criação de conhecimento na indústria

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  • Gest. Prod., So Carlos, v. 16, n. 2, p. 245-259, abr.-jun. 2009

    encontro de abordagens que procuram entender os processos organizacionais sob a tica do recurso conhecimento (GRANT, 1996; NONAKA; TAKEUCHI, 1997). A segunda dimenso, ligada viabilidade tcnica e comercial, sustenta-se no processo de materializao das invenes em produtos demandados pelo mercado. Esse processo de converso de ideias e conceitos em novos produtos e servios bastante explorado por pesquisas ligadas ao Processo de Desenvolvimento de Produtos PDP.

    Este artigo tem como objetivo principal contribuir para a integrao de teorias ligadas ao PDP e ao processo de criao do conhecimento nas organizaes na investigao do processo de inovao. Para tanto, procura caracterizar o processo de criao de conhecimentos encontrados em projetos de desenvolvimento de produtos de alta tecnologia de diferentes graus de inovao. Busca-se, assim, encontrar relaes entre a tipologia de inovao presente no projeto e o modo como os conhecimentos nele foram criados.

    Apesar do j mencionado reconhecimento da importncia da inovao, os processos que contribuem para a performance inovadora e os fatores que a inibem permanecem ainda no totalmente explicados (SALAMAN; STOREY, 2002). A literatura mostra que o corpo de conhecimento ligado inovao fragmentado e carece

    1 Introduo amplamente reconhecida a crescente necessidade das

    empresas inovarem. Este fato particularmente relevante para organizaes que competem em mercados de produtos com curto ciclo de vida, como os de alto contedo tecnolgico. As atenes se voltam, desta forma, para abordagens que procuram entender os mecanismos que conduzem inovao.

    H relativo consenso acerca do significado do termo inovao. Pesquisadores de diferentes reas parecem convergir para a definio deste termo como sendo o desenvolvimento e a produo de novos produtos e servios capazes de obter sucesso comercial (GARCIA; CALANTONE, 2002). Faz-se mister notar que, de acordo com esta definio, o termo envolve duas dimenses fundamentais: novidade e viabilidade. Gerir inovaes, portanto, deve ser uma atividade fortemente direcionada por estes dois eixos conceituais, o da criao de novas alternativas possveis e o da convergncia em direo a uma soluo vivel (LEONARD; SENSIPER, 1998).

    A primeira dimenso novidade est ligada criao de novas ideias e solues. A base de sustentao desta dimenso reside no processo de criao de conhecimentos que tragam novas maneiras de se enxergar a realidade e de se resolver problemas. Os conceitos por ela envolvidos vo ao

    Juliano Pavanelli StefanovitzMarcelo Seido Nagano

    Resumo

    Este artigo tem por objetivo caracterizar o processo de criao de conhecimentos no desenvolvimento de produtos de alta tecnologia em projetos de diferentes graus de inovao. Como contribuio terica, o presente trabalho rene algumas das principais abordagens ligadas a este processo num modelo que organiza os conceitos estudados em quatro dimenses fundamentais. Um estudo de casos efetuado em uma empresa do setor de automao industrial apresentado analisando trs projetos desenvolvidos pela empresa. Uma anlise comparativa dos processos de criao de conhecimentos em cada um destes projetos efetuada tendo como resultado a identificao de caractersticas do processo criativo influenciadas pelo grau de inovao.

    Palavras-chave: Criao de conhecimentos. Inovao. Processo de desenvolvimento de produtos de alta tecnologia.

    Criao de conhecimento na indstria de alta tecnologia: estudo de casos em projetos de diferentes graus de inovao

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    Essa espiral de criao do conhecimento tem incio com a Socializao, processo de troca de novos conhecimentos tcitos por meio de experincias compartilhadas em interaes sociais e tcnicas cotidianas. O conhecimento tcito criado explicitado no processo de Externalizao e passa a compor base conceitual para produo de novos conhecimentos na forma de imagens e documentos. O processo de Combinao consiste na reunio e processamento de conhecimentos explcitos gerando conhecimentos explcitos mais complexos que so, por sua vez, disseminados na organizao. Por fim, na Internalizao, o conhecimento explcito aplicado em experincias prticas e compe a base cognitiva para novos processos (NONAKA; TAKEUCHI, 1997).

    Leonard e Sensiper (1998) argumentam que a capacidade de uma empresa inovar est fortemente relacionada ao conhecimento tcito de que ela dispe. Em estudo baseado em pesquisas sobre criatividade e comportamento no analtico, as autoras sugerem trs maneiras pelas quais o conhecimento tcito exercitado a servio da criao: resoluo de problemas (utilizao do contedo tcito de especialistas a fim de encontrar uma soluo para problemas apresentados com clareza); determinao de problemas (utilizao de conhecimentos tcitos no confronto com situaes problemticas menos estruturadas e capacidade de repensar a forma de se encarar o problema); e predio e antecipao (a imerso no fenmeno propicia capacidade de prever ocorrncias e se antecipar a elas).

    No estabelecimento de um processo de convergncia efetivo, o conhecimento tcito agregado por membros de projeto deve ser coordenado e provido de foco. H trs tipos de conhecimentos tcitos atuantes neste processo: sobreposto, construdo e compartilhado nas interfaces de atuao entre os indivduos, fundamental para a integrao de tarefas interdependentes; coletivo, desenvolvido de forma conjunta por meio das interaes entre os membros da equipe; e guiador: embora muitas vises direcionadoras possam ser explicitadas, elas geralmente carregam alto nvel de abstrao, tornando a componente tcita fundamental na regncia do processo de desenvolvimento (LEONARD; SENSIPER, 1998).

    A relao entre o potencial inovador de uma equipe e a atitude criativa de seus membros bvia. amplamente reconhecida a importncia da motivao para a performance criativa individual (THAMHAIN, 2003; AMABILE, 1997). Existem duas formas bsicas de motivao: a extrnseca e a intrnseca. A primeira est relacionada aos estmulos externos que afetam a relao do indivduo com o trabalho por exemplo, a recompensa financeira. Mas na motivao intrnseca, relacionada ligao pessoal do indivduo com o trabalho, que reside o verdadeiro potencial para a criatividade. na paixo pelo contedo intrnseco de suas atividades, por enxergar uma parcela de realizao pessoal no seu dia a dia de trabalho, que os indivduos exercitam

    de integrao (ADAMS; BESSANT; PHELPS, 2006). Em uma reviso crtica das pesquisas voltadas para a inovao, Anderson et al. (2004) argumentam que h uma predominncia de pesquisas que abordam o tema sob a tica do indivduo ou da organizao, destacando uma lamentvel falta de investigaes e estudos que o abordem sob a dimenso da equipe de trabalho. Neste sentido, a presente pesquisa busca explorar o processo inovador sob esta dimenso, propondo a integrao de dois importantes processos que o sustentam: o processo de criao de conhecimentos e o processo de desenvolvimento de produtos.

    2 Base conceitual

    2.1 O processo de criao de conhecimento nas organizaes

    O desafio de inovar exige a criao de novas ideias, a superao de paradigmas tecnolgicos e mercadolgicos e um novo olhar sobre a realidade. No se trata, pois, de um processo mecanicista com entradas e sadas padronizadas e repetitivas. Assim, impossvel minimizar a dimenso intrinsecamente humana do processo inovador: a criatividade para a gerao de novas ideias, a experincia para a avaliao de propostas, a intuio para a tomada de decises com risco, a persistncia para novas tentativas aps o fracasso.

    Apesar de no haver, ainda, um entendimento completo do modo como indivduos, recursos e condies organizacionais interagem para a gerao de novos conhecimentos, possvel identificar importantes avanos nos ltimos anos. Reconhece-se que a criao no um processo linear, de atividades disciplinadamente bem sequenciadas, mas que apresenta ritmos de busca e seleo, explorao e sntese, ciclos de pensamento divergente seguidos por convergncia (LEONARD; SENSIPER, 1998).

    A caracterizao do conhecimento em suas formas explcita e tcita bastante til para o estudo do processo criativo. Entende-se por conhecimento explcito aquele que pode ser facilmente codificado, formalizado e transferido. J o tcito caracterizado pela inabilidade do seu portador de articul-lo de forma completa, sendo constitudo por uma mistura indissolvel de habilidade, experincia e tcnica (NONAKA; TAKEUCHI, 1997).

    A Teoria Japonesa de criao de conhecimentos trouxe contribuies significativas ao entendimento dos processos pelos quais conhecimentos so criados na organizao. O ncleo terico desta abordagem reside em modelo dinmico que se ancora na interao social entre os conhecimentos tcito e explcito. Tal interao ocorre por meio dos quatro processos de converso existentes entre esses dois tipos de conhecimento: Socializao, Externalizao, Combinao e Internalizao a chamada espiral SECI (NONAKA; TAKEUCHI, 1997).

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    Para melhor acomodar este fluxo de conhecimento e fomentar as converses de conhecimento que compem a espiral SECI, os autores propem uma nova estrutura gerencial, denominada Middle-Up-Down, na qual a criao do conhecimento centrada na mdia gerncia. Segundo eles, esta estrutura mais preparada para alavancar o processo de criao do conhecimento do que aquelas nas quais o processo de inovao parte sempre do topo hierrquico (Top-Down) ou das equipes de linha de frente (Bottom-Up).

    Em estudo sobre o modo como os gerentes mdios integram o conhecimento organizacional, Janczak (1999) identifica a existncia de trs perfis nesta camada hierrquica: o solucionador de problemas, caracterizado por encarar seus feitos como problemas que foram resolvidos, possuem tendncia diviso de processos complexos em subprocessos menores mais factveis de soluo por parte de especialistas; o empreendedor, que enxerga as realizaes como desafios pessoais voltados para solues inovadoras; e o negociador, caracterizado por encarar os projetos como trabalhos de intensa articulao do poder e do conhecimento distribudo pela organizao.

    2.3 Criao de conhecimentos e inovao no Processo de Desenvolvimento de Produtos

    Abordagens clssicas ligadas ao PDP sempre reconheceram a importncia do conhecimento para o seu sucesso. Clark e Wheelwright (1992) definiram o PDP como um processo complexo de tomada de decises responsvel por transformar ideias e conceitos em produtos. Entretanto, chama a ateno a ascenso de abordagens que, mais do que ratificarem a importncia do conhecimento, tratam o PDP sob a tica deste recurso. Recentes pesquisas fazem uso de ferramental terico ligado aprendizagem e gesto do conhecimento na investigao destes processos (CORSO et al., 2001).

    Grant (1996) afirma que o trabalho de coordenao e integrao de conhecimentos complexos envolve duas dimenses fundamentais. A primeira reside na utilizao de regras, rotinas e polticas que maximizem a eficincia do processo de transferncia de conhecimentos. Tais mecanismos so bastante adequados para a troca de conhecimentos explcitos. Entretanto, so impotentes em relao necessidade de integrao de conhecimentos tcitos, que compem a base do know-how dos especialistas envolvidos no PDP. Assim, uma segunda dimenso desta integrao inclui processos mais intensivos em comunicao. Dois processos se sobressaem como elementos de amlgama deste conhecimento tcito distribudo: a tomada de decises e a soluo de problemas.

    Silva e Rozenfeld (2003) investigam a ocorrncia das quatro converses de conhecimentos nas principais dimenses do PDP. Dois resultados apresentados pelos autores merecem destaque. Em primeiro lugar, est a demonstrao de que a Socializao a converso mais

    na plenitude sua capacidade de romper a fronteira do que j existe (AMABILE, 1998).

    Gestores de equipes possuem papel central na construo de ambientes inovadores. Eles devem exercer o papel de um arquiteto social, que compreende a interao de variveis organizacionais e comportamentais, fomenta um ambiente de participao ativa, orgulho e deteco rpida de problemas internos. Para tanto, estes gestores devem ser cuidadosamente preparados e desenvolvidos, necessitando de elementos de liderana, organizao, administrao, expertise tcnica e habilidade para se relacionar com a alta direo (THAMHAIM, 2003).

    Hansen e Birkinshaw (2007) propem a existncia de uma cadeia de valor da inovao em cada organizao, composta de trs macrofases (gerao, converso e difuso de ideias) e seis tarefas conectivas (colaborao interna, externa e entre unidades, seleo e desenvolvimento de ideias e difuso de ideias selecionadas). Os autores defendem que cada organizao tem seus desafios particulares a serem enfrentados na dimenso criativa, minimizando a eficcia solues one size fits all para o aumento da performance inovadora.

    2.2 A integrao de conhecimentos nas organizaes

    O inevitvel processo de especializao por que passam as empresas intensivas em conhecimento as coloca frente a novos desafios. Por um lado, so inegveis os benefcios desse alto grau de profundidade e especificidade da atuao dos indivduos em nichos de conhecimento. Por outro lado, este contexto torna o processo de coordenao e integrao do conhecimento destes especialistas uma tarefa fundamental da organizao (GRANT, 1996).

    Este cenrio tem despertado novas reflexes sobre o papel da mdia gerncia nas empresas. A importncia desta camada hierrquica, considerada foco de ineficincia por algumas abordagens administrativas na ltima dcada, ganha reforo considervel quando se enxerga a organizao sob a tica do recurso conhecimento (JANCZAK, 1999; NONAKA; TAKEUCHI, 1997). Tal fato se deve ao reconhecimento de que estes gerentes so peas fundamentais no processo de integrao e articulao do conhecimento organizacional.

    A Teoria Japonesa defende que os gerentes mdios exercem papel central na nova dinmica produtiva, por efetuarem a conexo entre duas dimenses cognitivas da organizao. Numa esfera superior, so os responsveis por assimilar a viso estratgica da alta direo, transform-la em algo mais concreto e explicitar o conhecimento necessrio para sua realizao nas equipes. Num nvel mais baixo, extraem o conhecimento tcito dos especialistas presentes na linha de frente da organizao (NONAKA; TAKEUCHI, 1997).

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    3 Modelo conceitual para o processo de criao de conhecimentos no Processo de Desenvolvimento de ProdutosAs abordagens que investigam o processo de criao nas

    organizaes ratificam que se deve entender este processo de forma muito mais ampla do que a gerao de ideias brilhantes. Se certo que se trata de um processo fortemente influenciado por capacidades cognitivas individuais, igualmente verdico que possui inexorvel carter coletivo. Assim, compe-se de mistura indissolvel de aspectos humanos, ambientais, contextuais e estruturais.

    Este fato torna a anlise deste processo desafio proposto neste trabalho mais difcil. Dentre estas dificuldades, reside a necessidade de se estruturar os diferentes conceitos envolvidos de forma mais organizada. Diante disso, efetua-se aqui uma proposta de arranjo dos contedos estudados num modelo integrado que identifica as principais dimenses de anlise deste processo. A Tabela 1 apresenta e descreve cada uma destas dimenses.

    Para um entendimento mais profundo do processo de inovao, faz-se necessrio trabalhar o PDP e o processo de criao de conhecimentos de forma integrada. Se, por um lado, o PDP pode ser visto como o processo que transforma as necessidades de mercado e as novas ideias em novos produtos, o processo criativo deve ser enxergado como responsvel pela gerao das ideias e conhecimentos necessrios para se chegar ao produto inovador.

    Projetos de desenvolvimento de novos produtos ou tecnologias envolvem uma grande gama de processos de criao de conhecimentos. Novos conhecimentos so criados em vrias atividades inerentes aos projetos inovadores devido intrnseca parcela de incerteza que

    frequente em todas as dimenses do PDP. Tal fato reafirma a importncia da transmisso de conhecimentos pela via tcita e de mecanismos organizacionais que estimulem a interao face a face. Em segundo lugar, destaca-se a grande intensidade com que se verifica o processo de Combinao na dimenso Atividades e Informaes do PDP. Tal fato comprova o carter aglutinador de conhecimentos de vrias atividades envolvidas no PDP.

    Smulders (2004) caracteriza o processo de inovao do produto como um processo de aprendizagem, j que, para que ocorra o aumento de conhecimento responsvel pelo desenvolvimento do novo produto, cabal que haja aprendizado tanto no nvel individual quanto no nvel organizacional.

    de suma importncia reconhecer a influncia que a estrutura do prprio produto exerce sobre a caracterizao dos conhecimentos envolvidos em seu processo de desenvolvimento. Nesta linha de raciocnio, Sanchez e Mahoney (1996) afirmam ser possvel a identificao de duas formas fundamentais de criao de conhecimentos no PDP: sobre os componentes e as funes por eles desenvolvidas; e sobre os modos como os componentes interagem e podem ser configurados o que implica em aprendizado sobre a arquitetura do produto.

    2.4 Grau de inovaoApesar de apresentarem vrias caractersticas em

    comum, projetos inovadores esto longe de formar uma classe homognea. Dentre as tipologias utilizadas para classific-los, destaca-se aquela que os diferencia segundo o grau da inovao por ele concebido. Clark e Wheelwright (1992) classificam os projetos de acordo com o grau de novidade presente no produto e em seu processo produtivo. Os autores sugerem classificao em quatro tipos principais: incremental/plataforma/radical/P&D avanado. Em estudo que percorre extensa literatura, Garcia e Calantone (2001) identificam outros construtos usados nesta classificao, dentre os quais se destacam: incremental/modular/arquitetural/radical; evolucionria/revolucionria; sustentadora/disruptiva.

    Esses autores propem uma heurstica para uniformi-zao da nomenclatura utilizada na determinao do grau de inovao. A tipologia proposta por eles apresenta trs tipos de inovao, a saber: radical, que introduz macro descontinuidades tecnolgicas e de mercado; really new, que introduz somente um tipo de macro descontinuidade: ou tecnolgica ou de mercado; e incremental, que apresenta micro descontinuidades tecnolgicas, de mercado ou ambas. Veryzer (1998) utiliza como dimenses de anlise do grau de inovao as capacidades do produto desenvolvido e das tecnologias utilizadas em comparao com os produtos e tecnologias j existentes.

    Tabela 1. Dimenses de anlise do processo de criao do conhe-cimentos.Dimenso de anlise Descrio1. Fontes e tipos de conhecimentos

    Explora as fontes, internas e externas, e os tipos de conhecimentos que alimentam o processo de criao

    2. Atividades e converses de conhecimento

    Explora as converses entre tipos de conhecimentos e as atividades que

    mais contribuem para a produo de novos conhecimentos

    3. Liderana e atores Explora o papel e o perfil do lder e de outros atores, formais ou

    informais, envolvidos de forma significativa no processo criativo

    4. Contexto e ambiente

    Explora o ambiente social e as condies organizacionais que sustentam

    e promovem o processo criativo

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    projeto possibilitou a captao de detalhes sutis relevantes para a pesquisa, conforme sugere Yin (2001).

    Nos projetos B e C, na impossibilidade desta participao, fez-se uso de entrevistas semiestruturadas com os respectivos coordenadores. Nestas entrevistas, o pesquisador conduz a conversa baseando-se em agenda de questes pr-definidas, mas com flexibilidade para se aprofundar mais em tpicos especficos de acordo com o andamento do dilogo. No estudo do projeto B, adiciona-se, ainda, a observao direta, j que um dos autores da pesquisa pde conviver diariamente com o time durante boa parte do projeto.

    A anlise dos resultados obtidos por meio dos casos foi efetuada em duas etapas. Na primeira, um estudo individual de caso efetuado. Na segunda, uma anlise comparativa entre eles foi estabelecida, com o objetivo de se destacar as diferenas observadas nos processos de criao de conhecimentos de cada um deles.

    5 Estudo de casosA empresa estudada est presente no mercado de

    automao industrial h mais de 30 anos, teve surgimento fortemente ligado ao setor sucroalcooleiro e conta hoje com aproximadamente 1200 funcionrios. Apresenta posio de destaque no nicho em que atua, destacando-se por presena no mercado global fortalecida por representaes e filiais distribudas em 10 pases.

    A empresa se insere em mercado reconhecidamente inovador. Resultados da Pesquisa Industrial de Inovao Tecnolgica (IBGE, 2000) indicam que o segmento de equipamentos para automao industrial apresenta uma das mais elevadas taxas de inovao tecnolgica da indstria brasileira. Para competir neste cenrio, possui como diferenciais competitivos sua orientao ao desenvolvimento de tecnologias e sua flexibilidade para inovar. Tais afirmaes so corroboradas pelos prmios de inovao tecnolgica que j recebeu (dentre eles, o Prmio FINEP de Inovao Tecnolgica), pela consolidao de parcerias internacionais para transferncia de tecnologia e pelas patentes registradas (20) e em registro (23) no EUA.

    estes apresentam. Esta constatao direciona o trabalho de sntese terica desses processos. Ela sugere que no se enxergue a criao de conhecimentos como um processo paralelo ao PDP, que tem incio no comeo de um projeto e fim no seu produto final. Pelo contrrio, deve-se entender a materializao de um produto inovador como uma coleo de enorme quantidade de pequenos processos de criao de conhecimentos, ocorridos, em menor ou maior intensidade, em todas as etapas do PDP.

    A Figura 1 representa a relao entre estes processos, aqui assumidos como dimenses fundamentais da inovao. Este modelo referencial utiliza as dimenses e um resumo das etapas propostas por Rozenfeld et al. (2005) para o PDP.

    Vale ressaltar que o desenvolvimento de diferentes produtos inovadores demanda intensidades criativas diferentemente distribudas ao longo de suas etapas. Questes como natureza e complexidade do produto e do mercado, modularidade e estgio tecnolgico, entre outras, influenciam a demanda por novidade nas diferentes etapas do projeto.

    importante notar que o modelo defende a necessidade de se incorporar cultura e infraestrutura que estimulem a criatividade em toda sua extenso e no apenas na concepo inicial. Evidentemente, as ideias geradas em etapas iniciais possuem maior visibilidade na organizao. No raro, elas representam o prprio conceito do produto que ser resultado do empreendimento. Entretanto, uma srie de decises e solues de problemas de cunho tcnico e de maior grau de especializao tomada ao longo de todas as fases posteriores.

    4 Mtodo de pesquisaA presente pesquisa faz uso da metodologia do estudo

    de casos mltiplos presente em Yin (2001) para modelar a investigao do fenmeno pesquisado. Trs projetos so analisados com diferentes graus de inovao. Os projetos escolhidos foram executados em empresa brasileira que desenvolve sistemas de alta tecnologia para automao industrial.

    Processos envolvidos em projetos de desenvolvimento de produtos de alta tecnologia so tipicamente complexos. Para uma anlise profunda, a proximidade entre a investigao e a empresa, por mais de dois anos, foi de grande utilidade na extrao de significados para os dados coletados.

    Como apresentado na Tabela 2, uma gama diversificada de tcnicas de investigao foi utilizada. Em todos os projetos estudados, teve-se amplo acesso documentao tcnica e de gerenciamento dos projetos. No projeto A, houve a participao de um membro da pesquisa como engenheiro de desenvolvimento do projeto, desde seu incio at sua finalizao. Esta presena diria no ambiente interno do

    Tabela 2. Projetos analisados e tcnicas de coletas de dados.Projeto Grau de inovao Coleta de dados

    A Incremental Anlise documental; observao participante

    B Plataforma Anlise documental; observao direta;

    entrevista com o coordenador

    C Radical Anlise documental; entrevista com o coordenador

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    inditas de suporte medio de petrleo. Em termos tecnolgicos, a empresa pde utilizar plataformas de hardware e software embarcado j desenvolvidas. Assim, os esforos de desenvolvimento se concentraram na insero de algoritmos e na criao de alguns mdulos novos no software do controlador, alm da criao de um software supervisrio especfico para a industrial de leo e gs. A equipe de desenvolvimento foi formada pelo coordenador, trs engenheiros de desenvolvimento e um engenheiro de testes. A Tabela 3 descreve as etapas deste projeto.

    Nota-se uma concentrao do processo criativo na fase de Definio e Detalhamento da Arquitetura do sistema. Nesta etapa, foi preciso estruturar o modo como os algoritmos de clculo seriam incorporados estrutura de blocos funcionais da tecnologia existente. Para tanto, houve necessidade de grande integrao entre trs tipos de conhecimentos: da dinmica de operao da planta do cliente; das normas nacionais e internacionais que regulamentam as operaes de medio de petrleo; e da arquitetura da tecnologia utilizada.

    Este processo de sntese criativa foi fortemente concen-trado na Figura do coordenador do projeto. A converso entre os tipos de conhecimento mais importantes nesta etapa foi a combinao. Em processo intenso de aglutinao de conhecimentos presentes em normas, requisitos dos clientes e manuais de produtos concorrentes similares, extensa documentao foi gerada. As mais de 300 pginas resultantes desta atividade aglomeravam conhecimentos a serem utilizados pelos engenheiros de desenvolvimento no processo de implementao dos novos algoritmos no software embarcado do controlador. Assim, foi identificada forte utilizao de canais explcitos nas trocas de conhecimentos entre os envolvidos no projeto.

    Desta forma, pode-se afirmar que o coordenador do projeto funcionou como um catalisador de uma gama diversificada de diferentes tipos de conhecimentos, e o processo de divergncia de ideias e de conceitos ocorreu de forma bastante individualizada. Para a etapa de convergncia gradual da soluo, a anlise da documentao gerada pelo lder exerceu papel fundamental: equipes da empresa responsveis pelo contato com o cliente previam

    O incio de sua empreitada no mercado externo se deveu ao grande sucesso de suas tecnologias no mercado nacional no perodo que sucedeu o fim do pr-lcool e a regulamentao das substituies de importaes (dcada de 80). Neste contexto, intensificou seus esforos no desenvolvimento de novos produtos e obteve grande visibilidade mundial.

    Produtos inseridos no mercado de automao industrial tm como caracterstica fundamental o envolvimento de uma gama diversificada de tecnologias: eletrnica, software, telemetria e mecatrnica. Um sistema completo de automao envolve basicamente trs nveis estruturais principais. O nvel mais baixo est relacionado aos equipamentos de campo, responsveis pela atuao fsica em dispositivos da planta e pela medio de variveis do processo. O nvel mais elevado formado por softwares responsveis pela configurao e superviso das operaes. Um nvel intermedirio estabelece a integrao entre esses dois mundos. Ele composto por controladores capazes de trocar informaes tanto com os equipamentos de campo quanto com os aplicativos de gerenciamento.

    A seguir, os projetos investigados so descritos individualmente. Aps esta anlise inicial, a seo 5.2 tece uma anlise comparativa entre eles.

    5.1 Descrio dos casosa) Projeto A inovao incrementalO projeto A tem incio com a encomenda de uma soluo

    para a automao da medio de petrleo em tanques por parte de grande empresa do setor de leo e gs. O desafio consistia na utilizao de tecnologias j existentes internamente para o desenvolvimento de um sistema capaz de atender s especificidades desta aplicao da indstria petrolfera, caracterizada pela grande necessidade de preciso, segurana e rastreabilidade das operaes.

    Pode-se caracterizar o grau de inovao presente neste projeto como incremental j que ele no apresenta descontinuidade de mercado ou tecnolgica em nvel macro. Em termos mercadolgicos, j existiam no mercado internacional sistemas similares e o desenvolvimento deveria contemplar apenas algumas funcionalidades

    Tabela 3. Caracterizao das principais etapas do Projeto A.Etapa Caracterizao Integrao e aplicao de conhecimentos Intensidade criativa

    Definio do conceito Conceito pr-definido pela encomenda do cliente

    Transferncia de conhecimentos das operaes do cliente para a equipe

    Nula

    Definio e detalhamento da arquitetura

    Concepo de solues funcionais para que o controlador fosse capaz de

    executar as aplicaes requisitadas

    Integrao de conhecimentos explcitos, ligados s normas da indstria de leo e gs

    e s operaes do cliente

    Alta, centrada no coordenador

    Desenvolvimentoe validao

    Implementao de algoritmos de clculo de quantidades de petrleo no

    software do controlador

    Conhecimento tcito dos engenheiros ligado programao utilizado para a

    implementao de algoritmos

    Baixa, distribuda nos desenvolvedores

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    Gest. Prod., So Carlos, v. 16, n. 2, p. 245-259, abr.-jun. 2009

    Recursos

    Estratgia

    Organizao

    Atividades e informaes

    Etapas

    Dimenses

    Divergncia Incubao ConvergnciaPreparao Identificao Oportunidades

    Nivelamento

    Desenvolvimento validao

    Transio para produointroduo no mercado

    Definio do conceito

    Definio e detalhamento da arquitetura

    Etapas

    Dimenses

    Processo de desenvolvimento de produtos

    Processo de criao de conhecimentos

    Inov

    ao

    do

    prod

    uto

    Fontes e tipos de conhecimentos

    Contexto e ambiente

    Atividades e converses de conhecimento

    Liderana e atores

    Figura 1. Modelo referencial para o PDP e o processo de criao.

    inconsistncias relacionadas adaptao do sistema operao da planta; engenheiros de desenvolvimento e testes encontravam inconsistncias tcnicas durante o processo de implementao da soluo.

    Uma forte aderncia ao modelo Middle-Up-Down (NONAKA; TAKEUCHI, 1997) pode ser verificada. O coordenador do projeto, gerente do Grupo de Aplicaes da Diviso de P&D da empresa, utiliza sua larga experincia em projetos de desenvolvimento, a intensa alimentao de informaes de clientes e concorrentes (fornecidas por setores comerciais da empresa) e os resultados tcnicos obtidos pelos engenheiros de desenvolvimento durante a implementao do software para a materializao do produto final.

    O ambiente foi primordialmente caracterizado pela atuao individualizada dos integrantes da equipe. Apesar da grande preocupao com a coordenao e o sequenciamento das atividades de cada membro, uma baixa incidncia de atividades de brainstorming ou resoluo de problemas em equipe foi verificada. Tal fato se explica pois os desafios tecnolgicos encontrados no envolviam a necessidade de se explorar problemas pouco conhecidos. Mesmo em etapas nas quais o assunto era novo, como na compreenso dos mecanismos de operao da medio de petrleo em tanques, a documentao disponvel elucidava a maior parte das dificuldades.

    O relato mostra um processo criativo fortemente centrado na fase de convergncia. Para tanto, uma gama

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    Gest. Prod., So Carlos, v. 16, n. 2, p. 245-259, abr.-jun. 2009

    o presente, eventos ligados a tendncias podem inspirar desenvolvedores a imaginarem os produtos de amanh. O evento teve participao decisiva no insight de uma nova plataforma tecnolgica para a famlia de controladores.

    Em segundo lugar, ele ressalta a importncia do contato com as equipes comerciais da empresa e com os prprios clientes. Gerente do grupo de interfaces da Diviso de P&D, o coordenador do projeto B considerado uma referncia por seu conhecimento sobre arquiteturas tecnolgicas dos sistemas de automao. Isso fez com que ele sempre fosse alvo de sondagens a respeito da viabilidade do desenvolvimento de sistemas para fins de encomendas ou licitaes. Esta interao revelou-se fundamental para a identificao das tendncias do mercado e da direo da evoluo das necessidades dos clientes.

    O coordenador tambm ressalta a importncia de outras interaes externas para a obteno de conhecimentos utilizados no projeto, tais como organizaes de padronizao tecnolgica e movimentos de vanguarda em pesquisa, como o do software livre. A equipe, inicialmente formada pelo coordenador e mais oito engenheiros de desenvolvimento, chegou a ter 20 membros em algumas fases. A Tabela 4 caracteriza as etapas deste projeto.

    Por se tratar do desenvolvimento de uma linha de produtos de plataforma comum, a definio de sua arquitetura foi processo de fundamental importncia. O desafio consistia na definio de uma estrutura coerente com o conceito proposto pelo coordenador e compatvel com as restries tecnolgicas de cada um de seus componentes. Neste processo, a documentao teve importante papel de externalizar a proposta do coordenador, submet-la anlise dos especialistas e permitir a incorporao dos conhecimentos tcitos de cada um deles relativos a cada componente. Paralelamente a esta evoluo iterativa da arquitetura, importantes decises relativas a escolhas de plataformas de hardware puderam ser tomadas.

    A etapa de desenvolvimento apresentou elevando nvel de incerteza na incorporao de um dos protocolos de

    de conhecimentos explcitos j sedimentados, oriundos de vrias fontes, foram integrados na concepo de uma estrutura de blocos funcionais e parametrizaes adequadas aplicao industrial em questo. A liberdade de ao criativa esteve restrita pela existncia de definies prvias do funcionamento do sistema, feitas pelo cliente e por normas industriais, e pela utilizao de uma plataforma tecnolgica j existente, com suas limitaes.

    b) Projeto B inovao plataformaO projeto B envolve o desenvolvimento de uma nova

    famlia de controladores. As novidades em relao gerao anterior desta famlia se encontram principalmente no aumento de performance e na incorporao de novos protocolos de comunicao, o que propiciou o surgimento de seis novos produtos. A motivao da empresa para este projeto nasceu da demanda por uma gerao de controladores dotados de maior interconectividade e velocidade de processamento.

    A grande novidade introduzida pela famlia a plataforma de hardware, integralmente desenvolvida para o projeto, baseada numa combinao de tecnologias no encontradas em produtos concorrentes. Com relao ao software embarcado, alguns mdulos da famlia anterior foram adaptados ao novo hardware e outros foram integralmente desenvolvidos. A plataforma de hardware e grande parte do software compem base comum a todos os produtos da famlia. A diferenciao entre eles determinada pelos protocolos de comunicao suportados por cada um.

    Dentre as fontes de conhecimentos que alimentaram o projeto, duas merecem destaque, na viso do coordenador, na sua preparao tcnica e mercadolgica para a conduo do projeto e para as tomadas de deciso inerentes a ele. Em primeiro lugar, ele ressalta a importncia fundamental de sua participao em uma conferncia sobre tendncias tecnolgicas em software embarcado ocorrida em Londres, pouco antes do projeto. Segundo ele, diferentemente das tradicionais feiras de produtos, em que as empresas mostram

    Tabela 4. Caracterizao das principais etapas do Projeto B.Etapa Caracterizao Integrao e aplicao de conhecimentos Intensidade criativa

    Definio do conceito

    Definio de requisitos tcnicos para a nova famlia

    Definies baseadas em conhecimentos do coordenador sobre tendncias para o setor

    Mdia, centrada no coordenador

    Definio e detalhamento da arquitetura

    Arquitetura proposta pelo coordenador redefinida por feedbacks dos

    especialistas. Importantes escolhas de plataformas tecnolgicas

    Integrao gradual dos conhecimentos tcitos dos especialistas com a arquitetura proposta

    pelo coordenador. Intensos processos de tomada de deciso e documentao.

    Alta, centrada no coordenador, mas com participao de

    toda a equipe

    DesenvolvimentoE validao

    Desenvolvimento de novos componentes e interfaces. Intenso processo de

    resoluo de problemas em equipe. Adaptao de mdulos de software

    nova plataforma de hardware

    Processo de socializao de conhecimentos na busca de solues. Reunies intensas, com

    grande envolvimento pessoal da equipe

    Alta, distribuda em toda a equipe

  • 253Criao de conhecimento na indstria de alta tecnologia: estudo de casos em projetos de diferentes graus de inovao

    Gest. Prod., So Carlos, v. 16, n. 2, p. 245-259, abr.-jun. 2009

    c) Projeto C inovao radicalO projeto C envolve o desenvolvimento do protocolo

    digital e aberto Fieldbus, voltado para comunicao entre equipamentos de automao, de forma pioneira no mundo. J no meio da dcada de 80 comeavam a surgir tendncias em direo normatizao da forma como equipamentos trocam dados entre si. Apesar da resistncia dos grandes fabricantes, que dominavam o mercado com protocolos proprietrios, o movimento ganhou fora e, no incio dos anos 90, comits internacionais foram formados para reger o processo de normatizao.

    A definio do conceito da nova tecnologia ocorreu em processo gradual, contando com a participao de vrias empresas de todo o mundo. Mais que uma deciso pontual, houve um processo de convergncia para o desenvolvimento de um protocolo interopervel que possibilitasse processamento distribudo em todos os equipamentos de campo, diagnstico avanado e redundncia. A Tabela 5 apresenta as quatro principais etapas do desenvolvimento desta tecnologia e de sua incorporao pioneira em uma linha de produtos. As duas primeiras ocorreram em mbito interorganizacional e as duas ltimas na empresa estudada.

    A empresa estudada, que naquela poca contava com 300 funcionrios, enxergou neste movimento uma grande chance de atingir posio de vanguarda tecnolgica em interoperabilidade digital. Para tanto, designou um engenheiro para participar das reunies dos comits de definio da arquitetura da tecnologia. Estes eventos eram constitudos por vrias sesses simultneas, responsveis por debater cada uma das camadas envolvidas no novo protocolo. Enquanto as grandes potncias do setor, com mais recursos, enviavam um especialista para cada sesso, o entrevistado afirma que entrava e saa de todas elas e passava a noite analisando as atas de todas. O que parecia ser uma desvantagem despontou

    comunicao, indito para a empresa. A opo por no contratar especialista no assunto imps grandes desafios ao time: a assimilao de uma nova tecnologia e sua integrao na linha de produtos. Boa parte da equipe foi focada quatro meses para este trabalho, tempo em que intensos processos de tentativa e erro foram verificados. Segundo o coordenador, esta etapa foi a mais desafiante, e o elevado grau de envolvimento e dedicao pessoal foram cruciais para o sucesso. Segundo ele, desenvolver e integrar aquele componente parecia ter se transformado em questo de honra para os membros do time. Muitos continuaram a trabalhar em conjunto em casa mesmo durante dias de greve enfrentados pela empresa.

    O alto nvel de incerteza presente na etapa de desenvolvimento trouxe consigo uma grande carga de trabalho coletivo. Em reunies semanais, o time colocava metas para avanos na elucidao dos problemas e no entendimento da tecnologia. A troca de conhecimentos tcitos era intensa. Segundo o coordenador, foi frequente a ocorrncia de insights criativos durante conversas entre pessoas que possuam conhecimento mais terico e outras que apresentavam maior vivncia prtica no processo de desenvolvimento.

    Dentre os principais papis da liderana no projeto, o coordenador destaca dois. Em primeiro lugar, sua funo enquanto integrador de conhecimentos: utiliza seu conhecimento tcito em desenvolvimento e seu conhecimento da arquitetura do sistema para integrar os conhecimentos tcitos dos especialistas. Em segundo lugar, chama a ateno para a importncia de sua participao na antecipao e resoluo de problemas. Sua experincia com problemas tpicos do processo de desenvolvimento em particular queles em que o desafio se definir o que o problema lhe conferiu grande poder de intuio sobre o melhor caminho para se lidar com tais entraves.

    Tabela 5. Caracterizao das principais etapas do Projeto C.Etapa do PDP Caracterizao Integrao e aplicao de conhecimentos Intensidade criativa

    Definio do conceito Movimento internacional em direo a um protocolo digital normatizado

    Aproximao entre empresas de todo o mundo interessadas em participar do

    processo de normatizao

    Baixa

    Definio e detalhamento da arquitetura

    Proposta da arquitetura feita pelos membros era avaliada pelos demais, documentada, e enviada para anlise

    Integrao de conhecimentos de vrias empresas. Socializao em reunies e

    externalizao em extensa documentao

    Alta, distribuda em empresas de todo o

    mundo

    Desenvolvimentoe validao do protocolo

    Desenvolvimento do protocolo (software) atendendo s normas

    especificadas

    Intensa absoro e aplicao de conhecimentos sobre as camadas que

    compem o protocolo

    Altssima, centrada no coordenador

    Desenvolvimentoe validao dos produtos

    Integrao do protocolo com outros componentes: nova linha de produtos

    Intensa socializao de conhecimentos e trabalho em equipe; idealismo e grande

    envolvimento pessoal

    Altssima, distribuda em toda a equipe

  • 254 Stefanovitz e Nagano

    Gest. Prod., So Carlos, v. 16, n. 2, p. 245-259, abr.-jun. 2009

    era comum os engenheiros passarem a noite na empresa programando cdigos. Existia um esprito mpar de que estvamos fazendo algo diferente, de que seramos os primeiros do mundo a desenvolver uma tecnologia que causaria grande ruptura no mercado de automao, afirma o coordenador.

    5.2 Anlise comparativa dos casosDe posse do estudo de cada um dos projetos, possvel se

    estabelecer uma anlise conjunta de todos eles. A Tabela 6 sumariza este anlise comparativa.

    A anlise exposta sugere uma maior concentrao da etapa divergente nos projetos mais radicais, fato que exerce influncia sobre todas as dimenses propostas neste trabalho. Em primeiro lugar, observa-se uma ligao entre o nvel de radicalidade e os tipos de fontes de conhecimentos que alimentam o processo de desenvolvimento. No Projeto A, nota-se supremacia de fontes de conhecimentos explcitos, geralmente presentes em extensa documentao. Os conhecimentos tcitos envolvidos esto ligados muito mais ao processo de transformao dos conhecimentos obtidos em novos componentes do produto do que essncia da tendncia tecnolgica da rea.

    No Projeto C, situao oposta observada. H pouco conhecimento explcito sedimentado a ser obtido do ambiente externo. Como o prprio coordenador afirma, no havia como aprender com clientes ou concorrentes, j que o mercado ainda no dispunha das tecnologias que estavam

    como grande diferencial competitivo: diferentemente das demais, a empresa angariava conhecimento amplo de toda a tecnologia internalizado em uma s pessoa, fato que conferiu agilidade para o desenvolvimento.

    Em paralelo ao processo de definio da arquitetura do protocolo, acontecia corrida tecnolgica que determinaria quais seriam as primeiras empresas capazes de desenvolver a nova tecnologia que estava sendo normatizada estas certamente despontariam como referncias num novo mercado de automao que nascia. O projeto sucedeu com inmeras reunies internacionais, envio de verses revisadas da documentao e feiras nas quais cada empresa demonstrava o que j havia conseguido desenvolver.

    As grandes empresas vendiam a ideia de que a evoluo seria lenta, j que era impossvel implementar o sofisticado protocolo nas plataformas de hardware usadas naquela poca. O ento Diretor de P&D da empresa estudada acreditava ser isso possvel e conferiu autonomia quase ilimitada para o time empregar seus esforos. Altamente centrado no coordenador, o esforo inicial consistia em criar solues para a implementao de softwares embarcados que atendessem s normas. Uma segunda etapa consistia na integrao deste protocolo com outros componentes de software e hardware na materializao dos primeiros produtos Fieldbus no mundo.

    Em ambas as etapas, o coordenador destaca o grau de envolvimento das pessoas no projeto. Em fases prximas s feiras de demonstrao e aos testes de validao internacional,

    Tabela 6. Anlise comparativa dos projetos.Projeto A Incremental B Plataforma C Radical

    Criao de conhecimento

    Integrao de conhecimentos explcitos

    oriundos de diversas fontes

    Criao de conhecimento arquitetural e integrao de conhecimentos tcitos dos

    especialistas

    Absoro de novo padro tecnolgico e criao de

    conhecimentos que implementassem a tecnologia em novos produtos

    Tipo de conhecimento Componente (baixo) Componente (baixo)Arquitetura (alto)

    Componente (alto)Arquitetura (alto)

    Converses de conhecimento

    Foco em combinao Foco em externalizao e socializao

    Foco em internalizao, externalizao e socializao

    Papis da liderana no processo criativo

    Catalisador e tradutor de uma gama diversificada de conhecimentos externos.

    Lder do processo de tomada de decises

    Facilitador do processo de resoluo de problemas

    Absoro de conhecimentos.Desenvolvimento de solues criativas

    Inspirao da equipe em torno de um ideal

    Fontes externas (conhecimentos explcitos)

    Clientes (requisitos)Concorrentes (manuais)

    Org. Industriais (normas)

    Org. de padronizao tecnolgica (normas)

    Fornecedores (especificaes)

    Org. de padronizao tecnolgica (normas)

    Fontes externas (conhecimentos tcitos)

    Feiras tecnolgicas e clientes (tendncias)

    Feiras tecnolgicas eOrg. de padronizao

    tecnolgica (tendncias)

  • 255Criao de conhecimento na indstria de alta tecnologia: estudo de casos em projetos de diferentes graus de inovao

    Gest. Prod., So Carlos, v. 16, n. 2, p. 245-259, abr.-jun. 2009

    A gerao de alternativas se faz indispensvel para que se aumente a capacidade de antever futuras restries. Projetos mais radicais demandam uma maior intensidade criativa na etapa divergente pois exigem um contnuo repensar das fronteiras entre o que existe e o que possvel de ser desenvolvido. Alm disso, ao longo de todas as etapas do processo de desenvolvimento, lidam de forma direta com situaes desconhecidas e imprevistas, que demandam a gerao de novas formas de se resolver problemas e tomar decises.

    Conforme sugere a anlise comparativa dos casos, esta caracterstica do processo de criao molda de forma substancial os tipos de liderana, fontes de conhecimentos e processos de converses de conhecimentos existentes em projetos de diferentes graus de inovao. As sees que se seguem analisam os resultados encontrados em cada dimenso, efetuando ligao entre as concluses extradas dos casos e a literatura investigada.

    a) Dimenso 1: fontes e tipos de conhecimentos evidente que tanto projetos incrementais quanto

    radicais fazem uso de uma grande gama de conhecimentos explcitos e tcitos. Apesar disso, os resultados da anlise dos casos indicam que projetos mais radicais demandam uma utilizao mais intensa de conhecimentos tcitos. As causas deste fato residem na prpria natureza dos desafios enfrentados nestes diferentes tipos de projetos.

    Projetos mais radicais exigem um maior nvel de transposio da fronteira entre o j existente e o futuro. Para tanto, necessitam ser alimentados por conhecimentos ainda no sedimentados, disseminados e explicitados. Mais do que combinar diferentes informaes no processo de materializao do produto, so guiados por tendncias menos concretas na criao de novos paradigmas e referncias tecnolgicas e mercadolgicas. Assim, o maior nvel de incerteza aumenta a necessidade do indivduo dispor de sua experincia acumulada, de insights criativos e da anlise crtica dos fenmenos.

    possvel tecer consideraes a respeito do tipo de conhecimento criado segundo a estrutura do produto. Projetos incrementais so normalmente acompanhados por mudanas e melhorias em partes localizadas do produto, demandando tipicamente apenas o aprendizado incremental ou modular sobre componentes caracterizado por Sanchez e Mahoney (1996). J a intensidade das mudanas nos projetos plataforma ou radical altera no apenas os componentes do produto, mas tambm a forma como eles se organizam e interagem. Desta forma, conforme notado nos casos, tais projetos exigem aprendizado arquitetural.

    Com relao s fontes de conhecimentos, sugere-se que projetos radicais demandam a absoro de informaes mais ligadas s tendncias das tecnologias que compem o produto do que s necessidades especficas do mercado atual. Mais do que a capacidade de entender em detalhes o presente, a necessidade de ruptura exige da equipe a

    sendo desenvolvidas. Assim, enquanto a participao nas organizaes internacionais proporcionava entendimento sobre as tendncias do setor, os demais conhecimentos envolvidos eram completamente obtidos dentro da equipe, da experincia prvia dos indivduos e da criao de novas solues in-house. O projeto B, de grau de inovao intermedirio, apresenta uma composio mesclada de suas fontes de conhecimentos. Nele, ao aprendizado com o mercado j existente soma-se uma gama mais tcita de conhecimentos gerados pela prpria equipe.

    Em segundo lugar, observa-se uma clara diferena entre o papel da liderana nos trs projetos. No desenvolvimento mais incremental, o lder atua como um catalisador e tradutor dos conhecimentos obtidos junto a diversas fontes. Neste ponto, nota-se grande aderncia do modelo gerencial Middle-Up-Down proposto por Nonaka e Takeuchi (1997). O lder atua como um elemento de ligao entre diferentes esferas cognitivas.

    J nos projetos mais radicais, nota-se uma atuao da liderana mais ligada a atitudes inspiradoras e que promovem a busca pelo indito. A fim de estimular a criao do novo e extrair contedos tcitos presentes na equipe, um maior nvel de envolvimento pessoal com a causa do projeto demandado. O perfil se aproxima bastante do gerente mdio do tipo empreendedor proposto por Jankzac (1999). Sugere-se, assim, a importncia desse carter mais empreendedor como elemento catalisador do processo de extrao do conhecimento tcito dos engenheiros.

    Por fim, a hiptese exposta ratificada pela anlise das converses entre tipos de conhecimentos mais importantes no processo criativo de cada projeto. No Projeto A, nota-se a criao fortemente centrada na combinao de conhecimentos explcitos, gerando conhecimentos explcitos mais complexos. J nos outros projetos observa-se importante papel da socializao, pelo emprego do conhecimento tcito em atividades intensas de tomada de decises, criao de alternativas e resoluo, identificao e antecipao de problemas.

    6 Anlise dos resultados e consideraes finaisA pesquisa refora o argumento de que, para se

    compreender de forma mais profunda o processo de inovao, necessrio abordar a dinmica com que o conhecimento criado e integrado. Ao sugerir que projetos de diferentes tipos de inovao fazem uso de diferentes tipos de processos intensivos em conhecimentos, o trabalho ratifica a necessidade de se aproximar conceitos do PDP s teorias organizacionais baseadas no conhecimento. Apesar da limitao bvia inerente a esta pesquisa a impossibilidade de se generalizar resultados obtidos em apenas trs casos alguns indcios sugerem fortemente algumas reflexes.

  • 256 Stefanovitz e Nagano

    Gest. Prod., So Carlos, v. 16, n. 2, p. 245-259, abr.-jun. 2009

    c) Dimenso 3: liderana e atoresA anlise do estudo efetuado luz da literatura usada traz

    tona reflexes a respeito do perfil de liderana envolvido em projetos de diferentes graus de inovao. Nota-se que o modelo gerencial Middle-Up-Down (NONAKA; TAKEUCHI, 1997), ao enxergar o lder fundamentalmente como um integrador de conhecimentos, se mostra mais apropriado para projetos incrementais. Ao pregar a constante combinao entre conhecimentos oriundos de diferentes fontes, o modelo apresenta grande compatibilidade com os desafios envolvidos em projetos menos radicais.

    Conforme sugerem os casos, entretanto, projetos mais radicais exigem uma parcela considervel de estmulo postura empreendedora. O cenrio de incerteza e a necessidade de ruptura presente fazem da extrao do conhecimento tcito dos indivduos tarefa fundamental da liderana. Esta tarefa demanda a criao de ambiente que inspire e desafie os indivduos a romper paradigmas estabelecidos, exigindo tambm deles postura mais pr-ativa e visionria.

    A anlise exposta at aqui permite a caracterizao da atuao do lder de um projeto incremental mais prxima da gerncia de conhecimentos explcitos. Por outro lado, a liderana de projetos mais radicais contempla a coordenao no apenas de conhecimentos formalizados e sedimentados, mas, principalmente, a conduo de atividades e processos nos quais se integram e criam conhecimentos tcitos.

    Desta forma, podem ser identificados dois nveis de papis da liderana em projetos mais radicais. Num primeiro patamar se encontra a conduo de atividades tpicas de integrao de conhecimentos tcitos, tais como os processos decisrios e de resoluo de problemas em equipe (LEONARD; SENSIPER, 1998). Num grau ainda mais elevado de extrao dos conhecimentos tcitos presentes na equipe, encontram-se atividades ligadas inspirao e mobilizao dos indivduos em torno da causa do projeto e ao estmulo atividade empreendedora.

    Sugere-se que essa dimenso empreendedora demandada pelos projetos mais radicais seja necessria para enfrentar o maior nvel de incerteza e a necessidade de tomada de deciso em meio natureza catica e imprevisvel destes projetos. Alm disso, esta postura mais pr-ativa se faz vital para se lidar com as presses organizacionais por resultados de curto prazo em projetos de alto grau de incerteza mercadolgica.

    Com relao constituio da equipe, nota-se que projetos radicais demandam maior diversidade interna entre os perfis individuais. Isso pois, diante de cenrios menos previsveis e da necessidade de gerao de alternativas, as equipes precisam fazer uso da pluralidade de experincias para enriquecer sua capacidade de abordar os desafios. Desta forma, maior nestes projetos a importncia de pessoas com diferentes estilos de resoluo de problemas e contatos com diferentes fontes externas de conhecimentos. Evidentemente,

    capacidade de vislumbrar o futuro. Projetos incrementais, pelo contrrio, podem se alimentar de fontes que forneam conhecimentos pontuais sobre as necessidades dos clientes de hoje. Conforme mostram os casos, os clientes e a concorrncia so fontes de conhecimentos vitais para que se direcione o incremento tecnolgico de forma a atender com preciso s demandas atuais do mercado.

    b) Dimenso 2: atividades e converses de conhecimentos

    A maior demanda pela utilizao de conhecimentos tcitos em projetos mais radicais apresenta fortes implicaes na tipologia das atividades inerentes ao desenvolvimento de produtos nestes projetos. Isto ocorre pois impossvel dissociar a natureza do conhecimento que flui em uma equipe da natureza dos processos que o conduzem e disseminam.

    Projetos incrementais, caracterizados pelo uso intensivo de conhecimentos explcitos e sedimentados, fazem da documentao ferramenta fundamental de conduo do conhecimento adquirido e criado. A abundncia de conhecimentos j explicitados disponveis para estes projetos motiva a utilizao de via documental para o trnsito do conhecimento na equipe. No raro, tais conhecimentos provm de documentao gerada em projetos anteriores, que servem de plataforma para o incremento a ser introduzido no novo projeto. Desta forma, notrio que tais projetos tm a Combinao como converso fundamental dos conhecimentos envolvidos no projeto.

    J em projetos mais radicais, o estudo sugere a pre do-minncia de outros mecanismos para a integrao e transformao do conhecimento, tais como a maior utilizao de atividades de brainstorming, tomada de deciso e resoluo de problemas em conjunto. Nestes projetos, o processo de Socializao apresenta grande importncia, fortalecendo a via tcita para troca de conhecimentos entre os indivduos.

    Esta constatao ratifica Grant (1996), que identifica a documentao como base para a integrao de conhecimentos explcitos e os processos de resoluo de problemas e tomada de decises como base para a integrao de conhecimentos tcitos. Alm disso, esta anlise corrobora a abordagem de Leonard e Sensiper (1998), que reala a forte componente social demandada pelas etapas de divergncia. Segundo as autoras, esta necessidade de divergncia amplia a importncia da prtica do dilogo e da utilizao de brainstormings.

    Este cenrio sugere algumas consideraes a respeito da eficcia de sistemas de informao para o gerenciamento do conhecimento ao longo de projetos radicais. Neles, h uma maior dificuldade de utilizao destes sistemas j que muito do know-how que flui de difcil formalizao e explicitao. A instabilidade e o carter no estruturado so uma barreira para o armazenamento e o trnsito destes conhecimentos por meio de sistemas.

  • 257Criao de conhecimento na indstria de alta tecnologia: estudo de casos em projetos de diferentes graus de inovao

    Gest. Prod., So Carlos, v. 16, n. 2, p. 245-259, abr.-jun. 2009

    esta diversidade tambm pode ser enriquecedora em projetos incrementais. Entretanto, as restries prvias e o foco em convergncia diminuem a possibilidade de contribuio mais personalizada.

    d) Dimenso 4: contexto e ambienteAlguns fatores, observados nas demais dimenses,

    contribuem para uma maior carga de envolvimento pessoal e trabalho coletivo em projetos radicais. Dentre eles, destacam-se a inexistncia de fontes consolidadas do conhecimento requerido, a elevada incerteza e a necessidade por descobertas sucessivas, de maior ou menor grau. Este cenrio torna a extrao do conhecimento internalizado nos indivduos desafio fundamental nestes projetos.

    Alm disso, observa-se uma maior demanda por autonomia, flexibilidade e informalidade em projetos mais radicais. A autonomia e a flexibilidade so vitais para que o indivduo possa lidar com desafios pouco estruturados de forma adaptvel e tolerante s peculiaridades do processo de tentativa e erro. A informalidade evita o processo de engessamento e padronizao de comportamentos e solues. Ela estimula, assim, contribuies individuais mais personalizadas e originais, fundamentais para a divergncia exigida. Nesta linha de raciocnio, ratifica-se Nemeth (1997), que elege a uniformidade e a coerncia

    adequadas para a implementao de ideias j criadas e a dissidncia e a flexibilidade fundamentais para a atividade criativa capaz de romper paradigmas.

    e) Sntese dos resultadosA Figura 2 consolida os resultados obtidos em cada

    dimenso do modelo proposto. Vale ratificar que o contedo desta Figura busca representar apenas as principais tendncias encontradas nestes tipos de projetos e no construir uma viso maniquesta destes resultados.

    No se espera com esta representao moldar uma viso maniquesta das atividades que compem o processo criativo nestes projetos. Tanto projetos incrementais quanto radicais fazem uso de uma diversificada gama de prticas e processos para a criao de conhecimentos. Entretanto, os casos e a literatura utilizada sugerem as tendncias mostradas e a predominncia de algumas caractersticas de acordo com o grau de inovao do projeto.

    A anlise at aqui efetuada sugere de que forma o maior grau de incerteza presente em projetos de inovao mais radical influi na dinmica e nas caractersticas do processo criativo nele envolvido. Os resultados ratificam que tais projetos se situam em contextos de conhecimento menos estveis e sujeitos a ambientes internos de maior autonomia e menor previsibilidade e determinismo. Alm

    Dimenso do modelo Grau de inovaoIncremental Radical

    1Principais tipos de

    conhecimentos

    Explcito TcitoLigados a aplicaes e

    necessidades atuaisLigado a tendncias e cenrios futuros

    Estvel, sedimentado Instvel sujeito a mudanasLigados a componentes

    do produtoLigado ao conceito/

    arquitetura do produto

    2

    Principais converses de conhecimentos

    Combinao Socializao

    Principais atividades

    geradoras de conhecimentos

    Integrao de conhecimentos explcitos

    Integrao de conhecimentos tcitos

    Documentao anlise de documentos

    BrainstormingResoluo de

    problemas prototipagem

    3

    Principais papis da

    liderana no processo criativo

    Integrao de conhecimentos explcitos

    Conduo dos processos de

    tomada de deciso e resoluo de

    problemas

    Fomento atitude empreendoraMobilizao e

    inspirao da equipe

    Importncia da diversidade Baixa Alta

    4 Ambiente e contexto

    Integraes de criaes individuais Criao coletiva

    Intenso fluxo de documentos

    Troca de insights e contato face a face

    Restries tcnicas e mercadolgicas Autonomia para criar

    Previsibilidade Caos criativotentativa e erro

    Figura 2. Caracterizao do processo criativo de acordo com o grau de inovao.

  • 258 Stefanovitz e Nagano

    Gest. Prod., So Carlos, v. 16, n. 2, p. 245-259, abr.-jun. 2009

    disso, evidenciam a necessidade de processos criativos mais coletivizados, alimentados por maior diversidade interna e submetidos a lideranas de forte componente empreendedor e inspirador

    Esta caracterizao da equipe e da natureza do projeto inovador radical no nova. Vrios elementos citados, referenciados em contraponto aos projetos incrementais, aparecem, com maior ou menor destaque e clareza, em pesquisas anteriores. Clark e Wheelwright (1992) enfatizam a autonomia demandada pelos Tiger Teams, voltados para inovaes radicais. Veryzer (2005) chama a ateno para o menor nvel de formalizao e dinmica s vezes catica de projetos de maior grau de ruptura.

    Assim, a contribuio da presente pesquisa para a anlise de projetos de diferentes nveis de inovao e as caractersticas que decorrem destes nveis reside na escolha em efetuar esta investigao sob o prisma do processo de criao de conhecimentos. Desta forma, alm de estruturar esta caracterizao de forma mais organizada e sistmica, o trabalho sugere que as diferentes caractersticas identificadas nos projetos tm origem fortemente vinculada tipologia do processo criativo neles envolvidos. As diferenas encontradas

    Knowledge creation in high-tech industry: cases study on projects with different innovation degrees

    Abstract

    The main objective of this research is to provide a characterization of the knowledge creation process involved in high-tech product development projects with different innovations degrees. As theoretical contribution, this work joins some of the most important approaches of this process in a framework that organizes concepts in four main dimensions. A study of cases done in a company that develops high-tech systems for the industrial automation market is presented investigating three projects in the R&D Division of the company. A comparative analysis of the knowledge creation processes observed in each of these projects is made. The main result is the identification of creative process characteristics that are influenced by the innovation degree.Keywords: Knowledge creation. Innovation. High-tech product development process.

    deixam clara a necessidade de cuidados diferenciados na gesto das pessoas e nas ferramentas de gerenciamento de acordo com o grau de inovao do projeto.

    A anlise efetuada tambm sugere que, embora tenha sido buscada identificao de padro processual do processo criativo de acordo com o grau de inovao do projeto, a dinmica deste projeto fortemente influenciada pelas especificidades da indstria, da organizao e do tipo de produto envolvido. Esta constatao, que ratifica Hansen e Birkinshaw (2007), pode ser extrada da anlise da relevncia de detalhes altamente especficos na evoluo dos projetos analisados como, por exemplo, o contexto interorganizacional de padronizao tecnolgica.

    Os resultados aqui apresentados devem ser encarados como um esforo em direo integrao de abordagens que investigam a dinmica de projetos inovadores. Sob esta perspectiva, embora muitas das concluses no sejam absolutamente inditas, busca-se aqui contribuir para a organizao de conceitos, frequentemente discutidos de forma pontual e desintegrada, em modelos sistmicos que abordem as mltiplas dimenses envolvidas no processo de inovao do produto.

    Referncias bibliogrficas

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    Sobre os autores

    Juliano Pavanelli StefanovitzEscola de Engenharia de So Carlos Universidade de So Paulo Av. Trabalhador Socarlense, 400, CEP 13566-590, So Carlos SP e-mail: [email protected]

    Marcelo Seido NaganoEscola de Engenharia de So Carlos Universidade de So Paulo Av. Trabalhador Socarlense, 400, CEP 13566-590, So Carlos SP e-mail: [email protected]

    Recebido: 18/4/2007 Aceito: 17/5/2009

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