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ANA CECÍLIA DOS SANTOS COMPOSIÇÃO MUSICAL: ESTUDOS DIRIGIDOS PARA AUDIOVISUAL Universidade Federal de Mato Grosso -UFMT Instituto de Linguagens -IL Cuiabá 2008

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ANA CECÍLIA DOS SANTOS

COMPOSIÇÃO MUSICAL: ESTUDOS DIRIGIDOS PARA AUDIOVISUAL

Universidade Federal de Mato Grosso -UFMT Instituto de Linguagens -IL

Cuiabá 2008

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ANA CECÍLIA DOS SANTOS

COMPOSIÇÃO MUSICAL: ESTUDOS DIRIGIDOS PARA AUDIOVISUAL

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem do Instituto de Linguagens da Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem. Área de concentração: Estudos Literários e Culturais. Linha de pesquisa: Música - educação, estética e amálgamas sonoros. Orientador: Profª Dr. Roberto Pinto Victorio.

Universidade Federal de Mato Grosso -UFMT Instituto de Linguagens -IL

Cuiabá 2008

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FICHA CATALOGRÁFICA S237c Santos, Ana Cecília dos Composição musical: estudos dirigidos para audio-

visual / Ana Cecília dos Santos. – 2008.

146p. : il. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de

Mato Grosso, Instituto de Linguagem, Pós-graduação em Estudos de Linguagem, Área de Concentração: Estudos Literários e Culturais, Linha de Pesquisa: Música – Educação, Estética e Amálgamas Sonoros, 2008. “Orientação: Prof. Dr. Roberto Pinto Victorio”.

CDU – 781.5:778.534.45 Índice para Catálogo Sistemático 1. Música – Composição 2. Música – Composição – Audiovisual 3. Filmes – Trilha sonora 4. Trilha musical – Audiovisual 5. Música – Audiovisual – Tendências 6. Filmes – Musica – Gêneros

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BANCA EXAMINADORA

_________________________________ Prof. Dr. Roberto Pinto Victorio – Orientador

Universidade Federal do Mato Grosso

__________________________________ Profª. Drª. Cássia Virgínia Coelho de Souza

Universidade Federal do Mato Grosso

__________________________________ Profª. Dr. Sílvio Ferraz

Universidade Estadual de Campinas

__________________________________ Profª. Drª. Teresinha Rodrigues Prada Soares

Universidade Federal de Mato Grosso

04/ abril / 2008

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Ao documentarista Aroldo Máximo

a quem devo o tema

e grande parte das minhas reflexões.

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AGRADECIMENTOS

A Deus que, fora do pensamento diacrônico e humano, pôde planejar e reunir pessoas tão importantes para a minha vida, como:

Meu orientador Dr. Roberto Victorio - que com paciência esteve ao meu lado durante todo o percurso da construção deste objeto, em especial pelas aulas de composição; Os professores da banca - Dr. Sílvio Ferraz, Dra Teresinha Prada, por contribuírem de forma grandiosa nas minhas reflexões; e em especial a Dra Cássia Virgínia, pelas aulas na disciplina Estética da Música e todos os momentos de reflexão; Os entrevistados - por disporem das suas experiências profissionais e pessoais; a fim de auxiliar a construção desta temática, que de forma geral ainda encontra-se muito carente de pesquisas. E em especial ao professor Dr. Ney Carrasco, por disponibilizar seus estudos, considerados de relevância ímpar para a temática no país; Os professores do MeEL, em especial a Alice Sabóia, Franceli Mello, Juan Mederos e Ludimila Brandão, por contribuírem para a construção deste objeto em suas disciplinas; Os colegas Ândria, Celso, Fernando, Gibran, Marly, Noêmia, Paulo, Vera e em especial a querida dupla Eva e Ismar – pela amizade, as horas de estudo, construção e discussões inúmeras; A coordenadora do MeEL professora Dra Maria Rosa e Genessy, secretário do curso - por sua atenção administrativa e amiga. Ticiano (editor das partituras) e André (editor de vídeo e tradutor) - muitíssimo obrigada; A Minha mãe, meu filho, familiares e amigos (em especial Luciene e Munique), que pacientemente me ampararam nas horas difíceis. O pastor Rubens Ciro de Souza, por suas orações.

A todos, que de uma maneira ou de outra, auxiliaram-me na realização desta pesquisa. Meus sinceros agradecimentos.

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A pesquisa é a forma mais resistente e, por vezes, a mais louca, da utopia.

Pierre Boulez

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Resumo SANTOS, A. C. Composição musical: estudos dirigidos para audiovisual. O contexto audiovisual a que se refere o trabalho é a produção de filmes, curtas e documentários. A música original para este contexto é tratada com a contextualização de entrevistas com diretores e compositores atuantes na área, bem como bibliográficas específicas. Neste ambiente a música desenvolve-se dentro de características funcionais servindo à narrativa audiovisual, ao mesmo tempo em que relaciona e hibridiza com as demais linguagens utilizadas no meio. A narrativa audiovisual é entendida como o conceito de contraponto musical. Desta forma as linguagens utilizadas articulam-se formando relações móveis e constantemente novas. Em contraposição toma-se a música de concerto do século XX para contextualizar o estudo específico da manipulação dos elementos sonoros como elementos puros, tal qual o signo puro abordado pelos estudos de C.S. Peirce. Este estudo é desenvolvido através da contextualização da mudança sensorial e paradigmática da exploração sonora obtida para o século XX; apontamentos sobre a importância do estudo de tendências isoladas, para a compreensão específica do material estudado; e a proximidade dos conceitos que ‘música’ e ‘comunicação’ desenvolvem no século referido, possibilitando a articulação entre os campos. Dois estudos composicionais são construídos como praxe da manipulação de sonoridades musicais isoladas e outras duas obras direcionadas como re-leitura sonora do documentário “Em Trânsito” (RIVAS, 2006). Por fim, é gerado um estudo comparativo entre a trilha original do referido documentário e os estudos desenvolvidos para este trabalho. Em tese a música pertence a um campo autônomo desenvolvido por suas próprias especificidades, mas direciona-se diferentemente quando atuante em outro meio. Esta relação é claramente observada no contexto audiovisual. Palavras-chave: trilha musical; composição; audiovisual.

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Abstract SANTOS, A. C. Musical composition: directed studies for audiovisual. The audiovisual context that relates the work is the production of films, short films and documentary films. Original music for this context is dealt with the contextualization interviews with directors and operating composers in the area, as well as specific bibliography. In this environment the music is developed inside of functional characteristics serving to the audiovisual narrative, at the same time where it relates and hybridize with the others languages used. The audiovisual narrative is understood as the concept of musical counterpoint. So, the used languages are articulated, forming constantly mobile new relations. Against it with the music of concert from XX century used to contextualize the specific study of the manipulation of the sonorous elements as pure elements, such which the pure sign analyzed for the studies of C.S. Peirce. This study it is developed through the contextualization of the sensorial and paradigmatic change of the gotten sonorous exploration for XX century; notes about the importance of the study of isolated trends, for the specific understanding of the studied material; and the proximity of the concepts that `music ' and `communication ' develop in the cited century, making possible the joint between the structures. Two compositional studies are constructed as custom of the manipulation of isolated musical noises and others two directed compositions as proposal of sonorous re-reading of the “Em Trânsito” (RIVAS, 2006) documentary film. Finally, a comparative study is generated between the original track of the documentary film and the studies developed for this work. In thesis music belongs to an independent area developed by its proper specificities, but it is directed differently when operating in another way. This relation is clearly observed in the audiovisual context. Keywords: sound track; composition; audiovisual.

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SUMÁRIO SUMÁRIO .................................................................................................................................. 9 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 11 PARTE I – MÚSICA E AUDIOVISUAL ................................................................................ 18 1.0 COMPOSIÇÃO MUSICAL PARA AUDIOVISUAL: UMA ABORDAGEM QUALITATIVA ....................................................................................................................... 19

1.1 Diretores ......................................................................................................................... 20 1.1.1 A importância dada à música nos trabalhos audiovisuais ....................................... 20 1.1.2 Sobre o termo: trilha sonora .................................................................................... 21 1.1.3 As composições originais ........................................................................................ 22 1.1.4 Imagem-som: pré-concepção ................................................................................... 25 1.1.5 Construção de ambiências ....................................................................................... 26 1.1.6 Musicas, gêneros e enredos. .................................................................................... 28 1.1.8 Diretor, roteirista e compositor ................................................................................ 32

1.2 Compositores .................................................................................................................. 32 1.2.1 Problemática sobre o tema ....................................................................................... 33 1.2.2 Dificuldades nos trabalhos com música original ..................................................... 34 1.2.3 Métodos de composição .......................................................................................... 35 1.2.4 O auxílio das técnicas composicionais .................................................................... 36 1.2.5 ‘música’ e ‘música para audiovisual’, existe? ......................................................... 37 1.2.6 Processo de composição sobre as imagens .............................................................. 39 1.2.7 As músicas de caráter sonoplástico ......................................................................... 40 1.2.8 Canções e músicas já existentes .............................................................................. 41 1.2.9 Sobre o processo de materialização das idéias musicais ......................................... 43 1.2.10 Apontamentos finais .............................................................................................. 44

1.3 Dados bibliográficos ....................................................................................................... 45 1.3.1 Recursos tecnológicos ............................................................................................. 45 1.3.2 Técnicas ................................................................................................................... 46 1.3.3 O diretor ................................................................................................................... 47 1.3.4 Divulgação do produto nacional e dificuldades encontradas .................................. 48 1.3.5 Uma narrativa musical? ........................................................................................... 49 1.3.6 Criação de tendências .............................................................................................. 54 1.3.7 As composições antecedentes das imagens ............................................................. 54 1.3.8 As canções ............................................................................................................... 55

1.4 Um caso específico sobre as canções ............................................................................. 57 PARTE II – DAS IDÉIAS AO MATERIAL SONORO .......................................................... 62 2.0 COMPOSIÇÃO MUSICAL ............................................................................................... 63

2.1 A diversidade da música do século XX .......................................................................... 67 2.2 As tendências musicais do século ................................................................................... 71 2.3 A mudança sensorial produzida pela notação: música e comunicação .......................... 73

3.0 DESCRIÇÃO DOS ESTUDOS COMPOSICIONAIS ...................................................... 77 3.1 Estudo N.1 ...................................................................................................................... 78 3.2 Estudo N.2 ...................................................................................................................... 83 3.3 Estudo N.3 ...................................................................................................................... 88 3.3 Estudo N.4 ...................................................................................................................... 93

PARTE III – O ESTUDO “EM TRÂNSITO” ......................................................................... 99 4.0 DOCUMENTÁRIO “EM TRÂNSITO” .......................................................................... 100

4.1 Trilha sonora original ................................................................................................... 101 4.1.1 Descrição da trilha ................................................................................................. 101

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4.1.2 Enfoque sobre a trilha original .............................................................................. 103 4.2 Os estudos composicionais: direcionamentos no documentário “Em Trânsito” .......... 108

PARTE IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 114 CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 115 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 118 GLOSSÁRIO .......................................................................................................................... 124 ANEXO 01 – PARTITURAS ................................................................................................ 129 ANEXO 02 – CD .................................................................................................................... 148 ANEXO 03 – DVD. ............................................................................................................... 149

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INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo levantar discussões sobre a produção musical,

mais especificamente sobre composição original para audiovisual. Delimito o campo,

uma vez que observo a ausência de estudos sobre o tema em nossa região (Cuiabá-

MT), contribuindo, desta forma, com um material científico de cunho bibliográfico,

com pesquisa de campo, estudos composicionais na área, bem como reflexões

advindas do processo de construção do objeto de estudo.

No decorrer de oito anos tive a oportunidade de participar de alguns projetos

audiovisuais desenvolvidos por diretores da região e patrocinados por leis de

incentivo a cultura do estado (MT), onde pude observar uma nítida carência de

investimentos, financeiro e profissional, na área da música para o audiovisual.

De forma majoritária, as produções audiovisuais desenvolvidas no estado tem

como principais incentivadores às leis de fomento à cultura, federais, estaduais e

municipais; ou grandes empresas privadas que, amparadas pelas mesmas leis,

incitam atividades culturais, ficando isentas de parte dos seus impostos tributados ao

Governo.

Os recursos direcionados a realização de trilha sonora, na maioria dos casos,

são mínimos ou mesmo inexistentes. Esta situação não é observada apenas em

Mato Grosso, mas em toda produção do nosso país: uma herança desde sua

gênese. Isso, supostamente, auxilia-me a pensar sobre respostas quanto ao

descarte de trilhas sonoras originais em detrimento de músicas e sonoridades

elaboradas para outros fins que não o da obra em questão.

Apreciar o corte orçamentário como causador de baixa qualidade nas

produções locais é uma perspectiva apocalíptica, mas totalmente considerável. Com

relação a essa questão, Tony Berckmans (2006) aponta que a falta de investimentos

na área, no período cinemanovista, contribuiu para a atuação dos próprios diretores

como produtores musicais e compositores das suas próprias trilhas.

Da mesma forma, sem o devido incentivo financeiro é quase um projeto

utópico desenvolver profissionais na área capazes de desempenhar linhas de

pesquisa e produção voltadas ao tema. O desenvolvimento de cursos, seminários,

festivais, grupos de pesquisa e formação, requer investimentos consideráveis.

Sobre a disponibilidade de orçamento para trilha sonora Julio Medáglia (2007)

fala que, este aspecto, é a última coisa a ser pensada na produção cinematográfica:

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gasta-se toda a verba na produção do filme e com o que resta procura adequar os

gastos para a produção musical. O compositor ainda aponta que se não fossem os

músicos brasileiros serem profissionais e conscientes dentro desta situação os

resultados podiam ser mais desastrosos.

Devo lembrar que, quanto a formação profissional, somente no ano de 2006

cursos de cinema (pós-graduação) aparecem em Cuiabá, na tentativa de formar

profissionais capacitados na área; cursos, que por sua vez, também buscam

delimitar a utilização das trilhas sonoras em ambiente audiovisual.

Quero considerar aqui a pesquisa (SANTOS,2005) em que investiguei a

utilização da música por acadêmicos dos cursos de graduação em comunicação

social de três universidades de Cuiabá – MT. O objetivo era investigar a necessidade

do estudo da música em ambiente acadêmico e averiguar como ocorria a

manipulação de materiais sonoros nas produções de jingles, spots, backgrounds e

trilhas. Amparada pelos parâmetros curriculares dos cursos e bibliografias afins,

observei as exigências da área sobre os aspectos musicais e, através das

entrevistas, pude comparar a formação dos alunos.

O resultado desta pesquisa mostra enfaticamente a formação bem

estruturada de suas produções dentro da manipulação dos materiais visual e textual,

entretanto, mostra a nítida carência de estudos mais aprofundados sobre a

manipulação de materiais sonoros (direção, produção e edição).

Ponderando esta situação, aponto ainda, através das observações no

decorrer do contato com o campo, que os profissionais (diretores e produtores)

envolvidos nas produções audiovisuais (filmes, curtas e documentários) do estado

são, em sua grande maioria, formados nos cursos de graduação em comunicação

social nas diversas habilidades; ou mesmo sem nenhuma formação, mas

apresentando em seu currículo atividades profissionais desenvolvidas na área.

Desta maneira, observo uma possível carência de profissionais da área do

audiovisual que tenham um conhecimento musical sistematizado, a fim de construir,

manipular e desenvolver, de forma crítica, os materiais sonoros utilizados em suas

produções.

Neste sentido, justifico meu interesse pelo tema “composição musical para

audiovisual” e indico as questões: Qual seria o tratamento da música em ambiente

audiovisual? De que forma os elementos musicais se relacionariam com as demais

formas de linguagem utilizadas no audiovisual? Pode haver uma divergência de

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sentido entre “música” e “música para audiovisual”? a relação da música em

ambiente audiovisual elegeria novas formas de significação? Como falar sobre

significados em música? Até que medida as técnicas composicionais auxiliam a

composição de trilhas sonoras?

Parto do princípio de que a música, como linguagem isenta de significados, é

pertencente a um campo perceptível aberto, onde as possibilidades de escutas são

diversas e variáveis. E isso dependerá intrinsecamente do nível de percepção do

ouvinte e seu contexto específico. Desta forma, como seria sua atuação em

ambiente integrado às linguagens visual e textual?

Tenho, inicialmente, por referencial teórico os trabalhos de Charles Sanders

Peirce (1977). Mais especificamente, o Signo, para o autor, é definido como um

cognoscível determinado por algo que não ele mesmo - o objeto - ao mesmo tempo

em que este determina o interpretante. Isso proporciona dizer que o signo acaba por

criar algo na mente do intérprete conduzido pelo próprio Signo e, relativamente, pelo

Objeto do signo. Essa criação estará subentendida dentro do universo deste

respectivo signo, o que me faz crer que seu meio também determinará o signo. E de

acordo com o mesmo autor a significação será corretamente empregada quando o

sentido e o termo for familiar, ou mais próximo das concepções ou relações

intelectuais entre conceitos e, mais ainda, se incidir na noção dos possíveis

resultados.

Langer (1987), por sua vez, adverte: “manifestadamente ela (arte) não

transmite proposições, como o fazem os símbolos literais” (LANGER, 1987 p.207); o

que significa dizer que, mesmo que atribuamos valor, as formas artísticas nunca

poderão dizer o que significam.

Para a autora, no caso mais específico da música sua função é não-

representativa em quaisquer das suas formas de elaboração “Ela exibe a forma pura

não como embelezamento, mas como sua própria essência” (LANGER, 1989 p.210).

Entretanto, Langer não descarta em nenhum momento a existência desta forma

perceptiva e será, possivelmente, neste sentido, que encontramos um paradoxo: na

medida em que a música é isenta de significados poderá abarcar qualquer atributo.

A partir disso, observamos historicamente correntes filosóficas que atribuem à

música tanto valores de estímulo, quanto de sintomas emotivos. Langer (1989) faz

uma abordagem histórica onde situa a crença de que a música possa despertar

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emoções, mas mostra também que o afeto dura apenas no período em que ocorrem

tais influencias.

O caráter auto-expressivo da música é explicado pela autora como “hábitos

verbais”, ou seja, os estímulos e suas respostas serão expressos conforme as

especificidades culturais de cada grupo social. E usar a música como forma de

expressar nossa subjetividade credita possibilidades, mas esperar que essa

expressão seja compreendida de forma literal seria impossível.

Sekeff (1998), por sua vez, leva-me a refletir sobre a essência e compreensão

dos espaços criados entre o objeto (música) e seu ouvinte. A autora afirma que,

juntamente com a música, é construído um ambiente próprio que poderá ser

preenchido pelo outro, ou por nós mesmos. Isso acontece devido ao caráter da

música de comunicar expressões não denotativas, de forma e sugerir espaços para

possíveis criações. A música é um sistema de signos, promovendo comunicação e expressão. Sistema sintático de semântica autônoma é linguagem portadora de qualidades, linguagem icônica, que só fala dela mesma e, por isso, com um alto poder de sugestão. (SEKEFF, 1998 p. 36)

A partir destes espaços criados e dentro do seu caráter simbólico, a música

atua com a construção de cadeias sígnicas criadas convencionalmente, o que

implica dizer que ela será agregada a valores construídos culturalmente. Neste

sentido, a exteriorização musical através dos signos – gráficos -, próprios da música,

não atribui valor simbólico ao discurso musical (constituição e estruturação musical).

A construção valorativa, propriamente dita, será responsável por esse processo.

Estes apontamentos, partindo do campo da semiótica dos signos, com Peirce

e Langer, e desaguando na percepção dos signos musicais, com Sekeff, fazem

parte da delimitação temática do que entendo sobre música como “não linguagem”,

desprovida de significações, mas que ao mesmo tempo indica-nos espaços

prováveis de escutas possíveis; espaços estes que podem apontar para ambientes

comunicáveis ou informativos.

Desta forma, não é meu objetivo adentrar profundamente no conceitualização

do objeto música, uma vez que, certamente, restringiria sua totalidade existencial.

Pretendo apenas indicar o caráter expressivo e comunicativo da música fixando

minha posição sobre a temática antes de desenvolver as problemáticas

subseqüentes.

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Para esclarecer o processo de re-significação da música em ambiente

específico, vale apontar, também, o processo de semi-informação, desenvolvido por

Adorno (1968). O Autor aborda questões sobre a padronização das sonoridades

musicais, o que proporcionará a cristalização do conceito de estética musical, mais

propriamente dita, sobre a sua poética.

Segundo Adorno (1968), no processo de semi-informação da música dentro

da Industria Cultural, certas produções musicais são lançadas no mercado e tornam-

se aclamadas por uma multidão de ouvintes, os quais, através de processos de

recepção, se identificam com o objeto. Imediatamente, os elementos musicais

utilizados na composição tornam-se componentes básicos de sucesso e - uma vez

que os próprios produtores fazem parte dos domínios da divulgação - estas mesmas

matrizes serão utilizadas como fórmulas de abertura para um mercado promissor.

Midiatizada, a sonoridade criada dentro desse processo torna-se um padrão

que, fora deste, não terá alcançado os objetivos mercadológicos de compra e venda.

Neste sentido, o campo comunicativo se fecha para a aceitação de novas formas e

pluralidades musicais. Conseqüentemente, esta situação acarretará a diminuição do

senso crítico, o estabelecimento de regras dentro do campo da criação musical do

mercado e a perpetuação de estereótipos, os quais servirão como parâmetro para

novas produções.

Mesmo que os processos comunicacionais do campo social tenham se

modificado e estejam distanciados de forma considerável entre Adorno e as atuais

teorias, observo que o processo de semi-informação, desenvolvido pelo autor,

encaixa possivelmente nas atuais circunstâncias de mercado e bens simbólicos.

Especifico ainda que, quando trato de “formas musicais estereotipadas”,

isento-me de qualquer depreciação valorativa, tratando o tema apenas como uma

manifestação resultante de processos particulares e próprios de um meio. Este será

o caso, quase que exclusivo, do fardo que as “canções” carregam dentro da sua

existência.

Delimitando mais especificamente o tema, o “audiovisual” tratado neste

trabalho refere-se a filmes, curtas e documentários. Esta escolha serve apenas

como recorte, sabendo da situação atual de que o campo ainda encontra-se aberto a

novas formas de audiovisual como: desenhos, mangas, jogos, multimídia,

hipermídia, teatro e outras manifestações que utilizam as linguagens verbal, visual e

sonora, além das respectivas formas de relação.

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Isso não significa que não posso, ao longo do meu discurso, pautar

ambiências como a das telenovelas. Pois observo a indústria brasileira de

telenovelas como principal incentivadora e mantenedora de estereótipos sonoros,

além de forte responsável pelos moldes da produção musical do cinema brasileiro

(MÁXIMO, 2003; BERCHMANS, 2006).

Neste sentido, os apontamentos sobre telenovela também nos auxiliarão a

compreender que a música, mesmo como linguagem não denotativa, quando

apropriada dos significados presentes no seu contexto sócio-cultural poderão

informar mensagens próprias do seu meio.

Metodologicamente abordo o tema através de:

- Levantamento bibliográfico - baseando em autores como: Hindemith, Koellreutter,

Ferraz e Zampronha, sobre aspectos composicionais; Andrade, Griffiths, Boulez,

Barraud, Menezes e outros, sobre as manifestações musicais do século XX; e, mais

especificamente sobre a música em ambiente audiovisual, abordo autores como

Berchmans, Carrasco, Campolina e Máximo. Pesquisa de campo qualitativa como

aporte teórico - com diretores e compositores atuantes. Produção de Estudos

composicionais direcionados a sonoridades e técnicas específicas do século XX e

estudos composicionais direcionados para audiovisual. Análise comparativa de

composições musicais para o mesmo ambiente audiovisual. Resultados conclusivos

do processo de construção do objeto de estudo.

Esta monografia é desenvolvida em quatro partes: I) Música e audiovisual; II)

Das idéias ao material sonoro; III) Estudo “Em Trânsito”; e IV) Considerações finais.

A primeira parte é formada pelo capítulo I que busca contextualizar a música

em ambiente audiovisual, através de apontamentos específicos sobre a inserção

desta no meio, bem como os fatores determinantes que influenciam-nas.

Esse capítulo, além de apresentar dados bibliográficos, traz como aporte

teórico o conteúdo de 10 entrevistas realizadas, sendo 4 com diretores e 6 com

compositores de trilhas para audiovisual (filmes, curtas e documentários). As

entrevistas sãs utilizadas como recurso técnico na medida em que houve dificuldade

de encontrar bibliografias específicas sobre composição musical para audiovisual

(nacional).

A segunda parte é compreendida pelo capítulo II que explana sobre o campo

da composição musical, abordando os processos de materialização de idéias

musicais relacionados a escuta e a percepção musical como elementos importantes

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e determinantes; e contextualiza as principais características sonoras presentes na

música de concerto do século XX.

Justifico que a escolha sobre a música de concerto do século XX se fez na

medida em que esta desenvolve um papel importante no estudo: o de apontar a

música como desprovida de significados para além de suas próprias formas – a

música pura. Desta maneira, a observação de possíveis re-leituras do campo cultural

torna-se mais clara e objetiva. Nesta parte ainda está presente o capítulo III, constituído pela descrição dos

estudos composicionais realizados como parte deste trabalho, os quais encontram-

se gravados em CD (áudio) anexo.

Foram compostos quatro estudos baseados em técnicas específicas

pertencentes à música do século XX. Dois destes estudos (N.1 e N.2) são tratados

de forma isolada - fora de qualquer contexto além do musical. Os outros dois

estudos (N.3 e N.4) são direcionados para o contexto visual específico do

documentário “Em Trânsito” (2007) do diretor Elton Rivas. Esta obra de audiovisual

foi escolhida como objeto de estudo, pois tive a oportunidade de compor duas

canções que pertencem a sua trilha sonora original, sendo o meu mais recente

trabalho na área.

A terceira parte é composta pelo capitulo IV que descreve a trilha sonora

original do documentário “Em Trânsito” - mais especificamente das canções

“Brasilidade” e “Trânsito de Idéias”, compostas por mim - e expõe o processo de

criação e inserção dos estudos N.3 e N.4 como propostas de uma nova leitura

sonora para a narrativa audiovisual.

A quarta parte apresenta as possíveis conclusões finais do estudo, além de

um glossário composto por palavras das diversas áreas abordadas neste estudo;

anexos, compostos por partituras; mídias gravadas em CD e DVD.

O CD de áudio contém os estudos composições descritos no capítulo III

(estudos N.1 a N.4) e o DVD, composto pelo Documentário “Em Trânsito” com trilha

sonora original, no formato 25 minutos; e sua segunda versão resultante da re-leitura

sonora baseada nos estudos N.3 e N.4, também em formato 25 minutos.

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PARTE I – MÚSICA E AUDIOVISUAL

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1.0 COMPOSIÇÃO MUSICAL PARA AUDIOVISUAL: UMA ABORDAGEM QUALITATIVA

Neste capítulo utilizo-me de entrevistas de caráter qualitativo, entremeadas

por apontamentos bibliográficos e considerações pessoais através da minha visão

como pesquisadora.

Optei preferencialmente por entrevistados de localidades diversas, no sentido

de tirar de foco alguma possível contextualização regional, já que este enfoque

ultrapassaria o foco da pesquisa, acrescentando novas discussões a problemática.

Inicialmente tinha uma amostra de 12 diretores e 12 compositores, os quais

foram escolhidos pelo perfil de exigências dos trabalhos de música no audiovisual.

Metade dos compositores respondeu à solicitação e nenhum diretor respondeu ao

contato. Dentro deste contexto, recorri a uma nova lista de entrevistados (diretores)

dentro dos critérios estabelecidos pela pesquisa e que, possivelmente, teria um

melhor acesso, por pertencerem as proximidades da cidade de Cuiabá – MT.

Contudo, mesmo neste novo contexto, obtive apenas a participação de 04 diretores.

Desta forma, a amostra final de entrevistados foram 10, 6 compositores e 4

diretores.

Como critério para a seleção de entrevistados estabeleci que os mesmos

teriam trabalhos de abrangência nacional, ou mesmo internacional, e mais de dez

anos de atuação na área do audiovisual, o que possivelmente resultaria um maior

grau de experiência na área.

Os diretores entrevistados foram: Maurice Capovilla (2006), Aroldo Maciel

(2006), Shelton Shiffer (2006) e Joel Leão (2007). Enquanto que os compositores

foram: David Tygel (2007), Wagner Tiso (2007), João Nabucco (2007), Filipe Salles

(2007), Zeca Barros (2007) e Nana Vasconcelos (2007).

As entrevistas feitas com os diretores foram gravadas em vídeo e todas

cedidas com direito de divulgação de imagem e som. Seguindo um roteiro básico, os

diretores responderam de forma livre com o intuito de contextualizar a produção

musical para o audiovisual através de um enfoque pessoal específico.

Mesmo obtendo o direito de divulgação dos diretores optei, ao citá-los de

forma literal, por não apontar seus nomes, como forma de preservar sua identidade.

Da mesma forma procedo na citação dos compositores entrevistados.

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20

Os compositores, por pertencerem a diversos estados brasileiros, cederam

suas entrevistas por meio digital através de um questionário contendo 10 perguntas.

Uma vez que as entrevistas decorreram de maneira diferente entre diretores e

compositores, abordo-as em sub-itens separados da seguinte maneira:

- Para o desenvolvimento textual das entrevistas com os diretores sobre a música

em ambiente audiovisual, observei a reincidência presente na fala dos entrevistados

e nas bibliografias pesquisadas, construindo enunciados específicos (por tópicos).

- Quanto às respostas dos compositores, cada enunciado é baseado em uma

respectiva pergunta aplicada no questionário, originando 10 itens, um para cada

questão.

1.1 Diretores

1.1.1 A importância dada à música nos trabalhos audiovisuais

De maneira geral os diretores responderam que a importância da trilha sonora

no cinema equipara seu valor ao papel das imagens dentro do audiovisual. Para um

dos entrevistados imagem e som juntam-se compondo um único objetivo, ao passo

que, quando não agem dentro de um alvo centralizador específico, esta junção não

‘funciona’ e ambos são prejudicados perdendo na maioria dos casos seu sentido:

“Então, o que se busca normalmente é encontrar a trilha sonora adequada ao tema

que as imagens estão compondo”. Desta forma, tratando-se de audiovisual, as

linguagens utilizadas para a sua elaboração deverão relacionar-se de formas

equivalentes, sem que isto seja, necessariamente, na mesma proporção e sem que

uma anule a presença da outra.

Esta relação será determinada segundo os interesses específicos das

situações propostas em cena. Neste caso, a equipe responsável pela produção,

juntamente com o diretor deve especificar os locais de atenção que darão ao visual

ou sonoro, ou sua melhor maneira de elaboração para que o público possa perceber

de forma consciente os objetivos propostos pelo contexto.

Para Berchmans (2006) a eleição do foco principal é de extrema

importância, uma vez que é um processo natural humano a seleção de centros de

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atenção. Neste sentido e priorizando-se os objetivos do enredo, em certos casos,

existe a necessidade de apontar aspectos bases.

Um dos entrevistados, em 38 anos de experiência profissional, considera que

a música tem um papel fundamental nas produções audiovisuais sendo de sua

responsabilidade o caráter sensível de toda a produção. A música é o super ego do audiovisual... a música é o elemento principal de um documentário, ou de um longa metragem, ou de um curta metragem...é essencial, sem a música você não atinge o sentimento das pessoas. Tem que ter a música, porque a música aproxima... do ápice final de um documentário ou de um audiovisual e ... mostra a sensibilidade cenográfica.

De maneira geral os entrevistados atribuem à música uma importância

equivalente a todas as demais formas de linguagens utilizadas no audiovisual. E

variar sua importância nas produções fílmicas dependerá muito exclusivamente da

maneira com que o diretor imporá as especificidades expressivas, seja ela visual,

sonora ou outras.

1.1.2 Sobre o termo: trilha sonora

Ao iniciar a entrevista todos os diretores deram ênfase na conceitualização do

termo. E sobre este aspecto todos os entrevistados concordam que “Trilha sonora” é

todo o contexto sonoro desenvolvido no filme: diálogos, ruídos ambientais, efeitos

especiais específicos produzidos em estúdios, ‘como forma de realçar os elementos

ambientais’ e as composições musicais.

Em seguida está a fala de um dos entrevistados: (...) porque... trilha sonora para mim é todo um contexto de sonorização do filme. Que vem: o áudio, os ruídos, a música e ... os aderentes musicais ... Adereços de som. Isso para mim é trilha sonora, agora: se você me perguntar “musica tema” ai é outra coisa. Ai em conjunto com o maestro que está compondo a música é feito a música tema se necessário que a gente coloque de fundo e dá vários ritmos ... Para essa música tema para a seqüência da ação do filme.

Berchmans (2006) confirma esta relação e explica que “trilha sonora” origina-

se do termo inglês soundtracks, o qual representaria todo o arcabouço sonoro da

produção fílmica: música, diálogos e efeitos. E o termo que representaria mais

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especificamente a música do filme seria ‘score’, termo adaptado para a língua

portuguesa ‘música original’.

1.1.3 As composições originais

As composições originais foram conceituadas pelos entrevistados como

músicas originais desenvolvidas especificamente para a produção em questão, seja

ela de caráter instrumental, canção vocal, trilhas incidentais ou experimentais.

Para os diretores as composições originais são claramente entendidas como

parte da realização desenvolvida por um encarregado específico, sendo um músico

ou maestro. A idéia que se pretende desenvolver é elaborada através dos interesses

almejados pelo diretor, análise e compreensão do roteiro, bem como horas

dedicadas em assistir o ‘copião’.

Após as fases de gravação é elaborada uma versão audiovisual provisória

(copião), anterior ao projeto final, para revisão de imagens e elaboração de

finalizações, seja dentro dos aspectos sonoros, inserção de caracteres (textos e

gráficos) e outros. Especificamente para as composições musicais o copião auxiliará

em possíveis sincronias entre o andamento musical e as imagens ou mesmo ritmos

próprios que definem e estabelecem as cenas.

Em alguns casos esta versão já contém referências musicais prévias, ou seja,

músicas escolhidas que permanecem temporariamente a fim de mostrar a idéia

musical com material sonoro já existente.

De outra maneira, os entrevistados admitem que, não sendo músicos, apenas

‘bons ouvintes’, a escassez de vocábulos técnicos na área de música pode interferir

na compreensão do pretendido. Desta forma, segundo os diretores, as referências

musicais temporais auxiliam a comunicação com o compositor, que poderá,

possivelmente, utilizar aspectos rítmicos, timbrísticos e demais elementos musicais

como material para o seu processo compositivo.

Os diretores entrevistados apontam que, em algumas experiências vividas por

eles, aceitaram formas sonoras completamente diferentes da idealizada

previamente. Mas que na maioria das vezes a idéia musical é sempre discutida em

conjunto entre diretores, roteiristas e músicos.

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Diferente da utilização do copião para a composição da trilha sonora, existem

casos, apontados pelos diretores, de composições musicais que precedem as

imagens e outras construídas durante o processo de filmagem.

Todas os diretores entrevistados relatam que cada situação é um caso muito

particular de funcionamento e que seu processo diferencia muito se analisado, o que

justifica mais a diante a abordagem focal que faço sobre a trilha sonora do

documentário “Em Trânsito” (RIVAS, 2007).

Mais especificamente sobre a composição experimental, o maestro Julio

Medáglia (MEDÁGLIA, 2007) acrescenta que o cinema permite mais composições

de caráter experimental do que a própria televisão. E que esta permissão em veículo

televisivo seria responsável pela marginalização das produções; a isso Medáglia

atribui à televisão o fato de pertencer mais a um caráter industrial que o cinema.

Certamente que não podemos generalizar e afirmar que o cinema é menos

industrial que a televisão, uma vez que o próprio cinema norte americano é um

grande exemplo deste acontecimento. Possivelmente, Medáglia refere-se ao cinema

nacional em relação às produções televisivas brasileiras. Assim, concordo que o

caráter mercadológico esta muito mais visível dentro dos produtos apresentados

pela televisão brasileira, se comparado ao cinema nacional. Mas ainda observo

como pesquisadora que, mesmo que timidamente, as novelas atuais (a partir de

2006) parecem investir mais em formas experimentais como recurso sonoro nas

suas trilhas incidentais.

Ainda sobre a música experimental nossos entrevistados apontam-na de uma

forma bem sucinta especificando que filmes, curtas e vídeos sempre proporcionam

mais espaços para criações experimentais e que os documentários, por terem um

aspecto mais ‘real’, devem estudar a utilização destas formas de uma maneira muito

mais cuidadosa.

Experimental sempre tem a sua participação, tem ... abertura para colocar música experimental... mas como documentarista você corre um sério perigo, porque o doc é a verdade é o que esta ai. Então por isso eu prefiro colocar temas regionais, da terra mesmo do que fazer uma experiência. Agora... desde que o compositor me convença de que esse tipo de música vale a pena e que vai representar o que eu quero tudo bem. Há sempre o diálogo. Eu não sou uma pessoa que a minha idéia tem que prevalecer.. não! A gente tem que discutir. Quem faz o audiovisual não faz sozinho. Você trabalha com muitas cabeças. Se você fizer sozinho você nunca vai chegar a lugar nenhum. Tudo que se faz e principalmente audiovisual tem que ser

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em parceria. Tem que ter um monte de gente trabalhando junto com você e discutir. Tem que trabalhar junto e chegar num conjunto. Você não faz para você faz para o público. Tem que ter sensibilidade de todos os jeitos.

A fala deste entrevistado foi colocada na integra, pois identifico vários

aspectos relevantes sobre a produção das trilhas sonoras originais para audiovisual,

as quais fazem parte do processo de construção deste objeto de estudo: o espaço

dado a trilha experimental com ponderações aos documentários; a construção de

ambiências sonoras equivalentes a construção de uma suposta identidade local

especificada pelo contexto da obra; a atuação do compositor dentro das posições

ideológicas do diretor, ao mesmo tempo em que são observados espaços

determinados para diálogo entre as partes; a produção em conjunto dos

profissionais de várias especificidades envolvidos no projeto; e a presença do

público como objetivo final, completando o processo de construção da obra.

Todos este fatores estão desenvolvidos ao longo da construção deste

trabalho e possivelmente posso afirmar que eles - além do que considero um dos

mais relevante que é a relação mercadológica entre o cinema e seu público - sempre

afirmarão os resultados das produções audiovisuais.

No caso especifico do público, o objetivo da obra busca-o de modo

determinado, sendo para as grandes massas ou grupos específicos. Neste sentido,

também, as trilhas serão administradas. Músicas mais populares ou experimentais

serão selecionadas conforme o encaminhamento pretendido.

Existem casos da utilização de diversas formas sonoras com o intuito de

mediar as correntes ou tendências musicais expressivas, supostamente porque

pretende sair de um padrão único de produção utilizando-se de mais recursos,

capazes de desenvolver uma pluralidade de idéias musicais e, de certa forma,

agradar aos diferentes gostos.

Neste sentido, a música para o audiovisual poderá acontecer de duas formas

distintas: dentro de um papel utilitário - atendendo aos anseios do seu público, bem

como expressando e afirmando os aspectos visuais; ou interagindo de forma

artística - com a criação de formas próprias de atuação, sejam novas ou re-

elaboradas.

Outro aspecto determinante sobre a produção de trilhas sonoras originais é o

orçamento, considerado por todos os diretores entrevistados. Devido a cortes

orçamentários ou aos baixos recursos monetários para as realizações audiovisuais,

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os entrevistados indicam dificuldades, por vezes graves, em desenvolver seus

projetos. Corta tudo! Corta tudo! (a trilha sonora? - pergunta da entrevistadora) bom... você diminui a trilha sonora. Se você estava pedindo tantas músicas, com gravações em studio, isso e aquilo, você vai cortando. Aí você tem que fazer um acerto com o maestro, com o compositor, e cortar, mas não extrair a música; não tirar aquilo que você tinha idéia de colocar. Simplesmente diminui. Mas não tira. Não tem como tirar.

Este “acerto” apontado pela fala do entrevistado é relatado por todos os

outros entrevistados que, em cada situação específica de corte desenvolve suas

trilhas. Dentro disso, é interessante apontar que um dos recursos mais procurados

pelos diretores é a produção de canções.

O custo de uma canção poderá variar conforme o compositor, os direitos

autorais e de divulgação, o arranjo, as horas em estúdio de gravação e o número de

músicos ou instrumentos utilizados. E em alguns casos o músico encarregado da

trilhagem desenvolve estas funções na tentativa de minimizar o custo das

produções.

1.1.4 Imagem-som: pré-concepção

Os entrevistados afirmaram que elaboram a idéia musical, na maioria das

vezes, juntamente com a construção das imagens, ou, em alguns casos,

precedentes a elas. Desta forma, alguns processos de elaboração de roteiro ou

edição de imagens tem músicas originais, ou referências musicais como alicerce do

trabalho audiovisual. Podemos observar esta relação claramente em um caso

específico de um dos entrevistados: Eu por exemplo terminei um roteiro agora [...] e eu procurei uma música regional para fazer fundo neste trabalho que eu vou fazer. Então, já ... essa música eu ouço direto porque ela me ajuda a ... fazer a história, entendeu?! A música geralmente ajuda muito a fazer a história. E ... quando a gente não esta escrevendo eu ouço , ouvindo a música eu to pensando nela, então ela vai encaixar nessa cena... o que ela pode me ajudar, entendeu?! Porque é aquela velha história, quando termina a palavra entra a música. Então você pensando na música, já sabendo qual é a música que você vai usar ...você... mesmo que você não tenha passado pro maestro, porque ele pode te apresentar outra coisa melhor, mas dentro do que você já

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pensou, porque se não vai destoar completamente... você escreveu pensando naquilo, então tem que ter alguma coisa parecida.

Posso afirmar dentro das falas dos nossos entrevistados que a música tem

um caráter afetivo e imaginativo. Ela tem seu papel afetivo no sentido de aproximar o

ouvinte (diretor) do seu objeto de estudo; e imaginativo, na medida em que os

recursos sonoros são apropriados para a construção de imagens mentais e

figurativas. Durante esse processo e de forma paralela acontecerá a construção do

pensamento linear e, consecutivamente, literal, dando origem as estruturas verbais,

que neste caso é o roteiro.

Sobre o processo de construção sonora paralelo ao desenvolvimento do

projeto audiovisual, um auxílio empregado no trabalho com a música do audiovisual

é a utilização da planilha de gravação com indicação de imagens, texto e

som/música. Segundo o maestro Medáglia, a exemplo de Alfred Hitchcock, eram

utilizadas em suas planilhas de gravação três colunas cada qual definindo os locais

de texto, ação dramática e idéia musical, dando a intenção mais sólida da utilização

e interação entre os elementos do filme.

Medáglia aponta que, no Brasil, são raros os diretores que se preocupam em

detalhar as idéias musicais em cada cena especificamente, utilizando assim a

música com elemento autônomo e narrativo. Neste sentido, ao se trabalhar a música

como mais um dos elementos de narração o contexto fílmico brasileiro ganharia um

componente forte em suas produções.

Dentro da entrevista com os diretores nenhum deles apontou o uso desta

planilha específica como auxilio do processo de produção sonora no ambiente

audiovisual.

1.1.5 Construção de ambiências

Entre as fontes pesquisadas (bibliografias e entrevistas) é comum observar,

em sua grande parte, que os elementos sonoros utilizados nas trilhas seriam

responsáveis por elaborarem um ambiente próprio, objetivando o estímulo de

sensações capazes de interagir com o contexto visual.

Sobre este espaço específico Berchmans (2006) relata que a música

descritiva teve um papel importante na formação musical para cinema. Nas décadas

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de 1930 e 1940 era comum a presença de composições e orquestrações grandiosas

inspiradas em compositores românticos do século XIX, principalmente em Wagner, o

qual contribuiu com o desenvolvimento do leitmotiv.

Segundo o mesmo autor, esta técnica de eleição de melodias principais – e

posso acrescentar também texturas - como princípios geradores, foi muito utilizada e

ainda é na atualidade, nos momentos em que se pretende descrever personagens e

cenas específicas.

Podemos observar esta utilização conforme os apontamentos a seguir de um

dos entrevistados. Para ele, o produtor musical deve considerar todos estes casos e,

a exemplo, construir uma sonoridade específica para os personagens e suas

características, ou cenas em que se encontram. Segue um fragmento de sua

resposta: impacto, drama, alegria e tristeza... o sonoro estará retratando o sentimento que se pretende expressar através das imagens. Como no caso das novelas... os personagens ou casais principais... os núcleos cômicos e os dramáticos, sempre terão uma sonoridade que se remete a ele... Ritmos como o samba, geralmente... expressaram o malandro... ou o ‘jeitinho’ brasileiro, até mesmo... a mulata maravilhosa que caminha pela rua.... A gente acaba por se utilizar de figuras já feitas dentro do campo social... elas serão mais rapidamente identificadas, porque já são aceitas.

Conforme o diretor, a música será responsável, juntamente com os planos de

câmera, conduzir o público a uma expectativa sobre as próximas cenas, fazendo

com que este participe da trama, dirigindo-o a estados de subjetividade.

Em pesquisa anterior (SANTOS, 2005) afirmo que a utilização de elementos

sonoros na produção de videotapes e mídias integradas são importantes para a

construção do enredo, uma vez que sugerem e estabelecem imagens mentais para

seus ouvintes. Desta forma, a associação da imagem com o som em produções

audiovisuais teriam relação de complementação ou afirmação na construção das

mensagens - herança da música publicitária e da utilização do efeito mickeymousing.

Sogabe (2002) confirma essa relação de sugestão e aponta que tais

acontecimentos ocorreram na medida em que as novas mídias foram sendo

desenvolvidas. Tratando da hipermídia, afirma que as linguagens sonora, visual e

verbal estão tão integradas a ponto de ganhar “forma diferente de existência”

(SOGABE, 2005. p.25), tornando-se, dessa forma, híbridas.

Dentro desse novo contexto Sogabe (2002) diz que

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as gerações que se formaram nas mídias específicas (...), nas quais desenvolveram todo um pensamento especializado numa linguagem, há um impacto maior do que para aqueles que se iniciaram direto na hipermídia. (SOGABE, 2002. p. 25)

Contudo é difícil pensar em trabalhos que buscam interagir e hibridar - ou

mesmo qualquer forma de relacionamento ou co-existência de linguagens - se estas

não forem delimitadas e discutidas de forma específica quanto a sua existência e

atuação dentro de cada campo específico, servindo como referencial às novas

formas de existência.

Dentro desses indícios podemos possivelmente afirmar que, a utilização de

imagens sonoras pré-conceituadas, instituídas pelo campo cultural, nos ajudariam a

conduzir o ouvinte e focalizar os objetivos de cada produção; como o caso da

utilização de trilhas incidentais com acordes disssonantes induzindo-nos a uma

situação de tensão e informando-nos, previamente, os seguintes e possíveis

acontecimentos.

1.1.6 Musicas, gêneros e enredos.

De maneira geral os entrevistados indicaram a utilização de determinada

equivalência entre músicas – gêneros, sonoridades e outros – e enredos, ou

gêneros fílmicos.

Conforme um dos entrevistados a produção musical em audiovisual também

poderá variar conforme seu gênero - cinematográfico, televisivo, documental, entre

outros; segundo os formatos específicos de duração das produções - em curtas,

médias, longas, minisséries; sua trama - quantidades de histórias narradas; seus

personagens - principais ou conforme o enfoque dado em determinados momentos;

núcleos de personagens, entre outros.

Este pensamento musical é construído através de costumes culturais dos

quais Berchmans (2006) exemplifica-nos: nas décadas de 70 era natural a utilização

de gêneros jazzísticos em ambiente de enredos policiais. Como herança deste

período ele aponta algumas produções atuais como “Matrix” e “Tombie Raider”, os

quais utilizam-se da mesma forma Jazz, mas com nova roupagem baseada em

sonoridades sintetizadas, em samplers, rifs de música eletrônica e demais

elementos integrantes da cultura musical pós-segunda metade do século XX.

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A eleição de formatos musicais também está presente na construção sonora

das trilhas de filmes. Berchmans (2006), a exemplo, aponta que as sonoridades

manipuladas no filme “O resgate do soldado Rayan” foram tomadas como referencial

por muitos filmes subseqüentes do gênero.

Uma herança muito clara dentro dos formatos instituídos pela industria de

filmes é o efeito mickeymousing, onde a trilha sonora passa a exercer uma função

mais sonoplástica que musical, onde seus elementos descrevem, como os sons

onomatopéicos as imagens visuais.

Para a maioria dos entrevistados, dentro da produção musical, é importante a

compreensão da construção do enredo fílmico, uma vez que este poderá apontar

formas de se trabalhar e de alicerçar a construção sonora no audiovisual. A

exemplo, de forma geral, ele relata que dentro dos filmes classificados como curta

existirá uma única história focada no seu decorrer; nas produções médias, a história

central terá certos obstáculos ou situações inusitadas que se amarram a ela sem

que haja um desfoque frente aos seus objetivos; os filmes de longa duração,

geralmente, se compõem de duas a três histórias que se convergem no fio central de

condução. Dentro do caso mais específico do gênero audiovisual televisivo novela

existirá um grande número de histórias determinadas pelo autor, que resultará num

número infinito de tramas que desenvolver-se-á de maneira diferente; com ápices

que se contrapõem e, não necessariamente, em conversão única, também conforme

o número de histórias e tramas.

Um dos entrevistados ainda especifica que os formatos de cada gênero

poderão, possivelmente, ser alicerces da construção musical para audiovisual, além

das necessidades específicas de cada situação. A exemplo, o diretor aponta que, se

comparada ao formato documentário, a trilha de um longa metragem de ficção seria

“muito mais complexa e rica”. composta por elementos mais apurados ... por causa das necessidades que o filme obtém de dramatização... Para os filmes de ação os ruídos ambientais são mais ricos, são mais utilizados. Para os filmes românticos as músicas tem um efeito maior.

Segundo este, dentro dos documentários este tratamento aconteceria de

maneira mais simples, objetivando o nível de realidade com que o documentário se

propõe; Em geral, é baseada em trilha de voz - entrevistas e depoimentos -, sons

produzidos pelo ruído ambiental e as músicas. Contudo essa relação também seria

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dependente dos objetivos almejados para cada proposta de produção. “Depende. Há

filmes que dependem mais da música do que da trilha de voz... há filmes que são

basicamente independentes de som ambientes”.

Esta simplicidade relatada sobre as trilhas sonoras de documentários poderia,

possivelmente, ser justificada, por sua livre produção frente ao mercado. Os

documentários nem sempre são grandes produções destinadas à exibição nos

cinemas ou com qualquer relação direta de venda de produtos ou locação.

Entretanto, me oponho a este fazer sonoro mesmo que os valores do mercado

estejam presentes na produção de curtas e documentários, pois, mesmo estes,

necessitam de formas sonoras elaboradas dentro das suas necessidades.

Apesar de vermos que na atualidade cresce a divulgação de produções do

formato documental para cinema, como o caso de Fahrenheit (2004) e Marcha dos

Pingüins (2006), estes seriam apenas casos isolados, produções embaladas por

grandes investimentos publicitários.

No caso mais específico da Marcha dos Pingüins, este ganhou o Oscar de

melhor documentário, duas indicações pela Academia Britânica de filme e televisão

artística (BAFTA) e quatro indicações ao César, entre eles o de melhor trilha sonora

e melhor som. O que possivelmente posso concluir é que produções que conseguem

uma grande abrangência na área pública e indicações de divergentes academias

são desenvolvidas certamente tanto para o mercado consumidor quanto a públicos

mais seletos.

Volto a afirmar, desta forma, que o direcionamento de público será um dos

objetivos possíveis e determinantes da produção musical para audiovisual. Sua

constituição será direcionada pelos ambientes e gostos próprios dos grupos

específicos que se pretende alcançar. Mas de uma forma mais próxima a esta

produção, esta a visão do diretor, fator decisivo e determinante nas composições

musicais, como especifico mais adiante.

1.1.7 Possíveis elaborações identitárias

Dentro da pesquisa identifico ainda a atuação da música como possível

‘instituidora identitária’. Ela poderá desta forma, em sua medida, descrever e

identificar práticas culturais de grupos específicos, informando aspectos muito

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pertinentes a estes, ao mesmo tempo em que perpetua e afirma re-leituras do

campo sócio-cultural.

Conforme um dos entrevistados, busca-se retratar através do sonoro,

elementos que apontem a cultura local, uma vez que seja trabalhado filmes ou

documentários regionais ou produções que fazem referência a alguma localidade

específica. eu geralmente dou trabalho para os músicos porque partindo de um material regional, você tem que ter regionalismo em tudo. Principalmente na música que é a alma da cena que eu estou fazendo. (para retratar esse regionalismo de que forma que o senhor está fazendo? São estilos da terra...) estilos da terra (instrumentos...) da terra, da terra, isto! É! ... Instrumentos, se possível instrumentos regionais, ne´?! Como a viola de cocho entra muito nos meus documentários. Os instrumentos regionais entram muito como a harpa paraguaia; que a musica paraguaia influenciou toda a musicalidade regional matogrossense, por isso muita coisa tem a música paraguaia por causa disso.

Segundo Campolina (2006) dentro de um estudo sobre a produção

cinematográfica de Vera Cruz, a autora identifica os ideais do movimento

nacionalista nas produções cinematográficas da companhia, através de sonoridades

instituídas como tipicamente brasileiras. E conclui que, mesmo indicado, na época,

como produto de mercado semelhante aos moldes do cinema hollywoodiano, as

criações musicais do cinema nacional apontavam mais que isso: retratos da cultura

brasileira, através de composições baseadas no folclore popular, instrumentos

típicos brasileiros e outros elementos que indicavam as criações nacionais.

A pesquisadora identifica nomes como Radamés Gnattali, Guerra-Peixe e

Francisco Mignone, expoentes do movimento nacionalista musical brasileiro, como

criadores de composições das trilhas de Vera Cruz, atribuindo a eles o aparecimento

dessas características.

Segundo a autora, esta contribuição auxiliou na afirmação da cultura brasileira

da época, emergindo elementos da raiz da música brasileira, como manifestações

folclóricas, danças e sonoridades, e na manutenção destes mesmos simbolismos.

“Observamos caiapós, emboladas, festas folclóricas e ritmos brasileiros, sendo muito

bem representados em vários filmes” (CAMPOLINA, 2006, p.207).

A autora acrescenta que a problemática não esta na utilização do folclore

para a expressão do popular, mas da forma com que ele é tratado:

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Vemos elementos folclóricos inseridos na imagética, porém esses elementos algumas vezes estão distantes da realidade. Suspeita-se da sua autenticidade por essas canções estarem ligadas a uma imagem correta e cordial, porque a Companhia utilizou-se do estilo clássico de filmagem. (CAMPOLINA, 2006, p. 208)

Essa indicação pode afirmar o processo de tradução do campo cultural,

indicando-nos possíveis tratamentos ideológicos por parte dos elaboradores do

projeto. Posso afirmar também que esta visão não é, em muitos casos, um processo

consciente, mas apenas uma re-leitura própria do indivíduo ou de grupos

específicos.

Por sua vez um dos entrevistados relata que a atuação da música é um fator

determinante dentro do cinema brasileiro. E que para ele a música identifica e

informa características únicas ao nosso cinema nacional, informando, através da

utilização de gêneros nacionais, como o samba e a bossa-nova, simbologias de um

possível ‘tipicamente brasileiro’. O gênero musical estaria, de certa forma e em sua

medida, fazendo o papel de representante da nação, indicando, dentro de

determinadas eleições sonoras, um possível caráter nacional.

1.1.8 Diretor, roteirista e compositor

Todas os entrevistados bem como as bibliografias apontam enfaticamente a

importância de uma construção sonora e musical através da integração consensual

entre diretores, roteiristas e compositores, ou músicos encarregados, bem como

técnicos envolvidos no processo de montagem e edição, importância esta que

desenvolvo no processo de construção deste objeto.

1.2 Compositores

Enunciado pela frase “segundo sua experiência e seu olhar sobre o tema” os

compositores responderam um questionário específico contendo 10 perguntas

relacionadas a temática “composição musical para audiovisual”, abordando o

emprego de técnicas e métodos composicionais, bem como o processo individual de

criação musical para o referido ambiente. Acredito que esta forma de conduzir as

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questões, bem como o contato por email direcionou-os, convidando à total liberdade

de resposta.

Mesmo observando uma construção de caráter muito subjetivo, e por vezes

ancorada em conceitos não definidos, as respostas, de uma maneira geral, foram

satisfatória no sentido de desenvolver reflexões sobre os tópicos pretendidos. Elas

são apresentadas no trabalho ora na forma de citação literal, segundo o enfoque

escolhido para responder os questionamentos; ora de maneira parcial ou no tipo de

citação indireta, devido a sua extensão literal.

1.2.1 Problemática sobre o tema

A questão número 01 apresenta-se da seguinte maneira: “De forma geral,

quando se fala em trilha sonora, qual a problemática que envolve o tema?”

Este tópico pretendia conhecer do entrevistado suas relevâncias e pontos

especificados por eles como importantes. Busca introduzir tanto entrevistado como

pesquisador ao tema de uma maneira geral e especificá-los nas questões seguintes.

Dos 06 entrevistados cinco responderam: “dar ao tema o caráter apropriado à

cena”; “da utilização da linguagem da música e dos sons para auxiliar na narrativa

cinematográfica”; “o fato que no audiovisual a música tem uma função dentro de

uma narrativa que define sua existência”; “tema que encaixe ao filme”; “uma música

que faça parte de um filme”. E um entrevistado, apenas, indicou a carência de

verbas, lei de percentual de venda de ingressos e questões sobre o direito autoral da

produção musical.

Para este entrevistado as questões 1 e 2 eram muito próximas. Desta forma o

mesmo respondeu-as em um único tópico sendo:

Apesar do Brasil ter uma extensa lista de composições originais de trilhas sonoras, desde a época de Villa Lobos, ainda estamos engatinhando no quesito produção musical.. Claro que houve um grande salto qualitativo na produção cinematográfica , como um todo, e isto se refletiu na parte musical, mas ainda não temos verba suficiente para que o trabalho seja feito dentro das necessidades artísticas, paralelamente a um pagamento mais justo para todos os envolvidos: compositor, músico, etc.

Outra questão séria, e que se arrasta há anos diz respeito a uma lei internacional que existe em muitos países e que repassa para o compositor um percentual dos ingressos vendidos. Isto é uma responsabilidade do exibidor, que descaradamente no Brasil não

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cumpre a lei , apesar deste valor já estar embutido no preço do ingresso.

Outro ítem também, diz respeito ao direito autoral: há muita dificuldade em se receber os valores calculados pelas editoras que detem a administração da obra do compositor. A não ser quando se trata de canções já existentes. Há sempre uma confusão entre os valores pagos. Uma coisa é a composição, orquestração e gravação original feita para aquele filme, outra coisa é o pagamento, geralmente no período de entrega do trabalho, dos direitos autorais referente aquela obra. As dificuldades são basicamente financeiras, pois temos hoje no país, em toda a área musical uma excelente tecnologia de ponta, com profissionais altamente qualificados.

Enquanto 05 compositores responderam sobre uma função descritiva da

música no contexto audiovisual, já muito abordado e questionado por bibliografia,

um deles apontou tópicos até então não observados pela bibliografia do audiovisual

brasileiro.

Optei em citar o entrevistado de forma literal, pois observo uma congruência

nos tópicos por ele descritos com o campo prático da minha atuação mais do que

registros sobre estes. Estas indicações aparecem apenas em livros com conteúdo

específico de entrevistas sobre a produção cinematográfica brasileira, como é o caso

do livro de Lúcia Nagib (NAGIB, 2002) sobre o cinema da retomada, que traz

entrevistas com diretores de cinema brasileiros e latino-americanos. Mesmo assim,

especificamente sobre trilhas sonoras nacionais e problemáticas adversas sobre a

produção musical, não obtive informação em nenhuma bibliografia até então

pesquisada.

Dos 05 entrevistados que concordam com a existência de uma narrativa

musical e que este seria o ponto chave de uma possível problemática, mais

freqüentemente apontaram: o domínio da técnica musical, composição, arranjo e

gravação ou mesmo este trabalho ser um problema assim como as demais

atividades no audiovisual.

1.2.2 Dificuldades nos trabalhos com música original

A questão de número 02 busca o apontamento do entrevistado referente ao

trabalho com músicas originais: “Quais as dificuldades encontradas no trabalho com

músicas originais? Se é que existe alguma (técnicas – tecnologias - relações inter-

pessoais, ou outras)”.

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Um dos entrevistados, respondeu que a problemática sobre trilhas e as

dificuldades encontradas no trabalho com trilhas originais são decorrentes da

carência de verbas, leis e regulação de porcentagem de ingressos e re-passe das

verbas adquiridas sobre a venda da obra.

Os demais compositores responderam aspectos diferentes como: “estar

preparado para manipular (...) e oferecer uma dimensão sonora que reintere o

desenvolvimento dramático exposto”; “a relação diretor/compositor, tanto do diretor

que tenta mostrar ao músico sobre quê trata o seu filme (...) tanto da resposta

musical”; “a criação (de trilhas originais) depende da criatividade e seu objetivo é a

comunicação”; e “ajustar a música ao tempo do filme (...) a música tem que ser

alargada ou picotada para encaixar”.

Os apontamentos convergem, de uma maneira geral, na manipulação sonora

em detrimento do roteiro das imagens e as necessidades criativas como

imprescindíveis para a execução do projeto. Contudo, tanto os dados bibliográficos

quanto os entrevistados mostram estes itens de forma abrangente, indicando o

problema e as dificuldades, mas sem adentrar em aspectos que solucionem a

questão.

A última citação “a música tem que ser alargada ou picotada para encaixar”

aponta aspectos técnicos que influenciam a criação musical das trilhas originais e é

abordado em tópico mais adiante.

1.2.3 Métodos de composição

Neste tópico busco do compositor seu processo específico composicional

através da questão “Você utiliza algum método para compor?”.

As respostas foram muito diversificadas, na medida em que este aspecto é

inerente e exclusivo de cada profissional da área. Desta forma acho devidamente

correto citá-los de maneira integral, comentando a seguir.

- Componho, conforme já expliquei, para os personagens e cenas, não tenho um método específico, isto depende da trilha, do estilo, etc. - Sim. Primeiramente a criação do que eu gosto de chamar de ambiente sonoro apropriado. Pode ser uma melodia, uma seqüência harmônica ou apenas uma pulsação rítmica. Após a criação este material deve ser manipulado, utilizando técnicas de sincronismo e

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de composição que permitam à música cumprir a sua função de oferecer o contraponto desejado pelo diretor do filme. - Acho que só há um método: ouvir o diretor e ver inúmeras vezes as imagens, ler o roteiro, mergulhar na obra e rezar para que uma idéia musical caia do céu, quando e onde não se sabe... E depois, trabalhar feito um mouro para desenvolver as primeiras idéias e adaptá-las à montagem das cenas. Esse é o método! - Cada caso é um caso. Um samba pode ser criado só com uma caixa de fósforo, uma peça de orquestra só com papel e lápis. Uma canção pode vir de uma frase. Uma cena pode ser resolvida com o som de um tubo de PVC. - O meu método e ficar livre mentalmente, para entrar de corpo e alma no projeto. - Método para compor é a inspiração, Graças a Deus, não vivo de música e não preciso ficar compondo para viver. Se eu precisasse, aí talvez tivesse que desenvolver algum método. Quando se vive disso, às vezes é preciso forçar, a inspiração nem sempre fica bom. Agora, um argumento, uma história, uma imagem, geram inspiração.

De forma geral cada compositor observou o método como uma forma de

exteriorização musical muito própria e inter-ligada ao ambiente para que irá compor.

E isso é observado em falas como: “componho para personagens e cenas”, “cada

caso é um caso” e “entrar no projeto”.

Tópicos referentes à ‘inspiração’ também apareceram nas respostas como:

“rezar para que uma idéia musical caia do céu, quando e onde não se sabe” e

“Método para compor é a inspiração”. Mas mesmo assim estas respostas fazem

parte de todo um processo reflexivo sobre o processo composicional.

Observo, ao tratar os compositores de forma isolada que existe muito estudo

e dedicação ao projeto; bem como domínio de técnicas e estruturação musical, que

o compositor necessita antes mesmo da execução deste. A ‘inspiração’, desta forma,

seria um suposto ‘segundo alicerce’ em algum momento do processo; ou mesmo

uma maneira de iniciar um trabalho já de bases sólidas nas questões musicais.

1.2.4 O auxílio das técnicas composicionais

Este tópico refere-se a pergunta de número 04 que consistiu em saber do

compositor qual a relevância das técnicas composicionais para a produção de trilhas

sonoras, sendo: “Você acredita que as técnicas de composição auxiliam na

produção de trilhas sonoras?”

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Apenas um entrevistado apontou os recursos técnicos como fundamentais

para a elaboração sonora: “Não há a menor dúvida (...) Agora, por vezes o

compositor guiado por sua intuição está utilizando técnicas de composição

inconsciente”.

De maneira geral as demais respostas indicaram que as técnicas

composicionais auxiliam na produção de trilha sonora. Contudo, também apontam

claramente que os compositores relevam aspectos precedentes à técnica

compositiva, como: i) os contextos específicos de produção da trilha: “Para cada

caso existem técnicas que se forem bem utilizadas só podem ajudar”; e “Bom,

depende da técnica, depende da composição”; ii) aspectos inerentes do compositor:

“Talento, sensibilidade e qualificação... empatia com o setor’’; “... as idéias básicas

estejam criadas, nada substitui a tradução musical de uma narrativa”; e “Pode até

existir técnicas, mais eu sou muito orgânico”.

Observo na fala dos entrevistados o pensamento de que a construção do

compositor esta formada dentro de uma rede de relações entre sensibilidade –

experiência musical e sonora – habilidades – técnicas. Podendo complementar que

esta relação acontece dentro de qualquer função que a música possa exprimir.

A vivência musical afetiva, no sentido de possibilidades afins, proporciona o

despertar sensível para um objeto determinado. Este resultado, por sua vez, está

muito ligado à experiência musical e sonora com que o compositor, antes de vir a sê-

lo, vivencia. Então, somente dentro ou após este processo as habilidades originam-

se como mecanismos estruturados e, neste contexto, a técnica poderá auxiliar. Caso

contrário a mecanicidade do ato torna-se muito evidente e o fazer musical, o qual é o

objetivo principal, pode não acontecer.

1.2.5 ‘música’ e ‘música para audiovisual’, existe?

Este tópico faz referência a pergunta de número 05, onde pretendia saber dos

entrevistados se deveria considerar a música de forma diferenciada caso esta

estivesse em ambiente audiovisual. A pergunta específica foi: “Você acredita que os

conceitos ‘música’ e ‘música para audiovisual’ atuam de forma divergente?”

01 entrevistado respondeu que os conceitos questionados diferenciavam-se

de forma óbvia, contudo ausentou-se em especificar sua opinião. Os demais

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entrevistados (em número de 05) responderam de forma geral que ‘música é música’

independente de encontrar-se em outro lugar, ou ter funções diferentes para cada

lugar.

Devido as variáveis contidas nas respostas coloco-as na forma literal,

comentando a seguir.

- Música é música, claro que com suas diversas especificações. As vezes uma belíssima música seja ela instrumental ou canção não se adequa a uma imagem e as vezes grandes compositores não compõe uma boa trilha. A música para a imagem pode ter vida própria, mas precisa ser feita especificamente para aquele filme e não deve nunca se sobrepor a imagem, personagem, etc. Paradoxalmente ela pode ser a grande estrela da cena reforçando e induzindo a intenção do diretor do filme. - A grande diferença refere-se à função desta ou daquela música. A música para cinema tem a sua criação e, principalmente, o seu desenvolvimento alinhado ao desenvolvimento dramático. Já a música pura tem a sua criação e desenvolvimento de certa forma livres. Importante salientar um ponto. Enquanto a música é medida em batidas por minuto, o filme é medido em fotogramas por segundo. Portanto o elemento comum é o tempo, o que nos permite sincronizar música e cena. É neste aspecto em particular que vejo a grande distinção entre música e música para audiovisual, como você se referiu, mas não sei se chamaria de divergente, no sentido de opostas, pois há várias áreas em comum. - Acredito na música como algo que traz o espírito, traz uma palheta emocional que aprofunda as imagens, traz uma possibilidade de refletir o estado emocional dos personagens para além das imagens, essa é a única música possível. O resto é indústria fonográfica vendendo grupos e canções, clips, etc. - Música é música, mas o fato é que as vezes certas trilhas dependem das cenas parar as quais elas foram feitas para fazer sentido, não vejo isso como divergência mas como características adicionais. - De certa maneira apenas. Muitas vezes, quando se faz música para audiovisual, o compositor não se preocupa tanto com a forma, já que a música vai ser toda picotada na montagem, e tem a imagem pontuando ( e vice-versa). Já na música pura, não tem uma imagem acompanhando, então ela tem que se sustentar por si mesma, e aí a forma faz muito mais diferença. A questão estética muda. Mas por outro lado os pontos são muito convergentes também, já que grandes músicas escritas para filmes podem ser ouvidas separadamente (como Star Wars), ou grandes filmes podem se utilizar de música já existente e ficar bom (como 2001).

Juntamente com a resposta sobre os conceitos de ‘música’ e ‘música para

audiovisual’ os compositores proporcionaram exemplos específicos sobre a

diferença entre a atuação da música ‘pura’ e a música no audiovisual.

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Eles afirmam, desta forma, que a música tem sua utilização diferenciada no

audiovisual, sem propriamente transformar seu conceito existencial. Mas, também,

indicam que esta atuação não é, em grande parte, apenas funcional: o ‘paradoxo’

apontado por um dos entrevistados.

Outro ponto indicado foi a mudança da função musical em detrimento à

indústria da música. O investimento em cantores e grupos musicais, bem como os

modismos resultantes de leituras do campo cultural ou mesmo responsáveis por

influenciar o mercado em constante processo – seja de bens de consumo ou bens

simbólicos – é uma característica muito presente na nossa cultura atual, o que

trataremos mais adiante dentro do tópico especifico sobre ‘canções’.

1.2.6 Processo de composição sobre as imagens

A pergunta de número 06 pretendia investigar a metodologia utilizada pelos

compositores no processo de composição para imagens através da questão: “O que

busca fazer quando lhes são entregues imagens para compor uma trilha original?”

De maneira geral existe uma cadeia comum apontada por 03 entrevistados

que seria o estudo prévio do roteiro do projeto, desenvolvimento de imagens

musicais mentais e conversas com o diretor, para que a partir de então o processo

de composição fosse desenvolvido, a exemplo da fala de um dos entrevistados:

“Essa é a melhor forma de se compor uma trilha original: ver as imagens, seguir o

diretor, ler o roteiro e ser muito, muito humilde...”.

Contudo, o processo de criação mental de imagens musicais foi apontado em

locais diferentes. Dois entrevistados indicaram-no antes da conversa com o diretor,

ou mesmo antes da leitura do roteiro. Outros dois entrevistados responderam que

pensam no caráter musical somente após todo o estudo feito sobre a temática da

obra, com a leitura do roteiro e a conversa com o diretor. E mais outros 02

entrevistados apontaram apenas um aspecto de relevância, compreendido por mim

como processo criativo próprio de cada compositor, identificado nas falas: “Descobrir

seu ritmo”; e “Minha musica meu trabalho é muito visual (...) eu prefiro compor para

o tema”;

Desta forma quando estes compositores recebem imagens para compor

música sobre elas, levam em consideração toda a informação e comunicação

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temática que a imagem transmite para que, a partir disto como referência, criem os

aspectos musicais.

Um dos entrevistados proporcionou-me a seguinte resposta:

Não sei se entendi a pergunta. Imagens de que tipo? Fotografias? Trechos de filme? Pinturas? Tudo pode servir de motivo, é uma questão de emoção. Entrar em consonância com uma imagem, saber tirar o sentimento dela, te dá um parâmetro para fazer uma música. Se houver uma indicação dramática é mais fácil.

Apesar de falarmos sobre música para audiovisual, acredito, realmente, que a

elaboração da questão deu uma amplitude generalizada para o tema. Contudo,

acabo percebendo neste compositor o processo reflexivo sobre as imagens e sua

relação com a música. Que a forma da sua natureza (imagem) proporcionará formas

perceptivas diferenciadas e, conseqüentemente, resultados musicais específicos.

Quando o entrevistado completa sua reflexão “Se houver uma indicação

dramática é mais fácil”, apesar de não aprofundar sobre as informações dramáticas

e o porquê destas serem mais facilmente trabalhadas com música, posso, afirmar

que este acontecimento devido a possibilidade das imagens dramáticas informarem

mais a respeito delas mesmas. Neste sentido, observando-se o contexto das

imagens a música comunicaria relações mais próximas ou reais a estas.

1.2.7 As músicas de caráter sonoplástico

Muito se questiona sobre a utilização das músicas descritivas e de técnicas

como mickeymousing, gerando por vezes polêmica em torno do tema. As críticas

baseiam-se em que estas formas musicais dariam à musica um caráter mais

funcional, subjugando-a a outros elementos que não a linguagem autônoma em que

ela atua.

Desta forma a questão 07 busca esclarecer sobre a utilização destes recursos

na produção de trilha sonora original. A questão apareceu da seguinte maneira:

“Sobre as músicas descritivas, ou as de herança da técnica mickeymousing, qual é

sua opinião na utilização destas em ambiente audiovisual?”.

De forma geral não observei preconceito nenhum na fala dos entrevistados.

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01 entrevistado não respondeu a questão; 01 respondeu que “...essa não é a melhor

maneira da música ajudar a narrativa cinematográfica” e complementou a sua

posição: a música tem que, como linguagem acoplada ao audiovisual, ajudar a contar a história de que trata o filme, ou seja, auxiliar a narrativa através da soma de emoções, sublinhar sentimentos, sublinhar ação, estabelecer pontes de interligação entre imagens, entre espaço-tempo.

Os demais entrevistados (04) responderam que dependendo da situação

estes recursos podem funcionar de forma satisfatória “se (...) ancorada em uma boa

trilha incidental” e “orquestrações complexas”; ou mesmo resultar em grandes

tragédias. “Podem funcionar muito bem ou podem ser desastrosas. Não é pela

técnica que se julga, mas pelo resultado”.

Neste sentido observo pela fala dos entrevistados que a utilização da música

descritiva e da técnica mickeymousing é apenas um dentre tantos recursos utilizados

para expressar e exteriorizar o material sonoro produzido para audiovisual. E que os

resultados serão variáveis de acordo com a utilização do material sonoro e não

simplesmente de um determinado emprego técnico. Mais uma vez identifico a

relevância em consideração aos objetivos centralizadores do projeto audiovisual:

eles proporcionam e indicam a forma com que este material sonoro será

desenvolvido.

1.2.8 Canções e músicas já existentes

Este tópico faz referência a pergunta de número 08 que busca saber dos

entrevistados duas situações distintas: A primeira sobre a utilização de canções

encomendadas que farão parte da trilha original; e a segunda questão é sobre as

músicas compostas para outros fins que acabam participando da trilha sonora. A

questão foi estruturada da seguinte maneira: “E as canções encomendadas? e as

músicas já existentes que não foram feitas para o filme, mas que, mesmo assim, são

aproveitadas por eles?”

Esta pergunta é uma extensão da questão número 07 (“Sobre as músicas

descritivas, ou as de herança da técnica mickeymousing, qual é sua opinião na

utilização destas em ambiente audiovisual?”). Este questionamento foi lançado uma

vez que o objeto de estudo do próximo capítulo será a trilha sonora do documentário

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Em Trânsito (Rivas, 2006), o qual é composto essencialmente por canções

encomendadas e músicas já existentes, escolhidas pelo diretor para participar da

trilha sonora desta produção. Dentro disso, era importante saber o ponto de vista

dos entrevistados referente à utilização destas formas composicionais dentro do

ambiente audiovisual.

Um entrevistado não respondeu a questão e as respostas obtidas foram:

- Bem escolhidas funcionam como um plus, mas como disse sempre dentro e quando são de um conceito musical estabelecido pelo autor da trilha. - Se utilizadas em exagero transformam o filme em uma coletânea de videoclips, prejudicando a sua unidade e interferindo de maneira a prejudicial no desenvolvimento dramático. - Talvez enquanto elemento histórico, com ótimas exceções e todas, sem dúvida, quando alguma coisa na canção possui narrativa idêntica ao áudio-visual, na letra, em alguns acordes, em notas musicais, etc. - Como dizia Tom Jobim, música é sempre encomendada. E trilhas sonoras que utilizam músicas já existentes são muito comuns e podem ser muito eficientes. Se utilizam da memória afetiva que as pessoas tem de uma música ou de um gênero musical. - Canções encomendadas são como qualquer trilha sonora encomendada, também são feitas sob medida e também representam uma determinada idéia no filme, normalmente resumem uma idéia central ou traduzem um estado de espírito do personagem. Não é muito diferente do que uma novela faz atualmente com as canções. É uma herança wagneriana. E, neste quesito, usar músicas já existentes é válido da mesma maneira. Se houver uma música que se encaixa perfeitamente no espírito de um filme, ou numa determinada situação, seu uso pode ser tão eficiente quanto qualquer trilha encomendada. Vide 2001. Mas claro, há o risco de banalizar, redundar, etc.

As respostas desta pergunta se comparadas a questão anterior procedem da

mesma maneira. As canções encomendadas e as músicas já existentes, quando

bem utilizadas, podem auxiliar a narrativa audiovisual ou mesmo transformarem-se

em momentos deslocados do filme, a exemplo dos “videoclips” – caso este não seja

o objetivo da produção.

Em qualquer uma das escolhas, adequá-las às sonoridades musicais utilizada

no filme, como indicado na primeira citação, é realmente a forma mais interessante

de estruturá-las. Desta maneira, elas estarão integradas ao contexto sonoro-visual

que a produção desenvolve.

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Outro aspecto interessante apontado por um dos entrevistados é: “Se utilizam

da memória afetiva que as pessoas tem de uma música ou de um gênero musical”.

Este recurso é muito utilizado e faz com que o espectador tenha uma afinidade

imediata com a obra. E, possivelmente, podemos afirmar que é uma maneira de

utilizar a música como informante de mensagens específicas. Mais um provável

indício da utilização da música como meio, servindo como campo de ação que

abrange significados compartilhados.

1.2.9 Sobre o processo de materialização das idéias musicais

A questão faz referencia mais uma vez à metodologia e técnica empregada

no processo de criação. Contudo, ela pretende especificar a utilização de formas de

grafia, sonoridades e instrumentos utilizados pelos compositores para exteriorizar a

idéia sonora e desenvolvê-la. A questão de número 09 é: “Dentro do seu processo

de criação como você utiliza a grafia musical, os sons acústicos, samplers entre

outras formas de materialização musical?”.

01 entrevistado respondeu de forma sucinta: “tudo é possível acústico

eletroacústico depende do projeto”; Os demais descreveram a utilização e o

processo por qual passa a produção musical.

Todos os entrevistados responderam que escrevem de alguma forma suas

composições. As vezes à mão ou utilizando-se de recursos tecnológicos, como

forma de registro e leitura. Mesmo assim, um dos entrevistados indicou a

importância das conversas entre compositor, ou o responsável pela trilha, com o

músico na hora da gravação proporcionando informações excedentes à partitura.

Gravações em MIDI são utilizadas como recursos para a produção e ajudam

o desenvolvimento da idéia musical em relação aos sincronismos utilizados nas

cenas. 02 entrevistados apontam esta relação:

- Eu escrevo o arranjo no Finale [programa para partituras], depois gravo tudo com samplers que depois serão substitídos pelos instrumentos acústicos e finalmente gravo a orquestra. Gravando os samplers via MIDI eu posso ouvir o arranjo no tempo exato da cena e fica fácil gravar a orquestras. - Sim, escrevo música na pauta, com notas, geralmente no Sibelius, ou às vezes à mão mesmo. O Sibelius ou outros programas de escrita musical são úteis porque permitem que se ouça, ainda que de

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uma maneira limitada, como vai soar o conjunto. Quando se escreve música para conjunto, é difícil ter noção de todos os resultados. Ou se ouve tão bem que o próprio compositor consegue reduzir ao piano; ou é bem mais difícil, e daí é útil um programa assim.

Com relação a utilização das sonoridades no audiovisual 02 entrevistados

apontam mais especificamente:

- Os sons acústicos são fundamentais, mas dependendo do que trata o filme, pode ser preferível usar sons sintetizados, sem escondê-los, não é um sint [sintetizador] imitando um violino, é um som de sintetizador e pronto e assim por diante (...) a prioridade a sons acústicos ou sintetizados vem da necessidade e da “cara” do projeto. - Utilizo toda a tecnologia a meu alcance na gravação e gosto de música eletrônica que soa como tal e não quando tenta soar como cópia da acústica.

As entrevistas mostram a importância fundamental de compreender diversas

e diferentes técnicas para que sejam utilizadas como recurso. Acredito, desta forma,

que o material sonoro resultante sempre será as experiências anteriores

proporcionadas pela vivência musical do compositor.

Os entrevistados ao serem questionados sobre as técnicas que utilizavam

priorizaram uma sensibilização sonora anterior a qualquer forma de exteriorização

(pergunta de número 04). Vejo neste ponto que se questionados sobre determinados

aspectos técnicos são profissionais reflexivos e conhecedores de dois campos muito

próximos e inter-relacionados que são a música e o audiovisual. Isso possivelmente

ajuda a concluir que, não apenas a sensibilidade musical auxilia na produção

musical para audiovisual, mas as ferramentas que lapidam este material - seja ela

defendida por correntes musicais ou ‘descobrimentos pessoais’ - ajudarão este

desenvolvimento.

1.2.10 Apontamentos finais

O último questionamento feito aos compositores foi: “Existe mais algum

apontamento que gostaria de levantar sobre o tema?”. Esta frase foi acrescida como

última linha às questões enumeradas de 1 a 9. A intenção era deixar à critério do

entrevistado a elaboração de algum tópico excedente às questões anterior.

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03 entrevistados não fizeram nenhum apontamento; 01 respondeu ser

suficiente; 01 respondeu que não existia mais nenhum apontamento sobre o tema,

pois o questionário havia abordado “as áreas mais importantes de maneira

competente”, refletindo a seguir sobre a sua atuação “espero ter contribuído”; e 01

entrevistado agradeceu a oportunidade de participar da pesquisa.

De maneira clara, observo que nenhum dos entrevistados acrescentou nada

além dos questionamentos abordados pela pesquisa. O que considero apenas uma

possível exaustão momentânea à temática.

1.3 Dados bibliográficos

1.3.1 Recursos tecnológicos

Quanto a utilização de recursos tecnológicos como o samplers no processo e

criação de trilhas, Berchmans (2006) aponta como sendo um auxílio aos

compositores. Uma vez que estes passam a projetar suas trilhas em computadores

será muito mais fácil que o diretor compreenda o produto final, sem a necessidade

de imaginá-lo.

O autor ainda indica que após a aprovação do diretor, através da matriz

sonora sampliada, é que a trilha sonora irá para sua gravação definitiva. Neste

processo ainda poderão acontecer várias mudanças e adaptações musicais

buscando seu melhor desenvolvimento aliado à imagem.

Possivelmente observo duas grandes questões: se por um lado esta técnica

auxilia a produção musical, por outro analiso este fator como um possível agente de

redução de escutas, uma vez que, em situações de contenção de gasto a produção

utiliza-se das versões em samplers como trilha definitiva.

A escuta musical, neste sentido, procede da ausência de juízo sobre suas

qualidades e fazeres sonoros. Uma coisa seria utilizar conscientemente as formas

expressivas dos sons sintéticos; outra utilizá-los em substituição dos sons acústicos.

Não coloco aqui uma questão de atribuição de valores entre sons ‘melhores’ ou

‘piores’, mas um questionamento reflexivo sobre os objetivos da produção sonora

em um determinado ambiente. O responsável por ela deverá compreender e optar

por escolhas conscientes.

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Como exemplo dessa utilização os compositores entrevistados mostram

claramente suas posições sobre a utilização de sons acústicos e sintéticos.

Verdadeiramente, para eles, uma propriedade sonora nunca será a outra, mas elas

podem atuar perfeitamente em consonância sabendo sobre suas características

reais e utilizando-as como tais.

1.3.2 Técnicas

Com relação a técnicas empregadas no audiovisual, estas, possivelmente,

podem afetar o resultado de todo o processo composicional. Dentre todas

destacamos o processo de mixagem e a edição.

Sobre a mixagem, no momento em que a trilha sonora entra no estúdio de

gravação, já em fase de pós-produção, seus responsáveis, ou seja, responsáveis em

regular volumes e qualidades sonoras de trilhas em relação à sonoplastia e som

ambiente, bem como demais tratamentos referentes ao áudio, acabam, em alguns

casos, modificando o resultado final da composição musical. E com um breve

exemplo esclarecedor Berchmans (2006) descreve o ocorrido:

O compositor Mychael Danna conta que, na mixagem da música do filme 8MM (1999), ‘certamente todos os interessantes elementos marroquinos desapareceram porque os engenheiros da mixagem acharam seu som muito estranho. Eles simplesmente disseram que diabos é isso? Está interferindo com o som da chuva. Sua percussão está distorcida, cara’. (BERCHMANS, 2006 p. 170)

Um processo semelhante e determinante de versões finais trágicas, também

poderá acontecer dentro da fase de edição do vídeo. Segundo Berchmans (2006) é

comum a observação de trilhas recortadas, ou mesmo retalhadas, com emendas em

lugares imprevisto, e músicas não especificamente compostas para aquele contexto,

mas que são inseridas no processo de edição.

Identifico também a utilização de “referências temporárias” na seguinte

citação:

Certos diretores já tem idéia precisa de que tipo de música eles gostariam de ouvir em determinadas cenas e outros estarão plenamente abertos para sugestão. E nessa montagem, muitas vezes, o diretor e o editor (ou, em produções maiores, o diretor musical) utilizam-se de referências temporárias para facilitar a comunicação com o compositor. (BERCHMANS, 2006 p. 33)

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As referências temporárias são músicas escolhidas pelo diretor, ou pelo

responsável, que possam retratar o ambiente final almejado. Contudo, questiono: a

composição resultante de referências musicais poderia gerar clichês? Até que ponto

o compositor teria liberdade para criar sob o julgo referencial? As referências

temporárias seriam um julgo?

Aponto neste contexto a imprescindível importância da compreensão do

pensamento musical, desde sua gênese passando pelo seu desenvolvimento até

chegar no trabalho final. Neste sentido, diretores, produtores, compositores e

técnicos, bem como os demais responsáveis pelo encargo, precisam compartilhar de

idéias que apontem para um mesmo pensamento, onde cada um, em sua medida,

contribua compreendendo as idéias individuais do processo e o todo coletivo

resultante.

Há de se pensar em formas criativas de construção sonora, as quais

ultrapassam os níveis de estereótipo, proporcionando ao receptor a música do filme

como um processo de percepção. O material sonoro, neste sentido, extrapola sua

atuação como mero veículo condutor de informações. Ele seria, por sua vez, um

campo de escutas possíveis, objeto a ser delimitado pela percepção e pelas

riquezas perceptivas da construção coletiva. Novas formas de se fazer e escutar

seriam parte integrante deste processo, abrindo o campo e conduzindo a trilha

sonora para locais de descobrimento.

Desta forma, não apenas as imagens e o roteiro estariam em patamares da

imprevisibilidade, como comumente os filmes são, mas a música indicaria em sua

medida para o campo auditivo, também, sua forma de existência em planos1

perceptíveis e únicos comparáveis ao valor artístico: seu sentido singular - resultante

do caráter de instabilidade e irreversibilidade - possivelmente atribuir-lhe-ia o caráter

de obra de arte.

1.3.3 O diretor

O principal gerenciador das sonoridades em ambiente audiovisual, conforme

Berchmans (2006), é o próprio diretor, ou um profissional designado por ele, ficando

a seu encargo e responsabilidade integral dos projetos desenvolvidos na área. E em 1 Podendo ser compreendido como ‘locais específicos’ ou ‘foco de percepção’, sem a atribuição de níveis hierárquicos.

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alguns casos, o autor ainda aponta que o compositor se torna um “secretário

musical”, apenas assessorando os pensamentos musicais do diretor.

O mesmo autor aponta que o papel do compositor, neste sentido, torna-se

penoso e árduo, requerendo inteligência, criatividade e paciência para a construção

do produto musical e, acima de tudo, sua estadia e manutenção no ambiente

profissional.

Medáglia (2007) é incisivo ao indicar que a palavra final é a do diretor em

qualquer das situações, e um bom diretor teria a consciência plena da utilização da

música em suas produções, o que facilitaria a atuação do compositor, auxiliando-o

em produções mais estruturalmente ricas. Contudo, na maioria dos casos, os

conhecimentos específicos do diretor sobre música são poucos, o que dificultará o

diálogo entre diretor e músico. Caso isso não aconteça, o músico poderá, em certa

medida, auxiliar a produção.

O autor aponta que existem, ainda, casos que são importantes a presença e

acompanhamento do roteirista, diretor e compositor atuando juntos. Isso facilitaria a

compreensão sobre aspectos globais e específicos da utilização da música para as

imagens.

Os diretores e compositores entrevistados também são enfáticos quando

falam sobre o assunto, afirmando realmente que, mesmo com diálogos ou aberturas

e acesso a novas criações sonoras, o diretor é sempre o representante final,

elegendo e atribuindo papéis às linguagens utilizadas na produção audiovisual.

1.3.4 Divulgação do produto nacional e dificuldades encontradas

Observo a ausência de materiais específicos sobre a produção de trilhas

sonoras do cinema nacional. Obtive muita dificuldade no processo de coletagem

bibliográfica, resumindo-se, por vezes, em artigos e entrevistas espalhadas pela

Internet.

A exemplo das teorias sobre cinema, coleta de som e processos históricos,

estes são materiais que geralmente encontramos sobre o cinema norte-americano; e

mesmo dentro destes aspectos muito falta falar sobre o cinema nacional.

Os aspectos musicais – composicionais - utilizados no cinema, de forma

freqüente, são dissolvido em linhas gerais dentro das obras existentes. Além da falta

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de materiais que apontem as sonoridades das composições próprias do audiovisual

(CD, DVD e partituras).

Sobre este aspecto Medáglia (2007), enfaticamente, responde “Não acha nem

Villa-Lobos, você quer achar musica de cinema?!”. Este apontamento feito pelo

compositor indica as realidades da música no Brasil: não é apenas a música do

cinema que marca sua atual ausência, mas a própria música do nosso país, que

apesar de riquíssima ainda aparenta-se pouco conhecida.

O resultado desta situação direciona-nos a ausência de estudos mais

aprofundados sobre o assunto, ou mesmo a apontamentos críticos sobre este fazer.

Contudo, devo ressaltar que há pesquisas científicas realizadas por alunos de

graduação, mestres e doutores que levantam essa problemática, a exemplo de

Carrasco (1993), Eikmeier (2003) Neves (2004), Campolina (2006), além de muitos

outros, abordando os aspectos musicais dentro da narrativa cinematografia e toda

sua problemática. Além dos diversos cursos técnicos, graduações e doutorados

espalhados pelo país que, mesmo não específicos em ‘música para audiovisual’,

proporcionam o direcionamento para o campo, a exemplo do mestrado/doutorado

em Multimeios oferecido pela Universidade de Campinas.

1.3.5 Uma narrativa musical?

Julio Medáglia (2007) aponta que no Brasil ainda tem muito para ser feito nas

produções musicais para audiovisual. O maestro relata que, dentro da sua

experiência profissional, existe uma diversidade de diretores que, mesmo sendo

reconhecidos pelas idéias e produções bem elaboradas, não sabem como usar a

música dentro de uma narrativa que se imagina. Sobre o estudo específico da

música para o cinema o compositor expõe:

levantar estar bola, neste contexto, aqui, onde se projeta filme, onde se põe a música no palco, onde se debate, onde se traz os autores, os diretores e todo mundo se discutindo, eu acho que, realmente, é uma forma de valorizar a trilha sonora de um filme e, ao mesmo tempo, contribuir para que futuramente os novos diretores possam ter uma consciência melhor de como usar o som com efetiva narração, e não como uma glabolização daquilo que a imagem... que o texto já mostra. (MEDÁGLIA, 2007)

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O interessante é que da bibliografia pesquisada, e em grande parte dos

entrevistados, observo uma forma consensual de “conduzir a música de forma

narrativa” dentro das produções audiovisuais. Contudo, de que forma a música seria

“narrativa”? De que forma estaria estruturada a ponto de desenvolver uma narrativa

apropriada ao contexto visual?

A palavra “narrativa” nos aponta a duas situações: ‘narrativa’, no sentido literal

da palavra, como responsável sobre uma descrição específica, dentro de um

contexto semântico e sintático; ou como ‘narrativa’ dentro do seu próprio caráter

existencial: a música como linguagem autônoma e mantenedora de relações

próprias, liberta de julgo estruturalista decorrentes das expressões verbais utilizadas

para descrevê-la.

Este seria um fato crucial dentro dos estudos sobre a relação da música com

demais formas de linguagem existentes. Como abordar sobre o assunto através da

construção de vocábulos verbais sem este influenciar com palavras e suas cadeias

sígnicas?

Desta forma, a “narrativa musical” indicar-nos-á sempre o sentido dúbio, o

campo problemático de sua existência. Devemos lembrar sempre que a narrativa

musical desenvolver-se-á de maneira diferenciada, na medida que possui sua

semântica autônoma e de caráter não denotativo. Mas que acima de tudo, ela,

dentro do audiovisual, não pode ser vista como uma narrativa isolada. E sobre a

narrativa audiovisual, não deve se levar em conta? As linguagens empregadas no

audiovisual fazem parte de uma única narrativa, tendo seu princípio na narrativa

fílmica.

Segundo Carrasco (1993) esta discussão surgiu muito paralelamente com a

inserção do som no cinema mudo, na década de 30. Teorias, textos e críticas

começaram a surgir como forma de explicar a utilização das sonoridades, tanto

dentro da relação fílmica, quanto a música do filme frente a produção comercial.

Contudo, estas avaliações para a época eram muito recentes.

O autor aponta, ainda, que a prática de montagem proporcionou muitas

experiências que apontaram à junção das similaridades entre som e imagem

destacando aspectos de pulso e ritmo.

De forma geral estes princípios eram baseados no relacionamento dos

aspectos musicais com as imagens: crescendos musicais com imagens

aproximando; decrescendo com imagens retrocedendo; pulso musical e ritmos

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correspondentes às velocidades de imagem (câmera rápida ou lenta) ou cortes de

edição, entre outros. Conforme Carrasco (1993) estas correlações proporcionaram

em décadas posteriores princípios estéticos para a música no cinema. E na

atualidade, mesmo sendo técnicas rudimentares são muito utilizadas.

Carrasco (1993) aponta que Eisenstein, ainda na década de 30, teria

oferecido ao tema relações muito importantes para o desenvolvimento de reflexões

sobre a música em ambiente fílmico. Contudo, muitos aspectos dessa problemática

não foram abordados e, durante os anos que o sucederam, ainda permanecem

desconhecidos.

Einsenstein possui os méritos de ter percebido que o cinema e a música são correlatos, enquanto linguagens temporais e quanto aos princípios de construção de seus discursos; a partir desse desenvolvimento temporal, ele incorporou o conceito de ritmo na articulação filmica [...] e acreditar nas possibilidades narrativas do som e, especialmente, da música no cinema. [...] suas grandes falhas foram [...] ter acreditado que houvesse um sistema de correlações absolutas entre som e imagem [...] Em segundo lugar, Einsenstein foi infeliz em sua opção pela supremacia do aspecto plástico, pictórico, em detrimento da temporalidade, do ritmo, da articulação fílmica e da progressão narrativa. (CARRASCO, 1993 p. 57)

Após este período muitas técnicas de emprego da música foram apontadas

pela bibliografia. “A maioria desses trabalhos apresenta uma síntese das funções

que a trilha musical pode exercer em relação à totalidade do filme” (CARRASCO,

1993 p.58). Contudo, Carrasco acrescenta que essas abordagens proporcionam

uma indicação de que a “música pode servir para...” sem que explique suas relações

dentro da narrativa fílmica. “É como se a música fosse algo que é colocado sobre o

filme, e não algo que faz parte dele” (CARRASCO, 1993 p. 59).

O autor ainda adverte: “Esse é um dos maiores riscos que se corre ao tentar

estudar a música do cinema, de repente, sem que se perceba, estamos falando

apenas de música e nos esquecemos do cinema” (CARRASCO, 1993 pp. 59-60).

Até o momento as estruturas, vocábulos técnicos e conceitos musicais já

estavam bem estruturados dentro da sua respectiva área. Contudo, o cinema

necessitava ainda de estudos que relacionassem a musica dentro do ambiente

fílmico, criando, desta forma, referências a esta nova estrutura.

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Carrasco aponta que a partir dos conceitos levantados por Claudia Gorbman

é que a música do cinema passa a valer-se também de conceitos cinematográficos.

Segundo o autor este eixo transformador baseia-se em pensar a música como:

- Não diegética2. Desenvolvendo o caráter de invisibilidade da trilha sonora;

- Subordinada “aos veículos primários da narrativa” (CARRASCO, 1993 p.60);

- Possível agente de situações próprias e “enfatizar emoções específicas [...] mas

em primeiro lugar [...] um significador de emoções por si só” (CARRASCO, 1993 p.

61).

- Alusão à narrativa dentro de um sentido referencial “sugestões narrativas e

referenciais, indicando pontos de vista, promovendo demarcações formais e

estabelecendo ambientação e caráter” (CARRASCO, 1993 p.61); e conotativo - “a

música ‘interpreta’ e ‘ilustra’ eventos narrativos” (CARRASCO, 1993 P. 61);

- “Continuidade rítmica e formal – entre planos, em transições entre cenas,

preenchendo ‘lacunas’” (CARRASCO, 1993 p. 61);

- Auxiliando a unicidade formal e narrativa da obra.

Com esses apontamentos podem ser indicados uma gênese dos estudos

sobre o desenvolvimento das linguagens híbridas: o processo de relação e

cruzamentos entre as expressões e linguagens utilizadas no audiovisual; sua

atuação não pode especificar somente um dos campos atuantes; sua forma

especificada, agora, uma nova forma, indica uma nova ação e, conseqüentemente,

novas indicações, vocábulos e conceitos próprios.

Para compreender a relação da música com a articulação fílmica, ou mesmo

de uma narrativa musical presente na linguagem audiovisual, aproprio-me das

considerações de Ney Carrasco (1993) que parte da teoria dos gêneros como

princípio e apreensão da narrativa cinematográfica. A obra cinematográfica estaria,

conforme o autor, identificada dentro dos gêneros narrativo Épico e Dramático.

Na narrativa épica a figura do narrador aparece como voz neutra, buscando

contar os fatos a partir de um certo distanciamento do contexto abordado. “Esse

distanciamento faz com que o narrador se veja em uma condição de impotência no

que diz respeito à sua interferência no objeto da narração” (CARRASCO,1993 p. 68).

2 Não diegético: música que não pode ser identificada na ação. Em contraposição ao termo ‘diegético’ onde são utilizadas referências da imagem para indicar de onde o som origina-se. A exemplo, uma música ouvida em meio a uma cena utilizar um dos personagens para ligar o rádio ou mesmo carros de som passar pela cena, são algumas formas de relacionamento entre som e objeto em ação.

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Por sua vez, na narrativa dramática o narrador ausenta-se definitivamente do

contexto, deixando que as ações falem por si própria. “Assim pose-se dizer que o

texto dramático tem como objetivo final não a sua leitura, mas a representação, o

espaço teatral...” (CARRASCO, 1993 p.68).

Dentro disso Carrasco relaciona as narrativas literárias distinguindo suas

especificidades dentro do audiovisual:

Na obra literária, de uma forma ou de outra, a figura do narrador confunde-se com a do autor da obra. No filme, por sua vez, a autoria está como que diluída entre todos aqueles que participam criativamente de sua composição. [...] Logo é possível afirmar que o narrador no cinema é um narrador coletivo. Esse narrador coletivo objetiva-se surge como uma resultante de todos os elementos envolvidos na composição do filme. Em suma, o narrador do cinema é, no plano do narrador, uma abstração. (CARRASCO, 1993 p.71)

Compreendo que, sendo todos os elementos presentes do filme uma

articulação narrativa entre gêneros e narradores, o conceito musical mais próximo

que podemos relacionar a esta situação é o de “Contraponto”. Esta observação é

feita especificamente por Carrasco (1993) baseando-se nos estudos de Eisenstein

sobre a convergência e similaridades da música com o filme (da década de 30). E

muito bem empregada para a compreensão do papel da música na ‘narrativa’

cinematográfica.

Carrasco trata o tema como articulação fílmica distanciando-se da palavra

narrativa e, conseqüentemente, de possíveis prescrições verbais que o termo possa

carregar. Compreendido desta maneira, posso afirmar que o narrador, neste sentido,

passa para a função de ‘sujeito articulado’.

Desta maneira, percebo que, com a idéia de contraponto e de um suposto

‘sujeito articulado’ o narrador ‘abstrato’ parece desenvolver-se mais dentro das

características próprias da flexibilidade. Os elementos presentes na produção

audiovisual – os vários sujeitos - passam a atuar de forma flexível – expondo-se ou

inibindo-se – segundo um fio condutor – a narrativa audiovisual.

As indicações do autor são pertinentes na medida em que entendo uma

possível mudança funcional da música dentro de ambientes externos a ela. Desta

forma, sua mudança signica no audiovisual é compreendida similarmente aos

processos de re-significação cultural. Neste sentido volto a afirmar que o estudo

sobre trilhas sonoras dentro do audiovisual não procede de forma desvinculada dos

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demais acontecimentos. Eles são simultâneos e precisam relacionar-se de forma

simultânea.

1.3.6 Criação de tendências

Em pesquisa anterior (SANTOS, 2005) observo historicamente que o

desenvolvimento de tendências musicais utilizados na produção de jingles, spots e

trilhas acompanham muito claramente a industria cultural e o modismo da época. E,

dentro de um levantamento histórico, Berchmans (2006) também aponta esta

mesma característica na música para cinema.

A utilização dos aspectos elementares da música popular estará de forma

muito presente e contribuindo para todo o fazer sócio-cultural de uma época, mais

evidente no século XX. A presença de gêneros como o jazz, o reaggetime, o rock,

entre outros tantos estilos populares utilizados na produção de trilhas sonoras

originais, é um indicativo dos meios de comunicação como mediadores das

produções sonoras em audiovisual.

Sobre as sonoridades especificas do cinema, Berchmans (2006) relata que

houve uma época onde se pensou que a era das grandes produções orquestrais

haviam acabado, justamente porque as tendências massivas estavam tomando o

espaço de forma majoritária. Contudo, o autor aponta que o que houve, de fato, foi

apenas uma diversificação de produção, pois mais tarde observou-se que a

orquestra continuava atuando da mesma forma.

Segundo o autor, em determinadas épocas, nota-se mudanças e quebras de

paradigmas na música para cinema de maneira muito evidente. Como exemplo,

Berchmans (2006) aponta este fato na década de 20 e 30, onde as formas e

estruturas das trilhas são baseadas em compositores da música do século XX como

Stravinsky, Bartók, Schoenberg e Charles Ives. Assim como em determinados

momentos da história do cinema é clara a substituição do repertório acústico pelo

sintético, resultado de formas de gravação, reprodução e tendências sonoras eleitas

pela época.

1.3.7 As composições antecedentes das imagens

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Ao trabalhar-se com as linguagens no audiovisual compreende-se claramente

sobre a importância do desenvolvimento destas para com seus objetivos finais, seja

direcionamento de público, práticas artísticas ou comerciais; E integrá-las de forma

consciente, ao passo que estas possam produzir os efeitos desejados é o maior

objetivo dos estudos sobre suas relações.

Mesmo que algumas fontes indiquem esta importância e que os elementos

utilizados no audiovisual devam partir uns dos outros com certa referencialidade

sincronizada, Ennio Morricone (2007) aponta que algumas vezes já compôs para

filmes antes mesmo de receber as imagens. Dentro destes casos, o compositor

relata que o diretor inspirou-se nas composições, a ponto de tê-la como referência

para a direção das imagens finais do filme, sentindo a música não como alusão ao

movimento, mas sensibilizando-o.

Para Morricone (2007) a música deve ter sua característica própria e uma

função precisa dentro do filme, servindo-o, mas sem perder as características

específicas da criação musical e as contribuições próprias de cada compositor. “A

música com uma fisionomia própria sempre olhando ao filme e tentando fazer aflorar

os sentidos mais profundos que o diretor quer expressar na tela” (MORRICONE,

2007).

Sobre a montagem, sincronia e cortes do filme Morricone afirma que o

compositor deverá evitar que sua composição saliente estes aspectos. A música

neste sentido auxilia estas passagens de forma a lapidá-las, retirando sua

sinuosidade.

O fluir da música vai circundar o filme e, de certa forma, apagar aqueles cortes que são próprios do cinema, ou seja, da montagem ... o compositor tem que observar o sincronismo, sem esquecer da forma musical. Os sincros [sincronismos] deveriam se ver através da música, ou seja, tentar fazer uma fusão tão grande entre imagem e música que você vê a música. (MORRICONNE, 2007)

1.3.8 As canções

No Brasil do período cinemanovista, com a queda de recursos para a

produção audiovisual, é comum observarmos freqüentemente o aparecimento de

canções, as quais em sua maioria, são interpretadas por grandes nomes da música

nacional (BERCHMANS, 2006).

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Esta prática é comumente utilizada mesmo nos dias atuais e levanta em seu

cerne vários aspectos que colaboram a sua perpetuação.

Posso dizer que possivelmente esta saída sana as necessidades

orçamentárias, na medida em que se produz com poucos recursos; mas, acima de

tudo, proporciona uma abertura para o mercado fonográfico e um local de prestígio

conseqüentemente criado para produção audiovisual, na mediada em que as

próprias canções agem como propaganda publicitária dos filmes.

Curiosamente, esse mal ataca normalmente aos estúdios que se encontram em dificuldades financeiras, talvez porque a falta de capital provoque uma ‘queda de resistência’ [...] mas, [...] para os diretores ela se constitui em um grande antídoto para a crise financeira, pois quando uma canção atinge o mercado, rompe o limite da tela e ganha o espaço público do rádio, da televisão e do disco, é possível que ela gere um lucro ainda maior do que o próprio filme. (CARRASCO, 1993 p. 82)

Neste sentido, tanto o mercado fonográfico quanto o audiovisual compensam

sua evidência. Contudo, o maestro Júlio Medáglia (2007) também justifica o uso das

canções como recursos composicionais por nossa “latinidade”.

Os norte-americanos têm sua formação mais instrumental e o ensino de

música nas escolas regulares facilita esta prática cultural, enquanto que na América

Latina, em termos gerais, não existe esta prática, o que explicaria esta herança forte

das canções em nossas produções fílmicas e demais produções na área.

Aspectos como estes fazem lembrar sobre a importância da formação de

profissionais conscientizados sobre a atuação da música, seu papel e caráter junto

com o conteúdo visual e textual, investigando formas de atuação e desenvolvimento

de contextos; conhecendo não somente as técnicas musicais mais os locais culturais

que realizam-na e onde se inserirão.

A idéia é que a produção musical em audiovisual precisa estar tão integrada

aos demais elementos para que nenhuma linguagem exista de forma autônoma,

formando uma nova criação.

Neste sentido afirmo que esta relação resultará uma dualidade: atuando

separadamente visual do sonoro, sonoro do textual, e conseguinte, estas matrizes

agiriam de forma autônoma e singular. Contudo, dentro do processo de interação

destes elementos, afirmo que há um resultado híbrido capaz de apagar

singularidades e ao mesmo tempo evidenciá-las.

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O autor Berchmans (2006) ainda aponta que a maior influência na produção

de trilhas sonoras dos filmes brasileiros são as novelas, onde se utilizam de um

formato musical herdado pelo cinema: as canções. Observando este característica

busquei desenvolver um exemplo de caso específico sobre o tema no sentido de

compreender e exemplificar esta relação música-mercado, bem como a utilização

desta técnica como recurso compositivo, uma vez que suas reincidências estarão

presentes na música para audiovisual.

1.4 Um caso específico sobre as canções

Historicamente, a ampliação do campo de produções de músicas para

novelas data do ano de 1969, com a criação do selo Som livre, desenvolvido pelo

Sistema Globo de Gravações Audiovisuais. Contudo a criação de trilhas para

novelas registra-se em uma década antes.

Segundo Xavier (2006) a primeira trilha sonora criada para novela foi no ano

de 1959, para “Trágica Mentira” exibida pela Tv Tupi. Somente em 1965, é que

foram divulgadas as primeiras trilhas através de gravação em disco, contudo, se

tratando de difusão a Rede Globo de Televisão foi responsável pelo pioneirismo de

divulgação de temas compostos originalmente para novelas.

Conforme o autor, a partir do ano de 1976 as trilhas sonoras originais foram

substituídas por músicas escolhidas de forma casual. É nesta mesma época que

começam a distinção entre trilhas ‘nacionais’ e ‘internacionais’. Contudo as músicas

cantadas nos álbuns internacionais eram assinadas por cantores brasileiros, o que

auxiliou também na divulgação internacional destes mesmos intérpretes.

Xavier (2006) acrescenta que Roque Santeiro (1985) foi a primeira novela a

produzir o formato de 02 álbuns nacionais e que, a partir disso, as novelas de

caracteres regionais passam também a adquirir esta mesma especificidade.

Conforme Jimenez (2006), atualmente, o mercado de venda de cds de trilhas

tem passado por uma grande crise. Contudo, o anúncio da estréia de uma novela de

Manuel Carlos é indicação de melhorias para a área, pois além da grande audiência

alcançada pelas suas produções, estas obras trazem ao mercado a expectativa de

elevação dos números de tiragem de cópias vendidas.

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O setor há tempos amarga uma crise. As vendas da trilha de Cabocla (2004) não passaram da casa dos 85 mil discos. Senhora do Destino (2005) foi um pouco melhor, com 300 mil discos vendidos, seguida por América, que teve 4 discos diferentes lançados, alcançando a marca das 627 mil unidades. Mas nada comparado com a trilha que embalou Laços de Família (1999), que passou a casa do 1,5 milhão de discos vendidos. O CD de Mulheres Apaixonadas (2003), última novela de Maneco na Globo, chegou à marca de 1 milhão. (JIMENEZ, 2006)

Será, neste sentido, dentro da afirmação de mercado, que nos referiremos

mais especificamente sobre as novelas de Manuel Carlos e também por

questionarmos sobre o curioso aspecto, centro de nossa discussão: O cotidiano

brasileiro da atualidade poderia ser expresso por uma sonoridade essencialmente

bossanovista? Porque este gênero musical se apresentaria predominantemente

durante uma década? Seria o nosso ‘retrato de brasilidade’? Somos tão brasileiros

quanto a bossanova?

Ao longo de uma década, Manuel Carlos apresentou à televisão brasileira

cinco novelas exibidas pela Rede Globo de televisão, sendo: História de Amor

(1995), Por Amor (1997), Laços de família (2000), Mulheres apaixonadas (2003) e

Páginas da vida (2006).

Como marca forte de sua carreira, o autor traz temas cotidianos, de

responsabilidade social e aspectos gerais, sempre retratando bairros e centros

urbanos, buscando referir-se “a vida como ela é”. Em entrevista, esclarece sobre o

porque da construção dos cenários e personagens trazerem consigo estas

características:

Procuro fazer uma ficção não delirante. Nunca gostei, por exemplo, de ler ficção científica e realismo mágico, como nunca me entreguei, nem quando criança, às histórias em quadrinhos. O que me ocupou sempre foi uma ficção realista ou próxima disso. Escolho um grupo de pessoas e começo a escrever sobre como elas vivem, o que sonham, o que conseguem. Faço ficção, mas tenho compromisso com o verossímil. (MANUEL CARLOS, 2006)

Mais especificamente sobre as músicas que soam priorizadas em seu

trabalho atual (Páginas da Vida) Manuel Carlos descreve:

Como sempre em minhas novelas, a música contemporânea será privilegiada, com acento mais forte na bossa nova e no Rio de Janeiro. Isso significa, mais do que qualquer outro artista, que

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teremos muito Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Para abertura, por exemplo, escolhi “Wave”, do Tom, executada por ele mesmo no piano. Sem a letra, sem ninguém cantando. Apenas o Tom, o genial Tom. Com isso vamos prestar uma homenagem a ele que, em janeiro próximo, estaria fazendo 80 anos. (Manuel Carlos apud GLOBO, 2006)

Apesar do autor propor o gênero bossa-nova nesta produção específica,

observo que ao longo de uma década Manuel Carlos relata suas histórias

embaladas pelas mesmas sonoridades e pelo mesmo estilo. As músicas que faço

referências são mais especificamente os temas de abertura de 1995 a 2006: (1995)

Lembra de mim, interpretada por Ivan Lins; (1997) Falando de amor (T. Jobim)

interpretado pelos grupos vocais Quarteto em Cy e MPB4; (2000) Corcovado

(T.Jobim) na voz de Astrud Gilberto; (2003) Pela Luz dos Olhos teus (T. Jobim)

cantada por Jobim e Miúcha; E (2006) Wave, em sua versão instrumental.

Suas principais características seriam o emprego de sonoridades leves, ritmo

marcado por sincopas e percussão, harmonias dissonantes e uma rica elaboração

instrumental estruturada, inicialmente pelo emprego do violão como motivo principal,

seguidamente, o piano.

As primeiras manifestações do movimento bossa-nova ocorreram na década

de 50 no Rio de Janeiro, onde compositores, instrumentistas e cantores

intelectualizados, amantes do jazz americano e da música erudita, tiveram

participação no surgimento deste gênero: unindo ritmo brasileiro à harmonia jazz.

Desta forma uma possível brasilidade se construía através do samba carioca

do morro, tomado como tipicamente brasileiro, e sua junção com o jazz americano,

já transformado em tradição requintada e elitista.

Alguns filmes da produção americana na década de 60 chegaram a empregar

em suas trilhas este gênero musical, influenciados pela beleza de sua sonoridade e

pela descoberta deste em terras ‘exóticas’. Desta forma, a bossa-nova teve grande

influência no cenário internacional e foi responsável pelo retrato brasileiro para os

demais paises durante várias décadas.

Manuel Carlos busca integrar a realidade em suas obras e dentro delas traz a

bossa-nova como eixo condutor. Deparo-me com sua novela (Páginas da Vida -

2006) e observo cenas em galerias de arte, onde se expõe obras de Portinari,

embaladas pela música Wave. Os núcleos e personagens refinados e de maior

poder aquisitivo são sempre lembrados pela bossa-nova. Posso certamente afirmar

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que esta composição de imagem e som estaria conduzindo-nos a associação das

sonoridades aos lugares, pessoas e modos de vida relatados ali.

Possivelmente que, expressar o cotidiano das favelas juntamente com este

gênero (bossa-nova) seria demasiadamente deslocado, se estudarmos nossa

herança de afirmações de estereótipos. Sua realidade, neste sentido, expressar-se-

ia de uma maneira mais ‘apropriada’ por produções do mercado de consumo, pelo

produto nacional que desponta nas ruas: o funk, o hip-hop, ‘as cachorras’ e como

arte visual a grafitagem.

Este fato é decorrente de afirmações e situações semelhantes que acabam

por veicular formas estereotipadas de percepção e reprodução cultural. Neste

exercício afirma-se cada vez mais idéias e representações figurativas responsáveis

por inclusões e exclusões de conceitos. Contudo, considerando a música como

forma de materialização de idéias que exploram os elementos sonoros, esta deverá

se apresentar em sua construção através da exploração de suas propriedades,

timbrísticas, textuais e demais formas variadas de disposições, não seria capaz de

expressar nenhum sentimento. Ao contrário, ela será responsável somente pela

produção de sensações. Na seguinte citação observamos Santaella (2002)

especificar esta relação:

a música não representa nenhuma servidão de referencialidade nem de usos pré-determinados, pois ela é feita de configurações em estado puro, despojadas das misturas adventícias que são próprias das linguagens que cumprem a função representativa...(a música) na classificação dos signos de Pierce,é aquele tipo de signo que não pode representar outra coisa senão puras formas. (SANTAELLA, 2002 p. 44)

O que ocorre de fato é que as idéias musicais materializadas ao produzirem

sensações serão estas as responsáveis por processos de padronização, por valores

estéticos e associações próprias do seu ambiente gerador e passam, com isso, a

expressar um valor representativo e significativo frente ao campo cultural.

Dentro das produções audiovisuais as trilhas sonoras serão associadas aos

demais elementos, imagem e texto. Neste caso ambos estariam ajudando na

atribuição de valores ao material sonoro. E a música estaria atuando como

linguagem neste contexto. Os temas musicais, desta forma, anunciariam cada

personagem, ou o núcleo da cena seguinte e seriam responsáveis também pela

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propagação e continuísmo imaginativo, na medida que ao ouvi-la, fora do contexto

imagem e texto, mesmo assim associaríamos a estes.

Levo em consideração, também, que o visual seria mais difícil de ser

lembrado ou retratado de forma precisa, até mesmo as palavras. Entretanto, o

musical, mesmo dentro das oscilações fonéticas das frases, permanecerá

memorizado mais facilmente. Pois, as músicas utilizadas nas novelas, assim como

na indústria fonográfica, buscam gêneros, estilos e elementos musicais mais usuais;

fórmulas semi-acabadas que possibilitem a veiculação de informações e significados

que possibilitem o alcance de resultados objetivados.

Mesmo atuando de forma equivocada como informação construída por

estereótipos e funcionalizando sua existência, em determinados momentos do

campo cultural posso afirmar que ela aparecerá dentro desta configuração, podendo

ser visivelmente compreendida nos exemplos sobre o audiovisual: através da fala

dos entrevistados que buscam partir das informações já elaboradas do campo da

cultura para produzirem suas trilhas; através de Vera Cruz, onde os compositores

nacionalistas supostamente retratam um Brasil construído pelo folclore e em direção

a um futuro progressista; através das trilhas utilizadas por Manuel Carlos, que

produzem semi-informação e recebem retornos visíveis do mercado.

Desta forma a Música seria possivelmente um veículo responsável pela

construção e institucionalização identitária de um Brasil homogêneo, ou de

diferentes ‘Brasis’: variáveis determinadas pela elaboração de sons, ritmos e formas,

já instituídos ou os que ainda serão. O reflexo desta relação é identificado pelo

mercado que se apropria para produzir, reproduzir ou transmitir seus interesses,

gerando clichês modeladores, muitas vezes identificados como estética musical

mercadológica: um dos tantos produtos da industria cultural.

Saliento ainda que as produções escritas (livros e artigos) sobre o tema

enfocam técnicas utilizadas na produção e captação de sons ambientes, as quais

têm como seu maior referente o cinema norte americano. E, mais especificamente

sobre a utilização de trilhas sonoras no audiovisual brasileiro, volto a afirmar uma

nítida escassez bibliográfica: o que vemos com muita freqüência são alguns

resumos que pesquisas científicas ainda não publicadas em sua integra, além de

opiniões de profissionais em breves relatos de revistas e artigos publicados pela

Internet; o que faz com que a pesquisa sobre o referido tema ainda se encontre em

situação muito fragmentada.

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PARTE II – DAS IDÉIAS AO MATERIAL SONORO

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2.0 COMPOSIÇÃO MUSICAL

O compositor no processo de criação utiliza-se de conhecimentos técnicos

para a tradução dos pensamentos musicais ao plano material.

Mais especificamente em música, este processo, chamado por Hindemith

(1969) de transmutação, exige um alto grau de conhecimento técnico, uma vez que

este proporcionará elementos concretos e uma gama maior de possibilidades para

sua materialização. Contudo, mesmo conhecedor das diversas formas de

exteriorização, o processo de transmutação pode sofrer variações em sua

interiorização ou em sua exteriorização.

Em contraposição, determinantes possíveis aparecerão nesta relação. As

experiências, impressões e percepções anteriores aos eventos darão origem a

construção da percepção e do conhecimento musical, que, neste sentido, será

relativamente ligado ao ponto de vista do ouvinte/conhecedor.

De acordo, posso afirmar que o compositor, acima de tudo, deverá vivenciar

plenamente um processo auditivo que possibilite a construção crítica do pensamento

musical. Desta forma, Hindemith (1969) acrescenta que o suporte musical como

estruturas harmônicas, melódicas e estilísticas, proporcionam requisitos à montagem

da obra; e neste processo ou na execução, e ainda na escuta, o indivíduo deverá

buscar a “música como única certeza”, libertando-se de imposições que subjuguem

a música como meio, expressão sentimental, ou ainda termos relacionados à

comunicação. O processo de criação seria, segundo o autor, uma experiência

emocional associada aos sentidos.

A composição musical, desta forma, será estruturada conforme a

manipulação dos elementos musicais - seus motivos agrupados, repetidos,

intercalados, espelhados; o manuseio de sonoridades, ou a representação de

diversas formas timbrísticas - sem que nestes haja um significado além de suas

elaborações materiais.

Certamente que os processos de re-significação podem indicar a utilização da

música como estímulo ou ainda sintoma emotivo, acrescentando à ela elementos

externos; situação vivenciada pela audição feita por receptores e intérpretes

habituais3; as estruturas musicais, por acionarem primeiramente a percepção afetiva,

3 Indivíduos isentos das análises profundas sobre a sistematização musical.

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remete-nos a lembrança e associações de afeto, sofrendo, assim, processo de re-

significação.

Mais especificamente sobre o processo de criação musical, este, é

desenvolvido por materiais e formas que o compositor inventa para exprimir-se. Por

sua vez, quando estas são trazidas para o campo social sofrem atribuições

valorativas de utilidade ou de significação artística.

Segundo Koellreutter (1984) este tipo de produção é chamada de “Arte

experimental” e não permite previsão de resultados, uma vez que, esta é a

materialização de idéias formuladas4. Para o autor ela apenas se apropria de um alto

grau de profissionalismo e especialização, com o objetivo de “criar novos meios” e

“informar algo novo”. Com isso, cada compositor terá sua forma de estruturação

musical, a qual será determinada por características peculiares da sua própria

poética.

Falar sobre composição musical requer, neste sentido, um pensamento

flexível similar a forma de se pensar as diversidades musicais presentes no século

XX, o que abordo no próximo item deste trabalho.

Sobre este assunto (composição musical), Ferraz (2005) faz uma analogia à

construção de uma casa, onde a matéria prima é o sonoro que se encarregará em

edificar um ambiente específico. E, acrescento a este pensamento que neste novo

contexto (o século XX), os intérpretes e ouvintes fazem parte imprescindível de todo

o processo juntamente com o compositor, tornando-se co-autores.

Conforme Ferraz (2005) falar sobre composição não se trata de construir um

manual específico sobre o tema, mas fazer apontamentos que possam delineá-la e

assim formar um campo sonoro sobre as discussões que envolvem o assunto. O

autor aponta que, na maioria dos casos, existe uma persistência de obras (estudos e

escritos) que desenvolvem discussão, mais sobre os simbolismos na música do que,

propriamente, as possíveis escutas advindas desta.

Partindo destes apontamentos possivelmente posso arrematar que se trata de

discutir casos sonoros específicos, a fim de compreender sua relação de existência

em seu contexto material (sonoro) e em seu contexto perceptivo; manter uma

relação aberta de análise e críticas constantes das obras e das suas eternas e

possíveis relações perceptivas. E, em hipótese nenhuma há de se pensar o campo

4 Processos mentais, nunca externalizados.

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composicional como delineado e finalizado, pois as fronteiras desse processo

estarão dissolvidas pelos diversos discursos e abertas pelas suas possíveis

variações.

Dentro da própria musicalidade, inerente a todos que escutam, acontecem e

criam-se espaços de escuta, performance e composição. Compreender os diferentes

discursos existentes no campo não fará do ouvinte, assim como do compositor,

detentores da verdade sobre o ato de compor, mas flexibilizadores do campo.

O que seria, de fato, um indicativo promissor? É certo que me ausento em

desenvolver discussões que possam de alguma maneira esgotar este tema. Mas

busco empenhar-me, em minha medida, numa possível construção discursiva sobre

o tema, através de alguns possíveis recortes.

Ferraz (2005) aborda o campo das prováveis escutas, sempre tentando

integrar o ouvinte a realização da obra, como se a composição materializasse dentro

das possíveis escutas advindas dela. Nesta construção discursiva o autor traz a tona

os espaços criados no processo composicional, o que resulta em uma, ainda maior,

flexibilização temática.

Zampronha (2000), por sua vez, desenvolve o mesmo tema sobre os

aspectos perceptivos englobados dentro do processo composicional, contudo mais

especificamente sobre uma ótica histórica de mudanças paradigmáticas.

Para o autor, o velho paradigma “reconhecimento”, com o advento do século

XX, é convertido no ato de “perceber”. Enquanto as composições musicais dos

séculos anteriores alicerçavam-se em uma escuta conduzida, numa ‘forma pré-

dada’, baseada em estereótipos sonoros, onde a apreciação da composição estava

em identificar as formas musicais, tonalidades, modulações, motivos e temas já

estabelecidos - e segundo Zampronha (2000) seria esta a intenção do compositor -

nos meados do século XX esta forma de concepção musical passa a não mais valer,

encaminhando os processos composicionais e a audição para as formas

perceptivas.

Neste novo paradigma a obra “é a própria modelagem da percepção”

(ZAMPRONHA, 2000 p. 424) e seus processos rompem o estereótipo “ao trabalhar

sobre o perceber... a obra não se configura como algo dado, definido e estável... Ela

se torna, ... um trabalhar da percepção” (ZAMPRONHA, 2000 p. 241).

Segundo o autor, dentro desta visão – sobre a obra como percepção -

existem três propriedades desenvolvidas: instabilidade, irreversibilidade e co-

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determinação. Neste sentido, as obras seriam, não mais o objeto dado, mas algo a

ser delineado: o ‘objeto possível’, criado dentro do processo de percepção – o

instável; haveria a qualidade de irreversibilidade na medida em que não permite que

o processo seja observado - a não ser que existam manuscritos descritivos sobre o

mesmo, no sentido de visualizar seu percurso e analisá-lo, ou apontamentos do

próprio compositor; o que proporcionaria o caráter de co-determinação, terceira

característica, onde obra e autor são, na mesma medida, o mesmo sujeito: onde um

sem o outro não existe. Este processo é análogo à divisão de uma célula ... Quando uma célula A se divide surgem outras duas: A1 e A2 e vice-versa. Antes havia A. Agora não mais. Antes só havia A. Agora, A1 (e não mais A) se reconhece a si mesma através de A2, e A2 através de A1. Assim A1 e A2 se representam mutuamente, mais para isso A teve de deixar de ser A. Mas ambas de alguma forma ainda são A, já que uma carrega traço da outra. A se cria a si mesmo como A somente no momento em que se divide e, de forma aparentemente paradoxal, deixa de ser A e passa a ser A1 e A2, compositor e obra... obra e compositor são signos um do outro, se remetem, se dão a conhecer um através do outro, são co-determinantes. (ZAMPRONHA,2000 p. 248)

De acordo com Zampronha (2002) a escrita musical, dentro desta nova

existência do ‘perceber’, indicará estas mesmas características, uma vez que for

constituída por signos incompletos ou super-saturados. Os signos incompletos estão

nas obras que criam ‘instabilidade’ e ‘ambigüidade de interpretação’, na medida em

que suas informações não são determinadas “os signos podem dizer como fazer,

mas não o que fazer (...) de modo que o interprete irá construir o signo de modo

análogo ao processo perceptual (...) a partitura torna-se ela mesma um perceber”

(ZAMPRONHA, 2000 p. 243). Por sua vez, os signos super-saturados são aqueles

que apontam uma grande quantidade de informações exigindo das habilidades

técnicas do executante, o que será modulante de um intérprete para outro. Com

isso, estas duas formas de escrita proporcionam à obra o caráter de instabilidade e

por sua vez, irreversibilidade e co-determinação, pertinências do paradigma

perceptual.

Todavia, devo acrescentar para a visão do autor que entre compositor-escrita-

intérprete, seja dentro de qualquer manifestação sígnica, mesmo a mais fiel, sempre

haverá uma relação complexa: os signos são determinados por seu meio ou pela

afinidade com este. E as concepções musicais exteriorizadas por seu idealizador

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nunca serão, realmente, as formas musicais idealizadas em seus processos mentais

- uma vez que a escrita até o momento não é capaz de descrevê-lo. Da mesma

forma o processo composicional. Todo e qualquer signo, neste sentido, para obter

seu significado real, deverá expressar-se dentro das mesmas possibilidades que o

geraram. No caso das idéias por idéias; no caso de processos apenas no processo.

Para Koellreutter (1984) a partir da segunda metade do século XX os

conceitos estéticos se diferenciaram; as habituais formas estéticas estariam

expandindo e re-elaborando-se dentro de uma nova visão, no contexto de caráter

global. As características, que por muito tempo, ainda podiam ser delimitadas pelas

fronteiras estariam rompendo seu espaço geográfico e interagindo com as demais

formas de identidade.

Neste sentido, a música deste século alcançou e se apropriou de

características advindas de novas culturas, a fim de sair das amarras

tradicionalmente impostas pelo sistema de tradição ocidental.

Observando a nova estrutura e forma musical, Koellreutter (1984) relata que

são fundamentadas pelo pensamento relativista e optam pelo pensar sem

racionalidade, que seria a fusão do pensamento tradicional ao pensamento

globalizante. Com isso, o autor aponta que estrutura e forma procedem de um

pensamento sem causa, associado a conceitos aparentemente distintos e sua

estruturação não possui simetria, nem período: sua elaboração, composta por

variações e transformações constantes resultaria numa multiplicidade de

elaborações sígnicas, resultando em um “processo integrador (sinérese)”

(KOELLREUTTER,1984 p.31).

2.1 A diversidade da música do século XX

A mudança para o século XX trouxe horizontes promissores, se tratando da

possibilidade de novas escutas e fazeres musicais. Não que em séculos anteriores a

música não tivesse se detido à novas invenções, mas foi a partir de meados de 1900

que eclodiram uma maior variedade de manifestações, a fim de desvendarem, sem

medida, o que ainda não fora explorado, ou mesmo esgotado.

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Diferentes sonoridades e tendências, juntamente com o emprego de novas

técnicas, tomaram o espaço, até então, ocupado exclusivamente pela exploração do

sistema tonal diatônico. Certamente que outros aspectos, a exemplo das fórmulas

contrapontísticas, fazem parte por muito tempo dos materiais empregados nas

produções musicais. Contudo, segundo Barraud (2005), o sistema tonal manteve-se

de forma majoritária nos últimos três séculos que antecedem seu declínio.

Mudanças de conteúdo, o desenvolvimento da polirritmia, explorações

timbrísticas, o abandono do sistema tonal; bem como a anulação de formas musicais

pré-estabelecidas, com o rompimento de regras de estruturas, foram resultados,

dentre outros, das mais diversificadas tentativas em busca de um novo local.

Ambiente este que já se delimitava de forma simultânea a criação e consolidação do

sistema tonal: o mesmo cromatismo, que proporcionara ao sistema tonal

regularidades de atuação, sistematizado a partir de Bach, proporciona sua

desestabilização; a visão que, até então, voltava-se para uma estruturação tonal,

não podia, ainda, observar sua negação pelos demais aspectos que já pertenciam

ao campo.

O século XX foi apenas o mensageiro que anunciou uma ruptura de

convivências entre o tonal e o não tonal. Juntamente com este acontecimento, o

olhar instável de alguns se volta à procura de novas possibilidades.

A ‘verdade tonal’, ou nosso egocentrismo tonal, já não serviria para expressar

este novo campo descoberto e tão vasto de possibilidades: a harmonia tonal foi,

desta forma, anunciada no século XX como uma dentre tantas possibilidades e

admissões. (GRIFFITHIS, 1998 p.09).

Assim podemos entender que diversos fatores que há muitos anos eram

utilizados foram componentes importantes para a nova formação da música do

século XX.

De acordo com Griffiths (1998) alguns compositores, antes de se entregarem

às explorações do século, ainda defenderam o sistema tonal por um pouco mais de

tempo, não por serem contra o futuro visionário, mas por terem formações

solidificadas em correntes tradicionalistas.

Para o autor, sem um ambiente tonal definido, muitos compositores

encontraram um grave obstáculo para a produção de suas obras, o que

proporcionou uma constante busca por ancoradouros.

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Alguns acabam, neste sentido, fixando território em contextos literários, outros

fundamentando-se em escolas pré-existentes, a exemplo do movimento neoclássico. Eis uma realidade um aspecto insólito da música composta desde 1900: o fato de que tantos compositores tenham adotado uma posição ‘conservadora’ trabalhando com materiais e métodos que poderiam parecer exauridos ou superados pelos avanços de técnicas e sensibilidades. É claro que sempre houve confrontos e rivalidades, nas artes, entre ‘conservadores’ e ‘radicais’. A diferença na música do século XX, está na abertura para tantas opções que não existe uma corrente única de desenvolvimento, nem uma linguagem comum como em épocas anteriores, mas todo um leque de meios e objetivos em permanente expansão. (GRIFFTHS,1998, p.23)

Para Massin (1997) o aparecimento dessas diversificações, embora aparente

para alguns apenas como “preocupações intelectuais ressecantes” (MASSIN,1997

p.1125), seria o resultado da exteriorização do “eu” em busca de bálsamo que viesse

ao encontro dos “valores humanos mais autênticos, na crise trágica da civilização”

(MASSIN,1997 p.1125), o período pós-guerra. Neste sentido, a tradição é

questionada pelas recentes formas de pensamento: pelas “novas necessidades

(psicológicas ou espirituais, como quiserem)” (MASSIN,1997 p.1125).

Conseqüentemente, estes novos rumos proporcionaram novas e inúmeras

possibilidades de fazeres musicais, percepção e escuta, contribuindo no

deslocamento de paradigmas antigos em detrimento dos novos. Isso resulta não

apenas na variedade de expressões, mas também em uma rapidez de estruturação

de escolas no século XX, como nunca fora observado anteriormente na história.

Escolas com bases atonais, serialistas, politonais, aleatórias, impressionistas,

jazzísticas, com técnicas mistas, expressionistas, neoclássicas, microtonalidade,

música eletrônica e eletroacústica, serialismo integral, são apontadas como as

principais correntes existentes no período em estudo de autores como: Menezes

(1987), Boulez (1995), Massim (1997), Griffiths (1995; 1998) e Barraud (2005).

Contudo, vale ressaltar que os processos de seleção e classificação de

produções musicais de certa forma padronizam as relações estéticas específicas

das obras. Neste sentido, as delineações feitas por Nobre (1994) e Victorio (2005),

como veremos mais adiante, nos auxiliarão a compreender estes processos. E as

“tendências isoladas”, apontadas por Victorio (2005) exemplificarão de maneira mais

clara as realizações musicais deste século em questão.

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Mais especificamente sobre os autores acima citados (MENEZES, 1987;

BOULEZ, 1995; MASSIM 1997; GRIFFITHS, 1995; 1998; e BARRAUD, 2005.),

ainda é possível identificar características pertinentes ao período, as quais podem

ser encontradas na produção dos mais diversos compositores da época.

As características melódicas, até então atingidas ao seu máximo através do

Leitmotiv desenvolvido por Wagner, ganham novas formas de disposição, agora

mais curtas, angulosas, fragmentadas, em sua maioria abrangendo saltos de

intervalos compostos, de predominância dissonante, ou ainda a ênfase em intervalos

cromáticos.

Em determinados momentos o que passa a prevalecer não são mais as

melodias, mas a espacialidade desenvolvida pela atuação dos timbres em busca das

imagens sonoras.

Os timbres, por sua vez, acabam por conquistar um espaço mais explorador.

As sonoridades habituais, por exemplo, das adquiridas na execução tradicional do

piano, passam a somar-se àquela de origem experimental, como as resultantes do

piano preparado, ou a simples utilização do seu tampo como material sonoro; há

presença de sons extremos e contrastantes; predominância de sons trabalhados a

partir da mecanização e princípios de distorção, re-produção e outros; exploração de

sonoridades individuais e coletivas, além de técnicas específicas como a melodia de

timbres desenvolvida por Schoenberg.

O ritmo é intenso, sincopado, com métrica variando-se constantemente, ou

por vezes livre - quase ausente - além da utilização de ostinatos. A polirritmia aqui

também é uma característica muito utilizada: muitas são as peças onde cada

instrumento executa ritmos completamente divergentes atuando de forma

simultânea.

A harmonia, por sua vez, embarca através de aglomerados (clusters), acordes

dissonantes, a utilização de extensões acordais. Em sua função harmônica já não

existe mais o centro tonal: ora aparece ausente, dentro das composições atonais;

ora aparece móvel, como no caso das composições politonais.

Estas mudanças foram direcionadas através dos apontamentos estabelecidos

já pelo romantismo tardio. Conforme Griffiths (1998), tentativas de abandono do

sistema tonal já estariam presentes em muitas obras do final do século XIX. E os

compositores do século XX impulsionar-se-iam por três nomes da música ocidental:

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Debussy, Schoenberg e Stravinsky, consecutivamente em seus avanços - forma,

harmonia e ritmo.

2.2 As tendências musicais do século

Mais especificamente sobre o estudo das tendências contemporâneas da

criação musical, Nobre (1994) observa, apesar de toda diversidade existente, duas

grandes vertentes estéticas, sobre as quais as demais linhas e compositores

contemporâneos definem-se ou fundem-se: A linha Germânica e a Linha Latina.

Na linha germânica o autor cita nomes como Wagner, Mahler e Schoenberg,

dos quais utilizaram-se da dissonância em direção ao atonalismo, e

conseqüentemente a organização do sistema dodecafônico. Contudo, dentro desta

corrente o autor observa que apenas o parâmetro altura foi reformulado e que os

demais elementos, principalmente a forma, ainda se arraigava na tradição tonal da

“forma” (na maioria dos casos na forma sonata).

“Há uma sensação constante, para nós, de que a revolução e inovação do

sistema dodecafônico-serial sempre esteve camuflado e mascarado, em função

desta submissão, à forma tradicional do conceito de tempo musical” (NOBRE,1994

p. 76).

Na tendência latina o autor aponta nomes como Mussogsky, Debussy,

Stravinsky e Varèse, nos quais observa a liberação do conceito de

“desenvolvimento” e “organização formal” (NOBRE, 1994 p. 76). Contudo, o autor

acrescenta que, mesmo utilizando o desprendimento destes elementos, acabam

empregando um sentido ainda tonal, mesmo que cambiante. Curioso dualismo este, dualismo de ambigüidades e mascaradas estéticas e técnicas, onde a linha germânica elimina o eixo tonal e sua relações funcionais, mas respeita a forma mais especifica do tonalismo, ou seja, a forma-sonata, com seu mecanismo básico e próprio do tonalismo, o desenvolvimento; enquanto a linha latina elimina o ‘desenvolvimento’ e a funcionalidade dos acordes, mas recusa-se a abandonar definitivamente a própria tonalidade. (NOBRE,1994 p. 77)

Saliento que a descrição das manifestações musicais do século XX feitas por

Nobre são extremamente generalistas e acabam dissipando os aspectos principais e

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mais relevantes que deveríamos levar em consideração sobre toda a construção

sonora do século.

Mesmo Victório (2003), acrescenta, para além das linhas descritas por Nobre

(1994), a existência de duas outras, baseadas em compositores como Bela Bartók,

Charles Ives e Harry Partch. Para o autor, Bartók seria responsável pelo

desenvolvimento da linha étnica onde a influência do folclore de diversas culturas

tomaria a essência de suas composições. Mesmo considerando sua música mais

próxima de algum caráter tonal, modal, ou quaisquer apontamentos referentes, e

mesmo observando a existência de compositores que também trabalham com o

folclore, não podemos, de maneira alguma, incluir as obras de Bartók em correntes

como a latina ou a germânica apontadas por Nobre (1994), uma vez que o

compositor desenvolve características muito inerentes e de caráter único.

Ives e Partch, por sua vez, seriam responsáveis pelo desenvolvimento de

uma corrente específica, chamada por Victorio (2003), de tendências isoladas, a

qual seguiria seu sentido próprio de independência, não subjugando-se a

comparações e classificações usuais; por se utilizar de métodos, técnicas,

instrumentos musicais próprios e características pertinentes exclusivas e muito

individuais.

A definição de tendências isoladas, apontada por Victorio, provavelmente, se

expandida, sua significação dá conta da descrição de toda mostra musical presente

no século XX, pois aponta exclusivamente para características individuais e únicas

dentro de qualquer possibilidade desenvolvida.

Neste sentido, abordar e definir a música deste século através de escolas e

tendências generalizadas, certamente é uma maneira desapropriada de estudo, o

que possivelmente poderíamos sanar com estudos que focalizassem recortes

específicos e salientassem as particularidades de cada manifestação.

Dentro desse contexto observo que os vários autores estudados, mesmo

definindo diversas correntes ou tendências, identificam o período (século XX) como

transitório, incerto e flexível, ao ponto de concretizar ou mesmo diluir-se.

Desta forma, a maneira pela qual o material sonoro é elaborado e se faz

presente na música contemporânea ajuda-nos a compreender as formas que

diversas tendências são emersas, eleitas, perpetuadas ou não. Assim, também, o

conceito sobre estética e manifestações musicais, no século XX, torna-se muito mais

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amplo e ajuda a compreender o fenômeno musical da atualidade como um processo

fluído e unificado.

2.3 A mudança sensorial produzida pela notação: música e comunicação

Segundo Victorio (2003) na música do século XX podemos observar

nitidamente a ligação do fazer musical com a notação. A partir do momento em que

o timbre proporcionou uma nova perspectiva musical, a escrita deu um salto

considerável passando da posição exclusiva de “registradora de sons musicais” para

a possibilidade de registro de “ambiências sonoras” (VICTORIO, 2003 p.2).

A partir do momento em que o processo criativo se concentrou nas inúmeras possibilidades timbrísticas, como intenção primeira, houve um automático salto da escrita musical e da notação como um todo. O desvinculo com as raízes da música ocidental tradicional ... e a quebra abrupta com o ‘chão’ horizontal ... foram fatores decisivos na abertura e vislumbre dos inúmeros afluentes. (VICTORIO, 2003 p.1)

O autor ainda aponta que este mesmo processo foi responsável pela

mudança perceptiva dos compositores, na medida em que o eixo da escrita passa

do plano audível para o visível; a música se aproxima do ritual enquanto forma de

decodificação dos códigos sonoros, ou seja, a escrita musical passa a utilizar-se de

valores sígnicos e simbólicos. A utilização de materiais simbólicos no corpo interno do desenrolar musical (propositalmente), faz com que o produto final (sígnico) do discurso musical passe da esfera da leitura pura e simples, como mera reprodução, para uma ampla atuação dos códigos da música, como associações ligadas à imagem. (VICTORIO, 2003 p.2)

Desta forma a escrita passa a comunicar elementos musicais não fixados,

estando ligada à percepção ritualística, uma vez, que transmitirá apenas sua

essência musical. Esta nova visão evidencia a impossibilidade dos recursos

musicais tridimensionais na descrição do objeto musical.

A ‘não-notação’ não como irrealização, improdutividade ou postura niilista perante a ação, mas com (des) pré-ocupação com a precisão e com a onipotência diante da criação e co-criador, dentro das limitadas condições do mundo. (VICTORIO, 2003 p.4)

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O conceito de Comunicação, baseado em Stockinger (2004), auxilia-me a

tecer comentários sobre uma propriedade, implícita em Victorio (2003), mas também

mais explicita na música deste século: o caráter comunicativo do objeto sonoro. Se a raiz da palavra comunicar aponta originalmente para o significado de compartilhar algo, de estar ligado, de ter um comum, tal se modifica, à medica que o conceito se estende à produção artística... requer um olhar diferente do (...) tido como troca de informação. (STOCKINGER, 2004, p. 4)

Conforme o autor, o século XX traz consigo esta mudança paradigmática,

passando de comunicação enquanto ‘transmissão de dados’ - informação entre

‘emissor’ e ‘receptor’ -, para uma ambiência “autopoiética”, pertencendo a “uma

lógica própria de funcionamento, independe das intenções de emissores e

receptores”. (STOCKINGER, 2004, p. 5) O problema sociológico que este fato implica é o seguinte: se não há troca de informação, mas ‘apenas’ autopoiese de sistemas psíquicos em ambiente comunicativo incertos, o que significa então a compreensão aparente que sentimos diante de uma obra de arte (...)? (STOCKINGER, 2004, p. 5)

Dentro desta relação de ‘livre arbítrio’, apontada pelo autor, o espaço criado

entre a obra e seu observador torna-se um espaço mais concreto no sentido de

existente; mas “de referencia vazia e indeterminada” (STOCKINGER, 2004, p. 6)

onde poderá ser preenchido pela liberdade de criação de ambos os lados. A comunicação viva emerge, portanto de instabilidades, de flutuações permanentes às quais ela tem de resistir, se quiser ganhar estabilidade. A estrutura emergente, por mais sólida e instável que possa parecer, ‘guarda’, no entanto, a dupla contingência que se encontra no seu início, ou seja, sempre há espaço para dúvidas e interpretações. (STOCKINGER, 2004, p. 6)

O conceito de comunicação acaba, desta forma, por agregar o acaso e o

ruído, vendo a comunicação como fenômeno emergente, sem necessariamente

informar mensagens sólidas ou específicas. Nesse processo, é interessante apontar

que o comunicado dentro do campo cultural estará em constância e instabilidade

proporcionando complexidades estéticas. E para o autor o “descobrir, inventar, ou

fazer arte passa a ter sua raiz na mesma atividade, na interpretação”

(STOCKINGER, 2004 p. 12).

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Observo desta forma que, enquanto Victorio (2003) trata o tema sobre a

esfera do ‘ritual’, Stockinger (2004) aponta este acontecimento como virtual,

imaginário, mas em ambos encontramos apontamentos de que neste espaço não

existem formas “completas, absolutas, finais” (STOCKINGER, 2004 p. 13). “Mesmo

que o corpo interno da significação não mude o seu corpo externo, seu contorno,

seu ambiente, suas formas de mediatização se transformam a cada instante”

(STOCKINGER, 2004 p. 13).

Para Victorio, possivelmente, o ambiente externo será a escrita musical que é

transformada a cada instante pelas inúmeras formas existentes e emergentes no

século, mas sua essência encontrar-se-á no espiritual. E o fazer musical funde-se

com a interpretação. Não será apenas o receptor e o ouvinte, mas o meio,

responsável pela eleição do essencial, assim como responsável em comunicar as

suas mais diferentes formas.

Espiritual

Virtual

Timbre

ESPAÇO

Acaso e ruído

(VICTORIO) MATÉRIA

(STOKINGER)

Música Comunicação

Gráfico 1 – comparativo entre os autores Vitorio e Stokinger.

Entendo, assim, que o caminho tomado pela escrita da música erudita

contemporânea conduz-se ao encontro ao novo conceito de comunicação. E esta

compreensão do surgimento de espaços específicos, entre autor-obra-interprete-

ouvinte, proporciona uma aproximação aos aspectos comunicacionais da música;

assim como a Comunicação (que, não necessariamente precisa informar-nos algo)

direciona-se à música.

O desenvolvimento resultante desses processos partirá, em outra medida,

também, sobre o conceito literal de obra aberta, pois apontando os elementos

constituintes somos apenas direcionados à concepções e interpretações (MOTTA,

1997 p. 34).

A escrita no século XX proporcionará, além das relações de espaço tempo e

contextos comunicativos, observadas em Victorio (2003) e Stockinger (2004),

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espaços codificados próprio das linguagens computacionais (SANTAELLA;

WINFRIED, 1997); já não se utiliza papel e caneta, mas softwares de computadores

e gravações bi-numéricas; não existe em sua materialidade, mas de forma virtual,

onde apenas com o auxilio de decodificadores ela poderá existir; o lugar onde o

material também se tornará virtual/espiritual.

Desta forma, a escrita musical, também indicada por Zampronha (2000) como

parte integrante do processo de composição musical, desenvolve-se em novas

formas.

A compreensão desse contexto abre um leque infinito de possibilidades de

materialização das idéias musicais. Dentro desta nova existência, a interação das

linguagens desenvolvidas no audiovisual deve proporcionar novas composições e

novas maneiras de percepção, o que para esse tipo de produção, proporcionará

novas possibilidades de manipulação sonora.

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3.0 DESCRIÇÃO DOS ESTUDOS COMPOSICIONAIS

No presente tópico busco exercitar a exteriorização das idéias musicais

partindo de alguns dos recursos utilizados na música de concerto do século XX, o

que acredito ser um caminho para o fazer musical em ambiente audiovisual. Este

processo é medido mais especificamente na quarta parte desta monografia.

Uma vez que levanto todo um arcabouço teórico dentro de recortes

específicos, sinto a necessidade de passar pelo processo de materialização de

idéias sonoras construindo uma práxis, baseada também na citação de Ferraz:

Falar de composição musical, dos problemas que nos tomam enquanto escrevemos uma música, em nada pode traduzir o ato de compor, senão anexar-se a esta experiência como mais uma linha. Não se trata apenas de dizer ‘a forma musical não deve ser vista como uma fôrma’, mas de pensar a composição musical não mais como uma questão com respostas, mas como um campo problemático, que traz mais consigo suas respostas, e cujas respostas só se obtém de uma maneira: compondo, fazendo soar o tempo, fazendo soar a memória, os afetos, os pequenos fetiches. (FERRAZ, 2005, p.32.)

Neste sentido, foram desenvolvidos paralelamente ao nosso estudo teórico

quatro estudos composicionais. A disposição instrumental foi escolhida de maneira

que propusesse diferentes graus de dificuldade, partindo da formação de solo à

quinteto instrumental.

Os estudos N.1, N.2 e N.3 foram construídos de forma isolada, sem

considerar uma possível inserção ou integração com o contexto audiovisual. Por sua

vez, o estudo N.4 teve seu desenvolvimento baseado no contexto do roteiro e das

imagens do documentário “Em Trânsito”, do diretor Elton Rivas.

Mesmo utilizando-me da composição N.4 como um estudo específico de trilha

sonora descrevo a estrutura de todos os estudos composicionais de forma

cronológica, afim de que este processo sirva para refletir sobre o fazer musical em

ambiente ‘puro’ e em ambiente audiovisual.

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3.1 Estudo N.1

O estudo N.1, que desenvolve-se dentro da escrita convencional, é

caracterizado como atonal livre, contudo utiliza-se de uma série inicial de 12 sons, a

qual se desenvolve no decorrer da peça através de mudanças de tessitura,

alterações em semitons ou em deslocamento das notas das seqüências.

Após a fase de construção da série de 12 sons, onde busco evitar

características pertinentes ao sistema tonal, como intervalos de 3ª maiores e

menores, sétimas menores, além de trítonos e suas subseqüentes resoluções, gero

um primeiro compasso expositivo com a escala construída. A figura a seguir mostra

a série dodecafônica utilizada como matriz sonora do estudo N.1.

No processo de construção sonora esta série determinará mais

especificamente o parâmetro altura em toda a composição. Contudo ela é utilizada

de forma diferenciada do processo composicional utilizado por Schoenberg.

Enquanto este usava a escala de forma que nenhuma nota fosse suprimida, alterada

ou invertida, dentro da sua seqüência real (ou seja, as formas integrais da escala

germinativa, sua forma retrograda, espelhada e espelhada inversa), utilizo apenas

de uma seqüência sonora de doze sons que, dentro do processo, aparece ora em

sua forma integral; ora com notas suprimidas, alteradas, repetições de mesma

altura, como exemplo comparativo entre o primeiro e segundo compassos (figura 2),

onde há ausência da nota dó sustenido em detrimento da repetição da nota dó no

compasso 2.

Figura 1 – compasso 1 - série geradora

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No segundo compasso (figura 2) já aparecem indicações de motes rítmicos

que serão utilizados com maior freqüência no decorrer da peça e estes ajudam,

também, a estabelecer, já de início, o senso rítmico que percorrerá por toda a obra.

Neste sentido, os dois primeiros compassos (figura 1 e figura 2) indicarão a

vivacidade em que a peça estará inserida, a presença de ritmos atéticos, síncopes e

o anúncio da utilização de dinâmicas contrastantes.

Células rítmicas em contratempo são as figuras marcantes de todo o estudo,

o que sempre proporcionará a este uma sensação de expectativa para os

acontecimentos seguintes. Por sua vez, as quiálteras utilizadas no compasso 1 e 2

só aparecem em mais dois momentos; no compasso 5 e 20 (figuras 3), devido a

repetição integra da rítmicas do compasso 1 e 2 consecutivamente.

Figura 3 – compassos 5 e 20 – utilização da quiáltera.

Figuras rítmicas como mínima pontuada variando até fusas e suas respectivas

pausas; indicação de trechos rápidos, enérgicos e vibrantes em contraposição a um

breve interlúdio nos compassos 9 e 10. Apesar de desenvolver-se dentro de uma

métrica regular, as mudanças de intensidade e pulsos auxiliam na dinamicidade da

peça, sem que a mesma torne-se monótona.

O estudo apresenta dinâmicas contrastantes e abruptas entre fortíssimo e

pianíssimo, como exemplo dos compassos 22 e 23 (figura 4). Esta também é uma

característica muito forte e marcante que proporciona uma desestabilidade rítmica e

melódica para a peça.

Figura 2 – compassos 1 e 2 – série e motes rítmicos mais utilizados no estudo.

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A peça apresenta pequenos ou médios trechos legattos e outros stcacattos

sempre os posicionando de forma que estejam em contraposição. Utiliza-se do pedal

em determinadas partes como forma de aglomerar harmônicos, obtidos através de

estruturas acordais (figura 5). Mesmo dentro desta característica, o estudo apenas

utiliza as possibilidades timbrísticas naturais do vibrafone.

Figura 5 – compassos 11 a 13 - utilização do pedal;

estruturas acordais em expansão e contração.

Os acordes utilizados encontram-se em aberturas que se relacionam. A

exemplo da figura acima, do primeiro acorde para o segundo existe uma expansão

tessitural, enquanto que do segundo acorde para o terceiro existe uma regressão.

Isso acontecerá também no compasso 7 (figura 6) dentro de uma nova relação.

Figura – 6 - compasso 7 – estruturas acordais em expansão.

Neste momento específico a abertura dos acordes expande-se em contra

posição a dinâmica empregada. Na medida em que os dois primeiros acordes

mantêm-se expandindo dentro de uma mesma dinâmica, dando apenas a sensação

de que aumento tessitural, o terceiro acorde, mais extenso, é executado em PP e

Figura 4 – compasso 22-23 – dinâmicas contrastantes e abruptas

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remete-nos à regressão, mesmo que aconteça uma clara expansão na extensão das

notas.

Classificamos este estudo dentro de três partes, sendo: ‘A’ compreendido

pelos compassos 1 a 8; ‘B’ entre os compassos 9 a 20; e ‘C’ do compasso 21 ao 39.

A parte A expõe os motes principais que serão utilizados no decorrer da peça,

inclusive a intenção dos acordes em expansão, mais característicos em B. Contudo

é mais freqüente a utilização de algumas seqüências de motes em compassos

inteiros e suas respectivas repetições em demais locais.

Figura 7 – compassos 1 e 4 – emprego da mesma rítmica.

A aplicação de dinâmicas diferentes em uma segunda exposição (a exemplo

da figura acima) é muito freqüente e desenvolve o elemento “novo” dentro dos

aspectos já conhecidos.

A parte B, por sua vez, é composto por uma exposição integral da série e o

anúncio de mudanças, na medida em que o compasso 10, diferente dos já expostos,

tem seu início a nota fá (figura 9) e não mais a nota mi de início da escala geradora.

Figura 9 – compassos 9 e 10 – exposição da série

Figura 8 – compassos 4 e 8 - repetição.

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e nova elaboração com início em fá.

A partir do compasso 11 a seção B expõe temas de forma regular sendo:

estruturas acordais e frase em movimento descendente (figura 10); estruturas

acordais e frase em movimento ascendente (figura 11); e conclusão em dois

compassos ternários.

Figura 10 – compassos 11 a 14 – acordes e frase descendente

Figura 11 – compassos 15 a 18 – acordes e frase ascendente.

Neste sentido B tem características mais simétricas que A e C e é composto

por: dois compassos de início; Acordes – frase descendente (4 compassos); Acordes

– frase ascendente (4 compassos); e dois compassos finais.

Figura 12 – compassos 9 a 20 – Secção B e início de A’

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Após este período o estudo volta aos temas contidos na parte A através de

novas reformulações. Enquanto em A os motes rítmicos são transformados em

frases, como já dito, em C, eles desenvolvem-se desde a mesma intenção das

frases expostas em A, a sua exposição sem associação a demais motes dando-nos

a sensação de fragmentação.

Figura 13 – compasso 24 e 25. Mote rítmico referencial e suas repetição em dinâmicas diferentes e acentos deslocados.

Nos compassos que antecedem o seu término, o estudo faz referência às

estruturas acordais e suas relações expostas em B, além de contrapô-las a

pequenos motes.

Figura 14 – compassos 33 a 39 – desenvolvimento da idéia

dos acordes e motes contrapostos.

3.2 Estudo N.2

O estudo N.2 encontra-se dentro dos recursos da escrita tradicional e mantém

como limite de extensão tessitural 4 oitavas. É desenvolvido dentro das propriedades

naturais do piano e possui caráter atonal livre. Baseia-se, predominantemente, na

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utilização de uma escala dodecafônica germinativa, a qual podemos observar

exposta no primeiro compasso (figura 1).

Figura 1 – compasso 1 – escala germinativa

A série de doze sons é utilizada de um forma mais integral, se comparada ao

estudo N.1, e apresentada partindo da sua nota inicial “Dó” nos dez primeiros

compassos. Após este período os compassos tendem a apresentar um pouco

menos ou mais que uma série completa, deslocando o ciclo serial do tempo tético

dos compassos.

Existem momentos onde notas diferentes da escala são acrescidas para

formarem relações harmônicas, porém as notas germinativas continuam na

seqüência sendo priorizadas como as mais graves (figura 2).

Figura 2 – compasso 9 – notas da série permanecem no baixo.

As frases melódicas e rítmicas são longas e angulosas, e sua harmonia é

desenvolvida por acordes isolados e esporádicos, predominando intervalos

harmônicos de dois sons, ora entre as vozes; ora na mesma voz.

Apesar de ser produzido para instrumento harmônico seu desenvolvimento

rítmico é marcante e trabalha de forma dominante. As estruturas acordais aparecem

apenas de forma esporádica e isolada, o que possivelmente auxilia o seu caráter

mais homofônico.

Sua textura varia entre contrapontística e polifônica, desenvolvendo trechos

com pequenas frases de esboço fugatto (exemplo compassos 17 e 18) ou em

períodos maiores, a exemplo nos compassos 21 a 24.

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Figura 3 - Compassos 18 e 19; 21 e 22; 23 a 24. Exemplo de breves trechos em fugatto.

A idéia de fugatto é desenvolvida, aqui, apenas por uma frase musical de

caráter rítmico que é re-escrita sem sincronia na segunda voz (a mais grave), uma

vez que as alturas relacionam-se de forma aleatória, dentro do seu caráter atonal.

Este estudo se apresenta em compasso quaternário simples (4/4), contudo é

predominante a utilização de síncopes e quiálteras, além de acentos deslocados,

que proporcionaram à peça um caráter rítmico instável.

Os motes rítmicos agem de duas formas: associados entre si, apresentando,

em determinados momentos, frases mais freqüentes; e de forma mais fragmentada,

apresentando-se, por vezes, em semicolcheia ou semicolcheias e suas respectivas

pausas. De forma geral as frases rítmicas são desenvolvidas e transformam-se no

percurso da peça através de 6 até 12 sons, a exemplo das figuras abaixo.

Figura 4 - Frase G1 (1 comp.); 3 fragmentos de G1; e fragmentos de G1 no compasso 5

A frase rítmica inicial (o primeiro exposto na figura a cima), apresenta-se no

primeiro compasso da peça, desenvolve e desmembra-se nos 12 primeiros

compassos. Ela é repetida de forma seguida nos dois primeiros tempos do

compasso, apresentando apenas variação no terceiro e quarto tempo.

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Figura - 5 compassos 1 a 4. Variação dos 3º e 4º tempo da frase inicial.

Outra frase predominante (G2) aparece no compasso 13, através de um novo

motivo associado a dois já pertencentes a G1. Ela é trabalhada de forma intercalada

as idéias de fugatto contidas na peça até o compasso 28, quando é fragmentada.

Figura 6 - G2 ; 3 fragmentos de G2; e fragmentos de G2 nos compassos 29 e 30.

As dinâmicas utilizadas são contrastantes: característica que ocorre em toda

a peça apontando instabilidades sensoriais em relação aos motes, que a cada

momento pertencem a intensidades desenvolvidas de maneiras diferentes.

A estrutura da peça atua de forma orgânica se observarmos sua composição

a cada quatro compassos. Do compasso 1 a 4 temos o desenvolvimento do tema

inicial; entre 5 e 8 varia-se os motes já expostos, criando novas seqüências; e dos

compassos 9 a 12 acontecem uma re-exposição do tema de forma mais integral.

Desta forma a primeira parte (A) da peça é composta.

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Compassos 1 a 4

Compassos 5 a 8

Compassos 9 a 12;

Figura 7 - Parte A.

A parte B inicia com quatro compassos (13 a 16) baseados no

desenvolvimento de G2; apresenta seu primeiro momento com uma repetição de

frases entre os compassos 17 e 20 e um segundo momento de motes maiores

também repetidos rítmicamente (nos compassos 21 a 24); re-expõe G2 intercalado

com G1 de maneira a formar uma nova frase (G3) e seu desenvolvimento dos

compassos 25 a 28, para seguidamente fragmentar-se em apenas dois compassos

(29 e 30).

Compassos 13 a 16

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Compassos 17 a 20

Compassos 21 a 24

Figura 8 - Parte B.

Em um terceiro momento, o qual classifico de parte C, do compasso 31 ao

término da peça (44) todos os motes expostos anteriormente são trabalhados de

forma intercalada sem uma seqüência definida, apenas como exposição final do

material utilizado no estudo (na partitura em anexo).

3.3 Estudo N.3

O estudo N.3 foi desenvolvido dentro das possibilidades timbrísticas da

formação instrumental duo de violões e utiliza essencialmente os harmônicos

naturais de diversas notas e estruturas acordais específicas.

Cada nota é composta por seu som determinante e por demais sons que a

acompanham, chamados harmônicos. Estes sons são gerados de forma simultânea,

mas percebidos no processo de ressonância de forma consecutiva. Contudo,

conforme a maneira que são produzidos, eles apresentar-se-ão com maior ou menor

intensidade. Neste sentido, a escrita relativa proporciona ao estudo a especificação

da forma com a qual a nota será emitida; neste caso sempre com muita evidência

dentro da técnica específica do violão.

Figura 1 - Sinal gráfico enfatizando a produção de harmônicos em um e dois sons.

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Assim como os estudos N.1 e N.2, este estudo tem um caráter atonal livre e

utiliza-se predominantemente da escala hexatônica como base da sua construção.

A escala hexatônica é composta por seis sons distanciados igualmente por

tons inteiros. Assim como a escala dodecafônica, esta seqüência sonora faz com

que a polarização de uma nota principal seja dissolvida, não existindo, desta forma,

hierarquia entre notas. Este recurso foi primeiramente utilizado nas obras de

Debussy e é muito observado nos compositores do século XX como uma das

alternativas de contraposição ao sistema tonal.

Dentro do estudo N.3 a escala hexatônica desenvolverá a princípio sua

seguencia partindo de dó (dó, ré, mi, fá#, sol# e lá# ) como a seguir.

Figura 2 – exemplo da utilização da escala

As notas fá#, sol# e lá# derivam-se da escala hexatônica partindo do

referencial dó. Contudo esta utilização não é explícita já que aparecem, no primeiro

violão, as notas de lá e sol naturais.

De outra maneira, também, pode-se observar a manipulação da escala de

tons inteiros sobre demais notas, como o exemplo a seguir:

Figura 3 – Estruturas acordais compostas por fundamental, 3ª maior e 4ª aumentada.

Neste exemplo a nota Ré executada no segundo violão soa simultaneamente

as notas fa# e sol#, ambas da escala de tons inteiros de Dó ou de Ré. Em seguida a

nota Mi é executada no primeiro violão em contraposição as notas Bb e Dó no

segundo; Bb; pertence tanto a escala de tons inteiros de Dó quanto a de Mi. As

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relações seqüentes tratam-se de terças, sétimas e quintas diminutas,

proporcionando um caráter mais livre.

A peça em questão é desenvolvida dentro da escrita mista. Existem trechos

da obra que são definidos metricamente e trechos relativos, onde fica mais evidente

a atuação do interprete como co-autor, responsável pela definição final da

composição.

As partes conduzidas de forma livre (pela escrita relativa) caracterizam-se

pela utilização do timbre predominantemente derivado dos harmônicos naturais

explícitos, além de apresentar na sua escrita uma aparente textura mais homofônica.

Diferente dos demais estudos, que utilizam motes rítmicos, aqui o motivo

principal é a contraposição das possibilidades gráficas; de instabilidade e

estabilidade, de sons harmônicos explícitos e implícitos, texturas homofônicas e

polirritmias.

Os momentos metrificados trabalham de forma muito variada, utilizando

regularmente as mudanças de compasso, acentuações móveis e dinâmicas

contrastadas, o que proporciona uma desestabilização da regularidade métrica. (a

exemplo, da figura 4)

Figura 4 – mudança de compasso, acentuações móveis e dinâmicas contrastantes.

Recursos que proporcionam desestabilização.

Existem trechos mais explícitos onde propus uma articulação estreita e clara

entre o compositor e interprete, onde alturas são determinadas sem a indicação

rítmica, e vice-versa.

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Figura 5 – sem indicações rítmicas.

O que não deixa de acontecer nas obras de escrita instável, mas neste

trecho, em específico, observo explicitamente o espaço de criação, deixado para o

compositor e o intérprete atuarem juntos: um determinando o que o outro não

determinará. Diferente de proporcionar ao intérprete locais isolados de improviso

busco criar espaço de co-autoria.

O estudo traz um caráter polirrítmico através da utilização de compassos

mistos, escrita tradicional e relativa desenvolvidas de forma simultânea.

Figura 7 – compassos mistos.

Figura 8 - Utilização de compassos metrificados e

não metrificados executados simultaneamente.

A utilização das dinâmicas é apontada como bruscas, na medida em que são

raras as descrições de gradações (crescentes e decrescentes), o que indico no

exemplo a seguir.

Figura 6 – Sem indicações de altura.

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Figura 9 – compassos 13 a 19 – utilização de dinâmicas.

Mas percebo ainda que estas mudanças são, na maioria dos casos,

gradativas, passando de P - MP, MF – F, com poucas dinâmicas contrastes entre P

– F, ou extremos equivalentes, como observado no final da secção acima.

O uso de dinâmicas inversas, na re-exposição de determinados trechos,

proporciona novos elementos de interpretação e, conseguinte, de composição. Este

recurso contribui ao caráter de ineditismo na repetição temática, ou de partes

maiores.

Defino sua estrutura em duas seções, A – B, com ritornellos, considerando A

como as partes compostas pela escrita relativa e B pelas de escrita tradicional, mas

acima de tudo, porque estas são continuamente bem delineadas e se contrastam.

Figura 10 - parte A1.

Figura 11 – parte B2.

Há de se avaliar ainda que os retornos para A e B não se dão da mesma

forma, pois cada repetição de secção traz consigo características muito distintas

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uma das outras, formando –se: A1 - B1 (figura 10 e 11); A2 - B2 - B2; A3 - B3; AB

com ritornello5.

A1 e B1 indicam a exposição das características que basicamente persistem

na peça, em suas respectivas secções. A1 apresenta predominância de harmônicos,

homofonia rítmica, dinâmica contrastadas, glissandos determinados e

indeterminados. Enquanto que B1 apresenta estrutura rítmica metrificada pela

presença de compassos, e figuras musicais que determinam as propriedades

sonoras rítmicas e alturas.

A1 é mais homofônica e mais determinada que A2, que apresenta partes de

co-autoria do interprete, além de conter variações rítmicas e dinâmicas; A3, por sua

vez, é composto por duas partes, uma de escrita saturada e outra contrapontística; e

A4 é homofônica, repetindo determinadas seqüências de altura já expostas nas

secções que a antecedem, além de apresentar breves trechos de improviso.

Possivelmente aponto as seis primeiras notas de A1 como um mote

integrante, contudo não será determinante. Ele aparecerá em outros momentos de

forma integra ou diluído na peça, mas apenas como mais um dos elementos

desenvolvidos na obra, sem, a princípio predominar hierarquização desta por

qualquer outro.

Por sua vez, a seção B1 indica regularidade métrica com acentos

deslocados, ligaduras e staccatos, mas será apenas em B2 que observaremos a

presença de mudanças de compasso e estruturas rítmicas contrapontísticas e

homofônicas; B3 seqüencialmente, além de conter compassos mistos apresentará

estruturas polirrítmicas e indeterminadas. Dividimo-lo em três partes: i) se apresenta

no compasso 6/8; ii) utiliza-se do compasso 7/8 na primeira voz e 5/8 na segunda; e

iii) que acrescenta a obra a utilização de compassos métricos (3/4) no primeira plano

e ausência de indicação de compasso nos demais planos, e após a exposição de

A4, esta idéia volta no que classificamos de AB por utilizar-se das idéias métricas e

não determinadas.

3.3 Estudo N.4

5 Por se tratar de trechos muito maiores que A1 e B1, indico a consulta nos anexos do estudo.

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O estudo N.4 é desenvolvido para quinteto instrumental formado por violão,

piano, violoncelo, violino e percussão múltipla (vibrafone, tons e bongôs). Ele mescla

o emprego de técnicas mistas de composição baseadas na escrita relativa e na

tradicional.

A peça é definida por oito seções distintas construídas por tendências como:

modalismo, atonalismo, aleatorismo, pontilhismo, tonalismo e politonalismo. Além de

apresentar sua textura através de solos, duos, quartetos e quintetos.

A seção I, compreendida entre os compassos 01 e 9, desenvolve um solo de

vibrafone que seguidamente é acompanhado pelo violoncelo. Esta parte do estudo

baseia-se na melodia modal em ré dórico introduzida pelo vibrafone.

Figura 1 – solo inicial da vibrafone (comp.01 a 07): modalismo

.

De maneira geral a peça apresenta o atonalismo livre em sua amplidão,

contudo trabalha-o intercalando com características aleatórias, pontilhistas e dentro

de recursos tradicionais da escrita musical.

A seção II, compassos 10 à 16, apresenta um estrutura atonal livre, além de

desenvolver um caráter mais rítmico que harmônico, fato que percorre na maior

parte da peça.

Figura 02 – atonalismo livre

A seção III, compasso 17, desenvolve o aleatorismo como forma de

manipulação da atonalidade.

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Figura 03 – trecho do compasso 17: aleatorismo.

Seção IV, entre os compassos 18 à 34, desenvolve, após os compassos

introdutórios, traços pontilhistas. Recurso que varia sua utilização entre todas as

vozes e momentos entre duas vozes.

Figura 04 – compasso: 28: pontilhismo entre as vozes.

Figura 05 – pontilhismo entre duas vozes

A seção V, compassos 35 à 37, traz novamente a exposição de

características atonais livres através da manipulação do aleatorismo. Por sua vez, a

secção VI, compreendida entre os compassos 38 à 44, desenvolve o atonalismo livre

através de recursos da escrita tradicional.

A seção VII (comp. 45 à 50) é dividida em duas partes sendo: a) 45 à 47; e b)

48 à 50. A parte A desenvolve um caráter carater politonal onde o violão transita em

uma harmonia funcional diferente da utilizada nos violinos e no violoncelo. O

encadeamento desenvolvido pela voz mostra uma nítida relação funcional dentro de

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IIm/IV; V/IV - IIm/III – V/III; IIm – subV/I – VIm, Enquanto que as vozes do violino e

do violoncelo exploram uma quarta aumentada ascendente à tonalidade do violão. O

vibrafone, por sua vez, aglomera as notas utilizadas no compasso desenvolvendo-as

de forma mais harmônica.

Figura 06 – 45 à 47 – politonalidade na secção VII.

Seguidamente, a parte B constrói o mesmo encadeamento exposto em A,

contudo em tonalidade diferente, através apenas de um único instrumento (piano).

Figura 07 – trecho tonal na secção VII.

Como última seção (VIII) o compasso 51 apresenta uma nova proposta de

aleatorismo com término na re-exposição da seção II. Apesar de serem utilizadas diversas técnicas a peça desenvolve um caráter

de unicidade macro-estrutural. Possivelmente essa atribuição deve-se ao fato de que

existe um desenvolvimento claro de características polirrítmicas que percorrem toda

a peça.

Comumente observa-se uma regularidade de mudanças de compasso,

utilização de compassos mistos entre as vozes, além da presença da escrita relativa

simultânea a métrica que a escrita tradicional apresenta.

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Figura 08 – compassos 5 a 8: compassos mistos ente vozes.

Figura 09 – mudança constante de compasso.

Figura 10 – vozes métricas e não métricas

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Dois recursos mais são utilizados intencionalmente para produzirem

deslocamento do acento rítmico: a ligadura de forma contraposta entre as vozes; e

dinâmicas fortes e fortíssimas no meio dos compassos e nos finais.

Figura 11 – comp. 42: ligaduras auxiliando deslocamentos

Figura 12 – comp. 49: dinâmica auxiliando deslocamentos rítmicos

Neste sentido, utilizando-me da escrita tradicional e dos seus recursos, existe

uma clara possibilidade de criar instabilidades e novas formas expressivas, mesmo

que este campo seja apontado por muitos como local de criação restrito.

O estudo, desta forma, possibilita uma gama variada de sonoridades a

disposição do ouvinte. Existe uma certa ausência de motes musicais com

importâncias supremas. Todas as idéias desenvolvem-se de forma sutil, re-

aparecendo na peça de maneira muito fragmentada, ao passo de diluir-se na fruição

desta. Neste sentido, o discurso rítmico, extremamente marcante, auxilia uma

unicidade macro-estrutural. Porém, não apenas ele, mas articulando-se com as

diferentes técnicas e sonoridades empregadas: uma unicidade retratada pela juntura

de diversidades.

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PARTE III – O ESTUDO “EM TRÂNSITO”

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4.0 DOCUMENTÁRIO “EM TRÂNSITO”

No presente capítulo discorro sobre a trilha sonora do documentário “Em

Trânsito”, do Diretor Elton Rivas (2007), mais especificamente sobre as composições

originais e o processo de re-construção musical audiovisual desenvolvida

especificamente para este trabalho.

Para tanto conto com as entrevistas do diretor Elton Rivas e do produtor

musical e assistente de direção Aroldo Maciel, responsáveis pela equipe de

produção do documentário; minhas considerações como pesquisadora e

compositora em parceria de duas das canções presentes na trilha; e os

apontamentos de Carrasco (1993) em “Música e Articulação fílmica6”.

O documentário “Em Trânsito” foi realizado com o auxilio da lei de fomento à

cultura do Estado de Mato Grosso; encaminhado na forma de projeto cultural, na

linha do audiovisual, tendo sua aprovação no ano de 2006 e lançamento no ano de

2007. A referida obra trata da história da etnia indígena Manoki (Irantxe) que, em

meados de 1900 por estarem quase dizimados “cercados pelas frentes de

expansão, por povos inimigos e atingidos por doenças” (RIVAS, 2007), foram

levados para a última missão jesuíta Utiariti, em terras Parecis, juntamente com

outras etnias.

A interferência ajudou no prolongamento do povo Manoki, mas também

proporcionou transtornos relacionados a desestruturação social, nesta situação

partiram para outras terras. Atualmente, encontram-se em um local ainda impróprio

para a sobrevivência, mas tentando reaver a posse integral das terras de herança.

O gênero documentário enuncia-se desta maneira por elencar possíveis

elementos próprios do contexto documental. A maneira de conduzir uma narrativa

audiovisual baseada em fatos reais é sua característica essencial. Ele pode indicar

narradores abstratos ou concretos, mas suas ações, cenários figurinos e demais

elementos – como arquivos, depoimentos e reconstituições - fazem parte de um

caráter fidedigno.

Este contexto é apontado pelos entrevistados como menos apropriado para

se fazer experimentações musicais. De maneira geral, a pesquisa em questão

6 Titulo da obra do referido autor.

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aponta para a construção de sonoridades reais, visto que este é o princípio gerador

da idéia documental.

Ouso, neste sentido, em apropriar-me de sonoridades musicais utilizadas na

música contemporânea de concerto para compor mais a diante uma re-leitura das

formas sonoras do documentário “Em Trânsito”.

Antecedendo esta etapa descrevo no tópico a seguir o processo de

construção da trilha sonora original.

4.1 Trilha sonora original

4.1.1 Descrição da trilha

Mesmo não sendo meu propósito abordar todas as músicas utilizadas na

trilha descrevo-as como forma de contextualização do ambiente sonoro musical não

diegético do documentário.

A trilha sonora do documentário em trânsito é composta basicamente por

quatro canções sendo duas pré-existentes e duas compostas especificamente para

o contexto.

A primeira canção executada na trilha é “jãli pasenamapinãtã maleta” (nós

cantamos bonito) gravada anteriormente em CD pelos Indios Manoki, aparece na

exposição inicial do documentário juntamente com caracteres que introduzem o

contexto da narrativa que será abordada. Mais adiante, após 17 minutos de

exposição a canção volta a aparecer.

Após o oitavo minuto de exposição a música Ameríndia de Gilton Mendes,

gravada por Verone em seu primeiro CD solo, aparece contextualizando o momento

em que se narra (verbal e imagens) a situação específica dos diversos povos que

integram à missão Uitiariti.

As demais canções foram desenvolvidas especialmente para o documentário.

“Brasilidade”, composta por mim e pelo assistente de direção Aroldo Maciel,

apresenta-se em duas inserções: uma aos 16 minutos e outra após os 24 minutos,

como conclusão do documentário; e “Trânsito de idéias”, composta também por

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mim, mas em parceria com o diretor Elton Rivas. Sua inserção encontra-se no 23º

minuto de exposição.

Procurei o diretor para que contribuísse, através da sua visão, com alguns

apontamentos sobre a descrição de determinados elementos relativos ao processo

de construção da trilha. Encaminhei-lhe por email os tópicos, pois se encontrava em

viagem.

Os temas elaborados referem-se a tópicos que julgo influenciar as posições

tomadas pelo diretor no processo de escolha da trilha, bem como indagações sobre

esta escolha.

- Qual a função da trilha musical no seu ponto de vista?

Sobre o documentário “Em Trânsito”:

- Porquê a escolha da trilha utilizada?

- Responsável único pela escolha? Alguma parceria?

- Tinha orçamento destinado à trilha?

- Houve integração entre diretor / compositor / músico / ou responsável? De que

forma ocorreu?

- O Resultado do trabalho (entre as pessoas; entre as linguagens utilizadas;

musical).

- Uma nova proposta sonora caberia no documentário?

Dentro disso Rivas considera, assim como os demais diretores entrevistados,

que a trilha musical tem um caráter muito importante dentro do audiovisual, sendo

“parte fundamental na linguagem, na gramática da história que se quer contar”.

Mais especificamente sobre a trilha do documentário “Em Trânsito”, o diretor

relata que a idéia era proporcionar abertura à “talentos” e trabalhar com pessoas que

captassem a idéia germinativa da obra.

Rivas aponta ainda que a trilha precisava proporcionar um sentido de unidade

musical e auxílio à narrativa.

Também usamos a trilha sonora dos índios na produção e era preciso que as outras músicas tivessem sintonia com as canções indígenas, que soassem harmônicas, mesmo que isso não signifique escolhas musicais parecidas com as canções ou com a rítmica dos índios. Era mais no sentido de criar uma trilha que colaborasse com a narrativa do video.

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Ele indica, também que o trabalho audiovisual é uma criação coletiva e que o

diálogo entre os integrantes, mais especificamente com seu assistente de direção

contribuiu muito para o desenvolvimento do trabalho. “O Aroldo, que era o assistente

de direção também participou da criação da trilha. Então ficou mais fácil criar os

momentos ‘musicais’ de acordo com a nossa intenção narrativa”.

Aroldo Maciel, que trabalha com Rivas neste projeto, é produtor musical e

dedica-se, também, aos trabalhos audiovisuais na parte de produção e direção;

certamente seu aporte cooperou à construção musical da trilha original. Elton Rivas

ainda marca o auxílio dos demais profissionais responsáveis pela a produção

musical, os quais cederam todo o trabalho (direitos de divulgação, composições,

instrumentação e demais elementos da produção musical), pois não tinham recursos

para o desenvolvimento da trilha.

Considerando os resultados do trabalho o diretor afirma:

Acho que o resultado foi excelente. Foi uma obra dentro da obra. É claro que não se pode separar a música da imagem. Elas se fundem numa coisa só. Mas acredito que cumprimos nossa pretensão em criar uma atmosfera musical que nos ajudasse a contar a história dos Manoki, respeitando a narrativa do documentário e de forma criativa.

E complementa que a opção pela trilha foi feita, mas, quanto às

possibilidades, o documentário proporciona diversas escolhas musicais.

Acho que tínhamos a opção do rico universo da musicalidade indígena, no caso a Manoki. Só aí poderíamos criar ou simplesmente utilizar o material já existente dos índios de forma a gerar muitas outras coisas. Mas nossa opção foi outra.

4.1.2 Enfoque sobre a trilha original

O processo de construção musical das músicas originais ancorou-se no

estudo do roteiro e em um possível texto literal resultante de palavras chaves.

Em “Brasilidade”, Aroldo Maciel proporcionou-me uma relação de palavras

que deveriam existir em seu contexto.

Como ainda não conhecia o roteiro, o diretor descreveu-o especificando,

também, o roteiro das imagens que faziam parte do documentário.

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Dentro de uma breve lista de palavras estruturei um texto paralelo a algumas

idéias melódicas que, após algumas tentativas, concretizou-se na forma de duas

estrofes distintas. Quando as idéias musicais estruturaram-se em frases e seções

alguns elementos se sobressaíram ganhando maior ênfase e delineando a canção

na forma estrofe-refrão.

Durante o processo foi utilizado o recurso de gravação de voz. Desta maneira

as idéias musicais (melódicas e rítmicas) foram selecionadas e desenvolvidas.

Sua primeira versão seria no gênero popular de samba, contudo a

intervenção do produtor, através da sugestão de samplers de bateria em hip-hop

conduziu a musica a ‘acertos’ melo-rítmicos no canto e na prosódia textual.

Na produção da música “Trânsito de Idéias” tive o primeiro encontro com o

diretor Rivas, acompanhada também pelo produtor. Ele expôs-me a idéia de compor

uma música para que o vocalista da banda Rhox participasse.

O diretor apontou que a sociedade passava por constantes mudanças e sua

idéia era a de fazer um casamento entre o estilo da banda - dando uma idéia de

contemporaneidade - e refletindo os processos culturais dinâmicos da sociedade

atual.

Algumas palavras foram sugeridas pelo diretor, dando ênfase ao tema do

documentário. Na referida situação tive a oportunidade de conhecer o cantor que

interpretaria a canção, além de investigar mais sobre o perfil da banda, gêneros

musicais cantados e tessitura vocal desenvolvida pelo cantor.

Baseando-me no estilo da banda intérprete fui enfática em aderir um canto de

caráter falado no sentido de priorizar o texto da canção. Algumas melodias em vozes

femininas intercaladas das frases de caráter falado foram criadas para contrapor as

idéias musicais, contudo, na versão final elas foram eliminadas.

A música “Trânsito de idéias” também se apresenta em forma refrão-estrofe,

entretanto, dentro de uma estrutura mais simétrica que a apresentada por

“Brasilidade”.

As características musicais das duas canções estão muito associadas com a

estruturação do texto literal - ritmo silábico, verso, rima e demais elementos textuais.

Brasilidade (Ana Cecília/Aroldo Maciel) Vivos guerreiros visitados por Cabral Braços herdeiros de uma crença natural

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Invasores do progresso trazem no barco a receita Da vida com deuses de pau Vivos guerreiros flagelados por Cabral Braços herdeiros do tesouro nacional Invadidos sem regresso trazem no peito a certeza Da vida sem seu ancestral Tv, sal, açúcar, diabete, hiper-tensão Assim dizia um velho Irantxe Das pragas que viriam junto com a evolução 09 velhos índios tocam, cantam, contam história Em sua língua nativa Lembram da terra nova Da visita do ‘vizinho’ Canta! Toca! Conta Manoki! Transito de Idéias (Ana Cecília/Elton Rivas) Cabo à cabo meio à cabo no não ser Entre a linha imaginária do viver O que vivo, o que penso Me remete a um transe da memória No transitar das idéias da memória do poder Do poder que já não há (em trânsito) Do poder do querer ver (do ser que não pode ter) Do poder que já não há (em trânsito) Do poder do querer ter (do ser que não pode ver) Vago à vácuo emoldurado na pressão Porque quero, porque querem O desejo natural do trânsito da memória No transitar das idéias da memória do poder (SANTOS; RIVAS. Trânsito de idéias, 2007)

As sonoridades obtidas são desenvolvidas dentro de uma perspectiva de

formato musical mercadológico. A escolha dos timbres e a composição instrumental

(arranjo) basearam-se na formação de quarteto instrumental composto por baixo,

bateria, guitarra ou violão e sons sintetizados.

A idéia estruturada para as canções destinava-se em aproximar o ouvinte

para a narrativa audiovisual através de sonoridades características do seu próprio

ambiente cultural.

Em uma das conversas que tivemos em equipe o diretor chegou a mencionar

que seu objetivo era o de informar sobre a situação dos Manoki através de uma

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linguagem jovem e moderna; que a questão indígena não fosse vista de uma forma

pejorativa e estereotipada como muito se é exposto – índio vestido com penas de

Apache, desligados dos processos culturais exteriores ao seu povo; mas que esta

fosse uma nova leitura sustentada por uma música que ‘retratasse’ o “trânsito” dos

Manoki por pertencerem a duas culturas e ao mesmo tempo a nenhuma delas.

De acordo com o pensamento de Ney Carrasco (1993), previamente

desenvolvidos no tópico relativo à narrativa musical, “a música pode ser entendida

como uma das vozes do narrador, que pode manifestar-se como intervenção épica

ou como parte da ação dramática” (CARRASCO, 1993 p. 74).

No caso mais especifico das canções, o autor acrescenta que a sua

verdadeira função é de narrativa épica, contribuindo para a literal apresentação da

sinopse do filme.

Carrasco aponta que esta utilização, geralmente, acontece nos créditos

iniciais, mas no estudo de caso específico observo que as canções e suas inserções

concentram-se:

I - Aos 16 minutos de execução, como narração épica para que os Manokis

“toquem, cantem e contem sua história”.

Esta inserção se apresenta dentro do contexto em que os entrevistados são

questionados sobre a utilização da sua língua vernácula.

A narrativa audiovisual parece conduzir o expectador à possível perda da

identidade cultural Manoki através do desuso da prática lingüística.

A canção entra, então, com a seguinte frase “Canta! Toca! Conta, Manoki!”

apresentando uma narrativa textual como interlúdio da cena anterior às próximas

cenas. A música, neste contexto, caracteriza-se apenas como veículo de

informações verbais.

II - Aos 23 minutos: como narração lírica e épica, falando de si mesmo e

sujeitando-se como narrando para o ‘outro’; e como ação dramática: apropriando-se

da utilização de gêneros musicais padronizados de contextos para o contexto.

A referida inserção é de “Transito de Idéias” que, nos minutos finais do

documentário, narra em sua letra a situação de deslocamento do ‘eu’, frente ao seu

contexto sócio-cultural, e as possíveis dúvidas em relação a sua posição como

indivíduo histórico.

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Esta situação poderia ser explicada apenas pela narrativa épica, caso não

estivesse no presente e na primeira pessoa da narrativa. O narrador possivelmente

contaria em suas palavras a situação Manoki. Contudo, o que acontece de fato é

uma extrapolação do narrador frente a situação em que se encontra, servindo de

‘narrador dúbio’, falando do outro e de si.

Desta forma, a narrativa da canção descrita exprimi-se sobre a sua própria

ação. “o que vivo, o que penso me remete...” é apenas um dos infinitos exemplo de

narrativa textual lírica desenvolvida pela canção “Trânsito de idéias”.

Este tipo de narrativa é chamada Lírica, Carrasco (1993) em seu estudo

descreve este gênero narrativo, mas utiliza-se apenas dos gêneros épicos e

dramáticos para explicar a música na articulação fílmica.

A situação apresentada pode fazer referência, tanto da voz do cantor (do

compositor) quanto a voz de um narrador Manoki. Contudo a probabilidade de

articulação entre os gêneros textuais será possível apenas se pensarmos sobre um

ótica “objetiva” e “subjetiva” do ser: o eu como narrador; e eu como outro; sendo o

mesmo eu.

Por sua vez, os elementos musicais são estabelecidos pelo gênero musical

que aparece juntamente com o texto da canção. A própria utilização de gêneros

musicais já desenvolvem um conceito de estruturação dentro de moldes específicos

sonoros; informa-nos uma relativa apropriação de sonoridades e estereótipos

musicais que informam uma possível ação.

A música “Trânsito de idéias” acaba construindo um contexto textual e sonoro

(simultâneos) através da possível existência das narrativas Lírica, Épica e

Dramática. E seus apontamentos (o contexto das imagens – homens no caminhão

em movimento; o ritmo dos créditos que passam na tela; a ação presente no

‘makingoff’; o desfecho conclusivo do enredo - em viagem ação dos índios) fazem

referência sempre a idéia de deslocamento que o título “Em Trânsito” informa.

III - Aos 24 minutos de exibição: afirmando o caráter narrativo épico da canção

(abordado por CARRASCO, 1993).

A canção “Brasilidade” aparece novamente em cena, já nos créditos finais,

para contar novamente a história de vida dos índios Manoki, através da sua letra.

Contudo, observo-a que seu aparecimento não proporciona um sentido de

redundância narrativa, mas um sentido épico que parece aconselhar o espectador

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que continue lembrando da história. Que a narrativa desenvolvida no documentário

seja perpetuada e que a platéia possa mobilizar-se em função da temática

abordada.

Em suma posso afirmar que a trilha sonora original do documentário “Em

Trânsito”, cujo alicerce compõe-se de canções, utiliza nitidamente o conceito

abordado por Carrasco (1993) sobre a “função épica da canção”. É um elemento

forte para a afirmação direta e interferência de um narrador objetivo, disposto a

conduzir a narrativa audiovisual solidificando seu roteiro. Contudo, do ponto de vista

da música pura, os elementos musicais são utilizados muito limitadamente, dentro

de padrões estabelecidos por gêneros e sonoridades das produções

mercadológicas; servindo como veículo informativo, literário e estereotipado.

Volto a afirmar que me isento de valorações depreciativas. A música no

audiovisual não é utilizada de forma errônea, mas dentro de possibilidades muito

estreitas e restritas; ela não atua como signo puro, mas desempenha um papel como

veículo narrativo: dentro de uma narrativa necessária que a referida obra se propõe.

4.2 Os estudos composicionais: direcionamentos no documentário “Em Trânsito”

O estudo N.3 foi desenvolvido apenas como peça musical, isolada de

qualquer intenção de articulação entre imagens. Desta forma, não era a minha

intenção incluí-la como trilha (estudo) na nova versão sonora que construí para o

contexto audiovisual estudado. Contudo, dentro do processo de re-construção da

trilha, as sonoridades desenvolvidas pela peça -timbre, coloridos sonoros e aspectos

rítmicos -, remeteram-me a um ambiente possível como recurso sonoro.

Os trechos utilizados de forma fluida ajudam a amenizar os cortes e

transições mais bruscas de imagens, pois tomam para si um aspecto de

“estranheza” contextual, não fazendo parte da cultura Manoki, mas referenciando-a.

Como já havia trabalhado com a trilha anterior tinha uma afinidade bem

desenvolvida com a obra (roteiro, cenas, inserção de trilhas musicais, etc). O mais

difícil foi criar possibilidades sonoras baseadas em um novo estudo, já que a

lembrança sempre me remetia à primeira trilha.

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Por sua vez, o estudo N.4 foi desenvolvido com partes diversas e distintas

com o intuito de proporcionar uma riqueza de material sonoro para o contexto das

imagens do documentário. Mesmo pensado para audiovisual, o desenvolvimento do

material sonoro deu-se através da escrita à mão da partitura, assim como os demais

estudos. Havia a possibilidade de criá-lo diretamente em ambiente computacional a

fim de desenvolvê-lo mais próximo às imagens. Minha escolha, desta forma, ficou

mais próxima a da escrita musical isolada, uma vez que criei de uma forma não

literal (imagens e relações musicais), mas desenvolvendo as idéias de forma

globalizante e em sentido macro.

A obra seria executada em um local apropriado munido de recursos técnicos

e humanos: ambiente acústico apropriado, aparelho de retro projeção em tela,

aparelhagem de coleta de áudio, regentes, músicos e técnicos de som. Contudo,

esta movimentação requer o envolvimento que diversos profissionais, orçamento

mais dispendioso e maior tempo para a execução do projeto - disposição externa as

minhas possibilidades individuais como pesquisadora.

Ao longo do processo, levando em consideração esta impossibilidade

imediata de concluir o experimento (gravação ao vivo); e tendo este trabalho o

objetivo maior de estudo sobre o tema trilha sonora, a idéia desenvolveu-se em duas

partes: I) ‘adequar’ a peça ao contexto audiovisual, através dos recursos

computacionais - assim, seria mais sólido a estruturação da obra, saindo de um

espaço das idéias e concretizando-se como audiovisual; e II) transcrever a nova

estrutura sonora e gravar em local apropriado ao vivo.

Desta forma, para este estudo desenvolvo apenas a etapa I. E como processo

metodológico pontuo o procedimento, incluindo a etapa II apenas como ciência do

processo total:

PARTE I - Etapas de definição da trilha 1) Inserção do MID no programa Sonar juntamente com o áudio do documentário;

2) Direcionamento de timbres e adequação em ambiente computacional (re-

direcionamento de oitavas, mixagem de instrumentos, e volume da trilha de acordo

com os diálogos);

3) Possíveis locais de inserção dos estudos;

4) Trechos musicais relacionados ao contexto;

5) Nova mixagem e novo volume;

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6) Conversão dos instrumentos utilizados para o formato áudio;

7) Exportação do arquivo para o programa Adobe Premier (edição de

imagem/vídeo);

8) Renderização7 da obra;

9) re-transcrição dos trechos utilizados, novos andamentos e dinâmicas, definição

dos trechos aleatórios com marcas cronológicas de inserção estabelecida (tempo e

duração).

PARTE II – Execução do projeto 1) Gravação ao vivo;

2) Sincronização (áudio e vídeo);

3) Mixagem e masterização (em consideração com os diálogos);

Em gravação ao vivo, as possibilidades de repetição de trechos já

executados, com dinâmicas e pulsos diferentes, proporcionariam uma variedade

ainda maior de material sonoro. Neste sentido, a escolha dos trechos e dos locais de

inserção das trilhas teriam uma multiplicidade de escolhas. Entretanto, as trilhas (N.3

e N.4) foram exportadas em arquivo MID para o programa de edição de som e

imagem “Sonar”.

Utilizo-me, ainda, apenas das partes metrificadas dos Estudos e determino as

possibilidades de inserção de trechos de escrita relativa. Esta escolha foi realizada,

pois em ambiente computacional as partes relativas apropriam-se de métricas

diferentes se comparada com sua execução ao vivo. Desta forma, a idéia era

estabelecer sonoridades relativas ao contexto das imagens, deixando margem para

novas experiências caso ocorresse a gravação do áudio ao vivo (etapa II).

Como o gênero documentário, de conformidade com o já exposto, tem um

caráter de mais fidelidade aos acontecimentos reais que as outras produções

audiovisuais, foram utilizados apenas trechos das obras produzidas, de forma que

não se perdesse ao todo esta intenção. Talvez, se os estudos fossem desenvolvidos

diretamente por recursos computacionais haveria uma possibilidade de construir

uma trilha que acompanhasse o documentário de início ao fim, observando mais

7 Processo de transformação do formato *.cwp para *.avi.

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literalmente o contexto da narrativa audiovisual. Contudo, poderia, também,

comprometer o gênero audiovisual tomando para si um local de importância muito

além da sua atuação nesse contexto especifico.

Os trechos escolhidos buscaram retratar um ambiente que remetesse aos

contextos de inserção e ao mesmo tempo propor possibilidades de idéias sonoras.

No processo de construção do Estudo N.4 fiz menção à diversos ambientes

musicais por identificar no documentário o trânsito cultural em que os Manokis

buscam sobreviver e reavivar suas experiências como nação.

O trecho modal, que dá início ao estudo, foi inserido na cena das crianças

Manoki para articular com conceitos culturais próprios da nossa cultura: O modal

como recurso de culturas “não ocidentalizadas”, o timbre de vibrafone que remete-

nos à “caixinha de música” usada para presentear crianças, também contribuindo

com a perpetuação da idéia de ingenuidade humana.

O trecho politonal do Estudo N.4 foi utilizado em momentos mais tensos da

narrativa verbal onde os índios contam o ataque de um possível “liquido de sarampo”

vindo do céu. Servindo com afirmação à narrativa, mas acima de tudo

proporcionando uma desestabilização do centro tonal e sugerindo uma versão

menos romântica para a história relatada pelos anciões Manokis.

Duas outras inserções (mais especificamente da secção II do Estudo N.4)

também acontecem no meio da narrativa audiovisual, quando mostra-se a paisagem

da última missão jesuíta “Utiariti” e a visita ao possível cemitério não demarcado.

Mesmo metrificado a referida parte proporciona uma fluidez na transição das

imagens e narrativa visual.

O Estudo N.3 por sua vez, proporcionou uma clareza tímbrica que junto com a

possibilidade atonal direcionaram-me a um ambiente externo “sem” referência

cultural, ou “universalmente” cultural. Ao mesmo tempo em que as imagens fazem

referência ao povo Manoki (o outro; o fora de mim) o estudo N.3 pertence a qualquer

lugar – o “atonal” utilizado em qualquer parte do mundo, mesmo à cultura Manoki.

Além do atonalismo ainda desenvolver uma idéia de “não pertencimento à”; sem um

centro a cultura tonal torna-se o outro.

Os trechos relativos da partitura poderiam apropriar-se perfeitamente dos

locais de inserção estipulados pela trilhas aqui descritas. Contudo, esse experimento

só poderia desenvolver-se no processo de execução das obras (ao vivo) juntamente

com as imagens. Estes resultados, por sua vez, seriam variáveis não podendo

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descrever as possíveis relações, já que seria puramente a descrição de um novo

processo de composição musical. A regência, as imagens e a execução, como

determinantes composicionais, passariam a ser ‘agentes de possíveis escutas’.

Por outro lado também, a criação em ambiente computacional deu-se de

forma muito individual, através das minhas reflexões e idéias para se compor os

momentos de inserção de trilha. Caso houvesse a integração do grupo de trabalho

(diretor, compositor, regente, intérprete e imagens - sincronias rítmicas), os

resultados seriam verdadeiramente outros – mais próximos à criação coletiva.

Tratando-se de um estudo, minha intenção era a de retirar as trilhas originais

e refazer ambiências sonoras. Contudo, sendo este também um estudo sobre

audiovisual, a música “Trânsito de idéias” foi mantida.

Dentro do meu ponto de vista, a idéia de priorizar o contexto literário que a

obra proporciona, mesmo através de “clichês” musicais, causou um efeito de

“transição” entre as tendências utilizadas no documentário e um “outro”, o da cultura

popular – a compositora e o expectador – que podem vir a ser parte do contexto

apresentado. Seria um momento de aproximação do público com o documentário.

Uma forma de identificação direta expectador com a obra.

Outra forma seria utilizar o texto original dentro de novas formas sonoras. Isso

proporcionaria uma nova experiência para a escuta do expectador ao mesmo tempo

em que o texto lhe traria expressões verbalizadas. Mas esta possibilidade surgiu

apenas quando optei pela utilização do texto literário.

Observo claramente que o trabalho desenvolvido sobre o documentário partiu

de escolhas muito individuais que em muitos dos casos discutindo-se com toda a

equipe de produção seriam certamente julgadas.

A idéia de transformar ambientes sígnicos tão afastados - Manokis e música

de concerto – inicia sua problemática na origem da palavra, no termo. E esta relação

é complexa na medida em que acomodamos significados dentro de cada cadeia

sígnica de origem. Dentro desta visão, falar sobre dois objetos tão distantes,

verdadeiramente, requer novas relações que são estipuladas e afirmadas por

escolhas das quais, após todo um processo de interpolação, resultam em novas

formas.

No mesmo sentido posso afirmar que fundir elementos sonoros à imagens, ou

mesmo articulá-los, são possibilidades de tensão - nunca verdadeiras.

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Pensando sobre o meu fazer, alguns momentos puderam demonstrar uma

certa consciência sobre o ato de compor em relação às imagens: captar as formas

sonoras visualmente; ‘climatizar’ uma ambiência ainda ‘não descoberta’. Contudo, a

composição musical em ambiente audiovisual, por se tratar de um local muito

subjetivo, no meu ponto de vista, ainda encontra-se norteada por especulações.

Possivelmente, considerando os dados obtidos pela pesquisa em geral, essa

situação parece estar muito fragmentada e diluída pelas distâncias e, por mais

paradoxo que seja, pela falta de comunicação sobre a temática na era das

tecnologias da informação.

Os estudos composicionais, por sua vez, permitiram, dentro da sua respectiva

área (música), ricos resultados sonoros; locais de escutas transformadoras; um

abastado ambiente composto por texturas, espaços, dimensões e ritmos. Desloca as

sensações de simetria, re-organizando sua atuação; e organiza o local da

desestabilidade métrica dentro de um novo e possível universo, que trabalhado

dentro de uma visão macro-orgânica, é formado por ‘irregularidades’ unificadoras.

Desta forma, estas sonoridades resultantes aliadas ao contexto audiovisual

(imagens, roteiro, narrativas...) defendem um novo fazer ancorado por possibilidades

de co-existência entre as formas expressivas; permitindo que significados pré-

fixados culturalmente sejam pensados e re-elaborados dentro de uma organização

própria.

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PARTE IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS

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CONCLUSÃO

Por isso a relatividade o que ‘é’ era, ou não, ou poderá vir a ser, ou não, em detrimento da forma perceptiva do instante, este indomável.

A experiência de construir os objetos sonoros, presentes no terceiro capítulo,

foram, objetivamente, a manipulação destes como ‘exportação’ de processos e

idéias musicais - o que julgo importantíssimo para o processo de discussão da

temática. Mesmo com o auxilio de técnicas composicionais este processo aconteceu

dentro de uma construção perceptiva muito própria, partindo de um ouvinte (eu). O

mesmo processo é observado quando as imagens são integradas ao contexto.

Esta situação é claramente indicada no aporte teórico, nas entrevistas e na

bibliografia consultada. Apesar de parecerem como partes isoladas a monografia

apresenta o objeto musical através de um eixo condutor baseado na percepção, na

construção de idéias e sua exteriorização (flexível e modulante). E este processo é

observado também de forma muito individual em todos os capítulos apresentados: a

percepção, a construção de idéias, a exteriorização sob a visão dos entrevistados e

bibliografia para a música no contexto audiovisual. A percepção, a construção de

idéias, a exteriorização nos processos composicionais e na música do século XX.

Nos estudos composicionais; na construção do objeto sonoro-visual.

Neste sentido, aparece a situação em que objetos isolados e suas relações

constroem um terceiro objeto: a narrativa audiovisual, que por sua vez desenvolve-

se, também, dentro dos mesmos processos (percepção, construção, exteriorização)

- que devo dizer é um processo eterno e contínuo. Mas ela já não pertence mais às

mesmas referências que a formaram.

Mesmo que nossa memória remeta em alguns momentos para capítulos

específicos deste estudo (a exemplo das idéias desenvolvidas no parágrafo

anterior), é clara também sua relação presente na macroestrutura do objeto - não

mais musical, mas audiovisual.

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O recorte musical escolhido para auxiliar o objeto de estudo, sendo de

referência pura, desenvolve complexidades para a construção de discursos verbais

sobre a sua existência.

De maneira isolada, a música em questão, é uma proposta rica, mas ainda

pouco compreendida pela nossa tradição de ouvido ocidental tonal, mesmo que

grandes exemplos de produções musicais contemporâneas tenham surgido entre

nós e outros ainda permaneçam. Ela desenvolve dentro de espaços diferenciados e

móveis criando atmosferas próprias que se deslocam. Mesmo sem um visível centro

de referência onde seus processos desenvolvem-se, ela constrói um “espiritual” que

comporta sua existência. A criação rítmica, a espacialidade e as sonoridades obtidas

pelas suas relações são constantes e fluidas, ao mesmo tempo em que, em

determinados momentos, parecem solidificar-se e dissolver-se.

Mesmo pertencendo a uma linguagem própria (a música) suas relações

sonoras quando articuladas som a som constroem novas indicações de existência.

Uma reunião de “seres espirituais”8; um invisível observado somente pelo ouvido

perceptível a este, num instante temporal individual e único, pois a percepção que se

tem de um determinado objeto constrói-se no muito sentir/presenciá-lo. O primeiro

momento junto deste nunca será (re) captado, assim como o último dará lugar para o

seu sucessor. Isto é próprio dos signos materializados no tempo.

Mesmo parecendo um perigo à pesquisa científica, os objetivos e os inúmeros

problemas indicados na introdução deste trabalho são alcançados. Contudo, devo

esclarecer que novas relações surgiram dentro deste processo. Este estudo

possibilitou-me diversas reflexões sobre o fazer musical, proporcionou escutas

diferentes e abriu caminhos para novas delineações. Entretanto, pensar na proposta

de re-elaboração de um determinado objeto, passar pelo processo de re-construção

e obter resultados diferentes, fez com que as experiências anteriores fossem

expandidas e re-organizadas. Da mesma maneira acredito que os resultados

sonoros deste estudo ‘concluíram’ (mesmo que para este momento) da mesma

forma.

8 Termo utilizado por Ilsa Nogueira no texto “uma aproximação audiovisual” (NOGUEIRA, 1979), onde se refere à co-existência espiritual e autônoma das relações sonoras e também ao momento em que elementos exteriores agregam-se a estes.

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Aos questionamentos, de uma maneira geral, concluo que a música dentro do

audiovisual apresenta-se de uma nova maneira. Não mais ela, mas dependente das

suas possíveis articulações neste novo ambiente.

Desta forma esta temática e sua abordagem abarcam o sentido global dos

objetivos da pesquisa científica: delimitar um determinado objeto dentro das suas

possíveis percepções/ escutas/ visões, abrindo caminhos para novas possibilidades.

E, mesmo apresentando algumas respostas, esta sensação conclusiva é apenas

aparente, pois muito tem a ser dito.

O novo objeto que surge desta forma é “o estudo da linguagem híbrida”,

através da percepção sobre os seus diversos objetos e suas relações. O que

certamente nunca chegaríamos a respostas acabadas.

O que afirmo, então, é a existência de uma nova relação e de novos

significados, onde as técnicas (assim como em ambiente isolado) auxiliam apenas

na exteriorização das idéias musicais. E a percepção, o ato de perceber, sobre o

objeto - ‘música’ ou ‘música para audiovisual’ - vale mais neste contexto.

O que aponto a partir disso é a importância das inúmeras tentativas de

aproximação destes universos. Tomando as palavras de Carrasco, “A prática, a

análise de obras e a síntese teórica devem caminhar juntas”. E, mais ainda, a

necessidade de percebê-lo e internalizá-lo dentro dos seus diversos enfoques.

O estudo sobre hibridismo das linguagens aparece aqui apenas como tópico

mais próximo para o dado momento. Claramente a temática comporta para infinitas

discussões.

Desta forma, acredito que a disposição deste estudo auxiliou, dentro da sua

proposta, o processo de um devir dos estudos musicais em ambiente audiovisual.

Contudo, na atualidade esta problemática caminha, mesmo, a passos lentos,

necessitando maiores investimentos para a pesquisa na área. Não apenas

monetários, mas humanos; Não apenas dos pesquisadores que já se encontram

enlaçados pelo tema, mas de todos os participantes que vivem este local; que vivem

a existência desta nova “forma”.

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GLOSSÁRIO

Adobe Premiere – Programa de criação e edição de vídeo digital.

BAFTA – British Academy of Film and Television Arts. Premiação anual da academia

britânica de produção cinematográfica e televisiva. Equivalente ao Oscar (Norte-

americano).

Comunicar – Expressar formas, sejam elas verbais, sonoras, visuais, gestuais e

outras. Compartilhar.

Conotativo - que serve para indicar uma idéia secundária simultaneamente a idéia

principal.

Contraponto musical – (termo do século IX, derivado do latim punctus contra

punctus, isto é, nota contra nota). Relação dos elementos musicais verticais e

horizontais de maneira simultaneamente, contrastantes e independente. (ZAHAR,

1982).

César – Premiação anual da academia francesa de produção cinematográfica.

Equivalente ao Oscar.

Curtas – formato de produção audiovisual (filmes, vídeos, etc) com duração de até

24 minutos.

Denotativo - com o sentido e significado conceptual, fundamental e imutável de uma

palavra.

Diegética – relativo a diegese (narração; história; relatório; representação). Música

diegética diz-se sobre aquela que é apresentada no contexto audiovisual através

dos seus objetos geradores próprios. Exemplo: música gerada por um rádio, sirenes

por carros de polícia, sons de pássaros executados pelos próprios animais em cena.

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Dodecafonismo – técnica de composição musical baseada na escala de doze sons

cromáticos. A partir da criação, do próprio compositor, de uma série inicial de doze

sons pode-se gerar sua inversão e a inversão retrógrada da série básica. Este seria

um material básico empregado no processo de composição musical. “A mais

conhecida aplicação musical do serialismo” (ZAHAR,1989).

Dinâmica – Grau de intensidade ou volume de som (com gradação entre fraco ao

forte).

Escrita Convencional – notação musical gráfica com parâmetros pré-estabelecidos.

Escrita Relativa - notação musical gráfica “de caráter indeterminado” (ZAHAR,1989).

Expressar – Exprimir-se. Fazer conhecer idéias, sentimentos ou demais formas

possíveis de exteriorização de idéias mentais, sem que seja propriamente através da

estruturação própria da linguagem verbal. A exemplo as formas musicais.

Extensão musical – distância compreendida entre a nota mais grave e a mais aguda

de um determinado instrumento ou peça musical.

Harmônicos naturais – Componentes de um som musical. Vibração sonora do todo e

das partes que acompanham o mesmo som. Quando uma onda fundamental é

executada as diversas frações do seu comprimento também são produzidas em

conjunto, embora muitas vezes inaudíveis.

Homofonia – trechos musicais que não tem independência.

Informar – comunicar através de diferentes formas de linguagem mensagens

específicas.

Ligadura – em notas de mesma altura: sinal gráfico utilizado para ligar uma nota a

outra resultando na sua soma sonora. Em notas de alturas diferentes este recurso é

utilizado para deixar o prolongamento sonoro o mais próximo possível da nota

subseqüente.

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Linguagem - sistema de geração, organização e interpretação da informação através

de signos próprios do seu meio.

Leitmotiv – frase ou motivo musical condutor. Percorrendo toda a peça desenvolve-

se com os demais elementos da música articulando, contrapondo ou repetindo-se de

forma fragmentada ou íntegral.

Longas – formato de produção audiovisual (filmes, vídeos, etc) com duração superior

a 24 minutos.

MIDI - Musical Instrument Digital Interface - Interface Digital para Instrumentos

Musicais. Formato padronizado de linguagem computacional que possibilita a

digitalização (virtualização) da partitura musical, ou de sonoridades específicas.

Midiático - relativo aos mass media; que é transmitido ou divulgado pelos mass

media (meios de comunicação de massa, a exemplo da televisão).

Modo – “formas de escalas [seqüência, ou série de notas ascendentes ou

descendentes] usadas originalmente pelos gregos (com base na escala pitagórica) e

depois adaptada por músicos medievais” (ZAHAR,1989).

Oscar – Premiação anual da academia de cinema norte-americano para as

produções audiovisuais (filmes e documentários) e suas diversas categorias: melhor

filme, melhor roteiro, trilha sonora, direção, ator e atriz (principal e coadjuvante),

entre outras.

Ostinato – Frase musical melódica e rítmica curta que se repetem continuamente.

Polirritmia – Diz respeito a música que utiliza diferentes partes, baseadas em

diferentes ritmos, tocados simultaneamente.

Politonalidade – sistema de composição musical baseado na utilização simultânea

de mais de uma tonalidade.

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Politonalismo – tendência composicional baseada na utilização da politonalidade.

Pontilhismo – “Técnica de composição que dá a impressão de a música consistir em

seguência de pontos de som, em vez de linhas melódicas” (ZAHAR, 1989)

Rifs – células rítmicas (motes) que se repetem continuamente, a exemplo do

desenvolvimento do ostinato.

Samplers - equipamento de armazenagem de sons em memória digital.

Score –– termo apropriado pela língua portuguesa como “Partitura musical”. Refere-

se a toda obra musical utilizada na produção de uma trilha sonora.

Serialismo – método de composição baseado na ordenação em série de alturas de

som e/ou demais elementos como: duração, timbre e dinâmica.

SONAR – programa de áudio e vídeo com ferramentas de gravação, criação, edição,

manipulação de samplers e sons sintetizados.

Staccato – Destacado. Sinal gráfico utilizado acima da nota musical para indicar sua

reprodução destacada e individual.

Hipermídia - reunião de várias mídias (imagens, sons, textos e vídeos) em suporte

computacional não linear.

Sintetizador – através de matrizes sampliadas (referente a sampler) o sintetizador

auxilia no processo de reprodução, sendo um recurso utilizado para mudar as ondas

sonoras e ajustá-las com novos timbres.

Soundtracks –– termo adaptado pela língua portuguesa como “Trilha sonora”.

Refere-se à toda construção sonora empregada no contexto fílmico (efeitos,

narrativas e trilhas musicais).

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Tessitura – Altura média das notas de uma composição.

Textura – densidade das sonoridades empregadas em uma obra musical.

Tímbrico – referente à timbre.

Timbre – qualidade sonora determinada pelo número e intensidade dos harmônicos.

Para o ouvido humano podemos indicá-lo como a “voz” ou a “cor” de uma

determinada fonte sonora. A exemplo: o som do piano, que é diferente do som do

trompete; a voz masculina, que é diferente da voz feminina; etc.

Vera Cruz – Companhia cinematográfica criada em 1947 (São Bernardo do Campo,

SP). Responsável por inúmeras produções de cinema conhecidas nacional e

internacionalmente, a companhia contrapõe-se ao gênero Chanchadas, até então de

muita influência para a época, e promove novos fazeres ao cinema nacional até a

década de 70 quando entra em declínio, ocasionando seu término.

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SANTOS, Ana Cecília. Composição musical: estudos dirigidos para audiovisual.

ANEXO 01 – PARTITURAS

Dissertação de mestrado em Estudos da Linguagem. Área de concentração:

Estudos literários e culturais. Linha: Música: educação, estética e amálgamas

sonoros.Universidade Federal de Mato Grosso, 2008.

Conteúdo: Estudos Composicionais (referente aos tópicos de 3.0).

Estudo N.1 (para vibrafone solo)

Estudo N.2 (para piano solo)

Estudo N.3 (para duo de violões)

Estudo N.4 (para piano, violão, violino, violoncelo e percussão múltipla).

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ESTUDO N.1

Ana Cecília dos Santos

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131

Estudo N.1 página 02

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132

Estudo N.2

Ana Cecília dos Santos

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133

Estudo N.2 página 02

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134

Estudo N.2 página 03

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135

Estudo N.2 página 04

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136

ESTUDO N.03

Ana Cecília dos Santos

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137

Estudo N.3 página 02

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138

Estudo N.3 página 03

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139

Estudo N.3 página 04

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140

ESTUDO N.4

Ana Cecília dos Santos

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141

Estudo N.4 página 02

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142

Estudo N.4 página 03

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143

Estudo N.4 página 04

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144

Estudo N.4 página 05

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145

Estudo N.4 página 06

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146

Estudo N.4 página 07

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147

Estudo N.4 página 08

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SANTOS, Ana Cecília. Composição musical: estudos dirigidos para audiovisual.

ANEXO 02 – CD

Dissertação de mestrado em Estudos da Linguagem. Área de concentração:

Estudos literários e culturais. Linha: Música: educação, estética e amálgamas

sonoros.Universidade Federal de Mato Grosso, 2008.

Conteúdo: Estudos Composicionais (referente aos tópicos de 3.0).

Faixa 01 – Estudo N.1

Faixa 02 – Estudo N.2

Faixa 03 – Estudo N.3a – compasso 3 a 5

Faixa 04 - Estudo N.3b – compasso 13 a 19 com ritornello

Faixa 05 - Estudo N.3c – compassos 28 a 37

Faixa 06 - Estudo N.3d – compasso 40 a 44

Faixa 07 – Estudo N.4a – compasso 1 a 16

Faixa 08 – Estudo N.4b – compasso 18 a 34

Faixa 09 – Estudo N.4c – compasso 38 a 50 com ritornello.

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SANTOS, Ana Cecília. Composição musical: estudos dirigidos para audiovisual.

ANEXO 03 – DVD.

Dissertação de mestrado em Estudos da Linguagem. Área de concentração:

Estudos literários e culturais. Linha: Música: educação, estética e amálgamas

sonoros.Universidade Federal de Mato Grosso, 2008.

Conteúdo: produção audiovisual (referente aos tópicos de 4.0).

Em Trânsito (Documentário). Direção Elton Rivas, 2007. Trilha sonora original.

Em Trânsito (Documentário). Direção Elton Rivas, 2007. Trilha sonora baseada nos

estudos composicionais N.3 e N.4.