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COMUNICAÇÃO E REPRESENTAÇÃO SOCIAL NOS VIDEOGAMES Em análise o jogo Grand Theft Auto San Andreas 17/07/2008 Daniel Neves Abath Luna* RESUMO O presente trabalho consiste numa tentativa de compreensão da relação entre videogames, comunicação e representação social, em específico do jogo GTA San Andreas, mostrando que os videojogos, através de suas narrativas virtuais, configuram- se como produtores de representações sociais. O estudo dessa relação se faz importante, na medida em que as tecnologias audiovisuais carecem de análises voltadas ao viés da comunicação. O objetivo da pesquisa foi investigar as evidências comunicativas e representacionais presentes no jogo, observando os elementos da narrativa, tais como linguagem verbal e ambientação imagética. A análise demonstra que o jogo GTA San Andreas produz inúmeras representações sociais, dentre as quais destacamos o preconceito e o estereótipo. Os resultados apontam para a necessidade de análises e sistematizações de um campo ainda pouco estudado no Brasil, o da comunicação nos videogames, mostrando que além do entretenimento, os jogos se constituem em verdadeiros sistemas semióticos. Palavras-chave: Comunicação. Representação social. Videogames. INTRODUÇÃO Para muitas pessoas, o jogo é visto apenas como uma espécie de lazer. Contudo, além de ser um lazer, o jogo possui uma função significante, sendo um reflexo da cultura hodierna. Os jogos eletrônicos, ou videogames, em particular, estão cada vez mais carregados de sentido e representações. Em nosso estudo, vamos nos prender a um jogo em específico, justamente devido a suas peculiaridades narrativas, tais como forte teor de violência e associação direta com o mundo real: Grand Theft Auto San Andreas, conhecido pelos jogadores como GTA San Andreas. O estudo do jogo GTA San Andreas se faz importante na medida em que o campo das novas tecnologias carece de estudos e sistematizações acerca de suas características e formas de comunicação e representação, configurando-se um campo de estudos entre a comunicação e os jogos eletrônicos. Em face de pesquisas na área de comunicação que privilegiam as análises dos meios de comunicação de massa (rádio, televisão e jornal impresso), os artefatos culturais audiovisuais ficam aquém das discussões teóricas na área de comunicação em torno das significações e construções simbólico-cognitivas. O jogo Grand Theft Auto, que em português significa “grande ladrão de carros”, foi lançado em princípio para computador, sendo o primeiro traço característico a permissão dada ao jogador para roubar qualquer carro presente no jogo. É possível, em GTA, encarnarmos um fora da lei como personagem principal. Esse foi apenas o primeiro exemplar de uma série que ficaria conhecida no mundo inteiro. Em seguida foram lançados, para diferentes videogames, também chamados de plataformas ou consoles, os jogos: GTA London 1969; GTA London 1961; GTA 2; GTA III; GTA Vice City; GTA San Andreas e GTA IV. A versão que nos interessa neste trabalho, por ser a mais recente e por contar com um enredo muito mais complexo que as demais, o GTA San Andreas, foi lançada

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COMUNICAÇÃO E REPRESENTAÇÃO SOCIAL NOS VIDEOGAMES Em análise o jogo Grand Theft Auto – San Andreas 17/07/2008 Daniel Neves Abath Luna* RESUMO

O presente trabalho consiste numa tentativa de compreensão da relação entre

videogames, comunicação e representação social, em específico do jogo GTA ─ San Andreas, mostrando que os videojogos, através de suas narrativas virtuais, configuram-se como produtores de representações sociais. O estudo dessa relação se faz importante, na medida em que as tecnologias audiovisuais carecem de análises voltadas ao viés da comunicação. O objetivo da pesquisa foi investigar as evidências comunicativas e representacionais presentes no jogo, observando os elementos da narrativa, tais como linguagem verbal e ambientação imagética. A análise demonstra que o jogo GTA ─ San Andreas produz inúmeras representações sociais, dentre as quais destacamos o preconceito e o estereótipo. Os resultados apontam para a necessidade de análises e sistematizações de um campo ainda pouco estudado no Brasil, o da comunicação nos videogames, mostrando que além do entretenimento, os jogos se constituem em verdadeiros sistemas semióticos.

Palavras-chave: Comunicação. Representação social. Videogames. INTRODUÇÃO

Para muitas pessoas, o jogo é visto apenas como uma espécie de lazer. Contudo,

além de ser um lazer, o jogo possui uma função significante, sendo um reflexo da cultura hodierna. Os jogos eletrônicos, ou videogames, em particular, estão cada vez mais carregados de sentido e representações. Em nosso estudo, vamos nos prender a um jogo em específico, justamente devido a suas peculiaridades narrativas, tais como forte teor de violência e associação direta com o mundo real: Grand Theft Auto ─ San Andreas, conhecido pelos jogadores como GTA San Andreas.

O estudo do jogo GTA ─ San Andreas se faz importante na medida em que o campo das novas tecnologias carece de estudos e sistematizações acerca de suas características e formas de comunicação e representação, configurando-se um campo de estudos entre a comunicação e os jogos eletrônicos. Em face de pesquisas na área de comunicação que privilegiam as análises dos meios de comunicação de massa (rádio, televisão e jornal impresso), os artefatos culturais audiovisuais ficam aquém das discussões teóricas na área de comunicação em torno das significações e construções simbólico-cognitivas.

O jogo Grand Theft Auto, que em português significa “grande ladrão de carros”, foi lançado em princípio para computador, sendo o primeiro traço característico a permissão dada ao jogador para roubar qualquer carro presente no jogo. É possível, em GTA, encarnarmos um fora da lei como personagem principal. Esse foi apenas o primeiro exemplar de uma série que ficaria conhecida no mundo inteiro. Em seguida foram lançados, para diferentes videogames, também chamados de plataformas ou consoles, os jogos: GTA London 1969; GTA London 1961; GTA 2; GTA III; GTA Vice City; GTA San Andreas e GTA IV.

A versão que nos interessa neste trabalho, por ser a mais recente e por contar com um enredo muito mais complexo que as demais, o GTA ─ San Andreas, foi lançada

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em 2004 para o videogame Playstation 2 e em meados de 2005 para o console X-BOX e para os computadores. San Andreas é um estado fictício do jogo, sendo baseado nos estados reais da Califórnia e de Nevada, dos Estados Unidos.

Intentamos elaborar um estudo acerca dos elementos comunicativos e representacionais do jogo GTA ─ San Andreas, utilizando-se de abordagens da comunicação e da psicologia social. Além disso, observamos os elementos da narrativa do jogo, mapeando suas características de linguagem verbal e ambientação imagética, estudando como os elementos da narrativa hipermidiática representam o social e como o conjunto dessa narrativa se apresenta enquanto comunicação. A análise contribui para com os estudos interdisciplinares, tecendo uma ponte entre a grande área da comunicação e os jogos eletrônicos como elementos constituintes da cultura, campo ainda carente de estudos no Brasil.

Para tanto, fizemos um apanhado histórico dos jogos, desde suas origens até o advento dos videogames. Situamos o jogo em análise dentro das classificações dos jogos eletrônicos, para em seguida abordarmos a cultura presente nesses artefatos. Inseridos neste capítulo, tratamos das características próprias ao mundo virtual dos games. Abordamos a teoria das representações sociais como elemento metodológico à análise empreendida.

Assim fundamentado teoricamente, o trabalho parte para a análise propriamente dita do jogo, em seu funcionamento, espaço social-geográfico, trama e personagens. Por fim, tratamos das considerações analíticas, apresentando a relação entre as temáticas propostas pelo estudo, demonstrando a riqueza imagética da hipernarrativa e a necessidade de uma maior atenção a tais artefatos audiovisuais da comunicação contemporânea.

1. PREÂMBULO 1.1 Uma breve definição de jogo

O jogo é uma função vital presente tanto nos seres humanos quanto nos outros

animais. De acordo com Huizinga (1999, p. 1), o jogo está em tudo: “Não vejo razão alguma para abandonar a noção de jogo como um fator distinto e fundamental, presente em tudo o que acontece no mundo”. Alves (2005, p. 18) concorda com o autor e complementa a idéia afirmando que o jogo ajuda na relação social, na cognição e na subjetividade, podendo ser classificado, tomando de empréstimo o conceito de Lévy (1993), como uma tecnologia intelectual: “No decorrer do tempo, os jogos passaram a ser compreendidos pelo senso comum apenas como atividades de entretenimento. Contudo, jogar vai além da distração”.

Por estar em tudo, desde os animais, como nas brincadeiras entre cães, por exemplo, pode-se dizer que o jogo, num conceito mais amplo, precede a cultura. E mesmo nas suas manifestações mais simplórias, ultrapassa uma função psico-fisiológica, pois exprime um sentido.

O jogo se processa numa mescla de tensão, alegria e divertimento. Como está além da esfera humana, não se erige em fundamentos da racionalidade e, portanto, possui uma realidade própria. Em sua essência, o jogo não é material e consiste em uma imaginação, no sentido de tecer imagens acerca de determinada realidade. Freire (2005, p. 33) coloca a questão da imaginação como sendo uma dádiva humana: "Que prodígio representantes de uma espécie animal capazes de representar para si mesmos as experiências vividas de alguma forma nas suas realidades! Basta olhar à minha volta para constatar o poder dessa representação. Quase tudo que meu olhar registra é produto da imaginação humana".

Huizinga afirma que nossa concepção de jogo o coloca completamente oposto à seriedade. Mas ele diz que se analisarmos bem essa oposição, veremos que ela não é decisiva. Podemos dizer que o jogo é a “não-seriedade”, contrário a dizer que ele não é sério. E o mais importante: o jogo não possui uma função moral. "O jogo não é compreendido pela antítese entre sabedoria e loucura, ou pelas que opõem a verdade e

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a falsidade, ou o bem e o mal. Embora seja uma atividade não material, não desempenha uma função moral, sendo impossível aplicar-lhe as noções de vício e virtude". (HUIZINGA, 1999, p. 9)

As características do jogo, apontadas por Huizinga, são: a liberdade, a evasão da vida real, o isolamento e a criação de uma ordem própria a cada jogo.

Crianças e animais brincam por instinto, mas também, e aí temos a evidência de liberdade, brincam porque gostam de brincar. Para o adulto, o lúdico é supérfluo e só vira uma necessidade se o prazer o impuser, pois se pode pará-lo a qualquer momento, sendo posto em prática nas horas de ócio.

O jogo não é a vida real e sim uma saída dessa realidade (evasiva), como atividade temporária. Contudo, esse faz de conta não impede que haja seriedade e, consequentemente, um grande arrebatamento e uma imersão.

Possui também um tempo e um espaço determinados, havendo um isolamento. Joga-se até chegar ao fim. Essa limitação no tempo incorre num fenômeno cultural, pois quando acaba, o jogo é retido na memória, podendo ser repetido. Além disso, é limitado no espaço (real ou imaginário) como num campo fechado, onde se respeita a determinadas regras. Um lugar temporário.

A questão da ordem nos faz pensar no elemento da tensão, que é intrínseco ao jogo. A tensão, proveniente da incerteza, é o que predomina nos jogos solitários. Correr riscos é o que dá sentido ao lúdico, fazendo com que o jogador esqueça que está jogando, além do que, nos dizeres de Freire (2005, p. 11), “[...] é justamente aí que reside boa parte do prazer de jogar [...]”. E é essa tensão que vai incutir no jogo uma espécie de ética.

Embora o jogo enquanto tal esteja para além do domínio do bem e do mal, o elemento da tensão lhe confere um certo valor ético, na medida em que são postas à prova as qualidades do jogador, sua força e tenacidade, sua habilidade e coragem e, igualmente, suas capacidades espirituais, sua “lealdade”. (HUIZINGA, 1999, p. 14)

O jogo é um mistério para quem joga. Huizinga (1999) afirma que as leis e

costumes do cotidiano não valem dentro do espaço do jogo. Talvez numa época em que não se falava em realidade virtual e na qual eram considerados como jogos apenas as competições atléticas, os jogos de tabuleiro, os jogos de azar, etc. Porque na atualidade, alguns jogos eletrônicos simulam as leis do cotidiano, quer seja para deturpá-las, quer seja para fazê-las valer como regras. Doria (1999, p. 153) afirma que qualquer interação social é já um jogo e tangencia a reta transdisciplinar entre o lúdico e a comunicação: “Jogos, enfim, são trocas simbólicas entre pessoas, entre grupos; entre jogadores. Donde seu interesse para a comunicação”.

Freire (2005) considera as principais contribuições acerca do jogo, ou seja, os estudos de Huizinga, Caillois e Brougère como relativistas, onde os autores utilizam o mesmo procedimento, fragmentando-se o estudo em partes, ao invés de analisar a complexidade do todo. Dessa forma, certas características enumeradas pelos estudiosos como sendo do jogo, também caracterizam outros fenômenos.

Ordem, ritmo, harmonia, tensão, isolamento, movimento, progressão: tudo isso caracteriza o jogo. E para além do lúdico, nas sociedades modernas, o jogo está associado à expressão de algo, como poética. Uma criança, um músico, um atleta, um ator se deixam envolver e são tomados inteiramente pela realidade do jogo, mesmo sem perder a consciência das atividades que exercem.

No espaço real, o jogo assim se mostra. Mas, e no espaço virtual? Que características poderíamos enumerar acerca do jogo de tipo eletrônico? Podemos definir os videogames apenas a partir das premissas tradicionais de estudos sobre jogos? Até onde vão as intenções e o que está por trás do lúdico no virtual?

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1.2 Os jogos eletrônicos 1.2.1 Percurso histórico dos jogos eletrônicos

É difícil encontrar autores brasileiros que discutam sobre os jogos eletrônicos. Por

isso, nossa visualização histórica dos games está fundamentada nas contribuições de Alves (2005) e em sítios da internet.

A primeira intenção de criação de um videogame se deu em 1958, com um jogo de tênis criado por Willy Higinbotham, que subestimou o próprio invento e não o patenteou. Na década de 60, Ivan Sutherland defende tese onde mostra o primeiro sistema de gráficos computacionais que geraria, mais tarde, os videogames.

Em 1962, o designer Stephen Russel cria o primeiro videogame, reconhecido como tal, o Space War. O primeiro protótipo de um console, que é justamente toda máquina feita exclusivamente para videojogos, com funcionamento através da TV, só aparece em 1966, através de Ralph Baer. A criação de Baer foi o que começou a dar forma a uma verdadeira revolução: uma máquina que “rodaria” jogos na TV, com um custo acessível e com disponibilidade para qualquer indivíduo. Space War continha elementos que seriam depois utilizados em famosos jogos da década de 70, como Asteroids e Pong.

Já em 1970, estudiosos dos Estados Unidos como Steve Jobs, Steve Wozniac, Bill Gates e Nolan Bushnell criam o Personal Computer, conhecido pela sigla PC. Bushnell simplifica o Space War, chamando-o de Computer Space, com circuitos ligados à TV preto-e-branco, o que configurou o primeiro arcade da história.

Quem conhece um pouco de videogame acredita que o primeiro console foi o Atari 2600. Todavia, em 1972 chegava ao mercado o Odyssey 100, o primogênito dos consoles caseiros, desenvolvido por Ralph Baer e fabricado pela Magnavox, subsidiária da Philips. O Odyssey era bastante obsoleto e a prova disso eram as folhas de papel que acompanhavam o console para anotar os placares, pois os chips de memória ainda demandavam muitos recursos.

Para se ter uma idéia do obsoletismo gráfico do console, vale lembrar que ele não tinha poder suficiente para gerar todos os pontos necessários para dar realismo ao jogo. Por isso, os usuários eram obrigados a colocar cartões plásticos na tela da TV para simular o campo do jogo (em um jogo de tênis, por exemplo, colocava-se um cartão verde para parecer grama)[1].

De qualquer forma, podemos vislumbrar a partir do Odyssey um novo conceito em

games. Do tradicional Pinball, passou-se a jogos de esporte (basquete, tiro ao alvo, corrida de cavalo, moto). Mas as vendas caem, o desinteresse do público é geral, devido justamente ao obsoletismo dos gráficos, e Nolan Bushnell contra-ataca, modificando completamente os conceitos até aqui vistos quando o assunto era videogame.

Nolan decide criar no mesmo ano de 1972 uma firma exclusiva para desenvolvimento de jogos, que seria chamada “Syzygy”, mas como já havia uma construtora com esse nome, resolveu chamar de Atari, que significa no português o referente à expressão “xeque-mate” do jogo de xadrez. A companhia inicia os trabalhos com o jogo Pong, um ping-pong eletrônico que obteve grande êxito com o público. Tal jogo foi responsável pelo surgimento da indústria dos videogames, pois já que o sucesso foi um fato, pensou-se em criar a versão caseira do jogo, o Home Pong. Nolan Bushnell enriquece e a indústria dos consoles caseiros e dos jogos eletrônicos acabava de nascer.

Em 1976 surgem os consoles programáveis, onde havia a possibilidade da troca de jogos contidos em cartuchos, vendidos em lojas especializadas, dos quais são exemplos o Channel F e o Studio II. O primeiro console que o Brasil conheceu foi o Tele-jogo, lançado pela Philco. Os primeiros jogos do Tele-jogo foram: paredão, futebol e tênis. Tal console fez sucesso no início da sua comercialização, mas logo foi esquecido, pois danificava os aparelhos de TV na época.

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Em novembro de 1977 é lançado o Atari VCS (Video Computer System), o videogame mais conhecido da história. Houve várias conversões de jogos de arcade para o Atari, que incorporou a concepção dos cartuchos do Channel F e tornou isso uma característica da indústria de games. O Atari VCS, depois de lançado, mudou o nome para Atari 2600. E, então, as expectativas foram frustradas, pois houve uma crise no setor. A tática das produtoras foi pressionar os fabricantes a produzirem jogos em quantidade triplicada, o que funcionou e gerou um crescimento de vendas no início dos anos 80. Porém, em 1984, o Atari 2600 fracassa e traz consigo um momento conhecido como o crash dos videogames.

Em 1978 ressurge o Odyssey em sua segunda versão, o Odyssey 2. O console não superava o Atari 2600, pois o processador de imagens era mais lento e os gráficos muito quadrados. Os criadores apostaram no apelo de marketing em torno do lançamento. Para o Odyssey 2 foram lançados apenas vinte e quatro títulos em quatro anos.

Já em 1979, surgiu o primeiro videogame portátil da história: o Microvision. Os jogos eram em preto-e-branco e foram lançados apenas dez títulos, sendo alguns de esporte e outros de guerra intergaláctica.

No ano de 1980 surge o Intellivision. Foi concorrente do Atari 2600 e apresentava melhores gráficos. O público gostou dos jogos, mas odiou o controle que era frágil e de péssima jogabilidade. Vários periféricos foram lançados para o console, que prometia se transformar, no futuro, em um completo computador pessoal. Foram produzidos cerca de cento e vinte e cinco jogos, bastante diversificados quanto às temáticas.

A terceira geração dos videogames nasce em 1982, com a estréia do ColecoVision.

O que acontece quando uma companhia que produzia couro - a Conneticut Leather Company - e que quase foi a falência nos anos 70, resolve produzir um videogame? Simples, ela lançou o primeiro console que conseguiu a façanha de derrubar o poderoso Atari 2600, e que tinha o melhor hardware em sua geração. Muitos atribuem o título de "melhor console de todos os tempos" ao ColecoVision, devido aos excelentes gráficos para a época, e à seleção de jogos de altíssima qualidade e jogabilidade[2].

A principal característica do ColecoVision eram as conversões fidedignas dos jogos

de arcade para o console. Os jogos do ColecoVision também variavam em suas temáticas, desde o esporte a jogos de aventura. Muitos periféricos foram lançados para o videogame.

A concorrência o exigiu e a Atari lançou o Atari 5200. O grande problema do videogame foi o estranho controle que apresentou inúmeros defeitos e quebras. O console possuía bons jogos, porém péssimos controles na opinião dos jogadores. E isso o levou à fraca popularidade.

A partir de 1981 há um crescimento instável e oscilante na indústria dos videogames, pois a empresa IBM lança os computadores pessoais (PCs), o que leva a uma queda das empresas de consoles, pois os usuários dos computadores e editores de jogos podiam manipular a técnica, a narrativa e a estética dos jogos, como atenta Alves (2005, p. 42):

Os computadores, além de surgirem com intenção de mediação das atividades profissionais, propunham-se a ocupar o espaço de entretenimento e desenvolvimento de atividades pedagógicas. Diante desse novo universo de alternativas, as empresas de games começaram a desaparecer do cenário. Decretou-se, portanto, a morte dos videogames.

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A crise era flagrante. E foi nessa época que a Microsoft de Bill Gates assinou um

contrato com a empresa japonesa Ascii e criaram o MSX. A Ascii queria um computador para entrar em concorrência com os PCs da IBM. O MSX, dessa forma, foi um computador pessoal que rodava jogos em cartuchos e em fitas cassete, ou seja, era um computador-console.

Contra as previsões apocalípticas do fim dos games e da substituição destes pelos computadores pessoais, o Japão, com a Nintendo, ressuscita o mercado. Em 1983, a Nintendo lança o Famicom japonês e insere o console no mercado americano com o nome NES (Nintendo Entertainment System), justamente o grande mentor da recuperação do mercado de jogos eletrônicos da época. Os seus concorrentes eram o Sega Master System e o Atari 7800, que possuíam gráficos e sons mais sofisticados do que os do NES. Porém, o console da Nintendo conseguiu mais adeptos devido ao lançamento adiantado em relação aos concorrentes, às campanhas publicitárias mais sedutoras, aos inúmeros títulos e à equipe de designers da Nintendo. O NES dominou o mercado até o início dos anos 90, quando nasce a quinta geração de consoles, liderada pelo Mega Drive e o Super Nintendo.

No ano de 1988, dois anos depois do fracasso do Master System no mercado dos videogames, a empresa Sega lança o Mega Drive, o primeiro console de 16 bits da história. A plataforma possuía gráficos muito sofisticados para a época e uma excelente qualidade gráfica dos jogos convertidos dos arcades. Nos EUA, assumiu o nome Genesis. O Mega Drive possuiu mais de mil títulos, dentre os mais variados gêneros, destacando-se, inclusive, o jogo Road Rash, que misturava corrida de motos e luta, um modelo que serviu de exemplo para muitos outros jogos atuais, como o Grand Theft Auto ─ San Andreas.

Além disso, em 1989, foi lançado no Japão o GameBoy, o minigame da Nintendo, que em sua primeira versão tinha jogos preto-e-branco, evoluindo para o GameBoy Color, com jogos a cores.

Em 1990 a empresa SNK lança o Neo Geo, um dos videogames mais caros da história, com cartuchos de muita memória e grandes controles no formato arcade. A característica marcante dos jogos do Neo Geo é a predominância das temáticas de luta e tiro. A mesma empresa lançou o Neo Geo CD em 1994, que era similar ao primeiro, acrescido de um drive de CD.

A Sega ainda lança em 1991, no Japão, o Mega CD, um periférico que aumentava as potencialidades gráficas e sonoras do Mega Drive, trabalhando com maior capacidade de armazenamento de dados, através da mídia CD. Nos EUA, o Mega CD foi chamado de Sega CD.

No mesmo ano de 1990 surge o Super Nintendo, em concorrência com o Mega Drive. A disputa aumenta e a Sony entra no mercado em 1991, propondo um CD-ROM, o Playstation, para o Super Nintendo. Seria uma parceria com o objetivo de melhorar os gráficos com o recurso do CD. Porém, finanças e política rompem a parceria, ficando o projeto do Playstation com a Sony, que lança o console com o mesmo nome no final de 1994. Alves (2005, p. 44) bem mostra que “a história dos videogames constituiu-se de oscilações no mercado desses produtos, por ações na justiça envolvendo as corporações e pela eterna busca de superação dos concorrentes no desenvolvimento de novos produtos”.

Ainda surgiram: o Game Gear da Sega, concorrente com o GameBoy da Nintendo; o Amiga CD32; o 3DO; o Atari Jaguar; o Sega Saturn, concorrente do Playstation; o Nintendo 64; o Sega Dreamcast, que foi à falência; o Playstation 2; o X-Box; o Gamecube e os atuais Playstation 3, Nintendo Wii e X-Box 360.

Hoje em dia, Nintendo, Sony e Microsoft dominam a indústria do entretenimento eletrônico, se bem que os jogos para computador e de rede cresceram bastante. Atualmente todas as empresas trabalham com jogos no formato de CD-ROM: X-Box 360 (Microsoft), Gamecube e Wii (Nintendo), Playstation 3 (Sony), e com ligação à internet. O jogo analisado neste trabalho é disponível para os consoles Playstation 2, X-Box e para os computadores pessoais.

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O fato é que, hoje, os jogos eletrônicos possuem simulações cada vez mais próximas da realidade. As imagens realistas chegam a fazer com que o jogador sinta como se estivesse dentro do jogo; ativo na trama como se fosse o personagem. Os games têm hoje tanta qualidade que concorrem com o realismo dos filmes, mas têm algo mais: são interativos.

E essa aproximação dos jogos com o cinema não se dá apenas pela qualidade das imagens. Percebe-se que, progressivamente, os games trabalham com narrativas mais complexas, que introduzem técnicas e modelos discursivos cinematográficos – tipos de planos, enquadramentos, montagem, ritmo, foco narrativo, elaboração de personagens, narrativas em primeira pessoa etc. –, nos quais os jogos se transformam em histórias interativas, construídas pelos próprios usuários, obviamente dentro dos limites permitidos pelos dispositivos. (ALVES, 2005, p. 47)

1.2.2 As classificações dos jogos eletrônicos Existem seis categorias de classificação dos games, estipuladas pelos próprios

jogadores e pelas revistas especializadas. “Atualmente, são aceitas as seguintes categorias: jogos de aventura, de estratégia, jogos de arcade, simuladores, jogos de esporte e RPG” (ALVES, 2005, p. 70).

Tais classificações não podem ser consideradas de forma isolada, pois em alguns casos é difícil de apontar qual o gênero que predomina. A aventura, por exemplo, está presente em muitos títulos que não são propriamente de aventura. Já os jogos de estratégia se confundem com os de guerra e tabuleiro. Há autores, como Myers (apud ALVES, 2005) que propõem classificar os jogos através da análise da interação simbólica entre o jogador e o jogo.

De acordo com Fragoso (apud ALVES, 2005, p. 71) os jogos eletrônicos exigem duas capacidades específicas: a reação física (viso-motora) e o planejamento estratégico.

Os jogos de reação física objetivam fazer com que o jogador reaja, em um curto espaço de tempo, aos estímulos visuais, ou seja, às formas que vão surgindo na tela. Fazem parte desse grupo as seguintes subcategorias, derivadas das seis categorias embrionárias: jogos de tiro, como Doom; jogos de combate, como Street Fighter; jogos adaptados do cinema, como O Rei Leão; jogos de esporte e os jogos de corrida.

Os games de estratégia são aqueles que desenvolvem a capacidade de administração de recursos e planejamento em longo prazo. Estão nesse grupo os jogos que se desenvolvem dentro de um enredo, como os RPGs, e os que se desenvolvem dentro de uma lógica abstrata, como os quebra-cabeças, os jogos de tabuleiro e os chamados God Games, como The Sims, onde o objetivo é administrar uma vida. Existem também os jogos híbridos, que exigem a reação física e o planejamento estratégico, como por exemplo, Warcraft.

O jogo GTA ─ San Andreas é um misto de vários tipos de games. Permite dirigir uma vasta gama de veículos, desde motos a aviões supersônicos; jogar, dentro do próprio jogo, clássicos dos antigos videogames; administrar a vida do personagem principal, o Carl Johnson; participar de corridas de carro, como nos jogos específicos de corrida, e, principalmente, matar e roubar. Dessa forma, podemos considerá-lo um jogo híbrido, dotado de uma narrativa aberta, não tanto quanto um RPG, mas que permite muitas combinações e possibilidades, alternando entre as funções de reação motora e de planejamento estratégico. E se quisermos destacar um elemento predominante, este se chama violência. Estamos analisando, portanto, um game que reflete, talvez, o próprio jogo da vida, visto pela ótica de um gângster dos subúrbios norte-americanos.

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Em linhas gerais, o enredo conta a ascensão de CJ, de como ele passou de líder de uma pequena gangue a uma poderosa personalidade. Para isso, o game propõe diversas missões a serem realizadas e o jogador terá a oportunidade de participar de assaltos, assassinatos e outros tipos de crimes nas mais diversas situações. Mas essa aventura principal do game é apenas 50% do todo. [...] Nesse sentido, o jogo pode ser colocado na mesma categoria que um "The Sims", tamanha a liberdade que o usuário possui[3].

1.3 A cultura dos jogos eletrônicos

Vivemos um tempo de incertezas. Da nova relação com a técnica temos novos

estilos de vida e as mídias eletrônicas, como a informática, por exemplo, têm agido fortemente sobre esse tempo. O conhecimento e a apreensão do mundo estão intimamente relacionados às novas tecnologias. Castells (2004, p. 17), ao tratar da internet, mostra-nos que o estudo das novas mídias, “[...] sua lógica, linguagem e limites não são totalmente entendidos para além dos aspectos tecnológicos”.

As técnicas atuais possuem o mesmo valor cultural que as técnicas antigas, ou seja, elas influem na maneira com a qual as pessoas se relacionam em sociedade, num dado momento histórico. O computador estrutura a nossa experiência, como afirma Lévy (1993, p. 16): “os produtos da técnica moderna, longe de adequarem-se apenas a um uso instrumental e calculável, são importantes fontes de imaginário, entidades que participam plenamente da instituição de mundos percebidos”. Negroponte (1995, p. 81) é da mesma opinião que Lévy, ao dizer que “existe uma polaridade (por mais artificial que seja) entre a tecnologia e as humanidades, a ciência e a arte, os lados direito e esquerdo do cérebro”. A técnica de cada tempo faz com que a sociedade viva uma nova história.

Dentro do contexto contemporâneo, os videogames, em gradativa evolução histórica, sofreram profundas mudanças quanto às potencialidades gráficas, jogabilidade, formas narrativas e riquezas perceptivas e sensório-motoras. Os jogos eletrônicos traduzem hoje em dia uma cultura própria da realidade das redes informáticas: a cultura da simulação.

1.3.1 O mundo simulado A simulação é um tipo de realidade não-linear, negociável e de construção

cognitiva. A interação com os jogos permite o exercício da bricolagem. A realidade virtual amplia a criação. A esse respeito, Pierre Lévy (1993, p. 122) afirma que fazemos mais do que uma leitura do mundo, ou seja, exploramo-no: “[...] programas de inteligência artificial podem ser considerados como simuladores de capacidades cognitivas humanas: visão, audição, raciocino, etc”.

Quando o usuário manipula o programa (um game, por exemplo) adquire intuição sobre ação/ efeito, causa/ conseqüência, podendo tal intuição ser classificada como um conhecimento por simulação. Essa realidade, portanto, funciona como uma imaginação feita através de imagens, sons e textos na tela. Dessa forma, temos um complemento externo ao ato da imaginação que provém da mídia eletrônica. A simulação, portanto, é uma imaginação auxiliada pelas tecnologias e os meios eletrônicos, a saber, o computador, a internet, os videogames etc.

Freire (2005, p. 67) mostra que o ponto de convergência entre o jogo e o mundo objetivo é exatamente a simulação:

Se o mundo do jogo desenrola-se na invisibilidade da subjetividade humana, sua tradução para o exterior, por mais que isso seja sutil, deixa vestígios

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e um deles, embora possa não ser visível em todos os tipos de jogos, é o caráter da simulação. Ao ver alguém ou um grupo jogando, sabemos que jogam, em parte, porque sabemos que estão fazendo-de-conta, que estão representando, e mais, se auto-representando, e essa pode vir a ser a mais completa tradução, para o mundo exterior, que o jogo fornece.

Baudrillard (1999, p. 24) é um dos autores que assumem posição contrária em

relação à simulação e às técnicas do virtual, apontando-as como uma espécie de esvaziamento de sentido: "[...] a extensão incondicional do virtual (que não inclui somente as novas imagens ou a simulação a distância, mas todo o cyberespaço da geofinança [...] e o da multimídia e das auto-estradas da informação) determina a desertificação sem precedentes do espaço real e de tudo o que nos cerca".

O novo modelo comunicativo, a nova cultura surgida neste século é fruto de quatro etapas na concepção de Castells (2004, p. 238): da integração entre formas tecnológicas e artísticas; da interatividade, como sendo o poder de comando do usuário em relação aos media; dos hipermeios, que representam a interligação das mídias e da imersão, ou seja, da inserção do usuário na simulação dos mundos virtuais. Castells (ibid.) chega a afirmar que vivemos numa “virtualidade real”.

Construímos nossas interpretações a partir dos media, sendo essas interpretações, significados individuais. É inegável que a sociedade virtual incita automaticamente ao individualismo, visto que as atividades que antes eram realizadas socialmente, hoje o são de forma solitária. Portanto, há impreterivelmente uma perda da construção comum do entendimento. Nessa cultura da realidade virtual, a comunicação precisa de convenções de significados, dos quais a arte é um exemplo. Da mesma forma poderíamos pensar nos videogames como um tipo de protocolo, em atividade há vários anos, como foi visto no histórico dos jogos eletrônicos.

Mas, afinal: se estamos falando de uma cultura da simulação, como se caracteriza esse novo mundo do ciberespaço?

1.3.2 A eminência do virtual O senso comum considera virtual como um sinônimo de ilusão. Autores como

Negroponte (1995) chegam a tratar do virtual de forma análoga ao conceito de realidade virtual (RV), limitando-se a observar a antiga indumentária de óculos 3D, capacetes e luvas, que propunham uma imersão dependente de tais equipamentos. Mas a realidade que o virtual dispõe vai muito além de artigos periféricos.

Lévy (1996, p. 15) explica que “em termos rigorosamente filosóficos, o virtual não se opõe ao real, mas ao atual: virtualidade e atualidade são apenas duas maneiras de ser diferentes”. Ou seja, o virtual é aquilo que é possível, só não é exercido em ato. O virtual, portanto, não é o oposto do real, mas do atual.

A virtualização é uma mudança de identidade, não uma anulação do real. É independente do momento e do lugar imediato (do aqui e agora). É o virtual que faz ressurgir uma cultura do nomadismo e da interação social, numa espécie de desterritorialização. Disso podemos concluir que no virtual vários espaços estão em coexistência, multiplicando-se cada vez mais, de forma que há um movimento de imbricação entre universos antes dicotômicos: público/ privado; subjetivo/ objetivo; leitor/ autor. A tendência agora é a construção individual de significados, ainda mais forte do que quando da eminência da técnica da escrita.

Os corpos também passam por uma realidade da virtualização. Enxertos, próteses e extensões, como os dispositivos tecnológicos, transformam o nosso corpo em artefato. Nossas percepções passam a ser externalizadas através dos sistemas de comunicação,

portanto, o corpo sai de si mesmo, adquire novas velocidades, conquista novos espaços. Verte-se no

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exterior e reverte a exterioridade técnica ou a alteridade biológica em subjetividade concreta. Ao se virtualizar, o corpo se multiplica. Criamos para nós mesmos organismos virtuais que enriquecem nosso universo sensível sem nos impor a dor. (LÉVY, 1996, p. 33)

Essa tendência à ampliação do corpo por parte da realidade virtual também é

enfatizada por Biocca (1995, p. 203): "O que, de fato, separa a RV de outros veículos é o imperativo tecnológico de situar o corpo do usuário dentro da ilusão, e cercar o usuário por um espaço que se expande infinitamente em todas as direções, gerando um mundo de experiências inusitadas".

A alteridade que o virtual promove entre leitor/ autor, expressa no conceito da interatividade, recebe um nome comum na cultura informática dos dias atuais: avatar. É através do personagem fictício, do outro, que nós assumimos posições diversas e vivemos múltiplas experiências em direção à ressignificação do mundo e das coisas. Negroponte (1995) defende que as narrativas multimidiáticas deixam cada vez menos espaço para a imaginação. Já Biocca (1995) afirma que os nossos sentidos podem até sofrer limitações com a influência do virtual, mas a nossa imaginação estará sempre ativa. O fato é que a leitura dos fenômenos virtuais é algo imprevisível, própria da dinâmica imaginativa dos seres humanos.

1.3.3 O texto virtual e suas leituras O texto, desde suas origens, sempre foi algo abstrato, virtual, tendo independência

a um suporte físico. E hoje essa tendência é ainda mais proeminente, visto que podemos seguir, ou não, as indicações de correspondência do texto, feitas pelo autor: “[...] podemos desobedecer às instruções, tomar caminhos transversais, produzir dobras interditas, estabelecer redes secretas, clandestinas, fazer emergir outras geografias semânticas” (LÉVY, 1996, p. 36).

O sentido não é preexistente à leitura. Vai-se construindo e o atualizando a partir do ato mesmo de ler. E enquanto relacionamos o texto a si próprio, ligamo-no também a outros textos, imagens, afetos, signos. O termo “texto” está aqui empregado como um conceito genérico, servindo para designar mapas, simulações e fenômenos audiovisuais. Trata-se do que se convencionou chamar de hipertexto.

Um hipertexto é um conjunto de textos potenciais, alguns se realizando através da interação usuário/ máquina. São caminhos de leituras possíveis, onde qualquer leitura é já uma escrita. A hipertextualização também significa a mistura entre as funções de leitura e escrita. Em suma, o hipertexto é um texto estruturado em rede, dotado de conexões e de ligações entre essas conexões: “[...] o hipertexto digital seria portanto definido como uma coleção de informações multimodais disposta em rede para a navegação rápida e ‘intuitiva’”. (LÉVY, 1996, p. 44)

1.4 A teoria das representações sociais

1.4.1 A gênese do conceito O campo de estudos das representações sociais tem cerca de trinta anos. No início

foi ignorado, mas após vinte anos passou a um melhor aproveitamento, discutindo-se, aperfeiçoando-se metodologicamente e apresentando novas abordagens.

Muitas áreas utilizam o conceito das representações sociais. Tal conceito é oriundo da sociologia, da antropologia e da história das mentalidades, mas é na psicologia social que a representação social vai ser teorizada por Serge Moscovici e aprofundada por Denise Jodelet.

O objeto da psicologia social é a relação indivíduo-sociedade, estudando como as pessoas, os grupos, os sujeitos sociais constroem conhecimento a partir da relação social e cultural, de um lado, e como a sociedade se mostra e colabora na construção desse

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conhecimento com as pessoas, de outro. As representações sociais como caracteres da comunicação, sendo representações do espaço público, constituem tal objeto.

As representações sociais são conceitos ou explicações originários da vida cotidiana, ou seja, são formas de conhecimento que se manifestam em imagens, textos etc. Não são opiniões, mas “teorias” que servem para dar forma a uma realidade comum, possibilitando a comunicação. Moscovici partiu da sociologia do conhecimento para fundar uma psicossociologia do conhecimento. E além de criar e consolidar o campo ele quis renovar os conceitos

Moscovici vai ancorar sua crítica na tradição norte-americana por se ocupar apenas dos processos psicológicos individuais, alegando que tal procedimento não conseguia abarcar as relações cotidianas, informais, ou seja, o campo do social. Importa para a psicologia social os comportamentos de cada indivíduo, os fatos sociais, os fenômenos psicossociais.

Contra a premissa individualista da tradição, Moscovici vai buscar sua fundamentação no conceito de representações coletivas, de Durkheim, que afirma que muitos fenômenos, como a religião ou a ciência, são conhecimentos inatos à sociedade. Durkheim buscou as representações de povos primitivos; Moscovici procura apreender as representações constituídas no cotidiano. Sá (1995, p. 23) mostra que "em Moscovici, considerando seu objetivo de estabelecer uma psicossociologia do conhecimento, as representações sociais deveriam ser reduzidas a “uma modalidade específica de conhecimento que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos”, no quadro da vida cotidiana".

Devemos procurar nas representações a sua própria estrutura e o seu funcionamento.

Moscovici diz ainda que as representações sociais são teorias do senso comum, como quando dizemos “eu tenho uma teoria sobre isso”. Portanto, as representações são como interpretações do real.

1.4.2 As características das representações sociais A teoria das representações sociais objetiva conceituar traços de objetos até então

desprezados pela ciência, ousando metodologias criativas, sem formas canônicas, já que o método é o resultado da relação objeto/ teoria.

Epistemologicamente, a teoria critica as dicotomias natureza/ cultura, razão/ emoção, objetividade/ subjetividade, ciência/ senso comum, valorizando, assim, o subjetivo, o afetivo e o cultural na construção do conhecimento e do saber, ou seja, fundamenta-se na proposta de que não há conhecimento sem a relação do objeto/ tema com seu contexto, apoiando-se em teorias relacionais que dão conta da complexidade dos fatos sociais.

Moscovici classifica o pensamento nas sociedades em duas categorias: universos consensuais e universos reificados. O reificado é o espaço da ciência, dotado de hierarquias. O consensual é o lugar da interação cotidiana.

A matéria-prima para a criação da representação social (o universo consensual) vem do mundo reificado, ou seja, há um novo tipo de senso comum, hoje, que nasce da apropriação de imagens e linguagens inventadas pela ciência.

Representar algo é dar um sentido, simbolizar e concretizar. Moscovici diz que toda representação possui duas faces, a figurativa e a simbólica. Assim, a representação compreende em toda figura um sentido e em todo sentido uma figura. A partir dessas premissas, Moscovici começa a caracterizar os processos.

A função de duplicar um sentido por uma figura foi chamada de objetivação. A função de duplicar a figura por um sentido dá-se o nome de ancoragem.

Ancorar é dar um contexto a um objeto: interpretá-lo. Assim explica Leme (1995, p. 48): “Ancorar é trazer para categorias e imagens conhecidas o que ainda não está classificado e rotulado. [...] Objetivar é transformar uma abstração em algo quase físico”.

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Objetivar é dar materialidade a algo abstrato. Há na objetivação uma formação de imagens que passa por uma descontextualização da informação, forma-se um núcleo figurativo e, por fim, naturaliza-se as imagens como algo real.

Moscovici admite outro princípio teórico, que é a transformação do não-familiar em familiar. Para entendermos as representações sociais, começamos com a seguinte pergunta: “Por que criamos essas representações?”. A resposta é justamente porque o objetivo de qualquer representação social é transformar o não-familiar em familiar. O consensual é o lugar em que todos querem se sentir “em casa”. O resultado é que a memória prevalece sobre a dedução, o passado sobre o presente, as imagens sobre a realidade. O consensual e o reificado vão atuar juntos para moldar o real. O novo é sempre trazido pelo reificado (ciência, tecnologia) e a partir disso temos o estranhamento por parte da sociedade, como mostra Sá (1995, p. 37):

Uma realidade social, como a entende a teoria das Representações Sociais, é criada apenas quando o novo ou não familiar vem a ser incorporado aos universos consensuais. [...] O resultado é – constata-se pelo estudo empírico das Representações Sociais – altamente criativo e inovador no âmbito da vida cotidiana. (grifo do autor)

Daí advém os processos que o tornam familiar e começa a ser socialmente

entendido e, por fim, torna-se realidade. A ancoragem integra cognitivamente o objeto representado ao sistema que já

existe, no social. É o que vai enraizar, ancorar as representações sociais e o objeto, classificando-o, denominando-o. "Moscovici considera que a classificação dá-se mediante a escolha de um dos paradigmas ou protótipos estocados na nossa memória, com o qual comparamos então o objeto a ser representado e decidimos se ele pode ou não ser incluído na classe em questão”. (SÁ, 1995, p. 38, grifo do autor).

A classificação é uma comparação geral ou particular. Já a denominação tira o objeto do anonimato com uma definição por palavras, localizando o objeto na nossa cultura. O objeto denominado ganha características, distingue-se de outras coisas e se torna uma convenção. Ao classificarmos estamos atribuindo valores, que podem ser positivos ou negativos. Lane (1995, p. 59) explica que “nas representações, pode-se detectar os valores, a ideologia e as contradições [...]”.

As palavras selecionadas para serem representadas são chamadas por Moscovici de núcleo figurativo, ou seja, um conjunto de imagens que reproduz idéias. Com esse núcleo, a sociedade torna mais fácil a forma de falar sobre as coisas, de modo que as palavras do núcleo serão comumente usadas.

Na fase final do processo a imagem é entendida, o percebido toma o lugar do concebido. As imagens existem, são fundamentais à comunicação e ao social e elas precisam ter uma realidade.

1.4.3 Preconceito e estereótipo Conceitos comumente utilizados nas análises de representações sociais são: o

preconceito e o estereótipo. O estereótipo nasce da interpretação das pessoas, que constroem conceitos

compartilhados sobre o mundo exterior. Esses conceitos são formados levando em consideração os códigos culturais próprios a cada grupo social. O resultado é uma sobrevalorização de um grupo em detrimento a outros, alimentando-se imagens que atenuam as distinções dos lugares sociais.

As causas da estereotipia são múltiplas, passando por questões políticas, econômicas, sociais, culturais, geográficas, aumentando-se o preconceito em função desses fatores. Principalmente a questão social, a família e o sentimento de pertença ao

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grupo vão influenciar sensivelmente na formação dos preconceitos. Certas teorias, inclusive, admitem a influência da mídia como meio disseminador dos estereótipos.

Já o preconceito se forma baseado nos julgamentos de uns sobre os outros, sendo uma opinião preestabelecida, proveniente dos estereótipos, portanto, do lugar e da época. Vinculado ao preconceito está a segregação e a instituição das diferenças. E além de ser uma questão de consciência individual, o preconceito é um problema relacionado às classes sociais: falta de oportunidade, marginalização do afrodescendente no mercado de trabalho, violência de aparelhos institucionais do Estado, como a polícia, dentre outros.

Com a discriminação temos a exteriorização do estereótipo e do preconceito. A sociedade se resume, então, ao dominador (aquele que determina as regras) e ao dominado (aquele que precisa levantar a auto-estima, tentar a inserção social e a construção de sua identidade como cidadão). Atitudes, palavras, expressões são representações sociais que podem revelar significados de preconceito e estereotipia, desvendando os padrões estéticos vigentes na sociedade.

O jogo Grand Theft Auto é um espaço virtual de representações sociais e, por conseguinte, um processo de produção dessas representações. Na análise, vamos nos concentrar nas representações do preconceito e do estereótipo, visto que o jogo explora, principalmente, esses elementos dentro de sua narrativa, espaço geográfico e funcionamento. O curioso é que há uma desconstrução dos paradigmas, na medida em que o jogo vai contra a autoridade estética racial ao impor ao jogador um avatar afrodescendente e de classe baixa.

Por ser a discriminação racial uma questão histórico-cultural, a apresentação da imagem do discriminado é sempre feita através de formas estereotípicas. A pergunta crucial a ser feita é: o jogo apenas reproduz os estereótipos e o preconceito ou se configura como uma crítica ao regime de coisas instituídas socialmente?

2. ANÁLISE DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO JOGO 2.1 O GTA – San Andreas

San Andreas é o sexto jogo da série GTA. O título surgiu em fins de 2004 para

Playstation 2 e em meados de 2005 para computador e X-Box. No jogo, San Andreas é um estado americano simulado, apresentando três cidades fictícias (Los Santos, San Fierro e Las Venturas) que intentam representar arquiteturalmente as cidades reais de Los Angeles, São Francisco e Las Vegas, nos Estados Unidos. Cada cidade possui um tema específico, com representações sociais de acordo com a malha intersticial da organização social de cada espaço.

O jogador controla unicamente o personagem Carl Johnson, referido no jogo como “CJ”. Inicia-se a narrativa com o retorno de Carl a Los Santos, visto que sua mãe havia morrido. Ao voltar, nota que a Grove Street Families, gangue da qual fazia parte, no seu bairro, perdeu território e prestígio, e vê que sua família e amigos estavam sucumbindo em meio às pressões das gangues rivais. CJ, então, decide ficar e reconstruir o respeito e a influência de sua antiga gangue. Para isso, o jogador aceita missões de pichamento de muros, roubos a casas, assassinatos a membros das gangues rivais etc.

Diferente de jogos como Counter Strike, em que o jogador pode escolher entre assumir um personagem “do bem”, representado pela equipe anti-terrorismo, ou “do mal”, representado pelos terroristas, GTA ─ San Andreas, assim como os outros jogos da série, restringe a escolha a um avatar que possui no mundo real a representação social de um delinqüente, transgressor das leis. Porém, a história e o desenrolar da trama, apresentam os conceitos pré-estabelecidos como equivocados. O jogo em análise é o único da série a ser protagonizado por um homem negro e pobre. O caráter desconstrutivista da série GTA, que se apresenta como a transgressão das leis e dos costumes, ganha em San Andreas aspectos de crítica social.

Os controles do jogo são mais precisos, a sensação de velocidade torna a imersão mais realista, o número de veículos e de pessoas nas ruas dobrou, além de que o personagem principal agora possui atributos, como nos jogos de RPG, ou seja, agora há

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níveis de resistência, gordura, força e até mesmo de sex appeal. Tudo segue uma lógica baseada no mundo real: se comer demais, engorda; se correr e praticar exercícios, emagrece; ao fazer um corte de cabelo e comprar roupas da moda, melhora a imagem junto às mulheres.

O jogo se passa nos anos 90. Da mesma forma como nos outros GTAs, o jogador pode ouvir rádio ao dirigir. As rádios tocam sucessos de fins da década de 80 e início dos anos 90, variando entre os estilos de rap, hip-hop, country, soul, rock, entre outros. O jogador pode, inclusive, fazer a própria programação, no caso do jogo para computador, copiando músicas para a pasta de arquivos. Os veículos são típicos de cada parte das cidades.

Por estar ligado à cultura norte-americana, o jogo retrata a cultura específica de tal país. Existem referências às brigas de gangues mexicanas e negras, à máfia italiana, ao uso de armas nos Estados Unidos, à moda e ao próprio comportamento social.

À execução do trabalho, optamos pelo levantamento de dados por conveniência, analisando as imagens que demonstram as reflexões propostas pelo projeto. Concentramo-nos em demonstrar o conceito de representação social através de uma análise crítica das regras, do espaço social-geográfico e da trama e personagens do jogo.

2.2 Análises explicativas

2.2.1 As regras de GTA ─ San Andreas Algumas localidades, como lojas ou residências, podem ser acessadas pelo jogador

através da interação, devendo-se apenas conduzir CJ às marcas que se encontram na entrada desses lugares. Depois disso, acontecem diferentes ações, ou seja, o jogador pode entrar nos lugares ou simplesmente assistir a uma seqüência do computador. Os pontos interativos são:

1) Pay ‘n’ spray: representado por uma lata de spray no mapa do jogo. São

oficinas de pintura de carros, usadas quando o jogador desejar trocar a pintura de algum automóvel ou quando estiver fugindo da polícia, para despistar os policiais;

2) Casa segura: representado por um disquete. São os locais onde o jogador salva o progresso da partida, podendo sair a qualquer momento e continuar com os atributos e missões alcançados. Aparecerá em cada casa que CJ comprar nas cidades. Algumas possuem garagem, onde podem ser armazenados no mínimo dois carros;

3) Corrida: representado por um troféu. Figura nos lugares onde ocorrem corridas valendo recompensas;

4) Barbearia: representado por uma tesoura. É o lugar onde o jogador faz novos penteados e cortes de barba;

5) Well Stacked Pizza Co.: representado por uma fatia de pizza. É uma rede de pizzarias, sendo um dos lugares onde CJ pode se alimentar e manter o nível de energia;

6) Burger Shot: representado por um hambúrguer. Rede de lanchonetes especializada em hambúrgueres, com a mesma função das pizzarias;

7) Cluckin’ Bell: representado por uma marca amarela. Também é uma rede de lanchonetes e se presta à mesma função das redes acima mencionadas;

8) Tatuagem: representado por um símbolo preto. São salões de tatuagem, onde o jogador paga por um desenho em qualquer parte do corpo do avatar;

9) Ginásio: representado por um alteres. São as academias, onde CJ malha para ganhar músculos e, por conseguinte, força para lutar;

10) Loja de roupas: representado por uma camisa branca. São os locais onde o jogador pode personalizar o seu avatar, comprando camisas, shorts, calças, correntes, relógios etc., variando entre tipos de roupas de acordo com os bairros e cidades do jogo;

11) Garagem de modificações: representado por uma chave vermelha. É o lugar onde podemos trocar as rodas dos carros, equipar com turbo, aumentar o grave do som dos automóveis, regular a suspensão, entre outros;

12) Ammu-nation: representado por uma pistola. São as lojas de armas espalhadas na cidade. Trocadilho com a palavra inglesa ammunition, que significa

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munição, a palavra apresenta uma crítica aos Estados Unidos, país caricaturado pelo jogo, designando-o como a nação (nation) das armas (ammu);

13) Transporte: representado por um pequeno caminhão. É o ponto onde CJ pode fazer missões de entrega com caminhões;

14) Escola: representado por um “s” vermelho. São as auto-escolas do jogo, sendo uma de carros e a outra de aviões;

15) Propriedade à venda: representado por uma casa verde. São os imóveis que podem ser comprados por Carl, bastando dispor o personagem sobre o ícone e apertar um botão do teclado, quando houver dinheiro suficiente;

16) Namorada: representado por um coração. É a localização das casas das namoradas com as quais CJ se envolve durante o jogo;

17) Emmet: representado por uma pistola, demarca o lugar onde se encontra um contato de Carl, chamado Emmet, que fornece pistolas e munição.

Logicamente, a interação se encontra em qualquer ponto do mapa das cidades,

visto que comandamos o avatar por terra, céu e mar. O que está acima descrito são os imóveis em que o personagem pode adentrar e explorar outros comandos e ações.

A visão de jogo utilizado em GTA ─ San Andreas é a chamada visão em terceira pessoa. Similar aos tipos de narradores (narrador em 1ª pessoa ou narrador em 3ª pessoa) é o ponto de vista nos jogos eletrônicos. Ou seja, o jogador vê o personagem Carl de costas, como se estivesse vendo as mesmas coisas que o avatar.

Existem lugares no jogo, como a academia, as lanchonetes, as auto-escolas, que são indispensáveis ao progresso do jogador. Como na vida real precisamos nos alimentar para manter a energia do corpo, o avatar precisa do alimento para impedir que a barra de energia (chamada comumente pelos jogadores de life) decaia. A academia possibilita que o avatar corra mais, tenha mais fôlego para mergulhar em determinadas ocasiões e obtenha maior resistência corporal, assim como nossos corpos na realidade. As auto-escolas funcionam como aprendizado em direção de carros e pilotagem de aviões e helicópteros, que farão com que os veículos reajam melhor aos comandos do personagem.

Já os outros lugares do jogo são considerados como supérfluos, ou seja, não influem em absolutamente nada em relação à narrativa ou à sobrevivência de CJ na cidade virtual. Esses locais são as barbearias, as lojas de roupas e os salões de tatuagem. Cada cidade possui uma loja diferente, assim como salões de tatuagem e barbearias próprias, apresentando diferentes roupas, cortes de cabelo e desenhos de tatuagem. Assim sendo, o jogo traduz uma lógica estética de consumo, típica da realidade social contemporânea, e uma cultura do consumo, por conseqüência.

Para adquirir serviços, armas, comida, roupas e imóveis, Carl precisa ter dinheiro. O problema é que o jogador inicia a sua jornada sem nenhum centavo. A única coisa que ele pode conseguir sem precisar de dinheiro, ou seja, roubando, são carros, motos, bicicletas, caminhões e demais veículos espalhados pela cidade. Mas também não pode vendê-los.

As primeiras missões de outros jogos da série GTA já recompensavam o jogador com uma boa quantia em dinheiro. Agora, há uma demanda por dinheiro, já que o progresso ou a vaidade do jogador dependerão disso, e ocorre justamente o contrário do que ocorria nos outros jogos da série: não há dinheiro como recompensa nas missões do início do jogo, há apenas respeito. Cumprir as missões traz, primeiramente, um aumento de respeito do jogador em relação ao seu antigo grupo de pertença, nesse caso a Grove Street Families, gangue a qual fazia parte.

A posição social de Carl Johnson explica essa condição. O personagem é afrodescendente, pobre e sem perspectiva de inserção social. É inevitável a qualquer um que jogue pela primeira vez, o desejo e a vontade de matar para conseguir dinheiro. A maioria dos transeuntes das cidades, quando mortos, deixam dinheiro nas ruas, que CJ pode roubar simplesmente passando por cima dos ícones, representados por cédulas verdes. Da mesma forma será se a pessoa que for morta estiver portando uma arma, ou seja, Carl pode se apoderar dela.

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Análogas às leis da realidade, as leis de GTA ─ San Andreas são explícitas: ao matar alguém próximo a uma viatura ou a algum policial que esteja nas ruas, o medidor de procurado irá figurar no canto superior direito da tela, sendo representado por estrelas amarelas. O máximo de estrelas são seis. Elas crescem de acordo com a infração. Quanto mais desordem o jogador causa, mais estrelas aparecem. Pode-se diminuir o nível de estrelas encontrando alguma estrela pelos becos ou lugares inóspitos da cidade, o que representa o despistar da polícia, diminuindo o nível de procura. Se o jogador deixar o avatar parado enquanto os policiais o procuram, será preso, sendo as armas que estiverem em seu poder, confiscadas, assim como algum dinheiro. Roubar carros nas ruas às vezes chama a atenção da polícia, mas nem sempre.

Já algumas leis de trânsito podem ser transgredidas sem qualquer punição ao jogador, podendo-se avançar sinais vermelhos, correr acima do normal nas ruas, andar na contramão, derrubar placas, derrubar árvores e bater em qualquer carro, menos no da polícia. Qualquer batida nas viaturas, quer sejam motos ou carros, incorrem no aparecimento imediato de uma estrela.

No jogo, o único personagem disponível para ser controlado pelo jogador é Carl Johnson. Por ele ser negro, pobre e pouco influente na cidade onde mora, a violência da trama será, de certa forma, justificada. A única maneira do personagem conseguir sobreviver na grande cidade de Los Santos é o mundo do crime. Não há oportunidade de ascensão para Carl fora dessa realidade social. A representação social que o jogo faz do personagem principal é a do estereótipo do afrodescendente, de classe baixa, que não tem outra alternativa a não ser roubar, matar e assim tentar a inserção e a sobrevivência na cidade, palco de desigualdades sociais e de problemas como tráfico de drogas, corrupção policial e concentração de renda.

É importante notar ainda as regras que dizem respeito às áreas de acesso do jogador. No início do jogo, CJ só pode transitar em Los Santos. As outras cidades ficam apagadas no mapa, só aparecendo posteriormente em função do progresso nas partidas. A representação dessa condicionante é a de que, fora do mundo do crime, longe do progresso com as missões que envolvem a transgressão das leis sociais, o universo de Carl Johnson está circunscrito a uns poucos quilômetros em torno de sua casa. Ao tentar entrar nadando, ou de outras formas, nos territórios proibidos, o nível de procurado cresce nas maiores proporções.

Ressaltamos que as pessoas nas ruas podem ser mortas por Carl, mas isso não é uma condição determinante do jogo. O jogador pode percorrer toda a trama matando apenas os membros de gangues inimigas ou os inimigos instituídos pelas missões propostas pela narrativa. Matar os representantes da sociedade civil não é necessário ao progresso do jogo, exceto à necessidade financeira do personagem. Vejamos agora as representações sociais que estão embutidas no espaço social-geográfico de GTA ─ San Andreas.

2.2.2 Espaço social-geográfico do jogo Como já foi dito, San Andreas é um estado fictício, composto por três cidades.

Além disso, é formado por ilhas e cercado de água. Cada cidade possui, além da área urbana, uma região rural, a saber: Los Santos possui a região rural de Red Country, San Fierro possui o trecho de Flint Country (florestas juntas à área rural) e Las Venturas é dotada de desertos similares ao Grand Canyon, chamados de Bone Country.

O jogo é pré-concebido em termos espaciais, ou seja, não é possível ao jogador modificar as cidades ou a geografia do mundo de atuação. As cidades do jogo se assemelham em termos de representações dos espaços geográficos, ou seja, a realidade social de uma cidade assemelha-se à realidade social das demais, com a diferença de que Los Santos é a única que apresenta bairros muito pobres. Devido a isso e à condição de maior cidade do jogo, optamos por analisar o espaço social-geográfico apenas de Los Santos.

Cidade natal do personagem principal do jogo, Los Santos é palco de muita violência durante o desdobramento da narrativa. Em cada bairro existem lojas e prédios

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que figuram ao cenário, mas não permitem a interação do jogador com tais ambientes, além de outros que permitem. Vejamos os bairros.

a) Ganton Este é o bairro onde CJ inicia a sua história. Uma ponte passa por cima da entrada

de uma rua em forma de gueto, onde está a casa de Carl. As casas não possuem muros, sendo algumas dotadas de cercas de madeira ou de ferro. O aspecto das casas é de má conservação e descaso, apresentando paredes envelhecidas. No entorno, aparecem várias casas com pessoas sentadas nos terraços ou conversando em grupos. Isso demonstra que há uma espécie de ócio presente nesses moradores, o que corresponde à representação social do estereótipo da parte pobre das cidades. Podemos traduzir isso em desocupação e em socialidade por parte dos moradores dessa área urbana.

Em Ganton temos agências de correios, depósito de bebidas, casa de penhora (Pawn Shop), loja de artigos de sexo (Live Nude), alguns poucos apartamentos, um estacionamento pago, agência de viagens, bar, loja de roupas, academia e a casa de uma namorada de CJ, que aparece no desenrolar da trama. O jogador pode interagir na loja de roupas, no bar e na academia.

O bar (Ten Green Bottles) tem um aspecto sujo, com mesas de sinuca, máquinas de fliperama, pessoas bebendo e apresenta as paredes internas grafitadas. É possível jogar sinuca e jogos de arcade em formato antigo.

Na academia de ginástica (Gym) existem dois ringues de boxe, bicicleta ergométrica, pesos e alguns lutadores. Em várias ocasiões no jogo, algumas pessoas na cidade, como as namoradas de Carl, prostitutas nas ruas, membros de gangue, fazem perguntas que podem ser respondidas afirmativa ou negativamente. Nessa comunicação presente no jogo, algumas mensagens representam socialmente os contextos. Um exemplo disso é apresentado por um boxeador que fica na academia. Ele oferece uma luta a Carl. Se respondermos negativamente, a resposta será: “Tudo bem, mas as ruas são más, cara”, ou seja, as ruas e a realidade social é que fazem com que aqueles que não detêm as oportunidades treinem e se preparem para enfrentá-las de forma violenta.

b) Idlewood O bairro começa a partir da linha do trem. Compreende casas humildes,

conjugadas, apresentando cores acabadas. Roupas estendidas em varais, lojas pichadas, salão de tatuagens, barbearia, lanchonete, oficina de pintura de carros, terrenos baldios, condomínios antigos, gangues de mexicanos nas ruas e uma danceteria (Alhambra). No trecho próximo à danceteria, as casas são melhores, com muros de grama, começando a ter mais prédios com apartamentos a partir desse trecho. A maioria das pessoas que transitam pelas ruas são negros, prostitutas e membros de gangues. Os carros antigos são os mais comuns neste bairro.

c) Parque Glen O bairro possui uma imensa área de pista de skate e bicicleta, com muitas

pixações nas ruas. Um edifício ainda em construção, um prédio no mesmo terreno com aspecto de abandono, pequenos prédios nas proximidades com bom aspecto, um pequeno shopping e a praça que é chamada de Parque Glen, muito arborizada, com uma lagoa no centro, onde passa por cima uma pequena ponte. Andam por aqui os membros da gangue Grove, velhinhas e jovens. Já próximo da rodovia existe um conjunto de casas bem humildes. Não há locais interativos no Parque Glen.

d) Jefferson Casas pobres, com bandeirolas de festa no quintal figuram neste bairro. Tais

indícios de festividade indicam elementos de socialidade. Apresenta uma loja de roupas (Sub Urban) com muitos acessórios da moda à venda. Os compradores são bem

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vestidos, o que traduz o poder aquisitivo dessas pessoas, já que as roupas dessa loja são um pouco mais caras do que as vistas em outros locais. Nas ruas transitam motos, carros-fortes, entre outros.

A maioria das casas daqui é pobre. As gangues estão muito presentes e o bairro tem muitos idosos sentados nos terraços. Próximo da linha do trem, uma igreja cheia de vitrais, onde não se pode entrar. Um hospital também não permite a entrada. Dessa forma, certas instituições públicas e de cultos religiosos estão fechadas para CJ, que é estigmatizado pelo preconceito racial e social.

e) East Los Santos O bairro apresenta casas pobres, restaurante de comida mexicana, prédios

degradados, casas comerciais variadas e açougues (Carnicerias). As gangues estão presentes nas ruas, assim como as prostitutas.

Há uma imensa fábrica de crack, onde se passa a última fase do jogo no decorrer da narrativa. Num trecho do bairro, uma lojinha mexicana de flores, com um muro lateral grafitado com desenhos da Virgem Maria, um anjo e um coração em chamas, com a mensagem: “Jesus Salva”. Já que as igrejas estão fechadas, a maneira de representar Deus é através do grafite.

Neste bairro ainda temos um clube de strip-tease (The pig pen), onde há vários palcos e as mulheres dançam com roupas íntimas. CJ pode dar dinheiro a elas, ao chegar perto do palco. Os homens que freqüentam o clube são velhos.

f) Los Flores Nas ruas, maior número de jovens, roqueiros, membros de gangues, prostitutas e

sempre algumas velhinhas. Possui alguns poucos prédios comerciais, condomínios de pequenos apartamentos e ruas íngremes. Os carros mais comuns são os mais antigos que o jogo dispõe.

g) East Beach Uma das praias do jogo. Encontramos nesse bairro prédios mais bonitos que os

dos bairros anteriores, inclusive com vista pro mar. Há casas grandes, com dois andares, das quais a casa de um coronel do exército que aparece na trama, é um exemplo. Já outras casas apresentam motos em frente às suas garagens. Ruas arborizadas, organizadas e limpas. Os carros que trafegam neste bairro são mais esportivos, modernos, além de motos. Mulheres e homens jovens passeiam nas ruas, além de algumas velhinhas.

Em East Beach há um estádio fechado (Los Santos Forum), onde é possível participar de corridas com recompensas em dinheiro. A condição é a de que CJ deve ter habilidade com carros.

h) Playa del Seville Praia vizinha a East Beach. Muitas mulheres morenas na areia com biquíni ou

maiô. Quase não se vêem idosos na praia. Os carros das ruas são variados: ônibus, táxis e outros carros. Poucas lojas e uma barbearia (Barber shop) onde CJ pode cortar o cabelo ou fazer a barba.

i) Docas Ocean As docas compreendem a área costeira, industrial, que abriga o porto de Los

Santos. Vê-se muitos guindastes perto do mar, um imenso navio sempre ancorado no porto, estações elétricas e usinas de óleo combustível. Circulam pelas ruas caminhões-baú, carros antigos, táxis, reboques, caminhões de lixo, caminhões-guincho, kombis, furgões, vãs, carros que traduzem trabalho. As pessoas presentes neste bairro são

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homens com capacete de obras e luvas, executivos de paletós e alguns jovens. As mulheres do bairro são todas loiras, não há nenhuma negra. O bairro é essencialmente industrial, não possuindo nenhuma casa comercial de interação.

j) Aeroporto Internacional de Los Santos Dentro do aeroporto circulam apenas carros de manutenção de aviões. Há vários

hangares e duas pistas de pouso e decolagem. Para entrar com o carro ou a pé no aeroporto é necessário ter a licença de pilotagem, conseguida através da auto-escola de aviões. Quando CJ chega à entrada, um policial da guarita resmunga: “Hoje em dia eles dão licença de piloto para qualquer um”. Isso traduz explicitamente o preconceito do guarda branco em relação a Carl Johnson.

k) Willowfield Possui uma estação elétrica. Ao lado da estação, um gueto com casas muito

humildes, algumas sem muro, com paredes carcomidas e cercas de madeira. Há pessoas sentadas nos terraços e apenas um carro grande (estilo opala) numa das casas. O asfalto apresenta deformidades e buracos. Vêem-se velhos nas casas, andando com dificuldades. Muitas gangues nas ruas, jovens em conversas rápidas, carros variados, entre jipes, esportivos e carros antigos passam pela ponte, próxima das docas.

Do lado, meio que embaixo da ponte, outro gueto com casas pobres. Vêem-se velhos e trabalhadores com capacete sentados às portas. Nenhum carro na rua e uma das casas CJ pode comprar. Atrás desse gueto está um depósito de pistolas, que passa a figurar no mapa após Carl manter contato com um homem chamado Emmet.

Possui ainda, perto da principal, uma lanchonete (Clukin’ Bell), uma loja de armas (Ammu-Nation), um salão de tatuagens e uma oficina para equipar carros (Loco Low Co.). Esta última fica no gueto ao lado da estação elétrica. Há também nesse bairro muitos apartamentos humildes e uma estação de trem. Na lanchonete, o preço de uma refeição grande (hambúrguer, batata frita, refrigerante etc.) é o mesmo de uma salada com verduras, a diferença é que ao comer a salada CJ não engorda, similar à realidade.

l) El Corona Possui um restaurante de comida mexicana, açougue, perfumaria e um bar. Casas

pobres, ruas esburacadas e Carl pode comprar uma casa num gueto. As casas apresentam roupas em varais. Em El Corona temos a 8-Ball Auto, uma oficina que arma bombas nos carros. As pessoas que habitam este bairro são negros, velhos, prostitutas e os membros de gangues, com destaque para os mexicanos. Os carros mais comuns por aqui são os antigos e os Low Riders, carros de grande chassi adaptados para manobras com suspensão.

m) Little México Diz respeito a um trecho muito pequeno, com alguns prédios apenas. Os carros

que aqui passam são antigos e as pessoas são pouco vistas nas ruas. n) Las Collinas Possui um grande prédio de frente pro mar, com 16 andares. Lojas eletrônicas,

sapataria, lojas esportivas, casas humildes (com pessoas sentadas na frente), algumas são casebres. Las Colinas é um bairro situado num morro. As casas das encostas são mais pobres do que as outras. Descendo a encosta em direção ao cruzamento Mulholland temos algumas casinhas junto de trailers. As casas dessa outra área são melhores, inclusive com 1° andar. Mais próximo da freeway está uma clínica médica, a “Iglesia Pentecostes ─ Jesucristo el salvador”, no térreo de uma casa de dois andares, ao lado de

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um açougue. As pessoas presentes no bairro são negros, membros de gangues, algumas velhinhas e os carros mais comuns são os antigos e as vãs.

o) Cruzamento Mulholland Liga Los Santos a Red Country. Pode-se dizer que este enorme cruzamento divide

a cidade em duas: a parte leste e a parte oeste, traduzida entre pobres e ricos. Já vimos até aqui a camada de bairros pobres de Los Santos. Vejamos a outra face.

p) Downtown Los Santos O centro da cidade possui uma casa de apostas (Inside Track Betting), onde se

pode apostar nos cavalos em uma máquina. Muitas lojas, muitos prédios e alguns arranha-céus, além de um enorme teatro. As pessoas nas ruas são homens gordos, mexicanos e nenhum membro de gangue. Os carros são variados, mas a partir daqui já podemos ter contato com carros de luxo.

q) Commerce Possui loja de departamento, onde se pode comprar refrigerante ou jogar em dois

fliperamas (24-7). Muitos prédios, jardins organizados, joalherias, sapatarias, restaurantes, shopping center (Atrium), com escada rolante. Os carros compreendem esportivos, pick-ups, além de motos. As pessoas comumente apresentadas são executivos, mulheres mexicanas, negras, brancas, velhas, negros, além de mulheres com fardas de trabalho e prostitutas com roupas de colegiais, um estereótipo recorrente no jogo.

r) Pershing Square É a localidade onde está situada a delegacia de Los Santos (LSPD HQ). Enorme,

com salas de interrogatório, celas subterrâneas e, no banheiro, um pênis de borracha, ironizando e desconstruindo a imagem do machismo policial. Os presos variam entre prostitutas e negros, o que demonstra o preconceito social e a estereotipização do marginal, representado por prostitutas e afrodescendentes.

s) Verdant Bluffs Possui lojas de roupas, restaurantes, hotéis, trilhas, um morro, alguns prédios e no

topo do morro um prédio que possibilita uma bela vista do mar. Os carros são variados e as pessoas são atletas em bicicletas, correndo a pé, mulheres de biquíni, homens com barracas de camping nas costas.

t) Centro de Conferências Apenas um grande prédio, com um estacionamento, próximo ao Commerce e à

praia de Verona. u) Market Muitos prédios, complexos comerciais, loja de armas (Ammu-nation). Uma calçada

com estrelas feitas no chão, referencia a calçada da fama, sex shops, cinema Vine, Los Santos Fashions, lojas de filmes, comida chinesa, Clukin’ Bell. Os carros em destaque são os esportivos e as pessoas são variadas.

v) Estação Market

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Estação de metrô. Há uma escada para o subterrâneo. Pode-se pegar o trem e ir às cidades de San Fierro ou Las Venturas em poucos segundos do mundo real sem pagar nada. Há nas ruas uma loja que representa bem o que estava acontecendo com a música no início dos anos 90: Vinyl Countdown, ou seja, contagem regressiva do disco vinil.

w) Temple Muitas residências e apartamentos organizados, casa mortuária, oficina para

equipar os carros (Transfender), oficina de pintura (Auto parts). Na principal há um posto, várias lojinhas, outras residências, uma casa de informações turísticas, sex shop e uma lanchonete Burger shot. Os veículos mais comuns são as motos esportivas. Membros de gangues, homens e mulheres executivos nas ruas.

x) Vinewood Possui um espaço fechado com quadra de tênis. Um grande estúdio de TV e

algumas lojinhas. Carros variados além de transeuntes jovens. Muitos brancos e loiras. y) Marina Barbearia, livraria, loja de máscaras, e lanchonete Burger Shot. Possui um

conjunto residencial de luxo com um canal de água passando no meio de algumas casas. As casas são muito bonitas. Os carros são variados e as pessoas também, além de possuir muitas prostitutas.

z) Praia de Verona Lojas comerciais, hotéis com piscina. As casas são enormes. CJ pode comprar um

imóvel aqui. Na beira da praia ainda há pessoas sentadas em banquinhos, homens e mulheres de roupas de banho, além de jovens andando de patins nas calçadas. Há barraquinhas na praia e um homem negro fica atendendo em uma delas, a “Chilli dogs”, vendendo uma espécie de churros, uma representação social do preconceito incutido na marginalização do negro no mercado de trabalho. Há ainda o píer, movimentado de dia, mas inóspito à noite. Nessa praia ainda tem um ponto de exercícios, como academia na beira-mar. Pode-se fazer bicicleta e levantar pesos. Não se vêem muitas pessoas nessa área. Os carros mais comuns são limusines, carros esportivos e motos.

aa) Praia de Santa Maria Possui uma oficina de pintura (Pay n spray), várias lojinhas na beira-mar, calçadas

para pedestres. CJ pode comprar uma ótima casa à beira-mar, com ampla garagem. Há várias casas e apartamentos vizinhos à casa de CJ. Um píer que leva ao farol. Possui ainda um píer com asfalto, cheio de barracas de Corn dogs, Pizza e uma roda gigante. Os carros são variados e as pessoas são pouco vistas por aqui, a não ser nas areias da praia.

bb) Rodeo Há uma concessionária, muitos prédios, loja de roupas (Pro Laps), com roupas

esportivas, diferentes das outras lojas (shorts de boxe, blusas de baseball, capacetes de moto). Possui ainda uma praça com jardim, uma loja de roupas finas (Didier Sachs), onde há muitos idosos comprando. Victim é outra loja de roupas do bairro, com apelo à violência, com blusas com metralhadoras estampadas, jaquetas e boinas. Além de tudo isso, há grandes hotéis. As pessoas são variadas e os carros que passam são de luxo.

cc) Richman

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O bairro só ostenta casarões. É a uma das partes mais altas de Los Santos. Os carros são todos de luxo, como limusines. São poucas as pessoas nas ruas e as mais comuns quando aparecem são executivos. A tradução do nome do bairro, “homem rico”, já demarca esse espaço como sendo da classe abastada da cidade.

dd) Mulholland Parte alta, montanhosa. Só há casarões por aqui. CJ pode comprar um imóvel e é

aqui onde mora Madd Dog, um cantor de rap do jogo. Carros de luxo e pouquíssimas pessoas nas ruas.

2.2.3 Trama e personagens Vamos abordar a trama do jogo de acordo com a seqüência narrativa, analisando

as fases ou estágios que mais demonstram a análise proposta. Cada estágio compreende seqüências fílmicas preliminares ao momento de interação jogador/ jogo. Durante as apresentações o jogador apenas assiste as imagens, sem interagir junto à trama.

a) Início Carl Johnson havia passado cinco anos na Costa Leste e decide voltar pra casa

devido a um telefonema. Era o seu irmão, Sweet, avisando que a mãe deles havia falecido. A história começa aqui, quando Carl pega um táxi no Aeroporto Internacional de Los Santos e uma viatura o aborda num sinal, mandando-o descer.

O chefe de polícia, oficial Tenpenny, manda CJ se deitar no asfalto e tira o seu

dinheiro. Carl pede a quantia de volta, ao que o policial revida: “Isto é dinheiro de droga”. Tenpenny manda CJ entrar na viatura, empurrando sua cabeça contra o teto do carro, utilizando de abuso de poder. Outros dois policiais que estão com Tenpenny, Hernandez e Pulaski, riem da ação. Pulaski manda o taxista ir embora com a seguinte frase: “Cai fora daqui, seu bastardo fedido! Mexicano estúpido...”. Hernandez, de descendência latina, olha descontente para Pulaski. Podemos notar que o preconceito circunda frequentemente os diálogos em GTA ─ San Andreas.

Tenpenny pergunta como está a situação de Carl. Este responde que está limpo e correto. Tenpenny revida: “Não, você nunca vai estar limpo, Carl”. Isso nos remete à condição histórico-cultural do preconceito, onde o negro é visto de forma discriminatória como algo ruim. E continua: “Oficial Pulasky, esta é a arma que foi usada para matar um oficial da polícia a menos de dez minutos atrás: oficial Pendelbury. Um bom homem, posso dizer. Você trabalha rápido, negro”. A polícia insinua que CJ matou o policial há poucos instantes e que aquela arma era de Carl. Este se defende das acusações, mas não é ouvido.

Neste ponto da narrativa o policial diz que quando precisar de CJ irá encontrá-lo e o expulsa do carro em movimento, justamente na área da gangue inimiga da gangue de Carl, ou seja, no território dos Ballas. CJ fala pra si mesmo: “O pior lugar do mundo. A área dos Rollin Heights Ballas. Há cinco anos eu não atuo pela Grove Street, mas os Ballas não dão a mínima”. A fala em destaque representa a questão do estigma, ou seja, mesmo que Carl não seja mais um membro da sua antiga gangue, não se livra da imagem de gângster. Grove Street é a antiga gangue de Carl, vestida sempre de verde. Os Ballas se vestem de púrpura, demarcando de forma estereotípica as maiores gangues do jogo.

b) Big Smoke Carl vai a sua antiga casa e rememora algumas lembranças. De repente, aparece

Big Smoke, um amigo de Carl. Big Smoke promete a CJ vingança contra os que mataram a sua mãe e diz que “as ruas são cruéis”, levando-o até o cemitério.

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c) Sweet e Kendl Big Smoke leva Carl ao cemitério e o apresenta a Sweet e Kendl, seus irmãos.

Kendl fica feliz em rever o irmão Carl, mas Sweet, não. Os dois começam a discutir e Kendl sai dizendo que vai se encontrar com o namorado Cesar, um personagem latino. Sweet manda Kendl não se meter com os latinos e diz que é um homem de princípios.

A discussão é completa e Carl logo percebe a decadência de sua família, o que

reflete a crise da instituição familiar, presente na contemporaneidade. Sweet contextualiza a situação da violência no bairro: “Cara, está tudo louco. Todo mundo atira nos otários primeiro pra depois perguntar”.

Súbito, um tiroteio. Os Ballas perseguem o grupo da Grove. Na volta, Carl e seus amigos são interpelados pelos Ballas. O jogador interage neste momento, seguindo os amigos de bicicleta até o seu território.

Vendo o caos em que imergiu a sua antiga gangue e os amigos em crise, Carl decide ficar para rearranjar as coisas. Sweet reluta, mas logo o convida para visitar os companheiros, ficando os personagens como contatos disponíveis no mapa. E é dessa forma que funciona: cada novo personagem inserido na trama figura ao mapa como um contato para novos estágios do jogo. A seqüência e o momento de cumprir as missões é opção individual do jogador.

d) Ryder Há um personagem que está constantemente drogado e sempre aparece fumando

maconha. Este é Ryder, outro amigo do bairro de CJ. Nesta missão, ele convida Carl a dar uma lição no dono de uma pizzaria que, de acordo com Ryder, estaria atrapalhando a influência da Grove Street.

Os dois se dirigem à pizzaria e Ryder anuncia um assalto ao caixa. Carl o chama para ir embora. Ryder o critica: “O velho CJ de sempre. Fraco, sempre fraco!”. Na interação, o jogador escolhe se deseja matar o funcionário da pizzaria ou apenas dirigir para casa. Ao final da missão, CJ deve deixar Ryder em casa.

e) Tagging up turf CJ vai à casa de Sweet e o encontra jogando basquete com Big Smoke. Sweet diz

a Carl que a palavra dele não valia mais nada para o grupo, donde CJ insiste e Sweet entrega a ele uma lata de spray para que o jogador piche alguns muros no bairro e demonstre a antiga lealdade ao grupo. Essa é a razão pela qual as primeiras missões recompensam o jogador apenas com respeito, visto que o protagonista é mal quisto na vizinhança. A missão consiste em pichar o símbolo da Grove sobre o grafite dos Ballas, demarcando território. O jogador dirige o avatar aos muros indicados no bairro e, munido de um spray, picha-os tendo cuidado com a gangue rival e com a polícia.

Logo depois da fase o telefone toca. É o oficial Hernandez avisando a Carl: “Eu tenho uma mensagem do oficial Tenpenny. Não tente deixar a cidade, isso pode ser um grande erro. Você ouviu? Nós estamos vigiando você”. Isso demonstra, mais uma vez, a repressão autoritária da polícia, onde a mobilidade de Carl se resume apenas a alguns trechos de Los Santos.

f) Limpando a área Ryder e Carl decidem andar e eliminar os vendedores de crack que estão drogando

os vizinhos do bairro. Depois de baterem em um traficante que se dizia “trabalhador”, os dois vão até Idlewood. O protagonista sempre reluta em fazer os “serviços”, mas os amigos o encorajam. Nesta missão, o jogador deve bater com um taco de beisebol em vários viciados e vendedores de crack da gangue dos Ballas, mostrando a volta da Grove Street.

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g) Drive-thru Carl, Big Smoke, Sweet e Ryder saem para comer alguma coisa. O jogador conduz

o carro ao Drive-thru da lanchonete Clukin ‘ Bell. O grupo faz o seu pedido e de repente surge um carro ocupado por uma gangue inimiga. A missão requer apenas dirigir o carro próximo do carro inimigo enquanto os amigos de Carl atiram contra a outra gangue. Depois de todos mortos, o jogador deixa Sweet e Ryder em casa e depois leva Big Smoke para a casa dele, donde o contato de Big Smoke aparece para Carl. Em seguida, Sweet liga para CJ e o instrui a freqüentar uma academia, visto que Carl estava muito magro. Sweet diz: “Se você não respeitar seu corpo, ninguém vai respeitar você!”. O corpo é representado no jogo como objeto de respeito e de identidade.

h) Cesar Vialpando Mais a frente há uma missão em que CJ deve fazer manobras com um carro de

suspensão hidráulica. O foco do estágio está em Cesar, namorado de Kendl, a quem Sweet despreza por ser um latino: “Isso não está certo, você foi vista com algum filho da puta latino”. Kendl, indignada, responde ao irmão: “Deixe-me adivinhar, Sweet ─ assassinatos estúpidos são corretos, mas um namorado do lado sul da cidade, é errado?” O preconceito contra latinos é bastante enfatizado no jogo, assim como a questão negra. Sweet ainda alega não ser racista e diz: “E olhe para você, você se veste como uma puta!”, ou seja, é como se a relação que a irmã mantém com o latino Cesar a tornasse uma mulher de má índole.

Assim, Sweet manda Carl seguir a irmã até uma garagem de competições de

carros. O jogador dirige até o local, equipa o carro em uma oficina e participa de uma prova em que testa a habilidade motora, fazendo o carro “pular” apertando alguns botões do controle em sincronia com os símbolos que aparecem na tela. Concluída a fase acontece uma discussão entre um grupo de latinos que está com Cesar e Carl, mas ao final os dois se entendem. A partir dessa missão, CJ faz um novo contato: Cesar Vialpando. Este convida o jogador para missões de corridas de rua ilegais.

i) Catalisador Uma das missões feitas para Ryder. CJ vai à casa do amigo e lá chegam os

policiais, que mandam Carl pegar um carregamento de drogas no trem da cidade. Os policiais entram sem reservas na casa de Ryder e Tenpenny usa de ironia para com Carl: “Oh Carl, tente não matar mais nenhum respeitado oficial da polícia. Por favor?”. O policial continua fazendo acusações sem provas a CJ, que responde: “Só estou fazendo minha parte para a comunidade”. É como se Carl, também ironicamente, insinuasse a idéia de que matar os policiais traz benefícios à comunidade.

O jogador deve ir ao ponto indicado no mapa, matar todos os membros da gangue rival, subir no trem e jogar o carregamento para Ryder. Depois de todas as caixas serem arremessadas, o jogador tem de fugir da polícia e voltar para outro ponto indicado no mapa.

j) Roubando o Tio Sam Há um diálogo no início do estágio entre CJ e Ryder, onde este último pergunta:

“Ei, CJ, me diz porque eu não terminei o ensino médio”. CJ responde: “Porque você trafica drogas, cara, desde os 10 anos!”. Essa fala define o personagem Ryder e representa uma questão social importante: a relação entre o mundo das drogas e a evasão escolar. Ryder não admite e afirma que a razão era por ele ser “[...] muito inteligente pra essa merda, cara”. CJ nessa missão deve roubar armas do exército junto com Ryder. Ao chegar em casa, Ryder afirma que a cidade não merece consideração, apenas o grupo, quando fala: “Não importa quanto essa merda de cidade ferra

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você, CJ, você precisa ser leal aos seus amigos!”. A cidade é representada como um lugar sem perspectiva e oportunidades para o grupo de negros, demarcando o preconceito como um problema de classe social. Logo, a cidade merece sofrer as conseqüências sociais.

Na interação, o jogador deve levar CJ e Ryder em uma van ao porto do exército e lá matar todos os guardas, liberando, simultaneamente, as entradas com tiros nos cadeados eletrônicos. Após matá-los, o jogador manobra uma empilhadeira, colocando caixas com armas dentro da van e depois retorna com o carregamento para um depósito.

k) Og Loc CJ, Sweet e Big Smoke vão à delegacia de Los Santos para pegar o amigo Jeffrey

que estava saindo da prisão. Jeffrey agora pede que os amigos o chamem de Og Loc, nome artístico criado para representá-lo como compositor de rap. CJ leva Og Loc à casa de um homem que é acusado de ter roubado as composições de Loc. Ele foge e o jogador deve persegui-lo de moto e matá-lo. Ao fim, Og Loc diz o que terá que fazer agora que saiu da prisão: “Eu preciso comparecer a esse maldito trabalho! [...] Me leve para o Burger Shot na Praia de Verona”.

Após concluir uma outra missão para Og Loc (As rimas do Madd Dog) CJ recebe um telefonema de Tenpenny: “O que está pegando?”. Tenpenny responde bruscamente: “Não venha com esse papo do gueto, muleque!”. A fala da polícia comprova o preconceito e a violência contra os excluídos socialmente, demonstrando uma atitude autoritária. Carl, a partir daqui, sofre chantagens para cumprir missões em benefício da polícia.

l) Assuntos administrativos Carl procura novamente Og Loc. Chegando à lanchonete, CJ fala com um dos

funcionários, que mostra onde o amigo está. Carl pergunta se agora Og Loc está feliz, por ter saído da prisão e Loc responde: “Feliz? Cara, droga, não. Não posso levar essa merda por muito tempo. Cara, sou um artista [...] eu não consigo negociar com ninguém. Os filhos da puta sempre querem deixar o negro por baixo”. Isso traduz a insatisfação dos negros que querem viver de arte na cidade, mas só conseguem no máximo limpar o forno das lanchonetes ao sair de uma prisão. Representa claramente a marginalização do negro em relação ao mercado de trabalho.

Em compensação, Loc busca o caminho mais fácil e pede a Carl que mate o

empresário do cantor de rap mais famoso de Los Santos, Madd Dog. O jogador interage neste estágio roubando um carro dos seguranças, seqüestrando o empresário e o jogando no mar. Antes de morrer o empresário tenta subornar Carl: “Cara, eu posso deixar qualquer otário famoso! Eu conheço muita gente nessa cidade, gente poderosa!”, o que demonstra a influência daqueles que detêm e convivem com o poder.

m) Desejo incendiário Uma das missões que Carl deve fazer para a polícia. Tenpenny o chama em uma

lanchonete e avisa: “Nós possuímos você. Você é nosso. Nós podemos cagar em você de tal forma que você irá achar que o próprio Deus cagou em você”. Nessa fala, a polícia se compara a Deus, tamanho é o poder da instituição sobre CJ. Mais à frente, Tenpenny completa: “Hora de começar a trabalhar, CJ, e conquistar sua liberdade”. Ou seja, a liberdade de Carl em relação à polícia corrupta de Los Santos, depende dos assassinatos que ele terá de cometer a mando da própria polícia.

A missão é um acerto de contas da polícia com um homem, classificado estereotipicamente como um viciado: “Outro cara de gangue, viciado, um puto assassino de policiais, exatamente como você”. Essa é a versão da polícia, uma estereotipização de um membro de gangue, ou seja, é como se Carl fosse igual a

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qualquer viciado apenas por ser um gângster, afrodescendente. Inclusive, Carl se apresenta sempre contra as drogas no decorrer da narrativa. No jogo, a versão policial não fica clara e o jogador apenas cumpre a missão sem maiores informações. O jogador precisa, então, queimar a casa em que o tal homem mora, jogando coquetéis molotov pelas janelas laterais do prédio. No meio da missão, uma mulher é vista dentro da casa em chamas. O jogador, na “pele” de Carl, tem de entrar na casa em chamas, encontrar um extintor, apagar os focos do fogo e retirar a jovem com vida de lá.

n) Importações cinzentas Outra missão para Tenpenny. Ele abre os diálogos com Carl afirmando a posição

da polícia em manter o estado de violência: “Eu gosto das coisas como estão, Carl. Eu gosto de ter todos vocês, bastardos, fazendo o trabalho para mim ─ explodindo as tripas uns dos outros pelas calçadas”. A polícia tem uma participação direta em relação ao conflito de gangues na cidade.

Tenpenny diz que os Ballas fecharam negócios com os russos e vão receber um carregamento de armas: “Uma das tribos ganhará uma vantagem injusta sobre as outras, e isso me aborrece de verdade, Carl”. Mais uma vez a postura irônica da polícia: o interesse aqui não é defender a Grove dos Ballas e sim tirar vantagem ilícita por alguma razão que está além da compreensão de Carl. O jogador entra em ação se dirigindo ao local da missão e matando todos os guardas de um galpão de armas.

o) O sabre verde Nesta missão, Sweet chega à conclusão de que CJ realmente ajudou a reerguer a

gangue Grove e convida todos para um confronto com os Ballas em baixo do Cruzamento Mulholland. De repente, Cesar liga para Carl e diz que tem algo muito importante para lhe mostrar. Chegando ao viaduto da freeway, Carl flagra alguns Ballas saindo de uma oficina, juntos com Big Smoke e Tenpenny. CJ se dá conta de que aquele encontro é apenas uma emboscada para Sweet.

Carl conta tudo a Sweet, que o manda ir embora devido à proximidade da polícia. Carl responde: “Não cara, eu não vou abandonar o meu irmão!”. Acima de tudo, há uma ética explícita no protagonista em não trair a família e o grupo de pertença. O jogador terá que levar Carl ao cruzamento e matar todos os Ballas que lá se encontram. Após cumprida essa etapa, Sweet é baleado e a polícia chega em seguida. Carl é rendido.

Tenpenny e seus comparsas amordaçam CJ e o levam para uma cidade do interior. Dizem que Sweet está vivo, sendo tratado em um hospital. O policial Pulaski fala para Carl: “Seu lixo de rua, você devia estar agradecido de sua irmã estar viva. Ela deve estar apenas chupando algum pau seboso. As coisas estão muito boas para você, Carl. Então comporte-se, negro”. A agressão verbal e o preconceito são explícitos na fala da polícia.

Carl se pergunta pela conduta de Smoke, ao passo que Tenpenny responde: “O Smoke fez exatamente o que lhe foi ordenado. [...] Amigos para sempre? Lealdade das ruas? Isso tudo é besteira, Carl. Você não aprendeu nada quando lhe fizeram fugir da cidade [...]”. Pulaski pede para atirar em Carl, ao que Tenpenny discorda: “Não, não, não [...] Para variar, vamos deixar que o garoto faça alguma coisa boa nesta sua vida inútil”. A utilidade de Carl para a polícia diz respeito aos serviços sujos que ele fará em troca da própria sobrevivência.

A primeira missão dada na nova cidade por Tenpenny a Carl é a de eliminar uma testemunha que iria depor contra o grupo de policiais corruptos. Para provar que CJ o matou, o jogador deve tirar fotos do cadáver. Depois dessa missão, Cesar liga para Carl e faz com que ele se encontre com uma prima mexicana chamada Catalina. As missões de Catalina envolvem assaltos para levantar dinheiro e novos contatos, como um homem que oferece serviços de entrega de caminhão.

p) Colheita de corpos

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Esta missão apresenta Tenpenny se drogando com ópio e outras drogas, fornecidas pelo personagem The truth (em português, a verdade), um hippie que só fala sobre drogas. Ele se auto-intitula como “[...] um homem de paz”. A missão do jogador é trazer de volta à fazenda do The truth uma ceifeira, matando todos os homens de uma outra fazenda onde se encontra a máquina.

Depois de uma novo estágio, Cesar liga para Carl avisando sobre outros “pegas”, sem a intervenção da polícia. Cesar pergunta se Carl quer ganhar dinheiro. Carl responde em deboche: “Fazer o papa cagar na floresta?”, e Cesar responde: “Por que você fica me perguntando isso, amigo? Eu te digo, eu não sei. Onde sua santidade faz seus negócios é problema dele”. Esse diálogo representa uma crítica à igreja católica na pessoa do papa e representa os “negócios” da igreja como excrementos.

q) Feita no paraíso Uma das missões com Catalina em que a polícia do interior é chamada para

frustrar um assalto. Um policial diz: “Merda, eu só queria comprar outra rosquinha! Os criminosos não têm nenhuma consideração?”. Outro policial, próximo do primeiro, completa: “Nós podemos pegar aquele suborno depois. Talvez seja bom ir dar uma olhada”. A polícia novamente é representada com ironia crítica, como uma instituição corrupta e desocupada, sempre subornando alguém. Neste estágio, o jogador deverá matar alguns policiais para prosseguir na trama.

r) Wu Zi Mu Nesta fase, Cesar convida CJ para uma corrida de rua. O jogador deve roubar um

carro veloz, conduzir o avatar até o ponto de início da corrida e seguir o caminho, tentando ser o primeiro colocado. Ao ganhar, Carl entra em contato com Wu Zi Mu, um oriental mais conhecido como Woozie, que mora em San Fierro e logo figura como nova opção de missões no jogo. Woozie diz: “Ouça, é melhor a gente desaparecer daqui o quanto antes porque, por alguma razão, a polícia local não aprecia nosso nobre esporte”. E, na verdade, as missões de corridas de rua são muito mais nobres, enquanto função moral, do que os serviços sujos feitos pelo jogador para a polícia corrupta.

Em outra corrida de rua, Carl ganha a escritura de uma garagem na cidade de San Fierro, em troca de um belo carro que havia ganhado como recompensa. E se muda para a cidade.

s) Você está indo para San Fierro? Esta é a última missão do interior. O personagem hippie chama Carl para sair da

cidade, mas é descoberto pela divisão de narcóticos. Logo a polícia chega de helicóptero e o objetivo do estágio é queimar uma plantação de maconha antes do flagrante da polícia. O jogador recebe do The truth um lança-chamas para incendiar cada ramo da droga. Depois de tudo, Carl e o hippie saem do interior em direção a San Fierro, representada por The truth como “[...] a cidade das maravilhas psicodélicas!”. Dentro das representações sociais, a declaração do personagem demonstra a necessidade de tornar o não familiar, que seria a cidade de San Fierro, em familiar, remetendo o lugar às drogas e classificando a cidade como maravilhosa.

t) 555 Disque denúncia Tenpenny volta a ligar para Carl, mandando-o colocar um carregamento de droga

no carro de um advogado e ligar para o disque denúncia. Carl se recusa a aceitar alegando que “companheiros de rua não ligam para os tiras”. Mas quando Tenpenny diz que o homem é um advogado, Carl responde: “É mesmo? E onde eu posso encontrá-lo?”, aceitando prontamente o serviço, dada a distinção social do advogado em relação ao seu grupo de pertença. Já que ele não era um companheiro de rua, não havia problema em prejudicá-lo.

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O jogador, então, tem de seguir o manobrista de um hotel, matá-lo, tomar o carro do advogado, manobrar até a garagem, plantar a droga no veículo e, em seguida, se dirigir para uma cabine telefônica e assistir a seqüência em que o advogado é preso em flagrante pela polícia. Depois dessa missão Carl, pode cumprir fases como manobrista.

u) Jizzy Neste estágio, Carl se oferece para trabalhar com um mafioso chamado Jizzy. A

imagem que este último faz de CJ é a de um indivíduo inferior, quando diz: “Agora que você mencionou isso, eu tenho um pequeno problema. Uma coisa que alguém burro e musculoso como você talvez possa resolver. Porque como você pode ver, eu sou um intelectual”. Aqui a representação que se faz do intelectual é a do sujeito dominante, aquele que dá as ordens. Já Carl seria um “burro musculoso”, a massa de manobra, exatamente a representação social do estereótipo que a sociedade preconceituosa faz dos negros: pouco estudo, muito trabalho. A missão consiste em bater em caras que estão abusando das prostitutas de Jizzy, visto que este é um cafetão.

Um dos “clientes” de Jizzy, um rico, tenta tirar uma de suas prostitutas das ruas, ao que Jizzy informa a CJ: “A garota que você deixou em Downtown quer sair do jogo”. Ou seja, a condição de vida da prostituta é representada como um jogo. Esse cliente se mostra como um pregador cristão: “Não tema, menina, o exército do Senhor está vindo em nosso socorro! Agora, continue se despindo... Isso mesmo, coloque sua mão lá...”. Os diálogos se passam enquanto os personagens figurantes estão dentro de um carro. Assim sendo, não se vê nada do que se passa, podendo apenas ouvir as falas. Mais uma faceta social é representada ironicamente, ou seja, a da crise da religião.

v) Rastro de lesma Carl está voltando para a sua garagem e lá encontra Tenpenny e seus homens. A

missão aqui é matar um repórter que vem trabalhando em matérias investigativas sobre as ações corruptas da polícia. “Um jovem jornalista de fora está tentando conseguir boa reputação por conta própria. Ele não sabe como as ruas funcionam – que ele deve relatar o que é necessário relatar” diz Tenpenny. Essa é uma realidade social muito bem representada pela trama: a do controle da informação por parte das instituições. No mundo real, o jornalista de casos policiais sofre, constantemente, ameaças e atentados. No game não é diferente, e o jogador prossegue no jogo matando o repórter e a fonte, evitando que o policial Pulaski seja descoberto como corrupto pela mídia. Uma queima de arquivo. As missões cumpridas para Tenpenny não resultam em aumento de respeito nem em recompensas em dinheiro.

w) Assassino frio Este estágio apresenta um diálogo entre CJ e Cesar, onde Carl tenta encontrar sua

arma e convida Cesar a fabricar um silenciador. Cesar responde: “Você pirou, amigo! Você precisa deixar pra lá essa mentalidade do gueto!”. Ou seja, o gueto é atrasado, a grande cidade é o progresso. Cesar oferece uma arma a CJ, que pergunta onde ele conseguiu aquilo, e Cesar responde: “No mesmo lugar onde comprei minhas calças, amigo. Isto é a América!”. O conceito aqui representado é o de que na América se consegue armas em qualquer lugar, até numa loja de roupas.

Depois de mais algumas missões em San Fierro, Carl recebe uma misteriosa ligação e segue para Bone Country, o deserto de Las Venturas, cumprindo missões para o exército e para a polícia.

x) Desvio de carga CJ passa a cumprir missões para Mike Toreno, um agente do governo. Assim

Toreno se define na trama: “Eu preciso de um garoto como você. Pra fazer as

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coisas que eu não posso fazer. Eu preciso de você pra confiscar um caminhão”. O agente quer Carl da mesma forma que Tenpenny: para fazer os serviços sujos e não envolver o nome dele em nada.

O jogador viaja depois à cidade de Las Venturas, simulação de Las Vegas, dotada de muitos cassinos, como no mundo real. Permanece na cidade por algum tempo e conhece novos mafiosos.

y) Situação explosiva Os diálogos da apresentação do início desta fase revelam uma representação social

crítica. Woozie, o mafioso oriental cego, está jogando golfe dentro de seu escritório e um empregado fica sempre segurando um cesto de lixo, acompanhando a bola para fazê-la entrar e agradar ao chefe, que diz: “Ha ha ha! O som glorioso de acertar um buraco com uma tacada!”. Carl pega o taco, joga corretamente em direção ao buraco, mas o empregado afasta o cesto para CJ errar, ao que Woozie responde sem saber: “Má sorte”. Ou seja, aqueles que dominam jogam errado, mas acertam. Os excluídos jogam certo, mas sempre são vistos pela sociedade como errados.

z) O negócio da carne Esta é uma fase em que Carl leva um mafioso até um açougue para mais um

acerto de contas. No meio do caminho, o mafioso Rosenberg confessa, drogado com cocaína: “Eu quero fazer algo seguro, tedioso e dentro da lei [...]. E ter uma esposa e alguns filhos e então me divorciar e lutar para vê-los nos finais de semana, como qualquer um”. A vida normal é estereotipada como algo tedioso e a realidade familiar é um casamento seguido de um divórcio e brigas na justiça. Mais uma vez o jogo incorre em uma representação social da crise familiar. O jogador precisa proteger o mafioso, matando todos os que estão no açougue.

Depois de muitas outras missões, a trama do jogo leva o protagonista de volta a sua cidade natal, Los Santos, que agora está muito mais violenta.

aa) Volta ao lar CJ inicia a missão indo pegar seu irmão Sweet na delegacia, visto que ele é solto

por influência do agente do governo, Toreno. Quando os irmãos se reencontram, Carl expõe a Sweet o que está acontecendo: “Nós temos uma parte em um cassino, temos uma merda insana em San Fierro [...] Ei cara, deixe eu lhe dar algumas roupas novas!”. Sweet estranha o comportamento de Carl e fala: “Roupas novas? Negro, mas que porra é toda esta besteira? [...] Eu preciso checar as coisas no bairro”. CJ diz que Sweet não vai querer ficar no bairro, pois o momento está crítico em Los Santos, mas Sweet diz que quer fazer justamente o contrário.

Sweet pergunta: “O que você fez por nosso bairro?” e Carl revida: “Cara, e o que o nosso bairro fez por mim? Sempre me puxando para baixo. [...] Este é o sonho de todo mundo, sair do bairro...”. Sweet termina a discussão afirmando que CJ estava falando igual a Big Smoke, o traidor.

O bairro onde morara a vida inteira não mais representa para Carl a oportunidade. Após o contato com a máfia, os negócios que o tornaram influente e dotado de status, ao menos no mundo do crime, mostraram a ele a inserção que o seu bairro não foi capaz de lhe dar. Dessa forma, ao tomar contato com outros grupos e códigos culturais, Carl passa a sobrevalorizar essa nova realidade e repudiar a antiga, que o punha sempre “para baixo”.

Ao voltar ao bairro, os irmãos se deparam com um ambiente de caos, com viciados em crack roubando eletro-eletrônicos para vender e comprar drogas, invadindo a casa dos Johnson. Sweet ainda apela para o grupo de pertença: “Você nasceu lá. Droga!”. Até que o jogador é incitado a matar os viciados e os Ballas, que voltaram a dominar em sua área.

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bb) Humilhando o B-Dup CJ chega em sua casa e lá está Sweet sendo assediado por uma drogada a fumar

crack, que utiliza o seguinte argumento: “É com isto que os ricos voam. Todos os artistas estão usando. Eu sei que você vai gostar disto. Vai levar sua dor pra longe...”. A droga representa status, pois é com ela que “os ricos voam” e como tal, deve ser boa, afinal os artistas também estão usando. Então, Carl impede Sweet de fazê-lo: “Cara, você não precisa dessa merda, Sweet”. Para CJ, a droga não passa de um atraso.

Indo à casa do traficante B-Dup, CJ confessa: “Estou cansado [...] de tanto trabalhar e essa merda não melhorar. Cansado de ver minha família separada”. Novamente, a crise familiar. A interação do jogador nesta missão consiste em provocar um conflito entre as gangues nas ruas, matando muitos Ballas e o traficante B-Duo, responsável pela distribuição e venda de crack na vizinhança.

cc) Tumulto Esta missão começa com o noticiário sobre Tenpenny: “Os oficiais Eddie Pulaski e

Frank Tenpenny, membros da unidade policial da comunidade, foram acusados de envolvimento em chantagens, corrupção, drogas e estupro”. O noticiário continua: “[...] conspirado a morte de seu companheiro, oficial Ralph Pendelbury que tinha ameaçado tornar-se testemunha de estado e que foi encontrado morto com um tiro na cabeça supostamente em um incidente não relatado entre gangues”.

As primeiras informações, através de fontes oficiais da polícia, determinaram que a morte do oficial Pendelbury decorria de um confronto entre gangues, o que ocorre muito no mundo real, através do que os teóricos estruturalistas do jornalismo chamam de definidores primários (TRAQUINA, 2000), ou seja, são as opiniões e vozes mais cômodas ao trabalho corrido dos jornalistas; os primeiros a serem consultados para cumprir a pauta. Essas vozes vão definir toda a cobertura dos possíveis desdobramentos dos fatos e vão se impor constantemente.

O noticiário continua e diz que a promotoria retirou as acusações, de forma que Tenpenny é inocentado. Madd Dog, o cantor de rap que está na sala, junto com CJ e outros personagens, grita: “Cara, não existe JUSTIÇA!”. Um dos outros personagens completa: “Eu sei, eu fui preso várias vezes por um comportamento totalmente natural!”. O preconceito é mais uma vez enfatizado: não existe justiça para os dominantes, apenas para os dominados. Todos deduzem que Los Santos vai entrar em polvorosa, revoltada com a decisão da justiça. E é o que acontece.

CJ e Sweet voltam para o bairro para dar auxílio à vizinhança e combater o caos

em que sucumbiu a cidade. Sweet, no carro, reforça: “Não existe justiça, cara. Como podem deixar um lixo como Tenpenny ficar nas ruas?”. A corrupção da polícia é completamente desmascarada para a sociedade e enfatizada na parte final da trama. Os irmãos firmam um acordo de eliminar Tenpenny.

O jogador conduz o carro e no caminho, Sweet fica chocado: “Merda, olhe este lugar, até as velhinhas estão roubando [...] Eles estão danificando seu próprio bairro. [...] Cara, o gueto está se destruindo sozinho!”.

dd) Os criminosos CJ, Sweet, Cesar e seus amigos do bairro vão delimitar novamente o seu território,

tomado pelos tumultos da cidade. Uma discussão entre CJ e Sweet demarca exatamente a posição social do protagonista do jogo, justificando a violência e os meios empregados para os fins do game, mostrando a relatividade ética por meio da representação social da exclusão: “Quando Kendl precisou de um calçado, eu sai e consegui o dinheiro. Quando mamãe precisou de uma operação, eu roubei as pessoas pra conseguir o pão”. Essa fala de Sweet demonstra que toda a violência do jogo representa exatamente a condição social do pobre, do negro, da exclusão social que sofrem aqueles

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que nasceram em guetos e muito provavelmente não conseguirão a inserção social se não for através do mundo do crime, ou do tráfico de drogas ou de armas, uma realidade imposta, inclusive, socialmente.

O jogador deve, antes de partir para a última missão, conquistar novamente os

territórios que pertenciam a Grove, tomados agora pelos Ballas e outras gangues, matando-os. Depois de um número considerável de trechos tomados, a missão é liberada.

CJ e Sweet partem para a “cidadela do crack do Big Smoke”, o prédio onde Smoke está escondido. O ponto de impulso é novamente a família, pois Carl diz a Sweet que tudo aquilo é uma dívida que ele tem com a sua família. O jogador tem de entrar no prédio e matar Big Smoke na cobertura.

Após matar Smoke, Tenpenny reaparece pela última vez e rende CJ, mandando-o entregar uma mala. Tenpenny causa uma explosão e foge do prédio, que começa a desabar. Há uma perseguição de Carl atrás de Tenpenny, onde o jogador controla um carro em alta velocidade. O desfecho do jogo apresenta o a morte do policial num acidente, caindo com um caminhão de cima de uma ponte. O bairro se estabiliza e mesmo sem nenhuma missão com objetivo de desenvolver a trama após o desfecho, o jogador pode, de vez em quando, tomar os territórios dos Ballas em Los Santos e administrar as áreas que pertencem à gangue Grove, contendo alguns ataques da gangue inimiga.

CONCLUSÃO Através da pesquisa “Comunicação e representação social nos videogames ─ em

análise o jogo GTA ─ San Andreas” pudemos produzir um diálogo entre os campos conceituais do jogo, do videogame, da comunicação e das representações sociais, apreendendo e aplicando os conceitos de cada campo, por meio de uma análise qualitativa do corpus. A contemplação analítica nos mostra que o videojogo GTA ─ San Andreas produz inúmeras representações sociais, das quais constituem exemplos o preconceito e os estereótipos. Neste último passo do trabalho, vamos tecer algumas considerações acerca das questões levantadas na fase da análise.

A primeira etapa da análise diz respeito à observação das regras de conduta do jogo. Vimos, a priori, que o jogador deve assumir obrigatoriamente um avatar afrodescendente e sem perspectiva social, o que já constitui o ponto de vista da narrativa. As lojas e demais casas de comércio aparecem apenas nesse jogo da série, o que incorre em uma demanda por dinheiro. Mas as primeiras missões só recompensam o personagem com respeito. Isso faz com que o jogador tenha vontade de matar e roubar, o que é permitido no jogo, com certos limites.

Tal condição representa o estereótipo do negro: um sujeito social pobre, sem alternativa a não ser roubar para sobreviver na cidade tomada pela corrupção, pelo tráfico e pelas graves desigualdades sociais. Notamos essa questão, também, na limitação da mobilidade do jogador no início do jogo, estando as outras cidades fechadas para o sujeito excluído.

Partindo para as considerações sobre o espaço social-geográfico do jogo, podemos notar a fidelidade na adaptação das realidades sociais das grandes metrópoles para o universo virtual. Los Santos, cidade escolhida para o desenvolvimento da análise espacial, mostra-se dividida entre classes sociais e costumes. Há um lado pobre da cidade, representado por guetos, bairros de casas humildes, com ruas e asfaltos danificados e entregues ao descaso, além de veículos antigos e apresentando pessoas negras, membros de gangue, trabalhadores da construção civil e muitos idosos nas ruas. Com relação aos costumes do lado pobre, percebemos as pessoas nos terraços, conversando em grupos, ou seja, indicativos de socialidade, inerentes a esse espaço social, o que é demonstrado, inclusive, por teóricos que estudam a cidade.

Já a parte rica de Los Santos, demarcada principalmente após o Cruzamento Mulholland, compreende melhores casas, prédios, arranha-céus e a orla marítima. Desde o centro da cidade, já se apresentam carros de luxo, como limusines, e menos pessoas

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nas ruas. Em alguns bairros de elite, nos limites com o interior de Los Santos, a ausência de simples transeuntes nas calçadas é completa, costumes também demonstrados por estudos sociais. Em outros bairros, vemos atletas, pessoas jovens, com melhor qualidade de vida. Nas praias, mulheres e homens com trajes de banho e negros vendendo petiscos em barraquinhas: o estereótipo que demonstra fielmente a marginalidade do afrodescendente no mercado de trabalho.

A análise da trama, concomitante à apresentação dos personagens, dá-nos mostras de preconceitos raciais, discriminação à descendência latina, estigmas, estereótipos e todo tipo de indiferença social, produto de uma herança histórico-cultural danosa à vida em sociedade. Outras questões como a crise da instituição familiar, a importância dos grupos sociais, a corrupção e a violência da polícia, são abordados criticamente durante toda a narrativa, que perfaz cerca de 90 estágios.

A simples constatação das representações sociais produzidas pelo jogo já configura boa parte da conclusão do trabalho, ou seja, confirmamos as intenções, a produção de sentidos e a comunicação presentes em um meio de entretenimento, que não mais se esgota nesta função. A simulação, agora, não é apenas um sistema programado para testar as habilidades viso-motoras do indivíduo. Os videogames passam a compor um sistema semiótico que inspira acompanhamentos e análises acadêmicas, visto que as realidades sociais e os problemas do mundo real passam a figurar como pano de fundo das “ludo-narrativas”, tornando-se simulações do real.

O material analisado, composto por inúmeras imagens, textos e regras estruturais do jogo, demonstra, inclusive, a complexidade do fenômeno videogame nos dias atuais, e aponta para novas características do universo lúdico perpassado pelas tecnologias interativas.

Dentro das características elencadas pelos principais estudiosos do fenômeno jogo, podemos perceber que o GTA ─ San Andreas possibilita a liberdade, a evasão da vida cotidiana e a criação de uma ordem própria. No entanto, essa ordem altera, no videojogo analisado, a característica referente à fuga do cotidiano, pois o jogo realmente não é a vida real, mas consegue representar critica e fidedignamente a própria condição de existência de um indivíduo negro e de classe baixa. As leis do cotidiano, consideradas por Huizinga (1999) como inválidas dentro do jogo, valem como regras no GTA ─ San Andreas, ou seja, ao praticar um ato de vandalismo, uma infração ou um crime, o jogador sofrerá punições próximas às que sofreria se assim procedesse na vida real. Portanto, podemos afirmar que existe uma função moral no jogo em análise, posta em prática através das críticas contidas nas representações sociais ao longo da trama.

Enfim, a análise aponta o superficialismo do senso comum e de alguns estudiosos em atribuir a jogos violentos, como o GTA ─ San Andreas, a culpabilidade pela violência do mundo real, alegando-se a influência incondicional da mídia videogame sobre os indivíduos. Grand Theft Auto ─ San Andreas, ao mesmo tempo em que justifica, critica o fenômeno da violência como algo inevitável a certos substratos sociais. As instituições do Estado, como a polícia, obrigam o protagonista da trama a executar certos crimes e infrações. Por trás da máscara da violência gratuita, o jogo em questão representa e, por conseguinte, reflete uma aposta social da qual fazemos parte como exímios protagonistas, ou seja, o jogo da vida.

NOTAS [1] Disponível em: http://www.olhodigital.com.br/8f_olho10_03.htm. Acesso em 22/ 01/ 2008. [2] Disponível em: http://www.olhodigital.com.br/8f_olho10_13.htm. Acesso em 22/ 01/ 2008. [3] Disponível em: http://www.games-in.com.br/dicas/gta_san_andreas.htm. Acesso em 23/ 01/ 2008. REFERÊNCIAS ALVES, Lynn. Game over: jogos eletrônicos e violência. São Paulo: Futura, 2005.

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TRAQUINA, Nelson. As teorias do jornalismo. In: ______. O estudo do jornalismo no século XX. Porto Alegre: Editora Unisinos, 2000. *Daniel Neves Abath Luna é graduado em Comunicação Social, habilitação Jornalismo, pela Universidade Federal da Paraíba. Esta monografia foi o trabalho de conclusão de Curso, tendo como orientador o professor Marcos Nicolau.

_______________________________________ Todos os direitos reservados: www.insite.pro.br