comentÁrios À segunda fase do xxi concurso de ingresso na...
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COMENTÁRIOS À SEGUNDA FASE DO XXI CONCURSO DE INGRESSO NA MAGISTRATURA DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO
Por Mauro Schiavi, Saint-Clair Lima e Silva e José
Carlos Evangelista1.
Considerações:
A prova apresentou a dificuldade esperada para um
concurso do nível e tradição da Magistratura do Trabalho da 15ª Região.
As questões foram claras e de fácil entendimento, o que
denota a boa-fé, cultura e honestidade da Banca Examinadora.
Os temas enfocados são bem atuais, muitos deles foram
sugeridos pelos professores do Curso em Aulas e também indicada bibliografia
específica.
Parabéns à organização do concurso e aos membros da
Banca, pois mesclaram questões de conteúdo teórico e práticas.
Como era de se esperar, temas atuais como acidente de
trabalho, dano moral, responsabilidade do estado por débitos trabalhistas,
terceirização, função social dos contratos, execução e dissídio coletivo foram
lembrados.
Nossos comentários não são exatamente a posição da
Banca Examinadora. Procuramos nos estender um pouco mais nos comentários e
não apenas resolver as questões de forma dogmática, o que seria muito simples e
pouco útil aos leitores.
Nossa intenção é não só apresentar soluções, mas também
o maior número de informações possível para orientar não só o candidato que fez
a prova, mas também orientar os futuros estudos sobre os temas. Em razão disso,
optamos não só por consignar a nossa opinião a respeito, mas também a visão da
melhor doutrina e jurisprudência a respeito.
1 Os autores são professores do LACIER CURSOS JURÍDICOS.
1
Está de parabéns o LACIER, pela iniciativa e incentivo
para a realização desse material que é indispensável não só para os concursandos,
mas para todos aqueles que querem se aprofundar um pouco mais sobre os temas
ora enfocados.
Boa leitura.
01.Quanto ao dano moral.
a)Em determinada ação trabalhista foi reconhecida a
existência de acidente de trabalho ou doença profissional. Nesse caso há
necessidade de prova específica para o reconhecimento da existência do
dano moral ou este decorre simplesmente do ato ilícito patronal?
Fundamente.
O artigo 186, do Código Civil (lei n. 10406/02), consagra
uma regra universalmente aceita sob os pressupostos da responsabilidade civil.
Com efeito, aduz o referido dispositivo legal, in verbis:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito”.2
A teor da definição supra, a doutrina apresenta os quatro
pressupostos fundamentais da responsabilidade civil: ação ou omissão, culpa ou
dolo do agente, relação de causalidade, e o dano experimentado pela vítima.
O artigo 7º, XXVIII, da CF consagra a teoria da
responsabilidade subjetiva do empregador para a reparação dos danos morais e
patrimoniais decorrentes do acidente de trabalho. Para essa teoria, a
responsabilidade do empregador é sempre subjetiva, mesmo onde há atividades
de risco, pois o artigo 7º, XXVIII exige o dolo ou culpa do empregador. Como se
2 No Código de 1916, dispunha o artigo 159, do CC: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”. Confrontando-se o artigo 186 do CC atual com o artigo 159, do CC, nota-se que o novel artigo é mais abrangente, além de prever o ilícito por dano moral, usa a expressão “comete ato ilícito” ao invés da expressão “reparar o dano”. O ato ilícito é o ato contrário ao Direito e um dos elementos medulares da responsabilidade civil. Caso o ato seja lícito, como por exemplo, praticado em legítima defesa não há a responsabilidade civil.
2
trata de uma regra Constitucional, a legislação ordinária (CC, artigo 927, p.
único) não pode com ela confrontar.
Para Carlos Roberto Gonçalves3: “Os novos rumos da
responsabilidade civil, no entanto, caminham no sentido de considerar objetiva a
responsabilidade das empresas pelos danos causados aos empregados, com base
na teoria do risco-criado, cabendo a estes somente a prova do dano e do nexo
causal”.
Acreditamos que, em atividades de risco para a saúde do
trabalhador, ou para a sua integridade física, ou seja, onde o risco de doenças ou
de acidentes sejam mais acentuados que o normal, considerando-se o padrão
médio da sociedade e as probabilidades de ocorrência de sinistros, como o
trabalho em condições de insalubridade ou periculosidade, a responsabilidade do
empregador é objetiva, em razão da aplicação da teoria do risco criado. O p. 1º,
do artigo 927 do CC não atrita com o artigo 7º, XXVIII, da CF, já que este último
está inserido no rol de garantias mínimas do trabalhador, não impedindo que a lei
ordinária preveja responsabilidade mais acentuada em situações peculiares, como
a atividade de risco.
Quando a responsabilidade do empregador é subjetiva, para
que surja a responsabilidade pelo dano moral, há a necessidade da presença da
culpa do empregador, o dano e o nexo causal entre a ação ou omissão do
empregador e o dano. Nas hipóteses de responsabilidade objetiva, o requisito da
culpa não é exigido.
Segundo a lição abalizada de Moacyr Amaral Santos4:
“provar é convencer o espírito da verdade respeitante a alguma coisa”.
Conforme o milenar princípio latino, “quod non est in
actis non est in mundo”, o que não está nos autos não está no mundo, a parte,
cujo ônus cabe demonstrar a existência dos fatos que geram o direito perseguido
deve produzir tal comprovação em juízo, pois o juiz quer e precisa saber da
verdade em relação ao fatos afirmados pelos litigantes. Embora cumpra ao juiz a
3 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, 7ª Edição, São Paulo, Saraiva, 2002, pág. 461.4 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 17a Edição, São Paulo: Saraiva, 1995.
3
direção do processo (artigos 130, do CPC e 765, do CPC), podendo determinar as
diligências necessárias ao deslinde do feito, tal faculdade não supre o ônus da
parte de demonstrar as alegações.
O Código de Processo Civil disciplina os meios de
prova em direito admitidas, sendo os meios expressamente previstos no código e
também os meios moralmente legítimos (artigo 332, do CPC).
Há alguns entendimentos na jurisprudência no sentido
de que o dano moral tem que ser robustamente demonstrado, inclusive os
sofrimentos do lesado.
Nesse sentido, destacamos as seguintes ementas:
Dano moral – Ausência de prova – Improcedência do
pedido. Ao pleitear indenização por danos morais, deve o trabalhador, sob pena
de improcedência do pedido, demonstrar ter sofrido humilhação,
constrangimento ou vergonha de tal gravidade que lhe causaram abalo
psicológico. (TRT 12ª R – 3ª T – ROV nº 3905/2003.028.12.00-2 – Ac. nº
2501/05 – Rel. Gerson P. Taboada Conrado – DJSC 09.03.05 – p. 217) (RDT nº
04 de Abril de 2005).
Dano moral – Ausência de prova – Improcedência do
pedido. Ao pleitear indenização por danos morais, deve o trabalhador, sob pena
de improcedência do pedido, demonstrar ter sofrido humilhação,
constrangimento ou vergonha de tal gravidade que lhe causaram abalo
psicológico. (TRT 12ª R – 3ª T – ROV nº 3494/2003.027.12.00-9 – Ac. nº
6532/05 – Rel. Gerson P. T. Conrado – DJSC 09.06.05 – p. 219) (RDT nº 07 de
Junlho de 2005)
Não concordamos com as ementas acima. Com efeito,
em se tratando de dano material, este necessita ser demonstrado, tanto os danos
emergentes (atuais) como os lucros cessantes (futuros).
Tratando-se de dano moral, não há como se
comprovar os danos emergentes e os lucros cessantes, pois o dano moral não é
quantificável, pois se passa na esfera íntima do lesado, tampouco indenizável,
4
pois o dano moral não pode ser reparado à saciedade, vale dizer, retornar o
indivíduo ao “status quo ante”.O pagamento em pecúnia somente compensa o
indivíduo pela angústia do dano sofrido. Por isso, a doutrina sustenta que o dano
moral é compensável e não indenizável.
Para que a pessoa faça jus à compensação por danos
morais, necessário se faz tão somente que demonstre de forma inequívoca, por
qualquer meio em direito admitido (artigo 332, do CPC) o fato lesivo praticado
(doloso ou culposo) pelo agente, sendo o dano moral presumido de forma
irrefragável (presunção “juris et de juris”) o dano à vítima. Desse modo, desde
que o ato ilícito praticado possa acarretar danos a qualquer pessoa, considerando-
se o padrão da sociedade, os danos de ordem moral estarão configurados. Por
exemplo, a acusação falsa de ladrão, a perda de um dedo resultante de conduta
culposa do empregador, causam, evidentemente, dor psíquica no empregado.
Ninguém irá dizer que o empregado não se abalou internamente em decorrência
desse fatos.
Outrossim, uma vez negado o fato lesivo apto a gerar
o dano moral pelo agressor, o ônus da prova incumbe ao ofendido (artigos 818,
da CLT e 333, I, do CPC), por ser fato constitutivo do direito.
Desse modo, a nosso ver, basta que a vítima
comprove o fato lesivo, sendo o dano moral presumido de forma absoluta.
Rodolfo Pamplona Filho5, sustenta que a presunção é
relativa: “Definitivamente, não vemos motivo para que a presunção seja absoluta,
sem a possibilidade de admitir-se prova em contrário, quando inexiste
determinação legal nesse sentido. Embora difícil, não se pode cercear o direito do
réu de, ao menos, tentar produzir prova da inexistência do dano alegado”.
No mesmo diapasão, é a respeitável visão de Luiz
Pinho Pedreira da Silva6:
“Segundo a postura de que nos estamos ocupando, a
presunção de ocorrência do dano moral decorre do simples fato da prática do ato
5 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. O Dano Moral na Relação de Emprego, 2a Edição, São Paulo: LTR, 1999, p. 132.6Silva, Luiz de Pinho Pedreia da. A reparação do Dano Moral no Direito do Trabalho, São Paulo, LTR, 2004, pág. 147.
5
ilícito, mas divergem os que nela se alinham quanto à natureza dessa presunção,
entendendo uns que é absoluta (juris et de jure), podendo esta última ser elidida
por prova em contrário, o que não acontece com a primeira. A nosso ver, a
presunção hominis de presença do dano moral decorre da prova do ato ilícito que
o é juris tantum, quer porque as presunções resultantes da experiência, como a
que estamos cogitando, são sempre relativas”.
De acordo com as posições defendidas por Pamplona
Filho e Pinho Pedreira, como se trata de presunção juristantum do dano, caso o
réu demonstre, por todos os meios admitido em direito que a vítima não sofreu
danos de ordem moral com o ato lesivo praticado, o pedido será julgado
improcedente.
Não obstante a solidez dos argumentos desse
entendimento, continuamos achando que a presunção é absoluta, cabendo ao juiz
valorar, no caso concreto, as repercussões do fato lesivo, na fase de quantificação
do dano moral e, se for o caso dizer que a vítima não sofreu o dano. Se não há
repercussão alguma do fato lesivo à vítima, acreditamos que deve o juiz dizer que
o fato lesivo é apto a acarretar o dano de ordem moral, considerando-se o padrão
médio da sociedade, mas no caso específico, não há condenação. O ato do
ofensor continua sendo ilícito, mas não foi potencialmente apto a lesar a vítima
no caso concreto. Isso não significa dizer que o ato não de ser reprimido, mas não
deve ser aplicada indenização na hipótese dos autos, até mesmo porque, como
dissemos alhures, a reparação do dano moral tem caráter publicista, interessando
à sociedade como um todo. Por isso, a repressão de atos que sejam aptos a
acarretar o dano moral devem ser prestigiados, ainda que não haja indenização à
vítima no caso concreto.
No sentido da presunção absoluta:
Carlos Roberto Gonçalves assim se manifesta7:
“O dano moral, salvo casos especiais, como o de
inadimplemento contratual, por exemplo, em que se faz mister a prova da
perturbação anímica do lesado, dispensa prova em concreto, pois se passa no
7 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, 7a Edição, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 552/553.
6
interior da personalidade e existe in re ipsa. Trata-se de presunção absoluta.
Desse modo, não precisa a mãe provar que sentiu a morte do filho; ou o agravado
em sua honra de demonstrar em juízo que sentiu a lesão, ou o autor provar que
ficou vexado a não inserção de seu nome no uso público da obra, e assim por
diante”.
Rui Stoco se posiciona no mesmo sentido: “...o dano
em si, porque imaterial, não depende de prova ou de aferição de seu quantum.
Mas o fato e os reflexos que irradia, ou seja, a sua potencialidade ofensiva,
dependem de comprovação ou pelo menos que esses reflexos decorram da
natureza das coisa e levem à presunção segura de que a vítima, face às
circunstância, fica atingida em seu patrimônimo subjetivo, seja com relação ao
seu vultus, seja, ainda, com relação aos seus sentimentos, enfim, naquilo que lhe
seja mais caro e importante”8.
Valdir Florindo9 acompanha esse raciocínio:
“Certamente, o dano moral, ao contrário do dano material, não reclama prova
específica do prejuízo objetivo, porque o gravame decorre do próprio resultado
da ofensa. Daí, não há falar-se em prova do dano moral, mas sim certeza sobre o
fato, desde de que haja inequívoca relevância jurídica na ofensa, obviamente”.
Relevante, no aspecto, destacar as seguintes ementas:
Dano moral – Obrigação de indenizar – Necessidade
de prova. O dano moral atinge o patrimônio ideal da pessoa, e, sendo muitas
vezes impossível vislumbrá-lo materialmente, é até admissível que seja
presumido, desde que haja inequívoca relevância jurídica na ofensa. Todavia, não
se pode impor a obrigação de indenizar por dano hipotético ou duvidoso. Se não
há certeza do prejuízo, não há o que se reparar. (TRT – 3ª R – 2ª T – RO nº
21357/99 – Rel. Juiz Antônio Fernando Guimarães – DJMG 11.10.2000 – p. 30)
(RDT 11/2000).
“Indenização – Erro médico – Danos morais – Dano
representado pela segunda cirurgia para a retirada do material esquecido na
8 STOCO, Rui. Responsabilidade Civil da Seguradora por Dano Moral, In: Repertório IOB de Jurisprudência – 1a Quinzena de Junho de 2000 / n. 11/2000 / caderno 3 / p. 242.9 FLORINDO, Valdir. Dano Moral e o Direito do Trabalho, 4a Edição, São Paulo: LTR, 2002, p. 351.
7
cavidade abdominal da paciente, quando da primeira cirurgia – ‘A expectativa, a
incerteza, o sofrimento e a angústia, quase extrema que representa uma cirurgia,
nestas circunstâncias, caracteriza, por si só, o dano moral, sem necessidade de
prova a respeito, tal obviedade a respeito’”(TJRS –3o , Gr. Cs. Einfrs. 594056806
– Rel. Paulo Roberto Hanke – j 05.08.1984 – Revista de direito do Consumidor,
RT. Abril-junho, p. 270).
“Dispensa-se a prova de prejuízo para demonstrar a
ofensa ao moral humano, já que o dano moral, tido como lesão à personalidade,
ao âmago e à honra da pessoa, por vez é de difícil constatação, haja visa os
reflexos atingirem para muito própria do indivíduo – o seu interior. De qualquer
forma, a indenização não surge somente nos casos de prejuízo, mas também pela
violação de um direito”(STJ – 4aT. Resp 85019 –Rel. Sávio de Figueiredo
Teixeira – j. 10.03.1998).
Dano moral – Obrigação de indenizar – Necessidade
de prova. O dano moral atinge o patrimônio ideal da pessoa, e, sendo muitas
vezes impossível vislumbrá-lo materialmente, é até admissível que seja
presumido, desde que haja inequívoca relevância jurídica na ofensa. Todavia, não
se pode impor a obrigação de indenizar por dano hipotético ou duvidoso. Se não
há certeza do prejuízo, não há o que se reparar. (TRT – 3ª R – 2ª T – RO nº
21357/99 – Rel. Juiz Antônio Fernando Guimarães – DJMG 11.10.2000 – pág.
30) (RDT 11/2000)
b)O dano moral e o dano estético são cumuláveis?
Justifique
Segundo Maria Helena Diniz1, "o dando moral vem
a ser a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica,
provocada pelo fato lesivo". (Curso de Direito Civil Brasileiro",7º Vol., Saraiva,
14ª ed., São Paulo, 2000, p. 73.)
O dano estético, por sua vez, é conceituado como
"toda alteração morfológica do indivíduo que, além do aleijão, abrange as
deformidades ou deformações, marcas e defeitos, ainda que mínimos, e que
impliquem sob qualquer aspecto um afeiamento da vítima, consistindo numa
8
simples lesão desgostante ou num permanente motivo de exposição ao ridículo
ou de complexo de inferioridade, exercendo ou não influência sobre sua
capacidade laborativa" (Dados constantes do artigo "DANO MORAL", escrito
pelo Juiz do Tribunal de Alçada do Rio de Janeiro, Severiano Aragão,
capiturado na internet, em 29 de novembro de 2000, no site
www.juridnet.com.br).
Para parte significativa da doutrina, o dano estético
não é autônomo e sim uma das manifestações do dano moral ou patrimonial.
Desse modo, se o dano estético causar mau estar, angústia, sofrimento, ele se
manifestará sob a ótica do dano moral. Se em razão do dano estético, houver
prejuízo patrimonial, estaremos diante de um dano material, v.g, o empregado
que não obtém emprego em razão da deformação estética.
A nosso ver, o dano estético não é uma categoria
autônoma de dano e sim uma das manifestações do dano moral ou patrimonial.
Nem a Constituição, nem a legislação ordinária prevêem o dano estético como
uma espécie autônoma de dano (artigo 5º, V e X, da CF e 186 da CC).
Nesse sentido, destacamos a seguinte ementa:
"Se em ação de indenização houve pedido de
reparação pecuniária por danos morais e estéticos decorrentes de defeitos da
cirurgia e outro para pagamento de despesas com futura cirurgia corretiva,
atendido este, inadmissível será o deferimento do primeiro" (TAMG, 4ª Câmara,
Ap. Cível, Rel. Juiz Mercêdo Moreira, j. 21.8.1991, RT 692/149, in Rui Stoco,
ob. cit., p. 301).
Tal foi a conclusão, transformada na resolução nº 09,
tomada pelos participantes do IX ENTA (Encontro Nacional dos Tribunais de
Alçada) , realizado em agosto de 1997, em São Paulo, a qual dizia:
"Res. 09 - O dano moral e o dano estético não se
cumulam, porque ou o dano estético importa em dano material ou está
compreendido no dano moral (por unanimidade)".
Também há quem entenda que o dano estético é uma
categoria autônoma de dano.
9
Neste sentido a orientação do Superior Tribunal de
Justiça:
"EMENTA: DANO MORAL. DANO ESTÉTICO.
CUMULAÇÃO. Quando o dano estético se distingue do dano moral, ambos
devem ser indenizados separadamente. Precedentes da 3ª e da 4ª Turma do
Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 83 (STJ). Agravo regimental não
provido" (STJ, AGA 312702/SP, 3ª Turma, Rel. Min. ARI PARGENDLER, DJ
06.11.2000).
"EMENTA: CIVIL. DANOS MORAIS E ESTÉTICOS.
CUMULATIVIDADE. Permite-se a cumulação de valores autônomos, um fixado
a título de dano moral e outro a título de dano estético, derivados do mesmo
fato, quando forem passíveis de apuração em separado, com causas
inconfundíveis. Hipótese em que do acidente decorreram seqüelas psíquicas por
si bastantes para reconhecer-se existente o dano moral; e a deformação sofrida
em razão da mão do recorrido ter sido traumaticamente amputada, por ação
corto-contundente, quando do acidente, ainda que posteriormente reimplantada,
é causa bastante para reconhecimento do dano estético. Recurso não conhecido"
(STJ, 4ª Turma, RESP 210351/RJ, Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA, DJ
25.09.2000).
"EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO. INDENIZAÇÃO. ACIDENTE OCORRIDO DURANTE A
UTILIZAÇÃO DE MÁQUINA DE PASSAR ROUPAS. DANO MORAL E
ESTÉTICO. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE.
1. É possível a cumulação do dano moral e do dano
estético, quando possuem ambos fundamentos distintos, ainda que originários do
mesmo fato. 2. Agravo regimental improvido". (STJ, 2ª Turma, AGA 276023/RJ,
Rel. Min. PAULO GALLOTTI, DJ 28.08.2000).
c)Para o reconhecimento da existência do assédio
sexual na seara trabalhista é indispensável a existência de hierarquia
funcional entre o assediante e o assediado? Fundamente
10
Rodolfo Pamplona Filho10 conceitua assédio sexual
“como toda conduta de natureza sexual não desejada que, embora repelida pelo
destinatário, é continuadamente reiterada, cerceando-lhe a liberdade sexual”.
São elementos caracterizados do assédio sexual11, na
visão de Pamplona Filho:
“a)sujeitos: agente (assediador) e destinatário
(assediada);
b)conduta de natureza sexual;
c)rejeição da conduta do agente12
d)reiteração da conduta.”
O assédio sexual pode ser praticado por chantagem,
quando o agente exige da vítima a prática (e/ou aceitação) de uma determinada
conduta de natureza sexual, não desejada, sob a ameaça de perda de um
determinado benefício. Como por exemplo, o gerente que exige que sua
secretária venha trabalhar com roupas coladas para ficar observando-a.
Também pode o assédio sexual ser praticado por
intimidação. Se caracteriza como menciona Rodolfo Pamplona Filho13:
“aquele que se caracteriza por incitações sexuais
inoportunas, solicitações sexuais ou outras manifestações da mesma índole,
verbais ou físicas, com o efeito de prejudicar a atuação de uma pessoa ou de criar
uma situação ofensiva, hostil, de intimidação ou abuso no ambiente em que é
intentado. Na esfera do contrato de trabalho, temo o exemplo do chefe que todo o
dia convida a subordinada para um jantar, elogiando seus atributos físicos. Essa
modalidade de assédio sexual cria um ambiente tenso e hostil de trabalho e
constitui um obstáculo à idade entre os sexos”.
10 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. O assédio sexual na relação de emprego, São Paulo: LTR, 2001, p. 35.11 Ibidem, p. 39.12 A meu ver a subordinação e a dependência econômica não permitem que o empregado (a) manifeste sua rejeição.13 PAMPLONA FILHO, Rodolfo. ob. cit., p. 47.
11
O Código Penal Brasileiro, no artigo 216-A tipificou
o assédio sexual por chantagem, com a seguinte redação, in verbis:
“Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de
obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua
condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de
emprego, cargo ou função”.
Para que haja o assédio sexual nos termos da lei
penal, há a necessidade da existência da relação de emprego e que o assediante
tenha ascensão hierárquica sob a assediada.
Na esfera trabalhista, se o empregado praticar assédio
sexual contra uma colega ou colega de trabalho, o empregador lhe poderá
dispensar por incontinência de conduta, por ter praticado ato incompatível com a
moral sexual do ambiente de trabalho (artigo 482, “b”, da CLT).
Se o empregador ou seus prepostos praticar assédio
sexual contra o empregado ou empregada, o empregado pode dar por rescindido
indiretamente o contrato de trabalho, além de pleitear eventuais indenizações por
danos morais e patrimoniais (artigo 186, do CC).
Pode se defender a tese de que o assédio sexual para
fins trabalhistas não exige hierarquia entre assediante e assediada/o, mas, a nosso
ver há essa necessidade, pois o assédio pressupõe um relação de hierarquia entre
o assediante e a vítima, vez que este pressupõe uma ameaça idônea de causar um
mal à vítima, como perda do emprego.
Tivemos a oportunidade de apreciar um caso
concreto, ocasião em que decidimos.
JUSTA CAUSA. ASSÉDIO SEXUAL X
INCONTINÊNCIA DE CONDUTA: Quando um empregado que não tem
ascensão hierárquica sobre outra empregada, à qual insistentemente lhe dirige
gracejos com conotação sexual não pratica assédio sexual, nos termos do artigo
216-A do Estatuo Repressivo. De outro lado, a incontinência de conduta resta
configurada, porquanto tal atitude atenta contra a moral sexual do ambiente de
trabalho. APRECIAÇÃO DA PROVA: Nos delitos contra os costumes, chamados
12
pela doutrina de clandestinos (qui clam comittit solent – que se comentem longe
dos olhares de testemunhas), palavra da testemunha vítima, embora
contraditada por razões óbvias, desde que coerente, é de valor extraordinário e
suficiente para o reconhecimento da justa causa (VARA DO TRABALHO DE
FRANCO DA ROCHA/SP, Processo n. 2241/01, Juiz Mauro Schiavi, 26.07.02).
Relevante destacar que o mero galanteio, a paquera,
olhares de admiração respeitosos e exercidos sem qualquer pressão não
constituem assédio.
Relevante, mencionar, por derradeiro, as seguintes
ementas:
Assédio Sexual – Configuração – Dano Moral –
Indenização – “Se a reclamante, no interior da empresa, sofre reiteradas
investidas de conotação sexual por parte do chefe de área, submetendo-a a
situação vexatória e atentadora a sua dignidade, configura-se o assédio sexual
que, segundo José Wilson Ferreira Sobrinho, ‘é o comportamento consistente na
explicitação da intenção sexual que não encontra a receptividade concreta de
outra parte, comportamento esse reiterado após a negativa’, atraindo, assim, o
direito da reclamante à reparação do dano moral”(TRT –3a R. 4a Turma – RO
14159/97 – Rela. Denise Alves Horta – DJMG 23.06.1998).
Assédio sexual– Danos morais. Demonstrada a
prática de ato lesivo à honra e à dignidade da obreira, em face do
comportamento assediante dos prepostos, de conotação sexual, resta
configurado o dano moral, que deve ser reparado pelo empregador, a teor do
disposto nos artigos 2º CLT, 159 e 1.521, III, do Código Civil. (TRT – 3ª R – 1ª
T – RO nº 14134/2001 – Relª. Mª. Auxiliadora M. Lima – DJMG 14.12.2001 – p.
12).
2. O Poder Executivo de determinado Município decretou intervenção em
hospital particular com a finalidade de assegurar a continuidade dos
serviços de saúde prestados à população. Tal procedimento configura
13
sucessão de empregadores? Existe alguma responsabilidade do Município
pelas dívidas trabalhistas constituídas durante o período de intervenção?
Em caso positivo, qual sua extensão e limite?
À solução é inevitável pontuar-se a existência de princípios
jurídicos que governam a criação das normas dentro da categoria especiais da
tutela jurídica. Assinalou-nos Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena, in Contrato de
Trabalho com o Estado, LTR, 2ª edição, que “a entrega de posições jurídicas de
trabalho a regimes diversos de leis, constituindo ou não estatutos jurídicos
autônomos, impõe a sua adequação dentro do princípio da tutela, em razão do
bem jurídico tutelado. Seja a preservação hierárquica de um órgão, seja o
patrimônio público, ou seja a continuidade da prestação dos serviços publicou ou
sua eficiência, o que se encontra no fundo das normas que regulam a situação dos
respectivos ocupantes é o princípio da tutela e a precisão do bem jurídico que se
visou resguardar”.
Princípios de feição pública e normas públicas tutelam o Estado,
como sistema vital de organização política, tutelando as normas públicas,
também, o trabalho humano nas formas e espécies alcançadas pelo Direito do
Trabalho. Assim, ensinou o mesmo Vilhena:, “se vem sucedendo com as
relações de trabalho, tão altamente significativas para a ordem social e
representativas do interesse público quanto o próprio interesse do Estado na
organização, dinâmica e na manutenção dos seus peculiares serviços”.
A manutenção dos seus peculiares serviços decorre de imperativo
constitucional (artigo 170), dos qual defletem as normas e limites impostos pelo
Poder Público, inclusive através de intervenção destinada a satisfazer as
exigências coletivas e a reprimir a conduto anti-social da iniciativa particular.
Das diversas formas de concretização da intervenção
administrativa, importa-nos a limitação administrativa, através da qual o Estado,
no uso de sua soberania interna, intervêm na propriedade e nas atividades
particulares. Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo, Malheiros Editores,
26ª edição, delineou-a como “modalidades de expressão da supremacia geral que
o Estado exerce sobre pessoas e coisas existentes no seu território, decorrendo do
14
condicionamento da propriedade privada e das atividades individuais ao bem
estar da comunidade”, e a diferencia dos demais tipos de intervenção
(desapropriação, servidão administrativa, requisição e ocupação temporária) em
razão de sua característica eminentemente gratuita, ou seja, a desobrigação do
Estado em suportar indenizações justas em razão do exercício da intervenção,
hipótese mais próxima àquilo que propõe a questão.
Há que se compreender o direito de indenização decorrente da
intervenção como direito do titular da propriedade tangenciada pelo ato
administrativo, e a dispensa assinalada ao Poder Público em indenizar este titular
está fundamentada no uso gratuito da propriedade com vistas a encetar o anseio
social.
A repercussão desta intervenção e o princípio da tutela autorizam a
conclusão de que a circunstância de a prestação de trabalho ser destinada a um
ofício público ou a uma empresa privada não influi sobre o objeto da prestação,
que é sempre o trabalho humano. E a valorização do trabalho humano não
comporta qualquer arremedo ou limitação, razão pela qual o juris imperri do
Estado é no todo desconsiderado nas relações em que se destacam o trabalho do
homem.
O condicionamento da propriedade, no caso o hospital particular,
com o fim específico de atender o interesse público equivale à expropriação
parcial, ainda que transitória, citada por Vilhena (Ob. cit) nos seguintes termos:
“ocorre expropriação parcial, quando o Estado, apenas incorporando os bens,
mantém a continuidade da atividade empresária, mas se reserva, parcialmente, a
alteração dos quadros dirigentes da pessoa jurídica sem tocar na sua estrutura
orgânica”, concluindo que “a personalidade jurídica persiste e é a empregadora”.
Esta forma de destinação dos bens, na verdade dos serviços,
imposta pela intervenção, insere-se indubitavelmente no conceito de
expropriação (de serviços), ainda que transitória, pois o interesse é justamente o
de manter a continuidade da atividade empresária. E esta dualidade de pessoas
atrai o princípio da solidariedade, fundamentada na identidade de fins ou na
comunicação de poderes de gestão, com apropriação analógica obrigatória do §
15
2º, do artigo 2º da CLT (Vilhena). Há que se ressaltar esta dualidade de
participação, pois a transitoriedade inerente de intervenção desta jaez não retira
as obrigações daquele que mantém-se como proprietário da coisa
administrativamente tocada. Aliás, esta mesma dualidade afasta o efeito da
sucessão, consubstanciado na isenção de responsabilidade do sucedido após a
transferência da unidade economicamente produtiva.
Assim, não se aquilata a sucessão, mas a solidariedade das
obrigações trabalhistas constituídas durante a intervenção por aplicação da teoria
do grupo econômico.
03.Explique as diferenças entre trabalho temporário, terceirização lícita e
ilícita. Qual a responsabilidade dos empregadores e tomadores em cada
uma. Fundamente.
O Trabalho temporário é aquele prestado por pessoa
física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de substituição de
seu pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços (Lei
6.019/74, artigo 2o ).
O trabalho temporário, surgido no Brasil na década de
70 é uma modalidade de terceirização das relações de trabalho ou
“marchandage”, pois há a introdução de uma terceira pessoa, na relação entre
empregado e empregador, que é a empresa de trabalho temporário, cujo conceito
é trazido pelo artigo 4o, da Lei 6.019, que dispõe: “Compreende-se como
empresa de trabalho temporário a pessoa física ou jurídica urbana, cuja atividade
consiste em colocar à disposição de outras empresas, temporariamente,
trabalhadores devidamente qualificados, por ela remunerados e assistidos”.
Cumpre ainda consignar que a empresa de trabalho
temporário deverá possuir registro junto ao Departamento Nacional de Mão-de-
Obra do Ministério do Trabalho e Previdência Social, que é um requisito
indispensável (ad substantian) à validade da contratação do trabalhador
temporário (artigo 5o, da Lei 6.019/70) e deverá ser necessariamente urbana.
16
A doutrina costuma definir a relação de trabalho
temporário de triangular, pois de há uma relação entre a empresa tomadora do
serviço (cliente), trabalhador temporário e ainda a empresa de trabalho
temporário.
O trabalhador temporário não necessita ser
“especializado”, como ilegalmente disse o regulamento (D. 73.841/74), mas
devidamente qualificado para atender às necessidades ao aumento extraordinário
de serviços da empresa tomadora eu substituição transitória de seu pessoal
permanente da empresa tomadora. A jurisprudência vem sendo bem rigorosa no
tocante à comprovação dos motivos ensejadores do contrato de trabalho
temporário, conforme se constata das seguintes ementas: O contrato temporário
findado com fulcro na Lei 6.019/74, só resulta válido se resultar provada nos
autos a razão da contratação, a qual deve circunscrever-se às hipóteses
restritas e exaustivas contidas na própria lei.(RO 12.068/97, Ac. 3ª T 9.102/98)
– TRT- PR
Nulidade. É nulo o contrato de prestação de serviços
temporários firmado entre a empresa de locação de mão-de-obra e a empresa
tomadora dos serviços quando dele não constar, expressamente, o motivo
justificados da demanda de trabalho temporário - substituição de pessoal
regular e permanente e acréscimo extraordinário de serviço - firmando-se o
contrato individual de trabalho com a empresa tomadora. (TRT/SP
02970166784, Ac. 6ª T. 02980163125).
O contrato de trabalho temporário, como exceção ao
princípio do informalismo no Direito do Trabalho deve ser escrito o contrato
vigorando pelo prazo máximo de três meses salvo autorização ministerial, “e
desde que o período total do trabalho temporário não exceda a seis meses”
(Port. MT/SRT 2/96). A remuneração do trabalhador temporários deve ser
equivalente à percebida pelos empregados da empresa tomadora de mão-de-
obra, também terá direito à férias proporcionais, repouso semanal remunerado e
proteção previdenciária, inclusive salário-família (L. 8.213/91, art. 5o).
17
Em caso de falência da empresa prestadora, a
tomadora será solidariedade da empresa tomadora para com os débitos
previdenciários ou trabalhistas da fornecedora da mão-de-obra temporária, em
caso de falência (L. 6.019/74, art. 16). Entendemos também que pela aplicação
do artigo 16 da lei 6019/74, a responsabilidade da empresa tomadora é solidária
para qualquer inadimplemento de verbas trabalhistas por parte da empresa
prestadora.
O contrato de trabalho temporário é por prazo
determinado, pois não pode ultrapassar três meses, salvo autorização ministerial,
assim, não se aplica ao trabalhador temporário o acréscimo percentual (40%
sobre o FGTS) sobre o saldo dos depósitos quando a extinção natural do
contrato atingir o termo final; nem se aplica a estabilidade da gestante ou do
acidentado, tampouco o instituto do aviso prévio é aplicavel.
Quanto à terceirização, Amauri Mascaro Nascimento
(Iniciação ao Direito do Trabalho, pág. 161 –24a Edição) assim a define: “sob o
prisma empresarial, a necessidade de especialização, o desenvolvimento de novas
técnicas de administração para melhor gestão dos negócios e aumento de
produtividade a redução de custos fomentam a construção de serviços prestados
por outras empresas, no lugar daqueles que poderiam ser prestados pelos seus
próprios empregados, expediente que pode trazer problemas trabalhistas e que se
denomina terceirização”.
Cumpre ainda consignar a excelente definição dada ao
instituto pelo professor Maurício Godinho Delgado, que diz: “é o fenômeno pelo
qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe
seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo
produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços
justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente”
(Introdução ao Direito do Trabalho, pág. 374, LTr). Há uma relação triangular
entre empresa prestadora, o empregado e a empresa tomadora, à semelhança do
que ocorre com o trabalhador temporário (Lei 6.019/74), porém não tem um
18
prazo fixo e nem o empregado terceirizado não vem acorrer necessidade
transitória de substituição pessoal ou acréscimo extraordinário de serviços. Não
há a formação de vínculo de emprego entre o tomador e o empregado da empresa
terceirizada.
Nossa vetusta Consolidação não prevê a hipótese de
terceirização do contrato de trabalho, daí muitos defensores dos princípios
protetores do direito do trabalho considerarem ilícita essa modalidade de
contratação. A jurisprudência firmou-se, anteriormente, no sentido da vedação
desse instituto no Direito Laboral, conforme se extrai da dicção do Súmula n.
256, do Colendo TST, editado em 10.10.1986, com a seguinte redação: “salvo os
caos de trabalho temporário e de serviços de vigilância, previstos nas Leis ns.
6.019 de 3.1.74, e 7.102, de 20.6.83, é ilegal a contratação de trabalhadores por
empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o
tomador dos serviços”.
A jurisprudência considerava fraude aos direitos
trabalhistas a contratação de serviços por empresa interposta, salvo os casos de
trabalho temporário e serviços de vigilância.
Posteriormente, foi editado o polêmico Enunciado n.
331, do C. TST, aprovado pela Resolução Adminstrativa n. 23/93, de 17.12.1993,
com a seguinte redação: “Contrato de prestação de serviços – Legalidade –
Revisão do Enunciado n. 256. A contratação de trabalhadores por empresa
interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos
serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei n. 6.019, de 3.1.74); A
contratação irregular de trabalhadores, através de empresa interposta, não gera
vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou
Fundacional (art. 37, II, da Constituição Federal da República); III - Não
forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de
vigilância (Lei n. 7.102, de 20-6-1983), de conservação e limpeza, bem
como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde
que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta; IV - O inadimplemento
19
das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na
responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto àquelas obrigações,
desde que este tenha participado da relação processual e conste também do título
executivo judicial.
Conforme ensina o Ministro Vantuil Abdala (Revista
Ltr 60-05/587/588): “a mais alta Corte Trabalhista, cuja razão de ser é a
unificação da jurisprudência no País, não poderia ficar indiferente a esta nova
realidade social que estava implicando em decisões as mais díspares no seio desta
Justiça”. Como bem adverte George Ripert: “quando o direito ignora a realidade,
a realidade se vinga, ignorando o direito”.
O Enunciado em questão veio disciplinar a
terceirização de serviços de forma ampla, desde que esses serviços sejam
especializados e relacionados à atividade-meio do tomador de serviços.
O primeiro requisito para uma terceirização lícita é a
prestação de serviços especializados de uma empresa para outra tomadora.
Como sustenta Vantuil Abdala (LTr 60-05/588): “significa isto que a prestadora
de serviços tem que ser uma empresa especializada naquele tio de serviço; que
tenha uma capacitação e uma organização para a realização do serviço a que se
propõe. Ou seja, não uma empresa simplesmente de locação de mão-de-obra, mas
sim efetivamente uma empresa especializada na execução de determinado
serviço”.
O segundo requisito é que a atividade terceirizada se
referia á atividade-meio da empresa tomadora. A distinção entre atividade-meio e
atividade-fim é nebulosa. Para Sérgio Pinto Martins ( A Terceirização e o Direito
do Trabalho, 3a Edição, pág. 119): “a atividade-meio pode ser entendida como a
atividade desempenhada pela empresa, porém que não coincide com os seus fins
principais. São exemplos de terceirização na atividade-meio: a limpeza, a
vigilância etc. A atividade-fim é aquela em que a empresa concentra o seu mister,
isto é, em que é especializada”. A atividade-meio é a relacionada aos serviços de
apoio, complementar, do tomador. Nesta categoria, temos as atividades de
20
alimentação de funcionários, conservação e limpeza, vigilância, operadores de
elevador, auditoria, execução de serviços de contabilidade, assistência médica,
assistência jurídica, entre outras.
A doutrina atual (Luiz Carlos Amorim Robortella –
Estudos em Homenagem a Octavio Bueno Magano – Nélson Manrich – Estudos
em Homenagem a Pinho Pedreira) tem admitido a terceirização nas atividades-
fins da empresa, desde que a terceirização seja lícita, isto é, que não seja mera
intermediação de mão-de-obra. Como bem adverte Sérgio Pinto Martins (ob. cit):
“em função do princípio da livre iniciativa, previsto no artigo 170 da
Constituição, cabe ao empresário definir quais as áreas que pretende fazer a
terceirização, inclusive na atividade-fim, se assim entender. Cabe a ele escolher,
portanto, a área que pretende terceirizar. Uma atividade-fim da empresa pode ser
até mesmo transformada em atividade acessória, em virtude de mudanças
tecnológicas”. Como bem exemplifica Pinto Martins: “a indústria automobilística
é exemplo típico de delegação de serviços de atividade-fim, decorrente, em
certos casos, das novas técnicas de produção e até da tecnologia, pois uma
atividade em que antigamente era considerada principal pode hoje ser acessória”.
O terceiro requisito pertine à inexistência de
subordinação e pessoalidade entre empregados que prestam serviços e a
tomadora . Isso revela que o Enunciado teve por escopo o fato de que o que
realmente interessa ao tomador é a pura e simplesmente o resultado do trabalho e
não quem os executa. Se ocorrer o contrário, ou seja, o tomador de serviços exige
que quem vai executar os trabalhos sejam as mesmas pessoas, comanda, dirige e
fiscaliza a realização dos serviços, estará descaracterizada a terceirização,
formando-se o vínculo de emprego diretamente com a empresa tomadora. Uma
vez verificados os requisitos dos artigos 2o e 3o, da CLT, forma-se o vínculo de
emprego com a empresa tomadora.
A responsabilidade preconizada no verbete sumular
(inciso IV, da Súmula 331 do C. TST) é a subsidiária. A Enciclopédia Saraiva do
Direito define a responsabilidade subsidiária como sendo aquela de caráter
21
secundário, usada para completar, para reforçar a garantia principal, para reforçar
a garantia principal, quando esta se mostra insuficiente para o cumprimento da
obrigação.
Ensina Francisco Antonio de Oliveria (ob. cit, pág.
814): “não deverá o tomador fazer nenhum pagamento ao trabalhador. O que
deverá fazer é exigir da empresa que lhe oferece a mão-de-obra que comprove
mensalmente que registrou os trabalhadores e que vem cumprindo as obrigações
trabalhistas e previdenciárias. É que, em sendo tomadora da força da mão-de-
obra, terá responsabilidade subsidiária, com suporte na culpa in vigilando e in
eligendo (artigo 159, do Código Civil – atual artigo 186 do CC), já que o crédito
trabalhista é superprivilegiado. E se assim não, o trabalhador ficará
completamente desprotegido e será parte prejudicada, enquanto a empresa
interposta recebe a paga e não repassa e a tomadora engloba no seu patrimônio a
força do trabalho. A irresponsabilidade poderia levar ao incentivo de conluio
entre a empresa tomadora e a fornecedora da mão-de-obra”.
Num primeiro momento, a jurisprudência exigia que,
para a responsabilização da empresa tomadora, era necessária a comprovação da
inidoneidade financeira da prestadora dos serviços. No entanto, não podemos
comungar desse direcionamento, pois, o direito do trabalho, como é curial, tem
como uma de suas vigas-mestras o princípio protecionista e em conseqüência,
deve-se dar o maior número de garantias à satisfação dos créditos trabalhistas.
Ademais, a inidoneidade financeira da empresa prestadora pode advir a qualquer
momento, sendo que a permanência da empresa tomadora no pólo passivo da
ação trabalhista é medida de garantia de satisfação do débito. Cumpre consignar
ainda que, a empresa tomadora, em compondo o pólo passivo da ação, pode
exercer seu direito de defesa, com o devido contraditório. Nesse linha de
entendimento se alinha a presente ementa, da lavra da ilustre juíza Wilma
Nogueira de Araújo Vaz da Silva, do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da
2o Região, “in verbis”:
22
“Terceirização. Responsabilidade subsidiária. O fato
de o pacto revestir as formalidades legais ou de terem sido contratados serviços
que não se inserem na atividade-fim da reclamada não afasta a
responsabilidade subsidiária desta pelos créditos trabalhistas do reclamante.
Isto porque não se trata, no caso, de reconhecimento de vínculo empregatício
entre o autor e a tomadora: não se questiona que a efetiva empregadora do
reclamante foi a prestadora de serviços. Não se cogita, portanto, da
solidariedade entre ambas as empresas, hipótese em que qualquer destas,
indistintamente, poderia ser convocada a responder pela condenação. Trata-se,
isto sim, do reconhecimento de que a empresa que tomou os serviços do obreiro,
através da contratação de empresa prestadora, detém responsabilidade
secundária pela satisfação dos direitos trabalhistas deste, da qual não pode se
exonerar. Deriva essa orientação do princípio fundante do direito do trabalho
de que o empregado não pode correr os riscos do empreendimento, devendo
dispor do máximo de garantias para obter a pronta satisfação de seus créditos
trabalhistas. Nesse contexto se situa a construção jurisprudencial que atribui,
independentemente da regularidade da pactuação, responsabilidade pelos
direitos decorrentes do contrato de trabalho a ambas as empresas, prestadora e
tomadora de serviços, que igualmente se beneficiaram da disponibilização da
mão-de-obra. Busca-se com isso acautelar os direitos do trabalhador diante de
eventual inidoneidade econômica da empresa prestadora, conferindo-lhe a
possibilidade de execução da tomadora que necessariamente incorreu em culpa
in eligendo ou in vigilando (vale dizer, mal escolheu ou mal fiscalizou a empresa
com quem contratou).(02970004113, Ac. 8ª T. 02970676170)”.
A nosso ver, a responsabilidade da empresa tomadora
é objetiva e solidária. Objetiva, por aplicação do artigo 932, III, já que a empresa
prestadora é uma espécie de preposta da tomadora. Solidária, pela aplicação dos
artigos 942 do CC e 455, da CLT, já que contribuiu para o dano.
Em caso de fraude, tanto no trabalho temporário,
quando na terceirização, o vínculo de emprego deve ser reconhecido com a
23
empresa tomadora, sendo a empresa que intermediou a mão-de-obra, responsável
solidária (artigo 9º, da CLT).
4. Quais as principais diferenças entre os contratos de prestação de serviços,
empreitada e mandato. Em quais circunstâncias pode ocorrer a resolução de
tais contratos por onerosidade excessiva e quais as conseqüências jurídicas?
Fundamente.
Segundo Orlando Gomes14 sob a designação de contrato de
prestação de serviço, entende-se o “contrato mediante o qual uma pessoa se
obriga a prestar um serviço a outra, em troca de determinada remuneração,
executando-os com independência técnica e sem subordinação hierárquica. A
parte que presta o serviço estipulado não o executa sob a direção de quem se
obriga a remunerá-lo e utiliza os métodos e processos que julga convenientes,
traçando, ela própria a orientação técnica a seguir”.
Todavia, em muitos casos, a prestação prometida é o resultado do
trabalho, razão pela qual cabe destacar-se as relações que não configuram
empreitada, pois estas relações, em princípio, são aquelas na qual a atividade não
consiste na realização de obra material propriamente dita, não se subordinando ao
fato de se alcançar o resultado esperado, eis que origina obrigações de meio
(Orlando Gomes). A empreitada, entendida como o contrato em que uma das
partes obriga-se a executar, por si só, ou com o auxílio de outros, determinada
obra, ou a prestar certo serviço, particulariza-se em razão do alcance da palavra
obra, admitida como todo resultado a se obter pela atividade ou pelo trabalho.
Repousa a distinção das duas espécies contratuais, portanto, no interesse ao
resultado quando empreitada, ou no interesse pelo meio através do qual se obtém
o resultado, quando prestação de serviços.
Com boa distância conceitual das figuras anteriores, define-se o
mandato pela relação contratual através da qual uma das partes se obriga a
praticar, por contra da outra, um ou mais atos jurídicos, ou administrar interesse
14 Contratos, 24 ª edição, Editora Forense
24
por conta de outra pessoa, distinguindo-se substancialmente das demais espécies
aqui tratadas em razão da sua unilateralidade e da estreitíssima fidúcia.
A despeito da autonomia da vontade, primado sobre o qual
sustentou-se por muito a força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda),
cuidou o legislador hodierno em realinhar os conceitos pragmáticos da
conformação, manutenção e extinção dos contratos à sua atual concepção social.
Sem demérito da generalização da necessidade em se observar os ajustes sob
ótica umbilicalmente social, forçosa diante do tratamento constitucional de
supervalorização da dignidade da pessoa humana, há muito o Código de
Hammurabi grafou os pilares da teoria da imprevisão, com acentuado
desenvolvimento durante a Revolução Industrial, com a qual ressurgiu a vetusta
cláusula rebus sic stantibus. Esta cláusula ditou obrigatoriedade às exigências
contratuais somente se as condições econômicas do tempo de sua execução
fossem semelhantes às do tempo de sua celebração.
Há que se distinguir, todavia, a teoria da imprevisão da teoria da
onerosidade excessiva, pois embora calcadas em fundamentos semelhantes, não
corresponde esta exatamente àquela, já que mais focada na questão da
desproporção do que propriamente na imprevisibilidade.
Além de autorizar a resolução, ou seja, o desfazimento do contrato,
faculta a lei, amparada no mesmo substrato, a modificação eqüitativa de suas
condições, com aplicação conjunta do disposto no artigo 317 do Código Civil de
2002. Não comporta dúvida a aplicação da cláusula de onerosidade excessiva
sobre os contratos de empreitada e de prestação de serviços, porque bilaterais.
Dúvidas poderiam surgir quanto ao mandato, posto que unilateral em sua
execução. Todavia, positivou o artigo 480 do Código Civil a modificação de suas
condições de execução quando a obrigação couber a apenas uma das partes.
Ainda quanto ao mandato, embora a regra legal limite a aplicação
da teoria da imprevisão apenas autorizando à modificação, necessária é a inflexão
ao princípio da dignidade da pessoa humana, notadamente quando a execução do
contrato importar substancial onerosidade, capaz de ensejar ofensa ao princípio
25
grafado. A preservação dos princípios fundamentais suplanta a suposta restrição,
permitindo a resolução.
5.Diante de uma colisão de princípios constitucionais, como o julgador deve
dirimir o conflito. Justifique.
A questão de n. 05 da prova de segunda fase para o
ingresso na carreira da magistratura trabalhista (15o. região) poderia ser
respondida pelo candidato de diversas maneiras, e até por caminhos variados.
De uma maneira geral, seria importante fazer-se a
distinção entre "regras" e "princípios" como espécies do gênero "norma jurídica",
distinguindo a forma pela qual se resolve o conflito entre os primeiros (conflito
aparente) e entre os segundos (ponderação entre os princípios envolvidos por
meio de uma "concordância prática"), de tal forma a não excluir nenhum deles,
mas, casuísticamente, afastar a área de incidência de um em relação ao outro
(preservando o "núcleo essencial" de cada um).
A questão foi formulada com clareza e simplicidade,
abrindo espaço para o candidato expor com certa liberdade todo o seu
conhecimento sobre a matéria.
Para maiores esclarecimentos sobre a questão,
remetemos os candidatos e interessados ao texto que se segue, no qual,
procuraremos explorar de uma maneira mais exaustiva o tema em questão.
Gostaríamos de deixar claro que o respectivo comentário aborda o tema tratado
de uma forma ampla e um pouco mais aprofundada, o que não quer dizer que o
candidato deveria responder a questão nos termos estritos aqui apresentados.
COLISÃO ENTRE DIREITOS (E PRINCÍPIOS)
FUNDAMENTAIS.
O tema referente à colisão de direitos e
princípios fundamentais vêm ocupando um grande espaço junto aos
26
constitucionalistas do pós-segunda guerra, tendo ganho um novo impulso a partir
dos anos 70 do século XX em razão das formulações oferecidas, dentre outros,
por Ronald Dworkin [1] e Robert Alexy. [2] Recentemente, tal polêmica se viu
novamente reascendida em torno de colisões de direitos fundamentais que
opunham, por exemplo, o direito à intimidade e a privacidade pessoal à liberdade
de imprensa, ou mais recentemente, a liberdade científica ao direito ao
desenvolvimento da vida envolvidos na pesquisa com células tronco
embrionárias - ou até mesmo o debate em torno do sentido e do momento em que
o direito à vida se coloca. No âmbito do direito do trabalho, não são poucas as
situações em que tal tipo de colisão pode se manifestar, bastando para tal,
recordarmos que, no título dos princípios fundamentais, no art. 1 o., logo abaixo
do princípio maior ("metanorma") da dignidade da pessoa humana, em seu inciso
IV, o constituinte originário colocou, lado-a-lado, como fundamentos da
República Federativa do Brasil, "os valores sociais do trabalho" e da "livre
iniciativa"; bem como, no art. 170, que elenca os princípios que regem a ordem
econômica, estabeleceu-se no mesmo plano, o reconhecimento da propriedade
privada e a sua função social; e a livre concorrência associada à defesa do
consumidor, do meio ambiente e do pleno emprego. Enfim, no âmbito de uma
Constituição que assumidamente procurou conciliar os valores da sociedade de
mercado com o chamado "Estado Social de Direito", a colisão entre direitos e
princípios fundamentais envolvendo o capital e o trabalho tende a assumir uma
certa recorrência.
Teoria da Norma Jurídica:
Teria a chamada "norma jurídica" um sentido
unívoco? Nas últimas décadas vêm se firmando o entendimento segundo o qual a
norma jurídica possuiria uma dimensão de gênero, representando um campo
geral no interior do qual se desenvolveriam as chamadas "espécies normativas".
Com relação a estas, podemos dizer que hoje em dia contamos com duas
teorizações principais, a chamada teoria "bidimensional" e a teoria
"tridimencional" da norma jurídica. A primeira entende que o gênero norma
27
jurídica se manifesta através das espécies normativas denominadas por
"princípios" e "regras". À segunda, acrescenta às duas espécies normativas
relacionadas uma terceira: "os valores". Estes, situariam-se acima dos anteriores,
possuindo uma dimensão axiológica irradiante, conferindo unidade e sentido a
todo o sistema constitucional.
Distinção entre "valores", "princípios", e "regras":
Como já foi afirmado, valores, princípios e
regras são "espécies normativas", tratando-se pois de uma distinção no interior do
gênero "normas jurídicas". Os critérios de distinção oferecidos são múltiplos e
numerosos. O mais freqüentemente mencionado é o da "generalidade". Segundo
ele, enquanto os valores possuem um alto grau de generalidade, os princípios
possuiriam um grau intermediário e as regras seriam normas com um grau de
generalidade relativamente baixo. Como complemento necessário do critério de
generalidade, teríamos o critério do grau de determinação. Por este, quanto
menor a generalidade da norma, maior seria o grau de determinação que o
autorizaria a ser aplicado na resolução de casos concretos. Neste sentido, as
regras, que possuem baixa generalidade, sendo portanto integradas a um sistema
jurídico através de valores e princípios, possuem altíssimo grau de determinação
- sendo aptas por excelência para a aplicação em situações determinadas e
específicas. Já os valores, dotados de máxima generalidade, seriam por
excelência, normas de barreira (impedindo que outras normas que com ela
conflitem sejam admitidas no ordenamento jurídico em questão) e de
interpretação, compatibilizando regras e princípios aparentemente contraditórios
em razão de suas pautas axiológicas. Já os princípios, não obstante portadores de
significativa generalidade - o que lhes serve para conferir também dimensão
hermenêutica e axiológica -, possuem também um grau de significativa
determinação, o que para alguns, permitiria ao julgador, sempre que observar um
28
conflito substancial entre um valor constitucional e uma regra jurídica que
deveria realiza-lo, afastar a regra sob o pálio de inconstitucionalidade, e integrar
o litígio à ordem jurídica através da aplicação ao caso concreto dos princípios
que se mostrem aptos à concretização do valor.
Aqui, a maior dificuldade se apresenta em
torno de referências que se manifestam no ordenamento constitucional nos três
níveis simultaneamente, como é o caso, por exemplo, da "idéia" de igualdade. O
"valor igualdade" estaria presente de forma difusa em diversas partes de texto
constitucional - mas de forma especial no âmbito do art. 3o. e seus incisos, como
objetivo de toda a ordem jurídica constitucional; o "princípio igualdade", estaria
previsto explicitamente no caput do art. 5o., materializando-se historicamente
através da idéia de "isonomia"; quanto à "regra igualdade", estaria disposta em
diversas partes do texto constitucional em que este impõe comandos específicos
para a realização do valor igualdade em harmonia com as balizas inerentes ao
princípio da isonomia, como por exemplo, no dispositivo do art. 37, VIII, que
determina que a lei reservará percentual de cargos e empregos públicos para
pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão -
exemplo explícito e irrecusável de ação afirmativa estabelecido no corpo do
próprio texto constitucional.
Todavia, muitos entendem desnecessária a
distinção entre "valores" e "princípios", na medida em que o primeiro estaria
necessariamente expresso no interior do segundo, afirmando-se assim, que a
distinção que efetivamente importa seria aquela existente entre princípios e
regras. De uma maneira geral, podemos dizer que esta concepção seria a
dominante no âmbito da doutrina.
Resolução dos conflitos (aparentes) entre regras
jurídicas:
A colisão ou conflito entre normas jurídicas é
um fenômeno relativamente comum no âmbito do Direito. No entanto, a doutrina
29
é unânime ao apontar que, quando se trata de um conflito entre "regras" jurídicas,
tal conflito seria aparente. Isto porque, o conflito entre regras se daria no plano da
"validade", e neste, é inadmissível que duas regras possam ser simultaneamente
válidas, sendo que uma necessariamente deve excluir a outra. Neste plano, ou a
regra é válida e integralmente aplicável, ou não é válida, e deve ser afastada
integralmente. Teríamos aqui o princípio do "tudo ou nada" ( all or nothing).
Os mecanismos para a resolução deste
conflitos passariam basicamente pela aplicação dos critérios cronológico (lei
posterior afasta lei anterior); hierárquico (lei de hierarquia superior afasta lei de
hierarquia inferior); e da especialidade (lei especial afasta lei genérica). Sendo
assim, toda vez que duas regras jurídicas colidirem, uma necessariamente terá
que ser afastada para que a outra seja aplicada.
Resolução da colisão entre princípios
fundamentais:
Diferentemente do que ocorre com as regras, no
âmbito dos princípios e dos direitos fundamentais constitucionalmente
positivados (em relação aos quais uma dimensão principiológica lhes é inerente),
que possuem uma origem comum e representam desmembramentos do Princípio
da Dignidade da Pessoa Humana, em uma possível colisão de Direitos
Fundamentais, nenhum dos princípios colidentes pode ser suprimido. Desse
pensamento compartilha Gianformaggio, segundo a qual "os princípios jamais
são entre si incompatíveis; são sempre entre si concorrentes" [3]
Sendo assim, a colisão ocorrida em âmbito
constitucional, não pode ser considerada na mesma perspectiva do conflito entre
leis ordinárias, (também chamadas de "regras") ou seja, como um "conflito
aparente de normas" para cuja solução seriam utilizados os critérios cronológico,
hierárquico ou da especialidade, na forma do "tudo ou nada" ( "all or nothing"),
em que só se aplica um documento normativo daqueles que aparentemente
conflitavam. Essa solução é inaplicável, pois os princípios não se sujeitam a esses
30
critérios apontados pela doutrina, tampouco podem ser afastados um em razão de
outro.
Logo, por não haver hierarquia entre princípios, a
solução para a chamada "colisão de direitos fundamentais", é retirada da doutrina
estrangeira, que tem apresentado alternativas consistentes com respeito a esta
questão.
A primeira delas foi defendida por Konrad Hesse, [4]
e é chamada de "concordância prática", consistindo na busca pela otimização
entre os princípios e valores em jogo, estabelecendo uma harmonização,
procurando o melhor equilíbrio possível entre os princípios colidentes.
Outro posicionamento é o da "dimensão de peso e
importância", apresentado por Dworkin, em que entrecruzando vários princípios,
aquele sujeito competente a resolver o conflito, deve levar em conta o peso
relativo de cada um, não havendo portanto, negação de qualquer princípio.
Já segundo Robert Alexy, o ponto decisivo para a
distinção entre regras e princípios reside no fato de que os princípios são normas
que ordenam que algo seja realizado em uma medida tão alta quanto possível
relativamente às possibilidades jurídicas e fáticas. Princípios seriam, portanto,
"mandados de otimização", caracterizados pelo fato de poderem ser cumpridos
em graus diferentes e de que a medida ordenada depende, em seu cumprimento,
não só das possibilidades fáticas ("reserva do possível"), mas também jurídicas.
Segundo Alexy, os princípios seriam especialmente caros a uma teoria geral da
argumentação jurídica. Na argumentação orientada por princípios torna-se
especialmente claro o caráter da argumentação jurídica como caso especial da
argumentação geral prática ou moral.
31
Colisão de Direitos Fundamentais e Jurisdição
Constitucional:
Em ambas as teorias, o intérprete-aplicador deve
utilizar os "postulados normativos de aplicação" [5] da Proporcionalidade, da
Unidade da Constituição e da Concordância Prática como critérios superiores a
fim de tomar a melhor e mais justa decisão.
Qualquer que seja o método escolhido para dirimir os
conflitos entre direitos fundamentais, existe um limite a ser respeitado: o núcleo
intangível dos direitos concorrentes. [6]
O núcleo essencial de um direito fundamental é
composto de elementos mínimos que o fazem reconhecível, impedindo a
extinção do direito ou sua transformação em outra coisa, constituindo um mínimo
de valor inatacável, uma proibição absoluta.
Impera destacar que, por se tratar de um conceito
jurídico indeterminado, mensurar essa porção central constitui uma das mais
árduas tarefas atribuídas à práxis do Direito Constitucional.
Devido à complexidade da temática não é possível
estabelecer critérios absolutos ou anteriores aos conflitos, portanto, a resolução
do problema será sempre casuística, analisando cada situação fática, e
determinando qual a melhor forma de compor o embate principiológico.
[1] DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério.
São Paulo: Martins Fontes, 2002.
32
[2] ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos
Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Politicos y Constitucionales, 2001.
[3] GIANFORMAGGIO, Letizia. L´Interpretazione
Della Constituzione tra Applicazione Di Regole ed Argomentazione Basata su
Principi. Revista Internazionale di Filosofia del Diritto, IV serie - LXII, n. 1, pp.
65-103, mar. 1985.
[4] HESSE, Konrad. Escritos de Derecho
Constitucional. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1983.
[5] Ávila, Humberto. Teoria dos Princípios. São
Paulo: Ed. Malheiros, 2006.
[6] MENDES, Gilmar Ferreira. Colisão de Direitos
Fundamentais: liberdade de expressão e de comunicação e direito à honra e a
imagem. Informativo Consulex, Brasília, VII, n. 43, pp. 1050-1148, out. 1993.
6. Quanto à execução.
a) Quando o valor dos bens penhorados não garante integralmente a
execução são cabíveis embargos do executado? Justifique.
Em sua acepção literal a expressão “garantia do juízo”, ou da
execução, ordinariamente refere-se à exigência da integralidade do depósito ou
da penhora de bens para satisfazer a obrigação decorrente do título executivo ou
executório, incluindo-se neste o principal, correção monetária, juros e todas as
despesas processuais. Observada a questão sob esta vertente, somente a garantia
integral do juízo permite o exercício do direito de se resistir, juridicamente, à
execução forçada. Doutrinadores renomados, entre eles o insigne Manoel
Antonio Teixeira Filho, resistem contundentemente ao que denominam de
“perigosa tolerância” à admissão dos embargos à execução sem a plenitude da
garantia, sustentando que a situação em foco ofende à letra e ao espírito da norma
33
legal e rende oportunidade para atos atentatórios ao direito do credor por parte de
maus devedores.
A posição é respeitável, mas ignora difundida realidade vivenciada
nos fóruns da Justiça do Trabalho. Não se pretende o malferimento do império
decorrente da natureza alimentar do crédito trabalhista, ao contrário, objetiva-se
acréscimo de proteção no momento mais crítico para a satisfação deste. Citado
por José Augusto Rodrigues Pinto (in Execução Trabalhista, 9ª Edição, LTr, pág
190), à compreensão transcreve-se o notável estudo do Juiz Federal Hugo de
Brito Machado (“Penhora insuficiente e direito de embargar”, Salvador, seção
Judiciárias, p. 6, edição de 06.11.2000):
“Alguns juízes, em algumas seções judiciárias federais, têm entendido que,
sendo o valor dos bens penhorados insuficiente para o pagamento total do
crédito tributário em execução, não devem ser conhecidos os embargos do
devedor e, mesmo sem a apreciação destes, deve prosseguir a execução com
a remoção e o leilão de bens penhorados.
Coloca-se, então, a questão de saber se em tais casos o executado tem ou
não direito à apreciação dos seus embargos. Questão que há de ser
respondida de afirmativamente, ou se estará negando direitos garantidos
pela Constituição e reconhecendo ao Estado o direito de confiscar bens do
contribuinte sem que a este esteja concedida a oportunidade de defesa.
É certo que nos termos do art. 16, 2166, da Lei de Execuções Fiscais, não
serão admissíveis os embargos do executado antes de garantia a execução.
O intérprete de normas jurídicas, porém, não pode desconhecer que o
significado literal é insuficiente, impondo-se a busca do sentido das normas
com o auxílio dos elementos teleológico e sistêmico. Nem pode
desconhecer a supremacia constitucional, posto que a Constituição é a
norma de mais alta hierarquia no sistema jurídico”.
A referência aos métodos interpretativos nos alinha no caminho da
solução mais consentânea à realidade e à imprescindibilidade do direito do credor
34
em ver satisfeito o alimento. Deparando-se o magistrado com o esgotamento dos
bens do executado e ao adotar a norma em sua literalidade, esbarra-se no direito
constitucional de defesa do devedor, cujo exercício se maneja apenas com a
garantia integral da execução. Com isto inviabiliza tão-somente o direito do
credor trabalhista em receber título alimentar, pois não admitirá os embargos e
tampouco entregará a penhora parcial a este sem antes oportunizar o direito de
defesa.
Diante da garantia parcial e do esgotamento da força executiva do
devedor, deverá o juiz admitir os embargos, processando-os e julgando-os. Se
improcedentes, alienará o patrimônio penhorado para entregar o produto ao
trabalhador-credor, quando então se torna moralmente admissível a suspensão da
execução para se aguardar nova penhora. Este procedimento atende ao interesse
do Estado, porque adiante a satisfação da prestação exigida; ao credor, porque
antecipa o recebimento de parte da obrigação; ao devedor, porque livra-se dos
acessórios, da correção do principal e da depreciação do bem indisponibilizado
pela penhora.
b) Na hipótese de penhora em dinheiro, qual o termo inicial de contagem de
prazo previsto no art. 1048 do CPC para o ajuizamento dos embargos de
terceiro? Fundamente.
Especificamente quanto a execução, estabelece o artigo 1048 do
CPC a faculdade de oposição de embargos de terceiro no prazo de até cinco dias
depois da arrematação, adjudicação ou remição, enquanto não assinada a
respectiva carta. Extraída em sua literalidade, a regra olvida-se do sistema
orgânico da execução, quedando-se inerte em solver a hipótese de a garantia
concretizar-se através de penhora de bem eleito com preferência legal sobre os
demais.
Aliás, a gradação fixada pelo artigo 655 da CLT atende a princípio
geral de execução. Dos três módulos da execução, acertamento, constrição e
alienação, preocupou-se o legislador apenas quanto ao último para a elaboração
da norma destinada à proteção do terceiro contra o império da execução. A força
35
desta está justamente na constrição e o sentido “paradoxalmente pedagógico que
a violência da apreensão reveste” (José Rodrigues Augusto Pinto, in Execução
Trabalhista), posto pretender demonstrar que o Estado não nutre o propósito de
desapossar ninguém de seus bens, senão persuadi-lo a atender a autoridade do
crédito executivo.
Ante a omissão, e por não se eximir o julgador de emitir decisão
quando com esta deparar-se, cabe a integração da norma. E o norte da solução da
questão está em outro princípio, o da publicidade. A conjugação da obrigatória
publicidade dos atos judiciais e da regra geral de prazos para o exercício do
direito em opor-se à execução trabalhista, autoriza concluir dispor o terceiro de
05 (cinco) dias contados a partir do momento em que inequivocamente
cientificou-se da constrição sobre seu patrimônio.
Esgotam-se concomitantemente, se concomitante a ciência ao
devedor, as oportunidades ao exercício de ações constitutivas negativas da
execução, quando então em favor do credor, no ápice da efetividade, se entrega o
produto da atividade estatal.
c) É possível a penhora de salários no processo trabalhista? Justifique.
A resposta importa na valoração de duas hipóteses jurídicas. A
primeira delas, por decorrer de regra positiva de nosso ordenamento jurídico, a
obstar contundentemente qualquer tangenciamento dos salários através de
constrição judicial (artigo 649, inciso IV, do CPC), cuja aplicação concilia-se ao
princípio exposto pelo artigo 620 do Código de Buzaid, consoante o qual o
processamento da execução deve operar-se pelo modo menos gravoso ao
devedor, livrando-o de tratamento degradante ou tendente a restringi-lo dos
meios mínimos à sua subsistência.
A segunda hipótese refere-se à candente admissão de acesso aos
salários do devedor em obrigação trabalhista, fundamentada na aplicação do
constitucional princípio da proporcionalidade. A expressão princípio remete-nos
àquilo que serve de base, de fundamento, de enunciado lógico admitido como
condição de validade das demais asserções que compõem qualquer
36
conhecimento, ensinando-nos o mestre Celso Antonio Bandeira de Melo15que
“violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A
desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento
obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de
ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido,
porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão dos seus valores
fundamentais, agressão ao seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura
mestra”.
Diante da colisão de normas, interesses ou princípios, destaca-se o
já alinhado primado da proporcionalidade, conhecido como o princípio dos
princípios, sempre erigido como regra para se lidar com os demais princípios.
Seu fundamento está em conceder tratamento justo e equilibrado às antinomias
sem postar à inaplicabilidade qualquer regra jurídica tida como potestade e
tampouco deixar-se ao alvedrio do absurdo ou da arbitrariedade as garantias
igualmente preconizadas pelo ordenamento jurídico. Visa a conciliação das
garantias entre os homens, de modo a respeitar o interesse de um quando
contraposto ao de outro.
Autoriza-se, portanto, a criteriosa avaliação, em cada caso concreto,
sobre a inaplicabilidade da regra positivada pelo inciso IV, do artigo 649, do
CPC, pois este obtuso limite não mais se presta a exaurir todas as necessidades
da sociedade, pena de se prestigiar, em ofensa ao princípio da proporcionalidade,
apenas o devedor.
Vale a citação da orientação de Orlando Gomes e Élson
Gottschalk16:
“As divergências entre os autores surgem quando se trata de determinar a
extensão que deve ser dada à medida protetora. Sustentam alguns que a
proteção deve ser abosuta, cobrindo todo o salário do empregado, qualquer
15 Limitação dos Juros nos Contratos Bancários, Livraria do Advogado/Editora, 2002, PA, p. 57 apud Francisco Alberto da Mota P. Giordani, in O Princípio da Proporcionalidade e a Penhora de Salário, Revista LTr, nr. 05, ano 70.16 Curso de Direito do Trabalho, Forense, 15ª edição, 1998, apud Francisco Alberto da Mota P. Giordani, Ob., cit
37
que seja a sua importância, origem ou forma. Entendem outros que só se
justifica parcialmente, quer em relação ao montante da remuneração, que
em relação à forma do pagamento. Para os adeptos dessa corrente
doutrinária, a impenhorabilidade somente deve existir em relação à
determinada parte do salário, podendo a outra ser objeto de penhora. Outros
se inclinam para um sistema de penhorabilidade progressiva pelo qual a
percentagem penhorável será tanto maior quanto maior for o salário que o
empregado percebe. Finalmente, há quem pense que certas formas de
remuneração, como, por exemplo, a participação nos lucros da empresa,
posto que tenham natureza de salário, não devem estar isentas de penhora.
A impenhorabilidade absoluta não se justifica para empregados que
percebem salário de alto padrão, muito superior ao necessário para atender à
sua subsistência. Por isso, é vitoriosa na doutrina a tendência para admitir a
penhorabilidade parcial ou progressiva”.
A não se autorizar a penhora de salários, adotando-se o princípio da
proporcionalidade, projeta-se ofensa à igualdade material preconizada pela
Constituição da República e malversação do império da coisa julgada. Estão os
fóruns da Justiça do Trabalho abarrotados de casos reais em que há a
desconsideração da personalidade jurídica do executado com direcionamento da
execução ao sócio, pessoa natural, ao final protegido pela corrente positivista de
aplicação da impenhorabilidade absoluta dos salários. Com isto prestigia-se
aquele que concorre com os lucros, mas não concorre com as perdas em
detrimento daquele que não concorre com os lucros, mas perde o alimento.
Assim, adotando-se critério de justiça, há a possibilidade da
penhora sobre salários no processo trabalhista, de modo a se garantir não
somente a sobrevivência digna do devedor, mas também a dignidade do credor já
comprometido em seu direito à sobrevivência.
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07. A sentença normativa proferida em dissídio coletivo de natureza
econômica produz coisa julgada material ou também material?
Atualmente, muito se tem discutido sobre o Poder
Normativo da Justiça do Trabalho. Para alguns, diante da relação dada ao artigo
114, p. 2º, da CF pela EC 45/04, o Poder Normativo da Justiça do Trabalho foi
extinto, pois para o ingresso do dissídio coletivo há necessidade de comum
acordo entre as partes.
Acreditamos que o Poder Normativo da Justiça do
Trabalho não fora extinto e sim restringido, pois, a nosso ver, fora criada uma
condição da ação específica, que é o a necessidade do “comum acordo”. Essa
condição da ação pode ser preenchida a qualquer tempo antes do julgamento, ou
até de forma tácita.
A Justiça do Trabalho ao apreciar um dissídio
coletivo de natureza econômica, exerce o seu Poder Normativo, pois cria novas
condições de trabalho aplicáveis no âmbito das categorias profissional e
econômica. Por isso, a Justiça do Trabalho não aplica o direito pré-existente e
sim cria um novo direito. Por isso, para alguns, a sentença produzida em dissídio
coletivo de natureza econômica é constitutiva, para outros uma decisão de
natureza dispositiva.
É da essência da sentença normativa ser provisória e
precária, pois, conforme reiteradamente vem decidindo o STF, o Poder
Normativa da Justiça do Trabalho atua no branco da lei. Porém editada a lei,
norma de caráter imperativo, esta se sobrepõe a todas as demais fontes
secundárias do direito, como a norma coletiva e a sentença normativa.
A doutrina tem se posicionado no sentido de que a
sentença normativa não faz coisa julgada material, somente formal, referente ao
esgotamento das vias recursais existentes. Nesse sentido, não comporta
desconsideração pela via da ação rescisória. Essa é a orientação da OJ 40, da
SDI-2, do C. TST.
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Como bem adverte Ives Gandra Martins Filho17, a
coisa julgada material, no caso da sentença normativa, fica jungida às vantagens
já recebidas pelo empregado durante sua vigência, não, porém em relação às
parcelas que poderia vir a perceber durante o prazo total de sua vigência. O art.
6º, p. 3º, da Lei n. 4725/65, vai ainda mais longe em relação a tais pagamentos já
efetuados pelo empregador com base em sentença normativa regional, quando
impede a repetição do indébito se houver reforma da decisão pelo TST”.
17 Martins Filho, Ives Gandra. Processo Coletivo do Trabalho, 3ª Edição, São Paulo, LTR, 2003, pág. 211.
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