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CRIMINALIZAÇÃO E REPRESSÃO NAS LUTAS DA EDUCAÇÃO: AÇÕES COERCITIVAS NAS GREVES DE PROFESSORES E PROFESSORAS DA REDE PÚBLICA Sâmbara Paula Francelino 1 RESUMO: O trabalho traz uma reflexão sobre a criminalização e repressão às lutas dos servidores públicos da educação. Aborda- se as ações de criminalização e os mecanismos repressivos do Estado, voltados à deslegitimação e desestruturação das lutas sociais que se intensificam diante da crise estrutural do capital como parte do processo de retirada dos direitos sociais, historicamente conquistados. Destaca-se, em especial, a judicialização e a violência no trato com lideranças e mobilizações de movimentos grevistas na educação pública durante o período em estudo. Palavras-chave: Lutas Sociais; Serviço Público; Educação; Criminalização; Repressão. ABSTRACT: This work has centered on the reflection on the criminalization and repression of struggles of public education servers. It covers up the criminalization of actions and the repressive mechanisms of the state, aimed at delegitimizing and disruption of struggles social to intensify before the structural crisis of capital as part of the process of withdrawal of social rights, historically achieved. It highlights in particular the legalization and violence in dealing with leaders and mobilization of strike movements in public education during the period under study. Keywords: Social struggles; Serviço Público; Education; Criminalization; Repression. 1 Professora do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará. Doutora pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. [email protected]

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CRIMINALIZAÇÃO E REPRESSÃO NAS LUTAS DA EDUCAÇÃO: AÇÕES COERCITIVAS

NAS GREVES DE PROFESSORES E PROFESSORAS DA REDE PÚBLICA

Sâmbara Paula Francelino 1

RESUMO: O trabalho traz uma reflexão sobre a criminalização e

repressão às lutas dos servidores públicos da educação. Aborda-

se as ações de criminalização e os mecanismos repressivos do

Estado, voltados à deslegitimação e desestruturação das lutas

sociais que se intensificam diante da crise estrutural do capital

como parte do processo de retirada dos direitos sociais,

historicamente conquistados. Destaca-se, em especial, a

judicialização e a violência no trato com lideranças e mobilizações

de movimentos grevistas na educação pública durante o período

em estudo.

Palavras-chave: Lutas Sociais; Serviço Público; Educação;

Criminalização; Repressão.

ABSTRACT: This work has centered on the reflection on the

criminalization and repression of struggles of public education

servers. It covers up the criminalization of actions and the

repressive mechanisms of the state, aimed at delegitimizing and

disruption of struggles social to intensify before the structural crisis

of capital as part of the process of withdrawal of social rights,

historically achieved. It highlights in particular the legalization and

violence in dealing with leaders and mobilization of strike

movements in public education during the period under study.

Keywords: Social struggles; Serviço Público; Education;

Criminalization; Repression.

1 Professora do Curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará. Doutora pela

Universidade Federal do Rio de Janeiro. [email protected]

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1 INTRODUÇÃO

As lutas sociais têm sido alvo de criminalização que ocorre por meio de um processo

estruturado de violência física2 ou de natureza jurídico-política com um caráter de violência

institucional diante do uso de prerrogativas que visam caracterizar como criminosas lideranças e

organizações políticas da classe trabalhadora. Nesse sentido, criminalizar uma atitude ou

manifestação, ao lhes atribuir características de natureza criminosa, não se configura

simplesmente a partir de uma fala isolada sem repercussão, ou mesmo de prisões resultantes de

uma prática ilegal.

Outra característica desse espectro de coerção às lutas sociais corresponde a repressão

política - forma de ação pública, geralmente tomada por parte do Estado para conter e calar

manifestações de oposição, subversão, contestação e reivindicação diante do poder público. Os

métodos de repressão política incluem frequentemente práticas violentas como o

espancamento, a tortura, além de tiros com balas de borracha e bombas de efeito moral, como

as de gás lacrimogêneo. Esses métodos em conjunto com as práticas de criminalização,

representam a ação estatal para afirmar os interesses do grande capital em detrimento das

necessidades dos trabalhadores.

No Brasil, com o aprofundamento da crise do capital, o aparato estatal no âmbito das três

esferas de governo vem promovendo nos últimos anos uma forte ofensiva contra os direitos dos

trabalhadores e os serviços públicos, trazendo consequências dramáticas para a população que

necessita desses serviços, bem como para os servidores que vivem num estado de insegurança

e incertezas quanto ao seu futuro.

Por influxo desse contexto o governo de “coalização” adotou uma sequência de medidas

no intuito de favorecer a sanha do capital por maior produtividade e lucratividade, prejudicando

os interesses da classe trabalhadora, tais como a contrarreforma da Previdência, as parcerias

público-privadas e o recente Projeto de Lei Complementar 257 (PLP 257/2016), que tem como

alvo o desmonte do serviço público, sob o argumento de preservar o pagamento da dívida

pública ao sistema financeiro.

Com o afastamento da Presidente Dilma, o PMDB, representado pelo presidente interino

Michel Temer tentará a todo custo viabilizar os princípios contidos no programa “Uma Ponte

2 Violência física como criminalização aqui refere-se apenas às prisões arbitrárias, já que, outras formas de violência

como agressão corporal, assassinatos e torturas se constituem como formas de repressão que se articulam com a criminalização à manifestação social, mas não pode ser confundida enquanto tal.

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para o Futuro”3 que somado às diretrizes da “Agenda Brasil”4, darão continuidade a retirada de

direitos trabalhistas em todos os âmbitos, bem como eliminarão o conceito de serviço público da

forma como o concebemos atualmente. O teor desses documentos deixa claro que o governo

ilegítimo e usurpador, pretende avançar com um brutal ajuste fiscal, com corte de verbas sociais,

realização da reforma da previdência, entrega do pré-sal às multinacionais e aceleração da

política de privatizações exigindo duro sacrifício da classe trabalhadora brasileira.

Nessa quadra histórica de crise, em que assistimos ao acirramento da desigualdade

econômica e social temos o aplainamento do terreno para um crescente processo de

criminalização e repressão das lutas sociais. O diferencial desse processo no âmbito da

conjuntura política brasileira é que quanto mais as lutas se intensificam no âmbito do serviço

público, em especial, aquelas do setor educacional, mais se institucionaliza o artefato

criminalizante e violento do Estado, ainda que, com variações de intensidade, de sujeitos

envolvidos e mecanismos utilizados.

2 AÇÕES CRIMINALIZADORAS E REPRESSORAS DO ESTADO FRENTE ÀS

ORGANIZAÇÕES E LUTAS DOS SERVIDORES PÚBLICOS

O Estado emerge como produto de uma sociedade de classes, resultando de

contradições e antagonismos inconciliáveis voltado para atenuar os conflitos em defesa da

ordem. O Estado como organização especial da força e da violência é sempre o Estado da

classe dominante, na medida em que as contradições se acirram e a classe trabalhadora se

organiza e se revolta. Como afirma Engels (2010, p. 150) “um dos traços característicos

essências do Estado é a existência de uma força pública separada da massa do povo”.

O Estado moderno resultante do contexto capitalista à medida que controla a produção

de riqueza, detém também o poder no âmbito político, visto que “a formação do Estado moderno

é uma exigência absoluta para assegurar e proteger permanentemente a produtividade do

sistema”. (MÉSZÁROS, 2011, p. 107).

Como forma de afirmar os interesses do poder dominante, o Estado político expressa os

seus interesses enquanto interesses gerais da sociedade e necessita de instituições políticas

3 Documento divulgado pela Fundação Ulysses Guimarães do PMDB, em 29 de outubro de 2015, aponta ajuste para

cortar subsídios e diminuir gastos públicos, trata de abertura comercial e reforma no orçamento configurando-se, antecipadamente, em um plano de governo.

4 Proposta apresentada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) caracterizado como uma forma de

retomar o crescimento econômico e de realizar reformas necessárias para que o Brasil supere a crise. No entanto, os caminhos para a retomada do crescimento apontam para retrocessos de direitos. Entre as propostas da agenda está a regulamentação dos trabalhadores terceirizados.

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para legitimá-los. “Daí a ilusão de que a lei assentaria na vontade e, mais ainda, na vontade

dissociada da sua base real, na vontade livre. Do mesmo modo que o direito é, por sua vez,

reduzido à lei”. (ENGELS; MARX, 2009, p. 112). Pode-se, portanto, caracterizar o direito como a

vontade de uma classe na forma de lei, seu conteúdo é determinado pelas condições históricas

em que se encontra a luta de classes. De acordo com MANDL (2015, p. 4),

[...] o Judiciário é parte fundante do Estado, exercendo historicamente o papel de legalizar determinada decisão política da burguesia. Por outro lado, é também dentro do Judiciário que se expressam importantes resistências das ruas e das lutas. Assim, claramente o Direito é fruto da luta de classes e é sempre importante olhar o que ocorre dentro do Judiciário, explorar suas contradições, apontando claramente sua cotidiana ação de atuar com “dois pesos e duas medidas. .

No Brasil não é recente, mas tem sido crescente nos últimos anos, a judicialização dos

conflitos sociais. Sob a lógica da criminalização das lutas sociais, assiste-se a uma

deslegitimação jurídica do sindicalismo classista e suas estratégias de lutas. Em especial o

combate por meio do judiciário às greves, combinando-se com medidas de repressão aos

trabalhadores grevistas, com severas punições aos sindicatos e mesmo prisões e condenações

às lideranças.

Há que se reconhecer, ainda, que isto se dá em articulação com um processo de

desmoralização e satanização das lutas sociais, orquestrado por meios de comunicação, que

priorizam as falas criminalizatórias e manipulam informações e fatos referentes às manifestações

sociais, sem garantir-lhes um espaço ou mesmo reconhecer-lhes como interlocutores da questão

reportada.

É flagrante a contradição entre as promessas inscritas na Constituição e o que os sujeitos

implementadores da criminalização em curso defendem. De um lado, desigualdade social na

sociedade brasileira, tendo como um dos seus pilares a concentração de renda, quando o Brasil

ocupa o 14º lugar de país mais desigual do mundo, segundo o relatório do Panorama Econômico

Global de 2015 (apud MAIA, 2016). Do outro lado, sujeitos que buscam a organização frente a

um modelo de desenvolvimento concentrador de renda e ambientalmente predatório que tem

bloqueado as mudanças gestadas nas lutas contra as desigualdades sociais, políticas,

econômicas, culturais, amparadas constitucionalmente e nos Tratados Internacionais de Direitos

Humanos.

A inabilidade do Estado brasileiro no trato com os conflitos sociais se expressa em

prisões ilegais, despejos forçados, sequestros, detenções arbitrárias, execuções sumárias,

registradas diante das ações promovidas pelas organizações de classe. A acusação de

formação de quadrilha que pesa diante de segmentos sociais que se organizam em torno de

uma determinada reivindicação tem levado a vários mecanismos de punição e de deslegitimação

dessas forças organizadas. A criminalização tem sido acompanhada pelo uso da força, da

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arbitrariedade e da violência patrocinadas por governos de todas os matizes, que priorizam o

capital econômico em detrimento dos direitos da maioria da população que vive em situação de

pobreza e miseráveis condições socioeconômicas e culturais.

O Judiciário e o Legislativo diante das estratégias implementadas pelas diversas lutas

sociais contribuem para a manutenção de uma ordem injusta e desigual, sob a égide de um

discurso arquitetado pelo seu inverso: o da liberdade e da justiça. A legislação nacional e

internacional é manipulada de acordo com os interesses da classe dominante dificultando o

respeito e a observância dos direitos humanos e trabalhistas historicamente conquistados.

O mais surpreendente e paradoxal aos olhos do observador, está no fato de que a

criminalização não foi contida com os governos do Partido dos Trabalhadores nos últimos anos,

à frente do Poder Executivo, seja ele nas esferas federal, estadual e municipal. Governos estes

que traziam a expectativa de gerar canais de diálogo com as organizações sociais, mas em seu

lugar desenvolveram novas e sofisticadas formas de criminalização e repressão. Destacamos

dois exemplos crassos da atuação do Governo Federal no aspecto da criminalização das lutas

sociais, quando editou a Portaria Normativa de dezembro de 2013, que dispõe sobre as

Operações de garantia da Lei e da Ordem e sancionou a Lei Antiterrorismo, n. 13.260, de 16 de

março de 2016, peças legais que podem ser utilizadas pelo aparato estatal para incriminar e

punir lutadores e lutadoras sociais ao reivindicar seus direitos, legitimando a criminalização e a

violência no âmbito da sociedade.

Nesses termos infere-se que o governo Dilma institucionalizou a criminalização das lutas

sindicais dos servidores públicos federais por meio de uma prática generalizada de punições na

tentativa de intimidar as mobilizações. No serviço público na área da educação, essa intimidação

se dá por meio de processos administrativos, punições disciplinares, constituição de comissões

de sindicância e assédio moral no local de trabalho. Dirigentes e integrantes dos comandos de

mobilização dos servidores públicos são alvos dessas iniciativas intimidadoras. Não raro,

gestores propõem até mesmo a exoneração de lutadores históricos da categoria. As

organizações dos servidores, também tem resistido por meio de denúncias aos organismos

internacionais como a OIT, e estratégias voltadas para pressionar o governo brasileiro contra as

práticas antissindicais.

3 EXPRESSÕES DE CRIMINALIZAÇÃO E REPRESSÃO DOS SERVIDORES PÚBLICOS DA

EDUCAÇÃO

As diversas ações que caracterizam como crime, visando deslegitimar ou mesmo reprimir

lutas sociais aparece com forte teor no âmbito das lutas em defesa da educação pública e de

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qualidade socialmente referenciada. O domínio de forças conservadoras nos espaços do

aparelho de estado permite que mecanismos variados sejam usados seletiva e simultaneamente

contra as organizações e mobilizações dos servidores públicos da educação.

A luta desses trabalhadores tem se configurado como enfrentamento às políticas de

sucateamento do ensino público e a defesa dos direitos trabalhistas diante da desvalorização da

carreira dos servidores estatutários em âmbito federal, estadual e municipal.

A categoria por meio das suas organizações e lutas têm feito frente à desestruturação

das políticas públicas por meio de diversos protestos e greves em todo território nacional.

Enquanto isso, os governos ao mesmo tempo que retiram direitos e garantias sociais vêm

reprimindo, perseguindo e criminalizando os que lutam por melhoria nas condições de ensino e

trabalho no âmbito da educação.

De 2012 a 2016 é grande o número de greves registradas no Serviço Público, em

especial, nos setores que atuam no âmbito da educação pública, nas três esferas federal,

estadual e municipal. No serviço público federal, por exemplo, em 2012, registrou-se forte

movimento grevista que atingiu as mais diversas categorias do funcionalismo público. A

Confederação dos Trabalhadores do Serviço Público Federal (Condsef) apontou que mais

de 300 mil servidores entraram em greve no país.5 Outro dado importante sobre essa questão

é apresentado pelo DIEESE que contabilizou 873 greves em diversos segmentos dos

trabalhadores no país. Desse número 409 ocorreram na Esfera Pública. Já em 2013, o DIEESE

registrou 2.050 greves, um crescimento de mais de 134% em relação ao ano anterior e o maior

número de toda a série histórica. 6

E esta tendência que junho acelerou, com as jornadas de lutas que levaram milhões de

pessoas às ruas das principais cidades do Brasil, expressou-se contundentemente em 2014. O

referido ano foi inaugurado com as grandes greves de serviços estratégicos como os rodoviários

de Porto Alegre e depois os garis do Rio de Janeiro. No caso dos serviços de limpeza urbana as

greves ocorreram em todo país, dos rodoviários aconteceram em Campinas, São Paulo, Rio de

Janeiro, Recife, acompanhada pelos metroviários em São Paulo, Recife, entre outras metrópoles

brasileiras.

Destaca-se aqui as greves “propositivas” dos rodoviários de Porto Alegre e dos garis do

Rio de Janeiro lutando por expressivos aumentos de salário, cruzando-se com duras lutas

5 A onda de paralisações teve início em 17 de maio com a adesão dos docentes e técnicos-administrativos

das universidades e institutos federais de educação superior. Aos poucos, outras categorias se somaram ao movimento por aumentos salariais e reestruturação de carreiras. Na lista, órgãos do Poder Executivo, Judiciário Federal e Ministério Público da União. Disponível em: http://www.condsef.org.br/a-condsef-topmenu-28/historia 6 As informações da série histórica também revelam que o total de greves cadastrado em 2012 é o maior verificado

desde 1997. Disponível em: <http://www.dieese.org.br/balancodasgreves/2012/estPesq66balancogreves2012.pdf>

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defensivas como da USP contra o fechamento do hospital universitário e frente a proposta de

aumento zero.

O ano de 2015, marcado pela crise econômica e crise política teve como emblema

diversas lutas “defensivas”, tais como dos professores do Paraná, do funcionalismo gaúcho,

servidores dos correios, dos petroleiros, dos metalúrgicos. Algumas dessas greves de caráter

defensivo, obtiveram êxito ao reverter o ataque desferido contra a categoria, fato configurado na

greve dos petroleiros e ecetistas.

Em 2016 temos um primeiro semestre agitado no serviço público com mobilizações e

movimentos paredistas em vários estados da federação. No mês de abril, só no Rio de Janeiro

existiam trinta e três categorias de servidores estaduais com suas atividades paralisadas, entre estas

categorias estavam profissionais de educação, saúde, policiais, funcionários do Detran e do judiciário.

No Ceará professores da educação básica também deflagraram greve em abril, continuando o seu

curso durante o mês de maio, mesmo diante da decretação da ilegalidade pelo judiciário.

Ao longo desses últimos anos, o quadro de criminalização e repressão como

instrumentos inibidores das lutas sociais, em especial das greves no serviço público (setor da

educação) ecoou nas respostas dos governantes aos movimentos paredistas. Citemos o caso do

Paraná que teve repercussão nacional nos meios de comunicação de massa. Neste, o governo

paranaense, com a greve dos professores, além de suspender o pagamento das férias,

apresentou um pacote de medidas que retirava direitos dos servidores públicos. Após tentativas

de jogar a greve na iIegalidade o governo fez um acordo parcial que levou a suspensão dessa

paralização por um curto período.7 Após descumprimento do acordo, os professores retomaram

a greve no momento em que o pacote de medidas voltava a pauta para discussão e votação no

legislativo. Ao serem impedidos de ter acesso à Assembleia Legislativa no dia da votação,

acabaram violentamente reprimidos enquanto protestavam nas ruas de Curitiba.

Os professores, que retomaram a greve no sábado, dia 25, protestavam contra aprovação de um projeto de lei que ataca a aposentadoria de mais de 33 mil pessoas com mais de 73 anos. Por determinação da Justiça, a pedido do governador tucano, os professores foram proibidos de acompanhar a votação do projeto de lei que muda o custeio do Fundo de Previdência do Estado. Para colocar novamente o projeto em votação, Richa determinou um cerco ao prédio da Assembleia Legislativa. Mais de 2 mil policiais estão no local desde a segunda-feira, dia 27. Enquanto os deputados votavam mais uma medida do plano de ajuste fiscal contra os trabalhadores, a manifestação que contava com mais de 20 mil pessoas era duramente

7 A greve dos professores foi deflagrada em 9 de fevereiro depois que o governo, por exemplo, atrasou o terço de férias da

categoria. O movimento se acirrou depois que chegou à Assembleia um pacote de medidas de ajuste fiscal. Quase um milhão de alunos da rede estadual estão sem aulas. Desde o início da greve, vários servidores estão acampados no Centro Cívico, onde fica a Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) e o Palácio Iguaçu. Eles chegaram a invadir o Legislativo quando deputados tentaram aprovar em apenas um dia um pacote de medidas de austeridade que poderia mexer com benefícios dos servidores. Os projetos foram retirados pelo governo para revisão. Disponível em: <http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2015/02/tribunal-de-justica-considera-ilegal-greve-dos-professores-do -parana.html>

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reprimida pela Polícia Militar. De forma covarde e brutal, a polícia deixou centenas de professores e servidores feridos. (SINDMETAL-SJC, 2015, paginação irregular)

Outro exemplo de criminalização por parte do Estado com servidores públicos da

educação que tem como alvo os movimentos grevistas, se deu com o pedido de prisão do líder

sindical na cidade de Palmas (TO), no ano de 2015 e sua esdrúxula justificativa pelo poder

judiciário local, de acordo com a Redação do Portal CT de Tocantins (2015, paginação irregular):

A Prefeitura de Palmas pediu a prisão do representante legal do Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sintet) por descumprir a decisão judicial que determinou a suspensão do movimento paredista e por "incitar a paralisação danosa à coletividade". O Paço ainda solicita a aplicação de multa diária e pessoal de R$ 100 mil.

As determinações dos movimentos paredistas se assemelham em torno do corte de

direitos, desvalorização profissional, péssimas condições de trabalho e descumprimento de leis e

acordos por parte dos gestores. A resposta dos governantes também tem sido parecida:

repressão, perseguições e tentativa de criminalização. Torna-se comum a prática de

espancamento, multas, corte de pontos, remoções compulsórias, processos administrativos e

judiciais. Soma-se a falta de democracia, diálogo e transparência dos governantes a omissão e

ineficiência institucional no Estado brasileiro. O corte de salário de trabalhadores, impedimentos

ao procurar entrar em espaços públicos, tornam cada vez mais arbitrárias as injustiças,

agressões e perseguições cometidas contra os trabalhadores da educação.

Sindicatos que corroboram com as intenções dos governistas recebem apoio e proteção

destes, ao mesmo tempo que se distanciam dos interesses dos seus representados e muitas

vezes são suplantados por deliberações no interior da categoria que contradizem os interesses

das direções, isso tem se repetido à medida que se observam as greves que vem ocorrendo em

grande número desde 2012. O Ministério Público, não tem se caracterizado pela defesa dos

interesses da população a quem deveria estar voltado a sua função, mas coaduna com um

Estado e um judiciário que em geral se vincula aos interesses dos opressores.

A ingerência de governantes, contudo, traz grandes prejuízos para a classe trabalhadora,

diante da judicialização das suas lutas para além dos processos de destruição dos direitos

trabalhistas. São multas que ultrapassam um milhão de reais. Agressões físicas, spray de

pimenta, choques, bombas de gás lacrimogêneo, intimações para comparecer à justiça sob a

acusação de desacato, processos administrativos infundados e com clara conotação política,

entre outros. Algumas questões se interpõem diante dos ataques impetrados pelo Estado aos

trabalhadores da educação: é crime protestar? Onde está a liberdade de organização, se isso

tem que ser combatido de forma jurídica e violenta? Em que medida se constitui a democracia

brasileira à medida que o uso de mecanismos de mobilização é reprimido e judicializado?

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As respostas mais amplas em nível do Governo Federal que também atinge o processo

de luta no âmbito do serviço público encontram eco na legislação que apontam para a

desestruturação dos direitos à liberdade de expressão e organização. Uma dessas respostas se

expressa no caso emblemático da Lei n. 13.260, de 16 de março de 2016 que regulamenta o

disposto no inciso XLIII, do art. 5o, da Constituição Federal, disciplinando o terrorismo, tratando

de disposições investigatórias e processuais e reformulando o conceito de organização

terrorista.

A referida lei possui condicionantes problemáticos como o que gravita em torno da

tipificação do que seja crime de terrorismo. Sinalizamos que um dos maiores problemas da

tipificação se associe ao fato de que sob esse pretexto, as garantias e direitos individuais dos

suspeitos podem ser reduzidos. É fácil identificar quem serão os inimigos da vez: as lutas

reivindicatórias, de qualquer natureza. Isso porque causar terror é uma conduta definida, em

geral, como gerar pânico ou medo na população. São conceitos absolutamente subjetivos que

variam conforme o lugar, o contexto e as pessoas envolvidas.

Essa lei vem, portanto, endossar a tutela penal frente aos direitos e garantias

conquistados pelas diversas lutas dos trabalhadores, diante de toda intensificação da

criminalização de grupos e lutas reivindicatórios, sobretudo pelas instituições e agentes do

sistema de justiça e segurança pública. Assim vem se agravando a lógica que atinge inúmeros

lutadores sociais que foram e estão sendo, através de suas lutas cotidianas, injustamente

enquadrados em tipos penais como desobediência, quadrilha, esbulho, dano, desacato, dentre

outros, em total desacordo com o princípio democrático proposto pela Constituição de 1988.

Diante da sanção da lei que tipifica o crime de terrorismo se incrementa ainda mais o já

tão aclamado Estado Penal segregacionista que funciona, na prática, como mecanismo de

contenção das lutas sociais democráticas e ofensiva diante da organização e luta da classe

trabalhadora brasileira.

Outra proposta que vem no sentido de reprimir e inviabilizar as lutas sociais está no

Projeto de Lei (PL), n. 710/11 que disciplina o direito de greve no serviço público, previsto no

inciso VII do art. 37 da Constituição Federal, de autoria do senador Aluisio Ferreira Nunes

(PSDB-SP).

Caso seja aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pela presidência da

República, as greves no serviço público brasileiro sofrerão um duríssimo golpe, tal qual o

aplicado por Judith a Holofernes, representado em dos quadros do pintor Caravaggio. O texto do

projeto revela um cenário dramático para a constituição de movimento paredista no serviço

público e uma decapitação de sua legalidade.

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Os pressupostos aqui levantados pela reflexão crítica estão contidos de forma incisiva e

contundente, portanto emblemática, no "Capítulo II" do referido projeto de lei e nos Art. 10, 11,

12, 13, 18, 19, 25 e 32 que em conjunto, representam a exigência de um aparato burocrático

para a deflagração da greve e o controle do trabalho pelo Estado e as muitas situações que

poderão ser adotadas para o julgamento por parte do judiciário da ilegalidade da greve. Por fim

os aspectos que atuaram como "armas" de desmobilização da categoria, como as punições que

compreendem desde o corte de salário à não inclusão no tempo de serviço para aposentadoria

dos dias em que os servidores permanecerem em greve. Nesse cenário, a greve no serviço

público brasileiro poderá assumir duas variáveis: 1) ser constituída à revelia da lei para ser

massiva forte e abranger toda a categoria, portanto ilegal; ou 2) ser legal e sem nenhum impacto

na sociedade, tornando-se inócua para forçar negociações sobre as reivindicações de maior

complexidade com o poder público. Necessário se faz compreender, no entanto, que:

A greve no serviço público [...] não é apenas um ato político de interesse dos trabalhadores como se possa acreditar. Trata-se de uma ação de interesse de toda a sociedade, mesmo quando seu objetivo imediato seja a reivindicação salarial. Afinal, a prestação adequada e de qualidade de serviços à população, que é um dever do Estado, notadamente quando se trata de direitos sociais, depende da competência e da dedicação dos trabalhadores. Sem um efetivo envolvimento dos trabalhadores o Estado não tem como cumprir as suas obrigações constitucionalmente fixadas. (SOUTO MAIOR, 2014, paginação irregular).

Verifica-se, ademais, que os setores patronais, inclusive da esfera pública tem buscado

judicializar as greves, sob a lógica da criminalização das lutas sociais, fazendo com que o direito

de greve se torne, na verdade um antidireito de greve.

Fica claro que quando se cuida de verba alimentar o vencimento do servidor e, portanto,

do direito legítimo de greve não pode deixar de ser titularizado também pelos servidores

públicos, não sendo possível considerar “a legitimidade do corte dos vencimentos sem que se

fale em retaliação, punição, represália ou modo direto de reduzir a um nada o legítimo direito de

greve consagrado na Constituição da República”. (MANDL, 2015, paginação irregular).

4 CONCLUSÃO

O processo de criminalização avança no Brasil com ares de potência institucional,

associado à sofisticação da violência. Já não mais se fundamenta ou se centraliza na atuação da

polícia, instituição que está na ponta do organograma do sistema de justiça. Pelo que se observa

na atualidade, a nova forma deste processo de criminalização potencializou sua atuação a partir

da própria centralidade do sistema de justiça.

É uma maneira encontrada para se deslegitimar as lutas sociais e lutadores/as enquanto

sujeitos coletivos, e, principalmente, enquanto sujeitos de direito. A via campesina, em sua

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cartilha denominada “A ofensiva da direita para criminalização dos movimentos sociais”

sistematiza em sua introdução o que viriam a ser os principais objetivos da criminalização, assim

resumidos: impedir que a classe trabalhadora tenha conquistas econômicas e políticas; restringir,

diminuir ou dificultar o acesso as políticas públicas; isolar e desmoralizar as lutas sociais diante

da sociedade; e, ainda, criar as condições legais para a repressão física aos/as lutadores/as

sociais. (VIA CAMPESINA BRASIL, 2010)

A criminalização associada a repressão se configura portanto como uma das principais

estratégias adotadas pelos "donos do poder" para garantir a manutenção da ordem vigente.

Trata-se de uma das mais efetivas formas de desestruturação das lutas sociais. Por esta razão,

apresenta-se em exponencial crescimento conjuntamente ao modelo econômico gerador de

desigualdade amparada pelo poder do Estado.

Com as greves ocorridas no período analisado, mesmo diante das dificuldades

institucionais e da frágil democracia brasileira, os trabalhadores da educação têm resistido de

forma corajosa e aguerrida. Esta resistência tem garantido um mínimo de dignidade e respeito

diante dos mandatários do poder e feito frente à lógica do capital que tem buscado, transformar

profissionais em objetos a serviço do poder de Estado. Todavia, governantes continuam a

desfrutar de uma impunidade extraordinária para realizar suas arbitrariedades, enquanto os

trabalhadores estão sofrendo agressão, assédio moral, processos, multas e remoções.

Diante desse conjunto de elementos, ainda pouco explorados, cabe aprofundamento

dessa realidade criminalizante e repressiva à luta da classe trabalhadora. Esse artigo, contudo,

aponta apenas indicadores que devem trazer inquietações para uma densa investigação teórica

que possa fornecer as bases da resistência diante das facetas da criminalização e da repressão

que ameaçam a organização e o fortalecimento das lutas sociais no enfrentamento das

desigualdades e opressões.

REFERÊNCIAS

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em: www.reformaagrariaemdados.org.br