cultura digital e narrativa jornalística: abordagem sobre a folha … · 2020. 10. 23. ·...

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – VIRTUAL – 1º a 10/12/2020 1 Cultura Digital e Narrativa Jornalística: Abordagem sobre a Folha Corrida 1 Daniela Borges de OLIVEIRA 2 Belarmino Cesar Guimarães da COSTA 3 Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba, SP RESUMO O artigo busca compreender as estratégias da “Folha Corrida”, do jornal “Folha de S. Paulo”, para tipificar estratégias da indústria cultural na sociedade digital e as soluções da seção para assemelhar-se à linguagem da internet. O método da pesquisa de iniciação científica, desenvolvida na Unimep, envolve seleção de edições impressas, levantamento quantitativo e análise qualitativa. A seção contém resumo de notícias para ler em cinco minutos, com diferente proposta visual. Para abordagem conceitual, são consideradas as categorias de imediaticidade, fragmentação, supervalorização de imagem, curiosidade e rizoma, este segundo Deleuze e Guatarri. São investigados valores-notícia de “referência a nações de elite”, “personificação” e “inusitado/raro”, a partir de Traquina. A pesquisa fundamenta-se na teoria crítica com referências em Türcke, Costa e Zuin. PALAVRAS-CHAVE: Cultura Digital; Indústria Cultural; Critérios de Noticiabilidade; Curiosidade; Folha Corrida. INTRODUÇÃO MATERIAL, CATEGORIAS E HISTÓRICO DO OBJETO A partir do método de captação randômico, de agosto a novembro de 2018 foram reunidas 14 edições da “Folha Corrida”, duas para cada dia da semana. A partir disso, houve levantamento quantitativo para verificar tendências na diagramação, presença de editorias, uso de imagens e espaço do texto. Da mesma forma, os conteúdos foram categorizados de acordo com critérios pré-definidos: valores-notícia de referência a nações de elite, personificação e inusitado/raro. Foram incrementados no decorrer da pesquisa os conceitos de: fragmentação, rizoma, curiosidade e hipertrofia da imagem. Por fim, a etapa qualitativa envolve interpretação do objeto ao explicar cada conceito seguido de exemplos, permitindo reflexão sobre as estratégias do veículo. 1 Trabalho apresentado ao IJ01 Jornalismo, da Intercom Júnior XVI Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, realizado de 1º a 10 de dezembro de 2020. 2 Jornalista pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), e-mail: [email protected]. 3 Orientador do trabalho. Professor do curso de Jornalismo e da pós-graduação em Educação da UNIMEP, e-mail: [email protected].

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    Cultura Digital e Narrativa Jornalística:

    Abordagem sobre a Folha Corrida1

    Daniela Borges de OLIVEIRA2

    Belarmino Cesar Guimarães da COSTA3

    Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba, SP

    RESUMO

    O artigo busca compreender as estratégias da “Folha Corrida”, do jornal “Folha de S.

    Paulo”, para tipificar estratégias da indústria cultural na sociedade digital e as soluções

    da seção para assemelhar-se à linguagem da internet. O método da pesquisa de iniciação

    científica, desenvolvida na Unimep, envolve seleção de edições impressas, levantamento

    quantitativo e análise qualitativa. A seção contém resumo de notícias para ler em cinco

    minutos, com diferente proposta visual. Para abordagem conceitual, são consideradas as

    categorias de imediaticidade, fragmentação, supervalorização de imagem, curiosidade e

    rizoma, este segundo Deleuze e Guatarri. São investigados valores-notícia de “referência

    a nações de elite”, “personificação” e “inusitado/raro”, a partir de Traquina. A pesquisa

    fundamenta-se na teoria crítica com referências em Türcke, Costa e Zuin.

    PALAVRAS-CHAVE: Cultura Digital; Indústria Cultural; Critérios de Noticiabilidade;

    Curiosidade; Folha Corrida.

    INTRODUÇÃO – MATERIAL, CATEGORIAS E HISTÓRICO DO OBJETO

    A partir do método de captação randômico, de agosto a novembro de 2018 foram

    reunidas 14 edições da “Folha Corrida”, duas para cada dia da semana. A partir disso,

    houve levantamento quantitativo para verificar tendências na diagramação, presença de

    editorias, uso de imagens e espaço do texto. Da mesma forma, os conteúdos foram

    categorizados de acordo com critérios pré-definidos: valores-notícia de referência a

    nações de elite, personificação e inusitado/raro. Foram incrementados no decorrer da

    pesquisa os conceitos de: fragmentação, rizoma, curiosidade e hipertrofia da imagem. Por

    fim, a etapa qualitativa envolve interpretação do objeto ao explicar cada conceito seguido

    de exemplos, permitindo reflexão sobre as estratégias do veículo.

    1 Trabalho apresentado ao IJ01 – Jornalismo, da Intercom Júnior – XVI Jornada de Iniciação Científica em

    Comunicação, evento componente do 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, realizado de 1º a 10 de

    dezembro de 2020.

    2 Jornalista pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), e-mail: [email protected].

    3 Orientador do trabalho. Professor do curso de Jornalismo e da pós-graduação em Educação da UNIMEP, e-mail:

    [email protected].

    mailto:[email protected]:[email protected]

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    HISTÓRICO DA “FOLHA DE S. PAULO”

    Em 1921 é fundado o conglomerado Grupo Folha que controla vertentes online,

    gráfica e impressa do jornal “Folha de S. Paulo”, com origem em 1960, na fusão da “Folha

    da Manhã”, “Folha da Tarde” e “Folha da Noite”. A “Folha” se destaca por inovações

    tecnológicas e organizacionais, sendo pioneira na impressão offset em cores no Brasil,

    com redação informatizada na América Latina e a criar a figura do Ombudsman (1989).

    O diário é dividido internamente em três partes: A, B e C; e nelas distribuídos os

    oito cadernos “Poder”, “Ciência”, “Mundo”, “Cotidiano”, “Esporte”, “Mercado”,

    “Ilustrada” e “Corrida”. Este último com descrição: “Confira as principais notícias do dia

    reunidas em uma só página para facilitar a correria da sua rotina”4. De acordo o Kantar

    IBOPE (2018), 53% dos leitores do jornal são homens e o público feminino, soma 47%.

    Por faixa etária, de 25 a 64 anos somam 69% do total de leitores, com destaque para 25 a

    34 anos (21%); dentre jovens de 12 a 19 anos o consumo é o menor (7%)5.

    No fim do século XX, a “Folha” investiu em compilações semanais do europeu

    “Financial Times” e do norte-americano “The New York Times”. A tendência para

    conteúdos enxutos resultou na seção “Corrida”, intitulada “Folha Corrida”. Para atingir

    diferentes espectros de público, veículos realizam segmentação, com seções como a

    “Folha Corrida”, o que influencia no enquadramento do enunciado e diagramação.

    A “FOLHA CORRIDA”

    Localizada na contracapa do caderno “Cotidiano”, a “Folha Corrida” é detalhada

    como “segunda porta de entrada”, além da capa, para ser lida em até cinco minutos.

    Acrescenta-se que “traz diariamente resumos de notícias, extratos de colunistas, dicas

    práticas e curiosidades que perpassam todos os cadernos da ‘Folha’, de política a cultura,

    de economia a esporte”6.

    A seção é uma página, com seis colunas de texto de largura, que veicula textos

    curtos e imagens. O veículo propõe séries temáticas e repetição de autores em

    determinados dias da semana, com alguns textos atribuídos aos blogs da “Folha” ou

    4Disponível em: . Acesso em: 29/12/2018.

    5Disponível em: . Acesso em:

    29/12/2018.

    6 Disponível em: . Acessado

    em 25/09/2018.

    http://www.publicidade.folha.com.br/folha/cadernos/http://www.publicidade.folha.com.br/folha/perfil_do_leitor.shtmlhttps://www1.folha.uol.com.br/institucional/cadernos_diarios.shtml?fill=3

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    páginas da web, sendo que alterações ocorrem em casos excepcionais, por isso aparenta

    se tratar de seção experimental. Sempre é publicada, pelo menos, uma imagem de

    destaque e também frase no topo da página que dialoga com o leitor (Figura 1). Em grande

    parte, as fotografias são de agências internacionais, tais como: “AFP” e “Reuters”.

    Projeto semelhante foi observado na experiência de publicação da “Revista da

    Semana”, da Editora Abril que, de acordo com o comercial7, na época de seu lançamento

    em 2007, oferecia mais informação em menos tempo. Tal como a “Folha Corrida”, a

    revista se promoveu pela rapidez na leitura: “Em menos de 1 hora por semana, você vai

    se atualizar por completo com uma revista bonita e gostosa de ler. É a revista que

    acompanha o seu ritmo de vida”.

    Existem temáticas agendadas: de segunda-feira, a coluna “Mensageiro Sideral”,

    de Salvador Nogueira; de terça-feira, a antropóloga Mirian Goldenberg com artigos sobre

    questões políticas e sociais atuais; de quarta-feira a coluna de “Matemática”, por Marcelo

    Vianna; de quinta-feira a frase no topo da página destaca estreias de filmes e Julio

    Abramczyk escreve sobre “Saúde”; de sexta-feira, se repete a agenda cultural e a

    programação para orientar o lazer do leitor. Aos sábados, o enfoque é dado ao cinema,

    por ser o dia que o público tem mais tempo livre para assistir seriados e filmes, mas sem

    repetição de autores. O mesmo ocorre no domingo, influenciado pelas pautas sobre

    eleições presidenciais e, portanto, com edições totalmente diferentes uma da outra, como

    se verifica adiante.

    7 Trecho da propaganda em vídeo da Revista da Semana, disponível em:

    . Acesso em 17/01/2018.

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    Figura 1: “Folha Corrida” – 17/08/2018 (sexta-feira)

    Fonte: Jornal “Folha de S. Paulo”, ano 98, nº 32.643, p. B8.

    A diagramação na seção “Corrida” reflete mudanças estruturais da “Folha de S.

    Paulo” ao longo dos anos. Desde 1960, houve aumento das áreas em branco, diminuição

    do número de colunas e aumento de imagens. O jornal ganhou identidade visual mais

    básica que valoriza a experiência com a leitura, aspecto mais perceptível na “Folha

    Corrida”. Em geral, a seção tem em média três textos em cada edição e, em compensação,

    a área ocupada por imagem é expressiva. Diferente da internet, o impresso não tem

    reprodução simultânea e a distribuição geográfica impede recepção imediata.

    VELOCIDADE, SÍNTESE E JORNALISMO

    Segundo Tonelli (2008), a contemporaneidade é permeada por simultaneidade e

    aumento da quantidade de atividades realizadas em menor tempo. Complementa: “O novo

    meio técnico-científico-informacional determina as novas práticas sociais, as novas

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    formas de organização do trabalho e o novo self contemporâneo, que têm por

    característica comum a volatilidade e a efemeridade das modas” (TONELLI, 2008, p.

    215).

    Virilio (1996, p.52) é enfático ao revelar que “a velocidade garante o segredo e,

    portanto, o valor de toda a informação”, e há uma pressão pela antecipação da informação

    vendida pelos mass media, que buscam instantaneidade na realidade de grande fluxo de

    informação jornalística. Isso ilustra o simbolismo do temo “Corrida” para a “Folha”,

    alusão à velocidade da leitura de textos e imagens que sintetizam a notícia.

    Para Pivetti (2006, p.21), a atualização dos projetos gráficos dos jornais tende a

    “conseguir um maior dinamismo e criar formas de interatividade que se aproximem da

    experiência da Internet”. Para ela, faz parte do jornalismo contemporâneo a valorização

    do conteúdo visual e adaptação ao novo público, acostumado a mensagens simultâneas:

    O resultado é um jornalismo diário mais voltado para a esfera do privado e do

    individual; um jornalismo mais utilitário, de serviço, cuja apresentação tende a

    uma comunicação que reforça ainda mais a fragmentação que naturalmente

    caracteriza o discurso jornalístico impresso – além de trazer a conotação lúdica

    do ‘mundo ilustrado’ dos almanaques. A intenção final desta adaptação é atingir

    um público acostumado à leitura rápida e de pouco aprofundamento analítico.

    (PIVETTI, 2006, p. 57).

    Observam-se características da narrativa digital no material selecionado,

    particularmente por evidenciar a divulgação de serviços ao leitor, principalmente com

    programações culturais, shows e estreias no cinema, e curiosidades para entretenimento.

    Outro aspecto diz respeito à fragmentação na disposição das matérias e imagens da “Folha

    Corrida”, onde não há preocupação em associar temáticas que articulam a página,

    portanto, ao descansar o olhar em um ponto, logo haverá outro a provocar outro estímulo

    sensorial, forçando o leitor a configurar interconexões.

    FRAGMENTAÇÃO

    Ferrari (2004) aponta que no ambiente virtual a leitura é diferente de um livro,

    com começo, meio e fim. O relacionamento com o texto ocorre aos “saltos” entre

    conteúdos diferentes, que por vezes não têm inter-relação. Para a autora, “um bom texto

    de mídia eletrônica usa sentenças concisas, simples e declarativas, que se atêm a apenas

    uma ideia” (FERRARI, 2004, p. 49), sendo que o público está cada vez mais acostumado

    a estilos não convencionais.

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    Ao tratar o conceito de mídias mosaiquicas, de McLuhan, Lucia Santaella (2004)

    relembra a descontinuidade dos conteúdos no jornal moderno, como um presságio da era

    digital, pois permite “varrer” a página com o olhar e montar uma síntese dos conteúdos a

    partir de seus pedaços.

    Figura 2: "Folha Corrida" - 13/11/2018 (terça-feira)

    Fonte: Jornal “Folha de S. Paulo”, ano 98, nº 32.731, p.B8.

    Para ilustrar a fragmentação, a “Figura 2” mostra como cada unidade informativa

    pode ser enquadrada em editoria diferente: a imagem não tem relação com os conteúdos,

    e não há inter-relação entre os textos a não ser pela frase no topo “Super-heróis não

    morrem” que referencia a homenagem ao quadrinista Stan Lee, que faleceu no dia anterior

    à publicação (12/11/2018).

    A matéria inicial traz texto da “Reuters” sobre a mudança na referência do

    quilograma no mundo, já no lado direito encontra-se a coluna da antropóloga Mirian

    Goldenberg, que aborda as eleições a partir de um olhar sobre as relações interpessoais –

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    aqui percebemos a influência do período eleitoral. A desconexão é reforçada pela imagem

    central, “Relíquia”, com o manejo da obra “Mask”, de Henry Moore (1898-1986). No

    jornalismo, a imagem é utilizada para reforçar o conteúdo textual, na “Folha Corrida”,

    porém, as fotos em destaque encontram-se munidas apenas de breve legenda insuficiente

    para permitir que o leitor se aprofunde no tema.

    HIPERTROFIA DA IMAGEM

    Jameson (1995) diz que a imagem é a “subjetividade materializada”. Dessa forma,

    a fotografia é utilizada para ilustrar fatos, chamar a atenção e ser objetiva na captação do

    momento real – noção falha, uma vez que é resultado de um ponto de vista. “Tudo são

    imagens, tudo vem aos nossos olhos com a imediatez das representações culturais”

    (JAMESON, 1995, p.22-23). A supervalorização da imagem é observada essencialmente

    no ambiente digital e destacada na seção “Folha Corrida”.

    No contexto mais amplo de observação da migração das plataformas tipográficas

    e eletrônicas para o espectro da digitalização, a hipertrofia do recurso imagético vem

    acompanhada das características de virtualização, ruptura de temporalidade e de

    espacialidade. Segundo Costa (2015), o mundo digital é caracterizado pelos

    encantamentos da excitação perceptiva, através da hipertrofia da imagem.

    Ainda segundo Costa (2015, p. 158):

    Na impessoalidade da comunicação, tal como vem sendo estimulada pela cultura

    digital, e o fato das construções sígnicas serem fragmentadas e movidas pela

    fascinação do instante e de sua passagem no ritmo fugaz da tensão entre choque

    e esvaziamento de sentidos, o mundo cultural que sobressai é do espetáculo da

    imagem da excentricidade do enunciado e da hibridização de formatos e

    linguagens.

    Essas adaptações à fluidez da conectividade das redes buscam manter a fidelidade

    dos clientes e (re)aproximar leitores acostumados com a internet. Apesar do formato

    standard8, a “Folha Corrida” se aproxima da experiência com tela ao distribuir fotografias

    na horizontal, com experimentações pouco usuais para os padrões lineares de

    enquadramento.

    A grande proporção da área destinada à imagem é característica da seção, sendo a

    maioria das fotos de destaque da categoria “Internacional” ou representando

    personalidades, e ocupam uma média de 32% da página. Das edições com maior área

    8Standard: formato de jornal impresso com mancha gráfica em torno de 52 cm por 30 cm.

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    ocupada por imagem, se destacam 20 de outubro e 5 de novembro, com a série

    “Hipercidades” (Figura 3). As fotos não têm relação com notícias da atualidade e

    apresentam estética marcante com cores vibrantes e jogo de luz e sombra.

    Figura 3: “Folha Corrida” - 05/11/2018 (segunda-feira)

    Fonte: Jornal “Folha de S. Paulo”, ano 98, nº 32.723, p. B8.

    Ao propor rapidez na assimilação de informações, o uso de imagens é estratégico

    para a absorção rápida do contexto pelos sentidos. Por meio do estímulo visual, o leitor

    se prende à imagem pelo encantamento. O uso de grandes proporções da página

    demonstra isso, uma vez que se valorizam mais os recursos gráfico-visuais do que

    textuais.

    Em relação à quantidade total de imagens, incluindo infográficos e ilustrações,

    observa-se em média 40% da página é ocupada por conteúdo visual e considerando o

    aumento do branco na página, a maior parte da seção contém imagem. A área total

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    ocupada por imagens, nas 14 edições, nunca esteve abaixo de 28% da área editorial, e

    chegou a mais da metade nas edições que continham a série de “Hipercidades”.

    RIZOMA

    Na captação do material nos deparamos com o conceito de rizoma9, que segundo

    Deleuze e Guattari (1995), no sentido filosófico envolve encontros e bifurcações

    imprevisíveis, como as conexões difusas do pensamento diferente de um modelo

    hierárquico que a imagem de uma árvore, com tronco vertical, ilustra. Por isso, o conceito

    é apropriado para explicar a experiência do usuário na web. O rizoma:

    [...] conecta um ponto qualquer com outro ponto qualquer e cada um de seus

    traços não remete necessariamente a traços de mesma natureza; [...] Ele não tem

    começo nem fim, mas sempre um meio pelo qual ele cresce e transborda. Ele

    constitui multiplicidades lineares a n dimensões, sem sujeito nem objeto,

    exibíveis num plano de consistência e do qual o Uno é sempre subtraído (n-1).

    (DELEUZE e GUATTARI, 1995, p. 97).

    Na “Folha Corrida”, rizoma ilustra a diagramação de conteúdos nas edições onde

    não se verifica unidade temática. Há múltiplas entradas para ler e interpretar os pontos

    significantes, que podem ser separados, ou seja, se qualquer informação for substituída

    ou subtraída da página, não haverá alteração de sentido, pois ele não se constrói no todo.

    O modelo rizomático ainda comporta certa hierarquia, como a imagem central nas seções

    avaliadas, em que a foto se mantém como ponto de partida para a leitura.

    Considerando a tendência no uso de conteúdos polêmicos ou inusitados, uma das

    edições esclarece o aspecto de rizoma e fragmentação dos conteúdos. A imagem “A

    Origem do Mundo” (Figura 4) considerada imprópria para exposições artísticas no século

    XIX – é o centro que atrai o leitor, envolta de conteúdos desconexos.

    9 Na edição de 5 de novembro (Figura 5): “Tóquio parece se assentar sobre uma matriz rizomática, onde

    qualquer ponto se conecta a qualquer ponto, sem começo nem fim, sem entrada nem saída”.

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    Figura 4: “Folha Corrida” – 26/09/2018 (quarta-feira)

    Fonte: Jornal “Folha de S. Paulo”, ano 98, nº 32.683, p. B8.

    A união inusitada entre a matéria sobre os termos “biscoito” e “bolacha” e a

    fotografia contendo nudez, junto à coluna sobre os fundamentos da matemática, não

    demonstra lógica de complementação, e sim de fragmentação e choque diante do

    inusitado.

    CAPA DO JORNAL E SEÇÃO “CORRIDA”

    Os conteúdos da “Folha Corrida” são afetados por eventos de valor simbólico,

    principalmente sobre personalidades famosas, quando proporcionam relação entre a capa

    e a “Folha Corrida” na “Folha de S. Paulo”. Em 28 outubro de 2018, em razão das

    eleições presidenciais, não só a capa do jornal, mas a seção “Corrida” destaca os

    candidatos, modificando sua estrutura padrão (Figura 5). Porém, diferente da primeira

    página, a “Folha Corrida” não é categorizada em editorias, pois não têm complementação

    no interior do impresso.

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    Figura 5: Composição de capa e “Folha Corrida” - 28/10/2018 (domingo)

    Fonte: Jornal “Folha de S. Paulo”, ano 98, nº 32.715.

    Foram destacadas as editorias “Economia”, “Política”, “Esporte”, “Cultura”10 e

    “Internacional”, para avaliar assuntos das edições da seção Corrida”. Nota-se que outras

    categorias aparecem com frequência: “Meio Ambiente”, “Saúde” e “Ciência &

    Tecnologia”. Há um padrão não só na diagramação, mas também na escolha dos assuntos

    da seção (Gráfico 1). Em quase 93% do total de edições, “Internacional” estava presente

    nos textos e imagens com referência a países de destaque. A segunda editoria mais

    presente é “Cultura”, em 78,6% das edições. Já “Política”, com quase 43%, se apresenta

    nos artigos, colunas e declarações de pessoas públicas, principalmente nas eleições.

    10 Para conteúdos na categoria de Cultura, foram consideradas programações de eventos, gastronomia,

    congressos e competições de matemática, além de curiosidades que não se encaixam nas outras editorias.

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    Gráfico 1: Atribuição de editorias para cada edição da “Folha Corrida”.

    Assim, comprova-se a importância dos valores-notícia de “referência a nações de

    elite”, “personificação” e “inusitado/raro”, predefinidos na pesquisa. Em síntese, a

    editoria “Internacional” condiz com o critério de “nações de elite” pela preferência para

    conteúdos sobre países de destaque e eventos dessas localidades. Em “Cultura”,

    conteúdos de entretenimento, agenda e curiosidades se encaixam, onde se enquadra o

    “inusitado”. Em “Política”, a “personificação” é identificada quando há referência a

    personalidades conhecidas no país. Conteúdos de “Mercado” não foram identificados,

    aspecto que aponta preferência por entretenimento, curiosidade e assuntos relacionados a

    nações e pessoas de elite.

    CRITÉRIOS DE NOTICIABILIDADE

    Segundo Traquina (2005), os critérios de noticiabilidade, ou valores-notícia, são

    referências que sistematizam o trabalho jornalístico na definição de notícia. Neste

    trabalho, são destacados os critérios de personificação, referência a nações de elite e o

    inesperado/raro.

    Para Galtung e Ruge (apud TRAQUINA, 2005, p.71), “não é suficiente para um

    acontecimento ser culturalmente significativo e consonante com o que se esperava”, por

    isso, um fato inesperado tem mais condição de ser notícia. Seria a escolha de fatos

    surpreendentes que fogem da expectativa do jornalista (TRAQUINA, 2005). Em 2018, a

    “Folha” divulgou mudanças na “Folha Corrida”, informando que “passa a trazer conteúdo

    próprio: um almanaque de utilidades, curiosidades e informações, incluindo colunas e

    textos de blogs, que o leitor precisa para encarar o dia”.11 O que reforça o fator curioso.

    Ainda segundo Galtung e Ruge (apud TRAQUINA, 2005, p. 72), “as ações da

    elite são [...] mais importantes do que as atividades dos outros: isso se aplica tanto às

    11 Disponível em: . Acesso em 15/07/2019.

    92,9%78,6%

    42,9%28,6% 28,6% 21,4% 14,3% 7,1%

    0,0%

    50,0%

    100,0%

    Internacional Cultura Política MeioAmbiente

    Ciência &Tecnologia

    Saúde Economia Esporte

    Editorias (%) ago-nov/2018

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    nações de elite como às pessoas de elite”. Nesse sentido, pessoas públicas, de “elite”, são

    mais recorrentes nas notícias, assim como países com destaque econômico, histórico e

    social. Na “Folha Corrida”, as fotos favorecem esses critérios.

    Ao referenciar pessoas de elite, as notícias se utilizam de atribuição de frases como

    recurso de personalização, ou seja, o fato é retratado “em termos de personalidades-chave

    envolvidas naquilo que transpirou. [...] O fato de uma figura pública estar envolvida pode

    ser um fator decisivo para julgar algo noticiável”. (TRAQUINA, 2005, p. 74).

    Nas edições de domingo, a “Folha Corrida” apresenta declarações de pessoas

    públicas, com breve contextualização sobre seu pronunciamento. A condição de serem

    atribuídas a atores conhecidos favorece sua publicação.

    Figura 6: “Folha Corrida” - 02/09/2018 (domingo)

    Fonte: Jornal “Folha de S. Paulo”, ano 98, nº 32.659, p. B12.

    Na figura 6, uma declaração do Papa Francisco se liga à foto, mesmo sem

    referência entre a data da fala e o evento na imagem. Porém, o enquadramento deve evitar

    ruído, ou seja, elementos que tirem a atenção do objeto principal, o que não ocorre na foto

    que centraliza o braço do assistente, tornando a informação confusa. A legenda não

    esclarece o enquadramento e, por isso, entende-se que o inusitado reina na sua escolha.

    A MERCADORIA NOTÍCIA E ESPETACULARIZAÇÃO

    A aquisição de um jornal impresso ultrapassa a utilidade material e adquire

    qualidades para aprimorar relações humanas. Para Marcondes Filho (1986, p. 13) “notícia

    é a informação transformada em mercadoria com todos os seus apelos estéticos,

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    emocionais e sensacionais”, constituída de valor de uso – avalia a utilidade do produto de

    acordo com as necessidades que atende – e valor de troca – abstrato, incorpora o valor do

    trabalho empregado e o avalia em termos monetários.

    Türcke (2010, p.29) diferencia notícia e entretenimento, sendo este a “esfera de

    textos e de sequências de imagens ou sons que é desobrigada e descomprometida, na

    qual se pode entrar e da qual se pode sair ao seu bel-prazer, em que é possível se perder

    e depois de reencontrar”. Essas características são observadas na “Folha Corrida”, pela

    desconexão dos conteúdos e falta de pontos que orientam a leitura.

    Há uma tendência de tornar a informação [...] um espetáculo de variedades. A

    forma de apresentação, ainda que resultem mosaicos informativos, desconexos e

    sobrepostos uns aos outros, passa a ser mais evidente do que o fato. Em muitos

    casos, está no lugar do acontecimento, desde que representado pelo impacto de

    uma imagem expressiva ou circundando pela evidência de circunstâncias pouco

    comuns. (COSTA, 2002, p. 42).

    Costa (2002) considera que há semiformação do indivíduo pela adaptação às

    estratégias da mercadoria, que superficializa a apreensão do real. A notícia dá aspecto

    vendável e obsoleto ao jornal, e o capital informacional modifica a percepção do ser

    humano, pois está sujeito à debilidade da experimentação.

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    A proposta da “Folha Corrida” se contradiz no seguinte ponto: os conteúdos não

    fazem referência aos destaques da semana, mas a uma estrutura pré-definida – colunistas,

    imagem de destaque, frase no topo da página etc. – ao invés de trazer informações que

    “perpassam todos os cadernos da Folha”. Porém, os textos sintéticos reforçam leitura

    dinâmica e rápida, concordando com a proposta de ser lida em poucos minutos, inclusive

    no nome: “Corrida”. O título revela característica própria da sociedade, quando se trata

    do acúmulo de atividades, obsolescência dos produtos e informações passageiras.

    O grande fluxo de informações colabora com a necessidade do veículo se destacar

    para atrair o público. Com a seção, a “Folha” propõe adaptação às características do meio

    digital na perspectiva de fazer com que o impresso compense a imobilidade, ausência de

    hipertextualidade e interação que caracterizam as plataformas em rede.

    Por meio da análise dos critérios de “personificação”, “nações de elite” e

    “inusitado/raro”, percebe-se tendência de matérias de entretenimento na seção, com

    conteúdos pouco aprofundados. Colunas de blogs reforçam a ausência do factual,

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    associando a página a uma revista de curiosidades. Celebridades e pessoas públicas se

    destacaram em declarações curtas e na editoria “Internacional”, onde se evidenciou

    “nações de elite”, principalmente nas imagens. A imagem na página ocupa área editorial

    expressiva, como recurso para atrair o consumidor.

    O valor de troca da seção se sobressai em comparação com o restante do jornal,

    composto por notícias, reportagens e editoriais, cujo valor de uso se apresenta como

    informação aproveitada pelo leitor no dia-a-dia. A “Folha Corrida” tende a atrair pela

    estética diferenciada, que se aproxima da navegação no smartphone ou computador.

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    COSTA, Belarmino Cesar Guimarães da. Estética da Violência: jornalismo e produção de

    sentidos. Campinas: Autores Associados; Piracicaba: Editora Unimep, 2002, 201 p.

    COSTA, Belarmino Cesar Guimarães da. Indústria Cultural e Digitalização da Informação:

    Mudanças de Plataformas em Redes de Racionalidade. In: Ari Fernando Maia; Antônio Álvaro

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    DELEUZE G.; GUATTARI, F. Mil platôs - Capitalismo e Esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora

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    FERRARI, Poliana. Jornalismo Digital. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2004.

    JAMESON, Fredric. As marcas do visível. Rio de Janeiro: Graal, 1995.

    MARCONDES FILHO, Ciro. O Capital da Notícia – Jornalismo como Produção Cultural da

    Segunda Natureza. São Paulo: Editora Ática, 1986.

    PIVETTI, Michaella. Planejamento e representação gráfica no jornalismo impresso: a

    linguagem jornalística e a experiência nacional. 2006. Disponível em: .

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    SANTAELLA, Lucia. Antecedentes da alinearidade hipermidiática nas mídias mosaiquicas. In:

    Cultura em fluxo: Novas mediações em rede. In: Brasil, André (Org.) Belo Horizonte: Editora

    PUC Minas, 2004.

    TONELLI, Maria José. Sentidos do tempo e do tempo de trabalho na vida cotidiana. Organ.

    Soc., Salvador, v. 15, n. 45, p. 207-217, Junho 2008. Disponível em:

    . Acesso em: 12 Mar. 2020.

    TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo. A tribo jornalística – uma comunidade

    interpretativa transnacional. Florianópolis: Editora Insular, vol. II, 2005.

    VIRILIO, Paul. A arte do motor. Tradução de Paulo Roberto Pires. São Paulo: Estação

    Liberdade, 1996.