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EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS ESTABELECIMENTOS DE ENSINO -
CONFENEN, entidade sindical de âmbito nacional, representante da categoria
econômica formada pelos estabelecimentos particulares de ensino, inscrita no
CNPJ sob n° 33.611.856/0001-52, com sede na SCS, Quadra 02, Bloco B, Ed.
Palácio do Comércio, salas 1305, 1307/11, CEP 70.318-900 - Brasília-DF (doc. 01),
por seu advogado que esta eletronicamente assina (doc. 02) vem, com
fundamento nos artigos 102 § 1° e 103 da Constituição Federal e artigos 1°, I,
parágrafo único e 2°, I da Lei n° 9.882, de 03.12.99, interpor
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL
COM PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR
com o objetivo de declarar a inconstitucionalidade, por violação a preceitos
fundamentais, da Lei Municipal n° 14.043, de 02 de junho de 2020, promulgada
pela Câmara de Vereadores e veiculada no Diário Oficial do Legislativo de Juiz de
Fora-MG, em 03 de junho de 2020
I - DO ATO IMPUGNADO
Em 02 de junho de 2020, o Presidente da Câmara
Municipal de Vereadores de Juiz de Fora promulgou a Lei n° 14.043, que “Dispõe
sobre a redução proporcional das mensalidades dos estabelecimentos de
ensino da rede privada do Município de Juiz de Fora durante o período de
suspensão das aulas, em razão do plano municipal de contingência do Novo
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Coronavírus. Projeto n° 30/2020, de autoria do Vereador Dr. Adriano
Miranda”. Referido ato normativo tem a seguinte redação (doc. 03).
CÂMARA MUNICIPAL DE JUIZ DE FORA DIÁRIO OFICIAL DO LEGISLATIVO DO MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA
ATOS DO PODER LEGISLATIVO Publicado em: 03/06/2020 Promulgação de Lei n° 14.043/2020 Dispõe sobre a redução proporcional das mensalidades dos estabelecimentos de ensino da rede privada do Município de Juiz de Fora durante o período de suspensão das aulas, em razão do plano municipal de contingência do Novo Coronavírus. Projeto n° 30/2020, de autoria do Vereador Dr. Adriano Miranda.
O Presidente da Câmara Municipal de Juiz de Fora, no uso de suas atribuições legais, tendo em vista o disposto nos §§ 5° e 7° do art. 39, da Lei Orgânica do Município e nos §§ 5° e 7° do art. 188, do Regimento Interno, promulga a seguinte Lei, objeto de Veto Integral aposto pelo Chefe do Executivo Municipal:
Art. 1° Os estabelecimentos de ensino da rede privada do Município deverão reduzir as suas mensalidades em, no mínimo, 30% (trinta por cento) durante o período de suspensão das aulas, em razão do plano municipal de contingência do Novo Coronavírus.
Parágrafo único. Para efeitos desta Lei, consideram-se estabelecimentos de ensino da rede privada do Município as escolas de educação infantil e de ensino fundamental.
Art. 2° Os estabelecimentos de ensino que possuam calendário regular, com previsão de recesso semestral, poderão aplicar a redução da mensalidade de que trata o caput do art.1° desta Lei, a partir do 31° (trigésimo primeiro dia) de suspensão das aulas.
Art. 3° Os estabelecimentos de ensino adeptos ao calendário ininterrupto de aulas, as creches e as demais unidades de ensino de carga horária integral ficam obrigadas a aplicar, de forma imediata, a redução de mensalidade de que trata o caput do art. 1° desta Lei.
Art. 4° A redução de mensalidade de que trata esta Lei será imediata e automaticamente cancelada com o fim da suspensão das aulas pelo plano municipal de contingência do Novo Coronavírus.
Art. 5° A fiscalização do cumprimento desta Lei será exercida pelo Poder Executivo Municipal, por meio da Agência de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON).
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Art. 6° O descumprimento desta Lei acarretará aos infratores as seguintes penalidades:
I - multa de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) por aluno;
II - multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por aluno, em caso de reincidência.
Art. 7° Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Palácio Barbosa Lima, 2 de junho de 2020.
LUIZ OTÁVIO FERNANDES COELHO Presidente
www.camarajf.mg.gov.br/diariolegislativo/vatos.php?id=2974 1/1
II - LEGITIMIDADE ATIVA DA CONFENEN
Nos termos do art. 3°, parágrafo único de seu Estatuto,
a CONFENEN reúne, filia e representa nacionalmente, nos termos da
Constituição Federal e CLT, a categoria econômica constituída pelos
estabelecimentos particulares de ensino, cabendo-lhe a representação de seus
interesses gerais e exercício dos direitos previstos nos arts. 5°, LXX, “b”; 8°, III e
IV e, 103, IX, todos da CF/88 (conf. art. 4°, I e IV do Estatuto).
Vê-se, pois, que a Arguente é uma entidade de classe
de grau superior, em nível nacional1, já que reconhecidamente representa todos
os estabelecimentos particulares de ensino do país, sendo a única parte legítima
para propor, pelos estabelecimentos particulares de ensino, ação direta de
inconstitucionalidade.
Tal legitimidade para instaurar o controle concentrado
de constitucionalidade das leis e atos normativos mediante ajuizamento da ação
1 Supremo Tribunal Federal. Adin 3153, 12.08.04, Rel. Ministro Pertence, RJ 194/859.
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direta já foi reconhecida por esse Supremo Tribunal Federal no julgamento das
ADIs n° 1.081, 1.992, 2.036, 2.448, 2.545 e 3.19722.
III - PERTINÊNCIA TEMÁTICA ENTRE O OBJETO DA ADPF E A FINALIDADE DA CONFENEN.
A jurisprudência dessa Excelsa Corte exige que o objeto
da ação de inconstitucionalidade guarde relação de pertinência com a atividade
de representação da confederação ou da entidade de classe de âmbito nacional3.
A lei municipal ora impugnada interfere direta,
indevida e desproporcionalmente na atividade econômica desenvolvida pelos
estabelecimentos privados de ensino situados no Município de Juiz de Fora, os
quais integram a categoria econômica representada pela Arguente.
IV - SUBSIDIARIEDADE DA ADPF
Como cediço, a impugnação de ato do Poder Público
através de ADPF só é cabível quando ausente outro meio eficaz para sanar a
lesividade que decorre do ato.
O só fato de se tratar de norma municipal evidencia a
impossibilidade de se valer a Arguente da ação direta de inconstitucionalidade,
em face do que dispõe a Constituição da Federal.
Impor a abordagem das vulnerações constitucionais
exclusivamente através do controle difuso sujeitaria os jurisdicionados a
2 Supremo Tribunal Federal. Adin's 1081, 1.992, 2.036, 2.448, 2.545 e 3.197 3 Supremo Tribunal Federal. Adin n° 893, Rel. Ministro Carlos Velloso, DJU do dia 03.09.1993, pág. 6.781 e Adin
1.114-DF, Rel. Min. Ilmar Galvão.
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- risco de decisões conflitantes;
- processos lentos e onerosos;
- altos custos para pequenas e médias instituições de
ensino, que já operam com significativo déficit em seus fluxos de caixa, em
decorrência dos altos índices de inadimplência e evasão, provocados pela
pandemia de Covid-19;
- decisões válidas apenas para as partes que integrarem
a relação processual;
- possibilidade de tardio socorro judicial, mesmo
quando evidentes as infrações ao Texto Constitucional.
A respeito do caráter subsidiário da ADPF, esclareceu o
Min. Luiz Fux (ADPF n° 235):
Com efeito, cuida-se de via processual adequada, mercê de não existir
outro meio para sanar a controvérsia com caráter abrangente e
imediato, em decorrência da impossibilidade de ajuizamento de ação
direta de inconstitucionalidade em face de lei municipal. A respeito,
reporto-me às clássicas lições doutrinárias do Min. Gilmar Mendes, que
observa, in verbis:
“o juízo de subsidiariedade há de ter em vista, especialmente, os
demais processos objetivos já consolidados no sistema
constitucional. Nesse caso, cabível a ação direta de
inconstitucionalidade ou de constitucionalidade, ou, ainda, a ação
direta por omissão, não será admissível a arguição de
descumprimento. Em sentido contrário, não sendo admitida a
utilização de ações diretas de constitucionalidade ou de
inconstitucionalidade, isto é, não se verificando a existência de
meio apto para solver a controvérsia constitucional relevante de
forma ampla, geral e imediata, há de se entender possível a
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utilização da arguição de descumprimento de preceito
fundamental”. (MENDES, Gilmar Ferreira. Argüição de
Descumprimento de Preceito Fundamental: demonstração de
inexistência de outro meio eficaz, Revista Jurídica Virtual Palácio
do Planalto n° 13, junho/2000, p.1/2).
Notadamente no que tange ao controle de normas gerais e abstratas
editadas pelos Municípios, também o Min. Roberto Barroso já pôde afirmar
que “até a edição da Lei n. 9.882/99, o direito municipal somente
comportava o controle incidental ou difuso de constitucionalidade, salvo a
hipótese de representação de inconstitucionalidade em âmbito estadual,
por contraste com a Constituição do Estado-membro. Já agora, se a norma
municipal envolver ameaça ou lesão a preceito fundamental ou houver
controvérsia constitucional relevante quanto a sua aplicação, sujeitar-se-
á ao controle abstrato e concentrado do Supremo Tribunal Federal,
mediante ADPF” (BARROSO, Luís Roberto. O controle de
constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da
doutrina e análise crítica da jurisprudência, 7. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2016).4
(grifou a Arguente).
Demonstra-se assim, data maxima venia, que a ADPF,
como meio subsidiário de controle concentrado da constitucionalidade, é a única
via da qual dispõe a Arguente para impugnar o ato normativo promulgado pela
Câmara Municipal, tendo em vista as inconstitucionalidades que dele emanam
(ofensa a preceitos fundamentais).
V - PRECEITOS FUNDAMENTAIS VIOLADOS
Passadas duas décadas da edição da Lei n° 9.882/99,
ainda persiste certa dificuldade em se objetivar o conceito de preceito
4 ADPF 235, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 14/08/2019, PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-189 DIVULG 29-08-2019 PUBLIC 30-08-2019
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fundamental. Todavia, lecionando sobre os parâmetros de controle - significado
de preceito constitucional -, o E. Ministro Gilmar Mendes5 adverte que:
“É o estudo da ordem constitucional no seu conceito normativo e nas suas
relações de interdependência que permite identificar as disposições
essenciais para os princípios basilares dos preceitos fundamentais em
determinado sistema.
(...)
Destarte, um juízo mais ou menos seguro sobre a lesão de preceito
fundamental consiste nos princípios da divisão de poderes, da forma
federativa do Estado ou dos direitos e garantias individuais exige,
preliminarmente, a identificação do conteúdo dessas categorias na ordem
constitucional e, especialmente, das suas relações de interpendência.
Nessa linha de entendimento, a lesão a preceito fundamental não se
configurará apenas quando se verificar possível afronta a um princípio
fundamental, tal como assente na ordem constitucional, mas, também a
disposições que confiram densidade normativa ou significado específico a
esse princípio.
Tendo em vista as interconexões e interdependências dos princípios e
regras talvez não seja recomendável proceder-se a uma distinção entre
essas duas categorias, fixando-se um conceito extensivo de preceito
fundamental, abrangente das normas básicas contidas no texto
constitucional”.
Destarte, o ato normativo impugnado viola, a uma só
vez, os seguintes preceitos fundamentais:
[i] pacto federativo e regras de distribuição de
competência (arts. 1°, caput, art. 18; 22, I e 30, I e II, da Carta Política6);
5 MENDES, Gilmar Ferreira. Argüição de descumprimento de preceito fundamental: comentários à Lei n. 9.882,
de 3-12-1999. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 80 e sgtes. 6 Art. 1° A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania
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[ii] lesão ao devido processo legislativo - desvio de
poder - ofensa ao princípio da igualdade material
[iii] criação e gestão dos estabelecimentos privados de
ensino, expressos no art. 13 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos
Sociais e Culturais, cf. art. 5°, § 2°, da CF7;
[iv] princípio da livre inciativa e liberdade de empresa,
expressos nos art. 170 e 209 da Constituição8; e
[v] princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
VI - DA RAZÕES PARA PRESERVAÇÃO DOS PRECEITOS FUNDAMENTAIS EM FACE DA VIOLAÇÃO POR
ATO NORMATIVO MUNICIPAL
Nesta ADPF a Arguente aborda, em primeiro plano, a
inconstitucionalidade em razão da incompetência do Município para legislar
sobre Direito Civil e contratos.
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados,
o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
(...)
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
(...) 7 Art. 5° (...)
(...)
§ 2° Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios
por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. 8 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:
I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;
II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.
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Evidentemente não se olvida que toda relação de
consumo é uma relação que se baseia em um contrato, seja ele tácito ou
instrumentalizado, verbal ou escrito, de adesão ou paritário. Esses contratos
regulam, de modo geral, os aspectos do negócio jurídico atinentes ao
fornecimento e consumo de bens e serviços, relativamente aos quais a
competência legislativa cabe, concorrentemente, à União, Estados e Distrito
Federal, nos termos do art. 24, V da CF/88. O município não tem legitimidade
para legislar sobre consumo.
Conquanto esse Supremo Tribunal Federal venha
decidindo que, em se tratando de competência local, pode o ente municipal, por
via reflexa, alcançar temas de direito do consumidor, não é essa a hipótese da
lei municipal impugnada.
Vale lembrar que, mesmo nos contratos que regem
relações de consumo, há cláusulas que são atinentes ao Direito Civil, tais como
a liberdade na fixação do preço, taxa de juros, consequência do inadimplemento,
confidencialidade, possibilidade de emissão de títulos de crédito, etc.
A competência legislativa, portanto, há de ser avaliada,
não sob o signo da mera classificação do contrato - feita com base na natureza
relação jurídica estabelecida entre as partes contratantes -, mas sob a ótica da
natureza jurídica da cláusula contratual sobre a qual incide a ação do
legislador.
Possibilitar que o legislador municipal, sob o manto da
competência reflexa, interfira em cláusulas contratuais afetas ao Direito Civil,
para o fim de modifica-las segundo particulares interpretações e intenções,
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mormente em ano de campanha eleitoral (no qual a maioria dos políticos com
mandato postulará recondução aos cargos que ocupam), implicaria em
possibilitar a cristalização de políticas populistas, que tão graves prejuízos têm
causado à sociedade e ao desenvolvimento da nação.
No caso da lei municipal ora impugnada, os nobres edis,
a pretexto de regular, pela via reflexa, relação de consumo em meio à pandemia
de Covid-19, estabeleceram regra de fixação do preço dos serviços educacionais,
de forma cabalística, sem quaisquer fundamentos que, no mínimo, justificassem
a exacerbação na competência legislativa.
Em suma: mesmo nos contratos celebrados com base
em uma relação de consumo há cláusulas cuja natureza são de Direito Civil,
cuja competência para regulamentar cabe exclusivamente à União, como
adiante a Aguente procurará demonstrar.
[i] LESÃO AO PACTO FEDERATIVO E ÀS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA (ARTS. 1°, CAPUT, ART. 18; 22, I E 30, I E II, DA CARTA POLÍTICA
O tema trazido ao exame desse Excelso Supremo
Tribunal Federal diz respeito, dentre outros direitos fundamentais, à distribuição
das competências legislativas.
Ainda que se considere que a Constituição da República
preconize um sistema federalismo descentralizado, imperioso investigar se a
norma sob escrutínio efetivamente trata de interesse local, relacionado à
defesa do consumidor, ou se seu conteúdo nuclear radica em competência
privativa da União.
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Constando-se que prepondera na norma em questão
matéria de alçada privativa da União, caracterizada está a lesão ao preceito
fundamental identificado nos arts. 1°, caput, 18; 22, I e 30, I e II, da Carta Política,
sendo esta precisamente a hipótese dos autos.
Por força do art. 30 da CF/88, para o que interessa, tem-
se que compete aos municípios: (i) legislar sobre assuntos de interesse local; e,
(ii) suplementar a legislação federal e a estadual no que couber. Vale dizer: na
repartição de competências, adotou o legislador constituinte o sistema da
repartição vertical.
Da leitura dos arts. 22 e 24 da Carta da República
emana a compreensão da competência legislativa exclusiva e concorrente,
respectivamente, da União, Estados e Distrito Federal. Ou seja, aos municípios
não foi assegurada a competência legislativa concorrente, mas apenas a
competência para legislar sobre assuntos de interesse local, suplementando, no
que couber, a legislação federal e estadual.
Por outro lado, na expressa dicção do art. 22, I, é
competência privativa da União legislar sobre Direito Civil, dentre outros ramos
do direito. Na hipótese dos autos, ainda que se possa entender que a questão
de fundo tangencia a defesa do consumidor, um olhar mais acurado conduz à
inequívoca conclusão que o tema disciplinado pela lei municipal - redução do
valor das parcelas do preço dos serviços educacionais com vencimento durante
o período de isolamento social - se insere no campo do Direito Civil, cuja
competência é privativa da União.
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Neste sentido, é preciso salientar que o valor das
anuidades escolares possui regramento próprio - Lei n° 9.870/99 -, e constituiu
um dos elementos da relação contratual que se forma entre o fornecedor e o
consumidor dos serviços educacionais. De fato, quando um pai ou o próprio
estudante escolhe se matricular no estabelecimento “A”, em detrimento do “B”,
ou “C”, tem-se em conta fatores tais como: projeto político pedagógico, corpo
docente, ambiente onde os serviços serão prestados e, também, o preço
praticado. Todos estes aspectos fogem ao campo de incidência das normas
protetivas da relação de consumo, pois estão relacionados à liberdade de
iniciativa e à livre escolha dos contratantes.
Portanto, é a partir da natureza da norma legal que se
faz o teste de constitucionalidade quanto à competência do ente federativo que
a editou. Assim, embora a relação estabelecida entre os estabelecimentos de
ensino e seus alunos e pais uma relação de consumo, as regras para fixação,
reajustamento ou redução de preços, bem como condições de pagamento,
situam-se no campo do Direito Civil. Ora, a Lei Municipal n° 14.023/2020, a
pretexto de regulamentar relação de consumo no período de isolamento social
decorrente da pandemia de Covid-19, interfere nos contratos avençados entre
estabelecimentos particulares de ensino e pais/responsáveis por estudantes9.
Mais que isso, pretende regulamentar matéria já afetada por lei federal,
portanto, de alcance nacional, que dispõe, inclusive, sobre o modo como são
9 Mensalidades escolares. Fixação da data de vencimento. Matéria de direito contratual. (...) Nos termos do art. 22,
I, da Constituição do Brasil, compete à União legislar sobre direito civil. (ADI 1.007, rel. min. Eros Grau, j. 31-8-
2005, P, DJ de 24-2-2006.) e ADI 1.042, rel. min. Cezar Peluso, j. 12-8-2009, P, DJE de 6-11-2009
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satisfeitas as parcelas da anuidade, facultada a adoção de formas alternativas de
pagamento10.
Por mais nobre que tenha sido a intenção do legislador
municipal, o efeito final encerra uma nobreza baldia e com efeitos adversos,
pois:
“A competência suplementar estadual para dispor sobre a proteção do consumidor não pode alcançar a disciplina das relações contratuais, coagindo uma das partes a remunerar os serviços prestados de forma diversa daquela pela qual se obrigou. ADI 5986, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 20/12/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-065 DIVULG 19-03-2020 PUBLIC 20-03-2020. Lei estadual 3.594/2005, do Distrito Federal. Dispensa do pagamento de juros e multas de tributos e títulos obrigacionais vencidos no período de paralisação por greve. Inconstitucionalidade formal, por usurpação da competência da união em matéria de direito civil. (...) A lei distrital sob análise atinge todos os devedores e tem por objeto obrigações originadas por meio dos títulos que especifica; sendo, consequentemente, norma de direito civil, previsto como de competência privativa da União, nos termos do art. 22, I, da CF. [ADI 3.605, rel. min. Alexandre de Moraes, j. 30-6-2017, P, DJE 13-9-2017.]
CONSTITUCIONAL. FEDERALISMO E RESPEITO ÀS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA. LEI 12.562/2004, DO ESTADO DE PERNAMBUCO. SUPOSTA VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 5°, II e XIII; 22, VII; E 170, IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI IMPUGNADA DISPÕE SOBRE PLANOS DE SAÚDE, ESTABELECENDO CRITÉRIOS PARA A EDIÇÃO DE LISTA REFERENCIAL DE HONORÁRIOS MÉDICOS. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL, POR USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA UNIÃO EM MATÉRIA DE DIREITO CIVIL E DE POLÍTICA DE SEGUROS (CF, ART 22, INCISOS I E VII). 1. As regras de distribuição de competências legislativas são alicerces do federalismo e
10 Art. 1° O valor das anuidades ou das semestralidades escolares do ensino pré-escolar, fundamental, médio e
superior, será contratado, nos termos desta Lei, no ato da matrícula ou da sua renovação, entre o estabelecimento
de ensino e o aluno, o pai do aluno ou o responsável.
(...)
§ 5° O valor total, anual ou semestral, apurado na forma dos parágrafos precedentes terá vigência por um
ano e será dividido em doze ou seis parcelas mensais iguais, facultada a apresentação de planos de
pagamento alternativos, desde que não excedam ao valor total anual ou semestral apurado na forma dos
parágrafos anteriores.
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consagram a fórmula de divisão de centros de poder em um Estado de Direito. Princípio da predominância do interesse. 2. A Constituição Federal de 1988, presumindo de forma absoluta para algumas matérias a presença do princípio da predominância do interesse, estabeleceu, a priori, diversas competências para cada um dos entes federativos - União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios - e, a partir dessas opções, pode ora acentuar maior centralização de poder, principalmente na própria União (CF, art. 22), ora permitir uma maior descentralização nos Estados-Membros e nos Municípios (CF, arts. 24 e 30, inciso I). 3. A Lei 12.562/2004 do Estado de Pernambuco trata da operacionalização dos contratos de seguros atinentes à área da saúde, interferindo nas relações contratuais estabelecidas entre médicos e empresas. Consequentemente, tem por objeto normas de direito civil e de seguros, temas inseridos no rol de competências legislativas privativas da União (artigo 22, incisos I e VII, da CF). Os planos de saúde são equiparados à lógica dos contratos de seguro. Precedente desta CORTE: ADI 4.701/PE, Rel. Ministro ROBERTO BARROSO, DJe: 22/8/2014. 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade formal da Lei 12.562/2004 do Estado de Pernambuco. (ADI 3207, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 12/04/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 24/4/2018 PUBLIC 25/4/2018)
Bem por isso, ao vetar integralmente o PL n° 30/2020,
o Prefeito Municipal de Juiz de Fora se apoiou nas seguintes razões:
RAZÕES DE VETO
Em que pese o merecimento do Projeto de Lei n° 30/2020, de autoria do
nobre Vereador Dr. Adriano Miranda, que “Dispõe sobre a redução
proporcional das mensalidades dos estabelecimentos de ensino da rede
privada do Município de Juiz de Fora durante o período de suspensão das
aulas, em razão do plano municipal de contingência do Novo Coronavírus”,
vejo-me obrigado a vetar o referido Projeto de Lei, em razão de
inconstitucionalidade formal, diante da incompetência legislativa do
Município para regular a matéria.
Esclarece-se que o contrato de prestação de serviços educacionais regula,
entre outras questões, o pagamento das mensalidades escolares como
contraprestação ao serviço contratado. As mensalidades escolares
constituem uma espécie de parcelamento definido em contrato, de
modo a viabilizar uma prestação de serviço semestral ou anual. O
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pagamento corresponde a uma prestação de serviço que ocorrerá ao
longo do ano.
Assim como suas obrigações, esse contrato é matéria de Direito Civil
e, portanto, de acordo com o que dispõe a Constituição Federal em
seu artigo 22, inciso I, a competência para legislar sobre o assunto é
privativa da União.
Portanto, constata-se que, o tema atinente à mensalidade escolar versa
sobre direito obrigacional, portanto, de natureza contratual, tema afeto
ao Direito Civil.
Apesar de haver uma competência concorrencial entre a União, o
Estado e o Distrito Federal para tratar de educação e direito do
consumidor, diferentemente, a questão de pagamento da
mensalidade diz respeito não à política educacional nem a direitos
consumeristas, mas sim ao contrato particular entre o particular e a
escola.
E a matéria de contratos é uma matéria de Direito Civil, cuja
competência legislativa é exclusiva da União. Não se vislumbra, no
referido Projeto de Lei n° 30/2020, legislação sobre educação ou
ensino nem sobre direito do consumidor.
Os preceitos tratam tão-somente da estipulação das mensalidades
escolares, matéria de direito contratual, tema que não se insere na
competência legislativa da Câmara Municipal, nos termos do art. 26
da Lei Orgânica do Município de Juiz de Fora.
Assim, seria patente a inconstitucionalidade formal, ante a usurpação,
pelo Município, de competência privativa da União. No mesmo sentido, no
Despacho exarado na Papeleta/Protocolo PGM n° 1405/2020, o
Promotor de Justiça, Juvenal Martins Folly, integrante do Ministério
Público do Estado de Minas Gerais, manifestou-se que “deverá ser
observada a falta de competência municipal para legislar sobre
matéria de competência exclusiva da União”.
Além disso, ressalta-se que o Ministério Público do Estado de Minas Gerais
expediu a Recomendação n° 03, de 29 de abril de 2020 (anexada a esta
Razões de Veto), no qual faz recomenda que os Estabelecimentos
Particulares de Ensino de Juiz de Fora, adotem as seguintes medidas, no
prazo de 05 (cinco) dias:
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“1- Divulgar nos sites das escolas e encaminhar por e-mail aos
pais/responsáveis planilha simplificada de custos com informação
detalhada da redução de despesas durante o período de aulas
remotas e o aumento de gastos para implementar o ensino à
distância;
2 - Divulgar no site e por e-mail aos pais/responsáveis o quadro de
inadimplência enfrentado pela Instituição durante o período da
Pandemia;
3 - Divulgar os canais de atendimento para negociação caso a
caso, de acordo com as necessidades dos alunos, devendo
responder tais solicitações, no prazo de até 05 dias corridos;
4 - Priorizar o parcelamento das mensalidades que não puderem
ser adimplidas, postergar os vencimentos dos boletos e renegociar
situações de inadimplência, para quem comprovadamente não
tiver meios de efetuar os pagamentos na forma contratada;
5 - Suspender imediatamente a cobrança de atividades
extracurriculares e alimentação;”
Em situações semelhantes, inclusive, o Supremo Tribunal Federal
(STF) julgou inconstitucional tanto lei do Distrito Federal que criava
uma série de regras sobre anuidades, mensalidades, taxas e outros
encargos educacionais (Ação Direta de Inconstitucionalidade 1042)
quanto de lei estadual que tratava acerca da data de vencimento das
mensalidades escolares, conforme ementas a seguir transcritas:
“EMENTA: INCONSTITUCIONALIDADE. Ação Direta. Lei n° 670, de
02 de março de 1994, do Distrito Federal. Cobrança de anuidades
escolares. Natureza das normas que versam sobre
contraprestação de serviços educacionais. Tema próprio de
contratos. Direito Civil. Usurpação de competência privativa da
União. Ofensa ao art. 22, I, da CF. Vício formal caracterizado. Ação
julgada procedente. Precedente. É inconstitucional norma do
Estado ou do Distrito Federal sobre obrigações ou outros aspectos
típicos de contratos de prestação de serviços escolares ou
educacionais. (ADI 1042/DF - AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. CEZAR PELUSO.
Julgamento: 12/08/2009. Órgão Julgador: Tribunal Pleno)”
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“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N.
10.989/93 DO ESTADO DE PERNAMBUCO. EDUCAÇÃO: SERVIÇO
PÚBLICO NÃO PRIVATIVO. MENSALIDADES ESCOLARES. FIXAÇÃO
DA DATA DE VENCIMENTO. MATÉRIA DE DIREITO CONTRATUAL.
VÍCIO DE INICIATIVA. 1. Os serviços de educação, seja os prestados
pelo Estado, seja os prestados por particulares, configuram serviço
público não privativo, podendo ser desenvolvidos pelo setor
privado independentemente de concessão, permissão ou
autorização. 2. Nos termos do artigo 22, inciso I, da Constituição
do Brasil, compete à União legislar sobre direito civil. 3. Pedido de
declaração de inconstitucionalidade julgado procedente. (ADI
1007/PE - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
Relator(a): Min. EROS GRAU. Julgamento: 31/08/2005. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno)”
Cabe lembrar ainda que a Medida Provisória (MP) 934/2020[1], embora
dispense as escolas de educação básica e as instituições de ensino superior
do cumprimento do mínimo de 200 dias letivos anuais, previsto na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação, continua exigindo o cumprimento da
carga horária mínima anual, que é de 800 horas de aula por ano.
Ante todo o exposto, e sem qualquer desmerecimento à iniciativa dessa
Casa, devolvo o presente projeto para o seu necessário reexame, e, por
conseguinte, manutenção do veto integral ora aposto. Prefeitura de Juiz de
Fora, 08 de maio de 2020. a) ANTÔNIO ALMAS - Prefeito de Juiz de Fora.
PROPOSIÇÃO VETADA - PROJETO DE LEI - (...)11 (doc. 04)
- os realces são da Autora
Vê-se, então, que a lei municipal não logra êxito no
teste de constitucionalidade, relativamente à competência legislativa.
Resultado: a Lei Municipal n° 14.023/2020 é flagrantemente inconstitucional e
os atos administrativos com base nela praticados são eivados de coação ilegal,
11 Disponível em https://www.pjf.mg.gov.br/e_atos/e_atos_vis.php?id=75721; acesso em 29/05/2020
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lesando, pois, o conjunto de preceitos fundamentais que garantem a repartição
das competências legislativas.
Não se ignora que é questão controvertida, na doutrina
e na jurisprudência, o conceito de interesse local a que alude o art. 30, I, da
CF/88, exatamente por ser tratar de locução de valor indeterminado.
Embora em algumas situações como, por exemplo,
tempo de espera em filas de bancos, portas giratórias, horários de
funcionamento do comércio e afins, essa eg. Corte já tenha firmado sólida
jurisprudência, em outros, como a hipótese dos autos, há que se recorrer à
interpretação sistemática, confrontando a eventual existência de normas
regulatórias da matéria em nível federal, a fim de se verificar a preponderância
ou não do interesse local. Neste sentido:
(...) 1. O entendimento adotado na decisão agravada reproduz a
jurisprudência firmada no Supremo Tribunal Federal. Compete à
União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente
sobre direitos do consumidor. Esta Suprema Corte admite a
competência dos municípios para legislar sobre direito do
consumidor, desde que inserida a matéria no campo do interesse
local. Precedentes. (...) . (AR-RE n° 1.173.617, relatora ministra Rosa
Weber, 1ª Turma, DJe 23/04/2019).
Ao longo destas razões já se demonstrou que a
contratação de serviços educacionais se encontra regulamentada por lei federal
específica (Lei n° 9.870/99), que disciplina não apenas as condições para o
reajustamento anual dos preços, como também a forma de pagamento e as
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restrições12 impostas ao prestador de serviços para o caso de inadimplência por
parte do contratante.
Também sobre o tema, o STF decidiu:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
COMERCIALIZAÇÃO DE ÁGUA MINERAL. LEI MUNICIPAL. PROTEÇÃO E
DEFESA DA SAÚDE. COMPETÊNCIA CONCORRENTE. INTERESSE LOCAL.
EXISTÊNCIA DE LEI DE ÂMBITO NACIONAL SOBRE O MESMO TEMA.
CONTRARIEDADE. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. A Lei Municipal n.
8.640/00, ao proibir a circulação de água mineral com teor de flúor acima
de 0, 9 mg/l, pretendeu disciplinar sobre a proteção e defesa da saúde
pública, competência legislativa concorrente, nos termos do disposto no
art. 24, XII, da Constituição do Brasil. 2. É inconstitucional lei municipal
que, na competência legislativa concorrente, utilize-se do argumento
do interesse local para restringir ou ampliar as determinações
contidas em texto normativo de âmbito nacional. Agravo regimental a
que se nega provimento.” (RE 596.489-AgR, rel. min. Eros Grau, Segunda
Turma, DJe 20.11.2009).
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO EM AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL. LIMITES DA COMPETÊNCIA
MUNICIPAL. LEI MUNICIPAL QUE PROÍBE A QUEIMA DE PALHA DE CANA-
DE-AÇÚCAR E O USO DO FOGO EM ATIVIDADES AGRÍCOLAS. LEI
MUNICIPAL N° 1.952, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1995, DO MUNICÍPIO DE
12Art. 6° São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de
quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, sujeitando-se o contratante, no que
couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os arts.
177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias.
§ 1° O desligamento do aluno por inadimplência somente poderá ocorrer ao final do ano letivo ou, no ensino
superior, ao final do semestre letivo quando a instituição adotar o regime didático semestral.
§ 2 Os estabelecimentos de ensino fundamental, médio e superior deverão expedir, a qualquer tempo, os
documentos de transferência de seus alunos, independentemente de sua adimplência ou da adoção de
procedimentos legais de cobranças judiciais.
§ 3° São asseguradas em estabelecimentos públicos de ensino fundamental e médio as matrículas dos alunos,
cujos contratos, celebrados por seus pais ou responsáveis para a prestação de serviços educacionais, tenham sido
suspensos em virtude de inadimplemento, nos termos do caput deste artigo.
§ 4° Na hipótese de os alunos a que se refere o § 2°, ou seus pais ou responsáveis, não terem providenciado a sua
imediata matrícula em outro estabelecimento de sua livre escolha, as Secretarias de Educação estaduais e
municipais deverão providenciá-la em estabelecimento de ensino da rede pública, em curso e série
correspondentes aos cursados na escola de origem, de forma a garantir a continuidade de seus estudos no mesmo
período letivo e a respeitar o disposto no inciso V do art. 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
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PAULÍNIA. RECONHECIDA REPERCUSSÃO GERAL. ALEGAÇÃO DE
VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 23, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, N° 14, 192, §
1° E 193, XX E XXI, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO E
ARTIGOS 23, VI E VII, 24, VI E 30, I E II DA CRFB. 1. O Município é
competente para legislar sobre meio ambiente com União e Estado,
no limite de seu interesse local e desde que tal regramento seja e
harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes
federados (art. 24, VI c/c 30, I e II da CRFB). (...) .5. Sob a perspectiva
estritamente jurídica, é interessante observar o ensinamento do eminente
doutrinador Hely Lopes Meireles, segundo o qual “se caracteriza pela
predominância e não pela exclusividade do interesse para o município, em
relação ao do Estado e da União. Isso porque não há assunto municipal
que não seja reflexamente de interesse estadual e nacional. A diferença é
apenas de grau, e não de substância." (Direito Administrativo Brasileiro.
São Paulo: Malheiros Editores, 1996. p. 121.) 6. Função precípua do
município, que é atender diretamente o cidadão. Destarte, não é permitida
uma interpretação pelo Supremo Tribunal Federal, na qual não se
reconheça o interesse do município em fazer com que sua população goze
de um meio ambiente equilibrado. 7. Entretanto, impossível identificar
interesse local que fundamente a permanência da vigência da lei
municipal, pois ambos os diplomas legislativos têm o fito de resolver
a mesma necessidade social, que é a manutenção de um meio ambiente
equilibrado no que tange especificamente a queima da cana-de-açúcar. 8.
Distinção entre a proibição contida na norma questionada e a eliminação
progressiva disciplina na legislação estadual, que gera efeitos totalmente
diversos e, caso se opte pela sua constitucionalidade, acarretará
esvaziamento do comando normativo de quem é competente para
regular o assunto, levando ao completo descumprimento do dever
deste Supremo Tribunal Federal de guardar a imperatividade da
Constituição. 9. Recurso extraordinário conhecido e provido para
declarar a inconstitucionalidade da Lei Municipal n° 1.952, de 20 de
dezembro de 1995, do Município de Paulínia” (RE 586224, Relator(a): Min.
LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julg. 05/03/2015, AC. ELETRÔNICO RG -
MÉRITO DJe-085 DIVULG 07-05-2015 PUBLIC 08-05-2015).
Como é amplamente sabido, desgraçadamente a
pandemia de Covid-19 tem causado impactos severos em todos os segmentos
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da sociedade, no Brasil e no mundo. Não se trata, pois, de emergência local,
marcando impacto apenas sobre os habitantes de Juiz de Fora. Assim, não há
interesse local que autorize a contraposição ou a desconstrução da norma
federal em vigor. E, havendo conflito entre a norma federal e a local, há de
prevalecer a federal13.
Em reforço ao argumento de exorbitância de
competência do legislador municipal, admita-se, por hipótese, que poderiam
União, estados e municípios legislar concorrentemente sobre regras de fixação
ou redução de preços de serviços prestados. Se pode o município impor redução
de 30% no valor das parcelas da anuidade escolar, porque não poderia o Estado
de Minas Gerais impor outros 30%? Ou, talvez, 20%, ao bel prazer do legislador?
Neste caso, como deveriam se comportar os estabelecimentos de ensino:
cumprir a lei municipal, a lei estadual, ou as duas?
INEXISTÊNCIA DE DESEQUILÍBRIO CONTRATUAL COMO FUNDAMENTO PARA JUSTIFICAR A
INVASÃO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA, SOB PRETEXTO DE EDITAR NORMA PROTETIVA DE
DIREITO DO CONSUMIDOR
No entendimento dos nobres vereadores, com a edição
de decretos, pelos Poderes Executivos Estadual e Municipal, que determinaram
isolamento social no Município de Juiz de Fora, “as aulas foram suspensas” por
ato superveniente. Em consequência da tal “suspensão”, teria havido
desequilíbrio contratual, tornando excessivamente onerosa a cláusula relativa
ao preço e condições de pagamento.
13 Cf. entendimento sufragado na ADI 6204, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em
21/02/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-071 DIVULG 24-03-2020 PUBLIC 25-03-2020
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A imposição de redução de 30% no valor das parcelas
não se fez acompanhar de justificas. Trata-se de percentual cabalístico, de
formulação absolutamente desarrazoada.
O "equilíbrio nas relações entre consumidores e
fornecedores" (CDC, art. 4°, III, parte final), com efeito, é um dos princípios sobre
os quais é erigida a Política Nacional das Relações de Consumo. No entanto, o
que motivou o legislador municipal não foi proteger os consumidores, mediante
modificação de cláusula contratual que estabelecia prestação desproporcional
no ato da contratação. O motivo foi suposto desequilíbrio superveniente,
decorrente das medidas adotadas para o combate à pandemia de Covid-19, com
reflexo nas condições de prestação dos serviços educacionais contratados (CDC,
art. 6°, V).
Nas relações contratuais entre estabelecimentos de
ensino e estudantes há uma prestação e uma contraprestação: prestação de
serviços educacionais relativos a um ano ou semestre letivo e pagamento do
preço (contraprestação) em, no mínimo, 12 ou 6 parcelas, dependendo do
regime acadêmico adotado. O equilíbrio originário encontra-se, pois, em uma
equação admitida como adequada por estabelecimentos de ensino e
estudantes/pais no momento da contratação: o serviço a ser prestado, com suas
especificações e o preço acordado. O preço não se alterou, de forma que não
reside ali a motivação do legislador municipal para a alegação de desequilíbrio.
A motivação repousa, pois, na alegação de que, de um lado, houve a diminuição
da capacidade financeira dos tomadores dos serviços e, de outro, que a
prestação do serviço de forma remota implicou redução dos custos suportados
pelos estabelecimentos de ensino. Há que se determinar, assim, à luz do que
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prevê o art. 6°, V, do CDC, se essa alteração verificada nas condições da
prestação do serviço leva ao reconhecimento de um desequilíbrio e,
principalmente, qual a dimensão, qual o tamanho do desequilíbrio resultante.
Afinal, anote-se, não é qualquer alteração do equilíbrio original que autoriza a
revisão contratual, mas o desequilíbrio significativo, que torne as prestações
devidas pelo consumidor "excessivamente onerosas" frente à contraprestação,
ao serviço efetivamente prestado.
Com a devida vênia, a dificuldade para o
adimplemento contratual não é fator que interfira na equação do equilíbrio
entre o objeto da prestação de serviço e o da contraprestação (preço cobrado).
É natural, não obstante, que as escolas devam levar isso em consideração, pois
devem também ter interesse na preservação da relação contratual, da mesma
forma que deve ser interesse dos contratantes a continuidade da instituição
que escolheram para a importante tarefa de educar seus filhos. Contudo, a
dificuldade para o pagamento, embora concreta em muitos casos, não é o que
tornaria o preço desproporcional ao serviço.
O art. 6°, V, do CDC prevê a possibilidade de
recondução do contrato à equação de equilíbrio estabelecida no momento da
contratação. Para isso é necessário que o desequilíbrio esteja demonstrado e,
nos termos da lei de regência, que seja excessivo.
Não basta que o equilíbrio original tenha-se alterado: é
necessário que a equação atual seja excessivamente mais gravosa para uma das
partes que em relação à outra, o que não se evidencia em relação aos
estabelecimentos de ensino em Juiz de Fora, já que os custos totais, em
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decorrência dos desembolsos com a migração para o regime especial de aulas
não presenciais, em verdade, aumentaram, pois, além de terem se mantido
praticamente inalterados os custos com pessoal e encargos (principal item de
custos), foram necessários gastos não previstos com capacitação e ampliação
das TIC´s. Além disso, houve expressivo aumento da inadimplência, pois
amparados estão os consumidores de serviços educacionais contra quaisquer
medidas que resultem em penalidades pedagógicas em razão da falta de
pagamento (conf. art. 6° da Lei n° 9.870/99).
E nem se alegue que escolas, fechadas para aulas
presenciais, teriam sido beneficiadas por uma redução de custos, por não
consumirem, por exemplo, a mesma quantidade de energia elétrica e de
produtos de limpeza. Não é necessário ser perito em contabilidade para saber
que os custos acrescidos com o aumento expressivo da inadimplência, bem
como custos acrescidos com a migração do regime presencial para o regime
especial de aulas não presenciais, são muito superiores à eventual economia
com energia elétrica, consumo de água e de produtos de limpeza. Além disso,
as escolas deverão suportar, sem que possam alterar o preço dos serviços
prestados no ano de 2020, significativos custos com a adoção de protocolos de
biossegurança, quando autorizado o retorno às atividades presenciais.
Para concluir que a prestação do serviço educacional
ter-se-ia tornado muito menos onerosa do que o preço cobrado, seria
necessário, em primeiro lugar, quantificar essa economia (o que, obviamente,
não pode ser feito por meio de lei geral). Em segundo lugar, seria necessário
estabelecer qual o percentual que essa economia representa do custo total de
manutenção das escolas. Isso tudo, ainda, se, nos termos do contrato firmado, o
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preço do serviço fosse estabelecido com base em percentual aplicado sobre os
custos incorridos pela instituição de ensino.
Nos termos da Lei n° 9.870/1999, os custos com
pessoal e custeio são considerados os mais relevantes para a fixação do
percentual máximo de reajuste no valor das anuidades ou semestralidades
escolares, funcionando a um só tempo como justificativa e limite para o seu
aumento em relação ao montante cobrado no ano ou semestre anterior. Dentre
os custos adicionais que justificariam a majoração estariam aqueles relacionados
com a "introdução de aprimoramento no processo didático-pedagógico". Poder-
se-ia, então, argumentar que se o preço pode ser aumentado para incorporar
novos custos, deveria ser reduzido para contemplar as reduções. Ainda que seja
possível argumentar nesse sentido, não há como concluir que a redução dos
custos de que se teriam beneficiado as escolas particulares no Município de Juiz
de Fora corresponderia a 10%, 20%, 30% ou 50% do valor das parcelas.
Se a redução de custos pode ser presumida em relação
à manutenção dos espaços físicos, é de presumir também que os custos com
pessoal representem, para as escolas, o elemento mais significativo de sua
contabilidade de custos. E não se pode assumir que poderia ter havido, nem
mesmo por disposição legal, redução nos custos com pessoal, especialmente
com os professores, que continuam trabalhando, ainda que remotamente.
Economia poderia haver se as escolas houvessem demitido o pessoal
responsável pela limpeza, pela segurança, mas não foi isso que ocorreu. De
qualquer modo, ainda que nesses aspectos seja possível supor alguma redução
dos custos suportados pelas escolas particulares, de outro lado também é
possível imaginar que a transição para outra forma de prestação do serviço
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tenha exigido a realização de despesas antes igualmente imprevistas, como
com a contratação de pessoal ou de serviços especializados para proporcionar
as condições e ferramentas necessárias para a prestação do serviço à distância,
treinamentos, capacitação etc. Ou seja, se é possível a redução dos custos
relacionados com o espaço físico, é também possível que tenham aumentado
os custos com a manutenção do espaço virtual.
Os custos que as escolas incorreram para a
implementação do ensino remoto também são uma decorrência do mesmo fato
superveniente, que altera igualmente o equilíbrio contratual inicial. Nesse
sentido, se é de reequilíbrio que se cuida, não se deve considerar apenas um dos
lados da balança, o da economia, mas também o das despesas acrescidas,
especialmente se estiverem relacionadas com a incorporação de novidades
voltadas à manutenção da qualidade do processo didático-pedagógico no
ambiente virtual.
Ainda que fosse procedente a alegação de que o valor
da mensalidade deva guardar relação direta com as oscilações dos custos de
manutenção da escola, e não com o serviço prestado, não seria possível
determinar, por meio de lei aplicável a todas as escolas privadas,
indistintamente, qual o percentual de redução da mensalidade que seria devido.
É certo, pois, que mesmo que a redução fosse devida em função da redução de
custos, seria de qualquer modo absolutamente indevida a imposição, em caráter
geral e abstrato, de um percentual arbitrário que não levasse em consideração
as circunstâncias dos casos concretos.
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A forma como cada estabelecimento particular está
reagindo às medidas de combate à pandemia, quais custos cortou, em quais
novos custos incorreu, quais são as medidas adotadas para manter a prestação
do serviço ou, na impossibilidade, reduzir proporcionalmente o preço, devem
balizar eventual aplicação do disposto no art. 6°, V, do CDC. O que não se admite
é que o legislador municipal, cabalisticamente, defina um percentual qualquer,
a ser aplicado para fins de redução das parcelas do preço.
Além dos custos já incorridos para implantação do
regime especial de aulas não presenciais, há também incalculável preocupação
com a retomada das atividades presenciais, que possivelmente será híbrida, mas
não dispensará o acréscimo de custos para o controle de entrada e
permanência dos alunos em sala de aula. Nem por isso será facultado à iniciativa
privada o aumento do preço das anuidades no curso do ano letivo, para fazer
frente a essas novas demandas decorrentes da disseminação do vírus.
Finalmente, há que se ter em conta que serviços
educacionais não são do tipo que se consomem mês a mês. O estudante que se
matricula na educação básica espera concluir, ao menos, um ciclo na mesma
escola (educação fundamental 1° ao 5° ano; educação fundamental 6° ao 9° ano;
ensino médio (1° ao 3° ano). Do mesmo modo, estudantes que buscam formação
profissional no ensino superior esperam, na generalidade dos casos, concluir a
formação no curso/faculdade/universidade no qual se matricularam. Ninguém
se matricula para consumir um mês, um semestre ou um ano de serviços
educacionais, não obstante a contratação de serviços educacionais, por
disposição legal, deva ser renovada a cada seis ou doze meses (dependendo do
regime acadêmico).
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A pandemia da Covid-19 impôs restrição a todos os
setores da economia. Mas o fato é que, por disposição legal, os serviços
educacionais terão que ser integralmente prestados. Nenhum estudante
receberá um certificado de conclusão de ciclo, constando apenas 70% ou 80%
de formação. Assim como nenhum profissional será diplomado com
conhecimento de 70% ou 80% das habilidades necessárias para o exercício
profissional. Essa é a razão pela qual os estabelecimentos de ensino estão
obrigados a ofertar 100% dos serviços contratados, para que os estudantes
tenham possibilidade de comprovar, por meio de exames, haverem adquirido as
condições mínimas necessárias para a certificação ou diplomação.
Ora, considerando que os serviços serão
integralmente prestados, não há razão jurídica para impor que os
estabelecimentos de ensino concedam descontos no preço, como compensação
de um suposto desequilíbrio contratual, decorrente de também suposta
prestação dos serviços contratados apenas de modo parcial.
Por tudo que aqui se argumentou, verifica-se que a
Câmara de Vereadores de Juiz de Fora, ao editar e promulgar a Lei Municipal n°
14.043/2020, avançou sobre a competência privativa da União, não podendo a
norma impugnada permanecer integrando o sistema normativo, ante a
contundente lesão a preceitos constitucionais fundamentais.
[II] LESÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO - DESVIO DE PODER – OFENSA AO PRINCÍPIO D
IGUALDADE MATERIAL.
A emergência de saúde pública decorrente da
pandemia provocada pelo coronavírus (Covid-19) reclamou, em proporção
ímpar, ações estatais de contenção, combate, vigilância e controle, tendo por
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fim último a proteção da coletividade. Esse dever maior para com a sociedade
possibilitou ao Estado, por meio de seus poderes, a adoção de radicais medidas
interventivas e restritivas dos direitos fundamentais sem precedentes na história
recente.
Todavia, há uma interrogação a ecoar
retumbantemente por todos os rincões democráticos do planeta: pode o Estado
impor toda sorte de restrições ou encontra limites para sua atuação?
Ainda que se ultrapasse o vício da competência, e por
melhor que sejam as intenções do legislador, ou por mais razoável que seja o
texto normativo (o que se admite apenas por amor ao argumento), padece a lei
municipal impugnada do vício da inconstitucionalidade, na medida em que
veicula conteúdo casuístico.
Leciona Gilmar Mendes14 que a cláusula do devido
processo legal (art. 5°, LIV – CF/88), há de ser entendida em seu conceito pleno,
não só sob o aspecto formal, como também em sua dimensão material, “... que
atua como decisivo obstáculo à edição de atos normativos revestidos de
conteúdo arbitrário ou irrazoável”. E, prossegue o il. Doutrinador:
A essência do “substantive due process of law” reside na necessidade de
proteger os direitos e s liberdades das pessoas contra qualquer
modalidade de legislação ou de regulamentação que se revele opressiva ou
destituída do necessário coeficiente de razoabilidade.
Isso significa, dentro da perspectiva da teoria do desvio de poder ao plano
das atividades normativas do Estado, que este não dispõe de competência
para atuar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando,
14 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito
constitucional. 3ª ed. São Paulo. Saraiva. 2004. p.65
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com seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta
distorção, e até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da
função estatal15.
Como se sabe, a lei deve trazer em si, dentre outras, as
características da generalidade e impessoalidade; da obrigatoriedade e
imperatividade e da permanência ou persistência. Mas quando a lei é elaborada
sob medida para alcançar determinadas pessoas ou grupo de pessoas, afetando
particularmente seus interesses e atividades, fica evidente que o legislador não
observa o devido processo legislativo. No caso dos autos, o ato normativo se
aproxima da técnica casuística de legislar, o que é condenável.
Para bem se aquilatar o casuísmo, a macular a garantia
do devido processo legislativo, apenas um exemplo: como consequência do
isolamento social, consultas médicas e procedimentos eletivos foram adiados.
No entanto, os usuários dos planos de saúde não foram alcançados pela lei
municipal. Evidencia-se, desta forma, estar-se diante de ato do Poder Público
que oferece lesão a preceitos fundamentais por se revestir de características
particulares, restritivas e violadoras do princípio material da igualdade. Isto
porque, além de alcançar apenas o segmento privado do ensino da educação
básica em Juiz de Fora, além de colocar os prestadores de serviço que atuam
nesse segmento em situação de desigualdade com outros prestadores de
serviços no município, também os coloca em situação de desigualdade com
outros estabelecimentos de ensino no Estado de Minas Gerais.
15 Id.ib.
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Portanto, achatar a curva do coronavírus, sim! Achatar
a Constituição, não!
[III] LESÃO AO ART. 5°, § 2° DA CARTA POLÍTICA, CONSISTENTE NA OFENSA AOS DIREITOS E
GARANTIAS EXPRESSOS NO ART. 13 DO PIDESC, NO QUE CONCERNE A CRIAÇÃO E GESTÃO DOS
ESTABELECIMENTOS PRIVADOS DE ENSINO.
É garantia expressa no art. 5°, § 2°, da Carta Magna, que
os direitos e garantias albergados na Constituição da República não excluem
outros, decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais nos quais a República Federativa do Brasil figura como parte.
Por meio do Decreto n° 591 (DOU 07/07/1992), o Brasil
promulgou o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,
garantindo sua execução e cumprimento “tão inteiramente como nele se
contém”.
Induvidoso que a educação integra o rol dos direitos
humanos fundamentais e, como tal, é direito e garantia presente nas principais
declarações e tratados de direitos humanos no âmbito da ONU. Assim ocorre
com o PIDESC, que em seu art. 13 trata do tema em profundidade e extensão.
Importa aqui evidenciar o disposto nos itens 1 e 2, do
referido artigo 13, redigidos nos seguintes termos:
PIDESC
Art. 13 (...)
(...)
1. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade dos pais e, quando for o caso, dos tutores legais de escolher para seus filhos escolas distintas daquelas criadas pelas autoridades públicas, sempre que atendam aos padrões mínimos de ensino prescritos ou aprovados pelo Estado, e de fazer com que seus filhos venham a receber
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educação religiosa ou moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.
2.Nenhuma das disposições do presente artigo poderá ser interpretada no sentido de restringir a liberdade de indivíduos e de entidades de criar e dirigir instituições de ensino, desde que respeitados os princípios enunciados no parágrafo 1 do presente artigo e que essas instituições observem os padrões mínimos prescritos pelo Estado.
A lei juizforana colide frontalmente com o disposto
neste tópico específico do PIDESC, na medida em que, ao impor que sejam
concedidos descontos lineares no montante equivalente 30% dos valores das
parcelas da anuidade escolar que se vencerem durante o período de
isolamento social decorrente do pandemia de Covid-19 (com início em março
de 2020 e fim indeterminado), compromete a sobrevivência dos
estabelecimentos privados de ensino, restringindo assim, a liberdade a eles
assegurada e, via de consequência, lesando o preceito fundamental fixado no
art. 5°, § 2°, da CF/88.
O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais -
CDESC, responsável por acompanhar o cumprimento do PIDESC pelos Estados-
Partes, ao manifestar-se sobre o disposto no art. 13 do Pacto, através da
Observação Geral n° 1316, adverte, no que respeita às obrigações jurídicas
concretas dos estados-partes:
50. En lo que respecta al párrafo 2 del artículo 13, los Estados tienen las
obligaciones de respetar, proteger y llevar a efecto cada una de las
"características fundamentales" (disponibilidad, accesibilidad,
aceptabilidad y adaptabilidad) del derecho a la educación. POR EJEMPLO,
16 Observaciones Generales Adoptadas por el Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales, https://conf-
dts1.unog.ch/1%20SPA/Tradutek/Derechos_hum_Base/CESCR/00_1_obs_grales_Cte%20Dchos%20Ec%20Soc
%20Cult.html#GEN13; acesso em 05/07/2020
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LA OBLIGACIÓN DEL ESTADO DE RESPETAR LA DISPONIBILIDAD DE LA
EDUCACIÓN SE DEMUESTRA NO CERRANDO ESCUELAS PRIVADAS; (...).
Ora, a Lei Municipal n° 13.043/2020, ao impor a
concessão de descontos no preço, sem sequer levar em conta a sustentabilidade
financeira das instituições de ensino, determina, ainda que indiretamente, o
fechamento de muitos estabelecimentos, principalmente os de pequeno e
médio porte, promovendo, como consequência, a concentração de mercado
entre as poucas grandes instituições que terão ou poderão obter os meios para
sua sobrevivência.
Neste sentido, a Sala Novena de Revisión de la Corte
Constitucional, em 23/10/2013, Magistrado Ponente LUIS ERNESTO VARGAS
SILVA, proferiu a Sentença T- 394048117, de cuja ementa se extrai:
(...)
DERECHO A LA EDUCACION-Contenido y obligaciones estatales en materia educativa de conformidad con el bloque de constitucionalidad, cumplimiento inmediato y progresivo
DERECHO A LA EDUCACION-Obligaciones de respeto, protección y cumplimiento por parte de los distintos actores del sistema educativo
Cada una de las dimensiones del derecho a la educación le impone a los Estados obligaciones de tres tipos: de respeto, que se traducen en la imposibilidad de interferir en el disfrute del derecho; de protección, que les exigen adoptar medidas para evitar interferencias de terceros y de cumplimiento, que comportan prestaciones e involucran, a su vez, obligaciones de facilitar y proveer. Cada una de ellas difiere, adicionalmente, en atención al momento en que debe verificarse su cumplimiento: inmediatamente, desde el momento mismo de ratificación del instrumento internacional que las contempla, o de forma progresiva, esto es, avanzando de manera gradual pero constante, lo cual incluye la prohibición de medidas regresivas que afecten el grado de goce del
17 Disponível em: https://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2013/t-743-13.htm, acesso em 05/07/2020
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respectivo derecho. Por regla general, las obligaciones de respeto y de protección son de cumplimiento inmediato, en la medida en que no exigen del Estado ningún tipo de erogación, sino, como acaba de indicarse, abstenerse de obstaculizar el disfrute del derecho a la educación o impedir que terceros lo alteren. Típicos ejemplos de este tipo de obligaciones son las de respetar la libertad de los agentes privados para crear instituciones de enseñanza, abstenerse de cerrar centros educativos, velar por el derecho de acceso sin discriminaciones a las instituciones y programas de enseñanza públicos y por la compatibilidad de la disciplina escolar con la dignidad humana. En cambio, las obligaciones de cumplir suelen requerir la movilización de recursos económicos y un desarrollo normativo, reglamentario y técnico destinado a identificar los requisitos que determinan su exigibilidad, al responsable de su garantía y las fuentes de financiación que permitirán cubrirlas.
(...) (Doc. 05)
Ademais, a educação possibilita o desenvolvimento do
ser humano como indivíduo, mas também, e principalmente, do conjunto da
sociedade. Por isso mesmo o art. 205 da CF/88 consagra a educação como direito
de todos e dever do Estado e da família, cuja promoção e incentivo se dará com
a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Sem o compromisso de efetivo e real cumprimento
desta disposição constitucional, o próprio sentido da dignidade humana e os
direitos nela diretamente ancorados são obscurecidos. Além da própria
realização pessoal que o conhecimento proporciona, carrega a educação em si
mesma o meio indispensável para a realização de outros direitos humanos, além
de desempenhar papel decisivo na emancipação da mulher; na proteção contra
a exploração do trabalho infantil; na promoção dos direitos humanos e da
democracia, além de possibilitar que os marginalizados e menos favorecidos,
sejam resgatados da linha da pobreza.
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Importante considerar que por direito à educação se
deve compreender a oferta de educação de qualidade, sendo acordes os
doutrinadores que é tarefa irrenunciável do Estado a fiscalização sobre os
serviços prestados.
Ora, a Constituição Federal confere à iniciativa privada
liberdade para, sob condições, atuar na educação (art. 209). São elas:
a) cumprimento das normas gerais de educação (inc. I);
b) autorização pelo poder público (inc. II);
c) avaliação de qualidade pelo poder público (inc. II).
A liberdade de atuação da iniciativa privada na área
educacional, nos limites impostos pela Constituição, compreende pelo menos
duas faces: liberdade de método de ensino e de currículo (ensino stricto sensu)
e liberdade de criar e gerir instituições de ensino, que não pode ser negada sem
que se incorra em lesão a preceitos fundamentais.
Com mais ou menos detalhes, o disposto no art. 209 da
CF/88 é similar às garantias oferecidas por inúmeros países subservientes do
regime democrático e do pluralismo de ideias, que é inerente às modernas
democracias. Quanto ao PIDESC, mais de 150 nações já o adotaram e ratificaram.
As garantias expressas no PIDESC são claras e,
teoricamente, não deveriam ceder espaço à dúvida ou distorções em sua
aplicação por quaisquer dos estados-partes. Todavia, para melhor aclaramento,
o CDESC afirma na já citada Orientação Geral n° 13, assenta:
Párrafos 3 y 4 del artículo 13 - El derecho a la libertad de enseñanza
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(...)
30. Con arreglo al párrafo 4 del artículo 13, todos, incluso los no nacionales, tienen la libertad de establecer y dirigir instituciones de enseñanza. La libertad se aplica también a las "entidades", es decir personas jurídicas o instituciones, y comprende el derecho a establecer y dirigir todo tipo de instituciones de enseñanza, incluidas guarderías, universidades e instituciones de educación de adultos. En aplicación de los principios de no discriminación, igualdad de oportunidades y participación real de todos en la sociedad, el Estado tienen la obligación de velar por que la libertad consagrada en el párrafo 4 del artículo 13 no provoque disparidades extremadas de posibilidades en materia de instrucción para algunos grupos de la sociedad.
É inquestionável que a liberdade de criar e gerir
instituições de ensino não pode ser tomada como ampla e irrestrita. Como
qualquer outro direito, a liberdade conferida à iniciativa privada na área
educacional não é absoluta. Está ela condicionada ao cumprimento das
condições impostas pelo próprio art. 209, da Carta Republicana.
As limitações do direito à liberdade de atuação da
iniciativa privada encontram parâmetros no art. 13 do PIDESC, salientando-se
que, em qualquer hipótese, é dever do Estado velar para que a oferta de
educação pelos particulares se dê mediante a observância das normas gerais da
educação nacional e aos padrões mínimos de qualidade, condição em si
necessária para o próprio exercício da liberdade educacional. Mas não se pode
ultrapassar tais condições, pois, em matéria de restrição a direitos e garantias
constitucionais e daqueles expressos em pactos ou tratados internacionais que
versam sobre direitos humanos, veda-se ao Estado comprometer o próprio
núcleo essencial do direito garantido, mesmo que pretextando criar benefícios
de ordem contratual, como ocorre neste caso concreto.
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Tanto assim é que o CDESC acentua, no item 42 da OG
n° 13, que o art. 4° do PIDESC, que regula as limitações legalmente permissíveis,
tem por objetivo fundamental proteger os direitos individuais, não a indulgência
ante a imposição de limitações por parte do Estado, exemplificando,
apropriadamente, que se um Estado-Parte resolve fechar uma universidade ou
outra instituição de ensino por motivos como a segurança nacional ou a
manutenção da ordem pública, tem a obrigação de justificar essa grave medida
relativamente a cada um dos elementos do art. 4°18.
Em defesa da liberdade, mesmo na conjuntura da crise
do coronavírus, o ex-presidente do Tribunal Constitucional Federal, Hans-Jürgen
Papier19, em pública manifestação, deixou claro que não são as medidas de
flexibilização que precisam de justificativa, mas a manutenção de restrições aos
direitos fundamentais, afirmando:
„Wir müssen uns darüber im Klaren sein, dass Sinn und Zweck eines Verfassungsstaates in erster Linie der Schutz der Freiheit ist.”
A lei municipal, além de veicular afronta aos preceitos
fundamentais aqui já apontados, autoriza a conclusão que também o faz quando
interfere diretamente na gestão dos estabelecimentos locais.
[IV] OFENSA AO PRINCÍPIO DA LIVRE INCIATIVA E LIBERDADE DE EMPRESA, EXPRESSOS NOS ART. 170 E REFLEXOS NO ART. 209 DA CONSTITUIÇÃO,
18 Diz o art. 4° do PIDESC: Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem que, no exercício dos direitos
assegurados em conformidade com presente Pacto pelo Estado, este poderá submeter tais direitos unicamente às
limitações estabelecidas em lei, somente na medida compatível com a natureza desses direitos e exclusivamente
com o objetivo de favorecer o bem-estar geral em uma sociedade democrática. 19 Disponível em: https://www.mainpost.de/ueberregional/politik/brennpunkte/verfassungsrechtler-papier-mahnt-
zu-schutz-der-freiheit;art112,10441031, acesso em 05/07/2020
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Conforme comprovam os inclusos documentos (j. a
título de exemplo – doc. 06), antes mesmo da promulgação da Lei Municipal n°
14.043/2020, escolas de Juiz de Fora, no exercício de seu poder de gestão, como
dito acima, atentas aos efeitos da pandemia de Covid-19, já estavam, como ainda
permanecem, prestando atendimento aos seus alunos e familiares e
concedendo vários descontos, ou oferecendo alternativas diversas. Quando
adveio a Recomendação n° 03/2020, de 29 de abril, do Ministério Público local,
o diálogo entre as partes envolvidas já se encontrava em pleno curso.
Tal conduta das instituições de ensino, repita-se, deriva
do constitucionalmente assegurado direito presente na liberdade de inciativa e
tem por parâmetros, de um lado, a necessidade dos alunos e pais afetados pela
pandemia e, de outro, o limite de sustentabilidade econômico-financeiro de
cada instituição.
Destarte, a lei municipal interfere ativamente na gestão
empresarial, na medida em que arbitrariamente e sem lastro em qualquer
evidência, fixa elevado percentual de desconto, sem possibilitar a compensação
de abatimentos concedidos sob o mesmo fundamento. Por essa razão, o ato do
Poder Público em questão manifestamente atenta contra os preceitos
fundamentais expressos no art. 170 da CF/88, com reflexos plangentes sobre a
liberdade de ensino garantida à iniciativa privada nos termos do art. 209.
Repetidamente a Autora se vale da jurisprudência que
emana da Excelsa Corte, para corroborar as alegações quanto ao potencial
ofensivo do ato. Confira-se v.g.:
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Lei estadual que impõe a prestação de serviço segurança em
estacionamento a toda pessoa física ou jurídica que disponibilize
local para estacionamento é inconstitucional, quer por violação à
competência privativa da União para legislar sobre direito civil, quer
por violar a livre iniciativa. [ADI 451, rel. min. Roberto Barroso, j. 1°-8-
2017, P, DJE de 9-3-2018.]
RECURSO EXTRAORDINÁRIO - PROCESSO OBJETIVO - ACÓRDÃO -
FUNDAMENTOS - ARTICULAÇÃO - AUSÊNCIA - VERBETE N° 283 DA
SÚMULA DO SUPREMO - AGRAVO - DESPROVIMENTO. 1. O Tribunal de
Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul julgou procedente pedido
formalizado em processo objetivo para declarar inconstitucional a Lei n°
5.602/2015 do Município de Campo Grande. Eis a síntese do acórdão
recorrido: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE -
INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI DO MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE
EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL - LEI
QUE ESTIPULA OBRIGATORIEDADE DE DESCONTO PARA PESSOA QUE
REALIZARAM CIRURGIA BARIÁTRICA - INCONSTITUCIONALIDADE
FORMAL E MATERIAL - COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE
DIREITO COMERCIAL E RELAÇÃO DE CONSUMO - VIOLAÇÃO A DIVERSOS
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS - INCONSTITUCIONALIDADE
DECLARADA - PEDIDO JULGADO PROCEDENTE. 1. A Lei n. 5.602, de
12.8.2015, do Município de Campo Grande, MS, que dispõe sobre a
obrigatoriedade de concessão de desconto e/ou meia porção para pessoas
que realizaram cirurgias bariátricas ou qualquer outra gastroplastia em
restaurantes que menciona e dá outras providências, encontra-se em
desconformidade com a Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul, por
inconstitucionalidade formal e violação aos princípios da livre
iniciativa e do livre exercício da atividade econômica. 2. Referida lei,
além de violar os princípios federativo, da livre iniciativa e da
razoabilidade, usurpa a competência da União para legislar sobre
direito comercial (art. 22, inciso I) e sobre relação de consumo (art.
24, inciso V, ambos da Constituição Federal). 3. Igualmente, viola o
artigo 30, inciso I, da Constituição Federal, principalmente quando se nota
que a questão referente à situação especial das pessoas submetidas à
cirurgia bariátrica é de ordem geral, devendo eventual disciplina sobre o
assunto ter abrangência nacional ou regional. 4. Pedido procedente.
Inconstitucionalidade declarada. No extraordinário cujo trânsito busca
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alcançar, a recorrente aponta violado o artigo 30, inciso I, da Constituição
Federal. Sustenta a constitucionalidade da norma glosada, a qual versa,
consoante afirma, matéria inserida no âmbito da competência legislativa
municipal, considerado interesse predominantemente local. 2. O
Colegiado de origem, no acórdão recorrido, a par de assentar
usurpação da competência da União para legislar sobre Direito
Comercial e relações de consumo - artigos 22, inciso I, e 24, inciso V,
da Constituição Federal -, concluiu, sob o ângulo material, a
incompatibilidade, com a Constituição estadual, da Lei municipal n°
5.602/2015, ante ofensa aos princípios da razoabilidade e da livre
iniciativa no exercício da atividade econômica. Colho do
pronunciamento atacado o seguinte trecho: [...] Da mesma forma, além
da citada inconstitucionalidade formal, há que se destacar que a lei
municipal acaba por violar o princípio da livre iniciativa e o livre
exercício da atividade econômica a pretexto de se promover
incentivo às pessoas que foram submetidas à cirurgia bariátrica,
porquanto concede um benefício que será suportado pelos
proprietários dos estabelecimentos comerciais e não pelo ente
federativo instituidor da obrigação. Em sendo assim, não se afigura
razoável que, a pretexto de favorecer determinada categoria de
pessoas, se imponha às empresas privadas restrições ao seu
comércio, passando inadvertidamente a ingerir no domínio
econômico, comprometendo o livre exercício da atividade econômica.
Nesse passo, ao impor a obrigação aos restaurantes e similares de
conceder descontos ou meia porção às pessoas que tenham sido
submetidas à cirurgia bariátrica, a lei municipal rechaçada acaba
por restringir o direito de propriedade dos donos dos
estabelecimentos comerciais, a quem incumbe deliberar acerca da
sua gestão. Nas razões recursais, deixou-se de impugnar fundamento
suficiente utilizado para declarar a inconstitucionalidade da Lei
questionada, no que identificada afronta aos princípios da livre
iniciativa e da razoabilidade. Surge pertinente o verbete n° 283 da
Súmula do Supremo: É inadmissível o recurso extraordinário, quando a
decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o
recurso não abrange todos eles. 3. Conheço do agravo e o desprovejo. 4.
Publiquem. Brasília, 21 de maio de 2018. Ministro MARCO AURÉLIO
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Relator. (ARE 1106304, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, julg. 21/05/2018,
publ. em PROC. ELET. DJe-107 DIVULG 29/05/2018 PUBLIC 30/05/2018).
Medida tão drástica e de invasão tão intensa sobre os
preceitos fundamentais aqui apontados é, indene de dúvidas, vetor de
inconstitucionalidade que fere de morte a livre iniciativa. E, por consequência, a
preservação do direito fundamental ao funcionamento dos estabelecimentos
privados de ensino implica que se remova a armadilha urdida pela Lei Municipal
14.043/2020.
[V] LESÃO AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE
Inescusável considerar que situações excepcionais
exigem respostas excepcionais e na mesma intensidade, o que autoriza, em
princípio, a restrição de direitos fundamentais. Entretanto intervenções
extremadas somente podem ocorrer ao abrigo da Constituição, garante que é
do estado democrático de direito.
Interferências como as veiculadas pela Lei Municipal
14.043/2020 somente encontrariam o seu critério de validade se editadas para
alcançar um fim legítimo e, especialmente, se presididas pelos princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade.
O percentual de desconto imposto pela lei é desprovido
de qualquer critério baseado em evidências; não encontra abrigo em qualquer
aferição técnica; não aponta quaisquer finalidades; não traz indicativos de que
sua escolha foi razoável, coerente ou que resulte de eventuais intuições de que
tenha relação com algum componente de custos que conformam o preço das
anuidades. É apenas um número escolhido nas infinitas possibilidades que
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habitam entre o 0 e o 100. Do mesmo modo, o legislador local não demonstrou
o esgotamento de todos os recursos estatais de apoio ao cidadão, para, somente
após, impor restrições a preceitos fundamentais inscritos na Carta Política.
Neste sentido, é imposição derivada do princípio da
proporcionalidade que, durante a emergência de saúde pública (COVID-19), cada
ato do Poder Público relacionado à situação emergencial e potencialmente lesivo
aos direitos fundamentais, deve ser proporcional ao objetivo perseguido. Ou
seja, no âmbito dos esforços empreendidos para conter a doença e seus efeitos,
é imperativo restringir, o mínimo possível, os direitos fundamentais,
ponderando, à exaustão os interesses legais em questão.
A lei, que a um só tempo imponha obrigações
insuportavelmente onerosas e produza lesões a preceitos fundamentais,
fatalmente será reprovada no teste de razoabilidade e proporcionalidade.
Confira-se:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI DISTRITAL QUE
DISPÕE SOBRE A EMISSÃO DE CERTIFICADO DE CONCLUSÃO DO CURSO
E QUE AUTORIZA O FORNECIMENTO DE HISTÓRICO ESCOLAR PARA
ALUNOS DA TERCEIRA SÉRIE DO ENSINO MÉDIO QUE COMPROVAREM
APROVAÇÃO EM VESTIBULAR PARA INGRESSO EM CURSO DE NÍVEL
SUPERIOR - LEI DISTRITAL QUE USURPA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA
OUTORGADA À UNIÃO FEDERAL PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA -
CONSIDERAÇÕES EM TORNO DAS LACUNAS PREENCHÍVEIS - NORMA
DESTITUÍDA DO NECESSÁRIO COEFICIENTE DE RAZOABILIDADE -
OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - ATIVIDADE
LEGISLATIVA EXERCIDA COM DESVIO DE PODER - PLAUSIBILIDADE
JURÍDICA DO PEDIDO - DEFERIMENTO DA MEDIDA CAUTELAR COM
EFICÁCIA "EX TUNC". A USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA,
QUANDO PRATICADA POR QUALQUER DAS PESSOAS ESTATAIS,
QUALIFICA-SE COMO ATO DE TRANSGRESSÃO CONSTITUCIONAL. (...) -
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Considerações doutrinárias em torno da questão pertinente às lacunas
preenchíveis. TODOS OS ATOS EMANADOS DO PODER PÚBLICO ESTÃO
NECESSARIAMENTE SUJEITOS, PARA EFEITO DE SUA VALIDADE
MATERIAL, À INDECLINÁVEL OBSERVÂNCIA DE PADRÕES MÍNIMOS DE
RAZOABILIDADE. - As normas legais devem observar, no processo de sua
formulação, critérios de razoabilidade que guardem estrita consonância
com os padrões fundados no princípio da proporcionalidade, pois todos os
atos emanados do Poder Público devem ajustar-se à cláusula que
consagra, em sua dimensão material, o princípio do "substantive due
process of law". Lei Distrital que, no caso, não observa padrões mínimos de
razoabilidade. A EXIGÊNCIA DE RAZOABILIDADE QUALIFICA-SE COMO
PARÂMETRO DE AFERIÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DOS
ATOS ESTATAIS. - A exigência de razoabilidade - que visa a inibir e a
neutralizar eventuais abusos do Poder Público, notadamente no
desempenho de suas funções normativas - atua, enquanto categoria
fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, como
verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos
atos estatais. APLICABILIDADE DA TEORIA DO DESVIO DE PODER AO
PLANO DAS ATIVIDADES NORMATIVAS DO ESTADO. - A teoria do desvio
de poder, quando aplicada ao plano das atividades legislativas, permite
que se contenham eventuais excessos decorrentes do exercício imoderado
e arbitrário da competência institucional outorgada ao Poder Público,
pois o Estado não pode, no desempenho de suas atribuições, dar causa à
instauração de situações normativas que comprometam e afetem os fins
que regem a prática da função de legislar.(...) (ADI 2667 MC, Relator: Min.
CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 19/06/2002, DJ 12-03-2004
PP-00036 EMENT VOL-02143-02 PP-00275)
Em alentado voto, cujo conteúdo bem se amolda à
espécie dos autos, disserta o Ministro Celso de Mello:
(...)
A ausência, na regra legal, do necessário coeficiente mínimo de
razoabilidade põe em evidência a grave questão pertinente ao abuso
da função de legislar.
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Desse modo, cabe não desconhecer que esta Suprema Corte já fixou o
entendimento de que transgride o princípio do devido processo legal (CF,
art. 5°, LIV) quando analisada na perspectiva de sua projeção material
(“substantive due process of law”), a regra legal que veicula, em seu
conteúdo, prescrição normativa qualificada pela nota da irrazoabilidade.
(...)
Essas é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla incidência
desse postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a
atuação do Estado - inclusive sobre a atividade estatal de produção
normativa - adverte - que o princípio da proporcionalidade, essencial à
racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível à tutela
mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do
poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas cláusulas
constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua dimensão
substantiva ou material, a garantia do “due process of law” (RAQUEL
DENIZE STUMM. “Princípio da Proporcionalidade no Direito
Constitucional Brasileiro", p. 159/170, 1995, Livraria do Advogado
Editora; MANOEL GONCALVES FERREIRA FILHO, “Direitos Humanos
Fundamentais”, p. 111/112, item n. 14, 1995, Saraiva; PAULO BONAVIDES,
"Curso de Direito Constitucional", p. 352/355, item n. 11, 4ª ed., 1993,
Malheiros; GILMAR FERREIRA MENDES, "Controle de Constitucionalidade
- Aspectos Jurídicos e Políticos", p. 38/54, 1990, Saraiva; SUZANA DE
TOLEDO BARROS, "O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de
Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais", 2~ ed.,
2000, Brasília Jurídica, v.g.).
(...) o princípio da proporcionalidade visa a inibir e a neutralizar o
abuso do Poder Público no exercício das funções que lhe são
inerentes, notadamente no desempenho das atividades de caráter
legislativo.
Impende advertir, desse modo, presente o significado de tal princípio, que
todos os atos emanados do Poder Público devem ajustar-se à cláusula que
consagra, em sua dimensão material, o princípio do "substantive due
process of law".
A validade jurídico-material das manifestações do Estado, analisadas em
função de seu conteúdo intrínseco, passa a depender, essencialmente, da
observância de determinados requisitos que pressupõem não só a
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legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador,
mas também a adequação desses aos objetivos pretendidos (...) e a
necessidade de sua utilização (...)”, de tal modo que “Um juízo definitivo
sobre a proporcionalidade ou razoabilidade da medida, há de resultar de
rigorosa ponderação entre o significado da intervenção para o atingido e
os objetivos perseguidos legislador ( ... )”. (GILMAR FERREIRA MENDES, "A
proporcionalidade na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal", "in"
Repert6rio IOB de Jurisprudência, n. 23/94, p. 475}.
A essência do "substantive due process of law" reside na necessidade
de proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer
modalidade de legislação que se revele opressiva ou destituída do
necessário coeficiente de razoabilidade.
Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de
poder ao plano das atividades legislativas do Estado que não dispõe de
competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e
irresponsável, gerando com o seu comportamento institucional, situações
normativas de absoluta distorção e até mesmo subversão dos fins que
regem o desempenho da função estatal.
(...)
A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal, bem por isso, como
já referido, tem censurado a validade de atos estatais, que,
desconsiderando as limitações que incidem sobree o poder normativo do
Estado, veiculas prescrições que ofendem os padrões de razoabilidade e
que se revelam destituídas de causa legítima, exteriorizando abusos
inaceitáveis e institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direitos
das pessoas.(ADI 1.063/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO - ADI 1.158/AM,
Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
(...)
Conclui-se, portanto, que, exteriorizando, a norma legal, conteúdo tisnado
pelo vício da irrazoabilidade, vem, o legislador, em tal anômala situação,
a incidir em causa configuradora de excesso de poder, o que compromete
a própria fundação jurisdicional dessa espécie normativa.
Como se vê, a lei municipal seguiu fielmente a receita
do abuso, da alienação aos princípios informadores da proporcionalidade e da
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razoabilidade para, com firmeza e determinação, expor os estabelecimentos de
ensino de Juiz de Fora à insegurança jurídica e aos riscos de insolvência. Tudo
isso corrobora a lesão aos preceitos fundamentais aqui arrolados.
Ilusão onerosa - veneno em um pote de mel
Como consequência da devastação provocada pela
pandemia de Covid-19, um dos grandes desafios que se avizinha é a soma de
esforços para impedir uma recessão duradoura. A retomada da atividade
produtiva implica na necessidade de cumprimento das típicas obrigações de
pagamento de impostos, aluguéis, aquisição de insumos e, especialmente atuar
para a manutenção dos postos de trabalho (por óbvio, com o pagamento de
salários).
A esmagadora maioria dos estabelecimentos de ensino
afetados pelo ato do Poder Público ora impugnado têm, na contraprestação
pelos serviços educacionais prestados, a única fonte de receita. Retirar 30% da
receita, sem sequer decotar os descontos já praticados, e sem levar em conta os
alarmantes índices de inadimplência equivale à oferta potentes doses de veneno
em atrativos potes de mel.
A consequência imediata é a evaporação da necessária
liquidez para a satisfação das obrigações mais básicas dos estabelecimentos de
ensino, com o fundado receio da impossibilidade de pagar os salários
integralmente ou quiçá, manter a totalidade dos empregos. A médio prazo, as
instituições que obtiverem o êxito no desafio de sobreviver à tóxica mistura de
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inadimplência e imposição de descontos lineares, forçosamente terão que
recompor os preços, evidenciando assim, que a lei veicula uma ilusão
extremamente onerosa, quer quanto ao custo social, quer quanto ao financeiro.
É irrenunciável que quaisquer soluções para quaisquer problemas acarretados pela COVID-
19, sejam socialmente justas.
Embora se saiba que os direitos fundamentais
contenham explícitas barreiras (identificadas como imanentes ou inerentes),
não sendo absolutos, portanto, é fato que, na hipótese de conflitos, necessitam
ser pesados uns contra os outros.
Já é possível afirmar que a crise econômica deixará o
saldo sombrio da deterioração de milhares de empresas, com perda de milhões
de empregos. Os efeitos colaterais conduzem aos riscos de aumento de doenças,
ansiedade, depressão, suicídios e vícios. Bem por isso, a fim de se evitar que tais
danos se tornem ainda mais agudos, é fundamental que as medidas de
emergência, quaisquer que sejam a sua natureza, se apresentem revestidas da
constitucionalidade, legalidade, legitimidade, proporcionalidade e que sejam
socialmente justas. Lamentavelmente, não é o que ocorre com o ato do Poder
Público impugnado nestes autos.
Todo esse conjunto de reflexões aporta, sobre o caso
concreto desta ADPF, interrogantes específicos relativamente aos preceitos
fundamentais indicados nomeados.
VII - DA MEDIDA CAUTELAR
Partindo da premissa que os atos do Poder Público são
editados para resolver um problema decorrente da pandemia, tais atos devem
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ser capazes, antes de tudo, de não ocasionar um outro dano, com potencial tão
lesivo como o da própria pandemia.
O respeito aos direitos fundamentais reclama do
Guardião da Constituição que atue para suspender o ato do Poder Público que
se apresenta revestido de lesões a tais direitos.
Destarte, o quadro atual é dramático, como
evidenciado nas razões desta petição, sendo certo que a Lei n° 9.882/1999
autoriza a concessão de medida liminar objetivando evitar a concretização de
danos assim relevantes.
Tantas são as lesões perpetradas pela lei municipal que,
do mesmo modo, restou evidenciada a fumaça do bom direito, configurando
desta forma, os elementos caracterizadores do deferimento da liminar.
Por tais razões, requer a Autora que, em juízo
monocrático, se defira a medida liminar, em caráter de urgência, determinando-
se a suspensão da eficácia da Lei Municipal n° 14.043/2020, promulgada por ato
do Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de Juiz de Fora, até final
julgamento desta ADPF.
VIII - DOS PEDIDOS
Posto isso, requer a Autora:
a) que se receba, processe e julgue a presente ADPF, com o deferimento das
pretensões nela contidas;
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b) seja concedida medida liminar para suspender a eficácia integral da Lei
Municipal n° 14.043/2020, de Juiz de Fora- MG, até final julgamento desta ADPF;
c) seja determinada a intimação da Câmara Municipal de Juiz de Fora, na pessoa
de seu Presidente, encontradiço na sede do Legislativo Municipal, na Rua
Halfeld, n° 955, Centro, Juiz de Fora - MG, CEP 36016-000, para que o mesmo,
querendo, preste as informações que julgar cabíveis;
d) que se dê vista dos autos ao il. Procurador Geral da República, na forma da lei;
e) que seja julgada procedente a presente ADPF, para que se reconheça a
existência de lesão a preceitos fundamentais por ato do Poder Público,
consistente na promulgação da Lei Municipal n° 14.043/2020, de Juiz de Fora-
MG e, por conseguinte, se declare a inconstitucionalidade do referido diploma.
Requer, finalmente, que todas as intimações se
processem em nome de Arthur Emílio Dianin, OAB/MG n° 100.043, e-mail:
Para efeitos fiscais, atribui à causa o valor de R$
10.000,00
Termos em que
Pede e espera deferimento.
Brasília, 05 de julho de 2020.
ARTHUR EMÍLIO DIANIN OAB/MG 10.043
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RELAÇÃO DOS DOCUMENTOS QUE ACOMPANHAM A INICIAL
Doc. 01 – Atos constitutivos
Doc. 02 - Procuração e Substabelecimento
Doc. 03 - 03 Lei Municipal n° 14.043/2020
Doc. 04 - Razões de Veto
Doc. 05 - Sentença Tribunal Constitucional da Colômbia
Doc. 06 – Demonstrativo exemplificativo de descontos e parcelamentos concedidos por escolas de Juiz de Fora
Doc. 07 - Guia de Custas e comprovante de pagamento