cp 076587

106
50 3. DOS PRINCÍPIOS COMO MEIO DE DEFESA E EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS COLETIVOS E DO ACESSO À JUSTIÇA 3.1 Princípio do acesso à justiça O princípio do acesso à justiça deixa clara a importância da ordem jurídica justa para a concreção dos direitos relevantes. Trata-se do eixo sobre o qual gravita o trabalho aqui desenvolvido. Dá-se ao acesso à justiça (em ampla definição – como acesso ao Judiciário e à prestação jurisdicional adequada), caráter de essencialidade na tarefa de difusão dos direitos coletivos. Sem acesso à justiça, não há o que se falar em efetivação e concretização dos direitos metaindividuais. O movimento em favor de um maior acesso à justiça ganhou ênfase na década de 1970. Nesse período, Mauro Cappelletti e Bryant Garth foram importantes divulgadores da necessidade do acesso à justiça, como meio de inclusão social dos indivíduos na defesa de seus direitos. Para Mauro Cappelletti e Bryant Garth, a expressão em análise “serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico (...). Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.” Abaixo algumas palavras dos autores: O acesso à justiça pode (...) ser encarado como requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos. 32 32 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1988, trad. Ellen Gracie Northfleeth, p.12.

Upload: gildo-h-peres

Post on 23-Nov-2015

73 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Artigo Ação Civil pública

TRANSCRIPT

  • 50

    3. DOS PRINCPIOS COMO MEIO DE DEFESA E EFETIVAO DOS DIREITOS COLETIVOS E DO ACESSO JUSTIA

    3.1 Princpio do acesso justia

    O princpio do acesso justia deixa clara a importncia da ordem jurdica justa para

    a concreo dos direitos relevantes. Trata-se do eixo sobre o qual gravita o trabalho aqui

    desenvolvido. D-se ao acesso justia (em ampla definio como acesso ao Judicirio e

    prestao jurisdicional adequada), carter de essencialidade na tarefa de difuso dos direitos

    coletivos. Sem acesso justia, no h o que se falar em efetivao e concretizao dos

    direitos metaindividuais.

    O movimento em favor de um maior acesso justia ganhou nfase na dcada de

    1970. Nesse perodo, Mauro Cappelletti e Bryant Garth foram importantes divulgadores da

    necessidade do acesso justia, como meio de incluso social dos indivduos na defesa de

    seus direitos.

    Para Mauro Cappelletti e Bryant Garth, a expresso em anlise serve para

    determinar duas finalidades bsicas do sistema jurdico (...). Primeiro, o sistema deve ser

    igualmente acessvel a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e

    socialmente justos. Abaixo algumas palavras dos autores:

    O acesso justia pode (...) ser encarado como requisito fundamental o mais bsico dos direitos humanos de um sistema jurdico moderno e igualitrio que pretenda garantir, e no apenas proclamar os direitos de todos. 32

    32 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso justia. Porto Alegre: Srgio Antonio Fabris, 1988, trad.

    Ellen Gracie Northfleeth, p.12.

  • 51

    No menos importante, foram as solues apontadas pelos autores para os obstculos

    que engessam o acesso justia em todo o mundo, descrevendo-as como ondas

    renovatrias aptas a resolver problemas como: a assistncia judiciria, representao jurdica

    e enfoque de acesso justia.

    As idias lanadas por Mauro Cappelletti e Brian Garth h mais de trinta anos, conhecidas como as ondas renovatrias do direito processual civil propagadas no denominado Projeto Florena, animaram estudiosos de diversas partes do mundo a rever os conceitos desta cincia jurdica, para torn-la acessvel aos mais carentes (a primeira onda), para coletivizar a tutela jurisdicional (a segunda onda) e para desemperrar o mecanismo processual, tornando-o mais gil e justo (a terceira onda).

    E ainda:

    No centro destas idias est a busca pelo acesso Justia, mas, como ensina Mauro Cappelletti, o acesso Justia no apenas um ideal, mas sim um movimento di pensiero e di ricerca, que deve levar em considerao os aspectos culturais de cada sociedade, as reformas legislativas possveis etc. 33

    Ainda, a idia de acesso Justia, segundo estudo escrito em 1988 por Kazuo

    Watanabe, demonstra que atualmente no mais se limita ao mero acesso aos tribunais:

    no se trata apenas e somente de possibilitar o acesso Justia como instituio estatal, mas de viabilizar o acesso ordem jurdica justa. Dados elementares do direito ordem jurdica justa so: a) o direito informao; b) o direito adequao entre a ordem jurdica e a realidade socioeconmica do pas; c) o direito ao acesso a uma Justia adequadamente organizada e formada por juzes inseridos na realidade social e comprometidos com o objetivo de realizao da ordem jurdica justa; d) o direito pr-ordenao dos instrumentos processuais capazes de promover a objetiva tutela dos direitos; e) o direito remoo dos obstculos que se anteponham ao acesso efetivo a uma Justia que tenha tais caractersticas. 34

    33 BONICIO, Marcelo Jos Magalhes. Breve anlise comparativa entre a tutela dos interesses difusos no

    direito argentino e no direito brasileiro. Disponvel em: http://www.mundojuridico.adv.br Acesso em 20 de maro de 2008. 34

    WATANABE, op. cit., p. 128-135.

  • 52

    O princpio do acesso justia, portanto, concebe a ao como algo muito alm de

    um mero direito abstrato; a ao h de ser um instrumento voltado para a efetividade da

    tutela pleiteada. A exigncia constitucional no se esgota na possibilidade de acesso formal ao

    rgo judicirio, mas exige o acesso a um resultado justo, a uma ordem jurdica justa.

    Clemerson Merlin Clve:

    Afirme-se: no basta haver judicirio; necessrio haver Judicirio que decida. No basta haver deciso judicial; necessrio haver deciso judicial justa. No basta haver deciso judicial justa; necessrio que o povo tenha acesso deciso judicial justa. O acesso deciso judicial constitui importante questo poltica. No h verdadeiro Estado Democrtico de Direito quando o cidado no consegue, por inmeras razes, provocar a tutela jurisdicional.35

    Busca-se, assim, assegurar ao demandante a eficcia prtica do direito que possui,

    satisfazendo a parte interessada, sobretudo quando esta se trata da coletividade, como na

    tutela de interesses metaindividuais. Aqui se v com mais nitidez, o que Kazuo Watanabe

    chama de ordem jurdica justa.

    Assim, o princpio do acesso justia exerce, primordialmente, funo social de

    garantia de direitos e funo poltica de pacificao da sociedade, em seus litgios. Est

    intimamente ligado com a concretizao da democracia, sendo um de seus pressupostos.

    Garante a operatividade e a efetividade dos direitos garantidos em lei.

    No entanto, no ordenamento contemporneo, em que pese todas as normas que

    garantem o acesso (em tese) justia, inegavelmente, o que se v a falta de acesso justia,

    excluindo os indivduos de verem garantidos seus direitos, seja pela falta de dinheiro, seja

    pela excluso social e tnica (que at a atualidade inegvel), seja pela lentido do judicirio

    na apreciao das demandas.

    35 Apud BRANDO, 2006, p.222.

  • 53

    A realidade ftica exclui as classes de nvel financeiro menos abastado do direito

    democracia participativa, havendo apenas uma pseudo-democracia, a qual no garante os

    direitos de grande parte da populao, conseqentemente, no garante o direito defesa

    judicial desta faixa populacional, segregando-a juridicamente, e negando o acesso justia e a

    importantes direitos garantidos constitucionalmente.

    Essa infelizmente uma realidade conhecida, na qual o poder eletivo se encontra

    intimamente ligado com o poder financeiro, intelectual e sociolgio exercido pelo indivduo, e

    o equilbrio que deveria ser judicial, no conquistado, como nos explica Hannah Arendt em

    seu ensaio titulado A Mentira na Poltica consideraes sob os Documentos do

    Pentgono36:

    O hiato entre a lei escrita e sua aplicao efetiva, a ineficincia e a parcialidade do judicirio, a distncia entre a justia formal e a substantiva e a experincia diria dos pobres com os agentes dos sistemas judiciais e policiais, parecem indicar que no se vive sob o governo das leis, e sim, sob o governo dos homens, dos poderosos. O descompromisso com a verdade na esfera poltica faz parte do cotidiano brasileiro reforando a concepo de que no se est sob o imprio das leis, mas submetido vontade dos homens. Ora, a falsidade deliberada serve para desqualificar a Repblica, ajudando a sua eroso.

    O monoplio do Poder Judicirio inerente constituio do Estado Democrtico de

    Direito, pois, ao proibir a autotutela, assume para si o poder-dever de prestar a jurisdio de

    forma satisfatria eliminao dos conflitos existentes entre as partes.

    Essa a principal razo pela qual no h como imaginar a proibio da autotutela se

    o exerccio do direito de ao estiver obstaculizado, isto , sem a correspondente viabilizao

    - a todos os jurisdicionados - da possibilidade de efetivo acesso ao Poder Judicirio, pois, ter

    direitos e no poder tutel-los certamente o mesmo que no t-los.

    36 ARENDT, Hannah. Crises da Repblica. So Paulo: Perspectiva, 1973.

  • 54

    Dessa forma, o acesso Justia sob o prisma coletivo muito tem a ver com a

    cidadania e a efetivao da democracia dinmica e participativa, servindo como uma forma de

    incluso social daqueles que, muitas vezes, vem seus direitos tolhidos e no tm acesso

    justia de forma individual.

    Isto porque, conforme j descrito, seja pela complexidade dos ritos, seja pela

    deficincia tcnica de uma das partes ou, ainda, pela superioridade scio-econmica-poltica,

    o acesso justia, principalmente pelos mais necessitados, nem sempre efetivado.

    O acesso justia deve dar-se com a efetivao dos direitos da coletividade,

    demonstrando meios de suprir, ao menos em parte, a deficincia da ineficcia jurisdicional.

    A concepo moderna sobre a problemtica do acesso Justia fundamental para o desenvolvimento das diretrizes do direito processual coletivo. A prpria teoria geral do direito somente tem sentido de ser estudada nos dias atuais, a partir de uma concepo voltada para a efetivao dos direitos, especialmente dos coletivos. A idia do acesso Justia deve ser entendida em dois sentidos: primeiro como um novo mtodo de pensamento que, acima de tudo, se preocupa com as pessoas e com a prpria sociedade, valendo-se da norma como fundamentao para a realizao dos legtimos valores sociais; e segundo com um moderno plano de reformas, que objetiva estruturar a atividade jurisdicional, especialmente a coletiva, para o cumprimento do seu papel fundamental de pacificao social com justia, alm de criar canais alternativos de soluo da conflituosidade social e desenvolver estudos e projetos para o aperfeioamento do instrumental processual tcnico existente. 37

    Inegvel a premissa de que o acesso justia um tema que toca o mundo nos dias

    de hoje, todo o planeta v-se obrigado a admitir a importncia dos direitos sociais e coletivos,

    e para sua defesa, tal princpio se torna indispensvel. Donde se verifica que a tutela de tais

    direitos, baseados em princpios preventivos, deve ser assegurada de forma efetiva e plena.

    A tutela dos interesses metaindividuais uma clara expresso do direito como sistema de incluso, e somente a partir de tal compreenso do fenmeno jurdico torna-se possvel a interpretao adequada dos aparatos

    37 ALMEIDA, 2007, op. cit, p. 617

  • 55

    normativos que regulam esta especial forma de tutela, conjunto processual que aponta a necessidade de superao do paradigma normativista/individualista e exige uma postura de justia distributiva e coletivista, mais apropriada nos desafios do sculo XXI. 38

    A prestao jurisdicional, portanto, visa pacificao dos conflitos, e no caso das

    aes coletivas, dos conflitos de massa, sejam eles de natureza patrimonial ou no. As

    controvrsias solucionadas pelas aes coletivas envolvem, hodiernamente, os assuntos e os

    entes de maior importncia e influncia para uma pacificao social. O objetivo da paz

    coletiva e a importncia da funo social da tutela coletiva para a efetivao da democracia

    justificam a imposio de comandos processuais especficos para as partes litigantes.

    O sistema brasileiro de tutela coletiva compatibiliza o escopo pacificador do processo, salvaguardando-se os interesses individuais dos afetados em matria de interesses metaindividuais, em respeito ao princpio constitucional de inafastabilidade da jurisdio para apreciar a leso ou ameaa de leso a direito (art. 5, inc. XXXV, da CF) e valorizando-se o aspecto material do princpio do contraditrio e da ampla defesa, construindo formas de exerccio desta garantia como meio mais clere de acesso justia (art. 5, LV), e evitando-se a multiplicao desnecessria de demandas. 39

    Tal situao verifica-se, sobretudo, quando se fala dos direitos de pequena monta,

    assim entendidos aqueles em que os valores a serem restitudos no so de montante

    considervel, se defendidos de forma individual.

    Nestes casos, proliferam-se as injustias, eis que o acesso justia fica

    obstaculizado, pois os esforos tcnicos e financeiros utilizados para a resoluo da demanda

    e obteno do direito infringido, tornam-se superiores aos valores a serem restitudos (s

    custas judiciais e obteno de trabalho tcnico, sobrepem-se aos valores que lesionaram o

    38ROCHA, Ibraim das Mercs. Litisconsrcio, efeitos da sentena e coisa julgada na tutela coletiva. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 231.

    39 Idem, p. 237.

  • 56

    proponente). Por tal motivo, normalmente, tais leses ficam margem de discusso e

    ressarcimento.

    No entanto, geralmente, o que tem pequena proporo individual torna-se grande em

    termos sociais e econmicos, levando-se em considerao a coletividade, servindo de

    verdadeira apologia a prticas ilegais, abusivas e imorais.

    Kazuo Watanabe:

    A estratgia tradicional de tratamento das disputas tem sido de fragmentar os conflitos de configurao essencialmente coletiva em demandas-tomo. J a soluo dos conflitos na dimenso molecular, como demandas coletivas, alm de permitir a sua banalizao que ocorre de sua fragmentao e conferir peso poltico mais adequado s aes destinadas soluo desses conflitos coletivos.40

    O barateamento das custas refere-se ao previsto no art. 17, pargrafo 4, do

    Anteprojeto de Cdigo Brasileiro de Processos Coletivos (ltima verso-1997- incorporando

    sugestes da Casa Civil, Secretaria de Assuntos Legislativos, PGFN e dos Ministrios

    Pblicos de Minas Gerais, Paran, Rio Grande do Sul e So Paulo).

    Em abono jurisprudncia norte-americana sobre o processo Eisen v. Carlisle &

    Jacquelin, em que o valor nfimo mediante a grandiosidade da tutela jurisdicional e dos

    valores a serem utilizados para a defesa do direito discutido:

    A Suprema Corte reconheceu que o ponto crtico nesse processo que a pretenso individual do representante do grupo de apenas U$ 70,00. Nenhum advogado competente enfrentaria essa complexa ao antitruste para obter ao final um valor to nfimo. A realidade econmica impe que a ao prossiga na forma coletiva, ou no possa prosseguir de jeito nenhum.41

    40 WATANABE, in GRNOVER, Ada Pellegrini et al. Cdigo Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1999.p. 787. 41

    Eisen v. Carlise & Jacquelin, 417 U.S. 156. 1974. In GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as aes coletivas em uma perspectiva comparada. So Paulo: RT, 2007, p. 30.

  • 57

    No se pode negar que, no raras vezes, h exemplos prticos de cidados que,

    embora possuidores do direito terico, no conseguem efetivar em juzo tal direito. No caso

    acima, a dificuldade no acesso justia notria, sendo a ao coletiva a nica forma de se

    evitar o acmulo de injustias. A tutela coletiva, aqui, trata-se de instrumento apto a corrigir

    tal realidade prtica:

    Com a cumulao das demandas, a situao tende a ser alterada, tendo em vista que o prprio valor patrimonial da causa, que individualmente seria nfimo, passa a ser de grande relevncia, chegando por vezes, a importncias astronmicas, o que, per se, j pode ser suficiente para ensejar o interesse de bons profissionais para a causa, alm de recursos necessrios para a propositura e colheita de provas. As aes coletivas, se bem estruturadas, pode ser, portanto, um efetivo instrumento do acesso Justia, eliminando os entraves relacionados com os custos processuais e com o desequilbrio entre as partes. 42

    Percebe-se, assim, que o acesso justia para a tutela dos interesses transindividuais, visando soluo de conflitos que, por serem de massa, tm dimenso social poltica, assume feio prpria e peculiar no processo coletivo. O princpio que, no processo individual, diz respeito exclusivamente ao cidado, objetivando nortear. A soluo de controvrsias limitadas ao crculo de interesses da pessoa, no processo Coletivo transmuda-se em princpio de interesse de uma coletividade, formada por centenas, milhares e s vezes milhes de pessoas. 43

    3.2 Princpio da proteo do Estado Democrtico de Direito

    Aqui, v-se a ligao direta existente entre os direitos fundamentais, a tutela coletiva

    de direitos e a efetivao do acesso justia. Tais conceitos so indissolveis,

    complementando-se.

    42 MENDES, op. cit., p. 31.

    43 GRINOVER, Ada Pellegrini; MENDES, Alusio Gonalves de Castro; WATANABE, Kazuo (Coord.). Direito processual coletivo e o anteprojeto de Cdigo Brasileiro de Processos Coletivos. So Paulo: Revistas dos Tribunais. 2007, p. 12.

  • 58

    O exerccio dos direitos fundamentais garantidos constitucionalmente no pode ser

    pleno e exercitvel, se no for acompanhado da tutela adequada e efetiva dos direitos a serem

    protegidos.

    Uma categoria que necessariamente est ligada transformao de Estado a democracia, podendo-se dizer, inclusive, que ela inerente ao Estado Contemporneo, ou seja, sem democracia impossvel que o Estado possa efetivamente atingir a sua finalidade social, posto que exatamente o processo democrtico que d oportunidade de a Sociedade Civil manifestar suas necessidades e indicar os rumos da Sociedade Poltica. 44

    Em abono citaes do mestre Norberto Bobbio, excelncia no assunto: Para um

    regime democrtico, o estar em transformao seu estado natural: a democracia dinmica,

    o despotismo esttico e sempre igual a si mesmo.45 A democracia converteu-se nestes

    anos no denominador comum de todas as questes politicamente relevantes, tericas e

    prticas.46 Por regime democrtico entende-se primariamente um conjunto de regras de

    procedimento para a formao de decises coletivas, em que est prevista e facilitada a

    participao mais ampla possvel dos interessados.47

    No que diz respeito s modalidades de deciso, a regra fundamental da democracia a regra da maioria, ou seja, a regra base da qual so consideradas decises coletivas e, portanto, vinculatrias para todo o grupo as decises aprovadas ao menos pela maioria daqueles a quem compete tomar a deciso.48

    Seguindo as definies do saudoso mestre Norberto Bobbio, o princpio democrtico

    um princpio estruturante, em cuja base encontram-se os fundamentos para os demais

    44 BRANDO, op. cit., p. 75.

    45 BOBBIO, 2000, op. cit.p.19.

    46 Idem, p.09 47 Idem, p. 22. 48 Idem, p. 31.

  • 59

    princpios e regras constitucionais, servindo de alicerce para os princpios coletivos.

    dinmico, estando intimamente ligado com as modificaes fticas da realidade social.

    dentro do Estado Democrtico de Direito, portanto, que se pode falar verdadeiramente da tutela dos interesses transindividuais e, conseqentemente, em direito processual coletivo, como instrumento de transformao da realidade social colocado disposio da ordem jurdica-constitucional democrtica. 49

    Trata-se de base a gerar as demais garantias constitucionais e os meios de defesa para

    efetivao dos direitos fundamentais, os quais, se encontram, normalmente, entre a gama de

    interesses a serem tutelados por meio do processo coletivo.

    Para que se torne efetivamente democrtico, o Estado deve primar pela

    reestruturao da sociedade, com vistas para a diminuio da pobreza, das injustias e das

    desigualdades sociais. Deve abrir a porta para que a populao venha participar de seus

    ditames, incluindo-a em seu contexto de reestruturao.

    Estado Democrtico, sem participao popular no existe. A eficcia social

    elemento imprescindvel na concretizao da democracia substancial, com a participao do

    povo nas decises do processo poltico do Estado e, nas divisas oriundas da produo de um

    novo direito, remodelado e eficaz.

    Percebe-se a necessidade de renovar conceitos clssicos, bem como impor alteraes

    no tocante ao plano processual, para possibilitar o acesso justia dos interesses

    transindividuais.

    V-se que a propagao e proteo dos direitos da coletividade, deveria ser

    prioridade dentro do Estado Democrtico de Direito, com vistas a resolver (e no criar, como

    vem acontecendo e resta declinado no presente trabalho) obstculos por meio de uma

    49 ALMEIDA, 2003, op. cit., p. 58.

  • 60

    jurisdio mais flexvel, instrumental e efetiva. A concluso a que se chega com isso, que

    no h democracia sem acesso justia, mais especificamente, acesso ordem jurdica justa.

    , portanto, no Estado Democrtico de Direito que o Estado-Jurisdio assume novo papel. Comprometido constitucionalmente com a problemtica social, o Judicirio passa a ser Poder transformador da realidade social. O instrumento fundamental para a efetivao dessa sua nova funo o direito processual coletivo. 50

    Assim, ao menos em tese, o sistema processual coletivo prope a democratizao do

    acesso justia e das decises judiciais, devendo esta democratizao ser demonstrada em

    vrios sentidos: no contedo da sentena; na disperso e aproveitamento da sentena (eficcia

    erga omnes da sentena contida no processo coletivo em seus provimentos de procedncia),

    na legitimidade ampliada para a proposio das aes coletivas; na economia processual com

    a coletivizao das demandas; na flexibilizao e na instrumentalidade das formas, com vistas

    efetivao dos direitos coletivos, na busca pela eficaz proteo social e econmica dos

    tutelados.

    Desta feita, os direitos metaindividuais e sua defesa por meio do processo coletivo

    devem ter como base o princpio do Estado Democrtico de Direito e uma das suas diretrizes

    mais importantes: o princpio da dignidade da pessoa humana, delineado no art.1, inciso III

    da Constituio Federal.

    Atente-se, aqui, para a democracia participativa instaurada na Constituio vigente, a

    qual deve ser implementada com vistas eficaz tutela de relevantes interesses

    metaindividuais, com o suporte da atuao conjunta do Estado, do cidado, da coletividade e

    do Ministrio Pblico, no somente no plano jurisdicional, mas igualmente junto s instncias

    administrativas.

    Segundo Gregrio Assagra de Almeida o processo coletivo o

    50 ALMEIDA, 2003, op. cit., p. 59.

  • 61

    (...) instrumento essencial de proteo e de efetivao material do Estado Democrtico de Direito e de transformao positiva da realidade social: Nesse diapaso, observa-se que no existe efetivamente Estado Democrtico de Direito sem instrumentos eficazes de tutela dos interesses e direitos coletivos. Somente haver a transformao da realidade social com a real implantao do Estado Democrtico de Direito, quando for possvel a proteo e a efetivao dos direitos primaciais da sociedade, como os relacionados ao meio ambiente, ao patrimnio pblico, ao consumidor, etc. Para tanto, o direito processo coletivo fundamental, at porque por seu intermdio que poder ocorrer a proteo objetiva desses direitos e garantias constitucionais fundamentais e a efetivao, no plano concreto, dos direitos coletivos violados com a transformao da realidade social. 51

    3.3 Princpio da dignidade humana e sua relao com o Estado Democrtico de Direito

    No h como falar em Estado Democrtico de Direito sem que se conhea, ao

    menos, os elementos bsicos sobre a importncia da dignidade humana, que considerada

    como um dos principais direitos que o ser humano possui, pois o direito a vida, subtende no

    somente ao direito de no ser morto (penalmente protegido), e sim ao direito a uma vida digna

    e saudvel, situao teoricamente inegvel em todos os ordenamentos jurdicos do planeta.

    Elementarmente, no h como se ter democracia, se no h indivduos.

    A pessoa humana, em seu conceito, possui dignidade, ou seja, possuidora de

    direitos subjetivos e fundamentais, realidade que foi concretizada e aceita de forma pacfica,

    tendo surgido com o Cristianismo, com a teoria patrstica (desenvolvida pelos escolsticos).

    Para Kant tal fato pacfico e, justamente pelo homem ser um fim em si mesmo, tem

    valor absoluto, dignidade inegvel. Em passagem muito citada pelos doutrinadores, Kant

    contraps a dignidade ao preo, indicando que, quando alguma coisa pode ser substituda por

    algo equivalente, tem um preo, mas quando a coisa se acha acima de todo preo e por isso

    51 Idem, p. 144.

  • 62

    no admite equivalncia tem dignidade. O ser humano, obviamente, se sobrepe a qualquer

    valor pecunirio, e uma vida digna, por tal motivo, direito inegvel.

    No mbito jurdico, a dignidade humana engloba um conjunto aberto de direitos

    existenciais, inatos ou inerentes pessoa, essenciais para que algum possa se desenvolver

    plenamente no plano individual e comunitrio.

    Importante salientar, que o conjunto dos direitos da personalidade, por derivar da

    condio humana, pertence aos homens em igual proporo. Em sendo assim, independente

    da condio financeira, nenhum indivduo possui mais direito dignidade do que outro.

    O fator biolgico (ser humano) iguala todas as pessoas e impe um dever de

    solidariedade recproca. Emerge, disso tudo, a considerao da pessoa humana como um

    conceito dotado de universalidade. Invivel, portanto, qualquer distino de direitos entre os

    nacionais e estrangeiros, salvo quanto queles vinculados ao exerccio da cidadania.

    O princpio da dignidade da pessoa humana aparece no prtico de nossa

    Constituio, em seu art. 1, III, como fundamento da Repblica, onde se v sua ntima

    ligao com o princpio do Estado Democrtico de Direito.

    A dignidade humana , ainda, fundamento da Repblica Federativa do Brasil, sendo

    paradigma avaliativo de cada ao. A pessoa , nesta perspectiva, o valor ltimo, o valor

    supremo da democracia, que a dimensiona e humaniza.

    A Constituio confere uma unidade de sentido, de valor e de concordncia prtica

    ao sistema dos direitos fundamentais, que repousa na dignidade humana52, ou seja, a

    dignidade da pessoa serve de referencial para a efetiva aplicao e proteo dos direitos

    fundamentais.

    Poucos princpios constitucionais apresentam a riqueza significativa do Princpio da

    Dignidade, a tal ponto de constituir uma norma legitimadora de toda a ordem estatal e

    52 MIRANDA apud SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p.81.

  • 63

    comunitria, demonstrando, em ltima anlise, que a nossa Constituio acima de tudo a

    Constituio da pessoa humana por excelncia.

    Entende-se atualmente que a dignidade da pessoa humana tem dois grandes

    fundamentos: consiste em norma fundamental, voltada a garantir as faculdades jurdicas

    necessrias existncia digna do ser humano; e deve ser entendida, tambm, enquanto linha

    diretiva para o futuro da sociedade. Nesse sentido, novamente Scarlet consegue transparecer a

    inteno do legislador ao inserir a idia de Dignidade Humana na Lei Fundamental:

    Com o reconhecimento expresso da dignidade humana, no ttulo dos princpios

    fundamentais, como sendo um dos fundamentos do nosso Estado democrtico (e social) de

    Direito (art. 1, inc. III da CF), o constituinte de 1987/88, alm de ter tomado uma deciso

    fundamental a respeito do sentido, da finalidade e da justificao do exerccio do poder estatal

    e do prprio Estado, reconheceu expressamente que o Estado que existe em funo da

    pessoa humana, e no o contrrio, j que o homem constitui a finalidade precpua e no o

    meio da atividade estatal.

    Em abono ao declinado, o Tribunal Constitucional Espanhol, afirma a primazia da

    dignidade da pessoa humana em seu art. 10.1 da Constituio Federal Espanhola, alegando

    que a dignidade h de permanecer inaltervel, qualquer que seja a situao em que a pessoa se

    encontre, constituindo o mnimo que todo estatuto jurdico deve garantir ao cidado.

    Ressalte-se, que a positivao do princpio da dignidade da pessoa humana

    relativamente recente. Foi ao longo do sculo XX, a partir da Segunda Guerra mundial, que a

    dignidade da pessoa humana passou a ser reconhecida expressamente nas Constituies,

    especialmente aps ter sido consagrada pela Declarao Universal da ONU, em 1948.

    Neste sentido, costuma afirmar-se que o exerccio do poder e a ordem estatal em seu

    todo apenas sero legtimas caso se pautarem pelo respeito e proteo da dignidade da pessoa

  • 64

    humana. Assim, a dignidade constitui verdadeira condio da democracia, que dela no pode

    livremente dispor.

    A idia de dignidade humana est indissociavelmente vinculada s idias de

    liberdade e de igualdade, constituindo o eixo axiolgico em torno do qual deve ser construda

    a hermenutica concretizadora da Lei Fundamental. Mas alm de orientar o trabalho do

    intrprete e de integrar o ordenamento constitucional, o princpio da dignidade humana serve,

    ao mesmo tempo, como fundamento legitimador desse mesmo ordenamento e como limite ao

    exerccio do poder.

    Os direitos humanos so oponveis ao prprio Estado, porquanto este somente se

    legitima em funo do respeito aos direitos inalienveis do homem, anteriores a toda e

    qualquer normatividade.

    Por sua vez, Benda53 aduz que

    (...) a consagrao, no art. 1.1. da Lei Fundamental tedesca, da dignidade humana como parmetro valorativo, evoca, inicialmente, o condo de impedir a degradao do homem, em decorrncia de sua converso em mero objeto de ao estatal. Mas no s. Igualmente, esgrime a afirmativa, de aceitao geral, de competir ao Estado a procura em propiciar ao indivduo a garantia de sua existncia material mnima.

    Segundo Rosangla Mara Sartori Borges54, em artigo para a revista Argumenta, do

    Programa de Mestrado da Fundinopi:

    Embora o conceito de dignidade humana seja de difcil formulao, pode-se concluir que est em permanente processo de construo e desenvolvimento, no restando dvidas de que algo real, irrenuncivel e inalienvel. elemento que qualifica o ser humano e dele no pode ser destacado, qualidade da prpria condio humana, devendo ser reconhecida, protegida e respeitada.

    53BENDA, Ernesto et alii. Manual de derecho constitucional, Madri: Marcial Pons, 1996. , p. 124. 54

    BORGES, Rosngela Maria Sartori. Os direitos humanos e o transsexualismo. Revista Argumenta, Jacarezinho, n. 2, 2002, p. 263.

  • 65

    Nesse sentido, o princpio da dignidade humana representa a pessoa humana em seu

    valor absoluto e h de prevalecer sempre, sobre qualquer outro princpio ou norma positiva.

    O ser humano no pode ser tratado como uma coisa, pois possui valor acima de

    qualquer objeto, no sendo possvel ser tratado como tal pelo Estado ou por terceiros. A

    dignidade garante os direitos fundamentais que compem a vida humana.

    Isto significa que o homem, enquanto pessoa, em si mesmo, possui um valor

    incondicionado, no suscetvel de ser utilizado como meio, e por isso mesmo, instaurador de

    deveres e valores. Constitui a pessoa humana um valor fonte, de onde derivam todos os

    demais valores.

    Larenz55, instado a pronunciar-se sobre o personalismo tico da pessoa no Direito

    Privado, reconhece na dignidade pessoal a prerrogativa de todo ser humano em ser respeitado

    como pessoa, de no ser prejudicado em sua existncia (a vida, o corpo e a sade) e de fruir

    de um mbito existencial prprio.

    Sarlet 56 elucida que todos os direitos fundamentais encontram sua vertente no

    princpio da dignidade da pessoa humana.

    Portanto, a dignidade humana independe da existncia de um direito, e no existe

    somente aonde o Direito a reconhece. Como inerente a condio de humano, independe de

    circunstncias concretas. No entanto, do Direito o papel de proteger e promover a dignidade

    humana, valorizando-a como princpio formador do Estado. Sua efetiva realizao depende do

    grau de reconhecimento e proteo conferidos pelo ordenamento jurdico, sobretudo o

    jurdico constitucional e o Direito Internacional, j que o conceito possui bases universais.

    A dignidade de todas as pessoas, at mesmo daquelas que cometem aes indignas e

    infames, no poder ser objeto de desconsiderao.

    55 LARENZ, K. Derecho civil: parte general. Madri: Editoriales de Derecho Reunidas, 1978, p. 46. 56

    SARLET, 2001, op. cit., p. 301

  • 66

    Onde no houver respeito pela vida, pela integridade fsica e moral do ser humano,

    onde no houver condies mnimas que assegurem uma existncia digna, no haver espao

    para a dignidade da pessoa humana.

    Necessrio se faz um equilbrio entre a liberdade e a autoridade, com vistas a

    respeitar a dignidade humana, tendo como conseqncia o reconhecimento de que na vida

    social, o homem no se confunde com o Estado, possuindo direitos especficos. O homem

    deve ser fim em si mesmo, com dignidade prpria, individual.

    Com efeito, a proteo jurdica aos indivduos e grupos sociais tem-se alargado na busca da garantia de uma tutela apta a alcanar o amplo leque dos interesses e direitos que lhes dizem respeito. Estes interesses e direitos, no se confinando em um rol preestabelecido, so revelados historicamente, valorizados e assimilados como fundamentais, passando a refletir e a compor as diversas rbitas de projeo da dignidade humana.57

    A nova realidade est relacionada com a criao do pensamento e de uma alma

    coletiva, a qual, para ser efetivada, clama por renovaes do direito material e processual,

    sempre levando em considerao o princpio base que orienta as normas constitucionais e

    todo o Estado Democrtico de Direito: a dignidade humana.

    3.4 Princpio da universalidade da jurisdio

    Tal princpio tambm possui gnese indivorcivel do princpio do acesso justia,

    determinando que tal acesso deva ser garantido a um nmero cada vez maior de pessoas,

    diminuindo a excluso dos indivduos aos direitos que lhe so garantidos, eis que proporciona

    57 MEDEIROS NETO, op. cit., p. 119.

  • 67

    a submisso de novas causas ao judicirio, as quais, pelo processo individual, sequer tinham

    como chegar ao judicirio.

    A tutela coletiva, como efetivo exerccio de interesses e direitos da sociedade,

    instrumento inegavelmente mais eficaz de universalizao da jurisdio, tornando-a mais

    plena e executvel.

    A forma difusa de acesso justia, causada pelo aumento das possibilidades de

    incluso dos indivduos a demandas que garantam a defesa de seus direitos, ainda que

    lentamente, uma maneira de readequao do sistema judicirio s necessidades sociais.

    Os mecanismos proporcionados pelo acesso dos indivduos, cada vez mais, a um

    processo menos burocratizado e mais efetivo, so meios de garantia de polticas pblicas, eis

    que proporcionam as partes menos favorecidas (financeiramente, tecnicamente,

    intelectualmente) uma chance de lutar por direitos que at ento eram impossveis de serem

    defendidos, ante aos obstculos intransponveis que encontravam.

    Teoricamente a universalidade da jurisdio na tutela coletiva se destinaria a

    garantir, de forma mais efetiva do que no processo individual, o princpio contido no art. 5

    inc. XXXV da Constituio Federal de 1988, o qual determina que nenhuma leso ou ameaa

    de leso ser privada da tutela jurisdicional adequada.

    Tal norma a base da fundamentao do princpio do acesso justia, e faz com que

    sejam includas na apreciao do Poder Judicirio, demandas que, apesar de garantidas

    constitucionalmente, no vm sendo efetivamente apreciadas.

    V-se, o carter restritivo do princpio no processo individual, o qual se limita

    utilizao das tcnicas processuais no sentido de que todos os conflitos tenham resposta do

    judicirio quando, e somente quando forem colocados em contato com o Poder Judicirio, o

    que diminui consideravelmente as chances de garantia efetiva dos direitos infringidos.

  • 68

    Com a tutela coletiva, a universalidade da jurisdio diz respeito no somente aos

    meios processuais adequados e utilizados com o fito de dirimir lides, mas sim, com o objetivo

    de garantia dos direitos materiais envolvidos, proporcionando, com a unio de diversos

    procedimentos, regras e leis, uma defesa mais forte de direitos at ento desrespeitados.

    Indivduos esquecidos pela comunidade jurdica, podem coletivamente ingressar junto ao

    Judicirio pela defesa de seus direitos. Uma verdadeira incluso jurdica dos cidados, efetivo

    exerccio da cidadania, por meio do Poder Judicirio. No se trata de milagre, mas sim de

    fora organizativa.

    A mxima a unio faz a fora, nesse caso, muito importante na soluo dos

    problemas que so causados pela mquina burocrtica do processo, tanto quando da sua

    proposio (pela dificuldade financeira, tcnica e intelectual das partes em iniciar um

    processo), como quando de sua continuidade.

    Constitui-se em uma forma de acesso justia aos menos abastados, conjugando a

    defesa dos direitos de maneira a tornarem possveis tambm as pequenas causas judiciais e de

    pequeno valor financeiro (consideradas individualmente) ligadas a direitos metaindividuais.

    De acordo com Mirra 58 Neste contexto, como se pode perceber, as aes coletivas

    passam a ser verdadeiros instrumentos de participao popular na proteo dos direitos e

    interesses difusos, a ser implementada por intermdio do Poder Judicirio. Aqui, o contexto

    que faz a diferena.

    58 MIRRA, op. cit., p. 115.

  • 69

    3.5 Princpio da participao pelo processo e no processo

    A participao pelas partes no e pelo processo coletivo ratifica a alegao de que os

    princpios da tutela coletiva de direitos so ligados entre si, sendo interdependentes na

    garantia do direito envolvido.

    Trata-se de alterao proporcionada pelo Anteprojeto que significa um grande

    avano na busca pela efetivao dos direitos, constituindo verdadeira modificao no conceito

    de partes.

    Isso porque as partes legitimadas no somente sero titulares do direito perquirido,

    como tambm podero lutar efetiva e diretamente por ele, atravs da busca de direitos que

    embora sejam seus (em parcela de titularidade), pertencem ao coletivo, sociedade.

    No processo individual (direito processual civil tradicional), a participao no

    processo se d pelo acesso ao contraditrio, respeitando-se a isonomia entre as partes, na qual,

    ambas tem direitos iguais de manifestao e comprovao dos direitos alegados.

    No processo coletivo, essa participao se d no s dentro do processo, mas tambm

    pelo processo, porque o prprio processo j uma forma de garantir o direito pleiteado. Sua

    fora muito maior quando as partes esto unidas, e os direitos a serem garantidos se tornam

    social e politicamente exercitveis pela coletividade.

    Alis, uma considerao deve ser feita com o fito de distinguir a participao no

    processo, pelo contraditrio, entre o processo individual e o processo coletivo: enquanto no

    primeiro o contraditrio exercido diretamente pelo sujeito da relao processual, no segundo

    o processo coletivo o contraditrio cumpre-se pela atuao do portador, em juzo, dos

    interesses ou direitos difusos e coletivos (transindividuais) ou individuais homogneos. H,

    assim, no processo coletivo, em comparao com o individual, uma participao maior pelo

    processo, e uma participao menor no processo: menor, por no ser exercida

  • 70

    individualmente, mas a nica possvel num processo coletivo, onde o contraditrio se exerce

    pelo chamado representante adequado. 59

    Tal participao serve como meio de combater, ou ao menos, tentar combater, a

    pobreza organizativa, como assim a chama Almeida60, a qual se refere dificuldade

    existente entre os indivduos de menor poder econmico de se rebelarem, na defesa de seus

    direitos contra a superioridade dos interesses econmicos, sociais e polticos, nem sempre

    consentneos com a realidade da sociedade.

    A segregao jurdica de parcela da populao que acaba por no defender seus

    direitos, atravs do processo coletivo, pode modificar essa realidade, utilizando a tutela

    jurisdicional para manifestao em defesa de garantias constitucionais, at ento

    desrespeitadas.

    3.6 Princpio da tutela coletiva adequada

    Tutela adequada pode ser compreendida como aquela que est em consonncia com

    as necessidades do direito material, objeto da demanda. Deve o processualista estar sempre

    sensvel realidade material, ser capaz de compreender os anseios da sociedade e as

    peculiaridades de cada situao carente de tutela.

    Segundo Nery Jnior61, "a pedra de toque do mtodo classificatrio o tipo de tutela

    jurisdicional que se pretende quando se prope a competente ao judicial. Da ocorrncia de

    um mesmo fato, podem originar-se pretenses difusas, coletivas e individuais."

    59 GRINOVER, 2007, op. cit., p. 13.

    60 ALMEIDA, op. cit., p. 79.

    61 NERY JNIOR, Nelson e Rosa. Cdigo de Processo Civil Comentado. 3 ed. So Paulo: RT, 1992. p. 621.

  • 71

    A concluir a distino entre os tipos de direitos insertos no art. 81 do CDC, destaque-

    se a lio de Nery Junior62:

    Interessante notar o engano em que vem incorrendo a doutrina, ao pretender classificar o direito segundo a matria genrica, dizendo, por exemplo, que meio ambiente direito difuso, consumidor coletivo etc. Na verdade, o que determina a classificao de um direito como difuso, coletivo, individual puro ou individual homogneo o tipo da tutela jurisdicional que se pretende quando se prope a competente ao judicial. O mesmo fato pode dar ensejo pretenso difusa, coletiva e individual.

    Para que se efetive o acesso justia, e que a demanda seja adequadamente

    movimentada pelo sistema jurisdicional, no se pode negar, conforme j amplamente descrito,

    que os direitos metaindividuais necessitam de uma revisitada em seus instrumentos de defesa.

    Os mecanismos aptos a proporcionarem a verdade (ao menos formal) no processo individual,

    no possuem a mesma aptido quando se trata de direitos coletivos, eis que, os mesmos,

    devido a sua conflituosidade, necessitam de normas mais flexveis para poderem ser

    alcanados.

    Em abono ao alegado, na busca do mais amplo significado de acesso justia, os

    estudiosos do direito processual vm apontando a necessidade de uma reformulao e

    adaptao dos instrumentos processuais para que se tornem uma busca no processo

    interindividual.

    O princpio da inafastabilidade garante a tutela adequada realidade de direito material, ou seja, garante o procedimento, a espcie de cognio, a natureza do provimento e os meios executrios adequados s peculiaridades da situao de direito substancial.63

    62 NERY JNIOR, Nelson. Princpios do Processo Civil na Constituio Federal. 8. ed. So Paulo: RT, 2004, p. 159-160.

    63 MARINONI, Novas linhas do processo civil. 3. ed. So Paulo, Malheiros, 1999, p. 204.

  • 72

    A reinterpretao da garantia constitucional da inafastabilidade conduz a uma profunda alterao paradigmtica, traduzida na efetividade a tutela preventiva e repressiva de quaisquer danos provocados a direitos individuais e meta-individuais, atravs de todos os instrumentos adequados, suscitando a plena operacionalidade das aes individuais e coletivas.64

    Ainda, conforme os preceitos do art. 83, c/c com o art. 84 do CDC e, demais

    preceitos legais pertinentes matria, inexistem limites s modalidades de aes utilizveis ou

    de pedidos formulveis, desde que adequados para a efetiva e plena tutela da situao

    pretendida. Ressalve-se que a adequao dever ser avaliada com relevncia para a

    possibilidade jurdica do pedido.

    O citado preceito legal (art. 83 do Cdigo de Defesa do Consumidor) expressamente

    normatiza que para a defesa dos interesses ou direitos por ele tutelados, so admissveis todas

    as espcies de aes capazes de propiciar a sua adequada e efetiva tutela, prevalecendo o

    critrio da relevncia social dos interesses. Para tal fim, podero ser propostas aes de

    conhecimento de qualquer tipo (declaratrias, condenatrias e constitutivas), de execuo,

    cautelares e mandamentais, desde que adequadas para uma tutela plena da situao

    pretendida.

    De acordo com tal dispositivo, uma das preocupaes marcantes do legislador foi a

    instrumentalidade substancial e a maior efetividade do processo. Cuidou de tornar mais

    explcito, ainda, o princpio da efetiva e adequada tutela jurdica processual de todos os

    direitos consagrados no Cdigo de Defesa do Consumidor.

    Isto faz com que todos os direitos, inclusive os no patrimoniais, tenham uma tutela

    processual mais efetiva e adequada.

    O artigo possui uma extenso e profundidade de modo a proporcionar que a tutela

    dos direitos seja pronta, eficaz e adequada, deixando estreme de dvidas que o nosso sistema

    64 VENTURI, op. cit., p. 136

  • 73

    processual, para a tutela de interesses difusos e coletivos (conforme art. 90 do CDC), dotado

    de uma tutela efetiva e completa, pelo menos em tese.

    Tal preceito complementado pelo art. 84 (que confere mais poderes para o juiz, no

    sentido de proporcionar ao processo maior plasticidade e mais perfeita adequao e aderncia

    s peculiaridades do caso concreto) e se amolda perfeitamente aos conceitos de ativismo

    judicial, outro princpio importante na defesa efetiva dos direitos coletivos e contido no

    Anteprojeto de Cdigo Coletivo.

    Isso porque, na busca pela tutela adequada ao direito material apresentado no litgio,

    dever haver mecanismos diversos, com as peculiaridades necessrias ao atendimento do

    direito, objeto da demanda. Em caso de direitos supra-individuais, tais mecanismos devem

    saciar a possibilidade de defesa dos interesses em jogo determinando o direito material a ser

    aplicado a todos os envolvidos e a eles estendendo tal direito (citamos aqui, como exemplo a

    efetivar tal objetivo, a coisa julgada erga omnes), a ponto de satisfazer a necessidade da

    coletividade pela justia, ao menos no processo a ser julgado. Assim, proporciona-se a

    denominada pacificao social.

    Luiz Guilherme Marinoni 65 declina:

    (...) o direito processual no pode se contentar com um nico procedimento e uma nica forma de tutela" e que "da predisposio de procedimentos idneos a fornecer formas de tutelas jurisdicionais adequadas s necessidades dos casos concretos depende a existncia, ou o modo da existncia, do prprio direito substancial.

    O mesmo autor afirma, ainda, que:

    No basta, porm, afirmar a constitucionalizao do direito de ao para que esse seja efetivamente assegurado. Uma evoluo adequada do sistema de distribuio de justia equivaleria pr-disposio de procedimentos

    65 MARINONI, Luiz Guilherme. Tcnica processual e tutela de direitos. So Paulo: RT, 2004.

  • 74

    adequados tutela dos novos direitos. A inrcia do legislador ao menos para desenhar procedimentos adequados tutela as novas situaes carentes de tutela conduz a uma interessante e generosa posio doutrinria: a do direito adequada tutela jurisdicional. 66

    Assim, inegvel se faz o uso de diferentes instrumentos processuais na garantia de

    efetivao de direitos diferenciados. Os mecanismos e procedimentos devem se adequar

    natureza e necessidade do direito material buscado, pois somente assim a efetividade do

    direito ser efetuada. Quebra-se, com isso, a regra de um procedimento ordinrio nico, e se

    parabeniza nesse sentido, a distribuio da prova no Anteprojeto de Cdigo Coletivo que

    muito vem a ajudar na procura da efetivao dos direitos materiais em conflito.

    Nesse sentido, podemos destacar as vrias medidas de urgncia e tipos de tutelas,

    podendo ser classificadas em medidas de urgncia processual e material. Visam garantir a

    efetividade do direito material a ser conseguido e que a tutela jurisdicional processual garanta

    um acesso ordem jurdica justa, com a concreo dos direitos perseguidos pelas partes, de

    modo a realizar a pacificao social.

    Percebe-se a preocupao do legislador em fornecer meios para assegurar a prestao

    mais justa e adequada da tutela jurisdicional, seja no tocante sua especificidade, atendendo

    ao princpio da mxima coincidncia possvel entre o objeto que poderia ser obtido pelo autor

    com o cumprimento voluntrio da obrigao e o que lhe entregue atravs do acesso s vias

    judiciais, seja quanto celeridade - permitindo-se transpor quando possvel o fator tempo,

    maior problema em nosso sistema processual devido grande quantidade de processos e de

    meios recursais, que inclusive permitem a procrastinao. Assim, aumenta-se a capacidade de

    se verem cumpridos os escopos da atividade jurisdicional, tornando-a plena e efetiva.

    66 MARINONI, 1999, op. cit., p. 203-204.

  • 75

    3.7 Princpio da boa f e cooperao das partes e seus procuradores

    Tal princpio causa de inmeras discusses no mbito jurdico. Em um ambiente

    nacional de proliferao da corrupo, dos desmandos, dos abusos de poder, do uso

    desmedido de medidas provisrias em prol de alguns, do descrdito e da utilizao do Poder

    Judicirio para beneficiar causas particulares, difcil falar-se em boa-f processual.

    O Estado do no direito, como citado anteriormente, no se trata de ambiente

    favorvel a atos de boa-f e cooperao dentro dos processos, seja pelas partes (legitimados e

    terceiros interessados), seja por seus procuradores.

    Se tal situao corriqueira no processo individual, com muito mais propriedade o

    no processo coletivo, em que a demanda traz em si, gama muito maior de influncia e

    relevncia poltica, social e econmica, do e no processo.

    O descrito se comprova com simples anlise dos processos individuais, no qual se v

    grande nmero de atos, aes e recursos protelatrios, bem como uma diminuta aplicao do

    princpio da litigncia de m-f e do enriquecimento ilcito para a penalizao dos atos

    incompatveis com a celeridade e a integridade processual, alm de uma irrisria quantidade

    de multas e sanes, aplicadas para os atos de m-f no decorrer do processo.

    A pouca confiabilidade da sociedade no carter, na tica e na integridade dos

    procuradores (e muitas vezes at mesmo dos aplicadores do direito, como juzes,

    procuradores, promotores, oficiais de justia, etc.) tambm demonstra a falta de preocupao

    com o zelo processual e a boa-f no processo.

    Aplicam-se, aparentemente, critrios axiolgicos como o de Maquiavel: os fins

    justificam os meios, e os fins, geralmente, no se tratam da pacificao social e cumprimento

    dos escopos do processo (como deveria), mas sim, da busca pelo lucro quando da resoluo

    do litgio.

  • 76

    Infelizmente esse o quadro que encontramos atualmente, o que no significa que

    no houve avano quando da expressa citao do referido princpio no Anteprojeto. Ao

    contrrio, a citao entre os princpios do art. 2 do Anteprojeto demonstra a necessidade e o

    interesse na busca por um processo mais ntegro e honesto, com o fito da verdade real, quando

    de sua finalizao. Ou seja, na busca pela verdadeira justia.

    Tal fato se torna, ainda mais relevante, se o advogado possuir grande funo social e

    se o exerccio da advocacia for indispensvel administrao da justia.

    No menos importante, nesta seara, a conscincia repassada para os profissionais

    quando de sua formao. Para isso, as universidades possuem um papel fundamental,

    podendo atuar como meio de formao de profissionais, no s com alto nvel tcnico, como

    tambm moral e pessoal, evitando a mercantilizao do direito.

    Para que se veja a importncia do princpio mencionado, basta que, citemos os

    princpios norteadores da atividade advocatcia, que so:

    - pessoalidade;

    - confiabilidade;

    - sigilo profissional;

    - no mercantilizao;

    - exclusividade;

    - relao com o cliente67

    Aplicados tais princpios ticos, a boa-f e a colaborao estaro sendo, ao menos,

    respeitados.

    Vejamos a interpretao dos princpios citados:

    Pessoalidade: a pessoalidade expediente necessrio para que se faa a relao entre

    o profissional e o cliente. Apenas o contato pessoal pode formar uma relao de confiana e

    67 FIGUEIREDO, Laurady. tica profissional. So Paulo: Barros, Fisher & Associados, 2005, p. 44.

  • 77

    bilateralidade entre as partes, cada uma respeitando seus direitos e cumprindo seus deveres,

    como por exemplo, na prestao dos servios contratados e no pagamento dos honorrios

    advocatcios devidos.

    Confiabilidade: conforme citado no princpio acima, a confiana se d com a relao

    pessoal entre o advogado e o cliente, no sendo possvel, portanto, se no tiver o contato entre

    os mesmos (a internet, por exemplo, no proporciona, tal confiabilidade). Alm disso, se

    houver quebra de confiana por uma das partes, a soluo mais correta a quebra do contrato

    firmado, com a renncia do advogado como dever tico.

    Sigilo profissional: inerente profisso de advogado, bem com de outros

    profissionais liberais, como psiclogos, mdicos, entre outros. O dever de sigilo se estende

    por todo o processo, inclusive quando do seu trmino. Os fatos que originaram a lide e a

    procura pelo profissional devem permanecer em sigilo e jamais serem revelados a terceiros.

    As situaes em que a quebra de sigilo so autorizadas, sem as sanes disciplinares

    respectivas (como censura), esto dispostas no art. 25 do Cdigo de tica do advogado.

    Citemos como exemplo: grave ameaa ao direito vida e honra ou nas situaes que houver

    quebra de confiana ou afronta do cliente, como forma de defesa prpria.

    No-mercantilizao: As atividades realizadas entre advogado e cliente devem ser

    caracterizadas como prestao de servios, em momento algum, como atividade mercantil. A

    busca pela soluo dos litgios (ao menos em tese) deve ter o fito de elucidar a lide, com o

    escopo maior de pacificao social, e no somente os valores pecunirios que a lide pode

    trazer ao profissional. Desta feita, os atos meramente mercantis, no podem ser aceitos na

    atividade advocatcia.

    Exclusividade: preceitua que a advocacia deve ser realizada em carter exclusivo,

    no sendo compatvel com a realizao de outra atividade comercial. No possvel, portanto,

    uma advocacia em sociedade com outra rea comercial que no seja a prpria advocacia ou

  • 78

    qualquer profisso no advocatcia. As sociedades somente so admitidas entre os advogados,

    para o exerccio efetivo da advocacia.

    Relao do advogado com o cliente: Tal relao concretiza-se com a outorga do

    mandato. Tal mandato deve ser apenas para atuar em um dos plos da lide (sob pena de

    realizao do crime de patrocnio simultneo), salvo se houver processo em consensualidade

    das partes, como por exemplo, no caso de separao ou divrcio consensual. O patrocnio sem

    procurao dever ser devidamente regularizado no prazo de 15 dias, prorrogados por igual

    perodo conforme determina o Estatuto da OAB. Dever haver motivo relevante ou urgente

    para a efetivao da defesa, a priori, sem mandato. Por fim, nunca demais salientar que tal

    relao deve basear-se na confiana e na boa-f recproca, com o respeito aos direitos e aos

    deveres de ambos os envolvidos.

    Assim, o exerccio da cidadania manifesta-se tambm na procura e obteno dos

    direitos garantidos constitucional e infraconstitucionalmente, de forma a valorizar a boa-f, e

    os princpios morais.

    3.8 Princpio da cooperao dos rgos pblicos na produo da prova

    Por se tratar de direitos coletivos, os rgos pblicos possuem muita importncia

    quando da defesa dos direitos coletivos e difusos, podendo auxiliar sobremaneira os rgos

    judiciais na preveno da violao de tais direitos.

    O Brasil possui vrias agncias e entidades pblicas que podem incorporar em si,

    competncia administrativa na implementao e defesa dos direitos difusos e coletivos.

    No entanto, inegvel que tais entidades no realizam o trabalho que poderiam

    realizar, inclusive de ofcio, com competncia concorrente, j que, pouco se v da

  • 79

    implementao dos direitos coletivos junto ao trabalho da Administrao Pblica direta ou

    indireta ou mesmo nas polticas pblicas direcionadas proteo desses direitos. Verifica-se

    uma verdadeira inoperncia administrativa nesse sentido.

    Paradoxalmente ao auxlio ao Judicirio, o que se nota que os rgos pblicos,

    normalmente, vm burocratizar o processo, pois ntida a demora quando da solicitao de

    documentos e certides, e mais, se no acionados pelo Poder Judicirio, ainda que tenham

    competncia para tanto, os rgos administrativos e executivos permanecem inertes na

    produo de elementos aptos a facilitar a defesa dos direitos coletivos.

    Apesar de tudo, a gesto da coisa pblica est sendo incentivada para que se torne

    mais prxima e efetiva, atenda aos anseios da coletividade e garanta os direitos que lhe so

    atribudos. Nesse sentido, as aes coletivas aproximam o Poder Executivo do Judicirio,

    transformando ambos em concretizadores de polticas pblicas em benefcio dos menos

    abastados e em rgos atuantes na efetivao dos direitos democrticos do cidado.

    Requer-se, assim, uma nova viso da Separao do Poderes, tida como uma

    conquista do Estado Moderno, na medida em que no mais restrinja os direitos s partes no

    processo, e de que os atos decisrios tratem tambm de decises polticas e sociais de grande

    relevncia, pois interferem diretamente na sociedade, com uma conscincia coletiva na luta

    pelos direitos.

    Como minha Ptria, o pas no qual tenho a honra de proferir essa palestra (Brasil) viveu tempos de ditadura. Ns, brasileiros e alemes, sabemos, portanto, que na Histria sempre foi mais difcil subordinar o Poder ao Direito do que o Direito ao Poder. Se criamos agora Estados Democrticos de Direito, temos um elevado bem a preservar. Isso deve ser tarefa de todos os juristas responsveis, no importa em que Poder de Estado ou em que funo eles atuem. Nesse sentido, o conceito de harmonia dos Poderes no art. 2 da Constituio Brasileira contm uma misso de alcance histrico. 68

    68 GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, apud VENTURI, Elton. Execuo da tutela coletiva. So Paulo:

    Malheiros, 2000, p. 122.

  • 80

    Muda-se, a delimitao das funes judiciais e extrajudiciais (rgos executivos),

    admitindo uma dinmica das relaes sociais na procura da concretizao do Estado

    Democrtico de Direito em sua concepo mais ampla.

    Nesse sentido, importante incluso feita no Anteprojeto, com a permisso da

    Defensoria Pblica na defesa dos direitos coletivos, podendo ser autora das aes coletivas.

    Tal situao vem abarcar a defesa dos mais pobres, podendo, com isso, aproximar a

    defesa coletiva da populao carente, aumentando a possibilidade de acesso justia e

    valorizando, a todo tempo, o princpio da ampla defesa.

    A Defensoria Pblica deixa de ser rgo de defesa exclusivamente das aes

    individuais, para defender direitos coletivos, aproximando politicamente a populao que

    raramente representada, dos direitos sociais que possui, atuando como verdadeiro rgo de

    reclamao de direitos do povo, com uma representao efetiva desse junto aos rgos

    administrativos, executivos e judicirios.

    3.8.1 Jurisprudncia

    Aresto da 1 Seo do STJ no MS 5.187-DF (rel. Min Humberto Gomes de Barros.j.

    24.9.1997, DJU 29.6.1998 , sobre as aes coletivas: (...) De outro lado a substituio do

    indivduo pela coletividade torna possvel o acesso dos marginais econmicos funo

    jurisdicional. Em a permitindo, o Poder Judicirio aproxima-se da democracia.

    AO COLETIVA DE CONSUMO. DIFERENAS REMUNERATRIAS EM CADERNETAS DE POUPANA. PLANOS BRESSER, VERO, COLLOR I E COLLOR II. I - ILEGITIMIDADE ATIVA. Em linha de princpio a atuao da Defensoria Pblica, nas aes coletivas de consumo em que prepondera o interesse coletivo, no se restringe tutela dos interesses das pessoas necessitadas, mormente quando

  • 81

    a prvia, ou mesmo posterior seleo por classe econmico-social, vier a inviabilizar esta via processual e a efetividade da jurisdio, ocasionando paradoxal prejuzo exatamente a esta parcela da sociedade a que este rgo do Estado visa assistir. (...)PRELIMINARES REJEITADAS. RECURSO DO MINISTRIO PBLICO IMPROVIDO. APELO DO RU PROVIDO, EM PARTE. (Apelao Cvel N 70023232820, Segunda Cmara Especial Cvel, Tribunal de Justia do RS, Relator: Jos Conrado de Souza Jnior, Julgado em 06/05/2008)

    Nessa esteira, cumpre trazer colao o seguinte precedente do Egrgio Superior

    Tribunal de Justia:

    PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAO. OMISSO NO JULGADO. INEXISTNCIA. AO CIVIL PBLICA. DEFESA COLETIVA DOS CONSUMIDORES. CONTRATOS DE ARRENDAMENTO MERCANTIL ATRELADOS A MOEDA ESTRANGEIRA. MAXIDESVALORIZAO DO REAL FRENTE AO DLAR NORTE-AMERICANO. INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGNEOS. LEGITIMIDADE ATIVA DO RGO ESPECIALIZADO VINCULADO DEFENSORIA PBLICA DO ESTADO.I O NUDECON, rgo especializado, vinculado Defensoria Pblica do Estado do Rio de Janeiro, tem legitimidade ativa para propor ao civil pblica objetivando a defesa dos interesses da coletividade de consumidores que assumiram contratos de arrendamento mercantil, para aquisio de veculos automotores, com clusula de indexao monetria atrelada variao cambial. II - No que se refere defesa dos interesses do consumidor por meio de aes coletivas, a inteno do legislador ptrio foi ampliar o campo da legitimao ativa, conforme se depreende do artigo 82 e incisos do CDC, bem assim do artigo 5, inciso XXXII, da Constituio Federal, ao dispor, expressamente, que incumbe ao Estado promover, na forma da lei, a defesa do consumidor.III Reconhecida a relevncia social, ainda que se trate de direitos essencialmente individuais, vislumbra-se o interesse da sociedade na soluo coletiva do litgio, seja como forma de atender s polticas judicirias no sentido de se propiciar a defesa plena do consumidor, com a conseqente facilitao ao acesso Justia, seja para garantir a segurana jurdica em tema de extrema relevncia, evitando-se a existncia de decises conflitantes. Recurso especial provido. (REsp 555111 / RJ, Terceira Turma, Ministro CASTRO FILHO, julgado em 05/09/2006)

  • 82

    3.9 Princpio da economia processual

    Tal princpio, j muito falado quando do processo civil clssico, aparece com muito

    mais nfase na tutela coletiva.

    Preconiza que a prestao jurisdicional seja prestada com o mximo de efetividade,

    utilizando, para isso, a mnima quantidade possvel de atos processuais.

    A economia processual, assim, rechaa o formalismo excessivo. Rechaa, ainda, todo

    e qualquer ato que venha engessar o processo, exigindo com isso, a propositura de novas

    aes ou atos processuais desnecessrios no decorrer do processo.

    Ao nosso ver, tem ntima ligao com o princpio da proporcionalidade e com as

    regras do bom senso que devem ser aplicadas a todo ato processual.

    No h dvidas de que tal princpio, corretamente aplicado, se trata de expediente

    muito importante na concretizao do acesso justia e na obteno do direito material

    buscado.

    O Direito Processual um direito eminentemente instrumental e, como tal, serve para a realizao do direito material. Consequentemente o processo, como um todo, bem como os respectivos atos e procedimentos devem estar inspirados na economia processual. Esse princpio, por sua vez, precisa ser entendido de modo mais amplo, sob o ponto de vista subjetivo, como orientao geral para o legislador e para o aplicador do Direito Processual, e, objetivamente, como sede para a escolha das opes mais cleres e menos dispendiosas para a soluo das lides. 69

    A aplicao dos institutos da conexo e da litispendncia so exemplos claros de

    economia processual. No processo civil tradicional, no entanto, a rigidez de tais institutos

    impede a aplicao plena do princpio. Isto no ocorre na tutela coletiva.

    69 MENDES, op. cit., p. 33.

  • 83

    Tendo em vista a modificao e interpretao extensiva dos conceitos de pedir e

    causa de pedir, bem como o fato de a diferena dos legitimados ativos no impedir a unio

    dos processos, ntida a facilitao e a maior aplicao dos institutos declinados no processo

    coletivo, o que gera uma enorme economia processual e maior efetividade da tutela

    processual.

    Diminui-se assim, os gastos e a necessidade de vrias aes para a defesa de um

    direito; o acesso justia, resta ento, respeitado e aplicado.

    Cita-se, em apoio economia processual na tutela coletiva, a maior aplicabilidade (e

    com maior fora) da coisa julgada em mbito nacional e a possibilidade de controle difuso da

    constitucionalidade por via de ao coletiva.

    Tais situaes encontram, em si, a resposta para sua incluso junto ao princpio da

    economia processual, eis que, visivelmente, ampliam a eficcia dos atos processuais a todos

    os titulares do direito material, sem a necessidade da fragmentao dos atos processuais e

    atomizao dos litgios.

    Antonio Gidi 70 ao falar dos objetivos das class actions norte-americanas, assim

    dispe: O objetivo mais imediato das aes coletivas o de proporcionar eficincia e

    economia processual, ao permitir que uma multiplicidade de aes individuais repetitivas em

    tutela de uma mesma controvrsia seja substituda por uma nica ao coletiva.

    Assim, em situao anloga, tambm no nosso sistema processual coletivo, evita-se a

    proposio de repetitivos processos com a proposio de uma nica ao coletiva, a qual

    propicia a resoluo de conflitos de muitas pessoas com um nico processo. A economia

    processual , pois, manifesta.

    70 GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as aes coletivas em uma perspectiva comparada. So Paulo: RT, 2007.

  • 84

    3.9.1 Jurisprudncia

    Aresto 1 da Seo do STJ no MS 5.187-DF, relatado pelo Ministro Humberto Gomes

    de Barros e publicado no DJU de 26 de junho de 1998:

    As aes coletivas foram concebidas em homenagem ao princpio da economia processual. O abandono do velho individualismo que domina o direito processual um imperativo do mundo moderno. Atravs dela, com apenas uma deciso, o Poder Judicirio resolve controvrsia que demandaria uma infinidade de sentenas judiciais individuais. Isto faz o Judicirio mais gil. De outro lado, a substituio do indivduo pela coletividade torna possvel o acesso dos marginais econmicos funo jurisdicional. Em a permitindo, o Poder Judicirio aproxima-se da democracia.71

    3.10 Princpio do ativismo judicial

    Atualmente, inegvel que o nmero de atribuies delegadas ao Estado e as suas

    instituies, esto, a cada dia, mais amplas.

    Entre as atividades constantes quelas exercidas pela Administrao Pblica,

    podemos citar: preparao e andamento poltica econmica, efetivao de normas referentes

    educao, previdncia social, lazer, transporte.

    Por tal motivo, o controle da legalidade muito importante junto ao ordenamento

    jurdico, pois o Estado, no raras vezes, viola direitos considerados fundamentais e que

    deveriam sobrepor-se pelos caracteres axiolgicos de nosso ordenamento jurdico.

    71 Apud VENTURI, 2007, p. 103.

  • 85

    Desta feita, com a extenso da atividade realizada pelo Estado, inclusive, tendo-se

    em vista a discricionariedade permitida aos governantes, essencial um Judicirio ativo para

    a adequada fiscalizao dos atos administrativos.

    Sobre o assunto, o ento ministro do STF Jos Celso de Mello Filho, em entrevista

    para o Conjur, expressou o seguinte entendimento:

    O ativismo judicial um fenmeno mais recente na experincia jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal. E porque um fenmeno mais recente, ele ainda sofre algumas resistncias culturais, ou, at mesmo, ideolgicas. Tenho a impresso, no entanto, de que, com a nova composio da Corte, delineia-se orientao tendente a sugerir, no plano da nossa experincia jurisprudencial, uma cautelosa prtica de ativismo judicial destinada a conferir efetividade s clusulas constitucionais, que, embora impondo ao Estado a execuo de polticas pblicas, vm a ser frustradas pela absoluta inrcia profundamente lesiva aos direitos dos cidados manifestada pelos rgos competentes do Poder Pblico.72

    O Poder Judicirio deve, pois, no apenas realizar a tarefa de aplicao da lei ao caso

    concreto, como simples aplicador da lei. Na nova sociedade, o papel do Judicirio deve ser

    muito mais dinmico, deve promover polticas pblicas, e efetivar medidas que visem a

    restringir a liberdade e os excessos do Estado para com os direitos de cada indivduo, muitos

    dos quais, garantidos constitucionalmente.

    Isto no quer dizer que no deva respeitar a imparcialidade e o princpio da inrcia

    do Judicirio. O novo Juiz deve agir de forma a efetivar cada vez mais o acesso justia e a

    celeridade no processo, no entanto, respeitando as normas sistematicamente impostas.

    O que se quer um judicirio atuante, e no arbitrrio, como bem nos fala Medeiros:

    Defendendo o ativismo judicial e colocando o juiz como autntico canal de comunicao

    72 MELLO FILHO, Jos Celso de. Entrevistador: Marcio Chaer. Entrevista concedida ao site Consultor Jurdico

    em 15 de maro de 2006 consultada no site da Associao Brasileira dos Municpios - ABM. Disponvel em: http://201.33.18.116/~abm/?pg=desc-dica&id=2. Acesso em 11 de novembro de 2007.

  • 86

    entre a sociedade e o mundo jurdico, a quem cabe a positivao do poder mediante decises

    endereadas a casos concretos.73

    Em sendo assim, o gerenciamento realizado pelo Juiz, das normas modificadoras do

    processo, com o fito de descobrir a verdade real e pacificar os conflitos, determina a eficcia

    dos procedimentos e atos processuais.

    O juiz que se omite to nocivo quanto o juiz que julga mal. Prudncia e equilbrio

    no se confundem com medo, e a lentido da Justia exige que o juiz deixe de lado o

    comodismo do procedimento ordinrio, para assumir as responsabilidades de um novo juiz, de

    um juiz que trata dos "novos direitos" e que tambm tem que entender - para cumprir sua

    funo sem deixar de lado a sua responsabilidade tica e social - que novas situaes carentes

    de tutela no podem, em casos no raros, suportar o mesmo tempo que era gasto para a

    realizao dos direitos de sessenta anos atrs, poca em que foi publicada a clebre obra de

    Calamandrei, sistematizando as providncias cautelares. 74

    No processo coletivo, o Judicirio no se limita a decidir litgios privados, devendo

    servir de fora atuante na luta contra os abusos econmicos, sociais, e polticos, que so

    realizados diariamente na sociedade.

    Nenhum juiz moderno pode confundir independncia com indiferena, ou, em outras

    palavras, todo juiz deve ser ativo e ter a preocupao de produzir bons resultados com a sua

    atividade, mas no resultados meramente burocrticos, voltados apenas para resolver o

    processo, sem resolver satisfatoriamente a lide, como quando ocorre a extino sem

    julgamento do mrito ou, em alguns casos, com a improcedncia por falta de provas,

    simplesmente porque o nus da prova assim determinou.

    73 MEDEIROS, Luiz Cezar. O formalismo processual e a instrumentalidade: Um estudo luz dos princpios constitucionais do processo e dos poderes jurisdicionais. 2. ed. Florianpolis: Editora OAB/SC, 2006, p. 130.74

    MACIEL, Alexandre Pena. Efetividade processual e os novos direitos. Disponvel em: http://www.datavenia.net/artigos/1999/efetividade.html. Acesso em 05 de dezembro de 2007.

  • 87

    Na viso da doutrina moderna, o juiz precisa participar ativamente do processo,

    especialmente na fase probatria, limitando-se a julgar improcedente a demanda por falta de

    provas somente em ltimo caso, quando ele mesmo estiver convicto de que no h provas das

    alegaes existentes, esgotando as provas que razoavelmente esto ao seu alcance ou das

    partes. Isso no significa, em absoluto, perda da imparcialidade.

    Nesse sentido, ensina Gregrio Assagra de Almeida:

    Alm desses poderes instrutrios amplos para a busca do mximo grau de certeza sobre os fatos alegados, o juiz ainda portador de outros poderes para garantir a mxima efetividade do processo coletivo. Poder o julgador conceder liminar, com ou sem justificao prvia (art. 12 da lei n 7.347/85). Poder tambm conceder a antecipao dos efeitos da tutela (art. 84, 3, da Lei n. 8.078/90), bem como utilizar-se das medidas de apoio previstas no art. 84, 5, da Lei n. 8.078/90, para assegurar o resultado prtico equivalente.75

    Para que realize tais atividades, no entanto, a dinamicidade do Judicirio depender

    das suas reais condies para um enfrentamento dos abusos scio-econmico e social em par

    de igualdade para com o Poder Executivo, mais especificamente com a Administrao

    Pblica. A coletividade, assim, tambm deve ser tutelada, com a garantia da fiscalizao das

    atividades de seus gestores, servindo o Poder Judicirio como instituio apta a coibir os

    abusos e as ameaas de leses realizadas pelo Executivo aos cidados.

    Para manter o equilbrio de foras, necessrio aos controles recprocos entre os

    poderes do Estado e ao controle do poderes sociais e econmicos. 76

    Com efeito, num pas como o Brasil, cuja principal campanha governamental no

    campo social esta assentada no combate misria absoluta (programa Fome Zero do Governo

    Federal), a inidoneidade dos canais de acesso dos cidados ao Poder Judicirio contra

    75 ALMEIDA, op. cit., p. 577.

    76 CAPPELLETTI, Mauro. Juzes Legisladores? Porto Alegre: Srgio Antonio Fabris,1993, p. 49-55.

  • 88

    quaisquer leses ou ameaas perpetradas algumas vezes por particulares, inmeras vezes

    pelo Poder Pblico constitui presuno quase-absoluta.77

    Dessa forma, possvel, atravs de tal princpio, ao menos em tese (j que

    infelizmente se v pouqussimos casos na prtica), corrigir atos irregulares (e at mesmo

    ilegais) praticados pelos agentes administrativos, em defesa dos objetivos do direito, como

    por exemplo, a pacificao social e uma justia mais igualitria.

    Isso porque, acaso no desejasse o Constituinte uma justia eficiente e gil, teria se

    omitido em lhe conceder os meios processuais e legislativos para tal, adequados exatamente

    para a imediata correo das violaes a direitos.

    Assim, as aes relacionadas com a coletividade contam com um Judicirio mais

    atuante e efetivo, exercido luz de uma viso global do conflito em tela, em ateno ao

    anseios de justia social do Estado Democrtico de Direito.

    3.10.1 Jurisprudncia

    Parte da deciso em apelao:

    Assim sendo, reafirmo uma vez mais que nas aes coletivas h de restar mitigado o princpio dispositivo previsto no artigo 262 do CPC, sobrelevando-se o impulso oficial em razo do interesse pblico que se mostra evidente e prevalente. (Apelao Cvel N 70023232820, Segunda Cmara Especial Cvel, Tribunal de Justia do RS, Relator: Jos Conrado de Souza Jnior, Julgado em 06/05/2008)

    77 VENTURI, op. cit., p. 103.

  • 89

    DESAPROPRIAO. APRECIAO DO LAUDO PERICIAL. DEFICINCIA NA VALORAO DA PROVA. MATRIA PREJUDICIAL AO EXAME DO RECURSO ESPECIAL A TEOR DA SMULA N. 07/STJ. ART. 130, DO CPC. APRECIAO DA PROVA. 1. Ausncia de valorao da prova impeditiva da anlise pelo STJ do malferimento dos dispositivos legais invocados. Prejudicial ao exame do recurso especial. 2. O art. 130, do CPC, aplicvel a todas as instncias por isso que ao STJ lcito, antes da analise violao da lei, determinar a baixa dos autos instncia de origem para que valore a prova produzida, prejudicial anlise do meritum causae porquanto Corte est interditada a anlise do contexto ftico-probatrio. 3. "(...) O Cdigo de Processo Civil, atento aos reclamos da modernidade quanto ao ativismo judicial, disps no seu art. 130, caber ao juiz de ofcio ou a requerimento da parte, determinar as provas necessrias instruo do processo, indeferindo as diligncias inteis e protelatrias Dessume-se, do dispositivo citado, que esse poder de iniciativa conspira em favor da busca da verdade, habilitando o juiz a proferir uma sentena restauradora do statu quo ante violao, carreando notvel prestgio para o monoplio da jurisdio que, ao limitar a autotutela, promete ao jurisdicionado coloc-lo em situao igual que se encontrava antes do inadimplemento. E, para isso, preciso aproximar a deciso da realidade da qual o juiz, evidentemente, no participou, e a ela conduzido atravs da atividade probatria.(...)"(Luiz Fux, in "Curso de Direito Processual Civil" Forense, 2001). 4. No obstante, em respeito funo uniformizadora desta E. Corte, acompanho o posicionamento das Turmas de Direito Pblico, ressalvado o meu entendimento no sentido da possibilidade da determinao ex officio do retorno dos autos instncia de origem para que valore a prova produzida. 5. Os critrios para fixao do quantum indenizatrio esto adstritos s instncias ordinrias, ante a necessria anlise do conjunto ftico-probatrio (Smula 07/STJ), insindicvel por esta Corte. Precedentes das Turmas de Direito Pblico. 6. Recurso especial no conhecido, com ressalva do relator. (REsp 540.179/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16.12.2003, DJ 14.06.2004 p. 170).

    3.11 Princpio da instrumentalidade das formas

    A atual preocupao do processo trata da instrumentalidade ligada aos expedientes

    da flexibilizao, da tutela adequada, da ordem jurdica justa e da efetividade do processo.

    O direito coletivo renova, assim, toda a concepo de processo, tendo este como

    meio de realizao de justia e transformao social. Rompe-se, com isso, o modelo

  • 90

    tradicional/individualista do processo civil, passa-se a ter uma maior preocupao com a

    efetivao da democracia e dos direitos sociais como um todo.

    O princpio informativo da instrumentalidade acompanha a luta do processo em atender no mais a preocupao individualistas, mas a interesses coletivos e difusos de uma sociedade de massa. O processo busca forma de proteger no s o homem, mas tambm o ambiente em que ele vive. 78

    E ainda: A instrumentalidade, informando todo o processo afasta-se do contedo

    individualista de uma sociedade liberal e, com seus escopos e efetividade, centra-se em

    ressaltar o valor social. 79

    O processo no mera tcnica, mas instrumento para a realizao da justia.

    Seguindo essa linha de raciocnio, Carlos Alberto lvaro de Oliveira defende o processo

    como instrumento de realizao de valores e especialmente de valores constitucionais ou

    seja, direito constitucional aplicado, no olvidando a estreita conexo que existe entre a

    jurisdio e processo para a proteo dos direitos e garantias constitucionais - cujo reflexo

    denota-se no contedo da deciso proferida pelo rgo judicial. 80

    No processo moderno, tem-se que a efetivao dos direitos (principalmente os

    coletivos com carter de imprescindveis) est embasada em critrios constitucionais e

    mostra-se muito consentnea com o movimento de acesso justia, tendo a instrumentalidade

    como forma de realizao dos escopos da jurisdio.

    Nasce a a fase instrumentalista do direito processual. Procura-se um processo voltado realidade concreta, desenvolvido segundo as necessidades da situao especfica carente de tutela. Quer-se um processo que, em primeiro lugar, no altere (ou negue) a essncia do direito material deduzido e, em segundo, que esteja em perfeita sintonia com a situao especfica, de

    78 PORTANOVA, Rui. Princpios do processo civil. 5 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.49. 79 Idem,. p.52. 80 OLIVEIRA, Carlos Alberto lvaro de. O Processo Civil na perspectiva dos direitos fundamentais. Revista da AJURIS, Porto Alegre, n. 87, Ano XXIX, setembro de 2002. T. I 2002, p. 38

  • 91

    modo a mostrar-se perfeitamente adequado para atender s particularidades e caractersticas do conflito especfico e do direito que venha a ser reconhecido como existente. O processo volta seus olhos s partes, situao especfica do conflito deduzido, e, por via reflexa, s prprias carncias do jurisdicionado e do Estado, refletindo as possibilidades e limites destes. Sob esse prisma, pensa-se em conceber tutelas diferenciadas, prprias para cada espcie de pretenso de direito deduzida no processo. 81

    O direito precisa tornar-se realizvel, precisa ser liberto de interpretaes no

    generalizveis e casusticas. Para haver a promoo do uso efetivo e democraticamente

    generalizvel do direito, fundamental a conciliao, na medida do possvel, da justia com a

    segurana jurdica. Justia, neste caso, em sua dimenso social, com o sentido especfico de

    justia social seria, pois, a satisfao das condies mnimas (materiais e culturais) capazes de

    proporcionar uma efetiva igualdade de oportunidades e de condies de vida digna para todos.

    Segundo Osvaldo Ferreira de Mello: que o processo que no leve a uma deciso

    capaz de assegurar os valores da justia e utilidade social no seu desiderato, ser

    politicamente ilegtimo, em que pese sua validade formal. Essa a posio inarredvel da

    Poltica do Direito. 82

    Assim, para que atravs do processo se alcance a ordem jurdica justa de que tanto

    falamos, necessita-se de uma reforma no s legislativa, mas de pensamento e postura dos

    aplicadores do direito com relao ao processo (advogados, promotores de justia, estudantes

    e doutrinadores e, principalmente magistrados) para que este, realmente vise a efetivao dos

    direitos e a resoluo dos conflitos que so o objetivo de sua existncia.

    O processamento e o julgamento de demandas coletivas impem a revisitao de

    vrios institutos processuais, para adequ-los aos princpios, s finalidades e s caractersticas

    da proteo judicial metaindividual. 83

    81ARENHART, Srgio Cruz. Perfis da tutela inibitria coletiva. So Paulo: RT, 2003, p. 31 82

    MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de Poltica do Direito. Porto Alegre: Srgio Fabris/CMCJ Univali, 1998, p. 44.

    83 MENDES, op. cit., p. 258.

  • 92

    Isto porque o aumento da dinamicidade dentro da atividade jurisdicional pelo juiz

    propicia uma maior eficincia ao processo, na medida em que as tcnicas que so utilizadas

    devem estar de acordo com as finalidades do processo e da lide, e no contra os mesmos. A

    passividade do juiz no processo somente vem salientar o inadequado exerccio dos poderes

    deste para com o processo coletivo. Tal inadequao deve ser evitada, ou seja, o juiz deve

    utilizar a instrumentalidade do processo com o fito de realizao da justia.

    Todos os aspectos aqui mencionados devem, ainda, estar em consonncia com os

    princpios do Estado Democrtico de Direito e da dignidade da pessoa humana.

    importante deixar claro aqui, que o que se condena o formalismo excessivo que

    atravanca a efetivao da justia atravs do processo. No entanto, as formas so necessrias,

    visto que, se o processo no possusse procedimentos a serem seguidos e maneiras de se

    regular a atuao das partes na atividade jurisdicional, a segurana jurdica estaria seriamente

    abalada.

    Alm do que, as formas so necessrias para que se respeite a tutela adequada, a

    mxima prioridade da tutela coletiva, e principalmente para a efetividade do processo

    coletivo.

    Desta forma, as transformaes sociais fizeram a sociedade perceber que o sistema

    processual clssico e tradicional, baseado no individualismo, era por demais insuficiente para

    dirimir a problemtica do fenmeno da ascenso das massas, que trouxe consigo gravames de

    ordem jurdica, posto que o ordenamento no estava apto a resolver tais litgios com os seus

    tradicionais instrumentos processuais. Concluiu-se, finalmente, que os interesses de cunho

    coletivo devem sempre se sobrepor aos interesses de carter individual.

    Outrossim, ao transpor os obstculos para um acesso mais efetivo Justia por parte

    dos novos sujeitos individuais, coletivos e transindividuais, forosa a exigncia de uma

  • 93

    gama de alteraes profundas e inovaes radicais que transcendam as esferas tradicionais de

    jurisdio.

    Tais implicaes vo desde as modalidades de gerar a produo de "novos" direitos

    at a sua apreciao jurisdicional por tribunais descentralizados, democrticos e com maior

    participao comunitria. Destaca-se, dessa forma, no interior do Direito positivo estatal, a

    utilizao no s de um Judicirio redefinido, mas a relevncia de outras instncias

    reguladoras dos conflitos que envolvem "novos" direitos, no visam somente a resoluo de

    conflitos interindividuais, mas tambm metaindividuais.

    A necessidade de construo de uma teoria geral para os instrumentos destinados

    tutela dos denominados novosdireitos est estreitamente ligada aos temas da efetividade dos

    direitos e do acesso justia, que so temas, igualmente, co-relacionados entre si. 84

    E ainda quando menciona lio de Konrad Hesse sobre a efetividade dos direitos

    assegurados pela norma jurdica: A lio acima de grande importncia na medida em que

    refora a idia de que a efetividade do Direito somente se dar se as normas jurdicas

    atenderem s necessidades sociais. Nesse sentido, sobreleva a funo poltica da atividade

    judicial (...). 85

    Tem-se, desta feita, que para que o efetivo acesso justia seja de fato e na prtica

    viabilizado, deve antes, ser efetivado o acesso ordem jurdica justa. Tal situao somente

    poder ser realizada mediante um Judicirio clere, dinmico, atento s modificaes fticas e

    sociais, e aos reais anseios da coletividade. As mudanas devem ser processuais e prticas, de

    modo a tornar eficaz a defesa da tutela pretendida. O processo deve ser instrumento para a

    realizao dos direitos e no somente (e unicamente) para a sua busca.

    Deveras, o processo instrumental deve estar sempre disposto a receber novas influncias da realidade social e dos novos perfis do direito material,

    84 BRANDO, op. cit., p.215.

    85 Idem, p.216

  • 94

    mudando sua feio conforme esses novos influxos. Essa permeabilidade do processo a tais informaes externas o que lhe permite manter-se moderno e hbil a lidar com as necessidades sociais. 86

    Essa operacionalizao do sistema foi o que Capelletti denominou de um novo

    enfoque do acesso justia, tida como a terceira onda renovatria na busca pelas solues

    dos obstculos existentes para a concretizao de um acesso justia mais igualitrio.

    3.11.1 Jurisprudncia

    Ao popular. Extino sem julgamento de mrito por desistncia. Ausncia de pressupostos. Na processualstica moderna, o princpio da instrumentalidade das formas, mais que afastar o excessivo apego burocracia, impe observncia ao contedo tico das normas processuais, interpretadas da maneira que melhor atendam ao interesse pblico. Ainda que formalmente perfeito o pedido de desistncia, deve-se sobrelevar a petio superveniente em que o autor, por meio de novo procurador constitudo, manifesta interesse no prosseguimento do feito e revela que o advogado anterior agiu com excesso de mandato. A ao popular, como instrumento de fiscalizao da moralidade administrativa, no deve ser extinta ao fundamento de desistncia se h interesse no prosseguimento do feito, manifestado tanto pelo autor como pelo Ministrio Pblico. Nas hipteses em que o autor da ao popular d