corpus hermeticum - hermes trismegisto

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  • INSTITUTO MICHAEL - BRASIL

    CORPUS HERMETICUM De Hermes Trismegisto

    ndice

    CORPUS HERMETICUM .............................................................................................................1 I - POIMANDRES ......................................................................................................................1 IIA - DE HERMES A TAT: DISCURSO UNIVERSAL ...........................................................5 IIB - Ttulo perdido .....................................................................................................................5 III - DISCURSO SAGRADO DE HERMES..............................................................................7 IV - DE HERMES A TAT: A CRATERA OU A MNADA....................................................8 V - DE HERMES A SEU FILHO TAT ......................................................................................9 VI - O BEM EXISTE APENAS EM DEUS E EM NENHUMA OUTRA PARTE.................11 VII - O MAIOR DOS MALES ENTRE OS HOMENS CONSTITUI IGNORANCIA RELATIVAMENTE A DEUS..................................................................................................12 VIII - NENHUM DOS SERES PERECE E ERRONEAMENTE QUE SE CHAMAM AS MUTAOES DE DESTRUIES E MORTES......................................................................13 IX - SOBRE A INTELECO E A SENSAO...................................................................14 X - A CHAVE (DE HERMES TRISMEGISTOS) ...................................................................17 XI - DE NOS A HERMES.....................................................................................................21 XII - SOBRE O INTELECTO COMUM (HERMES A TAT) .................................................24 XIII - DISCURSO SECRETO SOBRE A MONTANHA, RELATIVO REGENERAO E A REGRA DO SILNCIO. ......................................................................................................28

    Hino Secreto; Discurso IV ....................................................................................................30 XIV - DE DEUS CRIADOR (HERMES TRISMEGISTOS A ASCLPIOS).........................31 XV .............................................................................................................................................32 XVI - AS DEFINIOES; ASCLPIOS AO REI AMMON.....................................................32 XVII ..........................................................................................................................................35 XVIII -DOS ENTRAVES ACARRETADOS ALMA PELO QUE SUCEDE AO CORPO 35

    Acerca do louvor ao Ser supremo - Elogio do rei. ................................................................36 DISCURSO DA INICIAO OU ASCLEPIOS LIVRO SAGRADO DEDICADO A ASCLPIOS..................................................................................................................................38

    Rota da Imortalidade .................................................................................................................55 Invocao ..................................................................................................................................55

    TBUA DE ESMERALDA .........................................................................................................58

  • Corpus Hermeticum Hermes Trismegisto

    1

    I - POIMANDRES

    1 Um dia, em que comecei a refletir acerca dos seres, e meu pensamento deixou-se planar nas alturas enquanto meus sentidos corporais estavam como que atados, como acontece queles atingidos por um sono pesado pelo excesso de alimentao ou de uma grande fatiga corporal, pareceu que se me delineava um ser de um talhe imenso, alm de toda medida definvel, que me chamou pelo meu nome e disse: "Que desejas ouvir e ver, e pelo pensamento aprender a conhecer?"

    2 E eu lhe disse "Mas tu, quem s?". - "Eu", disse ele, "eu sou Poimandres, o Nos da Soberania absoluta. Eu sei o que queres e estou contigo em todo lugar".

    3 E eu disse: "Quero ser instrudo sobre os seres, compreender sua natureza, conhecer Deus. Oh! como desejo entender!" Respondeu-me ele por sua vez: "Mantm em teu intelecto tudo o que desejas aprender e eu te instruirei."

    4 A essas palavras mudou de aspecto e, subitamente, tudo se abriu diante de mim num momento, e tive uma viso sem limites, tudo tornou-se luz, serena e alegre, e ao v-la apaixonei-me por ela. E pouco depois surgiu uma obscuridade dirigindo-se para baixo, em sua natureza assustadora e sombria, enrolando-se em espirais tortuosas, como uma serpente, foi assim que a percebi. Depois esta obscuridade transformou-se numa espcie de natureza mida, agitada de uma maneira indizvel e exalando um vapor, como o que sai do fogo e produzindo uma espcie de som, um gemido indescritvel. Depois lanando um grito de apelo, sem articulao, tal que o comparei a uma voz de fogo, e ainda que saindo da luz auto-existente; um Verbo santo veio cobrir a Natureza, e um fogo sem mistura exalta-se da natureza mida em direo regio sublime, era leve, vivo e ativo ao mesmo tempo; e o ar, sendo leve, seguia ao sopro gneo elevando-se ao fogo, a partir da terra e da gua, de forma a parecer preso ao fogo; pela terra e pela gua, permaneciam no mesmo lugar, se bem que no se percebesse a terra separada da gua: estavam continuamente em movimento sob a ao do sopro do Verbo que colocara-se sobre elas, segundo percebia minha audio.

    6 Ento disse Poimandres: "Compreendeste o que esta viso significa?" E eu: "Eu o saberei". - "Esta luz" disse ele" sou eu, Nos, teu Deus, aquele que existe antes da natureza mida que apareceu fora da obscuridade. Quanto ao Verbo luminoso sado do NOS, o filho de Deus. "Quem ento?", disse eu. -"Conhea o que quero dizer atravs do que em ti v e ouve (o teu ntimo), o Verbo do Senhor, e teu Nos o Deus Pai; no so separados um do outro, pois esta unio que a vida." - "Eu te agradeo" - disse. - "Agora fixa teu esprito sobre a luz e conhece isto".

    7 A essas palavras, olhou-me bem de frente um tempo bastante longo, se bem que eu tremesse pelo seu aspecto. Depois, como ele elevasse a cabea, vi em meu Nos a luz consistente em um nmero incalculvel de Potncias, tornada um mundo sem limites, ainda que o fogo estivesse envolvido por uma fora todo poderosa, e assim, solidamente contido, atingia seu equilbrio: eis o que distingui pelo pensamento nesta viso, encorajado pela palavra de Poimandres.

    8 Como eu estivesse ainda totalmente fora de mim, disse-me ele novamente: "Viste no Nods a forma arquetpica, o pr-princpio anterior ao comeo sem fim." Assim me falou Poimandres. - "Ora, disse eu, de onde surgiram os elementos da natureza?" - Respondeu: "Da Vontade de Deus, que, tendo nela recebido o Verbo e tendo visto o belo mundo arquetpico, o imitou feita como foi em um mundo ordenado, segundo seus prprios elementos e seus prprios produtos, as almas.

    9 "Ora o Nos Deus, sendo macho e fmea, existente como vida e luz, faz nascer de uma palavra um segundo Nos demiurgo que, sendo deus do fogo e do sopro, criou Sete Governadores, os quais envolvem nos seus crculos o mundo sensvel; e seu governo se chama o Destino.

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    10 Logo o Verbo de Deus lanou-se fora dos elementos postados embaixo para esta pura regio da natureza que acabava de ser criada, e se uniu ao Nos demiurgo (pois era de mesma substncia) e, por esta razo, os elementos inferiores da natureza foram entregues a si prprios desprovidos de razo, de forma a nada mais ser que simples matria.

    11 Porm o Nos demiurgo, conjuntamente com o Verbo, envolvendo os crculos e fazendo-os girar zumbindo, coloca desta forma em ao o movimento circular de suas criaturas, deixando-as fazer a sua revoluo segundo um comeo indeterminado at um trmino sem fim, pois comea onde se acaba. E esta rotao dos crculos, segundo a vontade do Nos, produziu, tirando-os dos elementos que se precipitavam para baixo, animais irracionais (pois no mantinham o Verbo prximo de si), o ar produziu os volteis e a gua, os nadadores. A gua e a terra foram separadas uma da outra, segundo a vontade do Nos, e a terra fez sair de seu prprio seio os animais que em si mesma retinha - quadrpedes e rpteis, bestas selvagens e domsticas.

    12 Ora o Nos, Pai de todos os seres, sendo vida e luz, criou um ser humano semelhante a ele, pelo qual sentiu tanto amor como por seu prprio filho. Pois o ser humano era muito belo, reproduzido a imagem de seu Pai: pois verdadeiramente de sua prpria forma que Deus tornou-se amoroso e legou-lhe todas as suas obras.

    13 Ora, assim que percebeu a criao que o demiurgo fizera no fogo, o ser humano quis produzir, tambm, uma obra e o Pai deu-lhe permisso. Entrando ento na esfera demirgica, onde deveria ter plenos poderes, percebeu as obras de seu irmo e os Governadores apaixonaram-se por ele e cada um deu-lhe parte de sua prpria magistratura. Tendo ento aprendido a conhecer sua essncia e tendo recebido participao de sua natureza, quis atravessar a periferia dos crculos e conhecer a potncia daquele que reina sobre o fogo.

    14 Ento o Homem, que tinha pleno poder sobre o mundo dos seres mortais e animais irracionais, lanou-se atravs da armadura das esferas e rompendo seu envoltrio fez mostrar Natureza de baixo, a bela forma de Deus. Quando ela o viu, o ser que possua em si a beleza insupervel e toda a energia dos Governadores aliada forma de Deus, a Natureza sorriu de amor, pois tinha visto os traos desta forma maravilhosamente bela do ser humano se refletir na gua e sua sombra sobre a terra. Tendo ele percebido esta forma semelhante a ele prprio na Natureza, refletida na gua, amou-a e quis a habitar. Assim que o quis, foi feito e veio habitar a forma sem razo. Ento a Natureza, tendo recebido nela seu amado, enlaou-o totalmente e eles se uniram pois queimavam de amor.

    15 E esta a razo porque, de todos os seres que vivem sobre a terra, o ser humano o nico que duplo, mortal pelo seu corpo, imortal pelo ser humano essencial. Ainda que seja imortal com efeito, e que tenha poder sobre todas as coisas, sofre a condio dos mortais, submetido como ao Destino, por esta razo, assim que se colocou sob a armadura das esferas tornou-se escravo na mesma; macho e fmea pois nascido de um pai macho e fmea, isento de sono pois proveniente de um ser isento de sono, no era vencido nem pelo amor nem pelo sono.

    16 (N.T. aqui h um truncamento no texto). "Oh! meu Nos. Pois eu tambm sinto amor pelo discurso." - Ento. Poimandres: "O que vou te dizer o mistrio mantido oculto at este dia. A Natureza com efeito, tendo-se unido por amor ao Homem, causou um prodgio surpreendente. O ser humano tinha em si a natureza da conjuno, dos sete compostos, como te disse, de fogo e de sopro; a Natureza ento, incapaz de esperar, procria na hora sete homens correspondentes natureza dos Sete Governadores, machos e fmeas, que elevam-se ao cu." E aps isto: "Oh! Poimandres, verdadeiramente, atingi agora um desejo extremo e queimo de desejo de te entender. No te afastes do assunto!" Mas, Poimandres: "Cala-te ento! No terminei ainda de te apresentar o primeiro ponto." - "Sim, calo-me". - respondi.

    17 "Assim ento, como eu dizia, a gerao desses sete primeiros homens fez-se da seguinte maneira: feminina era a terra, a gua elemento gerador; o fogo levava as coisas maturidade, do ter a Natureza recebia o sopro vital e produziu os corpos segundo a forma Humana. Quanto ao Ser Humano, de vida e luz que era, transformou-se em alma e intelecto, a vida transformando-se em alma, a luz em intelecto. E todos os seres do mundo sensvel permaneceram neste estado at o fim de um perodo e at o comeo das espcies.

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    18 Escuta agora este ponto que queimas de impacincia por ouvir. Findo este perodo, o liame que unia todas as coisas foi rompido pela Vontade de Deus. Pois todos os animais que, at ento, eram ao mesmo tempo machos e fmeas foram separados em dois ao mesmo que os Seres Humanos, e tornaram-se uns machos e outros fmeas. Logo Deus disse uma palavra santa: "Crescei e multiplicai-vos, vs todos, que fostes criados e feitos. E que aquele que possui o intelecto reconhea-se como imortal e que saiba que a causa da morte o amor, e que conhea todos os seres."

    19 Tendo Deus assim falado, a Providncia, por meio do destino e da armadura de esferas, opera as unies e estabelece as geraes e todos os seres se multiplicaram cada um segundo sua espcie e aquele que reconheceu a si mesmo o bem eleito entre todos, enquanto que aquele que manteve o corpo repleto do erro do amor, permanece na Obscuridade, errante, sofrendo nos seus sentidos as coisas da morte".

    20 "Que falta imensa", espantei-me, cometeram ento aqueles que permanecem na ignorncia, para serem privados da imortalidade?": "Tu tens o aspecto, de no ter refletido acerca do que ouviste. No havia eu to recomendado seres atento?" - Presto ateno e me recordo, ao mesmo tempo rendo graas. " - "Se prestaste ateno, dize-me,- porque merecem morrer aqueles que esto na morte?" - "Porque a fonte de onde procede o corpo individual a sombria Obscuridade, de onde vem a Natureza mida, pela qual constitudo no mundo sensvel o corpo, onde espreita a morte".

    21 "Compreendeste bem, amigo. Mas por que razo "aquele que conhece a si mesmo vai para si" como o disse a palavra de Deus?" - "Porque", respondi, " de luz e de vida que constitudo o Pai das coisas, de quem nasceu o Homem." -"Dizes bem: luz e vida, eis o que o Deus e Pai, de quem nasceu o Homem. Se aprendes ento a conhecer-te como sendo feito de luz e vida e que so esses os elementos que te constituem retornars vida." Eis o que me disse Poimandres. - "Mas dize-me ainda, como irei ter com a vida", perguntei, oh! meu Nous? Pois Deus declara: "que o ser humano que tem o intelecto reconhea a si mesmo."

    22 "Todos os homens com efeito possuem intelecto?" - "Vela pela tua lngua, meu amigo. Eu, Nous, mantenho-me prximo daqueles que so bons, puros e misericordiosos, prximo dos piedosos e minha presena torna-se um auxlio para aclaramento de todas as coisas, e tornam o Pai propcio pela via do amor, rendem-lhe graas pelas bnos e pelos hinos, segundo foi ordenado pelo desejo de Deus, em filial afeio. E antes de abandonar seu corpo morte que lhe prpria, detestam seus sentidos, pois conhecem suas operaes. Ainda mais, eu, Nous, no permitirei que as premncias do corpo que, porventura lhes assaltem, tenham fora sobre eles. Pois, em minha qualidade de guardio das portas, fecharei a entrada para as aes ms e vergonhosas, cortando rente as imaginaes.

    23 Quanto aos insensatos, aos maus, aos viciosos, aos invejosos, aos culpados, aos assassinos, aos mpios, mantenho-me longe deles cedendo o lugar ao demnio vingador, que aplicando ao ser humano, inclemente, o aguilho do fogo, e mergulhando nos seus sentidos prepara-o, alm de tudo, para as aes mpias a fim que um maior castigo lhe seja reservado. Tambm este ser humano no deixa de encaminhar seu desejo para apetites ilimitados, lutando nas trevas sem que nada o satisfaa; e isto que o tortura e aumenta sempre a chama do seu tormento."

    24 "Ensinaste-me bem todas as coisas, como eu o desejava, oh! Nous. Mas fala-me ainda da ascenso, tal como ela se produz." A isto Poimandres respondeu: "Agora, na dissoluo do corpo material, deixas esse corpo entregue alterao, e a forma que eras deixa de ser percebida, e abandonas ao demnio teu eu doravante inativo, e os sentidos corporais remontam a suas fontes respectivas, das quais tornam-se partes e so novamente misturados com as energias, enquanto que o irrascvel e o concupiscente vo para a natureza sem razo.

    25 E desta maneira o ser humano se eleva para o alto atravs da armadura das esferas e primeira zona abandona a potncia, de crescer e de decrescer, segunda as tramas da malcia, engano alm de tudo sem efeito; na terceira a iluso do desejo, a partir de agora, torna-se sem efeito; na quarta a ostentao do comando desprovida de seus objetivos ambiciosos; Quinta,

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    abandona-se a audcia mpia e a temeridade presunosa; sexta os apetites ilcitos que d a riqueza, doravante sem efeito; na stima zona desaparece a mentira que prepara siladas.

    26 Ento desnudo do que havia produzido a armadura das esferas, entra na natureza ogdodica, possuindo apenas sua prpria potncia; e canta com os Seres hinos ao Pai, e toda a assistncia se rejubila com ele pela sua vinda. E tornado semelhante a seus companheiros, ouve ainda certas Potncias que assistem sobre a natureza ogdodica, cantando, com uma voz doce, hinos a Deus. E ento, em boa ordem, sobem para o Pai, abandonando-se s potncias, e, tornando-se potncias, entram em Deus. E, agora, porque tardas? No vais agora que herdastes de mim toda a doutrina, fazer-te guia daqueles que so dignos, a fim de que, o gnero humano, graas a tua interveno, seja salvo por Deus?"

    27 Tendo assim falado, Poimandres, sob meus olhos, misturou-se com as Potncias. E eu, quando dirigi ao Pai das coisas aes de graa e bnos, recebi de Poimandres permisso para partir depois de ter sido investido de potncia e instrudo sobre a natureza do Todo e sobre a viso suprema. E comecei a pregar aos homens a beleza da piedade e do conhecimento: "Oh! povos, homens nascidos da terra, vs que sois abandonados embriaguez, ao sono e ignorncia de Deus, sede abstmios, deixai de chafurdar como crpulas, enfeitiados que sois por um sono de besta."

    28 Eles ento, quando compreenderam, juntaram-se unanimemente a mim. E eu lhes disse: "Por que, oh! homens nascidos da terra, deixai-vos merc da morte, se tendes a potncia de participar da imortalidade? Vinde e arrependei-vos, vs que fazeis rota com o erro e tomastes como companhia a ignorncia. Afastai-vos da luz tenebrosa, incorporai-vos imortalidade, tendo deixado uma vez por todas a perdio."

    29 Ento, entre eles, alguns, aps zombarem de mim, foram para o seu lado, pois estavam engajados na via da morte. Mas os outros, lanando-se aos meus ps suplicaram-me que os instrusse. Eu ento, levantei-os e me fiz guia do gnero humano, ensinando-lhes a doutrina, como e por qual meio seriam salvos. E semeei entre eles as palavras da sabedoria e foram nutridos pela gua de ambrsia. Chegando a tarde, quando a luz do sol comeou a desaparecer totalmente, convidei-os a render graas a Deus. E quando completaram as aes de graas, cada um foi dormir no seu leito.

    30 Em mim ficou gravada a benfeitoria de Poimandres, pois que me tinha preenchido com o que eu necessitava, e senti uma alegria imensa. Pois em mim o sono do corpo caa sobre a viglia da alma, a ocluso de meus olhos uma viso verossmil, meu silncio uma gestao do bem, e a expresso da palavra uma linha de boas coisas. E tudo isso me sucedeu porque recebi de meu Nos, isto , Poimandres, o Verbo da Soberania absoluta. E eis-me ento repleto do sopro divino da verdade. Tambm com toda minha alma e com todas minhas foras que ofereo a Deus este louvor.

    31 "Santo Deus, o Pai das coisas. "Santo Deus, cuja vontade suas prprias Potncias cumpre. "Santo Deus que quer que o conheamos e que conhecido por aqueles que lhe

    pertencem. "Tu s Santo, pois que, pelo Verbo, constituste tudo o que . "Tu s Santo, pois de que toda a Natureza reproduziu a imagem. Tu s Santo, pois que no fostes formado pela Natureza. Tu s Santo, pois que s mais forte que toda potncia. "Tu s Santo, pois que s maior que toda excelncia. "Tu s Santo, pois que ests acima

    de todo louvor. "Recebas os puros sacrifcios em palavras que te oferece uma alma pura, um corao

    dirigido para ti, Inexprimvel, Indizvel, Tu que somente o silncio nomeia. Eu Te suplico, que nenhuma cilada haja que este conhecimento pertencente nossa essncia no desfaa: atende-me esta prece e preenche-me de potncia. Ento iluminarei com esta graa os que permanecem na ignorncia, meus irmos, teus filhos. Sim eu tenho a f e testemunho: eu vou para a vida e para

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    luz. Tu s bendito, Pai: aquele que Te pertence quer Te ajudar na obra de santificao, segundo o que Tu lhes transmitiste.

    IIA - DE HERMES A TAT: DISCURSO UNIVERSAL

    Dilogo perdido

    IIB - Ttulo perdido

    1 Todo mvel, Asclpios, no movido em qualquer coisa e por qualquer coisa? - Seguramente. - E no necessrio que aquilo em que o mvel se move lhe seja maior? - necessrio. - O motor, que te parece, mais forte que o mvel? - Mais forte, com efeito. - E isso no qual o mvel se move necessariamente de uma natureza oposta quela do mvel? - Sim, absolutamente.

    2 Agora, to grande este mundo que nenhum corpo no lhe possa ser maior? - De acordo. J-- E ele compacto? Pois est repleto de muitos outros grandes corpos, ou, para dizer melhor, de todos os corpos que existem. - assim. - Ora, o mundo precisamente um corpo? - um corpo. - E um corpo que movido?

    3 - Seguramente. - Qual o tamanho que deve ter o lugar no qual o mundo se move e de que natureza? No deve ser bem maior, para ter condies de conter o movimento contnuo do mundo e para que o mvel no seja comprimido pela estreiteza do lugar e no cesse assim seu movimento? -Ele deve ser qualquer coisa de imenso, oh! Trismegistos.

    4 Mas de qual natureza ser este lugar? Da natureza oposta, no Asclpios? Ora a natureza oposta ao corpo o incorpreo. - Eu convenho. - O lugar ser ento incorpreo. Mas o incorpreo, ou qualquer coisa de divino, isto , no engendrado, ou bem Deus.

    5 Se ento o incorpreo o no engendrado, da natureza da essncia e se Deus ocorrente mesmo sem essncia. Por outro lado inteligvel da seguinte maneira. Deus para ns o primeiro objeto do pensamento, ainda que ele no seja objeto de pensamento para si mesmo (pois o objeto de pensamento cai sob os sentidos daquele que o pensa. Portanto Deus no objeto de pensamento para si mesmo: pois no uma coisa diferente do pensado de sorte que ele pensa a si mesmo.

    6 Para ns contrariamente, Deus alguma coisa de diferente e eis porque objeto de pensamento para ns.) Ora, se o lugar objeto de pensamento, no o enquanto Deus, mas enquanto lugar. E mesmo se o tomarmos como Deus, no enquanto lugar, mas enquanto energia capaz de conter todas as coisas. Todo mvel movido no em qualquer coisa que se move, mas em qualquer coisa em repouso: o motor tambm est em repouso, pois no pode ser movido com aquilo que move.

    - Como ento, oh! Trismegistos, as coisas c de baixo so movidas com as coisas que as movem? Eu te ouvi dizer, com efeito, que as esferas dos planetas so movidas pelas esferas das fixas. - No se trata, Asclpios de um movimento solidrio, mas de um movimento oposto: pois essas esferas no so movidas por um movimento uniforme, mas por movimentos opostos uns aos outros e esta oposio implica um ponto de equilbrio fixo para o movimento:

    7 pois a resistncia parada do movimento. Assim ento as esferas dos planetas sendo movidas em sentido contrrio da esfera das fixas, encontram-se em oposio com a prpria oposio, sendo movidas por ela como estacionria. E no poderia ser de outra forma. Deste modo estas duas Ursas que, como o vs, no possuem nem oriente nem ocidente, e que giram sempre em torno do' mesmo centro, pensas que esto em movimento ou repouso? - Movem-se, oh! Trismegistos. - Com qual movimento, Asclpios? - Com o movimento que consiste sempre em girar em toro dos mesmos eixos. - Sim e o movimento circular no nada mais que o movimento em torno de- um mesmo centro firmemente contido pela imobilidade. Com efeito o

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    movimento em torno de um mesmo centro exlui a possibilidade de um movimento do eixo. De onde vem que o movimento em sentido contrrio detm-se em um ponto fixo, pois tornou-se estaoionrio pelo movimento oposto.

    8 Eu vou to dar um exemplo na terra visvel a olho nu. Veja os viventes perecveis, o ser humano por exemplo, nadando. A gua arrastada pela sua corrente: mas a resistncia dos ps e day mos torna-se para o ser humano estabilidade, de modo que no arrastado com a gua. - Este exemplo muito claro, oh! Trismegistos.

    Todo movimento ento feito numa imobilidade e por uma imobilidade. Assim ento, o movimento do mundo, bem como de todo vivente material deve provir no de causas exteriores ao corpo mas interiores, operando de dentro para fora, quer seja dos inteligveis, quer seja a alma ou o sopro ou qualquer outro incorpreo. Pois um corpo no pode mover um corpo animado nem, de uma maneira geral, nenhuma espcie de corpo, mesmo se este corpo movido inanimado.

    9 Como disseste aquilo, Trismegistos? As peas de madeira ento, e as pedras e todas as outras coisas inanimadas, no so os corpos que os movem? - No, Asclpios. Pois o que se encontra dentro do corpo que motor da coisa inanimada e no esse corpo mesmo, que move de uma s vez os dois corpos, o corpo daquele que porta e o corpo do que portado: eis porque um inanimado no saberia movimentar um inanimado. Vs ento a carga extrema da alma quando, sozinha, deve carregar dois corpos. Desta forma os objetos so movidos dentro de qualquer coisa e por qualquer coisa, evidente.

    10 no vcuo que os objetos mveis devem ser movidos, oh! Trismegistos? - Contenha a lngua, Asclpios. Absolutamente nenhum dos seres so vazios, em razo mesmo de sua realidade: pois um ser no poder ser algum, se no estiver repleto de realidade: ora o que real nunca poder tornar-se vazio. - Mas no existem certos objetos vazios, oh! Trismegistos, como um jarro, um pote, almofarizes e outros semelhantes? - Oh! Que erro imenso, Asclpios, o que absolutamente cheio e repleto tome-o por vazio!

    11 - Que dizes, oh! Trismegistos! - O ar no um corpo? - De fato. - Esse corpo no penetra atravs de todos os seres e no preenche todos pela sua extenso? Todo corpo no constitudo pela mistura dos quatro elementos? Todas essas coisas que dizes vazias, so portanto repletas de ar; se esto repletas de ar, o so tambm dos quatro corpos elementares e eis-nos diante de teu engano: essas coisas que dizes plenas so vazias de ar, seu espao se encontra reduzido por outros corpos de modo que no tem mais lugar para receber o ar. Essas coisas ento que dizes vazias, devem antes ser chamadas de ocas, no vazias, pois do prprio fato de sua realidade esto cheias de ar e de sopro.

    12 - Esta proposio irrefutvel, oh! Trismegistos. O lugar no qual ento se move o universo, que dizemos que ele ? - Um incorpreo, Asclpios. - Mas o que incorpreo? - Um intelecto, que contm inteiramente a si prprio, livre de todo corpo, infalvel, impassvel, intangvel, imutvel em sua prpria estabilidade, contendo todos os seres e os conservando no ser, do qual so como os raios, o bem, a verdade, o arqutipo do esprito, o arqutipo da alma. - Mas Deus, ento, o que ? - aquele que no nenhuma dessas coisas, mas que por outro lado para essas coisas a causa de sua existncia, para tudo e para cada um dos seres.

    13 Pois ele no deixou lugar algum ao no ser; a todas as coisas que existem vm e so a partir de coisas que existem, e no a partir de coisas inexistentes: pois no da natureza das coisas inexistentes vir a ser, mas sua natureza tal que elas no podem ser qualquer coisa, e em contrapartida as coisas que so no podero vir a no ser, jamais.

    14 Que queres dizer com "no ser jamais"? - Deus, ento, no intelecto, mas a causa da existncia do intelecto, e no sopro, mas a causa da existncia do sopro e ele no luz mas a causa da existncia da luz. De modo que sob esses dois nomes que preciso adorar a Deus, pois pertencem somente a ele e a nenhum outro. Pois nenhum dos outros seres chamados deuses, nem os humanos, nem os daimons podem em qualquer grau que seja, ser bons, salvo Deus somente. Ele apenas isto e nenhum outro: todos os outros seres so incapazes de conter a natureza do Bem, pois so corpo e alma e no possuem lugar que possa conter o Bem.

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    15 A amplitude do Bem to grande quanto a realidade de todos os seres e dos corpos, bem como dos incorpreos, dos sensveis e dos inteligveis. Eis o que o Bem, eis o que Deus. No chame nenhuma outra coisa de boa pois isto impiedade, ou d a Deus qualquer outro nome que esse nico nome de Bem, pois isto tambm uma impiedade.

    16 Certamente, todos pronunciam a palavra Bem, mas no percebem o que ela pode ser. Eis porque no percebem tambm o que Deus, mas, por ignorncia, chamam bons os deuses e certos homens, ainda que no o possam ser e nem se tornar: pois o Bem o que menos se pode retirar de Deus, inseparvel de Deus, porque o prprio Deus. Todos os outros deuses imortais so honrados com o nome de Deus. Mas, Deus o Bem, no por uma denominao honorfica mas pela sua natureza. Pois a natureza de Deus apenas uma coisa, o Bem, e os dois juntamente formam uma nica e mesma espcie, da qual saem todas as outras espcies. Pois o ser bom aquele que tudo d e nada recebe. Ora, Deus tudo d e nada recebe. Deus portanto o Bem e o Bem Deus.

    17 A outra denominao de Deus a de Pai, devido virtude que possui de criar todas as coisas: pois ao Pai que cabe o criar. Tambm a procriao das crianas tida pelas pessoas sbias como a funo mais importante da vida e a mais santa, e se v o fato de um ser humano deixar a vida sem procriar como o maior infortnio e o maior pecado, e um tal ser humano punido depois da morte pelos daimons. Eis a pena a que submetido: a alma do ser humano que morre sem filho condenada a entrar em um corpo que no possui a natureza de homem, nem de mulher, o que objeto de execrao por parte do sol. Por esta razo, Aselpios, deves guardar-te de felicitar o ser humano que no possui filhos: contrariamente, apieda-te de sua infelicidade, sabendo qual o castigo que o espera. Mas isto basta, Asclpios, como conhecimento preliminar da natureza de todas as coisas.

    III - DISCURSO SAGRADO DE HERMES

    Glria das coisas Deus e o divino, e a natureza divina. Princpio dos seres Deus - e o intelecto, e a natureza, e a matria, porque ele a sabedoria para a revelao das coisas. Princpio o divino e ele natureza, energia, necessidade, fim, renovao.

    Ora, existe uma obscuridade sem fim no abismo e gua e um sopro inteligente e sutil, tudo isto existente no caos pela potncia divina. Ento surge uma luz santa, e se destacando da substncia mida, os elementos se condensam e os deuses separam os seres da natureza germinal.

    2 Com efeito, quando as coisas estavam indefinidas e no formadas, os elementos leves separaram-se dos outros dirigindo-se para o alto e os elementos pesados repousaram sobre a areia mida; todo o universo foi dividido em partes pela ao do fogo e mantido suspenso de forma a ser veiculado pelo sopro. E viu-se o cu em sete crculos e os deuses apareceram sob forma de astros com todas suas constelaes; a natureza do alto foi ajustada segundo suas articulaes com os deuses que continha em si. E o crculo envolvente movimenta-se circularmente no ar, veiculado no seu curso circular pelo sopro divino.

    3 E cada deus, pelo seu prprio poder, produziu o que lhe foi designado; assim nasceram os animais quadrpedes e os que se arrastam, os que vivem na gua e aqueles que voam, toda semente germinal e a erva; o tenro oscilar de toda flor possui em si a semente da reproduo. E os deuses produziram as sementes que gerariam os humanos, para conhecer as obras divinas e prestar um testemunho ativo natureza; para aumentar o nmero de humanos, para dominar o que existe sob o cu e reconhecer as coisas boas, para crescer e multiplicar-se, e toda alma na carne, pelo curso dos deuses cclicos semeados, para contemplao do cu e do curso dos deuses celestes e das obras divinas e da atividade da natureza, para o conhecimento da potncia divina, para conhecer as entranhas das coisas boas e ms e descobrir toda a arte de fabricar coisas boas.

    4 Desde ento comeou para eles a conduo da vida humana e o adquirir da sabedoria segundo a sorte que lhe determina o curso dos deuses cclicos e de se dissolver naquilo que

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    restar deles, depois de ter deixado na terra grandes monumentos de suas indstrias. Todo nascimento de carne animada ou da semente dos frutos e de toda obra da indstria, tudo que tiver sido diminudo ser renovado, pela necessidade e pela renovao dos prprios deuses, pelo curso do crculo da natureza que regula o nmero.

    Pois o divino a inteira combinao csmica renovada pela natureza, pois no divino que a natureza tem seu lugar.

    IV - DE HERMES A TAT: A CRATERA OU A MNADA

    1 Desde a criao deste mundo pelo Demiurgo, no com as mos, mas pela palavra, concebeu-o como presente e sempre existente e tendo tudo feito e sendo Um-nico, tendo formado os seres pela sua prpria. Pois eis seu verdadeiro corpo, que no se pode tocar, nem ver, nem medir, que no possui dimenso, que no semelhante a nenhum outro corpo. Pois no fogo, nem gua, nem ar, nem sopro, mas as coisas provm de si. Ora, como ele bom, no quis dedicar essa oferenda a si somente, nem para si unicamente ornar a terra, mas enviou para c, como ornamento desse corpo divino, o ser humano, vivente mortal, ornamento do vivente imortal. E se o mundo o situou sobre os vivos pela eternidade da vida, o ser humano situou-o acima do mundo pela razo e pelo intelecto.

    O homem, com efeito, tornou-se o contemplador da obra de Deus e prostou-se maravilhado, aprendendo a conhecer o Criador.

    3 A razo ento, oh! Tat, Deus distribuiu-a em partilha a todos os humanos, mas no fez o mesmo quanto ao intelecto.

    No que ele tenha provado alguns pela inveja, pois a mesma no deriva do alto, mas aqui embaixo que ela se forma nas almas dos humanos que no possuem intelecto. - Por que ento, pai, Deus no estendeu a todos o intelecto? - que ele pretendeu, meu filho, que o intelecto fosse dado s almas como um prmio que quisessem conquistar.

    4 E onde ele o colocou? - Encheu uma grande cratera que havia enviado terra e ordenou a um arauto que proclamasse ao corao dos homens estas palavras: "Mergulha-te, tu que o podes, nesta cratera, tu que crs que subirs para Aquele que enviou terra a cratera, tu que sabes porque vieste a ser."

    Todos aqueles que atentaram proclamao e que foram batizados neste batismo de intelecto, tomaram parte no conhecimento e tornaram-se seres humanos perfeitos porque receberam o intelecto. Aqueles que negligenciaram a escuta da proclamao, aqueles so os "logikoi" porque no adquiriram o intelecto e ignoram porque nasceram e quais os autores disto.

    5 As sensaes desses homens so todas vizinhas daquelas dos animais sem razo e, como seu temperamento permanece num estado de paixo e de clera no admiram as coisas dignas de contemplao, fixam-se apenas nas volpias e apetites corporais e crem que para estas coisas que o ser humano veio a ser. Contrariamente todos aqueles que tiveram parte no dom vindo de Deus, aqueles, oh! Tat, quando se comparam as suas obras com as da outra classe, so imortais e no mais mortais, pois atingiram a todas as coisas pelo seu prprio intelecto, as da terra, as do cu e o que se pode encontrar ainda acima do cu. Tendo-se elevado a uma tal altura, viram o Bem e tendo-o visto, consideraram a permanncia c embaixo como uma infelicidade. Ento, tendo desprezado todos os seres corporais e incorpreos, desejam o UM-nico.

    6 Tal , oh! Tat, a cincia do intelecto, possesso em abundncia das coisas divinas e a compreenso de Deus, pois a cratera divina. - Eu tambm quero ser batizado, pai. - Se no desprezas o teu corpo, meu filho, no podes amar a ti mesmo. Mas se amas a ti mesmo possuirs o intelecto, e possuindo o intelecto ters tambm parte na cincia. - Como dizes isto, pai? - impossvel, meu filho, prender-se ao mesmo tempo a essas duas coisas, s coisas mortais e s coisas divinas. Pois como h duas espcies de seres, o corpreo e o incorpreo, e que essas duas categorias dividem o mortal e o divino, resta apenas escolher uma ou outra, caso se queira

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    escolher: pois no possvel tomar ao mesmo tempo a uma e a outra; e quando s resta escolher, o defeito de uma mostra a potncia ativa da outra.

    7 Portanto, a escolha do melhor no somente mostra sua existncia para aquele que a fez, a mais gloriosa, mas ela diviniza o ser humano, e manifesta ainda a piedade para Deus. Ao contrrio a escolha do pior acarretou a perda do ser humano e por outro lado, se no foi, de resto, uma ofensa a Deus, recaiu pelo menos nisto: como as procisses avanam no meio da turbamulta sem serem capazes de produzir coisa alguma por si mesmas, mas no sem oprimir a marcha dos outros, estes seres humanos verossimilhantemente a elas nada mais fazem que procissionar no mundo, arrastados que so pelas volpias corporais.

    8 J que assim, Tat, ns tivemos e teremos sempre nossa disposio o que vem de Deus: mas que aquilo que vem de ns lhe corresponda e no seja falto, pois Deus, no responsvel, ns que somos responsveis pelos nossos males naquilo em que os preferimos aos bens. Vs, meu filho, quantos corpos nos necessrio atravessar, quantos coros demonacos, e que sucesso contnua e quais cursos de astros para nos lanarmos ao Um-nico? Pois o Bem intransponvel, sem limite e sem fim e relativamente a si prprio, sem princpio tambm, ainda que para ns parea ter um quando o conhecemos. Apossemo-nos portanto desse comeo e percorramo-lo. com todo desejo: pois uma via tortuosa abandonar os objetos familiares e presentes para arrepiar caminho para as coisas antigas e primordiais. Com efeito, isto que aparece aos olhos faz nossas delcias enquanto que o inaparente desperta a nossa dvida. Ora, as coisas ms so mais aparentes aos olhos, o Bem, contrariamente, invisvel aos olhos visveis. No possui efetivamente nem forma, nem figura. por isso que semelhante a si mesmo e dissemelhante de tudo o mais, pois impossvel que um incorporal torne-se aparente a um corpo.

    10 Tal a diferena entre o semelhante e o dissemelhante e a deficincia que afeta o dissemelhante considera particularmente o semelhante. Ora, a mnada, sendo princpio de todas coisas, existe em todas as coisas, enquanto raiz e princpio. Ora nada existe sem princpio. Quanto ao prprio princpio, no sai de nada, a no ser de si mesmo, pois com efeito o princpio de tudo o mais. Sendo ento princpio, a mnada compreende todo nmero, sem ser compreendida em nenhum deles. E engendra todo nmero sem ser engendrada por nenhum outro nmero.

    11 Efetivamente tudo o que engendrado imperfeito e divisvel, extensvel e redutvel, ora, nada disso afeta o perfeito. E se o que extensvel deriva sua extenso da mnada, sucumbe por outro lado sua prpria fraqueza quando no mais capaz de conter a mnada.

    Tal portanto, Tat, a imagem de Deus, que desenhei para ti com o melhor de minhas foras: se a contemplas como , e a representas com os olhos do corao, creia-me, criana, encontrars o caminho que leva s coisas do alto. Ou, antes, a prpria imagem que te mostrar a rota. Pois a contemplao possui uma virtude prpria: queles que uma vez j a contemplaram, toma em sua posse e os atrai a si como, diz-se, o m atrai o ferro.

    V - DE HERMES A SEU FILHO TAT

    Que Deus ao mesmo tempo inaparente e o mais aparente. 1 - Eis ainda uma doutrina, Tat, que eu quero expor totalmente, a fim de que no

    permaneas no iniciado nos mistrios d'Aquele que muito grande por ser chamado Deus. Perceba como o ser que parece maioria inaparente vai tornar-se para ti o mais aparente. Com efeito, ele no poderia existir sempre se no fosse inaparente; pois tudo o que aparente foi engendrado, pois apareceu um dia. Contrariamente o inaparente existe sempre pois no tem necessidade de aparecer: eterno, com efeito, e ele que faz aparecer todas as outras coisas sendo ele mesmo inaparente pois existe sempre. Fez aparecer todas as coisas, mas no aparece, engendra, mas no engendrado, no nos oferece uma imagem sensvel, mas d uma imagem sensvel s coisas. Pois no h apresentao em imagem sensvel alm daquela dos seres engendrados: efetivamente vir a ser aparecer aos sentidos. portanto evidente que o nico no

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    engendrado ao mesmo tempo no suscetvel de se apresentar numa imagem sensvel e inaparente, mas que, como ele d uma imagem sensvel s coisas, aparece atravs de todas e em todas e aparece sobretudo queles aos quais quis aparecer. Portanto, meu filho Tat, ora ao Senhor, Pai e nico, e que no o Um mas fonte do Um, para que se mostre propcio, a fim de que possas alcanar pelo pensamento esse Deus que to grande, para que ele faa luzir nem que seja apenas um de seus raios sobre a tua inteligncia. Somente, com efeito, o pensamento v o inaparente, pois tambm inaparente. Se o podes, ele aparecer ento aos olhos de teu intelecto, Tat, pois o Senhor se manifesta em plena liberdade atravs do mundo inteiro. Podes ver teu pensamento, alcan-lo com tuas prprias mos e contemplar a imagem de Deus? Mas se mesmo o que est em ti, te inaparente, como Deus se manifestar a ti atravs de teus olhos carnais?

    3 Se desejas ver a Deus, considera o sol, considera o curso da lua, considera a ordem dos astros. Quem que os mantm em ordem? Toda ordem supe, de fato, uma delimitao quanto ao nmero e ao lugar. O sol, deus supremo entre os deuses do cu, a quem todos os deuses celestes cedem passagem como a seu rei e dinasta, sim, o sol com seu talhe imenso, ele que maior que a terra e o mar, suporta ter acima de si cumprindo suas revolues os astros menores que ele. A que reverencia ou teme, meu filho? Todos esses astros que esto no cu no cumprem, cada um deles, um curso semelhante ou equivalente? O que determinou para cada um deles o modo e a amplitude do curso?

    4 Veja a Ursa, que gira ao redor de si mesma, arrastando na sua revoluo o cu inteiro: que que possui este instrumento? Que que encerrou o mar em seus limites? Que estabeleceu a terra em seus fundamentos? Pois existe algum, Tat, que o criador e o mestre das coisas. No poderia efetivamente o lugar, ou o nmero, ou a medida serem observados com cuidado se no existisse algum que os tivesse criado. Toda boa ordem com efeito supe um criador, somente a ausncia de lugar e de medida no o supe. Mas esta ausncia mesmo, possui mestre, meu filho. E com efeito, se o desordenado deficiente, no obedece menos ao mestre que no imps ainda a boa ordem ausncia de lugar e de ordem.

    5 Apraz aos cus que te fosse dado asas e o voar, e colocado ao meio da terra e do cu, ver a massa slida da terra, as ondas imensas do mar, os cursos fluentes dos rios, os movimentos livres do ar, a penetrao do fogo, o curso dos astros, a rapidez do cu, seu circuito em redor dos mesmos pontos! Ah que esta vista a mais feliz, criana, quando se contemplam de uma s vez todas essas maravilhas, o imvel posto em movimento, o inaparente tornando-se aparente atravs das obras que criou.

    Tal o ordenamento deste mundo e tal a bela ordem deste ordenamento. 6 Se quiseres contemplar a Deus atravs dos seres mortais, desses que vivem sobre a terra

    e desses que vivem no abismo, considera, meu filho, como o ser humano gerado no ventre materno, examina com cuidado a tcnica dessa produo e aprenda que esta que produz esta bela imagem, esta divina imagem que o homem. Quem traou o crculo dos olhos? Quem fez o buraco das narinas e das orelhas? Quem fez a abertura da boca? Quem esticou os msculos e os prendeu? Quem conduziu os canais das veias? Quem solidificou os ossos? Quem recobriu toda a carne de pele? Quem separou os dedos? Quem alargou a planta dos ps? Quem perfurou os cndutos? Quem fez o corao em forma de pirmide? Quem conjuntou os nervos? Quem ampliou o fgado? Quem fez as cavidades do pulmo? Quem construiu este amplo receptculo do baixo ventre? Quem fez as partes nobres bem em evidncia e escondeu as reservadas?

    7 Veja, quantas tcnicas diferentes aplicadas a uma matria, quantas obras de arte reunidas em uma nica figura, e todas admiravelmente belas, todas exatamente medidas, todas diferentes umas das outras. Quem criou todas essas coisas? Qual me, qual pai seno o Deus, o Deus invisvel que pela sua prpria vontade tudo fabricou? Ningum afirma que uma esttua ou uma pintura possam existir sem escultor ou pintor e esta Criao existiria sem Criador? Oh! cmulo de cegueira, cmulo de impiedade, oh! cmulo de irreflexo! No separa jamais, meu filho Tat, as obras criadas de seu Criador... Antes, ele ainda maior que o que implica o nome de Deus: tal a grandeza do pai de todas as coisas; pois em verdade, ele o nico que pai e isso constitui sua funo prpria: ser pai.

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    9 E mesmo, se me foras a dizer qualquer coisa ainda mais ousada, sua essncia, criar e produzir as coisas e pelo fato de que sem produtor nada pode vir a ser, da mesma forma Deus no poderia existir sempre, se no criasse sempre todas as coisas, no cu, no ar, na terra, no abismo, em toda regio do mundo, no todo do Todo, no ser e no nada. Pois, nesse mundo inteiro, nada existe que no seja ele prprio. Ele ao mesmo tempo as coisas que so e as coisas que no so. Pois as coisas que so ele as faz aparecer e as que no so contm em si mesmo. Ele um Deus muito grande por ter um nome, inaparente e muito aparente; ele que contempla o intelecto, que v os olhos; incorporal, multiforme, e mais claramente omniforme. Nada existe que no seja Ele tambm: pois tudo que , Ele. E portanto tem todos os nomes porque todas as coisas nascem desse nico pai; e portanto tambm da advm o fato de no possuir nenhum nome, porque o pai de todas as coisas.

    Quem ento poder te bendizer, falando de ti ou dirigindo-se a ti? Para onde dirigir o meu olhar quando quero te bendizer, para cima, para baixo, para dentro, para fora? Nenhuma via, nenhum lugar ao meu redor, nem absolutamente nenhum ser: tudo est em ti, tudo vem de ti. Tudo ds e nada recebes: pois tu possuis todas as coisas e nada existe que no possuas.

    11 - Quando eu to cantarei? Pois no posso conceber nem estao nem tempo que te sejam concernentes. E por que cantaria? Pelas coisas que criaste ou pelas coisas que no criastes? Pelas coisas que fizeste aparecer ou que escondeste? Por qual razo eu te cantarei? Como pertencente a mim mesmo, como tendo qualquer coisa de prprio, como sendo outro que tu? Pois tu s tudo o que sou, tu s tudo o que eu fao, tu s tudo o que eu digo. Pois s tudo e nada existe alm de ti, e at o que no existe igual a Ti. s tudo que veio a ser e tudo que no veio a ser, tu s pensamento enquanto pensando, pai, fazendo o mundo, Deus, como energia em ato, bom, pois criou todas as coisas.

    VI - O BEM EXISTE APENAS EM DEUS E EM NENHUMA OUTRA PARTE.

    1 - O Bem no existe, Asclpios, em nada alm de Deus ou melhor, o Bem eternamente

    o prprio Deus. Assim sendo, o Bem deve ser a Substncia de onde procede todo movimento e toda gerao (no existe nenhum ser que seja desprovido dela) e que possui, concentrada sobre si mesma uma energia que mantm em repouso, sem deficincia e sem excesso, plena, soberana, poderosa, na origem de todas as coisas. Pois quando digo que este que tudo pode bom entendo que absoluta e eternamente bom.

    Ora, esta qualidade no pertence a nenhum outro ser seno Deus. Pois no h nada que lhe falte, de modo que nenhum desejo de posse pode torn-lo mau e no h nada entre os seres que possa perder e cuja perda possa amargur-lo (pois o desgosto parte do mal) e nada existe que seja mais forte que ele e que possa trat-lo como inimigo (pois no coerente sua natureza receber qualquer ultraje), nem nada que seja mais belo e possa inspirar-lhe amor, nem nada que lhe recuse obedincia e contra quem tenha de se irritar, nem nada que possa ser mais sbio e despertar o seu cime.

    2 Ento se nenhuma dessas paixes pertence Substncia, que lhe resta seno o Bem somente? Ora, da mesma forma que nenhum daqueles atributos podem ser encontrados numa substncia assim constituda, nenhum dos outros seres possuir o Bem. Com efeito, todos os outros atributos encontram-se em todos os seres, nos pequenos e nos grandes, em cada um dos seres isoladamente e nesse Vivente que maior e mais potente de todos: pois tudo que engendrado est repleto de paixes pois a prpria gerao implica uma afeco. Ora, onde h sofrimento, no existe lugar para o Bem e onde est o Bem nenhum lugar h para a paixo. Onde est o dia, no h lugar para a noite e onde est a noite no h lugar para o dia. esta a razo porque o Bem no tem lugar no que veio a ser, mas somente no no engendrado. Todavia como a matria recebeu por dom a participao em todos arqutipos, recebeu tambm a participao do Bem. desta maneira que o mundo bom, pois produz todas as coisas, de modo que, tendo em

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    vista a sua funo de produzir, bom. Mas para tudo o mais, no bom: e com efeito, passvel e mvel e produtor de seres passveis.

    3 Quanto ao ser humano, o bem se mede nele por comparao com o mal. Pois o mal que no grande, aqui embaixo o bem e o bem daqui embaixo a menor poro do mal. impossvel portanto, que o bem daqui seja inteiramente desprovido de toda malcia: c embaixo, de fato, o bem foi tornado mal; ora tendo sido tornado mal, no pode permanecer sendo bom e se no bom, torna-se mal. Portanto, o Bem s existe em Deus, ou melhor, Deus o prprio Bem. Entre os homens ento, Asclpios, do Bem s se encontra o nome, mas na realidade no se o v em parte alguma. efetivamente impossvel. Pois no h lugar para ele num corpo material que tocado pelo mal, pelas penas e sofrimentos, pelas concupiscncias e as cleras, as iluses e as opinies insensatas. E o pior de tudo Asclpios, que se confia em cada uma das coisas que acabo de dizer como se fora o maior bem, ainda que seja antes de mais nada o mal insupervel. A glutoneria a fautora de todos os males... O engano aqui a ausncia do bem.

    4 Por mim, rendo graas a Deus do que ps em meu intelecto, entre outras coisas, isto ainda relativamente ao conhecimento do Bem, que impossvel que o bem exista no mundo. Pois o mundo a totalidade do mal, como Deus a totalidade do Bem ou o Bem a totalidade de Deus. . . Pois se se encontram sem dvida as excelncias das belas coisas na vizinhana da essncia divina, aquelas que constituem o prprio Deus parecem por assim dizer mais puras ainda e mais autnticas. preciso ousar dizer, Asclpios, a essncia de Deus, se pelo menos possui ele uma essncia, o belo e impossvel aprender o belo-e-bom em nenhum dos seres que esto no mundo. Com efeito, todas as coisas que caem sob o sentido da viso so simplesmente imagens ilusrias e, de algum modo, silhuetas, mas as coisas que no caem sob esse sentido, e sobretudo a essncia do belo e do bem e, da mesma forma que o olho no pode ver a Deus, tambm no pode ver o belo e o bem. Pois estas so partes de Deus, inteiras e perfeitas, propriedades d'Ele somente, particulares a Ele, inseparveis de sua essncia, soberanamente amorveis e das quais preciso dizer que delas o amor de Deus, ou que elas so amantes de Deus.

    5 Se podes conceber Deus, concebers tambm o belo-e-bom, o soberanamente luminoso, o soberanamente iluminado por Deus; pois aquela beleza incomparvel e aquela bondade inimitvel, totalmente o prprio-Deus. Portanto, a idia que fazes de Deus, deves fazer do belo-e-bom, pois, so inseparveis de Deus, essas coisas so incomunicveis aos outros viventes que no Deus. Quando pesquisas a Deus, tambm procura do belo que vais. Pois no existe mais que um caminho daqui at o belo, a piedade acompanhada de conhecimento. Logo, aqueles que no possuem conhecimento e que no seguiram a rota da piedade, tm a audcia de dizer que o ser humano belo e bom, ele que jamais viu, mesmo em sonho, o que pode existir de bom, mas que foi substitudo por toda espcie de mal, e que foi levado at a tomar o mal por bem e tambm emprega o mal sem se satisfazer jamais, temendo ser dele privado, e lutando com todas as suas foras no somente para dele ter possesso como para mais ainda acresc-lo. Tais so as coisas boas e belas no julgamento dos humanos, Asclpios. E no podemos delas fugir nem odi-las: pois o mais penoso que temos necessidade delas e viver sem elas, ser-nos-ia impossvel.

    VII - O MAIOR DOS MALES ENTRE OS HOMENS CONSTITUI IGNORANCIA RELATIVAMENTE A DEUS

    1 "Corai, humanos, brios que sois, tendo bebido at a ltima gota do vinho sem

    mistura da doutrina da ignorncia, que no mais podeis conter, mas que j estais prestes a vomitar. Deixai a embriaguez, parai!

    "0lhai para o alto com os olhos do corao. E se no o podeis todos, pelo menos os que o podem. Pois o mal da ignorncia inunda toda a terra, corrompe a alma aprisionada no corpo, sem permitir-lhe lanar a ncora no porto de salvao. No vos deixeis arrastar pela violncia da onda, mas, aproveitando-vos da contra-corrente, vs que podeis aportar ao porto de salvao,

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    lanai a ncora e buscai um guia que vos mostre a rota at as portas do conhecimento, onde a luz flamejante brilha, livre de toda obscuridade, onde ningum est embriagado, mas todos permanecem sbrios, elevando o olhar do corao para Aquele que quer ser visto. Pois no se deixa ouvir nem descrever e no visvel para os olhos corporais, mas somente ao intelecto e ao corao.

    2 Mas, agora, necessrio que laceres pouco a pouco a tnica que te reveste, o tecido da corrupo, o suporte da malcia, a cadeia da corrupo, a priso tenebrosa, a morte vivente, o cadver sensvel, a tumba que levas para todos os lados contigo, o assaltante que habita em tua casa, o companheiro que pelas coisas que ama te odeia e pelas coisas que odeia, tem cime de ti.

    3 "Tal o inimigo que revestiste como uma tnica, que te estrangula e atira sob si, de modo que, tendo elevado os olhos e contemplado a beleza da verdade e o bem que nela reside, venhas a odiar a malcia do inimigo, tendo compreendido todas as ciladas que preparou contra ti, tornando insensveis os rgos dos sentidos que no aparecem e no so tidos por tal, tendo-os obstrudo pela massa da matria e preenchido de uma voluptuosidade odiosa, a fim de que no possuas ouvidos para as coisas que deves ouvir, nem viso para as coisas que precisas ver"

    VIII - NENHUM DOS SERES PERECE E ERRONEAMENTE QUE SE CHAMAM AS MUTAOES DE DESTRUIES E MORTES

    1 Relativamente alma e ao corpo, meu filho, necessrio dizer de que maneira a alma

    imortal e de que espcie a fora que causa a coeso do corpo e sua dissoluo. Pois a morte nada tem a ver com nenhuma dessas coisas, mas algo forjado sob a denominao de imortal, seja pura fico, seja por privao da primeira letra, utilizando a palavra thnatos em lugar de athnatos. Pois a morte pertence categoria da transformao em nada: ora nada do que existe nesse mundo destrudo. Com efeito, se o mundo segundo deus e um vivente imortal, no se pode conceber que uma parte qualquer desse vivente imortal venha a perecer; pois tudo que existe no mundo parte do mundo e sobretudo o ser humano, o animal possuidor do Logos.

    2 Sobre todos os seres, realmente, est Deus, eterno, iningendrado, criador do Universo; em segundo lugar o que foi feito pelo Primeiro sua imagem e que por ele conservado, nutrido e dotado de imortalidade, pois feito de um pai imortal, eterno. Deus no foi, com efeito, engendrado por um outro: mesmo que se o suponha, o foi por ele mesmo. Mas, de fato, jamais foi engendrado, ele se engendra eternamente. Como o deus o deus que tudo, o Pai, sendo nascido de si mesmo, eterno, o mundo, sendo proveniente do Pai nascido de um deus e imortal, e tudo o que ele possui de matria e que lhe foi reservado pela sua vontade, esse todo, o Pai o fez em forma de corpo e, tendo-lhe dado volume, o fez de forma esfrica, tendo-lhe atribudo esta mesma qualidade, sendo a matria eterna a sua materialidade eterna. Alm do mais, aps haver disseminado as qualidades das formas especficas no interior da esfera, o Pai encerrou-as a como num antro, para ornar de toda qualidade o ser assim qualificado graas a seus cuidados e envolveu-o de imortalidade a fim de que, mesmo que ela quisesse separar-se do conjunto desse corpo, a matria no pudesse se dissolver na desordem que lhe prpria. Pois, assim que a matria no esteja integrando a constituio de um corpo, meu filho, est em desordem e mesmo, aqui embaixo, conserva um movimento circular relativamente aos pequenos corpos dotados de qualidades em geral, e a capacidade de se aumentar, e a faculdade de diminuir o que os humanos chamam morte.

    4 Esta desordem produz-se exclusivamente nos viventes terrestres. Pois, para os viventes celestes, seus corpos possuem uma ordem nica, aquela que lhes foi assignada pelo Pai desde o princpio; e esta ordem foi conservada indissoluvelmente pelo retorno de cada um a seu lugar de origem. Quanto ao retorno dos corpos terrestres a seu lugar primeiro, a dissoluo do conglomerado, e esta dissoluo consiste em um retorno aos corpos indissolveis, quer dizer aos corpos imortais: e desta forma produz-se uma perda de conscincia mas no uma destruio dos corpos.

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    5 O terceiro vivente o homem, que foi feito imagem do mundo e que diferentemente dos outros animais terrestres, possui o intelecto segundo a vontade do Pai, e no somente est unido ao segundo deus por um liame de simpatia, mas ainda toma inteligncia do primeiro Deus. Aquele percebido pela sensao, como corpo; este apreendido pela inteligncia como incorporal e intelecto, o Bem. - Este vivente no destrudo? - Cala-te, meu filho, e percebe o que Deus, o que o mundo, o que um vivente imortal, o que um vivente indissolvel e compreende que o mundo foi feito por Deus e que permanece em Deus, e que o humano foi feito pelo mundo e que permanece no mundo e que Deus que causa, envolve e mantm unidas as coisas.

    IX - SOBRE A INTELECO E A SENSAO

    (O BELO-E-BOM RESIDE APENAS EM DEUS E EM NENHUMA OUTRA PARTE.)

    1 Ontem, Asclpios, fiz conhecer o meu "Discurso Perfeito". Hoje, necessrio que eu d

    seqncia quele discurso, expondo a doutrina da sensao. Segundo a opinio comum, sensao e inteleco diferem nisto: uma de natureza material, e outra de natureza essencial; segundo minha opinio, ao contrrio, as duas perfazem apenas uma e no comportam distino, isto , entre os humanos, pois se entre os outros animais a sensao se une natureza, entre os humanos una-se, por outro lado, inteleco. (O intelecto difere da inteleco da mesma forma que Deus da atividade divina. Com efeito, a atividade divina produzida por Deus e a inteleco produzida pelo intelecto, sendo irm de logos. Ou melhor, a inteleco e o logo so instrumentos um do outro: pois nem o discurso (logos) enunciado sem inteleco, nem a inteleco manifestada sem o concurso do logos.)

    A sensao e a inteleco presentificam-se no ser humano conjuntamente, quase enlaadas uma outra. Pois nem o conhecimento intelectual possvel sem a sensao, nem a percepo sensvel sem a inteleco. - Mas poder-se-ia conceber uma inteleco sem sensao, como a representao das vises imaginrias durante os sonhos? - Parece-me, quanto a mim, que essas duas faculdades desapareceram na viso dos sonhos, enquanto que na viglia, a inteleco sempre est unida sensao. Pelo menos a sensao se encontra dividida entre o corpo e alma, e quando essas duas partes da sensao se renem em comum acordo, ento a inteleco enunciada pela palavra, uma vez que foi gerada pelo intelecto.

    3 Com efeito, o intelecto gera todos os conceitos, conceitos bons quando recebe as sementes de Deus, conceitos contrrios quando de um dos seres demonacos, pois no existe um lugar do mundo que no seja habitado por um daimon, o qual vindo se insinuar no intelecto, semeia a essncia de sua energia prpria. E o intelecto gera ento o que foi semeado: adultrios, assassnios, sevcia nos pais, sacrilgios, atos de impiedade, suicdios por enforcamento ou atirando-se nos precipcios, e coisas semelhantes, so obras do daimons.

    4 Quanto s sementes de Deus, so pouco numerosas, mas grandes, belas e boas: a virtude, a temperana e a piedade. A piedade o conhecimento de Deus e aquele que aprendeu a conhecer a Deus, repleto que est de seus bens, tem inteleco de Deus e elas no so semelhantes da massa. Por esta razo, aqueles que permanecem no conhecimento no agradam massa e esta tambm no o agrada. Parecem tomados pela demncia e so expostos chacota pblica, so odiados e desprezados e pode-se at mat-los. Pois, eu j o disse, o mal deve necessariamente habitar c embaixo, aqui est seu domnio prprio: seu domnio com efeito a Terra, no o mundo como muitos diro com um propsito blasfematrio. Todavia o humano temente a Deus saber tudo suportar porque tomou conscincia do conhecimento. Para um tal humano as coisas so boas, mesmo aquelas que so ms para os outros. Quando lhe preparam emboscadas e armadilhas, relaciona tudo com o conhecimento e o nico de todos os humanos que torna os males em bens.

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    5 Retomo novamente a teoria da sensao. prpria do humano portanto a reunio, em, si, ntima da sensao e da inteleco. Mas como j disse mais acima, nem todo humano possui a inteleco. Pois h dois tipos de seres humanos: o material e o essencial. Um, o material, associado ao mal, recebe, como j disse, dos demnios a semente da inteleco, os outros so associados ao bem essencialmente. Deus os mantm a salvo. Deus, o construtor do universo, quando fez todos os seres, f-los semelhantes, mas aqueles, aps terem sido criados bons, diferiram pela maneira como usaram sua atividade. Pois o movimento do mundo, por sua frico d s geraes tal ou qual qualidade, empesteando alguns pela malcia, purificando os outros pelo bem. Pois o mundo, Asclpios, tem tambm sua sensao e sua inteligncia prprias, no semelhantes quelas do ser humano, nem sob a relao da variedade, mas em geral mais forte e mais simples.

    nica , com efeito, a sensao e a inteleco do mundo, fazer as coisas e desfaz-las, como instrumento da vontade de Deus que o criou realmente em forma de instrumento a fim de que conservando em seu seio todas as sementes que recebeu de Deus, produza em si mesmo todos os seres eficazmente, pois, dissolvendo-os, renova-os e que na seqncia, tendo esses seres sido assim. dissolvidos, como um bom semeador de vida, pelas mutaes que acarreta seu prprio movimento, fornece a todos renovao. Nada existe que no tenha sido engendrado pelo mundo; pelo seu prprio movimento vivifica todos os seres e , ao mesmo tempo, o lugar e o criador da vida.

    Todos os corpos so feitos de matria, mas de uma maneira diversa, uns da terra, outros da gua, ou de ar, ou de fogo. Todos so corpos compostos, segundo uma frmula mais complexa ou mais simples: os mais complexos so os corpos mais pesados, os mais simples os corpos mais leves. a rapidez do movimento do mundo que causa a diversidade qualitativa das geraes. Pois o sopro do mundo, sucedendo-se sem interrupo, oferece continuamente aos corpos qualidades novas, e existe apenas um todo, o todo da vida.

    8 Assim ento Deus o pai do mundo, e o mundo o pai dos seres que existem no mundo; o mundo o filho de Deus e os seres que esto no mundo so provenientes do mundo. correto, portanto, que o mundo tenha sido chamado uma ordem (kosmos): pois do conjunto dos seres, compe-se uma ordem pela diversidade da gerao, e pela continuidade da vida, e pela infatigvel constncia de sua operao pelo movimento rpido da necessidade e pela combinao dos elementos e pela boa ordem de tudo o que vem a ser. Portanto, por uma espcie de necessidade e com uma inteira convenincia que o mundo pode ser chamado kosmos. Assim, entre todos os viventes a sensao e a inteleco se introduzem de fora, como uma brisa surgindo da atmosfera; mas o Mundo, este as recebeu de uma vez por todas no instante em que veio a ser, e de Deus quem as recebeu e ele que as mantm.

    Quanto a Deus, ele no desprovido de sensao e de inteleco, como alguns o pensaro - por um excesso de reverncia que eles blasfemam. Pois os seres que existem, Asclpios, esto em Deus, sendo produzidos por Deus e dependendo de seus filhos, enquanto recebe a compulso do bem pelo canal do sol. Pois o Bem que o princpio eficiente: esta qualidade no pode aparecer em nenhum outro que no ele mesmo, que jamais recebe coisas, mas que quer a existncia das coisas. Eu no direi, Tat, "quem faz os seres"; pois aquele que faz pode ser deficiente durante longos intervalos enquanto faz e no faz; pode ser deficiente relativamente qualidade e quantidade, pois faz tais qualidades e tais quantidades e ao mesmo tempo seus contrrios. Mas Deus o Pai e o Bem naquilo em que as coisas existem. 4 - Assim quanto cabe aquele que pode "ver". Pois disso tambm, Deus, quer a existncia, e disso mesmo sobretudo que a causa. Verdadeiramente, todo o resto existe s para isso: pois a marca prpria do Bem, que o Bem seja conhecido, Tat. - Tornaste-nos repletos, pai, da boa e completamente bela viso, e pouco preciso para que o olho de meu intelecto renda homenagem sob a influncia de uma tal vista. - Sem dvida, pois no da viso do Bem como do raio solar, que pela sua natureza gnea deslumbra os olhos pela sua luz, e os fora a se fechar; contrariamente esta viso ilumina, e isso tanto mais quanto mais se capaz de receber o influxo do esplendor inteligvel. Mais agudo que o raio solar para nos penetrar, por outro lado, inofensiva e repleta de toda

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    imortalidade, to bem que aqueles que a podem se abeberar desta viso freqentemente caindo no sono e se destacando do corpo, chegam viso mais bela tal como ocorreu a Uranus e Cronos, nossos ancestrais. Possa-nos tambm assim suceder, meu pai! - Apraz a Deus, meu filho. Mas agora, ainda somos muito fracos para chegar a essa viso; ainda no temos fora suficiente para abrir os olhos de nosso intelecto e contemplar a beleza daquele Bem, sua beleza imperecvel, incompreensvel. Quanto nada mais puderes dizer, somente ento que v-la-s. Pois o conhecimento que se toma silncio divino, inibio de nossos sentidos. E aquele que a percebeu uma vez no pode perceber nenhuma outra, o que a contemplou uma vez nenhuma outra pode contemplar e no pode ouvir falar de nada alm e, em suma, no pode mesmo mover o corpo: pois, perdendo a conscincia de toda sensao, de todo movimento corporal, permanece em repouso; e esta beleza tendo banhado com sua luz todo intelecto, a alma toda que tambm ilumina e que atrai atravs do corpo, assim transformando o ser humano inteiro na Essncia. Pois impossvel, meu filho, que a alma que contemplou e beleza do Bem seja divinizada enquanto permanecer num corpo humano.

    Que queres dizer por "ser divinizada", pai? - Toda alma separada, meu filho, sofre metamorfoses. - Mas ento, que queres dizer por "separada"? - "No escutaste nas Lies Gerais que de uma s Alma, a Alma do Todo, que surgiram todas essas almas que turbilhonam no mundo como distribudas em suas partes? Dessas almas ento, numerosas so as metamorfoses de uma para uma sorte mais feliz, de outras para uma sorte contrria: pois as almas inferiores passam para animais aquticos, as almas aquticas em animais terrestres, as almas terrestres em volteis, as almas areas em humanos, enfim as almas humanas fazem sua entrada na imortalidade transformando-se em daimons, e depois neste estado passando no corao dos deuses (h dois coraes de deuses - o dos astros errantes e dos fixos). E tal a glria mais perfeita da alma. Todavia, a alma que entra num corpo humano e permanece no vcio, no experimenta a imortalidade, no toma parte no Bem, mas levada para trs e percorre inversamente a rota seguida, a que conduz at aos rpteis: tal a sentena de condenao da alma viciosa.

    Ora, o vcio da alma a ignorncia. Realmente quando uma alma no adquiriu nenhum conhecimento dos seres, nem de sua natureza, nem do Bem, quando cega, sofre os embates violentos das paixes corporais. Ento a infeliz, para ignorar-se a si mesma, torna-se escrava de corpo monstruoso e perverso, carrega seu corpo como um fardo, no comanda, sendo comandada. Tal o vcio da alma.

    9 Ao contrrio, a virtude da alma o conhecimento: pois aquele que conhece bom e piedoso, j divino. - Que espcie de humano esse, pai? - o humano que fala pouco e pouco escuta. Pois aquele que perde seu tempo a disputar e a ouvir as novas golpeia o ar, filho. De fato, Deus, o Pai e o Bem, no se deve ensinar pela palavra nem aprender pela audio. Nestas condies, se todos os seres possuem os rgos dos sentidos por no poderem viver sem eles, o conhecimento difere muitssimo da sensao. A sensao s se produz na dependncia do objeto que nos impressiona, ao passo que o conhecimento a perfeio da cincia, que por si s um dom de Deus. Pois toda cincia incorprea, e ento o instrumento do qual ela se serve o prprio intelecto que, a seu turno se serve do corpo. Ambos os objetos inteligveis e os materiais entram no corpo. Pois tudo deve resultar da oposio e da contrariedade; impossvel ser de outra forma, quer exeram sua atividade por meio dos corpos quer se movam por meio de uma substncia psquica, que sejam vivificados por meio de um sopro ou ainda mesmo que nelas recebam tudo o que morto: e isso razovel. Ou mais ainda, declaro que ele no os contm, mas para dizer a verdade, diria que ele todos os seres, no os adiciona a si mesmo a partir do exterior, ele que os d de si mesmo e os produz para o exterior. Esta pois a sensao e a inteleco de Deus: sempre mover todos os seres e jamais haver um tempo no qual; seja l o que for daquilo que existe ser abandonado; na verdade, quando digo "daquilo que existe", quero dizer "de Deus"; pois Deus contm nele mesmo tudo o existe, e nada est fora dele e ele de nada est fora.

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    10 Tais coisas, Asclpios, se possusses a inteligncia, te pareceriam verazes, mas se no tens o conhecimento, ser-te-o incrveis. Pois ter tido f, ter feito um ato de inteligncia e ter faltado f, ter faltado inteligncia. Pois o logos no consegue progredir at a verdade. Mas o intelecto, sendo poderoso, e aps ter sido guiado at o ponto da rota pelo logos, pode progredir at a verdade. Ento, tendo abarcado com uma mesma viso todos os seres, descobrindo que tudo est de acordo com o que foi explicado pelo discurso, acredita e encontra seu repouso nesta nobre crena. Para aqueles ento que compreenderam, graas ao Dom de Deus, essas palavras, so ento crveis, mas para aqueles que no as compreenderam, permanecem incrveis. Eis quanto basta no que tange a inteleco e a sensao.

    X - A CHAVE (DE HERMES TRISMEGISTOS)

    1 - Foi a ti Asclpios, que dediquei o discurso de ontem. O de hoje, deve ser por justia, dedicado a Tat, pois este discurso apenas um resumo das Lies Gerais que desenvolvi para ele. Deus todavia, o Pai, Tat, tem a mesma natureza; ou melhor, a mesma atividade que o Bem. Pois o termo natureza se aplica ao fato de impelir a crescer, o que se verifica apenas nas coisas mutveis e mveis, enquanto que o termo atividade alcana as coisas imveis tambm, isto , alcana as coisas divinas e humanas, e por si mesmo transforma a energia, como mostramos anteriormente relativamente s coisas divinas e humanas, ensinamentos que ser-te-o necessrios manter na mente quanto a este assunto.

    2 - Ora, a atividade de Deus, sua vontade e sua essncia de querer a existncia das coisas. Que efetivamente Deus, o Pai, o Bem, seno o ser das coisas, ainda que atualmente no sejam, como digo, a prpria realidade de tudo o que ? Eis o que Deus, eis o que o Pai, eis o que o Bem, ao qual no se d nenhuma outra qualificao. Pois se o mundo, tanto quanto o Sol, pai dos seres que so por participao, todavia no para os viventes, na mesma medida que Deus, a causa do Bem, e no mais ainda, da vida, e se for a sua causa, unicamente sob coero do bem-querer, sem o qual nada pode existir nem vir a Ser.

    3 - O pai s o autor da gerao e da subsistncia de seus filhos, enquanto recebe a compulso do bem pelo canal do sol. Pois o Bem que o princpio eficiente: esta qualidade no pode aparecer em nenhum outro que no ele mesmo, que jamais recebe coisas, mas que quer a existncia das coisas. Eu no direi, Tat, "quem faz os seres", pois aquele que faz pode ser deficiente durante longos intervalos enquanto faz e no faz; pode ser deficiente relativamente qualidade e quantidade, pois faz tais qualidades e tais quantidades e ao mesmo tempo seus contrrios. Mas Deus o Pai e o Bem naquilo em que as coisas existem.

    4 - Assim quanto cabe aquele que pode "ver". Pois disso tambm, Deus, quer a existncia, e disso mesmo sobretudo que a causa. Verdadeiramente, todo o resto existe s para isso: pois a marca prpria do Bem, que o Bem seja conhecido, Tat.

    - Tornaste-nos repletos, pai, da boa e completamente bela viso, e pouco preciso para que o olho de meu intelecto renda homenagem sob a influncia de uma tal viso. - Sem dvida, pois no da viso do Bem como do raio soltar, que pela sua natureza gnea deslumbra os olhos pela sua luz, e os fora a se fechar; contrariamente esta viso ilumina, e isso tanto mais quanto mais se capaz de receber o influxo do esplendor inteligvel. Mais agudo que o raio solar para nos penetrar, por outro lado, inofensiva e repleta de toda imortalidade, to bem que aqueles que a podem se abeberar desta viso freqentemente caindo no sonho e se destacando do corpo, chegam viso mais bela tal como ocorreu a Uranus e Cronos, nossos ancestrais. - Possa-nos tambm assim suceder, meu pai! - Apraz a Deus, meu filho. Mas agora, ainda somos muito fracos para chegar a essa viso; ainda no temos fora suficiente para abrir os olhos de nosso intelecto e contemplar a beleza daquele Bem, sua beleza imperecvel, incompreensvel. Quando nada mais puderes dizer, somente ento que v-la-s. Pois o conhecimento que se toma silncio divino, inibio de nossos sentidos.

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    6 E aquele que a percebeu uma vez no pode perceber nenhuma outra, o que a contemplou uma vez nenhuma outra pode contemplar e no pode ouvir falar de nada alm e, em suma, no pode mesmo mover o corpo: pois, perdendo a conscincia de toda sensao, de todo movimento corporal, permanece em repouso; e esta beleza tendo banhado com sua luz todo intelecto, a alma toda que tambm ilumina e que atrai atravs do corpo, assim transformando o ser humano inteiro na Essncia. Pois impossvel, meu filho, que a alma que contemplou a beleza do Bem seja divinizada enquanto permanecer num corpo humano.

    Que queres dizer por "ser divinizada", pai? - Toda alma separada, meu filho, sofre metamorfoses. - Mas ento, que queres dizer por "separada"? - "No escutaste nas Lies Gerais que de uma s Alma, a Alma do Todo, que surgiram todas essas almas que turbilhonam no mundo como distribudas em suas partes? Dessas almas ento, numerosas so as metamorfoses de uma para uma sorte mais feliz, de outras para uma sorte contrria: pois as almas inferiores passam para animais aquticos, as almas aquticas em animais terrestres, as almas terrestres em volteis, as almas areas em homens, enfim as almas humanas fzem sua entrada na imortalidade transformando-se em `daimons', e depois neste estado passando no corao dos deuses (h dois coraes de deuses - o dos astros errantes e dos fixos).

    8 E tal a glria mais perfeit da alma. Todavia, a alma que entra num corpo humano e permanece no vcio, no experimenta a imortalidade, no toma parte no Bem, mas levada para trs percorre inversamente a rota seguida, e que conduz at aos rpteis: tal a sentena de condenao da alma viciosa.

    Ora, o vcio da alma a ignorncia. Realmente quando uma alma no adquiriu nenhum conhecimento dos seres, nem de sua natureza, nem do Bem, quando cega, sofre os embates violentos das paixes corporais. Ento a infeUz, para ignorar-se a si mesma, torna-se escrava de corpo monstruoso e perverso, carrega seu corpo como um fardo, no comanda, sendo comandada. Tal o vcio da alma.

    9 Ao contrrio, a virtude da alma o conhecimento: pois aquele que conhece bom e piedoso, j divino. - Que espcie de ser humano essa, pai? - o ser humano que fala pouco a pouco escuta. Pois aquele que perde seu tempo a disputar e a ouvir as nov s golpeia o ar, filho. De fato, Deus, o Pai e o Bem, no se dei~a en~inar pela palavra nem aprender pela audio. Nestas condies, se todos os seres possuem os rgos dos sentidos por no poderem viver sem eles, o conhecimento difere muitssimo da sensao. A sensao s se produz na dependncia do objeto que nos impressiona, ao passo que o conhecimento a perfeio da cincia, que por si s um dom de Deus.

    10 Pois toda cincia incorprea, -- ento o instrumento do qual ela se serve o prprio intelecto que, e seu turno se serve do corpo. Ambos os objetos inteligveis e os materiais entram no corpo. Pois tudo deve resultar da oposio e da contrariedade; impossvel ser de outra forma.

    - Qual ento esse deus material? - o mundo, que belo, mas que no bom. feito de matria e facilmente afetado; o primeiro dentre todos os passivos, s o segundo na srie dos seres sendo isoladamente incompleto; tendo ele mesmo comeado a ser, no obstante subsistindo sempre, subsiste no devir; e assim sempre no devir, o das qualidades e das quantidades: pois movimento e todo movimento da matria o vir a ser.

    11 A imobilidade inteligvel detm o movimento da matria da seguinte maneira. Sendo o mundo uma esfera, quer dizer, uma cabea, e como acima da cabea nada h de material assim como sob os ps nada h de inteligivel sendo tudo material, e como o intelecto a cabea, cabea movida por um movimento circular, ou seja do movimento prprio cabea - as coisas que ento ligadas membrana dessa cabea onde se acha a alma so por natureza imortais: e como o corpo foi feito por assim dizer na alma, elas tm tambm mais alma do que corpo-Tudo o que est distanciado da membrana mortal, por ter mais corpo do que alma. Assim tod o vivente como o prprio universo composto de material e de inteligvel.

    O mundo ento o primeiro. Quanto ao homem, segundo vivente depois do mundo, mas o primeiro dos mortais, possui em comum com os outros viventes o princpio de animao; por

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    outro lado no simplesmente no-bom, mas, mau enquanto mortal. O mundo no-bom pois mvel, mas no-mau enquanto imortal. O homem, contrariamente, duplamente malvado, pois mvel e mortal. A alma do ser humano veiculada da seguinte maneira. O intelecto est contido na razo discursiva (logos), a razo (logos) na alma, a alma no sopro: enfim o sopro passando atravs das veias, das artrias e do sangue coloca em movimento o vivente e pode-se dizer, at certo ponto, que o porta.

    Esta a razo de alguns pensarem que a alma o sangue, mas enganam-se quanto sua natureza: no sabem que preciso que o sopro tenha se retirado e permanecido na alma, depois que o sangue tenha se coagulado e que ento, as veias e as artrias tendo se esvaziado, faam perecer o vivente. Nisto consiste a morte do corpo.

    Todo o universo depende de um nico Princpio, e esse Princpio depende do UM-nico. O Princpio est em movimento a fim de tornar-se princpio, enquanto que o Um, somente, permanece imvel e estvel. Existem ento estes trs seres, Deus, o Pai e o Bem, o mundo e o ser humano. O mundo est contido em Deus, o ser humano no mundo. O mundo filho de Deus e o ser humano filho do mundo, por assim dizer: neto de Deus.

    Deus no ignora o homem, pelo contrrio conhece-o bem e quer por este ser conhecido. Somente isto salutar para o ser humano, o conhecimento de Deus. Esta a via para o Olimpo. Somente por ele a alma torna-se boa. Mas no permanece boa para sempre, torna-se m: necessariamente. - Como dizes, Trismegistos? - Considera a alma de uma criana, meu filho: enquanto ela no foi separada de seu verdadeiro ser e que o corpo ao qual pertence tem apenas um pequeno volume, no atingiu seu pleno desenvolvimento, como bela ento, nesta hora em que no foi tocada pelas paixes do corpo e que est ainda quase presa Alma do Mundo! Mas quando o corpo atingiu o seu volume e atirou, arrastou a alma para baixo rumo ao peso corporal, a alma tendo sido separada de seu verdadeiro ser, gera o esquecimento: nada mais tem a haver com o belo-e-bom e o esquecimento que a torna m.

    A mesma coisa acontece queles que saem do corpo. A alma tendo retornado a seu verdadeiro ser, o sopro se contrai no sangue, a alma no sopro e o intelecto aps ter se purificado de seus envoltrios, pois divino por natureza, e aps ter recebido um corpo de fogo (de daimon), percorre, todo o espao, abandonando a alma ao julgamento e veredito que merece. - Como dizes, pai? Pretendes que o intelecto se separe da alma e a alma do sopro, quando dizes que a alma o envoltrio do intelecto e o sopro o envoltrio da alma?

    Aquele que escuta, meu filho, deve manter uma mesma inteligncia e sopro que aquele que fala, deve ter um ouvido mais pronto do que a voz daquele que fala. A conjuno desses envoltrios, minha criana, produz-se num corpo de terra. Pois impossvel para o intelecto instalar-se nu, como na sua essncia, em um corpo de terra: pois nem o corpo de terra capaz de portar uma imortalidade to grande, nem uma virtude to possante permitir que se lhe prenda, pouco a pouco, um corpo passivo. O intelecto tomou ento a alma como envoltrio, e a alma que tambm de algum modo divina, utilizou por sua vez o sopro como servidor, enquanto que o sopro governa o vivente. Quando o intelecto se separa do corpo de terra, reveste-se rapidamente da tnica que lhe prpria, a tnica de fogo, que no pode usar quando veio se estabelecer no corpo terrestre (pois a terra no pode conter o fogo: basta uma pequena fasca para faz-la arder e eis porque a gua se expande em torno da terra, como barreira e muro de defesa contra o fogo flamgero.). O intelecto ento sendo o mais penetrante dos conceitos divinos, possui como corpo o mais penetrante de todos os elementos, o fogo. E como o intelecto o fautor de todos os seres, o fogo que toma como instrumento para esta fabricao. O intelecto do Todo o fautor de todos os seres, o intelecto do ser humano faz, to-somente, os da terra. Pois, desprovido de sua 'vestimenta ignea, o intelecto que habita nos homens incapaz de perfazer os seres divinos pois sua habitao lhe impe a condio humana. Quanto alma humana, no toda alma para dizer a verdade, mas a piedosa, de alguma forma daimonaca (de daimon) e divina. Essa alma, ento quando se separa do corpo aps ter percorrido o curso da piedade (N.T. - esse curso consiste em conhecer o divino e no fazer mal a nenhum dos seres humanos), torna-se totalmente intelecto. Contrariamente a alma mpia permanece no nvel de sua prpria natureza, torturando a si prpria

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    e procurando um novo corpo de terra no qual possa penetrar, mas um corpo humano: pois nenhum outro corpo saberia conter uma alma humana e a ordem divina interdita alma humana o cair num corpo de animal sem razo. com efeito uma lei de Deus que a alma humana seja protegida de um to grande ultraje.

    Mas ento, pai, como a alma humana punida? - Existe maior tortura para a alma humana, criana, que a impiedade? Que fogo tem uma chama to grande quanto a impiedade? Que besta to devoradora, para mutilar um corpo, tanto quanto a impiedade mutila a alma? No percebes os suplcios de uma alma mpia que grita por socorro; e se lamenta: "Eu queimo, estou em chamas: que dizer, que fazer, eu no sei. Sou devorada, infeliz, pelos males que me possuem. No vejo mais, nem ouo." No so estes os gritos de uma alma que se pune? Ou vais, minha criana, segundo a opinio vulgar, acreditar, que a alma ao sair do corpo transformada em besta, o que um srio engano?

    21 Eis com efeito qual o castigo da alma. ordem estabelecida que o intelecto assim que se torne daimon, receba um corpo de fogo para ser colocado ao servio de Deus que sendo introduzido numa alma muito mpia, flagela-a com os aoites reservados aos pecadores, sob os golpes dos quais a alma mpia precipita-se nos assassinos, ultrajes, calnias e violncia de toda sorte, instrumentos das injustias humanas. Quando, contrariamente, o intelecto ingressa numa alma piedosa, guia-a para a luz do conhecimento e a alma assim favorecida nunca deixa de cantar a Deus e de estender suas bnos para todos os homens por benefcios em palavras e obras, imitao de seu pai.

    22 Tambm, criana, quando rendes graas a Deus, deves pedir a obteno de um bom `intelecto'. A alma tambm pode passar a um corpo superior, mas impossvel que passe a um corpo inferior. Existe uma comunho entre as almas: as almas dos deuses entram em comunho com as dos homens, as almas dos homens com as dos seres sem razo. - Os seres superiores cuidam dos seres inferiores, os deuses dos seres humanos, os seres humanos dos animais sem razo, Deus de todos: pois superior a todos e todos lhe so inferiores. O mundo submisso a Deus, o ser humano ao mundo, os seres sem razo ao homem; Deus, est acima de todos os seres a vela por todos. As energias so como os raios de Deus, as foras da natureza como raios do mundo, as artes e as cincias como os raios do homem. As energias agem atravs do mundo e atingem o ser humano pelo canal dos raios fsicos do mundo; as foras da natureza agem por meio dos elementos e os homens por intermdio das artes e das cincias.

    23 E tal o governo do Todo, governo dependente da natureza do Um e que penetra por toda parte por intermdio nico do intelecto. Nada h de mais divino e mais ativo que o intelecto, nada de mais apto para unir os homens aos deuses e os deuses aos homens. O intelecto o Bom Daimon.

    Feliz a alma que est plena deste intelecto, infortunada e que est totalmente desprovida dele.

    - Que queres dizer com isto, pai? - Crs, minha criana, que toda a alma possui intelecto, quero dizer, o bom? Pois deste que falamos e no o intelecto servidor, do qual falamos mais acima, que enviado para c pela Justia.

    Sem intelecto, realmente, a alma "no pode nada dizer nem nada fazer." Freqentemente, na verdade, acontece que o intelecto se afasta da alma e, nestas horas, a alma no v, nem escuta, mas assemelha-se a um animal, to grande a potncia do intelecto! Por outro lado o intelecto no pode suportar uma alma torpe, mas abandona esta alma presa ao corpo e sufocada por ele c embaixo. Essa alma, meu filho, no possui intelecto nem se deve chamar de "ser humano" um tal ser. Pois o ser humano um vivente divino, que no deve ser comparado ao resto dos viventes mortais, mas queles do alto, no cu, que se chamam deuses. Ou melhor, preciso ousar dizer a verdade, ainda acima desses deuses que est estabelecido o ser humano realmente humano ou, pelo menos, existe completa igualdade de poder entre uns outros.

    25 Realmente nenhum dos deuses celestes deixar a fronteira do cu e descer sobre a terra, o ser humano contrariamente se eleva at ao cu e o mede, e sabe o que est em cima no cu, o que est embaixo, e aprende todo o resto com exatido e, maravilha suprema, no precisa

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    deixar a terra para se estabelecer no alto, to longe se estende seu poder! preciso ento ousar dize-lo, o ser humano terrestre um deus mortal, o deus celeste um ser humano imortal. tambm por intermdio dessa dupla, o mundo e o ser humano que as coisas existem, mas foram produzidas pelo Um.

    XI - DE NOS A HERMES

    Retenha bem meu discurso, Hermes Trismegistos, e mantenha na memria o que te digo. Quanto a mim, no hesitarei a declarar o que me vai no esprito. - Falou-se bem e muito relativamente ao Todo, a Deus e estes assuntos so contraditrios, tanto que no consegui, no que me concerne, apreender a verdade: esclarea-me sobre o assunto, Senhor. Pois a ti e a ti somente que me ser possvel crer, se desejas desvelar-me a questo.

    Escuta ento, o que concerne a Deus e ao Todo. Deus, a eternidade, o mundo, o tempo, o futuro. Deus fez a Eternidade, a Eternidade fez o mundo, o mundo fez o tempo, o tempo fez o

    futuro. De Deus, a essncia por assim dizer (o bem, o belo, a beatitude) a sabedoria; da eternidade a identidade; do mundo a boa ordem; do tempo a mudana; do futuro a vida e a morte. Deus tem por energia o intelecto e a alma; a Eternidade a durao e a imortalidade; o mundo o apocatastasis e o apocatastsis oposto; o tempo o crescimento e o decrescimento; o futuro e qualidade e a quantidade. Assim a Eternidade est em Deus; o mundo na Eternidade, o tempo no mundo, o futuro no tempo. E enquanto a Eternidade se mantm imvel em Deus, o mundo est em movimento na Eternidade o tempo se cumpre no mundo e o futuro se desenrola no tempo

    3 Deus portanto a fonte das coisas, a Eternidade lhes essncia e o mundo a matria. A Eternidade a Potncia de Deus, e a obra da Eternidade o mundo, que no tem comeo, mas que continuamente no futuro pela ao da Eternidade. Eis porque tudo o que est nesse mundo no perecer jamais (pois a Eternidade imperecvell nem ser destrudo, porque o mundo est totalmente envolvido pela Eternidade. - Mas o que a Sabedoria de Deus? - o bem e o belo e a beatitude e a