comunicação_e_informação,_goiânia-11(2)2008-what_does_citizen_kane_have_to_do_with_queen_christina_the_politics_and_economics_of_gender_stereotypes_in_hollywood´s_film_industry.pdf...

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O que o Cidadão Kane tem a ver com a Rainha Christina? A economia e a política dos esteeótipos de gênero no cinema de Hollywood Sandra de Souza Machado 240 What does Citizen Kane have to do with Queen Christina? The politics and economics of gender stereotypes in Hollywood's film industry O que o Cidadão Kane tem a ver com a Rainha Christina? A Economia e a Política dos Estereótipos de Gênero no Cinema de Hollywood SANDRA DE SOUZA MACHADO Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História - PPHIS da Universidade de Brasília - UnB "As mulheres que trabalham por elas mesmas têm contra si uma conspiração de famintos por dinheiro, os quais têm o ofício de arrecadar grandes somas - e, com freqüência, quanto mais obsceno e luxurio é o filme, maior será o lucro". Jeannine Yeomans Resumo Dados e pesquisas atuais mostram que o cinema norte-americano feito para as massas movimenta entre 10 e 12 bilhões de dólares, por ano, com a produção, exibição, distribuição, bilheterias, vendas de vídeos e DVDs, em escala mundial, que cresce a cada ano. Apesar de seus lugares-comuns, clichês, e fórmulas prontas, este cinema procura se adaptar e acompanhar as exigências "politicamente corretas" e novas preocupações, em nível global, com questões como o racismo, sexismo, gênero, meio ambiente, questões religiosas e sócio-culturais. Mas, em pleno raiar deste século XXI, pouco mudou, de fato, principalmente, no que tange aos problemas de gênero. Aos que reclamam contra os estereótipos femininos que se perpetuaram e se repetem desde o século passado, exaustivamente, na mídia norte-americana e no Ocidente, por conseguinte, os executivos dessa mídia argumentam que a economia e a política cultural da indústria tornam impossível aos produtores evitarem tais estereótipos de gênero. As mulheres, em todo o mundo, ainda têm que lidar com o fato de que muitos produtores (a maior parte) do cinema estão muito mais preocupados em serem chamados de racistas, por exemplo, do que de misóginos. Palavras-chave: Cinema, Gênero, Estudos Culturais, Psicanálise, História. Introdução De acordo com a American Motion Picture Association, os filmes produzidos em Hollywood arrecadaram, somente no ano de 2001, U$ 9 bilhões (nove bilhões de dólares). A soma não inclui o aluguel e a venda de vídeos, CDs e DVDs. E, aos que reclamam contra os estereótipos femininos que se perpetuaram e se repetem desde o século passado, exaustivamente, na mídia norte-americana, e no Ocidente, por conseguinte, os executivos dessa mídia argumentam que a economia da indústria torna impossível aos produtores evitarem tais padrões de representações. O presidente da UPN (United Paramount Network), rede de televisão norte-americana notada pelas diversas produções de seriados e sitcoms (situation comedies), Dean Valentine, afirmou recente- mente que as únicas pessoas que os

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  • O que o Cidado Kane tem a ver com a Rainha Christina?A economia e a poltica dos esteetipos de gnero no cinema de HollywoodSandra de Souza Machado

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    What does Citizen Kane have to do with Queen Christina?The politics and economics of gender stereotypes in Hollywood'sfilm industry

    O que o Cidado Kane tem a ver com a Rainha Christina?A Economia e a Poltica dos Esteretipos de Gnero noCinema de Hollywood

    SANDRA DE SOUZA MACHADODoutoranda do Programa de Ps-Graduao em Histria - PPHIS da Universidade de Braslia - UnB

    "As mulheres que trabalham por elas mesmas tm contra si uma conspirao defamintos por dinheiro, os quais tm o ofcio de arrecadar grandes somas - e, comfreqncia, quanto mais obsceno e luxurio o filme, maior ser o lucro".

    Jeannine Yeomans

    Resumo

    Dados e pesquisas atuais mostram que o cinema norte-americano feito para asmassas movimenta entre 10 e 12 bilhes de dlares, por ano, com a produo,exibio, distribuio, bilheterias, vendas de vdeos e DVDs, em escala mundial, quecresce a cada ano. Apesar de seus lugares-comuns, clichs, e frmulas prontas, estecinema procura se adaptar e acompanhar as exigncias "politicamente corretas" enovas preocupaes, em nvel global, com questes como o racismo, sexismo,gnero, meio ambiente, questes religiosas e scio-culturais. Mas, em pleno raiardeste sculo XXI, pouco mudou, de fato, principalmente, no que tange aos problemasde gnero. Aos que reclamam contra os esteretipos femininos que se perpetuarame se repetem desde o sculo passado, exaustivamente, na mdia norte-americana eno Ocidente, por conseguinte, os executivos dessa mdia argumentam que aeconomia e a poltica cultural da indstria tornam impossvel aos produtores evitaremtais esteretipos de gnero. As mulheres, em todo o mundo, ainda tm que lidar como fato de que muitos produtores (a maior parte) do cinema esto muito maispreocupados em serem chamados de racistas, por exemplo, do que de misginos.Palavras-chave: Cinema, Gnero, Estudos Culturais, Psicanlise, Histria.

    I n t roduo

    De acordo com a AmericanMotion Picture Association, osfilmes produzidos em Hollywoodarrecadaram, somente no ano de2001, U$ 9 bilhes (nove bilhes dedlares). A soma no inclui o aluguele a venda de vdeos, CDs e DVDs.E, aos que reclamam contra osesteretipos femininos que seperpetuaram e se repetem desde osculo passado, exaustivamente, na

    mdia norte-americana, e noOcidente, por conseguinte, osexecutivos dessa mdia argumentamque a economia da indstria tornaimpossvel aos produtores evitaremtais padres de representaes.

    O presidente da UPN (UnitedParamount Network), rede deteleviso norte-americana notadapelas diversas produes de seriadose sitcoms (situation comedies),Dean Valentine, afirmou recente-mente que as nicas pessoas que os

  • anunciantes querem ver nos filmese seriados so homens milionriosde 28 anos de idade, quepreferencialmente vivam emManhattan.

    A professora de Comunicao ediretora-executiva do Centro paraEstudos das Mulheres em TV e noCinema, da San Diego StateUniversity, Martha M. Lauzen,reporta, em suas pesquisas anuaissobre o contedo da mdia norte-americana que h mesmo menosmulheres em papis principais e queos filmes e seriados onde hpersonagens femininas tendem a sercolocados em horrios soltos, ouseja, fora dos horrios nobres dasgrades das redes de TV. Ainda deacordo com a pesquisadora, quantomais atrizes e criadoras houver emuma produo, mais provavelmenteo programa ser remanejado ecercado por outros programas queno recebem ndices altos dereceptividade ou aes.1

    Martha Lauzen tambm considerada uma das mais confiveisfontes sobre estatsticas a respeitodo nvel de emprego das mulheresna indstria de Hollywood, naatualidade. Os nmeros apresentadosem suas pesquisas, sobre os nveis deemprego e ocupao para as mulheres,so contundentes. No ano de 2007,dos 250 filmes mais rentveis deHollywood, apenas 6% (seis porcento) foram dirigidos por mulheres.Houve queda, inclusive, em relaoao ano de 1998, quando a estatsticachegou a 9% (nove por cento).Hollywood sente-se muito maisembaraada sobre ser rotulada comoracista do que como sexista2 ,afirma a pesquisadora.

    O site californiano Media byNumbers, especializado emestatsticas sobre renda dasbilheterias, exibio e distribuio dosfilmes produzidos pela indstria decinema dos EUA, confirma os dados

    de Martha Lauzen. Em 2007, todosos 30 filmes mais rentveis lanadosdurante o vero norte-americanoforam feitos por homens. Asexplicaes dos especialistas altosexecutivos, publicitrios eprofissionais de marketing dosgrandes e mdios estdios de cinema so vrias, mas a mais comum ade que as mulheres engajadas naproduo e direo de filmes no seinteressam e/ou no querem serresponsveis por um cinema quevende violncia, sexismo, mensagense piadas banais ou grotescas.

    Ningum sonharia em contratardiretoras como Nora Ephron ou SofiaCoppola para fazer o novo filme deJames Bond, mas, uma vez mais, porqu elas estariam interessadas (emfaz-los)?3 , pergunta Terry Press,veterano publicitrio dos grandesestdios de Hollywood. Amy Pascal,co-presidente da Sony Pictures, umdos maiores estdios do mundo,engrossa o coro ao afirmar que podeser, simplesmente, uma questo deauto-seleo, desde que a maioriados estdios produz filmes focadosem espectadores masculinosjovens.4

    Por outro lado, a pesquisadora epsicloga Nancy Hass atestapesquisas feitas nos ltimos anos, poranunciantes e profissionais daindstria de filmes, onde secomprova que as mulheresespectadoras tendem a deixar queos homens (maridos e/ou namorados)controlem o que assistem na TV ouat no cinema. ... As mulherestendem a deixar que os homenscontrolem o remoto. A audincia daNFL, por exemplo, composta por40% de mulheres, embora asmulheres raramente assistam apartidas de football sozinhas.5 ANFL (National Football League) a liga de futebol norte-americana,que possui sua prpria rede de TV erdio.

    1 Lauzen, Martha M. When MarketingImperialism Matters: An Examinationof Marketing Imperialism at theManager Level. San Diego, California:California University Press, 1991.

    2 Entrevistas e estatsticaspublicadas pelo jornal Los AngelesTimes, em 20 de maio de 2008.

    3 Ibid.

    4 Ibidem.

    5 Entrevista com Nancy Hass pelosite canadense www. media-awareness.ca

    241Cinema Comunicao & Informaov. 11, n. 2: p. 240-260- jul./dez. 2008

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    O tambm pesquisador PaulKrumins entrevistou profissionais daindstria de filmes e TV e confirma,em um resultado bastante misginode suas pesquisas, que osprofissionais da mdia norte-americana afirmam que as mulherespodem fazer de tudo, ou qualquercoisa, para se aconchegaremconfortavelmente com seus maridose namorados.6

    Nancy Hass relata, ainda, que oshorrios nobres das redes de TV tma tendncia a serem voltados audincia masculina e que os filmese seriados programados nesseshorrios, que no esto focados empersonagens masculinos, tm queestrelar tipos de mulheres queagradariam ao olhar masculino.

    O C inema

    Nos estdios de cinema dosEUA, os mesmos argumentoseconmicos so usados pelosprofissionais de marketing aoexplicarem a abundncia dosesteretipos femininos nasprodues audiovisuais. Os filmesque carregam nas doses de sexo eviolncia so grandes vendedoresinternacionais, e os mercadosestrangeiros so detentores deaproximadamente 60% dos lucros daindstria de cinema norte-americana.

    A causa do sucesso seria que acombinao de sexo e violncia no apoiada em roteiros inteligentes,intrincados, baseados em culturasdiferenciadas, ou mesmo ematuaes convincentes pelos atores.A combinao seria traduzvel,perfeitamente, por entre as culturasdo mundo.

    A roteirista de cinema RobinSwicord conta que muito difcilconseguir fazer filmes que seriamgenuinamente feministas, ou mesmoque retratassem as mulheres de

    forma justa. E a diretora e crticade cinema Jan Wahl, ganhadora doprmio Emmy, afirma que Hollywoodse interessa somente em fazer filmessobre o que os homens querem,como os feitos para velhosestranhos/excntricos e comdiasdesleixadas sobre sexo. Eu nuncavi nossa cultura em to m forma.7

    Para Wahl, as audincias(espectadores) internacionaistambm so culpadas pelo sexo eviolncia do cinema de massa: Omundo inteiro deve ter que mudar,para que os filmes feitos paramulheres, em Hollywood, sejam maisinteligentes.8

    Os especialistas em marketing epublicidade e propaganda atestamque os esteretipos so inevitveisna cultura de massa, especialmente,na indstria do entretenimento(cinema, televiso, notcias,publicidade). Para arrebanhar ummaior nmero de pessoas, querapidamente absorva as informaespassadas, os esteretipos atuamcomo cdigos que proporcionam oentendimento fcil e comum a um e/ou a vrios grupos, em culturasdiversas.

    Esses cdigos relacionam-se sclasses sociais, etnia ou raa, gnero,orientao sexual, papis sociais ouocupao. Ao mesmo tempo, osesteretipos so problemticos, poispodem reduzir uma larga escala dediferenas entre as pessoas acategorias simplistas, e transformarsuposies sobre um grupo particularde pessoas em realidades.Tambm podem ser usados parajustificar a posio de poder dealguns e para perpetuar ospreconceitos e as desigualdadessociais.

    Mais freqentemente do que seimagina, os grupos sociais que estosendo estereotipados tm pouco adizer sobre o modo como sorepresentados. difcil definir a linha

    6 Entrevista com Paul Krumins pelosite canadense www.media-awareness.ca

    7 Entrevista ao site www. media-awareness.ca

    8 Ibid.

  • que separa, aps mais de 110 anosdesde a criao do cinema e outrosmais de 70 anos de televiso, quemimita quem, realidade ou fico.

    No que tange aos esteretiposde gnero, especialmente, emrelao s mulheres, os cdigoscriados, desde o incio, para o cinema,primeiro meio de comunicao demassa no mundo, foram e soalarmantes. As teorias de mdicos epsiquiatras vitorianos sobre a histeriafeminina permanecem vivas nocinema industrial at hoje. Asmulheres ocidentais inadaptadas,do sculo XIX e da primeira metadedo sculo XX, eram internadas emhospcios e sanatrios, sobautorizao de maridos e/ou pais.Isso quando no eram assassinadaspelos prprios, com a condescen-dncia da Lei.

    No cinema de massa, desdesempre, as personagens femininasque no so boas mes, esposas, ouparceiras, so penalizadas de todasas formas. Quase inexoravelmente,os roteiros dos filmes do um finaltrgico ou infeliz s inadaptadas.Por estas pode-se classificar, deacordo com a poca do filme, umavariedade de tipos diferentes.Mulheres independentes, inteligentes,profissionais, ou mesmo asandrginas/bissexuais/lsbicas, queno so adaptveis aos personagensmasculinos, lderes e estrelas dequalquer filme clssico produzidodentro dos esquemas de estdios, outerminam por se adaptar ou o finalser melanclico e dramtico paraelas.

    Acabam mergulhadas na solido,no alcoolismo, nas drogas, naprostituio (em cabars ou nasruas), engordam (ou so feias eas famosas mal amadas), somortas, assassinadas, ou suicidas eauto-destrutivas.

    Diretores famosos dos clssicose do cinema de massa de Hollywood,

    mestres na arte flmica, parecem terum esmero especial pelaperpetuao dos esteretiposfemininos. E foram seguidos pelosdiretores mais novos, tanto nocinema como na televiso. Dentreeles, as crticas e tericas feministasdo cinema fazem especial menoaos diretores cujas obras foram e so,at o presente, consideradas pedrasfundamentais para a perpetuaodesses cdigos de comportamento.

    Orson Welles, com CidadoKane (1941), filme que lidera a listados 100 melhores do mundo h anos,talvez seja o mais citado entre aspesquisas, ensaios, e crticasfeministas sobre o cinema. Emtermos de inovaes nacinematografia, Cidado Kanerepresentou um marco. Mas, para asmulheres, o filme que mais intensae inteligentemente vende os pioresesteretipos femininos, emmensagens subliminares disfaradaspelas tcnicas cinematogrficasintroduzidas, ou aperfeioadas, porWelles no cinema mundial.

    O que Cidado Kane tem a vercom Rainha Christina que esteltimo outro clssico da filmografiade Hollywood, que introduz talvez onico esteretipo feminino deixadoem paz por Cidado Kane: o damulher andrgina/bissexual/lsbica,que castrada em seu papel decomplemento no mito dos trssexos, de Plato, o qual JacquesLacan9 explica como sendo o desejohumano de recuperar ocomplemento que falta, aps adiviso do total original.

    Queen Christina (1933)revela a andrgina imagem da atrizGreta Garbo, em um de seus papismais marcantes e controversos, que a rainha bissexual sueca que, nocinema de Hollywood, acaba noexlio e renuncia ao trono. A realpaixo pela sua dama de companhiamal colocada no filme

    9 Seminrio XX, de Jacques Lacan,sobre a sexualidade feminina.

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    hollywoodiano e, mesmo havendorecuperado a feminilidade, no final,ao ter um caso amoroso com umhomem, deve exilar-se (ou obriga-se ao exlio) por ser o companheiroescolhido um estrangeiro, umespanhol. Fica registrada a marcatambm do preconceito semprepresente contra os povos no anglo-saxnicos.

    Rainha Christ ina: Uma Crt icasobre a Castrao do (Desejo)Femin ino

    O que fazer com uma rainha dosculo XVII, com atitudesindependentes, controversas, que seveste como homem e governa evive como um homem? Christina,coroada rainha da Sucia (1626-1689), era bissexual em suaorientao, de acordo com registroshistricos. Tambm na literaturahistrica, ela coroada aos seis anosde idade, em 1632, aps a morte dopai em campo de batalha, numaguerra que j durava 14 anos, pelacausa Protestante.

    A literatura disponvel descreveque, aps 16 anos, desde a suacoroao, Christina finalmenteassina os tratados de paz e o fim dagrande Guerra dos Trinta Anos.Entre atos marcadamentemasculinos, de decises indepen-dentes, que muitas vezesdispensavam os conselhos detutores, a rainha tinha casosamorosos descompromissados comlordes e condes da corte, mas eranotria a preferncia por sua damade companhia, a condessa EbbaSparre, com quem pareceria sermais feliz. Entre presses da cortee dos sditos, por um casamentoconvencional com um heri suecoda guerra, a rainha opta pelaabdicao e pelo exlio.

    Esta uma histria singular.nica e glamourosa, ao menos em

    termos do que se tem disponvel nosndices histricos.

    Pois bem. O cinemahollywoodiano, emergente comocultura de massa dominante noOcidente, haveria de contar essahistria atpica, mas ocidental, dequalquer modo.

    A rainha escolhida aandrgina, enigmtica, atriz suecaGreta Garbo. Queen Christina(1933) ser seu filme mais lembrado,com close-ups (planos detalhe)longos e memorveis de sua figuranrdica e indecifrvel, assim comoseriam indecifrveis as opespessoais da rainha.

    A convergncia de showwindow (vitrine) e tela de cinema,ao comparar espectadores de filmesa consumidores casuais, dentro daento nascente indstria cultural,estabelece o cinema e, mais tarde, ateleviso e as lojas de departamentocomo criadores de cdigos dasociedade burguesa. Nos pasesindustriais, os atos de ir ao cinema ede passear nas grandes lojas, criadasnesses pases na virada do sculo XX,inspirados no olhando semobrigao de comprar, preenchemos buracos deixados pelascontradies do capitalismo: as deoferecer produtos/fantasias comocompensaes pelas deficincias navida social.10

    Esses atos so mostrados comoextenses, ao menos visuais, dealcance aos bens de consumocriados pela Revoluo Industrial, dosculo anterior. A cultura de consumo dessa forma estendida atrabalhadores que, de nenhuma outraforma, teriam acesso aos bensindustrializados.

    Ao seguir esse conceito, ocinema tornou possvel s massas afamiliarizao com os bens e representao do mundo das classesmdia e alta como uma extenso doespao da vida diria. Da mesma

    10 French, Brandon. The QueenChristina Tie-Ups: Convergence ofShow Window and Screen. New York:Frederick Ungar Publishing Co., Inc.,1978.

  • forma que viver desnuda janelas, asestrelas de cinema tambm se tornamum momento na reificao/objetificao da cultura, dentro daera industrial.

    O filme Queen Christina,dessa forma, reina como um dospoucos clssicos lsbicos/bissexuais,o qual oferece um brindedescompromissado s espectadorashomo ou bissexuais: a andrginaGreta Garbo no papel da rainha queseria bissexual. Por outro lado, ofilme possui um discursoheterossexual mascarado. E atragdia romntica da rainha acabapor fracassar, ao menos em termosde bilheteria, na poca.

    A Estr ia (ou Enredo)

    O enredo retrata a rainha comosendo decidida, desde sua coroaona primeira infncia, com impulsose determinaes masculinas.Apesar da pouca idade, ela conduz-se ao trono sozinha e profere umdiscurso forte, auto-centrado, masde acordo com os interesses doshomens da Sucia, e prometevencer a guerra. A determinao deChristina prontamente justificadapelo seu tutor, o regente do conselho:Seu pai, nosso rei, criou esta crianacomo um menino, acostumou seusouvidos aos sons das balas decanho, e lutou para moldar seuesprito como o seu prprio.

    Da cena da coroao, oespectador levado Christina, 16anos mais tarde, cavalgandofuriosamente pelas florestas, emdisfarces que cruzariam as linhasdo gnero, vestida com calas,camisa com colarinho, e um grandechapu, alm de botas. A guerrahavia sido vencida pela Sucia, masa duras perdas para o Pas. O povoe a corte desejam um casamentopara Christina com um dos grandesheris suecos, o primo e prncipe

    Charles. A resposta da rainha ummascarado Eles clamam por isso.

    Christina retratada como tendoamantes masculinos na corte, masaos olhos de todos, de fato, a rainhaparece mais feliz com sua damade companhia. Na seqncialesbiana do filme, ela beija sua damana boca, de forma afetuosa, masprecisa atender s obrigaesoficiais, ao invs de passear comsua amante. A dama reclama que sempre assim e que elas jamaispodem ficar livres para ir a lugaralgum. A rainha promete que, naqueledia, seria diferente e elas iriampassar trs dias no campo.

    Mas, ao atender s reunies,Christina abordada novamentesobre o casamento com um sueco eh rumores sobre um supostointeresse seu em casar-se com umestrangeiro (o amante espanhol). Elainsiste que so rumores apenas e queela no quer se casar com ningum,que j basta tudo que tem que fazerem nome do dever e dos mortos (seupai).

    A rainha acaba por apaixonar-se pelo embaixador espanhol, comdireito a uma cena memorvel deGreta Garbo e seu amante no quartode uma taverna, e o filme terminacom a fuga, o auto-exlio de Christina.Desnecessrio dizer que o filmecausou problemas de censura, napoca, polmicas que ajudaram acuriosidade popular, e que no foinomeado para nenhum dos prmiosda Academia de Cinema deHollywood.

    Sexua l idade e Poder

    Pode-se inferir que o filmeproduz um julgamento negativo sobrea masculinidade de Christina,baseado numa leitura do seu exliocomo uma punio, e sugere que oscdigos narrativos so mais fortesque outros cdigos, j que eles

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    ganham no final. Os laos dessescdigos narrativos das artesaudiovisuais, ao se analisar asemitica do cinema e a teoriaestilstica no representacional, comomovimentos de cmera, momentosde corte, msica (trilhas sonoras), eo estudo sistematizado de estilo dosfigurinos mostram como aambigidade da personagem e,conseqentemente, sua recusa emenquadrar-se no gnero femininoso objeto de castrao.

    As mulheres eram (e so athoje) encorajadas a freqentar salasde cinema e vdeo, principalmente,para ver estrelas vestindo-se deforma espetacular (espetculomesmo). No filme, h um formatogay de apropriao dos cdigos deestilo hollywoodiano de figurinos.

    Os desenhos do filme mostramuma austeridade puritana e torturasmedievais, num ensaio sobresexualidade e poder. Assim como oestilo do figurino de Greta Garbo, noenredo, antropomorfiza o poder,tornando inumanas suas prpriascaractersticas, por centr-lo em seucorpo o corpo da soberana.

    A necessidade de confirmar osexo real de Christina, acabandocom o disfarce que vai de encontro moralidade convencional, a fim deresolver a ambigidade do gnerocorretamente, o texto subliminar.Tanto que, inspirada pelo filme, napoca, a grande loja dedepartamentos norte-americana,Macys, comercializou casacos,sobretudos, e vestidos de damas,mas no as calas ou as botas.Assim, as donas-de-casa poderiamtornar-se rainhas e damas, semperigos para a feminilidade.11

    C inema, Gnero e Ps ican l i se

    A rainha Christina, enquantopersonagem histrico, extica, masno se pode afirmar ser exceo para

    seu tempo e, observado o espao queocupa, enquanto soberana de umpas, uma semi-deusa, por assimdizer. Assim como outros reis erainhas, poderia dar-se permissopara o exerccio do gnero e dasexualidade que lhe conviesse, desdeque no fossem transpostos oslimites e interesses do reino.

    J Queen Christina, enquantopersonagem da cultura de massa, nosanos 1930, e at os dias atuais, umaexceo e est fora do tempo e doespao ocidentais. H, claramente,no enredo e nos cuidados do roteiro,a necessidade da punio e dacastrao do que seria o lesbianismo:a emerso do terceiro gnero, coma conseqente transcendncia restrio binria ao sexo, impostapelo sistema da heterossexualidadecompulsria. Esta estaria no interiorde uma economia sexualmasculinista, onde as linhassubliminares da lealdade e do poderesto seguras.12

    O fracasso de bilheteria do filmee a falta de indicaes aos prmiosda Academia de Cinema seriaminexplicveis, no fosse a ameaaque a histria da indefinvel rainhasueca posa sobre esses sistemaselaborados (o falocentrismo e aheterossexualidade compulsria),redefinidos e debatidos nos estudosde gnero, da psicanlise efeministas.

    Seno, vejamos: QueenChristina tem um bom diretor,Rouben Mamoulian; foi filmado comos timos recursos dos estdios daMGM; e estrelado pelas figuras dostar system, como a prpria GretaGarbo, talvez a maior daqueles anosem Hollywood. Mas, o fato de oroteiro, co-escrito por Salka Viertel,uma escritora que tambm era atrize amiga pessoal de Garbo, terafirmado e reafirmado a indecifrvelpersona da rainha, que era tambmrei, foi demais para os padres

    11 Ibid.

    12 WITTIG, Monique. One is Not BornA Woman. Feminist Issues, Vol. 1,No. 2., 1981 apud BUTLER, Judith.Problemas de Gnero: Feminismo eSubverso da Identidade. Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 2003.

  • estabelecidos.Crticos e pblico foram

    estremecidos pelas manchetes ecartazes do filme, que anunciavama histria da mulher do sculo XVII,que amou com uma loucura dosculo XX e, ainda, foi coroada Reida Sucia (sic), viveu e governoucomo um homem....

    Dentro da linguagem cintica,das tcnicas cinematogrficas, e doembasamento histrico-cultural docinema enquanto arte, h, ainda,outras formulaes para oestranhamento e a falta deidentificao com a rainha sueca.

    Segundo Judith Butler13 , arepresentao poltica e lingsticaestabelece os critrios segundo osquais os sujeitos so formados. Asqualificaes do ser sujeito tm queser atendidas para que arepresentao seja expandida. Parapromover a visibilidade poltica dasmulheres, h que ser desenvolvidauma linguagem capaz de represent-las, dentro da condio cultural ondea vidas das mulheres ou malrepresentada ou simplesmente no representada.

    No filme, a rainha Christinararamente representa o Outro, nosentido psicanaltico da imannciafeminina ao esquema falocntrico.Se, para Simone de Beauvoir14 , ognero construdo e a mulher nonasce mulher, mas torna-se mulher,Christina entra em cena j com umdiscurso de haver sido criada comoum homem e, mais tarde, todas assuas atitudes como governante oucomo amante so retratadas deforma a reforar a ambigidade e oenigma de seu gnero ou de suasexualidade.

    A cmera e a cinegrafia deWilliam Daniels, o favorito de GretaGarbo, refletem a mstica e a figuraenigmtica da rainha. So planosabertos, em que a personagemcavalga com deciso, ou, nas

    tomadas em que ela trabalha comosoberana, h o uso do recurso deCmera Baixa, que reala a figura,inclusive em sua altura, tcnicafreqente para engrandecer ospersonagens masculinos nas artesaudiovisuais.

    H, tambm, os planos detalhe(close-ups) de durao incomum norosto de Garbo, em momentos dedevaneio, onde nem o espectador enem ela parece ser identificvel. Esteplano fechado, com a rainha emdevaneio indecifrvel, tambm usado na tomada final do filme, umdos momentos mais famosos dafilmografia de Greta Garbo. Atmesmo o diretor chega a indagar atriz o que ela havia pensado.

    Essas tcnicas, recursoscinematogrficos, e a histria per sedeixam a marca do que inominvel.Isto em uma cultura e em ummomento histrico onde a sociedadenorte-americana e o resto doOcidente sofriam o perodo entre asduas Grandes Guerras e os efeitosda crise financeira provocada pelaquebra da Bolsa de Valores de NovaYork, em 1929.

    Se o gnero pode ser todeterminado e fixado quanto aformulao de que a biologia odestino, a cultura pode se tornar odestino.15 Na relao entre cinema epsicanlise, o espectador levado aparticipar do filme no s do lugar deonde se v, como tambm de onde visto. De outra forma, como explicaDinara Machado Guimares16 , osujeito-espectador torna-se objeto.Ele olha a si prprio olhando o filmee devolve a sua imagem aospersonagens. Enfim, ele no podever l, onde visto. Esse seria oestranho familiar.

    A autora acrescenta que atravs do raciocnio do olhar doespectador como sujeito-autor participante, com sua prpriabagagem emocional, histrica,

    13 BUTLER, Judith. Feminismo eSubverso da Identidade. inProblemas de Gnero. Rio de Janeiro:Civilizao Brasileira, 2003.

    14 BEAUVOIR, Simone de. O SegundoSexo Vol. 2: A Experincia Vivida.Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1980.

    15 BUTLER, Judith. Sobre se h ouno um gnero que as pessoaspossuem. Op. Cit. p. 26.

    16 GUIMARES, Dinara Machado.Vazio Iluminado: O Olhar dosOlhares. Cinema & Psicanlise. Riode Janeiro: Notrya Editora, 1993.

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    cultural e psicolgica que nostornamos objeto e nos vemos namultitude dos personagens, situaese lugares, ao devolver, ento, nossaprpria imagem a estes, ao sermosvistos por estes, acontece aidentificao o estranho familiar.Esta identificao seria oaprofundamento das teorias daproduo do inconsciente e dasubjetividade humana, elaboradaspor Freud e re-elaboradas por Lacan.

    Como, ento, haveria aidentificao daquele pblico, oumesmo nossa, mais de 70 anos apso lanamento do filme, com qualgnero? Queen Christina tornou-se um clssico cult por ser o que ,inominvel. Escapou, num momentoraro de Hollywood, ao determinismogrosseiro da cultura de massa ou daindstria cultural.

    Para Pauline Kael, filsofa eensasta da revista The New Yorker,o cinema uma experincia quasesexual, pessoal, emocional, viscerale, evidente, passional. Deve-setomar isso no modo de olhar umaobra. No h como se contentar coma descrio do visvel, ou com asimples sucesso de identificaesimaginrias, envolvendo personagense espectadores. H a linguagem ealm, a identificao do ser, que vemsendo transformado a largos passosna contemporaneidade.

    No campo escpico, quando oolhar um quadro transforma o sujeitoem objeto. o quadro que voltacomo olhar e passa-se a fazer partedele; -se presente no quadro. E oqu seriam as mulheres emChristina?

    Um Pouco mais de Ps ican l ise

    No cinema clssico, a imagemdas mulheres tipicamente tornadaum fetiche por close-ups que semantm por longa durao, os quais,pela clara interrupo da fluncia da

    narrativa, constituem o sujeito mulhercomo um espetculo. Tambm sousados os recursos de figurinosglamourosos, maquiagem, iluminao,e at mesmo os cuidados no arranjodas locaes de filmagem. H umaexcessiva idealizao da imagem daestrela feminina, dominante emtermos da construo do fetiche.

    Em Queen Christina, essasrepresentaes so ameaadas pelouso sucessivo e permanente deobjetos e linhas que cruzam asfronteiras do gnero e dasexualidade. Por meio de umaabertura da perspectiva psicanaltica,pode-se inferir possveis alternativasao cinema dominante e, secundaria-mente, especificidade de posicionaro espectador que possui o gneroneste cinema.

    Segundo Annette Kuhn17 , aoexaminar os argumentos psicanal-ticos que tangem constituio dasubjetividade, se masculina oufeminina, Lacan oferece a teoria daformao do sujeito com gnero nalinguagem. A construo dessesujeito se daria pelo Complexo dedipo, o qual estrutura oconhecimento da diferena sexual.A menina, dentro da ordem doSimblico, teria a relao estruturadapela falta (do falo) e por ser o Outro.Essa teoria contra argumentada porcorrentes feministas, que a colocamcomo uma operao central dopatriarcado, e que o carter dasrelaes socio-familiares doComplexo de dipo adquirelinguagem de acordo com o mesmoprocesso de organizao estruturalda sexualidade no patriarcado.

    Annette Kuhn transpe abarreira: se, no cinema, a evocaode certos modos de olhar sodirecionados subjetividademasculina, tomando-se por base queesta a nica subjetividadedisponvel, o que isso quer realmentesignificar para as mulheres enquanto

    17 KUHN, Annette. Womens Pictures Feminism and Cinema. Boston,Mass.: Routledge and Kegan Paul,1982.

  • espectadoras de filmes? E h que seconsiderar que as mulheres vo aocinema e constituem larga maioriada audincia, em certos gneroscinematogrficos. Ento, temos quedescentralizar a questo da retricado cinema dominante em capturar asmulheres porque, em alguns nveis,elas se identificariam com os modosde endereamento masculinos.

    Talvez, o gnero socio-biolgicoe a subjetividade do gnero nosejam necessariamente termoscoexistentes. E, ento, aespecificidade do masculino torna-se de algum modo culturalmenteuniversal? Aceita-se a hegemonia domasculino, nesse caso, enecessariamente o efeito seria o dedesfeminilizar a espectadorafeminina.

    Ao citar Luce Irigaray (1977) ea especificidade da relao damulher com a linguagem, Kuhnresume que esta relao femininacom a linguagem constitui um desafio totalidade ideolgica dasubjetividade construda, de acordocom o modelo Lacaniano, dentro eatravs da significao. Comoconseqncia, uma relao femininacom a linguagem poderia efetuar umasubverso da ordem Simblica.Irigaray e Kuhn confirmam, nisso, asubverso da gramtica do poder (domasculino).18

    Femin ismos , Ps i can l i se eC i n e m a

    A genealogia de Foucault, queengendra os lugares de fala e deonde surgem as condies deproduo, e os efeitos de sentido,tambm pode ser citada aqui, paraexplicar a representao, a naturezaconstruda da imagem que osmecanismos do cinema deHollywood lutam para esconder. Orealismo (uma aparente imitao douniverso social), que o estilo do

    cinema dominante, esconde o fatode que o filme construdo,perpetuando a iluso de que o que aplatia v natural. O estado deesquecimento semiconsciente emque o espectador entra permite queos prazerosos mecanismos dovoyeurismo e do fetichismo (ambostermos freudianos) fluam livremente.

    O fetichismo, um termofreudiano, refere-se perverso emque os homens buscam encontrar opnis na mulher, com o objetivo dealcanar para si satisfao ertica.Como exemplo, um cabelo compridoou um sapato tomam o lugar dopnis. Seria o medo da castraoque est por trs do fetichismo,impedindo que haja excitao sexualcom uma criatura que no tenhapnis, ou algo que o substitua. Nocinema, todo o corpo da mulher podeser fetichizado com o objetivo deneutralizar o medo da diferenasexual, isto , da castrao.19

    No caso do voyeurismo, como jcitado nas explicaes de DinaraGuimares, h a gratificao erticaobtida por uma pessoa ao mostrarseu corpo, ou parte dele, para outrapessoa, como prazer de ser vista oude se ver na tela. , ainda, oestranho familiar.

    Uma anlise neofreudiana doComplexo de dipo, em meninas,feita por Nancy Chodorow, atestaque, para a menina, a tarefa deafastar-se completamente da me,o primeiro objeto do seu amor, ainda mais difcil que a dos meninos.Pois tm, ainda, que encontrar alguminteresse ertico no pai. Uma vezque as meninas no podemsubstituir suas mes, como osmeninos fazem com suas mulheres,elas permanecem vinculadas deforma pr-edipiana s mes, mesmodepois de adultas, argumenta apesquisadora.20

    Se permanecem vinculadas smes, h a necessidade de

    18 KUHN, Annette. Womens Pictures Feminism and Cinema. Op. Cit. pp.63 e 64.

    19 KAPLAN, E. Ann. A Mulher e oCinema: Os Dois Lados da Cmera.Rio de Janeiro: Rocco, 1995, pp.31 e 32.

    20 CHODOROW, Nancy. TheReproduction of Mothering:Psychoanalysis and Sociology ofGender. Berkeley, California:University of California Press, 1978.

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    maternidade, o instinto maternocomo uma criao social que seperpetua, como afirma Tnia N.Swain.21 Segundo ela, estaperpetuao do instinto materno nasmeninas aparece enquanto evidncianos discursos e na interao dasnormas heterossexuais ereprodutivas, mecanismo desveladopelas anlises feministas.

    Uma relao de poder estaria nabase do sistema sexo/gnero.Colette Guillaumin22 atesta queideologicamente, as mulheres so osexo, inteiramente sexo, e usadasneste sentido. J os homens no sosexo, mas possuem um. A estariacriado o binrio e os papis sexuais,que girariam em torno da reproduoenquanto eixo principal.

    J Luce Irigaray (1977) invertea posio de que mulher sexo,para significar que ela no o sexoque designada a ser, mas, antes, ainda (encore) e no corpo (en corps) o sexo masculino. O modofalocntrico reproduz perpetuamenteas fantasias de seu prprio desejoauto-engrandecedor.23

    No cinema, segundo crticospsicanalistas, aconteceria com oespectador uma espcie deregresso condio infantil. Issoporque a experincia cinemato-grfica a que mais se aproxima dosonho, do que seria em qualqueroutra arte. A sala escura, o controledo olhar do espectador pelas tcnicascinematogrficas, a imagem real,que se move, tudo coopera para oprazer sexual em olhar/fitar. Ocinema dominante aproveita-se doato de olhar, que teria origenserticas, baseado em noesculturalmente definidas de diferenasexual.

    E. Ann Kaplan cita trs tipos deolhar/viso, no cinema:24 Dentro doprprio texto do filme, homens olhampara mulheres, que tornam-se objetosdo olhar. O espectador, por sua vez,

    levado a identificar-se com esseolhar masculino, e a objetificar amulher que est na tela. O olharoriginal da cmera entra em ao noexato momento da filmagem (h quese ressaltar aqui que este olhar construdo como mediao do filmeenquanto forma artstica).

    Em O Corpo Lsbico, aescritora Monique Wittig discorda deuma sexualidade genitalmenteorganizada per se e evoca umaeconomia alternativa dos prazeres, aqual contestaria a construo dasubjetividade feminina, marcada pelafuno reprodutiva que supostamentedistingue as mulheres. E Judith Butler(2003) acrescenta que a replicao dosconstrutos heterossexuais emestruturas no heterossexuais salientao status cabalmente construdo doassim chamado heterossexualoriginal. Assim, o homossexual para o hetero no o que uma cpiapara o original. Em vez disso, umacpia para uma cpia. O originalnada mais do que uma pardiada idia do natural e do original.

    Queen Christina e o Desejo foramCas t rados

    Se em Queen Christina asrepresentaes so ameaadas pelouso de objetos e linhas que cruzamas fronteiras do gnero e dasexualidade, elas distorcem e negama especificidade de posicionar oespectador que possui gnero, nocinema dominante.

    Como j posto, uma relaofeminina com a linguagem poderiaefetuar uma subverso da ordemSimblica, o que seria a subversoda gramtica do poder.

    O filme fracassa em bilheteria,no seu lanamento, pela insistente epragmtica tentativa de vedar avisibilidade poltica das mulheres, eao enquadramento a esteretipos,assim inibindo o desenvolvimento da

    21 SWAIN, Tnia Navarro (org.).Feminismos: Teorias e Perspectivas.Textos de Histria, Vol. 8, Braslia,DF, UnB, 2000.

    22 GUILLAUMIN, Colette. Pratique duPouvoir et LIde de Nature .Questions Fministes, No. 3, 1978.

    23 Apud BUTLER, Judith. Problemasde Gnero Feminismo eSubverso da Identidade, 2003. Op.Cit. pp. 31 e 32.24

    Op. Cit. p. 33.

  • linguagem que poderia represent-las, dentro mesmo da cultura demassa. A condio cultural dasmulheres, no Ocidente, foi, e ainda, mal representada ou norepresentada de forma alguma, sejadentro da indstria cultural, seja napoltica e nas leis que regulam a vidasocial.

    Queen Christina tornou-se umfilme cult entre mulheres feministas,lsbicas, bissexuais, transexuais,heterossexuais, o que seja,justamente pela falta de identificaoe pelo inominvel. O enigma deGarbo/Christina construiu umimaginrio que as mulheresraramente conseguem, dentro dacultura de massa. Apesar, ou talvezat mesmo, pela punio final doexlio e da abdicao da rainha. Seriamesmo punio? O nadarepresentado pelo close up final norosto da rainha no seria o mundonovo que ela quer? No seria, paraas mulheres, a fuga prpriacastrao do ser sexo ereprodutora?

    O olhar no devolvido na telade Queen Christina. Nem aomasculino e nem ao feminino. Oestranho familiar acontece nosmomentos em que a personagemassim o deixa e s. A ps-medievalrainha Christina seria, na verdade, umpersonagem do ps-modernismoemergente nos anos atuais.

    O fracasso da rainha, e de seufilme, ao pblico de leis puritanas dosculo passado pode ser explicadopela cineasta e ensasta LauraMulvey (1989), para quem asrepresentaes de mulheres podem,em vrios aspectos, constituir umaameaa ao observador. Ento, amulher como cone, mostrada parao gozo e prazer dos homens, oscontroladores ativos do olhar,sempre ameaa evocar a ansiedadeque originalmente significou. Numavolta a Freud e seu Complexo de

    dipo, e tambm numa visita steorias feministas, principalmente emNancy Chodorow (1978), estaansiedade pode ter sido evocadatanto nos olhares femininos quantonos masculinos.

    Christina soberana ao ser sexo. ativa ao ser soberana. criadacomo um homem, mas o corpo feminino. O corpo feminino, masnega-se a ser reprodutora de umherdeiro sueco. O figurino (amascarada) masculino, mas elano o original ao amar sua damae seus cavalheiros. Ela tem o poder,mas abdica dele. Ela foge e continuarainha/rei na Histria. Nela, aspremissas do natural e do binriocaem por terra. A castrao sobroupara o filme.

    E o C idado Kane?

    Em um estudo mais atento deCidado Kane (1941), o carro-chefe da filmografia do diretor OrsonWelles, e considerado pela crticaespecializada internacional, at hoje,entre os 10 (dez) melhores filmes detodos os tempos, questes histricasimportantes so desprezadas. Paraexemplificar: os grandes movimentospelo sufrgio para as mulheres;movimentos imigratrios femininospara os EUA; ondas dos primeirospassos dos feminismos, inclusive,devido ascenso em massa dasmulheres aos postos de trabalho,com a Segunda Guerra Mundial.

    No filme, apesar dessesmovimentos de poca, nenhumapersonagem feminina represen-tativa. Em Cidado Kane, aspersonagens femininas esto apenasfigurando, em pano de fundo, parauma trama essencialmentemasculina.

    No imaginrio de Welles, ou seja,em sua obra, a negao da formaoda histria, tambm pela mulher significada pela prpria nulidade ou

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    negatividade do feminino, nessaspersonagens de fundo. Nestamega produo do cinema deHollywood, que ultrapassou oslimites financeiros para os padresda poca, h caractersticasmarcantes, fundamentais dentro dahistria e da cultura flmicas, queclaramente lidam com o tema danegao histrica.

    Essa negao tpica dosdiretores de cinema que noconseguem trabalhar com a imagemfeminina e que so indiferentes ouat hostis para com as mulheres. Ospersonagens masculinos criados porOrson Welles so assim. Bemdesenvolvidos, eles so indiferentesou mesmo hostis s mulheres.

    Neste sentido, Molly Haskell(1987) afirma que, infelizmente, entreas dcadas de 1940 e at a de 1970,as imagens mais largamentedisseminadas das mulheres foramaquelas lanadas (e aceitas) pordiretores (de cinema) que nogostam de mulheres.25 A atitude damulher, como mostrada e perpetuadapelos diretores, seria a da maldade eda infidelidade (ou poucaconfiabilidade), em oposio generosidade.

    Haskell sugere que as obras decineastas como Orson Welles, JohnHuston, e Stanley Kubrick esto nacorrente principal da misoginia(Norte) Americana. Esses diretoresproduziram filmes onde a indiferenae/ou hostilidade s mulheres somarcantes, e seus personagens do-se melhor com os homens, os quaiseles entendem instintivamente e,sendo assim, devotam maiorateno.

    No caso especfico de Welles,toda sua obra comprova a tese damisoginia. Mesmo as peas teatraisde Shakespeare que dirigiu, seja empelcula ou nos palcos, ou soexclusivamente masculinas, oucontm grandes elencos e

    preocupaes masculinas. o casode Julius Caeser, MacBeth, Othello,e Falstaff.

    Em Cidado Kane, as mulheresso insignificantes, estereotipadascomo incapazes, mes infiis enenhum grande crdito dado aosexo feminino. As relaes maisinteressantes e melhor desen-volvidas, no filme, so aquelas entreos homens, que correm em conjuntocom as linhas subliminares dalealdade e do poder.

    Da mesma forma, taiscaractersticas so encontradas emoutros trabalhos cinematogrficos deWelles, como Marca da Maldade(Touch of Evil - 1958), O Processo(The Trial - 1962), e Mr. Arkadin.J em Soberba (The MagnificentAmbersons - 1942) e A Dama deXangai (The Lady from Shangai -1947), os dois nicos filmes de Wellesque tratam centralmente depersonagens femininos, as mulheresso responsveis pelo fim trgico dosheris masculinos. Seja peloexcesso ou pela falta de amor.

    Nos filmes em que as mulheresso apenas personagens satlites,como o caso de Cidado Kane,elas so responsveis, de qualquermaneira, pelo final trgico, imaturo,e marcado pela falta de amor doheri/personagem central. Assimcomo claro no esteretipo da meinfiel, que no amorosa, tambmdescrito por Simone de Beauvoir(1980)26 , o caso da personagem deAgnes Moorehead, em CidadoKane, e tambm o da personagemde Dolores Costello, em Soberba,que representa a figura da me queencanta em seu aspecto maisdestrutivo.

    Essa figura materna negativa no diferente da me em Filhos eAmantes (me do artista enquantoum jovem dipo...), de D. H.Lawrence, numa relao freudianato significativa na atitude masculina

    25 HASKELL, Molly. From Reverenceto Rape: The Treatment of Women inthe Movies. Chicago: The Universityof Chicago Press, Second Edition,1987.

    26 BEAUVOIR, Simone de. O SegundoSexo - Vol. 2: A Experincia Vivida,1980. Op. Cit.

  • que busca e, ao mesmo tempo, falhae padece emocionalmente emrelao s mulheres. Para Haskell(1987), esse fracasso emocionalmasculino de bvia importnciapara a maioria dos papis femininos,tanto na literatura quanto no cinema.Principalmente, nas trs dcadasseguintes Segunda Guerra Mundial,com os movimentos pelos direitoscivis das mulheres nos EstadosUnidos (o que tambm ocorre emalguns pases europeus).

    O grande boom por esses direitos,por condies sociais, e de trabalhoe salrios iguais aos dos homens teriaacentuado a dificuldade masculinaem lidar com suas prpriasdeficincias. A pesquisadora eensasta Sylvia Harvey (1978)27

    constata que a viso de mundoapresentada em filmes noirs refleteuma srie de mudanas profundasque, apesar de no serem nempercebidas, nem compreendidas,esto sacudindo os fundamentos daspercepes estabelecidas e portantonormais da ordem social.

    Harvey mostra que a estranhae constrangedora ausncia derelaes familiares consideradasnormais, nos filmes noirs, queregistra a modificao da situaoque a mulher ocupava na sociedadeamericana. Uma dessas mudanas,ainda segundo Harvey, foi a amplaintroduo de mulheres na fora detrabalho, no perodo que compreendea Segunda Guerra Mundial e a lutapara continuarem ativas, aps otrmino da guerra.

    Em A Dama de Xangai, filmenoir de Welles que reflete esteperodo do imediato ps-guerra, amulher, como personagem central datrama, trabalhada como constanteameaa aos heris. As mudanaseconmicas do perodo formaramuma nova ordem organizacional dafamlia e um subjacente senso dehorror e incerteza existente nos

    filmes noirs pode ser visto,descreve Harvey.

    E. Ann Kaplan (1995) resgata omito perene da mulher comoameaa ao controle da masculinidadedo mundo e destruidora da aspiraomasculina,28 no conturbado mundodo filme noir, onde a produo traz afrmula detetive particular/ suspense,da fico detetivesca. Kaplanafirma que, nessas tramas, a mulherindependente s tem duas opes:trabalhar (normalmente, como artistade night clubs) ou viver sustentadapor um homem. Esta mulherfreqentemente partilha do cinismodo mundo criminoso masculino, noqual est enredada.

    A necessidade de reprimir ofeminino, pela ameaa querepresenta a uma ordem patriarcal,afeta muitos papis reservados mulher nos filmes noir,principalmente, na obra de Welles,seja em trabalhos caractersticosdaquele movimento ou no.

    Em Cidado Kane, as duasmulheres (amantes) do personagemprincipal so figuras obscuras que,num primeiro momento, socolocadas em planos para o olhar deambos, o prprio Kane e a platiamasculina. Num segundo momento,essas mulheres tornam-se as mesde Kane ao representarem, tambm,seu fracasso. O personagem envolvido num tpico ninho deamor, numa armadilha entre aesposa e a amante, que acaba comsuas pretenses polticas de chegar presidncia dos EUA e sua vidapessoal rompida, assim como seucasamento.

    A amante, uma cantora decabar sem talento e sem voz, acabano alcoolismo, aps o casamentocom Kane, que insiste em torn-lauma cantora de pera. KajaSilverman (1988) interpreta, em suateoria psicanaltica sobre a vozfeminina, que a verso negativa da

    27 Harvey, Sylvia. Woman's Place:the absent family in film noir. ApudKaplan, E. Ann (org.) - Women inFilm Noir, Londres, BFI, 1978.

    28 Kaplan, E. Ann. A Mulher e oCinema: Os Dois Lados da Cmera,1995. Op. Cit.

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    fantasia da voz maternal umsintoma da parania e castraomasculinas.29 Para Silverman, estesintoma foi cinematicamenteformulado em textos como os deCidado Kane...

    A castrao no teria nada a vercom a anatomia, mas refere-se emparte diferenciao do sujeito doobjeto e, conseqentemente, perdade plenitude imaginria. A castraotambm se refere ao fato de que aordem simblica precede e antecipao sujeito, provendo este com desejose significados pontuais.

    Silverman disserta que o dramafundamental por trs de CidadoKane a vestimenta fantasma-grica, como pura sonoridade, davoz maternal, devido ruptura de suainfncia, imposta pela me biolgica.Kane no s acumula as riquezasdo mundo, em uma tentativa v decompensao pelas divises eseparaes sobre as quais se baseiaa subjetividade, mas ele constri umacasa de pera para fechar uma vozinteriormente, cuja envolventesonoridade ele espera, por sua vez,que seja envelopada e, assim, ganharo alvio da dor da me perdida.30

    No cinema clssico deHollywood, e pode-se identificar issotambm na obra de Orson Welles,especialmente, em Cidado Kanee em A Dama de Xangai, a mulher-imagem, ou a imagem feminina, tipicamente fetichisada. Isso podeocorrer por meio de close-ups(primeiros planos) que se arrastamou permanecem por mais tempo queo normal para um plano aproximado(dois a trs segundos na tela),interrompendo claramente a fluidezda narrativa, o que constitui a mulhercomo espetculo. Tambmacontece por meio de figurinosglamourosos, maquiagem, locaes,cenrios, e esquemas de iluminaoespeciais que cercam as personagensfemininas.

    A cineasta e ensasta LauraMulvey (1982) explica que asrepresentaes de mulheres podem,em certos aspectos, constituir umaameaa ao observador. Ento, amulher como cone, mostrada parao gozo e prazer dos homens, oscontroladores ativos do olhar, sempreameaa evocar a ansiedade queoriginalmente significou.31

    Mulvey refere-se ao Complexode dipo, formulado por Freud, ondea interveno do pai mostra ao bebque a me no to onipotentequanto parecia num primeiromomento. A sugesto de Freud que nesse processo que o corpo da mecomea a significar castrao e faltade poder, e as relaes do olharassociadas ao processo do dipo sotranspostas para as representaesdas mulheres em geral.

    Os personagens masculinoscaractersticos da filmografia deWelles so tradues dessas teoriaspsicanalticas. Dentre ospersonagens, Kane e MichaelOHara (A Dama de Xangai),ambos interpretados pelo prprioOrson Welles, so os que carregama maior carga dramtica comovtimas dos esteretipos negativosfemininos.

    A me seca e business-mindedde Kane traa o destino do menino,interrompendo sua infncia feliz nasmontanhas nevadas do Colorado, nosEUA, em uma sequncia famosa,filmada inteiramente emProfundidade de Campo, eenviando-o para ser educado emescolas da Costa Leste norte-americana, financiado por umbanqueiro de Wall Street. Aps aperda da me e da infncia, com seutren Rosebud, a vida emocional dopersonagem nunca amadurece maisque a de seus oito anos de idade.

    O roteiro justifica o fato de Kanehaver se tornado um colecionador deobjetos e pessoas pela perda do

    29 SILVERMAN, Kaja. The AcousticMir ror : The Female Voice inPsychoanalysis and Cinema.Indianapolis: Indiana UniversityPress, 1988.

    30 Ibid.

    31 Apud KUHN, Annette. Women'sPictures - Feminism and Cinema,1982.

  • amor materno, que se orientou pelaescolha material. Se correlacionadoaos fatos histricos da poca, comos movimentos feministas, l-se amensagem do filme como umacrtica negativa ao assunto. Asmulheres comeavam a tomarposies em trabalhos tradicional-mente ocupadas por homens(inclusive, em fbricas ou em postosexecutivos); a ameaa dasmulheres aos homens, em grausmaiores ou menores, com aindependncia econmica e social,era uma realidade, na poca.

    Kane, por diversas mensagenssubliminares, disseminadas commaestria tcnica pelo gnio deWelles, mostra o quanto a falta defidelidade maternal, por parte dasmulheres, pode arruinar ou prejudicaro desenvolvimento de seus filhos.Mais que isso, o filme comenta que,quando as mulheres assumemposturas materialistas e prticas, elasacabam por destruir o que haveriade humano em si e no outro. Ou seja,a mulher no pode, definitivamente,trabalhar, ou dominar, e ser me.

    J em A Dama de Xangai, apersonagem Elsa Bannister,interpretada por Rita Hayworth, umaherona totalmente fora dos limites dafamlia nuclear. Ela independente,mas margem dos limites normais,num tringulo amoroso, e envolta emmistrio. Como nos filmes noirs,OHara, o heri interpretado porWelles, est em busca da verdade. Seusucesso depende de ele conseguirdesvencilhar-se das manipulaes damulher.

    Segundo E. Ann Kaplan (1995),enquanto s vezes o homem destrudo porque no pode resistir seduo da mulher, o desenvolvimentoda narrativa em A Dama de Xangairestaura a ordem, por meio daexposio e conseqente destruio damulher sexual e manipuladora. Comoa voz masculina est sobreposta

    (quase todo o filme narrado peloponto de vista do heri), h um embateentre o que ele diz e a figura ambguade Rita Hayworth.

    A espectadora feminina pode sercapaz de identificar e evitar algunsposicionamentos do narrador e nose identificar, necessariamente, comele. H a imagem feminina nocontraponto. J o espectadormasculino teria srias dificuldadesem no se identificar com onarrador. A quase destruio doheri, pela manipulao feminina, justificada pelo discurso sexual emque o personagem est enredado.As tcnicas de iluminao de umadorvel rosto de mulher, usadas porWelles na cena em que seupersonagem encontra Elsa, remete teoria da fase do espelho de Lacan.

    Laura Mulvey (1975) observa queo espelho uma imagem que constituia matriz do imaginrio. Imagem dereconhecimento/falso reconhecimentoe identificao, e da a primeiraarticulao do ego, da subjetividade.Este o momento em que a antigafascinao com o olhar (para o rostoda me, para dar um exemplo bvio)se choca com as primeiras noes deautoconscincia.32

    Em suma, OHara regride parao territrio do imaginrio, em que governado pela memria de fuso eexperimenta uma nsia de refuso,em ilusria unidade com a Me. Sassim, segundo E. Ann Kaplan(1995), por esse fenmenopsicanaltico, pode-se explicar aobsesso total do personagemmasculino pela imagem de Elsa. Asalvao do masculino conseguirmatar, de alguma forma, essaimagem feminina.

    Estere t ipos e H is t r ia

    No foi sem motivaeseconmicas e histricas que a figurafeminina perpetuada por meio de

    32 MULVEY, Laura. Visual Pleasureand Narrative Cinema, Screen, xvi,n.3, p.10. 1975.

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    esteretipos e modelos negativos, emobras significativas do cinemaclssico, como as de Orson Welles,em um contexto social onde a mulherlutava pelos seus direitos.

    Justamente, a mulherimpulsionava, nos Estados Unidos dadcada de 1940, a sua saga pelalibertao do domnio masculino. Asbatalhas travadas nos campospoltico, social e econmico(principalmente, sobre os direitostrabalhistas), desde o incio dosculo, foram ferozes, longas, edesgastantes.

    No final dos anos 1930, eprincipalmente durante a SegundaGuerra Mundial, as restries das leistrabalhistas norte-americanas emrelao s mulheres foramconstantemente relaxadas, quanto aotrabalho noturno e ao mximo dehoras dirias permitidas, para que astrabalhadoras pudessem alcanar asmetas da produo industrial daguerra. Durante a maior parte dosanos 1940, do ponto de vista dapoltica sexual, o influxo de mulheresno mercado de trabalho, e o sucessodelas, certamente contribui para umsenso de instabilidade, de mal-estar,e at mesmo impotncia quepermeava a superfcie depersonagens masculinas (em filmesde Hollywood) e carregava aatmosfera com uma tenso nototalmente intencionada pelatrama.33

    Como na Inglaterra do comeodo sculo passado, onde asfeministas, autodenominadassufragetes, organizaram ondas degrandes marchas pblicas pelodireito ao voto poltico, tambm nosEUA, em curto espao de tempo, asmulheres comearam a lutar no spelos direitos polticos, mas aindacontra temas constitucionaisassociados s restries deoportunidades de trabalho, sob oengodo da proteo. Juizes

    invalidavam a legislao protecionistaque afetava os trabalhadoresmasculinos, sob a alegao de queessas medidas violavam o direitoconstitucional liberdade decontrato.34

    Esse direito no foi estendido smulheres trabalhadoras. Aoconsiderarem as mulheres comouma classe especial, emnecessidade de proteo, os juizesmantiveram as leis trabalhistasprotecionistas que, com efeito,restringiam as oportunidades detrabalho para as mulheres. Emboraa proteo pudesse ser justificadaem diversas bases, no fundo damatria estava a viso de que todasas mulheres seriam esposas e mese, conseqentemente, precisavam dobrao protetor do Estado, paraescud-las da explorao do local detrabalho.35

    A mensagem subliminar implcitanas leis protecionistas era a de queas mulheres pertenciam ao lar, ondeo trabalho no era pago.

    Os sindicatos de trabalhadoresnorte-americanos resistiram aomximo entrada de mulheres emsuas fileiras. Eles eram favorveiss leis protecionistas para astrabalhadoras, a fim de proteger, naverdade, os homens da competiofeminina. O Sindicato deEmpregados em Hotis eRestaurantes e Atendentes de Bareschegou a excluir as mulheres dotrabalho em bares sob a alegao deque fazer coquetis e drinks trabalho para homens.36

    Na sociedade norte-americanadas primeiras quatro dcadas dosculo XX, homens e mulherestinham papis rgidos e muitasmulheres aceitavam os esteretipossobre sua natureza. Estudos sobreas condies de trabalho e de vidadas mulheres revelaram que amaioria, com famlias, alm detrabalhar em casa, preparando trs

    33 HASKELL, Molly. From Reverenceto Rape: The Treatment of Women inthe Movies, 1987. Op. Cit.

    34 MASCHKE, Karen J.. Litigation,Courts, and Women Workers. NewYork, N.Y.: Praeger Publishers,1989.

    35 Ibid, p. 15.

    36 Ibidem, p.17.

  • refeies dirias, tambm trabalhavafora. Muitas tinham empregosnoturnos e dormiam, em mdia,apenas quatro horas e meia por dia.37

    Com a Segunda Guerra e orelaxamento das leis protecionistas,o sucesso das mulheres perturbou ocenrio. Entre os anos 1940 e os1950, a mulher norte-americanaganhou uma relativa emancipaopoltica e econmica, devido ao boomindustrial que acompanhou a entradados EUA na guerra. Estatsticasapontaram o ingresso de oito milhesde mulheres na fora de trabalho,durante a guerra, desde fbricas deao s companhias de aviao (noapenas como comissrias de bordo,mas tambm como pilotos emecnicas).

    Mesmo com o final da guerra, eo re-ingresso de homens no mercado,80% das mulheres que haviamcomeado a trabalhar nos anos 1940queriam manter seus empregos. Eganharam permisso paracontinuar, com a expanso industrialdo perodo. Mas, no teriam osmesmos direitos, os mesmosempregos reservados aos homens, enem os mesmos salrios que eles.

    O engajamento no baby boomdo ps-guerra e a figura domsticafeminina, que ainda dominava os anos1940 e 1950, eram fruto da pregaode alguns tericos socilogos,psiclogos, educadores, autores,mdicos. Mas, em muito, eramcrdito dos meios de comunicaode massa, que pregavam os perigosda perda da feminilidade e daplenitude que aguardava as mulheres,dentro das cercanias do papelfeminino tradicional.38

    A perpetuao dos esteretiposfemininos tradicionais e adiscriminao contra mulheres quetrabalhavam, por parte da mdia,inclusive e principalmente no cinemanorte-americano, s comea aarrefecer, de fato, com a assinatura

    do Ato dos Direitos Civis, em 1964.Embora a discriminao contra otrabalho feminino no fizesse parteda agenda dos direitos civis, em1964, o Ttulo VII do Ato assinalouuma nova direo para as polticassobre o assunto, dentro do governofederal dos EUA. Os movimentosfeministas aproveitaram esta chancepara uma grande virada nos direitostrabalhistas das mulheres, o quemudaria suas vidas.

    Mas, at chegar a 1964, e mesmoaps tantos movimentos em prol dasminorias, diretores do porte de OrsonWelles, em obras marcantes dahistria do cinema, retrataram/representaram as mulheres por meiodos esteretipos j mencionados, oque, em muito, ajudou a retardar a jrdua luta feminina pela sua prpriaidentidade e liberdade.

    Poucos diretores de Hollywoodtiveram, desde o comeo da dcadade 1940, tanto prestgio e liberdadede criao como Orson Welles.Essa singularidade deveu-se famado diretor, que havia feito um succsde scandale com a notriatransmisso radiofnica, que deixouem pnico a cidade de Nova York,com a suposta Guerra dos Mundos(War of the Worlds 1938).

    Com o sucesso, Welles foicontratado pelo presidente dacompanhia de filmes RKO, GeorgeSchaefer, com a tarefa de tirar aempresa do vermelho. O contrato demais de 60 pginas garantia aodiretor poderes ilimitados, o queera (e ainda hoje o ) bastante forados padres hollywoodianos, no quetange s produes cinemato-grficas.

    A despeito dessa liberdade, seuprimeiro filme e obra emblemtica,Cidado Kane, apesar derevolucionrio tecnicamente e esselegado tcnico usado por geraesde cineastas deixou, tambm, umaherana de preconceitos e reflexes

    37 MASCHKE, Karen J.. Litigation,Courts, and Women Workers, 1989.Op. Cit.

    38 FRENCH, Brandon. On the Vergeof Revolt: Women in American Filmsof the Fifties. New York: FrederickUngar Publishing Co., Inc., 1978.

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    da corrente tradicional doisolacionismo personificado e damisoginia norte-americanos, em suapoca. Embora tenha tentado expora vida privada de um magnata, comoWilliam R. Hearst, o filme CidadoKane no totalmente antiptico aopersonagem. De fato, umabrilhante tentativa de explicar oinexplicvel.39

    Uma cuidadosa anlise do enredodo filme mostra como ele falha emalcanar o que seria seu fim ltimo:um completo e documentadoataque ao consumismoamericano.40 Ao contrrio, o filmetorna-se uma quase apologia febrede poder e aquisies de Kane,dando-lhe uma desculpa, no final,para a sua neurose comocolecionador de pessoas e objetos,como souvenirs. Ele uma vtimada infncia perdida. A falta doscuidados e do amor maternos leva opersonagem imaturidadeemocional. Sente-se compaixo pelomagnata e por seu tren Rosebud,perdidos no tempo e no espao.

    Nos filmes posteriores, dentro daobra de Welles, tambm sorepetidas as caractersticasdesenvolvidas para as personagensfemininas, que so insignificantes,estereotipadas como incapazes,mes infiis, ou nenhum crdito dado ao sexo feminino. As relaesmelhor desenvolvidas so mesmoaquelas entre os homens.

    Concluso

    Certo que os feminismos estoainda por conseguir uma reviravoltana mdia ocidental. Os papis eesteretipos para as mulherespermanecem os mesmos, compequenas variaes. A infernciatorna-se bvia, ao se pesquisar ascaractersticas dos filmes produzidospela indstria de Hollywood,principalmente, desde seus clssicos,

    no que se refere s representaesdas mulheres e das identidadesfemininas.

    O filsofo Michel Foucaultafirma que os sistemas jurdicos depoder produzem os sujeitos que,subseqentemente, passam arepresentar. O sujeito feminista serevela constitudo pelo prpriosistema poltico que supostamentedeveria facilitar sua emancipao, oque se torna politicamenteproblemtico, se possvel demonstrarque esse sistema produz sujeitos comtraos de gnero presumivelmentemasculinos. Assim, um apelo acrticoa esse sistema estaria fadado aofracasso.41

    A crtica feminista devecompreender como a categoria dasmulheres, o sujeito do feminismo, produzida e reprimida pelasmesmas estruturas de poder porintermdio das quais se busca aemancipao. Essas estruturas depoder vm repetindo, perversamentee com maior intensidade, osesteretipos femininos arcaicos nosmeios de comunicao de massa,dentre eles, a indstriacinematogrfica dos Estados Unidos e, vamos concordar com algumastericas feministas, tambm aindstria cultural de boa parte domundo.

    preciso reiterar o que pensa adiretora e crtica de cinema Jan Wahl:o mundo inteiro deve ter que mudarpara que os filmes feitos paramulheres, ou sobre elas, emHollywood, sejam mais inteligentes.As tericas feministas de todas asculturas seriam obrigadas, nessesentido, a reiterar suas reflexes,repetidamente, at penetrar asmentes de porcos e peixes. Segundoreza a antiga filosofia chinesa, porcose peixes seriam os menos inteligentesentre os animais. Assim, paraadquirir e reter o conhecimento, ato subcutneo, faz-se necessria a

    39 SWANBERG, W. A. "Citizen Hearst":A Biography of William RandolphHearst. New York: Char lesScribner's Sons, 1961.

    40 HIGHAM, Charles. The Films ofOrson Welles: Citizen Kane. Berkeleyand Los Angeles: University ofCalifornia Press, 1970.

    41 Apud BUTLER, Judith. Problemasde Gnero: Feminismo e Subversoda Identidade, 2003, p. 19.

  • repetio das lies.Os esteretipos, que fomentam

    os lucros da indstria audiovisual,esto reduzindo uma larga escala dediferenas a categorias simplistas, etransformam suposies sobre umgrupo particular de pessoas emfatos. E esses fatos so usadospara justificar a posio de poder dealguns e para perpetuar ospreconceitos e as violncias sociais,culturais, raciais, sexistas e degnero, nas diversas sociedades domundo contemporneoglobalizado.

    Abs t r a c t

    Recent researches and data show, andconfirm, the incredible growth of the filmindustry in the USA. The production,distribution, exhibition, box officerevenues, video and DVD sales stir aglobal scale sum around 10 to 12 billiondollars, which grows annually. Despiteall this industry's common places, cli-chs, ready made formulas or sequels, itis constantly trying to follow and fulfillnew demands and what would bepolitically correct angles on matters likeracism, sexism, gender, environment,multicultural or religious issues.Nonetheless, at the dawn of this 21stcentury, little has changed, in fact.Chiefly, in what touches gender troubles.Many are the critics who complainagainst female stereotypes which havebeen perpetuated and are used, andabused, repeatedly, within the UnitedStates mass media (motion picture andTV industry), and consequently in theWestern world. However, film industryexecutives argue that established cultu-ral politics and the economy dynamic ofthe industry, as a whole, make itimpossible to avoid and prevent suchstereotypes in their productions.Women around the globe still have todeal with the fact that most moviemakersare far more concerned about beingcalled racists, for instance, thanmisogynists.Keywords: Cinema, Gender, CulturalStudies, Psychoanalysis, And History.

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