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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LARISSA BERALDO KAWASHIMA CONTEÚDOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL DA REDE MUNICIPAL DE CUIABÁ: UM ESTUDO SOBRE SUA SISTEMATIZAÇÃO CUIABÁ-MT 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

LARISSA BERALDO KAWASHIMA

CONTEÚDOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA PARA O ENSINO

FUNDAMENTAL DA REDE MUNICIPAL DE CUIABÁ: UM

ESTUDO SOBRE SUA SISTEMATIZAÇÃO

CUIABÁ-MT

2010

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LARISSA BERALDO KAWASHIMA

CONTEÚDOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA PARA O ENSINO

FUNDAMENTAL DA REDE MUNICIPAL DE CUIABÁ: UM

ESTUDO SOBRE SUA SISTEMATIZAÇÃO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Educação no Instituto de Educação da Universidade

Federal de Mato Grosso como pré-requisito para a

obtenção do título de Mestre em Educação na Área de

Concentração Educação, Linha de Pesquisa Culturas

Escolares e Linguagens.

Orientador: Prof. Dr. Cleomar Ferreira Gomes

Cuiabá-MT 2010

K22c

Kawashima, Larissa Beraldo.

Conteúdos de Educação Física para o Ensino Fundamental da rede

Municipal de Cuiabá: um estudo sobre sua sistematização. / Larissa

Beraldo Kawashima – Cuiabá (MT): A Autora, 2010.

196 p.: il.; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de

Mato Grosso. Instituto de Educação. Programa de Pós-Graduação em

Educação.

Orientador: Prof. Dr. Cleomar Ferreira Gomes.

Inclui bibliografia.

1. Escola. 2. Educação Física. 3. Conteúdos. 4. Sistematização. I.

Título.

CDU: 37:796

Às escolas que abriram suas portas para que eu pudesse desvelar a realidade de suas aulas

de Educação Física, e em especial, aos gestores, professores e alunos que contribuíram para

que esta pesquisa se tornasse possível.

AGRADECIMENTOS

À CAPES, por ter permitido fazer um curso e caminhar mais longe.

Ao professor Cléo, orientador, mestre e amigo, que me conduziu nos caminhos investigativos

e imprimiu significativas aprendizagens na minha formação profissional.

Aos meus colegas de orientação Dudu e Flávia, e em especial, à grande amiga Luciane, pelo

papel relevante na construção desta pesquisa, e com ela experimentei os mesmos caminhos,

desafios e conquistas.

Aos colegas e professores do mestrado, pelos conhecimentos partilhados.

Às professoras-amigas Bela (Beleni), Lílian (Bauru) e Tati (Irene Rangel) por acreditarem no

meu trabalho e incentivarem para que eu nunca desistisse, assim como nos inspira Paulo

Freire, de ter esperança numa Educação Física escolar de qualidade.

Ao professor Evando pelas importantes contribuições à pesquisa e à minha formação

profissional.

A professora Lucinéia Macedo Santos pela revisão do abstract e a ―tia‖ Neiva pela revisão

geral da dissertação.

Ao Ricardo, pela paciência, dedicação e incentivo para que eu nunca desistisse de lutar pelos

meus sonhos.

A minha família, em especial, aos meus pais que tanto se esforçaram para que eu fosse

―alguém na vida‖

RESUMO

O objetivo geral desta pesquisa foi o de identificar como os professores da rede municipal de

Cuiabá organizam os conteúdos da Educação Física escolar para os dois primeiros ciclos do

ensino fundamental, bem como as orientações recebidas pelos gestores (coordenadores e

diretores) de sua escola e, ainda, o que (quais conteúdos) seus alunos aprendem nas aulas de

Educação Física. Os objetivos específicos foram delimitados como identificar se existe uma

proposta de sistematização de conteúdos da Educação Física organizada pela Secretaria

Municipal de Educação, pela escola, ou orientada pelos gestores das escolas. Identificar quais

conteúdos os alunos aprendem nas aulas de Educação Física; e configurar uma organização

dos conteúdos para os dois primeiros ciclos do ensino fundamental a partir das percepções dos

gestores e professores pesquisados. Foram pesquisadas seis escolas públicas municipais de

Cuiabá-MT, localizada em bairros distintos da cidade e com peculiaridades inerentes a cada

uma. As escolas foram nomeadas de E1 a E6, conforme a ordem de seleção (visita as escolas)

realizada por mim. Os sujeitos desta pesquisa são formados por 12 gestores, sendo um

coordenador e um diretor de cada escola. Os professores de Educação Física são formados por

11 sujeitos e os alunos se constituem em 24 sujeitos. A pesquisa é de natureza qualitativa-

interpretativa, na qual os dados coletados chegaram através de entrevistas semi-estruturadas

com todos os sujeitos, observações de aula e anotações em diário de campo das aulas dos

professores de Educação Física e estudos nos documentos elaborados pelos professores, no

caso, os planejamentos anuais e semanais. As informações sobre a metodologia estão

explicitadas no capítulo 2. São apresentados três capítulos de análise, sendo que no primeiro

(capítulo 3) foram analisadas as falas dos gestores; o capítulo 4 refere-se aos professores de

Educação Física, no qual está dividido a análise em três categorias perpassando a lógica de

construção e execução de uma proposta de sistematização de conteúdos (planejar, falar sobre

e executar); o capítulo 5 se destina a ouvir o quê os alunos destes professores pesquisados têm

a dizer sobre os conteúdos aprendidos nas aulas. Os gestores trazem contribuições importantes

para a compreensão da sistematização de conteúdos elaborada pelos professores de Educação

Física, pois as orientações repassadas ao professores são, na maioria das escolas pesquisadas,

recebidas e aplicadas por eles em suas aulas. As orientações baseadas em interpretações do

Projeto da Escola Sarã nem sempre são transmitidas em sua essência, levando os gestores a se

apropriarem de conceitos mal compreendidos, deixando a Educação Física a mercê das

demais disciplinas. Os gestores acabam verbalizando aquilo que vivenciam e observam no dia

a dia de sua escola, e contestam práticas retrógadas dos professores de Educação Física,

principalmente aquelas a que se referem ao professor ―rola bola‖. Porém, não apenas criticam

estas práticas, mas apontam sugestões para a melhoria da qualidade do ensino da Educação

Física na escola. No capítulo dos professores, o leitor poderá identificar um entrelaçamento

entre as ações de planejar – falar sobre – fazer, no qual é observável que a maioria dos

professores tem estas três ações coerentes, sendo que os conteúdos propostos pelos mesmos

são sistematizados para os ciclos pesquisados. A análise das falas dos alunos mostra que os

mesmos refletem em suas falas os conteúdos explicitados pelos seus professores, percebendo

e questionando quando os mesmos se apropriam de práticas recreacionista e não ensinam nada

durante as aulas. Assim, espero que esta pesquisa possa contribuir para o salto qualitativo da

Educação Física escolar e para a legitimação da disciplina na escola através da identificação

dos entraves constituintes da proposição de conteúdos específicos e sua organização. A

sistematização de conteúdos, configurada nesta pesquisa, é um dos possíveis caminhos para o

ensino da Educação Física no 1º e 2º ciclos, já que transcreve o resultado de práticas

consolidadas e bem sucedidas no âmbito escolar.

Palavras-chaves: Escola, Educação Física, conteúdos, sistematização.

ABSTRACT

The main purpose of this research was to identify how teachers in Cuiabá organize the

Physical Education contents at school for the two first cycles of basic education, as well as the

ways received for the school administrators (coordinators and principals) and, still, what

(which contents) the students learn in the lessons of Physical Education. The specific

objectives had been delimited as to identify if there is a proposal of systematization of the

Physical Education contents organized by the city department of education, by the school, or

guided for the managers of the schools. To identify which teaching contents the students learn

in the lessons of Physical Education; and to configure, from the perceptions of the managers

and searched teachers, an organization of those contents for the two first cycles of basic

education. Six municipal public schools of Cuiabá, Mato Grosso State located in distinct areas

of the city and with inherent peculiarities to each one had been searched. The schools had

been nominated from E1 to E6, as the order of election (visitation of the schools) carried out

by me. The citizens of this research are composed by 12 managers, with a coordinator and a

principal of each school. There are also 11 (eleven) Physical Education teachers and 24

(twenty-four) students. The research has a qualitative-interpretative nature, with data collected

through interviews half-structuralized with all the citizens, daily lesson annotations and

observations, and studies in documents elaborated by the teachers, in this case, the annual and

weekly lessons planning. The information on the methodology are exposed in chapter 2.

Three chapters of analysis are presented. In the first one (chapter 3) it was analyzed the

interviews with the managers; the chapter 4 refers to the Physical Education teachers, with

analysis in three categories, passing the logic of construction and execution of a proposal of

systematization of teaching contents (to plan, to speak on and executing); chapter 5 destines to

hear what the students of these searched teachers have to say on the contents learned in the

lessons. The managers bring important contributions to understanding the systematization of

content produced by Physical Education teachers, for the guidance given to teachers are in

most of the schools surveyed received and applied by them in their classes. The guidelines

based on interpretations of the Sarã School Project are not always provided in its essence,

leading managers to take ownership misunderstood concepts, leaving Physical Education at

the mercy of other disciplines. The managers just verbalizing what they experience and

observe on the day of his school, and challenge practices of retrograde physical education

teachers, especially those that refer to the professor "ball rolling". However, not only critical

of these practices, but pointed suggestions for improving the quality of physical education at

school. In the chapter about teachers, the reader can identify an interrelationship between the

actions of plan - talk about - so, on what is observable that most teachers have these three

things consistent, and the contents offered by them is systematic for the cycles studied . The

analysis of discourse of the students shows that they reflect in their speech content explained

by their teachers, noticing and questioning when they take ownership of recreationists and

practices do not teach anything in class. Thus, I hope that this research can contribute for the

qualitative increase of the Physical Education at school, and for the legitimation of this

discipline in the school through the identification of the impediments of the proposal of

specific contents and its organization. The teaching contents systematization, configured in

this research, is one of the possible ways for the Physical Education teaching in 1º and 2º

cycles, since it transcribes the result of consolidated and successfuly practices in the school

scope.

Key-words: School, Physical Education, Contents, Systematization.

SUMÁRIO

Página

INTRODUÇÃO 13

Capítulo 1

1- SOBRE CONTEÚDOS E SISTEMATIZAÇÃO: O QUE SE DEVE

ENSINAR NA ESCOLA?

18

1.1 As escolas 19

1.2 A Educação Física 21

1.3 Definição de conteúdos e suas dimensões 25

1.3.1 Dimensão procedimental 28

1.3.2 Dimensão conceitual 29

1.3.3 Dimensão atitudinal 30

1.4 Os conteúdos da Educação Física 31

1.5 A sistematização de conteúdos 36

1.5.1 A sistematização de conteúdos nas abordagens da Educação Física 37

1.5.2 Outras propostas 48

1.6 Escola Sarã: o que diz o município de Cuiabá? 52

Capítulo 2

METODOLOGIA 56

2.1 A natureza da pesquisa 56

2.2 O campo de estudo 56

2.2.1 As escolas 58

2.3 Os sujeitos 65

2.4 Procedimentos metodológicos: coleta de dados 67

2.4.1 As entrevistas 67

2.4.2 As observações 68

2.4.3 Os documentos 70

2.5 A análise de dados 71

Capítulo 3

PERCEPÇÕES DOS GESTORES: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS

DADOS

73

3.1 Orientações dos gestores aos professores de suas escolas 73

3.2 Conteúdos específicos orientados pelos gestores 75

3.3 A interdisciplinaridade e o trabalho com projetos na visão dos gestores 88

3.4 Os conteúdos propostos pelos professores de Educação Física segundo

depoimentos dos gestores

93

3.5 Os conteúdos que os gestores acreditam que deveriam ser ensinados nas

aulas de Educação Física

97

Capítulo 4

PERCEPÇÕES DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA:

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

103

4.1 Os documentos: análise e discussão dos dados presentes nos planejamentos

entregues pelos professores de Educação Física

103

4.1.1 Como os professores organizam os conteúdos nos planejamentos 107

4.1.2 Os conteúdos que os professores idealizam 110

4.1.2.1 ―Conhecimento de si‖ – o corpo e suas possibilidades de movimento 111

4.1.2.2 Como os professores utilizam o ―Momento recreativo‖: conteúdo,

metodologia ou prática descontextualizada?

116

4.1.2.3 Como os professores organizam as brincadeiras populares 125

4.1.2.4 Como os professores organizam os conteúdos referentes ao ritmo e expressão

corporal

126

4.1.2.5 O que os professores propõem para a capoeira 130

4.1.2.6 O que os professores propõem sobre as lutas 131

4.1.2.7 Como os professores organizam a ginástica 132

4.1.2.8 O que os professores propõem quanto aos esportes coletivos e o atletismo 136

4.1.2.9 Conteúdos atitudinais transversais: o que propõem os professores 138

4.1.2.10 Os conteúdos propostos pelos professores que colocam a especificidade da

Educação Física em jogo

139

4.2 O que dizem os professores de Educação Física: análise e discussão dos

dados coletados nas entrevistas

144

4.2.1 O que é ―conteúdo‖ para os professores de Educação Física 145

4.2.2 Os conteúdos da Educação Física 147

4.2.3 A sistematização de conteúdos na voz dos professores 150

4.2.3.1 Os conteúdos para o 1º ciclo 154

4.2.3.2 Os conteúdos para o 2º ciclo 156

4.3 A prática docente: o fazer pedagógico do professor de Educação Física 159

4.3.1 As aulas de Educação Física na escola E1 159

4.3.2 As aulas de Educação Física na escola E2 161

4.3.3 As aulas de Educação Física na escola E3 163

4.3.4 As aulas de Educação Física na escola E4 165

4.3.5 As aulas de Educação Física na escola E5 168

4.3.6 As aulas de Educação Física na escola E6 170

Capítulo 5

A VISÃO DOS ALUNOS: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS 176

5.1 Os conteúdos da Educação Física aprendidos pelos alunos 177

5.2 Os conteúdos não aprendidos e as mudanças sugeridas pelos alunos 182

CONSIDERAÇÕES FINAIS

186

REFERÊNCIAS

191

APÊNDICE

196

LISTA DE QUADROS

Página

Quadro 1 Organização dos núcleos temáticos e seus respectivos conteúdos 32

Quadro 2 Sugestões de conteúdo programático para programa de educação física

escolar direcionados à promoção da saúde

45

Quadro 3 Distribuição dos temas pelas diversas séries 49

Quadro 4 Subtemas 49

Quadro 5 Proposta de distribuição de conteúdos ao longo das séries escolares em

percentuais

51

Quadro 6 Enturmação dos alunos na Escola Sarã 53

Quadro 7 Conteúdos para 1º e 2º ciclos de formação da rede municipal de Cuiabá 54

Quadro 8 Conteúdos ―Jogos e Brincadeiras‖ 83

Quadro 9 Conteúdos ―Dança, Lutas e Capoeira‖ 85

Quadro 10 Conteúdo ―Ginástica‖ 86

Quadro 11 Conteúdo ―Esporte‖ 87

Quadro 12 Diferenças e semelhanças na sala de aula 116

Quadro 13 Conteúdos de jogos de salão e de raciocínio lógico 121

Quadro 14 Conteúdos dos jogos de salão e intelectivos para o 2º ciclo 122

Quadro 15 Ginástica artística: sequência ginástica 135

Quadro 16 Conteúdos atitudinais transversais 138

Quadro 17 O jogo das letras 139

Quadro 18 Resumo dos conteúdos apresentados nos planejamentos 142

Quadro 19 Sequência ginástica 173

Quadro 20 Resumo das análises dos dados dos professores de Educação Física 175

LISTA DE TABELAS

Página

Tabela 1 Delineamento das escolas e sujeitos pesquisados 65

LISTA DE FIGURAS

Página

Figura 1 Blocos de conteúdos da Educação Física 35

Figura 2 Quadra da escola E1 durante uma aula de Educação Física 59

Figura 3 Pátio externo utilizado nas aulas de Educação Física 60

Figura 4 2- A quadra da escola 61

Figura 5 Pátio coberto utilizado para as aulas de Educação Física 62

Figura 6 Quadra da escola utilizada para as aulas de Educação Física 63

Figura 7 Espaço utilizado para jogos de voleibol com portão de acesso a quadra

pequena ao fundo

63

Figura 8 Quadra coberta da escola utilizada para as aulas de Educação Física 64

Figura 9 Conteúdos Jogos e Brincadeiras 82

Figura 10 Via de acesso pelos resultados 109

Figura 11 Hierarquia para o desenvolvimento dos conteúdos procedimentais da

ginástica escolar

134

Figura 12 Alerta queimada 160

Figura 13 Escravos de Jó 161

Figura 14 Brincadeiras livres 162

Figura 15 Aula de Educação Física na sala de aula 163

Figura 16 Aula de ―condução de bola‖ 164

Figura 17 ―Campo minado‖ na sala de aula 165

Figura 18 Jogo de voleibol com balões 166

Figura 19 Dança sênior 167

Figura 20 Jogo de handebol gigante 169

Figura 21 Aula da professora SOL para a Educação Infantil 170

Figura 22 Separação por sexo nas aulas de Educação Física 172

Figura 23 Aula de ginástica olímpica 174

Figura 24 Festival de Ginástica 175

13

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa é fruto de inquietações pessoais e profissionais que me perseguem desde

o ano de 2003, quando ainda recém-formada em licenciatura plena em Educação Física e

estudante do curso de especialização em Pedagogia do Esporte Escolar. Neste curso, conheci

o esporte escolar de uma forma adequada, ou seja, organizada e distribuída ao longo das séries

da educação básica.

Sabe-se, porém, que a Educação Física escolar atual tem no esporte seu conteúdo

exclusivo, delimitando em bimestres as modalidades esportivas coletivas (voleibol,

basquetebol, handebol e futsal) e reproduzindo o esporte do clube ou da mídia na escola, ou

seja, esporte na escola. A realidade escolar, tratando-se especialmente das escolas públicas,

tem características peculiares e inerentes a cada contexto social, com salas de aulas lotadas e

grupos heterogêneos, não só no sexo e idade, mas nas características físicas e sociais. Então,

deve existir uma Educação Física preocupada com a formação integral do aluno e não apenas

em instituir o esporte na escola! Mas é somente o conteúdo ―esporte‖ que deve ser trabalhado

nas aulas de Educação Física Escolar?

O problema (ou talvez a solução de todos eles) é que a Educação Física é muito ampla

e diversificada e, diferente dos demais componentes curriculares, não possui uma sequência

pedagógica sistematizada para cada nível escolar. O que se observa é uma Educação Física

escolar desenvolvida de forma desorganizada e fragmentada, sem a continuidade e a evolução

necessária ao aprendizado, pautada na repetição dos conteúdos nos diferentes níveis do

ensino, por exemplo, o voleibol trabalhado na 3ª série é o mesmo da 6ª série, que por sua vez

é o mesmo do 2º ano do ensino médio (PAES, 2002).

Neste sentido, como deveriam ser desenvolvidos os conteúdos da Educação Física

escolar? Quais conteúdos deveriam ser ministrados aos alunos dos ciclos iniciais do Ensino

Fundamental (antigas 1ª a 4ª séries)? Por que trabalhar tais conteúdos e não outros? Como

desenvolvê-los nas três dimensões do conteúdo (conceitual, procedimental e atitudinal)? Esses

foram alguns dos questionamentos que permearam meus três anos como docente de uma

escola municipal na cidade de Morro Agudo – SP.

Percebi que os ―colegas‖ professores não sabiam organizar os conteúdos para as

diferentes séries do Ensino Fundamental, e pior, não acreditavam nessa necessidade e muito

menos nessa possibilidade. Mas, eu não podia aceitar estes argumentos, já que havia

aprendido que o Esporte escolar poderia ser sistematizado, e por que não todos os outros

conteúdos da Educação Física? Elaborei minha própria sistematização para as 4ª séries

14

iniciais do Ensino Fundamental, que através de um processo reflexivo, era repensada a cada

ano de prática docente.

Um ponto que me instigou a realizar esta pesquisa foi no sentido de que se eu

organizei os conteúdos para as séries iniciais, supõe-se que todos professores de Educação

Física deveriam construir sua própria organização também. Mas será que os professores

organizam seus conteúdos para as diferentes fases de ensino?

O aspecto relevante para a construção de uma proposta pedagógica que norteie a

Educação Física escolar é a sistematização dos conteúdos, considerando os diferentes níveis

de ensino e a diversificação destes conteúdos. Deve-se obedecer a uma sequência de

aprendizagem, respeitando as características dos alunos em cada faixa etária e trabalhando os

conteúdos de forma organizada e sistematizada (PAES, 2002). A diversificação de

movimentos, das práticas corporais e suas manifestações ampliam o universo de

possibilidades dos alunos, já que a Educação Física escolar dispõe de uma diversidade de

formas de abordagem para a aprendizagem, entre elas as situações de jogo coletivo, os

exercícios de preparação corporal, de aperfeiçoamento, de improvisação, a imitação de

modelos, a apreciação e discussão, os circuitos, as atividades recreativas, enfim, todas devem

ser utilizadas como recurso para a aprendizagem (BRASIL, 1997).

Segundo Ferreira (2000), sistematização é o ―ato ou efeito de sistematizar‖, ou seja,

―reduzir (vários elementos) a um sistema‖. Ainda refere-se a sistema como ―disposição de

partes ou de elementos de um todo, coordenados entre si, e que formam uma estrutura

organizada‖. Assim, sistematizar os conteúdos da Educação Física escolar nada mais é do que

organizá-los de modo coerente em cada nível de ensino.

A cultura escolar indica uma determinada ordem para todas as disciplinas quanto à

sistematização dos conteúdos a serem abordados na escola. A Educação Física não tem seus

conteúdos sistematizados, ou seja, não existem critérios que auxiliem professores na

organização curricular. Já as demais disciplinas adotam livros didáticos que norteiam o

trabalho do professor. Os professores, principalmente os iniciantes, têm dificuldade de

determinar qual conteúdo será aplicado primeiro e em que série (DARIDO; RANGEL, 2005).

Alguns autores escreveram propostas teóricas de organização dos conteúdos da

Educação Física para a Educação Básica, mas acabaram por privilegiar apenas uma dimensão

dos conteúdos, ou ainda, abordaram apenas um conteúdo específico, sendo ainda propostas

divergentes entre si. Cito as propostas de Soares e colaboradores (2003), o modelo

desenvolvimentista de Tani e colaboradores (1988), entre outras.

15

Utilizo como autores de referência César Coll e colaboradores (2000), que abordam as

dimensões do conteúdo (procedimental, atitudinal e conceitual), tão relevante na Educação

Física para desmistificar a ideia de disciplina essencialmente prática. Trabalho ainda com o

conceito de conteúdos de Libâneo (1994) e Zabala (1998) e, principalmente, com autores da

Educação Física que discutem a sistematização de conteúdos, como Darido e Rangel (2005),

Palma e colaboradores (2008), Freire e Scaglia (2003), Oliveira (2004), entre outros autores.

Neste sentido, o objetivo geral desta pesquisa é identificar como os professores da rede

municipal de Cuiabá organizam os conteúdos escolares da Educação Física para os dois

primeiros ciclos do Ensino Fundamental, quais são as orientações recebidas pelos gestores

(coordenadores e diretores) e, ainda, quais conteúdos seus alunos apreendem nas aulas de

Educação Física.

Assim, como objetivo específico foi delimitado a configuração de uma organização

dos conteúdos para os dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental, a partir das percepções

dos gestores e professores pesquisados.

A metodologia de pesquisa é descrita no Capítulo 2. Foram objetos de estudo seis

escolas públicas municipais de Cuiabá-MT, localizadas em bairros distintos da cidade e com

peculiaridades inerentes a cada uma. As escolas foram nomeadas de E1 a E6, conforme a

ordem de seleção (visita às escolas) realizada pela pesquisadora.

Os sujeitos desta pesquisa foram formados por 12 gestores, sendo um coordenador e

um diretor de cada escola. Os professores de Educação Física, em número de 11 e os alunos,

24 sujeitos.

A pesquisa é de natureza qualitativo-descritiva, em que os dados coletados se deram

através de entrevistas semiestruturadas com todos os sujeitos, observações de aula e anotações

em diário de campo das aulas dos professores de Educação Física, além do recolhimento de

documentos elaborados pelos professores, no caso, os planejamentos anuais e semanais.

A análise dos dados é interpretativa, construída em três categorias descritivas de

análise: os gestores, os professores de Educação Física e os alunos.

O primeiro capítulo de análise (Capítulo 3) foi elaborado a partir das análises das

respostas dos gestores. Foram detectadas recorrências nas respostas dos mesmos, originando

assim cinco subitens de análise: as orientações gerais passadas aos professores de Educação

Física; as orientações sobre os conteúdos específicos; a visão dos gestores sobre a

interdisciplinaridade e trabalho com projetos; os conteúdos trabalhados pelos professores de

Educação Física segundo depoimentos dos gestores e os conteúdos que os gestores acreditam

que deveriam ser ensinados nas aulas de Educação Física e não o são.

16

Os gestores trazem contribuições importantes à compreensão da sistematização de

conteúdos, elaborada pelos professores de Educação Física, pois as orientações repassadas ao

professores são, na maioria das escolas pesquisadas, recebidas e aplicadas por eles em suas

aulas. As orientações baseadas em interpretações do Projeto da Escola Sarã nem sempre são

transmitidas em sua essência, levando os gestores a se apropriarem de conceitos mal

compreendidos, deixando a Educação Física a mercê das demais disciplinas.

Os gestores acabam verbalizando aquilo que vivenciam e observam no dia a dia de sua

escola e contestam práticas retrógadas dos professores de Educação Física, principalmente

aquelas que se referem ao professor ―rola bola‖. Porém, não apenas criticam estas práticas,

mas apontam sugestões para a melhoria da qualidade do ensino da Educação Física na escola.

No Capítulo 4 desta dissertação, a partir dos discursos dos professores de Educação

Física, a análise foi dividida em três momentos, perpassando a lógica de uma construção e

execução de uma proposta de sistematização de conteúdos. A ação de planejar foi

determinada como o primeiro procedimento do professor de Educação Física, ou seja, a

primeira análise corresponde a dos planejamentos entregues por estes professores. O segundo

passo foi o ―falar sobre‖, especificamente, a análise das entrevistas. E por fim, a análise das

aulas observadas desses professores, entendendo esta, como a última ação, ou seja, colocar em

prática o que já foi elaborado.

O leitor poderá identificar um entrelaçamento entre as ações de planejar – falar sobre –

fazer, no qual é observável uma coerência entre essas três ações, sendo que os conteúdos

propostos pelos professores são sistematizados para os ciclos pesquisados. Estes professores

correspondem aos que disponibilizaram seus planejamentos para a pesquisa, subentendendo-

se que os demais não elaboraram/planejaram suas aulas, apresentando maior distorção entre o

―dizer e fazer‖.

Neste capítulo também apresento a construção de uma proposta de sistematização, a

partir dos dados apresentados das pesquisas realizadas pelos professores de Educação Física ,

mais concreta para 1º e 2º ciclos, sendo pouco delimitada a divisão por etapas, ou seja, os

professores oferecem conteúdos similares para as etapas constituintes de um ciclo de

aprendizagem.

O Capítulo 5 é destinado a ouvir o que os alunos destes professores pesquisados têm a

dizer sobre os conteúdos apreendidos durante as aulas, pois, assim, a sistematização de

conteúdos poderá ser compreendida num âmbito maior, enxergando não apenas o que os

professores de Educação Física, construtores deste processo, têm a dizer sobre os conteúdos

17

ensinados, mas verificar a influência direta que os gestores têm neste processo, bem como a

visão dos alunos.

O interessante é que os alunos refletem em suas falas os conteúdos explicitados pelos

seus professores, percebendo e questionando quando os mesmos se apropriam de práticas

recreacionista e não ensinam nada durante as aulas.

Assim, espero que esta pesquisa possa contribuir para o salto qualitativo da Educação

Física escolar e para a legitimação da disciplina na escola através da identificação dos

entraves constituintes da proposição de conteúdos específicos e sua organização. Creio que a

sistematização de conteúdos configurada nesta pesquisa é um dos possíveis caminhos para o

ensino da Educação Física dos 1º e 2º ciclos, já que transcreve o resultado de práticas

consolidadas e bem sucedidas no âmbito escolar.

18

Capítulo 1

SOBRE CONTEÚDOS E SISTEMATIZAÇÃO: O QUE SE DEVE ENSINAR NA

ESCOLA?

A discussão primordial deste texto é a sistematização de conteúdos da Educação

Física, especificamente para as etapas iniciais do ensino fundamental. Para se compreender a

sistematização é necessário definir quais são os conteúdos da Educação Física e, por

conseguinte, a definição do que sejam conteúdos.

É pertinente iniciar pela contextualização das aulas de Educação Física discorrendo

sobre seu papel na escola, seus conteúdos de ensino, até a sistematização dos mesmos. Este

caminho é um pouco extenso e repleto de pensamentos divergentes entre si, complementares

talvez, mas necessários para determinarmos a posição teórica assumida nesta pesquisa.

Apoiada por autores da pós-modernidade considero que vivemos numa ―sociedade

líquido-moderna‖, como nomeia Zygmunt Bauman (2007), ou ―sociedade da decepção‖,

segundo Gilles Lipovetsky (2007).

A sociedade líquido-moderna, em que habitam os chamados consumidores (nós), é

uma sociedade em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo

mais curto do que aquele necessário para sua consolidação, em hábitos e rotinas, as formas de

agir. A vida na sociedade líquido-moderna não pode manter a forma ou permanecer em seu

curso por muito tempo. As realizações individuais não podem solidificar-se em posses

permanentes. Prever tendências futuras a partir de eventos passados torna-se cada dia mais

arriscado e frequentemente enganoso. É uma vida precária, vivida em condições de incerteza

constante (BAUMAN, 2007).

Nessa sociedade está cada dia mais difícil construir e manter relações sólidas.

Segundo Bauman (2003), antes o trabalho era uma vocação ou missão de vida, mas se tornou

frágil e quebradiço. Não há empregos permanentes e nem indispensáveis. Nada permanece o

mesmo durante muito tempo. Nada dura o suficiente para ser absorvido. O vendedor local foi

substituído por vozes eletrônicas e ícones sem nome e sem rosto na internet.

É nesta sociedade em que vivemos. É onde vivem nossas crianças. É onde estão

inseridas nossas escolas, tanto públicas quanto particulares. É a realidade que permeia as aulas

de Educação Física escolar também.

19

1.1 As escolas

A sociedade (imaginária) era pensada como uma comunidade de cuidados e

compartilhamentos em que poderia recorrer em caso de problemas; mas a sociedade perdeu

com a globalização sua aparência ―paternal‖, pois não cumpriu (e não cumpre) suas

promessas de um lar seguro, exigindo mais flexibilidade e que as pessoas procurem por si a

sobrevivência, o progresso e vida digna. Num mundo individualizado e privatizado, a

segurança depende de cada indivíduo e não da sociedade (BAUMAN, 2007).

Antigamente, os povoados se fechavam do mundo exterior com muralhas e fossos,

ficando os inimigos do lado de fora. Hoje, há uma inversão, nas cidades convivem amigos e

inimigos, e os perigos e riscos agora estão dentro da cidade. Bauman (1999; 2007) diz que a

saída encontrada são as ―comunidades fechadas‖ que supõem ―invisibilidade‖ e

―intimidação‖, com uma arquitetura do medo se espalhando por espaços privados e até

públicos.

As escolas também são um exemplo de ―comunidade fechada‖. Cercadas por muros,

vigiadas por câmeras e seguranças, regras rígidas... A liberdade é cerceada em troca da

segurança. Escolas públicas preferem não ter salas de informática para seus alunos, evitando

assim serem vítimas de ladrões.

Em uma das escolas pesquisadas, a primeira impressão que ficou foi de um ―presídio‖,

toda murada, com apenas um acesso de entrada. O prédio onde ficam as salas de aula é

completamente fechado, com a porta de entrada trancada constantemente. O único tempo

livre, em que as crianças saem deste local, é durante as aulas de Educação Física ou na hora

do recreio. Mesmo assim, no recreio, apenas as crianças maiores podem sair deste prédio.

Outra característica encontrada nas escolas atuais é a transferência de

responsabilidades da educação familiar para a escola. Percebemos que as famílias não

constroem mais relações sociais seguras, duradouras e confiáveis.

Os vínculos familiares se afrouxaram devido ao tempo que os pais passam fora de casa

e à inversão de autoridade (crianças tornaram-se especialistas em compras e tomam decisões a

esse respeito). Bauman (2007) nos mostra que os processos de consumismo desestabilizaram

as instituições de formação de identidade (família, escola, igreja, etc.) e produziram um vácuo

que não se preocupou em preencher.

Será que é dever do professor assumir a educação moral, responsabilidade das

famílias? Postman (2002, p. 141) afirma que:

20

―(...) o fato inegável é que não há nada na formação ou educação dos professores

que os qualifique para fazer o que outras instituições têm obrigação de fazer. Fique

claro, aliás, que neste argumento a expressão ‗professores despreparados‘ não quer

dizer que os professores não sabem fazer seu trabalho. Quer dizer que não podem

fazer o trabalho de todo mundo‖.

Neste sentido, qual será a função da escola? Para Neira (2006), a escola tem a função

de divulgar criticamente a toda a sociedade os bens culturais acumulados pelo trabalho, pela

reflexão, pela ciência, tecnologia e outras fontes. E, complementa, que a escola deve fazer

isso criando condições para o desenvolvimentos integral máximo dos educandos, para

enfrentarem o mundo do exercício profissional, da ciência, cultura, arte, religião, economia e

política como cidadãos conscientes.

A escola conserva simultaneamente os bens culturais significativos até então

acumulados e cria condições para que eles sejam inovados. Deve proporcionar aos alunos os

meios necessários para entender o mundo em que vivem e o momento histórico em que se

situam, além de elevar o nível cultural de toda a população, o que só acontecerá se todos

puderem passar pelos seus portões (NEIRA, 2006).

Baseando-se no relatório da Comissão Internacional para o Desenvolvimento da

Educação da UNESCO, Neira (2006, p. 56) discorre sobre os papéis da Educação, sendo o

primeiro ―proporcionar o encaminhamento dos indivíduos para um humanismo cientifico,

pois uma nova forma de educação se apresenta sobre a formação científica e tecnológica‖.

Neste sentido, propõe-se um pensamento e uma linguagem científica em que se recusa toda a

ideia preconcebida, subjetiva e abstrata do homem; as regras da objetividade — saber que

todo conhecimento é o ponto de partida de uma nova conquista, e decidir e agir quando for o

caso, mas não formular julgamentos antes de verificar —; a relatividade dialética e a

formação do espírito científico.

O segundo papel da educação seria o estímulo da criatividade através do debate entre a

segurança e aventura, a procura de novos valores e a ação e reflexão. O terceiro papel para a

educação na sociedade seria o estabelecimento de um compromisso social, sendo composto

por uma educação política, uma prática democrática e uma participação — é função do

cidadão exercer seus poderes em todos os níveis da vida social e em todas as etapas da vida

(NEIRA, 2006).

Para Libâneo (1992), dentre os principais objetivos da escola está a formação de

sujeitos capazes de produzir a democratização da sociedade, consistindo na conquista das

condições materiais, sociais, políticas e culturais, possibilitando, assim, a ativa participação de

todos na direção da sociedade.

21

É preciso reconhecer que a atividade educacional profissional e institucionalizada na

escola pressupõe o ensino, ou seja, a transmissão de um conteúdo específico e dentro de um

contexto hierarquizado pela posse de determinados conhecimentos e mesmo de um papel

social muito diferenciado entre professor e alunos. Assim, o papel da escola é conservar e

transmitir os conteúdos culturais de uma civilização ou nação, além de preparar a passagem

do privado (família) para o público (política/cidadania), viabilizando sua inserção e ação no

mundo, através da qualificação da capacidade de interlocução. (CARVALHO, 1996, apud

GONZÁLEZ; FENSTERSEIFER, 2009)

1.2 A Educação Física

A aula de Educação Física não está alheia aos fatos e acontecimentos que permeiam a

sociedade atual, muito menos aos desafios e percalços das realidades escolares. A vantagem

desta disciplina é a de tornar possível a aproximação dos corpos e, consequentemente, a

construção de relações mais sólidas entre alunos e alunos e entre professor e alunos.

Entretanto, a insistência em pedagogias inadequadas e conteúdos repetitivos nas aulas

de Educação Física, aliadas ao descaso com o planejamento escolar, contribuem para um

distanciamento e desânimo dos alunos.

Há algum tempo as aulas de Educação Física deixaram de ser sinônimo de ―quadra e

bola‖ para se tornarem referência como possibilidade de formação de um ser humano integral.

No corpo fica gravado todo conhecimento culturalmente adquirido, e sendo ele ―movimento‖,

a Educação Física, na escola, tem o papel fundamental de discernir e ressignificar as

experiências da vida cotidiana.

Gomes (2008) enfatiza a necessidade de uma releitura desse corpo como objeto de

conhecimento que precisa relacionar-se com outras ciências ou áreas de conhecimento para se

fazer aceita por uma civilização que não cessa de consumir. A Educação Física, além de

proporcionar diferentes formas de agir e movimentar o corpo, é também espaço de reflexões

sobre a sociedade, a estética, o corpo, a cultura, o consumo, e outras. É o agir de um corpo

que não apenas se movimenta, mas pensa, sente e age.

A vivência das práticas corporais pode ser ampliada pelo conhecimento sobre o que se

pratica, como se dá esta prática e a reflexão sobre as atitudes possíveis nas diversas situações

de ensino-aprendizagem, buscando respostas mais complexas para questões específicas.

22

O professor de Educação Física precisa atentar aos temas relevantes para os alunos e a

sociedade, revendo-os cientificamente, tratando-os pedagogicamente em suas aulas. Deste

modo, a aprendizagem se tornará mais significativa aos alunos.

Ainda, o professor de Educação Física já não pode mais ser aquele especialista em

determinado conteúdo ou esporte, ele precisa estar ―antenado‖ no mundo, diversificando e

contextualizando sua prática docente e suas aulas com a vida cotidiana.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais entendem

―a Educação Física como uma área de conhecimento da cultura corporal de

movimento e a Educação Física escolar como uma disciplina que introduz e integra

o aluno na cultura corporal de movimento, formando o cidadão que vai produzi-la,

reproduzi-la e transformá-la, instrumentalizando-o para usufruir dos jogos, dos

esportes, das danças, das lutas e das ginásticas em benefício do exercício crítico da

cidadania e da melhoria da qualidade de vida.‖ (BRASIL, 1998, p. 29).

Apesar de a Educação Física, por lei, constituir-se como componente curricular

obrigatório, Neira (2006, p. 37) afirma que a disciplina só adquirirá o mesmo patamar dos

outros componentes curriculares ―quando sua prática se apresentar contribuinte à formação do

cidadão, enquanto persistirem discursos magoados e práticas desprovidas de coerência, nos

distanciaremos cada vez mais‖. Sobre a função da Educação Física acrescenta que:

―(...) a Educação Física não deve abrir mão de sua função constituinte da formação

ética do indivíduo. Uma vez que sua forma de agir nas aulas se dá, sobretudo, em

contato com as demais, estaremos todos imersos e submetidos ao emprego de

comportamentos sociais, ressaltando nessa mobilização o desenvolvimento de

nossas dimensões competentes no lidar cotidiano com o ambiente. No caso

específico do componente estariam envolvidos os conflitos éticos gerados pela

cultura corporal de movimento: a competição e cooperação, ao conhecimento dos

limites e possibilidades do próprio corpo e sua aceitação, à autodisciplina, ao

aprendizado e respeito às regras, a utilização ou não de substâncias estranhas à

prática esportiva, o comportamento antiesportivo, etc.‖ (NEIRA, 2006, p. 53)

.

O cenário atual da Educação Física escolar aponta que a disciplina ainda não consegue

cumprir seu papel na formação dos alunos, como preconizou Neira anteriormente, pois ainda

é comum nos depararmos com práticas descontextualizadas ou retrógradas, utilizando

métodos e técnicas comuns a outros momentos históricos da Educação Física, como aulas de

características esportivistas ou militaristas, nas quais o ―saber se movimentar‖ é

preponderante. Porém, as discussões sobre a Educação Física escolar foram ampliadas na

última década, surgindo diversas tendências que tentam legitimar a disciplina na escola,

através da proposição de conteúdos significativos e metodologias de ensino que levam o aluno

23

a pensar, criticar, discutir, construir e repensar sua própria ação no contexto da cultura

corporal.

Darido e Rangel (2005) dialogam que cada contexto escolar possui suas

particularidades, e isso, determinará a opção do professor pela metodologia apropriada.

Entretanto, essa escolha metodológica deve ser constantemente refletida, pois o professor

além de pensar sobre as ações e reações de seus alunos (interação professor x alunos), ele faz

parte de uma realidade escolar e de uma sociedade, ou seja, de uma cultura escolar.

Devemos considerar ainda que, o trabalho de um professor de Educação Física exige

que ele gerencie um contexto permeado por diversas ações e decisões ao mesmo tempo, por

exemplo, em apenas uma aula ele precisa administrar: o tempo de aula, o espaço, o número de

alunos, as brigas, o barulho, os pequenos acidentes que podem acontecer, a falta de material, o

conteúdo, o processo ensino-aprendizagem, os outros aluno que já estão esperando a próxima

aula, etc. Enfim, com tantas informações, seu trabalho acaba se tornando mecânico, seja pela

quantidade de aulas que precisa planejar e administrar, ou pelas condições de trabalho que

enfrenta. Percebemos que ensinar não é uma tarefa tão simples quanto parece ser, é necessário

que o aluno esteja aprendendo algo ou ampliando seu conhecimento, mas como fazê-lo?

Para Dias da Silva (1995, apud DARIDO; RANGEL, 2005) existem três aspectos

importantes envolvendo o ato de ensinar: o domínio do conteúdo e metodologia, o

envolvimento e apropriação da realidade dos alunos e o caráter reflexivo do trabalho docente.

Na perspectiva do ensino reflexivo, a ampliação das relações entre o conhecimento

científico e prático (teoria e prática) se dá através da investigação, da experimentação, da

reflexão crítica entre a prática e a reflexão sobre a prática, com o objetivo de mobilizar os

diversos tipos de saberes: de uma teoria especializada, de uma prática reflexiva e uma

militância pedagógica (RAMOS, 2002).

Na formação continuada, quanto a reflexão propriamente dita, ela caracterizaria o

professor como um investigador no ambiente de aula, que utilizaria para seu próprio

aprimoramento profissional. A reflexão serviria para uma espécie de formação contínua

durante a prática docente (DARIDO; RANGEL, 2005).

Ao pensar no professor como um prático reflexivo, temos que levar em conta sua

experiência que reside na prática diária. O professor deve considerar a importância de refletir

em seu próprio dia-a-dia. A reflexão também permite aprender que ensinar é uma

competência que aprendemos e melhoramos durante toda nossa carreira docente, sendo mais

importante que nossa formação inicial. Isso porque no máximo um professor pode ser

24

preparado para o início da sua carreira, tentando antecipar elementos do processo de ensino e

aprendizagem durante sua formação (DARIDO; RANGEL, 2005).

O professor que atua na escola deve ser um professor reflexivo, ou seja, deve refletir o

tempo todo sobre suas ações, construindo e comparando novas estratégias de ação, novas

formas de pesquisa, novas teorias e categorias de compreensão. O professor de Educação

Física reflexivo é aquele que reflete antes (conhecimento na ação), durante (reflexão na ação)

e após a aula (reflexão sobre a ação). A proposta de Schön (1992, apud DARIDO; RANGEL,

2005) descreve estes três momentos: o conhecimento na ação, que acontece antes do professor

iniciar sua aula; nesse momento, ele reflete sobre as possibilidades humanas e materiais que

possui; a reflexão na ação: acontece no decorrer da aula, possibilitando a tomada de decisões

diante dos problemas que vão surgindo; e a reflexão sobre a ação: após a aula e um certo

tempo depois, o professor analisa os acontecimentos ocorridos, as decisões tomadas, o que

faltou para que a aula fosse melhor, enfim, o que deu certo ou errado.

Nesse modelo, o professor reflete o tempo todo sobre suas ações, construindo assim,

novas estratégias, teorias e maneiras de enfrentar e definir os problemas, tornando-se um

investigador e pesquisador de sua própria prática. Assim, o professor se torna investigador da

própria prática profissional, se torna um pesquisador e não apenas um ―consumidor de

pesquisas‖.

Por isso, encontraremos professores que dirão ―esse negócio de construtivismo não dá

certo não. Esses teóricos não conhecem a realidade da escola e querem impor como devemos

trabalhar!‖. Na realidade, não dá certo mesmo porque a proposta foi construída com base em

estudos para determinada realidade, e dificilmente o professor conseguirá reproduzi-la. Ele

deve adaptá-la a sua realidade, questionando os conceitos, reproduzindo o que dá certo e

construindo assim seu próprio saber.

A produção de saberes, então, tem uma dimensão bilateral, ou seja, a produção do

conhecimento não deve vir apenas de ―cima para baixo‖, da Universidade para a escola, mas

também de ―baixo para cima‖, do professor para a Universidade. O professor reflexivo é

capaz de digerir os conhecimentos produzidos na Universidade, aproveitar em sua prática

docente o que considera aplicável, questionando estes novos saberes e, a partir destes,

produzir novos conhecimentos. Estes novos conhecimentos devem ser devolvidos a

Universidade, na forma de apresentação em eventos científicos da área, no formato de relato

de experiência.

Assim, Neira (2009, p. 73) afirma que

25

Ensinar Educação Física é um ato dinâmico e permanente de conhecimento centrado

na descoberta, análise e transformação da realidade por aqueles que a vivenciam.

Com isso, pretende-se não só, a valorização identitária, como também, a ampliação

cultural e o reconhecimento das diferenças. Tamanho diálogo cultural contribuirá

para a construção do autoconceito positivo e respeito com o outro, elementos

indispensáveis a uma relação verdadeiramente democrática.

Para finalizar, Moreira (2009) aponta possibilidades que poderão ser utilizadas para

nortear as aulas de Educação Física no Ensino Fundamental, sugerindo cinco pontos que

podem e devem fazer parte do contexto da Educação Física escolar. O primeiro ponto é o

processo de inclusão, que se baseia na presença constante de todos os alunos em aulas de

Educação Física.

Segundo, problematização para gerar soluções, ou seja, o professor deve

―problematizar as atividades para que os alunos possam construir suas próprias soluções a

partir de experiências motoras próprias, não existindo padrões a se alcançar, ou ainda,

equiparação entre os alunos.‖ (MOREIRA, 2009, p. 103). Outro ponto é a adaptação à

diversidade de alunos e atividades, lembrando que nem todos os alunos conseguem executar

as atividades propostas e atingir os objetivos propostos para a aula. O professor deve adaptar

as atividades em função do aluno, e não o contrário, respeitando assim a condição

diferenciada de cada um.

O quarto ponto levantado por Moreira (2009) é a utilização dos meios de

comunicação e tecnologia como recurso educativo, destacando que é de essencial

importância num mundo cada vez mais informado. O último ponto é a corresponsabilidade

pela prática, em que o professor precisa estabelecer uma relação de parceria com as turmas,

analisando previamente o contexto em que está inserido e diagnosticando as reais

necessidades do grupo de alunos, para depois tomar a decisão mais acertada.

1.3 Definição de conteúdos e suas dimensões

Historicamente, podemos distinguir duas tendências opostas em relação ao tratamento

do conteúdo, seja pela definição, seja pela importância que lhe atribuem. A visão mais

tradicional de ensino atribui aos conteúdos um papel central no ensino e aprendizagem dos

alunos, pois supõe a transmissão cumulativa de conhecimentos. Em contraposição, uma visão

mais progressista está associada a uma interpretação cognitiva e construtivista da

aprendizagem. Neste sentido, esta proposta acaba por minimizar e relativizar a importância

dos conteúdos, no qual o aluno é o centro da aprendizagem e o professor é o facilitador desse

processo (COLL ET AL, 2000).

26

Coll e colaboradores (2000, p. 11) ―defende uma interpretação radicalmente

construtivista do ensino e da aprendizagem e sustenta, ao mesmo tempo, que os conteúdos

desempenham um papel decisivo na educação escolar‖. Essas proposições se baseiam na atual

reforma da proposta curricular espanhola, que ao mesmo tempo em que destaca o papel da

atividade construtiva do aluno, confere uma importância considerável à aprendizagem de

determinados conteúdos específicos, destacando a influência educativa do professor.

Mas, afinal, o que são conteúdos? De forma sucinta, Soares e colaboradores (1992,

p.64) definem ―os conteúdos são conhecimentos necessários à apreensão do desenvolvimento

sócio-histórico das próprias atividades corporais e à explicitação das suas significações

objetivas‖. Ainda considera em sua obra o termo ―conteúdo‖ como sinônimo de

―conhecimento‖.

Sobre o termo ―conteúdo‖, Neira (2006, p. 61) entende como ―tudo quanto se tem que

aprender para alcançar determinados objetivos que não apenas abrangem as capacidades

cognitivas, como também, incluem as demais capacidades‖. Os conteúdos não se reduzem

apenas às contribuições das disciplinas/matérias, mas possibilitam também o desenvolvimento

de capacidades motoras, afetivas, de relação interpessoal e inserção social.

Para Libâneo (1994, p.128), os conteúdos de ensino são o conjunto de

―conhecimentos, habilidades, hábitos, modos valorativos e atitudinais de atuação social,

organizados pedagógica e didaticamente, tendo em vista a assimilação ativa e aplicação pelos

alunos na sua prática de vida‖.

Complementando a definição de Libâneo (1994), Coll e colaboradores (2000, p. 12)

afirmam que ―os conteúdos designam o conjunto de conhecimentos ou formas culturais, cuja

assimilação e apropriação pelos alunos são consideradas essenciais para o seu

desenvolvimento‖. E ainda:

Em primeiro lugar, os conteúdos são uma seleção de formas ou saberes culturais em

um sentido muito próximo, àquele que é dado a essa expressão na antropologia

cultural: conceitos, explicações, raciocínios, habilidades, linguagens, valores,

crenças, sentimentos, atitudes, interesses, modelos de conduta, etc. Em segundo

lugar, são uma seleção de formas ou saberes culturais cuja assimilação é considerada

essencial para que se produza um desenvolvimento e uma socialização adequada dos

alunos e alunas dentro da sociedade a qual pertencem; isso quer dizer que nem todos

os saberes ou formas culturais são suscetíveis de constar como conteúdos

curriculares, mas somente aqueles cujas assimilações e a apropriação são

consideradas fundamentais. E, em terceiro lugar, aplica-se ainda um critério de

seleção complementar, na medida em que somente os saberes e as formas culturais

cuja assimilação correta e plena requer uma ajuda específica deveriam ser incluídos

como conteúdos de ensino e de aprendizagem nas propostas curriculares. (COLL ET

AL, 2000, p.13)

27

Para Libâneo (2002, p.15), os elementos constitutivos dos conteúdos de ensino

referem-se aos conhecimentos sistematizados, selecionados das bases das ciências e dos

modos de ação acumulados pela experiência social da humanidade e organizados para serem

ensinados na escola; são habilidades e hábitos, vinculados aos conhecimentos, incluindo

métodos e procedimentos de aprendizagem e de estudo; são atitudes, convicções, valores,

envolvendo modos de agir, de sentir e de enfrentar o mundo.

Zabala (1998) alerta que o termo ―conteúdo‖ normalmente foi utilizado para expressar

aquilo que se deve aprender, porém em relação quase exclusiva aos conhecimentos das

disciplinas clássicas, quase sempre fazendo alusão a nomes, conceitos, teoremas e enunciados.

O autor pondera sobre a necessidade de entender o termo ―conteúdo‖ como:

―(...) tudo quanto se tem que aprender para alcançar determinados objetivos que não

apenas abrangem as capacidades cognitivas, como também incluem as demais

capacidades. Deste modo, os conteúdos de aprendizagem não se reduzem

unicamente às contribuições das disciplinas ou matérias tradicionais. Portanto,

também serão conteúdos de aprendizagem todos aqueles que possibilitem o

desenvolvimento das capacidades motoras, afetivas, de relação interpessoal e de

inserção social‖. (ZABALA, 1998, p. 30).

No debate sobre os conteúdos escolares, quando há afirmações de que os conteúdos

têm peso excessivo no ensino-aprendizagem dos alunos, essa referência é relativa a apenas

um tipo de conteúdo, ou seja, os fatos e conceitos. Essa assertiva é equivalente na disciplina

de Educação Física ao uso excessivo de atividades práticas, com bola.

As aulas de Educação Física têm privilegiado os conteúdos de ordem procedimental,

essencialmente práticos, tendo uma presença desproporcional em relação aos fatos, conceitos

ou atitudes. Coll e colaboradores (2000) sugerem que os professores organizem sua prática

docente em torno de todos esses tipos de conteúdos, ou seja, os procedimentos, os fatos e

conceitos e as atitudes.

Esta classificação responde a três perguntas: ―o que se deve saber?‖, ―o que se deve

saber fazer?‖ e ―como se deve ser?‖, com o intento de atingir as capacidades propostas nas

finalidades educacionais (ZABALA, 1998). Assim, ao estruturar as propostas curriculares em

torno destes três tipos de conteúdos, os professores podem organizar a sua prática docente,

sendo orientados para a maneira mais adequada de proceder. O que também não quer dizer

que esta classificação deve ser interpretada de maneira rígida (COLL ET AL, 2000).

Segundo Neira (2006), a tipologia de conteúdos pode servir de instrumento para

definir as diferentes posições sobre o papel que o ensino deve ter. Assim, ao buscar a

formação integral dos alunos, a presença de diferentes tipos de conteúdos deve ser

equilibrada.

28

Essa classificação não deve ser interpretada de forma rígida e um mesmo conteúdo

pode ser abordado numa perspectiva factual, conceitual, procedimental ou inclusive atitudinal

ao mesmo tempo.

1.3.1 Dimensão procedimental

A dimensão procedimental dos conteúdos na disciplina de Educação Física é a mais

utilizada pelos professores da escola, pois se caracteriza como ―natural‖, inerente à área. Isso

não é novidade e nem motivo de espanto, já que a nossa área tem como objeto de estudo a

cultura corporal de movimento. As aulas práticas, com vivências de diversas atividades, jogos

e exercícios são características do trabalho com esta dimensão do conteúdo. Incluem-se aqui

todas as vivências possíveis dentro de cada conteúdo.

Os conteúdos procedimentais incluem as regras, as técnicas, os métodos, as destrezas

ou habilidades, as estratégias, os procedimentos, ou seja, um conjunto de ações coordenadas

dirigidas para a realização de um objetivo. A realização da ação que compõe o procedimento

é condição fundamental para a aprendizagem, pois, ―as ações se aprendem, fazendo-as‖

(NEIRA, 2006, p. 66). O autor complementa que a ―vivência prática e diversificada é o

elemento imprescindível para o domínio competente nos conteúdos procedimentais‖.

Coll e colaboradores (2000) dizem que o que se propõe para a aprendizagem dos

alunos são conjuntos de ações que conforme realização tem a finalidade de atingir

determinadas metas. Assim, trabalhar os procedimentos significa revelar a capacidade de

saber fazer, saber agir de maneira eficaz. Os autores complementam:

Trata-se sempre de formas determinadas e concretas de agir, cuja principal

característica é que não são realizadas de forma arbitrária ou desordenadas, mas de

maneira sistemática e ordenada, uma etapa após a outra e que essa atuação é

orientada para a consecução de uma meta. (COLL ET AL, 2000, p. 78)

Para Zabala (1998), apesar de estes conteúdos terem como denominador comum o fato

de serem ações ou conjunto de ações, a aprendizagem de cada um deles tem características

bastante específicas. Apesar disso, em termos gerais, pode-se dizer que os conteúdos

procedimentais são apreendidos a partir de modelos especializados, nos quais a realização das

ações que compõem o procedimento ou a estratégia é o ponto de partida.

29

1.3.2 Dimensão conceitual

Os fatos e conceitos são tradicionalmente o que se entendeu (e ainda se entende) como

―conteúdos‖ do ensino, sendo objeto da maior parte das avaliações realizadas nas salas de

aula. Coll e colaboradores (2000, p. 19) discorrem que:

―Essa distinção entre três tipos de conteúdos deve envolver também mudanças

significativas na funcionalidade e no valor educacional dos fatos e conceitos como

conteúdos escolares. No entanto, tais mudanças não representam uma redução da

importância dos conteúdos tradicionais e, sim, mais uma reconsideração do seu

papel na educação. Não consiste em eliminar os conceitos e fatos do currículo,

embora em algum caso suponha uma redução do tempo dedicado aos mesmos, mas

estabelecer uma relação complementar, de dependência mútua, entre os diversos

tipos de conteúdos.‖

Os conteúdos conceituais englobam os fatos, os conceitos e os princípios. Os fatos se

referem ao conhecimento de fatos, acontecimentos, situações, dados e fenômenos concretos e

singulares, como nomes, idades, determinados momentos (ZABALA, 1998).

Segundo Neira (2006, p. 64), os conceitos e princípios são termos abstratos, sendo que

os conceitos se referem a um conjunto de fatos, objetos ou símbolos que têm características

comuns, como exemplo, grande, pequeno, rolamento, etc. Os princípios ―se referem às

mudanças que se produzem num fato, objeto ou situação em relação a outros fatores, objetos e

situações e que normalmente descrevem relações de causa-efeito ou de correlação‖. As regras,

leis, velocidade e peso de objetos, são exemplos de princípios.

Zabala (1998) alude que os conceitos e princípios, por se tratarem de temas abstratos,

requerem uma compreensão do significado, assim sendo, um processo de elaboração pessoal.

Seguindo esta lógica, os fatos devem ser ensinados antes dos conceitos e princípios, ou seja,

do concreto para o abstrato.

Os conteúdos conceituais sempre fizeram parte das aulas de Educação Física escolar,

porém em proporções bem menores que os da dimensão procedimental. Está muito presente

na iniciação às modalidades esportivas, destacada pela história de cada esporte.

As aulas de Educação Física chamadas de ―teóricas‖ sofriam (e ainda sofrem) muitos

preconceitos por parte dos alunos, professores de outras áreas e gestores da escola que estão

acostumados a ver a disciplina como essencialmente prática. Pressuponho que as aulas

essencialmente teóricas devam acontecer em local apropriado, em sala de aula específica e

com os recursos pedagógicos necessários. Digo essencialmente teóricas porque em todas as

aulas essa dimensão está presente, seja para a explicação de um jogo que acontecerá durante a

aula ou o conceito sobre a capacidade física realizada. Não importa. Só não podemos esquecer

30

que os fatos e conceitos, decorrentes de estudos científicos, são relevantes para a

aprendizagem global de um determinado conteúdo.

1.3.3 Dimensão atitudinal

A assertiva anterior concerne também à dimensão atitudinal do conteúdo. A questão

―como se deve ser?‖ se faz presente no currículo oculto da escola, ou seja, são aprendizagens

que se realizam na escola, mas que não aparecem de forma explícita nos programas de ensino.

Como estes programas têm se centrado nas disciplinas escolares, tudo aquilo que

indiscutivelmente se aprende na escola e que não se pode considerar nos compartimentos

destas disciplinas, não tem aparecido e nem sido objeto de avaliações explícitas (ZABALA,

1998).

Zabala (1998) discorre que quando se opta por uma definição de conteúdos de

aprendizagem ampla e não restrita aos conteúdos disciplinares, o currículo oculto pode se

tornar manifesto, podendo-se assim avaliar sua pertinência como conteúdo expresso de

aprendizagens e de ensino.

Os conteúdos da dimensão atitudinal podem ser agrupados em valores, atitudes e

normas. É comum ouvirmos dos professores de Educação Física, por exemplo, que precisam

trabalhar mais a socialização e a cooperação com seus alunos. O que isso significa? Expressa

a necessidade de explorar mais os conteúdos atitudinais em suas aulas.

Os valores se referem a princípios ou ideias éticas que permitem as pessoas emitir um

juízo sobre as condutas e seu sentido. São exemplos de valores: solidariedade, respeito ao

próximo, responsabilidade, cooperação, etc. Para Zabala (1998, p. 47), considera-se que uma

pessoa adquiriu um valor quando este foi interiorizado, sendo ―elaborados critérios para tomar

posição frente àquilo que se deve considerar positivo ou negativo, critérios morais que regem

a atuação e a avaliação de si mesmo e dos outros‖.

Sobre as atitudes, Zabala (1998) diz que são tendências ou predisposições

relativamente estáveis das pessoas para atuar de certa maneira, sendo a forma como cada um

realiza sua conduta de acordo com determinados valores. Como exemplo de atitudes, o autor

cita: cooperar com o grupo, ajudar os colegas, respeitar o meio ambiente, participar das

tarefas escolares, etc.

Sobre as normas, o autor diz que são padrões ou regras de comportamento que

devemos seguir em determinadas ocasiões a que se sujeitam todos os membros de um grupo

social. As normas constituem a forma pactuada de realizar certos valores compartilhados por

31

uma coletividade e indicam o que pode se fazer ou não pode se fazer neste grupo. E

complementa:

―Como podemos notar, apesar das diferenças, todos estes conteúdos estão

estreitamente relacionados e têm em comum que cada um deles está configurado por

componentes cognitivos (conhecimentos e crenças), afetivos (sentimentos e

preferências) e condutuais (ações e declarações de intenção). Mas a incidência de

cada um destes componentes se dá maior ou menor grau segundo se trate de um

valor, uma atitude ou uma norma.‖ (ZABALA, 1998, p. 46-47).

Dentro da dimensão atitudinal, a meu ver, existem ainda duas subcategorias de

conteúdos atitudinais: os específicos de cada conteúdo e os transversais. Os específicos são

aqueles inerentes a um determinado conteúdo, por exemplo, valorização do patrimônio de

jogos e brincadeiras, atitudes não-discriminatórias ao homem dançar, compreensão da

filosofia das lutas (atitudes de não violência) ou o respeito aos limites do próprio corpo.

O conteúdo atitudinal transversal é aquele que não é específico de nenhum conteúdo e

muito menos da Educação Física, devendo ser trabalhado por todas as disciplinas. Aqui

entram conteúdos como a socialização, cooperação, respeito ao próximo, trabalho em grupo,

resolução de problemas, autonomia, participação, organização, etc.

1.4 Os conteúdos da Educação Física

Em 2008, Betti e Sanches Neto propõem em seu texto uma integração dos

conhecimentos em Educação Física através de uma convergência entre as diversas tendências,

tanto em relação às áreas de estudos científicos como às abordagens para a Educação Física

Escolar (incluindo os PCNs), afirmando ser uma condição necessária para o avanço da prática

pedagógica na Educação Física. Propõem quatro blocos de conteúdos temáticos: elementos

culturais da Motricidade; aspectos pessoais e interpessoais relacionados e integrados à

Motricidade; movimentos fundamentais, combinados e especializados; e adequação da

Motricidade às demandas ambientais.

O primeiro bloco, elementos culturais da motricidade, corresponde as Brincadeiras e

Jogos, Esporte, Dança, Ginástica e Circo, Luta e Capoeira. Neste bloco devem ser tematizadas

as diferentes modalidades e derivações dos elementos culturais associados à Educação Física

a partir da sua tradição, frequentemente renovada por elementos emergentes, como parte de

uma dinâmica sociocultural mais ampla. O bloco seguinte, os aspectos pessoais e

interpessoais relacionados a motricidade compreendem as Noções de Bioquímica e Nutrição,

Embriologia, Fisiologia, Anatomia e Biomecânica, Antropologia e Psicologia, Saúde e

32

Patologia. Já os aspectos integrados à motricidade incluem Comportamento Motor,

enfatizando noções de Aprendizagem Motora, Controle Motor, Desenvolvimento Motor e

interferências contextuais e culturais (BETTI; SANCHES NETO, 2008).

Os autores ainda propõem que no terceiro bloco devem ser tematizadas categorias de

movimento e contextualizadas as capacidades recorrentes para a realização desses

movimentos, suas possíveis combinações e manifestações em diferentes habilidades

especializadas. Os movimentos fundamentais, combinados e especializados são representados

pelas Habilidades de Estabilização, Manipulação e Locomoção, Ritmo, Combinação e

Especialização de Habilidades, Capacidades e noções de Treinamento. E, finalizando, o

quarto bloco propõe a problematização da Motricidade frente ao Meio Ambiente Físico e

Natural, Social e Político, Filosófico e Estético, Virtual, Administrativo/Organizacional e

Econômico, Histórico e Geográfico; Perspectivas Adaptativas e de Transformação do Meio

Ambiente.

De fato, Betti e Sanches Neto (2008) nos mostram uma nova configuração dos

conteúdos frente às possibilidades de convergi-los numa proposta unificada em Educação

Física.

Oliveira (2004) entende que os conteúdos da Educação Física especificados pelos

PCNs devem ser ampliados e redefinidos. Propõe a classificação em núcleos de concentração,

tendo o movimento humano como objeto de estudo.

Palma e colaboradores (2008) tem como base a proposta de Oliveira (2004) e propõe

que o objeto de estudo da Educação Física seja ampliado para ―movimento humano

culturalmente construído‖. Para ambos os estudos, os conteúdos são estruturados em quatro

núcleos: a) o movimento em construção e estruturação; b) o movimento nas manifestações

lúdicas e esportivas; c) o movimento em expressão e ritmo; e d) o movimento e a saúde.

Para melhor visualização dos conteúdos nos núcleos de concentração, Oliveira (2004)

e Palma e colaboradores (2008) propõem um quadro demonstrativo, representado a seguir.

Quadro 1 – Organização dos núcleos temáticos e seus respectivos conteúdos

(OLIVEIRA, 2004, p. 30).

Núcleos Conteúdos Básicos

a) o movimento em

construção e estruturação

Habilidades motoras de base (locomotoras, não-

locomotoras, coordenação viso-motora), esquema

corporal, percepção corporal.

b) o movimento nas

manifestações lúdicas e

esportivas

Jogos (motores, sensoriais, criativos, intelectivos e pré-

desportivos); Esporte Institucionalizado (basquetebol,

voleibol, handebol, atletismo, futebol, futsal, ciclismo,

outros) e Esportes Alternativos (capoeira, escaladas,

caminhadas, passeios, bets, malha, peteca, outros).

33

c) o movimento em

expressão e ritmo

Ginástica, Dança, Brinquedos Cantados, Cantigas de

Roda, outros.

d) o movimento e a saúde Higiene e Primeiros Socorros, Ergonomia, Bases

Anátomo-fisiológica do corpo humano, Bases

Nutricionais, Aspectos básicos da metodologia do

treinamento, Avaliações do crescimento,

desenvolvimento, composição corporal e aptidão física.

Longe de criticar esta ou aquela proposta, pois como alude Postman (2002, p. 11) ―não

há ninguém que possa dizer que esta ou aquela é a melhor maneira de conhecer as coisas, de

sentir as coisas, de lembrar coisas, de usar coisas, de ligar coisas, e que nenhuma outra serve‖,

é preciso posicionar-me.

Para esta pesquisa, os conteúdos da Educação Física elencados pelos PCNs, a meu ver,

compreendem aqueles apresentados pelas demais propostas ou abordagens da Educação

Física Escolar de forma mais simples, completa e compreensível pelos nossos sujeitos

principais que são os professores de Educação Física da rede pública municipal de Cuiabá-

MT, além de ser um referencial nacional acessível e conhecido por eles. Porém, é necessário

ampliá-lo, com base em experiências profissionais e nos conteúdos elencados pelos

professores pesquisados.

Nos PCNs, os conteúdos da Educação Física estão organizados em três blocos que

deverão ser desenvolvidos durante todo o ensino fundamental, compreendendo os ―esportes,

jogos, lutas e ginásticas‖, ―atividades rítmicas e expressivas‖ e ―conhecimentos sobre o

corpo‖. Estes blocos articulam-se entre si, tendo vários conteúdos em comum, mas guardando

especificidades. (BRASIL, 1997).

Os PCNs trazem as brincadeiras populares descritas no bloco ―esportes, jogos, lutas e

ginásticas‖, mas não especificadas como um bloco de conteúdos. Neste sentido, sugiro que as

―BRINCADEIRAS POPULARES‖ devam constituir um bloco a parte, por entender que Jogo

é diferente de Brincadeira. Da mesma forma, cada conteúdo deste bloco será desmembrado e

constituído como um bloco de conteúdos.

Para esclarecer, na língua francesa, o vocábulo jeu é utilizado como sinônimo de jogo,

brincadeira e, no plural, jeux, jogos. Segundo Brougère (1998), as diferenças são explicitadas

pelos usos sociais do termo. Na língua portuguesa, apesar da discussão sócio-semântica

também ser pertinente e válida, há vários termos para denominar aquilo que, em francês, está

associado a jeu. Em português, ―brincadeira‖ refere-se a atividades preferencialmente infantis,

enquanto que ―jogo‖ está associado a atividades lúdicas com regras. A palavra brincadeira

existe apenas em nossa língua. Os autores franceses, por exemplo, não distinguem

semanticamente o jogo da brincadeira.

34

Acredito que as Brincadeiras Populares, como conteúdo da Educação Física escolar,

tenha a função de recuperar a memória das brincadeiras vividas em outras épocas, o que é

bem diferente de reproduzir, transformar ou criar Jogos (regras). Assim, prefiro considerá-los

como conteúdos díspares.

Seguindo a mesma lógica, o conteúdo ―CAPOEIRA‖ — que para os PCNs é

considerada como uma forma de luta — também deve se constituir como um bloco de

conteúdos a parte. Muitos autores têm opiniões divergentes sobre a classificação da capoeira

como uma luta, podendo ser um esporte, um jogo, uma dança...

Gallardo (2003, p.38) acredita ser a Capoeira a

(...) forma de luta mais pedagógica, porque ela nasce com uma função específica de

se defender, sabendo muito bem de quem, nela as agressões são ritualizadas e

transformadas numa dança lúdica, onde a habilidade e a plasticidade são mais fortes

e valoradas que o poder destrutivo das ações.

Para o autor, a capoeira é uma forma particular de luta representativa de um grupo

social considerado marginal, sendo valorizada apenas quando a mídia se interessa por ela.

Noronha e Nunes Pinto (2004) consideram a Capoeira uma mistura de luta, dança e

jogo que se materializou como uma arma em busca da liberdade. Campos (2001) identifica

três formas a inclusão da capoeira na escola, a primeira incluída nos métodos de Ginástica

Tradicional, a segunda como conteúdo diferenciado de ginástica escolar e a terceira como

esporte de caráter optativo.

Prefiro considerar a capoeira como uma manifestação cultural do povo brasileiro, com

características próprias e peculiares. Assim, deve ser tratada como um conteúdo exclusivo. ―A

capoeira é um conteúdo que pode ser contemplado na escola pelos seus múltiplos enfoques,

que possibilitam, a luta, a dança e a arte, o folclore, o esporte, a educação, o lazer e o jogo‖

(SOUZA; OLIVEIRA, 2001, p.45).

Então, quais são os conteúdos da Educação Física? Partindo dos PCNs, que propõem

três blocos de conteúdos, nesta pesquisa adotaremos oito blocos em que se inserem os

conteúdos da Educação Física, ilustrados na figura 1 abaixo:

35

Figura 1: Blocos de conteúdos da Educação Física

Estes conteúdos, apesar de estarem separados em blocos, representam meras

formalidades, já que os blocos apresentam ligação entre si, podendo um determinado

conteúdo possuir elementos de outros blocos. Como exemplo, Toledo (1999, p. 74) diz que

A ginástica, enquanto um dos ―conteúdos‖ deste bloco, também possui uma íntima

relação com a música e a expressão. Algumas modalidades gímnicas possuem esta

relação, como é o caso da ginástica rítmica desportiva, da ginástica artística e da

ginástica geral. Outras possuem vínculos mais indiretos, como é o caso da

acrobática, da aeróbica, etc. Mas, sem dúvida, é a dança que abarca estas

manifestações com maior diversidade, complexidade e intensidade.

Essas definições se fazem necessárias, pois no decorrer da análise de dados veremos

conteúdos ligados a um destes blocos de conteúdos que apresentam também características de

outros blocos.

Por mais que a análise de dados seja objetiva, no sentido de tentar enquadrar os

conteúdos propostos pelos professores de Educação Física num destes blocos, nem sempre

será possível fazer esta classificação desvinculada de subjetividade, visto ter sido docente nas

séries iniciais do Ensino Fundamental, o que me leva a fazer interpretações pessoais desses

conteúdos.

Isso também é possível devido ao fato das discordâncias entre os próprios teóricos da

área, com posicionamentos diferentes perante cada conteúdo, como vimos o impasse da

―Capoeira‖ citada anteriormente. Assim sendo, será necessário um posicionamento pessoal

Conhecimentos

sobre o corpo

Atividades rítmicas,

expressivas e danças

Jogos

Brincadeiras Populares

Lutas

Ginásticas

Esportes

Capoeira

36

diante de determinados conteúdos que aparecerão, principalmente, nos planejamentos dos

professores.

1.5 A sistematização de conteúdos

A reflexão é sobre a necessidade de sistematizar os conteúdos da Educação Física

escolar. O que justificaria a preocupação com a ausência de uma sistematização?

Primeiramente, segundo Ferreira (2000), sistematização é o ―ato ou efeito de

sistematizar‖, ou seja, ―reduzir (vários elementos) a um sistema‖. Ainda refere-se a sistema

como ―disposição de partes ou de elementos de um todo, coordenados entre si, e que formam

uma estrutura organizada‖. Assim, sistematizar os conteúdos da Educação Física escolar nada

mais é do que organizá-los de modo coerente com cada nível de ensino.

A cultura escolar indica uma determinada ordem para todas as disciplinas quanto à

sistematização dos conteúdos a serem abordados na escola. Para Kravchychyn e

colaboradores (2008, p. 40), ―a Educação Física não possui ― ao contrário de outras

disciplinas ― conteúdos sistematizados, que indica o trabalho ao longo das séries escolares,

gerando dúvidas, trabalhos desarticulados e sem sequência lógica‖. Os professores,

principalmente os iniciantes, têm dificuldade de determinar qual conteúdo será aplicado

primeiro e em que série.

A necessidade de uma proposta concreta e aplicável que norteie a organização de

conteúdos da Educação Física está no âmbito das discussões atuais em Educação Física

escolar. Questões sobre o que e quando ensinar cada conteúdo, justifica a grande quantidade

de pesquisas acerca deste tema.

No que diz respeito à sistematização de conteúdos, Palma e colaboradores (2008)

apontam a necessidade de não se limitar a uma das diversas linhas de pensamento ou de

prática pedagógica da Educação Física. Destaca a importância do docente apropriar-se de

todos os conhecimentos possíveis e, a partir deles, elaborar matrizes curriculares que

propriciem avanços pedagógicos úteis ao momento histórico vivenciado, contudo sem reduzir

o pensamento ao ecletismo.

É frequente nas aulas de Educação Física a repetição das mesmas práticas nas

diferentes fases do ensino. Paes (2002) nomeia esta prática de ―prática repetitiva de gestos em

diferentes níveis de ensino‖, em que o conteúdo aplicado ao 1º ano é o mesmo do 6º ano, que

por sua vez é idêntico ao do 9º ano do Ensino Fundamental. Essa situação revela a falta de

37

respeito às fases do desenvolvimento do aluno e tem sido uma das causas da evasão dos

alunos nas aulas de Educação Física na escola.

Outro problema abordado por Paes (2002) é quanto à ―fragmentação de conteúdos‖,

oferecidos de forma desorganizada, sem continuidade e a evolução necessárias ao

aprendizado. Salienta que esse comportamento pode ser observado pela ausência de

planejamento, levando o professor a trabalhar conteúdos isolados.

A solução a esses problemas parece simples e óbvia, porém é desconsiderada por

muitos profissionais da área. A diversificação de conteúdos é uma delas. É direito do aluno

receber informações e conhecimentos diversificados das possibilidades existentes na cultura

corporal, tanto quanto é responsabilidade do professor buscar estas manifestações e eleger os

conteúdos aplicáveis a cada contexto escolar (BRASIL, 1998).

Respeitar as diferentes fases de ensino e apresentar os conteúdos de forma planejada,

organizada e sistematizada, são para Paes (2002), os aspectos relevantes e balizadores de uma

proposta pedagógica.

Ao pensarmos na Educação Física da pós-modernidade, precisamos nos lembrar que a

sistematização de conteúdos não pode ser rígida e fechada, e sim flexível e aberta a receber

novas informações produzidas pela sociedade, como a transformação das regras dos esportes,

aperfeiçoadas constantemente.

Assim, observada a necessidade de uma sistematização dos conteúdos da Educação

Física escolar, buscaremos conhecer as principais pesquisas e propostas sobre o assunto,

destacando aquelas referentes ao campo de pesquisa deste estudo, os anos (séries) iniciais do

Ensino Fundamental.

1.5.1 A sistematização de conteúdos nas abordagens da Educação Física

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96 traz em seu Art. 26, §3º

que ―a Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular

da Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo

facultativa nos cursos noturnos‖ (BRASIL, 1996).

Tal condição foi alterada pela lei 10.793, de primeiro de dezembro de 2003, que

acrescenta o termo ―obrigatório‖ ao texto original, tornando a Educação Física ―componente

curricular obrigatório‖ da Educação Básica (BRASIL, 2003). Assim, subentende-se que a

Educação Física, como as demais disciplinas, possui conteúdos específicos e, que por sua vez,

38

devem seguir uma ordem de ensino. E quais são esses conteúdos e como são distribuídos

pelas diversas séries de ensino?

Se fizermos um passeio pela história da Educação Física, perceberemos que muitos

autores definiram quais são os conteúdos específicos da disciplina na escola e quando devem

ser ensinados, mas cada um com sua classificação própria, sem chegar a um consenso sobre o

assunto. Cada obra da referida história, desde documentos formais como pesquisas realizadas

por diversos autores, revela um critério para seleção dos conteúdos específicos da Educação

Física escolar.

Resumindo um pouco a história, sabe-se que até o final da década de 1970, durante o

governo militar, a Educação Física sofria grande influência do modelo ―esportivista‖, que

objetivava formar atletas que pudessem participar de competições internacionais,

representando o país (BRASIL, 1998). Neste contexto, o esporte era o conteúdo absoluto da

Educação Física.

Na tentativa de contrapor práticas tecnicistas, esportivistas ou centradas em apenas um

conteúdo é que, a partir da década de 1980, surgiram novos movimentos na Educação Física

escolar. Das tendências inovadoras, discorrerei sobre a Psicomotricidade, a

Desenvolvimentista, a Construtivista, a Crítico-Superadora, Saúde Renovada e os Parâmetros

Curriculares Nacionais, destacando os conteúdos da Educação Física e sua sistematização

organizados e selecionados por cada uma delas. Optei por descrever estas tendências por

entender que são as mais conhecidas e, talvez, mais utilizadas pelos professores de Educação

Física, além de apontarem uma organização dos conteúdos para as diversas fases de ensino da

Educação Básica.

O primeiro movimento a contrapor o ―esportivismo‖ é a Psicomotricidade. O francês

Jean Le Bouch foi o maior propagador desta tendência no Brasil, tendo como base estudos da

psicopedagogia. A Educação Física passa a se preocupar com o desenvolvimento da criança,

com o ato de aprender, com os processos cognitivos, afetivos e psicomotores, garantindo

assim a formação integral do aluno (BRASIL, 1998).

Neste sentido, Educação Física é vista como um meio para ensinar Matemática ou

Língua Portuguesa, não dispondo de conteúdos próprios. O ensino é pautado na aquisição do

esquema motor, lateralidade, consciência corporal e coordenação viso-motora (DARIDO;

RANGEL, 2005).

Porém, a Psicomotricidade não é a única tendência que desconsidera a especificidade

da Educação Física. Segundo Darido e Rangel (2005), o construtivismo possibilita maior

integração com uma proposta pedagógica ampla e integrada da Educação Física na

39

Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental. Em contrapartida, desconsidera a

especificidade da Educação Física, aceitando conteúdos sem relação com a prática do

movimento, sendo este um instrumento facilitador de conteúdos ligados ao aspecto

cognitivo, como aprendizagem da leitura e escrita.

O construtivismo tem como obra clássica o livro ―Educação de corpo inteiro‖, de

João Batista Freire (2005). A intenção desta abordagem, orientada pelas obras de Jean

Piaget, é a construção do conhecimento a partir da interação do sujeito com o mundo, numa

relação que extrapola o simples exercício de ensinar e aprender.

O avanço desta concepção é a consideração aos conhecimentos previamente

adquiridos pelo aluno e a recuperação da cultura de jogos e brincadeiras infantis. Sendo

assim, o jogo e a brincadeira são os conteúdos principais desta proposta, com o lúdico e o

prazeroso permeando o ambiente de aprendizagens.

Uma das obras clássicas e representante de um marco na Educação Física moderna é o

livro produzido por Soares e colaboradores, em 1992, intitulado ―Metodologia de Ensino da

Educação Física‖ que apresenta conteúdos surgidos de grandes temas da cultura corporal e

podem ser vistos em todos os graus do Ensino Fundamental e médio. Os conteúdos da

abordagem crítico-superadora são: Jogo, Esporte, Capoeira, Ginástica e Dança. Estes

devem ser estudados profundamente pelo professor, desde sua origem histórica ao seu valor

educativo para os propósitos e fins do currículo. O professor é livre para organizar seu

programa dando a ordem necessária aos conteúdos segundo o interesse da turma, ou tratar

deles simultaneamente (SOARES ET AL, 1992).

A seleção e organização de conteúdos, na perspectiva de uma pedagogia crítico-

superadora abordado por Soares e colaboradores (1992), exige coerência com o objetivo de

promover a leitura da realidade. Deve-se considerar também a realidade de materiais da

escola.

Pensando em cada conteúdo citado por esta perspectiva, sugerem, num programa de

jogos, que os conteúdos sejam relacionados, considerando a memória lúdica do aluno e ainda

oferecendo conhecimentos dos jogos das diversas regiões brasileiras e de outros países.

O esporte se projeta numa dimensão complexa de fenômeno que envolve códigos,

sentidos e significados da sociedade que o cria e o pratica. O programa deve abranger desde

os jogos que possuem regras implícitas até aqueles institucionalizados por regras específicas,

sendo necessário que o ensino não se esgote nos gestos técnicos.

Os gestos da Capoeira no passado significaram saudade da terra e da liberdade

perdida, desejo velado de reconquista da liberdade que tinha como arma apenas o próprio

40

corpo. A Educação Física precisa resgatar a capoeira como manifestação cultural e não

transformá-la simplesmente em mais uma modalidade esportiva (SOARES ET AL, 1992).

Para a elaboração de um programa de ginástica para as diferentes séries exige pensar

na evolução que deve ter em sua abordagem, desde as formas espontâneas de solução dos

problemas com técnicas rústicas nas primeiras séries, até a execução técnica aprimorada nas

últimas séries do Ensino Fundamental.

Para o ensino da Dança, é necessário considerar que seu aspecto expressivo se

confronta, necessariamente, com a formalidade da técnica para sua execução. Em relação ao

desenvolvimento técnico, sugere-se a abordagem dos seguintes fundamentos: ritmo, espaço e

energia. Em relação ao conteúdo expressivo, sugere-se: as ações de vida diária; os estados

afetivos; as sensações corporais; os seres e fenômenos do mundo animal, vegetal e mineral; o

mundo do trabalho; o mundo da escola; os problemas sócio-políticos atuais (SOARES ET

AL, 1992).

Os autores ainda propõem uma organização de conteúdos específica para o 1º e 2º

ciclos, de acordo com a classificação feita pelos autores. Vejamos esta organização.

Conteúdos no Ciclo de Educação Infantil (Pré-Escola) e no Ciclo da Identificação da

Realidade (1ª a 3ª séries do Ensino Fundamental), segundo Soares e colaboradores (1992):

1. Jogos cujo conteúdo implique:

no reconhecimento de si mesmo e das próprias possibilidades de ação;

reconhecimento das propriedades externas dos materiais/objetos para jogar, sejam eles

do ambiente natural ou construídos pelo homem; identificação das possibilidades de

ação com materiais/objetos e das relações destes com a natureza; inter-relação do

pensamento sobre uma ação com a imagem e a conceituação verbal dela, como forma

de facilitar o sucesso da ação e da comunicação; inter-relações com as outras matérias

de ensino; a vida de trabalho do homem, da própria comunidade, das diversas regiões

do país, de outros países; o sentido de convivência com o coletivo, das suas regras e

dos valores que estas envolvem; auto-organização, auto-avaliação e avaliação coletiva

das próprias atividades; elaboração de brinquedos, tanto para jogar em grupo como

para jogar sozinho.

2. Formas ginásticas cujo conteúdo implique:

nas próprias possibilidades de saltar, equilibrar, balançar e girar em situações de:

desafios que apresenta o ambiente natural, a própria construção da escola, praça, rua,

quadra e também desafios propostos por meio de organização motivadora de materiais

ginásticos, formais ou alternativos; nas diferentes soluções aos problemas do

41

equilibrar, trepar, saltar, rolar/girar, balançar/embalar; sejam organizadas para

possibilitar a identificação de sensações afetivas e ou/ cinestésicas, tais como prazer,

medo, tensão, desagrado, enrijecimento, relaxamento, etc.; contribuam para promover

o sucesso de todos; contribuam com fundamentos iguais aos dois eixos; coletivas em

que se combinem os cinco fundamentos: saltar, equilibrar, trepar, embalar/balançar e

rolar/girar.

3. Danças:

de livre interpretação de músicas diferentes para relacionar-se com o universo musical

e de interpretação de temas figurados.

Conteúdos no Ciclo de Iniciação à Sistematização do Conhecimento (4ª a 6ª séries do

Ensino Fundamental), segundo Soares e colaboradores (1992):

1. Jogos cujo conteúdo implique:

Jogar tecnicamente e empregar o pensamento tático; desenvolvimento da capacidade

de organizar os próprios jogos e decidir suas regras, entendendo-as como exigência do

coletivo.

2. Ginásticas:

Formas técnicas de diversas ginásticas (artística ou olímpica, rítmica desportiva,

ginásticas suaves, ginástica aeróbica, etc.); projetos individuais e coletivos de

prática/exibição de ginástica na escola e na comunidade.

3. Danças:

Com interpretação técnica da representação de temas da cultura nacional e

internacional; com conteúdo relacionado á realidade social dos alunos e da

comunidade.

O modelo desenvolvimentista elaborado por Tani e colaboradores (1988) aponta o

movimento como objeto de estudo e aplicação da Educação Física. Esta abordagem tem o

―intuito de apresentar uma fundamentação teórica para a Educação Física Escolar, com ênfase

nas séries iniciais do Ensino de 1o Grau‖ (TANI, 2008, p. 315).

Tani e colaboradores (1988, p. 64) complementam que:

―(...) o propósito de uma atuação mais significativa e objetiva sobre o movimento

pode levar a Educação Física a estabelecer, como objetivo básico, o que se costuma

denominar de aprendizagem do movimento. Na verdade, o reconhecimento do

significado de que, ao longo da vida, o ser humano apresenta uma série de mudanças

na sua capacidade de se mover, e que tais mudanças são de natureza progressiva,

organizada e interdependente, resultando em uma sequência de desenvolvimento,

traz elementos para a justificativa de uma aprendizagem do movimento.‖

42

Este modelo pautado nas ideias de Gallahue defende que a Educação Física deveria se

responsabilizar pela educação do movimento, orientado pelos processos maturacionais do

desenvolvimento e aprendizagem da criança, fases que demarcariam os períodos mais

adequados para o ensino deste ou daquele movimento (FERREIRA, 2006).

Os autores da proposta baseiam-se na ideia de que a sequência de desenvolvimento é a

mesma para todas as crianças, o que varia é a velocidade de progressão. Alegam ainda que

existe uma interdependência entre o que está se desenvolvendo e as mudanças futuras, ou

seja, há ―habilidades básicas‖ dentro da sequência de desenvolvimento que são pré-requisitos

fundamentais para que toda a aquisição posterior seja possível e efetiva, e sempre na intenção

de uma maior capacidade de controlar os movimentos. Assim, a Educação Física tem a

responsabilidade de uma atuação eficiente na aquisição das habilidades básicas ou padrões

fundamentais de movimento (TANI ET AL, 1988).

Os padrões fundamentais de movimento podem ser divididos em padrões de

locomoção, de manipulação e de equilíbrio. Nos padrões de locomoção se inserem todas as

habilidades que permitem a exploração do espaço, como andar, correr, saltar, trepar, galopar,

rolar, etc. A manipulação envolve o relacionamento do indivíduo com o objeto, como receber,

rebater, chutar, etc. Já as habilidades que envolvem equilíbrio permitem a criança manter sua

postura no espaço, incluindo os padrões de movimentos axiais do corpo todo ou segmentos

dele, como girar, ficar em pé, ficar sentado, girar os braços, etc. (TANI ET AL, 1988).

Sobre o desenvolvimento hierárquico de habilidades nas diferentes fases da Educação

Física na escola, Tani e colaboradores (1998) propõem que até aproximadamente 6 a 7 anos

de idade (1º ano do Ensino Fundamental), o desenvolvimento motor da criança se caracteriza

basicamente pela aquisição, estabilização e diversificação das habilidades básicas e, entre 8 e

12 anos (2º a 5º anos) aproximadamente, o refinamento e diversificação na combinação destas

habilidades. As habilidades básicas são atividades voluntárias que permitem a locomoção

(deslocamento), manipulação e equilíbrio (estabilização) em diferentes situações, como andar,

correr, saltar, arremessar, receber, rebater, chutar, quicar e girar.

Na fase que abrange do 6º ao 9º ano, o modelo desenvolvimentista propõe o

desenvolvimento das habilidades específicas, que são definidas como atividades motoras

voluntárias mais complexas e com objetivos específicos, como a cortada do voleibol, o chute

do futebol, a bandeja no basquete, ou seja, fundamentos específicos dos esportes (TANI ET

AL, 1988).

Tani (2008) estabelece ainda como tema central da Educação Física escolar dois tipos

de aprendizagem: do movimento e através do movimento. Com a aprendizagem do

43

movimento os alunos se capacitam a movimentar numa variedade de atividades motoras

crescentemente complexas, envolvendo atividades como tentar, praticar, pensar, tomar

decisões, ousar e persistir. Já a aprendizagem através do movimento implica no uso do

movimento como meio para alcançar um fim, o que não é exclusividade da Educação Física,

podendo ser utilizada pelas demais disciplinas. E alega:

(...) é preciso assumir que a aprendizagem do movimento é de responsabilidade

integral da Educação Física. Se ela não a promover, quem o faria? E em não se

promovendo, seguramente a educação de nossos escolares estaria incompleta.

Acredita-se que a Educação Física Escolar, ao desempenhar com competência a sua

especificidade, estará cumprindo responsavelmente o seu papel no contexto

educacional, sem nenhuma necessidade de cair em discursos demagógicos que

superestimam ingenuamente suas capacidades e atribuem a si competências que não

possuem (TANI, 2008, p. 318).

Tani (2008) acrescenta ainda a aprendizagem sobre o movimento — um avanço da

abordagem desenvolvimentista — referindo-se a aprendizagem de conhecimentos

acadêmicos sobre o movimento acessando as dimensões e implicações das diversas áreas de

conhecimento.

Tani (2008) reitera que existem fatores que afetam o desenvolvimento dos alunos,

como os socioculturais, influenciando a velocidade desse desenvolvimento e não sua

sequência. O autor esclarece ainda que:

(...) ―as habilidades básicas e suas combinações podem ser muito bem desenvolvidas

pelos escolares mediante o seu envolvimento, por exemplo, em jogos de diferentes

níveis de organização, danças e outras atividades próprias da cultura em que vivem,

desde que adequadas ao seu estágio de desenvolvimento motor, cognitivo e afetivo-

social.‖ (TANI, 2008, p. 325).

De acordo com Darido e Rangel (2005), outra tendência se fez presente no contexto

escolar na última década, a Saúde Renovada, baseada nos estudos propostos por Nahas

(2006) e Guedes e Guedes (1993).

No texto publicado pela Revista da Associação dos professores de Educação Física

de Londrina (APEF), Guedes e Guedes (1993) sugerem a redefinição do papel dos

programas de Educação Física na escola, como meio de promoção da saúde ou indicação de

um estilo de vida ativo. Para os autores, o papel do professor não é adotar exclusivamente a

prática esportiva, mas através de experiências propiciar e promover saúde aos alunos, sendo

capazes de optar por um estilo de vida ativa por toda a vida.

Nahas (2006) alerta que os benefícios educacionais esperados pela Educação Física

na escola correspondem ao desenvolvimento de habilidades motoras, aptidão física,

desenvolvimento sócio-pessoal e um estilo de vida ativo. Acrescenta ainda que os currículos

―devem enfatizar os objetivos centrais da Educação Física: o desenvolvimento de

44

habilidades motoras e a promoção de atividades físicas relacionadas à saúde. (...) os alunos

precisam ser fisicamente ativos, na escola e fora dela‖. (NAHAS, 2006, p. 152).

O interessante é que Nahas (2006, p. 152) (grifo do autor) destaca que a ―educação

para um estilo de vida ativo representa uma das tarefas educacionais fundamentais que a

Educação Física tem a realizar‖. Isso sugere que o autor não nega a existência de outros

objetivos que a Educação Física precisa atingir além da promoção da saúde, e compreende

os ―esportes e jogos‖ como componentes fundamentais dos currículos de Educação Física,

mas que não podem ser entendidos como substitutos para um programa como um todo.

A abordagem da Saúde Renovada preocupa-se ainda com a falta de progressão lógica

ou de uma sequência nas experiências escolares em termos de atividade física. Assim, há

uma preocupação em responder questões como ―quando se deve introduzir os conteúdos e

experiências relacionados com atividades físicas, aptidão física e saúde?‖ e ―que conteúdos

devem ser incluídos?‖ (NAHAS, 2006, p. 153).

Sobre a sistematização de conteúdos, Nahas (2006) sugere conteúdos e objetivos

para um programa de Educação Física para um estilo de vida ativo para o ensino médio.

Para as séries iniciais, o autor diz o seguinte:

Os primeiros anos escolares são próprios para atividades diversificadas que

promovam o desenvolvimento motor e o gosto pela recreação ativa. Nesta fase, a

aptidão física é considerada objetivo secundário, resumindo-se no envolvimento de

todas as crianças em atividades variadas e agradáveis, que promovam a auto-estima

e atitudes positivas em relação a atividade física. Neste nível, ensinar sobre a aptidão

física relacionada à saúde é mais uma questão de mudança de métodos do que de

conteúdos. (NAHAS, 2006, p. 156).

Já Guedes e Guedes (1993) sugerem conteúdos programáticos para todos os níveis de

ensino. Vejamos no quadro 2 a seguir o que os autores propõem para as séries iniciais do

ensino fundamental:

45

Quadro 2: Sugestões de conteúdo programático para programa de educação física escolar direcionados à promoção da saúde – séries iniciais do ensino de 1º grau UNIDADES DE ENSINO CICLO BÁSICO DE ALFABETIZAÇÃO 3ª/ 4ª SÉRIES

1- Diagnóstico e

acompanhamento

dos níveis de

crescimento,

composição

corporal e

desempenho motor.

OBJETIVOS

IMEDIATOS

O Educando deve ser capaz de demonstrar que pode:

Submeter-se a uma rotina de avaliação com a finalidade de traduzir com

fidelidade informações relacionadas com o desenvolvimento morfo-

funcional.

Submeter-se a uma rotina de avaliação com a finalidade de traduzir com

fidelidade informações relacionadas com o desenvolvimento morfo-

funcional.

CONTEÚDO

PROGRAMÁTICO

Administração de rotinas de avaliação voltadas ao crescimento, a

composição corporal e ao desempenho motor.

Administração de rotinas de avaliação voltadas ao crescimento, a

composição corporal e ao desempenho motor.

2- Prática de

atividades rítmicas

OBJETIVOS

IMEDIATOS

O Educando deve ser capaz de demonstrar que pode:

Submeter-se a experiências motoras que possam promover o

desenvolvimento e o aprimoramento de capacidades voltadas às atividades

rítmicas nas suas diferentes formas.

Submeter-se a experiências motoras que possam promover o

desenvolvimento e o aprimoramento de capacidades voltadas às atividades

rítmicas nas suas diferentes formas.

CONTEÚDO

PROGRAMÁTICO

Atividades dirigidas que envolvam a participação do ritmo.

Atividades lúdicas que solicitam a participação das diferentes formas do

ritmo.

Atividades dirigidas que envolvam a participação do ritmo.

Atividades lúdicas que solicitam a participação das diferentes formas do

ritmo.

3- Prática de jogos

motores e sensoriais

OBJETIVOS

IMEDIATOS

O Educando deve ser capaz de demonstrar que pode:

Submeter-se a experiências motoras que possam promover o

desenvolvimento e o aprimoramento de capacidades coordenativas.

Submeter-se a experiências motoras que possam promover o

desenvolvimento e o aprimoramento de capacidades coordenativas.

CONTEÚDO

PROGRAMÁTICO

Atividades dirigidas que envolvam a manipulação de implementos com

bola, bastões, corda, etc.

Atividades lúdicas que solicitam a participação de condutas neuro-motoras

relacionadas às capacidades coordenativas.

Atividades dirigidas e não-dirigidas que envolvam a manipulação de

implementos com bola, bastões, corda, etc.

Atividades lúdicas que solicitam a participação de condutas neuro-motoras

relacionadas às capacidades coordenativas.

4- Prática de

atividades motoras

relacionadas à saúde

OBJETIVOS

IMEDIATOS

O Educando deve ser capaz de demonstrar que pode:

Submeter-se a experiências motoras que possam promover o

desenvolvimento e o aprimoramento dos níveis de aptidão física

relacionadas à saúde.

CONTEÚDO

PROGRAMÁTICO

Atividades dirigidas e não-dirigidas que envolvam a participação dos

componentes da aptidão física relacionada à saúde.

Atividades lúdicas que solicitam a participação de comportamentos motores

voltados às capacidades condicionantes.

5- Prática de

atividades motoras

voltadas a iniciação

esportiva.

OBJETIVOS

IMEDIATOS

O Educando deve ser capaz de demonstrar que pode:

Submeter-se a experiências que possam promover o domínio de pré-

requisitos motores que venham facilitar a execução dos gestos esportivos.

Vivenciar situações que possam promover compreensão de regras e normas

de convivência social.

CONTEÚDO

PROGRAMÁTICO

Atividades dirigidas e não-dirigidas que envolvam a participação de pré-

requisitos motores para familiarização e execução dos gestos esportivos.

Atividades lúdicas que solicitam a participação um grande repertório de

ações motoras direcionadas à estruturação de movimentos voltados à

execução dos gestos esportivos.

Atividades envolvendo jogos pré-esportivos.

46

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (BRASIL, 1997; 1998) abordam os

conteúdos da Educação Física como expressão de produções culturais, conhecimentos

historicamente acumulados e socialmente transmitidos, ou seja, cultura corporal de

movimento. Capacita o indivíduo a refletir sobre suas possibilidades corporais, e com

autonomia, exercê-las de maneira social e culturalmente significativa e adequada.

Trata-se de compreender como o indivíduo utiliza suas habilidades e estilos pessoais

dentro de linguagens e contextos sociais, pois o mesmo gesto adquire significados diferentes

conforme a intenção de quem o realiza e a situação em que isso ocorre.

A proposta adquire critérios para a seleção de conteúdos que são: relevância social,

características dos alunos e características da própria área. Nos PCNs, os conteúdos são

agrupados em blocos que se articulam entre si, com conteúdos em comum, mas guardando

especificidades. São os blocos:

Conhecimentos sobre o corpo: o corpo é compreendido como um organismo

integrado que interage com o meio físico e cultural, que sente dor, prazer, alegria, medo, etc.

Para se compreender o corpo abordam-se os conhecimentos anatômicos, fisiológicos,

biomecânicos e bioquímicos que capacitam a análise crítica dos programas de atividade

física e o estabelecimento de critérios para julgamento, escolha e realização que regulem as

próprias atividades corporais saudáveis, seja no trabalho ou no lazer.

Esportes, jogos, lutas e ginásticas: os esportes têm regras de caráter oficial e

competitivo, organizadas em federações regionais, nacionais e internacionais que

regulamentam a atuação amadora e profissional. Os jogos são exercidos com um caráter

competitivo, cooperativo ou recreativo em situações festivas, comemorativas, de

confraternização, como passatempo e diversão. As lutas caracterizam-se por uma

regulamentação específica, a fim de punir atitudes de violência e deslealdade. As ginásticas

são técnicas de trabalho corporal que, de modo geral, assumem um caráter individualizado

com finalidades diversas.

Atividades rítmicas e expressivas: inclui as manifestações da cultura corporal que

tem como características comuns a intenção de expressão e comunicação mediante gestos e

a presença de estímulos sonoros como referência para o movimento corporal, ou seja, danças

e brincadeiras populares.

Os PCNs propõem uma organização curricular dividida por ciclos. O documento

referente às séries iniciais do Ensino Fundamental é o publicado em 1997, abrangendo 1º e 2º

ciclos.

47

No Primeiro Ciclo, que corresponde a 1ª e 2ª série, são propostos os seguintes

conteúdos: participação em diversos jogos e lutas, respeitando regras e não discriminando os

colegas; explicação e demonstração de brincadeiras ensinadas em contextos extra-escolares;

participação e apreciação de brincadeiras ensinadas pelos colegas; resolução de situações de

conflito por meio do diálogo, com a ajuda do professor; discussão das regras dos jogos;

utilização de habilidades em situações de jogo e luta, tendo como referencia de avaliação o

esforço pessoal; resolução de problemas corporais individualmente; avaliação do próprio

desempenho estabelecimento de metas com o auxilio do professor; participação em

brincadeiras cantadas; criação de brincadeiras cantadas; acompanhamento de uma dada

estrutura rítmica com diferentes partes do corpo; apreciação e valorização de danças

pertencentes à localidade; participação em danças simples ou adaptadas, pertencentes a

manifestações populares, folclóricas ou de outro tipo que estejam presentes no cotidiano;

participação em atividades rítmicas e expressivas; utilização e recriação de circuitos;

utilização de habilidades (correr, saltar, arremessar, rolar, bater, rebater, receber, amortecer,

chutar, girar, etc.) durante os jogos, lutas, brincadeiras e danças; desenvolvimento das

capacidades físicas durante os jogos, lutas, brincadeiras e danças; diferenciação das situações

de esforço e repouso; reconhecimento de algumas das alterações provocadas pelo esforço

físico, tais como excesso de excitação, cansaço, elevação de batimentos cardíacos, mediante a

percepção do próprio corpo (BRASIL, 1997).

Os conteúdos propostos no Segundo Ciclo, que correspondem a 3ª e 4ª série, são

desdobramentos e aperfeiçoamento dos conteúdos do ciclo anterior: participação em

atividades competitivas, respeitando regras e não discriminando os colegas, suportando

pequenas frustrações, evitando atitudes violentas; observação e análise do desempenho dos

colegas, de esportistas, de crianças mais velhas ou mais novas; expressão de opiniões pessoais

quanto a atitudes e estratégias a serem utilizadas em situações de jogos, esportes e lutas;

apreciação de esportes e lutas considerando alguns aspectos técnicos, táticos e estéticos;

reflexão e avaliação de seu próprio desempenho e dos demais, tendo como referencia o

esforço em si, prescindindo, em alguns casos, do auxílio do professor; resoluções de

problemas corporais individualmente e em grupos; participação na execução e criação de

coreografias simples; participação em danças pertencentes a manifestações culturais da

coletividade ou de outras localidades, que estejam presentes no cotidiano; apreciação e

valorização de danças pertencentes á localidade; valorização das danças como expressões da

cultura, sem discriminações por razões culturais, sociais ou de gênero; acompanhamento de

uma dada estrutura rítmica com diferentes partes do corpo, em coordenação; participação em

48

atividades rítmicas e expressivas; análise de alguns movimentos e posturas do cotidiano a

partir de elementos socioculturais e biomecânicos; percepção do próprio corpo e busca de

posturas e movimentos não prejudiciais nas situações do cotidiano; utilização de habilidades

motoras nas lutas, jogos e danças; desenvolvimento de capacidades físicas dentro de lutas,

jogos e danças, percebendo limites e possibilidades; diferenciação de situações de esforço

aeróbico, anaeróbico e repouso; reconhecimento de alterações corporais, mediante a

percepção do próprio corpo, provocadas pelo esforço físico, tais como excesso de excitação,

cansaço, elevação de batimentos cardíacos, efetuando um controle dessas sensações de forma

autônoma e com auxílio do professor (BRASIL, 1997).

Para finalizar este item que contempla as diversas abordagens da Educação Física

escolar, que apresentam conteúdos e sistematizações específicas e, até mesmo, divergentes e

distantes entre si, comungo com a fala de Tani (2008, p. 329):

(...) resta ressaltar a necessidade de convergência em substituição à divergência que

caracterizou os debates e embates das diferentes abordagens da Educação Física

Escolar nos últimos 20 anos. (...) Todos sabem que diferenças ideológicas são

praticamente irreconciliáveis e que diferenças de posições filosóficas são

usualmente difíceis de dissipar. Não se trata, portanto, de reconciliar o que é

irreconciliável, e sim, de dirigir mais atenção aos aspectos comuns, ressaltando-se as

semelhanças mais do que as diferenças (TANI, 1998b). O contexto pede a noção de

complementaridade (PATTEE, 1978). Neste particular, aceitar a pluralidade é

fundamental. (...) Existem hoje abordagens em diferentes níveis de análise, desde o

sociológico e o comportamental até o biológico. Como já mencionado, os níveis de

análise são irredutíveis, mas cabe indagar: essas abordagens poderiam ser

complementares? Essa é uma questão que merece uma reflexão profunda caso

pretendamos promover mudanças qualitativas na prática pedagógica da Educação

Física Escolar.

1.5.2 Outras propostas

A sistematização dos conteúdos da Educação Física é objeto de estudo de muitas

pesquisas recentes. Algumas propostas publicadas, como a ―Proposta Curricular de São

Paulo‖ e a proposta de KRAVCHYCHYN, OLIVEIRA e CARDOSO, ambas de 2008,

abarcam os anos finais do Ensino Fundamental e médio e ensino médio respectivamente. No

entanto, não fazem menção aos anos iniciais do fundamental, por isso não serão explicitadas

no texto.

Freire e Scaglia (2003) propõem uma organização curricular dividida em temas e

subtemas. Cada tema é desenvolvido com atividades que compõem o conteúdo da Educação

Física. Cada tema corresponde de forma direta ou indireta a subtemas que são as capacidades

49

e habilidades a serem trabalhadas. Estes temas devem estar conectados com os temas

transversais socialmente relevantes.

Alvitram assim uma ―educação para a autonomia‖ do aluno, utilizando o jogo como

principal meio de ensino-aprendizagem dos conteúdos da Educação Física escolar.

Os autores distribuem os temas pelas diversas séries do Ensino Fundamental, no qual

farei um recorte para apresentar apenas temas concernentes aos anos iniciais do Ensino

Fundamental, como ilustrado no quadro 3:

Quadro 3: Distribuição dos temas pelas diversas séries

1ª 2ª 3ª 4ª

1- Atividades de sensibilização corporal X X X X

2- Jogos Simbólicos X

3- Jogos de Construção X

4- Jogos de Regras X X X X

5- Rodas Cantadas X X

6- Brincadeiras Populares X X X X

7- Ginásticas Gerais X X X X

8- Danças Folclóricas X X

9- Lutas Simples X X

10- Jogos Pré-desportivos X X

11- Atividades de Fundamentação do Esporte X

Adaptado de Freire e Scaglia (2003, p. 42)

A proposta de Freire e Scaglia (2003) é que a cada aula seja eleito um tema e um

subtema para ser desenvolvido durante a aula. Cada tema pode eleger um ou mais subtemas

de acordo com os objetivos da aula. Os subtemas apresentados no quadro 4 são divididos em

seis categorias: motores, sociais, afetivos, intelectuais, perceptivos e simbólicos.

Quadro 4: Subtemas retirados da obra de Freire e Scaglia (2003)

Motores

Habilidades de

deslocamento

Andar, correr, saltar, desviar, rolar, girar, abaixar,

levantar, contornar, subir, descer e escorregar.

Habilidades de manipulação Segurar, lançar, chutar, bater, rebater, equilibrar, apertar,

afrouxar e tocar.

Habilidades de estabilização Equilibrar-se, ficar em pé, ficar deitado, ficar agachado,

apoiar-se e imobilizar-se.

Habilidades desportivas Desarmar, driblar, fintar, cabecear, passar, finalizar,

50

conduzir, antecipar e controlar.

Capacidades Motoras Força, resistência, agilidade, velocidade e flexibilidade.

Sociais

Habilidades Sociais Cooperar, solidarizar-se, organizar grupos, discutir temas,

competir e construir regras.

Afetivos

Habilidades Afetivas Amor, altruísmo, agressividade, violência, fraternidade e

confiança.

Intelectuais

Habilidades Intelectuais Táticas, diálogos, teorias, textos, tomada de consciência da

prática, imitações e criações.

Perceptivas

Habilidades Perceptivas Sensibilidade, noção de tempo, noção de espaço e noção do

próprio corpo.

Simbólicos

Habilidades Simbólicas Imaginação

É ressaltada ainda a habilidade de passar como de extrema importância em razão do

número de atividades que a mobilizam. Sugere-se também que aulas se iniciem e terminem

com uma roda de conversa, para explicitar os objetivos da aula e eleger conteúdos e discutir

sobre a aula realizada (FREIRE; SCAGLIA, 2003).

Um exemplo de plano de aula é a escolha do tema Brincadeiras Populares para a

primeira série e os subtemas, de ordem motora, as habilidades de deslocamento andar e correr

e, de ordem perceptiva, as habilidades perceptivas de noção de tempo e de espaço. O

conteúdo escolhido foi a atividade de Queimada, que é uma Brincadeira Popular e desenvolve

os subtemas escolhidos.

Palma e colaboradores (2008) e Oliveira (2004) propõem uma sistematização dos

conteúdos da Educação Física para a educação básica, baseado nos quatro núcleos

apresentados anteriormente: a) o movimento em construção e estruturação; b) o movimento

nas manifestações lúdicas e esportivas; c) o movimento em expressão e ritmo; e d) o

movimento e a saúde. Posso dizer que é a primeira obra que traz uma proposta de organização

de conteúdos da Educação Física para as séries iniciais.

O próximo passo para a elaboração da proposta é a distribuição destes núcleos de

forma proporcional a ser destinada ao longo da vida escolar, levando-se em conta a

complexidade do desenvolvimento das dimensões humanas. Palma e colaboradores (2008)

51

destacam que essa distribuição não é rígida, tendo os docentes, autonomia para organizar essa

distribuição de acordo com sua realidade.

A distribuição elaborada pelos autores considera os interesses manifestados pelos

alunos ao longo da vida escolar como um dos critérios para a organização dos conteúdos.

Vejamos o quadro 5 a seguir.

Quadro 5: Proposta de distribuição de conteúdos ao longo das séries escolares em percentuais

Séries

Núcleos

Ensino Fundamental

1ª 2ª 3ª 4ª 5ª

a) o movimento

em construção e

estruturação

45

40

40

30

30

b) o movimento

nas manifestações

lúdicas e

esportivas

20

30

30

30

30

c) o movimento

em expressão e

ritmo

30

20

20

20

20

d) o movimento e

a saúde

5

10

10

20

20 Adaptado de PALMA e colaboradores, 2008, p. 39

É preciso observar que as séries contempladas no livro são similares aos anos iniciais

(1º a 5º ano) da rede municipal de Cuiabá, diferenciando-se apenas na terminologia série/ano.

A proposta de organização dos conteúdos e suas subdivisões, como nomeiam os autores, são

ilustrados em quadros para cada série e núcleo em separado. Uma terminologia que me intriga

nesta obra é os autores falarem o tempo todo em ―conteúdos‖ e quando delineiam a proposta

passam a se referir a ―temas‖, e não mais a conteúdos. Cada quadro (de cada núcleo) traz um

―tema‖ central, um ―subtema‖ e diversos ―assuntos‖. No entanto, não é meu objetivo

discutir/criticar a proposta em questão, mas apenas transcrever sua existência.

Da mesma forma, outras publicações fazem menção à organização de conteúdos para

os anos iniciais do Ensino Fundamental, como a proposta curricular dos trabalhos publicados

pelo Laboratório de Estudos e Trabalhos Pedagógicos em Educação Física (LETPEF –

UNESP - Rio Claro) e um relato de experiência publicado em 2009 contando a sistematização

de conteúdos que elaborei e apliquei na escola (KAWASHIMA; SOUZA; FERREIRA, 2009).

Entretanto, para esta pesquisa, não há a necessidade de maiores divagações sobre o assunto.

52

1.5.3 Escola Sarã: o que diz o município de Cuiabá?

A organização das escolas estaduais de Mato Grosso e municipais de Cuiabá-MT é por

ciclos de formação, sendo que o 1º ciclo refere-se a 1º, 2º e 3º etapas (antigas classes de

alfabetização, 1ª e 2ª séries); o 2º ciclo engloba 1º, 2º e 3º etapas (antigas 3ª, 4ª e 5ª séries) e o

3º ciclo, as turmas de 1º, 2º e 3º etapas (6ª, 7ª e 8ª séries).

Optei pelos 1º e 2º ciclos por englobar as séries inicias da antiga classificação (1ª a 4ª

séries), pois não seria adequado ao estudo escolher apenas as séries que nos interessava,

ignorando a classificação dos ciclos de aprendizagem.

Para facilitar o entendimento do leitor, adotarei a nomenclatura de anos iniciais como

explicitado no capítulo metodológico. Assim, as três etapas do 1º ciclo nomeadas de 1º, 2º e

3º anos, e as etapas do 2º ciclo noemadas de 4º, 5º e 6º anos.

As escolas municipais de Cuiabá-MT são orientadas pelos Referenciais Curriculares

da Escola Sarã1, proposta curricular construída com a participação de supervisores escolares,

professores representantes do Ensino Fundamental, especialistas nas áreas de conhecimento e

técnicos da Secretaria Municipal de Educação (CUIABÁ, 1999).

Este documento contempla a LDB de 1996, os PCNs e o Projeto Político Pedagógico

das Escolas, com o objetivo de orientar o trabalho pedagógico do professor de 1º, 2º e 3º

ciclos. Trata-se de uma proposta aberta e flexível que não deve ser entendida como uma

receita a ser seguida rigorosamente.

A ―enturmação‖ dos alunos considera o seu desenvolvimento formativo, observando

critérios de idade, desenvolvimento sócio-cultural e afetivo e o desenvolvimento cognitivo. A

―enturmação‖ por idade é flexível.

O foco central da organização do tempo escolar no Ensino Fundamental será o

educando e suas idades mais aproximadas de formação (infância, pré-adolescência,

adolescência). Este critério de enturmação supõe que os alunos, junto com seus

pares de idade, terão mais facilidade nas trocas socializantes e na construção de

autoimagens e identidades mais equilibradas. Permanecendo no mesmo grupo de

idade, terão maiores oportunidades para sua formação-socialização equilibrada.

(CUIABÁ, 1999, p. 94).

Vejamos o quadro 6 a seguir sobre a ―enturmação‖ dos alunos na Escola Sarã.

1 (...) o Sarã, vegetação característica da Bacia do Cuiabá e outros rios, possui raízes e copas que se entrelaçam,

formando um contínuo a ocupar os espaços degradados pelo homem. (...) O Sarã que acompanha o rio

desempenha importantes funções, tanto para o sistema natural quanto para o sistema humanizado, pois além de

evitar o processo de erosão, contém, em sua composição, uma diversidade de plantas que servem de abrigo e

alimento para os peixes, aves e outros animais. Nesse sistema biológico, organizado desta forma, encontramos

inúmeros vegetais usados pelo homem na alimentação e na cura de doenças. Em especial, o sarã-de-leite e o

sarã-d‘água são utilizados para fazer utensílios domésticos e instrumentos musicais como a ―viola de cocho‖,

muito usada para animar as festas tradicionais do povo mato-grossense. (CUIABÁ, 2000, p. 9-10).

53

Quadro 6: Enturmação dos alunos na Escola Sarã (CUIABÁ, 2000, p. 66)

CICLOS ETAPAS AGRUPAMENTOS FAIXA DE

DESENVOLVIMENTO

1º ciclo 1ª Etapa

2ª Etapa

3ª Etapa

6 a 7 anos

7 a 8 anos

8 a 9 anos

Infância

2º ciclo 1ª Etapa

2ª Etapa

3ª Etapa

9 a 10 anos

10 a 11 anos

11 a 12 anos

Pré-adolescência

3º ciclo 1ª Etapa

2ª Etapa

3ª Etapa

12 a 13 anos

13 a 14 anos

14 a 15 anos

Adolescência

O livro que traz as orientações para a Escola Sarã (CUIABÁ, 1999, p.47) não aponta

conteúdos curriculares fragmentados, apenas propõe ―caminhos que devem ser organizados

interdisciplinarmente, tendo como eixo norteador os Temas Geradores que emergem da

prática social na comunidade na qual está inserida‖.

Para a Educação Física, a Escola Sarã se baseia nos ciclos de formação apresentados

pelo Coletivo de Autores (SOARES ET AL, 1992), no qual o 1º ciclo corresponde a

―organização da identidade dos dados da realidade‖, o 2º ciclo a ―iniciação à sistematização

do conhecimento‖ e o 3º ciclo a ―ampliação da sistematização do conhecimento‖.

Entendo que o livro não traz especificações de conteúdos para a Educação Física, e

sim uma relação de objetivos propostos para cada ciclo de formação. E ainda, a Educação

Física é a única disciplina que não traz uma apresentação de si, sendo que as demais a

possuem. Em 2000, a Secretaria Municipal de Educação lança outro livro com o objetivo de

registrar e divulgar o projeto político-pedagógico em desenvolvimento e selar um

compromisso com a sociedade no sentido de fortalecer a Escola Pública.

Traz considerações mais específicas para a Educação Física, tendo como referência o

Paradigma da Cultura Corporal, entendendo como seu objeto de estudo a expressão corporal

como linguagem. O conhecimento tratado pela disciplina deve levar em conta o

desenvolvimento da historicidade da cultura corporal, através da reflexão pedagógica

exteriorizada pela expressão corporal ―no Jogo, na Dança, no Esporte, na Ginástica, na Luta,

no Teatro e em outras situações do movimento humano.‖ (CUIABÁ, 2000, p. 122).

Longe de se propor uma sistematização de conteúdos para a Educação Física, neste

livro há direcionamentos de quais conteúdos selecionar para cada ciclo de formação,

apontando caminhos para o desenvolvimento de cada um deles. Mesmo sem citar as

dimensões dos conteúdos, é possível percebê-los na proposta da Escola Sarã, especificamente

na publicação de 2000. O quadro 7 abaixo representa os conteúdos sugeridos para 1º e 2º

54

ciclos por Cuiabá (2000). Observa-se que os conteúdos são apresentados conforme aparecem

no decorrer do texto do livro, sugerindo para o 1º ciclo quais conteúdos trabalhar primeiro.

Quadro 7 – Conteúdos para 1º e 2º ciclos de formação da rede municipal de Cuiabá

(CUIABÁ, 2000).

Conteúdos para o 1º ciclo

Conteúdos para o 2º ciclo

Conhecimento do próprio corpo,

reconhecimento de si e das suas

possibilidades de ação.

Pensamento tátil, elementos técnicos,

organização de jogos, decisão de regras pelos

alunos.

Atividades rítmicas – conscientização da

corporeidade em relação ao meio, ao

espaço, tempo, ritmo e velocidade e a

criatividade em sua habilidade motora.

Vivência de elementos táticos presentes nas

manifestações corporais individuais e coletivas

da cultura local, nacional e internacional.

Esporte – conteúdos que auxiliem no

reconhecimento das propriedades dos

objetos e materiais para jogar, oriundos do

ambiente natural ou cultural. Relações

sociais, lazer e o sentido da convivência.

Contextualização e valorização das raízes da

cultura cuiabana e de outras regiões.

Jogos populares e regionais – jogos de

época (aspectos religiosos e sociais).

Questões relativas à fisiologia do esforço,

verificação da frequência cardíaca e pressão

arterial. Conceitos de aeróbico, anaeróbico e da

função cardiovascular.

Lutas Relação intrínseca entre as manifestações

corporais e a manutenção da saúde e do bem-

estar físico e mental.

Dança – origem, o que representou ou

representa e qual seu significado.

Desenvolvimento do caráter lúdico-solidário na

expressividade da dança, luta, esporte, ginástica

e jogo cooperativo.

Ginásticas – possibilidades de saltar,

equilibrar, balançar e girar em situações

de desafios, relativos ao ambiente natural

às sensações afetivas e/ou cinestésicas tais

como prazer, medo, relaxamento, auto-

estima e confiança.

O referencial que serve de base para esta proposta é o livro elaborado pela Secretaria

Municipal de Educação (1997), específico para a área de Educação Física. Esta obra é ―fruto

da reflexão coletiva dos professores da Rede Pública participantes do curso que construíram

esta Proposta, a partir de seus estudos e análises da realidade do cotidiano escolar‖ (CUIABÁ,

1997, p. 11). O curso mencionado anteriormente se refere a uma especialização para os

professores de Educação Física da rede municipal, em ―Metodologia do Ensino da Educação

Física‖, nos anos de 1995 e 1996.

A obra tem como referência o livro do Coletivo de Autores (SOARES ET AL, 1992),

em que os conteúdos ilustrados são semelhantes ao da referência, trazendo algumas

55

adaptações para a realidade local. Acredito não ser necessário elencar os conteúdos

específicos ilustrados no livro, já que em tópicos anteriores foram apresentados em Soares e

colaboradores (1992).

Apenas gostaria de ressaltar que na fala dos nossos sujeitos pesquisados não há

referências a esta obra produzida pela Secretaria Municipal de Educação. Ressalto ainda que

um dos professores de Educação Física, sujeito desta pesquisa, é coautor do livro, o que será

levado em consideração durante a análise em dados.

56

Capítulo 2

METODOLOGIA

2.1 A natureza da pesquisa

Esta pesquisa se configura como qualitativa-descritiva, pois segundo Lüdke e André

(1986) supõe o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que

está sendo investigada, via de regra, através do trabalho intensivo de campo. Como os

problemas são estudados no ambiente em que ocorrem naturalmente, sem qualquer

manipulação intencional do pesquisador, este tipo de pesquisa também é chamada de

naturalística.

A necessidade do pesquisador em manter um contato direto com a situação onde os

fenômenos ocorrem, naturalmente é devido à grande influência do seu contexto.

A pesquisa qualitativa ainda apresenta mais quatro características descritas por

Bogdan e Biklen (1994). A primeira consiste nos dados coletados serem predominantemente

descritivos, em que o material obtido é rico em descrições de pessoas, situações,

acontecimentos, incluindo transcrições de entrevistas e de depoimentos, fotografias, desenhos

e extratos de vários tipos de documentos. Todos os dados da realidade são considerados

importantes.

Há uma preocupação maior com o processo do que o produto da pesquisa, em que a

complexidade do cotidiano escolar é sistematicamente retratada. Outro ponto é a tentativa de

capturar a perspectiva do participante, isto é, a maneira como os sujeitos encaram as questões

focalizadas. E, por fim, a análise de dados tende a seguir um processo indutivo, o que o

configura como interpretativo.

Assim, esta pesquisa atende às características da pesquisa qualitativa, pois busca

descrever e interpretar dados coletados em contextos escolares adversos, com características e

sujeitos peculiares. Os dados foram coletados por mim, enquanto pesquisadora,

acompanhando o trabalho de um ano escolar completo.

2.2 O campo de estudo

O primeiro grande desafio foi escolher as escolas que participariam da pesquisa, por

ser eu uma ―forasteira‖ residente em Cuiabá/MT há apenas dois anos e por não me haver

permitido ,ainda, um contato direto com as escolas públicas de Mato Grosso.

57

Identifiquei que as escolas estaduais de Mato Grosso e municipais de Cuiabá são

organizadas por ciclos de formação e não por séries ou anos como no estado de São Paulo.

Nesse tipo de organização, cada ciclo tem três etapas ou fases: a antiga classe de

alfabetização, na escola organizada em ciclos, corresponde a 1ª fase ou etapa do 1º ciclo.

Assim, a antiga 4ª série, por exemplo, corresponde a 2ª fase ou etapa do 2º ciclo. Digo ―fase

ou etapa‖ porque no estado é chamado de ―fase‖ e no município ―etapa‖.

Para facilitar a explanação, adotarei a nomenclatura ―anos‖: para o 1º ciclo, falarei em

1º, 2º e 3º anos; para o 2º ciclo, 4º, 5º e 6º anos.

O foco da pesquisa são os anos iniciais (de 1ª a 4ª séries), mas não havia professores

de Educação Física especialistas nas escolas estaduais para tais anos, somente em alguns

municípios do estado, inclusive Cuiabá. Na rede estadual, apesar da Educação Física ser

disciplina integrante do currículo, são professoras licenciadas em Pedagogia quem ministra as

aulas. Optei, então, por pesquisar escolas municipais de Cuiabá.

Em princípio foi escolhida apenas uma escola do Jardim Industriário II para configurar

um estudo de caso sobre a sistematização dos conteúdos, visto o interesse da professora de

Educação Física daquela escola, em contribuir, disponibilizando seus planejamentos semanais

para análise.

A próxima etapa seria a de selecionar outras escolas para análise apenas do

planejamento anual dos professores, com o objetivo de fazer uma sondagem dos conteúdos

selecionados para cada série. Porém, identifiquei que a maioria das escolas não exige o

planejamento anual de seus professores, somente planejamento semanal. Então, não seria

melhor selecionar mais escolas e verificar como os professores organizam os conteúdos para

os anos iniciais do Ensino Fundamental?

Inicialmente, a intenção era selecionar o maior número possível de escolas municipais,

em torno de 20 a 30 escolas, abrangendo as quatro regionais em que são divididas as escolas

de Cuiabá. Sonho? Utopia?

Como já havia visitado a escola do Jardim Industriário II, decidi percorrer a regional

leste, que abrange desde o bairro Bosque da Saúde até o CPA IV. Acabei selecionando

escolas próximas , mas que não pertencem à mesma regional.

Assim, o critério de escolha das escolas constituiu-se em escolhê-las em bairros

diferentes, independente das regionais que ocupassem, tentando abranger maior diversidade

de contextos sociais, aleatoriamente.

58

Após realizar contato com a sexta escola, percebi que não seria possível pesquisar as

20 ou 30 escolas, pois a grande quantidade de dados gerados poderia desviar-me do foco da

pesquisa. Optei por seis escolas.

Cada uma apresentando suas particularidades: desde o espaço físico onde se realizam

as aulas de Educação Física, a metodologia usada para o desenvolvimento delas até a

concepção de ―Educação Física‖, conteúdos e sistematização de conteúdos apropriada pelos

gestores e professores.

2.2.1 As escolas

Selecionados os campos de estudo, a apresentação das escolas seguirá a sequência dos

contatos realizados e serão identificadas com a letra E seguida por um número que

identificará a ordem das visitas, que por questões éticas, manteria em sigilo o nome das

mesmas.

A primeira escola contactada foi a E1, do bairro Jardim Industriário II. O bairro é

localizado na saída do município e a escola abrange desde a Educação Infantil I até o 2º ciclo

(6º ano). Considero uma escola de porte pequeno, visto que atende apenas à Educação Infantil

e aos anos iniciais do Ensino Fundamental. possui duas professoras de Educação Física: uma,

para o período matutino; outra, para o vespertino. Porém, apenas a professora do matutino

aceitou participar da pesquisa. A escola dispõe de um amplo espaço físico entre os blocos de

salas de aula, ampla biblioteca e quadra poliesportiva coberta. Vejamos o que a professora de

Educação Física diz sobre seus espaços (Figura 2):

A sala de aula, eu gosto de aproveitar alguns momentos que não seja de atividades

mais de coordenação motora grossa, e principalmente a quadra porque é um lugar lá

na minha escola que é muito agradável, muito grande, o espaço físico é muito bom,

e é lá que eu trabalho (ROS/ F – 39 anos – P. E1)

59

Figura 2: Quadra da escola E1 durante uma aula de Educação Física

A segunda escola visitada, a E2, localiza-se no bairro Canjica. De porte pequeno,

atende apenas aos 2º e 3º ciclo, pois a Educação Infantil e 1º ciclo são oferecidos por uma

escola que faz fundos com ela. É uma escola muito colorida, com os azulejos nas

paredes,decorados com figuras e mensagens, alertando sobre bons comportamentos e atitudes

positivas. Porém, o espaço físico é pequeno, dando a impressão de só haver salas de aula e

nada mais. A escola tem duas professoras de Educação Física, uma para cada período. Como

na escola anterior,nessa, apenas uma aceitou participar da pesquisa. Para aulas de Educação

Física, a escola não possui quadra ( Figura 3). Segundo a coordenadora, está em reforma; já a

diretora, afirma que não mandará consertá-la porque a comunidade foi quem a destruiu,

podendo ocorrer novamente:

Eu já disse e repito: nós não temos espaço adequado pras aulas de Educação Física.

São jogos intelectivos que não deixa de fazer Educação Física em função dela,

trabalhando o intelecto, trabalhando um todo, dentro da sala. Não tem outro espaço,

porque esse daqui (pátio externo) é só na quarta e quinta-feira, pelo número de

alunos, o espaço é pequeno (CID/ F – 52 anos – P. E2)

60

Figura 3: Pátio externo utilizado para aulas de Educação Física.

A terceira escola, a E3,está situada no bairro Bela Vista. É uma escola de porte

médio, já que oferece desde a Educação Infantil 1 até o 3º ciclo. É uma das primeiras escolas

a receber o projeto Escola em Tempo Integral, do governo municipal, em que as crianças

participam de atividades extracurriculares, como tênis de mesa, Karatê e dança, em período

diverso ao que estudam. Na escola há apenas um professor de Educação Física que atende a

todas as séries. A professora, que inicialmente se dispôs a participar da pesquisa, deixou suas

aulas, em meados de maio/2008, em virtude de ela ser de Tempo Integral. Como o professor

substituto aceitou participar da pesquisa, decidi contar com os dois sujeitos, supondo que, se

existisse uma sistematização de conteúdos, o segundo daria continuidade ao trabalho anterior,

sem perdas para os alunos.

A E3 dispõe de um terreno amplo, conta com uma quadra coberta e o espaço das salas

de aula ocupa apenas parte do terreno. Além da quadra (Figura 4), seus entornos( a sala de

aula, a sala de vídeo, o pátio e a biblioteca) são utilizados pelos professores como espaços

para as aulas de Educação Física. Todas as salas de aula têm ar condicionado.

61

Figura 4: A quadra da escola.

A escola E4 situa-se no bairro ―Carumbé‖, próximo ao presídio de mesmo nome. É de

porte pequeno e oferece Educação Infantil, 1º e 2º ciclos. O prédio da escola é alugado do

Clube Seleta e possui ar condicionado em todas as salas. É uma escola pequena, mas

aconchegante.

A escola tem um professor de Educação Física para cada período e ambos aceitaram

participar da pesquisa. Os espaços para as aulas de Educação Física limitam-se a sala de aula

e um pátio (Figura 5) que, no período vespertino, bate muito sol. Os demais espaços

pertencem ao clube e precisam de autorização para utilizá-los, como o campo de futebol e os

espaços do salão social.

A escola funciona num prédio alugado, então quando tá demais a gente pega o

espaço do clube que é ―Seleta‖, pedi, porque o que é alugado é essa parte aqui, parte

do clube que é o campo de futebol e os espaços do salão social, quando a gente

pede, eles pegam também, aí a gente procura se deslocar e chegar lá... (JOS/ F – 38

anos – P. E4).

62

Figura 5: Pátio coberto utilizado para as aulas de Educação Física.

A quinta escola visitada, E5, centrada no bairro Tancredo Neves, de porte pequeno

oferta a Educação Infantil, 1º e 2º ciclos. Das seis escolas deste estudo, esta é a única que tem

um professor de Educação Física como gestor. As ruas ao redor da escola não são asfaltadas e

o portão que dava acesso da rua à quadra da escola, foi arrancado pela comunidade para

usufruto do espaço.

A escola tem quatro professores de Educação Física, sendo dois para a Educação

Infantil e dois para 1º e 2º ciclos. Os dois professores do Ensino Fundamental se dispuseram a

colaborar na pesquisa, lembrando que apenas estes foram convidados a participar devido às

séries contempladas pela pesquisa.

Para as aulas de Educação Física, há a disponibilidade de uma quadra descoberta

(Figura 6), em que a comunidade adentra a qualquer hora do dia, inclusive durante as aulas de

Educação Física. Há também um espaço cimentado descoberto com portões nas duas

entradas, ou seja, é como uma pequena quadra. E um espaço (Figura 7) ao lado, onde os

professores armam a rede de voleibol.

63

Figura 6: Quadra da escola utilizada para aulas de Educação Física. No muro branco, à

esquerda, é possível observar a entrada da quadra que dá acesso a rua, sem portão.

Figura 7: Espaço utilizado para jogos de voleibol com portão de acesso a quadra pequena ao

fundo.

64

A última escola contatada foi a E6, localizada no bairro CPA III, de porte pequeno

contando com Educação Infantil, 1º e 2º ciclos. As aulas de Educação Física são divididas

entre três professores, os quais participam da pesquisa. A escola conta com um amplo espaço

físico, com dois blocos de salas de aula, um para a Educação Infantil e outro para 1º e 2º ciclo.

Para as aulas de Educação Física, a escola dispõe de uma quadra poliesportiva coberta

(Figura 8), uma sala de vídeo com espelho, quadra descoberta (pouco utilizada pelos

professores) e espaços com sombras debaixo das árvores, como ratifica a fala da professora a

seguir:

Uma quadra, quadrinha e quadra coberta, porque antes a gente fazia aí na frente

debaixo das árvores, aí construíram a quadra coberta que inaugurou aí a gente usa a

quadra lá embaixo. E tem a sala de vídeo também. Tinha a sala de ginástica, com

espelho, com tudo, aí tirou e fez mais uma sala de Educação Infantil. É... Lá no

anexo... Ali tinha ar condicionado... Aí nós perdemos espaço. Aí ficou a quadra e a

sala de vídeo. É porque a demanda é grande, tem muito aluno, não tem creche por

aqui, as creches não chegam e aqui tem Ed. Infantil e tem que acolher (SOL/ F – 50

anos – P. E6)

Figura 8: Quadra coberta da escola utilizada para as aulas de Educação Física.

65

2.3 Os sujeitos

Nas seis escolas optei por pesquisar os gestores (diretores e coordenadores), os

professores de Educação Física dos anos iniciais do Ensino Fundamental e três alunos de cada

um desses professores. Os alunos são do 4º ano do Ensino Fundamental devido a uma das

escolas pesquisadas não atender o 1º ciclo, ou seja, só atende a partir do 4º ano e também, por

preferir não escolher o último ano das séries inicias.

O número de professores que colaborou com a pesquisa corresponde àquele que

trabalham com o 1º e 2º ciclos nas mesmas e em algumas escolas há, no quadro docente, mais

de um professor, trabalhando com os anos iniciais do ensino fundamental. Em outras escolas,

alguns professores se recusaram a participar, o que justifica o número diferente de sujeitos por

escola. O mesmo fato procede com respeito aos alunos, nas escolas em que temos 2

professores participantes da pesquisa, o número de alunos participantes é maior.

A seguir,( tabela 1) é apresentado um delineamento das escolas e quantidade de

sujeitos pesquisados em cada uma delas.

Tabela 1: Delineamento das escolas e sujeitos pesquisados.

Escola

pesquisada

Sujeitos

Diretor Coordenador Professores de

Educação

Física

Alunos de 4º

ano

E1 1 1 1 3

E2 1 1 1 3

E3 1 1 2 3

E4 1 1 2 6

E5 1 1 2 3

E6 1 1 3 6

TOTAL 6 6 11 24

Total de 47 sujeitos

Por que pesquisar tantos sujeitos de diferentes funções? Acredito que para

compreender a importância da existência de uma sistematização de conteúdos organizada

pelos professores de Educação Física da rede municipal de Cuiabá-MT. É preciso elucidar o

que a gestão da escola compreende e como interfere nesta sistematização; se os professores

são os únicos responsáveis por esta organização dos conteúdos. Para isso, nada melhor do que

verificar a internalização e compreensão dos mesmos pelos seus alunos. Assim, teremos uma

visão ampla e completa do objeto pesquisado neste estudo.

66

O primeiro passo da pesquisa foi receber a permissão para entrar nas escolas. Assim

sendo, cada uma recebeu um ofício por meio do diretor ou coordenador da escola,

formalizando a coleta de dados na escola, que incluía: entrevistas com professores, gestores e

alunos; fotos; filmagens; cópias de documentos e observações. Aos os alunos que concederam

entrevista, foi enviado um pedido de autorização aos pais.

Quanto à identificação dos sujeitos, durante a pesquisa, foram seguidas as

recomendações de Bogdan e Biklen (1994, p. 77) sobre a preservação de suas identidades.

―As identidades dos sujeitos devem ser protegidas, para que a informação que o investigador

recolha não possa causar-lhes qualquer tipo de transtorno ou prejuízo‖. O anonimato deve

contemplar não apenas o material escrito, mas também os relatos verbais da informação

recolhida durante as observações.

Os sujeitos serão identificados conforme o exemplo a seguir:

Legenda:

LAS – corresponde a identificação do sujeito pesquisado.

F – indica o sexo do sujeito — F para feminino e M para masculino.

27 anos – refere-se à idade do sujeito

P – é a legenda destinada a função desenvolvida na escola. P — professor. C — coordenador.

D — diretor.

E1 – escola em que o sujeito pertence.

As crianças terão uma identificação diferente, sendo que todas têm idade entre 9 e 11

anos e é necessário conhecer quem é o seu professor para análise comparativa entre os

discursos do professor e do aluno. A identificação se dará da seguinte forma:

Legenda:

LAS – corresponde a identificação do sujeito pesquisado.

F – indica o sexo do sujeito — F para feminino e M para masculino.

E1 – escola em que o sujeito pertence.

CIN – corresponde à identificação de seu professor de Educação Física

LAS/F – 27 anos – P. E1

LAS/F – E1 – CIN

67

Assim, todas as transcrições de falas dos sujeitos, referências a documentos entregues

por eles ou observações de suas ações, serão identificadas conforme legenda anterior.

2.4 Procedimentos metodológicos: coleta de dados

Após a definição do lócus e sujeitos da pesquisa, iniciou-se a coleta de dados ,

realizadas em três fases distintas: 1ª) entrevistas com gestores, professores de Educação Física

e alunos das escolas pesquisadas (APÊNDICE A); 2ª) observação de aulas de Educação Física

dos professores participantes do estudo e entrevista com os alunos destes professores; 3ª)

coleta dos planejamentos anuais, bimestrais e/ou semanais dos professores.

2.4.1 As entrevistas

A primeira fase foi realizada durante o primeiro semestre de 2008, até meados de julho

do mesmo ano. Porém, devido à dificuldade de encontrar alguns sujeitos, no caso gestores das

escolas, algumas entrevistas foram realizadas no segundo semestre de 2008, uma delas

próxima ao fechamento do ano letivo.

A decisão em realizar entrevistas, no início da pesquisa, foi tomada com a intenção de

conhecer melhor os sujeitos entrevistados, bem como a percepção que tinham sobre o assunto

abordado. Assim, ficou mais fácil a participação deles das etapas seguintes da pesquisa, como

a observação das aulas dos professores de Educação Física.

A entrevista é uma técnica para recolher dados descritivos, na linguagem do próprio

sujeito, o que permite ao pesquisador desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a maneira

como os sujeitos interpretam aspectos do mundo (BOGDAN; BIKLEN, 1994).

Ludke e André (1986) lembram que a grande vantagem da entrevista sobre outras

técnicas é que ela permite a captação imediata e corrente da informação desejada,

praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos. Esta técnica

permite ainda correções, esclarecimentos e adaptações que a tornam eficaz na obtenção das

informações desejadas.

O tipo de entrevista utilizada nesta pesquisa é a semi-estruturada que, segundo Lüdke

e André (1986, p. 35), ―se desenrola a partir de um esquema básico, porém não aplicado

rigidamente, permitindo que o entrevistador faça as necessárias adaptações‖. Assim, foi

elaborado um esquema de perguntas com o objetivo de compreender a visão dos sujeitos

68

quanto aos conteúdos da Educação Física e sua organização para os diferentes anos do Ensino

Fundamental.

Todas as entrevistas foram realizadas dentro da escola, nos momentos de

disponibilidade dos sujeitos. Já a entrevista com as crianças aconteceu após a observação de

uma aula de Educação Física em que se faziam presentes, mais especificamente a segunda

aula dentre as três observadas por mim.

Optei pela gravação das entrevistas em áudio, utilizando um gravador de voz, modelo

ICD-UX70 da Sony. Este modelo grava o som em formato digital (MP3), o que permite uma

ótima qualidade de áudio e a facilidade de transferir as entrevistas diretamente para o

computador. O gravador é pequeno e discreto, não intimidando o entrevistado que,

naturalmente, se mostra apreensivo no início da entrevista.

Para as crianças, procurei mostrar o funcionamento do gravador antes de iniciar a

entrevista, apresentando até mesmo a fala de alguns colegas entrevistados anteriormente para

que compreendessem o mecanismo do equipamento. Desse modo, as crianças desviariam sua

atenção do gravador e se concentrariam na entrevista, uma vez que objetos diferentes sempre

despertam curiosidade nas crianças.

Os sujeitos foram entrevistados em local reservado, normalmente numa sala vazia da

escola, biblioteca ou sala dos professores, para que não houvesse interferência nas gravações e

nem nas concepções dos mesmos, deixando-os a vontade para falarem livremente sobre seus

pontos de vista.

A transcrição das entrevistas é uma tarefa árdua que consome várias horas de trabalho.

Lüdke e André (1986) afirmam que o resultado produzido pela transcrição ainda é bastante

cru, com informações contidas num todo indiferenciado, sendo difícil distinguir, em princípio,

as menos importantes daquelas realmente centrais. Esta técnica permite conhecer o que cada

um dos sujeitos pesquisados pensa realmente sobre o assunto abordado. Posso assim,

conhecer suas concepções, naquilo em que acreditam e se apropriam em sua prática docente,

mesmo que suas crenças não interfiram no seu fazer cotidiano.

2.4.2 As observações

Após o primeiro contato com os sujeitos, no caso gestores e professores, o segundo

momento foi o da observação de três aulas seqüenciais dos professores de Educação Física.

Optei por observar as aulas dos 4º anos, pois é uma série intermediária entre 1º e 2º ciclos e na

qual a maioria dos professores pesquisados ministrava aula.

69

Não foi possível observar as aulas de apenas três professores: a professora ANE já

tinha se afastado para o projeto Escola Integral no segundo semestre; a professora SOL não

ministra aula para 4º anos; e o professor CIN esteve de licença por quase todo o segundo

semestre de 2008. Assim, observei as aulas de oito professores, sendo três aulas consecutivas

de cada, pontuando que os alunos destes professores só foram entrevistados ao término da

segunda aula observada. Foram observadas três aulas devido ao curto tempo para coleta dos

dados e quantidade de sujeitos.

A técnica de observação possibilita um contato pessoal e estreito do pesquisador com

o objeto de pesquisa que, para Lüdke e André (1986), apresenta vantagens como a experiência

direta na ocorrência do fenômeno e a opção do pesquisador em recorrer aos conhecimentos e

experiências pessoais como auxiliares no seu processo de compreensão e interpretação.

Os autores ainda afirmam que a observação direta permite que o observador se

aproxime mais da perspectiva dos sujeitos, auxiliando no descobrimento de novos aspectos do

problema. Contudo, alerta para que o pesquisador não se envolva demasiadamente para que

não obtenha uma visão distorcida do fenômeno, já que a observação pressupõe a interpretação

pessoal.

Nesse sentido, tomei os devidos cuidados para que minha presença não modificasse o

andamento das aulas e nem provocasse sensações angustiantes nos professores e alunos. As

observações foram autorizadas pelos professores de Educação Física, sendo comunicadas e

combinadas previamente.

Elaborei um roteiro para orientar as observações, a fim de me ater em pontos

importantes para a obtenção de dados que me permitiriam uma análise completa do problema.

O roteiro contava das seguintes observações:

a) se o conteúdo citado pelo professor estava sendo desenvolvido durante a

aula;

b) como o conteúdo é desenvolvido segundo suas dimensões conceituais,

procedimentais e atitudinais;

c) a participação e envolvimento com a aula dos alunos que seriam

entrevistados;

d) se havia sequência de conteúdos de uma aula para outra.

Lüdke e André (1986) recomendam que a parte descritiva deva compreender um

registro detalhado do que ocorre ―no campo‖, como descrição de sujeitos, reconstrução de

diálogos, descrição dos locais, de eventos especiais, atividades e comportamentos dos

observados.

70

Em todas as aulas observadas, o primeiro procedimento era de perguntar ao professor

de Educação Física qual seria o conteúdo ministrado naquela aula e anotar no diário de

campo. Depois, acompanhava o professor até o local onde seria realizada a aula, procurando

não chamar atenção das crianças, para não me tornar o centro das atenções e atrapalhar o

professor. Claro que no primeiro dia de observação foi impossível não causar alguma

estranheza nas crianças, mas sanadas todas as dúvidas, logo se esqueciam da minha presença.

Pude, assim, presenciar e anotar os diálogos entre as crianças, entre elas e o professor,

atitudes dos professores em determinadas situações, e até mesmo opiniões, expectativas,

indignações minha, enquanto observadora e outros esclarecimentos necessários. Lüdke e

André (1986) nomeiam esta segunda parte de ―reflexiva‖, em que o pesquisador inclui

anotações pessoais às suas observações.

As observações foram acompanhadas por foto com o objetivo apenas de

complementar ou ilustrar algum fato observado e não na intenção de utilizá-la como um

método de coleta de dados. A câmera utilizada para os registros fotográficos é da marca

Fujifilm, modelo FinePix A330, com 3.2 mega pixels de resolução máxima.

Seguindo as orientações de Lüdke e André (1986), utilizei um pequeno caderno para

anotar minhas observações e destaquei inicialmente a cada registro o dia, hora da aula, local

observado, período de duração, nome do professor e escola. Todo esse material foi transcrito

para o Word, para facilitar o posterior trabalho de análise de dados.

Nas anotações, Bogdan e Biklen (1994) sugerem que todo comentário pessoal do

observador (parte reflexiva) siga a notação C.O, que quer dizer, comentário do observador. Os

diálogos foram ouvidos e transcritos e se encontram entre aspas para facilitar a identificação

do leitor.

2.4.3 Os documentos

O último e talvez mais complicado passo da coleta de dados foi a obtenção de

documentos, no caso, dos planejamentos dos professores de Educação Física. Não foi uma

tarefa fácil, pois cada professor elabora um tipo de planejamento, seja anual, bimestral ou

semanal, todos eles, ou ainda nenhum deles. A maioria dos professores só faz os

planejamentos que são cobrados pela gestão da escola e, mesmo sendo uma responsabilidade

profissional e um compromisso ético, a elaboração de planos de aula semanais são pouco

utilizados pelos mesmos.

71

Desde o início da coleta de dados deixei bem claro todos os procedimentos que

adotaria. Um desses procedimentos é de que seria solicitada ao final do ano letivo de 2008

uma cópia de todo planejamento dos professores. Alguns foram muito além e me entregaram

até cópias dos projetos que desenvolveram durante o ano, porém outros professores não me

entregaram nenhum documento.

Bogdan e Biklen (1994) consideram este tipo de documento como ―oficiais‖, o que

permite um acesso a perspectiva oficial, bem como às várias maneiras como o pessoal da

escola se comunica. Considero assim os planejamentos como documentos oficiais, do tipo

técnico (LÜDKE; ANDRÉ, 1986), em que os professores organizam suas tarefas com

precisão e eficiência para executá-las em sua prática diária.

Lüdke e André (1986, p. 39) indicam três situações básicas em que é apropriado o uso

da análise documental, uma delas justifica nossa escolha que é ―quando se pretende ratificar e

validar informações obtidas por outras técnicas de coleta, como, por exemplo, a entrevista, o

questionário ou a observação‖. Nesta pesquisa, a análise documental é um importante

instrumento que permitirá identificar quais conteúdos planejados e se fazem parte das suas

aulas.

Assim, pude averiguar o que ―dizem‖ os professores (entrevistas), o que

―pensam/planejam‖ (análise documental) e o que ―fazem‖ (observação das aulas). Deste

modo contemplaria uma dimensão maior do objeto de estudo desta pesquisa. .

2.5 A análise dos dados

As análises basearam-se na análise interpretativa dos dados coletados, a fim de

construir-se um conjunto de categorias descritivas.

Em princípio, defini três grandes categorias de análise baseada nos sujeitos desta

pesquisa: a primeira refere-se aos gestores; a segunda, aos professores e a terceira, aos alunos,

lembrando que o meu objeto de pesquisa é a sistematização de conteúdos da Educação Física

para os dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental. Estas três grandes categorias

correspondem a cada um dos meus três capítulos de análise.

O primeiro capítulo de análise foi elaborado a partir das análises das respostas dos

gestores. Foram detectadas recorrências nas respostas dos mesmos, originando assim cinco

subitens de análise: as orientações gerais passadas aos professores de Educação Física; as

orientações sobre os conteúdos específicos; a visão dos gestores sobre a interdisciplinaridade

e trabalho com projetos; os conteúdos trabalhados pelos professores de Educação Física

72

segundo depoimentos dos gestores; os conteúdos que os gestores acreditam que deveriam ser

ensinados nas aulas de Educação Física e não são.

No segundo capítulo da análise dos professores, dividi em três partes partindo dos

elementos de análise, pensando na lógica de construção da sistematização de conteúdos pelos

professores. Neste sentido, no primeiro momento, apresento a análise dos planejamentos dos

professores, pois mesmo sendo a última fase da coleta de dados, subentende-se que o ato de

planejar é anterior ao ―dizer sobre‖ ou ―executar a ação‖. Na sequência, a segunda fase da

análise, corresponde à fala dos professores (entrevistas) e, a terceira fase, às observações de

suas aulas (ao fazer do professor).

O terceiro capítulo de análise corresponde às falas das crianças sobre quais conteúdos

aprendem nas aulas de Educação Física. Percebe-se que há também uma lógica na sequência

dos capítulos propostos, lendo o contexto escolar numa estrutura vertical: os gestores

oferecendo apoio administrativo e pedagógico aos professores, estes, elaborando e executando

suas ações pedagógicas e os alunos, foco do ensino-aprendizagem, recebendo os

conhecimentos transmitidos pelos professores.

A estrutura da análise é a seguinte:

Capítulo 3 – Orientações dos gestores quanto à sistematização de conteúdos (análise

de entrevistas e documentos).

Capítulo 4 – Sistematização de conteúdos: visão dos professores de Educação Física.

O que planejam? (análise de documentos);

O que dizem? (análise das entrevistas);

O que fazem? (análise das observações de aulas);

Capítulo 5 – A visão dos alunos: quais conteúdos aprendem?(entrevistas).

73

Capítulo 3

PERCEPÇÕES DOS GESTORES: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Venho neste momento retratar as percepções dos gestores das escolas pesquisadas

quanto aos conteúdos específicos da Educação Física, bem como uma possível sistematização

dos mesmos para cada ciclo de aprendizagem e/ou cada ano inicial do Ensino Fundamental.

Lembrando que os gestores contribuíram com a pesquisa através de entrevistas e, apenas um

gestor — único da área de Educação Física — com documentos oficiais, no caso, seu

planejamento, de quando atuava como professor.

Aos gestores, direcionei dois questionamentos fundamentais: um, alusivo aos

direcionamentos dados aos professores de Educação Física quanto aos conteúdos específicos:

outro, sobre as orientações em relação à organização destes conteúdos, para cada ano do

Ensino Fundamental (1º e 2º ciclos).

A seguir, serão apresentados os depoimentos dos gestores, bem como a análise de suas

falas. Os depoimentos foram classificados de acordo com as categorias teóricas iniciais ou

conceitos emergentes (LÜDKE; ANDRÉ, 1986).

3.1 Orientações dos gestores aos professores de sua escola

Serão apresentados os depoimentos dos gestores sobre as orientações dadas aos

professores de Educação Física da sua escola a respeito dos conteúdos específicos e sua

organização para os ciclos. Vejamos o que dizem as diretoras de três escolas:

Olha, esse lado aí eu deixo mais pro coordenador. Eu vou ser sincera pra você, tá?

Ela fala comigo o que vai fazer com o profissional e eu apoio, tá tudo bem pode

fazer desse jeito, tá? (NAI/F – 52 anos – D. E6).

(...) a coordenadora está sempre perto, tá sempre cobrando, discutindo com eles. Só

que, ainda não sai tão... não sai. A gente acaba perdendo a... A SIL, a coordenadora,

que é ela (coordenadora) que tem um contato maior, eu fico sabendo porque a gente

conversa muito, eu fico sabendo mas não sou eu que acompanho diretamente, é ela

(ANT/F – 38 anos – D. E4).

Da parte pedagógica não, eu posso assim, em reunião ou nós duas conversando, eu

dar alguma sugestão, mas a coordenadora é encarregada pelo pedagógico. Ela não

toma nenhuma decisão sozinha, assim como eu não tomo nenhuma decisão sozinha,

mas conjuntamente, com ela a frente do pedagógico (ROS/F – 32 anos – D. E1).

Contextualizando a gestão das escolas, nas três respostas anteriores percebi que os

diretores, mesmo tendo uma opinião própria e, às vezes, até diferente das coordenadoras, a

74

atribuição de fazer considerações acerca da prática pedagógica do professor é da coordenação,

o que também não impede ao diretor de fazê-la. Na realidade, a função de coordenação, em

qualquer escola, exige por parte do professor que a assume, um contato maior com as práticas

pedagógicas. Então, salvo algumas exceções, a maioria dos questionamentos foi respondida

com maior profundidade pelas coordenadoras.

Outras duas escolas optam pelo trabalho coletivo entre diretora e coordenadora,

ficando ambas responsáveis por acompanhar o trabalho do professor de Educação Física e

fazer as orientações pedagógicas necessárias. Na fala das gestoras da E2 esta visão não é

explícita, mas fica bem evidente no decorrer da entrevista. Já a diretora da E3 deixa isso bem

claro em sua fala. Vejamos:

A minha interferência é direta, enquanto diretora não, mas eu diria assim, eu sou

uma diretora muito pedagógica. Eu falo a verdade pra você, assim, eu sou mais do

pedagógico do que do administrativo, muito embora eu tenho as pessoas que a gente

caminha bem dentro da escola. A gente procura fazer um trabalho coletivo, então, a

gente num tem isso assim, a coordenadora que tá fazendo isso, a diretora que tá

fazendo, não. Esse é um trabalho coletivo mesmo, dentro da escola, e aí quando eu

vejo qualquer coisa assim que muitas vezes, pra mim, algumas horas pode não estar

correta, minha prática é sentar primeiro com a coordenadora ver como que está, ver

o que ela acha, como nós vamos trabalhar, e aí a gente trabalha. Eu nunca fiz um

trabalho isolado de chamar a professora de Educação Física e falar olha você tem

que trabalhar assim, assim não. Por exemplo, ontem na hora que a coordenadora

chegou na escola eu já estava com o e-mail do professor e já estava passando pra ele

como que nessa escola trabalha. Então quando a coordenadora chegou ela fez só

complementar porque a gente não tem assim você tem que dar isso. (ENE/F – 54

anos – D. E3).

Na escola E5, a situação é distinta, pois o diretor da escola é professor de Educação

Física. Inclusive, vale ressaltar que o diretor BER é o único gestor do sexo masculino

participante desta pesquisa, sendo os demais do sexo feminino. A coordenadora da E5 diz

―(...) porque assim, eu não tenho uma formação em Educação Física, a gente não domina

tudo, mas eu tenho o BER que tá sempre ajudando a orientar, porque ele é um professor de

Educação Física. Então ele ajuda a orientar os professores‖ (ERO/F – 39 anos – C. E5).

Sobre os conteúdos específicos da Educação Física, duas coordenadoras (SIL e OLI)

relatam que não interferem no trabalho do professor de Educação Física, tendo ele autonomia

para escolher os conteúdos para cada ano de ensino. Na fala da coordenadora SIL a seguir, o

que se percebe é a liberdade para os professores escolherem a melhor forma de trabalhar,

dando apenas direcionamentos mais gerais, no âmbito pedagógico e não indicando conteúdos

a serem trabalhados.

75

Por não dominar, é uma área que as professoras dominam muito mais do que eu, os

conteúdos basicamente são elas que definem. Por exemplo, tá aqui a habilidade que

foi encaminhada pela rede, aí o quê que a professora precisa fazer para dar conta,

quais são os conteúdos que ela vai lançar mão pra dar conta? Aí a gente discute as

habilidades, qual que é o conteúdo? Se ela me disser é esse que vai dar conta, eu não

tenho argumentos pra rebatê-la, não tenho, o que elas me dizem acaba ficando, né?

Em algumas situações eu leio a respeito sobre o assunto, sobre a temática, eu tento

comparar, verificar, mas eu ainda não tive elementos pra perceber que tinha alguma

irregularidade grande naquilo que elas fizeram. Eu não tenho condições,

infelizmente... (SIL/F – 34 anos – C. E4).

A coordenadora OLI da escola E1, diz que as professoras de Educação Física de sua

escola organizam os conteúdos no planejamento anual e assim, não precisam acrescentar

outros direcionamentos. Vejamos o que ela diz:

(...) no início do ano elas fazem planejamento anual e aí dentro do planejamento

anual elas mesmo já dividem isso, então não precisa de eu estar acrescentando em

um trabalho que já está bem dividido, elas dividem muito bem, tanto pelo ciclo

como pelo ano de cada ciclo. Aí são além desse trabalho, quando eu recebo o

planejamento anual já vem tudinho as orientações específicas. Porque no início do

ano nós temos uma semana de planejamento e esse planejamento além de reuniões

pedagógicas, nós temos um momento pra que cada professor coloque é... no papel

tudo o que vai ser trabalhado. (...) E aí dentro desse planejamento, que é o

planejamento anual, quando eu retenho, eu vejo quais são as orientações, como elas

vão trabalhar e durante o ano aí tem planejamento semanal e elas fazem essa

especificidade... (OLI/F – 47 anos – C. E1).

O planejamento de ensino deve ser compreendido e concebido como uma das

responsabilidades do professore, portanto, também do professor de Educação Física, que tem

condições de organizar sua tarefa docente com precisão e eficiência (MOREIRA, 2008).

As análises mostraram que os diretores pouco interferem no trabalho dos professores

de suas escolas, deixando esta ação para os coordenadores. Acredito que se os professores de

Educação Física tivessem a consciência da importância de planejar suas aulas, organizando os

conteúdos para cada ano da educação básica, as discussões a respeito da sistematização de

conteúdos teria outro enfoque. Não precisaria ser enfatizada sua necessidade, tão pouco

constatar a falta dela, mas as discussões poderiam permear dimensões mais metodológicas do

que conceituais.

3.2 Conteúdos específicos orientados pelos gestores

Os documentos formais mais citados pelos gestores como base utilizada para sugerir

conteúdos específicos da Educação Física aos professores de sua escola são

fundamentalmente três: os PCNs, o projeto da Escola Sarã e o dossiê. Os dois primeiros são

apenas citados, porém os dossiês são mais evidenciados na fala de alguns gestores. Outro

76

documento, mas este de caráter informal, citado como orientação aos professores é o

planejamento pessoal elaborado pelo diretor BER enquanto ainda professor de Educação

Física de sua escola.

Vale à pena ressaltar que os gestores deram ênfase nos questionamentos sobre os

conteúdos específicos, porém sobre a sistematização dos mesmos a maioria desviou o assunto,

voltando a falar apenas dos conteúdos específicos.

Apenas em uma das escolas os gestores não fazem menção a nenhum documento

formal que apresente aos professores a fim de orientar seu trabalho. E, das seis escolas

pesquisadas, em três delas os gestores mencionam utilizar os PCNs como orientação para os

professores de Educação Física selecionarem os conteúdos específicos e sistematizar os

mesmos. Vejamos as falas a seguir.

Tem orientação porque nós trabalhamos com os PCNs, embora o pessoal não usa,

mas eles são de grande contribuição para que nos dê diretrizes pra fazer ou o projeto

da EF, ou o plano de aula, ou o planejamento, é ele que nos dá a diretriz (...) (VIT/F

– 56 anos – C. E2).

Da Secretaria de Educação não, nós seguimos como orientação também os

Parâmetros Curriculares. Vindo diretamente de lá pras escolas não. Mas eles tem é...

pagam curso, foi esse ano? Foi ano passado se não me engano que eles tiveram...

esse ano também tiveram (ROS/F – 32 anos – D. E1)

(...) nós temos assim o PCN, né? que eu passo pra eles, distribuo o material pra eles,

que é o que eu tenho acesso a alguns materiais eu distribuo pra eles (ERO/F – 39

anos – C. E5).

A coordenadora VIT, quando questionada se existia alguma orientação da gestão da

escola em relação aos conteúdos específicos a serem trabalhados na Educação Física,

menciona os PCNs, mas alega que são pouco utilizados pelos professores. Já a diretora ROS

comenta que da Secretaria de Educação não existe nenhuma orientação para os conteúdos

específicos e nem para organização dos mesmos para cada ano de ensino. É interessante esta

fala porque sugere que a Secretaria de Educação não interfere no trabalho pedagógico das

escolas, dando-lhes autonomia para escolher a melhor forma de trabalhar. Entretanto, existe

sim um referencial oficial que aborda conteúdos específicos, embora precariamente, que é o

projeto da escola Sarã.

No caso da escola E5, a coordenadora relatou que oferece os PCNs aos professores de

Educação Física fazerem uso do material; o diretor da escola, já sugere o livro da escola Sarã

como referência ao trabalho dos professores, pois o material traz os objetivos para cada ciclo

e a partir daí podem organizar os conteúdos.

77

(...) No Livro Sarã, que é a ―Bíblia‖ da escola municipal, não só pra Educação Física

como também pras outras disciplinas, em termos curriculares, lá tem os objetivos de

formação pro primeiro ciclo, pro segundo ciclo e também pra Educação Infantil.

Então, pra se montar um planejamento tem que estar baseado ali, os tipos de

atividades aplicadas e desenvolvidas em cada faixa-etária, Educação Infantil,

primeiro ciclo e segundo ciclo. Aí cabe ao professor se organizar pra tomar esse

cuidado pra... não é? (BER/M – 44 anos – D. E5).

Neste momento, acredito que os dossiês merecem destaque, já que no referencial

teórico pude relatar os conteúdos propostos pelos PCNs e escola Sarã. Os dossiês constituem-

se documentos de avaliação exclusivos para todas as escolas da Secretaria Municipal de

Educação de Cuiabá-MT. Este documento, diferente para cada ciclo, traz uma matriz de

habilidades e competências que os alunos devem desenvolver através do trabalho do

professor. Não importa qual conteúdo será desenvolvido, ele sempre será avaliado em relação

às habilidades e competências (resultados esperados) determinadas para a matriz do ciclo em

que ele se encontra.

Em duas das escolas pesquisadas, os gestores fazem menção aos dossiês. A diretora da

E3 explica que as habilidades contidas nos dossiês foram retiradas do projeto da escola Sarã.

Vejamos sua fala.

Como referência nossa, seria ainda a escola Sarã, tá? Porque nós temos um manual

praticamente porque ali, e também dentro do projeto Sarã foi feito um trabalho

coletivo dentro da rede, todo mundo estudou, então ali já tem todas as nossas

habilidades, e essas habilidades foram elaboradas também pelos professores de

Educação Física. Então a gente, praticamente não diria que é a nossa... mas é o

nosso dia a dia, o que contempla no dossiê, também contempla dentro do nosso

projeto político pedagógico (ENE/F – 54 anos – D. E3)

A coordenadora e a diretora da E3 têm a mesma opinião quanto à utilização dos

dossiês para seleção de conteúdos específicos. Elas dizem que não existe direcionamento para

o conteúdo em particular, mas que nas habilidades trazidas pelos dossiês já estão descritos os

conteúdos a serem trabalhados.

Não, não os conteúdos, assim, em si, não, mas de acordo com as habilidades que

eles têm que desenvolver, de acordo com o dossiê, porque é através daqui que a

gente trabalha, e eles, daqui, ele mesmo vai tirar os conteúdos (NOR/F – 44 anos –

C. E3).

(...) mas neste dossiê dos alunos, já vem praticamente o que específico que eles têm

que trabalhar. Então, a gente tem o nosso projeto, mas não esquece das habilidades

que cada aluno tem que alcançar, e aqui nesse dossiê, já estava escrito de todas as

disciplinas como o professor tem que trabalhar, né? As habilidades (ENE/F – 54

anos – D. E3).

Vejamos então as habilidades contidas nos dossiês de 1º e 2º ciclo. Ambos trazem

inicialmente uma página contendo os ―aspectos psicológicos e atitudinais‖ que são

habilidades gerais a serem atingidas por todas as disciplinas.

78

Estas habilidades são as mesmas para 1º e 2º ciclo, e são elas: revela comportamento

de assiduidade; demonstra pontualidade nas entradas e saídas da escola; realiza tarefas na

escola em casa, com autonomia; demonstra atitudes de conservação do patrimônio público;

emite opiniões, formula perguntas e suposições sobre o assunto em estudo; relaciona-se de

forma educada com os colegas e professores (evita agressões físicas e verbais); demonstra

atitudes de autoconfiança frente às aprendizagens; envolve-se nas atividades propostas em

sala e extraclasse; participa das aulas de apoio com assiduidade e pontualidade, quando

encaminhado.

Entendo que estas habilidades se referem à dimensão atitudinal do conteúdo, proposta

por Coll e colaboradores (2000) e, ainda, podem ser classificadas como transversais, pois são

comuns a todos conteúdos de todas disciplinas, como apresentado no referencial teórico.

Para o 1º ciclo, a diretora da E3 nos alerta que ―não é por disciplina, é por área, no

caso, Linguagens. Mas há alguns itens, por exemplo,como apresentar movimentos de

destrezas de acordo com as possibilidades, então a gente vê aqui no que a professora de

Educação Física pode estar avaliando‖ (ENE/F – 54 anos – D. E3).

Na área de Linguagens, lócus da Educação Física, das dezessete habilidades a serem

atingidas pelos alunos ao longo dos três anos do 1º ciclo, apenas três correspondem a

Educação Física. São elas:

1) Apresentar movimentos de destreza, de acordo com suas possibilidades individuais,

durante os jogos, lutas, danças, esportes e ginásticas;

2) Reconhecer que a cooperação e o sentimento comunitário são mais importantes que

a luta competitiva;

3) Criar, imitar e recriar gestos, expressões, coreografias, sequências de movimentos

corporais.

A diretora ENE completa que ―as habilidades mostram que os conteúdos já estão

descritos nessas habilidades‖. Neste sentido, a primeira habilidade descrita anteriormente

indica, por exemplo, que eu posso selecionar os conteúdos jogos, lutas, danças, esportes e

ginásticas e suas possibilidades de movimentação, além do conhecimento do próprio corpo.

É possível perceber que através destas habilidades a serem avaliadas nos dossiês, os

professores de Educação Física tenderiam a selecionar os blocos de conteúdos explicitados

pelos PCNs (conhecimentos sobre o corpo; esportes, jogos, lutas e ginásticas; atividades

rítmicas e expressivas). Além de também direcionar a seleção de conteúdos atitudinais, como

a cooperação e criatividade.

Para o 2º ciclo, as habilidades e competências estão divididas por disciplinas e,

portanto, a Educação Física tem uma página exclusiva. São descritas seis habilidades a serem

avaliadas na Educação Física, sendo elas:

79

1) Participar em atividades rítmicas e expressivas, danças da localidade, coreografias,

etc.

2) Participar em atividades competitivas, respeitando as regras, não discriminando

colegas e admitindo frustrações.

3) Expressar opiniões pessoais quanto a atitudes e estratégias a serem utilizadas em

situações de jogos, esportes e lutas.

4) Compreender a relação e a importância da prática das manifestações corporais

enquanto fator de manutenção da saúde e bem estar físico e mental.

5) Participar da prática/exibição das manifestações corporais na escola e na

comunidade.

6) Demonstrar sensibilidade às solicitações dos outros membros do grupo.

Novamente é possível destacar os blocos de conteúdos contidos nos PCNs como base

para seleção de conteúdos através das habilidades descritas acima. Percebe-se também que há

uma progressão em relação ao primeiro ciclo, ou seja, um leve aprofundamento das

habilidades e, consequentemente, dos conteúdos.

Deste modo, pelo menos em relação aos ciclos de aprendizagem (1º e 2º ciclos),

subentende-se que os conteúdos devem ser distintos, sugerindo que o professor de Educação

Física deva sistematizar os conteúdos e não repeti-los ou simplesmente reproduzi-los em cada

ciclo de aprendizagem. Por exemplo, quando se pensa no bloco de conteúdos ―conhecimentos

sobre o corpo‖, para o 1º ciclo é necessário conhecer o próprio corpo e seus limites, e no 2º

ciclo as relações entre atividade física e saúde. É o indício de que este conteúdo deve ser

organizado para cada ciclo.

Quando questionadas sobre a existência de uma sistematização dos conteúdos

específicos para a Educação Física, a coordenadora NOR diz se basear nas habilidades, que o

professor deve avaliar se foi ou não construída pelo aluno. Porém, não evidencia nada em

específico sobre a sistematização.

Tudo em cima das habilidades (...), por exemplo, ela vai ter que... Construída ou não

construída. Então se ela desenvolveu a participação rítmica dos alunos, ela sabe se o

Cláudio construiu essa habilidade, porque essa aqui, essa aqui é a avaliação do

aluno. (...) É porque nós somos escola ciclada, é escola ciclada, então, tudo a gente

vai ver dentro do dossiê (NOR/F – 44 anos – C. E3).

A diretora ENE, no entanto, explicita que as habilidades devem ser trabalhadas no

decorrer dos três anos do ciclo, cabendo ao professor eleger atividades para desenvolvê-las.

Ela sugere que as atividades podem ser as mesmas para cada ano, mas com diferentes graus

de dificuldade. Percebe-se que ela fala de atividades aplicadas durante as aulas e não em

conteúdos específicos para cada ano de ensino.

80

Tem, tem sim. Por exemplo, no primeiro ciclo, deixa eu pegar um dossiê pra você

ver, o dossiê ele é feito pra 3 anos, entendeu? (...) O professor põe a mesma

habilidade, aqui também as habilidades, mas aí o professor vai ter que fazer as

atividades para trabalhar as habilidades que estão descritas aqui. Pode ser a mesma

coisa, mas vai alcançando um grau de dificuldade, por exemplo. (ENE/F – 54 anos –

D. E3).

Na escola E4, a diretora relata que a equipe (gestores e professores) foi além da

divisão por ciclos de aprendizagem e decompuseram as habilidades em etapas. As etapas

correspondem a cada ano dentro dos ciclos, ou seja, dentro das habilidades propostas para

cada ciclo, a equipe destacou quais seriam específicos para o 1º ano, 2º, 3º até o 6º ano.

(...) tem? Porque a gente recebe a matriz de habilidades que vocês já devem ter

entrado em contato com ela. Então lá, tem assim o que você precisa trabalhar no

primeiro ciclo, no segundo (...) o professor quando ele vai fazer a avaliação dele,

eles têm como referência a matriz (...) tem que trabalhar tá lá dentro. E esse início de

ano foi levantado assim, o que o primeiro ciclo tem, o que cabe a ela dentro dessa

matriz que se avalia em ciclo que são três anos, o que o primeiro ciclo cabe a ela, o

que não, o que a primeira etapa cabe a ela, o que a segunda cabe, o que a terceira

etapa cabe, dentro de um ciclo. (...) A orientação é por ciclo e dividido em etapas a

partir deste ano. Então nós estamos tentando trabalhar dessa forma, até pra não se

perder, que quando você fala em ciclo, né? são três anos, então, vai deixando, vai

deixando e no final do ciclo atropela e num dá tempo mais... (ANT/F – 38 anos – D.

E4).

Esta divisão por etapas relatada pela diretora ANT foi uma forma encontrada para que

os professores não trabalhassem com determinadas habilidades em um ano e deixassem de

lado as outras, tendo ao final do ciclo que resgatá-las de uma vez só. A proposta desta escola é

interessante, mostrando a necessidade de se ter habilidades específicas para cada ano de

ensino e, consequentemente, de uma sistematização dos conteúdos da Educação Física.

Não obstante, a E5 tem em sua direção um professor de Educação Física, o único

gestor com formação específica nas escolas pesquisadas. O diretor BER, quando ainda

professor de Educação Física da mesma escola, construiu em sua prática docente saberes

sobre os conteúdos específicos que são repassados aos professores de sua escola. Estes

saberes estão inscritos no seu planejamento que se constitui um documento informal de

orientação aos professores de sua escola.

É perceptível em seu depoimento a insatisfação com as aulas de Educação Física em

sua escola, pois tinha a utopia que com o seu apoio na direção da escola, a Educação Física

seria melhor. Observemos sua narração a seguir.

81

É tratamento... Até brincando, eu não sei, acho que é tratamento de Deus. É... a

minha luta pra mim hoje tá aqui não foi fácil, porque os alunos eles não queriam que

eu deixasse a sala de aula, por causa disso, que eles não queriam me perder, mas eu

como bom político escolar, eu prometi pra eles, eu falei: ―Não, virão professores

melhores, eu vou virar as costas, vocês vão escolher dois ou três melhores do que eu,

vocês vão me abandonar‖. Então coloquei tudo isso pra eles, mas... infelizmente não

aconteceu, os que eu queria que viessem pra cá, não teve como eu trazer pra cá,

entendeu? (BER/M – 44 anos – D. E5).

O diretor BER, quando deixou a sala de aula para ser diretor, tinha como ideal tentar

melhorar a Educação Física em sua escola. Os saberes construídos em sua prática docente

foram repassados aos professores de sua escola, mas não são aplicados como ele queria. Ele

afirma ainda ―eu tenho observado, como bom observador, que não aplica, não aplica,

infelizmente não aplica, né? Uns aplicam e outros não. Eu fico triste de ver uma situação

desta (...)‖ (BER/M – 44 anos – D. E5). A escola ainda conta com vários projetos

conquistados por ele.

Em sua fala de planejamento anual construído em sua prática docente não foi possível

perceber uma sistematização dos conteúdos para cada ano de ensino, porém em alguns

momentos ele propõe atividades específicas para cada ciclo (1º e 2º). Em seu planejamento,

explica detalhadamente quais são os conteúdos específicos dentro de cada bloco de conteúdos

dos PCNs.

Ele divide os conteúdos para cada bimestre do ano letivo, sendo ―Jogos e

Brincadeiras‖ para o 1º bimestre, ―Dança e Lutas‖ para o 2º bimestre, ―Ginástica‖ para o 3º

bimestre e ―Esportes‖ para o 4º bimestre. Não faz referência aos ―conhecimentos sobre o

corpo‖, porém em seu planejamento identifiquei alguns conteúdos relacionados a este bloco.

Ele também não especifica os conteúdos em suas três dimensões (conceitual, procedimental e

atitudinal), contudo é notável em seu planejamento que trabalha com as três.

Em seu depoimento, dá exemplos de como desenvolver cada conteúdo, explicitando

que está tudo em seu planejamento. Vejamos primeiro o que ele propõe para o 1º bimestre

sobre os conteúdos ―Jogos e Brincadeiras‖.

Jogos e brincadeiras é trabalhar, é... Brincadeiras de roda, resgatar as brincadeiras da

região, do bairro, quais são as principais brincadeiras, jogos e brincadeiras que as

crianças mais brincam no bairro, então se faz um questionário, pesquisa pra eles...

Pra saber quais são os principais jogos e brincadeiras que os pais deles brincavam e

quais são os principais jogos e brincadeiras que as crianças brincam aqui no bairro,

então se faz um questionário, se faz uma votação, aí depois essa votação fica

sabendo quais são as mais... Quais são as brincadeiras que eles mais praticaram, aí

essas brincadeiras, aí o professor aplica, né, de acordo com vontade deles, vamos

jogar hoje é... Esconde-esconde, pique latinha, corre-cutia, entendeu? Então é os

jogos e brincadeiras, e os jogos é... Regionais da região, tá? É o jogo de bola que

fala, né, joga bola no campinho, de travinha (BER/M – 44 anos – D. E5).

82

As atividades citadas anteriormente referem-se aos conteúdos de Jogos e Brincadeiras

Populares, Regionais e da Época, explícitos em seu planejamento. A seguir, a figura 9 retirada

de seu planejamento anual registra os conteúdos específicos sugeridos/trabalhados por ele

neste bloco de conteúdos.

Figura 9: Conteúdos Jogos e Brincadeiras, retirado do planejamento

entregue pelo diretor BER (BER/M – 44 anos – D. E5).

A partir do depoimento do diretor BER, da figura exposta anteriormente e análise do

material entregue por ele, cheguei ao quadro 8 abaixo que apresenta todos os conteúdos

trabalhados no 1º bimestre por ele. Os conteúdos nem sempre estavam explícitos, então foi

preciso ler nas entrelinhas para detectar o conteúdo sugerido. A divisão nas três dimensões

também foi elaborada por mim, já que não organiza os conteúdos desta forma apesar de

trabalhá-los.

83

Quadro 8: conteúdos ―Jogos e Brincadeiras‖

1º Bimestre — JOGOS E BRINCADEIRAS

Dimensão do

conteúdo

Conteúdos propostos Atividades sugeridas

1º ciclo 2º ciclo

Conceitual

Levantamento e investigação dos

jogos/brincadeiras conhecidos dos alunos,

professor, família e bairro.

- Estórias e relatos sobre jogos e brincadeiras da

infância, professor, pais, próprio aluno e colega.

Procedimental 1- Jogos populares, regionais, nacionais,

modernos, antigos e de época

- Aplicação/Vivência de jogos e brincadeiras

conhecidos dos alunos, professor, família e bairro.

- Desenho de jogos praticados.

2- Jogos simbólicos

Maestro, macaco

disse, corre cotia,

coelhinho sai da

toca, casinha,

boneca, carrinho,

espelho, estátua,

batata quente.

Macaco disse,

maestro, ir a

festa, batata

quente, adivinha,

memória.

3- Jogos de socialização em equipe

Futeboliche, pegador com bola (mão e

pé), queimada das pontas, queimada

maluca e simples, cola-cola, pega-

pega, pique no alto, tênis de quadra,

jogo de bolita, esconde-esconde,

pique-latinha, maestro, morto ou vivo,

corre cutia, garrafa venenosa,

coelhinho sai da toca, amarelinha,

handeboliche, futsal travinha, jogo da

linha, futebol sentado.

4- Jogos com regras Futebol sentado,

jogo de bola,

rouba bandeira,

handeboliche,

etc.

Jogo de bola,

handeboliche,

futebol travinha,

rouba bandeira.

5- Jogos motores, de percepção, sensoriais: coordenação motora geral (óculo – manual –

pedal), orientação espaço-temporal, atenção, percepção, agilidade.

6- Jogos competitivos e pré-desportivos:

- noções táticas, de organização e colaboração.

- habilidades de lançar e manusear a bola.

7- Jogos:

- mentais

- afetivo-social

- construção

- lúdicos

- recreativos (livres

e dirigidos)

8- Brincadeiras de roda: cantigas, ladainhas e cantadas

Atitudinal - Questionamentos de regras

- Comunicação/ relacionamento aluno-escola, aluno-família e aluno-bairro.

- Compromisso, prestação de contas, responsabilidade e deveres

- Ficção, imaginação, imitação, criatividade, desafio, bons hábitos, saúde e bem estar,

expressão, atitude e valores, socialibização, aproximação, comunicação e afetividade.

- Jogos com regras: organização de equipes (par ou impar, dois ou um, tempo, número de

pontos, número de alunos, equipes mistas ou não, escolha de quadra ou bola, camisa ou

sem camisa, vencedor ou perdedor, outra oportunidade, eliminado, ganhador, perdedor)

- regras de convivência, liderança, conscientização.

- participação, segurança, desafio, interesse, socialização, criatividade em grupo, regras.

Baseado no planejamento do diretor BER/M – 44 anos – D. E5

84

Darido e Rangel (2005) nos alertam quanto às características dos jogos, podendo ser

reproduzidos, transformados ou criados. Se observarmos atentamente o quadro anterior,

verifica-se que o diretor BER propõe apenas jogos ―reproduzidos‖, ou seja, aqueles que

possibilitam a manutenção das tradições culturais. Este tipo de jogo está em constante

transformação, pois vão incorporando criações que são transmitidas pela oralidade. As autoras

enfatizam que a reprodução de jogos é necessária nas aulas de Educação Física, desde que o

aluno saiba exatamente por que se está reproduzindo.

Os jogos também podem ser transformados e/ou criados. Estes dois tipos envolvem

conteúdos atitudinais como a criatividade, resolução de problemas e criação/modificação de

regras. Porém, este tipo de jogo, tão importante para a formação crítica e autônoma dos

alunos, não aparecem na fala ou planejamento do diretor BER.

Sobre este bloco de conteúdos, ainda senti a necessidade de diferenciar ―jogo‖ e

―brincadeira‖, além de sistematizar os conteúdos. No entanto, a sistematização não é proposta

para nenhum conteúdo explicitado em sua proposta, mas é um avanço elencar esta diversidade

de conteúdos para os anos iniciais do Ensino Fundamental.

A dança, compreendida no bloco de conteúdos ―atividades rítmicas, expressivas e

danças‖, é proposta para o 2º bimestre. O diretor BER explica as estratégias que utiliza para

aplicar estes conteúdos nas aulas de Educação Física, enfatizando a utilização de monitores,

ou seja, ex-alunos da escola como auxiliares nas aulas e eventos. Vejamos o que ele fala.

Com relação a dança também a orientação que tá no planejamento do professor é...

também faz um questionário, quais são os principais tipos de dança que os pais

também mais gostavam ou mais gostam de praticar e de dançar, quais são os lugares

onde as pessoas mais dançam, onde que as pessoas dançam, e depois a parte, outra

parte teórica é repassar pros alunos vários tipos de dança, pede pra eles trazerem de

casa,o cd, as músicas, aí a gente ouve as músicas tudinho, aí começa a definir, que

música que é, que ritmo que é, tá? E depois a questão prática é mostrar alguns

ritmos, de tipos de dança, principalmente da região, rasqueado, tem o lambadão,

cururu, siriri, e outras danças, e daí se cria coreografia e já envolve os alunos pro

festival de dança, envolve a comunidade, envolve os ex-alunos também pra fazer

parte do festival de dança, envolve os ex-alunos ou os alunos que tem uma qualidade

já na dança tem um potencial, esses alunos eles trabalham como monitores nas aulas

de Educação Física já ensinando outros, você passa duas, três, quatro movimentos

pra eles aí já se cria uma coreografia e ele já começa a fazer uma coreografia pra

um, pra outro, tal, então daí vai construindo várias outras coreografias e os ex-alunos

desses que sempre gostaram de dança, que eram destaque nas aulas de dança, a

gente convida eles pra tá aqui eles sempre como já trabalharam em outras escolas a

questão da dança, então eu convido eles pra estar aqui, aí eles já envolvem aí com os

alunos pra tá ensinando algumas outras coreografias e daí o resultado final é o

festival de dança, não é? (BER/M – 44 anos – D. E5).

É importante destacar a valorização das danças regionais de Mato Grosso

especificadas pelo diretor BER. Os PCNs enfatizam a necessidade da escola trabalhar com o

85

repertório cultural local, garantindo o acesso de experiências que os alunos talvez não

tivessem fora da escola (BRASIL, 1997).

No quadro 9 a seguir, foram elencados os conteúdos da dança e lutas contemplados no

discurso e no planejamento do diretor BER para o trabalho no 2º bimestre. Observe que os

conteúdos das lutas não aparecem em sua fala, apenas no planejamento; e as danças não são

contempladas na dimensão atitudinal.

Quadro 9: Conteúdos ―Dança, Lutas e Capoeira‖

2º Bimestre — DANÇA, LUTAS e CAPOEIRA Dimensão do

conteúdo Conteúdos

DANÇA LUTAS

Conceitual

- Origem e significado - reflexões pedagógicas: tempo,

espaço, corporal, social e afetiva - levantamento das danças praticadas

pelos pais e os lugares praticados - tipos de danças (ritmos)

- conceito e significado de luta -luta dos animais -tipos de lutas - armas utilizadas em lutas - boxe e judô — vídeos e filmes: ―A

cruz e o punhal‖ - apresentação de desenhos e fotos

sobre lutas Procedimental - vivência de alguns tipos de dança

- danças regionais: rasqueado,

lambadão, siriri, cururu. - criação de coreografias (festival de

dança)

- centro de controle do próprio corpo - respiração, contração - luta livre, briga de galo e simulação

de guerra - demonstração dos movimentos de

algumas lutas e intervenção dos

árbitros - movimentos da ginga da capoeira

Atitudinal - cuidados com o corpo do próximo e

com seu próprio corpo. Baseado no planejamento do diretor BER/M – 44 anos – D. E5

É interessante notar que no conteúdo ―lutas‖, o diretor cita os movimentos da ginga da

capoeira. Isso se deve ao fato do diretor adotar os PCNs como referência no seu trabalho. No

capítulo que analisa os dados dos professores de Educação Física, observei outras formas de

classificação e utilização da capoeira, porém vale lembrar que determinamos um bloco de

conteúdos específicos para a capoeira, como explicitado no primeiro capítulo desta

dissertação.

O conteúdo de ―Ginástica‖ é oferecido no 3º bimestre através de estratégias como os

circuitos e a utilização dos próprios espaços e matérias da escola: muros, carteiras e sala de

aula. O diretor BER cita o desdobramento do conteúdo ginástica artística, ginástica calistênica

e dança com bastão. Na verdade, a ginástica calistênica e a dança proferida por ele

correspondem à ginástica rítmica (GR), identificadas pelo trabalho com bastão, arco e fita,

específicos da GR.

86

Já com relação a ginástica, que é no terceiro bimestre, as aulas é mais assim de

trabalho de circuito, vários tipos de circuito diferenciados pra experimentar o corpo,

coordenação motora, ritmo, equilíbrio e tal, pegamos o próprio material que a escola

tem, muro, rampa, alguns colchões a própria carteira de sala de aula deles, mesa, pra

subir por cima por baixo, pra passar de um, de dois de mão dada. Então, explorar

bastante movimento, desafio, mais ou menos assim a aula de dança, e algumas

atividades competitivas, não é? É... na aula de dança também é muito trabalhado

aqui na escola usando bastão que a ginástica calistênica, com bastão aí eles fazem

coreografia de doze, uma série de doze, quinze movimentos, as meninas também

fazem a ginástica com bastão, mas é mais os meninos que termina montando a

coreografias pra se apresentar e as meninas é a ginástica com arco, com arco e com

fita, não é, os bambolês, então elas criam várias coreografias aí até bonita, a aula de

ginástica é trabalhado mais... o forte da escola é isso, de trabalhar a ginástica

calistênica e a ginástica artística aí no final eles fazem apresentação (BER/M – 44

anos – D. E5).

O quadro 10 abaixo representa os conteúdos para o 3º bimestre extraídos de sua fala e

planejamentos.

Quadro 10: Conteúdo ―Ginástica‖

3º Bimestre — GINÁSTICA Dimensão do

conteúdo Conteúdos

Conceitual

- Origem, história e tipos de ginástica - acontecimentos olímpicos — identificação de tipos de ginástica praticados. - identificação de aparelhos e materiais de ginástica

Procedimental - possibilidades de saltar, girar, balançar, equilibrar, pular e rolar. - coreografia — sequência de movimentos - vivências práticas dos alunos na ginástica - Ginástica Artística - Ginástica rítmica — arcos, bastão e fitas.

Atitudinal - situações de desafio relativos ao ambiente natural, sensações afetivas e

cinestésicas — prazer, medo, relaxamento, auto-estima, confiança. - superação de dificuldades, sensações afetivas de medo, insegurança, percepção,

desequilíbrio, vontade, atenção, concentração, agressividade, etc. Baseado no planejamento do diretor BER/M – 44 anos – D. E5

Observei também que o conteúdo proposto para o 1º bimestre (jogos e brincadeiras)

está bem detalhado no planejamento do diretor BER, com planos de aulas e atividades

propostas. Contudo, o mesmo não acontece com os demais conteúdos apresentados, o que

sugere um conhecimento maior do conteúdo jogos e brincadeiras ou, simplesmente, a não

elaboração/registro dos planos de aula dos bimestres subsequentes. Isso também ocorre com o

conteúdo proposto para o 4º bimestre, o ―Esporte‖.

Já no esporte, já no final do ano, fica um pouco mais assim, é... livre, pras aulas mais

recreativas voltado a parte desportiva do futsal, do vôlei, do handebol e do basquete.

Do basquete a gente faz... todas essas modalidades que são as principais que a gente

trabalha aqui, faz o trabalho de iniciação, não é? A exemplo do basquete, o jogo da

cadeira que eles gostam muito que a quadra não é apropriada então faz o jogo da

cadeira e eles divertem bastante, fazendo o jogo da cadeira. Futsal... que mais

trabalha, o que eles mais gostam é o futsal, se for pras aulas de Educação Física ser

só futsal é de fevereiro a dezembro, então só... é mais ou menos assim que nós

trabalhamos (BER/M – 44 anos – D. E5).

87

O conteúdo esporte proposto pelo diretor BER privilegia os esportes coletivos mais

conhecidos e dominantes na escola, o basquetebol, handebol, futsal e voleibol. Mesmo que

este conteúdo seja oferecido em suas três dimensões, há a necessidade de proporcionar outras

práticas esportivas aos alunos, e principalmente sistematizar este conteúdo.

Observemos o quadro 11 que retrata os conteúdos dos esportes propostos pelo diretor

em seu depoimento e planejamentos.

Quadro 11: Conteúdo ―Esporte‖

4º Bimestre — ESPORTE Dimensão do

conteúdo Conteúdos

Conceitual

- origens e principais movimentos e esportes - esporte como vida, saúde, paz e esperança - preferências e experiências no esporte — expressar opinião - esporte do bairro — principais movimentos, forma de disputa, local, horário,

participação do grupo, suas regras, etc. - diferenças, variações e adaptações possíveis do esporte do bairro - sensações diversas provocadas pelo movimento: percepção, reflexo, atenção,

acertos, erros, cuidados, união, solidão, alegria, tristeza, prazer, raiva,

agressividade, calma, controle emocional, etc. - regras dos esportes coletivos.

Procedimental - reconhecimento das propriedades dos objetos e materiais para jogar, oriundos do

ambiente natural e cultural - esportes regionais - jogos pré-desportivos do voleibol, handebol, basquetebol e futsal — iniciação

esportiva - vivência do esporte enquanto parte da cultura corporal do seu bairro - vivência do esporte oficial

Atitudinal - organização - respeito às regras - relações sociais, lazer, convivência com o esporte formal e solidário. - vivência sócio-afetiva individual e coletivamente

Baseado no planejamento do diretor BER/M – 44 anos – D. E5

No quadro anterior, podemos ver que o conteúdo esporte, e também em outros

conteúdos descritos anteriormente, considera-se a relevância social e as características dos

alunos como critérios de seleção dos conteúdos, como proposto pelos PCNs. ―A definição dos

conteúdos buscou guardar uma amplitude que possibilite a consideração das diferenças entre

regiões, cidades e localidades brasileiras e suas respectivas populações.‖ (BRASIL, 1998, p.

67).

88

3.3 A interdisciplinaridade e o trabalho com projetos na visão dos gestores

Notei na fala de alguns gestores a referência ao trabalho interdisciplinar e com

projetos, em que a escola adota uma proposta, a partir de um tema gerador, para todas as

disciplinas desenvolverem.

Neste momento, acho pertinente discutir a apropriação dos gestores quanto ao termo

―interdisciplinar‖ e o trabalho das escolas por projetos. Estas referências ocorreram quando

foram solicitados a responder sobre a orientação na escolha e sistematização dos conteúdos

pelos professores de Educação Física. Vejamos a fala da coordenadora MAR, a seguir:

É porque tem alguns conteúdos que já são da Educação Física, que são

predominantes da Educação Física, então o que eu proponho para o professor é que

ele elabore alguma atividade que se torne a aula dele um pouco... Interdisciplinar

com aquilo que o professor da sala está trabalhando (...) (MAR/F – 29 anos – C. E6).

A coordenadora MAR se apropria do termo interdisciplinar no sentido do professor de

Educação Física procurar saber o que o ―professor da sala‖ está trabalhando com seus alunos,

e assim auxiliá-lo. Este entendimento é recorrente na fala de mais dois gestores de escolas

diferentes. Porém, antes da fala destes gestores, vejamos o que o referencial da Escola Sarã

nos fala sobre o assunto.

A Escola Sarã faz a ―opção por um desenvolvimento curricular dialético, voltado para

uma metodologia globalizada e interdisciplinar, tendo como eixo condutor o Tema Gerador‖

(CUIABÁ, 2000, p. 59). Sobre a globalização, o mesmo texto traz que:

O termo globalização aparece no início deste século com o avanço da psicologia e

de pesquisas que confirmaram a característica global da percepção humana. É a

compreensão do processo global de aprendizagem em que se incluem os interesses e

as experiências dos educandos, o afetivo e o cognitivo. (...) A globalização está

inserida a ideia de que é preciso acreditar no verdadeiro processo de formação do

educando, numa exercitação de capacidades de reflexão sobre a realidade e no

pensar e recriar valores e normas. (CUIABÁ, 2000, p. 59-60).

Conhecer o sentido de globalização se faz importante porque o termo interdisciplinar

está ligado a ele. A interdisciplinaridade é o suporte técnico para que a globalização aconteça

na sala de aula. Exige uma mudança de atitude frente ao conhecimento, buscando a superação

dos limites entre as diferentes disciplinas e organizações do conhecimento. Assim, os saberes

podem ser unificados para melhor atender à complexidade das relações sociais na sociedade

contemporânea (CUIABÁ, 2000).

89

No material entregue pelo diretor da E5 — planejamento anual e bimestral —

encontrei em seu planejamento uma página escrita por ele, abordando a interdisciplinaridade,

mas não consegui detectar de onde extraiu este referencial ou se foi construído por ele.

Ele faz a relação da interdisciplinaridade com a Educação Física. Aponta como

vantagens deste tipo de trabalho que ―o aluno aprende muito mais‖ e adquire ―facilidade nas

disciplinas de matemática/ ciências/ etc.‖. Ao conhecer a concepção que o diretor tem sobre a

Educação Física explicitada em suas falas e em seu planejamento, a citação anterior faz alusão

à importância do conhecimento específico apreendido na Educação Física para se atingir a

globalização sugerida pela escola Sarã. Deste modo, a intenção não é auxiliar as outras

disciplinas, e sim que cada disciplina contribua na sua especificidade para a ―formação de

pessoas mais abertas, flexíveis, solidárias, democráticas e críticas.‖ (CUIABÁ, 2000, p. 60).

Em determinado momento da fala da coordenadora SIL da E4, percebe-se

aproximação da ideia de interdisciplinaridade preconizada pela Escola Sarã e o diretor BER, e

que ao mesmo tempo difere da concepção da diretora de sua escola. É perceptível na fala a

seguir a ideia de que a Educação Física compreende saberes necessários às outras disciplinas,

e não como um auxílio a elas.

Aí nós fazemos essa discussão, de apropriação do espaço, de lateralidade, né, isso a

gente discute, até porque, com a matemática e com a Língua Portuguesa precisa

muito, porque pra escrever essas crianças precisam saber o que é da direita, que é da

esquerda pra direita ou da direita pra esquerda, em cima em baixo, pra escrever é

necessário, né? Pra o conhecimento social, pra localização no espaço, pra

aprendizagem a Geografia, então, tem muita a ver, a gente discute bastante (SIL/F –

34 anos – C. E4).

Voltando ao planejamento do diretor BER (44 anos – D. E5), há o registro de que a

interdisciplinaridade ―é o ponto de partida para uma nova ação pedagógica diferenciada na

escola‖. E que ―todas as disciplinas não são outra coisa senão partes deste todo humano em

formação e mudança‖. Minuta ainda que ela só ocorra ―quando há trocas constantes de

informações entre os professores, visando os mesmos objetivos educacionais propostos pela

escola‖.

Esta última transcrição do planejamento do diretor BER comunga com a proposta da

Escola Sarã quando faz a seguinte menção:

Esse enfrentamento só será possível com o estabelecimento de parcerias entre os

educadores, sustentadas pela inter-relação das diferentes áreas do conhecimento, que

só pode ser construída através da troca entre os pares, da humildade frente ao saber

do outro, da escuta, da reflexão e da crítica, na busca de uma (re)significação do

fazer e do dizer pedagógico. (CUIABÁ, 2000, p. 60)

90

A citação anterior é a chave para a compreensão do significado do termo

interdisciplinaridade apropriada pelos gestores de três escolas diferentes — as coordenadoras

da E1 e E6, e a diretora da E4 — tendo a Educação Física como suporte às demais

disciplinas. Analisemos suas falas.

Olha, o que a gente orienta é o seguinte, que o professor precisa trabalhar mais

integrado com o professor de sala, puxando atividades mais ou menos de acordo

com os conteúdos trabalhados na sala, o que está sendo pensado na sala eles vão ter

essa troca pra ele estar buscando trabalhar, na medida do possível, junto com o

professor de sala (ANT/F – 38 anos – D. E4).

(...) mas alguns conteúdos parecem que o professor referência delegam ao professor

de Educação Física pra trabalhar. Então aí a gente sempre solicita essa parceria pra

que possa estar ajudando a criança a desenvolver melhor. (...) Olha é mais em

relação a interdisciplinaridade, até porque nós temos muita sorte em relação as

nossas 2 professoras de EF (...) (OLI/F – 47 anos – C. E1).

Nos depoimentos anteriores, percebe-se que interdisciplinaridade significa para os

gestores ―trabalhar integrado com o professor da sala‖, ou seja, atender aos interesses das

outras disciplinas, como um reforço, o que na realidade não se constitui como

interdisciplinaridade. Na verdade é uma interpretação incorreta das ―parcerias entre os

educadores‖ sugeridas pela Escola Sarã.

Pereira (2009, p.115) encontrou dados semelhantes em uma pesquisa que revela as

dificuldades dos professores em compreender, de forma mais significativa, o que é

interdisciplinaridade. ―Muitos relatos identificam a prática interdisciplinar como auxilio as

outras disciplinas. Neste caso, a Educação Física é entendida como uma disciplina que pode

promover, por intermédio de suas atividades, vínculos com essas disciplinas‖, sendo citados

pelos sujeitos o auxílio à Língua Portuguesa e a possibilidade de trabalhar os meridianos,

latitude, longitude, entre outros.

Zabala (1998, p. 143) apresenta o seguinte conceito de interdisciplinaridade:

―A interdisciplinaridade é a interação entre duas ou mais disciplinas, que pode ir

desde a simples comunicação de ideias até a interação recíproca dos conceitos

fundamentais e da teoria do conhecimento, da metodologia e dos dados da pesquisa.

Estas interações podem implicar transferências de leis de uma disciplina para outra

e, inclusive, em alguns casos dão lugar a um novo corpo disciplinar, como a

bioquímica ou a psicolinguística.‖

Retomando a fala da coordenadora MAR da E6, que nos deu subsídio para iniciarmos

as discussões sobre interdisciplinaridade, ela traz duas considerações importantes a serem

discutidas neste momento: o trabalho da escola com projetos (tema gerador) e a relutância do

professor de Educação Física em aceitar o trabalho ―interdisciplinar‖ proposto por ela.

91

(...) há pouco tempo que eu estava conversando com eles (professores) pra que esses

conteúdos venham ser interdisciplinar, com o professor da sala e com o projeto que

está sendo trabalhado na escola. Porque o projeto da escola ele é da escola, mas cada

professor ele faz um trabalho na sala, ele tem um conteúdo que ele desenvolve na

sala, aí eu queria que o professor de Educação Física trabalhasse um conteúdo do

projeto e que tornasse algumas atividades de forma interdisciplinar com o professor

da sala, às vezes dá e às vezes o professor fala que não tem como ele fazer isso,

entendeu? Esse é um pouco da nossa, vamos dizer assim, da nossa ansiedade porque

eu gostaria que criasse alguma atividade que fosse dar gancho, ganchos pra prática e

eles acham que às vezes num dá, que tem alguns conteúdos que eles querem

trabalhar: habilidades do corpo, movimentos, entendeu? São específicos, então eles

acham que às vezes eu quero demais (MAR/F – 29 anos – C. E6).

Os professores de Educação Física não aceitam o trabalho ―interdisciplinar‖ porque

querem propor conteúdos específicos, e não perder a especificidade da área. O interessante é

que a coordenadora tem consciência disso, o que mais uma vez nos remete a ideia de

interpretação distinta dos pressupostos da Escola Sarã.

Já o trabalho com projetos é outra orientação da Escola Sarã, tendo como proposta

central a investigação do universo temático, baseado na obra ―Pedagogia do Oprimido‖ de

Paulo Freire (1970, apud CUIABÁ, 2000). É uma investigação realizada por toda comunidade

escolar para selecionar os Temas Geradores a serem desenvolvidos na escola, em forma de

Projeto. Esses temas e subtemas selecionados constituem o eixo orientador dos conteúdos de

aprendizagem em cada disciplina. Assim, os conhecimentos de Português, Matemática ou

Educação Física ―auxiliam no desvelamento dessa temática, numa produção

epistemologicamente interdisciplinar que permite a apropriação, construção e reconstrução

dos conhecimentos necessários para melhor compreender a sociedade contemporânea‖

(CUIABÁ, 2000, p. 62).

As escolas municipais têm autonomia para escolher ou não trabalhar com projetos,

através da seleção de um tema gerador para todas as disciplinas desenvolvê-lo, dentro da sua

especificidade, o que torna o trabalho interdisciplinar. Na E1, a coordenadora explica como é

o trabalho com projetos adotado pela escola. Vejamos seu depoimento.

Trabalhamos com projetos semestrais. Já está dentro da nossa proposta pedagógica,

nós já sabemos quais são os projetos pra trabalhar no 1º, 2º, 3º e 4º. (É um projeto

pra toda a escola?) Isso. (E a EF se encaixa nesse projeto?) Nossa, e elas trabalham

porque aí elas trabalham uma parte corporal da EF, as danças, elas se envolvem

muito. Porque tanto a professora de EF da manhã quanto da tarde, elas gostam muito

de fazer isso, e tem assim além delas fazerem com prazer elas tem esse dom, esse

lado artístico, dentro do meu conhecimento científico elas tem o dom natural (OLI/F

– 47 anos – C. E1).

Existe um projeto comum a todas as disciplinas, sendo um para cada bimestre, porém

subentende-se que os professores de Educação Física tem a função de realizar a parte

―festiva‖ do projeto, a finalização, com apresentações de dança, por exemplo.

92

Percebe-se ainda que a dificuldade está na cobrança dos gestores em exigir que a

Educação Física, historicamente tida como prática, atue como auxiliar às demais disciplinas,

proporcionando atividades (joguinhos) que ajudem a contemplar o tema selecionado pela

escola. Com isso, veremos casos, que serão discutidos no capítulo subsequente, de escolas

que selecionam temas como ―Leitura e escrita‖ ou ―Meio ambiente‖ e os professores de

Educação Física se incluem no projeto apenas aplicando jogos e brincadeiras para ajudar os

alunos a melhorarem a leitura, ou gincanas acerca de arrecadação de lixos recicláveis.

Quando solicitados a falar sobre a sistematização de conteúdos, a coordenadora da E5

discorre sobre o trabalho com projetos, mas de uma maneira diferente das demais escolas, isto

é, os projetos são elaborados pelos professores segundo a necessidade de cada turma. Então,

cada turma tem um ou mais projetos diferentes, utilizados para sanar os problemas detectados.

Vejamos sua fala.

Nós trabalhamos com escola ciclada e era tema gerador, então o que que nós

fizemos, reunião de 2 anos pra analisar, pesquisar na comunidade o que tinha que ser

mudado. Aí no nosso projeto maior, trabalhamos por projetos, e como que acontece?

Tem muita escola que trabalha assim: o projeto grande da escola e o professor só

encaixa no projeto. Então aqui na nossa escola já não é mais assim. O professor

elabora o projeto de acordo com a realidade da sala de aula dele. E cada ano vai ter

uma realidade diferente, então não tem como o professor ficar repetindo projeto.

Depende da necessidade do professor. Pode ser que tenha mais de um projeto na

sala. Pode ser não, acontece. Por exemplo, eu entro na sala de aula e eu detecto lá

que o aluno ele precisa trabalhar mais a questão da socialização, eu vou fazer um

projeto voltado pra isso, e eu vou trabalhando. Se envolvem nesse projeto, todas as

disciplinas. A partir do momento que eu detectar que melhorou, eu posso ou

continuar nesse projeto e ampliar ele, ou fazer outro projeto. Então o tempo desse

projeto pode ser de uma semana, 15 dias, um mês, uma semana, um bimestre ou o

ano inteiro, depende da realidade do professor do aluno. O professor regente

juntamente com o professor de Educação Física, eles vão tentar sanar o problema

detectado, então ele vai trabalhar a parte de Educação Física dentro do projeto. Ele

vai encaixando no projeto (os conteúdos), de acordo com o que ele achar necessário

ele vai encaixando no projeto (ERO/F – 39 anos – C. E5).

O que não fica claro na fala da coordenadora ERO é se o professor de Educação Física

tem autonomia ou não para detectar os problemas ou necessidades dos alunos nas aulas de

Educação Física e, a partir daí, propor um projeto interdisciplinar com o professor regente.

Como o 1º e 2º ciclos nas escolas municipais contam com professores generalistas

(pedagogos), ministrando todas as disciplinas, exceto artes e Educação Física que tem

professores especialistas, se o professor de Educação Física não tiver a compreensão correta

da interdisciplinaridade, novamente ele se tornará refém dos projetos de outros professores,

contribuindo apenas com os conteúdos procedimentais não contemplados pelas outras

disciplinas.

93

Assim sendo, a sistematização dos conteúdos parece não existir, já que os conteúdos

para cada ano são selecionados a partir dos projetos elaborados para cada turma, não existindo

uma organização que oriente os professores. Pois, quando se pensa em sistematização,

acredita-se que os professores saibam o que os alunos deverão aprender naquele ano, e no ano

seguinte darão continuidade àquele conhecimento apreendido anteriormente. E novamente, se

o professor de Educação Física apenas encaixar conteúdos ao projeto de outros professores,

efetivamente não sistematizarão os conteúdos, podendo até repeti-los durante os anos de

ensino.

A título de esclarecimento, não acredito que a sistematização de conteúdos da

Educação Física deva ser indicada pelos gestores da escola, que não têm conhecimentos

específicos sobre o assunto. Porém, subentende-se que se houvesse uma proposta de

conteúdos construída pela Secretaria Municipal de Educação ou pela própria escola, os

gestores orientariam os seus professores de Educação Física a se basearem na mesma.

Na visão da coordenadora MAR da E6, consolida-se a ideia de que a Educação Física

não precisa (não tem) de conteúdos específicos, pois a orientação dela para a sistematização

de conteúdos é a de selecioná-los de acordo com o trabalho do professor de sala.

Eu oriento eles que têm que fazer de acordo com a turma, o quê que o primeiro ano

trabalha. A Educação Infantil (...) está trabalhando com temas, é... Com uma

temática X, então o que vocês podem trabalhar com isso? Brincadeiras, jogos,

atividades recreativas que vá desenvolver no aluno algum relacionamento com

aquilo que o professor está trabalhando na sala. Primeiro ano também, segundo ano

também, então ali eles elencam alguma coisa pra mim que seja nesse sentido, né?

(MAR/F – 29 anos – C. E6).

No depoimento anterior, chega-se a seguinte conclusão: sistematizar os conteúdos...

Para quê? Não há necessidade. O importante é que a Educação Física possa ajudar as demais

disciplinas, propondo atividades para dar conta dos conteúdos procedimentais que as outras

disciplinas insistem em ignorar.

Vejo, neste sentido, a necessidade de rever o conceito de interdisciplinaridade

assimilado pelos gestores e professores de Educação Física, libertando assim a Educação

Física das amarras pedagógicas descontextualizadas.

3.4 Os conteúdos propostos pelos professores de Educação Física segundo depoimentos

dos gestores

Os gestores de três escolas relataram sobre os conteúdos que os professores de

Educação Física desenvolvem em suas escolas, e também como ocorre a sistematização de

94

conteúdos. Aqui, veremos o saber constituído, aplicado, aquele que se materializa nas aulas

de Educação Física, sob a visão ou orientação dos gestores.

Na E2, a coordenadora nos relata que as aulas de Educação Física em sua escola

sofrem com problemas de espaço físico, pois ocorrem dentro da sala de aula. Por isso, os

conteúdos desenvolvidos são praticamente os ―Jogos‖, no caso, os jogos de salão. Ela cita

outras atividades desenvolvidas na sala utilizando arcos, boliche, e aulas de relaxamento.

(...) no caso da professora de Educação Física é o projeto de jogos, porque nós não

temos disponibilidade de espaço suficiente e não temos quadra coberta, então tem

período que quando dá a criança vai pra esse espaço. Quando não tem muito sol nós

conseguimos trabalhar com outra atividade interna na sala de aula. Esse ano na sala

de aula nós estamos trabalhando com o bambolê, com o boliche, pra criança

desenvolver — de 1 a 4 eu tô falando — estamos trabalhando com exercícios de

relaxamento e não precisa ter tanto espaço e pode ser utilizado, e a gente elimina

mais o esporte que é a bola, futebol, esses ficam mais difícil e a criança tem, o

próprio bairro tem, onde eles desenvolverem esse trabalho, ocupar com esse tipo, ou

um vôlei, um jogo de campinho aí, a própria comunidade tem isso. Porque as aulas

teóricas entram essa parte de orientação, de alimentação, sobre a higiene, sobre a

obesidade, sobre o próprio comportamento, a discriminação, todo esse trabalho a

gente faz (VIT/F – 56 anos – C. E2).

Percebe-se também uma não compreensão da dimensão do ―esporte‖ enquanto um

conteúdo da Educação Física na escola, justificando que o bairro já oferece este tipo de

prática, não necessitando a Educação Física trabalhá-lo. Neste sentido, a coordenadora não

diferencia o esporte como prática de lazer e como conteúdo de ensino na escola.

Enfatiza ainda a necessidade de aulas teóricas para serem abordados conceitos como

alimentação, higiene, obesidade (conteúdos conceituais) e também o comportamento e a

discriminação (conteúdos atitudinais). É interessante a coordenadora referir-se aos conteúdos

de ordem conceitual e atitudinal, porém sem mencionar estes termos. Isto demonstra uma

visão de Educação Física abrangente, desvinculada apenas da concepção de aulas práticas e

contrária ao esporte como conteúdo exclusivo das aulas de Educação Física.

Complementando o discurso da coordenadora, a diretora da escola profere críticas ao

professor recreacionista, sem fundamentação pedagógica alguma e que qualquer profissional

poderia desenvolver seu trabalho. Vejamos seu depoimento.

(...) qualquer pessoa sem formação nenhuma dá conta de fazer hoje o que ele vem

fazendo, só dá uma bola pra uma criança não tem nem fundamentação teórica

nenhuma. Não ensina regra, não passa as regras, não tem isso, então qualquer uma

pessoa com uma formação mais rudimentar dá conta de dar uma bola e jogar pras

crianças, então a ideia base é que não tem formação, não tem assim uma preparação,

então qualquer um pode dar, e da forma como está sendo na maioria das vezes, é

assim, vai pra quadra, joga bola, volta suado e pronto. Alguns bambolês pras

meninas, futebol pros meninos, bambolê e corda e essa é a aula. Qualquer ser

humano faz isso. É um profissional também da saúde, é um profissional também do

95

bem-estar que busca melhorar, contribuir com a qualidade de vida, não profissional

da bola, então qualquer um pode ser (FRA/F – 48 anos – D. E2)

A diretora FRA justifica em seu discurso a ―negação ao rola bola‖ preconizada

também pela coordenadora. Ela acredita que o professor de Educação Física se vê como um

profissional do esporte, enquanto deveria se vir como da área da saúde também. Isso

comprova ainda que as aulas teóricas, explanadas pela coordenadora, são utópicas, na prática

não acontecem, pois a diretora FRA confirma: ―nós temos um projeto que chama Jogos uma

mediação pedagógica (...). Ficou só nisso. Era pra trabalhar isso, ficou só nisso‖

Na escola E4, a coordenadora relata as atividades e conteúdos trabalhados nos

diferentes níveis de ensino oferecidos pela escola. Com isso, ela aparenta compreender que os

conteúdos da Educação Física são diferentes para cada ano de ensino, esboçando uma

sistematização dos conteúdos, pois indica conteúdos específicos para cada faixa etária.

(...) até na Educação Infantil há uma discussão maior da questão da motricidade, do

equilíbrio, do ritmo, então a gente discute mais com os pequenininhos, e isso acaba

até ajudando a definir lá com os maiores. Lá com os maiores, já vem mais

modalidades esportivas, que embora as condições sejam péssimas, a gente coloca aí

uma rede de vôlei aí e tenta fazer umas adaptações, nós colocamos a tabela de

basquete aqui também, depois a gente tira, a gente vai pensando, então dessa forma.

Aqui tem muita historinha, na Educação Infantil tem muita brincadeirinha, é... que

envolve histórias, aqueles que vão correr e pega o seu lobo, o rato, o gato, aqui que

não se aplicam lá entre os maiores, né? Aí a gente faz essa discussão porque trabalha

com os pequenininhos com fantasia também, com brincadeiras, então, aqui é dessa

forma, lá já mais diferente um pouquinho, eles adoram, os maiores gostam muito de

dançar (...) (SIL/F – 34 anos – C. E4).

Para os ―pequeninhos‖ (Educação Infantil e 1º ciclo), relata que a fantasia predomina

através de histórias, ou seja, aulas historiadas e com muita brincadeira. Compreendo que ela

faz alusão ao conteúdo de ―Jogos simbólicos‖, de grande interesse das crianças dessa faixa

etária, em que a imaginação e a fantasia são peças fundamentais.

É compreensível que os alunos do 2º ciclo não gostem deste tipo de jogo, pois,

segundo Château (1987), nesta faixa etária a criança passa a se submeter a uma regra exterior,

havendo uma regra abstrata (social) que fornece a trama do jogo, ou seja, preferem jogos

competitivos, tradicionais, de grupos organizados. Isso justifica os conteúdos esportivos que

ela cita para o 2º ciclo, e também a dança que, para Château (1987), são jogos de regulação

restrita que não supõem nenhuma imitação.

Quanto ao trabalho desenvolvido por cada professor de Educação Física da sua escola,

a coordenadora SIL comenta que não obriga o professor a fazer o que não domina. Diz ―eu

não forço porque um professor que não sabe fazer uma coisa que você exige que ele faça, ele

vai fazer aquilo mal feito‖ (SIL/F – 34 anos – C. E4). Então, questiono: será que temos que

96

ensinar os conteúdos que dominamos ou aqueles que os alunos precisam aprender? Será que

numa aula de matemática o professor não vai ensinar a tabuada só porque não domina?

A coordenadora SIL fala do trabalho da professora JOS com a dança, sendo os

conteúdos desenvolvidos a dança circular e a dança Sênior. É interessante que a professora

também proporcione vivências com a dança adaptada para deficientes visuais, mostrando que

ela desenvolve o conteúdo ―Dança‖ dentro do conhecimento que possui.

A JOS trabalha com dança circular e dança Sênior, é lindo também, só que é

totalmente diferente, né? A gente, ela falou assim: ―Olha eu tenho conhecimento,

trabalho com idosos, a gente dança, a gente faz dança Sênior, dança circular‖. Ela

trabalha também no Instituto dos cegos e foi lindo porque nós trouxemos o pessoal

do Instituto dos cegos pra cá pra escola, e os nossos alunos dançaram com os

deficientes visuais. Aqui foi uma aula muito bonita, nós fizemos apresentações

juntas, então ela trabalha dança circular, e é super gostoso, é bonito também, é

diferente, totalmente diferente da que envolve menos os alunos, né? Eles preferem

street dance do que dança circular, mas é uma outra forma diferente, dá super certo

também. (SIL/F – 34 anos – C. E4).

A dança trabalhada pela professora JOS é inclusiva, pois, segundo a coordenadora, ―é

totalmente diferente da que envolve menos alunos‖. Só não é citado para quais anos ela

propõe esse conteúdo, se é para todos os anos ou não, e se esse conteúdo é sistematizado.

O que mais chama a atenção é que a coordenadora admira muito o trabalho de seus

professores, mesmo ―dominando‖ conteúdos diferentes. Em sua fala, fica explícita essa

admiração e a vontade que cada um deles trabalhe o conteúdo que o outro professor

desenvolve. E ela não deixa de ter razão porque se subentende que o professor ROB não

propõe o conteúdo ―dança‖ e que a professora JOS não aplica o conteúdo ―conhecimentos

sobre o corpo‖, mais especificamente os conhecimentos antropométricos, as capacidades

físicas (cita a flexibilidade), as relações entre a atividade física e a saúde.

Ah! Eu não tenho ainda uma opinião formada a respeito, eu acho bonito o trabalho

do ROB, eu acho legal essa questão de verificar até se o trabalho está dando, na

prática se está produzindo algum resultado, por exemplo, se hoje vai se verificar, se

ele fez um teste de flexibilidade no começo do ano, e isso faz com que os alunos

enxerguem, porque ele pode apresentar pra turma como está a questão da

flexibilidade, do peso, e do tamanho, da altura, deles, né? E aí agora, no segundo

bimestre, feito isso dá pra se verificar essa flexibilidade, essa comparação se essa

flexibilidade melhorou ou não. Eu sei que no trabalho com a JOS, se ela fizesse

também esse levantamento e depois discutir com os alunos, vai se perceber que

houve um resultado também, na prática houve, mas num houve uma discussão assim

a nível de consciência, de percepção do aluno assim de que atividade física é

importante pra eles, pra saúde, pro coração deles. (SIL/F – 34 anos – C. E4)

A coordenadora SIL compreende que se a professora JOS aplicar teste para saber se os

alunos melhoraram a flexibilidade (como faz o professor ROB), por exemplo, ela notará que

97

houve melhora, mesmo não propondo atividades específicas para esse fim. Para ela, a

diferença é que o professor ROB propõe discussões com seus alunos sobre estes conteúdos,

conscientizando-os da importância da atividade física, ou seja, apresenta conceitos também.

Vejo que nesta escola a coordenadora sabe da importância da diversificação dos

conteúdos da Educação Física, pois reconhece o que falta na aula de cada professor de sua

escola. E também, tem consciência de que os conteúdos não podem ser os mesmos para cada

ano de ensino, já que faz considerações neste sentido.

Para finalizar, na E5 a coordenadora relata sobre os conteúdos desenvolvidos na

escola, enfatizando o projeto de jogos e brincadeiras. Ela diz que são trabalhados três

conteúdos em sua escola: a ginástica olímpica, jogos e brincadeiras e o futebol.

Assim, nós temos na escola, por exemplo, nós trabalhamos jogos e brincadeiras, aí

nós trabalhamos mais com a parte de ginástica olímpica, ele é divido em 3: ginástica

olímpica, jogos e brincadeiras, e... Não lembro. São os momentos que... A prática do

futebol também, que a gente participa das escolinhas. (...) nos jogos e brincadeiras,

nós pegamos as crianças e fomos pra Universidade e lá, além de visitar o zoológico,

fizemos brincadeiras com as crianças, brincadeiras antigas, e... Não é fácil os

projetos, nós que colaborar com os professores, e é interessante sabe por que? O

professor se torna pesquisador. Principalmente Educação Física. ―ERO, como que

eu faço pra encaixar o meu projeto nesse projeto?‖, e vai indo entendeu? Então o

professor tem que ser pesquisador, ele tem que estudar (...) (ERO/F – 39 anos – C.

E5).

Ela não comenta sobre os conteúdos específicos para cada ano, apenas fala do projeto

de jogos de brincadeiras sem especificar para qual ano foi aplicado, citando as brincadeiras

antigas. A meu ver, as brincadeiras antigas (ou populares) devem ser trabalhadas em todos os

anos iniciais do Ensino Fundamental, como sugerido por Freire e Scaglia (2003). Porém, os

conteúdos das Brincadeiras Populares devem ser sistematizados e trabalhados de maneira

diferente em cada ano de ensino.

Neste item, percebi que em algumas escolas os gestores respeitam a especificidade da

Educação Física, reconhecendo quando os conteúdos são diversificados e esboçando uma

compreensão e necessidade de organizá-los para cada ano de ensino.

3.5 Os conteúdos que os gestores acreditam que deveriam ser ensinados nas aulas de

Educação Física

Os depoimentos recorrentes aqui inscritos refletem a decepção dos gestores com a

Educação Física em suas escolas, consubstanciando a ideia de mudança desta realidade

através de propostas baseadas num saber adquirido pela experiência, convivência, teoria ou

98

construída pela prática. Demonstram a necessidade de mudar conceitos e os conteúdos

instituídos nas aulas dos professores de Educação Física, apresentando propostas de como

fazê-la acontecer.

Os gestores compreendem que a Educação Física é a aula mais atraente da escola,

visto que ―(...) os alunos gostam porque eles saem da sala de aula. Eles não vão escrever... não

vão copiar, não vão ouvir o professor ali o tempo todo (...). Mas infelizmente deixa muito a

desejar. Agora, que as crianças gostam, gostam‖ (NAI/F – 52 anos – D. E6). A diretora tem

razão em atribuir às aulas de Educação Física ao momento de alegria na escola, pois retrata o

tempo do corpo livre, liberto do mundo estático da sala de aula.

Segundo Gomes (2001), a sala de aula e seu mobiliário, tudo geralmente padronizado,

tem características que provocam desconforto, dor e tédio. São ainda sons e ruídos, cores,

formas e cheiros que na maioria das vezes causam desagrado, desconfiança ou irritação. Esse

desconforto, dor, tédio, desagrado, desconfiança, irritação são ―visíveis‖ no corpo do aluno,

que é condicionado ou ―encaixotado‖ em sua carteira. Está sempre distanciado do território do

corpo do outro, tem sempre a cara virada para frente da sala, tem sempre que prestar atenção

ao que o professor fala lá na frente ou àquilo, na carteira, do seu fazer de aluno.

Mas o que se percebe, e os gestores deixam isso bem claro, é que os professores de

Educação Física não sabem fazer uso desta magnífica ―varinha de condão‖ que tem nas mãos,

tão cobiçada por outras disciplinas e tão banalizada pela Educação Física. Ao invés do

professor aproveitar o gosto natural que as crianças têm pela aula de Educação Física e propor

a diversificação e organização dos conteúdos para cada ano de ensino, ele se seduz pela

comodidade e facilidade de trabalhar com aquilo que domina. Vejamos o depoimento a

seguir.

Então se vocês estão fazendo uma pesquisa nesse sentido seria interessante buscar

renovar... eu acho que tá faltando uma renovação, entendeu? Para que o professor de

educação física faça acontecer diferente, faça acontecer. Que outros profissionais

vejam ele como realmente um profissional de educação, porque na minha concepção

o professor de educação física não é visto ainda como um profissional de educação

por esses motivos, que cada professor de educação física pega pela sua afinidade, se

o professor de educação física tem afinidade com futebol, ele visa futebol, se tem

basquete, ele vai pro basquete, isso eu já vivi, fui diretora de outra escola, vivi isso

que hoje ele graças a Deus passou num teste de futebol foi pra área dele realmente...

foi pra área dele, ta? Então é isso, cada um tem a sua afinidade, ele num busca a

afinidade do aluno, é a dele (NAI/F – 52 anos – D. E6).

Outro entrave contestado pelos gestores é o ―mito do espaço‖, no qual o professor de

Educação Física justifica seu (mau) trabalho pela falta de espaço físico adequado e poucos ou

nenhum material. Vejamos a fala de uma diretora.

99

(..) e foi isso que eu aprendi lá nesse curso (Segundo tempo), existe o mito do

espaço, porque o professor de Educação Física ele quer quadra, ele quer cobertura

da quadra, ele quer espaço, todo o espaço, então não consegue trabalhar o que tem,

com o espaço que tem, com as limitações geográficas que tem, ele não consegue

trabalhar, por comodismo ou até pela própria formação acadêmica, formação

acadêmica mesmo, então ele não consegue. Todo mal trabalho, todo trabalho não

executado, não realizado é por conta das condições físicas, estruturais da escola,

tudo não acontece (FRA/F – 48 anos – D. E2).

Esta é a desculpa mais frequente para que as aulas de Educação Física não aconteçam

como deveriam, justificando a não diversificação dos conteúdos e a concepção do professor

―rola bola‖ — aquele que dá a bola para os alunos e fica apenas observando. O professor não

tem material ou espaço adequado porque não propõe conteúdos que justifiquem a necessidade

deste espaço, e muito menos participam de reuniões em que possam fundamentar sua prática

perante os gestores e professores de outras áreas. Assim, nunca entenderão por que

precisamos de materiais ou quadras cobertas.

Na E2, como abordado em tópicos anteriores, é uma escola que não dispõe de espaço

físico, nem mesmo uma quadra descoberta. Com isso, as professoras de Educação Física

ministram suas aulas dentro da sala, especificamente com o conteúdo de jogos de salão.

(...) Então esses tempos inclusive, a gente trabalha aqui na escola, nós temos um

projeto que chama ―Jogos uma mediação pedagógica‖, pra trabalhar o xadrez, jogo

de dama, mancala2, dama, uma série de outros jogos. Ficou só nisso. Era pra

trabalhar isso, ficou só nisso. Quer dizer, nós temos, dentro dos nossos espaços que é

extremamente limitado, acho que é pior do que todas as outras demais escolas, pelo

menos no período da manha que o sol... eu tenho muito receio de colocar a criança

no sol... mas tem que fazer atividades com corda, atividades com bambolês, que são

atividades motoras, inclusive eu achei interessante que até mães contaram em

reuniões aqui pra solicitar que a escola não vinha trabalhando essa parte motora, e

eu achei interessante... mas gente, poxa vida né? Eu fiquei assim... (FRA/ F – 48

anos – D. E2).

E a diretora FRA explicita que as mães dos alunos sentem a necessidade de trabalhar

outros conteúdos também, afirmando que ―é importante até pra gastar um pouco dessa

energia, dessa criança que já fica muito represada‖.

Acho que aqui na escola nessa parte a gente precisa repensar, melhorar e tentar

colocar mesmo com as limitações físicas e estruturais nossa dá um upgrade pra essas

aulas de Educação Física, que eu tenho a clareza, e pela minha própria formação

acadêmica e pedagógica, que precisa ser melhorada, isso influencia drasticamente no

pedagógico, cognitivo, não tem como. E ficam aulas maçantes, tudo demais enjoa,

2 Mancala é uma família de jogos de tabuleiro jogada ao redor do mundo, algumas vezes chamada de jogos de

semeadura ou jogos de contagem e captura, que vêm das regras gerais. Os jogos dessa família mais conhecidos

no mundo ocidental são o Oware, Kalah, Sungka, Omweso e Bao. Jogos de mancala possuem um papel

importante em muitas sociedades africanas e asiáticas, comparável ao do xadrez no Ocidente. Disponível em:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Mancala. Acesso: em 15/07/2009.

100

xadrez demais enjoa, atividade física demais enjoa, então eu gostaria da gente

repensar a Educação Física mesmo sem essa estrutura física (FRA/F – 48 anos – D.

E2).

Neste sentido, a diretora FRA sugere que a Educação Física seja repensada a partir do

tema ―Saúde‖, proporcionando assim uma prática mais variada e interdisciplinar. Ela se refere

à metodologia de interdisciplinaridade e globalização proposta pela Escola Sarã, sendo a

Saúde um tema trabalhado por todas as áreas de conhecimento e a Educação Física dialogaria

a Saúde com a Atividade Física. Observemos sua fala.

Assim, trabalhar um pouco a questão da saúde, essa cultura mesmo da saúde, do

bem-estar, que tem a ver a Educação Física, a prática física, ela tem a ver com o

bem-estar físico e até espiritual, emocional. Essa coisa que tem a ver com a

liberação da endorfina, essa coisa toda, quer dizer, já é até pra trabalhar uma aula

interdisciplinar, dentro de uma aula mais globalizada que é a proposta da prefeitura,

trabalhar com as ciências, essa coisa toda da adrenalina, da endorfina. (...) Até

teoricamente também, o que que essas atividades, isso nas séries maiores, que

benefício que ela vai trazer pra gente, trabalhar a questão dos vícios, mais é conciliar

a questão do medo... Então são esses conceitos construídos, associar as atividades

físicas, a saúde, ao bem-estar, é fundamentalmente isso e, aliado a isso, trabalhar a

atividade física, senão trabalhar... ah, tem tanto... a região é bem acidentada, mas dá

pra fazer, nós não vamos evidentemente trabalhar a questão da natação, nunca a

gente vai fazer isso evidentemente, mas nós podemos trabalhar com outras

atividades, o futebol mesmo não tem, por conta da dificuldade parou, aí exagerou a

dose no outro, fundamentalmente é isso (FRA/F – 48 anos – D. E2).

É interessante também que a proposta das aulas teóricas para abordar os conceitos

(conteúdos conceituais) seja sugerida para as ―séries maiores‖, o que nos remete a ideia de

sistematização dos conteúdos. O tema ―Saúde‖ é predominante em sua fala e recorrente no

discurso da coordenadora também, mas esta diz que o tema já é trabalhado na escola,

enquanto a diretora discorre sobre a importância deste tema que não é desenvolvido em sua

escola. Diante de observações feitas na escola e de posse do planejamento da professora de

Educação Física, pontuo que realmente o tema não é desenvolvido na escola.

A diretora FRA ainda faz referência sobre onde adquiriu este conhecimento, citando

conteúdos e formas de aplicá-lo na escola. Para ela, o curso oferecido pelo Programa Segundo

Tempo, do Governo Federal, ofereceu a base teórica para detectar as necessidades da

Educação Física em sua escola. Entendo que estes conteúdos contemplam o bloco de

conteúdos ―conhecimentos sobre o corpo‖, lembrando que a saúde é um tema transversal.

(...) inclusive eu fiz num curso do Segundo Tempo com uma turma muito boa, você

fez essa capacitação? Foi assim, eu nem sabia que existia aquilo, muito bom, eu

aprendi tanto, eu aprendi em três dias coisas que a gente não faz na escola, alguns

exames, algumas atividades, que a gente não faz, pesar criança, medir criança,

algumas verificações, como é que chama? Testes com a criança que é tão

importante, que diz tanto da criança, do aspecto físico, do aspecto motor, até

101

cognitivo e a gente não faz absolutamente, o profissional de Educação Física que

aprendeu isso na Universidade não tá conseguindo trazer isso pras escolas. Não faz

absolutamente. Nunca um professor aqui nesta escola pediu uma balança pra pesar a

criança, pra ver o nível de obesidade dessas crianças ou não, o índice corporal dessas

crianças que é importante, desenvolvimento físico, crescimento... Então são

questões, a questão mesmo da alimentação, da parte física, da parte da cultura do

corpo, da cultura da saúde, absolutamente é negado. É a cultura da bola (FRA/F – 48

anos – D. E2).

Em seu comentário faz referência àos conceitos que deveriam ser trabalhados na

Educação Física, como a alimentação e a obesidade, além de acompanhar o crescimento e

desenvolvimento físico e motor dos alunos através de exames antropométricos de peso, altura

e índice de massa corporal. Para ela, os professores de Educação Física negam estes

conhecimentos aos alunos, privilegiando a ―cultura da bola‖.

Destaca que estes conhecimentos não foram abordados no ano de 2008, mas seriam

retomados no ano subsequente ―a questão da saúde... da alimentação... nós vamos retomar

isso aí e colocar no planejamento que foi o que faltou pra nós fazer esse planejamento, colocar

essas situações e perseguir isso‖ (FRA/F – 48 anos – D. E2).

Em seu depoimento, a diretora justifica sua proposta de inserção dos conhecimentos

sobre a Saúde, citando exemplos de crianças com quadros graves de obesidade em sua escola,

alegando omissão da escola nestes casos.

Discorre sobre o caso de um aluno obeso que está na escola desde os cinco anos e que

a escola não cumpriu sua missão de ajudá-lo. Ela diz que ―(...) por toda a vida ele foi obeso,

mas obeso mesmo, a criança hoje ele tá com 14 anos, ele tá com diabetes tipo 2, já perdeu

uma visão e vai perder a outra, tá na fila de transplante de córnea‖ (FRA/F – 48 anos – D.

E2).

Nós temos muitas crianças com essa dificuldade, com esse quadro de obesidade,

criança de classe média baixa mesmo, então essa questão da alimentação, da prática

de esporte, essa questão dessa cultura e esse acompanhamento, como que nós não

fazemos esse acompanhamento dessa criança, porque a gente pega essa criança de

pequeninho e ela vai crescendo na escola junto com a gente e a gente é omisso nessa

parte e isso influencia toda uma vida. Uma criança com problema de obesidade ou

mesmo uma criança com problema de crescimento, ela vai ter no seu futuro e as suas

emoções extremamente comprometidas, a sua auto-estima, a visão de mundo e isso

influencia, eu sei o que eu tô falando, e nós somos extremamente omissos essa parte.

Resolver é muita pretensão. Nós vamos resolver esse problema? Sei lá. Mas quais as

intervenções feitas? Nenhuma. (FRA/F – 48 anos – D. E2).

No decorrer de todo o discurso da diretora FRA é evidente a preocupação com a

qualidade de vida de modo geral e a falta de intervenções significativas por parte da escola.

Por se tratar de um tema transversal, como dito anteriormente, a Educação Física é também

102

responsável por essa omissão, já que em sua visão ―não dá pra viver sem a qualidade de vida.

Não dá. Isso pode mudar um pouquinho a visão do professor de Educação Física (...)‖.

A diretora chega à conclusão que os temas apontados como essenciais para a

qualidade de vida dos alunos devem ser tratados como conteúdos de ensino da Educação

Física, ou seja, como conceitos (conteúdos conceituais). Vejamos seu depoimento a seguir.

Então nessa questão do conteúdo, nessa parte, de repente deveria entrar como

conteúdo, porque a palavra conteúdo é isso, é a essência, é o essencial e eu vejo isso

como essencial pra qualidade de vida, são conceitos, são essenciais, eu penso assim.

Então essa parte, essa visão, ela precisa ser incorporada principalmente agora com

os hábitos alimentares, o sedentarismo que tomou conta da gente, porque as nossas

crianças têm outra vida, estão encarceradas mesmo por conta da própria realidade e

isso vem trazendo danos muito grandes, e as escolas quando trabalham, trabalham

com conteúdos segmentados, trabalham conteúdos completamente segmentados

nada relacionados a qualidade de vida dessas crianças, nada relacionado ao bem

estar dessas crianças (FRA/F – 48 anos – D. E2).

A qualidade de vida, a saúde, o sedentarismo, a obesidade, alimentação, entre outros

conceitos citados pela diretora FRA são realmente essenciais e devem ser incorporados às

aulas de Educação Física, já que estão inseridos dentro do bloco de conteúdos

―conhecimentos sobre o corpo‖. Isso deveria acontecer em todas as escolas e por todos os

professores de Educação Física.

Assim, ao finalizar as análises das entrevistas dos gestores, conclui-se que os mesmos

compreendem que as aulas de Educação Física não se resumem apenas ao esporte, rolar bola

ou aos festivais de final de semestre e, mesmo com as limitações físicas das escolas, há

possibilidades de se desenvolver um bom trabalho durante as aulas. Percebe-se ,também, que

a Educação Física tem conteúdos específicos, mesmo não entendendo sobre a sistematização

destes conteúdos para os diferentes níveis de ensino.

Não se pode esquecer que este é apenas um pequeno galho da grande árvore que

abarca os conteúdos da Educação Física, e que os demais conteúdos também devem ser

selecionados. Mas a diretora tem consciência disso quando sugere que tudo que é demais

enjoa, ou seja, é necessário diversificar.

Essas orientações proferidas pelos gestores são pertinentes à medida que nos faz

refletir sobre quais conteúdos estão sendo aplicados nas escolas e quais deveriam estar lá

também, mas por algum motivo não estão. O olhar do outro é importante para enxergarmos

aquilo que nossa própria arrogância não nos permite ver claramente, e por mais que não

tenham conhecimento específico em Educação Física, cabe aos professores avaliarem o que

realmente é significativo e tentar pelo menos mudar sua prática docente.

103

Capítulo 4

PERCEPÇÕES DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Este capítulo é a essência da pesquisa, pois aqui pretendo percorrer os caminhos

trilhados pelos professores de Educação Física na construção, elaboração e aplicação da

sistematização de conteúdos específicos. Para compreender este processo foi necessário

conhecer o que os professores ―pensam, dizem e fazem‖ quanto à prática pedagógica.

O pensamento dos professores é concretizado na ação de elaboração dos

planejamentos, seja anual, semestral, bimestral, semanal, ou aula a aula. Entendo que esta

ação precede todas as demais, por isso, num primeiro momento, serão analisados os

planejamentos entregues pelos professores pesquisados.

O segundo passo é analisar as entrevistas concedidas pelos professores, mais

especificamente sobre a questão referente à organização dos conteúdos para cada ciclo ou

etapa de ensino. Ao verbalizar esta organização, compreendo que os professores discorrerão

sobre uma ação já pensada anteriormente, transcrita em seus planejamentos ou não. Estas

falas ajudarão a compreender conceitos e concepções implícitas nos planejamentos.

A terceira etapa de análise se deterá nas anotações realizadas em diário de campo

contendo observações coletadas nas aulas dos professores. Este momento é importante para

saber se realmente o que é planejado e/ou falado é executado na prática docente. E,

principalmente, se há uma sequência lógica entre as aulas, consequentemente, entre os

conteúdos propostos.

4.1 Os documentos: análise e discussão dos dados presentes nos planejamentos entregues

pelos professores de Educação Física

Esta fase da pesquisa, a coleta de planejamentos, foi a última a ser realizada e a mais

difícil de ser concretizada. Os professores foram avisados, desde o início da pesquisa, que

deveriam entregar os planejamentos elaborados no decorrer do ano letivo — seja ele qual

fosse — no final do ano. Alguns professores foram entregando as cópias ao final de cada

semestre, porém alguns não entregaram nenhum.

Dos onze professores participantes desta pesquisa, sete entregaram seus

planejamentos: sendo que um deles entregou apenas o anual; outro, o anual e bimestral ; dois

entregaram o anual e semanal, apenas do 1º bimestre. Apenas três professores entregaram

104

planejamento anual, planos de aula semanal e, ainda, os projetos desenvolvidos por eles em

suas respectivas escolas.

Assim, temos quatro professores que não entregaram nenhum planejamento, porém os

quatro afirmaram tê-los. Vejamos o episódio da coleta do professor ADE (52 anos – P. E5),

na escola E5:

Relato 2 (15/12/2008): Seu planejamento... Como assim?

Fui buscar o planejamento do professor ADE na escola E5 conforme

combinamos e a cópia do caderno do diretor BER, que é o referencial

sugerido por ele aos professores de sua escola; mas seu caderno havia

sumido e o ADE havia tirado cópia dele, então ele se propôs a tirar cópia

para mim. Cheguei à escola e o professor estava tirando as cópias do caderno

do diretor para mim e para o diretor (já que ele não encontrou seu caderno).

As folhas do caderno estavam todas fora de ordem e o diretor teve muito

trabalho para organizá-las. Aí pedi a cópia do planejamento do ADE e ele

disse que era aquele ali. Como assim? Não, aquelas cópias eram do

planejamento do diretor. Demorei a entender o que ele estava querendo

dizer: que ele segue aquele planejamento do diretor e faz apenas algumas

adaptações. Mas ainda perguntei ―então você trabalha com jogos e

brincadeiras no 1º bimestre, lutas e ginásticas e esportes?‖ E ele disse que

sim!

No relato anterior, é possível ter uma noção das dificuldades enfrentadas no

recolhimento destes planejamentos. Neste caso, eu não podia contestar o professor

simplesmente afirmando que ele não põe em prática aquele planejamento, o que seria até

indelicado, já que minha função como pesquisadora era entender o processo de organização

dos conteúdos construídos pelos professores de Educação Física, e não julgá-lo.

Ao assumir a justificativa do professor ADE como verdadeira, ou seja, que ele

realmente executa tudo o que foi proposto pelo diretor, essa ainda não seria uma conduta

admissível, pois como afirma Neira (2006) o professor deve ser um prático reflexivo,

rejeitando a imposição de reformas educativas que o levam a copiar e aplicar passivamente

planos desenvolvidos por outros atores sociais. O autor ainda considera:

O planejamento e a avaliação dos processos educacionais como partes inseparáveis

do ensinar, já que o que acontece nas aulas, ou seja, o ensino, não poderá ser

entendido sem uma análise que leve em conta as intenções, as previsões, as

expectativas e a avaliação dos resultados. (NEIRA, 2006, p. 24).

Outros dois professores, RON (31 anos – P. E3) e GIL (52 anos – P. E6), também não

entregaram nenhum planejamento. Ambos disseram que tinham os planejamentos em seus

cadernos, mas prefeririam digitar para entregar de forma mais organizado. Liguei para eles

várias vezes durante os meses de dezembro/2008 e janeiro/2009, porém percebi que estava

105

sendo inconveniente cobrando os planejamentos e, como ficaram de retornar quando estivesse

tudo digitado, preferi aguardar, sem obter sucesso.

A professora SOL (50 anos – P. E6) também não entregou planejamento algum, mas

ela foi clara dizendo que não ia entregar mesmo. Com ela, realizei apenas a entrevista, já que

ela ministrava aulas apenas para o 1º ciclo e as aulas observadas foram do 2º. Vejamos o

episódio que ilustra o momento em que fui buscar seu planejamento, conforme combinado

anteriormente.

Relato 3 (17/12/2008): Nem lembrei, nem lembrei!

Conforme combinado, voltei para buscar o planejamento da professora SOL

e do GIL. Eles estavam na sala dos professores e o GIL disse que ainda não

havia digitado o planejamento e pediu que ligasse na segunda. Quando

perguntei a SOL sobre o planejamento, ela disse:

― ―Ah, nem lembrei, nem lembrei‖.

――Que dia posso vir pegar? Amanhã?‖

――Amanhã não venho. Pega do AND que é igual ao meu, a gente faz

junto‖.

― ―Mas preciso pegar separado...‖

――Fica com o do GIL e do AND, você nem assistiu minhas aulas!‖

― ―Mas fiz entrevista com você...‖

――Pode tirar então, tira a minha lá...‖

Perguntei ao professor AND se o planejamento da professora SOL era o

mesmo do dele, como ela afirmou anteriormente, e ele disse que não. Aí

falei que ela disse que eles planejavam juntos, ele disse ―Planejávamos, mas

larguei de ser bobo, porque eu planejava e ela só copiava!‖

A partir dos fatos relatados, considero para esta pesquisa que nenhum dos quatro

professores entregou seus planejamentos porque na verdade não existe nenhum planejamento.

E esta assertiva se confirmará nas observações que fiz de suas aulas.

Bossle (2002) afirma que um dos motivos pelos quais o professor de Educação Física

não elabora planejamentos é o fato de considerar seu tempo de experiência capaz de suprimir

o ato de planejar. O autor chama isto de ―vício‖ do professor de Educação Física, recorrente

também para quem está começando a dar a aulas.

Outro fator é a descrença no planejamento de ensino por parte dos professores de

Educação Física, manifestada por uma resistência em colocar no papel o que se deseja. A

prática negativa ou equivocada de realizar planejamento constituiu-se numa tarefa mecânica

para cumprir um ritual de formalidade controlado e cobrado por coordenadores e supervisores

pedagógicos, também contribui para a desconsideração do planejamento como necessário

(BOSSLE, 2002).

Afinal, o que é o planejamento? O que ele contém? Essas definições serão relevantes

para definir a ação de análise dos planejamentos, entregues pelos professores de Educação

106

Física, sujeitos desta pesquisa e que entregaram algum tipo de planejamento. Como cada um

deles elabora o planejamento de uma forma peculiar, faz-se necessário definir e adotar

conceitos. Para Libâneo (1994, p. 221-22)

O planejamento escolar é uma tarefa docente que inclui tanto a previsão das

atividades didáticas em termos da sua organização e coordenação em face dos

objetivos propostos, quanto a sua revisão e adequação no decorrer do processo de

ensino. O planejamento é um meio para se programar as ações docentes, mas é

também um momento de pesquisa e reflexão intimamente ligado à avaliação. (...) A

ação de planejar, portanto, não se reduz ao simples preenchimento de formulários

para controle administrativo; é, antes, a atividade consciente de previsão das ações

docentes, fundamentadas em opções político-pedagógicas, e tendo como referência

permanente as situações didáticas concretas.

O planejamento assegura a racionalização, organização e coordenação do trabalho

docente, possibilitando ao professor um ensino de qualidade através da previsão das ações

docentes, evitando a improvisação e a rotina. Libâneo (1994) afirma que existem três tipos de

planejamentos: o plano da escola (mais global), o plano de ensino (planejamentos anuais,

semestrais ou bimestrais) e o plano de aula (previsão do desenvolvimento do conteúdo para

uma aula ou conjunto de aulas). Nesta pesquisa, foi solicitado aos professores o plano de

ensino e planos de aula.

Os planejamentos devem conter basicamente os objetivos (gerais e/ou específicos),

conteúdos, desenvolvimento metodológico (atividades do professor e alunos) e a avaliação.

Libâneo (1994, p. 119) discorre que:

Os objetivos antecipam resultados e processos esperados do trabalho conjunto do

professor e dos alunos, expressando conhecimentos, habilidades e hábitos

(conteúdos) a serem assimilados de acordo com as exigências metodológicas (...).

Os conteúdos formam a base objetiva da instrução — conhecimentos sistematizados

e habilidades — referidos aos objetivos e viabilizados pelos métodos de transmissão

e assimilação.

Assim, Libâneo (1994) conclui que há uma estreita relação entre objetivos, conteúdos

e métodos: os objetivos contém a ―explicitação pedagógica dos conteúdos‖, no sentido de que

estes são preparados pedagogicamente para serem ensinados e assimilados. Os objetivos

refletem a estrutura do conteúdo da matéria, sendo então que a tarefa de formular objetivos

consiste em descrever os conhecimentos a serem assimilados ao término do estudo de

determinados conteúdos de ensino.

A avaliação, segundo Libâneo (1994) é uma tarefa didática necessária e permanente

do trabalho docente, que deve acompanhar passo a passo o processo de ensino e

aprendizagem, e não uma etapa isolada. É uma reflexão sobre o nível de qualidade do trabalho

escolar tanto do professor como dos alunos.

107

Há uma exigência de que esteja concatenada com os objetivos-conteúdos-métodos

expressos no plano de ensino e desenvolvidos no decorrer das aulas. Os objetivos

explicitam conhecimentos, habilidades, habilidades e atitudes, cuja compreensão,

assimilação e aplicação, por meio de métodos adequados, devem manifestar-se em

resultados obtidos nos exercícios, provas, conversação didática, trabalho

independente, etc. (LIBÂNEO, 1994, p. 200-201)

A partir destas definições, entendo que os conteúdos de ensino devem estar explícitos

nos planejamentos entregues pelos professores de Educação Física, seja anual ou semanal.

Porém, em sua maioria, os conteúdos aparecem apenas no planejamento anual, sendo que os

planos de aula semanal são elaborados de maneira diferente por cada professor, o que é

compreensível já que é um documento pessoal, organizador da prática docente, sem

exigências técnicas e cobranças por gestores das escolas.

Nos planos de aula, há professores que só elencam os objetivos e atividades a serem

desenvolvidas na aula, enquanto alguns só descrevem os procedimentos metodológicos (o

passo a passo de execução da aula). A avaliação é quase inexistente nos documentos

entregues, aparecendo apenas nos planejamentos anuais.

Tomando como base as definições de Libâneo quanto aos objetivos, procedimentos

metodológicos e a avaliação, analisarei os planejamentos tentando enxergar, quando não

especificados, os conteúdos implícitos nos objetivos, atividades propostas e avaliação descrita

pelo professor de Educação Física. Assim, seguirei os caminhos percorridos pelos professores

na construção da sistematização de conteúdos para cada ciclo ou etapa de ensino destacada no

planejamento.

4.1.1 Como os professores organizam os conteúdos nos planejamentos

Como já destaquei anteriormente, o planejamento é a forma como o professor organiza

suas ações docentes. Faz-se necessário compreender como cada professor de Educação Física

constrói seus planejamentos e, consequentemente, os conteúdos no decorrer do ano letivo.

A primeira forma de organização dos conteúdos detectada é por ciclos ou etapas destes

ciclos. As habilidades e competências elencadas pelos dossiês para cada ciclo aparecem como

base para a seleção de conteúdos no planejamento anual das professoras ANE (32 anos – P.

E3) e JOS (38 anos – P. E4). A organização de conteúdos por ciclos continua no planejamento

bimestral ou nos planos de aula, que a professora JOS, por exemplo, propõe os mesmos

conteúdos para as etapas do 1º ciclo e outros conteúdos para as etapas do 2º ciclo.

108

Na verdade, nenhum dos professores pesquisados propõe um plano de aula específico

para cada etapa de cada ciclo, repetindo assim a mesma aula em diversas etapas, como é o

caso da professora ANE citada anteriormente.

Nos demais planos semanais, encontrei conteúdos específicos para alguns anos

independentemente dos ciclos, como o professor ROB (31 anos – P. E4) que propõe

conteúdos iguais para 1º e 2º anos, e outros iguais para 3º, 4º, 5º e 6º anos. Já a professora

ROS (39 anos – P. E1), distribui os conteúdos em três grupos, ou seja, para educação infantil

e 1º anos, outro para 2º, 3º e 4º anos e, por fim, para 5º e 6º anos.

Apenas no desenvolvimento do conteúdo ―Ginástica‖ pelo professor AND (32 anos –

P. E6) é que aparece um plano de aula específico para cada etapa do 1º e 2º ciclos, sugerindo

uma sistematização destes conteúdos.

Analisando os dossiês utilizados pelos professores de Educação Física como base para

seleção e organização dos conteúdos ao longo dos ciclos, como apareceu nos planejamentos

das professoras JOS e ANE anteriormente, indago: será que os dossiês são realmente a melhor

opção para a seleção de conteúdos específicos da Educação Física? Baseando-me nas ideias

de Coll (1997) sobre as intenções educativas na elaboração de uma proposta curricular ou

planejamentos dos professores, eu diria que é um caminho, mas talvez não o melhor deles.

Neste caso, ―as intenções educativas podem referir-se aos resultados de aprendizagem que se

espera obter, aos conteúdos sobre os quais a aprendizagem versa ou às próprias atividades da

aprendizagem‖ (COLL, 1997, p.69).

Embora estes três elementos sempre estejam presentes nas atividades escolares de

ensino/aprendizagem, a importância que se atribui a cada um pode originar três vias de acesso

diferentes na concretização das intenções educativas: com relação aos conteúdos a trabalhar,

aos resultados esperados ou as atividades a realizar.

Os dossiês são utilizados pelos professores como via de acesso pelos resultados

esperados, que:

(...) pressupõe que as intenções educativas se concretizem a partir da consideração e

análise das aprendizagens que o aluno vai realizar em consequência de sua

participação no processo educacional. Tanto as atividades concretas, quanto os

conteúdos particulares em torno dos quais se organizam, são escolhidos em função

dos resultados esperados, que se transformam assim no elemento orientador do

planejamento educacional. (COLL, 1997, p.70-71).

109

Figura 10: Via de acesso pelos resultados (Retirado de COLL, 1997, p. 71).

Esta via está associada a uma interpretação cognitiva da aprendizagem nos chamados

objetivos cognitivos. Aqui, os resultados esperados são definidos em termos de habilidades ou

destrezas cognitivas. ―Trata-se de identificar os processos cognitivos mais importantes na

aprendizagem, a fim de confeccionar um repertório de habilidades independentes de

conteúdos específicos e, portanto, suscetível de ser aplicado a uma variedade de situações.‖

(COLL, 1997, p. 72).

O que se observa nos dossiês é a apresentação de habilidades e competências

independentes de conteúdos específicos. A partir dessa ótica, portanto, a concretização das

intenções educativas consiste em um conjunto de destrezas cognitivas (resultados esperados),

cujo fim depende tanto as atividades de ensino/aprendizagem como os seus conteúdos.

A consequência é que os objetivos cognitivos são necessariamente formulados nos

currículos em nível muito abrangentes e pouco úteis para guiar eficazmente a prática

pedagógica. Coll (1997) sugere a opção por uma via mista de acesso, a partir dos resultados

esperados e dos conteúdos, na concretização das intenções educativas, assim os professores

deveriam utilizar os dossiês e os conteúdos específicos da Educação Física para planejar os

objetivos específicos, e não utilizar apenas os resultados esperados (habilidades e

competências) como foco principal do planejamento.

Outra forma de organização dos conteúdos é temporal, ou seja, anual, semestral,

bimestral ou semanalmente. Dois professores elencam conteúdos anuais e não fazem distinção

em bimestres no decorrer dos planejamentos.

Se pensarmos na estrutura da escola organizada por ciclos de aprendizagem, como é o

caso das escolas municipais de Cuiabá, subentende-se que os alunos têm um ano todo para

aprender os conteúdos daquela etapa de aprendizagem, ou seja, não deveria haver divisões dos

conteúdos por bimestres. Porém, os outros cinco professores de Educação Física propõem

conteúdos bimestrais, divergindo da proposta da escola organizada por ciclos.

Este fato pode ser interpretado por dois motivos principais: o dossiê e a experiência

dos professores. O dossiê, como citado no capítulo anterior, é um instrumento de avaliação

A análise dos resultados

esperados da aprendizagem dos

alunos determinam...

As atividades de

ensino/aprendizagem a realizar.

Os conteúdos a trabalhar.

110

bimestral da rede municipal de Cuiabá, em que alguns professores se orientam para selecionar

os conteúdos da Educação Física, influenciando sua organização por bimestres.

A experiência dos professores com o trabalho em escolas seriadas é outro fator que

pode estar envolvido na tradicional divisão do ano letivo por bimestres. Souza Junior (2007)

encontrou problemas semelhantes na organização dos saberes escolares dados pelos

professores — não só da Educação Física — da rede municipal de Recife – PE, referentes a

mudança de série para ciclos de aprendizagem.

Porém, tais mudanças, são acompanhadas de resistências, tanto intencionais, quanto

por costume com a estruturação seriada do currículo. É o caso da organização do

tempo pedagógico, dividindo o ano calendário em dois semestres e cada um desses

em duas etapas. Todas essas divisões partem de repartições equitativas, do ponto de

vista quantitativo, levando ao tratamento dos saberes escolares uma forma etapista,

linear e de desintegração dos conhecimentos. (SOUZA JÚNIOR, 2007, p. 88).

Perrenoud (2002) relata que mesmo nas redes em que se trabalham os ciclos de

maneira mais integrada, a referência as séries permanece tácita ou explícita. O autor dá o

exemplo da rede municipal de São Paulo, em que se avalia que ―a expressão mais clara dos

problemas de implementação dos ciclos está no predomínio de práticas pedagógicas que têm a

organização seriada como princípio ordenador.‖ (PERRENOUD, 2002, p. 222).

4.1.2 Os conteúdos que os professores idealizam

Agora que pudemos verificar como os professores organizam os conteúdos em seus

planejamentos, apresento a seguir esses conteúdos, observando assim o que é ensinado nas

aulas de Educação Física em cada ciclo ou etapa destes, mas sem detalhar por bimestres. Os

conteúdos explicitados pelos professores serão agrupados em blocos, sendo que em alguns

momentos houve a indicação do professor quanto à classificação dos mesmos; em outros

momentos, não.

Nos planejamentos dos professores não aparece classificação dos conteúdos em suas

dimensões. A relação estabelecida dos conteúdos com suas dimensões é feita por mim, a fim

de demonstrar que, mesmo não aparecendo esta classificação nos planejamentos analisados,

os professores conhecem e trabalham (ou não) com as três dimensões.

111

4.1.2.1 ―Conhecimento de si‖ – o corpo e suas possibilidades de movimento

Se a Educação Física tem como campo de estudo a cultura corporal de movimento,

nada mais lógico do que compreender o corpo como o princípio de todo o conhecimento que

podemos ter. Darido e Rangel (2005, p. 140) falam sobre o que se espera que os alunos

saibam sobre ―conhecimento do próprio corpo‖:

Conhecer o próprio corpo pode ser o principio de todo conhecimento que alguém

pode ter, pois entendemos que conhecer o corpo é conhecer-se a si mesmo.

Esperamos que os alunos, na Educação Básica, aprendam a conhecer o próprio

corpo, seus detalhes internos, sua subjetividade e afetividade interpessoal. Eles

também não devem se limitar a esse conhecimento, pois seu corpo está relacionado

ao seu ser, aos outros e à cultura, enfim, ao mundo que o cerca e ao contexto mais

amplo do ambiente.

Lembrando que a Educação Física, na rede municipal de Cuiabá, está inserida na área

de Linguagens, e segundo Neira (2007, p. 14) o corpo é entendido como suporte de linguagem

que manifesta a cultura em que está inserido, ou seja, ―ao se movimentarem homens e

mulheres expressam intencionalidades, comunicam e veiculam modos de ser, pensar e agir

característicos, ou seja, culturalmente impressos em seus corpos‖.

Neste sentido, entende-se o corpo como um suporte textual onde se inscrevem a

história e a trajetória dos homens e da cultura. Com mais esta justificativa e compreendendo o

corpo como ―texto da cultura‖ e os gestos os ―textos do corpo‖ — expressões de Neira (2007)

— resolvi iniciar as análises por este bloco de conteúdos. Então, o que os professores de

Educação Física ensinam sobre este conteúdo na escola e para as diferentes etapas do 1º e 2º

ciclos?

Os conteúdos relacionados à psicologia e psicomotricidade estão presentes em todos

os planejamentos analisados dos professores de Educação Física, seja como conteúdos para

todos os ciclos, sejam específicos para algumas etapas, mas sempre presentes. Estes

conteúdos são propostos apenas na dimensão procedimental, sendo eles assim apresentados

pelos professores de Educação Física:

Esquema corporal: partes do corpo;

Coordenação motora fina e grossa: coordenação dinâmica global (ampla),

coordenação manual e coordenação viso-motora;

Lateralidade;

Orientação espacial e temporal;

Percepção (espacial, temporal e tátil).

112

É interessante notar que estes conteúdos, apesar de serem citados como gerais em

todos os ciclos nos planejamentos anuais, quando os professores os propõem nos

planejamentos específicos de cada ciclo, estes aparecerem apenas para o 1º ciclo.

O professor ROB (31 anos – P. E4) propõe ainda para o 1º ciclo, a ―organização e

conhecimento da identidade e percepção tátil, auditiva, visual, gustativa e olfativa‖.

No segundo ciclo, apenas o professor AND (32 anos – P. E6) fala em ―conhecimento

do corpo, dos movimentos e seus limites e partes do corpo‖.

Sobre os conteúdos citados anteriormente, Neira (2006, p. 123-124) nos diz que:

(...) a Educação Infantil e as primeiras séries do Ensino Fundamental têm grande

relevância na proposição das atividades que visam o desenvolvimento das

habilidades básicas como: percepção, lateralidade, orientação espaço-temporal,

coordenação visual e motora e esquema corporal.

Segundo o autor, a aquisição de um esquema corporal pressupõe-se conhecer a

imagem do próprio corpo, saber que este corpo é parte da nossa identidade, perceber cada

parte sem perder a noção de unidade. Diz ser necessário perceber os elementos do corpo em

separado para depois construir a percepção de globalidade corporal (NEIRA, 2006).

Os discursos de Neira (2006) justificam a proposta dos professores de Educação Física

quanto a proposição dos conteúdos psicomotores. Somados a estes conteúdos, os professores

ainda sugerem o trabalho com: a atenção visual e auditiva; percepção sinestésica; memória

visual, auditiva e sinestésica; associação de ideias; compreensão e raciocínio; informações

sonoras, visuais e táteis.

Todos os conteúdos citados anteriormente são chamados de ―Atividades de

Sensibilização Corporal‖ por Freire e Scaglia (2003). A estes, podemos englobar ainda os

seguintes conteúdos sugeridos pelos professores: 1º ciclo — possibilidades de explorar e

controlar o corpo, imitação de som e gestual (animal, personagens, objetos, etc.); 2º ciclo —

conhecimento do próprio corpo, dos movimentos e seus limites, e a imitação dos movimentos

dos animais.

As possibilidades de movimento do nosso corpo são inúmeras e a Educação Física tem

a responsabilidade de explorar estes conhecimentos, levando o aluno a uma compreensão e

reflexão sobre o corpo e seus movimentos e não apenas à prática descontextualizada dos

mesmos. Neste sentido, o professor ROB (31 anos – P. E4) propõe a apresentação e discussão

de textos sobre o ―corpo humano‖ e ―a função dos movimentos‖, fazendo menção à dimensão

conceitual dos conteúdos.

Outros conceitos tratados pelos professores referem-se as ―noções básicas sobre

higiene e postura‖, como aparecem nos planejamentos dos professores AND (32 anos – P. E6)

113

e ANE (32 anos – P. E3). Especificam a higiene nas aulas de Educação Física, na hora do

lanche e na sala de aula, para os dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental.

Palma e colaboradores (2008) sugerem que na Educação Infantil e 1º anos os

princípios básicos de higiene e de cuidados com o corpo devem ser ensinados e estimulados.

Para os demais anos do 1º e 2º ciclos, pois estas questões devem ser lembradas e organizadas

a fim de subsidiar hábitos saudáveis.

Nota-se ainda que a ―postura‖, citada anteriormente, aparece na dimensão

procedimental sempre atrelada ao ―alongamento‖. A professora ROS sugere o alongamento

como conteúdo para 5º e 6º anos. Já o professor AND propõe a sequência de alongamentos

como conteúdo para 1º ciclo e, ainda, suas definições e razões de fazê-los (conceitos) para

todos os ciclos.

Percebe-se que o alongamento é um conteúdo que causou divergência, pois não há

uma unanimidade quanto ao momento em que deve ser proposto, ou seja, em qual ano deve

ser contemplado.

Darido e Rangel (2005) falam da necessidade de compreender as habilidades e as

capacidades necessárias à prática de atividades físicas, aprendendo estratégias para o

aprendizado de novas habilidades e não somente o aprimoramento da técnica das habilidades

já aprendidas. Neste sentido, veremos o que os professores de Educação Física pesquisados

propõem quanto a aprendizagem das habilidades motoras e das capacidades físicas.

As habilidades motoras são propostas no planejamento de quatro professores. A

professora JOS (38 anos – P. E4) é a única que propõe os conteúdos de habilidades motoras

de estabilização para os dois ciclos. Este conteúdo é o Equilíbrio — dinâmico e estático (uma

perna só, aviãozinho, parada de mão, estátua).

Os demais conteúdos referentes às habilidades motoras são propostos apenas para o 1º

ciclo. As habilidades parecem ter sido retiradas da proposta elaborada por Tani e

colaboradores (1988). Vejamos os conteúdos propostos:

Habilidades de locomoção: andar, correr, saltar, desviar, rolar, girar, abaixar, levantar,

contornar, subir, descer e trepar;

Habilidades de manipulação (não especificados no planejamento);

Habilidades de estabilização: equilíbrio; paradas abruptas e saídas também; mudança

de direção;

Movimentos combinados.

As habilidades de estabilização foram todas citadas pela professora JOS (38 anos – P.

E4) e são similares ao conteúdo ―domínio do corpo‖ — saída rápida, parada brusca e

mudança de direção — elaborado por Paes (2002) em sua proposta de sistematização dos

conteúdos do Esporte coletivo.

114

As capacidades físicas aparecem como conteúdos de ensino no planejamento de três

professores participantes desta pesquisa, sendo denominadas por eles de ―habilidades

motoras‖ ou ―exercícios físicos‖. Porém, os elementos constitutivos deste conteúdo são os

mesmos propostos por autores como Freire e Scaglia (2003) como ―capacidades motoras‖ e

por Darido e Souza Júnior (2007) como ―capacidades físicas‖.

As capacidades físicas são ações musculares e processos motores que dizem respeito

à formação corporal e à técnica de movimentos, ou seja, qualidades que fazem parte

de nosso corpo, essenciais para uma vida ativa e saudável. Entre as capacidades

físicas, podemos citar: a força, a flexibilidade, a agilidade, o equilíbrio e a

resistência aeróbia e anaeróbia. (DARIDO; SOUZA JÚNIOR, 2007, p.301).

Dentre os componentes das capacidades físicas citadas, apenas o equilíbrio não foi

mencionado pelos professores. Isto se deve aos mesmos proporem o equilíbrio como uma

habilidade motora de estabilização, o que também é correto.

Freire e Scaglia (2003) sugerem para este conteúdo os componentes: força,

resistência, agilidade, velocidade e flexibilidade. Estes componentes coincidem com os

sugeridos pelos professores AND, ROB e a professora ROS, aparecendo no planejamento

anual como conteúdo para todos os ciclos, porém nos semanais são determinados apenas para

o 1º ciclo. Foi citada ainda a ―capacidade respiratória‖, que está diretamente ligada a

resistência aeróbia.

Numa relação entre conhecimento sobre o corpo e fisiologia, é proposta para todos os

ciclos, na dimensão conceitual, a ―explicação do sistema pulmonar ― por que ficamos

ofegantes? Qual a melhor forma de recuperação?‖ (ROB/M – 31 anos – P. E4).

O professor ROB é o único que cita as capacidades físicas como ―componentes da

aptidão física‖. Betti e Zuliani (2002) nos alertam que o trabalho voltado para a aptidão física

só deve acontecer a partir do 8º ano do Ensino Fundamental. Lembram ainda que a

aprendizagem de habilidades motoras e o desenvolvimento de capacidades físicas são

necessárias nas aulas de Educação Física, porém não são suficientes. Assim, a Educação

Física escolar não pode resumir-se apenas nestas práticas corporais, sendo necessária a

contemplação das outras dimensões do conteúdo também.

O professor ROB propõe ainda a avaliação física e funcional de peso, altura e

flexibilidade, que se constitui no ―diagnóstico e acompanhamento dos níveis de crescimento,

composição corporal e desempenho motor‖, tanto no 1º quanto no 2º ciclo.

Ao pensar sobre o crescimento e desenvolvimento motor, comungo com as palavras a

seguir:

115

Conhecer o corpo é mais do que saber quais são as suas partes e o que essas partes

podem fazer. Devemos confrontar quaisquer ideologias que reduzam as

possibilidades do corpo e que o fragmentem, sendo necessário compreender o

processo de constante mudança que caracteriza o corpo, como ocorre seu

crescimento e seu desenvolvimento (DARIDO; RANGEL, 2005, p. 140-141).

Neste sentido, o professor ROB (31 anos – P. E4) propõe temas de relevância social

que, quando trazidos para o contexto da Educação Física na escola, se tornam conteúdos de

ensino. Um conteúdo ligado ao crescimento e desenvolvimento motor é a reflexão sobre o

envelhecimento do nosso corpo — Idoso ou envelhecimento sadio. O professor ROB propõe

para 1º e 2º ciclos:

Conceitos:

Conhecimento do corpo humano e suas limitações.

Semelhanças e diferenças do corpo idoso com os mais jovens.

Atividade física e envelhecimento: benefícios e riscos da atividade física.

Estatuto do idoso.

Envelhecimento sadio: por que o corpo envelhece.

Tipos de alimentação que ajudam a retardar a velhice.

Orientações e selecão de exercíciopara idosos realizar.

Principais doenças relacionadas ao idoso.

Prática esportiva do idoso.

Procedimentos:

Visita ao centro de convivência para a 3ª idade.

Sequência de atividades práticas para o idoso, elaborada pelos alunos.

Atitudes:

Responsabilidade e respeito ao idoso.

Percebe-se que a relação entre os conhecimentos sobre o corpo e o idoso é nítida nos

conteúdos apresentados pelo professor ROB em seu planejamento, apesar de não fazer

distinção indicativa de ano. Esta perspectiva transcende o ―saber fazer‖ e suas razões, levando

ao aluno a possibilidade de adquirir conhecimentos contextualizados e a reflexão dos

mesmos.

O professor ROB faz uma relação da Educação Física com a qualidade de vida, o que

interfere diretamente nos conhecimentos sobre o corpo. A ―prevenção de doenças do coração,

conhecimento de suas funções e prevenção de doenças degenerativas‖ são conceitos

alcançados através da relação com a atividade física, fisiologia e hábitos de vida saudáveis.

Somados a isto, a professora JOS (38 anos – P. E4) propõe para o 2º ciclo a discussão dos

―benefícios (efeitos) das atividades físicas‖ através de textos e pesquisas sobre ―obesidade‖.

116

Numa dimensão de corpo mais social e antropológica, o professor ROB propõe a

interlocução com o tema Diversidade Racial. Como conteúdos, pode-se extrair; o ―estudo das

etnias; diversidade cultural; semelhanças físicas; semelhanças e diferenças raciais na sala de

aula; aceitação e convivência; conscientização da cultura negra‖.

Percebe-se em seu planejamento atividades que trabalham estes conteúdos dialogando

com o corpo, como exemplo, segue a sequência de atividades retiradas de seu planejamento

para trabalhar ―semelhanças e diferenças, aceitação e convivência na sala‖ retratadas no

quadro 12 a seguir.

Quadro 12: Diferenças e semelhanças na sala de aula

1) O professor abordará o tema exemplificando como acontecem as semelhanças e

diferenças na sala de aula.

2) Os alunos (após um debate) irão demonstrar, através de um desenho, a visão que

ele tem do seu colega mais próximo.

3) Após o desenho o professor irá reunir a sala e verificar as suas semelhanças e

diferenças com o colega.

4) Atividades práticas:

A) Formar grupos:

1) Cor do cabelo.

2) Cor dos olhos.

3) Tamanho dos pés.

4) Cor da camiseta.

5) Tamanho dos braços. Extraído do planejamento do professor ROB/M (31 anos – P. E4)

Assim, finalizo o bloco de conteúdos ―conhecimentos sobre corpo‖ ratificando que

conhecer a si mesmo transcende o fazer motor expresso por habilidades motoras, capacidades

físicas ou esquema corporal. Nas palavras de Kunz (2005, p. 5):

Não se trata de formar pessoas que se conheçam melhor, apenas, mas de formar

gente consciente de que jamais conhecerá tudo de si, pois isso consiste em conhecer

a humanidade e o mundo. É imprescindível que a educação desencadeie um

processo de conhecimento de si através dos valores humanos encontrados em cada

indivíduo, possibilitando condições para que cada aluno e aluna encontrem, por suas

referências internas e não apenas do mundo exterior e dos outros, o que ele ou ela de

fato são em relação ao mundo, aos outros e a si próprio.

4.1.2.2 Como os professores utilizam o ―Momento recreativo‖: conteúdo, metodologia ou

prática descontextualizada?

Os jogos e as brincadeiras populares são conteúdos recorrentes no planejamento dos

sete professores que entregaram. Em alguns momentos, os jogos e brincadeiras aparecem

117

como instrumento para o ensino de outros conteúdos específicos, tranformando-se, neste caso,

em estratégia (ou metodologia/atividade) de ensino.

É comum na Educação Física esta estratégia , como exemplo, numa determinada aula,

o conteúdo a ser ensinado pode ser a vivência de uma brincadeira popular da época em que os

pais de nossos alunos eram crianças e que hoje são desconhecidas deles. Neste sentido, a

brincadeira popular é o conteúdo da aula.

Em outra aula, pode-se propor, por exemplo, o ensino do conteúdo habilidades de

estabilização, sendo utilizado para isto um jogo de pegar em que as crianças devem correr em

cima de cordas e bancos estreitos, exigindo-se assim o equilíbrio. Neste caso, o jogo se tornou

uma estratégia para ensinar um determinado conteúdo da Educação Física, sendo comum

ouvir dos professores de Educação Física que utilizam ―atividades lúdicas‖ ou ―atividades

recreativas‖ em suas aulas.

É preciso tomar cuidado com a compreensão internalizada por alguns professores de

Educação Física de que é preciso tornar a aula lúdica, respeitando-se assim a espontaneidade

da criança em brincar. Esta concepção traduz a proposição de aulas em que a ―recreação‖ se

constitui no seu momento principal. Porém, vê-se que este momento acaba revelando uma

aula descontextualizada, em que as atividades recreativas são propostas com a finalidade

precípua de divertir, sem objetivos determinados e nem conteúdos a serem ensinados. Apenas

o brincar por brincar.

Dos professores que entregaram planejamentos semanais, nos quais pude analisar o

que foi oferecido aula a aula, dois professores apresentaram nos planos de aula os termos

―momento recreativo‖, ―atividades recreativas‖ ou simplesmente ―recreação‖. Como estes

professores não descreviam claramente todos os passos de um plano de aula, ou seja, às vezes

não deixavam claro o conteúdo a ser ensinado na aula, tive que tentar compreender o contexto

em que se inseriam os termos mencionados anteriormente. Será que se referiam ao ensino de

jogos ou brincadeiras como conteúdo? Será que se constitui apenas em atividades propostas

para ensinar determinado conteúdo, ou seja, uma estratégia de ensino? Ou apenas um

momento de diversão nas aulas de Educação Física?

No planejamento do professor ROB (31 anos – P. E4) pude identificar o ―momento

recreativo‖ representativo das três condições anteriores: ora como conteúdo, ora como método

de ensino, ora como mera recreação.

O momento recreativo ou parte recreativa da aula indicada pelo professor ROB em seu

planejamento se caracteriza como uma mera recreação quando propõe atividades (no caso,

brincadeiras/jogos) sem relação alguma com o objetivo ou conteúdo proposto na aula. Tenho

118

a impressão da necessidade das aulas de Educação Física em oferecer uma parte prática em

suas aulas, levando o professor a destinar uma parte de sua aula à práticas

descontextualizadas, recreativas, ou seja, atividades sem intenção pedagógica, mas divertidas.

Por exemplo, no planejamento semanal do professor ROB, ele propõe uma aula cujo

tema é o ―idoso e suas qualidades‖ e o objetivo da aula é ―mostrar para os participantes a

responsabilidade do respeito e as semelhanças e diferenças do corpo em relação aos mais

jovens‖ (ROB/M – 31 anos – P. E4). Neste sentido, ele propõe num primeiro momento da

aula atividades para desenvolver o tema em questão, como a discussão sobre as principais

doenças relacionadas ao idoso e os exercícios físicos adequados a eles. O professor não indica

para qual ciclo propõe esta aula.

A segunda parte desta mesma aula é nomeada de ―parte recreativa‖, em que o

professor propôs atividades como ―gato e rato‖, ―nunca três‖, etc. Em outra aula, desta vez

para a Educação Infantil, o planejamento não destaca o conteúdo da aula e nem os objetivos,

apenas atividades, sem ligação ou coerência entre elas.

Estes exemplos são características da concepção de recreacionismo, em que se enfatiza

a ideia de ações ao ar livre, sejam elas organizadas ou não. Sobre o recreacionismo,

Waichman (2004, p.26) diz que não há um interesse profundo pelas atividades além do seu

―emprego no tempo desocupado. O importante é disponibilizar uma oferta larga de

possibilidades, desde a atividade gratuita (uso de lugares públicos ao ar livre) até jogos

sofisticados e onerosos‖.

Esta concepção é diferente da abordagem recreacionista em que aparece a figura do

professor ―rola bola‖. No caso dos nossos exemplos, a recreação se caracteriza simplesmente

por oferecer a diversão através de jogos e brincadeiras escolhidas. É como se o professor

abrisse um livro e selecionasse as atividades ―mais legais‖ para aquela aula, sem objetivo e/ou

conteúdo determinado. Esta prática é muito comum entre os professores de Educação Física,

que entendem a disciplina, principalmente para a Educação Infantil e 1º ciclo, como uma

prática lúdica.

Para Santos (2001, p. 93), trabalhar com recreação nesta perspectiva é trabalhar com a

prática no seu sentido mais vulgar, com uma atividade que não precisa ter critérios e nem

coerência. ―Como o objetivo, nessas atividades, não é compreender como as crianças

aprendem, para que elas se tornem autônomas e criativas, realizar atividade prática não passa

de uma repetição mecânica de experiências motoras‖.

A recreação aparece no planejamento do professor ROB e da professora ROS também

como um procedimento utilizado para ensinar outros conteúdos. Numa aula da professora

119

ROS, por exemplo, o conteúdo expresso nos objetivos corresponde a ―percepção visual,

auditiva, atenção, capacidade respiratória e coordenação motora fina‖ (ROS/F – 39 anos – P.

E1). As atividades propostas para o 2º, 3º e 4º ano são descritas da seguinte forma:

Atividade para despertar a atenção:

- corrida de formação de grupos

- corrida dos números

- dentro e fora

Recreação:

- a ponte

- coelhinho sai da toca

Percebe-se que esta aula proposta para o dia 08 de agosto de 2008 pela professora

ROS apresenta a recreação como um procedimento de ensino para ensinar os conteúdos pré-

determinados. É nítido em suas aulas esta divisão nas atividades propostas, sempre oferece

exercícios ou parte teórica no início da aula e, logo após, jogos e brincadeiras para ensinar

conteúdos.

O professor ROB também destaca em seu planejamento a recreação como

procedimento de ensino, e ainda nomeia de ―método recreativo‖. Pinto (2001, p. 57) diz que

no ―início do século XX, a influência da tendência pedagógica conhecida como Escola Nova

influenciou no sentido da privatização da cultura lúdica do nosso povo e na legitimação da

recreação como instrumento-meio para o ensino de outros saberes escolares‖.

E a recreação enquanto conteúdo da Educação Física? Não considero a recreação

como um conteúdo, porém o tratamento dado pelos professores pesquisados a este termo,

associando-o aos jogos, supõe-se como um conteúdo. Neste caso, os professores utilizam o

termo ―jogos recreativos‖, ―recreação‖ ou apenas ―jogos‖ para dizer que o conteúdo de ensino

são os jogos propriamente ditos, ou como nos indica Darido e Rangel (2005), ―jogos

reproduzidos‖ (apresentados no capítulo anterior).

O ensino de jogos na perspectiva de reprodução só não aparece no planejamento do

professor CIN. Para os demais, este conteúdo é proposto para os dois ciclos iniciais do Ensino

Fundamental, sem distinção nenhuma do conteúdo entre os ciclos. Ainda, é apresentado

apenas na dimensão procedimental, o saber fazer. Nesta dimensão inclui-se também ―as

regras dos jogos‖, proposto pelo professor ROB para o 2º ciclo. Em apenas um planejamento,

da professora JOS, é citado a ―organização de jogos e regras‖ (2º ciclo), fazendo menção às

atitudes dos alunos diante destes jogos.

Percebe-se que a menção às regras dos jogos transcende a perspectiva de apenas

reproduzi-los, mas ainda há a necessidade de aproximação da transformação e criação destes

120

jogos (DARIDO; RANGEL, 2005), ou os chamados ―jogos de regras‖, classificados assim

por Freire e Scaglia (2003).

Os Jogos de Regras podem ser os próprios jogos populares da cultura infantil ou

quaisquer outros criados pelos professores. A diferença entre os Jogos de Regras e

os demais é que, ao aplicá-los, os professores devem inicialmente utilizar o menor

número possível de regras. A cada conflito entre os alunos, causado pela falta de

regras, o professor deve interromper a aula e, em pouco tempo, ajudá-los a

estabelecer uma regra (FREIRE; SCAGLIA, 2003, p. 69).

Sobre as dimensões conceituais e atitudinais, estas aparecem ligadas ao conteúdo

―jogos cooperativos‖ — único a apresentar as três dimensões do conteúdo. No conteúdo

―jogos de salão‖, a dimensão atitudinal e procedimental são destacadas no planejamento, mas

desta vez apenas despida de fatos ou conceitos. Vejamos então estes conteúdos:

Jogos cooperativos

- O que é cooperação – conceitos e conhecimentos dos alunos.

- Importância da cooperação (textos).

- Jogos cooperativos: vivência de jogos propostos pelo professor e escolhidos pelos

alunos.

- Recreação semi-cooperativa.

- Cooperação, socialização, respeito, coletividade, afetividade, confiança no outro e

relação interpessoal.

Os professores AND (32 anos – P. E6) e JOS (38 anos – P. E4) propõem estes jogos

para os dois ciclos do Ensino Fundamental, inclusive a ―importância dos jogos cooperativos‖

através de textos aparece no planejamento da professora JOS para o 1º ciclo. Mas será que os

alunos do 1º ciclo têm condições de ler textos e compreender a importância da cooperação? O

professor ROB, por exemplo, só propõe os jogos cooperativos a partir do 2º ciclo.

O jogo cooperativo consiste em jogos e atividades onde os participantes jogam

juntos, ao invés de contra os outros, apenas pela diversão. Através deste tipo de

jogo, nós aprendemos a trabalhar em grupo, confiança e coesão grupal. A ênfase está

na participação total, espontaneidade, partilha, prazer em jogar, aceitação de todos

os jogadores, darem o melhor de si, mudar regras e limites que restringem os

jogadores, e no reconhecimento que todo jogador é importante. Nós não

comparamos nossas diferentes habilidades nem performances anteriores, nós não

enfatizamos a vitória e a derrota, resultados ou marcas (SOBEL, 1983, apud

BROTTO, 2001, p. 55-56).

Brotto (2001) considerada que para a integração dos Jogos Cooperativos em grupos ou

ambientes com pouca ou nenhuma experiência anterior é aconselhável iniciar pelos jogos

semi-cooperativos — recreação semi-cooperativa como propôs o professor ROB

121

anteriormente — e gradativamente caminhar na direção dos jogos cooperativos sem

perdedores.

Ao refletirmos sobre a escola, a assertiva anterior de Brotto (2001) é pertinent, se

pensarmos nas características de crianças de 1º ciclo, que segundo Piaget (s.d., citado por

FREIRE, 2005) é neste período, entre 6 e 7 anos, que a criança começa a ser capaz de

cooperar. É nesta fase também que, segundo Chatêau (1987), a criança começa a se interessar

por jogos sociais, deixando o egocentrismo de lado.

Baseando-me nesses autores e em minha experiência como professora das séries

inicias (antiga 1ª a 4ª série), entendo que as crianças de 1º e 2º ano ainda estão neste período

de transição entre o egocentrismo e a socialização, sendo ainda incapazes de cooperar. Talvez,

por começarem a entrar na fase de raciocínio lógico (PIAGET, s.d, apud FREIRE, 2005), elas

são capazes de entender a importância de cooperar com os colegas, mas isso não quer dizer

que ela terá atitudes de cooperação num jogo. Socialização sim, mas não cooperação. Talvez a

proposta do professor ROB em oferecer os jogos cooperativos a partir do 2º ciclo corrobora

com a discussão anterior.

Os jogos de salão, de mesa ou de tabuleiro é outro conteúdo presente no planejamento

dos professores pesquisados, apresentado com exclusividade pela professora CID (52 anos –

P. E2). Nesta escola em especial, por conta da inexistência de um espaço adequado às aulas de

Educação Física, a professora ocupa a sala de aula oferecendo este conteúdo aos alunos como

eixo norteador de seu trabalho, juntamente com jogos intelectivos ou de raciocínio lógico.

Vejamos o que ela propõe para o 2º ciclo no quadro 13, lembrando que esta escola não

oferece 1º ciclo:

Quadro 13: Conteúdos de jogos de salão e de raciocínio lógico

JOGOS DE SALÃO JOGOS DE RACIOCÍNIO LÓGICO (Passatempos)

Dama

Dominós

Gamão – noções

básicas

Ludo

Xadrez

Confecção de jogos de

dama e ludo

Criação de regras pelo

grupo

Caça palavras

Criptocruzada

Criptograma

Jogos da memória

Sequência l

Sudoku

Tangran

Tetraminós

Treminós

Resta um

Baseado no planejamento da professora CID/F – 52 anos – P. E2.

Na dimensão atitudinal, são apresentados os seguintes conteúdos pela professora CID:

a criatividade, atenção, cooperação, criação de regras, respeito ao colega e cumprimento de

122

regras. Acrescentando, a professora JOS (38 anos – P. E4) sugere para os jogos de mesa, a

participação, formação de grupos, troca de material e acordo com as afinidades.

A professora CID, além dos conteúdos propostos para todos os anos, esboça uma

sistematização dos mesmos para cada ano do 2º ciclo. Vejamos estes conteúdos no quadro 14.

Quadro 14: Conteúdos dos jogos de salão e intelectivos para o 2º ciclo.

4º e 5º anos 6º ano

- Palavras cruzadas diretas

- Dama

- Quebra-cabeça

- Lego

- Jogo da memória

- Sequência lógica

- Confecção de jogo de

ludo

- Quebra-cabeça e jogo

da memória

- Torneio de damas

Conteúdos atitudinais:

- criatividade

- cooperação

- atenção

- respeito ao adversário e

às regras

- competitividade Baseado no planejamento da professora CID/F – 52 anos – P. E2.

A professora JOS sugere ainda o ―bozó‖ como um conteúdo dos jogos de mesa. Para

situar o leitor,

O Bozó é um jogo instigante, onde é preciso ter sorte e estratégia para obter a

vitória. Sorte, pois são utilizados cinco dados que serão lançados ao acaso e

estratégia para obter a pontuação mais conveniente e não a mais óbvia. A origem do

jogo ainda é incerta, só sabemos que ele é uma das variações de um jogo muito

antigo chamado Yam (possui relação com o Pôquer) e outros jogos, dentre eles o

Yatch, Holligam e o General. Acreditamos que o Bozó foi baseado no General por

haver uma casa com esse nome. E, também, no Nordeste Bozó significa dado. O

Bozó não é muito popular no Brasil, ele é conhecido nos estados de Mato Grosso e

Mato Grosso Sul, e é muito jogado entre a população urbana e indígena dos dois

estados3.

Em princípio me ocorreu a seguinte questão: até que ponto se pode considerar os jogos

de salão e de raciocínio lógico como conteúdos da Educação Física? Não que a Educação

Física se resuma ao movimento e estes jogos sejam ―sedentários‖, mas pelo fato de tentar

compreender se todos os tipos de Jogos podem se constituir como objeto de estudo de nossa

área. E, mesmo se elegêssemos o movimento como nosso objeto de estudo, segundo Gomes4

o pensamento é uma das formas mais representativas de movimento, já que nosso cérebro não

pára nem mesmo quando estamos dormindo.

Sobre a dúvida cruel do ―ser ou não ser‖, Lílian Ferreira5 indica que dependerá do

objetivo traçado pela professora. Comungando com esta ideia, Beleni Grando6 escreve:

3 Texto disponível em: http://www.jogos.antigos.nom.br/dados.asp (visitado em 04/07/2009).

4 Prof. Dr. Cleomar Ferreira Gomes (UFMT) – comunicação em orientação pessoal no dia 03/07/2009.

5 Profa. Dra. Lílian Aparecida Ferreira (Unesp – Bauru) – comunicação pessoal via e-mail no dia 03/07/2009.

6 Profa. Dra. Beleni Salete Grando (Unemat – Cáceres) – comunicação pessoal via e-mail no dia 02/07/2009.

123

(...) depende do referencial e dos objetivos em que estes jogos são inseridos no

contexto da aula de Educação Física. Se a professora faz isso para se justificar na

escola, se faz para não ter trabalho durante as aulas e poder ficar longe do contato

com as crianças, ou se recorre aos jogos como parte de um plano de trabalhos em

que eles entram em alguma fase do trabalho para desenvolver algumas habilidades

necessárias aos conteúdos da Educação Física, etc.

Segundo Evando Moreira7, estes jogos são considerados conteúdos sim, e esta é a

mesma opinião da professora Irene Rangel8:

Creio que os jogos podem ser considerados como conteúdo sim, mas não exclusivos.

Isto seria o mesmo que dar queimada ou futebol o ano inteiro. Inclusive esses jogos

poderiam ser transformados pelas crianças em jogos para área externa, ou seja, eles

poderiam tentar fazê-los na quadra (ou outro espaço).

Considerando que para o desenvolvimento destes jogos foi elaborado um projeto de

intervenção pela professora, seguindo orientações das gestoras da escola — conforme descrito

no capítulo dos gestores —, os jogos de salão e de raciocínio lógico serão considerados como

conteúdo da Educação Física nesta pesquisa em específico. Porém, ressalvo que é um assunto

que carece de maiores discussões e pesquisas pelos teóricos da área.

Para definirmos os jogos de salão e de raciocínio, encontrei em Araújo (2004)

categorias (tipos) de jogos citados como conteúdos da Educação Física, em que estes

aparecem. Vejamos o que a autora diz:

Outros tipos de jogos são conhecidos pelos professores como jogos intelectivos ou

jogos de raciocínio. O desenvolvimento destes jogos é baseado principalmente nos

aspectos neurocomportamentais e nos aspectos cognitivos como, por exemplo:

memorização, categorização, comunicação, atenção, percepção e avaliação de

situações, táticas e estratégias, síntese, sequência de pensamento, linguagem oral,

etc. Observamos que, em muitos casos, os jogos de mesa ou pequenos jogos estão

fundamentados nos mesmos aspectos e atendem a objetivos semelhantes durante o

seu desenvolvimento que os jogos intelectivos ou jogos de raciocínio. Desta forma,

podemos dizer que os jogos de salão, pequenos jogos ou jogos de mesa são opções

de jogos de raciocínio e também de jogos perceptivo-motores (aspectos

neurocomportamentais). Alguns exemplos desses jogos são: xadrez, dama, tênis de

mesa, trilha, jogo da velha, resta um, etc. (ARAÚJO, 2004, p. 34-35).

No planejamento do professor ROB aparece o ―tênis de mesa‖, classificado por ele

como um jogo, assim como Araújo (2004) o classifica. Na história do tênis de mesa9, este é

classificado como um esporte, sendo um dos esportes mais populares do mundo em número

de jogadores. O tênis de mesa surgiu na segunda metade do século XIX, na Inglaterra, período

7 Prof. Dr. Evando Carlos Moreira (FEF/UFMT) – comunicação pessoal no dia 08/07/2009.

8 Profa. Dra. Irene Conceição Andrade Rangel (Unesp – Rio Claro) – comunicação pessoal via e-mail no dia

07/07/2009. 9 Disponível em: http://www.brasilescola.com/curiosidades/pingpong.htm (visitado em 04/07/2009)

124

em que esse esporte possuía vários nomes. Ao ouvir o barulho das bolinhas batendo em

raquetes ocas, James Gibb, um maratonista aposentado, associou o barulho à palavra ―ping

pong‖, que se tornou o apelido mais conhecido do esporte até os dias de hoje.

O termo ping pong atualmente é utilizado somente para fins recreativos. Apenas por

uma questão de utilização do conceito correto, considerarei o ―ping pong‖ como um jogo,

sendo assim um conteúdo da Educação Física, que o professor ROB propõe para o 1º e 2º

ciclo.

Outro tipo de jogo sugerido pelo professor ROB para 1º e 2º ciclos é ―prática de jogos

motores e sensoriais: jogos de baixa organização e jogos sensoriais‖, além do ―respeito à

atividade‖ e à relação entre ―ganhar e perder‖. Segundo Araújo (2004), os jogos motores

nascem da combinação de movimentos naturais (andar, correr, saltar, etc.), com objetivos

semelhantes aos dos jogos sensoriais, ou seja, desenvolver, aprimorar ou manter as

capacidades físicas e habilidades motoras.

A professora JOS sugere para o 1º ciclo os ―jogos de mímica, atividades historiadas e

pequenos jogos‖. Os jogos chamados de imitação ou ficção se relacionam com o simbolismo,

à imitação ou à imaginação. Estes jogos são considerados por Araújo (2004) vinculados aos

jogos simbólicos classificados assim por Piaget. Assim, pode-se considerar a mímica como

uma imitação e as atividades historiadas ligadas a imaginação, ou seja, conteúdos ligados aos

jogos simbólicos.

Freire e Scaglia (2003), em sua ―distribuição de temas pelas diversas séries‖,

recomendam os jogos simbólicos da Educação Infantil até a 1ª série, que no nosso caso

corresponde até o 2º ano do Ensino Fundamental. Os autores dizem indicar os jogos

simbólicos até a primeira série porque, ―as crianças ainda vivem fortemente o período das

fantasias, da organização das representações mentais. Portanto, elas precisam de atividades

que fomentem o desenvolvimento de tais funções‖ (FREIRE; SCAGLIA, 2003, p. 38). Logo,

devemos refletir apenas se estes conteúdos propostos pela professora JOS ao 1º ciclo serão

eficientes e interessantes para as crianças de 3º ano, que ainda se encaixam no 1º ciclo.

Para 1º e 2º anos o professor ROB acrescenta ―jogos de habilidades: atenção,

criatividade, sensibilização; e jogos de combate: ataque e defesa – permitir a criança um

conhecimento espacial de uma área onde será realizado o jogo‖, descritos e classificados deste

modo por ele.

125

4.1.2.3 Como os professores organizam as brincadeiras populares

Nas brincadeiras populares, ―as crianças se engajam em regras testadas por séculos,

que são passadas de criança para criança sem nenhuma referência à escrita, parlamento ou a

alguma propriedade adulta." (OPIE; OPIE, 1976, apud PONTES; MAGALHÃES, 2003, p.

122).

Araújo (2004) diz que as brincadeiras perpassam o tempo, de geração a geração. A

estes se vincula a cultura de jogos infantis tradicionais, que são conhecidos, entre outras

denominações, como jogos de rua e brincadeiras populares. Ao trabalhar com esta categoria

de jogos, podem ser consideradas e discutidas as características regionais e as mudanças que

os jogos sofrem de acordo com o contexto de cada região. A autora reforça que um dos

aspectos do comportamento que julga importante ser evidenciado durante a realização desses

jogos é o aspecto sócio-cultural.

Estes aspectos descritos anteriormente são importantes para diferenciarmos jogos

(reproduzidos ou de regras) de brincadeiras populares, pois nem sempre os professores

deixam claro em seus planejamentos que estão se referindo as brincadeiras, ou seja, às vezes

os conteúdos referentes a este bloco não estão explícitos e sim imbricados no conteúdo de

jogos. No planejamento dos sete professores de Educação Física, apenas a professora CID não

faz menção às brincadeiras populares.

França e Grando (2007, p. 147) descrevem o sentido de memória lúdica para a cultura

e identidade de uma comunidade, dizendo que a brincadeira, quando executada, oferece a

capacidade de desenvolver na criança seus potenciais criativos, de interação com outras

pessoas e com seu meio. As brincadeiras ―guardam os valores e a produção de um povo, uma

cultura conservada por meio da representação infantil das crianças daquela época‖. Assim,

dada a importância deste bloco de conteúdos fazer parte das aulas de Educação Física,

vejamos o que propõem os professores de Educação Física pesquisados.

A professora ROS (39 anos – P. E1) elenca brincadeiras que devem ser trabalhadas

com as crianças de 1º ciclo, como a amarelinha, pular corda, bambolê, bolinha de gude,

pipas, lenço atrás, corre cotia, esconde-esconde, coelho sai da toca, duro ou mole, tourinho,

reloginho, pega-pega, bom barqueiro, corrida dos panos, gato e rato, cordeirinho e lobo.

Percebe-se que são brincadeiras tradicionais infantis, introduzidas nas aulas de Educação

Física como um conteúdo procedimental. A professora ainda divide o aprendizado do ―pular

corda‖ para os alunos de 1º a 4º anos, e propõe a ―compreensão de texto – escrever a

brincadeira que conhece (dia a dia)‖, para 2º ao 4º ano.

126

O professor ROB indica o trabalho com as ―brincadeiras esquecidas dos alunos‖

(antigas) para o 1º e 2º ciclos. O professor AND (32 anos – P. E6) oferece no 3º bimestre

―oficinas para confecção de brinquedos‖ (projeto arte reciclada). A professora ANE (32 anos

– P. E3) também propõe a construção de brinquedos, mais especificamente a ―confecção de

petecas e suas formas de jogar‖ e, na dimensão conceitual, ―história da peteca – como os

índios brincavam de peteca‖.

As brincadeiras de roda ou brincadeiras cantadas estão presentes no planejamento de

quatro professores e são indicadas para todos os anos, com exceção da professora ROS que

oferece este conteúdo apenas para o 1º ciclo.

O professor ROB (31 anos – P. E6) acrescenta o trabalho com o tema diversidade

racial, em que sugere para 1º e 2º anos as ―músicas e brincadeiras da infância que os pais

ensinaram‖, e as ―adivinhas‖ de 3º a 6º ano.

Partindo do pressuposto que as brincadeiras de roda ou cantadas são formas de

representação da cultura tradicional infantil, carregadas de valores culturais que devem ser

conservados, discutidos e transmitidos a outras gerações, pode-se considerar este conteúdo

como parte do bloco de conteúdos ―Brincadeiras Populares‖, como fizeram os professores de

Educação Física anteriormente.

A título de esclarecimento, veremos no bloco de conteúdos ―atividades rítmicas,

expressivas e danças‖ que alguns professores voltarão a mencionar as brincadeiras de roda,

músicas folclóricas, entre outros, como integrante deste bloco, caso que será discutido no item

correspondente.

Sobre a dimensão conceitual das brincadeiras populares, França e Grando (2007)

compreendem a possibilidade de, a partir delas, trabalhar a história de uma cidade/estado/país

e a história da infância nestes locais, oportunizando, no contexto escolar, a organização de

saberes da realidade da qual as crianças participam, com historicidade e valorização das mais

diversas formas de viver. Talvez sejam estes os conteúdos não identificados nos

planejamentos, porém relevantes e necessários à Educação Física.

4.1.2.4 Como os professores organizam os conteúdos referentes ao ritmo e expressão

corporal

Neste bloco de conteúdos reuni as atividades rítmicas e expressivas e as danças, e

anuncio que partirei do micro para o macro, ou seja, do regional para o nacional, das danças

tradicionais cuiabano/mato-grossenses para as demais danças recorrentes nos planejamentos

127

dos professores. E, a partir daí, apresentarei o que propõem de atividades rítmicas e

expressivas.

Segundo Pereira e Grando (2007), a religiosidade das danças está presente em todas as

sociedades humanas desde os tempos mais antigos, sendo marca identitária das comunidades

tradicionais que, mesmo numa sociedade complexa como a nossa, sustentam formas de

valorizar a vida em comunidade e fortalecer a esperança em dias melhores.

Entre as mais diversas formas de expressar a cultura local e a identidade, a dança é

uma das formas mais utilizadas por todas as pessoas na sociedade ocidental. Esta

manifestação corporal é criação pessoal que por meio do corpo possibilita a pessoa

construir seus próprios movimentos; conforme a criatividade, cada qual tem seu jeito

de dançar e criar seu passo (PEREIRA; GRANDO, 2007, p. 64).

Dentre as danças tradicionais cuiabanas, as mais conhecidas são o cururu, siriri e

rasqueado, que são lembrados pelos professores ANE/F (32 anos – P. E3) e AND/M (32 anos

– P. E6) em seus planejamentos. Propõem como conteúdos da Educação Física para todos os

anos do 1º e 2º ciclo ―as danças regionais de Cuiabá, o rasqueado e o siriri‖, e na dimensão

conceitual ―a cultura de Mato Grosso e as danças típicas de Cuiabá‖.

Para o leitor conhecer um pouco mais do siriri e do rasqueado citados pelos

professores, as autoras Campos, Pereira e Grando (2007) discorrem que o rasqueado é a dança

mais popular dos mato-grossense, finalizando as festas de santo já que não há nada de sagrado

em sua origem. Das festas populares, esta dança conquistou muitos adeptos em várias festas,

em clubes, etc.

O Rasqueado: Definição da palavra rasqueado: ―[...] arrastar as unhas ou um só

polegar sobre as cordas, e sem as pontear‖. Em Mato Grosso, a expressão musical

[...] traz no seu processo histórico toda uma saga, que começou após o fim da

Segunda Guerra da Tríplice Aliança (Guerra do Paraguai), quando os prisioneiros

ficaram confinados à margem direita do rio Cuiabá [...]. Aqui permanecendo

resultando em várias influências em costumes, linguajar, e principalmente danças

folclóricas: a polca paraguaia e o siriri, dando origem ao rasqueado mato-grossense.

(GUAPO, 1985, apud CAMPOS; PEREIRA; GRANDO, 2007, p.6).

O siriri10

é uma dança em que participam pessoas de qualquer idade e sexo,

geralmente em pares, e que se utilizam de alguns tipos básicos de coreografia, tais como a

dança de roda e dança de fileira. Em roda, com o círculo em movimento, os dançarinos batem

as mãos espalmadas nas mãos dos dançarinos que estão à direita e à esquerda. Enquanto

giram, os dançarinos vão respondendo aos tocadores que conduzem o canto. Já na fileira, os

dançarinos são dispostos frente a frente, acontecendo o mesmo processo de bater as mãos.

10

Disponível em: http://www.rasqueadocuiabano.com.br/dancassiriri.php visitado em 06/07/2009.

128

A festa junina também traz conteúdos que são propostos por três professores em suas

aulas, como a ―dança da quadrilha‖ e atitudes como ―participação na festa junina‖. Estes

conteúdos são propostos para todos os anos dos ciclos pesquisados, porém os professores não

apresentam maiores detalhes do assunto, não sendo possível identificar se a festa junina é

trabalhada contextualizada dentro de um bloco de conteúdo de danças, ou se constitui apenas

numa obrigação de ensaiar quadrilhas para a festa da escola.

Em relação às danças tradicionais do Brasil, o professor ROB propõe para os dois

ciclos, na dimensão conceitual, ―as danças e comidas típicas das regiões do Brasil‖ e,

especificamente para o 5º ano, dentro da temática Diversidade Racial (cultural), ―pesquisa

sobre danças do Brasil – forró, pagode, axé e capoeira – onde nasceram, de quais regiões são

e se são conhecida no Brasil‖.

A professora JOS indica para todos os anos a dança de ―maculelê11

enfocando o

respeito às origens e formas de dançar de cada país‖. Sistematizadas as ―danças folclóricas‖:

―danças de roda e rodas contadas‖ para 1º ciclo, e ―danças circulares de diversos países e

dança sênior (idosos)‖ para 2º ciclo.

A dança circular e os brinquedos cantados (e cantigas de roda) aparecem também no

planejamento do professor AND. Como também a professora ROS (39 anos – P. E1) fala em

cantigas folclóricas (1º ano), musiquetas folclóricas e brincadeiras cantadas – escravos de Jó

(2º ao 4º), e danças (5º e 6º anos), sugerindo uma organização destes conteúdos para cada ano

do Ensino Fundamental.

Vimos no item sobre as brincadeiras populares a citação de alguns destes conteúdos

(brincadeiras cantadas, músicas folclóricas, etc.) assim classificados pelos professores de

Educação Física. Porém, concordo com Toledo (2006, p. 78) que afirma ―as cantigas e as

rodas cantadas são consideradas parte dos conteúdos Dança e Atividades Rítmicas e

Expressivas‖. Justifica ainda:

A roda cantada pode ser considerada como um tipo de Dança folclórica, uma vez

que possui uma música combinada com movimentos preestabelecidos, com duas

características particulares: ser realizada em roda (círculo) e geralmente ter uma letra

(da música) que conta uma pequena história, típica daquela comunidade, por isso ela

é criada e cultivada na comunidade, mantendo-se de geração em geração. Um

exemplo típico é a Ciranda Cirandinha. (TOLEDO, 2006, p. 72).

A diferença das rodas cantadas para as cantigas é que estas podem ser cantadas em

roda, mas não se caracterizam como rodas cantadas. Sobre as atividades rítmicas e

11

Tipo de dança, bailado, que se exibe na festa de Nossa Senhora da Purificação, na cidade de Santo Amaro,

Bahia. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Maculel%C3%AA Visitado em 06/07/2009.

129

expressivas, envolvem atividades que relacionam a música ao movimento, assim como a

interpretação e o processo criativo de ações coreográficas (TOLEDO, 2006).

E quanto a uma indicação destes conteúdos (ligados ao folclore) para as diferentes

fases de ensino escolar, Toledo (2006) sugere as cantigas de roda, rodas cantadas, lendas e

parlendas para a Pré-escola; jogos e brinquedos folclóricos, e danças folclóricas brasileiras

para 1ª a 4ª série; manifestações do folclore internacional de 5ª série em diante.

Percebe-se que a Capoeira foi relacionada pelos professores ROB e JOS como uma

dança. Lembremos também que no capítulo dos gestores o diretor BER fala da capoeira, mas

como uma luta. Assim, mesmo elencando a Capoeira nestes tópicos, recomendo considerá-la

como um bloco de conteúdos a parte, que será discutido adiante.

Na sistematização de conteúdos proposto por Palma e colaboradores (2008), as danças

folclóricas de cada região do Brasil são apresentadas a partir da 2ª série (corresponde ao 2º

ano nosso). Da 2ª a 6ª série é proposto o trabalho de uma região do país por série, e a partir da

7ª série aparecem as danças folclóricas do Brasil e do mundo. Porém, não há uma justificativa

na apresentação das regiões, ou seja, por que iniciar com a região nordeste na 2ª série? Por

que esta e não outra região?

Outros conteúdos trabalhados pelos professores de Educação Física neste bloco são:

- movimento do corpo através da dança;

- coreografias simples (músicas – lateralidade);

- movimento dos animais;

- danças expressivas (sentimentos);

- atividades rítmicas: deslocamento no ritmo da música, agrupamentos com ritmos

diferentes, dança das cadeiras, ritmos de diferentes países;

- danças coreografadas – atividades lúdicas com e sem instrumentos.

Os conteúdos acima são descritos para 1º e 2º ciclos, sem especificação de anos e nem

detalhamentos sobre o significado dos mesmos ou exemplos de como trabalhá-los. O mesmo

ocorre com a professora CID que propõe, especificamente para o 2º ciclo, os seguintes

conteúdos:

- formas naturais primárias e secundárias com e sem elementos;

- formas rítmicas de movimentos axiais com e sem elementos;

- associação de várias formas rítmicas de movimentos axiais.

Assim, finalizo aqui as discussões deste bloco de conteúdos, enfatizando a importância

de se trabalhar não só este, mas todos os blocos de conteúdos em suas três dimensões. Aqui,

percebe-se a ênfase na dimensão procedimental dos conteúdos propostos pelos professores de

130

Educação Física, porém há um avanço significativo quando se sugere um diálogo dos mesmos

com os temas transversais, como a diversidade cultural.

4.1.2.5 O que os professores propõem para a capoeira

Inicio este tópico com uma citação de Darido e Souza Júnior (2007, p. 221):

A capoeira é um esporte, uma luta, uma dança, um jogo. Afinal de contas, o que é a

capoeira? Na verdade, é um pouco de tudo isso. A capoeira é uma manifestação

genuinamente brasileira, criada pelos escravos africanos trazidos para o país. Hoje, a

capoeira apresenta várias vertentes, ganhando até mesmo regras, para poder fazer

parte do universo esportivo.

Neste sentido, complementa Falcão (2006, p. 59) que a ―capoeira pode ser vista como

um misto de jogo, arte, luta, dança e folclore que vem, sistematicamente, se incorporando à

lógica desportiva, a partir de várias iniciativas de cunho oficial e privado‖. O autor considera

a capoeira como uma ―construção social que extrapola conotações específicas que tentam

acomodá-la em dimensões fechadas‖.

Como vimos anteriormente neste capítulo, os professores de Educação Física

consideram a capoeira como uma manifestação da dança, o que é verdade. Porém, a capoeira

tem outras características que não permitem que a classifiquemos apenas em um bloco de

conteúdos, sendo necessário assim considerá-la um conteúdo a parte.

No planejamento dos professores pesquisados, apenas dois sugerem a capoeira como

conteúdo da Educação Física, e mesmo assim apenas o professor ROB o explicita com mais

detalhes. Ele alude na dimensão conceitual o ―início, histórico e qualidades físicas trabalhadas

na capoeira‖. Na procedimental, a ―ginga simples e principais golpes da capoeira‖. A

dimensão atitudinal não é lembrada em seu planejamento. Estes conteúdos não aparecem

ligados a nenhum ano do Ensino Fundamental, sugerindo o trabalho com todos os ciclos.

Porém, estão vinculados ao tema ―diversidade racial‖, proposto pelo professor ROB.

Souza e Oliveira (2001) ressaltam a relevância deste conteúdo nas aulas de Educação

Física na escola, e como foi possível verificar, é pouco trabalhado pelos professores

pesquisados nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Os autores sugerem em seu texto uma

estruturação da capoeira para as diferentes fases de ensino na escola, elencando conteúdos

distintos para os anos inicias e finais do Ensino Fundamental e ensino médio. Esta proposta

atende a seis horas/aula anuais com este conteúdo.

A sua prática na escola possibilita o desenvolvimento de conteúdos conceituais,

procedimentais e atitudinais, como autonomia, cooperação e participação social,

postura não preconceituosa, entendimento do cotidiano pelo exercício da cidadania,

131

historicidade, etc. No aspecto motor, especificamente, a capoeira deve ser

reconhecida como uma alternativa rica para o desenvolvimento das estruturas da

criança, como esquema corporal, lateralidade, equilíbrio, orientação espaço-

temporal, coordenação motora etc.

Vale ressaltar, ainda, que a aprendizagem da capoeira não deverá ter somente o

aspecto técnico de aprender determinada forma de luta ou esporte; o ensino dos

movimentos deverá ser acompanhado da transmissão de todos os elementos que

envolvem sua cultura, história, origem e evolução, ao mesmo tempo em que deverá

ser estimulada a integração com outras disciplinas do contexto escolar, a fim de que

o educando tenha uma participação efetiva no contexto da capoeira como um todo

(SOUZA; OLIVEIRA, 2001, p.44).

Estas considerações trazidas pelos autores Souza e Oliveira (2001) servem para

enfatizar a necessidade de considerarmos a diversidade de conteúdos da Educação Física que

temos a nossa disposição e oferecê-las de forma completa aos nossos alunos.

4.1.2.6 O que os professores propõem sobre as lutas

O conteúdo ―lutas‖ não aparece no planejamento de nenhum dos sete professores que

o entregaram. Mas, por que a exclusão deste conteúdo dos programas de Educação Física?

Uma justificativa é entendimento de pais, gestores e até do próprio professor, de

relacionar as lutas como propulsora da violência, esquecendo-se que as lutas trazem toda uma

bagagem cultural, histórica e filosófica. Os conteúdos atitudinais são destaques no ensino das

lutas, pois o praticante de qualquer arte marcial tem princípios a seguir, como a disciplina,

respeito ao adversário e a formação do caráter.

Darido e Rangel (2005, p. 248) alegam que:

Espera-se que o aluno aprenda, não apenas a apreciar uma luta, distinguindo sua

origem, história, golpes e a forma de pontuação, como também aprenda alguns

golpes, equilíbrios e desequilíbrios e saiba diferenciar uma luta organizada a partir

de uma fonte histórica de uma briga entre torcidas ou a violência gratuita.

O objetivo não é a formação de lutadores, mas a construção de conhecimentos básicos

de mais uma expressão da Cultura Corporal de Movimento, diante das questões conceituais,

procedimentais e atitudinais (DARIDO; RANGEL, 2005). Questões sobre a violência podem

(e devem) ser inseridas dentro do contexto das lutas, gerando discussões sobre as diferenças

entre a prática das lutas e das ―brigas de rua‖ (violência).

Pensando numa sistematização de conteúdos das lutas, Rangel e colaboradores (2010)

sugerem sua inclusão desde a Educação Infantil, contextualizando o conteúdo com as figuras

de heróis de desenhos animados, iniciando a discussão sobre os valores nas lutas e valores

132

para a vida. Para as crianças menores de 4 anos, as relações corporais de

equilíbrio/desequilíbrio, imitações de animais brincando de brigar, são possibilidades de

inserção do conteúdo nas aulas de Educação Física.

Conceitualmente, Rangel e colaboradores (2010) indicam que as crianças podem

aprender as diferenças entre as várias lutas e, a partir da 1ª série do Ensino Fundamental,

podem aprender a origem das lutas e algumas de suas características.

Segundo Kawashima, Souza e Ferreira (2009), os conteúdos das lutas ainda podem ser

propostos da seguinte forma: 3ª série - cabo de guerra, atividades lúdicas com lutas simples,

Kata; elementos comuns às lutas: equilíbrio e desequilíbrio e quedas; violência nos desenhos

animados: assistir desenhos animados e verificar incidência de violência (lutas simples);

Conceitos e atitudes nas lutas; atitudes nas lutas (violência); 4ª série - Elementos comuns às

lutas: equilíbrio e desequilíbrio, quedas e golpes, noções de Karatê e/ou judô;

contextualização e conhecimento das diferentes modalidades de lutas; atitudes nas lutas e

respeito ao adversário. Estes conteúdos são propostas com base em experiências efetivadas na

escola.

As autoras ainda relatam a experiência com a inclusão das lutas na sistematização dos

conteúdos para1ª a 4ª série:

O conteúdo ―lutas‖ também trouxe experiências interessantes. Embora o objetivo

não fosse aprofundar no ensino de golpes específicos de cada luta, as crianças de 3ª

e 4ª série puderam ter uma noção do que eram as lutas, para que servem, as

diferenças entre lutar e brigar, e alguns fundamentos comuns das lutas como quedas

e rolamentos. O interessante da sistematização é que o professor sabe dizer aos seus

alunos quando aprenderá este ou aquele conteúdo, como no caso das ―lutas‖, em que

crianças da 2ª série presenciaram uma aula da 3ª e ficaram eufóricos achando que

aprenderiam este conteúdo também. Assim sendo, pode-se explicar a eles que

precisariam aprender outras habilidades e vivenciar outras experiências antes das

lutas, e que na série seguinte teriam a oportunidade de praticá-las. Ou seja, os alunos

sabiam que na 3ª série teriam o conteúdo ―lutas‖ e não precisaram se chatear por

isso. (KAWASHIMA; SOUZA; FERREIRA, 2009, p. 463-464).

Assim, dada a importância e as sugestões para o ensino das lutas nas aulas de

Educação Física escolar, compreendo que este conteúdo precisa ser abordado e incluído nos

planejamentos dos professores pesquisados, proporcionando aos alunos conhecimentos

diversificados da Cultura Corporal de Movimento.

4.1.2.7 Como os professores organizam a ginástica

A ginástica, como conteúdo da Educação Física, está presente no planejamento de

quatro professores, dentre os sete que entregaram este documento. A professora ANE (32

133

anos – P.E3) não especifica quais são os conteúdos da ginástica trabalhados por ela, apenas

fala em ―ginástica‖, sem exemplos ou maiores detalhes.

A ginástica é proposta exclusivamente na dimensão procedimental pelos professores

pesquisados. Faz-se necessário relembrar que a ginástica como conteúdo da Educação Física

— e isso serve para todo e qualquer conteúdo específico — não deve resumir-se ao ―saber

fazer‖, a mera execução de técnicas. Como nos alerta Neira (2006), o exercício e a técnica não

substituem a aprendizagem, que só será possível pela compreensão da situação-problema e da

consciência mais ou menos clara que orienta a intencionalidade da ação. Ou seja, não basta

fazer, é preciso compreender.

É importante então salientar – e pode se situar aí um dos mais sérios problemas da

Educação Física – que uma educação integral, que tenha por objetivo óbvio o

desenvolvimento do individuo em todos os planos, não é suficiente o simples fazer

motor, pois mesmo se admitindo o fato de que esse fazer seja sempre gerador de

conhecimento, não se pode esquecer que ele poderá permanecer limitado ao

inconsciente cognitivo, fora do acesso ao pensamento consciente do sujeito. Se, por

um lado, as disciplinas intelectualistas estimulam o estudante à reflexão, sem

contudo, nem sempre estabelecer um vinculo entre a simbologia utilizada e a

realidade física, por outro, a Educação Física, conduzida de maneira exclusivamente

motora, estimula em grande medida o fazer motor, pouco exigindo a reflexão

(NEIRA, 2006, p. 84, grifo meu).

Quando propomos conteúdos conceituais e atitudinais damos oportunidade ao nosso

aluno de conhecer, por exemplo, um pouco da história da Educação Física, já que ela está

diretamente ligada aos movimentos ginásticos europeus que trouxeram contribuições

significativas para a Educação Física escolar.

No planejamento do 2º bimestre do professor AND (32 anos – P. E6), para 1º e 2º

ciclos, encontrei os conteúdos ―movimentos naturais ou elementos fundamentais em suas

variadas formas, com e sem elementos‖ (elementos = aparelhos), ―possibilidades de

movimentação do corpo: livre, rolar, girar, equilíbrar, andar, correr, agachar, etc.; rolamento

lateral e frontal com banco sueco, plinto e colchões; fundamentos da ginástica artística (GA):

rolamento para frente, lateral, avião, vela‖.

O professor ROB (31 anos – P. E4) indica em seu planejamento anual, para todos os

anos, o que ele nomeia de ―ginástica recreativa‖, fazendo menção a ginástica rítmica,

olímpica (artística) e as capacidades físicas. Sobre a ginástica recreativa, faz referência a

alguns fundamentos da Ginástica Artística como parada de três apoios, rolamentos

(cambalhota), avião e apoio fixo na parede. Percebe-se que é uma característica do professor

ROB em atrelar o termo recreativo aos conteúdos propostos, como fez com os jogos e

brincadeiras, e com os esportes (mais adiante). Fica a impressão de que o termo recreativo

134

serve para denotar algo que não é formal, mas lúdico, legal, destinado ou adaptado às

crianças.

Assim, o professor ROB dedica aos 1º e 2º anos o conteúdo de ―ginástica acrobática‖,

propondo ainda rolamentos e cambalhotas, movimentação com três apoios, paradas com

apoio na parede, elefantinho, etc. Os fundamentos propostos pelo professor ROB para a

ginástica recreativa e acrobática são praticamente os mesmos, sugerindo o trabalho com o que

Toledo (1999) chama de elementos ginásticos, ou seja, movimentos que são criados a partir

das habilidades naturais do ser humano (andar, correr, saltar, girar, etc.) caracterizado-se pela

existência de uma técnica própria. Estes elementos são obrigatórios na ginástica artística.

Neste sentido, a professora ROS (39 anos – P. E1) trabalha com o 1º ciclo as formas

básicas de ginástica — andar, correr, saltar e rastejar —, e cambalhotas no colchão.

Toledo (1999), em sua dissertação de mestrado, propõe uma sequência para o

aprendizado dos conteúdos da ginástica nas três dimensões do conteúdo, baseado em Coll. Na

dimensão procedimental, a figura 11, a seguir, ilustra a sequência de conteúdos (ou

hierarquia) a serem ensinados na escola.

Figura 11: Hierarquia para o desenvolvimento dos conteúdos procedimentais da ginástica

escolar (TOLEDO, 1999, p. 168).

Os conteúdos propostos pelos professores corroboram com a segunda etapa proposta

por Toledo (1999) na figura 11 (elementos constitutivos da ginástica e a combinação entre

eles. O próximo passo é o que o professor AND propõe a seguir sobre os conteúdos da GA

especificamente. Estes aparecem novamente no 3º bimestre — lembrando que ele os

menciona no 2º bimestre também, mas desta vez os elementos da GA são propostos em

―sequências ginásticas‖ diferentes para cada ano do Ensino Fundamental. Vejamos o que ele

propõe no quadro 15 para cada ano:

135

Quadro 15: Ginástica Artística – Sequência Ginástica

1º ano 2º e 3º ano 4º e 5º ano

- rolamento para frente

- vela

- avião

- pose

- rolamento para trás

- avião

- meio giro

- rolamento para frente

- vela

- pose ―ajoelhada‖

- pose final em V

- avião

- rolamento para frente

- vela

- puxada

- rolamento pra trás

- salto grupado

- salto em reversão com

finalização em avião

- giro 360º com salto

- pose Retirado do planejamento do professor AND/M – 32 anos – P. E6.

A sequência ginástica proposta pelo professor AND sugere uma sistematização do

conteúdo procedimental da GA, pois se entende que para a efetivação de cada sequência os

alunos precisam conhecer cada elemento (fundamento) da GA. Neste sentido, subentende-se

que o professor já havia oferecido estes conteúdos aos seus alunos anteriormente, e os

elementos propostos seguem uma lógica de aprendizagem, a medida que no 1º ano contempla

menos elementos e com grau de dificuldade ―fácil‖ até chegar ao 5º e 6º, com maior número

de elementos ginásticos, englobando todos os anteriores.

A ginástica rítmica, apesar de citada pelo professor ROB, não é apresentada em

detalhes por nenhum professor.

A Ginástica aparece no planejamento da professora ROS (39 anos – P. E1) sob três

formas diferentes:

De manutenção da saúde (aeróbica);

De preparação e aperfeiçoamento para dança;

De preparação para os esportes coletivos.

Estas formas de ginástica, apesar de serem apresentadas no planejamento anual, não

foram oferecidas durante o ano letivo pela professora ROS constatado em análise dos planos

de aula. Não se sabe o motivo que levou a professora a não desenvolver este conteúdo, mas

segundo Schiavon e Nista-Piccolo (2006) a ginástica, como conteúdo de ensino, é pouco (ou

inexistente) trabalhada nas escolas. Este fato é atribuído a falta de materiais específicos,

deficiências de espaços adequados a esta prática e falhas na formação profissional.

136

4.1.2.8 O que os professores propõem quanto aos esportes coletivos e o atletismo

O bloco de conteúdos ―esporte‖ só não está presente no planejamento da professora

CID, tendo um espaço reservado no trabalho dos outros seis professores que entregaram os

planejamentos. Os esportes coletivos (voleibol, basquetebol, handebol e futsal) ganham

destaque neste bloco de conteúdos, pois são as únicas manifestações esportivas contempladas

por estes professores, constando nos seis planejamentos citados, salvo as professoras JOS e

ROS que, além dos esportes coletivos, destacam o atletismo.

Iniciando pelo atletismo, ou seja, único esporte individual citado pelos professores, os

conteúdos propostos são apresentados apenas na dimensão procedimental e mesmo assim de

forma muito restrita. A professora JOS/F (38 anos – P. E4) propõe para todos os anos do 1º e

2º ciclos a ―variação dos saltos em altura e distância‖.

A professora ROS/F (39 anos – P. E1) apresenta para o 1º ciclo as ―corridas de

velocidade, resistência, com obstáculos e de revezamento‖. No segundo ciclo o atletismo não

é citado em nenhum momento.

Percebe-se que o atletismo é pouco trabalhado nas aulas de Educação Física dos

professores pesquisados, sendo contemplados apenas as corridas e saltos, lembrando que as

modalidades do atletismo se constituem ainda por arremessos, lançamentos e marchas.

Não se sabe os motivos pelos quais esta modalidade é tão pouco explorada na escola,

já que envolve movimentos básicos inerentes ao ser humano, como andar, correr, saltar,

lançar e arremessar. ―Se entendermos que essas ações vêm facilitar a própria coordenação,

lateralidade, esquema corporal e percepção do próprio corpo, os mesmos deveriam ser

abordados e aplicados desde a pré-escola e séries iniciais do Ensino Fundamental.‖

(NASCIMENTO, 2006, p. 179).

Sobre os esportes coletivos, é possível observar nos planejamentos dos professores

alguns conteúdos comuns às quatro modalidades e outros conteúdos específicos a elas. Os

conteúdos comuns são:

Manipulação de bola — agarrar, girar com a bola, saltar, etc.

Jogos pré-desportivos.

Iniciação desportiva: passes baixo, ombro, peito, parabólicos, etc.

Gincanas esportivas e culturais: competições com a participação de todos os

alunos.

Para 4º e 5º anos, o professor AND propõe:

Noções dos esportes coletivos: condução, passes, toques e arremessos.

Mini-jogos: equipes e tempos reduzido.

Jogos interclasses para todos os anos.

137

Os conteúdos acima são apresentados para todos os anos do 1º e 2º ciclos. Apenas o

professor CIN/M (55 anos – P. E5) faz distinção de ciclos, no qual os jogos pré-desportivos

são oferecidos apenas para o 1º ciclo. Este professor tem o esporte como conteúdo exclusivo

das suas aulas de Educação Física, como veremos mais a frente em sua entrevista.

O professor AND/M (32 anos – P. E6) propõe as ―regras, equipamentos utilizados em

cada modalidade e locais para a prática destes esportes‖, fazendo alusão aos conteúdos

conceituais. O professor CIN sugere que as regras das modalidades esportivas sejam

apresentadas apenas ao 2º ciclo, acrescentando a discussão sobre ―práticas esportivas

saudáveis‖.

O professor ROB fala nas ―diferenças entre esporte competitivo e recreativo‖, e a

professora ROS adiciona o ―espírito esportivo — derrota e vitória‖, que por sinal, é o único

conteúdo proposto que se liga a dimensão atitudinal.

Sobre os conteúdos específicos para cada esporte coletivo, além do ―jogo

propriamente dito‖ e ―pré-desportivo‖ de cada modalidade, verifica-se que apenas o voleibol

traz conteúdos mais detalhados pelos professores, apesar de ser proposto a partir do 2º ciclo.

Na dimensão conceitual, o professor ROB fala da ―origem, característica funcional,

fundamentos, maiores campeões do mundo e as formas de jogar voleibol‖. Na dimensão

procedimental, sugere o ―aprimoramento dos movimentos e qualidades físicas; o primeiro

fundamento: saque; jogos reduzidos: 3x3, 4x4, etc.‖ e, especificamente para 3º,4º,5ºe 6º anos,

o ―voleibol cooperativo, toque e manchete‖.

Complementando, a professora ROS sugere para 5º e 6º anos os ―jogos pré-

desportivos de rede humana e queimada de dois cantos‖ como conteúdos do voleibol.

O professor CIN especifica os conteúdos do basquetebol para o 2º ciclo em ―passes

alto, baixo e peito; drible e arremesso‖. Para o futsal, o professor propõe ―passes, chutes,

dribles e condução‖. A professora ROS oferece o futsal também para o 1º ciclo, na forma

―jogo recreativo‖, subentendo-se na leitura de seu planejamento que esta prática se refere ao

―deixar jogar‖, ―dar a bola‖ aos alunos.

O handebol, apesar de citado pelos professores de Educação Física pesquisados, não

aparece em registros de nenhum conteúdo específico ligado à modalidade e nem mesmo de

atividades propostas, o que me leva a crer que não é oferecido pelo professores em suas aulas.

138

4.1.2.9 Conteúdos atitudinais transversais: o que propõem os professores

No Primeiro Capítulo desta dissertação, em que são apresentados os referenciais de

sustentação teórica para analisar e discutir os dados coletados nesta pesquisa, fiz referência as

três dimensões do conteúdo. Na dimensão atitudinal, alertei para duas possibilidades: os

conteúdos atitudinais específicos e os transversais.

No decorrer deste capítulo, os conteúdos atitudinais sempre apareceram ligados a

algum bloco de conteúdos, tendo assim a característica de ser ―específico‖ a estes conteúdos.

Porém, alguns conteúdos atitudinais apareceram nos planejamentos dos professores de

Educação Física desligados de qualquer conteúdo específico (ou bloco de conteúdos), sendo

inerentes a qualquer componente escolar e não apenas da Educação Física.

Vejamos quais são estes conteúdos atitudinais transversais propostos pelos professores

pesquisados, apresentados no quadro 16:

Quadro 16: Conteúdos atitudinais transversais

Geral 1º ciclo 2º ciclo

- amizade e companheirismo

- colaboração

- cooperação

- imaginação

- integração entre os alunos

- interação sócio-afetivo

- organização: filas, colunas,

rodas, esperar a vez, etc.

- socialização com os colegas

- solidariedade no cotidiano

- trabalho em grupo

- comportamento

- falta de determinada

habilidade

- importância da disciplina,

comportamento, respeito.

- perda de jogos

- reconhecimento do erro

- socialização

- solidariedade

- trabalho em grupo

- auto-estima

- companheirismo

-contribuir com os

―combinados‖

- diálogo sobre disciplina e

valores

- disciplina

- respeito ao próximo

- socialização

- trabalho em grupo

- valores

Este tópico tem a intenção precípua de registrar os conteúdos atitudinais descritos

pelos professores de Educação Física em seus planejamentos. Segundo Darido e Rangel

(2005), com a ampliação do conceito de ―conteúdos‖ explicitada por Libâneo (1999) e Zabala

(1998), e consequentemente suas dimensões descritas por Coll e colaboradores (2000), abre

possibilidade de que aqueles conteúdos ocultos nos possam ser incluídos de forma explícita

nos programas de ensino, sendo possível avaliar sua pertinência como conteúdo de

aprendizagem e de ensino.

Estas aprendizagens que se realizam na escola, mas nunca aparecem de forma

explícita nos planejamentos são denominadas ―currículo oculto‖.

139

―Como estes planos têm se centrado nas disciplinas ou matérias, tudo aquilo que

indubitavelmente se aprende na escola, mas que não se pode classificar nos

compartimentos das disciplinas, não tem aparecido e tampouco tem sido objeto de

avaliações explícitas, mesmo que ocupem o lugar de conhecimentos alcançados

dentro da escola‖ (NEIRA, 2006, p. 61-62).

Quando se opta por um entendimento maior do que sejam conteúdos, esse currículo

oculto deve ser manifesto e que seja avaliada a sua pertinência como conteúdo expresso de

aprendizagem e ensino.

4.1.2.10 Os conteúdos propostos pelos professores que colocam a especificidade da

Educação Física em jogo

É relevante destacar neste momento alguns conteúdos citados pelos professores de

Educação Física em seus planejamentos que não se ligam a nenhuma dos blocos de conteúdos

explicitados ao longo deste capítulo. Ou ainda, conteúdos advindos de temas transversais ou

projetos que fogem a especificidade da Educação Física, transcendendo a outras áreas de

conhecimento.

Neste sentido, a professora ANE/F (32 anos – P. E3) propõe em uma aula para 1º e 2º

ciclos que as crianças conheçam ―as letras, observação e percepção‖, escolhendo o ―jogo das

letras‖ como estratégia de ensino. Vejamos a descrição desta atividade no quadro 17:

Quadro 17: O jogo das letras

Cuiabá, 16 de abril de 2008

Planejamento semanal – 22 a 24 de abril

1º e 2º ciclos

Jogo das letras

Material: cartolina com letras do alfabeto e durex.

Desenvolvimento: dividir a turma em dois grupos (equipe A e B). Cada aluno da equipe A

receberá uma letra do alfabeto, que será fixada nas suas costas, com durex.

Os alunos da equipe A ficarão de costas para os alunos da equipe B, que ao sinal do

professor, e por um período de tempo previamente fixado, tentarão formar o maior número

de palavras possíveis com as letras das cartolinas.

O professor anotará, à parte, as palavras escritas pelos alunos do grupo B e, posteriormente,

os alunos do grupo A terão também a mesma oportunidade.

Retirado do planejamento entregue pela professora ANE/F – 32 anos – P. E3.

A atividade descrita e aplicada pela professora ANE revela uma estratégia que poderia

ser utilizada pelo professor regente (pedagoga) ou na disciplina de Português para

desenvolver o conteúdo ―conhecer as letras‖. Porém, a atitude da professora em se propor a

140

oferecer tal conteúdo é reflexo da cobrança da gestão da escola, já que ela afirma em

entrevista que o objetivo da escola é fazer com que os alunos aprendam a ler, então ―a

Educação Física vem para ajudar os alunos a aprender, através de jogos (...)‖. Assim, a

professora utiliza jogos/atividades nas aulas de Educação Física para ajudar na aprendizagem

das letras e dos números.

A professora ROS/F (39 anos – P. E1) também destaca em seu planejamento

conteúdos como ―repertório, oralidade e escrita‖ (contar e desenhar uma história), ―letrinhas e

numerais‖ e ―somar números e formar grupos‖. A estratégia de contar e desenhar histórias não

faz alusão a Educação Física, sendo pedido aos alunos que ―contem historinhas de contos e

fábulas ou de sua vivência‖. Desta forma, novamente os conteúdos da Educação Física são

esquecidos, para além do proposto, para expressar a especificidade da Educação Física,

poderiam ser propostas dramatizações, vivências corporais das histórias contadas pelos

alunos, ou até mesmo ―contar e desenhar‖ a história de um esporte ou uma brincadeira

popular.

A Educação Física, como destacada no planejamento das professoras ROS e ANE, se

torna refém das demais disciplinas escolares. É como se nós, professores de Educação Física,

fossemos os ―donos do movimento‖ e eles, demais disciplinas, os ―donos dos saberes‖

(cognitivo).

Para reforçar ainda mais este saber que vai além da Educação Física, e que por sinal

não é propriedade da área, algumas escolas optam pelo trabalho com projetos orientados pelas

diretrizes da Escola Sarã, como já discutimos no capítulo anterior (Capítulo 3). Na escola E6,

o projeto em destaque tem o nome de ―Em defesa do planeta‖, tendo como eixo norteador a

qualidade de vida (meio ambiente). O professor AND/M (32 anos – P. E6) desenvolveu um

trabalho com reciclagem, construindo com seus alunos brinquedos reciclados que culminou

em uma exposição na Feira de Ciências da escola. Este trabalho se constitui num projeto

específico (Reciclar é legal!) dentro do grande projeto da escola.

Ainda nesta escola, o professor AND fala da construção de uma horta e de atividades

de jardinagem pelos alunos, com o intuito de demonstrar valores e conhecer o valor nutritivo

das plantas. Outro destaque é o trabalho de cooperação, durante a aula de Educação Física,

realiza-se a limpeza do pátio com seus alunos, observando em todas as aulas a limpeza da

escola e a coleta seletiva. Mas, até que ponto se pode considerar (ou não) as atividades

descritas pelo professor AND como inerentes a Educação Física? As ações precisam ser

contextualizadas dentro das possibilidades de intervenção da Educação Física, para que a

limpeza da escola, por exemplo, não se torne uma exclusividade desta disciplina.

141

O professor ROB/M (32 anos – P. E4) destaca os conteúdos da Educação Física em

diálogo com temas sociais emergentes, como a Saúde, Qualidade de Vida, Emprego, Dengue,

Ações no Trânsito, Diversidade Racial, Meio Ambiente, Terceira Idade, entre outros. Estes

temas trazem contribuições significativas quando atrelados aos conteúdos específicos como

foi citado anteriormente, por exemplo, as danças locais selecionadas a partir do tema

diversidade raciais.

Porém, o professor ROB se resvala ao tentar propor discussões a partir de alguns

temas, apropriando-se de conteúdos de outras disciplinas escolares. No tema Saúde, ele fala

em ―saúde familiar e sua organização, utilização do posto de saúde, doenças comuns‖, e

solicita aos alunos pesquisarem ―quantas pessoas da família vão ao médico com certa

frequência, quantas utilizam o posto de saúde, qual tipo de doença tem aparecido com maior

frequência‖.

Para o tema Meio Ambiente, o professor ROB destaca a ―conservação das florestas, a

preservação do meio ambiente, sua importante, as plantas e sua função para a respiração, a

conservação do lixo‖. No planejamento semanal, propõe atividades como ―levar os alunos

para conhecer as plantas e hortaliças nas proximidades da escola‖ e, também, questiona

―fisiologicamente, como as plantas auxiliam a respiração?‖. Estes conteúdos não seriam

específicos da Biologia ou Ciências? Neste caso, não cabe ao professor de Educação Física a

função de ensiná-los. Bastaria fazer como a professora ROS, que relaciona o meio ambiente

as situações de baixa umidade do ar e atividades físicas apropriadas.

O professor ROB ainda recomenda discussões sobre ―diferenças salariais entre

brancos e negros, homens e mulheres, e possíveis soluções para este problema‖, fazendo

menção ao tema Diversidade Racial. Neste ínterim, a professora CID/F (52 anos – P. E2)

destaca as datas comemorativas como conteúdo de suas aulas, aparecendo em seu

planejamento a ―valorização das profissões‖ com a carta do dia do trabalho — não traz

detalhes sobre esta carta do dia do trabalho e como a utilizou em sua aula — e o Aniversário

de Cuiabá, no qual destaca os pontos turísticos da cidade.

Encerro aqui as análises dos planejamentos dos professores de Educação Física,

alertando para o cuidado ao se trabalhar com temas transversais ou projetos para que os

conteúdos selecionados, a partir dos mesmos, atendam a especificidade da área, garantindo o

compromisso de formar cidadãos críticos e autônomos o suficiente para escolher suas próprias

práticas corporais.

142

O quadro 18 a seguir apresenta um resumo dos conteúdos presentes nos planejamentos

dos professores pesquisados. O quadro indica o ciclo em que o conteúdo foi

oferecido/planejado, não havendo distinção por etapas.

Quadro 18: resumo dos conteúdos apresentados nos planejamentos

CONTEÚDOS 1º

CICLO

CICLO

CO

NH

EC

IME

NT

OS

SO

BR

E O

CO

RP

O

Esquema corporal X

Coordenação motora fina e grossa X

Lateralidade X

Orientação espacial e temporal X

Percepção espacial, temporal e tátil X

Organização e conhecimento da identidade e percepção tátil,

auditiva, visual, gustativa e olfativa

X

Conhecimento do corpo, dos movimentos e seus limites e partes do

corpo

X

Atenção visual e auditiva; percepção sinestésica; memória visual,

auditiva e sinestésica; associação de ideias; compreensão e

raciocínio; informações sonoras, visuais e táteis.

X

X

Possibilidades de explorar e controlar o corpo, imitação de som e

gestual (animal, personagens, objetos, etc.)

X

Conhecimento do próprio corpo, dos movimentos e seus limites, e a

imitação dos movimentos dos animais.

X

O ―corpo humano‖ e ―a função dos movimentos‖ X X

Noções básicas sobre higiene e postura X X

Alongamento; Sequência de alongamentos; Definições e razoes de

fazê-lo

X X

Equilíbrio — dinâmico e estático (uma perna só, aviãozinho, parada

de mão, estátua).

X X

Habilidades de locomoção, manipulação, estabilização e

movimentos combinados

X

Capacidades físicas: força, resistência, agilidade, velocidade e

flexibilidade; Capacidade respiratória

X

Explicação do sistema pulmonar – por que ficamos ofegantes? Qual

a melhor forma de recuperação?

X X

Diagnóstico e acompanhamento dos níveis de crescimento,

composição corporal e desempenho motor

X X

Envelhecimento do nosso corpo (idoso) X X

Prevenção de doenças do coração, conhecimento de suas funções e

prevenção de doenças degenerativas

X X

Benefícios (efeitos) das atividades físicas – obesidade X

Conhecimentos sobre o corpo e diversidade cultural X X

JO

GO

S

Vivências de jogos X X

Regras dos jogos X

Organização de jogos e regras X

Jogos cooperativos X X

Jogos de salão e de raciocínio lógico X

Tênis de mesa X X

143

Jogos motores e sensoriais: jogos de baixa organização e jogos

sensoriais, respeito à atividade e à relação entre ganhar e perder

X X

Jogos de mímica, atividades historiadas e pequenos jogos X

Jogos de habilidades: atenção, criatividade, sensibilização; e jogos

de combate: ataque e defesa – permitir à criança um conhecimento

espacial de uma área onde será realizado o jogo

X

X

BR

INC

AD

EIR

AS

PO

PU

LA

RE

S Amarelinha, pular corda, bambolê, bolinha de gude, pipas, lenço

atrás, corre cotia, esconde-esconde, coelho sai da toca, duro ou

mole, tourinho, reloginho, pega-pega, bom barqueiro, corrida dos

panos, gato e rato, cordeirinho e lobo,

X

Compreensão de texto – escrever a brincadeira que conhece (dia a

dia)

X X

Brincadeiras (antigas) X X

Oficinas para confecção de brinquedos X X

Confecção de petecas e suas formas de jogar; história da peteca –

como os índios brincavam de peteca

X X

Brincadeiras de roda e brincadeiras cantadas X X

Músicas e brincadeiras da infância da infâcia dos pais X

Adivinhas X

AT

IVID

AD

ES

RÍT

MIC

AS

A cultura de Mato Grosso e danças tradicionais cuiabanas: cururu,

siriri e rasqueado

X X

Festa Junina: quadrilha e participação na festa X X

As danças e comidas típicas das regiões do Brasil X X

Pesquisa sobre danças do Brasil – forró, pagode, axé e capoeira X

Maculelê e o respeito às origens e formas de dançar de cada país X X

Danças folclóricas: danças de roda e rodas contadas X

Danças circulares de diversos países e dança sênior (idosos) X

Dança circular e os brinquedos cantados (e cantigas de roda) X X

Cantigas folclóricas, musiquetas folclóricas e brincadeiras cantadas X

Movimento do corpo através da dança; coreografias simples

(músicas – lateralidade); movimento dos animais; danças

expressivas (sentimentos); atividades rítmicas: deslocamento no

ritmo da música, agrupamentos com ritmos diferentes, dança das

cadeiras, ritmos de diferentes países; danças coreografadas –

atividades lúdicas com e sem instrumentos.

X X

Formas naturais primárias e secundárias com e sem elementos;

formas rítmicas de movimentos axiais com e sem elementos;

associação de várias formas rítmicas de movimentos axiais.

X

Danças X

CA

PO

EIR

A Início, histórico e qualidades físicas trabalhadas na capoeira X X

Ginga simples e principais golpes da capoeira

X X

GIN

ÁS

TIC

A

Movimentos naturais ou elementos fundamentais em suas variadas

formas, com e sem elementos (elementos = aparelhos),

possibilidades de movimentação do corpo: livre, rolar, girar,

equilíbrio, andar, correr, agachar, etc.; rolamento lateral e frontal

com banco sueco, plinto e colchões; fundamentos da ginástica

artística (GA): rolamento para frente, lateral, avião, vela

X

X

Ginástica recreativa X X

Ginástica acrobática X X

144

Formas básicas de ginástica — andar, correr, saltar e rastejar X

Sequência ginástica – elementos diferentes para cada etapa dos

ciclos

X X

Ginástica rítmica X X

Ginástica de manutenção da saúde (aeróbica); de preparação e

aperfeiçoamento para dança; de preparação para os esportes

coletivos.

X X

ES

PO

RT

ES

ATLETISMO: variação dos saltos em altura e distância X X

ATLETISMO: corridas de velocidade, resistência, com obstáculos e

de revezamento

X

Conteúdos comuns aos esportes coletivos:

Manipulação de bola; Jogos pré-desportivos; Iniciação desportiva:

passes baixo, ombro, peito, parabólicos, etc.; Gincanas esportivas e

culturais: competições com a participação de todos alunos.

X

X

Conteúdos comuns aos esportes coletivos: Noções dos esportes

coletivos: condução, passes, toques e arremessos; Mini-jogos:

equipes e tempos reduzidos; Jogos interclasses para todos os anos.

X

Regras, equipamentos utilizados em cada modalidade e locais para a

prática destes esportes; práticas esportivas saudáveis

X

Diferenças entre esporte competitivo e recreativo; espírito esportivo

— derrota e vitória

X X

Jogo propriamente dito e pré-desportivos de cada modalidade

coletiva

X

BASQUETEBOL: passes alto, baixo e peito; drible e arremesso X

FUTSAL: passes, chutes, dribles e condução X

VOLEIBOL: origem, característica funcional, fundamentos,

maiores campeões do mundo e as formas de jogar voleibol;

aprimoramento dos movimentos e qualidades físicas; o primeiro

fundamento: saque; jogos reduzidos: 3x3, 4x4, etc.; voleibol

cooperativo, toque e manchete

X

CO

NT

DO

S

AT

ITU

DIN

AIS

Amizade e companheirismo; colaboração; cooperação; imaginação;

integração entre os alunos; interação sócio-afetiva; organização:

filas, colunas, rodas, esperar a vez, etc.; socialização com os

colegas; solidariedade no cotidiano; trabalho em grupo

X X

Comportamento; falta de determinada habilidade; importância da

disciplina; comportamento, respeito; perda de jogos;

reconhecimento do erro; socialização; solidariedade

X

Auto-estima; contribuir com os ―combinados‖; diálogo sobre

disciplina e valores; disciplina; respeito ao próximo; socialização.

X

4.2 O que dizem os professores de Educação Física: análise e discussão dos dados

coletados nas entrevistas

Neste tópico serão analisadas as entrevistas concedidas pelos professores de Educação

Física em resposta as seguintes questões: ―o que é conteúdo?‖, ―quais são os conteúdos da

Educação Física?‖ e ―como você distribui os conteúdos ao longo das etapas do Ensino

Fundamental?‖.

145

4.2.1 O que é ―conteúdo‖ para os professores de Educação Física

Na visão dos professores entrevistados, a concepção de conteúdos diverge entre eles.

Percebe-se que há certa dificuldade em diferenciar o que são conteúdos de ensino e atividades

programadas pelo professor para desenvolver estes conteúdos. Isto fica claro nos depoimentos

a seguir.

Conteúdo é alguma atividade que eu abordo no sentido de colher alguma coisa,

como coordenação, socialização, coordenação fina ou grossa, neste sentido (RON/M

– 31 anos – P. E3)

São as atividades programáticas a serem aplicadas de acordo com a necessidade e

faixa etária dos alunos (ROS/F – 39 anos – P. E1)

Observam-se também conceitos muito amplos e vagos de conteúdos, abrangendo não

apenas os conhecimentos a serem ensinos/aprendidos, mas o planejamento, objetivos,

processos de ensino, etc. Vejamos alguns depoimentos:

Conteúdo é toda a relação de, vamos dizer assim, de ―pele‖ que a Educação Física

trabalha para desenvolver o corpo, a mente e colocar as crianças num patamar

melhor pra ter uma boa conduta dentro da sociedade (ROB/ M – 31 anos – P. E4)

Conteúdo? Conteúdo pra mim... Conteúdo é todo um processo de ensino, pra mim é

todo aquele processo de aprendizagem, tudo aquilo que você consegue desenvolver

com eficácia e consegue atingir, principalmente o aprendizado (...) (ADE/ M – 52

anos – P. E5)

Conteúdo programático? O que vai ser dado pra ser executado e não só ouvido. O

que não me impede, que todo plano precisa, que mude na hora (CID/F – 52 anos – P.

E2)

Aí eu uso os conteúdos hoje mais como... processo pedagógico...(...) (AND/M – 32

anos – P. E6).

Libâneo (1994) diz que se perguntarmos aos professores o que são conteúdos de

ensino, uma resposta provável é que são conhecimentos de cada matéria do currículo que

transmitimos aos alunos. Segundo o autor, essa ideia não está totalmente errada, porém esse

entendimento é insuficiente para a compreensão do seu verdadeiro significado. Vejamos os

exemplos a seguir.

No meu conhecimento, conteúdo é tudo aquilo programado para ministrar uma aula

e o planejamento faz parte do conteúdo também (GIL/M – 52 anos – P. E6)

Conteúdo é aquilo que eu trabalho dentro da Educação Física (SOL/ F – 50 anos – P.

E6)

146

Talvez a definição de conteúdo mais próxima daquela explicitada pelos autores da

Educação e Educação Física definidas neste texto, seria do professor CIN, que explica através

de exemplos sua concepção.

Conteúdo pra mim é aquilo que vou trabalhar com a criança, por exemplo, dentro do

futebol de salão, vou ensinar a chutar, conduzir uma bola, no vôlei vou ensinar eles a

atacar, a manchete... (CIN/ M – 55 anos – P. E5)

É interessante destacar que alguns referenciais teóricos arquitetados pelo Município de

Cuiabá elencam habilidades ou competências ao invés de conteúdos de ensino. Neste sentido,

gestores e professores tendem a acreditar que habilidades e competências sejam diferentes de

conteúdos, quando na realidade são elementos constitutivos dos conteúdos (LIBÂNEO,

1994). Vejamos a resposta do professor AND quando indagado se acreditava que

―habilidades‖ poderiam configurar também como um conteúdo.

Não, entra como habilidade. Os projetos nossos hoje é focado como habilidade,

então na hora que eu for montar meu projeto... ah, meu projeto o tema vai ser o que?

Ah... ginástica pra alguma coisa...o meu corpo fazendo ginástica, vamos supor, aí eu

tenho que elencar as habilidades que eu tenho que desenvolver nos meu alunos, aí

entra as habilidades, entra a questão da saúde, tem que entrar... (AND/M – 32 anos –

P. E6)

Para completar, perguntei aos professores se conheciam as três dimensões do conteúdo

(conceitual, atitudinal e procedimental). Apenas dois professores responderam

afirmativamente, porém quando discorrem sobre o tema demonstram não ter clareza sobre o

tema. Vejamos algumas destas respostas:

Eu não conheço, porque nos PCNs não tem. (ROS/F – 39 anos – P. E1)

De cabeça não... (RON/M – 31 anos – P. E3)

Todos que eu trabalho? Conheço. Tem que desenvolver a dança, desenvolver os

jogos, a ludicidade que falam né?, e a criatividade da criança. (ROB/ M – 31 anos –

P. E4)

Não. Já ouvi falar. Conheço, conheço. De vez quando a gente usa. Sempre tem

debate sobre os PCNs, trabalhar com os temas transversais. A gente procura também

trabalhar a parte de sexualidade que ta aflorada, eu ouço cada coisa de arrepiar o

cabelo. (SOL/ F – 50 anos – P. E6)

Mesmo os professores alegando não conhecer as dimensões do conteúdo, a análise dos

planejamentos demonstrou que os conteúdos são oferecidos aos alunos nas três dimensões. Os

professores podem não conhecer o conceito sobre as dimensões do conteúdo, porém sabem

que precisam ser trabalhados. Isto se evidencia, por exemplo, na fala do professor ROB

147

quando diz conhecer as dimensões do conteúdo, porém na sua explicação os conceitos não se

equivalem, e na sua prática docente realmente ele utiliza os conceitos, atitudes e

procedimentos.

4.2.2 Os conteúdos da Educação Física

Nesta sessão, apresentarei as respostas dos professores à questão ―quais são os

conteúdos da Educação Física?‖. Esta pergunta aflorou respostas indicativas sobre os

conteúdos trabalhados pelos professores em suas escolas.

É fácil identificar na fala dos professores que o esporte ainda reina como conteúdo

quase exclusivo da Educação Física escolar, como identifiquei nos depoimentos a seguir.

Tem as turmas de alunos mais... é que é por ciclos... o ciclo mais perto da

finalização, que a gente dá a atividade que é esporte, da secretaria mesmo já vem

uma grade que a gente tenta seguir, aí tem que dar esporte, fundamentos, regras, o

básico, só o básico pra eles ter apenas uma noção, que eles vão conseguir conduzir,

aplicar a atividade, pra eles pelo menos saber manusear, saber...a praticar o esporte

(RON/ M – 31 anos – P. E3)

Eu começo trabalhando com a coordenação, primeiro começo trabalhando

coordenação, porque se a criança não tiver coordenação... por exemplo, uma

brincadeira que trabalho com eles é a amarelinha, coordenação pra amarelinha, o

jogo de 7 Marias, eu faço as pedras... muita criança você não tem material pra fazer,

então dentro daquilo que vai trabalhar com o futebol de salão, no vôlei, as meninas

gostam do handebol não sei até porque os meninos é mais o handebol do que o

futebol, então tem porque você vai trabalhar, vai pondo pra eles trabalhar, aí você

vai colocando a atividade. Eu só trabalho com o esporte (CIN/M – 55 anos – P. E5)

O professor RON não disponibilizou seu planejamento para a pesquisa, então não é

possível averiguar se sua fala confere com o que planeja. Já a fala do professor CIN, deixa

claro que apesar de trabalhar com outros conteúdos, no caso a ―coordenação motora‖, esta é

apenas um atalho para chegar aos conteúdos esportivos. Tanto que ele enfatiza ―eu só trabalho

com o esporte‖. Essa afirmação é confirmada pelo seu planejamento anual, em que identifica

os conteúdos apenas para o segundo ciclo (4º, 5º e 6º anos), e são eles: Basquetebol ― passe

alto, baixo e peito, drible e arremesso; Futsal ― passe, chute, drible e condução.

O esporte é conteúdo exclusivo de muitas aulas de Educação Física na escola. Porém,

dependendo das condições materiais e físicas da mesma, a opção por apenas um conteúdo

também se faz presente, como é o caso da professora CID. Em sua escola, não existe quadra e

a orientação da gestão da escola é que as aulas de Educação Física sejam desenvolvidas em

sala de aula. Neste caso, o conteúdo exclusivo das aulas de Educação Física, segundo seu

148

depoimento, são os ―jogos de salão‖. Estes conteúdos estão explícitos também em seu

planejamento, conforme foi apresentado anteriormente na análise dos documentos.

Primeiro: dama, xadrez, bozó, porque o bozó ajuda a trabalhar, e eu não via dessa

maneira, aprendi com eles pra você ver que a gente aprende também né? Não só

ensina, aprende a todo instante, a trabalhar a matemática, porque os pequenos

muitos não sabem a tabuada, mas sabem jogar bozó, como que você aprendeu a

jogar o bozó? E... ludo, este bimestre agora, dama, dominó, bozó, memória e as

datas comemorativas. (...) Entra a memória, o bozó segue o ano inteiro, aí vem o

xadrez, lembrando sempre de trabalhar com o relaxamento, jogos de atenção

também (CID/ F – 52 anos – P. E2).

Essa preferência dos professores de Educação Física por apenas um conteúdo

exclusivo é muito contestada pelos teóricos da própria área e, principalmente, pelos

profissionais que trabalham com esse professor e tem oportunidade de observar essa prática

pedagógica repetitiva, como ficou evidente na análise das falas dos gestores no capítulo

anterior.

Na fala da professora ROS, os conteúdos em destaque são os da Psicomotricidade.

Vejamos sua fala:

Os conteúdos que eu trabalho com meus alunos são todos aqueles que envolvem a

coordenação motora grossa, coordenação motora fina, percepção visual, auditiva,

tátil, óculo-manual, pedal, são os conteúdos que eu trabalho com meus alunos nas

aulas de Educação Física. (ROS/ F – 39 anos – P. E1).

Estes conteúdos aparecerem com destaque também em seu planejamento, sendo que os

objetivos elencados para a maioria de suas aulas contemplavam com recorrência a

―coordenação motora‖.

Alguns professores de Educação Física acreditam que a função de sua disciplina é

ajudar as demais. Os professores ROB e GIL, quando indagados sobre os conteúdos da

Educação Física trabalhados em suas aulas, relatam sobre o trabalho conjunto com o professor

pedagogo regente da sala:

(...) Bom, relacionado, principalmente, que eu amarro muito na questão do outro

profissional que é o professor da sala de aula. (...) Você vai lá, vê com a professora,

principalmente da Educação Infantil, são crianças que estão assim em pré-formação

mesmo, então a gente tá querendo trabalhar de acordo com o que a turma ou a

professora está trabalhando dentro da sala de aula, pra haver também esta

continuidade (ROB/ M – 31 anos – P. E4).

(...) É... eu pergunto pra ela (professora da sala), ―o que você tá trabalhando?‖ ―Tô

trabalhando tal coisa..‖ aí eu vou trabalhar, assim, eu divido, 20% da minha aula eu

vou trabalhar em cima da sala de aula e o restante, 80% eu trabalho em cima da

minha aula. Isso, como um apoio (GIL/ M – 52 anos – P. E6)

149

Tanto o professor ROB como o GIL tem em suas escolas gestoras que comungam com

esta concepção de Educação Física como auxiliar as demais disciplinas, sugerindo que estas

orientações recebidas das gestoras são realmente colocadas em prática. Porém, é mais comum

com as turmas de 1º ciclo, como disse o professor ROB destacando a Educação Infantil.

A psicomotricidade e o construtivismo norteiam a concepção de conteúdos específicos

da Educação Física, presentes nas falas de dois professores entrevistados — ANE e ADE. A

professora ANE deixa bem claro que os conteúdos da Educação Física seriam os jogos e

brincadeiras e depois complementa que os gestores pedem-lhe que trabalhe conteúdos da

psicomotricidade.

Conteúdo seria os jogos né?, brincadeiras, é... o movimento, a coordenação motora

que é o que eles pedem muito é você trabalhar a coordenação motora com o aluno

do 1º ciclo, porque ele tem muita dificuldade de movimento, principalmente na mão,

coordenação motora fina, então eles utilizam muito, é... pedem muito, então trabalho

muito lateralidade, trabalho a coordenação motora, que seria esse o conteúdo,

movimento frente, atrás, então seria...dentro, fora, seria esse o conteúdo que eu

trabalho (ANE/ F – 32 anos – P. E3).

O professor ADE pondera sobre os conteúdos da Educação Física que trabalha,

fazendo uma miscelânea entre os oriundos da psicomotricidade (equilíbrio, força, destreza,

desenvolvimento psicomotor) e faz menção também ao trabalho com a manipulação de

objetos para a criança descobrir suas cores e formas, o que é específico da tendência

construtivista.

Os conteúdos que eu trabalho na área de Educação Física os conteúdos que

geralmente nós trabalhamos são: desenvolvimento psicomotor da criança, equilíbrio,

a força, destreza, como a criança atacar, se defender, jogar, arremessar, conhecer as

formas e objetos, principalmente na primeira idade a manipulação de objetos, pra

que a criança descubra a forma, o peso, sentido de lateralidade, direita, esquerda,

você acompanha aí todo o horizonte que você tem no planejamento o horizonte que

você quer formar. Os conteúdos então são de acordo com a faixa etária da criança,

das etapas (ADE/ M – 52 anos – P. E5).

Na fala da professora JOS a seguir, é possível notar a influência da tendência

desenvolvimentista sobre os conteúdos da Educação Física que ela conhece ou trabalha. Estes

conteúdos servem de base para seu trabalho e afirma só utilizar os jogos de mesa como

conteúdos quando precisa ficar em sala de aula devido as condições climáticas. Cita os jogos

pré-desportivos como conteúdos da Educação Física também, mas como uma oposição ao uso

do esporte nas aulas.

Habilidades de deslocamento, então as corridas, estafetas, o que envolver o

deslocamento. Habilidades de estabilização: o equilíbrio, dinâmicas, de todas as

formas. Habilidades de manipulação: tudo que envolver o contato com mão, bolas

diferentes e tudo mais, e... Que mais? (...) Grupos de atividades... é que tem mais um

150

ainda. Movimentos combinados, que trabalha com tudo daí. É como uma divisão.

Tem várias tá. Aí vêm as atividades de recreação, as atividades de dança, jogos de

mesa, porque quando Deus não permite não tem como, então tem que ir pras aulas

de mesa, e também com alguns jogos pré-desportivos, dificilmente eu trabalho com

esporte, nem com noção, nem com fundamentos, mais assim pré-desportivo básico,

então aí depois cada um vai fazer o que quer, mas no momento é pré-desportivo.

(JOS/ F – 38 anos – P. E4)

Os conteúdos citados pelos professores de Educação Física correspondem aos

propostos em seus planejamentos. É possível destacar que os conteúdos referentes à

abordagem psicomotora e desenvolvimentista são selecionados pelos professores para o 1º

ciclo do ensino fundamental e, os conteúdos ligados aos esportes, para o 2º ciclo. A opção

pelo trabalho interdisciplinar com o professor da sala de aula, mesmo que de certa forma

fazendo-se de apoio ao ensino dos conteúdos de outras disciplinas, demonstra a dificuldade

dos professores em trabalhar com crianças menores de 9 anos, correspondentes a Educação

Infantil e 1º ciclo.

4.2.3 A sistematização de conteúdos na voz dos professores

Quando solicitados a responder sobre a organização e distribuição dos conteúdos para

cada ciclo ou etapa, seis professores levam em conta a faixa etária dos alunos, suas

necessidades e o grau de dificuldade dos conteúdos ou atividades oferecidas. Vejamos os

depoimentos:

É porque que nem no primeiro ciclo, são os menores, então eu não posso trabalhar a

mesma coisa que eu trabalho com os maiores. Eu trabalho com os pequenininhos

umas coisas totalmente diferentes do que eu trabalho com os 3ª e 4ª. (SOL/F – 50

anos – P. E6)

Bom, de acordo com a faixa etária, primeiro lugar, a faixa etária dos alunos, e no

caso já começo a trabalhar a Psicomotricidade, os movimentos básicos, correr,

andar, saltar, rastejar e, depois das faixas etárias, eu trabalho em cima da

necessidade dos alunos, o que eu acho que tá precisando trabalhar, o equilíbrio, a

atenção, concentração. (...) muitas são sequências, por exemplo, se eu vou dar

iniciação, aprendizado de pular corda, no primeiro ano, consequentemente eu vou

trabalhar os passos preliminares. Já no ano seguinte que ele vai tá no segundo ano já,

já vou tá dando um grau diferente, mais dificuldade, ele já vai tá pulando a corda

assim, e vai indo, então varia, e algumas coisas são iguais. (ROS/F – 39 anos – P.

E1)

A professora SOL quando diz que não pode trabalhar a mesma coisa do 1º ciclo com o

2º, indica que a faixa etária é determinante para a distinção dos conteúdos para cada ciclo. O

mesmo ocorre com a professora ROS, que deixa claro em seu depoimento e através do

exemplo explicitado, em que o grau de dificuldade é determinante para a escolha do conteúdo

151

para cada ano de ensino. Esta fala confirma a divisão dos conteúdos por agrupamentos de

anos (5º e 6º anos – mesmo conteúdo) em seu planejamento.

Percebe-se que a noção de graus de dificuldade está diretamente ligada a faixa etária

em que o conteúdo se aplica. Nas falas das professoras JOS e ANE o grau de dificuldade é

enfatizado, seguido por exemplos com diferentes faixas etárias.

Só o grau de dificuldade. Porque eu coloco estabilização e pronto, aí a criança tem e

o que ela não tem, repertório motor, então os movimentos de coordenação motora,

esquema corporal essas coisas, vem da educação infantil, então se elas conseguem

trabalhar, fazer, executar na Educação Física, daí eu continuo. Então se eu tô

pedindo pra correr e a criança vai com o bracinho aqui, eu preciso trabalhar mais

com ela, com atividades que busquem trazer a naturalidade dentro desse movimento.

Então é o grau de dificuldade que vai avançando na atividade. (JOS/F – 38 anos – P.

E4)

Eu organizo assim...eu coloco dificuldades, às vezes eu posso fazer, por

exemplo,essa semana que eu vou trabalhar com jogos de letras, então com o 1º ciclo,

eu vou usar assim palavras...eles vão colocar...eu vou colocar assim várias letras e

eles vão ter que formar palavras, então eles vão formar palavras de menos é...com

dificuldade menor, um sílaba, duas sílabas e no 2º ciclo não, eles teriam que tá

formando palavras mais complexas, formando frases, então a complexidade, a

dificuldade da atividade que muda, pode até ser a mesma atividade, mas a

complexidade que muda. (ANE/ F – 32 anos – P. E3)

É perceptível nas duas falas anteriores que a complexidade se refere não só aos

conteúdos, mas também às atividades programadas. Neste sentido, perguntei a professora

ANE se o conteúdo poderia ser o mesmo para as diferentes etapas do ensino fundamental,

diferenciando-se apenas as atividades e respondeu:

Também. Não, mas não é sempre, daí vai ser de acordo com o que a professora tá

trabalhando, por exemplo, essa semana nós estamos comemorando a semana do

índio, então com um eu tô confeccionando as petecas, com outro eu já to só jogando,

entendeu? Então eu tô vendo o jogo, as regras do jogo, entendeu? (ANE/ F – 32 anos

– P. E3).

A professora ANE deixa claro que pode acontecer do conteúdo trabalhado ser o

mesmo e com atividades diferentes para cada ano, mas os conteúdos também podem se

diferenciar entre os anos do ensino fundamental. Cita o exemplo da peteca que, como vimos

em seu planejamento, estava ligado ao conteúdo de brincadeiras populares, em que sugere

uma sistematização deste conteúdo quando afirma que com algumas turmas ―está

confeccionando‖ o brinquedo e, com outras turmas, ―vendo o jogo‖ e ―as regras‖. Assim, o

conteúdo não é o mesmo para cada ano de ensino.

O professor AND/M (32 anos – P. E6) diz que ―utilizo o mesmo plano pra todos essas

faixas etárias. O que... o meu diferencial é como é que eu vou aplicar isso... graus de

152

dificuldade, eu trabalho com graus de dificuldade‖. Percebe-se que ele elabora o mesmo plano

de aula para todos os ciclos, diferenciando no modo de aplicação destes conteúdos, ou seja, os

métodos, procedimentos ou atividades. Esta fala se concretiza em seu planejamento, em que

se pode averiguar que o professor tem o mesmo plano de aula para todos os ciclos, porém a

partir do 3º bimestre começa a distinguir os conteúdos para as diferentes etapas de ensino,

propondo a sistematização dos conteúdos da ginástica, dança e esportes.

O professor RON pondera também sobre a sistematização, porém acaba falando mais

sobre a organização das aulas e problemas que tem enfrentado em sua prática cotidiana, do

que sobre a organização de conteúdos para 1º e 2º ciclos. Vejamos seu depoimento:

Sim, até por horário. Às vezes é a mesma turma, mas com horários diferentes, às

vezes a gente tenta passar a mesma coisa, mas é difícil dá certo, entendeu? Sempre a

gente tem que ter algo na manga, porque às vezes a gente faz o planejamento pras

duas turmas, por ser a mesma faixa etária de idade, mas por ser turmas diferentes, de

outros professores, difícil dar certo, às vezes pra de manhã dá certo e a tarde não dá

certo. (RON/M – 31 anos – P. E3)

A professora ANE também se baseia nas datas comemorativas para organizar os

conteúdos da Educação Física em seu planejamento, ou seja, como distribuir os conteúdos ao

longo do ano letivo, em que momento oferecer este e não aquele conteúdo.

Eu fiz um planejamento bimestral e aí através desse planejamento eu busco as

atividades e também busco nas datas comemorativas, aí por exemplo, na semana de

Cuiabá nós é...danças...trabalhamos com danças, danças típicas da região e assim...

(ANE/F – 32 anos – P. E3).

Os professores AND, ANE e ROS discorrem também sobre as orientações que

recebem dos gestores das suas escolas em relação à sistematização de conteúdos, e

consequentemente, em que se baseiam para selecionar os conteúdos para as diferentes fases

do ensino fundamental. As falas explicitam exatamente o que os gestores ponderaram em seus

depoimentos: trabalho com projetos, dossiês, trabalho interdisciplinar, projeto Sarã e PCNs.

A professora ANE/F (32 anos – P. E3) diz: ―Eu vou muito pelo projeto Sarã, pelo livro

da Sarã, que é o livro que foi formado por Cuiabá, pela prefeitura‖. Sobre a distribuição dos

conteúdos para cada etapa do ensino fundamental, a professora ANE diz que ―tem no PCN,

no PCN nós temos‖.

A professora ROS/F (39 anos – P. E1) também expõe que utiliza o projeto Sarã e os

PCNs para escolher e organizar os conteúdos da Educação Física. Vejamos sua fala:

(...) como eu trabalho na prefeitura de Cuiabá, baseado no projeto Sarã, que é

justamente nos PCNs, então os conteúdos são tirados de lá, porque lá já vem falando

a faixa etária correspondente, e as atividades ficam a seu critério, criatividade.

153

A partir do projeto Sarã, os professores ROS e AND trazem os conceitos de

interdisciplinaridade e trabalho com projetos para sua prática pedagógica, como referência

para a distribuição dos conteúdos para 1º e 2º ciclos do ensino fundamental. Vejamos o que

eles dizem primeiro sobre o trabalho com projetos.

O projeto é livre. Tem o período do bimestre pra entregar relatório, o dossiê do

aluno, mas é livre, eu posso montar um projeto qualidade de vida e trabalharia o ano

todo. Mas eu tenho que tá avaliando, a coordenadora pede pra tá avaliando, voltar

nos pontos que você não atingiu. Se atingiu-se tudo, não tem porque continuar nele.

(AND/M – 32 anos – P. E6)

(...) é escolhido um tema, por exemplo, agora no 2º bimestre tamo trabalhando meio

ambiente, cada bimestre é um tema, 1º bimestre trabalhamos sobre Cuiabá, agora

meio ambiente, e assim vai indo. Por exemplo, no meio ambiente, cada professor

fica com um tema específico, lixo, água, rio Cuiabá, natureza... eu, por exemplo, tô

com o tema ―lixo, que lixo?‖, e tamo também trabalhando com os alunos maiores a

importância, o que estas mudanças climáticas que vem acontecendo estão trazendo

as aulas de Educação Física, como a respiração, quando a umidade do ar baixa

porque a gente praticamente não pode correr, então tudo em forma de pesquisa com

eles. Também a reciclagem, que é um projeto de criação, cada aluno... eles estão

fazendo já, confeccionando, já tô com muitos feitos comigo lá no meu armário, eles

estão confeccionando brinquedos a partir de material do lixo, pasta de dente, caixa

de fósforo, garrafa, e cada um vai ta criando um brinquedo, mostrando que a gente

pode reciclar o lixo. (ROS/F – 39 anos – P. E1)

A professora ROS explica o trabalho com projetos através de exemplos do que ela está

realizando com seus alunos naquele bimestre. Seu exemplo se refere ao projeto com o tema

meio ambiente, confirmando os dados contidos em seu planejamento, reforçando que é um

trabalho que garante a especificidade da Educação Física.

Outra constatação importante é que os depoimentos referentes ao trabalho com

projetos e interdisciplinar, confirmam as orientações passadas dos gestores aos professores de

suas escolas. A seguir, a fala do professor AND sobre a interdisciplinaridade em sua escola:

Com os professores, ou seja, eles querem que nós, é... trabalhemos o projeto dos

professores. A interdisciplinaridade que eu entendo que eles passam pra gente é isso.

O professor de Educação Física, artes e línguas entrar no projeto do professor. Não,

não é um reforço. Até eu bato muito em cima disso, fica maçante pro aluno. Por isso

que quando nós elaboramos nosso projeto da Educação Física, um dos pontos tá lá,

que o professor de Educação Física tem a liberdade de trabalhar seu conteúdo

independente da interdisciplinaridade com os professores. Mas nós somos cobrados

bastante pra trabalhar o conteúdo do professor. Eu posso fazer meu projeto, a

coordenadora vai olhar e falar onde é que tá inserido aqui o projeto dos professores

da sala... tanto é que esse ano ficou um projetão só pra todo mundo por causa disso.

Tinha que fazer um planejamento...uma professora trabalhava com água, a outra

trabalhava com lixo, a outra trabalhava com saúde...nós ficamos perdidão. Perdido,

ou seja, como é que você vai montar uma aula interdisciplinar com tudo isso. Isso aí

só dá pra você trabalhar verbalmente. Por isso que eu falo, vai perdendo aquela

especificidade da Educação Física, trabalhar o corpo. (AND/M – 32 anos – P. E6)

154

O discurso do professor AND traduz sua insatisfação e dificuldade em aceitar o

conceito de interdisciplinaridade concebido pelas gestoras de sua escola, no caso, da

coordenadora que, como vimos no capítulo de análise dos depoimentos dos gestores, insiste

que a Educação Física sirva como um apoio ao professor da sala de aula (pedagogo). A

coordenadora alegou que os professores de sua escola não concordavam com esta concepção,

o que ficou evidente no depoimento do professor AND, dizendo que ―não é um reforço‖,

senão ―vai perdendo aquela especificidade da Educação Física‖.

Os dossiês também aparecem como orientação dos gestores para nortear a seleção dos

conteúdos para cada ano de ensino, como indica a professora ANE:

Através do plano bimestral e nas competências e habilidades que eu tenho que fazer

meu planejamento, então através desse conteúdo que eu tenho que são as

competências e habilidades que traz o dossiê, em cima deles que eu faço meu

planejamento. No primeiro ciclo o que que ele traz, no 1º ciclo ele apresenta

movimento de destreza, jogos, dança, ele vem num conteúdo só pra você trabalhar

com jogos, danças...então você que tem que distribuir o que você vai trabalhar

naquele bimestre, entendeu? Assim que é feito... aí no 2º ciclo ele já vai trabalhar

com regras, vai colocando regras, nos jogos. (ANE/F – 32 anos – P. E3)

Este depoimento da professora ANE confirma as orientações descritas pelas gestoras

de sua escola no terceiro capítulo, bem como os dados coletados do planejamento que

entregou, dados estes discutidos no início deste capítulo.

4.2.3.1 Os conteúdos para o 1º ciclo

Sobre a sistematização de conteúdos, todos os professores responderam que há

diferenças entre os ciclos e as faixas etárias, sendo necessário propor conteúdos, estratégias e

atividades diferentes para cada ciclo ou etapa do ensino fundamental. Neste momento, serão

apresentados os conteúdos que os professores disseram propor para o 1º ciclo. Vejamos os

depoimentos:

(...) Educação Infantil, 1º ano, até o 2º ano, que é 1ª série né?, eu gosto de trabalhar

espaço-temporal, lateralidade, então envolve uma série de atividades essas

atividades. E neles eu posso trabalhar igual, por exemplo, atividades que desenvolva

direita, esquerda, em cima, embaixo, alto, baixo, essas atividades. (ROS/F – 39 anos

– P. E1)

Assim, essas turmas mais infantil, a gente sempre pega mais na linha de

coordenação motora, grossa, fina, porque é a maior dificuldade deles. Manuseio de

bola com a mão, pra poder diferenciar, não só saber manusear a bola, mas saber

diferenciar pressão da bola, peso da bola, tamanho da bola, neste sentido. (RON/M –

31 anos – P. E3)

155

Eu sinceramente acho que na Educação Infantil nós tínhamos que trabalhar todo o

esquema corporal, lateralidade, a gente começa vendo lá e vai ver sempre, porque

quando chegar nos movimentos de estabilização, ali entra muito a questão da

lateralidade, então eu acho que se a gente trabalhar bem essa questão na Educação

Infantil, 1º e 2º ciclo, a partir do 3º eles já estão prontos pra fazer uma outra camada

de atividades, e daí não cai na mesmice de todo ano vira isso, todo ano vira

aquilo.(JOS/F – 38 anos – P. E4)

Na Educação Infantil, no 3º bimestre, nós vamos trabalhar assim com a percepção

tátil, equilíbrio e as habilidades naturais, o foco é esse. Então, o balão, já

trabalhando uma atividade de manipulação, passe, porque a criança brinca, BRINCA

(...) (JOS/F – 38 anos – P. E4)

Às vezes, os maiores têm a mesma dificuldade que os menores, principalmente

lateralidade que você vai trabalhar esquerda, direita, pula pra direita, pula pra

esquerda, eles não tem noção... quadrado, retângulo que você vai trabalhar no chão.

(...) Fazer roda, é... pega-pega, o que mais gosta os menores é pega-pega, essas

brincadeiras infantis mesmo. (SOL/F – 50 anos – P. E6)

(...) porque no 2º ano em diante a gente trabalha mais com a formação deles, ou seja,

a orientação é diferente, por exemplo, você vai trabalhar futebol que na Educação

Infantil você não trabalha, dominó e dama que na Educação Infantil você já trabalha,

essas coisas... já ao contrário, na Educação Infantil você trabalha lateralidade,

postura, coordenação motora... já na 3ª e 4ª série não trabalha esse lado. (GIL/M –

52 anos – P. E6)

Percebe-se que a maioria dos professores fala de conteúdos da Educação Infantil

juntamente com os de 1º, 2º e até 3º anos e justificam esta opção dizendo que ―neles eu posso

trabalhar tudo igual‖, como disse a professora ROS.

Os conteúdos citados pelos professores referem-se basicamente a lateralidade,

percepção tátil, equilíbrio, coordenação motora fina e grossa, manipulação de bola (pressão,

peso, tamanho da bola, passe), noções de figuras geométricas (quadrado, retângulo),

brincadeiras (roda, pega-pega), movimentos de estabilização e habilidades naturais. Estes

conteúdos correspondem àqueles propostos nos planejamentos dos professores, confirmando

que eles ―verbalizam‖ aquilo que ―pensaram‖ (planejaram).

O professor GIL faz uma comparação dos conteúdos que devem ser oferecidos até o 2º

ano, que no caso ele se refere ao 3º do ensino fundamental, e para 3ª e 4ª série, ou seja, 2º

ciclo. Mesmo o professor GIL não tendo entregue seu planejamento, sua fala confirma a

tendência em propor conteúdos ligados a psicomotricidade (lateralidade, postura e

coordenação motora) para Educação Infantil e 1º ciclo, e futebol, dominó e dama para o 2º

ciclo.

Já o professor CIN confirma em seu depoimento os dados coletados em seu

planejamento anual e é coerente com sua concepção de conteúdos específicos da Educação

Física. Vejamos sua fala:

156

Os meninos de 5 anos, eu trabalho o esporte generalizado, eles vão chutar, correr

com a bola, então ponho eles ―você tem que ir pra frente, o gol seu é lá‖, então seu

gol é lá, lá na frente que você tem que fazer o gol, porque eles correm com a bola e

fazem gol no gol deles mesmo. Então, você põe, é pra frente que você tem ir, chuta a

bola pra frente, e chuta daqui pra lá e pra lá. A bola, põe aqui na lateral, então você

delimita a quadra, aqui é fora e o resto você deixa eles aprender, então eles vão

correr, chutar. Isso no futebol de salão, porque nestas séries você não vai trabalhar o

vôlei, não vai trabalhar o handebol, só trabalha o futebol de salão. A queimada pra

esse também. (CIN/M – 55 anos – P. E5)

O esporte se constitui como conteúdo principal das aulas do professor CIN: o voleibol

e handebol a partir do 2º ciclo; para o 1º ciclo, oferece apenas a modalidade de futebol de

salão, com adaptações e a queimada. Em seu planejamento isso ficou bem claro, pois propõe

conteúdos psicomotores que finalizam com a prática esportiva, o futebol.

O professor ROB/M (31 anos – P. E5) diz ―envolver o mesmo conteúdo, mas em nível

de recreação, em nível de conversa, vai daqui pra ali, porque tem muitas crianças que não

lêem ainda, mas entendem‖. Esse ―mesmo conteúdo‖ corresponde aos conteúdos ligados às

atividades físicas e saúde oferecidas ao 2º ciclo e que será apresentado no próximo subitem

referente aos conteúdos do 2º ciclo. Percebem-se em sua fala que os conteúdos para 1º e 2º

ciclo são os mesmos, porém são tratados de maneira diferente: para 1º ciclo a estratégia é a

recreação; para o 2º ciclo as aulas teóricas estão mais presentes.

Assim, os conteúdos que os professores ―dizem‖ trabalhar com o 1º ciclo

correspondem e confirmam os apresentados em seus planejamentos.

4.2.3.1 Os conteúdos para o 2º ciclo

Este item é o último a analisar os depoimentos dos professores de Educação Física,

sendo aqui explicitados os conteúdos que verbalizam para o 2º ciclo. É perceptível na fala de

quatro professores (ROS, RON, GIL e CIN) que no 2º ciclo os conteúdos devem ser

diferentes do ciclo anterior, já que os alunos já adquiriram determinadas habilidades que não

são mais necessárias trabalhar. Vejamos duas destas respostas:

Já no 4º ano, por exemplo, eu não preciso mais trabalhar, eu já trabalhei (conteúdos

da psicomotricidade), então vou trabalhar com jogo de raciocínio, raciocínio lógico,

uma atividade pra desenvolver mais a capacidade respiratória, as habilidades

motoras, mais ou menos isso. (ROS/F – 39 anos – P. E1)

A turminha maior já tem um pouco mais de coordenação, aí já dá pra brincar, liberar

um pouco mais, fazer atividades mais de contato físico, de correr... (você faz parte

teórica com as crianças?) Com o infantil não, só com os maiores, com os alunos do

3º ciclo. Porque aí já uma atividade mais... esporte no caso. Aí gente tenta explicar,

dar a teoria do esporte, os fundamentos, regras, como é aplicada e vai pra prática.

(RON/M – 31 anos – P. E3)

157

A professora ROS e o professor RON consideram as experiências anteriores dos

alunos que estão no 2º ciclo, não sendo necessário oferecer conteúdos aplicados a

psicomotricidade, os quais foram apresentados e apreendidos pelos alunos no 1º ciclo. Este

dado é importante, pois confirma a opção dos professores de Educação Física em selecionar

os conteúdos ligados a psicomotricidade apenas para o 1º ciclo, como vimos em seus

planejamentos.

A professora ROS afirma trabalhar com jogos de raciocínio e capacidade respiratória

dos alunos. O professor RON indica o trabalho com atividades com maior contato físico,

porém as aulas teóricas sobre o esporte, suas regras, fundamentos, etc. são destinadas ao 3º

ciclo. Todavia, os professores mostraram em seus planejamentos que estes conteúdos do

esporte são oferecidos aos alunos de 2º ciclo sim, sendo que o professor RON não entregou o

planejamento, então não se pode conferir se sua fala é compatível com o seu planejar, o que

talvez se confirme na análise das observações de suas aulas.

A fala do professor GIL/M (52 anos – P. E6) também indica que os conteúdos da

psicomotricidade são exclusivos do 1º ciclo. Segue seu depoimento descrito na forma de

diálogo, já que suas respostas se deram a partir de questionamentos efetuados por mim.

GIL: (...) já na 3ª e 4ª série não trabalha esse lado (lateralidade, postura e

coordenação motora).

EU: É mais voltado para o esporte?

GIL: Isso, isso.

EU: E você divide os conteúdos de que forma? Por bimestre, cada bimestre você

trabalha uma coisa?

GIL: É também... também... os conteúdos da Educação Física pra terceira, segunda e

quarta série são acoplados com a sala de aula do professor também, por exemplo,

semana passada, sexta-feira, eu tive aqui olimpíadas de matemática, então aí eu pego

além da Educação Física, bola ao cesto, futsal, dominó, dama e também incluí mais

a competição de matemática.

O professor GIL ratifica o trabalho com o conteúdo esporte no 2º ciclo e também

reafirma que estes conteúdos têm ligação com o que o professor da sala está ensinando,

colocando em risco a especificidade da área. Outro professor que confirma o trabalho com o

esporte é o professor CIN, declarando também que nesta faixa etária os alunos já têm

―coordenação motora‖. Vejamos seu depoimento:

O vôlei só pros grandinhos, de 9 a 10 anos, aí você vai trabalhar com eles o

basquete, eles já tem coordenação... Primeiro eu começo a trabalhar com o manuseio

de bola, a ter contato com a bola, a bola, pra dar um tapa na bola, o problema que a

gente tem é que não temos material, por exemplo, eu trago uma bola minha, aí você

tem 25 crianças, até cada um dar um quique na bola, briga, já empurrou, é a

dificuldade, não tem como você fazer uma bola de papel, ―ah, faz uma bola de

meia‖, não tem, você tem que ter contato com a bola. (CIN/M – 55 anos – P. E5)

158

O professor CIN oferece o basquetebol a partir do 2º ciclo, o que está de acordo com o

proposto em seu planejamento. Complementando este dado, vale ressaltar que em depoimento

sobre os conteúdos do 1º ciclo, o professor CIN enfatiza que o handebol e voleibol só devem

aparecer a partir do 2º ciclo, sendo apenas o futsal declarado para ambos os ciclos.

A professora CID só trabalha com o 2º ciclo, já que sua escola só oferece 2º e 3º

ciclos. Assim, ela discorre sobre os conteúdos trabalhados nestes anos:

Tem diferença (entre as turmas). Com os pequenos a gente monte um ludo com uma

sala, mostro primeiro um jogo pronto e aí a gente vai montar, ―se cair aqui o que é

que vai fazer?‖, então eles dão as regras e a gente monta um. Com os maiores, 6ª pra

cima, aí eles vão pesquisar a origem, como surgiu, ludo, dama, bozó eu ainda não

consegui, xadrez... aí eles vão fazer a pesquisa. Trabalho com 4º ao 9º ano. Não tem

turmas menores que 4º ano. (CID/F – 52 anos – P. E2)

Para o 2º ciclo, a professora diz trabalhar com os jogos de salão, em que os alunos

propõem as regras e constroem os jogos. Diz ainda que somente a partir do 3º ciclo que os

alunos trabalharão com pesquisas sobre a origem destes jogos. Estes dados estão claros em

seu planejamento também.

A professora JOS/F (38 anos – P. E4) não descreve os conteúdos do 2º ciclo, apenas

diz ―não trabalho com o esporte, mas eles pedem muito‖. Discorre ainda sobre o ―combinado‖

que faz com seus alunos do 2ª ciclo, em que ―duas vezes por mês eles jogam futebol‖. Isso ela

diz não colocar em seu planejamento, sendo ―um dia livre, quem quer jogar futebol, joga

futebol, quem não que jogar futebol, vai fazendo outra atividade que eles querem fazer porque

eu não me incluo, é um dia livre‖. Da mesma forma, a professora JOS faz este combinado

com as turmas de 1º ciclo que, no caso, não jogam futebol, mas brincam livremente.

O professor ROB confirma em seu discurso o trabalho com o tema Saúde:

(...) a partir do 2º ciclo eu já trabalho mais na área da saúde, prevenção, doenças

degenerativas, volume de peso, essas coisas todas que envolvem cálculo. Teórica

também. Agora, é diferente do pessoal do 2º ciclo, já sabe copiar, já sabe resolver

algumas operações, então a partir dali a gente vai incrementando também esses

conteúdos de acordo com o que eles estão sabendo realizar em sala de aula. No meu

planejamento anual, ele entrou como ―doenças preventivas‖, são todas elas, diabetes,

hipertensão, todas. Isso para o 2º ciclo. Dentro do planejamento anual foi feito um

para 1º e um para 2º ciclo, bem dividido a questão do conteúdo. Ele é dividido

também, porque tem a mídia que fala muito sobre a questão da caminhada, da

atividade física, então eu uso também esse detalhe pra gente colocar em sala de aula.

(ROB/M – 31 anos – P. E4)

Esta fala é coerente com os conteúdos propostos em seu planejamento, inclusive as

aulas teóricas, ou conteúdos conceituais, que aparecem a partir do 2º ciclo, por entender que

159

nesta fase as crianças já sabem/conseguem copiar e compreender as discussões sobre Saúde,

atividade física, mídia, etc.

Já o professor ADE/M (52 anos – P. E5) disse que ―é muito difícil definir um

conteúdo‖, alegando que trabalha ―com crianças de várias faixas etárias‖, entre outros

problemas. Sugere que ―os conteúdos tem que ser bastante flexíveis porque você trabalha com

diferentes faixas etárias (...)‖, alegando que a Educação Física depende de vários fatores, já

que ―fomos preparados para trabalhar com crianças bem definidas‖. Neste sentido, percebe-

se que o professor ADE não respondeu ao que lhe foi perguntado, ou seja, sobre a

sistematização de conteúdos, sobre quais conteúdos ensina no 1º e 2º ciclo. Por isso, seu

depoimento não aparece entre as respostas das análises sobre a sistematização, o que

corrobora também com a não entrega de seu planejamento, sugerindo a não organização dos

conteúdos para as diferentes fases de ensino.

Assim, pode-se verificar nos depoimentos dos professores de Educação Física que eles

não sabem dizer exatamente os conteúdos que ensinam em suas aulas, justificando a não

especificação dos conteúdos em seus planejamentos. Porém, ao ler nas entrelinhas dos

planejamentos, percebe-se que ―o que se ensina‖ nas aulas corresponde ao que verbalizam nas

entrevistas.

4.3 A prática docente: o fazer pedagógico do professor de Educação Física

Neste tópico serão apresentados e analisados os dados coletados em observação das

aulas dos professores de Educação Física pesquisados. Esta análise é relevante para identificar

se a prática pedagógica dos professores pesquisados é condizente com os saberes expressos

em seus planejamentos e depoimentos. Assim, apresentarei ―o que faz cada professor em suas

aulas‖, seguindo a ordem das escolas pesquisadas (de E1 a E6).

4.3.1 As aulas de Educação Física na escola E1

Começando pela escola E1, no início de cada aula a professora ROS/F (39 anos – P.

E1) indica o trabalho com os seguintes conteúdos(aulas duplas – 26/08/2008 e 02/09/2008):

jogos; futsal recreativo; jogos de raciocínio e brincadeiras cantadas. Os conteúdos

correspondem exatamente aos descritos em seu planejamento, confirmando que a prática

pedagógica da professora ROS é pensada, planejada para cada semana de aula.

160

Os jogos de raciocínio são oferecidos sempre dentro da sala de aula e no início da

aula, pois existe o problema do recreio tomar os quinze primeiros minutos desta aula de

Educação Física, ou seja, todas as aulas que se iniciam às 9 horas da manhã, são

interrompidas pelo recreio, independente da disciplina curricular.

O conteúdo de jogos se apresenta como forma de ―jogos reproduzidos‖,

proporcionando o alerta queimada, corre cotia, eu vou à Lua, e uma variação da brincadeira

―Sol e Lua‖. A brincadeira cantada oferecida foi ―escravos de Jó‖, sem utilização de objetos,

apenas com o emprego do próprio corpo (em pé). Vejamos as figuras 12 e 13 que ilustram as

aulas de Educação Física da professora ROS:

Figura 12: Alerta queimada

161

Figura 13: Escravos de Jó

O futsal recreativo é um momento livre da aula, em que os alunos jogam, divididos

por sexo: primeiro os meninos; depois, as meninas. Os alunos que ficam fora do jogo,

esperando sua vez, se distraem com jogos educativos como dama e ludo. O futsal recreativo

aparece em seu planejamento para todos os anos do ensino fundamental.

4.3.2 As aulas de Educação Física na E2

Na escola E2, os conteúdos que a professora CID/F (52 anos – P. E2) trabalhou (aulas

duplas – 21/08/2008 e 01/09/2008) foram: ―brincadeiras; brincadeiras livres e semana da

pátria‖. O conteúdo ―brincadeiras‖ não aparece em seu planejamento anual em nenhum

momento, apenas indica as ―brincadeiras de roda‖ para o 4º bimestre — as aulas observadas

aconteceram no 3º bimestre. As datas comemorativas aparecem em seu planejamento em

todos os bimestres, mas não há detalhes sobre o assunto.

O seu planejamento semanal só foi elaborado até o 2º bimestre devido a uma lesão no

braço que a impossibilitou de escrever, porém, percebi que as aulas não eram planejadas, pois

era evidente o improviso e repentina mudança de atividades, sem que houvesse qualquer

ligação entre as atividades oferecidas. Vejamos uma observação realizada na segunda aula:

162

Relato 4 (01/09/2008): Vamos copiar agora!

A aula foi toda dentro da sala. A professora começou a aula explicando

sobre os símbolos do Brasil (bandeira, cores da bandeira, escritos como

Ordem e Progresso) enquanto falava sobre a Semana da Pátria. De repente,

ela parou de falar e saiu da sala. Quando voltou, começou com a brincadeira

―careca – cabeludo‖, sem falar nada aos alunos, e enquanto isso a moça da

limpeza jogou um balde de água dentro da sala de aula para refrescar. Disse

ainda que todos deviam ficar sentados para não escorregar na água. De

repente, a professora pede o caderno aos alunos. A maioria disse que não

tinha, ou ―qual caderno?‖. Ela responde: ―qualquer caderno‖. Ela resolve

passar na lousa a letra da música ―Super herói‖ que as crianças haviam

cantado na entrada da escola (uma música sobre Jesus) e que as crianças

deviam copiar, pois na próxima semana ela traria o som e o CD para

cantarem.

Percebe-se, com este relato ,que a professora não planeja suas aulas e fica o tempo

todo improvisando, preenchendo o tempo da aula. Em outra aula, a professora foi com as

crianças ao pátio para realizar brincadeiras, mas o que fez foi oferecer materiais como

bambolês e cordas para que brincassem livremente (Figura 14). Assim, o conteúdo

―brincadeiras‖ mencionado pela professora CID, trata-se de atividades sem objetivo algum,

ou ainda, sem conteúdo a ser ensinado.

Figura 14: Brincadeiras Livres

A figura 15 ilustra uma aula de Educação Física dentro da sala de aula, com as

crianças sentadas em suas carteiras, com brincadeiras dirigidas pela professora.

163

Figura 15: Aula de Educação Física na sala de aula

4.3.3 As aulas de Educação Física na E3

Nesta escola, temos dois professores participantes da pesquisa, porém as aulas da

professora ANE/F (32 anos – P. E3) não foram observadas, pois ela deixou suas aulas a partir

do 3º bimestre para assumir a coordenação do projeto da escola integral. Assim, o professor

RON/M (31 anos – P. E3) assumiu suas aulas a partir do 3º bimestre, sendo observadas

apenas as aulas deste professor.

A professora ANE declarou ter auxiliado o professor RON no início, apresentando seu

planejamento para que desse continuidade ao seu trabalho. O professor RON não entregou seu

planejamento para análise, porém em observação às suas aulas percebi que ele não deu

continuidade ao proposto pela professora ANE, talvez pela dificuldade em dominar a turma e

por ser recém-formado.

Os conteúdos propostos pelo professor RON (aulas duplas – 30/09/2008 e

02/10/2008)foram: campo minado, voleibol, futsal, condução de bola e coordenação motora.

Em seu depoimento, o professor ROB diz oferecer o esporte a partir do 3º ciclo, porém em

sua prática ele trabalha conteúdos esportivos, como voleibol, futsal e condução de bola. A

condução de bola a que o professor se refere, na prática, são atividades de arremesso e não de

condução. Na figura 16 é possível observar o momento em que o professor tenta ensinar a

164

―condução de bola‖, e um aluno entra na quadra com uma bicicleta, mas mesmo assim ele

continua sua aula. Observa-se também a pouca participação dos alunos.

Figura 16: Aula de ―condução de bola‖

Outra incoerência com seu discurso é a coordenação motora, pois alega que no 2º ciclo

as crianças ―já têm um pouco mais de coordenação, aí já dá pra brincar‖, ou seja, segundo sua

fala não seria necessário propor este conteúdo para esta faixa etária.

O campo minado foi uma atividade realizada dentro da sala de aula, que o professor

teve muita dificuldade em executar devido à inquietação e ansiedade das crianças para sair da

sala, e também por ser uma atividade que apenas uma criança realiza por vez, ficando as

demais muito tempo parado. Porém, o professor conseguiu levar a atividade até o fim. A

figura 17 mostra o ―campo minado‖, em que o aluno de camiseta laranja e azul realiza a

atividade.

165

Figura 17: ―Campo minado‖ na sala de aula

O futsal e o voleibol não são sistematizados, sendo oferecidos de forma livre às

crianças. Como as aulas do professor são duplas, na primeira ele fica dentro da sala e na

segunda na quadra, com atividades livres, como futsal para os meninos, voleibol, casinha,

corda, stop, etc. Neste sentido, o discurso do professor não é coerente com sua prática.

4.3.4 As aulas de Educação Física na E4

Na escola E4, os dois professores de Educação Física contribuíram com a pesquisa em

todas as fases, inclusive na observação de suas aulas.

O professor ROB/M (31 anos – P. E4) disse que o conteúdo a ser trabalhado durante

todo o bimestre seria o voleibol. As três aulas observadas foram sobre este conteúdo e o

professor informou que já havia iniciado na semana anterior com uma aula teórica. Uma das

alunas me informou que na aula anterior foi ―sobre o homem que inventou o voleibol‖ (T., 8

anos), ou seja, sobre a origem do voleibol, conforme mencionou o professor ROB. Um dado

interessante foi o episódio da ―aula de física‖, descrito a seguir:

166

Relato 5 (06/08/2008): A aula de ―física‖

Outra aluna disse ―costumamos dizer que dentro da sala o professor é física e

fora da sala é de Educação Física‖ (K., 9 anos). Este episódio é muito

interessante. Na quarta-feira contei ao professor ROB o que a aluna havia

dito sobre a aula de ―física‖ e ele comentou que, quando chegou a esta

escola, as crianças só chamavam a aula de ―física‖. Então ele tentou mudar

este conceito e fazer as crianças falarem Educação Física. Assim, as crianças

associaram ―física‖ às aulas teóricas e ―Educação Física‖ à prática.

Conversei novamente com a aluna K. e perguntei o que ela queria dizer com

aquilo sobre as aulas de física... Ela respondeu: ―sabe tia, é que quando o

professor dá aula dentro da sala, ele enche a lousa de coisas, então todo

mundo fica zangado com ele, então a aula é de Física. E a aula de Educação

Física é quando fazemos exercícios, brincamos‖. Ou seja, ela associou o

―Física‖ a algo chato, rígido, sem movimento. E Educação Física é a parte

legal, é a brincadeira, a alegria, euforia...

Este relato confirma que realmente o professor ROB ministra aulas teóricas aos seus

alunos, mesmo que para eles este seja um momento ―chato‖. Ao contrário, as aulas práticas

que observei são extremamente divertidas, pois é perceptível a alegria e o prazer que as

crianças têm em participar.

Durante as aulas observadas (04, 06 e 11/08/2008), o professor ROB propôs jogos pré-

desportivos do voleibol, como rede humana, jogos com balão (um ou dois), jogos utilizando

sacos (cooperativos) e jogos 6X6. Havia sempre a preocupação do professor em explicar os

jogos que seriam realizados, e também sobre o posicionamento dos jogadores e estratégias de

cada equipe. A figura 18 representa um destes jogos com balões:

Figura 18: Jogo de voleibol com balões

167

Os conteúdos propostos pelo professor ROB correspondem aos indicados em seu

planejamento, onde estão descritos com detalhes cada atividade proposta para suas aulas.

Durante as aulas observadas, o conteúdo foi apenas voleibol, mas obedecendo a uma

sequência de aprendizagem dos conteúdos estabelecida pelo professor.

A professora do período vespertino (JOS/F – 38 anos – P. E4) comentou logo no início

da primeira aula observada que o conteúdo proposto para aquele bimestre seria ―manipulação

de bola‖ — que realmente consta em seu planejamento — mas, devido ao clima seco, as aulas

estavam acontecendo dentro da sala de aula. Em cada aula a professora JOS propôs um

conteúdo diferente, todos estavam presentes no seu planejamento bimestral.

Na primeira aula (04/08/2008) o conteúdo foi ―atividades rítmicas – dança para a

terceira idade‖, iniciando a aula com conceitos sobre as atividades indicadas aos idosos, como

a dança sênior, e depois ensinou quatro coreografias diferentes, uma delas ilustrada na figura

19.

Figura 19: Dança sênior

O conteúdo da segunda aula observada (06/08/2008) foi a ―percepção espaço-

temporal‖. Uma das atividades foi o maestro (similar ao ―siga o mestre‖), em que a professora

explicou que era preciso ―prestar atenção, observar o que o maestro está conduzindo‖. As

168

crianças participam efetivamente das aulas com muita alegria e a professora demonstra ter

grande domínio da turma. Na última aula observada (11/08/2008), o conteúdo mencionado

pela professora foi a ―cooperação‖, alegando que é um item do dossiê e que trabalharia

através da dança da cadeira. Afirmou ainda que ―vai e volta nos conteúdos‖.

Ficou claro nas observações das aulas dos dois professores da E4 que os conteúdos

planejados por eles, correspondiam aos aplicados nas aulas de Educação Física.

4.3.5 As aulas de Educação Física na E5

Na escola E5, havia quatro professores de Educação Física, sendo dois para a

Educação Infantil e dois para o Ensino Fundamental. Os professores CIN e ADE, do ensino

fundamental, participaram da pesquisa, porém as aulas do professor CIN não puderam ser

observadas, já que ficou de licença durante o 2º semestre todo. Assim, observei apenas as

aulas do professor ADE, lembrando que ele não havia entregado planejamento algum.

No primeiro dia de observação (29/09/2008), o que mais me chamou atenção foi o

professor ADE/M (52 anos – P. E5) chegar atrasado 20 minutos e não saber para qual turma

iria dar aula. Nesta aula, ele indicou que o conteúdo seria ―jogos de equipe‖, com o objetivo

de desenvolver o espírito de equipe, trabalho em grupo, força, flexibilidade e reflexo. Iniciou

a aula explicando as atividades aos alunos, sendo ―coordenação motora‖ trabalhando com

bambolês e cordas. A turma reclamou muito e ele disse que seria então voleibol e handebol,

mas continuaram a reclamar, pois queriam jogar futebol. Já na quadra, o professor deixou as

crianças sozinhas para buscar o material para a aula; enquanto isso, as crianças sobiam nas

árvores, corriam e brincavam de futebol. O professor ADE iniciou então um ―handebol

gigante‖, sem número certo de jogadores, com duração de 10 minutos. Em seguida, realizou

um ―futebol gigante‖, com todas as crianças que participaram da atividade anterior, já que

muitos ficaram de fora.

Percebe-se que o professor não planejou a aula e teve muita dificuldade em realizar as

atividades com alunos, dando a impressão de que em suas aulas as crianças apenas jogam

futebol ou fazem o que querem.

Na segunda aula observada (09/10/2008), o conteúdo indicado pelo professor ADE foi

a ―recreação‖, sendo que a aula teria ―vôlei, corda (escalada), futebol e handebol‖. Esta aula

teve um caráter recreacionista (DARIDO; RANGEL, 2005), ou seja, o professor ofereceu os

espaços e materiais, e os alunos se organizaram e escolheram o que queriam fazer.

169

Na terceira aula (13/10/2008), os conteúdos mencionados pelo professor foram

―comportamento na escola e interdisciplinaridade – atitudes‖, sendo utilizados como

estratégia de ensino os jogos recreativos e pequenos jogos. Segue a descrição da parte inicial

desta aula:

Relato 6 (13/10/2008): Oposição dos alunos

O professor ADE organiza uma fila na quadra, com as crianças dando espaço

entre um do outro. Pergunta por que tem algumas crianças que não estão na

fila e a aluna J. responde: ―eles não querem, não são obrigados a participar‖.

O professor manda as crianças correrem de uma linha até a outra da quadra

como forma aquecimento, relando a mão na linha. Depois do aquecimento,

ele dá um handebol gigante meninos x meninas. As linhas da quadra são

tortas e a linha dos 7m do handebol é muito longe do gol, parece a área do

basquete. A aluna J. diz: ―ah professor, você não sabe jogar handebol!‖, e ele

responde: ―isso não é handebol, é uma brincadeira‖. A bola era grande e leve

(tamanho da de basquete). Depois de 5 minutos, ele troca por uma bola de

futsal, mas continuam jogando handebol. O professor foi atrás de 3 meninos

que saíram sem pedir para beber água, deixando assim a turma sozinha. O

jogo acabou parando. Quando ele voltou, perguntou: ―por que pararam?‖, e a

aluna J. responde: ―porque você não tá olhando‖.

Após a tentativa do jogo de handebol (figura 20), o professor ADE resolve oferecer o

―futebol gigante‖. O discurso do professor indica sempre um conteúdo diferente em cada aula,

porém as aulas são sempre iguais, com os esportes (voleibol, handebol e futsal) sempre

presentes, seja como conteúdo, seja como atividade (estratégia) para desenvolver outros

conteúdos.

Figura 20: Jogo de handebol gigante

170

4.3.6 As aulas de Educação Física na E6

Na escola E6, os três professores de Educação Física do ensino fundamental

participaram da pesquisa, porém as aulas da professora SOL/F (50 anos – P. E6) não foram

observadas devido à mesma não ministrar aulas para turmas de 4º ano — tem turmas apenas

de 1º ciclo. Durante as aulas observadas do professor GIL, foi possível conhecer um pouco da

prática pedagógica da professora SOL, pois algumas aulas destes professores acontecem no

mesmo horário (choque de horário) e acabam dividindo o mesmo espaço (a quadra).

As duas aulas em que presenciei a divisão de quadra entre os professores, a professora

SOL estava com alunos da Educação Infantil, momento em que os deixava livres pela quadra,

atrapalhando as atividades do professor GIL. Quando conseguiram dividir a quadra, a

professora SOL organizou um jogo de futebol com alguns de seus alunos que tinham entre 4 e

5 anos. Em determinado momento pediu ao professor GIL para que ―olhasse‖ seus alunos,

enquanto estava conversando com outra professora. Em todas estas aulas — e em outros

momentos que a encontrei na escola — a professora SOL estava usando calça jeans e

sandálias.

A figura 21 ilustra uma destas aulas (03/09/2008) em que o professor GIL ministrava

aula para os alunos do 4º ano (na quadra) e a professora SOL observava seus alunos da

Educação Infantil espalhadas pela quadra — detalhe de algumas crianças em cima do palco e

da professora, de costas, vestindo calça e sandália.

Figura 21: Aula da professora SOL para a Educação Infantil

171

Percebe-se que a professora SOL não organiza suas aulas e seu discurso é incoerente

com sua prática. O professor de Educação Física deve ser um exemplo para seus alunos a

começar por sua vestimenta, pois não se pode exigir dos alunos que trajem roupas adequadas

às aulas de Educação Física se o próprio professor se veste inadequadamente. Darido e

Rangel (2005, p. 112) sugerem que para a participação efetivas das aulas de Educação Física,

―indica-se uma vestimenta adequada, como calças e bermudas de tecidos flexíveis e arejados,

camisetas e tênis, para que os alunos possam vivenciar efetivamente a aula, minimizando os

riscos de lesões‖.

As aulas do professor GIL/M (52 anos – P. E6) são duplas e, neste caso, eu observaria

apenas dois dias de aula, o que totalizaria quatro aulas (para a pesquisa, estabeleci a

observação de três aulas consecutivas). Porém, foi necessário observar três dias de aula, já que

no segundo dia de observação (27/08/2008), a professora da sala não liberou os alunos para a

aula de Educação Física, alegando que a maioria não havia feito a tarefa pedida por ela.

Apenas 7 alunos, que fizeram a tarefa, foram liberados para a aula de Educação Física. O

professor GIL concordou com a atitude da professora afirmando ser necessário para que ela

conseguisse manter o controle da sala. Devido ao número de alunos, o professor deixou que

as crianças brincassem livremente, com bambolês, colchonetes ou correndo.

O professor GIL afirmou que era possível trabalhar com poucos alunos na aula, mas

era complicado ainda mais por estar com o pé machucado — realmente ele estava com o pé

enfaixado e de chinelos. Esta aula teve características essencialmente recreacionistas, sem

conteúdos ou objetivos definidos. A atitude do professor em aceitar que a professora da sala

não libere os alunos para a aula de Educação Física é reflexo da sua aposentadoria que,

segundo ele, sairia no início do próximo ano. Porém, não deve ser uma prática aceitável pelos

professores de Educação Física, pois a disciplina fica com características de um ―prêmio‖, em

que os alunos terão o direito se cumprirem determinadas tarefas, causando prejuízo aos alunos

e garantindo a falta de legitimidade da área.

A primeira aula observada (13/08/2008), os conteúdos mencionados pelo professor

GIL foram: basquetebol, futsal e coordenação motora com bambolê. A aula se constituiu

basicamente na divisão da quadra entre meninos e meninas, sendo que os meninos jogaram

futsal e as meninas basquetebol. Como a aula é dupla, na segunda aula o professor realizou a

inversão dos grupos, explicando aos mesmos como jogar, ou seja, futsal para as meninas e

basquetebol para os meninos. Os demais alunos que não quiseram participar destas atividades

brincaram com cordas, bambolês e jogos de tabuleiro ao redor da quadra.

172

O professor ficou o tempo sentado assistindo a aula, o que me causou muita

dificuldade em realizar minhas observações, pois ele queria conversar comigo sobre os

problemas da Educação Física em sua escola. Dentre os problemas, destacou a falta de

materiais devido a um roubo que acontecera na escola na semana anterior e o problema de

divisão de quadra com os outros professores de Educação Física. O professor GIL é um

autêntico professor ―rola bola‖.

Na segunda aula, dia 03/09/2008, os conteúdos descritos pelo professor GIL foram a

queimada, mini-basquetebol e futsal. Num primeiro momento, realizou uma queimada entre

meninos x meninas, em que elas ficaram no centro da quadra e os meninos ao redor tentando

queimá-las. Depois, os papéis foram invertidos, sendo que ―queimou saiu‖, nas palavras do

professor GIL. A segunda atividade foi um jogo de mini-basquete, novamente meninos x

meninas, com o objetivo de fazer gol com a bola de basquetebol.

No segundo momento da aula, a quadra foi dividida em duas, sendo metade destinada

ao basquetebol e a outra metade ao futsal, como na aula anterior. Segundo Darido e Rangel

(2005), por muito tempo a Educação Física escolar separou os meninos das meninas, e,

baseado num estudo de Gaspari e colaboradores (2003, apud DARIDO, RANGEL, 2005), as

autoras descrevem que muitos professores defendem a separação das turmas por sexo

utilizando-se de argumentos que valorizam a performance, competição, rendimento e

treinamento, constituindo uma prática incoerente com as propostas pedagógicas atuais. A

figura 22 retrata a divisão da quadra entre meninos e meninas realizadas nas aulas de

Educação Física do professor GIL.

Figura 22: Separação por sexo nas aulas de Educação Física

173

Enfim, observei que as aulas do professor GIL não são planejadas, dando a impressão

da improvisação de atividades adequadas para cada momento. As aulas são muito parecidas,

sem uma sistematização aparente dos conteúdos. Contudo, a prática pedagógica do professor

é coerente com seu discurso, pois na entrevista ele alega que no 2º ciclo trabalha com o

esporte e, quando indagado sobre os conteúdos da Educação Física que trabalhava, discorreu

sobre os materiais que oferecia aos alunos: ―material são: trabalho com bola, cone, arco,

colchão pra rolamento, essa coisa aí toda. Eu tenho jogos lúdicos: dominó, dama...‖ (GIL/M –

52 anos – P. E6), confirmando sua tendência recreacionista.

Para finalizar as observações da escola E6, o professor AND/M (32 anos – P. E6)

estava trabalhando com o conteúdo ―Ginástica Olímpica‖, especificamente ―sequência

ginástica‖. Confesso que fiquei encantada com a aula do professor AND, inclusive pela

sistematização do conteúdo ginástica que ele organizou, oferecendo aos alunos elementos

diferentes da ginástica para cada ano de ensino.

A primeira e segunda aula (16/10/2008 e 21/10/2008) aconteceram dentro da sala de

vídeo (com espelhos nas paredes da sala) e, a terceira aula (23/10/2008), na quadra coberta. O

conteúdo foi o mesmo nas três aulas, já que a cada dia os alunos foram aprendendo um pouco

da sequência ginástica, tendo como objetivo final uma apresentação no ―festival de ginástica‖

da escola. A sequência ginástica estava disponível na lousa para que os alunos copiassem,

sendo apresentado no quadro 19 abaixo:

Quadro 19: Sequência ginástica Educação

Infantil 1º ano 2º ano 3º ano 4º ano

(meninas) 4º ano

(meninos) Rolamento para

frente Vela Avião Meio giro Rolamento para

trás Pose em V

Avião Rolamento para

frente Estrelinha Meio giro Salto estrela Rolamento para

trás Pose ajoelhada

Rolamento para

frente Vela Rolamento

lateral Puxada Rolamento trás Avião Salto grupado Meio giro Estrela Pose

Rolamento para

trás Avião Salto grupado Meio giro Rolamento para

frente Vela Rolamento

lateral Puxada Rolamento para

frente 360º Estrelinha Pose

Giro meia ponta Rolamento para

trás Avião Giro 360º Salto grupado Passo e vira Dois

rolamentos para

frente Salto estrela Ponte Rolamento

lateral e puxada Pose

Estrelinha Rolamento para

trás Avião Giro 360º Salto grupado Dois

rolamentos Salto esticado Vela Rolamento

lateral Puxada Pose

174

Os alunos realizavam a sequência ginástica em duplas, enquanto o professor anotava,

corrigia e avaliava o movimento executado pelos alunos. Vejamos a figura 23 que ilustra uma

destas aulas:

Figura 23: Aula de ginástica olímpica

A prática pedagógica do professor AND é coerente com seu discurso e todo o

conteúdo apresentado é previamente programado em seu planejamento semanal, sendo

comprovado pela apresentação do plano de aula a cada início da aula observada. Para

finalizar, segue a foto (figura 24) que ilustra o festival de ginástica — fechamento do 3º

bimestre na escola E6:

175

Figura 24: Festival de Ginástica

Assim, o capítulo de análise dos dados coletados sobre os conteúdos da Educação

Física e sua sistematização, na visão dos professores de Educação Física das seis escolas

pesquisadas, encerra-se aqui, com o quadro 20 que é um resumo e comparação do que os

professores ―planejam, dizem e fazem‖ em suas aulas de Educação Física.

Quadro 20: Resumo das análises dos dados dos professores de Educação Física

ESCOLA Professores

de Educação

Física

―O planejar‖:

Entregou seu

planejamento?

―O dizer‖:

O depoimento é

coerente com o

planejamento?

―O fazer‖:

A prática é condizente

com o planejamento

e/ou depoimento?

E1 ROS SIM SIM SIM

E2 CID SIM SIM NÃO

E3 ANE SIM SIM -

E3 RON NÃO - NÃO

E4 JOS SIM SIM SIM

E4 ROB SIM SIM SIM

E5 CIN SIM SIM -

E5 ADE NÃO - NÃO

E6 SOL NÃO - NÃO

E6 GIL NÃO - SIM

E6 AND SIM SIM SIM

176

Capítulo 5

A VISÃO DOS ALUNOS: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Neste capítulo serão analisadas as entrevistas concedidas pelos alunos de 4º anos do

Ensino Fundamental, dos professores de Educação Física sujeitos desta pesquisa. Foram

realizadas entrevistas com 24 alunos, sendo três de cada professor, porém os alunos dos

professores ANE, SOL e CIN não participaram porque não assisti às aulas dos mesmos. A

questão central da entrevista refere-se aos conteúdos aprendidos pelos alunos durante o ano

letivo, bem como os aprendidos durante a aula que antecedeu a entrevista e o que gostariam

de aprender.

Todos os alunos foram indicados pelos professores pesquisados, seguindo as

características de ―mais bagunceiro‖, ―mais participa‖ e ―menos participa‖ das aulas. Em

minhas observações, percebi que todos os alunos indicados participam da aula de alguma

forma, seja participando apenas das atividades que gostam, seja atrapalhando o andamento da

aula, seja ajudando o professor, ou ainda, participando de atividades paralelas proporcionadas

pelo próprio professor.

Todos os alunos pesquisados responderam que gostavam das aulas de Educação Física

e justificaram suas respostas, pelos mais distintos motivos, como podemos ver nas falas a

seguir:

(...) Futebol, assim, é sem graça, eles não passam a bola pra gente, aí sem graça. O

restante da aula eu gosto. (VIT/M – E1 – ROS)

Gosto. Ah, porque a professora é legal, ela inventa cada brincadeira legal, quando

ela vem. (JES/F – E2 – CID)

Gosto. Porque às vezes tem umas atividades novas e algumas antigas. (ERI/M – E2

– CID)

Sim, porque é muito legal, eu gosto de brincar de corda, ―voler‖, todas brincadeiras.

(...) Porque eu brinco de casinha às vezes. A gente pede pra ele e ele deixa. (IRU/F –

E2 – RON)

Gosto. Porque é... o professor fica brincando cum nóis, ele dá atenção pra nóis, ele

fica jogando vôlei cum nóis. (TAU/F – E3 – RON)

Gosto, porque ele ensina a gente bastante sobre o corpo humano, sobre o futsal,

saque, sobre essas coisas. (LIL/F – E4 – ROB)

Gosto, porque ele é legal com a gente. (JUL/F – E4 – ROB)

Gosto. Porque ajuda a melhorar o comportamento. (GIS/F – E4 – JOS)

Gosto. Ah, porque lá a gente aprende muitas coisas, a gente joga futebol, e a gente

nem sabia joga handebol. Aí o professor ensinou a gente jogar handebol direito.

(LAR/F – E5 – ADE)

Não muito... Mas, gosto! Por causa que é muito boa, exercita meu corpo, é bom pra

nossa saúde e é muito bom pra gente se divertir também. (ICA/M – E6 – AND)

177

Muito, porque às vezes é brincadeira, às vezes é estratégia, às vezes é muita diversão

e às vezes também é ginástica, e eu gosto de fazer ginástica, de fazer exercício.

(ANA/F – E6 – AND)

Percebe-se na fala das crianças que apenas dois alunos hesitam em dizer que gostam

da aula num primeiro momento, mas depois confirmam gostar. O VIT, aluno da professora

ROS, diz não gostar do futebol, alegando que os colegas não passam a bola para ele. Nesta

fala, ele se refere ao ―futebol recreativo‖ proporcionado pela professora todo final de aula, o

que demonstra ser um momento livre, mas que beneficia aqueles que têm certa habilidade no

futsal, pois os que apresentam alguma dificuldade se sentem excluídos.

A maioria das justificativas está atrelada ao brincar, à diversão, à alegria, à

brincadeiras proporcionadas pelas aulas de Educação Física. Assim, Kawashima, Gomes e

Gomes (2009, p.12) dizem:

Neste sentido, Château (1987) observa que ―perguntar por que a criança brinca, é

perguntar por que é criança‖ (p. 14). Para a criança, quase toda atividade é jogo

(brincadeira) e é através dele que ela adivinha e antecipa suas condutas superiores.

Ou seja, por mais que os professores de Educação Física proponham jogos

pedagógicos em suas aulas, com o objetivo de ensinar algum conteúdo aos seus

alunos, para as crianças, se houver diversão, será sempre brincadeira.

Alguns alunos justificam gostar das aulas de Educação Física devido ao professor ser

―legal‖ e ao que ele ensina, ou seja, os conteúdos que aprendem nas aulas de Educação Física.

Os alunos do professor RON, por exemplo, atribuem gostar das aulas de Educação Física

devido a sua participação nas atividades propostas e por deixá-los brincar do que quiserem.

Estas afirmações corroboram as observações das aulas do professor RON, quando ele

distribui os materiais para os alunos brincarem livremente, além de organizar jogos de

voleibol e deixar as meninas brincarem de casinha. Neste sentido, o professor é ―legal‖, pois

deixa as crianças fazerem o que quiserem durante a aula, inclusive jogar futebol.

5.1 Os conteúdos da Educação Física aprendidos pelos alunos

Sobre os conteúdos, os alunos foram indagados sobre ―o que aprendem nas aulas de

Educação Física‖, inclusive sobre ―o que aprenderam na aula de hoje‖ (dia da entrevista) e

suas respostas serão apresentadas em blocos correspondentes a cada escola pesquisada. Na

escola E1, os alunos responderam que:

Joga bola, joga basquete, aprende a pular corda. Corre cotia. (RAF/F – E1 – ROS)

178

O ano todo o que eu aprendi que a gente... assim... pra poder correr atrás da bola tem

ser rápido, fazer aquela brincadeira lá, tem que fazer exercícios assim...capoeira. Tô

fazendo. Capoeira eu fico brincando de capoeira ali naquele negócio que tem lá, ali

em cima, aquele pedaço que é grande atrás do palco, eu treino um pouco. Ano

passado que eu aprendi uma brincadeira muito legal, que a gente fica enfileirado

assim, aí a gente corre, é de duas equipes, a primeira e a segunda, aí a primeira pega

e segunda vai correndo, aí assim tem um colchãozinho assim na onde tem que ir

virar uma cambalhota e aqui, a primeira equipe que passar por aqui e segunda fica

aqui naquele negócio lá, depois voltar pro lugar. O vencedor é o que chega na frente.

Não pode pular nenhum degrau. (VIT/M – E1 – ROS)

Educação, joga bola, um monte de coisa. Aprendi joga bola, brinca de pega-pega,

de...sei lá...atacante, vôlei, pular corda, um monte de coisa. Tem do ―Jó‖ que

acabamos de brincar ali também. (...) daquele ―escravos de Jó, jogavam caxangá‖, e

o outro aí de passar a bola, tipo queimada...tipo batata quente. Ahhhh... e da

caixinha, aquela aqui da sala. (MAT/M – E1 – ROS)

Na fala dos alunos da professora ROS, os conteúdos citados pelos alunos se referem

ao futebol, voleibol, basquetebol, pular corda, brincadeiras de roda (Escravos de Jó) e outras

brincadeiras, sendo que estes conteúdos correspondem aos propostos pela professora durante

o ano letivo. A fala do aluno VIT (mais bagunceiro) demonstra que ele não participa da aula,

tanto é que no dia da entrevista ele estava de castigo desde o início do período por ter

desobedecido à professora da sala. Assim ele se desculpou: ―eu respondi a professora, a

professora da classe. Não foi hoje, foi mês passado, parece‖. Além disso, percebe-se que

pouco participa da aula, mas gosta da capoeira, oferecida noutro turno da escola e não nas

aulas de Educação Física. Sobre o que aprende nas aulas, falou ainda de uma atividade

aprendida no ano anterior e não naquele ano letivo.

Na escola E2, os alunos da professora CID falam das brincadeiras que aprendem

dentro e fora da sala, conforme também se observou durante as aulas que presenciei:

Ah, eu aprendo muita brincadeira, música. Não, porque é assim, esse ano eu entrei

agora, porque eu não estudava aqui. Aprendi com a professora tem que respeitar os

idosos, tem que respeitar os mais velhos, quando a minha mãe tiver brigando a gente

não pode xingar porque ela é que tá certa e muita coisa, e...por isso que eu gosto

dela. (...) aprendi a musiquinha que ela inventou agora. Ela canta junto cum nóis, aí

nós aprendemos. Ela passou no quadro a musiquinha. (JES/F – E2 – CID)

Esse ano? Num lembro... Nós aprendemos sobre brincar, muitas coisas. Na aula

passada nós aprendemos ―careca-cabeludo‖, morto vivo junto, e fomos do lado de

fora brincar. Corrida, corrida de saco... (a profa faz com vocês? Tem saco?) Não.

Tava querendo que ela faz. Eu aprendi com esse hino que teve aí, a ―estrada‖...

(ERI/M – E2 – CID)

Ah...muitas coisas. Ela ensina música...ah, tem um monte de coisas assim. Ah,

brincadeiras, novas brincadeiras. Ah, ela faz brincadeira com a gente assim. Tem

vez que ela faz dentro da sala, tem vez que leva a gente aqui pra fora. Pular corda,

joga bola. Mas agora não joga mais, porque o povo de manhã furou a bola. Agora só

pula corda e brinca. Prefiro aqui fora. (PED/M – E2 – CID)

179

Percebe-se que a aluna JES discorre sobre valores (respeito aos mais velhos) que

aprendeu nas aulas de Educação Física, além das brincadeiras e músicas. Os conteúdos

atitudinais estão presentes no planejamento da professora CID, porém são poucos os descritos

por ela, sendo que o ―respeito aos mais velhos‖ não aparece no planejamento. Neste sentido, é

possível compreender que os conteúdos atitudinais são trabalhados nas aulas de Educação

Física, mas ainda fazem parte do currículo oculto da escola.

O aluno PED complementa que ―na aula de hoje? Eu num fiz nada não. Não quero.

Porque não gosto da aula de hoje, hoje eu não tô bem (...). Eu tava prestando atenção né?, mas

eu fiquei mesmo desenhando‖. Na aula observada a que o aluno se refere (01/09/2008),

realmente ele e a maioria dos alunos da sala dispersaram-se, até que a professora resolveu

disponibilizar brinquedos, jogos de tabuleiro e outros jogos pedagógicos para as crianças

escolherem e brincarem livremente.

Vejamos agora o que dizem os alunos do professor RON, da escola E3:

Ah, bastante coisa... joga bola, joga vôlei. Já aprendi jogar vôlei, pular corda e jogar

bola. Participo das aulas. A gente brinca de Stop, Amarelinha... a gente pede um giz

pro professor. (e na aula de hoje?) Eu aprendi... nada. Hoje eu não aprendi nada.

Porque sim, porque hoje eu tava brincando STOP. Eu tava fazendo STOP e agora

vou brincar de amarelinha. (ELE/F – E3 – RON)

Ainda nada. Não, nada. Porque eu fico participando de outras brincadeiras. Ele

ensina vôlei, futebol, mas eu não gosto de brincar. (e hoje?) A brincar de jogar bola

no bambolê. Só isso. (IRU/F – E3 – RON)

Aprendo a jogar vôlei, basquete, futebol, um monte de coisa. Eu não lembro.

Basquete. Só isso mesmo. (TAU/F – E3 – RON)

É recorrente no discurso das crianças a aprendizagem dos esportes e das brincadeiras,

reforçando a ideia de ―aulas livres‖ quando a aluna ELE afirma que ―pede um giz pro

professor‖. Neste caso, as aulas observadas confirmam esta prática, em que o professor monta

a rede de voleibol, dá a bola de futsal para os meninos e o restante brinca do que quiser. Isso

se evidencia ainda mais na fala da aluna IRU, cotada como a que ―mais participa‖ das aulas

pelo professor RON, quando diz que ainda não aprendeu nada durante este ano letivo, ou seja,

nada de novo, nada direcionado a aprendizagem dos alunos.

Na aula referente ao dia da entrevista, a aluna TAU não participou, e justificou: ―Eu

não fui pra Educação Física. É que o Erick tava batendo na minha cabeça aí a MAR foi e

chamou nóis. Eu fiquei copiando. Achei ruim, porque eu queria tá lá brincando‖.

Esta fala demonstra mais uma vez a importância que a aula de Educação Física tem

para as escolas, tornando-se um prêmio para o bom aluno, comportado, que participa e faz

tudo nas demais aulas. E, quando o aluno transgride alguma regra da escola, sua punição é

180

ficar sem assistir a aula de Educação Física. Isso é responsabilidade do próprio professor de

Educação Física da escola, como é o caso do professor RON, que ao assumir a postura de

professor ―rola bola‖, não tem condições de defender o papel da Educação Física,

transformando sua aula num momento de diversão que somente os ―comportados‖ podem

desfrutar.

Na escola E4, os alunos do professor ROB e JOS discorrem sobre o que aprenderam

nas aulas de Educação Física:

Hummm... basquete, vôlei, dança, alimentação...acho que é só. (GAB/M – E4 –

ROB)

Eu aprendi sobre o corpo humano bastante, sobre o coração, sobre o idoso, sobre

prática do futsal, um monte de coisas, porque Educação Física não é só brincar é

também fazer atividades. (...) hoje eu aprendi um pouco mais sobre o saque do

voleibol (LIL/F – E4 – ROB)

Eu aprendi a jogar vôlei, brincar de alerta cor, brincar de jogar bola. (JUL/F – E4 –

ROB)

Muitas brincadeiras. É... ginástica. Ah... ela deu música. Aprendi a dançar. Um

monte de coisa. Ensina a brincar. (GEA/M – E4 – JOS)

Eu aprendo as brincadeiras. (GIS/F – E4 – JOS)

As brincadeiras. De queimada, pega-pega, barra manteiga, maestro... Dança dos

idosos. (...) Brincar de maestro e aquele de brincar. De maestro que tem que prestar

atenção. (REN/F – E4 – JOS)

Os alunos do professor ROB têm clareza do que aprendem nas aulas de Educação

Física, destacando os conteúdos esportivos, dança e brincadeiras, mas também apontam

conteúdos ligados ao tema Saúde, como alimentação e funcionamento do corpo humano. Em

outro trecho da entrevista, a aluna LIL comenta algumas atividades desenvolvidas em aula,

fazendo referência ao projeto ―Saúde‖ desenvolvido pelo professor.

Ele manda a gente fazer trabalho e eu consigo. Aí um dia minha mãe, é agente

comunitária de saúde, ela traz um monte de papel sobre o corpo humano, sobre

bastante, aí ela tava falando sobre obesidade, aí eu peguei o livrinho dela, copiei

tudo, ele passou pra sala inteirinha. Fiz o trabalho na folha aí ele passou pra todo

mundo. Eu fiz vários trabalhos que fala sobre o peso da família, escolher 10 pessoas

da família pra poder falar sobre o peso, sobre a obesidade (LIL/F – E4 – ROB)

A mesma aluna LIL ainda relata sobre as aulas teóricas, no qual as crianças têm

caderno para anotar o que o professor ensina: ―Ele fala também se alguém puder ter um

caderno, senão pega o caderno de sala porque a professora é muito legal e ela deixa‖.

Os alunos da professora JOS falam de conteúdos como brincadeiras, ginástica e a

dança, em destaque, a dança dos idosos. Estes conteúdos são coerentes com a prática

pedagógica da professora.

181

Os alunos da escola E5 têm discursos coerentes e que ratificam a opção do professor

ADE por aulas recreacionistas, mas que, às vezes, tem sua intervenção nas atividades

proporcionadas durante as aulas.

A gente aprende...ah, jogar vôlei, a gente também gosta que o professor chama a

gente, aí tem vez que tem gente que não obedece, aí o professor fala ―vamo logo‖, aí

tem vez que a gente fica com fome. Ah, a gente também aprende a jogar futebol

direito, joga handebol também, porque a gente brinca de bastante coisa lá. Tem uma

corda lá que o professor amarra na árvore aí a gente pega e tenta pulá ela pra...a

gente finge que tá cheio de jacaré lá e o professor fica brincando com a gente, e no

balanço também. Tem vez que é diferente. Antes ele só dava futebol pra gente, aí ele

trocou e arrumou uma corda, agora ele já tem balanço, entendeu? Ele arruma a rede

pra gente jogar vôlei. (LAR/F – E5 – ADE)

Ah, a jogá bola, jogá vôlei, nada. Não, é que ele dá só mais pra menina. Pras

meninas ele dá handebol. Handebol não, ele dá futsal pra nóis. (e hoje?) tava

jogando futsal. (DAN/M – E5 – ADE)

Muitas coisas com o professor. Ele ensina nóis jogar futebol, handebol, tudo que a

gente erra ele pega e ensina. Ele ensinou a gente a jogar handebol direito, porque a

gente jogava tudo misturado e ele falou que era assim, assim e assim. De hoje? A

jogar aquele... como é o nome mesmo? Vôlei. (MAP/F – E5 – ADE)

A aluna LAR faz um relato preciso de como acontecem as aulas de Educação Física

do professor ADE, em que antes era só futebol, agora tem handebol, voleibol e corda que é

utilizada como balanço ou para escalada, atividades estas que também presenciei nas aulas .

Outra situação levantada pela aluna LAR é ―tem vez que a gente fica com fome‖, isso se deve

ao recreio de outras turmas acontecer no momento das aulas de Educação Física desta turma

de 4º ano, sendo que alguns crianças saem da aula para comer, mesmo não sendo seu horário

de recreio.

No discurso do aluno DAN fica claro também que o futebol é oferecido para os

meninos — mesmo tendo algumas alunas que participam, como a LAR — e o voleibol para

as meninas. As aulas que observei demonstraram que o handebol era o único momento de

integração entre meninos e meninas.

Vejamos agora o que os alunos dos professores AND e GIL dizem aprender nas aulas

de Educação Física, na escola E6:

Aprendo a fazer exercícios, aprendo também a fazer coisas que eu nunca fiz, tipo, é

assim mais ou menos assim, tipo fazer muitos exercícios e competir com outras

pessoas. Eu já aprendi a fazer negócio pra trás, giro pra trás mais ou menos, e

também é aquele como se chama? É... aprendi que não pode fazer ―calhambota‖

assim, tem que fazer a posição certinha, senão machuca. Também já fiz uma

competição lá na ―física‖ de beber refrigerante na gincana, foi muito legal, e

também nóis tinha que fazer a coleta do lixo, teve que correr a escola inteira pra

catar o lixo, e também fazer muita coisa que eu nunca fiz e agora eu tô fazendo,

coisa que nunca fiz. Tipo o que? Tipo, correr na coleta de lixo pra preservar a

182

natureza, essa competição de refrigerante eu já fui já, mas também é muito legal.

(ICA/M – E6 – AND)

Muitas coisas. Eu faço rolamento, a gente ia assistir vídeo depois faz perguntas, faz

também... gincana. (e hoje?) Rolamento. Que eu aprendi? Rolamento. Pra

apresentação. (JOA/M – E6 – AND)

Eu já aprendi a fazer um monte de coisas na Educação Física, já aprendi novas

brincadeiras, já aprendi novas ginásticas, já aprendi a virar estrelinha, já aprendi a

virar cambalhota, aprendi a fazer um monte de coisas. Lembro. Que eu nunca tinha

visto? Já aprendi um monte de brincadeiras, é que às vezes eu esqueço, mas às vezes

eu não lembro. Uma brincadeira que ninguém sabia, na época assim ninguém sabia,

porque o professor falou assim ―vamos brincar de nada‖, ―ah professor, como é que

brinca?‖, foi no primeiro dia e a gente não sabia como é que brinca, aí o professor

falou assim, vamos brincar de batata quente! Eu não sabia como é que brincava, aí

―como é que é professor?‖, ―ah é assim‖. Aí fica lá, tampa o olho e fica falando até a

bolinha parar de cantar a música, aí tem que parar, tem queimada assim, é assim a

brincadeira, só que eu não sabia. (...) ah, prova a gente já fez, prova de ginástica,

prova de gincana, da torta na cara que fazia pergunta e a gente respondia, se errasse

levava torta na cara. Já aprendi um monte de coisa que a gente até esquece, dá um

branco na gente. (e hoje?) Fazer um monte de Ginástica, eu aprendi ginástica

olímpica. (ANA/F – E6 – AND)

Eu aprendo muitas brincadeiras, é...brincadeiras. Eu aprendi a jogar...eu não sabia

jogar direito basquete e eu aprendi! Vôlei. Vôlei e...como fala? Peteca. (ele já deu

aula com peteca pra vocês?) Não, ele trazia o negócio e jogava comigo. (e hoje?) ah,

é... eu joguei as coisas que eu já sei mesmo. Joguei queimada, futebol, basquete.

(LAU/F – E6 – GIL)

Que a gente não deve não brigar, xingar, bater. (MEU/M – E6 – GIL)

Eu aprendo a mexer o corpo, eu aprendo a fazer exercícios no começo da aula. Eu

aprendo que não pode faltar a aula de Educação Física porque vale ponto, e também

que a gente não deve faltar porque no final do ano a gente perde um monte. Aprendi

rouba-bandeira que eu nunca brinquei, eu brincava de pega-pega, rouba-chinelo,

andar na lata. (e hoje?) Aprendi a mesma coisa. Aprendi a jogar bola muito bem, que

eu não sabia jogar muito bem. (BAR/F – E6 – GIL)

Os alunos do professor AND destacam conteúdos análogos aos analisados na prática

pedagógica do professor, como os conteúdos da ginástica, brincadeiras, gincanas e sobre o

projeto ―Meio Ambiente‖. O aluno ICA ainda faz um relato sobre a aula do mesmo dia da

entrevista, destacando a importância do professor de Educação Física para a aprendizagem

dos conteúdos propostos através do incentivo a seus alunos:

Na aula de hoje eu aprendi que a gente também, quando você, você pode ser

qualquer coisa, mas você é capaz, você é capaz de fazer aquilo que você pode fazer,

você consegue, é só querer. Eu consegui fazer aquele negócio do avião que antes eu

não sabia fazer, aí eu errei um pouco, mas o professor falou ―não, você tem que

fazer o contrário senão vai fazer tudo errado, não esquece disso não‖. (ICA/M – E6

– AND)

Diferentemente, as brincadeiras citadas pelos alunos do professor GIL tem conotação

distinta daquelas ensinadas pelo professor AND, pois para o professor AND é um conteúdo

183

da Educação Física, e nas aulas do professor GIL aparece como ―atividade livre‖, comuns a

tendência recreacionista.

5.2 Os conteúdos não aprendidos e as mudanças sugeridas pelos alunos

Para finalizar as análises das percepções dos alunos, verificaremos as respostas sobre

―o que gostariam de fazer nas aulas de Educação Física‖, sugerindo que verbalizassem os

conteúdos que gostariam de aprender. Neste sentido, pretende-se verificar quais os conteúdos

que talvez estejam deixando de ser oferecidos pelos professores de Educação Física

pesquisados.

Dos 24 alunos entrevistados, 11 alegaram que não gostariam de aprender mais nada,

justificando que ―tá bom assim‖, ―ele não deixa mesmo‖, ―o professor acho que vai passar‖,

―agora eu não lembro‖, ou ainda, dizendo apenas ―não‖ ou ―nada‖. Três alunos gostariam de

aprender natação, vejamos suas falas.

Queria... tomar banho de piscina. (GAB/M – E4 – ROB)

Natação. (como?) construir uma piscina no fundo. (IRU/F – E3 – RON)

Aula de natação. Ah, se... eu posso falar um pouquinho de política? O prefeito de

Cuiabá (...) eu queria pedir, fazer uma proposta aqui que alguém, pros professores,

podiam falar com o prefeito pra ele por uma piscina nessa escola, e tem como fazer,

tem espaço. Se tiver piscina na escola dá pra fazer natação. (ICA/M – E6 – AND)

Dentre as respostas, há ainda quatro recorrentes sobre o futebol. Vejamos os

depoimentos:

Não. Ah... futebol. Queria que reformasse a quadra, por muro pra ninguém entrar.

Quebrou o muro, a comunidade. (ERI/M – E2 – CID)

Olimpíadas. Sobre... deixa eu ver... sobre futsal. Porque a nossa sala é conhecida

como a bagunceira, a sala mais bagunceira, e ele além de ser um bom professor

escolheu a gente, pra gente participar. (LIL/F – E4 – ROB)

Jogar bola. Porque ela dá menos bola. Esse ano não... esse ano já. (GEA/M – E4 –

JOS)

A jogar futebol. Só os guri que joga. Mais os guri não deixa. Eu vou pedir pra ele

me ensinar. (MAP/F – E5 – ADE)

As respostas das crianças revelam a realidade de cada escola. Na escola E2, os alunos

não são apresentados ao conteúdo futebol por não existir quadra na escola, já que foi

depredada pela comunidade; na E4, o futebol não apareceu no planejamento do professor

ROB e, a professora JOS, presenteia as turmas com o futebol duas vezes por mês, assim seu

aluno questiona que gostaria de jogar mais, ou seja, a prática descontextualizada do futebol

184

não ocorre nesta escola; e, na E5, a aluna MAP reivindica o direito de jogar futebol, prática

que é oferecida apenas aos meninos. Vejamos as demais respostas dos alunos:

A brincadeira de rouba-bandeira. É... basquete. A gente não joga basquete. Não, só

vi na televisão. A primeira vez que a gente jogou basquete não foi basquete, foi

futebol americano. O pessoal não sabia jogar basquete, aí pegava a bola e segurava...

(VIT/M – E1 – ROS)

Joga handebol. (MAT/M – E1 – ROS)

Pega- pega. Só de pega-pega. (JUL/F – E4 – ROB)

Ah, eu queria que ele ensinasse direito o vôlei pra gente. Porque quando a sala nove

vem jogar com a gente, a gente fica tudo misturado, aí vem os guri grandão e chuta a

bola com o pé, e sempre o professor não vê. (LAR/F – E5 – ADE).

Tenho! Eu tenho vontade de... falar a verdade, é sério, eu queria que ele colocasse

música pra todo mundo cantar. Cantar e dançar! Eu queria também que a gente

tivesse aula de dança. (ANA/F – E6 – AND)

Os conteúdos que os alunos gostariam de aprender correspondem ao basquetebol,

handebol, brincadeiras como rouba-bandeira e pega-pega, voleibol e dança. Sobre o

basquetebol, a professora ROS afirmou que a tabela de sua escola é inadequada aos alunos de

4º ano, sendo muito alta (tamanho oficial) para a idade das crianças, por isso não oferece para

o 2º ciclo.

Já o fato relatado pela aluna LAR, novamente indica que o voleibol ofertado pelo

professor ADE não tem objetivo algum, sendo a prática pela prática. Interessante que a aluna

contrapõe o tipo de aula ministrado pelo professor, solicitando que o mesmo ensine o voleibol

e não apenas os deixe jogar. A prática do professor ―rola bola‖ é contestada pela aluna em

outro momento da entrevista, quando afirma:

Ah, tem vez que eu falo assim ―ah professor, vamo jogá handebol, a gente tá

cansado de jogá futebol, quase toda aula a gente joga futebol‖, aí as meninas

começam a ficar cansadas, tem menina que ficava cansada de tanto que os guri só

queria jogar futebol. Quase todo mundo participa do futebol, tem umas meninas que

não gostam muito não, tem umas que tem medo de jogá, os guri mete bico assim,

dói. (LAR/F – E5 – ADE)

A frase ―a gente tá cansado de jogá futebol‖ corrobora com a seguinte afirmação de

Vago:

―Assim, penso que uma prática pedagógica de Educação Física que não contemple o

esporte é empobrecedora. Mas, em sentido inverso, considero que um projeto de

Educação Física que só contemple o esporte é igualmente empobrecedor da

formação cultural que ela pode oferecer a crianças, jovens e adultos.‖ (VAGO, 2009,

p. 38, grifo do autor)

Outros dois alunos contrapõem a prática descontextualizada da Educação Física em

seus discursos:

185

É... o professor que deu aula na outra escola, ele ensinava eles a marchar, e algumas

brincadeiras e aqui não tinha. Aqui ele só fica sentado olhando, a gente não aprende

outras coisas, aqui a gente brincar só do que a gente gosta, tipo se a gente quiser

correr no pátio ele deixa, ele não ensina outras brincadeiras. Ele deixa brincar do que

quiser. Ele só dá alguns brinquedos. (BAR/F – E6 – GIL)

Às vezes eu vou pra biblioteca, mas eu brinco de... aquelas coisas que te falei não sei

se é na primeira ou segunda pergunta.(por que você vai pra biblioteca?) hã...é legal,

eu ajudo a arrumar os livros, as coisas...porque eu quero. Não então, é que no

futebol são 11 minutos para os garotos e as garotas. O futebol que eu não gosto. É...

nesse momento já era pra eu ta lá na biblioteca. (VIT/M – E1 – ROS)

O depoimento da aluna BAR explicita exatamente como são as aulas do professor GIL

e, ainda, sua ansiedade em ter aulas diversificadas, em que o professor ensine conteúdos com

algum significado e não apenas ―deixá-los brincar‖. Mesmo na escola E1, em que a professora

ROS propõe o futebol recreativo apenas nos finais de suas aulas, é uma prática contestada

pelo aluno VIT, sendo ainda justificativa para sua evasão das aulas de Educação Física.

Neste sentido, vale à pena refletir sobre as práticas e discursos recorrentes no dia a dia

de muitos professores de Educação Física atuantes em escolas, tanto públicas como privadas,

que, de um modo geral, se baseiam em desculpas como falta de materiais, de lugares

inadequados para a prática e falta de interesse dos alunos, para justificarem a ausência ou

preferência por algum conteúdo específico da Educação Física, como relatou Carvalho (2009)

em sua pesquisa sobre o conteúdo da dança na escola.

Em sua pesquisa, a autora questiona quais os fatores determinantes para o ensino da

dança, já que haviam afirmado anteriormente não trabalhar com o conteúdo em suas aulas, e a

falta de espaço adequado, falta de preparo profissional e falta de interesse dos alunos foram

respostas recorrentes.

Assim, nesta pesquisa, as falas dos alunos contradizem qualquer justificativa de senso

comum dos professores de Educação Física escolar, demonstrando que qualquer prática

quando é demais e não é diversificada, enjoa. E, os alunos sabem dizer, melhor do que

qualquer outro ator da escola, sobre sua aula de Educação Física, verbalizando aquilo que

aprendem de acordo com a prática de cada professor.

186

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegar ao final de uma investigação com a emoção de ter pesquisado sobre a minha

área profissional ― Educação Física Escolar ― confesso que tive muita dificuldade em

enxergar os dados da pesquisa com um olhar neutro. Um olhar de pesquisadora, sem se

envolver emocionalmente e, não demonstrar indignações com a realidade observada não é

tarefa fácil de fazer.

Da mesma forma, não posso deixar de destacar que práticas pedagógicas me

surpreenderam, através de discursos coerentes, planejamentos adequados e, principalmente, a

vontade de transformar a Educação Física, de não se render ao sistema burocrático que

absorve e tanto despreza a nossa área. Professores que oferecem conteúdos diversificados e,

além de tudo, sistematizados, organizados, obedecendo a uma sequência de aprendizagem,

sabendo o que oferecer para cada ano de ensino ou ciclo.

Retomando as questões centrais postuladas para a pesquisa, o objetivo geral tratou de

identificar como os professores da rede municipal de Cuiabá organizam os conteúdos da

Educação Física Escolar para os dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental, bem como as

orientações recebidas pelos gestores de sua escola e, ainda, quais conteúdos seus alunos

aprendem nas aulas de Educação Física.

Outro objetivo relevante foi o de tentar configurar uma organização dos conteúdos

para os dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental, a partir das percepções dos gestores e

professores pesquisados.

Sobre as orientações dos gestores aos professores de Educação Física, percebi que os

documentos oficiais (PCNs, Escola Sarã e dossiês) constituem-se como norteadores do

trabalho docente, sendo, às vezes, interpretados de maneira incorreta pelos gestores e

professores. Neste caso, destacam-se as orientações contidas na escola Sarã sobre o conceito

de interdisciplinaridade, em que muitos gestores compreendem a Educação Física como

auxiliar às demais disciplinas, sendo a portadora e executora de uma gama de jogos

pedagógicos para o ensino da matemática, leitura e escrita, etc.

Ficou evidente também que este conceito de interdisciplinaridade é concebido pelos

professores de Educação Física, que aceitam e aplicam estas orientações. Todavia, outros

professores não aceitam que a Educação Física perca sua especificidade e lutam pela

proposição de conteúdos próprios. É interessante que os gestores têm essa concepção de

Educação Física coerente com a prática pedagógica do professor, ou seja, verbalizam aquilo

que conhecem e vivenciam em suas escolas. Assim, só há uma interpretação: de que a

187

Educação Física deve ajudar na aprendizagem dos conteúdos das demais disciplinas por parte

da gestão da escola porque o professor de Educação Física reflete essa concepção em sua

prática.

Constatei que a proposta de conteúdos sugerida a partir das construções do diretor

BER (escola E5) é o exemplo de que é possível e necessário diversificar os conteúdos

específicos da Educação Física para os anos iniciais do Ensino Fundamental. Se não foi

possível observar uma sistematização desses conteúdos, pelo menos o ponta-pé inicial foi

dado.

Este saber idealizado, e que um dia foi posto em prática, demonstrou que nem tudo

está perdido, que há professores e gestores conscientes e preocupados com a Educação Física

escolar. Resta-nos olhar com mais vagar para as produções destes profissionais e seguir seus

exemplos, buscando tornar estes saberes utópicos (mas possíveis) em conhecimentos

constituídos.

Sobre a análise dos planejamentos dos professores, pude identificar conteúdos

específicos para algumas etapas de ensino independentemente dos ciclos, sendo propostos

conteúdos idênticos para 1º e 2º anos, e outros iguais para 3º, 4º, 5º e 6º anos. Outros

professores distribuem os conteúdos em três grupos: para 1º anos, outro para 2º, 3º e 4º anos e,

por fim, para 5º e 6º anos. Estas divisões são incoerentes com a organização dos ciclos de

aprendizagem do município de Cuiabá, pois como podemos agrupar e propor conteúdos

iguais para crianças que estão em ciclos diferentes, como são agrupados 2º, 3º e 4º anos? O 2º

ano é etapa do 1º ciclo e 3º e 4º anos etapas do 2º ciclo. Por mais inconfortável que seja a

repetição de conteúdos nas diferentes etapas de ensino, é preferível que os conteúdos sejam

propostos congruentes para todas as etapas do 1º ciclo e outros para todas as etapas do 2º

ciclo, como identifiquei na proposta de alguns professores.

Na configuração da proposta de sistematização dos conteúdos segundo os professores

pesquisados, percebi que os conteúdos, de modo geral, atendem as três dimensões e, quando

agrupados todos estes saberes produzidos pelos professores, é possível verificar uma

diversificação dos conteúdos atendendo a todos os blocos propostos nesta pesquisa. Porém,

como fui professora atuante nesta fase de ensino — das séries iniciais — não posso deixar de

identificar e contribuir com algumas sugestões para que sejam inseridos conteúdos que não

constam nesta configuração proposta pelos professores.

Pensando nos conteúdos contidos no bloco de ―Jogos‖, é preciso proporcionar aos

alunos experiências não apenas com a reprodução de jogos, mas também com construção e

transformação dos mesmos, por exemplo, através da modificação de regras. Faz-se necessário

188

ter compreensão sobre a especificidade da nossa área para que os jogos e também as

brincadeiras populares não sejam utilizadas apenas como estratégias de ensino de outros

conteúdos da Educação Física e, até mesmo, de outras disciplinas.

Com base na pesquisa a ginástica como conteúdo da Educação Física pode estar nas

aulas por duas maneiras: através de uma perspectiva histórica, na qual podem ser abordados

os movimentos ginásticos europeus (escola alemã, sueca, francesa, dentre outros); outra

possibilidade é partir dos tipos de ginástica existentes hoje, como a ginástica de academia

(step, hidroginástica, sistema body systems...), competitiva (artística, rítmica, acrobáticas...),

demonstrativa (ginástica geral), alternativas (RPG, bioenergéticas, etc.), natural e laboral. A

partir destes dois caminhos, é possível discutir sobre temas como a mídia, consumo, saúde e

outros, além das atitudes como preconceitos, questões de gênero, respeito aos limites do

corpo, etc.

Penso também que para a proposição dos conteúdos da dança pode-se seguir a lógica

de começar pelas danças tradicionais da cultura local, ou seja, de sua cidade, estado e região

do país, para assim conhecer as danças das demais regiões, do Brasil e do mundo. Do mesmo

modo, conhecer as danças tradicionais cuiabanas no 1º e 2º ciclo como sugerem os

professores pesquisados, incluindo outros conhecimentos da cultura regional brasileira, é um

indício de uma sistematização destes conteúdos nas aulas de Educação Física escolar.

A capoeira e as lutas são conteúdos que precisam ser considerados nas aulas de

Educação Física, já que poucos professores (ou nenhum professor, como aconteceu com as

lutas) se propuseram oferecê-los a seus alunos, assim como os esportes individuais.

Estas são apenas algumas considerações para inclusão de conteúdos que precisam ser

inseridos nas aulas de Educação Física, necessitando de maiores discussões para a sua

inclusão no currículo da disciplina.

Sobre a sistematização de conteúdos, os dados demonstraram ainda que os professores

de Educação Física planejam conteúdos diferentes para 1º e 2º ciclo, enfatizando os conteúdos

das abordagens psicomotora, desenvolvimentista e construtivista para o 1º ciclo. O esporte é

outro conteúdo que se diferencia, visto que os professores optam por apresentá-lo aos alunos,

a partir do 2º ciclo.

Percebe-se que os professores de Educação Física sabem da necessidade de oferecer

conteúdos organizados e sistematizados para cada nível de ensino, porém práticas repetitivas,

pouca diversificação dos conteúdos e práticas pedagógicas descontextualizadas também se

fazem presentes nos trabalhos dos professores pesquisados.

189

Alguns problemas também são observáveis como a ideia de ―Educação Física como

auxiliar das demais disciplinas‖, no qual os professores se baseiam em conteúdos oferecidos

pelo professor pedagogo para selecionar e oferecer atividades nas aulas de Educação Física, o

que remete à perda de especificidade da área.

Pode-se perceber também que, individualmente, cada professor precisa complementar

seu trabalho, oferecendo outros conteúdos não trabalhados ou outras dimensões dos conteúdos

que já oferece aos seus alunos. De modo geral, ao atrelar todos os conteúdos trabalhados

pelos professores pesquisados, temos como resultado um trabalho sistematizado para os anos

iniciais do ensino fundamental, com conteúdos específicos para cada ciclo e diversificados.

É preciso também destacar o trabalho de alguns professores de Educação Física

pesquisados, que desenvolvem um trabalho organizado, planejado e com conteúdos

diversificados e encadeados com temáticas de urgência social, como é o caso dos professores

ROS (E1), ROB (E4), JOS (E4) e AND (E6).

Ao se dar voz aos alunos dos professores pesquisados, conclui-se que eles refletem em

seus depoimentos exatamente aquilo que seus professores preconizam durante as aulas. Os

alunos aprendem aquilo que lhes é proposto e têm consciência quando também não aprendem

nada. Os discursos denunciam que as crianças querem aprender conteúdos novos e diferentes,

diversificados e que a rotina e a prática repetitiva de seus professores são atitudes reprováveis

pelos mesmos.

Então, os discursos de senso comum por parte dos professores que justificam sua

prática descontextualizada, como aqueles referentes à falta de materiais, falta de espaços

adequados ou falta de interesse dos alunos, não encontram respaldo nos gestores e alunos de

suas escolas. Os dados demonstraram que esta realidade construída pelo professor de

Educação Física é culpa de sua própria atuação profissional, seja por comodismo ou formação

inicial insuficiente. A falta de interesse é do professor e não dos alunos ou da escola, pois a

prática dos próprios colegas da área demonstra diversas possibilidades de atuação e ensino

dos conteúdos específicos.

A sistematização de conteúdos apresentada nesta pesquisa expõe trabalhos

organizados e diversificados já consolidados na escola, mas também descortina realidades que

precisam ser modificadas. E, quando se une todas essas práticas num só trabalho, verifica-se a

complementaridade que os conteúdos propostos por determinado professor pode contribuir

para a prática dos demais, completando-os, melhorando-os, trazendo uma identidade para a

Educação Física na escola.

190

A pesquisa deixa o campo na ―esperança‖ de que cada professor, assim que tomar

contato com seus resultados, possa lê-la e identificar (e se identificar) as necessidades de

inserir determinados conteúdos em suas aulas que nunca antes imaginados, sabendo que um

colega já trabalha com este conteúdo e, o mais importante, que dá certo! E, quem sabe, com a

perspectiva de ter contribuído, o mínimo que seja, para a transformação e legitimação da

Educação Física escolar.

Assim, a contribuição desta pesquisa é a configuração da sistematização de conteúdos

explicitada pelos professores pesquisados, sendo identificadas as contribuições dos gestores e

dos alunos como expectadores da prática do professor, mostrando caminhos e olhares

diferentes e complementares que só tendem a ajudar a efetivação e melhoria das aulas de

Educação Física.

191

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196

APÊNDICE A

Entrevista semiestruturada com os gestores das escolas

1- Nome e função na escola

2- Quais as orientações da gestão para os conteúdos da Educação Física em sua escola?

3- E para a organização destes conteúdos?

Entrevista semiestruturada com os professores de Educação Física

1- Nome, idade e formação profissional.

2- Em qual nível de ensino você atua nesta escola?

3- Quais os espaços que você dispõe para a realização da Educação Física em sua escola?

4- Qual sua concepção de conteúdo em Educação Física?

5- Quais conteúdos fazem parte das suas aulas de Educação Física?

6- Como você distribui estes conteúdos ao longo das séries e do ano letivo?

Entrevista semiestruturada com os alunos

1- Nome, idade, série e escola em que estuda.

2- Você gosta das aulas de Educação Física? Por quê?

3- O que você aprende nas aulas de Educação Física?

4- O que você aprendeu na aula de hoje?

5- O que você mais faz nas aulas de Educação Física?

6- Tem alguma coisa que você gostaria de aprender nas aulas de Educação Física e que

ainda não teve oportunidade? Por quê?

7- Como é a sua relação com o professor?

8- Você participa, dando sugestões ao professor, sobre o que deve ser desenvolvido?

9- Você brinca na aula de Educação Física? De quê?

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