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CONGADA DA LAPA E POSSIBILIDADES DE CONSCIÊNCIA NEGRA

Autora: Vera Lúcia Carnieri Ribas1

Professora da Rede Pública de Ensino do Estado do Paraná Lapa - PR

Orientador: Mário Lopes Amorim2

Professor do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia (PPGTE) - UTFPR Curitiba - PR

Resumo

Este Artigo propõe instrumentos teóricos metodológicos e atividades referentes ao tema “História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”, na perspectiva de se contrapor às referências negativas pertinentes a essa temática, encontradas no seio da sociedade brasileira. Conforme dispõe a Lei 10.639/03, procura-se legitimar a luta pela qualificação dos valores africanos, para que se possa questionar o preconceito e o racismo existente no Brasil. Através de pesquisas, debates, palestras, visitações, entrevistas, produções de gêneros textuais poéticos, foram desenvolvidas atividades para conscientização do educando. Foram vistos também aspectos históricos e culturais da Congada, manifestação folclórica da região do Congo, de onde foram trazidos os escravos radicados nos arredores da Lapa. Assim, partindo do conhecimento adquirido, espera-se que os educandos reflitam sobre as condições da população afro-brasileira, e passem a valorizar seu patrimônio cultural imaterial.

Palavras-chave: Consciência afro-brasileira. Patrimônio. Preconceito. Diversidade cultural.

1 Introdução

1 Participante do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, oferecido pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná – SEED, em convênio com a Universidade Tecnológica do Paraná – UTFPR, campus de Curitiba/ PR. Formada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná. Com especialização na área de Magistério de 1º e 2º Graus em Metodologia de Ensino pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de Curitiba. 2 Orientador: Professor Doutor Mário Lopes Amorim, licenciado e bacharel em História (UFPR), mestre em História do Brasil (UFPR), doutor em Educação (USP). Professor do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia (PPGTE) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).

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Este trabalho tem por objetivo o resgate e difusão da cultura e da memória

dos afro-descendentes do Paraná, através de pesquisa realizada por alunos de duas

turmas da 8ª série do Ensino Fundamental da Escola Estadual Manoel Antônio da

Cunha, situada na cidade da Lapa/PR, sobre a Congada, representação da

coroação de um rei e de uma rainha do Congo e de Angola através do canto e da

dança, no contexto da Lei 10.639/03 que inclui no currículo oficial da Rede de

Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira".

Podemos iniciar considerando que a África, berço da Humanidade e da

Civilização, teve seu povo espalhado pelos continentes, através dos navios

negreiros. Para o Brasil foram trazidos não como seres humanos, mas como a força

bruta para exercerem trabalho pesado e escravo.

Nascimento (2008), ao se referir aos escravos, diz que:

(...) para a afirmação e manutenção do regime escravagista foi criada uma política de desumanização de todas as maneiras do negro, empreendidas ações que qualificavam de ser movente, igualando-o a animais para evitar dessa forma a criação de vínculo do convívio familiar, desarticulando as suas crenças como pagãs, desqualificando seus bens simbólicos e outras formas de manifestações culturais fundamentais a identificação e a construção como humanos. (NASCIMENTO, 2008, p.118).

Essa visão permaneceu fazendo parte da sociedade brasileira por muito

tempo, dificultando a ascensão do negro e seus descendentes. Dessa forma, foram

sempre marginalizados e subvalorizados, sem o reconhecimento da sociedade, a

qual esquece que, sem esta mão de obra, não haveria o crescimento social e

econômico, além dos aspectos culturais herdados da África. Infelizmente essa visão

se prolonga até hoje, muitas vezes de forma velada.

Santos (2000) afirma que:

A história narrada nas escolas é branca, a inteligência e a beleza mostradas pela mídia também o são. Os fatos são apresentados por todos na sociedade como se houvesse uma preponderância absoluta, uma supremacia definitiva dos brancos sobre os negros. Assim o que se mostra é que o lado bom da vida não é, nem pode ser, negro. Aliás, a palavra negro, além de designar o indivíduo deste grupo étnicorracial, pode significar sujo, lúgubre, funesto, sinistro, maldito, perverso, triste, etc. (SANTOS, 2000, p.22).

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As políticas públicas que buscam solucionar o quadro de discriminação e

preconceito racial no país criaram medidas que visam combater os efeitos

acumulados em virtude das discriminações ocorridas no passado, e dentre essas

ações está o sistema de cotas nas Universidades. Acredita-se que essa iniciativa

tenha sido o marco para uma mudança mais significativa: a Lei nº. 10.639, de 9 de

janeiro de 2003, que legitima oficialmente a luta pela qualificação dos valores

africanos no campo das necessidades primordiais da nação. A partir da sua

publicação, ficou estabelecido que as escolas de Ensino Fundamental e Médio

devem incluir em seus currículos os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-

brasileira, ou seja, a luta dos negros no Brasil e sua contribuição social, econômica e

cultural na formação da sociedade brasileira, com o intuito de recuperar a identidade

dos afro-brasileiros e desarraigar a escravidão, o preconceito e o racismo aqui

existentes.

E não há caminho melhor para que esse objetivo seja alcançado, do que o

caminho da educação. Conforme Munanga (1996) referencia: “A identidade é para

os indivíduos a fonte de sentido e experiência. É necessário que a escola resgate a

identidade dos afro-brasileiros. Negar qualquer etnia, além de esconder uma parte

da história, leva os indivíduos à sua negação”. (MUNANGA, 1996, p.18).

Neste trabalho, pretende-se refletir que admitir o racismo sem reconhecer os

prejuízos que ele produz está diretamente relacionado a uma cultura da ignorância.

Infelizmente, isso ainda é uma realidade que se instala em muitas instâncias sociais,

sobretudo nas escolas. De modo geral faltam conhecimentos, referências e memória

à população, dentro e fora da sala de aula. Há necessidade de a escola trabalhar

valores sociais e morais e desmistificar preconceitos perpetuados pela sociedade,

muitas vezes de forma velada, por meio de uma cultura de respeito, de inclusão, de

resgate, tendo a igualdade como base, pois esta pressupõe semelhanças e

diferenças, mas não inferioridade.

O racismo ainda permeia as relações sociais, sem reconhecer os prejuízos

que produz. Não se lhe admite mais por sermos a segunda nação negra do mundo,

onde 57 milhões de pessoas são de origem africana, ficando atrás apenas da

Nigéria. A escravidão no Brasil foi oficialmente abolida em 1888, mas suas

consequências ainda não foram apagadas da sociedade. Daí a preocupação com o

resgate e difusão da cultura negra e a necessidade de registro da memória dos afro-

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descendentes do Paraná, e pelo fato da Lapa ainda preservar manifestações

culturais seculares como a Congada.

Com relação a essa temática, as Diretrizes Curriculares para a Educação

Básica, através dos Conteúdos Estruturantes de História, colocam que o professor

deve discorrer acerca de problemas contemporâneos que representam carências

sociais concretas. Dentre elas, destaca-se, no Brasil, a Cultura Afro-Brasileira. Cabe

ressaltar que as referidas Diretrizes postulam que:

O seu objetivo é formar sujeitos que construam sentidos para o mundo, que compreendem criticamente o contexto social e histórico de que são frutos e que, pelo acesso ao conhecimento, sejam capazes de uma inserção cidadã e transformadora na sociedade. (PARANÁ, 2008, p.31)

Ainda está presente a imagem do homem negro como indolente, mas ao

mesmo tempo mais forte que os outros. Isso teria sido a causa de sua escolha para

a escravidão. Essa é a importância de se contextualizar historicamente a produção

do racismo e o papel da legislação na construção e desconstrução dele, visto que a

proposta fundamental das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das

Relações Étnicorraciais é a construção da igualdade étnicorracial no Brasil e a

mudança da qualidade social da educação, rompendo o preconceito e limitações

que ainda existem em relação aos afrodescendentes. Desse modo, o artigo está

ancorado na Lei 10.639/03, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394/1996, e

fez um resgate histórico da colaboração dos negros na estruturação e construção da

sociedade brasileira. Através dessa proposta de trabalho, pretende-se priorizar a

história e a cultura da Congada da Lapa, que consiste numa manifestação folclórica

que remonta ao final do século XVIII, com a participação dos negros escravos vindos

de Moçambique, do Congo, de Cabo Verde, da Guiné e de Angola.

Podemos desse modo confirmar a idéia de que, trabalhando a Cultura Negra

na escola a partir da Lei 10.639/2003, os alunos terão uma ferramenta eficaz para

desvendar uma identidade brasileira velada: a diversidade cultural em nosso país.

Propiciar esse conhecimento é fazer com que essa cultura seja valorizada e

respeitada por todos. É preciso que a escola propicie a reflexão crítica sobre esses

valores, pois ensinar África na escola é um exercício de cidadania, de resgate da

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identidade do negro e de reconhecimento das múltiplas diversidades que abrangem

a sociedade brasileira.

Para dar conta de tal tarefa, propôs-se trabalhar a partir da noção de

patrimônio cultural imaterial. De acordo com a UNESCO, define-se como Patrimônio

Cultural Imaterial "as práticas, representações, expressões, conhecimentos e

técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes

são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos

reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural."3

Conhecer o patrimônio histórico do Município e desenvolver a conscientização

sobre a preservação desse patrimônio é uma questão de cidadania. Quando se fala

em patrimônio histórico, a primeira idéia nos remete a museus e edifícios antigos,

pois esse conceito permaneceu por força da estrutura de um poder centralizador

imposto pelo Estado Novo (1937-1945), momento em que bens culturais, por

representarem uma determinada época ou fato histórico, foram relegados ou até

destruídos.

Foram tombados e preservados bens imóveis como: igrejas barrocas, casas

grandes, fortes militares, sobrados coloniais, e as senzalas, quilombos, cortiços

foram esquecidos, remetendo-nos a uma história sem conflitos e contradições.

A isso, se atribui o fato de ocorrerem as depredações e violações constantes

ao patrimônio histórico por parte da população, pois não há identificação com o

passado e sequer se tem conhecimento do fato preservado. Aquilo que é preservado

deve ter significado para a comunidade. Por isso, a importância em se trabalhar a

Congada na perspectiva de caracterizá-la como patrimônio imaterial, buscando

impulsionar a reflexão a respeito da diversidade cultural.

2 Contexto sócio-histórico do continente africano e da escravidão no

Brasil

3 Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=10852&retorno=paginaIphan.Acesso em: 29 mai. 2012.

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A historiografia ocultou e ignorou por muito tempo a contribuição das

sociedades e culturas africanas para a nossa formação social. A África, vista como

um lugar atrasado, sem história própria, sem cultura, com uma população subalterna

e escravizada, vítimas passivas do tráfico, do capitalismo e do neocolonialismo.

Segundo Corrêa (2001), “com o advento da abolição da escravatura, em 1888 e da

República em 1889, os cientistas e intelectuais brasileiros se responsabilizaram em

transformar o escravo em negro.” (CORRÊA, 2001, p. 50).

A África é um continente formado por 53 países. Em tamanho, perde apenas

para a Ásia e a América, sendo três vezes maior que o continente europeu, com

diferentes paisagens, savanas, grandes lagos, florestas tropicais e o rio Nilo, que

torna muito férteis as suas margens. No norte da África fica o maior deserto do

mundo, o Saara, onde as temperaturas podem atingir 60° C durante o dia e -10° C à

noite. São faladas perto de 2000 línguas distintas, sendo que as religiões de maior

expressividade são o islamismo e o cristianismo, este dividido entre católicos e

protestantes. Em relação aos recursos naturais, países como Líbia, Argélia e Egito

têm reservas de petróleo e gás natural; a África do Sul tem ouro, minério de ferro e

diamantes. Apesar de todo esse potencial, a África tem características que a

colocam entre os continentes mais pobres do mundo, com grandes taxas de

mortalidade infantil e menor expectativa de vida, sendo que alguns países africanos

sobrevivem com menos de dois dólares por dia, nível considerado de pobreza,

segundo o Banco Mundial.

Do século XVI ao século XIX pessoas foram levadas da África para trabalhar

como escravos em diferentes lugares do mundo, incluindo o Brasil. Esse comércio

era feito por grupos de comerciantes de escravos do próprio continente, que

escravizavam e os vendiam aos europeus. Esses comerciantes obtinham lucros

altíssimos vendendo os escravos no Brasil, ganhando muito dinheiro. Os

escravizados eram vendidos aos senhores de engenho do Nordeste.

A viagem da África para o Brasil era trágica, vinham amontoados e

acorrentados durante meses, nos porões dos navios negreiros, submetidos à má

alimentação, falta de higiene, doenças e morte. Quando chegavam ao Brasil eram

colocados à venda nos mercados, tratados como mercadorias, inseridos como seres

sem passado e tendo sua condição humana negada. As famílias eram separadas,

forçadas a abandonar seus costumes e adotar os costumes impostos pelos seus

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donos. A vida era coletiva nas senzalas e o trabalho era controlado pelo feitor, com

severos castigos.

A respeito da viagem realizada pelos negros, julgo necessária a transcrição

de um poema escrito por Castro Alves que tem como título “Navio Negreiro”, já que

reproduz as condições precárias em que os mesmos eram transportados e as

situações a que eram submetidos no decorrer da viagem:

Ontem a Serra-Leoa, A guerra, a caça ao leão, O sono dormindo à toa Sob as tendas da amplidão Hoje.... o porão negro, fundo, Infecto, apertado, imundo, Tendo a peste por jaguar... E o sono sempre cortado Pelo arranco de um finado E o baque de um corpo ao mar... (PINSKY, 1987, p.26)

De acordo com Ribeiro (1995), “mesmo sob a égide da escravidão, que os

reduzia à condição de peças, esses homens e mulheres africanos se constituíram

em uma das matrizes fundadoras do nosso povo”. (RIBEIRO, 1995, p. 87). Por isso,

os africanos resistiram à dominação de muitas formas, fugindo das fazendas e

casas, reunindo-se em comunidades chamadas quilombos. Existiram inúmeros por

todo o Brasil, principalmente no Nordeste. Os mais conhecidos localizavam-se na

Serra da Barriga, região dos atuais estados do Alagoas e Pernambuco, eram cerca

de dez quilombos, com o nome de Palmares, que resistiram aos ataques de

expedições holandesas e portuguesas. O principal líder foi Zumbi. De 1644 até 1695

quando Zumbi foi assassinado, Palmares foi atacado diversas vezes.

3 A Lei que institui o ensino da história do negro no Brasil

A Constituição Federal em seu artigo 5º, incisos XLI e XLII, respectivamente,

dispõem que:

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XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades

fundamentais.

XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível,

sujeito à pena de reclusão, nos termos da Lei.

(BRASIL, Constituição Federal da República. 1988)

A Lei 10.639 de 09/01/2003, sancionada pelo presidente Lula, ordena que,

nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e Médio, oficiais e particulares, torne-

se obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira.

A referida Lei disciplina que o conteúdo programático a que se refere o

capítulo deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta

dos negros no Brasil, a cultura negra Brasileira e o negro na formação da sociedade

nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e

política pertinente à História do Brasil. É importante ressaltar que, conforme a Lei, os

conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito

de todo currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de

Literatura e História Brasileira. O art. 79 diz que o calendário escolar incluirá o dia 20

de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”.

A aprovação desta lei confirma o pouco envolvimento da sociedade

brasileira com a questão étnicorracial, já que foi necessária a aprovação de uma lei

para concretizar essa discussão no sistema educacional.

A escola e os professores devem refletir sobre o sentido dos conteúdos

ensinados e os seus efeitos nos alunos, visto que a maioria não legitima a presença

do negro como um constituinte na formação do povo brasileiro, sendo os conteúdos

restritos ao período da escravidão, mostrando o negro como subalterno e inferior. O

Continente Africano está colocado nas partes finais e com um espaço bem menor

que os outros blocos continentais, sendo que a África, berço dos antepassados dos

seres humanos, deveria ser estudada em primeiro lugar. Sobre a situação secular

difícil e marginal das populações negras no país, Santos (1995) lembra que “a

grande aspiração do negro brasileiro é ser tratado como um homem comum. Os

negros não são integrados no Brasil. Isso é um risco para a unidade nacional.”

(SANTOS, 1995, p. 08).

Foram vários séculos de escravidão dos negros que aqui chegaram. E como

desenvolver uma consciência crítica na escola, para o entendimento e não para a

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separação entre as diferentes etnias? Educar pela diversidade, e a escola deveria

ser uma das responsáveis por essa transformação social, com responsabilidade e

aceitação de nossas diferenças, construindo uma educação cultural voltada para a

inclusão da diversidade. Por isso é necessário reorganizar o conhecimento, discutir

e rever nossas posturas tradicionais, nossa visão monocultural e eurocêntrica do

passado, admitir o racismo e os prejuízos que ele produz cujas raízes estão

diretamente ligadas a uma cultura da ignorância, abandonar práticas racistas, não

silenciando diante de determinadas atitudes e do isolamento do negro por conta de

uma preferência do inconsciente permeado por uma hegemonia branca.

4 Metodologia

O estudo apresentou pesquisa em literatura selecionada, com pesquisa de

campo realizada em conjunto com os alunos da 8ª série do Ensino Fundamental da

Escola Estadual Manoel Antônio da Cunha. O trabalho foi dividido em 3 (três) ações

e foram utilizadas, em média, 12 (doze) aulas de cinquenta minutos com o objetivo

de estimular os alunos a rever seus conceitos acerca do país africano, não mais

entendendo-o como um lugar atrasado, desprovido de história própria, com uma

população subalterna e escravizada. As aulas foram desenvolvidas em sala com a

utilização da TV Pendrive, data show e laboratório de informática.

A análise dos materiais selecionados proporcionou a desmistificação da

visão errônea formada pela sociedade e pelos próprios alunos acerca da África e

sua população, evidenciando a grande importância que tem sobre a cultura brasileira

e mundial, de uma forma geral.

Primeira Ação:

Exibição do vídeo “A cor da Cultura”, projeto educativo de valorização da

cultura afro-brasileira.

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Sinopse: este vídeo é um projeto educativo de valorização da cultura afro-

brasileira, numa parceria entre o Canal Futura, Petrobrás, CIDAN (Centro de

Informação e Documentação do Artista Negro), TV Globo e SEPPIR (Secretaria

Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial).

Após a exibição do referido vídeo foi desenvolvido as seguintes atividades:

� Levantamento das observações dos alunos quanto aos seguintes itens:

1. Qual a imagem que as pessoas fazem da África?

2. Qual a visão da África mostrada nos livros didáticos e como o negro é retratado?

3. Nas abordagens realizadas nas ruas, a cor da pele influencia na condição social,

econômica e cultural?

4. Diferencie preconceito racial e discriminação racial.

5. Existe democracia racial no Brasil?

6. Quando uma pessoa pratica o racismo?

� Reuniram-se em grupos de 4 (quatro) alunos e foi solicitado que se tomasse

como base as respostas da atividade anterior, elaborassem um texto de até 40

(quarenta) linhas.

� Concluídas as atividades, cada grupo apresentou o trabalho realizado à classe

acompanhado de discussão.

Segunda Ação:

Conhecer o patrimônio histórico do Município e desenvolver a

conscientização sobre a preservação desse patrimônio como uma questão de

cidadania.

Os alunos foram levados a percorrerem as ruas do Centro Histórico da Lapa

com um olhar sobre o passado. Conversaram com as pessoas nas ruas, nos

estabelecimentos comerciais e perguntaram sobre o que ele (a) sabe sobre a

história da Lapa, quanto aos personagens existentes nos monumentos das praças,

se acha importante ou não tem representatividade nenhuma para ela. O que

representa o Tombamento do Centro Histórico da Lapa? Você sabia que a Congada

de São Benedito é a única existente no Paraná, o que ela representa, e porque o

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culto a São Benedito? Você sabia que a Lapa foi escolhida como a Capital Brasileira

da Cultura em 2011?

Terceira Ação

Viagem no tempo e no espaço em busca das origens africanas na cultura

brasileira, possibilitando a reflexão, análise e o resgate da nossa identidade

afrodescendente, contribuindo para a superação do racismo e da desigualdade

racial no Brasil.

Foram realizadas atividades interdisciplinares nos períodos matutino e

vespertino no dia 20 de novembro, data em que se comemora o “Dia da Consciência

Negra”, envolvendo todos os alunos, professores e funcionários da instituição. Tais

atividades incluíram: dança, poesia, desfile de penteados, vestimentas e adereços

pertencentes à cultura afro e a escolha da mais bela aluna “Poli Afro” – beleza

negra.

5 Resultados

Houve, com o trabalho desenvolvido por meio do Grupo de Trabalho em

Rede – GTR, atividade obrigatória do PDE cujo objetivo é a socialização das

produções do professor PDE por meio da interação destes com os demais

professores da Rede Estadual de Ensino. O professor PDE funcionou como Tutor,

tendo como participantes 13 professores das localidades de Lapa, São José dos

Pinhais, Guaira, Londrina, Curiúva, Ponta Grossa e Nova Aurora. Foram

desenvolvidas atividades em Fórum e Diário num total de 64 horas. Foi uma grande

oportunidade de aprendizagem, troca de experiências, saberes e um grande

interesse pelo tema, e as interações foram bem satisfatórias.

O grupo de alunos que participaram das visitas realizadas em contra turno,

foi surpreendente. Durante as entrevistas e abordagens, mostraram-se

entusiasmados e, ao mesmo tempo, surpresos com a pouca informação dos

moradores a respeito da história e, principalmente, com o desconhecimento sobre a

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participação da população negra na formação histórica e cultural da cidade da Lapa

e quanto ao fato da cidade possuir o único grupo de Congada existente no Paraná.

Entrevistaram a Secretária de Cultura do Município, onde foram

recepcionados no salão nobre da Prefeitura Municipal. Na oportunidade,

questionaram a respeito da política de preservação do patrimônio cultural do

Município, sobre o reconhecimento e valorização do Poder Público em relação ao

grupo de Congada, bem como quanto ao investimento destinado à sua manutenção.

Os alunos demonstraram total interesse e cobrança quanto à manutenção e

preservação do patrimônio cultural material e imaterial pertencente ao Município, por

parte do Poder Público, sugerindo que a Educação Patrimonial passasse a integrar o

currículo escolar da rede municipal e estadual.

Notou-se interesse e mudança da concepção no que se refere à importância

da preservação dos bens integrantes do patrimônio cultural do município,

compreendendo o tombamento realizado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional – IPHAN, modificando a visão acerca da cidade e seu patrimônio

histórico, passando a orgulharem-se do lugar onde vivem.

6 Conclusão

Nossa sociedade, nossas escolas e universidades, segregam, marginalizam,

separam, colocam paradigmas racistas, discriminadores e não inclusivos. Nossos

currículos e manuais pedagógicos ainda silenciam e chegam a omitir a condição de

sujeitos históricos às populações negras.

Mas conclui-se que após oito anos da edição da Lei 10.639/03, os negros

continuam lutando pelo reconhecimento de suas contribuições culturais e por

aceitação no espaço escolar. Sentimos que a formação docente ainda não responde

de forma efetiva, ao que determina a lei, quanto á introdução de conteúdos da

história afro-brasileira no currículo escolar. Sabemos que o racismo e o preconceito

ainda permeiam nas relações sociais. E essa consciência pela valorização deve

nascer primeiramente no coração do professor. Transformar a sala de aula em um

ambiente propício e sedutor, onde o aluno busque entender as diferenças,

superando o preconceito e a discriminação, e a partir dai construir identidades e

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então efetivar uma igualdade. Muito já foi feito, mas há muito por fazer. Mas se

houver boa vontade de todos, tal realidade poderá mudar. Sabedores que somos

que ensinar bem requer, além de conhecimento e competência, doses de

responsabilidade e envolvimento emocional.

No entanto, conforme bem assinala a educadora Regina Leite Garcia:

Consideramos que a escola e, em particular o ensino da História, tem um papel fundamental nesse processo. É ela, em última instância, o lócus privilegiado para o exercício e formação da cidadania, que se traduz, também, no conhecimento e na valorização dos elementos que compõem o nosso patrimônio cultural. Ao socializar o conhecimento historicamente produzido e preparar as atuais e futuras gerações para a construção de novos conhecimentos, a escola está cumprindo seu papel social. Desempenhando o papel de ensinar a degustar as formas e os conteúdos que hoje podem parecer superados, mas que fazem parte das nossas raízes, ou pertencem ao patrimônio cultural da humanidade. (...) (GARCIA, 1995, p. 46)

Mas a mente e o coração das pessoas ainda não atingiram esse

conhecimento. Ao percorrerem as ruas do Centro Histórico da Lapa observando

aspectos históricos dos monumentos, do antigo Beco do Quebra Potes, e dos

casarios, os alunos constataram uma triste realidade, ao deparar-se com o nível

baixíssimo e muitas vezes inexistente de conhecimento da população sobre a

história da cidade, inclusive no que diz respeito à Congada. Coincidência ou não, no

mesmo final de semana que terminamos a pesquisa, as paredes e monumentos do

Centro Histórico amanheceram pichados, causando dano e prejuízo a bens que

pertencem a todos os cidadãos.

A partir das indagações surgidas por parte dos alunos a respeito do que gera

esta atitude nos jovens, concluiu-se que não há identificação por parte da população

com o passado, e sequer conhecimento do fato que está sendo preservado. O bem

preservado deve ter significado para a comunidade.

Eric Hobsbawn, em seu livro A Era dos extremos: o breve século XX nos faz

um alerta acerca da ameaça e destruição do passado e da perda de referenciais

históricos por parte da população jovem:

A destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas – é um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem

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qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. Por isso os historiadores, cujo ofício é lembrar o que os outros esquecem, tornam-se mais importantes que nunca no fim do segundo milênio.

Daí a necessidade da inclusão nos currículos escolares da Educação

Patrimonial, com conteúdos que abordem o conhecimento e a conservação do

patrimônio histórico e artístico. Realização de concursos públicos para educadores e

palestras para a comunidade em geral, a fim de despertar o senso pela preservação

da memória nacional, também são formas de evitar o referido problema. Urgente se

faz que seja despertada nos educandos a consciência da preservação dos bens

culturais, mostrando às gerações futuras que possuímos passado, memória e

história que devem ser preservadas.

Como historiadores, temos o compromisso social de “mostrar que o

‘moderno’ não se faz pela destruição ou pela negação daquilo que é passado, e que

não nos serve uma concepção de modernidade que se erija sobre os despojos de

perdedores silenciados e ocultos” (FENELON, p.34)

7 Agradecimentos

Agradeço ao Professor Doutor Mário Lopes Amorim pela sabedoria em me

orientar, por respeitar a minha individualidade e expressão do meu pensamento.

A Direção da Escola Estadual Manoel Antonio da Cunha, a Equipe

Pedagógica e aos alunos que tornaram o trabalho possível.

Ao meu filho Flávio, Abelardo, Adriana e aos queridos colegas que de

alguma forma contribuíram para o resultado positivo do meu trabalho.

A Deus que me deu força e coragem para enfrentar mais esse desafio.

Obrigada a todos.

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Referências

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