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Kalagatos Kalagatos Kalagatos Kalagatos Kalagatos - REVISTA DE FILOSOFIA. FORTALEZA, CE, V. 8 N. 15, INVERNO 2011 189 OSMAR PONCHIROLLI * Recebido em mar. 2011 Aprovado em mai. 2011 * Filósofo, Teólogo, Especialista em Didática do Ensino Superior, Mestre e Doutor pela UFSC. Professor do PROGRAMA DE MESTRADO EM ORGANIZAÇÕES E D ESENVOLVIMENTO da FAE – C ENTRO UNIVERSITÁRIO. E-mail: [email protected]. A COMPREENSÃO DAS EXIGÊNCIAS ÉTICAS DECORRENTES DA CRISE ECOLÓGICA RESUMO O objetivo deste artigo é o de verificar a importância da concepção filosófica de Vittorio Hösle sobre a perspectiva da reconstrução racional do idealismo objetivo para a compreensão das exigências éticas decorrentes da crise ecológica. O método que caracteriza esta pesquisa é a revisão bibliográfica, com utilização de fontes múltiplas de evidências. Os dados foram obtidos mediante uma profunda investigação bibliográfica. Os principais autores consultados são Marcos Lutz Müller, Moreira Silva, Vittorio Hösle e Manfredo de Araújo. A análise dos dados foi efetuada de forma descritivo-interpretativa. Utilizou-se, a análise de conteúdo e a análise documental. Hoje, é importante vislumbrar um novo paradigma ético-político na história política moderna. Hösle concentra-se na análise dos pressupostos metafísicos da crise ecológica na perspectiva de uma gênese categorial do moderno conceito de natureza da moderna subjetividade dominadora. Explicitar as exigências éticas emergentes dessa crise e o fundamento racional da esperança em direção a outro conceito de natureza é o que se pretende aprofundar neste artigo.

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OSMAR PONCHIROLLI *

Recebido em mar. 2011Aprovado em mai. 2011

* Filósofo, Teólogo, Especialista em Didática do Ensino Superior,Mestre e Doutor pela UFSC. Professor do PROGRAMA DE MESTRADO

EM ORGANIZAÇÕES E DESENVOLVIMENTO da FAE – CENTRO

UNIVERSITÁRIO. E-mail: [email protected].

A COMPREENSÃO DAS EXIGÊNCIAS ÉTICAS DECORRENTES

DA CRISE ECOLÓGICA

RESUMO

O objetivo deste artigo é o de verificar a importância daconcepção filosófica de Vittorio Hösle sobre a perspectivada reconstrução racional do idealismo objetivo para acompreensão das exigências éticas decorrentes da criseecológica. O método que caracteriza esta pesquisa é arevisão bibliográfica, com utilização de fontes múltiplas deevidências. Os dados foram obtidos mediante uma profundainvestigação bibliográfica. Os principais autores consultadossão Marcos Lutz Müller, Moreira Silva, Vittorio Hösle eManfredo de Araújo. A análise dos dados foi efetuada deforma descritivo-interpretativa. Utilizou-se, a análise deconteúdo e a análise documental. Hoje, é importantevislumbrar um novo paradigma ético-político na históriapolítica moderna. Hösle concentra-se na análise dospressupostos metafísicos da crise ecológica na perspectivade uma gênese categorial do moderno conceito de naturezada moderna subjetividade dominadora. Explicitar asexigências éticas emergentes dessa crise e o fundamentoracional da esperança em direção a outro conceito denatureza é o que se pretende aprofundar neste artigo.

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PALAVRAS-CHAVE

Idealismo objetivo. Crise ecológica. Subjetividade.

ABSTRACT

The aim of this paper is to verify the importance of thephilosophical conception of Vittorio Hösle about theprospect of rational reconstruction of the ideal goal for theunderstanding of ethical requirements arising from theecological crisis. The method that characterizes this researchis the literature review, using multiple sources of evidence.Data were obtained through a thorough literature search.Data analysis was performed on a descriptive andinterpretative. Used, the analysis of content and documentanalysis. Today, it is important to see a new ethical-politicalparadigm in modern political history. Hösle focuses onexamining the metaphysical assumptions of the ecologicalcrisis in terms of a genesis of the modern concept of thecategorical nature of modern subjectivity dominatrix.Explain the ethical requirements of this emerging crisis andrational ground of hope toward a different concept of natureis what you want to deepen this article.

KEYWORDS

Objetive idealism. Ecological crisis. Subjectivity.

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1 INTRODUÇÃO

Para Hösle (1990) um exame da crise da razão e uma tentativa de fundamentação última das

posições de princípios e das teses filosóficas quepresidem ao diagnóstico da crise ecológica, à analisedos seus pressupostos metafísicos e às propostas ético-políticas e jurídicas para enfrentá-la, principalmente apretensão de uma fundamentação última do idealismoobjetivo em confronto com a pragmática transcendental,são essenciais para a construção de uma economiaecosocial e para análise das consequências políticas dacrise ecológica.

Os fatos que configuram o que se chama de criseecológica são conhecidos e foram objetos de muitosestudos científicos e relatórios globais de instituiçõesinternacionais: explosão demográfica, o efeito estufae o aquecimento da atmosfera, o aumento da emissãode gases poluentes que rarefazem a camada de ozônio,a presença crescente de elementos químicos venenososnos rios e mananciais, o comprometimento dos lençóisfreáticos, o desmatamento e a erosão do solo, a extinçãode uma multiplicidade de espécies e o desequilíbriodo ecossistema.

É provável que a consolidação destas tendênciasconduza ao comprometimento da qualidade de vida eda sobrevivência de populações, bem com a daqualidade de vida e da sobrevivência de populações,bom como a lutas distributivas, a nível nacional einternacional, ampliando a violência privada e grupal,e de Estado, na forma de situações de exceção, que

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podem até conduzir a guerras de novo tipo, ao empregode armas químicas e bacteriológicas e de armasnucleares táticas, que, por sua vez, só tornaram a criseecológica mais acentuada.

Para Hösle (1990) não cabe à filosofiademonstrar a existência de fatos que configuram a criseecológica, caracterizar e analisar as catástrofesocorridas e anunciadas, que estão destruindo o nossooikos, a nossa morada biológica, e que podem, se astendências não forem revertidas, levar à destruição doplaneta e a pôr em questão a sobrevivência dahumanidade.

Seria uma traição à causa da filosofiapermanecer indiferentes àquilo que concerne e ameaçanão só destino da polis e do próprio povo a quepertencem, mas o destino da humanidade e de grandeparte da natureza viva que lhe serve de morada físicae espiritual. Para Hösle defrontamo-nos seriamentecom a perspectiva da destruição das condições de vidado planeta e com a possibilidade de um suicídio coletivodo gênero humano, que não seria uma mera catástrofenatural, mas da ordem da responsabilidade coletiva eindividual.

A raiz dessa possibilidade radical de que ohomem possa de tal maneira pôr em perigo o substratoda sua existência natural e cultural é localizada na suapeculiar relação com a natureza, que envolve,precisamente, a negação da sua unidade imediata comela, com aquilo que o distingue do animal. Por isso, oconceito de natureza, especificamente a determinaçãoda relação do homem com a natureza,, especificamente

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a determinação da relação do homem com a naturezae do modo dessa relação, que está no centro daproblemática com que a crise ecológica hoje nosconfronta.

Segundo Hösle (1990), devemos à crítica, àmetafísica e à reflexão sobre a técnica de Heidegger,e, posteriormente, aos Frankfurtianos e a Hans Jonas,especialmente, as análises filosóficas mais radicais dospressupostos culturais da crise ecológica,principalmente daqueles mais diretamente ligados aoprograma da metafísica moderna como saberfundacional da ciência e da técnica modernas.

Segundo Hösle (1990), cabe à filosofia mostrarque seria ilusório crer que apenas medidas de políticaeconômica ou mesmo transformações dos padrõesenergéticos seriam suficientes para superar a criseecológica, uma vez que a carreira triunfal do pensamentotécnico-científico e das transformações por eleprovocadas assentam sobre os trilhos de decisõescategoriais e da criação de valores, que estão ligadas aoprograma da metafísica moderna e à relação homem-natureza que ela inaugura e que conformam a nossaauto-compreensão e o nosso destino para além da esferaeconômica e política.

O objetivo deste artigo é o de verificar aimportância da concepção filosófica de Vittorio Höslesobre a perspectiva da reconstrução racional doidealismo objetivo para a compreensão das exigênciaséticas decorrentes da crise ecológica. O método quecaracteriza esta pesquisa é a revisão bibliográfica, comutilização de fontes múltiplas de evidências. Os dados

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foram obtidos mediante uma profunda investigaçãobibliográfica. A análise dos dados foi efetuada de formadescritivo-interpretativa. Utilizou-se, a análise deconteúdo e a análise documental.

Neste sentido, no próximo capítulo abordará oponto de vista de Vittorio Hösle no que tange ao problemada Objetividade no Sistema da Filosofia, no âmbito daconstituição do que ele designa “Idealismo objetivo”.

2 A PERSPECTIVA DA RECONSTRUÇÃO RACIONAL DO IDEALISMO

OBJETIVO

Apresenta-se neste capítulo o ponto de vista deVittorio Hösle no que tange ao problema daObjetividade no Sistema da Filosofia, no âmbito daconstituição do que ele designa “Idealismo objetivo”,de modo a explicitar os fundamentos de suainterpretação do Sistema hegeliano como uma Filosofiatranscendental absoluta e as principais críticas que fazao Sistema de Hegel.

O ponto de partida das considerações de Hösleem torno do Sistema hegeliano funda-se na convicçãode que, particularmente no final do século XX, o mundose apresenta como um todo racional completamenteoutro no que diz respeito à pretensão absoluta e àexagerada superestimação de si mesmo que, como tal,ocorre no pensamento de Hegel.

Segundo Silva (2004) o filósofo Hösle, tendoem vista a tese fundamental segundo a qual Hegel nãofoi bem sucedido na determinação da relação deSubjetividade e Intersubjetividade, que, ainda no dizer

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de Hösle (1990), seria consistente, para Hegel, com asua concepção da relação necessária de Lógica eFilosofia real, entre princípio e principiado.

Hösle (1990) interpreta o que chama de“princípio idealístico-objetivo de Hegel” a partir de umsuposto compartilhamento dos resultados deste com oplatonismo e as diversas formas de neoplatonismo; istoé, o argumento para a necessidade de uma razãoobjetiva ou de uma estrutura a priori que, de um lado,é pressuposta por todo Conhecer e todo Ser e, de outrolado, proporciona um conhecimento a priori darealidade efetiva.

Hösle (1990) busca mostrar que não obstanteas “divergências consideráveis” de Hegel para com Kante Fichte, sua própria filosofia se apresenta como umaforma suprema de filosofia transcendental, e issojustamente no sentido da reconstrução do ponto devista platônico e neoplatônico de uma ontologiatranscendental. Mas como nesta reconstrução, Hegeltermina por equivocar-se em pelo menos três pontoscapitais, há que se reconhecer que, ao fim e ao cabo,ninguém pode mais se considerar hegeliano hoje emdia e, não obstante, se tem que mediar a tradição doIdealismo objetivo de Platão a Hegel com a filosofiapós-hegeliana e a ciência contemporânea (Silva, 2004).

Embora Hegel reconheça a indispensabilidadede uma estrutura reflexiva como princípio da filosofiae esteja convicto da necessidade da mediação desteprincípio através de categorias ontológicas, não sesegue daí que a Ciência da Lógica constitua seuprograma adequado. Isso porque, no dizer de Hösle

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(1990), ao seguir o caminho da reconstrução genéticadesse princípio, Hegel pode ter cometido erros que,como tais, caso realmente ele utilize-se de umprocedimento rigoroso, tem que ter algumaconsequência na Real filosofia.

Hösle (1990) defende a ideia de que Hegel podeter cometido erro na explicitação filosófico-real da Ideiaabsoluta, pois esta argumentação filosófico-real estáem contradição direta com o desenvolvimento lógico.Na compreensão de Hösle (1990), por um lado, o queHegel pretendeu deduzir a partir da Ciência da Lógicapode seguir-se de modo independente dela; o quesignifica que Hegel considera como a priori necessárioo que em verdade é contingente; daí, por outro lado,embora a argumentação filosófico-real siga realmenteda Ciência da Lógica, segue-se como que defronte desua execução concreta (Silva, 2004).

Enfim, ao defender que uma filosofia compretensões à fundamentação última tem que levar asério a estrutura reflexiva, segundo Silva (2004), Hösleobjeta que o princípio reflexivo supremo, possivelmenteassociado à Objetividade, como quis todo o Idealismoalemão, seja a Subjetividade. Ele pensa que na verdadetal princípio é ou, pelo menos, também poderia ser aIntersubjetividade, a qual, mesmo pensada no planoda Moralidade não foi efetivamente fundada por Hegel,que, justamente por optar pela simples subjetividadeobjetivada, não consegue fundar a Ética.

Assim, contra o conceito hegeliano do Absoluto,Hösle (1990) esboça os argumentos de que este,embora na Lógica apareça como Subjetividade e no

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Espírito objetivo como intersubjetividade, ao ter queprincipiar toda estrutura essencial dos seres, e,portanto, também do Espírito intersubjetivo,transforma-o em um mero apêndice do Espíritosubjetivo; bem como, ao poder ser apenas absoluto,pois ele é uma estrutura reflexiva que se funda a simesma, tal como a Subjetividade absoluta que se expõena Ciência da Lógica, ele não pode ter nada fora de si– o que implica que a sua determinação como unidadede Subjetividade e de Objetividade, ou ainda comoEspírito absoluto, não pode ser a determinação máximapossível do Absoluto. Ora, sobretudo para Hösle, istoquer dizer que não é suficiente tomar o Absoluto comointersubjetividade para poder fundar a Ética; para isso,há que se pensar uma forma não-ética deIntersubjetividade, a qual permita categorizar suaestrutura lógica – algo que resulte de uma relaçãosimétrica e transitiva, que não seja simples meio, esim unidade consigo mesmo, i.é, o Amor (Silva, 2004).

O que está em jogo na crítica de Hösle (1990)ao conceito do Absoluto em Hegel é justamente oproblema da determinação e do alcance do princípiodo Idealismo absoluto, a unidade de Sujeito e Objeto,e, de modo mais preciso, o conceito da Objetividade –ao qual o segundo termo dessa unidade corresponde.Na concepção de Hösle (1990), a referida unidade nãopode ser a determinação máxima possível do Absolutoporque ela é assimétrica, embora o sujeito pense oobjeto, ele não é pensado por este, não havendo,portanto, verdadeira identidade entre ambos; porconseguinte, o Objeto, segundo termo da unidade,

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termina por cair ou permanecer fora do Sujeito,primeiro termo da unidade.

Hösle (1990) justifica sua interpretação de queo Absoluto se apresenta na Lógica de Hegel apenascomo Subjetividade mediante o fato de a mesma nãotematizar nenhuma relação Sujeito-Sujeito; o queestaria fundado na compreensão de que o que Hegelconsidera “prático” tem que ser chamado maispropriamente de “poiético”. Isto significa, para Hösle(1990), que se a práxis for compreendida apenas comouma ação dirigida a um objeto, limitando-se à relaçãoSujeito-Objeto, ela implicará numa remodelaçãoradical do outro, que, no melhor dos casos, tenderápara uma mudança de sua conduta tecnológico-socialsem a devida apreciação da necessidade da mesma paraconseguir, no plano discursivo, estabelecer convicçõesde valor comuns.

Com efeito, se esse Amor limitar-se à função deuma estrutura lógica categorizável ou à Unidade consigomediada por relações intersubjetivas, de modo acompreender-se a si como resultado do Absoluto, omesmo não poderá constituir-se como uma forma não-ética de Intersubjetividade; pois, ao ser mediada porrelações intersubjetivas às quais ela mesma é quem teriade mediar, sua unidade consigo não pode fundar nem asi mesma – como uma forma não-ética deIntersubjetividade – nem a Ética. Mais, se o Amor limita-se à compreensão de si, deixando de lado justamente asrelações intersubjetivas que lhe servem de mediação,portanto, sem suprassumí-las; em que medida o mesmo,como essa forma não-ética de Intersubjetividade,

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relaciona-se com as instituições – o conceito-integrativonormativo ordenador das relações intersubjetivas –senão de modo a pressupô-las enquanto tais?

Neste caso, o princípio intersubjetivo supremofundante das relações intersubjetivas não pode ser oAmor, justamente por sua mediação pelas relaçõesintersubjetivas que ele deveria fundar, e sim asInstituições, enquanto conceito-integrativo normativoordenador das relações intersubjetivas. Contudo, se asinstituições são realmente o conceito-integrativonormativo ordenador das relações intersubjetivas, bemcomo, por isso, o princípio intersubjetivo supremofundante das mesmas, e se essas mediam o Amor; defato, retornamos à determinação do Absoluto comointersubjetividade no plano da Moralidade – a não serque se pensem distintamente as Instituições no planoda Moralidade e o Amor no da Logischkeit. Como sepode depreender do que foi dito acima, isto não só semostra absurdo no plano lógico – para Hösle, o Amorse põe como resultado do Absoluto e tarefa supremado homem, apresentando-se, portanto, não comosimples conhecimento do Absoluto e sim como osentido último do universo; mas também comoimpraticável no plano ético – pois, com forma não-ética de intersubjetividade, e tal como propugnado porHösle, o Amor só pode surgir e se desenvolver noâmbito da Piedade (Silva, 2004).

Enfim, estas consequências estão em contradiçãodireta com a pretensão de que a Razão absoluta – oAmor como forma não-ética de intersubjetividade e aIntersubjetividade racional como a determinação

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suprema do Absoluto – não pode se reportar àquiloque está fora dela; de modo mais preciso, aos estadossubjetivos de consciência e os processos dereconhecimento intersubjetivos. Se não, como seexplicaria o fato de o Amor apresentar-se comoresultado do Absoluto e tarefa suprema do homem,não como simples conhecimento e sim como o sentidoúltimo do universo, e isso justamente através damediação das relações intersubjetivas? Mesmo quese aceite a distinção entre a Idealität e a Realität comoresposta, colocando o Amor e a Intersubjetividaderacional no âmbito da primeira, bem como os estadossubjetivos de consciência e processos intersubjetivosde reconhecimento no âmbito da segunda, esta, deum modo ou de outro, só poderá se apresentar comouma determinação ou um dos momentos da realizaçãoda Idealität (na forma de mandamentoincondicionado), se esta última a ela se reportar; oque se mostra verdadeiro pelo menos para o caso doAmor.

Isso mostra que o Absoluto, como estruturareflexiva que se funda a si mesma – a Subjetividadeabsoluta que se expõe na Ciência da Lógica –, realmentenão pode ter nada fora de si, mesmo a intersubjetividade,que se funda na unidade da Subjetividade e daObjetividade, ou no Espírito absoluto como determinaçãomáxima possível do Absoluto, como delineada na Filosofiada Religião.

No próximo capítulo busca-se uma reflexãoprofunda sobre o perigo extremo da modernasubjetividade dominadora.

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3 O PERIGO EXTREMO DA MODERNA SUBJETIVIDADE

DOMINADORA

Para Müller (1996) as tentativas maissignificativas de elaborar uma filosofia da naturezaanticartesiana, que não oponha dualisticamente asubjetividade à natureza e resgate parcialmente a suadignidade ontológica se inspiram na física antiga eretomam a teleologia aristotélica. Mas eles permanecemreativamente marcadas pela ontologia cartesiana, nocaso de Leibniz, porque tira da tese cartesiana, de quenão há experiência válida de uma interioridade que nãoseja a própria, a conclusão oposta, de que tudo sãomônadas, e o idealismo objetivo de Schelling e Hegel,embora não compreenda o mundo inorgânico comoanimado, vê na natureza mesmo inanimada jávirtualmente presente o espírito em si, cujo núcleo é olongo processo de desenvolvimento teleológico emdireção à subjetividade. A natureza recupera umadignidade enquanto algo principiado pelo absoluto.

Hösle (1990) insiste em que uma críticaecológica não retrógrada da sociedade industrial e daeconomia capitalista não pode renunciar aos sucessosdas ciências naturais modernas, às conquistastecnológicas, inclusive ao dinamismo do egoísmoeconômico e do mercado, para enfrentar eficazmentea crise ecológica.

Segundo Müller (1996) a trajetória triunfal damoderna subjetividade dominadora, que responde àessência técnica da ciência moderna e ao seuconstrutivismo, pode, todavia, graças a uma dialética

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obstinada, que hoje perpassa a nossa experiência,inverte-se numa humilhação e, às vezes, numadegradação do homem, que não é apenas a expressãodo seu destronamento cosmológico e ontológico faceà imensidão do universo, face à contingência da suagênese natural e à entropia do seu habitat. Trata-se deuma degradação resultante de uma inversão insidiosa,que já a Dialética do Esclarecimento de Adorno eHorkheimer procuraram diagnosticar, ampliando,talvez, excessivamente, o arco da sua vigência histórica:aqui basta lembrar a tese central dessa obra, a de queo homem, como ser vivo, é também natureza, de modoque a dominação técnica sobre a natureza externaexige, igualmente, a subjugação sacrifical da suaprópria natureza interna e a subjugação violenta dooutro homem. Isso porque, à força de se adaptar a essanatureza recriada como um mundo técnico de artefatos,a fim de assegurar a sua autoconservação num tempode reprodução social cada vez mais competitivo, ohomem e conhece que a sua subjetividade, retraída aesse ponto focal de dominação cega da natureza e daautossuperação vazia, é tão pouco viva quanto essemundo incomensurável de objetos que ela mimetizoupara dominá-lo.

Segundo Müller (1996) uma dialéticaigualmente renitente de dominação e subjugação operana técnica moderna: por um lado ela mostra asuperioridade do espírito sobre a natureza, pois otrabalho necessário para a construção do instrumentoexige a protelação, o adiamento da satisfação imediata(momento ascético), bem como a separação do objeto

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do seu meio natural, para lhe atribuir outros fins;mas se a técnica libera o homem da natureza,acelerando e intensificando a satisfação dasnecessidades, ele gera outras, multiplicando os meiosde satisfazê-las e, como isso, cria meta-necessidades,isto é, necessidades a serem satisfeitasexclusivamente por uma mediação técnica cada vezmais complexa e, assim, ao infinito.

Essa luxúria narcisista da subjetividadedominadora é tão só a contra face da natureza totalmentecoisificada e desenfeitiçada, que, não é nem mais objeto,obstância, mas algo que só subsiste enquanto é instaladoe tornado constante, feito pelo homem. O primeiro motorda técnica moderna é, assim, o que Hösle (1990) chamade delírio da factibilidade, e a figura do homem comosenhor absoluto do planeta é aquela em que ele avançana borda extrema do precipício da sua autodestruição,onde vige a aparência de que tudo o que vem ao encontrodo homem só têm constância e validade enquanto moradaartefeita pela técnica.

Pode-se afirmar que o programa cartesiano detransformação da qualidade em quantidade; oinfinitismo da ciência e do progresso técnico e oprincípio do verum-factum, de que o verdadeiro é otecnicamente artefeito, por trás do que está asubjetividade moderna, que transforma a suaautonomia e oposição total à natureza em soberaniaabsoluta, são os postulados fundamentais do mundomoderno. Vive-se a ilusão de que a racionalidadeestratégica e instrumental cobre todas as regiões doser e pode responder a todas as questões essenciais.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não cabe à Filosofia demonstrar a existênciade fatores que configuram a crise ecológica. Menosainda cabe a filosofia fazer prognósticos sobre aprobabilidade maior ou menor de catástrofes climáticase d impasses energéticos ou sobre a compatibilidadede novas tecnologias com o ecossistema. A análise dosnexos causais compete às ciências e é essencialmenteinter e transdisciplinar.

A crise ecológica, segundo Hösle (1990),ameaça não só a vida biológica, mas também a moradaideal mais ampla e envolvente da vida humana, que éa sua relação com a verdade, não com esta ou aquelaverdade, com a verdade como correção ou adequaçãodo conhecimento, mas com a verdade que concerneao todo do ser.

A ideia central da ética universalista de Kant,de que alei moral não é outorgada ao homem por umainstância externa, mas que ela constitui a sua essênciamais íntima, na medida em que a vontade racional é asua autora, revoluciona todos os particularismosnacionais, culturais, religiosos e de classe, e funda aigualdade de direitos entre os homens.

A Autonomia da razão encarna para Hösle(1990) o único produto da subjetividade moderna quepode ser invocado como fundamento de legitimidadedas prodigiosas e ameaçadoras transformações darelação do homem com a natureza, que distinguem ostempo modernos das épocas anteriores, e queconduziram à crise ecológica, mas, talvez, também, a

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única base de articulação de um esforço coletivo dahumanidade para superar esta crise, na medida emque o vínculo entre a realização histórica da autonomiade todos e a conciliação com a natureza se tornarmotivação política atuante.

Indicar de maneira correta a perspectiva dareconstrução racional do idealismo objetivo para arealização da compreensão das exigências éticasdecorrentes da crise ecológica, e sobretudo nãodesgastá-la indevidamente, exige considerar, antes demais nada, uma diferenciação importante no conceitode dever moral. Se é possível distinguir duascompreensões de dever moral, por certo concatenadasentre si, também não é pouco frequente que elas sejamconfundidas. Segundo uma dessas compreensões, odever é concebido como aquilo a que uma pessoa sevê obrigado; de acordo com a outra, o dever moral serefere à maneira de agir verdadeiramente correta doponto de vista moral. Entretanto, no caso concreto,jamais se pode dizer algo definitivo sobre este últimoelemento, ou seja, a correção moral de uma maneirade agir. Para ter segurança absoluta acerca da correçãode uma maneira de agir, teríamos que já saber oimpossível, isto é, em que poderia consistir o consensoque viesse a se estabelecer em um universo discursivoilimitado. A correção moral, portanto, só pode serentendida como ideia reguladora que indica a direçãoem que nossos esforços discursivos devem caminhar.

Em certa medida, a reconstrução racional doidealismo objetivo é um dever incondicionado quecontém um dever regulador: sempre se deve fazer

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esforços da maneira dada, ou seja, em favor de ummodo de agir cuja legitimidade jamais poderá sercomprovada com absoluta segurança em um mundofinito e limitado. Há duas formas de obter princípiosde responsabilidade ou de reconstrução racional doidealismo objetivo a partir do princípio moral ético-discursivo. Primeiro, pode-se investigar o esforçodiscursivo concreto implicado pela ideia reguladora deum consenso argumentativo. Tem-se, assim, a éticaprocedimental. Segundo, é possível depreender doesforço discursivo teores materiais que possampreceituar uma orientação reguladora de objetivosvoltada ao esforço concreto em favor de um agirresponsável. Tem-se, então, a ética de responsabilidadematerial.

O primeiro princípio de realização no âmbitode uma ética de responsabilidade, surge o imperativodiscursivo de concreção e execução do princípio moral,referidas a uma situação. Este princípio de concreçãoe execução da ética esforça-te por encontrar nosdiscursos reais e orientados para o acordo mútuo umconsenso argumentativo sobre a maneira correta deagir em favor da solução de uma situação de conflitomoralmente relevante: por um lado, à medida que teesforces por averiguar com os outros a maneira de agirque realmente possa se justificar mediante apressuposição de uma comunidade de açãomoralmente posicionada; por outro lado, à medida quete esforces por averiguar com os outros a maneira deagir que, sob as condições de ação do mundo da vidareal, possibilite que se imponha e faça vigorar da

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melhor maneira possível a ação verdadeiramentemoral.

Para Müller (1996) a ética contida no princípiode realização é uma ética para discursos. Ela afirma quedevemos manter discursos, sobre o que eles devem versare quais os que devemos manter. Nela não se diz nadasobre os resultados concretos dos discursos que devamser convertidos em ações moralmente justificadas. E issotem uma boa razão de ser. Simplesmente não se podedeterminar de antemão o que se irá revelar digno deconsenso nos discursos concretos. Descobrir tal coisa éassunto dos respectivos parceiros do discurso, e, sepossível, em especial dos que participam das decisões esão atingidos pelas consequências, dos especialistas,conhecedores dos interesses em questão e com o know-how necessário à conversão dos resultados do discursoem realidade. O reverso desagradável dessa abertura deuma ética procedimental, que permite reagir de maneiraflexível a situações conflitivas em permanente estado demudança, é a carência de teor material-criteriológico.Além de critérios de validação formal como ausência decontradição, coerência, e evidência, parece não haver àdisposição dos parceiros do discurso quaisquer critériosconteudísticos fundamentais para que encontrem umconsenso racional.

Para realização da compreensão das exigênciaséticas decorrentes do pensamento de Hösle sobre acrise ecológica, não se supõe um mundo moral, massimplesmente um posicionamento moral dos queintegram, em situações de conflito, o grupo daquelesque podem exercer influência sobre os acontecimentos.

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A natureza, para Hösle, em toda a Filosofia doDireito Moderno, concebida como desprovida dedireitos, assim como as gerações futuras, que porinexistentes e/ou por não serem partes contratantes,não podiam ser sujeitos de direitos. Por isso, a pilhagemdas riquezas naturais foi legitimada em diversos países.

Müller (1996) afirma que o filósofo Hösledefende duas teses: a primeira tese é a de que a passagemdo Estado Liberal Clássico ao Estado Social, que constituio eixo da história política desde o final do século XIX,permaneceu no interior do paradigma da economia. Asegunda tese sustenta o diagnostico de que estamos nolimiar de um novo paradigma: o vínculo indissolúvelentre a ampliação da igualdade social, dentro dospadrões atuais de consumo, nos países empenhados,atualmente ou no passado, na construção de um EstadoSocial e a crescente exploração da natureza a nívelmundial, que se fez, até agora, principalmente, emdetrimento dos países excluídos, ou apenas parcial,segmentária ou subordinadamente integrados naglobalização capitalista, nos termos dessa contradiçãoagravadora da crise ecológica.

Estas teses justificam um diagnóstico dopresente, embasado numa filosofia da história, que vêna crise ecológica atual o limiar de uma mudança deparadigma, na qual a boa política será não mais,primordialmente, aquela que visa o crescimentoquantitativo e indiscriminado da economia, medido emtermos do PIB, também, não uma política que busca aafirmação incondicionada da identidade étnica,cultural ou linguística de uma nação à custa de outras,

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visando alcançar uma homogeneidade em algum dessesdomínios, que, na complexidade e mobilidade do mundoatual, é retrógrada, e, também não por fim, uma políticaque, inspirada em algum fundamentalismo religioso,procura impor homogeneidade religiosa ou confessional,que, no mais das vezes, encobre interesses e conflitosde outra natureza.

A causa mais profunda da crise ecológica é adesproporção entre, de um lado, a racionalidade técnicasetorial e seu crescimento exponencial, e, de outro, asdemais formas de racionalidade, principalmente aracionalidade dos valores ligada à cultura ética e aomundo da vida, a causa principal desta destrutividadeincompatível com a sabedoria, com que o homem seautodefine biologicamente.

O idealismo objetivo é a teoria gnosiológica eontologicamente mais forte, pois não só a subjetividadee a comunidade intersubjetiva, mas a própria naturezase constituem história e ontologicamente através deestruturas ideais, que determinam ontologicamentetambém a própria natureza.

A posição privilegiada da subjetividade humana,que embora parte da natureza e dela emergente, podereflexivamente distanciar-se de tudo. Isto responde oesboço de uma filosofia da história da relação homem-natureza, que distingue conceitos fundamentais denatureza. Descartes pode ser considerado o ápice dessemovimento reflexivo do sujeito que se desembaraça edestaca cada vez mais da natureza e transforma anatureza em res extensa. Esta absolutização dasubjetividade construtora, ao lado do descompasso

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entre a racionalidade teleológica e a racionalidade dosvalores é a outra chave para a compreensão dadevastação moderna do mundo, pois traz consigo adesvalorização das outras esferas do ser, de Deus, danatureza e do outro eu.

Para Hösle (1991, p 165), “o saber empírico,certamente, tem uma função importante a cumprir nasolução de problemas éticos e nós, enquanto seresfinitos, nos encontramos, na maior parte dos casos,tremendamente dependente do saber empírico”. Outilitarismo não pode ser a alternativa e que ouniversalismo sozinho ainda não resolve o problemada fundamentação da ética, pois a simplesuniversalidade de uma máxima é compatível com osconteúdos, moralmente, mais recusáveis econsequentemente não pode ser o único critério damoral. Segundo Hösle (1990) “realize tantos valoresquanto possível e no caso de conflito, prefira o valormaior ao menor”. Revela-se aqui a intenção de buscaruma ética universalista, não utilitarista, teleológica.

O grande desafio, no enfrentamento da criseecológica, está na capacidade de integrar a técnicamoderna e o dinamismo instaurado historicamente pelaprodução capitalista num projeto coletivo de promoveras condições para uma economia ecológico-social demercado que amplie o acesso aos direitos humanos e àrealização da autonomia de todos.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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