correio appoa 195 miolo · 2016. 12. 3. · correio appoa l outubro 2010 6. notícias. outubro 2010...
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e tecem p
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ra. “Prim
eiro era o verbo”, conform
e o bíblico João, ou
“antes d
e tud
o era o ato”, conform
e Goeth
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logo respon
der qu
e não h
á oposição n
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as fórmu
las. Ele reú
ne, assim
,
no m
esmo tecid
o, os atos de p
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agem qu
e comp
romete o
sujeito em
seus atos. N
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a trama tam
bém estão an
alista e analisan
te,
no cam
po con
stituíd
o de d
izeres e fazeres. De ou
tro lado, Lacan
busca n
o
Sem
inário d
edicad
o ao tema, o estatu
to do ato, com
o se ele fosse ún
ico,
com p
ropried
ades esp
ecíficas e localiza aí a possibilid
ade d
e um
verda-
deiro com
eço. Trata-se n
um
a análise d
e mu
ito dizer até qu
e o ato se torne
possível ou
o ato é aquilo qu
e perm
ite que as p
alavras digam
de u
m su
jei-
to? O qu
e vem an
tes, verbo ou ação, falar ou
fazer? Op
ções não exclu
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tes,
tais pergu
ntas alu
dem
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emin
ário concebe a resp
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álise:
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voltar de ou
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onto d
e partid
a, não reen
contran
do n
un
ca,
porém
, o pon
to mítico d
o início. D
iz aind
a Lacan qu
e o fim d
e análise
acontece qu
and
o se rodou
em circu
ito, mais d
e um
a vez, ou seja, qu
e se
reencon
trou aqu
ilo de qu
e se é prision
eiro. No fin
al, embora, h
aja um
reencon
tro, o sujeito é origin
al, quer d
izer, alud
e à singu
laridad
e próp
ria
ao ato analítico e ao com
eço enqu
anto fu
nd
ação de u
m n
ovo. De tessitu
ra
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ica, de voltas e avan
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a lingu
agem e d
os atos, um
final
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álise prod
uz u
m su
jeito inéd
ito.
Para exemp
lificar este ined
itismo, Lacan
se vale da h
istória de C
ésar
e o atravessamen
to do R
ubicão. R
ubicão era o n
ome an
tigamen
te utiliza-
do d
o rio na Itália S
etentrion
al, que corria p
ara o mar A
driático. N
o sécu-
lo I a. C., este rio form
ava a linh
a de fron
teira entre a Itália e a p
rovíncia
roman
a da G
ália Cisalp
ina. E
m 49 a. C
., o futu
ro dirigen
te roman
o Júlio
César fez a su
a famosa travessia d
o Ru
bicão, dep
ois do S
enad
o roman
o
tê-lo proibid
o de en
trar na Itália com
seu exército. Tal m
edid
a visava a
imp
edir qu
e os generais m
anobrassem
grand
es contigen
tes de trop
as no
nú
cleo do Im
pério R
oman
o, evitand
o riscos à estabilidad
e do p
oder cen
-
tral. Qu
and
o Júlio C
ésar atravessou o R
ubicão, em
persegu
ição a Pomp
eu,
violou a lei, torn
and
o inevitável o con
flito e a deflagração d
e um
a guerra
civil. A exp
ressão “atravessar o Ru
bicão” passou
a ser usad
a desd
e então
para referir a qu
alquer p
essoa que tom
e um
a decisão arriscad
a de m
anei-
ra irrevogável, sem volta.
Lacan evoca C
ésar e o Ru
bicão para con
siderar qu
e o ato não é qu
al-
quer ação, p
osto que é u
ma ação sign
ificante. O
ato não se refere à m
agni-
tud
e do obstácu
lo, mas sim
ao valor significan
te que o acom
pan
ha. C
ésar
não p
erman
ece igual d
epois d
o ato, pois ele d
á lugar a algo in
aud
ito.
“Ultrap
assar o Ru
bicão não tin
ha, p
ara César, u
ma sign
ificação militar
decisiva. M
as, em com
pen
sação, ultrap
assá-lo era entrar n
a terra-mãe, a
terra da R
epú
blica, aquela em
que abord
ar era violar. (...) No terren
o do
ato há tam
bém certa u
ltrapassagem
, ao evocar essa dim
ensão d
o ato re-
volucion
ário e caracterizá-lo como d
iferente d
e toda a eficácia d
a guerra
e que se ch
ama su
scitar um
novo d
esejo” (lição 10 de jan
eiro de 1968).
En
fim, n
a trama d
o dizer e fazer, in
cluem
-se ato e significan
te, tra-
vessia dos obstácu
los imp
ostos pelo fan
tasma, n
ovo lugar, d
esejo renova-
do e su
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ado. A
í estão algun
s dos elem
entos qu
e as Jornad
a
Clín
icas da A
PP
OA
preten
dem
tecer, percorrer.
Jo
rna
da
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línic
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IZE
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FAZ
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AN
ÁLISE
06 e 07 de n
ovembro d
e 2010
Cen
tro de E
ventos d
o Hotel P
laza São R
afael
Av. A
lberto Bin
s, 514 – Porto Alegre – R
S – B
rasil
Freud
abre o século X
X p
ropon
do n
os capítu
los da Psicop
atologia da
Vid
a Cotid
iana u
ma reviravolta n
a forma d
e pen
sar os esquecim
entos, os
lapsos, as d
escontin
uid
ades qu
e se apresen
tam com
frequên
cia em n
osso
dia a d
ia. Toma seu
traço de en
igma e p
ropõe su
a decifração com
a aten-
ção flutu
ante d
e um
pesqu
isador qu
e busca os d
etalhes m
ais sutis, p
ara
além d
as evidên
cias. Lacan, a p
artir desta obra freu
dian
a, destaca os atos
falhos, o ato sexu
al e a passagem
ao ato prop
ond
o “esse estranh
o par d
e
palavras”, o ato p
sicanalítico. In
terroga: O qu
e é para o p
sicanalista u
m
ato? Qu
al é sua p
arte no jogo? S
eria a interp
retação? Seria a tran
sferência?
Se Freu
d in
augu
ra um
a nova ord
em com
o incon
sciente, Lacan
, no S
emi-
nário X
V, faz um
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ulan
do a d
ivisão $ <>
a como efeito d
o
discu
rso do p
sicanalisan
te, a partir d
o ato analítico n
a transferên
cia.
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04.
notíc
ias.
Lacan in
terromp
eu seu
Sem
inário “O
Ato Psican
alítico” no calor d
os
acontecim
entos d
e maio d
e 68 em Paris, qu
and
o foi cham
ado a tom
ar
posição e o fez em
ato, jun
tand
o-se às barricadas d
os estud
antes. C
om
isso ind
icou qu
e todo ato p
orta um
a face de su
bversão, de m
ovimen
to, de
abertura d
o incon
sciente. O
ato é transgressivo n
a med
ida em
que, ao
romp
er com o estabelecid
o, inau
gura u
m n
ovo começo, p
rodu
z um
a alte-
ração a partir d
a qual já n
ão há m
ais retorno p
ossível. É “o qu
e autoriza a
tarefa psican
alisante”. Faz su
rgir a ambigu
idad
e que m
arca o sujeito em
relação ao saber, divid
ido em
sua h
iância fu
nd
amen
tal, que n
ão se revela
a não ser em
sua face d
e descon
hecim
ento.
Nossa Jorn
ada C
línica com
partilh
a com Freu
d e Lacan
a prop
osição
de tram
ar – na op
eração analítica – ato, fazer, d
izer e significan
te. Com
o
esses conceitos se d
istingu
em e se con
jugam
na an
álise nos d
iferentes
lugares d
e analisan
te e analista? C
omo se com
binam
na an
álise de crian
-
ças? Qu
ais especificid
ades d
o ato e da lin
guagem
na in
fância? E
nas d
e-
mais clín
icas, quais as fu
nções d
o dizer e d
o fazer na cu
ra psican
alítica?
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Mesa 1
Um
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Ester T
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Fernan
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Carlos H
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e Kessler – A
PP
OA
9h45
Con
ferência La logica d
el acto en la exp
eriencia d
el analisis
Isidoro V
egh – E
scuela Freu
dian
a de B
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os A
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Intervalo
11h 15
Mesa 2
Ratos
Elain
e Starosta Fogu
el – AP
PO
A
(Des)ato
Ad
ão Luiz Lop
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osta – AP
PO
A
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14h30
Con
ferência Las in
tervencion
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nalisis d
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Alba Flesler – E
scuela Freu
dian
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os Aires
15h45
Mesa 3
Vid
a privad
a e o objeto a-ato: Lacan e Tolstoi
Ed
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dré d
e Sou
sa – AP
PO
A
Cad
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tem o an
alista que m
erece
Ricard
o Gold
enberg – A
PP
OA
Intervalo
17h30
Con
ferência Faça!
Jacques Laberge – In
tersecção Psicanalítica d
e Brasil - R
ecife
07/11 DO
MIN
GO
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NH
Ã
9h30
Mesa 4
A relíqu
ia: o ato diz algo
Maria A
uxiliad
ora Pastor Su
dbrack – A
PP
OA
O ato d
e Lacan
Liz Nu
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amos – A
PP
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Efeitos d
o discu
rso: notas sobre o sign
ificante p
sicanálise
na cu
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Robson
de Freitas Pereira – A
PP
OA
Intervalo
11hC
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cia – Ato e actin
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e “Zelig” até “A
rosa
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Alfred
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Du
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este texto, um
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e pergu
ntou
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ha “escola”. A
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agação insp
irou-m
e a interrogar qu
e escola é a
institu
ição psican
alítica e como se d
á a transm
issão da p
sicanálise, a p
ar-
tir da su
bversão mu
ito particu
lar que ela op
era das n
oções de saber e
sujeito, ao su
stentar qu
e o saber não é o con
hecim
ento e qu
e o sujeito n
ão
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ivídu
o, mas o d
o incon
sciente.
Ap
oiei-me n
a lógica que Lacan
traz no sem
inário d
o Ato p
sicanalíti-
co. Ele é con
temp
orâneo d
a prop
osição do p
rocedim
ento d
o passe, d
e 09/
10/67, e é consecu
tivo ao da Lógica d
o fantasm
a, no qu
al formu
la que
“não h
á ato sexual”, p
ois há u
ma fen
da irred
utível en
tre os parceiros. O
conceito d
e ato surge com
o algo novo, rad
ical no cam
po p
sicanalítico,
ressituan
do o qu
e organiza a form
ação. Qu
al o estatuto d
o psican
alista e
1 Artigo elaborado a partir de trabalho apresentado pela autora na Jornada de Abertura da APPOA, em abril de 2010.
Mu
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e e
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ere
ço
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ico
Lucy Lin
hares d
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gmail.com
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$110,00 R
$140,00
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R
$150,00
Profissionais
R$140,00
R$180,00
* Estudantes de GRADUAÇÃO e recém form
ados até 2 anos, mediante com
provação.** Se houver vagas
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– Horário d
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e segun
da à qu
inta-fei-
ra, das 8h
30min
às 21h30m
in e sextas-feiras, d
as 8h30m
in às 20h
.
– Inscrições m
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te dep
ósito bancário p
ara o Ban
co Ban
risul: agên
-
cia: 0032, conta-corren
te: 06.039893.0-4 ou B
anco Itaú
, agência: 0604,
conta-corren
te: 32910-2. Neste caso, en
viar, por fax ou
e-mail, o com
pro-
vante d
e pagam
ento d
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reench
ido p
ara a inscrição ser efeti-
vada.– E
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perior.
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anejad
o. Se a ligação d
e significan
te a significan
te é a que
subjetiva e é n
essa ligação que se d
esdobra a exp
eriência an
alítica, então,
é na p
rópria d
etermin
ação do su
jeito que o ato in
cide, ap
ós o qual o $ n
ão
será mais o m
esmo.
Qu
al é a essência d
o que o p
sicanalista op
era por seu
ato? Lacan
retoma Freu
d, “A
psicop
atologia da vid
a cotidian
a”, dem
onstran
do qu
e
na d
imen
são do ato, seja falh
o, sintom
ático ou acid
ental, n
ão se tratará
jamais sen
ão do sign
ificante a bu
scar leitura, qu
e só pod
e ser efetuad
a à
posteriori. D
estaque p
ara o termo: n
achträglich, a posteriori. Ele é fu
nd
a-
men
tal na an
álise e na form
ação, constitu
ind
o o temp
o de elaboração.
Não sabem
os do ato qu
e o analista leva a cabo, sen
ão pelos efeitos, só
dep
ois. Não h
á nad
a que ele p
ossa saber antecip
adam
ente à fala d
o
analisan
te.
Ap
agado qu
anto à ativid
ade, lh
e cabe interrogar as relações d
o ser
com a fala. S
ua resp
onsabilid
ade, n
a transferên
cia, não se refere à in
ter-
venção em
qualqu
er contexto in
tersubjetivo, n
o nível d
as relações de ob-
jeto, mas ao d
iscursivo. Freu
d m
encion
a, na “In
terpretação d
os sonh
os”,
que ao an
alisá-los algo era deixad
o em su
spen
so, send
o semp
re ali que
um
a verdad
e ficava retida, in
du
zind
o a erros de in
terpretação. O
verda-
deiro p
asso, essencial qu
anto ao ato, p
ostula Lacan
, precisa ser d
ado p
ara
clarear a noção, a fu
nção d
o descon
hecim
ento, d
a babaquice, p
ara ressal-
tar a pertin
ência e o valor d
o lapso, d
a dim
ensão d
o chiste. “É
preciso
trazer a verdad
e ao camp
o do O
utro, p
elo chiste, d
imen
são aberta somen
-
te quan
do a su
spen
são deixa o sign
ificante em
seu jogo”.
“O in
teresse fascinan
te desses d
ois capítu
los é que n
o ato sintom
áti-
co, o prim
eiro a ser situad
o por Freu
d, h
á algo de origin
al, há u
ma abertu
-
ra, um
traço de lu
z, algo de in
un
dan
te que p
or mu
ito temp
o não voltará a
se fechar”. V
emos a extrem
a acolhid
a de Freu
d e Lacan
para com
o sinto-
ma, tom
and
o-o por u
m lad
o como fracasso d
o que é sabível p
elo sujeito,
mas, p
or outro, com
o algo que sem
pre rep
resenta algu
ma verd
ade, con
s-
de seu
ato? O qu
e lhe au
toriza? O qu
e perm
ite instalar u
ma an
álise, como
se desd
obra e o que seria o seu
términ
o? A qu
estão se imp
un
ha n
aquele
mom
ento e Lacan
ressalta que a p
assagem d
o analisan
te a psican
alista
resulta d
e um
a mu
tação do d
esejo, já que n
ão se trata se realiza-lo, mas
de en
gajar-se na p
rática a partir d
o desejo d
o analista.
Já de in
ício, Lacan d
iz que vem
os o ato na en
trada d
e um
a análise.
Ela exige o ato d
e se decid
ir e aí se opera u
m fran
queam
ento. In
stalar-se
como p
sicanalista tam
bém con
stitui u
m ato, “qu
and
o chega ao p
onto d
e
que este p
ossa inscrever-se em
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lugar”, p
or exemp
lo, nu
ma in
stitui-
ção. Ou
, o incon
sciente sem
pre existiu
, mas qu
and
o Freud
reconh
ece seus
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e forma in
contestável n
a cultu
ra falamos d
a fun
da-
ção da p
sicanálise com
o ato. Aí, h
ouve algo d
a escritura, sem
pre im
plicad
a
nu
m ato.
E fu
nd
ar um
a institu
ição psican
alítica constitu
i um
ato, já que a h
is-
tória da p
sicanálise está rep
leta de in
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nd
adas e d
issolvidas
nu
m p
iscar de olh
os? A fu
nd
ação da A
PP
OA
constitu
iu e ap
ós seus 20
anos n
os pergu
ntam
os o que foi fran
quead
o então?
Para desd
obrar a ind
agação sobre o que é o ato p
sicanalítico, Lacan
diz qu
e para aced
er a um
saber é preciso con
siderar a d
imen
são da verd
a-
de in
conscien
te do d
esejo. A isso n
ão acedem
os por u
m saber p
rescritivo
e introd
uz, ain
da, u
ma d
iferença d
e prin
cípio em
relação à un
iversidad
e.
Diz qu
e se vêm ou
vi-lo é porqu
e têm a im
pressão d
e que ali se en
un
cia
algo que p
oderia ter con
seqüên
cias. O p
rincíp
io do qu
e cham
ou en
sino
de facu
ldad
e é que tu
do é p
osto em circu
lação de form
a tal que n
ão tenh
a
conseqü
ências, n
ão ocasione d
esorden
s. Pois, na p
sicanálise, o ato tem
conseqü
ências, elas estão d
o lado d
o psican
alisante, d
a subversão d
o su-
jeito; não visa recon
fortar e não in
cide em
fatos da vid
a, mas em
sua
posição d
iscursiva. O
estatuto d
o sujeito n
ão se realiza senão n
a lingu
a-
gem, em
sua estru
tura, e o ato an
alítico não a d
eixa intacta. H
á, portan
to,
desord
em, p
ara que o fan
tasma, a relação d
o sujeito ao objeto qu
e o alie-
ou
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a.
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tua
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rio X
V d
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enh
um
analista p
oderia saber e só em
erge quan
do o an
alisante fala.
Um
analista só p
ode ligar u
ma cad
eia até então d
esconh
ecida. A
í está o
que con
stitui a d
ificuld
ade d
a análise e d
o ensin
o da p
sicanálise. C
omo
curar e en
sinar, se o p
sicanalista, p
or defin
ição, não sabe e n
ão disp
õe de
prescrições? C
ada u
m p
recisa haver-se com
a singu
laridad
e de su
a traje-
tória. A cu
ra deriva, p
ois, do exercício d
a palavra e n
ão é possível en
si-
nar, sen
ão transm
itir um
a experiên
cia de in
vestigação do in
conscien
te.
“Se o an
alista faz algo é simu
lar que sabe, e seu
ato de sim
ulação é
causa d
e um
processo n
o qual ele p
isa em falso p
ara renovar a p
resença
do su
jeito”, fazer surgir a m
isteriosa relação do $ ao objeto qu
e o aliena.
Esta su
posição en
gend
ra algo parecid
o com o am
or, qu
e não será
correspon
did
o, mas in
staurará o circu
ito da d
eman
da e colocará em
cir-
culação a p
alavra. O ato d
o analista é aceitar ser su
porte d
a sup
osição
que au
toriza o sujeito a am
ar e falar e, na in
stituição, a p
rodu
zir. Am
pa-
rado u
nicam
ente n
o desejo d
o analista, d
e extrair da fala o con
teúd
o
incon
sciente, ele in
staura a exp
eriência d
iscursiva qu
e se end
ereça ao
Ou
tro, nu
nca à su
a pessoa, d
and
o garantias p
ara o amor d
e transferên
cia
se desd
obrar. “É u
ma su
posição ú
til para en
gajar o sujeito n
a tarefa e
fazer entrar em
jogo o Ou
tro. Há u
m qu
e já sabe”. Este é seu
estatuto e
dessa p
osição em falso qu
e o caracteriza, o analista, su
stentad
o apen
as
pelo d
esejo do an
alista, só se autoriza p
elo eco, pelo efeito d
e seu ato.
Não h
á autorização an
tecipad
a, fora do laço tran
sferencial e d
a emer-
gência d
o saber não sabid
o do in
conscien
te. Não existe, em
nen
hu
m
lugar, S
.s.S., m
uito m
enos p
ara o analista. N
o entan
to, seu ato é u
ma
profissão d
e fé no S
.s.S.
Esta é a estru
tura d
o ato para Lacan
, dar su
porte à tran
sferência. E
tal
estrutu
ra ele põe em
ato peran
te o pú
blico que vem
ouvi-lo, n
um
a opera-
ção clara de tran
smissão. E
le diz: “N
ão posso oferecer-lh
es nad
a em troca
de su
a presen
ça”, mas p
ede qu
e lhe en
derecem
pergu
ntas e observações,
que in
diqu
em com
o o escutam
, estabelece um
meio d
e trocas, perm
ite
titui u
m d
izer, como criação. Logo, n
ão pod
e ser disp
ensad
o, pois tem
fun
ção. Am
bos conclu
em qu
e se trata de abrir as vias ao qu
e do sexu
al
escapa à ap
reensão n
a lingu
agem.
Lacan se p
ergun
ta semp
re a quem
se end
ereça e diz qu
e seu m
odo d
e
ensin
o se organiza fora d
a transm
issão de u
m saber n
ormativo, o d
os ins-
titutos d
e então. É
da tran
smissão d
e um
estilo que se trata, p
onto qu
e
para a A
PP
OA
é fun
dam
ental garan
tir. Nas socied
ades qu
e men
ciona, o
analista é con
strangid
o a susten
tar um
discu
rso abusivam
ente d
idático,
que n
ão tem a ver com
os problem
as prop
ostos pela exp
eriência cotid
ia-
na. C
omo organ
izar um
ensin
o que n
ão mascare o qu
e fica semp
re oculto
nas p
sicanálises d
itas did
áticas? É esta a qu
estão que p
residiu
a fun
dação
da A
PP
OA
e dirige n
ossos pressu
postos d
e formação.
A p
rincip
al das qu
estões a diferen
ciar como p
rincíp
io do seu
ensin
o
é o que Lacan
acentu
a: “O qu
e pod
e ser o fim d
a psican
álise did
ática, já
que seu
términ
o é burocraticam
ente p
ré-determ
inad
o? O qu
e seria o tér-
min
o de u
ma op
eração que tem
relação com a verd
ade”? N
aquele m
ode-
lo, seria possível con
ceber o fim com
o resto da an
álise da tran
sferência?
E o qu
e é a análise d
a transferên
cia? Não é sen
ão a elimin
ação do
sujeito su
posto ao saber. C
itação de Lacan
: “... no cu
rso do fazer p
sicana-
lisante, n
a camin
had
a em d
ireção ao que d
iz respeito ao h
orizonte, à m
i-
ragem, ao p
onto d
e chegad
a... de saíd
a o psican
alisante tom
a seu bastão,
carrega seu alforje, p
ara ir ao encon
tro, ao encon
tro marcad
o com o su
jei-
to sup
osto saber”. Assim
começa u
ma an
álise, este começo d
etermin
a seu
desd
obramen
to e o que p
recisará ser resolvido d
a transferên
cia ao final.
Mas, o an
alisante n
ão susp
eita que a este en
contro m
arcado o S
.s.S
não com
parecerá, p
orque ele é u
m artefato. N
o entan
to, é preciso su
pô-lo.
O an
alista simu
la que a p
osição do S
.s.S. seja su
stentável, p
orque n
essa
sup
osição está a ún
ica possibilid
ade d
e acesso à verdad
e que o $ só en
tre-
ga ao sup
or que o an
alista sabe do qu
e o determ
ina, qu
and
o de fato o qu
e
o determ
ina su
stenta-se ap
enas n
um
a cadeia articu
lada d
e significan
tes,
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.13
co
rre
io A
PP
OA
l ou
tub
ro 2
01
012.
tem
átic
a.
Pro
du
çõ
es
tex
tua
is: S
em
iná
rio X
V d
e L
ac
an
.
respon
sável por d
eixar o analisan
te trabalhar e o an
alista man
ifestar-se
apen
as na d
imen
são do ato e d
a interp
retação, só se susten
ta no fato d
e
que se su
põe qu
e o psican
alista tenh
a chegad
o ao términ
o da an
álise,
quan
do ad
vém a castração e seu
analista n
ão é mais S
.s.S. Pon
to de vira-
da d
e psican
alisante a p
sicanalista, “referen
te de tod
a comp
etência an
a-
lítica”. Esta con
cepção d
a transferên
cia é nova. “É
esta estrutu
ra do ato,
seu verd
adeiro n
ó na fu
nção d
o S.s.S
., que p
recisamos con
hecer p
ara sa-
ber o que se p
assa no cam
po lim
itado qu
e é a psican
álise”.
O ato se d
efine p
or ser corte nu
ma cad
eia, logo, o fim d
a análise n
ão
pod
eria ser concebid
o a não ser n
a lógica de u
m corte, op
erado p
ela trans-
ferência n
a transferên
cia, desp
rend
end
o o sujeito d
a alienação ao objeto
do fan
tasma, n
a cena em
que se vê com
o objeto do O
utro. T
rata-se para o
analista d
e faltar ao encon
tro marcad
o com o S
.s.S, p
ara comp
arecer em
Ou
tro lugar, p
ois não h
á encon
tro possível.
“O qu
e se torna o S
.s.S? S
eguram
ente, ele cai”. S
ó pod
e aceitar a su-
posição d
e saber o analista qu
e aceitar que cairá e for cap
az de fazer com
o analisan
te o luto d
os significan
tes que su
stentam
o eu id
eal, caso con-
trário, man
terá a alienação. É
da articu
lação do ato com
a verdad
e, com o
saber insabid
o, que Lacan
parte p
ara avançar. O
saber (enqu
anto con
he-
cimen
to) lembra, é u
ma fu
nção im
aginária, u
ma id
ealização. Nu
nca sa-
bemos tan
to quan
to sup
omos. A
verdad
e, ao contrário, está n
o lugar d
o
Ou
tro, acessível à investigação.
Vem
os que se n
ão há p
aridad
e na tran
sferência, con
jun
ção, há con
ju-
gação do ato e d
a tarefa, através do a, com
o termo m
édio. O
objeto a é
efeito do d
iscurso d
o psican
alisante, “d
ecisivo para tu
do o qu
e diz resp
ei-
to à estrutu
ra do in
conscien
te e à interven
ção analítica”. O
psican
alista
“por estar em
posição d
e a, faz girar tud
o que d
iz respeito ao d
estino d
o $,
na relação com
a verdad
e”. Lacan d
iz que o an
alista não p
ossui, m
as faz
semblan
te desse objeto. E
le se faz de olh
ar, de voz, d
e fezes a reter ou
expu
lsar, de falo a con
quistar, torn
and
o possível a op
eração. Ele n
ão é
objeto, nem
saber, é semblan
te.
que os in
teressados in
screvam su
a presen
ça e man
ifestem seu
desejo. Q
ue
tomem
a palavra e n
ão se apegu
em ao saber qu
e sup
õem n
ele. Assim
,
Lacan faz com
parecer su
a castração e, por efeito, a d
os ouvin
tes.
É o qu
e faz o psican
alista. Sem
significação e sem
formu
lar qualqu
er
dem
and
a põe o vazio em
jogo, sabend
o que o resíd
uo in
conscien
te, ao
qual o su
jeito é inap
to para acessar, é a verd
ade, qu
e não se revela sen
ão
em d
etermin
adas con
dições. E
o que Lacan
transm
ite é que a castração
do an
alista é imp
rescind
ível a estas cond
ições, na an
álise e na tran
smis-
são. A castração, d
iz ele, “imp
lica só que o su
jeito aceda ao qu
e não tem
.
Ele n
ão tem o órgão qu
e prom
overia o gozo ún
ico, un
ário, un
ificante, ele
não tem
nad
a que seja o U
M qu
e faria o gozo na con
jun
ção dos sexos”. A
análise tran
scorre tentan
do in
screver esta falta. Portanto, ir até o seu
fim
é o que abre p
ara a chan
ce de aced
er à castração, “ún
ico referente” qu
e,
segun
do Lacan
, autoriza a p
assagem à p
sicanalista. E
le diz algo m
arcante:
“a pressa é o qu
e deixa escap
ar a verdad
e”. O térm
ino d
a operação tem
a
ver com a p
assagem d
este objeto a (olhar, voz, fezes, falo), d
o lugar ilu
só-
rio de u
nificação p
ara, inscrito com
o perd
ido, op
erar como cau
sa de d
e-
sejo. O $ é efeito d
a inscrição d
essa perd
a e é preciso qu
e ele faça essa
transição, via am
or de tran
sferência, p
ara saber o que lh
e falta, ún
ico
saber possível ao d
eparar-se com
seu fan
tasma.
“É p
reciso que h
aja um
ato que seja criad
or, e que esteja ali u
m n
ovo
começo, qu
e não se in
stitui per se”, e sem
pre se coloca qu
and
o há “n
eces-
sidad
e de tran
sferir algo à ordem
do sign
ificante”. O
$, apartad
o do objeto
a é a criação.
Ou
tro pon
to nu
clear na n
oção de ato é a bip
artição que Lacan
estabe-
lece entre fazer e ato: qu
em faz é o an
alisante. É
ele quem
fala o temp
o
todo, qu
e toma o bastão e em
preen
de a cam
inh
ada. É
um
fazer de p
ura
fala, na qu
al o $ é colocado em
ato. Ao an
alista cabe garantir a in
staura-
ção do d
iscurso, absten
do-se d
o seu d
esejo de su
jeito e da m
obilidad
e,
para d
eixar o significan
te emergir n
a dem
and
a. A m
anu
tenção d
estes lu-
gares que n
ão são de p
aridad
e é cond
ição da an
álise. E esta bip
artição,
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.15
co
rre
io A
PP
OA
l ou
tub
ro 2
01
014.
tem
átic
a.
Pro
du
çõ
es
tex
tua
is: S
em
iná
rio X
V d
e L
ac
an
.
analista), im
ped
e a aprop
riação do saber n
ão sabido d
o incon
sciente, qu
e
só ocorre pela via d
o significan
te. Preserva a fan
tasia de restitu
ição do
que teria sid
o perd
ido d
o próp
rio corpo. A
susten
tação dessas im
agens
desem
boca na d
ecepção, n
as queixas e acu
sações, tantas vezes d
irigidas
aos analistas e in
stituições, d
e não en
carnarem
o pai in
castrado cap
az de
reconh
ecer a imagem
ideal; o qu
e perm
eia a formação d
e conteú
dos
persecu
tórios, equivoca au
torização (efeito do acesso ao saber in
consci-
ente) com
dem
and
a de recon
hecim
ento (d
o olhar p
ara a imagem
), buro-
cratiza a passagem
à psican
alista e parece levar às rep
etidas d
issoluções
e rup
turas d
e transferên
cias, tão recorrentes n
o movim
ento p
sicanalítico.
Aqu
i, os actings-ou
t e passagen
s ao ato parecem
constitu
ir atividad
e para
tapar u
m bu
raco angu
stiante. A
tividad
e de ru
ptu
ra para escap
ar da p
as-
sividad
e alienan
te frente a u
m objeto p
ersecutório, on
de talvez ten
ha fal-
tado a d
imen
são do ato qu
e o fizesse faltar para op
erar como cau
sa de
desejo. Q
uan
do o su
jeito não sofreu
fraturas em
análise, d
ilacera-se o laço
institu
cional.
Lacan ap
ontará qu
e, se não h
á jun
ção entre h
omem
e mu
lher, tam
-
bém n
ão há en
tre analisan
te-analista, e acrescen
tamos qu
e não h
á entre
mestre-alu
no, an
alista-institu
ição. Pode h
aver conju
gação, na m
odalid
a-
de qu
e apon
tamos, p
ois em tod
a transferên
cia emergirá o objeto a.
Ao ad
entrar n
a lógica dos qu
antificad
ores, Lacan d
iz que escolh
eu
represen
tar o sujeito n
ão pelo u
niversal, m
as pelo traço, o qu
e exige que
cada u
m tom
e seu bastão, se en
tregue à tem
poralid
ade d
o incon
sciente,
experim
ente o vazio d
e dem
and
as, se faça ouvir e se ap
roprie d
o saber
incon
sciente. É
só o que h
averá em seu
alforje.
Para encerrar: o qu
e a AP
PO
A fran
queou
em su
a fun
dação e ao lon
go
de seu
s 20 anos? O
que lh
e perm
itiu d
ar o salto e operar n
a formação e
transm
issão? Na m
inh
a percep
ção, o reconh
ecimen
to de u
ma d
ívida, qu
e
perm
itiu a ap
ropriação d
e significan
tes fun
dam
entais d
e nosso cam
po, a
partir d
os quais cad
a um
se inclu
i nas d
obras entre o sin
gular e o coleti-
vo. É d
o reconh
ecimen
to de u
ma d
ívida qu
e nasce a p
ossibilidad
e de
Assim
, o analista é feito (ou
efeito) em an
álise, quan
do falou
e viu
prod
uzirem
-se alterações de su
as inscrições in
conscien
tes e pod
e ver re-
du
zir-se a fun
ção do S
.s.S, à m
edid
a que em
análise su
a verdad
e passou
a
amp
arar-se na articu
lação significan
te, mas n
a formação ela p
ode teste-
mu
nh
ar os atos que ele p
rodu
ziu com
o analista e, n
um
determ
inad
o pon
-
to de su
a formação, n
omeá-lo. Por isso, se tod
o ato é levado a cabo n
o
descon
hecim
ento, n
em a an
álise, nem
a institu
ição, pod
em totalizar ou
armazen
ar um
saber. O ato p
recisa semp
re renovar-se em
novas articu
la-
ções da cad
eia significan
te, como p
ressup
osto da form
ação analítica,
motivo m
aior da in
stituição ao fazer circu
lar o discu
rso. Desta form
a,
formação e tran
smissão n
ão ocorrem d
issociadas.
De in
ício, não é p
ossível ao an
alisante ad
mitir, p
or efeito da
idealização, qu
e o analista é castrad
o, que n
ão disp
õe do objeto su
posto.
Por isso, é parte d
o ato analítico recu
sar-se a mascarar a falta com
um
fetiche, aten
der à d
eman
da com
a reciprocid
ade am
orosa que p
õe estes
objetos em circu
lação. Parece-me essen
cial ter claro que é qu
and
o recusa-
da qu
e a dem
and
a insiste e a p
erda é sim
bolizada, fratu
rand
o o eu id
eal e
abrind
o às iden
tificações simbólicas d
o Ideal d
e eu. É
por ser p
arcial que
o objeto a perm
ite destitu
ir a ilusão d
o todo e in
screver falta no in
consci-
ente. Por isso, ao an
alista interessa su
bstituir-se ao objeto n
a subjetivid
a-
de d
o analisan
te, para qu
e se efetue o barram
ento, se in
screva o não-tod
o
do sexo, se n
omeie o qu
e aliena e falta. É
por esta via qu
e se inscreve o
singu
lar no u
niversal, algo d
o $ no O
utro. T
ransitar n
a discord
ância fu
n-
dam
ental en
tre as dem
and
as do am
or de tran
sferência e as recu
sas do ato
analítico, é o qu
e constitu
i o desafio d
e toda an
álise.
O objeto a é cen
tral no sem
inário d
o Ato, d
efinin
do o qu
e não faz
mais p
arte do su
jeito, ao desfazer-se a alien
ação do am
or e a posição d
e-
caída d
o analista. O
que equ
ivale à inscrição d
o desejo n
a lingu
agem.
Na m
inh
a leitura, é o qu
e o semin
ário do A
to retoma com
o nú
cleo da
experiên
cia analítica, d
a formação d
o analista e d
a transm
issão da p
sica-
nálise: o ap
ego ao objeto imagin
ário, às imagen
s ideais (p
or exemp
lo: ser
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.17
co
rre
io A
PP
OA
l ou
tub
ro 2
01
016.
tem
átic
a.
Pro
du
çõ
es
tex
tua
is: S
em
iná
rio X
V d
e L
ac
an
.
Re
ferê
nc
ias b
iblio
grá
fica
s
COSTA, Ana. Pontuação sobre transmissão em
psicanálise. In: Correio da APPOA, n. 186, dez. 2009.
LACAN, J. Discurso de Roma. In: Outros Escritos. Cam
po Freudiano no Brasil. RJ. Jorge Zahar Editor, 2003.
_______. O engano do sujeito suposto saber. In: Outros escritos. Campo Freudiano no Brasil. RJ. Jorge Zahar Editor, 2003.
_______. Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola. In: Outros Escritos. Campo Freudiano no
Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.
_______. Ato de Fundação. In: Outros Escritos. Campo Freudiano no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge zahar Editor, 2003.
_______. A transferência. Seminário VIII. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992.
_______. O ato psicanalítico. Seminário XV. Escola de Estudos psicanalíticos, 2008.
inscrever o p
róprio lu
gar, reconh
ecer o dos p
ares, escutá-los, d
eixar as
análises tran
scorrerem sem
pressa, testem
un
har as in
evitáveis fraturas
que d
elas resultam
, acolher atos e, em
consequ
ência
, só depois, nom
ear
analistas.
Digam
os que a A
PP
OA
se pau
tou p
elo seguin
te: se o sujeito é n
ão-
todo, se o objeto é sem
pre p
arcial, se a verdad
e é dita a m
eias, como p
en-
sar um
saber psican
alítico que fosse tod
o? Um
a institu
ição não é a som
a
de saberes, é u
ma con
jugação d
e faltas. Con
stituím
os um
a experiên
cia
que in
cluiu
a castração fazend
o circular a p
alavra, desfazen
do alien
a-
ções e inscreven
do o d
esejo, na bu
sca de elaboração e ap
ropriação d
a
experiên
cia. Ren
un
ciamos à solid
ão e à captu
ra, já que o “o ato an
alítico
é sem cap
tura”, d
iz Lacan, em
ato, a cada vez qu
e dirigim
os e de p
assa-
mos a p
alavra aos pares.
Da solid
ão de Freu
d, ao fu
nd
ar um
Com
itê secreto para p
reservar a
teoria quan
do n
ão mais vivesse; d
a solidão d
e Lacan, ao fu
nd
ar a Escola
Freud
iana d
e Paris (jun
ho/64), exp
ressa no A
to de fu
nd
ação: “Fun
do, tão
sozinh
o quan
to semp
re estive em m
inh
a relação com a cau
sa psican
alíti-
ca...”, dessa solid
ão não m
ais pad
ecemos, ju
stamen
te por efeito d
o que
nos foi tran
smitid
o, cujo recon
hecim
ento n
os autorizou
a fun
dar u
ma
experiên
cia de form
ação não in
stitucion
alizada. N
ossa mod
alidad
e de
passe n
ão estend
e “passarelas segu
ras para o salto d
e analisan
te a analis-
ta, quan
do en
tão, não h
averia mais salto algu
m”, com
o adverte Lacan
;
mas tam
bém n
ão se exime d
a respon
sabilidad
e quan
do seu
s mem
bros se
prep
aram p
ara tal, afinal, cad
a analista se au
toriza de si m
esmo, com
algun
s outros, n
um
a “escola” que se organ
iza por u
ma lógica bem
pecu
li-
ar, a de u
ma saber qu
e não se sabe e d
e um
sujeito qu
e não se ap
reend
e a
si mesm
o.
Com
quan
tos atos se faz um
a institu
ição viável? Dep
end
e do d
esejo
do an
alista, legado m
aior deste sem
inário, a su
stentar tod
o ato psica-
nalítico.
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.19
temátic
a.
Ma
io d
e 1
96
8 e
os b
astid
ore
sd
o S
em
iná
rio X
V d
e L
ac
an
1
Chris
tiane B
ittenco
urt
O A
to Psicanalítico, n
em visto, n
em con
cebido afora nós, isto é,
jamais situ
ado, question
ado men
os ainda, eis qu
e o supom
os no
mom
ento eletivo em
que o p
sicanalisan
te passa a p
sicanalista
(Jacques L
acan – A
nexo III – R
esum
o do S
emin
ário XV
para o
anu
ário da École pratique dês H
autes Étu
des).
Lacan estava com
66 anos n
esta época – u
m m
ês após a P
roposição
de 9 d
e Ou
tubro – u
m an
o após a ed
ição dos E
scritos. Nestes tem
pos, p
ela
prim
eira vez, Lacan assin
a dois m
anifestos, u
m a favor d
e Régis D
ebray,
em 19 d
e abril de 1967 e ou
tro em favor d
os estud
antes revoltad
os em
maio d
e 1968.U
m m
ês antes d
e dar in
icio ao semin
ário do A
to Psica-
1 Artigo elaborado a partir de trabalho apresentado pela autora no Cartelão preparatório às Jornadas Clínicas da APPOA, emjunho de 2010.
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.21
co
rre
io A
PP
OA
l ou
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ro 2
01
020.
tem
átic
a.
Pro
du
çõ
es
tex
tua
is: S
em
iná
rio X
V d
e L
ac
an
.
Lacan d
isse:
Não h
á dialogo, o dialogo é um
a tolice”. A tolice qu
e a noção de
dialogo encobre é qu
e jamais existe troca en
tre dois indivídu
os.H
á, eventu
almen
te, troca de inform
ações objetivas, comu
nicação
de inform
ações, que resu
ltam en
tão nu
ma decisão com
um
[...]Mas
em qu
alquer ou
tra situação o dialogo n
ão é senão a ju
staposição de
mon
ólogos ( Girou
d, François –”Q
uan
do o outro era deu
s”).
Do m
esmo m
odo, Lacan
dirá em
breve que “ n
ão há relação sexu
al”,
para m
ostrar que a relação sexu
al não é u
ma relação, ou
“que a m
ulh
er
não existe”, p
ara design
ar a ausên
cia de u
ma n
atureza fem
inin
a.
Ap
ós, Lacan recebeu
Dan
iel Coh
n-B
end
it e seus com
pan
heiros. E
s-
tes queriam
fazer conh
ecer os objetivos de seu
movim
ento, en
quan
to os
analistas d
esejavam ou
vir contestad
ores. Os p
sicanalistas d
eram d
inh
ei-
ro aos estud
antes n
esta noite e eles foram
jantar n
o La Cop
oule.
Nesta n
oite, Lacan n
ão abriu a boca, m
as no d
ia seguin
te interrom
-
peu
o Sem
inário d
o Ato Psican
alitico. Lacan, en
tão, diz aos p
resentes em
seu sem
inário qu
e o “paralelep
íped
o e a bomba d
e gás lacrimogên
io cum
-
prem
a fun
ção do objeto a”, referin
do-se ao fato d
os estud
antes arran
ca-
rem os p
aralelepíp
edos p
ara fazer barricadas e jogar n
os policias.
Um
pou
co mais d
a atmosfera d
estes dias...
No in
ício, era apen
as um
grup
o de alu
nos d
a Un
iversidad
e de Paris
queren
do o d
ireito de freqü
entar o d
ormitório d
as alun
as. Em
pou
co tem-
po, a revolta d
os estud
antes in
cluiu
outras reivin
dicações e se tran
sfor-
mou
nu
m en
orme m
ovimen
to contra o con
servadorism
o do E
stado fran
-
cês. Foi um
períod
o de p
asseatas, greves e embates com
a polícia. C
harles
de G
aulle, en
tão presid
ente d
a França, ch
egou a fu
gir de h
elicóptero e,
por u
m d
ia, refugiou
-se na A
leman
ha. T
ud
o isso transform
aria aquele m
ês
no m
ítico Maio d
e 68, que etern
izou slogan
s libertários como “S
eja realis-
ta, exija o imp
ossível” e “É p
roibido p
roibir”. Hoje, as op
iniões d
os fran-
ceses sobre o movim
ento são bastan
te divergen
tes, mas a m
aioria concor-
nalítico, Lacan
discu
rsa na E
FP p
ara prop
or o passe, isto é, um
a nova
man
eira de acesso ao statu
s de p
sicanalista d
idata. In
icio da C
rise que
levará a EFP
à cisão. Em
quin
ze de n
ovembro d
e 1967, dá in
icio à prim
ei-
ra lição do sem
inário, qu
e viria a interrom
per seis m
eses dep
ois, em 15 d
e
maio d
e 1968, em solid
ariedad
e ao movim
ento n
ascido en
tre os estud
an-
tes franceses. O
Sem
inário foi in
terromp
ido em
08 e 15 de m
aio de 1968
atend
end
o a um
a determ
inação d
e greve convocad
a pelo S
ind
icato Naci-
onal d
o En
sino S
up
erior(Sem
.XV, p
.249). Lacan levan
ta a questão d
a res-
pon
sabilidad
e dos p
sicanalistas, qu
e não estavam
na u
niversid
ade e p
ara
estes, a questão d
o ensin
o constitu
ía um
nó. Para Lacan
este mom
ento
trata de u
m fen
ômen
o estrutu
ral, no qu
al as relações do d
esejo e do saber
são question
adas. T
ransm
issão de u
m saber, a p
sicanálise estabelece em
um
nível d
a carência, d
a insu
ficiência. E
m m
aio de 68, Lacan
não tin
ha a
celebridad
e nem
o brilho in
ternacion
al de S
artre. Mesm
o assim, p
or vias
radicalm
ente an
tagônicas, seriam
solicitados p
or esta parcela d
a juven
-
tud
e intelectu
al francesa, reu
nid
a no ou
tono d
e 1968, sob a band
eira da
esquerd
a proletária.
Este m
ovimen
to todo teve p
or pan
o de fu
nd
o originário u
m acon
teci-
men
to maior: a d
eflagração, na C
hin
a, em 1966, d
a Gran
de R
evolução
Cu
ltural P
roletária. O gru
po fu
nd
ador d
a esquerd
a proletária agru
pava
jovens m
arcados p
elo Alth
ussero-Lacan
ismo.
Nu
m p
rimeiro m
omen
to, Lacan observou
a contestação d
os jovens
com h
um
or. Na p
ág 456, do livro d
e Elisabeth
Rou
din
esco sobre Lacan –
Esboço de u
ma vida, p
odem
os conh
ecer bem esta h
istória. Em
maio d
e
1968, Lacan p
ediu
a Irene D
iaman
tis que lh
e enviasse os organ
izadores
da con
frontação. R
ecebeu d
ois deles e, d
epois d
e algun
s min
utos d
e con-
versa, disp
ensou
-os após in
vectivar sobre a palavra d
iálogo, e contra a
falta de cu
ltura d
os jovens estu
dan
tes de m
edicin
a, que ap
esar de faze-
rem vir à facu
ldad
e represen
tantes d
e diversos gru
pos p
sicanalíticos, n
ada
conh
eciam sobre a obra d
e Freud
.
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.23
co
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OA
l ou
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022.
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átic
a.
Pro
du
çõ
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tex
tua
is: S
em
iná
rio X
V d
e L
ac
an
.
no grego, n
atural d
e Salôn
ica. O en
tão jovem d
e 27 anos se torn
ou u
m d
os
líderes d
o movim
ento, ao lad
o de D
aniel C
ohn-B
endit - D
ani, le R
ouge – e
Alain
Geism
ar. An
tes de M
aio de 68, C
astro, de origem
jud
aica, foi prote-
gido p
elos comu
nistas d
uran
te a Segu
nd
a Gu
erra Mu
nd
ial, se engajou
contra a gu
erra na A
rgélia, visitou C
uba e con
heceu
Ch
e Gu
evara.
Dep
ois de M
aio de 68, C
astro entrou
em d
epressão e se an
alisou
du
rante sete an
os com o p
sicanalista Jacqu
es Lacan
, trabalhou
para o
governo socialista d
e François M
itterrand
e passou
a se ded
icar a sua
profissão d
e arquiteto. E
m 2006, retorn
ou à aren
a política e lan
çou su
a
cand
idatu
ra à eleição presid
encial, sob a sigla d
e seu M
ovimen
to da
Utop
ia Con
creta (MU
C). N
ão obteve as 500 assinatu
ras necessárias p
ara
pod
er concorrer oficialm
ente n
o pleito, m
as nem
por isso d
esanim
ou.
Promete con
tinu
ar seu com
bate por u
ma Fran
ça mais ju
sta e bela e lutar
por son
hos d
e forma con
creta, distan
te dos “d
evaneios im
aturos” d
e
Maio d
e 68.
Eu estava m
uito m
al. Depois qu
e fechei m
inh
a organização, fiqu
ei
nu
m estado deplorável. N
ão sabia mais on
de estava. Estava mesm
om
uito m
al. Co
mecei a
psica
ná
lise po
rqu
e precisa
va
, urgen
temen
te,
fala
r pa
ra a
lguém
. No dia segu
inte ao qu
e fechei a organ
ização,passei a ser detestado, m
e acusavam
de ter abandon
ado a causa.
Hou
ve mu
ito ressentim
ento con
tra mim
por causa disso. Eu
me
encon
trei só, e não acreditava em
mais n
ada. Eu m
e lembro qu
e ogolpe de Estado n
o Ch
ile não m
e provocou n
enh
um
sentim
ento,
nen
hu
ma reação, n
ão fiz nada con
tra. Procurei Lacan
em m
aio de1973 e o golpe de Pin
ochet foi n
o 11 de setembro. M
as nem
partici-pei das passeatas. N
ão acreditava mais n
as man
ifestações. Estava
acabado. Logo depois passei a me in
teressar novam
ente pelas coi-
sas da sociedade, mas n
aquele m
omen
to nada m
e sensibilizava.
Não via saída. Eu
me recordo de u
ma citação de Lacan
que diz qu
ea psican
álise é o discurso qu
e permite qu
e sobre fruição su
ficiente
no falar para qu
e a história con
tinu
e. Eu m
e agarrei nisso. Para qu
ea h
istória contin
ue é preciso falar u
m pou
co de tudo. Tem
aquela
da qu
e hou
ve grand
es conqu
istas em áreas com
o os direitos in
divid
uais e
a liberdad
e sexual. O
próp
rio filósofo Jean-Pau
l Sartre, p
resente n
os acon-
tecimen
tos de m
aio de 1968 em
Paris, confessou
, dois an
os dep
ois, que
“aind
a estava pen
sand
o no qu
e havia acon
tecido e qu
e não tin
ha com
pre-
end
ido m
uito bem
: não p
ud
e enten
der o qu
e aqueles joven
s queriam
...então
acomp
anh
ei como p
ud
e...fui con
versar com eles n
a Sorbon
e, mas isso
não qu
eria dizer n
ada” (S
ituation
s X).
A d
ificuld
ade d
e interp
retrar os acontecim
entos d
aquele an
o deve-
se, não só, à m
últip
la poten
cialidad
e do m
ovimen
to como à am
biguid
ade
do seu
resultad
o final. A
mistu
ra de festa satu
rnal rom
ana com
combates
de ru
a entre estu
dan
tes, operários e p
oliciais, fez com qu
e algun
s, como
C.C
astoriadis, o vissem
como “u
ma revolta com
un
itária” enqu
anto qu
e,
para G
illes Lipovetsky e ou
tros, era “a reivind
icação de u
m n
ovo ind
ivi-
du
alismo.” 1968 torn
ou-se u
m an
o mítico p
orque foi o p
onto d
e partid
a
para u
ma série d
e transform
ações políticas, éticas, sexu
ais e comp
or-
tamen
tais, qu
e afetaram as socied
ades d
a época d
e um
a man
eira
irreversível. Seria o m
arco para os m
ovimen
tos ecologistas, femin
istas,
das organ
izações não-govern
amen
tais (ON
Gs) e d
os defen
sores das m
i-
norias e d
os direitos h
um
anos. Fru
strou m
uita gen
te também
. A n
ão rea-
lização dos seu
s sonh
os, “da imagin
ação chegando ao poder”, fez com
que p
arte da ju
ventu
de m
ilitante d
aquela ép
oca se refugiasse n
o consu
-
mo d
as drogas ou
escolhesse a estrad
a da violên
cia, da gu
errilha e d
o
terrorismo u
rbano.
Assem
elhou
-se, aquele an
o aloucad
o, a um
caleidoscóp
io: para qu
al-
quer lad
o que se girasse, n
ovas formas e n
ovas expressões vin
ham
à luz.
Foi um
a espécie d
e fissão nu
clear espon
tânea qu
e abalou as in
stituições e
regimes. U
ma revolu
ção que n
ão se socorreu d
e tiros e bombas, m
as da
pich
ação, das p
edrad
as, das reu
niões d
e massa, d
o auto-falan
te e de m
ui-
ta irreverência. Tu
do o qu
e parecia sólid
o desm
anch
ou-se n
o ar.
En
tre os estud
antes revolu
cionários d
a época estava R
oland C
astro,
nascid
o na cid
ade d
e Limoges em
1940, filho d
e um
imigran
te cland
esti-
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.25
temátic
a.
co
rre
io A
PP
OA
l ou
tub
ro 2
01
024.
tem
átic
a.
A ló
gic
a d
o A
to A
na
lítico
Lig
ia V
ícto
ra
Este texto foi resu
ltado d
a apresen
tação das lições 5 (10/01/68) e 6
(17/01/68) do sem
inário d
e Lacan O
Ato Psican
alítico, ocorrido em
nossa
sede n
o dia 26 d
e agosto de 2010, n
o Cartelão p
reparatório às Jorn
adas
Clín
icas da A
PP
OA
: Dizer e fazer em
análise.
1
I. Os a
tos c
om
o fu
nd
ad
ore
s
Parece que, p
or querer m
arcar bem o A
to Psicanalítico com
o algo
inéd
ito, Lacan tem
que d
efini-lo m
uitas vezes d
uran
te este semin
ário.
Ou
tros atos – actings ou
t, passagen
s ao ato, atos falhos – tam
bém en
tram
no elen
co, e cham
a a atenção sobre o fato d
e que se d
enom
ine acte m
anqu
é,
1 As lições 4,5 e 6 foram discutidas previam
ente no Seminário de Topologia com
a participação de todos os integrantes deste:Elisabeth Sudbrack, Felipe Pim
entel, Gilson Firpo, Manuela Lanius, M
ary Georgina Boeira da Silva, Ricardo Martins, Ricardo
Pires, Silvana Lunardi, Sílvia Carcuchinski, Sonia Mara Ogiba, Sueli Souza dos Santos, Thales Abreu, Verónica Pérez. Coorde-
nação: Ligia Víctora
frase incrível de Lacan
: “Eu
agu
ard
o, m
as n
ão esp
ero n
ad
a”. E, n
um
aassem
bléia de estudan
tes revolucion
ários, em 1972, ele disse algo
que m
e perturbou
mu
ito: “A rev
olu
ção
é feita p
ara
ma
nter a
or-
dem
”. A m
inh
a análise com
ele durou
sete anos, e aos pou
cos fui
me recon
stituin
do (Castro apu
d Eichen
berg, 2007).
Dan
iel Coh
n-B
end
it é hoje d
epu
tado p
elo partid
o verde n
o parlam
ento
europ
eu, esteve em
Porto Alegre em
agosto deste an
o e disse qu
e “precisa-
mos esqu
ecer maio d
e 68 e os erros da revolu
ção”. Se Lacan
estivesse lá
teria dito: “A
revolução é feita p
ara man
ter a ordem
”.
Re
ferê
nc
ias b
iblio
grá
fica
s
CASTRO, R. Líder de Maio de 68 pede sonhos concretos. Paris/São Paulo: dez. 2007. Entrevista concedida a Fernando
Eichenberg. Disponível em: http://noticias.terra.com
.br/imprim
e/0,,OI2120378-EI6782,00.html. Acesso em
: 13 set.2010.
LACAN, J. O Ato Psicanalítico. Sem
inário XV. Escola de Estudos Psicanalíticos, 2008.
LOSURDO, D. Leia entrevista com Dom
enico Losurdo, biógrafo de Nietzsche. São Paulo, jun. 2006. Entrevista concedida aM
ARCOS FLAM
ÍNIO
PERES. Disponível em
: http://ww
w1.folha.uol.com
.br/ilustrada/757470-leia-entrevista-com-
domenico-losurdo-biografo-de-nietzsche.shtm
l. Acesso em: 13 set. 2010.
ROUDINESCO, E. A Batalha dos Cem Anos. In: História da Psicanálise na França. Vol 2: 1925-1985, p. 486-490.
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a de pensamento. In: Jaques Lacan: Esboço de um
a vida. p. 451-472.
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.27
co
rre
io A
PP
OA
l ou
tub
ro 2
01
026.
tem
átic
a.
Pro
du
çõ
es
tex
tua
is: S
em
iná
rio X
V d
e L
ac
an
.
II. Os e
sq
ue
ma
s te
traé
dric
os
O tetraed
ro é um
polígon
o regular qu
e possu
i 4 vértices, 4 faces e 6
arestas. É u
ma p
irâmid
e triangu
lar (lados igu
ais entre si), ou
seja, em qu
e
todas as faces são triân
gulos equ
iláteros. A form
a básica dos esqu
emas
tetraédricos d
e Lacan é a d
a projeção d
o tetraedro n
o plan
o. Assim
é o
grafo do A
to Psicanalítico, e, foram
também
o diam
ante d
os prim
eiros
temp
os; os esquem
as L, R e I; o sistem
a á-b-ã-ä; o Grafo d
o desejo (qu
atro
lugares e qu
atro temp
os); a fórmu
la da m
etáfora; os quatro d
iscursos; a
lógica da sexu
ação. E até o n
ó borromeu
, no qu
al Lacan, d
e início, d
efen-
dia qu
e três aros (R – S
– I) bastariam p
ara represen
tar a estrutu
ra de u
m
sujeito n
eurótico, m
as logo dep
ois inclu
iu u
m qu
arto nó.
Logo, o grafo do ato p
sicanalítico – assim
como m
uitos ou
tros de
Lacan – segu
e os mold
es de u
ma lógica qu
aternária. E
sta lógica o acom-
pan
ha d
esde seu
s prim
eiros esquem
as, quan
do ele in
trodu
ziu u
m qu
arto
elemen
to no triân
gulo ed
ípico d
e Freud
, o Falo, como o S
ignifican
te
organizad
or, o qual Lacan
ao longo d
e sua obra d
efiniu
tal como u
ma
fun
ção matem
ática, pela qu
al todos os seres h
um
anos d
everiam se su
b-
meter p
ara alcançar o estatu
to de falasser.
Esta lógica qu
aternária d
e Lacan foi in
spirad
a no G
rup
o de K
lein.2
Este escreveu
seu artigo qu
e ficou con
hecid
o como o E
rlanger Program
m
para a in
augu
ração do d
epartam
ento d
e Lógica d
a Un
iversidad
e de
Erlan
ger.3 K
lein d
efiniu
este fenôm
eno com
o send
o grup
os de tran
sfor-
mação – Tran
sformation
sgrupen
– exatamen
te como p
odem
os pen
sar que
são as fórmu
las da álgebra lacan
iana. O
bservem qu
e basta girar cada ele-
men
to para resu
ltar em ou
tro, seguin
do as setas. E
sta apresen
tação nu
n-
ca foi realizada. M
as a matem
ática nu
nca m
ais seria como an
tes!
2 Félix Klein (1849-1925). Sobre este tema v. Cf. Víctora. Site: w
ww
.freud-lacan.com
3 Erlanger, Alemanha, 1872.
como sen
do d
a ordem
da ação, já qu
e passa p
or um
a questão p
uram
ente
significan
te. Assim
será também
com o A
to Psicanalítico.
Com
eça a lição 5 desejan
do Feliz A
no-N
ovo, já que é a p
rimeira au
la
do an
o. Porque n
ovo? A lu
a, diz ele, a cad
a vez que reap
arece dep
ois de
um
a seman
a sum
ida, é sau
dad
a como Lu
a Nova. M
as é a mesm
a! E o
ano? S
e o temp
o é um
contin
uu
m, h
á apen
as um
a dem
arcação formal d
e
um
ciclo. Com
o o trem d
a meia-n
oite, é um
a iden
tificação apen
as Sim
bó-
lica, não R
eal. Referên
cia pu
ramen
te ao significan
te, pois. Lacan
aprovei-
ta para fazer u
m gan
cho: d
a mesm
a forma, u
m ato está sem
pre ligad
o à
determ
inação d
e um
começo.
Desta vez, Lacan
vai abordar os atos com
o marcas fu
nd
adoras: qu
e
um
ato constitu
a um
verdad
eiro começo... qu
e seja criador... n
ão interes-
sa o que acon
teceu, im
porta é a m
arca que d
eixou. Lacan
evoca o mito d
a
criação e sua escritu
ra bíblica: no com
eço, era o verbo. Arrem
eda: n
o
começo, era a ação. Porqu
e, sem ato, sim
plesm
ente n
ão pod
eria haver
nad
a, nem
questão. N
enh
um
começo sem
ação, diz ele.
Com
para u
m verd
adeiro ato in
augu
ral à travessia do R
ubicon
e, por
Júlio C
ésar. O Fiú
me R
ubicón
e, na Itália, tin
ha u
ma im
portân
cia crucial
no d
ireito roman
o porqu
e a nen
hu
m gen
eral era perm
itido cru
zá-lo com
seu exército. S
ervia de fron
teira (ano 59 a.C
.) entre as p
rovíncias rom
anas
e a Gália C
isalpin
a. O rio en
trou p
ara a história p
or ser casus belli d
a 2ª
guerra n
a Gália: qu
and
o Júlio C
ésar transp
õe o rio. Diz a h
istória que ele
se deteve p
or um
longo in
stante às m
argens d
este e, finalm
ente, p
roferiu
a senten
ça: “A sorte está lan
çada!”
O ato estaria p
etrificado n
o mom
ento d
a ordem
: Alea jacta est! C
omo
o nosso “In
dep
end
ência ou
morte”: é n
o mom
ento em
que são soltas as
palavras, qu
e o mu
nd
o ganh
a sentid
o. Com
o nu
m ato revolu
cionário, p
or
exemp
lo, cuja eficácia n
ecessita da su
rpresa, o qu
e ele cham
a de efeito d
e
rup
tura p
ara suscitar u
m n
ovo desejo.
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.29
co
rre
io A
PP
OA
l ou
tub
ro 2
01
028.
tem
átic
a.
Pro
du
çõ
es
tex
tua
is: S
em
iná
rio X
V d
e L
ac
an
.
1. Un
ião: Ou
(+) equ
ivale à soma lógica: sign
ifica que u
m elem
ento
dad
o pod
e estar inserid
o de qu
alquer lad
o. Escreve-se tam
bém A
U B
.
Ap
licand
o o Cogito seria o “Pen
so ou sou
”. Isso é prop
enso a m
uita con
fu-
são, pois o O
U sim
ples é a som
a. Seria o equ
ivalente a d
izer “Penso-sou
”.
2. Interseção: E
(.) significa qu
e deve p
ertencer aos d
ois ao mesm
o
temp
o. É o p
rodu
to lógico. Escreve-se: (A
.B) ou
A ∩
∩
∩
∩
∩
Β. N
a prática equ
iva-
le ao A B
(Penso se e som
ente se sou
).
3. Não-A
e B: [(-A
) . (B)] n
ada n
o conju
nto A
, só se adm
ite elemen
tos
no B
. Seria o caso d
e dizer: “S
ou, n
ão-pen
so”.
4. A e N
ão-B: [(A
) . (-B)] n
ada n
o B, ap
enas verd
adeiro n
o A. “Pen
so,
não-sou
”.
5. OU
... OU
. Ou
tra relação que L
acan u
sou foi a d
isjun
ção, da ál-
gebra de B
oole. Também
conh
ecida com
o forma n
ormal d
isjun
tiva
(F.N.D
.) ou ain
da u
nião-d
isjun
ta, OU
-exclusivo (E
X-O
R d
a lógica dos
conju
ntos). S
ignifica qu
e existem elem
entos ou
de u
m lad
o, ou d
o ou-
tro lado, n
ada n
o meio. A
B L
ê-se: {A (se e som
ente se n
ão) B
}; ou A
ou B
[(-A) Λ
(-B)].
4 Observação: sombreei os cam
pos que não contêm elem
entos, como nos livros de lógica. Lacan m
uitas vezes fazia ocontrário. O
grup
o de K
lein tem
como esp
ecificidad
e que tod
os os elemen
tos
pod
em se tran
sformar em
todos os ou
tros, bastand
o um
a ún
ica operação.
Não é o caso d
o grafo da alien
ação. Por isso Lacan o teria ch
amad
o de
meio-gru
po d
e Klein
?
Parece um
a coisa mu
ito simp
les, agora que já está escrita, m
as a im-
portân
cia destes gru
pos p
ara o desen
volvimen
to da m
atemática m
odern
a
foi fun
dam
ental. E
les estão presen
tes na F
ísica, na G
eometria, e n
a
Topologia (con
ceitos de in
variância, d
e hom
eomorfism
os, etc). Lembran
-
do qu
e um
conju
nto d
e elemen
tos, citado p
or Galois, p
ode ser form
ado
por n
úm
eros, pon
tos, retas, etc, e que as tran
sformações, d
e que ele fala,
pod
em ser aritm
éticas, algébricas ou geom
étricas.
III. A ló
gic
a d
o G
rafo
do
Ato
Psic
an
alític
o
Algu
mas op
erações lógicas utilizad
as por Lacan
(fórmu
las de D
e
Morgan
, de B
oole e outras ap
resentad
as com os círcu
los de E
uler):
4
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.31
co
rre
io A
PP
OA
l ou
tub
ro 2
01
030.
tem
átic
a.
Pro
du
çõ
es
tex
tua
is: S
em
iná
rio X
V d
e L
ac
an
.
pod
e decid
ir sobre a validad
e de u
ma sen
tença recorren
do a ou
tro siste-
ma qu
e não o p
róprio em
que ela foi estabelecid
a.
Observem
que n
o lugar d
e cima, à d
ireita, o desen
ho, su
postam
ente
de Lacan
, deixa tod
os os camp
os em bran
co – como se fosse u
m O
U sim
-
ples d
a lógica de D
e Morgan
(Un
ião ou som
a lógica). É aqu
i, segun
do
Lacan, o p
onto d
e partid
a de tod
a Psicanálise. Já a fórm
ula d
e baixo, à
esquerd
a, fica difícil d
e saber se é um
EX-O
R (O
U-exclu
sivo) ou u
m p
ro-
du
to lógico (E-exclu
sivo), pois Lacan
não faz os círcu
los por in
teiro, e ora
ele colore a parte ch
eia, ora a parte vazia.
5
V. O
Co
gito
ha
mle
tian
o d
e L
ac
an
O qu
e eu ch
amo d
e Cogito h
amletian
o de Lacan
: um
sujeito p
artido
ao meio, d
ividid
o entre ser-falso e n
ão-ser, e com o Isso freu
dian
o no m
eio...
Em
sua releitu
ra de H
amlet, ele exp
lica que en
tre ser e não ser existe
algum
a coisa – são du
as falsidad
es: um
ser falso, que n
ão pen
sa e um
não-ser, qu
e sabe, diz ele. N
un
ca é um
sujeito in
teiro, pois sem
pre falta
um
ped
aço (represen
tado p
ela “mord
ida” n
o círculo).
5 Um ano antes, no Sem
inário A lógica do fantasma, sobre este tem
a, Lacan fizera esquemas parecidos.
IV. O
Co
gito
lac
an
ian
o-fre
ud
ian
o-c
arte
sia
no
Lacan p
arte de d
ois aforismos: o d
ito freud
iano W
o es war soll Ich
werden
e o cartesiano C
ogito ergo sum
. Dep
ois recorre também
ao Cogito
ham
letiano, com
o semp
re buscan
do recu
rsos em ou
tras lingu
agens p
ara
validar su
as teses – bem d
e acordo com
a lógica mod
erna e o teorem
a da
decid
ibilidad
e de Tu
ring, qu
e, resum
ind
o em u
ma frase, p
rovou qu
e só se
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.33
co
rre
io A
PP
OA
l ou
tub
ro 2
01
032.
tem
átic
a.
Pro
du
çõ
es
tex
tua
is: S
em
iná
rio X
V d
e L
ac
an
.
Lacan ten
ta fazer um
espelh
amen
to, med
iante a lin
ha d
a Tran
sferên-
cia, o que d
aria um
a certa simetria (p
ara ser um
verdad
eiro grup
o de
Klein
deveria ser tod
o simétrico). H
averia aqui u
ma d
up
licação de lu
ga-
res: são dois “Issos”, ele d
iz. Ou
dois “lá on
de Isso era”, o qu
e correspon
de
à “distân
cia teórica que sep
ara o Incon
sciente d
o Isso”. Passand
o por esta
operação d
e divisão, é com
o na aritm
ética: vai até sobrar um
“resto”, que
é o objeto a.
A tra
nsfe
rên
cia
A tran
sferência p
õe o analista n
o lugar d
o Su
jeito-sup
osto-saber. É
somen
te com este aval d
o analisan
te, que o an
alista pod
erá operar. A
qui,
As fórm
ulas qu
e Lacan realm
ente u
tilizou em
seu grafo foram
:
Será qu
e a alienação em
Lacan p
ode ser con
siderad
a como o O
U-
exclusivo (E
X O
R) – o O
U-O
U d
a lógica dos con
jun
tos? Observem
os exem-
plos qu
e ele apresen
ta: A bolsa ou
a vida?; A
liberdad
e ou a m
orte?
Seria este m
ais um
erro de Lacan
na ap
licação das m
atemáticas? E
le
próp
rio reconh
eceu qu
e sua leitu
ra era um
a “inovação d
a conju
nção
disju
ntiva”... Parece m
esmo qu
e a alienação d
e Lacan é d
e outro tip
o, que
ele cham
ou d
e “escolha forçad
a”, como o d
ito de n
osso Don
Pedro: In
de-
pen
dên
cia ou m
orte!
Sabem
os que p
ara Descartes, a ú
nica garan
tia da existên
cia hu
man
a
era o fato de qu
e ele pen
sava. Mas, o C
ogito foi send
o subvertid
o a partir
da d
escoberta do In
conscien
te. Com
o disse Lacan
: Se h
á um
pen
samen
to
incon
sciente, o E
u n
ão sabe mais o qu
e pen
sa, e men
os certeza ele tem d
o
que ele é!
VI. C
orrig
ind
o o
gra
foN
o meu
enten
dim
ento, p
ara correspon
der ao qu
e Lacan relata, o grafo
do A
to Psicanalítico d
everia ser assim:
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.35
co
rre
io A
PP
OA
l ou
tub
ro 2
01
034.
tem
átic
a.
Pro
du
çõ
es
tex
tua
is: S
em
iná
rio X
V d
e L
ac
an
.
O R
ec
alc
am
en
to
Por outro lad
o, há u
m saber-sem
-sujeito n
o Ics que p
arece querer
retornar, com
o um
ato-falho, sem
estar associado d
iretamen
te a um
significan
te – só pod
erá ser interp
retado se – e qu
and
o – o pacien
te falar
sobre ele.
A re
pe
tiçã
o
A V
erdad
e conqu
istada sobre o In
conscien
te deixa o su
jeito na p
osi-
ção “Penso, n
ão sou”. N
ão-ser, mas “n
ão-sem-saber”. Lu
gar novam
ente
em falso, qu
e pod
e catapu
ltá-lo de volta ao p
onto d
a ignorân
cia (não-
pen
so).
Lacan ap
onta n
o grafo o lugar d
o analista, p
rojetado p
elo sujeito. Lu
gar
em falso, d
o qual p
ode ser catap
ultad
o a qualqu
er mom
ento, e d
e ond
e
cairá com certeza n
o final d
a análise.
A in
terp
reta
çã
o
É p
elo escorregador d
e Sign
ificantes d
o analisan
te, que o p
sicanalis-
ta pod
e interp
retar, e semp
re através da lin
guagem
.
A re
sis
tên
cia
No sen
tido in
verso, o sintom
a pod
e retornar. Por u
ma característica
próp
ria ao falasser comp
arável ao fenôm
eno físico d
a resiliência d
os
materiais, a cad
eia sintom
ática tem u
ma ten
dên
cia a voltar à forma an
te-
rior. Faz parte d
e sua “m
emética”...
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.37
co
rre
io A
PP
OA
l ou
tub
ro 2
01
036.
tem
átic
a.
Pro
du
çõ
es
tex
tua
is: S
em
iná
rio X
V d
e L
ac
an
.
A c
ura
Con
forme Lacan
, começar u
ma an
álise é sem d
úvid
a um
verdad
eiro
Ato, en
tão, o que d
izer de term
inar u
m trabalh
o analítico? C
omo se arti-
cula esta lógica d
a alienação d
uran
te e até seu fin
al? O fin
al da an
álise
sup
õe certa realização da “op
eração verdad
e”, diz ele, assim
como a
assun
ção do d
esejo.
O lu
ga
r de
An
alis
ta, u
m lu
ga
r “em
fals
o”
O p
sicanalista p
arte do lu
gar de saber, su
posto p
elo analisan
te. Um
lugar in
stável, como já falam
os, de on
de será ejetad
o no fin
al. Para sup
or-
tar “desser” p
ara o lugar d
e resto, ele mesm
o deve ter p
assado p
ela expe-
riência em
sua p
rópria an
álise.
A s
ub
jetiv
aç
ão
Freud
descobriu
, mas n
ão deixou
mastigad
o para n
ós – diz Lacan
–
que d
uran
te um
a Psicanálise h
á um
processo d
e “experiên
cia subjetiva”.
O an
alisante se torn
a sujeito, d
e seu d
esejo.
A c
astra
çã
o s
imb
ólic
a
A castração sim
bólica corre por fora, segu
ind
o a trajetória da tran
sfe-
rência e d
a interp
retação. Pode ser realizad
a du
rante tod
a a vida, ou
du
-
rante u
ma p
sicanálise.
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.39
temátic
a.
co
rre
io A
PP
OA
l ou
tub
ro 2
01
038.
tem
átic
a.
A C
línic
a e
m L
ac
an
- no
Se
min
ário
XI
(Prim
eira
pa
rte)
Anota
ções d
e J
acq
ues L
ab
erg
e1
“Meu
Sem
inário, d
esde o in
ício [...] era dirigid
o para [...] a form
ação
dos p
sicanalistas” (15.01.64). É
na p
rimeira sessão d
o Sem
inário X
I, Os
quatro con
ceitos fun
damen
tais da psicanálise qu
e se encon
tra esta afir-
mação d
e Lacan. E
m m
omen
to posterior d
e ensin
o, ele deixa en
tend
er
que n
ão falou d
e formação d
o psican
alista. Seria u
ma d
enegação d
o tipo
“não é m
inh
a mãe” d
o sonh
o!? Deslizaria p
ara a men
tira, recurso h
abitu-
al da verd
ade? “É
em p
rimeiro lu
gar como in
stituin
do-se em
, e mesm
o
por, u
ma certa m
entira qu
e vemos in
staurar-se a d
imen
são da verd
a-
de”(22.04.64). A
qui, a verd
ade d
a prim
azia das form
ações do in
conscien
-
te sobre a formação d
o analista. A
formação d
o analista se fu
nd
amen
ta na
Para chegar a ser u
m p
sicanalista – isto só é p
ossível ao final d
e um
a
Psicanálise. A
linh
a da T
ransferên
cia que serviu
para o su
jeito “elevar”
seu an
alista à posição d
e Su
jeito-sup
osto-saber, pressu
posto n
ecessário
para a realização d
o Ato A
nalítico, d
epois será a trajetória d
a des-
subjetivação d
o analisan
te du
rante o p
rocesso todo e tam
bém d
o “desser”
do an
alista no fin
al de u
ma Psican
álise. Poderá servir, en
tão, como tram
-
polim
para o an
alisante qu
e almejar ch
egar à posição d
e An
alista.
Freud
escreveu: O
nd
e era Isso, deve ser E
u. Lacan
leu: A
qui on
de Isso
era – Eu
devo vir a ser – Psican
alista!
1 Psicanalista, Intersecção Psicanalítica do Brasil, Recife.
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.41
co
rre
io A
PP
OA
l ou
tub
ro 2
01
040.
tem
átic
a.
Pro
du
çõ
es
tex
tua
is: S
em
iná
rio X
V d
e L
ac
an
.
seu p
asso inau
gural”. “N
ão digo qu
e Freud
introd
uz o su
jeito no m
un
do
[...] porqu
e foi Descartes”. “M
as direi qu
e Freud
se dirige ao su
jeito para
dizer-lh
e isto que é n
ovo –Aqu
i, no cam
po d
o sonh
o, estás em casa, W
o es
war, soll ich w
erden” (05.02.64).
Da p
sicologia, síntese em
lugar d
e análise, con
sciência em
lugar d
e
incon
sciente, con
vencim
ento em
lugar d
e associação, cadê o su
jeito? Lacan
chega a d
enu
nciar A
nn
a Freud
e os psicólogos d
o eu. R
econh
ece o talento
de an
alista de M
elanie K
lein, m
as question
a a prim
azia dad
a por ela ao
falo imagin
ário e ao objeto, negligen
ciand
o a imp
ortância d
o desejo m
a-
terno, d
o desejo d
o Ou
tro.
Am
pliar o d
ebate com ou
tros camp
os de saber é u
m d
os camin
hos
abertos pela “volta a Freu
d”. Lacan
retoma o d
iálogo de Freu
d com
a lite-
ratura. E
le vai além e, via lin
güística, d
esemboca, com
James Joyce, n
a
letra. Da in
terlocução freu
dian
a com a an
tropologia e seu
mito d
o pai
prim
evo, surge a p
ista levand
o ao “Nom
e-do-Pai”. S
e Freud
cita os filóso-
fos, Lacan en
contra n
eles sua m
ais constan
te interlocu
ção, desagu
and
o
na lógica, “ciên
cia do real”, on
de a letra vem
esvaziar o sentid
o. A letra
no além
da literatu
ra, mas tam
bém n
o além d
a filosofia. Além
do ser.
O p
rimeiro a con
vidar a ir além
do ser é D
escartes que d
eslocou a
temática d
o ser, central n
a filosofia, para a qu
estão do su
jeito. No S
emi-
nário X
I, referências à filosofia, aqu
i a Descartes, têm
suas in
cidên
cias
clínicas. N
ão se trata em an
álise de ch
egar à essência d
o ser, senão reve-
lar-lhe o vazio. N
a obra lacanian
a, o ser vai sofrer um
esvaziamen
to lento
e sistemático. M
as o sujeito d
a filosofia não é o su
jeito da p
sicanálise. A
psican
álise traz algo “novo, recon
du
zind
o o sujeito à su
a dep
end
ência
significan
te (19.02.64)”. Lacan, p
or exemp
lo, sublin
ha a im
portân
cia da
lingü
ística e do jogo com
binatório. Fala d
o incon
sciente estru
turad
o como
um
a lingu
agem. M
as especifica qu
e a psican
álise tem p
arentesco com
a
“lingu
isteria”, espécie d
e lapso d
a língu
a engolin
do a h
isteria. Não é u
ma
lingu
ística. “O in
conscien
te, conceito freu
dian
o é outra coisa [...] en
tre a
práxis d
o analisan
te com as form
ações do seu
incon
sciente, ato falh
o,
sonh
o, chiste, lap
so, sintom
a. Aliás, a resp
eito do sin
toma, sym
ptôme em
francês, Lacan
volta, em 1975-76, à an
tiga grafia “sinthom
e”. Veio-m
e a
ideia segu
inte: ten
tar retornar à an
tiga escrita do sin
toma n
a história d
o
analisan
te, assim p
oderia ser p
ensad
o um
aspecto d
o trabalho em
análise
nos m
omen
tos de associações sobre u
m sin
toma. A
antiga escrita d
o sin-
toma é u
ma d
as vias para resp
ond
er à pergu
nta: qu
and
o apareceu
este
sintom
a? Mais ad
iante, n
o decu
rso da an
álise, o analista p
ode retorn
ar à
pergu
nta e ou
vir do an
alisante u
m “D
e novo?”. Pois é, ap
arecem m
odifi-
cações na “escrita” n
esta volta ao mesm
o lugar on
de o real d
o desen
contro,
tão bem ilu
strado p
elo sintom
a, curte em
retornar. N
estas idas e voltas,
cai no lixo o qu
e ao lixo cabe e transform
a-se o resto, perm
itind
o certa
amarração.
Psic
an
ális
e e
ciê
nc
ia
“O d
iscurso q
ue ten
ho aq
ui tem
dois ob
jetivos, u
m q
ue v
isa os
analistas, ou
tro aqueles qu
e estão aqui p
ara saber se a psican
álise é
um
a ciência” (19.02.64). L
acan refere-se con
stantem
ente à ciên
cia para
dizer: a p
sicanálise n
ão pod
e ser um
a religião nem
um
a psicologia d
a
intu
ição e da sín
tese. O su
jeito, “segun
do em
relação ao significan
te”, o
sujeito n
ão deve ser situ
ado “em
relação à realidad
e”, degrad
ação psi-
cológica do cogito cartesian
o redu
zido a u
m “aborto” (22.04.64). D
aí, o
recurso à ciên
cia, começan
do p
ela “ciência p
rimitiva”, lu
gar do jogo d
a
“combin
atória”, das “op
osições”, “da águ
a e do fogo, d
o quen
te e do
frio” (29.04.64). “An
tes do estabelecim
ento d
as relações hu
man
as “[...]
em tem
as de op
osição, a natu
reza fornece [...] sign
ificantes, e esses
significan
tes organizam
de m
odo in
augu
ral as relações hu
man
as, lhes
dão estru
turas e as m
odelam
” (22.01.64).”O cam
po freu
dian
o não era
possível sen
ão um
certo temp
o após a em
ergência d
o sujeito cartesian
o,
nisto qu
e a ciência m
odern
a não com
eça senão d
epois qu
e Descartes fez
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.43
co
rre
io A
PP
OA
l ou
tub
ro 2
01
042.
tem
átic
a.
Pro
du
çõ
es
tex
tua
is: S
em
iná
rio X
V d
e L
ac
an
.
- Re
al d
o d
ese
jo d
o a
na
lista
No S
emin
ário XI, o p
rimeiro real alu
did
o, mas n
ão cham
ado real,
seria o imp
ossível de u
ma resp
osta à pergu
nta “qu
al o desejo d
o analis-
ta”? Lacan in
trodu
z este tema, sem
pre abord
ado com
o interrogação. É
logo associado ao “p
ecado origin
al da an
álise”: “algo em Freu
d n
un
ca foi
analisad
o” (15.01.64). Seria este “real qu
e escapa”, p
rimeira d
efinição d
o
real em u
m d
os textos fun
dad
ores da teoria lacan
iana, “O
Sim
bólico, o
Imagin
ário e o Real” d
e 1953.
- Re
al d
o tra
um
a
O real ap
arece como “rep
etição da d
ecepção”, “exp
eriência en
quan
-
to decep
cionan
te com u
m real [...] qu
e o sujeito é con
den
ado a faltar
(man
quer)” (29.91.64). A
tuché, o real, “essen
cialmen
te é o encon
tro fa-
lhad
o” “se apresen
tou em
prim
eiro lugar n
a história d
a psican
álise sob
um
a forma [...] d
o traum
atismo”. “In
assimilável”(12.02.64). A
“cena p
ri-
mitiva é tão trau
mática”, cau
sand
o “prazer d
emais” n
o obsessivo ou “d
e
men
os” na h
istérica (19.02.64).
- Re
al d
o p
esa
de
lo
E o son
ho “p
ode p
rodu
zir o que faz ressu
rgir a repetição o trau
ma”
(12.02.64). “Pai, não vês qu
e estou qu
eiman
do?” E
is a pergu
nta rep
reensiva
do filh
o ao pai d
ormin
do, son
han
do. Lacan
comen
ta este sonh
o mais d
e
um
a vez no S
emin
ário XI. O
filho, d
e fato, está morto n
o caixão na sala ao
lado e u
ma vela está qu
eiman
do o cad
áver. Perto do caixão, o vigia, su
bs-
tituto d
o pai, tam
bém está d
ormin
do. O
pai, d
up
lamen
te, dorm
ind
o. O
real do d
esencon
tro volta ao mesm
o lugar d
a dem
issão da fu
nção p
ater-
na. O
pai real n
ão fun
ciona p
ropriam
ente com
o agente d
a castração, dei-
xand
o o filho à m
ercê do d
esejo mortífero, in
cestuoso, d
o grand
e Ou
tro
matern
o. Esta m
ãe não sou
be reconh
ecer este hom
em, p
ai deste filh
o. Ela
abdicou
da tarefa d
e med
iação, mas com
a cum
plicid
ade d
o pai d
ormin
-
causa e o qu
e ela afeta, há a falh
a” (clocherie) (22.01.64). A ciên
cia pod
e-
ria dizer: en
tre a causa e seu
efeito, não h
á falha. Por isso, em
bora em
psican
álise se trate do su
jeito da ciên
cia, e não d
a religião, nem
da p
sico-
logia ou d
a filosofia, em sen
tido estrito, n
a ciência, o su
jeito está excluí-
do. M
as o sujeito d
o incon
sciente ap
arece e desap
arece em su
as forma-
ções, em son
hos, atos falh
os, lapsos, ch
istes, sob um
“mod
o de trop
eço”,
de “ach
ado”, in
stauran
do a d
imen
são da “p
erda” (05.02.64). O
um
do
incon
sciente “é o u
m d
a fend
a, do traço, d
a rup
tura” (22.01.64). E
este
sujeito é m
ais prop
riamen
te um
ele do qu
e um
eu. N
o fim d
e seu en
sino,
Lacan qu
estiona Freu
d p
or não ter falad
o do “ele”, m
as somen
te do eu
e
do isso.
Tra
tar o
rea
l pe
lo s
imb
ólic
o
O S
emin
ário sobre a ética de 1959-60 n
os coloca em con
fronto com
o
real, cru, d
a morte, d
a Coisa, d
e um
certo gozo. E o S
emin
ário de 1962-63
defin
e A A
ngú
stia “o real que n
ão engan
a”.
- Re
al d
a a
ng
ústia
Aqu
i, em 1964, L
acan su
blinh
a a diferen
ça da p
sicanálise em
rela-
ção a qualqu
er outra p
ráxis: “Nen
hu
ma p
ráxis é orientad
a para o qu
e, no
coração da exp
eriência, é o n
úcleo d
o real” (12.02.64). E p
ergun
ta sobre
nosso trabalh
o de an
alistas “O qu
e é a práxis?” R
espon
de: “tratar o real
pelo sim
bólico” (15.01.64). Por exemp
lo, a respeito d
a angú
stia, é pre-
ciso “dosá-la p
ara não ser su
bmergid
o por ela” (29.01.64). O
real da
angú
stia, na “p
ráxis” do “tratar o real p
elo simbólico” p
ode ser cercad
o
pela exp
licitação provocad
a pela p
ergun
ta: “quem
está sufocan
do você?
Ou
, algum
a mãe esp
era o que d
e você?”. Não saber qu
e objeto a se é
para o d
esejo matern
o, eis um
a persp
ectiva decorren
te do S
emin
ário
“A A
ngú
stia”.
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.45
co
rre
io A
PP
OA
l ou
tub
ro 2
01
044.
tem
átic
a.
Pro
du
çõ
es
tex
tua
is: S
em
iná
rio X
V d
e L
ac
an
.
Lacan fala d
a “esquize” d
o “sujeito em
relação ao encon
tro” como “o
real” “originalm
ente m
al vind
o” (mal ven
u =
não bem
vind
o), e nisso,
“cúm
plice d
a pu
lsão”. E ilu
stra pela esqu
ize entre olh
o e olhar n
a pu
lsão
escópica. N
a visão da im
agem esp
ecular, lu
gar de d
esconh
ecimen
to pró-
prio à con
sciência obtu
sa, o que h
á de elu
did
o? É a “fu
nção d
o olhar”
(19.02.64). Olh
ar, “pon
to de ser esvan
ecente com
o qual o su
jeito confu
n-
de seu
próp
rio desfalecim
ento” (26.02.64). E
a questão d
o mau
olho, d
o
mau
olhad
o e sua “fu
nção m
ortal” de “levar a d
oença, o d
esencon
tro”. A
“invíd
ia vem d
o videre”, ver. Nos textos d
e San
to Agostin
ho, lem
os sobre
“a criancin
ha olh
and
o seu irm
ão susp
enso n
o seio da m
ãe, olhan
do-o
com u
m olh
ar amargo”. “O
mau
olho é o fascin
um
” (11.03.64).
- Re
al d
o lim
ite
O real com
o limite: “A
mem
orialização da biografia, tu
do isso n
ão
fun
ciona sen
ão até um
certo limite qu
e se cham
a o real. [...] que volta
semp
re ao mesm
o lugar [...]o su
jeito [..] nu
nca o en
contra (05.02.64),
mesm
o lugar d
o limite, o m
esmo lu
gar do d
esencon
tro.
No fim
do O
eu e o isso, Freu
d se refere à “reação terap
êutica n
egati-
va”. Pode-se falar d
a resistência d
o analisan
te. Se esta resistên
cia respon
-
de à p
osição do an
alista, qual p
oderia ser a resistên
cia do an
alista no
caso? A “reação n
egativa” usa h
oje em d
ia, freqüen
temen
te, o mais p
opu
-
lar dos recu
rsos, o prolon
gamen
to da ch
amad
a dep
ressão, para d
esafiar,
agredir o an
alista: o analisan
te se queixa d
e ter sido vítim
a de p
ais negli-
gentes e irresp
onsáveis. O
analista se revela a im
agem p
erfeita deles. E
sta
reação negativa, od
iosa, da p
arte do an
alisante n
ão pod
e ser abordad
a de
man
eira un
iforme p
elo analista em
relação a vários analisan
tes. Esta u
ni-
formização seria a resistên
cia do an
alista. Da reação n
egativa, há u
ma
singu
laridad
e. Tal analisan
te usa in
conscien
temen
te esta dep
ressão-acu-
sação para d
izer que ele, se fosse an
alista, seria bem m
elhor. Tal ou
tro
quer m
ostrar como o an
alista anterior era m
ais anim
ado. Tal ou
tro acaba
evocand
o o lado ch
antagista d
a dep
ressão da m
ãe. Tantos ou
tros e outras
do d
emais. E
o filho d
orme seu
últim
o sono. S
onh
o entre son
hos, d
o sono
eterno d
o pai. A
dem
issão da fu
nção p
aterna, ch
amad
a por Lacan
em “O
s
comp
lexos familiares” d
e 1938 “declín
io social da im
ago patern
a”, levou
a um
a crise e “devem
os talvez a esta crise o surgim
ento d
a próp
ria psica-
nálise” (A
utres É
crits, p.61). Lem
bremos o ch
oque trau
mático viven
ciado
por Freu
d. O
pai d
ele, vítima d
e precon
ceito contra os ju
deu
s, foi insu
lta-
do p
or um
transeu
nte qu
e lhe d
eu u
m tabefe e fez voar su
a boina. H
um
i-
lhad
o, o pai d
e Freud
se limitou
a colher a boin
a na ru
a. No cap
ítulo X
da
Psicopatologia da vida cotidiana, o “erro d
e escrever Asd
rúbal em
vez de
Am
ílcar, o nom
e do irm
ão substitu
ind
o o pai”, revela, d
iz Freud
, “min
ha
insatisfação com
o comp
ortamen
to de m
eu p
ai frente aos in
imigos d
e
nosso p
ovo”.
A au
sência d
o pai, verd
adeiro p
esadelo n
a vida d
e tanta gen
te a mer-
cê do gozo d
a mãe! Pen
semos n
os pesad
elos repetid
os de certo an
alisante:
“Algo tão real qu
e está acontecen
do m
esmo, esses ban
did
os vão me m
a-
tar, não ten
ho jeito d
e escapar”. E
ste real sem lei, totalm
ente solto, ap
ela
por u
m lim
ite nu
nca d
ado. E
o analista ou
ve comen
tários sobre um
a tra-
ma p
ersecutória d
os familiares en
cobrind
o, por com
portam
entos d
e con-
vivência, certo tip
o de com
plô m
ortífero: tantos d
esejos de m
orte pod
em
coincid
ir? A resp
eito do h
omem
dos lobos, “é em
relação ao real que fu
n-
ciona o p
lano d
o fantasm
a. O real su
porta o fan
tasma, o fan
tasma p
rotege
o real” (29.01.64).
- Re
al d
a riv
alid
ad
e, d
a “in
víd
ia”
O real d
o “mau
encon
tro”, do trau
ma qu
eé a”introd
ução d
a sexuali-
dad
e” (05.02.64). Real d
o traum
a a ser tratado p
elo simbólico. Pen
semos
na rivalid
ade en
tre irmãos basicam
ente fu
nd
ada n
a fantasia in
cestuosa
entre filh
os e mãe. A
rivalidad
e começa n
o quarto d
os filhos an
tes de ser
questão d
e luta p
ela prop
riedad
e privad
a, dizia Freu
d em
1930 (Mal-estar
na cu
ltura
). Por mais im
aginária qu
e seja esta rivalidad
e, ela não d
eixa de
ser real pelo lad
o do “d
esencon
tro”.
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.47
co
rre
io A
PP
OA
l ou
tub
ro 2
01
046.
tem
átic
a.
Pro
du
çõ
es
tex
tua
is: S
em
iná
rio X
V d
e L
ac
an
.
sofrimen
to da in
fância até ele recon
hecê-lo. U
m “você realm
ente sofreu
mu
ito” pod
e perm
itir dar o p
asso para in
terrogações sobre certa cum
pli-
cidad
e. Não an
tecipar cortes d
eve dar-lh
es mais p
eso. Sobre esta vid
a
“um
a grand
e merd
a”, um
a possível p
ergun
ta: “pod
e transform
ar esta
merd
a em esterco e p
rodu
zir algo?”. A im
potên
cia é imagin
ária. Certos
“interesses” d
e analisan
tes os levam a con
fun
dir im
potên
cia e imp
ossibi-
lidad
e. O con
vite falado ao p
ossível pod
e operar algu
m fu
ro na beira d
o
imp
ossível.
gozam n
o sofrimen
to benefícios d
e doen
ças da in
fância, m
as cada
analisan
te den
tro de sin
gularid
ade m
uito p
rópria. U
ma form
a de resis-
tência d
o analista: a u
niform
ização.
“É o real qu
e coman
da m
ais que tu
do n
ossas atividad
es e é a psican
á-
lise que n
os design
a isso” (12.02.64). Lacan d
iferencia a resistên
cia do
sujeito em
relação à “resistência d
o discu
rso” e o nú
cleo “real” deste d
is-
curso (19.02.64).
Da
inte
rpre
taç
ão
Um
a analisan
te se queixa d
e um
a amiga in
discreta e p
aradoxalm
en-
te totalmen
te fechad
a a respeito d
e si mesm
a. Um
sonh
o: “Ela em
cima d
e
mim
, quer saber tu
do d
e mim
e não d
iz nad
a sobre ela. O assu
nto? O
amigo ap
elidad
o “dito”. O
amigo “d
ito” e a amiga d
o não-d
ito”.
“A in
terpretação d
o analista n
ão faz senão recobrir o fato qu
e o in-
conscien
te [...] em su
as formações –son
ho, lap
so, chiste ou
sintom
a- já
tem p
rocedid
o por in
terpretação”. Freu
d fala d
a transferên
cia como resis-
tente, e p
aradoxalm
ente, con
vida o an
alista “esperar a tran
sferência p
ara
começar a d
ar a interp
retação” (15.04.64).
Tratar o real p
elo simbólico sign
ifica, na p
ráxis, tratar os reais pelo
simbólico: o real d
a angú
stia, do trau
ma, d
o limite, d
o sonh
o, da rep
eti-
ção, da p
ulsão d
e morte, d
o imp
ossível, da n
ão-relação sexual, d
o gozo,
do caos, d
a doen
ça psicossom
ática, da p
sicose.
Um
a analisan
te narrava u
m son
ho com
o um
apan
had
o de tod
os seus
sofrimen
tos fazend
o da vid
a dela “u
ma gran
de m
erda”. D
e fato, alud
ind
o
a episód
ios atrozes. Lacan n
os adverte d
e evitar a comp
reensão.Pergu
nto-
me se a d
ificuld
ade em
mu
itos analisan
tes de, p
ouco a p
ouco, tom
ar dis-
tância d
este sofrimen
to, de d
escolar-se deste gozo m
asoquista, se vê re-
forçada p
orque o an
alista não se p
ermite a etap
a da “com
preen
são” no
sentid
o de d
izer algo do tip
o: “enten
do, recon
heço qu
e você sofreu d
e
abusos terríveis”. E
ra o tio perverso qu
e não qu
eria saber do sofrim
ento
desta sobrin
ha. A
nalisan
te, ela revive com o an
alista a perp
etuação d
o
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.49
temátic
a.
O a
to n
a P
sic
an
ális
e d
e c
rian
ça
s1
Alfre
do
Jeru
salin
sky
Vou
começar p
or ler algun
s fragmen
tos do sem
inário “A
lógica do fan
-
tasma”, d
e Lacan, au
la de 8 d
e março d
e 1967, em qu
e prop
õe o seguin
te:“O
ato sexual: O
que a p
sicanálise d
iz disso? S
imp
les observações.
É, com
efeito, surp
reend
ente, qu
e tud
o o que se en
un
cia na teoria p
sica-n
alítica parece d
estinad
o a apagar – ao u
so destes seres a d
iversos títulos
sofredores ou
insatisfeitos d
os quais n
os encarregam
os. Dito d
e outro
mod
o, temos qu
e carregá-los. O caráter d
o ato do en
contro sexu
al. Con
-
jun
tamen
te, declara-se m
ais ou m
enos satisfatória tal ou
qual form
a do
que se ch
ama a relação sexu
al, evadin
do assim
o que tem
faland
o com
prop
riedad
e de vivo e d
e cortante n
o ato, mascaran
do o qu
e o constitu
i, asaber ser u
m corte. R
epito p
ara que p
restem aten
ção. O ato sexu
al, então,
Lacan d
iz, é essencialm
ente u
m corte. Tod
o mu
nd
o sabe disso. A
ntes e
dep
ois do ato sexu
al não é a m
esma coisa. É
necessário acred
itar que é
1 Transcrição do encontro do Núcleo em psicanálise de crianças, no dia 13 de m
arço de 2010.
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.51
co
rre
io A
PP
OA
l ou
tub
ro 2
01
050.
tem
átic
a.
Pro
du
çõ
es
tex
tua
is: S
em
iná
rio X
V d
e L
ac
an
.
algo, digam
os ao que eu
cham
aria um
mod
o mod
erado sob o qu
al a teoria
avança. (...) Q
uer d
izer, a psican
álise se cuid
a para n
ão escand
alizar de-
masiad
o. Mas, o fato é tam
bém, qu
alquer u
ma qu
e seja nossa asp
iração à
liberdad
e de p
ensam
ento, qu
e o ato sexual n
ão tem p
assado ain
da à cate-
goria daqu
ilo que satisfaz-se n
o snack-bar. Q
ue n
ão é um
assun
to tão sim-
ples com
o beber um
copo d
e água. C
omo se afirm
ava no in
icio desse sé-
culo, em
torno d
e Lenin
. Estam
os faland
o do am
or livre, 1917. É qu
e a
raspa d
epois d
ele, e dele se in
clui, sem
dú
vida ain
da, carregar p
or longo
temp
o esse bizarro efeito de d
iscordân
cia que se ch
ama a cu
lpabilid
ade.
Mas aqu
ilo não m
e imp
ediria, ou
não im
ped
ira de en
un
ciar aind
a, mais
um
a vez a insu
ficiência d
a defin
ição do estád
io genital e d
e estrutu
ra
ideal d
e seu objeto. E
igualm
ente im
pu
gnar qu
e a dim
ensão d
o carinh
o
deve ocu
par aí o lu
gar estrutu
ral. Seria bom
lembrar o qu
e a experiên
cia
imp
õe. A saber, a am
bigüid
ade d
o amor e se p
ergun
tar simp
lesmen
te se
um
ato sexual é im
aturo qu
and
o está comp
rometid
o no ód
io. Os am
ores
de Tu
lerure e d
e Sygn
e de C
oûfon
taine seriam
um
a conju
nção, en
tão ima-
tura? O
s ouvin
tes em tod
os os casos não qu
erem escu
tar nad
a disso. D
e
qualqu
er lado qu
e eles estejam, religiosos ou
de n
enh
um
mod
o em tal
posição, ou
men
os do m
un
do p
ensan
te contrariam
ente ao qu
e Sygn
e não
silencia qu
e ela, a relação sexual em
tud
o aquilo qu
e encan
ta. Ou
tro traço
de m
aturid
ade p
ara as afecções genitais seria d
e (inau
dível) au
tores o
caráter mod
erado e a d
emora d
ecente qu
e aí tomaria o lu
to dep
ois da
perd
a do côn
juge. A
queixa clássica d
a histérica qu
e determ
inou
a rela-
ção sexual virou
de lad
o e dorm
iu. Faltou
o luto d
ecente p
ela perd
a do
cônju
ge. Há aí algo qu
e faz pen
sar que estaria n
a norm
a do qu
e se cham
a
um
a matu
ridad
e afetiva. Assim
seja, outro qu
em p
arta prim
eiro um
pou
-
co como a h
istoria que Freu
d con
ta em algu
ma p
arte. Aqu
ela do sen
hor
que d
iz a sua m
ulh
er: ‘Qu
and
o um
de n
ós dois m
orrer, eu irei a Paris’.
Sem
pre resu
lta curioso qu
e nad
a seja evocado n
a teoria no qu
e concern
e
ao luto qu
e esse sujeito m
adu
ro deixaria atrás d
e si. A qu
estão pod
eria ser
consid
erada com
seriedad
e a prop
ósito do estatu
to do su
jeito, mas é p
ro-
vável que aqu
ilo interessaria m
enos a n
ossos clientes”.
Bem
, dep
ois vem u
m títu
lo, que eu
vou resu
mir p
ara não alon
gar a
leitura, qu
e diz: “o actin
g-out com
o revelador d
o ato psican
alítico”; e ou-
tro título: “o ato d
o corte psican
alítico”, den
tro da m
esma au
la. Eu
vou
lhes falar d
e um
quarto p
onto: o ato sexu
al e a sublim
ação em relação à
falta. Eu
vou resu
mir esses qu
atro títulos. N
a verdad
e, acabo de ler o qu
e
Lacan d
isse sobre um
, a contin
uação vou
resum
ir os outros três.
Em
relação ao acting-ou
t, Lacan
evoca o exemp
lo que ele m
esmo
analisou
do p
aciente d
o psican
alista Kris, aqu
ele que tin
ha com
plexo d
e
plagiar. O
sentim
ento era d
e que ele acred
itava que n
ão era capaz d
e es-
crever algo original e qu
e tud
o que ele escrevia in
evitavelmen
te era um
a
copia. D
uran
te sua an
álise, o pacien
te cita um
livro do qu
al ele teria
extraído as id
éias de u
m escrito, rep
rodu
zind
o-as tal qual. O
que faz K
ris,
o analista d
a escola da p
sicologia do ego, am
ericano, é ir ler o livro qu
e
ele cita e voltar na sessão segu
inte com
un
icand
o a seu p
aciente qu
e não
é nad
a disso, qu
e nen
hu
m d
as idéias qu
e ele escreveu está n
o livro que
ele diz ter p
lagiado. Isto, em
lugar d
e tranqü
ilizar seu p
aciente, o d
eixa
angu
stiado a tal p
onto qu
e ele tem qu
e sair da sessão e ir com
er um
prato
de m
iolos frescos.
Bem
, Lacan su
blinh
a que se con
trapor à p
osição do p
aciente, colo-
cand
o a verdad
e do fato, n
ão é interp
retação. Porque, ju
stamen
te, o que
se trata é o que vai fazer esse p
aciente com
seu d
esejo de p
lagiar o outro.
Porque seu
desejo n
ão é escrever, seu d
esejo fun
dam
ental n
ão é escrever
algo original, seu
desejo fu
nd
amen
tal é plagiar. Q
uer d
izer que qu
and
o
ele vem e com
un
ica a seu an
alista que p
lagiou, ele esta com
un
icand
o a
realização imagin
aria de seu
desejo, com
o faria qualqu
er analisan
te que
comu
nicasse a seu
analista u
m son
ho: u
ma realização im
aginária d
e de-
sejos. Desfazer essa relação im
aginária n
ão é interp
retar, porqu
e o que se
interp
reta é o desejo e n
ão a revelação de u
ma verd
ade fática, qu
e todo
mu
nd
o sabe, interessa u
m ovo p
ara nós! N
ossa vida n
ão se orienta p
or
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.53
co
rre
io A
PP
OA
l ou
tub
ro 2
01
052.
tem
átic
a.
Pro
du
çõ
es
tex
tua
is: S
em
iná
rio X
V d
e L
ac
an
.
verdad
es fáticas. Nossas d
ecisões não são tom
adas em
fun
ção de verd
a-
des fáticas, m
as em fu
nção d
e desejos qu
e tem u
m valor sim
bólico para
nós. E
o real se deixa cair, o qu
e quan
do n
ão acontece, ficam
os com p
ro-
blemas. O
problem
a mais grave é p
recisamen
te quan
do o real n
ão se dei-
xa cair. É p
or isso que n
ós psican
alistas não som
os descritíveis. Por isso, a
velha m
etáfora da d
iferença en
tre um
analista e S
herlock H
olmes, en
tre
Freud
e Sh
erlock Holm
es, quer d
izer, nós n
ão vamos averigu
ar a verdad
e
do qu
e aconteceu
. Não in
teressa! On
tem, u
m colega d
e São Pau
lo em u
ma
sup
ervisão me p
ergun
tava a prop
ósito de u
m caso d
e um
a pacien
te que é
mãe d
e um
filho ad
olescente, u
m ad
ulto jovem
. Ela estava p
reocup
ada
com seu
filho p
or um
a serie de circu
nstân
cias mais ou
men
os comp
lica-
das d
a vida d
ele. E en
tão, ele faz algum
as interven
ções em relação a esse
filho e m
e pergu
nta se n
ós pod
emos, através d
e um
analisan
te, saber al-
gum
a coisa de u
m terceiro referid
o du
rante a an
álise. E eu
lhe d
isse que,
não é qu
e não saibam
os nad
a, mas o qu
e sabemos é m
uito fragm
entad
o,
pon
tual e efêm
ero, porqu
e nós n
ão conh
ecemos o tecid
o fantasm
ático
desse terceiro. Pod
emos ver efeitos n
esse terceiro, porqu
e nosso an
alisante
vem e n
os conta. C
onta p
ara nós qu
e em fu
nção d
a interven
ção que tive-
mos, ele falou
com seu
filho d
e determ
inad
a man
eira e o filho en
tão em
lugar d
e fazer tal coisa fez tal outra. P
ronto! A
gora, quan
to vai du
rar isso
que ele fez, n
ão sabemos. Q
uan
to de p
ersistência, d
e mod
ificação da p
o-
sição significan
te de seu
ato, quan
to foi atingid
o pela m
ud
ança qu
e nosso
pacien
te guiad
o por n
ós introd
uziu
ali, ignoram
os por com
pleto. Porqu
e
nós, qu
and
o fazemos u
ma in
tervenção em
relação a esse terceiro, na ver-
dad
e, não estam
os fazend
o um
a interven
ção em relação a esse terceiro
real. Estam
os fazend
o um
a interven
ção a esse outro d
e nosso p
aciente, ao
outro qu
e nosso p
aciente tem
na su
a cabeça. Qu
er dizer, n
ão interessa
para n
ós quem
é outro, sen
ão teríamos qu
e, cada vez qu
e o pacien
te fala
de ou
tro, convocá-lo p
ara conh
ecê-lo. E essa n
ão é nossa fu
nção. N
ossa
fun
ção é justam
ente in
tervir em relação a esse ou
tro que con
stitui, form
a
parte d
o fantasm
a de n
ossos pacien
tes. Está claro? A
interp
retação, en-
tão, dizíam
os, é do d
esejo, do d
esejo em relação a esse ou
tro, que se lê ou
dá p
ara ler, precisam
ente, n
o mod
o como esse ou
tro é apresen
tado p
elo
nosso p
aciente. É
aí que se lê o d
esejo de n
osso pacien
te e não d
o outro.
Qu
er dizer, o m
odo qu
e nosso p
aciente con
ta o desejo d
o outro é o m
odo
de falar d
o seu p
róprio d
esejo, porqu
e ele esta nos d
izend
o, como ele
deseja o d
esejo do ou
tro. Com
o ele deseja qu
e seja esse desejo d
o outro. É
um
sonh
o. É com
o o pacien
te de K
ris, ele queria qu
e fosse um
plágio. M
as
ele o desilu
diu
, não é? V
ocê não in
terpretou
o seu d
esejo. Porque o fu
nd
a-
men
tal para o p
aciente d
e Kris era se ap
ropriar d
o ser do ou
tro na m
edid
a
em qu
e nele h
avia um
a carência d
e ser. Por isso, ele tem qu
e comer os
miolos d
o outro n
o real, já que n
o simbólico d
o seu “son
ho”, em
sua im
a-
ginação, ele é d
esmen
tido p
or seu an
alista. Não é qu
e a desm
entid
a não
ocup
e nen
hu
m p
apel n
a interven
ção analítica. M
as, a desm
entid
a só é
hábil n
a interven
ção analítica, só p
ode ser p
rodu
tiva para a an
álise de
nosso p
aciente qu
and
o ela se aplica n
ão sobre o desejo, qu
e se formos
desm
entí-lo, an
ularem
os o cerne d
e nossa in
terpretação, m
as sobre a con-
vicção do p
aciente d
e que n
ão haveria ou
tro gozo maior qu
e aquele qu
e
ele está pratican
do. E
ssa desm
entid
a é válida. E
ssa desm
entid
a é mu
ito
imp
ortante! E
é aind
a mu
ito mais im
portan
te em p
sicanálise d
e crianças,
do qu
e na an
álise do in
fantil d
o sujeito, p
recisamen
te porqu
e é ali que se
prod
uz a obtu
ração de u
ma falta. E
is aqui, a razão p
ela qual eu
li o que li
de Lacan
antes.
Na verd
ade, n
essa terceira parte, ele m
ostra, retoman
do o qu
e co-
men
tou n
o prim
eiro título, qu
e precisam
ente o ato an
alítico está na
antíp
oda d
a relação sexual. P
recisamen
te, não p
or um
a questão d
e mo-
deração d
o escând
alo, como ele iron
iza o prim
eiro título qu
e eu li, p
ara
não escan
dalizar as p
essoas que estão em
volta. Mas p
orque, p
recisamen
-
te, é dessa falta qu
e na an
álise se trata, da falta n
a relação sexual. É
por
isso que ela esta n
a antíp
oda, p
orque é a relação sexu
al que falta. É
por
isso que a p
sicanálise n
ão pod
e se desen
volver por telefon
e. Por telefone,
não h
á chan
ce de relação sexu
al. Em
bora existam os serviços telefôn
icos
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.55
co
rre
io A
PP
OA
l ou
tub
ro 2
01
054.
tem
átic
a.
Pro
du
çõ
es
tex
tua
is: S
em
iná
rio X
V d
e L
ac
an
.
eróticos, não é u
ma relação sexu
al, é um
a mastu
rbação. Há alí u
ma d
ife-
rença im
portan
te. É claro qu
e a mastu
rbação se pren
de a u
ma voz, m
as
justam
ente essa voz é tom
ada com
o objeto pequ
eno a d
o analista, qu
er
dizer, m
as é captu
rada n
a fantasia d
o pacien
te como form
and
o parte d
e
seu elen
co mastu
rbatório. Nad
a contra!... M
as, digam
os, não é p
or ai que
a relação analítica p
ode d
ar seus fru
tos. An
alisar um
a criança p
or telefo-
ne! Im
agina, até m
esmo p
or skype ou víd
eo conferen
cia. Não é p
ossível!
(observemos qu
e estamos falan
do d
e um
a análise e n
ão de in
tervenções
eventu
ais) Agora vam
os ver por qu
e. Justam
ente p
orque é n
ecessário que
exista a chan
ce da relação sexu
al advir p
ara ela não estar se realizan
do,
ou seja faltar. N
enh
um
a mu
lher se qu
eixa ao açougu
eiro da esqu
ina qu
e
está sem relação sexu
al. Mas, se isso acon
tecer com seu
marid
o, pod
e se
queixar a seu
marid
o. Porque, com
o marid
o, deveria h
aver ou, a ch
ance
de h
aver está aí. Se n
ão se cum
pre, ela falta. M
as, com o açou
gueiro n
ão
falta. (Salvan
do a circu
nstan
cia, perfeitam
ente com
preen
sível, que p
ossa
haver m
ulh
eres que gostem
de açou
gueiros)
É p
or isso que L
acan d
iz que estam
os na an
típod
a. Em
prim
eiro
lugar, p
ela razão do ato. O
u seja, p
ela cond
ição do ato. E
m segu
nd
o lugar,
porqu
e dessa falta se faz, n
a análise, su
blimação. Já li u
m p
edaço d
a lição
em qu
e Lacan d
iz “o carinh
o tem qu
e ter seu d
evido lu
gar, tem qu
e ocu-
par seu
devid
o lugar”. Q
uer d
izer, pod
emos ser carin
hosos com
nossos
pacien
tes, mas n
ão vamos fazer d
isso a relação sexual. E
nten
dem
? Talvez
foi Rolan
d B
arthes, em
“Fragmen
tos de u
m d
iscurso am
oroso”, quem
cita
de u
m literato “n
ão há gozo m
aior que o sexo p
raticado n
um
mar d
e ódio.
Mas, qu
e afortun
ado é aqu
ele que con
segue fazê-lo coin
cidir com
amor”.
O qu
e seria um
a contrad
ição, ond
e estaria semp
re em falta algo. Q
uer
dizer, n
o amor, o gozo sexu
al não atin
ge seu áp
ice, e quan
do atin
ge seu
ápice é p
orque ele está im
erso no ód
io. A p
alavra ódio, aqu
i, deve ser
consid
erada com
certo cuid
ado, p
orque a in
flexão de hein
, em fran
cês,
não tem
o caráter necessariam
ente p
assional qu
e tem n
a nossa lín
gua.
Pode-se con
fun
dir essa in
flexão com o rech
aço, com o d
istanciam
ento ou
a repu
gnân
cia, mais com
a repu
gnân
cia. Está claro? P
recisamen
te a con-
jun
ção prop
osta por Jacqu
es Lacan n
o seu sem
inário “M
ais Ain
da...” ( o
nú
mero 20): hein
amou
r, fala de um
amor rep
ulsivo. U
m am
or em rep
ul-
sa. Rep
ulsa n
o sentid
o de rejeição, d
istanciam
ento. N
ão é errado! V
ocês
devem
ter sido testem
un
has in
úm
eras vezes, se são analistas d
e crianças.
De crian
ças que qu
erem a m
ãe lá! Estão m
e enten
den
do? N
ão a querem
aqui! A
criança qu
e diz p
ara a mãe: “m
ãe lá” ou “n
ão vem em
cima d
e
mim
!”. Assim
como tem
mães cu
jos filhotes as d
eman
dam
de u
m m
odo
tão prem
ente, tão in
sistente qu
e elas entram
no hein
amou
r. Vocês sabem
que n
a histeria, a qu
estão sexual é u
ma qu
eixa incessan
te. Qu
and
o está
perto tem
que estar d
istante, qu
and
o está distan
te tem qu
e esta perto.
Qu
and
o está den
tro tem qu
e estar fora, quan
do está fora tem
que estar
den
tro. Qu
er dizer, essa con
traposição in
cessante qu
e mon
ta a armad
ilha
do d
esejo antitético n
a histeria.
Revisem
os um
pou
co a questão d
a sublim
ação: Lacan n
os faz notar
no sem
inário d
a “Lógica do fan
tasma”, vocês estão ven
do qu
e estou fa-
land
o da lógica d
o fantasm
a, justam
ente a lógica qu
e coloca o desejo n
a
posição an
titética, que coloca a con
dição d
e falta semp
re naqu
ilo que se
esperaria sob a form
a de u
ma ju
nção total. C
omo Lacan
comen
ta, a ma-
turid
ade gen
ital semp
re se cum
pre n
a insu
ficiência. Q
uer d
izer, não h
á
matu
ridad
e genital a n
ão ser sob a forma d
a insu
ficiência. Q
uan
do h
á
suficiên
cia, não estam
os na m
aturid
ade gen
ital. Na in
fância, Freu
d n
os
fez notar n
o que ele in
titulou
o períod
o de latên
cia um
mom
ento im
por-
tante. D
iríamos, qu
ase, de estabilização d
a infân
cia, de con
solidação d
a
posição d
o sujeito n
a infân
cia. Freud
chega a com
entar qu
e é nesse p
erío-
do qu
e se configu
ra de u
m m
odo firm
e e constan
te o caráter da crian
ça.
Ou
seja, a posição m
oral que d
epois irá se rep
etir em u
m m
odo recalcad
o
e incon
sciente, a fon
te da cu
lpa m
encion
ada p
or Lacan. Ju
stamen
te, esse
caráter moral se in
stala nesse m
omen
to da in
fância ch
amad
o períod
o
latência. E
que d
enota, com
o estávamos ven
do, u
m m
omen
to de p
lenitu
-
de. Ju
stamen
te, é latência p
orque a sexu
alidad
e, a pu
lsão sexual en
tra em
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.57
co
rre
io A
PP
OA
l ou
tub
ro 2
01
056.
tem
átic
a.
Pro
du
çõ
es
tex
tua
is: S
em
iná
rio X
V d
e L
ac
an
.
latência. Tod
a a atividad
e excitatória da crian
ça: essa agitação, que se
tradu
z na agitação m
otora que vai até os seis ou
sete anos d
e idad
e; essa
dificu
ldad
e para d
ormir, esses terrores n
oturn
os dos qu
atro ou cin
co
anos d
e idad
e, que são ju
stamen
te o med
o de rep
rodu
zir seu d
esejo inces-
tuoso n
os sonh
os. Isso assusta p
orque aí vem
o pai com
cara de m
onstro
para d
evorar! Não im
porta se é m
enin
o ou m
enin
a, porqu
e na verd
ade a
men
ina tam
bém qu
er comer a m
ãe. E d
igo comer, p
orque aqu
i está a
ambigü
idad
e da “gen
italidad
e” infan
til, quer d
izer a posição p
erversa
polim
orfa da crian
ça, porqu
e suas vias p
ulsion
ais são diversas, sim
ul-
tâneas e m
últip
las. Feliz delas! Q
uer d
izer, são exigências corp
orais, cir-
cuitos p
ulsion
ais que se cu
mp
rem em
equivalen
tes níveis d
e satisfações
nos d
iversos orifícios do corp
o, quer d
izer nos d
iversos buracos, n
as di-
versas posições d
a falta no seu
corpo.
En
tão, du
rante a latên
cia, a criança vive u
ma esp
écie de p
lenitu
de.
É p
or isso que se tran
qüiliza. É
por isso, p
or exemp
lo, que é totalm
ente
absurd
o que algu
ém saiba d
iagnosticar u
m tran
storno d
e déficit d
e
atenção e h
iperativid
ade an
tes do sete an
os. Até m
esmo os com
portam
en-
talistas sérios reconh
ecem isso. D
epois, estão os com
erciantes, qu
e hoje
em d
ia, são mu
ito mais abu
nd
antes qu
e os sérios, e diagn
osticam a esm
o
com três ou
quatro an
os de id
ade. A
cabo de receber u
m p
aciente, com
dois an
os e seis meses, m
edicad
o com ritalin
a e com rivotril em
altas do-
ses, nu
m estad
o confu
sional. Porqu
e foi diagn
osticada, é u
ma m
enin
a, com
transtorn
o de d
éficit de aten
ção. A m
ãe está mu
ito feliz porqu
e por fim
se
sabe o que a crian
ça tem. V
ou lh
es dizer, a crian
ça não tem
nad
a! Mas a
mãe p
recisa que ten
ha, qu
e alguém
lhe resp
ond
a o que a crian
ça tem.
Dizia qu
e, justam
ente n
o períod
o de latên
cia, é quan
do a crian
ça
aparece p
ara nós com
o mais razoável. A
nalisar u
ma crian
ça no p
eríodo
de latên
cia é tranqü
ilo. Digo qu
e é tranqü
ilo, aparen
temen
te, porqu
e o
difícil é an
alisar, porqu
e aí falta presen
ça da falta. A
gora, são crianças
que estão n
um
a idad
e que ten
de a torn
ar-las mu
ito sociáveisl! Desen
ham
,
brincam
com a B
arbie, brincam
de gu
erra. O cam
po d
e simbolização é
riquíssim
o. Para nós é u
m p
rato para in
terpretação klein
iana. Q
uer d
izer,
símbolo p
or todos os lad
os. Vem
os em cad
a trem u
m p
apai qu
e entra n
a
estação mam
ãe e é facílimo d
e ver. A sessão n
úm
ero 14, do caso D
ick,
tratado p
or Melan
ie Klein
, se repete in
cessantem
ente.
A qu
estão é ond
e está a falta. O qu
e dizem
os, reformu
land
o ou
metaforizan
do aqu
ilo que Lacan
prop
õe no títu
lo da au
la que acabo d
e
men
cionar, é com
o a interven
ção analítica, o ato an
alítico consiste fu
n-
dam
entalm
ente em
interp
retar o que cau
sa o desejo, qu
er dizer, o d
esejo,
quer d
izer, a falta. O qu
e causa o d
esejo é aquilo qu
e falta. Interp
retar,
decifran
do. A
criptologia é a d
isciplin
a que estu
da os sign
os dos cód
igos.
É com
o estud
ar as inscrições n
um
cemitério, as letras n
os túm
ulos, ju
sta-
men
te com aqu
ilo que se p
erdeu
para sem
pre, ou
seja, o significan
te que
fica ali como sign
o de u
m lu
to. O sign
o da m
ãe perd
ida, d
o objeto perd
ido
para sem
pre. H
á um
artigo de N
orma B
run
ner, sobre o brin
car e o luto,
que está n
um
a das revistas d
a AP
PO
A, o qu
al recomen
do m
uito. E
le toca
nesse p
onto d
e um
mod
o exemp
lar.
Bem
, justam
ente, d
izia que a in
tervenção an
alítica entra p
ela bre-
cha, p
recisamen
te aí ond
e a falta fica den
un
ciada p
ela falência d
e um
gozo. Parafraseand
o Lacan
(nesse p
onto belam
ente in
terpretad
o por
Roberto H
arari no seu
livro “A rep
etição do Fracasso”) ou
metaforizan
do
Lacan, eu
costum
o dizer qu
e a cond
ição de ad
ulto se gan
ha em
fun
ção do
fracasso, do fracasso d
a relação sexual. Q
uer d
izer, a constatação d
e que a
relação sexual n
ão é o sucesso d
a relação. Não é o d
esabrocham
ento
defin
itivo e total que acaba com
toda carên
cia que se verifica n
a cond
i-
ção de m
aturid
ade, qu
er dizer n
a passagem
da in
fância p
ara a vida ad
ul-
ta. Essa d
obradiça é u
ma d
obradiça qu
e atravessa a cond
ição de fracasso.
A crian
ça é alguém
que ain
da n
ão fracassou! É
por isso qu
e ela pod
e
desfru
tar de u
mas boas férias qu
e du
ram três an
os, mais ou
men
os, que se
cham
a períod
o de latên
cia. Jardim
de N
árnia, ao qu
al dificilm
ente retor-
narem
os. E se form
os retornar, ai d
e nós! Ju
stamen
te porqu
e se instalará
um
delírio n
eurótico, m
as, um
delírio. É
o preço qu
e paga o d
elirante. O
s
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.59
co
rre
io A
PP
OA
l ou
tub
ro 2
01
058.
tem
átic
a.
Pro
du
çõ
es
tex
tua
is: S
em
iná
rio X
V d
e L
ac
an
.
poetas p
agam esse p
reço; os sonh
adores p
agam esse p
reço. Tem gen
te que
paga esse p
reço e nós p
rezamos. E
não p
rezamos p
ouco, p
ois justam
ente
são os que rep
resentam
nossos son
hos, n
ossos anseios, n
ossos desejos m
ais
secretos. Bem
, a interven
ção com u
ma crian
ça, então, é d
escobrir nessa
plen
itud
e que falam
os da latên
cia, o lugar d
a fala. Geralm
ente, a crian
ça
é trazida à an
alise nesse p
eríodo ou
porqu
e ela não o atin
giu. Porqu
e a
cond
ição é dessa sobra in
cessante n
a conqu
ista de u
ma form
a de su
bli-
mação d
o gozo, o nau
frágio incessan
te perm
anece. E
sse nau
frágio, que é
próp
rio dos d
ois três, quatro an
os. Esse n
aufrágio in
cessante qu
e leva
semp
re a criança a u
ma avid
ez de brin
car, a um
a voracidad
e de fabri-
cação de u
m im
aginário qu
e não acabe n
un
ca. Lugar d
e refúgio d
esse
nau
frágio, de recon
strução in
cessante d
e todas as m
ortes, perd
as, lutos
havid
os, e que acon
tecem a cad
a 30 segun
dos. E
ssa cond
ição de ign
orân-
cia radical, essa p
osição de d
ivisor do saber d
o outro qu
e não acaba
nu
nca. Im
possibilid
ade d
e aprop
riação de u
m saber, p
orque sem
pre tem
um
significan
te a mais qu
e den
un
cia que h
avia um
sentid
o que ela n
ão
sabia. Pergun
tas de “p
or que? p
or que? p
or que?”, “e o qu
e é isso? o que é
isso?”, que n
ão acabam n
un
ca. Justam
ente essa sobra, esse n
aufrágio in
-
cessante tem
que con
tar com u
m ou
tro real bond
oso, generoso, d
ispon
í-
vel, pacien
cioso, etc. Vocês sabem
disso. B
em, m
as que, en
tão, torna a
interven
ção do an
alista mais p
ermeável, ju
stamen
te, porqu
e em segu
ida
essa criança p
equen
a, a men
os que esteja tocad
a por u
ma am
eaça, um
a
inibição, u
ma exp
eriência d
e mau
trato ou abu
so, etc, ela se pren
de a
um
a prop
osta de saber d
o outro. E
o pequ
eno H
ans? N
ão é verdad
e?!,
Qu
em é esse h
omem
, Freud
, que em
um
a ún
ica sessão sabe tanto sobre
mim
? O qu
e é esse hom
em? É
Deu
s, que sabe tu
do, qu
e sabe tud
o de
mim
? (a famosa frase d
o pequ
eno H
ans en
dereçad
a à seu p
ai ao sair da
ún
ica entrevista qu
e teve com o D
r. Sigm
un
d Freu
d) C
laro, porqu
e não é
que Freu
d fosse gên
io, com tão extraord
inária cap
acidad
e de revelação
sobre o Pequen
o Han
s que sou
besse mesm
o tud
o acerca dele. A
s crianças
sup
õem o an
alista, colocado p
elo imagin
ário dos p
ais na tran
sferência
como sen
do o sabed
or do qu
e não se sabe, com
o aquele d
e quem
há d
e se
escutar as m
aiores verdad
es. En
tão, digam
os, a criança p
equen
a se pren
-
de em
nós. N
ós assum
imos essa p
osição sabedora, silen
ciosa, do sábio,
que tu
do con
segue en
tend
er, apesar d
e não en
tend
ermos absolu
tamen
te
nad
a no in
ício. E a crian
ça engole a h
istoria. Mas, qu
and
o chega à latên
cia,
nós p
ensam
os: agora vem u
ma crian
ça mais tran
qüila. N
ão terei que sen
-
tar no ch
ão, não terei qu
e correr, brincar com
terra, sujar as m
ãos com
tinta, ou
talvez sim, m
as não tan
to porqu
e ela é orden
adin
ha, ela gu
arda
as coisas antes d
e ir embora. O
problem
a é meter u
ma in
terpretação n
a
cabeça delas! Tem
que ficar n
a espreita.
Este p
roblema atravessei, n
esta últim
a seman
a, e digo isto p
ara con-
cluir, com
um
a men
ina d
e sete anos e m
eio, mu
ito inteligen
te e mu
ito
rápid
a. Mais ráp
ida qu
e eu! A
queixa p
arental e escolar, ju
stamen
te, é de
que ela está em
tal posição d
e plen
itud
e, tão absoluta, qu
e ela não p
recisa
de n
ada n
em n
ingu
ém, e está p
or cima d
e todo m
un
do. M
ais aind
a, tam-
bém n
ão precisa ap
rend
er nad
a porqu
e já sabe. En
tão, a questão é m
eter
um
a interp
retação. Ela já vem
há algu
ns m
eses trabalhan
do com
igo e,
nessa sem
ana, d
epois d
e algun
s meses d
e pin
tar, mold
ar com m
assa de
mod
elar, brincar com
a Barbie, brin
car de gu
erra também
, com su
per h
e-
róis, tud
o! E eu
, claro, interp
retand
o o valor simbólico d
e suas p
rodu
-
ções. Nad
a! Ela olh
ava pra m
im com
um
olhar d
e suficiên
cia que m
e
deixava esm
agado. A
lgo assim, com
o “interessan
te! Mu
ito bem! V
ocê sabe
a ordem
do sim
bólico”. Bom
, aí apareceu
um
a chan
ce e eu estava n
a es-
preita, é claro, p
ulei em
cima! A
mãe, n
a sala de esp
era antes d
e entrar
me d
isse: “aconteceram
três coisas”. En
tão, a men
ina d
isse: “Mãe, tu
não
vais contar”. E
digo: “sim
! Ela vai con
tar, porqu
e estamos aqu
i para isso.
En
tão passa a m
ãe e tu ju
nto!”. A
men
ina estava vacilan
te. En
tão, senta-
mos ao red
or da m
esa. Ela d
iz: “Vou
brincar!”. E
u d
igo: “Hoje n
ão. Hoje,
vamos falar! Q
uais são as três coisas qu
e aconteceram
?” Ela d
isse: “Por
que n
ão brincar?” “Porqu
e hoje a coisa é seria, p
elo que estou
vend
o. Qu
er
dizer, n
ão é de brin
cadeira, assim
, hoje n
ão vamos brin
car”. A m
ãe diz:
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.61
debate
s.
co
rre
io A
PP
OA
l ou
tub
ro 2
01
060.
tem
átic
a.
Tris
teza
tam
bé
m te
m fim
e s
em
ela
nã
o h
áfe
licid
ad
e: o
lug
ar d
a tris
teza
na
so
cie
da
de
co
nte
mp
orâ
ne
a1
Márc
ia G
oid
anic
h
Tem m
ais p
resença
em m
im o
qu
e me fa
lta.
Man
oel de Barros
Op
tei por ater-m
e, mais d
o que ao d
iagnóstico n
osográfico de
bipolarid
ade, a ou
tros dois sign
ificantes qu
e destaco d
o título d
essa mesa
redon
da: tristeza e con
temp
orânea. Faço essa escolh
a em fu
nção d
e, em
prim
eiro lugar, ter clareza d
e que sem
pre som
os capazes d
e falar apen
as
de tem
as parciais. N
ão somos cap
azes, hu
man
os que som
os, de tu
do d
i-
1 Texto preparado para apresentar em m
esa redonda da Semana Acadêm
ica do Curso de Psicologia da Universidade RegionalIntegrada - URI, Erechim
/RS, cujo título foi “Tristeza não Tem Fim
, Felicidade Sim: discutindo a bipolaridade e a sociedade
contemporânea”, em
agosto de 2010. A referida mesa redonda era com
posta por um psiquiatra, um
a psicóloga que trabalhacom
terapia cognitivo-comportam
ental e eu.
“Ela n
ão esta dorm
ind
o a noite in
teira, acorda d
e noite com
med
o”. “Essa
é a prim
eira coisa que tu
querias con
tar. Qu
al é a segun
da?”. “A
segun
da é
que ela brigou
com a p
rofessora, e a professora, p
ela prim
eira vez, lhe
disse qu
e se ela queria brigar esse n
ão era o lugar e, en
tão, a man
dou
na
direção e ela esteve p
or du
as horas n
a direção, p
orque ela é extrem
amen
-
te desafian
te. Algu
ém qu
e foi lhe bu
scar pergu
ntou
se ela queria con
ti-
nu
ar brigand
o e ela disse qu
e não. B
om, en
tão pod
e ir!” Isso foi a segun
da
coisa que acon
teceu. A
terceira coisa que acon
teceu é qu
e como form
am
grup
os para trabalh
ar, no gru
po d
ela se inclu
iu u
ma m
enin
a com p
arali-
sia cerebral, ou seja, com
sintom
as espásticos. E
ssa men
ina, qu
erend
o se
aproxim
ar das su
as colegas, se agarrava nelas p
orque, em
fun
ção do con
-
trole corporal, a velocid
ade d
a emergên
cia de su
as expressões é m
uito
lenta. E
ntão, ela n
ão consegu
e se fazer lugar sen
ão agarrand
o as colegas.
Qu
and
o a min
ha p
equen
a pacien
te foi agarrada, ela se sen
tiu h
orrori-
zada, in
vadid
a por algo m
onstru
oso. Ela tin
ha qu
e sup
ortar a lentid
ão da
expressão. C
ada vez qu
e ela ia falar, e ela fala mu
ito rápid
o, a outra a
apertava. C
omo qu
em qu
er dizer: “Para qu
e estou falan
do!” A
men
ina,
então, p
ediu
à professora qu
e lhe d
issesse para n
ão pegá-la... e a p
rofesso-
ra explicou
que esse é o m
odo qu
e ela tem d
e falar! “Esse é o m
odo d
e ela
tem d
e se fazer enten
der, p
orque sen
ão tu n
ão lhe d
ás temp
o. En
tão, tu
preen
ches tu
do, com
um
contín
uo qu
e não d
eixa espaço p
ara o outro,
não tem
lugar p
ara o outro. N
ão vou tirá-la e n
em vou
te tirar do gru
po!
Porque ela está se fazen
do lu
gar em ti e tu
precisas lid
ar com ela”. Q
uer
dizer, a castração abriu
um
a fend
a, um
intervalo. “E
então, en
tão tu tives-
te um
pesad
elo. Com
o eram teu
pesad
elo?” “Havia u
m m
onstro qu
e me
agarrava”. En
tão, claro eu in
terpretei. M
as vejam só com
o foi difícil qu
e
se prod
uzissem
as cond
ições para qu
e hou
vesse um
a brecha p
ara que a
relação faltasse. Qu
e a relação com o ou
tro fizesse falta ali perm
itiu a
interp
retação mu
ito mais qu
e os ricos desd
obramen
tos simbólicos d
as
preciosas cen
as de seu
brincar . Isso d
emon
stra o quan
to o ato analítico é
distan
ciado d
a ação.
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.63
Pro
du
çõ
es
tex
tua
is: S
em
iná
rio X
V d
e L
ac
an
.
co
rre
io A
PP
OA
l ou
tub
ro 2
01
062.
debate
s.
É n
ovamen
te Qu
inet (2001) qu
e nos esclarece qu
e enqu
anto n
a neu
-
rose o sujeito n
ega a castração do O
utro através d
o recalque (verd
rängu
ng),
conservan
do-a, n
o entan
to, no in
conscien
te, na p
erversão há o u
so fun
-
dam
ental d
o desm
entid
o, ou recu
sa, (verleugn
un
g) que tam
bém n
ega a
castração, mas con
serva-a no fetich
e. Por outro lad
o na p
sicose, com o
uso d
a forclusão (verw
erfun
g) ocorre um
a negação qu
e não d
eixa rastro
algum
, não con
serva nad
a, arrasa. Os d
ois mod
os de n
egar que con
ser-
vam algu
m vestígio d
o elemen
to da castração d
o Ou
tro, mesm
o negan
do-
o, – neu
rose e perversão – im
plicam
a adm
issão do É
dip
o no sim
bólico, o
que já n
ão acontece n
a psicose, qu
e não con
serva nen
hu
m traço d
essa
castração.
A essas três form
as de n
egação da castração d
o Ou
tro correspon
dem
as mod
alidad
es de retorn
o dessas op
erações, ou seja: o retorn
o do recalcad
o
no sin
toma n
eurótico, o retorn
o do d
esmen
tido n
o fetichism
o do p
erver-
so e o retorno d
o forcluíd
o nas alu
cinações e d
elírios do p
sicótico (Qu
inet,
2001). Retorn
and
o ao diagn
óstico fenom
enológico d
e Tran
storno A
fetivo
Bip
olar o que é p
ossível dizer é qu
e, guard
adas certas varian
tes e graus d
e
inten
sidad
e, o conju
nto d
e sintom
as que caracteriza esse tran
storno p
ode
ser eviden
ciado em
qualqu
er um
a das três gran
des estru
turas clín
icas
psican
alíticas. Ou
seja, quan
do fech
amos u
m d
iagnóstico d
escritivo de
Tran
storno A
fetivo Bip
olar não tem
os aind
a seguran
ça a respeito d
e qual
a estrutu
ra clínica qu
e caracteriza o mesm
o sujeito.A
prática clín
ica nos
eviden
cia quad
ros de d
iagnósticos p
siquiátricos d
e bipolarid
ade qu
e tra-
tam-se d
e estrutu
ras psicóticas, m
as também
nos ap
resenta casos qu
e in-
dicam
estrutu
ras neu
róticas ou m
esmo p
erversas. Dito isso, con
cluo essa
breve reflexão sobre estes dois m
odos d
istintos d
e diagn
osticar existentes
na atu
alidad
e e fecho o p
arênteses.
Tend
o eu sid
o convid
ada p
ara falar nessa m
esa do lu
gar de p
sica-
nalista ten
tarei fazer, então, o recorte a p
artir desse m
odo esp
ecífico de
comp
reensão d
o ser hu
man
o que é o p
sicanalítico, ou
seja, de u
m ser
zer. Dizer tod
a a verdad
e, como bem
lembra Jacqu
es Lacan (2003), é u
m
imp
ossível: materialm
ente im
possível, faltam
palavras. M
as, também
faço
essa escolha p
or enten
der qu
e a classificação de T
ranstorn
o Afetivo B
ipo-
lar é um
a classificação diagn
óstica descritiva, fen
omen
ológica, e, como
tal, baseia-se na observação d
e sinais e sin
tomas qu
e faz jus ao p
aradigm
a
nosológico biom
édico.
Abro aqu
i um
pequ
eno p
arêntese p
ara esclarecer tal diferen
ciação.
Distin
tamen
te da p
siquiatria m
odern
a, a psican
álise não organ
iza seus
mod
os de en
tend
imen
to diagn
óstico partin
do d
e sintom
as observáveis,
mas sim
comp
reend
e a constitu
ição subjetiva com
o organizad
a a partir
do qu
e nom
eia de estru
turas. A
s três grand
es estrutu
ras fun
dam
entais –
neu
roses, psicoses e p
erversões – trabalhad
as desd
e a origem p
or Freud
,
caracterizam-se fu
nd
amen
talmen
te pelo m
odo com
o cada su
jeito se
posicion
a, represen
ta e respon
de, às d
eman
das qu
e lhe são d
irigidas p
elo
Ou
tro.
An
tônio Q
uin
et (2001) destaca o fato d
a nosografia p
siquiátrica
diferen
ciar-se da p
sicanalítica ju
stamen
te por esta ú
ltima variar con
-
forme a p
osição do su
jeito no É
dip
o em relação ao gozo. O
u seja, o d
iag-
nóstico estru
tural só p
oderia ser bu
scado n
o registro simbólico, n
o qual
são articulad
as as questões fu
nd
amen
tais do su
jeito quan
do d
a traves-
sia do com
plexo d
e Éd
ipo. C
om isso a p
roposta p
sicanalítica en
tend
e
que cad
a sujeito vai lid
ar de u
m m
odo esp
ecífico com o fato d
e dep
arar-
se, ao longo d
o processo ed
ípico, com
a castração, a falta, o barramen
to
do O
utro, qu
e gera, justam
ente, u
ma d
eman
da d
irigida ao su
jeito. É
por ser castrad
o que o O
utro d
irige um
a dem
and
a, um
desejo p
ara o
sujeito.E
ste desejo, n
ecessário para a con
stituição su
bjetiva, é respon
di-
do, segu
nd
o Freud
, essencialm
ente d
e três mod
os distin
tos. Cad
a mod
o
de resp
ond
er, e mais esp
ecificamen
te de ten
tar negar a castração d
o
Ou
tro, configu
ra um
a das três estru
turas clín
icas fun
dam
entais d
o en-
tend
imen
to psican
alítico.
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.65
Pro
du
çõ
es
tex
tua
is: S
em
iná
rio X
V d
e L
ac
an
.
co
rre
io A
PP
OA
l ou
tub
ro 2
01
064.
debate
s.
mas qu
e ela passou
a ser cada vez m
ais vivida e tratad
a como u
ma d
e-
pressão e qu
e essa substitu
ição de p
aradigm
a não é in
ocente. O
corre
que com
ela consolid
a-se um
a valorização dos p
rocessos psicológicos
de n
ormalização em
detrim
ento d
as diferen
tes formas d
e exploração d
o
incon
sciente. O
u seja, tratad
o como u
ma d
epressão o con
flito neu
rótico
contem
porân
eo parece já n
ão decorrer d
e nen
hu
ma cau
salidad
e psíqu
ica
oriun
da d
o incon
sciente e p
ode, m
ais facilmen
te, ser externalizad
o, atri-
buíd
o a origens bioqu
ímicas fren
te às quais o su
jeito se objetaliza, apaga-
se, esvazia-se e passa a ocu
par u
m lu
gar de m
era vítima acom
etida p
or
um
desaju
ste orgânico qu
e precisa ser corrigid
o.
As crescen
tes exigências im
pin
gidas p
elo contem
porân
eo, o man
-
dato d
e prod
utivid
ade, eficácia, velocid
ade, in
stantan
eidad
e, descarta-
bilidad
e, circulação d
e mercad
orias, afeta não ap
enas os m
odos d
e pro-
du
ção da econ
omia m
aterial, mas tam
bém tem
efeitos sobre a econom
ia
subjetiva e as relações sociais. N
ão há m
ais espaço e n
em tem
po p
ara a
escuta d
o sujeito. É
preciso silen
ciá-lo o mais ráp
ido p
ossível. A atu
al
evolução sociocu
ltural p
arece contribu
ir para torn
ar mais n
um
erosas as
pessoas com
un
s, cham
adas em
geral de n
euróticas n
ormais, qu
e tiveram
redu
zido o lim
iar de tolerân
cia aos inelu
táveis sofrimen
tos habitu
ais, às
dificu
ldad
es e às provações cotid
ianas d
a vida (Ju
illet, 1997, apu
d
Rou
din
esco, 2000). Não é à toa qu
e, no fin
al da d
écada d
e noven
ta, o
consu
mo d
e antid
epressivos n
a França já atin
gia 22% d
a pop
ulação e
seguia em
constan
te aum
ento. A
excessiva med
icalização é um
sintom
a
de u
ma m
odern
idad
e que visa abolir n
o hom
em n
ão apen
as o desejo d
e
liberdad
e, mas tam
bém a p
rópria id
éia de en
frentam
ento qu
e esse desejo
exige (Rou
din
esco, 2000).
Segu
ind
o esse mesm
o enten
dim
ento, M
aria Rita K
ehl (2002) d
estaca
que o h
omem
contem
porân
eo quer ser d
espojad
o não ap
enas d
a angú
stia
de viver, m
as também
da resp
onsabilid
ade d
e arcar com ela, en
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er
elimin
ar toda in
quietação qu
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vés de in
dagar seu
sentid
o.
Esta ten
tativa de ap
agamen
to acaba, no en
tanto, revelan
do-se u
ma arm
a-
hu
man
o que se con
stitui ju
stamen
te a partir d
a relação fun
dam
ental qu
e
estabelece com a falta d
o Ou
tro e, consequ
entem
ente, com
sua p
rópria
falta, sua falta a ser, su
a incom
pletu
de, su
a intrín
seca parcialid
ade.
Aqu
i esbarramos n
aquilo sobre o qu
e justam
ente p
ropon
ho-m
e a
refletir neste m
omen
to: o mod
o como a cu
ltura con
temp
orânea lid
a
com a falta essen
cial do ser h
um
ano. R
etomo os d
ois significan
tes des-
tacados d
o título d
a mesa red
ond
a: tristeza e contem
porân
ea. A con
tem-
poran
eidad
e lida m
uito m
al com a tristeza in
trínseca d
o ser hu
man
o. De
fato ela não tolera a falta, a d
or, os conflitos, a tristeza, in
erentes ao ser
hu
man
o. Tal intolerân
cia à tristeza parece gerar u
m agravo d
a apatia d
os
sujeitos, in
cremen
tand
o, e mesm
o banalizan
do, os h
oje cada vez m
ais
difu
nd
idos qu
adros d
e dep
ressão. “O sofrim
ento p
síquico m
anisfesta-se
atualm
ente sob a form
a da d
epressão”, d
iz Elizabeth
Rou
din
esco (2000,
p.13) em
seu livro “Por qu
e a psican
álise?”, no qu
al procu
ra respon
der a
questão sobre p
or que, ap
ós cem an
os de existên
cia e de resu
ltados clí-
nicos in
contestáveis, a p
sicanálise era tão violen
tamen
te atacada p
or
aqueles qu
e preten
diam
substitu
í-la por tratam
entos qu
ímicos, ju
lga-
dos m
ais eficazes por atin
girem as ch
amad
as causas cerebrais d
as
dilacerações d
a alma.
Rou
din
esco destaca qu
e, longe d
e contestar a u
tilidad
e e a imp
ortân-
cia dessas su
bstâncias ou
de d
esprezar o con
forto que elas p
odem
trazer
não se p
ode esqu
ecer que elas n
ão são capazes d
e curar o h
omem
de seu
s
sofrimen
tos psíq
uicos, sejam
estes norm
ais ou p
atológicos. Diz
Rou
din
esco: “A m
orte, as paixões, a sexu
alidad
e, a loucu
ra, o incon
scien-
te e a relação com o ou
tro mold
am a su
bjetividad
e de cad
a um
, e nen
hu
-
ma ciên
cia dign
a desse n
ome jam
ais consegu
irá pôr term
o a isso, feliz-
men
te” (p. 9).
Assim
como a h
isteria na V
iena d
o fim d
o século X
IX, a d
epressão
dom
ina a su
bjetividad
e contem
porân
ea, tornan
do-se o qu
e Rou
din
esco
nom
eou d
e epid
emia p
síquica d
as sociedad
es dem
ocráticas. O qu
e a au-
tora nos d
estaca é que a h
isteria da socied
ade freu
dian
a não d
esapareceu
,
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.67
Pro
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çõ
es
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rio X
V d
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an
.
co
rre
io A
PP
OA
l ou
tub
ro 2
01
066.
debate
s.
DE
MA
IS N
ING
UÉ
M
Se ela me deixou
, a dor
é min
ha só, não é de m
ais nin
guém
.
Aos ou
tros eu devolvo a dó,
Eu
tenho a m
inha dor.
Se ela preferiu ficar sozin
ha,
ou já tem
um
outro bem
.
Se ela me deixou
a dor é min
ha,
a dor é de quem
tem.
É m
eu troféu
, é o que restou
,
é o que m
e aquece sem
me dar calor.
Se eu n
ão tenho o m
eu am
or,
eu ten
ho a min
ha dor.
A sala, o qu
arto, a casa está vazia,
a cozinha, o corredor.
Se nos m
eus braços ela n
ão se anin
ha,
a dor é min
ha.
É o m
eu len
çol, é o cobertor,
É o qu
e me aqu
ece sem m
e dar calor.
Se eu n
ão tenho o m
eu am
or
eu ten
ho a min
ha dor (...)
A d
or, o vazio, a falta, são meu
s, de m
ais nin
guém
, e, a partir d
o
mom
ento em
que p
osso enu
nciá-los, ap
ropriar-m
e deles tran
sforman
do-
os em d
iscurso, já estarei, tam
bém, atribu
ind
o sentid
o, não ap
enas à fal-
ta, mas a tod
a min
ha vid
a.
A p
rescrição contem
porân
ea do silen
ciamen
to imed
iato e abso-
luto d
e qualqu
er dor é tam
bém u
ma p
roposição qu
e leva ao apagam
ento
do p
róprio su
jeito. É p
reciso qu
e exista algum
incôm
odo, algu
ma
desacom
odação, algu
m d
esassossego, como n
os lembra Fern
and
o Pessoa,
para qu
e qualqu
er prod
ução p
ossa surgir. “Tem
mais p
resença em
mim
o
dilh
a, pois lan
ça o sujeito cad
a vez mais em
um
sentim
ento d
e vazio, um
sentim
ento d
e que su
a vida é in
significan
te.
Se a perda do sen
tido da existência está n
a origem da depressão,
que é o sin
toma em
ergente do m
al-estar contem
porâneo, isso é si-
nal de qu
e o sentido n
ão é um
valor ineren
te à própria vida: é efeitode u
ma con
strução discu
rsiva que con
fere significado ao aleatório,
ao sem sen
tido, à precariedade da existência
(KEH
L, 2002, p. 9).
Para tentar lu
tar contra o esvaziam
ento d
e sentid
o que acom
ete cada
vez maiores m
ontan
tes pop
ulacion
ais é fun
dam
ental qu
e a prod
ução d
e
sentid
o se amp
lie, que o d
iscurso, a n
arratividad
e, a prod
ução sim
bólica,
enriqu
eça cada existên
cia, possibilitan
do a criação d
e vidas qu
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am
a ser recobertas das sign
ificações mais d
istintas e sin
gulares p
ossíveis. É
novam
ente M
aria Rita K
ehl (2002) qu
em n
os recorda qu
e o hom
em está
semp
re tentan
do am
pliar o d
omín
io simbólico sobre o real d
o corpo, d
a
morte, d
o sexo, do fu
turo in
certo, mas qu
e essa prod
ução d
e sentid
o não
é ind
ividu
al e sim d
epen
de d
e seu en
laçamen
to na cu
ltura, d
e sua in
scri-
ção coletiva. Dizer qu
e um
a vida faz sen
tido, d
o pon
to de vista d
o viven-
te, significa qu
e existe a possibilid
ade d
esse sentid
o ser reconh
ecido p
elo
Ou
tro, ou p
elos outros qu
e o rodeiam
.
Jacques Lacan
(1999), em seu
semin
ário sobre as formações d
o in-
conscien
te, nos lem
bra que h
á um
a estreita relação entre a m
orte e o apa-
recimen
to do sign
ificante. É
preciso h
aver um
apagam
ento, u
m vazio,
um
a falta institu
ída p
ara que o sign
ificante p
recise surgir, e, com
ele, o
sujeito p
ossa advir. E
nten
de-se, assim
, que ju
stamen
te esse vazio, essa
falta intrín
seca do ser h
um
ano, p
ara além d
e ser um
a mera gerad
ora de
dor é tam
bém a m
otriz, a poten
cializadora d
a vida, d
a prod
ução criativa,
da con
stituição su
bjetiva prop
riamen
te dita.
Mu
itas são as prod
uções artísticas, literárias, m
usicais, etc. qu
e evi-
den
ciam esta qu
estão. Marisa M
onte e A
rnald
o An
tun
es parecem
conse-
guir n
omear belam
ente tal con
tradição.
ou
tub
ro 2
01
0 l c
orre
io A
PP
OA
.69
agenda.
co
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ro 2
01
068.
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s.
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da
outu
bro
. 2010
dia
ho
raa
tivid
ad
e
pró
xim
o n
úm
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Anis
tia
eve
nto
s d
o a
no
2010
da
ta lo
ca
le
ve
nto
6 e 7/11 P
laza São R
afael Jornad
a Clín
ica - Dizer e fazer em
análise
01, 08,15, 22 e 2914h
Reu
nião da C
omissão da R
evista
01 e 1515h
Reu
nião da C
omissão de A
periódicos
04 e 1820h
30min
Reu
nião da C
omissão do C
orreio
07,14, 21 e 2819h
30min
Reu
nião da C
omissão de Even
tos
0721h
Reu
nião da M
esa Diretiva
1419h
30min
Reu
nião da C
omissão da B
iblioteca
2121h
Reu
nião da M
esa Diretiva aberta
aos Mem
bros
que m
e falta”, ensin
a-nos, sabiam
ente, M
anoel d
e Barros (2010). O
u ain
-
da: “[...] se o n
ada d
esaparecer a p
oesia acaba” (Barros, 2010).
E com
o não fin
dar lem
brand
o a preciosa estrofe in
icial do p
oema
intitu
lado “A
utop
sicografia” de Fern
and
o Pessoa?
AU
TO
PS
ICO
GR
AFIA
O poeta é u
m fin
gidor.
Finge tão com
pletamen
te
Qu
e chega a fingir qu
e é dor
A dor qu
e deveras sente.
[...]Sim
, parece q
ue sem
algum
a parcela d
e dor, sem
algum
as
irrup
ções de tristeza n
ão haveria vid
a e, mu
ito men
os, possibilid
ade d
e
felicidad
e.
Re
ferê
nc
ias b
iblio
grá
fica
s
ANTUNES, A. e MONTE, M
. De Mais Ninguém
. CD Verde Anil Amarelo Cor de Rosa e Carvão. 1993.
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norm
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-
mação
edito
rial.
Tem
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osso
objetiv
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presen
tar a
cad
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ês um
Correio
mais ela
bora
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ela a
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e texto
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om
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riais, c
om
o a
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ício
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ês e a c
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posiç
ão v
isual.
Frente à
nec
essidad
e de u
ma p
rogra
mação ed
itoria
l, solic
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ue seja
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respeita
das a
s segu
intes n
orm
as:
1) o
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ação n
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2) a
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ata
ção d
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edid
as:
- Fon
te tam
an
ho 1
2
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eve c
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ter, em m
édia
, 12000 c
ara
cteres c
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espaço
- Nota
s de ro
dap
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man
ho 1
0
3) a
s nota
s dev
erão ser in
clu
ídas sem
pre c
om
o n
ota
s de ro
dap
é;
4) a
s referência
s bib
liográ
ficas d
everã
o in
form
ar o
(s) au
tor(es), títu
lo d
a
obra
, au
tor(es) e títu
lo d
o c
ap
ítulo
(se for o
caso
), cid
ad
e, edito
ra, a
no, v
olu
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(se for o
caso
);
5) as asp
as serão u
tilizadas p
ara iden
tificar citações d
iretas;
6) c
itações d
iretas c
om
mais d
e 3 lin
has d
evem
vir sep
ara
das d
o c
orp
o d
o
texto
, com
recuo d
e 4 cm
em relação
à margem
, utilizan
do fo
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anh
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0;
7) o
itálico
dev
erá ser u
tilizad
o p
ara
exp
ressões q
ue se q
ueira
grifa
r, para
pala
vra
s estran
geira
s qu
e não seja
m d
e uso
corren
te ou
título
s de liv
ros;
8) n
ão u
tilizar n
egrito
(bold
) ou
sublin
had
o (u
nd
erline);
9) a
data
máxim
a d
e entreg
a d
e matéria
(texto
s ou
notíc
ias) é o
dia
05, p
ara
pu
blic
ação n
o m
ês segu
inte;
10)
o a
uto
r, não a
ssocia
do a
ap
poa, d
everá
info
rmar em
um
a lin
ha c
om
o
dev
e ser ap
resenta
do.a
Com
issão d
o C
orreio
se reserva o
direito
de su
gerir a
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rações a
o(s) a
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r(es) e de efetu
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s correç
ões g
ram
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-
rias p
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larez
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to, b
em c
om
o se resp
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sabiliz
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pela
revisã
o d
as
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vas g
ráfic
as;
11)
a in
clu
são d
e matéria
s está su
jeita à
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recia
ção d
a C
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issão d
o C
or-
reio e à
disp
on
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ad
e de esp
aço p
ara
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ação.