constituiÇÃo do capitalismo industrial no brasil: … · 2016-06-30 · de um progresso político...

22
:: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências Humanas. Nº 1, Ano I, Outubro de 2004, periodicidade semestral. – ISSN 1981-061X. CONSTITUIÇÃO DO CAPITALISMO INDUSTRIAL NO BRASIL: A VIA COLONIAL* Vânia Noeli Ferreira de Assunção** RESUMO Este texto discute a forma específica pela qual se constituiu o capitalismo industrial brasileiro. Centramos nossa atenção na análise de J. Chasin, que qualifica a formação socioeconômica brasileira como de via colonial. Abordamos, então, algumas características que, segundo este autor, distinguem o Brasil dos países clássicos e dos países de via prussiana: uma industrialização ultra-retardatária e de lenta implantação; o abandono, pela burguesia, de suas tarefas históricas e sua submissão à burguesia dos países centrais; a ausência de democracia; a conciliação entre novo e velho; a dissociação entre progresso social e evolução nacional, entre outras. Palavras-chave: Brasil - história; Brasil - industrialização – história. THE CONSTITUTION OF THE INDUSTRIAL CAPITALISM IN BRAZIL: THE COLONIAL WAY ABSTRACT This work discusses the specific form took by the constitution of the brazilian industrial capitalism. The main focus is on the analysis by J. Chasin, who discovered that the brazilian social and economic formation was in the Colonial way. The article presents some of the characteristics that, according to that author, distinguish Brazil from the classical countries as well as from those of the Prussian way: an ultra-late and very slowly developed industrialization; the resignation by the bourgeoisie from its historical tasks and its submission to 1

Upload: doanque

Post on 10-Nov-2018

219 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Verinotio - Revista On-line de Educaccedilatildeo e Ciecircncias Humanas Nordm 1 Ano I Outubro de 2004 periodicidade semestral ndash ISSN 1981-061X

CONSTITUICcedilAtildeO DO CAPITALISMO INDUSTRIAL NO BRASIL A VIA COLONIAL

Vacircnia Noeli Ferreira de Assunccedilatildeo

RESUMO

Este texto discute a forma especiacutefica pela qual se constituiu o

capitalismo industrial brasileiro Centramos nossa atenccedilatildeo na anaacutelise de J

Chasin que qualifica a formaccedilatildeo socioeconocircmica brasileira como de via

colonial Abordamos entatildeo algumas caracteriacutesticas que segundo este autor

distinguem o Brasil dos paiacuteses claacutessicos e dos paiacuteses de via prussiana uma

industrializaccedilatildeo ultra-retardataacuteria e de lenta implantaccedilatildeo o abandono pela

burguesia de suas tarefas histoacutericas e sua submissatildeo agrave burguesia dos paiacuteses

centrais a ausecircncia de democracia a conciliaccedilatildeo entre novo e velho a

dissociaccedilatildeo entre progresso social e evoluccedilatildeo nacional entre outras

Palavras-chave Brasil - histoacuteria Brasil - industrializaccedilatildeo ndash histoacuteria

THE CONSTITUTION OF THE INDUSTRIAL CAPITALISM IN BRAZIL THE COLONIAL WAY

ABSTRACT

This work discusses the specific form took by the constitution of the

brazilian industrial capitalism The main focus is on the analysis by J Chasin

who discovered that the brazilian social and economic formation was in the

Colonial way The article presents some of the characteristics that according to

that author distinguish Brazil from the classical countries as well as from those

of the Prussian way an ultra-late and very slowly developed industrialization

the resignation by the bourgeoisie from its historical tasks and its submission to

1

the bourgeoisie from developed countries the lack of democracy the

conciliation between new and old the dissociation of social development from

national evolution among others

Keywords Brazil - History Brazil - industrialization - History

Eacute falso supor que o desenvolvimento econocircmico ocorre em uma

diversidade de paiacuteses atraveacutes de uma mesma sucessatildeo de etapas como falsa

tambeacutem eacute a crenccedila em que os paiacuteses subdesenvolvidos encontram-se numa

etapa haacute muito superada pelas naccedilotildees atualmente desenvolvidas e que

portanto seus problemas seriam especiacuteficos da ldquojuventuderdquo a ser superados

no decorrer do tempo

Haacute portanto uma desconsideraccedilatildeo de que o modo de produccedilatildeo

capitalista determina e conteacutem vaacuterias formaccedilotildees sociais em que se define

enquanto formas particulares concretas o seu caraacuteter universal De forma que

o evolver do capital concretiza vaacuterios tipos de capitalismo no que jaacute foi

propriamente denominado desenvolvimento desigual e combinado Sendo

assim as caracteriacutesticas gerais comuns ao sistema natildeo existem senatildeo de

forma abstrata e constituem segundo Marx ldquoum conjunto complexo de

determinaccedilotildees diferentes e divergentesrdquo

Este texto tem o objetivo bastante modesto de apresentar algumas

consideraccedilotildees sobre o capitalismo brasileiro tendo por eixo a sua apreensatildeo

como capitalismo de via colonial Citamos ademais estudos de diversos

autores que natildeo se utilizavam da designaccedilatildeo ldquovia colonialrdquo mas cujas

observaccedilotildees pertinentes ajudam a compreender as determinaccedilotildees desse

caminho especiacutefico[1] Nesse sentido o grande nuacutemero de citaccedilotildees natildeo pocircde

ser evitado A repeticcedilatildeo de ideacuteias tambeacutem eacute uma necessidade devido agrave

complexidade do assunto que soacute pode ser separado dos outros elementos da

realidade para efeitos didaacuteticos

Nossa preocupaccedilatildeo central reside em lembrar que os movimentos

nacionais que surgiram no momento da derrocada do feudalismo e que com a

2

vitoacuteria do capitalismo espalharam-se por todo o planeta se objetivaram com

caracteres peculiares dadas as condiccedilotildees histoacuterico-concretas anteriores com

as quais se mesclaram e dado o proacuteprio processo especiacutefico de sua

entificaccedilatildeo

Florestan Fernandes jaacute ressaltava que natildeo haacute um uacutenico modelo baacutesico

democraacutetico-burguecircs de transformaccedilatildeo capitalista Os requisitos para a

transformaccedilatildeo dizia ele entram em interaccedilatildeo com elementos econocircmicos e

extra-econocircmicos da situaccedilatildeo social e esta hibridez eacute que delimita como se

concretizaraacute histoacuterico-socialmente a transformaccedilatildeo capitalista qual o padratildeo

concreto de dominaccedilatildeo burguesa e quais as probabilidades de a revoluccedilatildeo

burguesa absorver os requisitos centrais da transformaccedilatildeo capitalista

Desconhecer tais diferenccedilas de objetivaccedilatildeo do capitalismo (entre os casos

claacutessicos os casos comuns e os casos atiacutepicos segundo sua denominaccedilatildeo)

leva a uma mistificaccedilatildeo e substancializaccedilatildeo da histoacuteria

Por outras palavras dentro da universalidade do capitalismo existem

vaacuterias formas de concreccedilatildeo Uma delas a via claacutessica foi assim considerada

por Marx porque por diversas circunstacircncias histoacutericas foi aquela que

conduziu agrave constituiccedilatildeo de um mercado mundial e do modo de produccedilatildeo

capitalista o qual por ser o primeiro modo de produccedilatildeo realmente universal

(na medida em que dissolve os modos de produccedilatildeo preacute-capitalistas) abre a

histoacuteria mundial e ademais a possibilidade histoacuterica de superar a fase das

sociedades de classes Tambeacutem foi a mais coerente pois haacute uma interconexatildeo

orgacircnica das partes entre si e em relaccedilatildeo ao todo

Nos paiacuteses que chegaram ao capitalismo pela via claacutessica segundo

Marx e Engels ldquocada etapa do desenvolvimento da burguesia foi acompanhado

de um progresso poliacutetico correspondenterdquo que culmina com a supremacia do

modo de produccedilatildeo capitalista implantado pelas revoluccedilotildees democraacutetico-

burguesas Estas revoluccedilotildees eram movimentos de caraacuteter nacional e popular e

suas propostas e projetos apontavam para o historicamente novo em prejuiacutezo

do historicamente velho

3

Dentro da forma particular claacutessica de objetivaccedilatildeo do capitalismo

existem os caminhos especiacuteficos francecircs e inglecircs por exemplo Marx e Engels

consideraram a Inglaterra o paiacutes tiacutepico do desenvolvimento econocircmico da

burguesia e a Franccedila do desenvolvimento poliacutetico dessa classe Eacute

caracteriacutestico dos caminhos claacutessicos a incorporaccedilatildeo nos movimentos

nacionais do campesinato categoria social mais numerosa e mais difiacutecil de

mover Aiacute para que a burguesia pudesse ldquolucrar soacute os frutos maduros do

triunfordquo foi necessaacuterio levar a revoluccedilatildeo muito aleacutem de sua meta

Poreacutem no interior da totalidade do capitalismo existem formas

particulares natildeo-claacutessicas de objetivaccedilatildeo Uma delas eacute o capitalismo tardio

capitalismo da segunda eacutepoca ou via prussiana O paiacutes tiacutepico desse

desenvolvimento eacute a Alemanha Pela via prussiana os estados nacionais soacute

satildeo formados num momento posterior aos paiacuteses da via claacutessica jaacute entatildeo

plenamente constituiacutedos Nestes paiacuteses o antagonismo entre burguesia e

proletariado jaacute era patente e assumido teoacuterica e praticamente Por outro lado

enquanto que nos paiacuteses de via claacutessica a unidade nacional pocircs-se desde logo

no processo de dissoluccedilatildeo feudal com a constituiccedilatildeo das monarquias

nacionais na Alemanha a problemaacutetica da unidade nacional ainda era

atualiacutessima e tarefa por realizar Isso porque dado o particularismo feudal

existente ateacute quase o final do seacuteculo XIX a Alemanha natildeo passava na

verdade de um punhado de principados independentes cuja proacutepria existecircncia

entravava sua centralizaccedilatildeo territorial

Na Alemanha progresso social e evoluccedilatildeo nacional natildeo se

empuxavam mutuamente mas se encontravam em contraposiccedilatildeo Ali o

desenvolvimento do capitalismo natildeo conseguia produzir uma classe burguesa

capaz de assumir a direccedilatildeo da naccedilatildeo Acresccedila-se a isso que a fraacutegil burguesia

alematilde consciente do antagonismo com o proletariado revolucionaacuterio e

temerosa dos feitos deste abandonou covardemente suas tarefas poliacuteticas

realizando apenas as econocircmicas (unidade monetaacuteria liberdade profissional e

de circulaccedilatildeo etc)

O caso alematildeo apresenta similaridades impressionantes em relaccedilatildeo ao

brasileiro Em ambos os paiacuteses por exemplo a estrutura fundiaacuteria eacute

4

determinada decisivamente pela grande propriedade rural Da mesma forma

os dois paiacuteses adotaram processos de modernizaccedilatildeo marcados fortemente

pela conciliaccedilatildeo o reformismo pelo alto que exclui do plano imediatamente

poliacutetico os momentos de ruptura em que pudessem influir minimamente as

classes subordinadas De igual modo nos dois casos a constituiccedilatildeo do

capitalismo industrial eacute retardataacuteria sofrendo as contingecircncias impostas por

forccedilas adversas e o desenvolvimento das forccedilas produtivas daacute-se

lentamente[2]

Tais semelhanccedilas bastariam para caracterizar o capitalismo brasileiro

como sendo de via prussiana Alguns assim o fizeram Contudo desde os idos

de 1977 o pensador brasileiro J Chasin estudava como a formaccedilatildeo histoacuterico-

social brasileira se pocircs por um caminho especiacutefico diferente do alematildeo Chasin

apontava as abissais diferenccedilas que separam mesmo os aspectos

semelhantes entre Brasil e Alemanha

Dessa forma a grande propriedade rural tem gecircnese histoacuterica distinta

nos dois paiacuteses a propriedade feudal tiacutepica no caso alematildeo a empresa

colonial do capitalismo mercantil no caso brasileiro A industrializaccedilatildeo alematilde

mesmo que atrasada em relaccedilatildeo aos paiacuteses claacutessicos jaacute estaacute se pondo no

seacuteculo XIX atingindo ao depois presteza e vigor tantos que alccedila agrave condiccedilatildeo de

paiacutes imperialista No Brasil como eacute sabido apenas muito mais tardiamente

quando as guerras imperialistas (que incluiacuteam a Alemanha) jaacute estavam em

curso eacute que efetivamente teve iniacutecio a industrializaccedilatildeo Mesmo esta contudo

jamais foi capaz de romper com a subordinaccedilatildeo aos poacutelos hegemocircnicos da

economia internacional Ou seja embora antidemocraacutetica a burguesia alematilde

se autodetermina enquanto que a burguesia brasileira aleacutem de

antidemocraacutetica eacute caudataacuteria incapaz por iniciativa e forccedila proacuteprias de reagir

diante da dominaccedilatildeo imperialista

Segundo Chasin tatildeo importantes diferenccedilas entre ambos os paiacuteses

iam muito aleacutem de especificidades dentro de uma mesma forma particular de

capitalismo Estaacute-se diz ele diante de um outro caminho diferente dos

claacutessicos e tambeacutem diferente do prussiano caminho este que ele denominou

via colonial de objetivaccedilatildeo do capitalismo[3]

5

Satildeo caracteriacutesticas deste caminho particular entre outras uma

estrutura agraacuteria em que eacute decisiva a presenccedila da grande propriedade de

origem colonial cuja produccedilatildeo estaacute voltada para o exterior as modificaccedilotildees

satildeo realizadas ldquopelo altordquo conciliando interesses sem a participaccedilatildeo do povo e

excluindo as rupturas superadoras o desenvolvimento das forccedilas produtivas eacute

bem mais lento do que nos paiacuteses claacutessicos e ainda mais a implantaccedilatildeo e

progressatildeo do capitalismo industrial eacute ultra-retardataacuteria sofrendo em seu

desenvolvimento obstaculizaccedilotildees e refreamentos de todo tipo esse retardo

histoacuterico e esse desenvolvimento retraiacutedo aditam-se a um inacabamento de

classes em que a burguesia deixa de realizar suas tarefas histoacutericas e os

trabalhadores precisam tomar como suas as bandeiras que outrora e alhures

estavam nas matildeos da burguesia revolucionaacuteria como a democracia

Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia

Conforme jaacute referimos como caracteriacutestica geral podemos afirmar

sinteticamente de acordo com Chasin que a constituiccedilatildeo do capitalismo

industrial brasileiro ocorreu de forma ultra-retardataacuteria lenta e sem se chocar

com a velha ordem agroexportadora Esta como se sabe estava voltada agrave

satisfaccedilatildeo de necessidades externas ao paiacutes

Esse surgimento estruturalmente subsumido ao mercado capitalista

europeu entatildeo em constituiccedilatildeo condicionou o fato de que a burguesia brasileira

seja sujeita agraves burguesias dos paiacuteses do centro capitalista Ela jamais buscou

por meio de um processo revolucionaacuterio de massas sua emancipaccedilatildeo

econocircmica e poliacutetica mesmo - ou melhor dizendo principalmente - em eacutepocas

mais recentes da histoacuteria brasileira

Caio Prado Jr buscava as raiacutezes dessa dependecircncia e subordinaccedilatildeo

orgacircnicas no proacuteprio processo de constituiccedilatildeo da sociedade brasileira Afinal

viemos agrave luz como ldquoEconomia de exportaccedilatildeo constituiacuteda para o fim de fornecer

gecircneros alimentiacutecios e mateacuterias-primas tropicaisrdquo a outros paiacuteses e populaccedilotildees

pelo que estaremos organizados e funcionando ldquoem ligaccedilatildeo iacutentima e estreita

dependecircncia do comeacutercio ultramarinordquo que nos gerou (Prado Jr 1972 p 270)

De forma que nossa economia de origem colonial eacute oposta a uma verdadeira

6

economia nacional jaacute que a vida econocircmica existente natildeo estaacute voltada a

atender agraves necessidades das pessoas que aqui habitam mas agraves de grupos

internacionais

Momento fundamental de objetivaccedilatildeo do capitalismo natildeo-claacutessico eacute a

industrializaccedilatildeo que traz consigo o essencial das caracteriacutesticas mais globais

do sistema e se constitui ao mesmo tempo em resultado de sua interaccedilatildeo com

os elementos presentes na realidade especiacutefica em que se potildee Isso porque o

desencadeamento de um processo industrializante implica um ldquoconjunto de

exigecircncias econocircmicas e histoacutericas internas e externas agrave sociedade dada

suficientemente complexo para admitir uma gama de formas de realizaccedilatildeordquo ndash e

pois a industrializaccedilatildeo ldquolonge de ser uma fase lsquonaturalrsquo do desenvolvimento

histoacuterico de todas as naccedilotildees eacute um processo que soacute alcanccedila ecircxito agrave custa de

reorganizaccedilotildees de tensotildees muito intensas no interior da sociedaderdquo (Cohn

1978 p 286) Por este motivo a anaacutelise do processo de industrializaccedilatildeo

brasileiro eacute fundamental para a compreensatildeo do caraacuteter especiacutefico do

capitalismo aqui existente

Sabe-se que a industrializaccedilatildeo eacute algo bem diverso da mera criaccedilatildeo de

induacutestrias trata-se de um conjunto de mudanccedilas dotado de uma certa

continuidade e de um sentido ndash este dado pela transformaccedilatildeo integral de um

sistema econocircmico-social de base natildeo industrial (agro-exportadora no nosso

caso) Eacute pois um processo para cuja ocorrecircncia deve concorrer todo um

conjunto de condiccedilotildees histoacutericas sob pena de reproduzir o fenocircmeno ciacuteclico

que conhecemos tatildeo bem (Cohn 1978)

Mas como se sabe a sorte da induacutestria nacional estava sempre

ldquoindissoluvelmente ligada e estreitamente subordinada agraves vicissitudes de um

fator inteiramente estranho a ela e sobre que natildeo tem a mais remota accedilatildeo o

comeacutercio exterior e o balanccedilo de contas internacionais do paiacutes bem como o

estado das financcedilas puacuteblicas e o ritmo das emissotildees destinadas a cobrir as

despesas do Estadordquo (Prado Jr 1972 p 266)

A resultante eacute que a industrializaccedilatildeo que se processou no Brasil eacute

hipertardia retardataacuteria lerda uma ldquoindustrializaccedilatildeo que se atrasa

7

indefinidamente no tempo que se descola do desenvolvimento do mercado

interno da revoluccedilatildeo agraacuteria e da revoluccedilatildeo urbana ou que se daacute sem que tais

processos adquiram certa velocidade e intensidaderdquo no dizer de Florestan

Fernandes O fato de as mudanccedilas serem tardias lentas e limitadas acaba

submetendo a industrializaccedilatildeo a todo um complexo de ldquooscilaccedilotildees conjunturais

intermitecircncias estruturais e inconsistecircncias institucionais ou seja um fraco

impulso intriacutenseco de diferenciaccedilatildeo aceleraccedilatildeo constante e universalizaccedilatildeo do

crescimento industrialrdquo (Fernandes 1981 p 298)

Lembre-se de que nas origens da induacutestria nacional o capitalismo

brasileiro entatildeo em crise precisava de uma alternativa para a ordem

agroexportadora predominante amplamente caracterizada pela alternaccedilatildeo

entre ciclos econocircmicos expansionistas e a consequumlente decadecircncia posterior

Sabe-se da importacircncia que tiveram as relaccedilotildees imperialistas tanto para o auge

quanto para o decliacutenio daquela economia especialmente no que tange agrave

intermediaccedilatildeo comercial e financeira Eacute apenas no interior da dialeacutetica do auge

e decadecircncia concomitante do sistema agroexportador que a industrializaccedilatildeo

brasileira se potildee E potildee-se somente como uma das possibilidades dentre as

alternativas de diferenciaccedilatildeo de atividades buscadas em face da crise do cafeacute

Se a Revoluccedilatildeo de 30 vem marcar o fim da hegemonia

agroexportadora e o iniacutecio da predominacircncia da induacutestria seraacute apenas em

1956 que a participaccedilatildeo da induacutestria na renda interna ultrapassa a da

agricultura A partir daiacute o processo de industrializaccedilatildeo se daacute de forma mais

contiacutenua sem as tantas interrupccedilotildees da histoacuteria de vaacuterios comeccedilos que foi a da

industrializaccedilatildeo brasileira (Chasin 2000)

Mas eacute importante salientar ainda uma vez que aleacutem de hiper-

retardataacuterio o domiacutenio do capital industrial em seu processo de constituiccedilatildeo

histoacuterica no Brasil natildeo conseguiu ultrapassar o niacutevel da incipiecircncia durante

toda a primeira metade do seacuteculo passado No final da deacutecada de 70 ainda natildeo

havia se completado tanto que a questatildeo da produccedilatildeo de bens de capital

estava na ordem do dia

8

Por outro lado a eclosatildeo industrial mantinha-se submetida ao velho

modelo dos ciclos econocircmicos tatildeo destrutivo para o desenvolvimento de uma

economia capitalista integrada As enormes diferenccedilas de desenvolvimento no

interior do paiacutes e as tantas aacutereas em profunda decadecircncia satildeo produtos dos

muitos periacuteodos econocircmicos que vivemos todos eles voltados a atender os

interesses do estrangeiro Estes ciclos tambeacutem estatildeo sempre largamente

relacionados agrave conjuntura internacional de forma que qualquer atividade

econocircmica brasileira ldquopode ser gravemente afetada mesmo paralisada de um

momento para o outro em virtude de ocorrecircncias longiacutenquas nos grandes

centros financeiros do mundordquo (Prado Jr 1972 p 281)

Essa industrializaccedilatildeo lenta retardataacuteria inorgacircnica e natildeo autocentrada

gera muitos e profundos problemas cuja tentativa de soluccedilatildeo leva ao

intervencionismo estatal e ao empuxo externo dos centros dinacircmicos

capitalistas de forma que no dizer de Florestan Fernandes ldquoa revoluccedilatildeo

nacional continuaria a ser dimensionada pela infausta conjugaccedilatildeo orgacircnica de

desenvolvimento desigual interno e dominaccedilatildeo imperialista externardquo repetindo

o ciacuterculo vicioso

Darcy Ribeiro jaacute chamava a atenccedilatildeo para o que denominou

industrializaccedilatildeo recolonizadora que promovida pelos capitais internacionais

diretamente ou em associaccedilatildeo com os capitais nacionais atua nos paiacuteses

subordinados como fator de atraso embora ocorra a modernizaccedilatildeo reflexiva da

produccedilatildeo e a substituiccedilatildeo de importaccedilotildees o excedente econocircmico aqui

produzido eacute remetido para fora e uma classe burguesa orgacircnica daacute lugar a um

empresariado gerencial cujo compromisso eacute remeter o lucro a seus patrotildees

(Apud Rago 1998 p 31) De fato a burguesia brasileira estaacute desde sempre

associada aos interesses de grupos estrangeiros que exploram as riquezas do

paiacutes de forma que assume o interesse daqueles como seu A classe

dominante brasileira atua portanto como um agente da dominaccedilatildeo externa - ldquoeacute

irmatilde siamesa dos que nos exploram a partir de fora e que natildeo tecircm nenhuma

razatildeo especial aleacutem da continuidade e do crescimento do butim para desejar

a vigecircncia de uma repuacuteblica democraacutetica e compartilha com eles a

responsabilidade pelo neocolonialismo imperanterdquo (Apud Rago 1998 p 33)

9

Esses dois fatos conjugados ndash submissatildeo ao imperialismo e

crescimento econocircmico em ciclos ndash vatildeo atentar contra a inteireza e

organicidade do capitalismo nacional que desta maneira fica atrofiado Em

primeiro lugar conforme salienta Florestan porque os surtos e ciclos de

crescimento econocircmico raacutepido ldquoexpunham essas classes e estratos de classe

arcaicos ou modernos a uma intensa e incontrolaacutevel avidez por lsquooportunidadesrsquo

e lsquovantagens estrateacutegicasrsquo novasrdquo dificultando a constituiccedilatildeo de uma

organicidade e uma universalidade de interesses Ou como complementa Caio

Prado o funcionamento ldquocaoacuteticordquo e ldquoinorgacircnicordquo do capitalismo nacional

estimula as especulaccedilotildees e a busca por ldquosituaccedilotildees anormais e oportunistasrdquo

das quais as burguesias imperialista e nacional-associada buscam ldquotirar partido

momentacircneo seja embora com o mais grave dano para a economia geral do

paiacutesrdquo Faltava portanto coesatildeo agrave burguesia industrial de forma que durante

muito tempo natildeo tivemos nem mesmo uma classe digna desse nome senatildeo

apenas burgueses industriais individuais[4]

Eacute por isso que eram tatildeo limitadas as reivindicaccedilotildees formuladas pelos

representantes da induacutestria no iniacutecio do seacuteculo XX vindiacutecias que se

concentravam quase sempre em exigecircncias de medidas protecionistas de niacutevel

tarifaacuterio e jamais conseguiam visualizar o proacuteprio processo de industrializaccedilatildeo

interna Satildeo reivindicaccedilotildees parciais porque em geral se referem a produtos

especiacuteficos exprimem interesses particulares e natildeo de toda uma classe (Cohn

1978 Prado Jr 1972)[5]

Essa ausecircncia de organicidade compele as classes burguesas a se

omitirem ou mesmo a se anularem diante de certas tarefas praacuteticas

especificamente burguesas Por isso as grandes tarefas da burguesia nacional

acabaram sendo levadas a cabo natildeo por ela mas pelo Estado ndash algumas

vezes ateacute contra seus interesses imediatos embora sempre em seu favor[6]

Em outros termos da convergecircncia artificial e necessariamente contingente de

interesses ldquoresulta um tipo especial de impotecircncia burguesa que faz convergir

para o Estado nacional o nuacutecleo do poder de decisatildeo e de atuaccedilatildeo da

burguesia O que esta natildeo pode fazer na esfera privada tenta conseguir

10

utilizando como sua base de accedilatildeo estrateacutegica a maquinaria os recursos e o

poder do Estadordquo (Fernandes 1981 p 350)

Este aspecto tambeacutem foi abordado por Carlos Nelson Coutinho Este

autor salienta que no Brasil ldquoO Estado foi sempre o protagonista desse

processo de modernizaccedilatildeo e a burguesia revelou ao longo de praticamente

toda a histoacuteria brasileira poacutes-30 que estava muito presa a seus interesses

econocircmico-corporativos e incapaz de chegar ao niacutevel da consciecircncia eacutetico-

poliacuteticardquo de forma que a ldquoprivatizaccedilatildeo do Estado aqui assume caracteriacutesticas

patoloacutegicas (mesmo no sentido de um Estado capitalista)rdquo (Coutinho 1967 p

142) E de fato sem o controle absoluto do poder estatal natildeo se poderia

pensar como a burguesia consegue se apropriar com tamanha seguranccedila do

excedente econocircmico nacional Eacute graccedilas ao forte apoio do aparato estatal que

tivemos poucas movimentaccedilotildees sociais ameaccedilando o poder constituiacutedo

quando se as compara com as quase inacreditaacuteveis desigualdades sociais

brasileiras

Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional

A superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho tambeacutem eacute uma caracteriacutestica

do paiacutes e tem raiacutezes firmemente plantadas na histoacuteria nacional Lembre-se

antes de mais que fomos o uacuteltimo paiacutes do mundo a abolir a escravidatildeo e que

uma instituiccedilatildeo como esta demanda longo tempo para perder influecircncia na

ideologia e nas praacuteticas sociais

Mesmo com o trabalho assalariado a superexploraccedilatildeo permaneceu

com o pagamento da forccedila de trabalho abaixo de seu valor histoacuterico Este

fenocircmeno baixa dramaticamente o niacutevel econocircmico da populaccedilatildeo brasileira ndash

tanto que a constituiccedilatildeo de um mercado interno foi dos mais graves problemas

enfrentados no processo de industrializaccedilatildeo Se eacute da proacutepria natureza do

capital apropriar-se da mais-valia produzida pelo trabalhador no Brasil este

sofre uma dupla exploraccedilatildeo da burguesia autoacutectone e principalmente do

imperialismo internacional De forma que a exploraccedilatildeo da forccedila de trabalho

11

adquire aqui contornos mais dramaacuteticos dado que como observava Caio

Prado ldquonesse processo natildeo eacute apenas a classe trabalhadora que se desfalca

mas o paiacutes em conjunto que vecirc escoar-se para fora de suas fronteiras a

melhor parcela de suas riquezas e recursosrdquo ndash e uma das consequumlecircncias seraacute

justamente a inapetecircncia e lentidatildeo da acumulaccedilatildeo capitalista como jaacute citamos

(Prado Jr 1972 p 280)

Como sintetiza Chasin no Brasil pela forma particular como se

constituiu ldquoacumulaccedilatildeo moderna e dinacircmica e pauperismo estrutural ou

superexploraccedilatildeo do trabalho perfazem os membros contraditoacuterios de uma

mesma equaccedilatildeo unitaacuteria do capitalrdquo (Chasin 1986 p 3) Em nossa realidade

toda modernizaccedilatildeo tem significado a reproduccedilatildeo da miseacuteria das massas e da

subordinaccedilatildeo estrutural[7] A extrema desigualdade social brasileira eacute portanto

retrato de uma determinada maneira de ser do capital ldquoque reitera de modo

particularmente agigantado a loacutegica intriacutenseca de todo capital a produccedilatildeo em

paralelo de imensa riqueza e de imensa miseacuteriardquo (Chasin 1986 pp 2-3)

Potildee-se dessa forma uma entificaccedilatildeo social que quanto mais se

moderniza mais exclui as massas do gozo da modernidade poliacutetica e social

Esse tipo de capitalismo que imola a sociedade brasileira eacute o capitalismo

possiacutevel por aqui um ldquocapitalismo selvagem e difiacutecil cuja viabilidade se decide

com frequumlecircncia por meios poliacuteticos e no terreno poliacuteticordquo diraacute Florestan

Tal situaccedilatildeo ndash jaacute o referimos ndash natildeo poderia ser mantida com seguranccedila

por longo prazo sem o recurso agrave forccedila e ao monopoacutelio do poder De fato os

estudiosos tecircm chamado a atenccedilatildeo para a ldquoforte associaccedilatildeo racional entre

desenvolvimento capitalista e autocraciardquo em que se acaba restringindo a

noccedilatildeo de democracia ldquoaos membros das classes possuidoras que se

qualifiquem econocircmica social e politicamente para o exerciacutecio da dominaccedilatildeo

burguesardquo (Fernandes 1981 p 292)

As mudanccedilas sociais ocorridas no Brasil mesmo considerando as suas

fundas contraditoriedades e as inuacutemeras vicissitudes consistiram sempre na

ldquopassagem de uma forma de poder para outra conservando intactas a

natureza deste mesmo poder e a sustentaccedilatildeo fundamental que o gera e anima

12

o complexo de um periacuteodo de uma particular acumulaccedilatildeo capitalista expresso

numa poliacutetica econocircmica que natildeo eacute posta em causardquo (Chasin 1982 p 9)

Antes ao contraacuterio tem-se agido sempre ndash e justificado tudo ndash para manter

intocada esta forma brutal de acumulaccedilatildeo capitalista o que pode ser expresso

naquela ceacutelebre maacutexima que proclamava a eventual necessidade de mudar

tudo para que tudo continue como estaacute[8]

De instauraccedilatildeo ultra-retardataacuteria de progresso lento e estruturalmente

atrofiado resultado da conciliaccedilatildeo com as forccedilas sociais representantes de

formas socioeconocircmicas inferiores e da subsunccedilatildeo ao capital hegemocircnico

mundial o capitalismo brasileiro eacute capaz de realizar apenas uma modernizaccedilatildeo

excludente em que o progresso social estaacute radicalmente dissociado da

evoluccedilatildeo nacional [9]

Eacute importante salientar outro aspecto distintivo dos paiacuteses que

chegaram ao capitalismo por uma via natildeo-claacutessica nesses paiacuteses jamais

houve uma revoluccedilatildeo burguesa Marx destacava quando agrave revoluccedilatildeo de marccedilo

de 1848 na Pruacutessia que esta natildeo deveria ser confundida com as revoluccedilotildees de

tipo europeu das quais natildeo era senatildeo um eco debilitado num paiacutes retardataacuterio

ldquouma revoluccedilatildeo secundaacuteriardquo cuja ldquoambiccedilatildeo consistia em querer ser um

anacronismordquo Jaacute na via colonial do Brasil paiacutes hiper-retardataacuterio ldquoa

encarnaccedilatildeo burguesa do anacronismo dispensou ateacute mesmo revoluccedilotildees

terciaacuterias Ou seja jamais completou seu partordquo (Chasin 1985 pp IX-X)

A ausecircncia de uma revoluccedilatildeo democraacutetico-burguesa impediu que a

burguesia brasileira forjasse uma identidade nacional e se projetasse para

todas as classes sociais dado que natildeo estava dotada de ldquouma dinacircmica

proacutepria que pudesse efetivamente representar os interesses das demais

categorias sociaisrdquo (Rago 1998 p 17) Por outros termos a burguesia

brasileira pela sua estruturaccedilatildeo histoacuterica natildeo pode realizar seu papel de

universalizante poliacutetico ldquo- natildeo pode se ver e assumir na particularidade de seus

interesses como representante de todas as categorias sociais da sociedade

em seu conjuntordquo (Chasin 1982 p 11)

13

Essa eacute uma causa e ao mesmo tempo um efeito do que observou

Carlos Nelson Coutinho

No Brasil bem como na generalidade dos paiacuteses coloniais ou

dependentes a evoluccedilatildeo do capitalismo natildeo foi antecedida por uma eacutepoca de

ilusotildees humanistas e de tentativas - mesmo utoacutepicas - de realizar na praacutetica o

ldquocidadatildeordquo e a comunidade democraacutetica Os movimentos neste sentido

ocorridos no seacuteculo passado e no iniacutecio deste seacuteculo foram sempre agitaccedilotildees

superficiais sem nenhum caraacuteter verdadeiramente nacional e popular

(Coutinho 1967 p 142)

O outro lado da moeda eacute portanto que na ausecircncia de uma revoluccedilatildeo

democraacutetico-burguesa as massas natildeo tiveram oportunidade de participar do

processo de constituiccedilatildeo de uma nova ordem Com isto natildeo puderam

minimamente interferir nem fazer valer algumas de suas reivindicaccedilotildees

Tambeacutem nesse aspecto a forccedila do imperialismo se faz presente Jaacute

vimos que no caminho do Brasil ao capitalismo industrial o verdadeiro

capitalismo a presenccedila do imperialismo seraacute decisiva e seu papel

hegemocircnico Com a importante constataccedilatildeo de que o ldquocapital estrangeiro

moderniza mas ao mesmo tempo retira da modernizaccedilatildeo o seu conteuacutedo e

sentido revolucionaacuteriordquo daiacute resultando que ldquotemos uma sociedade que pode

avanccedilar no sentido do desenvolvimento capitalista mas raramente pode

associar esse desenvolvimento capitalista a uma democracia que estenda a

todos as liberdades fundamentais dos cidadatildeos as garantias sociaisrdquo

(Fernandes 1989 p 137)

Constituindo-se num momento em que as lutas de classe jaacute se punham

no plano internacional a burguesia do capital atrofiado brasileiro apavorou-se

das revoluccedilotildees aliou-se aos representantes do historicamente velho as

antigas classes dominantes e ldquooperou no interior da economia retroacutegrada e

fragmentadardquo Quando as modificaccedilotildees poliacuteticas se faziam imprescindiacuteveis

eram realizadas ldquopelo altordquo compondo e recompondo com as ldquovelhas classesrdquo

ldquoatraveacutes de conciliaccedilotildees e concessotildees muacutetuas sem que o povo participasse

das decisotildees e impusesse organicamente sua vontade coletivardquo (Coutinho

1967 p 142)

14

ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta

tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash

tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o

capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o

Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)

Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do

seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins

universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a

ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu

interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)

Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro

capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica

Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada

a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria

criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que

ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional

simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou

dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na

salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins

foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)

Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de

suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma

transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo

(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria

contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico

lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo

nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute

essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional

e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma

que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A

somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato

extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia

15

detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente

necessaacuterias

Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo

Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as

regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel

reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e

compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na

generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de

questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada

sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da

angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo

fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e

abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)

Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como

servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas

populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era

mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem

social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato

importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas

ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle

societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem

lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981

p 333)

Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas

atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se

faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o

plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui

inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa

forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em

que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito

aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se

subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes

16

De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital

atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas

as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se

necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma

democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e

de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias

(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa

A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o

caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente

com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a

sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia

baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica

natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o

Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos

anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da

Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela

repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo

Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao

suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e

aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da

vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a

democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente

atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)

A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo

Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se

exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e

obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a

histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo

do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da

superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos

ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a

malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo

17

articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo

proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do

poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)

Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca

completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua

incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo

tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a

loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo

excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo

burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a

imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a

autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a

primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute

sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa

maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro

integracionista e participativo de todas as categorias sociais

Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia

para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees

historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o

capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute

catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)

Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo

gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos

proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia

liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar

com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe

do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo

se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave

sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar

ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute

vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo

18

De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a

covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin

1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se

reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia

burguesa correspondente ao capital atroacutefico

O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao

mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem

confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto

inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de

chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo

anterior

O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da

globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente

parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas

produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do

mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica

nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se

daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que

tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo

podem ou natildeo se inserir

Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o

paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute

substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua

maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo

global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos

atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se

alcanccedila

Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte

precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades

e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute

pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode

19

vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso

jaacute eacute assunto para outro texto

Bibliografia

CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo

Paulo Escrita

___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio

1718 Satildeo Paulo Ensaio

_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad

Hominem

_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem

______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in

Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad

Hominem

COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil

em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel

COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e

Terra

FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de

Janeiro Zahar

_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718

Satildeo Paulo Ensaio

20

PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo

Brasiliense

RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em

Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo

RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do

Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita

Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de

Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias

Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na

Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo

Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail

vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles

Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria

chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais

semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por

uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da

ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse

aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem

de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar

apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo

de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo

deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que

vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do

Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes

que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que

Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo

natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa

industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente

21

22

separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas

cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a

predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais

luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que

implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com

isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute

a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute

submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os

paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo

de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o

periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se

ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho

salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando

o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por

realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da

revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano

  • Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
  • Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
  • Bibliografia

the bourgeoisie from developed countries the lack of democracy the

conciliation between new and old the dissociation of social development from

national evolution among others

Keywords Brazil - History Brazil - industrialization - History

Eacute falso supor que o desenvolvimento econocircmico ocorre em uma

diversidade de paiacuteses atraveacutes de uma mesma sucessatildeo de etapas como falsa

tambeacutem eacute a crenccedila em que os paiacuteses subdesenvolvidos encontram-se numa

etapa haacute muito superada pelas naccedilotildees atualmente desenvolvidas e que

portanto seus problemas seriam especiacuteficos da ldquojuventuderdquo a ser superados

no decorrer do tempo

Haacute portanto uma desconsideraccedilatildeo de que o modo de produccedilatildeo

capitalista determina e conteacutem vaacuterias formaccedilotildees sociais em que se define

enquanto formas particulares concretas o seu caraacuteter universal De forma que

o evolver do capital concretiza vaacuterios tipos de capitalismo no que jaacute foi

propriamente denominado desenvolvimento desigual e combinado Sendo

assim as caracteriacutesticas gerais comuns ao sistema natildeo existem senatildeo de

forma abstrata e constituem segundo Marx ldquoum conjunto complexo de

determinaccedilotildees diferentes e divergentesrdquo

Este texto tem o objetivo bastante modesto de apresentar algumas

consideraccedilotildees sobre o capitalismo brasileiro tendo por eixo a sua apreensatildeo

como capitalismo de via colonial Citamos ademais estudos de diversos

autores que natildeo se utilizavam da designaccedilatildeo ldquovia colonialrdquo mas cujas

observaccedilotildees pertinentes ajudam a compreender as determinaccedilotildees desse

caminho especiacutefico[1] Nesse sentido o grande nuacutemero de citaccedilotildees natildeo pocircde

ser evitado A repeticcedilatildeo de ideacuteias tambeacutem eacute uma necessidade devido agrave

complexidade do assunto que soacute pode ser separado dos outros elementos da

realidade para efeitos didaacuteticos

Nossa preocupaccedilatildeo central reside em lembrar que os movimentos

nacionais que surgiram no momento da derrocada do feudalismo e que com a

2

vitoacuteria do capitalismo espalharam-se por todo o planeta se objetivaram com

caracteres peculiares dadas as condiccedilotildees histoacuterico-concretas anteriores com

as quais se mesclaram e dado o proacuteprio processo especiacutefico de sua

entificaccedilatildeo

Florestan Fernandes jaacute ressaltava que natildeo haacute um uacutenico modelo baacutesico

democraacutetico-burguecircs de transformaccedilatildeo capitalista Os requisitos para a

transformaccedilatildeo dizia ele entram em interaccedilatildeo com elementos econocircmicos e

extra-econocircmicos da situaccedilatildeo social e esta hibridez eacute que delimita como se

concretizaraacute histoacuterico-socialmente a transformaccedilatildeo capitalista qual o padratildeo

concreto de dominaccedilatildeo burguesa e quais as probabilidades de a revoluccedilatildeo

burguesa absorver os requisitos centrais da transformaccedilatildeo capitalista

Desconhecer tais diferenccedilas de objetivaccedilatildeo do capitalismo (entre os casos

claacutessicos os casos comuns e os casos atiacutepicos segundo sua denominaccedilatildeo)

leva a uma mistificaccedilatildeo e substancializaccedilatildeo da histoacuteria

Por outras palavras dentro da universalidade do capitalismo existem

vaacuterias formas de concreccedilatildeo Uma delas a via claacutessica foi assim considerada

por Marx porque por diversas circunstacircncias histoacutericas foi aquela que

conduziu agrave constituiccedilatildeo de um mercado mundial e do modo de produccedilatildeo

capitalista o qual por ser o primeiro modo de produccedilatildeo realmente universal

(na medida em que dissolve os modos de produccedilatildeo preacute-capitalistas) abre a

histoacuteria mundial e ademais a possibilidade histoacuterica de superar a fase das

sociedades de classes Tambeacutem foi a mais coerente pois haacute uma interconexatildeo

orgacircnica das partes entre si e em relaccedilatildeo ao todo

Nos paiacuteses que chegaram ao capitalismo pela via claacutessica segundo

Marx e Engels ldquocada etapa do desenvolvimento da burguesia foi acompanhado

de um progresso poliacutetico correspondenterdquo que culmina com a supremacia do

modo de produccedilatildeo capitalista implantado pelas revoluccedilotildees democraacutetico-

burguesas Estas revoluccedilotildees eram movimentos de caraacuteter nacional e popular e

suas propostas e projetos apontavam para o historicamente novo em prejuiacutezo

do historicamente velho

3

Dentro da forma particular claacutessica de objetivaccedilatildeo do capitalismo

existem os caminhos especiacuteficos francecircs e inglecircs por exemplo Marx e Engels

consideraram a Inglaterra o paiacutes tiacutepico do desenvolvimento econocircmico da

burguesia e a Franccedila do desenvolvimento poliacutetico dessa classe Eacute

caracteriacutestico dos caminhos claacutessicos a incorporaccedilatildeo nos movimentos

nacionais do campesinato categoria social mais numerosa e mais difiacutecil de

mover Aiacute para que a burguesia pudesse ldquolucrar soacute os frutos maduros do

triunfordquo foi necessaacuterio levar a revoluccedilatildeo muito aleacutem de sua meta

Poreacutem no interior da totalidade do capitalismo existem formas

particulares natildeo-claacutessicas de objetivaccedilatildeo Uma delas eacute o capitalismo tardio

capitalismo da segunda eacutepoca ou via prussiana O paiacutes tiacutepico desse

desenvolvimento eacute a Alemanha Pela via prussiana os estados nacionais soacute

satildeo formados num momento posterior aos paiacuteses da via claacutessica jaacute entatildeo

plenamente constituiacutedos Nestes paiacuteses o antagonismo entre burguesia e

proletariado jaacute era patente e assumido teoacuterica e praticamente Por outro lado

enquanto que nos paiacuteses de via claacutessica a unidade nacional pocircs-se desde logo

no processo de dissoluccedilatildeo feudal com a constituiccedilatildeo das monarquias

nacionais na Alemanha a problemaacutetica da unidade nacional ainda era

atualiacutessima e tarefa por realizar Isso porque dado o particularismo feudal

existente ateacute quase o final do seacuteculo XIX a Alemanha natildeo passava na

verdade de um punhado de principados independentes cuja proacutepria existecircncia

entravava sua centralizaccedilatildeo territorial

Na Alemanha progresso social e evoluccedilatildeo nacional natildeo se

empuxavam mutuamente mas se encontravam em contraposiccedilatildeo Ali o

desenvolvimento do capitalismo natildeo conseguia produzir uma classe burguesa

capaz de assumir a direccedilatildeo da naccedilatildeo Acresccedila-se a isso que a fraacutegil burguesia

alematilde consciente do antagonismo com o proletariado revolucionaacuterio e

temerosa dos feitos deste abandonou covardemente suas tarefas poliacuteticas

realizando apenas as econocircmicas (unidade monetaacuteria liberdade profissional e

de circulaccedilatildeo etc)

O caso alematildeo apresenta similaridades impressionantes em relaccedilatildeo ao

brasileiro Em ambos os paiacuteses por exemplo a estrutura fundiaacuteria eacute

4

determinada decisivamente pela grande propriedade rural Da mesma forma

os dois paiacuteses adotaram processos de modernizaccedilatildeo marcados fortemente

pela conciliaccedilatildeo o reformismo pelo alto que exclui do plano imediatamente

poliacutetico os momentos de ruptura em que pudessem influir minimamente as

classes subordinadas De igual modo nos dois casos a constituiccedilatildeo do

capitalismo industrial eacute retardataacuteria sofrendo as contingecircncias impostas por

forccedilas adversas e o desenvolvimento das forccedilas produtivas daacute-se

lentamente[2]

Tais semelhanccedilas bastariam para caracterizar o capitalismo brasileiro

como sendo de via prussiana Alguns assim o fizeram Contudo desde os idos

de 1977 o pensador brasileiro J Chasin estudava como a formaccedilatildeo histoacuterico-

social brasileira se pocircs por um caminho especiacutefico diferente do alematildeo Chasin

apontava as abissais diferenccedilas que separam mesmo os aspectos

semelhantes entre Brasil e Alemanha

Dessa forma a grande propriedade rural tem gecircnese histoacuterica distinta

nos dois paiacuteses a propriedade feudal tiacutepica no caso alematildeo a empresa

colonial do capitalismo mercantil no caso brasileiro A industrializaccedilatildeo alematilde

mesmo que atrasada em relaccedilatildeo aos paiacuteses claacutessicos jaacute estaacute se pondo no

seacuteculo XIX atingindo ao depois presteza e vigor tantos que alccedila agrave condiccedilatildeo de

paiacutes imperialista No Brasil como eacute sabido apenas muito mais tardiamente

quando as guerras imperialistas (que incluiacuteam a Alemanha) jaacute estavam em

curso eacute que efetivamente teve iniacutecio a industrializaccedilatildeo Mesmo esta contudo

jamais foi capaz de romper com a subordinaccedilatildeo aos poacutelos hegemocircnicos da

economia internacional Ou seja embora antidemocraacutetica a burguesia alematilde

se autodetermina enquanto que a burguesia brasileira aleacutem de

antidemocraacutetica eacute caudataacuteria incapaz por iniciativa e forccedila proacuteprias de reagir

diante da dominaccedilatildeo imperialista

Segundo Chasin tatildeo importantes diferenccedilas entre ambos os paiacuteses

iam muito aleacutem de especificidades dentro de uma mesma forma particular de

capitalismo Estaacute-se diz ele diante de um outro caminho diferente dos

claacutessicos e tambeacutem diferente do prussiano caminho este que ele denominou

via colonial de objetivaccedilatildeo do capitalismo[3]

5

Satildeo caracteriacutesticas deste caminho particular entre outras uma

estrutura agraacuteria em que eacute decisiva a presenccedila da grande propriedade de

origem colonial cuja produccedilatildeo estaacute voltada para o exterior as modificaccedilotildees

satildeo realizadas ldquopelo altordquo conciliando interesses sem a participaccedilatildeo do povo e

excluindo as rupturas superadoras o desenvolvimento das forccedilas produtivas eacute

bem mais lento do que nos paiacuteses claacutessicos e ainda mais a implantaccedilatildeo e

progressatildeo do capitalismo industrial eacute ultra-retardataacuteria sofrendo em seu

desenvolvimento obstaculizaccedilotildees e refreamentos de todo tipo esse retardo

histoacuterico e esse desenvolvimento retraiacutedo aditam-se a um inacabamento de

classes em que a burguesia deixa de realizar suas tarefas histoacutericas e os

trabalhadores precisam tomar como suas as bandeiras que outrora e alhures

estavam nas matildeos da burguesia revolucionaacuteria como a democracia

Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia

Conforme jaacute referimos como caracteriacutestica geral podemos afirmar

sinteticamente de acordo com Chasin que a constituiccedilatildeo do capitalismo

industrial brasileiro ocorreu de forma ultra-retardataacuteria lenta e sem se chocar

com a velha ordem agroexportadora Esta como se sabe estava voltada agrave

satisfaccedilatildeo de necessidades externas ao paiacutes

Esse surgimento estruturalmente subsumido ao mercado capitalista

europeu entatildeo em constituiccedilatildeo condicionou o fato de que a burguesia brasileira

seja sujeita agraves burguesias dos paiacuteses do centro capitalista Ela jamais buscou

por meio de um processo revolucionaacuterio de massas sua emancipaccedilatildeo

econocircmica e poliacutetica mesmo - ou melhor dizendo principalmente - em eacutepocas

mais recentes da histoacuteria brasileira

Caio Prado Jr buscava as raiacutezes dessa dependecircncia e subordinaccedilatildeo

orgacircnicas no proacuteprio processo de constituiccedilatildeo da sociedade brasileira Afinal

viemos agrave luz como ldquoEconomia de exportaccedilatildeo constituiacuteda para o fim de fornecer

gecircneros alimentiacutecios e mateacuterias-primas tropicaisrdquo a outros paiacuteses e populaccedilotildees

pelo que estaremos organizados e funcionando ldquoem ligaccedilatildeo iacutentima e estreita

dependecircncia do comeacutercio ultramarinordquo que nos gerou (Prado Jr 1972 p 270)

De forma que nossa economia de origem colonial eacute oposta a uma verdadeira

6

economia nacional jaacute que a vida econocircmica existente natildeo estaacute voltada a

atender agraves necessidades das pessoas que aqui habitam mas agraves de grupos

internacionais

Momento fundamental de objetivaccedilatildeo do capitalismo natildeo-claacutessico eacute a

industrializaccedilatildeo que traz consigo o essencial das caracteriacutesticas mais globais

do sistema e se constitui ao mesmo tempo em resultado de sua interaccedilatildeo com

os elementos presentes na realidade especiacutefica em que se potildee Isso porque o

desencadeamento de um processo industrializante implica um ldquoconjunto de

exigecircncias econocircmicas e histoacutericas internas e externas agrave sociedade dada

suficientemente complexo para admitir uma gama de formas de realizaccedilatildeordquo ndash e

pois a industrializaccedilatildeo ldquolonge de ser uma fase lsquonaturalrsquo do desenvolvimento

histoacuterico de todas as naccedilotildees eacute um processo que soacute alcanccedila ecircxito agrave custa de

reorganizaccedilotildees de tensotildees muito intensas no interior da sociedaderdquo (Cohn

1978 p 286) Por este motivo a anaacutelise do processo de industrializaccedilatildeo

brasileiro eacute fundamental para a compreensatildeo do caraacuteter especiacutefico do

capitalismo aqui existente

Sabe-se que a industrializaccedilatildeo eacute algo bem diverso da mera criaccedilatildeo de

induacutestrias trata-se de um conjunto de mudanccedilas dotado de uma certa

continuidade e de um sentido ndash este dado pela transformaccedilatildeo integral de um

sistema econocircmico-social de base natildeo industrial (agro-exportadora no nosso

caso) Eacute pois um processo para cuja ocorrecircncia deve concorrer todo um

conjunto de condiccedilotildees histoacutericas sob pena de reproduzir o fenocircmeno ciacuteclico

que conhecemos tatildeo bem (Cohn 1978)

Mas como se sabe a sorte da induacutestria nacional estava sempre

ldquoindissoluvelmente ligada e estreitamente subordinada agraves vicissitudes de um

fator inteiramente estranho a ela e sobre que natildeo tem a mais remota accedilatildeo o

comeacutercio exterior e o balanccedilo de contas internacionais do paiacutes bem como o

estado das financcedilas puacuteblicas e o ritmo das emissotildees destinadas a cobrir as

despesas do Estadordquo (Prado Jr 1972 p 266)

A resultante eacute que a industrializaccedilatildeo que se processou no Brasil eacute

hipertardia retardataacuteria lerda uma ldquoindustrializaccedilatildeo que se atrasa

7

indefinidamente no tempo que se descola do desenvolvimento do mercado

interno da revoluccedilatildeo agraacuteria e da revoluccedilatildeo urbana ou que se daacute sem que tais

processos adquiram certa velocidade e intensidaderdquo no dizer de Florestan

Fernandes O fato de as mudanccedilas serem tardias lentas e limitadas acaba

submetendo a industrializaccedilatildeo a todo um complexo de ldquooscilaccedilotildees conjunturais

intermitecircncias estruturais e inconsistecircncias institucionais ou seja um fraco

impulso intriacutenseco de diferenciaccedilatildeo aceleraccedilatildeo constante e universalizaccedilatildeo do

crescimento industrialrdquo (Fernandes 1981 p 298)

Lembre-se de que nas origens da induacutestria nacional o capitalismo

brasileiro entatildeo em crise precisava de uma alternativa para a ordem

agroexportadora predominante amplamente caracterizada pela alternaccedilatildeo

entre ciclos econocircmicos expansionistas e a consequumlente decadecircncia posterior

Sabe-se da importacircncia que tiveram as relaccedilotildees imperialistas tanto para o auge

quanto para o decliacutenio daquela economia especialmente no que tange agrave

intermediaccedilatildeo comercial e financeira Eacute apenas no interior da dialeacutetica do auge

e decadecircncia concomitante do sistema agroexportador que a industrializaccedilatildeo

brasileira se potildee E potildee-se somente como uma das possibilidades dentre as

alternativas de diferenciaccedilatildeo de atividades buscadas em face da crise do cafeacute

Se a Revoluccedilatildeo de 30 vem marcar o fim da hegemonia

agroexportadora e o iniacutecio da predominacircncia da induacutestria seraacute apenas em

1956 que a participaccedilatildeo da induacutestria na renda interna ultrapassa a da

agricultura A partir daiacute o processo de industrializaccedilatildeo se daacute de forma mais

contiacutenua sem as tantas interrupccedilotildees da histoacuteria de vaacuterios comeccedilos que foi a da

industrializaccedilatildeo brasileira (Chasin 2000)

Mas eacute importante salientar ainda uma vez que aleacutem de hiper-

retardataacuterio o domiacutenio do capital industrial em seu processo de constituiccedilatildeo

histoacuterica no Brasil natildeo conseguiu ultrapassar o niacutevel da incipiecircncia durante

toda a primeira metade do seacuteculo passado No final da deacutecada de 70 ainda natildeo

havia se completado tanto que a questatildeo da produccedilatildeo de bens de capital

estava na ordem do dia

8

Por outro lado a eclosatildeo industrial mantinha-se submetida ao velho

modelo dos ciclos econocircmicos tatildeo destrutivo para o desenvolvimento de uma

economia capitalista integrada As enormes diferenccedilas de desenvolvimento no

interior do paiacutes e as tantas aacutereas em profunda decadecircncia satildeo produtos dos

muitos periacuteodos econocircmicos que vivemos todos eles voltados a atender os

interesses do estrangeiro Estes ciclos tambeacutem estatildeo sempre largamente

relacionados agrave conjuntura internacional de forma que qualquer atividade

econocircmica brasileira ldquopode ser gravemente afetada mesmo paralisada de um

momento para o outro em virtude de ocorrecircncias longiacutenquas nos grandes

centros financeiros do mundordquo (Prado Jr 1972 p 281)

Essa industrializaccedilatildeo lenta retardataacuteria inorgacircnica e natildeo autocentrada

gera muitos e profundos problemas cuja tentativa de soluccedilatildeo leva ao

intervencionismo estatal e ao empuxo externo dos centros dinacircmicos

capitalistas de forma que no dizer de Florestan Fernandes ldquoa revoluccedilatildeo

nacional continuaria a ser dimensionada pela infausta conjugaccedilatildeo orgacircnica de

desenvolvimento desigual interno e dominaccedilatildeo imperialista externardquo repetindo

o ciacuterculo vicioso

Darcy Ribeiro jaacute chamava a atenccedilatildeo para o que denominou

industrializaccedilatildeo recolonizadora que promovida pelos capitais internacionais

diretamente ou em associaccedilatildeo com os capitais nacionais atua nos paiacuteses

subordinados como fator de atraso embora ocorra a modernizaccedilatildeo reflexiva da

produccedilatildeo e a substituiccedilatildeo de importaccedilotildees o excedente econocircmico aqui

produzido eacute remetido para fora e uma classe burguesa orgacircnica daacute lugar a um

empresariado gerencial cujo compromisso eacute remeter o lucro a seus patrotildees

(Apud Rago 1998 p 31) De fato a burguesia brasileira estaacute desde sempre

associada aos interesses de grupos estrangeiros que exploram as riquezas do

paiacutes de forma que assume o interesse daqueles como seu A classe

dominante brasileira atua portanto como um agente da dominaccedilatildeo externa - ldquoeacute

irmatilde siamesa dos que nos exploram a partir de fora e que natildeo tecircm nenhuma

razatildeo especial aleacutem da continuidade e do crescimento do butim para desejar

a vigecircncia de uma repuacuteblica democraacutetica e compartilha com eles a

responsabilidade pelo neocolonialismo imperanterdquo (Apud Rago 1998 p 33)

9

Esses dois fatos conjugados ndash submissatildeo ao imperialismo e

crescimento econocircmico em ciclos ndash vatildeo atentar contra a inteireza e

organicidade do capitalismo nacional que desta maneira fica atrofiado Em

primeiro lugar conforme salienta Florestan porque os surtos e ciclos de

crescimento econocircmico raacutepido ldquoexpunham essas classes e estratos de classe

arcaicos ou modernos a uma intensa e incontrolaacutevel avidez por lsquooportunidadesrsquo

e lsquovantagens estrateacutegicasrsquo novasrdquo dificultando a constituiccedilatildeo de uma

organicidade e uma universalidade de interesses Ou como complementa Caio

Prado o funcionamento ldquocaoacuteticordquo e ldquoinorgacircnicordquo do capitalismo nacional

estimula as especulaccedilotildees e a busca por ldquosituaccedilotildees anormais e oportunistasrdquo

das quais as burguesias imperialista e nacional-associada buscam ldquotirar partido

momentacircneo seja embora com o mais grave dano para a economia geral do

paiacutesrdquo Faltava portanto coesatildeo agrave burguesia industrial de forma que durante

muito tempo natildeo tivemos nem mesmo uma classe digna desse nome senatildeo

apenas burgueses industriais individuais[4]

Eacute por isso que eram tatildeo limitadas as reivindicaccedilotildees formuladas pelos

representantes da induacutestria no iniacutecio do seacuteculo XX vindiacutecias que se

concentravam quase sempre em exigecircncias de medidas protecionistas de niacutevel

tarifaacuterio e jamais conseguiam visualizar o proacuteprio processo de industrializaccedilatildeo

interna Satildeo reivindicaccedilotildees parciais porque em geral se referem a produtos

especiacuteficos exprimem interesses particulares e natildeo de toda uma classe (Cohn

1978 Prado Jr 1972)[5]

Essa ausecircncia de organicidade compele as classes burguesas a se

omitirem ou mesmo a se anularem diante de certas tarefas praacuteticas

especificamente burguesas Por isso as grandes tarefas da burguesia nacional

acabaram sendo levadas a cabo natildeo por ela mas pelo Estado ndash algumas

vezes ateacute contra seus interesses imediatos embora sempre em seu favor[6]

Em outros termos da convergecircncia artificial e necessariamente contingente de

interesses ldquoresulta um tipo especial de impotecircncia burguesa que faz convergir

para o Estado nacional o nuacutecleo do poder de decisatildeo e de atuaccedilatildeo da

burguesia O que esta natildeo pode fazer na esfera privada tenta conseguir

10

utilizando como sua base de accedilatildeo estrateacutegica a maquinaria os recursos e o

poder do Estadordquo (Fernandes 1981 p 350)

Este aspecto tambeacutem foi abordado por Carlos Nelson Coutinho Este

autor salienta que no Brasil ldquoO Estado foi sempre o protagonista desse

processo de modernizaccedilatildeo e a burguesia revelou ao longo de praticamente

toda a histoacuteria brasileira poacutes-30 que estava muito presa a seus interesses

econocircmico-corporativos e incapaz de chegar ao niacutevel da consciecircncia eacutetico-

poliacuteticardquo de forma que a ldquoprivatizaccedilatildeo do Estado aqui assume caracteriacutesticas

patoloacutegicas (mesmo no sentido de um Estado capitalista)rdquo (Coutinho 1967 p

142) E de fato sem o controle absoluto do poder estatal natildeo se poderia

pensar como a burguesia consegue se apropriar com tamanha seguranccedila do

excedente econocircmico nacional Eacute graccedilas ao forte apoio do aparato estatal que

tivemos poucas movimentaccedilotildees sociais ameaccedilando o poder constituiacutedo

quando se as compara com as quase inacreditaacuteveis desigualdades sociais

brasileiras

Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional

A superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho tambeacutem eacute uma caracteriacutestica

do paiacutes e tem raiacutezes firmemente plantadas na histoacuteria nacional Lembre-se

antes de mais que fomos o uacuteltimo paiacutes do mundo a abolir a escravidatildeo e que

uma instituiccedilatildeo como esta demanda longo tempo para perder influecircncia na

ideologia e nas praacuteticas sociais

Mesmo com o trabalho assalariado a superexploraccedilatildeo permaneceu

com o pagamento da forccedila de trabalho abaixo de seu valor histoacuterico Este

fenocircmeno baixa dramaticamente o niacutevel econocircmico da populaccedilatildeo brasileira ndash

tanto que a constituiccedilatildeo de um mercado interno foi dos mais graves problemas

enfrentados no processo de industrializaccedilatildeo Se eacute da proacutepria natureza do

capital apropriar-se da mais-valia produzida pelo trabalhador no Brasil este

sofre uma dupla exploraccedilatildeo da burguesia autoacutectone e principalmente do

imperialismo internacional De forma que a exploraccedilatildeo da forccedila de trabalho

11

adquire aqui contornos mais dramaacuteticos dado que como observava Caio

Prado ldquonesse processo natildeo eacute apenas a classe trabalhadora que se desfalca

mas o paiacutes em conjunto que vecirc escoar-se para fora de suas fronteiras a

melhor parcela de suas riquezas e recursosrdquo ndash e uma das consequumlecircncias seraacute

justamente a inapetecircncia e lentidatildeo da acumulaccedilatildeo capitalista como jaacute citamos

(Prado Jr 1972 p 280)

Como sintetiza Chasin no Brasil pela forma particular como se

constituiu ldquoacumulaccedilatildeo moderna e dinacircmica e pauperismo estrutural ou

superexploraccedilatildeo do trabalho perfazem os membros contraditoacuterios de uma

mesma equaccedilatildeo unitaacuteria do capitalrdquo (Chasin 1986 p 3) Em nossa realidade

toda modernizaccedilatildeo tem significado a reproduccedilatildeo da miseacuteria das massas e da

subordinaccedilatildeo estrutural[7] A extrema desigualdade social brasileira eacute portanto

retrato de uma determinada maneira de ser do capital ldquoque reitera de modo

particularmente agigantado a loacutegica intriacutenseca de todo capital a produccedilatildeo em

paralelo de imensa riqueza e de imensa miseacuteriardquo (Chasin 1986 pp 2-3)

Potildee-se dessa forma uma entificaccedilatildeo social que quanto mais se

moderniza mais exclui as massas do gozo da modernidade poliacutetica e social

Esse tipo de capitalismo que imola a sociedade brasileira eacute o capitalismo

possiacutevel por aqui um ldquocapitalismo selvagem e difiacutecil cuja viabilidade se decide

com frequumlecircncia por meios poliacuteticos e no terreno poliacuteticordquo diraacute Florestan

Tal situaccedilatildeo ndash jaacute o referimos ndash natildeo poderia ser mantida com seguranccedila

por longo prazo sem o recurso agrave forccedila e ao monopoacutelio do poder De fato os

estudiosos tecircm chamado a atenccedilatildeo para a ldquoforte associaccedilatildeo racional entre

desenvolvimento capitalista e autocraciardquo em que se acaba restringindo a

noccedilatildeo de democracia ldquoaos membros das classes possuidoras que se

qualifiquem econocircmica social e politicamente para o exerciacutecio da dominaccedilatildeo

burguesardquo (Fernandes 1981 p 292)

As mudanccedilas sociais ocorridas no Brasil mesmo considerando as suas

fundas contraditoriedades e as inuacutemeras vicissitudes consistiram sempre na

ldquopassagem de uma forma de poder para outra conservando intactas a

natureza deste mesmo poder e a sustentaccedilatildeo fundamental que o gera e anima

12

o complexo de um periacuteodo de uma particular acumulaccedilatildeo capitalista expresso

numa poliacutetica econocircmica que natildeo eacute posta em causardquo (Chasin 1982 p 9)

Antes ao contraacuterio tem-se agido sempre ndash e justificado tudo ndash para manter

intocada esta forma brutal de acumulaccedilatildeo capitalista o que pode ser expresso

naquela ceacutelebre maacutexima que proclamava a eventual necessidade de mudar

tudo para que tudo continue como estaacute[8]

De instauraccedilatildeo ultra-retardataacuteria de progresso lento e estruturalmente

atrofiado resultado da conciliaccedilatildeo com as forccedilas sociais representantes de

formas socioeconocircmicas inferiores e da subsunccedilatildeo ao capital hegemocircnico

mundial o capitalismo brasileiro eacute capaz de realizar apenas uma modernizaccedilatildeo

excludente em que o progresso social estaacute radicalmente dissociado da

evoluccedilatildeo nacional [9]

Eacute importante salientar outro aspecto distintivo dos paiacuteses que

chegaram ao capitalismo por uma via natildeo-claacutessica nesses paiacuteses jamais

houve uma revoluccedilatildeo burguesa Marx destacava quando agrave revoluccedilatildeo de marccedilo

de 1848 na Pruacutessia que esta natildeo deveria ser confundida com as revoluccedilotildees de

tipo europeu das quais natildeo era senatildeo um eco debilitado num paiacutes retardataacuterio

ldquouma revoluccedilatildeo secundaacuteriardquo cuja ldquoambiccedilatildeo consistia em querer ser um

anacronismordquo Jaacute na via colonial do Brasil paiacutes hiper-retardataacuterio ldquoa

encarnaccedilatildeo burguesa do anacronismo dispensou ateacute mesmo revoluccedilotildees

terciaacuterias Ou seja jamais completou seu partordquo (Chasin 1985 pp IX-X)

A ausecircncia de uma revoluccedilatildeo democraacutetico-burguesa impediu que a

burguesia brasileira forjasse uma identidade nacional e se projetasse para

todas as classes sociais dado que natildeo estava dotada de ldquouma dinacircmica

proacutepria que pudesse efetivamente representar os interesses das demais

categorias sociaisrdquo (Rago 1998 p 17) Por outros termos a burguesia

brasileira pela sua estruturaccedilatildeo histoacuterica natildeo pode realizar seu papel de

universalizante poliacutetico ldquo- natildeo pode se ver e assumir na particularidade de seus

interesses como representante de todas as categorias sociais da sociedade

em seu conjuntordquo (Chasin 1982 p 11)

13

Essa eacute uma causa e ao mesmo tempo um efeito do que observou

Carlos Nelson Coutinho

No Brasil bem como na generalidade dos paiacuteses coloniais ou

dependentes a evoluccedilatildeo do capitalismo natildeo foi antecedida por uma eacutepoca de

ilusotildees humanistas e de tentativas - mesmo utoacutepicas - de realizar na praacutetica o

ldquocidadatildeordquo e a comunidade democraacutetica Os movimentos neste sentido

ocorridos no seacuteculo passado e no iniacutecio deste seacuteculo foram sempre agitaccedilotildees

superficiais sem nenhum caraacuteter verdadeiramente nacional e popular

(Coutinho 1967 p 142)

O outro lado da moeda eacute portanto que na ausecircncia de uma revoluccedilatildeo

democraacutetico-burguesa as massas natildeo tiveram oportunidade de participar do

processo de constituiccedilatildeo de uma nova ordem Com isto natildeo puderam

minimamente interferir nem fazer valer algumas de suas reivindicaccedilotildees

Tambeacutem nesse aspecto a forccedila do imperialismo se faz presente Jaacute

vimos que no caminho do Brasil ao capitalismo industrial o verdadeiro

capitalismo a presenccedila do imperialismo seraacute decisiva e seu papel

hegemocircnico Com a importante constataccedilatildeo de que o ldquocapital estrangeiro

moderniza mas ao mesmo tempo retira da modernizaccedilatildeo o seu conteuacutedo e

sentido revolucionaacuteriordquo daiacute resultando que ldquotemos uma sociedade que pode

avanccedilar no sentido do desenvolvimento capitalista mas raramente pode

associar esse desenvolvimento capitalista a uma democracia que estenda a

todos as liberdades fundamentais dos cidadatildeos as garantias sociaisrdquo

(Fernandes 1989 p 137)

Constituindo-se num momento em que as lutas de classe jaacute se punham

no plano internacional a burguesia do capital atrofiado brasileiro apavorou-se

das revoluccedilotildees aliou-se aos representantes do historicamente velho as

antigas classes dominantes e ldquooperou no interior da economia retroacutegrada e

fragmentadardquo Quando as modificaccedilotildees poliacuteticas se faziam imprescindiacuteveis

eram realizadas ldquopelo altordquo compondo e recompondo com as ldquovelhas classesrdquo

ldquoatraveacutes de conciliaccedilotildees e concessotildees muacutetuas sem que o povo participasse

das decisotildees e impusesse organicamente sua vontade coletivardquo (Coutinho

1967 p 142)

14

ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta

tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash

tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o

capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o

Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)

Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do

seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins

universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a

ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu

interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)

Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro

capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica

Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada

a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria

criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que

ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional

simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou

dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na

salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins

foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)

Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de

suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma

transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo

(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria

contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico

lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo

nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute

essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional

e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma

que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A

somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato

extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia

15

detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente

necessaacuterias

Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo

Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as

regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel

reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e

compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na

generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de

questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada

sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da

angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo

fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e

abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)

Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como

servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas

populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era

mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem

social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato

importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas

ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle

societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem

lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981

p 333)

Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas

atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se

faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o

plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui

inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa

forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em

que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito

aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se

subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes

16

De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital

atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas

as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se

necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma

democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e

de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias

(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa

A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o

caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente

com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a

sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia

baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica

natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o

Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos

anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da

Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela

repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo

Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao

suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e

aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da

vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a

democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente

atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)

A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo

Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se

exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e

obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a

histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo

do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da

superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos

ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a

malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo

17

articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo

proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do

poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)

Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca

completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua

incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo

tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a

loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo

excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo

burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a

imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a

autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a

primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute

sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa

maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro

integracionista e participativo de todas as categorias sociais

Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia

para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees

historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o

capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute

catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)

Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo

gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos

proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia

liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar

com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe

do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo

se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave

sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar

ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute

vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo

18

De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a

covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin

1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se

reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia

burguesa correspondente ao capital atroacutefico

O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao

mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem

confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto

inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de

chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo

anterior

O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da

globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente

parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas

produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do

mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica

nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se

daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que

tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo

podem ou natildeo se inserir

Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o

paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute

substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua

maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo

global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos

atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se

alcanccedila

Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte

precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades

e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute

pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode

19

vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso

jaacute eacute assunto para outro texto

Bibliografia

CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo

Paulo Escrita

___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio

1718 Satildeo Paulo Ensaio

_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad

Hominem

_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem

______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in

Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad

Hominem

COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil

em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel

COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e

Terra

FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de

Janeiro Zahar

_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718

Satildeo Paulo Ensaio

20

PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo

Brasiliense

RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em

Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo

RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do

Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita

Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de

Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias

Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na

Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo

Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail

vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles

Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria

chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais

semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por

uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da

ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse

aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem

de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar

apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo

de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo

deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que

vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do

Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes

que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que

Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo

natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa

industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente

21

22

separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas

cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a

predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais

luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que

implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com

isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute

a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute

submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os

paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo

de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o

periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se

ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho

salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando

o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por

realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da

revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano

  • Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
  • Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
  • Bibliografia

vitoacuteria do capitalismo espalharam-se por todo o planeta se objetivaram com

caracteres peculiares dadas as condiccedilotildees histoacuterico-concretas anteriores com

as quais se mesclaram e dado o proacuteprio processo especiacutefico de sua

entificaccedilatildeo

Florestan Fernandes jaacute ressaltava que natildeo haacute um uacutenico modelo baacutesico

democraacutetico-burguecircs de transformaccedilatildeo capitalista Os requisitos para a

transformaccedilatildeo dizia ele entram em interaccedilatildeo com elementos econocircmicos e

extra-econocircmicos da situaccedilatildeo social e esta hibridez eacute que delimita como se

concretizaraacute histoacuterico-socialmente a transformaccedilatildeo capitalista qual o padratildeo

concreto de dominaccedilatildeo burguesa e quais as probabilidades de a revoluccedilatildeo

burguesa absorver os requisitos centrais da transformaccedilatildeo capitalista

Desconhecer tais diferenccedilas de objetivaccedilatildeo do capitalismo (entre os casos

claacutessicos os casos comuns e os casos atiacutepicos segundo sua denominaccedilatildeo)

leva a uma mistificaccedilatildeo e substancializaccedilatildeo da histoacuteria

Por outras palavras dentro da universalidade do capitalismo existem

vaacuterias formas de concreccedilatildeo Uma delas a via claacutessica foi assim considerada

por Marx porque por diversas circunstacircncias histoacutericas foi aquela que

conduziu agrave constituiccedilatildeo de um mercado mundial e do modo de produccedilatildeo

capitalista o qual por ser o primeiro modo de produccedilatildeo realmente universal

(na medida em que dissolve os modos de produccedilatildeo preacute-capitalistas) abre a

histoacuteria mundial e ademais a possibilidade histoacuterica de superar a fase das

sociedades de classes Tambeacutem foi a mais coerente pois haacute uma interconexatildeo

orgacircnica das partes entre si e em relaccedilatildeo ao todo

Nos paiacuteses que chegaram ao capitalismo pela via claacutessica segundo

Marx e Engels ldquocada etapa do desenvolvimento da burguesia foi acompanhado

de um progresso poliacutetico correspondenterdquo que culmina com a supremacia do

modo de produccedilatildeo capitalista implantado pelas revoluccedilotildees democraacutetico-

burguesas Estas revoluccedilotildees eram movimentos de caraacuteter nacional e popular e

suas propostas e projetos apontavam para o historicamente novo em prejuiacutezo

do historicamente velho

3

Dentro da forma particular claacutessica de objetivaccedilatildeo do capitalismo

existem os caminhos especiacuteficos francecircs e inglecircs por exemplo Marx e Engels

consideraram a Inglaterra o paiacutes tiacutepico do desenvolvimento econocircmico da

burguesia e a Franccedila do desenvolvimento poliacutetico dessa classe Eacute

caracteriacutestico dos caminhos claacutessicos a incorporaccedilatildeo nos movimentos

nacionais do campesinato categoria social mais numerosa e mais difiacutecil de

mover Aiacute para que a burguesia pudesse ldquolucrar soacute os frutos maduros do

triunfordquo foi necessaacuterio levar a revoluccedilatildeo muito aleacutem de sua meta

Poreacutem no interior da totalidade do capitalismo existem formas

particulares natildeo-claacutessicas de objetivaccedilatildeo Uma delas eacute o capitalismo tardio

capitalismo da segunda eacutepoca ou via prussiana O paiacutes tiacutepico desse

desenvolvimento eacute a Alemanha Pela via prussiana os estados nacionais soacute

satildeo formados num momento posterior aos paiacuteses da via claacutessica jaacute entatildeo

plenamente constituiacutedos Nestes paiacuteses o antagonismo entre burguesia e

proletariado jaacute era patente e assumido teoacuterica e praticamente Por outro lado

enquanto que nos paiacuteses de via claacutessica a unidade nacional pocircs-se desde logo

no processo de dissoluccedilatildeo feudal com a constituiccedilatildeo das monarquias

nacionais na Alemanha a problemaacutetica da unidade nacional ainda era

atualiacutessima e tarefa por realizar Isso porque dado o particularismo feudal

existente ateacute quase o final do seacuteculo XIX a Alemanha natildeo passava na

verdade de um punhado de principados independentes cuja proacutepria existecircncia

entravava sua centralizaccedilatildeo territorial

Na Alemanha progresso social e evoluccedilatildeo nacional natildeo se

empuxavam mutuamente mas se encontravam em contraposiccedilatildeo Ali o

desenvolvimento do capitalismo natildeo conseguia produzir uma classe burguesa

capaz de assumir a direccedilatildeo da naccedilatildeo Acresccedila-se a isso que a fraacutegil burguesia

alematilde consciente do antagonismo com o proletariado revolucionaacuterio e

temerosa dos feitos deste abandonou covardemente suas tarefas poliacuteticas

realizando apenas as econocircmicas (unidade monetaacuteria liberdade profissional e

de circulaccedilatildeo etc)

O caso alematildeo apresenta similaridades impressionantes em relaccedilatildeo ao

brasileiro Em ambos os paiacuteses por exemplo a estrutura fundiaacuteria eacute

4

determinada decisivamente pela grande propriedade rural Da mesma forma

os dois paiacuteses adotaram processos de modernizaccedilatildeo marcados fortemente

pela conciliaccedilatildeo o reformismo pelo alto que exclui do plano imediatamente

poliacutetico os momentos de ruptura em que pudessem influir minimamente as

classes subordinadas De igual modo nos dois casos a constituiccedilatildeo do

capitalismo industrial eacute retardataacuteria sofrendo as contingecircncias impostas por

forccedilas adversas e o desenvolvimento das forccedilas produtivas daacute-se

lentamente[2]

Tais semelhanccedilas bastariam para caracterizar o capitalismo brasileiro

como sendo de via prussiana Alguns assim o fizeram Contudo desde os idos

de 1977 o pensador brasileiro J Chasin estudava como a formaccedilatildeo histoacuterico-

social brasileira se pocircs por um caminho especiacutefico diferente do alematildeo Chasin

apontava as abissais diferenccedilas que separam mesmo os aspectos

semelhantes entre Brasil e Alemanha

Dessa forma a grande propriedade rural tem gecircnese histoacuterica distinta

nos dois paiacuteses a propriedade feudal tiacutepica no caso alematildeo a empresa

colonial do capitalismo mercantil no caso brasileiro A industrializaccedilatildeo alematilde

mesmo que atrasada em relaccedilatildeo aos paiacuteses claacutessicos jaacute estaacute se pondo no

seacuteculo XIX atingindo ao depois presteza e vigor tantos que alccedila agrave condiccedilatildeo de

paiacutes imperialista No Brasil como eacute sabido apenas muito mais tardiamente

quando as guerras imperialistas (que incluiacuteam a Alemanha) jaacute estavam em

curso eacute que efetivamente teve iniacutecio a industrializaccedilatildeo Mesmo esta contudo

jamais foi capaz de romper com a subordinaccedilatildeo aos poacutelos hegemocircnicos da

economia internacional Ou seja embora antidemocraacutetica a burguesia alematilde

se autodetermina enquanto que a burguesia brasileira aleacutem de

antidemocraacutetica eacute caudataacuteria incapaz por iniciativa e forccedila proacuteprias de reagir

diante da dominaccedilatildeo imperialista

Segundo Chasin tatildeo importantes diferenccedilas entre ambos os paiacuteses

iam muito aleacutem de especificidades dentro de uma mesma forma particular de

capitalismo Estaacute-se diz ele diante de um outro caminho diferente dos

claacutessicos e tambeacutem diferente do prussiano caminho este que ele denominou

via colonial de objetivaccedilatildeo do capitalismo[3]

5

Satildeo caracteriacutesticas deste caminho particular entre outras uma

estrutura agraacuteria em que eacute decisiva a presenccedila da grande propriedade de

origem colonial cuja produccedilatildeo estaacute voltada para o exterior as modificaccedilotildees

satildeo realizadas ldquopelo altordquo conciliando interesses sem a participaccedilatildeo do povo e

excluindo as rupturas superadoras o desenvolvimento das forccedilas produtivas eacute

bem mais lento do que nos paiacuteses claacutessicos e ainda mais a implantaccedilatildeo e

progressatildeo do capitalismo industrial eacute ultra-retardataacuteria sofrendo em seu

desenvolvimento obstaculizaccedilotildees e refreamentos de todo tipo esse retardo

histoacuterico e esse desenvolvimento retraiacutedo aditam-se a um inacabamento de

classes em que a burguesia deixa de realizar suas tarefas histoacutericas e os

trabalhadores precisam tomar como suas as bandeiras que outrora e alhures

estavam nas matildeos da burguesia revolucionaacuteria como a democracia

Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia

Conforme jaacute referimos como caracteriacutestica geral podemos afirmar

sinteticamente de acordo com Chasin que a constituiccedilatildeo do capitalismo

industrial brasileiro ocorreu de forma ultra-retardataacuteria lenta e sem se chocar

com a velha ordem agroexportadora Esta como se sabe estava voltada agrave

satisfaccedilatildeo de necessidades externas ao paiacutes

Esse surgimento estruturalmente subsumido ao mercado capitalista

europeu entatildeo em constituiccedilatildeo condicionou o fato de que a burguesia brasileira

seja sujeita agraves burguesias dos paiacuteses do centro capitalista Ela jamais buscou

por meio de um processo revolucionaacuterio de massas sua emancipaccedilatildeo

econocircmica e poliacutetica mesmo - ou melhor dizendo principalmente - em eacutepocas

mais recentes da histoacuteria brasileira

Caio Prado Jr buscava as raiacutezes dessa dependecircncia e subordinaccedilatildeo

orgacircnicas no proacuteprio processo de constituiccedilatildeo da sociedade brasileira Afinal

viemos agrave luz como ldquoEconomia de exportaccedilatildeo constituiacuteda para o fim de fornecer

gecircneros alimentiacutecios e mateacuterias-primas tropicaisrdquo a outros paiacuteses e populaccedilotildees

pelo que estaremos organizados e funcionando ldquoem ligaccedilatildeo iacutentima e estreita

dependecircncia do comeacutercio ultramarinordquo que nos gerou (Prado Jr 1972 p 270)

De forma que nossa economia de origem colonial eacute oposta a uma verdadeira

6

economia nacional jaacute que a vida econocircmica existente natildeo estaacute voltada a

atender agraves necessidades das pessoas que aqui habitam mas agraves de grupos

internacionais

Momento fundamental de objetivaccedilatildeo do capitalismo natildeo-claacutessico eacute a

industrializaccedilatildeo que traz consigo o essencial das caracteriacutesticas mais globais

do sistema e se constitui ao mesmo tempo em resultado de sua interaccedilatildeo com

os elementos presentes na realidade especiacutefica em que se potildee Isso porque o

desencadeamento de um processo industrializante implica um ldquoconjunto de

exigecircncias econocircmicas e histoacutericas internas e externas agrave sociedade dada

suficientemente complexo para admitir uma gama de formas de realizaccedilatildeordquo ndash e

pois a industrializaccedilatildeo ldquolonge de ser uma fase lsquonaturalrsquo do desenvolvimento

histoacuterico de todas as naccedilotildees eacute um processo que soacute alcanccedila ecircxito agrave custa de

reorganizaccedilotildees de tensotildees muito intensas no interior da sociedaderdquo (Cohn

1978 p 286) Por este motivo a anaacutelise do processo de industrializaccedilatildeo

brasileiro eacute fundamental para a compreensatildeo do caraacuteter especiacutefico do

capitalismo aqui existente

Sabe-se que a industrializaccedilatildeo eacute algo bem diverso da mera criaccedilatildeo de

induacutestrias trata-se de um conjunto de mudanccedilas dotado de uma certa

continuidade e de um sentido ndash este dado pela transformaccedilatildeo integral de um

sistema econocircmico-social de base natildeo industrial (agro-exportadora no nosso

caso) Eacute pois um processo para cuja ocorrecircncia deve concorrer todo um

conjunto de condiccedilotildees histoacutericas sob pena de reproduzir o fenocircmeno ciacuteclico

que conhecemos tatildeo bem (Cohn 1978)

Mas como se sabe a sorte da induacutestria nacional estava sempre

ldquoindissoluvelmente ligada e estreitamente subordinada agraves vicissitudes de um

fator inteiramente estranho a ela e sobre que natildeo tem a mais remota accedilatildeo o

comeacutercio exterior e o balanccedilo de contas internacionais do paiacutes bem como o

estado das financcedilas puacuteblicas e o ritmo das emissotildees destinadas a cobrir as

despesas do Estadordquo (Prado Jr 1972 p 266)

A resultante eacute que a industrializaccedilatildeo que se processou no Brasil eacute

hipertardia retardataacuteria lerda uma ldquoindustrializaccedilatildeo que se atrasa

7

indefinidamente no tempo que se descola do desenvolvimento do mercado

interno da revoluccedilatildeo agraacuteria e da revoluccedilatildeo urbana ou que se daacute sem que tais

processos adquiram certa velocidade e intensidaderdquo no dizer de Florestan

Fernandes O fato de as mudanccedilas serem tardias lentas e limitadas acaba

submetendo a industrializaccedilatildeo a todo um complexo de ldquooscilaccedilotildees conjunturais

intermitecircncias estruturais e inconsistecircncias institucionais ou seja um fraco

impulso intriacutenseco de diferenciaccedilatildeo aceleraccedilatildeo constante e universalizaccedilatildeo do

crescimento industrialrdquo (Fernandes 1981 p 298)

Lembre-se de que nas origens da induacutestria nacional o capitalismo

brasileiro entatildeo em crise precisava de uma alternativa para a ordem

agroexportadora predominante amplamente caracterizada pela alternaccedilatildeo

entre ciclos econocircmicos expansionistas e a consequumlente decadecircncia posterior

Sabe-se da importacircncia que tiveram as relaccedilotildees imperialistas tanto para o auge

quanto para o decliacutenio daquela economia especialmente no que tange agrave

intermediaccedilatildeo comercial e financeira Eacute apenas no interior da dialeacutetica do auge

e decadecircncia concomitante do sistema agroexportador que a industrializaccedilatildeo

brasileira se potildee E potildee-se somente como uma das possibilidades dentre as

alternativas de diferenciaccedilatildeo de atividades buscadas em face da crise do cafeacute

Se a Revoluccedilatildeo de 30 vem marcar o fim da hegemonia

agroexportadora e o iniacutecio da predominacircncia da induacutestria seraacute apenas em

1956 que a participaccedilatildeo da induacutestria na renda interna ultrapassa a da

agricultura A partir daiacute o processo de industrializaccedilatildeo se daacute de forma mais

contiacutenua sem as tantas interrupccedilotildees da histoacuteria de vaacuterios comeccedilos que foi a da

industrializaccedilatildeo brasileira (Chasin 2000)

Mas eacute importante salientar ainda uma vez que aleacutem de hiper-

retardataacuterio o domiacutenio do capital industrial em seu processo de constituiccedilatildeo

histoacuterica no Brasil natildeo conseguiu ultrapassar o niacutevel da incipiecircncia durante

toda a primeira metade do seacuteculo passado No final da deacutecada de 70 ainda natildeo

havia se completado tanto que a questatildeo da produccedilatildeo de bens de capital

estava na ordem do dia

8

Por outro lado a eclosatildeo industrial mantinha-se submetida ao velho

modelo dos ciclos econocircmicos tatildeo destrutivo para o desenvolvimento de uma

economia capitalista integrada As enormes diferenccedilas de desenvolvimento no

interior do paiacutes e as tantas aacutereas em profunda decadecircncia satildeo produtos dos

muitos periacuteodos econocircmicos que vivemos todos eles voltados a atender os

interesses do estrangeiro Estes ciclos tambeacutem estatildeo sempre largamente

relacionados agrave conjuntura internacional de forma que qualquer atividade

econocircmica brasileira ldquopode ser gravemente afetada mesmo paralisada de um

momento para o outro em virtude de ocorrecircncias longiacutenquas nos grandes

centros financeiros do mundordquo (Prado Jr 1972 p 281)

Essa industrializaccedilatildeo lenta retardataacuteria inorgacircnica e natildeo autocentrada

gera muitos e profundos problemas cuja tentativa de soluccedilatildeo leva ao

intervencionismo estatal e ao empuxo externo dos centros dinacircmicos

capitalistas de forma que no dizer de Florestan Fernandes ldquoa revoluccedilatildeo

nacional continuaria a ser dimensionada pela infausta conjugaccedilatildeo orgacircnica de

desenvolvimento desigual interno e dominaccedilatildeo imperialista externardquo repetindo

o ciacuterculo vicioso

Darcy Ribeiro jaacute chamava a atenccedilatildeo para o que denominou

industrializaccedilatildeo recolonizadora que promovida pelos capitais internacionais

diretamente ou em associaccedilatildeo com os capitais nacionais atua nos paiacuteses

subordinados como fator de atraso embora ocorra a modernizaccedilatildeo reflexiva da

produccedilatildeo e a substituiccedilatildeo de importaccedilotildees o excedente econocircmico aqui

produzido eacute remetido para fora e uma classe burguesa orgacircnica daacute lugar a um

empresariado gerencial cujo compromisso eacute remeter o lucro a seus patrotildees

(Apud Rago 1998 p 31) De fato a burguesia brasileira estaacute desde sempre

associada aos interesses de grupos estrangeiros que exploram as riquezas do

paiacutes de forma que assume o interesse daqueles como seu A classe

dominante brasileira atua portanto como um agente da dominaccedilatildeo externa - ldquoeacute

irmatilde siamesa dos que nos exploram a partir de fora e que natildeo tecircm nenhuma

razatildeo especial aleacutem da continuidade e do crescimento do butim para desejar

a vigecircncia de uma repuacuteblica democraacutetica e compartilha com eles a

responsabilidade pelo neocolonialismo imperanterdquo (Apud Rago 1998 p 33)

9

Esses dois fatos conjugados ndash submissatildeo ao imperialismo e

crescimento econocircmico em ciclos ndash vatildeo atentar contra a inteireza e

organicidade do capitalismo nacional que desta maneira fica atrofiado Em

primeiro lugar conforme salienta Florestan porque os surtos e ciclos de

crescimento econocircmico raacutepido ldquoexpunham essas classes e estratos de classe

arcaicos ou modernos a uma intensa e incontrolaacutevel avidez por lsquooportunidadesrsquo

e lsquovantagens estrateacutegicasrsquo novasrdquo dificultando a constituiccedilatildeo de uma

organicidade e uma universalidade de interesses Ou como complementa Caio

Prado o funcionamento ldquocaoacuteticordquo e ldquoinorgacircnicordquo do capitalismo nacional

estimula as especulaccedilotildees e a busca por ldquosituaccedilotildees anormais e oportunistasrdquo

das quais as burguesias imperialista e nacional-associada buscam ldquotirar partido

momentacircneo seja embora com o mais grave dano para a economia geral do

paiacutesrdquo Faltava portanto coesatildeo agrave burguesia industrial de forma que durante

muito tempo natildeo tivemos nem mesmo uma classe digna desse nome senatildeo

apenas burgueses industriais individuais[4]

Eacute por isso que eram tatildeo limitadas as reivindicaccedilotildees formuladas pelos

representantes da induacutestria no iniacutecio do seacuteculo XX vindiacutecias que se

concentravam quase sempre em exigecircncias de medidas protecionistas de niacutevel

tarifaacuterio e jamais conseguiam visualizar o proacuteprio processo de industrializaccedilatildeo

interna Satildeo reivindicaccedilotildees parciais porque em geral se referem a produtos

especiacuteficos exprimem interesses particulares e natildeo de toda uma classe (Cohn

1978 Prado Jr 1972)[5]

Essa ausecircncia de organicidade compele as classes burguesas a se

omitirem ou mesmo a se anularem diante de certas tarefas praacuteticas

especificamente burguesas Por isso as grandes tarefas da burguesia nacional

acabaram sendo levadas a cabo natildeo por ela mas pelo Estado ndash algumas

vezes ateacute contra seus interesses imediatos embora sempre em seu favor[6]

Em outros termos da convergecircncia artificial e necessariamente contingente de

interesses ldquoresulta um tipo especial de impotecircncia burguesa que faz convergir

para o Estado nacional o nuacutecleo do poder de decisatildeo e de atuaccedilatildeo da

burguesia O que esta natildeo pode fazer na esfera privada tenta conseguir

10

utilizando como sua base de accedilatildeo estrateacutegica a maquinaria os recursos e o

poder do Estadordquo (Fernandes 1981 p 350)

Este aspecto tambeacutem foi abordado por Carlos Nelson Coutinho Este

autor salienta que no Brasil ldquoO Estado foi sempre o protagonista desse

processo de modernizaccedilatildeo e a burguesia revelou ao longo de praticamente

toda a histoacuteria brasileira poacutes-30 que estava muito presa a seus interesses

econocircmico-corporativos e incapaz de chegar ao niacutevel da consciecircncia eacutetico-

poliacuteticardquo de forma que a ldquoprivatizaccedilatildeo do Estado aqui assume caracteriacutesticas

patoloacutegicas (mesmo no sentido de um Estado capitalista)rdquo (Coutinho 1967 p

142) E de fato sem o controle absoluto do poder estatal natildeo se poderia

pensar como a burguesia consegue se apropriar com tamanha seguranccedila do

excedente econocircmico nacional Eacute graccedilas ao forte apoio do aparato estatal que

tivemos poucas movimentaccedilotildees sociais ameaccedilando o poder constituiacutedo

quando se as compara com as quase inacreditaacuteveis desigualdades sociais

brasileiras

Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional

A superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho tambeacutem eacute uma caracteriacutestica

do paiacutes e tem raiacutezes firmemente plantadas na histoacuteria nacional Lembre-se

antes de mais que fomos o uacuteltimo paiacutes do mundo a abolir a escravidatildeo e que

uma instituiccedilatildeo como esta demanda longo tempo para perder influecircncia na

ideologia e nas praacuteticas sociais

Mesmo com o trabalho assalariado a superexploraccedilatildeo permaneceu

com o pagamento da forccedila de trabalho abaixo de seu valor histoacuterico Este

fenocircmeno baixa dramaticamente o niacutevel econocircmico da populaccedilatildeo brasileira ndash

tanto que a constituiccedilatildeo de um mercado interno foi dos mais graves problemas

enfrentados no processo de industrializaccedilatildeo Se eacute da proacutepria natureza do

capital apropriar-se da mais-valia produzida pelo trabalhador no Brasil este

sofre uma dupla exploraccedilatildeo da burguesia autoacutectone e principalmente do

imperialismo internacional De forma que a exploraccedilatildeo da forccedila de trabalho

11

adquire aqui contornos mais dramaacuteticos dado que como observava Caio

Prado ldquonesse processo natildeo eacute apenas a classe trabalhadora que se desfalca

mas o paiacutes em conjunto que vecirc escoar-se para fora de suas fronteiras a

melhor parcela de suas riquezas e recursosrdquo ndash e uma das consequumlecircncias seraacute

justamente a inapetecircncia e lentidatildeo da acumulaccedilatildeo capitalista como jaacute citamos

(Prado Jr 1972 p 280)

Como sintetiza Chasin no Brasil pela forma particular como se

constituiu ldquoacumulaccedilatildeo moderna e dinacircmica e pauperismo estrutural ou

superexploraccedilatildeo do trabalho perfazem os membros contraditoacuterios de uma

mesma equaccedilatildeo unitaacuteria do capitalrdquo (Chasin 1986 p 3) Em nossa realidade

toda modernizaccedilatildeo tem significado a reproduccedilatildeo da miseacuteria das massas e da

subordinaccedilatildeo estrutural[7] A extrema desigualdade social brasileira eacute portanto

retrato de uma determinada maneira de ser do capital ldquoque reitera de modo

particularmente agigantado a loacutegica intriacutenseca de todo capital a produccedilatildeo em

paralelo de imensa riqueza e de imensa miseacuteriardquo (Chasin 1986 pp 2-3)

Potildee-se dessa forma uma entificaccedilatildeo social que quanto mais se

moderniza mais exclui as massas do gozo da modernidade poliacutetica e social

Esse tipo de capitalismo que imola a sociedade brasileira eacute o capitalismo

possiacutevel por aqui um ldquocapitalismo selvagem e difiacutecil cuja viabilidade se decide

com frequumlecircncia por meios poliacuteticos e no terreno poliacuteticordquo diraacute Florestan

Tal situaccedilatildeo ndash jaacute o referimos ndash natildeo poderia ser mantida com seguranccedila

por longo prazo sem o recurso agrave forccedila e ao monopoacutelio do poder De fato os

estudiosos tecircm chamado a atenccedilatildeo para a ldquoforte associaccedilatildeo racional entre

desenvolvimento capitalista e autocraciardquo em que se acaba restringindo a

noccedilatildeo de democracia ldquoaos membros das classes possuidoras que se

qualifiquem econocircmica social e politicamente para o exerciacutecio da dominaccedilatildeo

burguesardquo (Fernandes 1981 p 292)

As mudanccedilas sociais ocorridas no Brasil mesmo considerando as suas

fundas contraditoriedades e as inuacutemeras vicissitudes consistiram sempre na

ldquopassagem de uma forma de poder para outra conservando intactas a

natureza deste mesmo poder e a sustentaccedilatildeo fundamental que o gera e anima

12

o complexo de um periacuteodo de uma particular acumulaccedilatildeo capitalista expresso

numa poliacutetica econocircmica que natildeo eacute posta em causardquo (Chasin 1982 p 9)

Antes ao contraacuterio tem-se agido sempre ndash e justificado tudo ndash para manter

intocada esta forma brutal de acumulaccedilatildeo capitalista o que pode ser expresso

naquela ceacutelebre maacutexima que proclamava a eventual necessidade de mudar

tudo para que tudo continue como estaacute[8]

De instauraccedilatildeo ultra-retardataacuteria de progresso lento e estruturalmente

atrofiado resultado da conciliaccedilatildeo com as forccedilas sociais representantes de

formas socioeconocircmicas inferiores e da subsunccedilatildeo ao capital hegemocircnico

mundial o capitalismo brasileiro eacute capaz de realizar apenas uma modernizaccedilatildeo

excludente em que o progresso social estaacute radicalmente dissociado da

evoluccedilatildeo nacional [9]

Eacute importante salientar outro aspecto distintivo dos paiacuteses que

chegaram ao capitalismo por uma via natildeo-claacutessica nesses paiacuteses jamais

houve uma revoluccedilatildeo burguesa Marx destacava quando agrave revoluccedilatildeo de marccedilo

de 1848 na Pruacutessia que esta natildeo deveria ser confundida com as revoluccedilotildees de

tipo europeu das quais natildeo era senatildeo um eco debilitado num paiacutes retardataacuterio

ldquouma revoluccedilatildeo secundaacuteriardquo cuja ldquoambiccedilatildeo consistia em querer ser um

anacronismordquo Jaacute na via colonial do Brasil paiacutes hiper-retardataacuterio ldquoa

encarnaccedilatildeo burguesa do anacronismo dispensou ateacute mesmo revoluccedilotildees

terciaacuterias Ou seja jamais completou seu partordquo (Chasin 1985 pp IX-X)

A ausecircncia de uma revoluccedilatildeo democraacutetico-burguesa impediu que a

burguesia brasileira forjasse uma identidade nacional e se projetasse para

todas as classes sociais dado que natildeo estava dotada de ldquouma dinacircmica

proacutepria que pudesse efetivamente representar os interesses das demais

categorias sociaisrdquo (Rago 1998 p 17) Por outros termos a burguesia

brasileira pela sua estruturaccedilatildeo histoacuterica natildeo pode realizar seu papel de

universalizante poliacutetico ldquo- natildeo pode se ver e assumir na particularidade de seus

interesses como representante de todas as categorias sociais da sociedade

em seu conjuntordquo (Chasin 1982 p 11)

13

Essa eacute uma causa e ao mesmo tempo um efeito do que observou

Carlos Nelson Coutinho

No Brasil bem como na generalidade dos paiacuteses coloniais ou

dependentes a evoluccedilatildeo do capitalismo natildeo foi antecedida por uma eacutepoca de

ilusotildees humanistas e de tentativas - mesmo utoacutepicas - de realizar na praacutetica o

ldquocidadatildeordquo e a comunidade democraacutetica Os movimentos neste sentido

ocorridos no seacuteculo passado e no iniacutecio deste seacuteculo foram sempre agitaccedilotildees

superficiais sem nenhum caraacuteter verdadeiramente nacional e popular

(Coutinho 1967 p 142)

O outro lado da moeda eacute portanto que na ausecircncia de uma revoluccedilatildeo

democraacutetico-burguesa as massas natildeo tiveram oportunidade de participar do

processo de constituiccedilatildeo de uma nova ordem Com isto natildeo puderam

minimamente interferir nem fazer valer algumas de suas reivindicaccedilotildees

Tambeacutem nesse aspecto a forccedila do imperialismo se faz presente Jaacute

vimos que no caminho do Brasil ao capitalismo industrial o verdadeiro

capitalismo a presenccedila do imperialismo seraacute decisiva e seu papel

hegemocircnico Com a importante constataccedilatildeo de que o ldquocapital estrangeiro

moderniza mas ao mesmo tempo retira da modernizaccedilatildeo o seu conteuacutedo e

sentido revolucionaacuteriordquo daiacute resultando que ldquotemos uma sociedade que pode

avanccedilar no sentido do desenvolvimento capitalista mas raramente pode

associar esse desenvolvimento capitalista a uma democracia que estenda a

todos as liberdades fundamentais dos cidadatildeos as garantias sociaisrdquo

(Fernandes 1989 p 137)

Constituindo-se num momento em que as lutas de classe jaacute se punham

no plano internacional a burguesia do capital atrofiado brasileiro apavorou-se

das revoluccedilotildees aliou-se aos representantes do historicamente velho as

antigas classes dominantes e ldquooperou no interior da economia retroacutegrada e

fragmentadardquo Quando as modificaccedilotildees poliacuteticas se faziam imprescindiacuteveis

eram realizadas ldquopelo altordquo compondo e recompondo com as ldquovelhas classesrdquo

ldquoatraveacutes de conciliaccedilotildees e concessotildees muacutetuas sem que o povo participasse

das decisotildees e impusesse organicamente sua vontade coletivardquo (Coutinho

1967 p 142)

14

ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta

tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash

tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o

capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o

Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)

Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do

seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins

universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a

ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu

interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)

Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro

capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica

Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada

a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria

criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que

ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional

simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou

dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na

salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins

foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)

Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de

suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma

transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo

(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria

contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico

lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo

nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute

essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional

e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma

que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A

somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato

extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia

15

detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente

necessaacuterias

Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo

Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as

regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel

reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e

compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na

generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de

questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada

sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da

angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo

fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e

abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)

Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como

servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas

populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era

mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem

social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato

importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas

ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle

societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem

lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981

p 333)

Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas

atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se

faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o

plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui

inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa

forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em

que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito

aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se

subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes

16

De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital

atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas

as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se

necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma

democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e

de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias

(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa

A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o

caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente

com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a

sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia

baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica

natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o

Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos

anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da

Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela

repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo

Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao

suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e

aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da

vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a

democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente

atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)

A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo

Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se

exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e

obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a

histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo

do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da

superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos

ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a

malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo

17

articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo

proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do

poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)

Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca

completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua

incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo

tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a

loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo

excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo

burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a

imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a

autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a

primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute

sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa

maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro

integracionista e participativo de todas as categorias sociais

Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia

para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees

historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o

capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute

catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)

Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo

gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos

proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia

liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar

com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe

do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo

se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave

sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar

ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute

vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo

18

De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a

covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin

1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se

reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia

burguesa correspondente ao capital atroacutefico

O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao

mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem

confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto

inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de

chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo

anterior

O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da

globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente

parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas

produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do

mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica

nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se

daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que

tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo

podem ou natildeo se inserir

Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o

paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute

substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua

maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo

global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos

atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se

alcanccedila

Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte

precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades

e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute

pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode

19

vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso

jaacute eacute assunto para outro texto

Bibliografia

CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo

Paulo Escrita

___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio

1718 Satildeo Paulo Ensaio

_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad

Hominem

_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem

______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in

Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad

Hominem

COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil

em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel

COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e

Terra

FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de

Janeiro Zahar

_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718

Satildeo Paulo Ensaio

20

PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo

Brasiliense

RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em

Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo

RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do

Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita

Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de

Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias

Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na

Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo

Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail

vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles

Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria

chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais

semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por

uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da

ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse

aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem

de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar

apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo

de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo

deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que

vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do

Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes

que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que

Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo

natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa

industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente

21

22

separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas

cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a

predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais

luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que

implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com

isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute

a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute

submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os

paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo

de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o

periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se

ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho

salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando

o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por

realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da

revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano

  • Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
  • Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
  • Bibliografia

Dentro da forma particular claacutessica de objetivaccedilatildeo do capitalismo

existem os caminhos especiacuteficos francecircs e inglecircs por exemplo Marx e Engels

consideraram a Inglaterra o paiacutes tiacutepico do desenvolvimento econocircmico da

burguesia e a Franccedila do desenvolvimento poliacutetico dessa classe Eacute

caracteriacutestico dos caminhos claacutessicos a incorporaccedilatildeo nos movimentos

nacionais do campesinato categoria social mais numerosa e mais difiacutecil de

mover Aiacute para que a burguesia pudesse ldquolucrar soacute os frutos maduros do

triunfordquo foi necessaacuterio levar a revoluccedilatildeo muito aleacutem de sua meta

Poreacutem no interior da totalidade do capitalismo existem formas

particulares natildeo-claacutessicas de objetivaccedilatildeo Uma delas eacute o capitalismo tardio

capitalismo da segunda eacutepoca ou via prussiana O paiacutes tiacutepico desse

desenvolvimento eacute a Alemanha Pela via prussiana os estados nacionais soacute

satildeo formados num momento posterior aos paiacuteses da via claacutessica jaacute entatildeo

plenamente constituiacutedos Nestes paiacuteses o antagonismo entre burguesia e

proletariado jaacute era patente e assumido teoacuterica e praticamente Por outro lado

enquanto que nos paiacuteses de via claacutessica a unidade nacional pocircs-se desde logo

no processo de dissoluccedilatildeo feudal com a constituiccedilatildeo das monarquias

nacionais na Alemanha a problemaacutetica da unidade nacional ainda era

atualiacutessima e tarefa por realizar Isso porque dado o particularismo feudal

existente ateacute quase o final do seacuteculo XIX a Alemanha natildeo passava na

verdade de um punhado de principados independentes cuja proacutepria existecircncia

entravava sua centralizaccedilatildeo territorial

Na Alemanha progresso social e evoluccedilatildeo nacional natildeo se

empuxavam mutuamente mas se encontravam em contraposiccedilatildeo Ali o

desenvolvimento do capitalismo natildeo conseguia produzir uma classe burguesa

capaz de assumir a direccedilatildeo da naccedilatildeo Acresccedila-se a isso que a fraacutegil burguesia

alematilde consciente do antagonismo com o proletariado revolucionaacuterio e

temerosa dos feitos deste abandonou covardemente suas tarefas poliacuteticas

realizando apenas as econocircmicas (unidade monetaacuteria liberdade profissional e

de circulaccedilatildeo etc)

O caso alematildeo apresenta similaridades impressionantes em relaccedilatildeo ao

brasileiro Em ambos os paiacuteses por exemplo a estrutura fundiaacuteria eacute

4

determinada decisivamente pela grande propriedade rural Da mesma forma

os dois paiacuteses adotaram processos de modernizaccedilatildeo marcados fortemente

pela conciliaccedilatildeo o reformismo pelo alto que exclui do plano imediatamente

poliacutetico os momentos de ruptura em que pudessem influir minimamente as

classes subordinadas De igual modo nos dois casos a constituiccedilatildeo do

capitalismo industrial eacute retardataacuteria sofrendo as contingecircncias impostas por

forccedilas adversas e o desenvolvimento das forccedilas produtivas daacute-se

lentamente[2]

Tais semelhanccedilas bastariam para caracterizar o capitalismo brasileiro

como sendo de via prussiana Alguns assim o fizeram Contudo desde os idos

de 1977 o pensador brasileiro J Chasin estudava como a formaccedilatildeo histoacuterico-

social brasileira se pocircs por um caminho especiacutefico diferente do alematildeo Chasin

apontava as abissais diferenccedilas que separam mesmo os aspectos

semelhantes entre Brasil e Alemanha

Dessa forma a grande propriedade rural tem gecircnese histoacuterica distinta

nos dois paiacuteses a propriedade feudal tiacutepica no caso alematildeo a empresa

colonial do capitalismo mercantil no caso brasileiro A industrializaccedilatildeo alematilde

mesmo que atrasada em relaccedilatildeo aos paiacuteses claacutessicos jaacute estaacute se pondo no

seacuteculo XIX atingindo ao depois presteza e vigor tantos que alccedila agrave condiccedilatildeo de

paiacutes imperialista No Brasil como eacute sabido apenas muito mais tardiamente

quando as guerras imperialistas (que incluiacuteam a Alemanha) jaacute estavam em

curso eacute que efetivamente teve iniacutecio a industrializaccedilatildeo Mesmo esta contudo

jamais foi capaz de romper com a subordinaccedilatildeo aos poacutelos hegemocircnicos da

economia internacional Ou seja embora antidemocraacutetica a burguesia alematilde

se autodetermina enquanto que a burguesia brasileira aleacutem de

antidemocraacutetica eacute caudataacuteria incapaz por iniciativa e forccedila proacuteprias de reagir

diante da dominaccedilatildeo imperialista

Segundo Chasin tatildeo importantes diferenccedilas entre ambos os paiacuteses

iam muito aleacutem de especificidades dentro de uma mesma forma particular de

capitalismo Estaacute-se diz ele diante de um outro caminho diferente dos

claacutessicos e tambeacutem diferente do prussiano caminho este que ele denominou

via colonial de objetivaccedilatildeo do capitalismo[3]

5

Satildeo caracteriacutesticas deste caminho particular entre outras uma

estrutura agraacuteria em que eacute decisiva a presenccedila da grande propriedade de

origem colonial cuja produccedilatildeo estaacute voltada para o exterior as modificaccedilotildees

satildeo realizadas ldquopelo altordquo conciliando interesses sem a participaccedilatildeo do povo e

excluindo as rupturas superadoras o desenvolvimento das forccedilas produtivas eacute

bem mais lento do que nos paiacuteses claacutessicos e ainda mais a implantaccedilatildeo e

progressatildeo do capitalismo industrial eacute ultra-retardataacuteria sofrendo em seu

desenvolvimento obstaculizaccedilotildees e refreamentos de todo tipo esse retardo

histoacuterico e esse desenvolvimento retraiacutedo aditam-se a um inacabamento de

classes em que a burguesia deixa de realizar suas tarefas histoacutericas e os

trabalhadores precisam tomar como suas as bandeiras que outrora e alhures

estavam nas matildeos da burguesia revolucionaacuteria como a democracia

Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia

Conforme jaacute referimos como caracteriacutestica geral podemos afirmar

sinteticamente de acordo com Chasin que a constituiccedilatildeo do capitalismo

industrial brasileiro ocorreu de forma ultra-retardataacuteria lenta e sem se chocar

com a velha ordem agroexportadora Esta como se sabe estava voltada agrave

satisfaccedilatildeo de necessidades externas ao paiacutes

Esse surgimento estruturalmente subsumido ao mercado capitalista

europeu entatildeo em constituiccedilatildeo condicionou o fato de que a burguesia brasileira

seja sujeita agraves burguesias dos paiacuteses do centro capitalista Ela jamais buscou

por meio de um processo revolucionaacuterio de massas sua emancipaccedilatildeo

econocircmica e poliacutetica mesmo - ou melhor dizendo principalmente - em eacutepocas

mais recentes da histoacuteria brasileira

Caio Prado Jr buscava as raiacutezes dessa dependecircncia e subordinaccedilatildeo

orgacircnicas no proacuteprio processo de constituiccedilatildeo da sociedade brasileira Afinal

viemos agrave luz como ldquoEconomia de exportaccedilatildeo constituiacuteda para o fim de fornecer

gecircneros alimentiacutecios e mateacuterias-primas tropicaisrdquo a outros paiacuteses e populaccedilotildees

pelo que estaremos organizados e funcionando ldquoem ligaccedilatildeo iacutentima e estreita

dependecircncia do comeacutercio ultramarinordquo que nos gerou (Prado Jr 1972 p 270)

De forma que nossa economia de origem colonial eacute oposta a uma verdadeira

6

economia nacional jaacute que a vida econocircmica existente natildeo estaacute voltada a

atender agraves necessidades das pessoas que aqui habitam mas agraves de grupos

internacionais

Momento fundamental de objetivaccedilatildeo do capitalismo natildeo-claacutessico eacute a

industrializaccedilatildeo que traz consigo o essencial das caracteriacutesticas mais globais

do sistema e se constitui ao mesmo tempo em resultado de sua interaccedilatildeo com

os elementos presentes na realidade especiacutefica em que se potildee Isso porque o

desencadeamento de um processo industrializante implica um ldquoconjunto de

exigecircncias econocircmicas e histoacutericas internas e externas agrave sociedade dada

suficientemente complexo para admitir uma gama de formas de realizaccedilatildeordquo ndash e

pois a industrializaccedilatildeo ldquolonge de ser uma fase lsquonaturalrsquo do desenvolvimento

histoacuterico de todas as naccedilotildees eacute um processo que soacute alcanccedila ecircxito agrave custa de

reorganizaccedilotildees de tensotildees muito intensas no interior da sociedaderdquo (Cohn

1978 p 286) Por este motivo a anaacutelise do processo de industrializaccedilatildeo

brasileiro eacute fundamental para a compreensatildeo do caraacuteter especiacutefico do

capitalismo aqui existente

Sabe-se que a industrializaccedilatildeo eacute algo bem diverso da mera criaccedilatildeo de

induacutestrias trata-se de um conjunto de mudanccedilas dotado de uma certa

continuidade e de um sentido ndash este dado pela transformaccedilatildeo integral de um

sistema econocircmico-social de base natildeo industrial (agro-exportadora no nosso

caso) Eacute pois um processo para cuja ocorrecircncia deve concorrer todo um

conjunto de condiccedilotildees histoacutericas sob pena de reproduzir o fenocircmeno ciacuteclico

que conhecemos tatildeo bem (Cohn 1978)

Mas como se sabe a sorte da induacutestria nacional estava sempre

ldquoindissoluvelmente ligada e estreitamente subordinada agraves vicissitudes de um

fator inteiramente estranho a ela e sobre que natildeo tem a mais remota accedilatildeo o

comeacutercio exterior e o balanccedilo de contas internacionais do paiacutes bem como o

estado das financcedilas puacuteblicas e o ritmo das emissotildees destinadas a cobrir as

despesas do Estadordquo (Prado Jr 1972 p 266)

A resultante eacute que a industrializaccedilatildeo que se processou no Brasil eacute

hipertardia retardataacuteria lerda uma ldquoindustrializaccedilatildeo que se atrasa

7

indefinidamente no tempo que se descola do desenvolvimento do mercado

interno da revoluccedilatildeo agraacuteria e da revoluccedilatildeo urbana ou que se daacute sem que tais

processos adquiram certa velocidade e intensidaderdquo no dizer de Florestan

Fernandes O fato de as mudanccedilas serem tardias lentas e limitadas acaba

submetendo a industrializaccedilatildeo a todo um complexo de ldquooscilaccedilotildees conjunturais

intermitecircncias estruturais e inconsistecircncias institucionais ou seja um fraco

impulso intriacutenseco de diferenciaccedilatildeo aceleraccedilatildeo constante e universalizaccedilatildeo do

crescimento industrialrdquo (Fernandes 1981 p 298)

Lembre-se de que nas origens da induacutestria nacional o capitalismo

brasileiro entatildeo em crise precisava de uma alternativa para a ordem

agroexportadora predominante amplamente caracterizada pela alternaccedilatildeo

entre ciclos econocircmicos expansionistas e a consequumlente decadecircncia posterior

Sabe-se da importacircncia que tiveram as relaccedilotildees imperialistas tanto para o auge

quanto para o decliacutenio daquela economia especialmente no que tange agrave

intermediaccedilatildeo comercial e financeira Eacute apenas no interior da dialeacutetica do auge

e decadecircncia concomitante do sistema agroexportador que a industrializaccedilatildeo

brasileira se potildee E potildee-se somente como uma das possibilidades dentre as

alternativas de diferenciaccedilatildeo de atividades buscadas em face da crise do cafeacute

Se a Revoluccedilatildeo de 30 vem marcar o fim da hegemonia

agroexportadora e o iniacutecio da predominacircncia da induacutestria seraacute apenas em

1956 que a participaccedilatildeo da induacutestria na renda interna ultrapassa a da

agricultura A partir daiacute o processo de industrializaccedilatildeo se daacute de forma mais

contiacutenua sem as tantas interrupccedilotildees da histoacuteria de vaacuterios comeccedilos que foi a da

industrializaccedilatildeo brasileira (Chasin 2000)

Mas eacute importante salientar ainda uma vez que aleacutem de hiper-

retardataacuterio o domiacutenio do capital industrial em seu processo de constituiccedilatildeo

histoacuterica no Brasil natildeo conseguiu ultrapassar o niacutevel da incipiecircncia durante

toda a primeira metade do seacuteculo passado No final da deacutecada de 70 ainda natildeo

havia se completado tanto que a questatildeo da produccedilatildeo de bens de capital

estava na ordem do dia

8

Por outro lado a eclosatildeo industrial mantinha-se submetida ao velho

modelo dos ciclos econocircmicos tatildeo destrutivo para o desenvolvimento de uma

economia capitalista integrada As enormes diferenccedilas de desenvolvimento no

interior do paiacutes e as tantas aacutereas em profunda decadecircncia satildeo produtos dos

muitos periacuteodos econocircmicos que vivemos todos eles voltados a atender os

interesses do estrangeiro Estes ciclos tambeacutem estatildeo sempre largamente

relacionados agrave conjuntura internacional de forma que qualquer atividade

econocircmica brasileira ldquopode ser gravemente afetada mesmo paralisada de um

momento para o outro em virtude de ocorrecircncias longiacutenquas nos grandes

centros financeiros do mundordquo (Prado Jr 1972 p 281)

Essa industrializaccedilatildeo lenta retardataacuteria inorgacircnica e natildeo autocentrada

gera muitos e profundos problemas cuja tentativa de soluccedilatildeo leva ao

intervencionismo estatal e ao empuxo externo dos centros dinacircmicos

capitalistas de forma que no dizer de Florestan Fernandes ldquoa revoluccedilatildeo

nacional continuaria a ser dimensionada pela infausta conjugaccedilatildeo orgacircnica de

desenvolvimento desigual interno e dominaccedilatildeo imperialista externardquo repetindo

o ciacuterculo vicioso

Darcy Ribeiro jaacute chamava a atenccedilatildeo para o que denominou

industrializaccedilatildeo recolonizadora que promovida pelos capitais internacionais

diretamente ou em associaccedilatildeo com os capitais nacionais atua nos paiacuteses

subordinados como fator de atraso embora ocorra a modernizaccedilatildeo reflexiva da

produccedilatildeo e a substituiccedilatildeo de importaccedilotildees o excedente econocircmico aqui

produzido eacute remetido para fora e uma classe burguesa orgacircnica daacute lugar a um

empresariado gerencial cujo compromisso eacute remeter o lucro a seus patrotildees

(Apud Rago 1998 p 31) De fato a burguesia brasileira estaacute desde sempre

associada aos interesses de grupos estrangeiros que exploram as riquezas do

paiacutes de forma que assume o interesse daqueles como seu A classe

dominante brasileira atua portanto como um agente da dominaccedilatildeo externa - ldquoeacute

irmatilde siamesa dos que nos exploram a partir de fora e que natildeo tecircm nenhuma

razatildeo especial aleacutem da continuidade e do crescimento do butim para desejar

a vigecircncia de uma repuacuteblica democraacutetica e compartilha com eles a

responsabilidade pelo neocolonialismo imperanterdquo (Apud Rago 1998 p 33)

9

Esses dois fatos conjugados ndash submissatildeo ao imperialismo e

crescimento econocircmico em ciclos ndash vatildeo atentar contra a inteireza e

organicidade do capitalismo nacional que desta maneira fica atrofiado Em

primeiro lugar conforme salienta Florestan porque os surtos e ciclos de

crescimento econocircmico raacutepido ldquoexpunham essas classes e estratos de classe

arcaicos ou modernos a uma intensa e incontrolaacutevel avidez por lsquooportunidadesrsquo

e lsquovantagens estrateacutegicasrsquo novasrdquo dificultando a constituiccedilatildeo de uma

organicidade e uma universalidade de interesses Ou como complementa Caio

Prado o funcionamento ldquocaoacuteticordquo e ldquoinorgacircnicordquo do capitalismo nacional

estimula as especulaccedilotildees e a busca por ldquosituaccedilotildees anormais e oportunistasrdquo

das quais as burguesias imperialista e nacional-associada buscam ldquotirar partido

momentacircneo seja embora com o mais grave dano para a economia geral do

paiacutesrdquo Faltava portanto coesatildeo agrave burguesia industrial de forma que durante

muito tempo natildeo tivemos nem mesmo uma classe digna desse nome senatildeo

apenas burgueses industriais individuais[4]

Eacute por isso que eram tatildeo limitadas as reivindicaccedilotildees formuladas pelos

representantes da induacutestria no iniacutecio do seacuteculo XX vindiacutecias que se

concentravam quase sempre em exigecircncias de medidas protecionistas de niacutevel

tarifaacuterio e jamais conseguiam visualizar o proacuteprio processo de industrializaccedilatildeo

interna Satildeo reivindicaccedilotildees parciais porque em geral se referem a produtos

especiacuteficos exprimem interesses particulares e natildeo de toda uma classe (Cohn

1978 Prado Jr 1972)[5]

Essa ausecircncia de organicidade compele as classes burguesas a se

omitirem ou mesmo a se anularem diante de certas tarefas praacuteticas

especificamente burguesas Por isso as grandes tarefas da burguesia nacional

acabaram sendo levadas a cabo natildeo por ela mas pelo Estado ndash algumas

vezes ateacute contra seus interesses imediatos embora sempre em seu favor[6]

Em outros termos da convergecircncia artificial e necessariamente contingente de

interesses ldquoresulta um tipo especial de impotecircncia burguesa que faz convergir

para o Estado nacional o nuacutecleo do poder de decisatildeo e de atuaccedilatildeo da

burguesia O que esta natildeo pode fazer na esfera privada tenta conseguir

10

utilizando como sua base de accedilatildeo estrateacutegica a maquinaria os recursos e o

poder do Estadordquo (Fernandes 1981 p 350)

Este aspecto tambeacutem foi abordado por Carlos Nelson Coutinho Este

autor salienta que no Brasil ldquoO Estado foi sempre o protagonista desse

processo de modernizaccedilatildeo e a burguesia revelou ao longo de praticamente

toda a histoacuteria brasileira poacutes-30 que estava muito presa a seus interesses

econocircmico-corporativos e incapaz de chegar ao niacutevel da consciecircncia eacutetico-

poliacuteticardquo de forma que a ldquoprivatizaccedilatildeo do Estado aqui assume caracteriacutesticas

patoloacutegicas (mesmo no sentido de um Estado capitalista)rdquo (Coutinho 1967 p

142) E de fato sem o controle absoluto do poder estatal natildeo se poderia

pensar como a burguesia consegue se apropriar com tamanha seguranccedila do

excedente econocircmico nacional Eacute graccedilas ao forte apoio do aparato estatal que

tivemos poucas movimentaccedilotildees sociais ameaccedilando o poder constituiacutedo

quando se as compara com as quase inacreditaacuteveis desigualdades sociais

brasileiras

Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional

A superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho tambeacutem eacute uma caracteriacutestica

do paiacutes e tem raiacutezes firmemente plantadas na histoacuteria nacional Lembre-se

antes de mais que fomos o uacuteltimo paiacutes do mundo a abolir a escravidatildeo e que

uma instituiccedilatildeo como esta demanda longo tempo para perder influecircncia na

ideologia e nas praacuteticas sociais

Mesmo com o trabalho assalariado a superexploraccedilatildeo permaneceu

com o pagamento da forccedila de trabalho abaixo de seu valor histoacuterico Este

fenocircmeno baixa dramaticamente o niacutevel econocircmico da populaccedilatildeo brasileira ndash

tanto que a constituiccedilatildeo de um mercado interno foi dos mais graves problemas

enfrentados no processo de industrializaccedilatildeo Se eacute da proacutepria natureza do

capital apropriar-se da mais-valia produzida pelo trabalhador no Brasil este

sofre uma dupla exploraccedilatildeo da burguesia autoacutectone e principalmente do

imperialismo internacional De forma que a exploraccedilatildeo da forccedila de trabalho

11

adquire aqui contornos mais dramaacuteticos dado que como observava Caio

Prado ldquonesse processo natildeo eacute apenas a classe trabalhadora que se desfalca

mas o paiacutes em conjunto que vecirc escoar-se para fora de suas fronteiras a

melhor parcela de suas riquezas e recursosrdquo ndash e uma das consequumlecircncias seraacute

justamente a inapetecircncia e lentidatildeo da acumulaccedilatildeo capitalista como jaacute citamos

(Prado Jr 1972 p 280)

Como sintetiza Chasin no Brasil pela forma particular como se

constituiu ldquoacumulaccedilatildeo moderna e dinacircmica e pauperismo estrutural ou

superexploraccedilatildeo do trabalho perfazem os membros contraditoacuterios de uma

mesma equaccedilatildeo unitaacuteria do capitalrdquo (Chasin 1986 p 3) Em nossa realidade

toda modernizaccedilatildeo tem significado a reproduccedilatildeo da miseacuteria das massas e da

subordinaccedilatildeo estrutural[7] A extrema desigualdade social brasileira eacute portanto

retrato de uma determinada maneira de ser do capital ldquoque reitera de modo

particularmente agigantado a loacutegica intriacutenseca de todo capital a produccedilatildeo em

paralelo de imensa riqueza e de imensa miseacuteriardquo (Chasin 1986 pp 2-3)

Potildee-se dessa forma uma entificaccedilatildeo social que quanto mais se

moderniza mais exclui as massas do gozo da modernidade poliacutetica e social

Esse tipo de capitalismo que imola a sociedade brasileira eacute o capitalismo

possiacutevel por aqui um ldquocapitalismo selvagem e difiacutecil cuja viabilidade se decide

com frequumlecircncia por meios poliacuteticos e no terreno poliacuteticordquo diraacute Florestan

Tal situaccedilatildeo ndash jaacute o referimos ndash natildeo poderia ser mantida com seguranccedila

por longo prazo sem o recurso agrave forccedila e ao monopoacutelio do poder De fato os

estudiosos tecircm chamado a atenccedilatildeo para a ldquoforte associaccedilatildeo racional entre

desenvolvimento capitalista e autocraciardquo em que se acaba restringindo a

noccedilatildeo de democracia ldquoaos membros das classes possuidoras que se

qualifiquem econocircmica social e politicamente para o exerciacutecio da dominaccedilatildeo

burguesardquo (Fernandes 1981 p 292)

As mudanccedilas sociais ocorridas no Brasil mesmo considerando as suas

fundas contraditoriedades e as inuacutemeras vicissitudes consistiram sempre na

ldquopassagem de uma forma de poder para outra conservando intactas a

natureza deste mesmo poder e a sustentaccedilatildeo fundamental que o gera e anima

12

o complexo de um periacuteodo de uma particular acumulaccedilatildeo capitalista expresso

numa poliacutetica econocircmica que natildeo eacute posta em causardquo (Chasin 1982 p 9)

Antes ao contraacuterio tem-se agido sempre ndash e justificado tudo ndash para manter

intocada esta forma brutal de acumulaccedilatildeo capitalista o que pode ser expresso

naquela ceacutelebre maacutexima que proclamava a eventual necessidade de mudar

tudo para que tudo continue como estaacute[8]

De instauraccedilatildeo ultra-retardataacuteria de progresso lento e estruturalmente

atrofiado resultado da conciliaccedilatildeo com as forccedilas sociais representantes de

formas socioeconocircmicas inferiores e da subsunccedilatildeo ao capital hegemocircnico

mundial o capitalismo brasileiro eacute capaz de realizar apenas uma modernizaccedilatildeo

excludente em que o progresso social estaacute radicalmente dissociado da

evoluccedilatildeo nacional [9]

Eacute importante salientar outro aspecto distintivo dos paiacuteses que

chegaram ao capitalismo por uma via natildeo-claacutessica nesses paiacuteses jamais

houve uma revoluccedilatildeo burguesa Marx destacava quando agrave revoluccedilatildeo de marccedilo

de 1848 na Pruacutessia que esta natildeo deveria ser confundida com as revoluccedilotildees de

tipo europeu das quais natildeo era senatildeo um eco debilitado num paiacutes retardataacuterio

ldquouma revoluccedilatildeo secundaacuteriardquo cuja ldquoambiccedilatildeo consistia em querer ser um

anacronismordquo Jaacute na via colonial do Brasil paiacutes hiper-retardataacuterio ldquoa

encarnaccedilatildeo burguesa do anacronismo dispensou ateacute mesmo revoluccedilotildees

terciaacuterias Ou seja jamais completou seu partordquo (Chasin 1985 pp IX-X)

A ausecircncia de uma revoluccedilatildeo democraacutetico-burguesa impediu que a

burguesia brasileira forjasse uma identidade nacional e se projetasse para

todas as classes sociais dado que natildeo estava dotada de ldquouma dinacircmica

proacutepria que pudesse efetivamente representar os interesses das demais

categorias sociaisrdquo (Rago 1998 p 17) Por outros termos a burguesia

brasileira pela sua estruturaccedilatildeo histoacuterica natildeo pode realizar seu papel de

universalizante poliacutetico ldquo- natildeo pode se ver e assumir na particularidade de seus

interesses como representante de todas as categorias sociais da sociedade

em seu conjuntordquo (Chasin 1982 p 11)

13

Essa eacute uma causa e ao mesmo tempo um efeito do que observou

Carlos Nelson Coutinho

No Brasil bem como na generalidade dos paiacuteses coloniais ou

dependentes a evoluccedilatildeo do capitalismo natildeo foi antecedida por uma eacutepoca de

ilusotildees humanistas e de tentativas - mesmo utoacutepicas - de realizar na praacutetica o

ldquocidadatildeordquo e a comunidade democraacutetica Os movimentos neste sentido

ocorridos no seacuteculo passado e no iniacutecio deste seacuteculo foram sempre agitaccedilotildees

superficiais sem nenhum caraacuteter verdadeiramente nacional e popular

(Coutinho 1967 p 142)

O outro lado da moeda eacute portanto que na ausecircncia de uma revoluccedilatildeo

democraacutetico-burguesa as massas natildeo tiveram oportunidade de participar do

processo de constituiccedilatildeo de uma nova ordem Com isto natildeo puderam

minimamente interferir nem fazer valer algumas de suas reivindicaccedilotildees

Tambeacutem nesse aspecto a forccedila do imperialismo se faz presente Jaacute

vimos que no caminho do Brasil ao capitalismo industrial o verdadeiro

capitalismo a presenccedila do imperialismo seraacute decisiva e seu papel

hegemocircnico Com a importante constataccedilatildeo de que o ldquocapital estrangeiro

moderniza mas ao mesmo tempo retira da modernizaccedilatildeo o seu conteuacutedo e

sentido revolucionaacuteriordquo daiacute resultando que ldquotemos uma sociedade que pode

avanccedilar no sentido do desenvolvimento capitalista mas raramente pode

associar esse desenvolvimento capitalista a uma democracia que estenda a

todos as liberdades fundamentais dos cidadatildeos as garantias sociaisrdquo

(Fernandes 1989 p 137)

Constituindo-se num momento em que as lutas de classe jaacute se punham

no plano internacional a burguesia do capital atrofiado brasileiro apavorou-se

das revoluccedilotildees aliou-se aos representantes do historicamente velho as

antigas classes dominantes e ldquooperou no interior da economia retroacutegrada e

fragmentadardquo Quando as modificaccedilotildees poliacuteticas se faziam imprescindiacuteveis

eram realizadas ldquopelo altordquo compondo e recompondo com as ldquovelhas classesrdquo

ldquoatraveacutes de conciliaccedilotildees e concessotildees muacutetuas sem que o povo participasse

das decisotildees e impusesse organicamente sua vontade coletivardquo (Coutinho

1967 p 142)

14

ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta

tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash

tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o

capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o

Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)

Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do

seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins

universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a

ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu

interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)

Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro

capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica

Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada

a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria

criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que

ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional

simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou

dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na

salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins

foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)

Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de

suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma

transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo

(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria

contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico

lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo

nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute

essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional

e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma

que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A

somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato

extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia

15

detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente

necessaacuterias

Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo

Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as

regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel

reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e

compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na

generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de

questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada

sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da

angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo

fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e

abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)

Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como

servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas

populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era

mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem

social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato

importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas

ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle

societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem

lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981

p 333)

Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas

atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se

faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o

plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui

inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa

forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em

que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito

aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se

subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes

16

De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital

atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas

as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se

necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma

democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e

de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias

(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa

A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o

caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente

com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a

sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia

baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica

natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o

Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos

anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da

Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela

repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo

Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao

suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e

aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da

vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a

democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente

atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)

A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo

Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se

exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e

obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a

histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo

do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da

superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos

ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a

malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo

17

articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo

proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do

poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)

Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca

completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua

incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo

tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a

loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo

excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo

burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a

imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a

autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a

primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute

sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa

maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro

integracionista e participativo de todas as categorias sociais

Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia

para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees

historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o

capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute

catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)

Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo

gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos

proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia

liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar

com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe

do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo

se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave

sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar

ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute

vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo

18

De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a

covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin

1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se

reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia

burguesa correspondente ao capital atroacutefico

O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao

mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem

confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto

inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de

chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo

anterior

O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da

globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente

parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas

produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do

mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica

nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se

daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que

tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo

podem ou natildeo se inserir

Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o

paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute

substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua

maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo

global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos

atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se

alcanccedila

Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte

precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades

e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute

pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode

19

vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso

jaacute eacute assunto para outro texto

Bibliografia

CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo

Paulo Escrita

___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio

1718 Satildeo Paulo Ensaio

_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad

Hominem

_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem

______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in

Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad

Hominem

COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil

em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel

COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e

Terra

FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de

Janeiro Zahar

_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718

Satildeo Paulo Ensaio

20

PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo

Brasiliense

RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em

Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo

RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do

Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita

Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de

Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias

Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na

Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo

Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail

vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles

Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria

chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais

semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por

uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da

ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse

aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem

de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar

apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo

de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo

deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que

vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do

Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes

que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que

Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo

natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa

industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente

21

22

separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas

cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a

predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais

luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que

implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com

isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute

a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute

submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os

paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo

de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o

periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se

ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho

salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando

o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por

realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da

revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano

  • Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
  • Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
  • Bibliografia

determinada decisivamente pela grande propriedade rural Da mesma forma

os dois paiacuteses adotaram processos de modernizaccedilatildeo marcados fortemente

pela conciliaccedilatildeo o reformismo pelo alto que exclui do plano imediatamente

poliacutetico os momentos de ruptura em que pudessem influir minimamente as

classes subordinadas De igual modo nos dois casos a constituiccedilatildeo do

capitalismo industrial eacute retardataacuteria sofrendo as contingecircncias impostas por

forccedilas adversas e o desenvolvimento das forccedilas produtivas daacute-se

lentamente[2]

Tais semelhanccedilas bastariam para caracterizar o capitalismo brasileiro

como sendo de via prussiana Alguns assim o fizeram Contudo desde os idos

de 1977 o pensador brasileiro J Chasin estudava como a formaccedilatildeo histoacuterico-

social brasileira se pocircs por um caminho especiacutefico diferente do alematildeo Chasin

apontava as abissais diferenccedilas que separam mesmo os aspectos

semelhantes entre Brasil e Alemanha

Dessa forma a grande propriedade rural tem gecircnese histoacuterica distinta

nos dois paiacuteses a propriedade feudal tiacutepica no caso alematildeo a empresa

colonial do capitalismo mercantil no caso brasileiro A industrializaccedilatildeo alematilde

mesmo que atrasada em relaccedilatildeo aos paiacuteses claacutessicos jaacute estaacute se pondo no

seacuteculo XIX atingindo ao depois presteza e vigor tantos que alccedila agrave condiccedilatildeo de

paiacutes imperialista No Brasil como eacute sabido apenas muito mais tardiamente

quando as guerras imperialistas (que incluiacuteam a Alemanha) jaacute estavam em

curso eacute que efetivamente teve iniacutecio a industrializaccedilatildeo Mesmo esta contudo

jamais foi capaz de romper com a subordinaccedilatildeo aos poacutelos hegemocircnicos da

economia internacional Ou seja embora antidemocraacutetica a burguesia alematilde

se autodetermina enquanto que a burguesia brasileira aleacutem de

antidemocraacutetica eacute caudataacuteria incapaz por iniciativa e forccedila proacuteprias de reagir

diante da dominaccedilatildeo imperialista

Segundo Chasin tatildeo importantes diferenccedilas entre ambos os paiacuteses

iam muito aleacutem de especificidades dentro de uma mesma forma particular de

capitalismo Estaacute-se diz ele diante de um outro caminho diferente dos

claacutessicos e tambeacutem diferente do prussiano caminho este que ele denominou

via colonial de objetivaccedilatildeo do capitalismo[3]

5

Satildeo caracteriacutesticas deste caminho particular entre outras uma

estrutura agraacuteria em que eacute decisiva a presenccedila da grande propriedade de

origem colonial cuja produccedilatildeo estaacute voltada para o exterior as modificaccedilotildees

satildeo realizadas ldquopelo altordquo conciliando interesses sem a participaccedilatildeo do povo e

excluindo as rupturas superadoras o desenvolvimento das forccedilas produtivas eacute

bem mais lento do que nos paiacuteses claacutessicos e ainda mais a implantaccedilatildeo e

progressatildeo do capitalismo industrial eacute ultra-retardataacuteria sofrendo em seu

desenvolvimento obstaculizaccedilotildees e refreamentos de todo tipo esse retardo

histoacuterico e esse desenvolvimento retraiacutedo aditam-se a um inacabamento de

classes em que a burguesia deixa de realizar suas tarefas histoacutericas e os

trabalhadores precisam tomar como suas as bandeiras que outrora e alhures

estavam nas matildeos da burguesia revolucionaacuteria como a democracia

Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia

Conforme jaacute referimos como caracteriacutestica geral podemos afirmar

sinteticamente de acordo com Chasin que a constituiccedilatildeo do capitalismo

industrial brasileiro ocorreu de forma ultra-retardataacuteria lenta e sem se chocar

com a velha ordem agroexportadora Esta como se sabe estava voltada agrave

satisfaccedilatildeo de necessidades externas ao paiacutes

Esse surgimento estruturalmente subsumido ao mercado capitalista

europeu entatildeo em constituiccedilatildeo condicionou o fato de que a burguesia brasileira

seja sujeita agraves burguesias dos paiacuteses do centro capitalista Ela jamais buscou

por meio de um processo revolucionaacuterio de massas sua emancipaccedilatildeo

econocircmica e poliacutetica mesmo - ou melhor dizendo principalmente - em eacutepocas

mais recentes da histoacuteria brasileira

Caio Prado Jr buscava as raiacutezes dessa dependecircncia e subordinaccedilatildeo

orgacircnicas no proacuteprio processo de constituiccedilatildeo da sociedade brasileira Afinal

viemos agrave luz como ldquoEconomia de exportaccedilatildeo constituiacuteda para o fim de fornecer

gecircneros alimentiacutecios e mateacuterias-primas tropicaisrdquo a outros paiacuteses e populaccedilotildees

pelo que estaremos organizados e funcionando ldquoem ligaccedilatildeo iacutentima e estreita

dependecircncia do comeacutercio ultramarinordquo que nos gerou (Prado Jr 1972 p 270)

De forma que nossa economia de origem colonial eacute oposta a uma verdadeira

6

economia nacional jaacute que a vida econocircmica existente natildeo estaacute voltada a

atender agraves necessidades das pessoas que aqui habitam mas agraves de grupos

internacionais

Momento fundamental de objetivaccedilatildeo do capitalismo natildeo-claacutessico eacute a

industrializaccedilatildeo que traz consigo o essencial das caracteriacutesticas mais globais

do sistema e se constitui ao mesmo tempo em resultado de sua interaccedilatildeo com

os elementos presentes na realidade especiacutefica em que se potildee Isso porque o

desencadeamento de um processo industrializante implica um ldquoconjunto de

exigecircncias econocircmicas e histoacutericas internas e externas agrave sociedade dada

suficientemente complexo para admitir uma gama de formas de realizaccedilatildeordquo ndash e

pois a industrializaccedilatildeo ldquolonge de ser uma fase lsquonaturalrsquo do desenvolvimento

histoacuterico de todas as naccedilotildees eacute um processo que soacute alcanccedila ecircxito agrave custa de

reorganizaccedilotildees de tensotildees muito intensas no interior da sociedaderdquo (Cohn

1978 p 286) Por este motivo a anaacutelise do processo de industrializaccedilatildeo

brasileiro eacute fundamental para a compreensatildeo do caraacuteter especiacutefico do

capitalismo aqui existente

Sabe-se que a industrializaccedilatildeo eacute algo bem diverso da mera criaccedilatildeo de

induacutestrias trata-se de um conjunto de mudanccedilas dotado de uma certa

continuidade e de um sentido ndash este dado pela transformaccedilatildeo integral de um

sistema econocircmico-social de base natildeo industrial (agro-exportadora no nosso

caso) Eacute pois um processo para cuja ocorrecircncia deve concorrer todo um

conjunto de condiccedilotildees histoacutericas sob pena de reproduzir o fenocircmeno ciacuteclico

que conhecemos tatildeo bem (Cohn 1978)

Mas como se sabe a sorte da induacutestria nacional estava sempre

ldquoindissoluvelmente ligada e estreitamente subordinada agraves vicissitudes de um

fator inteiramente estranho a ela e sobre que natildeo tem a mais remota accedilatildeo o

comeacutercio exterior e o balanccedilo de contas internacionais do paiacutes bem como o

estado das financcedilas puacuteblicas e o ritmo das emissotildees destinadas a cobrir as

despesas do Estadordquo (Prado Jr 1972 p 266)

A resultante eacute que a industrializaccedilatildeo que se processou no Brasil eacute

hipertardia retardataacuteria lerda uma ldquoindustrializaccedilatildeo que se atrasa

7

indefinidamente no tempo que se descola do desenvolvimento do mercado

interno da revoluccedilatildeo agraacuteria e da revoluccedilatildeo urbana ou que se daacute sem que tais

processos adquiram certa velocidade e intensidaderdquo no dizer de Florestan

Fernandes O fato de as mudanccedilas serem tardias lentas e limitadas acaba

submetendo a industrializaccedilatildeo a todo um complexo de ldquooscilaccedilotildees conjunturais

intermitecircncias estruturais e inconsistecircncias institucionais ou seja um fraco

impulso intriacutenseco de diferenciaccedilatildeo aceleraccedilatildeo constante e universalizaccedilatildeo do

crescimento industrialrdquo (Fernandes 1981 p 298)

Lembre-se de que nas origens da induacutestria nacional o capitalismo

brasileiro entatildeo em crise precisava de uma alternativa para a ordem

agroexportadora predominante amplamente caracterizada pela alternaccedilatildeo

entre ciclos econocircmicos expansionistas e a consequumlente decadecircncia posterior

Sabe-se da importacircncia que tiveram as relaccedilotildees imperialistas tanto para o auge

quanto para o decliacutenio daquela economia especialmente no que tange agrave

intermediaccedilatildeo comercial e financeira Eacute apenas no interior da dialeacutetica do auge

e decadecircncia concomitante do sistema agroexportador que a industrializaccedilatildeo

brasileira se potildee E potildee-se somente como uma das possibilidades dentre as

alternativas de diferenciaccedilatildeo de atividades buscadas em face da crise do cafeacute

Se a Revoluccedilatildeo de 30 vem marcar o fim da hegemonia

agroexportadora e o iniacutecio da predominacircncia da induacutestria seraacute apenas em

1956 que a participaccedilatildeo da induacutestria na renda interna ultrapassa a da

agricultura A partir daiacute o processo de industrializaccedilatildeo se daacute de forma mais

contiacutenua sem as tantas interrupccedilotildees da histoacuteria de vaacuterios comeccedilos que foi a da

industrializaccedilatildeo brasileira (Chasin 2000)

Mas eacute importante salientar ainda uma vez que aleacutem de hiper-

retardataacuterio o domiacutenio do capital industrial em seu processo de constituiccedilatildeo

histoacuterica no Brasil natildeo conseguiu ultrapassar o niacutevel da incipiecircncia durante

toda a primeira metade do seacuteculo passado No final da deacutecada de 70 ainda natildeo

havia se completado tanto que a questatildeo da produccedilatildeo de bens de capital

estava na ordem do dia

8

Por outro lado a eclosatildeo industrial mantinha-se submetida ao velho

modelo dos ciclos econocircmicos tatildeo destrutivo para o desenvolvimento de uma

economia capitalista integrada As enormes diferenccedilas de desenvolvimento no

interior do paiacutes e as tantas aacutereas em profunda decadecircncia satildeo produtos dos

muitos periacuteodos econocircmicos que vivemos todos eles voltados a atender os

interesses do estrangeiro Estes ciclos tambeacutem estatildeo sempre largamente

relacionados agrave conjuntura internacional de forma que qualquer atividade

econocircmica brasileira ldquopode ser gravemente afetada mesmo paralisada de um

momento para o outro em virtude de ocorrecircncias longiacutenquas nos grandes

centros financeiros do mundordquo (Prado Jr 1972 p 281)

Essa industrializaccedilatildeo lenta retardataacuteria inorgacircnica e natildeo autocentrada

gera muitos e profundos problemas cuja tentativa de soluccedilatildeo leva ao

intervencionismo estatal e ao empuxo externo dos centros dinacircmicos

capitalistas de forma que no dizer de Florestan Fernandes ldquoa revoluccedilatildeo

nacional continuaria a ser dimensionada pela infausta conjugaccedilatildeo orgacircnica de

desenvolvimento desigual interno e dominaccedilatildeo imperialista externardquo repetindo

o ciacuterculo vicioso

Darcy Ribeiro jaacute chamava a atenccedilatildeo para o que denominou

industrializaccedilatildeo recolonizadora que promovida pelos capitais internacionais

diretamente ou em associaccedilatildeo com os capitais nacionais atua nos paiacuteses

subordinados como fator de atraso embora ocorra a modernizaccedilatildeo reflexiva da

produccedilatildeo e a substituiccedilatildeo de importaccedilotildees o excedente econocircmico aqui

produzido eacute remetido para fora e uma classe burguesa orgacircnica daacute lugar a um

empresariado gerencial cujo compromisso eacute remeter o lucro a seus patrotildees

(Apud Rago 1998 p 31) De fato a burguesia brasileira estaacute desde sempre

associada aos interesses de grupos estrangeiros que exploram as riquezas do

paiacutes de forma que assume o interesse daqueles como seu A classe

dominante brasileira atua portanto como um agente da dominaccedilatildeo externa - ldquoeacute

irmatilde siamesa dos que nos exploram a partir de fora e que natildeo tecircm nenhuma

razatildeo especial aleacutem da continuidade e do crescimento do butim para desejar

a vigecircncia de uma repuacuteblica democraacutetica e compartilha com eles a

responsabilidade pelo neocolonialismo imperanterdquo (Apud Rago 1998 p 33)

9

Esses dois fatos conjugados ndash submissatildeo ao imperialismo e

crescimento econocircmico em ciclos ndash vatildeo atentar contra a inteireza e

organicidade do capitalismo nacional que desta maneira fica atrofiado Em

primeiro lugar conforme salienta Florestan porque os surtos e ciclos de

crescimento econocircmico raacutepido ldquoexpunham essas classes e estratos de classe

arcaicos ou modernos a uma intensa e incontrolaacutevel avidez por lsquooportunidadesrsquo

e lsquovantagens estrateacutegicasrsquo novasrdquo dificultando a constituiccedilatildeo de uma

organicidade e uma universalidade de interesses Ou como complementa Caio

Prado o funcionamento ldquocaoacuteticordquo e ldquoinorgacircnicordquo do capitalismo nacional

estimula as especulaccedilotildees e a busca por ldquosituaccedilotildees anormais e oportunistasrdquo

das quais as burguesias imperialista e nacional-associada buscam ldquotirar partido

momentacircneo seja embora com o mais grave dano para a economia geral do

paiacutesrdquo Faltava portanto coesatildeo agrave burguesia industrial de forma que durante

muito tempo natildeo tivemos nem mesmo uma classe digna desse nome senatildeo

apenas burgueses industriais individuais[4]

Eacute por isso que eram tatildeo limitadas as reivindicaccedilotildees formuladas pelos

representantes da induacutestria no iniacutecio do seacuteculo XX vindiacutecias que se

concentravam quase sempre em exigecircncias de medidas protecionistas de niacutevel

tarifaacuterio e jamais conseguiam visualizar o proacuteprio processo de industrializaccedilatildeo

interna Satildeo reivindicaccedilotildees parciais porque em geral se referem a produtos

especiacuteficos exprimem interesses particulares e natildeo de toda uma classe (Cohn

1978 Prado Jr 1972)[5]

Essa ausecircncia de organicidade compele as classes burguesas a se

omitirem ou mesmo a se anularem diante de certas tarefas praacuteticas

especificamente burguesas Por isso as grandes tarefas da burguesia nacional

acabaram sendo levadas a cabo natildeo por ela mas pelo Estado ndash algumas

vezes ateacute contra seus interesses imediatos embora sempre em seu favor[6]

Em outros termos da convergecircncia artificial e necessariamente contingente de

interesses ldquoresulta um tipo especial de impotecircncia burguesa que faz convergir

para o Estado nacional o nuacutecleo do poder de decisatildeo e de atuaccedilatildeo da

burguesia O que esta natildeo pode fazer na esfera privada tenta conseguir

10

utilizando como sua base de accedilatildeo estrateacutegica a maquinaria os recursos e o

poder do Estadordquo (Fernandes 1981 p 350)

Este aspecto tambeacutem foi abordado por Carlos Nelson Coutinho Este

autor salienta que no Brasil ldquoO Estado foi sempre o protagonista desse

processo de modernizaccedilatildeo e a burguesia revelou ao longo de praticamente

toda a histoacuteria brasileira poacutes-30 que estava muito presa a seus interesses

econocircmico-corporativos e incapaz de chegar ao niacutevel da consciecircncia eacutetico-

poliacuteticardquo de forma que a ldquoprivatizaccedilatildeo do Estado aqui assume caracteriacutesticas

patoloacutegicas (mesmo no sentido de um Estado capitalista)rdquo (Coutinho 1967 p

142) E de fato sem o controle absoluto do poder estatal natildeo se poderia

pensar como a burguesia consegue se apropriar com tamanha seguranccedila do

excedente econocircmico nacional Eacute graccedilas ao forte apoio do aparato estatal que

tivemos poucas movimentaccedilotildees sociais ameaccedilando o poder constituiacutedo

quando se as compara com as quase inacreditaacuteveis desigualdades sociais

brasileiras

Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional

A superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho tambeacutem eacute uma caracteriacutestica

do paiacutes e tem raiacutezes firmemente plantadas na histoacuteria nacional Lembre-se

antes de mais que fomos o uacuteltimo paiacutes do mundo a abolir a escravidatildeo e que

uma instituiccedilatildeo como esta demanda longo tempo para perder influecircncia na

ideologia e nas praacuteticas sociais

Mesmo com o trabalho assalariado a superexploraccedilatildeo permaneceu

com o pagamento da forccedila de trabalho abaixo de seu valor histoacuterico Este

fenocircmeno baixa dramaticamente o niacutevel econocircmico da populaccedilatildeo brasileira ndash

tanto que a constituiccedilatildeo de um mercado interno foi dos mais graves problemas

enfrentados no processo de industrializaccedilatildeo Se eacute da proacutepria natureza do

capital apropriar-se da mais-valia produzida pelo trabalhador no Brasil este

sofre uma dupla exploraccedilatildeo da burguesia autoacutectone e principalmente do

imperialismo internacional De forma que a exploraccedilatildeo da forccedila de trabalho

11

adquire aqui contornos mais dramaacuteticos dado que como observava Caio

Prado ldquonesse processo natildeo eacute apenas a classe trabalhadora que se desfalca

mas o paiacutes em conjunto que vecirc escoar-se para fora de suas fronteiras a

melhor parcela de suas riquezas e recursosrdquo ndash e uma das consequumlecircncias seraacute

justamente a inapetecircncia e lentidatildeo da acumulaccedilatildeo capitalista como jaacute citamos

(Prado Jr 1972 p 280)

Como sintetiza Chasin no Brasil pela forma particular como se

constituiu ldquoacumulaccedilatildeo moderna e dinacircmica e pauperismo estrutural ou

superexploraccedilatildeo do trabalho perfazem os membros contraditoacuterios de uma

mesma equaccedilatildeo unitaacuteria do capitalrdquo (Chasin 1986 p 3) Em nossa realidade

toda modernizaccedilatildeo tem significado a reproduccedilatildeo da miseacuteria das massas e da

subordinaccedilatildeo estrutural[7] A extrema desigualdade social brasileira eacute portanto

retrato de uma determinada maneira de ser do capital ldquoque reitera de modo

particularmente agigantado a loacutegica intriacutenseca de todo capital a produccedilatildeo em

paralelo de imensa riqueza e de imensa miseacuteriardquo (Chasin 1986 pp 2-3)

Potildee-se dessa forma uma entificaccedilatildeo social que quanto mais se

moderniza mais exclui as massas do gozo da modernidade poliacutetica e social

Esse tipo de capitalismo que imola a sociedade brasileira eacute o capitalismo

possiacutevel por aqui um ldquocapitalismo selvagem e difiacutecil cuja viabilidade se decide

com frequumlecircncia por meios poliacuteticos e no terreno poliacuteticordquo diraacute Florestan

Tal situaccedilatildeo ndash jaacute o referimos ndash natildeo poderia ser mantida com seguranccedila

por longo prazo sem o recurso agrave forccedila e ao monopoacutelio do poder De fato os

estudiosos tecircm chamado a atenccedilatildeo para a ldquoforte associaccedilatildeo racional entre

desenvolvimento capitalista e autocraciardquo em que se acaba restringindo a

noccedilatildeo de democracia ldquoaos membros das classes possuidoras que se

qualifiquem econocircmica social e politicamente para o exerciacutecio da dominaccedilatildeo

burguesardquo (Fernandes 1981 p 292)

As mudanccedilas sociais ocorridas no Brasil mesmo considerando as suas

fundas contraditoriedades e as inuacutemeras vicissitudes consistiram sempre na

ldquopassagem de uma forma de poder para outra conservando intactas a

natureza deste mesmo poder e a sustentaccedilatildeo fundamental que o gera e anima

12

o complexo de um periacuteodo de uma particular acumulaccedilatildeo capitalista expresso

numa poliacutetica econocircmica que natildeo eacute posta em causardquo (Chasin 1982 p 9)

Antes ao contraacuterio tem-se agido sempre ndash e justificado tudo ndash para manter

intocada esta forma brutal de acumulaccedilatildeo capitalista o que pode ser expresso

naquela ceacutelebre maacutexima que proclamava a eventual necessidade de mudar

tudo para que tudo continue como estaacute[8]

De instauraccedilatildeo ultra-retardataacuteria de progresso lento e estruturalmente

atrofiado resultado da conciliaccedilatildeo com as forccedilas sociais representantes de

formas socioeconocircmicas inferiores e da subsunccedilatildeo ao capital hegemocircnico

mundial o capitalismo brasileiro eacute capaz de realizar apenas uma modernizaccedilatildeo

excludente em que o progresso social estaacute radicalmente dissociado da

evoluccedilatildeo nacional [9]

Eacute importante salientar outro aspecto distintivo dos paiacuteses que

chegaram ao capitalismo por uma via natildeo-claacutessica nesses paiacuteses jamais

houve uma revoluccedilatildeo burguesa Marx destacava quando agrave revoluccedilatildeo de marccedilo

de 1848 na Pruacutessia que esta natildeo deveria ser confundida com as revoluccedilotildees de

tipo europeu das quais natildeo era senatildeo um eco debilitado num paiacutes retardataacuterio

ldquouma revoluccedilatildeo secundaacuteriardquo cuja ldquoambiccedilatildeo consistia em querer ser um

anacronismordquo Jaacute na via colonial do Brasil paiacutes hiper-retardataacuterio ldquoa

encarnaccedilatildeo burguesa do anacronismo dispensou ateacute mesmo revoluccedilotildees

terciaacuterias Ou seja jamais completou seu partordquo (Chasin 1985 pp IX-X)

A ausecircncia de uma revoluccedilatildeo democraacutetico-burguesa impediu que a

burguesia brasileira forjasse uma identidade nacional e se projetasse para

todas as classes sociais dado que natildeo estava dotada de ldquouma dinacircmica

proacutepria que pudesse efetivamente representar os interesses das demais

categorias sociaisrdquo (Rago 1998 p 17) Por outros termos a burguesia

brasileira pela sua estruturaccedilatildeo histoacuterica natildeo pode realizar seu papel de

universalizante poliacutetico ldquo- natildeo pode se ver e assumir na particularidade de seus

interesses como representante de todas as categorias sociais da sociedade

em seu conjuntordquo (Chasin 1982 p 11)

13

Essa eacute uma causa e ao mesmo tempo um efeito do que observou

Carlos Nelson Coutinho

No Brasil bem como na generalidade dos paiacuteses coloniais ou

dependentes a evoluccedilatildeo do capitalismo natildeo foi antecedida por uma eacutepoca de

ilusotildees humanistas e de tentativas - mesmo utoacutepicas - de realizar na praacutetica o

ldquocidadatildeordquo e a comunidade democraacutetica Os movimentos neste sentido

ocorridos no seacuteculo passado e no iniacutecio deste seacuteculo foram sempre agitaccedilotildees

superficiais sem nenhum caraacuteter verdadeiramente nacional e popular

(Coutinho 1967 p 142)

O outro lado da moeda eacute portanto que na ausecircncia de uma revoluccedilatildeo

democraacutetico-burguesa as massas natildeo tiveram oportunidade de participar do

processo de constituiccedilatildeo de uma nova ordem Com isto natildeo puderam

minimamente interferir nem fazer valer algumas de suas reivindicaccedilotildees

Tambeacutem nesse aspecto a forccedila do imperialismo se faz presente Jaacute

vimos que no caminho do Brasil ao capitalismo industrial o verdadeiro

capitalismo a presenccedila do imperialismo seraacute decisiva e seu papel

hegemocircnico Com a importante constataccedilatildeo de que o ldquocapital estrangeiro

moderniza mas ao mesmo tempo retira da modernizaccedilatildeo o seu conteuacutedo e

sentido revolucionaacuteriordquo daiacute resultando que ldquotemos uma sociedade que pode

avanccedilar no sentido do desenvolvimento capitalista mas raramente pode

associar esse desenvolvimento capitalista a uma democracia que estenda a

todos as liberdades fundamentais dos cidadatildeos as garantias sociaisrdquo

(Fernandes 1989 p 137)

Constituindo-se num momento em que as lutas de classe jaacute se punham

no plano internacional a burguesia do capital atrofiado brasileiro apavorou-se

das revoluccedilotildees aliou-se aos representantes do historicamente velho as

antigas classes dominantes e ldquooperou no interior da economia retroacutegrada e

fragmentadardquo Quando as modificaccedilotildees poliacuteticas se faziam imprescindiacuteveis

eram realizadas ldquopelo altordquo compondo e recompondo com as ldquovelhas classesrdquo

ldquoatraveacutes de conciliaccedilotildees e concessotildees muacutetuas sem que o povo participasse

das decisotildees e impusesse organicamente sua vontade coletivardquo (Coutinho

1967 p 142)

14

ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta

tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash

tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o

capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o

Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)

Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do

seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins

universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a

ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu

interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)

Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro

capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica

Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada

a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria

criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que

ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional

simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou

dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na

salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins

foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)

Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de

suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma

transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo

(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria

contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico

lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo

nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute

essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional

e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma

que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A

somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato

extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia

15

detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente

necessaacuterias

Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo

Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as

regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel

reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e

compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na

generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de

questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada

sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da

angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo

fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e

abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)

Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como

servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas

populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era

mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem

social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato

importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas

ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle

societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem

lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981

p 333)

Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas

atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se

faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o

plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui

inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa

forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em

que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito

aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se

subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes

16

De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital

atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas

as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se

necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma

democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e

de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias

(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa

A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o

caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente

com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a

sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia

baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica

natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o

Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos

anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da

Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela

repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo

Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao

suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e

aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da

vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a

democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente

atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)

A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo

Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se

exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e

obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a

histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo

do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da

superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos

ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a

malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo

17

articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo

proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do

poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)

Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca

completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua

incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo

tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a

loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo

excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo

burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a

imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a

autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a

primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute

sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa

maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro

integracionista e participativo de todas as categorias sociais

Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia

para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees

historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o

capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute

catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)

Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo

gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos

proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia

liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar

com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe

do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo

se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave

sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar

ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute

vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo

18

De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a

covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin

1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se

reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia

burguesa correspondente ao capital atroacutefico

O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao

mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem

confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto

inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de

chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo

anterior

O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da

globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente

parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas

produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do

mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica

nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se

daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que

tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo

podem ou natildeo se inserir

Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o

paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute

substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua

maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo

global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos

atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se

alcanccedila

Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte

precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades

e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute

pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode

19

vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso

jaacute eacute assunto para outro texto

Bibliografia

CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo

Paulo Escrita

___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio

1718 Satildeo Paulo Ensaio

_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad

Hominem

_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem

______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in

Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad

Hominem

COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil

em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel

COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e

Terra

FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de

Janeiro Zahar

_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718

Satildeo Paulo Ensaio

20

PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo

Brasiliense

RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em

Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo

RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do

Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita

Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de

Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias

Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na

Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo

Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail

vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles

Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria

chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais

semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por

uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da

ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse

aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem

de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar

apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo

de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo

deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que

vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do

Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes

que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que

Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo

natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa

industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente

21

22

separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas

cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a

predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais

luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que

implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com

isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute

a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute

submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os

paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo

de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o

periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se

ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho

salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando

o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por

realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da

revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano

  • Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
  • Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
  • Bibliografia

Satildeo caracteriacutesticas deste caminho particular entre outras uma

estrutura agraacuteria em que eacute decisiva a presenccedila da grande propriedade de

origem colonial cuja produccedilatildeo estaacute voltada para o exterior as modificaccedilotildees

satildeo realizadas ldquopelo altordquo conciliando interesses sem a participaccedilatildeo do povo e

excluindo as rupturas superadoras o desenvolvimento das forccedilas produtivas eacute

bem mais lento do que nos paiacuteses claacutessicos e ainda mais a implantaccedilatildeo e

progressatildeo do capitalismo industrial eacute ultra-retardataacuteria sofrendo em seu

desenvolvimento obstaculizaccedilotildees e refreamentos de todo tipo esse retardo

histoacuterico e esse desenvolvimento retraiacutedo aditam-se a um inacabamento de

classes em que a burguesia deixa de realizar suas tarefas histoacutericas e os

trabalhadores precisam tomar como suas as bandeiras que outrora e alhures

estavam nas matildeos da burguesia revolucionaacuteria como a democracia

Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia

Conforme jaacute referimos como caracteriacutestica geral podemos afirmar

sinteticamente de acordo com Chasin que a constituiccedilatildeo do capitalismo

industrial brasileiro ocorreu de forma ultra-retardataacuteria lenta e sem se chocar

com a velha ordem agroexportadora Esta como se sabe estava voltada agrave

satisfaccedilatildeo de necessidades externas ao paiacutes

Esse surgimento estruturalmente subsumido ao mercado capitalista

europeu entatildeo em constituiccedilatildeo condicionou o fato de que a burguesia brasileira

seja sujeita agraves burguesias dos paiacuteses do centro capitalista Ela jamais buscou

por meio de um processo revolucionaacuterio de massas sua emancipaccedilatildeo

econocircmica e poliacutetica mesmo - ou melhor dizendo principalmente - em eacutepocas

mais recentes da histoacuteria brasileira

Caio Prado Jr buscava as raiacutezes dessa dependecircncia e subordinaccedilatildeo

orgacircnicas no proacuteprio processo de constituiccedilatildeo da sociedade brasileira Afinal

viemos agrave luz como ldquoEconomia de exportaccedilatildeo constituiacuteda para o fim de fornecer

gecircneros alimentiacutecios e mateacuterias-primas tropicaisrdquo a outros paiacuteses e populaccedilotildees

pelo que estaremos organizados e funcionando ldquoem ligaccedilatildeo iacutentima e estreita

dependecircncia do comeacutercio ultramarinordquo que nos gerou (Prado Jr 1972 p 270)

De forma que nossa economia de origem colonial eacute oposta a uma verdadeira

6

economia nacional jaacute que a vida econocircmica existente natildeo estaacute voltada a

atender agraves necessidades das pessoas que aqui habitam mas agraves de grupos

internacionais

Momento fundamental de objetivaccedilatildeo do capitalismo natildeo-claacutessico eacute a

industrializaccedilatildeo que traz consigo o essencial das caracteriacutesticas mais globais

do sistema e se constitui ao mesmo tempo em resultado de sua interaccedilatildeo com

os elementos presentes na realidade especiacutefica em que se potildee Isso porque o

desencadeamento de um processo industrializante implica um ldquoconjunto de

exigecircncias econocircmicas e histoacutericas internas e externas agrave sociedade dada

suficientemente complexo para admitir uma gama de formas de realizaccedilatildeordquo ndash e

pois a industrializaccedilatildeo ldquolonge de ser uma fase lsquonaturalrsquo do desenvolvimento

histoacuterico de todas as naccedilotildees eacute um processo que soacute alcanccedila ecircxito agrave custa de

reorganizaccedilotildees de tensotildees muito intensas no interior da sociedaderdquo (Cohn

1978 p 286) Por este motivo a anaacutelise do processo de industrializaccedilatildeo

brasileiro eacute fundamental para a compreensatildeo do caraacuteter especiacutefico do

capitalismo aqui existente

Sabe-se que a industrializaccedilatildeo eacute algo bem diverso da mera criaccedilatildeo de

induacutestrias trata-se de um conjunto de mudanccedilas dotado de uma certa

continuidade e de um sentido ndash este dado pela transformaccedilatildeo integral de um

sistema econocircmico-social de base natildeo industrial (agro-exportadora no nosso

caso) Eacute pois um processo para cuja ocorrecircncia deve concorrer todo um

conjunto de condiccedilotildees histoacutericas sob pena de reproduzir o fenocircmeno ciacuteclico

que conhecemos tatildeo bem (Cohn 1978)

Mas como se sabe a sorte da induacutestria nacional estava sempre

ldquoindissoluvelmente ligada e estreitamente subordinada agraves vicissitudes de um

fator inteiramente estranho a ela e sobre que natildeo tem a mais remota accedilatildeo o

comeacutercio exterior e o balanccedilo de contas internacionais do paiacutes bem como o

estado das financcedilas puacuteblicas e o ritmo das emissotildees destinadas a cobrir as

despesas do Estadordquo (Prado Jr 1972 p 266)

A resultante eacute que a industrializaccedilatildeo que se processou no Brasil eacute

hipertardia retardataacuteria lerda uma ldquoindustrializaccedilatildeo que se atrasa

7

indefinidamente no tempo que se descola do desenvolvimento do mercado

interno da revoluccedilatildeo agraacuteria e da revoluccedilatildeo urbana ou que se daacute sem que tais

processos adquiram certa velocidade e intensidaderdquo no dizer de Florestan

Fernandes O fato de as mudanccedilas serem tardias lentas e limitadas acaba

submetendo a industrializaccedilatildeo a todo um complexo de ldquooscilaccedilotildees conjunturais

intermitecircncias estruturais e inconsistecircncias institucionais ou seja um fraco

impulso intriacutenseco de diferenciaccedilatildeo aceleraccedilatildeo constante e universalizaccedilatildeo do

crescimento industrialrdquo (Fernandes 1981 p 298)

Lembre-se de que nas origens da induacutestria nacional o capitalismo

brasileiro entatildeo em crise precisava de uma alternativa para a ordem

agroexportadora predominante amplamente caracterizada pela alternaccedilatildeo

entre ciclos econocircmicos expansionistas e a consequumlente decadecircncia posterior

Sabe-se da importacircncia que tiveram as relaccedilotildees imperialistas tanto para o auge

quanto para o decliacutenio daquela economia especialmente no que tange agrave

intermediaccedilatildeo comercial e financeira Eacute apenas no interior da dialeacutetica do auge

e decadecircncia concomitante do sistema agroexportador que a industrializaccedilatildeo

brasileira se potildee E potildee-se somente como uma das possibilidades dentre as

alternativas de diferenciaccedilatildeo de atividades buscadas em face da crise do cafeacute

Se a Revoluccedilatildeo de 30 vem marcar o fim da hegemonia

agroexportadora e o iniacutecio da predominacircncia da induacutestria seraacute apenas em

1956 que a participaccedilatildeo da induacutestria na renda interna ultrapassa a da

agricultura A partir daiacute o processo de industrializaccedilatildeo se daacute de forma mais

contiacutenua sem as tantas interrupccedilotildees da histoacuteria de vaacuterios comeccedilos que foi a da

industrializaccedilatildeo brasileira (Chasin 2000)

Mas eacute importante salientar ainda uma vez que aleacutem de hiper-

retardataacuterio o domiacutenio do capital industrial em seu processo de constituiccedilatildeo

histoacuterica no Brasil natildeo conseguiu ultrapassar o niacutevel da incipiecircncia durante

toda a primeira metade do seacuteculo passado No final da deacutecada de 70 ainda natildeo

havia se completado tanto que a questatildeo da produccedilatildeo de bens de capital

estava na ordem do dia

8

Por outro lado a eclosatildeo industrial mantinha-se submetida ao velho

modelo dos ciclos econocircmicos tatildeo destrutivo para o desenvolvimento de uma

economia capitalista integrada As enormes diferenccedilas de desenvolvimento no

interior do paiacutes e as tantas aacutereas em profunda decadecircncia satildeo produtos dos

muitos periacuteodos econocircmicos que vivemos todos eles voltados a atender os

interesses do estrangeiro Estes ciclos tambeacutem estatildeo sempre largamente

relacionados agrave conjuntura internacional de forma que qualquer atividade

econocircmica brasileira ldquopode ser gravemente afetada mesmo paralisada de um

momento para o outro em virtude de ocorrecircncias longiacutenquas nos grandes

centros financeiros do mundordquo (Prado Jr 1972 p 281)

Essa industrializaccedilatildeo lenta retardataacuteria inorgacircnica e natildeo autocentrada

gera muitos e profundos problemas cuja tentativa de soluccedilatildeo leva ao

intervencionismo estatal e ao empuxo externo dos centros dinacircmicos

capitalistas de forma que no dizer de Florestan Fernandes ldquoa revoluccedilatildeo

nacional continuaria a ser dimensionada pela infausta conjugaccedilatildeo orgacircnica de

desenvolvimento desigual interno e dominaccedilatildeo imperialista externardquo repetindo

o ciacuterculo vicioso

Darcy Ribeiro jaacute chamava a atenccedilatildeo para o que denominou

industrializaccedilatildeo recolonizadora que promovida pelos capitais internacionais

diretamente ou em associaccedilatildeo com os capitais nacionais atua nos paiacuteses

subordinados como fator de atraso embora ocorra a modernizaccedilatildeo reflexiva da

produccedilatildeo e a substituiccedilatildeo de importaccedilotildees o excedente econocircmico aqui

produzido eacute remetido para fora e uma classe burguesa orgacircnica daacute lugar a um

empresariado gerencial cujo compromisso eacute remeter o lucro a seus patrotildees

(Apud Rago 1998 p 31) De fato a burguesia brasileira estaacute desde sempre

associada aos interesses de grupos estrangeiros que exploram as riquezas do

paiacutes de forma que assume o interesse daqueles como seu A classe

dominante brasileira atua portanto como um agente da dominaccedilatildeo externa - ldquoeacute

irmatilde siamesa dos que nos exploram a partir de fora e que natildeo tecircm nenhuma

razatildeo especial aleacutem da continuidade e do crescimento do butim para desejar

a vigecircncia de uma repuacuteblica democraacutetica e compartilha com eles a

responsabilidade pelo neocolonialismo imperanterdquo (Apud Rago 1998 p 33)

9

Esses dois fatos conjugados ndash submissatildeo ao imperialismo e

crescimento econocircmico em ciclos ndash vatildeo atentar contra a inteireza e

organicidade do capitalismo nacional que desta maneira fica atrofiado Em

primeiro lugar conforme salienta Florestan porque os surtos e ciclos de

crescimento econocircmico raacutepido ldquoexpunham essas classes e estratos de classe

arcaicos ou modernos a uma intensa e incontrolaacutevel avidez por lsquooportunidadesrsquo

e lsquovantagens estrateacutegicasrsquo novasrdquo dificultando a constituiccedilatildeo de uma

organicidade e uma universalidade de interesses Ou como complementa Caio

Prado o funcionamento ldquocaoacuteticordquo e ldquoinorgacircnicordquo do capitalismo nacional

estimula as especulaccedilotildees e a busca por ldquosituaccedilotildees anormais e oportunistasrdquo

das quais as burguesias imperialista e nacional-associada buscam ldquotirar partido

momentacircneo seja embora com o mais grave dano para a economia geral do

paiacutesrdquo Faltava portanto coesatildeo agrave burguesia industrial de forma que durante

muito tempo natildeo tivemos nem mesmo uma classe digna desse nome senatildeo

apenas burgueses industriais individuais[4]

Eacute por isso que eram tatildeo limitadas as reivindicaccedilotildees formuladas pelos

representantes da induacutestria no iniacutecio do seacuteculo XX vindiacutecias que se

concentravam quase sempre em exigecircncias de medidas protecionistas de niacutevel

tarifaacuterio e jamais conseguiam visualizar o proacuteprio processo de industrializaccedilatildeo

interna Satildeo reivindicaccedilotildees parciais porque em geral se referem a produtos

especiacuteficos exprimem interesses particulares e natildeo de toda uma classe (Cohn

1978 Prado Jr 1972)[5]

Essa ausecircncia de organicidade compele as classes burguesas a se

omitirem ou mesmo a se anularem diante de certas tarefas praacuteticas

especificamente burguesas Por isso as grandes tarefas da burguesia nacional

acabaram sendo levadas a cabo natildeo por ela mas pelo Estado ndash algumas

vezes ateacute contra seus interesses imediatos embora sempre em seu favor[6]

Em outros termos da convergecircncia artificial e necessariamente contingente de

interesses ldquoresulta um tipo especial de impotecircncia burguesa que faz convergir

para o Estado nacional o nuacutecleo do poder de decisatildeo e de atuaccedilatildeo da

burguesia O que esta natildeo pode fazer na esfera privada tenta conseguir

10

utilizando como sua base de accedilatildeo estrateacutegica a maquinaria os recursos e o

poder do Estadordquo (Fernandes 1981 p 350)

Este aspecto tambeacutem foi abordado por Carlos Nelson Coutinho Este

autor salienta que no Brasil ldquoO Estado foi sempre o protagonista desse

processo de modernizaccedilatildeo e a burguesia revelou ao longo de praticamente

toda a histoacuteria brasileira poacutes-30 que estava muito presa a seus interesses

econocircmico-corporativos e incapaz de chegar ao niacutevel da consciecircncia eacutetico-

poliacuteticardquo de forma que a ldquoprivatizaccedilatildeo do Estado aqui assume caracteriacutesticas

patoloacutegicas (mesmo no sentido de um Estado capitalista)rdquo (Coutinho 1967 p

142) E de fato sem o controle absoluto do poder estatal natildeo se poderia

pensar como a burguesia consegue se apropriar com tamanha seguranccedila do

excedente econocircmico nacional Eacute graccedilas ao forte apoio do aparato estatal que

tivemos poucas movimentaccedilotildees sociais ameaccedilando o poder constituiacutedo

quando se as compara com as quase inacreditaacuteveis desigualdades sociais

brasileiras

Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional

A superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho tambeacutem eacute uma caracteriacutestica

do paiacutes e tem raiacutezes firmemente plantadas na histoacuteria nacional Lembre-se

antes de mais que fomos o uacuteltimo paiacutes do mundo a abolir a escravidatildeo e que

uma instituiccedilatildeo como esta demanda longo tempo para perder influecircncia na

ideologia e nas praacuteticas sociais

Mesmo com o trabalho assalariado a superexploraccedilatildeo permaneceu

com o pagamento da forccedila de trabalho abaixo de seu valor histoacuterico Este

fenocircmeno baixa dramaticamente o niacutevel econocircmico da populaccedilatildeo brasileira ndash

tanto que a constituiccedilatildeo de um mercado interno foi dos mais graves problemas

enfrentados no processo de industrializaccedilatildeo Se eacute da proacutepria natureza do

capital apropriar-se da mais-valia produzida pelo trabalhador no Brasil este

sofre uma dupla exploraccedilatildeo da burguesia autoacutectone e principalmente do

imperialismo internacional De forma que a exploraccedilatildeo da forccedila de trabalho

11

adquire aqui contornos mais dramaacuteticos dado que como observava Caio

Prado ldquonesse processo natildeo eacute apenas a classe trabalhadora que se desfalca

mas o paiacutes em conjunto que vecirc escoar-se para fora de suas fronteiras a

melhor parcela de suas riquezas e recursosrdquo ndash e uma das consequumlecircncias seraacute

justamente a inapetecircncia e lentidatildeo da acumulaccedilatildeo capitalista como jaacute citamos

(Prado Jr 1972 p 280)

Como sintetiza Chasin no Brasil pela forma particular como se

constituiu ldquoacumulaccedilatildeo moderna e dinacircmica e pauperismo estrutural ou

superexploraccedilatildeo do trabalho perfazem os membros contraditoacuterios de uma

mesma equaccedilatildeo unitaacuteria do capitalrdquo (Chasin 1986 p 3) Em nossa realidade

toda modernizaccedilatildeo tem significado a reproduccedilatildeo da miseacuteria das massas e da

subordinaccedilatildeo estrutural[7] A extrema desigualdade social brasileira eacute portanto

retrato de uma determinada maneira de ser do capital ldquoque reitera de modo

particularmente agigantado a loacutegica intriacutenseca de todo capital a produccedilatildeo em

paralelo de imensa riqueza e de imensa miseacuteriardquo (Chasin 1986 pp 2-3)

Potildee-se dessa forma uma entificaccedilatildeo social que quanto mais se

moderniza mais exclui as massas do gozo da modernidade poliacutetica e social

Esse tipo de capitalismo que imola a sociedade brasileira eacute o capitalismo

possiacutevel por aqui um ldquocapitalismo selvagem e difiacutecil cuja viabilidade se decide

com frequumlecircncia por meios poliacuteticos e no terreno poliacuteticordquo diraacute Florestan

Tal situaccedilatildeo ndash jaacute o referimos ndash natildeo poderia ser mantida com seguranccedila

por longo prazo sem o recurso agrave forccedila e ao monopoacutelio do poder De fato os

estudiosos tecircm chamado a atenccedilatildeo para a ldquoforte associaccedilatildeo racional entre

desenvolvimento capitalista e autocraciardquo em que se acaba restringindo a

noccedilatildeo de democracia ldquoaos membros das classes possuidoras que se

qualifiquem econocircmica social e politicamente para o exerciacutecio da dominaccedilatildeo

burguesardquo (Fernandes 1981 p 292)

As mudanccedilas sociais ocorridas no Brasil mesmo considerando as suas

fundas contraditoriedades e as inuacutemeras vicissitudes consistiram sempre na

ldquopassagem de uma forma de poder para outra conservando intactas a

natureza deste mesmo poder e a sustentaccedilatildeo fundamental que o gera e anima

12

o complexo de um periacuteodo de uma particular acumulaccedilatildeo capitalista expresso

numa poliacutetica econocircmica que natildeo eacute posta em causardquo (Chasin 1982 p 9)

Antes ao contraacuterio tem-se agido sempre ndash e justificado tudo ndash para manter

intocada esta forma brutal de acumulaccedilatildeo capitalista o que pode ser expresso

naquela ceacutelebre maacutexima que proclamava a eventual necessidade de mudar

tudo para que tudo continue como estaacute[8]

De instauraccedilatildeo ultra-retardataacuteria de progresso lento e estruturalmente

atrofiado resultado da conciliaccedilatildeo com as forccedilas sociais representantes de

formas socioeconocircmicas inferiores e da subsunccedilatildeo ao capital hegemocircnico

mundial o capitalismo brasileiro eacute capaz de realizar apenas uma modernizaccedilatildeo

excludente em que o progresso social estaacute radicalmente dissociado da

evoluccedilatildeo nacional [9]

Eacute importante salientar outro aspecto distintivo dos paiacuteses que

chegaram ao capitalismo por uma via natildeo-claacutessica nesses paiacuteses jamais

houve uma revoluccedilatildeo burguesa Marx destacava quando agrave revoluccedilatildeo de marccedilo

de 1848 na Pruacutessia que esta natildeo deveria ser confundida com as revoluccedilotildees de

tipo europeu das quais natildeo era senatildeo um eco debilitado num paiacutes retardataacuterio

ldquouma revoluccedilatildeo secundaacuteriardquo cuja ldquoambiccedilatildeo consistia em querer ser um

anacronismordquo Jaacute na via colonial do Brasil paiacutes hiper-retardataacuterio ldquoa

encarnaccedilatildeo burguesa do anacronismo dispensou ateacute mesmo revoluccedilotildees

terciaacuterias Ou seja jamais completou seu partordquo (Chasin 1985 pp IX-X)

A ausecircncia de uma revoluccedilatildeo democraacutetico-burguesa impediu que a

burguesia brasileira forjasse uma identidade nacional e se projetasse para

todas as classes sociais dado que natildeo estava dotada de ldquouma dinacircmica

proacutepria que pudesse efetivamente representar os interesses das demais

categorias sociaisrdquo (Rago 1998 p 17) Por outros termos a burguesia

brasileira pela sua estruturaccedilatildeo histoacuterica natildeo pode realizar seu papel de

universalizante poliacutetico ldquo- natildeo pode se ver e assumir na particularidade de seus

interesses como representante de todas as categorias sociais da sociedade

em seu conjuntordquo (Chasin 1982 p 11)

13

Essa eacute uma causa e ao mesmo tempo um efeito do que observou

Carlos Nelson Coutinho

No Brasil bem como na generalidade dos paiacuteses coloniais ou

dependentes a evoluccedilatildeo do capitalismo natildeo foi antecedida por uma eacutepoca de

ilusotildees humanistas e de tentativas - mesmo utoacutepicas - de realizar na praacutetica o

ldquocidadatildeordquo e a comunidade democraacutetica Os movimentos neste sentido

ocorridos no seacuteculo passado e no iniacutecio deste seacuteculo foram sempre agitaccedilotildees

superficiais sem nenhum caraacuteter verdadeiramente nacional e popular

(Coutinho 1967 p 142)

O outro lado da moeda eacute portanto que na ausecircncia de uma revoluccedilatildeo

democraacutetico-burguesa as massas natildeo tiveram oportunidade de participar do

processo de constituiccedilatildeo de uma nova ordem Com isto natildeo puderam

minimamente interferir nem fazer valer algumas de suas reivindicaccedilotildees

Tambeacutem nesse aspecto a forccedila do imperialismo se faz presente Jaacute

vimos que no caminho do Brasil ao capitalismo industrial o verdadeiro

capitalismo a presenccedila do imperialismo seraacute decisiva e seu papel

hegemocircnico Com a importante constataccedilatildeo de que o ldquocapital estrangeiro

moderniza mas ao mesmo tempo retira da modernizaccedilatildeo o seu conteuacutedo e

sentido revolucionaacuteriordquo daiacute resultando que ldquotemos uma sociedade que pode

avanccedilar no sentido do desenvolvimento capitalista mas raramente pode

associar esse desenvolvimento capitalista a uma democracia que estenda a

todos as liberdades fundamentais dos cidadatildeos as garantias sociaisrdquo

(Fernandes 1989 p 137)

Constituindo-se num momento em que as lutas de classe jaacute se punham

no plano internacional a burguesia do capital atrofiado brasileiro apavorou-se

das revoluccedilotildees aliou-se aos representantes do historicamente velho as

antigas classes dominantes e ldquooperou no interior da economia retroacutegrada e

fragmentadardquo Quando as modificaccedilotildees poliacuteticas se faziam imprescindiacuteveis

eram realizadas ldquopelo altordquo compondo e recompondo com as ldquovelhas classesrdquo

ldquoatraveacutes de conciliaccedilotildees e concessotildees muacutetuas sem que o povo participasse

das decisotildees e impusesse organicamente sua vontade coletivardquo (Coutinho

1967 p 142)

14

ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta

tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash

tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o

capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o

Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)

Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do

seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins

universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a

ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu

interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)

Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro

capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica

Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada

a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria

criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que

ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional

simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou

dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na

salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins

foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)

Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de

suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma

transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo

(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria

contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico

lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo

nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute

essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional

e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma

que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A

somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato

extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia

15

detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente

necessaacuterias

Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo

Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as

regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel

reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e

compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na

generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de

questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada

sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da

angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo

fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e

abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)

Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como

servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas

populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era

mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem

social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato

importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas

ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle

societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem

lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981

p 333)

Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas

atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se

faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o

plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui

inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa

forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em

que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito

aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se

subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes

16

De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital

atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas

as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se

necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma

democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e

de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias

(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa

A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o

caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente

com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a

sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia

baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica

natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o

Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos

anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da

Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela

repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo

Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao

suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e

aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da

vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a

democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente

atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)

A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo

Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se

exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e

obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a

histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo

do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da

superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos

ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a

malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo

17

articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo

proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do

poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)

Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca

completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua

incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo

tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a

loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo

excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo

burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a

imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a

autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a

primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute

sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa

maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro

integracionista e participativo de todas as categorias sociais

Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia

para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees

historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o

capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute

catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)

Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo

gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos

proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia

liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar

com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe

do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo

se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave

sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar

ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute

vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo

18

De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a

covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin

1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se

reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia

burguesa correspondente ao capital atroacutefico

O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao

mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem

confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto

inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de

chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo

anterior

O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da

globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente

parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas

produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do

mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica

nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se

daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que

tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo

podem ou natildeo se inserir

Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o

paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute

substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua

maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo

global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos

atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se

alcanccedila

Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte

precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades

e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute

pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode

19

vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso

jaacute eacute assunto para outro texto

Bibliografia

CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo

Paulo Escrita

___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio

1718 Satildeo Paulo Ensaio

_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad

Hominem

_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem

______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in

Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad

Hominem

COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil

em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel

COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e

Terra

FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de

Janeiro Zahar

_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718

Satildeo Paulo Ensaio

20

PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo

Brasiliense

RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em

Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo

RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do

Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita

Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de

Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias

Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na

Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo

Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail

vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles

Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria

chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais

semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por

uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da

ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse

aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem

de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar

apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo

de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo

deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que

vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do

Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes

que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que

Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo

natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa

industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente

21

22

separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas

cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a

predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais

luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que

implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com

isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute

a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute

submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os

paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo

de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o

periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se

ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho

salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando

o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por

realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da

revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano

  • Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
  • Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
  • Bibliografia

economia nacional jaacute que a vida econocircmica existente natildeo estaacute voltada a

atender agraves necessidades das pessoas que aqui habitam mas agraves de grupos

internacionais

Momento fundamental de objetivaccedilatildeo do capitalismo natildeo-claacutessico eacute a

industrializaccedilatildeo que traz consigo o essencial das caracteriacutesticas mais globais

do sistema e se constitui ao mesmo tempo em resultado de sua interaccedilatildeo com

os elementos presentes na realidade especiacutefica em que se potildee Isso porque o

desencadeamento de um processo industrializante implica um ldquoconjunto de

exigecircncias econocircmicas e histoacutericas internas e externas agrave sociedade dada

suficientemente complexo para admitir uma gama de formas de realizaccedilatildeordquo ndash e

pois a industrializaccedilatildeo ldquolonge de ser uma fase lsquonaturalrsquo do desenvolvimento

histoacuterico de todas as naccedilotildees eacute um processo que soacute alcanccedila ecircxito agrave custa de

reorganizaccedilotildees de tensotildees muito intensas no interior da sociedaderdquo (Cohn

1978 p 286) Por este motivo a anaacutelise do processo de industrializaccedilatildeo

brasileiro eacute fundamental para a compreensatildeo do caraacuteter especiacutefico do

capitalismo aqui existente

Sabe-se que a industrializaccedilatildeo eacute algo bem diverso da mera criaccedilatildeo de

induacutestrias trata-se de um conjunto de mudanccedilas dotado de uma certa

continuidade e de um sentido ndash este dado pela transformaccedilatildeo integral de um

sistema econocircmico-social de base natildeo industrial (agro-exportadora no nosso

caso) Eacute pois um processo para cuja ocorrecircncia deve concorrer todo um

conjunto de condiccedilotildees histoacutericas sob pena de reproduzir o fenocircmeno ciacuteclico

que conhecemos tatildeo bem (Cohn 1978)

Mas como se sabe a sorte da induacutestria nacional estava sempre

ldquoindissoluvelmente ligada e estreitamente subordinada agraves vicissitudes de um

fator inteiramente estranho a ela e sobre que natildeo tem a mais remota accedilatildeo o

comeacutercio exterior e o balanccedilo de contas internacionais do paiacutes bem como o

estado das financcedilas puacuteblicas e o ritmo das emissotildees destinadas a cobrir as

despesas do Estadordquo (Prado Jr 1972 p 266)

A resultante eacute que a industrializaccedilatildeo que se processou no Brasil eacute

hipertardia retardataacuteria lerda uma ldquoindustrializaccedilatildeo que se atrasa

7

indefinidamente no tempo que se descola do desenvolvimento do mercado

interno da revoluccedilatildeo agraacuteria e da revoluccedilatildeo urbana ou que se daacute sem que tais

processos adquiram certa velocidade e intensidaderdquo no dizer de Florestan

Fernandes O fato de as mudanccedilas serem tardias lentas e limitadas acaba

submetendo a industrializaccedilatildeo a todo um complexo de ldquooscilaccedilotildees conjunturais

intermitecircncias estruturais e inconsistecircncias institucionais ou seja um fraco

impulso intriacutenseco de diferenciaccedilatildeo aceleraccedilatildeo constante e universalizaccedilatildeo do

crescimento industrialrdquo (Fernandes 1981 p 298)

Lembre-se de que nas origens da induacutestria nacional o capitalismo

brasileiro entatildeo em crise precisava de uma alternativa para a ordem

agroexportadora predominante amplamente caracterizada pela alternaccedilatildeo

entre ciclos econocircmicos expansionistas e a consequumlente decadecircncia posterior

Sabe-se da importacircncia que tiveram as relaccedilotildees imperialistas tanto para o auge

quanto para o decliacutenio daquela economia especialmente no que tange agrave

intermediaccedilatildeo comercial e financeira Eacute apenas no interior da dialeacutetica do auge

e decadecircncia concomitante do sistema agroexportador que a industrializaccedilatildeo

brasileira se potildee E potildee-se somente como uma das possibilidades dentre as

alternativas de diferenciaccedilatildeo de atividades buscadas em face da crise do cafeacute

Se a Revoluccedilatildeo de 30 vem marcar o fim da hegemonia

agroexportadora e o iniacutecio da predominacircncia da induacutestria seraacute apenas em

1956 que a participaccedilatildeo da induacutestria na renda interna ultrapassa a da

agricultura A partir daiacute o processo de industrializaccedilatildeo se daacute de forma mais

contiacutenua sem as tantas interrupccedilotildees da histoacuteria de vaacuterios comeccedilos que foi a da

industrializaccedilatildeo brasileira (Chasin 2000)

Mas eacute importante salientar ainda uma vez que aleacutem de hiper-

retardataacuterio o domiacutenio do capital industrial em seu processo de constituiccedilatildeo

histoacuterica no Brasil natildeo conseguiu ultrapassar o niacutevel da incipiecircncia durante

toda a primeira metade do seacuteculo passado No final da deacutecada de 70 ainda natildeo

havia se completado tanto que a questatildeo da produccedilatildeo de bens de capital

estava na ordem do dia

8

Por outro lado a eclosatildeo industrial mantinha-se submetida ao velho

modelo dos ciclos econocircmicos tatildeo destrutivo para o desenvolvimento de uma

economia capitalista integrada As enormes diferenccedilas de desenvolvimento no

interior do paiacutes e as tantas aacutereas em profunda decadecircncia satildeo produtos dos

muitos periacuteodos econocircmicos que vivemos todos eles voltados a atender os

interesses do estrangeiro Estes ciclos tambeacutem estatildeo sempre largamente

relacionados agrave conjuntura internacional de forma que qualquer atividade

econocircmica brasileira ldquopode ser gravemente afetada mesmo paralisada de um

momento para o outro em virtude de ocorrecircncias longiacutenquas nos grandes

centros financeiros do mundordquo (Prado Jr 1972 p 281)

Essa industrializaccedilatildeo lenta retardataacuteria inorgacircnica e natildeo autocentrada

gera muitos e profundos problemas cuja tentativa de soluccedilatildeo leva ao

intervencionismo estatal e ao empuxo externo dos centros dinacircmicos

capitalistas de forma que no dizer de Florestan Fernandes ldquoa revoluccedilatildeo

nacional continuaria a ser dimensionada pela infausta conjugaccedilatildeo orgacircnica de

desenvolvimento desigual interno e dominaccedilatildeo imperialista externardquo repetindo

o ciacuterculo vicioso

Darcy Ribeiro jaacute chamava a atenccedilatildeo para o que denominou

industrializaccedilatildeo recolonizadora que promovida pelos capitais internacionais

diretamente ou em associaccedilatildeo com os capitais nacionais atua nos paiacuteses

subordinados como fator de atraso embora ocorra a modernizaccedilatildeo reflexiva da

produccedilatildeo e a substituiccedilatildeo de importaccedilotildees o excedente econocircmico aqui

produzido eacute remetido para fora e uma classe burguesa orgacircnica daacute lugar a um

empresariado gerencial cujo compromisso eacute remeter o lucro a seus patrotildees

(Apud Rago 1998 p 31) De fato a burguesia brasileira estaacute desde sempre

associada aos interesses de grupos estrangeiros que exploram as riquezas do

paiacutes de forma que assume o interesse daqueles como seu A classe

dominante brasileira atua portanto como um agente da dominaccedilatildeo externa - ldquoeacute

irmatilde siamesa dos que nos exploram a partir de fora e que natildeo tecircm nenhuma

razatildeo especial aleacutem da continuidade e do crescimento do butim para desejar

a vigecircncia de uma repuacuteblica democraacutetica e compartilha com eles a

responsabilidade pelo neocolonialismo imperanterdquo (Apud Rago 1998 p 33)

9

Esses dois fatos conjugados ndash submissatildeo ao imperialismo e

crescimento econocircmico em ciclos ndash vatildeo atentar contra a inteireza e

organicidade do capitalismo nacional que desta maneira fica atrofiado Em

primeiro lugar conforme salienta Florestan porque os surtos e ciclos de

crescimento econocircmico raacutepido ldquoexpunham essas classes e estratos de classe

arcaicos ou modernos a uma intensa e incontrolaacutevel avidez por lsquooportunidadesrsquo

e lsquovantagens estrateacutegicasrsquo novasrdquo dificultando a constituiccedilatildeo de uma

organicidade e uma universalidade de interesses Ou como complementa Caio

Prado o funcionamento ldquocaoacuteticordquo e ldquoinorgacircnicordquo do capitalismo nacional

estimula as especulaccedilotildees e a busca por ldquosituaccedilotildees anormais e oportunistasrdquo

das quais as burguesias imperialista e nacional-associada buscam ldquotirar partido

momentacircneo seja embora com o mais grave dano para a economia geral do

paiacutesrdquo Faltava portanto coesatildeo agrave burguesia industrial de forma que durante

muito tempo natildeo tivemos nem mesmo uma classe digna desse nome senatildeo

apenas burgueses industriais individuais[4]

Eacute por isso que eram tatildeo limitadas as reivindicaccedilotildees formuladas pelos

representantes da induacutestria no iniacutecio do seacuteculo XX vindiacutecias que se

concentravam quase sempre em exigecircncias de medidas protecionistas de niacutevel

tarifaacuterio e jamais conseguiam visualizar o proacuteprio processo de industrializaccedilatildeo

interna Satildeo reivindicaccedilotildees parciais porque em geral se referem a produtos

especiacuteficos exprimem interesses particulares e natildeo de toda uma classe (Cohn

1978 Prado Jr 1972)[5]

Essa ausecircncia de organicidade compele as classes burguesas a se

omitirem ou mesmo a se anularem diante de certas tarefas praacuteticas

especificamente burguesas Por isso as grandes tarefas da burguesia nacional

acabaram sendo levadas a cabo natildeo por ela mas pelo Estado ndash algumas

vezes ateacute contra seus interesses imediatos embora sempre em seu favor[6]

Em outros termos da convergecircncia artificial e necessariamente contingente de

interesses ldquoresulta um tipo especial de impotecircncia burguesa que faz convergir

para o Estado nacional o nuacutecleo do poder de decisatildeo e de atuaccedilatildeo da

burguesia O que esta natildeo pode fazer na esfera privada tenta conseguir

10

utilizando como sua base de accedilatildeo estrateacutegica a maquinaria os recursos e o

poder do Estadordquo (Fernandes 1981 p 350)

Este aspecto tambeacutem foi abordado por Carlos Nelson Coutinho Este

autor salienta que no Brasil ldquoO Estado foi sempre o protagonista desse

processo de modernizaccedilatildeo e a burguesia revelou ao longo de praticamente

toda a histoacuteria brasileira poacutes-30 que estava muito presa a seus interesses

econocircmico-corporativos e incapaz de chegar ao niacutevel da consciecircncia eacutetico-

poliacuteticardquo de forma que a ldquoprivatizaccedilatildeo do Estado aqui assume caracteriacutesticas

patoloacutegicas (mesmo no sentido de um Estado capitalista)rdquo (Coutinho 1967 p

142) E de fato sem o controle absoluto do poder estatal natildeo se poderia

pensar como a burguesia consegue se apropriar com tamanha seguranccedila do

excedente econocircmico nacional Eacute graccedilas ao forte apoio do aparato estatal que

tivemos poucas movimentaccedilotildees sociais ameaccedilando o poder constituiacutedo

quando se as compara com as quase inacreditaacuteveis desigualdades sociais

brasileiras

Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional

A superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho tambeacutem eacute uma caracteriacutestica

do paiacutes e tem raiacutezes firmemente plantadas na histoacuteria nacional Lembre-se

antes de mais que fomos o uacuteltimo paiacutes do mundo a abolir a escravidatildeo e que

uma instituiccedilatildeo como esta demanda longo tempo para perder influecircncia na

ideologia e nas praacuteticas sociais

Mesmo com o trabalho assalariado a superexploraccedilatildeo permaneceu

com o pagamento da forccedila de trabalho abaixo de seu valor histoacuterico Este

fenocircmeno baixa dramaticamente o niacutevel econocircmico da populaccedilatildeo brasileira ndash

tanto que a constituiccedilatildeo de um mercado interno foi dos mais graves problemas

enfrentados no processo de industrializaccedilatildeo Se eacute da proacutepria natureza do

capital apropriar-se da mais-valia produzida pelo trabalhador no Brasil este

sofre uma dupla exploraccedilatildeo da burguesia autoacutectone e principalmente do

imperialismo internacional De forma que a exploraccedilatildeo da forccedila de trabalho

11

adquire aqui contornos mais dramaacuteticos dado que como observava Caio

Prado ldquonesse processo natildeo eacute apenas a classe trabalhadora que se desfalca

mas o paiacutes em conjunto que vecirc escoar-se para fora de suas fronteiras a

melhor parcela de suas riquezas e recursosrdquo ndash e uma das consequumlecircncias seraacute

justamente a inapetecircncia e lentidatildeo da acumulaccedilatildeo capitalista como jaacute citamos

(Prado Jr 1972 p 280)

Como sintetiza Chasin no Brasil pela forma particular como se

constituiu ldquoacumulaccedilatildeo moderna e dinacircmica e pauperismo estrutural ou

superexploraccedilatildeo do trabalho perfazem os membros contraditoacuterios de uma

mesma equaccedilatildeo unitaacuteria do capitalrdquo (Chasin 1986 p 3) Em nossa realidade

toda modernizaccedilatildeo tem significado a reproduccedilatildeo da miseacuteria das massas e da

subordinaccedilatildeo estrutural[7] A extrema desigualdade social brasileira eacute portanto

retrato de uma determinada maneira de ser do capital ldquoque reitera de modo

particularmente agigantado a loacutegica intriacutenseca de todo capital a produccedilatildeo em

paralelo de imensa riqueza e de imensa miseacuteriardquo (Chasin 1986 pp 2-3)

Potildee-se dessa forma uma entificaccedilatildeo social que quanto mais se

moderniza mais exclui as massas do gozo da modernidade poliacutetica e social

Esse tipo de capitalismo que imola a sociedade brasileira eacute o capitalismo

possiacutevel por aqui um ldquocapitalismo selvagem e difiacutecil cuja viabilidade se decide

com frequumlecircncia por meios poliacuteticos e no terreno poliacuteticordquo diraacute Florestan

Tal situaccedilatildeo ndash jaacute o referimos ndash natildeo poderia ser mantida com seguranccedila

por longo prazo sem o recurso agrave forccedila e ao monopoacutelio do poder De fato os

estudiosos tecircm chamado a atenccedilatildeo para a ldquoforte associaccedilatildeo racional entre

desenvolvimento capitalista e autocraciardquo em que se acaba restringindo a

noccedilatildeo de democracia ldquoaos membros das classes possuidoras que se

qualifiquem econocircmica social e politicamente para o exerciacutecio da dominaccedilatildeo

burguesardquo (Fernandes 1981 p 292)

As mudanccedilas sociais ocorridas no Brasil mesmo considerando as suas

fundas contraditoriedades e as inuacutemeras vicissitudes consistiram sempre na

ldquopassagem de uma forma de poder para outra conservando intactas a

natureza deste mesmo poder e a sustentaccedilatildeo fundamental que o gera e anima

12

o complexo de um periacuteodo de uma particular acumulaccedilatildeo capitalista expresso

numa poliacutetica econocircmica que natildeo eacute posta em causardquo (Chasin 1982 p 9)

Antes ao contraacuterio tem-se agido sempre ndash e justificado tudo ndash para manter

intocada esta forma brutal de acumulaccedilatildeo capitalista o que pode ser expresso

naquela ceacutelebre maacutexima que proclamava a eventual necessidade de mudar

tudo para que tudo continue como estaacute[8]

De instauraccedilatildeo ultra-retardataacuteria de progresso lento e estruturalmente

atrofiado resultado da conciliaccedilatildeo com as forccedilas sociais representantes de

formas socioeconocircmicas inferiores e da subsunccedilatildeo ao capital hegemocircnico

mundial o capitalismo brasileiro eacute capaz de realizar apenas uma modernizaccedilatildeo

excludente em que o progresso social estaacute radicalmente dissociado da

evoluccedilatildeo nacional [9]

Eacute importante salientar outro aspecto distintivo dos paiacuteses que

chegaram ao capitalismo por uma via natildeo-claacutessica nesses paiacuteses jamais

houve uma revoluccedilatildeo burguesa Marx destacava quando agrave revoluccedilatildeo de marccedilo

de 1848 na Pruacutessia que esta natildeo deveria ser confundida com as revoluccedilotildees de

tipo europeu das quais natildeo era senatildeo um eco debilitado num paiacutes retardataacuterio

ldquouma revoluccedilatildeo secundaacuteriardquo cuja ldquoambiccedilatildeo consistia em querer ser um

anacronismordquo Jaacute na via colonial do Brasil paiacutes hiper-retardataacuterio ldquoa

encarnaccedilatildeo burguesa do anacronismo dispensou ateacute mesmo revoluccedilotildees

terciaacuterias Ou seja jamais completou seu partordquo (Chasin 1985 pp IX-X)

A ausecircncia de uma revoluccedilatildeo democraacutetico-burguesa impediu que a

burguesia brasileira forjasse uma identidade nacional e se projetasse para

todas as classes sociais dado que natildeo estava dotada de ldquouma dinacircmica

proacutepria que pudesse efetivamente representar os interesses das demais

categorias sociaisrdquo (Rago 1998 p 17) Por outros termos a burguesia

brasileira pela sua estruturaccedilatildeo histoacuterica natildeo pode realizar seu papel de

universalizante poliacutetico ldquo- natildeo pode se ver e assumir na particularidade de seus

interesses como representante de todas as categorias sociais da sociedade

em seu conjuntordquo (Chasin 1982 p 11)

13

Essa eacute uma causa e ao mesmo tempo um efeito do que observou

Carlos Nelson Coutinho

No Brasil bem como na generalidade dos paiacuteses coloniais ou

dependentes a evoluccedilatildeo do capitalismo natildeo foi antecedida por uma eacutepoca de

ilusotildees humanistas e de tentativas - mesmo utoacutepicas - de realizar na praacutetica o

ldquocidadatildeordquo e a comunidade democraacutetica Os movimentos neste sentido

ocorridos no seacuteculo passado e no iniacutecio deste seacuteculo foram sempre agitaccedilotildees

superficiais sem nenhum caraacuteter verdadeiramente nacional e popular

(Coutinho 1967 p 142)

O outro lado da moeda eacute portanto que na ausecircncia de uma revoluccedilatildeo

democraacutetico-burguesa as massas natildeo tiveram oportunidade de participar do

processo de constituiccedilatildeo de uma nova ordem Com isto natildeo puderam

minimamente interferir nem fazer valer algumas de suas reivindicaccedilotildees

Tambeacutem nesse aspecto a forccedila do imperialismo se faz presente Jaacute

vimos que no caminho do Brasil ao capitalismo industrial o verdadeiro

capitalismo a presenccedila do imperialismo seraacute decisiva e seu papel

hegemocircnico Com a importante constataccedilatildeo de que o ldquocapital estrangeiro

moderniza mas ao mesmo tempo retira da modernizaccedilatildeo o seu conteuacutedo e

sentido revolucionaacuteriordquo daiacute resultando que ldquotemos uma sociedade que pode

avanccedilar no sentido do desenvolvimento capitalista mas raramente pode

associar esse desenvolvimento capitalista a uma democracia que estenda a

todos as liberdades fundamentais dos cidadatildeos as garantias sociaisrdquo

(Fernandes 1989 p 137)

Constituindo-se num momento em que as lutas de classe jaacute se punham

no plano internacional a burguesia do capital atrofiado brasileiro apavorou-se

das revoluccedilotildees aliou-se aos representantes do historicamente velho as

antigas classes dominantes e ldquooperou no interior da economia retroacutegrada e

fragmentadardquo Quando as modificaccedilotildees poliacuteticas se faziam imprescindiacuteveis

eram realizadas ldquopelo altordquo compondo e recompondo com as ldquovelhas classesrdquo

ldquoatraveacutes de conciliaccedilotildees e concessotildees muacutetuas sem que o povo participasse

das decisotildees e impusesse organicamente sua vontade coletivardquo (Coutinho

1967 p 142)

14

ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta

tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash

tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o

capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o

Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)

Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do

seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins

universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a

ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu

interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)

Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro

capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica

Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada

a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria

criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que

ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional

simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou

dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na

salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins

foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)

Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de

suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma

transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo

(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria

contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico

lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo

nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute

essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional

e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma

que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A

somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato

extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia

15

detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente

necessaacuterias

Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo

Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as

regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel

reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e

compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na

generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de

questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada

sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da

angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo

fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e

abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)

Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como

servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas

populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era

mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem

social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato

importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas

ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle

societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem

lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981

p 333)

Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas

atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se

faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o

plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui

inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa

forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em

que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito

aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se

subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes

16

De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital

atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas

as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se

necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma

democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e

de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias

(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa

A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o

caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente

com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a

sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia

baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica

natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o

Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos

anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da

Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela

repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo

Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao

suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e

aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da

vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a

democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente

atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)

A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo

Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se

exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e

obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a

histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo

do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da

superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos

ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a

malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo

17

articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo

proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do

poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)

Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca

completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua

incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo

tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a

loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo

excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo

burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a

imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a

autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a

primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute

sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa

maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro

integracionista e participativo de todas as categorias sociais

Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia

para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees

historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o

capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute

catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)

Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo

gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos

proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia

liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar

com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe

do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo

se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave

sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar

ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute

vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo

18

De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a

covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin

1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se

reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia

burguesa correspondente ao capital atroacutefico

O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao

mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem

confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto

inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de

chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo

anterior

O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da

globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente

parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas

produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do

mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica

nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se

daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que

tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo

podem ou natildeo se inserir

Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o

paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute

substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua

maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo

global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos

atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se

alcanccedila

Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte

precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades

e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute

pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode

19

vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso

jaacute eacute assunto para outro texto

Bibliografia

CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo

Paulo Escrita

___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio

1718 Satildeo Paulo Ensaio

_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad

Hominem

_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem

______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in

Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad

Hominem

COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil

em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel

COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e

Terra

FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de

Janeiro Zahar

_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718

Satildeo Paulo Ensaio

20

PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo

Brasiliense

RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em

Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo

RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do

Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita

Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de

Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias

Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na

Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo

Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail

vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles

Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria

chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais

semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por

uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da

ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse

aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem

de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar

apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo

de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo

deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que

vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do

Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes

que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que

Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo

natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa

industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente

21

22

separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas

cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a

predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais

luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que

implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com

isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute

a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute

submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os

paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo

de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o

periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se

ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho

salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando

o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por

realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da

revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano

  • Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
  • Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
  • Bibliografia

indefinidamente no tempo que se descola do desenvolvimento do mercado

interno da revoluccedilatildeo agraacuteria e da revoluccedilatildeo urbana ou que se daacute sem que tais

processos adquiram certa velocidade e intensidaderdquo no dizer de Florestan

Fernandes O fato de as mudanccedilas serem tardias lentas e limitadas acaba

submetendo a industrializaccedilatildeo a todo um complexo de ldquooscilaccedilotildees conjunturais

intermitecircncias estruturais e inconsistecircncias institucionais ou seja um fraco

impulso intriacutenseco de diferenciaccedilatildeo aceleraccedilatildeo constante e universalizaccedilatildeo do

crescimento industrialrdquo (Fernandes 1981 p 298)

Lembre-se de que nas origens da induacutestria nacional o capitalismo

brasileiro entatildeo em crise precisava de uma alternativa para a ordem

agroexportadora predominante amplamente caracterizada pela alternaccedilatildeo

entre ciclos econocircmicos expansionistas e a consequumlente decadecircncia posterior

Sabe-se da importacircncia que tiveram as relaccedilotildees imperialistas tanto para o auge

quanto para o decliacutenio daquela economia especialmente no que tange agrave

intermediaccedilatildeo comercial e financeira Eacute apenas no interior da dialeacutetica do auge

e decadecircncia concomitante do sistema agroexportador que a industrializaccedilatildeo

brasileira se potildee E potildee-se somente como uma das possibilidades dentre as

alternativas de diferenciaccedilatildeo de atividades buscadas em face da crise do cafeacute

Se a Revoluccedilatildeo de 30 vem marcar o fim da hegemonia

agroexportadora e o iniacutecio da predominacircncia da induacutestria seraacute apenas em

1956 que a participaccedilatildeo da induacutestria na renda interna ultrapassa a da

agricultura A partir daiacute o processo de industrializaccedilatildeo se daacute de forma mais

contiacutenua sem as tantas interrupccedilotildees da histoacuteria de vaacuterios comeccedilos que foi a da

industrializaccedilatildeo brasileira (Chasin 2000)

Mas eacute importante salientar ainda uma vez que aleacutem de hiper-

retardataacuterio o domiacutenio do capital industrial em seu processo de constituiccedilatildeo

histoacuterica no Brasil natildeo conseguiu ultrapassar o niacutevel da incipiecircncia durante

toda a primeira metade do seacuteculo passado No final da deacutecada de 70 ainda natildeo

havia se completado tanto que a questatildeo da produccedilatildeo de bens de capital

estava na ordem do dia

8

Por outro lado a eclosatildeo industrial mantinha-se submetida ao velho

modelo dos ciclos econocircmicos tatildeo destrutivo para o desenvolvimento de uma

economia capitalista integrada As enormes diferenccedilas de desenvolvimento no

interior do paiacutes e as tantas aacutereas em profunda decadecircncia satildeo produtos dos

muitos periacuteodos econocircmicos que vivemos todos eles voltados a atender os

interesses do estrangeiro Estes ciclos tambeacutem estatildeo sempre largamente

relacionados agrave conjuntura internacional de forma que qualquer atividade

econocircmica brasileira ldquopode ser gravemente afetada mesmo paralisada de um

momento para o outro em virtude de ocorrecircncias longiacutenquas nos grandes

centros financeiros do mundordquo (Prado Jr 1972 p 281)

Essa industrializaccedilatildeo lenta retardataacuteria inorgacircnica e natildeo autocentrada

gera muitos e profundos problemas cuja tentativa de soluccedilatildeo leva ao

intervencionismo estatal e ao empuxo externo dos centros dinacircmicos

capitalistas de forma que no dizer de Florestan Fernandes ldquoa revoluccedilatildeo

nacional continuaria a ser dimensionada pela infausta conjugaccedilatildeo orgacircnica de

desenvolvimento desigual interno e dominaccedilatildeo imperialista externardquo repetindo

o ciacuterculo vicioso

Darcy Ribeiro jaacute chamava a atenccedilatildeo para o que denominou

industrializaccedilatildeo recolonizadora que promovida pelos capitais internacionais

diretamente ou em associaccedilatildeo com os capitais nacionais atua nos paiacuteses

subordinados como fator de atraso embora ocorra a modernizaccedilatildeo reflexiva da

produccedilatildeo e a substituiccedilatildeo de importaccedilotildees o excedente econocircmico aqui

produzido eacute remetido para fora e uma classe burguesa orgacircnica daacute lugar a um

empresariado gerencial cujo compromisso eacute remeter o lucro a seus patrotildees

(Apud Rago 1998 p 31) De fato a burguesia brasileira estaacute desde sempre

associada aos interesses de grupos estrangeiros que exploram as riquezas do

paiacutes de forma que assume o interesse daqueles como seu A classe

dominante brasileira atua portanto como um agente da dominaccedilatildeo externa - ldquoeacute

irmatilde siamesa dos que nos exploram a partir de fora e que natildeo tecircm nenhuma

razatildeo especial aleacutem da continuidade e do crescimento do butim para desejar

a vigecircncia de uma repuacuteblica democraacutetica e compartilha com eles a

responsabilidade pelo neocolonialismo imperanterdquo (Apud Rago 1998 p 33)

9

Esses dois fatos conjugados ndash submissatildeo ao imperialismo e

crescimento econocircmico em ciclos ndash vatildeo atentar contra a inteireza e

organicidade do capitalismo nacional que desta maneira fica atrofiado Em

primeiro lugar conforme salienta Florestan porque os surtos e ciclos de

crescimento econocircmico raacutepido ldquoexpunham essas classes e estratos de classe

arcaicos ou modernos a uma intensa e incontrolaacutevel avidez por lsquooportunidadesrsquo

e lsquovantagens estrateacutegicasrsquo novasrdquo dificultando a constituiccedilatildeo de uma

organicidade e uma universalidade de interesses Ou como complementa Caio

Prado o funcionamento ldquocaoacuteticordquo e ldquoinorgacircnicordquo do capitalismo nacional

estimula as especulaccedilotildees e a busca por ldquosituaccedilotildees anormais e oportunistasrdquo

das quais as burguesias imperialista e nacional-associada buscam ldquotirar partido

momentacircneo seja embora com o mais grave dano para a economia geral do

paiacutesrdquo Faltava portanto coesatildeo agrave burguesia industrial de forma que durante

muito tempo natildeo tivemos nem mesmo uma classe digna desse nome senatildeo

apenas burgueses industriais individuais[4]

Eacute por isso que eram tatildeo limitadas as reivindicaccedilotildees formuladas pelos

representantes da induacutestria no iniacutecio do seacuteculo XX vindiacutecias que se

concentravam quase sempre em exigecircncias de medidas protecionistas de niacutevel

tarifaacuterio e jamais conseguiam visualizar o proacuteprio processo de industrializaccedilatildeo

interna Satildeo reivindicaccedilotildees parciais porque em geral se referem a produtos

especiacuteficos exprimem interesses particulares e natildeo de toda uma classe (Cohn

1978 Prado Jr 1972)[5]

Essa ausecircncia de organicidade compele as classes burguesas a se

omitirem ou mesmo a se anularem diante de certas tarefas praacuteticas

especificamente burguesas Por isso as grandes tarefas da burguesia nacional

acabaram sendo levadas a cabo natildeo por ela mas pelo Estado ndash algumas

vezes ateacute contra seus interesses imediatos embora sempre em seu favor[6]

Em outros termos da convergecircncia artificial e necessariamente contingente de

interesses ldquoresulta um tipo especial de impotecircncia burguesa que faz convergir

para o Estado nacional o nuacutecleo do poder de decisatildeo e de atuaccedilatildeo da

burguesia O que esta natildeo pode fazer na esfera privada tenta conseguir

10

utilizando como sua base de accedilatildeo estrateacutegica a maquinaria os recursos e o

poder do Estadordquo (Fernandes 1981 p 350)

Este aspecto tambeacutem foi abordado por Carlos Nelson Coutinho Este

autor salienta que no Brasil ldquoO Estado foi sempre o protagonista desse

processo de modernizaccedilatildeo e a burguesia revelou ao longo de praticamente

toda a histoacuteria brasileira poacutes-30 que estava muito presa a seus interesses

econocircmico-corporativos e incapaz de chegar ao niacutevel da consciecircncia eacutetico-

poliacuteticardquo de forma que a ldquoprivatizaccedilatildeo do Estado aqui assume caracteriacutesticas

patoloacutegicas (mesmo no sentido de um Estado capitalista)rdquo (Coutinho 1967 p

142) E de fato sem o controle absoluto do poder estatal natildeo se poderia

pensar como a burguesia consegue se apropriar com tamanha seguranccedila do

excedente econocircmico nacional Eacute graccedilas ao forte apoio do aparato estatal que

tivemos poucas movimentaccedilotildees sociais ameaccedilando o poder constituiacutedo

quando se as compara com as quase inacreditaacuteveis desigualdades sociais

brasileiras

Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional

A superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho tambeacutem eacute uma caracteriacutestica

do paiacutes e tem raiacutezes firmemente plantadas na histoacuteria nacional Lembre-se

antes de mais que fomos o uacuteltimo paiacutes do mundo a abolir a escravidatildeo e que

uma instituiccedilatildeo como esta demanda longo tempo para perder influecircncia na

ideologia e nas praacuteticas sociais

Mesmo com o trabalho assalariado a superexploraccedilatildeo permaneceu

com o pagamento da forccedila de trabalho abaixo de seu valor histoacuterico Este

fenocircmeno baixa dramaticamente o niacutevel econocircmico da populaccedilatildeo brasileira ndash

tanto que a constituiccedilatildeo de um mercado interno foi dos mais graves problemas

enfrentados no processo de industrializaccedilatildeo Se eacute da proacutepria natureza do

capital apropriar-se da mais-valia produzida pelo trabalhador no Brasil este

sofre uma dupla exploraccedilatildeo da burguesia autoacutectone e principalmente do

imperialismo internacional De forma que a exploraccedilatildeo da forccedila de trabalho

11

adquire aqui contornos mais dramaacuteticos dado que como observava Caio

Prado ldquonesse processo natildeo eacute apenas a classe trabalhadora que se desfalca

mas o paiacutes em conjunto que vecirc escoar-se para fora de suas fronteiras a

melhor parcela de suas riquezas e recursosrdquo ndash e uma das consequumlecircncias seraacute

justamente a inapetecircncia e lentidatildeo da acumulaccedilatildeo capitalista como jaacute citamos

(Prado Jr 1972 p 280)

Como sintetiza Chasin no Brasil pela forma particular como se

constituiu ldquoacumulaccedilatildeo moderna e dinacircmica e pauperismo estrutural ou

superexploraccedilatildeo do trabalho perfazem os membros contraditoacuterios de uma

mesma equaccedilatildeo unitaacuteria do capitalrdquo (Chasin 1986 p 3) Em nossa realidade

toda modernizaccedilatildeo tem significado a reproduccedilatildeo da miseacuteria das massas e da

subordinaccedilatildeo estrutural[7] A extrema desigualdade social brasileira eacute portanto

retrato de uma determinada maneira de ser do capital ldquoque reitera de modo

particularmente agigantado a loacutegica intriacutenseca de todo capital a produccedilatildeo em

paralelo de imensa riqueza e de imensa miseacuteriardquo (Chasin 1986 pp 2-3)

Potildee-se dessa forma uma entificaccedilatildeo social que quanto mais se

moderniza mais exclui as massas do gozo da modernidade poliacutetica e social

Esse tipo de capitalismo que imola a sociedade brasileira eacute o capitalismo

possiacutevel por aqui um ldquocapitalismo selvagem e difiacutecil cuja viabilidade se decide

com frequumlecircncia por meios poliacuteticos e no terreno poliacuteticordquo diraacute Florestan

Tal situaccedilatildeo ndash jaacute o referimos ndash natildeo poderia ser mantida com seguranccedila

por longo prazo sem o recurso agrave forccedila e ao monopoacutelio do poder De fato os

estudiosos tecircm chamado a atenccedilatildeo para a ldquoforte associaccedilatildeo racional entre

desenvolvimento capitalista e autocraciardquo em que se acaba restringindo a

noccedilatildeo de democracia ldquoaos membros das classes possuidoras que se

qualifiquem econocircmica social e politicamente para o exerciacutecio da dominaccedilatildeo

burguesardquo (Fernandes 1981 p 292)

As mudanccedilas sociais ocorridas no Brasil mesmo considerando as suas

fundas contraditoriedades e as inuacutemeras vicissitudes consistiram sempre na

ldquopassagem de uma forma de poder para outra conservando intactas a

natureza deste mesmo poder e a sustentaccedilatildeo fundamental que o gera e anima

12

o complexo de um periacuteodo de uma particular acumulaccedilatildeo capitalista expresso

numa poliacutetica econocircmica que natildeo eacute posta em causardquo (Chasin 1982 p 9)

Antes ao contraacuterio tem-se agido sempre ndash e justificado tudo ndash para manter

intocada esta forma brutal de acumulaccedilatildeo capitalista o que pode ser expresso

naquela ceacutelebre maacutexima que proclamava a eventual necessidade de mudar

tudo para que tudo continue como estaacute[8]

De instauraccedilatildeo ultra-retardataacuteria de progresso lento e estruturalmente

atrofiado resultado da conciliaccedilatildeo com as forccedilas sociais representantes de

formas socioeconocircmicas inferiores e da subsunccedilatildeo ao capital hegemocircnico

mundial o capitalismo brasileiro eacute capaz de realizar apenas uma modernizaccedilatildeo

excludente em que o progresso social estaacute radicalmente dissociado da

evoluccedilatildeo nacional [9]

Eacute importante salientar outro aspecto distintivo dos paiacuteses que

chegaram ao capitalismo por uma via natildeo-claacutessica nesses paiacuteses jamais

houve uma revoluccedilatildeo burguesa Marx destacava quando agrave revoluccedilatildeo de marccedilo

de 1848 na Pruacutessia que esta natildeo deveria ser confundida com as revoluccedilotildees de

tipo europeu das quais natildeo era senatildeo um eco debilitado num paiacutes retardataacuterio

ldquouma revoluccedilatildeo secundaacuteriardquo cuja ldquoambiccedilatildeo consistia em querer ser um

anacronismordquo Jaacute na via colonial do Brasil paiacutes hiper-retardataacuterio ldquoa

encarnaccedilatildeo burguesa do anacronismo dispensou ateacute mesmo revoluccedilotildees

terciaacuterias Ou seja jamais completou seu partordquo (Chasin 1985 pp IX-X)

A ausecircncia de uma revoluccedilatildeo democraacutetico-burguesa impediu que a

burguesia brasileira forjasse uma identidade nacional e se projetasse para

todas as classes sociais dado que natildeo estava dotada de ldquouma dinacircmica

proacutepria que pudesse efetivamente representar os interesses das demais

categorias sociaisrdquo (Rago 1998 p 17) Por outros termos a burguesia

brasileira pela sua estruturaccedilatildeo histoacuterica natildeo pode realizar seu papel de

universalizante poliacutetico ldquo- natildeo pode se ver e assumir na particularidade de seus

interesses como representante de todas as categorias sociais da sociedade

em seu conjuntordquo (Chasin 1982 p 11)

13

Essa eacute uma causa e ao mesmo tempo um efeito do que observou

Carlos Nelson Coutinho

No Brasil bem como na generalidade dos paiacuteses coloniais ou

dependentes a evoluccedilatildeo do capitalismo natildeo foi antecedida por uma eacutepoca de

ilusotildees humanistas e de tentativas - mesmo utoacutepicas - de realizar na praacutetica o

ldquocidadatildeordquo e a comunidade democraacutetica Os movimentos neste sentido

ocorridos no seacuteculo passado e no iniacutecio deste seacuteculo foram sempre agitaccedilotildees

superficiais sem nenhum caraacuteter verdadeiramente nacional e popular

(Coutinho 1967 p 142)

O outro lado da moeda eacute portanto que na ausecircncia de uma revoluccedilatildeo

democraacutetico-burguesa as massas natildeo tiveram oportunidade de participar do

processo de constituiccedilatildeo de uma nova ordem Com isto natildeo puderam

minimamente interferir nem fazer valer algumas de suas reivindicaccedilotildees

Tambeacutem nesse aspecto a forccedila do imperialismo se faz presente Jaacute

vimos que no caminho do Brasil ao capitalismo industrial o verdadeiro

capitalismo a presenccedila do imperialismo seraacute decisiva e seu papel

hegemocircnico Com a importante constataccedilatildeo de que o ldquocapital estrangeiro

moderniza mas ao mesmo tempo retira da modernizaccedilatildeo o seu conteuacutedo e

sentido revolucionaacuteriordquo daiacute resultando que ldquotemos uma sociedade que pode

avanccedilar no sentido do desenvolvimento capitalista mas raramente pode

associar esse desenvolvimento capitalista a uma democracia que estenda a

todos as liberdades fundamentais dos cidadatildeos as garantias sociaisrdquo

(Fernandes 1989 p 137)

Constituindo-se num momento em que as lutas de classe jaacute se punham

no plano internacional a burguesia do capital atrofiado brasileiro apavorou-se

das revoluccedilotildees aliou-se aos representantes do historicamente velho as

antigas classes dominantes e ldquooperou no interior da economia retroacutegrada e

fragmentadardquo Quando as modificaccedilotildees poliacuteticas se faziam imprescindiacuteveis

eram realizadas ldquopelo altordquo compondo e recompondo com as ldquovelhas classesrdquo

ldquoatraveacutes de conciliaccedilotildees e concessotildees muacutetuas sem que o povo participasse

das decisotildees e impusesse organicamente sua vontade coletivardquo (Coutinho

1967 p 142)

14

ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta

tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash

tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o

capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o

Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)

Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do

seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins

universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a

ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu

interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)

Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro

capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica

Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada

a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria

criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que

ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional

simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou

dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na

salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins

foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)

Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de

suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma

transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo

(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria

contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico

lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo

nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute

essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional

e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma

que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A

somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato

extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia

15

detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente

necessaacuterias

Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo

Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as

regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel

reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e

compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na

generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de

questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada

sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da

angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo

fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e

abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)

Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como

servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas

populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era

mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem

social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato

importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas

ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle

societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem

lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981

p 333)

Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas

atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se

faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o

plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui

inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa

forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em

que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito

aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se

subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes

16

De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital

atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas

as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se

necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma

democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e

de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias

(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa

A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o

caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente

com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a

sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia

baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica

natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o

Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos

anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da

Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela

repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo

Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao

suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e

aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da

vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a

democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente

atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)

A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo

Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se

exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e

obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a

histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo

do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da

superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos

ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a

malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo

17

articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo

proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do

poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)

Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca

completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua

incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo

tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a

loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo

excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo

burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a

imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a

autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a

primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute

sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa

maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro

integracionista e participativo de todas as categorias sociais

Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia

para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees

historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o

capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute

catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)

Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo

gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos

proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia

liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar

com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe

do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo

se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave

sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar

ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute

vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo

18

De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a

covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin

1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se

reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia

burguesa correspondente ao capital atroacutefico

O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao

mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem

confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto

inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de

chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo

anterior

O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da

globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente

parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas

produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do

mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica

nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se

daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que

tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo

podem ou natildeo se inserir

Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o

paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute

substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua

maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo

global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos

atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se

alcanccedila

Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte

precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades

e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute

pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode

19

vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso

jaacute eacute assunto para outro texto

Bibliografia

CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo

Paulo Escrita

___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio

1718 Satildeo Paulo Ensaio

_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad

Hominem

_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem

______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in

Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad

Hominem

COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil

em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel

COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e

Terra

FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de

Janeiro Zahar

_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718

Satildeo Paulo Ensaio

20

PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo

Brasiliense

RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em

Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo

RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do

Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita

Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de

Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias

Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na

Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo

Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail

vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles

Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria

chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais

semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por

uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da

ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse

aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem

de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar

apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo

de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo

deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que

vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do

Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes

que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que

Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo

natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa

industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente

21

22

separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas

cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a

predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais

luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que

implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com

isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute

a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute

submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os

paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo

de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o

periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se

ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho

salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando

o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por

realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da

revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano

  • Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
  • Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
  • Bibliografia

Por outro lado a eclosatildeo industrial mantinha-se submetida ao velho

modelo dos ciclos econocircmicos tatildeo destrutivo para o desenvolvimento de uma

economia capitalista integrada As enormes diferenccedilas de desenvolvimento no

interior do paiacutes e as tantas aacutereas em profunda decadecircncia satildeo produtos dos

muitos periacuteodos econocircmicos que vivemos todos eles voltados a atender os

interesses do estrangeiro Estes ciclos tambeacutem estatildeo sempre largamente

relacionados agrave conjuntura internacional de forma que qualquer atividade

econocircmica brasileira ldquopode ser gravemente afetada mesmo paralisada de um

momento para o outro em virtude de ocorrecircncias longiacutenquas nos grandes

centros financeiros do mundordquo (Prado Jr 1972 p 281)

Essa industrializaccedilatildeo lenta retardataacuteria inorgacircnica e natildeo autocentrada

gera muitos e profundos problemas cuja tentativa de soluccedilatildeo leva ao

intervencionismo estatal e ao empuxo externo dos centros dinacircmicos

capitalistas de forma que no dizer de Florestan Fernandes ldquoa revoluccedilatildeo

nacional continuaria a ser dimensionada pela infausta conjugaccedilatildeo orgacircnica de

desenvolvimento desigual interno e dominaccedilatildeo imperialista externardquo repetindo

o ciacuterculo vicioso

Darcy Ribeiro jaacute chamava a atenccedilatildeo para o que denominou

industrializaccedilatildeo recolonizadora que promovida pelos capitais internacionais

diretamente ou em associaccedilatildeo com os capitais nacionais atua nos paiacuteses

subordinados como fator de atraso embora ocorra a modernizaccedilatildeo reflexiva da

produccedilatildeo e a substituiccedilatildeo de importaccedilotildees o excedente econocircmico aqui

produzido eacute remetido para fora e uma classe burguesa orgacircnica daacute lugar a um

empresariado gerencial cujo compromisso eacute remeter o lucro a seus patrotildees

(Apud Rago 1998 p 31) De fato a burguesia brasileira estaacute desde sempre

associada aos interesses de grupos estrangeiros que exploram as riquezas do

paiacutes de forma que assume o interesse daqueles como seu A classe

dominante brasileira atua portanto como um agente da dominaccedilatildeo externa - ldquoeacute

irmatilde siamesa dos que nos exploram a partir de fora e que natildeo tecircm nenhuma

razatildeo especial aleacutem da continuidade e do crescimento do butim para desejar

a vigecircncia de uma repuacuteblica democraacutetica e compartilha com eles a

responsabilidade pelo neocolonialismo imperanterdquo (Apud Rago 1998 p 33)

9

Esses dois fatos conjugados ndash submissatildeo ao imperialismo e

crescimento econocircmico em ciclos ndash vatildeo atentar contra a inteireza e

organicidade do capitalismo nacional que desta maneira fica atrofiado Em

primeiro lugar conforme salienta Florestan porque os surtos e ciclos de

crescimento econocircmico raacutepido ldquoexpunham essas classes e estratos de classe

arcaicos ou modernos a uma intensa e incontrolaacutevel avidez por lsquooportunidadesrsquo

e lsquovantagens estrateacutegicasrsquo novasrdquo dificultando a constituiccedilatildeo de uma

organicidade e uma universalidade de interesses Ou como complementa Caio

Prado o funcionamento ldquocaoacuteticordquo e ldquoinorgacircnicordquo do capitalismo nacional

estimula as especulaccedilotildees e a busca por ldquosituaccedilotildees anormais e oportunistasrdquo

das quais as burguesias imperialista e nacional-associada buscam ldquotirar partido

momentacircneo seja embora com o mais grave dano para a economia geral do

paiacutesrdquo Faltava portanto coesatildeo agrave burguesia industrial de forma que durante

muito tempo natildeo tivemos nem mesmo uma classe digna desse nome senatildeo

apenas burgueses industriais individuais[4]

Eacute por isso que eram tatildeo limitadas as reivindicaccedilotildees formuladas pelos

representantes da induacutestria no iniacutecio do seacuteculo XX vindiacutecias que se

concentravam quase sempre em exigecircncias de medidas protecionistas de niacutevel

tarifaacuterio e jamais conseguiam visualizar o proacuteprio processo de industrializaccedilatildeo

interna Satildeo reivindicaccedilotildees parciais porque em geral se referem a produtos

especiacuteficos exprimem interesses particulares e natildeo de toda uma classe (Cohn

1978 Prado Jr 1972)[5]

Essa ausecircncia de organicidade compele as classes burguesas a se

omitirem ou mesmo a se anularem diante de certas tarefas praacuteticas

especificamente burguesas Por isso as grandes tarefas da burguesia nacional

acabaram sendo levadas a cabo natildeo por ela mas pelo Estado ndash algumas

vezes ateacute contra seus interesses imediatos embora sempre em seu favor[6]

Em outros termos da convergecircncia artificial e necessariamente contingente de

interesses ldquoresulta um tipo especial de impotecircncia burguesa que faz convergir

para o Estado nacional o nuacutecleo do poder de decisatildeo e de atuaccedilatildeo da

burguesia O que esta natildeo pode fazer na esfera privada tenta conseguir

10

utilizando como sua base de accedilatildeo estrateacutegica a maquinaria os recursos e o

poder do Estadordquo (Fernandes 1981 p 350)

Este aspecto tambeacutem foi abordado por Carlos Nelson Coutinho Este

autor salienta que no Brasil ldquoO Estado foi sempre o protagonista desse

processo de modernizaccedilatildeo e a burguesia revelou ao longo de praticamente

toda a histoacuteria brasileira poacutes-30 que estava muito presa a seus interesses

econocircmico-corporativos e incapaz de chegar ao niacutevel da consciecircncia eacutetico-

poliacuteticardquo de forma que a ldquoprivatizaccedilatildeo do Estado aqui assume caracteriacutesticas

patoloacutegicas (mesmo no sentido de um Estado capitalista)rdquo (Coutinho 1967 p

142) E de fato sem o controle absoluto do poder estatal natildeo se poderia

pensar como a burguesia consegue se apropriar com tamanha seguranccedila do

excedente econocircmico nacional Eacute graccedilas ao forte apoio do aparato estatal que

tivemos poucas movimentaccedilotildees sociais ameaccedilando o poder constituiacutedo

quando se as compara com as quase inacreditaacuteveis desigualdades sociais

brasileiras

Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional

A superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho tambeacutem eacute uma caracteriacutestica

do paiacutes e tem raiacutezes firmemente plantadas na histoacuteria nacional Lembre-se

antes de mais que fomos o uacuteltimo paiacutes do mundo a abolir a escravidatildeo e que

uma instituiccedilatildeo como esta demanda longo tempo para perder influecircncia na

ideologia e nas praacuteticas sociais

Mesmo com o trabalho assalariado a superexploraccedilatildeo permaneceu

com o pagamento da forccedila de trabalho abaixo de seu valor histoacuterico Este

fenocircmeno baixa dramaticamente o niacutevel econocircmico da populaccedilatildeo brasileira ndash

tanto que a constituiccedilatildeo de um mercado interno foi dos mais graves problemas

enfrentados no processo de industrializaccedilatildeo Se eacute da proacutepria natureza do

capital apropriar-se da mais-valia produzida pelo trabalhador no Brasil este

sofre uma dupla exploraccedilatildeo da burguesia autoacutectone e principalmente do

imperialismo internacional De forma que a exploraccedilatildeo da forccedila de trabalho

11

adquire aqui contornos mais dramaacuteticos dado que como observava Caio

Prado ldquonesse processo natildeo eacute apenas a classe trabalhadora que se desfalca

mas o paiacutes em conjunto que vecirc escoar-se para fora de suas fronteiras a

melhor parcela de suas riquezas e recursosrdquo ndash e uma das consequumlecircncias seraacute

justamente a inapetecircncia e lentidatildeo da acumulaccedilatildeo capitalista como jaacute citamos

(Prado Jr 1972 p 280)

Como sintetiza Chasin no Brasil pela forma particular como se

constituiu ldquoacumulaccedilatildeo moderna e dinacircmica e pauperismo estrutural ou

superexploraccedilatildeo do trabalho perfazem os membros contraditoacuterios de uma

mesma equaccedilatildeo unitaacuteria do capitalrdquo (Chasin 1986 p 3) Em nossa realidade

toda modernizaccedilatildeo tem significado a reproduccedilatildeo da miseacuteria das massas e da

subordinaccedilatildeo estrutural[7] A extrema desigualdade social brasileira eacute portanto

retrato de uma determinada maneira de ser do capital ldquoque reitera de modo

particularmente agigantado a loacutegica intriacutenseca de todo capital a produccedilatildeo em

paralelo de imensa riqueza e de imensa miseacuteriardquo (Chasin 1986 pp 2-3)

Potildee-se dessa forma uma entificaccedilatildeo social que quanto mais se

moderniza mais exclui as massas do gozo da modernidade poliacutetica e social

Esse tipo de capitalismo que imola a sociedade brasileira eacute o capitalismo

possiacutevel por aqui um ldquocapitalismo selvagem e difiacutecil cuja viabilidade se decide

com frequumlecircncia por meios poliacuteticos e no terreno poliacuteticordquo diraacute Florestan

Tal situaccedilatildeo ndash jaacute o referimos ndash natildeo poderia ser mantida com seguranccedila

por longo prazo sem o recurso agrave forccedila e ao monopoacutelio do poder De fato os

estudiosos tecircm chamado a atenccedilatildeo para a ldquoforte associaccedilatildeo racional entre

desenvolvimento capitalista e autocraciardquo em que se acaba restringindo a

noccedilatildeo de democracia ldquoaos membros das classes possuidoras que se

qualifiquem econocircmica social e politicamente para o exerciacutecio da dominaccedilatildeo

burguesardquo (Fernandes 1981 p 292)

As mudanccedilas sociais ocorridas no Brasil mesmo considerando as suas

fundas contraditoriedades e as inuacutemeras vicissitudes consistiram sempre na

ldquopassagem de uma forma de poder para outra conservando intactas a

natureza deste mesmo poder e a sustentaccedilatildeo fundamental que o gera e anima

12

o complexo de um periacuteodo de uma particular acumulaccedilatildeo capitalista expresso

numa poliacutetica econocircmica que natildeo eacute posta em causardquo (Chasin 1982 p 9)

Antes ao contraacuterio tem-se agido sempre ndash e justificado tudo ndash para manter

intocada esta forma brutal de acumulaccedilatildeo capitalista o que pode ser expresso

naquela ceacutelebre maacutexima que proclamava a eventual necessidade de mudar

tudo para que tudo continue como estaacute[8]

De instauraccedilatildeo ultra-retardataacuteria de progresso lento e estruturalmente

atrofiado resultado da conciliaccedilatildeo com as forccedilas sociais representantes de

formas socioeconocircmicas inferiores e da subsunccedilatildeo ao capital hegemocircnico

mundial o capitalismo brasileiro eacute capaz de realizar apenas uma modernizaccedilatildeo

excludente em que o progresso social estaacute radicalmente dissociado da

evoluccedilatildeo nacional [9]

Eacute importante salientar outro aspecto distintivo dos paiacuteses que

chegaram ao capitalismo por uma via natildeo-claacutessica nesses paiacuteses jamais

houve uma revoluccedilatildeo burguesa Marx destacava quando agrave revoluccedilatildeo de marccedilo

de 1848 na Pruacutessia que esta natildeo deveria ser confundida com as revoluccedilotildees de

tipo europeu das quais natildeo era senatildeo um eco debilitado num paiacutes retardataacuterio

ldquouma revoluccedilatildeo secundaacuteriardquo cuja ldquoambiccedilatildeo consistia em querer ser um

anacronismordquo Jaacute na via colonial do Brasil paiacutes hiper-retardataacuterio ldquoa

encarnaccedilatildeo burguesa do anacronismo dispensou ateacute mesmo revoluccedilotildees

terciaacuterias Ou seja jamais completou seu partordquo (Chasin 1985 pp IX-X)

A ausecircncia de uma revoluccedilatildeo democraacutetico-burguesa impediu que a

burguesia brasileira forjasse uma identidade nacional e se projetasse para

todas as classes sociais dado que natildeo estava dotada de ldquouma dinacircmica

proacutepria que pudesse efetivamente representar os interesses das demais

categorias sociaisrdquo (Rago 1998 p 17) Por outros termos a burguesia

brasileira pela sua estruturaccedilatildeo histoacuterica natildeo pode realizar seu papel de

universalizante poliacutetico ldquo- natildeo pode se ver e assumir na particularidade de seus

interesses como representante de todas as categorias sociais da sociedade

em seu conjuntordquo (Chasin 1982 p 11)

13

Essa eacute uma causa e ao mesmo tempo um efeito do que observou

Carlos Nelson Coutinho

No Brasil bem como na generalidade dos paiacuteses coloniais ou

dependentes a evoluccedilatildeo do capitalismo natildeo foi antecedida por uma eacutepoca de

ilusotildees humanistas e de tentativas - mesmo utoacutepicas - de realizar na praacutetica o

ldquocidadatildeordquo e a comunidade democraacutetica Os movimentos neste sentido

ocorridos no seacuteculo passado e no iniacutecio deste seacuteculo foram sempre agitaccedilotildees

superficiais sem nenhum caraacuteter verdadeiramente nacional e popular

(Coutinho 1967 p 142)

O outro lado da moeda eacute portanto que na ausecircncia de uma revoluccedilatildeo

democraacutetico-burguesa as massas natildeo tiveram oportunidade de participar do

processo de constituiccedilatildeo de uma nova ordem Com isto natildeo puderam

minimamente interferir nem fazer valer algumas de suas reivindicaccedilotildees

Tambeacutem nesse aspecto a forccedila do imperialismo se faz presente Jaacute

vimos que no caminho do Brasil ao capitalismo industrial o verdadeiro

capitalismo a presenccedila do imperialismo seraacute decisiva e seu papel

hegemocircnico Com a importante constataccedilatildeo de que o ldquocapital estrangeiro

moderniza mas ao mesmo tempo retira da modernizaccedilatildeo o seu conteuacutedo e

sentido revolucionaacuteriordquo daiacute resultando que ldquotemos uma sociedade que pode

avanccedilar no sentido do desenvolvimento capitalista mas raramente pode

associar esse desenvolvimento capitalista a uma democracia que estenda a

todos as liberdades fundamentais dos cidadatildeos as garantias sociaisrdquo

(Fernandes 1989 p 137)

Constituindo-se num momento em que as lutas de classe jaacute se punham

no plano internacional a burguesia do capital atrofiado brasileiro apavorou-se

das revoluccedilotildees aliou-se aos representantes do historicamente velho as

antigas classes dominantes e ldquooperou no interior da economia retroacutegrada e

fragmentadardquo Quando as modificaccedilotildees poliacuteticas se faziam imprescindiacuteveis

eram realizadas ldquopelo altordquo compondo e recompondo com as ldquovelhas classesrdquo

ldquoatraveacutes de conciliaccedilotildees e concessotildees muacutetuas sem que o povo participasse

das decisotildees e impusesse organicamente sua vontade coletivardquo (Coutinho

1967 p 142)

14

ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta

tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash

tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o

capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o

Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)

Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do

seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins

universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a

ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu

interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)

Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro

capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica

Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada

a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria

criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que

ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional

simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou

dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na

salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins

foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)

Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de

suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma

transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo

(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria

contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico

lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo

nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute

essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional

e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma

que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A

somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato

extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia

15

detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente

necessaacuterias

Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo

Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as

regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel

reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e

compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na

generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de

questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada

sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da

angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo

fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e

abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)

Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como

servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas

populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era

mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem

social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato

importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas

ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle

societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem

lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981

p 333)

Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas

atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se

faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o

plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui

inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa

forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em

que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito

aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se

subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes

16

De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital

atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas

as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se

necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma

democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e

de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias

(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa

A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o

caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente

com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a

sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia

baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica

natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o

Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos

anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da

Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela

repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo

Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao

suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e

aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da

vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a

democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente

atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)

A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo

Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se

exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e

obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a

histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo

do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da

superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos

ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a

malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo

17

articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo

proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do

poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)

Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca

completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua

incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo

tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a

loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo

excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo

burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a

imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a

autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a

primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute

sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa

maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro

integracionista e participativo de todas as categorias sociais

Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia

para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees

historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o

capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute

catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)

Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo

gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos

proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia

liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar

com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe

do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo

se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave

sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar

ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute

vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo

18

De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a

covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin

1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se

reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia

burguesa correspondente ao capital atroacutefico

O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao

mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem

confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto

inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de

chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo

anterior

O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da

globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente

parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas

produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do

mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica

nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se

daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que

tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo

podem ou natildeo se inserir

Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o

paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute

substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua

maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo

global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos

atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se

alcanccedila

Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte

precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades

e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute

pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode

19

vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso

jaacute eacute assunto para outro texto

Bibliografia

CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo

Paulo Escrita

___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio

1718 Satildeo Paulo Ensaio

_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad

Hominem

_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem

______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in

Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad

Hominem

COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil

em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel

COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e

Terra

FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de

Janeiro Zahar

_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718

Satildeo Paulo Ensaio

20

PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo

Brasiliense

RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em

Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo

RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do

Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita

Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de

Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias

Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na

Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo

Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail

vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles

Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria

chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais

semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por

uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da

ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse

aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem

de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar

apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo

de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo

deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que

vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do

Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes

que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que

Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo

natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa

industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente

21

22

separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas

cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a

predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais

luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que

implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com

isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute

a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute

submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os

paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo

de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o

periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se

ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho

salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando

o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por

realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da

revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano

  • Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
  • Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
  • Bibliografia

Esses dois fatos conjugados ndash submissatildeo ao imperialismo e

crescimento econocircmico em ciclos ndash vatildeo atentar contra a inteireza e

organicidade do capitalismo nacional que desta maneira fica atrofiado Em

primeiro lugar conforme salienta Florestan porque os surtos e ciclos de

crescimento econocircmico raacutepido ldquoexpunham essas classes e estratos de classe

arcaicos ou modernos a uma intensa e incontrolaacutevel avidez por lsquooportunidadesrsquo

e lsquovantagens estrateacutegicasrsquo novasrdquo dificultando a constituiccedilatildeo de uma

organicidade e uma universalidade de interesses Ou como complementa Caio

Prado o funcionamento ldquocaoacuteticordquo e ldquoinorgacircnicordquo do capitalismo nacional

estimula as especulaccedilotildees e a busca por ldquosituaccedilotildees anormais e oportunistasrdquo

das quais as burguesias imperialista e nacional-associada buscam ldquotirar partido

momentacircneo seja embora com o mais grave dano para a economia geral do

paiacutesrdquo Faltava portanto coesatildeo agrave burguesia industrial de forma que durante

muito tempo natildeo tivemos nem mesmo uma classe digna desse nome senatildeo

apenas burgueses industriais individuais[4]

Eacute por isso que eram tatildeo limitadas as reivindicaccedilotildees formuladas pelos

representantes da induacutestria no iniacutecio do seacuteculo XX vindiacutecias que se

concentravam quase sempre em exigecircncias de medidas protecionistas de niacutevel

tarifaacuterio e jamais conseguiam visualizar o proacuteprio processo de industrializaccedilatildeo

interna Satildeo reivindicaccedilotildees parciais porque em geral se referem a produtos

especiacuteficos exprimem interesses particulares e natildeo de toda uma classe (Cohn

1978 Prado Jr 1972)[5]

Essa ausecircncia de organicidade compele as classes burguesas a se

omitirem ou mesmo a se anularem diante de certas tarefas praacuteticas

especificamente burguesas Por isso as grandes tarefas da burguesia nacional

acabaram sendo levadas a cabo natildeo por ela mas pelo Estado ndash algumas

vezes ateacute contra seus interesses imediatos embora sempre em seu favor[6]

Em outros termos da convergecircncia artificial e necessariamente contingente de

interesses ldquoresulta um tipo especial de impotecircncia burguesa que faz convergir

para o Estado nacional o nuacutecleo do poder de decisatildeo e de atuaccedilatildeo da

burguesia O que esta natildeo pode fazer na esfera privada tenta conseguir

10

utilizando como sua base de accedilatildeo estrateacutegica a maquinaria os recursos e o

poder do Estadordquo (Fernandes 1981 p 350)

Este aspecto tambeacutem foi abordado por Carlos Nelson Coutinho Este

autor salienta que no Brasil ldquoO Estado foi sempre o protagonista desse

processo de modernizaccedilatildeo e a burguesia revelou ao longo de praticamente

toda a histoacuteria brasileira poacutes-30 que estava muito presa a seus interesses

econocircmico-corporativos e incapaz de chegar ao niacutevel da consciecircncia eacutetico-

poliacuteticardquo de forma que a ldquoprivatizaccedilatildeo do Estado aqui assume caracteriacutesticas

patoloacutegicas (mesmo no sentido de um Estado capitalista)rdquo (Coutinho 1967 p

142) E de fato sem o controle absoluto do poder estatal natildeo se poderia

pensar como a burguesia consegue se apropriar com tamanha seguranccedila do

excedente econocircmico nacional Eacute graccedilas ao forte apoio do aparato estatal que

tivemos poucas movimentaccedilotildees sociais ameaccedilando o poder constituiacutedo

quando se as compara com as quase inacreditaacuteveis desigualdades sociais

brasileiras

Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional

A superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho tambeacutem eacute uma caracteriacutestica

do paiacutes e tem raiacutezes firmemente plantadas na histoacuteria nacional Lembre-se

antes de mais que fomos o uacuteltimo paiacutes do mundo a abolir a escravidatildeo e que

uma instituiccedilatildeo como esta demanda longo tempo para perder influecircncia na

ideologia e nas praacuteticas sociais

Mesmo com o trabalho assalariado a superexploraccedilatildeo permaneceu

com o pagamento da forccedila de trabalho abaixo de seu valor histoacuterico Este

fenocircmeno baixa dramaticamente o niacutevel econocircmico da populaccedilatildeo brasileira ndash

tanto que a constituiccedilatildeo de um mercado interno foi dos mais graves problemas

enfrentados no processo de industrializaccedilatildeo Se eacute da proacutepria natureza do

capital apropriar-se da mais-valia produzida pelo trabalhador no Brasil este

sofre uma dupla exploraccedilatildeo da burguesia autoacutectone e principalmente do

imperialismo internacional De forma que a exploraccedilatildeo da forccedila de trabalho

11

adquire aqui contornos mais dramaacuteticos dado que como observava Caio

Prado ldquonesse processo natildeo eacute apenas a classe trabalhadora que se desfalca

mas o paiacutes em conjunto que vecirc escoar-se para fora de suas fronteiras a

melhor parcela de suas riquezas e recursosrdquo ndash e uma das consequumlecircncias seraacute

justamente a inapetecircncia e lentidatildeo da acumulaccedilatildeo capitalista como jaacute citamos

(Prado Jr 1972 p 280)

Como sintetiza Chasin no Brasil pela forma particular como se

constituiu ldquoacumulaccedilatildeo moderna e dinacircmica e pauperismo estrutural ou

superexploraccedilatildeo do trabalho perfazem os membros contraditoacuterios de uma

mesma equaccedilatildeo unitaacuteria do capitalrdquo (Chasin 1986 p 3) Em nossa realidade

toda modernizaccedilatildeo tem significado a reproduccedilatildeo da miseacuteria das massas e da

subordinaccedilatildeo estrutural[7] A extrema desigualdade social brasileira eacute portanto

retrato de uma determinada maneira de ser do capital ldquoque reitera de modo

particularmente agigantado a loacutegica intriacutenseca de todo capital a produccedilatildeo em

paralelo de imensa riqueza e de imensa miseacuteriardquo (Chasin 1986 pp 2-3)

Potildee-se dessa forma uma entificaccedilatildeo social que quanto mais se

moderniza mais exclui as massas do gozo da modernidade poliacutetica e social

Esse tipo de capitalismo que imola a sociedade brasileira eacute o capitalismo

possiacutevel por aqui um ldquocapitalismo selvagem e difiacutecil cuja viabilidade se decide

com frequumlecircncia por meios poliacuteticos e no terreno poliacuteticordquo diraacute Florestan

Tal situaccedilatildeo ndash jaacute o referimos ndash natildeo poderia ser mantida com seguranccedila

por longo prazo sem o recurso agrave forccedila e ao monopoacutelio do poder De fato os

estudiosos tecircm chamado a atenccedilatildeo para a ldquoforte associaccedilatildeo racional entre

desenvolvimento capitalista e autocraciardquo em que se acaba restringindo a

noccedilatildeo de democracia ldquoaos membros das classes possuidoras que se

qualifiquem econocircmica social e politicamente para o exerciacutecio da dominaccedilatildeo

burguesardquo (Fernandes 1981 p 292)

As mudanccedilas sociais ocorridas no Brasil mesmo considerando as suas

fundas contraditoriedades e as inuacutemeras vicissitudes consistiram sempre na

ldquopassagem de uma forma de poder para outra conservando intactas a

natureza deste mesmo poder e a sustentaccedilatildeo fundamental que o gera e anima

12

o complexo de um periacuteodo de uma particular acumulaccedilatildeo capitalista expresso

numa poliacutetica econocircmica que natildeo eacute posta em causardquo (Chasin 1982 p 9)

Antes ao contraacuterio tem-se agido sempre ndash e justificado tudo ndash para manter

intocada esta forma brutal de acumulaccedilatildeo capitalista o que pode ser expresso

naquela ceacutelebre maacutexima que proclamava a eventual necessidade de mudar

tudo para que tudo continue como estaacute[8]

De instauraccedilatildeo ultra-retardataacuteria de progresso lento e estruturalmente

atrofiado resultado da conciliaccedilatildeo com as forccedilas sociais representantes de

formas socioeconocircmicas inferiores e da subsunccedilatildeo ao capital hegemocircnico

mundial o capitalismo brasileiro eacute capaz de realizar apenas uma modernizaccedilatildeo

excludente em que o progresso social estaacute radicalmente dissociado da

evoluccedilatildeo nacional [9]

Eacute importante salientar outro aspecto distintivo dos paiacuteses que

chegaram ao capitalismo por uma via natildeo-claacutessica nesses paiacuteses jamais

houve uma revoluccedilatildeo burguesa Marx destacava quando agrave revoluccedilatildeo de marccedilo

de 1848 na Pruacutessia que esta natildeo deveria ser confundida com as revoluccedilotildees de

tipo europeu das quais natildeo era senatildeo um eco debilitado num paiacutes retardataacuterio

ldquouma revoluccedilatildeo secundaacuteriardquo cuja ldquoambiccedilatildeo consistia em querer ser um

anacronismordquo Jaacute na via colonial do Brasil paiacutes hiper-retardataacuterio ldquoa

encarnaccedilatildeo burguesa do anacronismo dispensou ateacute mesmo revoluccedilotildees

terciaacuterias Ou seja jamais completou seu partordquo (Chasin 1985 pp IX-X)

A ausecircncia de uma revoluccedilatildeo democraacutetico-burguesa impediu que a

burguesia brasileira forjasse uma identidade nacional e se projetasse para

todas as classes sociais dado que natildeo estava dotada de ldquouma dinacircmica

proacutepria que pudesse efetivamente representar os interesses das demais

categorias sociaisrdquo (Rago 1998 p 17) Por outros termos a burguesia

brasileira pela sua estruturaccedilatildeo histoacuterica natildeo pode realizar seu papel de

universalizante poliacutetico ldquo- natildeo pode se ver e assumir na particularidade de seus

interesses como representante de todas as categorias sociais da sociedade

em seu conjuntordquo (Chasin 1982 p 11)

13

Essa eacute uma causa e ao mesmo tempo um efeito do que observou

Carlos Nelson Coutinho

No Brasil bem como na generalidade dos paiacuteses coloniais ou

dependentes a evoluccedilatildeo do capitalismo natildeo foi antecedida por uma eacutepoca de

ilusotildees humanistas e de tentativas - mesmo utoacutepicas - de realizar na praacutetica o

ldquocidadatildeordquo e a comunidade democraacutetica Os movimentos neste sentido

ocorridos no seacuteculo passado e no iniacutecio deste seacuteculo foram sempre agitaccedilotildees

superficiais sem nenhum caraacuteter verdadeiramente nacional e popular

(Coutinho 1967 p 142)

O outro lado da moeda eacute portanto que na ausecircncia de uma revoluccedilatildeo

democraacutetico-burguesa as massas natildeo tiveram oportunidade de participar do

processo de constituiccedilatildeo de uma nova ordem Com isto natildeo puderam

minimamente interferir nem fazer valer algumas de suas reivindicaccedilotildees

Tambeacutem nesse aspecto a forccedila do imperialismo se faz presente Jaacute

vimos que no caminho do Brasil ao capitalismo industrial o verdadeiro

capitalismo a presenccedila do imperialismo seraacute decisiva e seu papel

hegemocircnico Com a importante constataccedilatildeo de que o ldquocapital estrangeiro

moderniza mas ao mesmo tempo retira da modernizaccedilatildeo o seu conteuacutedo e

sentido revolucionaacuteriordquo daiacute resultando que ldquotemos uma sociedade que pode

avanccedilar no sentido do desenvolvimento capitalista mas raramente pode

associar esse desenvolvimento capitalista a uma democracia que estenda a

todos as liberdades fundamentais dos cidadatildeos as garantias sociaisrdquo

(Fernandes 1989 p 137)

Constituindo-se num momento em que as lutas de classe jaacute se punham

no plano internacional a burguesia do capital atrofiado brasileiro apavorou-se

das revoluccedilotildees aliou-se aos representantes do historicamente velho as

antigas classes dominantes e ldquooperou no interior da economia retroacutegrada e

fragmentadardquo Quando as modificaccedilotildees poliacuteticas se faziam imprescindiacuteveis

eram realizadas ldquopelo altordquo compondo e recompondo com as ldquovelhas classesrdquo

ldquoatraveacutes de conciliaccedilotildees e concessotildees muacutetuas sem que o povo participasse

das decisotildees e impusesse organicamente sua vontade coletivardquo (Coutinho

1967 p 142)

14

ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta

tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash

tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o

capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o

Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)

Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do

seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins

universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a

ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu

interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)

Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro

capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica

Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada

a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria

criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que

ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional

simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou

dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na

salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins

foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)

Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de

suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma

transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo

(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria

contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico

lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo

nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute

essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional

e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma

que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A

somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato

extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia

15

detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente

necessaacuterias

Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo

Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as

regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel

reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e

compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na

generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de

questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada

sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da

angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo

fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e

abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)

Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como

servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas

populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era

mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem

social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato

importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas

ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle

societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem

lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981

p 333)

Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas

atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se

faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o

plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui

inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa

forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em

que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito

aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se

subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes

16

De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital

atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas

as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se

necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma

democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e

de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias

(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa

A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o

caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente

com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a

sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia

baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica

natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o

Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos

anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da

Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela

repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo

Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao

suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e

aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da

vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a

democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente

atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)

A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo

Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se

exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e

obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a

histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo

do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da

superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos

ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a

malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo

17

articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo

proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do

poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)

Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca

completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua

incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo

tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a

loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo

excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo

burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a

imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a

autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a

primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute

sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa

maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro

integracionista e participativo de todas as categorias sociais

Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia

para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees

historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o

capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute

catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)

Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo

gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos

proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia

liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar

com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe

do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo

se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave

sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar

ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute

vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo

18

De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a

covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin

1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se

reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia

burguesa correspondente ao capital atroacutefico

O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao

mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem

confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto

inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de

chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo

anterior

O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da

globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente

parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas

produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do

mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica

nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se

daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que

tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo

podem ou natildeo se inserir

Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o

paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute

substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua

maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo

global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos

atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se

alcanccedila

Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte

precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades

e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute

pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode

19

vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso

jaacute eacute assunto para outro texto

Bibliografia

CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo

Paulo Escrita

___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio

1718 Satildeo Paulo Ensaio

_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad

Hominem

_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem

______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in

Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad

Hominem

COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil

em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel

COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e

Terra

FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de

Janeiro Zahar

_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718

Satildeo Paulo Ensaio

20

PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo

Brasiliense

RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em

Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo

RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do

Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita

Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de

Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias

Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na

Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo

Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail

vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles

Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria

chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais

semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por

uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da

ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse

aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem

de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar

apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo

de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo

deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que

vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do

Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes

que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que

Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo

natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa

industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente

21

22

separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas

cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a

predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais

luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que

implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com

isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute

a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute

submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os

paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo

de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o

periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se

ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho

salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando

o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por

realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da

revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano

  • Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
  • Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
  • Bibliografia

utilizando como sua base de accedilatildeo estrateacutegica a maquinaria os recursos e o

poder do Estadordquo (Fernandes 1981 p 350)

Este aspecto tambeacutem foi abordado por Carlos Nelson Coutinho Este

autor salienta que no Brasil ldquoO Estado foi sempre o protagonista desse

processo de modernizaccedilatildeo e a burguesia revelou ao longo de praticamente

toda a histoacuteria brasileira poacutes-30 que estava muito presa a seus interesses

econocircmico-corporativos e incapaz de chegar ao niacutevel da consciecircncia eacutetico-

poliacuteticardquo de forma que a ldquoprivatizaccedilatildeo do Estado aqui assume caracteriacutesticas

patoloacutegicas (mesmo no sentido de um Estado capitalista)rdquo (Coutinho 1967 p

142) E de fato sem o controle absoluto do poder estatal natildeo se poderia

pensar como a burguesia consegue se apropriar com tamanha seguranccedila do

excedente econocircmico nacional Eacute graccedilas ao forte apoio do aparato estatal que

tivemos poucas movimentaccedilotildees sociais ameaccedilando o poder constituiacutedo

quando se as compara com as quase inacreditaacuteveis desigualdades sociais

brasileiras

Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional

A superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho tambeacutem eacute uma caracteriacutestica

do paiacutes e tem raiacutezes firmemente plantadas na histoacuteria nacional Lembre-se

antes de mais que fomos o uacuteltimo paiacutes do mundo a abolir a escravidatildeo e que

uma instituiccedilatildeo como esta demanda longo tempo para perder influecircncia na

ideologia e nas praacuteticas sociais

Mesmo com o trabalho assalariado a superexploraccedilatildeo permaneceu

com o pagamento da forccedila de trabalho abaixo de seu valor histoacuterico Este

fenocircmeno baixa dramaticamente o niacutevel econocircmico da populaccedilatildeo brasileira ndash

tanto que a constituiccedilatildeo de um mercado interno foi dos mais graves problemas

enfrentados no processo de industrializaccedilatildeo Se eacute da proacutepria natureza do

capital apropriar-se da mais-valia produzida pelo trabalhador no Brasil este

sofre uma dupla exploraccedilatildeo da burguesia autoacutectone e principalmente do

imperialismo internacional De forma que a exploraccedilatildeo da forccedila de trabalho

11

adquire aqui contornos mais dramaacuteticos dado que como observava Caio

Prado ldquonesse processo natildeo eacute apenas a classe trabalhadora que se desfalca

mas o paiacutes em conjunto que vecirc escoar-se para fora de suas fronteiras a

melhor parcela de suas riquezas e recursosrdquo ndash e uma das consequumlecircncias seraacute

justamente a inapetecircncia e lentidatildeo da acumulaccedilatildeo capitalista como jaacute citamos

(Prado Jr 1972 p 280)

Como sintetiza Chasin no Brasil pela forma particular como se

constituiu ldquoacumulaccedilatildeo moderna e dinacircmica e pauperismo estrutural ou

superexploraccedilatildeo do trabalho perfazem os membros contraditoacuterios de uma

mesma equaccedilatildeo unitaacuteria do capitalrdquo (Chasin 1986 p 3) Em nossa realidade

toda modernizaccedilatildeo tem significado a reproduccedilatildeo da miseacuteria das massas e da

subordinaccedilatildeo estrutural[7] A extrema desigualdade social brasileira eacute portanto

retrato de uma determinada maneira de ser do capital ldquoque reitera de modo

particularmente agigantado a loacutegica intriacutenseca de todo capital a produccedilatildeo em

paralelo de imensa riqueza e de imensa miseacuteriardquo (Chasin 1986 pp 2-3)

Potildee-se dessa forma uma entificaccedilatildeo social que quanto mais se

moderniza mais exclui as massas do gozo da modernidade poliacutetica e social

Esse tipo de capitalismo que imola a sociedade brasileira eacute o capitalismo

possiacutevel por aqui um ldquocapitalismo selvagem e difiacutecil cuja viabilidade se decide

com frequumlecircncia por meios poliacuteticos e no terreno poliacuteticordquo diraacute Florestan

Tal situaccedilatildeo ndash jaacute o referimos ndash natildeo poderia ser mantida com seguranccedila

por longo prazo sem o recurso agrave forccedila e ao monopoacutelio do poder De fato os

estudiosos tecircm chamado a atenccedilatildeo para a ldquoforte associaccedilatildeo racional entre

desenvolvimento capitalista e autocraciardquo em que se acaba restringindo a

noccedilatildeo de democracia ldquoaos membros das classes possuidoras que se

qualifiquem econocircmica social e politicamente para o exerciacutecio da dominaccedilatildeo

burguesardquo (Fernandes 1981 p 292)

As mudanccedilas sociais ocorridas no Brasil mesmo considerando as suas

fundas contraditoriedades e as inuacutemeras vicissitudes consistiram sempre na

ldquopassagem de uma forma de poder para outra conservando intactas a

natureza deste mesmo poder e a sustentaccedilatildeo fundamental que o gera e anima

12

o complexo de um periacuteodo de uma particular acumulaccedilatildeo capitalista expresso

numa poliacutetica econocircmica que natildeo eacute posta em causardquo (Chasin 1982 p 9)

Antes ao contraacuterio tem-se agido sempre ndash e justificado tudo ndash para manter

intocada esta forma brutal de acumulaccedilatildeo capitalista o que pode ser expresso

naquela ceacutelebre maacutexima que proclamava a eventual necessidade de mudar

tudo para que tudo continue como estaacute[8]

De instauraccedilatildeo ultra-retardataacuteria de progresso lento e estruturalmente

atrofiado resultado da conciliaccedilatildeo com as forccedilas sociais representantes de

formas socioeconocircmicas inferiores e da subsunccedilatildeo ao capital hegemocircnico

mundial o capitalismo brasileiro eacute capaz de realizar apenas uma modernizaccedilatildeo

excludente em que o progresso social estaacute radicalmente dissociado da

evoluccedilatildeo nacional [9]

Eacute importante salientar outro aspecto distintivo dos paiacuteses que

chegaram ao capitalismo por uma via natildeo-claacutessica nesses paiacuteses jamais

houve uma revoluccedilatildeo burguesa Marx destacava quando agrave revoluccedilatildeo de marccedilo

de 1848 na Pruacutessia que esta natildeo deveria ser confundida com as revoluccedilotildees de

tipo europeu das quais natildeo era senatildeo um eco debilitado num paiacutes retardataacuterio

ldquouma revoluccedilatildeo secundaacuteriardquo cuja ldquoambiccedilatildeo consistia em querer ser um

anacronismordquo Jaacute na via colonial do Brasil paiacutes hiper-retardataacuterio ldquoa

encarnaccedilatildeo burguesa do anacronismo dispensou ateacute mesmo revoluccedilotildees

terciaacuterias Ou seja jamais completou seu partordquo (Chasin 1985 pp IX-X)

A ausecircncia de uma revoluccedilatildeo democraacutetico-burguesa impediu que a

burguesia brasileira forjasse uma identidade nacional e se projetasse para

todas as classes sociais dado que natildeo estava dotada de ldquouma dinacircmica

proacutepria que pudesse efetivamente representar os interesses das demais

categorias sociaisrdquo (Rago 1998 p 17) Por outros termos a burguesia

brasileira pela sua estruturaccedilatildeo histoacuterica natildeo pode realizar seu papel de

universalizante poliacutetico ldquo- natildeo pode se ver e assumir na particularidade de seus

interesses como representante de todas as categorias sociais da sociedade

em seu conjuntordquo (Chasin 1982 p 11)

13

Essa eacute uma causa e ao mesmo tempo um efeito do que observou

Carlos Nelson Coutinho

No Brasil bem como na generalidade dos paiacuteses coloniais ou

dependentes a evoluccedilatildeo do capitalismo natildeo foi antecedida por uma eacutepoca de

ilusotildees humanistas e de tentativas - mesmo utoacutepicas - de realizar na praacutetica o

ldquocidadatildeordquo e a comunidade democraacutetica Os movimentos neste sentido

ocorridos no seacuteculo passado e no iniacutecio deste seacuteculo foram sempre agitaccedilotildees

superficiais sem nenhum caraacuteter verdadeiramente nacional e popular

(Coutinho 1967 p 142)

O outro lado da moeda eacute portanto que na ausecircncia de uma revoluccedilatildeo

democraacutetico-burguesa as massas natildeo tiveram oportunidade de participar do

processo de constituiccedilatildeo de uma nova ordem Com isto natildeo puderam

minimamente interferir nem fazer valer algumas de suas reivindicaccedilotildees

Tambeacutem nesse aspecto a forccedila do imperialismo se faz presente Jaacute

vimos que no caminho do Brasil ao capitalismo industrial o verdadeiro

capitalismo a presenccedila do imperialismo seraacute decisiva e seu papel

hegemocircnico Com a importante constataccedilatildeo de que o ldquocapital estrangeiro

moderniza mas ao mesmo tempo retira da modernizaccedilatildeo o seu conteuacutedo e

sentido revolucionaacuteriordquo daiacute resultando que ldquotemos uma sociedade que pode

avanccedilar no sentido do desenvolvimento capitalista mas raramente pode

associar esse desenvolvimento capitalista a uma democracia que estenda a

todos as liberdades fundamentais dos cidadatildeos as garantias sociaisrdquo

(Fernandes 1989 p 137)

Constituindo-se num momento em que as lutas de classe jaacute se punham

no plano internacional a burguesia do capital atrofiado brasileiro apavorou-se

das revoluccedilotildees aliou-se aos representantes do historicamente velho as

antigas classes dominantes e ldquooperou no interior da economia retroacutegrada e

fragmentadardquo Quando as modificaccedilotildees poliacuteticas se faziam imprescindiacuteveis

eram realizadas ldquopelo altordquo compondo e recompondo com as ldquovelhas classesrdquo

ldquoatraveacutes de conciliaccedilotildees e concessotildees muacutetuas sem que o povo participasse

das decisotildees e impusesse organicamente sua vontade coletivardquo (Coutinho

1967 p 142)

14

ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta

tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash

tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o

capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o

Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)

Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do

seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins

universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a

ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu

interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)

Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro

capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica

Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada

a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria

criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que

ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional

simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou

dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na

salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins

foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)

Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de

suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma

transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo

(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria

contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico

lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo

nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute

essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional

e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma

que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A

somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato

extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia

15

detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente

necessaacuterias

Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo

Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as

regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel

reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e

compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na

generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de

questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada

sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da

angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo

fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e

abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)

Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como

servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas

populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era

mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem

social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato

importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas

ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle

societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem

lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981

p 333)

Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas

atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se

faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o

plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui

inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa

forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em

que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito

aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se

subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes

16

De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital

atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas

as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se

necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma

democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e

de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias

(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa

A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o

caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente

com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a

sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia

baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica

natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o

Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos

anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da

Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela

repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo

Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao

suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e

aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da

vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a

democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente

atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)

A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo

Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se

exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e

obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a

histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo

do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da

superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos

ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a

malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo

17

articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo

proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do

poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)

Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca

completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua

incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo

tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a

loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo

excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo

burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a

imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a

autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a

primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute

sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa

maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro

integracionista e participativo de todas as categorias sociais

Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia

para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees

historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o

capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute

catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)

Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo

gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos

proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia

liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar

com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe

do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo

se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave

sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar

ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute

vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo

18

De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a

covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin

1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se

reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia

burguesa correspondente ao capital atroacutefico

O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao

mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem

confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto

inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de

chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo

anterior

O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da

globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente

parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas

produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do

mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica

nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se

daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que

tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo

podem ou natildeo se inserir

Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o

paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute

substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua

maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo

global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos

atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se

alcanccedila

Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte

precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades

e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute

pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode

19

vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso

jaacute eacute assunto para outro texto

Bibliografia

CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo

Paulo Escrita

___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio

1718 Satildeo Paulo Ensaio

_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad

Hominem

_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem

______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in

Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad

Hominem

COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil

em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel

COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e

Terra

FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de

Janeiro Zahar

_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718

Satildeo Paulo Ensaio

20

PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo

Brasiliense

RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em

Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo

RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do

Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita

Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de

Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias

Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na

Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo

Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail

vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles

Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria

chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais

semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por

uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da

ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse

aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem

de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar

apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo

de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo

deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que

vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do

Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes

que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que

Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo

natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa

industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente

21

22

separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas

cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a

predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais

luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que

implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com

isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute

a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute

submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os

paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo

de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o

periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se

ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho

salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando

o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por

realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da

revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano

  • Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
  • Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
  • Bibliografia

adquire aqui contornos mais dramaacuteticos dado que como observava Caio

Prado ldquonesse processo natildeo eacute apenas a classe trabalhadora que se desfalca

mas o paiacutes em conjunto que vecirc escoar-se para fora de suas fronteiras a

melhor parcela de suas riquezas e recursosrdquo ndash e uma das consequumlecircncias seraacute

justamente a inapetecircncia e lentidatildeo da acumulaccedilatildeo capitalista como jaacute citamos

(Prado Jr 1972 p 280)

Como sintetiza Chasin no Brasil pela forma particular como se

constituiu ldquoacumulaccedilatildeo moderna e dinacircmica e pauperismo estrutural ou

superexploraccedilatildeo do trabalho perfazem os membros contraditoacuterios de uma

mesma equaccedilatildeo unitaacuteria do capitalrdquo (Chasin 1986 p 3) Em nossa realidade

toda modernizaccedilatildeo tem significado a reproduccedilatildeo da miseacuteria das massas e da

subordinaccedilatildeo estrutural[7] A extrema desigualdade social brasileira eacute portanto

retrato de uma determinada maneira de ser do capital ldquoque reitera de modo

particularmente agigantado a loacutegica intriacutenseca de todo capital a produccedilatildeo em

paralelo de imensa riqueza e de imensa miseacuteriardquo (Chasin 1986 pp 2-3)

Potildee-se dessa forma uma entificaccedilatildeo social que quanto mais se

moderniza mais exclui as massas do gozo da modernidade poliacutetica e social

Esse tipo de capitalismo que imola a sociedade brasileira eacute o capitalismo

possiacutevel por aqui um ldquocapitalismo selvagem e difiacutecil cuja viabilidade se decide

com frequumlecircncia por meios poliacuteticos e no terreno poliacuteticordquo diraacute Florestan

Tal situaccedilatildeo ndash jaacute o referimos ndash natildeo poderia ser mantida com seguranccedila

por longo prazo sem o recurso agrave forccedila e ao monopoacutelio do poder De fato os

estudiosos tecircm chamado a atenccedilatildeo para a ldquoforte associaccedilatildeo racional entre

desenvolvimento capitalista e autocraciardquo em que se acaba restringindo a

noccedilatildeo de democracia ldquoaos membros das classes possuidoras que se

qualifiquem econocircmica social e politicamente para o exerciacutecio da dominaccedilatildeo

burguesardquo (Fernandes 1981 p 292)

As mudanccedilas sociais ocorridas no Brasil mesmo considerando as suas

fundas contraditoriedades e as inuacutemeras vicissitudes consistiram sempre na

ldquopassagem de uma forma de poder para outra conservando intactas a

natureza deste mesmo poder e a sustentaccedilatildeo fundamental que o gera e anima

12

o complexo de um periacuteodo de uma particular acumulaccedilatildeo capitalista expresso

numa poliacutetica econocircmica que natildeo eacute posta em causardquo (Chasin 1982 p 9)

Antes ao contraacuterio tem-se agido sempre ndash e justificado tudo ndash para manter

intocada esta forma brutal de acumulaccedilatildeo capitalista o que pode ser expresso

naquela ceacutelebre maacutexima que proclamava a eventual necessidade de mudar

tudo para que tudo continue como estaacute[8]

De instauraccedilatildeo ultra-retardataacuteria de progresso lento e estruturalmente

atrofiado resultado da conciliaccedilatildeo com as forccedilas sociais representantes de

formas socioeconocircmicas inferiores e da subsunccedilatildeo ao capital hegemocircnico

mundial o capitalismo brasileiro eacute capaz de realizar apenas uma modernizaccedilatildeo

excludente em que o progresso social estaacute radicalmente dissociado da

evoluccedilatildeo nacional [9]

Eacute importante salientar outro aspecto distintivo dos paiacuteses que

chegaram ao capitalismo por uma via natildeo-claacutessica nesses paiacuteses jamais

houve uma revoluccedilatildeo burguesa Marx destacava quando agrave revoluccedilatildeo de marccedilo

de 1848 na Pruacutessia que esta natildeo deveria ser confundida com as revoluccedilotildees de

tipo europeu das quais natildeo era senatildeo um eco debilitado num paiacutes retardataacuterio

ldquouma revoluccedilatildeo secundaacuteriardquo cuja ldquoambiccedilatildeo consistia em querer ser um

anacronismordquo Jaacute na via colonial do Brasil paiacutes hiper-retardataacuterio ldquoa

encarnaccedilatildeo burguesa do anacronismo dispensou ateacute mesmo revoluccedilotildees

terciaacuterias Ou seja jamais completou seu partordquo (Chasin 1985 pp IX-X)

A ausecircncia de uma revoluccedilatildeo democraacutetico-burguesa impediu que a

burguesia brasileira forjasse uma identidade nacional e se projetasse para

todas as classes sociais dado que natildeo estava dotada de ldquouma dinacircmica

proacutepria que pudesse efetivamente representar os interesses das demais

categorias sociaisrdquo (Rago 1998 p 17) Por outros termos a burguesia

brasileira pela sua estruturaccedilatildeo histoacuterica natildeo pode realizar seu papel de

universalizante poliacutetico ldquo- natildeo pode se ver e assumir na particularidade de seus

interesses como representante de todas as categorias sociais da sociedade

em seu conjuntordquo (Chasin 1982 p 11)

13

Essa eacute uma causa e ao mesmo tempo um efeito do que observou

Carlos Nelson Coutinho

No Brasil bem como na generalidade dos paiacuteses coloniais ou

dependentes a evoluccedilatildeo do capitalismo natildeo foi antecedida por uma eacutepoca de

ilusotildees humanistas e de tentativas - mesmo utoacutepicas - de realizar na praacutetica o

ldquocidadatildeordquo e a comunidade democraacutetica Os movimentos neste sentido

ocorridos no seacuteculo passado e no iniacutecio deste seacuteculo foram sempre agitaccedilotildees

superficiais sem nenhum caraacuteter verdadeiramente nacional e popular

(Coutinho 1967 p 142)

O outro lado da moeda eacute portanto que na ausecircncia de uma revoluccedilatildeo

democraacutetico-burguesa as massas natildeo tiveram oportunidade de participar do

processo de constituiccedilatildeo de uma nova ordem Com isto natildeo puderam

minimamente interferir nem fazer valer algumas de suas reivindicaccedilotildees

Tambeacutem nesse aspecto a forccedila do imperialismo se faz presente Jaacute

vimos que no caminho do Brasil ao capitalismo industrial o verdadeiro

capitalismo a presenccedila do imperialismo seraacute decisiva e seu papel

hegemocircnico Com a importante constataccedilatildeo de que o ldquocapital estrangeiro

moderniza mas ao mesmo tempo retira da modernizaccedilatildeo o seu conteuacutedo e

sentido revolucionaacuteriordquo daiacute resultando que ldquotemos uma sociedade que pode

avanccedilar no sentido do desenvolvimento capitalista mas raramente pode

associar esse desenvolvimento capitalista a uma democracia que estenda a

todos as liberdades fundamentais dos cidadatildeos as garantias sociaisrdquo

(Fernandes 1989 p 137)

Constituindo-se num momento em que as lutas de classe jaacute se punham

no plano internacional a burguesia do capital atrofiado brasileiro apavorou-se

das revoluccedilotildees aliou-se aos representantes do historicamente velho as

antigas classes dominantes e ldquooperou no interior da economia retroacutegrada e

fragmentadardquo Quando as modificaccedilotildees poliacuteticas se faziam imprescindiacuteveis

eram realizadas ldquopelo altordquo compondo e recompondo com as ldquovelhas classesrdquo

ldquoatraveacutes de conciliaccedilotildees e concessotildees muacutetuas sem que o povo participasse

das decisotildees e impusesse organicamente sua vontade coletivardquo (Coutinho

1967 p 142)

14

ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta

tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash

tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o

capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o

Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)

Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do

seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins

universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a

ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu

interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)

Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro

capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica

Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada

a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria

criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que

ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional

simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou

dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na

salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins

foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)

Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de

suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma

transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo

(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria

contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico

lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo

nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute

essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional

e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma

que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A

somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato

extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia

15

detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente

necessaacuterias

Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo

Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as

regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel

reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e

compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na

generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de

questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada

sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da

angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo

fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e

abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)

Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como

servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas

populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era

mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem

social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato

importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas

ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle

societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem

lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981

p 333)

Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas

atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se

faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o

plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui

inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa

forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em

que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito

aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se

subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes

16

De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital

atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas

as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se

necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma

democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e

de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias

(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa

A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o

caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente

com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a

sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia

baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica

natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o

Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos

anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da

Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela

repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo

Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao

suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e

aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da

vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a

democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente

atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)

A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo

Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se

exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e

obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a

histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo

do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da

superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos

ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a

malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo

17

articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo

proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do

poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)

Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca

completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua

incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo

tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a

loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo

excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo

burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a

imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a

autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a

primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute

sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa

maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro

integracionista e participativo de todas as categorias sociais

Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia

para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees

historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o

capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute

catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)

Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo

gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos

proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia

liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar

com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe

do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo

se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave

sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar

ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute

vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo

18

De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a

covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin

1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se

reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia

burguesa correspondente ao capital atroacutefico

O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao

mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem

confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto

inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de

chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo

anterior

O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da

globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente

parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas

produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do

mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica

nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se

daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que

tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo

podem ou natildeo se inserir

Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o

paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute

substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua

maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo

global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos

atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se

alcanccedila

Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte

precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades

e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute

pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode

19

vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso

jaacute eacute assunto para outro texto

Bibliografia

CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo

Paulo Escrita

___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio

1718 Satildeo Paulo Ensaio

_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad

Hominem

_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem

______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in

Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad

Hominem

COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil

em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel

COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e

Terra

FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de

Janeiro Zahar

_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718

Satildeo Paulo Ensaio

20

PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo

Brasiliense

RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em

Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo

RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do

Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita

Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de

Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias

Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na

Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo

Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail

vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles

Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria

chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais

semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por

uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da

ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse

aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem

de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar

apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo

de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo

deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que

vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do

Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes

que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que

Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo

natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa

industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente

21

22

separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas

cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a

predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais

luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que

implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com

isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute

a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute

submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os

paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo

de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o

periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se

ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho

salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando

o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por

realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da

revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano

  • Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
  • Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
  • Bibliografia

o complexo de um periacuteodo de uma particular acumulaccedilatildeo capitalista expresso

numa poliacutetica econocircmica que natildeo eacute posta em causardquo (Chasin 1982 p 9)

Antes ao contraacuterio tem-se agido sempre ndash e justificado tudo ndash para manter

intocada esta forma brutal de acumulaccedilatildeo capitalista o que pode ser expresso

naquela ceacutelebre maacutexima que proclamava a eventual necessidade de mudar

tudo para que tudo continue como estaacute[8]

De instauraccedilatildeo ultra-retardataacuteria de progresso lento e estruturalmente

atrofiado resultado da conciliaccedilatildeo com as forccedilas sociais representantes de

formas socioeconocircmicas inferiores e da subsunccedilatildeo ao capital hegemocircnico

mundial o capitalismo brasileiro eacute capaz de realizar apenas uma modernizaccedilatildeo

excludente em que o progresso social estaacute radicalmente dissociado da

evoluccedilatildeo nacional [9]

Eacute importante salientar outro aspecto distintivo dos paiacuteses que

chegaram ao capitalismo por uma via natildeo-claacutessica nesses paiacuteses jamais

houve uma revoluccedilatildeo burguesa Marx destacava quando agrave revoluccedilatildeo de marccedilo

de 1848 na Pruacutessia que esta natildeo deveria ser confundida com as revoluccedilotildees de

tipo europeu das quais natildeo era senatildeo um eco debilitado num paiacutes retardataacuterio

ldquouma revoluccedilatildeo secundaacuteriardquo cuja ldquoambiccedilatildeo consistia em querer ser um

anacronismordquo Jaacute na via colonial do Brasil paiacutes hiper-retardataacuterio ldquoa

encarnaccedilatildeo burguesa do anacronismo dispensou ateacute mesmo revoluccedilotildees

terciaacuterias Ou seja jamais completou seu partordquo (Chasin 1985 pp IX-X)

A ausecircncia de uma revoluccedilatildeo democraacutetico-burguesa impediu que a

burguesia brasileira forjasse uma identidade nacional e se projetasse para

todas as classes sociais dado que natildeo estava dotada de ldquouma dinacircmica

proacutepria que pudesse efetivamente representar os interesses das demais

categorias sociaisrdquo (Rago 1998 p 17) Por outros termos a burguesia

brasileira pela sua estruturaccedilatildeo histoacuterica natildeo pode realizar seu papel de

universalizante poliacutetico ldquo- natildeo pode se ver e assumir na particularidade de seus

interesses como representante de todas as categorias sociais da sociedade

em seu conjuntordquo (Chasin 1982 p 11)

13

Essa eacute uma causa e ao mesmo tempo um efeito do que observou

Carlos Nelson Coutinho

No Brasil bem como na generalidade dos paiacuteses coloniais ou

dependentes a evoluccedilatildeo do capitalismo natildeo foi antecedida por uma eacutepoca de

ilusotildees humanistas e de tentativas - mesmo utoacutepicas - de realizar na praacutetica o

ldquocidadatildeordquo e a comunidade democraacutetica Os movimentos neste sentido

ocorridos no seacuteculo passado e no iniacutecio deste seacuteculo foram sempre agitaccedilotildees

superficiais sem nenhum caraacuteter verdadeiramente nacional e popular

(Coutinho 1967 p 142)

O outro lado da moeda eacute portanto que na ausecircncia de uma revoluccedilatildeo

democraacutetico-burguesa as massas natildeo tiveram oportunidade de participar do

processo de constituiccedilatildeo de uma nova ordem Com isto natildeo puderam

minimamente interferir nem fazer valer algumas de suas reivindicaccedilotildees

Tambeacutem nesse aspecto a forccedila do imperialismo se faz presente Jaacute

vimos que no caminho do Brasil ao capitalismo industrial o verdadeiro

capitalismo a presenccedila do imperialismo seraacute decisiva e seu papel

hegemocircnico Com a importante constataccedilatildeo de que o ldquocapital estrangeiro

moderniza mas ao mesmo tempo retira da modernizaccedilatildeo o seu conteuacutedo e

sentido revolucionaacuteriordquo daiacute resultando que ldquotemos uma sociedade que pode

avanccedilar no sentido do desenvolvimento capitalista mas raramente pode

associar esse desenvolvimento capitalista a uma democracia que estenda a

todos as liberdades fundamentais dos cidadatildeos as garantias sociaisrdquo

(Fernandes 1989 p 137)

Constituindo-se num momento em que as lutas de classe jaacute se punham

no plano internacional a burguesia do capital atrofiado brasileiro apavorou-se

das revoluccedilotildees aliou-se aos representantes do historicamente velho as

antigas classes dominantes e ldquooperou no interior da economia retroacutegrada e

fragmentadardquo Quando as modificaccedilotildees poliacuteticas se faziam imprescindiacuteveis

eram realizadas ldquopelo altordquo compondo e recompondo com as ldquovelhas classesrdquo

ldquoatraveacutes de conciliaccedilotildees e concessotildees muacutetuas sem que o povo participasse

das decisotildees e impusesse organicamente sua vontade coletivardquo (Coutinho

1967 p 142)

14

ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta

tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash

tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o

capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o

Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)

Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do

seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins

universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a

ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu

interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)

Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro

capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica

Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada

a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria

criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que

ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional

simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou

dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na

salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins

foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)

Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de

suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma

transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo

(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria

contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico

lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo

nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute

essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional

e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma

que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A

somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato

extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia

15

detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente

necessaacuterias

Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo

Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as

regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel

reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e

compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na

generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de

questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada

sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da

angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo

fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e

abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)

Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como

servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas

populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era

mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem

social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato

importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas

ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle

societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem

lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981

p 333)

Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas

atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se

faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o

plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui

inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa

forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em

que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito

aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se

subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes

16

De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital

atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas

as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se

necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma

democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e

de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias

(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa

A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o

caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente

com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a

sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia

baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica

natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o

Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos

anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da

Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela

repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo

Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao

suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e

aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da

vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a

democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente

atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)

A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo

Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se

exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e

obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a

histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo

do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da

superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos

ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a

malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo

17

articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo

proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do

poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)

Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca

completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua

incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo

tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a

loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo

excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo

burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a

imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a

autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a

primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute

sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa

maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro

integracionista e participativo de todas as categorias sociais

Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia

para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees

historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o

capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute

catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)

Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo

gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos

proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia

liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar

com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe

do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo

se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave

sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar

ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute

vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo

18

De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a

covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin

1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se

reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia

burguesa correspondente ao capital atroacutefico

O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao

mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem

confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto

inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de

chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo

anterior

O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da

globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente

parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas

produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do

mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica

nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se

daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que

tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo

podem ou natildeo se inserir

Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o

paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute

substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua

maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo

global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos

atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se

alcanccedila

Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte

precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades

e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute

pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode

19

vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso

jaacute eacute assunto para outro texto

Bibliografia

CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo

Paulo Escrita

___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio

1718 Satildeo Paulo Ensaio

_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad

Hominem

_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem

______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in

Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad

Hominem

COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil

em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel

COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e

Terra

FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de

Janeiro Zahar

_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718

Satildeo Paulo Ensaio

20

PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo

Brasiliense

RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em

Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo

RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do

Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita

Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de

Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias

Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na

Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo

Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail

vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles

Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria

chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais

semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por

uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da

ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse

aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem

de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar

apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo

de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo

deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que

vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do

Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes

que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que

Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo

natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa

industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente

21

22

separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas

cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a

predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais

luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que

implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com

isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute

a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute

submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os

paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo

de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o

periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se

ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho

salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando

o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por

realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da

revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano

  • Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
  • Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
  • Bibliografia

Essa eacute uma causa e ao mesmo tempo um efeito do que observou

Carlos Nelson Coutinho

No Brasil bem como na generalidade dos paiacuteses coloniais ou

dependentes a evoluccedilatildeo do capitalismo natildeo foi antecedida por uma eacutepoca de

ilusotildees humanistas e de tentativas - mesmo utoacutepicas - de realizar na praacutetica o

ldquocidadatildeordquo e a comunidade democraacutetica Os movimentos neste sentido

ocorridos no seacuteculo passado e no iniacutecio deste seacuteculo foram sempre agitaccedilotildees

superficiais sem nenhum caraacuteter verdadeiramente nacional e popular

(Coutinho 1967 p 142)

O outro lado da moeda eacute portanto que na ausecircncia de uma revoluccedilatildeo

democraacutetico-burguesa as massas natildeo tiveram oportunidade de participar do

processo de constituiccedilatildeo de uma nova ordem Com isto natildeo puderam

minimamente interferir nem fazer valer algumas de suas reivindicaccedilotildees

Tambeacutem nesse aspecto a forccedila do imperialismo se faz presente Jaacute

vimos que no caminho do Brasil ao capitalismo industrial o verdadeiro

capitalismo a presenccedila do imperialismo seraacute decisiva e seu papel

hegemocircnico Com a importante constataccedilatildeo de que o ldquocapital estrangeiro

moderniza mas ao mesmo tempo retira da modernizaccedilatildeo o seu conteuacutedo e

sentido revolucionaacuteriordquo daiacute resultando que ldquotemos uma sociedade que pode

avanccedilar no sentido do desenvolvimento capitalista mas raramente pode

associar esse desenvolvimento capitalista a uma democracia que estenda a

todos as liberdades fundamentais dos cidadatildeos as garantias sociaisrdquo

(Fernandes 1989 p 137)

Constituindo-se num momento em que as lutas de classe jaacute se punham

no plano internacional a burguesia do capital atrofiado brasileiro apavorou-se

das revoluccedilotildees aliou-se aos representantes do historicamente velho as

antigas classes dominantes e ldquooperou no interior da economia retroacutegrada e

fragmentadardquo Quando as modificaccedilotildees poliacuteticas se faziam imprescindiacuteveis

eram realizadas ldquopelo altordquo compondo e recompondo com as ldquovelhas classesrdquo

ldquoatraveacutes de conciliaccedilotildees e concessotildees muacutetuas sem que o povo participasse

das decisotildees e impusesse organicamente sua vontade coletivardquo (Coutinho

1967 p 142)

14

ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta

tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash

tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o

capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o

Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)

Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do

seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins

universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a

ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu

interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)

Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro

capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica

Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada

a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria

criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que

ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional

simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou

dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na

salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins

foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)

Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de

suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma

transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo

(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria

contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico

lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo

nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute

essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional

e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma

que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A

somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato

extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia

15

detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente

necessaacuterias

Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo

Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as

regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel

reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e

compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na

generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de

questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada

sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da

angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo

fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e

abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)

Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como

servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas

populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era

mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem

social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato

importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas

ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle

societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem

lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981

p 333)

Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas

atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se

faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o

plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui

inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa

forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em

que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito

aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se

subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes

16

De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital

atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas

as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se

necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma

democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e

de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias

(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa

A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o

caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente

com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a

sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia

baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica

natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o

Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos

anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da

Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela

repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo

Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao

suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e

aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da

vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a

democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente

atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)

A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo

Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se

exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e

obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a

histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo

do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da

superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos

ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a

malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo

17

articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo

proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do

poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)

Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca

completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua

incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo

tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a

loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo

excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo

burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a

imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a

autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a

primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute

sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa

maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro

integracionista e participativo de todas as categorias sociais

Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia

para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees

historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o

capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute

catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)

Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo

gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos

proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia

liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar

com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe

do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo

se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave

sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar

ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute

vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo

18

De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a

covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin

1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se

reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia

burguesa correspondente ao capital atroacutefico

O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao

mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem

confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto

inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de

chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo

anterior

O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da

globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente

parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas

produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do

mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica

nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se

daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que

tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo

podem ou natildeo se inserir

Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o

paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute

substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua

maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo

global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos

atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se

alcanccedila

Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte

precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades

e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute

pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode

19

vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso

jaacute eacute assunto para outro texto

Bibliografia

CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo

Paulo Escrita

___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio

1718 Satildeo Paulo Ensaio

_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad

Hominem

_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem

______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in

Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad

Hominem

COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil

em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel

COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e

Terra

FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de

Janeiro Zahar

_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718

Satildeo Paulo Ensaio

20

PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo

Brasiliense

RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em

Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo

RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do

Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita

Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de

Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias

Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na

Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo

Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail

vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles

Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria

chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais

semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por

uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da

ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse

aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem

de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar

apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo

de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo

deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que

vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do

Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes

que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que

Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo

natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa

industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente

21

22

separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas

cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a

predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais

luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que

implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com

isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute

a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute

submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os

paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo

de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o

periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se

ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho

salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando

o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por

realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da

revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano

  • Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
  • Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
  • Bibliografia

ldquoNatildeo estamos na era das lsquoburguesias conquistadorasrsquordquo ressalta

tambeacutem Florestan Fernandes A burguesia ndash a imperialista e as subordinadas ndash

tecircm como principal preocupaccedilatildeo ldquomanter a ordem salvar e fortalecer o

capitalismo impedir que a dominaccedilatildeo burguesa e o controle burguecircs sobre o

Estado nacional se deterioremrdquo (Fernandes 1981 p 295)

Afinal como lembra Marx ainda antes do fim da primeira metade do

seacuteculo XIX a burguesia havia perdido as ilusotildees que viam no Estado ldquoos fins

universais da humanidaderdquo passando na verdade a reconhececirc-lo como a

ldquoexpressatildeo oficial de seu poder exclusivo e a consagraccedilatildeo poliacutetica de seu

interesse particularrdquo (Marx A Sagrada Famiacutelia apud Chasin 1985 p IX)

Neste aspecto percebe-se que o hiper-retardamento do verdadeiro

capitalismo brasileiro e de suas classes natildeo eacute questatildeo meramente cronoloacutegica

Brotada tardiamente bem depois da perda de ilusotildees burguesas acima citada

a burguesia dos paiacuteses de via colonial ldquoNunca foi a cabeccedila de sua proacutepria

criaccedilatildeo e nunca aspirou a natildeo ser natildeo ter aspiraccedilotildeesrdquo da mesma forma que

ldquoNunca teve que desacreditar do ideal do Estado representativo constitucional

simplesmente porque este nunca foi seu ideal de Estadordquo e nunca se ocupou

dos fins universais da humanidade ldquoporque sempre soacute esteve absorvida na

salvaccedilatildeo amesquinhada de seu proacuteprio ser mesquinho e seus uacutenicos fins

foram sempre seus proacuteprios fins particularesrdquo (Chasin 1985 p X)

Temos pois que as burguesias ldquoque soacute agora chegaram ao veacutertice de

suas possibilidades - e em condiccedilotildees tatildeo difiacuteceis - viram-se patrocinando uma

transformaccedilatildeo da ordem que perdeu todo o seu significado revolucionaacuteriordquo

(Fernandes 1981 p 295) e que para as outras classes encarna a proacutepria

contra-revoluccedilatildeo ldquoDesprovidas de qualquer romantismo poliacutetico

lsquorevolucionaacuteriorsquo ou lsquoconservadorrsquordquo identificam imediatamente a revoluccedilatildeo

nacional com seus alvos particularistas (Fernandes 1981 p 301) Soacute eacute

essencial ldquoa defesa e a promoccedilatildeo de interesses comuns da burguesia nacional

e internacionalrdquo filtrando e ajustando os interesses divergentes de tal forma

que seu impacto revolucionaacuterio eacute drasticamente reduzido ou mesmo anulado A

somar-se agrave sua insensibilidade perante os problemas nacionais vem este fato

extremamente importante de que os setores conservadores da burguesia

15

detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente

necessaacuterias

Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo

Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as

regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel

reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e

compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na

generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de

questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada

sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da

angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo

fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e

abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)

Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como

servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas

populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era

mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem

social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato

importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas

ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle

societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem

lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981

p 333)

Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas

atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se

faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o

plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui

inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa

forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em

que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito

aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se

subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes

16

De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital

atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas

as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se

necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma

democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e

de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias

(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa

A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o

caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente

com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a

sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia

baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica

natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o

Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos

anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da

Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela

repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo

Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao

suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e

aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da

vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a

democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente

atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)

A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo

Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se

exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e

obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a

histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo

do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da

superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos

ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a

malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo

17

articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo

proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do

poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)

Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca

completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua

incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo

tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a

loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo

excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo

burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a

imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a

autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a

primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute

sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa

maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro

integracionista e participativo de todas as categorias sociais

Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia

para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees

historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o

capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute

catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)

Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo

gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos

proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia

liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar

com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe

do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo

se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave

sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar

ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute

vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo

18

De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a

covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin

1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se

reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia

burguesa correspondente ao capital atroacutefico

O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao

mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem

confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto

inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de

chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo

anterior

O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da

globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente

parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas

produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do

mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica

nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se

daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que

tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo

podem ou natildeo se inserir

Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o

paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute

substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua

maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo

global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos

atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se

alcanccedila

Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte

precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades

e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute

pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode

19

vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso

jaacute eacute assunto para outro texto

Bibliografia

CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo

Paulo Escrita

___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio

1718 Satildeo Paulo Ensaio

_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad

Hominem

_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem

______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in

Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad

Hominem

COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil

em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel

COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e

Terra

FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de

Janeiro Zahar

_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718

Satildeo Paulo Ensaio

20

PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo

Brasiliense

RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em

Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo

RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do

Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita

Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de

Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias

Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na

Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo

Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail

vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles

Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria

chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais

semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por

uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da

ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse

aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem

de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar

apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo

de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo

deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que

vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do

Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes

que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que

Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo

natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa

industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente

21

22

separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas

cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a

predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais

luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que

implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com

isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute

a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute

submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os

paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo

de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o

periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se

ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho

salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando

o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por

realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da

revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano

  • Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
  • Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
  • Bibliografia

detecircm o monopoacutelio de selecionar e introduzir as modificaccedilotildees historicamente

necessaacuterias

Eacute evidente o caraacuteter universal da contradiccedilatildeo intestina do capitalismo

Contudo esta admite variantes O capitalismo de via claacutessica comporta sob as

regras democraacutetico-liberais ao menos o questionamento econocircmico no niacutevel

reformista Jaacute o capital perifeacuterico ldquosempre roiacutedo pelo seu subordinante e

compelido a roer superlativamente seus subalternos natildeo soacute preserva na

generalidade o modo de produccedilatildeo mas nega qualquer gecircnero de

questionamento econocircmicordquo pois estaacute plenamente consciente de que dada

sua ldquoestreiteza capitalista toda alteraccedilatildeo significativa soacute pode provir da

angulaccedilatildeo das massas implicando mesmo quando natildeo fere seu arcabouccedilo

fundamental uma parcela de sua desmontagemrdquo sendo portanto prejudicial e

abertura de perigoso precedente (Chasin 1982 p 16)

Nas palavras de Florestan as burguesias brasileiras ldquonatildeo tinham como

servir-se do radicalismo burguecircs para captar a simpatia e o apoio das massas

populares sem ao mesmo tempo aprofundar seus conflitos entre si e o que era

mais importante sem arriscar os fundamentos materiais e poliacuteticos da ordem

social competitiva sob o capitalismo dependente e subdesenvolvidordquo Outro fato

importante destacado por Fernandes nas naccedilotildees capitalistas dependentes ldquoas

ideologias e utopias das classes dominantes deixam de sofrer controle

societaacuterio eficiente pois com frequumlecircncia as demais classes natildeo possuem

lsquocondiccedilotildees de barganharsquo e de autodefesa lsquodentro da ordemrsquordquo (Fernandes 1981

p 333)

Assim ldquoAo inveacutes das velhas forccedilas e relaccedilotildees sociais serem extirpadas

atraveacutes de amplos movimentos populares de massa a alteraccedilatildeo social se

faz mediante conciliaccedilotildees entre o novo e o velho ou seja tendo-se em conta o

plano imediatamente poliacutetico mediante um lsquoreformismo pelo altorsquo que exclui

inteiramente a participaccedilatildeo popularrdquo (Coutinho apud Rago 1998 p 21) Dessa

forma em primeiro lugar pela sua atrofia estrutural bem como pela eacutepoca em

que surge a burguesia nacional manteacutem-se permanentemente em conflito

aberto com as categorias sociais de baixo ao mesmo tempo em que se

subsume ou concilia com os outros setores sociais dominantes

16

De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital

atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas

as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se

necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma

democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e

de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias

(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa

A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o

caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente

com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a

sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia

baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica

natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o

Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos

anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da

Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela

repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo

Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao

suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e

aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da

vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a

democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente

atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)

A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo

Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se

exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e

obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a

histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo

do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da

superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos

ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a

malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo

17

articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo

proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do

poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)

Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca

completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua

incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo

tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a

loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo

excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo

burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a

imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a

autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a

primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute

sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa

maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro

integracionista e participativo de todas as categorias sociais

Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia

para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees

historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o

capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute

catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)

Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo

gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos

proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia

liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar

com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe

do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo

se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave

sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar

ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute

vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo

18

De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a

covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin

1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se

reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia

burguesa correspondente ao capital atroacutefico

O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao

mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem

confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto

inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de

chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo

anterior

O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da

globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente

parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas

produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do

mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica

nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se

daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que

tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo

podem ou natildeo se inserir

Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o

paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute

substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua

maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo

global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos

atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se

alcanccedila

Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte

precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades

e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute

pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode

19

vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso

jaacute eacute assunto para outro texto

Bibliografia

CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo

Paulo Escrita

___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio

1718 Satildeo Paulo Ensaio

_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad

Hominem

_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem

______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in

Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad

Hominem

COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil

em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel

COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e

Terra

FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de

Janeiro Zahar

_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718

Satildeo Paulo Ensaio

20

PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo

Brasiliense

RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em

Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo

RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do

Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita

Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de

Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias

Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na

Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo

Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail

vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles

Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria

chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais

semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por

uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da

ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse

aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem

de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar

apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo

de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo

deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que

vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do

Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes

que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que

Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo

natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa

industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente

21

22

separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas

cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a

predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais

luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que

implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com

isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute

a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute

submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os

paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo

de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o

periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se

ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho

salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando

o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por

realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da

revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano

  • Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
  • Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
  • Bibliografia

De horizontes estreitos de potecircncia auto-reprodutiva limitada o capital

atroacutefico natildeo pocircde assumir um projeto nacional em que estivessem integradas

as categorias sociais subalternas Diante dessa especificidade histoacuterica faz-se

necessaacuterio verificar concretamente a possibilidade da efetivaccedilatildeo de uma

democracia em moldes liberais Em condiccedilotildees de incompletude de classes e

de um capital ele mesmo atrofiado haacute pois que pesquisar as formas proacuteprias

(e possiacuteveis) da dominaccedilatildeo burguesa

A esse respeito Chasin observa que ldquoDitaduras e milagres traduzem o

caraacuteter essencial de nossa formaccedilatildeo e estrutura coloniaisrdquo Entremeadamente

com os ldquomilagresrdquo econocircmicos - cana-de-accediluacutecar cafeacute e tantos outros - a

sociedade conviveu com sucessivas poliacuteticas autocraacuteticas a monarquia

baseada na escravidatildeo a Repuacuteblica Velha cuja fachada liberal-democraacutetica

natildeo escondia a sua realidade ditatorial a serviccedilo das oligarquias rurais o

Estado Novo tambeacutem ditatorial surgido depois de irrelevantes e pouquiacutessimos

anos constitucionais o governo constitucional de Dutra sob o patrociacutenio da

Constituiccedilatildeo de 46 e a poliacutetica imperialista da guerra fria marcado pela

repressatildeo geral particularmente aos comunistas soacute com o segundo governo

Vargas e ateacute o golpe de 64 temos uma relativa democracia que assistiu ao

suiciacutedio de um presidente agrave renuacutencia de outro a toda uma seacuterie de golpetes e

aos dois golpes contra Jango Assim ldquoos anos mais democraacuteticos e liberais da

vida nacionalrdquo satildeo ldquoMenos portanto de deacutecada e meia atraveacutes da qual a

democracia vigente com todas as suas limitaccedilotildees foi vaacuterias vezes duramente

atacada e ao cabo da qual natildeo conseguiu se firmarrdquo (Chasin 1982 p 10)

A exclusatildeo das massas da vida sociopoliacutetica nacional daacute-se segundo

Chasin pelo expediente da autocracia esteja ela institucionalizada ou se

exponha em seu caraacuteter inteiramente bonapartista ambas prescindindo e

obstaculizando a participaccedilatildeo poliacutetica das massas como tantas vezes a

histoacuteria demonstrou E vai aleacutem retira delas o poder de participar ateacute mesmo

do mercado capitalista cujo acesso lhes eacute impedido pela praacutetica perversa da

superexploraccedilatildeo da forccedila de trabalho como vimos de ver Em outros termos

ldquoDesprovido de energia econocircmica e por isso mesmo incapaz de promover a

malha societaacuteria que aglutine organicamente seus habitantes pela mediaccedilatildeo

17

articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo

proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do

poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)

Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca

completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua

incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo

tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a

loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo

excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo

burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a

imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a

autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a

primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute

sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa

maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro

integracionista e participativo de todas as categorias sociais

Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia

para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees

historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o

capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute

catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)

Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo

gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos

proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia

liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar

com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe

do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo

se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave

sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar

ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute

vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo

18

De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a

covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin

1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se

reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia

burguesa correspondente ao capital atroacutefico

O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao

mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem

confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto

inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de

chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo

anterior

O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da

globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente

parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas

produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do

mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica

nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se

daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que

tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo

podem ou natildeo se inserir

Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o

paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute

substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua

maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo

global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos

atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se

alcanccedila

Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte

precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades

e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute

pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode

19

vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso

jaacute eacute assunto para outro texto

Bibliografia

CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo

Paulo Escrita

___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio

1718 Satildeo Paulo Ensaio

_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad

Hominem

_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem

______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in

Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad

Hominem

COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil

em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel

COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e

Terra

FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de

Janeiro Zahar

_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718

Satildeo Paulo Ensaio

20

PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo

Brasiliense

RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em

Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo

RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do

Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita

Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de

Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias

Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na

Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo

Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail

vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles

Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria

chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais

semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por

uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da

ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse

aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem

de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar

apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo

de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo

deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que

vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do

Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes

que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que

Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo

natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa

industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente

21

22

separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas

cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a

predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais

luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que

implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com

isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute

a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute

submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os

paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo

de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o

periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se

ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho

salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando

o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por

realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da

revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano

  • Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
  • Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
  • Bibliografia

articulada das classes e segmentos o quadro brasileiro da dominaccedilatildeo

proprietaacuteria eacute completado cruel e coerentemente pelo exerciacutecio autocraacutetico do

poder poliacuteticordquo (Chasin 1989 p 17)

Enfim diraacute Chasin o domiacutenio do capital se pocircs de uma forma nunca

completada que reproduz e moderniza agrave medida que avanccedila sua

incompletude O capital atroacutefico acabou consubstanciando um capitalismo

tambeacutem atrofiado incompleto subordinado aos interesses de fora em que a

loacutegica no trato com a imensa maioria da populaccedilatildeo eacute a modernizaccedilatildeo

excludente e a violecircncia estrutural De forma que no Brasil a dominaccedilatildeo

burguesa tem oscilado entre dois poacutelos ldquoa truculecircncia de classe manifesta e a

imposiccedilatildeo de classe velada ou semiveladardquo tem se alternado entre a

autocracia burguesa institucionalizada e o bonapartismo mais repressor ndash a

primeira ldquoeacute a forma da dominaccedilatildeo burguesa em lsquotempos de pazrsquordquo este uacuteltimo ldquoeacute

sua forma em lsquotempos de guerrarsquordquo (Chasin 1982 p 11) Exclui-se dessa

maneira a possibilidade de uma hegemonia burguesa num quadro

integracionista e participativo de todas as categorias sociais

Satildeo essas as duas formas possiacuteveis de domiacutenio de uma burguesia

para quem toda transformaccedilatildeo eacute uma ameaccedila mesmo aquelas transformaccedilotildees

historicamente proacuteprias a seu gecircnero - pois aqui ldquoas transiccedilotildees agrave medida que o

capitalismo amadurece e se moderniza ficam mais difiacuteceis perigosas ou ateacute

catacliacutesmicasrdquo (Fernandes 1981 p 300)

Tambeacutem neste aspecto a relaccedilatildeo de vassalagem com o imperialismo

gerou seus frutos Isso porque a incompletude de classe de nossos

proprietaacuterios entrelaccedila-se com sua ldquoinapetecircncia congecircnita para a democracia

liberalrdquo justamente pela sua subordinaccedilatildeo Afinal ldquoComo poderiam coabitar

com a soberania do povo na inintegralidade de sua soberania enquanto classe

do capitalrdquo (Chasin 1985 p VII) Capital subalterno e soberania popular natildeo

se assimilam O monopoacutelio do poder pela burguesia estaacute portanto jungido agrave

sua subordinaccedilatildeo ao estrangeiro de fato como poderia dominar

ldquomaterialmente sob a soberania poliacutetica do povo se sua proacutepria dominaccedilatildeo eacute

vassala de sua proacutepria estreiteza orgacircnica e de um outro soberanordquo

18

De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a

covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin

1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se

reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia

burguesa correspondente ao capital atroacutefico

O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao

mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem

confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto

inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de

chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo

anterior

O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da

globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente

parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas

produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do

mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica

nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se

daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que

tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo

podem ou natildeo se inserir

Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o

paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute

substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua

maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo

global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos

atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se

alcanccedila

Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte

precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades

e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute

pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode

19

vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso

jaacute eacute assunto para outro texto

Bibliografia

CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo

Paulo Escrita

___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio

1718 Satildeo Paulo Ensaio

_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad

Hominem

_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem

______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in

Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad

Hominem

COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil

em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel

COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e

Terra

FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de

Janeiro Zahar

_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718

Satildeo Paulo Ensaio

20

PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo

Brasiliense

RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em

Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo

RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do

Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita

Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de

Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias

Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na

Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo

Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail

vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles

Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria

chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais

semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por

uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da

ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse

aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem

de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar

apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo

de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo

deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que

vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do

Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes

que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que

Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo

natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa

industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente

21

22

separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas

cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a

predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais

luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que

implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com

isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute

a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute

submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os

paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo

de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o

periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se

ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho

salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando

o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por

realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da

revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano

  • Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
  • Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
  • Bibliografia

De forma que a burguesia brasileira ldquoNatildeo optou pela autocracia nem a

covardia foi de sua livre escolha meramente assumiu sua miseacuteriardquo (Chasin

1986 p 5) Nestas condiccedilotildees parece que uma democracia efetiva torna-se

reivindicaccedilatildeo dos trabalhadores que teriam a tarefa de suplantar a autocracia

burguesa correspondente ao capital atroacutefico

O Brasil apoacutes a desventura Collor foi definitivamente incorporado ao

mercado internacional e ao capitalismo moderno E o foi ainda esta vez sem

confrontar-se corajosamente com as mazelas da via colonial Estaacute portanto

inteiramente percorrido o caminho da industrializaccedilatildeo brasileira cujo ponto de

chegada era previsiacutevel pois que reiterou os principais caracteres do periacuteodo

anterior

O paiacutes foi forccedilado a uma reestruturaccedilatildeo interna no interior da

globalizaccedilatildeo traccedilada a partir de uma produccedilatildeo e uma circulaccedilatildeo diversamente

parametradas dado o ineacutedito estaacutegio de desenvolvimento das forccedilas

produtivas e a nova forma de circulaccedilatildeo do capital que repousa na esfera do

mercado mundial Mas esta reestruturaccedilatildeo manteve intocada a problemaacutetica

nacional no que ela tem de substancial E de outro lado a globalizaccedilatildeo natildeo se

daacute no vazio mas se efetiva em naccedilotildees regiotildees ou configuraccedilotildees sociais que

tecircm uma dada estrutura material que iraacute determinar a forma pela qual elas vatildeo

podem ou natildeo se inserir

Eacute de supor que um Brasil globalizado portanto natildeo significaraacute o

paraiacuteso na Terra natildeo alccedilaraacute agrave condiccedilatildeo de paiacutes dominante nem modificaraacute

substancialmente as formas de dominaccedilatildeo vigentes em seu interior dada a sua

maneira de inserccedilatildeo Mas a outra alternativa ndash manter-se ao largo do processo

global ndash se natildeo descartada logo por absurda e inviaacutevel torna-se muito menos

atraente que a integraccedilatildeo pois com esta pelo menos alguma modernizaccedilatildeo se

alcanccedila

Em suas anaacutelises sobre a globalizaccedilatildeo interrompidas pela morte

precoce no auge da maturidade intelectual Chasin apontava essas novidades

e afirmava com convicccedilatildeo que qualquer alternativa agrave ordem existente agora soacute

pode ser pensada da perspectiva oniacutemoda do trabalho uacutenica que pode

19

vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso

jaacute eacute assunto para outro texto

Bibliografia

CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo

Paulo Escrita

___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio

1718 Satildeo Paulo Ensaio

_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad

Hominem

_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem

______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in

Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad

Hominem

COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil

em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel

COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e

Terra

FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de

Janeiro Zahar

_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718

Satildeo Paulo Ensaio

20

PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo

Brasiliense

RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em

Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo

RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do

Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita

Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de

Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias

Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na

Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo

Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail

vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles

Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria

chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais

semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por

uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da

ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse

aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem

de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar

apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo

de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo

deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que

vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do

Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes

que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que

Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo

natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa

industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente

21

22

separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas

cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a

predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais

luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que

implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com

isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute

a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute

submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os

paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo

de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o

periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se

ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho

salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando

o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por

realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da

revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano

  • Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
  • Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
  • Bibliografia

vislumbrar uma transiccedilatildeo para aleacutem da questatildeo nacional-democraacutetica Mas isso

jaacute eacute assunto para outro texto

Bibliografia

CHASIN Joseacute (1982) ldquoiquestHasta Cuandordquo in Revista Nova EscritaEnsaio Satildeo

Paulo Escrita

___________ (1985) ldquoA Esquerda e a Nova Repuacuteblicardquo in Revista Ensaio 14

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1986) ldquoA Miseacuteria da Repuacuteblica dos Cruzadosrdquo in Revista Ensaio 1516

Satildeo Paulo Ensaio

_____ (1989) ldquoA Sucessatildeo na Crise e a Crise na Esquerdardquo in Revista Ensaio

1718 Satildeo Paulo Ensaio

_____(1999) O Integralismo de Pliacutenio Salgado 2 ed Santo Andreacute Ad

Hominem

_____ (2000) A Miseacuteria Brasileira Santo Andreacute Ad Hominem

______ (2001) ldquoAd Hominem ndash Rota e Prospectiva de um Projeto Marxistardquo in

Revista Ensaios Ad Hominem 1 tomo IV ndash Dossiecirc Marx Santo Andreacute Ad

Hominem

COHN Gabriel (1978) ldquoProblemas da Industrializaccedilatildeo no Seacuteculo XXrdquo in Brasil

em Perspectiva 10 ed Rio de Janeiro Difel

COUTINHO C Nelson (1967) Literatura e Humanismo Rio de Janeiro Paz e

Terra

FERNANDES Florestan (1981) A Revoluccedilatildeo Burguesa no Brasil Rio de

Janeiro Zahar

_____________ (1989) ldquoConstituinte e Revoluccedilatildeordquo in Revista Ensaio 1718

Satildeo Paulo Ensaio

20

PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo

Brasiliense

RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em

Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo

RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do

Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita

Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de

Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias

Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na

Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo

Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail

vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles

Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria

chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais

semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por

uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da

ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse

aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem

de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar

apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo

de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo

deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que

vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do

Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes

que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que

Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo

natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa

industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente

21

22

separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas

cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a

predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais

luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que

implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com

isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute

a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute

submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os

paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo

de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o

periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se

ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho

salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando

o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por

realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da

revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano

  • Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
  • Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
  • Bibliografia

PRADO JR Caio (1972) Histoacuteria Econocircmica do Brasil 15 ed Satildeo Paulo

Brasiliense

RAGO FILHO Antocircnio (1998) A Ideologia 64 os Gestores do Capital Atroacutefico

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-graduados em

Ciecircncias Sociais PUC-SP mimeo

RODRIGUES Maria Angeacutelica B (1981) ldquoParticularidade e Objetivaccedilatildeo do

Capitalismordquo Revista Nova EscritaEnsaio 8 Satildeo Paulo Escrita

Parte modificada da dissertaccedilatildeo de mestrado O Satacircnico Dr Go a Ideologia Bonapartista de

Golbery do Couto e Silva apresentada ao Programa de Estudos Poacutes-Graduados em Ciecircncias

Sociais da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo Paulo em 1999 Publicado originalmente na

Revista da APGPUC-SP Satildeo Paulo ano X n 28 p 281-98 dez2002 Mestre e Doutoranda em Ciecircncias Sociais pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica de Satildeo

Paulo Nuacutecleo deEstudos de Histoacuteria Trabalho Ideologia e Poder da PUC-SP E-mail

vanianoeliuolcombr [1] O que obviamente natildeo elimina as inuacutemeras e por vezes grandes diferenccedilas entre eles

Ressaltamos ainda uma vez que este texto tem por objetivo apresentar sinteticamente a teoria

chasiniana acerca da via colonial [2] Carlos Nelson Coutinho eacute o mais ceacutelebre membro da corrente que atribui ao Brasil mais

semelhanccedilas que diferenccedilas com o caso alematildeo Associando este com o italiano envereda por

uma linha eurocomunista centrada numa frente popular contra o fascismo em nome da

ldquodemocracia como valor universalrdquo Eacute importante notar as enormes diferenccedilas tambeacutem nesse

aspecto em relaccedilatildeo ao Brasil em que a ditadura se auto-reformou e natildeo foi derrubada aleacutem

de que aqui natildeo houve fascismo e a burguesia diferentemente do que ele parece acreditar

apoiou a ditadura [3] - Ver de J Chasin A Miseacuteria Brasileira (Santo Andreacute Ad Hominem 2000) e O Integralismo

de Pliacutenio Salgado (Santo Andreacute Ad Hominem 1999) A utilizaccedilatildeo do vocaacutebulo ldquocolonialrdquo natildeo

deve provocar mal-entendidos quer-se referi-lo a uma relaccedilatildeo estrutural de subordinaccedilatildeo que

vai muito aleacutem do mero aspecto poliacutetico Assim sendo para exemplificar a independecircncia do

Brasil em 1822 natildeo significou a derrubada do modo de produccedilatildeo escravista-colonial no paiacutes

que continuou sendo dominante ateacute pelo menos 1850 para desaparecer apenas em 1888 [4] Esta incompletude tambeacutem atinge a classe trabalhadora e seus representantes Daiacute que

Chasin teccedila seacuterias criacuteticas agrave atuaccedilatildeo da esquerda brasileira Este aspecto por falta de espaccedilo

natildeo seraacute abordado neste texto [5] Podemos separar os industriais desta eacutepoca em dois grandes grupos a grande empresa

industrial associada a outras atividades econocircmicas em geral estrangeiras e natildeo totalmente

21

22

separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas

cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a

predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais

luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que

implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com

isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute

a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute

submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os

paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo

de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o

periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se

ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho

salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando

o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por

realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da

revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano

  • Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
  • Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
  • Bibliografia

22

separada delas e um grande nuacutemero de pequenas unidades atomizadas verdadeiras oficinas

cujo padratildeo era mais artesanal do que propriamente industrial Ressalte-se por fim que a

predominacircncia do grupo agroexportador natildeo era objeto de duacutevida nem mesmo dos mais

luacutecidos e consequumlentes representantes da induacutestria Cf Cohn (1978) Prado Jr (1972) [6] Vargas por exemplo lamentava a resistecircncia patronal agrave legislaccedilatildeo trabalhista que

implantava salientava a falta de percepccedilatildeo dos patrotildees para o fato de que ele estava com

isso contribuindo para criar uma classe operaacuteria moderna o que eacute do interesse do capital [7] A discussatildeo sobre ldquovontade poliacuteticardquo e ldquodistribuiccedilatildeo de rendardquo deixa de apreender esta que eacute

a praacutetica fundante da superexploraccedilatildeo do trabalho uma vez que o trabalhador brasileiro estaacute

submetido a uma dupla exploraccedilatildeo a drenagem de recursos materiais e de riqueza para os

paiacuteses desenvolvidos e a proacutepria exploraccedilatildeo pela burguesia interna o que redunda na extraccedilatildeo

de uma taxa de mais-valia muito alta [8] Isto ocorreu em vaacuterios momentos da histoacuteria brasileira mas Chasin analisa especialmente o

periacuteodo da auto-reforma do uacuteltimo regime bonapartista a mal denominada ldquoaberturardquo que se

ldquoabriurdquo politicamente manteve hermeticamente fechada a poliacutetica econocircmica do arrocho

salarial (contra a qual movimentaram-se as massas de trabalhadores do ABC quase xecando

o sistema) que era na verdade seu ponto nevraacutelgico A ldquoaberturardquo terminou mesmo por

realizar a ldquoconsolidaccedilatildeo institucional do arrochordquo [9] Segundo a terminologia de Florestan Fernandes a revoluccedilatildeo econocircmica foi dissociada da

revoluccedilatildeo nacional sendo esta relegada a segundo plano

  • Subordinaccedilatildeo Estrutural e Atrofia
  • Progresso Social x Evoluccedilatildeo Nacional
  • Bibliografia