cuba um balanço do período especial

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Cuba

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  • Anais Eletrnicos do III Encontro da ANPHLAC So Paulo 1998

    ISBN 85-903587-3-9

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    Cuba: um balano do Perodo Especial (1992-1998)

    Paulo Henrique Martinez

    O desmantelamento dos regimes socialistas do leste da Europa e a extino da URSS (1989-1991 ) induziram ao questionamento do futuro do regime instalado em Cuba desde 1959. Fidel Castro tambm cairia ? Indagava-se. O furaco poltico do "fim do socialismo"' relutou em passar pelo Caribe, reorientando a indagao: quanto tempo mais Cuba resistiria? Sete anos depois, com as conseqncias do desaparecimento dos parceiros comerciais que foram a contrabalana ao embargo econmico movido pelos EUA, a questo adquiriu novo sentido: qual o futuro de Cuba ? Restabelecida daquele impacto inicial, com os ndices de crescimento da economia comeando a subir, caberia interrogar: como Cuba sobreviveu ? A busca de respostas para esta pergunta constitui a principal meta deste trabalho, sem as quais no se pode enfrentar o problema, mais importante e atual, sobre as perspectivas deste pas no centenrio de sua independncia poltica. Aqui reside a importncia da compreenso da estratgia de sobrevivncia cubana, que lhe permitiu suportar o "duplo bloqueio" e superar o isolamento econmico, comercial, tcnico e cientfico a que o pas foi lanado pela nova configurao do cenrio internacional.

    A percepo de que Cuba deveria enfrentar, sozinha, a nova realidade mundial, contraiu o tempo e o espao da revoluo cubana, empenhada em construir um modelo prprio de sociedade socialista. Em meados da dcada de 1980, o governo cubano iniciou um processo de Retificao, com o objetivo de promover a desburocratizao da vida econmica, social e poltica do pas. Naquele momento, as preocupaes com a qualidade de vida e a eficincia (social, no econmica), exigiam uma correo de rota. A Glasnost/Perestroika, o fim dos regimes da Europa oriental, a extino da URSS e o enrijecimento do bloqueio econmico norte-americano interromperam este processo, desviando os esforos e recursos humanos, intelectuais e materiais para a travessia do Perodo Especial. Concebido pelo governo cubano como o tempo necessrio para reorganizar o sistema produtivo e de servios, restabelecer relaes econmicas e comerciais, acordos de cooperao internacional, adaptando-se nova conjuntura mundial, sem abandonar os objetivos da revoluo (independncia nacional e justia social), o Perodo Especial constituiu uma frmula poltica para operar a adequao de Cuba aos novos tempos.

    Natlia Iglsias

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    Os desafios polticos e ideolgicos do presente foram enfrentados pelos dirigentes cubanos atravs da mobilizao de organizaes, instituies, intelectuais e militantes que revelaram uma vitalidade e capacidade de ao, auto-reflexo, renovao e adoo de medidas que impediram que as conjunturas difceis provocassem uma grave crise poltica em Cuba. Este processo foi acompanhado por um intenso trabalho de propaganda e contrapropaganda ideolgica. O V Congresso do Partido Comunista de Cuba (PCC), por exemplo, indicou a resistncia ideolgica como uma das principais, e das mais urgentes, tarefas para enfrentar a crise econmica. Nestas circunstncias, incrementou-se um certo culto personalidade de Fidel Castro, com slogans polticos e patriticos e imagens na televiso, por exemplo.

    A defesa da soberania nacional e das "conquistas da revoluo" constituem os pilares que sustentam os argumentos polticos do regime cubano. A primeira a base slida, enraizada no pensamento nacionalista, na reflexo crtica do pas e no sentimento popular anterior revoluo de 1959, e tem na figura e na obra de Jos Mart seu expoente mximo. Acoplada soberania do pas est a defesa do socialismo, realizada por um eficiente aparato de propaganda e ao poltica que assegura e busca dar continuidade aos processos de anlises coletivas dos programas governamentais, envolvendo sindicatos, universidades, associaes e a populao em geral, ratificando a linha poltica de massas e da democracia participativa, que caracterizou e popularizou a revoluo nas dcadas de 1960-1970.

    O fim da URSS e do bloco sovitico circunscreveu a revoluo cubana aos seus prprios limites e recursos, reduzindo as potencialidades do pas s suas reais dimenses. Desde ento, est em cheque o alcance, a importncia e o significado da revoluo socialista e as perspectivas de sobrevivncia frente ao desafio de superar as dificuldades contando, fundamentalmente, com suas prprias foras materiais, intelectuais e morais. Desfeito o mito que envolveu a ilha como uma nvoa, Cuba enfrenta o momento do duro confronto com a realidade. Este mito que mobilizou a razo e o corao de vrias geraes, diluindo as fronteiras entre o real e o imaginrio, entre a realidade e a esperana.

    A situao poltica de Cuba entre o ps-1989 e os tempos recentes, sob as perspectivas externa e interna, pode ser estudada com riqueza em dois temas complementares. As posies de Cuba diante dos processos de integrao econmica e a recente visita do papa Joo Paulo II, em janeiro deste ano, permitem compreender algumas das opes e dos rumos polticos e econmicos escolhidos pelos dirigentes cubanos. A desorganizao da economia cubana, o bloqueio econmico norte-americano, os efeitos sociais do Perodo Especial, a questo da democracia poltica, so

    Natlia Iglsias

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  • Anais Eletrnicos do III Encontro da ANPHLAC So Paulo 1998

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    temas igualmente relevantes, porm, no possuem a dimenso totalizadora que temas escolhidos comportam.

    I - Cuba frente aos processos de integrao econmica

    Cuba tem demonstrado disposio, movida por suas necessidades internas, para integrar-se economia internacional, mesmo sob as regras do momento, pautado pela competitividade. O dilema atual dos dirigentes cubanos reside no equacionamento de evitar um colapso total da economia cubana, sem desmantelar a economia socialista planificada, e participar nos projetos de integrao regional latino-americana. Obtida uma frmula que contemple os interesses polticos do governo e atenda s necessidades econmicas concretas, abre-se o caminho para a realizao de um programa que conduza o pas reinsero na comunidade internacional. A manuteno do atual regime poltico tem sido apresentada como causa determinante do isolamento econmico da ilha. Contudo, esta afirmao possui, predominantemente, um carter poltico, ideolgico e diplomtico, ditada antes pelas relaes exteriores EUA-CUBA, do que pela viabilidade das relaes empresariais, comerciais e econmicas1.

    A economia nacional retomou os ndices de crescimento econmico em 1994, alcanando a cifra de 2,5%, j em 1995. Em 1997, as previses eram de que o crescimento da economia atingisse entre 4% e 5%. A restruturao diante da nova realidade internacional, com a reconverso de Cuba ao mercado mundial e latino americano, em particular, parece promissora2. A observao do quadro poltico e econmico contemporneo, caracterizado pela quebra e retomada das atividades e iniciativas governamentais, permite apontar algumas variveis que, sem dvida alguma, estaro presentes na reinsero do pas economia mundial.

    O argumento da eficincia econmica colide frontalmente com as "conquistas da revoluo". O governo cubano j deixou claro que no pretende trocar ou ceder direitos sociais por investimentos, emprstimos, oportunidades comerciais, apoio poltico e internacional. Esta postura tem como meta poltica o repdio ao "bloqueio" econmico norte-americano, que atrela benefcios econmicos a concesses polticas do regime cubano. A experincia econmica anterior, adquirida com a participao de Cuba no bloco sovitico, tambm reala os riscos de uma economia pequena e extremamente dependente do mercado exterior.

    1 Neste sentido, esclarecedor a renovao do status da China como parceiro econmico favorecido dos EUA, em junho de 1997. 2 Convm lembrar que, nas dcada de 1970-1980, cerca de um tero do PIB cubano estava composto por aportes de insumos e recursos oriundos da Unio Sovitica.

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    A reinsero de Cuba na economia internacional requer ainda a adaptao do pas s regras e padres de competitividade dos mercados ocidentais. A estrutura produtiva sempre esteve voltada, fundamentalmente, para a complementao das economias do extinto bloco sovitico, ou seja, guarda a marca da obsolescncia. Por outro lado, Cuba no tem participao em rgos internacionais de porte, como o Banco Mundial e Fundo Monetrio Internacional, por presso norte-americana, e o requisito "democracia ainda est presente nas clusulas do Mercosul e da OEA, por exemplo. Outros impecilhos residem na profunda necessidade e dependncia de divisas externas, a ausncia de instituies de mercado e um pequeno crculo de parceiros comerciais, sendo que grande parcela dos produtos consumidos na ilha provm do exterior.

    O pas vive o perodo de menor isolamento poltico, pois a aprovao da Lei Helms-Burton pelo congresso norte-americano, unificou a oposio que lhe move a Unio Europia (quinze pases membros) e a alguns pases latino-americanos. H interesse e disposio dos dirigentes cubanos em promover a reintegrao do pas nos fruns mundiais. Contudo, no aceitam submeter o pas a clusulas especiais ou atender pr-condies que considerem intervencionistas nos rumos de sua poltica interna, posicionamentos ideolgicos e opes diplomticas do regime vigente. Existe ressonncia e sensibilidade na comunidade internacional para acolher o pas.

    O estado calamitoso em que se encontra a infra-estrutura do pas abre possibilidades e estimula investimentos e parcerias, principalmente nas reas de transportes e comunicaes. Existe uma profunda dependncia do comrcio exterior. Cuba participa em alguns segmentos do comrcio internacional com alguns poucos produtos, como acar, pesca, tabaco. Esta produo assegura ao pas algumas condies de competitividade mundial. O turismo tem se consolidado enquanto atividade rentvel, apresentando desempenho satisfatrio e proporcionando um fluxo crescente na entrada de divisas, capitais e investimentos.

    O pragmatismo poltico cubano constitui-se em um importante avalista das aes e medidas voltadas para a reaproximao de Cuba com a Amrica Latina. Ele foi o principal responsvel e condutor da rpida adaptao do pas ao mundo ps-guerra fria, devendo orientar os passos e as diretrizes de sua reinsero na economia mundial.

    A constituio de um espao econmico planetrio requer de seus agentes a mobilizao de alguns mecanismos operacionais. Um vigoroso discurso liberal propugna pela eliminao de obstculos ao comrcio mundial, em busca da eficincia econmica. Suas atenes esto voltadas para a dissoluo de ncleos regionais consolidados, ou em via de consolidao, que, dotados de um mnimo de autonomia que lhes assegure uma identidade prpria, destoem da uniformidade do globo. Sentimentos de nacionalismo exacerbado, que podem ser materializados em medidas de

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    protecionismo econmico, tambm destacam a relatividade da "globalizao" e, portanto, no so vistos com simpatia, nem mesmo com muita tolerncia. Toda e qualquer manifestao de individualidade ou especificidade econmica representa uma ameaa otimizao de benefcios e de uma agenda para reduo de custos que inclui, entre outras medidas, a reforma do Estado e dos direitos sociais, tornando-se fonte de tenses diplomticas e polticas. At mesmo os processos regionais de integrao econmica adquirem feies obstaculizadoras, quando observados a partir dos crculos mais abrangentes do comrcio mundial. O debate sobre o lugar e o papel desempenhado pelo Mercosul, quando da rodada de negociaes da ALCA, em maio de 1997, em Belo Horizonte/Brasil, foi bastante ilustrativo dessas tenses.

    dentro desse quadro mais geral que a situao poltica e econmica de Cuba deve ser examinada, pois constitui-se em um "entrave" ao processo de integrao econmica em andamento na Amrica Latina, um plo de instabilidade "eficincia global". Por essa tica pode-se compreender as sucessivas crticas, condenaes e hostilidades ao regime cubano. Torna-se ntida a dimenso e o significado do endurecimento do "bloqueio" econmico norte-americano, as presses da Espanha, e de seu primeiro-ministro Aznar, por uma "democratizao" do regime, a ousadia crescente das aes dos cubanos exilados em Miami e a prpria lei Helms-Burton.