comunicaÇÃo e seguranÇa pÚblica: o caso da aquisiÇÃo de capas de chuva pela pmdf

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COMUNICAÇÃO E SEGURANÇA PÚBLICA: O CASO DA AQUISIÇÃO DE CAPAS DE CHUVA PELA PMDF COMMUNICATION AND PUBLIC SAFETY: THE CASE OF THE ACQUISITION OF RAINCOATS BY PMDF Autor: Fábio Magalhães Chaves Orientador: Paulo Vítor Giraldi Pires ESTÁCIO | FACITEC Curso: Pós-graduação em Assessoria de Comunicação RESUMO A presente pesquisa analisa o processo comunicacional estabelecido a partir da avaliação de uma crise institucional, ocorrida no Governo do Distrito Federal (GDF), em 2013, com repercussão na imprensa. É um estudo de caso da aquisição de capas de chuva pela a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) para equipar a corporação para as copas das Confederações, em 2013, e do Mundo, em junho e julho de 2014, no Brasil. Neste período, conforme foi noticiado local e nacionalmente, o material, que estava em processo licitatório, seria inutilizado na capital federal devido à baixa e inexpressiva quantidade de chuvas. Partindo-se deste acontecimento, com o auxílio e sob a ótica das teorias da comunicação, com base na Teoria das Influências Seletivas (LASSWELL, 1948, apud WOLF, 2003), o caso será discorrido. Para este procedimento, utilizou-se como método a Análise de Documental (MARCONI; LAKATOS, 2003), que inclui reportagens sobre o tema captadas durante o processo de clipping 1 e notas oficiais emitidas pela assessoria de imprensa do governo para esclarecer esta crise de comunicação. Diante do material colhido e estudado, as informações preliminares apontam que houve falha no processo de comunicacional estabelecido entre a assessoria de comunicação do governo, as fontes oficiais e a imprensa, fato que ocasionou o aumento da especulação por parte dos repórteres e fez a crise tomar grandes proporções. 1 Clipping: processo de seleção notícias em veículos de comunicação para resultar em um apanhado de recortes sobre instituições, pessoas ou assuntos específicos.

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COMUNICAÇÃO E SEGURANÇA PÚBLICA: O CASO DA AQUISIÇÃO DE CAPAS DE CHUVA PELA PMDF

COMMUNICATION AND PUBLIC SAFETY: THE CASE OF THE ACQUISITION OF RAINCOATS BY PMDF

Autor: Fábio Magalhães ChavesOrientador: Paulo Vítor Giraldi PiresESTÁCIO | FACITECCurso: Pós-graduação em Assessoria de Comunicação

RESUMO

A presente pesquisa analisa o processo comunicacional estabelecido a partir da avaliação de uma crise institucional, ocorrida no Governo do Distrito Federal (GDF), em 2013, com repercussão na imprensa. É um estudo de caso da aquisição de capas de chuva pela a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) para equipar a corporação para as copas das Confederações, em 2013, e do Mundo, em junho e julho de 2014, no Brasil. Neste período, conforme foi noticiado local e nacionalmente, o material, que estava em processo licitatório, seria inutilizado na capital federal devido à baixa e inexpressiva quantidade de chuvas. Partindo-se deste acontecimento, com o auxílio e sob a ótica das teorias da comunicação, com base na Teoria das Influências Seletivas (LASSWELL, 1948, apud WOLF, 2003), o caso será discorrido. Para este procedimento, utilizou-se como método a Análise de Documental (MARCONI; LAKATOS, 2003), que inclui reportagens sobre o tema captadas durante o processo de clipping1 e notas oficiais emitidas pela assessoria de imprensa do governo para esclarecer esta crise de comunicação. Diante do material colhido e estudado, as informações preliminares apontam que houve falha no processo de comunicacional estabelecido entre a assessoria de comunicação do governo, as fontes oficiais e a imprensa, fato que ocasionou o aumento da especulação por parte dos repórteres e fez a crise tomar grandes proporções.

PALAVRAS-CHAVE: Comunicação, crise, imprensa, governo, assessoria de imprensa.

ABSTRACT

This research analyzes the communication process established from an institutional crisis at the Governo do Distrito Federal (GDF) in 2013, with repercussions in the press. It is a case study on the acquisition of raincoats by the Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) in order to equip the corporation for the Confederations cups in 2013, and the World, in june and july of 2014, in Brazil. As was widely reported, the material that was in the bidding process, would have no use in the federal capital due to low rainfall during the period of the event. From this fact, with the aid and from the perspective of Communication Theories, based on the Theory of Selective Influences

1 Clipping: processo de seleção notícias em veículos de comunicação para resultar em um apanhado de recortes sobre instituições, pessoas ou assuntos específicos.

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(LASSWELL, 1948, apud WOLF, 2003), the case will be evaluated. For this procedure, was used as a method to Documental Analysis (MARCONI; LAKATOS, 2003), including news on the subject, captured during the process of clipping2, and notes issued by the news agency of the government of the Federal District, which had the aim of clarifying this crisis of communication. Based on the collected and studied material, preliminary reports indicate that there was a failure in the communication process established between the press office for the government, officials and the media, a fact which caused increasing speculation by reporters and made the crisis taking large proportions.

INTRODUÇÃO

As crises de comunicação em instituições públicas são inevitáveis,

porém previsíveis, o que permite haver um planejamento para enfrentá-las.

Dependendo da função que o órgão exerce, ele estará ainda mais exposto ou

não a este tipo de problema. Como lembra Forni (2002, in DUARTE, 2006, p.

363), “nenhuma empresa, por mais sólida, admirada e moderna que seja, está

imune à crise”. Por isso, essas instituições devem se preparar para eventuais

acontecimentos que geram notícias com tom negativo para si próprias. Este

trabalho, portanto, tem como tema central as crises de comunicação que

rondam, cotidianamente, os órgãos públicos. Para ser mais preciso, o tema foi

delimitado a uma instituição pertencente à estrutura organizacional da

Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal: a Polícia Militar, que, em

2013, protagonizou uma grade crise3 institucional, possivelmente a maior de

sua história bicentenária.

O referido caso trata de um processo licitatório para aquisição de capas

de chuva para a corporação, ao custo de R$ 5,3 milhões. Conforme veiculado

pelos principais periódicos do país, rádios e emissoras de televisão, o valor

seria suficiente para a compra de 17 mil unidades do produto, sendo que a

tropa é composta por pouco mais de 14 mil servidores.

Ao tomar conhecimento disse investimento, a imprensa local e nacional

começou a noticiar o fato. O posicionamento da mídia foi voltado ao enfoque de

que o gasto seria desnecessário, já que o material deveria ser usado,

prioritariamente, nos meses de junho e julho de 2013 e 2014, durante as copas

2 Clipping: selection of news in the media about institutions, specific people or specific themes.3 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/esporte/106786-df-gasta-mais-em-capa-de-chuva-do-que-em-colete-a-prova-de-balas.shtml

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das Confederações e do Mundo, época de clima predominantemente seco em

Brasília. O fato, no desenrolar da história, resultou na demissão do então

comandante, Suamy Santana e no cancelamento da licitação.

De posse de um vasto material publicado na imprensa sobre este

assunto, este estudo tem como principal objetivo a Análise Documental

(MARCONI; LAKATOS, 2003) do conteúdo noticiado pela imprensa nacional e

local e, a partir disso, estabelecer uma observação de como se deu o processo

comunicacional durante o gerenciamento, pela assessoria de imprensa do

GDF, desta crise de comunicação.

A elaboração do presente estudo se justifica pelo fato de ele

proporcionar uma análise científica a respeito do caso em específico e,

também, possibilitar a verificação do processo comunicativo adotado pelo

governo local para dialogar com a imprensa e com o seu público, ou seja,

população em geral.

A pesquisa faz-se necessária, por buscar analisar o processo

comunicativo na segurança pública e por se tratar de um estudo que carece de

referência bibliográfica, podendo o mesmo servir de estímulo para outras

pesquisas a cerca da comunicação pública e do gerenciamento de crises em

empresas e organismos pertencentes à estrutura do Estado brasileiro, em

especial a do Distrito Federal.

O estudo de caso será embasado pela Teoria das Influências Seletivas

(LASSWELL, 1948, apud WOLF, 2003), tratando apenas do formato de

comunicação adotado pelo governo e não abrangendo os efeitos dessas

mensagens no público, conforme transcrito nas páginas a seguir.

1 A necessidade de o Estado comunicar

A informação, desde que tenha interesse público, precisa ser divulgada

à população. Se tratando de governo, esse procedimento, que tem amparo

constitucional, em que é estabelecida a necessidade de dar publicidade às

ações da administração pública, se torna uma obrigação. Apesar de a

divulgação das informações institucionais se basearem nos princípios da

transparência e ser feita quase que de forma automática pelas assessorias de

comunicação, Martinez (2002, apud Duarte, 2006, p. 231) lembra que “a

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comunicação de governo tem de ser vista como política pública, fundamental e

necessária, já que o Estado é responsável pela administração e

desenvolvimento de uma série de serviços”.

Justamente por ser uma prestadora de serviços à população, a Polícia

Militar, diante da crise analisada, teve de se posicionar e prestar

esclarecimentos, tornar pública as informações relativas à aquisição das capas

de chuva. Com isso, inúmeras reportagens, objeto de análise deste estudo,

foram produzidas pela mídia, material compilado pelo processo de clipping.

A observação qualitativa desse material, no entanto, compreende

apenas o conteúdo publicado no jornal Correio Braziliense e O Globo, ambos

da edição de 1 de maio de 2013, quando houve o ápice desta crise.

Concomitantemente, são analisadas as informações oficiais divulgadas pelo

GDF no período de 1 e 2 de maio daquele ano.

Após o início da veiculação dos fatos, a estrutura de comunicação do

governo levou um dia para começar a se posicionar com mais veemência

perante os veículos da imprensa. Por isso, as especulações sobre o assunto

foram tomando proporções maiores. Este procedimento demonstra,

claramente, como a tomada de decisão para esclarecer determinados

acontecimentos podem ser demorados. Nesta etapa do gerenciamento, as

medidas devem ser bem pensadas, pois elas são cruciais, e, se não forem

condizentes e precisas, podem ter reflexos desastrosos para a resolução de

uma crise.

Muitas vezes, logo ao saberem que uma notícia saiu do controle

institucional e passou a estampar as páginas de jornal ou o precioso espaço

dos telejornais e radiojornais, diversos assessores de comunicação, e

consequentemente seus superiores/clientes, ficam à deriva e não sabem como

proceder, assim como lembram os seguintes autores.

Antes que os próprios líderes políticos, de superintendentes a governadores, fiquem sabendo, os acontecimentos já se encontram fora de controle. Se uma crise é mal administrada, a credibilidade e a reputação de uma empresa desaparecem rapidamente aos olhos do público (SUSSKIND; FIELD, 1997, p. 77).

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Considerado o “fundador das Relações Públicas”, Yve Lee foi um dos

criadores da função de assessor de imprensa. Renomado no meio em que

atuava, Lee deixou suas atividades para assessorar John Davison Rockefeller,

empresário norte americano que era considerado impopular, mas, que, com as

estratégias de comunicação desenvolvidas por Lee, tornou-se uma figura

admirada pela opinião pública da época. À luz desse fato, prova-se que é

possível, também nos dias atuais, ter êxitos em grandes crises, como nesta da

Polícia Militar.

No Brasil, diversos autores afirmam que o surgimento das assessorias

de imprensa ocorreu em 1909, ano em que presidente Nilo Peçanha criou a

Secção de Publicações e Biblioteca do Ministério da Agricultura, cuja função

era disseminar informações à imprensa. Mais tarde, já em 1937, durante o

mandato de Getúlio Vargas, foi fundado o Departamento de Imprensa e

Propaganda (DIP), órgão responsável por fazer a comunicação das ações do

governo.

Com a formação de mais profissionais da área, o aumento de pesquisas

acadêmicas e a criação de cursos superiores das habilitações de jornalismo e

relações públicos, ambos da Comunicação Social, a atividade de assessoria de

comunicação/imprensa, que antes existia apenas no governo, como esta da

PM, e em grandes corporações privadas, se difundiu e atualmente o mercado é

amplo, diversificado e praticado até mesmo por empresas especializadas neste

ramo.

1.1A crise e seus desdobramentos

Para preservar a imagem da corporação, que tem 205 anos, do Governo

do Distrito Federal, enquanto instituição, e do governador – que querendo ou

não é uma figura pública e está inserida neste contexto de publicações

negativas a respeito do caso – a assessoria de imprensa, no dia seguinte ao

início da crise, 1º de maio de 2013, se manifestou por meio da seguinte nota:

NOTA À IMPRENSA

BRASÍLIA (1/5/13) - O governador Agnelo Queiroz determinou na manhã de hoje a suspensão da compra de capas de chuva pela Polícia Militar do Distrito Federal.

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Para o governador, a PMDF errou ao listar o produto entre aqueles adquiridos com vistas à Copa do Mundo, realizada em período climático seco no Distrito Federal. Além disso, a Secretaria de Transparência será acionada para aferir a formação dos preços e quantitativo estimados para a licitação. (SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DO DF, 1º de maio de 2013)

Em análise, o tom noticioso deste material divulgado pelo governo está

voltado exclusivamente ao fato, que é a aquisição das capas de chuva e seus

desdobramentos, como a consequente investigação pela Secretaria de Estado

de Transparência do Distrito Federal.

O material, produzido para informar, mas, sobretudo, para persuadir o

público, trouxe em seu conteúdo uma ação importante destacada por vários

autores com imprescindível no momento de um gerenciamento de crise:

reconhecer o erro, o que foi feito claramente na nota e que contribui para o

desfecho do caso.

Observando este mesmo comunicado sob a ótica da Teoria das

Influências Seletivas (LASSWELL, 1948, apud WOLF, 2003), que está contida

na Teoria da Persuasão ou Teoria Empírico-Experimental, o estímulo e

resposta propostos pela assessoria de imprensa durante a redação do

comunicado, que teve a missão de formar a opinião pública favorável à decisão

governamental a cerca da licitação, não foram alcançados, como explicitado

mais à frente na análise das matérias veiculadas.

Conforme lembra Wolf (2003, p. 34), “persuadir os destinatários é um

objetivo possível, se a forma e a organização da mensagem forem adequadas

aos fatores pessoais que o destinatário ativa quando interpreta a própria

mensagem”. Ou seja, os traços específicos de personalidade do publico –

neste caso primeiramente os repórteres –, influenciam, por essa pluralidade,

nos efeitos da mensagem emitida. Logo, podem ter variações como

apresentadas nas matérias jornalísticas que repercutiram as informações

passadas pelo governo, como matéria a seguir, produzida pelo Jornal Correio

Braziliense.

FIGURA 1Matéria4 com a nota oficial sobre a crise das capas de chuva

4 Disponível em: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2013/05/01/interna_cidadesdf,363802/apos-polemica-governo-suspende-compra-de-capas-de-chuva-para-pmdf.shtml

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Fonte: Correio Brasiliense, 1º de maio de 2013.

De posse deste comunicado, percebe-se que foi adotada a estratégia de

falar a verdade para solucionar a crise, conforme defendem autores da

Comunicação Social. Contudo, a informação do documento, que foi repassada

a todos os veículos de comunicação, neste caso, contrastou com as

informações publicadas pelo Correio Braziliense em entrevista do então

comandante. A pesar de o discurso proposto pela nota ter o claro intuito de

explicar o fato, no parágrafo seguinte da matéria, pelo posicionamento do

oficial, as informações, sem precisão, causam descrédito.

A declaração emitida por Santana de “que ninguém é oráculo para ver

se vai chover ou não durante período da realização dos eventos”, neste

contexto, demonstrou falta de preparo na lida com a imprensa. Tal expressão,

além de mostrar que as respostas estão sendo passadas à mídia sem critérios,

pode causar o agravamento da situação em que a crise se encontra.

No mesmo dia da publicação deste material em que se noticiava o

cancelamento do processo licitatório para aquisição das capas, o GDF fez um

novo comunicado, horas depois, também por meio de nota, destinado à

imprensa local e nacional. Desta vez, o material trouxe em seu conteúdo o

procedimento que pôde ser considerado ápice da crise institucional: a

Acesso em 19 de junho de 2014.

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demissão do comandante, que tinha alto índice de rejeição perante a tropa, e

que ficou apenas um ano no cargo.

NOTA À IMPRENSABRASÍLIA (1/05/13) - O governador Agnelo Queiroz decidiu trocar o comando da Polícia Militar do Distrito Federal por considerar um ato desmedido a inclusão da compra de 17 mil capas de chuva na licitação de aquisição de equipamentos policiais para as copas das Confederações e do Mundo. O governador agradece ao coronel Suamy Santana pelos serviços prestados desde a assunção do comando, que devolveram a hierarquia e a disciplina necessárias ao bom funcionamento das forças policiais. Por indicação do secretário de Segurança Pública, assume o comando da PMDF o coronel Joziel de Melo Freire, atual secretário-adjunto da Secretaria de Segurança Pública (SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DO DF, 1º de maio de 2013).

Minutos depois da publicação desse material pelo governo, a imprensa

já noticiava o fato. O jornal O Globo, por exemplo, iniciou sua reportagem

(reproduzida a seguir) falando a respeito dos desdobramentos da crise, tanto

na mídia, quanto na sociedade como um todo. Mais uma vez, de posse da

Teoria das Influências Seletivas (LASSWELL, 1948, apud WOLF, 2003), tem-

se, claramente, a formação da opinião pública a respeito do fato, tanto que o

periódico começou seu texto falando da “repercussão negativa” nas redes

sociais.

Enquanto a teoria orienta a comunicação objetiva e voltada a persuasão

do indivíduo, com estímulos psicológicos e adaptada aos fatores pessoais do

público, o formato comunicacional estabelecido para explicar essa crise seguiu

outra linha: a de informar a massa sem ter a preocupação de observar as

características dos destinatários, assim como era proposto pela Teoria

Hipodérmica.

Neste ponto específico tem-se, então, o resultado de uma ação

malsucedida no processo de comunicação estatal. Assim como reforça a teoria,

os indivíduos, que aqui podemos considerar a população como um todo, não

se expõe aos meios de Comunicação Social de forma despreparada. Cada um

receberá as mensagens emitidas e adaptará conforme suas predisposições,

gostos e afinidade com o emissor, como, por exemplo, o fato de as pessoas

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que fazem oposição ao governo levantarem mais críticas a respeito do caso do

que os indivíduos mais simpáticos à atual gestão.

FIGURA 2

Matéria5 com a nota oficial sobre a demissão do comandante da PM

Fonte: Jornal O Globo, 1 de maio de 2013.

Neste mesmo texto, além de ter focado na desaprovação da população

em relação à aquisição do material, o jornal O Globo deixa claro aos seus

leitores o processo comunicacional estabelecido pelo governo para comunicar:

as notas oficiais.

Esse tipo de comunicado é um instrumento importante e bastante útil

para a assessoria de imprensa em um momento de crise. Por meio dele, o

órgão pode se expressar sem a necessidade de expor seus dirigentes, muito

menos um porta-voz. Assim, todas as informações são passadas de forma

unilateral, sem direito a questionamentos por parte dos repórteres, e as

informações divulgadas são precisas e concisas, uma vez que, para se

formular a redação deste instrumento, é necessário reunir o máximo de

informações sobre o caso.

Apesar de as notas serem úteis, o uso desse utensílio, por parte da

assessoria de imprensa, pôde-se considerar exagerado neste caso das capas

de chuva. Tanto que o próprio jornal O Globo cita que, “poucas horas depois de

5 Notícia disponível em: http://oglobo.globo.com/esportes/copa-2014/brasilia-cancela-compra-de-capas-de-chuva-para-pm-na-copa-de-2014-8260496 Acesso em: 19 de junho de 2014.

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depois de divulgar a nota informando do cancelamento da compra, a

assessoria do governo do DF soltou outra nota”. Esse mecanismo de

comunicação, se não utilizado corretamente, pode gerar falhas na

comunicação e o público não ser informado claramente sobre as ações que

estão sendo tomadas para solucionar a crise.

Comunicar a imprensa sobre um fato e, logo em seguida, informar sobre

outra providência adotada em relação à mesma situação pode gerar descrédito

no conteúdo emitido. Se uma informação mais relevante, como a demissão do

comandante, estava sendo cogitada politicamente, neste caso, a assessoria de

imprensa deveria ter ponderado soltar as duas informações juntas: a do

cancelamento do processo e da demissão, e não da forma como ocorreu,

sendo uma, horas antes, e outra, posteriormente. Essa ação descompassada

culminou, inclusive, no aumento de matérias produzidas pelos jornais, já que, a

cada nota, a imprensa precisava noticiar à população sobre mais um passo, um

desdobramento da crise.

Assim como destacado em diversas bibliografias, a credibilidade é um

dos principais fatores que estão em jogo durante uma crise de comunicação.

Se mal administradas as etapas do gerenciamento ou se o assessor de

imprensa negligencia a verdade e parte para a opção de dar respostas mais

amenas e, não necessariamente, precisas e verdadeiras, os desastres podem

ser incontroláveis e incalculáveis.

É muito mais difícil ganhar credibilidade que a perder, e é muito mais fácil destruir uma reputação que construir uma. Por fim, conseguir o que foi perdido por atos impensados ou não-desejados torna-se muito mais árduo quando a verdade foi ocultada (SUSSKIND; FIELD, 1997, p. 47).

Uma comunicação ágil, clara e, sobretudo, planejada, defendem autores,

é a receita para ganhar a confiança do público e minimizar os estragos

causados pela divulgação de uma notícia negativa. A dica, segundo Eid, é falar

a verdade e informar a população sobre o que realmente está acontecendo:

“como em qualquer estratégia de gerenciamento de crises, aqui a melhor

receita é a transparência” (EID, 2003, p. 28).

1.2. Ação e reação

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Para o gerenciamento da crise de comunicação, seja qual for o motivo

que a ocasionou, “a direção (da empresa/órgão) deve decidir de antemão com

clareza o que vai ou não revelar [...] subterfúgios e palavras brandas para

ganhar a confiança do público não produzem bons resultados” (SUSSKIND;

FIELD, 1997, p. 78). Por isso, a necessidade de o setor de comunicação,

previamente, em momentos de calmaria, tomar a iniciativa de formular um

manual de procedimentos a serem executados em situações de crise.

Com esse roteiro de ações em mãos, no momento oportuno, o

assessor de comunicação e sua equipe estarão mais aptos a se relacionarem

com a imprensa e a coordenarem gestores, funcionários envolvidos ou porta-

vozes, pessoas responsáveis por informar mídia ou o público diretamente

afetado pelo fato que gerou a notícia negativa.

Se precaver, na maioria dos casos, não solucionará a crise, como

ocorreu na Polícia Militar. Porém, facilitará o caminho a ser percorrido para

resolvê-la. Em vários casos, orienta Duarte (2006, p. 250), “um plano

preventivo e reativo institucionalizado é fundamental. Ele ajuda a reduzir a

margem de erros, a controlar a situação e o impacto negativo que uma crise

inesperada pode causar”. O plano, complementa o autor, “pode incluir ações de

administração de vários tipos: acidente, denúncia, manifestações, crime,

orientando a área de comunicação e demais empregados como proceder”. (Id,

p. 250)

No caso específico analisado por este estudo, não houve qualquer

planejamento prévio, uma vez que a crise foi inesperada. A aquisição do

material para a corporação seria feito pelo mesmo procedimento licitatório que

a PM realiza comumente para outras aquisições. Porém, o assunto fugiu do

controle.

Dependendo da dimensão, uma matéria explosiva pode desencadear um processo desgastante de divulgação e exposição, que acaba por comprometer os negócios e realmente ameaçar estruturas corporativas sólidas e tradicionais. A publicação tanto pode ser o estopim, como a pólvora que irá destruir a reputação ao longo da crise. (FORNI, 2002, apud DUARTE, 2006, p. 363)

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Os efeitos das falhas nesse processo de comunicação, segundo

destaque do autor, são sentidos principalmente na reputação tanto do órgão,

quanto dos gestores. Nesse processo, particularmente, esteve em jogo a

imagem da Polícia Militar, do comandante-geral, do Governo do Distrito Federal

e, sobretudo, do governador – que, nesta época, já articulava internamente

uma campanha eleitoral de reeleição, em 2014, e que não poderia ser afetado

por escândalos, principalmente os mal controlados no âmbito da comunicação.

Da mesma forma como lembrou Forni, a crise pode ser o “estopim” para

uma reação mais drástica no âmbito corporativo. Tal decisão, se tomada

corretamente, pode, inclusive, minimizar os efeitos da crise, como o fato a

seguir reportado em um texto do próprio governo em que informa a população

sobre a troca de comando da tropa militar.

FIGURA 3Matéria6 do Portal de Notícias do Governo do Distrito Federal

Fonte: Agência Brasília de Notícias, 2 de maio de 2013.

A notícia, retirada do site oficial de notícias do governo local, trata de

esclarecer os fatos relacionados ao ápice da crise, que foi a demissão do

6 Disponível em: http://www.df.gov.br/noticias/item/6090-ex-comandante-esclarece-troca-da-lideran%C3%A7a-da-pm.html Acesso em: 19 de junho de 2014.

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comandante-geral. O tom da reportagem, porém, preserva-se amistoso e

procura uma linha defensiva, explicativa e tenta minimizar o desgaste político,

por exemplo, ao falar que a troca do dirigente “não está relacionada à

corrupção”, conforme especulou a imprensa. A justificativa para a decisão mais

firme, da exoneração, foi tomada com o embasamento de erro administrativo,

conforme o comunicado, o que demonstra uma postura do órgão em formar a

opinião pública no sentido de que o Estado ou a atual gestão não compactua

com atitudes que lesem os cofres públicos e o cidadão.

O mesmo texto foi um dos últimos informes publicados pelo governo a

respeito da crise institucional, já que o conteúdo deste sanou as dúvidas da

imprensa e encerrou as suposições a respeito do caso. Entre as informações

contidas no documento está o fato de que o edital não tornava a compra

obrigatória e que os equipamentos eram de ponta, o que justificava o valor

elevado.

O ponto mais marcante do comunicado, no entanto, foi a declaração do

então ex-comandante Suamy Santana, reconhecendo o erro, assim como

recomendam agir os autores da comunicação em momentos de crise, de forma

a minimizar impactos: "eu errei porque estava na posição de comandante-geral

e não poderia responsabilizar os meus subordinados. Entendo que o

governador fez correto em trocar o comando para garantir a lisura dos

processos da Copa do Mundo e das Confederações”.

Defensivamente, o tom do discurso do então comandante é voltado à

tentativa de amenizar o impacto negativo na imagem do governo e da PM

gerado pela aquisição das capas de chuva. Além de assumir o suposto erro,

depois do cancelamento da licitação, atraindo toda a culpa para si próprio e

sem deixar respingos da crise em seus subordinados ou na corporação,

Santana encerrou um processo de especulações em que a imprensa buscava

responsabilizar alguém pelo fato.

Em momentos de crise institucional como este, Eid (2003, p. 7) aponta

que “assumir o erro, retificá-lo e informar isso à sociedade é um processo que

constrói relações de confiança com a imprensa e a opinião pública”, o que foi

tentado por meio desta postura.

No mesmo pronunciamento, o ex-comandante também destaca um

ponto crucial: a relação política, já que o cargo por ele ocupado é de confiança

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e assumido por indicação do governador. Na fala, ele afirma entender e aceitar

a atitude tomada pelo chefe do Executivo local de exonera-lo com vistas a

manter a transparência de aquisições e planejamentos para o Mundial de

Futebol da Fifa.

Esse comunicado, sob o olhar novamente da Teoria das Influencias

Seletivas (LASSWELL, 1948, apud WOLF, 2003), foi estruturado de tal forma

que informasse, persuadisse, não causasse atritos internos entre as

autoridades e subordinados, além de dar um basta nas consecutivas matérias

que estampavam o erro institucional, o que, pela análise, comprovou-se que

teve efeito positivo, uma vez que a crise foi encerrada.

2 CONCLUSÕES

Após o estudo deste caso, que compreendeu a leitura e a busca de

informações além das matérias propriamente analisadas neste trabalho

acadêmico, conclui-se que o processo comunicacional estabelecido pelo

governo para gerenciar esta crise institucional apresentou algumas falhas e,

possivelmente, falta de planejamento nas ações a serem tomadas em

momentos delicados como este, quando a mídia, em peso, procura por

informações que não são positivos para o órgão ou instituição pública.

Entre os principais problemas percebidos somente na análise dos

discursos no Correio Braziliense e em O Globo, além dos comunicados

enviados pelo Executivo e disponível na Agência Brasília de Notícias, portal do

próprio Governo do Distrito Federal, percebe-se a dificuldade em fazer um

posicionamento rápido e preciso.

Em qualquer crise, obviamente, tem-se dificuldades iniciais para

estabelecer o processo comunicacional e, neste momento, podem ocorrer

erros. No caso da PM, no entanto, houve uma sucessão deles. Iniciou-se, por

exemplo, com a lentidão em falar abertamente sobre o fato e esclarecer o

ponto de vista do Estado em relação à aquisição do material.

Na mesma linha do tempo, houve o excesso de emissão de notas oficias

para, finalmente, começar o diálogo com a imprensa e prestar informações

acerca da crise. No processo de formação da opinião pública, com base da

Teoria das Influências Seletivas (LASSWELL, 1948, apud WOLF, 2003),

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percebe-se que a quantidade de comunicados criados e repassados à

imprensa pode gerar confusão, tanto para os repórteres – que se não tomarem

conhecimento de uma delas ficam desatualizados – quanto a população em

geral, que é o principal interessado em saber os desdobramentos desse fato

público.

Concomitantemente, constata-se, no primeiro discurso do comandante,

um despreparo em falar com a imprensa – evidenciado na reportagem do

Correio Braziliense –, o que poderia ter sido evitado com a orientação precisa

da fonte pelos assessores de comunicação. Esse erro, porém, foi superado

posteriormente, conforme mostrado no desempenho do mesmo oficial em uma

entrevista coletiva que ocorreu no fim de sua gestão, para explicar o fato.

Neste contato com a imprensa, que foi o último feito simultaneamente

com vários veículos locais e nacionais, o ex-comandante foi preciso, objetivo e

esclareceu todos os detalhes do caso. Isso, perante a imprensa, foi suficiente

para finalizar esta crise institucional.

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