreno de considerar que essas imagens tem uma
essncia, num aprofundamento da anlise e discusso empreendidas na
dissertao.
Dessa forma pretendemos contribuir para a constituio de maior
compreenso sobre o conceito da fotografia digital e sua interface com a
cincia em geral, e mais especificamente a Cincia da Informao.
-
13
3 Fotografia e Cincia da Informao
Neste captulo abordamos a fotografia, de forma generalizada
abrangendo tanto a sua forma analgica quanto digital, sob o ponto de vista da
Cincia da Informao nos seus dois conceitos centrais na reflexo
epistemolgica e conceitual: o documento e a informao. Fazemos tambm
um balano do que foi produzido cientificamente no Brasil sobre fotografia no
mbito da Cincia da Informao.
Estes dois conceitos so importantes para o estudo da fotografia, se
levarmos em considerao seus dois aspectos: fsico, como suporte analgico
(papel, filme negativo ou diapositivo, microfilme, placa de vidro etc.) ou digital
(bitmap, cadeia de bits em diversos formatos), a fotografia documento; e
representao imagtica, seu contedo, a imagem fotogrfica informao.
3.1 Do documento ao documento fotogrfico
A palavra documento presena constante nos textos tericos e
histricos sobre fotografia (analgica ou digital) devido ao seu alegado carter
objetivo. Esta questo ser aprofundada no captulo 8.
No entanto, os tericos da fotografia nem sempre definem claramente o
que consideram documento e quando o fazem sob a tica do senso comum,
sem conceitu-lo como em reas especializadas, por exemplo Arquivologia ou
Cincia da Informao. Podemos citar como exemplo o artigo de Allan Sekula
(1986), The body and the archive, e o livro de Andr Rouill (2009), A
fotografia, entre documento e arte contempornea. Estes textos sero
estudados no decorrer da tese.
Este carter objetivo, como espelho do real, que acompanha a fotografia
desde a sua inveno, confere uma presuno documental tambm ancestral.
Nos jornais e sales de exposio era discutido se a fotografia era arte ou no,
mas nunca se duvidou que ela fosse documento, como ser discutido no
captulo 6.
No entanto, preciso definir aqui, no mbito da Cincia da Informao, o
que documento e se a fotografia se insere neste mbito.
-
14 Para Rondinelli (2011, p.26), a questo para definir documento
conceitual e antecede a problemtica digital, preciso um olhar apurado sobre
o conceito de documento:
Afinal, o que vem a ser um documento? A pergunta se torna ainda mais instigante quando apresentada a partir do contexto da tecnologia digital. Isto porque a ntida fisicalidade dos documentos foi substituda por dgitos binrios, invisveis aos olhos humanos, fixados em bases magnticas e ticas; a leitura, antes direta, passou a ser indireta, isto , dependente de hardware e software; a visualizao simultnea de suporte e informao deixou de existir e, como se no bastasse, h as bases de dados e os hipertextos, ou seja, documentos aparentemente ilimitados. A pergunta ento : so documentos? (RONDINELLI, 2011, p.26)
Na definio etimolgica, documento deriva do latim docere, que
significa ensino, e do grego endeigma, prova, testemunho. Semanticamente,
documento tem o sentido de doutrina, ensino, diploma ou testemunho
(RONDINELLI, 2011, p.30).
Segundo Le Goff (1992, p.536), na Idade Mdia, o termo latino
documentun evoluiu para o significado de prova e amplamente utilizado no
vocabulrio legislativo. O sentido moderno de testemunho histrico s viria no
incio do sculo XIX, com os movimentos intelectuais positivistas e historicistas.
No mbito da histria, o sculo XX considerado o ponto de evoluo
do conceito de documento. Em 1939, com a fundao da revista Annales
d'Histoire Sociale (depois denominada Annales dhistoire conomique et
sociale e atualmente se chama Annales. conomies, Socits, Civilisations).
Seus fundadores, Marc Bloch e Lucien Febvre, pretendiam romper com a
histria oficial, historicista, propondo uma nova forma de se fazer histria, no
mais voltada para abordagens oficiais e histria de grandes personagens. Sua
grande premissa era que toda atividade humana histria e, portanto, a
pesquisa no deveria se basear apenas em documentos oficiais.
Bloch afirma:
Seria uma grande iluso imaginar que a cada problema histrico corresponde um tipo nico de documentos, especializado para esse uso [...] Que historiador das religies se contentaria em consultar os tratados de teologia ou as recolhas de hinos? Ele sabe bem que sobre as crenas e as sensibilidades mortas, as imagens pintadas ou esculpidas nas paredes dos santurios, a disposio e o mobilirio das
-
15
tumbas, tm pelo menos tanto para lhe dizer quanto muitos
escritos. (BLOCH apud LE GOFF, 1992, p.540)
A Histria contribui para a ampliao da definio de documento, assim
como os documentalistas Paul Otlet, em seu livro Trait de documentation
(1934), e Suzanne Briet autora de Qu'est-ce que la documentation? (1951), que
sero estudados no captulo 9.
No mbito da Arquivologia, a definio de documento est muito ligada
ao arquivo como rgo pblico e o documento como oficial. Segundo
Schellenberg (2006, p.66), o volume de documentos oficiais produzidos num
pas tambm determinado pela maneira como os rgos do governo os
empregam em suas atividades.
Numa abordagem mais atualizada, Duranti (apud RONDINELLI, 2011,
p.50) recorre diplomtica para definir o documento escrito: [...] evidncia
produzida num suporte (papel, fita magntica, disco, placa, etc.) por meio de
um instrumento de escrita (caneta, lpis, mquina de escrever, etc.) ou de um
aparato para fixao de dados, imagens e/ou vozes.
Ainda na perspectiva da Arquivologia, mas ampliando ainda mais as
perspectivas da definio, Heredia Herrera afirma:
Documento em um sentido muito amplo e genrico todo registro de informao independentemente de seu suporte fsico. Abarca tudo o que pode transmitir o conhecimento humano: livros, revistas, fotografias, filmes, microfilmes [...], mapas [...], fitas gravadas, discos, partituras [...], selos, medalhas, quadros [...] e de maneira geral tudo o que tenha um carter representativo nas trs dimenses e que esteja submetido interveno de uma inteligncia ordenadora.
(HEREDIA HERRERA apud RONDIINELLI, 2011, p.47)
De acordo com a reflexo de Buckland (1991, p. 355) de Informao-
como-Coisa, a coisificao do conceito de informao interfere na prpria
noo de documento, pois aqui que informao-como-coisa se consolida. No
entanto, o autor no se fixa em documentos escritos, considerando como
documento uma ampla lista de objetos e at eventos e pessoas, o que importa
o potencial informativo:
Alguns objetos informativos, tais como pessoas e edifcios histricos, simplesmente no se prestam para ser coletados, armazenados ou recuperados. Mas a transferncia fsica para uma coleo no sempre necessria para acesso contnuo. Referncias e objetos nas locaes em que se encontram
-
16
criam, com efeito, uma coleo virtual. Pode-se tambm criar uma descrio ou representao deles: um filme, uma fotografia [...] uma descrio escrita. O que ento se coleta um documento descrevendo ou representando a pessoa, o edifcio, ou outro objeto (BUCKLAND, 1991, p.356).
Outro importante autor de Cincia da Informao discute a natureza da
informao por meio das caractersticas intrnsecas do documento, numa
abordagem filosfica. Essa abordagem defendida por Frohmann visa a
transformar o documento em informao viva (living information), buscando a
informatividade do documento como ato mental de projetar seus signos em
sua significao:
Quando a informatividade de um documento visto como o contedo presente na mente, um estado de compreenso, ento, usos informativos ganham a estabilidade que precisam para serem contados, tabulados e processados por mtodos estatsticos. (FROHMANN, 2004, p.393).
A informatividade do documento um processo mental, filosfico, de
interpretao. No entanto, preciso seguir certas prticas documentrias para
ser transformado em informao viva:
1. Documentos existem em alguma forma material; sua
materialidade configura suas prticas;
2. As propriedades das prticas documentrias esto profundamente
embutidas nas instituies;
3. Prticas documentrias uma disciplina com propriedades
sociais; requerem tratamento, ensino, correo e outras medidas
disciplinares;
4. Prticas tm historicidade; surgem, se desenvolvem, declinam e
desaparecem por circunstncias histricas (FROHMANN, 2004,
p.396-397).
Das trs prticas aqui citadas, a primeira sobre a materialidade do
documento, traz desafios para os novos tempos digitais e, em especial, para a
fotografia digital.
No decorrer do desenvolvimento desta tese, retornaremos questo
documental da fotografia e, principalmente, dos desafios da fotografia digital
como documento. Acreditamos que a imagem fotogrfica, na definio de
Frohmann, informao viva de tipo especial, pois o olhar, a percepo visual,
-
17
suscitam reaes e sentimentos que, por vezes, no podemos transpor no
discurso cientfico, arte, poesia ou dor.
3.2 Da Informao a informao na fotografia
A dificuldade de definir informao est no seu carter polissmico e
flutuante. Polissmico porque existem diferentes definies do termo e
flutuante porque em cada rea de conhecimento adquire diferentes facetas.
Floridi afirma:
Informao notoriamente um fenmeno polimorfo e um conceito polissmico que, como um explicandum, ele pode ser associado a diversas explicaes, dependendo do nvel de abstrao adotado e do grupo de requerimentos e desideratos
que orientam a teoria. (FLORIDI, 2009, p.13)
Para Wersig e Nevelling (1975) a informao no uma certeza: sendo
um termo inevitvel, mas marcado por ambiguidade e polissemia, preciso
deixar claro, a todo instante, o que significa.
No contexto brasileiro, Pinheiro (2004) afirma que: Todos os campos do
conhecimento alimentam-se de informao, mas poucos so aqueles que a
tomam por objeto de estudo e este o caso da Cincia da informao.
Na Cincia da Informao estudamos a informao sob diversos
aspectos e abordagens, para alm da documentao e da biblioteconomia:
(...) de fato, a informao de que trata a CI, tanto pode estar num dilogo entre cientistas, em comunicao informal, numa inovao para indstria, em patente, numa fotografia ou objeto, no registro magntico de uma base de dados ou em biblioteca virtual ou repositrio, na Internet (PINHEIRO, 2004).
Diante da dificuldade de definir o conceito de informao, Buckland
(1991, p. 351), baseando-se em definies lxicas, desenvolve trs formas de
informao:
1. Informao-como-processo: Quando algum informado, aquilo que
conhece modificado. Nesse sentido informao o ato de informar
[...]; comunicao do conhecimento ou novidade de algum fato ou
ocorrncia; a ao de falar ou o fato de ter falado sobre alguma coisa;
2. Informao-como conhecimento: Informao tambm usado para
denotar aquilo que percebido na informao-como-processo: o
conhecimento comunicado referente a algum fato particular, assunto,
ou evento; aquilo que transmitido, inteligncia, noticias. A noo de
-
18
que informao aquela que reduz a incerteza poderia ser entendida
como um caso especial de informao-como conhecimento. s vezes
informao aumenta a incerteza.
3. Informao-como-coisa: O termo informao tambm atribudo
para objetos, assim como dados para documentos, que so
considerados como informao, porque so relacionados como sendo
informativos, sendo a qualidade de conhecimento comunicado ou
comunicao, informao, algo informativo.
Sua terceira definio, informao-como-coisa, foi criticada por tornar a
informao como qualquer expresso, descrio ou representao. S assim
seria possvel comunic-la, express-la, descrev-la ou represent-la de
alguma maneira fsica, como um sinal, texto ou comunicao. (BUCKLAND,
1991, p. 352)
Seguindo a estrutura do que tangvel e intangvel, Buckland
desenvolve o conceito dos quatro aspectos da informao, conforme
apresentado no Quadro 1.
Quadro 1. Quatro aspectos da Informao. Intangvel Tangvel
Entidade 2 - Informao-como-conhecimento Conhecimento
3 - Informao-como-coisa Dado, documento
Processo 1 - Informao-como-processo Tornar-se informado
4 Processamentos de Informao Processamento de dados
Fonte: BUCKLAND, 1991, p. 352
Diferentemente do conceito fsico de informao-como-coisa citamos a
definio de Belkin e Robertson (1976, p.198): Informao aquilo que
capaz de transformar estrutura.
Para construir esta definio de cunho estruturalista, os autores
desenvolveram a ideia de um espectro da informao, na qual criam uma
tipologia de informao e os tipos de informao objeto de estudo da Cincia
da Informao. (Quadro 2)
-
19
Quadro 2 - O espectro da Informao
Fonte: Baseado em Belkin e Robertson (1976, p. 198)
Diante das categorias de informao em seu espectro, Belkin e
Robertson explicam como se d a transformao de estruturas. Partindo do
organismo (informao infra-cognitiva) para o mundo (informao meta-
cognitiva), o espectro estrutura as etapas ao pressupor a importncia do texto e
a figura do emissor. Os dois conceitos bsicos da Cincia da Informao so:
O texto coleo de sinais propositalmente estruturada por um emissor
com inteno de mudar a imagem-estrutura de um receptor;
A informao estrutura de qualquer texto que capaz de mudar a
imagem-estrutura de um receptor. (BELKIN; ROBERTSON, 1976,
p.201)
Tericos da CI, Capurro e Hjrland, utilizam a teoria da significao de
Wittgenstein para explicar a polissemia do termo informao e,
consequentemente, a impossibilidade de definir como algo fsico, como sugere
Buckland ou buscar a transformao de estrutura na mente do receptor, sem
levar em considerao fatores subjetivos, como em Belkin e Robertson. Para
os autores:
O uso ordinrio de um termo como informao pode ter significados diferentes de sua definio formal, significando que vises tericas conflitantes podem surgir entre as definies cientficas explcitas e as definies implcitas de uso comum. Em funo disto, devemos no apenas comparar diferentes definies formais, mas tambm considerar o significado de uma palavra como informao, tal como usada em relao a outros termos, por exemplo, a busca de informao, sistemas de informao e servios de informao (CAPURRO; HJORLAND, 2007, p.151).
hereditariedade
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infra-cognitivo incerteza
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Icognitivo individual formao de conceito individualcomunicao inter-humana
cognitivo social estruturas conceituais sociais
meta-cognitivo conhecimento formalizadocresi
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-
20 A informao contida na fotografia se torna visvel na comunicao.
Imagens fotogrficas so expostas em revistas e jornais, em galerias de arte ou
na rede virtual das diversas comunidades da Internet. A comunicao o
conceito que interliga informao, fotografia e Cincia da Informao.
Segundo Capurro e Hjrland:
Quando usamos o termo informao em CI, deveramos ter sempre em mente que informao o que informativo para uma determinada pessoa. O que informativo depende das necessidades interpretativas e habilidades do indivduo (embora estas sejam frequentemente compartilhadas com membros de uma mesma comunidade de discurso).
CAPURRO, HJRLAND, 2007, p.154)
Em sua proposta de nova abordagem da Cincia da Informao Capurro
(2010) sugere um novo conceito derivado do grego angellein e angelia, definido
por angeltica: [...] designa, ao contrrio angelologia, o estudo do fenmeno
das mensagens e mensageiros, independentemente de sua origem divina, ou
melhor, estuda esse fenmeno dentro dos limites da condio humana.
Para Capurro e Hjorland:
Informar (aos outros ou a si mesmo) significa selecionar e avaliar. Este conceito particularmente relevante no campo do jornalismo ou da mdia de massa, mas, obviamente, tambm em CI. [...] O conceito moderno de informao como comunicao de conhecimento, no est relacionado apenas viso secular de mensagens e mensageiros, mas inclui tambm uma viso moderna de conhecimento emprico compartilhado por uma comunidade (cientfica). A ps-modernidade abre este conceito para todos os tipos de mensagens, particularmente na perspectiva de um ambiente digital (CAPURRO; HJORLAND, 2007, p.173).
A fotografia uma mensagem. Barthes (2000, p.326), descrevendo a
fotografia jornalstica, afirma que esta no uma estrutura isolada pois
comunica com outra estrutura, o texto, a legenda:
A totalidade da informao pois suportada por duas estruturas diferentes (das quais uma lingustica); essas duas estruturas so convergentes, mas como suas unidades so heterogneas, no podem se misturar; aqui (no texto) a substncia da mensagem constituda por palavras; ali (na fotografia), por linhas, superfcies, tonalidades. (BARTHES, 2000, p.326)
-
21 A mensagem fotogrfica para Barthes (2000, p.338) est ligada ao seu
complexo contedo como referente direto do objeto fotografado. Esta
presuno de objetividade criou, e ainda cria problemas dos quais o mais
comentado, e ainda vivo no senso comum, a objetividade da imagem
fotogrfica. preciso, a todo momento, especificar que tipo de mensagem a
fotografia .
O carter informativo da fotografia, analgica e digital, ser desenvolvido
com mais detalhes no captulo 9. Por enquanto, preciso afirmar que a
fotografia uma informao objeto da Cincia da Informao como tantos
outros conceitos e documentos.
3.3 A fotografia na Cincia da Informao
Num levantamento na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertaes (BDTD), na Rede de Bibliotecas do Instituto Brasileiro de
Informao em Cincia e Tecnologia (Ibict), por meio de seu catlogo
eletrnico, e na Scientific Electronic Library Online (SciELO), pesquisamos a
produo, no campo da Cincia da Informao, sobre os temas aqui
estudados: fotografia e imagem fotogrfica (analgicas e digitais). Nas duas
primeiras fontes, BDTD2 e Rede de Bibliotecas do Ibict, foi realizada busca das
teses dos programas de ps-graduao em Cincia da Informao sobre os
assuntos citados, que se encontram apresentadas no Quadro 3.
2 A Biblioteca Digital de Teses e Dissertaes um sistema no qual as instituies de ensino e pesquisa atuam como provedores de dados e o Ibict opera como agregador, coletando metadados de teses e dissertaes dos provedores, fornecendo servios de informao sobre esses metadados e expondo-os para coleta por outros provedores de servios, em especial pela Networked Digital Library of Theses and Dissertation (NDLTD) (IBICT, 2013).
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-
22
Quadro 3 - Teses sobre fotografia segundo ano, autor e instituio
Ano Autor Ttulo Instituio
2002 SILVA, Rubens
Gonalves
Digitalizao de acervos fotogrficos
pblicos e seus reflexos
institucionais e sociais: tecnologia e
conscincias no universo digital
IBICT/UFRJ/ECO
2002 MANINI, Mrian
Paula
Anlise documentria de fotografia:
um referencial de leitura de imagens
fotogrficas para fins documentrios
USP/ECA/ Dep. De
Biblioteconomia e
Documentao
2003 HOLLANDA,
Ricardo Silva
Estratgias e percepes
informacionais na produo de
imagens em fotografia documental
urbana
IBICT/UFRJ/ECO
2003 LOUREIRO,
Maria Lucia
Niemeyer
Matheus
Museus de arte no ciberespao:
uma abordagem conceitual
IBICT/UFRJ/ECO
2005 SANTOS, Nilton
Bahlis
A Cincia da Informao e o
paradigma hologrfico: a utopia de
Vannevar Bush
IBICT/UFRJ/ECO
2011 RODRIGUES,
Ricardo Crisafulli
Anlise e tematizao da imagem
fotogrfica: determinao,
delimitao e direcionamento dos
discursos da imagem fotogrfica
UNB/Faculdade de
Cincia da
Informao
importante ressaltar que existem teses sobre a temtica que no
foram inseridas nas bases de dados utilizadas como fonte de coleta.
A tese de Rubens Gonalves Silva (2002), Digitalizao de acervos
fotogrficos pblicos e seus reflexos institucionais e sociais: tecnologia e
Conscincias no Universo Digital, tem como objetivo analisar os projetos de
digitalizao de acervos fotogrficos de instituies pblicas e as
transformaes ocorridas nesse processo em relao instituio e aos seus
consulentes, gerando novas prticas e conceitos no universo digital. A
fotografia ento estudada como objeto deste processo, inserida em corporis
documentais. O ponto principal a mudana de conscincia.
Mirian Paula Manini (2002), em sua tese Anlise Documentria de
Fotografia: um referencial de leitura de imagens fotogrficas para fins
documentrios, utiliza a abordagem da representao documentria de acervos
institucionais, agncias e banco de fotografias, considerando a fotografia como
documento que demanda regras e mtodos especficos de indexao. A
-
23
abordagem nesse estudo a de recuperao da informao, no caso,
recuperao da imagem fotogrfica.
A tese de Ricardo de Hollanda (2003), Estratgias e percepes
informacionais na produo de imagens em fotografia documental urbana,
aborda a fotografia no seu aspecto exclusivamente documental, mas tendo
como enfoque a cidade, por meio de analogias existentes entre o modo de
produo de imagens desenvolvidas por fotgrafo documental urbano e
fotografias topogrficas. Diferente de outras pesquisas, tanto em dissertaes e
teses, como em textos tericos do tema, cujo foco a fotografia em si,
Hollanda focaliza seu estudo no fotgrafo, documentalista e urbano.
Em Museus de arte no ciberespao: uma abordagem conceitual, Maria
Lucia Niemeyer Matheus Loureiro (2003), efetua anlise conceitual de museus
de arte criados na World Wide Web (web museus), que no tm equivalncia
no espao fsico. A materialidade dos espaos e colees dos museus de arte,
bem como suas prticas, so enfatizadas nesta pesquisa. Aspectos das novas
tecnologias de redes digitais eletrnicas, sobretudo a Rede Internet e a World
Wide Web, so ressaltados, evidenciando-se suas potencialidades e efeitos de
mudana para os museus de arte, particularmente aqueles construdos e
mantidos na Internet. A fotografia participa com coadjuvante desta relao,
como representao das obras de arte exibidas em tais museus virtuais.
Em A Cincia da Informao e o Paradigma Hologrfico: a utopia de
Vannevar Bush, Nilton Bahlis dos Santos (2005) prope a criao de modelos
que permitam abordar a questo da informao em sistemas de grande
complexidade como a Internet partindo da teoria de Vannevar Bush. A
fotografia vista como estoque de informao baseada no seu carter objetivo,
no qual cada ponto da fotografia corresponde a cada ponto da representao.
A holografia, forma sofisticada de fotografia baseada na tridimensionalidade,
citada como forma de mltiplas representaes, dependentes do ponto de
vista.
A tese de Ricardo Crisafulli Rodrigues (2011), Anlise e Tematizao da
Imagem Fotogrfica: determinao, delimitao e direcionamento dos
discursos da imagem fotogrfica, aborda a fotografia no seu aspecto
exclusivamente documental por meio do discurso temtico e do processo
Digital Asset Management, DAM, (Administrao de Objetos Digitais). A
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fotografia o ponto central do estudo no seu aspecto temtico, na tradio da
recuperao de informao.
A pesquisa de Rodrigues (2011) um exemplo de como a fotografia
estudada no mbito da rea, ora como banco de dados de tipo especial no qual
preciso criar formas de representao e indexao especficos, ora como
exemplo para chegar ao ponto almejado, ora como mtodo. A proposta de criar
um conceito de fotografia digital , portanto, no escopo da Cincia da
Informao, uma questo nova.
No pretendemos uma abordagem conclusiva de todas as teses sobre
fotografia na Cincia da Informao que requer pesquisa mais aprofundada,
buscando nas bases de dados de cada programa de ps-graduao outras
teses, o que, no escopo desta pesquisa, no o objetivo principal. Entretanto,
complementando este levantamento buscamos na SciELO os mesmos termos
da busca no BDTD e no Ibict. Das 35 recuperaes de artigos duas so
relacionadas a imagem fotogrfica e 33 a fotografia. Do total, h uma baixa
frequncia de publicaes nas revistas especficas da rea, Revista Cincia da
Informao e Perspectiva em Cincia da Informao (cinco artigos no total) em
comparao com as revistas multidisciplinares que compartilham de temticas
da Cincia da Informao como a Histria, Cincia, Sade-Manguinhos da
FIOCRUZ e os Anais do Museu Paulista: Histria e Cultura Material (30 artigos
no total).
Tabela 1 - Revistas indexadas na SciELO com artigos sobre fotografia
Revista Artigos
Anais do Museu Paulista: Histria e Cultura Material 21
Histria, Cincias, Sade-Manguinhos 9
Cincia da Informao 4
Perspectiva em Cincia da Informao 1
Total 35
Os 35 artigos foram publicados entre os anos de 1994 e 2011 com a
distribuio conforme apresentada no Grfico 1.
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25 Grfico 1 - Produo de artigos sobre fotografia por ano
De acordo com o grfico apresentado, h um aumento da produo de
artigos sobre a temtica fotografia a partir de meados dos anos 2000. No
entanto, a produo sobre o assunto em revistas de Cincia da Informao
ainda tmida em relao s revistas multidisciplinares.
importante citar a expressiva produo de artigos das revistas
multidisciplinares aqui listadas: 30 artigos, dos quais h um espectro de
abordagens bastante grande que vai do estudo de caso, acervos particulares
ou pblicos, abordagens histricas at propostas de utilizao da fotografia
como mtodo de estudo de diversas reas. O que une a maioria dos artigos
com a Cincia da Informao a presena do arquivo como fonte dessas
diferentes abordagens. Seja nas pesquisas cientficas, seja nos arquivos
pblicos ou particulares, a fotografia representada como um corpus
documental, importante fonte de informao e conhecimento.
No caso das revistas especficas da Cincia da Informao, a produo
ainda tmida e centrada em temticas tradicionais da rea tais como:
representao e recuperao da informao fotogrfica; gerenciamento de
acervos e a utilizao da fotografia como assunto secundrio. Nestas, a
fotografia citada como importante fonte de informao desde as suas origens,
no entanto ainda no gerou um expressivo corpus de produo cientfica. As
teses aqui citadas e os artigos quantificados demonstram exemplos
importantes do que pode render o estudo da imagem fotogrfica no mbito da
Cincia da Informao.
O desenvolvimento de novas TICs relacionadas Internet e s redes
sociais demandam novas pesquisas sobre a imagem fotogrfica digital. Esta
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pesquisa significa o vislumbramento de um horizonte novo e repleto de novas
possibilidades ainda inexploradas.
4 Historicidade da fotografia analgica
O conceito de fotografia tem origem, historicidade e evoluo. Numa
abordagem do tipo positivista ou historicista, o advento da fotografia tem
tambm dia e lugar, 19 de agosto de 1839 em Paris, data em que o governo
francs comprou a patente da inveno de Louis Daguerre e Nicphore Nipce
e a tornou pblica. No entanto, tal tipo de abordagem histrica no possibilita a
compreenso da gnese do conceito de fotografia.
No estudo da histria da fotografia possvel perceber as mudanas de
paradigmas: os avanos da tcnica, do coldio mido que precisava ser
preparado no momento de bater a foto cmera automtica; a mudana do
gosto, do retrato burgus arte de vanguarda; a diversificao dos usos e
protocolos, dos retratos de estudos criminolgicos aos exames de alta
resoluo; dos valores informativos, das fotos dos passeios da sociedade
elegante s imagens de torturas em alguma priso iraquiana capaz de mudar
os rumos da guerra.
Escrever uma histria da fotografia no o intento desta pesquisa,
porm, no estudo da historiografia da fotografia, os grandes historiadores do
assunto no se propem a escrever uma histria completa e definitiva. No
possvel! Justamente por conta das evolues tcnicas e mudana nos usos da
fotografia, sem contar com o carter polissmico da imagem fotogrfica. Toda
histria da fotografia requer uma escolha das formas, usos, datas, propsitos,
ou o que mais o pesquisador considerar importante.
Com o advento da imagem fotogrfica digital como tcnica hegemnica,
tanto nos meios jornalsticos como nos usos domsticos, na dcada de 1990, o
que era apenas fotografia se torna fotografia analgica. Foi preciso pontuar
essa diferena, ainda pouco clara no pensamento convencional, no
profissional. Essa histria ainda est por ser escrita.
Neste captulo, a histria da fotografia abordada com o propsito de
buscar o conceito de fotografia analgica. E os atributos escolhidos para
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empreender tal tarefa foram: a inveno, seu aspecto artstico, a
tcnica/linguagem foto jornalstica e a transio entre o analgico e o digital.
4.1 Conceitos e principais atributos de fotografia analgica.
Na etimologia da palavra fotografia comeamos nossa anlise. Derivada
do grego photo, que significa luz, e graphein, desenho ou escrita, numa
definio geral do Novo Dicionrio Eletrnico Aurlio fotografia o:
Processo de formar e fixar sobre uma emulso fotossensvel a imagem
dum objeto, e que compreende, usualmente, duas fases distintas: na primeira,
a emulso impressionada pela luz, e sobre ela se forma, por meio dum
sistema ptico, a imagem do objeto; na segunda, a emulso impressionada
tratada por meio de reagentes qumicos que revelam e fixam,
permanentemente, a imagem desejada.
O significado genrico da palavra, contido no Dicionrio, nos remete, no
entanto, a tantos aspectos distintos que preciso pontuar, fotografia pode ser
tanto a tcnica de criao de imagem com a cmera escura, como significa
tambm o resultado dessa operao: no senso comum no se diz olhe essa
imagem fotogrfica e sim olhe a fotografia.
Voltando ao Novo Dicionrio Eletrnico Aurlio, num sentido figurado,
fotografia significa cpia fiel ou reproduo exata. Os elementos da definio
do lxico pontuam os principais aspectos desta polissemia: a tcnica da escrita
de luz e o problema da exatido.
Segundo o Dicionrio das Cincias, Le Trsor (SERRES, FAROUKI,
1997, p.38), o adjetivo analgico, num sentido comum, significa operao de
analogia para estabelecer relaes de similaridade. Nas cincias e nas
tcnicas de comunicao, um sinal dito analgico quando transcreve
continuamente a mensagem da qual portador por uma relao de proporo.
Seu oposto o processo digital (numrico/numrique em francs) que reduz
toda a mensagem numa sucesso de nmeros inteiros.
Os elementos bsicos para a criao de uma imagem fotogrfica j eram
conhecidos h muito tempo. No IV sculo a.C., Aristteles utilizou o princpio
da cmera escura para observar eclipses. Trata-se do uso de uma caixa por
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onde a luz ultrapassa um nico orifcio e refletida na parede oposta. Recurso
bastante utilizado no Renascimento, Leonardo da Vinci adotava essa tcnica
em suas pinturas, pois servia para isolar o objeto a ser representado. O
fenmeno qumico dos cristais de prata, que reagem ao contato da luz, foi
descrito pela primeira vez pelo filsofo e alquimista alemo Alberto, o Grande,
no sculo XIII, mas foram os qumicos do sculo XVIII que escreveram tratados
sobre o fenmeno. O primeiro a pensar em uma tcnica para fixar os cristais de
prata no intuito de formar uma imagem foi o mestre ceramista ingls Thomas
Wedgwood, em 1802. (FRIZOT, 1994, p.19)
Principiar a anlise sobre o conceito da fotografia com uma abordagem
histrica significa buscar nas diferentes etapas, avanos e recuos da prtica e
do pensamento os elementos que nos ajudam a compreender porque essa
forma de representao iconogrfica se espalhou por todos os meios sociais,
com tanta fora que hoje seria quase impossvel viver sem nos depararmos
com uma fotografia a nossa frente.
4.1.1 O nome e a coisa: a gnese da fotografia
A fotografia foi celebrada como grande inveno do sculo XIX.
Historiadores e pesquisadores buscam suas origens desde tempos remotos -
Antiguidade, Idade Mdia, e Renascimento - num movimento arqueolgico, no
sentido de uma busca por resqucios, indcios ancestrais de uma inveno que
foi considerada por alguns dos primeiros cronistas do sculo XIX e muitos
historiadores como necessria humanidade.
A fotografia aqui estudada como tcnica de criar imagem, conjugando
dois fenmenos, um qumico e outro fsico. A palavra tcnica deriva do grego
tkhn, que significa arte manual, indstria ou artesanato. Sua definio est
relacionada capacidade do homem em criar alguma coisa. Todos os tipos de
representaes artsticas, como a pintura ou gravura, so criados por tcnicas
que o artista utiliza. A novidade da fotografia era a presuno de que a tcnica
fotoqumica conjugada utilizao da caixa preta criaria uma imagem perfeita,
sem a interveno subjetiva do artista/fotgrafo. (BRUNET, 1995, p.31)
Para Brunet, o esforo de erudio da historiografia tradicional em
buscar uma origem, tende a definir a inveno da fotografia como a traduo
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de um sonho imemorial e arquetpico: a busca pela imagem natural, a-tcnica,
produzida sem a interferncia da mo do homem, quase como na utopia de
Plato: sair da caverna e ver a [...] realidade absoluta, una, imutvel e eterna
(ROUILL, 2009, p.74). Como exemplo desta imagem temos o Santo Sudrio,
suposto registro do rosto e corpo de Jesus aps o martrio da crucificao,
considerado at hoje como uma viso idealista e teolgica, pois no teria sido o
homem quem criou aquela representao, teria sido milagre divino (BRUNET,
1995, p.31).
No entanto, sendo a fotografia uma tcnica de criao de imagem,
conceituar seu produto, a imagem fotogrfica como a-tcnica configura uma
contradio. Contradio esta que permeia o pensamento sobre a fotografia
desde os seus primeiros anos at o fim do sculo XIX. Segundo Brunet (1995,
p.270), na primeira fase do pensamento sobre a fotografia, esta tratada como
a inveno de um tipo de imagem definida pela sua exatido e sua relao com
uma certa positividade.
No decorrer do sculo XIX, impulsionados pelos ideais de progresso da
civilizao por meio da cincia e da tecnologia, diversos estudiosos, diletantes
ou profissionais, cientistas ou artistas, buscavam fama e fortuna criando novas
invenes. Com a fotografia no foi diferente.
Os primeiros avanos tcnicos que foram se configurando desde 1839,
relacionados com a diversidade de usos, por vezes, ainda indefinidos,
possibilitaram dizer que no h um progresso linear no desenvolvimento da
fotografia, seno saltos, avanos nas formas de utilizao em que foi
empregada a tcnica.
Franois Brunet (1995, p.29) ainda alerta para o perigo da viso
progressista na anlise das origens da fotografia. Sua pesquisa busca no
mais estabelecer uma pr-histria ou uma cronologia da fotografia
simplesmente, e sim identificar as condies de emergncia desse meio de
representar o mundo.
Apesar de os elementos que compem a tcnica fotogrfica, a cmera
escura e os cristais de prata fotosensveis, preexistirem ao seu invento, a
fotografia considerada como uma inveno tpica das demandas advindas da
Revoluo Industrial e a ascenso da burguesia. Segundo Freund (1974, p.24),
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toda inveno condicionada, em parte por uma srie de experincias e
conhecimentos anteriores e, de outra parte, pelos anseios da sociedade.
Para o professor de arte moderna Jonathan Crary (1994), o final do
sculo XIX marcado por uma crise no regime de visualidade clssico. As
formas do ver fundamentadas na verdade da viso e na densidade e
materialidade do corpo foram sendo substitudas por uma viso subjetiva,
baseada em novos estudos cientficos, principalmente na emergncia da
Psicologia como disciplina cientfica. O funcionamento da viso se torna
dependente do que Crary denominou composio fisiolgica contingente
(contingent physiological makeup) do observador. (1994, p.21)
Na modernidade capitalista industrial emerge um campo social, urbano e
psquico cada vez mais saturado de estmulos sensoriais, o que exigia uma
nova forma de visualizar o mundo, na qual o problema da ateno foi estudado
por diversos pesquisadores da poca:
Paradoxalmente, foi neste momento quando a lgica dinmica do capital
comeou a minar dramaticamente qualquer estrutura da percepo estvel ou
duradoura, que esta lgica simultaneamente imps, ou tentou impor, um
regime disciplinar da ateno. (CRARY, 1994, p.21)
Como exemplo desta nova demanda de percepo visual, baseada na
ateno, Crary (1994, p.22) cita o estereoscpio, inventado em 1850, e as
primeiras expresses do cinema, nos anos 1890.
O estereoscpio um aparelho que torna possvel a visualizao de
uma imagem formada por duas fotografias produzidas por um tipo de mquina
chamada esteregrafo. Essas fotografias se compem de duas vises quase
idnticas, tomadas por um aparelho composto de duas objetivas separadas por
uma distncia semelhante a dos olhos. Tal artifcio provoca uma percepo de
tridimensionalidade (GUERRA, 2009, p.24). O sucesso do estereoscpio, e seu
papel na histria da fotografia na segunda metade do sculo XIX, um
exemplo dessa mudana do regime de visualidade abordado por Crary.
Quando no dia 7 de janeiro de 1839, o astrnomo, deputado e
acadmico Franois Arago anunciou na Acadmie des Sciences, em Paris, o
fabuloso invento do artista Louis Daguerre: uma nova tcnica de criao de
imagens baseada em conceitos da qumica e da fsica tica. (BAJAC, 2009,
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p.13), vrios outros inventores buscaram demonstrar que haviam chegado ao
mesmo resultado de Daguerre.
Segundo Bajac (2009, p.23), o nome fotografia foi forjado nos quatro
cantos da Europa como termo que designa tanto o dispositivo, a mquina
fotogrfica, como a imagem produzida, fotografia. Mesmo quando cada
inventor denominava a tcnica de forma diferente, aqueles que escreveram
sobre o assunto j utilizavam o termo fotografia, como possvel encontrar no
discurso do cientista e deputado Arago, na sesso do dia 3 de julho de 1839,
na Cmara dos Deputados:
As pesquisas fotogrficas do Sr. Nipce parecem remontar ao ano de 1814. Suas primeiras relaes com o Sr. Daguerre so do ms de janeiro de 1826. [...] Em caso de contestao, a data certeira dos primeiros trabalhos fotogrficos do Sr. Daguerre so portanto o ano de 1826. (ARAGO apud DAGUERRE, 1839, p.14)
Dentre os percussores da fotografia, selecionamos os exemplos
daqueles que so considerados os mais representativos do momento da
inveno: Nicphore Nipce, Louis Daguerre, Fox Talbot, Hippolyte Bayard e
Hercule Florence.
O Frances Joseph-Nicphore Nipce (1765 1833) era um inventor
profissional. Nascido em uma famlia rica da Borgonha, abandonou a carreira
militar para dedicar-se s suas invenes. Em 1807 patenteou um motor
exploso interna, o Pyrolophore, movido por combustvel vegetal prprio (JAY,
1983, p.8).
Na dcada de 1820, Nicphore comeou a desenvolver experincias
com imagens, destacando a litografia (tcnica de impresso grfica), a cmera
escura e o Betume da Judia (base qumica que endurece em contato com a
luz). A primeira experincia bem sucedida de fotografia, no mundo, que Nipce
ir chamar de heliografia, foi uma imagem capturada da janela de sua casa em
1826, denominada Ponto de vista da janela do Gras.
Louis-Jacques-Mand Daguerre (1787 1851) tinha formao em
arquitetura e cenografia e tambm era um inventor. Seus trabalhos com
cenrios de peras e peas teatrais lhe renderam notoriedade na sociedade
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parisiense, o que lhe possibilitou criar, em 1822, um espetculo de efeitos
espetaculares com luzes, o Diorama (BAJAC, 2009, p. 14).
Em dezembro de 1829, Nipce e Daguerre assinaram um contrato de
colaborao no qual so descritas em detalhes as experincias da Borgonha.
Ao artista parisiense caberia continuar no desenvolvimento e divulgao da
tcnica (JAY, 1983, p.11).
A morte de Nipce, em 1833, fez Daguerre mudar as estratgias.
Apesar da presena de Isidore Nipce (filho de Nicphore) num segundo
contrato, Daguerre estava s no desenvolvimento e reconhecimento da tcnica
fotogrfica, agora denominada por ele de daguerretipo. (BAJAC, 2009, p. 23)
Na Inglaterra, William Henry Fox Talbot (1800 1877), versado em
Histria Natural, Arqueologia e Artes em Cambridge, comeou suas
experincias com luz no ano de 1834, em Londres. No ano seguinte juntou
seus primeiros desenhos fotognicos, impresses em negativo de objetos e
plantas dispostos sobre uma folha de papel sensibilizado com cristais de prata
(BAJAC, 2009, p. 19).
O anncio da descoberta parisiense no incio de 1839 fez com que
Talbot acelerasse suas pesquisas, agora com a cmara escura. Seu processo
produzia uma imagem negativa que depois era novamente exposta para criar
uma cpia positiva. O suporte para suas imagens era o papel:
A ampla cobertura da imprensa parisiense da inveno de Daguerre fez
com que diversos artistas e diletantes comeassem a pesquisar e criar suas
prprias imagens fotogrficas. O mais criativo e que obteve maior sucesso
naquele momento foi Hippolyte Bayard (18071887). Funcionrio do Ministrio
das Finanas francs frequentava os sales de arte de Paris e desenvolvia
seus prprios experimentos com imagens nas horas vagas.
Assim como Fox Talbot, quando tomou conhecimento do apoio
institucional da Cmera dos Deputados francesa inveno de Daguerre,
Bayard comeou suas experimentaes com a cmara escura e a sensibilidade
dos cristais de prata. Em maio, j havia conseguido criar imagens do tipo
fotogrfico que denominou caltipo.
No devemos deixar de citar os escritos do franco-brasileiro Hercule
Florance no qual a palavra fotogrfica j se encontrava como denominao de
sua tcnica de reproduo de rtulos e diplomas, em 1833 (KOSSOY, 2002).
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33 Enquanto nos primeiros anos as denominaes so diferentes, na qual
cada inventor cria a sua terminologia (veja o Quadro 4), a partir dos anos 1850
a palavra fotografia predomina como qualquer tcnica de criar imagem com a
cmera escura, no importa o mtodo utilizado (BAJAC, 2009, p. 151). No
Quadro 4 alguns nomes criados para a tcnica fotogrfica:
Quadro 4 - Os Inventores e sua terminologia
Inventor Ano Nome adotado
Nicphore Nipce 1822 heliografia
Hercule Florence 1832/1833 Fotografia
Daguerre e Nipce 1839 Daguerretipo
Fox Talbot 1839/1840 Desenho fotognico e Caltipo
Hippolyte Bayard 1839 Desenho fotognico
4.1.2 Fim do sculo XIX: tenso entre industrializao e arte
Na primeira metade do sculo XIX o daguerretipo dominou a
preferncia do pblico burgus na Europa e nos Estados Unidos,
transformando a arte do retrato. Formas tradicionais de arte como a pintura a
leo, a miniatura e a gravura perdem espao para a fotografia (MELLO, 1998,
p. 18).
A tcnica do daguerretipo no produzia um negativo, base para vrias
cpias. Era nico e, por ser um processo caro, era precioso e restrito
burguesia. Neste momento da histria da fotografia, o que prevalecia era a
imagem una, cara, de excelente definio, mas acessvel para poucas
pessoas.
Em 1851 inaugurada em Londres a primeira Exposio Industrial,
denominada Great Exhibition of the Works of Industry of all Nations (Grande
Exposio dos Trabalhos da Indstria de todas as Naes), na qual diversos
produtos e equipamentos fotogrficos foram apresentados, alm de exposies
de fotgrafos de Londres, Paris e NovaYork. Neste momento a tcnica
fotogrfica inicia um avano, o daguerretipo estava por ser suplantado pela
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fotografia em p