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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 24ª REGIÃO ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA A convenção 132 da OIT Flávio da Costa Higa Idéias Legais - Ano 1 - nº 1 Campo Grande - MS 2005 Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região

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PODER JUDICIÁRIOJUSTIÇA DO TRABALHO

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 24ª REGIÃO

ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA

A convenção 132 da OITFlávio da Costa Higa

Idéias Legais - Ano 1 - nº 1 Campo Grande - MS

2005Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região

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Presidente - Juiz Nicanor de Araújo Lima

Conselho Executivo da Escola Superior da Magistratura Juiz Amaury Rodrigues Pinto Júnior - DiretorJuiz Marco Antonio de Freitas - Vice-DiretorJuiz Marcio Vasques Thibau de Almeida - Membro Representante dos Juízes de 2ª instânciaJuiz João Marcelo Balsanelli - Membro Representante dos Juízes Titulares de Vara do TrabalhoJuiz Christian Gonçalves Mendonça Estadulho - Membro Representante dos Juí-zes Substitutos - Juiz Luiz Divino Ferreira - Suplente

ApoioSecretaria da Escola Judicial (diagramação)Serviço de Informática (capa e impressão)

Endereço: Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região R. Jornalista Belizário de Lima, 418 Campo Grande-MS - CEP 79.004-270 Fone: (67) 316-1750 Fax: (67) 316-1751

Brasil. Tribunal Regional do Trabalho. Região, 24ª. Escola Superior da Magistratura. Idéias Legais. Campo Grande-MS: Escola Superior da Magistratura da 24ª Região, 2005 -

Bimestral

n. 1, 2005

1. Direito do trabalho - Periódico. I Mato Grosso do Sul. Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região.

CDDir 341.605

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ............................................................................................... 05

HINO DE MATO GROSSO DO SUL ................................................................ 07

COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO ................... 09

JUÍZES TITULARES DAS VARAS DO TRABALHO .................................. 11/12

JUÍZES SUBSTITUTOS .................................................................................... 13

ARTIGO

A Convenção 132 da OIT .......................................................................................... 17Flávio da Costa Higa

ACÓRDÃOS .....................................................................................................31,35

SENTENÇA......................................................................................................... 47

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APRESENTAÇÃO

Honra-nos oferecer à comunidade jurídica trabalhista, em especial à sul-mato-grossense, o mais recente projeto da Escola Superior da Magistratura do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região, intitulado Idéias Legais, cujo objetivo é fomentar e motivar o desenvolvimento da criação intelectual dos juízes, gerando discussões acerca de temas atuais e palpitantes.

O momento é muito propício, já que as novas alterações provenientes da reforma do Poder Judiciário suscitam e suscitarão incontáveis e aguçados questionamentos, estudos e debates.

Nessa edição, trazemos, em destaque, brilhante trabalho do jovem e estudioso Juiz Flávio da Costa Higa que, como lhe é peculiar, analisa o tema com profundidade e lucidez, imprimindo estilo elegante no manejo de seu castiço linguajar.

Além disso, a edição traz dois acórdãos do Juiz Marcio Vasques Thibau de Almeida e uma sentença do Juiz Flávio da Costa Higa.

Cumprimos, desta feita, não apenas nossa missão regimental de edição e publicação de estudos jurídicos, mas nosso mais nobre anseio de oportunizar, aos que servem à justiça e aos que dela se servem, o aprimoramento no domínio das ciências jurídicas, a fim de melhor contribuírem para a prestação jurisdicional e consolidarem o prestígio do Poder Judiciário Trabalhista.

JUIz AMAURY RODRIGUES PINTO JÚNIORDiretor da Escola Superior da Magistratura

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HINO DE MATO GROSSO DO SUL

Música: Radamés Gnattali Letra: Jorge Antonio Siufi e Otávio Gonçalves Gomes

Os celeiros de farturas, Sob um céu de puro azul,

Reforjaram em Mato Grosso do Sul Uma gente audaz.

Tuas matas e teus campos, O esplendor do Pantanal,

E teus rios são tão ricos Que não há igual.

A pujança e a grandeza de fertilidades mil

São o orgulho e a certeza Do futuro do Brasil.

Moldurados pelas serras, Campos grandes: Vacaria,

Rememoram desbravadores, Heróis, tanta galhardia!

Vespasiano, Camisão E o tenente Antônio João, Guaicurus, Ricardo Franco,

Glória e tradição!

A pujança e a grandeza De fertilidades mil

São o orgulho e a certeza Do futuro do Brasil.

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COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 24ª REGIÃO

Presidente

JUIz NICANOR DE ARAÚJO LIMA

Vice-Presidente

JUIz AMAURY RODRIGUES PINTO JÚNIOR

Juízes do Tribunal

JUIz ABDALLA JALLADJUIz MÁRCIO EURICO VITRAL AMARO

JUIz ANDRé LUíS MORAES DE OLIVEIRAJUIz JOÃO DE DEUS GOMES DE SOUzA

JUIz RICARDO GERALDO MONTEIRO zANDONAJUIz MARCIO VASQUES THIBAU DE ALMEIDA

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JUÍZES TITULARES DAS VARAS DO TRABALHO

(por ordem de antigüidade)

JUIz FRANCISCO DAS CHAGAS LIMA FILHO2ª Vara do Trabalho de Dourados

JUIz OSCAR zANDAVALLI JÚNIOR5ª Vara do Trabalho de Campo Grande

JUIz TOMÁS BAwDEN DE CASTRO SILVAVara do Trabalho de Três Lagoas

JUIz RODNEI DORETO RODRIGUES1ª Vara do Trabalho de Campo Grande

JUIz ORLANDI GUEDES DE OLIVEIRA4ª Vara do Trabalho de Campo Grande

JUIz ADEMAR DE SOUzA FREITAS3ª Vara do Trabalho de Campo Grande

JUIz JÚLIO CéSAR BEBBER2ª Vara do Trabalho de Campo Grande

JUízA DALMA DIAMANTE GOUVEIAVara do Trabalho de Aquidauana

JUIz JOÃO MARCELO BALSANELLIVara do Trabalho de Jardim

JUIz wELLINGTON SEBASTIÃO GONÇALVESVara do Trabalho de Nova Andradina

JUIz RIVAN DUARTEVara do Trabalho de Coxim

JUIz APARECIDO TRAVAIN FERREIRAVara do Trabalho de Corumbá

JUIz NOEDI FRANCISCO AROSIVara do Trabalho de Mundo Novo

JUízA MARINA BRUN BUCkERVara do Trabalho de Paranaíba

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JUIz RENATO LUIz MIYASATO DE FARIA1ª Vara do Trabalho de Dourados

JUízA IVETE BUENO FERRAz DE MOURAVara do Trabalho de Ponta Porã

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JUÍZES SUBSTITUTOS(por ordem de antigüidade)

JUízA FÁTIMA REGINA DE SABOYA SALGADOJUIz MARCO ANTôNIO MIRANDA MENDES

JUízA IzABELLA DE CASTRO RAMOSJUIz MARCO ANTONIO DE FREITAS

JUIz ALEx FABIANO DE SOUzAJUízA kELLY CRISTINA MONTEIRO DIAS ESTADULHO

JUIz FLÁVIO DA COSTA HIGAJUIz MARCELINO GONÇALVES

JUIz CHRISTIAN GONÇALVES MENDONÇA ESTADULHOJUIz LUIz DIVINO FERREIRA

JUízA ANNA PAULA DA SILVA SANTOSJUízA NEIVA MÁRCIA CHAGAS

JUIz LEONARDO ELYJUIz MARCELO BARUFFI

JUIz ANTôNIO ARRAES BRANCO AVELINOJUIz CARLOS ROBERTO CUNHA

JUízA BEATRIz MAkI SHINzATO CAPUCHOJUIz MÁRCIO ALExANDRE DA SILVA

JUIz EzEQUIEL ANDERSONJUIz DENILSON LIMA DE SOUzA

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ARTIGO

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CONVENÇÃO 132 DA OIT – INCOMPATIBILIDADE COM OS ENUNCIADOS

171 E 261 DO TST

VIGÊNCIA – EFICÁCIA – CRITÉRIOS PARA APLICAÇÃO

A Convenção 132 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), desde quando regularmente incorporada ao direito interno, por meio do Decreto no 3.197, de 05 de outubro de 1999, situa-se, no ordenamento jurídico pátrio, a exemplo dos demais tratados e convenções internacionais, no mesmo patamar de validade, eficácia e autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, em face da adoção, pelo Brasil, da teoria dualista1.

Tal ilação permite lobrigar a existência de uma relação de paridade normativa entre as leis ordinárias e os tratados internacionais, os quais, por corolário lógico, também subordinam-se ao primado da Constituição Federal, de tal sorte que encontram-se hierarquicamente vinculados às matizes da Norma Ápice, não produzindo quaisquer efeitos os diplomais internacionais que, formal ou materialmente, afrontarem a Carta Magna2.

Cumpre trazer à baila, entretanto, abalizado posicionamento divergente de Arnaldo Süssekind e Glauce de Oliveira Barros, ao defenderem que os tratados e convenções internacionais que dispõem sobre direitos e garantias fundamentais têm força constitucional3, situando-se num nível hierarquicamente superior às leis ordinárias4.

1 A incorporação dos tratados internacionais à ordem jurídica interna decorrem, portanto, “de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe, enquanto chefe de Estado que é, da competência para promulgá-los perante decreto (STF-ADIMC-1480, TP, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 18-5-2001, p. 429).2 No sistema jurídico brasileiro, os tratados ou convenções internacionais estão hierarquicamente subordinados à autoridade normativa da Constituição da República. Em conseqüência, nenhum valor jurídico terão os tratados internacionais, que, incorporados ao sistema de direito positivo interno, transgredirem, formal ou materialmente, o texto da Carta Política (STF-ADIMC-1480, TP, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 18-5-2001, p. 429).3 BARROS, Glauce de Oliveira, Alterações no capítulo IV da CLT – convenção no 132 – OIT. Suplemento Trabalhista. LTr. São Paulo, na. 36, v. 177, p. 954. 4 SÜSSEkIND, Arnaldo, Alterações na legislação de férias. Consulex. Brasília. no 800, p. 9.

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Malgrado não comungue de tal raciocínio, pelo motivo alhures mencionado, valioso ressaltar que o tempo poder-lhes-á dar, em breve5, maior razão, haja vista que na Emenda Constitucional no 45, de 31.12.04, que trata da “Reforma do Judiciário”, consta dispositivo que equipara tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos às emendas constitucionais (CF, art. 5o, § 3o)6, sendo inexorável a conclusão de que a Convenção sobre as férias, especificamente, possui essa jaez, porque tal garantia foi reconhecida na “Declaração Universal dos Direitos do Homem” (art. 24)7.

Tratando-se, pois, a referida Convenção, de norma hierarquicamente idêntica à CLT, segundo a linha desenvolvida neste modesto estudo, torna-se imperioso dirimir, de proêmio, qual dos textos legais passa a reger os contratos individuais de trabalho.

Raciocínio perfunctório remete-nos imediatamente ao “princípio da norma mais favorável”, ou seja, à precipitada conclusão de que o método clássico para aquilatar qual a lei aplicável seria simplesmente compará-las, em abstrato, submergindo a que maiores benefícios contiver aos trabalhadores.

Impende salientar, sob tal prisma, que aludido contraste de normas pode ser levado a cabo, grosso modo, sob a égide de duas vertentes, quais sejam a “teoria do conglobamento” e a “teoria da acumulação”. Pela primeira, analisar-se-iam os textos legais em seu todo, emitindo-se o juízo axiológico acerca da norma mais benéfica considerando-as em seu conjunto. Ao revés, a “teoria da acumulação” sugere critério diametralmente oposto, segundo o qual as normas devem ser analisadas topicamente, cabendo ao intérprete secionar os textos legislativos, isolando-os do contexto normativo, e encontrando os “melhores” dispositivos em cada um dos artigos, parágrafos ou incisos sob análise.

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência criticam veementemente esse último método de aferição, sustentando que quando se extrai de cada lei

5 Digo em breve, e não, desde logo, pois para que tal razão se concretize, duas condições devem ser implementadas: a primeira, é que se pacifique o entendimento, ainda vacilante, de que as convenções internacionais sobre direitos trabalhistas são, de fato, convenções sobre direitos humanos; a segunda, é que tais convenções cumpram o requisito formal do art. 5o, § 3o da CF, com redação dada pela EC 45, de 31.12.04, qual seja a aprovação em dois turnos, em cada casa do Congresso Nacional, por três quintos dos votos dos respectivos membros. 6 CF, art. 5o, § 3o. Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.7 art. 24. Toda pessoa tem direito ao descanso e à recreação, especialmente a uma limitação racional de horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.

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apenas os pontos mais benéficos, aglutinando-os, cria-se, em verdade, uma terceira norma, o que, a toda evidência, ofende o art. 5o da LICC8, maculando o princípio de que “lex non est textus, sed contextus”.

Ora, partindo da premissa hermenêutica de que na aplicação da lei, cabe ao juiz atender às exigências do bem comum e aos fins sociais a que ela se dirige, resta indene de dúvidas que a utilização de uma terceira norma, obtida a partir da soma dos melhores aspectos de duas anteriores, não atende à vontade do primeira lei e tampouco da segunda, porquanto não se pode olvidar que na construção normativa foram imaginadas leis aplicáveis em sua totalidade, objetivando equilíbrio harmônico entre pontos mais e menos favoráveis, os quais, quiçá, só existem, uns em função dos outros, em relação de verdadeira “simbiose normativa”.

Diante disso, exsurge uma terceira via exegética, que é a doutrina do “conglobamento por instituto ou orgânico”9, a qual submete normas à comparação também topicamente, porém, por blocos afins, em relação a cada matéria. Sobreleva que o legislador já adotou expressamente tal critério, ao estabelecer no art. 3o, II da Lei 7.064, de 6 de dezembro de 198210 (que dispõe sobre trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior), a aplicação da legislação brasileira, quando mais favorável do que a legislação alienígena, “no conjunto das normas e em relação a cada matéria”.

Ocorre, entretanto, que o princípio da “norma mais favorável ao trabalhador”, à luz de quaisquer dos mecanismos interpretativos apresentados, parece, “a priori”, inaplicável ao caso em testilha.

Isso porque tal princípio tem como antecedente lógico necessário à sua utilização, a vigência simultânea de duas ou mais normas, ou seja, só é possível conceber a escolha de uma legislação mais benéfica, tendo como pressuposto

8 LICC, art. 5o . Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.9 SÜSSEkIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. 3a edição. São Paulo: LTr, 2000, p. 59.10 Lei 7.064/82, art. 3o. A empresa responsável pelo contrato de trabalho do empregado transferido assegurar-lhe-á, independentemente da observância da legislação do local de execução dos serviços:I – omissis.II – a aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho, naquilo que não for incompatível com o disposto nesta lei, quando mais favorável do que a legislação territorial, no conjunto de normas e em relação a cada matéria.

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a pluralidade de normas jurídicas válidas e vigentes.

Nesse espeque, tendo em vista a regra do art. 2o, § 1o da LICC11, que consagra o princípio do “lex posterior derogat anteriori”, não há como sustentar a coexistência de dois diplomas normativos, na medida que o critério cronológico conspira em desfavor da lei antiga12 (CLT).

Seria plausível objetar, com argumentos sedutores, que o caso “sub oculis” não se amolda a nenhuma das hipóteses de revogação prevista na norma legal supramencionada, ou, ainda, que a parêmia aplicável seria o “lex posterior generalis non derogat legi priori speciali”, ou seja, a Convenção 132 da OIT traria normas de caráter geral, que não teriam o condão de revogar o texto celetista, em face do disposto no art. 2o, § 2o da LICC 13.

Não obstante ambas as teses sejam deveras substanciais, parte-se, sem pretensão de exaurir a discussão, do raciocínio pela incompatibilidade dos textos legais em confronto, operando-se, em face das regras atinentes à sucessão das normas no tempo, a revogação da CLT pela Convenção 132 da OIT, em tudo aquilo que os diplomas não se compatibilizarem.14

Entretanto, como bem adverte Bebber15, não há como olvidar do disposto no art. 19, alínea 8a da Constituição da OIT (Organização Internacional do Trabalho), ao reger que “Em nenhum caso se poderá admitir que a adoção de uma convenção ou de uma recomendação pela Conferência, ou a ratificação de uma convenção por qualquer membro torne sem efeito qualquer lei, sentença, costume ou acordo que garanta aos trabalhadores condições mais favoráveis que as que figuram na convenção ou na recomendação.”

Ora, considerando que toda principologia que inspira a edição de tratados internacionais, bem como sua ratificação pelo ordenamento interno, é no sentido de empreender o avanço das relações entre capital e trabalho, dando

11 LICC, art. 2o, § 1o. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.12 No mesmo sentido, VALéRIO, João Norberto Vargas., Férias anuais remuneradas e a Convenção 132 da OIT. Revista LTr. São Paulo. ano 65, volume 9, p. 1051.13 LICC, art. 2o, § 2o. A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.14 No mesmo sentido, COUTINHO, Aldacy Rachid, As férias depois da Convenção 132 da OIT, www. internet-lex.com.br/upload/doutrinas/férias.15 BEBBER, Júlio César, Revista Gênesis, 2002.

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azo ao desiderato do legislador constituinte, de fomentar os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (CF, art. 1o, IV)16 agregando valores que visem a melhoria da condição social dos trabalhadores (CF, art. 7o, “caput”)17, nenhum efeito deve ser dado às disposições “in pejus” da referida Convenção.

Dessarte, a recepção da Convenção 132 da OIT pelo ordenamento pátrio é apenas parcial, na medida que ab-roga ou derroga a CLT tão-somente naquilo que for mais benéfica aos trabalhadores, não se tratando, assim, de aplicação pura do princípio da norma mais favorável (embora, o resultado prático seja idêntico ao da “teoria da acumulação”), mas, sim, de adequação da norma internacional ao seu fim teleológico, ou seja, de concluir pela incompatibilidade apenas naquilo que o ordenamento pátrio já contiver maiores benefícios.

FÉRIAS PROPORCIONAIS – CLT – CONVENÇÃO 132 DA OIT- REVISÃO DOS ENUNCIADOS DO TST

O Colendo Tribunal Superior do Trabalho possuía, há bastante tempo, jurisprudência consolidada acerca do direito às férias proporcionais na extinção do contrato de trabalho, a qual se consubstanciava nos Enunciados 17118 e 26119, sendo que o primeiro assegurava o direito às férias proporcionais em caso de extinção do contrato de trabalho com mais de um ano, salvo na hipótese de dispensa por justa causa, ao passo que o segundo retirava o direito às férias proporcionais do empregado que, “espontaneamente”, “pedia demissão”, antes de completar doze meses de serviço.

A “ratio juris” de tais verbetes era irretocável, porquanto expressavam a melhor exegese dos arts. 146, parágrafo único20 e 14721 da CLT.

16 CF, art. 1o. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;17 CF, art. 7o São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, alem de outros que visem à melhoria de sua condição social:18 Férias proporcionais. Salvo na hipótese de dispensa do empregado por justa causa, a extinção do contrato de trabalho, com mais de um ano, sujeita o empregador ao pagamento da remuneração das férias proporcionais, ainda que incompleto o período aquisitivo de doze meses.19 Férias proporcionais. Pedido de demissão. O empregado que, espontaneamente, pede demissão, antes de completar doze meses de serviço, não tem direito a férias proporcionais.

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Todavia, por ocasião da Resolução TST 121/03, DJ 19.11.03, que promoveu a revisão dos Enunciados, aludidas Súmulas de Jurisprudência ganharam nova redação, cujo teor foi o seguinte:

171. Férias proporcionais. Salvo na hipótese de dispensa do empregado por justa causa, a extinção do contrato de trabalho sujeita o empregador ao pagamento de da remuneração de férias proporcionais, ainda que incompleto o período aquisitivo de 12 (doze) meses.

261. Férias proporcionais. Pedido de demissão. O empregado que se demite antes de completar 12 (doze) meses de serviço tem direito a férias proporcionais.

Antes de adentrar aos comentários dos indigitados Enunciados, salienta-se, “ab initio”, que não há, pelo menos disponível ao público, a exposição dos motivos que levaram a mais alta Corte Jurisdicional Laborista a efetuar tais modificações, o que nos obriga a redobrar a cautela nas análises.

Contudo, há que se dizer que não houve, com exceção da Convenção 132 da OIT, qualquer alteração legislativa que pudesse ensejar a mudança no texto do Enunciados “sub oculis”. Por outro bordo, também não se vislumbra razões jurídicas para uma releitura da CLT, que implicasse na confecção de Súmulas de diferente teor, dado o acerto das redações anteriores, que praticamente escreviam o texto consolidado com outras palavras.

De se supor, portanto, à míngua de dados em contrário, que a reformulação tenha se dado por força da referida Convenção, em que pese constar da documentação de taquigrafia do C. TST referência a ela apenas no Enunciado 261, enquanto que o Enunciado 171, que fazia remissão aos arts. 142, § único c/c 132 da CLT, foi republicado por erro na referência legislativa, passando a ter como fundamento o art. 147 da CLT.

Pois bem, a leitura dos novos verbetes conduz a inexorável conclusão

20 CLT, art. 146, parágrafo único. Na cessação do contrato de trabalho, após 12 (doze) meses de serviço, o empregado, desde que não haja sido demitido por justa causa, terá direito à remuneração relativa ao período incompleto de férias, de acordo com o art. 130, na proporção de 1/12 (um doze avos) por mês de serviço ou fração superior a 14 (quatorze) dias.21 CLT, art. 147. O empregado que for despedido sem justa causa, ou cujo contrato de trabalho se extinguir em prazo predeterminado, antes de completar 12 (doze) meses de serviço, terá direito à remuneração relativa ao período incompleto de férias, de conformidade com o disposto no artigo anterior.

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de que o Enunciado 261 tornou-se absolutamente inócuo, sendo a razão de sua obsolescência a novel redação do Enunciado 171. Ora, se a cessação do contrato de trabalho antes de completo o período aquisitivo de 12 (doze) meses dá direito às férias proporcionais, tendo como única exceção a hipótese de dispensa por justa causa (En. 171), é evidente que também tem direito as férias proporcionais quem se demite antes de completar os 12 (doze) meses, sendo manifesta a inutilidade de outro Enunciado para assim dize-lo.

Poder-se-ia argumentar, “contrario sensu”, que a idéia de manutenção dos dois Enunciados, mesmo quando o primeiro já abarcaria o conteúdo do segundo, foi o rigorismo na acepção técnica dos vocábulos empregados, pois no Enunciado 171 adotou-se a expressão “dispensa”, que eqüivale à ruptura contratual por iniciativa do empregador, e no Enunciado 261 utilizou-se a palavra “demissão”, que tem a conotação de ato praticado pelo empregado.

Porém, vale trazer a lume, “data maxima venia”, que o rigorismo técnico não tem sido característico na cunha de Enunciados, bastando para tanto verificar o próprio título do Enunciado 261 do TST, que contém a expressão “pedido de demissão”, de flagrante impropriedade técnica (embora também utilizado pelo legislador – CLT, arts. 477, § 1o e 500). Ora, o empregado que se demite exerce direito potestativo, ou seja, o ato de demissão é receptício, mas unilateral, não estando sujeito à aquiescência do empregador, até porque a relação entre as partes é de natureza contratual (CLT, art. 442), pressupondo ajuste de vontades. Nessa esteira de entendimento, o empregado que se demite não está “pedindo” nada, apenas comunicando sua intenção de distratar.

Ademais, o vetusto Enunciado 261 do TST falava em pedir demissão “espontaneamente”, como se fosse possível conceber no mundo jurídico um pedido de demissão válido “não espontaneamente”. Ressalva-se, por prolepse, que quisesse o Enunciado, com o termo “espontaneamente”, fazer a distinção entre o “pedido de demissão” e a “rescisão indireta”, poderia lançar mão das expressões “demissão sem justa causa” e “demissão com justa causa”, as quais, porém, também são sempre espontâneas, o que torna a palavra, sob qualquer ângulo, atécnica e ociosa.

Assim sendo, todo conteúdo interpretativo que se pretendia emprestar ao novo entendimento jurisprudencial encontra-se estampado no Enunciado 171, sendo prescindível a existência do Enunciado 261.

Por derradeiro, forçoso inferir que tais Enunciados não se coadunam com o disposto na Convenção 132 da OIT, haja vista que a grande novidade

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trazida por tal diploma no tocante à proporcionalidade de férias foi o comando do artigo 11, que assim estabeleceu:

Artigo 11. Toda pessoa empregada que tenha completado o período mínimo de serviço que pode ser exigido de acordo com o § 1o do artigo 5o da presente Convenção deverá ter direito em caso de cessação da relação empregatícia, ou a um período de férias remuneradas proporcional à duração do período de serviço pelo qual ela não gozou ainda tais férias, ou a uma indenização compensatória, ou a um crédito de férias equivalente.

Conforme se dessume da leitura do artigo em foco, o direito à remuneração proporcional de férias não gozadas não mais se vincula à causa do rompimento do liame empregatício, haja vista que garantido a “toda pessoa”, não nos cabendo excepcionar.

Daí porque torna-se inexplicável o Enunciado 171 ao extirpar das hipóteses de direito às férias proporcionais o empregado dispensado por justa causa, quando a lei não autoriza tal exclusão. Curioso notar que o Enunciado 261 tratou de garantir férias proporcionais àqueles que se demitem antes de um ano, aparentemente o fazendo com base na Convenção 132 da OIT, conforme iterativa jurisprudência daquela Conspícua Corte22, mas, paradoxalmente, sonegou tal direito aos dispensados por justa causa, quando, em verdade, os mesmos motivos respaldariam a concessão de férias proporcionais em ambos os casos, e “ubi eadem ratio, ibi eadem jus.”

Entretanto, esse não é o único ponto em que os Enunciados destoam do texto da Convenção 132 da OIT. é que embora o direito às férias proporcionais não mais esteja adstrito à causa de cessação do contrato de trabalho, atrela-se doravante ao cumprimento do período mínimo de serviço que pode ser exigido pela autoridade competente de cada país signatário da Convenção, nos termos do artigo 5, itens 1 e 2, que assim determinam:

Artigo 5

22 Defere-se cláusula que assegura férias proporcionais ao empregado que se demite com menos de um ano de tempo de serviço, pois se trata de direito introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Convenção n. 132 da Organização Internacional do Trabalho, vigente no Brasil desde setembro de 1999 (RODC 747917/01). João Oreste Dalazen – TST.

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1. Um período mínimo de serviço poderá ser exigido para a obtenção de direito a um período de férias remuneradas anuais.

2. Cabe à autoridade competente e ao órgão apropriado do país interessado fixar a duração mínima de tal período de serviço, que não deverá em caso algum ultrapassar 6 (seis) meses.

Considerável parte da doutrina e da jurisprudência, impressionadas com a dicção dos artigos 5 e 11 da Convenção 132 da OIT, passou a entender que o período para aquisição do direito às férias passou de 12 (doze) para 6 (seis) meses. Nesse sentido, Luiz Eduardo Gunther23 e Cristina Maria Navarro zornig24, Edilton Meireles25, Cláudia Sales Vilela Viana e José Affonso Dallegrave Neto26 e Glauce de Oliveira Barros27, para os quais a nova regra convencional garante a todos os empregados o direito às férias proporcionais, após seis meses de serviço prestado, independente da causa de cessação do contrato.

Ouso divergir, contudo, do abalizado posicionamento acima esposado. Ocorre que tanto o artigo 11 quanto o artigo 5.1 da Convenção 132 da OIT reforçam que o período mínimo de serviço “poderá” ser exigido para aquisição do direito à remuneração proporcional de férias, encerrando, sem sombra de dúvidas, uma faculdade a ser ou não exercida pela autoridade competente e o órgão apropriado do país interessado.

Não bastasse isso, o prazo de seis meses representa apenas o período

23 “FéRIAS PROPORCIONAIS. CONVENÇÃO 132 DA OIT...Quanto às férias proporcionais, não obstante o período contratual reconhecido ser inferior a doze meses, com o devido respeito ao entendimento esposado em primeiro grau (item 2.3 de fl. 66), à época do despedimento já estava internalizada a Convenção 132 da OIT, o que ocorreu em 06.10.99, com a publicação no DOU do Decreto no 3.197, estando, portanto, assegurada a proporcionalidade das férias desde que o empregado tenha prestado serviços pelo prazo mínimo de seis meses. Acolho a insurgência e acresço à condenação férias proporcionais, atendido o regramento do artigo 11 da Convenção 132-OIT, fixando, para efeito e indenização compensatória, o período de quinze dias” (TRT-PR-RO-6136/2001, AC.00187/2002 – Relator Juiz LUIz EDUARDO GUNTHER – DJPR. TRT 25.01.02).24 GUNTHER, Luiz Eduardo; zORNIG, Cristina Maria Navarro, As férias proporcionais e a Convenção 132 da OIT.25 MEIRELES, Edilton, Férias e Convenção no 132 da OIT.26 DALLEGRAVE NETO, José Affonso e VIANNA, Cláudia Sales Vilela. Rescisão do Contrato de Trabalho: doutrina e prática. São Paulo: LTr, 2001.27 BARROS, Glauce de Oliveira, Alterações no capítulo IV da CLT – convenção no 132 – OIT. Suplemento Trabalhista. LTr. São Paulo, na. 36, v. 177, p. 956.

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máximo, que não poderá ser ultrapassado em caso algum.

Assim sendo, não há razão de ordem lógica ou jurídica que sustente o posicionamento segundo o qual o período de seis meses funcionaria como uma espécie de regulamentação provisória, até que cada ordenamento jurídico venha a delimitar um período mínimo, até porque, os signatários da Convenção podem simplesmente não fixar tal período, desejando conceder férias proporcionais a todo e qualquer empregado, desvinculado da causa de rompimento do pacto laboral e do interstício de prestação de serviços.

Em tais casos, seria desarrazoado que a vontade do legislador não fosse concretizada pela simples omissão no exercício do direito de estabelecer um prazo mínimo, mas dependesse de ato comissivo, consistente na edição de lei apenas para dizer que nenhum período mínimo seria exigido.

Finalmente, imperioso lembrar que já consta em discreta vigência no ordenamento pátrio, a exigência de um período mínimo para a percepção de férias proporcionais, que são pagas à razão duodecimal, de 1/12 (um doze avos) por mês de serviço ou fração superior a 14 (quatorze) dias (CLT, art. 146, parágrafo único).

Portanto, há em nossa legislação a exigência de um período mínimo para o recebimento de férias proporcionais, que é a fração superior a 14 dias trabalhados. Verifica-se, pois, outro equívoco nos Enunciados do TST, eis que o empregado que, “v.g.”, “pede demissão” até o 14o dia trabalhado, sem cumprir aviso prévio, ou vem a falecer em tal período, não faz jus à proporção de férias.

CONCLUSÕES

1 – A Convenção 132 da OIT foi parcialmente recepcionada pelo ordenamento pátrio, ab-rogando ou derrogando a CLT tão-somente naquilo que for mais benéfico aos trabalhadores, por força de adequação da norma internacional ao seu fim teleológico;

2 – A Convenção 132 da OIT não estabelece qualquer prazo para aquisição do direito à remuneração proporcional de férias não gozadas, apenas autoriza cada país signatário a fixar um período mínimo de serviço, o qual não poderá ultrapassar seis meses;

3 – O ordenamento jurídico nacional contém a exigência de um período

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mínimo de trabalho para a percepção de férias proporcionais, consubstanciado no art. 146, parágrafo único da CLT, qual seja a fração superior a 14(quatorze) dias trabalhados;

4 – Os Enunciados 171 e 261 do TST são incompatíveis com as disposições dos arts. 146, parágrafo único e 147 da CLT, assim como não guarda perfeita correspondência com o comando materializado nos arts. 5.1, 5.2 e 11 da Convenção 132 da OIT;

5 – Os Enunciados do TST sobre férias proporcionais poderiam ser resumidos em um só, o qual, para se adequar aos termos da legislação vigente, poderia ter a seguinte redação:

“FéRIAS PROPORCIONAIS - A extinção do contrato de trabalho, qualquer que seja a causa, sujeita o empregador ao pagamento da remuneração proporcional de férias não gozadas, desde que cumprido o período mínimo de serviço exigido, correspondente à fração superior a 14 (quatorze) dias (CLT, art. 146, parágrafo único e art. 147 c/c Decreto 3.197/99, arts. 5.1, 5.2 e 11)”.

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ACÓRDÃOS

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PROCESSO Nº 0689/2004-005-24-00-5-CC.1

A C Ó R D Ã O

Relator : Juiz MARCIO VASQUES THIBAU DE ALMEIDA

Suscitante : 5ª Vara do Trabalho de Campo Grande - MS

Suscitado : 2ª Vara do Trabalho de Campo Grande - MS

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRITéRIO DE FIxAÇÃO: PREVENÇÃO. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 87 c/c 106, DO CPC. Havendo pluralidade de juízos competentes para decidir causas conexas, a estabilização da competência recairá sobre aquele que despachou em primeiro lugar, mesmo em caso de repropositura da ação extinta. Conflito de competência conhecido e declarada a competência do juízo suscitante para o julgamento da causa trabalhista.

Vistos, relatados e discutidos estes autos (PROCESSO Nº00689/2004-005-24-00-5-CC.1) em que são partes as acima indicadas.

Trata-se de conflito de competência suscitado pelo Juízo da 5ª Vara do Trabalho de Campo Grande, através de decisão prolatada pelo Juiz Oscar zandavalli Júnior, sob o fundamento de que ao caso não se aplica o art. 253, II, do CPC, principalmente porque a instrução ocorreu perante a 2ª Vara do Trabalho de Campo Grande.

De outro lado, o Juízo da 2ª Vara do Trabalho, suscitado, consignou sua incompetência para apreciar o feito em virtude de prevenção do juízo suscitante.

Os autos foram encaminhados ao Ministério Público do Trabalho que, em parecer de f. 84-87, de lavra do Procurador-Chefe Jonas Ratier Moreno, opinou pelo conhecimento e, no mérito, pela declaração da competência do Juízo da 2ª Vara do Trabalho de Campo Grande para o julgamento do feito.

Em síntese, é o relatório.

V O T O

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1 - CONHECIMENTO

Conheço do conflito de competência de jurisdição negativo, nos termos do art. 115, II, do Código de Processo Civil.

2 - MÉRITO

2.1 - CRITÉRIO DE FIXAÇÃO: PREVENÇÃO.

Compulsando os autos, verifico que existem duas reclamatórias trabalhistas envolvendo LUCINEIDE DE PAULA FERREIRA e RODRIGUES & CIA LTDA, reclamante e reclamada, respectivamente: a primeira sob o número 01732/2003, que tramitou e foi extinta sem julgamento do mérito perante a 5ª Vara do Trabalho de Campo Grande e a segunda, distribuída para a 2ª Vara do Trabalho de Campo Grande sob o número 00304/2004, objeto do presente conflito negativo.

Em detalhado exame, constato identidade entre as causas de pedir nas ações supracitadas, ou seja, ambas têm por objeto a relação jurídica (contrato de trabalho) no período de 1º/05/01 até 15/05/02 e pedidos de horas extras e reflexos, FGTS e multa de 40%, férias + 1/3, 13º salário, multa do art. 477 da CLT e adicional noturno.

Com razão o Juízo suscitado (da 2ª Vara do Trabalho de Campo Grande) ao atribuir competência ao Juízo suscitante (da 5ª Vara do Trabalho de Campo Grande), porque a CLT é omissa quanto à fixação de competência para o julgamento de reclamatória trabalhista, mas autoriza a aplicação de legislação subsidiária (art. 769/CLT) e, nesse caso, a determinação do Juízo competente dar-se-á conforme o critério expresso nos arts. 87 c/c 106, do CPC, ora transcritos:

Art. 87. Determina-se a competência no momento em que a ação é proposta. São irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia.

Art. 106. Correndo em separado ações conexas perante juízos que têm a mesma competência territorial, considera-se prevento aquele que despachou em primeiro

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lugar.

Além de conter causa de pedir e pedidos conexos, no conflito ora examinado constato que a RT nº 1732/2003 foi extinta, sem julgamento do mérito, pelo juízo da 5ª Vara do Trabalho de Campo Grande - MS “face a ausência injustificada do(a) recte” (decisão terminativa do feito - f. 64) e, posteriormente, reproposta perante a 2ª Vara Trabalho de Campo Grande. A ação deveria ter sido distribuída ao Juízo suscitante em face do princípio do Juiz Natural, determinado pela prevenção do Juízo que primeiro despachou a reclamatória.

Abordando o art. 87/CPC, Nélson Nery esclarece:

1. Estabilização da competência. A norma institui a regra da perpetuação da competência (perpetuatio jurisdictionis), com a finalidade de proteger a parte (autor ou réu), no sentido de evitar a mudança do lugar do processo toda vez que houver modificações supervenientes, de fato ou de direito, que pudessem, em tese, alterar a competência. Estas modificações são irrelevantes para a determinação da competência, que é fixada quando da propositura da ação.1 (grifos no original).

E, reportando-se ao art. 106/CPC, complementa:

3. Competência de juízo. A norma ora comentada regula competência de juízo, isto é, dentro da mesma comarca. A prevenção, no caso, fixa-se no juízo que despachou em primeiro lugar. 2 (grifos no original).

A alegação do suscitante, anotando que o feito foi instruído pelo Juízo suscitado (2ª Vara do Trabalho de Campo Grande - MS) e a causa estaria madura para o julgamento, é argumento inconsistente, porque a hipótese dos autos é de estabilização de competência pela prevenção do Juízo em que se deu a extinção do processo, norma de ordem pública, no caso inderrogável.

Havendo pluralidade de Juízos material e territorialmente competentes para julgar a reclamatória trabalhista, este Regional, em caso análogo, decidiu:

1 Nery, Nélson. Código de processo civil comentado, editora revista dos tribunais, São Paulo: 2002, 6ª ed. rev., notas explicativas ao art. 87 do CPC, página 415.2 Op. Cit, página 455.

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CONFLITO DE COMPETÊNCIA NEGATIVO. REPROPOSITURA DE AÇÃO. PEDIDO IDÊNTICO. Em se tratando de repropositura de ação, há que se realizar a distribuição por dependência socorrendo-se, subsidiariamente do disposto no art. 253, II, do CPC, por autorização do art. 769, da CLT. (TRT 24ª Reg., CC n.º 00041/2003-000-24-00-6-CC.0, Relator Juiz Nicanor de Araújo Lima, publicado no DO n.º 6013, veiculado em 06/06/03, página 40).

Pelos motivos acima encartados, declaro a competência do Juízo suscitante para o julgamento da lide.

Conheço do conflito de competência e, no mérito, declaro competente o juízo suscitante para o julgamento da lide.

POSTO ISSO

ACORDAM os Juízes do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da Vigésima Quarta Região, por unanimidade, aprovar o relatório, admitir o conflito e, no mérito, atribuir a competência à Quinta Vara do Trabalho de Campo Grande, nos termos do voto do Juiz Marcio Vasques Thibau de Almeida (relator). Por motivo justificado, esteve ausente o Juiz Abdalla Jallad.

Campo Grande, 02 de setembro de 2004.MARCIO VASQUES THIBAU DE ALMEIDA

Juiz Relator

Procuradoria Regional do Trabalho da 24ª Região

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PROCESSO Nº 0207/2002-000-24-00-3-AR.0

A C Ó R D Ã O

Relator : Juiz MARCIO VASQUES THIBAU DE ALMEIDA

Revisora: Juíza DALMA DIAMANTE GOUVEIA

A u t o r a : AG Ê N C I A E S TA D UA L D E G E S T Ã O D E EMPREENDIMENTOS - AGESUL

Procuradores: Agripina Moreira e outros

Réu: HERMES LUIz DE RESENDE

Advogados: Fernando Isa Geabra e outro

AÇÃO RESCISÓRIA. EMPRESA SUBMETIDA A PROCESSO DE LIQUIDAÇÃO. NULIDADE DA CITAÇÃO INICIAL NA RECLAMATÓRIA. A CDHU/MS, então reclamada, era sociedade de economia mista que explorava atividade econômica, portanto se sujeitava ao regime jurídico próprio das empresas privadas (art. 173, § 1º, II, CF). Em tal condição, sua personalidade jurídica só poderia se extinguir após findo o regular processo de liquidação, ainda que voluntária, observadas as mesmas regras previstas em lei para a liquidação das empresas privadas em geral. Não perdendo a CDHU, de pronto, sua personalidade jurídica, válida a notificação inicial feita diretamente na pessoa do seu representante ou liquidante. Não há como se entender devesse a notificação inicial se concretizar na pessoa do representante legal da AGESUL, pois a sucessão só se perfez em data muito posterior a de ingresso da ação em Juízo, já na fase de execução e após a penhora. NULIDADE DA PENHORA. VIOLAÇÃO DO ART. 100/CF. A penhora corresponde a ato de império estatal, adotado com o fim precípuo de garantir a materialização da prestação jurisdicional - art. 646 do CPC. Realizada segundo a lei vigente ao tempo de sua prática, quando os bens ainda eram conservados sob o domínio da CDHU, tipificou ato jurídico perfeito, ato de soberania do Poder Judiciário não afetado por disposições de lei nova, promulgada no interesse da reforma administrativa ou outros interesses estatais. Não viola o art. 100/CF a decisão que mantém subsistente a penhora, negando o prosseguimento da execução via precatório. Aplicação da OJ 343 da C. SBDI-I/TST. Ação rescisória julgada improcedente.

Vistos, relatados e discutidos estes autos (PROCESSO Nº00207/2002-000-24-00-3-AR.0) em que são partes as acima indicadas.

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Trata-se de ação rescisória intentada por AGÊNCIA ESTADUAL DE GESTÃO DE EMPREENDIMENTOS - AGESUL em face de HERMES LUIz DE RESENDE, contendo pedido voltado à desconstituição da decisão proferida nos autos da reclamatória trabalhista nº 0037/2001-001-24-00-0, da Eg. 1ª Vara do Trabalho de Campo Grande.

Aponta a autora que a reclamatória trabalhista supra mencionada foi ajuizada em face da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de Mato Grosso do Sul - CDHU, a qual, à época do ajuizamento da ação, se encontrava em processo de liquidação (art. 83, inciso V, alínea c, da Lei Estadual nº 2.152, de 26/10/2000), realçando que o ajuizamento da ação se deu em data posterior à vigência da Lei Estadual nº 2.152, de 26/10/2000, não sendo a ora autora citada para responder à lide/execução.

Indica que as funções da empresa liquidada já haviam sido transferidas para a requerente que, sendo autarquia estadual, portanto pessoa jurídica de direito público interno, incabível a execução direta sobre o seu patrimônio, havendo que ser procedida mediante o previsto no art. 100 da Constituição Federal e no art. 730 do Código de Processo Civil. Indica ser vil o preço da adjudicação.

Aponta violados os dispositivos dos arts. 5º, incisos II, xxxV, LV, 37, 93, inciso Ix, e 100, todos da CF, os arts. 692 e 730 e segs., do CPC, 67 do CCB e 46 da LOMAN, além de dispositivos da Lei Estadual nº 2.152/00.

A inicial vem acompanhada de prova documental.

O réu contestou a ação (f. 110-116), sustentando sua improcedência, vez que ao incorporar as funções da CDHU, automaticamente, a autora passou a explorar atividade econômica, sujeitando-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, nos termos do art. 173, § 1º, da CF, portanto sendo inexigível o procedimento de requisição de créditos via precatório.

Também sustenta que a determinação de liquidação da CDHU e incorporação de seu patrimônio à Empresa de Gestão de Recursos Humanos e Patrimônio de Mato Grosso do Sul em nada altera a execução promovida via reclamatória trabalhista ante os termos do art. 84, parágrafo único, da Lei Estadual 2.152/00, ou do Decreto Estadual 10.097/00, art. 5º, realçando que a autora não demonstrou o esgotamento das etapas do processo de liquidação.

Tréplica às f. 119-124.

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Razões-finais da autora às f. 131-133.

O d. Ministério Público do Trabalho opina, em parecer de f. 137-141, da lavra do Procurador-Chefe Dr. Cícero Rufino Pereira, pelo cabimento da ação, no mérito, pela sua procedência.

é o relatório.

1 – ADMISSIBILIDADE

Presentes as condições da ação (legitimidade da parte, possibilidade jurídica do pedido e o interesse processual), bem como os pressupostos processuais específicos da ação, dentre os quais a apresentação de certidão de trânsito em julgado (f. 23), evidenciando que a ação foi interposta dentro do biênio decadencial, em conformidade com o Enunciado 299/TST.

Tenho por cabível a rescisória no tocante à argüição de vício da citação inicial, ainda que só levantada via embargos à arrematação, posto que a questão é de índole pública. Afasto a incidência do Enunciado 298/TST.

De outra parte, a ação encontra sustentação no art. 485, inciso V, do CPC, indicando a autora os textos legais violados - arts. 5º, incisos II, xxxV e LV, 93, inciso Ix e 100, todos da CF, 692 e 730 do CPC, 67 do CCB, 46 da LOMAM e da própria Lei Estadual 2.152/00.

Entretanto, a ação não se mostra cabível no ponto em que põe em discussão tema ligado à homologação da arrematação ou adjudicação propriamente ditas, inclusive preço vil, posto que nos termos das Orientações Jurisprudenciais nºs 44 e 45, da C. SBDI-II/TST, incabível a ação rescisória em face de decisão homologatória de arrematação ou de adjudicação.

Preenchidas as condições da rescisória, a presente ação é admitida, entretanto, apenas parcialmente.

2 - MÉRITO

2.1 - NULIDADE DA CITAÇÃO INICIAL

Aponta a autora que a reclamatória trabalhista nº 37.1/2001, proposta pelo réu contra a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de

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Mato Grosso do Sul - CDHU, foi ajuizada em data posterior à de publicação e vigência da Lei Estadual nº 2.152, de 26/10/2000.

A reclamatória foi proposta na data de 15/01/2001 (f. 42), em face da própria CDHU, entidade sucedida pela ora ré, não se citando a sucessora, de sorte que o representante legal da AGESUL não tomou conhecimento da lide.

Sustenta que a CDHU não existe desde a edição da Lei Estadual nº 2.152/2000, operando-se na espécie a violação do art. 5º, incisos II, xxxV e LV, da Constituição Federal.

A decisão rescindenda, para a autora, é a contida a f. 24-25.

A ação não merece prosperar.

Argumenta a autora que a coisa julgada se erigiu sobre pilar viciado, uma vez que, devido à falta de citação inicial de seu representante legal, não teve garantida oportunidade de firmar contraditório e expor ampla defesa, com utilização dos meios e recursos a ela inerentes, assim consumando-se a exclusão de apreciação do Judiciário de lesão ou ameaça a direito, tudo dando azo à criação de obrigação de fazer algo que não consta da lei.

Através da Lei Estadual nº 2.152 (f. 71-84), de 26/10/00, foi implantada ampla reforma administrativa no Executivo do Estado de Mato Grosso do Sul, propiciando reorganização da sua estrutura básica de poder.

Tanto determinou a lei a criação de novas Secretarias de Estado, como a suspensão de atividades de empresas públicas, a transformação de entidades, alterações de denominação e a extinção de empresas públicas e sociedades de economia mista.

Conforme o art. 83, inciso V, alínea a, da Lei Estadual nº 2.152, de 26/10/2000, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de Mato Grosso do Sul - CDHU foi objeto de liquidação, tendo seu pessoal e patrimônio incorporados à Empresa de Gestão de Recursos Humanos e Patrimônio de Mato Grosso do Sul - EGRHP.

Para a AGESUL, por força da liquidação ordenada na nova lei, num primeiro momento, apenas restou prevista a incorporação das funções da CDHU.

A AGESUL, entretanto, é fruto da própria reforma administrativa.

A qualidade de pessoa jurídica de direito público, como expressamente

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referenciado na manifestação de f. 64-67, só lhe foi conferida por força do Decreto Estadual nº 10.267 (f. 85-88), de 23/02/2001, exatamente por força do disposto no art. 89 da Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul e do art. 80 da Lei Estadual nº 2.152/00, ou seja, a AGESUL só passou a ter existência no mundo jurídico em data posterior a de ajuizamento do proc. 037.1/2001 - 15/01/2001 -, da E. 1ª Vara do Trabalho de Campo Grande.

Ainda mais, no regulamento da Lei Estadual referenciada (f. 54-59), art. 5º, f. 58, resta expresso que As atividades das empresas em liquidação pela Empresa de Gestão de Recursos Humanos e Patrimônio serão conduzidos, nos termos da legislação que as criou e aprovou seus estatutos, pelas Secretarias de Estado ou entidade da administração indireta que as sucederem, até se completar o processo de extinção, restando previsto no seu parágrafo único que a desativação da empresa sucedida só se completará quando a sucessora tiver aprovada por Decreto a nova estrutura e ou estatuto.

Do até agora exposto é possível concluir que a autora só poderia ser considerada sucessora da extinta CDHU após concluído o regular processo de liquidação (a cargo da Empresa de Gestão de Recursos Humanos e Patrimônio de Mato Grosso do Sul) e quando aprovado por Decreto seu estatuto.

Não se tem notícia nos autos sobre a data de conclusão do processo de liquidação, mas a AGESUL só assumiu por inteiro as funções, patrimônio e pessoal da empresa liquidada na data de 11/01/2002, conforme possível extrair-se do Termo de Transferência de Patrimônio de f. 70.

A autora não trouxe aos autos cópias da citação inicial, da contestação apresentada pela CDHU, nem da sentença proferida na fase de conhecimento da ação, porém, na manifestação de f. 49-50 consta expressa menção de que foi informado nos autos, já na defesa, a circunstância da reclamada ser empresa em liquidação, para só então (em 26/07/01), já na fase executória, requerer-se a intervenção da AGESUL.

Embora não apresentadas todas as peças necessárias à perfeita demonstração da regularidade do processamento da reclamatória trabalhista nº 037.1/2001, é certo que nela se defendeu a CDHU e, ainda que em fase de liquidação por conveniência administrativa, pôde exercer o contraditório amplo, a produção de provas e o acesso recursal, não apresentando a autora qualquer argumentação em sentido contrário, nem alegado qualquer prejuízo processual da empresa sucedida.

Ainda, observo que na manifestação de f. 64-67 a autora fez questão

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de deixar claro ao Juízo executório que a sucessão, por força da liquidação e extinção da reclamada CDHU, com transferência patrimonial a seu favor, é que constituía o que denominou de fatos supervenientes que modificam o procedimento da Execução.

A CDHU, empresa pública ou sociedade de economia mista, explorava atividades econômicas, portanto se sujeitava ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários (art. 173, § 1º, inciso II, da CF). Em tal condição, sua personalidade jurídica só poderia se extinguir após findo o regular processo de liquidação, ainda que voluntária, observadas as mesmas regras previstas em lei para a liquidação das empresas privadas em geral, comerciais, financeiras, etc. O novo CCB sintetiza o regramento - art. 41, parágrafo único, c/c art. 51.

Considerando que a empresa agora liquidada não perdeu de pronto sua personalidade jurídica, perfeitamente válido que a notificação inicial do proc. 037.1/2001 se fizesse diretamente ao representante da CDHU ou seu liquidante. Não há como se entender devesse a notificação inicial se concretizar na pessoa do representante legal da AGESUL, o que se mostra impossível, pois tal entidade só teve existência legal após a audiência inaugural ocorrida em 06/02/2001 (f. 42). A efetiva sucessão só se perfez na data de 11/01/2002, conforme documento de f. 70.

Não resta demonstrada a violação dos preceitos do art. 5º, incisos II, xxxV e LV, da CF, e a qualquer dispositivo da Lei Estadual nº 2.152/00.

Sem pertinência a invocação de infringência do art. 46 da LOMAM (LC 35/79).

A decisão atacada mostra-se claramente fundamentada, não infringindo o dispositivo do art. 93, inciso Ix, da CF.

Pelo exposto, ausente qualquer evidência de violação legal, não caracterizado vício de citação inicial promovida nos autos do proc. 037.1/2001, improcedente a súplica pertinente ao presente tópico.

2.2 - VIOLAÇÃO DOS ARTS. 100/CF, 692 E 730/CPC E 67/CCB-16

Sustenta a autora a nulidade do procedimento executório, posto que foram penhorados e adjudicados, na execução promovida na reclamatória

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trabalhista movida pelo réu, bens integrantes do seu patrimônio, que é público, portanto não sujeito a penhora ou alienação.

O réu sustenta que a autora, ao incorporar as funções da CDHU, automaticamente passou a explorar atividade econômica, sujeitando-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, nos termos do art. 173, § 1º, da CF, portanto sendo inexigível o procedimento de requisição de créditos via precatório.

A ação rescisória, sob o enfoque supra, também não merece prosperar.

Ao contrário do asseverado pelo réu, a autora não perdeu, nem pode perder sua natureza jurídica de autarquia por ter sucedido a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de Mato Grosso do Sul, já que a definição clássica de autarquia corresponde a serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada.

Sabe-se que por força do art. 83, inciso V, alínea a, da Lei Estadual nº 2.152, de 26/10/2000, concretizou-se a deliberação de que a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de Mato Grosso do Sul - CDHU fosse objeto de liquidação, incorporados seu pessoal e patrimônio à Empresa de Gestão de Recursos Humanos e Patrimônio de Mato Grosso do Sul.

A AGESUL, por força da liquidação, num primeiro momento, apenas incorporou as funções da CDHU.

Previsto, entretanto, que encerrada ou concluída a liquidação, o patrimônio da entidade liquidada deveria ser incorporado aos órgãos ou entidades que absorvessem suas funções - art. 84, parágrafo único, da Lei Estadual 2.152/00 -, o que efetivamente ocorreu, recebendo a AGESUL também o legado patrimonial da empresa liquidada, conforme também previsto no Decreto Estadual 10.267, de 22/02/2001, o que se consumou com o Termo de Transferência de Patrimônio de f. 70, datado de 11/01/2002.

Em 09/10/2001, portanto antes da transferência patrimonial dos bens da CDHU para a AGESUL foram penhorados os veículos descritos no auto de f. 36, os quais foram levados à praça, havendo adjudicação - auto de f. 37, datado de 04/07/2002.

Com razão o réu, quando sustenta que a autora sequer demonstrou o

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esgotamento das etapas do processo de liquidação. Sem o acertamento dos débitos e créditos, não se poderia falar em extinção da entidade, com sucessão ou incorporação plena de seu patrimônio à autora.

Assim, válida a penhora de f. 36, a qual individualizou os bens da devedora (art. 665, inciso III, do CPC), correspondendo a típico ato de império estatal adotado com o fim precípuo de garantir a materialização da prestação jurisdicional - art. 646 do CPC.

A penhora, por outro lado, realizada segundo a lei vigente ao tempo de sua prática, quando os bens ainda eram conservados sob o domínio da CDHU, tipificou ato jurídico perfeito, ato de soberania do Poder Judiciário não afetado por disposições de lei nova, promulgada no interesse da reforma administrativa ou outros interesses estatais, dispondo o art. 5º, inciso xxxVI, da Constituição Federal no sentido de que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

O prosseguimento da execução nos moldes promovidos no proc. 037.1/01, ao contrário de violar qualquer direito da autora, constitui direito adquirido do réu.

O tema em discussão na presente ação já foi objeto de reiteradas decisões por parte do Col. Tribunal Superior do Trabalho, com fixação do seguinte azimute:

EMBARGOS - EXECUÇÃO - PENHORA DE BEM DA EXTINTA LBA - ARTIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. Se à época em que foi realizada a penhora, a LBA ainda não tinha sido sucedida pela União, revela-se legítima a penhora de seus bens, no que resulta inadmissível a alegação de afronta ao artigo 100 da Constituição Federal. É incontroverso nos autos que a penhora foi realizada anteriormente à extinção da LBA e sua conseqüente sucessão pela União (acórdão regional às fls. 467/468). Preserva-se o direito adquirido de a Reclamante executar os bens penhorados à época em que sobre eles não incidia qualquer obstáculo à constrição, conforme corretamente concluíram as decisões recorridas. Embargos não conhecidos. (Proc. ERR 505072/98 - SDI-I - relatora ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi - DJU, 03/10/02).

(...) BNCC - EXECUÇÃO - PENHORA - ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 - SUCESSÃO - UNIÃO FEDERAL - VALIDADE - DIREITO ADQUIRIDO DO RECLAMANTE. Se

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à época em que foi realizada a penhora, o BNCC ainda estava em processo de dissolução por ato de seus acionistas e, portanto, ainda não sucedido pela União, revela-se legítima a penhora de seus bens, no que resulta inadmissível a alegação de afronta ao artigo 100 da Constituição Federal. Embargos conhecidos e providos. (Proc. ERR 467613/98 - SDI-I - relator ministro Carlos Alberto Reis de Paula DJU, 07/12/00, p. 583).

Impõe-se realçar que, dada a profusão de processos envolvendo o tema ora analisado, editou a C. SBDI-I/TST a Orientação Jurisprudencial nº 343, com o seguinte enunciado:

PENHORA. SUCESSÃO. ART. 100 DA CF/88. EXECUÇÃO. É válida a penhora em bens de pessoa jurídica de direito privado, realizada anteriormente à sucessão pela União ou por Estado-membro, não podendo a execução prosseguir mediante precatório. A decisão que a mantém não viola o art. 100 da CF/88.

No caso presente não resta configurada violação aos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais invocados pela autora, não havendo guarida às teses de que a execução deve ser promovida via precatório ou de que os bens constritos e judicialmente alienados integravam patrimônio público, por isso impassíveis de impenhorabilidade ou de alienação.

Custas pela autora, no importe de R$ 386,00, calculadas sobre R$ 19.300,34, isenta do pagamento por força do disposto no art. art. 4º, inciso I, da Lei 9.289, de 4/7/96, e art. 790-A, I, da CLT, acrescentado pela Lei 10.537/2002.

Admito parcialmente a ação, no mérito, julgando-a improcedente.

POSTO ISSO

ACORDAM os Juízes do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da Vigésima Quarta Região, por unanimidade, aprovar o relatório, admitir parcialmente a ação e, no mérito, julgá-la improcedente, nos termos do voto do Juiz Marcio Vasques Thibau de Almeida (relator). Não participou do julgamento o Juiz Márcio Eurico Vitral Amaro, em virtude da convocação da Juíza Dalma Diamante Gouveia. Por motivo justificado, esteve ausente o Juiz João de Deus Gomes de Souza (Presidente).

Campo Grande, 29 de setembro de 2004.

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MARCIO VASQUES THIBAU DE ALMEIDAJuiz Relator

Procuradoria Regional do Trabalho da 24ª Região

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SENTENÇA

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2ª VARA FEDERAL DO TRABALHO DE CAMPO GRANDE /MS – Proc. nº 1222/04

ATA DE AUDIÊNCIA

Aos quinze dias do mês de outubro do ano de dois mil e quatro, perante a Egrégia 2ª Vara Federal do Trabalho de Campo Grande/MS, sob a titularidade do Excelentíssimo Juiz Substituto Flávio da Costa Higa, realizou-se a audiência de julgamento do processo nº 1222/04, entre partes: TEREzA CRISTINA FERREIRA ARCE e FíGARO CABELEIREIROS LTDA. - ME, autor e réu, respectivamente.

Às 17h46min, aberta a audiência, foram, de ordem do MM. Juiz, apregoados os litigantes: ausentes.

Submetido o processo a julgamento foi proferida a seguinte:

SENTENÇA

I - RELATÓRIO

TEREZA CRISTINA FERREIRA ARCE, qualificada à f. 02, ajuizou ação em face de FíGARO CABELEIREIROS LTDA. - ME, também qualificado, alegando, em síntese, ter sido admitida aos préstimos do réu em 31/09/01, para exercer as funções de cabeleireira, esteticista, maquiadora, pedicure e depiladora, auferindo em média R$ 1.300,00 mensais, sem que fossem feitas as anotações em sua CTPS. Asseverou, outrossim, diversas violações contratuais, além de dispensa sem justa causa em 31/01/04, razão pela qual postulou os títulos elencados à f. 04/05, requerendo, ainda, os benefícios da justiça gratuita e atribuindo à causa o valor de R$ 55.000,00.

Juntou instrumento de mandato, substabelecimento,. declaração para fins de gratuidade judiciária e documentos (f. 11/23).

Regularmente citado, o réu compareceu em audiência (f. 25), onde, após fracassada a tentativa conciliatória, ofereceu contestação escrita, rechaçando as assertivas obreiras e pugnando pela improcedência dos pedidos formulados (f. 36/52). A defesa veio acompanhada de contrato social, procuração e documentos (f. 26/35 e 53/60).

Manifestação da autora à f. 61/62, reiterando o inteiro teor da prefacial

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e arrolando testemunha.

Em audiência de prosseguimento (f. 79/80), foi tomado o depoimento pessoal da autora, e, encerrada a instrução processual, sob protestos do ilustre patrono da reclamante.

Razões finais orais remissivas. Frustrada a derradeira tentativa conciliatória. é o relatório.

II – FUNDAMENTAÇÃO

VÍNCULO EMPREGATÍCIO

A relação de emprego constitui-se num universo de direitos e obrigações recíprocas, que entrelaçam empregado e empregador, para cuja caracterização é necessária a presença de vários requisitos, previstos nos artigos 2º e 3º, da CLT, quais sejam o estado de subordinação, a não eventualidade da prestação de serviços, a bilateralidade, a onerosidade e a pessoalidade, de modo que somente da conjugação de tais pressupostos em uma relação, é que exsurge o contrato de emprego juridicamente tutelado.

Ressalto também que a jurisprudência há muito é pacífica no sentido que, estando demonstrada a prestação de serviços de forma remunerada, presume-se a subordinação, porquanto normalmente o tomador detém o poder de direção dos serviços e, por corolário, do prestador de serviços, já que o trabalho é imanente e indissociável da pessoa do seu prestador.

Tecidas tais considerações, fica fácil balizar os contornos probatórios, já que, tendo o reclamado admitido a prestação de serviços, goza esta de presunção de tê-la sido executada mediante subordinação, cumprindo-lhe elidir tal presunção, “ex vi” das regras insertas nos artigos 818 da CLT e 333, II do CPC, ora subsidiário (CLT, art. 769).

Do conjunto probatório, infiro que o réu logrou êxito em desvencilhar-se de seu ônus, senão vejamos: de proêmio, assinalo que a questão concernente ao patamar remuneratório da autora restou absolutamente incontroversa, tendo ela afirmado em depoimento pessoal que “ganhava, em média, R$ 1.200.00 a R$ 1.300,00, mensais, composto de comissões, de 60% sobre o cabelo, unha e 70% sobre a parte estética” (f. 79, item 1).

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Pois bem, aludido rateio de ganhos conspira em desfavor da propalada idéia de um contrato de trabalho “stricto sensu”, pois é cedido que o percentual avençado com a autora não se coaduna com a alíquota paga a um empregado, mas sim de um autêntico sócio ou parceiro, de acordo com o que informam as regras da experiência comum, subministradas pela observação do que ordinariamente acontece (CPC, art. 335).

Dessarte, falecia aos contratantes ao avençar a relação de trabalho “lato sensu”, o elemento volitivo de estabelecer um pacto laboral nos moldes celetistas; melhor dizendo, faltava às partes o “animus contrahendi”, requisito não inserto no art. 3o da CLT, mas reconhecido tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência como essencial à formação do vínculo.

Saliento, por oportuno, que o reconhecimento do liame empregatício nos moldes em que fora pactuado, implicaria em inviabilizar o empreendimento econômico do réu, levando-o à bancarrota, numa conclusão teratológica, se fizermos as contas com a devida cautela.

Explico melhor!

é que nenhum empregador em sã consciência pode admitir um empregado para auferir tal percentagem (60% ou 70%), pois toda a parcela restante não seria suficiente nem mesmo para o pagamento de salários, encargos sociais e outras despesas (!!!!), senão vejamos:

- estabeleço como “pedra de toque” uma premissa deveras comezinha, para melhor ilustração daquilo que pretendo expor: a cada R$ 100,00 recebidos pelo salão, em princípio, R$ 60,00 ou R$ 70,00 pertencem à empregada e os R$ 40,00 ou R$ 30,00 restantes ficam com a empregadora; por média aritmética e padronização didática, firmo que a cada R$ 100,00, R$ 65,00 ou 65% eram da autora e R$ 35,00 ou 35% do réu;

- entretanto, sendo a autora empregada, sob a malha de proteção da CLT, seus estipêndios não se resumiriam aos 65% inicialmente ajustados. “Ab initio”, deveria o réu pagar o repouso semanal remunerado, à razão de 1/6 sobre os ganhos (Lei 605/49, art. 7o), o que, por si só, elevaria a parte da autora a R$ 75,83 ou 75,83% sobre os valores recebidos (R$ 65,00 + 1/6 = R$ 75,83);

- não fosse suficiente, incumbiria também ao réu pagar mais 1/12 avos mensais sobre os R$ 75,83 da autora, a fim de prover a remuneração da gratificação natalina (Lei 4.090/62), o que subiria a parte da reclamante para R$ 82,14 (R$ 75,83 + 1/12 (R$ 6,31) = R$ 82,14);

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- ademais, o trabalhador celetista tem direito a férias anuais, que aliás devem ser remuneradas com 1/3 a mais do que o salário normal (CF/88, art. 7o, xVII), ou seja, deve-se acrescer ao cálculo 1/3 incidente sobre R$ 75,83 (salário + RSR), dividindo pelo número de meses do ano e somando o valor obtido aos R$ 82,14, o que importaria em R$ 84,24;

- também não se pode olvidar que sobre tal valor, deve incidir o percentual de 8% a título de FGTS, o que significa que a reclamante ficaria com R$ 90,97 de cada R$ 100,00 arrecadados, apenas para que o réu pudesse arcar com as rubricas mais estruturais de um contrato de trabalho, sem computar eventuais horas extras, subsídio ao vale-transporte etc.;

- voltando às férias, por oportuno, vale dizer que o réu só poderia contar com a mão-de-obra da autora por onze meses (um mês seria de férias), o que implica em dizer que em um mês não haveria os R$ 100,00 para serem rateados, apenas o réu deveria desembolsar os R$ 65,00 para pagar à autora, acrescido de todos os encargos supracitados, o que elevaria o percentual da autora para 99,30% do faturamento;

- mas o réu não poderia se animar com esses R$ 0,70 restantes, porque teria de utilizá-los para pagar a previdência social, na alíquota de 20% sobre todas as rubricas recebidas (R$ 84,24) com exceção do FGTS (Lei 8.212, art. 22, I), o que imporia o gasto de 116,14% do total recebido (exceto se a empresa se enquadrasse na opção pelo SIMPLES);

- e não é tudo, caberia também ao réu arcar com o pagamento do seguro por acidente de trabalho (CF/88, art. 7o, XXVIII), na alíquota de 1% sobre a remuneração paga, considerando que na atividade preponderante da empresa o risco de acidentes deve ser considerado leve (Lei 8.212/91, art. 22, II), o que aumentaria os gastos para R$ 116,96;

- arcaria também o empregador com as contribuições sobre a receita, o faturamento e o lucro (CF/88, art. 195, “b” e “c”), quais sejam a COFINS, o PIS-PASEP e a CSLL;

- quanto ao pagamento da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS, seria no percentual de 7,6% sobre o faturamento (Lei 10.833/03, art. 2o), ou seja, grosso modo, sem os descontos de créditos previstos no art. 3o da mencionada lei, seriam 7,6% sobre os R$ 100,00 recebidos, importando em um gasto de 124,56% do valor recebido ou R$ 124,56 com a empregada, para cada R$ 100,00 ganhos;

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- pagaria também o empregador o Programa de Integração Social - PIS/PASEP, que é de 1% sobre o faturamento, quando incidente sobre a folha de salários (Decreto 4.524/03, art. 60), aumentando o valor para R$ 125,56%;

- já operando no prejuízo, o reclamado seria ainda obrigado a manter toda a infra-estrutura do salão, bancando o mobiliário, a água, a luz, o telefone, o aluguel do imóvel, o IPTU, o alvará de funcionamento e as demais despesas, além de suportar sozinho os riscos (ou suicídio) da atividade econômica;

- friso também, conforme bem ilustrou o patrono da autora, que não bastasse tudo isso, sendo a autora empregada, sua convenção coletiva de trabalho obsta que ela arque com qualquer ônus decorrentes de produtos e materiais utilizados no estabelecimento (cláusula 3a, f. 15), ou seja, tudo aquilo que for consumido para feitura dos serviços é ônus do empregador;

- também oportuno mencionar, que caso houvesse sobrado alguma coisa ainda para o empregador, ser-lhe-ia imposto o pagamento da Contribuição Sobre o Lucro Líquido - CSLL, de 9% (Lei 7.689/88 c/c art. 37 da Lei 10.637/02).

Resumindo tudo quanto foi dito, quero crer na boa-fé e probidade da autora ao elaborar a conta de suas pretensões, e, na certeza de que tal memória de cálculo foi confeccionada de forma minudente e escrupulosa, valho-me dela para melhor ilustrar o absurdo jurídico no qual redundaria o reconhecimento do vínculo empregatício e seus consectários.

Nessa esteira de entendimento, presumo verídica a informação de que a autora percebia em média R$ 1.250,00 mensais (f. 79, item 1), e, ao final de vinte e oito meses de contrato, caso seja considerada empregada, tenha em haver R$ 55.000,00 (f. 10, item 20).

Isso importa em reconhecer que ao longo dos vinte e oito meses que perdurou a relação de trabalho, a autora percebeu R$ 35.000,00 (R$ 1.250,00 X 28). Como percebia 65% sobre a produção, tenho por lógico que os 35% restantes ficavam com o empregador, o que significa que o benefício do réu com a prestação de serviços foi de R$ 18.845,96.

Ocorre, entretanto, que a autora entende que ainda lhe são devidos R$ 55.000,00...Ora, como pode alguém que teve um benefício de R$ 18.845,96, suportar uma conta de R$ 55.000,00 (que, aliás, não inclui as contribuições previdenciárias devidas pelo réu)???

Por isso é que fere de morte meu senso íntimo de justiça qualificar de

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empregado uma pessoa que na própria contratação já pactuou percentual remuneratório maior que o de seu contratante, pois se assim fosse o réu não tiraria qualquer proveito dos serviços da reclamante, ao contrário, suportaria incomensuráveis prejuízos.

E foge completamente ao princípio da razoabilidade dar azo a um pacto em que, se todas as circunstâncias transcorrerem na mais absoluta normalidade, se o empreendimento total tiver êxito, enfim; se tudo der certo, o empregador acabará indo à falência!!!

Não consigo ver, “data maxima venia”, qual o benefício que está sendo outorgado ao trabalhador na imposição compulsória da natureza da relação jurídica de trabalho, o que, a curto prazo, irá gerar inexoravelmente um enorme contingente de desempregados ou um grande estímulo à fraude e à sonegação já quase institucionalizadas, pois ninguém é tolo a ponto de supor que o empregador sustentará na estrita legalidade a situação acima descrita.

Cumpre trazer à baila que o lucro no setor de serviços, a exemplo de todos os demais segmentos da economia (indústria, comércio etc.), deve existir como algo salutar e plenamente aceito em nossa sociedade, na medida que se torna fonte de renda para inúmeros trabalhadores, fomenta a geração de divisas, movimenta a cadeia produtiva e distribui renda.

Por isso, não pode o Poder Judiciário compactuar com uma visão estreita da questão macroeconômica, em atitude de protecionismo perverso, onde a pretexto de aumentar o número de empregos formais, avaliza situações de iniquidade, sobrecarregando o empresariado e forçando uma realidade inexistente, em verdadeiro menoscabo aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, previstos no art. 1o , IV da CF/88.

Não me comove o fato público e notório, portanto independente de prova (CPC, art. 334, I), do Ministério do Trabalho ter fiscalizado diversos salões de beleza e constatado irregularidades, pois tal diligência não tem o condão de vincular o Juízo em seu livre convencimento motivado, e, nesse caso, que analisei de forma absolutamente criteriosa, não vislumbrei sequer a sombra dos caracteres do contrato de emprego.

Por outro bordo, em que pese a avença remuneratória tenha tido imensa relevância no “decisum”, não me descurei da análise dos demais requisitos legais, tendo ficado plenamente convencido, através dos elementos subjetivos que a identidade física na colheita da prova me pode proporcionar, pela absoluta inexistência de subordinação jurídica.

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Com efeito, a própria reclamante informou que “o dono do salão trabalha no salão, como cabeleireiro” (f. 79, item 6). Ora, restou patente que o réu também é um trabalhador, tal qual a reclamante, que utilizou-a como sócia a fim de dar-lhe uma oportunidade e também expandir seus ganhos, assim como a reclamante o fazia, já que confessou em depoimento pessoal que também “atende clientes em sua casa” (f. 79, item 11).

Outro fato revelador da intenção das partes em alinhavar um pacto autônomo foi a declaração da autora no sentido que “quando o reclamado foi fazer a regularização do salão, pediu para que todos tirassem a documentação de autônomos” (f. 79, item 10).

Ademais, restou patente que “o material de trabalho de uso pertencia inteiramente à reclamante” (f. 79, item 2), tanto assim que “no dia que saiu do salão, levou seu armário, cesta de materiais, secador, tesouras, pentes, lixas” (f. 79, item 13), ou seja, não havia a figura do empregador como ente que detém os meios de produção, colocando-os à disposição do trabalhador para a conseqüente exploração da mão-de-obra.

No que concerne à subordinação, que constitui a diferença sibilina entre o contrato de emprego “stricto sensu” e as demais relações de trabalho em sentido lato, vi claramente sua inexistência na relação jurídica havida entre os litigantes. Isso porque a autora possuía autonomia para conceder descontos sobre os preços (f. 79, item 3) e recebia ligações de clientes diretamente em seu telefone celular (f. 79, item 4).

Não bastasse isso a reclamante “às vezes, quando estava com problema de saúde, ligava e dizia que não poderia ir, mas avisava o horário que estaria no salão” (f. 79, item 5).

Por derradeiro, quanto às supostas “ordens”, a autora foi vaga em sua resposta, já que a simples determinação para não deixar os materiais esparramados (f. 79, item 7), está muito mais ligada à boa imagem do salão, e parece ínsita à uma relação de coordenação e não de subordinação.

Por tais fundamentos, auferindo a autora percentual de sócio/parceiro, inexistindo “animus contrahendi” e laborando de forma autônoma e sem subordinação jurídica, rejeito o pedido de reconhecimento do vínculo empregatício, bem como seus consectários, por serem obrigações acessórias, que seguem a sorte do principal.

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JUSTIÇA GRATUITA

O benefício da Justiça gratuita é direito de todo trabalhador que perceba salário igual ou interior ao dobro do mínimo legal ou declare não ter condições de suportar as despesas do processo (CLT, art. 789-B, § 3º). Preenchidos os requisitos legais, defiro.

III - CONCLUSÃO

Pelo exposto, julgo IMPROCEDENTE o pedido formulado por TEREzA CRISTINA FERREIRA ARCE em face de FíGARO CABELEIREIROS LTDA. - ME, absolvendo o réu, nos termos da fundamentação.

Custas pela autora, no importe de R$ 1.100,00, calculadas sobre o valor atribuído à causa (R$ 55.000,00), dispensadas.

Intimem-se.

Nada mais.FLÁVIO DA COSTA HIGA

Juiz do Trabalho

ANGELA SAARA MARTINSDiretora de Secretaria