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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM
CONECTORES SEQUENCIADORES E E AÍ EM CONTOS E
NARRATIVAS DE EXPERIÊNCIA PESSOAL ESCRITOS POR
ALUNOS DE ENSINO FUNDAMENTAL:
UMA ABORDAGEM SOCIOFUNCIONALISTA
WASHINTIANE PATRÍCIA BARBOSA DA SILVA
NATAL
2013
CONECTORES SEQUENCIADORES E E AÍ EM CONTOS E
NARRATIVAS DE EXPERIÊNCIA PESSOAL ESCRITOS POR
ALUNOS DE ENSINO FUNDAMENTAL: UMA ABORDAGEM
SOCIOFUNCIONALISTA
Por
WASHINTIANE PATRÍCIA BARBOSA DA SILVA
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Estudos da Linguagem, da
Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, como requisito parcial para
a obtenção do título de mestre.
Área de concentração: Linguística
Aplicada
Orientadora: Prof.ª Dr.ª. Maria Alice
Tavares
NATAL
2013
Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).
Silva, Washintiane Patrícia Barbosa da.
Conectores sequenciadores e e aí em contos e narrativas de experiência
pessoal escritos por alunos de ensino fundamental: uma abordagem
sociofuncionalista / Washintiane Patrícia Barbosa da Silva. – 2013.
120 f.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Departamento de Letras.
Programa de Pós Graduação em Estudos da Linguagem, 2013.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Alice Tavares.
1. Língua portuguesa (Ensino fundamental). 2. Funcionalismo
(Linguística). 3. Sociolinguística – Natal (RN). I. Tavares, Maria Alice. II.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BSE-CCHLA CDU 811.134.3
CONECTORES SEQUENCIADORES E E AÍ EM CONTOS E
NARRATIVAS DE EXPERIÊNCIA PESSOAL ESCRITOS POR
ALUNOS DE ENSINO FUNDAMENTAL: UMA ABORDAGEM
SOCIOFUNCIONALISTA
Dissertação de Mestrado, defendida por Washintiane Patrícia Barbosa da Silva, aluna do
Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, na área de Linguística
Aplicada, aprovada pela banca examinadora, em 02 de agosto de 2013.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________
Profa. Dra. Maria Alice Tavares
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Orientadora
___________________________________
Profa. Dra. Maria Medianeira de Souza
Universidade Federal de Pernambuco
Examinador externo
____________________________________
Prof. Dr. Marco Antonio Martins
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Examinador interno
DEDICATÓRIA
Aos meus pais,
Ao meu irmão,
Ao meu noivo,
Aos professores de Língua Portuguesa,
Dedico este trabalho.
AGRADECIMENTOS
A Deus, meu amigo que me deu coragem quando pensava em desistir e esperança para
acreditar que tudo é possível.
À Virgem Maria, que com seu olhar feminino me ensinou a não desanimar diante das
situações adversas.
À querida Alice, pela paciência, incentivo, dedicação, ajuda e por tornar possível esse
estudo sociofuncionalista.
A minha família, que me apoiou e me cercou de carinho.
Ao meu irmão, Washington, que mesmo de longe me apoiou e rezou para que esse
sonho se concretizasse.
Ao meu noivo, Hebert Lissandro, pelo companheirismo, amor e colaboração nessa
pesquisa.
A Francielly, minha amiga, pelo seu total apoio e colaboração na realização desse
estudo.
Ao professor Sinval Fagundes, que me cedeu sua turma para a realização da coleta de
dados desse estudo, mesmo sem possuirmos nenhum vínculo.
Aos meus amigos, Rhena Raize, Manuelle, Danielle, Josefa da Silva e Pe. Matias pela
ajuda e pelas palavras de encorajamento.
Ao professor Dr. Marco Martins e à professora Dra. Érica Iliotivitz, pelas ideias
brilhantes e sugestões no momento da qualificação.
À professora Dra. Maria Medianeira, por ter aceitado nosso convite para a defesa.
RESUMO
Nesta dissertação, apoiando-me em dois referenciais teóricos, o do funcionalismo
linguístico de vertente norte-americana e o da sociolinguística variacionista, tomo como
objeto de estudo os conectores sequenciadores E e AÍ, que atuam na função gramatical
de indicação de sequenciação retroativo-propulsora de informações. Analiso o uso
variável desses conectores em textos escritos por alunos de duas escolas da rede pública
da cidade de Natal-RN, que cursavam, à época da coleta de dados (o ano de 2012), duas
séries distintas do ensino fundamental: o sexto e o nono ano. Os alunos que
contribuíram para a realização desta pesquisa escreveram, como parte de suas atividades
em sala de aula, textos de dois gêneros da esfera narrativa: narrativa de experiência
pessoal (de caráter não ficcional) e conto (de caráter ficcional). Além disso, esses alunos
e seus professores de língua portuguesa responderam a um teste de atitude linguística
em que opinaram sobre a adequação do uso dos conectores E e AÍ em contextos de fala
e de escrita marcados por diferentes graus de formalidade. Os resultados, obtidos por
meio de análise quantitativa, revelaram diferentes tendências de distribuição linguística,
social e estilística dos conectores E e AÍ nos textos narrativos escritos pelos alunos.
Relacionei tais resultados à ação de dois princípios: o princípio da persistência,
vinculado ao processo de mudança por gramaticalização, e o princípio da marcação
estilística. Além disso, levei em conta as respostas fornecidas por alunos e professores
ao teste de atitude linguística para refinar a interpretação dos resultados.
Palavras-chave: conectores sequenciadores; variação linguística; princípio da
persistência; princípio da marcação estilística.
ABSTRACT
In this dissertation, based on two theoretical frameworks, American functionalism and
variationist sociolinguistics, I take as subject the sequence connectors E and AÍ, which
has the grammatical function of indicating retroactive-propeller sequenciation of
information. I analyze the variable use of these connectors in texts written by students
from two public schools in the city of Natal, RN, attending at the time of data collection
(the year 2012), two distinct levels of basic education: the sixth and the ninth year. The
students who contributed to this research wrote, as part of their activities in the
classroom, texts of two narrative genres: narrative of personal experience (non-fictional)
and short story (fictional). In addition, these students and their Portuguese teachers
answered a test of linguistic attitude in which they gave their opinions regarding the
appropriateness of the use of connectors E and AÍ in contexts of speech and writing
marked by distinct degrees of formality. The results obtained by means of quantitative
analysis showed different tendencies of linguistic, social and stylistic distribution of
connectors E and AÍ in the narrative texts written by the students. I related these results
to the action of two principles: the principle of persistence, linked to the process of
change by grammaticalization, and the principle of stylistic markedness. Besides, I took
into account the answers provided by students and teachers to the test of linguistic
attitude for refine the interpretation of the results.
Keywords: sequence connectors; linguistic variation; principle of persistence; principle
of stylistic markedness.
LISTA DE QUADROS, GRÁFICOS E TABELAS
QUADROS
Quadro 1: Pressupostos da sociolinguística e do funcionalismo .................................. 48
Quadro 2: Passos metodológicos de uma pesquisa sociofuncionalista ........................ 51
Quadro 3: Algumas respostas dos alunos à questão 1 do teste de atitude ................... 77
Quadro 4: Respostas dos professores à questão 1 do teste de atitude .......................... 78
Quadro 5: Algumas respostas dos alunos à questão 2 do teste de atitude ................... 79
Quadro 6: Respostas dos professores à questão 2 do teste de atitude .......................... 80
Quadro 7: Percurso de gramaticalização do E ............................................................. 88
Quadro 8: Percurso de gramaticalização do AÍ ........................................................... 89
Quadro 9: Contextos favoráveis ao aparecimento dos sequenciadores E e AÍ............110
TABELAS
Tabela 1: Frequência de uso dos conectores sequenciadores ....................................... 81
Tabela 2: Influência da relação semântico-pragmática sobre o uso do E e do AÍ ........ 90
Tabela 3: Influência do nível de articulação sobre o uso do E e do AÍ ........................ 94
Tabela 4: Influência do gênero textual sobre o uso do E e do AÍ .............................. 103
Tabela 5: Influência da idade/escolaridade sobre o uso do E e do AÍ ........................ 105
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 11
CAPÍTULO I – ESTADO DA ARTE ........................................................................ 22
1. Gramaticalização: o caso do E e do AÍ ...................................................................... 22
2. Os conectores interfrásticos E e AÍ na literatura infanto-juvenil .............................. 28
3. Conectores E e AÍ na fala e na escrita: foco no princípio da marcação .................... 31
CAPÍTULO II – REFERENCIAL TEÓRICO ......................................................... 35
1. Funcionalismo norte-americano ................................................................................ 35
1.1 Gramática emergente ............................................................................................... 35
1.2 Gramaticalização ..................................................................................................... 38
2. Sociolinguística variacionista .................................................................................... 41
2.1 A língua como sistema heterogêneo: variáveis e variantes ..................................... 42
2.2 Variação e mudança linguística ............................................................................... 44
3. Sociofuncionalismo ................................................................................................... 46
3.1 Gramaticalização e variação .................................................................................... 50
CAPÍTULO III – NARRATIVA DE EXPERIÊNCIA PESSOAL E CONTO ...... 53
1. Gêneros e tipos textuais: definições .......................................................................... 53
1.1 A narrativa de experiência pessoal .......................................................................... 55
1.2 O conto .................................................................................................................... 58
CAPÍTULO IV – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ............................... 62
1. O corpus: distribuição quanto ao gênero textual e a características sociais .............. 62
2. Procedimentos adotados para a coleta dos dados ...................................................... 64
3. Procedimentos adotados para a análise dos dados ..................................................... 72
CAPÍTULO V – ANÁLISE DOS DADOS EM UMA PERSPECTIVA
SOCIOFUNCIONALISTA ......................................................................................... 77
1. Teste de atitude linguística ........................................................................................ 77
2. Frequência geral dos conectores E e AÍ no corpus ................................................... 81
3. Análise dos dados referentes aos grupos de fatores linguísticos ............................... 84
3.1 Relação semântico-pragmática ................................................................................ 84
3.1.1 Caracterização e hipóteses .................................................................................... 84
3.1.2 Resultados e discussão ......................................................................................... 90
3.2 Níveis de articulação textual .................................................................................... 91
3.2.1 Caracterização e hipóteses .................................................................................... 91
3.2.2 Resultados e discussão .......................................................................................... 94
4. Grupo de fatores textual-estilístico ............................................................................ 95
4.1 Gêneros textuais ...................................................................................................... 96
4.1.1 Caracterização e hipóteses ................................................................................... 96
4.1.2 Resultados e discussão ........................................................................................ 103
5. Grupos de fatores sociais ......................................................................................... 104
5.1 Idade/Escolaridade ................................................................................................. 104
5.1.1 Caracterização e hipóteses .................................................................................. 104
5.1.3 Resultados e discussão ........................................................................................ 105
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 108
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 111
11
INTRODUÇÃO
Apoiando-me em dois referenciais teóricos, o do funcionalismo linguístico de
vertente norte-americana e o da sociolinguística variacionista, tomo como objeto de
estudo os conectores sequenciadores E e AÍ, que atuam na função gramatical de
indicação de sequenciação retroativo-propulsora de informações. Analiso o uso variável
desses conectores em textos escritos produzidos por alunos de duas escolas da rede
pública da cidade de Natal-RN, que cursavam, à época da coleta de dados (o ano de
2012), duas séries distintas do ensino fundamental: o sexto e o nono ano. Os alunos que
contribuíram para a realização desta pesquisa escreveram, como parte de suas atividades
em sala de aula (cf. capítulo IV), textos de dois gêneros da esfera narrativa: narrativa de
experiência pessoal (de caráter não ficcional) e conto (de caráter ficcional).
A sequenciação retroativo-propulsora de informações é uma função ou domínio
gramatical ligada à coordenação entre partes do texto de proporções variadas. Mediante
esse tipo de sequenciação, estabelecem-se, entre duas partes de um texto, relações
coesivas tais que o que é dito ou escrito na primeira serve de base para o que é dito ou
escrito na segunda, havendo, pois, entre as partes do texto assim interligadas, relações
de continuidade e consonância. É o que o rótulo “sequenciação retroativo-propulsora”
procura apreender: “[...] os movimentos simultâneos de retroagir – guiando a atenção
para trás – e de propulsionar – guiando a atenção para a frente” (cf. TAVARES, 2003;
p. 20).
Vale salientar que utilizo a expressão “domínio gramatical” em consonância à
proposta de Givón (1984), também retomada por Hopper (1991): trata-se tanto de áreas
funcionais gerais (ou macrodomínios) como TAM (tempo/ aspecto/ modo), caso,
referência, passivização, impessoalização etc., quanto de áreas funcionais mais estritas
(microdomínios), como o tempo futuro, o modo subjuntivo, o sujeito, o tópico, a dêixis,
a anáfora etc. O conceito de domínio atinge, portanto, diferentes domínios
superordenados nas hierarquias funcionais em que se distribuem as funções gramaticais
da língua: um certo tempo é um microdomínio em relação ao domínio TAM, por
exemplo, mas podemos tratar qualquer um dos tempos por “domínio funcional”. Ou
seja, os domínios funcionais organizam-se em um escopo gradiente, podendo ser vistos
como fenômenos superordenados. Assim, temos o macrodomínio da
articulação/conjunção geral entre informações, que engloba, como microdomínios, além
12
da sequenciação retroativo-propulsora de informações, a adversão, a concessão, a
causalidade, e todos os demais tipos de relações conjuntivas. No caso deste estudo,
recortei, como objeto de análise, a função de sequenciação retroativo-propulsora de
informações.
A sequenciação retroativo-propulsora de informações é realizada
linguisticamente, no português brasileiro, especialmente por três conectores
sequenciadores: E, AÍ e ENTÃO (cf. TAVARES, 2003). Nesta pesquisa, analiso apenas
os conectores E e AÍ, devido à baixa recorrência do conector ENTÃO nos textos
escritos pelos alunos participantes do estudo (cf. capítulo IV). Nesses textos, os
conectores E e AÍ interligam desde informações conectadas localmente no formato de
orações até períodos e parágrafos conectados mais globalmente, e exibem as seguintes
relações semântico-pragmáticas:1
1. Sequenciação textual: ocorre a introdução de uma informação que se sucede à outra
ao longo do tempo discursivo,2 e o conector salienta o encadeamento de um enunciado
prévio a um posterior, como se verifica nos exemplos 3 a seguir:
(1) “[...] todo mundo tinha medo de entra nessa casa por que o povo dizinha que a quela
casa era mau asonbrada e a velinha com o passar do tempo ela morreu e a casa ficol
mais asonbrada as panelas patinhão sozinha o chuveiro ligava [...]” (41F62)
(2) “[...] nos fomos comer ai as menina tava querendo tomar refrigerante ai um colega
meu tava com 5 reais [...]” (49M91)
1 Tavares (2003) observou haver ainda outras duas relações semântico-pragmáticas passíveis de serem
indicadas pelos conectores sequenciadores E e AÍ, a retomada de informações anteriormente referidas e a
finalização de tópicos ou subtópicos, as quais não se fizeram presentes em minha amostra de dados.
2 Tempo discursivo refere-se à organização interna das informações apresentadas em um texto, isto é, a
ordem pela qual as partes componentes da estrutura do texto (orações, segmentos tópicos, subtópicos e
tópicos no texto oral, e orações, períodos e parágrafos no texto escrito) são apresentadas de modo
sucessivo, sendo cada uma delas compreendida como posterior a uma outra (cf. SCHIFFRIN, 1987).
3 Nos códigos acrescentados após cada dado, o primeiro número identifica o texto; a consoante M ou F
diz respeito ao sexo do aluno que produziu o dado; os números 6 ou 9 referem-se ao nível de
escolaridade: sexto e nono ano; por fim, os números 1 ou 2 indicam o gênero textual: 1 para narrativa de
experiência pessoal e 2 para conto.
13
2. Sequenciação temporal: ocorre a introdução de eventos conforme sua ordem de
ocorrência no tempo, e o conector salienta que o evento B aconteceu logo depois do
evento A, o que é ilustrado pelos exemplos a seguir:
(3) “[...] chegamos na casa de praia e ela disse vamos no supermercado já vamos ela
compro tudo para o churrasco compro um bolo de chocolate e um citrus e eu fui la para
frente de casa come o bolo e o citrus [...]” (1F61)
(4) “[...] um dia ele veu uma mulher pedido carona ai ele resolveu parar, ai a mulher
sumiu e ele ficou muito assustado [...]” (70F62)
3. Consequência: ocorre a introdução de informações que representam consequência em
relação a informações anteriormente mencionadas, o que é salientando pelo conector
sequenciador, conforme se observa nos exemplos a seguir:
(5) “Outro dia a menina foi passia com o cachorro chegou um ladrão que queria robar a
menina, mais o cachorro não deixou ele deu uma mordida na mãe do ladrão e o ladrão
fugil [...]” (5F62)
(6) “[...] botaram uma tala de gesso na minha perna e eu fiquei com ela por uma semana
mais a dor insistiu ai tive que fazer fisioterapia por duas semanas e agora estou bom
[...]” (50M91)
Nas três relações semântico-pragmáticas descritas acima, o movimento de
retroação e, ao mesmo tempo, de propulsão de informações característico da função de
sequenciação retroativo-propulsora está presente. Conforme Tavares (2003, p. 28), essas
relações semântico-pragmáticas podem ser percebidas, pelo ouvinte ou pelo leitor,
através de indícios tais como:
[...] o que foi dito antes, o que se seguiu, inferências e implicaturas em
jogo no momento da interação. Também contam as experiências
anteriores dos interlocutores, a sua familiaridade com a miríade de
tonalidades semântico-pragmáticas passíveis de estarem envolvidas
nas teias trançadas entre partes do texto pela sequenciação retroativo-
propulsora.
14
É pela soma de todos esses indícios que o ouvinte ou leitor busca chegar ao tipo
de relação semântico-pragmática que parece ter sido pretendido pelo falante ou escritor
ao sequenciar informações em seu texto.
A seguir, apresento, em linhas gerais, o aporte teórico em que este estudo se
fundamenta, para, na sequência, poder delimitar meu foco de análise, bem como as
questões, objetivos e hipóteses de pesquisa.
O funcionalismo norte-americano caracteriza-se, segundo Furtado da Cunha,
Costa e Cezario (2003, p. 29), “[...] por conceber a linguagem como um instrumento de
interação social e [...] seu interesse de investigação linguística vai além da estrutura
gramatical, buscando no contexto discursivo a motivação para os fatos da língua.”
Entendendo a língua como fruto da interação comunicativa, a proposta da gramática
emergente de Hopper (1987, 1998, 2001, 2004, 2008, 2011; TAVARES, 2012a) recebe
destaque na teoria funcionalista. Segundo essa proposta, a gramática dos falantes,
observada em seu uso real, emerge do discurso e se adapta às diferentes situações de
uso. Considerar que a língua se adapta aos contextos onde seus usuários estão inseridos
e que sofre pressões de ordem linguística e social é entender que ela muda e varia de
situação para situação (cf. GIVÓN, 1995). As mudanças se dão de maneira discreta e, às
vezes, de modo despercebido por parte dos usuários.
A constituição da gramática é compreendida, pela teoria funcionalista, como
uma questão de gramaticalização. A gramaticalização é um processo de mudança
segundo o qual itens linguísticos sofrem alteração no uso e rotinizam-se em novas
funções de caráter gramatical, caso esses itens sejam provenientes do léxico, ou de
caráter ainda mais gramatical, caso esses itens sejam provenientes da própria gramática
(cf. HOPPER; TRAUGOTT, 1993). Nesse processo, uma forma linguística pode passar
a exercer uma função gramatical que já é desempenhada por uma ou mais formas,
passando a concorrer com elas na expressão dessa função. Hopper (1991) denomina
“estratificação” essa coexistência de diferentes formas em um mesmo domínio
funcional: segundo o autor, camadas mais recentes e camadas mais antigas de formas
linguísticas acabam atuando em uma mesma função gramatical em decorrência do
processo de gramaticalização.
Foi o que aconteceu com as formas linguísticas E e AÍ, que, ao sofrerem
gramaticalização, partiram de funções ligadas ao âmbito adverbial (no caso do E, esse
percurso de mudança teve início com o ET latino) para chegarem a uma função ligada
15
ao âmbito da conexão entre partes do texto, a indicação de sequenciação retroativo-
propulsora de informações. No domínio funcional da sequenciação retroativo-
propulsora, E e AÍ representam, pois, camadas distintas de realização linguística, sendo
o E a mais antiga das camadas desse domínio no português brasileiro e o AÍ uma de
suas camadas mais recentes (cf. capítulo I).
A sociolinguística variacionista observa a língua do ponto de vista de sua
heterogeneidade, mostrando que o fenômeno de variação linguística é generalizado:
pode ocorrer em qualquer um dos níveis da língua (fonológico, morfossintático,
pragmático/discursivo) (cf. TAGLIAMONTE, 2012). Isso significa que os falantes ou
escritores seguidamente precisam fazer uma seleção – consciente ou inconscientemente
– entre dois ou mais sons, palavras ou construções disponíveis, em uma mesma
comunidade de fala e em um mesmo período de tempo, para a expressão de um certo
significado e/ou de uma certa função gramatical. As formas linguísticas que possuem
um mesmo significado e/ou função são denominadas “formas variantes”, caracterizadas
por manifestarem equivalência referencial e/ou funcional (cf. CHAMBERS; TRUDGIL,
1980; WOLFRAM, 1991; TAGLIAMONTE, 2006, 2012; WATT, 2007). Esse é o caso
dos conectores sequenciadores E e AÍ, que possuem a mesma função gramatical, a
indicação de sequenciação retroativo-propulsora, e que são, aqui, tomados como formas
variantes. Um conjunto de formas variantes recebe o rótulo de “variável linguística” e
constitui o objeto de estudo da sociolinguística variacionista.
A sociolinguística variacionista trouxe à tona o fato de que variação linguística é
um fenômeno regular, e, portanto, pode ser sistematizado e investigado
quantitativamente. Uma das principais tarefas da sociolinguística variacionista é
descobrir e explicar padrões quantitativos de distribuição de formas variantes. É
justamente a quantificação dos dados quanto a traços de seu contexto de uso que
possibilita ao sociolinguista a observação de possíveis influências de natureza social,
linguística e estilística sobre o emprego variável das formas que são alvo de sua
investigação (cf. LABOV, 2008[1972]).
Quando é levada a cabo uma abordagem de interface entre a sociolinguística
variacionista e o funcionalismo linguístico de vertente norte-americana – caso desta
pesquisa – analisa-se “a variação linguística sob o prisma da função discursiva das
variantes” (NEVES, 1999, p. 75). Nesse tipo de abordagem, costuma-se fazer uma
correspondência entre formas que representam ‘camadas’ estratificadas de um mesmo
‘domínio funcional’ e formas que representam ‘variantes’ de uma mesma ‘variável
16
linguística’: em ambos os casos, trata-se de formas que desempenham a mesma função
(cf. TAVARES, 2003, 2013a). Essa relação existente entre os fenômenos de
estratificação e de variação também é levantada por Tagliamonte (2003), que afirma que
a gramaticalização gera variabilidade na gramática no formato de velhas e novas
camadas que desempenham uma mesma função.
O sociofuncionalismo nos permite tomar como objeto de análise “[...] diferentes
camadas ou variantes que partilham e/ou disputam determinada função, realizando o
controle de grupos de fatores linguísticos e sociais passíveis de influenciar a escolha de
cada uma delas pelos falantes” (TAVARES, 2013b, p. 4). No caso deste estudo,
investigo possíveis influências de natureza linguística, estilística e social sobre o
emprego dos conectores sequenciadores E e AÍ em textos narrativos escritos por alunos
de ensino fundamental através do controle dos seguintes grupos de fatores: (1) relações
semântico-pragmáticas; (2) níveis de articulação; (3) gêneros textuais; (4) gênero; (5)
nível de escolaridade; (6) idade.
Os fatores condicionadores linguísticos, sociais e estilísticos representam as
armas que os conectores sequenciadores E e AÍ possuem em seu combate no domínio
funcional da sequenciação retroativo-propulsora. Acredito que haja motivações de
natureza linguística, estilística e social atuando subjacentes às escolhas – conscientes ou
inconscientes – feitas pelos alunos participantes desta pesquisa no momento em que
sequenciam as diferentes partes de seus textos narrativos. Neste estudo, considero duas
motivações em especial: o princípio da persistência e o princípio da marcação estilística.
O princípio da persistência tem se revelado de grande relevância para o estudo
da variação linguística (cf. TAGLIAMONTE, 2003; TAGLIAMONTE, SMITH, 2006;
POPLACK, 2011; TAVARES, 2003, 2013b; TORRES CACOULLOS, 2012, entre
outros). Segundo esse princípio, proposto por Hopper (1991), alguns matizes dos
significados originais de uma forma linguística tendem a ser conservados por ela ao
longo de seu processo de gramaticalização. Isso faz com que detalhes de sua história
lexical e gramatical possam se manifestar no formato de condicionamentos a sua
distribuição linguística, mesmo quando a forma assume funções distantes daquelas das
quais é oriunda. Sendo assim, os conectores sequenciadores E e AÍ podem diferir em
termos de sua distribuição linguística porque se desenvolveram de diferentes fontes (cf.
capítulo I) e retiveram alguns traços dessas fontes em seu uso atual na indicação de
sequenciação retroativo-propulsora, hipótese que será testada neste estudo.
17
De acordo com o princípio da marcação estilística, formas linguísticas
estilisticamente marcadas como informais em uma certa comunidade de fala tendem a
ser frequentes em contextos caracterizados por maior informalidade, e pouco frequentes
em contextos caracterizados por maior formalidade, ao passo que formas
estilisticamente marcadas como formais na mesma comunidade de fala tendem a
predominar em contextos de natureza mais formal, e serem pouco empregadas em
contextos de natureza mais informal (cf. TAVARES, 2013d; LABOV, 2003). Além
disso, formas que são tidas como informais pelos usuários da língua costumam ser mais
recorrentes entre indivíduos de menor idade e/ou de menor escolaridade, e/ou de
indivíduos de determinada classe social e/ou de determinado gênero (cf. LABOV,
2003).
Estudos anteriores apontam que o conector sequenciador AÍ é geralmente
considerado uma forma típica de contextos informais, sejam de fala (cf. TAVARES,
2003; SOUZA, 2010), sejam de escrita (cf. ABREU, 1992; SANTOS, 2003;
ANDRADE, 2011; TAVARES, 2013c). Para descobrir como os alunos participantes
desta pesquisa avaliam os conectores E e AÍ quanto ao quesito (in)formalidade,
organizei e apliquei junto a esses alunos um teste de atitude linguística em que eles
puderam expor sua opinião sobre a adequação ou não do uso de cada um desses
conectores em contextos de fala e de escrita mais e menos formais. Apresento, no
capítulo IV, a descrição completa desse teste de atitude, que também foi aplicado aos
dois professores de língua portuguesa das turmas que contribuíram para esta pesquisa.
Em síntese, o teste de atitude trouxe fortes evidências de que o AÍ é considerado,
pelos alunos, um conector que não pertence à língua culta, podendo ser empregado,
segundo eles, em situações informais, mas não em situação formais. Em contraste, o E
parece ser tido, pelos alunos, como pertencente à língua culta, e, como eles não
mencionaram questões de formalidade implicadas no uso desse conector, acredito que o
considerem como uma forma não marcada estilisticamente, isto é, uma forma que pode
aparecer em contextos mais ou menos formais sem chamar atenção especial (poderia se
dizer, talvez, que se trate de uma forma estilisticamente neutra).
É interessante notar que a avaliação do conector AÍ como não pertencente à
variedade culta da língua também aparece bem claramente em uma atividade proposta
por um livro didático de língua portuguesa destinado ao nono ano do ensino
fundamental: “Este uso do aí como encadeador de episódios na narrativa não é muito
aceito na norma urbana de prestígio. Troque o aí por outro recurso de acordo com a
18
norma urbana de prestígio” (TRAVAGLIA; ROCHA; ARRUDA-FERNANDES, 2009,
p. 309). 4
Justifico a relevância desta pesquisa apontando, em primeiro lugar, a
importância da realização de estudos sobre conectores sequenciadores. A fim de
construir uma relação coesiva entre as informações sequenciadas no texto falado ou
escrito, nas mais diferentes situações de interação, uma das principais estratégias a que
pode recorrer o falante ou escritor é justamente fazer uso de um conector sequenciador.
Essas formas linguísticas, ao interligar as informações e, assim, dar continuidade e
significado ao que é dito ou escrito, contribuem sobremaneira para a coesão e a
coerência textuais.
Os conectores sequenciadores E e AÍ são analisados, nesta pesquisa, como
estratégias empregadas para o estabelecimento da coesão e da progressão de narrativas
de experiência pessoal e de contos escritos por alunos de nível fundamental. A narrativa
de experiência pessoal e o conto costumam ser bastante trabalhados nesse nível de
ensino e, portanto, é fundamental que compreendamos como os conectores E e AÍ
funcionam na indicação da sequenciação retroativo-propulsora de informações nesses
gêneros textuais. Acredito que esta pesquisa traz importantes contribuições nesse
sentido, pois identifico os contextos linguísticos, estilísticos e sociais que influenciam o
emprego do E e do AÍ como conectores sequenciadores nos textos narrativos escritos
pelos alunos participantes desta pesquisa, bem como levanto, nesses textos, problemas
relativos ao emprego desses conectores. Lembro, ainda, que, neste estudo, os gêneros
textuais não representam apenas o material do qual se extraem os dados, pois também
foram controlados como possíveis condicionadores do uso variável dos conectores
sequenciadores E e AÍ.
Também merece destaque o fato de que o corpus constituído para esta pesquisa
é muito rico e variado, podendo vir a possibilitar estudos futuros de base quantitativa
e/ou qualitativa a respeito não só de conectores (sejam coordenativos ou
subordinativos), mas de diversos fenômenos gramaticais e lexicais presentes nos textos
produzidos pelos alunos participantes desta pesquisa. Além disso, os testes de atitude
realizados com esses alunos trazem informações às quais podem recorrer pesquisadores
que tenham interesse, por exemplo, em contrastar avaliações sobre o uso dos conectores 4 Os autores do livro didático definem “variedade urbana de prestígio” da seguinte forma: “[...] a
variedade utilizada pelos grupos sociais de maior prestígio social (político, econômico e cultural)”
(TRAVAGLIA; ROCHA; ARRUDA-FERNANDES, 2009, p. 3).
19
sequenciadores E e AÍ feitas por falantes e escritores do português brasileiro de
diferentes regiões.
No âmbito nacional, vários pesquisadores já envidaram esforços no sentido de
analisar o emprego dos conectores sequenciadores em diferentes contextos de uso, de
fala e de escrita, o que deixa saltar à vista que a investigação desses conectores é um
terreno de grande fertilidade para a realização de novos estudos nas regiões brasileiras
onde o tema foi pouco contemplado. Esse é o caso do Rio Grande do Norte, em que já
há trabalhos feitos a respeito de conectores sequenciadores, como o de Tavares (2007)
com textos orais e escritos de diferentes gêneros produzidos por informantes do Corpus
Discurso & Gramática (cf. FURTADO DA CUNHA, 1998), o de Andrade (2011) com
textos argumentativos escritos produzidos por vestibulandos, e Souza (2010), com
conversações cotidianas. Todavia, ainda não foram feitos trabalhos versando os
conectores em questão em textos narrativos produzidos por alunos de ensino
fundamental, o que torna esta pesquisa inédita em termos do corpus utilizado, o que
soma a seu ineditismo quanto à mobilização e combinação de dois princípios, o
princípio da persistência e o princípio da marcação estilística, na explicação dos
resultados obtidos.
A partir das considerações feitas até aqui, a seguir apresento as questões sobre as
quais me debrucei, bem como as hipóteses, os objetivos gerais e os objetivos específicos
desta pesquisa e, logo após, listo as hipóteses.
Questões:
O uso variável dos conectores sequenciadores E e AÍ em textos narrativos escritos
por alunos do ensino fundamental sofrem influências de grupos de fatores de
natureza linguística, estilística e social?
Os princípios de persistência e de marcação estilística estão subjacentes ao uso
variável dos conectores E e AÍ?
Objetivo geral
Analisar os conectores sequenciadores E e AÍ como formas variantes na indicação
de sequenciação retroativo-propulsora de informações em textos narrativos escritos
por alunos do ensino fundamental de escolas públicas do município de Natal (RN),
contribuindo, desse modo, para a descrição do português brasileiro escrito na Região
Nordeste, além de oferecer um importante material de suporte para outros
20
pesquisadores que, por ventura, venham a realizar estudos sobre o mesmo
fenômeno.
Objetivos específicos
Averiguar os grupos de fatores linguísticos, estilísticos e sociais que exercem
influência sobre o uso variável dos conectores sequenciadores E e AÍ em textos
narrativos escritos por alunos do ensino fundamental;
Avaliar o papel do princípio da persistência e do princípio da marcação estilística no
uso variável dos conectores sequenciadores E e AÍ em textos narrativos escritos por
alunos do ensino fundamental;
Hipóteses
Os conectores sequenciadores E e AÍ sofrerão influências dos seguintes grupos de
fatores de natureza linguística e textual-estilística: relações semântico-pragmáticas,
níveis de articulação e gêneros textuais, e dos seguinte grupos de fatores sociais:
gênero, idade e nível de escolaridade. 5
O princípio da persistência pode explicar os condicionamentos exercidos pelos
grupos de fatores relações semântico-pragmáticas e níveis de articulação, e o
princípio da marcação estilística pode explicar os condicionamentos exercidos pelo
grupo de fator gêneros textuais, bem como pode explicar os condicionamentos
exercidos pelos grupos de fatores gênero, idade e nível de escolaridade.
A seguir, no capítulo I, sintetizo, na primeira seção, com base em Tavares
(2003), os percursos de gramaticalização possivelmente percorridos por E e por AÍ de
empregos adverbiais a seu emprego como conectores sequenciadores. Na segunda e na
terceira seções, destaco, respectivamente, dois estudos, um deles feito por Santos (2003)
e o outro por Tavares (2007), em que são averiguadas ocorrências do E e do AÍ como
conectores em textos escritos de diferentes gêneros textuais.
No capítulo II, encontra-se o referencial teórico desta pesquisa, em que lanço o
foco, inicialmente, para os conceitos do funcionalismo norte-americano e da 5 Considero o gênero textual um grupo de fatores textual-estilístico porque o nível de abrangência desse
grupo de fatores é, obviamente, o texto, sendo o estilo uma das características fundamentais da
composição de cada gênero textual (cf. BAKHTIN, 2003). Por essa razão, na análise dos dados, os
resultados referentes ao grupo de fatores em questão são relacionados ao princípio de marcação estilística.
21
sociolinguística variacionista mais relevantes para a análise feita aqui. Na sequência,
delineio considerações sobre algumas implicações teórico-metodológicas derivadas da
adoção de uma perspectiva sociofuncionalista de investigação, como a que guia este
trabalho.
No capítulo III, consta a caracterização dos dois gêneros textuais em que se
enquadram os textos dos quais extraí os dados: a narrativa de experiência pessoal e o
conto. Nesse capítulo, dou ênfase às definições e às propriedades de cada um desses
gêneros que foram trabalhadas por mim junto aos alunos participantes desta pesquisa,
antes de eles escreverem seus textos.
No capítulo IV, reservado aos procedimentos metodológicos, inicialmente
descrevo o corpus do qual extraí os dados: textos de dois gêneros textuais da esfera
narrativa, produzidos por alunos de diferentes características sociais. Depois, listo os
procedimentos que segui para a obtenção dos textos junto a esses alunos. Por fim,
discorro sobre os procedimentos que utilizei para a análise dos dados.
No capítulo V, avalio as respostas ao teste de atitude linguística fornecidas pelos
alunos e seus professores de língua portuguesa, respostas essas que contribuem para a
interpretação dos resultados. A seguir, descrevo e exemplifico os grupos de fatores
controlados, e proponho explicações para os resultados que obtive para esses grupos de
fatores à luz dos princípios da persistência e da marcação estilística. Por fim, discuto a
questão da implementação do conector AÍ na escrita do português brasileiro, destacando
o possível papel da escola frente a esse processo.
22
CAPÍTULO I – ESTADO DA ARTE
Neste capítulo, abordo conceitos e propostas fundamentais para o estudo dos
conectores E e AÍ, muitos dos quais são, posteriormente, relacionados aos dados obtidos
(cf. capítulo V). Lanço, inicialmente, o olhar sobre o fenômeno de gramaticalização,
processo de mudança responsável pela passagem do E e do AÍ de usos adverbiais a usos
como conectores sequenciadores. A esse respeito, na primeira seção, delineio, com base
em Tavares (2003), os percursos de gramaticalização possivelmente percorridos pelas
formas sob enfoque em sua trajetória rumo à sequenciação retroativo-propulsora de
informações.
Na segunda e na terceira seções, apresento os resultados de duas pesquisas, a de
Santos (2003) e a de Tavares (2007), as quais, em sua análise sobre o uso do E e do AÍ
como conectores, levaram em conta a questão do gênero textual. Tais pesquisas
constituem-se, portanto, em referências fundamentais para este estudo.
De antemão, já aponto que Santos (2003) abordou os conectores E e AÍ do
ponto de vista de seu papel na tessitura textual em termos das macrofunções e das
subfunções por eles assumidas no âmbito interfrástico em romances infantis e juvenis.
Por sua vez, Tavares (2007) tomou em conjunto os âmbitos intrafrástico e interfrástico,
averiguando diferentes categorias que se correlacionam ao emprego do E e do AÍ como
conectores em diferentes gêneros textuais orais e escritos, e relacionando tais categorias
ao princípio da marcação (cf. GIVÓN, 1995).
1. Gramaticalização: o caso do E e do AÍ
As formas E e AÍ tornaram-se conectores por meio do processo de
gramaticalização. Através desse processo, uma palavra ou construção recorrentemente
empregada em situações comunicativas particulares pode vir a obter, com o passar do
tempo, estatuto de forma gramatical, ou uma palavra ou construção já pertencente ao
conjunto de itens gramaticais pode vir a adquirir um novo papel gramatical (cf.
HOPPER; TRAUGOTT, 1993).
Esse processo é o tipo de mudança gramatical mais frequente nas línguas em
geral, e envolve algumas alterações que uma forma em gramaticalização tende a sofrer,
23
quais sejam: a) desenvolvimento unidirecional no âmbito semântico, indo de
significados ligados a um plano mais concreto/lexical a significados ligados a um plano
mais abstrato/gramatical; (b) incorporação de características morfossintáticas comuns à
categoria gramatical para a qual a forma está se dirigindo, com a concomitante perda de
características de seu emprego fonte (cf. TABOR; TRAUGOTT, 1998; BRINTON;
TRAUGOTT, 2005; TRAUGOTT; DASHER, 2005; ROSSARI; RICCI; SPIRIDON,
2009).
Comecemos pelo processo de gramaticalização do E. Segundo Ernout e Meillet,
(1951 apud BARRETO, 1999), o conector E provêm do conector latino et, derivado do
advérbio do latim arcaico et/eti, que significava ‘também’. Por sua vez, o advérbio
et/eti era provavelmente oriundo do advérbio ~eti, ‘além de’, do protoindo-europeu.
Posteriormente, em uma possível gramaticalização sofrida a partir de seu uso com o
significado de ‘também’, et passou a ser usado na indicação de cópula, isto é, na
indicação de uma junção entre construções linguísticas, tornando-se, desse modo, um
conector.
Nesse papel, et conectava de palavras a segmentos do texto de proporções
variadas, e teve as suas possibilidades de uso cada vez mais aumentadas,
transformando-se em um conector sequenciador que podia ser utilizado para codificar
diferentes relações semântico-pragmáticas, entre as quais destacavam-se a sequenciação
textual (tradicionalmente denominada “adição”), a sequenciação temporal e a
consequência. Vejamos alguns exemplos, extraídos de Tavares (2003, p. 142):
(1) Quid uero? Nuper cum morte superioris uxoris nouis nuptiis domum uacuefecisses,
nonne etiam alio incredibili scelere hoc scelus cumulauisti? Quod ego praetermitto et
facile sileri, ne ih hac ciuitate tanti facinoris immanitas aut exstitisse aut non uindicata
esse uideatur? (Cic. Cat. I, 6, 14)
[O que na verdade? Recentemente, quando esvaziaste tua casa com a morte da última
esposa para novas núpcias, por acaso não aumentaste ainda este crime com outro crime
mais terrível? Eu não menciono aquilo e suporto que seja silenciado facilmente, para
que a imensidão de tão grande atentado não pareça ter existido nesta cidade ou que não
foi vingado.]
(2) Usque in hanc horam et esurinus, et sitimus, et nudi summus, et colaphias cædimur,
et stabiles sumus; et laboramus operantis manibus nostris. (A. P., 1 Cor. 4. 11)
24
[Até esta hora padecemos até fome e sêde, e desnudez, e somos esbofeteados, e não
temos morada segura, e trabalhamos obrando por nossas próprias mãos.]
(3) Teque adeo decus hoc aeui, te consule, inibit, / Pollio, et incipient magni procedere
mensis, / te duce. Si qua manent sceleris uestigia nostri,/ inrita perpetua soluent
formidine terras. (L. Publius Vergilius Maro: Bucólica IV)
[Esta glória da era surgirá, sendo tu o cônsul, / e, sendo tu o comandante, Pólio,
começarão a correr os meses. / Se alguns vestígios de nosso crime permanecem, /
anulados livrarão as terras de um medo perpétuo.]
(4) Tu credis quoniam unus est Deus: Bene facis: et daemones credunt, et
contremiscunt. (A. P., Tiag. II. 19)6
[Tu crês que ha um só Deus: Fazes bem: mas tambem os demônios o crem e
estremecem.]
Os exemplos (1) e (2) nos trazem ocorrências de sequenciação textual, em que et
salienta o encadeamento de porções discursivas relacionadas a um mesmo tópico; em
(3), temos sequenciação temporal: a informação introduzida por et sucede-se
temporalmente em relação à informação já dada; e, em (4), temos consequência: os
demônios acreditam que existe um só deus e por essa razão estremecem.
Provindo do et latino, o E já surgiu no português como conector. Explica-nos
Tavares (2003, p. 24) que as “fontes do uso sequenciador do E parecem vincular-se ao
longo do tempo a papéis relativos à soma entre informações (além de, também, junção
de elementos)”. A autora propõe, com base em dados do latim, que, como et parece ter
estado por muito tempo vinculado a significados ligados à soma de informações, deve
ter tido como seu primeiro uso no âmbito da sequenciação retroativo-propulsora a
indicação de sequenciação textual, a qual manifesta, à semelhança dos usos adverbiais
de et, a característica de adicionar uma parte do texto à outra (seja no âmbito
intrafrástico, seja no interfrástico). A esse emprego conectivo, posteriormente somaram-
se outros, como a sequenciação temporal e a consequência.
Em contraste com a migração de et de advérbio para conector, sua expansão para
a expressão de diferentes relações semântico-pragmáticas não implica mudança de
6 Os trechos de textos latinos (1) e (3) e suas traduções são provenientes de Garcia (1997). Os trechos (2)
e (4) e suas traduções, por sua vez, são provenientes de Pereira (1923, p. 565).
25
categoria gramatical, posto que não acontece a passagem de uma categoria gramatical
para outra, e sim uma ampliação funcional: uma vez que, a partir de seus usos
adverbiais, et começou a ser empregado na indicação de uma relação semântico-
pragmática – no caso, possivelmente a sequenciação textual – ele se tornou, por pressão
dos contextos de uso, apto a indicar também outras relações semântico-pragmáticas
ligadas à sequenciação retroativo-propulsora de informações, caso da sequenciação
temporal e da consequência.
Que tipo de contextos de uso poderiam ter pressionado a ocorrência desse
processo de ampliação funcional do conector et? Consoante Tavares (op. cit.), certas
nuanças semântico-pragmáticas possivelmente estavam presentes como inferências em
alguns contextos de uso do et na indicação de sequenciação textual. Graças a repetição
de ocorrências do et nesse tipo de contexto, tais padrões inferenciais devem ter se
rotinizado, tornando-se incorporados ao conjunto de relações semântico-pragmáticas
passíveis de serem expressas por esse conector, as quais foram herdadas pelo conector E
no português.
No que se refere à relação de sequenciação temporal, segundo Tavares (op. cit.),
em certos casos os falantes devem ter organizado textualmente as informações
conectadas pelo et de forma que essas informações parecessem seguir uma ordenação
cronológica. Em contextos desse tipo, o et pode ter sido relacionado à sequenciação
temporal, e, assim, teria se dado o começo de seu emprego na indicação dessa relação
semântico-pragmática.
Quanto à consequência, o conector et pode ter começado a ser empregado como
marca linguística dessa relação em contextos de uso em que, além de haver a conexão
de dois eventos de acordo com a sua ordenação temporal, provavelmente havia também
a inferência de que esses eventos estavam relacionados não apenas temporalmente, mas
também como causa e consequência. Contextos desse tipo seriam capazes de pressionar
o processo de enraização do uso de et na indicação de consequência (cf. TAVARES, op.
cit.).
Por sua vez, AÍ é oriundo do advérbio latino ibi e podia significar ‘nesse lugar’,
‘nesse momento’ ou ‘nesse assunto’.7 Explica-nos Tavares (op. cit.) que AÍ parece ter
desembocado na sequenciação retroativo-propulsora seguindo um percurso universal
7 Consultei os seguintes dicionários etimológicos para obter informações sobre as origens da forma AÍ:
Cunha (1991) e Silveira Bueno (1965).
26
tipicamente envolvido na emergência de conectores: espaço > tempo > texto, conforme
proposta de Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991). O significado espacial é mais básico e
concreto que o significado temporal, que, por sua vez, é mais básico e concreto que as
relações textuais. É comum que os itens que possuem valor de espaço externo assumam
um valor temporal, chegando, por fim, a serem empregados como organizadores de
espaço textual.
Tavares (2003), com base em dados orais e escritos do português do século XIII
ao XX, propõe o seguinte percurso que teria sido seguido por AÍ em seu processo de
gramaticalização como conector: dêixis locativa (apontamento para o mundo) > anáfora
locativa (apontamento para um lugar mencionado anteriormente, criando-se uma relação
de correferência) > anáfora temporal (apontamento para um período de tempo
mencionado anteriormente, criando-se uma relação de correferência) > sequenciação
retroativo-propulsora (apontamento para a informação prévia e para a informação
subsequente, criando-se um laço coesivo que leva o interlocutor a buscar por inter-
relações entre essas informações).
A título de ilustração, vejamos os exemplos a seguir, extraídos de Tavares (op.
cit., p. 154-155) e pertencentes ao Banco de Dados Variação Linguística na Região Sul
do Brasil (VARSUL/Florianópolis):
(5) Daí no outro dia, no aniversário, já ligaram toda a minha família: “Ah, eu vou aí dar
um abraço na- na tua irmã, tá R.? (FLP04C)
(6) Sempre faz aquelas coisas que não pode. A gente se pendu- não era pendurar,
também, né? Nós gostávamos de abrir o armário porque ele era muito grande e era
muito alto. Então a gente se pendurava aí e ficava assim. (FLP01:770)
(7) Quando eu tinha doze anos, ela apareceu de novo. Aí eu já estava adulta. (est) Aí eu
já estava bem grande, né? (FLP03)
(8) Eu disse: “Claro que não, é pra lá, garota! Vamos esperar o tio.” Aí ela disse: “Mas
o tio ainda não está vindo, ele disse que chegava primeiro que nós e não chegou.”
(FLP03C)
27
Em (5), temos um AÍ dêitico locativo. Em (6), temos um AÍ anafórico locativo.
Em (7), temos um AÍ anafórico temporal. E em (8), temos um AÍ conector
sequenciador.
Como o processo de passagem do AÍ de cada função precedente para a função
subsequente pode ter ocorrido? Segundo Tavares (op. cit.), no caso do uso dêitico
locativo, o apontamento para um lugar relacionado ao contexto em que se dá a interação
comunicativa tem natureza bastante concreta devido à ligação estabelecida entre o texto
e o mundo exterior a ele. Na migração do AÍ dessa função dêitica para a função de
indicação anafórica locativa, a organização espacial do mundo concreto transfere-se
para a organização do mundo mais abstrato do texto, passando a haver a interligação de
dois elementos mencionados no texto, os quais possuem o mesmo referente (um caso de
correferência, portanto).
Já o ganho da função de indicação anafórica temporal é uma etapa ainda mais
gramatical do percurso de gramaticalização seguido pelo AÍ, em que uma noção mais
abstrata, o tempo, é compreendida em termos de uma noção mais concreta, ligada à
experiência física com o mundo, qual seja, a noção de espaço, ambas manifestadas no
plano anafórico. Finalmente, a função de indicação de sequenciação retroativo-
propulsora de informações representa, para o AÍ, a aquisição de um papel altamente
gramatical, vinculado à interligação de informações dentro de um texto. Nesse processo,
a relação espacial e/ou temporal que ligava o AÍ a um elemento antecedente cede lugar
à relação de sequencialidade temporal existente entre dois eventos. (cf. TAVARES, op.
cit.)
A sequenciação temporal manifesta-se em trechos do texto em que são
encadeados eventos no plano da cronologia temporal. Do emprego do AÍ na indicação
de sequenciação temporal, provavelmente teve origem seu emprego na indicação de
consequência, relação semântico-pragmática pela qual o falante ou o escritor apresenta,
num plano de maior complexidade e abstração, causas que levam a consequências,
envolvendo ou não sucessão temporal. Por fim, devido à pressão dos contextos de uso
de sequenciação temporal ou de consequência ou ainda de ambos, AÍ passa a ser
empregado em contextos de sequenciação textual,
“[...] uma estratégia linguística puramente coesiva, de caráter
altamente abstrato e genérico, esvaziada de quaisquer traços de
função-significação além da indicação de que uma informação
relaciona-se com a outra ou que ambas relacionam-se ao mesmo
tópico” (TAVARES, op. cit., p. 160).
28
Os exemplos a seguir, extraídos de Tavares (op. cit.), ilustram a utilização do AÍ
como conector sequenciador na indicação de sequenciação temporal (em (9)), na
indicação de consequência (em (10)) e na indicação de sequenciação textual (em (11)):
(9) E debaixo daquele aço sai um tubo desses de encanamento de água, aqueles tubos
grandes, vão todos- Aí eles se metem dentro, aí estoura tudo, aí vem a máquina, vai
tirando aquelas pedras menores, né? ficam mais ou menos assim, põe dentro do britador,
aí eles vão pra outra barreira de pedra que tem. (FLP09J)
(10) A minha vódrasta, aquela tansa, antes ela ia fazer o arroz, ela pegava e mexia, aí
ficava aquela papa. (FLP11J)
(11) É, ali tinha o Rox, Cine Rox, e tinha o Cine Ritz também. Mas só o Cine Ritz
também. (inint) hoje, né? existia naquela época também. Aí o Cine Ritz só ti- tinha
cinema pra criança, mas era só durante a tarde, e à noite não podia ir, né? (FLP18)
Martelotta (1994), com base em dados sincrônicos e diacrônicos, também propôs
percursos de gramaticalização para o AÍ. Consoante o autor, o AÍ, em seu processo de
gramaticalização, passou por uma trajetória de mudança que teve como ponto de partida
o uso como dêitico espacial, do qual se seguiram os usos como anafórico espacial e
anafórico temporal. O uso como anafórico temporal, por sua vez, foi a fonte do uso
sequencial de base temporal (que corresponde ao que denomino “sequenciação
temporal”). O uso sequencial de base temporal deixou emergir o uso conclusivo (que
também pode abarcar a relação de consequência) e o uso introdutor de informações
livres (que corresponde ao que denomino “sequenciação textual”).
2. Os conectores interfrásticos E e AÍ na literatura infanto-juvenil
Santos (2003), ao analisar a articulação textual no gênero romance infantil e
juvenil, leva em conta apenas conectores de nível interfrástico. De acordo com a autora,
conectores como E e AÍ são articuladores textuais e podem ter as seguintes
29
macrofunções:8 (i) Organização tópica, com as subfunções de Ruptura e Retomada; (ii)
Progressão narrativa, com as subfunções de Mudança de condução da narrativa, Adição,
Progressão temporal, Causa/efeito, Conclusão/finalização e Ênfase (polissíndeto); (iii)
Interação (entre personagens ou entre narrador e leitor), com as subfunções de
Interpelação, Ênfase e Contestação; (iv) Contrajunção, com as subfunções de Quebra de
expectativa, Retificação e Ressalva.
Santos (op. cit.) afirma que o conector E costuma ser o mais recorrente dos
conectores, independentemente do tipo de amostra utilizada, seja de fala ou de escrita.
Como trabalhos que atestam essa informação, são citados pela autora: Guimarães e
Filipouski (1988), Kato (1990), Abreu (1992), Rojo (1996) e Monnerat (1998). Para
Kato (1990 apud Santos, 2003, p. 40), o E é um “arquiconectivo” e as crianças
aprendem a utilizá-lo bastante precocemente para garantir a coesão textual. Rojo (1996
apud Santos, 2003) alerta para a marca de oralidade que pode ser percebida no uso
recorrente dos conectores – a exemplo do E e do AÍ – em textos escritos.
Ao analisar dados do E extraídos de dez romances infantis e juvenis, Santos (op.
cit.) observou que esse conector facilmente assume a macrofunção de Progressão
narrativa, macrofunção em que mais se repete. Nessa macrofunção, Santos encontrou o
E desempenhando as subfunções de Adição (314 dados), Progressão temporal (159
dados), Causa/efeito (18 dados), Conclusão/finalização (27 dados) e Ênfase (76 dados).
Na subfunção de Adição, o E auxilia na progressão narrativa, realizando uma
espécie de adição na tessitura textual, entre orações ou parágrafos, estendendo o texto e
ordenando os eventos. Na subfunção de Progressão temporal, o E carrega uma marca
temporal, possibilitando a ordenação da sequência cronológica dos fatos narrados. Na
subfunção de Causa/efeito, o E estabelece uma relação de consequência relativamente a
uma causa anteriormente dada. Na subfunção de Ênfase/polissíndeto, o E gera uma
espécie de fluidez no texto, dando movimento, ritmo, continuidade aos fatos. Na
subfunção de Conclusão, o E é recorrente em trechos tipicamente argumentativos dos
romances infantis e juvenis, em que o argumento precedente está relacionado com a
conclusão; já o efeito de finalizador de passagens do texto se dá com mais frequência
em trechos descritivos e narrativos.
8
Santos (2003) denomina “macrofunção” uma função que inclui funções mais específicas
desempenhadas pelos conectores na tessitura textual.
30
Santos (op. cit.) encontrou também o emprego do conector E na macrofunção de
Organização tópica, seja em casos de Ruptura (5 dados) ou Retomada (4 dados). O E
pode interligar dois segmentos tópicos, que pertencem a um mesmo assunto (subfunção
de Adição), mas também pode introduzir um novo tópico que represente uma quebra em
relação ao eixo temático que vinha sendo desenvolvido na narrativa (subfunção de
Ruptura). Além disso, no desenrolar da narrativa, o escritor pode interromper o assunto
e começar a discorrer sobre outro tema significativo, e, logo após, retomar o assunto
interrompido previamente, marcando essa retomada através do conector E (subfunção
de Retomada).
Outra macrofunção que o conector E assume nos romances infantis e juvenis
analisados por Santos (op. cit.) é a de Contrajunção, na subfunção de Quebra de
expectativa (14 dados), similar à função do conector MAS. Por fim, o E também exerce
a macrofunção de Interação, tipicamente em diálogos ou em narrativas de primeira
pessoa, deixando emergir uma intenção fática de interação entre os personagens que
dialogam entre si ou entre o narrador e o leitor. Relativamente a essa macrofunção, o E
aparece com as seguintes subfunções: Interpelação (114 dados, a exemplo de “E você,
como é que se chama?”), Ênfase (12 dados, a exemplo de “E como!”) e Contestação (56
dados, a exemplo de “E como é que a gente vai dar uma lavagem intestinal nesse bicho
tão grande?”).9
Quanto ao AÍ, nos romances infantis e juvenis analisados por Santos (op. cit.),
foram encontradas ocorrências desse conector apenas na macrofunção de Progressão
narrativa, nas subfunções de Progressão temporal (65 dados), Causa/efeito (12 dados) e
Conclusão/Finalização (1 dado). Face a esses resultados, Santos conclui que o AÍ
exerce, em sua amostra de dados, a macrofunção de Progressão narrativa, encadeando
uma a outra diferentes partes do texto. A autora acredita que, devido a sua natureza
adverbial prévia, esse conector ainda traz em si uma marca de temporalidade,
sequenciando os eventos narrados. Por isso, é bastante recorrente na subfunção de
Progressão temporal. O estabelecimento de uma relação de causa/efeito entre segmentos
do texto também é uma subfunção desempenhada pelo AÍ na amostra de dados de
Santos, havendo, ainda, uma ocorrência do AÍ na subfunção de Finalização, em que esse
conector assume um valor de finalizador da tessitura textual.
9 Dados extraídos de Santos (2003), p. 50-51.
31
3. Conectores E e AÍ na fala e na escrita: foco no princípio da marcação
Tavares (2007) analisou 846 dados de conectores sequenciadores de uma
amostra composta por 64 textos pertencente ao Corpus Discurso & Gramática – a
língua falada e escrita na cidade do Natal (cf. FURTADO DA CUNHA, 1998). Esses
textos foram produzidos por oito indivíduos natalenses, quatro de 9 a 11 anos da 4ª série
do ensino fundamental e quatro de 18 a 20 anos do 3.º ano do ensino médio. Cada um
desses indivíduos produziu quatro textos orais e quatro textos escritos correspondentes,
dos seguintes gêneros textuais: narrativa de experiência pessoal, relato de procedimento,
descrição de local e relato de opinião.
Explica Tavares (op. cit.) que, como E e AÍ conectores são utilizados em uma
mesma função, a indicação de sequenciação retroativo-propulsora de informações,
caracterizam-se como um caso de formas em sobreposição funcional. Nas palavras da
autora, “formas em sobreposição funcional estão sujeitas ao princípio da marcação,
pois, mesmo desempenhando uma mesma função, tendem a manifestar diferentes graus
de complexidade” (TAVARES, op. cit., p. 88).
Givón (1995) apresenta três critérios para a identificação de formas marcadas:
(a) complexidade estrutural: a forma marcada tende a ser mais complexa (em termos de
extensão e/ou número de morfemas) que a não marcada; (b) distribuição de frequência:
a forma marcada tende a ser menos frequente que a não marcada, o que lhe gera maior
saliência cognitiva; (c) complexidade cognitiva: a forma marcada tende a ser
cognitivamente mais complexa, o que aumenta a necessidade de atenção, o esforço
mental e o tempo de processamento.
O emprego desses critérios por Tavares (2007) para o caso dos conectores
sequenciadores E e AÍ encontrados em sua amostra de dados resultou na constatação de
que o E é o conector menos marcado e mais recorrente tanto na escrita como na fala
(havia 502 dados na totalidade da amostra, 393 na fala e 109 na escrita). Quanto ao AÍ,
esse conector é mais marcado, por ter maior extensão e menor frequência de uso (havia
223 dados na totalidade da amostra, 221 na fala e 2 na escrita).
Tavares (op. cit.) defende que uma forma será preferencialmente utilizada em
certos contextos dependendo do seu grau de marcação. Para testar essa possibilidade em
relação aos conectores E e AÍ, a autora procurou diferenciar categorias mais e menos
complexas relacionadas a diferentes elementos vinculados aos contextos de uso dos
conectores E e AÍ. A hipótese era de que o E, menos marcado, seria mais empregado em
32
contextos menos complexos, em contraste com o AÍ, mais marcado, que seria
empregado em contextos mais complexos. Frente a essa hipótese, destaco os resultados
obtidos por Tavares para três categorias: (i) relações semântico-pragmáticas existentes
entre as partes do texto interligadas por E e por AÍ (sequenciação textual, sequenciação
temporal e consequência); (ii) níveis de articulação (segmento oracional, segmento
tópico); (iii) gênero textual (narrativa de experiência pessoal, relato de procedimento,
descrição de local e relato de opinião). Essas categorias foram relacionadas a graus
distintos de complexidade.
No que diz respeito às relações semântico-pragmáticas, Tavares (op. cit.)
considera a sequenciação textual a relação menos complexa, pois diz respeito apenas à
ordenação pela qual as informações interligadas ocorrem ao longo do tempo discursivo.
Já a sequenciação temporal é considerada mais complexa que a textual, pois, além da
ordenação discursiva, o leitor/escritor precisa compreender a ordenação temporal
impingida pelo falante/escritor entre as informações interligadas. Por fim, a relação de
consequência é considerada a mais complexa dentre as três relações, uma vez que exige
do leitor/escritor um processo cognitivo mais complexo, ligado a um viés
argumentativo.10
Segundo a hipótese inicialmente feita, o E, por ser o conector menos marcado,
tenderia a ser preferencialmente usado na indicação de sequenciação textual. Os
resultados da pesquisa atestaram essa hipótese, pois 67% das ocorrências desse conector
estavam ligadas à sequenciação textual, e apenas 24% à sequenciação temporal e 9% à
consequência. Em contraste, o AÍ, conector mais marcado que o E, foi mais recorrente
na indicação de sequenciação temporal (42% dos dados), seguindo-se a sequenciação
textual (34% dos dados) e a consequência (22% dos dados).
Relativamente aos níveis de articulação, foram examinados dois níveis:
segmento tópico – o conector tem a função de interligar dois segmentos tópicos, que
fazem parte de um mesmo tópico/assunto; segmento oracional – o conector tem a
função de interligar duas orações que mantêm entre si fortes elos de integração.
Avaliado quanto à complexidade, o nível dos segmentos oracionais foi caracterizado
como menos complexo, pois envolve uma maior continuidade dos subcomponentes
10
Lopes (2012) também considera a adição (aqui denominada “sequenciação textual”) como a menos
complexa dentre as relações expressas pelos conectores do português. A autora indica a consequência
como a segunda relação em ordem crescente de complexidade – a única relação mais complexa que a
consequência é a de concessão.
33
implicados na coerência textual: referencialidade, localização, temporalidade,
aspectualidade, modalidade/modo e ação/evento.11
Trata-se, pois, de um tipo de
segmento menos complexo porque não ocorrem nele muitas rupturas entre as
informações conectadas. Por sua vez, o nível dos segmentos tópico exige um
processamento mais complexo, posto que há maior descontinuidade entre as
informações interligadas, considerando-se os subcomponentes da coerência textual. Os
resultados obtidos confirmaram a hipótese de que o E, por ser menos marcado, seria
mais frequente no nível dos segmentos oracionais (em que o E teve 32% de suas
ocorrências e o AÍ apenas 5%). Todavia, ambos os conectores foram mais frequentes no
nível dos segmentos tópicos (em que o E teve 68% de suas ocorrências e o AÍ, 95%).
Quanto aos gêneros textuais, os quatro gêneros analisados – narrativa de
experiência pessoal, relato de procedimento, descrição de local e relato de opinião –
foram avaliados em termos de complexidade quanto aos seguintes critérios: (i) tempo e
aspecto verbal mais frequentes; (ii) natureza do tipo de informação mais recorrente.
Quanto a esses critérios, os gêneros textuais foram assim caracterizados:
Narrativa de experiência pessoal: o gênero textual menos complexo dentre os
quatro gêneros analisados, por haver nele a sequenciação temporal de eventos
passados, temporalmente delimitados, com predomínio de verbos no pretérito
perfeito e no aspecto perfectivo, compacto e completo. Segundo Givón (1993),
esses são o tempo e o aspecto verbal menos complexos porque costumam ser os
mais frequentes na comunicação humana em geral, e, devido a suas características
de completude e de delimitação mais precisa, demandam menos trabalho cognitivo
tanto para o processamento quanto para a percepção.
Relato de opinião: apresenta as opiniões do falante ou escritor a respeito de fatos ou
ideias, com predomínio de verbos no presente, não sequenciais e ancorados na
situação de produção do texto, e no aspecto imperfectivo, de maior duração e
incompletude. De acordo com Givón (op. cit.), esse tempo e esse aspecto estão
entre os mais complexos na comunicação humana em geral. Assim, Tavares (2007,
p. 94) defende que o relato de opinião é o gênero textual mais complexo dentre os
que leva em conta em seu estudo, uma vez que esse gênero se define pela
11
Os subcomponentes da coerência textual levados em conta por Tavares (2007) foram propostos por
Givón (1995, 2001).
34
“exposição de pontos de vista, o que é relativamente complexo em nível de
processamento e percepção, bem como envolve o uso de tempo e de aspecto
complexos”.
Relato de procedimentos: ênfase na sequenciação temporal das etapas de um
processo, geralmente com predomínio de verbos no presente e no aspecto
imperfectivo. Apesar de o relato de procedimentos se aproximar da narrativa de
experiência pessoal devido ao traço de sequenciação temporal, de natureza mais
concreta e, assim, mais simples em termos de processamento cognitivo, os verbos
mais recorrentes nesse gênero são de natureza complexa, o que faz com ele possa
ser tido como mais complexo que a narrativa de experiência pessoal.
Descrição de local: trata-se de um gênero textual também mais complexo que a
narrativa de experiência pessoal, já que envolve “a exposição das características de
um elemento, feita comumente no pretérito imperfeito ou no presente, tempos
verbais complexos” (TAVARES, op. cit., p. 95).
A hipótese de que o conector E, por ser o conector menos marcado, seria mais
frequente na narrativa de experiência pessoal, não foi confirmada pelos resultados, que
revelaram que ambos os conectores possuem maior taxa de uso nesse gênero textual,
com 51% das ocorrências do AÍ e 41% das ocorrências do E. Ambos os conectores
também se destacam no relato de procedimento, com 35% das ocorrências do AÍ e 23%
das ocorrências do E. Esses resultados levaram Tavares (op. cit.) a concluir que os
gêneros textuais em que o E e o AÍ são mais recorrentes são aqueles marcados pela
sequenciação temporal de eventos ou de etapas de um processo.12
Enfim, neste capítulo, após abordar os processos de gramaticalização percorridos
pelos conectores sequenciadores E e AÍ, sintetizei estudos que tomaram tais conectores
como objeto de análise, estudos esses que se constituem em importantes referência para
esta pesquisa. No próximo capítulo, terá lugar a apresentação dos preceitos teórico-
metodológicos por mim adotados.
12
Cumpre mencionar que, neste estudo, não recorremos ao princípio da marcação como fonte de
explicações porque consideramos outros dois princípios mais relevantes para a análise da distribuição dos
conectores sequenciadores E e AÍ em textos escritos: o princípio da persistência e o princípio da
marcação estilística.
35
CAPÍTULO II – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A presente pesquisa é desenvolvida à luz de uma perspectiva teórica que se
constitui através da busca de articulação entre pressupostos teórico-metodológicos
provenientes de duas teorias: o funcionalismo norte-americano e a sociolinguística
variacionista.
Na primeira seção, apresento a teoria funcionalista, destacando sua abordagem
ao processo de gramaticalização. Na segunda seção, dou espaço à sociolinguística
variacionista, referente à qual focalizo, em especial, a questão da heterogeneidade e da
mudança linguística. Por fim, na terceira seção, caracterizo o sociofuncionalismo,
levantando pontos de contato entre o funcionalismo e a sociolinguística, e delineando os
procedimentos de análise comumente adotados por pesquisadores que trabalham nessa
perspectiva teórica.
1. Funcionalismo norte-americano
1.1 Gramática emergente
O funcionalismo norte-americano tem como objeto de estudo as línguas em
situação real de comunicação, recebendo, portanto, papel central a função do item
linguístico observado, cuja forma será descrita em relação a suas propriedades
funcionais – fonético-fonológicas, morfossintáticas, semântico-pragmáticas. Nessa
perspectiva teórica, defende-se que a estrutura é motivada pelo uso, pelas intenções e
pelas necessidades comunicativas dos usuários da língua. Sobre o funcionalismo,
explica-nos Furtado da Cunha (2009, p. 157) que o seu “[...] interesse de investigação
linguística vai além da estrutura gramatical, buscando na situação comunicativa – que
envolve os interlocutores, seus propósitos e o contexto discursivo – a motivação para os
fatos da língua”.
Similarmente, Martelotta e Areas (2003, p. 20) assim definem o funcionalismo:
[...] caracteriza-se pela concepção da língua como um instrumento de
comunicação, que, como tal, não pode ser analisada como um objeto
36
autônomo, mas como uma estrutura maleável, sujeita a pressões
oriundas das diferentes situações comunicativas, que ajudam a
determinar sua estrutura gramatical.
De acordo com a teoria funcionalista, a língua é concebida como heterogênea e
susceptível às mudanças, pois o sistema linguístico sofre pressões tanto linguísticas
quanto cognitivo-comunicativas; essas pressões determinam a forma e a função,
eclodindo nas variações linguísticas, característica inerente às línguas (cf. GIVÓN,
1995). A gramática é definida como um sistema elástico, mutável, destacando-se os
sujeitos e suas intenções de fala/escrita, bem como o contexto de uso: a gramática é
entendida “[...] como um organismo maleável, que se adapta às necessidades
comunicativas e cognitivas dos falantes [...]” (FURTADO DA CUNHA, 2009, p. 164).
Na ótica funcionalista, a gramática tende a ser vista, pois, como emergente.
Günther (2011) salienta que a proposta de gramática emergente apresentada por Paul
Hopper (1987, 1998, 2001, 2004, 2008, 2011) tem exercido, com o passar do tempo,
grande influência em diferentes vertentes de pesquisa, como a linguística funcional, a
linguística interacional e a linguística cognitiva, além de receber lugar de destaque em
investigações sobre o fenômeno de gramaticalização realizadas na perspectiva
funcionalista.
A respeito de sua proposta, esclarece-nos Hopper (1998, p. 156) que a “[...]
noção de gramática emergente pretende sugerir que a estrutura, ou regularidade, vem do
discurso e é moldada pelo discurso em um processo contínuo” (HOPPER, 1998, p. 156).
Hopper (1987) adotou, em referência à gramática, o termo “emergente” empregado pelo
historiador James Clifford, para quem a cultura é temporal, emergente e disputada (cf.
CLIFFORD, 1986). Entendendo que, para Hopper, o termo “discurso” diz respeito a
todo ato interacional entre os usuários da língua, seja ele de fala ou de escrita, podemos
observar alguns aspectos relevantes para a compreensão do conceito de gramática
emergente:
1. A estrutura linguística é sempre adiada, trata-se de um processo que nunca está
acabado;
2. A gramática é um produto de estruturação contínua, dependente do contexto de
uso;
3. A língua é um fato emergente, determinada pela experiência dos falantes com o
uso das formas linguísticas em diferentes situações de comunicação;
37
4. As noções de frequência, regularidade e rotinização são importantes para
entender-se como a gramática emerge do discurso.
De acordo com Hopper (1998, p. 156), a estrutura gramatical “[...] é sempre
adiada, um processo, nunca está terminada, e, portanto, é emergente”. A gramática é
uma estrutura sempre em um processo de vir a ser, que se adequa às necessidades
comunicativas dos falantes, podendo ser adaptada para diferentes situações de interação.
Em decorrência, ela é provisória e dependente dos contextos em que é utilizada. São,
pois, as situações reais de uso, onde as trocas linguísticas entre falantes com diferentes
experiências linguísticas acontecem, que proporcionam a estruturação e a reestruturação
da gramática. Nas palavras de Tavares (2012a, p. 35):
Como as experiências do falante e do ouvinte com a língua são
particulares e podem ser distintas em diversos graus, eles têm de se
esforçar para se fazer entender e para tentar entender, negociando e
adaptando funções e formas para levar sua interação linguística
adiante, o que instiga a mudança: adaptações feitas durante a
interação, como tentativa de obtenção de êxito no processo de troca
verbal, podem ocasionar o surgimento de novas estratégias para a
constituição do discurso, que, se frequentemente repetidas,
rotinizam-se, tornando-se parte da gramática da língua.
Assim sendo, como afirma Hopper (1998, p. 158), “[...] a gramática é um
produto de estruturação, em vez de um objeto delimitado a ser pensado como
estrutura”.13
Se as novas estratégias criadas on line, isto é, no momento mesmo da
constituição do discurso, forem repetidas com frequência por diferentes falantes, podem
se tornar parte da gramática da língua. Na mesma direção, pontua Tavares (2012a, p.
36): “a estrutura linguística não é imanente: as construções gramaticais têm sua origem
na repetição de agrupamentos de palavras no discurso.”
Portanto, pode-se dizer que a gramática é constituída por “[...] esquemas e
padrões rotinizados, que são generalizados das estruturas que mais frequentemente
emergem para preencher os objetivos comunicativos dos falantes” (ENGLEBRESTON,
2003, p. 89). Ou seja, a frequência de uso das formas linguísticas é um fator
fundamental para o estabelecimento e manutenção da gramática. Ademais, em
consonância com Hopper (1998, p. 162), aponto que a gramática:
[...] entendida como repetição significativa, é [...] distribuída entre os
vários participantes no ato colaborativo da comunicação. Ela é
também distribuída entre diferentes gêneros textuais e entre diferentes
13
As traduções são de minha responsabilidade.
38
registros. A gramática é, em outras palavras, não uniforme, mas
relativa ao contexto.
1.2 Gramaticalização
O processo de emergência e rotinização de novas construções gramaticais14
recebe o nome de gramaticalização. A gramaticalização pode ser assim definida: trata-se
de um processo de regularização gradativa segundo o qual uma estratégia
frequentemente utilizada em determinadas situações comunicativas adquire, com o
correr do tempo, uma função gramatical, rotinizando-se como uma nova construção na
gramática da língua. Traugott (2010, 2011) lembra que esse processo envolve mudanças
em diferentes âmbitos – pragmático, semântico, morfossintático e fonológico –,
mudanças essas motivadas pelos contextos de uso das formas envolvidas.
Meillet (1965[1912]) foi pioneiro no emprego do termo “gramaticalização” em
referência à passagem de uma palavra lexical à função de elemento gramatical.
Contudo, os estudos de Meillet trouxeram a ideia de gramaticalização como um
instrumento da linguística histórica, priorizando as origens e as mudanças que
envolviam, sobretudo, morfemas gramaticais. De acordo com Gonçalves, Lima-
Hernandes e Casseb-Galvão (2007, p. 19), a “[...] gramaticalização, como proposta por
Meillet, envolve essencialmente a passagem [léxico] > [gramática], com o lado
gramatical comportando a sequência interna [sintaxe] > [morfologia]”. Posteriormente,
Kurilowcz estendeu o conceito de gramaticalização, propondo que o termo se referisse
não apenas ao processo de mudança de um item linguístico de um papel lexical para um
papel gramatical, mas também ao processo de mudança de um item linguístico de um
papel menos gramatical para um mais gramatical (cf. HEINE; CLAUDI;
HÜNNEMEYER, 1991).
Teve início com Givón (1979) uma nova fase nos estudos do fenômeno de
gramaticalização. Para o autor, “[...] a sintaxe de hoje é o discurso pragmático de
ontem” (GIVÓN, 1979, p. 208), e o processo segundo o qual o discurso gera a sintaxe é
a gramaticalização.
14
O termo construção pode ser utilizado em referência a qualquer porção de língua constituída por mais
de uma palavra, incluindo desde sintagmas a orações ou mesmo partes mais extensas. Todavia, é possível
considerar que a própria palavra seja uma construção, resultante da combinação de diferentes morfemas
(cf. HEYVAERT, 2003).
39
Os itens linguísticos que tendem a sofrer o processo de gramaticalização são
assim caracterizados por Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991, p. 258):
[...] os termos nesse grupo são amplamente independentes
culturalmente, o que significa que são universais à experiência
humana. Além do mais, eles representam aspectos básicos e concretos
da relação humana como o meio ambiente, com uma forte ênfase na
espacialidade do meio, incluindo partes do corpo humano.
Ou seja, para os autores, quanto mais o termo linguístico faz parte da experiência
humana básica e concreta, mais será suscetível à abstratização e à generalização
semântico-pragmática, o que facilita seu processo de gramaticalização. Esse processo de
mudança pode ocorrer com formas antigas que passam a assumir novas funções ou
funções antigas que podem ser assumidas por novas formas.
Os princípios de gramaticalização propostos por Hopper (1991) enfatizam o
caráter gradual da gramaticalização, e permitem avaliar os tens analisados como ‘mais’
ou ‘menos’ gramaticalizados. Trata-se de cinco princípios, elencados a seguir:
Estratificação: “Dentro de um domínio funcional, novas camadas estão
continuamente emergindo. Quando isso acontece, as camadas antigas não são
necessariamente descartadas, mas podem permanecer coexistindo e interagindo
com as novas camadas” (HOPPER, 1991, p. 22).
Segundo Hopper (op. cit.), a estratificação não ocasiona o desaparecimento das
formas mais antigas de um certo domínio funcional devido a sua substituição pelas
formas mais recentemente gramaticalizadas, e sim resulta no acúmulo de formas novas
e velhas, visto que estas não são necessariamente descartadas com o surgimento
daquelas, e podem continuar partilhando e disputando espaço na indicação de uma
mesma função gramatical.
Divergência: “Quando uma forma lexical sofre gramaticalização [...], a forma
lexical original pode permanecer como um elemento autônomo e sofrer as
mesmas mudanças que itens lexicais comuns” (HOPPER, 1991, p. 22).
Uma forma lexical, mesmo sendo fonte de um dado percurso de
gramaticalização que desemboca na criação de uma nova forma gramatical, não apenas
40
tende a continuar a existir, mas segue caminho próprio, inclusive podendo vir a sofrer
ainda outros processos de gramaticalização dos quais surjam mais formas gramaticais.
Especialização: “Dentro de um domínio funcional complexo, uma variedade de
formas com diferentes nuanças semânticas pode ser possível num estágio;
quando ocorre a gramaticalização, essa variedade de escolhas formais estreita-
se e o menor número de formas selecionadas assume significados gramaticais
mais gerais”. (HOPPER, 1991, p. 22).
A especialização acarreta a diminuição do número de formas utilizadas na
indicação de certa função gramatical. Se, em um dado domínio funcional composto por
duas ou mais camadas (cf. o princípio de especialização), uma dessas camadas passar a
preponderar sobre as demais, ela poderá via a especializar-se, adquirindo um significado
gramatical mais geral, o que pode, inclusive, levar à eliminação das formas que com ela
competiam.15
Portanto, a especialização diminui ou extingue a competição – a variação
– entre formas linguísticos.
Persistência: “Quando uma forma sofre gramaticalização de uma função lexical
para uma gramatical, tanto quanto isso é gramaticalmente viável, alguns traços
de seus significados lexicais originais tendem a aderir a ela, e detalhes de sua
história lexical podem ser refletidos nas restrições de sua distribuição
gramatical” (HOPPER, 1991, p. 22).
O princípio da persistência traz à tona o fato de que, como os itens ou
construções gramaticais advêm de processos de evolução graduais, os sinais de sua
história podem ser conservados ao longo do tempo e se manifestar em sua forma e em
15
O princípio da especialização é ilustrado por Hopper (1991, p. 26) com o exemplo do pas negativo em
francês. Anteriormente, a negação era marcada pela partícula ne e nomes como pas (“passo”) eram
utilizados junto a verbos de movimento para ressaltar a negação, assim como nomes como mie
(“migalha”) eram utilizados junto a verbos como “dar” e “comer” com o mesmo fim. No século XVI,
somente pas e point (“ponto”) eram empregados como ressaltadores de negação e, mais tarde, apenas pas
passou a ser uma verdadeira partícula negativa, tendo seus usos ampliados para todos os tipos de verbos,
não somente os de movimento. Por conseguinte, pas acabou sendo, entre outras formas possíveis, aquela
que se especializou como partícula negativa e adquiriu, assim, um significado mais geral.
41
seu significado em qualquer ponto sincrônico. Consequentemente, é esperado que uma
forma tenha traços de significado e/ou propriedades morfossintáticas que reflitam
características de seus usos passados, o que pode até mesmo influenciar o modo como
essa forma é empregada pelos usuários da língua mesmo em períodos de tempo
distantes daquele em que teve início seu processo de gramaticalização.
Decategorização: “Formas sofrendo gramaticalização tendem a perder ou
neutralizar seus marcadores morfológicos e privilégios sintáticos característicos
das categorias plenas nome e verbo, e a assumir atributos característicos de
categorias secundárias como adjetivos, particípios, preposição etc.” (HOPPER,
1991, p. 22).
O princípio da decategorização aponta para a relativização da noção de
categoria. Por conta da decategorização, a distribuição de formas em categorias não é
determinável aprioristicamente – sempre é preciso que o pesquisador analise as formas
linguísticas em diferentes contextos de uso para poder estipular a que categorias elas se
relacionam em cada contexto específico– e tampouco envolve distinções claras. O que
existe são graus de categorialidade que, além de escalares, estão sujeitos a alterações
constantes (cf. HOPPER, 2008).
2. Sociolinguística variacionista
A sociolinguística variacionista, como subárea de investigação linguística, teve
início nos Estados Unidos na década de 1960, com os objetivos de estudar e explicar
como a língua varia e muda no contexto social. Os trabalhos pioneiros, realizados por
William Labov no campo da fonologia, demonstraram que a empiria é a melhor maneira
de verificar as causas dos fenômenos de variação e mudança linguística. Entre os
trabalhos pioneiros, estão: o estudo realizado na ilha Martha’s Vineyard, no estado de
Massachusetts, sobre a pronúncia da primeira vogal dos ditongos /ay/ e /aw/; e o estudo
sobre a realização do /r/ pós-vocálico na cidade de Nova York, intitulado The social
stratification of /r/ in New York City department stores (cf. LABOV, 2008[1972]).
42
A sociolinguística é comumente chamada de “sociolinguística variacionista”
pelo fato de propor que as variações linguísticas devem ser analisadas considerando-se o
papel de fatores sociais (ou extralinguísticos), pois estes podem exercer influência sobre
as escolhas linguísticas variáveis disponíveis aos falantes de qualquer língua; a língua é
um fenômeno social e não deve, portanto, ser observada longe do âmbito social.
Justamente por isso é que um dos principais objetivos dessa corrente teórica é descobrir
e explicar os fatores que levam a ou que contribuem com as variações linguísticas.
Esses fatores podem ser de ordem linguística, social, cultural e cognitiva (cf. LABOV,
2010).
De acordo com Cezario e Votre (2009, p. 147), esses fatores,
[...] são considerados essenciais para o estudo linguístico porque o
homem adquire a linguagem e dela se utiliza dentro de uma
comunidade de fala, tendo como objetivos a comunicação com os
indivíduos e a atuação sobre os interlocutores. Portanto, muito se
perde ao abstrair a língua de seu uso real.
Na mesma direção, Tagliamonte (2006, p. 5) nos esclarece que:
A sociolinguística variacionista é mais propriamente descrita como o
ramo da linguística que estuda as principais características da língua
de modo balanceado – a estrutura linguística e a estrutura social; o
significado gramatical e o significado social – essas propriedades da
língua que exigem referência a ambos os fatores, externos (social) e
internos (sistêmico) em sua explicação.
Para Tagliamonte (op. cit.), a sociolinguística depende de dois pontos
importantes, os quais serão discutidos nas próximas subseções: (1) a noção de
heterogeneidade ordenada, e (2) o fato de as línguas mudarem.
2.1 A língua como sistema heterogêneo: variáveis e variantes
Embora o gerativismo defendesse que a estrutura linguística estava representada
na mente do falante de forma homogênea, os sociolinguistas, por meio de estudos
empíricos de comunidades de fala, propuseram o rompimento com o postulado de
identificação da estruturalidade com a homogeneidade.
A sociolinguística defende que a sistematicidade e a heterogeneidade são
compatíveis, ou seja, a estrutura linguística pode variar e, dependendo dos rumos
tomados pelos fenômenos variáveis, a estrutura linguística pode sofrer mudanças. Para
43
os sociolinguistas, o objeto teórico que deve ser perscrutado para a observação da
mudança linguística é a língua de uma comunidade de fala. De acordo com Weinreich,
Labov e Herzog (2006, p. 99), os estudos empíricos em comunidades de fala haviam:
[...] confirmado o modelo de um sistema ordenadamente heterogêneo
em que a escolha entre alternativas linguísticas acarreta funções
sociais e estilísticas, um sistema que muda acompanhando as
mudanças na estrutura social.
Um conceito foi introduzido no modelo heterogêneo da sociolinguística
variacionista para explicar a mudança linguística: o conceito de alternância ou variação
linguística. A proposta defendida por essa vertente teórica é que a mudança acontece
entre formas variantes que competem ou se alternam no interior de um sistema
linguístico (cf. WEINREICH; LABOV; HERZOG, op. cit.). Formas variantes são
formas diferentes que possuem o mesmo significado e/ou desempenham a mesma
função em determinados contextos (cf. TAGLIAMONTE, 2006, 2012). A um dado
conjunto de formas variantes denominamos variável linguística.
Tomemos como exemplo o objeto deste estudo: a sequenciação retroativo-
propulsora de informação é a variável linguística aqui analisada, e possui, como
variantes nos textos produzidos pelos alunos participantes da pesquisa, as formas E e
AÍ, que exercem a mesma função de interligar segmentos do texto em relação de
continuidade e consonância.
As variáveis linguísticas são também chamadas de variáveis dependentes,
conforme nos explica Mollica (2003, p. 11): “Uma variável é concebida como
dependente no sentido que o emprego das variantes não é aleatório, mas influenciado
por grupos de fatores (ou variáveis independentes) de natureza social ou estrutural”. As
variáveis independentes, também chamadas de condicionadores linguísticos e
extralinguísticos, poderão influenciar no processo de variação e mudança. Neste estudo,
as variáveis independentes consideradas são descritas no capítulo V, e possuem natureza
linguística, estilística e social.
Labov (2008[1972]) classificou as formas variantes de acordo com o nível de
consciência do falante, propondo a existência de três tipos, indicadores, marcadores e
estereótipos, assim descritos por Watt (2007, p. 6):
[...] indicadores (variáveis das quais os falantes que não sejam
linguistas não estão conscientes, e que não estão sujeitas à variação
estilística), marcadores (variáveis que estão perto do nível de
percepção consciente dos falantes, as quais podem desempenhar um
papel na estratificação de classe social, e que estão sujeitas à variação
44
estilística), e estereótipos (formas das quais os falantes e a
comunidade em geral estão conscientes, mas que, como outras
expectativas estereotipadas de grupos sociais, são muitas vezes
arcaicas, reportadas de forma deturpada e percebidas
equivocadamente).
Veremos mais adiante, levando em conta as respostas obtidas no teste de atitude
linguística aplicado aos alunos e seus professores de língua portuguesa, que uma das
variantes aqui estudadas, o conector AÍ, pode ser considerada um marcador, visto que
está sujeita à variação estilística, sendo sistematicamente relacionada a situações de uso
informais.
2.2 Variação e mudança linguística
Como afirmaram Weinreich, Labov e Herzog (2006, p. 126), “Nem toda
variabilidade e heterogeneidade na estrutura linguística implica mudança; mas toda
mudança implica variabilidade e heterogeneidade”. Ou seja, um dado fenômeno
variável pode se mostrar estável, em uma situação em que não há indícios de mudança
em progresso, ou pode revelar instabilidade, no sentido de estar em curso uma mudança.
Apenas a execução de um estudo sociolinguístico permitirá ao pesquisador diferenciar
com mais precisão ambas as possibilidades.
De qualquer forma, ao identificar uma situação de variabilidade, o pesquisador
terá de enfrentar cinco problemas ligados aos fenômenos de variação e mudança
linguística, os quais também podem ser compreendidos como etapas da pesquisa
sociolinguística. Esses problemas foram descritos primeiramente pelos autores acima
mencionados, e depois retomados em estudos de Labov (cf., por exemplo, LABOV,
1982, 1994):
PROBLEMA DAS RESTRIÇÕES: Face a esse problema, o pesquisador procurará
respostas à seguinte questão: quais são os condicionamentos ou restrições linguísticas,
sociais e estilísticas à variação e à mudança? Para tanto, controlará grupos de fatores de
ordem linguística, estilística e social passíveis de condicionar favorável ou
negativamente um dado conjunto de formas variantes.
45
PROBLEMA DA TRANSIÇÃO: Relativamente à transição da mudança linguística, o
pesquisador procurará respostas a questões do tipo: como ocorreu a mudança
linguística? Quais são as trajetórias e etapas dessa mudança? Como a mudança é
disseminada na comunidade de fala? Como ela passa de uma comunidade à outra?
É importante ressaltar que a transição não implica mudança simultânea das
gramáticas de um grande número de membros de uma comunidade de fala, e sim
alterações contínuas no que diz respeito à frequência de uso. Assim sendo, a mudança
abarca uma fase de variação, em que as formas variantes disputam espaço até que,
gradualmente, surja uma vencedora.
PROBLEMA DO ENCAIXAMENTO: Esse problema exige que o pesquisador busque
resposta à seguinte questão: como a variação e a mudança linguística se encaixam no
conjunto de relações linguísticas e extralinguísticas suscitadas pelo emprego das formas
variantes? Trata-se de averiguar a relação entre a variação e seus contextos internos e
externos, o que leva à necessidade de desmembrar o problema do encaixamento em
duas partes: (i) encaixamento da variável na estrutura linguística, através do controle de
grupos de fatores de ordem linguística; e (ii) encaixamento da variável na estrutura
social, através do controle de grupos de fatores de ordem social. Considera-se que as
implicações estilísticas da variação e da mudança perpassem tanto a ordem social
quanto a linguística.
PROBLEMA DA AVALIAÇÃO: Frente ao problema da avaliação, o pesquisador
inquirirá: como os membros da comunidade de fala avaliam uma dada mudança? Se
suas avaliações forem negativas, isso poderá afetar o andamento da mudança? Ela
poderá ser impedida como resultado do estigma social? O problema da avaliação traz à
tona o fato de que o grau de consciência dos membros da comunidade de fala a respeito
dos fenômenos de variação e mudança pode interferir nos rumos futuros desses
processos, o que precisa ser levado em conta pelo pesquisador.
PROBLEMA DA IMPLEMENTAÇÃO: No que tange à implementação da mudança
linguística, o pesquisador buscará respostas à seguinte questão: por que uma dada
mudança linguística ocorreu em uma época e lugar particulares? O problema da
implementação está relacionado aos demais problemas acima listados: para que
46
compreendamos as causas da mudança, é fundamental descobrir: (i) em que partes da
estrutura social e da estrutura linguística surgiu a mudança (problema do
encaixamento); (ii) como essa mudança foi disseminada para diferentes grupos sociais
(problema da transmissão); e (iii) quais condicionadores linguísticos, estilísticos e
sociais evidenciaram maior ou menor resistência à mudança (problemas da restrição e
da avaliação).
3. Sociofuncionalismo
O termo sociofuncionalismo, segundo Neves (1999), surgiu no PEUL/RJ, a
partir de pesquisas que, desde o final da década de 1980, passaram a unir diretrizes
teórico-metodológicas da sociolinguística variacionista à proposta funcionalista. Essa
abordagem não representa uma nova teoria nem a junção completa de duas teorias,
trata-se de uma conversa – como destaca Tavares (2003, p. 91), “uma conversa na
diferença” – entre duas teorias de base distinta, uma funcional e a outra formal, que está
em curso desde então. Essa conversa pode ser desenvolvida por estudiosos afiliados
mais à sociolinguística ou mais ao funcionalismo.16
A esse respeito, os pesquisadores têm assumido perspectivas distintas,
distribuindo-se em diferentes graus de “sociofuncionalismo”, como descreve Tavares
(op. cit., p. 151):
O(s) sociofuncionalismo(s) está(ão) sujeito(s) a reinterpretações
constantes, constituindo-se e reconstituindo-se na trajetória de avanço
das discussões, como resultado(s) de um acúmulo de conhecimentos e
de experiências provindas da adaptação e da negociação constantes
durante a conversa na diferença que vem sendo travada no jogo de sua
constituição no âmbito da investigação linguística. Na verdade, a
emergência de mais de um sociofuncionalismo tem sua origem no fato
de estarem acontecendo não uma, mas várias conversas entre o
funcionalismo e a sociolinguística, envolvendo pesquisadores
16
Contrastem-se, por exemplo, estudos de Sali Tagliamonte, que considera a língua um sistema formal
(cf. TAGLIAMONTE, 2012), com estudos de Rena Torres Cacoullos, que considera a língua um sistema
emergente (cf. 2011), na linha de Hopper (1987, 1998, 2011). Ambas as pesquisadoras apresentam-se
como sociolinguistas, e adotam a metodologia variacionista em suas investigações, mas incorporam em
graus variados conceitos teórico-metodológicos vindos do funcionalismo (por exemplo, os princípios de
gramaticalização propostos por Hopper (1991)) para a explicação dos resultados que obtêm em seus
estudos.
47
diversos, mais alinhados com um ou com outro dos quadros. Trata-se
de bate-papos que estão em progresso, isto é, o estágio em que se
encontra(m) atualmente o(s) casamento(s) sociofuncionalista(s) não é
o de teoria(s) ou linha(s) de pesquisa já construída(s), fechada(s), com
preceitos teórico-metodológicos totalmente definidos, mas sim o do
próprio processo de constituição.
No caso deste estudo, adoto uma base mais funcionalista, considerando que a
gramática é um fenômeno emergente, cuja representação cognitiva envolve
crucialmente a experiência de cada falante com as frequências de ocorrência das formas
linguísticas em diferentes situações de comunicação. Como já mencionado, os teóricos
funcionalistas acreditam que a gramática é variável e probabilística por natureza em
razão de ela emergir da experiência do falante com a língua, experiência essa que é
sempre individual e, portanto, distinta.
Bybee (2010) considera que o grande ponto de contato entre o funcionalismo e a
sociolinguística variacionista reside no fato de que ambas as teorias defendem que a
variação é um fenômeno inerente à língua. A autora também afirma que, para o
funcionalismo,
[...] os estudos quantitativos passam a ser extremamente importantes
para a compreensão da amplitude da experiência com a língua. A
tradição variacionista iniciada por Labov (1966, 1972) [...] fornece
uma metodologia apropriada para o estudo da variação e da mudança
gramatical.
Além da proposição de que o fenômeno de variação é inerente à língua,
podemos elencar outros pressupostos teórico-metodológicos comuns ou similares
levantados por pesquisadores de ambas as teorias. O quadro a seguir traz alguns desses
pressupostos, tais como apresentados por Tavares e Görski (2013):17
17
Os conceitos sintetizados no quadro acima foram delineados tanto por teóricos variacionistas, quanto
por teóricos funcionalistas. Em razão de espaço, Tavares e Görski (2013) mencionam, com referência a
cada item listado, apenas alguns autores representativos de ambos os referenciais teóricos. Um quadro
ainda mais completo, contrastando pressupostos teórico-metodológicos da sociolinguística variacionista,
do funcionalismo norte-americano e do sociofuncionalismo pode ser encontrado em Tavares (2003,
2013a).
48
(a) Prioridade atribuída à língua em uso, cuja natureza heterogênea abriga a variação e a
mudança. (cf. WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006[1968]; GIVÓN, 1995; entre
outros)
(b) A língua não é estática. Ao contrário, está continuamente se movendo, mudando e
interagindo. (cf. GUY, 1995; GIVÓN, 1995, 2001)
(c) O fenômeno da mudança linguística recebe um lugar de destaque, e é entendido como
um processo contínuo e gradual. (cf. WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006[1968];
HOPPER; TRAUGOTT, 1993)
(d) Dados sincrônicos e diacrônicos são tomados complementarmente com o intuito de
obtenção de prognósticos de mudança mais refinados e confiáveis. As diferentes fatias
sincrônicas são entendidas como imbricadas, pois a mudança linguística está sempre
progredindo ao longo do tempo. (cf. LABOV, 1994; HEINE; CLAUDI;
HUNNEMEYER, 1991)
(e) Crença no princípio do uniformitarismo, segundo o qual as forças linguísticas e
sociais que agem hoje sobre a variação e a mudança são em princípio as mesmas que
atuaram em épocas passadas. A melhor fonte para a análise linguística são os dados
atuais, uma vez que permitem a observação direta e mais completa de um maior número
de ocorrências sobre as quais se pode tecer hipóteses acerca de fatias de tempo passadas.
(cf. LABOV, 2008[1972]; HOPPER; TRAUGOTT, 1993)
(f) Análise de aspectos fonológicos, morfológicos, sintáticos e lexicais/semânticos. (cf.
LABOV, 1982; BYBEE; HOPPER, 2001)
(g) A frequência das ocorrências é destacada. Na perspectiva funcionalista, a frequência
importa para o estabelecimento e a manutenção da gramática, e a difusão linguística e
social da mudança pode ser captada através do aumento da frequência de uso nos
diferentes contextos (BYBEE, 2010). Na perspectiva laboviana, o aumento de frequência
é compreendido como índice de difusão sociolinguística. Além disso, as variantes devem
ter certa recorrência para que possam ser comparadas por meio de instrumental estatístico
(cf. LABOV, 2008[1972]).
(h) Há relação entre os fenômenos linguísticos e a sociedade que usa a língua. A mudança
se espalha de forma gradual ao longo do espectro social, considerando-se fatores como
região, geração, classe social, por exemplo. É comum haver diferença entre falantes mais
velhos e mais jovens, no caso de mudança em progresso. (cf. WEINREICH; LABOV;
HERZOG, 2006 [1968]; LICHTENBERK, 1991)
(i) Fatores de natureza interacional têm papel importante na variação e na mudança
linguística. Labov (2008[1972]) entende a variação estilística como adaptação da
49
linguagem do falante ao contexto imediato do ato de fala. Segundo Labov (2003[1969]),
as alternâncias de estilo são determinadas (i) pelas relações do falante com o ouvinte ou a
audiência, e particularmente pelas relações de poder e solidariedade entre eles; (ii) pelo
contexto social mais amplo, os domínios da escola, emprego, casa, vizinhança, igreja; (iii)
pelo tópico. Traugott (2002) não só defende que a mudança é motivada por práticas
discursivas e sociais, como acredita que estudos funcionalistas de gramaticalização
orientados para o falante podem contribuir para o estudo sociolinguístico da variação
intrafalante.
(j) A ideia de forças em competição é alentada. Labov (2010) chama a atenção para o fato
de que as funções da linguagem (representacional, expressiva e diretiva) se opõem ao
princípio do menor esforço, admitindo a ideia de funções em competição numa relação de
complementariedade – o impulso por mais informação levando ao maior esforço, e a
tendência para reduzir o esforço levando à redução da informação. Givón (2002)
considera que, na gramática, a transparência forma-função (iconicidade) compete com a
economia de processamento, num compromisso adaptativo dinâmico.18
Quadro 1: Pressupostos da sociolinguística e do funcionalismo
Outro conceito fundamental que vem sendo levantado nas propostas de interface
do funcionalismo com a sociolinguística é o de gramaticalização (cf. seção 1.2 acima).
Segundo pesquisadores funcionalistas, esse processo de mudança pode dar conta de
explicar inúmeros casos de variação e mudança morfossintática (BYBEE, 2010;
NEVALAINEN; PALANDER-COLLIN, 2011). O mesmo é indicado por Labov
(2010), no seio da sociolinguística. O autor crê que a gramaticalização se constitui em
um importante manancial para a explicação da mudança morfossintática. A esse
respeito, cita autores funcionalistas que se voltam à investigação de processos de
gramaticalização, como Heine e Kuteva (2005), Hopper e Traugott (2003) e Haspelmath
(2004).
18
Tavares e Görski (2013) discutem também pressupostos do funcionalismo e da sociolinguística que
consideram ser de convergência difícil ou mesmo divergentes, e apresentam sugestões para o pesquisador
sobre como lidar com pressupostos desse tipo. Por sua vez, Tavares (2003, 2013a) focaliza as seguintes
questões: (i) o locus ocupado pelo sociofuncionalismo na pesquisa linguística; (ii) diferentes vertentes de
pesquisa sociofuncionalistas existentes no Brasil, cada uma das quais resultante de graus distintos de
convergência entre pressupostos do funcionalismo e da sociolinguística. Para o aprofundamento de
questões epistemológicas e heurísticas a respeito do sociofuncionalismo, recomendo a leitura desses
textos.
50
Na próxima seção, dedico espaço para a questão da relação entre a
gramaticalização e a variação, de grande importância para este estudo.
3.1 Gramaticalização e variação
Givón (1984), autor funcionalista, propõe que a gramática é composta por um
conjunto de domínios funcionais e que cada um desses domínios funcionais congregam
formas que apresentam funções gramaticais similares ou idênticas.19
A existência de
formas gramaticais com funções sobrepostas é relacionada por Hopper (1991) a um
princípio de gramaticalização denominado estratificação. Esse princípio reza que, em
consequência da gramaticalização, podem surgir, com o passar do tempo, em um
domínio funcional gramatical, novas formas – denominadas “camadas” –, as quais
passam a conviver com as formas – ou “camadas” – mais antigas do mesmo domínio.
Diversos autores relacionam o fenômeno de estratificação com o objeto de
estudo da sociolinguística variacionista, qual seja, o fenômeno de variação linguística,
isto é, a alternância de uso de duas ou mais formas na codificação linguística de um
mesmo significado e/ou função (cf. GÖRSKI, 2006; GÖRSKI et al., 2003; LIMA-
HERNANDES, 2005; NARO; BRAGA, 2000; POPLACK, 2011; POPLACK;
TAGLIAMONTE, 2000; TAGLIAMONTE, 2012; TAVARES, 1999, 2003, 2013a,
TORRES CACOULLOS, 2011, entre outros).
Um conjunto de variantes morfossintáticas é entendido, por tais autores, como
equivalente a um conjunto de camadas pertencentes a um mesmo domínio funcional,
sendo a coexistências dessas formas “[...] compreendida como estando representando
uma etapa de mudança em que convergiram os percursos de gramaticalização seguidos
por cada uma das formas” (TAVARES, 2013b). São, pois, as formas variantes de uma
variável linguística ou as camadas de um domínio funcional que constituem o objeto de
estudo de uma pesquisa sociofuncionalista.
19
Consoante Givón (1984), domínios gramaticais são áreas gramaticais gerais (ou macrodomínios) como
TAM (tempo/ aspecto/ modalidade), caso, referência, ou áreas mais específicas (microdomínios), como o
tempo futuro, o aspecto global, o caso nominativo, a dêixis etc.
51
Uma vez que essas formas sejam identificadas, o percurso metodológico
envolvido em sua análise é, em geral, composto pelos seguintes passos, listados por
Tavares e Görski (2013):
(a) Identificação de situações de uso linguístico variável dentro de um domínio funcional
(a partir da observação do continuum multifuncional de certos itens em processo de
mudança, ou a partir de um recorte sincrônico);
(b) Operacionalização da noção laboviana de variável, isolando formas variantes que
cumpram uma mesma função dentro de um domínio funcional;
(c) Testagem de grupos de fatores diversos para identificar os contextos (linguísticos,
estilísticos, sociais) de uso das formas;
(d) Interpretação da frequência das formas em determinados contextos como indício: (i)
de perda de espaço de uma das variantes, ou (ii) de generalização de significado (os itens
expandem seus contextos de uso), ou (iii) de especialização de uso (os itens adquirem
significados mais específicos restritos a certos contextos dentro do domínio);
(e) Averiguação, na análise, da possibilidade de motivações em competição (em
diferentes níveis): princípio da iconicidade vs. princípio da economia; princípio da
persistência vs. princípio da marcação; princípio da marcação vs. expressividade retórica;
fatores linguísticos vs. fatores extralinguísticos; fatores estruturais vs. fatores semântico-
pragmáticos, entre outros.
Quadro 2: Passos metodológicos de uma pesquisa sociofuncionalista
Tavares (2013b) atenta para o fato de que:
Numa perspectiva sociofuncionalista, os resultados quantitativos e
qualitativos obtidos são explicados através de princípios e motivações
de natureza cognitivo-comunicativa – cuja fonte principal é o
funcionalismo norte-americano ou linguística baseada no uso –, além
de princípios e motivações de natureza sociocultural e estilística – cuja
fonte principal é a sociolinguística variacionista.
Princípios variados podem ser mobilizados para explicar o comportamento
distribucional das formas variantes em um estudo sociofuncionalista. No caso desta
pesquisa, recorro ao princípio da persistência, um dos princípios de gramaticalização
propostos por Hopper (1991), e ao princípio da marcação estilística, de base
sociolinguística (cf. TAVARES, 2013a, LABOV, 2003[1969]). Esses princípios são
apresentados em maior detalhe no capítulo V.
52
Encerro assim, pois, a exposição dos pressupostos que compõem a base teórico-
metodológica deste trabalho, para, no próximo capítulo, descrever os dois gêneros
textuais – narrativa de experiência pessoal e conto – nos quais se enquadram os textos
produzidos pelos alunos participantes da pesquisa.
53
CAPÍTULO III – NARRATIVA DE EXPERIÊNCA PESSOAL E CONTO
Neste capítulo, inicialmente apresento definições para os conceitos de gêneros
textuais e sequências ou tipos textuais. Após, caracterizo o gênero textual narrativa de
experiência textual e, na sequência, caracterizo o gênero textual conto. Abordo, em
especial, as definições e as propriedades relativas a esses gêneros que foram trabalhadas
por mim, em sala de aula, com os alunos participantes desta pesquisa, para que eles
estivessem bem fundamentas previamente à atividade de escrita dos textos.
1. Gêneros e tipos textuais: definições
Atualmente, o estudo dos gêneros textuais tem se disseminado por várias
correntes teóricas, que podem ser agrupadas em três tipos distintos de abordagem,
sociossemióticas, socioretóricas e sociodiscursivas (cf. MEURER; BONINI; MOTTA-
ROTH, 2005), as quais não abordarei neste capítulo, em que apenas me deterei na
caracterização dos dois gêneros textuais alvos desta pesquisa: a narrativa de experiência
pessoal e o conto.
Lembro, porém, que o aprofundamento do conhecimento sobre os gêneros
textuais advindo das pesquisas feitas sobre o tema em muito tem beneficiado os estudos
linguísticos em geral, assim como a área educacional, incluindo os processos de
formação para professores e para alunos. Além disso, sabemos que a boa utilização dos
gêneros textuais no suporte adequado para cada um deles pode contribuir para relações
sociocomunicativas mais eficientes. De acordo com Bronckart (1999 apud
MARCUSCHI, 2008, p. 154), “[...] a apropriação dos gêneros é um mecanismo
fundamental de socialização, de inserção prática nas atividades comunicativas
humanas”. Assim, para um bom desempenho comunicativo, precisa-se dominar uma
série de gêneros existentes no meio social.
Segundo Marcuschi (op. cit., p. 155):
Os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida
diária e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos
definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos
concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais,
institucionais e técnicas.
54
Para que um gênero se materialize linguisticamente, ele necessita se organizar
em sequências ou tipos textuais. Em um determinado discurso, ambos, gêneros e tipos
textuais, precisam estar unificados para que se alcance a comunicação. Quanto aos
tipos textuais, Marcuschi (op. cit., p. 24) os define como:
1. Construtos teóricos definidos por propriedades linguísticas
intrínsecas; 2. Constituem sequências linguísticas ou sequências
de enunciados e não são textos empíricos; 3. Sua nomeação
abrange um conjunto limitado de categorias teóricas determinadas
por aspectos lexicais, sintáticos, relações lógicas, tempo verbal; 4.
Designações teóricas dos tipos: narração, argumentação,
descrição, injunção e exposição.
Com efeito, as sequências tipológicas se organizam de forma heterogênea em
um determinado gênero, ou seja, várias sequências podem compor um único gênero.
Ainda nos esclarece Marcuschi (op. cit., p. 28) que “[...] os gêneros são uma espécie de
armadura comunicativa geral preenchida por sequências tipológicas de base que podem
ser bastante heterogêneas, mas relacionadas entre si.”
Utilizamo-nos de gêneros textuais a todo instante, dependendo do objetivo
comunicativo que desejamos alcançar. Os gêneros são caracterizados “[...] muito mais
por suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais do que por suas
peculiaridades linguísticas e estruturais” (MARCUSCHI, op. cit., p. 20). Ao falarmos de
objetivo comunicativo desejado, naturalmente nos deparamos com a questão dos locais
de circulação dos diferentes gêneros. Por exemplo, no contexto publicitário,
encontraremos gêneros como: banners, anúncios, propagandas, folhetos etc.; no
contexto jornalístico, teremos: editorial, carta ao leitor, artigo de opinião, resenhas etc.;
já no contexto escolar, poderemos trabalhar qualquer gênero textual, pois nosso objetivo
será levar o aluno a bem desempenhar e dominar a prática comunicativa em campos de
comunicação distintos.
Nesta pesquisa, para alcançar o objetivo de estudar os conectores “aí” e “e” na
função de sequenciadores retroativo-propulsores de informações em textos escritos,
optei por trabalhar com dois gêneros textuais da esfera narrativa, a narrativa de
experiência pessoal e o conto, que, por seu caráter narrativo, representam terreno fértil
para o uso de conectores sequenciadores. Pretendo, assim, contribuir para a análise do
emprego desses conectores por alunos de ensino fundamental como estratégias textuais
atuantes na coesão e na progressão de narrativas de experiência pessoal e de contos,
gêneros textuais que são recorrentemente trabalhados nesse nível de ensino.
55
1.1 A narrativa de experiência pessoal
A narrativa de experiência pessoal caracteriza-se como um gênero da esfera
narrativa por conter elementos como personagens, narrador, espaço, tempo, enredo,
ação complicadora, principais características das narrativas. Tavares (2012b, p. 245)
assim define o gênero textual em questão:
A narrativa de experiência pessoal é uma narrativa não ficcional em
que o narrador conta um ou mais eventos que se passaram em certo
tempo e lugar, envolvendo a si mesmo e, talvez, a outros indivíduos.
Nesse gênero, predominam sequências narrativas, caracterizadas pela
sequenciação cronológica de eventos passados, temporalmente
delimitados, pontuais, correlacionando-se ao pretérito perfeito,
sequencial e ancorado no evento, e ao aspecto perfectivo, compacto e
completo.
Um dos pesquisadores que mais vem se dedicando ao estudo desse tipo de
narrativa é William Labov, para quem a narrativa de experiência pessoal é “[...] uma
forma de relatar eventos passados, em que a ordem das cláusulas narrativas corresponde
à ordem dos eventos como eles ocorreram” (2008[1972], p. 359). Segundo o autor, em
uma narrativa de experiência pessoal, o narrador tende a manifestar alto envolvimento
emocional com as experiências pessoais que está contando.
Uma narrativa de experiência pessoal é organizada, de acordo com Labov e
Waletsky ([1967]2003), com base em seis elementos norteadores:
i. Resumo: normalmente apresentado no início da narrativa, é uma
pequena explicação sobre do que tratará a narrativa.
ii. Orientação: o narrador ressalta os aspectos importantes da
narrativa, como local, participantes da ação, tempo etc., fornecendo respostas para
perguntas como: “Quem? Quando? Onde? O que eles estavam fazendo?”
iii. Ação complicadora (ou clímax): trata-se do elemento mais
importante da narrativa, pois representa seu momento de maior tensão. Qualquer
um dos outros elementos norteadores pode não estar presente em uma narrativa de
experiência pessoal, mas a ação complicadora é essencial, pois sem ela não há
narrativa.
iv. Avaliação: diz respeito às observações avaliativas, ligadas a
sentimentos afetivos expressados pelo narrador no decorrer da história. Essas
observações são relevantes por exprimirem uma autoavaliação do narrador a
56
respeito de suas ações e sobre as ações dos outros personagens envolvidos no
relato. Segundo Shiro (2003, p. 170),
[...] a função da linguagem avaliativa é diferenciar as narrativas
pessoais das fictícias, por causa das diferenças fundamentais na
perspectiva da construção, especialmente na representação de si no
mundo narrado.
v. Resolução: o narrador sinaliza o final das ações, revelando ao público
como foi resolvida a história.
vi. Coda: conclusão da narrativa através de um comentário final que, muitas
vezes, aponta o sucesso ou o fracasso da experiência relatada pelo narrador.
A respeito da narrativa de experiência pessoal, Norrick (2000, p. 69) tece as
seguintes considerações:
[...] compreendo a produção da narrativa como uma reconstrução ao
invés de uma simples recontagem. Tendo a ver os narradores como
estando presos a um contexto dinâmico e a suas próprias atuações,
narradores que compõem uma história básica para se ajustar às
necessidades temáticas da interação em progresso. Ao narrarmos
nossas experiências pessoais, criamos e recriamos nosso passado à luz
de nossas necessidades e interesses atuais, no lugar de somente
recapitularmos uma experiência arquivada.
Semelhantemente, Bastos (2005, p. 80) pontua que:
Quando contamos estórias, estamos, enquanto narradores, recriando o
contexto de evento narrado, ou seja, criando um mundo da narrativa,
localizando-o no tempo e no espaço, introduzindo personagens, suas
ações e falas. [...] Com frequência, podemos, assim, rever e criticar
nossas atuações passadas, veiculando atitudes e emoções em relação a
elas.
Portanto, podemos dizer que o narrador, ao contar sobre si, sobre sua história,
sobre seus erros, sobre seus acertos no contexto de fatos passados que o marcaram, vale-
se do gênero narrativa de experiência pessoal, seja oralmente ou por escrito, como um
procedimento não apenas de recontagem do passado, mas também de reorganização de
suas ideias, de autoavaliação e, inclusive, de reconciliação consigo mesmo e com outros
indivíduos (cf. BASTOS, op. cit.).
A significância pessoal dos eventos narrados é, por conseguinte, um critério
importante na distinção das narrativas de experiência pessoal face a crônicas ou a meras
descrições de eventos pretéritos (cf. DE FINA; GEORGAKOPOULOU, 2012, p. 33)
Por seu vínculo com atitudes e emoções passadas – presentificadas no momento em que
57
o narrador conta sua história –, a narrativa de experiência pessoal tende a ser fortemente
marcada pela informalidade (cf. LABOV, 2004). Ao fazer, em sua narrativa, uma
espécie de flashback de eventos que foram marcantes em seu passado, por terem sido
emocionantes, assustadores ou de alguma forma interessantes, o narrador acaba
tornando-se bastante envolvido emocionalmente com o que está contando.
Segundo Tavares (2012c), tipicamente, as narrativas de experiência pessoal
abordam eventos catalizadoras e, ao contar esses eventos, o narrador tende a ser
fortemente absorvido pelos sentimentos despertados pela revivência das experiências
que está contando. Ao desenvolver uma narrativa de experiência pessoal, o narrador
“[...] tende a estar mais despreocupado com opiniões, julgamentos e expectativas do
ouvinte do que quando produz outros gêneros textuais” (TAVARES, 2012c, p. 225).
Assim sendo, é possível que sua narrativa represente um campo fértil para a adoção de
um estilo informal.
No que diz respeito ao tema da relação entre a narrativa de experiência pessoal e
os demais gêneros da esfera narrativa, Shiro (2003) analisou narrativas de experiência
pessoal e narrativas ficcionais relatando filmes, ambas produzidas por crianças
venezuelanas em idade escolar, e verificou que as narrativas de experiência pessoal
apresentam-se mais cedo na infância comparativamente ao surgimento de outras
narrativas. A autora atribuiu essa precedência das narrativas de experiência pessoal
sobre as demais narrativas ao fato de que contar sobre si é uma das primeiras
habilidades desenvolvidas pelas crianças para se comunicarem.
Shiro observou que as crianças mais novas e as crianças que possuíam um menor
desenvolvimento socioeconômico tinham mais dificuldade de construir narrativas
ficcionais, diferença não encontrada no que diz respeito às narrativas de experiência
pessoal. A autora constatou também que, com o aumento da idade, a habilidade para a
construção das narrativas ficcionais aumentava. Shiro não considera, porém, que a falta
de habilidade das crianças para construir narrativas ficcionais seja devida diretamente à
idade ou ao baixo desenvolvimento socioeconômico, mas sim especialmente à falta de
contato que as crianças menores e de classes sociais mais baixas tendem a ter com
atividades envolvendo narrativas ficcionais.
58
1.2 O conto
O conto é uma narrativa ficcional caracterizada por ser concisa, de menor
extensão se comparada, por exemplo, à novela ou ao romance, tendendo a apresentar
apenas um clímax. O conto pertence ao conjunto dos gêneros narrativos e é produzido
há muito tempo, já que o ato de contar, narrar algo é intrínseco a atividade humana. No
entanto, foi apenas no século XIX que o conto se tornou uma manifestação artística com
definição, estrutura e características próprias (cf. MOISÉS, 2006). Já no início do século
XX, atingiu seu momento ápice como forma literária. Apesar das várias transformações
ocorridas com esse gênero textual ao longo dos séculos, ele se manteve fiel à sua
estrutura narrativa. Assim nos diz Moisés (op. cit., p. 36):
Entrevisto em sua longa história, o conto é, provavelmente, a mais
flexível das formas literárias. Entretanto, em que se pese às contínuas
metamorfoses, não raro espelhando mudanças de ordem cultural, ele
se manteve estruturalmente uno, essencialmente idêntico, seja como
“forma simples”, seja como “forma artística”.
Como já apontei, o conto define-se por ser uma narrativa curta, que pode ser lido
“de uma só assentada” (GOTLIB, 2006), envolvendo apenas uma ação central.
Friedman (1958 apud GOTLIB, op. cit., p. 64) assim justifica a brevidade do conto:
“[...] um conto é curto porque, mesmo tendo uma ação longa a mostrar, sua ação é
melhor mostrada numa forma contraída ou numa escala de proporção contraída”.
O conto pode ser considerado uma narrativa que está entre duas margens: a
ficção e a realidade. Se contivesse apenas uma dessas margens, perderia a mágica
própria do gênero. É a mistura do ficcional com o real que contribuirá para a construção
de um bom conto. Afirma Cortázar (1974 apud GOTLIB, op. cit., p. 10) que:
[...] se não tivermos uma ideia viva do que é o conto, teremos perdido
tempo, porque um conto, em última análise, se move nesse plano do
homem onde a vida e a expressão escrita dessa vida travam uma
batalha fraternal, se me for permitido o termo; e o resultado dessa
batalha é o próprio conto, uma síntese viva ao mesmo tempo que uma
vida sintetizada, algo assim como um tremor de água dentro de um
cristal, uma fugacidade numa permanência. Só com imagens se pode
transmitir essa alquimia secreta que explica a profunda ressonância
que um grande conto tem em nós, e que explica também por que há
tão poucos contos verdadeiramente grandes.
Notemos que o autor define o gênero conto no âmbito da expressão, onde a vida
e a ficção se entrelaçam, e dá grande importância aos efeitos que a narrativa produz no
leitor, deixando, assim, a questão do conteúdo em segundo plano. No entanto, essa
59
questão não é de menor importância, como nos explica Moisés (2006, p. 40), ao afirmar
que o conto “[...] é, pois, uma narrativa unívoca, univalente: constitui uma unidade
dramática, uma célula dramática, visto gravitar ao redor de um só conflito, um só
drama, uma só ação”. De acordo com Moisés, a unidade dramática definirá o gênero,
ou seja, tudo “gravitará” ao redor dessa unidade, personagens, tempo, espaço, como
veremos a seguir; o objetivo do contista é que todos esses elementos se harmonizem em
uma única ação.
Observemos, pois, os elementos estruturais do gênero que estão interligados à
unidade dramática. Moisés (op. cit., p. 41) pontua que, para “[...] bem compreender a
unidade dramática que identifica o conto, é preciso levar em conta que os seus
ingredientes convergem para o mesmo ponto”. Entre tais “ingredientes”, encontram-se:
a ação, o espaço, o tempo e o tom.
A ação ou conflito é um dos ingredientes mais importantes do gênero conto, uma
vez que é para o conflito (o qual também pode ser denominado clímax) que os demais
elementos constituidores do conto fluirão, visando em tudo uma unidade de uma mesma
ação. Moisés (op. cit., p. 43) nos confirma que a “[...] unidade de ação condiciona as
demais características do conto”. Por sua vez, a noção de espaço possui um aspecto
restrito, pois, mesmo que as personagens circulem por vários ambientes, o importante
será o ambiente em que ocorre a ação dramática.
A noção de tempo caracteriza-se no conto pelo curto espaço de tempo em que os
acontecimentos ocorrem, não importando, geralmente, nem o passado nem o futuro.
Tudo está voltado, comumentemente, para a situação dramática. Quanto à unidade de
tom, pode-se dizer que ela corresponde à unidade de efeito ou de impressão. Trata-se do
efeito que o conto provoca no leitor, é o segredo que prende o leitor ao conto, fazendo
com que se interliguem a ficção e a vida do leitor. Consoante Poe (1842 apud GOTLIB,
op. cit., p. 34),
[...] no conto breve, o autor é capaz de realizar a plenitude de sua
intenção, seja ela qual for. Durante a hora da leitura atenta, a alma do
leitor está sob o controle do escritor. Não há nenhuma influência
externa ou extrínseca que resulte de cansaço ou interrupção.
E nas palavras de Moisés (2006, p. 49),
[...] o conto se organiza precisamente como uma célula, com o núcleo
e o tecido ao redor; o núcleo possui densidade dramática, enquanto a
massa circundante existe em função dele, para que sua energia se
expanda e sua tarefa se cumpra.
60
De certa forma, o autor intensifica o caráter primordial da ação dramática,
chamando-a de núcleo, e denomina tecido os demais elementos que contribuem com
essa ação.
Há ainda outros cinco elementos organizacionais do conto que são de grande
importância: as personagens, a estrutura, a linguagem, a trama e o ponto de vista. No
que se refere às personagens, aponto que, em geral, há poucas personagens atuando no
conto e todas elas existem em decorrência da ação dramática. Além disso, ao criar as
personagens, o escritor do conto não se aprofunda no detalhamento de suas
personalidades, apenas revelando os traços de personalidade que sejam mais relevantes
para o drama narrado.
Em termos de organização, o conto possui uma estrutura breve e objetiva,
evitando-se aquilo que pode comprometer sua estrutura, como exageros dramáticos,
divagações ou digressões. Esclarece-nos Moisés (op. cit., p. 52) que:
A técnica da estruturação do conto assemelha-se à técnica fotográfica:
o fotógrafo concentra sua atenção num ponto e não na totalidade dos
pontos que pretende abranger no visor, focaliza um detalhe, o
principal, no seu entender, e capta-lhe os arredores, de modo não só
fixar o que vê, mas também o que não vê.
Ao abordar a questão da economia dos meios narrativos, Gotlib (2006, p. 35)
também afirma que:
Trata-se de conseguir, com o mínimo de meios, o máximo de efeitos.
E tudo que não estiver diretamente relacionado com o efeito, para
conquistar o interesse do leitor, deve ser suprimido.
Com efeito, a estrutura do conto pode ser comparada a um esqueleto onde todos
os outros elementos (personagens, tempo, espaço etc.) precisam convergir para um
único foco, devendo ser retirado todos os excessos que ameaçariam a narrativa.
No que tange à linguagem, o gênero conto requer, tipicamente, uma linguagem
direta e objetiva, visto que nada deve prejudicar a compreensão da narrativa. A trama,
por sua vez, é sinônimo de enredo, caracterizada pela sua linearidade. Deve ser
organizada às claras. Moisés (2006, p. 65) compara a trama com o ritmo da vida real,
corriqueira, onde tudo acontece muito rápido e os detalhes do acaso são fáceis de serem
percebidos. Por fim, o ponto de vista é um dos elementos mais importantes do gênero
conto, pois a figura do narrador (também chamado de foco narrativo) levará o leitor
pelos caminhos almejados da impressão no conto. Na narrativa, o escritor pode utilizar,
não aleatoriamente, de um dos seguintes tipos de focos narrativos: (i) a personagem
61
principal conta sua história; (ii) uma personagem secundária conta a história da
personagem principal; (iii) o narrador, analítico ou onisciente, conta a história; (iv) o
narrador conta a história como observador (cf. MOISÉS, 2006, p. 66).
Acerca da importância do foco narrativo no conto, alerta-nos Moisés (op. cit., p.
67) que:
O contista não engendra o foco narrativo, como se se tratasse de um
recurso autônomo, aplicável aleatoriamente a qualquer enredo. Ao
compor-se, cada narrativa traz implícito o foco narrativo: é
inimaginável uma história sem foco narrativo, ou este sem aquela.
Findada a apresentação de características dos gêneros textuais narrativa de
experiência pessoal e conto levada a cabo neste capítulo, o próximo capítulo dará lugar
à exposição detalhada dos procedimentos metodológicos seguidos nesta pesquisa.
62
CAPÍTULO IV – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Neste capítulo, apresento os procedimentos metodológicos que adotei nesta
pesquisa. Primeiramente, descrevo o corpus do qual extraí os dados: textos de dois
gêneros textuais da esfera narrativa que foram produzidos por alunos do ensino
fundamental. Na sequência, listo os procedimentos que segui para a obtenção desses
textos, bem como para a obtenção das respostas ao teste de atitude linguística, realizado
pelos alunos e seus professores de língua portuguesa. Por fim, discorro sobre os
procedimentos que utilizei para a análise dos dados.
1. O corpus: distribuição quanto ao gênero textual e a características sociais
Esta pesquisa tem como objeto de estudo os conectores sequenciadores E e AÍ,
tomados aqui como formas variantes de realização da função gramatical de
sequenciação retroativo-propulsora de informações. Para a análise desse fenômeno
variável, organizei um corpus composto por textos escritos de dois gêneros da esfera
narrativa: narrativa de experiência pessoal (narrativa não ficcional) e conto (narrativa
ficcional).
Esses textos foram escritos por alunos no contexto de sala de aula. Os alunos
participantes da pesquisa estavam, à época da coleta de dados (o ano de 2012),
regularmente matriculados em duas escolas públicas da cidade de Natal-RN: Escola
Municipal Luiz Maranhão Filho – Bairro Cidade Nova, e Escola Municipal Professora
Maria Madalena – Bairro Santarém. Essas escolas foram escolhidas devido à abertura
de seus gestores no sentido de conscientizar os alunos e os professores quanto à
importância da pesquisa, bem como em razão de contarmos com a colaboração
voluntária dos dois professores das turmas selecionadas e da aquiescência dos alunos
em participar do estudo.
Optei por trabalhar com duas escolas devido ao fato de que uma única escola
poderia não contar com um contingente suficiente de alunos por ano escolar para a
produção de textos em uma quantidade satisfatória para a realização deste estudo, em
que a obtenção de um número significativo de conectores sequenciadores é fundamental
para que seja levada a cabo a análise estatística.
63
Com a garantia de manutenção do anonimato de alunos e professores em todas
as etapas de investigação, obtive a autorização da direção das escolas e dos professores
de língua portuguesa das turmas envolvidas para realizar junto aos alunos a atividade de
produção textual da qual resultaram os textos que serviram de corpus para a coleta de
conectores sequenciadores.
Os alunos participantes da pesquisa, com idades entre 10 e 17 anos, cursavam,
no ano de 2012, duas séries distintas do ensino fundamental, o sexto e o nono ano. O
sexto ano é a primeira série do nível de ensino fundamental II e a análise de textos
produzidos por alunos desse nível de ensino permite a obtenção de um diagnóstico
sobre o que foi ou não adquirido pelos alunos, no decorrer do ensino fundamental,
relativamente às diversas habilidades necessárias para a produção textual, que incluem
um bom domínio no manejo de conectores sequenciadores ao longo do texto.
Por sua vez, o nono ano é a última série do nível de ensino fundamental II e a
análise de textos produzidos por alunos desse nível de ensino permite que sejam
avaliados os possíveis avanços referentes ao reforço na aprendizagem de estratégias
para a produção textual que devem ter ocorrido durante o ensino fundamental II,
incluindo-se o refinamento no manejo de conectores sequenciadores, com o incremento
da habilidade de adequá-los a situações de uso variadas.
O universo de alunos que colaborou com este estudo fornecendo seus textos foi
de um total de 95 alunos, 44 do sexto ano e 51 do nono ano. Contudo, como havia
textos sem conectores sequenciadores, além de textos ilegíveis, decidi recortar, no
universo inicial de alunos, um total de 64, sendo 32 de cada escola, distribuídos
homogeneamente entre o gênero feminino e o masculino e o nível de escolaridade, sexto
e nono ano do ensino fundamental. Essa distribuição garante a estratificação homogênea
dos alunos em termos de suas características sociais.
Os textos estão distribuídos quanto ao gênero textual por ano escolar, em ambas
as escolas selecionadas. Foram selecionados para análise 16 narrativas de experiência
pessoal e 16 contos por ano escolar, totalizando 32 textos por ano escolar e, assim, 64
textos por escola, 32 de cada gênero textual. Considerando-se em conjunto os textos
escritos pelos alunos das duas escolas, o corpus é constituído por 128 textos, 64 de cada
gênero textual.
Na seleção dos alunos participantes, com o intuito de garantir uniformidade,
também foi levado em conta o gênero dos informantes. De cada conjunto de 16 alunos
selecionados por ano escolar em cada escola, 8 foram do gênero feminino e 8 do gênero
64
masculino, o que representa um total de 16 homens e 16 mulheres por escola, e 32
mulheres e 32 homens no universo total de 64 participantes.
Quanto à idade, a faixa etária dos alunos do sexto ano é de 10 a 13 anos e a faixa
etária dos alunos do nono ano é de 14 a 17 anos, ou seja, há uma correlação aproximada
entre o ano escolar e a idade dos alunos participantes, o que faz com que o controle do
ano escolar e da idade sejam sobrepostos.
2. Procedimentos adotados para a coleta dos dados
A estratégia utilizada para a obtenção dos textos necessários para a realização
deste estudo foi o estímulo à produção textual no horário regular de aula. Ministrei
quatro horas-aula em cada uma das quatro turmas selecionadas para a pesquisa (uma
turma do sexto ano e uma turma do nono ano por escola). Nessas aulas, inicialmente
apresentei a proposta de escrita, pelos alunos, de dois textos de gêneros narrativos
distintos, a narrativa de experiência pessoal e o conto, solicitando a eles a colaboração
com minha pesquisa através da produção desses textos. Os alunos concordaram em
participar da pesquisa, estimulados pelo fato de que os textos feitos por eles não
sofreriam avaliação e pelo fato de que não seriam identificados como autores dos textos,
o que os deixou mais à vontade para a atividade de produção textual.
A seguir, embora os alunos já tivessem produzido textos dos gêneros narrativa
de experiência pessoal e conto anteriormente, descrevi e exemplifiquei cada um desses
gêneros, em uma tentativa de dirimir possíveis dúvidas que surgissem no momento da
atividade de produção textual. Nas explicações, apresentei definições e propriedades de
cada um dos gêneros textuais sob enfoque (cf. capítulo III), e entreguei aos alunos dois
textos, uma narrativa de experiência pessoal e um conto, para que pudessem analisá-los
comparativamente, e, assim, observar de modo mais concreto as semelhanças e
diferenças existentes entre esses gêneros.
Selecionei textos distintos para cada ano escolar de acordo com possíveis
diferenças de interesse por parte dos alunos, que, por serem de duas faixas etárias
distintas, de 10 a 13 anos e de 14 a 17 anos, provavelmente se caracterizam por
diferentes graus de maturidade. Pontuo de antemão que os textos selecionados como
modelos para os alunos não influenciaram positivamente o uso do conector
65
sequenciador AÍ, por não contarem com ocorrências do conector em questão, embora
contem com ocorrências do conector E.
Além disso, o tópico dos conectores não foi mencionado previamente à
produção dos textos, para evitar que os alunos passassem a estar atentos a essa questão.
As aulas tiveram o foco centrado unicamente nas características dos gêneros textuais
narrativa de experiência pessoal e conto, tendo sido dito aos alunos que o objetivo
dessas aulas seria prepará-los para que cada um deles produzisse textos que se
enquadrassem nos gêneros trabalhados em sala.
Para as turmas do sexto ano, entreguei os textos “A fugitiva” (narrativa de
experiência pessoal) e “Capa de Junco” (conto):
Texto 1
A fugitiva
Eu tinha uns 9 anos e estudava em uma escola perto de casa, mas meu irmão
ia me buscar de bicicleta. Ele tinha uma CALOI 10 e é claro eu vinha sentada naquele
cano bem em cima, na frente dele. Meu Deus! Não sei como ele conseguia fazer
aquelas curvas rasantes comigo. Se minha mãe soubesse acho que tinha um troço!
Bem, naquele dia, antes da saída da aula, uma coleguinha me convidou pra ir
na casa dela e eu sem pensar muito aceitei. Só que esqueci que não tinha falado nada
para minha mãe e muito menos para meu irmão.
Fui pra casa dela sem dor na consciência. Almoçamos, brincamos e estava
tudo bem até que tocou a campainha da casa. Estávamos no quintal brincando e
quando olhei para o portão quem eu vi? Minha mãe é claro. Não sei o por quê mas
senti um frio no estômago quando a vi com a cara serena, feliz e despreocupada.
Minha mãe não era nada assim ... Hummm. A mãe da minha coleguinha atendeu o
portão e ouvi minha mãe dizer:
- Oi, vim buscar a Simone!
- Claro! – ela disse e olhando pra mim fui logo me despedindo de todos.
O caminho para casa foi silencioso e também não sei explicar o medo que
estava tomando conta de mim!
Cheguei em casa e: batata! Tomei uma bela surra de cinta! Ai como doeu.
Minhas pernas ficaram com marcas de cinta, vergões vermelhos por toda parte.
Enquanto me batia ela dizia os motivos que a levaram a fazer aquilo e eu entendi
perfeitamente o que “não” deveria ter feito.
Até hoje lembro do ocorrido e imagino como minha mãe ficou desesperada
com meu sumiço. Ela contava que, quando ela chegou em casa do trabalho e
66
encontrou meu irmão de olhos arregalados dizendo: a Simone sumiu! Não estava na
escola. Bateu um desespero nela. Coitada, nunca mais fiz nada parecido.
Autora: Simone G. V. Dias
Texto 2
Capa de Junco
Cordélia era uma jovem que trabalhava como ajudante de cozinha em uma rica
mansão. Por estar sempre vestida com uma capa de junco trançado, que lhe deixava
à mostra apenas os olhos, seus amigos a chamavam de Capa de Junco. O que
ninguém sabia é que ela era filha de um senhor muito rico que morava com suas três
herdeiras em um dos países vizinhos. Amava a todas, mas sua preferida era a
terceira, o que provocava o ciúme da mais velha e o da segunda.
Certo dia, Capa de Junco, foi expulsa de casa pelo próprio pai, que a julgara
desnaturada e sem coração, quando ele, querendo dividir seus bens entre as três
filhas e desejando deixar a maior parte àquela que o amasse mais que as duas outras,
fez a cada uma delas esta pergunta : “O quanto você gosta de mim, minha querida?”.
Como Cordélia lhe respondeu que o amava tanto como a carne fresca ama o sal, o
ancião sentiu-se desprezado pela caçula, amaldiçoando-a, e colocou-a dali para fora.
Triste e lamentando o modo como o pai interpretara suas palavras, a jovem
partiu trajando três dos seus vestidos mais belos, um sobre o outro, e com suas joias
mais valiosas, mas tendo o cuidado de cobrir-se com uma capa feita de junco
trançado, para não chamar a atenção e não ser reconhecida por ninguém. E assim
estranhamente vestida e disfarçada foi até um dos reinos vizinhos, onde logo arrumou
serviço como ajudante de cozinha em uma mansão de um rico senhor, pai de um
rapaz muito bonito e em idade de casar-se. Ali, ela foi aceita como empregada
encarregada de preparar as refeições e arrumar a cozinha.
Da janela da cozinha da mansão, via o jovem seu patrão, que não lhe dava a
mínima atenção. Ela era somente uma das suas criadas. Aos poucos, Capa de Junco
– sem revelar a ninguém sua verdadeira identidade – foi-se apaixonando pelo jovem
rico.
Um dia, a mãe do rapaz decidiu dar uma festa na mansão. Seriam três dias de
danças e banquetes. Todos os reis e pessoas influentes daquela localidade e dos
67
países vizinhos foram convidados. O jovem, que já estava em idade de casar-se,
deveria escolher, entre as moças presentes, sua futura esposa.
Toda a mansão se movimentou para a grande festa. Capa de Junco trabalhou
muito durante os preparativos para os três dias de baile. Mas havia decidido participar
das festas. Assim, quando, na primeira noite de baile, terminou suas tarefas na
cozinha, rapidamente se dirigiu aos seus aposentos, banhou-se e escolheu um dos
vestidos que levara quando deixou a casa paterna. Com ele, com algumas de suas
joias e com um diadema nos cabelos, ninguém a reconheceria como Capa de Junco.
Logo que chegou ao baile, atraiu a atenção do jovem patrão, que dançou com
ela a noite toda. O rapaz estava encantado com a misteriosa dama que, antes da
última badalada da meia-noite, desapareceu como que por encanto. Inutilmente o
jovem procurou pela encantadora jovem com quem dançara na noite anterior. Por
melhor que a descrevesse, ninguém sabia dar-lhe notícias dela.
Nas duas noites seguintes, os fatos sucederam-se como os do primeiro baile:
Capa de Junco esperou todos se dirigirem ao salão de festas e, ficando sozinha, foi
para os seus aposentos, onde se arrumou e dirigiu-se, em seguida, para o salão.
Deslumbrante, como sempre!
Na última contradança do terceiro e último baile programado, o jovem deu-lhe
de presente um anel de brilhantes e lhe disse que “morreria se não a visse
novamente”. No dia seguinte, em vão o rapaz procurou pela misteriosa jovem, mas
nem sinal dela! Ninguém sabia quem era e nem onde morava. Amargurado, o jovem
foi se deixando abater até cair enfermo. Inutilmente, seu pai e seus amigos faziam de
tudo para erguer-lhe o ânimo. Nada conseguia devolver-lhe a vontade de viver. E o
rapaz se tornava, a cada dia, mais deprimido.
Um dia, seu pai pediu que a cozinheira preparasse um mingau para o filho que
se encontrava bastante debilitado. Capa de Junco, que estava na cozinha, ouviu o
pedido e insistiu com a cozinheira para que a deixasse fazê-lo. Preparou-o e ao
colocá-lo no prato deixou cair o anel de brilhantes que o jovem lhe dera. Quando o
rapaz foi comer o mingau engasgou-se com o anel. Logo reconheceu-o como o que
havia dado à misteriosa jovem por quem se apaixonara. Ordenou, então, que
chamassem a cozinheira, e esta, com medo de ser castigada, contou-lhe que o
mingau fora feito por Capa de Junco, a moça que a ajudava na cozinha.
Radiante, o rapaz mandou que Capa de Junco fosse à sua presença. Ela
atendeu ao chamado, mas, antes, vestiu-se como na terceira noite de baile e colocou
a capa por cima. Na presença do rapaz e da mãe dele, esclareceu-lhes quase tudo,
menos o nome de seu pai. Foi marcado, então, o dia do casamento. Todos os nobres
68
e pessoas abastadas das cidades vizinhas foram convidados. Também o pai de Capa
de Junco.
Chegou o dia das bodas. Por solicitação de Capa de Junco, as carnes que
seriam servidas durante o banquete não foram temperadas com sal. A cozinheira
estranhou muito esse pedido e esse costume, mas, como, dali para a frente, Capa de
Junco seria sua patroa, calou-se e fez como ela lhe pedira.
Durante o banquete, ao serem servidas as carnes, ninguém conseguia comê-
las: estavam insípidas, sem sabor. Muito aborrecido, o rapaz e o pai dele queriam
castigar a cozinheira, mas Capa de Junco assumiu a culpa e confessou que a
empregada assim agira por ordem dela. Enquanto falava, lágrimas rolavam dos olhos
daquele que era seu pai.
Quando o rapaz perguntou ao rico senhor por que chorava tanto, ele lhe
respondeu que era de saudade e remorso pelo que fizera à sua filha caçula. Ele a
expulsara de casa porque ela lhe respondera que o amava tanto quanto a carne fresca
ama o sal. E ele, julgando-a ingrata e sem amor filial no coração, cometera o erro de
mandá-la embora. Somente agora compreendia o significado daquela comparação
feita pela filha, mas, tarde demais, porque, talvez, ela já estivesse morta.
Capa de Junco, então, penalizada com o sofrimento do pai, abraçou-o e
revelou ser a filha que ele julgava ter perdido. Perdoou-o, e todos foram felizes para
sempre.
Adaptação de um conto do folclore inglês.
Fonte: Revista na Ponta do Lápis. Olimpíada de língua portuguesa: escrevendo o futuro. A
hora e a vez do conto: em pequenas narrativas cabem grandes histórias. Ano V, n. 12, 2009. p.
27-28.
Para as turmas do nono ano, entreguei os textos “História de Luciana Scotti”
(narrativa de experiência pessoal) e “O caso do espelho” (conto):
69
Texto 1
História de Luciana Scotti
Para quem não sabe da minha trajetória de vida, vou resumi-la. Acredite, é
uma história triste, mas muito enriquecedora. A dor trouxe junto a maturidade,
paciência e observação. Consegui tirar da minha experiência força e persistência, que
eu não tinha no meu caráter; ou talvez até já tivesse, mas nunca saberemos do que
somos capazes até tentar, não é?
Meu nome é Luciana Scotti. .Quando eu tinha 22 anos, era recém-formada em
Farmácia pela USP e sofri repentinamente uma trombose cerebral (AVC isquêmico).
Depois fiquei 3 meses em hospitais, fiz duas cirurgias no cérebro, fiquei 2 meses em
coma e recebi alta sem movimentos, sem fala, de fraldas e com sonda para me
alimentar.
Eu poderia dizer: minha vida acabou ali! Poderia lhes contar com detalhes
como foi difícil e doloroso superar esse choque e me readaptar a essa nova vida.
Poderia também escrever inúmeras linhas relatando penosamente todas as coisas que
deixei de fazer. Todas vocês leriam, chorariam, sentiriam pena de mim e nada
acrescentaria esse meu relato à vida de vocês, nem na minha!
Não estou aqui para contar minha tragédia pessoal... Acho que todas nós
possuímos um fato triste para contar. Meu fato é muito triste? Depende. Conheço
gente que tenta o suicídio por muito menos, gente que se droga porque não querer
encarar de frente os problemas, gente que perde a iniciativa e vive com a inércia,
esperando um milagre.
Depois da trombose cerebral e depois de ter ficado tetraplégica e muda, vivi 3
anos sobre uma cama hospitalar. Chorei, revivi todo meu passado, procurei culpas e
culpados e pensei: morri, acabou tudo!
Enquanto chorava e relembrava o passado, fui escrevendo meus
pensamentos, com o movimento de um dedo - que até hoje é que me permite
escrever!! Daí resultou meu primeiro livro: “Sem asas ao amanhecer”. Mas publicá-lo
não foi tão simples, eu não tinha movimentos, nem fala, tinha apenas a vontade e o
sonho.
E assim publiquei esse livro, que hoje está na décima primeira edição; depois
escrevi outro chamado “A doce sinfonia de seu silêncio”. Voltei a estudar, pois sou
muito ativa e odeio ficar parada; assim, fiz mestrado na USP, publiquei um livro
70
científico sobre cosméticos e em 2006 terminei doutorado na USP em Modelagem
Molecular.
Atualmente sou pesquisadora da faculdade de Farmácia/USP. Pesquiso
plantas contra algumas doenças tropicais, como a doença de Chagas, usando
quimiometria e modelagem. Adoro o que faço!
Não falo, mas dou cursos, palestras e defendo teses; mal seguro a caneta, mas
faço provas; digito com um dedo, mas escrevo livros... O que é limite? O que é
impossível? Eu acredito que minha vontade não possui limites... Acredite nisso você
também e se surpreenderá consigo mesmo!
Beijos carinhosos, Luciana Scotti.
Fonte: http://sobreviventesdoavc.blogspot.com.br/2009/07/historia-de-luciana-scotti. html
Texto 2
O caso do espelho
Era um homem que não sabia quase nada. Morava longe, numa casinha de
sapé esquecida nos cafundós da mata. Um dia, precisando ir à cidade, passou em
frente a uma loja e viu um espelho pendurado do lado de fora. O homem abriu a boca.
Apertou os olhos. Depois gritou, com o espelho nas mãos:
- Mas o que é que o retrato de meu pai está fazendo aqui?
- Isso é um espelho - explicou o dono da loja.
- Não sei se é espelho ou se não é, só sei que é o retrato do meu pai.
Os olhos do homem ficaram molhados.
- O senhor... conheceu meu pai? - perguntou ele ao comerciante.
O dono da loja sorriu. Explicou de novo. Aquilo era só um espelho comum, desses de
vidro e moldura de madeira.
- É não! - respondeu o outro. - Isso é o retrato do meu pai. É ele, sim! Olha o
rosto dele. Olha a testa. E o cabelo? E o nariz? E aquele sorriso meio sem jeito?
O homem quis saber o preço. O comerciante sacudiu os ombros e vendeu o
espelho, baratinho. Naquele dia, o homem que não sabia quase nada entrou em casa
todo contente. Guardou, cuidadoso, o espelho embrulhado na gaveta da penteadeira.
A mulher ficou só olhando. No outro dia, esperou o marido sair para trabalhar e correu
para o quarto. Abrindo a gaveta da penteadeira, desembrulhou o espelho, olhou e deu
um passo atrás. Fez o sinal da cruz tapando a boca com as mãos. Em seguida,
guardou o espelho na gaveta e saiu chorando.
71
- Ah, meu Deus! - gritava ela desnorteada. - É o retrato de outra mulher! Meu
marido não gosta mais de mim! A outra é linda demais! Que olhos bonitos! Que
cabeleira solta! Que pele macia! A diaba é mil vezes mais bonita e mais moça do que
eu!
- Quando o homem voltou, no fim do dia, achou a casa toda desarrumada. A
mulher, chorando sentada no chão, não tinha feito nem a comida.
- Que foi isso, mulher?
- Ah, seu traidor de uma figa! Quem é aquela jararaca lá no retrato?
- Que retrato? - perguntou o marido, surpreso.
- Aquele mesmo que você escondeu na gaveta da penteadeira!
O homem não estava entendendo nada.
- Mas aquilo é o retrato do meu pai! Indignada, a mulher colocou as mãos no
peito:
- Cachorro sem-vergonha, miserável! Pensa que eu não sei a diferença entre
um velho lazarento e uma jabiraca safada e horrorosa?
A discussão fervia feito água na chaleira.
- Velho lazarento coisa nenhuma! - gritou o homem, ofendido.
A mãe da moça morava perto, escutou a gritaria e veio ver o que estava
acontecendo. Encontrou a filha chorando feito criança que se perdeu e não consegue
mais voltar pra casa.
Que é isso, menina?
- Aquele cafajeste arranjou outra!
- Ela ficou maluca - berrou o homem, de cara amarrada.
- Ontem eu vi ele escondendo um pacote na gaveta lá do quarto, mãe! Hoje,
depois que ele saiu, fui ver o que era. Tá lá! É o retrato de outra mulher!
A boa senhora resolveu, ela mesma, verificar o tal retrato. Entrando no quarto,
abriu a gaveta, desembrulhou o pacote e espiou. Arregalou os olhos. Olhou de novo.
Soltou uma sonora gargalhada.
- Só se for o retrato da bisavó dele! A tal fulana é a coisa mais enrugada, feia,
velha, cacarenta, murcha, arruinada, desengonçada, capenga, careca, caduca, torta e
desdentada que eu já vi até hoje! E completou, feliz, abraçando a filha:
- Fica tranquila. A bruaca do retrato já está com os dois pés na cova.
Conto popular recontado por Ricardo Azevedo.
FONTE: http://revistaescola.abril.com.br/fundamental-1/caso-espelho-634284.sht
72
3. Procedimentos adotados para a análise dos dados
Depois que os alunos leram e analisaram os textos “A fugitiva” e “Capa de
Junco” (alunos do sexto ano) e “A história de Luciana Scotti” e “O caso do espelho”
(alunos do nono ano), solicitei a eles que escrevessem um texto do gênero narrativa de
experiência pessoal, relatando um ou mais fatos que se passaram em certo tempo e
lugar, envolvendo a si mesmo e a outros indivíduos. Na aula seguinte, os mesmos
alunos escreveram um texto do gênero conto, isto é, uma narrativa ficcional pouco
extensa, com personagens criados pelos próprios alunos, bem como um ou mais fatos
que envolveram esses personagens.
Alguns alunos tiveram grande dificuldade em produzir um texto do gênero conto
de autoria própria, e, por essa razão, pedi a eles que fizessem um texto recontando um
conto que haviam lido no passado. Na elaboração de narrativas de experiência pessoal,
os alunos tiveram maior facilidade, e todos conseguiram fazer seu texto.
Após o recolhimento dos textos, procedi à leitura de todos eles e selecionei 64
narrativas de experiência pessoal e 64 contos escritos pelos mesmos indivíduos,
conforme distribuição já apresentada nos quadros 1 e 2, constituindo, assim, um corpus
de 128 textos. Todos os textos selecionados possuíam conectores sequenciadores e eram
relativamente legíveis, de modo que a análise dos conectores fosse possível.
Nesses textos, coletei todos os dados dos conectores E e AÍ na indicação de
sequenciação retroativo-propulsora de informações. A seguir, codifiquei esses dados de
acordo com três grupos de fatores sociais, dois grupos de fatores linguísticos e um
grupo de fatores textual-estilístico, que estão abaixo listados:
GRUPO DE FATORES
SOCIAIS:
Gênero – feminino, masculino;
Escolaridade – 6º ano do EF,20
9º ano do EF;
Idade – de 10 a 13 anos, de 14 a 17 anos.
20
EF = ensino fundamental.
73
LINGUÍSTICOS:21
Relação semântico-pragmática – sequenciação textual, sequenciação temporal,
consequência;
Nível de articulação – entre orações, entre partes mais amplas do parágrafo, entre
parágrafos.
TEXTUAL-ESTILÍSTICO:
Gênero textual – narrativa de experiência pessoal (narrativa não ficcional), conto
(narrativa ficcional).
Os dados assim codificados sofreram análise estatística, sendo utilizado, para
tanto, o Pacote Estatístico GOLDVARB 2001 (ROBINSON; LAWRENCE;
TAGLIAMONTE, 2001). Esse programa estatístico fornece frequências e pesos
relativos indicadores da influência exercida sobre o uso de cada uma das variantes pelos
grupos de fatores linguísticos e sociais controlados. Além disso, o programa identifica a
ordem de significância, para o fenômeno variável estudado, de cada um dos grupos de
fatores testados. Foram realizadas rodadas binárias do programa, considerando uma
forma variante versus a outra.
Os resultados quantitativos foram analisados à luz do referencial teórico
sociofuncionalista, considerando-se, para a explicação das tendências de distribuição
social e linguística dos conectores sequenciadores E e AÍ, motivações de ordem
funcionalista, como o princípio da persistência; e motivações de ordem sociolinguística,
como o princípio da marcação estilística.
Depois da coleta dos textos, realizei, com os alunos participantes desta pesquisa,
bem como com dois professores de língua portuguesa, um de cada escola colaboradora,
um teste de atitude linguística envolvendo o uso dos conectores sequenciadores E e AÍ.
Organizei e apliquei esse teste com o intuito de verificar a opinião dos alunos e seus
21
Foi controlado também um grupo de fatores relativo às sequências textuais, que não se mostrou
significativo para o estudo. Nas sequências descritivas, houve uso categórico do conector E e, em razão
disso, os dados referentes a esse tipo de sequência foram excluídos. Os dados que integram a análise
apareceram todos em sequências narrativas.
74
professores a respeito da adequação ou não do emprego dos conectores em questão em
contextos de fala e de escrita de diferentes graus de formalidade.
O teste de atitude, composto por duas questões envolvendo os conectores E, AÍ e
ENTÃO, pode ser conferido a seguir:
QUESTIONÁRIO
1. Escola: 2. Série:
3. Idade: 4. Sexo:
5. Cidade natal:
6. Quanto tempo mora em Natal:
* Observe as duas frases a seguir, ambas em três versões diferentes. Elas
exemplificam possibilidades de uso dos conectores 22 E, AÍ e ENTÃO na língua
portuguesa:
(I)
A. Os clientes pagaram muito caro por nossos serviços, E eles têm direito a um bom
atendimento.
B. Os clientes pagaram muito caro por nossos serviços, AÍ eles têm direito a um bom
atendimento.
C. Os clientes pagaram muito caro por nossos serviços, ENTÃO eles têm direito a um
bom atendimento.
(II)
A. Nós saímos do apartamento na Cidade Verde, E fomos morar em uma casa em
Parnamirim.
B. Nós saímos do apartamento na Cidade Verde, AÍ fomos morar em uma casa em
Parnamirim.
C. Nós saímos do apartamento na Cidade Verde, ENTÃO fomos morar em uma casa
em Parnamirim.
22
Utilizamos o termo “conectores” em referência a palavras que interligam orações ou partes maiores do
texto escrito ou da fala.
75
1ª QUESTÃO: Em sua opinião, um ou mais dentre os conectores E, AÍ e ENTÃO
não pertence(m) à língua portuguesa culta? Em caso afirmativo, qual ou quais?
2ª QUESTÃO: Em que tipo de situações de fala ou escrita conectores não pertencentes
à língua culta deveriam ser evitados? Por quê?
Além dos conectores alvo deste estudo, E e AÍ, foi incluído no teste de atitude
linguística o conector ENTÃO porque, caso houvesse dados suficientes desse conector
nos textos escritos pelos alunos, ele também seria incluído na análise. Todavia, devido à
baixa frequência, o conector sob enfoque teve de ser excluído (cf. capítulo V).
Optei por analisar apenas as respostas dadas ao teste de atitude pelos 64 alunos
cujos textos integram o corpus utilizado neste estudo, desconsiderando as respostas
dadas pelos demais alunos contatados inicialmente. Examinei também os testes
respondidos pelos dois professores das turmas que produziram os textos.
O teste de atitude a respeito do emprego dos conectores E e AÍ feito pelos alunos
e pelos professores forneceu subsídios para a proposição de explicações melhor
fundamentadas para os resultados quantitativos obtidos para vários dos grupos de
fatores controlados. Esse teste permitiu traçar um diagnóstico sobre como membros da
comunidade natalense avaliam a utilização dos conectores E e AÍ na fala e na escrita,
em gêneros textuais mais e menos formais, o que foi de grande importância para a
76
análise dos dados no que diz respeito ao princípio da marcação estilística. Os resultados
referentes ao teste de atitude linguística podem ser conferidos no capítulo V.
Tendo visto, neste capítulo, o detalhamento dos procedimentos metodológicos
adotados na pesquisa, passaremos, no próximo capítulo, à análise das respostas dadas
por alunos e professores ao teste de atitude linguística, assim como à análise dos
resultados obtidos para os diferentes grupos de fatores linguísticos, estilísticos e sociais
controlados.
77
CAPÍTULO V - ANÁLISE DOS DADOS EM UMA PERSPECTIVA
SOCIOFUNCIONALISTA
Neste capítulo, avalio, inicialmente, as respostas fornecidas pelos alunos
participantes da pesquisa e por seus professores de língua portuguesa ao teste de atitude
linguística descrito no capítulo IV.
Na sequência, analiso, a partir de tratamento estatístico, o fenômeno de variação
linguística entre os conectores sequenciadores E e AÍ, que são as formas codificadoras
da função de sequenciação retroativo-propulsora de informações mais frequentes no
corpus organizado para esta pesquisa. Caracterizo e discuto os contextos de emprego
preferenciais dos conectores E e AÍ no corpus, procurando explicar os resultados
quantitativos obtidos para os grupos de fatores condicionadores de natureza linguística,
estilística e social que foram identificados pelo pacote estatístico GOLDVARB 2001
como exercendo influência sobre o emprego variável desses conectores.
1. Teste de atitude linguística
A seguir, descrevo e comento as respostas dadas pelos alunos e seus professores
de língua portuguesa às duas questões componentes do teste de atitude linguística. A
maioria dos alunos apenas indicou o AÍ como forma não pertencente à língua culta, mas
dez alunos forneceram justificativas para a sua escolha. Essas justificativas aparecem no
quadro abaixo:
1. Aí, porque a palavra é informal.23
2. Aí, porque é informal.
3. Aí, porque ele é informal.
4. Aí, porque é muito informal.
5. O que eu não utilizaria seria AÍ. Porque ai não é muito utilizado, mas também não é
formal, e eu acho que só é mais utilizado falando entre si (pessoas conversando).
23
O sublinhado foi acrescentado por mim às menções ao conector AÍ para facilitar a compreensão das
respostas dadas pelos alunos às questões 1 e 2 do teste de atitude linguística.
78
6. Aí, porque é mais utilizado no dia-a-dia de cada um.
7. Aí, porque ele é uma linguagem mais popular.
8. ai não pertence já mas. Porque é tipo uma agiria.
9. Eu acho o Aí porque não combina com o texto que agente está escrevendo.
10. Aí porque não fica com muito sentido em um texto importante.
Quadro 3: Algumas respostas dos alunos à questão 1 do teste de atitude
Segundo a grande maioria dos alunos, a resposta cabível à primeira questão do
teste de atitude linguística, “Em sua opinião, um ou mais dentre os conectores E, AÍ e
ENTÃO não pertence(m) à língua portuguesa culta? Em caso afirmativo, qual ou
quais?”, é o conector AÍ. Urge atentar para o fato de que os alunos sequer mencionaram
os conectores E e ENTÃO; ou seja, os alunos apontaram apenas o AÍ como não
pertencente à língua culta. Para eles, o AÍ está apto a ser utilizado em situações informais
como “uma conversa”, como relata um aluno, mas nunca em um “texto importante”,
destaca outro, pois é “tipo uma agiria”, um vício de linguagem.
Percebemos, portanto, que o conector AÍ é relacionado, pelos alunos, a situações
informais da vida cotidiana, em que as pessoas tendem a monitorar menos a fala e a
escrita. Em razão disso, acredito que o AÍ possa ser considerado um conector marcado
estilisticamente como informal para o conjunto de alunos participantes da pesquisa, a
exemplo do que ocorre em diferentes comunidades de fala brasileira (cf. TAVARES,
2003; SOARES, 2003; FREITAG et al., 2013), em que o conector em tela costuma ser
descrito pelos falantes como típico de situações informais de uso da língua.
Quanto a E e a ENTÃO, uma vez que os alunos não os apontaram como não
pertencentes à língua culta, nem os relacionaram a contextos de maior informalidade,
creio que esses conectores possam ser considerados formas não marcadas
estilisticamente, isto é, formas que podem ser empregadas em contextos mais ou menos
formais sem chamar atenção especial.
No quadro a seguir, estão as respostas fornecidas pelos professores à questão 1
do teste de atitude linguística:
1. O “aí” é bem estigmatizado na língua culta, em especial, na modalidade escrita.
2. Aí.
Quadro 4: Respostas dos professores à questão 1 do teste de atitude
79
As respostas dadas pelos professores parecem confirmar o provérbio popular,
“Filho de gato, gatinho é”. Como vimos, os alunos acreditam que o AÍ é um conector
impróprio para situações de interação de maior formalidade, crença essa que pode ter
sido originada ou, ao menos, reforçada, pela opinião de seus professores de língua
portuguesa em relação à forma sob enfoque. Para esses professores, o uso do AÍ como
conector é estigmatizado e rotulado como não pertencente à língua culta. Além disso,
para um dos professores, a modalidade escrita parece ser vinculada apenas à língua
culta, como se não houvesse contextos informais de escrita.
No que diz respeito à segunda questão do teste de atitude linguística, selecionei,
por questão de espaço, também dez respostas dadas pelos alunos, apresentadas no
quadro a seguir:
1. Aí não faz parte da língua padrão, com amigos e família na internet tudo bem, mas em
redações, entrevistas, apresentações públicas jamais por não ser adequado.
2. Aí. Não utilizaria numa redação para o vestibular.
3. Aí. Em redação de vestibular, em uma entrevista de emprego. Porque ambas as
situações são formais e exigem que o falante e/o escritor exerça o uso da norma culta.
4. O conector “aí”, deveria ser evitado em conversas com pessoas mais cultas ex: chefe,
diretor. E em textos mais elaborados como textos para vestibular, concursos, carta
para uma radio, um requerimento etc.
Porque as pessoas que vão ler ou que conversam requerem um português mais padrão
ou culto.
5. O (Aí) ao fazer uma redação não devemos colocar este conector. também em texto,
carta no emprego, ou numa entrevista de emprego.
6. O (Aí). Deve ser evitado em uma entrevista de emprego.
7. O AÍ. Redações, boletins de ocorrência, em um plenário judiciário e em alguma
conversa com algum político de alta classe.
8. Aí, porque essa palavra seria muito feia para se tratar com alguém, como seu patrão.
9. AÍ porque o texto ia fica muito AÍAÍ as pessoas não ia entender quase nada.
10. AÍ, esse conector é usado mais na linguagem informal então não ficaria bom de
ver em critério de um professor detalhista.
Quadro 5: Algumas respostas dos alunos à questão 2 do teste de atitude
80
Segundo os alunos, em a resposta à segunda pergunta do teste de atitude
linguística, “Em que tipo de situações de fala ou escrita conectores não pertencentes à
língua culta deveriam ser evitados? Por quê?”, o AÍ, conector considerado por eles
como não pertencente à língua culta, deveria ser evitado em qualquer situação formal de
interação. Os estudantes relacionaram o uso do AÍ a graus mais elevados de
informalidade, por isso “[…] com amigos e família na internet tudo bem [...]”, mas esse
conector “deveria ser evitado em conversas com pessoas cultas.”. Um aluno chegou a
destacar o problema de uso do conector sob enfoque perante um “professor detalhista”.
Em geral, parece que os estudantes admitem o uso do AÍ em contextos informais, de
fala e escrita (“na internet tudo bem”), mas não em contextos formais de fala – por
exemplo, “para se tratar com alguém, como seu patrão” e “em alguma conversa com
algum político de alta classe” – e de escrita – por exemplo, “redações, boletins de
ocorrência”, “carta de emprego”. Em suma, o conector AÍ “deveria ser evitado em
conversas com pessoas mais cultas ex: chefe, diretor. E em textos mais elaborados como
textos para vestibular, concursos, carta para uma radio, um requerimento etc.” É
interessante notar que um aluno fez um alerta a respeito do uso repetido do AÍ em um
mesmo texto: “o texto ia fica muito AÍ AÍ as pessoas não ia entender quase nada.”
Confira-se a seguir as respostas dadas pelos professores à questão 2 do teste de
atitude linguística:
1. Na modalidade escrita em situações bem formais.
2. Qualquer situação que ligue orações, ideias.
Quadro 6: Respostas dos professores à questão 2 do teste de atitude
O primeiro professor acredita que se deva restringir o uso do conector AÍ “na
modalidade escrita em situações bem formais”, do que se subentende que tal conector
seria admissível na escrita mais informal. Em contraste, o segundo professor afirma que
o conector em tela deve ser evitado em qualquer situação que ligue orações, ideias, ou
seja, esse professor sequer admite o uso da forma AÍ como conector!
De acordo com pesquisas sociolinguísticas, os usos de algumas variantes
estigmatizadas estão condicionados ao papel social assumido por seus usuários (cf.
LABOV, 2008[1972]). Isso não significa que os indivíduos jamais utilizem tais
variantes, apenas que tendem a ser mais cuidadosos nas situações em que as utilizam: se
identificarem essas situações como formais, utilizarão uma taxa menor de variantes por
81
eles estigmatizadas. Esse fato pode estar subjacente à avaliação que os professores
fazem sobre o AÍ: seu papel social como professores de língua portuguesa pode não
somente levá-los a apontar esse conector como impróprio para contextos de uso
formais, mas até mesmo a combater fortemente seu uso na escrita (e mesmo na fala) de
seus alunos. Disso poderá ser indício, por exemplo, a diminuição de emprego desse
conector por indivíduos com maior tempo de escolarização, e, portanto, maior contato
com professores de língua portuguesa, questão a ser explorada na seção 5 a seguir.
Na próxima seção, teço considerações a respeito da frequência geral de uso dos
conectores E e AÍ nos textos narrativos escritos pelos alunos de ensino fundamental
participantes desta pesquisa.
2. Frequência geral dos conectores E e AÍ no corpus
Coletei os dados de todos os conectores sequenciadores que encontrei nos textos
narrativos que integram o corpus. No entanto, recortei para a análise apenas os dados
referentes aos conectores E e AÍ em razão de os demais conectores sequenciadores
terem sido empregados, pelos alunos participantes da pesquisa, com baixa frequência, o
que impede a sua inclusão em análises estatísticas. Obtive, além de dados do E e do AÍ,
dados dos seguintes conectores sequenciadores: ENTÃO (25 ocorrências), E ENTÃO
(7 ocorrências), E AÍ (4 ocorrências) e E DAÍ (4 ocorrências).
Também excluí da análise 74 dados do conector E utilizados em trechos
descritivos dos textos, pois não houve utilização do AÍ no mesmo contexto, o que revela
que, no corpus, as sequências textuais descritivas representam um contexto de uso
categórico do E, não cabendo inclui-las em um estudo variacionista.
A tabela e a seguir traz a frequência de uso dos conectores sequenciadores E e
AÍ no corpus:
Conectores Ocorrências %
E 747 88
AÍ 102 12
Total 849 100
Tabela 1: Frequência de uso dos conectores sequenciadores
82
Nossa amostra é, pois, composta por um total de 849 dados de conectores
sequenciadores. Desse total, o E é o conector predominante, contando com 747
ocorrências (88% dos dados), ao passo que o AÍ é responsável por apenas 102
ocorrências (12% dos dados). Esse resultado era esperado, uma vez que estudos
anteriores já haviam apontado a baixa recorrência de uso do conector AÍ em textos
escritos, em contraponto a uma tendência de alta taxa de aparecimento do conector E
nesses textos.
Por exemplo, como já dito, Santos (2003) encontrou, em romances infantis e
juvenis, 799 ocorrências do E e 78 ocorrências do AÍ. E Tavares (2007) mapeou, em
textos escritos por quatro alunos da quarta série do ensino fundamental e por quatro
alunos do terceiro ano do ensino médio (textos de diferentes gêneros: narrativa de
experiência pessoal, relato de procedimento, descrição de local e relato de opinião), 109
ocorrências do E e apenas duas ocorrências do AÍ. Em contraste, nos textos equivalentes
orais (feitos pelos mesmos indivíduos), houve 393 ocorrências do E e 221 ocorrências
do AÍ.
Similarmente, Görski e Tavares (2001) obtiveram, em textos argumentativos
orais (relatos de opinião em trechos de entrevistas sociolinguísticas), 70 dados do E e 20
dados do AÍ, e, em textos argumentativos escritos (redações de vestibular), 94 dados do
E e apenas um dado do AÍ. E Tavares (2002) identificou, em textos jornalísticos escritos
de diferentes gêneros (editorial, reportagem, carta do leitor e entrevista), 142
ocorrências do E e 12 ocorrências do AÍ.
Por sua vez, Abreu (1992), ao avaliar a utilização dos conectores E e AÍ em
textos narrativos orais e escritos produzidos por alunos do ensino fundamental, concluiu
que a recorrência ao AÍ, na escrita, sofre uma queda significativa. A autora atribui essa
grande diminuição de uso ao fato de que existe um caráter estigmatizante no que se
refere à utilização do conector AÍ: “apesar do uso deste elemento tanto por adultos
quanto por crianças ser um fato até certo ponto natural, a sociedade culta, a escola o
rejeita” (ABREU, op. cit., p. 11).
Portanto, embora o conector AÍ seja muito frequente na oralidade, seu uso ainda
é visto com preconceito pela escola (como evidenciam também as respostas ao teste de
atitude linguística dadas pelos professores de língua portuguesa – cf. seção 1), fato esse
que pode estar subjacente a sua baixa frequência no corpus desta pesquisa: os alunos do
ensino básico costumam ser alertados para evitar o emprego do conector sob enfoque
em seus textos escritos e, não raro, até mesmo na fala (cf. TAVARES, 2003).
83
A esse respeito, Tavares (2007) informa-nos que, em seu corpus, os dois dados
do conector AÍ que foram encontrados na amostra escrita ocorreram justamente nos
textos produzidos por alunos da quarta série do ensino fundamental, não havendo dados
do AÍ nos textos produzidos por alunos do terceiro ano do ensino médio. A autora
acredita que isso se deva ao fato de que os alunos do terceiro ano do ensino médio
possuem muito mais tempo de contato com o ensino formal do que os alunos da quarta
série do ensino fundamental e, portanto, aqueles devem ter sofrido maior pressão para
evitar o uso do conector AÍ do que estes.
Sobre a baixa utilização do AÍ nos textos escritos, Tavares (op. cit., p. 94)
esclarece-nos ainda que:
Talvez o fato de AÍ ter aparecido apenas duas vezes nos textos escritos
se deva à estigmatização que parece estar ligada a seu uso como
conector, geralmente considerado impróprio para a escrita ou mesmo
um vício de linguagem. Portanto, uma pressão por parte da escola para
que se evite o emprego de AÍ pode estar por trás de sua presença
insignificativa nos textos escritos.
No que diz respeito à grande utilização do conector E no corpus desta pesquisa,
acredito que esse comportamento seja condizente com o fato de o E ser o conector
prototípico da indicação de sequenciação retroativo-propulsora de informações no
português, visto que é o conector mais frequente na indicação dessa função gramatical,
seja na fala ou na escrita (cf. TAVARES, 2003, 2007; SOUZA, 2010; ANDRADE,
2011). Assim, em qualquer amostra de dados, pode ser esperada certa recorrência de uso
do conector em questão.
No entanto, para Rojo (1996 apud Santos, 2003), um uso excessivamente
recorrente do E reflete a influência da oralidade sobre a escrita. Nessa direção, alguns
estudos, como o de Abreu (1992) e o de Tavares (2007), têm pontuado que a grande
frequência do conector E em textos escritos por alunos de nível básico de ensino pode
representar falta de domínio de outras estratégias existentes na língua para a
sequenciação de partes do texto. Como não conhecem essas estratégias, os alunos
utilizam, na escrita, o conector que mais dominam, o E.
Tavares (op. cit., p. 108) afirma que as:
[...] altas taxas de ocorrência de E na escrita [...], em detrimento da
miríade de conectores disponíveis da língua, podem ser tomadas como
indício de que a escola, embora pareça ter êxito em sua campanha pela
diminuição do uso de AÍ na escrita, não consegue levar os alunos ao
emprego de outros conectores, como ENTÃO, ASSIM, LOGO,
PORTANTO, POR CONSEGUINTE etc.
84
A questão do ensino de conectores sequenciadores é retomada e aprofundada na
seção 5 a seguir, em que discuto os resultados obtidos para os grupos de fatores sociais.
Antes, na seção 3, analiso os dados obtidos para os grupos de fatores linguísticos e, na
seção 4, os resultados obtidos para o grupo de fatores textual-estilístico.
Cumpre mencionar que o Pacote Estatístico GOLDVARB 2001 (ROBINSON;
LAWRENCE; TAGLIAMONTE, 2001) selecionou os grupos de fatores significativos
para o fenômeno variável sob enfoque na seguinte ordem de relevância: gênero textual,
nível de articulação, relação semântico-pragmática e idade/escolaridade. O grupo de
fatores gênero não foi considerado relevante.24
3. Análise dos dados referentes aos grupos de fatores linguísticos
Nas próximas seções, analiso os contextos linguísticos preferencias para o uso
do E e do AÍ conectores no que tange às relações semântico-pragmáticas (sequenciação
textual, sequenciação temporal e consequência) e aos níveis de articulação (entre
orações, entre partes mais amplas do parágrafo, entre parágrafos).
3.1 Relação semântico-pragmática
3.1.1 Caracterização e hipóteses
Como já dito no capítulo I, os conectores sequenciadores E e AÍ são
empregados, no corpus deste estudo, na indicação de três relações semântico-
pragmáticas: a sequenciação textual, a sequenciação temporal e a consequência. Como
essas relações já foram descritas e exemplificadas no capítulo I, são rapidamente
apresentadas abaixo, seguidas de novos exemplos.
1. Sequenciação textual: assinala a ordem sequencial pela qual as informações são
apresentadas e desenvolvidas no texto, indicando a progressão dessas informações para
24
Os pesos relativos atribuídos aos gêneros foram os seguintes: (i) feminino = 0.511; masculino = 0.487
no que diz respeito ao E, e (i) feminino = 0.0489; masculino = 0.513 no que diz respeito ao AÍ.
85
frente sem exigir o estabelecimento de relações semântico-pragmáticas mais específicas
entre elas. O conector sequenciador, na indicação dessa relação, apenas deixa
transparecer que a informação que introduz tem a ver com as demais, por fazerem parte
do mesmo assunto. Nas palavras de Tavares (2003, p. 27):
Despida de caráter argumentativo ou de indicação de cronologia
temporal, a sequenciação textual salienta o encadeamento de uma
porção textual anterior com uma posterior, evidenciando que essa é
mais uma informação que se relaciona com informações já dadas.
Seguem-se os exemplos:
(1) “[...] um dia estava andando pela rua de bicicleta e ela só ficava escutando uma voz
dizendo assim: “solitária, solitária você é muito solitária” e ela ficou com essa voz 2
semanas não conseguia fazer nada e não se concentrava nas aulas [...]”. (94M62)
(2) “[...] no dia do enterro dele, ela chorava muito, ai pegou a boneca que ele deu e a
agarrou bem muito [...]”. (99F92)
2. Sequenciação temporal: também assinala a ordem sequencial pela qual as
informações são apresentadas e desenvolvidas no texto, mas as informações
introduzidas representam eventos ordenados cronologicamente. O conector
sequenciador, na indicação dessa relação, marca a ordem de ocorrência dos eventos no
tempo, envolvendo a pressuposição de que o segundo evento ocorreu mais tarde em
relação ao primeiro. Seguem-se os exemplos:
(3) “[...] aperte a mão da boneca ela apertou e a boneca falou quer casar comigo e o
anel, caiu e foi aí que ela começou a chorar intensamente”. (99F92)
(4) “aí mateus botou a mão debaixo da cadeira e encontrou um biscoito pela metade ai
nos ficou discutino que comia o biscoito primeiro ai Jonathan comeu primeiro ai mateus
comeu pelo o segundo”. (52M91)
3. Consequência: introduz informações que representam consequência em relação a
informações dadas anteriormente. Seguem-se os exemplos:
86
(5) “Eu tinha 9 anos, e eu gostava muito de ir para a casa de uma amiga e via a irmã
mecher então eu ficava olhando e aprendi a mecher”. (5F61)
(6) “[...] eu pedia para minha mãe, mais ela não deixava porque era em outra cidade
(Parnamirim) então eu falava que tinha outro capeonato no planalto, aí ela deixava,
quando chegava no meio do caminho eu chamava meus amigos e ia para parnamirim de
Bike.” (22M61)
Qual é a hipótese previamente tecida a respeito do grupo de fatores relação
semântico-pragmática? Como já mencionado, no âmbito do sociofuncionalismo,
propõem-se que motivações e princípios de natureza funcionalista e de natureza
sociolinguística estejam subjacentes a cada escolha linguística feita por um falante ou
escritor. A esse respeito, Tavares (2013b, p. 8) nos esclarece que:
Numa perspectiva sociofuncionalista, os resultados quantitativos e
qualitativos obtidos são explicados através de princípios e motivações
de natureza cognitivo-comunicativa – cuja fonte principal é o
funcionalismo norte-americano ou linguística baseada no uso –, além
de princípios e motivações de natureza sociocultural e estilística – cuja
fonte principal é a sociolinguística variacionista.
No caso deste estudo, acredito que a seleção de cada conector sequenciador feita
pelos alunos em seus textos narrativos sofre influências de dois princípios em especial,
o princípio da persistência e o princípio da marcação estilística. O princípio da
persistência pode ser atuante sobre o comportamento de E e de AÍ no que se refere aos
grupos de fatores linguísticos, e o princípio da marcação estilística pode influenciar o
comportamento dessas formas no que tange ao grupo de fatores textual-estilístico, assim
como no que tange aos grupos de fatores sociais. Nesta seção, recebe destaque o
princípio da persistência.
Já havíamos observado que o princípio da persistência é um dos princípios de
gramaticalização propostos por Hopper (1991). Muitos pesquisadores têm recorrido a
esse princípio para explicar os resultados obtidos no estudo de fenômenos variáveis (cf.
TAGLIAMONTE, 2003; TAGLIAMONTE, SMITH, 2006; POPLACK, 2011;
TAVARES, 2003, 2013b; TORRES CACOULLOS, 2012, entre outros). De acordo com
esse princípio, traços dos significados originais de uma forma linguística podem ser
conservados ao longo de seu processo de gramaticalização, algumas vezes restringindo
seu uso em certos contextos. Nas palavras de Hopper (1991, p. 22):
87
Quando uma forma sofre gramaticalização de uma função lexical para
uma gramatical, tanto quanto isso é gramaticalmente viável, alguns
traços de seus significados lexicais originais tendem a aderir a ela, e
detalhes de sua história lexical podem ser refletidos nas restrições de
sua distribuição gramatical.
Desse modo, conforme Tavares (2013b, p. 8):
[...] detalhes da história dessa forma podem ser refletidos em
condicionamentos morfossintáticos, semântico-pragmáticos e/ou
estilísticos a seu uso variável, mesmo quando essa forma assume
significados até distantes daqueles de seu uso fonte. Em decorrência, o
exame do passado das formas variantes é fundamental para
contextualizar – e explicar – a variação sincrônica.
Portanto, os conectores sequenciadores E e AÍ podem diferir em termos de sua
distribuição linguística porque são oriundos de diferentes fontes adverbiais (cf. capítulo
I) e podem ter conservado traços de uso característicos dessas fontes em seu emprego
atual na indicação de sequenciação retroativo-propulsora, hipótese que averiguo, nesta
seção, no que diz respeito aos grupos de fatores relação semântico-pragmática.
Com base no princípio da persistência, acredito que detalhes da história anterior
de gramaticalização exerçam influência sobre os usos dados atualmente aos conectores
E e AÍ, o que se reflete em forma de tendências diferenciadas de distribuição linguística.
Assim, esses conectores podem se distinguir quanto à relação semântico-pragmática que
preferencialmente indicam em razão de terem se desenvolvido de mananciais adverbiais
distintos e de terem retido traços de seus significados fontes. Nesse sentido, minha
hipótese é de que conector E seja condicionado favoravelmente na indicação da
sequenciação textual, ao passo que o conector AÍ deve ser condicionado favoravelmente
na indicação da sequenciação temporal.
Essa hipótese encontra fundamentação nos percursos de gramaticalização
propostos por Tavares (2003) para as formas E e AÍ, pelos quais elas teriam migrado de
papéis adverbiais para papéis conectivos. A seguir, os dois quadros trazem esquemas
dos percursos delineados por Tavares (op. cit.), percursos esses que podem ser
conferidos em maior detalhe no capítulo I:
88
Quadro 7: Percurso de gramaticalização do E
Em síntese, segundo Tavares (op. cit.), ainda no latim, a forma et deve ter
entrado no domínio da sequenciação retroativo-propulsora através da indicação da
relação semântico-pragmática de sequenciação textual, pois essa é a relação que mais
possui características em comum com os usos mais antigos do et como um advérbio
ligado à soma entre informações. Nesses usos, o et tinha significados como ‘além de’ e
‘também’, que evidenciavam, à semelhança da sequenciação textual, a característica de
adicionar uma parte do texto à outra. O emprego do et na indicação de sequenciação
temporal e de consequência seria, segundo essa proposta, derivado do emprego do et na
indicação de sequenciação textual, por pressão de contextos de uso que deixavam vir à
tona inferências como cronologia temporal e causa-consequência entre as informações
sequenciadas pelo et.
Já foi como marca linguística de todas essas três relações semântico-pragmáticas
que o E chegou ao português. Todavia, os usos desse conector parecem ser, desde os
primórdios da língua portuguesa, mais recorrentes na indicação de sequenciação textual
(cf. TAVARES, 2003), o que pode ser tomado como um possível reflexo de uma
especialização de uso desse conector já existente no latim, derivada, nessa língua, de
suas fontes adverbiais de significado vinculado à soma de informações, especialização
essa que, herdada do latim, parece se manter até hoje em português (cf. SOARES, 2003;
TAVARES, 2003, 2007; SOUZA, 2010; ANDRADE, 2011; FREITAG et al., 2013).
E
~eti, ‘além de’ et, ‘também’ sequenciação textual sequenciação temporal
consequência
89
Quadro 8: Percurso de gramaticalização do AÍ
Consoante a proposta de Tavares (op. cit.), a forma AÍ deve ter passado a
integrar o domínio da sequenciação retroativo-propulsora de informações através da
indicação da relação semântico-pragmática de sequenciação temporal, uma vez que é
essa relação que apresenta os traços semânticos mais similares aos dos usos mais
antigos do AÍ no plano adverbial. Quanto o AÍ se tornou um conector indicador de
sequenciação temporal, a relação espacial e/ou temporal que o ligava anaforicamente a
um elemento antecedente no texto deu vez à relação de sequencialidade temporal
existente entre dois eventos.
A utilização do AÍ na indicação de consequência seria, por sua vez, proveniente
de seu emprego na indicação de sequenciação temporal, por pressão de contextos de uso
que permitiam o surgimento da inferência de que as informações sequenciadas
cronologicamente por esse conector estariam também em uma relação de causa-
consequência. Por sua vez, o uso do AÍ na indicação de sequenciação textual deve ter
vindo de seus usos na expressão da sequenciação temporal e da consequência, em
contextos em que não ficava claro se de fato havia relação de cronologia temporal e/ou
de causa/consequência entre as informações interligadas, podendo estar em jogo apenas
a indicação de que ambas as informações relacionam-se ao mesmo tópico.
Na próxima seção, vejamos se os resultados obtidos de fato apontam um maior
uso do conector E na indicação de sequenciação textual e do conector AÍ na indicação
de sequenciação temporal.
AÍ
dêixis locativa anáfora locativa anáfora temporal sequenciação temporal
consequência
sequenciação textual
90
3.1.2 Resultados e discussão
E AÍ
RELAÇÃO Apl./Total % PR Apl./Total % PR
Sequenciação temporal 344/415 83 0.313 71/415 17 0.687
Sequenciação textual 278/295 94 0.729 17/295 06 0.271
Consequência 125/139 96 0.563 14/139 10 0.437
TOTAL 747/849 88 ---- 102/849 12 ----
Input: 0.880 Sig: 0.000 Input: 0.120 Sig: 0.000
Tabela 2: Influência da relação semântico-pragmática sobre o uso do E e do AÍ
Antes de proceder à análise dos resultados, esclareço que o input é a
probabilidade de aparecimento de uma das variantes quando o efeito de todos os fatores
de todos os grupos é neutro e, assim, costuma ser um valor aproximado ao da
percentagem geral de cada item. O nível de significância define o risco que se corre ao
rejeitar a hipótese nula, isto é, a hipótese de que nenhum dos fatores considerados influi
sistematicamente no processo de seleção das variantes pelos usuários da língua. Níveis
de significância próximos a .000 indicam uma certeza estatística de que os valores
atribuídos pelo modelo a cada fator estão corretos. Os pesos relativos, que refletem as
várias dimensões de interferência simultânea sobre o uso de uma forma, variam de 0 a
1. Quanto mais próximo de 0 for o peso, menos influi o fator que o recebeu; quanto
mais próximo de 1, maior é a influência. Um peso de valor 0.500 tende a ser indiferente.
(cf. BRESCANCINI, 2002)
Passemos a análise dos resultados. A hipótese de que o conector E seria
condicionado favoravelmente na indicação da sequenciação textual foi atestada através
do peso relativo de 0.729. Ou seja, o conector E, nos textos narrativos produzidos pelos
alunos participantes da pesquisa, recebeu maior destaque na sequenciação textual,
relação semântico-pragmática para a qual esse conector parece ter herdado a
especialização de sua fonte, o conector ET latino. Esse conector, por sua vez, deve ter
adquirido tal especialização por ter sido a indicação de sequenciação textual a primeira
de suas funções no domínio da sequenciação retroativo-propulsora de informações – e,
não coincidentemente – a que mais se assemelha às fontes adverbiais de ET, de
significados voltados para a soma entre informações.
91
Vejamos agora o que aconteceu com o conector AÍ. Como previsto na hipótese
inicial, é na indicação de sequenciação temporal que se concentra a maioria das
ocorrências do AÍ, com peso relativo de 0.687. É possível que o componente temporal
dessa relação semântico-pragmática esteja subjacente a esse favorecimento ao uso do
conector AÍ: a indicação da passagem cronológica do tempo deve estar tão vinculada à
opção pelo AÍ25
por conta de seus usos fontes no âmbito da anáfora temporal. Assim, a
tendência à preservação de resquícios do passado também parece se manifestar no caso
desse conector.
É importante notar ainda que o conector E também foi levemente favorecido na
indicação da consequência, com peso relativo de 0.563. Acredito que esse resultado
possa ser relacionado à suposição feita por Tavares (2003, p. 180) de que o E “[...]
cumpre outro dos destinos previstos para as formas gramaticalizandas: generalização
cada vez maior, que é o que o torna sujeito a essas múltiplas adaptações nas situações de
interação, prestando-se com facilidade para a execução de uma miríade de tarefas.” O
conector E parece ter se tornado uma espécie de coringa, podendo ocorrer com grande
frequência como marca de todas as relações semântico-pragmáticas ligadas ao domínio
da sequenciação textual, e, inclusive, sendo favorecido, em termos de pesos relativos,
em mais de uma dessas relações.
3.2 Níveis de articulação textual
3.2.1 Caracterização e hipóteses
Nos textos que integram nosso corpus, os conectores sequenciadores E e AÍ
foram utilizados em três níveis de articulação: entre orações, entre partes mais amplas
do parágrafo e entre parágrafos, níveis esses caracterizados e exemplificados a seguir:
25
Outros estudiosos, como Abreu (1992) e Silva e Macedo (1996), também apontam a existência de uma
forte correlação entre o conector AÍ e a sequenciação temporal de eventos.
92
1. Entre orações: Uma oração é caracterizada pela presença de sintagmas ao redor de
uma ação verbal. Segundo Azeredo (2008, p. 136), a oração é “[...] a unidade gramatical
centrada em um verbo flexionado em um dado tempo e constituída, tipicamente, de duas
partes: sujeito e predicado”. No nível oracional, os sequenciadores interligam duas
orações, tendendo a haver, entre essas orações, continuidade referencial, temporal,
aspectual e de localização (cf. GIVÓN, 1995, 2001), do que resulta uma grande
integração entre as informações codificadas pelas orações. Seguem-se os exemplos:
(7) “[...] ai ele começou a bater no meu irmão e o meu irmão começou a chorar”.
(22M61)
(8) “[...] todo mundo começou a ri ai regina sitiu a catinga ai ligou o ventilado”.
(52M91)
2. Entre partes mais amplas do parágrafo: O conector interliga segmentos mais amplos
que os oracionais, mas, ainda assim, internos a um parágrafo. Nesse nível de articulação
textual, costuma haver graus menores de integração entre as informações conectadas, ou
seja, maior descontinuidade referencial, temporal, aspectual e de localização do que a
que se encontra no nível entre orações. Seguem-se os exemplos:
(9) “Mas em um tempo ela teve uma recaída forte da doença passou meses no altei, a
base de remédios, não suportava mais a pressão daquilo tudo. E Deus a chamou pra
perto dele”. (46F91)
(10) “Quando nós chegamos na escola minha irmã agente no lado de fora da escola. Aí
minha vó chamou agente para ir na casa dela”. (25M61)
3. Parágrafo: é caracterizado pela presença de vários períodos formando uma unidade
temática:
O parágrafo é uma unidade de composição, constituída por um ou
mais de um período, em que se desenvolve determinada unidade
central, ou nuclear, a que se agregam outras secundárias, intimamente
relacionadas pelo sentido e logicamente decorrentes dela. (GARCIA,
1977, p. 203).
93
O parágrafo é responsável por manter a continuidade temática entre segmentos
maiores, sustentando a coesão textual; e quando a descontinuidade se estabelece é dever
do autor do texto sinalizar esse recurso por meio de estratégias linguísticas. Conforme
indicam Koch e Elias (2009, p. 184),
Pode-se sinalizar a continuidade e a descontinuidade tópicas por meio
de paragrafação: havendo continuidade entre os segmentos tópicos,
eles podem, em muitos casos, permanecer juntos no mesmo parágrafo,
ao passo que, no caso de descontinuidade entre dois segmentos, é
recomendável separá-los em parágrafos distintos.
Os conectores, no nível de articulação entre parágrafos, interligam informações
do parágrafo anterior com informações do parágrafo subsequente. É possível que, na
organização de um texto narrativo, cada uma das partes do enredo – exposição,
complicação, clímax e desfecho – seja estruturada em um parágrafo. Seguem-se os
exemplos:
(11) “E não tendo sucesso, ele voltou para casa e chegando lá pegou a arma e apontou
para sua própria cabeça e atirou ...
E ao passar dos tempos fui crescendo, e lembrando disso fico muito triste em
saber que ele tirou sua própria vida. Depois que eu ouvi isso fui refletir.” (56M91)
(12) “Ai um dia ele viu eu mecher e disse Lívia eu vou compra um computador para
você ai eu disse vai mesmo ai ele disse vou, ai eu disse quando o senhor vai compra.
Ai um dia eu tafa na casa da minha prima e eu fui pra Lagoa de Jacumã. Ai de
tarde agente voutol pra casa ai de noite a minha prima foi me deixar quando eu cheguei
em casa minha mãe não tava em casa ai eu fiquei na casa da vizinha.” (8F61)
Minha hipótese prévia a respeito da distribuição dos conectores E e AÍ nos
níveis de articulação textual também é pautada no princípio da persistência. Conforme
Tavares (2003, p. 140), o ET latino,
[...] ao tornar-se conjunção, interliga inicialmente sintagmas nominais,
passando subsequentemente a interligar sintagmas verbais; depois, é
estendido para a articulação entre orações, e, num crescente aumento
de escopo, principia a marcar a sequenciação entre segmentos e
mesmo tópicos discursivos.
A autora sintetiza esse percurso de ET do seguinte modo: palavra > sintagma >
oração > trechos de proporções maiores. O fato de ET ter iniciado seu percurso como
94
conector em níveis menores de articulação pode ter feito com que essa forma se tornasse
especializada justamente para esses níveis de articulação, especialização essa que tende
a ser observada no que se refere ao conector E já nos mais antigos textos escritos em
português (cf. TAVARES, 2003), possivelmente como uma herança de seu antepassado
latino ET.
Quanto ao AÍ, ele não é utilizado como conector na interligação de níveis
menores que o oracional, e tende a predominar nos níveis mais amplos de articulação
(cf. SOARES, 2003; TAVARES, 2003, 2007; SOUZA, 2010; ANDRADE, 2011;
FREITAG et al., 2013), o que também pode ser um resquício de seus usos fontes.
Tavares (2003, p. 168) assim nos esclarece a respeito da possível trajetória de mudança
sofrida pelo AÍ em termos de níveis de articulação:
[...] como deriva de fontes anafóricas que apontam para um trecho –
palavra ou construção – imediatamente anterior, deve ter se tornado
conector em níveis de articulação mais extensos que o da palavra ou
sintagma, talvez níveis oracionais ou um pouco maiores, adaptando-se
daí para os demais níveis.
Espero, portanto, em consonância com o princípio da persistência e levando em
conta resultados obtidos em estudos anteriores, que o conector E predomine na
articulação de segmentos oracionais e que o conector AÍ receba destaque na articulação
de partes mais amplas dentro do parágrafo e mesmo na articulação entre parágrafos.
3.2.2 Resultados e discussão
E AÍ
RELAÇÃO Apl./Total % PR Apl./Total % PR
Entre orações 564/602 94 0.628 38/602 06 0.372
Períodos/parágrafos 183/247 74 0.219 64/247 26 0.781
TOTAL 747/849 88 ---- 102/849 12 ----
Input: 0.880 Sig: 0.000 Input: 0.120 Sig: 0.000
Tabela 3: Influência do nível de articulação sobre o uso do E e do AÍ
Os resultados obtidos atestam a hipótese inicialmente feita de que o conector E é
predominante no nível de articulação oracional, tendo obtido peso relativo de 0.628
relativamente a esse nível de articulação textual.
95
Em razão da menor frequência de ocorrências, optei por amalgamar os dados
referentes aos níveis de articulação entre partes mais amplas do parágrafo e entre
parágrafos. Quanto a esse fator, os resultados indicam favorecimento do AÍ, tendo esse
conector recebido peso relativo de 0.781.
Santos (2003), ao analisar a articulação textual no gênero romance infantil e
juvenil, mostra que os conectores são mecanismos fundamentais para a progressão das
narrativas e defende a necessidade de que o trabalho com a sintaxe, nas escolas de nível
fundamental e médio, leve em conta âmbitos mais amplos do que os que
tradicionalmente se trabalha em sala de aula, em que o professor, em geral, restringe-se
aos níveis entre orações e entre períodos. Nas palavras da autora:
O assunto é [...] mais complexo e ultrapassa as fronteiras do período: é
comum estruturas de coordenação, por exemplo, articularem
parágrafos e mesmo porções maiores de textos. (SANTOS, op. cit., p.
13)
Como pudemos observar pelos resultados expostos na tabela 3, esse é o caso
dos conectores E e AÍ, que, mesmo tendo maior especialização para níveis de
articulação distintos (E = entre orações; AÍ = entre partes mais amplas do parágrafo e
entre parágrafos), são ambos empregados nos diferentes níveis de articulação
controlados, fato que deve ser levado em conta por estudos que os tomem como objeto
de análise e mesmo nas salas de aula do ensino básico, como nos alerta Santos (op. cit.).
4. Grupo de fatores textual-estilístico
Nas próximas seções, analiso o grupo de fatores textual-estilístico gênero
textual, considerando dois gêneros: conto e narrativas de experiência pessoal, que são,
de início, exemplificados e brevemente caracterizados em consonância com as
propriedades expostas no capítulo III. Em seguida, apresento as hipóteses e discuto os
resultados, valendo-me, para tanto, do princípio da marcação estilística.
96
4.1 Gênero textual
4.1.1 Caracterização e hipóteses
Neste estudo, como solicitei que os alunos participantes escrevessem textos de
dois gêneros da esfera narrativa, a narrativa de experiência pessoal e o conto, pude
controlar o gênero textual como um grupo de fatores que poderia condicionar o uso dos
conectores sequenciadores E e AÍ.
No capítulo III, já caracterizei, no que diz respeito a definições e propriedades,
tanto a narrativa de experiência pessoal quanto o conto. Assim, faço, abaixo, somente
uma pequena síntese a respeito das propriedades essenciais de cada um desses gêneros.
A cada síntese, segue-se, como exemplo, um texto do gênero correspondente. Os dois
textos apresentados integram o corpus da pesquisa, e são avaliados quanto a sua
adequação ao gênero textual em que se enquadram.
1. Narrativa de experiência pessoal – é definida como gênero narrativo em razão de
possuir elementos narrativos típicos, como: espaço, tempo, personagens, ambiente,
enredo. Contudo, como todo gênero, possui propriedades próprias que o faz se
diferenciar dos demais gêneros da mesma esfera: é caracterizado pela tendência de
haver um alto envolvimento emocional do narrador ao relatar, em primeira pessoa,
experiências marcantes pelas quais passou, e pela narração de eventos reais, já ocorridos
com o narrador. De acordo com Labov e Waletsky ([1967]2003), a estrutura básica da
narrativa de experiência envolve seis momentos: resumo, orientação, ação
complicadora, avaliação, resolução e coda. Nem sempre estarão presentes esses seis
momentos, mas, obrigatoriamente, deve estar presente a ação complicadora, pois nela
encontra-se o clímax, o pico narrativo.
Segue um exemplo:
(13) “A facada
A um tempo átras …
Tudo estava ocorrendo muito bem, sem nenhuma confusão, briga, discurssão, gritos e
correria, até que a janta chegou, mas como lá em casa é tudo desorganizado, cada um
fazia a sua janta individualmente, eu como sempre estava dormindo quando acordei
97
com fome e fui rangar (comer) comprei pão, botei café, adoçei, esperei esfriar enquanto
preparava o pão, minha prima querida chegou e com muita brutalidade se assentou-se
na mesa e começou a passar a margarina no pão, aí eu como era o capeta, resolvi tirar
sarro com a cara dela (fazer ela de besta). Chegou mais um primo e começamos a
conversar, quando eu resolvi tomar a margarina da mão dela e desliza-la sobre a messa,
então ela pegou a faca da mesa e meteu uma facada na minha cabeça, e meu pai, minha
vô e minha tia correram e me botaram de baixo de água fria, que antes nós tomava-mos
água em um jarro de barro. Então fui ao pronto socorro em um carro de mão.
Só lembro da parte em que o enfermeiro enjetou anestesia, e raspou a minha cabeça, o
resto não conseguia ver nem sentir porque as lagrimas estavam empoçando o meu
rosto.” (57M91, grifos nossos)
Nesta narrativa, pelo fato de contar uma experiência pessoal, o aluno narrador,
do nono ano do ensino fundamental, permite que o leitor adentre em seu mundo
individual, possibilitando que o visite e conheça eventos significativos em que esteve
envolvido – ele narra sobre uma situação em que chegou a correr risco de morte. Os
eventos narrados parecem ser apimentados ora de emoção ora de exagero,
transformando o acontecimento em uma avalanche de informações, repletas de emoções
afetivas, de sentimentos intensos. Tudo isso é possível em razão do envolvimento do
narrador com os fatos narrados, transportando suas ações cognitivas para algo passado,
mas que para ele são de grande relevância.
A escolha lexical torna-se aspecto importante para aproximar o leitor do que está
sendo narrado, como se o narrador desejasse transportá-lo também para esse momento:
expressões como “eu como era capeta” e “as lágrimas estavam empoçando o meu rosto”
revelam a necessidade do narrador de envolver o leitor em sua experiência.
Outro ponto relevante é a necessidade do entrevistado de explicar as ações
pontuadas para que o leitor conheça e assuma a sua mesma posição avaliativa: “sem
nenhuma confusão”, “mas lá em casa é tudo desorganizado”, “antes nós tomava-mos
água em um jarro de barro”, “minha querida prima chegou”, “tirar sarro com a cara
dela”.
2. Conto – gênero textual que se define por ser uma história fictícia, que pode ser
narrada em primeira ou terceira pessoa. Possui elementos estruturais próprios, como
apresentação, complicação, clímax e desfecho, que dão origem ao enredo narrativo. O
98
conto é um texto curto (comparando-se com o romance e a novela, por exemplo), em
que todas as ações giram ao redor de um acontecimento principal. Além disso, em razão
da sua extensão, esse gênero exige poucos personagens e espaço limitado para o
desenvolvimento dos eventos.
Segue um exemplo:
(14) “A menina solitária
Era uma vez! uma menina muito solitária ela estudava brincava mas mesmo assim ela
se sentia muito solitária um dia ela estava andando pela rua de bicicleta e ela só ficava
escutando uma voz dizendo assim: “Solitária, Solitária você é muito Solitária” e ela
ficou com essa voz 2 semanas não conseguia fazer nada e não se concentrava nas aulas
um dia a sua professora perguntou: “o que está acontecendo” e ela disse a verdade:
“professora eu estou escutando uma voz” e a professora perguntou: “o que essa voz
diz?” e Solitária respondeu: “Solitária, Solitária você é muito Solitária” então a
professora mandou ela ir em bora ela foi para casa e se trancou dentro do seu quarto Seu
pai e Sua mãe mandou ela abrir a porta mas ela não quis abrir ela pegou aquela raiva
que tinha dentro dela e disse: “quem é que tá falando” então apareceu uma Barata e
disse: “Solitária, Solitária você é muito Solitária” então a Barata virou pó e sumiu
deste encontro com a Barata ela foi se animando teve várias amigas brincou bastante
resumindo sede vertiu mas essa alegria foi logo acabando e ela ficou mas uma vez
Solitária então ela perguntou: “o que está acontecendo então a barata apareceu e disse:
“minha querida menina seu destino é ser sempre uma menina SOLITÁRIA!” (94M62,
grifos nossos)
Notamos que o conto acima, escrito por um aluno do sexto ano, possui alguns
problemas como falta de pontuação, grafia errada de algumas palavras e ausência de
paragrafação. Trata-se de problemas, no entanto, comuns para alunos em início do
processo de aquisição da escrita.
Todavia, quando analisamos a narrativa no seu âmbito organizacional,
percebemos que seu autor se utilizou dos elementos característicos do gênero solicitado,
o conto:
99
Apesar da ausência de parágrafos, o texto apresenta os elementos estruturais típicos
de um conto: apresentação, complicação, clímax e desfecho (observem-se os grifos
realizados);
Ao fazer uso da expressão “Era uma vez”, o narrador sinalizou tratar-se de uma
história fictícia;
O narrador utilizou-se de diálogos no interior da narrativa, recurso comum aos
contos (e às narrativas de experiência pessoal também, naturalmente);
Manteve-se fiel a um único assunto: o fato de a menina ser solitária;
Criou poucas personagens que circularam em poucos ambientes.
Aponto que, de acordo com a idade e conhecimentos adquiridos por esse aluno
na fase atual da sua trajetória escolar, o texto é obediente aos aspectos relevantes que
constituem o conto. O aluno é atencioso em criar um cenário cujo espaço limita-se à
escola e à casa da menina; o desenvolvimento da trama é constituído por elementos
essenciais ao enredo narrativo, principalmente o momento ápice que se inicia na
complicação e resulta no desfecho; o ponto de vista escolhido pelo autor é o de narrador
onisciente, que, ao contar a história da menina solitária, vai construindo a trama
paulatinamente até desvendar o seu desfecho, gerando uma surpresa para o leitor:
“minha querida menina seu destino é ser sempre uma menina SOLITÁRIA!”. Por
conseguinte, o autor de “A menina solitária” organizou sua narrativa sendo fiel aos
aspectos e elementos essenciais para a composição de um conto, levando-se aqui em
consideração a idade e o nível escolar do estudante.
Gostaria de pontuar um elemento importante: a ficção. O elemento fictício
torna o conto real na imaginação do leitor, ou seja, é a ficção que leva o leitor a
acreditar na possibilidade da trama: sem ficção não há conto. Esse aspecto fictício é
criado de uma maneira brilhante, no conto “A menina solitária” por uma criança de
onze anos, especialmente quando cria a personagem da menina solitária que pode ser
identificada com qualquer menina que estuda, brinca, convive com os pais, com a
professora, tem amigos, mas que se sente sozinha. Outro ponto relevante da história é a
presença do elemento intertextual existente entre a barata, personagem do conto, com a
fada madrinha, personagem de outros contos, como “A Cinderela”. No entanto, em “A
menina solitária”, a barata fada madrinha não tornou possível o desejo da menina:
deixar de ser solitária.
100
O fenômeno da variação linguística envolve, frequentemente, formas variantes
que carregam significação estilística. Labov (2008[1972]) trabalha o estilo em
consonância com a questão da formalidade do contexto de uso. Há, segundo o autor,
uma escala de estilos, a qual tem como ponto de partida o vernáculo ou fala casual, “o
estilo em que se presta o mínimo de atenção ao monitoramento da fala” (LABOV, op.
cit., p. 244), isto é, o falante concentra mais a atenção no que fala e menos no como fala,
e como ponto de chegada estilos mais formais, em que o falante tende a monitorar com
mais atenção o modo como diz.
Uma vez que o comportamento de quaisquer formas variantes pode ser
condicionado pelo estilo adotado – consciente ou inconscientemente – pelo falante ou
escritor, é necessário que o olhar do pesquisador sociolinguista se volte para a
possibilidade de que o fenômeno variável por ele analisado represente um caso de
variação estilística.
De acordo com o princípio da marcação estilística, formas variantes
estilisticamente marcadas como informais (ou mesmo socialmente estigmatizadas)
tendem a aparecer com mais frequência em contextos de uso caracterizados pela
informalidade, sendo sua taxa de ocorrência menor ou mesmo zerada em contextos de
maior formalidade. Em contraste, formas variantes estilisticamente marcadas como
formais em geral são mais recorrentes em contextos de uso de natureza mais formal, e
costumam ser menos frequentes em contextos de natureza mais informal (cf.
TAVARES, 2013d; LABOV, 2003).
É interessante notar que pode haver uma relação entre o grau de formalidade
atribuído por membros de uma comunidade de fala às formas linguísticas e os padrões
de distribuição social dessas formas, no sentido de que formas que são consideradas
informais em uma dada comunidade geralmente são mais frequentes na fala e na escrita
de indivíduos de menor idade e/ou de menor escolaridade, e/ou de indivíduos de
determinada classe social e/ou de determinado gênero (cf. LABOV, 2003). Retomo essa
questão quando da análise dos resultados obtidos para os grupos de fatores sociais.
Levando-se em conta o princípio da marcação estilística, os conectores E e AÍ
podem ser favorecidos ou desfavorecidos em determinados contextos em razão de
serem avaliados, por seus usuários, como sendo conectores mais adequados para
situações caracterizadas por maior ou por menor grau de formalidade.
101
Como já observado, uma série de estudos apontam que o conector AÍ é
geralmente considerado uma forma típica de contextos informais, sejam de fala (cf.
TAVARES, 2003; SOUZA, 2010), sejam de escrita (cf. ABREU, 1992; SANTOS,
2003; ANDRADE, 2011; TAVARES, 2013c). Para obter indícios a respeito de como os
alunos participantes desta pesquisa avaliavam o uso dos conectores E e AÍ quanto à
questão da (in)formalidade, realizei com eles um teste de atitude linguística que, como
vimos na seção 1 deste capítulo, revelou, em síntese, que o AÍ é considerado, por esses
alunos, um conector que não pertence à língua culta, podendo ser empregado, segundo
eles, em situações informais, mas não em situação formais. Em contraste, o E é tido,
pelos alunos, como pertencente à língua culta, e, como eles não mencionaram questões
de formalidade implicadas no uso desse conector, acredito que o considerem como uma
forma não marcada estilisticamente, isto é, uma forma que pode aparecer em contextos
mais ou menos formais sem chamar atenção especial.
Sendo assim, tenho por hipótese que os conectores sequenciadores E e AÍ podem
diferir em termos de seus padrões de uso não apenas pela influência do princípio da
persistência, que pode afetar a distribuição linguística desses conectores, mas também
pela influência do princípio da marcação estilística, que pode afetar sua distribuição
social e textual-estilística.
Consciente de que o grau de formalidade da situação de comunicação pode
influenciar a escolha entre duas formas variantes e de que os gêneros textuais,
elementos essenciais de qualquer situação de comunicação, podem ser diferenciados no
que diz respeito à formalidade (cf. ECKERT, 2001; MACAULAY, 2001; TAVARES,
2011), neste estudo, efetuo a análise de uma possível variação estilística envolvendo os
conectores E e AÍ através do controle do gênero textual como um dos grupos de fatores
condicionadores do uso desses conectores.
Contraponho os dois gêneros textuais produzidos pelos alunos participantes da
pesquisa em termos de formalidade, considerando que, embora ambos os gêneros sejam
da esfera narrativa, a narrativa de experiência pessoal pode ser, em geral, considerada de
natureza mais informal do que o conto. Isso porque o autor de uma narrativa de
experiência pessoal costuma mostrar: (i) maior familiaridade com o assunto tratado, por
estar reportando uma experiência – emocionante, assustadora ou ao menos interessante
– que ele mesmo vivenciou; (ii) maior envolvimento emocional com o que está
narrando, uma vez que a experiência narrada pode envolver momentos de alguma forma
catalizadores na história de vida do indivíduo.
102
Em contraste, o conto é um gênero textual em que tende a haver um menor
envolvimento emocional com as situações narradas do que nas narrativas de experiência
pessoal, posto que a narração de eventos marcantes que o próprio autor vivenciou
costuma despertar sentimentos mais intensos por parte dele do que a narração de
eventos fictícios, que aconteceram a personagens criadas por ele. Essa é uma das razões
pelas quais acredito que os contos podem deixar vir à tona um estilo menos informal do
que o que tende a ser encontrado nas narrativas de experiência pessoal.
Além disso, o conto pode trazer dificuldades em termos de produção para o
aprendiz de escritor, caso dos alunos participantes desta pesquisa, por ser preciso criar
cenários, eventos e personagens diferentes daqueles da realidade vivenciada por cada
indivíduo, além de ser necessário dar atenção a uma série de regras de composição (cf.
capítulo III). Isso pode ter deixado os alunos mais atentos ao modo de escrever –
inclusive quanto à seleção das formas linguísticas (evitando mais, talvez, as
marcadamente informais) – do que nas narrativas de experiência pessoal, em que,
devido à familiaridade com os acontecimentos narrados e ao componente emocional
envolvido, o texto pode fluir mais naturalmente – inclusive quanto à seleção das formas
linguísticas (as formas marcadamente informais podem ter sido menos barradas).
A esse respeito, cabe lembrar mais uma razão pela qual as narrativas de
experiência pessoal geralmente trazem menos problemas em termos de composição para
o escritor aprendiz. De acordo com Shiro (2003), o domínio das narrativas de
experiência pessoal surge mais cedo na infância relativamente ao domínio dos demais
gêneros narrativos. Ou seja, a criança já chega na escola sabendo compor narrativas de
experiência pessoal orais. A autora atribui essa primazia das narrativas de experiência
pessoal em termos de aquisição ao fato de que contar sobre si é uma das primeiras
habilidades desenvolvidas pelas crianças para se comunicarem. Já o domínio das
narrativas ficcionais ocorre, segundo Shiro, sobretudo com o avanço da escolarização, o
que acarreta uma ampliação do contato dos alunos com textos narrativos ficcionais de
vários gêneros. Acredito, portanto, que é natural que os alunos se sintam mais à vontade
– inclusive em termos da seleção linguística – na produção de uma narrativa de
experiência pessoal do que de um conto.
Sendo assim, uma vez que o conector AÍ é tido, pelos alunos participantes desta
pesquisa, como um conector típico de contextos informais, minha hipótese é de que o
seu emprego deve ser favorecido nas narrativas de experiência pessoal em detrimento
dos contos, devido à natureza mais informal que aquelas podem ter face a estes. Por sua
103
vez, como o conector E foi considerado pelos alunos como pertencente à língua culta, e,
possivelmente, como uma forma neutra em termos de marcação estilística, minha
hipótese é de que haverá uma inclinação maior ao uso desse conector nos contos.
4.1.2 Resultados e discussão
E AÍ
GÊNERO TEXTUAL Apl./Total % PR Apl./Total % PR
Narrativa de Experiência Pessoal 275/358 77 0.279 83/358 23 0.786
Conto 472/491 96 0.721 19/491 04 0.257
TOTAL 747/849 88 ---- 102/849 12 ----
Input: 0.880 Sig: 0.000 Input: 0.120 Sig: 0.000
Tabela 4: Influência do gênero textual sobre o uso do E e do AÍ
A hipótese de que o conector AÍ seria condicionado favoravelmente pela
narrativa de experiência pessoal foi atestada. Nesse gênero textual, foi atribuído ao AÍ o
peso relativo de 0.786, com frequência de 23%. Em contraste, o AÍ teve seu emprego
bastante restringido no conto, apresentando uma taxa de ocorrência de 4% e um peso
relativo de 0.257.
Por sua vez, o conector E teve seu uso desfavorecido na narrativa de experiência
pessoal, pois, embora conte com frequência de 77%, o peso relativo que recebeu foi de
0.279. Esse conector foi condicionado positivamente pelo conto, em que teve um peso
relativo de 0.721 e frequência de 96%.
Esses resultados revelam haver correlação entre:
(i) a narrativa de experiência pessoal, um gênero textual tipicamente
caracterizado por grande informalidade, e a utilização do conector AÍ,
uma variante marcadamente informal; e
(ii) o emprego do conector estilisticamente neutro E e o conto, um gênero
textual costumeiramente menos informal que a narrativa de experiência
pessoal, uma vez que tende a implicar menor envolvimento emocional
104
por parte do autor do que aquele que geralmente o arrebata em uma
narrativa de experiência pessoal.
5. Grupos de fatores sociais
Lembro que, no corpus empregado neste estudo, há estreita correlação entre os
grupos de fatores idade e escolaridade, que se sobrepõem. Foram submetidos a controle
as seguintes faixas etárias e níveis de escolaridade: (i) sexto ano do ensino fundamental
– alunos de 10 a 13 anos; (ii) nono ano do ensino fundamental – alunos de 14 a 17 anos.
Para um melhor aprofundamento da análise, abordo, de início, cada um desses grupos
de fatores sociais separadamente, para, depois, relacioná-los.
5.1 Idade/Escolaridade
5.1.1 Caracterização e hipóteses
As fases da vida que são compreendidas pelas diversas faixas etárias relacionam-
se a diferentes mudanças físicas, psicológicas e até mudanças referentes à língua, o que
caracteriza os indivíduos como pertencentes a diferentes grupos de pares, que podem ter
crenças, identidades e responsabilidades sociais distintas. A esse respeito, Chambers
(1996) diferencia três etapas de vida como tendo especial relação com a utilização da
língua: infância, adolescência e idade adulta. Segundo o autor, tais etapas transcorrem
do seguinte modo: (i) a infância é o período em que as crianças adquirem a língua
vernácula através do contato com os pais e parentes próximos; (ii) a adolescência é tida
como o período focal da inovação e da mudança linguística, pois os adolescentes, em
geral, tentam se igualar a outros adolescentes como sinal de pertencimento a um grupo
de pares, e, para tanto, precisam se autoafirmar, buscando diferenciar-se dos adultos
inclusive no que tange aos usos linguísticos; (iii) na fase adulta, os indivíduos
costumam alcançar estabilidade no tocante à língua e, especialmente se sofrerem
pressões profissionais, podem passar a empregar formas linguísticas de prestígio com
maior frequência.
105
Nesta pesquisa, trabalho com duas faixas etárias, a pré-adolescente
(enquadrando-se aqui os alunos de 10 a 13 anos) e a adolescente (enquadrando-se aqui
os alunos de 14 a 17 anos). Segundo Tavares (2003), tais faixas etárias podem ser
tomadas como similares no que diz respeito às escolhas linguísticas porque, nessas duas
fases de vida, os indivíduos estão envolvidos com a questão da construção da identidade
social. Para Tavares (op. cit., p. 225), “[...] nesse processo de busca de identidade,
formas já existentes na região podem ser tomadas como marcas identitárias, havendo
predileção por aquelas que fogem à língua culta”. A autora completa afirmando que:
[...] as formas tomadas como marcas identitárias pelos pré-
adolescentes e/ou adolescentes apresentam, comumente, duas
propriedades correlacionadas: são relativamente recentes e, em
decorrência, possuem baixo status no mercado linguístico [...].
Sendo assim, tanto os alunos pré-adolescentes quanto os alunos adolescentes
poderiam, por hipótese, recorrer com grande frequência ao AÍ, que, por ser uma forma
marcada estilisticamente como informal, possui, em geral, menor status no mercado
linguístico (cf. resultados obtidos para o teste de atitude linguística feito junto aos
alunos participantes da pesquisa, na seção 1 acima). Assim, o AÍ candidata-se a um uso
frequente entre os usuários mais jovens da língua. 26
5.1.3 Resultados e discussão
E AÍ
IDADE/ESCOLARIDADE Apl./Total % PR Apl./Total % PR
10 a 13 anos / 6º ano 430/487 88 0.456 57/487 12 0.564
14 a 17 anos / 9º ano 317/362 88 0.553 45/362 12 0.448
TOTAL 747/849 88 ---- 102/849 12 ----
Input: 0.880Sig: 0.000 Input: 0.120Sig: 0.000
Tabela 5: Influência da idade/escolaridade sobre o uso do E e do AÍ
A hipótese de que o AÍ seria favorecido em ambas as faixas etárias controladas
não se confirmou, uma vez que esse conector recebeu peso relativo ligeiramente mais
26
Neste estudo, não relaciono os resultados obtidos para o grupo de fatores idade com a questão da
mudança em tempo aparente (cf. LABOV, 1972, 1994, entre outros) porque controlei apenas duas faixas
etárias muito próximas entre si, o que tornaria imprecisa uma análise que considerasse as diferentes faixas
etárias como reflexos de estágios distintos de mudança geracional.
106
alto (0.564) em uma das faixas, a dos pré-adolescentes. Por sua vez, o E teve um
pequeno favorecimento entre os adolescentes, com peso relativo de 0.553. O
comportamento do AÍ em estudos cujo corpus é de fala informal costuma ser diferente:
AÍ predomina tanto entre falantes adolescentes, quanto entre falantes pré-adolescentes
(cf. SILVA; MACEDO, 1996; TAVARES, 2003, 2007; SOUZA, 2010). Acredito que
os resultados expostos na tabela 5 possam ser melhor esclarecidos se analisados do
ponto de vista da escolaridade, tarefa a que passo a me dedicar a seguir.
A escola pode exercer papel sobre as escolhas linguísticas dos indivíduos que
passam por seus bancos, pois ela é promotora de mudanças no sentido de, por um lado,
influenciar positivamente o uso de certas variantes linguísticas, especialmente aquelas
que são consideradas de prestígio pela comunidade de fala, e, por outro lado, inibir o
uso de variantes tidas como não pertencentes à norma de prestígio. É especialmente
através da escolarização que a comunidade vai sendo alertada a respeito das diferenças
entre variantes de maior e de menor prestígio, formais e informais, estigmatizadas e não
estigmatizadas (cf. RAMOS; DUARTE, 2003; VOTRE, 2003).
Assim, quanto maior o nível de escolarização de um indivíduo, menor tenderá a
ser o seu uso de variantes de baixo prestígio no mercado linguístico de sua comunidade
de fala. Nessa ótica, minha hipótese era de que os alunos de maior escolarização, do
nono ano, fizessem menor uso do AÍ em comparação com os alunos de menor
escolarização, do sexto ano, devido ao maior tempo de contato dos primeiros com a
pressão escolar para o abandono de formas não consideradas cultas, caso do AÍ.
Lembro, a esse respeito, das palavras de Abreu (1992, p. 11): “apesar do uso deste
elemento tanto por adultos quanto por crianças ser um fato até certo ponto natural, a
sociedade culta, a escola o rejeita”.
Como se observa na tabela 5, a hipótese que fiz a respeito do nível de
escolarização foi atestada: o conector AÍ é levemente favorecido nos textos dos alunos
do sexto ano, ao passo que o conector E é levemente favorecido nos textos dos alunos
do nono ano.
Acredito que a leitura dos resultados expostos na tabela 5 é mais significativa do
ponto de vista da escolaridade do que da idade, pois analiso textos escritos, mais
sujeitos à pressão escolar rumo a adequações em termos de formalidade, do que a fala
informal, menos sujeita à normatização escolar. Defendo, assim, que não é por serem
mais velhos do que os alunos do sexto ano que os alunos do nono ano diminuem o
emprego do AÍ em seus textos, mas sim por terem tido, durante mais tempo de ensino
107
regular, maior contato com pressões por parte da escola para abandonar esse emprego
em situações formais – como parece indicar a resposta da primeira professora no teste
de atitude linguística – ou mesmo em qualquer situação – como parece indicar a
resposta da segunda professora ao mesmo teste.
Depois da avaliação das respostas dadas pelos alunos e seus professores ao teste
de atitude linguística e da análise dos resultados referentes aos grupos de fatores
linguísticos, estilísticos e sociais controlados, passemos às considerações finais.
108
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A título de conclusão, recupero em poucas palavras, a seguir, os principais
tópicos tratados nos capítulos desta dissertação. Dou relevo, também, aos objetivos
alcançados através desta pesquisa, e apresento um quadro onde sintetizo os resultados
obtidos em termos das distribuições linguísticas, estilísticas e sociais do uso dos
conectores E e AÍ. Destaco, na sequência, questões que acredito necessitarem de um
maior aprofundamento, sugerindo desdobramentos para trabalhos futuros.
No primeiro capítulo, sintetizei alguns estudos que tiveram – à semelhança desta
pesquisa – os conectores sequenciadores E e AÍ como objeto de investigação.
Receberam espaço os seguintes estudos: (i) Tavares (2003), sobre os percursos de
gramaticalização seguidos por E e AÍ rumo à indicação de sequenciação retroativo-
propulsora de informações; (ii) Santos (2003), sobre conectores em romances infantis e
juvenis – destacando-se os casos do E e do AÍ; e (iii) Tavares (2007), sobre o emprego
dos conectores E e AÍ em textos orais e escritos produzidos por estudantes de diferentes
níveis de escolaridade.
No segundo capítulo, apresentei o quadro teórico em que se insere esta
pesquisa, que combina pressupostos do funcionalismo norte-americano e da
sociolinguística variacionista para estudar o fenômeno de alternância de uso entre os
conectores E e AÍ em textos narrativos escritos por alunos de nível fundamental de
ensino. Primeiro, tiveram destaque conceitos vindos de cada uma dessas teorias, e,
depois, foi descrita uma perspectiva de investigação que busca estabelecer uma
conversa entre o funcionalismo e a sociolinguística, a qual vem sendo denominada
“sociofuncionalismo”. Foi essa a perspectiva que guiou este estudo.
No terceiro capítulo, descrevi os dois gêneros textuais em que se enquadram os
textos produzidos pelos alunos participantes da pesquisa: a narrativa de experiência
pessoal e o conto. A seguir, no quarto capítulo, destinado aos procedimentos
metodológicos, caracterizei o corpus do qual recolhi os dados e elenquei os
procedimentos adotados para a obtenção dos textos junto aos alunos, bem como os
procedimentos adotados para a análise dos dados.
No quinto capítulo, avaliei as respostas dadas pelos alunos e por seus professores
de língua portuguesa a um teste de atitude linguística versando o uso de conectores
109
sequenciadores em contextos mais e menos formais de fala e de escrita. A seguir,
apresentei e exemplifiquei os grupos de fatores linguísticos, estilísticos e sociais
controlados. Para dar conta dos resultados obtidos, tracei explicações recorrendo ao
princípio da persistência – ligado aos estudos funcionalistas sobre gramaticalização – e
ao princípio da marcação estilística – ligado aos estudos da sociolinguística
variacionista.
Segundo os objetivos geral e específicos desta pesquisa, analisei os conectores E
e AÍ como formas variantes na indicação de sequenciação retroativo-propulsora de
informações em textos narrativos escritos por alunos do ensino fundamental,
averiguando grupos de fatores linguísticos, estilísticos e sociais que exercem influência
sobre o uso e avaliando o papel do princípio da persistência e do princípio da marcação
estilística no uso variável desses conectores. Quanto a esses objetivos, destaco que os
resultados foram bastante satisfatórios, pois os caminhos metodológicos traçados me
levaram a observações valiosas tanto no que se refere à distribuição dos conectores sob
enfoque na produção textual dos alunos como no teste de atitude realizado por esses
alunos e seus respectivos professores. Pontuo, também, que a abrangência dos
resultados alcançados fez-me compreender que os caminhos teórico-metodológicos de
uma interface sociofuncionalista são seguros e viáveis.
Os resultados nos revelam que os fenômenos de variação e de mudança
envolvendo os conectores E e AÍ atingem a escrita no contexto escolar. A escrita,
mesmo sendo tipicamente mais formal que a fala (considerando-se gêneros similares em
ambas as modalidades) e mais sujeita à normalização, não é imune à mudança. Caso
percebamos que inovações gramaticais surgidas na fala – caso do AÍ – começarem a
aparecer também em textos escritos, podemos concluir que a disseminação dessas
inovações na fala é ampla e que essas inovações estão começando a vencer eventuais
barreiras que dificultavam seu uso na escrita.
Deparamo-nos, pois, com as seguintes constatações: (i) o conector E é
reconhecido, pelos alunos e seus professores, como pertencente à língua culta; apesar
disso, considero seu uso excessivamente repetitivo na escrita dos alunos, tanto do sexto,
quanto do nono ano do ensino fundamental, o que parece indicar que esses alunos
demonstram domínio precário no uso de outros conectores que desempenham a mesma
função retroativo-propulsora de informações; (ii) por outro lado, verifiquei um uso
tímido do conector AÍ, o que parece condizer com o fato de esse conector ter sido
avaliado pelos alunos como forma não pertencente à língua culta. A despeito dessa
110
avaliação, o uso de AÍ como conector é intenso em situações informais de fala. Creio
que não cabe à escola combater o uso desse item linguístico, estimulando uma visão
preconceituosa para com aqueles que o utilizam; cabe à escola apresentar situações de
uso variadas, formais e informais, de fala e de escrita, para que o aluno reconheça onde
e por que escolher algumas formas conectivas em detrimento de outras.
Por fim, o quadro abaixo destaca os contextos favoráveis ao aparecimento dos
conectores investigados:
GRUPO DE FATORES E AÍ
LINGUÍSTICO
(relação semântico-
pragmática)
Favorecido no desempenho
da sequenciação textual
Favorecido no desempenho da
sequenciação temporal
LINGUÍSTICO
(nível de articulação)
Favorecido na interligação
de orações
Favorecido na interligação de
partes mais amplas dentro do
parágrafo e entre parágrafos
TEXTUAL-ESTILÍSTICO
(gênero textual)
Favorecido no gênero textual
conto
Favorecido no gênero textual
narrativa de experiência pessoal
SOCIAIS
(idade/escolaridade)
Levemente favorecido nos
textos dos alunos do nono ano
Levemente favorecido nos
textos dos alunos do sexto ano
Quadro 9: Contextos favoráveis ao aparecimento dos conectores E e AÍ.
Quanto às sugestões de desdobramentos futuros, aponto a necessidade de
contrastar conectores sequenciadores não apenas em textos da esfera narrativa, mas de
outras esferas, como a argumentativa e a descritiva. No que se refere aos textos da
esfera narrativa, pode ser frutífera a realização de estudos que comparem o uso de
conectores sequenciadores em diferentes gêneros, além dos considerados nesta
pesquisa. É possível, ainda, cotejar o uso dos conectores em tela em textos de um
mesmo gênero produzido na fala e na escrita (por exemplo, narrativas de experiência
pessoal orais e escritas, relatos de opinião orais e escritos etc.).
111
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