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10º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política
Área Temática: Política Externa
CONGRESSO E AGRONEGÓCIO NA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA: DOIS
PESOS, DUAS MEDIDAS?
Renata Albuquerque Ribeiro1
Doutoranda em Ciência Política
Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP-UERJ)
1 Trabalho em andamento. Não citar sem autorização prévia. Contato: [email protected]
3
RESUMO
O presente trabalho tem como pressuposto que as mudanças ocorridas nos planos
sistêmico e doméstico (redemocratização e liberalização econômica) afetaram o
processo decisório da política externa brasileira (PEB), diversificando os atores que
exercem influência sobre ele. O objetivo é perceber como ocorre o envolvimento do
agronegócio neste processo, tanto a partir do lobby quanto pela sua participação por
meio do Congresso Nacional. Para tanto, busca-se desenvolver uma análise do
processo decisório nos anos do governo Lula (2003-2010), a partir de dois elementos:
i) avaliando os episódios de participação do setor agrícola como grupo de interesse na
formulação da política externa; e, ii) observando a participação da Bancada Ruralista
do Congresso Nacional na formação da PEB. A hipótese que aqui defendida é que o
agronegócio exerce dupla influência no processo decisório da política externa
brasileira: por meio do lobby e da atuação pelo Legislativo.
Palavras Chave: Política Externa Brasileira; Congresso; Agronegócio.
4
INTRODUÇÃO
A primeira década do século XXI foi palco de transformações econômicas e
políticas nas principais potências do cenário internacional. Essas transformações
tiveram origem em processos mais longos, anteriores a este marco. Na América
Latina, por exemplo, eles vinham ocorrendo, pelo menos, desde a década de 1970.
Hill (2003) já apontava para essa mudança, defendendo que a política externa
(PE) deve ser considerada e estudada como um “espaço político”. Ele igualmente
sinaliza para o crescimento da chamada “politização” da política externa. Sua
formulação conta, portanto, com interações entre diferentes atores buscando a
satisfação de seus interesses dentro de uma arena de formulação da política externa.
Nesse sentido e, em se tratando de uma análise mais específica, Milner (1997)
defende que determinado grupo pode influenciar o processo de tomada de decisão na
política externa a partir de três elementos importantes: 1. Preferências políticas dos
atores domésticos; 2. Instituições; e, 3. Distribuição de informações entre os atores. O
grau de influência dos agentes depende da capacidade de acessar as instituições
responsáveis pela definição do funcionamento do jogo político, bem como do acesso
às informações privilegiadas sobre ele. Segundo referida autora, os principais atuantes
no processo de tomada de decisão na política externa seriam: o Executivo, o
Legislativo e grupos de interesse.
No Brasil, essas mudanças tornaram o processo de tomada de decisão em
política externa mais complexo. De acordo com Lima (2000) a democratização e a
abertura econômica produziram impactos distributivos no plano doméstico. Isso
significa dizer que após esses acontecimentos, as ações de política externa poderiam
beneficiar determinados grupos em detrimento de outros de modo mais incisivo do que
antes. Vale ressaltar que defender esse argumento não implica, automaticamente, que
durante a ditadura militar, por exemplo, os processos de tomada de decisão eram
fechados e/ou monopolizados pelo MRE. Contudo, pode-se afirmar que após essas
dinâmicas o processo se tornou mais complexo e/ou plural contando, inclusive, com o
crescimento da participação de outros Ministérios e agências estatais. Em alguns
casos, esses atores iniciariam suas próprias agendas de atividades no plano externo.
Barros (1986, p.36), afirma que houve o surgimento de novos atores que
“competiam com o Itamaraty na arena do comércio exterior”. Foi possível perceber,
portanto, uma mudança comportamental do MRE. O órgão passou a construir pontes
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de diálogo e possibilidade de participação, a fim de tentar manter algum controle sobre
a agenda do Brasil no exterior (Ribeiro e Carvalho, 2015; e Faria, 2012). Este
processo foi chamado, por alguns autores e autoras, de “Desencapsulamento”2.
Neste trabalho, dois destes atores merecem destaque: Grupos de Interesse
(GI) e o Congresso Nacional. Utilizarei o agronegócio como exemplo. Considerado um
dos mais importantes grupos econômicos e políticos do Brasil, o setor desempenha
forte papel na economia, representando 23% do PIB e 43% da balança comercial do
país3. Em linhas gerais, o agronegócio pode ser definido como:
Toda e qualquer atividade ligada ao comércio de produtos agropecuários. Entretanto, a acepção que faremos deste termo ao longo do artigo referir-se-á ao conjunto de atividades agropecuárias relativas à produção, industrialização, distribuição e comercialização de produtos agropecuários, pautadas por algumas características bastante peculiares, como competitividade, gestão, foco no consumidor, altos índices de produtividade, desenvolvimento permanente de ciência e tecnologia, intensividade em capital (e, em algumas cadeias produtivas, também em trabalho) e inserção nas cadeias produtivas, financeiras e comerciais globais. (IGLÉCIAS, 2007, p. 76).
Além de relevância econômica, politicamente o agronegócio conta com sólida
representação nas estruturas de poder da sociedade. O grupo está presente no
Congresso Nacional e possui uma poderosa “bancada”, a terceira maior da Câmara
dos Deputados4─ à frente da Bancada evangélica e da representação do
empresariado. Apesar de ter sido oficializada em 1995 (Polese, 2014), a
regulamentação da BR ocorreu apenas na 52º Legislatura (2003-2007). Nesta
ocasião, o nome oficial das organizações presentes na casa passou a ser “Frente
Parlamentar”. Nas duas Legislaturas estudadas, registra-se a formação e consolidação
da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), conhecida popularmente como
“Bancada Ruralista”5.
Ademais, é um importante financiador das campanhas eleitorais. Somente na
eleição de 2014, duas empresas do setor estavam entre as três maiores doadoras de
2 O conceito aqui faz referência à mudança ocorrida na PEB que passou a contar com maior
pluralidade de atores no processo decisório em detrimento de sua formulação no período anterior, chamado “insulamento burocrático”. O “Insulamento” remete à ideia de diferenciação da Política Externa se comparada as demais políticas públicas, conferindo-a um aspecto de “política de Estado”. 3 Fontes: Arranjo produtivo Local do Álcool (APLA): http://www.apla.org.br/agronegocio-43-da-balanca-comercial e Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) http://www.cnabrasil.org.br/ 4 Fonte: Agência Pública, “As Bancadas da Câmara”: http://apublica.org/2016/02/truco-as-bancadas-da-camara/ 5 Neste trabalho utilizarei ambas nomenclaturas.
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valores destinados a campanhas eleitorais dos candidatos à presidência da República.
A JBS (Friboi), a Ambev (bebidas) e a OAS (construção civil), foram juntas,
responsáveis por 65% da arrecadação para a campanha dos presidenciáveis6.
Muito embora o Executivo ainda seja o ator principal na formulação e execução
da PEB, vimos aumentar a participação do Congresso no processo decisório brasileiro
(Alexandre, 2006; Faria, 2012; Anastasia, Mendonça e Almeida, 2012) utilizando de
inúmeros recursos. A “Bancada Ruralista” (BR) é uma das forças mais poderosas do
Congresso Nacional, atuando de maneira bastante articulada nos mais diferentes
temas que transitam pela Casa.
A pesquisa se justifica por que muito embora haja duas bibliografias que tratam
da eventual presença de Grupos de Interesse e do Congresso Nacional na formulação
da PEB, não há um estudo que sinalize a convergência nos interesses defendidos por
ambos na arena decisória.
O foco deste trabalho é analisar o peso do agronegócio na esfera doméstica do
processo decisório da política externa brasileira. O objetivo é observar a atuação do
agronegócio como grupo de interesse (por meio do lobby) e o comportamento da
“Bancada Ruralista” na Comissão de Relações Exteriores (CREDN) na seara da
política externa brasileira. A hipótese defendida é que há uma convergência de
interesses entre esses dois grupos, conferindo “peso duplo” na formulação da política
externa. Em outras palavras, na mesa de negociação onde se a posição brasileira é
definida, o agronegócio ocupa duas cadeiras. É importante realçar que devida
participação ocorre em decorrência da possibilidade ofertada pelo Executivo, seja o
Presidente ou o Itamaraty. O trabalho pretende, portanto, verificar ou identificar como
ocorre esse peso duplo: na esfera “legal/normativa” ou mensurável (aquela realizada
pelo Congresso) e naquela com maior dificuldade de mensuração, o lobby. Para tanto,
faz se necessário descontruir ou refutar a ideia do senso comum a respeito da
participação do Congresso na PEB. É igualmente relevante demonstrar os episódios
nos quais o agronegócio desempenhou função de grupo de interesse, garantindo seu
envolvimento nas decisões internacionais do país.
O recorte temporal do trabalho compreende os anos do Governo Lula da Silva
em seus dois mandatos (2003-2010) que inclui: as duas Legislaturas da Câmara dos
6 Fonte: Sociedade Brasileira da Agropecuária http://www.sba1.com/noticias/geral/41044/empresas-do-agronegocio-estao-entre-maiores-doadores-para-campanha-de-candidatos-a-presidencia#.V2wp6PkrLIU
7
Deputados7, a 52º (2003-2007) e 53º (2007-2011); e os principais episódios de
atuação do agronegócio enquanto grupo de interesse neste período. É sabido que
muitos destes episódios acontecem em longos recortes temporais, posto que uma
Rodada de negociação ou um pedido de solução de controvérsias na OMC podem
durar anos. De qualquer forma, toma-se como exemplo a fase de maior protagonismo
brasileiro no cenário internacional no que cerne às negociações de comércio que
envolviam o setor agrícola industrial.
Para atingir tais objetivos, busca-se utilizar algumas ferramentas
metodológicas. Para a primeira seção, aquela que trata do envolvimento do
agronegócio na PEB como Grupo de Interesse, será utilizada uma revisão
bibliográfica, juntamente de pesquisa qualitativa dos episódios de destaque nesta
área. Em seguida, analiso a atuação da BR na Comissão de Relações Exteriores da
Câmara dos Deputados a partir da análise qualitativa dos relatórios anuais da
Comissão. Posteriormente, apresento alguns episódios onde essa convergência de
interesses e atores pode ser verificada, por meio de análise de fontes jornalísticas,
bem como uso de revisão da bibliografia. Por fim, confirma-se a hipótese defendida de
duplo peso do setor, muito embora sejam necessárias investigações mais
aprofundadas sobre a BR e apresenta-se questionamentos sobre os limites do acesso
a diferentes atores no processo decisório na PEB como desafio para a construção de
uma política externa plural e efetivamente democrática.
GRUPOS DE INTERESSE E POLÍTICA EXTERNA: O PAPEL DO AGRONEGÓCIO
Putnam (1988) afirma que não podemos pensar a política externa ou processo
decisório de um país ignorando sua dimensão doméstica ao sugerir a famosa metáfora
do jogo de dois níveis. Nesse jogo, o país calcula a sua posição a partir das diferentes
pressões exercidas sobre o governo, tanto do âmbito doméstico, quanto do nível
internacional. A meta é satisfazer os objetivos do país, sem criar um conflito com as
partes envolvidas. A composição seria a seguinte:
Do outro lado do tabuleiro internacional sentam as contrapartes estrangeiras, ao lado das quais sentam diplomatas e outros assessores internacionais. Em volta do tabuleiro doméstico e atrás do líder nacional, sentam-se figuras partidárias, parlamentares, porta-vozes das agências domésticas, representantes de grupos chave de interesses e os assessores políticos do próprio líder. (PUTNAM, 2010, p. 151).
7 Escolhi não trabalhar com o Senado por uma limitação no número de páginas, porém
pretendo explorar o Poder Legislativo como um todo na Tese de Doutorado.
8
Mensurar a interferência não institucional de um grupo em determinado lócus
político é uma tarefa complexa. No caso brasileiro, sobretudo, a maneira como se
delineou a formação do Estado e suas instituições (Nunes, 2003) ─baseado em
relações clientelistas, pessoalizadas e informais ─faz com que as práticas políticas
dos envolvidos no aparelho estatal seja deveras turva e pouco transparente. Essa
lógica das instituições brasileiras não excluiu o processo decisório da política externa e
a relação de seus formuladores com outros atores capazes de influenciá-lo.
Outro elemento importante a ser analisado neste sentido é a ausência da
institucionalidade do lobby. No Brasil, este mecanismo não é legalizado como ocorre
nos Estados Unidos, por exemplo. Isto torna árdua a tarefa de verificar o real poder de
interferência de determinado setor sobre uma decisão. Mesmo diante de tais
dificuldades, esta parte do trabalho busca investigar a intervenção do agronegócio
como grupo de interesse no processo decisório da PEB. A título de indicação
conceitual pode-se definir Grupo de Interesse8 (GI) como:
Forças sociais que emergem num grupo total, que se organizam e atuam objetivando vantagens e benefícios de acordo com a natureza do grupo. Os grupos de interesse podem ser profissionais, econômicos, religiosos, ou ligados a qualquer outra função social. Não raro, eles podem converte-se em grupo de pressão (Castro, 2004. p. 122)
As publicações que focalizam na influência de grupos de interesse na política
externa brasileira tiveram origem mais recente, datando da virada do século. Um dos
estudos mais marcantes no que se refere a atuação desses grupos é o desenvolvido
por Santana (2001). Usando a já citada proposta analítica de Milner (1997), o autor se
debruça a estudar a atuação dos GI na posição da PEB para a ALCA a partir de 3
esferas: atores, instituições e acesso à informação. Ele conclui que, neste caso, os
grupos tiveram influência diferenciada devido à baixa institucionalidade do processo de
consultas realizado pelo MRE. Defende que:
As aproximações entre o Itamaraty e a sociedade civil brasileira ocorrem em ritmos diferenciados, sendo que essa cadência é marcada pelos recursos de poder e de informação que cada setor da sociedade dispõe. (Santana, 2001, p. 176)
8 Muitos estudos (AZAMBUJA, 2003; BASTOS, 2004; BONAVIDES, 2000; CASTRO, 2004) diferenciam Grupos de Pressão, Grupos de Interesse e Lobby. Neste trabalho, esses conceitos são tratados como sinônimos já que o setor do agronegócio congrega todos esses grupos, apresentando um objetivo bem definido: garantir benefícios para o setor nas instâncias estatais.
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A conclusão confirma a ideia de Milner (1997) de que a atuação ocorre de
acordo com as informações as quais determinado grupo tem acesso. O referido autor
sinaliza, ainda, que há uma limitação por parte do MRE na receptividade das
demandas desses grupos.
Outro estudo relevante é o realizado por Carvalho (2003). A autora analisa a
movimentação de três atores (setor empresarial, trabalhadores e governo) no
momento de definição da posição brasileira em Seattle, na OMC. Oliveira, Onuki e
Mancuso (2001) também se dedicam a estudar GI tentando envolver-se na política
externa comercial brasileira. Há ainda a pesquisa de Veiga (2007) que analisa a
tentativa de ingerência de atores não estatais (CEB e Rebrip) na política externa
comercial do país por meio dos fóruns de consulta e canais de diálogos criados pelo
Estado nos últimos anos. Já o artigo de Oliveira e Milani (2012) observa a atuação da
CEB e da Rebrip na tentativa de defender suas preferências na política externa
comercial brasileira entre 1995 e 2005. Além destes, temos o trabalho de Lima (2013)
que tem foco na atuação do empresariado no Legislativo também no que cerne à
política externa comercial.
Portanto, a literatura aponta para uma unanimidade: o empresariado se
configura como o grupo de interesse com grandes recursos capazes para interferir na
arena decisória da PEB, especialmente no caso da política externa comercial. Em
vista disso, o presente trabalho busca preencher a lacuna existente sobre a
interferência do setor agrícola neste campo.
A relação do Estado com o setor é complexa devido à enorme quantidade de
atores que compõe o grupo. Porém, a partir da análise da bibliografia apresentada
anteriormente e de matérias jornalísticas, algumas entidades possuem destaque na
atuação como grupo de interesse. Elas encontram-se indicadas no Quadro 1.
Quadro 1: Atuação do Agronegócio como Grupo de Interesse
Ano Episódio Representantes do Agronegócio
2002 DISPUTA DS250 - Episódio do suco de laranja (Taxa de equalização americana)
Associação Brasileira dos Exportadores de Cítricos (Abecitrus)
2002 DISPUTA DS266 - Batalha do açúcar União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica)
2002-2005 Disputa do Frango - UE Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frango (Abef)
2002-2014 DISPUTA DS267 - Batalha do algodão Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (ABRAPA)
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2003 Negociações da Alca e do Acordo Mercosul- União Europeia (15a reunião do Comitê de Negociações Bi regionais)
Fórum Permanente de Negociações Agrícolas Internacionais, integrado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Associação Brasileira do Agribusiness (Abag) e Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB).
2004- Atual
Comissão Mista Brasil-Alemanha para o Agronegócio.
Associação Brasileira de Agribusiness (Abag)
2004 Bananas e o regime europeu Diversas Associações de Produtores de banana e Confederação Nacional dos Bananicultores (Conaban)
2005 Arroz contra os EUA Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)
2007/2008 Rodada Doha Fórum Permanente de Negociações Agrícolas Internacionais e Confederação Nacional da Agricultura (CNA)
2007 Carne Brasileira- União Europeia Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec)
2010 Reunião México-Brasil e encontros do IBAS (Índia, Brasil e África do Sul) e BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China)
Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frango (Abef)
2010 Consulta sobre a possibilidade de ação: Exportação de carne para Indonésia
Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec)
Fonte: elaboração própria.
Pode-se afirmar, com base em Iglécias (2007), que a atuação conjunta entre o
setor do agronegócio e o Estado na seara da PEB aparece de acordo com alguns
objetivos: a. gerar investimentos externos, em órgãos de Ciência e Tecnologia,
logística e infraestrutura; b. negociar de regras sanitárias e leis de certificação; e, c.
mitigar ou reduzir barreiras tarifárias ou protecionistas impostas por outros países.
Nos anos Lula, o agronegócio atuou como grupo de interesse na PEB em 12
episódios de destaque. De maneira geral, em todos os episódios listados acima, houve
pelo menos a tentativa de participação do setor na formulação da posição brasileira
em negociações internacionais, até mesmo de acordos e tratados. Usualmente, este
movimento pode ocorrer segundo alguns recursos ou canais de atuação: convites
individuais informais concedidos pelo MRE ou representação Coletiva (Organizações
ou redes de organizações) ─ método que tem se mostrado mais eficaz.
O grupo atua de diferentes maneiras. Uma delas se dá através da produção de
informações técnicas. Em muitos casos, a associação elabora um relatório contendo
todas as informações sobre o mercado, produção e sinalizando o quão prejudicado
será o produtor em decorrência de uma barreira tarifária imposta por outros países.
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Estes relatórios são enviados aos órgãos estatais como MAPA, MRE e membros da
Bancada Ruralista no Congresso Nacional. Outra estratégia de atuação diz respeito ao
financiamento dos possíveis gastos que o governo teria com a abertura de um pedido
de solução de controvérsias na OMC, por exemplo.
Segundo fontes diplomáticas, o Itamaraty chegou a ponderar que os produtores brasileiros seriam beneficiados mesmo se a disputa da banana fosse conduzida só pelos outros latinos. Já o setor privado argumentava que a participação brasileira daria peso à ação contra a UE. O setor organizou um potente lobby, reunindo governadores, deputados e ministros, e fez prevalecer sua posição. Os produtores prometeram que o governo não gastará um tostão nessa briga e que cobrirão custos com os advogados (MOREIRA, 2005, P.B9)
Coletivamente, se destacam: primeiramente a CEB, criada em 1995, que
reunia a elite do empresariado nacional. Em se tratando da temática agrícola, o órgão
mais importante na relação com o Estado é a Confederação Nacional da Agricultura e
da Pecuária (CNA), fundada em 1964. Além de representações corporativas nacionais,
o agronegócio conta com um Fórum Permanente de Negociações Agrícolas
Internacionais, composto por inúmeras associações, até mesmo de outros países.
Outro grupo que ganhou notoriedade no decorrer da década passado foi o Instituto
ÌCONE. O objetivo da instituição era consolidar a profissionalização do lobby do
agronegócio, ao mesmo tempo em que fornecia informações técnicas detalhadas
sobre a agroindústria a serem usadas nas negociações pelo próprio Itamaraty, quem
solicitava as pesquisas. Cabe realçar que estas organizações não são excludentes
umas as outras, pelo contrário, usualmente somam forças e o devido poder de
articulação de cada um.
Já na Rodada Doha (RDD), episódio em que estes grupos desempenharam
forte atuação, dois canais formais de comunicação foram criados, por necessidade de
diálogo e devido as pressões exercidas por eles: a Câmara Temática de Negociações
Agrícolas Internacionais e o Grupo Técnico Informal (GTI) (Mancini, 2010). Estes
canais que foram construídos a partir da articulação de diferentes órgãos estatais: o
MRE, O MAPA e o então presidente Lula da Silva. Isto demonstra uma forte
capacidade de articulação dentro do Estado. De acordo com Mancini (2010):
Neste ponto, parece oportuno chamar a atenção para o fato de a formação da câmara e do grupo técnico terem sido iniciativas do Executivo. Remetem ao trabalho de Cardoso (1975) sobre anéis burocráticos, no sentido de que o jogo político do comércio exterior está hoje, como no regime militar, concentrado no Executivo, com esse último escolhendo seus interlocutores. Não parece correto afirmar que a geometria naquele período e hoje sejam iguais, mas é
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preciso lembrar que a interlocução entre setor privado e Executivo depende em boa parte desse último (MANCINI, 2010, p.).
Já em 2007, o grupo entregou um documento ao MRE no qual constavam suas
reivindicações9. A posição do setor foi levada à reunião da OMC que ocorreu em julho
de 200810. Porém, antes de comparecer a estes espaços formais, a CNA realiza uma
série de reuniões:
Os representantes do MAPA e do Itamaraty que se encontravam à frente das negociações explicavam, durante as reuniões, os patamares da negociação. Além disso, estes esclareciam as posições que estavam sendo defendidas, a demanda dos outros países e solicitavam uma análise dos fatos, pedindo um posicionamento da entidade. (DIVERIO e NETTO, 2015, p. 440).
Outro importante elemento de análise confere peso ao argumento aqui
apresentado. A partir da articulação que se exerceu na RDD, um canal formal de
participação do agronegócio no processo decisório da PEB foi estabelecido:
A posição de adido agrícola, criada pelo Decreto nº 6.464 (BRASIL, 2008), colocou representantes da visão do agribusiness (recrutados nas fileiras do MAPA) como membros de missões diplomáticas brasileiras junto aos principais parceiros comerciais do país. (DIAS SILVA, 2014, p. 19)
Iglécias (2007) defende que a atuação do agronegócio obtém êxito devido a
alguns fatores relevantes como: a profissionalização do lobby; as vantagens
comparativas que detém em relação a outros setores da economia e a existência de
think thanks focados na questão de inserção internacional do capitalismo brasileiro.
Logicamente, a possibilidade de contato com os formuladores da PEB ocorre por que
existem canais de comunicação, ou seja, uma abertura ao diálogo por parte das
agências estatais. Dois destes episódios de destaque explorados pelo autor seriam,
segundo ele, exemplos “vitoriosos” onde a atuação conjunta de diferentes atores
resultou em ganhos para o país: as batalhas do Brasil na OMC nos casos do algodão
e do açúcar.
9 (Marim, 2008) “Setor agrícola quer Rodada Doha mais ambiciosa”. Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,setor-agricola-quer-rodada-doha-mais-ambiciosa,207061 Acesso em: 24/06/2016. 10 (Kohlmann, 2008), “Fórum de Negociações Agrícolas Internacionais entrega reivindicações para Rodada Doha”. Disponível em: http://www.clicrbs.com.br/especial/sc/planetaatlantida/19,0,2048197,Forum-de-Negociacoes-Agricolas-Internacionais-entrega-reivindicacoes-para-Rodada-Doha.html Acesso em 24/06/2016.
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Posso afirmar, portanto, que a convergência de interesses entre os dois
núcleos de atores (estatais e não estatais) surge como um facilitador e agilizador do
processo de formulação da posição brasileira. Já no âmbito doméstico, o período
estudado contou com uma nova orientação da PEB, a qual ficou denominada “política
externa ativa e altiva” que buscava construir espaços de poder mais democráticos no
cenário internacional, além de buscar uma posição de maior protagonismo brasileiro.
Além disso, um fator sistêmico facilitador nesse sentido foi o boom das commodities
nos anos Lula, que conferiu aumento no valor agregado dos produtos do setor
agropecuário11. .
Por fim, a presença de uma lógica corporativista foi o principal elemento a
explicar o sucesso do agronegócio na sua atuação como grupo de interesse na política
externa brasileira. Essa lógica foi definida por Nunes (2003) que identificou quatro
padrões institucionalizados de relação entre estado e sociedade, aos quais ele deu o
nome de “gramáticas” por definirem uma linguagem e uma forma de agir: clientelismo,
corporativismo, insulamento burocrático e universalismo de procedimentos. Assim, o
autor analisa os quatro modelos presentes no Estado Nacional desde 1930 e conclui
que existe a coexistência desses modelos nos diferentes períodos de sua formação.
Partindo do argumento do autor, é possível perceber a sobrevivência de algumas
dessas categorias ao analisarmos o modelo de atuação dos grupos de interesse na
PEB. Estão presentes o clientelismo, o corporativismo e o insulamento.
Em síntese, a atuação desses grupos a fim de influenciar as decisões sobre a
PEB ocorre de maneira recorrente e pouco institucionalizada. Até mesmo a fatia do
empresariado que dispõe de proximidade com o Itamaraty, reivindica que a falta de
institucionalização de um canal de diálogo dificulta a comunicação no processo
decisório. De acordo com Mancini (2010), no caso da Rodada Doha, a criação de dois
canais formais (câmara Temática e GTI) não era suficiente para o estabelecimento de
diálogo proveitoso entre o MRE e o agronegócio. Como afirma a autora:
Mesmo com tal canal, assim como na câmara, divergências poderiam levar a contatos informais entre representantes do setor privado e do governo, em especial de mais alto escalão. Por serem informais, o mapeamento deles é tarefa árdua (2010, P.).
11 Um exemplo de como o ambiente externo influencia a necessidade de posicionamento do setor do agronegócio é citado por Iglécias (2007, p.87). Em 2002, o Ministério da Agricultura decidiu entrar com ação na OMC na batalha do algodão. O órgão também convocou o diálogo com produtores da soja, porém, devido ao alto valor de mercado do produto na época, os produtores não viram necessidade de entrar com ação.
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Ou seja, pode se concluir que é possível verificar a presença da atuação do
agronegócio na formulação da política externa brasileira, sobretudo no caso de
negociações comerciais agrícolas. O setor conta, primeiro com a boa vontade do
Itamaraty em convidá-lo a participar dos eventos, segundo, este possui atores capazes
de garantir a efetivação de seis interesses, uma vez que dispõe de informações
privilegiadas, inúmeros recursos e importantes canais de atuação. Contudo, muito
embora o agronegócio tenha participado de alguns importantes episódios de destaque
atuando enquanto gramática corporativa de Nunes (2003), a entidades representantes
do setor agrícola industrial defendem que tais mecanismos de participação ainda
precisam sofrer fortes ajustes.
CONGRESSO E POLÍTICA EXTERNA
No campo das Análise de Política Externa (APE), vários autores e autoras se
dedicaram ao estudo do Legislativo. Os trabalhos de maior destaque são o de Martin
(2000) e Milner (1997), fruto da corrente liberal institucionalista da APE. Elas
consideram o Estado como poliárquico, ou seja, composto por diferentes atores com
poderes capazes de influenciar o processo decisório de maneiras diversas.
No Brasil, o alicerce normativo brasileiro designa a exclusividade do Executivo
no tratamento da política externa. A Constituição de 1988 confere:
Artigo 49: É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; [...]
Art. 84: Compete privativamente ao Presidente da República: VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional. (BRASIL, 1988)
Os estudiosos que se debruçavam a entender a participação do Legislativo na
PEB defendiam que esta participação era reduzida (LIMA E SANTOS (2001);
AMORIM NETO (2007). Porém, na virada do século, novos estudos passaram a
apontar não só a plurizalição de atores na arena decisória, mas também, para
episódios nos quais haveria atuação do Legislativo. Os trabalhos de Castro Neves
(2006) e Alexandre (2006) demonstram que apesar de “baixa” participação, o
Congresso brasileiro, teria buscado participação na arena decisória da PEB,
observando atentamente os passos do Executivo, sobretudo nos episódios da Alca e
do Mercosul. Na opinião de Castro Neves (2006), existem alguns mecanismos de
atuação do Congresso: por meio das Comissões temáticas, das Comissões
Legislativas, e através do controle orçamentário. Além disso, ele apresenta o
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argumento da eficiência: quando há convergência de interesses, o Congresso delega
as decisões para o Executivo a fim de tornar o processo mais ágil e eficiente.
Posteriormente, Anastasia, Mendonça e Almeida (2012) demonstram uma série
de “cursos de ação” disponíveis aos parlamentares desejosos em participar do
processo decisório. Nas palavras de Figueira (2009, p. 87) “os parlamentares vem
aumentando ao longo desses 20 anos a utilização dos instrumentos disponíveis para
controle do poder executivo em matérias internacionais”. Sendo assim, os inúmeros
esforços dos estudiosos se mostram capazes de contestar a ideia presente no senso
comum, de que a atuação do Congresso Nacional na PEB é pouco relevante. Partindo
do pressuposto de que não há “paralisia” nesse sentido, esta parte do trabalho
pretende identificar a atuação da Bancada Ruralista (BR) na Comissão de Relações
Exteriores e Defesa Nacional (CREDN), no recorte temporal da pesquisa.
Segundo Simionatto e Costa (2012), apesar de sua composição heterogênea, a
bancada conta com algumas estratégias de atuação comuns: ação parlamentar,
cooptação dos meios de comunicação, representação partilhada (interferindo também
em outros assuntos que não os rurais), poder de articulação com outras bancadas
(negociação e troca de favores) e construção de alianças com grupos de interesses
não estatais, mormente as entidades citadas na seção anterior do artigo. Ademais,
vale ressaltar a presença do grupo em outras instâncias de poder do Legislativo, além
posições de destaque em outros Ministérios e Comissões Interministeriais do MRE.
Na 52º Legislatura12, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) contava com
111 deputados13. Já na 53º Legislatura, tinha a seu favor 104 deputados14. Refutando
o argumento de que mesmo em grande quantidade a Bancada não necessariamente
efetivaria suas pautas, o Deputado Leitão, defensor da FPA, afirma que “Nos assuntos
do setor produtivo no Brasil, naquilo que a frente deve defender, nós sempre temos a
maioria para poder ter a vitória necessária”. De acordo com DIAP, entre os 100
parlamentares mais influentes no ano de 2014, 47 são membros ativos da FPA. A
capacidade de mobilização é igualmente significativa. A FPA se faz presente em todas
as Comissões permanentes da Câmara e na CREDN1516, que foi inclusive presidida
pelos ruralistas Carlos Melles em 2004 e Damião Feliciano (PTB/PB) em 2008.
12 Fonte: Site da Câmara dos Deputados pelo link: http://www.camara.leg.br/internet/deputado/frentes52.asp 13 DIAP radiografia do Novo Congresso (2006) página 31. 14 Fonte: DIAP radiografia do Novo Congresso (2006) página 31. 15 A Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional é uma das 20 comissões permanentes da Câmara dos Deputados, que têm entre suas funções precípuas a elaboração
16
Dois elementos de análise serão utilizados nesta parte do trabalho: análise
numérica da quantidade de membros da BR presentes na CREDN e envolvimento
destes membros nas atividades da CREDN. A presença, primeiro elemento a ser
analisado, encontra-se visível no gráfico a seguir:
Fonte: Elaboração própria a partir dos Relatórios da CREDN dos anos: 2005 a 2010.
O gráfico acima foi elaborado da seguinte maneira: analisando os membros da
Bancada Ruralista presentes na Comissão ao longo dos anos. Da mesma forma, é
possível analisar numericamente a atuação do grupo dentro da Comissão:
Fonte: elaboração própria a partir dos Relatórios da CREDN dos anos: 2005 a 2010.
Percebe-se que há uma preocupação do setor do agronegócio em se articular
na CREDN, muito embora os números sejam baixos. Em resumo, pode se afirmar que
apesar de ser um dos grupos mais poderosos no Congresso, a Bancada Ruralista
das leis e o acompanhamento das ações administrativas no âmbito do Poder Executivo. Além dessas funções, as Comissões promovem, também, debates e discussões com a participação da sociedade em geral, sobre todos os temas ou assuntos de seu interesse (CREDN, 2016). 16 Não constam dados sobre a composição da CREDN nos anos 2003 e 2004.
0
20
40
60
80
2005 2006 2007 2008 2009 2010
Número de Membros da FPA na CREDN
Membros da CREDN Membros da FPA na CREDN
0
100
200
300
400
2005 2006 2007 2008 2009 2010
Atuação da FPA na CREDN
Atuação total Atuação da FPA
17
possui baixa atuação na CREDN quando comparada à atuação do agronegócio como
grupo de interesse. Porém, não significa automaticamente que ela não represente
seus interesses no Câmara na seara da política externa. Os representantes do setor
agrário buscam se articular no Congresso, tentando ampliar sua participação nos
assuntos que envolvam decisões do Brasil no exterior utilizando, porém, estratégias
bastante diferenciadas:
A Bancada atua como um partido nos moldes americanos estruturada em torno de “[...] agregados de interesses personalistas e corporativos [...]” que se fortalecem mediante a atuação de lobbies e de figuras mediáticas (COUTINHO, 2006, p. 50), com um grande declínio do conteúdo ideológico dos programas partidários. (Simionatto & Costa, 2012, p 232).
A partir da pesquisa realizada verifica-se que os congressistas representantes
do setor contam com inúmeras possibilidades de ação a fim de observar e se envolver
nas negociações internacionais brasileiras. Uma delas, é através da solicitação de
informações sobre determinado assunto ou pedido de reunião com representante do
Itamaraty enviada diretamente ao MRE. Outra estratégia utilizada seria o pedido de
audiências públicas (via Comissões permanentes ou individualmente) à um órgão
estatal, no caso, o Itamaraty. Nestas audiências participam ministros, outras agências
estatais, entidades do setor privado e, com menor frequência, movimentos sociais.
Além disso, são solicitados eventos como: seminários ou congressos e, até mesmo,
pode ser realizado um requerimento formal de criação de grupo de acompanhamento
sobre determinado assunto. A rodada Doha pode ser considerada um exemplo (REQ-
32/2003 CREDN) desta estratégia (CREDN, 2003). Por fim, os parlamentares podem
acompanhar a delegação brasileira a determinado Fórum Internacional ou receber
Ministros ou representantes de outros países.
Por fim, é possível observar que houve uma mudança significativa nos estudos
que buscam analisar a participação do Legislativo na PEB. Os autores e autoras
mostram que os parlamentares têm buscado maior presença, por meio de diferentes
recursos e agindo, principalmente, nos assuntos referentes à política comercial. No
que cerne ao setor especificado neste artigo, a baixa representação da Bancada
Ruralista na CREDN demonstra que o setor não participa tão ativamente das
tramitações da Comissão por que já conta com um meio mais eficaz e direto de
participação, atuando como grupo de interesse diretamente com o Itamaraty ou em
outros órgãos estatais. A próxima seção aborda a convergência entre esses dois
grupos na formulação da PEB.
18
O PESO DUPLO DO AGRONEGÓCIO NA FORMULAÇÃO DA PEB
A participação de um determinado grupo na formulação da política externa de
um país pode ocorrer de diferentes maneiras e em diferentes níveis. No caso
brasileiro, duas dessas maneiras foram expostas nas seções anteriores deste artigo.
Primeiro, o envolvimento do agronegócio como grupo de interesse, pressionando o
MRE a tomar decisões que favorecessem o setor. Em seguida, e o envolvimento pelo
caminho mais longo e, como demonstrado, com menor poder de ingerência: por meio
da CREDN. No sentido de fortalecer a hipótese apresentada, esta seção do trabalho
tem por objetivo mostrar a correlação entre estas diferentes formas de atividade do
setor agrícola no processo decisório.
Partindo da conclusão da seção anterior, qual seja: numericamente é pouco
significativa a participação da Bancada Ruralista na CREDN, busca-se seguir os
passos indicados de análise individual dos membros da BR na CREDN nos episódios
realçados na seção que tratou dos grupos de interesse. A metodologia nesta seção
consiste em averiguar a participação da Bancada reunida e/ou dos membros da BR
nos episódios relatados a partir da análise dos relatórios anuais da CREDN. Sendo
assim, foi possível criar o seguinte quadro analítico:
Tabela 1: Dupla atuação do agronegócio na PEB
Episódio Atuação como GI Envolvimento de membros da BR
DISPUTA DS250 Episódio do suco de laranja (Taxa de equalização americana)
DISPUTA DS266 Batalha do açúcar na OMC
Disputa do Frango na OMC - UE
DISPUTA DS267 Batalha do algodão na OMC
Alca e Acordo Mercosul- União Europeia (15a reunião do Comitê de Negociações Birregionais).
Bananas e o regime europeu
Arroz contra os EUA
Rodada Doha
Fonte: elaboração própria.
19
Acima apresento o resumo de episódios e o chamado “duplo peso” do setor no
processo decisório. No caso da Rodada Doha, por exemplo, afirma Simon que:
Dentre toda a documentação analisada nos arquivos do Itamaraty, encontrou-se apenas um ofício152, no qual o Deputado Geddel Vieira Lima solicitava informações a respeito da atuação do Brasil nas negociações agrícolas da Rodada Doha, o qual foi respondido pelo próprio Ministro de Relações exteriores, Celso Amorim 153. Desse modo, não houve uma interação expressiva entre o Poder Executivo e Legislativo quanto ao processo decisório (SIMON, 2012, p. 141).
Contrariando a autora, defendo neste artigo que apesar de ser numericamente
pouco expressiva, a relação entre o Legislativo e o Executivo neste episódio reforça o
argumento aqui apresentado. Muito embora pode-se considerar “apenas” uma
mensagem ou “apenas um pedido de audiência pública” feito por um membro da FPA,
não é a quantidade que se mostra relevante, mas sim a possibilidade de trazer o tema
para o debate público. É neste ponto que o “peso duplo” se faz evidente. Caso o
Itamaraty não estivesse interessado em receber a Confederação Nacional da
Indústria, ele seria forçado a oferecer um relato sobre as negociações ou então
participar de uma audiência pública discutindo o tema com parlamentares, membros
de GI e da sociedade civil.
Vale ressaltar, ainda, que mesmo que o resultado não seja homogêneo e
aponte para três casos os quais não houve participação da Bancada nem de um
parlamentar da FPA, o argumento deste artigo não perde força, já que não é intenção
afirmar que o agronegócio exerce “duplo peso” em todos os episódios, mas sim provar
que existe o duplo envolvimento.
A partir da metodologia aqui apresentada, é possível perceber dois modelos de
envolvimento, caso o agronegócio decida participar do processo decisório da PEB, via
de regra:
20
Imagem 1: Duplo Peso do Agronegócio no Processo Decisório da PEB
Fonte: elaboração própria.
A imagem anterior demonstra alguns dos argumentos já apresentados neste
artigo que dizem respeito a possibilidade de acesso ao Estado, seja pela proximidade,
pelo diálogo, seja pela construção de alianças, ou por meio de participação efetiva. O
setor agrícola industrial, portanto, possui inúmeras estratégias de tentativa de
envolvimento na PEB. Tomando o caso do algodão como exemplo, a articulação do
agronegócio como GI e como bancada ruralista é perceptível, confirmando a hipótese
deste artigo que se refere ao peso duplo do setor no processo decisório. De acordo
com Habka (2010):
A ABRAPA desempenhou papel importante, ao financiar o contencioso do algodão, além de atuar como grupo de pressão junto à coalizão da bancada ruralista do Congresso brasileiro, a fim de que o Ministério de Relações Exteriores (MRE) solicitasse a abertura do painel (Habka, 2010, p. 10)
Já a ABRAPA, reconhece a presença e peso dessa articulação na formação da
posição brasileira no episódio com responsabilidade e relevância, afirmando que:
No campo Internacional, atuamos em várias frentes. Lutamos junto à organismos multilaterais como a OMC, por melhores condições de competitividade para o algodão brasileiro, abrimos mercados e
21
trocamos conhecimento com outros países para aumentar nossa produção e nossa competitividade (ABRAPA, 2007).
Oliveira (2007) confirma o envolvimento dos componentes do grupo com o
trecho:
Somou-se a essa ampla coalizão a bancada ruralista no Congresso brasileiro e vários governadores e prefeitos de regiões produtivas de algodão, inclusive trabalhadores rurais e seus sindicatos. (OLIVEIRA, 2007, p. 24)
Assim, o MRE contou com a participação dos produtores de algodão e da
bancada ruralista no Congresso, e outros órgãos como o Ministério da Agricultura. É
possível analisar esta convergência a partir da lógica da agilidade. Para o Itamaraty e
o governo brasileiro em geral, é interessante que haja apoio e convergência sobre
posições em negociações internacionais pois isto demonstra que o governo defende,
de certa forma, argumentos que refletem vontades de grupos presentes na sociedade.
Retomando Putnam (1988), em uma mesa de negociação internacional, o negociador
pode utilizar o apoio de um GI e de uma fatia do Congresso a fim de ganhar mais
poder de barganha.
CONCLUSÕES
A partir dos argumentos acima apresentados é possível observar que existe
participação do agronegócio nas decisões da política externa brasileira. Ainda que
tenha menos presença que o empresariado como um todo, o agronegócio participa
ativamente dos debates sobre a PEB, principalmente por meio da atuação como grupo
de interesse. Isso nos faz pensar que existe uma seletividade do MRE em convidar
determinados setores da sociedade.
Não cabe afirmar que em qualquer situação, o agronegócio exerce peso duplo
na decisão da posição do Brasil frente às questões Internacionais. Porém, caso o
Executivo tenha interesse na participação do setor, tanto a atuação como grupo de
interesse quanto a atuação da Bancada Ruralista confluem para a convergência, para
o endosso da posição que o Executivo deseja marcar no plano externo. Isto confer
maior credibilidade para a posição defendida pelo país.
Por hora, o argumento se vê fortalecido pelos episódios apresentados na seção
anterior. Sendo assim, pode-se afirmar que o setor do agronegócio tem – ou pode ter -
duplo peso no processo decisório brasileiro, uma vez que exerce lobby enquanto
22
grupo de interesse e, ao mesmo tempo, enquanto legislativo, com base institucional
para tal envolvimento. De maneira geral, pode se afirmar que:
Como uma bancada suprapartidária, os ruralistas formam um grupo de interesse atípico, que atua dentro do Estado, sendo parte do aparelho de Estado, mas com objetivos idênticos aos de qualquer outro grupo social: atuar em favor de interesses setoriais. Todavia, como essa Bancada participa diretamente do processo decisório, torna-se, assim, um grupo de pressão. E, como esse grupo de interesse e de pressão é agressivo nas suas reivindicações, manifesta se, também, como uma bancada de lobby. (Vigna, 2001, p.14)
Retomando Hill (2003), a política externa deve ser compreendida como um
espaço político. A “política” da política externa envolve nosso entendimento sobre um
mundo ao mesmo tempo internacional e doméstico. Sendo assim, a política externa de
um estado é um lugar de ação e escolhas, e deve ser criada a partir do contato com
seus cidadãos. Verifica-se forte laço e possibilidade de diálogo, sobretudo, com uma
fatia específica do setor rural que inclui grandes latifundiários e proprietários das
maiores empresas.
A movimentação se manteve após o período estudado. Em 2012, por exemplo,
a Abrafrigo (Associação Brasileira dos Frigoríficos), lideranças do agronegócio
realizaram uma reunião a fim somar forças às lideranças políticas e defender que o
embargo russo ao frango brasileiro teria justificativas políticas e não técnicas. Na
ocasião o deputado federal André Zacharow, membro da BR e da CREDN, se
comprometeu a trabalhar junto aos ministérios da Agricultura e do Itamaraty17.
Por fim conclui-se que são necessários mais estudos sobre a participação do
agronegócio na política externa brasileira, a fim de tornar mais evidente a atuação
deste setor na arena decisória.
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17 Fonte: Notícia publicada em 24/02/2012: “Paraná vai aumentar pressão política para reverter
embargo russo à carne brasileira”, disponível em: http://www.aen.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=67800&tit=Parana-vai-aumentar-pressao-politica-para-reverter-embargo-russo-a-carne-brasileira
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